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1 Prêmio Victor Civita 2011 Educador Nota 10 Língua Portuguesa – 6° ao 9° ano Relatório analítico do processo de seleção de trabalhos Selecionador: Claudio Bazzoni 1) Quadro geral dos trabalhos encaminhados: Este relatório refere-se à leitura de 227 trabalhos de Língua Portuguesa, dirigidos a alunos do 6° ao 9° ano do ensino fundamental. Neste ano, identificamos algumas tendências já detectadas em versões anteriores do Prêmio. A maior parte dos trabalhos encaminhados à Fundação Victor Civita é desenvolvida por professoras (85% dos participantes são do sexo feminino) que têm curso de pós-graduação, que trabalham em escolas públicas situadas em zonas urbanas do país. Os dois gráficos abaixo mostram a área de procedência e a categoria da escola em que atuam as professoras e os professores que concorreram ao Prêmio 2011: Localização da escola

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Relatório do selecionador Cláudio Bazzoni sobre os trabalhos da área de Língua Portuguesa - Fundamental 2 enviados ao Prêmio Victor Civita Educador Nota 10 de 2011.

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Prêmio Victor Civita 2011

Educador Nota 10

Língua Portuguesa – 6° ao 9° ano

Relatório analítico do processo de seleção de trabalhos

Selecionador: Claudio Bazzoni

1) Quadro geral dos trabalhos encaminhados:

Este relatório refere-se à leitura de 227 trabalhos de Língua Portuguesa, dirigidos a

alunos do 6° ao 9° ano do ensino fundamental.

Neste ano, identificamos algumas tendências já detectadas em versões anteriores do

Prêmio. A maior parte dos trabalhos encaminhados à Fundação Victor Civita é

desenvolvida por professoras (85% dos participantes são do sexo feminino) que têm

curso de pós-graduação, que trabalham em escolas públicas situadas em zonas urbanas

do país.

Os dois gráficos abaixo mostram a área de procedência e a categoria da escola em que

atuam as professoras e os professores que concorreram ao Prêmio 2011:

Localização da escola

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Categoria da escola

Há pouca diferença desses números em relação aos do ano passado. O que podemos

observar é que neste ano (2011), em comparação com 2010, houve uma diminuição

sensível da participação das escolas privadas.

Quanto à formação dos professores participantes, os números também são praticamente

os mesmos do ano passado: 62% dos professores são pós-graduados; 35% têm o curso

superior completo. Os números relativos à formação acadêmica são estes:

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Como nos dois últimos anos, a região SE foi a que encaminhou mais trabalhos, com

destaque para os estados de São Paulo (56) e de Minas Gerais (19). A região Nordeste

aparece em segundo lugar, com destaque para os estados do Ceará (13) e da Bahia (12).

Depois a região Sul, com destaque para Rio Grande do Sul (19 trabalhos), seguida pela

região Norte, com destaque para o estado do Pará (sete trabalhos) e região Centro-oeste,

com destaque para Mato Grosso do Sul e Goiás (cinco). O gráfico abaixo mostra a

distribuição dos 227 trabalhos, por região:

Aqui podemos destacar o aumento do número dos trabalhos provenientes da região Norte (aumento de 3% em relação ao ano anterior).

2) Os trabalhos analisados

O gráfico a seguir vai mostrar que muitos dos trabalhos que concorreram ao Prêmio

2011 propunham uma abordagem integrada e conjunta das práticas de leitura e de

escrita. No ano passado, enfatizamos o quão positivo é integrar as práticas de linguagem

(práticas de escuta e de fala/ práticas de leitura e de escrita/ práticas de análise

linguística). Essa maneira de desenvolver conteúdos do curso de Língua Portuguesa

revela uma concepção de língua e de linguagem como prática, sempre situada em

contextos de uso. Aproximar práticas de leitura e de produção de texto é ótima maneira

de envolver os alunos nas diversas situações comunicativas. O gráfico vai mostrar

também que alguns professores buscaram estabelecer articulações entre leitura e

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oralidade, oralidade e produção, o que revela uma compreensão de que fala e escrita,

longe de serem dicotômicas, são fenômenos linguísticos que, quando articulados,

permitem que o aluno se envolva com a palavra e adquira a segurança necessária para

participar ativa e intensamente da construção de sentidos dos mais variados textos e

contextos. Muitos professores - acertadamente - já não pensam a escrita como mera

transcrição da fala, e trabalham a oralidade do aluno não para corrigir os erros, mas para

possibilitar acesso a usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exigem

controle mais consciente e voluntário da fala.

