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Os simpsons e a ciencia - Paul Halpern

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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando pordinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo nível."

SumárioCapa

Folha de Rosto

Créditos

Dedicatória

Citação

Introdução

Parte 1 - Está vivo!

1 - O gene dos Simpsons

2 - Você diz tomate, eu digo tomaco

3 - Blinky, o peixe de três olhos

4 - O brilho radiante de Burns

5 - Todos nós vivemos em um submarino do tamanho de uma célula

6 - A receita de Lisa para a vida

7 - O lar, doce lar, dos anjos

Parte dois - Tramas mecânicas

8 - D’ohs ex machina

9 - Comoção perpétua

10 - Cara, sou um andróide

11 - Regras para robôs

12 - Caos na Cartunlândia

13 - Mosca na sopa

Parte três - Sem tempo para d’ohs

14 - Parando o relógio

15 - Um brinde ao passado

16 - Frinkando sobre o futuro

Parte quatro - Springfield, o universo e além

17 - As habilidades de percepção de Lisa

18 - Raios defletidos

19 - Mergulho terra abaixo

20 - Se os astrolábios pudessem falar

21 - Cometário Cowabunga

22 - A odisséia espacial de Homer

23 - Isso poderia realmente ser o fim?

24 - Tolos terráqueos

25 - O universo é uma rosquinha?

26 - A terceira dimensão de Homer

Inconclusão A jornada continua

Agradecimentos

Os Simpsons, o filme: um prático checklist científico

Episódios cientificamente relevantes discutidos neste livro

Paul Halpern

Os Simpsonse a ciência

O que eles podem nos ensinar sobrefísica, robótica, vida e universo

TraduçãoSamuel Dirceu

Copyright © 2007 by Paul HalpernCopyright © 2008 Editora Novo Conceito

Todos os direitos reservados

Publicado pela John Wiley & Sons, Inc., Hoboken, New Jersey.Este livro não foi aprovado, licenciado ou patrocinado por qualquer empresa ou pessoa envolvida na criação ou na produção da

série de tevê ou do filme The Simpsons®. The Simpsons® é uma marca registrada da Twientieth Century Fox FilmCorporation.

editora: Bete Abreuassistentes editoriais: Mari lia Mendes e Sonnini Ruiz

produtor gráfico: Samuel Lealtradução: Samuel Dirceu

Revisor Técnico: Otávio Cesar Castellanipreparação de texto: Veridiana Maenaka

revisão de texto: Henrique Zanardi de Sá e Beatriz Simões Araújodesign da capa e ilustração: Paul McCarthydiagramação e editoração: Megaart Design

diagramação ePUB: Brendon Wiermannrevisão ePUB: Ludson Aiello

Versão Digital - 2012

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Halpern, Paul, 1961-Os Simpsons e ciência : o que eles podem nos ensinar sobre física, robótica, a vida e o universo / Paul Halpern ; traduçãoSamuel Dirceu. – São Paulo : Novo Conceito Editora, 2008.

Título original: What s science ever done for us?.ISBN 978-85-99560-31-0eISBN 978-85-8163-182-0

1. Ciência - Obras de divulgação 2. Simpsons (Programa de televisão) 3. Tecnologia - Obras de divulgação I. Título.

08-05371 CDD-500

Índices para catálogo sistemático:1. Ciências : Obras de divulgação 500

Rua Dr. Hugo Fortes, 1.885 — Parque Industrial Lagoinha14095-260 — Ribeirão Preto — SPwww.editoranovoconceito.com.br

Para meus filhos, Eli e Aden.

“Ciência? O que a ciência já fez por nós?”Moe Szyslak, garçom, “Lisa the Skeptic”

IntroduçãoAprendendo ciência com a família nuclear de Springfield

E não há nada mais excitante que a ciência. Você sediverte muito só ficando sentado, quieto, anotando números, prestando atenção. A ciência

tem tudo.Diretor Seymour Skinner, em “O Cometa Bart”

Um viva para a ciência! Uau!

Bart Simpson, em “O Cometa Bart”

As nuvens de cúmulos se juntam e se separam, revelando um céu azul sem fim sobre a cidadede Springfield. Tudo está ensolarado e brilhando, da fileira de casas reluzentes até ascintilantes lojas e tavernas. Assomando acima de todas, estão as torres de resfriamento dausina nuclear de Springfield, competentemente administrada – o protótipo do modelo deeficiência, pelo menos de acordo com seus relatórios e informativos. Os residentes sebeneficiam do calor da caldeira, uma fonte permanente de energia e de empregos.

Se você mora em Springfield – ou em qualquer outra cidade, no que diz respeito a estetema –, não deixará de ser afetado pela ciência. Se sua casa não for iluminada por energianuclear, então o combustível que ela utiliza é carvão, querosene, força do vento, energiahidrelétrica, energia solar, ou qualquer outra. Mesmo que você viva em uma tenda em umapraia, há o Sol, a Lua, e as estrelas – e talvez uma fogueira crepitante ao ar livre – fornecendoa você luz e calor. Para aqueles que residem em cavernas bem profundas, há os vaga-lumes.Cada fonte de energia existe por causa de um mecanismo físico único. Você simplesmente nãopode fugir da ciência.

O benfeitor por trás da genuína utopia de Springfield – a figura paternal da qual apreciosa energia escorre – é ninguém menos que o empresário mais importante da cidade, C.Montgomery Burns. Ele não liga a mínima se as pessoas ficam no escuro – quanto à ciência,bem entendido. Enquanto as moedinhas para pagar cada quilowatt-hora continuarem a fazer

sua caixa registradora tilintar, ele estará muito satisfeito. “Exxxcelente”, ele sempre cacarejapara seu leal assistente, Wayland Smithers.

Manter a usina e a cidade seguras é tarefa de alguém que deveria saber um bocado sobreciência – Homer Jay Simpson, um americano comum. Por ocupação, se não por experiência,ele está bem ligado à ciência – houve até quem especulasse que ele é o elo perdido deDarwin. Seu trabalho como inspetor de segurança da usina requer o mais alto conhecimentotecnológico: determinar qual botão deve pressionar em seu monitor, para liberar qualmensagem de alerta, o que dá a ele tempo para comer uma rosquinha ou tirar uma soneca.Embora não seja um intelectual clássico, Homer exibe seu ar pensativo e reflexivo diante dequalquer assunto desafiador. Faça-lhe a mais difícil das perguntas e conte sempre com suaresposta. Você quase verá as engrenagens girando, atrás dele, no maquinário, enquanto ele fitao espaço. Avesso a responder rapidamente, ele faz uma pausa, e hesita. E após um longosilêncio cheio de significado, como se você estivesse assistindo a um filme de IngmarBergman, ele faz outra pausa. E hesita mais uma vez, temeroso de que as palavras erradassaiam de sua boca. Zzzzzz. Algumas vezes, mesmo os problemas mais prementes têm um jeitode se resolver por si mesmos.

Quando é a hora do almoço na usina, Homer compartilha momentos agradáveis com osamigos Lenny Leonard e Carl Carlson. Embora Carl tenha pós-graduação em física nuclear,ele e Lenny são apenas bebedores contumazes de cerveja. Lenny tem um problema crônico noolho, por isso precisa segurar o copo de bebida da maneira mais correta. Lenny e Carlson,muitas vezes, se juntam a Homer depois do trabalho na taverna dirigida pelo cínico, e às vezesportador de idéias suicidas, Moe Szyslak. Moe não tem exatamente gosto pela ciência; umavez ele fez pouco caso da ciência depois de ver uma televisão ativada pela voz (veja a citaçãoque é o título deste livro). Dirigir uma taverna não chega a ser um trabalho que exijainteligência e habilidade, de modo que ele nunca tentou se qualificar.

Springfield, em poucas palavras, apresenta nítidos contrastes em sua atitude quanto àciência. Ter uma usina nuclear no coração da cidade, a qual gera a maioria de seus empregos,força seus habitantes a se confrontarem com temas tecnológicos todos os dias. Além disso, acidade é estranhamente acometida por uma parcela de calamidades maior que o razoável –desde colisão de cometas e invasão de alienígenas, passando pela materialização de buracosnegros em lojas e supermercados, até o apagão do Sol – esta última, uma artimanha diabólicaarquitetada por Burns. Vocês poderiam pensar que o pessoal da cidade estaria clamando porum sólido conhecimento científico. Contudo, qualquer especialista é sempre menosprezado ou

ignorado. O gênio residente na cidade, John Frink, um verdadeiro professor aloprado (comono filme de Jerry Lewis, não na continuação), é tratado como um pária. Talvez sua falta detraquejo social e seu modo incoerente de falar – com um amplo uso de palavras sem sentido

como glaven* – o isolem de seus pares. Contudo, dada sua extraordinária inventividade, vocêpensaria que os residentes o procurariam e talvez até o elegessem prefeito, em vez doalcoviteiro e mulherengo Joe Quimby, que atualmente exerce aquele cargo.

Também na medicina, muitas vezes, a mediocridade vence a capacidade. Embora acidade tenha um médico perfeitamente competente, o dr. Julius Hibbert, pacientes costumampreferir a charlatanice do dr. Nick Rivera. Talvez seja pelo fato de o dr. Hibbert cobrar umafortuna e dar risadinhas em momentos inoportunos, como na hora de fazer diagnósticossombrios. Ele entende que dar conforto ao lado da cama não é algo coberto pela maioria dosplanos de saúde. O dr. Nick, ao contrário, tem a competência médica de um toco de árvore,mas é amigável, não ri quando você lhe pede que faça procedimentos médicosconstrangedores e é relativamente barato.

Muitos residentes de Springfield freqüentam a igreja do reverendo Timohty Lovejoy, queparece ser completamente hostil à ciência. Entre os maiores devotos do rebanho de Lovejoyestá Ned Flanders, o afável e pudico vizinho de Homer, que muitas vezes encolhe-se devergonha quando Flanders grita “Olá, vizinho”, ou outras variações de sua saudação,preparando-se para uma severa reprimenda moral. O “idiota”, como Homer o chama, parecenão saber como relaxar e gozar a vida – pelo menos da perspectiva de um viciado emtelevisão, devorador de rosquinhas e bebedor de cerveja. Ainda assim, Flanders parece felizem sua fé, encontrando prazeres simples ao ajudar os oprimidos. É quando a fé e a ciênciadivergem que a ansiedade de Flanders aflora e ele se prepara para a batalha, geralmente como apoio de Lovejoy. Por exemplo, juntos lutaram para eliminar toda menção à evolução noslivros escolares de Springfield.

E onde fica o diretor da escola elementar de Springfield, Seymour Skinner? Eleclaramente ama a ciência, como demonstrado em suas pesquisas astronômicas amadoras, comas quais ele espera descobrir um cometa e dar seu nome a ele. Ele descobriu um, uma vez, mas

foi passado para trás por um certo diretor Kohoutek.** Contudo, com a coluna vertebral deuma água-viva, Skinner muitas vezes perde o controle sobre os cursos da escola. Sua mulher,Agnes, seus alunos e até sua outrora namorada/noiva, a professora Edna Krabappel – ninguémparece respeitá-lo. O superintendente distrital Chalmers constantemente o repreende aos

gritos, deixando-lhe pouco espaço para manobra. Ele só tem o jardineiro Willie, um orgulhosoescocês que faz trabalhos pouco qualificados, com quem passa o tempo. A não ser, isto é,quando ele é temporariamente rebaixado a assistente de Willie, como quando ele é brevementesubstituído como diretor por ter feito comentários inapropriados sobre as alunas e amatemática.

Outros personagens da série são muito envolvidos com seus hobbies para sepreocuparem com a ciência. A única ligação do motorista do ônibus escolar Otto Mann com aquímica são as substâncias que ele ingere ou a música heavy metal. O comediante Krusty, oPalhaço, nascido Herschel Krustofski, está muito ocupado preparando seu hilário programa detelevisão, administrando seu império de fast-food e tentando se reconciliar com o pai, umrabino. O antigo assistente de Krusty, Robert “Sideshow Bob” Terwilliger III, vive obcecadoem matar um garoto que ele detesta. Seu amigo, e criminoso, Snake Jailbird está determinado aganhar uma fortuna com roubos à mão armada. Seu principal alvo, Apu Nahasapeemapetilon,gerente da loja de conveniência Kwik-E-Mart, só encontra tempo, entre os assaltos, paravender a saborosa bebida Squishee e proteger seu armário de revistas, que ele muitoenfaticamente explica não ser uma biblioteca que empresta publicações. É uma pena, pois eletem um doutorado em ciência da computação que nunca foi de muita utilidade, a não ser paraimpressionar as mulheres em seus tempos de solteiro. Outro dono de loja, Jeff Albertson, maisconhecido como o Cara dos Quadrinhos, pelo menos tem uma paixão por ficção científica. Emsua loja, a Masmorra do Andróide, ele vende mais revistas informativas, como as aventurasdo famoso Homem Radioativo e seu companheiro, Caidaço Boy, que as que podem serencontradas em minimercados.

O verdadeiro florescimento da ciência em Springfield pareceria quase impossível, nãofossem seus diversos ilustres (mas raramente vistos) residentes. O falecido e aclamadopaleontólogo Stephen Jay Gould aparece em um dos melhores episódios da série, como elepróprio, trabalhando no Museu de História Natural. Gould examina estranhos restos deesqueletos encontrados sob um edifício.

Um outro cientista famoso, o físico de Cambridge, Stephen Hawking, dá as caras em doisepisódios. Consta que Hawking é um grande fã da série, e que ficou “enormemente orgulhosocom sua aparição”.¹ Parece que ele se divertiu muito com suas participações – especialmentea segunda, em que ele trabalha na pizzaria Little Caesars local. Diferentemente do queacontece com Frink, o pessoal da cidade parece ter mais respeito pelas opiniões de Hawking;é uma pena que ele não esteja lá mais vezes para corrigir as concepções erradas dos

moradores.

Um terceiro renomado cientista que também apareceu no seriado é Dudley Herschbach, ocoganhador do Prêmio Nobel de Química de 1986, cuja pequena participação em um episódioenvolve a entrega de um Prêmio Nobel a Frink.

Outro notável que fez “aparições” é o arredio autor Thomas Pynchon; seu personagem émostrado sempre com um saco de papel na cabeça. Embora não seja um cientista, Pynchonestudou engenharia física durante dois anos em Cornell. Muitos de seus escritos contêmamplas alusões à ciência, desde Entropy [Entropia], um de seus contos, até o aclamadoromance O Arco-íris da Gravidade, e seu recente Against the Day, romance que inclui ofísico Nikola Tesla. Para grande surpresa e prazer de seus fãs, embora Pynchon tenha evitadodar entrevistas, deixar-se fotografar ou gravar depoimentos, ele emprestou sua voz e agilidadeverbal à série.

Qualquer cidade que tenha Gould, Hawking, Herschbach e Pynchon como residentes (oupelo menos como visitantes) pareceria muito propensa a uma atitude salutar em relação àciência, particularmente se a geração mais jovem pudesse ser persuadida a seguir os passosdesses ilustres pensadores. Será que a indiferença ou a hostilidade em relação à ciência,expressa por certos adultos de Springfield, poderia ser derrotada pela inteligência dosjovens? Nesse caso, a esperança reside em uma jovem e extraordinária estudante, Lisa, aprecoce filha de 8 anos de Homer.

Intelectualmente, Lisa está acima dos colegas da escola, exceto talvez do inteligentíssimoMartin Prince. Toda vez que o diretor Skinner quer impressionar os visitantes com uma“estudante típica” que demonstra o elevado grau do ensino da escola, Lisa é apresentada.Outros alunos vão desde o infantil e limítrofe Ralph Wiggum – cujo pai, Clancy, é chefe depolícia –, passando por Millhouse Van Houten, o pretendente de Lisa, desajeitado e de óculos,até os valentões da escola, que adoram agredir estudantes indefesos: Jimbo Jones, Dolph,Kearney e seu líder Nelson Muntz, um delinqüente juvenil. O bordão de Nelson, “Ha-ha!”,repetido cada vez que ele presencia uma desgraça ou descobre um ponto fraco em alguém, nãoé páreo para a eloqüência tranqüila de Lisa. Da mesma forma, outros alunos, como as gêmeasSherri e Terri ou o estudante de intercâmbio alemão Ütter, não oferecem nenhuma competição.

Na família de Lisa, embora ela seja a irmã do meio, ela é claramente o giganteintelectual. A despeito do trabalho tecnológico e da ativa imaginação de Homer – evidenciadapor seus sonhos bizarros – falta-lhe um giz de cera para ter a caixa completa. De fato, o giz

que falta está localizado em seu cérebro, como revelado no episódio “Homr”, livremente

baseado na obra Flores para Algernon,*** do norte-americano Daniel Keyes. Quando o giz decera é cirurgicamente retirado, o QI de Homer sobe 50 pontos. O crescimento do intelectotem, contudo, suas desvantagens. Homer, percebendo todas as violações das disposições desegurança da usina, faz um relatório para a Comissão Reguladora Nuclear, o que provoca ofechamento temporário da usina. Lenny e Carl, então sem emprego, ficam ressentidos, paradizer o mínimo. Descobrindo que a inteligência não pode comprar a felicidade, Homer pede aMoe, que faz procedimentos cirúrgicos secretamente, que recoloque o giz de cera em seucérebro. A partir daí, Homer parece ainda ter menos capacidade mental, se isso é possível.Mas a despeito das óbvias falhas de Homer, Lisa ama o pai com todo o coração.

Marge, nascida Marjorie Bouvier, a mulher de Homer e a matrona da família, parece sera segunda mais inteligente da turma (ou pelo menos da turma que fala), ao menos por seunotável senso comum e seus muitos talentos práticos, incluindo uma aptidão para a mecânica.No colégio, ela gostava de cálculo, até que Homer a convenceu a desistir. Considerando suasimportantes habilidades, ela poderia ser mais assertiva. É tolerante e se recusa a tomarpartido por temor de ofender alguém. Sua omissão, às vezes, exaspera Lisa, que gostaria que amãe pesasse os fatos e assumisse uma posição. Contudo, muitas vezes Lisa também temopiniões conflitantes que ela receia expressar, por isso aparenta não ser, de fato, umapensadora científica. Nesses momentos de dúvida, ela é capaz de entender melhor os pontosde vista da mãe.

Maggie, o bebê da família, é um grande ponto de interrogação, pois nunca pudemos ouvi-la expressar-se – apenas alguns ruídos e balbucios, umas poucas primeiras palavras (como“papai”) e principalmente os sons da sempre presente chupeta sendo sugada. Mesmo nosepisódios que especulam sobre o futuro da família, ela continua sem oportunidade de falar.Apenas em alguns dos especiais sobre Halloween (“A Casa da Árvore dos Horrores”) – quetratam de pesadelos ou realidades alternativas, e não da história real da família – Maggie falasentenças completas. Então ela pode se transformar na mais inteligente dos Simpsons, o que é

sugerido em vários episódios. Por exemplo, durante um jogo de Scrabble**** com a família,ela escreve “EMCSQU” (E=mc²) com suas pedras.

Finalmente chegamos ao enfant terrible da série, o garoto de 10 anos que transformouexpressões como “Vai te catar!” e “Don’t have a cow!” em bordões internacionais,imortalizados em camisetas e em livros de histórias em quadrinhos. Ele é o garoto do skate

cuja canção de estrondoso sucesso Do the Bartman! resgatou o rádio comercial do completoesquecimento. (Claro que aqui estou exagerando, mas era uma canção nova e engraçada.)Estou falando, naturalmente, de ninguém menos do que Bartholomew Simpson, mais conhecidocomo Bart – ou, como Homer o chama, enquanto torce seu pescoço, “Ora, seu ... !”.

Embora Bart tenha uma aguda curiosidade, ele acha a escola um desafio completo, e émuito mais feliz pregando peças nos outros. Quando se trata de descoberta científica, ele tendea ser um observador mais passivo – tropeçando acidentalmente em novas descobertas – queum pensador original. Por exemplo, quando Skinner pune Bart obrigando-o a se interessar porastronomia, Bart acaba descobrindo um cometa. Ele fica feliz quando joga um videogame quetem um conteúdo científico, até que percebe seu caráter educativo, o que faz Bart desistir. Elese interessa por misturar produtos químicos, desde que seja para produzir lindas explosões, enão por causa de uma tarefa escolar. Com uma notável antipatia pelo aprendizado formal, ele,contudo, pode ser facilmente fisgado pelo desejo de conhecimento.

Alguém como Bart poderia aprender ciência por uma fonte informal, como um livro, umarevista de histórias em quadrinhos ou um desenho? Sem dúvida nenhuma. Se O HomemRadioativo, sua história em quadrinhos favorita, ou Comichão e Coçadinha, seu adoradodesenho exibido pela televisão, estimulam os aficionados a realizar projetos de química efísica para ajudar os personagens, e até a pesquisar a história e os antecedentes dessasexperiências, você pode apostar que Bart estaria à altura dessas tarefas. Muitos garotosaprendem rapidamente a diferença entre “ciência divertida” e aquilo em que eles – acredite! –se graduam. Naturalmente eles tendem a gravitar em torno da primeira, exceto talvez paraamealhar informação antes de um exame.

Neste aspecto, Os Simpsons oferecem um campo perfeito para a educação científica. Éum dos poucos programas de televisão sem trilha sonora de risadas e cheio de inteligência. Nafalta de uma autoridade lhe dizendo quando rir ou aprender, você é obrigado a vasculhar porentre o cortante sarcasmo, as opiniões conflitantes e, ocasionalmente, as representaçõesenganosas para reconhecer a verdade.

Muitos redatores da série têm ligações científicas e adoram deixar transparecer isso nospersonagens. Entre os redatores estão David X. Cohen, bacharel em física por Harvard emestre em ciência da computação pela Universidade da Califórnia em Berkeley; Ken Keeler,doutor em matemática aplicada por Harvard; Bill Odenkirk, doutor em química inorgânicapela Universidade de Chicago; e Al Jean, o produtor-executivo e redator principal, formadoem matemática por Harvard. Outro redator, Jeff Westbrook, é doutor em ciência da

computação por Princeton e foi professor associado de ciência da computação em Yaledurante anos antes de se juntar à série. Ele participou do episódio “Girls Just Want do HaveSums”, de 2006, relacionado à recente controvérsia surgida em Harvard por causa doscomentários do reitor da escola sobre a presença das mulheres na matemática.²

Dado o grau de especialização acadêmica da equipe de redatores da série, não é surpresaque grandes doses de ciência, matemática e tecnologia sejam polvilhadas em muitos dosepisódios. Os temas incluem tudo, desde astronomia até zoologia, genética e robótica; vocêterá de cavar fundo, algumas vezes, para perceber. Como Kent Brockman, o âncora donoticiário de TV na série, você precisa ser um repórter investigativo – isto é parte dodivertimento que é a descoberta científica. Em vez de revelar os mexericos por trás do vernizsuperficial dos personagens sérios, você estará descobrindo os verdadeiros fatos científicosocultos pela contagiante estupidez da série. Como Krusty poderia dizer em uma de suasreflexões, há sempre uma história séria por trás da risada. “Hehe!”

Os acadêmicos já tinham descoberto inesperadamente essa tendência oculta do desenho.É raro um desenho da televisão desencadear uma discussão intelectual ou gerar artigospublicados. Contudo, Os Simpsons inspiraram publicações sobre cuidados médicos,psicologia, evolução e outros temas. É uma série vista por muitos cientistas e, portanto,escrutinada quanto a sua veracidade e implicações de uma maneira sem precedentes. Cadarisada, cada manifestação de espanto, cada gargalhada, foi testada em laboratório quanto a suaintegridade; portanto, garotos, prestem muita atenção!

Este livro pretende ser um guia para a ciência da série. Mesmo quando você estiverrolando de rir no chão, poderá aprender com as abundantes referências a biologia, física,astronomia, matemática e outras áreas. Impressione os amigos e deixe os inimigos perplexoscom seu detalhado conhecimento do pano de fundo de cada episódio. Satisfaça suacuriosidade intelectual enquanto aquece a casa com o brilho da tela da televisão. Responda aquestões candentes com a revigorante Buzz Cola do fato científico, disponível na máquina devender pelas ondas eletromagnéticas, que é a TV. Recline-se na poltrona e deixe as liçõescomeçarem.

Ao longo de mais de duas décadas de exibição (incluindo diversas temporadas comoparte de The Tracy Ulman Show), vários segmentos de Os Simpsons levantaram intrigantesquestões sobre o funcionamento da ciência contemporânea. A amplitude dessas questões ésurpreendente. Por exemplo, de que maneira, paleontólogos como Gould determinam a idadede restos de esqueletos como os que Lisa descobre e leva para ele? Quais fatores provocam

mutações, como Blinky, o peixe com três olhos e que nada nas águas poluídas de Springfield?Por que as estrelas e os planetas sobre Springfield não podem ser vistos com clareza à noite?Os andróides, como o robô que substituiu Bart em um dos episódios de Halloween, podem terconsciência? As descargas das bacias sanitárias dos hemisférios norte e sul giram em direçõesopostas, como Lisa constatou no episódio em que a família viaja para a Austrália? De que oscometas são feitos, como o que Bart descobre, e como eles podem ameaçar a Terra? Seexistem extraterrestres, por que eles não visitaram a terra, ou fizeram contato conosco, àmaneira de Kang e Kodos, os residentes alienígenas na série? O tempo pode ser invertido ouparado, como Homer e Bart fizeram em várias ocasiões?

Antes de atacar esses temas científicos de grande amplitude, vamos considerar um dos

maiores mistérios da série, e que eu chamo de Enigma de Marilyn Monstro.***** Trata-se daincomum diversidade entre os membros da família, que pode ser discutida à luz dos debatescontemporâneos sobre natureza versus educação. Se Lisa é uma Simpson, por que ela é tãointeligente?

* Substantivo. Na verdade, qualquer substantivo usado sempre que parecer adequado (fonte: Urban Dictionary[Dicionário Urbano, um dicionário de gírias do inglês norte-americano em que qualquer pessoa pode colaborar com umverbete ou definição]) (N. do T.).

** Referência ao cometa Kohouteck (C/1973 E1), descoberto pelo astrônomo tcheco Lubos Kohoutek em março de1973 (N. do E.).

*** Um homem com baixo QI submete-se a uma experiência para aumentar sua inteligência. O experimento é bem-sucedido e o transforma em um gênio (N. do E.).

**** Jogo de tabuleiro em que os participantes tentam formar palavras que se interligam (N. do E.).

***** Marilyn Munster: referência à personagem Marilyn do seriado norte-americano Os Monstros, da década de 1960:Marilyn era a única pessoa “normal” de uma família de monstros (N. do E.).

Parte um

Está vivo!Acho que você está presa a seus genes.Dr. Julius Hibbert, “Lisa, a Simpson”

Não há nada de errado com os genes dos Simpsons.

Homer Simpson, “Lisa, a Simpson”

1O gene dos Simpsons

Famílias comuns são todas iguais; mas cada família incomum é incomum de seu próprio jeito.Os Simpsons são, sem sombra de dúvida, uma espécie própria. Comecemos com os fanáticosdesejos de Homer, suas bizarras afirmações ilógicas, seus sonhos nada convencionais, seuspensamentos infantis únicos e seu completo alheamento. Acrescente as histórias tortuosas eextravagantes de Vovô, cheias de recordações implausíveis e inconsistentes sobre a SegundaGuerra Mundial, e sua inexplicável antipatia pelo Estado do Missouri. Misture a propensão deBart para as mais completas travessuras e seu absoluto desrespeito pela autoridade. Observe-os insultar-se, gritar e até estrangular um ao outro. Nem mesmo Tolstoi, que escreveu bastantesobre famílias anormais, seria capaz de manter-se atualizado sobre todas as reviravoltas eloucas maquinações da série, para não mencionar o pobre pescoço de Bart.

Pode-se colocar toda a culpa nos homens da família. No tempestuoso caldeirão que elescarinhosamente chamam de lar, as mulheres normalmente conseguem manter a calma.Envolvidas em situações que confundiriam até quem tem nervos de aço, elas oferecem a calmavoz da razão. Até o contínuo suga-suga da chupeta de Maggie soa como um mantra calmanteque parece colocar as coisas em perspectiva.

O que poderia explicar as profundas diferenças entre os sexos na família Simpson? Seriapuramente uma diferença de expectativas e de condições ambientais – no caso de Bart, porexemplo, um reduzido fornecimento de oxigênio através de sua traquéia que ocorre aintervalos regulares – ou poderia haver um componente genético? No episódio “Lisa, aSimpson”, esta questão vem à tona quando Lisa se pergunta se está condenada à idiotice porsimplesmente fazer parte da família, e sente um grande alívio quando fica sabendo que seugênero pode tê-la poupado.

O episódio começa com Lisa temerosa de estar perdendo seus dotes intelectuais, comoresolver problemas matemáticos ou arrancar notas de jazz de seu saxofone. Ela tem muitoorgulho de seu intelecto – o que é demonstrado, por exemplo, no episódio em que ela se vestecomo Albert Einstein num concurso de fantasias de uma festa de Halloween. Ela claramente

não quer crescer e ficar como o resto da família. Homer e Bart, muitas vezes, a constrangemcom suas brincadeiras infantis, Marge não é completamente realizada e Lisa sinceramenteespera que sua mente perspicaz lhe propicie uma vida melhor. Mas e se seu intelecto ficarconfuso antes disso e ela terminar como os outros membros da família?

As aflições de Lisa atingiram o ápice quando Vovô lhe fala sobre o “gene dos Simpsons”,uma predisposição genética para o declínio mental que se ativa na metade da infância. Comocrianças, Vovô explica, os Simpsons agem de forma perfeitamente normal. Aos poucos,contudo, o gene dos Simpsons dispara a deterioração do cérebro, levando a vidascompletamente medíocres, ou até piores. Naturalmente, Lisa fica aterrorizada com apossibilidade de que isso aconteça com ela.

Tentando dissipar os temores provocados pela teoria de Vovô e animar Lisa, Homerconvida vários parentes para uma visita. Ele lhes pede que descrevam o que fazem na vida, naesperança de que os relatos impressionem a menina. Alguns dos homens falam primeiro e,para horror de Lisa, se revelam completos fracassados. Seu tio-avô Chet saiu-se muito maladministrando uma empresa de venda de camarões. Seu primo de segundo grau Stanleyperambula por aeroportos e atira em passarinhos. Outro se joga na frente dos carros parareceber dinheiro de seguros. Nenhum deles dá a Lisa muita esperança.

Felizmente, diversas mulheres Simpson apresentam vívidos relatos de carreiras desucesso. Uma delas, a muito fluente dra. Simpson, explica que o gene defeituoso está alojadono cromossomo Y e é transmitido apenas de homem para homem. Lisa percebe que só oshomens Simpson é que estão condenados; as mulheres não têm problemas.

Essa revelação não apenas significa que Lisa vai crescer como uma pessoa normal, elatambém implica que seus filhos estarão a salvo. Mas para Bart e outros homens da família, terfilhos seria arriscado. Essa roleta genética é o exato oposto do beisebol – se você foreliminado, você ganha um Homer.

É uma teoria interessante, mas será que um único gene poderia criar tamanha disparidadeintelectual entre as mulheres e os homens de uma família? A inteligência é um tema complexo;a vivacidade intelectual e o sucesso dependem de uma variedade de fatores, tanto ambientaisquanto genéticos, muitos dos quais ainda não são completamente compreendidos. Na verdade,essa complexidade é apresentada em outros episódios da série, em que as diferenças entremulheres e homens da família Simpson não são tão evidentes. Por exemplo, no episódio“Irmão, Onde Estarás?”, Homer se encontra com Herb, seu meio-irmão há muito

desaparecido, que se revela rico e extremamente bem-sucedido. Em “Os Monólogos daRainha”, Homer viaja para a Inglaterra e encontra Abbie, sua meia-irmã também há muitodesaparecida, que é espantosamente semelhante a ele na voz, no aspecto e na inteligência.Então, diante disso, as características de Homer não devem ser exclusivas dos homens; devehaver outros fatores.

Além disso, como mencionado na introdução, pelo menos parte das dificuldades deHomer deriva de um giz de cera alojado em seu cérebro desde que ele era criança. Traumasda infância em alguns casos geram deficiências que se estendem até a idade adulta. Mesmosem um incidente específico, um ambiente totalmente hostil ao aprendizado poderia terrepercussões profundamente negativas por toda a vida de uma pessoa.

As crianças têm uma extraordinária capacidade de se adaptar a qualquer ambiente emque nasçam. A criança que se desenvolve em um lar cuidadoso e estimulante poderia terdeficiências se nascesse em uma situação de tristeza e falta de amor. Ao imitar os membros desua família e seus amigos, as crianças, muitas vezes, assumem atitudes e normas culturaisdaqueles que as cercam. Se uma sociedade altera radicalmente seus valores – por exemplo,renunciando à violência depois de um período de militarismo ou se tornando aberta edemocrática depois de uma era de totalitarismo –, é surpreendente como a maior parte de suajuventude começa a ecoar as novas disposições. Dessa forma, o ambiente e a culturadesempenham papéis muito importantes na formação do indivíduo.

Em virtude dessa profunda influência dos fatores ambientais, é tentador pensar que todacriança tem um potencial ilimitado de sucesso em qualquer área. Contudo, devemosreconhecer que a herança genética influencia o ritmo de desenvolvimento humano, afetando aslimitações físicas e mentais dos indivíduos. Nenhum garoto típico de 10 anos, por mais bemtreinado, pode levantar um peso de 200 quilos ou memorizar todos os nomes de uma listatelefônica. Seria ridículo esperar que uma criança que praticasse um instrumento 10 horas pordia pudesse repetir os feitos de Mozart ou ter suficiente habilidade para integrar umaorquestra profissional. Atletas olímpicos potenciais devem ser identificados bem cedo, nãoapenas pelas habilidades demonstradas na época, mas também por seu possível potencialherdado.

O genoma, ou o conjunto completo dos genes, constitui o código segundo o qual o corpose desenvolve e funciona. Cada gene codifica uma proteína particular que serve para umdeterminado papel biológico, desde o colágeno da pele até as fibras musculares do coração.Duas cópias dos aproximadamente 33 mil genes do corpo humano estão dispostas em 23 pares

de cromossomos. Uma cópia de cada gene vem da mãe, e a outra vem do pai, garantindo quetodo mundo tenha uma mistura dos atributos de ambos.

Os genes assumem diferentes variações de sequências, chamadas de alelos. Cada alelocria uma diferença na constituição da proteína que dado gene codifica. Por exemplo,diferentes alelos para os genes ligados à cor dos olhos correspondem a proteínas depigmentação distintas que, em dupla, podem levar a variações nesse traço. O padrãoespecífico dos genes é chamado de genótipo – diferente de fenótipo, o conjunto decaracterísticas que exprimem as reações do genótipo diante das circunstâncias particulares dodesenvolvimento do indivíduo, isto é, de seu meio. Muitos padrões genéticos diferentespoderiam acabar produzindo o mesmo traço, ou seja, uma gama de genótipos poderia levar aomesmo fenótipo. Enquanto os fenótipos são qualidades muitas vezes observáveis, como atextura do cabelo ou a capacidade de enrolar a língua, determinar um genótipo geralmenteexige um sequenciamento genético (o mapeamento do padrão de genes).

Se os cromossomos são os capítulos do código do corpo, e os genes são as importantespáginas com as receitas para cada proteína, a sequência específica de bases na cadeia duplaem espiral de moléculas, chamada de ácido desoxirribonucléico (DNA, na sigla em inglês),constitui a linguagem detalhada para essas instruções. Existem quatro “letras” diferentes no“alfabeto” do DNA: as bases adenina, timina, citosina e guanina, conhecidas por A, T, C e G.Cada base liga-se a um par na fita oposta do DNA: A com T, e C com G. O arranjo particulardessas bases produz as instruções para a fabricação de um grande número de proteínasdiferentes.

Os genes, contudo, não podem sintetizar diretamente as proteínas. Por um processodenominado transcrição, a dupla fita em espiral de DNA cria moléculas de cadeia simples,chamadas de ácido ribonucléico (RNA, na sigla em inglês), que carregam informaçõessemelhantes, mas servem a um propósito diferente. O RNA difere do DNA de várias maneiras,incluindo seu número de cadeias e a presença da base uracil no lugar da timina. Um tipo deRNA, denominado de RNA mensageiro (mRNA), forma um tipo de fábrica de montagem deproteína. Cada conjunto de três bases, denominado de códon, produz um tipo específico deaminoácido. A cadeia de aminoácidos criada nesse processo produz um certo tipo de proteína.

As células do corpo humano carregam (exceto no caso de erros) versões idênticas deDNA, mas quando os embriões se desenvolvem no útero, as células se dividem e sediferenciam, expressando seu conteúdo genético de formas diferentes. Consequentemente, logodepois da concepção, depois que um número suficiente de divisões tenha ocorrido, as células

começam a se especializar em células de pele, células nervosas, células musculares e assimpor diante. A posição relativa da célula no embrião em desenvolvimento parece desempenharum papel importante. O processo de diferenciação tem sido um dos maiores mistérios dabiologia, e atualmente é um tema essencial de estudos.

O fator fundamental da hereditariedade é o fato de que os cromossomos vêm em pares –um conjunto de contribuição genética de cada um dos pais. Dado gene poderia aparecer sob aforma de alelos, diferentes ou semelhantes – isto é, poderia haver uma ou duas cópias de cadaalelo. Os alelos podem ser dominantes ou recessivos, dependendo de suas propriedadesbioquímicas. Se um alelo é dominante, então mesmo que haja só uma cópia, a característicaassociada àquele alelo se manifesta e se torna parte do fenótipo. No caso do alelo recessivo,porém, são necessárias duas cópias para aquela característica aparecer. Essas regras foramdescobertas no século XIX pelo botânico tcheco Gregor Mendel, que desenvolveu extensosestudos das características da ervilha. Ele descobriu, por exemplo, que alelos altos sempreeram dominantes em relação aos pequenos, significando que as plantas altas cruzadas complantas altas ou pequenas sempre produziam plantas altas.

Algumas características herdadas são específicas do sexo e se manifestam diferentementenos descendentes masculinos ou femininos. O 23o par de cromossomos, conhecidos como oscromossomos do sexo, é composto de duas variedades, X e Y. As mulheres quase sempre têmum par XX, e os homens quase sempre têm um XY. (Há condições raras com outrascombinações.) O cromossomo X é muito maior e tem muito mais genes que o Y. Comaproximadamente 1.100 genes, consistindo mais de 150 milhões de pares básicos, ocromossomo X forma mais de 5% do total dos genes humanos. Compare isto com ocromossomo Y, que tem só 78 genes. Em anos recentes, esses genes foram completamentemapeados pelos pesquisadores Richard Wilson e David Page, da Universidade de Washington,em Saint Louis, Missouri. Wilson e Page notaram que os genes do cromossomo Y estãoprincipalmente ligados ao funcionamento da reprodução humana – formação dos testículos,esperma para a reprodução e assim por diante. Como esses poucos genes são tão importantespara a propagação da espécie, o cromossomo Y evoluiu com várias cópias sobressalentes doconjunto. Essa duplicação garante que mesmo que um grupo de genes reprodutivos masculinosseja defeituoso, outro conjunto pode tomar seu lugar.

Daí, pelo menos em termos do cromossomo Y, a redundância parece ser um traçomasculino essencial. Isto é, em genética, a repetição é um importante aspecto damasculinidade. Em outras palavras, os homens, pelo menos no que diz respeito aos genes do

cromossomo Y, muitas vezes se repetem. Vejamos, de que outra forma eu poderia repetir isto?

Agora que o perfil genético do cromossomo Y está bem conhecido, não parece que elecontenha nenhum gene que afete diretamente a inteligência e o senso comum (a não ser quevocê esteja falando da distração típica dos adolescentes em virtude dos hormônios dapuberdade). Então os genes dos Simpsons não poderiam ser encontrados no cromossomo Y enão poderiam ser ligados apenas aos homens. Infelizmente, se um tal gene existisse, ele nãopoderia ser transmitido exclusivamente de homem para homem, e, portanto, Lisa não terianenhum garantia de escapar de seus efeitos.

É possível, contudo, que esse gene estivesse no cromossomo X, uma situação chamada de“ligada ao sexo”. Ironicamente, um traço ligado ao sexo, embora associado a um gene decromossomo X, poderia aparecer mais comumente em homens, se o alelo causal fosserecessivo. É por isso que para as mulheres há uma escolha entre dois diferentes cromossomosX, mas para os homens só há uma possibilidade. Daí, alelos recessivos em um cromossomo Xmasculino geralmente se manifestam.

Um filho recebe seu cromossomo X exclusivamente da mãe. Portanto, se ele herda umtraço ligado ao sexo, ele deve ter vindo do lado materno. Qualquer traço ligado ao sexo queBart tenha adquirido, por exemplo, deverá ter sido uma contribuição genética de Marge, e nãode Homer. Da mesma forma, a calvície de Homer, uma característica ligada ao sexo, pode sercreditada a um gene recessivo passado mais provavelmente por sua mãe, Mona, que por seupai, Abe.

Há uma conhecida característica ligada ao sexo relacionada a aspectos da inteligência –uma condição hereditária denominada síndrome do cromossomo X frágil, chamada assim porcausa de uma perceptível falha ou região frágil no cromossomo X. Essa síndrome se deve aalterações em um gene denominado FMR1, as quais o impedem de produzir uma proteínachamada FMRP,* ou proteína frágil de retardo mental. Uma determinada sequência tripla debases no gene FMR1 – citosina-guanina-guanina (CGG) – é normalmente repetida 30 vezes.Para alguns indivíduos, ocorre uma alteração denominada pré-mutação que aumentasignificativamente o número de repetições triplas até 200 vezes. Alguns pesquisadoresacreditam que uma pré-mutação do FMR1 poderia levar a sutis déficits nas áreas do intelectoou do comportamento. Se alguém com uma versão pré-mutada do FMR1 tem um filho, suadescendência tem uma chance aumentada de herdar aquele gene na forma completamentealterada. Naquela versão, a sequência CGG é repetida mais de 200 vezes, normalmentedeflagrando o processo que impede a produção do FMRP e conduz à síndrome do

cromossomo X frágil. A síndrome tem sido associada a uma série de efeitos, incluindodificuldades cognitivas e de aprendizado, bem como alterações na aparência física queemergem durante a idade adulta. À parte a síndrome de Down, uma perturbação nãorelacionada a uma desordem cromossômica, os cientistas acreditam que a síndrome docromossomo X frágil é a causa mais importante da deficiência mental. E como é ligada aosexo, a síndrome do cromossomo X frágil afeta muito mais os homens que as mulheres.

Nem todas as características herdadas que afetam homens e mulheres de forma diferentesão ligadas ao sexo. Algumas vezes, os genes localizados em autossomos (cromossomos nãosexuais) respondem diferentemente à bioquímica masculina ou feminina e produzem traçosdistintos. Nessa situação, os traços são chamados de influenciados pelo sexo. Daí é possívelque um gene dos Simpsons pudesse ser influenciado pelo sexo, mais que ligado ao sexo.Nesse caso, tanto Bart quanto Lisa podem tê-lo herdado de Homer, e talvez suas bioquímicasdessemelhantes provocassem diferentes respostas de cada um.

A inteligência representa um conjunto muito complexo de habilidades que se diferenciamde indivíduo para indivíduo. Os pesquisadores não concordam sobre todos os componentes dainteligência, para não mencionar qual gene exatamente a controla. Também não é claro oquanto ela depende da natureza ou da criação. Certas condições que se relacionam ahabilidades cognitivas, como o cromossomo X frágil, já foram mapeadas, contudo a pesquisagenética ainda tem um longo caminho pela frente antes de ser capaz de explicar por quemembros de uma família, como os Simpsons, agem de maneira tão divergente.

A vida tem muitos mistérios, e o conjunto preciso de fatores que influenciam ocomportamento errático de Homer parece ser um deles. Ele é um enigma envolto em calçasazuis com stretch. Mesmo o Projeto Genoma Humano não consegue revelar por que o Homersapiens (como talvez ele pudesse ser classificado) muitas vezes age por motivações tãobizarras. Como poderíamos explicar, por exemplo, a ocasião em que Homer tentoucomercializar um híbrido de tomate e tabaco produzido por radiação?

* Sigla em inglês para “Fragile X Mental Retardation Protein” (N. do T.).

2Você diz tomate,eu digo tomaco

Alguns conceitos necessitam de tempo para amadurecer, até que floresçam com resultadosdeliciosos. Outras noções simplesmente apodrecem nos galhos. É difícil dizer onde se encaixaa idéia de combinar tomates com tabaco – é um provocante desafio ao campo da botânica ouapenas uma bobagem gritante?

Tomates frescos são alimentos extremamente nutritivos, plenos de vitamina C eantioxidantes. Alguns estudos mostram que eles podem diminuir o risco de certos tipos decâncer. O tabaco, ao contrário, é cheio de substâncias carcinogênicas conhecidas. Ler asadvertências nas embalagens de cigarro é suficiente para provocar traumas. Com relação àsaúde, as duas plantas não poderiam ser mais distintas.

Contudo, no episódio “Homer, o Fazendeiro”,* Homer consegue encontrar um terrenocomum entre as duas espécies. É um caso curioso de solo fértil transformado em cinzas,poeira transformada em rapé, quando os Simpsons se mudam para a velha fazenda de Vovô etentam estabelecer-se como agricultores. De início, Homer não demonstra ter uma boa mão –nada que ele semeia brota –, até que decide utilizar a substância que fez o Amazing ColossalMan** atingir alturas recordes. Seu ingrediente secreto não faz apenas seu dedo ficar verde,mas também brilhar – é o plutônio despachado para ele por Lenny. Logo a fazenda é agraciadacom uma produção vigorosa do que parecem ser tomates. Bem, talvez vigorosa*** não seja apalavra adequada, já que ao ser fatiado o tomate revela um interior marrom, amargo e provocadependência por causa de perigosas doses de nicotina.

Percebendo que a dependência gerada pela planta tem um certo potencial comercial,Homer nomeia a planta de “tomaco” e instala um quiosque na beira da estrada. Servidosrapidamente, alqueires do produto nuclear são vendidos como panquecas – ou talvezdevêssemos dizer yellowcake.**** Todo mundo que passa pelo quiosque quer provar umaamostra, até mesmo Ralph Wiggum, o estudante limítrofe, que afirma que “o sabor é de comidada vovó”. Assim que os clientes provam uma amostra, a nicotina entra em cena, e eles pedem

mais e mais.

Logo a companhia de tabaco Laramie (uma empresa fictícia mencionada em váriosepisódios) interessa-se em promover a venda do produto de Homer, principalmente porque épermitido por lei vender tomacos às crianças, mas não tabaco. A companhia tenta negociar umcontrato de US$ 150 milhões, mas Homer exige absurdos US$ 150 bilhões. A Laramie recua edepois tenta sem sucesso roubar uma das plantas. No final, toda a lavoura de tomaco édevorada pelos animais da fazenda, viciados em nicotina, deixando Homer sem nada paracomprovar seus esforços na área agrícola.

Embora o tomaco tenha, desde então, desaparecido da série, ele surpreendentementeinvadiu o mundo real, um caso de vida imitando a arte. Inspirado pelo episódio, Rob Baur, umanalista de operações de uma estação de tratamento de água do Estado do Oregon, plantou ecolheu tomates com algumas das características do tabaco, incluindo um traço de nicotina. Aenxertia, o método que ele usou, é uma maneira bastante testada para produzir híbridos e quenão tem nada a ver com a abordagem de Homer.

Como qualquer biólogo reconheceria, fertilizar plantas com plutônio não as faria assumiras características de outras. O plutônio é uma substância radioativa perigosa, tóxica mesmoem quantidades mínimas. Ele não existe de forma natural, e é produzido e armazenado emcondições extremamente rigorosas.

A exposição à radiação nuclear pode destruir células e provocar câncer, além de gerarmutações – alterações no material genético de uma célula ou grupo de células. Se essasalterações ocorrem nas células reprodutivas, podem passar para os descendentes e semanifestar como alterações nas funções ou na aparência.

A maior parte das mutações é causada pela cópia genética de erros durante o processo dadivisão celular. Algumas mutações derivam da radiação (normalmente de fontes radioativasnaturais), de agentes químicos (chamados de mutagênicos), de vírus e de outras fontes. Anatureza construiu várias barragens para bloquear os resultados de mutações não favoráveis; ocorpo tem mecanismos de conserto muito efetivos para reparar danos genéticos. Além disso,como os cromossomos são em pares, o organismo tem duas cópias de cada gene. Como jávimos, o próprio cromossomo Y tem diversas cópias sobressalentes de seus genes principais.Presumindo-se que uma mutação seja recessiva, um organismo vai favorecer a versão maissaudável do gene durante a reprodução. Se, ao contrário, a mutação é dominante e perigosa,em geral ela é eliminada rapidamente do conjunto de genes. Algumas mutações não fazem

absolutamente nenhuma diferença. Em ocasiões extremamente raras, uma mutação acaba sendobenéfica, dando aos descendentes características que favorecem a sobrevivência e,consequentemente, a reprodução. Por exemplo, uma mutação poderia oferecer granderesistência a uma doença fatal. Pelo processo de seleção natural de Darwin, as alteraçõesúteis predominam com o passar do tempo e levam à evolução de novas espécies.

Expor sementes de tomate ao plutônio seria uma maneira extremamente improvável decriar uma safra de híbridos. A chance de o material genético de muitas sementes diferentes sealterar sempre da forma certa para gerar características do tabaco, como a nicotina, seriaínfima. E a radiação não pode tirar genes de uma planta para inseri-los em outra. Essamodificação genética precisaria ser desenvolvida em uma situação muito mais controlada.

A modificação genética de safras tornou-se, nos últimos anos, um tema controverso, aomigrar das fazendas para o laboratório. Os fazendeiros utilizaram técnicas de polinizaçãocruzada durante mais de um século para desenvolver plantas com mais resistência a pragas oucom propriedades mais favoráveis – por exemplo, transferindo genes do centeio paracromossomos do trigo. Com a introdução de métodos da genética molecular, a modificaçãoficou muito mais precisa e, portanto, diminuiu o temor da criação de novas variações danosas.Alimentos com ingredientes geneticamente modificados passaram a ser conhecidosinformalmente como Frankenfoods.

A enxertia, técnica que Baur usou para produzir o tomaco, é outro método tradicional dahorticultura para misturar propriedades de plantas, que antecede muito a genética molecular.Envolve cortar e unir a parte inferior de uma planta, incluindo suas raízes, com o caule, flores,folhas ou frutos de uma outra. Depois que os cortes são feitos, as duas plantas sãocuidadosamente unidas de maneira que permita a livre passagem de água e nutrientes. Elassão, então, mantidas no lugar até que o crescimento ocorra e se transformem em uma únicaplanta. O resultado é a combinação conhecida como enxerto quimera ou enxerto híbrido.

Para que a enxertia tenha sucesso, as duas espécies originais precisam fazer um bomcasamento. Baur percebeu que tomate e tabaco, pertencentes à mesma família de plantas,tinham compatibilidade suficiente. Ele se lembrou de um estudo feito em 1959, no qual ospesquisadores relataram o cruzamento com sucesso de duas espécies, e imaginou se osroteiristas de Os Simpsons não tinham lido o mesmo trabalho. Então, enxertou um tomateironas raízes de uma planta de fumo.

A experiência de Baur gerou fruto – um só, de início. Quando o fruto foi testado, ele não

tinha nenhuma nicotina que pudesse ser detectada. As folhas também foram testadas erevelaram conter alguma nicotina. Então, a planta de tomaco preencheu os requisitos de umverdadeiro híbrido por enxertia; tinha algumas características das duas espécies. Baur não pôso produto à venda, portanto não espere encontrar adesivos de ketchup com sabor de nicotinana farmácia mais próxima.

Como anos de experiências demonstraram, a engenharia genética, a enxertia e outrastécnicas hortícolas parecem ser imensamente mais efetivas que a radiação para a produção deplantas híbridas. E quanto ao reino animal? A radiação poderia produzir anomalias zoológicascomo o peixe de três olhos? Vamos dar um mergulho nas “águas puras” de Springfield e ver oque descobrimos.

* No original, “E-I-E-I-(Annoyed Grunt)”. A expressão annoyed grunt é usada para designar o som familiar deexasperação de Homer, “d’oh”, nos títulos de episódios de Os Simpsons (N. do T.).

** Referência ao protagonista do filme norte-americano de mesmo nome, de 1957 (dirigido por Bert I.Gordon). OAmazing Colossal Man é um mutante, resultado de um acidente nuclear que o tornou gigante (N. do E.).

*** O autor faz um trocadilho com o adjetivo healthy, saudável (N. do T.).

**** Trocadilho entre hotcakes, panquecas, e yellowcake, nome do óxido de urânio processado (N. do T.).

3Blinky, o peixede três olhos

Desde o início da civilização a água tem múltiplos usos, desde aplacar nossa sede até lavarnossa sujeira. A Revolução Industrial acrescentou aplicações como fornecer vapor a máquinase impedir seu superaquecimento. Também gerou novas formas de poluição que devastarammuitos regatos e rios durante séculos, inspirando a lírica descrição do compositor Tom Lehrer,

de 1960, sobre escovar os dentes e enxaguá-los com “resíduos industriais”.*

Em 1969, o rio Cuyahoga, que atravessa Cleveland, no Estado de Ohio, “pegou fogo”,possivelmente por causa da ignição de uma trilha de óleo em sua superfície. O fogo ardeu por30 minutos, até ser apagado. O incidente despertou a indignação da população contra apoluição da água. Um artigo publicado na revista Time descreveu as horripilantes condiçõesdo Cuyahoga: “Nenhuma vida visível. Que rio! Da cor de chocolate escuro, oleoso,

borbulhando com gases abaixo da superfície, ele mais escorre do que corre”.**

A indignação pública provocada pelo fogo no Cuyahoga e por outros exemplos dapoluição industrial se transformou em manifestações a favor de reformas ambientais,inspirando a criação da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, em 1970, e aaprovação do Clean Water Act [Lei da Água Limpa], em 1972, bem como outras medidasrelacionadas ao longo dos anos. Em muitos lugares, isso resultou em uma representativamelhoria da qualidade da água. Embora em nenhuma área urbana seja aconselhável beber águadiretamente do rio, pelo menos muitos peixes (ou, como Homer os chama, “espetos de peixenão processados”) voltaram a nadar e a se divertir.

Por causa do sucesso do Clean Water Act, é chocante constatar que há ainda industriaismíopes que tentam burlar as regulamentações. Trancados em luxuosas mansões, bem servidosde água pura de fontes remotas nas montanhas, com cães ferozes para protegê-los de invasoressedentos, eles cacarejam maldosamente ao ler nos jornais notícias sobre ambientalistasinsatisfeitos. Para eles, o tilintar das moedas é mais melodioso que as risadas das crianças

brincando em borbulhantes águas puras.

C. Montgomery Burns, o chefe de Homer, seria um tipo desses? Pergunte a seu intimidadoassistente, Wayland Smithers, e você não vai ouvir nada que sugira isso. Escrutine-o comolhos bisbilhoteiros. Em vão. Contudo, episódios como “O Peixe de Três Olhos” pintam umahistória mais sinistra.

No começo daquele episódio, Lisa e Bart estão pescando no rio abaixo da usina nuclearde Springfield e conseguem fisgar um peixe de aspecto bizarro, com três olhos. Observando oanimal, Dave Sutton, um repórter investigativo em busca de uma boa história, descobre, comoos britânicos, que peixe e jornal fazem uma combinação vencedora, e não só quando o peixeestá embrulhado no jornal. Sutton denuncia a poluição provocada pela usina, o que leva osinspetores nucleares até Springfield pela primeira vez em décadas. Eles descobrem práticasabomináveis, como o uso de cola para fechar uma rachadura em uma torre de resfriamento euma vareta de plutônio utilizada como peso de papel. Burns tenta subornar os inspetores, maseles são honestos. Então, ele decide que a melhor coisa a fazer é concorrer ao cargo degovernador.

Candidatos a cargos públicos precisam evitar chamar a atenção para suas fraquezas,muitas vezes fazendo incidir sobre elas a melhor luz. Para Burns, sua principal desvantagemtem cheiro de peixe e três olhos brilhantes. Ele precisa desesperadamente retirá-lo daspáginas dos tablóides e mostrá-lo como um troféu. Então, lança uma astuta campanha,protagonizada por um ator que personifica Charles Darwin, um peixe de três olhos chamadoBlinky em um aquário e ele próprio. Na TV, Burns pergunta a Darwin sobre sua teoria daseleção natural. Baseado na explicação, Burns garante que Blinky tem uma vantagem evolutivasobre os outros peixes; na verdade, ele é um “superpeixe”. A campanha dá resultado e colocaBurns na dianteira da disputa.

Darwin e Burns falham em ressaltar para sua ávida audiência que a seleção natural exigeque as variedades de sucesso mantenham uma vantagem sobre as outras em termos desobrevivência e reprodução. Essa vantagem normalmente leva várias gerações para seestabelecer. Se Burns fosse escrupuloso, teria examinado os peixes de três olhos durante umtempo, para ver se sua característica ocular lhe permitiria evitar os predadores, identificarmais rapidamente fontes de alimento, proteger seus ovos (o que somente alguns tipos de peixefazem) e assim por diante. Se eles não fazem isso, então os exemplares com essa variaçãoterão sua população reduzida com o tempo e serão ultrapassados por peixes maisconvencionais.

Burns afirma no comercial que os peixes de três olhos são mais saborosos. Se esse fosseo caso, os humanos poderiam aumentar a população dessa variedade criando-a em cativeiro,dando-lhe uma vantagem artificial sobre tipos menos apetitosos. Contudo, a afirmação deBurns é colocada em xeque quando ele é convidado para jantar na residência dos Simpsons;Marge lhe serve um peixe de três olhos e ele o cospe. A mídia publica fotos do óbvio nojo deBurns e faz sua campanha ir por água abaixo.

