33
Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses Universidade de Coimbra, Portugal 17 de Abril de 2008 Primeira parte Este trabalho tem o objectivo de relatar o estágio curricular que realizei no jornal Macau Daily Times (MDT) como repórter fotográfico no período entre Novembro de 2007 e Fevereiro de 2008. Com este trabalho pretendo expor os principais ensinamentos adquiridos durante a prática do fotojornalismo, confrontando esta experiência com os conhecimentos teóricos absorvidos ao longo da licenciatura em Jornalismo. Oficialmente, o meu estágio, aos olhos do Instituto de Estudos Jornalísticos (IEJ), deveria ter sido realizado noutro jornal da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), o Jornal Tribuna de Macau (JTM), graças a um protocolo assinado pelo seu director, José Rocha Dinis, e a direcção do IEJ. A interrupção do meu estágio no JTM após quase dois meses deveu-se ao que o próprio director José Rocha Dinis definiu como “um erro de casting”. Rocha Dinis não podia estar mais certo na sua definição. Apesar da postura “linha dura” que dirige o diário de língua portuguesa mais tradicional da RAEM, esta foi uma das suas frases que, 1

Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses Universidade de Coimbra, Portugal 17 de Abril de 2008

Citation preview

Page 1: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

Relatório de Estágio

Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

Universidade de Coimbra, Portugal

17 de Abril de 2008

Primeira parte

Este trabalho tem o objectivo de relatar o estágio curricular que realizei no jornal

Macau Daily Times (MDT) como repórter fotográfico no período entre Novembro de

2007 e Fevereiro de 2008. Com este trabalho pretendo expor os principais ensinamentos

adquiridos durante a prática do fotojornalismo, confrontando esta experiência com os

conhecimentos teóricos absorvidos ao longo da licenciatura em Jornalismo.

Oficialmente, o meu estágio, aos olhos do Instituto de Estudos Jornalísticos (IEJ),

deveria ter sido realizado noutro jornal da Região Administrativa Especial de Macau

(RAEM), o Jornal Tribuna de Macau (JTM), graças a um protocolo assinado pelo seu

director, José Rocha Dinis, e a direcção do IEJ.

A interrupção do meu estágio no JTM após quase dois meses deveu-se ao que o

próprio director José Rocha Dinis definiu como “um erro de casting”. Rocha Dinis não

podia estar mais certo na sua definição. Apesar da postura “linha dura” que dirige o

diário de língua portuguesa mais tradicional da RAEM, esta foi uma das suas frases que,

entre outras, formaram os nossos laços de amizade e a minha admiração para com ele.

Porém não posso deixar de citar neste relatório as experiências que tive no Tribuna de

Macau, pois foi graças a estas experiências que pude valorizar ainda mais o que aprendi

em Coimbra. Da mesma forma, não posso deixar de relatar as experiências na Secção de

Jornalismo da AAC e em especial noutros dois órgãos de comunicação social: o Jornal A

Tribuna de Santos, no Brasil, em Agosto de 2007 e a Agência Lusa, em Timor Leste,

durante o mês de Fevereiro de 2008.

Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses. Não consigo, nem posso, a

partir de um ponto de vista pessoal, encarar a minha experiência e a aprendizagem

adquirida como sendo fruto de apenas um único estágio. Por isso peço a compreensão da

comissão de estágios e do IEJ para um relato mais abrangente neste trabalho, contudo,

1

Page 2: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

sem esquecer de focar os intensos meses de estágio no Macau Daily Times que me

proporcionaram não apenas mais conhecimentos na área do Fotojornalismo, mas

também lições de jornalismo e de vida com os meus colegas de trabalho.

Porquê o Fotojornalismo?

“Se a vida fosse um livro, viver e não viajar

seria como se lêssemos apenas uma página deste livro.”

Blaise Pascal

Não foi uma escolha. O gosto pelo jornalismo surgiu na minha vida, ainda durante

a adolescência, enquanto procurava algo que gostasse de fazer. Este gosto ganhou forma

e conduziu-me ao Fotojornalismo. Gostava de viajar e, com uma caneta e uma máquina

fotográfica compacta com um rolo de 24 fotos, comecei a coleccionar histórias e

imagens de vidas e de sítios. Gostava daquela combinação de imagem e conteúdo, da

simbiose da história com a as imagens das personagens, da representação dos factos

fruto dos meus actos com uma máquina fotográfica. Uma combinação que mais tarde

vim a descobrir ser a base da definição restrita do Fotojornalismo, que nas palavras de

Jorge Pedro Sousa 1 consiste numa “actividade que pode visar informar, contextualizar,

oferecer conhecimento, formar, esclarecer ou marcar pontos de vista ("opinar") através

da fotografia de acontecimentos e da cobertura de assuntos de interesse jornalístico. Este

interesse pode variar de um para outro órgão de comunicação social e não tem

necessariamente a ver com os critérios de noticiabilidade dominantes.” Aquele gosto

cresceu. Anos mais tarde, já no primeiro ano da faculdade de Direito, planeei uma nova

viagem. Durante este ano dividia o meu tempo entre a doutrina do Código Civil e os

poucos websites sobre a América do Sul existentes na altura. Mapas rodoviários

marcavam as páginas dos meus apontamentos da faculdade. No final do ano lectivo, já

com todas as cadeiras do primeiro ano da faculdade feitas, fui até à sede do jornal A

Tribuna de Santos para oferecer as fotografias e as histórias da viagem que pretendia

fazer pela América do Sul. No natal veio o “aval” familiar: uma máquina fotográfica

reflex analógica da marca Zenith, fabricada na antiga URSS, completamente manual. Foi

1 SOUSA, Jorge Pedro, (2004). Fotojornalismo

2

Page 3: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

uma viagem de experiências, já que não possuía nenhum conhecimento profundo sobre

técnica fotográfica, muito menos com máquinas manuais.

