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Óscar, o camaleão

Oscar camaleão

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Óscar, o camaleão

Aconteceu uma coisa ao Óscar tão triste, tão trágica de partir o coração, mas ao mesmo

tempo tão profunda, que mudou a sua vida para sempre. Há muito tempo atrás, não

interessa quanto porque ele é muito sensível no que diz respeito à sua idade, Óscar o

camaleão, foi muito infeliz. Tudo aconteceu quando era muito jovem, mais

precisamente quando tinha 8 anos ou teria nove? Vou tentar contar a sua história da

forma mais clara que puder, devido à sua importância e também porque o Óscar é um

querido amigo meu e ficaria muito incomodado se não a contasse como realmente

aconteceu. Começarei pelo princípio e aqui vai ela.

Óscar, o camaleão

O Óscar era um jovem camaleão traquina e às vezes as suas traquinices metiam-

no em sarilhos. Não é que fosse mau camaleão, de facto não era, mas os

camaleões, em geral, são “gente” bastante brincalhona e traquina, está na sua

natureza e não conseguem evitá-lo. Certa tarde, o Óscar estava na escola com os

seus amigos a ouvir uma lição muito séria, sobre a constituição científica da pele

do feijão. Estavam todos muito aborrecidos, pois quem estava a dar a aula era

uma tartaruga.

As tartarugas são conhecidas por serem muito sérias e por demorarem muito tempo a alcançar o

seu objectivo e, contrariamente aos camaleões, não são nada brincalhonas. Além disso, hão-de

concordar comigo, falar de feijões não era um assunto que interessasse muito ao Óscar. Os feijões

são para comer, não para estudar, e o Óscar já estava a ficar com fome.

Para se animar um pouco, decidiu pregar uma partida à professora. Acontece que os camaleões

para além dos seus muitos e impressionantes atributos físicos, tais como serem capazes de

mudar de aparência têm línguas extremamente compridas e rápidas. Assim, quando a tartaruga

ergueu o feijão, bem alto, para que os alunos pudessem vê-lo melhor, o nosso Óscar lançou a sua

afiada língua laranja, como se fosse um chicote, tirou o feijão da mão da professora e engoliu-o

num abrir e fechar de olhos. A tartaruga, lenta por natureza, nem conseguiu ver quem lhe tinha

tirado o feijão da mão.

- Quem tirou o feijão da minha mão?

Todos continuavam sem dizer palavra.

“Vá confessem! Quem roubou o feijão

da minha mão?”

Um silêncio pesado caiu na sala de aula

e isso pôs a tartaruga ainda mais

zangada. Lentamente esticou o seu fino

e comprido pescoço para fora da

carapaça, girou a pesada cabeça verde

pela sala e parou juntinho às carteiras

de camaleão. Olhando-os bem fundo

nos olhos, ia perguntando “Foste tu”, e

assim sucessivamente. Um arrepio

assustador varreu a sala, enquanto a

tartaruga passava de estudante em

estudante, um a um.

Foste tu que roubaste o feijão? Ou foste tu?Os olhos do Óscar enchiam-se de terror àmedida que ela progredia na salaprocurando o culpado, oscilando o seucomprido pescoço verde como uma vara decamaleão em camaleão. O estômago doÓscar doía de medo, sempre que a tartarugaconfrontada cada aluno, cada vez mais pertodo lugar onde estava sentado. Finalmente,com uma forte sacudidela, ela virou o longopescoço para o Óscar, pôs a sua enrugadacara verde frente à dele, abriu os grandesolhos negros e gritou; “Foste tu?!”

Uma onda de terror percorreu o corpo deÓscar. O que é que ele podia fazer? Nãopodia mentir porque, embora fossetraquina, era um camaleão muito honesto,mas ao mesmo tempo sabia que o castigoda tartaruga ia ser duro e severo.

“Então, foste tu?” gritou a tartaruga.Confessas que foste tu ou vais viver o restoda tua vida como um pequeno camaleãocobarde e choramingas?

O Óscar não disse nada. Estava congeladode medo.

Bem… É isso que queres? Ser um camaleão cobarde e mentiroso?!, gritou a tartaruga na

cara dele. Vamos lá! Fizeste-o ou não?!

O medo dentro do Óscar começou a arder. Ele bem queria confessar mas não conseguia

falar porque estava muito assustado. Abria a boca para se exprimir, mas não saía nada. O

seu corpo encheu-se de calor e começou a suar. De repente, e sem saber porquê, ficou

de um vermelho brilhante.

Ah, ah! A tartaruga gritou com alegria – Foste tu!

Suaves lágrimas brancas caíram, salpicando o rosto do Óscar. Ele sentiu-se muito

envergonhado pelo que tinha feito, e tentou explicá-lo à tartaruga, mas não conseguiu.

