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Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentavel

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Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentavel set-dez/2011 EmaterRS

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AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

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Após quase uma década fora de circulação, a Revista Agroecologia e Desenvolvimento Ru-ral Sustentável está de volta, em edições qua-drimestrais, mantendo a concepção e o conceito da proposta original. Ela reforça a concepção de Agroecologia enquanto ciência ou campo de co-nhecimento que articula distintos saberes (aca-dêmicos ou tradicionais) e aporta um conjunto de ferramentas, conceituais e metodológicas, e de princípios para a construção de estilos de agricul-tura de base ecológica, assim como de modelos de desenvolvimento rural sustentável.

Nesta edição histórica, que coincide com o XI Seminário Internacional sobre Agroecologia e o XII Seminário Estadual sobre Agroecologia, são apresentados três artigos. O primeiro, intitulado Agroecologia: O Paradigma Emergente e o Saber Ambiental, aborda o tema sob o prisma teórico. O autor Célio Haverrot analisa os conceitos e os princípios da Agroecologia à luz do debate am-biental contemporâneo. Partindo da constatação da crise do modelo vigente, Haverrot chama a atenção para o fato de que a emergência de al-ternativas deve necessariamente considerar o ser humano como parte da natureza, o que pressupõe reconhecer a complexidade ambiental e uma vi-são crítica do paradigma vigente.

Ao mesmo tempo, a construção de um novo pa-radigma científico implica em reconhecer a cons-trução de um pensamento complexo que incorpore a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade, e o diálogo de saberes. Sob esta perspectiva, o autor assume o conceito de transição agroecológica en-tendido como um processo gradual e contínuo nas formas de manejo dos agroecossistemas.

Um segundo artigo apresentado nesta Revista, intitulado Produção Própria de Alimentos e Se-mentes por Agricultores Familiares através do Kit Agrodiversidade: uma Estratégia de Promoção da Soberania Alimentar, aborda uma estratégia de estímulo à agrobiodiversidade a partir do tra-balho realizado junto à agricultura familiar no município catarinense de Guaraciaba, tendo por ponto de partida um Kit de sementes, adaptadas às condições locais e destinadas à produção de ali-mentos. O estudo propõe-se a avaliar a percepção dos agricultores sobre a dinâmica do uso das va-riedades locais, e o nível de adoção do Kit por par-te dos agricultores familiares do município, assim

como suas repercussões na aquisição de alimen-tos para consumo por parte destas famílias.

O terceiro artigo, que tem por título O Consu-mo e a Produção de Alimentos na Agricultura Fa-miliar das Regiões Missões e Fronteira Noroeste do RS, trata-se de uma pesquisa aplicada em co-munidades de produção agrícola familiar na Re-gião Noroeste do Rio Grande do Sul. O trabalho foi realizado por um grupo de extensionistas da Emater/RS-Ascar, coordenado por Rubens Wladi-mir Tesche. A partir de um questionário semies-truturado, os autores fizeram um levantamento do consumo e da produção mensal de uma ampla variedade de alimentos, por parte de famílias mo-radoras dessas regiões, e sua importância na com-posição da renda não monetária nas respectivas unidades de produção. O estudo concluiu que a maioria das famílias tipificadas como agricultores familiares produzem mais de 50% dos alimentos que consomem em suas propriedades.

A Revista conta ainda com um artigo de opinião, escrito por Francisco Roberto Caporal, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e atual presidente da ABA - Associação Brasileira de Agroecologia. O tema (Lei de Ater) é, sem dúvida, re-levante, atual e pertinente, e o texto traz uma avalia-ção preliminar do autor, que aponta criticamente um conjunto de elementos e de hipóteses que, na sua vi-são, estariam impondo limites e, mesmo, retrocessos na perspectiva de incorporar os princípios da Agroe-cologia e o avanço da transição agroecológica na prá-tica extensionista. Não se trata aqui, evidentemente, de desmerecer os (recentes) esforços empreendidos na implantação da Lei de Ater, mas de oportunizar um debate sobre a Lei de Ater, seus desafios e limi-tes. Esse é um debate que, por certo, está apenas no início, mas de importância estratégica para os rumos da Ater no estado e no país.

Esperamos que a Revista cumpra com o propó-sito de estimular o debate teórico-metodológico e, ao mesmo tempo, disseminar experiências e infor-mações relevantes na construção do desenvolvi-mento rural sustentável a partir dos princípios da Agroecologia. Por fim, registramos um agradeci-mento especial à Fepagro pelo apoio financeiro na publicação dessa edição da Revista. Boa leitura!

Gervásio Paulus Diretor Técnico da Emater/RS

Revista Agroecologia e DRS: retomando o debate

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AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

Sumário

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Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentávelv. 4, n.1, set./dez.

Coordenação geral: Diretoria Técnica da Emater/RS-Ascar

Conselho Editorial: Ari Henrique Uriartt, Carlos Guilherme Adalberto Mielitz Netto, Claudio Fioreze, Córdula Eckert, Décio Souza Cotrim, Dulphe Pinheiro Machado Neto, Fábio Kessler Dal Soglio, Flavia Charão Marques, Francisco Roberto Caporal, Gervásio Paulus, Ivaldo Gehlen, Jaime Miguel Weber, José Anto-nio Costa Beber, Jose Ernani Scwengber, Leonardo Melgarejo, Luiz Antônio Rocha Barcellos, Luiz Fernando Fleck, Marta Hele-na Dornelles Tejera, Paulo Sérgio Mendes Filho e Pedro Uruba-tan Neto da Costa.

Editor Responsável: Jorn. Marta H. D. Tejera – RP 1352Editoração de Texto: Cleusa Alves da Rocha – CRB 10/2127Projeto Gráfico: Roseana Kriedt e Wilmar MarquesDiagramação: Wilmar MarquesRevisão: Greice Santini GalvãoFotografia: Kátia MarconPeriodicidade: QuadrimestralTiragem: 3 mil exemplaresImpressão: Gráfica CalábriaDistribuição: Emater/RS-AscarApoio: Fepagro

Emater-RS/Ascar Rua Botafogo, 1051Bairro Menino Deus90150-053 – Porto Alegre/RSTelefone: (51) 2125-3144Fax (51) 2125-3090

Endereço eletrônico da revista:http://www.emater.tche.br/hotsite/revista/

E-mail: [email protected]

Os artigos publicados nessa Revista são de inteira responsabili-dade de seus autores. A Revista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável é uma publicação da Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural e Asso-ciação Sulina de Crédito e Assistência Rural – Emater/RS-Ascar.

CartasCartas podem ser endereçadas para a bibliotecária da Emater/

RS-Ascar, rua Botafogo, 1051. 2º andar, bairro Menino Deus, CEP 90150053. Porto Alegre/RS ou para [email protected]

ISSN 1519-1060

Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável/ Porto Ale-gre/ v. 4/ n. 1/ p. 1- 54/ ago./dez. 2011

Entrevista ..................................................... 5Jan Douwe van der Ploeg: É preciso encontrar respostas para as novas escassezes

Relato de Experiência ................................. 9Formação da Organização de Controle Social -OCS - Porto Alegre/Viamão-RS: construindo novas relações de produção e consumoUriartt, Ari Henrique et al.

Artigo .......................................................... 15Agroecologia: o paradigma emergente e o saber ambientalHaverroth, Célio

Dica Agroecológica ................................... 22A construção de uma espiral de ervasUriartt, Ari Henrique

Opinião ....................................................... 23Lei de ATER: exclusão da Agroecologia e outras armadilhasCaporal, Francisco Roberto

Artigo .......................................................... 34Produção própria de alimentos e sementes por agricultores familiares através do kit agrodiversidade: uma estratégia de promoção da soberania alimentarVicente, Nicole Rodrigues et al.

Econotas ..................................................... 44

Ecolinks ....................................................... 46

Artigo .......................................................... 47O consumo e a produção de alimentos na agricultura familiar das regiões Missões e Fronteira Noroeste do RSTesche, Rubens Wladimir

Resenha ...................................................... 54

Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural - EMATER/RS

Associação Sulina de Crédito e Assistência Rural - ASCAR

Lino De DavidPresidente da EMATER/RS e

Superintendente Geral da ASCAR

Gervásio PaulusDiretor Técnico da EMATER/RS e

Superintendente Técnico da ASCAR

Valdir Pedro ZoninDiretor Administrativo da EMATER/RS e

Superintendente Administrativo da ASCAR

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5AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

Por Patrícia Strelow | Edição: Marta Tejera

O papel do campesinato face ao contexto de globalização, aos grandes mercados agrí-colas e às multinacionais da agroindústria é um dos temas da Sociologia Rural abordado nas pesquisas desenvolvidas pelo professor da Universidade Agrícola de Wageningen (Países Baixos), Jan Douwe van der Plo-eg, pesquisador que defende a manutenção da condição camponesa com características produtivas próprias em contraposição ao gê-nero de gestão das empresas agrícolas ou do agronegócio. Autor, entre outras publicações, do livro Camponeses e impérios alimen-tares: lutas por autonomia e sustenta-bilidade na era da globalização, van der Ploeg é engenheiro agrônomo e doutor pela Universidade de Leiden, tendo dedicado suas pesquisas à análise do panorama rural nos países em desenvolvimento, especialmente aqueles situados na América Latina, África e Ásia. No Peru, estudou durante mais de um

ano as múltiplas contradi-ções do processo de refor-ma agrária. Na Colômbia, onde viveu entre 1976 e 1978, participou da for-mação de cooperativas rurais. Trabalhou ainda pela reconstrução de ser-viços de água potável e na reabilitação de diques para o cultivo de arroz em Guiné Bissau, na África. Após sua nomeação como professor em Sociologia Rural da Universidade de Wageningen, van der Ploeg passou a se dedicar ao estudo das relações en-tre a sociedade e o campo. Durante passagem por Porto Alegre, onde par-

ticipou de seminário e colóquio promovidos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ele concedeu entrevista à Re-vista Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, na qual traçou um panorama da agricultura familiar desenvolvida em diferen-tes continentes, e apontou caminhos para se resgatar a importância dessa atividade frente à sociedade. Também abordou aspectos rela-cionados à produção orgânica e sua relação com o mercado, e apresentou os modelos de sucesso que vêm sendo desenvolvidos no mun-do para lidar com a questão dos pagamentos por serviços ambientais.

Revista Agroecologia - O senhor cos-tuma afirmar que existem hoje algumas preocupações comuns em todo o mundo no que diz respeito à agricultura. Quais são esses temas?

Jan Douwe van der Ploeg: Uma ex-pressão chave nesses debates são as novas

É preciso encontrar respostas para as novas escassezes

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escassezes. Temos mundialmente escassez de energia, de alimentos, de água doce, além dos grandes problemas com o clima e com a pobreza. Existe hoje mais gente pobre do que nunca, em termos absolutos. São mais de 1,2 bilhão de pessoas que vivem com menos de dois dólares ao dia. Então essas são as novas escassezes. Temos que encontrar uma respos-ta, não a apenas um desses pontos, mas a to-dos ao mesmo tempo. Podemos produzir mais, mas ao mesmo tempo temos que ser mais efi-cientes com a água doce, produzir com menos energia e insumos. Isso é um grande desafio. Pelo que sabemos, através de muitos estudos, é precisamente a agricultura familiar que, em todos os aspectos, é a mais eficiente, que pode produzir com menos insumos, que pode gerar mais emprego, produzir de forma eficiente. Em todo o mundo - na Europa, Ásia, África, América Latina -, a agricultura familiar está na ordem do dia, também politicamente. Nas grandes organizações como a FAO, a organi-zação mundial para a agricultura, as pessoas estão convencidas disso, é política oficial for-talecer a agricultura familiar.

- O senhor conhece a agricultura fa-miliar e os serviços de extensão rural desenvolvidos em diversos continentes como Europa, Ásia e América. O que o Brasil tem a aprender com os demais países? E o que eles deveriam copiar da-qui?

O que o Brasil poderia aprender com a Europa é que a agricultura familiar é uma instituição muito forte, que pode resistir às crises. Na Europa, tivemos a primeira grande crise agrícola em 1880, a segunda em 1970, e hoje em dia estamos na terceira grande cri-se agrícola, que se relaciona com a crise eco-nômica e financeira. O que aprendemos com isso é que sempre é a agricultura familiar que sabe sobreviver, muito mais que a agricultu-ra capitalista ou corporativa. Justamente nos momentos de crise emerge a importância da agricultura familiar. Já a China é um país onde a agricultura produz para o mercado.

Eles são membros das organizações agríco-las internacionais, mas ao mesmo tempo fa-zem uma política agrária muito inteligente. Ser parte deste mundo globalizado não quer dizer que necessariamente temos que nos es-quecer de uma política agrária, e os chineses sabem fazer isso. Quanto ao Brasil, todos es-tão muito impressionados com o desenvolvi-mento observado durante os dois governos do ex-presidente Lula, especialmente em relação à erradicação da pobreza extrema. É um fe-nômeno muito importante. O mundo poderia também aprender com a capacidade do Brasil de manejar as múltiplas flexões que existem entre o agronegócio e a agricultura familiar. São duas realidades muito diferentes, que facilmente entram em fortes contradições, e aqui o governo foi capaz de equilibrar isso. Também chamou muito a atenção nos fóruns mundiais as experiências brasileiras com o Bolsa Família e com o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), e com a lei que determi-nou que 30% da alimentação escolar deve ser comprada da agricultura familiar. Isso abriu um mercado muito interessante para os pro-dutores, sobretudo os mais pobres.

- O senhor comenta que existe na Eu-ropa um sentimento de orgulho em rela-ção à agricultura familiar, o que parece não ocorrer aqui no Brasil. Como as en-tidades ligadas ao setor podem contri-buir na valorização dessa atividade?

A Europa teve uma mudança demográfica muito forte. Quando eu era jovem, a popula-ção urbana conhecia a agricultura. Grande parte da população vivia nas zonas rurais e quase todas as crianças tinham um parente agricultor, onde passavam as férias. Com a transição demográfica, isso mudou comple-tamente. Por um período, as crianças já não conheciam mais a agricultura. Pensavam que o leite vinha da fábrica, não tinham ideia de que para comer carne, um animal precisava ser morto. Para corrigir isso, nasceu um sis-tema de adoção. Cada turma de 20, 25 alu-nos, adota uma granja, e vice-versa. Eles vão

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lá uma vez por mês para ver o ciclo agrário, como nascem os terneiros. É apenas um mecanismo, mas é muito importante. Em geral, existe também uma organização da comu-nicação consciente, e o agroturis-mo funciona bem. Os clientes são famílias com crianças jovens, que creem ser importante que os filhos conheçam a vida agrícola. Na Euro-pa, os agricultores sempre tiveram um status elevado. Há inclusive um fenômeno interessante: as mulhe-res urbanas buscam se casar com homens do meio rural porque gos-tariam que seus filhos crescessem no campo.

- Há uma tendência mundial de ado-ção de uma produção cada vez mais ecológica?

Sim, a Agroecologia está se desenvolvendo por todos os lados, sobre nomes diferentes. Na Europa, quase não se usa a etiqueta Agroeco-logia, mas se fala em estilo agrário de baixos custos. Na África, se fala em agricultura com baixos insumos externos. Mas são os mesmos princípios. É lógico que sendo o coração da Agroecologia reduzir os recursos externos e melhorar a eficiência dos recursos internos, isso resulta em redução de custos, gerando mais ingressos, o que sempre é interessante para o agricultor. Isso é a força motriz que faz com que se divulgue por muitos lados. Tam-bém há redes muito fortes que comunicam os conhecimentos necessários, e aí entra tam-bém a extensão agrícola.

- Então o senhor acredita que esse sistema produtivo é implementado no mundo mais em função da redução de custos e do aumento do valor de merca-do da produção, do que por uma questão de consciência ambiental?

Sim, logicamente, uma vez que as vanta-gens ambientais são também vantagens eco-

nômicas para os próprios agricultores, já que a contaminação afeta o lugar onde vivem, onde trabalham, e ao mesmo tempo destrói os recursos que seus filhos precisarão num futu-ro próximo.

- Mas grande parte dos agricultores brasileiros alega que a produção eco-lógica ainda não apresenta retornos financeiros tão positivos quanto a con-vencional.

Aqui se aponta precisamente um ponto fra-co do Brasil. Em outros países, sobretudo na Europa e na China, se pensa na construção de novos mercados, com uma nova dinâmica, em que há contato direto entre produtores e con-sumidores, e uma infraestrutura muito dife-rente, com menos transporte. Oferecem uma vantagem dupla: preço menor para o consumi-dor e mais alto para o produtor, pois se evita a perda por atravessadores. A criação desses mercados é um fenômeno massivo na Europa. Aqui temos experiências como a Rede EcoVi-da, feiras agroecológicas, mas tudo ainda é embrionário. Em outros continentes, esse pro-cesso está em estágio mais adiantado, e talvez a razão seja em parte ideológica. Na esquerda brasileira e nos movimentos sociais há uma convicção forte de que o mercado é um mal em si, enquanto em outros países acreditamos que o mercado depende de quem o governa.

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Enquanto é dominado por grandes empresas mul-tinacionais para grandes cadeias de supermercados, o resultado pode ser bem desastroso, mas quando são governados por asso-ciações de produtores e consumidores ou por leis mais favoráveis, o merca-do é um veículo para orga-nizar os fluxos e obter um retorno justo aos produto-res. Então, a luta é pela re-alização de mercados mais justos, e o Brasil poderia ir muito além nesse aspecto.

- De que forma a crise econômica mundial in-terfere no mercado de produtos orgânicos?

O efeito já é bem negativo e pode ao final ser desastroso. Na Europa, são as empresas agrícolas de grande escala, que têm monocul-tivo e empregam muitos insumos, que estão mais debilitadas. E é a agricultura campo-nesa, completamente orientada ao mercado, com mais autonomia, autossuficiente de insu-mos, que sabe sobreviver à crise.

- A compensação financeira aos produ-tores que trabalham pela manutenção da biodiversidade e dos recursos naturais é um sistema consolidado em vários paí-ses do mundo, e está se estabelecendo no Brasil. Produtores europeus encontra-ram um sistema interessante de paga-mentos por serviços ambientais através de cooperativas territoriais. Como isso funciona na prática?

Este sistema de pagamentos por servi-ços ambientais foi resultado de uma forte luta social. Mas quando esses pagamentos são disponíveis, o pior que pode acontecer

são os contratos dire-tos entre agricultores individuais e o Estado, em que este prescreve exatamente o que deve ser feito e como fazê-lo. Na heterogeneidade do campo, esses esquemas burocráticos nunca fun-cionam. As cooperativas territoriais surgiram justamente para pres-tar serviços ambientais por meio de seus conhe-cimentos próprios, num sistema de autorregu-lação, com objetivos fi-xos, mas flexibilidade na forma de atingi-los. O Estado paga às coo-perativas territoriais, com custos administra-tivos muito mais baixos

do que implicaria o sistema estatal. É uma diferença abismal. É muito mais eficiente, dá mais alegria, menos dor de cabeça por conflitos desnecessários. É uma inovação campesina. Eles governam o território, os recursos e, porque isso é importante, há mundialmente um mercado novo para o pa-gamento de serviços ambientais. As gran-des indústrias, para poder crescer mais, têm que comprar o direito de emitir mais carbono, então os que o produzem recebem esse dinheiro - e assim há um equilíbrio mundial. A ideia não é ruim, mas há pe-rigos. As grandes empresas, por exemplo, que produzem papel tiram muitos campesi-nos de suas terras porque é muito interes-sante plantar árvores e ainda receber es-ses pagamentos. Outro perigo são as fortes relações de dependência com o Estado, que pode fazer os campesinos se submeterem à regulamentações muito burocráticas. Nes-sa situação, a cooperativa territorial pode ser uma arma de defesa muito importante para os agricultores.

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Uriartt, Ari Henrique; Ramos, Luis Paulo Vieira; Ikuta, Agda Regina Yatsuda; Vaz, Sabrina Milano. E-mails: [email protected], [email protected], agda-

[email protected], [email protected]

1 CONTEXTODesde a década de 1970, os consumidores

de Porto Alegre/RS tomaram a iniciativa de organizar um mercado que atendesse suas necessidades por uma alimentação mais sau-dável e ecologicamente produzida. A Asso-ciação Macrobiótica de Porto Alegre, criada em 1975, é o primeiro exemplo desse esforço. Outro exemplo desse inconformismo com uma alimentação artificializada foi a criação, em 1979, da Cooperativa dos Membros da Funda-ção Dr. Serge Raynaud de La Ferriére Ltda., que posteriormente ficou conhecida como Co-operativa Ecológica Coolmeia.

