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Revista InterfacEHS edição completa Vol. 3 n. 1

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A InterfacEHS é uma Publicação Científica do Centro Universitário Senac que publica artigos científicos originais e inéditos, resenhas, relatos de estudos de caso, de experiências e de pesquisas em andamento na área de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente. Acesse a revista na íntegra! http://www3.sp.senac.br/hotsites/blogs/InterfacEHS/

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Em caso de dúvidas, consulte a secretaria: [email protected]

AQUECIMENTO GLOBAL, OCEANOS & SOCIEDADE Paulo Nobre

RESUMO Presente na agenda científica internacional há décadas, onde era debatido e dissecado

pelos pares, o tema ‘aquecimento global’ chega aos lares e escritórios despido de meios

tons, com a contundência de verdades absolutas transmitidas pela mídia falada e escrita.

Subitamente um número crescente de indivíduos toma ciência das ‘mudanças climáticas’,

sem saber exatamente o que isso significa, mas com certa noção de urgência... ou

descrédito. Este artigo aborda a intrincada questão de forma descomplicada, buscando

explicar o que é o aquecimento global e de que forma as atividades humanas o afetam,

sublinhando os serviços dos oceanos e das florestas para a estabilidade do clima. Além

disso, especula sobre o pensamento de que o ser humano é parte do problema e que

meias ações e atitudes não mais bastam para o futuro da humanidade na Terra.

Palavras-chave: hidrosfera-biosfera-clima; sociedade; meio ambiente.

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Aquecimento Global, Oceanos & Sociedade

Paulo Nobre INTERFACEHS

Conseqüência do acúmulo de gases de efeito estufa de origem antrópica na

atmosfera, o aquecimento global vem causando o aumento das temperaturas do ar e dos

oceanos, a elevação do nível médio do mar e a retração das geleiras globais (Figura 1),

além do aumento da ocorrência de fenômenos meteorológicos extremos. Tal aquecimento

é o resultado da amplificação de uma característica natural da atmosfera terrestre

chamada ‘efeito estufa’; consiste na transparência atmosférica para a radiação solar de

onda curta, na faixa do espectro das radiações visíveis, e a opacidade atmosférica à

radiação terrestre de onda longa, ou infra-vermelho, emitida para o espaço. Na ausência

do efeito estufa, a temperatura média da superfície da terra seria -15°C a -18C°, ou seja,

toda a água seria congelada e não haveria vida. Os principais gases de efeito estufa são

o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e os óxidos nitrosos (N2O). O vapor d’água é

também um potente gás de efeito estufa, com forte potencial de retroalimentação positiva

(por exemplo, a solubilidade do vapor d’água na atmosfera é diretamente proporcional à

temperatura); assim, uma atmosfera mais aquecida (por exemplo, em razão do aumento

dos gases de efeito estufa de origem antropogênica) dissolverá maior quantidade de

vapor d’água, o qual aumentará ainda mais a retenção de calor nas camadas baixas da

atmosfera, amplificando assim o aquecimento inicial.

Na ausência de mecanismos compensadores (por exemplo, a fotossíntese e o

ciclo hidrológico) os processos de retroalimentação positiva da água somente permitiriam

dois tipos de clima estáveis: ou uma atmosfera onde toda a água estaria na forma de

vapor (o caso de uma perturbação inicial de aquecimento, como descrito acima), ou uma

em que toda a água estaria congelada (no caso de uma perturbação inicial de

resfriamento, através do processo de retroalimentação positivo da radiação solar e o

albedo da neve: uma diminuição inicial da temperatura levaria ao aumento das regiões

cobertas por neve, que levaria à diminuição da temperatura).

A ALTERAÇÃO DA COMPOSIÇÃO QUÍMICA DA ATMOSFERA

Resultado do desequilíbrio entre as emissões de carbono pelas atividades

humanas, ou seja, queima de combustíveis fósseis (6,4 GtC/ano) e desflorestamentos

tropicais (1,6 GtC/ano), e a remoção do CO2 atmosférico pelas plantas (3,0 GtC/ano) e

pelos oceanos (1,8 GtC/ano), restam aproximadamente 3,2 GtC/ano que se acumulam na

atmosfera. Tal aumento na massa de gases de efeito estufa na atmosfera é ilustrado

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pelas medidas da concentração de CO2 atmosférico realizadas no observatório de Mauna

Loa, no Havaí, desde 1958 até o presente (Figura 2). É notável observar não somente o

aumento monotônico das concentrações de CO2 (curva principal azul e vermelha na

Figura 2), que presentemente já ultrapassa a marca de 380 ppm, mas principalmente a

taxa de aumento da concentração anual do CO2 atmosférico (mostrado no quadro do

canto inferior direito na Figura 2), que dobrou num período de aproximadamente 30 anos,

passando de ~1 ppm/ano em 1965 para 2+ ppm/ano em 2005. Além disso, inferências

feitas da concentração de dióxido de carbono atmosférico e temperatura do ar a partir de

testemunhos de gelo da Antártica mostram que as concentrações de CO2 atmosféricos

não ultrapassaram a marca de 300 ppm durante os últimos 400 mil anos. Adicionalmente,

as temperaturas do ar guardaram uma proporção direta com a concentração de CO2

durante o período, como se pode ver na Figura 3 (FEDOROV et al., 2006).

Associado ao forte aquecimento de economias de países emergentes com bases

energéticas no carbono e às emissões dos países industrializados durante a década

atual, o aumento da concentração dos gases de efeito estufa tem acompanhado os

cenários de mais altas taxas de emissões formulados pelo Intergovernmental Panel on

Climate Change (IPCC), ilustrados na Figura 4. Somam-se ao aumento das emissões dos

gases de efeito estufa mostrado na Figura 4, evidências observacionais recentes que

sugerem que os oceanos estariam dando sinais de redução da taxa de dissolução de CO2

atmosférico (CANADELL et al., 2007), possivelmente resultante do aumento da

temperatura das águas do mar.

DETECÇÃO E ATRIBUIÇÃO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Há décadas a comunidade científica mundial debate se o aquecimento global da

atmosfera e dos oceanos, detectado de modo inequívoco pelas redes de observações

atmosféricas e oceânicas globais, pode ser atribuído às atividades humanas. Contribuindo

para esclarecer este sofisma, a Figura 5 mostra séries temporais de temperaturas médias

globais simuladas pelo estado da arte de modelos de circulação geral da atmosfera e dos

oceanos para o século XX, comparados aos valores observados da temperatura média

global do período. É notável observar na Figura 5 que as simulações que utilizaram o

conjunto completo de forçantes, ou seja, de origem natural (por exemplo, erupções

vulcânicas e a variabilidade da irradiância solar) e de origem antropogência (por exemplo,

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emissões globais de gases de efeito estufa e particulados), mostram uma notável

concordância com as temperaturas observadas (Figura 5a), enquanto as simulações que

utilizaram somente as forçantes naturais (Figura 5b) não conseguem explicar o

aquecimento atmosférico das últimas décadas. Isto é uma evidência robusta de que os

gases de efeito estufa de origem antrópica são responsáveis por grande parte do

aquecimento atmosférico global observado após a Revolução Industrial. As estimativas

publicadas pelo IPCC (2007) são de que o calor adicional médio retido no sistema solo-

planta-oceano-atmosfera-criosfera devido à contribuição humana no acúmulo de gases de

efeito estufa seja de 1,6 W/m2 (+0,6 a +2,4 W/m2). Ou seja, totalizando para a superfície

do globo terrestre o equivalente à potência elétrica gerada por 58 mil usinas hidrelétricas

de Itaipu (hoje a maior geradora de energia hidrelétrica instalada do planeta) à sua

capacidade máxima de 14 mil MW.

Como ocorre, então, que a média global da temperatura do ar não tenha

aumentado muito mais do que os 0,7°C medidos durante os últimos cem anos (ver Figura

1a)? Ocorre que 80% do calor adicional retido graças ao acúmulo de gases de efeito

estufa na atmosfera tem sido absorvido pelos oceanos, cuja capacidade de armazenar

calor é da ordem de mil vezes a da atmosfera e do solo juntos. A Figura 6 mostra a

variação da quantidade de calor armazenada na camada superior dos oceanos globais

durante os últimos séculos e simulações numéricas do calor armazenado em razão do

aquecimento global (HANSEN et al., 2005). Tal absorção do calor adicional pelos

oceanos, se por um lado tem amortecido grandemente o aumento das temperaturas

atmosféricas globais, por outro lado afeta o sistema climático da Terra em vários

aspectos: (a) o aumento da temperatura da água do mar e a conseqüente diminuição da

solubilidade do CO2 pelos oceanos; (b) o aumento do nível médio do mar por causa da

expansão térmica da água (o gelo marinho, embora importante para os processos de

balanço energético à superfície, não afeta o nível médio dos mares); (c) o derretimento da

calota polar Ártica, afetada pelo aquecimento do ar e, também, do mar. Séries históricas

de temperaturas do ar à superfície indicam que o aumento das temperaturas do ar no

Ártico tem sido o dobro da média global (IPCC, 2007). Em decorrência, a taxa de degelo

do Ártico, com sucessivos recordes de degelo em 2002, 2005 e 2007 (com a perda de

mais de um milhão de quilômetros quadrados de gelo ao final do verão de 2007, relativo

ao recorde anterior), tem superado os cenários mais ‘pessimistas’ do IPCC (por exemplo,

cenário A2) ilustrado na Figura 7.

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Assim, em conjunto, a observação da elevada taxa de degelo do Ártico e do

aumento das emissões antropogênicas de gases de efeito estufa permite antever a

possibilidade de que os cenários de aquecimento global gerados pelo IPCC (Figura 8)

possam ocorrer num prazo menor e com magnitude maior do que antecipado.

O PAPEL DOS OCEANOS E DAS FLORESTAS

Diante desse quadro, as atividades fotossintéticas principalmente das florestas

tropicais úmidas representam um fator preponderante para o ciclo de CO2 atmosférico e

para a manutenção da estabilidade climática global.

Aumentando a atividade fotossintética com o aumento da disponibilidade de

dióxido de carbono (CO2), temperatura e água (até o limite do ponto de estresse hídrico,

no qual a planta morre e se torna fonte de CO2), as florestas tropicais funcionam como

poderosos ‘resfriadores’ da baixa troposfera, consumindo quantidades gigantescas de

calor no processo de evapotranspiração. Por exemplo, a quantidade de calor envolvida na

evapotranspiração pela floresta Amazônica, numa área de 5,5 milhões de quilômetros

quadrados, durante um dia equivale à potência gerada pela usina hidroelétrica de Itaipu

durante um período de aproximadamente 145 anos! (A. D. Nobre, comunicação pessoal).

As árvores não somente participam na diminuição da temperatura atmosférica à

superfície, mas atuam também ativamente no processo gerador de chuva, com a emissão

de compostos químicos voláteis (ARTAXO et al., 1998).

As conexões entre a floresta, a chuva e o clima foram evidenciadas em resultados

recentes de pesquisa utilizando o modelo de circulação geral acoplado oceano-atmosfera

do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com cenários de savanização da

Amazônia. Tais resultados indicam que a floresta tem um papel importante na

manutenção das chuvas sobre a Amazônia, e ao mesmo tempo contribui para modular

tanto a intensidade quanto a freqüência do fenômeno El Niño no Pacífico Equatorial e o

aquecimento da superfície do mar sobre o Atlântico Tropical (NOBRE et al., 2007).

Assim, o resultado combinado da savanização da Amazônia provocada pelo

aquecimento global (IPCC, 2007) e da ação antrópica de desmatamento da floresta

amazônica por pressões extrativistas e agropecuaristas é a diminuição da pluviometria

sobre a Amazônia e o aumento da variabilidade climática sazonal sobre o Brasil, com

conseqüências adversas sobre o meio ambiente, a economia e a sociedade.

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS & SOCIEDADE

Reverter o sinal do atual desmatamento no Brasil (responsável por 75% de todas

as emissões brasileiras de gases de efeito estufa) para uma taxa sustentada de

reflorestamento com espécies nativas de florestas tropicais úmidas é um desafio cuja

grandeza não ficará atrás da construção das Pirâmides do Egito, da Grande Muralha da

China, ou do caminhar do homem na Lua... mas que será lembrada com gratidão pelas

gerações que seguirão.

Na visão do autor deste artigo, não existe fórmula mágica para enfrentar o

aquecimento global, que não passe por mudanças paradigmáticas profundas da

sociedade, de cada indivíduo. Tais mudanças vão muito além do simples entendimento

das interrelações da biosfera-hidrosfera-criosfera-atmosfera e incluem,

fundamentalmente, o ser humano na profundidade de suas dimensões psíquica, física e

mental, e todas as suas atitudes no confronto da realidade de que o homem faz parte do

‘meio ambiente’, com suas responsabilidades inerentes a um ser espiritual.

REFERÊNCIAS ARTAXO, P.; FERNANDES, E. T.; MARTINS, M. V.; YAMASOE, M. A.; HOBBS, P. V.;

MAENHAUT, W.; LONGO, K. M.; CASTANHO, A. Large-scale aerosol source

apportionment in Amazonia. J. Geophys. Research-Atmospheres, v.103, p.31837-31847,

1998.

CANADELL, J. G.; QUÉRÉ, C. L.; RAUPACH, M. R.; FIELD, C. B.; BUITENHUIS, E. T.;

CIAIS, P.; CONWAY, T. J.; GILLETT, N. P.; HOUGHTON, R. A.; MARLAND, G.

Contributions to accelerating atmospheric CO2 growth from economic activity, carbon

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10.1073/pnas.070273104, 2007.

FEDOROV, A. V.; DEKENS, P. S.; MCCARTHY, M.; RAVELO, A. C.; DEMENOCAL, P.

B.; BARREIRO, M.; PACANOWSKI, R. C.; PHILANDER, S. G. The Pliocene Paradox

(Mechanisms for a Permanent El Niño). Science, v.312, p.1485-1489, 2006.

HANSEN, J.; NAZARENKO, L.; RUEDY, R.; SATO, M.; WILLIS, J.; GENIO, A. D.; KOCH,

D.; LACIS, A.; LO, L; MENON, S.; NOVAKOV, T.; PERTWITZ, J.; RUSSELL, G.;

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Climate, TBS, 2007.

Artigo recebido em 07.12.07. Aprovado em 29.01.08.

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O CLAMOR POR JUSTIÇA AMBIENTAL E CONTRA O RACISMO AMBIENTAL Selene Herculano

RESUMO Este artigo enfoca o tema ‘Justiça Ambiental’ resenhando os principais aspectos de sua

produção teórica e fazendo um breve relato de casos em acervo. Historia a criação da

Rede Brasileira de Justiça Ambiental e do GT contra o Racismo Ambiental. O objetivo é

apresentar e divulgar entre nós uma linha de pesquisa e de ação no campo do

Ambientalismo e da Sociologia Ambiental, que busca analisar, pela perspectiva das

hierarquias sociais – das desigualdades de classe –, a problemática da poluição

ambiental e das conseqüentes ameaças à saúde coletiva de populações vulnerabilizadas.

Para dar conta desse objetivo, historiamos o conceito de Justiça Ambiental e o seu

surgimento nas lutas norte-americanas desenvolvidas primordialmente pelo seu

movimento negro e por etnias como a dos ‘chicanos’. Pesquisadores e ativistas

ambientais brasileiros esforçaram-se para adaptar à nossa realidade e encorajar entre

nós essa perspectiva, desembocando na realização de dois eventos importantes: o

Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental, Trabalho e Cidadania (UFF, Niterói, set.

2001), quando se criou a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) e se redigiu a sua

declaração de lançamento, aqui transcrita; e o I Seminário Brasileiro contra o Racismo

Ambiental (UFF, nov. 2005).

Palavras-chave: justiça ambiental; racismo ambiental, conflito ambiental.

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O Clamor por Justiça Ambiental e Contra o Racismo Ambiental

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O QUE É JUSTIÇA AMBIENTAL

Por ‘Justiça Ambiental’ entenda-se o conjunto de princípios que asseguram que

nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma

parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações

econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes

da ausência ou omissão de tais políticas.

Complementarmente, entende-se por ‘Injustiça Ambiental’ o mecanismo pelo qual

sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento

a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais

discriminados, populações marginalizadas e mais vulneráveis.

O conceito de Justiça Ambiental vem da experiência inicial dos movimentos sociais

dos Estados Unidos e do clamor dos seus cidadãos pobres e etnias socialmente

discriminadas e vulnerabilizadas, quanto à sua maior exposição a riscos ambientais por

habitarem nas vizinhanças de depósitos de lixos químicos e radioativos ou de indústrias

com efluentes poluentes. Como definiu Robert Bullard, Justiça Ambiental é

a busca do tratamento justo e do envolvimento significativo de todas as

pessoas, independentemente de sua raça, cor, origem ou renda no que diz

respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e reforço de

políticas, leis e regulações ambientais. Por tratamento justo entenda-se que

nenhum grupo de pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos, raciais ou de

classe, deva suportar uma parcela desproporcional das conseqüências

ambientais negativas resultantes de operações industriais, comerciais e

municipais, da execução de políticas e programas federais, estaduais,

locais ou tribais, bem como das conseqüências resultantes da ausência ou

omissão destas políticas.

CASOS EMBLEMÁTICOS NORTE-AMERICANOS

Esse clamor por Justiça Ambiental começou a ser organizado nos Estados Unidos,

como iniciativa de cidadãos e como campo teórico/acadêmico, depois do caso de

contaminação química em Love Canal, Niagara, estado de Nova York. Lá, a partir de

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1978, moradores de um conjunto habitacional de classe média baixa descobriram que

suas casas haviam sido erguidas junto a um canal que tinha sido aterrado com dejetos

químicos industriais e bélicos (LEVINE, 1979; LEVINE, 1982; GIBBS, 1998).

Pouco depois, em 1982, moradores da comunidade negra de Warren County,

Carolina do Norte, também descobriram que um aterro para depósito de solo contaminado

por PCB (polychlorinated biphenyls) seria instalado em sua vizinhança. Data daquele ano

o primeiro protesto nacional feito pelos afro-americanos contra o que chamaram de

‘racismo ambiental’. A partir daí, o movimento negro norte-americano sensibilizou

congressistas, e o US General Accounting Office conduziu uma pesquisa que mostrou

que a distribuição espacial dos depósitos de resíduos químicos perigosos, bem como a

localização de indústrias muito poluentes nada tinham de aleatório: ao contrário, se

sobrepunham à distribuição territorial das etnias pobres nos Estados Unidos e a

acompanhavam.

Em 1983 um estudo oficial, realizado pelo GAO (United States General Accounting

Office) encontrou quatro aterros de rejeitos perigosos na Região 4 da EPA (Environmental

Protection Agency), que compreende Alabama, Flórida, Geórgia, Kentucky, Mississippi,

Carolinas do Norte e do Sul e Tennessee. Três desses quatro aterros estavam localizados

em comunidades afro-americanas, apesar de os negros serem apenas um quinto da

população da região.

No sul da Louisiana, em uma região conhecida como a Cancer Alley [Alameda do

Câncer], e também no cinturão negro do Alabama, se concentram incineradores e

depósitos de rejeitos perigosos. O maior aterro comercial de lixo tóxico dos Estados

Unidos, que recebe rejeitos retirados dos procedimentos de descontaminação, está

localizado na cidade de Emelle, no Alabama, onde os negros formam 90% da população

e 75% dos residentes do Condado de Sumter.

Uma localidade a sudeste de Chicago, onde habitavam 150 mil pessoas, dos quais

70% negros e 11% latinos, tinha contabilizado em 1991, segundo a Greenpeace, 50

aterros de lixo tóxico, 100 fábricas (das quais 7 indústrias químicas e 5 siderúrgicas) e

103 depósitos abandonados de lixo tóxico na sua comunidade.

Não apenas os negros são o alvo da prática de localização dos depósitos de

resíduos perigosos e de incineradores: segundo Bullard, na Califórnia, a zona de

ocupação latina do leste de Los Angeles e de Kettleman (uma comunidade rural de cerca

de 1.500 habitantes, das quais 95% são latinos) também é alvo dessas escolhas. O

mesmo se diz dos povos indígenas: mais de 36 reservas indígenas receberam aterros e

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incineradores: Em 1991, os Choctaws da Filadélfia do Mississippi conseguiram derrotar

um projeto de alocar um aterro de lixo de 466 acres em seu meio. Naquele mesmo ano, a

reserva de Rosebud, em Dakota do Sul, se viu ameaçada por uma empresa de

Connecticut que se propunha a construir ali um aterro de lixo de 6 mil acres.

Os cidadãos norte-americanos afetados passaram a se organizar em coalizões

nacionais. Os militantes de Love Canal fundaram primeiramente a Clearinghouse for

Hazardous Waste, Inc. (CHHW) e, depois, o Center for Health, Environment and Justice

(CHEJ), que hoje opera no apoio a movimentos comunitários que enfrentam problemas

similares. Os militantes negros criaram a Citizens Against Nuclear Trash (CANT), dentre

outros; em 1987 a United Church of Christ Commission for Racial Justice fez um estudo

nacional sobre lixo tóxico e raça; em 1991 o movimento negro realizou o First National

People of Color Environmental Leadership Summit.

No campo da formulação e implementação de mecanismos políticos, o movimento

por justiça ambiental foi o influenciador de toda uma legislação norte-americana, como,

por exemplo, a que diz respeito aos procedimentos para os clean-ups (descontaminação),

a legislação sobre o direito à informação sobre o que existe ou existirá em uma dada

vizinhança (“Right to know Act”) e a criação de fundos direcionados às comunidades

afetadas, dando-lhes meios financeiros para contratar serviços técnicos e advocatícios

(DOWER, 1995; SAPIRO, 1995; GIBBS, 1998).

No meio acadêmico norte-americano, na área da Sociologia Ambiental, programas

de pós-graduação e centros de estudo foram sendo criados:

• Environmental Justice Research Center (EJRC), Universidade de Atlanta, Geórgia;

• Deep South Center for Environmental Justice, Xavier University, Louisiana;

• Environmental Justice Program, School of Natural Resources and Environment,

Universidade de Michigan.

Dezenas de livros já foram produzidos sobre o tema, dentre os quais: Bullard

(1990), Bullard (1993), Szasz (1994), Bryant (1995), Gould, Schnaiberg & Weinberg

(1996), Camacho (1998), Levine (1982), Mazur (1998) e Roberts & Toffolon-Weiss (2001).

A partir do final da década de 1990, novos estudos foram sendo realizados, historiando a

reivindicação por justiça ambiental em outros países, além dos Estados Unidos: Faber

(1998), Collinson (1997) e Taylor (1995).

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AMPLIANDO A TEMÁTICA: INCORPORANDO NO BRASIL OUTRAS CARÊNCIAS E INIQÜIDADES

A temática da Justiça Ambiental nos interessa em razão das extremas

desigualdades da sociedade brasileira. No Brasil, país das grandes injustiças, o tema da

justiça ambiental é ainda incipiente e de difícil compreensão, pois a primeira suposição é

de que se trate de alguma vara especializada em disputas diversas sobre o meio

ambiente. Os casos de exposição a riscos químicos são pouco conhecidos e divulgados,

à exceção do estado de São Paulo, tendendo a se tornarem problemas crônicos, sem

solução. Acrescente-se também que, dado o nosso amplo leque de agudas

desigualdades sociais, a exposição desigual aos riscos químicos fica aparentemente

obscurecida e dissimulada pela extrema pobreza e pelas péssimas condições gerais de

vida a ela associadas. Assim, ironicamente, as gigantescas injustiças sociais brasileiras

encobrem e naturalizam a exposição desigual à poluição e o ônus desigual dos custos do

desenvolvimento.

Existe, no entanto, um conjunto de ações e movimentos sociais no país que

podem ser identificados como de busca por ‘Justiça Ambiental’, mesmo que sem o uso

dessa expressão. É o caso do Movimento dos Atingidos por Barragens, dos movimentos

de trabalhadores extrativistas resistindo contra o avanço das relações capitalistas nas

fronteiras florestais, e de inúmeras ações locais contra a contaminação e a degradação

dos espaços de vida e trabalho.

No caso do Brasil, portanto, o potencial político do movimento pela justiça

ambiental é enorme. O país é extremamente injusto em termos de distribuição de renda e

acesso aos recursos naturais, e sua elite governante tem sido especialmente egoísta e

insensível, defendendo de todas as formas os seus interesses e lucros, até lançando

mão, em muitos casos, da ilegalidade e da violência. O sentido de cidadania e de direitos

ainda encontra um espaço relativamente pequeno na nossa sociedade, apesar da luta de

tantos movimentos e pessoas em favor de um país mais justo e decente. Tudo isso se

reflete no campo ambiental. O desprezo pelo espaço comum e pelo meio ambiente se

confunde com o desprezo pelas pessoas e comunidades. Os vazamentos e acidentes na

indústria petrolífera e química, a morte de rios, lagos e baías, as doenças e mortes

causadas pelo uso de agrotóxicos e outros poluentes, a expulsão das comunidades

tradicionais pela destruição dos seus locais de vida e trabalho, tudo isso, e muito mais,

configura uma situação constante de injustiça socioambiental no Brasil, que vai além da

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problemática de localização de depósitos de rejeitos químicos e de incineradores da

experiência norte-americana.

O ambientalismo brasileiro, por sua vez, tem um grande potencial para se renovar

e expandir o seu alcance social, na medida em que se associe e se solidarize com as

massas pobres e marginalizadas, que vêm se mobilizando em favor dos seus direitos. Os

movimentos sindicais, sociais e populares, entre outros, também podem renovar e ampliar

o alcance da sua luta se nela incorporarem a dimensão da justiça ambiental, o direito a

uma vida digna e em um ambiente saudável. Todas essas lutas, na realidade,

representam uma só e mesma luta pela democracia, pelo bem comum e pela

sustentabilidade.

Assim, tendo em vista o maior grau de desigualdades e de injustiças

socioeconômicas, bem como a renitente política de omissão e negligência no atendimento

geral às necessidades das classes populares, a questão da justiça ambiental, para ser

adequadamente equacionada entre nós, deve açambarcar também outros aspectos, tais

como as carências de saneamento ambiental no meio urbano e a degradação das terras

usadas para acolher os assentamentos de reforma agrária, no meio rural. Pois não são

apenas os trabalhadores industriais e os moradores no entorno das fábricas aqueles que

pagam, com sua saúde e suas vidas, os custos das externalidades da produção das

riquezas brasileiras, mas também os moradores dos subúrbios e periferias urbanas onde

fica espalhado o lixo químico, os moradores das favelas desprovidas de esgotamento

sanitário, os lavradores no campo, levados a consumir agrotóxicos que os envenenam, e

as populações tradicionais extrativistas, progressivamente expulsas de suas terras de uso

comunal.