Estava muito assustado e nada saía da sua boca.

Agora tens de ser castigado! Disse a tartaruga. Estás oficialmente expulso da escola.

Nunca mais poderás voltar a esta escola ou sequer visitar os teus colegas. Toma,

entrega este bilhete à tua mãe. A tartaruga escreveu um bilhete e ainda comentou –

É para dizer à tua mãe que és um mau estudante, muito mal educado e, acima de

tudo, um pequeno camaleão que não é capaz de admitir que errou.

O Óscar pegou no bilhete, baixou a cabeça e saiu tristemente da sala de aula,

sabendo que nunca mais iria voltar a ver os seus amigos e colegas.

Lá fora, sentou-se num tronco que estava no relvado atrás da escola e segurando o bilhete na

mão, lia e relia. Como é que posso entregar este bilhete à minha mãe? – pensou para consigo

próprio. Isto vai enervá-la tanto e, além disso, tenho a certeza que vai ficar triste. Ser expulso da

escola…Sou um falhado. Não quero que a minha mãe pense isso de mim. Não quero magoá-la.

Começou a chorar. - O que é que eu vou fazer? – disse por entre as lágrimas. – O que é que eu

vou fazer?

Arrancou uma grande folha de erva do chão, limpou as lágrimas da cara e assoou o nariz com força.

Ei! menos barulho aí em cima! Estou a tentar dormir!

Quem disse isso? – disse o Óscar olhando em redor.

Eu! Agora vê lá se te calas! Estou a ver se consigo dormir!

Onde estás? – perguntou o Óscar.

Onde estou? Quem sou eu? Mas de onde é que vêm essas perguntas todas? Estou aqui em baixo

em baixo a tentar dormir. Faz menos barulho, sim? Ou põe-te a andar.

O Óscar olhou para o chão. Reclinada descontraidamente, num pequeno monte de terra, viu uma

formiga vestindo um elegante fato branco, um panamá branco na cabeça e uns enormes óculos

de sol.

Muito bem, agora já me viste. A festa já acabou aí em cima? É que eu preciso de descansar”, disse

a formiga.

“Não queria acordar-te. È que eu tenho um grande problema e não consigo resolvê-lo”, disse o Óscar.“Problemas…Problemas…Todos temos problemas”, disse a formiga.“Pois, mas o meu é grande”, disse o Óscar. “Fiz asneira na escola e agora vou magoar a minha mãe. Não sou bom em nada e não sei que rumo dar à minha vida.”“Pára de ter pena de ti próprio. Relaxa, pá. Tens de ser fixe e ter uma atitude positiva, disse a formiga.“O que é uma atitude positiva?”, perguntou o Óscar.“É só uma maneira de dizer… relaxa. Não percebes nada? Qual é afinal o teu problema?” perguntou a formiga.“Tenho de fugir de casa”, disse o Óscar, limpando as lágrimas da cara.“Pá tu estás um desastre. Vê lá se atinas, sim?”, disse a formiga.“Estou a tentar”, disse o Óscar, e arrancou outra grande folha de erva do chão para limpar o nariz com muita força.“Ei! Ei! Calma lá com o barulho, pá! Pareces uma sirene de nevoeiro”.

Subitamente, vindo do nada, surgiu um grande gato preto avançando na direcção do Óscar e da formiga.“Agora é que estragaste tudo”, sussurrou a formiga, que não queria ser ouvida. “Aquele é o Negrito, o Gato. Se ele me vir, estou metido em sarilhos até ao pescoço.” Porquê?, sussurrou o Óscar.Devo-lhe dinheiro. Como é que achas que arranjei este fato elegante? Tenho uma certa aparência a manter, percebes? Sai caro ter tanto estilo – disse a formiga bem baixinho.Porquê que não lhe pagas? – perguntou o Óscar.Porquê? Porque estou falido, claro! – respondeu a formiga.Negrito, o Gato, já tinha entretanto chegado junto do Óscar e da formiga.Onde é que está o meu dinheiro, seu vagabundo? – rosnou o Negrito.Vagabundo? Calma, Negrito, não é preciso insultar - disse a formiga.O Negrito apanhou a formiga do chão e segurou-a na sua grande pata preta.Tens razão – disse o Negrito, erguendo-a mesmo em frente ao seu focinho. Acho que vou apenas comer-te e assim ficamos quites.

Mas o Óscar, que até agora tinha estado calado observando isto tudo, ficou muito zangado. O

gato estava a ser muito mau com a formiga e ele decidiu protegê-la, não sabia era como. Então,

de repente, o Óscar começou a mudar de cor muito depressa, vermelho brilhante, laranja,

amarelo, verde, azul, em rápida sucessão, como se fosse uma sirene de carro de polícia.