Depois de quase três meses regressei a Santos. Entreguei os meus textos e algumas

fotografias ao jornal A Tribuna e prometi mais. Tornei-me colaborador da secção de

viagens. Nos corredores da faculdade de Direito os professores já não conversavam

apenas sobre os exames: faziam comentários e críticas sobre as minhas fotografias e os

meus textos no A Tribuna, davam-me os parabéns e sugeriam outros sítios para visitar.

No terceiro ano da faculdade decidi estudar inglês na Inglaterra. Em Londres, passados

os primeiros meses de descobertas e de luta, procurei a Revista Brasil.Net. A ideia era a

mesma que tive para o A Tribuna. Aceitaram. Razões já não faltavam para eu deixar de

vez o curso de Direito. Depois de regressar de uma longa viagem pelo sul da Europa,

decidi que era mesmo o Fotojornalismo o que eu queria estudar. Escolhi Coimbra pela

oferta da cadeira que mais me chamou a atenção em todo plano do curso de jornalismo,

o que não podia ser outra senão a cadeira de Fotojornalismo. Na chegada a Coimbra tive

uma decepção2 : a cadeira não existia, nunca existiu e nem iria existir nos seguintes

cinco anos em que estive a estudar em Coimbra.

O Fotojornalismo ia ter que esperar. Era tarde para voltar atrás. Entretanto descobri

outros conhecimentos que me faziam falta: “História dos Media”, com a Dra. Isabel

Vargues; “Geopolítica”, com o ilustre Dr. Gama Mendes, e as cadeiras de língua

portuguesa, nas quais eu tinha imensa dificuldade. Não posso deixar de dizer que graças

à compreensão e ao profissionalismo da Dra. Ana Teresa Peixinho deixei de lado a ideia

de abandonar o curso.

A Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra

Para não deixar de praticar o Fotojornalismo, procurei a Secção de Jornalismo da

Associação Académica de Coimbra (SJAAC) no meu primeiro ano de faculdade. Para

mim o espaço ideal para quem quer praticar o que aprende durante o curso. Foi na SJ

onde conheci o jornalismo universitário e os amigos que ficaram, assim como as

experiências que vivemos à frente de um jornal com poucos recursos, mas com muitas

2 As críticas e os comentários apontados neste relatório devem ser lidos num ponto de vista construtivo, pois pretendem apenas mostrar a minha opinião enquanto estudante finalista do curso de Jornalismo da Universidade de Coimbra, o mesmo curso que proporcionou os alicerces da minha formação profissional e pessoal ao longo dos cinco anos em que estive em Coimbra.

3

Page 4: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

ambições individuais positivas. Através da SJ conheci o Centro de Formação Protocolar

em Jornalismo (Cenjor)3, de Lisboa. No Cenjor, além de outros cursos, realizei uma

formação profissional em Fotojornalismo com o formador Pedro Magalhães. O resultado

deste curso foi um conhecimento mais prático sobre a fotografia digital e o início do

pensar a fotografia jornalisticamente. Através da SJ tive a oportunidade de realizar

projectos de fotodocumentários4 para a Pró-reitoria para a Cultura da UC em Guiné-

Bissau, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde5. Experiências extracurriculares que me

ensinaram, na prática, que a fotografia do “outro” sempre está relacionada com o “Eu”, o

que nas palavras de Boris Kossoy define-se como [...] um duplo testemunho, por aquilo

que ela nos mostra da cena passada, irreversível, ali congelada fragmentariamente, e por

aquilo que nos informa acerca do seu autor [...] um testemunho segundo um filtro

cultural, ao mesmo tempo que é uma criação a partir de um visível fotográfico. Toda

fotografia representa um testemunho de uma criação. Por outro lado, ela representará a

sempre a criação de um testemunho (Kossoy apud Andrade 2002)

A ética no (Foto)jornalismo

Fotografar usando os recursos actuais digitais tornou a fotografia fácil e ao alcance

de todos. “Em 1991 a Kodak lançava a primeira máquina digital com resolução de 1.3

mega pixel [...] o seu custa era de aproximadamente 30 mil USD. Só dois anos mais

tarde a Apple lança um modelo mais acessível ao público, o Quicktake 100 (700 USD).

Era o começo da popularização da fotografia digital6. No Fotojornalismo, a fotografia

Digital trouxe rapidez, eficácia e muitas questões éticas. O tradicional laboratório, com

seus químicos e demorados processos na “sala escura”, foi substituído nas grandes

redacções por velozes computadores e “laboratórios portáteis” como por exemplo o

programa Photoshop, da empresa Adobe7. Com o pós-tratamento da imagem através

deste software e de outros da mesma linha, é possível fazer o que se fazia nos 3 http//www.cenjor.pt4 SOUSA, Jorge Pedro, (1998) - Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. “O documentalismo social, enquanto forma mais comum de fotodocumentalismo, procura abordar [...] o significado que qualquer acontecimento possa ter para a vida humana ou ainda as situações que se desenvolvem à superfície da Terra e afectam a mundivivência do Homem”5 http//www.acaminhodalusofonia.org6 MUNHOZ, Paulo (2007) - Estágios de Desenvolvimento do Fotojornalismo na Internet.7 “Adobe Photoshop é um software caracterizado como editor de imagens desenvolvido pela Adobe Systems é considerado o líder no mercado dos editores de imagem profissionais, assim como o programa de facto para edição profissional de imagens digitais e trabalhos de pré-impressão”

4

Page 5: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

tradicionais laboratórios de fotografia8. Os problemas surgem quando estes mesmos

programas são utilizados para manipular uma imagem a ponto de retirar ou acrescentar

elementos, alterando a informação da mesma. Questões éticas no fotojornalismo são

quase diárias, mas não se finalizam apenas uso imoral uso das novas tecnologias. Um

caso observado na licenciatura de jornalismo mostrou-me que a informação de uma

imagem, seja ela digital ou analógica, pode ser manipulada antes da imagem chegar a

redacção. Foi através de um trabalho que realizei para uma cadeira que não era de

Fotojornalismo, mas sim Ética y Deontologia, frequentada num período de estudos

Erasmus na Universidade Pontifica de Salamanca. O caso dizia respeito à polémica

imagem do fotojornalista espanhol Javier Bauluz do jornal catalão “La Vanguardia” que

mostrava a imagem do corpo de um imigrante numa praia da Costa do Sol espanhola ao

lado de um casal de turistas que pareciam (na imagem) estar indiferentes à imigração

subsaariana naquele país. Numa segunda imagem é possível constatar que não havia

indiferença naquela praia, pois a segunda imagem é registada numa posição que propicia

uma ideia de isolamento dos actores. Além disso, a lente teleobjectiva utilizada no

registo da imagem permite aproximar os sujeitos, que a “olho nú” estariam mais

afastados9. Este é um exemplo que demonstra que a informação fotográfica não está a

salvo de manipulação, tenha esta passado por processos de pós-tratamento digital ou

não.