Por conta da vulnerabilidade dessas populações e do baixo grau de associativismo

e de exercício de cidadania ainda presentes na cultura política brasileira, as iniciativas

que convergem para a temática da Justiça Ambiental têm se desenvolvido mais através

de movimentos ambientalistas formados por uma classe média de alta escolaridade e

mais informada, alguns sindicatos profissionais, como os dos químicos e petroleiros, e

comissões de meio ambiente de federações sindicais, do que por conta de movimentos

de base e/ou coalizões de movimentos de cidadãos pobres afetados, como nos exemplos

norte-americanos anteriormente citados.

Alguns fatores genéricos e ideológicos têm contribuído para dificultar a percepção

das injustiças ambientais, da distribuição desigual dos riscos ambientais entre países e

entre classes sociais e etnias:

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1. o produtivismo generalizado e também assumido pelo movimento operário;

2. o conservacionismo de uma corrente do movimento ambientalista que ignora as

questões do universo da produção e que acredita que os problemas ambientais

são ‘democráticos’, por atingirem a todos, o que só é verdade a longo prazo

quando, como lembrou o economista Keynes, ‘todos estaremos mortos’;

3. um pragmatismo imediatista que, ao destacar a reconhecida prioridade de se ter o

que comer e onde se abrigar, acaba desqualificando as buscas por justiça

ambiental e qualidade de vida e tornando-se um pensamento resignado.

Para o movimento operário a questão do ‘dilema’ entre preservação dos postos de

trabalho e proteção ao meio ambiente sempre foi colocada como um limitador de suas

ações. Assim, cria-se à força, pela cumplicidade involuntária dos trabalhadores, em nome

da sua sobrevivência econômica, um quadro de injustiça crônica e de aceitação resignada

das fatalidades ambientais.

Hoje, essa visão – ou trabalho ou ambiente limpo – está sendo contestada e

superada, segundo o sociólogo Paulo Martins, por trabalhos realizados fora e dentro do

movimento sindical: o WorldWatch Institute, através de seu pesquisador Michael Renner,

elaborou em setembro de 2000 o texto “Working for the Environment: a Growing Sorce of

Jobs”, em que demonstra o quanto se pode gerar em postos de trabalho através da

redefinição de uma política ambiental, do uso de energias alternativas, de novas formas

de extração de recursos naturais, da ampliação da vida útil dos produtos, da ampliação

dos serviços relativos a consertos desses produtos. Várias centrais sindicais vêm

refletindo sobre essa questão, propondo novas formas de organizar a produção, novas

tecnologias, que proporcionem elevado nível de uso da força de trabalho e preservação

do meio ambiente. Esse é o caso do trabalho organizado por Jorge Riechmann e

Francisco Fernandes Buey, intitulado Trabalhar sin Destruir – Trabajadores, sindicato e

ecologismo.

No Brasil, o marco inicial de sistematização e divulgação da problemática referente

à Justiça Ambiental foi a coleção intitulada “Sindicalismo e Justiça Ambiental”, publicada

em 2000 pela Central Única dos Trabalhadores (CUT/RJ), em conjunto com o Ibase e o

Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano (Ippur) da UFRJ, e com o apoio da

Fundação Heinrich Böll. O intuito era “estimular a discussão sobre a responsabilidade e o

papel dos trabalhadores e das suas entidades representativas, na defesa de um meio

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ambiente urbano sustentável e com qualidade de vida acessível a todos os seus

moradores”, dentro da “perspectiva de crítica ao modelo dominante de desenvolvimento”

e entendendo que os “recursos ambientais são bens coletivos, cujos modos de

apropriação e gestão são objeto de debate público”. Também em 2000, o sociólogo Paulo

Roberto Martins apresentava em congresso um estudo em que descrevia casos de

sindicatos que têm desenvolvido ações que indicam a institucionalização de uma luta por

justiça ambiental, envolvendo tanto os trabalhadores e suas instituições representativas

quanto os moradores do entorno das fábricas e os movimentos ambientalistas: por

exemplo, o caso do Sindicato dos Químicos de São Paulo, na sua luta contra a

Neclemom, empresa estatal pertencente à Nuclebrás, e do Sindicato do Químicos do ABC

na sua luta contra a empresa Solvay, no estado de São Paulo. Seu estudo contrastava os

avanços ocorridos nesse campo dentro da CUT com a compreensão ainda parcial que

têm seus dirigentes a esse respeito.

A temática da Justiça Ambiental também vem sendo elaborada em seus pontos de

interseção com o estudo dos aspectos sociais da construção e usos da ciência e da

tecnologia e do poder de definição das realidades por parte da comunidade científica e

dos saberes jurídicos. Isto implica a necessidade de:

1. articulação de uma ciência-cidadã que assessore a população (entre as

ciências naturais, para o conhecimento dos riscos e dos efeitos das tecnologias

de produção sobre a saúde humana; entre as ciências sociais, para que

perceba a dimensão social e política presente na construção dos riscos e se

organize em suas lutas);

2. da construção de uma cultura jurídica aberta para dar acessibilidade a um

Judiciário justo e operante.

Analisando essa interseção, apontamos nesta resenha não-exaustiva o livro de

McAvoy (1999), Controlling technocracy, citizen rationality and the NIMBY syndrome, e a

tese de doutoramento de Carlos Machado de Freitas intitulada Acidentes químicos

ampliados: incorporando a dimensão social nas análises de riscos.

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O COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE JUSTIÇA AMBIENTAL, TRABALHO E CIDADANIA

Para dar conta dessas questões, o Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental,

Trabalho e Cidadania, realizado na Universidade Federal Fluminense, em setembro de

2001, foi, se não a primeira, uma das primeiras iniciativas de cunho acadêmico e político a

se organizar no Brasil, discutindo enfoques teóricos e implicações políticas da proposta de

Justiça Ambiental; histórico e avaliação de campanhas e ações de cidadania; casos de

injustiça ambiental no Brasil e na América Latina; trabalho e Justiça Ambiental na

experiência dos sindicatos; reflexão política e construção de uma agenda; proposta de

parcerias e de uma coalizão internacional.

Nele se reuniram os seguintes pesquisadores e ativistas: Robert Bullard, do

Environmental Justice Research Center da Universidade de Atlanta (EUA); Kenneth

Gould, da St. Lawrence University (EUA); Adeline Levine, da Universidade de Buffalo

(EUA); Murray Levine, do Center for Health and Environmental Justice (CHEJ, EUA);

Beverly Wright, do Deep South Center for Environmental Justice da Universidade Xavier

da Louisiana (EUA); David Camacho, na Northern Arizona University (EUA); Cristina

Hurtado, do Instituto de Ecologia Politica e da Rede Chile Sustentable; Carlos Surroca, do

Uruguay Sustentable; Timmons Roberts, diretor do Mellon Program in Environmental

Studies do College William and Mary; Henri Acselrad e Carlos Vainer, ambos da

UFRJ/Ippur; José Augusto Pádua, do Projeto Brasil Sustentável e Democrático; Selene

Herculano, da UFF/Laboratório de Estudos de Cidadania, Territorialidade, Trabalho e

Ambiente (LACTTA); Jean Pierre Leroy, da Fase; Marcelo Firpo de Souza Porto e Carlos

Machado de Freitas, ambos da Fiocruz; Eduardo Paes Machado, da UFBA; Carlos

Bocuhy, da Campanha Billings te quero viva e conselheiro do Consema/SP; Paulo

Roberto Martins, da Comissão de Meio Ambiente da CUT; João Carlos Gomes, da

Associação dos Contaminados por Organoclorados (ACPO); Fernanda Giannasi, da Rede

Virtual Cidadã pelo Banimento do Amianto; Alfredo Wagner B. de Almeida, antropólogo;

José Contreras Castillo, do Movimento em Defesa da Vida (MDV) do Grande ABC; Juvenil

Nunes da Costa, do Sindicato dos Químicos do ABC, Marco Antônio Trierveiller e Sadi

Baron, ambos do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Salvador Alves de

Oliveira, do Sindicato dos Petroleiros de Caxias/RJ; Ney Santos Oliveira, da UFF e do

Movimento Negro; Samuel Karajá, do Movimento Rios Vivos, Temístocles Marcelo Neto,

da Diretoria da CUT, e Edson Satochi Yamagawa, do Sindicato dos Petroleiros de Santos.

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Além destes palestrantes, a audiência reuniu cerca de oitenta pessoas, de movimentos

ambientalistas e sociais (Movimento de Ecologia Social Os Verdes, Roda Viva, Federação

das Associações de Moradores de Niterói, Rede Brasileira de Florestas [Rebraf],

Sintravale, Ecocidade, Koinonia, Ibase, Instituto Gini Germani, de Buenos Aires),

professores e alunos de programas de pós-graduação que trabalham a temática

ambiental. Em janeiro de 2002, novas adesões aconteceram durante o Fórum Mundial II,

em Porto Alegre.

Na ocasião, foi criada a Rede Brasileira de Justiça Ambiental e redigida a

declaração transcrita a seguir:

DECLARAÇÃO DE LANÇAMENTO DA REDE BRASILEIRA DE JUSTIÇA AMBIENTAL

Representantes de movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores,

ONGs, entidades ambientalistas, organizações de afro-descendentes,

organizações indígenas e pesquisadores universitários, do Brasil, Estados Unidos,

Chile e Uruguai, reuniram-se no Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental,

Trabalho e Cidadania, realizado em Niterói de 24 a 27 de setembro de 2001.

Nessa ocasião denunciaram e debateram a preocupante dimensão ambiental das

desigualdades econômicas e sociais existentes nos países representados.

A injustiça ambiental que caracteriza o modelo de desenvolvimento

dominante no Brasil foi o foco das discussões. Além das incertezas do

desemprego, da desproteção social, da precarização do trabalho, a maioria da

população brasileira encontra-se hoje exposta a fortes riscos ambientais, seja nos

locais de trabalho e de moradia, seja no ambiente em que circula. Trabalhadores e

população em geral estão expostos aos riscos decorrentes das substâncias

perigosas, da falta de saneamento básico, de moradias em encostas perigosas e

em beiras de cursos d’água sujeitos a enchentes, da proximidade de depósitos de

lixo tóxico, ou vivendo sobre gasodutos ou sob linhas de transmissão de

eletricidade. Os grupos sociais de menor renda, em geral, são os que têm menor

acesso ao ar puro, à água potável, ao saneamento básico e à segurança fundiária.

As dinâmicas econômicas geram um processo de exclusão territorial e social, que

nas cidades leva à periferização de grande massa de trabalhadores, e, no campo,

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por falta de expectativa em obter melhores condições de vida, leva ao êxodo para

os grandes centros urbanos.

As populações tradicionais de extrativistas e os pequenos produtores, que

vivem nas regiões da fronteira de expansão das atividades capitalistas, sofrem as

pressões do deslocamento compulsório de suas áreas de moradia e trabalho,

perdendo o acesso à terra, às matas e aos rios, sendo expulsos por grandes

projetos hidrelétricos, viários ou de exploração mineral, madeireira e agropecuária.

Ou então têm as suas atividades de sobrevivência ameaçadas pela definição

pouco democrática e pouco participativa dos limites e das condições de uso de

unidades de conservação.

Todas essas situações refletem um mesmo processo: a enorme

concentração de poder na apropriação dos recursos ambientais que caracteriza a

história do país. Uma concentração de poder que tem se revelado a principal

responsável pelo que os movimentos sociais vêm chamando de ‘injustiça

ambiental’. Entendemos por injustiça ambiental o mecanismo pelo qual sociedades

desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos

danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos

raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às

populações marginalizadas e vulneráveis. Por ‘justiça ambiental’, ao contrário,

designamos o conjunto de princípios e práticas que:

a) asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de

classe, suporte uma parcela desproporcional das conseqüências

ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de

políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da

ausência ou omissão de tais políticas;

b) asseguram acesso justo e eqüitativo, direto e indireto, aos recursos

ambientais do país;

c) asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso

dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de

fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e

participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos

que lhes dizem respeito;

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d) favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos,

movimentos sociais e organizações populares para serem

protagonistas na construção de modelos alternativos de

desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos

recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso.

Estamos convencidos de que a injustiça ambiental resulta da lógica

perversa de um sistema de produção, de ocupação do solo, de destruição de

ecossistemas, de alocação espacial de processos poluentes, que penaliza as

condições de saúde da população trabalhadora, moradora de bairros pobres e

excluída pelos grandes projetos de desenvolvimento. Uma lógica que mantém

grandes parcelas da população às margens das cidades e da cidadania, sem água

potável, coleta adequada de lixo e tratamento de esgoto. Uma lógica que permite

que grandes empresas lucrem com a imposição de riscos ambientais e sanitários

aos grupos que, embora majoritários, por serem pobres, têm menos poder de se

fazer ouvir na sociedade e, sobretudo, nas esferas do poder. Enquanto as

populações de maior renda têm meios de se deslocar para áreas mais protegidas

da degradação ambiental, as populações pobres são espacialmente segregadas,

residindo em terrenos menos valorizados e geotecnicamente inseguros, utilizando-

se de terras agrícolas que perderam fertilidade e antigas áreas industriais

abandonadas, via de regra contaminadas por aterros tóxicos clandestinos.

Os trabalhadores urbanos e rurais, por sua vez, estão freqüentemente

submetidos aos riscos de tecnologias sujas, muitas delas proibidas nos países

mais industrializados, que disseminam contaminantes que se acumulam de

maneira persistente no meio ambiente. Esses contaminantes, além de provocar

doenças nos próprios trabalhadores, produzem ‘acidentes’ por vezes fatais com

crianças que circulam em áreas de periferia onde ocorrem os descartes

clandestinos de resíduos. A irresponsabilidade ambiental das empresas atinge em

primeiro lugar e com maior intensidade as mulheres, a quem cabe freqüentemente

a lavagem dos uniformes de trabalho contaminados de seus maridos ou o manejo

de recipientes de agrotóxico transformados em utensílios de cozinha. Esse ciclo de

irresponsabilidade ambiental e social das empresas poluentes e de muitos

gestores e órgãos governamentais, ameaça o conjunto dos setores sociais, haja

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vista que rios e alimentos contaminados por agrotóxicos e pela falta de tratamento

de esgoto acabam por afetar as populações nas cidades.

A anencefalia nas crianças nascidas em Cubatão (SP), a presença das

substâncias cancerígenas conhecidas como ‘drins’ nas pequenas chácaras de

Paulínia (SP), a estigmatização que perpetua o desemprego dos trabalhadores

contaminados por dioxina no ABC paulista, a alta incidência de suicídio entre os

trabalhadores rurais usuários de agrotóxicos em Venâncio Aires (RS) são

exemplos que configuram as manifestações visíveis de um modelo fundado na

injustiça estrutural e na irresponsabilidade ambiental de empresas e governos.

Apesar do fato de que a lógica deste modelo é sistematicamente negada por seus

responsáveis, que alegam a ausência de causalidade entre as decisões políticas e

produtivas e os efeitos danosos que têm sobre suas vítimas.

O enfrentamento deste modelo requer que se desfaça a obscuridade e o

silêncio que são lançados sobre a distribuição desigual dos riscos ambientais. A

sua denúncia implica desenvolver articuladamente as lutas ambientais e sociais:

não se trata de buscar o deslocamento espacial das práticas danosas para áreas

onde a sociedade esteja menos organizada, mas sim de democratizar todas as

decisões relativas à localização e às implicações ambientais e sanitárias das

práticas produtivas e dos grandes projetos econômicos e de infra-estrutura.

Pensamos que o tema da ‘justiça ambiental’ – que indica a necessidade de

trabalhar a questão do ambiente não apenas em termos de preservação, mas

também de distribuição e justiça – representa o marco conceitual necessário para

aproximar em uma mesma dinâmica as lutas populares pelos direitos sociais e

humanos e pela qualidade de vida e a sustentabilidade ambiental. Por esse motivo

criamos a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, que tem os seguintes objetivos

básicos:

1. Elaborar coletivamente uma “Declaração de Princípios da Justiça

Ambiental no Brasil” – Essa declaração será objeto de um processo de

discussão contínuo de médio prazo, servindo para aglutinar forças,

afinar conceitos e suscitar estratégias. Nos Estados Unidos, o

movimento de justiça ambiental foi estruturado nacionalmente a partir

do programa dos ‘17 princípios’ elaborado em 1991, na Cúpula dos

Povos de Cor pela Justiça Ambiental. No caso brasileiro, assim como

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naquele país, espera-se que um tal processo ajude a disseminar as

lutas e as estratégias associadas à noção de justiça ambiental.

2. Criar um ou mais centros de referências de Justiça Ambiental – Trata-

se de uma proposta de democratização de informações, criando bancos

de dados que contenham registros de experiências de lutas, casos

concretos de injustiça ambiental, conflitos judiciais, instrumentos

institucionais etc. Trata-se também de aglutinar peritos de diferentes

especialidades dispostos a apoiar as demandas de assessoria dos

movimentos. Os centros ajudarão a acompanhar e divulgar resultados

de pesquisa acadêmica sobre desigualdades ambientais. Fóruns

periódicos debaterão e consolidarão as experiências dos diferentes

tipos de lutas desenvolvidas.

3. Diálogo permanente entre atores – Promover o intercâmbio de

experiências, idéias, dados e estratégias de ação entre os múltiplos

atores de lutas ambientais: entidades ambientalistas, sindicatos

urbanos e rurais, atingidos por barragem, movimento negro,

remanescentes de quilombos, trabalhadores sem terra, movimento de

moradores, moradores em unidades de conservação, organizações

indígenas, ONGs, fóruns e redes. Além de encontros específicos por

setores, pretende-se organizar encontros maiores que ampliem a

cooperação e o esforço comum de luta.

4. Desenvolvimento de instrumentos de promoção de justiça ambiental –

Produzir metodologias de ‘Avaliação de Eqüidade Ambiental’, manuais

de valorização das percepções ambientais coletivas, mapeamento dos

mecanismos decisórios com vistas à democratização das políticas

ambientais em todos os níveis, cursos para a sensibilização dos

agentes do poder público envolvidos com a regulação do meio

ambiente. Produzir argumentos conceituais e evidências empíricas em

favor da sustentabilidade democrática e da justiça ambiental.

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5. Pressionar órgãos governamentais e empresas para que divulguem

informações ao público – Reivindicar a publicação sistemática de

informações sobre as fontes de risco ambiental no país. As agências

estaduais, em particular, deverão ser pressionadas publicamente para

produzir dados sobre a distribuição espacial dos depósitos de lixo tóxico

e perigoso.

6. Contribuir para o estabelecimento de uma nova agenda de ciência e

tecnologia – Apoiar pesquisas voltadas para os temas da justiça

ambiental realizadas sempre que possível através do diálogo entre

pesquisadores, comunidades atingidas e movimentos organizados.

Ajudar a formar técnicos e peritos que trabalhem dentro dessa

perspectiva. Estimular o desenvolvimento de novas metodologias

científicas e de novas tecnologias que ajudem a promover a luta contra

a injustiça ambiental, sempre respeitando os direitos de cidadania e o

saber das comunidades locais.

7. Estratégia de articulação internacional – Desenvolver contatos com

parceiros internacionais no campo da estratégia política, da cooperação

científica, da troca de informação sobre normas e padrões ambientais,

da luta contra a exportação de processos poluentes e de depósitos de

rejeitos perigosos. Preparar uma oficina sobre Justiça Ambiental no II

Fórum Social Mundial em Porto Alegre, 2002.

Consideramos que o termo Justiça Ambiental é um conceito aglutinador e

mobilizador, por integrar as dimensões ambiental, social e ética da

sustentabilidade e do desenvolvimento, freqüentemente dissociados nos discursos

e nas práticas. Tal conceito contribui para reverter a fragmentação e o isolamento

de vários movimentos sociais frente aos processos de globalização e

reestruturação produtiva que provocam perda de soberania, desemprego,

precarização do trabalho e fragilização do movimento sindical e social como um

todo. Justiça ambiental, mais que uma expressão do campo do direito, assume-se

como campo de reflexão, mobilização e bandeira de luta de diversos sujeitos e

entidades, como sindicatos, associações de moradores, grupos de afetados por

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diversos riscos (como as barragens e várias substâncias químicas), ambientalistas

e cientistas.

As entidades que promoveram e participaram do Colóquio farão reuniões

para organizar a estrutura de funcionamento e as primeiras atividades da Rede,

com base nos princípios acima descritos. Todos os que se sentirem de acordo

com a proposta da ‘Justiça Ambiental’ estão convidados a participar.

O RACISMO AMBIENTAL

O conceito diz respeito às injustiças sociais e ambientais que recaem de forma

desproporcional sobre etnias vulnerabilizadas. O racismo ambiental não se configura

apenas por meio de ações que tenham uma intenção racista, mas igualmente por meio de

ações que tenham impacto racial, não obstante a intenção que lhes tenha dado origem.

Diz respeito a um tipo de desigualdade e de injustiça ambiental muito específico: o que

recai sobre suas etnias, bem como sobre todo grupo de populações ditas tradicionais –

ribeirinhos, extrativistas, geraizeiros, pescadores, pantaneiros, caiçaras, vazanteiros,

ciganos, pomeranos, comunidades de terreiro, faxinais, quilombolas etc. – que têm se

defrontado com a ‘chegada do estranho’, isto é, de grandes empreendimentos

desenvolvimentistas – barragens, projetos de monocultura, carcinicultura, maricultura,

hidrovias e rodovias – que os expelem de seus territórios e desorganizam suas culturas,

seja empurrando-os para as favelas das periferias urbanas, seja forçando-os a conviver

com um cotidiano de envenenamento e degradação de seus ambientes de vida. Se tais

populações não-urbanas enfrentam tal chegada do estranho, outras, nas cidades, habitam

as zonas de sacrifício, próximas às indústrias poluentes e aos sítios de despejos químicos

que, por serem sintéticos, não são metabolizados pela natureza e portanto se acumulam.

Segundo Parajuli, as pessoas no mundo seriam de dois tipos: os ‘biosféricos’,

urbanos e metropolitanos que obtêm e utilizam seus recursos de todo o globo terrestre e

que, portanto, não dependem dos constrangimentos do ecossistema que habitam, e as

‘etnicidades ecológicas’, ou seja, as comunidades cujo sustento e sobrevivência

dependem estreitamente do meio natural no qual se inserem. Estas vivem em situações

de risco e de vulnerabilidade diante dos grandes empreendimentos que chegam para

modificar suas vidas e expulsá-los. Como muito bem analisou Arruti, vivem em ‘territórios

de refúgio’, territórios marginais ao capital e que foram mantidos preservados em razão

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dessa marginalidade e de uma economia de base tradicional, com baixo nível de

mercantilização.

Os mecanismos e processos sociais movidos pelo racismo ambiental naturalizam

as hierarquias sociais que inferiorizam etnias e percebem como vazios os espaços físicos

onde territórios estão constituídos por uma população que se caracteriza por depender

estreitamente do ecossistema no qual se insere. Em suma, trata-se aqui da construção e

permanência de relações de poder que inferiorizam aqueles que estão mais próximos da

natureza, chegando a torná-los invisíveis.

Racismo é a forma pela qual desqualificamos o outro e o anulamos como não-

semelhante. Nesse sentido, no caso brasileiro, tornamos até mesmo o retirante, o

migrante nordestino, uma ‘raça’: o ‘homem-gabiru’,3 o ‘cabeça-chata’ tido como invasor da

‘modernidade metropolitana’. Assim, nosso racismo nos faz aceitar a pobreza e a

vulnerabilidade de enorme parcela da população brasileira, com pouca escolaridade, sem

renda, sem políticas sociais de amparo e de resgate, simplesmente porque naturalizamos

tais diferenças, imputando-as a ‘raças’. Colocando o outro como inerentemente inferior,

culpado biologicamente pela própria situação, nos eximimos de efetivar políticas de

resgate, porque o desumanizamos.

O clamor contra o Racismo Ambiental levanta questões sobre a ocorrência de

racismo entre nós. Segundo Tânia Pacheco, embora totalmente diferente da forma como

historicamente se manifestou e manifesta ainda nos Estados Unidos, o racismo está

indubitavelmente presente na nossa sociedade. Por mais que a herança negra esteja

presente na maioria de nós, biológica e culturalmente, o racismo se configura, aqui, de

formas diferenciadas e muitas vezes inconscientes. E deve ser combatido em todas as

suas expressões. Isso não significa, entretanto, negar que a questão seja bem mais

ampla.

Tânia Pacheco, pesquisadora e consultora da Fase, trabalha atualmente no

projeto de construção de um Mapa do Racismo Ambiental no Brasil, para o

acompanhamento das ações lesivas às comunidades, sua denúncia e a construção de

alternativas de combate a esse tipo de injustiça e de opressão. Isso envolve, igualmente,

um trabalho de educação e de tessitura de redes, para a produção de materiais que

ajudem na tomada de consciência e na socialização da informação. O GT Racismo

Ambiental, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, caminha nesse sentido.

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O Clamor por Justiça Ambiental e Contra o Racismo Ambiental

Selene Herculano INTERFACEHS

NOTAS 1 Texto parcialmente extraído do panfleto de divulgação do Colóquio, de redação coletiva, com a participação também de Henri Acselrad, José Augusto Pádua, Jean Pierre Leroy e Paulo Roberto Martins. Está baseado em textos anteriores: um texto publicado em Desenvolvimento e Meio Ambiente – riscos coletivos – ambiente e saúde, nº 5, 2002. Curitiba: Ed. UFPR. Co-edição com a revista Natures, Sciences, Societies, p.143-149 e apresentado no II Congresso da ANPPAS (Associação de Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade), de 2004; também no livro Racismo Ambiental – I Seminário Brasileiro contra o Racismo Ambiental. (HERCULANO & PACHECO, 2006). Naquele Seminário, realizado em Niterói, na Universidade Federal Fluminense (UFF), em novembro de 2005, pesquisadores acadêmicos (Jeovah Meirelles, UFC; Eliane Cantarino, UFF; Robert Bullard, EJRC/Atlanta University; José Maurício Arruti, Koinonia; Maria do Rosário G. de Carvalho, UFBA; Pramod Parajuli, Portland University; Pedro Albajar, Fiocruz; Jan Fritz, Universidade de Cincinnati), apresentaram seus estudos lado a lado com depoimentos integrais de representantes dos movimentos sociais diversos: Criola; Coiab; Comissão Quilombola do Espírito Santo; Apoinme; Comunidade de Terreiro Ilê Omiojuaro; Aldeia Varjota; Acabantu; Associação Indígena de Barcelos; Fórum Carajás; Fórum da Baía de Sepetiba; Associação de Catadores de Gramacho; Movimento Cultura de Rua e ‘Cufa’ do Ceará, para concluir pela existência de um tipo de racismo que imputa às etnias desfavorecidas o ônus da convivência com um ambiente degradado. 2 “environmental justice is defined as the fair treatment and meaningful involvement of all people regardless of race, color, national origin or income with respect to the development, implementation and enforcement of environmental laws, regulations and policies. Fair treatment means that no group of people, including racial, ethnic or socio-economic groups should bear a disproportionate share of negative environmental consequences resulting from industrial, municipal and commercial operations or the execution of federal, state, local and tribal programs and policies.” Bullard, 2000, discurso na Mercer University. 3 Gabiru, do tupi wawi’ru – “que devora mantimentos”, é sinônimo de rato-de-paiol, rato-preto, rato-pardo. Ratos que vivem em lixões junto às grandes cidades e que, em alguns momentos, fazem parte da dieta dos catadores de lixo. Homem-gabiru caracteriza uma parcela da população pobre dos sertões, que sofre de desnutrição crônica e que tem gerado uma ‘subespécie de nanicos’, conforme o escultor Francisco Stockinger, que os representou em uma coleção de 27 esculturas.