No mundo além de Springfield, peixes de três olhos raramente aparecem nos jornais.Talvez alguns se lembrem do hadoque de três olhos, de 1927, mostrado no suplemento emrotogravura do New York Times no dia 16 de outubro daquele ano. A foto tinha a seguintelegenda: “O mais estranho peixe do mar (...) um hadoque pescado na costa de Boston, que se

verificou ter três olhos, o terceiro no meio da cabeça”.***

O dr. E. W. Gudger, do Museu Americano de História Natural, viu a foto, leu um anúncioanterior no New York Herald Tribune e achou que aquilo era história de pescador.Aprofundando sua investigação, ele pediu outras fotos ao Times que as forneceu. As imagensadicionais mostraram um hadoque com um terceiro olho semelhante aos outros dois, emboraum pouco mais atrás na cabeça. Quando Gudger tentou ver o peixe, contudo, não teve sucesso.Aparentemente ele tinha sido comprado por um colecionador.

Gudger se lembrava de pouquíssimos casos de peixes de três olhos. Os que tinham sidoexaminados por cientistas se revelaram embriões malformados ou embustes muito bem-feitos.No primeiro caso, eles eram “monstros de duas cabeças”, essencialmente gêmeos ligados emque o terceiro olho era compartilhado pelas duas cabeças. Ele não conseguiu encontrarnenhum caso de embriões de três olhos que sobreviveram até a idade adulta.

Quanto às fraudes, em 1910, o professor Alexander Meek desmascarou uma emNorthumberland, Inglaterra. Tratava-se de um peixe de três olhos encontrado no mercado deNorth Shields. Meek descobriu a fraude quando um exemplar foi encaminhado a ele paraexame e, após a dissecação, ele verificou que o terceiro olho estava completamente separadodos outros dois, como se tivesse sido inserido na cabeça. Ele afirmou em seu relatório:

Percebi um pequeno corte transversal, não completamente visível, atrás do terceiro olho,e mesmo assim fiquei surpreso ao descobrir que o terceiro olho em questão estava muito solto

na cavidade atrás do olho direito normal. Ele não estava ligado a nada dentro da cabeça.****

Estranhamente, vários dias depois da dissecação de Meek, um homem o procurou parasaber se alguém já tinha pescado um peixe de três olhos. Quando Meek lhe contou sobre afraude, o homem perdeu o controle e confessou que havia planejado tudo. Ele tinha aprendidocomo abrir um peixe, inserir um olho extra e fechar tudo tão cuidadosamente que nem umexperiente pescador perceberia algo errado. Havia espalhado algumas dessas fraudes nomercado de North Shields, aparentemente com a intenção de ver se alguém perceberia.

De maneira curiosa, tudo isso aconteceu apenas dois anos antes de uma fraude muito maisfamosa, a escavação de um falso “Homem de Piltdown”. Da mesma forma que o peixe de trêsolhos de Northumberland, o Homem de Piltdown foi planejado com o objetivo de fazer oscientistas pensarem que tinham encontrado um novo tipo de criatura. A fraude aconteceu emuma época em que os paleontólogos estavam envolvidos em uma intensa procura pelo “eloperdido”: o imediato precursor do Homo sapiens, mas com algumas características dossímios. Imaginavam que variações desse ser, por mutação ou outro meio, foram prevalentesatravés dos anos e evoluíram para os seres humanos modernos, de cérebro grande ecompletamente eretos. (Veja o comportamento de Homer no tribunal no episódio “The MonkeySuit” para uma vaga idéia sobre como este elo perdido poderia ter sido.)

Em 1912, Charles Dawson descobriu o primeiro de dois crânios de Piltdown em umapedreira em Sussex, Inglaterra. Com uma testa semelhante à humana, mas uma mandíbularudimentar como a de um macaco, o achado parecia feito sob medida para completar oregistro da evolução humana. Todavia, especialistas descobriram, no final dos anos 1940 edepois, que o crânio tinha, na verdade, menos de 150 anos de idade na época do achado, eclaramente havia sido colocado lá por alguém. Historiadores apontaram vários possíveisresponsáveis, sendo Dawson (que morreu em 1916) o mais forte suspeito. Felizmente, omutilador de peixes de Northumberland confessou, do contrário os especialistas poderiamestar especulando sobre o caso até hoje.

O sujeito que suturou o hadoque de três olhos examinado por Gudger, porém, nunca seidentificou. Contudo, em 1928, Gudger encontrou um relato feito por um pescador experiente(de algum modo lembrando o personagem náutico de Os Simpsons, o Sea Captain) quepareceu confirmar suas suspeitas. O pescador contou sobre

um velho companheiro (que) era extremamente hábil em fazer incisões realmente muito

capaz com uma faca. Bem, ele estava trabalhando na cabeça de um hadoque, com muitocuidado, tirou um olho de peixe do bolso e o enfiou no buraco, com maestria e perícia. Semdizer uma palavra, colocou o peixe de três olhos de volta junto dos outros peixes e, no diaseguinte, as pessoas vinham de grandes distâncias para ver a última maravilha do mundo: o

hadoque de três olhos.*****

Desde a época de Meek e Gudger não existem muitos escritos sobre peixes de três olhos,exceto por referências culturais a Blinky e especulações sobre deformidades provocadas porradiação nuclear. Como a dra. Anne Marie Todd, da San Jose State University, apontou, Blinkyserve como uma lembrança visual do choque entre a polêmica oficial e os fatos ambientais,mesmo que peixes de três olhos realmente não nadem nos rios perto de usinas. Todd observou:

Esse episódio condena a manipulação do poder político e econômico para esquivar-se daresponsabilidade ecológica e transferir a culpa por problemas ambientais. A série comenta afalta de comprometimento com os padrões de segurança e critica a aceitação indiferente deinspeções ambientais não obrigatórias. Enfim, esse episódio critica explicitamente osmanipuladores da informação que distorcem os impactos da degradação ecológica provocada

por empresas ricas como a usina nuclear.******

Na verdade, quando o público se depara com temas referentes à energia nuclear, o debategeralmente se volta para a possibilidade de mutações que provocam deformidades. Imagensde animais com três olhos e cabeças múltiplas são impressionantes. Há evidências, contudo,que parecem indicar que esse foco erra o alvo. Embora haja muitas questões sérias sobre aenergia nuclear – incluindo os custos envolvidos na construção e na desativação das usinas, oproblema do descarte dos dejetos nucleares e o perigo de materiais passíveis de fissão caíremem mãos de grupos terroristas –, não tem havido nenhum aumento estatístico de anomaliasherdadas nas proximidades de usinas nucleares em funcionamento. O desastre de Chernobyl,na Ucrânia, em 1986, o pior da história da indústria nuclear em todo o mundo, é um casodiferente, por ter provocado prejuízos incalculáveis à saúde das pessoas e ao meio ambienteda região. Ele teve maior impacto que o incêndio de Winscale, na Inglaterra, e o acidente emThree Mile Island, nos Estados Unidos – os dois acidentes nucleares anteriores mais

conhecidos.

O projeto de Chernobyl era particularmente ruim, com o núcleo de cada um de seusquatro reatores composto de grafita, um material inflamável, e com um sistema de backupinadequado no caso de incêndio. Cada estrutura de grafita era cheia de fendas que abrigavamos elementos nucleares de combustível que acionavam os reatores. Como acontece em todosos reatores comerciais, esses elementos produziam energia pelo processo de fissão, que deveser cuidadosamente controlado em uma usina nuclear. Contudo, em Chernobyl, a falta desalvaguardas adequadas levou a um incêndio e à liberação de materiais radioativos danosos.

Fissão é a divisão de um núcleo atômico pesado: os conjuntos de prótons (partículascarregadas positivamente) e de nêutrons (partículas neutras) que constituem os núcleos dosátomos. Quando um material físsil como o urânio 235 é bombardeado com nêutronsrelativamente lentos, cada núcleo se divide em vários fragmentos, produzindo energia e maisnêutrons no processo. Esses nêutrons, por sua vez, produzem mais materiais físseis que sedividem, provocando uma reação em cadeia. Os subprodutos são vários isótopos (variaçõesde elementos com diferentes números de nêutrons), alguns dos quais são radioativos. Enquantoo reator está funcionando, uma parte do calor produzido gera vapor, que aciona uma turbinapara a geração de eletricidade. Essa eletricidade pode suprir comunidades com uma fonteestável de energia.

Normalmente, hastes de controle colocadas entre as hastes de combustível modulam oprocesso absorvendo os nêutrons. Abaixar e levantar essas hastes conforme a necessidade,garante que o reator funcione eficientemente e não saia dos limites. Um resfriador (água fria)banha as hastes, evitando que elas fiquem muito quentes. No caso do desastre de Chernobyl,contudo, demasiadas hastes de controle foram removidas do núcleo de um dos reatores emuma hora em que havia muito pouco resfriador. A água que havia virou vapor, e a temperaturado núcleo começou a subir, fora de controle. Enorme pressão estabeleceu-se do lado dedentro, e a parte superior do reator se deslocou, permitindo que o ar entrasse na câmara.Diferentemente de reatores em outras partes do mundo, ele não era equipado com um vaso depressão de contenção. A grafita quente, misturada ao oxigênio, gerou monóxido de carbono epegou fogo. Rolos de fumaça radioativa, contendo produtos físseis e dejetos, espalharam-sepela comunidade, contaminando fazendas e cidades por centenas de quilômetros. Embora oreator tivesse sido desligado, enchido de nitrogênio líquido para ser resfriado, coberto comareia para apagar o fogo e mais tarde envolvido por grossas paredes de concreto, um danohorrendo já havia ocorrido.

Quando material radiativo é espalhado por uma ampla região, ele pode aumentar onúmero de casos de câncer e provocar morte de células e mutações muito além do esperadoem virtude dos níveis de radiação natural e outras causas. Especialistas estimam queChernobyl provocou milhares de mortes por câncer, envenenamento por radiação e outrosefeitos. O Guardian noticiou em 2001 que a taxa de mutação para os filhos dos trabalhadoresque ajudaram a limpar o local era 600% o maior que a normal. Esse número foi determinadopor testes genéticos, não pelo levantamento dos sintomas, porque as alterações no DNA nãoforam suficientes para produzir deformidades, pelo menos por uma geração. Então, mesmouma tragédia da magnitude de Chernobyl, que causou tantas mortes, não criou anomalias comomalformações nas pessoas ou peixes de três olhos.

O temor da repetição de uma tal calamidade é uma razão pela qual a segurança nuclearcontinuou a ser uma grande preocupação pública. O meio ambiente mundial não pode agüentarum outro Chernobyl. Portanto, ainda que casos semelhantes a Blinky não sejam vistos nanatureza, mesmo nas águas perto dos reatores, sua imagem grotesca capta muito bem nossomais profundo temor dos perigos nucleares.

As preocupações atuais quanto aos perigos da radiação mostram como mudou nossaatitude: um século atrás, ela era vista como uma panacéia. Quando Burns apregoa osbenefícios da radiação, sua mensagem é uma volta àqueles dias em que o rádio, um elementonaturalmente radiativo, era mal manuseado em virtude da ignorância sobre seus perigos. Elechegava a ser considerado um “tônico para a saúde”, que supostamente dava a seus usuáriosmais vitalidade e um “brilho saudável”. Realmente Burns tem esse brilho, mas se ele ésaudável ou não é outra história.

* Lehrer, Tom. “Pollution”, 700 Many Songs por Tom Lehrer. Nova York: Pantheon, 1981.

** “The cities: the price of optimism”, Time, 1o de ago. 1969, p. 1.

*** New York Times, 16 de outubro de 1927, em Gudger, E. W. “A three-eyed haddock, with notes on other three-eyedfishes”, American Naturalist 62, n. 683, nov.-dec., 1928, p. 559-570.

**** Meek, Alexander. “A three-eyed dab [hippoglossoides limandoides]”. Report of the Scientific InvestigationsNorthumberland Sea Fisheries Commission for 1909–1910,1910, p. 44.

***** “Ruminations of a codfish forker”, em The Fishermen’s Own Book, v. 8, Gloucester, MA: Procter Brothers,1928, p. 28. Em: Gudger, E. W. “The three-eyed haddock, melanogrammus aeglefinus, a fake”, Annals and Magazineof Natural History, v. 6, 1930, p. 48.

****** Todd, Anne Marie. “Prime-time rhetoric: the environmental subversion of the Simpsons”, Enviropop: Studies inEnvironmental Rhetoric and Popular Culture, Westport, CT: Praeger, 2002, p. 72.

4O brilho radiante

de Burns

Toda grande cidade tem estabelecimentos famosos com iguarias e bebidas, para onde osintelectuais mais proeminentes convergem. Nova York tem o legendário Algonquin, com sualendária Round Table. Viena tem seus Café Central, Café Sacher e inúmeros outros cafés, ondefilósofos argumentam, discutem, replicam e comem tortas. Paris tem uma gama que vai do grã-fino Maxim’s a pequenos bistrôs. Embora não se inclua na mesma turma de Nova York, Vienae Paris (e, de acordo com seus residentes mais esnobes, nem na da vizinha Shelbyville),Springfield pode ostentar sua Taverna do Moe, espartana, mas confortável, que serve a geladae refrescante cerveja Duff.

Da mesma forma que nos dias de George Bernard Shaw e Oscar Wilde, a brincadeiraespirituosa na Taverna (bons mots, talvez) é sempre precedida por alguns drinques. E quantomais inspirado o indivíduo, mais incomum é o drinque. No episódio “Arquivo S”, Homerdecide ser bem criativo e tentar uma nova formulação chamada “Red Thick Beer” [CervejaEspessa e Vermelha]. Logo seu nível de embriaguez, se não de criatividade, atinge asproporções de um Ernest Hemingway. Um teste com um bafômetro confirma isso, e Moeinsiste que Homer vá para casa.

Pelo menos um dos caminhos da Taverna do Moe até a residência dos Simpsonsserpenteia por uma floresta fechada e escura. Homer, em seu estado de embriaguez, decidetomar esse caminho. No meio da mata, ele vê a distância o que parece ser um alienígenaverde, de formato estranho e olhos brilhantes arregalados. Naturalmente, Homer ficaaterrorizado. Quando o ser tenta tranquilizá-lo com uma voz suave, Homer grita e saicorrendo. Em casa, fica aborrecido porque ninguém acredita que ele encontrou um alienígena.Sua embriaguez na hora da visão torna a história ainda menos crível. Quem em Springfieldconfiaria nele o suficiente para ajudá-lo a fazer uma investigação? Ou a ajuda de que elenecessita poderia vir de algum lugar além?

Esse episódio é o que no jargão televisivo é chamado de crossover. O termo tem vários

significados. Em biologia, o crossover ocorre durante o processo de divisão celular, quandocada um de dois pares de cromossomos, um de cada pai, se divide em um ponto determinado etroca pedaços de material genético. Isso estimula o conjunto de alelos (formas diferentes domesmo gene), criando a possibilidade de uma nova combinação de traços. Ao lado damutação, essa é uma das principais formas de variação biológica – alterações que podem serneutras, negativas ou positivas. No melhor cenário, a mistura produz novas características queaumentam a adequação ambiental do indivíduo. Variações favoráveis, em longo prazo,promovem o processo de evolução. Na televisão, porém, o crossover ocorre quandopersonagens de uma série aparecem em outra, normalmente dentro da mesma rede. Muitasvezes, essa estratégia produz novas tramas que aumentam a audiência da série.

O crossover, neste caso, envolve Mulder e Scully, os brilhantes investigadoresparanormais e agentes do FBI de Arquivo X, a popular série dos anos 1990, interpretados porDavid Duchovny e Gillian Anderson. Sabendo do ocorrido com Homer, eles visitam sua casae tentam desvendar o mistério. Homer os conduz até a mata onde viu o ser resplandecente. Derepente, alguém emerge das moitas. É Vovô, que estava perdido por lá havia dias. Irritada,Scully vai embora; Mulder também vai, depois de fazer um longo discurso sobre os mistériosdo universo.

Só depois de uma nova visita à floresta, dessa vez sem a ajuda dos agentes do FBI,Homer e os habitantes de Springfield descobrem a verdade. Eles têm a companhia de LeonardNimoy, ator que interpretava o vulcano Spock na série Jornada nas Estrelas (é ele mesmoquem dubla). Nimoy também está ansioso para explicar o inexplicável. Quando a criaturareaparece, transmitindo uma mensagem de amor, Lisa a ilumina com uma lanterna. Elesdescobrem que o “alienígena” é, na verdade, sr. Burns, o qual vinha recebendo um tratamentomédico que afetou sua aparência e seu comportamento. Gotas de colírio dilataram suaspupilas, tratamentos quiropráticos alteraram sua postura, um procedimento nas cordas vocaismodificou sua voz, e analgésicos aumentaram artificialmente sua disposição. A razão pelaqual o tratamento parece tão bizarro é que seu médico é o consumado charlatão dr. NickRivera.

E a sinistra luminescência? Burns explica que trabalhar toda a vida em uma usina nuclearlhe deu um “um brilho verde saudável”. Por uma razão não explicada na série, o brilhoaparece apenas nas excursões noturnas na mata depois do tratamento médico.

Na história do charlatanismo, tem havido muitas relações como essa entre Burns e o dr.Nick. A riqueza atrai os charlatães como a carne fresca atrai os lobos. Um dos mais notórios

exemplos de um charlatão que explorou um empresário diz respeito a um “tônico para asaúde” com uma infusão de rádio. O único benefício do incidente foi uma divulgação públicamaior sobre os perigosos efeitos da radiação.

O rádio, elemento de número 88 na tabela periódica, foi quimicamente identificado nofinal dos anos 1890 por Marie e Pierre Curie, em um laboratório de Paris. Sua identificação éparte de uma série de importantes descobertas da época, relacionadas às propriedades daradioatividade. Em 1895, o físico alemão Wilhelm Roentgen descobriu emissões invisíveis,chamadas raios X, achado que desempenhou um papel essencial na obtenção de imagens daestrutura óssea do corpo humano. No ano seguinte, o físico francês Antoine Henri Becquereldescobriu que sais de urânio emitiam raios invisíveis que podiam imprimir painéisfotográficos recobertos. Assim, o urânio se tornou a primeira substância radiativa conhecida.Hoje sabemos que materiais radiativos emitem principalmente três diferentes tipos deradiação: partículas alfa, também conhecidas como os átomos do núcleo do hélio; partículasbeta, ou elétrons; e raios gama, luz invisível com alta energia. Para entender a causa dasemissões pelos sais de urânio, Marie e Pierre Curie fizeram uma intensa pesquisa, queculminou com o isolamento de dois elementos em 1898: o polônio (em homenagem à Polônia,país de Marie) e o rádio. Eles descobriram que ambos os elementos são extremamenteradiativos.

Estimulada pelas propriedades da radiação invisível, uma espécie de “radiomania”varreu o mundo. Marie Curie tomou como missão pessoal encontrar uma utilidade para o rádiono diagnóstico e tratamento de doenças. Pacientes com tumores ficaram muito satisfeitos aover que uma aplicação de rádio poderia ajudar a encolher os tumores. Hoje, a terapia comradiação, sob condições muito mais controladas, ainda é usada para reduzir tumorescancerígenos, especialmente quando a remoção cirúrgica e outras formas de tratamento sãoimpossíveis.

No começo do século XX, contudo, ninguém tinha idéia dos enormes perigos doenvenenamento pelo rádio. Na esperança de rejuvenescimento, pessoas ingênuas se banhavamem rádio nos spas especializados e bebiam tônicos com esse elemento químico. Minériosradioativos eram extraídos com pouquíssima precaução. Tudo isso chegou a um fim, porém,com a publicidade que cercou a horrível morte de uma proeminente figura, vítima de um“remédio” fraudulento.

Eben Byers era uma usina de força física e um gigante industrial. Atleta excepcional comuma forte constituição, aos 26 anos venceu o campeonato de golfe amador dos Estados Unidos

de 1906. Durante os anos 1910 e 1920, foi um socialite muito conhecido e um magnata daindústria do ferro, presidente da AM Byers Iron Foundry e dono de mansões em Nova York,Pittsburgh, Carolina do Sul e Rhode Island. Quando os jornais noticiaram, em março de 1932,seu falecimento prematuro provocado por envenenamento com rádio e revelaram a horrívelcondição de sua morte, não apenas os amigos e membros da família ficaram chocados, mastambém o público em geral. Roger Macklis, um especialista em câncer causado por radiação epor remédios fraudulentos, descreveu:

Quando Byers morreu, seu corpo encolhido era quase irreconhecível para os amigosque o conheceram quando era um robusto atleta que atraía as mulheres. Ele pesavaapenas 50 quilos. Seu rosto, outrora jovem e escancaradamente bonito, emolduradopor cabelos negros sempre com brilhantina e de olhos profundos, tinha sidodesfigurado por uma série de cirurgias feitas como último recurso e que tinhamretirado a maior parte do maxilar e do crânio, em uma vã tentativa de impedir adestruição dos ossos. A medula e os rins tinham parado de funcionar, dando a suapele um aspecto horripilante. Embora um abscesso cerebral o tivesse feito ficarquase mudo, ele permaneceu lúcido até o fim.¹

Quem foi o inescrupuloso “Nick Rivera” que enganou esse homem infeliz com uma falsacura mortal? A culpa foi toda do médico charlatão William Bailey e sua poção venenosachamada Radithor. Bailey tinha um histórico de medicações fraudulentas, incluindo umtratamento para a impotência que incluía a estricnina como agente ativo. Em 1918, foi multadopor anunciar sua droga perigosa como uma panaceia, mas isso não o deteve. Então, em 1921,depois que Marie Curie completou uma viagem pelos Estados Unidos divulgando aspossibilidades do rádio, Bailey ficou extremamente interessado em seu trabalho. Ele começoua investigar e a desenvolver diferentes tipos de tratamentos com rádio, incluindo pingentesradiativos que podiam ser usados em várias partes do corpo para promover um metabolismosaudável. Finalmente, fabricou seu produto líder de vendas: uma solução de extrato de rádioem água destilada. Anunciado como um tônico revigorante para os médicos de todo o país(aliado a um desconto promocional), Radithor foi um tremendo sucesso, extremamentelucrativo para seu inventor. Embora crescentes evidências indicassem que mesmo a ingestãode doses mínimas de rádio podia ser letal, Bailey insistia que seu produto era inofensivo.

Byers começou a usar Radithor em 1927, quando um médico o recomendou como

tratamento para ferimentos que ele havia sofrido durante uma queda. De início, o elixir derádio o fez sentir-se animado e vigoroso. Entusiasmado com o remédio, Byers começou abebê-lo cada vez mais. O rádio foi absorvido por seus ossos e começou a destruí-los. Quandoele parou de usar a droga, já era tarde; o dano era irreversível.

Pouco antes de Byers morrer, um radiologista experiente o examinou e diagnosticouenvenenamento por rádio. A Federal Trade Commission [Comissão Federal de Comércio],que já investigava Bailey por práticas fraudulentas, fechou seu negócio. Surpreendentemente,Bailey conseguiu achar caminho para novas falcatruas e sofreu apenas repercussões muitopequenas diante do grande mal que havia provocado. Contudo, o escândalo levou a exigênciasmaiores para a regulamentação das drogas, particularmente restrições à venda de remédiosradiativos.

Atualmente, os médicos tomam grande cuidado para minimizar a exposição dos pacientesa formas de radiação potencialmente danosas, a menos que sejam um componente de umtratamento essencial para a saúde deles. Mesmo a radiação em níveis pequenos passou a sercada vez mais controlada. Embora na mídia a exposição à radiação tenha sido associada ou ahorríveis deformações (peixes de três olhos) ou a impressionantes superpoderes (como nahistória em quadrinhos favorita de Bart, O Homem Radioativo, cujo protagonista adquiriuenorme força após uma explosão nuclear), a realidade envolve alterações internas invisíveisque em casos infelizes se tornam letais com o tempo.

Da mesma forma, entre todos os riscos da exposição à radiação, não podemos mencionaruma pele resplandecente. A despeito do relato de Burns, sua longa exposição a emissõesnucleares não poderiam tê-lo feito brilhar como ponteiros fosforescentes de relógio no escuro,a menos que ele se pintasse da cabeça aos pés com a tinta radioativa usada pelos pintoresdesses relógios no início do século XX. Mas quem sabe quais outras moléstias a radiaçãoinfligiu ao empresário mais importante de Springfield, dados os terríveis padrões desegurança de sua usina?

Inquestionavelmente, Burns não está bem. Mesmo com toda sua riqueza, ele não podeadiar a decadência de seu corpo indefinidamente. Células humanas diferenciadas(especializadas) não podem se dividir para sempre; biólogos descobriram que replicaçõesfiéis ocorrem em um número finito de vezes antes que cópias imperfeitas sejam feitas. Demaneira intrigante, células-tronco (células não especializadas antes da diferenciação) ecélulas tumorais podem se dividir indefinidamente, pelos menos em laboratório.Pesquisadores de células-tronco estão tentando entender a diferença de comportamento dessas

células, e talvez aprendam a reverter o envelhecimento. Até que essa descobertaimportantíssima seja feita, o número limitado de vezes que uma célula pode produzir cópiassaudáveis de si mesma mostra que a vida não é infinitamente renovável.

Algum dia, talvez, como Eric Drexler sugeriu em seu original livro Engines of Creation[Motores da Criação], os cientistas vão usar a nanotecnologia para projetar agentes robóticosde tamanho molecular (da ordem de um nanômetro, ou um milionésimo de milímetro) capazesde vagar pelo corpo e consertar defeitos celulares. Isso poderia levar a uma dramáticaextensão da duração da vida.

Estes nanoagentes precisariam ser hábeis, capazes de navegar por estreitos canais e fazerjulgamentos instantâneos. Até certo ponto, eles precisariam ser como versões em miniatura defiéis operários não sindicalizados desenvolvendo tarefas árduas sob circunstâncias difíceis.Se eles pudessem ser injetados no corpo de Burns, talvez eles pudessem rejuvenescê-lo.Algum voluntário? Exxxcelente.

5Todos nós vivemos em um

submarino do tamanho de uma célula

O nível perturbador de disfuncionalidade dos Simpsons sugere que seus problemas poderiam

ser reduzidos se a família passasse por um encolhimento.* Quando eles foram encolhidos,contudo, seus problemas só aumentaram.

Em “A Casa da Árvore dos Horrores XV”, no episódio “In the Belly of the Boss”, o maisimportante cientista da cidade, o professor Frink, constrói uma “máquina de raios deencolher” a fim de reduzir uma gigantesca cápsula de vitamina (cheia de nutrientes para todauma vida) ao tamanho convencional, de modo que o sr. Burns possa engoli-la. Mas, momentosantes de a cápsula ser miniaturizada, Maggie entra nela e é reduzida e engolida com a cápsula.Sem dúvida é uma pílula amarga para Marge e Homer ver a filha pequena dentro do estômagodo patrão de Homer.

Protegida pela cápsula, Maggie tem um pouco de tempo antes de os sucos digestivos adestruírem. Portanto, Homer, Marge, Bart e Lisa decidem tentar um resgate. Ao estilo do filmeViagem Fantástica, de 1966, eles entram em um submarino e são reduzidos à milésima partede um milímetro, então são injetados no corpo de Burns por Frink, e partem em busca deMaggie.

Frink passa instruções detalhadas à tripulação pelo rádio, as quais Homer, em seu estilotípico, ignora completamente. Depois que Homer pressiona insensatamente todos os botões nopainel de controle do submarino, este fica preso, e os Simpsons precisam ir para fora pararemovê-lo. Enquanto eles estão na corrente sanguínea, células brancas atacam as roupas deMaggie, mas espantosamente elas sabem exatamente quando parar antes de revelar demais. Aoperação para “desencalhar” o submarino dá resultado, e os Simpsons são capazes deencontrar e resgatar Maggie. Infelizmente, com a presença de Maggie, o submarino fica comexcesso de peso e um dos membros da tripulação precisa ser deixado para trás. Homer é oescolhido, e os outros conseguem escapar. Quando o efeito do raio de encolher cessa, os

Simpsons retornam ao tamanho normal. Homer readquire sua circunferência abdominal quandoainda dentro de Burns, transformando o par em uma espécie de hidra de duas cabeças. Oepisódio termina com os dois ainda unidos, cantando e dançando ao som do grande sucesso deFrank Sinatra, “I’ve got you under my skin”. A duplicidade é suficiente para fazer arrepiar apele.

Dos clássicos épicos de fantasia como As Viagens de Gulliver e Alice no País dasMaravilhas, até comédias do cinema como Querida, Encolhi as Crianças, a miniaturizaçãosempre foi um dos tópicos favoritos para especulação. A natural variação da raça humanaquanto à estatura inspirou relatos ficcionais sobre gigantes colossais ou pequenos elfos. Seráque as pessoas poderiam crescer tanto quanto um campanário ou se tornarem minúsculas comoum dedal? Poderia haver terras desconhecidas onde Golias apanhassem reses com as mãos emconcha e mastigassem 12 de cada vez? Ou, ao contrário, lugares onde seres liliputianoscorressem como formigas diante da visão de uma aranha comum?

Embora seja um conceito maravilhoso, a miniaturização de pessoas seria uma tarefaextremamente difícil para a ciência. Encolher alguém ao tamanho de um minúsculo grão depoeira exigiria reduzir sua quantidade de células, tornando-as consideravelmente menores, oucomprimir o espaço dentro das moléculas e átomos que formam as células. Cada um dessespassos quase certamente destruiria o indivíduo.

Por exemplo, a eliminação das células necessárias do corpo de alguém para torná-lomenor tornaria quase todos seus órgãos inoperantes. O coração precisa de uma certaquantidade de tecido muscular para funcionar adequadamente, e o cérebro requer um númeromínimo de neurônios. Em doenças nas quais o cérebro diminui de tamanho, como os estágiosmais avançados do Alzheimer, a pessoa perde uma grande parte de suas funções cognitivas.Mesmo essa diminuição é muito inferior à que seria necessária para miniaturizar uma pessoa.Então podemos excluir a possibilidade da eliminação de células.

Uma segunda opção seria preservar o número de células de um indivíduo, mas encolhê-las. Contudo, isso também não poderia funcionar. Encolher alguém de 1,5 metro para algunsmilésimos de centímetro exigiria que cada célula humana, que normalmente tem centenas debilhões de átomos, ficasse tão pequena que não poderia conter um único átomo. Isso porque aredução no diâmetro por um certo fator implicaria uma diminuição em volume por esse mesmofator elevado ao cubo. Se a Terra fosse encolhida tanto assim, ela ficaria menor que uma casa,e claramente não poderia conter a mesma quantidade de material. O mesmo se aplica a célulasreduzidas a uma escala subatômica: elas certamente não poderiam abrigar as macromoléculas

(cadeias moleculares maiores) – proteínas, material genético, carboidratos (açúcares e amidopara combustível), e assim por diante – de que necessitariam para funcionar.

Em 1998, a National Academy of Sciences [Academia Nacional de Ciências] organizouuma conferência para examinar a crítica questão: “Qual é o menor tamanho de um organismolivre vivo?”.1 Os participantes do encontro discutiram os ingredientes mínimos para célulasprimitivas viáveis. Quais seriam os requisitos indispensáveis para que elas se reproduzissem,mantivessem sua forma e conteúdo e realizassem os processos bioquímicos básicos queassociamos à vida? O consenso foi que a menor célula viável exigiria aproximadamente de250 a 450 genes e 100 a 300 tipos de proteína. Se a célula tivesse mil cópias de cada tipo deproteína, então seu diâmetro mínimo ficaria entre 200 e 300 nanômetros, ou milionésimos demilímetro. Note que esses parâmetros se referem à mais simples das células; as células deorganismos avançados como os humanos são muito mais complexas.

Os biólogos classificam as células em três tipos básicos, baseados em seu grau decomplexidade. A mais simples das células, chamada de procariótica, inclui organismosunicelulares como as bactérias e as cianobactérias (também chamadas de algas azuis). Delonge o tipo mais comum, as células procarióticas são organizadas de maneira básica:primeiro, elas têm uma única molécula de DNA sob a forma de uma cadeia longa e espiraladade genes, envolvida pela densa região central da célula, chamada de nucléolo. Nada separa onucléolo do resto da célula, permitindo um contato próximo entre a fita de DNA e os centrosespalhados, chamados de ribossomos, nos quais o RNA, ou ácido ribonucléico, sintetizaaminoácidos e proteínas. Outros conteúdos essenciais incluem as próprias proteínas, oscarboidratos e as gorduras. Envolvendo o interior da célula, existe uma fina camada, chamadade membrana da célula, que a protege, permitindo que seja penetrada apenas por materialselecionado. Em geral, mas nem sempre, a procariótica está alojada dentro de uma rígidaparede celular, um tipo de fortaleza que a ajuda a manter sua forma e ainda a protege contrainvasores.

Outro tipo básico de célula, uma nova categoria descoberta somente nos anos 1970, é aarchaea. Como as procarióticas, elas são organizadas de maneira simples e não têm umaestrutura interna complexa. Contudo, sua composição e as camadas externas são diferentes,permitindo-lhes a prosperar em condições extremamente difíceis, como fontes de água quente,produtos químicos corrosivos e fissuras termais (rachaduras no assoalho do oceano por ondeo magma borbulha, vindo do interior ígneo da Terra). Se Burns quisesse criar animais deestimação nos condutores de calor e não quisesse pagar a tarifa de manutenção, a archaea

seria uma escolha promissora.

As eucarióticas, a terceira categoria de células, são consideravelmente maiores e maiscomplexas que os dois outros tipos. Em geral mais de mil vezes maior em volume que asprocarióticas, as eucarióticas são organizadas em subestruturas especializadas, chamadas deorganelas, as quais desempenham uma variedade de tarefas. Se as procarióticas são comopequenos Kwik-E-Marts, onde um mix de itens é imediatamente acessível, as eucarióticas sãosemelhantes a grandes hipermercados, onde os itens são agrupados em departamentosespecíficos, cada um com uma destinação. Por exemplo, o núcleo da célula, semelhante aoescritório central, abriga o principal material genético da célula. (Atenção para o fato de queo núcleo da célula não deve ser confundido com o núcleo atômico; são coisas completamentediferentes, tanto no tamanho quanto na função.) As mitocôndrias, agindo como fornalhas,produzem a energia da célula por processos bioquímicos, além de abrigarem seus própriosgrupos de material genético, o que as faz parecer células dentro de células. Os lisossomosdigerem os resíduos, os retículos endoplasmáticos sintetizam e armazenam as proteínas emformatos funcionais, e o complexo de Golgi termina o processo de armazenar as proteínas,sintetiza açúcares em amido e liga proteínas com açúcar para formar glicoproteínas. Alémdisso, elas incluem uma estrutura básica de proteína denominada citoesqueleto, umasubstância gelatinosa chamada citoplasma, numerosos ribossomos, uma membrana celular ediversos outros componentes. Seres mais complexos, incluindo os humanos, são feitos devários tipos de células eucarióticas, o que permite um nível de funcionamento muito maissofisticado que o dos organismos unicelulares, como as bactérias.

Por causa de suas estruturas incrivelmente detalhadas, as menores células eucarióticas,como as dos glóbulos vermelhos dos mamíferos, possivelmente não poderiam ficar maiscompactas que seu tamanho normal de oito micrômetros (oito milésimos de milímetro) dediâmetro. Por isso, a estatura de um ser humano adulto apresenta variações pequenas, nãoapenas por causa do número mínimo necessário de células, mas também pelas exigênciasestruturais mínimas das células eucarióticas.

Finalmente, consideremos um terceiro meio potencial de miniaturização: a redução dotamanho dos próprios átomos. Se os raios de encolhimento devem tornar todas as coisasmenores, incluindo os objetos inanimados, eles precisam encolher os tijolos atômicos deconstrução que constituem todos os tipos de materiais sobre a Terra. Átomos estáveis,contudo, têm um espectro restrito de tamanhos, limitados, por sua vez, pelos princípios damecânica quântica, e não poderiam ser comprimidos sem alterar significativamente suas

propriedades.

A mecânica quântica foi desenvolvida nas primeiras décadas do século XX para explicarcertos mistérios da relação entre a matéria e a radiação. No século XIX, o brilhante físicoescocês James Clerk Maxwell mostrou que a luz é um amálgama de campos elétricos emagnéticos, conhecidos como radiação eletromagnética. Um campo é a medida de potência edireção de forças em várias partes do espaço. Quando uma carga elétrica oscila, ela geracampos elétricos e magnéticos que estão em ângulos retos em relação uns aos outros, e semovem através do espaço como uma onda. Percebemos esse fenômeno como luz. O índicedessas oscilações determina o que é denominado frequência da luz.

A descoberta dos raios X provou que a luz assume formas tanto visíveis quantoinvisíveis. No caso visível, a frequência da luz se manifesta como cor. A frequência mais altada luz visível é o violeta, e a mais baixa, o vermelho, com as outras cores formando no meio oarco-íris, e tudo isso é chamado de espectro visível. O espectro eletromagnético completo,contudo, inclui uma ampla faixa de formas invisíveis de radiação, desde as frequências baixasdas ondas de rádio, as micro-ondas e a radiação infravermelha até a alta frequência deradiação violeta, os raios X e os raios gama – a frequência mais alta de todas.

É fácil observar o espectro visível expondo um prisma ou uma rede de difração (umdispositivo plano com finos sulcos) contra uma fonte de luz e conferindo o resultado em umatela. Cada um desses dispositivos óticos quebra a luz em seus componentes dentro do espectroem um ângulo diferente. Para uma fonte comum de iluminação, como uma lâmpada, a imagemna tela representaria uma completa paleta de cores. Contudo, para uma lâmpada que contenhaum elemento puro em forma gasosa, como o hidrogênio, o hélio ou o neon, apenas algumascores, relativas a certas frequências, seriam vistas, como linhas finas separadas por sulcos.

A existência desses padrões fixos de espectro representou um grande mistério para acomunidade de físicos na virada do século XX, particularmente porque os valores dessasfrequências seguiam fórmulas matemáticas previsíveis. Por exemplo, a fórmula desenvolvidapelo matemático suíço Johann Balmer, e generalizada pelo físico sueco Johannes Rydberg,previa exatamente onde certas linhas do espectro do hidrogênio cairiam. Os físicos ficaramperplexos com o fato de o arco-íris do hidrogênio ter espaços previsíveis.

Em 1900, o físico alemão Max Planck fez uma grande contribuição ao propor que aenergia é quantizada – ou encontrada apenas em minúsculos pacotes. Examinando umfenômeno chamado radiação de corpo negro (energia emitida por um perfeito absorvedor de

luz), ele observou que a distribuição da frequência em uma dada temperatura poderia ser bemmodelada por uma fórmula que assume valores de energia múltiplos da frequência da luz euma constante física agora conhecida como constante de Planck. (Uma constante física é umaquantidade natural fundamental que se acredita mantenha sempre o mesmo valor. Outrosexemplos incluem a velocidade da luz no vácuo e a menor quantidade de carga elétrica parauma partícula livre.)

O cálculo de Planck era semelhante a determinar o número de moedas em um cofrinho,sabendo-se o valor do dinheiro contido e os valores das moedas. É como dizer a um grupo depessoas que no cofre há US$ 5 em moedas e pedir-lhes que digam quantas moedas existem ali.Alguém que ache que as moedas são todas de 1 centavo fará uma estimativa diferente dealguém que acredite serem as moedas uma mistura equilibrada de moedas de 1, 5, 10 e 25centavos. Se uma terceira pessoa achar, erroneamente, que as moedas americanas existam emquaisquer valores, incluindo as de 2 ou 3 centavos, provavelmente fará uma outra estimativa.Da mesma forma, afirmar que fótons (partículas de luz) podem ter apenas valores de energiadeterminados produz uma estimativa para a distribuição das frequências do corpo negrodiferente da suposição de que eles podem ter qualquer valor. Planck demonstrou que aprimeira hipótese produzia a distribuição correta – um marco para a física moderna.

Em 1905, a hipótese de Planck fortaleceu-se quando Albert Einstein propôs o efeitofotoelétrico. A descoberta de Einstein, que lhe rendeu o Prêmio Nobel, previu o queaconteceria se feixes de luz em várias frequências fossem dirigidos a uma peça de metal eliberassem elétrons dessa superfície. A teoria tradicional de ondas sugeria que quanto maisintenso (brilhante) o feixe, mais energia ele transmitiria aos elétrons e, uma vez liberados dasuperfície, mais rapidamente eles se moveriam. Como Einstein previu, contudo, não é isso oque ocorre. Ao contrário, a energia transferida da luz aos elétrons é transmitida emquantidades fixas ou múltiplas, ou seja, a constante de Planck multiplicada pela frequência.Isso provou, definitivamente, que a luz é quantizável; ela vem em pequenos “pacotes” defótons, e não em ondas contínuas.

Com o conceito quântico de Planck bem estabelecido, em 1913, o físico dinamarquêsNiels Bohr o aplicou ao mistério do átomo e descobriu uma engenhosa maneira de reproduziros padrões das linhas do espectro. As contribuições pioneiras de Bohr renderam-lhe nãoapenas um Prêmio Nobel (em 1922, um ano depois Einstein recebeu o seu), mas também umarápida menção em Os Simpsons. No episódio “O Ataque do Papai Furioso”, um dosprogramas favoritos de Homer na televisão é substituído pelo programa The Boring World of

Niels Bohr [O Mundo Tedioso de Niels Bohr]. Homer fica tão contrariado que agarra umsanduíche de sorvete, mira-o contra a tela como um controle remoto, espreme o conteúdo eborra a imagem de Bohr. Em contraste com a reação de Homer, a maioria dos físicos só temelogios para Bohr, cujas idéias revolucionárias deram forma ao conceito moderno do átomo.

O modelo atômico de Bohr tem diversos postulados-chave. Primeiro, conformeexperiências do físico e químico neozelandês Ernest Rutherford, o modelo prega que osátomos consistem em um núcleo carregado de carga positiva, em redor do qual orbitamelétrons carregados negativamente. Já vimos como grandes núcleos atômicos se dividem noprocesso da fissão nuclear; o tipo que Bohr levava em consideração era muito mais simples.O núcleo mais básico – o do hidrogênio – é apenas um único próton.

O segundo postulado de Bohr é que a força que faz os elétrons orbitarem é apenas a forçaelétrica, obedecendo à lei de Coulomb, segundo a qual sua força varia inversamente com oquadrado das distâncias entre as cargas. Em outras palavras, quando os elétrons se aproximamdo núcleo, a força de atração do núcleo fica cada vez mais forte. Portanto, os elétrons gostamde ficar cada vez mais perto, sempre que podem.

O que, então, evita que os elétrons mergulhem em centros atômicos, tornando toda amatéria instável? Bohr supôs que o momento angular de um elétron (essencialmente sua massamultiplicada por sua velocidade multiplicada por seu raio) pode assumir apenas pequenosvalores – números inteiros múltiplos da constante de Planck divididos por 2 π. O múltiploespecífico do número inteiro – 1, 2, 3, 4, e assim por diante – é chamado de número quânticoprincipal. Admitindo que o momento angular, como a energia, é quantizável, os elétrons sãoforçados a seguir órbitas fixas de raios específicos.

Um outro postulado de Bohr permitiu-lhe reproduzir as fórmulas de Balmer, Rydberg eoutros para prever a frequência do espectro do hidrogênio. Ele supôs que os elétronspudessem saltar de uma órbita para outra, emitindo ou absorvendo um fóton durante oprocesso. Se um elétron salta para uma órbita inferior, ele libera um fóton que carrega adiferença de energia entre os níveis. Como a energia é proporcional à frequência, a cor da luzdepende de quanta energia o elétron perde. Um salto maior pode gerar uma cor violeta, porexemplo, e um menor, o vermelho. Inversamente, se um elétron absorve um fóton com aenergia certa, ele pode mover-se para uma órbita mais alta.

E até que ponto se pode ir? Essa indagação é irrespondível se aplicada às eleições paraprefeito de Springfield; contudo, ela tem aplicações precisas para os elétrons atômicos. A

órbita de elétrons mais interna, chamada de estado fundamental e com um número quânticoprincipal igual a 1, é o mínimo absoluto. Os elétrons simplesmente não podem chegar maisperto. Para o hidrogênio, o estado fundamental tem um raio de aproximadamente 5,3 x 10ˉ¹¹metros (um bilionésimo de centímetro), conhecido como raio de Bohr.

A teoria rudimentar de Bohr foi mais tarde suplantada por uma abordagem mais completada mecânica quântica, desenvolvida no final dos anos 1920 pelos físicos Louis de Broglie,Werner Heisenberg, Max Born, Erwin Schrödinger, e outros. Em sua forma mais abrangente, amecânica quântica estabelece que os elétrons podem ser representados por funções de onda,entidades sem localização exata, mas distribuídas como nuvens em certas posições médias.Mesmo na teoria revista, contudo, a previsão básica de Bohr de estados de elétronsquantizáveis permaneceu verdadeira. Então, procurando o mais que puder, você nunca vaiencontrar um átomo de hidrogênio com um elétron em estado fundamental centrado em umaregião menor que o seu raio de Bohr.

A presença de um raio atômico mínimo é um obstáculo para a nossa esperança final deminiaturização: encolher os átomos. Os átomos simplesmente não podem ser reduzidos detamanho arbitrariamente. Em todo o universo, elementos naturais parecem ter espectros-padrão, indicando que não existe uma coisa como hidrogênio, oxigênio ou carbono encolhidos,e assim por diante – algumas das moléculas essenciais para a formação da vida. Então, nessademocracia cósmica, os eleitores atômicos do prefeito Quimby teriam a mesma amplitude,profundidade e alcance de todo mundo. A igualdade universal, pelo menos em escalamicroscópica, é uma firme lei da natureza.

Assim, da próxima vez que os Simpsons forem solicitados a buscar um encolhimento,eles poderiam perceber que os átomos em seu sangue são os mesmos de todas as formas devida baseadas em carbono, e que, portanto, de acordo com princípios físicos, não podem ser

reduzidos. Fundamentalmente, a mensagem “Don’t tread on me” [Não me pise]** parece estarescrita em nossas células como em uma bandeira. Dos vários cenários fantásticos, aminiaturização não parece estar incluída no reino da possibilidade científica, pelo menos deacordo com o nosso atual entendimento da física quântica.

* Trocadilho intraduzível com a palavra “shrink”, que significa tanto o verbo “encolher” quanto o substantivo“psicólogo”, em linguagem coloquial (N. do E.).

** Inscrição em uma histórica bandeira dos Estados Unidos, antes da independência, de fundo amarelo com o desenhode uma cascavel pronta para o bote (N. do T.).

6A receita de Lisa

para a vida

De Golem a Frinkenstein (monstros apresentados em “A Casa da Árvore dos Horrores XVIIe XIV”), uma das especialidades de Os Simpsons é soprar vida nos inanimados. Talvez istoseja uma lembrança do que os próprios roteiristas e artistas das séries fazem quando colocamseus personagens em movimento na tela. Criar a ilusão de vida é uma forma antiga de

expressão artística, de Punch e Judy* à realidade virtual. Mas e se fosse possível criar vidaverdadeira, e modelar seres vivos genuínos a partir de material sem vida? Será que ahumanidade vai ser capaz um dia de desvendar os segredos da gênese?

De todas as personagens da família Simpson, aquela que mais se preocupa com temasligados à vida e à morte é a Lisa. Como vegetariana e budista, seu voto solene é tratar todosos seres vivos como sagrados. A última coisa que ela deseja é bancar Deus e decidir quaiscriaturas devem sobreviver e quais devem morrer.

Quando Lisa, no especial de Halloween “The genesis tube”, assume o papel de criadorae mantenedora de uma inteira civilização em miniatura, ela se vê em uma posição incômoda.Embora geralmente seja incentivadora da ideia de trazer novos conhecimentos científicos aomundo e receba com entusiasmo descobertas que irão ampliar nosso entendimento, elapercebe que ser criador é um peso colossal, da mesma forma que uma fonte de realização.

O episódio começa com Lisa desenvolvendo um projeto científico. Uma de suas bonecasacabou de perder um dente, então ela o coloca em uma vasilha e derrama sobre ele Buzz Cola,para examinar os efeitos corrosivos do refrigerante. Bart, como de hábito, não é muitosolidário. Maldosamente, ele toca Lisa e lhe dá um choque elétrico estático, que ela transmitepara o dente. Miraculosamente, o choque faz o dente imerso no refrigerante começar a criarformas minúsculas de vida em seu redor. Por um processo aceleradíssimo de evolução, umapróspera cidade cheia de minúsculas pessoas surge. Lisa acabou de criar seu próprio mundo.

Ao ouvir a voz de Lisa, os microcidadãos aprendem inglês e adotam o desdém de Lisa

pelas brincadeiras de Bart. Eles desenvolvem uma religião que associa Lisa e Bart a papéisdivinos e diabólicos, respectivamente. Um professor Frink em miniatura inventa uma máquinaque ele usa para reduzir Lisa ao tamanho deles. Adorada por todos os pequenos seres, Lisa écolocada em um trono e instada a solucionar as mais profundas questões teológicas. Enquantoisso, Bart, em tamanho normal, assume o crédito pela experiência de Lisa. Frustrada por suaincapacidade de retomar o tamanho normal e por fracassos em suas tentativas de comunicar-secom o mundo externo, Lisa aceita, com relutância, seu papel de líder da civilização. Ao criaruma raça minúscula, ela se vê forçada a compartilhar seu destino e a guiar seu futuro.

A ideia de pessoas em miniatura deve ser abordada com extrema cautela. Os cérebroshumanos são extraordinariamente complexos, com cerca de 100 milhões de neurônios, cadaum com uma célula extremamente intrincada. Como, então, seres microscópicos, do tamanhode esporos de mofo, poderiam possuir algo semelhante ao know-how humano? Além disso, sea evolução terrestre se repetisse e produzisse algum ser similar a uma pessoa, será que esseprocesso não levaria uma escala de tempo comparável e geraria seres humanos de tamanhossimilares aos dos atuais?

A ciência aprendeu nos últimos anos que as escalas de tamanho geralmente não sãoacidentais. Das galáxias aos átomos, cada um dos agentes da natureza tem proporçõesdeterminadas pelas leis fundamentais e condições do universo. Portanto, não espere criar umagaláxia, uma estrela, um planeta ou mesmo um ser mais avançado na pia de sua cozinha –apenas, talvez, se você se esforçar, uma impressionante corrida de fungos.

Vamos deixar de lado o tema da criação de pessoas minúsculas e retornar à questão maisrealista da possibilidade de se gerar vida a partir de materiais inanimados. Esse antigo enigmatoca fortemente em outra questão: a vida é uma ocorrência comum no universo? Quanto maisfacilmente a vida tenha surgido na Terra, maiores as chances de ela ter florescido em outroslugares.

Um dos primeiros e mais citados projetos de pesquisa dedicados a essa questão foi aexperiência Miller-Urey, estabelecida em 1953 pelo estudante de graduação Stanley Miller,sob a supervisão do ganhador do Prêmio Nobel Harold Urey, na Universidade de Chicago. Aexperiência tentou recriar as condições primitivas da Terra para verificar se surgiriammateriais orgânicos necessários para a vida. Dentro de um labirinto de tubos de vidro efrascos esféricos, Miller combinou quatro diferentes substâncias que existiam na atmosfera daTerra há bilhões de anos: metano, amônia, água e hidrogênio. Em uma série de ciclos, eleaqueceu a água até que ela evaporasse, aplicou descargas elétricas na mistura (para simular as

tempestades elétricas primitivas) e depois esfriou a água até que ela se condensasse. Depoisde uma semana de experiência, ele testou a mistura usando a técnica de papel cromatográficopara determinar sua composição. Surpreendentemente, identificou um certo número desubstâncias orgânicas comuns, incluindo vários aminoácidos (como a glicina), que servemcomo elemento constitutivo das proteínas.

Desde a época da experiência Miller-Urey, o campo da biologia sofreu umaextraordinária revolução na habilidade dos pesquisadores de produzir e manipular osrequisitos para a vida. Uma das maiores descobertas foi o desenvolvimento de métodos paracortar e fatiar cadeias de DNA, para formar o que é chamado de DNA recombinante (rDNA).Esses modelos genéticos feitos sob medida são inseridos em células hospedeiras – bactériasou células eucarióticas –, que podem ser induzidas a produzir proteínas recombinantes. Umaampla gama de proteínas sintéticas tem sido produzida dessa forma, desde a insulina sintéticahumana até o hormônio sintético do crescimento humano. Graças a novas biotecnologias, aciência médica tem sido capaz de desenvolver novos tratamentos para a preservação da vida,e pode até corrigir um certo número de moléstias genéticas.

Mesmo que nosso entendimento da genética se torne cada vez mais sofisticado, a ciênciaainda está insegura sobre como, exatamente, células simples emergiram do primitivo caldoorgânico há bilhões de anos. Um pesquisador que devotou muitos anos a esse assunto é JackSzostak (não confundir com Moe Szyslak), biólogo molecular de Harvard. Como parte doprograma “Origens da vida no universo”, de iniciativa da universidade, Szostak investigou ateoria de que os ácidos graxos e o RNA, quando suplementados com certos tipos de barro,poderiam ter se reunido em células primitivas com membranas. Como Szostak uma vezdescreveu sua pesquisa, “as membranas da célula se reúnem sob as condições certas. Se vocêborrifa um pouco de barro nessas reações, o barro as acelera”.**

Como um proeminente especialista em biotecnologia, Szostak foi um dos pioneiros dapesquisa sobre o DNA recombinante e tem estudado o papel da telomerase, uma enzimaimportante que evita que as cadeias de DNA se tornem menores a cada divisão da célula. Semessa enzima, o DNA se deteriora com o tempo. Szostak está examinando ligações entre atelomerase, o processo do envelhecimento e o câncer.

Muitos pesquisadores esperam que nosso crescente entendimento sobre o processo dareplicação genética e sobre a divisão da célula eventualmente mostre maneiras de retardar oumesmo reverter as manifestações físicas do envelhecimento, tais como o declínio da força eda flexibilidade, a morosidade nos processos de cura e a perda de memória. Por meio de um

regime especial com medicamentos ou da engenharia genética, no futuro, as pessoas de 100anos terão o mesmo nível de vigor físico que os trintões de hoje. Centenários magnatas dosetor nuclear, por exemplo, poderiam se revitalizar e manter suas empresas tanto quantoquisessem, para o grande deleite de seus assistentes pessoais (isto é, se seus assistentes foremcomo Smithers).

Inevitavelmente, com novas tecnologias radicais, vêm perturbadores dilemas éticos. Porexemplo, e se células humanas embrionárias pudessem ser manipuladas não apenas paraeliminar terríveis doenças genéticas, mas também para alterar características estéticas como acor e a textura do cabelo, a cor dos olhos, a pigmentação da pele, a esperada estatura adulta, eassim por diante? Será que os pais se empenhariam em ter filhos sob medida? Será quetentariam encomendar um filho com a precocidade de Lisa e não com a impertinência de Bart?Ai, caramba!

Enquanto isso, a ciência está chegando cada vez mais perto de produzir formas de vidaem laboratório. Como muitas tecnologias, essa poderia ser usada em benefício da humanidade,por meio de impressionantes novas curas, ou para seu declínio, com devastadoras armasquímicas. Como Lisa experimentou no decurso de seu experimento científico, ao agir sobre oambiente e manipular os aspectos básicos da vida, nossa responsabilidade perante a naturezaaumenta na mesma medida de nossas habilidades de criar e destruir.

“The genesis tube” não é o único episódio da série a apresentar um processoevolucionário extraordinariamente rápido. O episódio “Homerazzi” apresenta uma sequênciaintrodutória inteligente mostrando a evolução de Homer desde um organismo unicelular atésua forma atual. Ele começa com as células do rosto de Homer se dividindo rapidamente,gritando “D’oh!” cada vez que se dividem. Esses organismos primitivos evoluem em váriascriaturas aquáticas, incluindo anfíbios semelhantes a Homer que rastejam até a terra.Prontamente, um macaco similar a Homer emerge da selva e se transforma em diversos ediferentes humanos parecidos com ele. Quando o moderno Homer finalmente assume seu lugarno sofá da família, Marge ralha com ele perguntando: “Por que você demorou tanto?”.

Se Marge estudasse o registro dos fósseis, talvez fosse mais paciente. O terreno debaixode Springfield e inúmeros locais pelo mundo contêm evidências inconfundíveis de que a vidaevoluiu ao longo de bilhões de anos. Vamos escavar o sagrado solo de Springfield e ver o queas relíquias contam.

* Punch e sua mulher, Judy, são personagens de um show de marionetes extremamente popular na Inglaterra, com raízesna commedia dell’arte da Itália no século XVI, gênero de comédia com elementos circenses em que uma trupe demenestréis, poetas e artistas se apresentava de forma itinerante (N. do T.).

** National Academy of Sciences, Commission on Physical Sciences, Mathematics, and Applications, Size limits of verysmall microorganisms: proceedings of a workshop. Washington: National Academies Press, 1999.

7O lar, doce lar, dos anjos

Springfield é uma cidade que valoriza sua história. Os turistas visitam a “Olde SpringfieldTowne” para aprender como era a vida nos dias de Jebediah Springfield, seu fundador.Contudo, para conhecer a história completa de Springfield, não é suficiente visitar a imitaçãode uma instalação colonial ou coletar históricos Squishees. Os edifícios e as pessoas deSpringfield (como Barney Gumble, o residente permanentemente bêbado), que encenamimitações do passado, são apenas parte do retrato completo. Debaixo da superfície da cidadeexistem restos de uma pré-história geológica, evidências fósseis das eras anteriores àocupação humana. Então, se você acha que alguns dos residentes de Springfield sãotrogloditas, escave um pouco mais para achar a verdade.

O centro da herança pré-histórica de Springfield é um campo chamado Saber ToothMeadow [Prado do dente-de-sabre], do qual muitos fósseis foram levados para museus.Tigres dentes-de-sabre do gênero smilodon perambulavam pelas pradarias da América doNorte e do Sul durante a última Era Glacial, até que foram extintos há mais ou menos 11.500anos. Do tamanho dos atuais leões africanos, eles tinham dentes caninos superioresproeminentes e corpos musculosos. De pernas curtas, provavelmente não corriam muitorapidamente, mas se esgueiravam até a presa. Restos de esqueletos desses grandes felinosforam encontrados em toda a região do Meio-Oeste dos Estados Unidos. O nome do sítio defósseis de Springfield, portanto, provavelmente indica que esses ossos foram localizados emseu solo.

