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1_2 Página 1 Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais GEOPOLÍTICA A Geopolítica e as Relações Internacionais ‘A política de um Estado é sua geografia’ (Napoleão Bonaparte) AULA 1: DEFINIÇÃO DE GEOPOLÍTICA A geopolítica é a disciplina que busca entender as relações recíprocas entre o poder político nacional e o espaço geográfico. Ela procura responder a seguinte questão: até que ponto a ação dos estados nacionais é ou não determinada pela situação geográfica. A geopolítica tem duas finalidades: orientar a atuação dos governos no cenário mundial; 1. permitir uma análise mais precisa das relações internacionais. 2. OS FUNDADORES DA GEOPOLÍTICA O raciocínio geopolítico (o aproveitamento do espaço territorial e os limites que este impõe à ação do Poder) sempre influenciou os governantes desde a mais remota Antigüidade. Contudo, a normatização metodológica da geopolítica só ocorreu no século XIX. O “pai” da geopolítica foi um geógrafo alemão FRIEDRICH RATZEL (1844-1904), autor do livro "ANTROPOGEOGRAFIA - FUNDAMENTOS DA APLICAÇÃO DA GEOGRAFIA À HISTÓRIA", que formulou conceitos fundamentais para a abordagem geopolítica da realidade internacional. Em primeiro lugar, a função do Estado, é expandir e defender o espaço territorial nacional e, além disso, Ratzel conceituava que as fronteiras nacionais são móveis, pois são determinadas pela capacidade político-militar de ampliá-las e de as manter. Importante é ressaltar que Ratzel reflete o momento histórico da unificação da Alemanha pela Prússia, processo marcado pela expansão militar. A Alemanha Imperial (o IIº Reich) surgiria em 1871 após três guerras: a “dos Ducados”, contra a Dinamarca (1864), a “Guerra Austro-Prussiana” (1866) e a “Franco-Prussiana” (1870). O raciocínio de Ratzel expressa esta íntima ligação entre “unidade política(proposta de unificação nacional), necessidade de expansão territorial e poder militar. Nos Estados Unidos da América, o almirante ALFRED THAYER MAHAN, outro precursor da geopolítica, elaborou uma proposta global para seu país. Segundo sua visão, os EUA eram uma “grande ilha” cercada por dois enormes oceanos: o Atlântico e o Pacífico. Portanto, seria um país quase impossível de ser invadido, contanto que tivesse como aliados o Canadá e o México. Mas, também seria fundamental manter a América Central como “zona de influência”. Potência insular, os EUA não precisariam de um exército forte, mas de esquadras navais poderosas: uma no Pacífico e outra no Atlântico. Estas frotas, numa emergência, se ajudariam: daí a necessidade de uma passagem entre o Atlântico e o Pacífico próxima ao território norte-americano. Nascia, assim, o projeto do Canal do Panamá. Mahan, em seu livro Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais file:///C|/html_10emtudo/Geopolitica/geopolitica_html_total.htm (1 of 36) [05/10/2001 22:22:13]

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Matérias > Geopolítica > A Geopolítica e as Relações Internacionais

GEOPOLÍTICA

A Geopolítica e as Relações Internacionais

‘A política de um Estado é sua geografia’(Napoleão Bonaparte)

AULA 1: DEFINIÇÃO DE GEOPOLÍTICA

 A geopolítica é a disciplina que busca entender as relações recíprocas entre o poder político nacional e oespaço geográfico. Ela procura responder a seguinte questão: até que ponto a ação dos estados nacionais éou não determinada pela situação geográfica. A geopolítica tem duas finalidades:

orientar a atuação dos governos no cenário mundial;1.

permitir uma análise mais precisa das relações internacionais.2.

OS FUNDADORES DA GEOPOLÍTICA

O raciocínio geopolítico (o aproveitamento do espaço territorial e os limites que este impõe à ação doPoder) sempre influenciou os governantes desde a mais remota Antigüidade. Contudo, a normatizaçãometodológica da geopolítica só ocorreu no século XIX. O “pai” da geopolítica foi um geógrafo alemãoFRIEDRICH RATZEL (1844-1904), autor do livro "ANTROPOGEOGRAFIA - FUNDAMENTOSDA APLICAÇÃO DA GEOGRAFIA À HISTÓRIA", que formulou conceitos fundamentais para aabordagem geopolítica da realidade internacional. Em primeiro lugar, a função do Estado, é expandir edefender o espaço territorial nacional e, além disso, Ratzel conceituava que as fronteiras nacionais sãomóveis, pois são determinadas pela capacidade político-militar de ampliá-las e de as manter.Importante é ressaltar que Ratzel reflete o momento histórico da unificação da Alemanha pela Prússia,processo marcado pela expansão militar. A Alemanha Imperial (o IIº Reich) surgiria em 1871 após trêsguerras: a “dos Ducados”, contra a Dinamarca (1864), a “Guerra Austro-Prussiana” (1866) e a“Franco-Prussiana” (1870). O raciocínio de Ratzel expressa esta íntima ligação entre “unidade política”(proposta de unificação nacional), necessidade de expansão territorial e poder militar.

Nos Estados Unidos da América, o almirante ALFRED THAYER MAHAN, outro precursor dageopolítica, elaborou uma proposta global para seu país. Segundo sua visão, os EUA eram uma “grandeilha” cercada por dois enormes oceanos: o Atlântico e o Pacífico. Portanto, seria um país quase impossívelde ser invadido, contanto que tivesse como aliados o Canadá e o México. Mas, também seria fundamentalmanter a América Central como “zona de influência”. Potência insular, os EUA não precisariam de umexército forte, mas de esquadras navais poderosas: uma no Pacífico e outra no Atlântico. Estas frotas,numa emergência, se ajudariam: daí a necessidade de uma passagem entre o Atlântico e o Pacíficopróxima ao território norte-americano. Nascia, assim, o projeto do Canal do Panamá. Mahan, em seu livro

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“O PROBLEMA DA ÁSIA E SEU EFEITO SOBRE A POLÍTICA INTERNACIONAL”, defende aidéia de que as potências marítimas tendem a ser dominantes, pois são capazes de manter o controle deáreas ao redor do continente euroasiático, então o “núcleo sócio-econômico-político” do mundo. De fato, aEurásia pode ser definida como uma enorme massa territorial contínua cuja segurança depende,fundamentalmente, da ação de forças militares terrestres. Em síntese, as nações euroasiáticas teriam umamentalidade estratégica fundada nos exércitos; os países periféricos à Eurásia optariam pelo poder naval -atualmente, aeronaval. Na gíria geopolítica: as nações “baleias” versus os países “ursos”.

Em 1904, o britânico John Mackinder, difundiu a teoria de que a ”Heartland” (“CORE“ – “terra coração”,“região núcleo”) do mundo, em função da sua massa territorial, seria a Eurásia, notadamente a regiãocompreendida entre a Alemanha e a Rússia. No entender de Mackinder, a potência que controlasse essaárea seria hegemônica em relação às nações marítimas que, por seu turno, dominariam a “Ilha Mundial”(“World Island”), isto é, os espaços do planeta periféricos ao continente eurasiano. Historicamente, asnações que buscaram o domínio do “core” euroasiático foram, em tempos recentes, a Alemanha e aRússia; as que buscaram o poderio naval foram, de início, a Inglaterra, e, em seguida, os EUA. Mahan eMackinder concordavam quanto à existência do conflito entre a “baleia” e o “urso”, só que o americanoprivilegiava o poder naval e o britânico realçava o papel estratégico das forças terrestres.

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As concepções geopolíticas foram, finalmente, sistematizadas pelo sueco RUDOLF KJELLEN queinspiraria os teóricos do Instituto Geopolítico de Munique, cujo diretor foi o general KARLHAUSHOFER . A geopolítica alemã se baseava em três noções:

toda potência precisa controlar um espaço geográfico suficientemente grande para garantir suasegurança e possibilitar uma lucrativa exploração econômica;

1.

existe a “Ilha Mundial”, o que levou a Alemanha a criar um poder naval;2.

as áreas hegemônicas do Hemisfério Norte (EUA, Alemanha, Rússia e a então “zona deco-prosperidade asiática, controlada pelo Japão) deveriam subordinar o Hemisfério Sul.

3.

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Tal visão geopolítica fundamentou a expansão da Alemanha Nazista (1933-1945), cuja teoria do“LEBENSRAUM” (“espaço vital”) visava anexar áreas territoriais onde houvesse habitantes de “sanguealemão”, definidos como um povo “viril e vigoroso”. Nesse caso, a geopolítica foi uma arma conceptualnas mão de genocidas e violadores dos valores humanistas. Na década de 30, o geopolítico NICHOLASSPYKMAN defendeu a idéia de que o expansionismo alemão só seria barrado por meio de uma aliançaentre o poderio naval anglo-americano e a Rússia, potência militar terrestre. Para Spykman, o controle do“Heartland” euro-asiático era menos importante do que o domínio do RIMLAND (o “anel marítimo”).Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando do início da “Guerra Fria” (o conflito político eideológico, por vezes marcado por “guerras limitadas”, entre as nações ocidentais, lideradas pelos EUA eas subordinadas à URSS), os EUA retomaram a teoria de Spykman, buscando cercar o país dos “soviets”através de forças aeronavais.

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O USO CORRETO DA GEOPOLÍTICA

          O raciocínio geopolítico é útil quando:

foge a um estrito determinismo geográfico1.

os dados culturais, sociais, econômicos e as relações de forças políticas são levadas em conta.2.

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Matérias > Geopolítica > As primeiras teorias das Relações Internacionais

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As Primeiras Teorias das Relações Internacionais

Conflitos, trocas comerciais e pactos entre as diversas comunidades sempre existiram. Contudo, a noçãode relações internacionais é recente, já que o surgimento dos “Estados Nacionais” data do final da IdadeMédia. De fato, o “Estado – Nação” começa a se consolidar a partir dos séculos XVI e XVII, daí anecessidade de teorias políticas que justificassem e legitimassem a sua existência e orientassem suas açõesem relação a outros estados.

No século XVI, na Itália surgiria a “ESCOLA DE PENSAMENTO POLÍTICO VENEZIANO –FLORENTINA” que formulou o conceito de “razão de estado”. Essa noção implica que a Ética e o Direitosão determinados pelos interesses do poder político: é “justo” o que é útil para o Estado, é “certo” o que oEstado define como tal. Em suma: a necessidade determina a lei. Quando de sua formulação inicial, oprincipio da “razão de estado” significava a vontade do governante e/ou de sua dinastia. O “interesse doestado” era o desejo do “Príncipe”. Os conflitos internacionais foram, no século XVI e XVII,determinados pelos interesses monárquicos. Naquela época, nos canhões dos estados nacionais, entãoainda embrionários, estava escrita a frase: “a última razão dos reis”. Noutros termos, não satisfeitas asexigências do Príncipe, seriam ouvidas as vozes tonitroantes dos canhões. Pouco a pouco, os estadosmodernos – inicialmente expressões das monarquias nacionais -  passaram a ser definidos como “estadosnacionais”. Com efeito, a partir do século XVIII, a “razão de estado”, até então a vontade do governante,adquiriu o sentido da defesa das aspirações das “comunidades nacionais”. Surgia o conceito de nação.Isto ocorreu, de início, na França, quando do Absolutismo da dinastia Bourbon. Para os filósofos políticos,tornava–se premente definir o conceito de Nação, pois os Tempos Modernos ( período compreendido entreos séculos XVI e XVIII) firmaram o preceito de que Nação só existe  quando regida por um Estado.

NAÇÃO: UM CONCEITO COMPLEXO

Na Europa Oriental, “nação” sempre implicou “origem étnica”: é sérvio quem tem ”sangue sérvio”;poloneses são aqueles que possuem “origem racial polonesa” e assim por diante. Modernamente, aAntropologia ( ciência que estuda as estruturas culturais das comunidades humanas ) não mais aceita anoção de “raça”. No mundo ocidental, nação significa uma coletividade de mesmas raízes culturais, ritos esímbolos comuns e dotada de um projeto político – sócio – cultural uniforme. Em suma, uma nação sedefine culturalmente e não racialmente. Exemplo disso: os brasileiros formam uma nação, embora asorigens étnicas sejam múltiplas: italianos, portugueses, espanhóis, japoneses, africanos, etc. Atualmente, aFilosofia do Direito conceitua que uma nação é uma comunidade, étnica e socialmente diversificada,política e juridicamente organizada pelo Estado.

MAPA POLÍTICO EUROPEU DO SÉC. XVIII

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AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DOS TEMPOS MODERNOS

Entre os séculos XVI e XVIII, o mundo europeu foi marcado pelo conflito entre os “estados nacionais”emergentes (França, Inglaterra, etc.) e os “Impérios multinacionais” ( Sacro Império Romano –Germânico, depois Império Austro – Húngaro, Império Russo e Império Turco – Otomano ). No séculoXIX, esse confronto faria aflorar a “questão das nacionalidades”. Passaria a imperar o conceito de quecada comunidade nacional deveria ter seu Estado. No ano de 1848, denominado de a “Primavera dosPovos”, eclodiram revoluções nacionalistas na Polônia, na Hungria, na Alemanha e o Reino do Piemontetentou, infrutiferamente, unificar a Itália. Assim, no século XIX, a realidade política do “estadonacional” gerou a ideologia do “nacionalismo”.