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Em caso de dúvidas, consulte a secretaria: [email protected]

AVALIAÇÃO DE RISCO COMO FERRAMENTA COMPLEMENTAR AO LICENCIAMENTO DE FONTES DE POLUIÇÃO ENVOLVENDO POLUENTES

TÓXICOS DO AR Eduardo Antonio Licco

Prof. Dr. do Centro Universitário Senac

[email protected]

RESUMO Este artigo faz uma análise crítica a respeito da efetividade do sistema de licenciamento

de fontes de poluição, quando estiverem envolvidos poluentes atmosféricos tóxicos. A

análise é realizada com base no estudo de caso da ampliação de uma unidade de

galvanoplastia, localizada em área de ocupação residencial-industrial, que instalou uma

linha de cromeação (cromo duro), com fontes de emissão de cromo hexavalente (Cr6+). O

ponto de partida do estudo é de que a adoção da MTPD pode não ser uma medida

suficiente para proporcionar proteção à saúde dos moradores do entorno. O trabalho

compara o valor final da emissão da fonte, após aplicação de controle baseado na MTPD,

com aquele obtido a partir da estimativa de risco individual de câncer por exposição da

população no entorno da indústria ao contaminante em questão. Os resultados mostram

uma emissão final pós-controle de 374 µg/m3 e um valor estimado de 50 µg/m3 para um

risco individual de um caso de câncer em um milhão de expostos. A despeito das

incertezas do processo de estimação de risco, a ferramenta é útil como alerta aos

gestores da qualidade do ar de que nem sempre a melhor tecnologia prática de controle

assegura proteção à saúde de uma população.

Palavras-chave: cromo hexavalente; poluentes atmosféricos tóxicos; avaliação de risco.

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Avaliação de Risco como Ferramenta Complementar ao Licenciamento de Fontes de Poluição Envolvendo Poluentes Tóxicos no ar

Eduardo Antonio Licco INTERFACEHS

Em áreas intensamente ocupadas, como as Regiões Metropolitanas de São Paulo,

Belo Horizonte e Rio de janeiro, não raro convivem, lado a lado, indústrias e residências.

Na maioria dos casos essas indústrias passaram por um sistema de licenciamento

ambiental, momento em que seus impactos ao meio ambiente e às comunidades vizinhas

foram identificados e mitigados.

Ocorre, contudo, que o sistema de licenciamento ambiental não consegue

abranger todos os perigos presentes nas emissões industriais. A ausência de limites de

emissão específicos para substâncias pouco comuns permite que muitas atividades sejam

licenciadas para funcionar com base apenas no controle dos possíveis incômodos que

estas possam causar à vizinhança. Isto é freqüente no caso de pequenas e médias

indústrias, nomeadamente do ramo químico. Para elas, a exigência geral de controle se

constitui na aplicação da melhor tecnologia prática disponível – MTPD – e na ausência de

qualquer tipo de incômodo à vizinhança resultante de sua operação.

A despeito de constituírem atividades com processos industriais conhecidos pelas

autoridades ambientais e de saúde pública, muitas dessas empresas carecem de uma

regulamentação específica para uma tipologia também específica de poluentes

atmosféricos que emitem: os poluentes atmosféricos tóxicos (PAT). Para esses casos, a

aplicação da melhor tecnologia prática disponível tem se mostrado adequada para evitar

incômodos à população circunvizinha, mas nem sempre é suficiente para garantir

concentrações atmosféricas seguras de PATs pós-controle.

Neste contexto, o presente artigo faz uma análise crítica a respeito da efetividade

do sistema de licenciamento de fontes de poluição, quando estiverem envolvidos PATs. A

análise é realizada com base no estudo de caso da ampliação de uma unidade de

galvanoplastia, com a inserção do processo de cromeação (cromo duro), com fontes de

emissão de cromo hexavalente (Cr6+), localizada em área de ocupação residencial-

industrial. O valor final da emissão da fonte, após aplicação de controle baseado na

MTPD, é comparado com aquele obtido a partir da estimativa de risco individual de câncer

por exposição da população no entorno da indústria ao contaminante em questão. A

hipótese de partida é de que a adoção da MTPD pode não ser uma medida suficiente

para proporcionar plena proteção à saúde dos moradores próximos.

Os dados de emissão foram obtidos por meio de campanha de amostragem

efetuada após o sistema de controle. Os valores da estimativa de risco foram obtidos com

o auxílio de modelo matemático simplificado de dispersão atmosférica, e de informações

de dose–resposta disponíveis na literatura.

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Avaliação de Risco como Ferramenta Complementar ao Licenciamento de Fontes de Poluição Envolvendo Poluentes Tóxicos no ar

Eduardo Antonio Licco INTERFACEHS

POLUENTES ATMOSFÉRICOS TÓXICOS

Toda atividade socioeconômica é, em maior ou menor intensidade, fonte de

poluição. As perdas referentes à ineficiência das transformações da matéria e da energia

são inexoravelmente liberadas no ar, águas ou solo, levando à degradação da qualidade

ambiental e à poluição. O estabelecimento da condição de poluição se dá a partir do

estabelecimento de parâmetros que designam os agentes causadores da poluição

(poluentes) e por limites quantitativos (padrões) dos máximos permitidos que poderiam

ser lançados (padrões de emissão) e dos máximos tolerados no ar ambiente (padrões de

qualidade).

No Brasil existem padrões de qualidade do ar legalmente estabelecidos para sete

poluentes: partículas totais em suspensão, fumaça, partículas inaláveis, dióxido de

enxofre, monóxido de carbono, ozônio e dióxido de nitrogênio (BRASIL, 1990). A despeito

de esses poluentes representarem uma parcela relevante da degradação da qualidade do

ar em ambientes urbanos, eles não cobrem toda a faixa de substâncias químicas emitidas

na atmosfera pelas diversas atividades socioeconômicas.

Segundo a Chemical Abstracts Service – CAS (2008) a contagem atual de

substâncias químicas orgânicas e inorgânicas conhecidas chega a 33,9 milhões, sendo

19,2 milhões delas comercialmente disponíveis, 246.329 das quais

inventariadas/regulamentadas. Considerando que no manuseio e transformação das

substâncias químicas uma pequena parcela se perde na atmosfera, fica patente a

preocupação dos gestores ambientais com referência aos riscos à saúde pública impostos

pelos poluentes atmosféricos.

Os poluentes do ar, como substâncias químicas que são, podem ser classificados

como perigosos ou não perigosos, dependendo da concentração com que se fazem

presentes na atmosfera e de suas características físicas, químicas e toxicológicas. Os

poluentes considerados perigosos podem ser subclassificados em tóxicos, corrosivos,

inflamáveis, explosivos, ou infectantes. Os não perigosos, como ‘incomodativos’.

Os poluentes atmosféricos tóxicos são compostos presentes no ar com potencial

de causar sérios danos à saúde humana ou ambiental, caso estejam presentes em

concentração e/ou por período de tempo suficiente para tal. São aqueles que, segundo a

agência americana de proteção ambiental (USEPA, 2007a):

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a) causam ou são suspeitos de causar efeitos adversos agudos na saúde humana,

em níveis de concentração esperados de existir além da área de propriedade da

indústria, como resultado de emissões contínuas ou freqüentes;

b) causam ou são suspeitos de causar efeitos como câncer, disfunções reprodutivas,

desordens neurológicas, mutações genéticas hereditárias ou outros efeitos

crônicos à saúde humana;

c) são tóxicos, persistentes e tendem a se bioacumular no ambiente.

São exemplos de poluentes tóxicos do ar o benzeno, comumente encontrado na

gasolina; o percloroetileno, emitido durante atividades de limpeza a seco; o cloreto de

metileno, que é usado como solvente e removedor de tinta em várias indústrias; o tolueno,

utilizado como solvente de cola; o asbesto, e metais como mercúrio, chumbo, cádmio e

cromo, estes dois últimos empregados na proteção de superfícies metálicas por

eletrodeposição.

A intensidade com que um poluente tóxico do ar afeta a saúde de uma pessoa

depende de vários fatores, incluindo o seu estado de saúde e susceptibilidade, a

quantidade do poluente à qual se expõe, a duração e a freqüência da exposição e o grau

de toxicidade da substância. Os poluentes atmosféricos tóxicos que causam maior

preocupação são aqueles emitidos em quantidades suficientemente grandes para se

fazerem presentes na atmosfera em concentrações reconhecidamente tóxicas, e que

atingem grandes populações.

No Brasil não há, atualmente, referências oficiais regulando os poluentes

atmosféricos tóxicos; tampouco há maiores estudos sobre o potencial de danos à saúde

humana decorrente da exposição a eles. Em muitos países, a ferramenta empregada para

o estudo da exposição humana aos poluentes tóxicos é a avaliação de risco.

O CROMO E SUA TOXICOLOGIA

O cromo é um elemento natural (metal) encontrado nas rochas, no material

biológico, no solo e nas emissões vulcânicas. Apresenta estados de oxidação ou

valências que variam do cromo 2- ao cromo 6+. O cromo elementar (Cr0) não tem

ocorrência natural.

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O cromo 3+ é a forma mais estável do metal, considerada um elemento essencial,

auxiliar na metabolização dos açúcares, gorduras e proteínas. Sua ocorrência natural é na

forma de minérios, como a ferrocromita. A segunda forma mais estável do cromo é a

hexavalente, geralmente produzida por fontes antropogênicas, assim como o Cr0.

O cromo metálico (Cr0) é utilizado na produção de aço, com o Cr6+ e o Cr3+ sendo

utilizados em cromeação, produção de tintas e pigmentos, no curtimento de couro e na

preservação de madeira. O cromo chega ao ar, às águas e ao solo em suas formas

trivalente (Cr3+) e hexavalente (Cr6+) (USEPA, 1984a).

No ar, os compostos do cromo estão presentes sob a forma de um particulado fino

capaz de se depositar sobre o solo, construções, vegetação e corpos d’água. O cromo

geralmente adere firmemente ao solo (adsorção) e, devido ao seu baixo produto de

solubilidade, apenas uma pequena fração se dissolve em água ficando passível de ser

carreada para camadas mais profundas, e eventualmente alcançar a água subterrânea.

A exposição ao metal pode ocorrer por ingestão de água ou alimentos contendo

Cr3+ ou Cr6+, por inalação de ar contaminado, ou por contato com a pele. Locais de

disposição de resíduos contendo cromo e indústrias que trabalham com compostos desse

elemento são fontes relevantes de exposição ao metal. A inalação de níveis elevados de

cromo 6+ pode causar irritação da mucosa nasal, hemorragias, úlceras e perfurações no

septo nasal. A ingestão de concentrações elevadas de cromo 6+ pode produzir mal-estar

estomacal, úlceras, convulsões, danos ao fígado e rins, e até a morte. Contato da pele

com certos compostos de cromo 6+ pode gerar ulcerações (USEPA, 1984b).

Pessoas extremamente sensíveis ao metal em suas formas 3+ e 6+ apresentam

reações alérgicas sérias, como vermelhidão e inchaço grave da pele. Vários estudos

demonstram que os compostos de cromo 6+ podem aumentar o risco de contrair câncer

de pulmão. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a agência americana de proteção

ambiental (Usepa) consideram o Cr6+ carcinogênico aos seres humanos. Não há

evidências sobre efeitos teratogênicos dessa espécie química do metal (USEPA, 2007b).

USO DO CROMO NA PROTEÇÃO DE SUPERFÍCIES

Para fins de proteção de superfícies, o cromo é aplicado por eletrodeposição.

Trata-se de processo eletrolítico de revestimento de superfícies de peças metálicas com

outros metais. Técnicas especiais podem ser usadas para fazer superfícies não metálicas,

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como as dos plásticos, adequadas ao processo. A eletrodeposição é feita, geralmente,

como proteção contra corrosão e/ou como acabamento estético. O processo utiliza uma

célula eletrolítica contendo uma solução (banho) de sais iônicos do metal a ser depositado

e dois eletrodos ligados a uma fonte de corrente contínua ou corrente alternada retificada.

A peça a ser revestida deve funcionar como cátodo, devendo estar ligada ao pólo

negativo da fonte. O ânodo, ligado ao pólo positivo da fonte, pode ser constituído por um

material inerte (grafite ou platina) ou mesmo pelo metal com que se quer revestir a peça.

Neste segundo caso, o processo eletrolítico ocorre com uma transferência do metal deste

eletrodo para a peça, através da solução eletrolítica. O metal do ânodo se oxida, o cátion

formado vai para a solução e o cátion da solução reduz no cátodo, ficando aderido na

forma metálica. Quando o ânodo é um material inerte, nele ocorre a descarga da água da

solução. O cátion da solução reduz no ânodo, ficando também aderido à peça.

Técnicas especiais podem ser empregadas para fazer superfícies não metálicas,

como as dos plásticos, adequadas ao processo. O processo é o mesmo já descrito.

A eletrodeposição de cromo envolve as operações de anodização e deposição. A

anodização com ácido crômico é o processo eletrolítico pelo qual uma camada de óxido é

produzida na superfície de uma base de metal com propósitos funcionais, como por

exemplo, maior resistência à corrosão ou isolamento elétrico. Nele, a parte a ser

anodizada atua como ânodo no circuito elétrico, e a solução de ácido crômico como o

eletrólito.

As operações de deposição incluem a eletrodeposição de cromo duro,

eletrodeposição decorativa (em metais e plásticos), anodização com ácido crômico e

deposição de cromo trivalente. Na deposição de cromo duro, uma camada relativamente

grossa de cromo é depositada diretamente no metal base (geralmente aço) para propiciar

uma superfície com alta resistência a desgaste, baixo coeficiente de atrito, dureza e

resistência à corrosão, ou então para reconstituir superfícies que foram erodidas pelo uso.

A deposição dura é normalmente usada para peças como cilindros e hastes, rolos

industriais, moldes plásticos e componentes de motores (USEPA, 1995).

Os banhos de deposição com cromo hexavalente são os mais usados em

cromeação. São compostos por ácido crômico, ácido sulfúrico e água. Enquanto o ácido

sulfúrico no banho catalisa as reações de deposição, o ácido crômico é a fonte do cromo

hexavalente que reage, deposita no metal e é emitido para a atmosfera. A geração de gás

hidrogênio nas reações químicas no cátodo consome de 80 a 90% da energia fornecida

ao banho, deixando restantes 10 a 20% para a reação de deposição. Quando o gás de

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hidrogênio se desloca na solução, gera névoas de ácido crômico que resultam em

emissões para a atmosfera.

As equações que representam o revestimento de uma peça com cromo, utilizando

ânodo inerte (cromeação) são:

Ânodo: H2O 2 H+ + 1/2 O2 + 3e – Equação 1

Cátodo: Cr 3+ + 3e Cr Equação 2

AVALIAÇÃO DE RISCO

Avaliação de risco pode ser simplificadamente definida como o processo que

estima a possibilidade de pessoas expostas a um agente perigoso virem a apresentar

danos à saúde. Segundo o comitê da National Academy of Sciences dos Estados Unidos

da América – CIMARPH (1983) a avaliação de risco é constituída de quatro etapas:

identificação de perigos, avaliação da exposição, avaliação dose–resposta e quantificação

do risco.

Para os efeitos carcinogênicos, os riscos podem ser estimados em termos de risco

individual e risco populacional. O risco individual é o risco de câncer estimado de ocorrer

em um indivíduo em função de exposição, a uma determinada concentração do agente

carcinogênico por toda a sua vida. O risco populacional, também chamado de risco social,

é a medida do número de casos de câncer em uma determinada população exposta ao

carcinogênico. Segundo Patrick (1994), existem vantagens e desvantagens associadas ao

uso de cada uma dessas abordagens. As observações do autor estão resumidas no

Quadro 1.

Para efeitos não carcinogênicos, a estimativa do risco é feita a partir da

comparação dos valores de dose ou de concentração, medidos ou calculados, com os

valores de referência. Uma forma de expressão do risco é por meio do chamado ‘índice

de perigo’, definido como o quociente entre a concentração (medida ou estimada) e o

valor de referência, para um determinado efeito (GRATT, 1996).

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LICENCIAMENTO AMBIENTAL

O Licenciamento Ambiental é um procedimento pelo qual o órgão ambiental

competente permite a instalação, ampliação e operação de empreendimentos e atividades

que utilizam recursos ambientais, que possam ser consideradas efetiva ou potencialmente

poluidoras, ou que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental (CETESB,

2007). Enquanto instrumento de caráter preventivo, o Licenciamento é fundamental para

garantir a preservação da qualidade ambiental, avaliando aspectos de ligação entre a

atividade produtiva e seus reflexos sobre a saúde pública e o meio ambiente.

Nos dias atuais é evidente a preocupação dos empreendedores em conciliar

desenvolvimento econômico com questões ambientais e de saúde pública. Neste contexto

ganha destaque a provisão de condições ambientais básicas capazes de proteger contra

efeitos danosos a comunidade e o local onde os empreendimentos serão instalados.

Neste aspecto, o Licenciamento Ambiental desempenha um importante papel

como ferramenta de planejamento. De forte caráter preventivo, ele permite que o gestor

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identifique precocemente possíveis efeitos ambientais do seu negócio e busque formas

econômicas para bem gerenciá-los.

Em sua ação prática, o licenciamento de fontes de poluição se baseia em uma

análise preliminar dos possíveis impactos de uma atividade, considerando aspectos

como: localização, ocupações próximas, processo de produção, matérias-primas,

produtos, subprodutos e resíduos, tipos e formas de emissões, e medidas de mitigação e

de reparação. Quando esta análise mostra que os benefícios da atividade superam os

impactos ambientais a licença é concedida, ficando válida por um período determinando,

ao final do qual uma nova avaliação é feita para verificar se permanece a conformidade

com os requisitos de lei. As emissões são reguladas por meio de padrões de lançamento

ou de emissão, e a qualidade ambiental resultante é regulada por padrões de qualidade.

Uma clara limitação ao bom desempenho do licenciamento ambiental é o fato de

não haver padrões de emissão, nacionais ou estaduais, estabelecidos para poluentes

outros que não aqueles para os quais existem padrões de qualidade. E mesmo quando

estabelecidos, estes abrangem apenas uma restrita gama de atividades industriais. Para

as situações em que não há um padrão de emissão específico estabelecido, tem sido

uma prática dos sistemas de licenciamento a exigência da instalação de equipamentos de

controle de poluição baseados na melhor tecnologia prática disponível. Outra ação

freqüente de controle é a exigência de não percepção de odores além dos limites da

propriedade da fonte e ausência de qualquer tipo de incômodo à vizinhança.

O CASO ESTUDO

O caso selecionado para dar suporte a este estudo trata do licenciamento

(regularização de ampliação) de uma empresa de galvanoplastia, prestadora de serviços

para a indústria automotiva, instalada em uma área de ocupação mista (industrial-

residencial). A empresa pretendia instalar uma unidade de cromeação (cromo duro), para

operar das 8 às 18 horas, com funcionamento efetivo de 8 horas consecutivas por dia, 6

dias por semana. Como não havia registros de que a operação até então da empresa

causava incômodos à população vizinha, o pedido de ampliação foi autorizado com a

exigência de instalação da melhor tecnologia prática disponível para os banhos de cromo

duro. Neste caso a MTPD compreendia lavador de gases de alta eficiência, tipo Venturi,

seguido de torre de recheio como complemento. Instalados equipamentos de produção e

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de controle ambiental, as amostragens do efluente gasoso mostraram uma média de

emissões de cromo 6+ de 374 µg/m3.

Considerando o potencial carcinogênico do Cromo 6+, e a hipótese de que o

emprego da melhor tecnologia prática disponível poderia ser não suficiente para plena

proteção da saúde da comunidade vizinha à empresa, foi realizado um estudo estimativo

do risco individual de câncer por exposição ao contaminante na área do entorno da

indústria, buscando verificar se a concentração pós-controle efetivamente garantia a

proteção da saúde da população exposta.

O PROCESSO INDUSTRIAL

O processo de cromeação instalado se inicia com as peças a serem revestidas

sendo desengraxadas, lixadas e polidas. Uma lavagem alcalina elimina eventuais

resíduos existentes de óleo ou graxa. Um banho ácido neutraliza a peça e a prepara para

o tratamento anódico com ácido crômico. Após a primeira deposição, faz-se a

eletrodeposição de cromo com a espessura determinada. A cromeação dura é realizada

com densidades de corrente variando de 1.600 a 6.500 A/m2 para um tempo total de

eletrodeposição de 20 minutos a 36 horas, dependendo da espessura da camada a

depositar. A Figura 1 esquematiza o processo de cromeação de peças metálicas utilizado.

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EMISSÕES ATMOSFÉRICAS

Para muitos metais, os banhos de deposição possuem alta eficiência catódica, de

forma que a geração de névoa é mínima. Contudo, a eficiência do cátodo nos banhos de

cromo é muito baixa (10 a 20%), gerando uma substancial emissão de névoas de ácido

crômico, devidas à geração de hidrogênio e oxigênio. Esses gases são formados nos

banhos, na superfície das peças submersas, ou nos ânodos/cátodos. Conforme as bolhas

de gás rompem-se, produzem microgotículas de líquido que se dispersam no ar

atmosférico, gerando uma névoa ácida que arrasta uma quantidade considerável de ácido

crômico. A intensidade de geração de névoa é uma função da atividade química ou

eletroquímica que se desenvolve no tanque e aumenta com a agitação da solução, com

sua concentração e com a temperatura. Os tanques de eletrodeposição possuem injeção

de ar comprimido pelo fundo para manter uniformidade na concentração e temperatura do

banho, o que também favorece a geração de névoas ácidas.

No caso em estudo, o controle das emissões para a atmosfera é feito por meio de

sistema de ventilação local exaustora instalado nos três banhos, com os gases gerados

sendo tratados em lavador de alta eficiência, tipo Venturi, seguido de torre de recheio

operando com fluxo em contracorrente (Figura 2).

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Os dados de emissão referentes à fonte estudada, obtidos por amostragem dos

seus efluentes gasosos, estão sumarizados na Tabela 1.

Durante a campanha de amostragem os equipamentos operavam de acordo com

as determinações constantes nas licenças obtidas.

ESTIMATIVA DO RISCO POR EXPOSIÇÃO AO CROMO 6+

A estimativa das concentrações atmosféricas de cromo no entorno da empresa foi

feita utilizando-se o modelo Screen 3, disponibilizado pela Usepa para cálculo preliminar

da dispersão atmosférica proveniente de fontes contínuas de emissão (USEPA, 2006a). A

área ao redor da fonte foi dividida em uma grade de 20 m x 20 m, e em cada centróide

calculada a concentração do poluente no nível do solo. Estas concentrações (médias de 1

hora) foram multiplicadas pela freqüência do vento, ou a fração de tempo que o vento

soprou naquela direção para determinação da exposição em cada ponto da localidade

circunvizinha, durante o período de operação da indústria. Os dados sobre a freqüência

de distribuição de ventos (velocidade e direção) foram obtidos junto a uma empresa

próxima, que mantém uma estação meteorológica para uso particular. A instalação e

operação da estação meteorológica seguiam as normas da World Meteorological

Organization – WMO (1983).

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Os dados utilizados de velocidade e direção dos ventos estão sumarizados na

Tabela 2. As condições de estabilidade atmosférica adotadas foram definidas a partir de

Turner (1994), referência usualmente utilizada para esse fim.

CÁLCULO DO RISCO

O excesso de risco de câncer na população do entorno, localizada a uma dada

distância da empresa, em virtude da exposição a determinada concentração de Cr6+ no

ar local por determinado período, foi calculado segundo a expressão:

ECC = Cmh * % t * UR* 106 Equação 3

Onde:

ECC = número de casos de câncer, em uma população de um milhão de pessoas

expostas, devido à inalação de cromo 6+, por um período de 70 anos (adimensional)

Cx = Concentração média do contaminante no nível do solo, a uma determinada distância

da fonte. É função da taxa de emissão, da velocidade do vento e da estabilidade

atmosférica (µg/m3)

%t = porcentagem do tempo em que o vento soprou em dada direção com determinada

velocidade, sob diversas condições de estabilidade atmosférica (h/horas totais)

Cmh = Cx * %t (µg/m3)

UR = fator unitário de risco (probabilidade de câncer por unidade de concentração no ar

do poluente)

(µg/m3)-1

O valor do fator unitário de risco para o cromo hexavalente foi de 0,012 (µg/m3)-1

obtido em Usepa (2006b).

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Os valores calculados de Cx são apresentados na Tabela 3. A Tabela 4 traz

valores de Cmh e ECC calculados para a distância de 100 m da fonte, em função da

direção e freqüência dos ventos. A distância de 100 m é aquela onde o modelo aponta a

ocorrência da máxima concentração do poluente no nível do solo.

A zona de impacto, área ao redor da fonte onde ECC supera o valor unitário (nível

de risco de referência de 1 caso de câncer em 10+6 expostos) aparece destacada na

Figura 3. A linha perimetral é o lugar geométrico dos pontos com ECC = 1, obtida por

interpolação de valores. Os valores estimados de ECC estão bastante próximos daqueles

apresentados pela Usepa (2006b) em termos de relação ‘nível de risco’ versus

‘concentração do contaminante no ar’, o que confere consistência à abordagem seguida.

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Na distância de cem metros da fonte identifica-se, na direção 330°, o ponto de

maior risco pela exposição ao Cr6+, com 18 casos potenciais de câncer em uma

população de um milhão de indivíduos expostos. Nesta posição há quatro residências,

com 17 moradores permanentes. Na posição 60º, observa-se o segundo maior nível de

risco a cem metros da fonte, com seis residências, 26 residentes permanentes, e uma

possibilidade de nove casos de câncer por 106 indivíduos expostos.