Como uma promissora cientista e ativista ambiental, Lisa está absolutamente convencidade que a pré-história de Springfield deve ser preservada. Portanto, fica horrorizada quando,no episódio “Lisa, a Cética”, descobre que Saber Tooth Meadow será aterrado e pavimentadopara receber um grande shopping center. E se lá houver fósseis ainda não descobertos, elesserão perdidos com a utilização do terreno? Irritada pela recusa dos empreendedores doshopping center em permitir escavações arqueológicas, ela contrata um advogado, odesajeitado Lionel Hutz. A despeito da incompetência de Hutz, Lisa obtém dos

empreendedores (depois de uma suspeita conversa entre eles e os construtores) a promessa deque será permitida a escavação.

Para conseguir escavadores, Lisa se vale de um favor que o diretor Skinner lhe deve econsegue que ele lhe empreste alguns estudantes. Depois de um dia inteiro de escavação emcompanhia de Jimbo, Dolph, Kearney, Ralph e outros, Lisa encontra um esqueleto enterrado.Removendo-o cuidadosamente, a equipe o examina e descobre que se parece extremamentecom o esqueleto de um anjo de duas asas. Muitos dos espectadores, como Ned e Moe,imediatamente concluem que o esqueleto comprova a existência dos anjos bíblicos.Estarrecida, Lisa vasculha o cérebro em busca de uma explicação científica coerente, comorestos de um mutante, mas não consegue achar nada razoável.

Homer, com seu empreendedorismo, arrasta o esqueleto para sua garagem, coloca-o emexposição e cobra ingresso. Peregrinos acorrem em quantidade até o “anjo”, na esperança deque, ao orar para ele, ficarão curados de suas doenças. Enquanto isso, Lisa remove um osso eo leva ao Museu de História Natural de Springfield, na esperança de que um dos cientistaspossa fazer uma identificação usando análise de DNA ou outros meios.

O museu deveria ser extremamente bem financiado na época, porque seu especialistaresidente era ninguém menos que o renomado paleontólogo e célebre autor Stephen Jay Gould.Gould, que passou a maior parte de sua carreira em Harvard, desenvolveu com NilesEldredge a teoria evolucionista do equilíbrio interrompido, uma alternativa à maisamplamente aceita visão “gradualista”. Resumidamente, a diferença entre equilíbriointerrompido e gradualismo é que o primeiro propõe que a evolução ocorre a intervalosirregulares, com espasmos de rápido crescimento (induzidos, talvez, por súbitas alteraçõesambientais) separados por longos intervalos nos quais pouco acontece, enquanto a segundapropõe um contínuo registro de passos evolutivos. Essa distinção é, algumas vezes, nomeada“evolução por saltos” versus “evolução gradual”. Além dessa estrepitosa contribuição paratal debate, Gould deixou sua marca como historiador da ciência, escreveu uma coluna regularna revista Natural History [História Natural] e publicou sua volumosa obra-prima, TheStructure of Evolutionary Theory [A Estrutura da Teoria Evolucionária] pouco antes demorrer de câncer, em 2002.

Gould era muito respeitado, mas ao mesmo tempo uma figura controversa, por ser um fãdeclarado do darwinismo com uma visão não tradicional. Assim, ironicamente, ele precisavadefender sua posição tanto contra os darwinistas puristas quanto contra os opositores da teoriaevolucionista, tais como os criacionistas. Isso se tornou uma espécie de pingue-pongue: Gould

atacava o gradualismo, e adversários do evolucionismo rebatiam alegando que essa era umaevidência das “falhas intransponíveis” da teoria evolucionista, a qual, diziam, deveria sersuplantada (ou pelo menos suplementada) por uma abordagem literal dos relatos bíblicos.Assim, aparecer em uma série de TV envolvido com uma controvérsia evolutiva não era umincômodo para Gould.

Embora não fosse surpresa para ele aparecer como convidado na série, seu papel foiinesperadamente constrangedor, dada sua estatura científica. Quando Lisa lhe dá o pedaço deosso, ele promete analisá-lo. Mais tarde, Gould corre até Lisa, aparentemente com pressa decontar alguma coisa. Quando ela lhe pede uma declaração, ele responde simplesmente“inconclusivo” e se desculpa. Gould acaba admitindo que não tinha se dado o trabalho defazer um teste. Na falta de resultados abalizados, Lisa perde a oportunidade de defender osmétodos científicos, e agora tem de enfrentar seus críticos de mãos vazias.

Na verdade, parece que a cidade inteira se uniu em oposição a Lisa e à ciência. O âncorado jornal de televisão, Kent Brockman, zomba de Lisa por sua inabalável crença de que oesqueleto não é de um anjo. Comentando a necessidade de mistérios na vida, Ned diz: “Aciência é como um falastrão que estraga um filme contando seu desfecho”. Depois que AgnesSkinner inflama a multidão contra as instituições científicas, um grupo se dirige ao Museu deHistória Natural e começa a destruir esqueletos de dinossauros e outras peças. É um dos diasmais sombrios para a razão desde a época da Inquisição. Quem poderia ter esperado isso?

A essa altura, os acontecimentos tomam uma direção bizarra. O “anjo” desaparecemisteriosamente da garagem de Homer e aparece no alto de uma colina com vista paraSpringfield. Lisa e outros se dirigem à colina e percebem que na base do anjo está inscritauma mensagem agourenta afirmando que “o fim” vai chegar ao anoitecer. O reverendo Lovejoyproclama que o dia do juízo final está às portas.

O pôr do sol chega, e os residentes de Springfield se reúnem na colina. Quando o solmergulha na linha do horizonte, as pessoas se preparam para o destino final. Segundos depois,o anjo começa a falar e a se erguer da colina. Até Lisa, embora tente racionalizar o que estáacontecendo, parece genuinamente amedrontada e agarra a mão de Marge. O anjo começa amover-se na direção do novo shopping center e anuncia sua festiva inauguração. Em vez dojuízo final, contudo, o “fim” a que o anjo se referia é o fim dos preços altos. Lisa percebe quesua descoberta foi uma vergonhosa manobra publicitária desde o início. Assim, como oHomem de Piltdown, o Anjo de Springfield revela-se apenas uma fraude imaginosa.

Como essa foi uma das últimas “aparições” de Gould na mídia, o episódio tornou-se focode muito comentário, discutido por um grande e eclético grupo de revistas, desde Science andSpirit [Ciência e Espírito] a Socialism Today [Socialismo Hoje]. Nesta última, Pete Masonescreveu:

Gould ficaria muito feliz de ter esse [episódio] como seu obituário. Suas referênciasà cultura popular (particularmente ao beisebol) são uma marca de todos os seusensaios, que apareceram a cada mês na revista Natural History durante quase trinta

anos.*

William Dembski, um dos líderes do movimento do desenho inteligente (a crença de quea complexidade da vida requer um designer), expressou uma visão diferente da performancede Gould. Ele observou:

Gould sai muito mal do episódio. Na verdade, estou surpreso de ele ter se deixadousar dessa forma. E, para ser sincero, os fanáticos religiosos e o povo simples dacidade se saíram ainda pior. É a lei do consumismo que emerge como a clara

vencedora.**

Gould certamente não foi o primeiro advogado da teoria evolucionista a se meter em umacontrovérsia. Com a publicação de seus textos clássicos como A Origem das Espécies e aSeleção Natural, em 1859, e A Origem do Homem e a Seleção Sexual, em 1871, o próprioDarwin atraiu tanto elogios quanto críticas. Sua teoria baseada na mudança gradual dasespécies indicava uma Terra muito mais antiga que seus contemporâneos estavam preparadospara aceitar. Além disso, a então radical proposta de que a humanidade era uma espécieanimal ofendeu certas sensibilidades religiosas e morais. Na verdade, prevendo acontrovérsia que suas teorias iriam provocar, Darwin retardou a divulgação de sua pesquisadurante duas décadas, até que veio a público o trabalho sobre evolução de outro cientistabritânico, Alfred Russel Wallace. Quando Wallace falou com Darwin sobre suas pesquisas,Darwin ficou perplexo e decidiu fazer a publicação. Apesar da codescoberta de Wallace, a

teoria evolucionista passou a ser conhecida como darwinismo.

Tanto Darwin quanto Wallace foram influenciados pelas terríveis teorias do reverendoThomas Malthus, que previu, em 1798, que o crescimento da população acabaria suplantandoo estoque de alimentos, levando a uma crescente luta pela sobrevivência. A populaçãohumana, Malthus defendeu, tende a crescer em uma progressão geométrica (dobrandocontinuamente), enquanto a produção de alimentos pode aumentar apenas em uma progressãoaritmética (somando-se), muito mais lenta. Portanto, muitas pessoas buscariam poucos bens ehaveria fome em larga escala. Isso poderia provocar conflitos generalizados e,presumivelmente, apenas os mais fortes sobreviveriam. Pense na briga que Homer teria comLenny e Carl pela última rosquinha disponível e multiplique isso por bilhões.

As ideias de Malthus mostraram-se mais aplicáveis às populações de animais e plantasque aos humanos. Através dos séculos, desde que Malthus fez suas previsões, nossa espéciedesenvolveu técnicas agrícolas cada vez mais avançadas, suplantando o rápido crescimento dapopulação. Escassez e fome tendem mais a ser o resultado da desigual distribuição que dafalta de alimento. Outras espécies, porém, obviamente não podem ampliar seu suprimento dealimentos por meio da agricultura ou da importação. Portanto, nas regiões com recursosinsuficientes, elas devem competir com outras para sobreviver. Na teoria evolucionista, essaluta é chamada de “sobrevivência do mais apto”, expressão cunhada pelo filósofo inglêsHerbert Spencer.

Por meio de extensos estudos das variações entre animais e plantas, Darwin percebeucomo a competição poderia levar à introdução de novas espécies com o tempo. Ele coletouexemplos e manteve um detalhado diário durante uma épica viagem ao redor do mundo abordo do navio HSM Beagle. A viagem, que durou cinco anos, começou em Plymouth,Inglaterra, em dezembro de 1831, e incluiu paradas nas Ilhas Canárias, em toda a costa daAmérica do Sul, na Austrália, na Nova Zelândia e na África do Sul. Um dos pontos altos daviagem foi um minucioso estudo da flora e da fauna do arquipélago de Galápagos, que Darwinconsiderou quase um mundo em si próprio. Lá ele encontrou as famosas tartarugas gigantes,mais 12 espécies de tentilhões e numerosas outras criaturas exóticas. Nas anotações do diário,ele observou o magnífico mosaico de características variadas que os animais e as plantaspossuíam, como as diferenças de bico entre os tentilhões. Percebeu que essas variedadesrepresentavam galhos de uma árvore genealógica que partiam de ancestrais comuns e começoua afirmar que isso valia para todos os seres vivos. Cada variação, ele defendeu, apresentavaforças e fraquezas próprias na luta pela sobrevivência, e floresciam ou se extinguiam

dependendo de como essas características se comportavam em relação aos competidores.

Na tentativa de mapear toda a cadeia das criaturas terrestres ligadas por umaancestralidade compartilhada, Darwin procurou fósseis e outras evidências que provassem agradual transformação ao longo do tempo. Fósseis geralmente resultam da mineralização derestos de um organismo incrustados em material sedimentar (como o que se acumula no canalde rios) e oferecem uma visão de como era a estrutura daquele ser quando o material estavavivo. Coletando e examinando esses restos, Darwin percebeu que havia muitas lacunas noregistro fóssil, em que nenhuma transição era evidente. Gould e outros advogados doequilíbrio interrompido tinham apontado essas lacunas como uma evidência da rápidaalteração que ocorre em intervalos esporádicos. Para Darwin, contudo, as lacunas pareciamresultar dos limites da própria paleontologia, como evidenciava a “pobreza das coleçõespaleontológicas”. Ele escreveu em A Origem das Espécies:

Agora, voltemo-nos para os nossos mais ricos museus geológicos – que irrisóriacoleção possuímos! Que as nossas coleções são imperfeitas é admitido por todomundo [...] muitas espécies fósseis são conhecidas e nomeadas apenas comespécime único, e muitas vezes quebrado, ou com poucos espécimes coletados emum único sítio. Apenas uma pequena porção da superfície da Terra foi exploradageologicamente. [...] Nenhum organismo realmente macio pode ser preservado.Conchas e ossos se destroem e desaparecem quando deixados no fundo do mar, onde

o sedimento não se acumula.***

A publicação de A Origem do Homem motivou uma intensa busca pelo “elo perdido” dahumanidade e dos macacos com seus ancestrais comuns. A esperança de preencher esse lapsoturbou a visão dos que foram enganados pela fraude do Homem de Piltdown. Hoje, aradiometria (análise do percentual de certas substâncias radioativas para determinar a idadede um material) e outras modernas técnicas de datação tornaram essas fraudes cada vez maisimprováveis. Esses métodos estabeleceram que a vida na Terra data de pelo menos quatrobilhões de anos. Tais técnicas poderiam ter sido utilizadas no esqueleto do “anjo” de Lisapara determinar se todos os ossos eram do mesmo indivíduo. Se não fossem, teria ficado claroque o achado era um embuste.

Técnicas de datação foram uma dádiva para a teoria evolucionista, porque mostraramque houve tempo suficiente para que variações ocasionais combinadas com a pressão daseleção natural levassem à gama completa das espécies naturais. O brilho do darwinismo éque oportunidade, seleção e passagem do tempo trabalham em conjunto para produzir espéciesbem adaptadas aos seus habitats.

Oportunidade é uma coisa curiosa. Já foi dito que se muitos macacos batucassem nasteclas de uma máquina de escrever durante um tempo suficientemente longo, elesreproduziriam os trabalhos de Shakespeare. Isso porque os macacos, no tempo devido, iriampressionar cada possível combinação de letras. Assim, mesmo que levassem bilhões de anos,eles eventualmente iriam reproduzir qualquer coisa que Shakespeare ou outro escritor tivesseproduzido.

E Homer, fuçando em sua garagem? Se ele passasse tempo suficiente com uma caixa depeças – tentando juntá-las em várias combinações –, seria possível o surgimento de umafantástica nova invenção? Com suficiente dedicação ele seria capaz de reproduzir os feitos deEdison?

* MASON, Pete. “Stephen Jay Gould”, Socialism Today, n. 67, jul.-ago. 2002. Disponível em:<www.socialismtoday.org/67/gould.html>. Último acesso em 25 fev. 2007.

** Dembski, William A. “An analysis of Homer Simpson and Stephen Jay Gould”, Access Research Network .Disponível em: <www.arn.org/docs/dembski1129.htm>. Último acesso em 25 fev. 2007.

*** Darwin, Charles. On the origin of the species by means of natural selection, or the preservation of pavouredraces in the struggle for life. London: John Murray, 1859, p. 287.

Parte dois

Tramas mecânicasLisa, nesta casa nós obedecemos às leis da termodinâmica!

Homer Simpson, “A Associação de Pais eMestres de Banda”

Por que não posso mexer no tecido da existência?Lisa Simpson, “A casa da árvore

dos Horrores XIV”

8D’ohs ex machina

De que é feito um gênio da mecânica? Por que Thomas Edison foi tão brilhante? Embora opróprio Edison alegasse que gênio era uma mistura de inspiração e transpiração, isso foiclaramente antes do advento dos modelos contemporâneos de aprendizado e do ar-condicionado. Hoje, pesquisadores têm proposto uma variedade de teorias sobre a natureza dainteligência excepcional. Algumas delas afirmam que há uma correlação entre inteligência edéficits sociais.

Alguns pensam em Homer Simpson como uma inteligência apagada e, portanto,rejeitariam qualquer conexão entre ele e Edison. Contudo, há similaridades entre ambosirrompendo tão gritantemente como os primeiros fonógrafos. Como no caso de Edison, Homerparece ter dificuldades em lidar com as pessoas. Seria um sinal de que mexer com máquinas ésua vocação verdadeira? Será que uma inteligência inexplorada se esconde debaixo do vernizda mais completa incompetência? Será que o olhar lustroso de Homer, como o lustro dasrosquinhas, recobre os deliciosos e saborosos insights que existem lá dentro? Como o famosoinventor, Homer é conhecido por passar muito tempo fitando tubos brilhantes – no caso deEdison, protótipos experimentais de fontes de luz incandescente; no de Homer, jogos defutebol pela televisão, mas de qualquer forma o conceito geral é o mesmo: elétrons gerandosuas energias e iluminando vidro. Ambos têm um forte vínculo com a indústria da energia.Enquanto a Con Edison, a corporação sucessora da empresa original de Edison, costumavaadministrar usinas nucleares geradoras de energia, assim também faz Homer, mais ou menos.Bem, estamos exagerando, mas vamos verificar o que acontece quando Homer tenta serinventivo.

Em “O Mágico de Springfield” (episódio cujo título brinca com o apelido de Edison, “O

Mágico de Menlo Park”),* Homer aspira ser um inventor ainda maior que Edison. Comomotivação, o permanente temor de que desperdiçou sua vida e não tem nenhuma realizaçãopela qual um dia vai ser lembrado. Essa inquietação começa quando Homer ouve no rádio quea expectativa média de vida é de 76,2 anos – exatamente o dobro de sua idade (pelo menos a

que ele pensa que tem) –, o que significa que, do ponto de vista estatístico, metade de sua vidajá transcorreu. Aborrecido, ele fica ruminando que metade de seu tempo na terra já passou eele não fez nada que valesse a pena.

Homer fica vagando pela casa, deprimido, e a família lhe faz uma festa-surpresa em umatentativa de animá-lo. Eles exibem filmes em um antigo projetor, mostrando suas realizações.Depois de ver algumas cenas de sua vida, Homer fica desapontado quando o filme começa aqueimar com o calor do projetor. Irritado com quem inventou “filmes estúpidos”, Homer éinformado por Lisa que foi Edison. Ela lhe fala sobre Edison e suas muitas outras invenções,incluindo as lâmpadas incandescentes, o microfone e o fonógrafo. Não acreditando nela,Homer vai até a biblioteca da escola de ensino fundamental (foi proibido de frequentar abiblioteca pública) e lê vários livros infantis sobre a vida e as realizações de Edison. LogoHomer tem um novo modelo de vida.

As tentativas de Homer de emular e suplantar “o mágico” inspiram-no a também se tornarum inventor. De início, parece que lhe falta a centelha. Ele visita o professor Frink, que oaconselha a pensar em coisas de que as pessoas precisem, mas que ainda não existam, ou emusos novos para coisas existentes. A primeira idéia de Homer são protetores de orelhas feitosde hambúrguer. Frink parece rejeitar a ideia, mas na verdade ele próprio já os tinha inventado.

Homer volta para casa, enfurna-se por um tempo e consegue desenvolver diversas novasinvenções, que mostra à família. O processo foi árduo, de modo que ele espera que todosaplaudam suas criações. Contudo, todos ficam frustrados com a inutilidade dos quatro projetosque Homer apresenta. O primeiro é um martelo elétrico que martela automaticamente, mas édifícil de controlar e acaba abrindo buracos na parede. O seguinte é alguma coisa que pareceum alarme de emergência ou um detector de fumaça, chamado de alarme “tudo está ok”, quebipa continuamente quando não há nada errado. Ele faz um som repetitivo extremamenteirritante e não pode ser desligado. Felizmente para os ouvidos e nervos da família, logoquebra. O terceiro é um “revólver de maquiagem”, que parece um rifle e cobre Marge comuma mancha de cores. O último é uma “cadeira de banheiro”, um sofá que também é umaprivada.

Quando Marge fala francamente da inutilidade das invenções de Homer, ele ficadesapontado e taciturno. Pensando sobre seus fracassos, ele se recosta em uma cadeira quetinha adaptado. A cadeira tem um terceiro par de pés flexíveis, presos por dobradiças, que semovimentam para trás e impedem que ela revire. Marge e Lisa ficam maravilhadas com aengenhosidade da construção de Homer, e ele fica extasiado ao ver que finalmente tinha criado

alguma coisa útil e única. Exultante diante de um pôster de Edison que ele tem no porão,Homer olha atentamente e percebe que o inventor está sentado em uma cadeira idêntica.Edison já tinha feito a tal cadeira, mas por alguma razão nunca a comercializou.

Em um acesso de desespero, Homer decide ir de carro até o Museu sobre Edison edestruir a cadeira original, de modo que ele possa continuar a reivindicar a invenção. ComBart a tiracolo, Homer se desvia sorrateiro da excursão que visita o museu, pega seu marteloelétrico e está prestes a destruir a cadeira rival quando percebe um pôster na parede. Elecompara o progresso inventivo de Edison com o do renomado artista do Renascimentoitaliano, Leonardo da Vinci. Homer se conscientiza de que Edison era tão invejoso de DaVinci quanto ele é de Edison. Tomado de simpatia em relação a Edison, Homer decide nãodestruir a cadeira. Sem perceber, deixa para trás o martelo elétrico, que é encontrado pelosfuncionários do museu e anunciado nos noticiários como uma grande invenção desconhecidade Edison. O episódio se encerra com Homer consternado com o fato de que nem sequerobteve crédito por sua invenção, um artefato que provavelmente vai render milhões para oespólio de Edison.

O museu, nesse episódio, é baseado no lugar real onde Edison outrora trabalhou. Situadona cidade de West Orange, aninhada nos extensos subúrbios ao norte de Nova Jersey, o EdisonNational Historic Site [Espaço Histórico Nacional de Edison] é um monumento ao gênioinventivo de Edison. Seu museu de invenções está situado em um complexo de edifícios detijolos vermelhos, de formato estranho, e intricadamente ligados, os quais já haviam sido osamplos laboratórios do inventor. Os visitantes do museu maravilham-se com as fileiras deprateleiras empilhadas com diagramas esboçados, as centenas de caixas de vidro cheias delâmpadas rudimentares e de engenhocas elétricas, bem como as fileiras de dispositivosmecânicos pendurados em quase todos os tetos, ligados a estranhas máquinas nos assoalhos.Nesses cômodos apinhados, Edison costumava ficar dias seguidos, trabalhando arduamente –quase não dormindo, a não ser por breves cochilos –, até que tivesse descoberto soluções paraseus problemas técnicos.

Uma das invenções de Edison que lhe deu um orgulho especial foi a do fonógrafo(palavra derivada do grego e que significa “instrumento que escreve som”), tambémconhecido como “a máquina que fala”. Edison foi o primeiro homem a gravar e a reproduzir avoz humana. Os acontecimentos fundamentais no desenvolvimento do fonógrafo, e queexemplificam o processo inventivo geral de Edison, ocorreram no verão de 1877. Edisontentava construir um instrumento que fosse capaz de transcrever os pontos e travessões de uma

mensagem telegráfica em uma fita de papel para arquivamento. Para ajudar a manter a fita noajuste correto, pôs uma pequena mola de aço. Edison percebeu, surpreso, que quando a fitapassava pela mola, um som quase inaudível, mas distinto, similar à voz humana, eraproduzido. Como era imensamente inventivo, ele inspirou-se nesse som para desenvolver ummeio mecânico de gravar o som, usando marcas em materiais que também podiam receberessa impressão. Movendo um estilete sobre esses materiais marcados, Edison concluiu quetons reconhecíveis, entre eles a voz humana, poderiam ser reproduzidos.

Edison logo desenhou um projeto operacional para o primeiro fonógrafo e o enviou a umde seus mecânicos de confiança. A máquina que desenvolveu e que o mecânico construiuconstituía-se em um cilindro de metal envolvido por uma folha de estanho provido de um eixoem espiral com uma ponta fina, uma base sobre a qual o cilindro girava, uma manivela parafazer girar o cilindro e uma agulha de gravação que rasparia o lado externo do cilindro,seguindo o padrão da espiral. A outra extremidade da agulha era conectada a um diafragma,semelhante ao que era usado em telefones. Assim, falando para o diafragma e girando amanivela, ele faria a agulha de gravação vibrar, criando uma marca na camada de estanho e aomesmo tempo fazendo o cilindro girar, distribuindo a marca feita pela agulha na extensão totalda espiral. O resultado era uma sequência de marcas sob a forma de “montes e vales”espalhados por todo o cilindro. Para reproduzir a mensagem, ele simplesmente colocaria ocilindro em um mecanismo similar, mas com uma agulha de reprodução (um estilete) e umdiafragma, em vez de um dispositivo de gravação. Girando a manivela e ouvindo os sonsemitidos pelo diafragma enquanto a agulha se movia sobre os sulcos da folha de estanho, elepoderia ouvir uma reprodução mais ou menos exata da mensagem original. As vibrações damembrana simulariam a reverberação das cordas vocais humanas e criariam vozes realistassimuladas.

Depois que seu assistente, seguindo cuidadosas instruções, construiu o modelooperacional do fonógrafo, Edison decidiu fazer um teste. Preparando o cilindro de gravaçãocom uma folha nova de estanho, ele falou alto e claro no diafragma enquanto girava amanivela. As palavras que ele emitiu não tinham nada de profundo: “Mary... tinha... umcarneirinho”. O diafragma vibrou, a agulha moveu-se, o cilindro girou, e a mensagem foigravada. Então veio a hora da verdade. Edison substituiu o dispositivo de gravar pelo dereproduzir, girou a manivela mais uma vez e ouviu cuidadosamente os sons produzidos pelocilindro que girava. E, maravilha, repetiram-se as exatas palavras que ele tinha dito,reproduzidas em seu próprio tom de voz. Embora tivesse antevisto que aquilo aconteceria,

Edison ficou verdadeiramente surpreso com os resultados de sua criação. Estava pasmo com ofato de se ouvir falar. O fonógrafo se transformaria em um dos maiores sucessos comerciais deEdison.

Em outra sala do museu, os visitantes podem ver onde Edison desenvolveu uma câmerade cinema primitiva para suas primeiras experiências em cinematografia. A ideia dessainvenção pode ter sido uma sugestão de Eadweard Muybridge, inventor do zoopraxiscópio(um sistema de múltiplas câmeras para captar o movimento), de que seu aparelho fossecombinado com o fonógrafo para gravar tanto a imagem quanto o som. Em vez disso, Edisondecidiu criar seu próprio sistema usando uma câmera simples, e acabou desenvolvendo ocinetoscópio (palavra de origem grega que significa “ver o movimento”). A maior parte dotrabalho de construção da primeira câmera cinematográfica foi feita por um dos assistentes deEdison, o fotógrafo William Dickson. O projeto original era semelhante ao dos primeirosfonógrafos, com o filme preso ao cilindro giratório. Mais tarde, com o advento de bandasgrandes e flexíveis de celulóide, o cilindro foi substituído por carretéis de filmes.

No terreno em volta de seu laboratório, em um edifício atulhado e escuro, chamado deBlack Maria, Edison estabeleceu o primeiro estúdio de cinema. Para lá, ele chamou váriostipos de artistas, como malabaristas, com o objetivo de filmá-los. Embora os filmes fossemcurtos e simples, eles anunciaram uma revolução na maneira como imagens em movimentopodiam ser registradas e estabeleceram os Estados Unidos como o maior centro da indústriado cinema e do entretenimento em geral. Assim podemos agradecer a Edison pela tecnologiaque abriu o caminho para O Mágico de Oz, Casablanca, Cidadão Kane e Os Simpsons, ofilme.

A lâmpada incandescente, o fonógrafo, a câmera de cinema, a indústria do cinema emuitas coisas mais – afinal, o que foi que Edison não inventou? Para começar, ele nãoinventou o martelo elétrico. Uma patente para esse invento foi concedida pelo governo dosEstados Unidos a Hiroki Ikuta, em 2005. Edison também não inventou ou reinventou a roda.Como Carl esclarece no episódio, foi o engenheiro escocês James Watt que desenvolveu omotor a vapor, umas das principais inovações que deram força à revolução industrial.

Uma lição que esse episódio nos ensina é que para ser um inventor não é necessárioapenas um extraordinário talento, mas também uma correta mistura de habilidades parasolucionar problemas e atacar quebra-cabeças espinhosos. Para deixar uma marca na história,um pensador brilhante deve estar no lugar certo na hora certa. Não há dois gênios iguais, nemduas situações iguais, por isso é preciso uma certa dose de sorte para deparar com as

circunstâncias adequadas. A persistência obstinada de Edison e sua habilidade de produzirsoluções criativas permitiram-lhe aplicar as leis da eletricidade e dos princípios da mecânicaàs necessidades industriais e domésticas de sua época.

Se Edison é um dos heróis-cientistas de Homer, Einstein certamente é o de Lisa. Em “Aárvore dos horrores XVI”, quando uma bruxa transforma os habitantes da cidade empersonagens de suas fantasias de Halloween, Lisa acaba virando Einstein. Ela até imita suamaneira de falar enquanto tenta descobrir um meio de quebrar o encanto. É muito razoável queLisa se identifique com um pensador conhecido por seus insights teóricos e por seuhumanitarismo, enquanto Homer admira um homem mais pragmático em busca de sucesso nosnegócios.

Não que Einstein não tivesse um lado prático. Durante seus estudos universitários emZurique, ele passou a gravitar em torno do laboratório e deixou de assistir às aulas dematemática abstrata. Mais tarde, ele descobriria que algumas das aulas a que ele não tinhaassistido eram necessárias para suas pesquisas. Como era de esperar, ele não recebeu notasboas dos professores e teve dificuldade, a princípio, de encontrar um trabalho acadêmicodepois de se formar.

Felizmente, Einstein tinha um amigo bem relacionado que o ajudou a achar uma posiçãono Swiss Patent Office [Escritório Suíço de Patentes], em Berna. Esse período acabou sendomuito recompensador e produtivo, oferecendo a Einstein um equilíbrio entre o temponecessário para desenvolver seus cálculos teóricos e a oportunidade de ganhar um bomdinheiro ao desempenhar uma tarefa importante. Como oficial de patente, o trabalho deEinstein era verificar os planos e as especificações de novas invenções para avaliar se elaseram inéditas, úteis e viáveis.

Como o exemplo de Homer demonstra, nem tudo o que a mente de um inventordesenvolve representa uma magnífica invenção. Nem todo mundo pode ser tão original quantoEdison. Um produto que vai parar na mesa de um oficial de patente pode ser igual a algumainvenção já patenteada e pouco conhecida. Mesmo que o produto seja original, ele pode serinútil, como o alarme “tudo está ok”. Finalmente, ele pode parecer uma ideia magistral, masser impraticável. Se ele viola as leis conhecidas da física, eis um sinal seguro de que não vaifuncionar.

Mesmo os maiores inventores, incluindo Edison, não puderam desenvolver uma máquinaque funcione indefinidamente. Um experiente oficial de patente como Einstein, sem dúvida

nenhuma, rejeitaria qualquer esquema de um moto-perpétuo que caísse em suas mãos. O moto-perpétuo viola as leis da termodinâmica, um componente-chave da teoria física. Quem teriapensado que o negócio de invenções seria tão complicado?

* Referência à cidade californiana onde Edison desenvolveu boa parte de seus projetos (N. do E.).

9

Comoção perpétua*

Os desenhos de televisão podem ser o mais perto que conseguiremos chegar de dispositivosde moto-perpétuo. Embora a cada semana os personagens possam imergir em situaçõesextremas, fazendo coisas perigosas com risco de sair feridos, em um novo episódio, namaioria dos desenhos, tudo reverte ao estado original. Até a morte é perpetuamente reversível.

Um exemplo é o desenho favorito de Bart e Lisa, As Aventuras de Comichão eCoçadinha, uma história de gato e rato com um novo enfoque e muito sangue. Possivelmente, éo desenho infantil mais violento já produzido. Ele pode ter feito aumentar o preço da tintavermelha.

Comichão é o rato sem coração que dedica todo momento que passa acordado a torturaro pobre gato Coçadinha, que já foi vivissecado, eletrocutado, retalhado, imerso em ácido, eisso é apenas o começo. Em um episódio, Comichão enrola a língua de Coçadinha ao redor deum foguete que parte para a Lua, fazendo o satélite da Terra cair sobre o gato. O maisimpressionante é que, a despeito de todo esse drama, no episódio seguinte Coçadinha estásempre de volta e bem-disposto. Nove vidas não são nada para esse gato. Ele pode serreconstituído mais rapidamente que sopa instantânea.

Na vida real, contudo, há muita coisa que não é reversível. Deixe cair uma bandeja compratos de porcelana no chão e os observe quebrando-se em milhares de pedaços. Eles nãopoderão ser usados em seu próximo jantar. Explosões geralmente não podem ser revertidas.Mergulhar cubos de gelo em uma bebida quente é uma boa maneira de esfriá-la, mas você nãovai ter esses cubos de volta quando tiver terminado o drinque. Esses sistemas sãoirreversivelmente provocados por profundos princípios físicos – chamados de leis datermodinâmica – que determinam como a energia se transforma e como o calor passa entreobjetos de temperatura diferente.

Os desenhos, porém, são notoriamente imunes aos preceitos da física. Eles não precisamresponder à força da gravidade, à flutuabilidade da água ou ao poder do vento. Em vez disso,

eles se aproximam das leis da natureza – ou não – conforme os desenhistas estejam buscandoo real ou o bizarro. Em 1980, um artigo do humorista Mark O’Donnel na revista Esquiretentou codificar as leis físicas dos desenhos. Com o título de “The Laws of Cartoon Motion”[As Leis dos Desenhos Animados], ele incluía princípios como: “Todo indivíduo suspenso noespaço vai continuar suspenso até que tome consciência de sua situação”, “Certos corpospodem atravessar paredes pintando a entrada de túneis, e outros não podem”, “Para cadavingança há uma ‘revingança’ igual e oposta”, e, sem dúvida a favorita de Coçadinha,

“Qualquer violenta rearrumação de material felino é não-permanente”.**

Dado seu habitual menosprezo pelas regras ordinárias, certamente não é incomum para osdesenhos apresentar máquinas que funcionam indefinidamente. Lisa cria um dispositivo dessesno episódio “A Associação de Pais e Mestres de Banda”. A motivação para sua invenção éuma longa greve na escola que a fez ficar completamente agitada e ansiosa. A falta de aulas ede trabalhos escolares simplesmente a transtorna. Ela obsessivamente pede a todo mundo quelhe dê uma nota, avalie, tenha uma opinião sobre ela, a recompense com notas altas e elogios,e assim por diante, até que Marge e Homer também ficam abilolados.

Lisa passa a desenvolver seus projetos científicos em casa, o que poderia parecer umaboa coisa. Contudo, seus pais não aprovam a ideia. Marge ficou irritada por Lisa ter cortadosua capa de chuva como se fosse um projeto de dissecação. O que enerva Homer é umaparelho que Lisa colocou em funcionamento e que fica girando cada vez mais rapidamente.De alguma forma, o aparelho não precisa de alimentação, pois retira energia do ar. Comoqualquer pai preocupado, Homer decide tomar uma atitude. A obsessão de Lisa deve cessar.Homer busca palavras sábias para colocar Lisa novamente na linha e informa-lhe queenquanto estiver em casa ela deve “obedecer às leis da termodinâmica”.

A greve finalmente termina. Até Bart, que tinha ficado irritado com o desfile deprofessores substitutos, incluindo sua mãe, fica feliz de voltar à escola. Lisa, filha obedienteque é, segue as instruções de Homer. E nem mais uma palavra é ouvida sobre seu aparelho demoto-perpétuo.

Ordenar uma pessoa real a obedecer às leis da termodinâmica, à lei da gravidade ou aqualquer outro princípio físico naturalmente é um absurdo. Nossos corpos automaticamenteacatam os princípios inerentes à realidade física. Se qualquer um deles pudesse ser violado,não seria uma lei.

Ainda assim, mesmo os físicos, algumas vezes, não conhecem a arena apropriada nas

quais certas leis se aplicam. As leis da termodinâmica são um excelente exemplo. Emboraseja claro que elas se aplicam a todas as coisas observadas (e não só à casa dos Simpsons,como Homer sugeriu), os físicos não podem dizer com certeza se elas englobam o universointeiro. Isso porque elas são aplicáveis especificamente a sistemas fechados (no qual amatéria ou a energia não entra nem sai), e é incerto se o cosmos todo pode ser caracterizadodessa forma.

Vamos examinar as leis da termodinâmica e entender por que máquinas que funcionamindefinidamente não são viáveis. Essas leis foram descobertas no século XIX como umareação ao desenvolvimento da máquina a vapor. Físicos como Sadi Carnot, Rudolf Clausius eWilliam Thomson (Lorde Kelvin) examinaram a questão sobre quais tipos de motores eprocessos poderiam transformar as diferenças de temperatura em trabalho e desenvolveram oque ficou codificado como quatro princípios distintos. Vamos considerá-los na ordem em quevieram a ser classificados e não na sequência em que foram originalmente formulados.

A lei básica da termodinâmica nos ajuda a definir o conceito de temperatura. Definir atemperatura não parece ser uma tarefa formidável; afinal de contas, os meteorologistas sereferem a ela o tempo todo, e todos parecemos entender o que eles estão falando. Devemosessa clareza à consistência dos termômetros, que operam com base na lei zero. Ela foinumerada como zero, a propósito, porque as outras três leis foram enumeradas primeiro, mas alei zero parecia ainda mais fundamental.

Os termômetros operam por um processo chamado de equilíbrio térmico. Se duas coisasestão em contato – uma quente e outra fria –, o objeto mais quente transfere energia para omais frio, até que os dois atinjam o estado de equilíbrio térmico. A energia trocada é chamadade calor. Quando dois corpos estão em equilíbrio térmico, o calor não passa mais de um parao outro, e dizemos que os dois têm a mesma temperatura.

Agora vamos ver onde entra a lei zero. Suponha que você tenha duas provetas com água.Você coloca o termômetro na primeira e aguarda até que ele fique estável. Depois de anotar atemperatura indicada, você o sacode e o coloca na segunda proveta. O termômetro fica estávelnovamente, e você também registra a temperatura daquela proveta. Se as duas temperaturasindicadas são exatamente iguais, então você pode fazer uma previsão sem medo de errar: nãoé preciso ser um Einstein para afirmar que as duas provetas com água, se colocadas emcontato, estarão precisamente em equilíbrio térmico e não farão troca de calor. Isso porque, deacordo com a lei zero, se dois sistemas estão cada um em equilíbrio térmico com um terceiro(o termômetro), eles estarão em equilíbrio térmico um com o outro.

As duas leis seguintes são as mais substanciais e foram formuladas primeiro. A primeiralei da termodinâmica é também conhecida como lei da conservação da energia: ela afirma quea energia não pode ser criada ou destruída, mas simplesmente transferida. O famoso adendode Einstein a essa lei, expresso na famosa equação E = mc², é que a massa é outra forma deenergia.

Na natureza, a energia se apresenta de formas diferentes. O calor é apenas um de seusdisfarces. Outro tipo, chamado de energia cinética, é associado a um objeto em movimento.Quanto mais rapidamente um objeto se move, maior é a energia cinética. Um copo d’água, porexemplo, contém uma colossal quantidade de moléculas de água, cada uma delas emmovimento. Portanto, ele contém uma certa quantidade de energia cinética. Para sistemas comum enorme número de componentes, designamos a temperatura como uma medida daquantidade média de energia cinética por molécula. Quanto mais quente uma coisa, mais alta ésua temperatura, maior a quantidade de energia cinética por partícula e mais rapidamente, namédia, suas moléculas estão se movendo.

Consequentemente, uma aplicação da primeira lei é que o calor transferido a umasubstância pode aumentar a energia cinética média de suas moléculas, resultando em umaumento de temperatura. É por isso que pais como Marge e Homer deveriam ser sensatos eafastar crianças como Maggie de fontes de muito calor, como aquecedores a todo vapor ounúcleos dos reatores nucleares. Homer deveria ter essa precaução principalmente no dia de

levar os filhos ao trabalho.***

Falando da ocupação de Homer, outra forma de transferência de energia é o trabalho.Trabalho não é apenas aquilo que Homer faz ocasionalmente. Na física, ele tem, também, umsignificado técnico. É quando a força (ou pressão) é aplicada para mover alguma coisa, comoapertar um botão. Se Homer está simplesmente sentado, tecnicamente ele não está trabalhando,mas assim que ele ergue o dedo, aperta-o contra o botão e faz o botão comprimir-se, aí ocorreo trabalho.

De acordo com o que é chamado de teorema energia-trabalho, a aplicação de trabalhopode provocar uma mudança na energia cinética. Se Marge empurra o carrinho de bebê deMaggie, por exemplo, ela está aplicando trabalho nele e, portanto, fazendo com ele se movamais depressa. Consequentemente, o trabalho de Marge se transformou em energia cinética.

O trabalho também pode alterar a energia potencial de um objeto, a energia de posição.Se você suspende alguma coisa no ar, seu trabalho aumenta a energia potencial dela – energia

esta que se transforma novamente em trabalho se você a solta e a deixa cair. Então, se Homerestá sentado distante do painel de controle, no meio do almoço, e o alarme soa indicando umaemergência, ele pode executar seu trabalho indiretamente graças às maravilhas da energiapotencial. Ele pode lançar uma xícara para cima, transformando o trabalho de seu braço emenergia potencial. Quando a xícara cai, sua energia potencial vai se transformar no trabalho depressionar o botão que libera a água para baixar a temperatura do núcleo da usina nuclear.Legal! A energia potencial é verdadeiramente nossa amiga!

Parece que Homer tem uma certa resistência ética a despender energia extra. Daí seudesapontamento ao ver o moto-perpétuo de Lisa, que suga a energia necessária para aumentarcada vez mais sua velocidade aparentemente do nada. Um aparelho como esse claramenteviolaria a primeira lei, pois não conserva energia, mas a fabrica do nada.

Um aparelho poderia conservar energia e funcionar com 100% de eficiência (isto é, zerode perda)? De acordo com a segunda lei da termodinâmica essa situação seria impossível. Osfísicos exprimem a segunda lei de várias formas diferentes. Uma maneira é estabelecer umlimite máximo para a eficiência de um sistema fechado que sempre seja inferior a 100%. Issosignifica que aparelhos que não recebam energia do mundo externo acabarão se desgastando.

Para um motor a vapor, que converte um pouco da energia térmica do vapor no trabalhoque aciona um pistão ou uma turbina, a máxima eficiência teórica é estabelecida peladiferença de temperatura entre o vapor e a atmosfera. A segunda lei determina que a eficiênciaaumenta com diferença de temperatura. Assim, nenhum motor poderia extrair o considerávelconteúdo térmico dos mares do mundo a menos que fosse possível expelir uma parte daenergia térmica dos oceanos para um reservatório ainda mais frio.

Uma outra maneira de expressar a segunda lei envolve o conceito de entropia oudesordem. Entropia é uma medida da falta de unicidade de um sistema físico. Com o tempo,um sistema fechado tende a progredir de um estado único, ordenado, para arranjosdesordenados mais comuns – mantendo ou aumentando sua entropia total, nunca diminuindo.

Tomemos, por exemplo, uma caixa de peças de damas divididas em pilhas de peçasvermelhas e pretas. Coloque as peças vermelhas de um lado de um tabuleiro, e as pretas, dooutro lado. Com sua bem dividida organização, o conjunto de peças está em um estado deentropia relativamente baixa. Agora suponha que você dê uma batida no tabuleiro. Na melhorhipótese, as peças vão manter sua separação, mas elas podem também se misturar. Se vocêcontinuar batendo no tabuleiro, e as peças se misturarem cada vez mais, o sistema

provavelmente ficará cada vez menos organizado e cada vez mais único. Portanto, suaentropia vai aumentar.

Se você filmasse as peças se misturando e passasse o filme em um vídeo, primeiro para afrente e depois para trás, você veria as peças se misturando no primeiro caso e se separandono segundo. Você poderia dizer de pronto a diferença entre aumentar e diminuir a entropia,pois a primeira situação pareceria muito mais normal que a segunda, e, mesmo sem olhar oscontroles do vídeo, você saberia se o filme está correndo para frente ou para trás. Assim, adireção do aumento de entropia estabelece uma “seta” natural para o tempo.

Outra aplicação da lei da entropia envolve objetos de diferentes temperaturas colocadosem contato. Suponha que uma pia dupla seja enchida de modo que de um lado ela tenha águaquente e do outro, água fria. Então, o tampão que divide as duas é removido. Antes de otampão ser puxado, quando a água quente e a água fria estão separadas, o sistema está maisorganizado do que quando a temperatura começa a se igualar e o sistema está misturado. Daí,o sistema se move naturalmente em direção a uma entropia maior e com menos ordem. Vocêpoderia “artificialmente” reverter o processo aquecendo um dos lados, mas isso o tornaria umsistema aberto, não um sistema fechado.

Vamos supor que Lisa queira projetar um moto-perpétuo que funcione para sempre namesma velocidade, e não um que vá cada vez mais depressa. Ela usa uma bateria para aquecerum frasco de água, que vira vapor, e então usa sua pressão para girar uma turbina. A turbinafaz funcionar um gerador que recarrega a bateria que, por sua vez, aquece a água, e assim pordiante. Como a energia total é conservada, o aparelho não violaria a primeira lei. Contudo, aoreciclar perfeitamente energia utilizável e não tendo perda, ele violaria a segunda. De modorealista, cada vez que o ciclo se completasse, a lei da entropia asseguraria que nem toda aenergia do vapor pudesse ser utilizada – alguma teria de ser liberada como excesso. Em outraspalavras, o sistema não poderia girar com 100% de eficiência e nunca poderia fornecer forçaprópria suficiente para se recarregar. Em geral, por causa da segunda lei, nenhuma máquinapoderia funcionar totalmente por meio da diferença de temperatura que ela mesma cria.

Finalmente, chegamos à terceira lei, que diz respeito à impossibilidade de a temperaturaatingir o zero absoluto. O zero absoluto, uma temperatura de -273,15 graus Celsius, ou-459,67 graus Fahrenheit, corresponde ao estado em que cessam todos os movimentos dasmoléculas. Embora cientistas tenham resfriado substâncias a temperaturas baixíssimas,próximas do zero absoluto, princípios físicos garantem que eles nunca vão poder remover todaa energia térmica de um material. Se você pudesse fazer funcionar um gerador de calor de

modo que sua produção fosse canalizada para um reservatório resfriado ao zero absoluto, elefuncionaria com 100% de eficiência. Contudo, a impossibilidade do zero absoluto é outrarazão pela qual os 100% de eficiência estão igualmente fora de questão.

Em resumo, as leis da termodinâmica garantem que aparelhos perfeitamente eficientessão impossíveis de criar. O moto-perpétuo, embora seja uma ideia fabulosa para mirabolantesprojetos científicos e conversas curiosas, simplesmente não pode ocorrer em nosso mundo deenergia preservada e entropia acumulada. Então, se você receber e-mails anunciandomáquinas que funcionam indefinidamente, poderá deletá-los com convicção.

Toda essa conversa sobre eficiência é cansativa. Nesta época de estresse, chega umtempo na vida em que desejamos alguma ajuda para com nossas responsabilidades. Homer,por exemplo, certamente precisa de ajuda – seja ela de homem ou de máquina, ou talvez até deum híbrido dos dois.

* No original, “perpetual comotion”, trocadilho com “perpetual motion” (moto-contínuo)(N. do T.).

** O’Donnell, Mark. “The laws of cartoon motion”, Esquire, jun. 1980. Reimpresso em O’Donnell, Mark. Elementaryeducation: an easy alternative to actual learning. Nova York: Alfred A. Knopf, 1985.

*** No original, “‘Bring your daughter to work’ day”, evento anual instituído nos Estados Unidos que estimula pais alevarem seus filhos a seus locais de trabalho durante uma jornada (N. do T.).

10Cara, sou um andróide

Vamos falar de trabalho. Melhor ainda, sobre fugir do trabalho. Como já discutimos, deacordo com a primeira lei da termodinâmica, trabalho e energia estão sujeitos ao princípio daconservação; então, se você não quiser fazer o trabalho, será preciso encontrar alguém que ofaça. Alguém precisa ser treinado para fazer todas as coisas pelas quais você está sendo pago,a fim de que você possa obter os bônus, a glória e o profundo amor de sua família – semlevantar um dedo.

Dizem que não é possível ensinar novos truques a um cachorro velho. Portanto, seriamuito difícil atribuir novas responsabilidades a um cachorro como o de Bart, o Ajudante dePapai Noel, por mais tentador que isso possa soar. Mas seria possível ensinar novos truques arobôs? Se os novos truques não combinam com quem é antiquado, será que eles poderiam serensinados a se tornarem reluzentes máquinas com brilhantes e eficientes partes móveis?Talvez. Outra opção seria passar os afazeres para as crianças, já que os cérebros dos garotossão muito mais adaptáveis e treináveis que o mais inteligente cérebro mecânico. A linha de

raciocínio segue o adágio “Robôs bobos, truques são para as crianças”.*

Graças às maravilhas da tecnologia, algum dia talvez nem tenhamos de escolher. Que talcombinar a animação dos jovens com a obediência dos robôs? Robôs-crianças – legalmenteobrigados a ficar em casa até a maioridade e programados para não discutir – poderiam semostrar muitos úteis em pequenos trabalhos, como varrer o chão, retirar o lixo ou construiranexos necessários nas casas. Afinal de contas, crianças-andróides nunca ficam cansadas,mostrando-se fortes e vigorosas até serem desligadas à noite.

Em “BI – Bartifical Intelligence”, da “Árvore dos Horrores XVI” (uma paródia do filmeAI- Inteligência Artifical, de Steven Spielberg), a cegonha da moderna tecnologia deixa umrobô-garoto na casa dos Simpsons, e eles experimentam, em primeira mão, o convívio com umbebê-andróide. Mas por que eles quereriam um robô-garoto? A história começa comotragédia. Em um acesso de bravata, Bart – que, embora de carne e osso, parece ter um

parafuso a menos – tenta se atirar da janela de um edifício em uma piscina, mas cai no chão etermina em coma profundo. Ele fica em uma cama de hospital, completamente inconsciente. Odr. Hibbert informa aos arrasados Marge e Homer que Bart provavelmente nunca vai serecuperar e os aconselha procurar uma companhia que produz substitutos mecânicossemelhantes aos humanos. Eles compram um robô-criança chamado David – visualmenteindistinguível de uma criança humana, mas com a vantagem de ter partes duráveis e vir comum manual de instruções.

David rapidamente se integra à família e se faz indispensável. Marge fica impressionadacom sua alegre contribuição na cozinha, no jardim e por toda a casa. Maggie gosta de ganharum ursinho que seu “irmão” produz. Qualquer reserva ética que Lisa tenha é contornada porum amigável agrado no pescoço.

Então ocorre um milagre: Bart acorda do coma. Voltando para casa e vendo seu substitutoem ação, ele naturalmente sente muito ciúme. Qualquer coisa que Bart pode fazer, Davidparece fazer melhor. Quando Bart dá flores a Marge, David produz sinais elétricos luminososcom mensagens de amor. Bart simplesmente não consegue competir com os circuitos de David,que são programados para agradar aos pais.

No fim, Homer decide que a casa só tem espaço para um dos dois, e deixa Bart no meiode lugar nenhum. Vagando pelos campos, Bart encontra uma colônia de andróides com defeito,que lhe pedem para ensinar-lhes o significado do amor. Em vez disso, Bart rouba algumas desuas partes e transforma-se em uma fortaleza mecânica. Ele volta para casa e destrói David(no processo, corta Homer ao meio).

O amor dos pais é um laço poderoso. Por instinto, mães e pais amam seus descendentescompletamente. Será que poderiam sentir a mesma afeição por um substituto mecânico? Seráque pais humanos criariam uma criança-andróide do mesmo modo que um filho biológico? Eserá que esse filho artificial poderia oferecer-lhes um nível de satisfação emocionalcomparável ao de uma criança humana?

Um extenso estudo do Massachusetts Institute of Technology Media Lab [Laboratóriode Mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts], chamado projeto Sociable Robots[Robôs Sociáveis], explora as relações emocionais entre humanos e robôs. O projetoatualmente centra-se em dois seres mecânicos altamente expressivos: Kismet, um rosto de“bebê” com traços que reagem e se alteram, e Leonardo, uma criatura fantástica como umduende com longas orelhas caídas. Quem supervisiona o projeto é a professora de robótica

Cynthia Breazeal, que criou um pioneiro e inovador híbrido entre a inteligência artificial e apsicologia social.

Kismet, o primeiro dos dois a ser desenvolvido, começou sua vida nos anos 1990, comotese e projeto de doutorado de Breazeal. Seus traços faciais – incluindo olhos, sobrancelhas,lábios, ouvidos – são altamente móveis, permitindo-lhe imitar uma considerável gama deexpressões humanas. Pessoas que observam Kismet geralmente são capazes de perceber qualemoção ele está tentando transmitir, bem como em que direção ele está olhando. Portanto, eleé capaz de olhar para alguém e sorrir, ou ficar amuado, dependendo de sua “disposição”.Kismet também pode emitir vários sons infantis para exprimir a profundidade de seus“sentimentos”. Se David, o andróide, é comparável a Bart, pelo menos em termos de “idade”,Kismet é mais como Maggie.

Estudar e repetir as interações sociais é uma via de duas mãos, e Kismet está bemequipado também para observar as pessoas. Montadas na parte superior de seu rosto estãoquatro câmeras eletrônicas do tipo “dispositivo de carga acoplado” (CCD, na sigla eminglês). Duas delas, forçadas a mover-se com a cabeça, têm grande alcance angular e sãousadas para estimar distâncias e captar o campo inteiro de visão. As outras duas câmeras,localizadas logo atrás das pupilas, podem mover-se mais independentemente e focar objetospróximos. Dependendo do que Kismet está fazendo, ele pode ajustar a direção de seu olhar.

Para ouvir, Kismet vale-se de microfones sem fio e softwares de reconhecimento de voz.Esse software é semelhante aos sistemas de resposta ativados por voz que algumas vezespedem informação pelo telefone (quando uma gravação de uma empresa aérea lhe pede paradizer “janela”, “corredor” ou “asa”, por exemplo, para indicar sua preferência de assento). Osque interagem com Kismet falam diretamente nos microfones. Seus sinais de voz sãotransmitidos a computadores, em que são traduzidos para instruções que Kismet podeentender.

Os algoritmos de aprendizagem de Kismet analisam o input audiovisual, combinam-nocom outros inputs sensórios e usam os dados completos para decidir o que ele deve fazer emseguida. Ele pode, por exemplo, virar a cabeça, redirecionar o olhar, alterar seu estadoemocional ou emitir uma resposta. A ideia é aprender a se socializar com os humanos pelaimitação e pela experiência. Observando Kismet desfiar o tecido do comportamentointerativo, os cientistas podem começar a entender as nuances do aprendizado social.

Uma das limitações de Kismet é que ele não tem corpo. Se você mencionar esse fato, ele

pode começar a fazer beicinho, de modo que se você ficar face a face com ele, é melhormanter essa observação só para você. Como alguns tipos de expressões emocionais nãoimplicam alterar a expressão facial, Kismet não pode transmitir a gama completa deinterações.

Para sofisticar os robôs interativos, o grupo de Breazeal contratou o Stan Winston Studiopara construir Leonardo. Com 75 cm de altura e com 61 maneiras independentes de mover orosto e o corpo, Leonardo é um dos robôs mais expressivos construídos até hoje. Seusmovimentos faciais são tão complexos quanto os possíveis modos da expressão humana.

O Stan Winston Studio tem tido considerável experiência na construção de robôs,especialmente para os filmes de Hollywood. Ele construiu o ursinho Teddy do filme AI, osdinossauros dos filmes da série Parque dos Dinossauros, os andróides da trilogiaExterminador do Futuro e inúmeras outras criaturas, vestimentas e efeitos especiais. Assim, oestúdio foi uma escolha natural para dar vida a Leonardo.

Encontrar-se com Leonardo é como se deparar com uma criatura de floresta encantada deum livro infantil. Embora ele não se pareça com nenhum animal conhecido, suas grandesorelhas peludas, olhinhos de filhote de cachorro e proporções reduzidas parecem calculadaspara transmitir a amizade e o calor que um animal de estimação pode provocar. Além dessaimpressionante aparência, Leonardo conta com uma coleção de pequenos, mas poderosos,motores, que permitem movimentos refinados equivalentes aos sutis gestos humanos. Aobservação de como as pessoas interagem com Leonardo e como ele responde tem fornecidoinsights sobre os passos necessários para dominar a comunicação social.

Em 2003, David Hanson, da Universidade do Texas, em Dallas, apresentou uma cabeçarobótica, chamada K-bot, com uma “pele” de aspecto real feita com polímeros, e umacompleta gama de expressões faciais semelhantes às humanas. Como Kismet e Leonardo, elatem câmeras eletrônicas nos olhos e minúsculos motores para alterar o olhar e transformar suaaparência. Como sua pele é feita de um material flexível, composto de 24 músculos artificiais,seus movimentos faciais são ainda mais refinados. Em menos de um segundo, o rosto podepassar de um cenho franzido a um sorriso, de um sorriso afetado a um olhar terno. O K-botpode ser o prenúncio de uma nova geração de rostos robóticos como os reais.

Contudo, mesmo que uma face robótica possa se mover como uma face humana, isso nãoquer dizer que sejam indistinguíveis. As expressões erradas, como sorrir repetidamente emmomentos inoportunos, são uma pista clara. Como Breazeal já observou, construir andróides

com aspecto humano “não é apenas um problema de engenharia” e deve levar em conta fatores

sociais e psicológicos.**

Estamos no limiar de uma nova era de máquinas com aparência humana, projetadas paranos imitar física e psicologicamente. A primeira utilização desses robôs quase reais, já vistosde forma rudimentar em parques temáticos e lojas de brinquedos, sem dúvida, será comodispositivos de entretenimento. É agradável ver e ouvir seres mecânicos imitando asexpressões humanas e respondendo as nossas palavras. Algumas empresas já estão fabricandorobôs humanóides que andam, gesticulam, falam com um vocabulário limitado e respondem acomandos de voz.

Quando será que garotas como Lisa e Maggie poderão ter irmãos robóticos e garotoscomo aquele pelo qual Bart temia ser substituído? Se os irmãos e irmãs mecânicos precisamapenas parecer humanos e imitar nossos gestos, então a espera não deve ser longa. Osprogressos na construção de faces e corpos como os humanos estão ocorrendo em ritmoaceleradíssimo. Se, porém, as crianças querem conversas realistas com companheirosinteligentes que pareçam e pensem como outras crianças, então a espera poderá ser muito, masmuito demorada. Ninguém sabe se será possível projetar um robô que passe no teste deTuring, a olímpica associação das máquinas inteligentes.