          As relações internacionais européias, ao longo dos Tempos Modernos, oscilaram entretentativas de hegemonismo  e períodos marcados pelo “equilíbrio de poder”. No século XVI, ocenário político do Velho Continente foi marcado pelo predomínio da dinastia dos Habsburgos,família que reinava na Espanha e no Sacro Império Romano – Germânico, que compreendia ocentro e o leste europeus. Na ocasião, a França se via cercada pelo “anel de ferro Habsburgo”, quelimitava a projeção internacional da dinastia Bourbon. De fato, a França se confrontava comHabsburgos na Espanha, nos Países Baixos ( atualmente, Holanda, Luxemburgo e Bélgica ) e noSacro Império Romano – Germânico.

          No século XVII, quando da “Guerra dos Trinta  Anos” ( 1618 – 1648 ), a França, vitoriosa, quebrouo “anel de ferro Habsburgo”, tornando – se hegemônica na Europa. Este triunfo francês foi formalizadopela “Paz de Westphalia” ( 1648 ), que significou a primeira vitória de um estado nacional – a França –sobre um império multinacional – o Sacro Império. O Estado – Nação, pela primeira vez, se impunhasobre uma entidade imperial. No cenário mundial, começava a predominar a modernidade política.

          A hegemonia francesa ao longo do século XVIII seria contestada pelo interesse inglês de estabelecerna Europa o “equilíbrio de poder”. A Inglaterra desejava que, na Europa Continental, nenhuma naçãofosse dominante em relação às demais. Assim, o governo britânico promoveu a “política da gangorra”: seuma determinada nação se tornasse mais forte do que as outras, a Inglaterra se posicionaria ao lado dessasúltimas. Em termos geopolíticos, o “fiel da balança” europeu passou a ser a Inglaterra.

          No início do século XIX, Napoleão Bonaparte, afrontando a Inglaterra, a Áustria, a Prússia e aRússia, buscou novamente tornar a França hegemônica na Europa. Sua derrota, na batalha de Waterloo (1815 ), levou as nações do Velho Continente a buscar, uma outra fórmula para estabelecer o “equilíbrio depoder” na Europa.

 

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Matérias > Geopolítica > O eterno sonho da Diplomacia: o equilíbrio do poder

O Eterno Sonho da Diplomacia: O Equilíbrio do Poder

EUROPA DA PRIMEIRA METADE DO SÉC. XIX

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O panorama político europeu do século XIX foi totalmente modelado pelo conceito geopolítico do“equilíbrio de poder”. Prevaleceu, então, a REALPOLITIK , ou seja, o princípio de que as relaçõesinternacionais não devem ser norteadas pela ética ou ideologias, mas, sim, pela defesa dos interessesnacionais. Em suma, os estados não têm “amigos” e nem compartilham ideais, simplesmente fazem valerseus objetivos econômicos e políticos. No cenário internacional, o realismo amoral deve conduzir aação dos estados.

          Este novo projeto de “equilíbrio europeu” nasceu no CONGRESSO DE VIENA (1814 – 1815),quando as principais nações européias – França, Inglaterra, Prússia, Rússia e Áustria – buscaram:

restaurar o Absolutismo1.

estabelecer o equilíbrio de forças no Velho Continente.2.

Cada um daqueles países tinha propósitos específicos e outros comuns a todos. A França, representada porTalleyrand, temia que seu solo fosse ocupado pelas nações que haviam vencido Napoleão Bonaparte.Agora, vivendo a Restauração dos Bourbons  ( a volta ao poder da nobreza liderada por Luís XVIII ), aFrança desejava preservar a integridade de seu território e legitimar a retomada de um regime absolutista.A Rússia, cuja delegação enviada ao congresso era encabeçada pelo Tzar Alexandre I, postulava oregresso ao Antigo Regime ( a realidade política anterior à Revolução Francesa ). A Prússia, na pessoa dorei Frederico Guilherme III, além dos mesmos propósitos restauradores, já desejava unificar todos osestados alemães sobre a tutela de Berlim. A Inglaterra, representada por Castlereagh, ambicionavaprojetar seu poderio sobre as regiões periféricas ao Velho Continente e estabelecer, na EuropaContinental, um “equilíbrio de poder” entre as nações.

No entanto, a “estrela” do congresso de Viena foi o chanceler austríaco Metternich. De fato, a Áustriaconhecia um espinhoso problema: o mosaico étnico. O Império Austríaco era habitado por germânicos,húngaros e inúmeros povos eslavos. Por consegüinte, se cada uma dessas comunidades adotasse idéiasnacionalistas, aspirando ao seu próprio estado, todo império se esfacelaria. Assim, era necessário extirparos sonhos nacionais de cada uma das etnias dominadas pelo governo de Viena. Com esse propósito,Metternich propôs o “CONCERTO EUROPEU”, também conhecido como “SISTEMA METTERNICH”,

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pelo qual seria criada a “QUÍNTUPLA ALIANÇA” (Inglaterra, França, Prússia, Rússia e Áustria), queteria o papel de esmagar todos os levantes liberais e nacionalistas que ocorressem no continente europeu.Estas  nações passariam a desempenhar o papel de “bombeiros” da Europa, “apagando os incêndios”liberais e nacionalistas que eventualmente ocorressem no Continente. Além da proposta austríaca, foramaprovados, no Congresso de Viena, o “PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE”, pelo qual só seriam válidas asdinastias reinantes e as fronteiras anteriores à Revolução Francesa, e a criação da “SANTA ALIANÇA”,cujo propósito era idêntico ao do “Concerto Europeu”.

Estabelecia-se, desta forma, um sistema internacional baseado num equilíbrio de forças voltado aoobjetivo de impedir toda e qualquer transformação social e política na Europa. Inegavelmente, tal esquemamanteve a paz européia, somente quebrada por pequenos conflitos,  durante um século ( a “Paz dos CemAnos” ), pois o interesse comum de preservar o equilíbrio multipolar fez com que cada uma das naçõeseuropéias não desejasse destruir as outras, já que se isso ocorresse todo o sistema entraria em colapso. Oséculo XIX, foi sem dúvida, a concretização do eterno e delirante sonho da diplomacia: aestabilidade entres os poderes nacionais.

O SISTEMA EM CRISE

No final do século XIX, o equilíbrio do sistema internacional europeu foi vitimado por uma série de crises.Inúmeras foram as razões de tal desequilíbrio. Em primeiro lugar, povos submetidos aos grandes impériosdesejavam edificar seus estados, abalando o Império Austro-Húngaro, o Russo e o Turco-Otomano.Irrompiam, na Europa do leste, fortes nacionalismos, notadamente o eslavo e o magiar. Além disso, aunificação da Alemanha, em 1871, quebrava a hegemonia militar e política francesa na Europa Ocidental,criando uma turbulência no “Concerto Europeu”. Turbulência esta, de início, de conseqüências limitadas,pois a Alemanha de Bismarck ainda não tinha pretensões de hegemonia mundial, limitando-se a imporseus interesses na Europa Central. O chanceler alemão temia uma vingança francesa pela derrota de 1870 ebuscava alianças no leste. De fato, Bismarck encabeçou a formação da “Aliança dos Três Imperadores”,agrupando Alemanha, Rússia e Austro-Hungria, visando impedir que a França conseguisse  aliados naEuropa Oriental. Berlim temia que a Alemanha, pela sua posição geográfica, fosse cercada por inimigos aoeste e a leste: o eterno “fantasma” que sempre aterrorizou a nação alemã, a guerra em “duas frentes”. AFrança, desejosa de revidar a vitória alemã na “Guerra Franco – Prussiana” e recuperar as províncias daAlsácia e Lorena, busca desmembrar a aliança “costurada” por Bismarck.

Outro fator de abalo do sistema europeu foi a  “questão do Oriente”. A Inglaterra levava a efeito umasútil política de enfraquecer o já debilitado império Turco-Otomano, sem, contudo, destruí-locompletamente para evitar a hegemonia russa nas regiões turcomanas, o que ameaçaria a presençabritânica na Índia. Nas últimas décadas do século XIX, travaram-se as desgastantes guerrasrusso-britânicas pela posse do Afeganistão. Estes conflitos receberam a denominação de o “GrandeJogo”. As outras potências européias tinham também suas ambições: a França aspirava ao controle daSíria e do Líbano, a pretexto de proteger os cristãos contra os muçulmanos; a Alemanha desejava umapresença no Golfo Pérsico, onde já fora descoberto petróleo. Berlim, então, acalentou o louco sonho deconstruir a estrada de ferro Berlim-Bagdá e aliou-se aos turcos, alegando que protegeria o ImpérioOtomano contra  a ameaça anglo-francesa. A partir de 1909, os exércitos do sultão passaram a sertreinados por instrutores alemães. A Rússia, interessada em penetrar nos “mares quentes”, precisavacontrolar os estreitos turcos do Bósforo e Dardanelos, passagem obrigatória entre o Mar Negro e oMediterrâneo. Por fim, a Inglaterra, além de cobiçar regiões no Oriente Médio, controlava boa parte daÁfrica Negra. Tais pendências, embora envolvessem regiões extra – européias, repercutiam no VelhoContinente, ameaçando a “Paz dos Cem Anos”.

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A hegemonia dos imperialismos neocolonialistas ingleses e franceses provocou a ira germânica, já que àAlemanha restaram áreas geográficas de baixos recursos econômicos que não interessavam a Londres e aParis. No famoso “Congresso de Berlim” (1885), onde se partilhou a África Negra, a Inglaterra e a França“jantaram” a melhor parte do Continente Negro. A Alemanha chegara tarde ao “banquete”, portanto commaior “apetite”, que não foi satisfeito.

EUROPA DA SEGUNDA METADE DO SÉC. XIX

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Matérias > Geopolítica > O equilíbrio se rompe: a Grande Guerra

O Equilíbrio se rompe: A Grande Guerra

O MUNDO DIVIDIDO: IMPÉRIOS EM 1914

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Na Primeira Guerra Mundial ( 1914 – 1918 ), o sistema de poder criado no Congresso de Viena entrariaem colapso. Os principais fatores que levaram a "Grande Guerra" foram:

o Pangermanismo, isto é, as aspirações territoriais alemãs ampliadas pela ascensão ao poder, em1.

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1882, do Imperador Guilherme II, cujo projeto era a WELTMACHTPOLITIK ( Política de PoderMundial ). Este objetivo germânico levou a uma "corrida armamentista"  conhecida como a "PazArmada". Berlim buscou, com êxito, formar um exército superior ao francês e uma marinha pelomenos igual à britânica. Uma verdadeira "corrida às tonelagens" passa a existir entre Inglaterra eAlemanha: navios cada vez mais pesados e artilhados. Agora, Berlim não só atemorizava a França,mas também a Grã – Bretanha, única nação detentora de uma "blue sea navy" ( "marinha de longoalcance" ). Toda essas ambições germânicas eram "legitimadas pelo mito da superioridade dacultura alemã, a única efetiva "guardiã dos valores do Ocidente";

a "Enferma do Levante" . As principais nações da Europa tinham o interesse de desmembrar odecadente Império Turco – Otomano, cujos recursos petrolíferos e seu domínio sobre áreasestratégicas do Oriente Médio atraíam a cobiça das grandes potências. O grau de enfraquecimento ecorrupção do sultanato turco é explicitado pelo apelido a ele dado: o "Homem Doente daEuropa";

2.

o Pan-eslavismo e a "Monarquia Dual". A Rússia desde o século XVII, sonhava dominar aEuropa do Leste em nome da "proteção" aos povos eslavos ali presentes. O grande obstáculo àspretensões de Moscou era a existência, na Europa Central, do Império Austro – Húngaro (denominado de "Monarquia Dual" ), que exercia na região o papel de um "Estado Tampão",barrando as investidas russas. No entanto, Viena tinha um "calcanhar de Aquiles" – seu mosaicoétnico. De fato, no Império habitavam germânicos, magiares, tchecos, croatas, eslovenos,poloneses, rutenos, além de outras inúmeras nacionalidades. Com exceção  dos germânicos e húngaros, todas as outras minorias governadas por Viena eram eslavas e, portanto, muito suscetíveisà propaganda pan-eslavista. A Rússia fomentava um nacionalismo eslavófilo buscando "implodir" oImpério Austro – Húngaro e assim tornar possível a presença dos súditos de Moscou na EuropaOriental;

3.

o "revanchismo"  francês. Paris desejava se vingar do desastre que fora a batalha de Sedan,durante a "Guerra Franco – Prussiana", e recuperar as províncias carboníferas da Alsácia e Lorena.Em todo o território francês, corria o "slogan" – "não se esqueçam dos alemães";

4.

A "Política das Alianças".  Rompida a "Aliança dos Três Imperadores" ( Alemanha, Áustria eRússia ), um acordo politicamente insustentável, pois Viena e Moscou eram potencialmenteconflitantes, a França buscou fazer do governo de Moscou seu aliado, no que teve êxito. Assim, aAlemanha se viu cercada por um inimigo a oeste, a França, e outro a leste, a Rússia. Ao mesmotempo, a Inglaterra e a França, após pequenas escaramuças, firmavam, em 1903, a "EntenteCordiale" ( o "Acordo Amigável" ) pela qual partilhariam amigavelmente a África do Norte.Surgiria, então, a "Tríplice Entente", agrupando Inglaterra, França e Rússia. Em represália, aAlemanha criou a "Tríplice Aliança", englobando os governos de Berlim, Viena e Roma. Naprimeira década do século XX, o equilíbrio multipolar era substituído por uma perigosabipolarização. O Velho Continente estava em "pé de guerra";

5.