O total de residências dentro da área considerada de alto risco, ou seja, aquela

dentro da linha perimetral, é de 87, e o total de moradores de 282.

INCERTEZAS NA ESTIMATIVA DE RISCOS

Por sua natureza, as estimativas de risco não podem ser totalmente acuradas. O

principal problema enfrentado é a ausência de informações suficientes a respeito da

exposição real e de como os PATs ameaçam a saúde humana. As avaliações de

exposição freqüentemente se apóiam em modelos matemáticos quando as quantidades

de poluentes vindas da(s) fonte(s) para a população não podem ser facilmente medidas.

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Relações de dose–resposta se baseiam em assunções de efeitos de poluentes,

convertendo resultados de experimentos com animais em altas doses, para exposições

humanas a baixas doses. Quando a informação não é completa ou é incerta, os analistas

de risco fazem assunções que tendem a superestimar os riscos potenciais, ou seja, suas

respostas embutem uma margem de segurança para proteção da saúde humana.

Neste estudo observa-se que a estimativa de risco adotou parâmetros e

procedimentos que apresentam margem de segurança, e fez assunções sempre

conservativas. Desta forma, os resultados decorrentes devem ser vistos como uma

primeira aproximação ao problema.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Seguindo os procedimentos geralmente adotados pelas agências de controle, o

emprego da melhor tecnologia prática disponível levou a uma emissão final de cromo 6+

de 374 µg/m3. Levando em conta este dado, foi possível estimar o risco individual de

câncer na população vizinha à empresa, e o total de pessoas expostas.

De acordo com critérios utilizados em outros países, o valor de risco considerado

tolerável para uma população residente é da ordem de 1:10-6 (1 caso em 10+6). Como os

valores obtidos na área circunvizinha à empresa ultrapassam em muito esse patamar, o

risco deveria – segundo esses critérios – ser minimizado.

Em termos quantitativos isso representa reduzir a emissão da fonte pós-tratamento

de 374 para 50 µg/m3, ou seja, uma redução total na emissão de cromo de 99,999%. Este

grau de redução seria obtenível somente com um elevado investimento em equipamentos

de produção, para aumento na eficiência do processo, e de controle. As duas ações se

mostram pouco viáveis do ponto de vista técnico e econômico.

Outra forma de redução de risco seria o aumento da altura da chaminé e/ou a

diluição dos gases com ar falso, provocando uma maior dispersão/diluição do

contaminante, e a redução das concentrações na área de maior impacto. Esta solução se

sustenta do ponto de vista técnico e econômico, mas se mostra frágil do ponto de vista

ético. Se por um lado contribui para a redução das concentrações de Cr6+ na área próxima

da empresa, minimizando o risco individual, por outro lado aumenta a área atingida,

fazendo que mais pessoas sejam expostas ao contaminante, o que implica maior risco

social.

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A questão do risco social é extremamente relevante, considerando-se a

possibilidade de existência de outras fontes de emissão de Cr+6 na região, o que

implicaria um acréscimo na concentração de fundo (background), e no risco de câncer.

Há que se destacar mais uma vez que a estimativa do risco foi feita com

instrumentos simples de modelagem atmosférica (screening), o que poderia levar a

resultados pouco acurados. No entanto, independentemente deste aspecto, o uso da

ferramenta se justifica. Em termos práticos a análise de risco alerta para a possibilidade

de a MTPD não ser suficiente para proteção da saúde da população exposta ao Cr6+.

Diante desse quadro, é recomendável a realização de uma avaliação de risco mais

sofisticada, com maior grau de precisão. Em se confirmando um risco intolerável, seguem

duas possibilidades: ou o empreendimento faz as adequações necessárias, ou perde a

autorização para a ampliação de suas atividades naquele local.

A Usepa publicou uma listagem com cerca de duzentas substâncias consideradas

tóxicas, que poderia dar suporte às agências ambientais durante seus processos de

licenciamento. Nos casos em que estivessem envolvidos quaisquer dos TAPs, deveria ser

obrigatória a adoção das tecnologias de produção e controle que resultassem nas

menores emissões possíveis, e a realização de um estudo de risco estimando o impacto

das concentrações atmosféricas pós-controle na população vizinha à fonte. Se os

resultados mostrassem inviabilidade técnica ou econômica, a licença seria negada.

AGRADECIMENTO Meus agradecimentos ao Prof. Luiz Alexandre Kulay pelas observações e sugestões

feitas. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Resolução Conama 3/90. 1990. Disponível em:

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Artigo recebido em 12.02.08. Aprovado em 03.03.08.

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VIDA NAS RUAS DE SÃO PAULO E ALTERNATIVAS POSSÍVEIS –

UM ENFOQUE SÓCIO-AMBIENTAL Marcelo Gomes Justo

Sociólogo, doutor em Geografia Humana pela USP

[email protected]

RESUMO O artigo trata das possíveis alternativas sociais aos moradores de ruas da cidade de São

Paulo. Parte-se de uma revisão do conhecimento voltado para classificar, controlar,

penalizar e tutelar a população de rua para apontar, de outro ângulo, um conhecimento

que busca a emancipação da mesma população. Analisa-se, com base em pesquisa

empírica, como o Movimento Sem Terra (MST) e a reforma agrária podem se constituir

como alternativa de economia solidária aos moradores de rua.

Palavras-chave: morador de rua; MST; economia solidária; assentamentos de reforma

agrária.

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Este artigo é parte de uma pesquisa sobre as possibilidades de o Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a reforma agrária constituírem-se como

alternativas à situação de morador de rua na cidade de São Paulo (JUSTO, 2005). A

alternativa é tomada no sentido de formas de organização social e de produção

econômica contrárias à lógica do modo de produção capitalista, como manifestações

potenciais de economia solidária (SINGER, 1998). Quem é o morador de rua? Parte-se

desta pergunta não para respondê-la, mas para mostrar as ambigüidades e ambivalências

nas representações da população de ruas e, conseqüentemente, pensar as variações da

sociedade moderna. Percorrem-se diferentes maneiras de construir o lugar da

mendicância na sociedade moderna, marcadas pela lei penal, pelo discurso acadêmico,

pela classificação, pelos controles e políticas para quem habita os espaços públicos e por

alternativas ao modo de produção capitalista.

Ao se estudarem as imagens transmitidas pela imprensa sobre moradores de rua,

notam-se alguns enfoques recorrentes: ‘confundi-los’ com lixo ou com ‘pessoas normais’;

os homicídios sofridos; morte por hipotermia no inverno.1 A freqüência desses temas é

obscurecida quando ocorrem casos de impacto como os assassinatos em série de

moradores de rua na cidade de São Paulo, em agosto de 2003. Ser indistinguível, ser

vítima, estar fora dos padrões de civilidade, ser parcialmente atendido pelos serviços

públicos, ter direitos, ser desempregado: são movimentos tanto de homogeneizar quanto

de diferenciar os moradores de rua. Às vezes, eles são tratados como pertencentes à

classe trabalhadora, mas em condições de miséria extrema; outras vezes, são

diferenciados como abaixo dessa classe. Portanto, morrer assassinado ou por causa do

frio é comumente noticiado, pois essa parcela “não faz falta para a economia do país”.

São “vítimas sacrificiais” das prefeituras e da sociedade. É a partir dos moradores de rua

que podemos pensar comportamentos e tendências políticas, econômicas e sociais; ou,

mais precisamente, pensar alternativas aos modos de vida e de produção baseados no

capitalismo.

CONHECER, CONTROLAR, PENALIZAR, CLASSIFICAR, INCLUIR/EXCLUIR E TUTELAR A POPULAÇÃO DE RUA

A constituição da população de rua pela lei e pela análise acadêmica

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Rapidamente, a condição de mendicância é interpretada por autores do século

XIX, de diferentes formas, como algo que está fora do ritmo de transformações. Haveria

nesse tema uma dificuldade de encaixá-lo no registro dos condicionantes socioculturais

ou nos ‘impulsos naturais’, aparecendo ambigüidades. Neste sentido, pode-se dizer que

as interpretações sobre o fenômeno o tornaram um ‘híbrido’ (LATOUR, 2000), que pode

descrever redes sociais.

Para Marx, o ‘mendigo’ dos primórdios da modernidade era fruto de dois

processos: expropriação e legislação. Isto é, os ‘mendigos’ dos séculos XIV ao XVI eram

ex-camponeses que perderam suas terras e migraram para as cidades e, então, foram

enquadrados em leis que regulavam suas condutas nesse novo meio social. As leis

estabeleciam quem podia mendicar, e quando. Estava em jogo a distinção entre o

trabalhador e o vagabundo. E Marx – com os valores de sua época – aponta para certa

propensão à vagabundagem. Os lumpens, afinal, não tinham as condições materiais para

agirem como membros da classe trabalhadora.

Como visto, o século XIV representou uma reviravolta na questão da mendicância

em relação ao auge do período feudal, quando a questão era interpretada pela moral

cristã, porque foi o primeiro momento na história ocidental em que a ‘vagabundagem’

passou a ser crime.

A perspectiva da lei consolidou-se como forma de classificar o morador de rua.

Este personagem, por sua vez, serviu para se pensar os limites da aplicação das leis no

Estado de direito. Análises recentes mostram que o morador de rua só pode perder, isto

é, sempre sofre o peso legal. Com a posição mais baixa no espaço social, a população de

rua está sujeita a maior aplicação de lei, conforme apontado por Black (1998 e 2002).

Para esse autor, um morador de rua ser agredido pela polícia não é algo ilegal e sim a lei

mostrando seu comportamento baseado em distinções sociais, neste caso, assimétricas

(BLACK, 1998, 2002). O autor mostra que nos Estados Unidos a lei recai muito sobre o

morador de rua, a começar pela forma como ele é tratado pelos policiais.

Do ponto de vista da sociologia pura, o policial chutando um

morador de rua é lei. É uma forma mais severa de lei do que normalmente

ocorre em outras localizações do espaço social, mas ainda é lei. O chute

em um morador de rua ilustra o que acontece quando alguém ocupa

simultaneamente um número de localizações sociais, todas elas atrativas à

lei e à punição. Um morador de rua perde status social de todo tipo: é

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extremamente pobre, e sua integração social é extremamente baixa.

Faltam-lhe posses, dinheiro, emprego, residência na comunidade, e um

dependente familiar que lhe apóie. Ele não é associado a uma organização.

Não tem respeitabilidade, tem um modo estranho de vida, e pode pertencer

a uma minoria cultural. Provavelmente, ele é também um estranho para a

maior parte dos policiais. Ele é, em resumo, uma forma de sujeira social. E

como um ímã social, atrai um estilo de lei altamente penal. Não apenas um

morador de rua é mais vulnerável aos procedimentos formais como prisão,

processo e condenação; ele também pode ser chutado, levar cacetada e

ser, em geral, degradado de um modo raramente visto em outras

localizações sociais ...

Talvez eu deva elaborar a idéia do chute como lei. Entendo, afinal,

que muitas pessoas como advogados e professores de direito diriam que

chute por policiais é uma violação à lei, e que não pode ser uma instância

da lei ao mesmo tempo. Mas pode. Falando sociologicamente, não importa

se chutar é ilegal de acordo com a lei escrita. Nem mesmo importa se um

caso particular de chute por um policial é tratado como crime e punido (o

que é extremamente improvável). O chute ainda é lei – controle social

governamental. É uma aplicação da autoridade legal. O oficial é um agente

do Estado, e nesse sentido é o próprio Estado que chuta. A implicação

pode ser surpreendente: a lei pode ser criminosa. (BLACK, 2002, p.274)

Esta análise retrata o quanto se pode pensar a legalidade por meio dos moradores

de rua. Também nos faz relativizar a perspectiva de que a luta por direitos civis e a

consolidação do Estado democrático de direito no Brasil garantiriam melhores condições

para a população de rua.

O estudo de Barak (1992) faz uma análise da condição do sem teto na história recente

dos Estados Unidos com enfoque na crescente criminalização dessa condição. O autor mostra

que a condição de morador de rua, a partir da década de 1980, vai ser vítima de maior

incidência de leis e políticas que punem a presença e a atitude dos moradores de rua. Porém,

estatisticamente a criminalidade cometida por moradores de rua é muito menor do que por não-

moradores de rua. Para esse criminologista, os moradores de rua são vítimas da condição de

sem teto e da omissão do Estado que deve lhes garantir o direito constitucional a um abrigo.

Esse aumento da criminalização está associado à retirada das políticas do Welfare State.

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O criminólogo mostra que o primeiro trabalho sociológico nos Estados Unidos da

América sobre moradores de rua é de 1923 e consiste num estudo sobre as razões que

levam a essa condição, e que em 1936 surge um segundo trabalho de referência que

aponta para o fato de que uma fatia da população é forçada a ir para albergues porque

está destituída de qualquer meio de vida. Barak (1992) prossegue na análise das

abordagens sobre o tema ao longo das décadas para afirmar que, a partir dos anos 80,

ocorre uma distinção entre um ‘velho’ e um ‘novo’ sem teto marcada pela visão de que

pobreza e privação de abrigo são mais sintomas da política econômica do que causas da

condição de morador de rua em si. Segundo o autor, há uma construção social do

morador de rua que molda a reprodução do problema social.

O posicionamento marxista de Barak permite notar que análise científica e

contexto político andam juntos. Assim como há no estudo a noção de que as estruturas

sociais são os determinantes da condição de sem teto. Vejamos outros casos.

Em um número especial sobre homeless da revista norte americana Urban

Geography, Hoch (1991) analisa a organização espacial urbana em relação ao caso dos

moradores de rua de Chicago. Mostra que as políticas governamentais de reforma urbana

do centro da cidade, que acabaram com os quartos de solteiros em hotéis baratos

(Single-room occupancy) dos quarteirões destinados aos ‘marginalizados’, promoveu o

fim da sobrevivência digna dessa população. Portanto, o que mudou no perfil do morador

de rua dos anos 50 para os 80 foi a impossibilidade de poder dormir nesses locais, que o

autor considera que serviam como garantia de alguma independência ao sem teto. Esse

urbanista mostra que em 1985 havia 2 mil sem teto em Chicago e que as condições de

obtenção de renda deles era bem menor do que na década de 1950. Dear e Gleeson

(1991), por sua vez, apresentam um estudo da atitude do público (com base em jornais de

Los Angeles e Nova York) em relação aos moradores de rua. Concluem que a situação é

paradoxal, pois a população em geral expressa que, por um lado, são necessárias

políticas de assistência social aos miseráveis e, por outro, há muito preconceito em

relação aos sem teto. Os autores analisam o contexto para mostrar que há um aumento

da população de rua decorrente da retirada de investimentos sociais por causa da

mudança na política do Welfare State promovida pelo presidente Reagan, a partir de

1988.

Se, por um lado, aparece a questão da lei e do controle social, por outro os

moradores de rua são associados à ‘natureza’, como se pode constatar em estudos sobre

as atitudes diante deles. Mais especificamente, a presença do morador de rua provoca na

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opinião pública um impacto porque há uma exposição de algo do mundo privado, as

necessidades fisiológicas. Em seu estudo, Dear e Gleeson (1991, p.164) mostram que o

maior número de registros jornalísticos sobre os impactos na vizinhança da presença de

moradores de rua diz respeito à presença de urina e fezes em locais públicos. Porém, a

perspectivas de condicionantes ‘naturais’ da condição de morador de rua fica explícita nos

trabalhos de Weiner e Weaver (1974) e de Shnabel (1992), ao tratarem a questão pela

psiquiatria e pela neurologia, respectivamente.

Weiner e Weaver (1974) realizaram um estudo quantitativo entre moradores de rua

associando o alcoolismo ao aumento da incidência da atividade de pedinte: quando

sóbrios, trabalham; quando bêbados, pedem. O foco é: pedinte e alcoolismo como

desvios sociais.

Shnabel (1992) apresenta uma mudança nos últimos sessenta anos no perfil da

população de rua, com o aumento do número total e da diversidade étnica de pessoas

que vivem nas ruas de cidades da Holanda. Afirma que entre 25 e 35% dos moradores de

rua têm ou tiveram histórico de distúrbios psiquiátricos. Portanto, o autor defende que a

psiquiatria deve ter um maior papel de controle social dessa população, que deve ser

internada quando necessário.

Ambigüidade ou ambivalência na caracterização manifesta-se também nas

denominações diversas: mendigo, morador de rua, sofredor de rua, sem teto, pedinte,

indigente, excluído, andarilho, trecheiro, trabalhador sem teto, catador etc. Esta

diversidade de (des)qualificações deve-se, em parte, à diversidade de tipos e situações

de viver na rua; e também, a posições políticas que derivam da forma como se concebe o

morador de rua. Este é, geralmente, definido pela falta, pela carência absoluta. A opção

aqui pela denominação ‘morador de rua’ é porque define o grupo por um modo de vida em

comum.

Quando se interpreta o morador de rua, as representações podem ser resumidas

em ‘excluídos’. No entanto, esta expressão leva-nos a indagações: excluídos de quê, de

onde? As respostas mais imediatas dizem que os moradores de rua estão fora do

mercado de trabalho, do acesso à moradia, à educação, à saúde etc. Porém, determinada

corrente teórica mostra a exclusão e a inclusão como duas partes de um mesmo

processo, e que somente a lógica dialética dá conta de superar essa dicotomia. O artigo

de Luciano Oliveira (1997) aponta para o fato de que o conceito de ‘exclusão’ já havia

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sido questionado pela crítica à razão dualista,2 ao estabelecer exclusão/inclusão como

um par dialético inerente ao modo de produção capitalista em suas diferentes fases; deste

modo, a visão dicotômica do processo de exclusão estaria ultrapassada. O sociólogo

argumenta que, contemporaneamente, há excluídos cuja inclusão, possivelmente, nunca

acontecerá. Então, propôs que os ‘excluídos’ sejam pensados de um ponto de vista

valorativo acerca do que seja um modo de vida humano. Por fim, afirma que o conceito de

excluído, mais do que teórica, tem uma razão ética e política porque “interpela sobre a

natureza da polis que estamos construindo” (1997, p.60).

De fato, há uma nova fase do modo de produção capitalista decorrente da

revolução industrial da microeletrônica. Nesse contexto, aparecem teorias que apontam

para o fim do trabalho assalariado. Aparentemente, a liberação de mão-de-obra

provocada pela terceira revolução industrial criou um ‘lixo’ humano que não é mais

empregável. Porém, não cabe aqui aprofundar a discussão teórica sobre a crescente

massa populacional de não empregáveis e sim apresentar alternativas para a população

de rua.

Dentro do raciocínio da dialética entre exclusão e inclusão, Singer (1998) mostra

que a terceira revolução industrial, a da microeletrônica, e a globalização provocaram um

desemprego ‘estrutural’. Ações estatais de compensação e, principalmente, a economia

solidária (ou auto-emprego) são as alternativas a essa conjuntura. Para o autor, a

economia solidária é uma alternativa ao modo de produção capitalista e é o socialismo

aqui e agora. Vejamos uma seqüência da argumentação do autor:

Para resolver o problema do desemprego é necessário oferecer à

massa dos socialmente excluídos uma oportunidade real de se reinserir na

economia por sua própria iniciativa. Esta oportunidade pode ser criada a

partir de um novo setor econômico, formado por pequenas empresas e

trabalhadores por conta própria, composto por ex-desempregados, que

tenha um mercado protegido da competição externa para os seus produtos.

Tal condição é indispensável porque os ex-desempregados, como se viu,

necessitam de um período de aprendizagem para ganhar eficiência e

angariar fregueses. Para garantir-lhes o período de aprendizagem, os

próprios participantes do novo setor devem criar um mercado protegido

para suas empresas.

Uma maneira de criar o novo setor de reinserção produtiva é fundar

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uma cooperativa de produção e consumo, à qual se associarão a massa

dos sem-trabalho e dos que sobrevivem precariamente com trabalho

incerto ...

O mercado protegido será uma condição necessária mas não

suficiente para que o novo setor de economia solidária dê certo. O seu

êxito não consistirá somente na mera sobrevivência das empresas e

pessoas que o constituem, embora a sobrevivência no tempo já represente

a solução para o desemprego, ou seja, a reintegração econômica – e

portanto social – dos hoje marginalizados. Mas o objetivo almejado deve

ser a criação de uma lógica ‘incluidora’, ou seja, capacitada e interessada

em acolher sem limites novos cooperados, e que ofereça a estes uma

chance real de trabalhar com autonomia e de ganhar um rendimento

suficiente para ter um padrão de vida digno …

Em outras palavras, o ponto de partida da economia solidária é o

reconhecimento que a causa maior da debilidade da pequena empresa e

do autônomo é o seu isolamento ...

Esta forma de luta contra o desemprego tem muitos pontos em

comum com a organização de produtores autônomos (e empresas

capitalistas coletivas) em sistemas de crédito mútuo e comércio recíproco.

O principal deles é a prática da solidariedade em lugar da competição. Na

empresa autogerida, a preservação dos postos de trabalho substitui a

lucratividade como objetivo máximo. Os trabalhadores-gestores se dispõem

a fazer sacrifícios, eventualmente abrindo mão de salários mais elevados,

para que todos possam continuar trabalhando. Na empresa capitalista, os

empregados competem por promoções, prêmios de produção, lugares de

chefia. Na empresa auto ou co-gerida a confiança mútua e a ajuda mútua

são vitais para recuperar a competitividade, não há possibilidade de alguns

se beneficiarem em detrimento de outros. (SINGER, 1998, p.73-138, grifos

meus)

Além da discussão sobre exclusão/inclusão, a questão se aprofunda ao se

verificar que recaem sobre o morador de rua os mecanismos de tutela (CASTEL, 1978).

Na análise de Castel o dispositivo da tutela recai tanto sobre o ‘mendigo’ quanto sobre a

classe trabalhadora como um todo. Mais do que mostrar que essa população é alvo de

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vigilância, ela é constituída pelos dispositivos de controle social. Deduz-se que, num certo

sentido, as tentativas das entidades filantrópicas, dos grupos de direitos humanos e de

prefeitos em conhecer o perfil populacional alimentam a disputa pela tutela sobre os

moradores de rua. O conhecer para controlar insere-se numa gama que vai da repressão

a propostas e ações democráticas de luta por direitos.

O espaço comum e as interpretações no Brasil: conhecer para agir e controlar

Os estudos brasileiros sobre os moradores de rua tratam dos seguintes temas:

viver na rua (são ‘pedintes’ ou ‘mendigos’); violência; mundo do trabalho e

desempregados (são tratados pela literatura como ‘sem teto’ ou ‘morador de rua’).

A população que vive nas ruas é tratada, nas décadas de 1970 e 1980, pelo termo

‘mendigo’, e as análises mostram que o público, em geral, o distingue do ‘pedinte’, sendo

aquele a pessoa que perdeu certos atributos sociais (família e casa), sobrevive nas ruas,

não trabalha e apresenta-se sujo e maltrapilho, enquanto este possui atributos sociais,

mas tem dificuldade para sobreviver e depende da ajuda de terceiros. Neves (1983)

estuda o fenômeno social da mendicância como forma de reprodução social dos

trabalhadores e conclui que é uma ‘alternativa de vida’ para estes.

O viver na e da rua é uma categoria fundamental na análise desta população.

Stoffels (1977) chama a atenção sobre aqueles que vivem nas ruas como um habitat total.

O espaço ‘rua’ é vivido como um território apropriado. Neste caso, a rua divide-se em três

locais distintos: o de sobrevivência, o de repouso e o de convivência grupal. Um dos

grupos estudados pela autora vivia numa praça e limitava-se às fronteiras do local de

convivência. Isto é, o morador de rua sabia qual era o seu espaço e qual era o do outro,

dos vizinhos. Os requisitos do espaço para a permanência de ‘mendigos’ era: isolamento,

pouco movimento, proteção contra a repressão, pontos de pedido, locais de repouso e

locais de convivência. O público transeunte, como doador de esmolas, é o recurso do

‘mendigo’. Ao mesmo tempo, este estranha aquele quando o estigmatiza de ‘vagabundo’.

Assim, “surge uma ‘fronteira’ no espaço-rua, utilizado como território apropriado e lugar

público” (STOFFELS, 1977, p.150). A questão central desta autora é a complexidade e

especificidade das atividades e da ideologia da mendicância. Ela situa a problemática na

apreensão de uma autonomia relativa das atividades e da ideologia dos ‘mendigos’ em

relação à ideologia dominante.

A partir da década de 1990, com um contexto de novas políticas municipais de

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bem-estar social, os trabalhos analisam o perfil da população de rua (VIEIRA et al., 1994),

as formas de atendimento a essas pessoas e as práticas assistenciais em geral, a relação

de uso privado do espaço público, as organizações dos moradores de rua e a migração.

Os textos de Vieira (1995), Neves (1995) e Montes (1995) dialogam e problematizam as

ações de militantes e políticas em relação aos moradores de rua. Enquanto Vieira e

Neves tratam do tema pela perspectiva da classe trabalhadora, Montes privilegia a

questão da identidade ‘fragmentada’.

Vieira (1995, p.43) fala que o morar na rua dá um novo sentido ao uso do espaço

público. O que é privado, como comer, beber, dormir etc., torna-se público. O público,

enquanto espaço coletivo de circulação, torna-se espaço de morar. Esta subversão de

regra faz da ocupação das ruas um fato conflituoso. Neves (1995) destaca nas estratégias

de sobrevivência dos moradores de rua o fato de que “quanto mais pertences acumulam,

quanto melhor se organizam para viver na rua, quanto mais demarcam simbolicamente,

através de papelões e plásticos, um espaço para a privacidade ou menos vulnerável ao

olhar do curioso, mais incitam a repressão, mais escandalizam os demais usuários do

espaço público” (NEVES, 1995, p.69).

Montes (1995) afirma que o discurso recente sobre a população de rua precisa ser

problematizado porque se volta, principalmente, para a questão da identidade. Ela mostra

que a identidade é um feixe de relações e que o senso comum tem dificuldade de pensar

a identidade do morador de rua perante os outros atores com os quais se defronta na vida

da cidade. A pluralidade de discursos construídos pelos grupos que lidam com a

população de rua sobre a identidade desta, à medida que ela própria os introjeta, gera

uma experiência de fragmentação. Coloca-se, então, a questão da reconstrução da

identidade fragmentada do morador de rua, justamente porque identidade é o que dá

sentido de unidade. Este comentário de Montes permite visualizar as duas dimensões da

questão da mendicância: as análises sobre a população em geral e sobre as pessoas em

si.