O teste de Turing foi proposto pelo matemático e renomado decifrador de códigosbritânico Alan Turing em sua famosa dissertação de 1950, Máquinas de Computação e

Inteligência. O teste envolve a crítica questão: “Máquinas podem pensar?”.*** Turing propôsresponder a essa indagação com uma experiência chamada jogo da imitação. Nesse jogo, uminterrogador humano ficaria em uma sala e dois respondedores em outra: uma pessoa e umamáquina. O interrogador datilografaria perguntas e as transmitiria para a outra sala. Semrevelar quem é e o que está dizendo, um dos respondedores responderia. Então caberia aointerrogador descobrir se a resposta veio de uma pessoa ou de uma máquina.

Se o teste de Turing revelaria a verdadeira inteligência é controvertido. Em 1980, ofilósofo John Searle, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, propôs o que é conhecidocomo o argumento da Sala Chinesa contra as alegações de que os computadores quepassassem pelo teste de Turing realmente pensariam com uma pessoa. Searle imaginou umasala fechada em que trabalhadores que não entendem uma única palavra de chinês receberiampáginas com instruções naquela língua. Para responder às instruções, eles teriam de consultarum livro de regras que lista as respostas apropriadas para cada pergunta. Os trabalhadores

escreveriam as respostas sem ter a menor ideia sobre o que as palavras significavamrealmente. Do lado de fora da sala, aqueles que transmitiam e recebiam as mensagenspoderiam pensar que estavam mantendo uma conversação com pessoas fluentes em chinês. Noentanto, os trabalhadores seriam como autômatos sem nenhum entendimento daquele idioma.Da mesma forma, um sistema computacional que simulasse respostas humanas, Searleargumentou, não seria necessariamente capaz de raciocinar.

Quase seis décadas depois de ter sido proposto, o teste de Turing permanece um padrãodifícil de ser atingido. Os computadores de hoje podem prever jogadas para derrotar osgrandes mestres do xadrez mundial. No entanto, nenhum computador tem a criatividade, aflexibilidade, o entendimento coloquial e a intuição necessária para passar no teste de Turing.Nenhum nem mesmo chega perto – como se pode ver examinando as transcrições da disputapelo Prêmio Loebner de inteligência artificial, uma competição do teste de Turing da vida realque acontece anualmente desde 1990.

Os candidatos ao Prêmio Loebner são os programadores; vencem os criadores dosoftware de conversação mais inteligente. Seus programas são avaliados como o teste deTuring seria: com juízes, computadores e parceiros. Para cada rodada, tanto o computadorquanto os parceiros alegam ser pessoas reais, e é tarefa dos juízes descobrir quem é quem.Para chegar isso, cada juiz tenta estabelecer uma conversação a distância com cadaparticipante (pessoa ou computador) e decide quem se sai melhor e oferece respostasrazoáveis.

Os juízes da competição de 2005 foram três professores da Universidade de Nova York eum jornalista: Ned Block, Lila Davachi, Dennis Shasha e John Sundman, respectivamente. Oprograma vencedor, desenvolvido por Rollo Carpenter, é chamado Jabberwacky.Estranhamente, sua personalidade tem uma semelhança superficial com a de Nelson Muntz, oprincipal valentão de Springfield.

Por exemplo, quando Ned Block perguntou: “Quem fica mais distante de nós, Queens oua Mongólia Central?”, Jabberwacky respondeu: “Haha! Esta foi estúpida. Conte uma boapiada desta vez”.

Quando John Sundman contou: “Eu moro em Martha’s Vinneyard”,**** Jabberwacky

retrucou “Eu vou para Marte e vou arrebentar sua cara com um bastão de beisebol!”*****

Hummm. Talvez Lisa e Maggie tenham de esperar um pouco mais por um irmão-andróide

fofinho com quem brincar. Mas se elas querem um andróide valentão para zombar delas, isso éoutra história.

E se as garotas Simpsons estivessem em busca de um pai-robô? Suponhamos que elasprecisassem de um mentor mecânico que fizesse qualquer sacrifício pelo bem-estar delas, nãoimportando quão penoso isso fosse. Quem possivelmente poderia atender às especificaçõessenão o próprio Homer Jay Simpson?

* Paráfrase da expressão “Silly rabbit, Trix are for kids” (“Coelho bobo, Trix é para as crianças”), slogan da campanhapublicitária dos cereais Trix, de enorme sucesso nos Estados Unidos nos anos 1960, em que um coelho vivia pedindo àscrianças uma tigela de cereal. O nome do cereal, Trix, tem o mesmo som de tricks, truques, em inglês (N. do T.).

** Cynthia Breazeal, entrevista em Bhattacharya, Shaoni, “New robot face smiles and sneers”, New Scientist, 17 fev.2003, p. 20.

*** Turing, Alan M. “Computing machinery and intelligence”, Mind: A Quarterly Review of Psychology andPhilosophy 59, n. 236, 1950,p. 433.

**** Ilha do Estado de Massachusetts em que vivem muitos milionários e pessoas famosas (N. do E.).

***** Conversas entre Ned Block, John Sundman e “Jabberwacky” por Rollo Carpenter. Transcrições da Loebner PrizeCompetition de 2005. Disponível em: <http://loebner.netiPrizef/2005_Contest/Transcripts.html> Último acesso em 25 fev.2007.

11Regras para robôs

E se Homer acordasse um dia como um trabalhador devotado e eficiente? Vamos supor queele sempre siga as instruções ao pé da letra e nunca diminua seu empenho antes de terminaruma tarefa. Imagine-o forte e capaz, trabalhando com mais afinco que qualquer um egranjeando o amor e o respeito de seus filhos. Imagine Homer como um robô.

No episódio “Eu, Autômato”, Homer sofre essa transformação, e vestido a caráter. Ahistória começa com Bart aborrecido com sua antiga bicicleta e querendo outra brilhando denova. Homer informa que ele só ganhará um novo modelo quando a velha bicicleta parar defuncionar, e Bart, convenientemente, a destrói colocando-a na frente do veículo em movimentodo dr. Hibbert. Arrependido, o doutor oferece-se para pagar uma nova bicicleta. Homerconcorda, e ele e Bart se dirigem à loja. A montagem custa um dinheiro extra, de modo queHomer decide fazê-la ele mesmo. Péssima decisão. Quando a bicicleta nova em folha sedivide em pedaços, em virtude da incompetência de Homer, Bart fica extremamente irritado.

Homer decide fazer as pazes com Bart e provar sua destreza mecânica participando deuma competição entre pai e filho sobre robôs no programa popular Robot Rumble [Luta deRobô] (baseado no show de televisão Battlebots [Robôs de Luta], patrocinado pelacompanhia de mesmo nome). A ideia do show é que os pais construam robôs guerreiros paraos filhos e os tragam para a arena, onde os robôs lutam violentamente. O problema é que adespeito do desejo de Homer de ser um novo Edison, suas habilidades mecânicas fazem umadobradiça de porta parecer um prodígio. Depois que seus esforços para construir umgladiador mecânico se revelam infrutíferos, ele se lembra do conselho paternal de Abe: “Sevocê não consegue construir um robô, seja um deles”.

Enfiando-se em uma vestimenta de robô, equipado com um controle remoto fictício e umamarreta, Homer entra ele mesmo na competição – de início, mantendo sua identidadedesconhecida de Bart e de todo mundo. Bart o anuncia como “Chefe Knock-a-Homer”. Homer,que havia dado uma desculpa capenga para justificar sua ausência, faz um robô lutadorbastante convincente. Enfrentando um adversário mecânico que empunha uma serra barulhenta,

convenientemente chamado de Buzz Kill, ele consegue não gritar quando seu braço é cortadoe, ao final, vence. Bart fica exultante de orgulho.

Depois que Knock-a-Homer vence vários outros robôs, ele enfrenta seu mais formidávelinimigo, um lutador imenso construído pelo professor Frink. No primeiro assalto, o robô deFrink o surra até que Homer fica atordoado e confuso. Quando Bart dá uma olhada no painelnas costas de Knock-a-Homer para ver se houve algum dano, fica surpreso de ver que é o paiquem está dentro da vestimenta. Mesmo assim, Bart fica muito orgulhoso de seu pai – talvezaté mais agora que viu o sacrifício de Homer.

Contudo, a família não tem muito tempo para confraternizar, pois Knock-a-Homer émassacrado no segundo assalto. O colosso de Frink atinge Homer com tanta violência que avestimenta de robô se rompe e ele é espremido para fora, como pasta de dente.Instantaneamente, a luta termina.

Frink explica que seu robô segue as três leis da robótica de Isaac Asimov e não podeferir um ser humano. Ao contrário, ele é programado para servir aos humanos. Demonstrandosua devoção pelo Homo sapiens (neste caso, “Homer sapiens”), ele prepara um martíni e fazHomer sentar-se em um sofá confortável. Ah, isso é que é vida.

O episódio levanta duas questões vitais sobre os robôs: afinal o que são as três leis darobótica de Asimov? E um robô pode preparar um martíni aceitável? Vejamos esta últimaquestão primeiro. Por estranho que pareça, a cidade de Viena tem sido, desde 1999, a sede daRoboexótica, uma exposição anual de preparação de coquetéis feitos por robôs. “Moes”robóticos de todo o globo demonstram suas habilidades como bartenders, para o grandeprazer dos “Barney Gumbles” vienenses. As festividades incluem prêmios para os robôs comperícia em preparar e servir coquetéis, fumar charutos ou cigarros ou papear com os clientes.Dada a agitação da competição pelo Prêmio Loebner, você pode imaginar como é a animação.Uma parte, na verdade, é de insultos deliberados, com o objetivo de atrair a atenção. Se umrobô ainda não está preparado para o teste de Turing, ele pode se tornar um perito em preparare servir um drinque.

Será que as pessoas poderão um dia ter robôs programados para tornar suas vidas maisconfortáveis? Se eles fossem suficientemente fortes para trabalhos pesados, poderiam serperigosos. E se Jimbo, Dolph e Kearney juntassem o dinheiro da merenda de seus colegaspara ter um andróide que batesse em cada garoto à vista? Ou se um notório criminoso comoSnake Jailbird treinasse um titã mecânico para roubar os Kwik-E-Marts? Robôs perigosos,

capazes de serem programados para cometer atos abomináveis, claramente não seriam aceitos.Força extraordinária requer precaução extraordinária.

O escritor visionário Isaac Asimov abordou essa situação em suas famosas históriassobre robôs, reunidas na antologia Eu, Robô, na qual este episódio de Os Simpsons foivagamente baseado. Asimov nasceu na Rússia, criou-se nos Estados Unidos e se tornou umimportante bioquímico. Ficou famoso como um escritor extremamente dotado de ficçãocientífica. Ele se preocupava com as implicações morais das novas tecnologias,especialmente se elas pudessem ser utilizadas para fins violentos. Para se antecipar àpossibilidade da existência de valentões malévolos inclinados à destruição, Asimov propôs astrês leis da robótica. Apresentadas pela primeira vez em um conto de 1942, Brincando de

Pique, tornaram-se recorrentes nas obras de ficção científica. As leis são:*

1. Um robô não pode ferir um ser humano nem, por omissão, permitir que ele se fira.

2. Um robô deve obedecer às ordens dadas por um ser humano, exceto quando essasordens contrariem a Primeira Lei.

3. Um robô deve preservar sua própria existência, desde que isso não entre em conflitocom a Primeira ou a Segunda Lei.

Durante a luta, o combatente mecânico de Frink seguiu essas leis ao pé da letra. Ele seprotegeu até que Frink lhe deu ordens para entrar em combate. Depois suspendeu todaatividade agressiva quando percebeu a possibilidade de ferir um humano. Finalmente,percebeu que Homer precisava relaxar (um tipo de solicitação implícita) e lhe ofereceu omartíni e o sofá. Nada mal para uma máquina do início do século XXI.

Tenha em mente, contudo, que atualmente as leis de Asimov só têm aplicação ficcional.Ao contrário das leis da termodinâmica, elas são puramente hipotéticas, já que ainda éimpossível programar um robô para tomar decisões éticas. Mas e se um dia os andróidestiverem o poder de proteger ou ferir, baseados em escolhas próprias? Talvez as leis deAsimov sirvam como um projeto para a instalação de salvaguardas contra o mau uso.

Em nações industriais avançadas, especialmente aquelas com uma discreta taxa deaumento populacional, como o Japão, há uma possibilidade real nos próximos anos de que osrobôs venham a fazer parte da força de trabalho. Em 2000, a Honda introduziu um sofisticado

robô móvel chamado Asimo (Advanced Step in Innovative Mobility – Passo Avançado emMobilidade Inovadora), que se parece com alguém em um traje espacial branco e com umcapacete da mesma cor. Embora seu nome pareça um tributo a Asimov, aparentemente asemelhança de nomes é pura coincidência. Contudo, com sua habilidade para andar e corrercomo um ser humano, o robô que tem quase o nome de Isaac Asimov representa um marco nocaminho para a sociedade robótica que ele imaginava.

Dentro de décadas, talvez, os robôs poderão se tornar um personagem permanente davida diária – para limpar chãos, servir comida e cuidar daqueles que não podem sair de casa.Se confiarmos nosso destino a máquinas, certamente exigiremos restrições em suaprogramação que os impeçam de provocar danos intencionais. Aí é que as leis da robóticadesempenhariam papel importante.

Sem essas salvaguardas, o mundo pode se tornar tão traiçoeiro e ingovernável quanto umdesenho de Comichão e Coçadinha. Será que poderemos prever quando os andróides sevirarão contra seus criadores, como o monstro de Frankenstein fez? Talvez só os experientesna teoria do caos tenham as ferramentas necessárias para saber se robôs bem comportadospoderiam fugir ao controle.

* Asimov, Isaac. I, robot. Greenwich, CT: Fawcet CVrest, 1950, p. 6.

12Caos na Cartunlândia

Em centenas de episódios, os Simpsons experimentaram extremo caos, completopandemônio, absoluta confusão e terrível bagunça. Eles estão bem familiarizados com aanarquia, a agitação, a discórdia e a confusão, e já provocaram muito tumulto. Catástrofe,calamidade, estragos e desordem parecem afligi-los durante os raros momentos em que nãoestão no meio de desastre total. Homer sozinho já fez muitas lambanças, que levaram a muitosd’ohs. Contudo, apenas em um episódio, os Simpsons aprenderam o real significado do caos.

O termo caos, em física, tem um significado técnico que o distingue dos confusos ecaóticos contratempos da vida. Essa definição o separa do inexplicável, do fortuito, e ocoloca em uma estranha e híbrida categoria entre os mundos da perfeita previsibilidade e dototal acaso. Caos implica que um sistema tenha leis subjacentes que teoricamente permitamconhecer o futuro, mas, na prática, tais previsões são impossíveis por causa das incertezas dosmétodos de medida, que crescem com o tempo. Em outras palavras, um cientista como oprofessor Frink pode desenvolver as equações que descrevem um sistema (uma combinaçãoquímica, por exemplo), mas se não tiver perfeitos dispositivos que meçam cada aspecto comabsoluta precisão, ele não poderá dizer com certeza como o sistema se comportará.

A mais típica aplicação da teoria do caos – e historicamente o campo inicial de estudodo assunto – é a análise e previsão do tempo por meio da meteorologia. Ao lado de usosmilitares, a previsão do tempo foi uma das primeiras aplicações dos primeiros computadores,construídos na metade do século XX. Prever se vai chover, nevar, chover e nevar, cair umatempestade de granizo, ou se não irá acontecer nada, requer a análise de uma enormequantidade de dados; assim, em essência, os computadores tornaram a previsão do tempomuito mais viável.

Os primeiros computadores eram enormes comparados com os de hoje, e muito maislentos. Programá-los requeria religar fios e depois ligar tomadas. Por volta de 1960, tornou-secomum usar cartões perfurados como padrões para inserir programas e dados. Um conjunto decartões com os passos necessários para processar a informação, bem como os próprios dados,

alimentava o computador, que rodava todos os passos e enviava os resultados a umaimpressora, que os imprimia em folhas de papel. Naturalmente, esse longo processo davamargem a muitos enganos. Um pequeno erro na perfuração de um cartão poderia alterarcompletamente o resultado de um programa, e seriam necessários horas ou dias para detectaro engano, rodando o programa diversas vezes e procurando em todos os cartões.

Edward Lorenz era um renomado meteorologista do Instituto de Tecnologia deMassachusetts (MIT, na sigla em inglês), adepto dos primeiros computadores e bem informadosobre os componentes críticos de uma previsão, incluindo temperatura, pressão atmosférica evelocidade do vento. Em 1960, ele construiu um conjunto básico de equações relacionandoessas variáveis e usando as leis da física para prever seus futuros valores. A física clássica,desenvolvida pelo cientista inglês do século XVII Sir Isaac Newton, e ampliada pelomatemático francês do século XVIII Pierre Laplace, e muitos outros, é completamentedeterminística. Determinismo significa que se você sabe todas as condições de um sistema emum dado momento de tempo, você pode antecipar indefinidamente como essas condições vãose desenvolver no futuro.

Pegue, por exemplo, o jogo de bilhar. Se um ilustrado professor como Frink estivessejogando e quisesse encaçapar a bola 8 em uma caçapa do canto, ele poderia utilizartransferidores e réguas para medir os vários ângulos e distâncias relacionados às bolas, àsbordas da mesa, ao canto pretendido e ao taco. Ele poderia usar as leis da física paradeterminar em qual velocidade e ângulo a bola 8 deveria ser atingida pelo taco paramaximizar as chances de ela atingir uma das bordas, voltar e cair na caçapa. Então Frinkpoderia treinar como mirar o taco no ângulo certo e como atingir a bola para produzir avelocidade adequada. As equações determinísticas da física clássica lhe permitiriam planejaro que aconteceria no jogo.

Lorenz esperava que as equações para o tempo se comportassem da mesma forma.Teoricamente, se dados suficientes fossem inseridos em um computador, ele poderiadeterminar como o vento iria mudar, como as temperaturas e pressões atmosféricas iriam subirou descer, e assim por diante, para cada localidade em uma região. Então, confiantemente, eleinseriu sua série de equações e conjuntos de dados em um computador e aguardou aimpressão, imaginando que o computador iria pelo menos dar uma ideia das condições dotempo.

Para assegurar-se do bom funcionamento do programa, Lorenz o rodou duas vezes com oque ele acreditava que fosse o mesmo conjunto de dados. Gerando os resultados a cada vez,

ele ficou surpreso de encontrar diferentes previsões, cada vez mais díspares com o passar dotempo. Como a mesma informação inserida em um programa idêntico de computadorespoderia produzir quadros tão disparatados?

Em uma verificação posterior, Lorenz vasculhou os números cuidadosamente e percebeuque havia uma discrepância muito pequena entre o que ele tinha inserido a cada vez. Em umcaso, ele havia separado os dados diferentemente de cada vez, produzindo um número diversode dígitos. É como se ele escrevesse a idade de Homer como 38,1 anos, e depois só 38. Umadiferença tão pequena que se poderia pensar que a previsão não iria mudar tanto. Se Homerdissesse ter 38 anos a um corretor de seguros de vida e recebesse um relatório indicando quepossivelmente ainda viveria mais 45 anos, e depois retificasse a idade para 38,1 anos e fossecomunicado de que viveria mais dez anos, essa enorme diferença seria de fato surpreendente.Mas, para o algoritmo de Lorenz, qualquer discrepância minúscula agia em cascata sobre asprevisões do tempo e acabava produzindo uma grande alteração.

Os cientistas apelidaram de “efeito borboleta” o fenômeno de pequenas alterações nascondições iniciais que levam a gigantescas diferenças na dinâmica futura. A expressão derivada possibilidade de que o bater de asas de uma borboleta no céu, em uma parte do globo,produza minúsculas alterações nos padrões atmosféricos que, por cascata, provoquem grandesdiferenças no tempo em outra região. (Originalmente, Lorenz referiu-se ao bater de asas dagaivota, porém mais tarde fez uma palestra intitulada “Previsibilidade: o bater de asas de umaborboleta no Brasil dispara um tornado no Texas?”; daí a expressão.) Como os dados nuncasão 100% precisos, Lorenz percebeu que o efeito borboleta implicava que a previsão dotempo tinha limites significativos.

Em 1963, Lorenz relatou suas descobertas em uma dissertação intitulada DeterministicNonperiodic Flow [Fluxo Não-periódico Determinístico], publicado no Journal ofAtmospheric Sciences. Durante mais de uma década, por ter aparecido em uma revistaespecializada, seu artigo foi pouco lido pela comunidade de físicos. Com o tempo, físicos nãoligados à meteorologia acabaram tomando conhecimento de sua curiosa conclusão de queequações determinísticas poderiam gerar resultados não previsíveis.

Uma reviravolta foi um artigo de 1975 escrito pelos matemáticos James A. Yorke e Tien-Yien Li, da Universidade de Maryland, segundo o qual a transição para o caos é um fenômenomatemático universal para certos tipos de sistemas determinísticos periódicos. Alguma coisapoderia operar em ciclos regulares sob uma variedade de condições e, contudo, tornar-seefetivamente não-previsível se essas condições fossem ligeiramente alteradas. Essa percepção

levou a inúmeras experiências mostrando que o comportamento caótico ocorre em todo omundo natural, desde o ritmo de uma gota d’água caindo de uma torneira até o intricadoarranjo dos anéis de Saturno.

O conceito de caos determinístico entrou na arena popular por vários veículos diferentes,incluindo um livro bastante lido, Chaos, a Criação de uma Nova Ciência, escrito pelorepórter de ciências James Gleick, e sugestivos artigos sobre o tema em revistas comoScientific American e New Scientist. Contudo, foi o matemático nerd interpretado por JeffGoldblum no filme campeão de bilheteria Parque dos Dinossauros – o “caótico” Ian Malcolm– que transformaria a teoria do caos em sinônimo de ciência bem planejada que dá com osburros n’água. Naquele filme, baseado no romance best-seller de Michael Crichton, biólogosutilizam DNA intacto de dinossauros para clonar exemplares modernos desses tonitruantesanimais e depois expô-los em uma espécie de parque temático. Cercas eletrificadas garantemque essas poderosas criaturas fiquem bem confinadas. A despeito das precauções, Malcolmadverte que instabilidades poderiam resultar em comportamentos inesperados. E, na verdade,quando alguns paleontólogos e crianças visitam o parque, tudo o que poderia dar errado dáerrado, incluindo um completo blecaute quando eles estão em meio a variedades carnívoras.Assim, infelizmente, a “teoria do caos” de Malcolm mostra-se verdadeira.

Parque dos Dinossauros não foi o primeiro filme-catástrofe ambientado em um parquetemático. Anos antes, o filme Westworld – Onde Ninguém tem Alma, também escrito porCrichton, tinha uma premissa semelhante, mas com robôs-humanóides em vez de dinossauros.Os andróides de Westworld deram realismo a um extenso reino da fantasia que consistia emtrês mundos temáticos: medieval, romano e oeste selvagem. A parte relativa ao oeste (e que dánome ao filme) inclui caubóis com armas verdadeiras. Quando o sistema computadorizadodeles passa a funcionar mal, os robôs, liderados por um atirador de elite mecânico chamadoGunslinger, começa a atacar os visitantes do parque. O filme foi lançado em 1973, dois anosantes de Yorke e Li introduzirem a definição científica de caos, e muito antes de a expressãose tornar popular. Consequentemente, embora Westworld transmitisse uma forte mensagem arespeito dos limites de sistemas supostamente previsíveis, ninguém no filme usou a expressão“teoria do caos”.

O episódio “O Mundo de Comichão e Coçadinha” é uma inteligente mistura deWestworld com Parque dos Dinossauros, com o desenho mais sanguinolento do mundoenfiado no meio. Bart e Lisa pedem a seus pais que os levem, nas férias da família, ao parquetemático de Comichão e Coçadinha, simplesmente o mais violento possível. De início, Marge

e Homer se recusam, mas Bart e Lisa os importunam incansavelmente. Depois de saber queexiste uma Ilha dos Pais no parque, onde os adultos podem se refrescar enquanto as criançasrecebem sua porção de emoção, Marge e Homer finalmente concordam em ir.

As atrações do parque incluem fugir de machados gigantes, pular sobre campos minadose despencar de um canal íngreme em um tronco de madeira enquanto uma serra barulhenta vaifatiando o tronco. É o tipo de lugar para onde Vlad, o Empalador, teria mandado seus filhos,para passar umas férias. O parque não contém apenas excursões às pencas, há aindadivertimentos interativos. Estes tomam a forma de versões fantasiadas de Comichão eCoçadinha vagando pelo terreno e gigantescas versões robóticas dos personagens marchandoem paradas regulares.

Para imitar o clima de brincadeira da série, cada Comichão-robô vem equipado com umdispositivo para buscar e destruir, visando localizar e arrasar os Coçadinhas-robôs. Comoprecaução de segurança, suas câmeras digitais estão conectadas a processadores capazes dedistinguir imagens de Coçadinhas-robôs de seres humanos. Graças a esses circuitos deproteção, eles obedecem a uma versão das leis da robótica de Asimov e são impedidos deferir pessoas.

Depois de uma exaustiva brincadeira pelo parque com as crianças, Marge e Homer estãoprontos para ir à Ilha dos Pais. Eles dançam ao som da disco dos anos 1970 em um nostálgicoclube noturno, enquanto as crianças fazem mais passeios e veem mais shows. Sem supervisão,Bart não consegue evitar as confusões. Ele não resiste a mirar sua atiradeira em um Comichãoe acaba em um centro de detenção subterrâneo, muito abaixo do terreno do parque. Lá ele sereúne a Homer, detido por tentar chutar um outro Comichão. Uma Marge constrangida tem deir lá em baixo pedir a liberação do dois.

O nível subterrâneo do parque está fervilhando de atividade, com a equipe tentandomaximizar a diversão dos visitantes acima. Uma unidade especial conserta os robôs que sãodanificados nos desfiles. De alguma forma, o professor Frink testemunha essa operação e faz àequipe de reparos uma fria advertência. Usando uma “teoria do caos elementar” (como eleexplica), Frink prevê que os robôs ficarão violentos e se voltarão contra os humanos em 24horas. Ele está certo quanto à revolta, mas um pouco enganado em seus cálculos: os robôscomeçam a comportar-se com violência quase imediatamente. Os dispositivos destinados aimpedir que eles firam os humanos parecem não estar funcionando corretamente, fazendo comque os robôs espreitem e ataquem os funcionários do parque e os visitantes.

De volta ao terreno do parque, Homer não percebe de início por que um Comichãomecânico está se aproximando dele. Ele acha insensatamente que o gigantesco robô quer serseu amigo. Mas a máquina desarranjada parte para o ataque, acompanhada de numerososoutros robôs, e os Simpsons tentam fugir. Uma promissora rota de escape se revela inútilquando os helicópteros do parque levantam voo sem eles. No último segundo, Bart lembra queo flash de máquinas fotográficas confunde os circuitos dos robôs e os desliga. Os robôsdesabam um a um, e a família é salva. A lição parece ser que mesmo os melhores e mais bem

arquitetados planos de ratos e homens mecânicos muitas vezes dão errado.*

A teoria do caos poderia permitir a previsão de catástrofes? Curiosamente, há um ramoafim da matemática denominado teoria da catástrofe, desenvolvido pelo topólogo francêsRené Thom nos anos 1960, que se relaciona com essas previsões. A teoria da catástrofemostra que uma quantidade pode alterar-se vagarosa e continuamente durante um tempo, e derepente pular para um valor completamente diferente, como um salto em um precipício. Porexemplo, a bolsa de valores pode subir em um período em que as ações estãosupervalorizadas, baseadas em falsas esperanças de lucro, e depois sofrer uma rápidadesvalorização quando essas esperanças evaporam. Graças à pesquisa do matemáticobritânico Christopher Zeeman e outros, a teoria da catástrofe tem sido aplicada até aocomportamento dos animais, tentando explicar por que cães podem fitar um invasor duranteum tempo considerável antes de começar a latir ferozmente, como se um limite tivesse sidoultrapassado.

Da mesma forma, a teoria do caos postula que pequenas mudanças em certa quantidadepoderiam produzir grandes mudanças em um sistema, convertendo-o de um regular tiquetaquede um relógio a um imprevisível giro de um dado. Embora o caos pareça ligado ao acaso,pesquisas revelaram marcos comuns ao longo da estrada para a desordem. Em meados dosanos 1970, o biomatemático Robert May mostrou que uma simples equação chamada mapalogístico, que indica como a população de uma espécie se desenvolve ao longo do tempo,possui um tipo de sintonizador que transforma sua dinâmica de estável a periódica, efinalmente a muito errática. Se um parâmetro representando a taxa reprodutiva de uma espécieé estimulado acima de um certo valor, a espécie pode começar a produzir mais descendentesque o ambiente consegue sustentar. A geração seguinte pode ser menor em virtude da falta derecursos, fazendo a população cair abaixo de seu tamanho ideal. Com a população em umnível abaixo da quantidade adequada, a geração seguinte pode crescer mais novamente, eassim por diante. Esse efeito rítmico é conhecido como ciclo populacional com período 2.

Aumente o parâmetro da taxa de reprodução um pouco mais, e a população começa a teroscilações de quatro valores distintos, uma alteração dinâmica conhecida como bifurcação ouperíodo dobrado. Dê uma ligeira cutucada no parâmetro novamente, e uma oscilação entre oitovalores começa. Em cada caso, a população cresce e diminui de uma maneira regular quevolta a cada nível depois de um número finito de etapas.

Se o parâmetro é elevado o suficiente, uma coisa estranha acontece. Não há mais umaaparência de regularidade. Na verdade, o nível populacional se torna esporádico como osresultados da roda de uma roleta. Nenhum fator aleatório entrou na equação; ela ainda égovernada pela mesma fórmula determinística. Contudo, o caos emergiu da regularidade,como um buquê multicolorido saído de um chapéu preto.

Por volta da época em que May publicou seu trabalho inovador sobre esse tema, o físiconorte-americano Mitchell Feigenbaum usou uma antiga calculadora programável para fazeruma descoberta independente e surpreendente sobre o caminho para o caos. Experimentandouma equação similar ao mapa logístico, Feigenbaum mediu a taxa de progressão de duplicaçãodo período e descobriu que ele convergia para um valor especial: aproximadamente 4,669.Então ele pegou um número de equações completamente diferentes, calculou com que rapideza duplicação do período progredia para cada uma delas e ficou perplexo ao descobrir quecada uma se dirigia para a mesma constante. Hoje, esse valor, uma nova constante matemáticanão relacionada com nenhuma outra, é chamado número Fiengenbaum. Sua existênciademonstra que durante a transição para o caos puro há uma considerável ordem.

Uma vez que um caos completamente desenvolvido se segue, ele apresenta uma moldurade padrões regulares. O olho treinado (ou um programa de computador) pode detectar essasregularidades e usá-las para fazer previsões detalhadas. Por exemplo, os resultados numéricosdas equações meteorológicas de Lorenz, se modelados por gráficos de computador,curiosamente se assemelham a uma formação de borboletas. Estranhamente, qualquer ponto noespaço que não esteja sobre a asa de uma borboleta, se inserido em uma das equações, terminagravitando rumo a uma das asas. Inversamente, dois pontos próximos sobre uma das asas, seincluídos na fórmula, tendem a se mover para asas separadas. É como um lotado resort deluxo, onde os turistas lutam para hospedar-se, mas, uma vez lá dentro, procuram se afastar unsdos outros o máximo possível. Pesquisadores do caos chamam de “atrator estranho” essamistura de desenho para dentro e para fora, separando-se.

Estranhos atratores possuem uma intrigante propriedade matemática chamada“autossimilaridade”, significando que qualquer pedaço, se ampliado, assemelha-se à coisa

completa. A autossimilaridade é muito comum na natureza, desde os galhos de uma árvore quese parecem com a árvore inteira até as margens sinuosas de um regato que se assemelham àsmargens de um rio muito maior. Em 1975, o matemático francês Benoit Mandelbrot cunhou otermo fractais para descrever essas estruturas autossimilares, porque o número de suasdimensões parecia ser fracionário (em vez da uma dimensão de uma linha, das duas de umplano, ou das três do espaço).

Desde a época de May, Feigenbaum e Mandelbrot, os pesquisadores aplicaram a teoriado caos e o conceito de estranhos indutores a uma vasta gama de sistemas naturais, naesperança de usar os aspectos ordenados incrustados na dinâmica caótica para fazer previsõesacuradas. Por exemplo, o professor Ary Goldberger, da Harvard Medical School, tem usado ateoria do caos e os fractais há mais de duas décadas para estudar o comportamento docoração e outros aspectos da fisiologia humana. Utilizando uma análise matemática deresultados de eletrocardiogramas, ele propôs meios para entender vários tipos de arritmiascardíacas. Alguns de seus trabalhos mais recentes aplicaram medidas fractais à questão decomo o envelhecimento ocorre e a doença progride.

Se a teoria do caos pode ser aplicada aos complexos mecanismos do corpo humano, elacertamente poderia ser usada para analisar o comportamento dos robôs. Como sistemasmecânicos programados, mesmo os robôs mais avançados exibiriam comportamentodeterminístico. Uma análise mecânica de padrões de ação de um robô poderia revelar curvase padrões subjacentes e, em alguns casos, sequências que parecem aleatórias. Como essecomportamento aparentemente aleatório deriva de diretivas internas mecânicas, elerepresentaria um tipo de caos determinístico e poderia ser examinado pela técnica daquelecampo. Daí não seria uma “forçada de barra” para alguém familiarizado com a teoria do caos(como Frink alega ser) aplicar os métodos do caos em uma tentativa de antecipar se os robôsiriam começar a agir de uma maneira errática.

Frink poderia, de forma similar, aplicar suas previsões caóticas a suas invenções, dadoque muitas delas acabam provocando confusão. Ele tem boas intenções, sem dúvida, mas,algumas vezes, não toma precauções suficientes contra a incompetência humana. Vejamos, porexemplo, a ocasião em que ele vendeu um aparelho de teletransporte para Homer, dispositivoque possuía a perigosa capacidade de combinar criaturas radicalmente diferentes em híbridosinsólitos. Frink não tentou advertir Homer sobre a possibilidade de uma catástrofe, masdevido a sua experiência com previsões, talvez ele devesse ter mantido escondida essageringonça perigosa. No mínimo, deveria ter ajudado os Simpsons a aperfeiçoá-la.

* Paráfrase de um verso do poema To a mouse [Para um rato], de 1785, do poeta escocês Robert Burns: “Best laidschemes o’ mice an’ man/gang aft agley”. [Os melhores planos de ratos e homens costumam dar errado] (N. do T.).

13Mosca na sopa

Uma reunião como o Congresso Internacional de Dipterologia,* em que criaturas aladas comseis pernas causam sensação, dificilmente despertaria algum interesse em um garoto comoBart. Os entomologistas estudam insetos, e aqueles que se especializam em dípteros são muitoligados a moscas, mosquitos, borrachudos e assemelhados, de modo que Bart só chamaria aatenção se tivesse duas asas e mais algumas pernas. Bem... Este é certamente o caso quando,no episódio “Fly versus fly”, de “A Casa da Árvore dos Horrores VIII”, um aparelho doprofessor Frink mistura acidentalmente os genes de Bart com os de uma mosca doméstica.

Homer comprou o dito aparelho em um tipo de “mercado das pulgas” em frente à casa deFrink. Só isso deveria tê-lo feito ficar com a pulga atrás da orelha a respeito de quaiscriaturas poderiam emergir de uma mistura com o DNA humano. Pela aparência, o dispositivoé um teletransportador de matéria sob a forma de duas cabines telefônicas – como o quarto emque o Super-homem troca de roupa, só que duas vezes maior. Pule em uma cabine e vocêinstantaneamente vai emergir da outra, como alguém que votou duas vezes de forma rápida esub-reptícia. Embora o preço na etiqueta indicasse caros US$ 2 Homer pechinchou até Frinkvender por US$ 0,35. Legal!

O teletransportador de matéria parece útil de início. Homer não tem mais de subir asescadas. Ele apenas posiciona uma cabine no pé da escada, a outra no patamar superior, epronto! Transporte instantâneo. Colocando uma cabine em frente da geladeira e a outra emoutra parte da casa, ele tem imediato acesso à sua adorada cerveja Duff.

Mas então Bart sorrateiramente começa a experimentar as cabines. Empurrando os doisanimais de estimação da família – Ajudante de Papai Noel e Bola de Neve II – para dentro damáquina ao mesmo tempo, faz com que eles emergem do outro lado como híbridos de cachorroe gato com duas cabeças e dois rabos. Isso dá a Bart uma idéia diabólica: tentar transformar-se em um super-herói com a cabeça e a mente de um humano, e as asas rápidas de uma mosca.Ele salta para dentro do teletransportador com uma mosca, e dois seres horripilantesemergem. Um é um minúsculo inseto com a cabeça e a personalidade de Bart, que zune (vamos

chamá-lo de “Mosca-cabeça-de-Bart”), o outro é o corpo de Bart encimado pela gigantescacabeça de uma mosca (vamos chamá-lo de “Bart-cabeça-de-mosca”).

Mosca-cabeça-de-Bart andeja por todo lado e parece se divertir. Ameaçado por umaaranha (numa cena que lembra o filme clássico A Mosca da Cabeça Branca, no qual esteepisódio foi baseado), ele ri ao evitar a aranha. Mas depois, vendo no que tinha setransformado seu corpo humano, ele fica com ciúme e preocupado.

Bart-cabeça-de-mosca é uma monstruosidade repulsiva, emitindo sons horríveis de suaface horrível. Mesmo assim, os Simpsons decidem aceitá-lo como membro da família. Suasqualidades humanas foram suplantadas por seu desejo de bater os braços e consumir enormesquantidades de açúcar e xarope. Ele não tem mais traços humanos como paciência, empatia eamor pela contemplação (qualidades que, tenho certeza, estavam bem escondidas no íntimo deBart antes de sua chocante transformação). Ah, Bart! Ah, humanidade!

Enquanto isso, Mosca-cabeça-de-Bart decide contatar Lisa e fazê-la entender quem é seuirmão verdadeiro. Vendo seu perfil em seu abajur de mesa, Lisa o atrai até seu saxofone, emque a voz de Bart ressoa e pode ser ouvida. Quando Bart-cabeça-de-mosca descobre, ele ficacom ciúme, corre atrás de Lisa e tenta comer Mosca-cabeça-de-Bart. Lisa abre a porta domicro-ondas no último instante e impele os dois juntos de volta ao teletransportador. Dentrodo microondas, Bart e o material genético da mosca se separam e reassumem seus estadosnormais. Bart sai da máquina parecendo o mesmo de sempre, aparentemente são e salvo. Todomundo parece contente de ver Bart, exceto Homer, que de repente e sem explicação, ficafurioso por Bart ter usado seu teletransportador.

Comparados aos práticos aparelhos que vimos discutindo, incluindo as clássicasinvenções de Edison, máquinas a vapor e robôs, a noção de energizar a matéria e transportá-laatravés do espaço é extremamente hipotética. Nos próximos anos, é duvidoso quetestemunhemos pessoas viajando instantaneamente entre locais distantes. Converter a enormequantidade de átomos de um ser humano em pura informação, transmitir essa imensaquantidade de dados de um lugar para outro e reconstruir essa mesma pessoa com materialnovo traria desafios tecnológicos e filosóficos enormes, para dizer o mínimo, mesmo que issofosse possível. Quem se apresentaria como voluntário para ser pulverizado caso haja omínimo risco de não ser perfeitamente reconstruído? Partículas elementares são uma históriadiferente, contudo. Elas são muito mais simples e muito mais leves que pessoas, naturalmente,e não trazem consigo os temas difíceis associados a consciência, livre-arbítrio, demandasjudiciais e assim por diante. Assim, elas são a matéria ideal para essa finalidade. Atualmente,

muitos pesquisadores estão investigando o teletransporte instantâneo das características deuma partícula em um processo denominado teletransporte quântico.

Desde seus primórdios, em 1920, a física quântica inspirou controvérsias sobre suasimplicações que vão contra o que o senso comum espera, particularmente sua descrição dasocorrências aleatórias e instantâneas nos níveis atômicos e subatômicos. Enquanto, de acordocom a física clássica, os cientistas podem teoricamente medir qualquer característica danatureza com absoluta precisão, a mecânica quântica tem uma imprecisão inerente. Umingrediente-chave da mecânica quântica, o famoso princípio da incerteza de Heisenberg,estipula que certos pares de quantidades físicas, como posição e momento linear (massa ×velocidade), são impossíveis de ser medidos simultânea e precisamente. Em outras palavras,se os pesquisadores determinam com exatidão a posição de uma partícula, eles não podemmedir precisamente seu momento linear ao mesmo tempo, e vice-versa. Quanto mais elessabem sobre uma quantidade, menos sabem sobre a outra.

A abordagem-padrão da física quântica, conhecida como interpretação de Copenhagueporque foi nesta cidade que Niels Bohr, Werner Heisenberg e seus colegas a desenvolveram,assevera que antes de um pesquisador medir uma quantidade física, seu estado quântico,envolvido em um objeto matemático chamado função de onda, tipicamente corresponde a umagama de possibilidades. A função de onda de uma partícula fornece informação sobre osvalores potenciais de suas quantidades físicas, distribuídas de acordo com sua probabilidade.(Tecnicamente, é a função de onda ao quadrado que fornece a verdadeira probabilidade dedistribuição.) Representada graficamente de acordo com a posição, momento ou outraquantidade, a função de onda oferece um insight sobre qual desses parâmetros podempermanecer vagos antes da medida, mas dirigir-se para determinado resultado tão logo amedição ocorra. A transformação de uma distribuição de possíveis valores em um resultadoúnico, escolhido aleatoriamente, é chamada colapso da função de onda.

O colapso da função de onda pode ser comparado ao que aconteceria com a distribuiçãodos créditos dos alunos da professora Krabappel se de repente toda a turma desaparecesse,exceto um aluno aleatório. Antes do desaparecimento, a distribuição pareceria o que osestatísticos chamam de curva de Bell, refletindo a grande variedade de habilidade dosestudantes da classe. Depois, ela pareceria um pico, centrado na performance do únicoestudante. Claramente, se Martin Prince fosse o único sobrevivente, o pico do gráfico ficariapróximo do alto das notas; se Bart permanecesse, ela ficaria em algum lugar muito diferente.Da mesma forma, quando uma função de onda quântica atinge o colapso, sua distribuição da

quantidade, medida de repente, se torna um pico bem definido e aleatoriamente localizado.

Uma restrição importante é que, em virtude do princípio da incerteza, seria impossívelpara uma função de onda chegar ao colapso em distribuições de posição e momentoperfeitamente definidas de modo simultâneo. Se ela tiver um pico na distribuição de posição,ela terá uma distribuição de momento mais alargada, e vice-versa.

A ideia do colapso da probabilística quântica era um anátema para Einstein, que

veementemente alegava que o plano divino para o universo não incluiria o jogo de dados.**

Ele também estava atormentado pela não-localização inerente à física quântica, a que elechamou de “ação estranha a distância”. Isso se manifestava quando duas partículas interativaseram representadas por uma função de onda comum.

Em uma dissertação em coautoria com Boris Podolski e Nathan Rosen, Einsteinapresentou o que é normalmente conhecido como o paradoxo EPR (Einstein, Podolski eRosen). O argumento deles foi desenvolvido para mostrar que a física quântica é detestávelfilosoficamente, porque parece permitir comunicação instantânea entre partículas amplamenteseparadas. Isso contradizia a ideia há muito aceita de que a comunicação entre objetos develevar uma quantidade finita de tempo, limitada pela velocidade da luz. Uma variação doparadoxo EPR desenvolvida pelo físico David Bohm transmite esse dilema de forma simples.

Elétrons e outras partículas possuem uma propriedade quântica chamada spin, que serelaciona com seu comportamento quando colocado em um campo magnético. Um elétron, porexemplo, tem dois estados de spin: “para cima” e “para baixo”. Em uma analogia fácil devisualizar, mas não exatamente acurada do ponto de vista físico, podemos pensar em elétronscomo pequenas bolinhas carregadas. Se essas bolinhas giram no sentido anti-horário, seuseixos de rotação apontam para cima; se giram no sentido horário, eles apontam para baixo. Deacordo com a teoria magnética, o eixo para cima e o eixo para baixo teriam arranjos opostosde polos norte e sul magnéticos e, portanto, se comportariam diferentemente se um poderosoímã externo estivesse perto. Embora um elétron não esteja realmente girando em seu eixocomo uma bolinha, ele compartilha de objetos que giram dois alinhamentos magnéticosdiferentes. Pesquisadores podem observar as duas orientações distintas dos spins dos elétronsanalisando linhas atômicas espectrais.

De acordo com o princípio da exclusão, proposto pelo físico austríaco Wolfgang Pauli,dois elétrons na mesma localização não podem ter o mesmo estado quântico e, portanto,devem ter estados de spin opostos. Se um está para cima, o outro deve estar para baixo, como

Ralph Wiggum, o colega estúpido de Lisa, e seu pai, o chefe de polícia Clancy, usando umaserra. Um par de elétrons deve, portanto, estar em um “spin singleto”, que significa um estadode spin misturado, combinando as duas indicações de direção. Os físicos se referem a essaligação como “emaranhamento quântico”. Qual elétron do par está para cima e qual está parabaixo pode ser determinado apenas por medições – o que faz a função de onda representandoo estado entrelaçado atingir o colapso em uma das duas possibilidades (para cima/para baixoou para baixo/para cima, conforme o caso).

Agora imagine produzir em laboratório um estado de spin singleto e separar as duaspartículas por uma grande distância. Mova uma para o Alasca e outra para a Flórida, se vocêquiser. Até que você meça o spin delas, você não saberá qual está para cima e qual está parabaixo. Agora coloque um desses elétrons em um detector de spin. A função de onda associadaao estado quântico entrelaçado iria instantaneamente atingir o colapso. Se o detector de spinpara o elétron medido mostrar “para cima”, a função de onda do outro irá imediatamenteatingir o colapso em um puro estado de spin para baixo. Não importa o quão distantes elesestejam, não haveria nenhum lapso de tempo entre a medição de um e a transformação dooutro.

Einstein considerava extremamente perturbadora a ideia de que um estado quântico passainstantaneamente de um ponto no espaço a outro ponto distante e causa uma transformação.Para ele, isso violava o princípio de que a luz é o limite mais alto para a taxa de comunicação.Consequentemente, procurou em vão uma teoria mais fundamental para explicar ocomportamento dos elétrons e de outras partículas elementares. Defensores da teoria quânticaobservam, contudo, que nenhuma matéria ou radiação seria verdadeiramente trocada entre aspartículas entrelaçadas. A determinação de seus estados de spin apenas revelariapropriedades correlacionadas. Daí a comunicação nunca exceder a velocidade da luz.

É como se marido e mulher compartilhassem dois cartões de crédito – um gold e outroplatinum – e cada um levasse um, escolhido aleatoriamente, cada vez que viajasse. Vamossupor que o marido viaje para o Alasca para uma reunião de negócios e que a mulher viaje namesma época para a Flórida, para uma convenção. Se a mulher tira o cartão de crédito dabolsa e vê que é o platinum, ela instantaneamente vai perceber que o marido deve ter levado ogold. E embora ela tenha imediato conhecimento da escolha de seu marido, ninguém diria queeles trocaram entre si um sinal mais rápido que a luz.

Até o início dos anos 1990, ninguém acreditava que alguma coisa como a experiênciaEPR pudesse ser utilizada para o teletransporte do tipo descrito na ficção científica. Em 1993,

contudo, uma equipe liderada por Charles Bennet, pesquisador da IBM, demonstrou quepropriedades podiam ser retiradas completamente de uma partícula e cedidas para outra. Aimplicação é que a informação necessária para reproduzir um objeto pode ser totalmentetransferida, desde que o original perca por completo sua identidade.

Desde então houve um grande número de experiências confirmando que o teletransportequântico é possível desde que as propriedades do objeto primário sejam anuladas. O maisdistante teletransporte já feito até hoje ocorreu em 2004 e envolveu a transferência depropriedades físicas através do rio Danúbio, em Viena. Uma equipe da Universidade deViena, incluindo Rupert Ursin, Anton Zeilinger e outros cinco, construiu duas estações, uma decada lado do rio. Uma foi chamada de Alice, e a outra, de Bob, e foram ligadas por um cabode fibra ótica instalado através de uma canalização de esgoto. Eles utilizaram a estação Alicepara teletransportar até a estação Bob um conjunto completo de informação sobre umdeterminado fóton (uma partícula de luz), particularmente seu estado de polarização.

Polarização diz respeito à direção angular em que a componente do campo elétrico deuma onda de luz oscila no espaço. Por exemplo, ela poderia oscilar, como uma corda, tanto navertical quanto na horizontal, ou em alguma direção entre essas duas. É uma das propriedadescaracterísticas de um fóton, como uma impressão digital.

Para completar a transferência das propriedades, diversos passos foram necessários.Primeiro, ambas as estações precisaram compartilhar um outro conjunto de fótons, que atuoucomo uma espécie de código. O fóton de Alice foi combinado com um dos fótonsentrelaçados, e uma medição conjunta foi feita. Com base no resultado da medição, o estadode polarização do fóton de Alice foi anulado e um sinal foi enviado ao fóton de Bob, do outrolado. Assim que o fóton de Bob recebeu o sinal, ele se transformou no exato estado depolarização que Alice costumava ter. O resultado final foi que as características do fóton deAlice foram teletransportadas para o outro lado do Danúbio, e essencialmente o fóton de Bobse transformou no de Alice.

Se isso, de alguma maneira, puder ser feito com pessoas, algo como o teletransportadorde Frink poderá ser aperfeiçoado. Imagine se Homer estivesse de pé em uma cabine de umlado do Danúbio, e houvesse uma cabine do outro lado, cheia dos exatos ingredientesnecessários para reproduzir seu corpo. Suponhamos que raios de fótons entrelaçados fossemenviados para cada cabine. Um deles se combinaria com Homer e um detector analisaria todosos átomos de seu corpo. Com essa análise, Homer se tornaria uma pilha insípida de materialinerte, e um sinal complexo seria enviado para o outro lado. O raio combinaria o material e os

fótons que já estavam do outro lado e reconstituiria o exato estado do corpo de Homer. Derepente, ele se encontraria no outro lado. Podemos vê-lo pegando uma Duff danubiana dacervejaria local (servida talvez por um bartenderautomatizado da convenção da Roboexótica)e cantando satisfeito.

Teletransportar uma pessoa parece quase viável, até que se pensa na imensa quantidadede átomos do corpo humano e nas implicações éticas de destruir alguém para gerar umaréplica. Pioneiros do teletransporte quântico enfatizam que as experiências de última geraçãoenvolvem sistemas imensamente mais simples que corpos verdadeiros. Zeilinger, porexemplo, observou que os desafios envolvidos no teletransporte de pessoas seriamastronômicos:

Estamos falando de fenômenos quânticos. Não temos a menor ideia de comoproduzi-los com objetos maiores. E mesmo que seja possível, os problemasenvolvidos seriam enormes. Primeiro: por razões físicas, o corpo original tem deser completamente isolado de seu ambiente para a transferência funcionar. Épreciso existir um vácuo total. E é um fato bem conhecido que isso não éparticularmente saudável para um ser humano. Segundo, você tomaria todas aspropriedades de uma pessoa e transferiria para outra. Isso significa produzir um serque não tem mais cor de cabelo, nem cor de olhos, nadinha. Um homem semcaracterísticas! Isso não é apenas antiético – é tão maluco que é impossível de

imaginar.***

O teletransporte quântico está longe de ser o único meio de transporte instantâneo. Umamaneira de atingir distâncias maiores por meio da realocação, pelo menos de acordo compessoas que estejam observando a ocorrência, seria a habilidade hipotética de parar o tempo.Se uma pessoa pudesse se mover enquanto tudo ao seu redor permanecesse congelado notempo, ela poderia passear de um ponto a outro sem perder nenhum instante. Tal estratégiaseria particularmente útil para garotos que adoram provocar confusão, mas nunca achamtempo durante o dia para fazer suas brincadeiras. Você conhece alguma criança assim?

* Estudo dos insetos da ordem dos dípteros (insetos de duas asas, como moscas) (N. do E.).

** Referência a sua frase “Deus não joga dados com o Universo” (N. do T.).

*** Anton Zeilinger, entrevista em Sign and Sight, 16 fev. 2006, Lucy Powell e John Lambert, traduzido, originalmenteem Die Weltwoche , 3 jan. 2006.

Parte três

Sem tempo para d’ohsEntão nossos filhos estão ficando mais inteligentes. Se tivermos outro, ele poderia construir

uma máquina do tempo que usari amos para voltar no tempo e não ter nenhum filho.Homer Simpson, “Ativa a Mais Ativa”

Terráqueos idiotas! Totalmente despreparados para os efeitos da viagem no tempo!Kang, “Time and Punishment”

14Parando o relógio

Bart nunca tem tempo para perpetrar todas as proezas que sua mente diabólica arquiteta. Hápoucos segundos em um dia para fazer brincadeiras desagradáveis, atar os cadarços de seuscolegas de aula, escrever slogans humilhantes sobre o diretor Skinner nas paredes da escola,envergonhar a sra. Krabappel por causa de seus casos amorosos, quebrar a cabeça da boneca“Malibu Stacy” de Lisa, costurar por entre o tráfego pesado com sua prancha de skate,enganar Homer para que o deixe jogar violentos videogames, e assim por diante. Para Bart,isso tudo seria apenas uma manhã bem aproveitada.

O pobre Milhouse, pretendente de Lisa, não consegue acompanhar as brincadeiras deBart. Ele quer desesperadamente ser legal, custe o que custar, mesmo que isso o meta emencrenca. Contudo, não tem a menor ideia do que seja, de fato, uma encrenca e, como um alunode judô principiante, precisa olhar atentamente os movimentos do mestre. Lento paraapreender, Milhouse poderia usar replays em câmera lenta das proezas de Bart para praticá-las.

No mundo real, o tempo não perdoa. As oportunidades passam em um átimo e, se não sãoaproveitadas, pode ser muito tarde. Um momento de hesitação pode significar a diferençaentre disfarçadamente colocar um simulacro de vômito na cadeira de um professor e sermandado à cabana do jardineiro Willie para lições de gaita de fole como punição depois daaula.

No episódio “Stop the World, I Want to Goof Off” [Pare o Mundo, eu Quero Vadiar], Barte Milhouse descobrem uma surpreendente panaceia para seus problemas em administrar otempo. Um anúncio de uma antiga revista faz com que eles comprem um cronômetro que tem opoder de fazer o tempo parar. Simplesmente pressionando um botão do relógio, tudo nomundo, exceto a pessoa que está com o cronômetro, fica como morto, pregado no chão, até queo relógio seja acionado de novo.

Segurando o relógio ao mesmo tempo e pressionando o botão nos momentos oportunos,

os astutos vilõezinhos desencadeiam um reino de absoluto caos. Cada intervalo congelado dáa Bart a oportunidade de rearranjar as pessoas e as coisas a sua volta da maneira maistortuosa, embaraçosa e hilariante possível. Finalmente, Milhouse consegue equiparar-se a seucompanheiro no crime e saboreia a estupenda arte de produzir pandemônios. Nenhum pedaçode dignidade é poupado, e os habitantes de Springfield descobrem os letreiros e os sinais detrânsito reescritos com mensagens sem sentido, as calças do diretor Skinner abaixadas derepente em uma assembleia da escola e as roupas do prefeito Quimby substituídassucessivamente pelo uniforme de uma empregada, uma vestimenta da época colonial e outrostrajes estranhos.

Quando o prefeito descobre uma maneira de localizar os culpados por meio de suaspegadas, reveladas por um “pó ultravioleta” especial, os cidadãos pegam em armas paratentar capturá-los. O companheiro de Krusty, Sideshow Mel, está determinado a matá-losantes de ter seu segredo revelado. Fugindo dos moradores revoltados, Bart e Milhousepressionam o relógio para desligá-lo e, então o deixam cair e quebrar. Instantaneamente, todomovimento cessa no mundo inteiro, exceto os frenéticos esforços dos garotos. Apenas depoisde eles conseguirem remontar o relógio – peça a peça, no decurso de 15 anos – é que o passardo tempo retoma seu ritmo.

Será que o tempo pode realmente ser congelado e descongelado – como a carne doKrusty Buger antes de ser maravilhosamente servida por uma equipe de eficientesadolescentes? Se é assim, será que acharíamos o resultado apetitoso ou ficaríamos tãorevoltados quanto os cidadãos de Springfield? Esse processo, se puder ser desenvolvido, teráuma utilidade melhor que simples matar o tempo?

Provavelmente você já teve a experiência de estar se divertindo muito enquanto, ao seuredor, os outros estão completamente entediados – essa é uma versão menos extrema dofenômeno em que o fluxo do tempo se dá em um nível diferente. Se você está vendo umaapresentação ao vivo de sua banda favorita, as horas parecem passar muito rápido, em umaespécie de névoa musical. Contudo, se os membros da família estão olhando para o relógioenquanto aguardam você remover os fones de ouvido e se juntar a eles para o jantar,possivelmente dirão que estão esperando há uma eternidade.

O tempo psicológico – o tempo da mente – é muito conhecido por ser extremamentevariável. Muitos fatores influenciam o fato de o tempo parecer acelerar ou ficar lento, entreeles a quantidade e a qualidade das atividades com as quais se está envolvido. Os psicólogosacreditam que haja uma conexão entre a complexidade do que se está fazendo e nossa

estimativa de quanto tempo isso pode levar.

O envelhecimento também afeta a percepção da passagem do tempo. As crianças têm umavisão do tempo muito mais alongada que adultos. Para uma criança da idade de Bart ou deLisa, esperar um mês por um presente de aniversário pode parecer muito demorado. Contudo,quando Abe Simpson relembra suas heroicas ações durante a Segunda Grande Guerra, ele falacomo se tudo tivesse acontecido ontem. Embora possamos creditar isso a sua grave perda dememória, fica claro que seu relógio opera em um ritmo muito diferente do relógio de seusnetos.