Porém, falar de ética e moral no (foto)jornalismo, quando o campo de

aprendizagem dos futuros profissionais da comunicação social ultrapassa fronteiras,

torna-se uma tarefa complicada. No Brasil descobri que a profissão de assessor de

imprensa pode ser dividida com a profissão de jornalista e que as imagens às vezes são

“ligeiramente” manipuladas para “esconder” certa informação indesejável em certas

revistas. E que em Macau é (culturalmente) comum a oferta de “presentes” aos

jornalistas em certas datas do calendário chinês por parte das instituições do Governo e

que é “normal” ver fotografias e artigos não assinados na maioria dos jornais da RAEM.

Como analisar estas situação do ponto de vista do (Foto)jornalismo realizado em

Portugal e do Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses10? Fácil. Mas será que

8 SOUSA, Jorge Pedro, (2004) - A tolerância dos fotojornalistas portugueses à alteração digital de fotografias jornalísticas”. “Existem muitos fotojornalistas que não perspectivaram certas operações digitais como forma de tratamento digital de imagens, já que estes procedimentos seriam semelhantes às técnicas usadas nos laboratórios tradicionais”.9 Anexo 01 e 0210Anexo 03

5

Page 6: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

podemos criticar os outros ao ponto de não nos tornamos demasiados “centristas” numa

discussão sobre um o que é melhor para o jornalismo mundial?

A conclusão que tiro dos meus estágios “além-mar” é que cada país tem a sua

deontologia e a sua necessidade/forma de exercer o (Foto)jornalismo. O que não justifica

que um (Foto)jornalista não tenha interiorizado as definições éticas existentes11 da

profissional que escolheu.

Levantar questões sobre a profissão, até mesmo na recta final de uma licenciatura,

não seria fácil sem um curso que formasse o aluno antes do profissional. Penso que está

aí a importância do curso de jornalismo de Coimbra: não formar apenas “estrelas da

televisão” ou “pseudo-políticos de canetas no punho”, mas sim eternos e infatigáveis

questionadores da profissão.

Segunda parte

Estágios da vida ponto blogspot ponto com

Concluídas as cadeiras do curso em Coimbra iniciou-se a segunda e última parte do

processo de licenciatura: o estágio. Ainda sem a certeza para que órgão estagiar, procurei

o Departamento de Relações Internacionais da UC para averiguar a possibilidade de

realizar um estágio no exterior, num jornal cujos corredores eu já conhecia bem, o Jornal

A Tribuna de Santos.

Com o auxílio da prof. Benalva Silva, da Unisantos12, consegui um estágio no

periódico santista. Antes de formalizado o estágio em Santos, o IEJ confirmou-me uma

vaga para o estágio em Macau para Setembro. Para isso a duração do meu estágio em

Santos teria que ser reduzida de três para um mês. Justifiquei esta decisão com uma

verdade: uma oportunidade para trabalhar no oriente não surge todos os dias. O jornal A

Tribuna de Santos confirmara o pedido de estágio semanas depois. Não quis perder

nenhuma das oportunidades. Fui para Santos e realizei no de Agosto o estágio no A

Tribuna que incluía, por escolha minha e por orientação da prof. Benalva, aulas

matutinas na Unisantos, de elaboração de reportagens com a própria prof. Benalva e de

Fotojornalismo, como prof. João Baptista.

11 Anexo 0412 Universidade Católica de Santos

6

Page 7: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

O estágio no diário brasileiro iniciava-se no começo da tarde e, por escolha minha,

e muitas vezes contra a vontade dos meus editores, não tinha hora para acabar.

O jornal A Tribuna de Santos

Lo corriente en los viajes consiste en ajustar la imaginacion a la realiad y,

en vez de hacer pensar cómo son las cosas, hacerlas ver como son,

Samuel Johnson

A história do jornal A Tribuna de Santos inicia-se em 26 de Março de 189413.

Nesta altura o jornal chamava-se A Tribuna do Povo e circulava duas vezes por semana.

Em 1909 o jornal muda de mãos e ambições. O periódico caiçara moderniza-se e ganha

uma nova sede. No ano de 1927 o jornal contava com modernas máquinas de impressão

da época e era capaz de produzir quarenta páginas diárias. Neste período a chefia do

jornal passa para as mãos de Giusfredo Santini, e este encarrega-se de levar o nome do

jornal para toda a região e manter o crescimento da empresa que veio a tornar-se o

Sistema Tribuna de Comunicação (SAT).

Actualmente o jornal A Tribuna mantém sucursais e correspondentes por toda a

Região Metropolitana da Baixada Santista e tem uma tiragem de 120 mil exemplares

diários. O jornal edita semanalmente cadernos especiais para públicos de interesses

diferenciados, como Jornal Motor, Turismo, Bom Programa, Digital, Ciência & Meio

Ambiente, além da revista AT Revista. Além do jornal centenário, o SAC inclui a TV

Tribuna (afiliada à Rede Globo), rádio Tribuna FM, jornais Primeiramão Santos e

Campinas, o portal A Tribuna Digital e o jornal Expresso Popular, de formato tablóide,

fundado em 2001.