Trabalhando de forma integrada as modalidades de linguagem, trabalhando

conjuntamente leitura e escrita, transitando do oral ao escrito e do escrito ao oral, os

alunos podem perceber as semelhanças e diferenças entre fala e escrita, podendo

compreendê-las como um continuum entre formalidade e informalidade que perpassa

diferentes gêneros textuais orais e escritos.

Os números mostram inequivocamente que os professores de Língua Portuguesa visam,

sobretudo, ao aperfeiçoamento das práticas de leitura e de produção de textos, que é

uma maneira eficaz de formar leitores e escritores.

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Vale lembrar que, quando o foco de ensino é a leitura, a aprendizagem volta-se para a

busca e o reconhecimento de informação, para a construção do conhecimento a partir da

palavra lida, do pensamento formulado por outro, em diálogo com o leitor. Na prática

da produção escrita, o aluno lida com o conhecimento de forma diferente, torna-se

sujeito que não apenas colhe, interpreta, infere, mas que diz, que expressa opinião, que

comunica aos outros a visão de mundo1. Por isso o exercício de autoria – a busca do que

e como dizer - associado à prática da leitura consolida a autonomia de pensamento e

auxilia o aluno a apropriar-se dos conhecimentos. Em suma é bastante positivo que a

maioria dos trabalhos encaminhados promova a aprendizagem da língua considerando

conjuntamente as práticas de leitura e de escrita.

Outra característica dos trabalhos encaminhados que parece estar consolidada incide

sobre a justificativa apresentada. A esmagadora maioria delas apóia-se em fundamentos

das principais teorias que nas últimas décadas do século XX e nos primeiros anos do

século XXI passaram a influenciar as metodologias do ensino da língua materna. As

teorias de aprendizagem, de letramento e as de texto/ discurso que consideram aspectos

cognitivos, sociopolíticos, enunciativos e linguísticos dos textos fundamentam as

práticas dos professores.

É importante frisar que graças a essas teorias que descrevem/ explicam os usos da

língua, pudemos ampliar significativamente as estratégias e os conhecimentos

disponíveis sobre os processos linguísticos de construção e reconstrução de sentidos;

pudemos também considerar como questão central nos cursos de LP promover a

interação entre conhecimento e parceiros envolvidos, consolidando o papel ativo do

aprendiz nas aprendizagens. Partir do pressuposto de que no dia a dia participamos de

várias esferas de atividades, comunicando-nos nelas mediante os gêneros textuais que

circulam é ter possibilidade de participar adequada e plenamente das práticas de

linguagem.

Contudo não basta uma boa justificativa para que o trabalho seja bom... Os critérios

não-classificatórios adotados nos últimos anos continuam preponderantes, o que revela

a dificuldade de os professores colocarem em prática os princípios teóricos com que

justificam o trabalho. Muitos dos que foram encaminhados não detalharam as etapas

metodológicas (31%) e deixavam de apresentar conteúdos específicos de Língua

Portuguesa (22%), como mostra o gráfico a seguir: 1 Cf. FORTUNATO, Márcia. Tese Autoria e Aprendizagem da escrita. São Paulo, USP, 2009, p. 35

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Critérios não-classificatórios

Revelando os critérios não-classificatórios

O não detalhamento das etapas da sequência é o problema mais recorrente nos

trabalhos encaminhados, nos últimos anos. Detalhar o passo a passo - a descrição

metodológica - é determinante, para a consistência do relato. Não basta expor o projeto

a ser desenvolvido, definir objetivos e conteúdos a serem trabalhados e apenas listar as

atividades propostas, omitindo, no relato, os encaminhamentos, os procedimentos que

foram ensinados.

O relato do trabalho fica completo, quando aparece descrito a maneira como as

atividades foram orientadas, quando é possível ver as preocupações e o trabalho do

professor em sala de aula. Em outras palavras, quando aparece o que o professor propõe

e como fez para realizar a sequência e garantir as aprendizagens. Nos

panoramas/relatórios dos anos anteriores, procuramos mostrar como o professor poderia

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detalhar o passo a passo, ao propor um trabalho que envolvia pesquisa, ou abordagens

de gêneros como seminário, resumo, poemas. Confira!