Drogas que alteram o funcionamento da mente, como os alucinógenos, são outrainfluência conhecida na percepção do tempo, como alguém com as predileções farmacêuticas

de Otto poderia atestar. Por exemplo, a droga DMT,* ingrediente de um chá usado em algumascerimônias de religiões nativas do Brasil, parece colocar um freio na passagem do tempo eunir todos os momentos em um só. (Talvez por isso Homer tenha relatado, enigmaticamente,que ele foi o primeiro não-brasileiro a viajar através do tempo.) Sobre os efeitos dessasubstância psicodélica, o pesquisador Rick Strassman escreveu: “Passado, presente e futurose misturam em um momento atemporal, a eternidade agora. O tempo para, visto que ele não

‘passa’ mais. Há existência, mas ela não é mais dependente do tempo”.**

Um ingrediente farmacológico poderia ser usado para congelar as pessoas literalmenteem uma posição? Nenhuma droga conhecida faz as pessoas ficarem paradas precisamenteonde e como elas estavam, mantendo seus corpos como estátuas, tornando suas memóriasvazias e, depois, permitindo que elas recomecem suas atividades como se nada tivesseacontecido. Na verdade, há drogas conhecidas por provocar uma paralisia temporária emvárias partes do corpo – até parar o coração, durante algumas cirurgias de revascularização,inundando-o com potássio. Esse tipo de procedimento não é rotineiro, pois oferece muitosriscos e pode causar dano permanente. Naturalmente é realizado sob anestesia geral, que agetemporariamente como um “congelador de tempo” para a mente da mesma forma que para ocorpo. Os que acordam de um sono anestésico muitas vezes sentem uma desorientaçãoresultante de horas de completa não-consciência.

Mais comumente, experimentamos estados temporais alterados toda noite. O sono normaloferece um grande salto através de abismos de escuridão, que duram sete, oito ou mais horas,em um estado de repousante ausência de tempo. Você já adormeceu tão rapidamente que nãopercebeu e acordou horas depois, surpreendido pelo brilhante sol de um novo dia? É quase

como se alguém tivesse parado, e depois religado, seu cronômetro pessoal.

Sonhos – o voo de divertimento da viagem do sono – oferecem esplêndidas excursõespelos múltiplos caminhos secretos do tempo. Em devaneios noturnos, um sonhador pode sentirque dias, ou mesmo meses, se passaram enquanto ele sonhou por apenas poucos minutos.Adormecido na aula da sra. Krabappel, Bart poderia imaginar uma vida inteira como HomemRadioativo, derrotando inimigo após inimigo, para acabar acordando com um pontapé deNelson e descobrir que seu sono não durou mais que o soar do sino do intervalo.

Emoções poderosas, como um profundo temor ou ansiedade, também podem fazer parar orelógio. Os pais percebem isso durante situações de emergência, quando devem agirrapidamente, e uma descarga de adrenalina lhes permite fazer o que é preciso. Como mãepreocupada, por exemplo, se alguma coisa acontece a Bart, Lisa, ou especialmente à pequenae indefesa Maggie, o coração de Marge acelera e ela entra em ação imediatamente, compoderes quase super-humanos.

Sonhos, drogas, estados emocionais e outros fatores alteram o ritmo de nossos corpos enossa percepção de tempo. Os cientistas testam essas alterações pedindo a participantes depesquisas que, sem acesso a um relógio, estimem a duração de determinados intervalos detempo; depois eles comparam essas estimativas ao tempo marcado por relógios aferidos.Esses relógios, por seu lado, são calibrados para marcar o tempo de acordo com os melhorespadrões terrestres, atualmente medidos por níveis de oscilações atômicas.

No século XVII, Isaac Newton propôs que os relógios de uso na Terra poderiam, emteoria, ser acertados conforme o padrão do ritmo universal, que ele chamou de “tempoabsoluto”. Assim, relógios perfeitos, viajando por qualquer região do espaço, poderiammanter a mesma fluidez uns em relação aos outros, não importando sua velocidade oucondições. No início do século XX, contudo, Albert Einstein descobriu que, para resolvercertas contradições físicas, esse ponto de vista absoluto necessitava ser abandonado em favorde uma perspectiva relativa. Suas descobertas levaram a física a abraçar uma visão maisflexível do tempo – não apenas de nossa experiência pessoal com ele, mas também de suanatureza fundamental.

Os princípios em conflito que Einstein deveria reconciliar eram duas proposições físicasbásicas. A primeira é que todo movimento em velocidade constante é relativo. Observamosesse efeito quando estamos em um veículo fechado, movendo-se de forma constante, como umelevador subindo suave e vagarosamente, e sentimos que não estamos nos movendo.

Inversamente, também o percebemos quando estamos em um veículo parado, como um trem emuma estação e, ao olhar para fora, vemos outro trem saindo da plataforma: por um momento,parece que nós é que estamos nos movendo. Nossos sentidos nos informam – e a física deNewton confirma – que não podemos sentir a diferença entre um movimento uniforme,perfeitamente retilíneo, e a ausência de movimento. A única maneira de distinguir entre osdois é procurar pistas referenciais, como objetos passando. Manipular essas imagensreferenciais pode enganar o olho e apresentar a ilusão do movimento. Dessa forma, se o carrode polícia do Chefe Wiggum está estacionado em um set de cinema e ele vê imagensprojetadas em um cenário correndo na direção contrária, ele pode se enganar e pensar que estárealmente perseguindo um suspeito.

Einstein percebeu que o conceito de velocidades relativas parecia contradizer um outroprincípio físico estabelecido, o de que a velocidade da luz no vácuo parece ser a mesma paratodos os observadores. Descrições da luz desenvolvidas pelo cientista britânico James ClerckMaxwell, entre outros, estipulavam que sua velocidade medida deve ser independente davelocidade relativa de qualquer um que esteja fazendo a medida. Dessa forma, se osalienígenas Kang e Kodos apontassem um gigantesco raio laser para a Terra, e se uma nave deseres simpáticos tentasse ultrapassar o raio e resgatar nosso planeta, os esforços dos ETsbonzinhos seriam em vão. Com Kang e Kodos gargalhando loucamente no fundo, os bonzinhosperceberiam que, por mais rápidos que viajassem, a luz sempre pareceria afastar-se delesexatamente na mesma velocidade, e eles nunca recuperariam o terreno perdido.

Para explicar o comportamento da luz pela física do movimento, Einstein descobriu queprecisava substituir o conceito de Newton de tempo absoluto por uma definição dependente doobservador. Ele propôs a ideia de “dilatação do tempo” como uma maneira de doisobservadores, viajando com velocidades diferentes, ainda assim medirem a mesmavelocidade para a luz. Em resumo, isso quer dizer que o relógio daqueles que estão em umveículo se movendo próximo à velocidade da luz anda mais devagar que o relógio daquelesque não estão no veículo – por exemplo, observadores estacionários na Terra. Comovelocidade é a distância dividida pelo tempo, se o relógio de alguém está andando maisdevagar, este alguém poderia viajar distâncias cada vez maiores durante esses intervalos eainda assim não exceder a velocidade da luz. Dessa forma, no caso de extraterrestresamigáveis tentando salvar a Terra, embora eles continuem forçando seus motores eaproximando-se cada vez mais de nosso planeta durante os intervalos de tempo marcados pelorelógio de sua espaçonave, eles ainda assim não podem derrotar o raio laser.

Dilatação do tempo é um ingrediente da teoria especial de Einstein sobre a relatividade,proposta em 1905. Outro é a contração dos comprimentos, a noção de que objetos movendo-sepróximos à velocidade da luz parecem, do ponto de vista estacionário (isto é, não se movendocom o objeto), ser comprimidos na direção do movimento. Por exemplo, se Kang e Kodosestão voltando rapidamente para Zigel 7 próximo à velocidade da luz, aqueles quecontinuarem na Terra, assumindo-se que tenham telescópios muito poderosos, veriam aespaçonave e seus diabólicos ocupantes amassados como tomates podres na viagem de volta.Um terceiro aspecto da teoria de Einstein é o da intercambialidade entre a matéria e a energia,resumida na expressão E = mc² e que ajuda a fornecer a força do vasto império nuclear deBurns.

Agora consideremos uma maneira, admitidamente inverossímil, mas teoricamente válida,de usar o efeito da dilatação do tempo de Einstein para construir um tipo de relógio quepareceria parar o tempo (ou, mais precisamente, comprimi-lo relativamente ao tempo daTerra). Para essa experiência, Bart e Milhouse precisariam de espaçonaves ultravelozes(talvez tomando uma emprestada de Kang e Kodos) e um relógio especial, operado porcontrole remoto. Imagine que toda vez que Bart e Milhouse dessem um clique no relógio, aespaçonave fosse programada para sair sacudindo pelo espaço a uma velocidade próxima davelocidade da luz, levando quem estivesse por perto (Skinner, Quimby e assim por diante).Permanecendo em Springfield, os garotos poderiam fazer as travessuras que quisessem(reagrupar letras nos quadros de avisos, invadir a casa de Skinner e colar cartazes com aexpressão “chute-me” no traseiro de suas calças etc.). Quando tivessem terminado todas astraquinagens, eles dariam outro clique no relógio, e a espaçonave retornaria. Os passageirosficariam atônitos ao descobrir que seus pertences tinham sido misteriosamente depredados emum período de tempo incrivelmente curto, segundo os seus relógios.

Por todas as razões práticas, contudo, a realização de um projeto de dobra temporal seriaquase impossível. A fim de que a “parada temporal” parecesse rápida, a espaçonave teria deacomodar os passageiros e acelerar do repouso até próximo da velocidade da luz no espaço

de segundos, correspondendo a forças de ascensão*** que seriam mortais. Se o veículoatingisse uma taxa de aceleração mais razoável, então haveria um longo intervalo em que eleestaria ganhando velocidade. Mas isso impediria a ideia de “ligar e desligar o tempo” emrelação a minutos e horas, substituindo-a por diferenças perceptíveis em um período de mesesou anos.

Por exemplo, se uma espaçonave lotada com habitantes de Springfield (exceto Bart e

Milhouse) acelerasse continuamente para fora da Terra em uma taxa tolerável de 1 g (aaceleração dos corpos caindo livremente sobre a terra), ela poderia atingir uma velocidadepróxima à da luz em mais ou menos um ano. Poderia cruzar, nessa velocidade, por um certonúmero de dias e depois retornar à Terra enquanto desacelerasse. Essas pessoas estariam forade Springfield por cerca de dois anos segundo o ponto de vista da espaçonave, mas maistempo que isso do ponto de vista da Terra. Se eles viajassem suficientemente próximos àvelocidade da luz durante o intervalo do cruzeiro, eles poderiam, por exemplo, perder 15 anosdo tempo da Terra. Como consequência, nesse caso, o resultado equivaleria pelo menos a umaspecto do episódio “Stop the World, I Want to Goof Off”. Enquanto Bart e Milhouse teriamenvelhecido uma década e meia, atingindo o esplendor da idade adulta, Skinner, Quimby e osoutros teriam ficando apenas dois anos mais velhos.

Relatividade especial não é a única teoria de Einstein que permite aos relógios semoverem em velocidades diferentes. Uma década depois de terminar sua primeira emonumental teoria sobre espaço e tempo, Einstein apresentou uma obra-prima ainda maior:sua teoria geral da relatividade. Enquanto a teoria especial trata de velocidades ultra-rápidas,a teoria geral se relaciona à gravidade. Para mostrar como a gravidade influencia omovimento dos objetos, ela descreve espaço e tempo juntos, como uma espécie de tecidoflexível, chamado continuum espaço–tempo, que se curva toda vez que é atraído pela matéria.Quanto maior for a massa de uma região, mais o tecido vai se curvar, como uma rede esticadapelo peso de corpos cada vez mais pesados. Se Maggie fosse colocada em uma rede, porexemplo, a rede mal se curvaria, mas se Homer se sentasse nela bebendo uma Duff, ela securvaria muito mais, e se o Cara dos Quadrinhos vestisse uma fantasia de Super Skrull epulasse nela, a rede poderia até se romper. Infelizmente, essa é a frágil natureza da realidadefísica. Os imitadores de Super Skrull de barriga grande não são muito apreciados pelocontinuum espaço–tempo.

A “rede” em que a Terra mora é o Sistema Solar, ocupado no centro pelo maior corpo denossa região, o Sol. A massa do Sol distorce nossa região, fazendo com que os objetos em suavizinhança façam um movimento curvo pelo espaço. De uma maneira semelhante, se Homer,sentado sobre a rede, deixasse cair uma lata de Duff vazia sobre o tecido, ela rolaria nadireção dele ou rolaria em volta dele, dependendo de como caísse. Então, em virtude do efeitocurvo do Sol, a Terra “rola” em uma órbita elíptica em redor do Sistema Solar, em vez de semover sem interrupção em uma trajetória retilínea pelo espaço.

Um dos mais revolucionários aspectos da relatividade é que espaço e tempo estão

intimamente inter-relacionados. Toda vez que o espaço se curva, o tempo também se estica. Épor isso que a contração dos comprimentos e a dilatação do tempo caminham de mãos dadas.Portanto, perto de um objeto enorme como uma estrela, intervalos de tempo são maiscompridos comparados com aqueles do espaço vazio.

Talvez os objetos mais densos do universo sejam as ruínas de estrelas colapsadas,conhecidas como buracos negros. Sobre estas, o Cara dos Quadrinhos é, sem dúvida, umrenomado especialista, pois ele discutiu longamente sobre ruínas de estrelas em convençõesde ficção científica. Os buracos negros exerceram muita atração sobre a imaginação tanto dosfísicos quanto dos fãs da ficção-científica em virtude de sua gravidade forte e incomum, eoutros aspectos cativantes. Se esses físicos atraídos pelos buracos negros pudessem encontrarum modo de escapar a essa intensa gravidade, eles provavelmente contariam que a curvaturaextrema do tecido espaço–tempo, em virtude da enorme concentração de matéria dos buracosnegros, levaria a enormes diferenças no andamento dos relógios perto de um buraco negro e naTerra.

Viajar próximo a um buraco negro é outra maneira pela qual o tempo poderia serretardado ou até parado, comparado com o tempo terrestre normal. Isso representa umexemplo da dilatação do tempo em razão muito mais de forças gravitacionais extremamentefortes que de alta velocidade. Imaginemos um cenário em que Burns decide lançar alguns deseus funcionários no espaço, a fim de que eles possam investigar a tecnologia nuclear emcondições de vácuo. Smithers equipa a espaçonave com aparelhos de monitoramento paraassegurar que os empregados lançados não diminuam sua atividade. Infelizmente suaespaçonave dirige-se à região de um buraco negro. Quando a nave se aproxima de uma estrelacolapsada, os passageiros Lenny e Carl, alheios ao perigo que se aproxima, decidem jogaruma partida de pôquer. Por causa dos efeitos de curvatura do buraco negro próximo, seusrelógios começam a mover-se cada vez mais lentamente, comparados com o tempo da Terra –efeito não perceptível para eles, mas apenas para os que estão de fora. Observandoatentamente as atividades de ambos, Smithers perceberia seus movimentos no jogo de pôquerficando mais letárgicos. Ao saber disso, Burns poderia resmungar que seus empregados não sóestavam relaxando durante o trabalho, mas pareciam estar relaxando em seu relaxamento!

Cada buraco negro é envolvido por uma zona a partir da qual não há volta – um horizontede eventos –, que corresponde ao limite da região dentro da qual qualquer fuga seriafisicamente impossível. Se Lenny, Carl e os outros trabalhadores entrassem nessa zona, seusrelógios imediatamente parariam em relação ao tempo na Terra. Em outras palavras,

transcorreria uma infinidade de segundos da Terra para cada simples segundo transcorridodentro da espaçonave. Smithers veria a nave congelar-se para sempre no sombrio precipíciodo horizonte de eventos. Quando Burns ficasse sabendo disso, ele poderia ficar com ciúmesda aparente imortalidade deles. Sua inveja, contudo, não teria sentido, dado que seustrabalhadores ainda estariam sujeitos à passagem do tempo em seu ritmo habitual, ao mesmotempo em que a espaçonave estaria sendo esticada e dilacerada pelas mortais forçasgravitacionais.

Se, no entanto, eles conseguissem safar-se do buraco negro antes de cruzarem o horizontede eventos, eles eventualmente poderiam retornar à Terra. Após a chegada, eles perceberiamque teriam envelhecido muito menos que nós. Por exemplo, eles poderiam ficar atônitos aodescobrir que Bart e Milhouse não são mais garotos, mas completamente adultos, e que Homerse aposentou há 30 anos.

Parar o relógio não é um truque fácil. Diferentemente de bugigangas como cigarras debrinquedo que disparam e dão choque na palma da mão quando se cumprimenta, dos anéis de

decifração**** ou das carteiras de habilitação falsas, não se pode encontrar relógios queparam o tempo em revistas infantis antigas. Contudo, a variação de nossas percepções sobre oquão rapidamente os eventos transcorrem e a flexibilidade da relatividade de Einsteinpermitem que um minuto para uma pessoa seja uma hora, um dia, 15 anos para outras. Duasdécadas, para alguns adolescentes, pode ser muito pouco tempo para todas as traquinagens queeles querem cometer.

* DMT é a sigla para dimeltriptamina, componente alucinógeno de algumas plantas amazônicas, como a ayahuasca e ajurema (N. do T.).

** Strassman, Rick. DMT: the spirit molecule. Rochester, VT: Park Street Press, 2001, p. 234.

*** Forças de ascensão são forças relacionadas ao referencial não-inercial (nave); são equivalentes às forças que nospressionam para trás, no banco do carro, quando aceleramos (N. de R.T.).

**** Brinquedo popular nos Estados Unidos, encontrado como brinde em caixas de cereais e revistas infantis. Se dois oumais amigos usassem os anéis (ou broches), poderiam se comunicar conforme o código que vissem no anel um do outro(N. do E.).

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Um brinde* ao passado

É um lugar-comum acreditar que o passado já foi, é história, está acabado. Mas o passadotem suas maneiras de voltar, adquirindo o matiz dourado da nostalgia ou a tintura ácida doarrependimento, dependendo da situação. Alguns tentam recobrir o passado com a coberturacremosa e doce da fantasia. Mas quando o creme se revela falso e rançoso, muitossimplesmente não acreditam que não se trata de um creme. Se você tentar colocar suasmemórias em um micro-ondas, elas vão ficar encharcadas e quase intragáveis.

Tudo isso pareceria uma velha metáfora crocante não fossem as circunstâncias curiosasem que, no episódio “Time and Punishment” [Tempo e Castigo], em “A Casa da Árvore dosHorrores V”, Homer literalmente volta ao passado ao baixar a alavanca de uma torradeira.Era uma torradeira quebrada, veja só, e Homer, ao tentar consertá-la, a transforma em umarudimentar máquina do tempo. Mergulhando de cabeça nas eras, ele chega ao tempo dosdinossauros. Em uma óbvia paródia do conto histórico de Ray Bradbury, “O Som do Trovão”,ele descobre horrorizado que qualquer mudança rumo ao passado distante, por menor queseja, aumenta as diferenças substanciais em relação ao presente para o qual ele retorna.Homer lembra-se que seu pai o tinha advertido no dia de seu casamento sobre a possibilidadede voltar no tempo e alterar a história, e agora a razão daquela advertência se tornou muitoclara.

Por exemplo, na primeira vez que Homer volta ao passado, ele esmaga uma moscairritante. Essa morte insignificante deflagra uma longa cadeia de eventos que se estende pelotempo como peças de dominó derrubadas uma a uma. Quando a alavanca da torradeira sobe,Homer retorna a um horripilante presente, no qual Ned Flanders é o ditador supremo, um tipode Grande Irmão. Todos em Springfield devem obedecer-lhe sem questionamento ou sofrerãouma lobotomia que elimina completamente o livre-arbítrio. Bart, Lisa e Marge, todosaceitaram a autoridade de Ned; Homer vai ser o próximo?

Fugindo das forças de Ned, Homer novamente pressiona para baixo a alavanca da

torradeira e volta à era dos dinossauros. Promete solenemente não tocar em nada nem mexercom o tempo, mas acidentalmente senta sobre um peixe que tinha acabado de sair da água e oesmaga. Assim, uma vez mais ele perturbou a frágil cadeia de eventos que conduziu aopresente familiar. Quando a alavanca da torradeira sobe, Homer retorna ao presente, masdescobre que o resto de sua família é de gigantes. Pensando que ele é um tipo de inseto queparece Homer, os enormes Bart e Lisa tentam golpeá-lo com seus punhos. Pressionando parabaixo a alavanca da torradeira, Homer escapa no último segundo.

Na terceira excursão de Homer aos dias dos imensos dinossauros herbívoros, ele espirra,deflagrando uma reação em cadeia que derruba um dinossauro depois do outro. De volta aopresente, ele se entrega às bizarras alterações que estão a sua espera. Inicialmente Homer ficadeliciado com o fato de que sua casa e família parecem ser as mesmas, com poucas exceções:suas cunhadas, Patty e Selma, acabaram de morrer, a família está mais rica, todos são muitoeducados com ele, eles têm um sedã Lexus. “Uhh-uhh!”, ele exclama.

Então vem o choque – a virada cruel que faz Homer gritar e lamentar-se em completaincredulidade. Objetivamente, é apenas uma pequena diferença entre a alternativa de realidadeque ele tinha criado com seu espirro primevo e o mundo que ele costumava chamar de lar.Contudo, para Homer, essa distinção abala a essência de sua vida, como um tornadochocalhando sua alma. Ninguém nesse desolado universo jamais ouviu falar de rosquinhas! Equando Homer apressadamente pressiona para baixo a alavanca da torradeira-máquina-do-tempo, uma irônica saraivada de rosquinhas marca sua partida. Aparentemente rosquinhas sãomuito comuns, só que são chamadas de “chuva”. Mas é tarde demais; ele já jogou os dados dodestino outra vez.

No final, depois de várias tentativas, Homer acaba encontrando um universo que lheagrada. As rosquinhas são numerosas e as pessoas realmente as comem. A única diferença é oque elas usam para comer: todo mundo tem uma língua comprida, bifurcada como a dos répteise que se estica até a comida para sugá-la. Bem, isso não incomoda muito Homer.

A ideia de viajar no tempo é recorrente na cultura popular, pelo menos desde oaparecimento do épico romance de H. G. Wells, A Máquina do Tempo, publicado em 1897. Oprotagonista, um inventor chamado apenas Viajante do Tempo, explica nas páginas iniciaisque, como espaço e tempo são lados da mesma moeda, o fato de se poder mover através doprimeiro significa que teoricamente é possível também viajar através do segundo. De maneiraintrigante, essa opinião ficcional de que espaço e tempo estão conectados precedeu – por maisde uma década – as primeiras afirmações científicas sobre o mesmo tema, sugeridas pela

teoria da relatividade especial de Einstein.

A relatividade especial em si mesma permite apenas certos tipos de viagem no tempo,principalmente para o futuro, não para o passado. Ao viajar cada vez mais próximo davelocidade da luz, os relógios dos viajantes do espaço se atrasariam em relação ao tempo naTerra, o que tornaria possível longas e indefinidas viagens pelo futuro. Mas eles nãopoderiam, contudo, reverter o curso e retornar ao presente. Mesmo que viajassem próximos davelocidade da luz na direção espacial oposta, essa viagem os levaria para cada vez maisdistante no futuro.

Uma partícula hipotética, chamada táquion, em teoria pode se mover permanentementemais rápido que a luz e daí sempre retornar no tempo. A lógica dessa ideia é que, como aviagem progressivamente mais próxima da velocidade da luz retarda o tempo cada vez mais,mover-se à velocidade da luz faz o tempo parar, e mover-se mais rapidamente faria o tempocorrer para trás. Contudo, nas quatro décadas seguintes à proposição dessa partícula pelofísico Gerald Feinberg, da Universidade de Colúmbia, essa anomalia ainda não foi constatada.Além disso, uma partícula ordinária não poderia se transformar em táquion porque serianecessária uma infinita quantidade de energia para fazê-la atingir a velocidade da luz, e umaoutra quantidade infinita para ir além dela, o que obviamente é impossível.

Isso que dizer que voltar no tempo está fora de questão? Não necessariamente. Arelatividade geral oferece uma flexibilidade muito maior que a relatividade especial, pois elapermite que o espaço–tempo se curve em uma variedade de maneiras quase sem fim,dependendo da configuração precisa da matéria e da energia em uma região. Se o espaço–tempo for configurado na forma exata, isso pode provocar o que os teóricos chamam de curvastipo–tempo fechadas (CTC, na sigla em inglês). Hipoteticamente, qualquer um que descobrisseuma dessas curvas poderia viajar de volta, como Homer, através das eras. Legal.

O primeiro exemplo teórico conhecido de uma CTC é um modelo de universo propostopelo matemático austríaco Kurt Gödel (pronuncia-se “Guêrdel”) em 1949. O estranho sobre omodelo de Gödel é que ele gira em torno de um eixo central como um carrossel,diferentemente do que os astrônomos consideram ser verdadeiro. O consenso astronômico éque o universo está se expandindo, não girando. Nenhum giro perceptível foi ainda detectado.Alguém poderia pensar que isso se constitui em um grande obstáculo (“hurdle”, no original,que se pronuncia “Hûrdel”) para o austríaco, mas ele manteve sua crença.

Se o espaço é como um carrossel giratório, então o tempo é como os cavalos mecânicos

se erguendo em suas estacas. (Nessa analogia, imaginamos os cavalos apenas se erguendo, enão descendo, pois normalmente nos movemos apenas à frente no tempo.) Mas imagine opassado como as posições dos cavalos para baixo e o futuro como as posições para cima.Como os cavalos estão todos orientados retilineamente e em paralelo, os “passados” de cadaestaca se alinham com os “passados” da estaca próxima, e os “futuros” de cada estaca sealinham com os “futuros” da seguinte.

Agora suponhamos que as estacas estejam mal presas na base. Enquanto o carrossel gira,cada estaca se inclina e toca na mais próxima. As estacas não estariam então paralelas, masmisturadas. Por analogia, percebemos que a rotação do universo em carrossel de Gödelpermitiria contato entre o futuro de cada região e o passado da vizinha. Isso causaria cicloscontínuos através do tempo – em outras palavras, CTCs. Então, ao viajar em qualquer círculofechado em redor do eixo central do universo, um explorador poderia retornar no tempo.Teoricamente, qualquer um com uma espaçonave poderosa poderia tentar mudar a história.

Imagine, por exemplo, que Moe quisesse voltar no tempo, matar seu avô e eliminar todosos traços de sua miserável existência. Ele poderia pensar que, se nunca fosse concebido,estaria livre de fazer uma série de coisas dolorosas, como ser expelido de um ventre, crescer,ser rejeitado, crescer um pouco mais, ser novamente rejeitado, cuidar de Barney, ser rejeitadocuidando de Barney – a lista continua indefinidamente. Seria melhor, Moe poderia concluir,não se incomodar com este mundo. Então, voltar no tempo seria uma forma de colocar esseplano em ação.

Suponhamos que Moe começou a implementar esse plano de viagem pelo tempo e deerradicação. Ele enfrentaria obstáculos formidáveis, como a enormidade do universo e aprobabilidade de que ele realmente não gira (pelo menos não o suficiente para produzirCTCs). Felizmente para ele, contudo, a rotação do universo não é a única fonte potencial deCTCs. Outras ideias incluem um cilindro giratório infinito proposto pelo físico Frank Tipler,da Universidade de Tulane, em 1974, e um sistema de “buraco de minhoca atravessável”proposto pelos físicos Michael Morris, Kip Thorne e Ulvi Yeltsever, do Caltech, do Institutode Tecnologia da Califórnia, em 1988.

A proposta dos físicos do Caltech tem uma história curiosa. Seu método teórico de viajarno tempo emergiu de um esquema de viagem espacial que supunha maneiras de conectar partesremotas do universo. Thorne originalmente concebeu os buracos de minhoca atravessáveis emresposta à solicitação do amigo Carl Sagan, que necessitava de uma forma imaginativa, mascientificamente viável, de um personagem de seu livro Contato fazer uma rápida viagem

interestelar. Como túneis atravessando montanhas para servir de atalho entre comunidades,buracos de minhoca são túneis hipotéticos no tecido espacial que ligam regiões remotas docosmos. Em uma terminologia-padrão, os buracos de minhoca têm duas “bocas” (entradas),uma em cada ponta, ligadas por uma “garganta” (o túnel em si). A garganta é construída deacordo com o princípio da relatividade geral, através da configuração exata do material,incluindo uma substância hipotética com massa negativa e propriedades de repulsãogravitacional, chamada matéria exótica. Viajantes espaciais entrariam no buraco de minhocaatravés de uma boca, atravessariam a garganta e sairiam pela outra boca, situada em umaregião remota do espaço.

Percebeu-se que os buracos de minhoca poderiam, teoricamente, ser usados não apenaspara excursões espaciais, mas, sob certas circunstâncias, também para viagens no tempo.Depois que os pesquisadores do Caltech mandaram o esquema para Sagan, eles perceberamque um buraco de minhoca atravessável poderia ser transformado em uma máquina do tempoao se transportar uma de suas bocas a uma velocidade próxima da velocidade da luz emrelação à outra boca. A dilatação do tempo que se seguiria atrasaria o relógio da boca em altavelocidade em comparação com a boca em baixa velocidade. Enquanto anos transcorreriampara a primeira, apenas meses se passariam para a última. Então, se os viajantes do espaçoentrassem na boca de baixa velocidade, em que muitos anos tinham se passado, atravessassema garganta e surgissem na boca de alta velocidade, em que poucos meses tinham se passado,eles seriam transportados de volta no tempo.

Vejamos agora como isso funcionaria imaginando um cenário envolvendo Kodos e Moe eseus avós. Imagine que o grandpod de Kodos construiu uma máquina do tempo do tipo buracode minhoca por volta dos anos 1940, colocando uma das bocas em uma órbita razoavelmenteperto da Terra e lançando a outra boca no espaço, em uma viagem de ida e volta a umavelocidade próxima da velocidade da luz. Consequentemente, enquanto a primeira bocaenvelheceu seis décadas, a segunda boca envelheceu muito menos – digamos uns poucosmeses.

Agora, nos anos 2000, Moe tem uma estranha visão desse buraco de minhoca e umacompulsão pecaminosa de cometer um ato odioso contra sua própria carne e osso. Com sobrasde etiquetas, latas de batata frita, material físsil descartado e outros materiais, ele constróiuma espaçonave e se lança ao espaço. Como em um sonho, Kodos aparece para ele e o guiaatravés da boca em órbita do buraco de minhoca – cuidadosamente alinhada pelo grandpod deKodos, que era um ortodontista e também um octópode. A espaçonave de Moe passa pela

boca, avança pela garganta e sai pela outra. Ele retorna à Terra, mas em virtude do retardo detempo da segunda boca, ele está agora justamente nos anos 1940. Moe, ao ver seu avô, queestá indo para a igreja se casar, logo se assegura de que o jovem noivo não pode cumprir seudestino.

O que Moe não percebe, contudo, é que (como já apontamos) o passado tem suasmaneiras de voltar. Ao matar o próprio avô, a linha ascendente de Moe foi interrompida e elenão vai existir. Se ele simplesmente some, contudo, quem construiu a espaçonave, voltou notempo e cometeu o ato abominável? Ninguém. Nesse caso, o avô de Moe deve tersobrevivido, se casado e tido um filho que gerou Moe. Então, Moe existe. Em resumo, Moeestá simultaneamente vivo e extinto – um destino comprovadamente pior que ser rejeitadopelos outros ou rejeitar a si próprio. Esse bizarro cenário no qual alguém mata o próprio avô econtinua a aparecer e sumir da existência é um dos mais famosos enigmas da viagem de voltano tempo, chamado, apropriadamente, paradoxo do avô.

Escritores de ficção científica consideraram inúmeras outras situações contraditóriasrelacionadas às viagens de volta no tempo. Viajar para o futuro não teria a mesma bagagemfilosófica porque a história do futuro ainda está por ser escrita e, portanto, pode ser alteradade qualquer forma sem criar uma contradição. O passado, contudo, é um pergaminho inscritocom tinta indelével; como o registro permanente da vida de Bart, ele não seria facilmenteapagado. É curioso pensar em voltar para aquelas mesmas páginas e alterar ou destruir todosos traços do que já aconteceu.

Em virtude desses enigmas enganosos, muitos cientistas argumentaram que voltar notempo é impossível. Por exemplo, o convidado especial dos Simpsons, Stephen Hawking, cujotrabalho durante o dia é ser professor de matemática aplicada da Universidade de Cambridge,defendeu uma “conjetura de proteção cronológica”, um teorema da física que excluiria asCTCs. A ideia é que sempre que alguém tentasse usar a relatividade geral para criar um ciclode tempo, forças naturais emergiriam e o destruiriam, como marés crescentes que aplainam oscastelos de areia.

Thorne e seus colegas, ao lado do astrofísico russo Igor Novikov, escolheram umcaminho diferente. Eles partiram da ideia de que a viagem de volta no tempo é viável,contanto que seja autoconsistente. Em outras palavras, se alguém viaja para o passado e nãoaltera a história, mas é parte da história, tudo bem. O resultado, eles defendem, seria umacoerente cronologia de eventos, e não um evento com distorções confusas e paradoxais.

Por exemplo, consideremos uma variante de uma viagem no tempo do episódio “Lisa, aIconoclasta”. Lisa, ao fazer uma pesquisa na Sociedade Histórica de Springfield, descobre umbilhete com uma confissão. Segundo o bilhete, Jebediah Springfield, o fundador da cidade, erana verdade um impostor. Ela informa isso ao curador da sociedade, Hollis Hurlbut, um ardentedefensor dos lendários atos patrióticos de Jebediah, e ele tenta encobrir a verdade. No final,Lisa percebe que o melhor para a cidade é que ninguém saiba o que realmente aconteceu.

Agora imaginemos, nessa variante, que Hurlbut, de alguma forma, descobre uma máquinado tempo e tenta determinar de uma vez por todas as circunstâncias da fundação deSpringfield. Ele empacota alguns artefatos da época, coloca no bolso a confissão, regula oscontroles para o período em que Jebediah Springfield supostamente fundou a cidade e viajapara trás no tempo. Ao chegar, contudo, Hurlbut não encontra nenhum traço de Jebediah, nemde um impostor. Frustrado porque os lendários eventos históricos parecem não estaracontecendo, ele decide fazê-los acontecer. Com sua soberba memória da história, ele seassegura de que tudo que supostamente aconteceu realmente aconteça, incluindo um famosoevento em que um búfalo selvagem é amansado. Mais tarde, ele pede a um entalhador localpara inscrever o nome de Jebediah em um túmulo, desenterra um corpo do cemitério dosindigentes, veste-o com a indumentária de um desbravador da fronteira e cria uma falsasepultura. Tudo isso é feito sem que se ninguém perceba a “farsa”, exceto pelo fato de que,antes de voltar ao presente, Hurlbut deixa cair do bolso o bilhete com a confissão, que ficapara trás.

De volta ao presente, Hurlbut fica aliviado de que nada tenha mudado. Lisa aindadescobre o bilhete e percebe que Jebediah era um impostor, mas chega a uma conclusãoerrada sobre quem ele era realmente. Os outros habitantes da cidade ainda acreditam nahistória tradicional. Assim, a excursão no tempo de Hurlbut correspondeu perfeitamente aoregistro histórico, oferecendo um relato não-ambíguo e unificado sobre como Springfield tinhasido fundada. Dentro das ideias de Thorne, Novikov e outros, o ciclo temporal fechado queele implementou é absolutamente autoconsistente e livre de paradoxos.

Contudo, a natureza surpreendente do bilhete de confissão levanta uma questãosignificativa. Se um artigo descoberto no presente é levado de volta ao passado, deixado lá eeventualmente redescoberto, quem originariamente o criou? Aparentemente, ninguém.Contudo, sua existência é um efeito sem causa. E, estranhamente, se as viagens ao passadofossem possíveis, qualquer coisa poderia ser fabricada do nada.

Por exemplo, suponhamos que Smithers quisesse dar de presente de aniversário a Burns

um brilhante reluzente e puro de cinco quilates, fixado em um suporte de esmeralda, folheadoa ouro e incrustado de rubis. Tudo o que ele precisava fazer era decidir pegar o anel, viajarpara o futuro para a época em que ele já teria dado a Burns o brilhante, retirá-lo da coleção deBurns e trazê-lo de volta ao presente. Então ele o embrulharia e daria a Burns. Maravilhadocom o presente, Burns, sem dúvida, o colocaria de volta em sua coleção, sem perceber que, dealguma forma, ele já tinha estado lá. Ele permaneceria lá até que Smithers, no futuro, oretirasse novamente e o trouxesse de volta mais uma vez em tempo. Claramente, ninguém aindafez a peça preciosa, mas não obstante ela existe. Autoconsistência não é garantia derazoabilidade.

Outra alternativa que tornaria completamente impossível a viagem ao passado, ou a fariaviável somente no caso de uma rígida autoconsistência, é a existência de universos paralelos.Suponhamos que sempre que uma viagem de volta altera o futuro curso dos eventos, arealidade se bifurca, gerando um completo novo universo paralelo ao anterior. Por exemplo,durante as excursões provocadas pela torradeira de Homer, cada viagem ao passadoestabeleceria uma cronologia independente, com sua própria versão dos Simpsons e deSpringfield. Em alguns desses universos, Flanders se tornaria ditador; em outros, ele seria umhumilde vizinho; e ainda em outros, ele nem sequer existiria. Algumas realidades incluiriamrosquinhas em caixas de papelão; em outras, as rosquinhas cairiam do céu; e ainda em outras,as rosquinhas seriam tão raras e cobiçadas que a raça humana estaria perpetuamente brigandoe se mordendo para obtê-las, tristemente reduzida a uma existência ao estilo Comichão eCoçadinha.

O conceito de universos paralelos tem base em certas teorias físicas especulativas,incluindo a interpretação dos “muitos mundos” da mecânica quântica. Essa alternativa àabordagem quântica de Copenhague (a padrão) foi proposta em 1957 por Hugh Everett, entãoum estudante de graduação de Princeton, e popularizada pelo físico Bryce DeWitt. Ela estipulaque toda vez que uma medição com mais de um possível resultado é feita no nível atômico, arealidade física se divide em um número de porções igualmente válidas, uma para cadadesfecho.

A mais famosa aplicação da interpretação dos muitos mundos concerne a um enigmaconhecido como o paradoxo do gato de Schrödinger. Segundo esse paradoxo, um gato écolocado em uma caixa fechada e ligada a um detector de spin de elétron. Lembremo-nos deque o spin é uma propriedade quântica na qual os elétrons podem ter dois possíveis valores,chamados “acima” e “abaixo”. Se o detector de spin indica “acima”, o gato sobrevive, mas se

ele indica “abaixo”, o gato vai se juntar a Bola de Neve I no paraíso dos gatos.

De acordo com a interpretação tradicional de Copenhague, o gato permanece em umestado de mistura quântica até que um observador leia os resultados do detector ou abra atampa da caixa. Apenas então é que seu estado “colapsa” em uma das duas possibilidades. Emoutras palavras, em cerca de 50% do tempo, a curiosidade mata o gato. A interpretação dosmuitos mundos evita esse tema afirmando que o universo se bifurca em dois ramos. Em um, odetector de elétron indica “acima”, e o gato está vivo; no outro, o detector indica “abaixo”, e ogato está morto.

A física quântica seria capaz de produzir uma versão paralela da Terra idêntica em quasetudo, porém sem nenhuma rosquinha? Em virtude de sua natureza probabilística, a mecânicaquântica permite uma quase ilimitada variedade de ocorrências aleatórias, incluindo aimprovável possibilidade de que as moléculas de açúcar em cada rosquinha espontaneamentedegradem em substâncias não comestíveis – por exemplo, formiato de metila, que tem amesma fórmula química que moléculas simples do açúcar, o glicoaldeído, mas é utilizadocomo inseticida. Com esse tipo de “adoçante”, as rosquinhas acabariam por repelir até mesmoHomer.

A viagem no tempo seria um jogo arriscado. Perturbar a história não seria boa coisa, masimagine ser apanhado em uma realidade alternativa sem nenhum bolo parcialmentehidrogenado e calórico como conforto. Embora possamos ser curiosos a respeito do passado edo futuro, a maioria de nós não iria querer arriscar. Mas, e se pudéssemos ver outros tempos –eventos bem antigos ou de muitos anos à frente – sem ter de colocar o pé nessas épocas?Como nos sentiríamos, por exemplo, ao ver no que nossas vidas vão se transformar daqui amuitos anos? Se a família Simpson está envolvida, talvez não seja uma visão muito boa. Oucomo um certo valentão poderia dizer: “Posso sentir o cheiro de seu futuro. Haha!”.

* O autor faz um trocadilho, usando aqui toast, no sentido de “brinde”, e mais abaixo toaster, torradeira, palavras com amesma raiz, do latim tostare (N. do T.).

16Frinkando sobre o futuro

Uma das maiores frustrações da vida é a imprevisibilidade do futuro. As forças da naturezasão notoriamente caprichosas, como atestam os horrores de catástrofes como terremotos etornados. Além disso, mesmo se pudéssemos prever cada aspecto da natureza, teríamosgrandes dificuldades em antecipar o comportamento humano. Nosso planeta está repleto debilhões de indivíduos com livre-arbítrio, capazes de alterar suas decisões a cada momento.Por essa razão, a vida dos indivíduos e a história das sociedades, muitas vezes, mudam dedireção de maneira inesperada. Um casal pode gastar todo seu dinheiro na compra da casa dossonhos e descobrir que as autoridades decidiram demolir a propriedade para construir umaautoestrada. Uma mulher pode encontrar o parceiro ideal e descobrir que ele acabou dereceber uma notificação de deportação. Ou, no caso de Patty, cunhada de Homer, que seu

gênero não é o que ela esperava.*

Com os Simpsons, mudanças e reviravoltas frenéticas são típicas. Vendo o começo decada episódio, não se tem a menor idéia de para onde ele vai. Por exemplo, o episódio “OsMonólogos da Rainha” abre com Bart achando uma nota de mil dólares (perdida por Burns) ecriando um museu baseado na cédula. Em uma comédia de situação comum, administrar ummuseu poderia gerar proveito próprio e o episódio terminaria mostrando como a ideia malucade Bart funcionou. Mas com esta série não é assim. A família vai para a Inglaterra, usando odinheiro ganhado com o museu, e lá encontra o, na época, primeiro-ministro Tony Blair, aescritora J. K. Rowling e o ator Ian McKellen, além de trombar com a carruagem da rainha.Homer acaba preso na Torre de Londres, mas escapa. Vovô reencontra uma antiga amante edescobre uma filha ilegítima que é o retrato escarrado de Homer. Quem poderia ter imaginadotudo isso com base no começo do episódio?

A despeito da imprevisibilidade, diversos episódios da série tratam de previsão dofuturo. Como na outra série de Matt Groening, Futurama, a presença desse tema parecerefletir seu fascínio pela ficção científica. Além disso, considerando que nos episódiosregulares os personagens nunca envelhecem (pelo fato de serem um desenho animado, mas

também por uma sábia decisão de não os fazer mais velhos artificialmente), nos episódiosfuturistas, os roteiristas puderam dar mais dimensão à vida dos personagens. Afinal de contas,uma série com mais de duas décadas e quase nenhuma alteração nos personagens principais éalgo sem precedentes.

Os três episódios que tratam principalmente de visões do futuro são “O Casamento deLisa”, da sexta temporada, “Bart no Futuro”, da décima primeira, e “Futuro-drama”, dadécima sexta. Esses episódios tiveram um intervalo de cinco anos entre si, o que me fazprognosticar que o próximo será na vigésima primeira temporada, supondo-se que a sériecontinue a ser exibida. O ritmo, contudo, é a única coisa que se pode antecipar sobre osepisódios. Consistentes com o espírito frenético e a imprevisível natureza da série, essesepisódios oferecem retratos contraditórios sobre o que acontece a cada um dos principaispersonagens. Parte disso deriva da confusão cronológica gerada pelas alterações sobre qualano é considerado o presente (para cada ano do tempo verdadeiro, o “presente” da sériemove-se para anos posteriores). Por exemplo, o episódio “O Casamento de Lisa” retrata o ano2010, quando Lisa deveria estar na faculdade, e “Futuro-drama” imagina a vida em 2013,quando se afirma que Lisa estava se formando dois anos antes no colégio! Se a série continuarassim, em sua vigésima primeira temporada em 2010, Lisa ainda estará cursando o colégio. (Amenos que se mude para a comunidade do caipira Cletus, duvido que ela estará noiva por essaépoca.) Em face desses parâmetros conflitantes, os autores da série parecem sugerir que,como as limitações inerentes tornam todas as previsões duvidosas, o cenário que elesapresentam deve ser entendido com reservas.

Nos três episódios proféticos, Lisa e Bart conhecem seu futuro de maneiras diferentes.Em “O Casamento de Lisa”, ela encontra uma cigana que parece ser especialista em prevermaus relacionamentos. Seu método para prever um casamento catastroficamente abortado paraLisa é a cartomancia. Em “Bart no Futuro”, ele encontra um índio americano gerente decassino, que evoca imagens da vida de Bart aos 40 anos de idade usando o método dapiromancia, adivinhação pelo fogo. Chamas tremulantes preveem Lisa sendo eleita presidente

e Bart como um grande espinho a seu lado, à maneira de Billy Carter.** “Futuro-drama”envolve uma máquina inventada pelo professor Frink, a qual, ele garante, está baseada naastrologia. Outros métodos de adivinhação (a serem reservados, talvez, para futurosepisódios) incluem a frenologia (leitura de caroços no crânio), a quiromancia (leitura dasmãos), a cleromancia (lançamento de dados ou outras sortes) e a oniromancia (interpretaçãodos sonhos – talvez o método favorito do dr. Marvin Monroe, o psiquiatra de Springfield, e de

sua classe). Nenhum desses métodos tem uma base científica, a despeito das alegações deFrink a respeito de sua máquina astrológica.

O aparelho de Frink funciona mais ou menos como um tocador de DVD ou um TiVo(marca de um gravador de vídeo digital) com um menu repleto de opções. Ele apresenta fatosdo futuro como se fossem episódios de uma série. Por exemplo, ao clicar em um item chamado“Vice-presidente Cletus”, o aparelho mostra Cletus, o caipira, pedindo a sua namoradaBrandine que ponha suas calças em uma mala para uma viagem oficial a Brunei.

Frink mostra a Bart e Lisa um tema mais pungente: a vida deles na época da festa deformatura.

De acordo com a previsão da máquina, Bart e Lisa são assediados por acompanhantesnarcisistas. Jenda, uma garota zelosa de sua classe social, pressiona Bart por uma relaçãoíntima. Ele parece interessado, mas teme perder sua independência. Ao mesmo tempo, umMilhouse sarado e obcecado por músculos manipula Lisa, que se apaixonou pelo rapaz depoisque ele a salvou de um incêndio. Mesmo depois de descobrir que, na verdade, Milhouse haviacomeçado o fogo, ela continua com ele, aparentemente por desespero. Quando Bart ganha umabolsa para Yale que havido sido prometida a ela por Burns, Milhouse explora os sentimentosde rejeição de Lisa para se aproximar ainda mais. Enquanto isso, depois que Homer esbanjaas economias da família em uma casa submarina, Marge decide se separar e tem alguns

encontros com Krusty. Isso enfurece Homer imensamente. O “Snake Jailbird do tempo”***

parece ter roubado a família de toda sua possibilidade de verdadeiro amor e felicidade.

No final, Bart percebe que Jenda é a escolha errada para ele e que Milhouse é a escolhaerrada para Lisa. A revelação surge depois que ele entra na casa de Frink, agora abandonada,e quer ver o que há lá dentro. Jenda abandona Bart frustrada por ele estar mais interessado nacasa que nela. Uma vez dentro do laboratório de Frink, Bart descobre a máquina astrológica ea regula ainda mais para o futuro. Ele vê uma imagem deprimente da vida de casados deMilhouse e Lisa, com um perturbado Milhouse informando a Lisa que ele acabou de vendersua medula em uma tentativa desesperada de pagar a conta de luz. Consternado em ver comosua irmã vai ser oprimida, Bart a afasta rapidamente de Milhouse e devolve-lhe a bolsa deestudos que ela merece. Marge e Homer se reconciliam, e tudo fica bem na casa dos Simpsonsdo futuro.

Típico dos episódios futuristas, “Futuro-drama” apresenta misturas genéticas bizarras,estranhos robôs e tecnologia que mal funciona. Moe tem um clone exato que o ajuda no bar.

No processo de clonagem, uma aranha com algum material genético de Moe éinadvertidamente produzida – sem dúvida um gancho para o episódio “Fly versus Fly”. Essanoção de clonagem é baseada no entendimento popular de que os clones seriam formadoscomo adultos completos, quando, na verdade, os clones precisam crescer a partir de célulassimples, como qualquer embrião. Dessa forma, Moe deveria estar trocando as fraldas de seuclone, e não permitindo que ele o ajude no bar.

O episódio traz ainda outras formas absurdas de tecnologia futurista. O Chefe Wiggum éagora um robô com uma rotisseria no lugar do estômago. A nova casa submarina de Homerrequer três horas de descompressão apenas para abrir. Ele dirige o primeiro carro que levita,o qual parece um limão. Junto de Bart, ele atravessa um “túnel quântico” que passa por umamontanha.

Para uma partícula elementar, túneis quânticos ocorrem quando sua função de onda seestende através da barreira que a partícula, na forma clássica, seria incapaz de atravessar.Nesse caso, enquanto a física clássica prevê que a partícula teria chance zero de estar dooutro lado da barreira, a física quântica afirma que a chance é pequena, mas mensurável. Deacordo com nosso atual entendimento, o efeito do túnel quântico quase sempre se aplica aobjetos nas escalas atômicas ou subatômicas, e não do tamanho de carros, mas vamos deixarisso pra lá.

Quando o carro sai da montanha, de alguma forma já havia apanhado Bender, o robô deFuturama. (Este é um caso raro de crossover entre as duas séries.) A aparição inexplicável deBender fornece outro exemplo dos absurdos da tecnologia do futuro segundo Os Simpsons.Quando ele tenta ficar amigo de Homer e Bart, eles parecem completamente desinteressados elogo o jogam fora do carro.

Para uma máquina baseada em previsões astrológicas, suas visões do futuro parecemincrivelmente detalhadas. A ciência verdadeira poderia fazer o mesmo truque? Já vimos comoburacos de minhoca atravessáveis, hipotéticos atalhos através do espaço – para objetosmacroscópicos, não apenas minúsculas partículas –, poderiam ser túneis de acesso aopassado. Uma avançada civilização do futuro, desejosa de se comunicar com o passado,poderia transmitir correntes de informação através de um buraco de minhoca na esperança deque alguém pudesse captar e interpretar essas mensagens. De maneira geral, esses esforçosseriam arriscados, dado que informações sobre o futuro poderiam mudar o curso da história ealterar, ou até mesmo destruir, a civilização que enviou as mensagens. Contudo, se ascivilizações futuras tivessem de enfrentar um desastre iminente, como uma praga mundial, uma

invasão alienígena ou uma guerra nuclear devastadora, sua única esperança poderia ser umamensagem de alerta transmitida ao passado, para uma época em que a catástrofe pudesse serevitada.

O aclamado romance Timescape, de Gregory Benford, baseado em algumas de suasideias especulativas sobre a física teórica, aborda essa situação de resgate de um planeta. Umcientista de 1998 (o romance foi publicado em 1980) desenvolve um meio de comunicaçãocom o passado em uma tentativa de alertar as pessoas do início dos anos 1960 sobre umiminente desastre ecológico causado por um produto químico que devasta a cadeia alimentar.O mecanismo utilizado para enviar a mensagem envolve os táquions que, como vimos, sãopartículas hipotéticas que excedem a velocidade da luz. Transmitidos em sinal modulado,como as ondas flutuantes de rádio, eles são usados para passar informações ao passado aointerferir com processos nucleares em maneiras mensuráveis. O cientista aponta os sinais nadireção em que a Terra estava em 1963, afetando os resultados de uma experiência nuclearque estava sendo realizada naquele tempo. Quando os pesquisadores de 1963 conseguemdecifrar os resultados, eles publicam um importante trabalho que evita a produção de danosquímicos, impedindo a catástrofe.

Embora os táquions nunca tenham sido detectados, e as partículas comuns não possam seraceleradas a velocidades maiores que a da luz, nada nas leis da física torna sua existênciaimpossível. Assim, embora Homer possa impedir Lisa de violar as leis da termodinâmica emsua casa, ele relutaria em proibi-la de enviar sinais de advertência ao passado, por meio detáquions, sobre catástrofes ecológicas – um superaquecimento acidental do núcleo de umausina nuclear, por exemplo. Ela argumentaria com ardor, em sua voz suave e convincente, quea relatividade permite a existência de partículas viajando a uma velocidade maior que a daluz, velocidade esta que age como uma barreira entre partículas móveis menos rápidas e maisrápidas – as primeiras conhecidas como “tárdions”. O que é proibido é apenas cruzar abarreira.

Dados esses métodos teóricos para transmitir partículas ao passado, é curioso comoFrink baseia sua máquina na astrologia, e não em uma ciência verdadeira. Ao fazer essaescolha, remete-nos aos tempos antigos, quando a linha entre a astronomia e a astrologia eraborrada. Os primeiros astrônomos possuíam muito mais habilidades de previsão que osespecialistas de qualquer outra disciplina da época. Tinham um vasto conhecimento sobre osmovimentos das estrelas e das constelações (representações atribuídas pela mitologia a váriosarranjos estrelares), o que lhes possibilitava mapear calendários e prever acontecimentos

celestes como os eclipses. Presumindo que esse domínio do reino celestial se estendessetambém aos eventos terrenos, reis e outras figuras poderosas recorriam a esses “homenssábios” quando decisões importantes precisavam ser tomadas. Guerras seriam deflagradas eimportantes pronunciamentos seriam feitos somente quando os consultores astrais julgassemque as estrelas estavam corretamente alinhadas.

Através dos séculos, a astrologia permaneceu uma atividade lucrativa e popular. AtéJohannes Kepler, o pioneiro alemão do método científico do século XVII, vendeu previsõesastrológicas para ganhar um dinheiro extra. Ele nutria um entendimento errôneo de que asestrelas influenciam o curso das vidas humanas. Ao investigar os movimentos celestes, Keplersugeriu que esse conhecimento poderia ampliar nossa habilidade de prognosticar eventosfuturos na Terra. Felizmente, ele foi capaz de colocar suas crenças de lado e trabalhar com asinformações fornecidas pelos fatos. Isso o levou a deduzir as leis fundamentais da dinâmicaplanetária, um desenvolvimento essencial que preparou o caminho para a mecânica deNewton.

Graças a Kepler, e a seu contemporâneo italiano Galileu Galilei – que inventou otelescópio astronômico em 1609 –, a astronomia estabeleceu-se como uma ciência moderna.Mesmo que as estrelas não tenham a chave do nosso destino pessoal, elas fornecem pistasessenciais sobre a origem e o destino do cosmos. E com o esplendor dos céus aberto a nossainvestigação a cada noite, qualquer um, desde astrônomos famosos até garotas curiosas de oitoanos, pode explorar profundos mistérios cósmicos. Isto é, se a poluição atmosférica nãoatrapalhar.

* No seriado, Patty, irmã de Marge, é lésbica e certa vez se envolveu com uma mulher que, na verdade, se revelou umhomem (N. do E.).

** Irmão mais novo de Jimmy Carter, presidente dos Estados Unidos entre 1977 e 1981, e causador de muitos problemaspolíticos para o presidente (N. do T.).

*** Snake Jailbird é uma personagem criminosa, um ladrão (N. do E.).

Parte quatro

Springfield, o universo e alémA ciência alguma vez beijou uma mulher, ou ganhou o Super Bowl, ou colocou um homem na

Lua?Homer Simpson, “A Casa da árvore dos Horrores XV”

Há tanta coisa que eu não sei sobre astrofi sica.Homer Simpson, “A Casa da árvore dos horrores VI”

17As habilidades

de percepção de Lisa

Os consideráveis talentos de Lisa Simpson são subestimados por sua família e colegas deescola, exceto, talvez, pelo olhar ardente e apaixonado de Milhouse. Ah, amor nãocorrespondido! Virtuose do jazz, campeã de ortografia, cientista amadora e guardiã do meioambiente, Lisa é realmente uma pupila do Renascimento, um verdadeiro Leonardo delancheira.

Que descaramento teve então Eric Idle, do Monty Python,* de aparecer na série –dublando o personagem Declan Desmond – e acusar Lisa de ser uma “intelectual de festinhas”e uma diletante! Enquanto fazia um documentário sobre as crianças de Springfield denominadoOs Americanos Tapados, Desmond desdenha as qualificações de Lisa ao chamá-la de “Garotaque joga em todas as posições, mas bem em nenhuma”, e maldosamente perguntando “Qual asua ambição du jour [de hoje]?” Ele, o consumado comediante, escritor de comédias, ator,

letrista, membro tanto do Monty Python quanto dos Rutles,** autor do musical da BroadwaySpamalot, entre outras qualificações, tem mesmo a petulância de apontar o dedo para umatalentosa garotinha por sua falta de foco.

O episódio no qual Idle apareceu, “Eu Quero Ver o Céu”, é sobre astronomia, em que eletem ampla experiência por causa de sua veia musical. Um dos trechos clássicos de seusúltimos dias no Python foi um poema musicado que ele escreveu e apresentou para o filme OSentido da Vida, chamado “The Galaxy Song [A Canção da Galáxia]”. Cantada para uma donade casa sem atrativos, representada por Terry Jones, a canção descreve a falta de sentido davida terrestre diante da inimaginável vastidão do cosmos. Um compêndio de conhecimentoastronômico, a canção realça o diminuto lugar da Terra em nossa galáxia, a Via Láctea, quecom suas centenas de bilhões de estrelas compreende uma minúscula fração de nosso universoconstantemente em expansão. Daí, em comparação com as areias sem fim da eternidade, emessência, somos apenas um grão de poeira. Belo tema para um filme.