Ao perceberem a falta de disponibilidade de produtos ecológicos, os cooperados come-çaram a buscá-los junto aos produtores lo-cais, fato que tornou a cooperativa um lugar de encontros e de ações pró-agricultura eco-lógica e, aos poucos, um lugar de referência dessa busca por uma alimentação com qua-

Formação da Organização de Controle Social - OCS - Porto Alegre/Viamão-RS: construindo novas

relações de produção e consumo

lidade. Naquela época, as denominações “natural”, “integral”, “orgânico” e “ecológico” eram consideradas como sinônimos. Os pri-meiros fornecedores de hortaliças e frutas foram neo-rurais individuais ou organizados em comunidades rurais (Agrícola Harmonia, criada em 1979 no Município de Viamão/RS) que davam seus primeiros passos na produ-ção ecológica na Região Metropolitana da cidade. Posteriormente, foram se agregando agricultores familiares tradicionais, descon-tentes com o sistema de produção convencio-nal, sensibilizados por organizações que lhes auxiliavam na transição para uma produção ecológica. Com o crescimento do número de consumidores, assim como dos produtores, estes passaram a oferecer seus produtos em maior quantidade e de forma regular.

Dessa forma, a partir de outubro de 1989, foi possível estabelecer as bases das atuais feiras ecológicas em Porto Alegre. A primeira foi a Feira Ecológica Tupambaé, precursora da atual Feira dos Agricultores Ecologistas (FAE), que permaneceu ativa mesmo depois da dissolução da cooperativa. Dessa inicia-

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1010AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

tiva, surgiram outras organizações voltadas para os mesmos fins: a Cooperativa dos Pro-dutores Ecológicos de Porto Alegre Ltda (Arcooíris), a Associação Agroecológica (com membros da extinta Cooperativa Eco-lógica Coolmeia), que realizam sua feira na avenida José Bonifácio, no bairro Bom Fim, e a Associação dos Consumidores e Feirantes Ecológicos do Rio Grande do Sul (ACONFERS) (também composta por mem-bros da extinta Coolmeia) que atua, tam-bém, na Feira Ecológica no bairro Menino Deus. Além dessas duas feiras, existe outra em Porto Alegre, no bairro Tristeza. Afora as feiras na capital, existem outros cinco pontos de oferta ecológicos, os quais são regulamentados pela Prefeitura Municipal (PMPA/SMIC).

Nesses espaços, comercializam agriculto-res ecológicos de diferentes regiões do Es-tado, a maioria organizada em associações que antecederam a organização da coopera-tiva e das associações das feiras ecológicas. O regular convívio dos feirantes com os con-sumidores assim como o que ocorre durante a comercialização, entre agricultores tradi-cionais e neo-rurais, propiciou uma intensa troca de saberes entre os distintos grupos sociais. Essas trocas trouxeram mudanças no comportamento e na cultura de ambos os atores envolvidos.

A atual legislação brasileira define as normas e diretrizes a serem seguidas pela produção orgânica, assim como estabelece a possibilidade de comercialização direta por agricultores familiares de produtos orgâni-cos sem certificação por meio de uma Or-ganização de Controle Social (OCS). Exis-te também a possibilidade de certificar os produtos da produção orgânica, quer seja pelo sistema de certificação participativa, quer seja por auditoria, através de organis-mos de avaliação da conformidade acredi-tados pelo Instituto Nacional de Metrolo-gia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO) e credenciados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). A legislação e as principais nor-

mativas brasileiras que regulam a produ-ção e a comercialização de orgânicos estão resumidas nos quadros seguir:

Legislação atualmente vigenteLei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003. Decreto nº 6.323, de 27 de dezembro de 2007.

Normativas atualmente vigentesInstrução Normativa MAPA nº 46/2011, de 6 outubro de 2011, que recentemente substituiu a Instrução Normativa MAPA nº 64/2008, de dezembro de 2008.Instrução Normativa MAPA nº 19/2009, de 28 de maio de 2009.

A presente legislação, no que corresponde à comercialização de produtos certificados ou não está em vigência desde dezembro de 2010. O caso que iremos relatar descreve o proces-so de construção de uma OCS por um grupo de agricultores ecológicos que atua nas feiras ecológicas de Porto Alegre com o objetivo de comercializar seus produtos ecológicos direta-mente ao consumidor.

2 DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIAA história deste grupo inicia-se em 1997,

quando a Prefeitura de Porto Alegre PMPA/SMIC/CAD - Centro Agrícola Demonstrativo e a Emater/RS-Ascar se associaram ao Centro Ecológico Ipê para fomentar a produção ecoló-gica no município. Foi dada atenção especial aos pequenos agricultores familiares que vi-viam numa situação marginal, por estarem descapitalizados e propensos a migrar para a zona urbana e/ou vender suas propriedades para o mercado de imóveis, resultado da espe-culação imobiliária.

Esse processo perdurou por dois anos, momen-to em que os produtores foram assistidos simul-taneamente por técnicos da Emater/RS-Ascar e do Centro Ecológico. Como resultado, alguns produtores gradualmente foram incluindo prá-ticas ecológicas nos seus sistemas de produção.

Em decorrência de diversas visitas e reuni-

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1111AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

ões, formou-se em outubro de 1999 a Associa-ção de Produtores Ecologistas do Lami (Apel), constituída inicialmente por nove famílias. A produção da Apel, no princípio baseada em frutas e verduras, era toda comercializada na feira ecológica do bairro Tristeza, localizada não muito distante do bairro Lami, de maior densidade de moradores com um bom poder aquisitivo. Posteriormente, com o aumento da capacidade de atendimento, abriu-se um se-gundo ponto de comercialização no bairro Flo-resta, e gradativamente também aconteceu a inserção dos mesmos na FAE da avenida José Bonifácio. No entanto, decorrente de novos ar-ranjos funcionais e desistências por parte de alguns produtores, a formação da Apel caiu de nove famílias para quatro famílias. Entre-tanto, muitas das famílias que originalmente pertenciam à Apel passaram a formar novos grupos de produtores ecológicos (Pro-Lami e Herdeiros da Natureza). Além desses, com a ação desenvolvida pela Emater/RS-Ascar, em parceria com o CAD, resultou em mais cinco grupos ecologistas, (Apresul, Essência da Ter-ra, Jeito Natural, Portal da Mãe Terra e Qui-lombo dos Alpes), perfazendo atualmente mais de 40 famílias. Uma característica marcante desse trabalho é que muitas das famílias que compõem esses grupos eram constituídas por neo-rurais, profissionais liberais ou trabalha-dores urbanos de tempo parcial, que concilia-vam suas atividades na cidade com atividades produtivas em seus sítios.

O processo de conversão das propriedades para o sistema de produção agroecológico foi realizado a partir das famílias de agriculto-res que eram vizinhos próximos, que juntos refletiam e problematizavam a forma como estavam produzindo, para dessa forma, encon-trarem alternativas de produção e processos de ajuda mútua para organizarem-se de for-ma solidária. Tais grupos de agricultores são organizados informalmente e compostos por famílias que possuem afinidade e objetivos co-muns, principalmente no sistema de produção e comercialização de seus produtos.

Esses grupos caracterizam-se principal-mente por apresentarem um comportamen-

to baseado na ética; por comercializarem de forma solidária, dividindo transporte, mão de obra, e em alguns casos até equipamentos; por serem responsáveis, conjuntamente pelos produtos apresentados, dando a sua garantia pessoal junto aos consumidores; por estabele-cerem suas regras próprias de convivência; por comprometerem-se com a conversão de outros agricultores, auxiliando-os nesse processo; por valorizarem a questão de gênero, desenvolven-do trabalho em conjunto baseado numa relação de respeito, com papéis definidos, tanto na pro-dução da unidade familiar como na comercia-lização em feiras e eventos e a participação em atividades de educação ambiental e alimentar em suas propriedades.

As dinâmicas de formação desses grupos em Porto Alegre e sua maturidade, conquistada ao longo dos anos, vêm atraindo agricultores eco-lógicos de municípios vizinhos como, por exem-plo, de Viamão. Os agricultores familiares que participam do processo de construção da OCS estão sendo incentivados a ingressar nos gru-pos já existentes ou formar novos grupos/asso-ciações por proximidade e afinidade.

O enfoque agroecológico praticado pelos grupos que integram a OCS de Porto Alegre e Viamão se traduz na produção de alimentos saudáveis; na promoção da educação alimen-tar; no uso responsável dos recursos naturais, tais como o solo e a água; no resgate e na difu-são de sementes crioulas; na manutenção da biodiversidade; no debate sobre a ética na pro-dução, no consumo de alimentos e na educação ambiental. Práticas essas que podem ser vi-venciadas nas atividades de turismo rural, que se desenvolve nas propriedades vinculadas ao grupo as quais fazem parte da rota turística dos “Caminhos Rurais” de Porto Alegre.

3 O PROCESSOO processo de criação da OCS dos produto-

res ecológicos de Porto Alegre e Viamão respei-ta e valoriza a atual organização dos grupos existentes. Partindo da premissa que todos os agricultores familiares agroecológicos cum-prem os regulamentos técnicos, garantindo a rastreabilidade dos produtos agroecológicos, o

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1212AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

grupo construiu de forma participativa os seus próprios mecanismos de controle.

Com o objetivo de fortalecer o espírito coleti-vo e os princípios norteadores da organização, bem como definir as regras de convivência e mecanismos de controle, foram realizadas di-versas atividades no decorrer do ano de 2010 como, por exemplo: reuniões plenárias men-sais, reuniões da comissão preparatória, além de visitas a todas as unidades de produção dos agricultores.

As reuniões se caracterizaram pelo uso de metodologia participativa e pelo emprego da “técnica de visualização móvel”, ora com perguntas orientadoras para trabalhos em grupos, ora com palestras que propiciaram a integração e a participação de todos os compo-nentes da OCS. Assim, em um determinado momento, a plenária entendeu que era im-portante definir um conceito de agroecologia próprio. Dessa forma, o grupo desenvolveu o seguinte conceito:

Agroecologia é um modo de vida sau-dável, que busca a sustentabilidade, o res-peito nas relações sociais, o equilíbrio am-biental e a biodiversidade produtiva, com o menor impacto negativo possível. O siste-ma de produção agroecológico é uma par-ceria com a natureza no manejo do solo, e entre produtores, na troca de conhe-cimentos e insumos, priorizando o apro-veitamento dos recursos da propriedade.

A partir dessa construção coletiva, defini-ram-se os mecanismos de controle da OCS Porto Alegre/Viamão-RS.

4 MECANISMOS DE CONTROLEOs agricultores familiares, os consumidores

e os técnicos da OCS Porto Alegre/Viamão-RS, em plenária, tendo como base a legislação para os sistemas orgânicos de produção, em espe-cial as Instruções Normativas nºs 64/2008 e 19/2009 e, atualmente, a Instrução Normativa MAPA nº 46/2011, de 6 outubro de 2011, como

forma de garantir a conformidade orgânica dos produtos produzidos e comercializados pelos seus integrantes, definiram os seguintes me-canismos de controle:

a) os agricultores agroecológicos devem manter o plano de manejo da unidade de pro-dução atualizado, com a descrição das áreas de produção e de preservação, buscando a garantia da biodiversidade. O plano de ma-nejo deve contemplar: histórico de utilização da área; biomapa; listagem de espécies vege-tais cultivadas e animais de criação, conten-do estimativa de produção anual; sistema de produção de sementes e mudas e/ou proce-dência com comprovação; manejo de pragas e plantas espontâneas; manejo e procedência de dejetos animais; manejo e procedência dos insumos, com comprovação de origem; práti-cas para minimizar os impactos envolvendo animais silvestres; adoção de práticas que busquem a garantia da qualidade da água e do solo; destino correto de resísuos e a ado-ção de boas práticas agrícolas que garantam a qualidade do produto e a conformidade or-gânica;

b) acompanhamento pelas famílias de agri-cultores, consumidores e técnicos, através de: realização de reuniões e plenárias prefe-rencialmente nas unidades de produção, em forma de rodízio; realização de reuniões dos grupos agroecológicos, no mínimo uma vez por ano, comprovada mediante ata e lista de pre-sença; formação de comissões temáticas e de visitas, sem poder punitivo, com o objetivo de avaliar a unidade de produção e de trazer para as plenárias informações e propostas para as discussões, visando à transição efetiva do sis-tema de produção;

c) normas que devem ser observadas pela comissão de visitas: as visitas têm como objeti-vos principais colaborar na construção do pla-no de manejo das unidades de produção e ava-liar a sua conformidade orgânica, colaborar nas soluções técnicas para a produção e opor-tunizar troca de experiências. Todas as uni-

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1313AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

dades de produção devem estar abertas a visitações das comissões de visitas, a qualquer tempo, mediante agendamento, assim como para consumidores, de for-ma organizada. Todos os agricultores devem ser visi-tados, no mínimo, uma vez por ano, bem como devem integrar obrigatoriamente uma comissão de visita. A composição das comissões de visitas, bem como as unidades de produção (UP) a serem visitadas, devem ser definidas em plenária, por sorteio. Cada comissão de visitas deve ter como in-tegrantes no mínimo três agricultores e estar aberta à participação de técnicos e consumidores. As comissões de visi-tas têm caráter permanente, com rodízio entre os membros da OCS. Os agricultores, preferen-cialmente, não deverão ser visitados apenas por integrantes de seus grupos agroecológi-cos. As visitas são orientadas por um roteiro de perguntas, aprovado em plenária, que será preenchido em conjunto e assinado por todos os membros da comissão de visitas e por inte-grante da família visitada. Cada comissão de visita, após o preenchimento do roteiro, deverá reunir-se na UP para elaboração de relatório da visita que será apresentado em plenária.

5 CRITÉRIOS PARA INCLUSÃOO interessado em ingressar na OCS Por-

to Alegre/Viamão-RS deverá atender aos seguintes requisitos:

a) ser apresentado por uma das três al-ternativas, formalmente, com justificativa por escrito: uma entidade de extensão, fo-mento ou ensino participante da OCS; uma associação, cooperativa ou grupo de agri-cultores participante da OCS; cinco agri-cultores membros da OCS;

b) apresentar em plenária histórico da família e da unidade de produção no siste-ma de produção agroecológico e biomapa da unidade de produção;

c) participar de todas as plenárias até a obtenção de seu nome homologado;

d) participar obrigatoriamente de todas as oficinas e cursos específicos do seu siste-ma de produção e de todos aqueles relacio-nados com a conformidade agroecológica, promovidos pela OCS Porto Alegre/Viamão--RS e ainda aqueles definidos em plenária;

e) após cumpridas as etapas anteriores, a unidade de produção do requerente será vi-sitada e avaliada a sua conformidade agroe-cológica;

f) a homologação do novo integrante será realizada em plenária e a OCS deverá comu-nicar ao órgão fiscalizador a sua inclusão no prazo máximo de 30 dias;

g) o agricultor passará a integrar uma das comissões de visitação.

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1414AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

Bonifácio, esquina com av. Osvaldo Aranha), feira da Tristeza (na av. Wenceslau Escobar, esquina com av. Otto Niemeyer), feira do Menino Deus (av. Getúlio Vargas, nº 1384). No município de Viamão, a feira está orga-nizada na praça Júlio de Castilhos, Centro, e na RS 040 - parada 86, na localidade de Águas Claras, e ambas constituem-se em fei-ras para venda exclusiva de produtos agro-ecológicos. Destaca-se que a comercializa-ção nas feiras é feita pelo próprio agricultor familiar, ou por integrantes do seu grupo de agricultores agroecológicos Os produtos agroecológicos são colhidos e acondicionados horas antes e transportados em caixas plás-ticas, identificadas de acordo com as normas sanitárias municipais.

AgradecimentosPara que o grupo de agricultores ecológicos

pudesse atingir seus objetivos e operacionali-zar suas ações colaboram as seguintes insti-tuições apoiadoras: Emater/RS-Ascar, Centro Agrícola Demonstrativo - CAD/SMIC/PMPA, Secretaria Municipal do Meio Ambiente - SMAM/ PMPA, Secretaria Municipal da Saú-de – SMS/ PMPA, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento -MAPA, Universi-dade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Secretaria da Agricultura, Pecuária e Agro-negócio – SEAPA/RS e Secretaria do Desen-volvimento Rural, Pesca e Cooperativismo – SDR/RS, assim como diversos profissionais.

6 CRITÉRIOS PARA EXCLUSÃOSerá excluído da OCS Porto Alegre/

Viamão-RS, a qualquer tempo, por decisão em plenária, exclusivamente:

a) o agricultor em desconformidade com as normas para produção agro-ecológica, de acordo com a legislação em vigor ou que não fizer os ajustes propostos definidos em plenária;

b) o agricultor e quaisquer mem-bros pelo não cumprimento das regras ou das decisões de plenária ou por não zelar pelos objetivos, princípios e va-lores estabelecidos;

c) a OCS deverá comunicar ao órgão fisca-

lizador a exclusão de agricultores familiares, no prazo máximo de sete dias;

d) a OCS deverá recolher a Declaração de Produtor Vinculado do agricultor familiar que for excluído da mesma, notificando ao órgão fiscalizador quando da impossibilida-de de fazê-lo.

7 DENÚNCIAS DE INCONFORMIDADESAs denúncias ou reclamações, com os denun-

ciantes ou reclamantes identificados, deverão ser encaminhadas por escrito ao representan-te legal da OCS Porto Alegre/Viamão-RS, que a submeterá, inicialmente, a uma comissão de visitas, a ser designada pela plenária, para averiguação da inconformidade. Constatada a inconformidade, a comissão de visitas fará seu parecer com sugestões de medidas de ade-quação para serem submetidos à decisão da plenária. O não cumprimento das decisões e dos prazos tomados em plenária poderá levar o agricultor à exclusão da OCS.

8 COMERCIALIZAÇÃOAtualmente, a comercialização em venda

direta de produtos agroecológicos da OCS Porto Alegre/Viamão-RS ocorre em três fei-ras, em diferentes bairros do município de Porto Alegre: feira do Bom Fim (na av. José

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15AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

Agroecologia: o paradigma emergente e o saber ambiental

* Haverroth, Célio

ResumoEste artigo analisa os conceitos e princípios da Agroecologia e sua relação com as bases teóricas mais importantes do debate ambiental contem-porâneo. O objetivo é estabelecer um paralelo entre o debate agroecológico e o debate am-biental, através de pesquisa bibliográfica, con-sultando-se alguns dos autores mais influentes na construção do saber ambiental. O elemento central para o estabelecimento desse diálogo é a base epistemológica discutida pela maioria dos autores, que remete à hibridação de saberes e à interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, com o objetivo de apresentar uma alternativa de desenvolvimento à atual crise civilizatória.

Palavras-chave: Agroecologia. Transdis-ciplina. Interdisciplina. Epistemologia.

* Engenheiro Agrônomo, especialista em Extensão Rural, Extensionista Rural da Epagri, mestrando do

Programa de Extensão Rural da UFSM. E-mail: [email protected]

1 IntroduçãoA Agroecologia tem se apresentado como

um paradigma emergente que considera as dimensões ambiental, econômica, social, cul-tural, política e ética e promove a hibridação de saberes para sustentabilidade da agricul-tura e do desenvolvimento rural. As diversas organizações de apoio à agricultura familiar, aos agricultores e aos profissionais críticos ao modelo convencional de produção fazem o de-bate, a articulação, a pesquisa e a construção de experiências no campo da Agroecologia.

Molina (2011, p.11) diz que a Agroecolo-gia “constitui uma transdisciplina, portanto um enfoque ou campo de estudo que tem seu fundamento epistemológico na ecologia e que, para tanto, utiliza um enfoque holístico e uma metodologia sistêmica”. O enfoque holístico e a metodologia sistêmica estão na perspectiva de Norgaard e Sikor (1999) que defendem a premissa holística de que as partes não podem ser compreendidas separadamente, e a epis-temologia pluralista, que considera todas as formas de conhecimento e a necessidade da

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16AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

interdisciplinaridade ou transdisciplinaridade.Considerando a Agroecologia como base teóri-

ca para a promoção de uma agricultura susten-tável, torna-se necessário analisar os diversos aspectos para a construção desse novo paradig-ma de desenvolvimento. Assim, devemos consi-derar que a Agroecologia emerge como alterna-tiva paradigmática não isoladamente, mas em paralelo com diversas áreas do conhecimento como a economia ecológica, a ecologia política, a justiça ambiental, a história ambiental, dentre outras, e que a realização do diálogo e identifica-ção de convergências com esses campos produz um fortalecimento mútuo.