Outro problema bastante recorrente em muitos trabalhos enviados neste ano (2011) e em

anos anteriores está relacionado a não explicitação dos conteúdos trabalhados. Em geral,

esses trabalhos (em 2011, 20% do total) descrevem propostas interdisciplinares

motivadas por temas geradores (bullying, água, cultura africana, dengue, meio

ambiente, sexualidade, história da cidade etc.) e propõem genericamente como

“conteúdos” a leitura de diversos gêneros e a produção de texto, sem indicar que

procedimentos ou conteúdos específicos de leitura ou de produção são efetivamente

trabalhados. Afirmar apenas que se trabalha “a leitura” e “a escrita” é muito amplo, por

isso vago. Leitura e escrita são atividades complexas, plurais que se desenvolvem em

várias direções. É preciso lembrar que cada gênero institui um ritual de leitura, que as

estratégias (que devem ser ensinadas!) mudam em função dos modos de leitura e dos

propósitos sociais, dos aspectos comunicativos e interacionais dos gêneros e da situação

comunicativa.

Em um trabalho interdisciplinar motivado por um tema gerador, o professor de LP não

pode perder de vista os conteúdos que pretende ensinar com a leitura dos textos: que

modo de leitura será praticado, que procedimentos os alunos vão aprender, que análise

da estrutura do gênero vai ser feita, que recursos da linguagem vão ser reconhecidos,

destacados e analisados etc. Da mesma forma, nas atividades de produção, o professor

não pode perder de vista o que precisa ser ensinado: a pesquisa (quando o aluno

necessitar realizar uma), o planejamento do texto, a consideração do leitor virtual, o

rascunho, a revisão.

Observando o gráfico da página 6, notamos que há também um número grande de

trabalhos considerados superficiais. Esses trabalhos apresentam estratégias

metodológicas que não favorecem o aprofundamento necessário para que os alunos

atinjam os objetivos propostos. Por exemplo, leitura/ oralização de poemas em que cada

aluno lê uma estrofe; estudos focados em ortografia, cuja única estratégia é a

memorização da grafia das palavras; leitura de gêneros variados sem que as abordagens

variem, já que não lemos da mesma maneira reportagens, poemas ou cartas.

Consideramos superficial o aluno estabelecer contato com gêneros diferentes de texto,

sem construir suas interpretações, considerando a finalidade, os parceiros legítimos da

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situação de comunicação, o lugar e o momento, o suporte e a organização textual

próprios de cada gênero.

A incompatibilidade entre os objetivos ou conteúdos apresentados e a descrição

metodológica é outro problema observado para a não classificação de um trabalho.

Nesse caso, os professores expõem o projeto a ser desenvolvido, fazem uma sondagem

inicial, para obter o quadro de dificuldades da classe (para definir os aspectos em que

deveriam intervir e o caminho que o aluno precisaria percorrer), mas as etapas

subseqüentes da sequência distanciam-se dos problemas identificados na primeira

produção. Em outras palavras, em nossa avaliação, o professor não dá aos alunos os

instrumentos necessários para que superem as dificuldades detectadas.

Outra fragilidade nos trabalhos que nos chegam é a ausência de indicadores de

avaliação. É muito vago escrever que a avaliação foi “processual e contínua”. Os

instrumentos de avaliação podem variar bastante, dependendo justamente dos objetivos

específicos. A avaliação, assim, teria de servir para observar as dificuldades dos

estudantes e a eficácia do método aplicado pelo professor, pois só quando os objetivos e

os conteúdos estão explicitados e o passo a passo descrito, é possível estabelecer bons

instrumentos e critérios de avaliação.

Neste ano, assim como em anos anteriores, um número significativo de trabalhos (em

2011, 19% do total) tinha como foco um evento, uma culminância, alguma atividade.