Se você já olhou para as milhares de luzes como diamantes contra o dossel de veludopreto do céu, deve ter experimentado essa sensação de pequenez. De pé em um lugar escurocomo breu, olhando para cima, para o sortimento sem fim de estrelas, você ficaria, semdúvida, estupefato pela humilde posição da Terra diante da enormidade de tudo. Se você nãoconseguir encontrar em sua região um lugar que não seja escuro o suficiente, aguarde até estarde férias em um local menos iluminado – o campo, por exemplo. As estrelas irão saudá-locomo amigos esquecidos de uma época distante. Ou, você pode ter sua experiênciatranscendental, como Lisa faz, na seção de astronomia de um museu de história natural.

No episódio, após crítica mordaz de Declan Desmond, Lisa corre para o Museu deHistória Natural de Springfield e embarca em uma desesperada busca por identidade. Depoisde visitar outras mostras científicas do museu, incluindo dinossauros e achados geológicosnão-particularmente excitantes, ela chega a um espetacular show planetário sobre o nossolugar no universo. Isso a inspira a querer ser uma astrônoma. Acabou a hora dos aperitivos debufê. Ela quer o prato principal.

Persuadindo Homer a comprar-lhe um telescópio, Lisa se põe a explorar o céu estrelado.Como Galileu fez séculos antes, ela espera perscrutar os planetas e examinar suascaracterísticas curiosas: Saturno e seus famosos anéis; Júpiter com sua grande manchavermelha e um grupo de satélites; a Lua com suas montanhas e crateras. Galileu, contudo, nãoteve de lutar com a luminescência onipresente dos restaurantes de fast-food, shoppingcenters, lojas de conveniência abertas 24 horas, autoestradas entupidas de carros e assim pordiante. Quando ele fitava o céu através de seu instrumento, o céu da noite era absolutamenteescuro, exceto talvez pela suave luz do luar.

Em contraste, as aventuras astronômicas de Lisa precisam competir com uma barragemde fontes locais de luz. A iluminação brilhante de um estádio suplanta seus esforços para verVênus, e a luminosidade do hotel rodoviário Starlight mata toda tentativa de ver Júpiter. Lisacorre até uma colina, mas não consegue escapar do “brilho laranja-pálido e repulsivo” querecobre Springfield. Perto, no observatório administrado pelo professor Frink, ele confirmaque a poluição luminosa é um dos maiores desafios dos astrônomos – mais difícil, Frinkexplica, que “marcar um encontro”.

Enfurecida, Lisa faz circular uma petição e convence o prefeito Quimby a diminuir aintensidade da iluminação noturna de Springfield. Os habitantes da cidade ficam deslumbradoscom o espetáculo da observação das estrelas, e Lisa aguarda ansiosa uma chuva de meteoros,que ela espera observar em toda sua glória.

O céu escurecido, contudo, acaba sendo um prato cheio para os criminosos –particularmente vândalos que gostam de serrar os enfeites dos capôs dos carros. Até Bart eMilhouse, na tentativa de parecerem legais, juntam-se à loucura do furto de enfeites e tentamconseguir um. A gritaria pública que se segue força o prefeito a aumentar a iluminação dacidade a níveis ainda mais brilhantes que antes, frustrando as aventuras astronômicas de Lisa eas diabruras de Bart e Milhouse.

Então, a insônia toma o lugar do vandalismo. Com uma inundação de luz elétricainvadindo todos os cantos e frestas de Springfield, ninguém consegue dormir. Homer ficaabsolutamente catatônico, o que se revela muito conveniente para Lisa e Bart que engendramum esquema para escurecer o céu. Homer, em seu estado hipnótico, é conduzido por Lisa eBart até a usina nuclear e compelido a desativar o sistema de segurança. Os irmãos ajustam ocontrole de produção para além da carga máxima e queimam toda a iluminação de Springfield.De repente todas as luzes se apagam, e o brilho some.

Assim, Lisa, Frink e os outros podem admirar as maravilhas de uma espetacular chuva demeteoros contra a tela de ébano do céu. Frink inspeciona um meteorito caído e encontraevidências de moléculas à base de carbono, necessárias para a vida, até que essa prova éapanhada rapidamente por um minúsculo alienígena. Não importa – pelo menos por enquantotudo está bem naquela noite.

Enfrentar a poluição luminosa é um dos desafios da astronomia contemporânea. Há umséculo, observatórios de pesquisa podiam ser instalados em quase todo lugar, até mesmo nossubúrbios das cidades maiores, e ainda assim se beneficiar do céu escuro para obterinformações sobre o cosmos. Uma das grandes descobertas de todos os tempos – a expansãodo universo – foi feita pelo Mount Wilson Observatory, que fica a menos de 40 quilômetros docentro de Los Angeles. Lá, com um telescópio refletor Hooker de 250 centímetros dediâmetro, Edwin Hubble determinou as distâncias de numerosas galáxias, concluindo que elasestão muito além da Via Láctea e se afastando cada vez mais (tanto de nós quanto das outras).Essas descobertas foram feitas nos anos 1920, quando Los Angeles já era uma grande cidade eprincipal centro de produção cinematográfica – mesmo assim o céu sobre o Monte Wilson era

escuro o suficiente para Hubble captar a luz de inúmeras estrelas variáveis*** em galáxias amilhões de anos-luz de distância (um ano-luz, a distância que a luz viaja durante um ano,equivale a 9,5 trilhões de quilômetros). Registrando a luminosidade dessas estrelas variáveis,chamadas cefeidas, e comparando-a à energia que elas estavam realmente produzindo (uma

quantidade conhecida para esse tipo de estrela), Hubble estimou a que distância elas estavam,e daí a distância até suas galáxias. Combinando esses dados com informações sobre avelocidade de afastamento de cada galáxia, ele demonstrou que as galáxias estão fugindo e oespaço está ficando cada vez maior. Todas essas observações ocorreram muito perto deHollywood, à distância de um arremesso de lata de filme.

Embora ainda haja muitos observatórios perto de cidades, sua utilidade cientifica foigrandemente reduzida por causa da névoa urbana. Os pesquisadores preferem disputarhorários para observação nos grandes telescópios nas montanhas do Chile, ou no topo dosmais altos picos do Havaí. Para eliminar completamente a poluição luminosa e a distorçãoatmosférica, numerosas sondas foram lançadas até o vácuo no espaço, incluindo o telescópioespacial Hubble, assim chamado em homenagem ao grande astrônomo e lançado em 1990.

Livre da névoa e do brilho da atmosfera terrestre, o telescópio Hubble tem sidoextraordinariamente bem-sucedido em fotografar as mais distantes extensões do cosmos,captando a luz de galáxias a bilhões de anos-luz. Quando, em 1995, um pequeno eaparentemente deserto pedaço do céu observado pelo Hubble revelou milhares de galáxias, osastrônomos perceberam que o espaço contém mais de 50 bilhões de galáxias. Isso é muitomais que o superdotado Martin Prince poderia escrever em seus trabalhos de escola, mesmoque ele bebesse uma centena de Squishees por dia durante toda sua carreira no ensinofundamental. Isso não quer dizer que ele faria isso, bem entendido.

O Hubble expandiu as fronteiras do conhecimento astronômico, estendendo nossoentendimento do passado cósmico para cada vez mais perto da aurora dos tempos. Porque aluz leva tempo até chegar aqui, e quanto mais distante é a imagem produzida pelo telescópio,mais antiga é. Assim, por exemplo, quando vemos uma estrela que está a 65 anos-luz dedistância, seus raios levaram 65 anos para chegar até nós, e estamos vendo como ela era emuma época em que Abe Simpson perseguia as enfermeiras do exército. Embora atualmenteesse corpo possa ter perdido a maior parte de seu calor e atingido um estado de inatividade,naquela época era extremamente quente e fumegante. Voltar aos tempos da Segunda GrandeGuerra, ou mesmo à época dos dinossauros, contudo, é café pequeno comparado com os feitosdo Hubble. O Hubble já registrou imagens de objetos tão distantes que sua luminosidade foiproduzida durante os primeiros 5% da história do universo – o primeiro acorde da primeiramúsica do concerto cósmico.

Além de mapear as profundezas do espaço e do tempo, o Hubble revelou um verdadeirocofre de maravilhas cósmicas: os padrões dos sistemas planetários em formação, como pedras

preciosas, o característico brilho secundário de incríveis explosões de energia conhecidascomo raios gama, o resíduo poeirento de galáxias colidindo e tantas outras imagens incríveis.Ele chegou até a mostrar ausências reveladoras: lugares onde pode haver buracos negros,lacunas em que se admite que existe matéria invisível. Não é de espantar que a astronomiacative crianças como Lisa, curiosas sobre a miríade de maravilhas dos céus.

O Hubble, embora seja o mais famoso instrumento espacial, não é o único. Nos anosrecentes, ele fez parte de um conjunto que trabalhou em harmonia para cobrir todas as faixasdo espectro luminoso. Como um quarteto de cordas com seus violinos animados, a doce violade gamba e o grave violoncelo, os grandes observatórios espaciais da Nasa cobriram as maisaltas frequências (taxas de oscilação) da luz, bem como as médias e as baixas. O ComptonGamma Ray Observatory [Observatório Compton de Raios Gama], lançado em 1991 e queoperou durante mais de nove anos, registrou luz de frequências tão altas que elas estavammuito além da visibilidade. Isso é análogo aos apitos para cachorros cujo tom é tão alto queestá acima da capacidade auditiva humana.

Como a física quântica nos informa, a frequência de uma onda luminosa está muitorelacionada a sua energia. Portanto, os raios gama, a mais alta frequência luminosa, sãotambém os que possuem mais energia. Felizmente para os seres humanos, eles são bloqueadospela atmosfera da Terra, e são também os mais fáceis de serem detectados no espaço – umagrande justificativa para o lançamento do Compton. A informação coletada pelo Compton, emconjunto com os resultados óticos do Hubble, produziu pistas vitais a respeito de eventoscatastróficos como as fantasticamente poderosas explosões estelares.

Registrando imagens de frequências um pouco mais baixas, mas ainda acima davisibilidade, o Chandra X-ray Observatory [Observatório Chandra de Raios X] preencheu umimportante nicho entre o Compton e o Hubble. Sinais de raios X são produzidosrotineiramente por vários processos energéticos, como buracos negros devorando a matériapróxima. Quando a matéria cai nos poços gravitacionais infinitos dos buracos negros, os raiosX se disseminam pelo espaço e podem ser captados por detectores. Assim, embora nãopossamos ver os buracos negros, o Chandra registrou ampla evidência de seu apetite voraz. OChandra também forneceu prova da existência da matéria escura intergaláctica.

Completando o planejado quarteto (que, infelizmente, se tornou um trio pela retirada deórbita do Compton em 2000), o Spitzer Space Telescope [Telescópio Espacial Spitzer] mede aluz na escala infravermelha, com frequências muito baixas para serem vistas. A radiaçãoinfravermelha é mais conhecida como calor comum, do tipo que é liberado por corpos

humanos e rosquinhas quentes. Essa radiação pode ser captada por óculos de proteçãoespeciais para visão noturna, oferecendo a crianças como Bart a oportunidade de observarseus pais comendo rosquinhas proibidas na escuridão. Embora estrelas como o Sol produzamradiação normalmente na escala visível, planetas como a Terra produzem apenas luzinfravermelha. Eles podem refletir a radiação visível de uma estrela, mas emitem apenasinfravermelho.

Dada a capacidade do Spitzer, não surpreende que seus maiores triunfos incluam fotos deplanetas impossíveis de serem observados visualmente por estarem muito distantes. Em 2005,o Spitzer forneceu as primeiras fotos diretas de planetas em outros sistemas estelares,provando que nosso sistema solar não é único. Enquanto os que se dizem sequestrados porKodos, Kang e sua turma nunca duvidam dessa premissa, as descobertas do Spitzer trouxerama confirmação para o resto de nós.

Embora os telescópios espaciais tenham produzido até agora resultados magníficos, elesnão podem ser a única resposta aos problemas da poluição luminosa. Extremamente caros deconstruir, lançar e manter, cada um exige décadas de planejamento, financiamento enegociações políticas. Quando seus sistemas falham – e vão falhar –, eles precisam serabandonados ou ter sua vida útil encurtada, ou então espaçonaves como os ônibus espaciaisdevem ser enviados para fazer reparos. O programa dos ônibus espaciais vai serdescontinuado, o que trará enormes problemas para a manutenção dos observatórios no espaçoem longo prazo.

O que, então, pode ser feito para manter os observatórios terrestres livres do clarãonoturno que caracteriza a moderna vida urbana? O primeiro passo é trazer o problema aoconhecimento público. Como os cidadãos de Springfield, muitas pessoas associam lâmpadasbrilhantes nas ruas com segurança, e a falta delas com o perigo. Muitos não percebem que luzforte e ofuscante representa intrinsecamente um risco. Ela pode, na verdade, reduzir avisibilidade, muito mais que aumentá-la. Por exemplo, suponhamos que um respeitávelcidadão mais velho – digamos o rico proprietário de uma usina de energia nuclear – estejapasseando pela rua principal de uma cidade e encontre um grupo de bandidos. Se ele acaboude passar por uma brilhante luz da rua ou por um carro com seus poderosos faróis, seus olhospodem não ter tido tempo de ajustarem-se, deixando-o temporariamente cego enquanto ele seagarra sua maleta cheia de dobrões de ouro. Assim, mesmo um barão da energia seria sábio sedefendesse esquemas de iluminação pública responsáveis.

O celebrado astrônomo amador John Bortle, escrevendo na revista Sky and Telescope

[Céu e Telescópio], propôs uma escala de escuridão em nove níveis para avaliar a adequaçãode uma área à observação astronômica. A escala utiliza a visibilidade da faixa luminosaprincipal da Via Láctea como um parâmetro de escuridão noturna. O nível 1, as melhorescondições de visibilidade possíveis, representa o mais próximo da escuridão total. Nenhumobjeto terrestre próximo pode ser visto – nem o próprio telescópio, talvez – pois o céu, e tudoem torno, está absolutamente escuro. Nessas circunstâncias, a Via Láctea aparece como umainconfundível nuvem cremosa pelo do céu. O nível 9, as piores condições possíveis,corresponde à iluminação radical implementada pelo prefeito Quimby, ou a alguma coisapróxima, em que nenhuma estrela pode ser vista a olho nu e talvez apenas a Lua e um ou doisplanetas são discerníveis. A área de Tóquio chamada de Ginza, a área da Times Square emManhattan e outras regiões urbanas muito concentradas são nível 9. No meio ficam os céusrurais e suburbanos, com vários graus de iluminação. Onde Springfield se encaixa? Parece quedepende de qual segmento da população o prefeito Quimby está tentando satisfazer. Se for suanamorada, pode acreditar que ela vai estar em uma área bem escura – para o bem público,naturalmente.

A Associação Internacional Dark-Sky [Céu Escuro] é uma organização dedicada, comoLisa, a reduzir a poluição luminosa no globo. Ela defende vigorosamente a substituição daslâmpadas de rua que lançam luz em todas as direções por unidades especiais, livres deofuscamento, desenvolvidas para iluminar apenas o local abaixo delas. Dessa forma, aspessoas podem ver claramente as calçadas e as ruas, sem serem ofuscadas pela iluminaçãoexcessiva. Isso eliminaria a irradiação da luz para cima, e as comunidades seriam capazes dereduzir o “brilho laranja-pálido e repulsivo” sobre elas, desfrutando a formidável visão daVia Láctea.

Luzes de várias frequências chovem sobre a Terra o tempo todo, oferecendo abundanteinformação sobre o universo. Os astrônomos lutam para coletar e interpretar o maior númeropossível dessas informações, presumindo que a luz veio diretamente da estrela ou da galáxiaque a produziu. Como Albert Einstein demonstrou, contudo, essa suposição nem sempre éválida. A influência gravitacional de objetos celestes pode curvar a trajetória da luz e criarcuriosas ilusões de ótica: imagens múltiplas do mesmo corpo. Esse estranho fenômeno, umaimportante previsão da teoria da relatividade geral, é chamado lente gravitacional. É bemconhecido pelos astrônomos, embora as pessoas não-familiarizadas com seus efeitos, como osSimpsons, possam tomá-los erradamente como insanidade.

* Grupo de humor inglês de grande sucesso, atuante de 1969 a 1983 (N. do E.).

** Rutles é um grupo que faz paródias dos Beatles (N. do T.).

*** Estrelas cuja luminosidade varia, em oposição a estrelas cujo brilho é constante (N. do E.).

18Raios defletidos

Com a série Everybody loves Raymond [Todo Mundo Ama Raymond] tão popular, e suaestrela, Ray Romano, tão afável, os redatores de Os Simpsons acharam Ray suficientemente

divertido para merecer um episódio. Infelizmente, Ray mostrou-se tão divertido* que até a luzse desviava dele, de modo que na maior parte do episódio ninguém o via, a não ser Homer.Raios de luz defletidos podem oferecer esplêndidas ilusões de óptica, lucrativos truques paraos mágicos, meios de testar teorias astronômicas e todas as vantagens sociais dainvisibilidade. No caso de Homer, sua família e seus amigos apenas o consideraramcompletamente maluco.

O título do episódio, “Não Tema o Carpinteiro”, é uma referência à canção “Don’t Fearthe Reaper” [“Não Tema o Ceifador”, a morte], da banda de rock Blue Öyster Cult, queinspirou uma geração inteira de guitarristas que fingiam tocar e irritou uma geração inteira depessoas que gostam de citar a Bíblia a toda hora. Os carpinteiros que consertam telhados, semdúvida, podem ser assustadores, descendo de repente dos telhados no meio da noite, forçandopassagem por entre telhas frouxas e arrebatando almas infelizes. Então, no dia seguinte elesretornam, com uma conta astronômica.

Ray Romano interpreta um tipo mais amigável de carpinteiro, chamado Ray Magini, quese oferece para ajudar Homer a consertar de graça seu telhado cheio de goteiras depois queele foi danificado por uma tempestade. Eles se encontram em um bar e vão ficando amigos,compartilhando bebida, nachos e planos para consertar o telhado de Homer. Os planos,contudo, desandam quando Homer e Ray se engajam em uma luta com pistolas de pregar, emvez de se concentrarem no trabalho.

Quando Marge descobre que o telhado ainda não foi consertado, fica furiosa. Ela imploraa Homer para que faça o trabalho ele mesmo. Com Bart, ele corre até uma loja de material deconstrução chamada Builder’s Barn [Celeiro do Construtor], onde encontra Ray por acaso, oqual lhe assegura que logo voltará à casa dos Simpsons para fazer o reparo. Mais tarde, em

casa, Homer espera por Ray, até que Marge lhe diz que Ray é apenas uma invenção de suaimaginação. Bart concorda, afirmando que na Builder’s Barn parecia que Homer estavafalando sozinho. O curioso é que o nome completo de Ray é um anagrama para “imaginário”.

Homer então é levado à força para um tratamento à base de choques elétricos com o dr.Hibbert. Sacudido para um lado e para o outro, Homer finalmente para de acreditar que Rayexiste. E então Ray aparece, surpreendendo a família e deixando o dr. Hibbert nervoso com apossibilidade de sofrer uma ação judicial. Agora que todo mundo vê Raymond, todos seperguntam por que não o viram antes.

Além de Ray Romano, o outro convidado do episódio é Stephen Hawking. Na segunda desuas duas aparições na série, Hawking representa a si mesmo como o novo proprietário daLittle Caesar’s, uma pizzaria de bairro, e que alega que sua voz gerada por computador ficatravada quando ele diz “pizza, pizza!”. Como um especialista em astrofísica, Hawking forneceuma rebuscada explicação relativística para o fato de Bart não ter visto Ray no Builder’sBarn. Hawking conta que ele “estava procurando uma fissura no tecido do espaço–tempo, oque, combinado com as peças de metal da Builder’s Barn para criar um buraco negro emminiatura [etc., etc.] entre Homer e Bart, gerou uma lente gravitacional, que absorveu a luzrefletida de Ray, o carpinteiro”.

A explicação de Hawking recebe uma confirmação de assentimento de Lisa, mas será queé realmente viável? Lente gravitacional é um fenômeno físico bem compreendido, e que derivada curvatura do espaço–tempo provocada por grandes objetos. Quando a matéria curva otecido do espaço–tempo ao seu redor, linhas retas, como a trajetória assumida pela luz,curvam-se também. Quando os olhos seguem de volta a trajetória através do espaço, elesveem imagens distorcidas. Einstein foi quem primeiro descreveu esse efeito, em 1916, quandoafirmou que se dois corpos astronômicos – digamos duas galáxias – estão situados um diantedo outro dentro da trajetória da luz em direção à Terra, a luz do objeto mais distante securvaria em redor do mais próximo em todas as direções, formando um anel. Esses “anéis deEinstein” têm sido observados pelo Hubble e outros telescópios como padrões de luz parcialou completamente concêntricos.

Se os corpos não estão perfeitamente alinhados, eles ainda podem produzir um efeito decurvatura, embora não um anel, mas imagens múltiplas do objeto mais ao fundo. Esse efeitofoi observado pela primeira vez em 1979, quando astrônomos, utilizando o Kitt Peak NationalObservatory, perceberam um par de quasares gêmeos (ultrapoderosas fontes de energia deuma massa galáctica) que pareciam idênticos em todos os aspectos, exceto que um era uma

imagem refletida do outro. Eles logo deduziram que era a luz do mesmo quasar, dividida emduas imagens por uma galáxia intermediária. Desde então, numerosos outros exemplos foramidentificados.

O efeito de lentes gravitacionais ocorre também com objetos menores, não apenas os detamanho galáctico. Contudo, quanto menor o objeto que provoca a curvatura, menosperceptível é o efeito. Por exemplo, se um planeta remoto de nossa galáxia passa em frente auma estrela de outra galáxia, ele poderia curvar a luz da estrela distante de uma forma mínima,dirigir mais uma fração do feixe luminoso da estrela em direção à Terra e, portanto, fazer aestrela parecer ligeiramente mais brilhante durante o intervalo da passagem do planeta.Durante alguns anos os cientistas tentaram detectar planetas ainda não vistos usando essatécnica, chamada de microlentes gravitacionais. Diversos candidatos promissores já foramlocalizados dessa forma.

Buracos negros poderiam provocar o efeito das microlentes, mas no espaço, e não naTerra, e certamente não na minúscula escala mencionada no episódio. Um buraco negroformado por peças de metal reunidas em uma loja de material de construção seriaextraordinariamente pequeno e virtualmente impossível de produzir, mesmo com a ajuda da“fissura no tecido do espaço–tempo”. De maneira típica, os buracos negros são constituídosdurante implosões de imensas energias de núcleos estelares, quando gigantescas estrelascontendo esses núcleos são, de repente, colapsadas por uma explosão em eventos como airrupção de raios gama. Quando esses núcleos implodem, os átomos dentro deles sãoabsolutamente pulverizados. Essas condições extraordinárias não podem ser criadas comnenhum material comprado em uma loja.

Mesmo que um “rasgo no espaço–tempo” pudesse de alguma forma provocar talcalamidade, ele sem dúvida afetaria a região em seu redor. Por que ninguém na loja percebeuuma implosão do metal? Além disso, o tamanho de um buraco negro formado por essa coleçãode materiais seria muito pequeno para ser detectado. Sua curvatura da luz seria completamenteimperceptível e certamente não impediria Bart de ver Ray. Talvez Ray – ou pelo menos ometal flutuando em volta dele – afinal de contas não seja tão defletido.

Mas Ray é um tipo muito esperto e talvez tenha inventado uma outra maneira de se tornarinvisível, desconhecida dos Simpsons (e até dos roteiristas da série). Para fazer umabrincadeira com Homer talvez ele tenha desenvolvido maneiras experimentais de não servisto. Como o Homem Invisível do romance de H. G. Wells, ele está se esforçando ao máximopara ficar invisível.

Suponhamos que Ray tenha lido um artigo do professor John B. Pendry, do ImperialCollege, de Londres, um especialista moderno em invisibilidade. Seguindo a orientação dePendry, Ray projetou um esquema de deflexão suficientemente efetivo para bloquear a visãode Bart. Talvez isso seja uma forçada de barra, mas não mais que buracos negros feitos comfolhas de metal.

As teorias de Pendry, publicadas na Science e em outras revistas especializadasconhecidas, envolvem a utilização de substâncias especialmente desenvolvidas chamadas“metamateriais”, para redirecionar campos eletromagnéticos (feixes de luz) em torno deobjetos e fazê-los retornar a sua trajetória original. Em outras palavras, a luz continua suatrajetória à frente, como se os objetos interpostos não estivessem lá. Pendry e seus colegascalcularam que tal deflexão é possível em teoria e esperam completar um projeto experimentalem um futuro próximo.

Agora, imagine que Ray Magini já produziu esse metamaterial com itens das gôndolasapinhadas da Builder’s Barn. Prendendo placas desse material em toda sua volta – exceto olado virado para Homer –, ele poderia pregar uma peça em seu novo amigo. A luz do resto daloja passaria em volta, como uma bola chutada em curva, e retomaria a trajetória originalcomo se não houvesse nada interposto. Consequentemente, ninguém exceto Homer – cuja linhade visão não é afetada pelo metamaterial – poderia vê-lo.

Criar uma ilusão simples de invisibilidade é um truque comum dos mágicos. Eles nãoestão preocupados se você pode realmente ver através de um objeto; eles só querem que vocêpense que pode ver. Nesse caso, espelhos cuidadosamente dispostos podem tranquilamentefazer o truque. Se Krusty quisesse fazer Sideshow Mel desaparecer, ele poderia pedir-lhe queentrasse em uma caixa munida de uma frente com um espelho inclinado. O espelho inclinadopode refletir um padrão do teto idêntico ao padrão por trás da caixa, levando os espectadoresa acreditarem que Mel desapareceu.

Espelhos comuns e lentes curvam a luz quando ela é refletida (bate e volta) ou refratada(passa através) da fronteira entre dois materiais diferentes – por exemplo, a interface entre oar e o vidro. Quando a luz atinge essa fronteira, muda sua velocidade e começa a tomar umatrajetória diferente no espaço. Então, espelhos estrategicamente posicionados podem curvar aluz o suficiente para uma caixa parecer vazia quando ela está realmente cheia.

Meios óticos de curvar a luz são muito mais comuns e efetivos na Terra que qualqueroutra deflexão perceptível da luz pela gravidade. Ao contrário das lentes normais, o fenômeno

das lentes gravitacionais só é percebido como um fenômeno do espaço profundo, além dedistâncias interestelares extremamente longas. Em geral, na verdade, é muito mais fácil utilizaras propriedades eletromagnéticas que a gravitação para qualquer tipo de curvatura oumanipulação. De um lado, enquanto a gravidade é sempre uma força de atração, a eletricidadee o magnetismo podem ser de atração ou de repulsão. Além disso, o eletromagnetismo é umaforça muitíssimo mais forte que a gravidade. Pode-se ver isso ao prender uma tachinha comum pequeno imã caseiro. A força do ímã ao erguer a tachinha sobrepuja a força gravitacionalda Terra, que tenta puxá-la para baixo.

Considerando suas forças relativas, não é de surpreender que enquanto as ondaseletromagnéticas (isto é, raios de luz) são extremamente fáceis de perceber, as ondasgravitacionais ainda não foram vistas. Elas são produzidas por mecanismos similares: asprimeiras por cargas oscilatórias, e as últimas, por massas oscilatórias. As ondaseletromagnéticas são muito mais fáceis de produzir e detectar, como se vê nas transmissõesconvencionais de rádio e de televisão.

Quando Kent Brockman transmite as notícias, um microfone capta sua voz. O som fazvibrar um diafragma dentro do microfone, oscilando um ímã e criando um sinal elétricovariável. O princípio operacional é que sempre que os ímãs se movem próximos a um fio, elesgeram um sinal elétrico. Da mesma forma, a imagem de Brockman é gravada e transformadaem outro sinal. Esses sinais de áudio e vídeo são combinados e enviados a uma grande antenade transmissão. O sinal elétrico variável faz com que as cargas no interior da antena oscilem eproduzam campos elétricos e eletromagnéticos variáveis – em outras palavras, uma ondaeletromagnética. Colocando isso de maneira simplista, agite as cargas e você obterá umaonda. Agitando-as no mesmo padrão de sua voz e imagem, a onda terá a sua voz e imagem.

Agora vamos dar uma olhada na ponta da recepção. Primeiro, deixemos de lado a TV acabo e nos fixemos na TV aberta. Imaginemos que Burns comprou todas as companhias de TVa cabo de Springfield e esteja cobrando 1.000 dólares mensais pelo serviço. D’oh! Todos nóssabemos que ficar sem TV deixa Homer maluco, então suponhamos que ele peça a Ray ainstalação de uma grande antena no telhado. Uma antena funciona porque contém cargas queremexem e gingam no ritmo das ondas de rádio captadas – frequências baixas dos sinaiseletromagnéticos. Quando esses sinais elétricos oscilam, produzem uma voltagem elétricavariável que controla o som e os pixels (pontos de luminosidade) no aparelho de televisão.Presumindo que o aparelho esteja sintonizado no canal certo, e cada canal represente umafrequência diferente de ondas de rádio, Kent Brockman vai aparecer, ou talvez Comichão e

Coçadinha. A família inteira pode, então, se aquecer com o calor brilhante de uma notícia oude um desenho violento. Ah, o milagre da televisão!

Para alguns físicos, contudo, ondas eletromagnéticas são coisas de antanho; elas são tãoséculo XX! A nova onda é tentar captar as fugidias ondas gravitacionais. Pesquisadoresenvolvidos com o projeto Ligo (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory, ouObservatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser), por exemplo, direcionaramseus esforços para a captação de radiação gravitacional provinda do espaço profundo.Instituído por pesquisadores do Caltech e do MIT, o Ligo mantém detectores nos Estados deLouisiana e Washington, na esperança de registrar as tênues “transmissões” de sinaisgravitacionais. Eles seriam captados não por cargas oscilantes, mas por massas vibratórias.

Diferentemente da usina nuclear de Springfield, o projeto Ligo requer monitoramentodelicado e responsável. Isso porque as cascatas de ondas gravitacionais suficientemente fortespara serem detectadas seriam produzidas em raros eventos cataclísmicos, como a explosão deuma supernova – quando uma estrela gigante expele a maior parte de seu material em umapoderosa explosão de energia – ou uma colisão entre dois buracos negros. Mesmo assim, asmassas de teste suspensas dentro dos detectores do projeto Ligo, projetados para vibrar sob ainfluência das ondas gravitacionais, vibrariam somente um mínimo em resposta – menos queum trilionésimo de um grão de areia. De forma surpreendente, os instrumentos do Ligo sãosuficientemente sensíveis para medir essas disparidades. Entretanto, todos os eventos quesensibilizaram os instrumentos até agora tinham alguma outra explicação. Por exemplo, umdesses candidatos revelou-se ser o distúrbio gravitacional, produzido por um avião sobrenossas cabeças. Sem desanimar, os pesquisadores do projeto Ligo continuam a vasculharmontes de informações, esperando algum dia identificar a inconfundível assinaturagravitacional de uma catástrofe no espaço.

Se algum dia as “transmissões” gravitacionais forem detectadas, elas poderão se mostrarmuito mais interessantes que a dieta televisiva típica de Springfield. Imagine só sintonizar acobertura ao vivo da explosão de uma supernova – as palhaçadas explosivas de Comichão eCoçadinha pareceriam truques pueris em comparação.

Como podemos ver com a experiência do projeto Ligo, alguns fenômenos da física e daastronomia são sutis, exigindo instrumentos extremamente sensíveis para serem detectados.Outras ocorrências são muito mais fáceis de observar, ocorrendo até em ambientesdomésticos, por exemplo, no banheiro. Descargas podem refletir a influência de um spinplanetário ou será preciso um instrumento mais delicado? Bart quer descobrir isso em uma

visita ao Sul.

* O autor faz um trocadilho com diverting, que tem o significado de “divertido” e a mesma raiz de divert, que significa“defletir” (N. do T.).

19Mergulho terra abaixo

A Austrália é uma terra de muitas maravilhas, desde o ornitorrinco com bico de pato – umimprovável mamífero que põe ovos, tem uma bolsa, parece-se com o castor e apresenta pataspalmadas – até os conservadores membros do Parlamento australiano conhecidos comoLiberais. O tempo lá é confuso também. O Natal, em algumas das regiões centrais e ao Norte,é tipicamente a mais de 30 graus de temperatura. Quando Papai Noel salta de bungee-jump deseu trenó, ao dar sua passada pelos Territórios do Norte, ele, muitas vezes, atira-se emqualquer poça d’água ou riacho que encontra para dar uma refrescada. Não é muito agradávelreceber presentes ensopados e cobertos por pele de crocodilo. Algumas pessoas juram que aágua da Austrália também é diferente. Não estou falando da água que sai das torneiras,chamada de cerveja, mas principalmente da que turbilhona no que eles chamam de “latrina”.Isso é o que outras partes do mundo chamam de privada, WC, “casinha”.

O episódio “Bart versus Austrália” começa com Bart e Lisa despejando xampu e pastade dente no ralo da pia do banheiro para ver eles escoam no sentido contrário ao do relógio.Lisa afirma que a água do ralo sempre gira no sentido anti-horário no hemisfério norte, e nosentido horário no hemisfério sul, por causa de uma propriedade denominada efeito Coriolis.Pensando que aquilo é uma rematada tolice, Bart aperta a descarga e vê a água girar nosentido anti-horário, da mesma forma que na pia. Então, para verificar o que acontece nohemisfério sul, ele liga para pessoas em vários locais diferentes, incluindo a Antártida, aAmérica do Sul e a Austrália. Quando ele liga para a Austrália, a ligação cai em uma cidadechamada Squatter’s Crog, onde um garoto com o nome de Tobias atende. Tobias verifica a piae o banheiro de sua casa, e os de seus vizinhos, e com segurança relata que em todos a águaescoa no sentido horário. Baseado nesses fatos, Bart conclui com relutância que Lisa estácerta. Parece que o padrão de escoamento do ralo é bastante confiável – será mesmo?

Um evento infeliz leva os Simpsons até a Austrália, para que chequem por si mesmos.Tobias deixou o telefone fora do gancho durante todo o tempo em que estava verificando ralose vasos sanitários, o que resultou em uma enorme conta telefônica. Como Bart ligou a cobrar,

o pai de Tobias, Bruno, ficou com a conta. Furioso, ele passa o nome de Bart a uma agência decobrança. Depois que Bart não atende às ligações, o governo australiano se queixa ao governodos Estados Unidos. Para preservar as delicadas relações entre os dois países, Bart deveescolher: ir para a prisão ou pedir desculpas públicas na Austrália. A escolha é fácil; os

Simpsons pegam um avião para a terra lá embaixo.*

Uma vez na Austrália, a família vai à embaixada americana, onde os toaletes sãoespecialmente configurados para funcionar ao “estilo do hemisfério norte”. Embora, depois deacionada a descarga, a água escoe no sentido horário, em seguida ela é forçada a girar nosentido anti-horário, para os americanos se sentirem mais em casa. Uma crescente torrente deevidências parece reforçar a premissa de Lisa – um dilúvio aumentado a cada descarga. Masserá essa torrente palatável, dada sua fonte?

A resposta é negativa, pois qualquer um que tenha estudado a água de toalete (eau de

toilette é o termo técnico, acho)** poderia atestar. Em circunstâncias normais, a água que saipelos ralos não gira ao reverso no hemisfério sul. Mas, sim, há um efeito hemisférico quepode influenciar o fluxo da água, mas para uma pequena bacia do tamanho de uma pia ou deuma privada ele pode ser visto apenas sob condições laboratoriais extremamente precisas –com absoluta imobilidade e total simetria – e não por meio de práticas normais de higiene.Então por que, no episódio, Lisa – que supostamente é a mais inteligente – defendeu a ideiaoposta?

Desenhos animados podem nos ajudar a entender e a apreciar a ciência, mas eles, muitasvezes, exageram ou distorcem as propriedades da natureza em nome de uma boa risada.Observem cenas do desenho Papa-léguas em que Coiote, o vilão, fica suspenso no ar sobre ocânion por muitos segundos enquanto contempla seu infortúnio; somente depois que ele e ostelespectadores tiveram muito tempo para pensar sobre seu destino é que ele finalmentedespenca no chão. Como Roger Rabbit explicou em seu filme de estréia, a única lei inflexíveldos cartuns é obter uma risada (a não ser que você queira considerar também as “Laws ofcartoon motion”, de O’Donnel, discutidas no capítulo 9). Não obstante, ao parodiar princípiosfísicos, os roteiristas de desenhos animados obrigatoriamente precisam entender as leis dafísica, e muitas vezes fazem pesquisas antes de escrever.

Em “Bart versus Austrália”, os roteiristas deliberadamente decidiram fazer a Austrália eo hemisfério sul parecerem bizarros. Para produzir o humor que deriva de diferençasculturais, reais ou imaginárias, eles propositadamente enfatizaram várias noções erradas,

como o estereótipo do australiano Crocodilo Dundee, pouco familiarizado com a vidamoderna, quando, na realidade, a maioria da população vive em áreas urbanas ou suburbanas.Portanto, abraçar a lenda urbana de que as descargas das privadas giram em direções opostasconforme o hemisfério cai como uma luva nos planos dos roteiristas.

Alguns mitos folclóricos têm uma pitada de verdade; por exemplo, o verdadeiro Dráculachupava o sangue das vítimas de seus homicídios, mas aparentemente não o engolia. As balasMentos estalam quando misturadas com refrigerante, mas não fazem você explodir. Umesquálido e pálido fantasma assusta as ruas escuras de Springfield na noite de Halloween, masseu confiável assistente garante que ele não fará mal a nenhuma criança.

No caso das lendas sobre como gira a água, a noção errônea popular é derivada dosefeitos em larga escala observados nos ciclones e furacões, e não em pias e privadas. É comopresumir que um elefante e um rato, por serem ambos criaturas de quatro patas, compartilhema mesma andadura. O que se aplica ao grandão nem sempre ocorre com o pequenininho.

O efeito Coriolis, no qual fluidos ou objetos não retardados (um pêndulo em movimentolivre, por exemplo) tendem, com o tempo, a desviar de sua posição original em um movimentohorário ou anti-horário, deriva do fato de a superfície da Terra ser um sistema de referêncianão-inercial comparada com o espaço “fixo” em redor dela. Um sistema de referência não-inercial significa um estado de aceleração: aumentando a velocidade, diminuindo ou girando.A física de Newton nos informa que as leis do movimento parecem diferentes dessaperspectiva do que de um ponto de vista inercial (em repouso ou em uma velocidadeconstante). A razão para essa diferença reside no famoso princípio de Newton para a inércia:objetos em repouso tendem a continuar em repouso e objetos em movimento tendem acontinuar em movimento na mesma velocidade e na mesma direção, a menos que uma forçaexterna os obrigue a mudar de trajetória.

O princípio da inércia pode ser observado quando Marge empurra Maggie em umcarrinho de bebê de rodas perfeitamente lisas sobre um rinque de patinação tambémperfeitamente liso. Se Marge se distrai e solta as mãos, Maggie e o carrinho continuarão namesma velocidade ao longo de uma trajetória retilínea indefinidamente. Qualquer um queesteja no rinque terá a mesma perspectiva inercial e concordará que o movimento de Maggie éuniforme e linear. Mesmo que Bart esteja se movendo em uma velocidade constante em seuskate, ele vai concordar.

Contudo, suponhamos que Hans Moleman, o azarado da cidade, decidiu aprender a

patinar. Ele começa a fazer piruetas e perde o controle. Ele então estará em uma moldura dereferência não-inercial. Ao girar e girar, se ele der uma olhada no carrinho de Maggie, elepode pensar que ela está se movendo em um tipo de espiral para longe dele, e não em umatrajetória retilínea, principalmente porque nada se parece com uma reta para alguém que estejagirando.

Agora imaginemos a situação oposta. Suponhamos que todo o rinque de patinação deSpringfield esteja em uma plataforma rotativa, como um restaurante giratório, quevagarosamente gira em redor de seu eixo. Imaginemos que bem no centro dessa plataformahaja um ponto que não gira – um ponto fixo em que Moleman está pousado. Bem na frentedele, mas na parte giratória do rinque, está o carrinho de Maggie. Se o carrinho de Maggiefosse empurrado e solto, Moleman agora estaria numa moldura de referência inercial. Eleveria o carrinho se distanciando dele em uma trajetória perfeitamente retilínea. Mas Marge,Bart e os outros no rinque estariam girando em uma moldura não-inercial. Em vez de verMaggie se movendo em uma trajetória retilínea, em função de sua perspectiva de rotação, elalhes pareceria estar dando uma guinada.

O que faz Maggie dar uma guinada? Um observador de fora, como Moleman, pensariaque ela está, na verdade, seguindo o curso normal da inércia. Na ausência de forças externas,a natureza prefere o movimento retilíneo. Contudo, alguém na própria plataforma rotativa,como Marge e Bart, pode não saber disso. De sua perspectiva, uma força extra, ou umconjunto de forças, está empurrando o carrinho de Maggie e curvando sua trajetória. Essasforças, algumas vezes, são chamadas de “fictícias” porque podem ser anuladas pela inércia.Elas incluem o que é chamado de força centrífuga e força de Coriolis.

Muitos textos de físicos clássicos desconsideram essas forças não-inerciais por causa deseu desaparecimento assim que uma perspectiva diferente seja tomada. Como Einstein e outrosenfatizaram, contudo, quem pode dizer qual perspectiva é a ideal – uma moldura giratória ouestacionária – se não há nenhum ponto de vantagem absoluta como base de comparação? ATerra, por exemplo, está girando ao redor de seu eixo e se movendo circularmente em volta docentro do Sistema Solar, o qual, por seu lado, está girando em volta do centro da Via Láctea. Atentativa de Einstein de incorporar todas as molduras possíveis em uma única teoria foi umade suas motivações para desenvolver a teoria geral da relatividade, mencionadaanteriormente.

Das forças não-inerciais, a força centrífuga provavelmente é a mais familiar. Nós asentimos quando estamos em um objeto que gira e percebemos que nosso corpo tende a

mover-se para fora. Por exemplo, quando está sentado no ônibus escolar, cada vez que Ottofaz uma curva, o pequeno Ralph pode sentir que está quase saindo pela janela, mas felizmenteo vidro – que age como uma força centrípeta (voltada para o centro) mantendo-o dentro doônibus – impede que ele voe para fora. Os que estão dentro do ônibus podem concluir que asforças centrífuga e centrípeta se equilibram. Contudo, os que estão fora do ônibus só veemuma força, a centrípeta, fazendo com que crianças se movam para frente e para trás com omovimento do ônibus.

A força Coriolis é um pouco mais sutil. Ela entra em ação quando um objeto se movepara mais perto ou para mais distante do eixo de um corpo girando, como os polos Norte e Sulda Terra, em virtude de diferenças de velocidade entre essas duas regiões. Pegue, porexemplo, uma corrente oceânica dirigindo-se para o norte a partir do clima tropical do Mar doCaribe. Ela começa sua jornada não apenas movendo-se para o norte, mas também semovendo para o leste com a Terra, na mesma velocidade de rotação. Quando a corrente seaproxima do polo Norte, ela mantém a mesma velocidade para o leste. Contudo, pontos emlatitudes mais ao norte não necessitam cobrir tanta distância no mesmo período de tempo (24horas) que os mais próximos do Equador, e, portanto, se movem mais lentamente.Consequentemente, nas regiões mais ao norte a velocidade da corrente movendo-se para lesteultrapassa a da Terra, e ela se vira cada vez mais naquela direção. Eventualmente ela continuapara o leste e atravessa o Oceano Atlântico na direção da Europa. Isso empurra as águaspróximas da Europa para o sul, onde elas se movem mais devagar que a rotação da Terra e,portanto, rumam para oeste. O resultado final é um movimento circular da água, conhecidocomo a Corrente do Golfo, servindo como uma correia transportadora que leva um pouco docalor do Caribe para a costa norte da Europa.

No hemisfério sul, o efeito Coriolis funciona na direção oposta, porque quanto mais aosul a corrente se movimenta, mais rapidamente para leste ela se move, relativamente à rotaçãoda Terra, fazendo com que ela se vire no sentido anti-horário. Em outras palavras, enquanto donorte para o leste o sentido circular da corrente é horário, sul para o leste o sentido é anti-horário. Essa diferença é perceptível não apenas nas correntes oceânicas, mas também emgrandes eventos climáticos como os furacões e as tempestades tropicais.

A menos que você tenha uma banheira circular extremamente grande (digamos, dotamanho de um lago), é duvidoso que você sinta esse efeito durante o escoamento da água. Adiferença da velocidade de rotação da Terra em duas partes de uma bacia normal correspondeà diferença de latitude – que na verdade é minúscula. Outros fatores, como correntes que

permanecem na água depois que a banheira está cheia, ou assimetrias na cerâmica,desempenham um papel muito mais importante. Apenas se a banheira estiver absolutamenteimóvel e for totalmente simétrica os cientistas podem, sob condições de laboratório, medir amínima contribuição do efeito Coriolis sobre o escoamento, e sabe-se que os pesquisadores jáfizeram exatamente isso.

É uma pena que quando Bart e Lisa visitaram a Austrália eles não tenham parado naUniversidade de New South Wales, em Sidney. Trabalhando lá, no departamento de física, estáo professor Joe Wolfe, que já escreveu muito sobre o efeito Coriolis. Ele afirma que enchendouma bacia, deixando a água assentar por um bom tempo para eliminar correntes residuais ecuidadosamente retirando o tampão, ele podia demonstrar (para crianças curiosas como Bart eLisa, por exemplo) como a água escoaria sem nenhuma rotação em qualquer direção. Então oefeito Coriolis não afetaria o escoamento.

No caso de uma banheira caseira não tão cuidadosamente preparada, Wolfe explica:

As direções nas quais a água escoa podem depender da localização da torneira quevocê usa para enchê-la, pois isso pode estabelecer um padrão de circulação duranteo enchimento. Se você tem torneiras de água quente e fria em lados opostos, vocêpode ter resultados diferentes para a água quente ou fria! Também, algumas baciaspodem não ser simétricas, daí em algumas você tende a obter mais de 50% desentidos horários, enquanto em outras o resultado poderia ser menor que 50%.Contudo, esses efeitos devem se anular. Pessoas que fizeram a experiência nosEstados Unidos relatam, na média, 50% para cada lado. Isso não é o que se poderiaesperar. Mas as pessoas, muitas vezes, confundem o que elas esperam que aconteça

com o que realmente acontece.***

Wolfe acrescenta que, embora banheiras convencionais e pias não ofereçam aoportunidade para a observação do efeito Coriolis, um dispositivo instalado no saguão doedifício de física da Universidade de New South Wales faria o truque. Chamado de pêndulode Foucault, em homenagem a seu inventor, o físico francês Jean-Bernard-Léon Foucault, eleconsiste em um peso preso à ponta de uma corda comprida pendurada no teto e posta a oscilarpara um lado e para outro, como o maquinismo de um relógio antigo. Há inúmeros pêndulos de

Foucault espalhados pelo mundo; o original ainda oscila no Panteon, em Paris.

Suponhamos que o pêndulo de Foucault australiano originariamente se movesse em umplano norte–sul. Por causa da rotação da Terra, cada vez que o pêndulo se move para o norteele se retarda em relação ao movimento da Terra para leste e avança um pouco para oeste.Então, quando ele se move para o sul, ele ultrapassa o movimento da Terra e vai um poucopara leste. O resultado é que enquanto a Terra faz o movimento de rotação, o plano demovimento do pêndulo vagarosamente muda seu movimento de rotação (altera seu ângulo) emuma trajetória anti-horária em redor de um círculo. No hemisfério norte, esse processoacontece em reverso (porque o movimento a partir do Equador é em direção ao norte, não aosul), levando a uma alteração para o sentido horário. Portanto, um pêndulo de Foucaultadequado é uma indicação precisa para se saber em qual hemisfério você está.

Uma maneira ainda mais rápida de estabelecer sua localização, desde que os céusestejam livres de névoa e do clarão das cidades, é olhar para o padrão das estrelas.Dependendo de sua latitude e da época do ano, você verá arranjos distintos de constelações.Na Austrália, Nova Zelândia e em muitas outras partes do hemisfério sul, você verá muitoprovavelmente o Cruzeiro do Sul; na maior parte do hemisfério norte essa constelação nãopode ser vista. Em vez dela, você encontrará a Ursa Maior, parte da qual é também conhecidacomo a Grande Concha ou o Arado. Essa constelação do hemisfério norte oferece um meioconveniente de localizar a Estrela do Norte, a companheira amiga dos navegantes queprocuram a passagem para o norte. Um velho capitão do mar lhe diria que um marinheiro quevai muito longe precisa de uma estrela para saber onde está.

Se há alguém capaz de usar um guia confiável para encontrar seu caminho na vida, essealguém é Homer. Surpreendentemente, enquanto faz as compras de Natal, ele encontra um dosmais antigos instrumentos astronômicos usados na navegação e na previsão do tempo. A coisamais curiosa sobre esse aparato, que o distingue de todos os predecessores, é que ele fala. Umguia confiável e de boa conversa – o que mais você pode querer? Lamento muito, Ajudante dePapai Noel, nesse departamento você está ultrapassado.

* No original, the land down under, expressão pela qual a Austrália é comumente designada (N. do E.).

** Brincadeira com a água da privada e eau de toilette, um tipo de perfume (N. do E.).

*** Joseph Wolfe, University of New South Wales, comunicado pessoal, 5 set. 2006.

20Se os astrolábiospudessem falar

Muitos especialistas em programas de televisão antigos deliciam-se com as peculiares sériesem que animais e objetos inanimados adquirem miraculosamente a habilidade de falar e sepõem a passar a perna nos deslumbrados humanos que encontram. O caso clássico é MisterEd, o cavalo falante do seriado de mesmo nome dos anos 1960, que dá conselhos a seu dono,Wilbur. Há ainda Mamãe Calhambeque, seriado dos anos 1960 sobre um automóvel falanteque deixa seu dono perturbado. Na verdade, o carro é tomado pelo espírito da mãe doprotagonista, vejam só, como resultado de uma bizarra volta da roda do carma. Mas a série foicolocada na garagem rapidamente. E quem poderia esquecer daquele maluco spin-off (sériederivada de outra) dos Simpsons (apresentado no episódio “O Grande Show dos Simpsons”),no qual Vovô morre e aparece junto a uma “máquina de testar o amor” instalada na taverna deMoe, dando conselhos aos infelizes no amor? Não foi exatamente um spin-off duradouro; eledurou apenas um centésimo da temporada (menos de dez minutos, mais precisamente). Masquem poderá esquecer?

Contudo, desde o aparecimento das comédias de costumes ninguém jamais tinhadesenvolvido uma série baseada em um astrolábio falante. Mas o que é um astrolábio?, vocêpode perguntar. Para os antigos, ele era tão útil quanto os cavalos eram no século XIX, oscarros no século XX e a máquinas de testar o amor nos dias de hoje. Uma representação planado céu, o astrolábio era usado para determinar a hora (principalmente à noite, mas também ummarcador da posição do sol durante o dia), a data do calendário, a altura de um objeto no céu,fazer levantamento topográfico e medir latitude. Os canivetes suíços, se comparados,decidamente não servem para nada.

Homer consegue seu astrolábio falante em um dos atos mais egoístas da história datelevisão. Faz os personagens de Dallas, Dinastia, Desperate Housewives [Donas de Casa

Desesperadas] e Família Soprano parecerem bons samaritanos, e põe Scrooge, dr. Smith (dePerdidos no Espaço) e o Grinch em desgraça. No episódio “Esta é a 15ª Temporada”, o sr.Burns distribui presentes de Natal para seus funcionários e suas famílias. Depois de receberum cartão com a foto de Joe DiMaggio em seu primeiro ano no New York Yankees como umpresente para Bart, Homer o vende para o Cara dos Quadrinhos. O cartão é tão valioso que oCara dos Quadrinhos dá a Homer até o último dólar que ele tem na caixa registradora. Então,em vez de usar o dinheiro para comprar presentes para a família, Homer gasta quase tudo nacompra do astrolábio falante. A sobra só dá para comprar uma pequena e esquálida árvore deNatal. Não surpreende que só uma máquina estúpida queira falar com ele. Mais tarde noepisódio, depois de assistir ao “Conto de Natal do sr. McGrew” na TV, Homer admite suacobiça, arrepende-se e vira o modelo acabado da generosidade – suplantando até mesmo oamável Flanders.

O aparelho de Homer parece útil principalmente para lembrar o dia do aniversário decelebridades, que ele informa a Homer com prestimosa alegria. Astrolábios reais, aocontrário, exprimem-se apenas por meio da utilidade e da elegância de seu desenho. Assim, sevocê levar um até ao cinema ou ao teatro, vai atrair mais suspiros de inveja que gemidos deaborrecimento. “Uau, olhe só aquele bárbaro astrolábio”, os frequentadores do cinema vãomurmurar. “E ele é silencioso. Talvez esteja ajustado apenas para vibrar.”

O termo deriva da palavra grega astrolabos, que significa “instrumento que captura asestrelas”. Embora inventado há milhares de anos na Grécia e amplamente utilizado no mundoárabe, o aparelho foi aperfeiçoado durante a Idade Média e desenvolvido até se transformarem um mecanismo intricado.

Em 1391, Geoffrey Chaucer, autor de Os Contos de Cantuária, escreveu um famosotratado sobre astrolábios que é o mais antigo “manual técnico” em língua inglesa. EmboraChaucer tenha escrito as palavras a seguir para um garoto chamado “Pequeno Lewis”, elaspoderiam ter sido ditas por Homer a Bart durante um momento de afeição paternal (e depoisde algumas latas de cerveja Duff):

Meu filho, bem apercebo eu, por roborações certas, tua aptitude em adestrar-se emciências que se conjuminam com números e proporções, e estou de sobreaviso pelo

repetimento de tuas invocatórias para encerebrar o manejo do Astrolábio.*

Isso significa alguma coisa como “Garoto, evidentemente você estudou alguma ciência ematemática, então você deve ser capaz de entender este astrolábio”, ao que o garoto deve terrespondido algo como: “Ai, caramba!”.

Chaucer continuou a descrever no tratado a função de um astrolábio de sua época. Umacópia desse aparelho, datada de 1326, é conhecida como o astrolábio de Chaucer.Representando o primeiro exemplar europeu conhecido, está na coleção medieval do BritishMuseum em Londres. A peça é realmente extraordinária na complexidade de seu desenho.

Como Chaucer detalhou, o aparelho consiste em um disco de cobre, com pouco mais de12 centímetros de diâmetro, preso a um pequeno anel. Essa placa é meticulosamente gravadacom informações detalhadas sobre a Terra, o céu, e várias horas do dia. Um lado é marcadocom gradações representando os ângulos de um círculo e os dias e meses do ano. Esse ladopodia ser usado para cálculos, bem como para astronomia. Do outro lado, as horas do dia e ossignos do zodíaco (várias constelações de Capricórnio a Sagitário) são mostrados. Há tambémuma lista de santos e datas comemorativas, três especialmente ligadas à Inglaterra. A latitudede várias cidades está indicada, entre elas Oxford, Paris, Roma, Babilônia e Jerusalém.

Preso à placa maior está um disco menor, chamado de rede, que pode girar livrementepara qualquer posição. Disposta na forma de um “Y”, a rede contém ponteiros para indicar aposição de várias estrelas, incluindo um indicador apontando para o corpo astronômicofavorito do Ajudante de Papai Noel, Sírius, estrela da constelação do Cão Maior. Ajustando arede, um astrônomo pode “sintonizar” o astrolábio para uma determinada latitude ou umaépoca do ano. Por exemplo, se o professor Frink desejasse precisar onde o cinturão de Órionapareceria no dia de São Basílio sobre os céus de Cucamonga, ele poderia girar a rede doastrolábio para o lugar e determinar a localização em um instante. Grande sacada, que bela deuma engenhoca!

Para os que não gostam de carregar astrolábios em tamanho natural, eles são encontradostambém em formato de bolso. São quadrantes que contêm informação astronômica condensadaem uma área de um quarto do tamanho natural – dessa forma fáceis de carregar, como oscomunicadores da série Jornada nas estrelas. Boatos dão conta de que usuários ficaramtentados a pegar o aparelho e a gritar: “Scotty, acho que estou no quadrante de Oxford, emalguma época na idade pré-industrial da Terra. Os historiadores estão fechando o cerco. Um

para subir** imediatamente”.

Astrolábios também foram usados para astrologia, a qual, contrariamente ao que oprofessor Frink alega em “Futuro-drama”, não tem nenhuma validade científica. Contudo,algumas pessoas, impressionadas pelo funcionamento intricado desses aparelhos, pensaramque eles poderiam ser utilizados para prever o futuro tanto pessoal quanto astronômico.Através da história, eventos astronômicos, muitas vezes, foram associados a um destino bomou ruim, dependendo de como são interpretados. Talvez não houve um símbolo maisameaçador do que a passagem de um cometa. A visão de cometas muitas vezes traz comoção.No caso em que Bart descobre seu próprio cometa, esse temor é certamente justificado.

* Chaucer, Geoffrey. A treatise on the astrolabe; dedicado a seu filho Lowys. Londres: N. Trübner for the ChaucerSociety, 1872, p. 1.

** “Um [dois, três etc.] para subir” é o modo usual como os personagens de Jornada nas Estrelas falam quandoprecisam ser teletransportados (N. do E.).

21

Cometário Cowabunga*

Para uma pequena cidade de um estado despretensioso (ei, qual é o estado mesmo?),Springfield certamente já viu sua cota de desastres. De radiação letal a invasões dealienígenas, ela já testemunhou tudo. Irwin Allen, o produtor de O Destino do Poseidon,Inferno na Torre e vários outros filmes-catástrofe, poderia ter instalado uma web camera nasruas da cidade e reunido cenas suficientes para sua carreira inteira. Felizmente, os Simpsons eseus vizinhos são uma turma vigorosa e parecem ter resistido muito bem a todos os

infortúnios. Tudo parece “okely-dokely”,** como Ned Flanders sempre nos relembra.

Talvez uma razão para Ned sentir que tudo está bem é que ele tem seu próprio abrigoantibomba, só para uma eventualidade. Mas ele não sabe que quando ele mais precisar doabrigo, não poderá utilizá-lo, pois o lugar estará bloqueado por seus amigos. Isso acontece nodia em que um cometa se dirige diretamente para Springfield.