As rotinas

Realizada a reunião de editores para a elaboração da agenda de cada dia, os

assuntos seleccionados são encaminhados pelos editores de cada área e organizados logo

13 http//www.atribuna.com.br/historia

7

Page 8: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

cedo pelo “pauteiro” que reúne o material e define o roteiro. Esse roteiro estabelece a

agenda de acontecimentos do dia e os temas a serem abordados. A partir da distribuição

de pautas pelo chefe de redacção, a equipa começa a recolher informações, conforme a

orientação e enfoque passados pela chefia. Na fase de edição, o texto pronto é

encaminhado ao editor da respectiva área, onde começa uma nova etapa do processo.

Após a leitura e discussão do material do dia, o editor responsável reúne-se com o editor

de para escolherem as imagens feitas para a pauta. Na fase de paginação, inicia-se a fase

de edição gráfica, acomodando em blocos o material produzido em cada sector do jornal.

O departamento de fotografia (DF), composto por dez fotorepórteres e dois editores,

situa-se no primeiro andar do edifício do grupo e divide o primeiro andar com o

departamento de paginação. É no DF que o trabalho é distribuído, entregue e discutido

com os editores. É ali também que, no curto espaço de tempo que resta entre um trabalho

e outro, é feita a convivência e a troca de conhecimento entre os fotorepórteres.

Logo que se chega ao DF, o fotorepórter pousa a sua bolsa e põe a conversa em

dia, antes de ler as tarefas para si designadas na agenda do DF ou receber as instruções

directamente de um dos editores responsáveis: Silvio Luís, o editor, e Luigi

Bongiovanni, o sub-editor. Para os estagiários não é diferente. Foi nesta fase mais

descontraída do trabalho que aproveitei para conhecer cada um dos meus colegas de

trabalho e para perguntar o funcionamento do DF. Todos, sem excepção, foram

atenciosos e bons camaradas de profissão (apesar de no meu primeiro dia de estágio ter

sido recepcionado ao som do hino do Corintians Futebol Clube), sinceros críticos até na

hora de provar o meu café, pois saber fazer um bom café é um dos principais requisitos

para ser repórter fotográfico naquele DF. Um relacionamento que contribuiu e muito a

minha inserção no grupo rapidamente e a minha compreensão sobre o funcionamento do

DF.

Depois de voltar da rua com o material, o fotorepórter descarrega as suas imagens

no programa FotoStation de gerenciamento de imagens. As imagens então são, depois de

devidamente identificadas, gravadas na pasta correspondente. Cada pasta representa uma

editoria ou secção de cada um dos órgãos de comunicação do grupo, dado o facto que os

fotorepórteres do DF trabalham para todos os veículos do SAT14, não apenas para o

jornal A Tribuna.

14 Anexo 05 a,b & c

8

Page 9: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

A manipulação

Um dos veículos de comunicação do grupo é a revista AT a qual é publicada aos

domingo e vendida com o jornal A Tribuna. Numa segunda-feira percebi que uma das

colegas do DF estava insatisfeita com o destino de uma da suas fotografias. A

fotorepórter mostrou a revista AT aos colegas e explicou-lhes o caso: a sua fotografia

tinha sido manipulada. A insatisfação da colega foi tanta que a fez reportar o caso à

direcção do jornal. A resposta da direcção veio no mesmo dia. A editora da revista AT

justificou a manipulação como sendo “necessária, pois a palavra que constava da

imagem poderia chocar o público”. O “palavrão” de origem anglófona “F....”, soletrada

em forma de tatuagem em cada um dos dedos da personagem da fotografia, foi apagado15

através do Photoshop. O desfecho deste caso foi um pedido de desculpas dado à autora

da fotografia e a promessa de que aquela situação não se repetiria novamente.

A observação

Segunda e Quinta-feira são os dias de sessão na câmara de vereadores de Santos.

Às 18 horas iniciam-se as sessões, horário em que muitos fotorepórteres ainda estão na

rua. Para mim, como estagiário, era a hora de trabalhar. Depois do primeiro trabalho na

câmara dos vereadores tornou-se habitual acompanhar o repórter Luigi di Vaio à sala

Princesa Isabel. Trabalhávamos juntos na cobertura das decisões que se tornavam

notícia. Assistíamos a toda a sessão e, quando um dos assuntos se tornava polémico ou

os ânimos se exaltavam no salão, o repórter, bem conhecedor da casa, alertava-me: “fica

esperto!”. Quando as coisas pareciam voltar ao normal eu aproveitava para recolher

algumas imagens ambiente.

Na Segunda-feira antecessora ao término do estágio, registei a imagem de um

vereador que estava a ler jornais que, ao aperceber-se da minha objectiva, dirigiu-se a

mim e pediu para apagar a foto. Recusei-me e disse-lhe que seria o meu editor a decidir

o destino daquela imagem. Mostrei a imagem ao repórter Di Vaio e outras semelhantes

que tinha recolhido durante quatro semanas de trabalho na câmara municipal de Santos.

O repórter pediu-me as fotos para fazer uma reunião com a direcção do jornal. Na

Quinta-feira seguinte o editor de fotografia do turno deu-me uma derradeira missão:

15 Anexo 06

9

Page 10: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

continuar atento na sessão daquela Quinta-feira. Se aquela atitude por parte dos

vereadores continuasse a verificar-se, o jornal ver-se-ia obrigado a fazer uma reportagem

com as minhas fotografias. Fui para a câmara municipal e não foi difícil registar aquele

tipo de comportamento: bastou-me olhar e registar. A reportagem saiu na edição de

domingo16, e a explicação dos vereadores para tais foi publicada no dia seguinte17.