Os trabalhos de Sérgio Martins (1995), Nasser (1996) e Maria de Fátima Martins

(2001) estudam a migração e as políticas sociais e os perfis de moradores de rua e de

albergados, como formas de reprodução dos trabalhadores. Há também o trabalho de

Barros (2004), que analisa a experiência da vida nas ruas e da constituição das redes de

atendimento, e chega a estudar o assentamento D. Tomás Balduíno, organizado pelo

MST, com ex-moradores de rua. Esta autora faz uma análise dos nomes pelos quais são

tratados os moradores de rua e um histórico das políticas sociais dos anos 90. Dentre

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esses trabalhos, o estudo recente de Martins (2001) vai ao encontro deste artigo porque

aponta para a necessidade de se compreender a migração num novo contexto em que

conceitos e noções como o de “exército industrial de reserva” e de “mobilidade de força

de trabalho pelo capital” são insuficientes porque os ‘excluídos’ não cabem mais nestas

noções, uma vez que o modo de produção capitalista está numa fase de aumento da

produtividade sem geração de empregos. Para essa autora, o homem que está fora da

relação trabalho-capital é uma figura ‘fantasmagórica’, até mesmo para o pensamento.

Por isso, ela afirma que “através dos moradores de rua e com eles é possível redefinir a

compreensão da rua, da experiência urbana que significa e, mais ainda, de seu sentido na

história” (MARTINS, 2001, p.116). Essa geógrafa enfoca as redes sociais3 dos moradores

de rua, passando por uma geografia da assistência, para mostrar que a condição dessa

população leva a dar sentido a uma articulação em rede, uma vez que nas ruas as tramas

são frágeis e os laços tênues (MARTINS, 2001, p.187-193). Chama a atenção a

contribuição de Barros (2004) por analisar a população de rua pelo registro de questionar

a modernização brasileira, interpretando a invisibilidade desse tipo de pobreza como uma

forma de permanente exceção. Para a autora, a população de rua é um meio para

compreender os processos de modernização da sociedade brasileira. Neste sentido, o

texto de Barros está próximo dos questionamentos expostos aqui.

História rápida das políticas no Brasil em relação às classes populares

Pinheiro (1981) mostra que desde o início da Primeira República existe a

perseguição às ‘classes subalternas’. Naquela época a ‘vagabundagem’, entre outros,

estava na lista dos crimes comuns. Nesse texto, o autor aponta uma tradição de violência

física e ilegítima por parte do Estado, tanto nos regimes autoritários, quanto nos mais

democráticos. Há uma repressão generalizada em relação às ‘classes subalternas’ e uma

repressão qualificada em relação às ‘classes trabalhadoras’. Essa institucionalização da

violência pelo Estado é, segundo o autor, uma política deliberada de controle social das

classes subalternas.

Observa-se com Adorno (1990) que o processo de isolamento dos ‘desajustados’

ocorre no Brasil entre 1880 e 1920, período esse justamente de transição do trabalho

escravo para o trabalho livre. Com o fim da ordem escravocrata, os pobres ocupam o

espaço urbano. Temos uma série de trabalhadores pauperizados e expropriados, e a eles

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juntam-se os imigrantes europeus. Estes enquadram-se nas mais diversas atividades

para garantir a sobrevivência.

Todos eles foram os clientes preferenciais da filantropia, porque criavam o

obstáculo para a constituição do trabalhador dócil. No período estudado pelo autor, houve

um agravamento da criminalidade, cuja violência era a norma para a resolução dos

conflitos sociais. Outra referência constante era em relação aos ‘menores vadios’, os

mendigos e as prostitutas, ‘sujeiras’ a serem saneadas. Por isso, discutia-se a missão

preventiva do Estado para minimizar a mendicância e o abandono de crianças. Junto com

os loucos, que vagavam pelas ruas, toda uma ‘escória’ formada por ladrões, prostitutas,

bêbados, mendigos etc., constituintes das ‘classes perigosas’, deram trabalho para os

alienistas. Estes tinham entre seus objetivos imediatos a moralização do espaço público,

afirma o sociólogo.

Desenhou-se assim todo um esforço classificatório voltado para distinguir e

estabelecer fronteiras entre loucos e criminosos, vagabundos e pobres, definindo-se

lugares apropriados de segregação ou de ‘cura’ que possibilitassem maior refinamento

das operações de controle e de vigilância médica (ADORNO, 1990, p.16).

A filantropia entra para proteger a população urbana trabalhadora das

adversidades da pobreza. Essa “gestão filantrópica da pobreza urbana”, para concluir, só

foi possível com a invenção do estatuto da tutela.

Dando seqüência ao movimento histórico, passamos para as décadas de 1950,

60, 70 e começo de 80. Sposati (1988), ao analisar os serviços municipais de assistência

social e seu aparato burocrático do período, apresenta a tese de que a gestão da pobreza

por parte do Estado restringiu-se a intervenções ou atendimentos pontuais sem ir à raiz,

caracterizando uma relativa omissão ao particularizar o problema.

Dentro desse processo histórico, na virada dos anos 80 para os 90 ocorreu uma

mudança em relação à questão do morador de rua (Cf. COSTA, 1989; OLIVEIRA &

VICENTE, 1989). Foi um movimento tanto de busca da cidadania da população de rua,

com base na sua participação direta, quanto de encontrar alternativas para sair da

condição de morar nas ruas. Os trabalhos da Pastoral dos Sofredores de Rua, da

Fraternidade Povo da Rua (a ser vista mais adiante) e de outras entidades civis e/ou

religiosas deram um outro enfoque político para o tema que não é mais o da filantropia

(Cf. ROSA, 1995).

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As políticas e as ações civis recentes em relação aos moradores de rua 4

Por um lado, a política de segregação dos moradores de rua na cidade de São

Paulo teve um auge com uma lei de cercamento das praças públicas pelo governo

municipal, na gestão do falecido Jânio Quadros (PTB – Partido Trabalhista Brasileiro), de

1985 a 1988. A partir do ano de 1994, setores da sociedade procuraram evitar a presença

dos ‘mendigos’ com a construção de prédios sem marquise, com funcionário de loja

jogando óleo queimado na calçada em frente, com a prefeitura realizando operação ‘anti-

mendigo’ – como a colocação de grades em árvores de praças. Estas atitudes tiveram o

apoio do Administrador Regional da Sé, na época.

Por outro lado, no mesmo ano de 1994 ocorreu, no dia 10 de maio, na Câmara

Municipal de São Paulo, uma celebração do quarto ano de luta da população de rua.

Estavam presentes moradores de rua em geral, membros de centros comunitários e de

direitos humanos (que são moradores de rua), membros da Pastoral do Povo da Rua,

secretários municipais, sindicalistas e vereadores. Nessa oportunidade, a vereadora

Aldaísa Sposati, do PT (Partido dos Trabalhadores), entregou ao presidente da Câmara

seu projeto de lei (no 207/94) de uma política de atenção à população de rua. Em seu

depoimento, a vereadora disse que quando era Secretária Municipal das Administrações

Regionais foi procurada por moradores de ruas e Irmãs católicas para reivindicar o direito

de recolher o papel das ruas porque viviam disso.5 Em 1997 foi aprovada lei municipal (no

12.316/97) que estabelece como dever do poder público municipal da cidade de São

Paulo, manter serviços e programas de atenção à população de rua garantindo “padrões

éticos de dignidade”.

Ao longo da década de 1990, os moradores de rua passam a ser mais tematizados

e viram alvo da preocupação de algumas instituições. Destacam-se alguns eventos: a

Campanha da Fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de

1995, teve como tema ‘os excluídos’; o curso de jornalismo de uma faculdade privada

começou a produzir um jornal sobre essas pessoas, para ser vendido por meninos de rua.

Outra iniciativa foi a realização do Mapa da Exclusão/Inclusão Social da Cidade de São

Paulo, em 1995, pelo Núcleo de Seguridade e Assistência Social da PUC/SP em conjunto

com outras entidades, que se refere até mesmo a homeless. Dois Seminários Nacionais

sobre População de Rua foram realizados, um em 1992 em São Paulo, e outro, em 1995,

em Belo Horizonte (MG). Vale lembrar O Trecheiro, jornal publicado pela Rede Rua de

Comunicação desde 1990, e a organização da primeira cooperativa dos catadores

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autônomos de papel, fundada em 1989. Outras duas iniciativas que se destacam na forma

de lidar com a população em situação de rua são a ONG Minha Rua Minha Casa6 e o

Projeto Boracéia, da gestão municipal de Marta Suplicy (PT), de 2001 a 2004, porque

envolvem os moradores de rua na organização.

Desse breve relato, nota-se que os distintos setores da sociedade e do Estado

defendem diferentes posições sobre quem pode, ou não, ficar nas ruas. As políticas e as

ações civis variam de medidas repressivas e excludentes às organizações que envolvem

os moradores de rua na gestão. Essa variação é decorrente das posições políticas dos

setores sociais envolvidos, seja de liberais, de conservadores, ou de socialistas

progressistas. Apresentam-se então os contornos da disputa pela tutela: a ciência, os

militantes, a assistência social e o Estado estabelecem o perfil do morador de rua e as

políticas de bem-estar social, que vão da segregação às formas que abrem a

possibilidade para a emancipação da condição de tutelados. Portanto, a questão é como

sair da tutela.

O perfil do morador de rua em São Paulo

Antes de apresentar dados sobre a população de rua na cidade de São Paulo,

vale ressaltar que as contagens dos moradores de rua são difíceis de serem feitas em

razão da possibilidade de não cobrir todo o universo e do risco de contar mais de uma vez

a mesma pessoa. Portanto, a contagem não se propõe apresentar números definitivos. O

primeiro censo de moradores de rua da cidade de São Paulo teve dois eixos básicos:

conhecimento da dimensão, das características, das formas de

sobrevivência e da trajetória da população de rua, entendida como a que

sobrevive da rua, utilizando-a circunstancialmente ou de forma permanente

como moradia; avaliação crítica de algumas formas de atendimento no

âmbito das ações públicas e privadas, entendendo-as como ação

intencional de instituições e grupos voltada especificamente para esta

população. (VIEIRA et al, 1994, p.14)

De acordo com o primeiro censo realizado pela Secretaria Municipal da Família e

do Bem-Estar Social em 1991, havia 3.392 moradores de rua na cidade. Do total de

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pessoas que passaram pelas instituições (para o perfil optaram por questionários em:

abrigo, casa de convivência e albergue), 90% são do sexo masculino e 10%, do feminino.

Destes, aproximadamente 65% têm menos de 40 anos. O levantamento constatou 329

pontos pela cidade onde as pessoas dormem, 70% dos quais localizam-se nos distritos da

Liberdade, Bela Vista e Sé. O levantamento apontou como segmento mais significativo os

homens, em grupos ou sozinhos. Destacou, também, a heterogeneidade da população,

composta por famílias, homens e mulheres sós, crianças e adolescentes. Dos moradores

de rua que foram contatados em albergues, 46% possuíam trabalho até um ano antes.

Quanto à origem da população que freqüenta abrigo, casa de convivência e albergue,

apenas 13, 14 e 10%, respectivamente, são da cidade de São Paulo, e os demais são do

interior do estado ou de outros estados da federação (VIEIRA et al., 1994, p.71).

Pelos dados apontados, nota-se a maior concentração de moradores de rua nas

regiões centrais da cidade. Uma das interpretações possíveis para isto é a proximidade a

locais para a garantia da sobrevivência, como a obtenção de alimentação gratuita (VIEIRA

et al., 1994, p.50). Nesses locais concentram-se pontos comerciais que ficam vazios à

noite.

O número de moradores de rua cresceu em 1994. A Secretaria Municipal da

Família e do Bem-Estar Social, na sua segunda contagem, chegou a um universo de

4.549 indivíduos. A grande maioria continuou sendo do sexo masculino.

Em 1996, o perfil da população de rua não se alterou, apenas os números totais.

Continua sendo o homem jovem, e, do total, quase 70% estão entre 18 e 44 anos. Da

totalidade, 59% são homens adultos, 15% mulheres adultas. Nesse terceiro censo

realizado pela Secretaria Municipal da Família do Bem-Estar Social, contabilizaram-se

5.334 pessoas morando nas ruas. O destaque fica com as regiões Sé e Lapa, com

aproximadamente 78% do total computado de moradores de rua da cidade.

Em 2000, estimavam-se 8.706 moradores de rua. Segundo estudo da Fipe/USP

(Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo) realizado

para a Secretaria Municipal da Família do Bem-Estar Social, 37,7% do total, ou seja,

3.018 moradores de rua, vivem da coleta de material reciclável. O perfil seguiu os

anteriores: cerca de 85% da população é do sexo masculino e com idade média de 40

anos (62% estão no intervalo entre 26 e 45 anos). Quanto à origem, 48,4% são da região

Sudeste, 42,1% da região Nordeste e 9,5% são das demais regiões. Os migrantes são a

grande maioria daqueles que pernoitam nas ruas, com 81%, e o estado com maior

incidência de origem é São Paulo, com 34,9%. A maioria, 56%, vive só. Entre as

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atividades exercidas, 48,6% são catadores, e os demais encaixam-se como guardador de

carros, vendedor, carregador, vigia e outras ocupações.

Em 2003, mais um censo foi realizado pela Fipe para a Secretaria Municipal de

Bem-Estar Social e apontou para 10.394 pessoas em situação de rua. Aumentou também

o atendimento a essa população pela Prefeitura em razão de maior oferta de vagas em

albergues. Sposati (2003) aponta para o fato de que nas metrópoles mundiais estima-se

que 1% da população vive em situação de rua.

Os números não revelam um ponto comum na caracterização do morador de rua:

ser ‘trecheiro’. Percorrer trechos da cidade é um dos meios de sobrevivência. Vão atrás

de abrigos, de lugares para o pernoite, de locais que oferecem comida ou, simplesmente,

fogem das ‘perturbações’ da polícia militar.

O Quadro 1 sintetiza os números totais expostos ao longo deste item. Com ele,

pode-se visualizar o crescimento do número de moradores de rua em São Paulo, que em

treze anos aumentou em mais de três vezes. Vale comparar com as taxas de desemprego

do mesmo período na região metropolitana de São Paulo. Não é possível afirmar que o

desemprego é um determinante da condição de morador de rua, porém, é um dos fatores

condicionantes. O Quadro 2, a seguir, mostra o aumento crescente da porcentagem de

desempregados, que no mesmo período subiu oito pontos percentuais. Outro indicativo

das condições sócio-econômicas da população sem teto, num sentido amplo, são os

dados sobre condições habitacionais. Segundo a pesquisa de condições de vida,

realizada pela fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados Estatísticos), em

relação às condições de habitação, o percentual de barracos isolados e favelas na Região

Metropolitana de São Paulo aumentou de 6,2%, em 1994, para 9,1%, em 1998; já a

proporção de cortiços manteve-se relativamente estabilizada no período, chegando a

5,0% em 1998.

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Para efeitos comparativos com os números de moradores de rua na cidade de São

Paulo, temos que no município do Rio de Janeiro uma pesquisa feita pela Uerj

(Universidade do Estado do Rio de Janeiro) revelou que no ano de 1999 havia 3.535 sem

teto, dos quais 45% tinham carteira de trabalho. Em Belo Horizonte (MG), havia 916

moradores de rua em 1996, quando foi realizado o primeiro censo dessa população, e,

em 2001, estimava-se a existência de 1.200 pessoas nessa condição (MARTINS, 2001).

Estima-se que há em todos os Estados Unidos da América cerca de 300 mil homeless e

que esse número pode chegar a 3 milhões, segundo Barak (1992, p.4). Em Nova York,

em 1998, dormiam por noite em abrigos mais de 7 mil pessoas, e estimava-se cerca de

25 mil sem teto pela cidade. Em 2004, havia mais de 36 mil pessoas dormindo em abrigos

por noite. Na Grã-Bretanha, estima-se em cerca de 500 mil os moradores de rua, segundo

Smith (1994, p.273-274).

Os números fazem parte do jogo de construção e de representação da realidade,

baseada em pesquisas empíricas que constituem o perfil da população alvo. Eles

embasam políticas e, assim como as análises e trabalhos acadêmicos, estão nas redes

dos moradores de rua. Também servem para comparar com as possibilidades das

alternativas e ampliar as conexões do potencial emancipador.

ALTERNATIVAS SOCIAIS E EMANCIPAR: MST, MTST E COOPERATIVAS

Posto que a situação da população de rua é de tutela e que há uma disputa por

(re)definir qual tutela, a ‘alternativa’ para essa população só pode ser pensada como

emancipação da condição de tutelado, como possibilidade de ela encontrar formas

autogeridas de meios de vida e de geração de renda. Vale enfatizar que uma parcela dos

moradores de rua quer sair desta condição e que não se atribui aqui o significado para

‘alternativa’ como possibilidade de eliminação total da situação de rua.

Das alternativas nesse sentido, há o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

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(MTST), as cooperativas autogeridas de catadores de materiais recicláveis e o MST.

Tendo em conta seus objetivos como organização, o MST representa também aqueles

que não têm um modo de vida camponês. Nesse sentido não haveria contradições para o

Movimento em lidar com pessoas que nunca viveram na terra, como por exemplo, o ex-

jornalista e estudante de Ciências Sociais que se mudou para o assentamento Nova

Canudos, no município de Iaras (SP). No entanto, seria e é um desafio. O MST pretende

abarcar também aqueles destituídos de qualquer ‘modo de vida’ e ser um caminho para

construir uma sociedade socialista. Há uma prática do MST de levar pessoas que vivem

em situação liminar de miséria nos grandes centros urbanos para acampamentos e

assentamentos de reforma agrária.

Antes de trabalhar as condições em que o MST pode ser uma alternativa solidária

para os moradores de rua, cabe apresentar outras duas que, até o momento, constam da

trajetória dos moradores de rua na cidade.

As cooperativas de catadores

Cooperativas de catadores de papel e outros materiais recicláveis: eis uma

alternativa solidária para os moradores de rua não só de São Paulo, mas de Porto Alegre,

Curitiba, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Na cidade de São Paulo há mais de vinte

cooperativas de catadores de papel. O mercado de lixo reciclável em São Paulo estava

estimado em R$ 300 milhões, em 2001. Além dos moradores de rua de São Paulo, o

Fórum Lixo e Cidadania – reunião de ONGs (Organizações Não-Governamentais) que

atuam no ramo – estimava que cerca de 17 mil pessoas sobreviviam ou complementavam

seu orçamento da coleta de material reciclável, no estado de São Paulo. Segundo

Conceição (2003, p.32), estima-se em 300 mil o número de pessoas vivendo de catadores

de lixo no Brasil, dois terços dos quais localizam-se no estado de São Paulo.7 Os dados

devem ter se alterado nos últimos anos.

As cooperativas de catadores lutaram anos pelo reconhecimento da profissão de

‘catador’ pelo INSS (Instituto Nacional de Seguro Social), para ter direitos, maior

dignidade e reconhecimento social. Esta foi a principal pauta do 1º Congresso Nacional

dos Catadores, em junho de 2001 em Brasília. É permitido ao membro de uma

cooperativa de catadores cadastrar-se como contribuinte individual autônomo junto ao

INSS.

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A formação de cooperativas de catadores de materiais recicláveis como alternativa

de economia solidária também está presente em países como a Colômbia e a Índia, por

exemplo. Rodríguez (2002) realizou uma pesquisa-ação junto a uma cooperativa de

recicladores de lixo de Bogotá, Colômbia, na perspectiva de que esse tipo de cooperativa

tem um potencial emancipador. Ele mostra que, no final dos anos 90, havia naquele país

cerca de 300 mil pessoas vivendo da coleta e recuperação de materiais recicláveis nas

cidades, o que correspondia a 1% da população nacional. Na mesma época, havia em

Bogotá 94 cooperativas de recicladores. Uma das deduções do autor é que as

cooperativas são relativamente independentes umas das outras e que elas deveriam se

integrar numa rede de ajuda mútua para fortalecimento político e econômico

(RODRÍGUEZ, 2002, p.358).

Além de entrar para o MST ou de formar cooperativas de catadores de material

reciclável, outra alternativa surgiu na segunda metade dos anos 90. Em agosto de 2001, o

MTST do Rio de Janeiro ganhou destaque na mídia ao promover a ida de seus membros

a um Shopping Center e a um supermercado: os “redutos da classe média foram

invadidos”, noticiou a imprensa. Segundo Iha (2001), o MST constituiu o MTST, por meio

de grupos internos do Movimento, como o “Consulta Popular”, que propôs a união das

lutas campo-cidade.

O MTST

O MTST nasceu em Campinas (SP) e seguiu para o Rio de Janeiro em 1997, onde

promoveu dois acampamentos no ano de 2000. Além de Campinas, o MTST também

começou a atuar em São Paulo, Sorocaba, Guarulhos, Osasco, Jandira, Itapevi e na

região do ABC, entre outras. De forma independente do trabalho da Fraternidade Povo de

Rua, mas com alguns militantes em comum, o MTST cadastrou mais de 2.200 pessoas

que vivem nas ruas de São Paulo e que querem ir para algum assentamento, em 2001.

Desse total, cerca de 500 acamparam, em 7 de setembro de 2001, num terreno à beira de

rodovia Presidente Dutra, no município de Arujá (SP), por alguns meses. Esse

acampamento foi organizado pelo MTST e pelo MST. Posteriormente, os acampados

conseguiram ser assentados num terreno em Franco da Rocha, o assentamento D.

Tomás Balduíno. Além desse acampamento, há outro em Guarulhos com cerca de 4 mil

pessoas, o Anita Garibaldi.

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A diferença entre MST e MTST é que este último é para moradia e não para

produção agrícola, ao passo que o primeiro tem o caráter de reforma agrária. O MTST

promove ocupações em área onde não prevalece o módulo rural; as pessoas conseguem

moradia e podem ter uma horta. Para o MST interessa assentar as famílias em lotes onde

possam produzir excedentes.

O MST

Psicólogos sociais, sociólogos, antropólogos e, principalmente, geógrafos

debruçam-se sobre assentamentos de reforma agrária, muitos deles surgidos por causa

da luta pela terra organizada pelo MST e outras entidades semelhantes. Há uma meia-

dúzia de trabalhos acadêmicos sobre uma fatia mínima desta luta – assentamentos com

ex-moradores de rua.

O trabalho do MST de promover ocupações de terra com pessoas que vivem nas ruas de

São Paulo começou em 1994, através da aproximação do trabalho da Fraternidade Povo

da Rua (cujos membros são, em parte, da Congregação do Verbo Divino) com o MST,

criando um centro de formação desse movimento no bairro do Brás.

A Fraternidade Povo da Rua começou a atuar com a população de rua no início

dos anos 90, fazendo um trabalho de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis e

de ajuda aos portadores do vírus HIV. A trajetória inicial da Fraternidade está

interpenetrada pela Rede Rua de Comunicação. Em 1990, foi oficializada a entidade

Centro de Documentação e Comunicação dos Marginalizados, que se chamaria mais

tarde de Rede Rua de Comunicação, que começou a fazer o jornal O Trecheiro e assumiu

uma casa de atendimento à população de rua. Nesse contexto, a Fraternidade Povo da

Rua virou uma entidade independente e, em 1994, organizou o primeiro grupo de

moradores de rua que participou da luta pela terra em Itapeva.

A primeira ocupação com moradores de rua ocorreu em 20 de dezembro de 1994

no município de Itapeva (270 km a sudoeste da capital). Um grupo de 15 moradores de

rua estava se reunindo havia seis meses na igreja ‘da Torre’ (Bom Jesus do Brás), e 13

deles juntaram-se a mais de duzentas famílias para ocuparem a fazenda Pirituba, com 17

mil hectares, em Itapeva. Dos 13 provenientes das ruas de São Paulo restaram, em 1995,

quatro pessoas, após um ano de acampamento. Em 1995, houve uma tentativa de levar

moradores de rua para Andradina. Em 2003 contabilizavam-se, entre acampamentos e

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assentamentos com ex-moradores de rua, dez unidades. Além do caso estudado

(JUSTO, 2005), há um no Pontal do Paranapanema, dois no município de Iaras,8 um em

Bauru, um em São José dos Campos, um em Jacareí, um em Barretos e um em Ribeirão

Preto.

Por fim, entre 1999 e 2000, o MST criou na cidade de São Paulo a regional

Grande São Paulo, em decorrência do trabalho do centro de formação no Brás levado

pelo ‘coletivo’ de militantes do MST e da Fraternidade Povo da Rua. Essa regional é a

responsável pelo assentamento D. Tomás Balduíno,9 em Franco da Rocha, e pelos

acampamentos Irmã Alberta, na divisa de São Paulo com Cajamar, Camilo Torres e D.

Pedro Casaldáliga, numa mesma fazenda em Pirapora do Bom Jesus.

A partir do final da década de 1990, as regionais do eixo metropolitano do MST

(Grande São Paulo, Campinas e Vale do Paraíba) começaram a implementar a proposta

de Comunas da Terra, que consiste em ocupações próximas aos grandes centros

urbanos visando abastecê-los. As famílias moram em pequenos lotes (de 2 a 5 ha)

formando núcleos familiares e produzem em áreas coletivas. As experiências até o

momento são: assentamento Nova Esperança, em São José dos Campos, de 1998, com

60 famílias em 447 ha; assentamento D. Tomás Balduíno, em Franco da Rocha, de 2001,

com 180 famílias em 850 ha; acampamento Terra Sem Males, em Cajamar, com 220

famílias, desde 2002; acampamento Irmã Alberta, na divisa de São Paulo com Cajamar,

com 300 famílias em 250 ha, desde 2002 (MATHEUS, 2003, p.42-50). Vale destacar que,

pelo menos, o assentamento D. Tomás Balduíno e o acampamento Irmã Alberta são

formados predominantemente por ex-moradores de rua. Porém, a orientação do trabalho

dessas regionais é voltada para a população ‘marginalizada’ em geral e não apenas para

moradores de rua.10

A pesquisa: o potencial alternativo

Com base em trabalho de pesquisa (JUSTO, 2005), é possível interpretar os

significados da entrada de ex-moradores de rua para a luta pela terra. Além de ter um

pedaço de terra para morar, plantar, garantir uma alimentação (mandioca, milho, feijão,

verduras, leite, frango, ovos etc., que são encontrados nos lotes), o assentamento

possibilitou aos ex-moradores de rua outras conquistas. São elas: participar de

associações de produção agropecuária; formar ou reencontrar família; poder estar atado a

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redes, distintas daquelas existentes nas ruas (vizinhos, MST, Estado, associação);

manifestar habilidades paralelas ao cultivo da terra e conhecimentos não escolarizados:

pedreiro, pintor, carpinteiro, comerciante etc.; iniciar a formação de associações de

produção e venda de produtos agropecuários.