Em muitas das propostas encaminhadas a questão maior não era o ensino de estratégias

de abordagem, de compreensão, de interpretação, mas “a sacola com diário de leitura

coletiva”, “as tendas temáticas”, “o concurso de leitura”, “um festival”, “a feira de

livros”, “uma inauguração”, “uma viagem”, “um recital para os pais”, “uma festa para

comemorar o aniversário da escola”... Em geral, trabalhos voltados para algum evento

deixam de apresentar os conteúdos e os procedimentos, também não apresentam as

aprendizagens que querem garantir aos alunos nem aparecem os indicadores de

avaliação. A preocupação com espaços de leitura, a preocupação com a organização das

atividades de culminância - apresentações em que os alunos declamam poemas, leem

contos etc. - são legítimas e importantes, mas devem ser vistas como um dos objetivos e

não o único objetivo de um trabalho que pretende aprimorar as habilidades leitoras e

escritoras dos alunos.

Alguns trabalhos apresentam também um número excessivo de conteúdos. É bom

lembrar que o plano de curso é diferente de um recorte de conteúdos selecionados para

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ser focalizados em sequências didáticas ou projetos. O trabalho do professor torna-se

mais produtivo e as aprendizagens dos alunos mais facilmente monitoradas, quando

alguns conteúdos são delimitados, quando há foco no que é trabalhado.

Há também os trabalhos que são desclassificados. Neste ano (2011) 9% dos trabalhos

enviados foram desclassificados, por não terem sido finalizados (a maioria dos que

foram desclassificados), por serem destinados a alunos do ensino médio, por ultrapassar

(em muito) o número de páginas previsto no regulamento, por terem sido desenvolvidos

fora do período indicado no regulamento, por não serem feitos ou inscritos por um

professor em exercício.

Sugestões para a próxima edição do Prêmio

Continua valendo a sugestão feita no relatório anterior, qual seja, que os professores

considerem com mais cuidado a noção de sequência didática. No relatório de 2010,

indicamos a leitura do capítulo 4 – “Sequências didáticas para o oral e a escrita:

apresentação de um procedimento” (p. 95-128) -, do livro Gêneros orais e escritos na

escola (Campinas: Mercado de Letras, 2004), de SCHEUWLY, B., DOLZ, J. e

colaboradores. Nesse capítulo, encontramos uma definição de sequência didática e a

estrutura básica de uma sequência: apresentação da situação, a primeira produção,

os módulos (ou oficinas). Conforme os autores do capítulo, o movimento geral da

sequência didática vai da produção inicial aos módulos, cada um trabalhando um ou

outro aspecto necessário ao domínio de um gênero, e três questões podem ser colocadas

quanto ao encaminhamento de decomposição e de trabalho sobre problemas isolados: 1.

Que dificuldades da expressão oral ou escrita abordar? 2. Como construir um módulo

para trabalhar um problema particular? 3. Como capitalizar o que é adquirido nos

módulos?”(p.103)

No relatório de 2010, apresentamos como sugestão a utilização desse modelo de

sequência didática. Mostramos como poderia ser desenvolvida, caso o objetivo fosse

produzir um texto de um gênero determinado. Naquela ocasião, afirmamos que a

sequência modular poderia ser adaptada às modalidades de linguagem com que o

professor desejasse trabalhar.

O gráfico a seguir apresenta um quadro aproximado dos gêneros que foram escolhidos

pelos professores concorrentes ao Prêmio – 2011, para estudo e aprofundamento em

sequências didáticas.

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Podemos observar que a categoria “gêneros diversos” é a que traz o maior número de

trabalhos. Ou seja, se levarmos em conta a noção de sequência didática acima, que parte

de uma sondagem e prevê módulos para o enfrentamento das dificuldades presentes na

avaliação inicial, é praticamente impossível, num tempo determinado, restrito, o

professor trabalhar, na profundidade desejável, concomitantemente reportagens,

poemas, cartas, folders, relatos, editoriais...

Vale lembrar o que escrevemos no relatório de 2010. A identificação das características

do gênero é um conhecimento muito útil, para interpretarmos e atribuirmos sentidos aos

textos, mas pode dar uma visão incompleta e enganadora dos gêneros. Não se pode

transformar o trabalho com os gêneros em um conjunto de atividades meramente

classificatórias e metalinguísticas não convergentes para o uso, sem refletir sobre os

contextos das esferas em que circulam, sem explorar a sua situação comunicativa (autor/

leitor/ ouvinte, local de circulação/ publicação), conteúdo temático e construção

composicional e marcas linguísticas. Daí ser preciso muito cuidado ao organizar uma

sequência que proponha a leitura e a produção de “gêneros diversos”.