Este artigo analisa os conceitos e princípios da Agroecologia e sua relação com as bases teóricas mais importantes do debate ambien-tal contemporâneo. O objetivo é estabelecer um paralelo entre o debate agroecológico e o deba-te ambiental, através de pesquisa bibliográfica, consultando-se alguns dos autores mais influen-tes na construção do saber ambiental.

2 O paradigma em criseO modelo produtivo baseado na Agroquímica

é, de acordo com Mielgo e Sevilla Guzmán (1995), centralizador, concentrador e interdependente, e desencadeia um processo de globalização base-ado numa acelerada criação de desordem a to-dos os níveis etnoecossistêmicos, precipitando processos entrópicos. Esta agricultura, resulta-do da chamada modernização conservadora, é uma das bases do que Goodland (1997) chama de mudança do mundo vazio para mundo cheio, em que o subsistema econômico tornou-se muito grande em relação ao ecossistema global. O mes-mo autor apresenta constatações que ele chama de provas de que o planeta está em seu limite, entre elas o consumo, pelos humanos, de 40% da biomassa produzida, o aumento da temperatura média do planeta, a diminuição da camada de ozônio, as perdas de solo de dez a cem t/ha/ano, que superam pelo menos dez vezes a capacidade de formação do solo e a perda de biodiversida-de. Ehrlich (1968), citado por Drumond (2006), também entende que o caminho atual da huma-nidade é insustentável, na medida em que o con-sumo é maior que a capacidade da natureza. O

desenvolvimento do capitalismo baseado na ex-ploração centro-periferia, com estrutura etnosis-têmica, desigual e antiecológica, também é dis-cutido por Mielgo e Sevilla Guzman (1995), que entendem que é necessário frear essa tendência.

Na opinião de Goodland (1997), como as fun-ções de fonte de recursos e vertedouro que desem-penha o ecossistema global têm uma capacidade limitada para suportar o subsistema econômico, torna-se imperativo manter o tamanho da econo-mia global dentro dos limites da capacidade que tem o ecossistema para sustentá-lo.

Drumond (2006) cita Leopold, um dos ecolo-gistas naturalistas, para quem a relação pura-mente econômica do homem com a Terra, cria privilégios unilaterais, e não obrigações e restri-ções mútuas, levando a um tratamento predató-rio sistemático em relação a ela.

A crise ambiental, para Leff (2000) é, sobre-tudo, um problema do conhecimento que leva a repensar o ser do mundo complexo. Os conceitos políticos e morais e a epistemologia científica pre-dominante não dão conta de responder as ques-tões colocadas na pauta dessa crise civilizatória.

3 A busca de alternativasMas qual deve ser a nossa postura diante des-

sas constatações? Harvey (2004) diz que pare-cemos oscilar frequentemente entre a fantasia irreal da opção infinita e uma fria realidade de ausência de alternativas. Em uma perspectiva propositiva, Daly (1991) entende que na era do mundo cheio deve-se desviar as inversões de acumulação de capital de formação humana e dirigi-las à preservação e restauração do capital natural. Também deveria orientar a tecnologia para o incremento da produtividade do capital natural, do que para a produtividade do capital de formação humana.

Em todos os setores sociais tem surgido, cada vez mais, o discurso do desenvolvimento sustentável e da sustentabilidade. Fernandez (2009) discute a sustentabilidade da economia, relacionando-a a atividades que tenham baixo impacto ambiental, que gerem emprego e pers-pectivas para muitos, baseado na qualidade de vida. O desenvolvimento sustentável tem sua definição oficial no relatório Brundtland (1988),

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17AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

definindo-se como aquele que “satisfaz as neces-sidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazer as suas próprias necessidades”. Para Mielgo e Sevilla Guzmán (1995) essa definição é vaga, tendo em conta que o conceito de necessidade é uma construção social, o que deixa aberta as portas a qualquer ação que justifique o velho modelo economicista de desenvolvimento com uma nova cosmética ambiental. Na mesma li-nha de pensamento, Funtowicz e Marchi (2000) alertam para a necessidade de se reconhecer quais interesses econômicos, sociais e ecológicos devem ser sustentados para se afirmar uma so-lidariedade entre o presente e o futuro.

Funtowicz e Marchi (2000) discutem as orien-tações para o desenvolvimento sustentável, através da ciência e da tecnologia, baseadas na sustentabilidade, em que a resistência dos ecos-sistemas locais, a mitigação dos impactos pro-vocados pelas mudanças climáticas, a eficiência energética e a segurança alimentar estejam con-templadas e a capacidade das populações locais de influenciar nos processos de resolução dos problemas seja impulsionada.

No caso da produção de alimentos e outros produtos da agricultura, considerando a neces-sidade de se aumentar a disponibilidade e a qualidade, há de se buscar formas de aumentar a produtividade do capital natural. Daly (1997) orienta esse aumento de produtividade me-

diante o incremento do fluxo dos recursos naturais por unidade de reserva natural existente, au-mento de produção por unidade de recursos utilizados e melhoria da eficiência do uso final com que o produto resultante presta servi-ços ao usuário último.

Carvalho (2000) faz uma abor-dagem acerca da ética ambiental e do respeito aos processos vitais e aos limites da capacidade de re-generação e suporte da natureza, que deveriam ser balizadores das decisões sociais e orientar os esti-los de vida e hábitos coletivos e in-dividuais. O conceito de meio am-

biente, segundo a autora, opera como realidade linguística, passível de leituras diversas, onde a realidade da interpretação ambiental não existe independentemente dos sujeitos e da história. Essa interpretação hermenêutica busca eviden-ciar os horizontes de sentidos histórico-culturais que configuram as relações com o meio ambien-te para uma determinada comunidade humana e em um tempo específico.

4 O homem também é naturezaDo ponto de vista da produção agrícola que

tem como paradigma a Agroecologia, a questão ambiental não é dissociada da dimensão social e econômica, sendo que a unidade de análise é o agroecossistema, que Gliessman (2000) define como um local de produção agrícola, como uma unidade de produção familiar, uma microbacia hidrográfica, uma comunidade, compreendido como um ecossistema. O agroecossistema é uma forma particular de ecossistema e, por-tanto, desempenha funções ambientais.

Quando falamos em ecossistema, uma ques-tão fundamental no debate ambiental é a in-serção do ser humano como parte do mesmo. De acordo com Worster (1991), poucos cientis-tas encaram os homens ou as sociedades como parte integrante dos seus ecossistemas. Eles preferem deixá-los de fora, como digressões ou fatores imponderáveis. Na condição de his-toriador, o autor entende que os homens, seu

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18AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

principal objeto de estudo, não são separados do ecossistema, mas fazem parte dele.

Outro movimento importante, o da justiça ambiental, apresentada por Acselrad (2002), tem como ideia central a mobilização dos in-divíduos e organizações sociais na luta para barrar a pressão destrutiva sobre o meio am-biente, incorporando a questão das injustiças presente na apropriação dos recursos natu-rais e na distribuição dos riscos.

Os agroecossistemas são unidades da base da produção agrícola, que funcionam de acor-do com uma racionalidade produtiva fundada no potencial ambiental. Para Leff (2011), as comunidades, ou no caso os agroecossistemas, constroem habilidades, conhecimentos e ins-trumentos para a autogestão dos recursos dis-poníveis, com potencial para o desenvolvimen-to descentralizado e sustentável. No entanto, a unidade, uniformidade e homogeneidade do projeto epistemológico dominante, que estão na raiz da crise ambiental, nos levam a interrogar o conhecimento do mundo, fazendo emergir um projeto de desconstrução dessa lógica para uma nova compreensão, que incorpora o limite do co-nhecimento e a incompletude do ser.

Carvalho (2000) discute a educação ambiental apontando para a necessidade de ressignificação do sentido de “ambiental”, pois este se encontra, usualmente, apenas vinculado a ações de preser-

vacionismo, não sendo visto como o processo de compre-ensão da complexa rede de relações sociais, históricas, políticas e culturais de uma comunidade. Os sentidos de “ambiental”, segundo a au-tora, resultam da interpreta-ção pelos diferentes contextos histórico-culturais, condições econômicas e políticas, ca-racterizando-se pela disper-são e diversidade. A questão ambiental, constituída pelas disputas entre interesses na sociedade, é portadora de utopias e contra-utopias que fazem da complexidade e do

conflito as marcas de nosso tempo.Leff (2000) discute a complexidade ambien-

tal, com base no pensamento crítico. Para ele, a complexidade não se limita à compreensão de uma evolução natural da matéria e do homem ao encontro do mundo tecnificado, mas é pro-duto da intervenção do pensamento no mun-do, e o ambientalismo é situado como política do conhecimento e campo de poder e no saber ambiental. Portanto, apreender a complexidade ambiental implica um processo de desconstru-ção do pensamento. Nessa perspectiva, Carva-lho (2000) entende que a educação ambiental deve ser uma prática interpretativa que desvela e produz sentidos para a ampliação do horizonte compreensivo das relações sociedade-natureza, o que poderia ser uma base epistemológica para a pedagogia da complexidade.

A edificação de uma ética da sobrevivência ba-seada na cooperação e na compreensão de uma realidade complexa, através de uma consciência de espécie, conforme Toledo (2009), permite reto-mar uma percepção original de ser humano e a sua identificação com o mundo e com a natureza.

5 Bases epistemológicas e metodológicas

A construção do pensamento complexo torna necessária a mudança do paradigma científico, e questões como interdisciplinaridade, transdis-

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19AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

ciplinaridade e diálogo de saberes surgem fortes no debate. Para a construção de uma nova racio-nalidade, Leff (2011) remete para a transforma-ção dos paradigmas científicos e a produção de novos conhecimentos, diálogo, hibridação e inte-gração de saberes e a interdisciplinaridade. Leff (2000), além de levantar esses elementos, fala em convivência com o outro, criatividade, alteri-dade, transcendência, impulsão da vida, fecun-didade do ser no tempo. Para Funtowicz e Mar-chi (2000) a complexidade deve ser entendida através da transdisciplinaridade, com enfoque sistêmico, que inclui a pluralidade de perspec-tivas legítimas, como o diálogo de saberes entre o saber científico e as outras formas de conheci-mento, em particular o saber do senso comum. A ciência que considera a complexidade deve estar ligada a uma política que democratize as deci-sões fundamentais, a partir do conhecimento acumulado e da participação social. Nesse pon-to, os autores levantam vários exemplos de deci-sões carregadas de incertezas e de importância, como o esforço necessário para a preservação da biodiversidade, o uso de agrotóxicos na agricul-tura, biotecnologia, transgênicos, etc. Também para Worster (1991), cada disciplina pode ter a sua tradição, sua maneira particular de abordar questões, mas se esta é uma era de interdepen-dência global, certamente é também o momento para alguma cooperação interdisciplinar.

No contexto da complexidade surge a Agro-ecologia, cujo conceito é recente e, embora com algumas variações entre os autores, é sinteti-zado em Caporal e Costabeber (2006), como um enfoque científico destinado a apoiar a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura convencionais para estilos de de-senvolvimento rural e de agriculturas sustentá-veis. Gliessman (2000) diz que a Agroecologia é a aplicação de conceitos e princípios ecológicos para o desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis. Esse autor entende que a Agroe-cologia estabelece condições para o desenvolvi-mento de novos paradigmas na agricultura, em parte porque praticamente elimina a distinção entre a geração de conhecimento e a aplicação, ao tempo em que valoriza o conhecimento local empírico dos agricultores.

Na linha do enfoque agroecológico, Funtowicz e Marchi (2000) entendem que a prática cien-tífica, incluindo a priorização de pesquisas e a disseminação dos resultados necessariamente está entrelaçada com processos políticos mais amplos. Ainda sobre a fragmentação e a com-partimentalização do saber disciplinar, incapaz de compreender a complexidade da problemáti-ca ambiental, Leff (2011) entende que a inter-disciplinaridade não é a soma nem a integração dos conhecimentos disciplinares herdados.

Harvey (2004) discute a humanização da ciên-cia, ainda que seu reducionismo aponte de modo declarado precisamente na direção oposta.

Trazendo a complexidade para a prática co-tidiana da extensão rural, recorremos a Diesel Et alli, (2006) que se refere à preocupação dos extensionistas com a diversidade e a fragmenta-ção de suas ações. Essa diversidade é apresenta-da como produto da interação de forças contra-ditórias, indo das demandas e expectativas dos produtores rurais e da classe política, preponde-rantemente conservadoras, na medida em que são condicionadas pelas ações passadas da ex-tensão, de caráter difusionista, até as mudanças na conjuntura, que introduzem tensões sobre os padrões de atuação tradicionais, passando pela predisposição à aprendizagem do extensionista, o que pode refletir criticamente sobre a prática. Sob uma perspectiva histórica, a extensão rural balizava-se por papéis relativamente bem defi-nidos, que implicavam a tradicional divisão de trabalho entre extensionista agrícola (difusor de inovações e agenciador de créditos) e a economia doméstica (encarregada do apoio à família). A interdisciplinaridade e a transdisciplinarida-de são postas por Leff (2000) como o antído-to para a divisão do conhecimento da ciência moderna, estando aí, portanto, uma provoca-ção importante para que serviço de extensão rural repense a sua ação.

6 A transição agroecológicaDerivado do conceito de Agroecologia é preci-

so entender outro conceito fundamental que á a transição agroecológica. Caporal e Costabeber (2006) reúnem as proposições acerca do tema e especificam a variável tempo, entendido como

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20AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

um processo gradual que pode ser mais lon-go ou mais curto dependendo das condições do agroecossistema, além do processo, que implica na mudança do manejo do sistema, tendo como meta a passagem do modelo agroquímico para estilos de agricultura que incorporem tecnolo-gias de base sustentável.

Considerada a complexidade do processo de transição agroecológica, é de se esperar que a ex-tensão rural cumpra um papel fundamental para que ela se dê em bases sólidas. Sevilla Guzmán (2006) aponta três níveis de pesquisa e extensão agroecológica, quais sejam o ecológico produtivo, o socioeconômico de ação local e o sociopolítico de transformação social, que dependem de um plu-ralismo transdisciplinar e pluriepistemológico.

Muitos agroecossistemas estão em transição para práticas ambientalmente mais sadias com potencial de contribuir com a sustentabilidade do setor a longo prazo. De acordo com Gliess-man (2000) vários fatores estão avivando o pro-cesso de transição, tais como o custo ascendente da energia, as baixas margens de lucro das prá-ticas convencionais, o desenvolvimento de prá-ticas que se vislumbram como opções viáveis, a crescente consciência ambiental e o mercado para produtos alternativos.

Gliessman (2000) também descreve o que chama de principais guias para a transição: for-talecer os processos naturais de reciclagem de nutrientes, como a fixação biológica de nitrogê-nio e as relações micorrízicas, assim como usar energias renováveis e eliminar o uso de insumos externos não renováveis; agregação de materiais naturais ao sistema, em substituição aos insu-mos sintéticos; manejar pragas, enfermidades e ervas, ao invés de controlá-las; restabelecer as relações biológicas do sistema; utilizar combina-ções mais apropriadas ao potencial da paisagem; adaptar o potencial genético de plantas e ani-mais às condições locais; valorizar mais o estado geral de saúde do agroecossistema; e incorporar a ideia de sustentabilidade a longo prazo. Altie-ri (2000) apresenta uma relação de objetivos da Agroecologia para atingir-se uma agricultura sustentável, como uso dos recursos locais, es-tabilidade de produção, biodiversidade, função ecossistêmica, tecnologia de baixos insumos,

desenvolvimento rural integrado, satisfação das necessidades locais, autossuficiência alimentar, equidade e viabilidade econômica. Pode-se per-ceber que os objetivos estão relacionados às di-mensões econômica, social e ambiental.

A transição agroecológica só ocorre se houver decisão por parte do agricultor. Na discussão da história ambiental Worster (1991) tem a preocu-pação de incluir o ser humano enquanto sujeito, tanto que uma das abordagens trata dos modos humanos de produção, em que discute a cultura material e suas implicações para a organização social e sua interação com o ambiente natural. Nesse ponto, os historiadores buscam apoio na antropologia para entender qual a melhor ma-neira de compreender a relação das culturas materiais humanas com a natureza. O surgi-mento e o ocaso de culturas, de acordo com essa abordagem, geralmente estão relacionados com a sua relação com a natureza, estabelecendo-se aí o diálogo entre economia e ecologia.

A mudança de atitudes e valores dos atores sociais em relação ao manejo e à conservação dos recursos naturais é necessária na transição agroecológica. Na metáfora do arquiteto e da abelha, Harvey (2004) mostra que temos uma condição limitada de criação, mas que há sempre um momento em que o livre jogo da imaginação e a vontade de criar, têm de entrar no processo, como no caso da experimentação realizada pelos agricultores familiares que buscam na agricul-tura sustentável novas perspectivas de sobrevi-vência. Toledo (2009) aponta para a necessida-

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Referências

de de se criar uma consciência de espécie e uma ética planetária, com a mudança de atitude nas dimensões ética, política e espiritual. O surgi-mento de uma “ecologia política” substituiria a prevalência das ideologias, dos religiosismos e do consumismo e colocaria uma interrogação sobre a modernidade e o desenvolvimento de uma aná-lise crítica do funcionamento da sociedade. A to-mada de consciência de espécie, como nos moldes da base agroecológica, seria um pacto pela vida.

7 ConclusõesNeste trabalho, percebemos uma grande con-

vergência entre as várias linhas teóricas do pensa-

mento ambiental e a Agroecologia, o que demons-tra o potencial existente no diálogo como forma de fortalecer a transformação paradigmática da ciência, no caminho da solução à crise civilizatória.

O elemento central para o estabelecimento des-se diálogo é a base epistemológica discutida pela maioria dos autores, que remete à hibridação de saberes e a interdisciplinaridade e transdiscipli-naridade.

A mudança na base epistemológica passa pela transformação da educação, desde o nível funda-mental até o superior, com a formação de profissio-nais críticos, que combinem a pesquisa, o ensino e a extensão, numa perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar.

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22AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

Nome da planta (popular/botânico) Posição na espiral

alecrim - Rosmarinus officinalis sol pleno

cebolinha - Allium schoenoprasum sol pleno

confrei - Symphytum officinale sol pleno

erva-doce - Foeniculum vulgare sol pleno

manjericão-da-folha-pequena - Ocimum ssp sol pleno

manjerona - Origanum majorana sol pleno

melissa - Melissa officinalis sol pleno

pimentas diversas - Capsicum ssp. sol pleno

salsa - Petroselin crispan sol pleno

sálvia - Salvia officinalis sol pleno

estragão - Artemisia dracunculus meia-sombra e solo seco

losna - Artemisia absinthium meia-sombra e solo seco

carqueja - Baccharis trimera meia-sombra e solo úmido

cavalinha - Equisetum ssp. meia-sombra e solo úmido

coentro - Coriandrum sativum meia-sombra e solo úmido

hortelã - Mentha spp. meia-sombra e solo úmido

milefólio ou mil-folhas - Achillea millefolium meia-sombra e solo úmido

poejo - Mentha pulegium meia-sombra e solo úmido

capuchinha - Tropaeolum majus pleno sol e solo úmido

manjericão-da-folha-larga - Ocimum basilicum pleno sol e solo úmido

agrião-da-água - Rorippa nasturtium-aquaticum pleno sol no solo dentro da água

Uriartt, Ari *

A espiral de ervas é uma técnica clássica dentro da Permacultura, estilo de agricultura de base ecológica, cujos princípios foram sistematizados por Bill Mollison e David Holmgren, em meados de 1970.

Constitui-se em uma forma simples e prática de cultivar diferentes plantas medicinais, condimentares e aromáticas em um único espaço, respeitando suas distintas necessidades de luz, água e nutrientes. Na es-piral, as diferentes alturas obtidas ao longo de seu perfil permitem que seja criado um número diverso de con-dições ambientais, o que normalmente não seria pos-sível em um mesmo espaço cultivado em plano único.

Na parte superior da espiral, que geralmente está mais exposta ao sol e é mais drenada em comparação às partes mais baixas, opta-se por cultivar aquelas espécies exigentes em luz e calor e que necessitam de um solo mais enxuto e, por que não dizer, com certa aridez.

Na parte mediana, são cultivadas as plantas que apre-ciam condições intermediárias de luz, calor e umidade e que também podem ser posicionadas de acordo com o quadrante da espiral, deixando aquelas que requerem uma maior exposição solar para o quadrante norte e aquelas que apreciam umidade e sombra para o qua-drante sul. Na parte inferior da espiral, muitas vezes incorpora-se um pequeno lago, que permite que sapos e rãs possam se reproduzir e aí passa a se dispor de um ambiente para o cultivo de plantas que requerem solo bem mais úmido e sombreado.