A POLÍTICA DAS ALIANÇAS

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A competição industrial. A "Grande Guerra" teve também como causa a competição econômica entre aAlemanha, França e Inglaterra. Entre 1871 e 1900, o Reich germânico conheceu uma industrializaçãomuito rápida. Isto pode ser comprovado se observamos o crescimento da siderurgia alemã – em 1870, aprodução de aço da Alemanha era inferíor à da França; 30 anos depois, era superior à produção somada daInglaterra e França. Além disso, ciente de que, pela falta de recursos naturais em abundância, não tinhacondições de competir quantitativamente, Berlim optou pela "qualidade" de seus produtos. Seusmanufaturados eram muito mais caros do que os franceses e ingleses, mas primavam pela excelentefeitura. Nascia, então, o que até hoje subsiste: o mito da alta qualidade das máquinas alemãs. Aagressividade industrial e comercial da Alemanha assustava os empresários franceses e britânicos. Emtodo o planeta, proliferavam artigos germânicos

POVOS BALCÂNICOS

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Todas estas crises européias, aparentemente desligadas umas das outras, se fundiriam quando uma "reaçãoem cadeia", gerada pela "questão balcânica", as transformaria em causas da conflagração iniciada emagosto de 1914. Nos Bálcãs, uma "potencia regional" – a Sérvia ( capital: Belgrado ) – desejava criar a"Grande Sérvia", reunindo sob o governo de Belgrado todos os sérvios da região. O grande obstáculo aesse sonho era o fato de que a Áustria anexara a Bósnia – Herzegovina, onde quase metade da populaçãoera de religião mulçumana, que convivia com uma enorme minoria sérvia e com uma presença de croatasrelativamente pequena. Este diversificado cenário étnico era complicado por divergências religiosas, poisos sérvios são cristãos ortodoxos, ou seja ligados à Igreja Greco-Cismática, e os croatas são católicos.Agravando a situação, por si só já um "barril de pólvora", a Rússia, a maior potência eslava e ortodoxa domundo, como não poderia deixar de ser, apoiava as aspirações sérvias. Além da identidade étnico –religioso, a Rússia, com a formação da "Grande Sérvia", passaria a ter bases navais no mar Mediterrâneo,concretizando, assim, o sonho da presença nos "mares quentes".

         No Império Austro - Húngaro, certos segmentos da burguesia e da aristocracia propunham atransformação da "monarquia dual" ( Viena e Budapeste ) numa "monarquia trial" ( que abrangeriaÁustria, a Hungria e os povos eslavos balcânicos ). Obviamente, esta proposta era inaceitável para aSérvia, pois dificultaria o projeto da "Grande Sérvia". Em junho de 1914, o herdeiro da Coroa austríaca, oArquiduque Francisco Ferdinando - defensor do "trialismo" - visitou Sarajevo ( capital da Bósnia ). Amotivação desta viagem era simples: passar em revista as tropas austríacas que ocupavam a Bósnia -Herzegovina. Jovens militantes do movimento "Jovem Bósnia", sociedade secreta de sérvios bosníacosfavoráveis à "Grande Sérvia" e financeiramente sustentados pela organização terrorista sérvia denominadaa "Mão Negra", levantaram a hipótese de que Francisco Ferdinando viria a Sarajevo no intuito deproclamar a "monarquia trial". Resolveram assassiná-lo. No dia 28 de junho, o estudante Gavrilo Prinzip,líder da "Jovem Bósnia", matou Francisco Ferdinando e sua esposa, a Baronesa Sofia. A Áustria acusou aSérvia de ser a mandante do crime; Belgrado negou qualquer responsabilidade em relação ao assassinatodo herdeiro do trono austríaco. Viena mobiliza tropas, a Sérvia chama seus reservistas e se prepara para aguerra. A Alemanha, aliada da Áustria, também mobiliza seus soldados e, simultaneamente, a Rússia, quefirmara um acordo secreto com a Sérvia, entra em estado de alerta. A morte do Arquiduque FranciscoFerdinando, numa pequena e remota localidade do sul da Península Balcânica, coloca a Europa à beira doabismo da guerra. Acreditando que, nessa circunstância, a nação que desse início ao conflito teria maischances de vitória, o Imperador alemão, Guilherme II, ordenou a implementação do "Plano Schlieffen".Este fora concebido em 1909, pelo general Schlieffen, para fazer face à eventualidade de uma "guerra emduas frentes". Neste caso, no entender do general, a Alemanha deveria lançar todas as suas forças contra aFrança, enquanto tropas austríacas barrariam as investidas russas. Ocupado o território gaulês, o exército

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germânico golpearia mortalmente as tropas russas. Para a infelicidade do governo de Berlim, nos mesesiniciais da Primeira Guerra Mundial ( 1914 - 1918 ), os alemães não venceram a França e os austríacos nãodetiveram os russos. Assim, as forças militares germânicas se dividiram para enfrentar, simultaneamente,os ingleses e franceses na Europa Ocidental e as tropas de Moscou no leste do Velho Continente. Aderrota alemã era inevitável.

 

 

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DA PAZ A GUERRA

        "Durante o debate de 27 de marco de 1900 expliquei.. . que eu entendia por política mundialtão-somente o apoio e o avanço nas tarefas geradas pela expansão de nossa indústria, de nossocomércio, da força de trabalho, da atividade e da inteligência de nosso povo. Não temos a intenção deimplementar uma política agressiva de expansão. Queríamos apenas proteger os interesses vitais queconquistamos no mundo inteiro, no desenrolar natural dos acontecimentos."

Chanceler alemão von Büllow, 1900

        "Não é certo que uma mulher vá perder seu filho se ele for para o front; na verdade, a mina decarvão e o pátio de manobras de uma ferrovia são lugares mais perigosos que o campo militar."

Bernard Shaw, 1902

         "Glorificaremos a guerra - a única higiene do mundo - , o militarismo, o patriotismo, o gestodestrutivo dos construtores da liberdade, belas idéias pelas quais vale a pena morrer e que as mulheresdesprezam"

F. T. Marinetti, 1909

         " A partir de agosto de 1914, a presença da guerra mundial rondou, impregnou e assombrou avida dos europeus. Quando da redação do presente texto, a maioria das pessoas deste continente, commais de setenta anos, passou ao menos por uma parte de duas guerras na curva de suas vidas; todas asde mais de cinqüenta, com exceção dos suecos, suíços, irlandeses do sul e portugueses, tem aexperiência de ao menos parte de uma delas. Mesmo os nascidos depois de 1945, depois de as armasterem silenciado nas fronteiras dos países europeus, conheceram raros anos em que em algum lugar domundo não houvesse guerra, e viveram a vida toda com o sombrio espectro de um terceiro conflitomundial, nuclear, mantido sob controle apenas pela infindável concorrência visando a garantir adestruição mútua, como praticamente todos os governos lhes disseram. Como podemos chamar talépoca de tempo de paz, mesmo que a catástrofe global esteja sendo evitada por quase tanto tempoquanto o foi uma guerra importante entre potenciais européias, entre 1871 e 1914. Pois, como observouo grande filosofo Thomas Hobbes, a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas numlapso de tempo durante o qual o desejo de rivalizar através de batalhas é suficientemente conhecido.Quem pode negar que esta seja a situação do mundo desde 1945? Não era assim antes de 1914: a pazera o quadro normal e esperado das vidas européias. Desde 1815 não houvera nenhuma guerraenvolvendo as potências européias. Desde 1871, nenhuma nação européia ordenara a seus homens emarmas que atirassem nos de qualquer outra nação similar. As grandes potências escolhiam suas vítimasno mundo fraco e não-europeu, embora às vezes calculassem mal a resistência de seus adversários: osboers deram aos britânicos muito mais trabalho que o esperado e os japoneses conquistaram seu lugarentre as grandes nações ao derrotar a Rússia em 1904-1905. Surpreendentemente com poucostranstornos. No território da maior e mais próxima vítima potencial - o Império Otomano, há muito emprocesso de desintegração, a guerra era, de fato, uma possibilidade permanente, dado que os povos aele submetidos procuravam se estabelecer ou se expandir como Estados independentes e, por

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conseguinte, guerreavam entre si, arrastando as grandes nações em seus conflitos. Os Bálcãs eramconhecidos como o barril de pólvora da Europa, e foi, de fato, ali que a explosão global de 1914começou. Mas a "Questão Oriental" era um ponto conhecido da pauta da diplomacia internacional, eembora tivesse gerado crises internacionais sucessivas durante um século, inclusive uma guerrainternacional bastante substancial (a Guerra da Criméia), nunca escapara totalmente ao controle. Aocontrário do Oriente Médio, desde 1945 os Bálcãs pertenciam, para a maioria dos europeus que nãoviviam ali, ao reino das estórias de aventuras, como as do autor alemão de literatura infantil Karl May,ou das operetas. A imagem das guerras balcânicas, no final do século XIX, era a do livro "Arms and theMan", de Bernard Shaw, que, caracteristicamente, foi transformado em musical (The Chocolate Soldier,de um compositor vienense, 1908).

          A possibilidade de uma guerra generalizada na Europa fora, é claro, prevista, e preocupava nãoapenas os governos e as administrações, como também um público mais amplo. A partir do início dadécada de 1870, a ficção e a futurologia produziram, sobretudo na Grã-Bretanha e na França, sketches,geralmente não realistas, sobre uma futura guerra. Na década de 1880, Friedriech Engels já analisavaas probabilidades de uma guerra mundial, enquanto o filósofo Nietzsche, louca porém profeticamente,saudou a militarização crescente da Europa e predisse uma guerra que "diria sim ao animal bárbaro, oumesmo selvagem, que existe entre nós". Na década de 1890, a preocupação com a guerra foi suficientepara gerar o Congresso Mundial (Universal) para a Paz - o vigésimo primeiro estava previsto parasetembro de 1914, em Viena - , o Prêmio Nobel da Paz (1897) e a primeira das Conferências de Paz deHaia (1899), reuniões internacionais de representantes majoritariamente céticos de governos e aprimeira de muitas das reuniões que tiveram lugar desde então, nas quais os governos declararam seucompromisso decidido, porém teórico, com o ideal da paz. Nos anos 1900, a guerra ficou visivelmentemais próxima e nos anos 1910 podia ser e era considerada iminente.

          E contudo sua deflagração não era realmente esperada. Nem durante os últimos dias da criseinternacional - já irreversível - de julho de 1914, os estadistas, dando os passos fatais, acreditavam querealmente estivessem dando início a uma guerra mundial. Uma fórmula seria com certeza encontrada,como tantas vezes no passado. Os que se opunham a guerra também não podiam acreditar, que acatástrofe há tanto tempo predita por eles, chegara. Bem no final de julho, depois da Áustria terdeclarado guerra à Servia, os líderes do socialismo internacional se reuniram, profundamente abalados,mas ainda convencidos de que uma guerra generalizada era impossível e que uma solução pacífica paraa crise seria encontrada.

          "Eu, pessoalmente, não acredito que haverá uma guerra generalizada", disse Victor Adler, chefeda social-democracia do Império Habsburgo, no dia 29 de julho. Nem aqueles que estavam apertando osbotões da destruição nessa acreditavam, não porque não quisessem, mas porque era independente desua vontade: como o imperador Guilherme, perguntando a seus generais, no último minuto, se a guerra,afinal de contas, não poderia ser situada na Europa Oriental se se evitasse atacar a França e a Rússia -e ouvindo a resposta de que infelizmente isso era impraticável. Aqueles que haviam construído osmecanismos da guerra e ligado os interruptores, agora estavam vendo, com uma espécie deincredulidade estupefata, as engrenagens começarem a se por em movimento. Para os que nasceramapós 1914, é difícil imaginar como a crença de que uma guerra mundial não podia "realmente"acontecer estava profundamente enraizada no tecido da vida antes do dilúvio.

          Assim, para a maioria dos Estados Ocidentais, e na maior parte do tempo entre 1871 e 1914, umaguerra européia era uma lembrança histórica ou um exercício teórico para um futuro indefinido. Aprincipal função dos exércitos em suas sociedades durante esse período era civil. O serviço militar

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 obrigatório - alistamento - agora era a norma em todas as nações de peso, com exceção daGrã-Bretanha e dos EUA, embora, na verdade, nem todos os rapazes de fato se alistassem; e, com aascensão dos movimentos de massas socialistas, generais e políticos às vezes ficavam nervosos,erroneamente, como veio a ser evidenciado ao pensar em por armas nas mãos de proletáriospotencialmente revolucionários. Para os recrutas comuns, mais familiarizados com a servidão do quecom as glórias da vida militar, entrar para o exército se tornou um rito de passagem que marcava achegada de um garoto à idade adulta por dois ou três anos de treinamento e trabalho duro, que setornavam mais toleráveis devido a notória atração que a farda exercia sobre as moças. Para ossuboficiais profissionais, o exército era um emprego. Para os oficiais, um jogo infantil onde quembrincava eram os adultos, símbolo de sua superioridade em relação aos civis, de esplendor viril e destatus social. Para os generais era, como sempre, o terreno propício às intrigas políticas e ciúmesrelativos à carreira, tão amplamente documentada nas memórias dos chefes militares.