O Jornal Tribuna de Macau

“Quando um jornalista perde a dignidade, ele não tem mais nada”

João Figueira

O Jornal Tribuna de Macau (JTM) é o fruto da união de dois tradicionais jornais da

Macau: o diário Jornal de Macau e o semanário Tribuna de Macau. O JTM possui uma

tiragem de 1000 exemplares diários e faz parte do grupo de jornais de língua portuguesa

existentes na RAEM, ao lado dos jornais Hoje Macau, Ponto Final e o Tai Chung Pou. A

redacção do JTM era composta na altura pelo seu director, José Rocha Dinis, um

director-adjunto que desempenha a função de editor, um jornalista profissional, um

paginador, uma estagiária da agência Xinhua e os estagiários do IEJ. O JTM ainda conta

com conteúdo do provenientes de jornais portugueses e da agência Lusa, devido a

protocolos estabelecidos.

O trabalho é distribuído pelo director-adjunto no dia anterior e o material é entregue

ao mesmo no regresso à redacção, cabendo ao director-adjunto a responsabilidade do

gatekeeper18.

As rotinas

As experiências que vivi ao estagiar no JTM podem dividir-se em duas vertentes:

pessoal, no que toca a aprender a viver na RAEM e a segunda que é a profissional, no

que toca à comparação da deontologia de jornalismo entre Portugal e Macau. O início do

estágio em Macau aconteceu de uma forma “abrupta”, assim como foi para todos os

16 Anexo 0717 Anexo 0818 WOLF, Mauro, (2003) – Teorias da Notícia. “No controlo do processo informativo, as escolhas do gatekeeper são influenciadas pelo contexto profissional-organizativo-burocrático”.

10

Page 11: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

colegas estagiários que por ali passaram. A carga horária média era de doze horas de

trabalho por dia/seis dias por semana. Sem dúvida, um bom método para preparar um

estagiário para a profissão, mas colocava a eficácia daquele método em causa quando era

destacado para desempenhar outras funções.

Comecei a desconfiar da validade do meu estágio quando passei a ser destacado

para a realização de tarefas extracurriculares como, por exemplo, realização de vídeos19

de eventos que o JTM patrocinava, montagem, desmontagem e permanência20 durante

quatro dias na Feira Internacional de Negócios de Macau e procurar fotografias na

Internet para ilustrar artigos no jornal. Tinha aceitado ir para o JTM para desenvolver a

escrita, mas parecia que esta não era a preocupação do jornal naquela altura.

A ética

Num trabalho que fiz sobre a operação conjunta da PSP e da PJ de Macau nos

casinos do território, tive oportunidade de realizar as fotografias e colocar o meu

conhecimento académico em prática. A operação conjunta visava identificar e levar para

o distrito policial os frequentadores dos casinos que não possuíssem documentos ou que

apresentassem qualquer outra irregularidade. Uma vez que a polícia estava apenas à

procura de “suspeitos”, tratei de fotografar e seleccionar posteriormente as imagens que

não identificassem os elementos levados ao distrito. Enquadrar as pernas21 dos

“suspeitos” e usar efeitos de arrastamento22 foi a forma que utilizei para mostrar a

presença das pessoas levadas ao distrito para prestar declarações. Como no JTM e nos

demais jornais da RAEM é normal o jornalista realizar também a função de repórter

fotográfico, continuei a escrever e a fotografar, além de realizar outras tarefas e

presenciar certas situações que achava um tanto ou quanto fora do contexto da profissão

que estudei, como por exemplo: procurar fotografias e “traduzir” textos da Internet sobre

o mundo das celebridades em sites sem qualquer tipo de protocolo com o JTM23

19 Concurso Internacional de Fogo de Artifício de Macau, http://br.youtube.com/watch?v=c24C489tJbA20 Vídeo “Imagens de um estágio em Macau”, http://br.youtube.com/watch?v=tGMqrWFG_bA21 Anexo 0922 Anexo 1023 Portal Terra celebridades, http://exclusivo.terra.com.br/ultimas/0,,EI1118,00.html

11

Page 12: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

A lição

Na altura dos Jogos Asiáticos de Recinto Coberto em Macau tive a oportunidade

de realizar uma pequena reportagem24 sobre uma das competições que estava a decorrer

durante o evento. Como o director-adjunto estava de folga, o jornalista do JTM,

Emanuel Graça, confiou-me aquela missão. Trouxe o material para a redacção, corrigi o

texto com o jornalista e a reportagem foi publicada, sendo o trabalho posteriormente

elogiado por colegas de outros jornais. No dia seguinte perguntei ao director-adjunto

sobre o que ele achava da reportagem que fiz e que sugestões tinha para o meu trabalho.

A resposta foi um “não vi”. Perguntei então se poderia continuar a cobrir os restantes

eventos, e o director-adjunto negou e terminou a conversa sem mais nenhuma

justificação. Para o “bem” do jornal calei-me e voltei mais uma vez ao mundo das

celebridades. Como a minha insatisfação era transparente, o director Rocha Dinis, (na

altura, preferindo basear-se também num mal-entendido posteriormente esclarecido),

informou-me da sua decisão de interromper o meu estágio, decisão com a qual eu

concordei sem hesitar. Nem por isso o director do JTM me deixou abandonado em

Macau. Orientou-me na possibilidade de realização de outro estágio na RAEM e foi

complacente com as minhas necessidades de permanência em Macau. Atitudes de um

homem sensato que me ensinou com a situação que “um jornal não tem que se adaptar

ao jornalista, o jornalista é que deve adaptar-se ao jornal”.

O jornal Macau Daily Times

“Um jornal não tem que se adaptar ao jornalista,

o jornalista é que deve adaptar-se ao jornal”.

José Rocha Dinis

A história do jornal Macau Daily Times (MDT) nasceu das ambições de dois

profissionais da área da comunicação social da RAEM: o angolano Rodolfo Ascenso e o

macaense João Magalhães, editor e designer gráfico, respectivamente, no jornal Ponto

24 Anexo 11

12

Page 13: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

Final. Após alguns anos a desempenhar as suas funções e um tanto ou quanto

insatisfeitos com o funcionamento daquele periódico de língua portuguesa, os dois

amigos resolveram no ano de 2006 que estava na hora de mudar de ares e procurar

novas alternativas para o jornalismo feito no território.