Posto isso, é possível fazer algumas inferências sobre o MST como alternativa

para a população de rua. Como os moradores de rua entram para a luta pela terra

sozinhos ou apenas com a família nuclear, eles não têm laços de parentesco no

assentamento. O parentesco é um forte elemento na formação dos grupos no

assentamento. Pelo constatado, os grupos são formados pelos seguintes critérios, em

ordem de importância: parentesco, amizade/afinidade, vizinhança.

Para o MST ser uma alternativa para os moradores de rua, estes devem estar

fortalecidos, de modo que entrem para a luta – para a conquista de fração de território –

com poder de formar e acionar redes. Vale lembrar que o termo ‘alternativo’ tem o sentido

da economia solidária. Portanto, não basta tirar as pessoas das ruas, mas sim possibilitar

que elas trabalhem em grupos e em redes geridas sem hierarquia e sem o assalariamento

típico da relação capital–trabalho. Neste sentido, o papel não recai somente sobre o MST,

mas também nos ombros dos apoiadores e demais elos das redes dos assentados.

Possibilitar que os assentamentos, com ex-moradores de rua ou não, se constituam como

núcleos econômicos não-capitalistas é uma tarefa por realizar, e a chamada

territorialização da luta pela terra é condição necessária, mas não suficiente para tal.

Percorreu-se a trilha de como conhecer, controlar e propiciar alternativas aos

moradores de rua. Estes foram colocados como híbridos para mostrar não só um

conhecimento preocupado em classificar e controlar mas também trabalhos que procuram

as possibilidades de emancipação. No Brasil, até a década de 1970 era quase inexistente

a bibliografia sobre moradores de rua e, nos anos 90, houve uma multiplicação dessa

produção. Distinguir o ‘pobre trabalhador’ do ‘miserável incapacitado’ perpassa os

trabalhos de acadêmicos, jornalistas, militantes e políticos. Assim como há um movimento

no sentido de fazer essa distinção e colocar a responsabilidade pelo aumento da

quantidade de moradores de rua na estrutura social, há o andar contrário que busca

homogeneizar o poço dos ‘excluídos’. Pode-se dizer que as condições sócio-econômicas,

como o desemprego, propiciam um aumento de moradores de rua; porém, há múltiplos

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fatores envolvidos nesta questão. Há uma variedade de perfis de sem teto em que alguns

estão dispostos a alternativas, mas outros estão num caminho ‘sem volta’. Portanto, a

diferenciação de perfis serve para mostrar que cada um deve ter uma atenção distinta.

Estamos longe de compreender os dramas humanos, as angústias existenciais

que podem levar à ruptura com os padrões de civilidade para se viver como um farrapo.

Vamos procurar explicações na sociedade e, às vezes, na natureza. No entanto, o

morador de rua nos possibilita pensar as diferentes formas de sociedades e de ‘naturezas’

humanas.

Dados os números da cidade de São Paulo, tanto de pessoas vivendo nas ruas e

em albergues, quanto das possibilidades de alternativas, a ida para o campo ainda é uma

fresta: permite passar, mas é estreita. Além de ser uma fresta, a ida, ou volta, para a terra

ainda não se consolidou como economia solidária no caso do assentamento estudado.

Como destacado por Maria de Fátima Martins (2001) e por Barros (2004), os moradores

de rua dependem das redes sociais. Assim, as redes dos ex-moradores de rua são

fundamentais para os fluxos de comunicação e de recursos entre eles e a sociedade

como um todo.

NOTAS 1 Para uma análise das representações sobre morador de rua, ver Justo (1997). 2 Referência ao trabalho do sociólogo Francisco de Oliveira. 3 A autora parte da conhecida definição de ‘rede’ que Raffestin (1993) empresta de

Serres. Porém, ela acrescenta a perspectiva habermasiana da teoria da ação

comunicativa. 4 Para uma análise das políticas sociais em relação à população de rua a partir da década

de 1990, que problematiza a noção de política envolvida, ver Barros (2004). 5 Gabinete da vereadora A. Sposati – Câmara Municipal de São Paulo. “10 de maio de

1994. 4º Ano de Luta da População de Rua”. Impresso no serviço gráfico da CMSP, p.12. 6 Ver www.minhacasaminharua.com.br. 7 O trabalho de Conceição (2003) chama a atenção para o fato de algumas cooperativas

de catadores de material reciclável recriarem a relação patrão-empregado,

descaracterizando-as como economia solidária. O autor chama a atenção para a

necessidade de mudança na forma de consumo e de geração de resíduos como fatos que

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avançam o debate sobre ambientalismo, ao invés de restringir a discussão à reciclagem. 8 Para exemplificar, o assentamento Nova Canudos, no município de Iaras, era um

acampamento, em 1999, com cerca de 1.200 famílias e, em 2001, restaram pouco mais

de 250 famílias e a área está desapropriada. Sobre o assentamento Nova Canudos, ver:

Iha (2001); Folha de S. Paulo, Sem-terra urbanos completam um ano. São Paulo, 6 fev.

2000, p.A-15, e Jornal do Campus, A Resistência do MST. São Paulo, 10 out. 2000, p.4-5. 9 Sobre a presença de ex-moradores de rua no assentamento D. Tomás, ver Barros

(2004). Há uma dissertação em Geografia recente sobre esse assentamento. 10 Entre julho de 1998 e junho de 1999, o MST Grande São Paulo organizou três

congressos Da Rua para a Terra, com a participação de moradores de rua e de

assentados que vieram das ruas.

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Journal of Studies on Alcohol, v.35, n.4, p.1307-1315, 1974.

Artigo recebido em 05.02.08. Aprovado em 04.03.08.

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AGRICULTURA E MEIO AMBIENTE EM RIO VERDE (GO) 1

Clarissa de Araújo Barreto1; Helena Ribeiro2

1 Bióloga, Mestre em Ciência Ambiental Procam/USP

[email protected] 2 Geógrafa, Professora Titular da Faculdade de Saúde Pública da USP, Orientadora do Procam/USP

[email protected]

RESUMO A modernização da agropecuária brasileira possibilitou aumento da produção através da

expansão das monoculturas, como a soja. Alta demanda e bons preços no mercado

internacional incentivaram o cultivo dessa oleaginosa, principalmente no Cerrado. Em que

pese seus benefícios econômicos, a sojicultura realizada nestes moldes, com grandes

aportes mecânicos e químicos e concentração fundiária, causa impactos ambientais e

sociais. Desmatamento, poluição de cursos d’água, erosão, compactação de solos,

intoxicação e concentração de terra são alguns desses problemas. Esta pesquisa

objetivou verificar desmatamento, contaminação de cursos d’água por agrotóxico e

intoxicação no município maior produtor de soja de Goiás, Rio Verde. Foram utilizados

mapas de uso do solo de Rio Verde, dos anos 1975, 1989 e 2005, autos de infração

emitidos por órgãos de fiscalização ambiental, resultados de análises de resíduos de

agrotóxicos na água destinada ao abastecimento público e casos de intoxicação por

agrotóxico. A presença e gravidade do desmatamento, que ocorreu entre 1975 e 2005,

puderam ser detectadas pelos dados analisados. Já os dados sobre intoxicação, por

possivelmente serem subnotificados, revelaram um problema de saúde pública. Concluiu-

se a necessidade de ações pelo poder público de fiscalização ambiental em Rio Verde, de

medidas que melhorem a notificação de casos de intoxicação, e da promoção de

incentivos àqueles agricultores que respeitam as leis ambientais.

Palavras-chave: soja; meio ambiente; problema ambiental; Cerrado; Rio Verde (Goiás).

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MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA BRASILEIRA

Ocorrido nos países da Europa Ocidental e nos Estados Unidos da América, no

início do século XX, o processo de modernização da agricultura aconteceu no Brasil entre

1965 e 1980. Tal processo se caracterizou pela integração técnica da indústria com a

agricultura, e ocasionou uma série de mudanças na base técnica da produção

agropecuária, pois exigiam o incremento da produtividade da terra e do trabalho para sua

sustentação. A modernização da agricultura não foi resultado de uma política voltada para

o desenvolvimento agrícola em si mesmo, mas sim uma conformação da agricultura às

necessidades de acumulação de capital comandada pelo setor urbano- industrial (MEYER

& BRAGA, 2000).

Durante esse processo houve mudanças em dois sentidos. Primeiramente, houve

significativa alteração no padrão técnico do setor rural, através de aumento nos

indicadores técnicos de modernização agropecuária, tais como insumos industriais

(sementes melhoradas, fertilizantes, defensivos, corretivos do solo etc.) e máquinas

industriais (tratores, colheitadeiras, implementos, e outros). E, em segundo lugar, houve a

integração entre a produção primária de alimentos e matérias-primas e ramos industriais.

Nessa integração entre a agricultura e a indústria houve a subordinação da primeira em

relação à segunda, ocasionando a “industrialização da agricultura”. Em uma síntese

retrospectiva Silva (1981, p.62) observa que:

Antes as fazendas produziam quase tudo o que era necessário à atividade

produtiva: os adubos, os animais e até mesmo alguns instrumentos de

trabalho, bem como a própria alimentação dos seus trabalhadores. Agora

[a partir da modernização] não: os adubos são produzidos pela indústria de

adubos, parte dos animais de trabalho foram substituídos pelas máquinas

produzidas pela indústria de máquinas e equipamentos agrícolas, e os

alimentos dos trabalhadores são comprados nas cidades. Isso significa que

a própria agricultura se especializou, cedendo atividades para novos ramos

não-agrícolas que foram sendo criados. Em outras palavras, a própria

agricultura se industrializou, seja como compradora de produtos industriais

(principalmente insumos e meios de produção), seja como produtora de

matérias-primas para as atividades industriais.

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Portanto, paralelamente à industrialização da produção rural, houve a

industrialização do produto agrícola final, a qual Goodman et al. (1990) nomearam de

substitucionismo. De acordo com eles, nesse processo, “a atividade industrial não apenas

representa uma proporção crescente do valor agregado, mas o produto agrícola, depois

de ser primeiramente reduzido a um insumo industrial, sofre cada vez mais a substituição

por componentes não-agrícolas” (GOODMAN et al., 1990, p.2). Esse processo de

industrialização tanto ocorre a partir de matérias-primas alimentícias, como a partir de

matérias-primas não-alimentícias, no exemplo da indústria têxtil.

IMPACTOS AMBIENTAIS DA MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA BRASILEIRA

O processo de modernização da agricultura foi responsável pelo agravamento dos

impactos ambientais e dos problemas sociais. Spadotto e Gomes (2004) classificam

esses impactos como intrínsecos, caso os efeitos da atividade agrícola recaiam sobre ela

mesma, ou extrínsecos, caso seus efeitos se expandam além de seus limites, em escala

local, regional e/ou global. Adotando essa classificação, pode-se dizer que os impactos

relatados a seguir, devido ao emprego de técnicas mecanizadas e ao uso de agrotóxicos,

são extrínsecos, pois eles se estendem para lugares além daquele onde é praticada a

atividade agrícola.

O emprego de técnicas mecanizadas (aração e gradeação) propícias aos solos

congelados, na medida em que os tornam agricultáveis, foi responsável pelo agravamento

dos processos erosivos que já se processavam nas lavouras brasileiras. O intenso

revolvimento expõe o solo a altas temperaturas que destroem a vida microbiana e a

matéria orgânica nele presentes, além de facilitar a ação de elementos erosivos, como as

chuvas – freqüentes nos países tropicais. Portanto, a adoção de um pacote tecnológico

importado, apropriado para o clima temperado dos países norte-americanos e europeus,

em um país tropical como o Brasil, constituiu um erro. A respeito dessa adoção Graziano

Neto (1986, p.91) considera:

absurdo pensar que as práticas agrícolas podem ser

universalizadas, como se houvesse homogeneidade entre os ecossistemas

terrestres. As diferenças de solos, radiação solar, regime de chuvas,

temperatura, na diversidade de espécies e outras, levam a que certas

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técnicas, como a adubação química, o controle químico de pragas, o

manejo do solo, por exemplo, apresentem resultados duvidosos e

insatisfatórios nas condições de nossa agricultura tropical.

Em alguns casos, o processo erosivo gerado pelas técnicas mecanizadas ocorre

de forma imperceptível, sendo detectado através da cor das águas dos rios (maior

turbidez), dos vestígios em torno das plantas e do assoreamento das partes baixas do

terreno. A ocorrência desse tipo de erosão foi citada por Romeiro e Abrantes (1981) nos

estados do Paraná e Rio Grande do Sul, grandes produtores de grãos.

Além do aspecto negativo da mecanização, a utilização de agrotóxicos (fungicidas,

inseticidas, herbicidas e outros) também constitui grave impacto ao meio ambiente. O

surgimento do inseticida organoclorado diclorodifeniltricloroetano (DDT), na década de

1940, e o posterior desenvolvimento da indústria de agrotóxicos, resultante das inovações

tecnológicas do pós-guerra, levaram a mudanças no controle fitossanitário. Dessa forma,

Spadotto e Gomes (2004, p.112) afirmam que os agrotóxicos por um lado, cumprem o

papel de proteger as culturas agrícolas das pragas, doenças e plantas invasoras, mas,

por outro, podem ser prejudiciais à saúde humana (por exemplo, com a intoxicação de

trabalhadores rurais) e ao ambiente. O uso freqüente de agrotóxicos oferece ainda riscos

como a contaminação dos solos agrícolas, das águas superficiais e subterrâneas e dos

alimentos. Muito se alertou sobre esses riscos. Um dos primeiros e mais difundidos

alertas ocorreu com a publicação do livro Primavera silenciosa da bióloga Rachel Carson,

que trata dos problemas causados pelo uso excessivo de agrotóxicos sintéticos

(CARSON, 1962).

No Brasil, em 1976, o livro de José Lutzenberger, Manifesto ecológico brasileiro:

fim do futuro? critica as atividades agropecuárias tidas como modernas, afirmando que

essas não constituem a única forma para se alimentar crescente população, e

defendendo uma agricultura mais biológica (LUTZENBERGER, 1976).

Pragas, praguicidas e a crise ambiental: problemas e soluções, de 1979, do

pesquisador Adilson Paschoal, também criticou a agricultura moderna ao tratar dos usos e

impactos dos agrotóxicos no país. Em relação ao cultivo de soja, ele afirmou que “a febre

da soja tem sido responsável por aplicações maciças de biocidas, que ameaçam a

existência de

muitas espécies de vertebrados da nossa fauna” (PASCHOAL, 1979, p.3). E relata

dois acontecimentos envolvendo o uso de agrotóxicos no cultivo de soja: a morte de

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centenas de bois no norte e no oeste do Paraná, em julho de 1976; e a morte por

intoxicação com inseticidas de cinco agricultores e o envenenamento de outros que

trabalhavam em campos de soja, em fevereiro de 1977, no Rio Grande do Sul.

Ademais, agrotóxicos e fertilizantes químicos repercutem negativamente sobre o

desempenho da produtividade agrícola, na medida em que geram um círculo de

degradação. O círculo inicia-se com a esterilização provocada pelos defensivos –

eliminação de flora e fauna de microrganismos e vermes fundamentais à manutenção da

fertilidade natural do solo – que juntamente com os processos erosivos levam à maior

demanda de aplicação de fertilizantes químicos que normalmente são compostos por

apenas três macronutrientes básicos: nitrogênio, fósforo e potássio. A deficiência em

micronutrientes, ocasionada pela perda de atividade biológica no solo, gera uma perda de

qualidade alimentícia das plantas que as tornam suscetíveis às pragas. Tal suscetibilidade

demanda doses cada vez maiores e/ou diversificadas de defensivos, fechando assim o

ciclo (ROMEIRO & ABRANTES, 1981).

De acordo com esses autores, o consumo de fertilizantes no Brasil, entre 1960 e

1977, cresceu 513%, porém a produtividade das sete culturas tidas como as mais

modernas e responsáveis por 75% do consumo de fertilizantes no período (algodão,

arroz, cana-de-açúcar, café, milho, soja e trigo) não acompanhou tal incremento. Isso se

deu no Brasil como um todo, quanto nos estados maiores consumidores de fertilizantes

no período (São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul). Em relação à soja, verificou-se que

o crescimento de sua produtividade foi o 3º maior no país, alcançando em 1977 um nível

médio 29,16% maior do que em 1960. Nos três estados consumidores de mais de 70% do

total de fertilizantes consumidos no país, a sua produtividade atingiu, em 1977, um nível

54,36% superior ao de 1960, ficando apenas atrás da cultura do trigo. Entretanto, esses

números são incipientes diante do consumo crescente de fertilizantes, o principal fator

responsável pelo incremento de produtividade em solos de baixa produtividade.

Diante desse quadro, fica claro que o modelo de modernização conservadora

adotado no Brasil, baseado no uso intensivo de tecnologias químicas, mecânicas e

biológicas e na priorização dos grandes estabelecimentos geradores de forte

concentração fundiária, não condiz com uma agricultura sustentável e uma estrutura

agrária justa.

Este estudo, desenvolvido no município de Rio Verde, em Goiás, um dos principais

produtores de soja no país, é um exemplo deste processo e de seus impactos ambientais.

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RIO VERDE E A SOJICULTURA

O aparecimento da soja em Rio Verde no final da década de 1960 é atribuído ao

pioneirismo de alguns produtores e ao trabalho de técnicos da extinta Associação de

Crédito e da Assistência Rural de Goiás (Acar-GO). O grande impulso para o crescimento

desse e de outros cultivos ligados à exportação e à agroindústria no município e em toda

a microrregião Sudoeste de Goiás se deu com a implantação do Programa de

Desenvolvimento dos Cerrados

(Polocentro), o principal programa governamental de ação regional do II Plano

Nacional de Desenvolvimento. O programa se desenvolveu entre 1975 e 1979 e

objetivava promover a abertura de áreas do Cerrado para estabelecer atividades

agropecuárias

Além dos incentivos do Polocentro, outras políticas contribuíram para incremento

da produção agrícola e instalação de agroindústrias no município: crédito rural subsidiado

do Sistema Nacional de Crédito Rural para promover a modernização da agricultura

brasileira via adoção do padrão tecnológico estabelecido pela Revolução Verde, redução

do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) dentro do

Fundo de Participação e Fomento à Industrialização do Estado de Goiás (Fomentar), o

programa estadual Produzir, e o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste

(FCO), política federal de isenção fiscal. Ao lado dessas políticas e programas, a boa

disponibilidade de grãos (principalmente soja e milho) e a infra-estrutura rodoviária

auxiliaram na escolha das agroindústrias, já que o município localiza-se em um

entroncamento rodoviário constituído pelas rodovias BR 060 (liga Goiânia a Cuiabá), BR

452 (liga Rio Verde à BR 153), GO 174 (liga Rio Verde ao Mato Grosso Goiano) e a BR

364 (tem São Paulo como destino) (LUNAS & ORTEGA, 2003; PEREIRA & ALMEIDA

FILHO, 2003).

O cultivo de soja em Rio Verde pode ser observado na Tabela 1. Percebe-se que

os aumentos de produção ocorreram apoiados em seguidos incrementos de área colhida.

Além da soja, oito culturas temporárias são cultivadas em Rio Verde (Tabela 2). O milho e

o feijão são cultivados em mais de um período, portanto, suas produções resultam de

duas safras, no caso do milho e três no caso do feijão. Nenhuma cultura é irrigada, exceto

o trigo, que é cultivado com e sem irrigação.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Desmatamento O desmatamento foi verificado no município através de duas formas. Primeiro, através de

mapas de uso do solo de Rio Verde de 1975, 1989 e 2005, que possibilitaram a

quantificação de cada uso do solo do município, e posteriormente através de infrações por

desmatamento ilegal2 que foram levantadas junto aos órgãos ambientais responsáveis

pela fiscalização no município.

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Em 1975, havia uma grande área desmatada sem utilização pela agropecuária,

ocupando 35% da área total do município, denominada Cerrado aberto. As áreas de

Cerrado classificadas como Cerrado denso / Mata de galeria perfaziam o segundo maior

uso do solo do município, contabilizando 29% da área total. A Mata ciliar se destacava em

terceiro lugar, ocupando 14% da área. Enquanto as atividades agropecuárias tomavam

conta de 12% da área do município, e a área urbana, isto é, a sede do município, ocupava

cerca de 0,04%.

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Entre 1975 e 1989, grandes alterações se processaram nos usos do solo de Rio

Verde. A área ocupada pela categoria Cerrado aberto apresentou um recuo de cerca de

95%, apresentando um déficit de 2.800,64 km2 em relação a 1975. As categorias Cerrado

denso / Mata de galeria e Mata ciliar também sofreram reduções nas suas áreas: 45,2 e

24,5% respectivamente. Isso equivale a 1.119,3 e 290,8 km2 a menos em relação a 1975

nas duas categorias respectivamente. Por outro lado, as categorias Pastagem e

Agricultura sofreram os maiores acréscimos de área durante esses 14 anos: 345,47 e

871,84%, respectivamente. O que equivale a dizer que 2.921,5 e 1.534,6 km2 a mais

foram incorporados a essas categorias, respectivamente. Além disso, em 1989, Pastagem

e Agricultura predominavam, correspondendo respectivamente a 45 e 20% da área do

município.

Tudo indica que os incrementos de área na agropecuária, durante esses 14 anos,

ocorreram sobre as reduções de áreas que já estavam desmatadas e também sobre

aquelas onde havia vegetação. Isto é, houve desmatamento no município para que a

pecuária e a agricultura crescessem. Ademais, a área urbana apresentou o terceiro maior

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incremento entre as categorias, em 1989 estava 194% maior do que em 1975, e o mapa

de 1989 mostra dois novos usos do solo: Reflorestamento e Pivô. Provavelmente, as

áreas de reflorestamento se destinam ao fornecimento de madeira às indústrias, enquanto

a presença de pivôs revela a ocorrência de agricultura irrigada.

Entre 1989 e 2005, a área desmatada, isto é, o Cerrado aberto, continuou em

declínio perdendo no período 85,52 km2, assim como o Cerrado denso / Mata de galeria

que teve 105,9 km2 subtraídos nesse período. Entretanto, a maior redução de área

ocorreu na Mata ciliar, que perdeu 598,09 km2 durante esses 16 anos. Em termos de

acréscimo de área, as atividades agropecuárias tiveram expansão bem menor do que a

registrada entre 1975 e 1989. Agricultura incorporou apenas 19% a mais de área, isto é,

330 km2, enquanto as áreas de Pastagem sofreram um decréscimo de 2,9%, perdendo

108 km2. Por outro lado, as categorias Área urbana, Pivô e Reflorestamento obtiveram os

maiores acréscimos de área: 157, 132 e 86% respectivamente. Apesar do baixo

crescimento em área da Agricultura e da redução de área da Pastagem, essas duas

categorias predominaram em 2005, constituindo 24 e 44% da área do município,

respectivamente.

Ao examinar os usos do solo de Rio Verde, durante esses 30 anos, isto é, de 1975

a 2005, algumas conclusões podem ser tiradas:

1) Houve drástica redução das categorias de vegetação. Cerrado denso / Mata

de galeria perdeu quase 50% de área, o equivalente a 1.225 km2, enquanto

Mata ciliar foi reduzida em quase 75%, isto é, perdeu 889 km2;

2) As áreas desmatadas, Cerrado aberto, foram incorporadas paulatinamente à

agropecuária. Em 2005 essas áreas estavam reduzidas em 98% da área que

ocupavam em 1975, isso equivale a dizer que 2.886 km2 dessas áreas

deixaram de existir;

3) As áreas de Agricultura, em relação às áreas de Pastagem, sofreram

maiores acréscimos: 1.059,35% ante os 332,62% da Pastagem. No entanto,

as áreas de Pastagem lideraram no ranking dos usos do solo em Rio Verde,

em 2005, ocupando quase 44% da área do município. Agricultura seguiu

logo atrás, ocupando cerca de 24%. Portanto, houve, no período observado,

grande incremento das atividades agropecuárias no município;

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4) Concomitantemente ao crescimento extensivo da agropecuária, houve

ampliação de 655% da Área urbana: de 3,22 km2 ela passou a ocupar 24,31

km2 em 2005.

Em relação às infrações por desmatamento ilegal, limitou-se a busca a anos mais

recentes em relação à época na qual essa pesquisa foi realizada, 2004 e 2005, devido à

maior dificuldade na obtenção de dados mais antigos. Três órgãos ambientais são

responsáveis pela fiscalização e autuação ambientais em Rio Verde: o Ibama, a Agência

Ambiental de Goiás e o Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA). Dentre eles,

apenas na Agência Ambiental não foi possível o levantamento dos autos de infração, por

eles se encontrarem dispersos e de difícil localização. Nos outros órgãos, o acesso a

essas informações foi rápido, já que elas se encontravam organizadas em arquivos

informatizados.

A Tabela 5 mostra todas as infrações autuadas pelo Ibama e pelo BPMA nos anos

2004 e 2005. Durante esses anos, os dois órgãos expediram praticamente o mesmo

número de autos de infração: o Ibama expediu 26, e o BPMA, 23. Entre as 49 infrações, a

maioria, 28, se refere a atividades que implicam na retirada de vegetação (em negrito). E

dessas 28 infrações, 10 ocorreram em Área de Preservação Permanente (APP).

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Esses dados mostram que a pouca vegetação nativa que ainda resta em Rio

Verde, como foi mostrado pelo mapa de uso do solo de 2005, está sendo retirada

ilegalmente, comprovando que o desmatamento é realmente um dos principais problemas

ambientais do município. Esse desmatamento está sendo ocasionado pela expansão das

áreas de agricultura e pecuária, como verificado nos mapas de uso do solo do município.

É importante observar que o Ibama possui escritório regional em Rio Verde que

conta com apenas cinco fiscais que, além desse município, ‘fiscalizam’ mais outros 29, e

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que o BPMA possui apenas dois policiais militares no município encarregados de

auxiliarem os fiscais do Ibama. Gomes (2005) afirma que o baixo número de fiscais e

policiais e os parcos recursos financeiros disponibilizados ao escritório regional do Ibama

não permitem que haja uma fiscalização ambiental eficiente no município (informação

verbal).8 Por isso, pode-se concluir que se houvesse mais fiscais e recursos financeiros,

também haveria mais autuações, o que auxiliaria no combate ao desmatamento ilegal em

Rio Verde.