          Para os governos e as classes dirigentes, os exércitos eram não só forças para enfrentar inimigosinternos e externos, mas também um modo de garantir a lealdade, ou mesmo o entusiasmo ativo, decidadãos com simpatias inquietantes por movimentos de massas que solapavam a ordem política esocial. Junto com a escola primária, o serviço militar era talvez o mecanismo mais poderoso àdisposição do Estado com vistas à inculcação do comportamento cívico apropriado e, não menosimportante, a transformação do habitante de um povoado no cidadão (patriota) de uma nação. A escolae o serviço militar ensinaram os italianos a compreender, se não a falar, a língua "nacional" oficial, e oexército fez do espaguete, anteriormente prato regional do sul empobrecido, uma instituição de toda aItália. No que tange à população civil, o colorido espetáculo público da exibição militar foi multiplicadopara seu divertimento, inspiração e identificação patriótica: paradas, cerimônias, bandeiras e música. Oaspecto mais familiar dos exércitos, para os habitantes não-militares da Europa, entre 1871 e 1914, eraprovavelmente a onipresente banda militar, sem a qual era difícil imaginar os parques e os festejospúblicos.

          Naturalmente, os soldados e, bem mais raramente, os marinheiros de vez em quandodesempenhavam suas funções básicas. Podiam ser mobilizados contra desordens e protestos emmomentos de perturbações e de crise social. Os governos, especialmente os que precisavam sepreocupar com a opinião pública e com seus eleitores, costumavam ser cuidadosos ao confrontar astropas com o risco de atirar em seus compatriotas: as conseqüências políticas dos tiros, que soldadospudessem disparar contra civis podiam ser muito negativas, e as de sua recusa a fazê-lo podiam serainda piores, como ficou patente em Petrogrado, em 1917. Entretanto, as tropas eram mobilizadas combastante freqüência, e o número de vítimas nacionais da repressão militar não foi, de forma alguma,irrelevante nesse período, mesmo nos Estados da Europa central e ocidental, onde não se supunha aiminência da revolução, como a Bélgica e a Holanda. Em países como a Itália tais intervenções podiamser, de fato, muito substanciais.

         Para as tropas, a repressão interna era uma atividade inofensiva, mas as guerras eventuais,especialmente nas colônias, eram mais perigosas. O risco era reconhecidamente mais médico quemilitar. Dos 274 mil militares americanos mobilizados para a guerra hispano-americana de 1898, houveapenas 379 mortos e 1.600 feridos em combate, porém mais de cinco mil morreram de doençastropicais. Não admire que os governos apoiassem com tanto entusiasmo as pesquisas em medicina, queno período que nos ocupa conseguiram algum controle sobre a febre amarela, a malária e outrosflagelos dos territórios ainda conhecidos como "a tumba do homem branco". A França perdeu umamédia de oito oficiais por ano em operações coloniais, entre 1871 e 1908, incluídas as cifras relativas à

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única zona onde houve perdas sérias, Tonkin, onde caiu quase a metade dos 300 oficiais mortos nesses37 anos. Não é nosso intuito subestimar a seriedade dessas campanhas, sobretudo sabendo-se que asperdas entre as vítimas eram desproporcionalmente pesadas. Mesmo para os países agressores, essasguerras eram tudo, menos viagens de lazer. A Grã-Bretanha enviou 450 mil homens à África do Sul em1899-1902, voltando com um saldo de 29 mil mortos em combate ou como conseqüência de ferimentos e16 mil de doença, o que representou um ônus de 220 milhões de libras esterlinas. Tais custos eramimportantes. Contudo, o trabalho do soldado nos países ocidentais era, de longe, consideravelmentemenos perigoso que o de certos grupos de trabalhadores civis, como os dos transportes (especialmentepor mar) e das minas. Nos três últimos anos das longas décadas de paz, morriam por ano 1.430 mineirosde carvão britânicos, e 165 mil (ou mais de 10% da força de trabalho) sofriam ferimentos. E a taxa deacidentes nas minas de carvão britânicas, embora mais elevada que a belga ou a austríaca, era algomais baixa que a francesa, cerca de 30% menor que a alemã e não mais de um terço do que a dos EUA.Os que corriam o maior risco de vida e de integridade física não usavam farda.

          Assim, se deixarmos de lado a guerra britânica na África do Sul, a vida do soldado e domarinheiro de uma grande nação era bastante pacífica, embora não fosse o caso nos exércitos da Rússiaczarista, envolvidos em sérias guerras contra os turcos nos anos 1870 e em outra, desastrosa, contra osjaponeses em 1904-1905; nem no exército japonês, que lutou vitoriosamente tanto contra a China comocontra a Rússia. Essa situação ainda pode ser identificada nas memórias e aventuras inteiramentenão-bélicas daquele imortal ex-membro do famoso 91.° Regimento do exército imperial e real austríaco,o bom soldado Schweik (inventado por seu autor em 1911). Os quartéis-generais, naturalmente, seprepararam para a guerra, como era seu dever. Como de costume, a maioria deles se preparou parauma versão melhorada da última guerra importante de que os comandantes se lembravam ou quehaviam vivido.

 

 

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          Os britânicos, como era natural no caso da maior nação naval, se prepararam para umaparticipação apenas modesta na guerra terrestre, embora fosse ficando cada vez mais evidente para osgenerais, que faziam os preparativos para a cooperação com os aliados franceses, nos anos queprecederam 1914, que se exigiria muito mais deles. Mas, de maneira geral, foram os civis, e não esseshomens, que previram as terríveis transformações da guerra, graças aos avanços da tecnologia militar,que os generais e mesmo alguns almirantes mais abertos à questão tecnológica demoraram a entender.Friedrich Engels, velho amante de assuntos militares, chamou muitas vezes à atenção sobre suaslimitações, mas foi um financista judeu, Ivan Bloch, que em 1898 publicou em São Petersburgo os seisvolumes de seu Technical, Economic and Political Aspects of the Coming War, um trabalho proféticoque predizia o empate militar da guerra de trincheiras, o que levaria a um conflito prolongado cujoscustos econômicos e humanos intoleráveis exauririam os beligerantes ou os fariam mergulhar narevolução social. O livro foi rapidamente traduzido para numerosos idiomas, sem qualquer

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conseqüência no planejamento militar.

          Enquanto apenas alguns observadores civis compreendiam o caráter catastrófico da futuraguerra, governos que não o entendiam se lançaram entusiasticamente à corrida para se equipar com osarmamentos cuja nova tecnologia o propiciariam. A tecnologia da morte, já em processo deindustrialização em meados do século, avançou notavelmente nos anos 1880, não apenas devido a umaverdadeira revolução na rapidez e no poder de fogo das armas pequenas e da artilharia, mas tambématravés da transformação dos navios de guerra por meio de motores-turbina, de uma blindagemprotetora mais eficaz e da capacidade de carregar muito mais armas. A propósito, até a tecnologia damorte civil foi transformada pela invenção da "cadeira elétrica" (1890), embora os algozes de fora dosEUA tenham permanecido fiéis a amigos e comprovados métodos, como o enforcamento e adecapitação.

          Uma conseqüência óbvia foi que os preparativos para a guerra se tornaram muito mais caros,especialmente porque os Estados competiam uns com os outros para manter a primeira posição ou aomenos para não cair para a última. Essa corrida armamentista começou de maneira modesta no final dadécada de 1880 e se acelerou no novo século, em particular nos últimos anos antes da guerra. Os gastosmilitares britânicos permaneceram estáveis nos anos 1870 e 1880, tanto em termos de porcentagem doorçamento total. E o crescimento mais espetacular foi o da marinha, o que não é surpreendente, pois setratava da ala de alta tecnologia de guerra, correspondente aos mísseis nos gastos modernos emarmamentos. Em 1885, a marinha custara ao Estado 11 milhões de libras, e em torno da mesma ordemde grandeza, em 1860. Em 1913-1914 custou mais de quatro vezes esse montante. No mesmo período, osgastos navais alemães aumentavam de modo ainda mais acentuado, de 90 milhões de marcos por ano,em meados da década de 1890, a quase 400 milhões.

          Uma conseqüência dos gastos tão elevados foi a necessidade complementar de impostos maisaltos, ou de empréstimos inflacionários, ou de ambos. Mas uma conseqüência igualmente óbvia, emboramuitas vezes deixada de lado, foi que eles cada vez mais fizeram da morte em prol de várias pátrias umsubproduto da indústria em grande escala. Alfred Nobel e Andrew Carnegie, dois capitalistas quesabiam o que os transformara em milionários dos ramos de explosivos e aço, respectivamente, tentaramcompensar a situação destinando uma parte de sua riqueza à causa da paz. Nesse sentido foramatípicos. A simbiose entre guerra e produção da guerra transformou inevitavelmente as relações entregoverno e indústria, pois, como observou Friedrich Engels em 1892, "como a guerra se tornou um setorda grande indústria... "Ia grande industrie... se tornou uma necessidade política''. E, reciprocamente, oEstado se tornou essencial para certos setores da indústria, pois quem, senão o governo, constitui aclientela dos armamentos? Os bens que essa indústria produzia eram determinados não pelo mercado,mas pela interminável concorrência dos governos, que os fazia procurar garantir para si umfornecimento satisfatório das armas mais avançadas e, portanto, mais eficientes. E mais, o que osgovernos precisavam não era tanto da produção real de armas, mas sim da capacidade de produzí-lasnuma escala compatível com uma época de guerra, se fosse o caso; isso quer dizer que eles tinham quezelar para que suas indústrias mantivessem uma capacidade de produção altamente excedente paratempos de paz.

          Assim, de uma forma ou de outra, os Estados eram obrigados a garantir a existência de poderosasindústrias nacionais de armamentos, a arcar com boa parte do custo de seu desenvolvimento técnico e afazer com que permanecessem rentáveis. Em outras palavras, tinham que proteger essas indústriascontra os vendavais que ameaçavam os navios da empresa capitalista, que singravam os maresimprevisíveis do mercado livre e da livre concorrência. É claro que eles mesmos também podiam se

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envolver na fabricação de armas, como o fizeram por muito tempo. Mas nesse exato momento osEstados, ou ao menos o Estado liberal britânico, preferiram chegar a um acordo com a empresaprivada. Nos anos 1880, os produtores privados de armamento assinaram mais de um terço de seuscontratos de fornecimento com as forças armadas; nos anos de 1890, 46%; nos anos 1900, 60%: ogoverno, incidentalmente, estava disposto a garantir-lhes dois terços. " Não admire que as empresas dearmamento estivessem entre os gigantes da indústria, ou passassem a estar: a guerra e a concentraçãocapitalista caminhavam juntas. Krupp, na Alemanha, o rei dos canhões, empregava 16.000 pessoas em1873, 24.000 em torno de 1890, 45.000 em torno de 1900 e quase 70.000 em 1912, quando 50.000 dasfamosas armas Krupp saíram da linha de produção. Na fábrica britânica Armstrong, Whitworthempregava 12.000 homens em suas instalações principais em Newcastle, que passaram a 20.000 ou maisde 40% de todos os metalúrgicos do Tyneside em 1914, sem contar os das 1.500 firmas menores queviviam de subempreitadas da Armstrong. Também eram muito rentáveis.

          Como o moderno "complexo industrial-militar" dos EUA, essas concentrações industriaisgigantescas não teriam sido nada sem a corrida armamentista dos governos. Assim sendo, é tentadorresponsabilizar tais "mercadores da morte" (a expressão se popularizou entre os pacifistas) pela "guerrade aço e ouro", como a denominou um jornalista britânico. Não era lógico que a indústria de armasincentivasse a aceleração da corrida armamentista, inventando, se necessário, inferioridades nacionaisou "janelas de vulnerabilidade", que podiam ser removidas através de lucrativos contratos? Uma firmaalemã, especializada na fabricação de metralhadoras, conseguiu inserir uma nota no jornal Le Figaropara que o governo francês planejasse duplicar seu número de metralhadoras. Como conseqüência, ogoverno alemão fez uma encomenda de 40 milhões de marcos de tais armas em 1908-1910, aumentandoassim os dividendos da firma de 20 a 32%, Uma firma britânica, argumentando que seu governosubestimara de modo grave o programa de rearmamento da marinha alemã, beneficiou-se com 250.000libras esterlinas por cada encouraçado encomendado pelo governo britânico, o que duplicou suaconstrução naval. Pessoas elegantes e pouco visíveis, como o grego Basil Zaharoff, atuando em nome daVickers (e que mais tarde recebeu o título de cavaleiro pelos serviços prestados aos aliados durante aPrimeira Guerra Mundial), tomaram as providências necessárias para que a indústria de armamentosdas grandes nações vendesse seus produtos menos vitais ou obsoletos a Estados do Oriente Próximo eda América Latina, que já estavam em condições de comprar tais utensílios. Em suma, o comérciointernacional moderno da morte já estava bem encaminhado.  