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Nossa sugestão é pautar a escolha dos gêneros, considerando a atividade discursiva que

caracteriza as diferentes esferas em que os textos circulam. É importante que se

selecione gêneros que possam aproximar as modalidades oral e escrita da linguagem e

que tenham contextos convergentes. Por exemplo, artigo de divulgação científica/

seminário; notícia, reportagem/ notícia televisiva e radiofônica; artigo de opinião/

comentário; carta de solicitação e de reclamação/ debate etc. Em outras palavras, é

necessário observar os possíveis entrelaçamentos entre os gêneros. A biografia, gênero

da esfera escolar, combina com entrevista, currículo, blogs e postagens no facebook,

gêneros que o biógrafo pode consultar para a produção da biografia. Na esfera literária,

alguns dos elementos do conto podem ser observados na piada, nas HQs, nos relatos de

fatos cotidianos, nos relatos históricos. E assim por diante...

Mais difícil seria trabalhar em uma sequência contos, verbetes de enciclopédia, artigos

de opinião, entrevistas, canção, pois os contextos de produção desses gêneros não são

convergentes, o que não impede, obviamente, de encontrar uma ou outra característica

comum nesses gêneros.

Assim, a decisão de abordar vários gêneros requer, como dissemos, muitos cuidados de

natureza didática: a organização do tempo, o planejamento do trabalho em sequência

didática, o entrelaçamento dos gêneros.

Os projetos indicados

Professora: Mara Rúbia Corrêa Maia Rego

Título do trabalho: Pescadores de Histórias: Escritores de Memórias

Cidade: Parintins

Estado: AM

Pescadores de Histórias: Escritores de Memórias é um trabalho voltado principalmente

para produção de texto. O intuito é produzir textos de diferentes gêneros a partir de

pesquisa das histórias contadas por pescadores de Parintins. Os alunos de 8° ano visitam

as famílias de pescadores e escrevem os relatos ouvidos, escolhendo o gênero mais

adequado: receita, memória, conto, causo, poema, biografia.

O trabalho é relevante, porque valoriza o universo cultural dos alunos, que escrevem

sobre algo que faz parte do universo deles. O texto produzido funciona, de certo modo,

como a materialização desse universo.

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Conforme o relato da professora Mara Rúbia, a turma do 8° ano que realizou o trabalho

era bastante heterogênea, composta por alunos indígenas e outros procedentes de

escolas da zona rural. A proposta favoreceu o envolvimento de todos nas atividades de

produção escrita.

O percurso começou com uma conversa sobre “projetos” e com o levantamento do

perfil dos alunos e dos seus familiares. Depois os alunos foram orientados a

“infiltrarem-se” nas famílias dos pescadores (em muitos casos na própria família) e

colherem os relatos, que foram gravados e posteriormente escritos. Os resultados dessa

“coleta” foram textos de gêneros variados que foram reunidos e publicados em uma

revista.

No desenvolvimento do trabalho, os alunos puderam refletir sobre as diferenças e as

semelhanças na organização de textos utilizados em diversos contextos de uso

linguístico; puderam analisar a estrutura dos textos narrativos; puderam observar as

diferenças entre linguagem oral e escrita, bem como analisar o uso das diferentes

variedades linguísticas. A expectativa da professora era a de que os alunos

conseguissem registrar os relatos ouvidos em textos escritos claros, coerentes e com

uma função social definida.

A sequência didática é muito boa, mas as atividades para a preparação da revista

poderiam ser mais cuidadas, principalmente o trabalho de transcrição dos relatos, para

que os estudantes percebessem que há maneiras diferentes de utilizar a linguagem,

dependendo do contexto social e da situação de uso. Faltaram aprofundamentos,

reflexões e atividades que favorecessem a apropriação dos gêneros que foram

produzidos. O processo de revisão dos textos é outro ponto que poderia ser melhorado.

Importante destacar que os gêneros coletados e escritos foram materializados na forma

de revista e posteriormente divulgados na comunidade. Conforme o relato da

professora, o impacto da revista entre os pescadores de Parintins foi brutal: a

comunidade de pescadores além de financiar 200 exemplares da revista, participou

também do seminário final.