Poluição das águas

A poluição da águas seria causada pelos produtos químicos utilizados no cultivo

de soja: fertilizantes e agrotóxicos. A detecção de resíduos desses produtos em águas

superficiais e subterrâneas é realizada pela empresa estadual de saneamento, a

Saneamento de Goiás S.A. (Saneago), que por dispositivo legal é obrigada a analisar

alguns parâmetros (coliformes totais, substâncias químicas inorgânicas e orgânicas,

agrotóxicos etc.) na água utilizada para abastecimento público. As análises foram

realizadas em água bruta, não tratada. Os resultados das análises realizadas em 2004 e

2005 indicam que a água para abastecimento em Rio Verde esteve dentro dos valores

máximos permitidos em 90,9% dos casos. Por isso, pode-se afirmar que, pelo menos no

período investigado, não houve poluição por resíduos de agrotóxicos na água que

abastece o município.

Como a investigação sobre a poluição das águas ocasionada pela sojicultura foi

bastante restrita, não podemos inferir que as águas superficiais e subterrâneas de Rio

Verde não estavam poluídas por produtos utilizados no seu cultivo. Investigações mais

abrangentes deveriam ser levadas a cabo.

Intoxicação Considerada freqüente, entre os trabalhadores que manuseiam e aplicam

agrotóxicos, em países em desenvolvimento, a intoxicação constitui sério problema de

saúde pública (RUEGG et al., 1987).

No estado de Goiás há um Centro de Informações Toxicológicas (CIT-GO)

localizado na capital Goiânia que, além de prestar informações ao público, relacionadas

aos diversos tipos de intoxicação, recebe as notificações de casos de intoxicação,

inclusive por agrotóxicos de uso agrícola, provenientes de hospitais públicos do estado e

os repassa ao Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox).

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As Tabelas 7 e 8 apresentam casos de intoxicação por agrotóxico de uso agrícola

notificados nos hospitais públicos de Rio Verde e repassados ao CIT-GO, em 2004 e

2005, respectivamente. Todos os casos ocorreram em Rio Verde, exceto um dos casos

de 2004. Casos ocorridos em Rio Verde podem ter sido notificados em municípios

próximos, não investigados.

Dentre os 41 casos notificados em Rio Verde, nos anos 2004 e 2005, 17 foram

causados pelo Furadan, um inseticida e nematicida medianamente tóxico. Esse

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agrotóxico é utilizado em culturas que não predominam no município, tais como: algodão,

amendoim, arroz irrigado, banana, batata, café, cana-de-açúcar, cenoura, fumo, repolho,

tomate e trigo.13 Essa informação, aliada ao fato de que 13 dos 17 casos ocorreram na

zona urbana, permite inferir que o Furadan foi utilizado em cultivos domésticos, e não em

lavouras comerciais.

O segundo agrotóxico que mais causou intoxicações foi o Roundup, 5 casos. Ele é

um herbicida pouco tóxico utilizado em diversos cultivos. Provavelmente, é bastante

utilizado em Rio Verde devido à presença dos cultivos de soja e milho no município e

também devido à necessária utilização de herbicidas no sistema de Plantio Direto. No

entanto, além de terem sido notificados poucos casos, a maioria (3) ocorreu na zona

urbana, e 2 foram tentativas de suicídio.

O formicida foi responsável por 4 casos de intoxicação no período analisado.

Todos os casos ocorreram na zona urbana e 3 deles foram tentativas de suicídio. O

Diazinon, acaricida e inseticida, é utilizado em citros e maçã e foi responsável por 3

tentativas de suicídio que ocorreram na zona urbana. Em relação aos 5 casos nos quais

não houve a identificação do agrotóxico, 4 ocorreram na zona urbana e 2 foram tentativas

de suicídio. Os 7 casos restantes foram causados por 7 agrotóxicos diferentes, sendo que

4 deles ocorreram na zona urbana, 3 foram acidentes de trabalho, 2, tentativas de

suicídio, 1, acidental e o outro ocupacional.

Em relação ao uso de EPI, excetuando-se os casos de tentativa de suicídio (13),

alimentos contaminados (2) e os acidentais (7), os quais não implicam no uso de

equipamento de proteção, em 8 dos 15 casos de acidente de trabalho não se soube

informar a respeito da sua utilização, e em 6 deles o intoxicado não o estava utilizando. A

utilização de EPI nessa circunstância ocorreu em apenas 1 caso. Também não se

informou sobre a utilização de EPI nos 2 casos ocupacionais, ambos ocorridos no meio

rural. Entre os 41 casos de intoxicação, todos evoluíram para a cura, exceto 3 que

evoluíram para óbito e 2 em andamento.

Diante desses casos de intoxicação, chamam atenção: alto número de notificações

de casos na zona urbana, 31, em relação aos ocorridos na zona rural, 10; e a

predominância de casos originados por acidente de trabalho, 15, e por tentativa de

suicídio, 13. Maior número de notificações na zona urbana, possivelmente, se deve ao

fato dos hospitais públicos aí se encontrarem. Infelizmente, não se pôde avaliar

precisamente a utilização de EPI, já que na maioria dos casos nos quais seu uso era

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necessário não se informou sobre sua utilização. Mas, provavelmente, o EPI não estava

sendo utilizado no momento da intoxicação, já que previne possíveis intoxicações.

De acordo com Dávila (2006), muito provavelmente haveria subnotificação. Isso

ocorreria porque no município não havia um especialista em toxicologia, o que, de acordo

com ela, resultaria em um maior número de notificações (informação verbal).14 Para efeito

de comparação, ela citou o município vizinho a Rio Verde, Jataí, que também possuía

grandes áreas destinadas à agropecuária, no qual havia um toxicologista e que sempre

apresentava número bem maior de notificações que Rio Verde.

Em 2004 e 2005 foram notificados nos hospitais públicos de Jataí 83 casos de

intoxicação por agrotóxico de uso agrícola, o dobro do número de notificações de

intoxicações por agrotóxico de uso agrícola realizadas em Rio Verde no mesmo período.

Se levarmos em conta que Rio Verde possui uma população total e rural maior que a de

Jataí (116.552 e 10.473 contra 75.451 e 6.630) pode-se supor que, talvez, o número de

casos de intoxicação por agrotóxico em Rio Verde fosse superior ao de Jataí, ou no

mínimo igual, mas dificilmente inferior. Exceto se houvesse a ampla utilização de EPIs

pelos trabalhadores rurais de Rio Verde.

O indício de subnotificação apontou um problema de saúde pública. Dois

agravantes contribuem para a subnotificação: a baixa procura por médicos por parte das

vítimas de intoxicação; e o fato de os médicos raramente diagnosticarem a intoxicação

por agrotóxico em pacientes enfermos. Ruegg e colaboradores (1987) afirmam que a falta

de equipamentos adequados dificulta a confirmação do diagnóstico e, como podemos

observar nessa pesquisa, a falta de especialistas também.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os mapas de uso do solo de Rio Verde revelaram a contínua retirada de

vegetação, entre 1975 e 2005, acompanhada do crescimento das áreas de pastagem e

agricultura. Em 2005, havia vegetação de Cerrado em apenas 18,5% da área do

município, um número muito reduzido mesmo se as reservas legais de todas as

propriedades se localizassem fora do município. As infrações autuadas por dois órgãos de

fiscalização ambiental constataram que os desmatamentos, nesses casos ilegais, eram

prática corriqueira nos anos investigados.

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Portanto, concluiu-se que desmatamento era um problema ambiental em Rio

Verde. Entretanto, não se pôde estabelecer uma correlação positiva entre desmatamento

e implantação de lavouras de soja. Tal fato pode ter ocorrido, assim como a implantação

de pastagens pode ter ocupado áreas de vegetação nativa, e as lavouras de soja

substituído áreas de pastagem.

O que pôde ser concluído a respeito desse problema ambiental foi o

descumprimento do Código Florestal em relação às áreas de reserva legal e de mata

ciliar, cuja presença é obrigatória. Ao lado do descumprimento, há uma fiscalização

ineficiente, devido à falta de recursos humanos. Como resultado, houve contínua retirada

de vegetação e, portanto, houve perda de biodiversidade no município.

Apesar de a Saneago não ter detectado resíduos de agrotóxicos em quantidades

maiores que o permitido na água destinada ao abastecimento público, estudos a esse

respeito deveriam ser realizados nas águas superficiais e subterrâneas, assim como

também nos solos de Rio Verde. A grande quantidade de agrotóxicos demandada pelas

extensas áreas sob lavouras de soja impõe riscos de contaminação aos solos e aos

corpos hídricos do município.

Em relação à intoxicação de seres humanos, verificou-se que são urgentes

medidas pelo poder público que proporcionem melhor registro dos casos de intoxicação

por agrotóxicos de uso agrícola. Houve indícios de subnotificação dos casos aliada à

ausência de recursos humanos qualificados na rede pública de saúde do município.

NOTAS 1 Trabalho decorrente de dissertação de Mestrado defendida no Procam/USP, em 2007. 2 Em Rio Verde, o desmatamento é legal quando realizado com autorização concedida

pela Agência Ambiental de Goiás ou pela Prefeitura Municipal de Rio Verde. 3 Mata de galeria é a vegetação florestal que acompanha os rios de pequeno porte e

córregos dos planaltos do Brasil Central, formando corredores fechados (galerias) sobre

os cursos de água cujo estrato arbóreo varia entre 20 e 30 metros (RIBEIRO & WALTER,

1998). 4 Mata ciliar é a vegetação florestal que acompanha os rios de médio e grande porte da

região do Cerrado, em que a vegetação arbórea não forma galerias e cuja altura varia

predominantemente de 20 a 25 metros (RIBEIRO & WALTER, 1998).

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5 Pivô é um equipamento utilizado em sistemas de irrigação. 6 Solo exposto indica áreas que são comumente utilizadas pela agropecuária, mas que no

momento em que foram registradas pelo satélite não estavam sendo utilizadas. A esse

respeito é interessante comparar o período de colheita da soja, as datas nas quais os

satélites geraram as imagens que resultaram nos mapas de uso do solo de Rio Verde, e a

área correspondente a Solo exposto. A colheita de soja no município geralmente inicia-se

em abril, podendo se estender até maio e junho, dependendo da época do plantio. As

datas nas quais os satélites geraram as imagens que foram utilizadas na confecção dos

mapas foram: 31 maio 75, 15 maio 89 e 6 ago. 05. Na medida que as datas dos registros

em relação aos meses se afastavam, a área ocupada por Solo exposto aumentava, o que

ocorreu, provavelmente, devido ao decréscimo de área com plantação de soja. 7 “st.” corresponde à abreviação de estéreo ou estere, uma medida de volume para lenha,

equivalente a um metro cúbico. 8 Informação fornecida por Gomes no escritório regional do Ibama em Rio Verde, em

2005. 9 Tipos de agrotóxicos. 10 Tipos de agrotóxicos. 11 Tipos de agrotóxicos. 12 Ingrediente ativo. 13 As informações sobre os agrotóxicos foram retiradas do sistema de agrotóxicos

fitossanitários (Agrofit) localizado no sítio do Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento. 14 Informação fornecida por Dávila no Centro de Informações Toxicológicas de Goiás, em

2006.

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Artigo recebido em 07.02.08. Aprovado em 27.02.08.

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Em caso de dúvidas, consulte a secretaria: [email protected]

POR UMA HISTÓRIA DO LIXO Rosana Miziara

Doutoranda em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Diretora de memória empresarial

da Companhia de Notícias

[email protected]

RESUMO O artigo aborda algumas dimensões da história do lixo na cidade de São Paulo e no

Brasil. A análise se inicia no século XIX, período em que as ameaças causadas pelas

epidemias conferem novos significados ao lixo, enquanto as autoridades municipais e

estaduais criam ‘normas’ para organizar os espaços da cidade, os locais de despejos do

resto e as formas de coleta. Ao mesmo tempo, ganha corpo o debate sobre a utilização

do método incineratório para dar cabo dos dejetos e, por extensão deste, a atividade dos

trapeiros passa a ser considerada nociva para o conjunto da cidade. A análise desse

debate revelou a emergência de algumas intolerâncias novas em relação ao lixo. Essa

abordagem se estende até a década de 1970, época que representa um novo marco para

a história do lixo. Surgem alguns objetos novos, como o saco plástico. Algumas

instituições públicas são criadas, e outras, reformuladas, para dar conta das novas

preocupações com os restos. Evidenciou-se nesse percurso que o lixo foi se tornando

algo rentável, alvo de disputas entre empresas e entre interesses diversos, intensificando

seu processo de fragmentação. Procurou-se perceber como a noção de lixo que temos

hoje foi construída historicamente.

Palavras-chave: lixo; restos; cidade; história; legislação.

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Rosana Miziara INTERFACEHS

DEBAIXO DO TAPETE OU O LIXO TORNANDO-SE PERIGOSO

Os oficiais do Senado da Câmara desta cidade de São Paulo que

presente servimos pela ordenação de sua majestade que Deus guarde,

fazemos saber a todos os moradores desta cidade, de qualquer qualidade

ou condição que diante façam botar os ciscos e os lixos de suas casas nas

paragens, declaradas, a saber, nas covas que estão atrás da misericórdia

nova e nas covas que estão de fronte de Santa Tereza e somente o façam

nestas paragens e as pessoas que fora destes lugares botarem os tais lixos

serão condenadas por cada vez em seis mil-réis sem que lhes sirva de

desculpa o ignorarem onde seus servos botam os tais lixos, pois o deverão

examinar e fazer escutar como pelo que o presente quartel ordenamos.1

A partir desse edital – que passa a ser freqüente depois de 1720 – podemos notar

um indício do processo que tentou regulamentar a destinação do lixo na cidade de São

Paulo. Até a primeira grande epidemia que atacou a cidade, entretanto, esse tipo de

regulamento possuía ainda um caráter provisório, e até aquele momento a norma a esse

respeito era reiterada em função de acontecimentos especiais, sendo o local de destino

do lixo próximo ao centro de aglomerados populacionais.

Bruno (1984, p.156) destaca que, no período seiscentista, o poder municipal

decretava a limpeza geral da Vila de São Paulo de Piratininga em função das festas e

procissões:

Em 1623, falava-se, nas atas da Câmara, na proximidade da

procissão de Santa Isabel, Festa del Rei, sendo então convidados os donos

de casas a limpar e carpir testadas. E, em 1625, aproximando-se o dia da

Procissão de Passos, determinava-se que cada morador mandasse o seu

negro com sua enxada carpir o adro da Igreja e a praça desta vila.

E ainda comenta que as Atas de 1635, 1637, 1640 e 1642 reproduziam

determinações do “governo municipal para que os moradores da vila limpassem as ruas

dos cardos e espinhos que havia em abundância, para que se acabasse com a raiz de tão

má erva de que se ia enchendo esta vila”.

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Por meio dessas breves citações da obra de referência de Ernani da Silva Bruno é

possível perceber que a preocupação com a limpeza da cidade concentrava-se no espaço

público e em momentos de festejos. Outra pista que a leitura desse inventário e de

algumas Atas da Câmara sugere é a identificação do conteúdo do que era considerado

sujo ou imundície: em geral, era relacionado a elementos naturais, definidos por

“restolhos de natureza”, “cardos e espinhos”. Em outra passagem da obra aparecem

referências a “ervas, matos e sujeiras de bicho” que enchiam as “ruas piratininganas”.2 Ou

seja, além dos elementos vegetais, excrementos de animais compunham o conceito de

imundícies, que, por sua vez, faziam parte da paisagem da Vila. O que pode atestar o

quanto elementos de um mundo natural estavam habitualmente presentes no meio

urbano.

Ora, naquele momento, pela noção que se tinha de limpeza vinculada ao espaço

público, bastava tirar do campo de visão as sujidades que incomodavam o olhar. Limitada

a ocasiões extraordinárias, a preocupação com a limpeza pública não era ainda um

sistema técnico. No curso ordinário dos dias, esse sistema possuía a forma de uma

atividade realizada por escravos e detentos condenados às galés, geralmente pretos, que

andavam pelas ruas sob vigilância, tilintando suas pesadas correntes (BRUNO, 1984, p.

169). Dias (1994, p. 130) ressalta que “um forte preconceito envolvia o desempenho de

atividades consideradas mais aviltantes: dispor do lixo, carregar águas nas fontes,

lavadeiras ... eram funções geralmente desincumbidas por negras ou mulatas forras”.

Na realidade, a necessidade de limpeza das ruas apoiava-se mais em valores

morais e intenções punitivas do que em um ideário sanitário. Quem realizava esse

trabalho de recolhimento das sujeiras eram os considerados excluídos da sociedade:

negros e mulatas forras e os fora da ordem ‘presos’, estes também vinculados à imagem

de dejeto.

Outro ponto que merece destaque é que os locais designados para a disposição

dos dejetos eram bastante identificados às pessoas, isto é, eram designados como

vizinhos a alguns moradores e estavam dispostos a uma distância de menos de um

quilômetro da vila:

no terreno próximo ao rio Anhangabaú, defronte os fundos das taipas e

muros das casas do Tenente Joaquim Manuel Prudente, no fundo da

pequena casa entre a ponte de Marechal, e a casa de Bento Vieira;

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no terreno que fica além da última casa pertencente ao mosteiro de São

Bento;

no terreno próximo ao rio Tamanduateí, que fica nos fundos da casa do

Tenente Coronel Antônio Maria Quartim;

no buracão do Carmo, no lugar imediato à primeira casinha pertencente a

este conselho...3

Essa proximidade das pessoas com o lixo era, até meados do século XIX,

percebida e vivida como algo, se não natural, pelo menos pouco problemático. Não que

mais tarde isso não viesse a ocorrer, mas seria, pelo menos em discurso, um

procedimento condenável; exceção feita às ocasiões de festas públicas.

Não demoraria muito, contudo, para que, dos eventos festivos, a preocupação com

o lixo fosse agudizada e vinculada ao aparecimento de epidemias. Apesar de os editais a

respeito serem pontuais, pois eram reiterados em função das epidemias, sua emergência

e seu alastramento despertaram suspeitas e acalentaram receios de que, por vezes, iriam

servir como argumento para a produção de normas para a coleta e o depósito de lixo na

cidade. Assim, por exemplo, até então os locais designados para o depósito de lixo eram

denominados becos, buracões, ribanceiras, termos que possuíam uma carga pejorativa:

“Beco do Mosquito”, “Beco da Cachaça”, “Beco do Inferno”, “Beco Sujo” – essas

localidades eram das mais freqüentadas da cidade: “de dia era uma aglomeração de

negros, à tarde, burros de carga, compradores e uma nuvem de meretrizes de baixa

renda” (DICK, 1996, p.271-299). Logo, porém, a nomenclatura desses locais foi mudada,

numa tentativa de apagar os ‘nomes grosseiros’ criados pela população. E, com a

ameaça dos surtos epidêmicos, esses locais de despejo passaram a ser vistos como

causa de insalubridade pelo poder público e pelos higienistas.

Mas, nesse momento, a desconfiança recaía muito mais sobre o ar. Ou seja, os

depósitos de imundícies eram fatores que contribuíam para alterar a qualidade do ar,

focos propagadores de miasmas, causadores de doenças. Assim estavam presentes por

todo e qualquer local onde houvesse lixo; além de estar nos locais públicos, o lixo se fazia

presente nos quintais das casas. Com a emergência das epidemias e a influência do

poder médico, o ar tornou-se suspeito, por isso era necessário purificá-lo. E, como o ar

penetra por toda parte, dos locais públicos às moradias, o lixo passou a ser também

objeto de preocupação da casa, do espaço privado.

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Em suma, com as epidemias, o lixo tornou-se alvo de preocupações de

autoridades, um perigo para a ordem pública e para a saúde. A população, entretanto,

convivia com ele. Concomitantemente a esse território do perigo que o lixo representa, as

atividades a ele relacionadas passaram a ser classificadas como perigosas. Alguns anos

mais tarde, carroceiros, sucateiros e trabalhadores que viviam do lixo seriam

considerados ameaça à ordem e perseguidos. A partir das epidemias, pode-se perceber

ainda a elaboração ou a articulação de algumas medidas para sanear a cidade. Entre

elas, destaca-se a coleta do lixo, a construção dos cemitérios e o alinhamento das ruas e

das casas. Fazia-se necessário asfaltar as ruas, pois, segundo as autoridades públicas,

as várzeas da cidade precisavam parar de receber detritos. Essas medidas faziam parte

de um debate mais amplo sobre o saneamento da cidade.

Havia um entrelaçamento entre várzea, cemitério e matadouro, até mesmo no que

tange à intolerância em relação ao odor desses locais. Naquele momento, esses espaços

em permanente atividade corroboravam a criação de uma imagem de morte: o lixo

representa a morte vegetal; o matadouro, a morte animal. Corpos mortos precisariam,

portanto, estar fora do centro, longe do campo de visão, porque não têm utilidade e,

assim, incomodam, são causadores de doenças e mau cheiro, transformam-se em

problemas e necessitam ser embalados e colocados em locais apropriados.

Vale ressaltar, ainda, que a pavimentação das ruas está intimamente relacionada

com a preocupação pela retirada das imundícies, pois elas se compunham com o barro,

dificultando ou impedindo o bom trânsito da cidade. E esse é um fator importante, pois,

como se verá adiante, as empresas de asfalto incorporarão no rol de suas atividades o

recolhimento e o tratamento do lixo.

Essa ampliação e transformação dos significados do lixo pode ser notada no

Código de Posturas, que foi editado em 1875 e ampliado em 1886, no qual a preocupação

central era a demarcação do espaço público e a normatização de sua circulação. É

interessante observar que o artigo VII, intitulado “Da higiene e salubridade pública”, é

bastante expressivo em relação à abrangência da preocupação com a organização dos

lugares da cidade.

Art. 82 – Quando chegar ao conhecimento do fiscal que, dentro de

alguma casa ou quintal, existem objetos em tal estado que possam

prejudicar a saúde pública, pedirá licença para inspecionar, e se

porventura, o fiscal reconhecer a veracidade do fato, intimará o morador ou

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proprietário para, dentro de 24h, removê-los. Caso a inspeção seja negada

por má vontade, o fiscal procurará o auxílio da autoridade policial, a fim de

proceder a vistoria. O morador ou proprietário, em cuja casa se verificar a

existência de tais objetos, sofrerá a multa de 5$.

Parágrafo único – Qualquer vizinho que for incomodado pelas

exalações nocivas de tais objetos e imundícies, dará parte ao fiscal

facilitando-lhe os exames necessários para melhor atender à sua

reclamação. ...

Art. 96 – É proibido queimar nas ruas, largos ou pátios da cidade e

povoações, palhas, cestos, barricos, lixo ou quaisquer cousas que possam

corromper a atmosfera.

...

Art. 98 – A Câmara designará os lugares próprios para neles ser

feito o depósito de lixo e terra, afastando o mais possível das proximidades

da cidade...4

Atividades que até então eram realizadas nas ruas começaram a ser consideradas

indesejáveis, e, ao mesmo tempo, as imundícies se tornaram alvo de preocupação, tanto

do espaço público quanto do espaço privado.

Em 1893, a Intendência de Polícia e Higiene, em relatório enviado à Câmara sobre

o trabalho de “uma comissão especial”, composta por cinco membros (engenheiro-chefe

de repartição das obras municipais, engenheiro sanitário e três delegados de higiene),

realizou inspeção nas habitações e cortiços do distrito de Santa Ifigênia. Isso ocorreu por

ocasião das epidemias de febre amarela, a fim de se apresentarem medidas no sentido

de destruir os focos de insalubridade responsáveis pela propagação da febre. Dessa

maneira o documento ressalta: “A seu turno, a Intendência tem procurado secundar esses

esforços, na medida de suas forças e atribuições, mandando os fiscais visitar casa por

casa, fazendo remover todo o lixo acumulado nos quintais”. Tudo em prol da “higiene e

embelezamento da cidade”.5

Em 1893, através do Ato nº 2, de 6 de maio,6 foi feito o primeiro contrato

protocolado, já com uma empresa particular em São Paulo, para os serviços de coleta

domiciliar e de varrição, lavagem de ruas, limpeza de bueiros e bocas-de-lobo,

incineração de lixo e limpeza de mercados; a empresa era a Mirtil Deutsch e Fernando

Dreyfus; o contrato duraria até 1913. Porém, alguns anos antes, em 1869, mediante um

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prazo de dois anos, a Câmara havia firmado contrato com o empreiteiro Antonio Dias

Pacotilha.7 Nota-se, assim, que as autoridades, ao tomarem as primeiras medidas visando

à implantação dos serviços relacionados ao lixo, já o fizeram a partir das empresas

particulares.

Em 1894, foi promulgado o primeiro Código Sanitário do Estado, com mais de

quinhentos artigos sobre procedimentos de higiene e saúde pública. Regulamentava o

espaço privado e o espaço público: ruas, praças, habitações, fábricas, oficinas etc.

Estendia as normas de higiene para outras esferas dos habitantes da cidade de forma

mais rigorosa do que as Posturas Municipais.

Apesar de a preocupação com o saneamento estar presente no Código de

Posturas, tal tema foi tratado mais profundamente pelo governo estadual, como se pode

observar pela criação do Código Sanitário e da Diretoria de Higiene. Nesse Código é

possível compreender que o ‘resto’ traçará efetivamente uma geografia da cidade,

indicando os níveis de urbanização. O Código estabelece como norma básica o

afastamento dos centros urbanos ou populosos de tudo aquilo que pudesse depor contra

os preceitos de civilidade e, conseqüentemente, de higiene. Dessa maneira, lixo, pobres,

mortos, vacas, bois, indústrias poluentes, operários e habitações coletivas fazem parte do

mesmo espaço, daquilo que precisa estar fora do centro da cidade. O Código Sanitário é

a sistematização dos caminhos trilhados pelos médicos a partir da ameaça da febre

amarela. Foi a tentativa mais elaborada, naquele momento, de normatizar os costumes da

população, o que influenciaria de forma mais incisiva as leis e os decretos municipais. Foi

a construção mais lapidada da tendência que vinha se esboçando na cidade, ou seja, a

constituição de espaços específicos para os restos.

Até esse momento, entretanto, é possível afirmar que a população ainda podia

manipular seus restos livremente. O saber e as formas de reaproveitamento ou não dos

restos permaneciam em suas mãos.