 

 

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          Contudo, a guerra mundial não pode ser explicada como uma conspiração de fabricantes dearmas, mesmo fazendo os técnicos, com certeza, o máximo para convencer generais e almirantes, maisfamiliarizados com paradas militares do que com a ciência, de que tudo estaria perdido se eles nãoencomendassem o último tipo de arma ou navio de guerra. Não há dúvida de que a acumulação dearmamentos, que atingiu proporções temíveis nos últimos cinco anos anteriores a 1914, tornou asituação mais explosiva. Não há dúvida de que havia chegado o momento, ao menos no verão europeude 1914, em que a máquina inflexível que mobilizava as forças da morte não poderia mais ser estocada.Porém, a Europa não foi à guerra devido à corrida armamentista como tal, mas devido à situaçãointernacional que lançou as nações nessa competição.

       A discussão sobre a gênese da Primeira Guerra Mundial tem sido ininterrupta desde agosto de1914. Provavelmente correu mais tinta, mais árvores foram sacrificadas para fazer papel, maismáquinas de escrever trabalharam para responder a essa pergunta do que a qualquer outra na história,inclusive, talvez o debate em torno da Revolução Francesa. A medida que as gerações se sucediam, quea política nacional e internacional ia sendo transformada, o debate foi ressurgindo. Mal a Europamergulhara na catástrofe, os beligerantes começaram a se perguntar por que a diplomacia internacionalnão conseguira evitá-la e a atribuir-se mutuamente a responsabilidade. Aqueles que se opunham àguerra iniciaram imediatamente suas análises. A Revolução Russa de 1917, que publicou os documentossecretos do czarismo, acusou o imperialismo como um todo. Os aliados vitoriosos criaram a tese da"culpa de guerra, exclusivamente alemã", pedra angular do tratado de paz de Versalhes de 1919 egeradora de um imenso fluxo de textos, documentários e de propaganda histórica a favor e, sobretudo,contra essa tese. Naturalmente, a Segunda Guerra Mundial fez esse debate ser retomado, e ele foirevigorado alguns anos depois, quando tornou a surgir uma historiografia de esquerda na RepúblicaFederal Alemã, que, ansiosa para romper com as ortodoxias conservadoras e patrióticas nazi-alemã,elaborou sua própria versão da responsabilidade da Alemanha. As discussões sobre os perigos para apaz mundial, que, por motivos óbvios, nunca cessaram após Hiroshima e Nagasaki, procuraminevitavelmente possíveis paralelos entre as origens das guerras mundiais passadas e as perspectivasinternacionais atuais. Enquanto os propagandistas preferiram a comparação com os anos anteriores àSegunda Guerra Mundial ("Munique"), os historiadores encontraram cada vez mais similitudes entre osproblemas dos anos 1980 e 1910. Assim, as origens da Primeira Guerra Mundial eram, uma vez mais,uma questão de importância candente e imediata. Nessas circunstâncias, qualquer historiador que tenteexplicar, como deve fazer um historiador do nosso período, por que ocorreu a Primeira GuerraMundial, mergulha em águas profundas e turbulentas.

          Contudo, podemos ao menos simplificar essa tarefa eliminando perguntas a que o historiador nãotem que responder. A mais importante delas é aquela da "culpa de guerra", que se refere a umjulgamento moral e político, mas tem a ver apenas perifericamente com os historiadores. Se estivermosinteressados em saber por que um século de paz européia cedeu o lugar a uma época de guerrasmundiais, perguntar de quem foi a culpa é tão fútil quanto perguntar se Guilherme, o Conquistador,tinha um bom motivo legal para invadir a Inglaterra, a razão pela qual os guerreiros da Escandináviapartiram para conquistar numerosas áreas da Europa nos séculos X e XI.

          É claro que nas guerras as responsabilidades muitas vezes podem ser identificadas. Poucosnegariam que, nos anos 1930, a atitude da Alemanha era essencialmente agressiva e expansionista e quea de seus adversários era essencialmente defensiva. Ninguém negaria que as guerras de expansãoimperial em nossa época, como a Guerra Hispano-Americana de 1898 e a Sul-Africana de 1899-1902,foram provocadas pelos EUA e pela Grã-Bretanha e não por suas vítimas. Seja como for, todo mundo

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sabe que os governos de todos os Estados do século XIX, por mais preocupados que estivessem com suasrelações públicas, consideravam a guerra uma contingência normal da política internacional e eramhonestos o bastante para admitir que bem podiam tomar a iniciativa militar. Os Ministérios da Guerraainda não se chamavam, eufemisticamente, Ministérios da Defesa.

          Contudo, é indubitável que nenhum governo de qualquer uma das grandes potências de antes de1914 queria uma guerra européia generalizada, seja mesmo ao contrário dos anos 1850 e 1860 umconflito militar restrito com outra grande nação européia.

          Isto é conclusivamente demonstrado pelo fato de que nos lugares onde as ambições políticas dasgrandes nações entravam em conflito direto, ou seja, nas zonas ultramarinas de conquistas e partilhascoloniais, seus numerosos confrontos eram sempre resolvidos por algum acordo pacífico. Até as maisgraves crises, as de Marrocos em 1906 e 1911, foram contornadas. As vésperas de 1914, os conflitoscoloniais não pareciam mais colocar problemas insolúveis às várias nações concorrentes; fato que temsido usado, de modo bastante ilegítimo, como argumento para afirmar que as rivalidades imperialistasforam irrelevantes na deflagração da Primeira Guerra Mundial.

          É evidente que as nações estavam longe de ser pacíficas, quanto menos pacifistas. Elas seprepararam para uma guerra européia - às vezes erroneamente - mesmo seus ministros das RelaçõesExteriores fazendo o máximo para evitar o que eles unanimemente consideravam uma catástrofe. Nosanos 1900, nenhum governo tinha objetivos que, como os de Hitler em 1930, só pudessem ser atingidospor meio da guerra ou da ameaça constante de guerra. Até a Alemanha, cujo comandante doEstado-Maior defendeu em vão um ataque antecipado em 1904-1905 contra a França, enquanto suaaliada, a Rússia, estava imobilizada pela guerra e, mais tarde, pela derrota e pela revolução, só usou aoportunidade oferecida pela fraqueza e isolamento temporário da França para fazer avançar suasreivindicações imperialistas sobre Marrocos, um problema administrável em torno do qual ninguémpretendia começar, nem começou, uma guerra importante. Nenhum governo de potências importantes,nem os mais ambiciosos, frívolos e irresponsáveis, queriam uma guerra de grandes proporções. O velhoimperador Francisco José, ao anunciar a deflagração dessa guerra a seus condenados súditos em 1914,estava sendo totalmente sincero ao dizer "Eu não quis que isso acontecesse" ("Ich hab es nicht gewollt"),mesmo tendo sido seu governo que, de fato, a provocou.

          O máximo que se pode afirmar é que, a partir de um certo ponto do lento escorregar para oabismo, a guerra pareceu tão inevitável que alguns governos decidiram que a melhor coisa a fazer seriaescolher o momento mais propício, ou menos desfavorável, para iniciar as hostilidades. Afirma-se que aAlemanha procurou esse momento a partir de 1912, mas dificilmente poderia ter sido antes. Sem dúvida,durante a crise final de 1914, precipitada pelo irrelevante assassinato de um arquiduque austríaco porum estudante terrorista, numa cidade de província dos confins dos Bálcãs, a Áustria sabia que corria orisco de uma guerra mundial ao provocar a Sérvia; e a Alemanha, ao decidir dar total apoio à suaaliada, transformou o risco quase numa certeza. "A balança está pendendo contra nós", disse o ministroda Guerra austríaco, em 7 de julho. Não era melhor guerrear antes que pendesse mais? A Alemanhaseguiu a mesma linha de raciocínio. Apenas nessa linha restrita a pergunta sobre "culpa de guerra" temalgum sentido. Mas, como os acontecimentos mostraram no verão de 1914, ao contrário de crisesanteriores, a paz fora anulada por todas as nações até pelos britânicos, que os alemães tinhamesperanças parciais de que ficassem neutros, aumentando assim suas chances de derrotar tanto aFrança como a Rússia. Nenhuma das grandes nações teria dado o golpe de misericórdia na paz, nemmesmo em 1914, se não estivesse convencida de que seus ferimentos já eram mortais.

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           Portanto, descobrir as origens da Primeira Guerra Mundial não equivale a descobrir "oagressor". Ele repousa na natureza de uma situação internacional em processo de deterioraçãoprogressiva, que escapava cada vez mais ao controle dos governos. Gradualmente a Europa foi sedividindo em dois blocos opostos de grandes nações. Tais blocos, fora de uma guerra, eram novos em simesmos e derivavam, essencialmente, do surgimento no cenário europeu de um Império AlemãoUnificado, constituído entre 1864 e 1871 por meio da diplomacia e da guerra, às custas dos outros, eprocurava se proteger contra seu principal perdedor, a França, através de alianças em tempos de paz,que geraram contra-alianças. As alianças, em si, embora implicassem a possibilidade da guerra, não atornavam nem certa nem mesmo provável. Assim, o chanceler alemão Bismarck, que foi o campeão dojogo de xadrez diplomático multilateral por quase trinta anos, após 1871 dedicou-se com exclusividade esucesso à manutenção da paz entre as nações. Um sistema de blocos de nações só se tornou um perigopara a paz quando as alianças opostas se consolidaram como permanentes, mas especialmente quandoas disputas entre eles se transformaram em confrontos inadministráveis. Isto aconteceria no novoséculo. A pergunta crucial é: por que?

           Contudo, não havia maiores diferenças entre as tensões internacionais que levaram à PrimeiraGuerra Mundial e as que são subjacentes ao perigo de uma terceira, que as pessoas, nos anos 1980,ainda esperam evitar. Nunca houve, desde 1945, a mínima dúvida quanto aos principais adversáriosnuma terceira guerra mundial: os EUA e a URSS. Mas, em 1880, as coalizões de 1914 não eramprevistas. Naturalmente, alguns aliados e inimigos potenciais eram fáceis de discernir.  A Alemanha e aFrança estariam em lados opostos, quanto mais não fosse porque a Alemanha anexara grandes porçõesda França (Alsácia-Lorena) após sua vitória em 1871. Também não era difícil prever a permanência daaliança entre Alemanha e Áustria-Hungria, forjada por Bismarck após 1866, pois o equilíbrio interno donovo Império Alemão tornou essencial manter  vivo o multinacional Império Habsburgo. Suadesintegração em fragmentos nacionais não apenas levaria, como Bismarck bem sabia, à ruína dosistema de Estados da Europa Central e Oriental, como destruiria também a base de uma "pequenaAlemanha" dominada pela Prússia. De fato, ambas as coisas aconteceram após a Primeira GuerraMundial. O traço diplomático mais permanente do período 1871-1914 foi a "Tríplice Aliança" de 1882,que na verdade era uma aliança austro-alemã, já que o terceiro participante, a Itália, logo se afastariapara finalmente se unir ao campo antialemão em 1915.

          Uma vez mais era óbvio que a Áustria, envolvida nos turbulentos assuntos dos Bálcãs devido aseus problemas multinacionais, e, mais profundamente que nunca, depois de ter conquistado aBósnia-Herzegovina em 1878, se achava em  oposição à Rússia naquela região. Embora Bismarck tenhafeito o máximo para manter relações estreitas com a Rússia, era previsível que cedo ou tarde aAlemanha seria forçada a escolher entre Viena e São Petersburgo e que só podia optar por Viena.Ademais, uma vez que a Alemanha tinha desistido da opção russa, como aconteceu no final da décadade 1880, era lógico que a Rússia e a França se unissem, como de fato o fizeram, em 1891. Friedrich

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Engels cogitara dessa aliança ainda nos anos 1880, naturalmente dirigida contra a Alemanha. Assimsendo, no início da década de 1890, dois grupos de nações se enfrentavam na Europa inteira.

            Embora as relações internacionais tenham ficado mais tensas, não era inevitável uma guerraeuropéia generalizada, quanto mais não seja porque os problemas que separavam a França daAlemanha (ou seja a Alsácia-Lorena) não tinham interesse para a Áustria, e os que representavam umrisco de conflito entre a Áustria e a Rússia (o nível de influência da Rússia nos Bálcãs) eraminsignificantes para a Alemanha. Os Bálcãs, observou Bismarck, não valiam os ossos de um únicogranadeiro pomeraniano. A França não tinha reais brigas com a Áustria, nem a Rússia com aAlemanha. Por isso, os problemas que separavam a França da Alemanha, embora permanentes,dificilmente seriam considerados merecedores de uma guerra pela maioria dos franceses, e os queseparavam a Áustria da Rússia, embora como 1914 mostrou potencialmente mais graves, só secolocavam intermitentemente. Três problemas transformaram o sistema de aliança numabomba-relógio: a situação do fluxo internacional, desestabilizado por novos problemas e ambiçõesmútuas entre as nações, a lógica do planejamento militar conjunto que congelou os blocos que seconfrontavam, tornando-os permanentes, e a integração de uma quinta grande nação, a Grã-Bretanha, aum dos blocos (ninguém se preocupou muito com as tergiversações da Itália, que só era uma "grandenação" por cortesia internacional). Entre 1903 e 1907, para surpresa geral, incluindo a sua própria, aGrã-Bretanha se uniu ao lado antialemão. A origem da Primeira Guerra Mundial pode ser melhorentendida acompanhando-se o surgimento desse antagonismo anglo-germânico.