Professora: Gleiciane Rosa Vinote Rocha

Título do trabalho: Entrevista: um encontro combinado com personalidades do nosso

bairro

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Cidade: Barra Mansa

Estado: RJ

Entrevista: um encontro combinado com personalidades do nosso bairro é um trabalho

voltado para o gênero entrevista. Além das “características do gênero” (título, texto

introdutório, perguntas instigantes), a professora trabalhou a modalidade oral da língua.

Os alunos aprenderam a editar entrevistas orais, eliminando marcas características da

linguagem oral e refletindo sobre níveis de formalidade e a interação num discurso.

O trabalho foi proposto para que os alunos conhecessem o gênero, observassem o nível

de formalidade em entrevistas, produzissem uma entrevista oral com uma personalidade

do bairro e transcrevessem-na para escrita, eliminando marcas da oralidade. A

professora Gleiciane procurou repertoriar os alunos, apresentando um modelo de

entrevista escrita e dois de entrevista falada. A professora usou também as entrevistas

transcritas do livro Gramática do Português Falado (os alunos transcrevem as

entrevistas e eliminam marcas de oralidade e inserem sinais de pontuação.).

Dessa forma os alunos adquiriram um maior domínio sobre a linguagem oral e

produziram boas entrevistas, refletiram sobre diferenças entre fala e escrita, aprenderam

que o sucesso de uma entrevista depende muito da qualidade das perguntas e do preparo

do entrevistador. Os alunos aprenderam a identificar marcas de oralidade e eliminar

repetições bastante comuns nos textos falados.

O passo a passo do trabalho é muito coerente/ compatível com os objetivos e conteúdos.

A professora Gleiciane, para aprofundar a comparação entre entrevista falada e escrita,

apresentou dois vídeos com entrevistas que mostravam diferentes graus de formalidade

no uso da fala. Depois o trabalho ficou voltado para a reflexão sobre a proposição de

perguntas que teriam de ser interessantes e que deveriam fugir do “sim”, “não”. O

próximo passo foi editar entrevistas transcritas do livro Gramática do português falado,

da Maria Helena de Moura Neves. Os alunos tinham de eliminar as marcas de oralidade

e escrever o texto introdutório a partir das perguntas e das respostas que liam. Só

depois, os alunos foram a campo gravar as entrevistas com as personalidades do bairro.

Comparando as gravações e o texto escrito, é possível observar que os alunos realmente

editaram os textos, observando as diferenças entre o texto falado e o escrito.

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Faltou trabalhar mais profundamente a edição dos textos. Além de cortar as marcas de

fala, outros conteúdos relacionados aos padrões de escrita poderiam ter sido

explicitados. Faltou também definir mais claramente o propósito social das entrevistas.

Professor: Glaucio Ramos Gomes

Título do trabalho: Turma da poesia

Cidade: Recife

Estado: PE

Turma da poesia é um trabalho que apresenta uma sequência de atividades focada no

gênero poema. O intuito é fazer com que alunos da 5ª e 6ª séries mergulhem no universo

da linguagem poética, lendo e escrevendo poemas, aprendendo a reconhecer os sentidos

figurativos das palavras e recursos da linguagem poética, como a comparação poética, a

metáfora.

A sequência proposta é bem construída e os conteúdos trabalhados são adequados. A

sondagem que o professor Glaucio faz no início do trabalho e a sondagem que faz ao

final mostram que os alunos familiarizaram-se com a linguagem poética.

O professor propôs várias situações didáticas, para ensinar aos alunos o que era

linguagem figurada, o que era comparação metafórica, metáfora. Os alunos aprenderam

a reconhecer nos poemas que liam e a usar nos poemas que escreviam alguns elementos

da linguagem poética. Também aprenderam a recitar os poemas de uma maneira mais

satisfatória: buscando o tom correto, com postura corporal. Dessa forma os alunos

passaram a valorizar mais os poemas e a linguagem poética.

A sequência é boa, mas há algumas atividades que, na tentativa de ser lúdicas, acabam

enfraquecendo o trabalho. Há, porém, idéias de atividades que são muito boas: banco de

palavras com possibilidades de elaborar metáforas e comparações; gravação da

recitação dos alunos, para autoavaliação. Além das recitações de poemas produzidos

para a escola e para alunos de outras classes, o professor criou um varal de poemas e

situações de recitação para socializar as produções.