Sua localização deve ser o mais próximo possível da casa, uma vez que se constitui em um elemento do sistema que necessita de atenção ou que precisa ser visitado com frequência para dali se obter o que se deseja: temperos, fi-toterápicos ou apenas contemplação. O ideal é que esteja a poucos passos do local onde as refeições são preparadas.

Na edificação de sua estrutura podem ser empregados

os mais diversos materiais (toras de madeira, costaneiras, bambus, tijolos, pedras, etc.), contudo, deve-se preferir aqueles materiais que, durante o dia, absorvam e arma-zenem o calor do sol, e o liberem, à noite, para o solo, protegendo assim as plantas das fortes variações de tem-peratura e das geadas.

Essa estrutura deve ser assentada sobre o solo original, previamente nivelado, onde se coloca um leito de papelão de embalagens. Sobre esse leito, são edificadas as paredes, que devem partir do centro para a periferia do círculo for-mado (diâmetro de aproximadamente 1,60 m), de forma decrescente, em altura. O espaço formado entre as paredes deve ser preenchido com os seguintes materiais (seguindo uma ordem de baixo para cima): cascotes de cerâmica ou pedras pequenas, areia grossa, palha e finalmente uma mis-tura de composto + solo+ casca de arroz carbonizada.

A seguir, são relacionadas algumas plantas e suas posi-ções dentro da espiral:

Referências:MOLLISON, Bill; HOLMGREN, David. Permacultura um. São Paulo: Editora Ground Ltda. São Paulo, 1983. 149 p.MOLLISON, Bill; HOLMGREN, David. Introduction to perma-culture. Tyalgum:Tagari Publicatons. Austrália. 1997. 213 p.

* Engenheiro Agronômo da Emater/RS-Ascar

A construção de uma espiral de ervas

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23AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL - set./dez.2011

Lei de ATER: exclusão da Agroecologia e outras armadilhas

* Caporal, Francisco Roberto

ResumoA discussão sobre assistência técnica e ex-tensão rural (Ater) volta no cenário brasilei-ro, pois, pela primeira vez, o país conta com uma Lei de Ater. Neste texto, pretendemos fazer uma breve aproximação a aspectos da Lei, os quais se caracterizam ou como retro-cessos com respeito ao que vinha ocorrendo de 2003 a 2009 ou como elementos que po-dem representar futuros problemas para a ação extensionista e para as entidades. Co-meçamos constatando que, na elaboração da Lei nº 12.188/2010, os gestores menospreza-ram a participação dos setores interessados. Com isso, em relação à Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para

* Engenheiro agrônomo, doutor pelo Programa de Agroecología, Campesinado e Historia, da Universi-

dad de Córdoba, Espanha. Professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, membro do Núcleo de Agroecologia e Campesinato (NAC) e do Observatório de Ater (Observater), da UFRPE, presidente da Asso-

ciação Brasileira de Agroecologia (ABA). E-mail: [email protected]

a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PNATER) de 2003, observou-se a exclusão da Agroecologia. Ao longo do texto, são cons-truídas algumas hipóteses que poderão con-tribuir para estudos que busquem uma maior compreensão sobre a eficácia da Lei de Ater e seus possíveis impactos negativos.

Palavras-Chave: Agroecologia. Extensão Rural. Lei de Ater. Políticas Públicas.

1 IntroduçãoNo início de 2010, o País passou a contar

com a primeira Lei de Ater, a qual “institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária - PNATER e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária - PRONATER, altera a Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e dá outras providên-cias.” (BRASIL, 2010a)

A Lei nº 12.188/2010, além de estabelecer princípios e diretrizes para a ação extensio-nista, estabelece um novo processo burocrá-tico, na medida em que, ao alterar a Lei nº

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8.666/1993, determina que os recursos orça-mentários de fomento à Ater, do governo fe-deral, passem a ser aplicados à modalidade de contratos sem licitação. Sem entrar no mérito dessa mudança, que é questionável, no presente artigo nos limitamos a tratar, por um lado, sobre a questão da ilegitimida-de sociopolítica da iniciativa governamental que culmina na Lei de Ater, destacando que o governo federal menosprezou a participação popular que havia sido o alicerce para a PNA-TER-2003 e, com isso, deu passo a mudanças de caráter técnico-burocrático que, entre ou-tras coisas, eliminou a Agroecologia do texto original. Assim, a PNATER de 2010 nasce com o estigma de ser responsável por um re-trocesso no campo da extensão rural contem-porânea. Por outro lado, procuramos destacar alguns elementos que enunciamos como hi-póteses sobre outros possíveis problemas que podem advir da Lei de Ater e que precisam ser acompanhados e estudados.

Este texto é parte de um artigo mais lon-go, que foi elaborado a partir do que se po-deria chamar de “observação participante não planejada”. Trata-se de um conjunto de observações que o autor pode realizar sobre a trajetória da extensão rural brasileira ao lon-go de quase oito anos de trabalho (2003-2010) no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), quando esteve lotado no Departamen-to de Assistência Técnica e Extensão Rural (Dater), e Coordenador de Formação. Desse modo, grande parte das informações referidas ao longo do texto foi extraída dos cadernos de notas do autor. Por outro lado, o texto se baseia em uma análise inicial dos conteúdos legais estabelecidos frente a possíveis conse-quências práticas que poderão acarretar.

2 Sobre a exclusão da Agroecologia e a falta de legitimidade social da Lei de Ater

Hoje em dia, quando se fala em PNATER, é preciso qualificar o discurso. Muitos dos envolvidos com o tema ainda se referem à PNATER elaborada em 2003, embora, por força legal, ela já não exista, e que de fato, legalmente, nunca existiu. Porém, o que mui-

tos ainda não sabem é que ela foi substituída por uma nova PNATER, instituída pela Lei federal nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010. Hoje, quando se fala em PNATER o que vale, oficialmente, é a que foi instituída pela Lei supracitada. A outra agora é a velha PNA-TER de 2003.

Como é sabido, a partir de um processo de-mocrático e participativo, levado a cabo ao longo do ano de 2003, o MDA recolheu um conjunto de sugestões de mais de 100 entida-des e mais de 500 pessoas elaborando com es-ses subsídios a PNATER. A ampla participa-ção dos setores interessados assegurou para a PNATER alta legitimidade sociopolítica, de modo que sua implementação, a partir de 2004, contou com a adesão massiva de orga-nizações governamentais e não governamen-tais, assim como das organizações de repre-sentação da agricultura familiar. A missão, os princípios e os objetivos orientadores do que na época se chamava de “nova Ater” estabe-leciam as mudanças que vinham sendo suge-ridas havia anos, incorporando, entre outras coisas, uma orientação fundamental para os tempos atuais: promover o desenvolvimento rural sustentável com base nos princípios da Agroecologia.

A legitimidade da PNATER de 2003 foi tes-tada ao longo de 8 anos sem que houvessem discordâncias de fundo sobre seu conteúdo entre as entidades executoras dos serviços de Ater, mesmo diante dos novos desafios que foram estabelecidos. Esses desafios se mate-rializavam logo de início, no enunciado dos cinco princípios orientadores da ação de Ater, entre os quais o que recomendava que a ex-tensão rural apoiada pelo MDA deveria atuar com “ênfase na promoção do desenvolvimen-to rural sustentável e no apoio a processos de transição agroecológica para o estabeleci-mento de estilos de agriculturas sustentáveis, baseadas nos princípios da Agroecologia.” Do mesmo modo, o objetivo geral destacava a Agroecologia ao recomendar que a Ater deve-ria “estimular, animar e apoiar iniciativas de desenvolvimento rural sustentável, que en-volvam atividades agrícolas e não agrícolas,

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pesqueiras, de extrativismo, e outras, tendo como centro o fortalecimento da agricultura familiar, visando a melhoria da qualidade de vida e adotando os princípios da Agroecologia como eixo orientador das ações” (MDA, 2004). Assim, a PNATER de 2003 se constituiu na primeira política pública da esfera federal a incluir a Agroecologia entre as recomenda-ções para as ações de apoio ao desenvolvimen-to rural e agrícola nacional. 1

Ao longo do ano de 2009, viria a ocorrer ou-tro processo de debate sobre Ater, dessa vez com reduzida ou quase nula participação da sociedade civil, o qual desembocou na elabo-ração do Projeto de Lei nº 5.665/2009, pos-teriormente transformado na Lei nº 12.188, sancionada pelo Presidente da República em 11 de janeiro de 2010. Estranhamente, o pro-cesso que foi conduzido pelo MDA acabou por excluir a palavra Agroecologia do conjunto das orientações, de modo que, somente por in-terferência da sociedade civil, já no período de tramitação na Câmara de Deputados, viria a ser incluída uma recomendação minimamen-te orientada para o campo da Agroecologia, ainda que de duvidosa eficácia, quando se diz: “adoção dos princípios da agricultura de base ecológica como enfoque preferencial (sic) para o desenvolvimento de sistemas de produção sustentáveis;” (BRASIL, 2010a) Obviamente, o enunciado anteriormente, que faz parte dos princípios da PNATER estabelecidos em Lei, não dá conta da complexidade proposta na versão da PNATER-2003 e sequer se aproxi-ma da perspectiva agroecológica, na medida

em que se preocupa somente com os sistemas de produção, não dando conta das multidi-mensões da sustentabilidade defendidas pelo campo da Agroecologia. 2

Do mesmo modo que havia ocorrido com a elaboração do Projeto de Lei, a elaboração do Decreto de regulamentação tampouco contou com a participação da sociedade civil que ha-via contribuído na elaboração da PNATER de 2003. Alegava-se, na época, que a pressa necessária, primeiro para fazer passar logo a Lei no Congresso e, depois, para acelerar sua implementação, não poderia vir a ser “atrapalhada” por longas discussões ou por diferentes “posições ideológicas” em disputa, que poderiam postergar os encaminhamen-tos. Desse modo, a Lei de Ater e a PNATER de 2010 nasceram sem contar com a mesma legitimidade sociopolítica que havia sido um dos marcos da PNATER de 2003. O estranha-mento por parte de representantes da socie-dade civil junto ao Conselho Nacional de De-senvolvimento Rural Sustentável (Condraf) ou junto ao Comitê de Agroecologia, presente nas falas de cidadãos da sociedade civil que participam nesses espaços, e que estão regis-tradas em atas, é uma evidência desse déficit de participação.

Por outro lado, cabe observar que o principal argumento usado pelos gestores para defender as mudanças não tinha nada que ver com o con-teúdo da PNATER de 2003, pois o que se dizia era que o governo precisava estabelecer meca-nismos mais ágeis que o modelo de convênios, de modo a facilitar tanto a operacionalização in-terna ao MDA como as formas de prestações de contas das entidades de Ater, as quais vinham sendo assediadas pela fiscalização dos órgãos de controle e, por isso mesmo, elas vinham ques-tionando o modelo operacional de repasse de recursos. Logo, se esta era a razão principal da mudança, era de se esperar que o conteúdo le-gítimo estabelecido na PNATER de 2003 fosse o mesmo a orientar a PNATER de 2010, o que não ocorreu. Daí porque não se entender a razão pela qual a orientação pelos princípios da Agroe-cologia tenha sido excluída do novo texto.

Ademais, as mudanças introduzidas e mes-

1 Isso foi, de certa forma, determinante para o surgi-mento dos mais de 120 cursos de Agroecologia hoje exis-tentes no país, assim como o foi para o estabelecimento do Marco de Referência da Pesquisa em Agroecologia, da Embrapa. Ademais, foi decisivo para que o conceito de Agroecologia se tornasse corrente nas instituições de Ater, assim como nas entidades de pesquisa e ensino. Do mesmo modo, editais do CNPq e do MEC tiveram a mesma influência.

2 Estudo feito por Diniz, Tavares de Lima e Almei-da (2011), mostra que, das primeiras 148 Chamadas de Projetos de Ater (pós-Lei nº 12.118/2010) analisadas pelos autores, apenas 28 apresentam a transição agroe-cológica como uma das linhas de ação.

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mo a redação quase sempre focada na pro-dução podem abrir caminho, através da Lei de Ater, para um retorno ao velho modelo da extensão rural difusionista e produtivista. Isso, de certa forma, se confirmaria pela aná-lise das Chamadas de Projetos lançadas em 2010. Em geral, elas estabeleceram como foco uma cadeia produtiva, ainda que incluam outras linhas para a ação. Do mesmo modo, as Chamadas anunciam um retrocesso me-todológico, como veremos mais adiante, na medida em que os métodos de extensão que aparecem nas Chamadas de Projetos de 2010 são apenas visitas, reuniões e dias de cam-po, um pacote metodológico não se adapta a uma ação focada na de transição agroecológi-ca. 3 Ainda quando aparece a necessidade de planejamento participativo, isso não passa de um discurso que não corresponde ao “modeli-to” metodológico elaborado pelos gestores da Lei de Ater.

Por outro lado, segundo trabalho de Diniz, Tavares de Lima e Almeida (2011), há uma grande confusão conceitual nos textos explica-tivos distribuídos pelo MDA, desde momentos anteriores às Chamadas. Os autores afirmam que essas confusões conceituais já apareciam nas orientações enviadas aos Conselhos Ter-ritoriais, os quais deveriam eleger três priori-dades de ação, de uma lista de 19. Do mesmo modo, esse tipo de problema conceitual se re-petiria nas Chamadas, o que leva os autores antes referidos a colocar, de forma amável,

que isso se deve, provavelmente, a uma “ima-turidade conceitual”. Por exemplo: o conceito de transição agroecológica, segundo eles, apa-rece de forma diferente na nota enviada aos Conselhos e nas Chamadas posteriores a ela. Entretanto, é possível que essa “imaturidade conceitual” se deva muito a uma carência de domínio no manejo dos conceitos por parte de quem elaborou os documentos, assim como ao caráter tecnocrático da construção dos procedimentos, com carência de participação dos setores militantes no campo da extensão rural. De fato, uma análise mais profunda mostra que esse tipo de problema aconteceu até mesmo na definição de Ater que consta na Lei, em que ficam explícitos os problemas de redação e concordância.

Este breve apanhado permite afirmar que a Lei de Ater trouxe retrocessos importantes com respeito ao que havia sido estabelecido na PNATER de 2003. Ademais, fica evidente que a PNATER estabelecida pela Lei de 2010 não conta com a legitimidade sociopolítica que havia sido alcançada através do proces-so participativo de construção da velha PNA-TER de 2003.

3 Algumas hipóteses sobre a operacionalização da Lei de Ater

Embora este não seja o lugar para um amplo detalhamento de questionamentos e reflexões sobre a operacionalização da Lei de Ater, é im-portante registrar algumas questões que po-dem vir a ter desdobramentos no futuro, algu-mas delas levantadas ainda quando o assunto tramitava no Congresso Nacional. Na ocasião, analisando a Justificativa e o Projeto de Lei que deu origem à Lei de Ater, Gerson Teixei-ra (2009) escreveu um artigo que finalizava com o seguinte parágrafo: “Enfim, o projeto de Lei firma importante compromisso do governo pela Ater pública e gratuita aos quilombolas, indígenas, caboclos, camponeses, assentados e agricultores familiares de um modo geral. No entanto, alguns aspectos da proposição en-corajam a se julgar que faltaram expertise e despojamento político ao órgão setorial para traduzir, da melhor forma, este compromisso

3 No caso de uma das Chamadas, por exemplo, cujo projeto vencedor foi apresentado pelo Instituto Agro-nômico de Pernambuco (IPA), para atender três ações (Segurança Alimentar e Nutricional, Organização da Produção e Transição Agroecológica da Cadeia Hortifru-tícola) no Território da Cidadania Sertão do São Francis-co, naquele Estado, deverão ser realizadas, em um ano, 8.100 visitas técnicas (três por unidade familiar de pro-dução), 450 reuniões, envolvendo 150 grupos de 18 agri-cultores e, 30 Dias de Campo com a participação de 30 grupos de 90 agricultores. Essas metodologias exigidas pelas Chamadas e reproduzidas no projeto do IPA evi-denciam um extremado caráter burocrático. Quer dizer, as famílias que forem cadastradas como assistidas por esse projeto, deverão, a priori, participar de todas essas atividades conforme os grupos que forem estabelecidos pelas conveniências operacionais dos executores.

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do governo. Entre tais aspectos, destacamos: a desnecessária centralização exacerbada; o expediente duvidoso da dispensa de licitação ao invés, por exemplo, da flexibilização dos cri-térios; a imprevisibilidade de fontes estáveis e seguras de recursos; a privatização da fiscali-zação do programa; o caráter residual da par-ticipação da sociedade civil.”

A essas inquietações, podem se somar mui-tas outras incertezas e muitos outros possí-veis riscos associados à implementação da Lei, que precisam continuar sendo objeto de observação e de estudos, para que possamos compreender melhor seus desdobramentos com o correr do tempo. Vejamos, resumida-mente, alguns deles:

a) Hipótese sobre a não realização da Conferência de Ater

A Lei estabelece que: “Art. 8º - A proposta con-tendo as diretrizes do Pronater, a ser encami-nhada pelo MDA para compor o Plano Plurianu-al, será elaborada tendo por base as deliberações de Conferência Nacional, a ser realizada sob a coordenação do Conselho Nacional de Desenvol-vimento Rural Sustentável - Condraf.”

Para atender a esta norma legal, no início do ano de 2010 foi designado um Grupo de Trabalho (GT), formado por técnicos da Se-cretaria da Agricultura Familiar (SAF), para

elaborar uma propos-ta para a realização da Conferência Nacional de Assistência Técnica e Ex-tensão Rural (CNATER). O documento elaborado por esse GT, intitula-do Minuta de Proposta: I Conferência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural, sugeria iniciar os trabalhos da Conferência até meados de março daquele ano, propondo, ainda, no cro-nograma das atividades, a realização de Conferên-cias Territoriais, de 14 de

maio a 30 de junho, conferências estaduais, de 1º de novembro a 30 de novembro e a re-alização da CNATER dias 13 a 16 de dezem-bro de 2010.

A realização da Conferência chegou a ter data marcada para abril de 2011. Entretanto, segundo se sabe, até a presente data o MDA e/ou o Condraf não realizaram a Conferência, de modo que foi continuada a execução da Lei sem atender a uma das condições formais de maior importância, dado que era justamente a Conferência, através de delegados, que ela-boraria o Pronater e, com isso, subsidiaria o Plano Plurianual (PPA) de 2012 a 2015, entre outras atribuições. Inclusive, cabe observar que já se perdeu a oportunidade de que a Con-ferência pudesse influir no PPA. Mesmo que ela ainda venha a ser realizada, somente pode-rá influir em futuras adequações do PAA, mas sem muita eficácia.

Por sua vez, o Decreto que regulamenta a Lei estabelece, no § 3º do art. 12, que “A primeira Conferência Nacional poderá, ex-cepcionalmente, ser realizada até o mês de abril de 2011, sem prejuízo da imediata exe-cução do Pronater.” Assim, diante da impor-tância atribuída à Conferência e diante dos dispositivos legais vigentes, cabe perguntar: 1º) Porque não se realizou a Conferência até essa data? Seria por questões relacionadas à

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perda de poder de decisão? Que implicações legais isso pode vir a ter, posto que segui-ram sendo feitas Chamadas e contratados projetos sem atender aos dispositivos legais? Poderá haver, por parte do Tribunal de Con-tas da União (TCU), da Advocacia Geral da União (AGU) ou outras instâncias de contro-le, um embargo aos contratos já firmados? Quais são as posições do Condraf e do Comi-tê de Ater quanto à não realização da Con-ferência? Estariam esses espaços de repre-sentação coniventes com os procedimentos e postergações do MDA?

b) Hipótese sobre o retrocesso metodo-lógico

Já mencionamos anteriormente algumas questões metodológicas presentes nas Cha-madas de Projetos, mas há outras que mere-cem destaque. Por exemplo: a Lei recomenda a adoção “de metodologia participativa, com enfoque multidisciplinar, interdisciplinar e intercultural, buscando a construção da cida-dania e a democratização da gestão da políti-ca pública (sic)”. (BRASIL, 2010a) Entretan-to, as primeiras Chamadas de Projetos que foram publicadas vão contra esse princípio, por várias razões. Entre elas, pode-se desta-car que as Chamadas estabelecem, a priori, como vimos antes, uma metodologia que é insuficiente e/ou inibidora de processos par-ticipativos, pois, como é sabido, a adoção de metodologias participativas supõe uma am-pla articulação com as comunidades rurais e uma adesão livre e democrática dos partici-pantes o que requer tempo de maturação. Re-quer, ainda, muito esforço de mobilização nas e das comunidades rurais, o que não se viabi-liza através de contratos de curto prazo (um ano) e que estabelecem serviços (que são visi-tas, reuniões e dias de campo) que devem ser executados o mais rápido possível para que as entidades possam receber o valor equivalente dentro de um determinado tempo. Isso pode determinar que os técnicos, recém-chegados às comunidades, deverão iniciar, imediata-mente, as visitas para cadastramento de fa-mílias e logo as reuniões, etc. Essa é uma

condição para que as entidades contratadas possam receber por seus serviços num pra-zo razoável após a realização das ativida-des. Se tardam na realização dos métodos, tardam a receber, já que o pagamento dos serviços é posterior à comprovação da rea-lização.