Rodolfo Ascenso, com um currículo jornalístico construído entre Portugal e

Macau, foi o mentor e o principal articulador das parcerias necessárias para o

financiamento do projecto. Nesta fase de negociações entra em cena o sul-africano

Kowie Geldenhuys, que, graças às suas relações em Macau, foi a peça chave entre o

projecto e os empresários da RAEM. Kowie tornou-se o general manager, enquanto que

Rodolfo ficou com o cargo de director do jornal, e João Magalhães assumiu a direcção

gráfica, responsabilizando-se por todo o design do MDT, desde a criação do logotipo à

concepção gráfica do jornal. Além do conteúdo proveniente da Agência France Press

(AFP) para os temas internacionais, a recolha de informações locais é realizada por uma

equipa de quatro jornalistas profissionais e uma estagiária. Os jornalistas do MDT foram

escolhidos “a dedo” pelo seu director, que contactou pessoalmente universidades

australianas para recrutar alunos finalistas em jornalismo, interessados na experiência

multicultural que é trabalhar em Macau. A excepção é a jornalista luso-inglesa Sara Farr,

que já trabalhava noutro jornal de língua inglesa de Macau25, mas que preferiu trocar de

emprego por acreditar na proposta do novo jornal. O resultado das escolhas do director

Rodolfo Ascenso reflecte-se no espírito que o angolano idealizou para o novo projecto:

uma redacção jovem, multicultural, crítica e opinativa, que tem liberdade para errar e

corrigir os seus trabalhos, sem perder de vista a linha editorial do jornal.

Nasce assim o segundo jornal de língua inglesa de Macau no mês de Junho de

2007, o Macau Daily Times que, como salienta João Magalhães, “em apenas seis meses,

conseguiu tornar-se o principal jornal daquela língua no território, definir o seu espaço

dentro do mercado publicitário e obter o apreço da comunidade anglófona de Macau”26.

As rotinas

Fruto de um acordo celebrado com o director Rodolfo Ascenso, o meu estágio

como repórter fotográfico no MDT inicia-se no mês de Novembro de 2007. Para sanar as 25 O jornal Macau Post26 Este material foi colectado através de entrevista e conversas realizadas com João Magalhães e Rodolfo Ascenso no âmbito da recolha de informações sobre o MDT para este relatório de estágios

13

Page 14: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

eventuais dificuldades financeiras da minha estada em Macau, que naquela altura já não

estava a ser financiada por nenhum protocolo, a direcção do jornal ofereceu-me a

oportunidade de realizar trabalhos part time na área da paginação. O estágio foi

duplamente benéfico, pois, além de absorver mais conhecimentos através das

orientações fotojornalísticas dadas pelo director do jornal, aprendi na prática como

pensar “graficamente” uma fotografia e solidifiquei a minha opinião sobre a importância

da imagem numa publicação impressa.

As reportagens fotográficas eram requisitadas a qualquer hora do dia por telefone

ou pessoalmente, na redacção. Os trabalhos eram entregues pela editora Kimberly

Johanes depois de ter definido os temas da agenda com o director na noite anterior. Na

maioria dos trabalhos eu acompanhava os jornalistas desde a sede da redacção, mas, em

muitos casos, deslocava-me de onde estava para sítios onde o trabalho ia ser realizado.

Ao chegar à redacção, descarregava as imagens no computador de fotografia para

serem seleccionadas, editadas e identificadas adequadamente sob a orientação de

Rodolfo Ascenso, que além de ser o director despenhava também a função de editor

fotográfico do jornal. As imagens seleccionadas eram então gravadas no servidor de

imagens do jornal e ficavam à disposição da editora e do director.

Depois de submetidas à escolha editorial, as imagens eram então gravadas, com

os textos correspondentes já editados, em pastas que correspondiam a cada uma das

secções do jornal, armazenadas no computador do paginador, através de uma rede

interna. O paginador, depois de se ter reunido com o director de Marketing (responsável

pela quantidade e a localização das publicidade em cada edição), acedia às pastas no seu

computador e disponibilizava o material na maqueta do jornal. Terminado o processo de

paginação, o jornal era revisto, corrigido e depois gravado num CD, que era entregue aos

funcionários da gráfica que se deslocavam à sede do MDT depois de chamados por

telefone para o efeito. Aos fins-de-semana eu realizava a função de paginador e as

fotografias passavam a ser tiradas pelos próprios jornalistas durante os seus trabalhos.

A minha inserção no grupo foi rápida, pois todos os jornalistas que ali

trabalhavam já eram velhos conhecidos de conferências de imprensa e de vida nocturna.

Coisas de Macau. Porém, tinha chegado num período de significativas mudanças no

funcionamento do jornal: Kimberly Johanes assumira a editoria do diário há poucos dias

e os restantes jornalistas estavam ainda um pouco atrapalhados com as mudanças de

14

Page 15: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

horários e de responsabilidades. No que toca à tarefa de repórter fotográfico, o trabalho

fluía naturalmente. Mas quando comecei a realizar os trabalhos de paginação aos fins-

de-semana, houve quem perdesse a cabeça comigo. E com razão: o director gráfico

conseguia terminar a paginação antes da uma da madrugada. Eu, no meu primeiro dia,

terminei às cinco horas. O director do jornal conseguiu acalmar a situação também com

o uso da razão, afinal, eu estava apenas a começar e, para um novato paginar um jornal

inteiro sem erros, era necessário tempo e compreensão de todos. Assim mesmo o

director não deixou de me chamar a atenção: disse para eu deixar de “namorar” as

fotografias e ter mais cuidado com o tempo que despendia. E era verdade: gostava de ver

as fotografias da AFP e ler os textos que as acompanhavam.