          A Tríplice Entente foi surpreendente tanto para os inimigos como para os aliados britânicos. Nopassado, a Grã-Bretanha não tinha tradição nem qualquer motivo permanente de atrito com a Prússia eo mesmo parecia ser verdade em relação à super-Prússia conhecida agora como Império Alemão. Poroutro lado, a Grã-Bretanha fora antagonista quase automática da França em quase todas as guerraseuropéias desde 1688. Mesmo isso não sendo mais verdade, quanto mais não fosse porque a Françadeixara de ser capaz de dominar o continente, o atrito entre os dois países era visivelmente crescente, aomenos porque entre ambas competiam pelo mesmo território e influência como nação imperialista.Assim, as relações eram pouco amistosas no que tange ao Egito, cujo controle era cobiçado por ambas,mas foi tomado pelos britânicos (junto com o Canal de Suez, financiado pela França). Durante a crisede Fashoda, de 1898, pareceu que haveria derramamento de sangue, pois as tropas coloniais rivaisbritânicas e francesas se enfrentaram no interior do Sudão. Na divisão da África, os ganhos de um eram,no mais das vezes, às custas do outro. No que tange à Rússia, os impérios britânico e czarista haviamsido antagonistas permanentes na zona dos Bálcãs e do Mediterrâneo, da assim chamada "QuestãoOriental" e nas áreas, mal definidas, porém amargamente disputadas, da Ásia Central e Ocidental queficavam entre a Índia e as terras do czar: Afeganistão, Irã e as regiões com saída para o Golfo Pérsico.A perspectiva de ver russos em Constantinopla e, portanto, no Mediterrâneo e de uma expansão russaem direção à Índia era um pesadelo constante para os chanceleres britânicos. Os dois países haviaminclusive se enfrentado na única das guerras européias do século XVIII de que a Grã-Bretanhaparticipou (a Guerra da Criméia) e nos anos 1870 uma guerra russo-britânica era muito provável.

          Dado o modelo consagrado de diplomacia britânica, uma guerra contra a Alemanha era umapossibilidade tão remota que devia ser ignorada. Uma aliança permanente com qualquer naçãocontinental parecia incompatível com a manutenção do equilíbrio de poder, que era o principal objetivoda política externa britânica. Uma aliança com a França seria considerada improvável, uma com aRússia quase impensável. Contudo, o implausível se tornou realidade: a Grã-Bretanha se vinculou deforma permanente à França e à Rússia contra a Alemanha, resolvendo todas as diferenças com a Rússia,

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a ponto de concordar com a ocupação, por esta, de Constantinopla oferta que desapareceu do horizontecom a Revolução Russa de 1917. Como e por que se produziu essa surpreendente transformação?

          Aconteceu porque ambos os jogadores, bem como as regras do jogo tradicional da diplomaciainternacional, mudaram. Em primeiro lugar, o tabuleiro em que era jogado ficou muito major. Arivalidade entre as potências, confinada antes em grande medida à Europa e áreas adjacentes (comexceção dos britânicos), era agora global e imperial fora a maior parte das Américas, destinada comexclusividade à expansão imperial dos EUA pela Doutrina Monroe de Washington. Agora eraigualmente provável que as disputas internacionais que tinham que ser resolvidas, para nãodegenerarem em guerras, ocorressem na África Ocidental e no Congo nos anos 1880, na China no finalda década de 1890, no Magreb (1906, 1911) e no corpo em decomposição do Império Otomano, muitomais provavelmente que em torno de qualquer problema na Europa não-balcânica. Ademais, agorahavia mais dois jogadores: os EUA que, embora ainda evitando envolvimento com problemas europeus,desenvolviam um expansionismo ativo no Pacífico e no Japão. Na verdade, a aliança britânica com oJapão (1902) foi o primeiro passo rumo à Tríplice Aliança, pois a existência daquela nova potência, queem breve mostraria que podia inclusive derrotar o Império czarista na guerra, reduziu a ameaça que aRússia representava para a Grã-Bretanha, fortalecendo assim a posição britânica. Tornou, portanto,possível o esvaziamento de antigas disputas russo-britânicas.

          A globalização do jogo de poder internacional transformou automaticamente a situação do país,que fora até então a única das grandes potências com objetivos políticos realmente mundiais. Não éexagero dizer que durante a maior parte do século XIX a função da Europa nos cálculos diplomáticosbritânicos era ficar quieta para que a Grã-Bretanha pudesse dar continuidade às suas atividades,principalmente econômicas, no resto do planeta. Esta era a essência da combinação característica deum equilíbrio europeu de poder com a Pax Britannica, garantido pela única marinha de dimensõesmundiais, que controlava todos os oceanos e orlas marítimas do globo. Em meados do século XIX, todasas outras marinhas do mundo, juntas, mal ultrapassavam o tamanho da marinha britânica sozinha. Nofinal do século já não era assim.

          Em segundo lugar, com o surgimento de uma economia industrial capitalista mundial, o jogointernacional se desenrolava em torno de apostas bastante diferentes. Isso não significa que, adaptandoa famosa frase de Clausewitz, a guerra agora fosse apenas a continuação da concorrência econômicapor outros meios. Esta opinião tentou os deterministas históricos à época, quanto mais não fosse porqueobservavam muitos exemplos de expansão econômica por meio de metralhadoras e canhoneiras.Entretanto, era uma simplificação grosseira. Mesmo tendo o desenvolvimento capitalista e oimperialismo responsabilidade na derrapagem descontrolada do mundo em direção a um conflitomundial, é impossível argumentar que muitos dos capitalistas fossem provocadores conscientes daguerra. Qualquer estudo imparcial das publicações do setor de negócios, da correspondência particulare comercial dos homens de negócios, de suas declarações públicas enquanto porta-vozes dos bancos, docomércio e da indústria mostra, de modo bastante conclusivo, que a maioria dos homens de negóciosachava a paz internacional vantajosa para eles. De fato, a guerra em si era aceitável somente na medidaem que não interferisse nos "negócios como de costume", e a principal objeção do jovem economistaKeynes (que ainda não era um reformador radical de sua área) era que a guerra não apenas matavaseus amigos, mas também inviabilizava uma política econômica baseada nos "negócios como decostume". Havia, naturalmente, expansionistas econômicos belicosos, mas o jornalista liberal NormanAngell exprimia quase com certeza o consenso do mundo dos negócios: a crença de que a guerrabeneficiava o capital era "A Grande Ilusão", título de seu livro de 1912.

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          De fato, por que os capitalistas mesmo os industriais, com a possível exceção dos fabricantes dearmas desejariam perturbar a paz internacional, quadro essencial de sua prosperidade e expansão, se otecido da liberdade internacional para negociar e o das transações financeiras dependiam dela?Evidentemente, os que foram bem-sucedidos na concorrência internacional não tinham motivos dequeixa. Os perdedores pediriam, naturalmente, proteção econômica a seus governos, o que é, contudo,muito diferente de pedir guerra. Ademais, o maior dos perdedores potenciais, a Grã-Bretanha, resistiuaté contra esses pedidos, e seus interesses econômicos permaneceram, em sua esmagadora maioria,vinculados à paz, apesar do constante temor da concorrência alemã, ruidosamente expressa nos anos1890, e da penetração já efetiva do capital alemão e americano no mercado interno britânico. No quetange às relações anglo-americanas, podemos inclusive ir mais longe. Se apenas a concorrênciaeconômica bastasse para uma guerra, a rivalidade anglo-americana deveria, logicamente, ter preparadoo terreno para um conflito militar como alguns marxistas do entre-guerra ainda pensavam que fosseocorrer. Contudo, foi precisamente nos anos 1900 que o Estado-Maior imperial britânico abandonou atéos mais remotos planos de emergência para uma guerra anglo-americana. Daí em diante, essapossibilidade ficou totalmente excluída.

 

 

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         No entanto, o desenvolvimento do capitalismo empurrou o mundo, inevitavelmente, em direção auma rivalidade entre os Estados, à expansão imperialista, ao conflito e à guerra. Após 1870, como oshistoriadores mostraram, "a passagem do monopólio à concorrência talvez tenha sido o fator isoladomais importante na preparação da mentalidade propícia ao empreendimento industrial e comercialeuropeu. Crescimento econômico também era luta econômica, luta que servia para separar os fortes dosfracos, para desencorajar alguns e endurecer outros, para favorecer as nações novas e famintas àscustas das antigas. O otimismo em relação a um futuro de progresso indefinido cedeu lugar à incerteza ea um sentimento de agonia, no sentido clássico do termo. Tudo isso, por sua vez, reforçando e sendoreforçado pelo acirramento das rivalidades políticas , as duas formas de concorrência que surgiam".

          A economia mundial deixara totalmente de ser, como fora em meados do século XIX, um sistemasolar girando em torno de uma estrela única, a Grã-Bretanha. Embora as transações financeiras ecomerciais do planeta ainda, na verdade cada vez mais, passassem por Londres, a Grã-Bretanha já nãoera, evidentemente, a "oficina do mundo", nem seu principal mercado importador. Ao contrário, seudeclínio relativo era patente. Um certo número de economias industriais nacionais agora se enfrentavammutuamente. Sob tais circunstâncias, a concorrência econômica passou a estar intimamente entrelaçadacom as ações políticas, ou mesmo militares, do Estado. O ressurgimento do protecionismo durante aGrande Depressão foi a primeira conseqüência dessa fusão. Do ponto de vista do capital, o apoiopolítico passaria a ser essencial para manter a concorrência estrangeira à distância, e talvez tambémessencial em regiões do mundo onde as empresas de economias industriais nacionais competiam umascom as outras. Do ponto de vista dos Estados a economia passou a ser desde então tanto a base mesma

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do poder internacional como seu critério. Agora era impossível conceber uma grande nação", que nãofosse ao mesmo tempo uma "grande economia", transformação ilustrada pelo ascenso dos EUA e peloenfraquecimento relativo do Império Czarista.

           Inversamente, as transformações que ocorreram no poder econômico, que mudaramautomaticamente o equilíbrio entre força política e militar, não acarretariam uma redistribuição depapéis no cenário internacional? Esta era uma opinião francamente popular na Alemanha, cujoassombroso crescimento industrial lhe conferiu um peso internacional incomparavelmente maior que oque tivera a Prússia. Não foi por acaso que entre os alemães nacionalistas de 1890, o velho cânticopatriótico "O sentinela do Reno", dirigido exclusivamente contra os franceses, perdeu rapidamenteterreno frente às ambições globais do "Deutschland über Alles", que se tornou, de fato, o hino nacionalalemão, embora ainda não oficialmente.

           O que tornou essa identificação entre poder econômico e político-militar tão perigosa foram nãoapenas as rivalidades nacionais pelos mercados mundiais e recursos materiais e pelo controle deregiões, como no Oriente Próximo e Médio, onde os interesses econômicos e estratégicos tantas vezes sesobrepunham. Bem antes de 1914, a petro-diplomacia já era um fator crucial no Oriente Médio, sendovitoriosas a Grã-Bretanha e a França, as empresas de petróleo ocidentais (mas ainda não americanas) eum intermediário armênio, Calouste Gulbenkian, que garantiu 5% para si próprio. Inversamente, apenetração econômica e estratégica alemã no Império Otomano já preocupava os britânicos e ajudou asituar a Turquia do lado da Alemanha durante a guerra. Mas a novidade da situação residia em que,dada à fusão entre economia e política, nem a divisão pacífica das áreas disputadas em "zonas deinfluência" podia manter a rivalidade internacional sob controle. A única coisa que poderia controlá-lacomo sabia Bismarck, que a administrou com incomparável habilidade entre 1871 e 1889 ,era alimitação deliberada de objetivos. Se os Estados pudessem definir seus objetivos diplomáticos comprecisão, uma determinada mudança nas fronteiras, um casamento dinástico, uma "compensação"definível pelos avanços de outros Estados, tanto o cálculo como o acordo seriam possíveis. Masnenhuma das duas excluía, como o próprio Bismarck comprovara entre 1862 e 1871, o conflito militarcontrolado.

          Mas o traço característico da acumulação capitalista era justamente não ter limite. As "fronteirasnaturais" da Standard Oil, do Deutsche Bank, da De Beers Diamond Corporation estavam situadas nosconfins do universo, ou antes, nos limites de sua capacidade de expansão. Foi este aspecto dos novospadrões da política mundial que desestabilizou as estruturas da política mundial tradicional. Enquanto oequilíbrio e a estabilidade permaneciam como a condição fundamental das nações européias em suasrelações recíprocas, em outros lugares nem as mais pacíficas hesitavam em recorrer à guerra contra osfracos. Tinham sem dúvida, como vimos, o cuidado de manter seus conflitos coloniais sob controle. Estesnunca pareceram constituir causus belli para uma guerra de grandes proporções, mas com certezaprecipitaram a formação de blocos internacionais e finalmente beligerantes: o que se tornou o blocoanglo-franco-russo começou com o "entendimento cordial" anglo-francês (Entente Cordiale) de 1904,essencialmente uma negociação imperialista através da qual os franceses desistiram de reivindicar oEgito, e, em troca, a Grã-Bretanha apoiaria suas reivindicações relativas ao Marrocos, uma vítima, naqual a Alemanha também estava de olho. Entretanto, todas as nações, sem exceção, estavam com ânimoexpansionista e conquistador. Até a Grã-Bretanha, cuja postura era fundamentalmente defensiva, dadoque seu problema era como proteger seu domínio global, até então incontestado, contra os novosintrusos atacou as repúblicas sul-africanas; ela também não hesitou em pensar em dividir as colônias deoutro Estado europeu, Portugal, com a Alemanha. No oceano do planeta, todos os Estados eram

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tubarões e todos os estadistas sabiam disso.