Por outro lado, o enfoque metodológico es-tabelecido nas Chamadas de Projetos está endereçado para pagar pela quantidade de atividades. Se o objetivo da Lei era qualifi-car a Ater, obviamente que o foco deveria ser a qualidade e não apenas a quantidade de atividades. Contraditoriamente, na reu-nião do Comitê de Ater do dia 8 de outubro de 2010, ainda se dizia que “a abordagem metodológica será o principal critério de avaliação dos projetos...”. Ora, essa afirma-tiva é desprovida de validade factual, dado que a metodologia está preestabelecida. In-clusive, neste caso, projetos metodologica-mente inovadores não poderiam ser apro-vados.

Além do mais, o caráter subjetivo da ava-liação de metodologias a serem utilizadas na execução de um projeto não coaduna com a exigência de “critérios objetivos” de avaliação, exigidos pela prática de contra-tos sem licitação. Esse é mais um proble-ma para a avaliação dos projetos. Como sa-bemos, a pontuação pela metodologia, por mais que se queira objetividade e haja uma grade de pontuação, pode ser bem diferen-te dada a perspectiva de análise dos ava-liadores, que será sempre particularmente subjetiva. Em conversa com vários colegas que participaram das primeiras avaliações, essa questão aparecia como uma das claras dificuldades da avaliação da concorrência. Duas questões importantes podem ser aqui colocadas: 1) Por que a operacionalização da Lei não permite ou estimula a adoção de metodologias participativas que ela mesma recomenda? 2) Como os órgão de controle vão entender essa subjetividade da avalia-ção metodológica em contratos sem licita-ção que exigem critérios objetivos?

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c) Hipótese sobre a (des)continuidade dos serviços

A Lei estabelece, já na definição de Ater, que se trata de um serviço de educação não formal, de caráter continuado. Ora, embo-ra esse seja um desejo antigo, ninguém pode garantir a continuidade nas condições atuais. Vejamos alguns argumentos: os contratos, embora sejam prorrogáveis, têm prazo inicial de um ano. Diante de um orçamento limitado, e com poucas chances de ter um substancial incremento, o cumprimento desse dispositivo se torna, na prática, inviável. A continuidade requereria, nesse caso, ou a prorrogação de contratos ou novas Chamadas Públicas para projetos nas mesmas áreas e com o mesmo público (e talvez com os mesmos extensionis-tas das mesmas entidades). Isso faria com que se gerasse um processo de exclusão da-quelas comunidades/territórios/famílias que não entraram como beneficiários na primeira leva de contratos. No caso de novas Chama-das para essas mesmas áreas, nada assegura que as mesmas entidades ganhem a nova con-corrência e, portanto, outra vez se quebraria a possibilidade de continuidade, por culpa do modelo adotado.

Até a promulgação da Lei, as entidades de Ater mantinham certa continuidade dos serviços oferecidos porque elaboravam projetos com as comunidades e assumiam determinados compromissos com elas. No caso da Ater executada por entidades es-tatais (Emateres ou similares), havia certa continuidade porque as ações não depen-diam apenas dos recursos federais. Com a Lei de Ater, como se trata de uma contra-tação de serviços por prazo determinado, se as comunidades/territórios escolhidos pelo Dater/MDA não forem áreas prioritárias das entidades executoras, é bem provável que nem as estatais continuem atuando nas mesmas áreas, dado que se trata de um compromisso do governo federal e não propriamente da entidade executora, seja ela Organização Governamental (OG) ou Organização Não Governamental (ONG). Há evidências disso na medida em que se

observa que mesmo entidades estatais, através de diferentes subterfúgios, têm contratado técnicos por tempo determina-do, justamente para a execução dos proje-tos contratados. Isso dá a entender que elas não estão convencidas da possibilidade de continuidade.

d) Hipótese sobre a armadilha dos sa-lários

A busca de mais qualidade nos serviços de extensão requereria que o pagamento pelos serviços contratados viabilizasse uma boa execução. Assim, para se estabelecer o valor de cada serviço a ser contratado fo-ram realizados estudos técnicos, sobre os quais não vamos nos deter, mas que tam-bém merecem atenção de quem se dedica ao tema. Chama a atenção, entretanto, que no cálculo do custo, além do custo médio de gastos com deslocamentos, incluindo a de-preciação de veículos, distâncias médias a serem percorridas, etc., entre outros itens se inclui na planilha o valor corresponden-te a salários e benefícios. Para o cálculo dos salários, por exemplo, de profissionais de nível superior, como agrônomos e outros profissionais cuja profissão esteja regu-lamentada, tomou-se como base o Salário Mínimo Profissional (SMP), estabelecido na respectiva legislação e, para os demais, como os profissionais de nível médio, ado-tou-se um percentual desse valor. 4

Pois bem, esse tipo de critério, exigido pela modalidade de contrato, acaba por constituir-se em uma grande armadilha, senão vejamos: no caso das entidades de Ater estatais (governamentais), os salários são pagos pelos cofres públicos dos respecti-

4 O valor a ser pago pelos serviços de Ater a partir da Lei revelam outro tema para debate. Um dos elementos do discurso oficial é a “universalização” desses serviços para toda a agricultura familiar. Ora, uma conta sim-ples revela que para isso seria necessária a contratação de mais de 20.000 novos extensionistas e um volume de recursos superior a R$ 2 bilhões adicionais ao que já se gasta com Ater no Brasil. Seria isso viável? Ou é apenas um discurso ufanista?

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vos Estados ou pelos orçamentos das empre-sas, institutos, etc., o que dá no mesmo, pois são recursos públicos. Se no pagamento fei-to pelo MDA está incluído um valor salário, a pergunta, se isso ocorrer, é: não estariam as entidades recebendo duplamente recursos públicos para uma mesma finalidade, para um mesmo tipo de despesa? Ainda que sejam recursos federais e recursos de orçamentos estaduais, se os técnicos recebem pela “folha do Estado”, não estaria havendo duplicidade de disponibilização de recursos? Além dis-so, muitas das estatais de Ater não pagam o SMP, de modo que, na medida em que os con-tratos adotam o critério antes mencionado, como se resolveria essa questão? Não haveria uma ilegalidade?

Em qualquer caso, se isso ocorrer, pode-ria se gerar um passivo trabalhista, caso os profissionais venham a arguir que trabalham para um Contrato de serviços cuja base de cálculo adota o SMP ou equivalente. A ques-tão de possíveis passivos trabalhistas poderia se resolver se uma entidade estatal adotasse uma prática de pagamentos de salários dife-renciados para quem atua nos contratos pelo MDA. Mas se for assim, não estaria criando outro problema para ela mesma?

Essa última argumentação vale também para as ONG. A adesão aos contratos de servi-

ços de Ater criaria a mes-ma condição com respeito aos salários, de modo que se elas não cumprirem as regras do SMP ou equiva-lente calculado pelo MDA, também poderiam vir a ser alvo de demandas trabalhistas. Isso parece óbvio, uma vez que a en-tidade receberá do MDA pela realização dos servi-ços um valor cujo cálculo tomou como referência o valor de salário que cor-responde ao SMP. Desse modo, tanto em um caso como no outro, os contra-

tos de serviços de Ater passam a exigir um minucioso cuidado quanto às relações tra-balhistas, tanto das OG como das ONG, sob pena de se criarem incontroláveis futuras de-mandas e passivos trabalhistas.

Uma pergunta final sobre este assunto: seria adequado ao governo federal contratar uma entidade - repassar um determinado va-lor - correspondente a salário e encargos (no caso, se supõe a busca de determinada qua-lidade profissional) e a entidade contratada não pagar esse mesmo valor de salário aos seus empregados e não recolher o mesmo va-lor de encargos que foi recebido, fazendo so-brar recursos para cobrir outras despesas?

e) Hipótese sobre o limite economicis-ta das Chamadas

Fica evidente na análise do conjunto das Chamadas de Ater, divulgadas em 2010, a predominância do foco economicista, num retorno ao velho esquema de prioridades da Ater estatal brasileira, agora implicando também nas não governamentais. Inclusive, uma breve análise dos discursos oficiais em defesa da Lei já mostra essa tendência. Por outro lado, ao reconcentrar-se na perspectiva produtivista 5, as Chamadas deixam de lado questões fundamentais inerentes à lógica de reprodução da agricultura familiar. Na me-

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dida em que cada Chamada estabeleceu uma cadeia produtiva a ser trabalhada no territó-rio, automaticamente está sinalizando para a invisibilidade das demais atividades, mesmo as econômicas. Se a Chamada é para traba-lhar na cadeia do leite, nada impede que os técnicos trabalhem em apoio à produção or-gânica de feijão e milho, ou mesmo para a reorganização de infraestrutura para o turis-mo rural, por exemplo, só que o custo dessas atividades “extras” deverá ser coberto pela entidade, pois não faz parte do valor prees-tabelecido e contratado pelo MDA. Pelo con-trário, em razão do contrato com dispensa de licitação, isso até poderia ser entendido como uma anomalia, dada a exclusividade exigida na ação dos técnicos.

f) Hipótese sobre a (des)capacitação dos técnicos

Como é sabido, o trabalho da extensão ru-ral não se limita à assistência técnica. Aliás, nessa crítica histórica se procurou superar durante a elaboração da PNATER de 2003. Logo, uma das exigências de uma Ater de qualidade é a capacitação continuada dos ex-tensionistas. Ora, nenhuma chamada prevê recursos para a capacitação dos técnicos. Co-meça por aí, mas esse problema vai mais lon-ge. Mesmo que uma entidade tenha recursos de outras fontes para pagar a capacitação dos técnicos que irão atuar num projeto contra-tado pelo MDA, elas não terão tempo. Todos os tempos de atividades dos técnicos estão pré-programados (ainda que não formalmen-te), indiretamente, inclusive incidindo sobre as formas de cálculo das atividades a serem contratadas. Na medida em que a entidade tem um prazo para executar as atividades e o pagamento dessas está calculado incluindo o tempo necessário para realizá-las, imagina--se que não haja tempo para capacitar os ex-tensionistas. Desse modo, se elimina, com um duro golpe, uma das características da exten-são rural brasileira que é a busca permanente e continuada de capacitação dos profissionais.

As Chamadas, portanto, não favorecem a capacitação de pessoal e isso, supostamen-

te, vai contra a Lei, pois implica em queda da qualidade dos serviços. A lógica do “não dá para perder tempo” com outras coisas, própria desse tipo de contratação de emprei-tada, é ainda mais grave no caso de entida-des que contratam os técnicos somente após saberem que ganharam a concorrência. Irão colocar técnicos em serviço sem nenhuma ca-pacitação específica? Embora o exemplo da contratação de uma empreiteira tenha sido usado por gestores ao longo do processo de elaboração da Lei, temos de convir que, nes-se caso, não se trata de contratar pedreiros e carpinteiros, muito menos quando se diz que esses operários da “empreiteira de Ater” te-rão que trabalhar com educação não formal, metodologias participativas, contribuir para o fortalecimento da cidadania e para o desen-volvimento rural sustentável e tantos outros quesitos estabelecidos nos princípios da nova PNATER. 6

g) Hipótese sobre a obstaculização de ações sociais da Ater

As primeiras 148 Chamadas de Projetos, de 2010, invisibilizam e não apoiam, através dessa modalidade de contrato os chamados trabalhos da área social, que também caracterizaram os serviços de extensão rural. Trata-se de ações re-alizadas no campo da saúde, da alimentação e nutrição familiar, dos cuidados com as crianças, com as pessoas da terceira idade e outros. Tam-bém desconsideram outras importantes ações das entidades estatais de Ater como o apoio a campanhas de vacinação e outras atividades educativas da extensão rural como o cuidado com a destinação de lixos, águas servidas e deje-tos, os cuidados e a melhoria da água de consu-

5 Como já mencionamos antes, mesmo quando a li-nha de ação é segurança alimentar, o foco está no au-mento da produção, o que nem sempre é solução para questões de insegurança alimentar e nutricional.

6 Visando suprir essa deficiência, o MDA iniciou um processo de capacitação para agentes de Ater que vão atuar nos projetos vinculados ao Programa Brasil sem Miséria. Esse é outro tema a ser acompanhado, tanto do ponto de vista dos conteúdos ministrados, como da relação com as orientações da Lei.

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mo, etc. Do mesmo modo, desconsideram ações importantes dos extensionistas como as orien-tações a respeito do uso, da armazenagem e da transformação caseira de alimentos, para não falar daquelas iniciativas que contribuem com programas de alfabetização ou de educação de jovens e adultos ou, mesmo, as novas ações de inclusão digital no meio rural.

A partir do modelo das Chamadas, se elas não estiverem focadas em ações específicas, (como as anteriormente mencionadas ou outras como o apoio ao associativismo, ao cooperativismo, à organização de feiras livres e outros eventos e atividades necessárias e inerentes ao trabalho de Ater e ao desenvolvimento rural sustentável), se constituirão num entrave, pois essas ações, se realizadas, correrão por conta e risco das enti-dades. Como é pouco provável que as Chama-das de Projetos contemplem todo esse elenco de ações, a hipótese que defendemos é que a Lei de Ater vai se transformar em um obstáculo a mais para o fortalecimento e a melhoria da qua-lidade de vida da agricultura familiar. Pode-se argumentar que estão sendo feitas Chamadas específicas para apoiar processos organizativos e outras atividades. Muito bem, trata-se então de ver se coincidem com o mesmo público de uma chamada geral de Ater e, se coincidir e não for a mesma entidade na mesma área, teremos aí mais um problema, não só pela sobreposição de ações com as mesmas famílias mas também pelas possíveis diferenças de enfoque e formas de atuação.

h) A hipótese dos recursos própriosO valor a ser pago pelos serviços contratados

pelo MDA não inclui em suas planilhas de cál-culo atividades como coordenação, apoio técnico e administrativo, serviços de faxina ou supervi-são e acompanhamento, por exemplo. Sabemos, entretanto, que tanto as OG como as ONG não funcionam sem que haja esse tipo de trabalho intermediário, isto é, trabalho necessário, mas que não ocorre diretamente junto às famílias be-neficiárias. Ao não considerar e não remunerar estes serviços, o modelo das Chamadas favorece, pela ordem: entidades estatais que já incluem em seus orçamentos esse tipo de custo, depois,

as entidades com fins lucrativos, que já dispõe desse tipo de estrutura como parte de seus gas-tos e, por fim, ONG de maior porte ou que es-tejam ancoradas em outros projetos e possam dedicar parte desses recursos para subsidiar as ações contratadas pelo MDA, em detrimento de pequenas ONG, com pouco ou nenhum recurso de outras fontes. O mesmo argumento vale para a capacitação de técnicos.

i) Hipótese sobre a quebra das bases so-ciais das organizações

Ao longo dos últimos anos, as entidades de representação da agricultura familiar criaram estruturas próprias para a prestação de ser-viços de Ater. Não queremos entrar no mérito dessa questão, que para alguns pode ser consi-derada como uma anomalia. Estas entidades de representação da agricultura familiar (como por exemplo: Confederação Nacional dos Trabalha-dores na Agricultura - Contag, Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar - Fetraf, MPA e outras), quando passam a atuar em ex-tensão rural, em geral, atuam junto a suas ba-ses sociais, junto a agricultores familiares que são identificados com cada uma delas e, em al-guns casos, utilizando a oferta gratuita desses serviços como estratégia de cooptação de novos membros, novos associados, ou seja, para am-pliação de sua base política.

Pois bem, a Lei de Ater e as Chamadas de Pro-jetos, ao definir desde cima as áreas de atuação, (no caso das primeiras Chamadas: Territórios da Cidadania ou municípios do Arco Verde, por exemplo), estabelecem algumas questões novas no campo da política sindical. Considerando o modelo legal dos processos de contratação de serviços, que por fim culmina numa concorrên-cia entre projetos para atuação numa determi-nada área, nem sempre será possível que as en-tidades dos agricultores atuem com suas bases. Mesmo que elas disputem em territórios nos quais tenham uma concentração de seus afilia-dos, nada assegura que não será outra entidade a vencer a licitação.

Por outro lado, uma entidade pode disputar e vencer uma licitação para atuar em área na qual não tem base social (afiliados), ou tem poucos,

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pois os demais seriam afiliados de outras enti-dades. Obviamente vamos ter aí outro tipo de conflito de interesses políticos no campo da orga-nização sindical, pois, como se sabe, a prática da extensão rural não é neutra e sempre será acom-panhada de orientações referentes aos objetivos da organização a que está subordinada.

Embora ainda não tenhamos evidências claras desse processo no campo empírico, essa é mais uma hipótese que precisa ser testada ao longo do tempo. Durante o processo de construção da Lei e sua regulamentação chegou a ser falado que seriam feitas Chamadas dirigidas para as enti-dades. Isso, de certa forma, contribuiu para que muitas delas colocassem em segundo plano a discussão sobre a elaboração da Lei, pois se sen-tiam contempladas pela possibilidade futura de ter uma chamada “dirigida”. No entanto, a base legal instituída não permite esse tipo de subter-fúgio, pois a contratação de serviços sem licita-ção deve ter origem num processo de livre con-corrência, em iguais condições. Portanto, uma boa prática de gestão pública sugere que o gestor não deve estabelecer critérios que possam privi-legiar esta ou aquela entidade. Com isso, ficou eliminada a chance de vincular serviços de Ater e atendimento das bases sociais das entidades de agricultores, pelo menos de forma dirigida.

4 Como conclusãoVárias das questões que enunciamos ante-

riormente ainda são apresentadas como hipó-teses. Elas requerem um acompanhamento e

uma avaliação por parte das entidades de Ater, dos Conselhos que tratam do assunto, da acade-mia, assim como dos órgãos de controle. Como vimos, a Lei de Ater institui uma modalidade de contrato que, por sua natureza, não requer o estabelecimento de parcerias. Diferente dos con-vênios, em que ambas as partes têm interesse no objeto e se comprometem, inclusive financei-ramente, agora se trata de contratação de servi-ços por parte do Estado. A indução que será feita a partir das Chamadas independe do interesse ou da necessidade da sociedade civil e de suas organizações e nem mesmo dos agricultores. As entidades de Ater deverão subordinar-se ao que deseja o governo federal, ou ficam de fora.

Por outro lado, a prática metodológica da extensão rural exigida pelas primeiras Cha-madas inibe processos participativos assim como inibe a participação na gestão das ações de Ater, pois muitas das questões colocadas nas Chamadas devem ser sigilosas, por força da Lei. Logo, o Comitê de Ater, os Conselhos, etc, quando participarem de qualquer discus-são desse nível, terão uma participação peri-férica e subordinada aos dispositivos de sigilo já que alguns aspectos só podem ser revelados para servidores e só se tornarão conhecidos quando forem publicadas as Chamadas.

Por fim, cabe reiterar o retrocesso evidente da Ater em relação ao potencial apoio que as entidades vinham dando ou poderiam dar aos processos de transição com base nos princí-pios da Agroecologia.

BRASIL. Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010. Institui a política nacional de assistência técnica e extensão rural para a agricultura familiar e reforma agrária - PNATER e o programa nacional de assistência técnica e extensão rural na agricultura familiar e na re-forma agrária - PRONATER, altera a Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e dá outras providências. Diário Oficial [da] Repúbli-ca Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2010a. Disponível em: <http://www.in.gov.br/imprensa/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=1&data=12/01/2010>. Acesso em: 11 jan. 2010.

________. Decreto nº 7.215, de 15 de junho de 2010. Regula-menta a Lei n. 12.188, de 11 de janeiro de 2010, para dispor sobre o programa nacional de assistência técnica e extensão rural na agricultura familiar e na reforma agrária - PRONATER. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília,

DF, 12 jan. 2010b. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7215.htm>. Acesso em: 11 jan. 2010.

DINIZ, Paulo Cesar, TAVARES, Jorge de Lima; ALMEIDA, Anié-rica. Chamadas Públicas de Ater: primeiras reflexões. Recife--UFRPE. 16 p. (não publicado).