O trabalho ficaria ainda mais interessante se o professor, primeiramente, explorasse a

relação intrínseca entre forma e conteúdo. Há uma preocupação com a técnica da

leitura, com questões técnicas da elaboração do texto em verso. Mas há poucas

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atividades que envolvam compreensão e, principalmente, que mostrem ao aluno as

possibilidades de construção de sentido nas relações entre forma do texto e conteúdo.

No trabalho de recitação, as preocupações do professor são válidas, mas há pouca

evidência do principal: se os alunos compreendem o que leem.

Professora: Sílvia Luciana Montoro

Título do trabalho: Mangás e Animes: artes intertextuais

Cidade: São Bernardo do Campo

Estado: SP

Mangás e Animes: artes intertextuais é um trabalho voltado para o estudo da

intertextualidade na leitura e na produção dos gêneros mangá e anime.

A professora Sílvia, que leciona a disciplina Leitura e Produção de textos, escolhe

trabalhar com gêneros que são familiares aos alunos. Considerar a história de leitura dos

alunos é um jeito interessante de envolvê-los nas atividades de interpretação e de

produção e um bom ponto de partida, para definir os objetivos de leitura e de produção

de textos. As produções dos alunos são boas e revelam que se apropriaram da noção de

intertextualidade e que se envolveram com as produções dos mangás.

Os alunos pesquisaram sobre personagens mitológicos e reconheceram a presença de

características deles nos quadrinhos e animações japonesas. Aprenderam também

figuras de linguagem, as que aparecem mais em mangás e em HQs.

A professora Sílvia iniciou sua sequência procurando resgatar o contexto histórico dos

mangás e criando condições para que os alunos manuseassem mangás. Depois ela

debateu com os alunos as diferenças entre intertextualidade e plágio. Os alunos

assistiram aos DVDs dos Cavaleiros do Zodíaco, leram e analisaram textos, para

observar a questão da intertextualidade; fizeram resenhas críticas e produziram mangás.

O problema é que boa parte das produções está colada aos textos da Wikipedia.

As pesquisas sobre a história dos mangás poderiam ser mais aprofundadas. Os alunos

pesquisam os personagens mitológicos também na Wikipédia. O trabalho, assim, não

fornece um bom modelo de pesquisa.

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Professor: André Magri Ribeiro de Melo

Título do trabalho: Literatura de Terror: uma visita à elegante essência do medo

Cidade: Ipanguaçu

Estado: RN

Literatura de Terror: uma visita à elegante essência do medo é um trabalho voltado

para a literatura de terror, para despertar nos alunos de 6°, 7°, 8°e 9° anos a paixão pela

literatura.

É um trabalho interessante, porque coloca o aluno diante de um diversificado quadro de

gêneros que trazem à tona a temática do terror. Alunos do 6° ano leem HQs de

suspense; alunos do 7° ano leem contos de terror; alunos do 8° ano escrevem resenhas

críticas a partir de trailer e obras cinematográficas; alunos do 9° ano estudam textos de

opinião e escrevem artigos de opinião com base em obra literária e filme. Assim o tema

geral “literatura de terror” pode ser aprofundado na análise de diferentes práticas de

representação, explorando aspectos temáticos em cada ano trabalhado. A conseqüência

dessa ação é a ampliação do repertório dos alunos.

Os alunos aprenderam a oralizar textos de diferentes gêneros, a identificar os gêneros

textuais trabalhados, a escrever textos coesos e coerentes, a fazer revisão ortográfica nos

textos produzidos.

O problema é que os conteúdos que foram trabalhados aparecem difusos no relato.

Aparece uma descrição do que foi feito, mas sem que os conteúdos e procedimentos

fossem explicitados.

Em todas as séries, é possível perceber a preocupação do professor em repertoriar os

alunos com a leitura dos gêneros escolhidos e estudo das biografias dos autores lidos.

Mas o relato é vago e genérico.

A paixão do professor pela literatura é contagiante. Esse fato, em um trabalho voltado

para a leitura do texto literário, é crucial. Sabemos que o aluno ama o amor do

professor.