O cometa foi visto primeiro por Bart, em circunstâncias bem peculiares. Normalmente,Bart é pouco inclinado a gastar muito tempo observando a natureza – a não ser para apanharanimais rastejantes e pegajosos e soltá-los nos momentos mais inoportunos. Capturar omovimento dos corpos celestes, mesmo que eles exalem sinistras torrentes de partículas, nãochega a ser nojento. Como Sísifo, imprudente o bastante para frustrar os desígnios dos deusese receber punição eterna por isso, Bart acaba observando os astros como um castigo. Eleestraga uma experiência da escola lançando um balão meteorológico com uma caricatura dodiretor, e um irado Skinner força o infrator de dez anos de idade a se tornar seu assistenteastronômico. Então Bart faz sua descoberta, capaz de abalar a Terra (ou pelo menosSpringfield).

Skinner sempre desejou encontrar um cometa a que pudesse dar seu nome. Ele alegavaque tinha descoberto um uma vez, mas o “diretor Kohoutek” se adiantou e deu seu nome.Provavelmente Skinner refere-se ao cometa Kohoutek, visto pela primeira vez pelo astrônomocheco Lubos Kohoutek. Embora eu tenha certeza de que ele é um homem de grandes

princípios, e um dos principais astrônomos, Kohoutek, na verdade, nunca dirigiu realmente

uma escola americana.*** (Quanto a isso, pode-se dizer que ele e Skinner têm muito emcomum.) Kohoutek trabalhou em vários observatórios, fazendo inúmeras descobertas decometas e asteróides.

Com um jovem e confiável assistente a seu lado (ou pelos menos um servo que pode serdispensado por razões de contrato), Skinner anseia gravar seu nome nos anais da descobertaastronômica – como Kohoutek, Alan Hale, David Levy, Carolyn, Gene Shoemaker e assim pordiante, cada um dos quais descobriu vários corpos celestes. Para Bart, acordar às 4 horas é aparte mais cruel de sua provação. Antes de ser assistente de Skinner no projeto, ele nemsequer sabia que essa hora execrável existia. Para astrônomos que caçam cometas, a arenanoturna é o único campo de caçada, e se você perde a hora, você está fora do jogo.

Direcionando seu telescópio para uma porção aparentemente vazia do céu, Skinnerinstrui seu sonolento ajudante a fazer anotações sobre o que ele encontrasse em váriascoordenadas. Como é típico das medidas astronômicas, identificam-se pontos no céu atravésde suas ascensões retas e declinações. Estas são utilizadas da mesma maneira que a longitudee a latitude nos ajudam a especificar localizações na Terra. A ascensão reta divide o domoceleste de leste para oeste, como as horas de um relógio. Da mesma maneira que o movimentodiário do sol, as estrelas nascem no leste e se põem no oeste a cada noite. Portanto, osastrônomos podem distinguir as posições das estrelas pelas horas em que elas ascendem nohorizonte. Essas medidas de ascensão reta são equivalentes a utilizar a hora do nascer do sol –indicada por um padrão comum como a Hora do Meridiano de Greenwich – para estabelecer alongitude de um determinado local na Terra. O que a ascensão reta é para a longitude, adeclinação é para a latitude. Ela mostra aos astrônomos o quão para o norte ou para o sul umobjeto está no céu (acima de pontos na Terra ao norte ou ao sul). Registrada sob a forma deângulo, a declinação varia de 90 graus no polo Norte a –90 graus no polo Sul, com a linha doEquador representando exatamente 0 grau. No passado distante, os astrolábios eram utilizadospara determinar essas posições celestes, mas os telescópios atuais têm um sistema de aferição,permitindo a Skinner fazer a leitura das coordenadas e a Bart fazer os registros.

Tendo em vista o triste céu de Springfield mostrado no episódio “Eu Quero Ver o Céu”,não surpreende que, de início, o diretor e seu ajudante não vejam nada de interessante. EntãoSkinner dá uma olhadela no balão meteorológico suspenso com sua caricatura e corre parapuxá-lo. Se ele não pode encontrar um cometa, pelo menos pode tentar salvar o que resta desua reputação. A isso, a mãe de Skinner, Agnes, provavelmente retrucaria dizendo que ele não

precisava se preocupar – de qualquer forma não restava mais nada.

Enquanto Skinner está perseguindo o balão, Bart faz a descoberta de sua vida. Elevislumbra uma bola de neve suja correndo pelos céus – em outras palavras, seu própriocometa. Bart avisa um observatório, e a descoberta imediatamente fica conhecida como ocometa Bart Simpson. O processo pelo qual cometa recebeu seu nome não é compatível com arealidade; normalmente descoberta de objetos como os cometas e asteróides é informada aoMinor Planet Center, no Harvard-Smithsonian Observatory, onde eles são analisados eacompanhados antes de receberem um nome oficial.

No dia seguinte, Bart, famoso da noite para o dia, é convidado a fazer parte do SuperFriends, um grupo de garotos superdotados da escola com apelidos nerd como Database[Banco de Dados] e Report Card. Por causa da descoberta de Bart, eles passam a chamá-lo deCosmos. Ao almoçar com seus novos companheiros, Cosmos menciona que seu cometa évisível através da janela, à luz do dia. Os Super Friends correm até o observatório doprofessor Frink e ficam sabendo, horrorizados, que o cometa vem a toda velocidade nadireção da Terra. De fato, como Frink atesta, ele está rumando diretamente para o coração deSpringfield – em rota de colisão com a Taverna do Moe, para sermos mais precisos. Moe játeve muitas flechas atravessando seu coração antes, mas dessa vez o fato é excessivamentecruel. Ele nem recebe uma carta dizendo “Caro Moe” que sirva como protetor para o balcão.

Para salvar a cidade, Frink bola um plano. Ele propõe o lançamento de um foguete parainterceptar e destruir o invasor espacial. Depois de disparar o foguete, os habitantes da cidadeficam mortificados quando ele erra o cometa e acaba pulverizando a única ponte que leva parafora da cidade. Agora, sem esperança de escapar e com o cometa sendo esperado em seishoras, eles estão realmente enrascados.

É aí que o abrigo antibomba de Flanders entra em cena, como último refúgio. Ele ésuficientemente grande para abrigar duas famílias, o que é muito conveniente quando Homerpressiona Ned a abrigar os Simpsons. Sendo um bom samaritano, Flanders atende. Mas depoistodos os vizinhos forçam a entrada, de Krusty a Barney, superlotando o abrigo. Alguém vai terde sair e enfrentar a fúria do invasor gelado, mas quem? Homer rudemente escala Flanderspara enfrentar bravamente, sozinho, o cometa do lado de fora. Depois de alguns minutos deconsideração, Homer percebe sua crueldade e decide fazer companhia a Flanders. Logo todomundo se junta a eles, abandonando o abrigo e corajosamente cantando à espera da catástrofe.

O momento da verdade chega. O cometa faísca por um instante e então se divide em

zilhões de pequenos pedaços. A atmosfera densa, pesada e tóxica da cidade tinha pulverizadoo invasor celestial. Resta apenas um grande pedaço, que ruma diretamente para o abrigoantibomba de Flanders, reduzindo-o a cacos. A solidariedade dos habitantes da cidade paracom Ned salvou a vida de todos.

Cometas são objetos de fascínio e temor. Ao lado do Sol e dos planetas e suas luas, elesformam um conjunto importante de componentes do Sistema Solar – essencialmente o materialque sobrou da formação dos corpos esféricos maiores. Seguindo as leis da gravidade, cada umsegue uma órbita em volta do centro do Sistema Solar. Contudo, comparado com os planetas eas luas, os cometas tendem a seguir uma faixa maior de padrões orbitais – muito maisalongadas –, indo muito além do alcance de Netuno, o planeta mais distante. (Plutão agora échamado de “planeta-anão”, com um status planetário menor.) Apenas brevemente viajampara a parte interna do Sistema Solar, que é quando nós podemos observá-los melhor. Porcausa de seus grandes períodos orbitais, eles sempre parecem estar chegando como um raio,inesperadamente. Enquanto alguns cometas têm trajetórias bem conhecidas – o cometa Halleyé um famoso exemplo – a vasta maioria ainda tem de ser procurada. Por isso, são uma grandefonte de consternação: nunca sabemos quando um vai aparecer do nada e chegar perto daTerra, até mesmo colidindo com nosso planeta.

Há dois lugares-chave onde os cometas moram, se não estão em nossa parte do SistemaSolar. O primeiro, chamado cinturão de Kuiper, fica logo além da órbita de Netuno e seestende para fora ao longo do plano orbital do Sistema Solar. Esses cometas têm órbitascomparativamente pequenas, com menos de 200 anos, e fazem visitas relativamente frequentesa nossa parte do espaço. Muito menos conhecidos são os cometas que habitam a nuvem deOort, uma região esférica com um raio de trilhões de quilômetros circundando o disco doSistema Solar. Essa região incrivelmente grande, cobrindo quase a metade da distância até aestrela mais próxima, contém aproximadamente um trilhão de cometas, cada um levando cercade um milhão de anos para descrever uma órbita em redor do Sol. Ocasionalmente, a forçagravitacional de uma outra estrela consegue retirar um deles de sua órbita, impulsionando-oem direção ao interior do Sistema Solar. Então os astrônomos, à maneira de Bart, anunciam adescoberta de um novo cometa.

Uma saborosa analogia ilustra essa situação. Imaginemos que as órbitas planetárias doSistema Solar sejam uma rosquinha frita colocada no meio de um prato na bancada da cozinhados Simpsons. O contorno externo da rosquinha é a órbita de Netuno, e o contorno interno é ade Mercúrio, com os outros planetas representados pela massa em forma de anel. Agora

imaginemos que, quando a rosquinha é retirada do saco de papel, formam-se muitas migalhas.Enquanto algumas grudam na rosquinha, outras se espalham em volta do prato. Essas migalhasperiféricas são os objetos do cinturão de Kuiper. Contudo, outras migalhas ficam misturadas àgigantesca quantidade de creme de leite batido que Homer espalhou sobre a rosquinha. Elascompreendem a nuvem de Oort. Quando Homer levanta o prato para levá-lo até a mesa,algumas dessas migalhas se desalojam, caindo na parte interna da rosquinha, talvez atécolidindo com ela. Homer engole rapidamente a rosquinha, deixando o “ort” para Bart e Lisa.(“Ort”, com um “o”, significa “restos de comida”.)

Um duradouro mito popular imagina os cometas como objetos flamejantes, com longas eardentes caudas como torrentes de fogos de artifício. Na verdade, os cometas sãoextremamente frios, com o núcleo constituído de poeira, rochas e gelo. Alguns núcleos chegama 15 quilômetros de comprimento. As caudas se desenvolvem durante os breves períodos daviagem em que eles estão próximos do Sol. A energia solar faz evaporar um pouco do gelo,provocando a emissão de vapor e poeira. Quando luzes atingem a esteira das partículasliberadas, como reflexos de um vestido longo de lantejoulas, observamos a cauda do cometa.Os cometas também deixam uma esteira de íons, átomos de gases evaporados que tiveram seuselétrons mais distantes do centro expulsos pela luz solar.

Primos próximos dos cometas, com uma variedade similar de tamanhos, mas comcomposições diferentes, são os asteróides. Asteróides são corpos rochosos que descrevemórbitas em redor do Sol em uma faixa semelhante à dos planetas. Uma grande quantidade delesocupa uma zona entre Júpiter e Marte chamada cinturão de asteróides. Outros mantêm órbitasmais próximas, até mesmo cruzando a região da Terra, e em raros casos colidindo com nossoplaneta. Estes são chamados asteróides próximos da Terra (NEAs, sigla em inglês para near-Earth asteroids). Com os cometas de duração curta, eles pertencem a uma categoriadenominada objetos próximos da Terra (NEOs, sigla em inglês para near-Earth objects), aqual é cuidadosamente vigiada pelos astrônomos por causa de seu perigo potencial.

O maior perigo para a Terra reside nos NEOs, medindo de 450 metros até váriosquilômetros de diâmetro – seu perigo potencial aumenta na proporção de seu tamanho. Se umcometa ou um asteróide do tamanho de um grande edifício colide com a Terra, ele podeprovocar uma catástrofe localizada. Como uma bomba, ele gera enormes quantidades deenergia, varrendo tudo o que estiver próximo do ponto de impacto – árvores, casas etc. Em1908, um asteróide ou cometa atingiu uma região de floresta da Sibéria, chamada Tunguska,dizimando completamente uma grande área. Embora milhares de veados com galhadas tenham

sido mortos na explosão, felizmente a região era erma e nenhum ser humano foi morto. Se umaexplosão semelhante ocorresse em uma grande área urbana como Xangai ou Calcutá, dezenasde milhares de vidas seriam perdidas.

Cometas e asteróides maiores, do tamanho de povoados ou cidades, embora menoscomuns em nossa região do espaço, representam ameaças muito mais mortíferas. A ocorrênciade uma colisão com um desses titãs seria absolutamente aterradora. Se um objeto com quatroquilômetros de comprimento, ou mais, atingisse nosso planeta, ele geraria uma explosão demilhões de megatons, expelindo poeira no ar suficiente para bloquear a luz solar durantemeses. Isso reduziria a temperatura da Terra de maneira significativa, dizimando colheitas portodo o mundo e extinguindo várias espécies. Muitos cientistas acreditam que essas gigantescascolisões cósmicas ocorreram regularmente ao longo da história geológica, produzindoregistros fósseis de extinções em massa. Digno de nota é um impacto ao largo da costa doMéxico, há 65 milhões de anos, que possivelmente anunciou os últimos suspiros da idade dosdinossauros.

Para tentar reduzir a chance futura de colisões, os astrônomos desenvolveram um sistemamundial de rastreamento, ligado a um programa chamado Spaceguard. Nos Estados Unidos,um grande centro para observação dos NEOs é o Estado do Arizona, onde o projetoSpacewatch, da Universidade do Arizona, e o projeto Loneo, do Lowell Observatory, lançamum permanente olhar para os céus à procura de invasores astrais. Missões astronômicas aoredor do globo foram capazes de identificar dois terços do provável número de NEOsmaiores.

Até agora, nenhum dos NEOs rastreados parece estar em um curso de colisão com aTerra. No entanto, como novos cometas emergem regularmente da nuvem de Oort, e pelo fatode cometas e asteróides mais antigos poderem ter sua trajetória afetada por outros objetos, aameaça de um impacto cósmico permanece um fato aterrorizante. Se um cometa estiver prestesa colidir com nosso planeta, não há nada que possamos fazer. Contudo, se os astrônomosdeterminarem que um deles vai colidir com a Terra em questão de anos ou décadas, é possívelenviar uma nave espacial e tentar desviá-lo. Explodir o objeto não seria prudente, porque seucentro de massa e muitos de seus fragmentos poderiam ainda vir em direção da Terra.Contudo, uma explosão que atingisse uma pequena parte do cometa poderia desviá-lo osuficiente para poupar nosso planeta.

Embora colisões com grandes asteróides e cometas sejam raras, a Terra frequentementepassa por regiões do espaço com objetos rochosos menores. A maior parte dos detritos que

caem sobre a Terra entre em combustão na atmosfera, o que provoca espetaculares chuvas demeteoros, como a que foi observada por Lisa e outros no episódio “Eu Quero Ver o Céu”.Fragmentos rochosos que conseguem chegar ao chão, chamados meteoritos, são valiosos paraos cientistas porque contêm pistas sobre a origem e a composição do Sistema Solar e porquepodem trazer evidências de substâncias químicas orgânicas (moléculas à base de carbono) defora da Terra. Eles podem indicar a existência de vida extraterrestre. Esse tema écontrovertido, porém, pois quando um meteorito chega ao chão ele é imediatamente invadidopor organismos terrestres, mascarando suas condições originais.

Assim, à parte os invasores maiores que conseguem passar, a atmosfera da Terra é comoum macio e confortável colchão, protegendo-nos das realidades desagradáveis do espaçoexterior. Ela funciona como um escudo contra certos tipos de radiação letal, ajuda a moderaras temperaturas em volta do globo distribuindo calor e reduz a quantidade de detritos quecaem na Terra. Para saber como seria nosso planeta sem atmosfera, basta olhar a Lua, cheia decicatrizes e esburacada, com milhares de crateras.

Por que alguém haveria de abandonar esse colchão confortável e se aventurar no espaçoescuro, gelado e vazio, onde os perigos são inúmeros? Homer se faz essa pergunta, sem

dúvida, toda vez que ergue seu traseiro do sofá. Contudo, como o legendário Ulisses,****

cujas crônicas foram contadas por um Homer diferente (o antigo poeta grego Homero), elemuitas vezes deixou para trás confortos familiares para enfrentar incríveis perigos. Osciclopes, por exemplo, não são nada diante do veneno combinado de Patty e Selma. E aatração irresistível das sereias, com suas canções sedutoras, não é páreo para o doce aromade todas as lojas de rosquinhas pelas quais Homer deve passar a caminho do trabalho.

Se Homer pode enfrentar esses perigos e tentações com bravura e determinação – ealgumas vezes ele nem mesmo chora quando umas das lojas está fechada –, certamente ele tema fortaleza de deixar para trás as facilidades e o conforto da Terra e lançar-se no espaço. É umpequeno esforço para fora do sofá, mas um salto gigantesco para dentro do vácuo colossal. Ô-ô!

* Exclamação de alegria originada no início dos anos 1990, proferida por adolescentes usando neons coloridos, epopularizada pelo desenho Tartarugas Ninja (Urban Dictionary) (N. do T.).

** “Okely-dokely” é uma variante de Flanders para “okey-dokey”, que por sua vez é uma variação de OK (N. do E.).

*** O termo principal, em inglês, tanto pode ser “o mais importante” quanto “diretor de colégio”. “Diretor Kohoutek”,no original, é “Principal Kohoutek”, o que justifica o trocadilho com man of great principle (homem de grandes

princípios) e principal astronomer (principal astrônomo) (N. do E.).

**** Rei de Ítaca, também chamado Odisseus, cuja viagem de volta à terra natal, após a guerra de Tróia, é contada pelopoeta grego Homero (N. do T.).

22A odisséia espacial

de Homer

A humanidade, há muito tempo, busca alcançar as estrelas. Abandonar o casulo protetor daTerra e rumar para o vasto vazio interplanetário representa uma das metas supremas de nossaraça. Nossos espíritos se esforçam para nos levar cada vez mais alto, mesmo que nossaslimitações físicas façam da viagem ao espaço um desafio portentoso.

Durante o último meio século, um grupo intrépido de pioneiros enfrentou bravamente osrigores do ambiente inóspito além da atmosfera da Terra. Esses indivíduos passaram porintenso treinamento para aprender como enfrentar condições que variam da falta de gravidadeaté uma aceleração de dar cãibra no estômago, de aposentos exíguos até a vastidãoinimaginável do espaço, e do silêncio absoluto ao embalo do som de Sonny e Cher. Uau, issofoi profundo.

Os rigores de uma viagem espacial são tais que praticamente todo momento deve sercuidadosamente planejado, desde o tempo exato do lançamento e o instante em que foguetespropulsores devem ser acionados, até o tipo de música para despertar os astronautas todo dia.Recentemente, Paul McCartney cantou para os astronautas na Estação Espacial Internacionalem uma transmissão ao vivo, e isso levou quase cinco décadas de planejamento: ele comprouum baixo e se apresentou no Cavern Club e em outros locais de Liverpool; fez carreira com osBeatles, Wings e solo; apareceu no MTV Unplugged e em Os Simpsons; recebeu o título desir; e, finalmente, abriu espaço em sua agenda cheia para aquele “bico” na Nasa. Ummovimento em falso na carreira e, talvez, Davy Jones, dos Monkees, o teria substituído paraque o aspecto musical da missão não fosse colocado em risco. Como podemos ver, naverdade, cada detalhe de nossa audaciosa aventura no espaço deve ser meticulosamentepreparado.

No episódio “Homer, o Astronauta”, testemunhamos o próximo herói a seguir a trilha deJohn Glenn, Yuri Gagarin, Neil Armstrong e Sally Ride. É uma barra de carbono inanimada,levando Homer a tiracolo para a aventura de sua vida.

A viagem de Homer começa quando uma barra da usina nuclear ganha dele como“funcionário do ano”. Todo mundo ri de Homer, até sua família. Deprimido, ele liga a TV e vêum programa nada interessante, com baixo índice de audiência, sobre o espaço. Quando elereclama do programa à Nasa, a equipe de relações públicas da agência descobre umaoportunidade de aumentar os índices de audiência de seus programas. Eles convidam Homer,representando o “trabalhador americano médio”, a participar de sua próxima missão espacial.

Com Buzz Aldrin, o segundo homem a pisar na Lua, como um de seus colegas detripulação, Homer decola para o espaço, mas comete o erro de abrir um saquinho de batatasfritas que havia levado escondido. Por causa das condições de gravidade zero, as batatinhasseguem sua trajetória inercial natural e se espalham pela nave. Como Newton observou, emsituações em que forças externas (como a gravidade) não geram efeito nem causamdesequilíbrio, os objetos continuam se movendo em trajetórias retilíneas e velocidadesconstantes. A única maneira de desacelerá-los ou pará-los é introduzindo uma nova força. Porexemplo, uma chave de fenda de aço flutuando no espaço pode ser detida por um ímã.Portanto, para recolher as batatas fritas, a tripulação precisa agir de forma decisiva. Docontrário, elas continuarão seu movimento para sempre – ou, pelo menos, até que danifiquemalgum instrumento de bordo – e a tripulação pode muito bem dizer “adeus, mr. Chips”, e

“adeus, mr. Ship”.*

Em um momento “newtoniano”, Homer decide que sua boca pode fornecer a forçanecessária para capturar as batatas fritas. Em uma paródia de uma cena do filme monumentalde Stanley Kubrick, 2001: Uma Odisséia no Espaço, ele tenta comer todas as batatinhasenquanto flutua pela nave. No processo, ele consegue libertar uma colônia de formigas trazidacomo uma experiência para determinar se esses insetos podiam ser treinados para manipularparafusos minúsculos no espaço. Livres, as formigas se espalham pela nave, causam um curtonos circuitos de navegação e põem a missão mais em risco ainda.

No meio desse desastre, os tripulantes são brindados com uma transmissão ao vivo deJames Taylor e sua música melodiosa. O contato com Taylor se mostra, de fato, um golpe desorte. Enquanto canta canções relaxantes de sucesso como You’ve got a friend [Você tem umamigo] e Fire and rain [Fogo e chuva], Taylor toma conhecimento dos problema da tripulaçãoe conta que enfrentou uma vez uma infestação de formigas semelhante em seu chalé de verão.O cantor de baladas Art Garfunkel resolveu o problema criando condições de vácuo quesugaram as formigas para fora do chalé. Por que não fazer o mesmo no espaço?

Os cientistas da Nasa resolvem aceitar o conselho de Taylor. Depois de vestir seus trajesespaciais, Aldrin e a equipe abrem a escotilha, e as formigas são ejetadas. O problema é queHomer esquece de se segurar e quase voa para fora da nave. Ao se segurar na escotilha aberta,ele quebra a maçaneta. Agora a escotilha não pode ser fechada na reentrada na atmosfera. Paramantê-la fechada, Homer a escora com uma cópia idêntica da barra de carbono inanimada queele conseguiu achar dentro da nave. Graças à solução improvisada de Homer, a tripulaçãoconsegue voltar para a Terra em segurança. Homer fica furioso quando a barra tem umarecepção de herói, com desfile e tudo, e seus próprios esforços são mais uma vez ignorados.

“Homer, o Astronauta” capta os esforços da Nasa, da Agência Espacial Européia (ESA)e da Agência Espacial Federal Russa (RFSA) de diversificar suas missões ao identificarpessoas de formação não-científica e treiná-las para serem membros de tripulação. Porexemplo, o programa Professores no Espaço, da Nasa, pretendia levar a bordo de suasespaçonaves educadores que pudessem, mais tarde, ensinar às crianças como é a vida noespaço. Tragicamente, esse programa foi desativado em razão do desastre de 1986 com oônibus espacial Challenger, em que morreram a professora-astronauta Christa McAuliffe eseis outros tripulantes. Por causa dessa tragédia e do desastre com o ônibus espacialColúmbia em 2003, uma outra professora-astronauta, Barbara Morgan, que fez treinamentocom McAuliffe, foi impedida de viajar durante anos. Em 2007, entretanto, a Nasa planejaenviá-la em uma missão de montagem da Estação Espacial Internacional, ajudando a educar

uma nova geração de crianças sobre voos espaciais.**

Em parceria com uma agência privada chamada Space Adventures [Aventuras Espaciais],a RFSA adotou uma abordagem diferente. Eles abriram algumas de suas missões ao turismoespacial, oferecendo a civis ricos oportunidades de voo espacial se estiverem dispostos apagar milhões de dólares pelo privilégio. O primeiro turista espacial foi Dennis Tito, umempresário da Califórnia que tinha 60 anos de idade em 2001, quando pagou 20 milhões dedólares por uma visita de uma semana à Estação Espacial Internacional. Ele viajou para aestação a bordo do foguete russo Soyuz, com vários cosmonautas treinados. Dois outrosturistas se seguiram: Mark Shuttleworth, em 2003, e Greg Olson, em 2005. Embora esses vôostenham ajudado a arrecadar fundos para o programa espacial russo, a Nasa inicialmentemanifestou oposição ao programa, temendo os riscos para passageiros civis sem treinamentoadequado. Entretanto, com o sucesso do programa e a publicidade que gerou, a oposição daNasa desapareceu. Afinal, nenhum dos passageiros, até então, havia aberto pacotinhos debatatas fritas, soltado colônias de formigas ou entoado canções de James Taylor.

Em 2006, a empresária americano-iraniana de 40 anos de idade Anoushe Ansari tornou-se a primeira mulher turista espacial. Colocados em uma lotada cápsula espacial Soyuz TMA-9, ela, um astronauta americano e um cosmonauta russo foram lançados da estação espacial deBaikonur, no Cazaquistão, e, pouco depois, se encontraram com a Estação EspacialInternacional. Ansari passou 11 dias na estação antes de voltar à Terra.

A família Ansari tem ligações estreitas com o turismo espacial. Eles estabeleceram umprêmio de 10 milhões de dólares, hoje conhecido como Ansari X Prize, para a primeiraorganização privada que lançar duas vezes ao espaço uma nave espacial tripulada por sereshumanos em um período de duas semanas. O ganhador do prêmio em 2004, Burt Rutan, daScaled Composites, é um empresário americano especialista em veículos aéreos inovadores.Ele usou sua habilidade de inventor para projetar a SpaceShipOne, um protótipo de veículosespaciais reutilizáveis.

Em 2005, Rutan juntou-se a Richard Branson, do Virgin Group, para desenvolver umafrota de espaçonaves particulares, baseadas no modelo original de Rutan. A nova empresa deBranson, a Virgin Galactic, está planejando inaugurar voos espaciais comerciais de baixocusto (200 mil dólares por passageiro) em 2008. Então, o turismo espacial não mais ficarárestrito aos Montgomery Burns deste mundo, mas também estará disponível para passageirosmenos ricos – isto é, aqueles que desejam gastar centenas de milhares de dólares nos voos.Assim, se alguém como Marge tivesse de escolher entre gastar mil dólares em um voo de ida evolta a Las Vegas e 199 mil dólares nos cassinos, ou 200 mil dólares em um voo para oespaço vazio, ela poderia evitar o dilema moral e decidir gastar o dinheiro em um vooespacial. Homer só precisaria fazer hora extra durante alguns milênios para pagar a conta.

Uma vez que os não-tão-ricos possam arcar com viagens espaciais, imagine todas aspossibilidades fabulosas de lazer. No fim das contas, até mesmo o extraordinário se tornariacorriqueiro. Se o voo espacial se tornar lugar-comum, ele poderá ser considerado apenas maisum dos itinerários de viagem dos computadores das agências de turismo. Os clientes quefizerem reservas nos antigos voos diretos de São Francisco para Los Angeles poderão acabarfazendo escala perto do cinturão de Van Allen. No futuro, ao reservar voos pela Internet, seráprudente especificar “sem escalas, terrestre apenas” se não quisermos acabar flutuando nacabine.

Poderíamos imaginar excursões espaciais personalizadas, com possibilidadespraticamente ilimitadas. Em Os Simpsons, haveria muito material para cenários futuros devoos espaciais. Krusty poderia promover voos de aniversário para as crianças, e qualquer dor

de estômago seria atribuída às grandes forças de gravidade, não à comida. Eleanor Abernathy,a Louca dos Gatos, poderia anunciar voos “Faça seu Felino Feliz”, como no filme Serpentes aBordo, só que com os ronronantes bichanos enroscados nos assentos dos passageiros em vezde cobras. O Cara dos Quadrinhos poderia pilotar uma réplica da Enterprise de Jornada nasEstrelas – pagando a Willie, o zelador, para servir de engenheiro-chefe – e apagar a vergonha

de seu “pior episódio de todos”.***

Se os arautos do Juízo Final se mostrarem certos, os civis precisarão se acostumar àsviagens espaciais. Algum dia a Terra poderá ser ameaçada por uma calamidade capaz dedestruir nossa civilização. Suponha, por exemplo, que astrônomos descubram um cometa ouasteróide colossal rumando direto para nosso planeta e que não possa ser desviado a tempo.Então, evacuar a Terra e estabelecer colônias espaciais em outro lugar poderia ser uma opçãoviável.

Em um dos episódios de “A Casa dos Torrores”, os moradores de Springfield enfrentamtal evacuação de emergência. Homer e Bart conseguem fugir da Terra a tempo de escapar desua destruição. Infelizmente, eles acabam na nave espacial errada.

* “Adeus, mr. Chips” (Good bye, mr. Chips, título original) é um filme de 1939 de muito sucesso. O autor faz umtrocadilho com “chips”, que significa “batata frita” (N. do T.).

** Barbara Morgan participou da missão do ônibus espacial Endeavour, lançado no dia 8 de agosto de 2007 rumo àEstação Espacial Internacional. O ônibus voltou à Terra no dia 11 de agosto (N. do T.).

*** O Cara dos Quadrinhos é uma sátira aos fãs mais críticos de Os Simpsons, que têm o hábito de, logo após aexibição de um episódio inédito, classificá-lo em grupos da Internet como o “pior episódio de todos”. A frase “the worstepisode/movie/comic book... ever” (o pior episódio/filme/quadrinho... de todos) é um bordão do personagem (N. do E.).

23Isso poderia

realmente ser o fim?

Para tudo existem temporadas. Nas séries de televisão e nas vidas humanas, há períodos decrescimento e períodos de decadência. Algumas vezes, os finais são repentinos; outras vezes,situações irremediáveis se arrastam e se arrastam. A série original Jornada nas Estrelas foicancelada depois de apenas três anos e, no entanto, sobreviveu em quatro séries derivadas,bem como em vários filmes de longa metragem, livros e outras mídias. Foi necessária umainfusão permanente de atores mais jovens para manter a franquia renovada e vibrante.Simplesmente não funcionaria manter o elenco original já na casa dos 70 anos lutando aossocos contra alienígenas.

Com a vantagem característica de ser um desenho, Os Simpsons até agora evitaram essesperigos. Contudo, os especialistas se perguntam se o lançamento de Os Simpsons, o filme,sinaliza que o fim da série está próximo. Espero que não. Gostaria que meus netos e bisnetospudessem assistir a novos episódios da série. Mas, infelizmente, algum dia será tomada adecisão de acabar com ela. Haveria então novas sequências e séries derivadas? (O episódio“The Simpsons Spin-off Showcase” oferece pistas irônicas de possíveis planos pós-série,incluindo um “Simpsons Smile-time Variety Hour” com outra atriz substituindo a Lisaoriginal.)

E o que dizer da vida fora da tela? A civilização humana, apesar de muitos contratempose incontáveis mudanças de elenco, tem sobrevivido há muitos milhares de anos na Terra.Esperamos que ela continue tendo sucesso por muito mais temporadas. Contudo, devemosencarar as terríveis perspectivas de que ela possa ser “cancelada” por causas naturais ou poroutros meios. Será que haveria spin-offs – sequências de nossa cultura em outros planetas?

O resultado catastrófico provocado pelo impacto de um grande cometa ou asteróide éapenas uma das muitas calamidades que poderiam ameaçar a vida em nosso planeta. Já vimoscomo um impacto desses poderia lançar trilhões de toneladas de poeira no ar, bloqueando aluz solar por meses, reduzindo drasticamente as temperaturas e provocando extinções em

massa, como nos últimos dias dos dinossauros. Em alguns casos, o corpo ameaçador poderiaser desviado, mas apenas se houvesse tempo suficiente. Do contrário, estaríamos condenados.

Um resfriamento global poderia resultar ainda de uma guerra nuclear em grande escala.Mesmo com o fim da Guerra Fria, um conflito nuclear mundial continua sendo um riscoformidável. Quem sabe quando poderá haver uma nova corrida armamentista? Milhares demísseis, se lançados, não apenas liberariam uma enorme carga radioativa como gerariam umanuvem de poeira capaz de provocar uma longa era de escuridão frígida, conhecida comoinverno nuclear. As fontes de alimentos seriam extintas, e a vida na Terra poderia sersuprimida para sempre.

Em um dos poucos episódios de Os Simpsons que realmente parece datado, do Dia dasBruxas de 1999, “Life’s a glitch, then you die”, uma outra ameaça global é abordada: apossibilidade do mau funcionamento dos computadores em todo o mundo. Comparar os efeitosde erros de computador aos do impacto de um asteróide ou de uma catástrofe nuclear é comoigualar os desconfortos de um resfriado comum à devastação da peste bubônica. Contudo, nofinal da década de 1990, o “bug do milênio”, um defeito de computador associado ao ano2000, passou a ser visto por alguns especialistas não apenas como um incômodo, mas como apotencial deflagração do apocalipse mundial.

O problema do “bug do milênio” estava relacionado a computadores equipados comfunções de data que não iam além dos anos 1900. Essas funções de data limitadas foramintroduzidas como uma maneira de economizar memória – elas armazenavam apenas osúltimos dois dígitos do ano, não o número inteiro. Portanto, se elas não fossem atualizadas, oano 2000 não seria reconhecido e os calendários eletrônicos voltariam a 1900. Comoconsequência, os computadores defeituosos considerariam arquivos de backup de 1999, ou deantes, como se fossem mais recentes que arquivos de 2000 (erroneamente datados como de1900). Eles apagariam as novas versões e deixariam as mais antigas, ou talvez até apagassemtodos os arquivos. Isso poderia causar o caos nas contas bancárias, nos registrosgovernamentais e em outros, gerando um caos total – pelo menos era o que se supunha. Paraevitar esse possível desastre, bilhões de dólares foram gastos no mundo todo para atualizar ossoftwares de computador de acordo com o novo milênio. Também foi feito backup dossistemas essenciais em toda parte.

Muitas empresas e agências designaram um “funcionário de inspeção do bug do milênio”para verificar cuidadosamente todos os sistemas informatizados e protegê-los contra falhas.Esse indivíduo precisava ter grande conhecimento tecnológico e ser altamente responsável. O

destino de gigabytes de dados, representando os registros de numerosos indivíduos, estavasobre os seus ombros.

No episódio “Life’s a glitch”, a usina nuclear de Springfield escolhe Homer para essatarefa, e você pode imaginar como o trabalho dele é eficaz. Na virada do 31 de dezembro de1999 para 1o de janeiro de 2000, quando acontece a famosa contagem regressiva de Ano-novode Times Square, a usina de Springfield não apenas para de funcionar como deflagra umareação em cadeia que causa um pandemônio global. Os sinais de trânsito começam a piscar,um restaurante giratório fica fora de controle, os aviões caem do céu e até mesmoeletrodomésticos entram em pane. Nenhum componente eletrônico parece imune, desde chapasde waffle até congeladores. Quando Homer tenta abrir uma caixa de leite para seu lanche domeio da noite, ela espirra em todas as direções, supostamente por causa de um chip decomputador interno que ficou fora de controle. A falha geral da tecnologia leva a um colapsosocial. Entre cenas de pilhagem em grande escala e pânico em massa, o reverendo Lovejoydeclara que o Dia do Juízo Final havia chegado.

Enquanto fogem da catástrofe, os Simpsons encontram Krusty, o palhaço, sentindo-semuito chateado. O “bug do milênio” havia colocado seu marca-passo em “modo beija-flor” dealta velocidade. Depois de bater os braços durante algum tempo, ele desaba no chão. Bart,entristecido, descobre um bilhete no bolso de Krusty junto de um convite para a OperaçãoExodus, um plano de evacuação da Terra. Os Simpsons percebem que a carta significa umapassagem para sua salvação. Segurando-a cuidadosamente, eles correm em direção a umfoguete espacial, na expectativa de um novo amanhã no espaço.

De pé em frente da espaçonave está um guarda cujo trabalho é deixar entrar somente osmelhores e os mais brilhantes – Bill Gates e Stephen Hawking, por exemplo. Lendo uma lista,o guarda anuncia que Lisa tem autorização para entrar no veículo e pode levar com ela apenasum dos pais. Sem hesitação ela escolhe a mãe. Lisa, Marge e Maggie embarcam na nave,deixando para trás Homer e Bart furiosos. Eles conseguem encontrar outro foguete espacial,cheio daqueles que foram deixados para trás pelo primeiro veículo – em outras palavras,aqueles considerados supérfluos. Enquanto o primeiro foguete com as mulheres Simpsons eoutros notáveis está rumando em direção a uma nova vida em Marte, descobre-se que osegundo, com os homens Simpsons e outros descartáveis, está indo em direção ao Sol. Quandoos outros passageiros começam a cantar, Homer e Bart decidem apressar a própria morte,ejetando-se no vácuo.

Na vida real, a crise do “bug do milênio” nunca representou o cenário apocalíptico que

alguns temiam. Por meio de providências que custaram bilhões de dólares, atualizações desoftwares e backups evitaram problemas significativos. Talvez por causa desse planejamentocuidadoso, a chegada do ano 2000 não foi muito diferente da entrada do ano anterior. Mesmoque o pior tivesse acontecido, é pouco provável que as falhas de computador tivessem afetadomuitas pessoas, exceto pelo inconveniente de reconstruir registros apagados inadvertidamente.Poderia ter sido uma grande dor de cabeça, mas não o Dia do Juízo Final.

Se quisermos ser tão sombrios quanto Hans Moleman e examinar potenciais cenáriosapocalípticos, infelizmente há coisas muito piores que podem vir à baila. O aquecimentoglobal, se continuar nesse ritmo, pode produzir catástrofes ecológicas. Grandes áreas da Terrapodem se tornar desérticas. A corrente do Golfo pode mudar e a costa norte da Europa podeperder sua proteção contra o frio do Ártico. A poluição e o superdesenvolvimento podemcontinuar a erradicar um incalculável número de espécies, destruindo a cadeia alimentar.Possivelmente, a certa altura, nosso meio ambiente pode se tornar inadequado para acivilização como a conhecemos.

Se, no futuro, a raça humana deparar com uma forte possibilidade de extinção por causade um desastre iminente, o estabelecimento de colônias espaciais pode ser a única esperançade nossa espécie. A viabilidade de uma evacuação em grande escala dependerá do quãodisseminados estarão os voos espaciais na época. O atual programa de ônibus espaciais seriaclaramente inadequado para transportar milhões de pessoas para estações orbitais e depoispara algum refúgio extraterrestre. Talvez algo como um elevador espacial fosse mais eficaz.Pesquisadores propuseram que fitas da espessura de um lápis e dezenas de milhares dequilômetros de comprimento saíssem da Terra e fossem amarradas a contrapesos colocadosem órbita geossíncrona, isto é, exatamente na rotação da Terra, e, portanto, sempre acima domesmo lugar no globo. Se as fitas forem robustas o suficiente (construídas, por exemplo, comas cadeias de moléculas superfinas e ultrafortes conhecidas como nanotubos de carbono), agravidade e a rotação da Terra atuariam em concerto para mantê-las permanentementeesticadas. As fitas serviriam como cabos para elevadores espaciais que transportariammaterial para cima, pela atmosfera, e para fora e além, dentro da escuridão.

A família Ansari, a Spaceward Foundation e a Nasa apoiaram uma competição pelo XPrize de 2006 em Las Cruces, Estado do Novo México, chamada Space Elevator Games[Jogos do Elevador Espacial], destinada a desafiar as equipes de pesquisa a desenvolverprotótipos de fitas e veículos duráveis, porém leves. O objetivo era incentivar a construção deum elevador espacial até 2010. O melhor concorrente na disputa do “raio de força”,

desenvolvido e montado pela Space Design Team da Universidade de Saskatchewan, doCanadá, foi uma plataforma que subiu por uma corda de 600 metros de comprimento em 57,5segundos – um novo recorde de velocidade, mas um pouquinho abaixo do necessário parareclamar o prêmio de 200 mil dólares. Sem dúvida, a equipe está se preparando paraestabelecer novos recordes em versões futuras da competição.

Se um elevador espacial eficiente fosse construído, ajudaria muito na evacuação da Terraem caso de apocalipse iminente. Os evacuados entrariam em cabines no elevador, quedeslizariam cabo acima e decolariam para o espaço, atracando em estações espaciais. Lá elespoderiam embarcar em enormes arcas espaciais que os levariam a outros mundos.

A essa altura, a pergunta seria aonde ir. Talvez os colonos se estabelecessem emcomunidades fechadas na Lua. Entretanto, a menos que as condições na Terra fossemabsolutamente insuportáveis, é difícil imaginar a vida na Lua como mais agradável. De algummodo seria necessário gerar ar respirável e fornecer água suficiente para consumo eplantações. Há alguma chance de que as crateras da Lua em suas regiões polares contenhamcristais de gelo levados para lá ao longo de eras pelo bombardeamento de cometas. Essescristais poderiam estar espalhados em finas camadas ou misturados com o solo lunar, tornandoa extração de água uma tarefa difícil. Se a água e minerais lunares viabilizassem o cultivo deplantas – talvez espécies dos desertos da Terra, para garantir que suportem condições de seca–, a vegetação, por sua vez, produziria oxigênio para sustentar os humanos e qualquer vidaanimal na colônia. Esse ecossistema precisaria ser excepcionalmente bem ajustado, compouco espaço para desperdício.

Uma solução melhor em longo prazo seria estabelecer condições semelhantes às da Terrana superfície de um outro planeta, mais provavelmente Marte. Além da Terra, Marte é oplaneta do Sistema Solar que tem condições mais favoráveis. Os quatro mundos nas órbitasmais externas, como Júpiter e Saturno, são enormes bolas de gás com pressão atmosféricaesmagadora. Eles talvez nem tenham superfície onde aterrissar.

Os dois planetas em órbitas mais internas também não são melhores. Mercúrio, tão pertodo Sol, tem uma temperatura diurna quente demais. Vênus, embora semelhante em tamanho àTerra, possui uma atmosfera densa e venenosa com um efeito estufa fora de controle. Nuvensdensas aprisionam o calor, tornando a superfície ressequida. Se os colonos do futuro quiseremescapar dos efeitos do aquecimento global, Vênus não seria o lugar para ir. Marte, pelomenos, tem temperaturas razoáveis, uma superfície sólida e uma gravidade, embora menor quea da Terra, à qual os colonos poderiam facilmente se ajustar. É verdade que, com sua escassa

atmosfera, vendavais e falta de água líquida, o planeta não é nenhum paraíso, mas talvez, comum pouco de engenharia, ele possa ficar mais parecido com nossa Terra. Em comparação comVênus ou Mercúrio, as condições de Marte são suportáveis.

A terraformação, o processo de tornar um planeta similar à Terra, é um assunto altamentecontrovertido que coloca os defensores da colonização espacial humana contra aqueles queadvogam a preservação das condições nativas a todo custo. De alguma forma, essa questãolembra discussões sobre desenvolvimento versus preservação. Se fizermos um desertoflorescer por meio da irrigação, o deserto não é mais um deserto. Se demolirmos um velhobairro histórico e o substituirmos por habitações modernas, ele deixa de ser histórico. Osbenefícios e custos devem ser cuidadosamente pesados.

Por exemplo, suponha que um grupo de investidores de Shelbyville quisesse reconstruirSpringfield, transformando-a em uma comunidade-modelo. Eles poderiam comprar as terras,derrubar a taverna do Moe, vender as escolas para consórcios privados e substituir a usinanuclear por uma unidade de geração de energia eólica de alta tecnologia e ultraeficiente. Osrios poderiam ser limpos e reabastecidos com peixes normais de dois olhos. Todos osoperários e técnicos incompetentes seriam substituídos por especialistas. Lojas elegantes comcaros artigos europeus poderiam ocupar uma galeria reluzente no terreno do velho Kwik-E-Mart. Novos cinemas e salas para concertos seriam construídos. (Springfield uma vez tentouconstruir uma delas, mas o comparecimento foi pífio e a sala acabou fechada; dessa vezmembros mais cultos da sociedade poderiam comparecer.) Em resumo, Springfield poderia setornar um modelo de sofisticação urbana. Mas onde estaria o charme? Onde ficaria a história?O que aconteceria com seus infelizes desempregados? E o que aconteceria com o pobreBlinky, o peixe de três olhos? Ele seria forçado a passar seus últimos anos em algum aquáriodecrépito nos arredores da cidade ou nadando livremente em puras águas resplandecentes?

A terraformação envolveria uma troca. Se Marte, por exemplo, fosse recriado para separecer com a Terra, sua paisagem original se perderia e quaisquer formas de vida nativas –supondo quem existam em alguns nichos não explorados – seriam potencialmenteexterminadas. Ainda não se descobriu vida em Marte, mas considerando que organismos vivosda Terra conseguem se desenvolver em condições extremas (como os micróbios extremófilosque vivem em fendas subterrâneas, gerando energia com processos químicos), os astrônomosainda esperam que ela exista em algum lugar. Uma transformação radical do meio ambientemarciano poderia reduzir essa chance a zero.

Contudo, se a Terra não fosse mais um refúgio seguro ou se algum dia se tornasse

superpovoada, a terraformação de Marte seria a única opção realista, especialmente se asviagens interestelares ainda não estivessem desenvolvidas. Alguns pesquisadores, como oengenheiro aeroespacial Robert Zubrin, da Pioneer Astronautics, o astrobiólogo ChristopherMcKay, do Nasa Ames Laboratory, e o antes-dentista-hoje-escritor Martyn Fogg têm diversaspropostas para tornar o planeta vermelho mais parecido com um lar. Entre suas ideias estão acolocação de espelhos com mais de 150 quilômetros de diâmetro sobre as calotas polaresmarcianas para refletir a luz do Sol sobre a superfície, vaporizar seu dióxido de carbono,gerar uma atmosfera mais espessa e produzir gases de halocarbono para capturar energia ecriar um efeito estufa. Isso poderia elevar a temperatura acima do ponto de congelamento daágua durante grande parte do ano marciano, possibilitando que rios e ribeirões corressem pelasuperfície, dando sustento à vida animal e vegetal. Muitos cientistas acreditam que havia águalíquida no solo marciano; talvez ela volte a correr algum dia.

A transformação de Marte em um planeta totalmente habitável seria um processo gradual,que levaria muitos séculos. Embora, a princípio, a atmosfera fosse irrespirável, exigindo queos colonos usassem trajes especiais o tempo todo ou vivessem em domos fechados, as plantasacabariam por converter quantidades suficientes de dióxido de carbono em oxigênio parapossibilitar que as pessoas respirassem à vontade ao ar livre. As condições talvez nuncasejam tão agradáveis quanto na Terra, mas pelo menos a crônica humana teria continuidade.

É fácil imaginar uma mulher forte e determinada como Marge como uma das primeirascolonizadoras de Marte. Ela se mostrou habilidosa com ferramentas, construindo todo tipo deestruturas e móveis no episódio “Please Homer don’t Hammer Them”. Em “Os Braços Fortesda Mamãe”, ela se torna levantadora de peso e mostra como pode ser poderosa. Além domais, apesar de ter um marido inepto, ela é capaz de criar e proteger uma família e manter umlar bem administrado. Ela se esforça para ser honesta e justa e raramente perde suaperspectiva equilibrada. Como diria Jebediah Springfield, seu espírito nobre engrandece omais humilde colonizador marciano. Quem desejaria um pioneiro mais adequado?

Assim, se um outro erro de computador em grande escala, um cometa, um desastrenuclear ou outro cenário apocalíptico ameaçar a cidade de Springfield, uma missão paraMarte liderada por Marge, com Lisa como oficial de ciências, seria algo muito apropriado.Quando a sobrevivência está em jogo, conquistar um outro planeta faz muito sentido. Mas se oplaneta capturado for o nosso, e os conquistadores forem uma raça alienígena de um mundoorbitando um sol distante? Seríamos tão fãs da transformação planetária se quem estivessetentando nos recriar fossem extraterrestres babões?

24Tolos terráqueos

Por duas décadas, imagens de Os Simpsons foram transmitidas regularmente para o espaço.Até agora, as estripulias de Homer e sua família provavelmente alcançaram alguns planetas a20 anos-luz da Terra. Os três planetas próximos à estrela-anã vermelha Gleise 876, porexemplo, a aproximadamente 15 anos-luz de distância, podem ter captado a primeiratemporada vários anos atrás, não muito tempo depois de ter sido lançada em DVD. Se existemseres inteligentes em qualquer desses mundos com capacidade de perceber e decifrartransmissões de rádio e televisão, eles podem ter rido, chorado ou se indignado com osprogramas. Então, por que a raça humana não recebeu nenhuma carta de fã? Não faria mal seos extraterrestres nos mandassem pelo menos um bilhetinho.

É verdade que, para chegar até nós, uma resposta a nossas transmissões levaria a mesmaquantidade de tempo que o programa levou para chegar a eles. Consequentemente, talvezdevamos ter paciência para saber o que os alienígenas acham do retrato que os programasfazem da vida extraterrestre. Contudo, houve outros seriados de televisão sobre alienígenasmais antigos: Meu Marciano Favorito (década de 1960), Mork e Mindy (década de 1970) eincontáveis outros programas de televisão, muitos transmitidos para o espaço há mais de 60anos, tempo suficiente para ir mais longe que os sinais de Os Simpsons. A famosa transmissãode rádio de Orson Welles de A Guerra dos Mundos, que provocou um pânico em massa tãogrande, aconteceu em 1938. Nas sete décadas seguintes, os sinais podem ter chegado aplanetas a mais de 30 anos-luz de distância. Se houver uma civilização avançada o bastantepara detectar esses sinais e determinar que eles vêm de uma fonte inteligente, eles já podemter respondido. Mas nós não ouvimos nada.

Desde os anos 1960, o programa de procura por vida inteligente extraterrestre (Searchfor Extraterrestrial Intelligence – Seti) tem vasculhado os céus à procura de sinais de rádioque transmitam mensagens de civilizações alienígenas, usando telescópios como o gigantescoradiotelescópio de Arecibo, Porto Rico. No entanto, apesar de décadas tentando discernir, emmeio ao ruído, padrões que indiquem comunicações avançadas, nenhuma elocução

significativa foi encontrada – nem mesmo um d’oh interestelar! Em várias ocasiões foramavistados objetos voadores não-identificados (Ovnis), que um certo segmento da populaçãotem anunciado como evidência de que os extraterrestres já estão aqui. Até mesmo o ex-presidente americano e prêmio Nobel da Paz Jimmy Carter uma vez relatou ter visto um Ovni.Contudo, muitos desses eventos foram posteriormente explicados como fenômenosmeteorológicos, balões meteorológicos, aeronaves militares experimentais e assim por diante.Em suma, mesmo com tanta investigação e relatos de observações estranhas, não háabsolutamente nenhuma evidência de que exista inteligência extraterrestre. Dado o vastonúmero de estrelas e planetas na Via Látea, com um certo percentual apresentando ascondições necessárias para existência de vida (pelo menos estatisticamente), essa falta decontato é surpreendente. Como a indagação famosa do grande físico ítalo-americano EnricoFermi: “Cadê todo mundo?”.

Alguns pesquisadores tentaram oferecer soluções intuitivas à pergunta de Fermi.Cientistas notáveis, como Michael H. Hart, do National Center for Atmospheric Research[Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica], e Frank Tipler, da Universidade de Tulane,garantiram que devemos ser os únicos habitantes de nossa galáxia com uma civilizaçãoavançada. Segundo Hart, sendo a comunicação por rádio um processo tão direto, se houvessealienígenas inteligentes em algum lugar por aí, eles já teriam enviado sinais. Tipler vai maisalém, sugerindo que quaisquer seres inteligentes poderiam ter conquistado a galáxia; e játeriam feito isso a essa altura, talvez por meio de “robôs dublês” que se reproduzem e seespalham pelas estrelas como exércitos teleguiados. Portanto, nesse universo em que ocachorro morde o próprio rabo, nenhum vira-lata marcou seu território; ele é todo nosso.

Outros cientistas são bem mais otimistas quanto às perspectivas de haver outros seresinteligentes no espaço. O falecido astrônomo Carl Sagan, por exemplo, argumentava que,embora os grandes vazios do espaço tornassem desafiador o contato interestelar direto, éapenas uma questão de tempo para que isso aconteça. Seu romance Contato, com suas viagenspor buracos de minhoca, representa sua profunda esperança de que os formidáveis abismosinterestelares poderiam ser transpostos, e laços amistosos poderiam ser estabelecidos comcivilizações distantes muitos anos-luz. Ele respondeu à indagação de Fermi com um pedido depaciência e determinação.

A pergunta de Fermi não precisa ser feita em Os Simpsons, já que a resposta é óbvia. Asvisitas de alienígenas a Springfield são bem documentadas nos episódios anuais de Halloween(“A Casa da Árvore dos Horrores”). A partir da segunda temporada, Kang e Kodos, as

criaturas babonas de um olho só, que mais tarde ficamos sabendo serem irmão e irmã, forammostrados em papéis-título e outras pequenas participações. Embora seu desdém altivo pelosterráqueos seja claro, e seu desejo de abduzir ou subjugar os pobres seres humanos continueuma constante, sua motivação exata é frequentemente vaga. Eles nos veem como rivaisperigosos, como deliciosas guloseimas ou como imbecis inofensivos que precisam sercolocados sob seus tentáculos e tutelados? Talvez essa ambiguidade seja um reflexo dasatitudes igualmente ambíguas que as pessoas têm com relação a espécies animais “inferiores”,vendo-as em contextos variados como perigo, fonte de alimento ou animais de estimação.

No episódio “Famintos Como os Aliens”, Kang e Kodos marcam sua primeira apariçãono seriado ao raptar a família Simpson em um clássico disco voador. A partir do momento queHomer e os seus estão a bordo, os alienígenas começam a alimentá-los com o máximo queeles aguentam comer. Enquanto os outros se empanturram e manifestam grande reconhecimentopela hospitalidade dos alienígenas, Lisa começa a suspeitar de que seus anfitriões babões têmuma sinistra motivação oculta. Ela descobre que, depois que chegarem ao planeta dosalienígenas, Rigel IV, serão convidados de honra em um suntuoso banquete para o qual seusanfitriões estão reservando seus apetites. Suas suspeitas aumentam quando ela vê um monstrocom tentáculos preparando uma panela, procurando os temperos adequados e lendo um livrode culinária que parece ser intitulado How to cook humans [Como cozinhar humanos].Alarmada, ela agarra o livro de culinária e corre para a família, explicando que eles estãocondenados a ser o prato principal. Enquanto a família protesta, Kodos sopra a poeira da capado livro, revelando o título How to cook for humans [Como cozinhar para humanos]. Lisasopra mais poeira, mostrando um título que aparentemente diz How to cook forty humans[Como cozinhar quarenta humanos]. Finalmente, Kodos remove o restante da poeira,revelando o verdadeiro título do livro de culinária: How to cook for forty humans [Comocozinhar para quarenta humanos]. Os alienígenas repreendem os Simpsons por suas falsassuspeitas e explicam que se eles tivessem mais confiança poderiam ter conhecido o paraíso.Lisa humildemente admite que estava errada sobre as intenções dos alienígenas.

Episódios posteriores revelam diversas conspirações de Kang e Kodos para dominar aTerra, embora quase sempre não fique claro por que eles se importam com isso, dados seuspoderes imensamente superiores. Por exemplo, em “Citizen Kang” [Cidadão Kang], de “Aárvore dos horrores VII”, as duas criaturas raptam dois importantes políticos americanos, opresidente Bill Clinton e o senador Bob Dole, que se enfrentaram como candidatos à eleiçãopresidencial de 1996. Kang e Kodos, assumindo a aparência dos candidatos, concorrem eles

mesmos à presidência. Depois que Homer revela ao público que eles são alienígenasdisfarçados, Kang e Kodos explicam que o sistema bipartidário força os cidadãos americanosa escolher um dos dois. Os eleitores escolhem Kang, que obriga os escravos humanos,incluindo os Simpsons, a construírem uma enorme pistola de raios laser a ser apontada paraum planeta sem nome.

“A árvore dos horrores XVII” inclui o episódio “The day the earth looked stupid” [O diaem que a terra pareceu estúpida]. Embora seu título faça referência ao clássico filme dos anos1950 O dia em que a terra parou, seu tema de invasão alienígena baseia-se em grande parteem A guerra dos mundos. A primeira parte do episódio mostra como a Springfield de 1938reage em pânico à famosa transmissão de rádio de Orson Welles. Isso leva a um ceticismogeral, habilmente explorado por Kang e Kodos, que começam uma invasão de verdade.Apesar de seu ataque inicial ser rápido, a resistência e a ocupação se arrastam por muitosanos. Kang e Kodos finalmente explicam que precisavam invadir a Terra, porque os humanosestavam construindo “armas de desintegração em massa”.

Embora as motivações de Kang e Kodos não sejam muitas vezes claras, pelo menos elestêm a mesma língua dos Simpsons. Por mera coincidência, a língua rigeliana é idêntica aoinglês. A confusão linguística surge principalmente quando as frases que eles usam sãoimprecisas. Assim, quando em “Famintos Como os Aliens” Kodos usa a expressão “chew thefat”, surge a ambiguidade sobre se ela planeja “bater um papo” ou “morder e mastigar”, porcausa da conhecida distinção entre os significados literal e figurativo dessa expressão eminglês. Esse mal-entendido causado por jogos de palavras – abundante em comédias deShakespeare, Oscar Wilde e outros – é relativamente pequeno comparado às dificuldades quepoderiam surgir se a humanidade se encontrasse com uma raça de extraterrestres de verdade.