Negrito, o Gato, olhou para o Óscar e soltou um grito de medo. Ah ah! O pêlo ficou eriçado como

se tivesse apanhado um choque eléctrico. Estava tão assustado que deixou cair a formiga e

desatou a fugir, correndo o mais depressa que podia. A formiga flutuou no ar e aterrou

suavemente no chão.

O Óscar lançou um suspiro de alívio e voltou à sua cor normal, a verde.Como é que fizeste isso? – perguntou incrédula a formiga.Não sei – disse o Óscar.Meu amigo, tu tens muito talento. Devias fazer alguma coisa com isso – disse a formiga, endireitando os óculos escuros.De repente a cara da formiga iluminou-se, como se fosse uma lâmpada. Tive uma ideia – disse a formiga. Vamos visitar um querido amigo meu. Talvez ele possa resolver os teus dois problemas.O Óscar e a formiga começaram a caminhar, deixando para trás um campo de altas folhas de erva fresca e uma floresta cheia de grandes árvores.

Subiram ainda uma enorme colina castanha e cruzaram um campo de lindos girassóis que se

voltavam em direcção ao sol e até parecia que sorriam para eles. Quando finalmente chegaram

ao cimo da colina, avistaram o vale, lá em baixo, aconchegado entre as colinas castanhas como se

fosse um ovo num ninho. Encostado a um dos lados, estava um grande edifício de madeira que

mais parecia um celeiro.

É ali, disse a formiga.

O Óscar e a formiga abriram a porta do edifício de madeira, e maravilharam-se com o que viram.

Havia pessoas e animais de todas as espécies, correndo agitadamente por todo o lado. Havia um

coelho vestido de rei, com um grande casaco vermelho e uma coroa dourada e brilhante, cheia

de jóias, colocada no cimo da sua cabeça.

Havia gafanhotos de capas negras compridas e espadas à cintura, saltando de um lado para o

outro, num verdadeiro caos. Mais à frente, estavam umas raposas vermelhas que usavam meias-

calças púrpuras e uns gansos brancos, que grasnavam imenso e abanavam as caudas em grande

frenesim, usando uns chapéus pretos e penas de avestruz a enfeitar.

Ao fundo, a dormir numa linda cama de cristal, estava uma jovem princesa, com um longo

vestido branco e uma soberba tiara de diamantes que luzia na sua cabeça.

”Que sítio é este?”, perguntou o Óscar. “É um teatro”, disse a formiga. “É lindo”, disse o Óscar,

olhando em redor.

“Ali vem o meu amigo Fred, a Rã. Não digas uma única palavra. Deixa-me tratar de todo”, disse a

formiga para o Óscar, enquanto a Rã se aproximava.”Esta não é uma boa altura”, disse a Rã.

“Estou agitadíssimo. O nosso espectáculo estreia esta noite. Estamos a fazer A Bela Adormecida e

o actor principal, que interpreta o Príncipe, está doente. que é que hei-de fazer? Já vendemos os

bilhetes todos.”

“Os teus problemas acabaram”, disse a formiga.”Acontece que, aqui o meu amigo Óscar, é actor.”

“Sou?” , disse o Óscar.

Claro que és, disse a formiga.

Consegues fazer de príncipe?, perguntou a rã.

Claro que consegue – disse a formiga. Ele consegue fazer qualquer papel. Tem um talento natural.

Naquela noite, o Óscar subiu ao palco como o príncipe da Bela Adormecida. E com a uma incrível

capacidade de mudar de cor e de aparência, ofereceu uma prestação espectacular, interpretou o

papel tão bem, e com tanto à vontade e graça que a plateia se levantou no fim da peça,

aplaudindo de pé o seu belo e único talento.

Mas agora é que vem a parte mais impressionante da história!

É que a mãe do Óscar estava na plateia nessa

noite!

No final foi aos bastidores procurar o Óscar no seu

camarim e surpreendeu-o.

És tão talentoso, Óscar! Estou tão orgulhosa de

seres meu filho – disse ela encantada.

O Óscar não cabia em si de tanta felicidade. A sua

cor mudou para um tom prateado resplandecente

e a sua luz e alegria iluminaram todo o teatro .

E esta é a história do Óscar, o Camaleão. Ele

encontrou seu lugar na vida e transformou-se num

grande actor. É que, sabem, todos nós temos o

nosso lugar na vida e o truque é procurá-lo.

Bom agora tenho que ir embora. Também eu já

encontrei um lugar no mundo do espectáculo…

Autor: Joaquim de Almeida

Com a colaboração de: John Frey

Ilustrações: João Ramos