          Mas o que tornou o mundo um lugar ainda mais perigoso foi a equação tácita de crescimentoeconômico ilimitado e poder político, que veio a ser aceita inconscientemente. Assim, o imperadoralemão pediu, nos anos 1890, "um lugar ao sol" para seu Estado. Bismarck poderia ter reivindicado omesmo e, de fato, conquistara um lugar muitíssimo mais poderoso no mundo para a nova Alemanha doque a Prússia jamais desfrutara. Contudo, Bismarck podia definir as dimensões de suas ambições,evitando cuidadosamente entrar no terreno das zonas sem controle, ao passo que para Guilherme II afrase se tornou um mero slogan sem conteúdo concreto. Formulava simplesmente um princípio deproporcionalidade: quanto mais poderosa for a economia de um país, maior será sua população, maioro lugar internacional de sua nação-Estado. Assim, não havia limites teóricos ao lugar que ele podiasentir que lhe cabia. Como dizia a frase nacionalista: "Heute Deutschland, morgen die ganze Welt"(Hoje a Alemanha, amanhã o mundo inteiro). Tal dinamismo ilimitado pode ser expresso na retóricapolítica, cultural ou nacionalista-racista: mas o real denominador comum dos três níveis era anecessidade imperiosa de expandir uma economia capitalista maciça, observando suas curvasestatísticas dispararem para cima. Sem isso sua significação seria tão reduzida como, digamos, a dosintelectuais poloneses do século XIX, que acreditavam numa missão messiânica de seu (então nãoexistente) país no mundo.

 

 

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          Em termos práticos, o perigo não era a Alemanha se propor concretamente a tomar o lugarbritânico de potência mundial, embora a retórica da agitação nacionalista alemã tenha prontamentebatido na tecla antibritânica. O perigo residia antes em que um poder global exigia uma marinha global,e a Alemanha empreendeu (1897), portanto, a construção de uma grande esquadra de guerra, que tinhaa vantagem incidental de representar não os velhos estados alemães, mas exclusivamente a novaAlemanha unificada, com um oficialato que representava não os junkers prussianos ou qualquer outratradição guerreira aristocrática, mas a nova classe média, ou seja, a nova nação. O próprio almiranteTirpitz, paladino da expansão naval, negou ter planejado uma marinha capaz de derrotar a britânica,afirmando que só queria uma força naval ameaçadora o bastante para forçar a Grã-Bretanha a apoiaras suas reivindicações globais e, especialmente, coloniais. Além disso, seria possível esperar-se que umpaís do porte da Alemanha não tivesse uma marinha à altura de sua importância?

          Do ponto de vista britânico, a construção de uma esquadra de guerra alemã mais que um meroaumento da tensão para sua marinha já excessivamente comprometida a nível mundial e já superadapela soma das esquadras das nações rivais, antigas e modernas significava o aumento das dificuldadesem manter, sequer, seu objetivo mais modesto: o de ser mais forte que as duas outras maiores marinhascombinadas (o "padrão duas potências"). Ao contrário de todas as outras, as bases da esquadra alemãestavam inteiramente no Mar do Norte, de frente para a Inglaterra.

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           Seu objetivo não podia ser outro senão o conflito com a marinha britânica. Do ponto de vistabritânico, a Alemanha era essencialmente um poder continental e, como importantes estudiosos dageopolítica como Sir Halford Mackinder destacaram (1904), as grandes nações desse tipo já têmvantagens substanciais em relação a uma ilha de tamanho médio. Os interesses marítimos alemãeslegítimos eram visivelmente marginais, ao passo que o Império Britânico dependia profundamente desuas rotas marítimas, e de fato deixara os continentes (exceto a Índia) aos exércitos de Estados cujoelemento era a terra. Mesmo se a esquadra de guerra alemã não fizesse absolutamente nada,inevitavelmente imobilizaria navios britânicos, dificultando, ou até impossibilitando, o controle navalbritânico sobre águas consideradas vitais como o Mediterrâneo, o Oceano Indico e a orla do Atlântico.O que para a Alemanha era um símbolo de status internacional e de ambições mundiais indefinidas,para o Império Britânico era uma questão de vida ou morte. As águas americanas podiam e foram em1901 deixadas a cargo de um país amigo, os EUA; as águas do Extremo Oriente foram deixadas a cargodos EUA e do Japão, porque à época ambos eram nações com interesses puramente regionais, que dequalquer maneira não pareciam incompatíveis com os britânicos. A marinha alemã, mesmo comomarinha regional, o que não mais pretendia ser, era uma ameaça tanto para as ilhas britânicas, comopara a posição mundial do Império Britânico. A Grã- Bretanha defendeu ao máximo a preservação dostatus quo e a Alemanha sua modificação inevitavelmente, mesmo se não intencionalmente, às custas daGrã-Bretanha. Nessas circunstâncias e dada a rivalidade econômica entre as indústrias dos dois países,não admira que a Grã-Bretanha considerasse a Alemanha o mais provável e perigoso de seusadversários potenciais.

           Era lógico que se aproximasse da França e uma vez o perigo russo minimizado pelo Japão daRússia, ainda mais porque a derrota russa destruíra, pela primeira vez na memória das pessoas aindavivas, o equilíbrio entre as nações do continente europeu que os chanceleres britânicos tinham dado porcerto durante tanto tempo.

           Este fato revelou que a Alemanha era a força militar dominante na Europa, de longe, a maistemível. Esses foram os antecedentes da surpreendente Tríplice Entente anglo-franco-russa.

           A divisão da Europa nos dois blocos hostis levou quase um quarto de século, da formação daTríplice Aliança (1882) à configuração da Tríplice Entente (1907). Não precisamos acompanhar operíodo, ou os acontecimentos subseqüentes, através do labirinto de todos os seus detalhes. Estes apenasdemonstram que o atrito internacional no período do imperialismo era global e endêmico, que ninguém,ainda menos os britânicos, sabia muito bem em que direção as contracorrentes dos interesses, temores eambições, suas e de outras nações, os estavam levando, e, embora o sentimento de que estariam levandoa Europa rumo a uma guerra importante fosse generalizado, nenhum dos governos sabia muito bem oque fazer a esse respeito. Falharam inúmeras tentativas de romper o sistema de blocos, ou ao menos demitigá-lo por meio de aproximação entre os blocos: entre Grã-Bretanha e Alemanha, Alemanha eRússia, Alemanha e França, Rússia e Áustria. Os blocos, fortalecidos por planos inflexíveis de estratégiae mobilização, tornaram-se mais rígidos; o continente foi incontrolavelmente arrastado para a batalhapor meio de uma série de crises internacionais que, após 1905, cada vez mais eram solucionadas por"malabarismo político" isto é, pela ameaça da guerra.

           A partir de 1905, a desestabilização da situação internacional, como conseqüência da nova vagade revoluções na periferia das sociedades plenamente "burguesas", acrescentou material inflamávelnovo a um mundo que já estava prestes a pegar fogo. Houve a revolução russa de 1905, que deixou oImpério Czarista temporariamente incapacitado, encorajando a Alemanha a insistir em suasreivindicações no Marrocos, intimidando a França. Berlim foi forçada a recuar na conferência de

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Algeciras (janeiro de 1906) devido ao apoio britânico à França, em parte porque uma guerra degrandes proporções por causa de um problema puramente colonial era pouco atraente politicamente, emparte porque a marinha alemã ainda se sentia excessivamente fraca para enfrentar uma guerra contra amarinha britânica. Dois anos depois, a Revolução Turca destruiu os acordos, cuidadosamenteconstruídos, que visavam ao equilíbrio internacional no sempre explosivo Oriente Próximo. A Áustriaaproveitou a oportunidade para anexar formalmente a Bósnia-Herzegovina (que anteriormente apenasadministrava), precipitando assim uma crise com a Rússia, resolvida apenas com a ameaça de um apoiomilitar alemão à Áustria. A terceira grande crise internacional, em torno do Marrocos em 1911, tinhareconhecidamente pouco a ver com a revolução e tudo a ver com o imperialismo e com as duvidosasoperações de homens de negócios piratas, que perceberam suas múltiplas possibilidades. A Alemanhaenviou uma canhoneira disposta a se apoderar do porto de Agadir, ao sul do Marrocos, no intuito deobter alguma "compensação" dos franceses por seu "protetorado" iminente sobre o Marrocos, mas foiforçada a recuar pelo que pareceu ser uma ameaça britânica, a de ir à guerra do lado dos franceses;irrelevante se isso foi mesmo proposital ou não.

 

 

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          A crise de Agadir demonstrou que quase todo confronto entre duas potências importantes agora aslevava à beira da guerra. Quando prosseguiu o desmoronamento do Império Turco, com a Itáliaatacando e ocupando a Líbia, em 1911, e a Sérvia, a Bulgária e a Grécia empreendendo a expulsão dosturcos da península balcânica, em 1912, todas as nações estavam imobilizadas, tanto pela relutância emantagonizar um aliado potencial como a Itália, até então não comprometida com nenhum dos dois lados,como pelo medo de serem arrastadas a problemas incontroláveis pelos Estados balcânicos. Em 1914ficou provado que tinham razão. Congeladas na imobilidade, viram a Turquia ser quase empurradapara fora da Europa e uma segunda guerra entre os Estados pigmeus balcânicos vitoriosos redesenhar omapa dos Bálcãs em 1913. O máximo que as potências européias conseguiram foi criar um Estadoindependente na Albânia (1913), sob o príncipe alemão de costume, embora os albaneses que sepreocupavam com o assunto preferissem um aristocrata inglês independente, que mais tarde inspirou asnovelas de aventuras de John Buchan. A crise balcânica seguinte foi precipitada em 28 de junho de1914, quando o herdeiro do trono austríaco, o arquiduque Francisco Fernando, visitou a capital daBósnia, Sarajevo.

          O que tornou a situação ainda mais explosiva foi que, justamente nesse período, a política interna

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das principais potências empurrou sua política externa para a zona de perigo. Após 1905, osmecanismos políticos que serviam para administrar estavelmente os regimes começaram visivelmente aruir. Tornou-se cada vez mais difícil controlar, e ainda mais absorver e integrar, as mobilizações econtramobilizações dos súditos em via de se transformarem em cidadãos democráticos. A própriapolítica democrática encerrava um elemento de alto risco, até num Estado como a Grã-Bretanha, quemantinha a verdadeira política externa cuidadosamente oculta, não apenas do Parlamento, comotambém de parte do gabinete liberal. O que fez a crise de Agadir avançar de uma ocasião de conchavopolítico potencial a uma confrontação de soma zero foi um discurso público de Lloyd George, queparecia não deixar à Alemanha outra opção além da guerra ou do recuo. A política não democrática erapior ainda. Seria possível não afirmar "que as principais causas da trágica deflagração européia dejulho de 1914 foram a incapacidade das forças democráticas da Europa central e oriental controlaremos elementos militaristas de suas sociedades e a rendição dos autocratas, não a seus súditosdemocráticos leais, mas a seus conselheiros militares irresponsáveis"? E, pior que tudo, os países queestavam enfrentando problemas insolúveis, não se sentiriam tentados a apostar na solução propiciadapor um triunfo externo, especialmente quando seus conselheiros militares lhes diziam que, desde que aguerra era certa, o melhor momento para agir era agora?

           Não era, certamente, o caso na Grã-Bretanha e na França, apesar de seus problemas Foiprovavelmente o caso na Itália, embora, felizmente, o aventureirismo italiano sozinho não pudessedeflagrar a guerra mundial. Foi o caso na Alemanha? Os historiadores continuam discutindo sobre oefeito da política interna alemã na sua política externa. Parece claro que (como em todas as outrasnações) a agitação de direita nas bases incentivou e ajudou a corrida armamentista competitiva,especialmente no mar. Afirmou-se que a inquietação dos trabalhadores e o avanço eleitoral dasocial-democracia fizeram com que as elites dirigentes se interessassem em desarmar o problemainterno por meio do êxito externo. Sem dúvida, havia muitos conservadores que, como o duque deRatibor, pensavam que era necessária uma guerra para restaurar a antiga ordem, como em 1864-1871.Provavelmente essa idéia não fez nada mais do que tornar os civis menos céticos em relação aosargumentos de seus generais belicosos. Foi o caso na Rússia? Sim, na medida em que o czarismo,restaurado após 1905 com modestas concessões à liberalização política, viu provavelmente no apelo aonacionalismo da Grande Rússia e à glória da força militar, sua estratégia mais promissora, com vistas arenascer e se fortalecer. E de fato, se não fosse pela lealdade firme e entusiástica das forças armadas, aproximidade de uma revolução teria sido maior em 1913-1914, que em qualquer outro momento entre1905 e 1917. Contudo, em 1914 a Rússia com toda certeza não queria a guerra.