Na verdade, os extraterrestres quase certamente se comunicariam por meio de línguassem nada em comum com os idiomas da Terra. Assim como as línguas terrestres forammoldadas pelas experiências singulares de povos variados, a comunicação extraterrestre seriamoldada pela anatomia, história e condições de vida de cada raça alienígena. Portanto,qualquer diálogo significativo com seres extraterrestres provavelmente requereria a superaçãode tremendas barreiras de comunicação.

Em 1953, o escritor G. R. Shipman publicou um artigo intitulado How to talk to amartian [Como conversar com um marciano], imaginando o processo pelo qual antropólogoslinguistas poderiam decifrar idiomas alienígenas. Menosprezando histórias que imaginam queextraterrestres conseguem aprender línguas terrestres instantaneamente por meio de

dispositivos tradutores ou pela telepatia, ele convocou outros escritores a investigar métodosreais usados para desvendar línguas desconhecidas. Shipman explicou como os linguistastrabalham com informantes humanos que falam línguas não familiares para identificar aspectoscomuns de referência que possam ser usados como pontos de apoio para um completoentendimento mútuo. Ele imaginou que as mesmas técnicas poderiam ser aplicadas a línguasextraterrestres. “Se os habitantes de outros planetas usam os sons da fala como o fazemos”,explicou, “sua linguagem deve comportar análise por nossos métodos tão facilmente quantoqualquer idioma da Terra. O mesmo seria verdade se eles usassem qualquer combinação de

outros tipos de sinas visuais, audíveis ou táteis”.*

Ah, se fosse assim tão simples! A linguagem humana, como Noam Chomsky e outrosobservaram, é adquirida por meio de funções cerebrais específicas que determinam oprocesso pelo qual a gramática de cada língua é construída. Assim, todas as línguasconhecidas são fundamentalmente moldadas por um componente biológico produzido pelaevolução humana. Como não podemos supor que a evolução de seres extraterrestres tenhaocorrido de forma similar, não há razão para achar que a comunicação alienígena seráparecida com os padrões gramaticais que relacionamos à linguagem humana. Em outraspalavras, não apenas seria extremamente improvável que Kang e Kodos na vida real falasseminglês, como seria altamente improvável que a estrutura de sua gramática tivesse algo emcomum com línguas conhecidas.

Como, então, poderíamos compreender o que pensam nossos colegas de outros mundos?No programa Seti, muito da esperança de interceptar e interpretar comunicações alienígenasreside em encontrar sinais com características mensuráveis baseadas em propriedadesmatemáticas ou físicas universais. Por exemplo, em 1959, Giuseppe Cocconi e PhilipMorrison, da Cornell University, sugeriram em seu influente artigo Searching for InterstellarCommunications [Procurando Comunicações Interestelares] que uma frequência chamada de“linha do hidrogênio” (1.420 megahertz ou 1.420 milhões de vibrações de onda por segundo)

seria um local promissor no espectro de rádio para procurar por sinais extraterrestres.** Alinha do hidrogênio é uma frequência de emissão de rádio facilmente observável associada ao

hidrogênio neutro, que é comumente usado como benchmark*** astronômico. Ela foidetectada pela primeira vez pelos pesquisadores Harold Ewen e Edward Purcell, de Harvard,em 1951. Em 1960, Frank Drake, do National Radio Astronomy Observatory [ObservatórioNacional de Radioastronomia], em Green Bank, Virgínia Ocidental, iniciou o Projeto Ozma, o

primeiro a buscar sinais de inteligência extraterrestre concentrando-se, especificamente, nalinha de hidrogênio. Desde então, algumas outras missões Seti se concentraram na mesmaregião do espectro.

A ideia é que seres avançados, mesmo se possuíssem fisiologia e funcionamento cerebraltotalmente diferentes dos nossos, ainda saberiam que o hidrogênio é o elemento mais básico,comum em todo o universo, e que tem certas linhas espectrais distintas. Além disso, osalienígenas perceberiam que a região de frequência em torno da linha do hidrogênio é“silenciosa para rádio”, isto é, relativamente livre de ruído causado por outros efeitos. Elestambém iriam inferir que outros seres inteligentes chegariam a conclusões similares. Portanto,veriam a linha de hidrogênio como a principal zona de radiotransmissão.

Como os pesquisadores do Seti perceberam, também em termos de conteúdo, as espéciesalienígenas poderiam tentar incluir referências a eventos matemáticos ou científicos comuns.Por exemplo, eles poderiam enviar pulsos espaçados de acordo com os números primos, asequência de Fibonacci (cada número em sequência é a soma dos dois anteriores), os dígitosde π ou outros padrões fundamentais. A menos que os seres tenham dez dedos, esses padrõesnão seriam provavelmente enviados em notação decimal, mas em forma binária (0s e 1s) ouem outro sistema numérico. Os cientistas do Seti jogaram uma espécie de jogo de adivinhaçãotentando analisar sinais para a ampla gama de possibilidades.

Nas décadas de busca, houve apenas uns poucos eventos que fizeram corações acelerarna expectativa de uma possível descoberta. Um desses incidentes ocorreu em 1977, quandoJerry Ehman, na época um voluntário no Big Ear Radio Observatory [Observatório de RádioGrande Orelha], descobriu um sinal na região da linha do hidrogênio muito mais forte que oruído de fundo. Era como se estivesse em uma caverna silenciosa e subitamente ouvisse umgrito; a gente pensaria que mais alguém estaria ali. Ehman ficou tão surpreso que escreveu“Uau!” na página; daí ter ficado conhecido como “o sinal uau!”. Em todos os anos desdeentão, ninguém foi capaz de reproduzir aquele estranho grito no escuro. Assim, ou foi uma raçaextraterrestre que somente fez uma transmissão por um breve intervalo ou, maisprovavelmente, foi um sinal da Terra que de alguma forma voltou rebatido (talvez de algumtipo de destroço espacial, como Ehman sugeriu) e interferiu com as observações.

Suponha que algum dia nós recebamos mensagens de uma civilização alienígena distante.Teríamos nós e a outra raça capacidade de nos encontrar fisicamente ou estaríamoscondenados a um relacionamento de longa distância? Se as interações entre Kang e Kodos e osmoradores de Springfield servirem de parâmetro, talvez o contato remoto seja o caminho a

seguir. Contudo, se a raça alienígena certa aparecer por aqui, com perspectivassuficientemente atraentes para um relacionamento caloroso, muitos de nós, como Moe,poderiam esperar que uma mensagem amistosa fosse seguida de um encontro mais íntimo.Quero dizer, um encontro de espíritos, é claro. A questão então seria: em nossa casa ou nadeles? E, se fôssemos nós a viajar, como cobrir a distância extraordinária entre nossasespécies?

Uma vez que ainda não colocamos o pé em nenhum outro planeta (a menos que se leve emconta a Lua, considerada um satélite, não um planeta), as viagens interestelares ainda são umapossibilidade distante. No entanto, menos de um século atrás, qualquer forma de viagemespacial existia apenas em ficção científica. Somos uma turma persistente e, com nossainventividade, descobrimos maneiras de contornar muitos outros impasses tecnológicos.Consequentemente, parece provável que, se nossa raça sobreviver tempo bastante, ela irádesenvolver meios de transporte ultravelozes. Quem sabe para onde nossos sonhos noslevarão?

* Shipman, G. R. “How to talk to a martian”, Astounding Science Fiction, out. de 1953, p. 112.

** Cocconi, Giuseppe; e Morrison, Philip. “Searching for interstellar communications”, Nature 184, n. 4.690, 19 set.1959.

*** Na comunidade científica, termo usado para qualquer instrumento de medida que possibilite a comparação de umanova medida a uma medida-padrão. Muitas vezes, o termo é usado (como no texto) para designar diretamente umadeterminada medida (neste caso as linhas do hidrogênio) como padrão (N. do R. T.).

25O universo é

uma rosquinha?

Algum dia, as espaçonaves talvez sejam potentes o bastante para viajar a velocidadesextraordinárias, transpondo os vastos vazios interestelares. Quando as viagens espaciaisforem suficientemente rápidas, nossos descendentes poderão estabelecer prósperas colôniasextraterrestres, não apenas em planetas próximos, como Marte, mas também em mundosorbitando estrelas distantes. A velocidades próximas da velocidade da luz, a dilataçãorelativista do tempo entra em ação, possibilitando aos viajantes envelhecer muito maislentamente que envelheceriam na Terra e permitindo-lhes sobreviver a voos que, do contrário,seriam longos demais. Assim, para espaçonaves movendo-se em grande velocidade, asestrelas mais próximas estariam a apenas alguns meses de distância. Talvez nossosdescendentes até aprendam como dominar o tecido do tempo e espaço, construindo buracos deminhoca atravessáveis, que funcionem como atalhos de uma região para outra. A tecnologia dofuturo poderia estabelecer as bases para uma imensa civilização galáctica.

Por toda nossa galáxia existem provavelmente numerosos mundos habitáveis madurospara exploração e incontáveis outros planetas que poderiam passar pelo processo deterraformação. Embora os astrônomos ainda não tenham identificado planetas com condiçõessemelhantes às da Terra, na última década eles descobriram centenas de planetas maiores,similares em massa a Júpiter ou Saturno. Apenas um punhado de objetos encontrados até agorase compara em tamanho aos planetas menores de nosso Sistema Solar, e estes têm condiçõesorbitais muito diferentes das da Terra. A razão pela qual os astrônomos ainda não localizaramobjetos menos volumosos com condições similares às da Terra tem mais a ver com aslimitações das atuais técnicas que com a inexistência deles. À medida que prossegue a caçadaaos planetas, numerosos mundos podem ser descobertos. Um estudo recente dos pesquisadoresSean Raymond, da Universidade do Colorado, em Boulder, e Avi Mandell e SteinnSigurdsson, da Penn State University, indica que mais de um terço dos sistemas com planetas

gigantes abrigam mundos parecidos com a Terra,* possivelmente com ar respirável e água

potável. Mas será que teriam bolo recheado de creme coberto com confeitos de chocolate,servido com canecas geladas de refresco feito com extrato de raízes e com um colarinho deespuma por cima? Infelizmente, há algumas perguntas para as quais a ciência ainda não temrespostas.

Na década de 2010, a Nasa lançará o programa PlanetQuest [Busca de Planeta], parte doSpace Interferometry Mission [Missão de Interferometria Espacial], com o objetivo deprocurar, nas estrelas mais próximas, planetas semelhantes à Terra em termos de massa, comdistâncias orbitais que possibilitem temperaturas moderadas. O programa irá rastrear estrelasconhecidas como Sirius e Alfa Centauro, esperando encontrar sinais de mundos com a mesmacircunferência da Terra e a mesma variedade de climas. Poderia a Cão Maior ironicamenteestar girando por aí, com um planeta cheio de gente (ou o equivalente) em sua coleiragravitacional? Ou poderia haver um mundo cheio de água e suprimentos que ofereça atrativospara viajantes “homéricos” em futuras odisséias espaciais?

Uma vez que a Via Látea seja explorada, talvez as naves enfrentem as distâncias aindamais formidáveis entre as galáxias. A civilização humana, se não for desafiada por outrosseres nem destruída pela própria tolice, pode se disseminar por todo o cosmos e testar oslimites do espaço (se existir algum). Nossa tecnologia pode se desenvolver até nos tornarmosuma sociedade intergaláctica vasta e poderosa, capaz de resolver os dilemas mais profundosjá conhecidos. Só então poderemos responder àquela que é definitivamente a perguntamáxima: “O universo tem forma de rosquinha?”.

Essa pergunta faz parte de uma idéia atribuída a Homer e mencionada pelo astroconvidado Stephen Hawking no episódio “Eles Salvaram a Inteligência de Lisa”. No episódio,

Lisa entra para a Mensa** de Springfield, de que também fazem parte o professor Frink, odiretor Skinner, o Cara dos Quadrinhos e a empresária Lindsay Neagle. Quando o prefeitoQuimby se afasta temporariamente por causa de um escândalo, os membros da Mensaassumem o cargo – a constituição municipal exige que um conselho de cidadãos de grandesaber desempenhe as funções do prefeito em sua ausência. Eles decidem tornar Springfielduma sociedade perfeita. A perspectiva de vivenciar uma florescente utopia atrai a atenção deStephen Hawking, que (em sua primeira aparição no seriado) decide visitar a cidade e veraquilo por si mesmo.

Como produtor-executivo da série, AI Jean explicou a decisão de convidar Hawking:“Estávamos buscando alguém muito mais inteligente que todos os membros da Mensa e então

pensamos nele. Ele pareceu muito interessado em vir imediatamente”.***

Hawking chega bem a tempo de ver os habitantes da cidade se revoltando contra as novasregras sugeridas por Frink e o Cara dos Quadrinhos, como a proibição de vários esportes e arestrição do acasalamento para uma vez a cada sete anos, como fazem os vulcanos emJornada nas Estrelas. Hawking escapa da confusão e resgata Lisa usando um dispositivo devoo acoplado a sua cadeira de rodas. Por sugestão de Marge, ele e Homer vão para a tavernado Moe relaxar e conversar. Mais tarde, Hawking é visto dizendo a Homer: “Sua teoria de umuniverso em forma de rosquinha é intrigante... Talvez eu tenha de roubá-la”.

Em matemática, a forma da rosquinha é conhecida como toro, a generalizaçãotridimensional de um anel. Um anel localiza-se em um único plano, então, topologicamentefalando, existe uma trajetória fechada em torno dele que lhe é externa (um aro em torno doanel). Como um toro tem uma dimensão a mais, é possível deslocar-se por trajetórias fechadasem torno dele em duas direções perpendiculares. Se imaginarmos uma rosquinha sobre umprato, uma delas é um anel maior em torno da periferia, paralelo ao prato, e o outro é um anelmenor junto à parte interna e distante do prato. A generalização de um toro – qualquer curvafechada que gira em círculo em torno de um eixo – é chamada toróide. Curiosamente, existemteorias científicas sérias segundo as quais o universo é toroidal.

A cosmologia moderna, a ciência do universo, é matematicamente modelada por soluçõesda teoria da relatividade geral de Einstein. Lembremos que a relatividade geral explica agravidade por meio de um mecanismo em que a matéria curva o tecido do espaço e tempo. Elaé expressa em termos de uma equação que relaciona a geometria de uma região à suadistribuição de massa e energia. Por exemplo, uma estrela enorme deforma muito mais oespaço–tempo e, portanto, curva muito mais as trajetórias dos objetos em sua vizinhança que ofaz um pequeno satélite.

Logo após a publicação da teoria da relatividade geral, alguns teóricos, entre eles opróprio Einstein, buscaram soluções que pudessem descrever o universo em geral, não apenasas estrelas e outros objetos nele contidos. Os pesquisadores descobriram uma infinidade degeometrias e comportamentos diversos, cada um deles uma maneira distinta de caracterizar ocosmos. Alguns desses modelos imaginavam o espaço como semelhante a um plano sem fim,algo como as paisagens planas do Kansas e Nebraska, só que uniformes em três direções, nãoapenas duas. Duas trajetórias paralelas em um tal cenário espacial continuariam simplesmentena mesma direção, indefinidamente, como trilhos de ferrovias em uma pradaria. Os físicos

chamam isso de cosmologia plana. Outras soluções apresentam espaços que se curvam naforma de uma sela, tecnicamente conhecidos como geometrias hiperbólicas, com curvaturanegativa. Essa curvatura não poderia ser vista diretamente, a menos que, de alguma maneira,saiamos do próprio espaço tridimensional, mas pode ser inferida pelo comportamento delinhas paralelas e triângulos. Em uma geometria plana (chamada euclidiana), se traçarmos umalinha reta e um ponto fora dela, poderemos construir apenas uma única linha que passe poraquele ponto e que seja paralela à primeira linha. Por contraste, em uma geometriahiperbólica, existe um número infinito de linhas paralelas espalhando-se a partir daqueleponto, como os trilhos de uma grande estação central de trem. Além do mais, embora ostriângulos no espaço plano tenham ângulos cuja soma é 180 graus, no espaço hiperbólico asoma dos ângulos é menor que 180 graus.

Entretanto, uma outra possibilidade, chamada de curvatura positiva, assemelha-se àsuperfície esférica de uma laranja. Como o formato de sela, sua forma só pode ser vistaindiretamente, por meio de leis alteradas da geometria. Em geral, geometrias curvas sãochamadas não-euclidianas, porque não seguem todos os postulados do matemático gregoEuclides. No caso de espaços com curvaturas positivas, não existem linhas paralelas, e ostriângulos apresentam ângulos com soma maior que 180 graus.

Para entender essas diferenças, fatie uma laranja ao meio, no sentido da largura, e corte ametade superior em quatro. Pegue uma das fatias e observe a casca. Você verá que ela élimitada por duas bordas que começam aparentemente retilíneas e paralelas (onde foi feito ocorte no sentido da largura), mas terminam se encontrando no topo. São como quaisquer duaslinhas de longitude da Terra, parecendo paralelas perto do Equador, mas convergindo no poloNorte. Essa demonstração prova que não há duas linhas em uma superfície de curvaturapositiva que sejam verdadeiramente paralelas.

E o que dizer das linhas de latitude, ou equivalentes, produzidas ao se cortar uma cebolarepetidamente em segmentos no sentido da largura? Elas parecem sempre paralelas, nunca seencontrando. Porém é estranho que, na superfície da Terra, elas não sejam linhas verdadeiras,porque não compreendem a menor distância entre dois pontos, tecnicamente conhecida comogeodésica. Se quiser constatar por você mesmo, pegue um voo sem escalas de Vancouver aParis, ambas as cidades aproximadamente na mesma latitude. O avião provavelmente vai sedesviar para o norte, depois para o sul, em vez de manter a latitude inicial, porque minimizardistâncias requer seguir uma trajetória em “fatia de laranja” – uma trajetória geodésica emlugar de uma “em fatia de cebola”. São essas geodésicas que sempre se encontram em algum

ponto, conforme se vê em mapas de rotas de voos.

Como a geometria, na relatividade geral, influencia a dinâmica, a forma do cosmos afetaenormemente seu destino. A maioria dos astrônomos acredita que o universo,independentemente de sua forma, começou como um ponto ultradenso de tamanhoextremamente compacto, talvez infinitesimal, chamado big bang, e se expandiu até seu atual eenorme tamanho. A maneira exata como se expandiu, e até onde irá essa expansão, éparcialmente determinada pela geometria que o universo tem. Se a geometria espacial fosse oúnico determinante, ao saber se o universo possui curvatura negativa, positiva ou zero, épossível prever se ele irá se expandir para sempre (no caso da curvatura negativa ou zero) ouse algum dia irá reverter sua expansão e tornar a se contrair até virar um ponto (no caso deuma curvatura positiva).

A geometria, no entanto, não é a única influência na dinâmica do universo. Outro fator éum termo de antigravidade, a constante cosmológica, sugerida pela primeira vez por Einstein.Esse termo tornou-se foco de atenção em anos recentes com a descoberta de Adam Riess, SaulPerlmutter, Brian Schmidt e seus colegas de que o universo não está apenas se expandindo,mas também acelerando sua atual expansão. A aceleração cósmica não pode ser explicadapela geometria – é preciso um auxílio extra, representado pela constante cosmológica econhecido como energia escura. Modelos que apresentam constante cosmológica podem tercurvaturas zero, negativas ou positivas, com a geometria específica afetando como e quando ainfluência da energia escura domina a dinâmica.

Você pode se perguntar por que, nesta discussão, mencionamos formas planas, formashiperbólicas e formas de laranja, mas não formas de rosquinha. Acontece que tem havidotradicionalmente muito mais interesse em cosmologias de hiperplanos (generalizações desuperfícies planas infinitas), hiperbolóides (generalizações de formas de sela) e hiperesferas(generalizações de formas de laranja) que em cosmologias toroidais, em forma de rosquinha.Por que as formas de laranja, por exemplo, são mais favorecidas na literatura que as formasde rosquinha? Olhando para os ingredientes da rosquinha, alguns talvez pensem que esse é umexemplo gritante do movimento contra a gordura trans, combinado a um viés que favorece oácido ascórbico (vitamina C) encontrado nas laranjas. Com certeza, seria imprudentediscriminar modelos de universo simplesmente por causa de sua ligeira semelhança comcertas frituras muito gordurosas.

Na verdade, a preferência por hiperplanos, hiperbolóides e hiperesferas tem mais a vercom sua simplicidade matemática que com qualquer outra coisa. Eles representam as

superfícies tridimensionais isotrópicas mais básicas (que parecem iguais em todas asdireções), possuindo as topologias mais simples. A topologia é diferente da geometria porquese concentra em como as superfícies se conectam ou não em suas formas e tamanhosespecíficos. Por exemplo, topologicamente falando, bolas sólidas de futebol, beisebol,basquete e até mesmo livros sobre esportes são todos equivalentes, porque não possuemburacos que os atravessem, e teoricamente é possível transformar um em outro (supondo quefossem suficientemente elásticos) sem cortar. Rosquinhas, xícaras de café com asas, pneus eestruturas ocas podem ter buracos únicos e, portanto, compartilhar topologias comuns distintasdas topologias dos objetos contínuos. Mesmo que sejam esticados, os buracos continuam ali.

Uma figura geométrica plana bidimensional – digamos, um quadrado – pode sertransformada em um cilindro, identificando-se o lado mais à esquerda e o lado mais à direita ecolando-se os dois lados. Se um objeto se desloca para a esquerda o suficiente, ele acaba dolado direito. Algo que se mova continuamente para a esquerda ou direita passará pelo mesmolocal repetida e periodicamente, como os loops de animação comuns aos desenhos animadosdos anos 1960 e 1970. Usados para economizar tempo e esforço, os loops de animaçãoocorrem quando a personagem passa pelas mesmas cenas de fundo repetidas vezes. Porexemplo, quando Fred e Barney de Os Flintstones desciam uma rua de carro, eles pareciamestar sempre passando pelos mesmos conjuntos de pedras e árvores. Se pudéssemos explorarum universo cilíndrico, sobrevivendo de alguma forma por dezenas de bilhões de anosenquanto viajamos no que parecia ser uma trajetória retilínea, teríamos a mesma experiênciarepetitiva. Embora imaginemos que estamos nos movimentando diretamente à frente,acabaremos circunavegando o espaço e passaremos de novo pelas mesmas galáxias, em umdéjà vu topológico.

O espaço pode ser ainda mais interconectado que isso. Se considerarmos um cilindrovertical e juntarmos suas bases inferior e superior, teremos então um toro. Agora existem doiscaminhos perpendiculares que podemos trilhar no espaço: esquerda-direita e subir-descer.Parece um pouco com Pac-Man, o videogame de sucesso dos anos 1980 e suas variantes.Quando as criaturinhas coloridas saem do labirinto por qualquer dos portais nos seus limites,elas reaparecem milagrosamente do outro lado. Mostre-lhes a porta dos fundos e elas voltamalegremente pela da frente, querendo mais moedas.

Um arranjo ainda mais intricado liga os extremos de todas as três dimensões espaciaisem uma espécie de “super-rosquinha”. Imaginemos o espaço como um cubo colossal; essasligações equivaleriam às faces direita e esquerda, superior e inferior, e anterior e posterior.

Um layout assim, generalização de um toro com superfície tridimensional, em vez debidimensional, seria difícil de visualizar. Paradoxalmente, ele funde uma geometria reta e“plana” (no sentido de que linhas retas paralelas continuam retas e paralelas) com umatopologia extraordinariamente complexa.

Imaginemos viver em uma casa em que a escada que sobe para o sótão leva ao porão, ajanela da frente dá vista para a mesma cena que a cozinha nos fundos e os vizinhos do ladosomos nós mesmos. Se os canos em sua sala de estar começassem a vazar, a água escorreriapara todos os andares inferiores, voltaria através dos pisos superiores e arruinaria os móveisde sua sala de estar. Como não haveria nada vindo do mundo exterior, tudo em nossaresidência precisaria ser reciclado. Nunca mais poderíamos sair, ficaríamos sempre passandopelas mesmas portas e cômodos. Assim seria a vida em uma habitação toroidal, nãorecomendada para os claustrofóbicos. (Robert Heinlein descreve maravilhosamente umasituação semelhante em seu conto And he built a crooked house [E ele construiu uma casatorta].)

O universo inteiro poderia ter uma topologia assim? Os dados atuais mais confiáveissobre a forma e configuração do espaço derivam de missões para medir a radiação cósmicade fundo em micro-ondas (CMB, sigla em inglês para cosmic microwave background), umaradiação já resfriada, uma relíquia do big bang. O universo começou sua vida muito pequeno,muito quente e muito misturado. Partículas de matéria e energia estavam ligadas umas àsoutras em um sopão borbulhante. Então, aproximadamente 380 mil anos depois da explosãoinicial, a sopa resfriou o suficiente para que átomos completos (a maioria de hidrogênio)coagulassem, deixando sobras de fótons (partículas de luz) como uma espécie de caldo. Noponto de separação, conhecido como recombinação, a matéria estava um pouco maisconcentrada em alguns lugares que em outros, tornando o caldo de energia ligeiramentedesigual em termos de temperatura. Essas diferenças minúsculas de temperatura persistiram aolongo de eras, enquanto a expansão do universo resfriava significativamente o caldo deenergia. De milhares de graus Kelvin (acima do zero absoluto) ele foi reduzido a meros 2,73graus Kelvin. Agora é um fundo frígido de ondas de radiação distribuídas por todo o universo.

A CMB foi descoberta em meados dos anos 1960 pelos pesquisadores Arno Penzias eRobert Wilson, do Bell Labs. Quando concluíam um levantamento de ondas de rádio, suaantena em forma de chifre captou um estranho sibilar. Relataram o resultado ao físico RobertDicke, de Princeton, e ele calculou sua temperatura, descobrindo que ela coincidia com asprevisões da teoria do big bang. Essa descoberta confirmou a existência de um início

ultraquente do universo. Contudo, não era precisa o bastante para revelar mais detalhes dadistribuição inicial de matéria e energia.

Uma análise bem mais minuciosa da CMB aconteceu no início dos anos 1990, graças aotrabalho de John Mather e George Smoot, que lhes valeu o Prêmio Nobel. Usando o satéliteCosmic Background Explorer [Explorador de Radiação Cósmica de Fundo] (Cobe), da Nasa,Mather e sua equipe mapearam a distribuição precisa de frequência da radiação cósmica defundo em micro-ondas e estabeleceram, sem sombra de dúvida, que ela combinavaperfeitamente com o que seria esperado de um universo abrasado que se resfriou ao longo debilhões de anos. Smoot e seu grupo descobriram um mosaico de flutuações minúsculas detemperatura (chamadas anisotropias) por todo o espaço, apontando para as primeirasdiferenças sutis nas densidades das diversas regiões do cosmos. Essas flutuações mostraramcomo, no universo nascente, existiam “sementes” ligeiramente mais densas que atraíam cadavez mais massa e que acabaram por crescer e se transformar nas estruturas hierárquicas(estrelas, galáxias, agrupamento de galáxias etc.) que hoje observamos.

A missão de mapear as ondulações na CMB com precisão cada vez maior teveprosseguimento durante as últimas duas décadas. De forma única, elas proporcionam umariqueza de informações sobre o estado do cosmos muitos bilhões de anos atrás. É como umarara tábua cuneiforme que, com traduções aperfeiçoadas, propicia percepções cada vez maisricas da história antiga toda vez que é lida.

Em 2001, foi lançada a sonda espacial Wilkinson Microwave Anisotropy Probe [SondaWilkinson de Anisotropia de Microondas] (WMAP), que possibilitou um mapeamentoextraordinariamente detalhado da CMB. Com esses dados, os astrônomos construíram umretrato ultradefinido da distribuição de matéria e energia no nascimento do cosmos. Essainformação tem propiciado a resolução crítica de enigmas cosmológicos há muitoinvestigados. Por exemplo, nas décadas que antecederam a sonda WMAP havia divergênciasconsideráveis quanto à idade do universo desde o big bang. A WMAP determinou esse valorcomo aproximadamente 13,7 bilhões de anos – uma fantástica realização na história damedição científica.

E a forma do espaço? A WMAP diz muito sobre isso também. Astrônomos têm deduzidoa geometria específica do universo examinando como os trechos mais brilhantes da CMB sãoexpandidos ou comprimidos em ângulo em comparação com o que se esperaria de um espaçopuramente plano. Enquanto a curvatura positiva expande essas manchas a 1,5 grau e acurvatura negativa os comprime a 0,5 grau, a curvatura zero (plano) deixa-os a 1 grau

transversalmente. O terceiro caso parece ser verdade, então, segundo essa prova dos nove, oespaço parece de fato ser plano.

Em 1993, Daniel Stevens, Donald Scott e Joseph Silk, pesquisadores da Universidade deBerkeley, propuseram uma maneira de analisar os dados da CMB para avaliar também atopologia do espaço. Em seu estudo Microwave Background Anisotropy in a ToroidalUniverse [Anisotropia de Radiação de Fundo em Micro-ondas em um Universo Toroidal],eles demonstraram como um universo de topologia toróide com múltiplas ligações forçaria aradiação a assumir certos padrões de onda detectáveis. Como tais padrões pareciam estarausentes dos dados da Cobe, os pesquisadores não encontraram sustentação para um cosmostoroidal.

Um trabalho posterior de Neil Cornish, da Case Western, David Spergel, de Princeton, eGlenn Starkman, da Universidade de Maryland, ampliou essa técnica para abranger uma faixamaior de topologias possíveis. Tal método tem sido aplicado aos resultados da sonda WMAP,analisando a possibilidade de que o cosmos tenha uma topologia complexa, não um toróide,mas sim um dodecaedro (um pouquinho parecido com uma bola de futebol, mas com todos oslados de mesmo tamanho e forma). Embora os dados preliminares (analisados em 2003)pareçam descartar esse modelo, análises mais recentes das descobertas da WMAPressuscitaram a ideia de que, se nos aventurarmos longe o bastante no espaço, retornaremos aoponto de partida. Assim, a teoria da rosquinha de Homer pode estar polvilhada com pelomenos um pouquinho de verdade: o universo poderia, de fato, ter ciclos.

E se o universo for verdadeiramente cíclico, em torno do que ele realizaria esses ciclos?A superfície bidimensional de uma esfera se curva ao longo de uma terceira dimensão. Assim,as frutas têm caroços, bem como cascas. Então, o que estaria no miolo de um cosmostridimensional em forma de anel? Poderia haver uma outra dimensão espacial além dos limitesda observação?

* Raymond, Sean N.; Mandell Avi M.; e Sigurdsson, Steinn. “Exotic earths: forming habitable worlds with giant planetmigration”, Science 313, n. 5.792, 8 set. 2006, p. 1413–1416.

** Mensa é uma associação, fundada em 1946 na Inglaterra, que reúne pessoas de alto quociente intelectual (QI). Estáespalhada por vários países e tem mais de 100 mil membros. “Mensa” significa “mesa” em latim (N. do E.).

*** Al Jean, entrevista a Joshua Roebke em “Meet the geeks”, Seed, abr.–maio 2006.

26A terceira

dimensão de Homer

Os esquemas mais mirabolantes de Homer frequentemente resultam em fracasso – nãopassam de planos. Muito embora ele se esforce para se aprimorar, muitos o acusam de falta deprofundidade. Quando ele foge de um perigo, quase sempre parece que ele é apenas a sombrade um homem. Suas brincadeiras amalucadas são uma caricatura. É possível dizer, de formaabsolutamente correta, que a despeito de sua cintura proeminente, ele é completamente chato.

Coloquemos essa personagem em perspectiva. Seus traços não são realmente uma falhasua; ele apenas foi desenhado dessa forma. Não é o que ele faz; é o espaço bidimensional noqual ele faz. Na época em que Os Simpsons foram criados, ainda não era viável que uma sériesemanal apresentasse suas personagens de uma forma tridimensional. Mesmo hoje, nem osdesenhos mais sofisticados da televisão seguem nessa direção.

Quando a série começou, no final dos anos 1980, a animação em 3D por computadorestava praticamente na infância e era cara. Àquela altura, poucos filmes tinham usado efeitosespeciais gerados por computação gráfica – o mais famoso deles um filme de fantasia de1982, chamado Tron – Uma Odisséia Eletrônica, que custou 20 milhões de dólares e foi umfracasso de bilheteria. Um épico sobre um programador que é aspirado pelo computador e ficaimerso em uma confusão de imagens geométricas, Tron deu início à ideia de explorar reinosvirtuais em um longa-metragem. Contudo, apenas cerca de 15 minutos eram sequênciaspuramente geradas por computação gráfica; o restante do filme apresentou efeitos especiaismais tradicionais.

O fracasso de Tron em seduzir os críticos e atrair público suficiente para pagar seuscustos afastou por um bom tempo os grandes estúdios de longas-metragens que utilizavamcomputação gráfica. Gradualmente, técnicas de animação computadorizadas em 3D baixaramde custo e melhoraram de qualidade, o bastante para Hollywood voltar a investir nelas. Daí aabundância e a popularidade desses longas-metragens atualmente.

Toda vez que a tecnologia avança, os roteiristas de Os Simpsons se esforçam paraacompanhar o progresso, criando uma paródia completa. Neste caso, a paródia que elescriaram – o episódio “Homer³”, de “A Árvore dos Horrores VI”, que satirizou Tron, e oepisódio “A Menininha Sumiu”, de Além da Imaginação – foi absolutamente brilhante. Aotransportar Homer de seu mundo bidimensional, animado de forma tradicional, para o reinotridimensional da computação gráfica, a paródia nos lembrou que nosso próprio mundo podeter dimensões além de nossa percepção.

A historiadora da arte, Linda Dalrymple Henderson, descreveu o significado destatransformação:

A transição de Homer de duas para três dimensões, enquanto ele passa por umaparede, fornece uma dramática demonstração do poder da perspectiva linear e darepresentação chiaroscuro com luz e sombra, os dois desenvolvimentos artísticoscentrais do Renascimento italiano. Ao mesmo tempo, ela abre a porta paradiscussões sobre nosso relacionamento com um espaço superior, de quatro

dimensões, tornando clara a liberação do potencial de dimensões aumentadas.*

Ir além dos limites do espaço comum, e em direção a uma dimensão mais alta, é umaantiga fantasia que data dos grandes avanços da matemática do século XIX. Os matemáticosingleses Arthur Cayley, James Sylvester e William Clifford e os matemáticos alemães CarlGauss e Bernhard Rieman, entre outros, desenvolveram métodos que estendem estruturastridimensionais para entidades com dimensões mais altas. Geometrias com mais de trêsdimensões espaciais passaram a ser conhecidas como hiperespaço.

Para ajudar os leitores a apreender o conceito de uma dimensão superior, que é real, masfora da percepção, Edwin Abbot publicou, em 1884, Planolândia, um Romance de muitasDimensões, romance sobre um mundo bidimensional ocupado por uma sociedade de formasgeométricas. Um quadrado, o herói da história, vive e se movimenta em um plano, semperceber o universo se estende além desse plano. Um dia, uma esfera o visita com o objetivode instruí-lo a respeito da terceira dimensão. O quadrado não consegue perceber suaexistência, até que a esfera o põe rapidamente para fora de seu plano e ele toma consciênciadela. Perplexo com as visões do interior e do exterior das pessoas, lugares e coisas em sua

comunidade, ele volta e tenta convencer seus semelhantes, mas todos o consideram louco. Alição é que nossa inabilidade em perceber uma dimensão não prova sua inexistência.

Com a tênue fronteira entre o real e o irreal que caracteriza Além da Imaginação, “AMenininha Sumiu”, episódio exibido pela primeira vez em 1962, apresenta uma incursão aindamais aterradora em uma dimensão superior. Um pai fica alarmado ao descobrir que sua filhapequena desapareceu do quarto. Sua voz parece estar vindo de debaixo da cama, mas ela nãoestá lá. O cachorro da família corre atrás dela e, da mesma forma, desaparece. Consultandoum físico, o pai fica sabendo que sua filha e o cachorro de alguma forma atravessaram o portalda quarta dimensão. Com as pernas firmemente seguradas pelo físico, ele mergulha pelo portale encontra uma confusão bizarra de visões e sons. Milagrosamente, naquele lugar feérico eleconsegue localizar a filha e o cachorro e os agarra. Rapidamente o físico puxa todos peloportal, no último instante, antes de ele se fechar para sempre.

“Homer³” envolve um portal análogo, que liga o mundo achatado, com perspectiva pobree menos precisa dos desenhos tradicionais ao mundo mais preciso e de melhor perspectiva dacomputação gráfica, na linha de Tron. Homer encontra esse portal atrás de uma estante delivros em sua casa e pula nele diante do horror de ter de enfrentar suas cunhadas. O buraco fazHomer lembrar, como de “alguma coisa daquela série fantástica”. Assim que ele entra peloportal, adquire uma medida extra de profundidade, que o artista ilustra com o auxílio desombra, perspectiva e outros recursos tridimensionais. Cercando Homer estão formasgeométricas sólidas e variadas equações de matemática e física. Homer fica absolutamenteperplexo – deliciado e petrificado ao mesmo tempo – com o estranho panorama e todas asalterações visuais. Enquanto isso, sua família ouve sua voz sem corpo vindo de várias partesda casa, sem dar indicação de onde ele realmente está.

O episódio mostra as diferenças matemáticas entre Springfield e as imagens geradas pelacomputação gráfica. Quando o professor Frink tenta explicar que Homer caiu na “terceiradimensão”, ninguém tem a menor idéia da direção a qual ele está se referindo. Frink provocasuspiros de perplexidade quando demonstra que um cubo desdobra o quadrado de quatrolados em um objeto de seis faces. É como se estivessem vivendo na Planolândia e alheios aoconceito de espaço.

Na realidade, quase todos os desenhos, tanto tradicionais quanto gerados por computaçãográfica, tentam simular três dimensões, de alguma forma, em uma tela plana. (“Tradicional” éum nome um pouco inadequado, porque mesmo a “animação tradicional” hoje em dia faz usode computação durante certos estágios, e isso significa que a diferença entre ela e a animação

gerada por computação se estreitou.) Se Springfield não fosse supostamente tridimensional emalguns aspectos, a sequência de abertura da série – nuvens se dividindo no céu, Bartescrevendo em um quadro-negro vertical visto através de uma janela vertical a algumadistância, Homer atirando uma vareta de combustível pela janela do carro e a famíliaconvergindo para a entrada da casa de várias direções diferentes – não faria nenhum sentido.Eles certamente não poderiam voar em aviões e espaçonaves, bem acima da superfície daTerra, como mostrado em alguns episódios. Ao contrário, eles ficariam navegando em umlabirinto plano como o Pac-man. Talvez Homer piscasse de vez em quando, ficasse azul edevorasse uma ou duas rosquinhas, do contrário uma versão da série feita para parecercompletamente bidimensional seria bastante desinteressante. Felizmente, a série mantém ailusão de três dimensões por meio do layout, dos ângulos de câmera (cenas como se fossemvistas de diferentes pontos de vista), sombras, sombreamento e perspectiva. Então o pulo deHomer através do portal não aumenta realmente sua dimensionalidade, mas sim a maneira queela é apresentada.

Depois de passar algum tempo no mundo geométrico à moda de Tron e acidentalmenteproduzir um buraco negro, Homer começa a entrar em pânico. Amarrando uma corda nacintura, Bart corre e atravessa o portal para salvar o pai. Apenas a boca voraz do buraconegro separa os dois. Mas, ai ai, quando Homer tenta saltar por sobre o abismo, a distância émuito grande e ele mergulha rumo a seu infortúnio. Mas, que surpresa, o infortúnio de Homer éuma rua de uma cidade deste mundo, no “mundo real” (com o emprego de cenas de uma ruaverdadeira). É uma rua bem comum, exceto por sua padaria erótica, aonde o Homer “real”(um ator) acaba indo, colocando um fim a esse agradável episódio.

Objetos poderiam realmente viajar através de portais escondidos rumo a uma dimensãosuperior? O que uma vez pareceu uma pura abstração matemática, ou mesmo misticismo, agoraassumiu o caráter de uma legítima indagação científica. Teorias das cordas e das membranas,desenvolvidas como visões unificadas da natureza por físicos como John Schwarz, da Caltech,Michaelk Green, do Queen Mary College, e Ed Witten, de Princeton (bem como outros muitonumerosos para mencionar), imaginam minúsculas vibrações de energia de várias frequênciascomo os tijolos de todas as coisas. Para englobar as quatro interações naturais fundamentaisconhecidas – gravidade, eletromagnetismo e as forças fraca e forte –, e por outras razõestécnicas, essas minúsculas cordas devem oscilar em um mundo de 10 ou 11 dimensões. Trêsdessas dimensões representam os modos tradicionais do movimento no espaço, e a quarta é otempo. Essas são as quatro dimensões físicas que a comunidade científica, mesmo os teóricos

que não são da área das cordas, geralmente aceita. Teóricos das cordas sugerem seisdimensões adicionais que estão enroladas tão apertadamente que nunca podem ser observadasde modo direto. É como se, ao se observar uma bola de pelo do Bola de Neve, de um ponto devista de um quilômetro e meio de altura no Nepal, simplesmente não se pudesse discernir ospelos embolados. Portanto, essas minúsculas dimensões compactadas não contradiriam a claraevidência de que o espaço só tem três dimensões em que se mover.

Além das dez dimensões que a teoria das cordas requer para ser fisicamente realista eenglobar as forças naturais, versões recentes da teoria deram lugar a pelo menos uma“dimensão extragrande” – isto é, suficientemente grande para ser medida em laboratório. Essadimensão extra é uma combinação de vários tipos de teoria das cordas (bem como demembranas) em uma visão unificada chamada teoria-M. A teoria-M inclui tanto dimensõesextensas quanto recurvadas. E por que ela é chamada assim? De acordo com Witten, “M”representa mágica, mistério ou matriz. É a mágica teoria do mistério!

Em 1998, Nima Arkani-Hamed, Savas Dimopoulos e Gia Dvali, físicos teóricos deStanford, sugeriram que essa dimensão não recurvada de aproximadamente um milímetro detamanho poderia resolver um duradouro mistério da física: por que a gravidade é tão fraca emcomparação a outras forças naturais? A ideia de que a gravidade é muito mais fraca que outrasforças, como o eletromagnetismo, pode parecer estranha até que se perceba que toda a forçagravitacional da Terra não pode impedir que uma tachinha seja erguida no ar por um pequenoímã caseiro.

A teoria dos pesquisadores de Stanford imagina que o universo observável estálocalizado em uma membrana flutuando no espaço – para abreviar, “brana”. Há uma segundabrana paralela à primeira, separada da outra por uma abertura de um milímetro, chamada de

bulk,** que se estende junto de uma dimensão superior. Matéria familiar – feita com o que échamado de cordas abertas – prende-se à primeira brana e não pode atravessar o bulk.Partículas transmitindo a força eletromagnética e todas as outras interações, exceto agravidade, são também aprisionadas. Já os grávitons, os transportadores da forçagravitacional, são compostos de cordas fechadas e, desse modo, são capazes de viajar atravésdo bulk. Como a gravidade vaza para a dimensão superior, sua força é grandemente diluída emcomparação a outras forças que não vazam. Isso explica a discrepância em força entre agravidade e as outras interações naturais.

Um certo número de experiências para testar a existência de dimensões extragrandes foi

realizado, e muitas outras estão sendo planejadas. Experiências conduzidas por EricAdelberger, da Universidade de Washington, utilizaram um dispositivo delicado, chamadoequilíbrio de torsão, para verificar se a lei da gravidade se desviava de sua forma-padrãonewtoniana (a atração gravitacional entre dois objetos é inversamente proporcional àdistância de sua separação ao quadrado). Adelberger não encontrou essa distorção até lâminasmuito menores que um milímetro, o que parece eliminar pelo menos a versão mais simples dateoria de uma dimensão extragrande.

Outras experiências, ambas feitas no acelerador de partículas do Fermilab, em Illinois, eno Large Hadron Collider (LHC), a ser aberto em breve na Suíça, estão previstas para buscar“pequenos grávitons perdidos”: partículas de gravidade que fogem por trilhas de dimensõessuperiores. Esses projetos envolvem colidir partículas elementares, e, ao examinar o produtoda colisão, verificar se a ausência de algum componente do decaimento poderia estarenvolvida na produção de um grande gráviton. Como se uma abrupta diminuição dos sinais deobstrução na traquéia de Bart sinalizasse o desaparecimento repentino de Homer, a falta dealguma característica nos perfis de partícula desintegrada talvez seja o sinal dodesaparecimento de um gráviton.

Se vivemos em uma brana flutuando no vácuo, e se outras branas existem, e presumindoque elas são de alguma maneira semelhantes as nossas, seria possível haver civilizaçõesnesses universos paralelos. Então talvez pudéssemos enviar sinais gravitacionais modulados etentar comunicação com esses mundos extrabrana. Da mesma forma que usamos as ondas derádio em várias amplitudes e frequências para enviar mensagens pelo espaço comum,poderíamos criar ondas gravitacionais com várias características para transmitir informaçãopor meio do bulk. Possivelmente, poderíamos até mesmo descobrir maneiras de nosconvertermos em pulsos gravitacionais modulados e irradiarmo-nos para uma realidadeparalela. Tenho certeza de que pelo menos alguns leitores estão exclamando, a esta altura: “Ô,cara, como se nós não tivéssemos tentado ainda”, e outros estão solicitando suas licenças parase tornarem corretores da realidade paralela. Contudo, eu não investiria ainda em propriedadetransdimensional; a existência de branas é puramente hipotética.

É chegada a hora de colocarmos um fim nesta discussão extremamente especulativa.Voltemos ao nosso mundo de três dimensões espaciais, onde há maravilhas científicassuficientes para muitas vidas de exploração. Na verdade, há muitos mistérios envolvendo amente, o corpo e as coisas vivas em geral para estimular qualquer um a explorar questõescuriosas. Por exemplo, as engrenagens das máquinas e os segredos da robótica. Se isso não

for suficiente, tente os segredos da astronomia. Física, robótica, vida e universo – aí há muitagrama para mastigar, mesmo para os apetites intelectuais mais insaciáveis. Hummm, grama.Acrescente um desenho animado cujas tramas inteligentes ilustram os tópicos deste livro,mostrando a interação entre uma família estranha, mas adorável, e seus inesquecíveispatrícios, e aí você tem a ciência por trás de Os Simpsons.

* Linda Dalrymple Henderseon, Universidade do Texas, Austin, comunicado pessoal, 31 dez. 2006.

** O vocábulo bulk , muitas vezes, é usado como termo técnico para designar um espaço multidimensional onde estáinserida uma brana que contém um universo de quatro dimensões. Também é conhecido como “espaço de imersão”. (N.do R. T.).

InconclusãoA jornada continua

Usando os episódios de Os Simpsons como gancho, fizemos uma maravilhosa viagem desdeos fundamentos da vida humana individual até os componentes de nosso cosmos incrivelmentevasto. Explorando temas de biologia, física, robótica, tempo e astronomia, ajudamos aresponder à retórica pergunta de Moe: “O que a ciência já fez por nós?”. É verdade queperguntas retóricas geralmente não são feitas para serem respondidas, mas que diabo, nósacabamos respondendo – e por conta da casa. Agora Moe está nos devendo um pretzel grátis.

Nossas reflexões nos deram base para um otimismo cauteloso acerca do futuro. Mesmoque o gene humano seja defeituoso, talvez nossos descendentes tenham sorte de não herdaressa predisposição genética, como Lisa. E se esses defeitos não puderem ser evitados, talveza ciência chegue ao ponto em que nossa descendência possa ser substituída por andróidesiguaizinhos. Se estes não funcionarem direito, e destruírem a Terra, talvez os humanosremanescentes possam escapar, viajar a outros planetas e estabelecer colônias. Supondo queesses postos avançados sejam invadidos por alienígenas babões com tentáculos, poderíamoselegê-los líderes e esperar que seus ânimos se evaporem sob o peso da burocracia. Então, sehouver tecnologia para isso, daríamos uma escapadela para outras galáxias. Se os alienígenasdispararem um raio acelerador, apressando o tempo, e o universo inteiro estiver condenado,com alguma sorte descobriremos um portal para uma nova realidade. Mas e se essa novarealidade não tiver rosquinhas e Kwik-E-Marts abertos 24 horas? Ah, aí está o problema. Foipor isso que eu aconselhei um otimismo cauteloso.

No momento em que escrevo estas palavras, em 2007, uma nova era (para a série, pelomenos) está para começar com o lançamento de Os Simpsons, o filme. Em um mundodominado por animação em computação gráfica, o filme foi feito gloriosamente em 2D, comoum dos trailers observa. Dado que o trailer mostrou coelhos, flores, uma rocha, um café euma bola de demolição oscilando como um pêndulo, os amantes da ciência estão cheios deesperança – até os ornitólogos, para quem a esperança é alguma coisa com penas. Será que ofilme vai manter o mesmo nível de sofisticação da série na hora de abordar temas científicos?

E o que dizer dos episódios dos próximos anos, e talvez até sequências do filme? Aperspectiva de que a série Os Simpsons continue a abordar temas da ciência é deliciosa, eeste final é inconclusivo. Esperamos que a jornada tenha apenas começado.

Agradecimentos

Como um velho fã de Matt Groening, gostaria de agradecer-lhe por sua brilhante contribuiçãoao humor, desde a tirinha de jornal Life in Hell [Vida no Inferno] até Futurama e OsSimpsons. É incrível como seu trabalho, complementado pelo talento de grandes roteiristas,artistas e atores, continua tão vibrante e engraçado depois de mais de duas décadas (a sériecomeçou como um segmento de The Tracey Ulman Show). As caracterizações vocais de DanCastellaneta, Julie Kavner, Nancy Cartwright, Yeardley Smith, Hank Azaria, Harry Shearer eoutros da série são verdadeiramente estupendas, ao darem vida a tantas diferentespersonalidades.

Obrigado ao meu maravilhoso agente Giles Anderson e à excelente equipe editorial daWiley, incluindo Eric Nelson, Constance Santisteban e Lisa Burstiner, por sua ajuda e visãopara este projeto. O corpo docente e a administração da University of Sciences da Filadélfia,incluindo Philip Gerbino, Barbara Byrne, Reynold Verret e Elisa Eschenazi, foram grandesapoiadores de minha pesquisa e deste livro. Sou profundamente grato a Daniel Marenda eAlison Mostrom por terem lido os capítulos sobre biologia e feito sugestões úteis. Obrigadotambém a Joe Wolfe, da University of New South Wales, por suas inteligentes contribuições, ea Linda Dalrymple Henderson, por suas pertinentes observações.

Em minha casa temos nosso próprio fã clube de Os Simpsons. Entre os membrosprincipais estão meus filhos, Aden e Eli, que foram cuidadosos em buscar a ciência na série.Toda vez que alguém comenta que um episódio começou, há uma grande correria para a frenteda televisão. É mais ou menos como a cena do sofá na abertura de cada episódio.

Agradeço o apoio de outros membros da família e de amigos, incluindo meus pais, Stan eBunny, e meus cunhados, Joe e Arlene. Acima de tudo, gostaria de agradecer a minha mulher,Felicia, por suas observações valiosas, amor e apoio.

Os Simpsons, o filme:um prático checklist

científico

Os Simpsons, o filme oferece uma oportunidade ideal para praticar o que aprendemos sobreciência com a série. Para aqueles que planejam pegar seus astrolábios portáteis, encher osbolsos com doces proibidos dos Kwik-E-Marts locais, comprar um ambicionado ingresso emeter-se sub-repticiamente em um episódio (ou para aqueles que o estão vendo em DVD, naTV a cabo, em um implante de unha ou outro formato estranho do futuro), preparei este práticochecklist científico para seu prazer. Note que, quando escrevia o livro, o filme ainda não tinhasido lançado, e, portanto, estas questões são necessariamente bem gerais. Abaixo estão asperguntas científicas que você deve se fazer enquanto vê o filme:

1. Houve um vazamento radiativo, uma fusão do núcleo ou outro tipo de catástrofeambiental? Se houve, explicar o que a provocou e o que poderia ter sido feito para evitá-la.

2. Algum animal de Springfield apresenta anomalias? Elas poderiam ser indícios demutações? Se podem, especular sobre as causas dessas mutações.

3. Ao tentar salvar sua família de uma completa catástrofe, Homer demonstra agenialidade de um Einstein, a persistência de um Edison, a visão de um Darwin ou osilencioso e subestimado heroísmo de uma barra de carbono?

4. Carl utilizou apropriadamente seu grau de mestre em física nuclear? E a formação emciência da computação de Apu? Lisa recebeu o há muito merecido crédito pelo seuconhecimento científico, como o precoce título de Ph.D.? Existem outros cientistascapacitados no filme, e eles estão desenvolvendo todo seu potencial?

5. O professor Frink apresentou novas invenções fantásticas? Se apresentou, explicar abase científica de cada uma.

6. O nível de maldade mostrado por Burns, Snake, Sideshow Bob, Tony Gordo, ouqualquer outro personagem sinistro reflete sua natureza ou sua criação?

7. Existem robôs ou alienígenas no filme? Eles são completamente conscientes e alertas(como Homer, por exemplo) ou autômatos irracionais?

8. O tempo no filme é como uma corrente sempre fluindo, levando gentilmente os

personagens de uma cena para outra, ou é mais como uma poça estagnada cheia de algas erepugnantes sapos vermelhos pulando para todo lado? O filme sugere que o passado estácondenado a repetir-se? Dica: veja o filme algumas vezes antes de chegar a uma conclusão.

9. A pessoa sentada a sua frente na sala de cinema está usando um enorme e irritantechapéu com um enfeite estranho? Se está, explicar o processo de fabricação do chapéu e apsicologia do gosto relacionado às roupas. Se não está, a pessoa a sua frente talvez tenhaevitado usar um tal chapéu pelo desejo de se mostrar apropriado? Nesse caso, comente asociologia do conformismo.

10. No final do filme, depois que os créditos foram exibidos, as personagens estão em umestado de animação suspensa? Compare essa condição ao congelamento criogênico, à morte ea comparecer a seminários sobre administração de imóveis.

Episódios cientificamente relevantes discutidos neste livro(listados por Capítulo)

1. “Lisa, uma Simpson”, 9a temporada, escrito por Ned Goldreyer, dirigido por SusieDietter.

2. “Homer, o Fazendeiro”, 11a temporada, escrito por Ian Maxtone-Graham, dirigido porBob Anderson.

3. “O Peixe de Três Olhos”, 2a temporada, escrito por Sam Simon e John Swartzwelder,dirigido por Wesley Archer.

4. “Arquivo S”, 8a temporada, escrito por Reid Harrison, dirigido por Steven DeanMoore.

5. “In the Belly of the Boss”, em “A árvore da casa dos horrores XV”, 16a temporada,escrito por Bill Odenkirk, dirigido por David Silverman.

6. “The genesis tub”, em “A árvore da casa dos horrores VII”, 8a temporada, escrito porKen Keeler, Dan Greaney, e David X. Cohen, dirigido por Mike B. Anderson.

7. “Lisa, a cética”, 9a temporada, escrito por David X. Cohen, dirigido por Neil Affleck.

8. “O Mágico de Springfield”, 10a temporada, escrito por John Swartzwelder, dirigidopor Mark Kirkland.

9. “A associação de pais e Mestres de banda”, 6a temporada, escrito por JenniferCrittenden, dirigido por Swinton O. Scott III.

10. “BI: bartificial intelligence”, em “A árvore da casa dos horrores XVI”, 17a

temporada, escrito por Marc Wilmore, dirigido por David Silverman.

11. “Eu, autômato”, 15a temporada, escrito por Dan Greaney e Allen Grazier, dirigido porLauren MacMullen.

12. “O mundo de Comichão e Coçadinha”, 6a temporada, escrito por John Swartzwelder,dirigido por Wesley Archer.

13. “Fly versus Fly”, em “A árvore da casa dos horrores VIII”, 9a temporada, escrito porMike Scully, David X. Cohen e Ned Goldreyer, dirigido por Mark Kirkland.

14. “Stop the world, I want to goof off”, em “A Árvore da Casa dos Horrores XIV”, 15a

temporada, escrito por John Swartzwelder, dirigido por Steven Dean Moore.

15. “Time and punishment”, em “A árvore da casa dos horrores V”, 6a temporada, escritopor David X. Cohen, Greg Daniels, Bob Kushell e Dan McGrath, dirigido por Jim Reardon.

16. “Futuro-drama”, 16a temporada, escrito por Matt Selman, dirigido por Mike B.Anderson.

17. “Eu quero ver o céu”, 14a temporada, escrito por Dan Greaney e Allen Grazier,dirigido por Steven Dean Moore.

18. “Não tema o carpinteiro”, 16a temporada, escrito por Kevin Curran, dirigido porMark Kirkland.

19. “Bart versus Austrália”, 6ª temporada, escrito por Bill Oakley e Josh Weinstein,dirigido por Wesley Archer.

20. “Esta é a 15a temporada”, 15a temporada, escrito por Michael Price, dirigido porSteven Dean Moore.

21. “O cometa Bart”, 6a temporada, escrito por John Swartzwelder, dirigido por BobAnderson.

22. “Homer, o astronauta”, 5a temporada, escrito por David Mirkin, dirigido por CarlosBaeza.

23. “Life’s a glitch, then you die”, em “A árvore da casa dos horrores X”, 11a temporada,escrito por Donick Cary, Tim Long e Ron Hauge, dirigido por Pete Michels.

24. “Famintos como os aliens”, em “A árvore da casa dos horrores”, 2a temporada,escrito por Jay Kogen, Wallace Wolodarsky, John Swartzwelder e Sam Simon, dirigido porWesley Archer, Rich Moore e David Silverman.

25. “Eles salvaram a inteligência de Lisa”, 10a temporada, escrito por Matt Selman,dirigido por Pete Michels.

26. “Homer3”, em “A árvore da casa dos horrores VI”, 7a temporada, escrito por DavidX. Cohen, John Swartzwelder e Steve Tompkins, dirigido por Bob Anderson.