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO. Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. Brasília, MDA, 2004.

TEIXEIRA, Gerson. A proposta de assistência técnica pública e gratuita para agricultores familiares e assentados - Projeto de Lei nº 5.665, de 2009, do Poder Executivo: Uma análise dos aspec-tos gerais. Brasília, em 12 de agosto de 2009 (não publicado).

Referências

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Produção própria de alimentos e sementes por agricultores familiares através do kit

agrodiversidade: uma estratégia de promoção da soberania alimentar

Vicente, Nicole Rodrigues 1, Fantini, Alfredo Celso 2, Alves, Antônio Carlos 3, Canci, Adriano 4

ResumoO Kit Agrodiversidade (ferramenta estra-tégica para o acesso à agrobiodiversidade local) visa melhorar a qualidade de vida das famílias agricultoras através da promo-

1 Doutoranda em Recursos Genéticos Vegetais. Eng. Agrônoma - Núcleo de Pesquisas em Florestas Tropicais/

Universidade Federal de Santa Catarina; [email protected]

2 Doutor em Ciências Florestais pela Universidade de Wisconsin, Madison (EUA). Professor da Universidade

Federal de Santa Catarina (UFSC). 3 Doutor em Fitotecnia pela Universidade Federal do

Rio Grande do Sul (UFRGS) . Atualmente é professor da Universidade Federal de Santa Catarina.

4 Técnico do projeto Microbacias-2/Epagri - Guaraciaba/SC.

ção da soberania alimentar. Neste arti-go, avaliamos os primeiros resultados do projeto Kit no município de Guaraciaba/SC. O processo de avaliação foi partici-pativo em todas as etapas. Foram usados métodos qualitativos de pesquisa como questionários, entrevistas e oficinas. O estudo revelou forte adesão dos agricul-tores familiares ao projeto, bem como a sua satisfação por ter atingido um dos seus principais objetivos: diminuir a compra de alimentos básicos no mercado. Além disso, resgatou o hábito de consu-mir maior diversidade de alimentos. Os depoimentos das famílias agricultoras re-velam ainda que, apesar da efetividade do kit na conservação de material gené-tico local, a iniciativa deve ser conduzida junto a outras políticas.

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Palavras-Chave: Agrobiodiversidade. Sobe-rania Alimentar.

1 IntroduçãoA especialização da agricultura e o

abandono da produção diversificada são fatores significantes no declínio da bio-diversidade, incluindo os recursos gené-ticos vegetais (RGV) para alimentação e agricultura. O processo de erosão gené-tica decorrente desse abandono constitui uma séria ameaça não somente ao de-senvolvimento de novos cultivares como também da própria agricultura, como apontaram Scialabba et al. (2002), sobre diversos estudos de caso de agricultura orgânica, e Brush (2000), sobre a conser-vação in situ dos RGV. Ao analisarem a importância da diversidade para manu-tenção da qualidade do agroecossistema, Scialabba et al. (2002) afirmaram que são os pequenos produtores os primeiros a sofrerem as consequências decorrentes do processo de erosão da biodiversidade, especialmente pela perda das variedades locais, principalmente aquelas adaptadas às condições locais de ambiente e cultivo.

Assim, esforços que visem à conser-vação da diversidade (ver, por exemplo: Ramos, 2007) devem considerar a sus-tentação da agricultura familiar, atra-vés da manutenção dos meios de vida dos seus agricultores. Autores como Rana et al. (2007) sugerem que, dentre as estra-tégias com potencial para realizar esse objetivo, estão a promoção da soberania alimentar e a valorização de variedades desenvolvidas e cultivadas localmente. As ações para a implementação dessas estratégias devem ser desenvolvidas de forma comunitária, coletiva e participa-tiva para garantir a construção de ba-ses sólidas de estímulo à permanência de famílias agricultoras no campo, pois, como afirma Ramos (2007), com base nos seus estudos feitos no Rio Grande do Sul, agricultores com distintas trajetórias de vida apresentam distintas percepções em

relação à sua autossuficiência agrícola e alimentar.

Experiências efetivas de conservação de variedades locais vêm sendo realiza-das no Oeste de Santa Catarina. No mu-nicípio de Anchieta, por exemplo, a partir de meados da década de 1990 (Ogliari & Alves, 2007), várias organizações gover-namentais e não governamentais se uni-ram em torno da proposta de promover a valorização e a conservação de varieda-des locais de milho, uma espécie que teve muitas variedades tradicionais perdidas ao longo do tempo, segundo relato feito por Canci & Canci (2007). Além da ex-pansão para outros municípios da região, a iniciativa evoluiu para inclusão do tra-balho com outras espécies e também para a realização de parcerias com instituições de ensino e pesquisa.

Entretanto, o tipo de agricultura pra-ticado no Oeste catarinense, com forte

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dedicação a sistemas de integração com a agroindústria, revelou-se um importan-te fator para a perda de material gené-tico local. Estudo realizado por técnicos do Projeto Microbacias II do município de Guaraciaba (Guadagnin et al., 2007) indicou que as famílias agricultoras vi-nham direcionando o seu tempo de tra-balho principalmente à produção de fumo e de leite, e diminuindo drasticamente a produção de alimentos para consumo próprio. Os autores relatam que 75% das famílias haviam deixado de produzir o próprio arroz que consumiam, 65% deixa-ram de produzir a batata, 50% o feijão e o alho, e 40% a abóbora e as hortaliças folhosas, todos eles alimentos fundamen-tais na dieta dessas famílias.

Técnicos da extensão rural em Gua-raciaba/SC avaliaram como grave essa situação e passaram a implementar um projeto para revertê-la. A estratégia era facilitar o acesso dos agricultores à di-versidade local. O Projeto, chamado Kit Diversidade, foi inspirado em uma expe-riência desenvolvida no Nepal por Stha-pit et al. (2007). A iniciativa de Gua-raciaba é a pio-neira desse tipo no Brasil. Mais do que a simples pro-dução e uso de se-mentes, a estraté-gia tem objetivos mais abrangentes como resgatar e aumentar a va-riabilidade gené-tica local, renovar sistematicamente os estoques de se-mentes, promover a produção de ali-mentos livres de agrotóxicos, me-lhorar a qualidade de vida das famí-

lias através da melhoria da renda e da saúde, e estimular a independência dos agricultores em relação às instituições que lhes dão assistência (Canci et al., 2010). Os primeiros kits foram distribu-ídos em 2005, compostos por 27 varieda-des locais de arroz, feijão, milho, milho pipoca, batata, ervilha, fava, melancia e alho (Canci et al., 2010).

O presente estudo teve como objetivo avaliar a efetividade do Projeto Kit Di-versidade em promover a soberania ali-mentar das famílias agricultoras que participaram do projeto.

2 Material e métodos

O estudo foi realizado no município de Guaraciaba, no Extremo Oeste de Santa Catarina, nas Microbacias Lageado Ouro Verde e Rio Flores. Esta última compre-endeu as comunidades das linhas Tigre, São Roque e Perondi. A população total de moradores nas duas Microbacias é de 300 famílias. O trabalho de campo foi re-alizado em 2008, utilizando-se métodos

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qualitativos de pesquisa. Um dos métodos usados foi a entrevista semiestruturada com famílias es-colhidas através de sorteio. Inicial-mente, um roteiro de entrevista foi estruturado. Na etapa seguinte da pesquisa, foi rea-lizada uma oficina em cada comuni-dade. Em seguida, foi utilizada a téc-nica de Linha do Tempo (Geilfus, 1996), com o obje-tivo de resgatar os eventos relaciona-dos à dinâmica dos sistemas locais de pro-dução agrícola, ocorridos desde a chegada das famílias na região. Na terceira parte da oficina, foram conduzidos trabalhos de grupos, onde os agricultores apontaram, desde sua perspectiva, pontos importan-tes a serem investigados pela pesquisa, os quais após sistematização foram incor-porados ao roteiro da entrevista.

Foram sorteadas para a entrevista 56 famílias em cada uma das duas microba-cias, resultando em uma margem de erro de amostragem de 10%, segundo cálculo proposto por Barbetta (2007). As entre-vistas, compostas de um questionário e de perguntas abertas, foram realizadas na residência de cada família, com du-ração média de duas horas, sempre que possível com a participação de toda a família. Algumas declarações prestadas durante as entrevistas são apresentadas neste texto.

As informações obtidas nas entrevistas foram analisadas através de estatísti-ca descritiva. As respostas às perguntas abertas foram agrupadas em categorias

pela semelhança no significado. Algumas porcentagens apresentadas podem somar mais de 100%, tendo em vista que as res-postas de cada família podem se enqua-drar em mais de uma categoria.

3 Resultados e discussão

3.1 A Percepção dos Agricultores Sobre a Dinâmica do Uso das Variedades Locais

Na percepção dos agricultores das Mi-

crobacias Lageado Ouro Verde e Rio Flo-res, três períodos podem ser identificados com relação ao uso e manejo dos RGV: as décadas de 1950 a 1970, de 1980 a 1990, e após o ano 2000. Cinco aspectos da agricultura praticada por eles foram apontados para caracterizar a dinâmica de uso e manejo de RGV de cada período: número de cultivos; formas de aquisição de sementes; práticas de manejo; tipos de insumos utilizados; e produção para o au-toconsumo.

Até a década de 1970, era praticada uma agricultura de subsistência no mu-

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nicípio. O plantio era diversificado, em sistema de consórcio, com produção pró-pria de sementes. Sementes e mesmo ali-mentos eram trocados entre familiares e vizinhos. No final desse período, houve o início da difusão do monocultivo do milho e do fumo, com o uso de variedades me-lhoradas. Segundo os agricultores, essa mudança representou o início do declínio da produção de alimentos na propriedade para o consumo pela família.

O segundo período, que compreende as décadas de 1980 e 1990, foi marcado pela forte atuação da extensão rural, tida como um dos principais fatores que in-fluenciaram a dinâmica de uso dos RGV pelos agricultores locais. O uso das varie-dades melhoradas foi intensificado junta-mente com o uso de insumos industriali-zados, alavancados pelo crédito rural. Os agricultores percebem, nesse período, o início do êxodo rural, principalmente das famílias agricultoras que não consegui-ram se adequar à nova agricultura. Parte

das famílias que não migraram para as cidades, entretanto, optaram pela pecuá-ria leiteira, que começou a ser praticada intensivamente. Para muitas famílias, a pecuária leiteira e o cultivo intensivo de fumo e milho implicaram o abandono da produção própria de alimentos. Segundo Alves et al. (2010), a introdução da ativi-dade de produção de leite influencia di-retamente na produção de alimentos, por representar uma atividade intensiva e que poderá levar à exaustão do solo.

Na visão dos agricultores, o início da década de 2000 representou o início do processo de resgate do conhecimento lo-cal para a produção agrícola diversificada e da produção própria de alimentos, con-siderados de extrema importância para o resgate da sua autoestima. Os agriculto-res reconhecem essa época como o início de um processo de reflexão sobre o tipo de agricultura que estavam praticando, que passaram a associar a um declínio na sua qualidade de vida. A revalorização do co-

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nhecimento adquirido durante gerações e a busca pela soberania alimentar e econô-mica são fatores mencionados pelos agri-cultores como desencadeadores de uma nova fase da agricultura do município.

Como se pode perceber, o uso e o ma-nejo de RGV em Guaraciaba sofreram intensa modificação ao longo do tempo, acompanhando as mudanças tecnológi-cas ocorridas na agricultura, a exemplo do que foi percebido em outras localida-des do Brasil e do mundo desde o início da revolução verde, como relata Canci (2006), para Guaraciaba e Anchieta; Ca-bral (2007), para Mato Grosso; e Jhamta-ni et al. (2007) para a Indonésia. Essas mudanças influenciaram diretamente a transformação das condições socioeconô-micas regionais vivenciadas pelas famí-lias do campo. Constituíram, também, fato relevante para o processo de migra-ção das famílias agricultoras e, portanto, sua análise é fundamental para a elabo-ração de estratégias de manutenção des-sas famílias no campo, como sugerido por Carpenter (2005), em seu estudo sobre a diversidade genética de variedades locais de arroz nas Filipinas, por Ramos (2007) e Grisa (2007), em seus estudos sobre ali-mentação “para o gasto” com agricultores familiares no Rio Grande do Sul.

Um dos aspectos de maior relevância dessa estratégia é a manutenção de mate-rial genético local. No caso dos agriculto-res de Guaraciaba, a atenção é necessária principalmente em relação às variedades de milho, arroz e feijão, que represen-tam a base alimentar das famílias. Mas as variedades locais têm um significado ainda maior para esses agricultores, que têm na produção de sementes próprias o elemento de coesão para os movimentos sociais dos quais participam. Assim, o manejo comunitário da diversidade e as redes locais de produção e intercâmbio de sementes devem ser reconhecidos não apenas pelo seu papel na conservação dos recursos genéticos (Bellon, 2004), mas

também pela importância na manutenção de sistemas de abastecimento de semen-tes e segurança alimentar potencializada pelo manejo local e resgate dos conheci-mentos locais, como exemplifica o traba-lho de Almekinders et al. (1994).

3.2 Adoção do Kit Agrodiversidade e o Novo Quadro da Aquisição de Alimentos

Houve boa aceitação das espécies rece-bidas no kit pelas famílias das duas mi-crobacias. Das 112 famílias entrevista-das, 90% plantaram pelo menos uma das espécies recebidas. A espécie com maior aceitação foi a ervilha, cujas sementes fo-ram plantadas por 92% das famílias e a de menor aceitação a fava, plantada por 62% das famílias. Para 80% das famílias da Microbacia Rio Flores e 43% das famílias da Microbacia Ouro Verde, o principal motivo para plantar as sementes recebi-das foi o desejo de experimentar varie-dades que muitos ainda não conheciam. Um significativo número de famílias na Microbacia Ouro Verde (38%) também plantou as sementes com o objetivo de produzi-las, possibilitando a continuida-de do plantio dessas variedades crioulas, razão também citada por 12% das famí-lias da Microbacia Rio Flores. As famílias que não plantaram as sementes recebidas apontaram como motivos a falta de tem-po, o uso das sementes para consumo, o armazenamento para plantio posterior, a doação para terceiros, e o uso para ali-mentação dos animais domésticos.

Foi relativamente baixa a proporção de famílias (20% na Microbacia Rio Flores e 4% na Microbacia Lageado Ouro Ver-de) que declararam que o aspecto econô-mico foi o determinante para a decisão de plantar as espécies recebidas, embo-ra tenham considerado muito oportuna a possibilidade de reduzirem seus gastos com aquisição de alimentos. Guadagnin et al. (2010) verificaram a importância da produção própria de alimentos pelas fa-

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mílias envolvidas no projeto, que foi equi-valente a R$ 750,00 a R$ 4.500,00. Outros motivos declarados pelas famílias para a adoção do kit foram: satisfação em partici-par do projeto, incen-tivo recebido, desejo de produzir alimentos mais saudáveis, dese-jo de ter o alimento, ou poder partilhar a produção. Esses re-sultados revelam que o projeto foi efetivo no trabalho de estí-mulo à participação das famílias.

Um grande desafio do projeto era redu-zir o número de famílias dependentes do mercado em relação aos alimentos básicos. A avaliação aqui realizada revelou que a proporção de famílias que recorreram ao mercado para comprar arroz após a im-plantação do projeto foi reduzida de 75% para 42%. No caso do feijão, o resultado foi ainda mais significativo: o percentual de famílias que compraram esse alimento no mercado foi reduzido de 50% para 23% das famílias na Microbacia Ouro Verde, e para somente 8% das famílias em Rio Flores. Os resultados sugerem um signi-ficativo avanço na independência da pro-dução de alimentos em relação à situação apontada por Guadagnin et al. (2007) no início do projeto. Algumas razões mencio-nadas pelas famílias para a aquisição de alimentos no mercado foram: a perda de sementes ao longo do tempo (principal-mente pela estiagem prolongada por três anos consecutivos); o intenso trabalho de manutenção requerido pela cultura e a ausência de unidade de beneficiamento próxima à comunidade; e a escassez de mão de obra.

3.3 A Avaliação do Projeto pelas Famí-lias Agricultoras

Um dos bons resultados que podem ser atribuídos à iniciativa do kit diversida-de foi o estímulo e incentivo que o mesmo promoveu nas famílias que produzem o seu próprio alimento, e seu impacto direto na autoestima dos agricultores. A vantagem (expressão sugerida pelos agricultores), trazida pelo projeto, mais comentada pelas famílias entrevistadas foi o incentivo à pro-dução para autoconsumo incluindo a pro-dução de alimentos saudáveis (36% das fa-mílias de Ouro Verde e 39% de Rio Flores) (Figura1), importantes objetivos do proje-to. Aquisição, troca ou produção de semen-tes foram outros aspectos mencionados, os quais complementam o resultado positivo do projeto. Outra forma de ver o resultado do projeto é apresentada na Figura 2, que revela as manifestações relacionadas a um novo comportamento das famílias agricul-toras frente à questão do resgate da prática de produzir a própria semente e do próprio alimento. As manifestações sugerem tam-bém o resgate da autoestima das famílias agricultoras.

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Figura 1. Opinião das famílias sobre as vantagens do Kit diversidade (categorização realizada a partir das declarações feitas pelas famílias).

Figura 2. Opinião das famílias sobre as mudanças ocorridas após o recebimento do Kit diversidade (categorização realizada a partir das declarações feitas pelas famílias).

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Nas duas Microbacias, a segunda vantagem mais citada pelas famílias foi a economia de di-nheiro, tanto para as sementes quanto para os alimentos (Figura 2). Resultado semelhante foi relatado por Guadagnin et al. (2010). Adquirir as sementes também foi uma das vantagens do kit encontradas pelas famílias. Muitas delas afirmaram que não teriam condições econômi-cas para adquirir sementes crioulas para a pro-dução de autoconsumo, perdidas ao longo da trajetória familiar. Vale ainda salientar que as variedades crioulas recebidas através do kit não podem ser facilmente encontradas para compra. Essa vantagem foi citada por uma percentagem expressiva de famílias.

Outros aspectos relevantes apontados como resultado positivo do projeto como: atenção à comunidade e incentivo para continuar a plan-tar, resgate das variedades e costumes antigos e satisfação de colher sementes e alimentos, e maior diversidade de alimentos revelam o im-pacto sistêmico da iniciativa. Na Microbacia Rio Flores, uma mudança percebida pelas famílias foi o resgate tanto de variedades quanto de cos-tumes antigos há muito tempo não vivenciados localmente (Figura 2). A troca de sementes e a aquisição de novas variedades também foram citadas como importantes mudanças promo-vidas por meio do kit diversidade. Um aspecto interessante citado por famílias da Microbacia Rio Flores diz respeito à mudança da visão de mundo das pessoas após terem participado das

ações relacionadas com o kit, que pode ser reflexo do amplo processo de discussão, planejamento, imple-mentação e avaliação do projeto.

A abordagem do kit facilita o processo de crescimento do mane-jo comunitário da agrobiodiversi-dade nas unidades de produção, e contribui para a qualidade de vida da comunidade, aspectos re-latados na experiência de Sthapit et al. (2007), criadores da estraté-gia. Vale destacar, ainda, que não há um procedimento único para o desenvolvimento dos kits diversi-dade, devendo cada comunidade

adaptar e desenvolver suas próprias estratégias. Entretanto, ficou evidente, nesta experiência no município de Guaraciaba, que o envolvimento, tanto das comunidades de agricultores quan-to de instituições locais, em todas as etapas do projeto foi um aspecto fundamental para o seu sucesso.

4 Conclusão

O presente estudo revela que houve forte ade-são dos agricultores ao projeto kit diversidade, bem como a sua satisfação em relação ao proje-to. Podemos concluir também que o projeto atin-giu um dos seus principais objetivos: diminuir a compra de alimentos básicos, pelas famílias agricultoras, no mercado. No caso do arroz, a percentagem de famílias que recorria ao merca-do para obtenção do grão baixou de 75% para 42%, e para o feijão, a redução foi de 50 % para 23%.

Entretanto, outros resultados somaram para atestar o sucesso do projeto. Muitas famílias vol-taram a cultivar alimentos que tinham deixado de fazê-lo, em muitos casos, há mais de 20 anos. Desse modo, o trabalho iniciou o processo de res-gate de espécies e variedades locais, e também o conhecimento associado ao seu uso e manejo, bem como hábitos alimentares saudáveis que haviam sido perdidos (exemplo da fava e da er-vilha). Outra evidência a favor do projeto foi o resgate da autoestima das famílias agricultoras.