O enquadramento

O processo de paginação é uma dinâmica: os textos e as imagens tornam-se

“manchas gráficas” que se acertam na maqueta do jornal através das mãos do paginador

como num puzzle com regras A disponibilização das notícias tem de proporcionar um

prazer semelhante ao da leitura de um conto, mas a satisfação do leitor tem de ser mais

rápida. O design da imprensa tem de ir ao encontro dessas variáveis. Tem de ser acessível

e convidativo.27 Não havia tempo para “namoros jornalísticos” mais profundos, mas isso

não me impediu de ter cuidado no enquadramento das fotografias e fazer algumas

observações quanto às imagens captadas pelos colegas jornalistas. Impossível resistir à

observação, afinal, as mãos que paginavam também pertenciam a um futuro

Fotojornalista. O mais enriquecedor nesta experiência como paginador foi exactamente

no que toca ao reenquadramento das imagens28. Como certas páginas “pediam”

fotografias verticais e outras horizontais, tanto para facilitar a leitura como para

disponibilizar o conteúdo de uma forma mais harmoniosa para o leitor, interiorizei a

necessidade que um jornal tem de obter, através dos seus fotorepórteres, imagens nas

duas posições sobre o mesmo tema.

No que toca à qualidade das fotografias dos colegas, preferi não me limitar

apenas aos comentários e às sugestões. Como não eram da área do fotojornalismo,

procurava resolver com eles os problemas de focagem e de enquadramento, testando e

27 SOUSA, Pedro Jorge (2001) – Elementos do Jornalismo Impresso28 Anexo 12

15

Page 16: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

ajustando as suas máquinas e trocando ideias sobre ângulos e iluminação com os

jornalistas. O que além de produtivo foi um prazer, pois além de melhorar as imagens

para o jornal, sempre aprendia algo mais enquanto explicava.

O curso

O Grande Prémio de Macau apresentou-se como um teste de resistência. Foram

quatro dias de trabalhos em “alta velocidade” a tentar fotografar os principais

acontecimentos do evento. Estar em vários lugares ao mesmo tempo é um privilégio para

os deuses, e os fotorepórteres, como todos os humanos, estão fora desta classe. As

imagens recolhidas para o MDT fizeram parte de um suplemento também distribuído no

recinto, facto que contribuía para um feedback diário entre os integrantes do evento.

As imagens serviam para acompanhar diversas entrevistas e mini-reportagens

realizadas pelos jornalistas. Antes de sair da redacção, ou durante os trabalhos29, gostava

de conversar com os colegas jornalistas sobre os temas. A formação jornalística não

deixava mais uma vez o exercício de uma tarefa tornar-se “mecânica”, a ponto de

resumir o trabalho do fotorepórter num “bate-chapas” ambulante.

As demais imagens de ambiente eram seleccionadas na redacção com o director

gráfico e utilizadas para a ilustração do suplemento30. Ao contrário do que acontece

noutros jornais da RAEM, os créditos das minhas imagens no MDT não acompanhavam

os trabalhos que realizava apenas por questões laborais31.

O tempo

Na data que assinalava o aniversário da transferência de soberania da RAEM, a

New Macau Democratic Association organizou uma manifestação pelas principais ruas

de Macau em prol da democracia no território. Destacado para acompanhar as jornalistas

no evento, desloquei-me ao sítio escolhido para a concentração dos manifestantes.

Depois de captar as imagens das personalidades do evento entrevistadas pelas

29 Anexo 1230 Anexo 1331 Como estava a realizar um estágio não oficializado nos serviços de imigração de Macau, a direcção do MDT procurou resolver este impasse burocrático não divulgando o meu nome nas imagens e na ficha técnica do jornal.

16

Page 17: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

jornalistas, foi a vez de acompanhar a manifestação avenidas fora. O objectivo deste

acompanhamento era realizar imagens ambiente, ficando atento a qualquer “exaltação de

ânimos” por parte dos manifestantes como as verificadas em manifestações anteriores.

Felizmente, a manifestação aconteceu sem grandes tumultos, e o trabalho

decorreu sem grandes dificuldades. Já na redacção, prestes a começar a rotina de

selecção e edição das melhores imagens, tive um grande susto: tinha enchido dois

cartões de memória com imagens ambiente da manifestação. Escolher, uma a uma, as

melhores imagens daquela tarde, levou horas. Uma situação comum com a chegada das

velozes máquinas digitais, mas nada positiva para a profissão de Fotojornalista, que se

apoia na tecnologia para ganhar tempo. O mesmo tempo que se pode perder com uma

eternidade de imagens à frente para escolher. Curiosamente, a imagem escolhida pela

editora para ser capa foi uma das últimas que realizei naquela tarde, ou seja, a do fim da

manifestação32.

A agência Lusa

“Não esquece de uma coisa, para o resto da tua vida como profissional:

Todas as fotografias que tirar são para a capa!”

Luigi Bongiovanni

A Agência Lusa nasceu no ano de 1987, fruto da fusão de duas agências

portuguesas: agência Notícias de Portugal (NP) e outra agência que os membros da NP

viriam a criar em cooperação com o Estado português: a Agência Noticiosa Portuguesa

(ANOP). A Lusa possui delegações em todos os concelhos de Portugal, nos PALOP, na

Europa, na China e em Timor Leste. A agência portuguesa conta ainda protocolos com a

European Photo Agency (EPA), o que a possibilita contar com imagens de profissionais

espalhados por quase todo o globo, além de possuir fotorepórteres em Lisboa, no Porto,

em Faro, em Coimbra, no Funchal, em Ponta Delgada e Macau33.

A agência Lusa não possui um fotorepórter próprio em Timor Leste, contando

apenas com a colaboração de um fotojornalista da agência EPA. Estando em Macau, não

era distante pensar em Timor e aproveitar para chamar a atenção de Lisboa.

Independentemente da data em que terminasse o meu estágio em Macau, seria Timor

32 Anexo 1433 SOUSA, Jorge Pedro (1997) – Fotojornalismo Performativo – O serviço de fotonotícias da agência Lusa de informação.