          Entretanto, havia uma nação que não podia senão apostar sua existência no jogo militar, porquesem ele parecia condenada: a Áustria-Hungria, dilacerada desde meados da década de 1890 porproblemas nacionais cada vez mais inadministráveis, dos quais os dos eslavos do sul pareciam ser osmais recalcitrantes e perigosos, por três motivos. Primeiro, porque não só causavam transtornos, comoas outras nacionalidades politicamente organizadas no império multinacional, que disputavamvantagens umas às outras, como também complicavam as coisas ao pertencer tanto ao governo deViena, lingüisticamente flexível, como ao de Budapeste, implacavelmente magiar. A agitação dos eslavosno sul da Hungria, além de transbordar para a Áustria, agravou as sempre difíceis relações entre asduas metades do império. Segundo, porque o problema dos eslavos da Áustria não podia serdesenraizado da política balcânica e, na verdade, ambos estavam ainda mais entrelaçados desde aocupação da Bósnia, em 1878. Ademais, já existia um Estado independente eslavo no sul, a Sérvia (semcontar Montenegro, um homérico pequeno Estado montanhoso de pastores de cabras hostis, pistoleirose príncipes-bispos apreciadores das inimizades feudais e sangrentas e da composição de épicos

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heróicos), o que podia ser uma tentação para os eslavos do sul dissidentes no Império. Terceiro, porquea derrocada do Império Otomano praticamente condenou o Império Habsburgo, salvo se este pudessedemonstrar, sem sombra de dúvida, que ainda era uma grande nação nos Bálcãs, onde ninguém podia semeter.

          Até o fim de seus dias, Gavrilo Princip, o assassino do arquiduque Francisco Fernando, nãoconseguiu acreditar que sua minúscula iniciativa tivesse ateado fogo ao mundo. A crise final de 1914 foitão inesperada, tão traumática e, vista retrospectivamente, tão persistente porque foi, essencialmente,um incidente na política austríaca que exigia, na opinião de Viena, que se "desse uma lição na Sérvia".A atmosfera internacional parecia calma. Nenhum ministério das relações exteriores esperavaproblemas em junho de 1914, e personalidades públicas há décadas eram assassinadas com uma certafreqüência. Em princípio, ninguém se preocupou com o fato de uma grande nação intervir pesadamentenum vizinho pequeno e problemático. Desde, então cerca de cinco mil livros foram escritos paraexplicar o aparentemente inexplicável: como, dentro de pouco mais de cinco semanas após Sarajevo, aEuropa se encontrava em guerra. A resposta imediata parece agora tão clara, como simples: aAlemanha decidiu dar apoio total à Áustria, ou seja, não acalmar a situação. O resto seguiu-seinexoravelmente. Pois, em 1914, qualquer confronto entre os blocos em que se esperasse que um dosdois lados recuasse, os levava à beira da guerra. Além de um certo ponto, as mobilizações inflexíveis dasforças militares, sem as quais tal confronto não mereceria credibilidade, não podiam retroceder. Adesmobilização não poderia mais desmobilizar, mas apenas destruir. Em 1914, qualquer incidente, pormais aleatório que fosse, até a ação de um terrorista estudantil ineficaz num canto perdido docontinente, podia levar a esse confronto, se alguma nação isolada, presa ao sistema de bloco econtrabloco, escolhesse levá-lo a sério. Assim, a guerra chegou e, em circunstâncias comparáveis,chegaria outra vez.

 

 

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          Em suma , as crises internas e internacionais, nos últimos anos anteriores a 1914, fundiram-se.A Rússia uma vez mais ameaçada pela revolução social, a Áustria desafiada pela desintegração deum império múltiplo não mais controlável, e até a Alemanha polarizada e talvez ameaçada peloimobilismo devido a suas divisões políticas, todos eles pendiam para o lado de seus militares e suassoluções. Até a França, unida por uma relutância a pagar impostos e, portanto, a conseguir asverbas necessárias para um rearmamento maciço (era mais fácil prolongar outra vez o serviçomilitar para três anos), elegeu em 1913 um presidente que conclamou à vingança contra a Alemanhae emitiu ruídos belicosos, fazendo eco aos generais que agora, com otimismo assassino,abandonavam uma estratégia defensiva por um assalto ofensivo do outro lado do Reno. Osbritânicos preferiam os navios de guerra aos soldados: a marinha sempre fôra popular, uma glórianacional passível de ser aceita pelos liberais como protetora do comércio. As cicatrizes navaistinham charme político, ao contrário da reforma do exército. Poucos, mesmo entre seus políticos,perceberam que os planos para uma guerra conjunta com a França implicava um exército maciço efinalmente a convocação, e de fato não tinham em vista nada além de uma guerra basicamente navale comercial. Contudo, embora o governo britânico tenha se mantido pacífico até o último momentoou antes, se recusou a tomar posição, temendo uma divisão do governo liberal, ele não podia pensarem ficar fora da guerra. Felizmente, a invasão alemã da Bélgica, há muito preparada pelo planoSchlieffen, propiciou a Londres uma cobertura moral para necessidades diplomáticas e militares.

          Mas como reagiriam as massas da Europa a uma guerra que não podia senão ser uma guerrade massas, já que todos os beligerantes, salvo os britânicos, se prepararam para lutar com exércitosde recrutas de enormes dimensões? Em agosto de 1914, antes mesmo da deflagração dashostilidades, 19 milhões e potencialmente 50 milhões de homens armados estavam frente a frente deum lado e de outro das fronteiras. Qual seria a atitude dessas massas quando convocadas e qualseria o impacto da guerra entre os civis, especialmente se, como alguns militares argutamentesuspeitavam, embora quase não levando o dado em conta em seus planos, a guerra não terminasserapidamente? Os britânicos eram particularmente sensíveis a esse problema, pois dispunham apenasde voluntários para reforçar seu exército regular modesto de 20 divisões (comparado com 74 daFrança, 94 da Alemanha e 108 da Rússia), porque as classes trabalhadoras eram sustentadas,sobretudo com alimentos despachados de navio do ultramar, o que era extremamente vulnerável aum bloqueio, e porque nos anos imediatamente anteriores à guerra, o governo enfrentara agitação etensão sociais inéditas na memória das pessoas vivas à época, e uma situação explosiva na Irlanda."A atmosfera de guerra", pensou o ministro liberal John Morley, "não pode ser propícia à ordemnum sistema democrático que está à beira do espírito de 1848". Mas a atmosfera interna das outrasnações também era de natureza a inquietar seus governos. É um erro pensar que em 1914 osgovernos se precipitaram à guerra para desativar suas crises sociais internas. No máximo,calcularam que o patriotismo minimizaria as resistências mais graves e a não-cooperação.

          Nisso eles estavam certos. A oposição liberal, humanitária e religiosa à guerra sempre forainsignificante na prática, embora nenhum governo (com a exceção eventual da Grã-Bretanha)estivesse disposto a reconhecer uma recusa a prestar serviço militar por objeção de consciência. Osmovimentos trabalhista e socialista organizados, em seu conjunto, se opunham ardentemente aomilitarismo e à guerra, e o Partido Trabalhista e a Internacional Socialista inclusive se engajaram,em 1907, numa greve geral internacional contra a guerra, mas políticos teimosos não levaram o fatomuito a sério, embora um extremista de direita tenha assassinado o grande líder e orador socialistafrancês Jean Jaurès poucos dias antes da guerra, quando ele tentava desesperadamente salvar a paz.

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Os principais partidos socialistas foram contra essa greve, poucos acreditavam que fosse viável e, dequalquer maneira, como Jaurès reconheceu "uma vez deflagrada a guerra, não podemos fazer maisnada". Como vimos, o ministro do Interior da França nem se incomodou em prender os perigososmilitantes antiguerra, dos quais a polícia preparara cuidadosamente uma lista com esse intuito. Adissidência nacionalista não demonstrou imediatamente ser um fator grave. Em suma, a convocaçãodo governo ao alistamento não enfrentou uma real resistência.

           Mas os governos se enganaram no que tange a um ponto crucial: foram pegos totalmente desurpresa, assim como os que se opunham à guerra, pela extraordinária vaga de entusiasmopatriótico com que seus povos pareciam mergulhar num conflito no qual ao menos 20 milhões depessoas seriam mortas ou feridas, sem contar os incalculáveis milhões de nascimentos que deixaramde acontecer e o excesso de mortes civis devido à fome e à doença. As autoridades francesas previam5 a 13 por cento de deserção: na verdade apenas 1,5 por cento se esquivou ao recrutamento em1914. Na Grã-Bretanha, onde havia a mais forte oposição política à guerra e onde ela estavaprofundamente enraizada na tradição, tanto na liberal quanto na trabalhista e socialista, o númerode voluntários nas primeiras oito semanas foi de 750 mil, mais um milhão nos oito meses seguintes.Os alemães, como previsto, nem sonharam em desobedecer às ordens. "Como alguém vai poder dizerque não amamos nossa pátria, quando após a guerra tantos milhares de nossos bons companheirosdo partido dizem "fomos condecorados por heroísmo?". Assim escreveu um militantesocial-democrata alemão, tendo recebido a Cruz de Ferro em 1914. Na Áustria não foi só o povodominante que foi abalado por uma breve onda de patriotismo Como reconheceu o líder socialistaaustríaco Victor Adler, "mesmo entre as nacionalidades, lutar na guerra era uma espécie delibertação, uma esperança de que algo diferente viria". Até na Rússia, onde haviam sido previstosum milhão de desertores, todos, salvo poucos milhares dos 15 milhões, obedeceram à convocação.As massas seguiram as bandeiras de seus respectivos Estados e abandonaram os líderes que seopuseram à guerra. Na verdade, deles restavam poucos, ao menos em público. Em 1914, os povos daEuropa foram alegremente massacrar e ser massacrados, por pouco tempo, no entanto. Após aPrimeira Guerra Mundial, isso nunca mais aconteceu.

          O momento os surpreenderá, mas não mais pelo fato da guerra, ao qual a Europa sehabituaria, como alguém que vê uma tempestade se aproximando. De certo modo sua chegada foiamplamente sentida como uma libertação e um alívio, sobretudo pelos jovens da classe média,homens, muito mais que mulheres, embora menos pelos operários e menos ainda pelos camponeses.Como uma tempestade, ela rompeu o abafamento da espera e limpou o ar. Significou o fim dasuperficialidade e da frivolidade da sociedade burguesa, do tedioso gradualismo da melhoria doséculo XIX, da tranqüilidade e da ordem pacífica que era a utopia liberal para o século XX e queNietzsche denunciara profeticamente, junto com a "pálida hipocrisia administrada por mandarins".Após uma longa espera no auditório, significou a abertura da cortina para o início de um dramahistórico grandioso e empolgante do qual o público descobriu ser o elenco. Significou decisão.

           O fato de a guerra ter sido o momento da transposição de uma fronteira histórica, umadaquelas raras datas que marcam a periodização da civilização humana teria sido reconhecidocomo algo mais que uma conveniência pedagógica? Provavelmente sim, apesar da esperança muitodisseminada numa guerra curta, num retorno previsível à vida normal e à "normalidade"retrospectivamente identificada a 1913, presente em tantas das opiniões registradas de 1914. Até asilusões dos jovens patriotas e militaristas, que mergulharam na guerra como num elemento novo,"como nadadores na pureza saltando", implicaram mudanças profundas. O sentimento da guerra

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como fim de uma época era talvez mais forte no mundo da política, embora poucos tivessem umaconsciência tão clara como o Nietzsche dos anos 1880 da "era de guerras, levantes [Umstürze],explosões monstruosas [ungeheure]" que começara, ainda menos numerosos foram os de esquerdaque, interpretando a seu próprio modo a guerra, nela viam esperança, como Lenin. Para ossocialistas a guerra era uma catástrofe dupla e imediata, pois, como movimento dedicado aointernacionalismo e à paz, foi subitamente reduzido à impotência, e a vaga de união nacional epatriotismo sob a direção das classes dirigentes tomou conta, embora momentaneamente, dospartidos e até do proletariado com consciência de classe dos países beligerantes. Entre os estadistasdos antigos regimes houve ao menos um que reconheceu que tudo mudara. "As lâmpadas estão seapagando na Europa inteira", disse Edward Grey ao ver as luzes da sede do governo inglêsapagadas na noite em que a Grã-Bretanha e a Alemanha entraram em guerra. "Não as veremosbrilhar outra vez em nossa existência."

          Temos vivido, desde agosto de 1914, no mundo de guerras, levantes e explosões monstruosasque Nietzsche profeticamente anunciou. Isto que envolve a era anterior a 1914 com a névoa danostalgia, uma tênue idade de ouro, de ordem e de paz, de perspectivas não problemáticas. Taisprojeções passadas de bons velhos tempos imaginários pertencem à história das últimas décadas doséculo XX, e não das primeiras. Os historiadores dos dias anteriores ao apagar das luzes nãopensavam nelas. Sua preocupação central, que perpassa este livro, deve ser a de entender e mostrarcomo a era da paz, da civilização burguesa confiante e cada vez mais próspera, e dos impériosocidentais, carregava inelutavelmente dentro de si o embrião da era da guerra, da revolução e dacrise que marcou seu fim." (Eric J. Hobsbawm)

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