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Referências

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Experiência do Brasil em agricultura familiar é modelo em Cuba

O Brasil firmou recentemente um protocolo de inten-ções com Cuba que prevê a execução do Projeto de Cooperação Técnica (PCT). Com isso ficou forma-lizado o acordo entre os dois países que prevê para o país caribenho o alcance de metas referentes à produ-ção de alimentos que o torne autossuficiente. A base de produção será a agricultura familiar e a meta precisa ser atingida até 2015. O acordo prevê investimentos de US$ 200 milhões, entre 2012 e 2015, no país caribe-nho. O valor, ainda precisa da aprovação da Câmara de Comércio Exterior (Camex) do Ministério do Desenvol-vimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), mas o governo cubano já adiantou um pedido ao Brasil de um primeiro crédito para 2012 no valor de US$ 70 milhões. Uma equipe técnica do Ministério do Desenvolvimen-to Agrário (MDA) já visitou o país, analisando a situação em vários assentamentos cujas áreas foram criadas em 2008, depois que o governo cubano aprovou uma lei que possibilitou a redistribuição de 1,8 mil hectares de terras improdutivas, destinando-as a 168 mil novos produto-res rurais, dos quais a maioria é constituída de jovens. O projeto de cooperação técnica Brasil-Cuba faz parte do programa “Mais Alimentos Cuba” – que teve como base para sua criação a experiência brasileira – e acredita-se que vá proporcionar, entre outros ganhos, a possibilidade destes agriculores adquirirem equipamentos. O foco do programa será a produção de grãos como milho, arroz, feijão, soja e sorgo e a criação de gado para leite e corte. Ficou acertado que o MDA vai prestar serviços de assis-tência técnica à Cuba, o que prevê oito visitas de técnicos do ministério ao país.

Rio+20 em 2012Em 2012 o Brasil será sede de uma importante confe-rência da Organização das Nações Unidas (ONU), a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, também conhecida como Rio+20. Entre os dias 4 e 6 de junho, líderes dos 193 Estados que fazem parte da ONU, além de representantes de vários seto-res da Organização, se reunirão para discutir como po-demos transformar o planeta em um lugar melhor para se viver. O evento recebeu o nome de Rio+20 porque a reunião acontecerá no Rio de Janeiro, exatamente 20 anos depois da Eco92, também promovida pela ONU, na capital fluminense, para debater meios possíveis de desenvolvimento sem desrespeitar o meio ambiente. Naquela ocasião o evento resultou na criação de vários documentos importantes, como a Agenda 21, a Carta da Terra e as Convenções do Clima e da Diversidade Bioló-

gica. Vinte anos depois, a Rio+20 reunirá os líderes de todo o mundo para fazer um balanço do que foi feito nas últimas duas décadas e discutir alternativas para diminuir o impacto da humanidade na Terra . No mesmo período da reunião oficial da Rio+20, o Rio de Janeiro sediará, também, a Cúpula dos Povos: um evento que contará com debates, palestras e outras atividades, sobre os mes-mos temas da Conferência da ONU, mas que serão pro-movidos por grupos da sociedade civil - como ONGs e movimentos sociais.

Pesquisa da ONU faz aposta na AgroecologiaA Agroecologia tem se tornado peça chave na agricultura e no desenvolvimento sustentável. No entanto, de acor-do com documento da Organização das Nações Unidas (ONU), apresentado no começo deste ano, apesar de ter um papel essencial para aumentar o rendimento das safras e gerar crescimento econômico, a Agroecologia é subestimada por muitos governos. Para Olivier De Schutter, autor do estudo e relator especial do Direto à Alimentação das Nações Unidas, tem sido muito difícil convencer os governos a investir na Agroecologia – em vez disso, estes preferem financiar o desenvolvimento de biotecnologias e melhoramento de plantas. De Schutter avalia que isso é um erro porque é preciso desassociar a agricultura dos combustíveis fósseis – como petró-leo e gás na produção de fertilizantes – e fornecer algo muito mais sustentável. “Temos que nos preparar para quando ficarmos sem combustíveis fósseis e ensinar os fazendeiros algo a mais; ensiná-los a não usar recursos externos e em vez disso utilizar insumos naturais”, disse o relator. Este documento, que se chama Agroecology and the right to food (Agroecologia e o Direito à Alimen-tação), apresenta os resultados dos últimos cinco anos de pesquisa na área de práticas agroecológicas e defende o aumento da utilização da técnica, que tem tido êxito em diversos locais do mundo.

Maude Barlow alerta para a privatização da água

A água é para o século 21 como o petróleo era para o século 20. Não há mais dúvidas que a água é um te-souro que precisa ser prioritário nas políticas de gestão dos países e que sim, ela já começou a ser motivo de guerras assim como o petróleo é há tantas décadas. Países como a China, superpopulosos e com recursos naturais cada vez mais escassos, já buscam recursos hí-dricos de qualidade nos seus vizinhos, a exemplo da região dos Himalaias tibetanos. Porém, o alerta soado por ativistas ao redor do mundo, mascarado por cam-panhas publicitárias e políticas, é da corrida de grandes

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investidores para se apoderar das reservas de água po-tável nos países mais pobres. A autora do livro “Água, o Ouro Azul”, a canadense Maude Barlow, alerta que rios inteiros já foram comprados por corporações. “O setor privado viu que o mundo ia para uma crise da água e está se movimentando”, enfatizou a ativista. Fundadora do projeto Blue Planet Project (Projeto Planeta Azul), ela é chefe do Council of Canadians, uma das maiores organizações canadenses da sociedade civil. Por seu trabalho no movimento pela justiça da água recebeu o prêmio sueco Right Livelihood Award (o “Nobel Al-ternativo” do Meio Ambiente). Há décadas envolvida com movimentos sociais, Barlow luta pelo reconheci-mento da resolução de 2010 da Assembléia Geral das Nações Unidas que declara o acesso à “água potável e segura e ao saneamento” como um direito humano. A privatização da água que Barlow descreve em seu livro ocorre quando o seu uso é comercializado por grandes empresas através da obtenção de concessões do go-verno. O resultado é que elas acabam negando acesso às pessoas que não têm condições de pagar. “A água é uma commodity, parte do patrimônio da humanidade ou um direito humano?”, questiona a autora.

Serge Latouche defende o descrescimento em ciclo de conferências

“Um crescimento infinito é incompatível com um mundo finito”. Esta é uma das definições de Serge Latouche, economista e filósofo, que participou, em novembro último, do ciclo de palestras “Economia de baixo carbono: limites e possibilidades”, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU), em São Leo-poldo (RS). Latouche, professor na Universidade Paris XI- Sceaux/Orsay, proferiu uma série de conferências durante o ciclo, tratando de temas diversos, associados à ideia de promover a sociedade do decrescimento e convivial, conceitos que têm abordado em suas obras. Latouche considera o decrescimento como uma for-ma de encontrar a felicidade através do que chama de “frugalidade convivial”, uma resposta à crise de valo-res provocada pela ausência de felicidade que o consu-mo não é capaz de suprir. Durante suas conferências, Serge Latouche apresentou a ideia de economia civil da felicidade, desenvolvida a partir dos Estados Uni-dos (EUA) e que tomou um novo curso na Itália. Para o pensador francês, os teóricos dessa corrente rea-bilitam uma certa forma de sobriedade, unindo-se a outros movimentos, como o do decrescimento. Em síntese, o que essas tentativas demonstram, afirmou Latouche, é que a sociedade dita desenvolvida, da opulência, baseia-se em uma produção massiva, mas

também em uma perda de valores. Assim, retomando um conceito de Raimon Panikkar, Latouche defendeu a metanoia, ou seja, a capacidade de questionar pro-fundamente o mito do progresso indefinido.

Batata orgânica é cultivada em ColoradoSementes da batata Macaca, uma das preferidas pelos consumidores gaúchos, foram distribuídas a produ-tores pela Embrapa Clima Temperado e estão sendo cultivadas sem agrotóxico no município de Colorado. Certificadas e livres de vírus, as sementes foram plan-tadas em setembro no solo bem adubado com dejetos de suínos e bovinos de 35 propriedades rurais do mu-nicípio. O rendimento é alto: 1 kg de semente chega a render até 15 kg de batatas. O controle de insetos na plantação de batatas é feito com óleo de nim, inseticida e fungicida orgânico, pertencente à mesma família do cinamomo, cedro e mogno e originário da Índia. Se-gundo a Embrapa, pelo menos 400 espécies de insetos se mostraram sensíveis à ação do nim. A planta, con-forme pesquisas, repele, dificulta o crescimento, impe-de a eclosão dos ovos e mata larvas de insetos.

Parlamento Europeu pede proteção às abelhas

O Parlamento Europeu pediu há alguns meses, em Estrasburgo, na França, reforço do apoio dado para a investigação, prevenção e controle de doenças que matam as abelhas e a destinação de mais recursos à apicultura na Política Agrícola Comum (PAC), após 2013. Um relatório aprovado pelos deputados estima que se o aumento da taxa de mortalidade das abelhas na União Europeia (UE) não for levado em conta, ha-verá um “impacto negativo profundo na agricultura, na produção e segurança alimentares”. A estimativa é que 76% da produção alimentar na UE dependam da poli-nização das abelhas, sendo que o contínuo aumento da taxa de mortalidade desses insetos terá um “impacto negativo profundo” na agricultura, na produção e segu-rança alimentares, na biodiversidade, na sustentabilida-de ambiental e nos ecossistemas. Segundo o relatório, 84% das espécies vegetais europeias são polinizadas por abelhas. A produção desses vegetais, conforme o estudo, tem um valor econômico muito superior ao do mel produzido, representando 15 bilhões de euros ao ano. O setor da apicultura é também uma fonte de rendimentos primários ou suplementares para mais de 600 mil europeus. Os deputados solicitam também, à Comissão Europeia, que crie uma rede de segurança ou um sistema de seguros comum para a apicultura para atenuar o impacto das situações de crise no setor.

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www.ihu.unisinos.brEste é o endereço do site do Instituto Humani-tas Unisinos – IHU, que divulga suas atividades, iniciadas em setembro de 2001, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Le-opoldo. O principal objetivo do IHU é apontar novas questões e buscar respostas para os gran-des desafios de nossa época, a partir da visão do humanismo social cristão, participando do deba-te cultural em que se configura a sociedade do futuro a partir de cinco eixos temáticos: Ética, Trabalho, Sociedade Sustentável, Mulheres - su-jeito sociocultural - e Teologia Pública. O site apresenta entrevistas e notícias relacionadas aos temas sustentabilidade, consciência ecológica e agroecologia.

www.ecodebate.com.brO Ecodebate é a apresentação on-line de um projeto sem fins lucrativos, desenvolvido para a socialização da informação sócio-ambiental. O conteúdo do site é selecionado e publicado com foco nos movimentos sociais e foi conceituado para ser uma ferramenta de incentivo ao conhe-cimento e à reflexão, através de notícias, infor-mações, artigos de opinião e artigos técnicos, discutindo cidadania e meio ambiente. O con-teúdo é centrado em temas ligados às questões sócio-ambientais e cidadania. Os organizadores afirmam acreditar na socialização da informa-ção sócio-ambiental, razão pela qual o acesso ao conteúdo diário e ao banco de dados de matérias e artigos é gratuito, de forma a contribuir para que os leitores possam construir seus próprios conhecimentos e consciência crítica da realidade. O conteúdo do EcoDebate é copyleft, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação.

www.camp.org.brO Camp é uma organização não governamental brasileira, fundada em 1983 por jovens estudan-tes, ligados à Teologia da Libertação e sindicalis-tas urbanos e rurais. O Camp apresenta como missão a atuação em prol da mobilização, orga-

nização social, educação, capacitação, formação de lideranças, pesquisa e sistematização de co-nhecimento e também a promoção e a garantia dos direitos políticos, econômicos, sociais, cultu-rais e ambientais das populações urbanas através da mobilização social, da formação de lideranças democráticas e da produção de conhecimento no sentido da construção de novos referenciais de desenvolvimento local sustentável. No site é possível conhecer os projetos do Camp em todo o Brasil, os audiovisuais disponibilizados por este coletivo como forma de instrumentalizar os ato-res sociais nos temas onde o Camp atua, além das publicações produzidas pelo próprio Camp ou parceiros.

www.ecoagencia.com.brA Ecoagência é uma agência de notícias am-bientais criada por voluntários do Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul – NEJ/RS, em 2003, no Fórum Social Mundial, em Por-to Alegre. Desde 2004 ela funciona com um site na internet, procurando contribuir para a democratização da informação ambiental e a conscientização ecológica da sociedade com notícias, artigos e reportagens ambientais, pu-blicadas no site e distribuídas por newsletter para todo o Brasil. A Ecoagência trabalha ex-clusivamente com meio ambiente, porém, con-siderando a transversalidade do tema e suas in-terfaces com outras áreas, tem como objetivos denunciar os crimes contra o meio ambiente, alertar para os problemas ambientais e acom-panhar as políticas públicas do setor. Também busca divulgar as iniciativas de preservação dos recursos naturais, difundir as soluções susten-táveis, promover a educação ambiental, re-percutir as opiniões e ações das organizações, entidades, lideranças, cientistas, educadores e comunidades envolvidas com estas questões. A Ecoagência aceita contribuições para o conte-údo do portal seja na forma de textos, artigos, notícias, documentos, vídeos ou áudios. Estes conteúdos devem ser identificados e apresen-tar autorização expressa para reprodução e distribuição sem custos pela Ecoagência.

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O consumo e a produção de alimentos na agricultura familiar das regiões Missões

e Fronteira Noroeste do RS

* Tesche, Rubens Wladimir

ResumoTrata-se de pesquisa realizado em 2009 pelo Escritório Regional da Emater/RS-Ascar de Santa Rosa, junto às famílias rurais da Re-gião das Missões e Fronteira Noroeste do RS. O objetivo foi verificar o gasto monetário des-sas famílias no consumo de alimentos, quanto desse gasto representa compra em supermer-cado e quanto representa produção na pró-pria Unidade de Produção Agrícola Familiar. A metodologia foi entrevista semi-estrutura-da com 901 famílias rurais em 36 municípios

* Organizador da pesquisa. Eng. Agrônomo, mestre em Desenvolvimento Rural pelo curso de Pós-Graduação

em Desenvolvimento Rural – UFRGS. Supervisor Regional da Emater/RS-Ascar na microrregião das

Missões/RS. [email protected] .Participantes e colaboradores na pesquisa: Aldo

Valmor Schmidt; Jair Omar Meller Domenighi; Lisete Maria Primaz Pohl; Vanessa Maria Gnoatto; Ademir Neuhaus; Flávio Joel Baz Fagonde; Gilmar Francisco

Vione e Jorge João Lunardi.

dessa região, levantando informações sobre a quantidade de consumo de alimentos, tanto os comprados como os produzidos pela pró-pria família, se multiplicando pelo valor de mercado para se obter o valor monetário des-te consumo. A análise dos dados foi de com-paração simples, obtendo-se como resultado que 70% dos alimentos consumidos por estas famílias são produzidos na propriedade e ape-nas 30% são adquiridos em supermercados, concluindo-se que os agricultores familiares têm na produção de alimentos para seu au-toconsumo uma importante fonte de receita, que lhes proporciona segurança alimentar e diminui os dispêndios monetários com sua alimentação.

Palavras-chave: Agricultura Familiar. Produção de Alimentos. Autoconsumo.

1 IntroduçãoContemporaneamente o termo “Agricultura

Familiar” se consolidou como categoria social

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do mundo rural, inclusive norma-tizado em legislação própria e com programa de desenvolvimento rural conhecido como PRONAF – Progra-ma Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.

Entretanto, a formação desta ca-tegoria social tem diversas tipolo-gias devido ao processo histórico de sua formação, com origem no cam-pesinato brasileiro. Assim, no Sul do Brasil, o campesinato se formou a partir dos imigrantes europeus e dos escravos libertos. Os primeiros foram imigrantes lusitanos que se estabeleceram nas regiões litorâneas dos es-tados do sul, muitos provenientes das Ilhas de Açores. Outros imigrantes, que se estabelece-ram ao Sul do Brasil, vieram da Alemanha, Itália e Polônia, os quais receberam do Go-verno Imperial Brasileiro glebas de terras de 25 hectares, conhecidas como “uma colônia”, sendo por isso denominado esses imigrantes como “colonos”.

Nas Regiões das Missões e Fronteira No-roeste do Rio Grande do Sul, a agricultura familiar contemporânea se forma a partir da “agricultura colonial”, com características tí-picas dos camponeses europeus, ou seja, pou-ca e parcial inserção aos mercados capitalis-tas, produção para auto-sustento e venda do excedente.

Essas características camponesas conferem à unidade de produção agrícola familiar uma racionalidade econômica (Chayanov, 1974) di-ferenciada das demais estruturas produtivas, em que a finalidade principal da unidade eco-nômica campesina é o bem-estar da família, o qual determina a intensidade e extensão do trabalho, submetendo o econômico ao social, buscando maximizar o uso de fatores de pro-dução para buscar a satisfação do bem-estar da família, cujo valor é relativo a cada família.

Chayanov (1974) aponta que os camponeses não visam prioritariamente o lucro e nem acu-mulação de recursos, mas a garantia da repro-dução da família e da propriedade, uma vez que a unidade camponesa é ao mesmo tempo

unidade de produção e unidade de consumo. Porém, o modo de vida camponês se modifi-

ca devido às relações mercantis que ocorrem quando:

[...] os mecanismos de preços adquirem a fun-ção de arbitrar as decisões referentes à produ-ção, de funcionar como princípio alocativo do trabalho social, a reciprocidade e a personali-zação dos laços sociais perdem inteiramente o lugar, levando consigo o próprio caráter cam-ponês da organização social (ABROMOVAY, 1988, p. 117).

Ou seja, a unidade de produção da agricul-tura familiar contemporânea do Sul do Brasil se modifica em relação à unidade de produção camponesa, distinguindo-se na racionalidade e na integração aos mercados:

[...] integram-se plenamente a estas estrutu-ras nacionais de mercado, transformam não só sua base técnica, mas, sobretudo o círculo social em que se reproduzem e metamorfo-seiam-se numa nova categoria social: de cam-poneses, tornam-se agricultores profissionais. (ABRAMOVAY, 1998, p. 127).

Surge assim, o modo de vida da agricultura familiar, integrada plenamente às estruturas de mercado com mudanças na base técnica e do círculo social, e que “incorpora o progresso técnico e se vincula ao CAI - Complexo Agro--Industrial” (Silva, 1998, p. 37).

Na Região das Missões e Fronteira Noroeste

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do Rio Grande do Sul percebe-se a existência de diferentes “tipos” de agricultores familiares, variando sua inserção parcial ou total aos mercados. Assim encontram--se nestas regiões agricultores familiares vinculados à agroin-dústria de suínos, de laticínios ou de fumicultura, totalmente inseridos no mercado. Por outro lado, existem produtores que co-mercializam apenas o excedente da produção agrícola, se caracte-rizando por uma inserção parcial aos mercados. Já outras famílias rurais têm como principal renda os benefícios previdenciários ou verbas assistenciais. Também outro aspecto que varia entre esses agricultores familiares está relacionado à sua consolidação no siste-ma produtivo (isto é, alguns produtores estão consolidados, outros em transição e outros em processo de exclusão).

Este trabalho tem como objetivo o estudo do consumo de alimentos das famílias rurais da Região das Missões e da Fronteira Noroes-te do Rio Grande do Sul, verificando o consu-mo anual de alimentos das famílias, o valor total apurado desses alimentos consumidos, o valor apurado com os alimentos comprados e o valor apurado com os alimentos produzi-dos na Upaf – Unidade de Produção Agrícola Familiar, comparando em termos percen-tuais quanto representou a parcela dos ali-mentos consumidos que foram comprados e a parcela dos alimentos consumidos que foram produzidos pela própria família, incluindo as trocas entre vizinhos, parentes e amigos, as quais caracterizam as relações de reciproci-dade desses agricultores familiares.

Para tanto, o Escritório Regional da Ema-ter/RS-Ascar de Santa Rosa realizou este estudo por meio de pesquisa de dados secun-dários (IBGE, Emater/RS-Ascar, FEE/RS) e de dados primários, coletados através de um questionário semi-estruturado, aplicado junto às famílias rurais destas duas regiões do Estado do Rio Grande do Sul, em 36 mu-

nicípios que estão na área de abrangência do Escritório Regional da Emater/RS-Ascar de Santa Rosa e que contam com a presença de uma extensionista rural de Bem Estar Social no quadro funcional do Escritório Municipal da Emater/RS-Ascar.