17

Page 18: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

Leste a próxima paragem. Numa dessas situações da vida que algumas pessoas preferem

chamar de “coincidências”, encontrei-me em Macau com o director adjunto da Lusa, e

expliquei-lhe as minhas intenções. Neste encontro consegui o primeiro (e único)

contacto em Díli, e no mesmo dia avisei a direcção MDT que no término do estágio

rumaria para Timor Leste. E assim foi. Em Fevereiro de 2007 já me encontrava na

capital timorense e as tais “coincidências” voltaram a acontecer. Três dias depois da

minha chegada a Díli, o presidente José Ramos Horta é alvejado depois de uma tentativa

de sequestro liderada ex-integrantes das Forças de Defesa de Timor Leste (F-FDTL),

entre eles o ex-major das Alfredo Reinado, morto durante a diligência .

As rotinas

Os dias que se seguiram foram de intensivos trabalhos fotográficos para agência

portuguesa num regime freelancer. O meu contacto em Díli, Pedro Rosa Mendes,

jornalista e delegado da Lusa em Timor Leste, orquestrava os trabalhos na sede da

delegação. Paulo Carriço, editor de fotografia da agência, dava as coordenadas

adicionais por telefone a partir de Lisboa. Para mim, como futuro profissional, era a hora

da verdade. Conferências de Imprensa34, entrevistas35, o funeral do ex-major36,

peticionários a renderem-se em massa37 e alojados em sítios vigiados pelo exército38.

Tudo isto, até a uma certa altura, sob a iminência de uma guerra civil. As baterias do

telemóvel e da máquina fotográfica eram recarregadas todas as noites enquanto o corpo

descansava. Os cartões de memória suplentes andavam sempre nos bolsos, os nomes de

personalidades e de sítios preenchiam a agenda de contactos. Não havia tempo para

falhas.

A autonomia

34 Anexo 1535 Anexo 1636 Anexo 1737 Anexo 1838 Anexo 19

18

Page 19: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

Mesmo assim certas falhas técnicas aconteciam (imagens tremidas, por exemplo),

mas lá estava o editor Paulo Carriço do outro lado da linha para orientar no que fosse

possível. O resto era comigo.

No dia do enterro do ex-major Alfredo Reinado e do soldado Leopoldino (também

morto durante a tentativa de sequestro do presidente), segui as orientações do jornalista

Pedro Rosa Mendes e desloquei-me ao bairro onde aconteceria o funeral. O enterro seria

a poucos quarteirões de onde os corpos estavam a ser velados, e aconteceria depois do

transporte das urnas num cortejo. Na chegada vi que muitos fotorepórteres corriam em

direcção ao cemitério improvisado no quintal da casa do ex-major por uma rua paralela.

Apesar da grande quantidade de pessoas nas estreitas ruas do bairro, decidi ir pelo

caminho que aparentemente era o mais difícil: o da multidão. Quando alcancei o centro

do cortejo percebi que alguns jovens estendiam faixas com o retracto pintado de Alfredo

Reinado e palavras de homenagem ao ex-major. Aproveitei a minha localização e recolhi

algumas imagens39. Além de conseguir algumas imagens diferentes, cheguei à casa de

Reinado antes dos caixões, e dos fotorepórteres que resolveram ir pelo tal atalho.

A calma

Depois de realizada a agenda do dia, as imagens eram levadas para a delegação da

Lusa em Díli, onde eram editadas, legendadas e enviadas através da Internet para a sede

da agência em Lisboa. Depois da escolha editorial realizada no DF da Lusa, as imagens

eram então gravadas no servidor e disponibilizadas, bem como os textos, no website da

Lusa40, ficando assim o material à disposição dos clientes da agência. O envio das

imagens desde a delegação em Díli era feito através de uma conexão de apenas 56kbps.

O envio de todo o trabalho chegava a demorar horas. Mas a demora não era causada

apenas pela lenta conexão.

O que estava a atrasar o envio do material teve origem numa falta de conhecimento

técnico meu na altura: eu não estava a comprimir as fotografias adequadamente. A

situação só foi resolvida depois de sucessivas conversas telefónicas com o editor de

fotografia da Lusa e consultas na Internet. Uma situação que ensinou-me que no

39 Anexo 2040 www.lusa.pts

19

Page 20: Relatório de Estágio Um estágio, quatro órgãos de comunicação, sete meses

(Foto)jornalismo só o conhecimento não basta: é preciso estar calmo e preparado na hora

de resolver as tarefas diárias que a profissão apresenta.

Terceira parte

Em jeito de conclusão

Cabe-me esclarecer nesta síntese que todas as experiências aqui expostas poderiam

ter sido (e muitas semelhantes foram) facilmente vividas num só único estágio, num

único país, pois todos sabemos que a única fronteira para o conhecimento é a nossa

própria mente. Outro esclarecimento que julgo necessário dar antes de ensaiar uma

conclusão tem a ver com as escolhas que fiz no conteúdo deste trabalho: seleccionei

apenas situações que pudesse demostrar através de material anexo e suprimi outras a fim

de respeitar o limite espacial deste relatório de estágio.

Os casos aqui descritos permitiram-me vivenciar algumas situações do quotidiano

do profissional do Fotojornalismo enquanto estagiário e colaborador dos referidos

órgãos de comunicação. E o resultado (positivo ou negativo) de cada caso serviu-me

para interiorizar e reflectir sobre a sua importância de cada um deles, enquanto futuro

profissional.

Durante o processo prático do estágio curricular, o conhecimento teórico absorvido

durante o curso apresentou-se como uma “baliza” que me orientou nas tomadas de

decisão e de auto-avaliação descrita neste relatório.

Baseando-me na máxima “um profissional forma-se na prática”, acredito que a

aprendizagem não se encerra no estágio nem no curso, mas sim no exercício diário da

profissão. As lições de ética profissional, de observação, de escolha do enquadramento,

das necessidades dos órgãos de comunicação, da autonomia do profissional, da calma

necessária durante o trabalho, da responsabilidade face ao tempo e do curso de

jornalismo em si apresentam-se como ferramentas de que disponho para mais um estágio

da vida que se aproxima: o da vida profissional.

20