A partir dos resultados obtidos, se ana-lisou a realidade atual da agricultura fa-miliar quanto à origem dos alimentos con-sumidos na Upaf, verificando quais das hipóteses se confirmaram e concluindo so-bre a importância da própria unidade de produção agrícola familiar produzir seus alimentos de consumo.

2 Hipóteses de pesquisaComo primeira hipótese tem-se que os valo-

res de dispêndio com os alimentos consumidos pelas pessoas das unidades de produção agríco-la familiar nas Regiões das Missões e Fronteira Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul são maiores com alimentos comprados em estabele-cimentos comerciais do que com alimentos con-sumidos e produzidos pelas próprias famílias.

Entretanto, como segunda hipótese, con-trária à primeira, tem-se que os valores de dispêndio com os alimentos consumidos por essas famílias apresentam valor menor com alimentos comprados em estabelecimentos comerciais do que com alimentos produzidos pelas próprias famílias.

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3 Metodologia de pesquisaConsiderando que a abrangência do Re-

gional da Emater/RS-Ascar de Santa Rosa se estende pelos municípios nas duas regiões administrativas do Rio Grande do Sul conhe-cidas como Missões e Fronteira Noroeste, se realizou a pesquisa de campo em todos os municípios que contavam com a presença de uma extensionista rural de Bem Estar Social no quadro funcional do Escritório Municipal da Emater/RS-Ascar.

Coube às extensionistas rurais realizarem a aplicação de um questionário semiestrutura-do junto às famílias das unidades de produção agrícola familiar de seus municípios e assistidas pela equipe da Emater/RS-Ascar, sendo que o número da amostra foi definido a partir do nú-mero de famílias assistidas no município. Entre-tanto, visando diminuir os custos financeiros e o tempo disponível para a realização da pesquisa, se coletou os dados sobre uma amostragem des-sas famílias ao invés da coleta sobre a população total definida, utilizando-se uma escolha aleató-ria entre as famílias.

O tamanho da amostra parte da percepção do pesquisador sobre a população estudada, a fim de “[...] que representam razoavelmente bem a população de onde foram extraídas.” (BARBETTA, 2001).

Na tentativa de aproximar-se de um ta-manho de amostra que seja representativo estatisticamente, se utilizou por semelhança, a fórmula para o cálculo do tamanho mínimo da amostra que Barbetta (2001) apresenta, considerando:

n = tamanho da amostra (nº de famílias assistidas de unidades de produção agrícola familiar, para compor a amostra geral);N = tamanho da população (nº de famílias assistidas de unidades de produção agrícola familiar existente no município = para um exercício, por exemplo, 500 famílias no município);n0 = uma primeira aproximação para o tamanho da amostra;

E0 = erro amostral tolerável.

Adotando um nível de confiabilidade tole-rável de 80% para pesquisas, tem-se que:

n0 = 1/( E0 )2 , n0 = 1/( 0,2 )2 , n0 = 25, Assim, o tamanho mínimo da amostra foi

calculado pela equação:n = (N x n0) / (N + n0) => n = (500 x 25) / (500 + 25) => n = 12.500 / 25 ,n = 23,8 famílias assistidas de unidades de produção agrícola familiar.

Logo, conforme exemplo utilizado, diante de uma população de 500 famílias assistidas de unidades de produção agrícola familiar, a amostra mínima deveria ser de 24 famílias. Assim, conforme varia o nº de famílias assisti-das de unidades de produção agrícola familiar no município, variará o tamanho da amostra mínima a ser pesquisada.

Para um município com menos de 200 fa-mílias assistidas o tamanho mínimo da amos-tra foi determinado em 10% sobre este total de famílias assistidas pela Emater/RS-Ascar municipal, e a partir de 200 famílias assisti-das se utiliza a fórmula acima, ficando assim:

- para 200 a 299 famílias assistidas: amostra de 21 famílias assistidas a serem entrevistadas.

- para 300 a 399 famílias assistidas: amostra de 23 famílias assistidas a serem entrevistadas.

- para 400 a 499 famílias assistidas: amostra de 24 famílias assistidas a serem entrevistadas.

- para 500 a 599 famílias assistidas: amostra de 25 famílias assistidas a serem entrevistadas.

- para 600 a 699 famílias assistidas: amostra de 27 famílias assistidas a serem entrevistadas.

- para 700 ou mais famílias assistidas: amostra de 30 famílias assistidas a serem entrevistadas.

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Quanto à metodologia do cálculo do valor dos alimentos consumidos pelas famílias ru-rais pesquisadas, utilizou-se o preço de com-pra ou preço ao consumidor, diferente de Gri-sa & Schneider (2008) que utilizaram o preço de venda, ou seja, o preço caso os agricultores vendessem estes produtos, mesmo com os ris-cos de variação dos preços de compra entre os municípios onde se aplicou a pesquisa.

Também, neste trabalho, não se propôs verificar os custos de produção de alimentos consumidos devido à dificuldade desse cálcu-lo, uma vez que o foco da pesquisa é modesto, visando apenas verificar o consumo anual de alimentos das famílias e projetar o valor des-ses alimentos com base no preço ao consumi-dor de um determinado estabelecimento co-mercial varejista, afim de simplesmente obter o valor total apurado com os alimentos con-sumidos, o valor apurado com os alimentos comprados e o valor apurado com os alimen-tos produzidos pela prórpria família, a fim de realizar a comparação em termos percentuais de quanto representou a parcela dos alimen-tos consumidos - comprados e a parcela dos alimentos consumidos - produzidos na Upaf.

4 ResultadosA pesquisa sobre o consumo de alimentos

das famílias de agricultores das regiões Mis-

sões e Fronteira Noroes-te do RS, desenvolvida pelo Escritório Regional da Emater/RS-Ascar de Santa Rosa, buscando verificar a quantidade produzida desses alimen-tos na própria unida-de familiar agrícola e a quantidade de alimentos comprados no mercado, apresentou como resul-tados de pesquisa coleta-dos em 36 municípios da região, conforme tabela 1 (em anexo).

Na tabela 1 temos os sessenta e três itens de

consumo alimentar pesquisados, sendo va-lorados com preços de consumidor no mer-cado varejista, referente ao mês de Junho de 2009. Em um total de 901 famílias en-trevistadas, os resultados apresentaram que 833 famílias rurais produzem na pró-pria propriedade rural mais de 50% do valor gasto para consumo mensal de alimentos, perfazendo 92,2% das famílias rurais entre-vistadas. Apenas 68 famílias rurais (7,8%) compram mais de 50% do valor gasto para consumo mensal de alimentos, destacando que essas famílias possuem com maior fon-te de renda a aposentadoria rural. O valor médio mensal apresentado por essas famí-lias rurais com esses itens de alimentos foi de R$ 920,50 (preços de junho/09). Desse valor é gasto R$ 269,79 (29,3%) na compra dos alimentos e R$ 650,71 (70,7%) é o valor correspondente aos alimentos produzido na própria propriedade rural.

Algumas considerações especiais sobre os resultados da pesquisa para se analisar:

1ª) Entre os alimentos consumidos que são produzidos na propriedade rural mais de 50% do valor gasto no consumo deles, destacam-se: Batata-doce (92%), Mandioca e Abóbora (99%), Moranga (97%), Alho (88%), Cebola (61%), Pepino (98%), Alface (98%), Beterraba e Brócolis (96%), Couve-flor

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ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em ques-tão. São Paulo: Hucitec; Campinas: Unicamp, 1998.

BARBETTA, P. A. Estatística aplicada às ciências sociais. 4. ed. Florianópolis: UFSC, 2001.

CHAYANOV, A. La organización de la unidad económica cam-pesina. Buenos Aires: Nueva Visión, 1974.

FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA. COREDES. 2009. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br/sitefee/pt/content/resu-mo/pg_coredes.php.>. Acesso em: 29 maio 2009.

GAZOLLA, M. Agricultura familiar, segurança alimentar e polí-ticas públicas: uma análise a partir da produção para autoconsumo no território do Alto Uruguai/RS. Dissertação de Mestrado, PGDR/UFRGS, 2004.

GRISA, C. A produção “pro gasto”: um estudo comparativo do au-toconsumo no Rio Grande do Sul. Dissertação de Mestrado, PGDR/UFRGS, 2007.

GRISA, Catia ; SCHNEIDER, Sérgio. Fatores determinantes na produção para autoconsumo na agricultura familiar: um estudo comparativo no Rio Grande do Sul. Teoria & Pesquisa, v. 17, p. 47-74, 2008.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pes-quisa Agrícola Municipal 2005. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 29 maio 2009.

_______. Censo Agropecuário 1995-1996. Rio de Janeiro, 1998. Disponível em <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 29 maio 2009.

MENDRAS, H. Sociedades camponesas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 11- 17.

ROCHE, J. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Tradu-ção: Emery Ruras. Porto Alegre: Globo, 1969.

SCHNEIDER, S. et al. “A pluriatividade e as condições de vida dos agricultores familiares do Rio Grande do Sul”. In: ______. A diver-sidade da agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006.

SILVA, J. G. da. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Cam-pinas, SP: Editora UNICAMP, 1998.

TESCHE, R. W. As relações de reciprocidade e redes de coope-ração no desempenho socioeconômico da agricultura familiar: o caso dos produtores de leite do município de Sete de Setem-bro/RS. Dissertação de Mestrado, PGDR/UFRGS, 2008.

Referências

(94%), Cenoura (94%), Pimentão (70%), Ra-banete (99%), Radite (99%), Repolho (84%), Conservas e Compotas (95%), Frutas Cítri-cas (99%), Pêssegos (96%), Uva (85%), Melão (83%), Melancia (89%), Abacate (98%), Ge-léias (95%), Mel (79%), Melado (86%), Nata (57%), Queijo (71%), Salame (77%), Leite (97%), Banha (89%), Ovos (95%), Bolachas (87%), Carnes (94%).

2ª) Entre os alimentos consumidos que são comprados no mercado com mais de 50% do valor gasto no consumo deles, en-contram-se: Arroz (97%), Feijão (56%)* com observação que dentro destes gastos com, a compra do feijão, parte ocorre com a compra direta entre agricultores, Pipoca (59%), Mi-lho canjica (66%), Batatinha (76%), Tomate (54%), Maçã (93%), Banana (69%), Doce de Leite (52%), Margarina (100%), Presunto (97%), Farinha de trigo (93%), Farinha de Milho (95%), Café (100%), Achocolatados (100%), Açúcar (100%), Sal (100%), Óleo Ve-getal (100%), Refrigerantes (100%), Cerveja (98%), Vinho (55%), Erva Mate (98%). Em geral, alguns desses alimentos poderiam ser produzidos na própria propriedade. Indicam

a necessidade de estudos e debates com as famílias rurais no sentido de reduzir as des-pesas com a compra desses alimentos.

Se por um lado a maioria das famílias compra as farinhas e o açúcar, por outro lado esses itens servem de matéria-prima junto com outros itens como ovos e leite (maioria produzidos na própria propriedade rural), os quais são utilizados para fabricação de outros alimentos processados pela maioria das famílias entrevistadas, como: bolachas, calça-virada, cucas e pães.

5 ConclusãoCom os resultados obtidos na pesquisa

de campo, verifica-se que ocorre a segunda hipótese do Projeto de Pesquisa, ou seja, a maioria das famílias rurais tipificadas como agricultores familiares produzem na própria propriedade rural mais de 50% do valor apurado com os gastos para consumo de alimentos, o que leva a outra conclusão: a produção de alimentos pela própria família rural representa uma excelente renda mensal e junto a garantia da segurança alimentar.

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SANTILLI, Juliana. Agro-biodiversidade e direito dos agricultores. São Paulo: Editora Petrópolis, 2009.

A obra de Juliana San-tilli revela-se como um trabalho importante para quem deseja conhecer o

mundo da legislação que afeta os direitos tradicio-nais sobre a agrobiodiversidade e sobre os direitos dos agricultores. A autora apresenta o tema de forma cla-ra, associado à recuperação histórica da agricultura, de forma a contribuir com um debate que está ainda aber-to para muitos confrontos e decisões.

Sob uma perspectiva interdisciplinar, Juliana San-tilli discute o conceito de agrobiodiversidade e suas interfaces com a segurança alimentar, nutrição, saú-de, sustentabilidade ambiental, mudanças climáticas e agrocombustível. A análise dos impactos sobre a agrobiodiversidade produzidos pela Lei de Sementes e pela Lei de Proteção de Cultivares, pela Convenção Internacional para Proteção das Obtenções Vegetais, pela Convenção sobre Diversidade Biológica, pelo Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura e pela legislação na-cional de acesso aos recursos genéticos é apresentada de maneira didática e acessível, facilitando o enten-dimento para todos aqueles que querem defender a agrobiodiversidade enquanto direito e dever.

Santilli, que é promotora de Justiça e doutora em Direito, atuando em Direito Socioambiental, conse-guiu traduzir na obra o impacto do sistema jurídico sobre a agrobiodiversidade e, ao mesmo tempo, pro-por novos instrumentos jurídicos para a proteção e valorização da agrobiodiversidade e para a implemen-tação dos direitos dos agricultores.

Em suas conclusões, ela nos informa que as referên-cias de legislação sobre a agrobiodiversidade ainda são embrionárias no Brasil, o que permite às organizações da agricultura familiar aprofundar as discussões sobre o tema, propondo revisões, reformulações e mudan-ças que garantam a sobrevivência desses agricultores no aspecto econômico, social, político e cultural.

Resenha elaborada por Ana Maria Daitx Valls Atz, Farmacêutica da Emater-RS/Ascar

PEREIRA, Sônia Regina de Mello; BOHRER, Silva-na Beatriz; URIARTT, Ari Henrique. Alimentos da biodiversidade: receitas com plantas alimentícias não convencionais. Porto Alegre: E Editora, 2011. 56 p.

O livro em referên-cia aborda a temática das plantas espontâneas, não

convencionais, de consumo atual ainda pouco difundido. Fruto da experimentação dos autores, essa obra destaca onze variedades de plantas alimentícias não convencionais regionais, identificando-as pelos nomes científico e popu-lar, pela imagem, descrevendo sua origem, as característi-cas gerais para o reconhecimento das espécies, as partes consumidas da planta e com receitas originalmente testa-das e documentadas com a imagem.

Em suas páginas coloridas pela pigmentação natu-ral das plantas abordadas, definida por seus compostos bioativos, os autores nos brindam com os conteúdos de fontes científicas, mesclados com sua grande experiência e dedicação na área de produção, utilização e resgate de plantas espontâneas que foram, ao longo do tempo, sen-do substituídas por cultivos puramente comerciais, sem a devida preocupação com o valor nutricional.

Compondo a obra, um grupo de plantas não conven-cionais cuidadosamente selecionado destaca as caracte-rísticas e propriedades de cada espécie de interesse alimentar, sendo elas: banana-de-bugre, beldroega, ber-talha, capuchinha, cará-aéreo, hibisco, inhame, jaracatiá, ora-pro-nóbis, peixinho-da-horta e urtiga.

O número e a variedade de espécies locais, regionais ou de um país representam a nossa biodiversidade. Co-nhecer, proteger e divulgar o conjunto próprio e único de espécies vegetais de um lugar significa preservá-lo para as gerações futuras.

A alimentação moderna, centrada na monotonia alimen-tar, composta na maior parte de produtos ultraprocessados, grandemente despidos das características reveladoras de sua origem, intervém em nossa capacidade natural de seleção de alimentos que herdamos na condição de onívoros.

Assim, espera-se que o referido livro possa servir como um exemplo para a construção de uma nova postura alimen-tar, estimulando a reflexão sobre a produção orgânica, a de-fesa da biodiversidade e a segurança alimentar e nutricional.

Resenha elaborada por Signorá Peres Konrad, nutricionista, doutora em Ciências Biológicas e professora dos cursos de Nutrição e

Gastronomia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

1. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Susten-tável é uma publicação da Emater/RS-Ascar, destinada à divulgação de trabalhos de agricultores, extensionistas, professores, pesquisadores e outros profissionais dedica-dos aos temas centrais de interesse da Revista.

2. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Susten-tável é um periódico de publicação quadrimestral que tem como público referencial todas aquelas pessoas que estão empenhadas na construção da agricultura e do desenvolvi-mento rural sustentáveis.

3. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Susten-tável publica artigos científicos, resultados de pesquisa, estudos de caso, resenhas de teses e livros, assim como experiências e relatos de trabalhos orientados pelos prin-cípios da Agroecologia. Além disso, aceita artigos com en-foques teóricos e/ou práticos nos campos do desenvolvi-mento rural sustentável e da agricultura sustentável, esta entendida como toda a forma ou estilo de agricultura de base ecológica, independentemente da orientação teórica sobre a qual se assenta.

4. Como não poderia deixar de ser, a Revista dedica es-pecial interesse à agricultura familiar, que constitui o públi-co prioritário da extensão rural gaúcha. Nesse sentido, são aceitos para publicação artigos e textos que tratem teorica-mente desse tema e/ou abordem estratégias e práticas que promovam o fortalecimento da agricultura familiar.

5. Os artigos e textos devem ser enviados por e-mail para [email protected].

6. Serão aceitos para publicação textos escritos em Português ou Espanhol, assim como tradução de textos para esses idiomas. Salienta-se que, no caso das traduções, deve ser mencionado de forma explícita, em pé de página, “Tradução autorizada e revisada pelo autor” ou “Tradução autorizada e não revisada pelo autor”, conforme o caso.

7. Terão prioridade na ordem de publicação os textos iné-ditos, ainda não publicados, assim como aqueles que estejam centrados em temas da atualidade e contemporâneos ao deba-te e ao “estado da arte” do campo de estudo a que se refere.

8. Os textos deverão se enquadrar nos seguintes temas: Desenvolvimento Rural Sustentável, Agricultura Susten-tável, Agroecologia, Agricultura Familiar, Extensão Rural, Relações Sociais nos Processos de Desenvolvimento Ru-ral, Manejo Sustentável de Agroecossistemas, Sociedade e Ambiente, enquadrando-se a abordagem teórica e a di-vulgação de experiências práticas nas seguintes categorias: desenvolvimento endógeno, desenvolvimento local, refor-

ma agrária, agricultura/pecuária de base ecológica, prote-ção etnoecológica, conhecimento local, meio ambiente, ecologia, economia ecológica, comunicação rural, exten-são rural, organização social, metodologias participativas, redesenho de agroecossistemas sustentáveis, tecnologia e sociedade, indicadores de sustentabilidade, biodiversidade, balanços energéticos agropecuários, impactos ambientais.

9. As contribuições devem ter, no máximo, 10 (dez) lau-das (usando editor de textos Microsoft Word) em formato A-4, devendo ser utilizada letra Times New Roman, tama-nho 12, e espaço 1,5 entre linhas (um espaço entre parágra-fos). Poderão ser utilizadas notas de pé de página ou notas ao final, devidamente numeradas, devendo ser escritas em letra Times New Roman, tamanho 10, e espaço simples.

10. Quando for o caso, fotos, mapas, gráficos e figuras devem ser enviados, obrigatoriamente, em formato digital e preparados em softwares compatíveis com a plataforma Mi-crosoft Windows, de preferência no formato JPG, GIF ou TIF.

11. Os artigos devem seguir as normas da ABNT (NBR 6022/2003). Recomenda-se que sejam inseridas no corpo do texto todas as citações, destacando-se, entre parênte-ses, o sobrenome do autor, o ano de publicação e, se for o caso, o número da página citada ou letras minúsculas quando houver mais de uma citação do mesmo autor e ano. Exemplos: Como já mencionou Silva (1999, p. 42); como já mencionou Souza (1999 a, b); ou, no final da cita-ção, usando (Silva, 1999, p. 42).

12. As referências devem ser reunidas no fim do texto, seguindo as normas da ABNT (NBR 6023/2002).

13. Sobre a estrutura, os artigos técnico-científicos de-vem conter:

a) título do artigo: em negrito e centrado;b) nome(s) do(s) autor(es): iniciando pelo(s) sobrenome(s),

acompanhado(s) de nota de rodapé em que conste profissão, titulação, atividade profissional, local de trabalho, endereço e e-mail;

c) resumo: no máximo em 10 linhas;d) corpo do trabalho: deve contemplar, no mínimo, 4

(quatro) tópicos, a saber: introdução, desenvolvimen-to, conclusões e referências. Poderá ainda conter lista de ilustrações, lista de tabelas e lista de abreviaturas e outros itens julgados importantes para o melhor en-tendimento do texto.

14. Serão enviados três (03) exemplares do número da Revista para todos os autores que tiverem seus artigos ou textos publicados. Em qualquer caso, os textos não aceitos para publicação não serão devolvidos aos seus autores.