O FOGO TUDO PURIFICA 8

Com a emergência das epidemias em meados do século XIX, não bastava apenas

especificar os locais para amontoar os detritos. Daí em diante, fazia-se necessário criar

um método técnico para transformar o lixo, levando em consideração o seu não

desperdício. Destacam-se aqui os incineradores, que, por meio do seu processo de

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queima, produziriam energia para algumas localidades de São Paulo. O método

incineratório tinha por princípio básico o não desperdício de energia. Pois, nessa cidade,

assim como em muitas outras do período industrial, que se aquecia e acelerava seu ritmo,

pretendia-se transformar pessoas e objetos em energia, ou melhor, em elementos

produtivos nos espaços de trabalho, de lazer, nas esferas do público e do privado.9

Colaborador na Revista Sanitária e inspetor sanitário em 1900, o dr. Cavalcanti foi

incumbido pela Diretoria do Serviço Sanitário de estudar o modo como se fazia o serviço

de limpeza pública na cidade e apresentar relatórios desses estudos por ocasião do

término do contrato entre a municipalidade e a empresa Mirtil Deutsch e Fernando

Dreyfus. Iniciou seu relatório salientando que, com o desenvolvimento da capital nos

últimos dez anos, as autoridades encontravam-se embaraçadas para dar soluções ao

serviço de limpeza pública. Classificava o serviço de “lento, insuficiente e perigoso”, assim

merecedor de uma reforma. Aos seus olhos, a cidade era diariamente palco de “um

desagradável espetáculo, devido às carroças que recebiam os detritos das casas,

circulando de madrugada pelas ruas centrais da cidade, lotadas de lixo” (Revista Médica,

15 set. 1900, n.9, p.212). Essa circulação de detritos pela cidade o incomodava. De modo

geral, ela incomodava porque os detritos viviam na condição de nômades; no momento da

circulação e mesmo quando estavam dispostos na calçada tornavam-se propriedade de

ninguém, em territórios sem donos.

De modo específico, o lixo também incomodava, o que se comprova pela maneira

como ele era transportado e tratado. Em 1900, as carroças da limpeza eram “de madeira,

sem nenhuma camada de verniz, ou de qualquer substância que as torne impermeáveis

ou facilmente desinfectáveis”. Esse sanitarista, inconformado com a sujeira da cidade e

com os maus hábitos da população, via no incinerador uma maneira civilizada de colocar

São Paulo na sua devida trajetória: a do progresso. Isso será fruto de um intenso debate

entre o então prefeito de São Paulo, Antônio da Silva Prado, e o dr. Emílio Ribas, ocorrido

entre 1900 e 1905, por ocasião do vencimento do contrato de limpeza pública com a

empresa particular.

A título de apresentar uma proposta ou indicativos de soluções para o lixo, sugere

Emílio Ribas que se faz necessário calcular a produção diária dos dejetos. A partir de

1907, essa tendência seria verificada nos relatórios do prefeito enviados à Câmara:

A quantidade média, geralmente admitida, é de 1 quilo por dia e por

habitante. Entretanto, a observação feita em muitas cidades demonstra que

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em nenhuma dellas essa medida é attingida. Em Paris o cubo total do lixo

em 1894 foi, mais ou menos, um milhão de metros cúbicos ou 589 mil

toneladas, dando ao metro cúbico o peso médio de 530 quilos; o que dá

240 por habitante e por anno menos um terço da quantidade acceita como

média de produção.

... Dando São Paulo uma população de 200.000 mil habitantes,

pode-se calcular a sua produção média de lixo em 10.000 kilos, ou 120

toneladas diárias. (Revista Médica de São Paulo, n.9, 15 set. 1900, p.231)

As pessoas passam a ser conhecidas em parte pela quantidade de lixo que

produzem. Essa tendência de tornar o lixo um objeto quantificável já ocorria na Europa.

Na realidade, esse tipo de cálculo revela mais do que a preocupação em quantificá-lo. Ele

indica a possibilidade de tornar o lixo um termômetro da produção e do consumo da

cidade, assim como possibilita perceber a cidade a partir de categorias gráficas. A

quantidade de lixo produzida por uma pessoa é índice revelador de seus hábitos

cotidianos. Ao mesmo tempo, esse tipo de prática começaria a permitir que se calculasse

o preço do lixo.

Outrora, os restos podiam ser vistos, manipulados. Paulatinamente, passam a ser

inseridos na lógica de produção capitalista e, como tal, numa lógica de não desperdício. O

lixo era, aqui, postulado como um problema que requeria uma solução técnica. E, ao

mesmo tempo, o que se podia observar era que estava ocorrendo uma transformação da

cidade, a partir de uma nova sensibilidade em relação aos dejetos.

O primeiro aspecto dessa transformação está na resolução da retirada do lixo dos

quintais, o que foi um marco. Dessa maneira, o lixo passou do universo privado para o

público, envolvendo novos ofícios, objetos, vereadores, médicos e engenheiros sanitários,

assim como a produção de um discurso normatizador. Tirar o lixo do quintal significou

classificar de inútil o que usualmente não o era. O lixo passou a ser o resto daquilo que foi

útil. A partir do resto ocorre a fusão entre universo público e privado. Evidentemente, essa

tendência estava inserida numa economia política de ‘restos’ (imigrantes, negros,

prostitutas, bêbados, loucos, pobres, trapeiros, sucateiros). O próprio Código Sanitário era

o Código da política para combater os restos e, a partir de sua divulgação, constroem-se

os preceitos de higiene da cidade.

Ao mesmo tempo, com a crescente urbanização da cidade, o lixo varrido para

debaixo do tapete se espalha através dos ventos, poeiras, moscas, mosquitos,

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miseráveis, trapeiros e ratos. A tentativa de esquadrinhamento, planejado pelas

autoridades sanitárias e pelo poder municipal, não cessa de ser desestruturada pela

presença dos restos. E eles colocam em xeque a pretensa ambição de modernização

daquelas autoridades.

DA POUBELLE 10 AO SACO PLÁSTICO

Em 1971, as tão populares latas de lixo passariam a estar com seus dias

contados. Nessa data uma experiência foi feita com sacos de polietileno, abrangendo mil

residências, durante trinta dias, nos bairros de Bela Vista e Paraíso; foram utilizados

sacos de 20, 60 e 100 litros. Juntamente com os sacos, foi entregue um questionário, no

qual as pessoas teriam de apontar as vantagens e as desvantagens desse método de

acondicionamento de lixo. O resultado da pesquisa foi este: 76,9% dos entrevistados

acharam que o saco de lixo poupa serviço para a dona-de-casa ou para o

estabelecimento; 85,1% acharam que poupa serviço para o coletor; 93,3% julgaram que

esse método é mais higiênico; 83,8% que é mais prático; 76,8% que é mais estético;

82,9% que evita furtos.11

Como decorrência desse acontecimento, por disposição da Lei nº 7.775, de 1972,

a Prefeitura, julgando um sucesso essa última experiência, tornou obrigatório o uso de

saco plástico para acondicionamento do lixo nos locais de coleta noturna, sendo seu uso

facultativo nos demais.

Não se trata, aqui, de entrar no mérito das vantagens ou desvantagens da

utilização do saco plástico em detrimento das latas. Entretanto, na experiência descrita,

vários aspectos chamam a atenção. Primeiro, a novidade ficaria restrita às zonas onde se

fazia a coleta noturna, ou seja, nas zonas centrais. O dado de que 82,9% avaliaram que

ele evita furtos é revelador, mais uma vez, de que a suposta ação de catadores ainda era

pouco aceita. Era como se o lixo devesse pertencer exclusivamente às empresas

coletoras. E, ainda, a preocupação com a padronização estética era algo que continuava

presente nos discursos normativos. Essa tendência começou a se manifestar de forma

mais contundente com a adoção das latas de lixo, no início do século XX. A diferença é

que o saco plástico parecia tirar os dejetos mais rapidamente do campo de visão. Diante

dele, as latas, que já haviam sido sinal de civilidade, modernidade e higiene, passariam a

ser consideradas sinais de atraso, velhice e falta de higiene.

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É interessante notar como o uso de um objeto descartável, o saco plástico, é

revelador de mudanças nos hábitos de consumo da população, mas também no ofício do

funcionário da limpeza, no trânsito pela cidade, ou mesmo na arquitetura dos interiores. O

saco plástico vai concorrer com o uso dos antigos tubos de queda dos apartamentos,

existentes desde o começo do século XX. Não demorará muito para que esses tubos

sejam proibidos. Os zeladores dos prédios, ou faxineiros, passam a ser obrigados a

recolher os sacos na porta dos próprios apartamentos.

Outra transformação relacionada à utilização dos sacos plásticos é o trabalho do

funcionário da limpeza pública, que sofreu sensível mudança: tornou-se mais veloz. Para

utilizar a expressão de Santos (1996), os lixeiros passam a ser conhecidos como os

“atletas do lixo”. Isso ocorreu pouco a pouco, conjuminando com a entrada em cena do

saco plástico e dos caminhões basculantes. O trabalho de dois homens no recolhimento

das antigas latas de lixo agora passa a ser feito por um, correndo diante da residência,

arremessando os sacos no caminhão triturador, voltando e já recolhendo de outra

residência. O trabalho, nesse sentido, tornou-se controlado, permanentemente, pela

velocidade do próprio caminhão, ou melhor, pela velocidade que o homem imprime à

máquina. O funcionário, por sua vez, inicia uma corrida de oito horas diárias para alcançar

o caminhão.

Outra mudança concomitante ao emprego dos sacos de lixo foi relativa à cor dos

uniformes dos funcionários, sobretudo dos que são contratados pelas empreiteiras. Esses

funcionários passam a usar uniformes coloridos, com o nome da empresa estampado, o

que mostra também que o funcionário deveria ter uma clara identificação, ou seja, não

poderia ser confundido com os catadores, ao mesmo tempo em que ele próprio

funcionava como uma espécie de propaganda ambulante para as empresas que o

contratavam.

POVO DESENVOLVIDO É POVO LIMPO

Em 1971, a Assessoria Especial de Relações Públicas (Aerp), o principal órgão de

comunicação da ditadura militar, abriu licitação para que agências de propaganda

apresentassem uma proposta de campanha educacional sobre limpeza. Assim, em 1972,

foi veiculada uma grande campanha nacional contra o mau hábito de espalhar lixo em

lugares públicos. O (anti) herói dessa campanha era o personagem Sujismundo, criado

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pelo publicitário Ruy Perrotti, diretor da Lynxfilm. O slogan, marca registrada da

campanha, “povo desenvolvido é povo limpo”, ficou a cargo da agência de propaganda

Merco (Porto Alegre).

A campanha do Sujismundo foi veiculada na televisão e nos cinemas, e dividia-se

em quatro situações-lugares diferentes: no escritório, na cidade, na praia e na escola.

No episódio da cidade, Sujismundo se apresenta como um sujeito simpático, que

anda distraidamente jogando lixo na rua. Seu terno evoca desleixo e algumas moscas

sobrevoam sua cabeça. Nessa peça publicitária, ele contracena com o gari Claridalvo,

que vê sua condição ameaçada pelos maus hábitos de Sujismundo. Nesse caminhar

descompromissado, Sujismundo pára e apóia o pé sobre uma lata de lixo para amarrar os

sapatos, mas tropeça nela e acaba dentro do carrinho de Claridalvo, que apresentava o

seguinte slogan: “Conserve a cidade limpa”. A história é contada por uma voz em off,

acompanhando as ações do personagem. Quando Sujismundo entra em cena, o narrador

diz: “Sujismundo é um desses sujeitos que não se preocupam com a limpeza”. Conforme

o personagem joga restos no chão, entra a voz do narrador: “E não respeita o trabalho

dos outros. O gari já o conhece e sabe que, por causa dele, vai trabalhar muito mais.

Sujismundo não respeita o bem comum”. Quando o personagem tropeça e cai na lata de

lixo, o narrador termina com a célebre frase, marca registrada da campanha: “Será que

agora ele vai aprender? Povo desenvolvido é povo limpo”.

Essas campanhas veiculavam o preceito de que as pessoas tinham de ter bons

hábitos, ser limpas ou, melhor, precisavam ser civilizadas para ser desenvolvidas. E

esses hábitos do povo é que tornariam o espaço (nação) limpo. A ordem urbana é aqui

veiculada como resultante da ordem individual, adquirida graças ao próprio esforço.

A cidade, representada pelo simpático personagem Sujismundo, é construída

pelos hábitos de um povo, e esses hábitos serviriam de termômetro para medir o grau de

desenvolvimento desse povo, da cidade e da nação. No início do século XX, as medidas

técnicas tomadas para destinar o lixo eram representativas do grau de civilidade da

cidade. Agora, fazia-se necessário que os habitantes colaborassem para que a cidade

fosse não só civilizada, mas também desenvolvida. Nesse sentido, a década de 1970 é

um marco para a história do lixo no Brasil.

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NÃO DESPERDICE O QUE DÁ LUCRO: DO PÚBLICO AO URBANO

Até 1966, o serviço de limpeza pública era realizado por administração direta,

através da Secretaria Municipal de Higiene – divisão de Limpeza Pública. Mudança

significativa nessa divisão ocorreu em 1976, quando passou a chamar-se Departamento

de Limpeza Urbana (Limpurb).12 O lixo já não era mais somente uma questão de ordem

pública, mas podia se abrir aos interesses públicos e privados do espaço urbano, um

assunto que dizia respeito a várias instituições da cidade, e não apenas à municipalidade.

Ocorreu, assim, a intensificação da dominação do setor privado sobre o público e, com

isso, os restos espraiaram-se cada vez mais pela cidade, apesar de serem o mote para tal

entrelaçamento e sobreposição de poderes.

Concomitantemente à criação da Secretaria de Serviços Municipais, foram criadas

as Administrações Municipais, que passaram a fiscalizar os serviços de coleta. Nesse

mesmo período também foram aposentados os últimos 27 animais, sendo assim

implantada a coleta domiciliar motorizada como único meio oficial para realizar essa

tarefa. Na cidade moderna dos automóveis, os animais de tração circularam até o fim da

década de 1960 para realizar o trabalho da coleta.

A estruturação do serviço de limpeza pública na cidade, que ocorreu mais

especificamente com a criação do serviço sanitário, tinha um caráter mais geral,

compunha um pedaço do mosaico das preocupações da época. Já a partir da década de

1960, essa nova organização demonstra, primeiro, a incorporação do próprio termo

‘técnico’ nas suas 24 divisões, conferindo aos dejetos um caráter eminentemente técnico

(seção técnica de coleta e transporte de lixo, seção técnica de varrição, divisão técnica de

compostagem etc.). Segundo, apesar de o lixo ser objeto de preocupação de várias

instituições públicas, ele acaba ganhando um departamento específico, com seções

específicas para cada tipo de tratamento. E, sobretudo, passa da Secretaria de Higiene

para a Secretaria de Obras.

Ao mesmo tempo, apesar de continuar a ser associado a um problema de saúde,

o lixo se tornou, de forma mais acentuada, objeto de disputa pelos engenheiros, pois

ganhou força a sua faceta de objeto de obra, construção, engenharia, assumindo um

caráter especializado e técnico.

Em 1978, o relatório de atividades do Departamento de Limpeza Urbana veiculava

uma história em quadrinhos, na qual dona Margarida, inquirida pelo personagem Cascão

sobre se a limpeza pública era cara, responde: “é um trabalho que só dá despesas,

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mesmo quando o lixo é reaproveitado. Isso só serve para diminuir os gastos que a

prefeitura tem para conservar a cidade limpa”.13

A empresa Usimeca, ao fazer propaganda de seu “coletor-compactador Gar-

Wood”, também ressaltava: “Você pode não estar perdendo dinheiro, mas certamente

está há muito tempo deixando de ganhar, na coleta de lixo. Já é hora de você lucrar,

coloque na sua empresa um Gar-Wood/Usimeca. É rápido, potente, funcional, compacto e

econômico”.14

Os dois enunciados destacados falam do mesmo assunto: coleta de lixo na cidade.

Se, para a prefeitura, essa atividade era onerosa, uma vez que se tratava de um serviço

considerado obrigatório, para a empresa privada ela era lucrativa. Essa diferenciação

entre o que seria lucrativo e não-lucrativo tanto para um como para o outro serviria de

justificativa básica para que as empresas privadas ganhassem uma espécie de selo de

qualidade e eficiência para manter a ordem na cidade.

POR UMA HISTÓRIA DO LIXO

A partir de recortes de maneiras antigas e novas de tratar o lixo, podemos

confrontar a densidade de interesses políticos e sociais constituintes daquilo que médicos,

autoridades públicas, publicitários e empresários definiram, cada um a seu modo, como o

limite da cultura e seu resto.

Como foi possível ao lixo conquistar um espaço cada vez mais importante na

sociedade, transformar-se em riqueza industrial, em objeto de disputa entre grandes

empresas e em assunto fundamental para congressos nacionais e internacionais ligados

ao meio ambiente? Como jogar fora tornou-se um hábito tão comum quanto cozinhar e

escovar os dentes?

O arremesso da lata vazia de óleo (hoje é de plástico) na lixeira, de forma

automática, que não requer um segundo de raciocínio e nem meio de arrependimento,

representa uma atitude recheada de conteúdos! Esse ato, aparentemente insignificante,

resulta da introjeção de costumes que vêm sendo construídos ao longo da história.

Perseguir os rastros dos restos é colar fragmentos reveladores de uma história

(des)contínua em que as fronteiras entre o público e o privado se interpenetram. Em

diversos momentos houve a criação de aparatos, tecnologias e saberes que emergiram

ao sabor das transformações históricas da sensibilidade humana em relação aos dejetos.

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Estudar o lixo parece algo inverossímil no campo da história. Entretanto, percebi

que analisar as trajetórias do lixo implica, sobretudo, construí-lo historicamente, tornando-

o visível onde, à primeira vista, ele não se faz presente. Aqui, apresentei somente alguns

aspectos.

NOTAS 1 Edital de 15 out. 1722, citado em Rocha (1992). 2 Várias passagens dessa obra, bem como as Atas da Câmara, apontam os excrementos como sujeira. Para uma análise dos significados culturais da identificação das sujeiras, ver Latouche (in Traverses, n.11, 1978, p.95-97), “A psicanálise das lixeiras”, em que o autor sublinha que “o laço entre o dejeto e o excremento é bastante evidente”; ambos são fonte de aborrecimentos. Para o autor, esse laço acaba fazendo que todo dejeto seja representado na forma de excremento. Aí reside o fato de que a “repulsa em relação aos dejetos não é mais natural que a repulsa em relação aos excrementos”. A partir dessa imagem, não é mais possível manter uma atitude serena em relação aos restos. Entretanto, “nem todos os dejetos são repugnantes”. Um caso bem elucidativo são as embalagens: no limite poder-se-ia vender excremento desde que ele estivesse bem embalado! 3 Registro Geral da Câmara Municipal de São Paulo, 1821, v.16. 4 Código de Posturas do Município de São Paulo, 1886. 5 “Relatório da Comissão de Exame e Inspeção das Habitações Operárias e Cortiços no Districto de Santa Ephigênia”, enviado à Câmara Municipal de São Paulo, 1893, p.43-44. 6 “Breve histórico da limpeza urbana no município de São Paulo”. PMSP, Secretaria de Serviços e Obras, Departamento de Limpeza Urbana (documento interno). 7 Revista Limpeza Pública, n.8, 1977, p.10. “Por razões que não pode precisar, o contrato ficou sem número”, porém pode ser encontrado no Livro de Registros (ref. E-7-6), no Arquivo Municipal. 8 Citação do dr. Cavalcanti em artigo escrito em defesa da instalação de incinerador de lixo na cidade de São Paulo (Revista Médica, 1900). 9 Processo similar ocorreu em outras cidades industriais do século XIX. Sobre Paris, ver Vigarello (1996). E, sobre o Brasil, ver Sant’Anna (1996). 10 A obrigatoriedade da utilização da lata de lixo na cidade de São Paulo foi decretada em 1914. Essa norma foi inspirada na determinação de 1884, do prefeito de Seine, Eugène Poubelle, que fixou a utilização e a dimensão das poubelles, nome pelo qual passaram a ser chamadas as latas de lixo. 11 Resíduos sólidos e limpeza pública. São Paulo, Cetesb/Faculdade de Saúde Pública da USP, 1973, p.5-12. 12 “Histórico da Limpeza Urbana no Município de São Paulo”, documento elaborado pela Divisão Técnica de Estudos e Pesquisa da Limpurb, v.1, p.9. 13 “Relatório de Atividades”, Secretaria de Serviços e Obras, PMSP, 1978. Ver, no item “Departamento de Limpeza Urbana”, história em quadrinhos protagonizada pelos personagens criados por Maurício de Souza: Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão. 14 Propaganda da Usina Mecânica Carioca S.A., que mostrou um coletor-compactador para fazer a coleta de lixo. A frase chamariz do cartaz é: “não desperdice o que dá lucro” (Revista Limpeza Pública, n.2, jun. 1975).

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Artigo recebido em 23.01.08. Aprovado em 26.02.08.

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Em caso de dúvidas, consulte a secretaria: [email protected]

ASPECTOS TÉCNICOS E AMBIENTAIS RELATIVOS AO USO DE BIODIESEL EM MOTORES DE COMBUSTÃO

Mauro Alves dos Santos 1; Patricia Helena Lara dos Santos Matai 2

1 Escola Senai “Conde José Vicente de Azevedo” 2 Escola Politécnica da USP e Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia da USP

[email protected]

RESUMO O biodiesel destaca-se entre as fontes renováveis de energia apontadas como solução

para aumentar a segurança no suprimento de energia e minimizar alguns problemas

ambientais decorrentes do uso de combustíveis derivados do petróleo. O uso do biodiesel

em motores produz alguns benefícios ambientais, tais como a redução da emissão de

material particulado (MP), hidrocarbonetos (HC) e monóxido de carbono (CO), além da

redução da emissão do dióxido de carbono (CO2), importante gás que contribui para o

agravamento do efeito estufa. Entretanto, dependendo do tipo de biodiesel e do tipo de

motor, pode ocorrer um aumento na emissão de óxidos de nitrogênio (NOx), redução na

potência do motor e aumento no consumo de combustível. Existem diversas tecnologias

já aplicadas comercialmente, e algumas em fase de desenvolvimento podem compensar

alguns desses efeitos negativos do uso do biodiesel. Este trabalho tem por objetivo

apresentar e discutir aspectos técnicos e ambientais relacionados ao seu uso em motores

de combustão.

Palavras-chave: biodiesel; emissões; fontes renováveis de energia; motor de combustão.

1

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Aspectos Técnicos e Ambientais Relativos ao Uso de Biodiesel em Motores de Combustão

Mauro Alves dos Santos; Patrícia Helena Lara dos Santos Matai INTERFACEHS

As fontes renováveis de energia têm sido a solução escolhida por diversos países,

tanto para minimizar os problemas ambientais como para aumentar a segurança no

suprimento de energia, uma vez que elas podem, em muitos casos, substituir as fontes

convencionais de origem fóssil. Goldemberg e Villanueva (2003) destacam o uso de

combustíveis alternativos entre as soluções técnicas para reduzir a emissão de poluentes

no setor de transporte. Em 2003, o Parlamento Europeu estabeleceu as diretrizes para a

promoção e uso dos combustíveis renováveis no setor de transporte. Essa medida faz

parte do conjunto de ações que visam ao cumprimento das metas estabelecidas no

Protocolo de Quioto, além de contribuir para a garantia de suprimento de energia no

médio e longo prazo (EUROPEAN UNION, 2003). Os benefícios ambientais e as

perspectivas de ganhos sociais associadas à contribuição para a redução da importação

do óleo diesel têm sido os principais argumentos utilizados para sustentar a idéia da

difusão do uso do biodiesel. Em dezembro de 2004 o governo federal definiu o marco

regulatório para a produção e distribuição do biodiesel no Brasil, publicando os atos legais

que definem o percentual de mistura do biodiesel ao óleo diesel, as especificações, o

regime tributário com diferenciação por região de plantio, por oleaginosa e por categoria

de produção (agronegócio e agricultura familiar), criando ainda o selo Combustível Social

e a figura do produtor de biodiesel, além de estruturar a cadeia de comercialização. A Lei

nº 11.097/05 determina a introdução do biodiesel na matriz energética brasileira e fixa o

valor em 5% em volume/volume (v/v), para o percentual mínimo obrigatório de adição de

biodiesel ao óleo diesel comercializado ao consumidor final. Define também que o prazo

para a aplicação do volume mínimo aqui mencionado é de oito anos após a publicação da

lei em referência, sendo de três anos o período, após a mesma publicação, para que o

biodiesel passe a ser utilizado em um percentual mínimo obrigatório de 2% (v/v). Contudo,

o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) está autorizado a estabelecer prazos

menores que os referidos visando ao atendimento dos percentuais mínimos obrigatórios

de adição de biodiesel ao óleo diesel considerando a disponibilidade de oferta de matéria-

prima e a capacidade industrial para produção de biodiesel, a participação da agricultura

familiar na oferta de matérias-primas, a redução das desigualdades regionais, o

desempenho dos motores com a utilização do combustível e as políticas industriais e de

inovação tecnológica.

As definições dos termos ‘biocombustível’ e ‘biodiesel’ foram incluídas na Lei nº

9.478, de 6 de agosto de 1997, que dispõe sobre a política energética nacional, bem

como foi alterada a denominação da Agência Nacional do Petróleo para Agência Nacional

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do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e a sua finalidade, que passa a

abranger a regulação, a contratação e a fiscalização de atividades integrantes da indústria

do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis. Foram também estabelecidas as

penalidades aos agentes do setor no caso de descumprimento das determinações legais

para exercer as atividades integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos

biocombustíveis.

Apesar do importante avanço decorrente da definição do marco regulatório,

existem ainda muitas questões relacionadas à produção e ao uso do biodiesel que

precisam ser debatidas, sobretudo no caso do Brasil, cujas dimensões territoriais

implicam diferentes condições de cultivo de matérias-primas por motivos sócio-

econômicos e climáticos, diferentes fontes de matérias-primas (óleo de soja, amendoim,

mamona e dendê, entre outras) e rotas tecnológicas para a produção do biodiesel (rota

metílica ou etílica, catalisadores). Entre essas questões destacam-se: as de ordem

técnica, tais como as especificações do produto e suas conseqüências para o

desempenho, emissões e durabilidade do motor e seus sistemas; as de ordem

econômica, uma vez que o custo do biodiesel, para a maioria das matérias-primas, tende

a ser maior que o do óleo diesel; as de ordem comercial, como o desenvolvimento do

mercado para o principal co-produto, a glicerina, e as de ordem ambiental, cuja avaliação

e solução de um modo geral são muito mais complexas, pois devem considerar todas as

etapas da produção e uso do biodiesel.

Silva (1997) ressalta que o aspecto econômico deve ser visto de forma ampla,

considerando os valores agregados como a criação de empregos, benefícios ambientais,

melhoria de qualidade de vida e geração de divisas. Outro fato que deve ser considerado

é o esforço que existe no sentido de melhorar e uniformizar as especificações do óleo

diesel em diversos países por razões técnicas, comerciais e ambientais. Esse esforço

está representado em um documento denominado Worldwide Fuel Chart (WFC),

publicado em 2006 pelas principais associações de fabricantes de veículos e de motores

nos Estados Unidos, na Comunidade Européia e no Japão, e tem como objetivo

apresentar suas recomendações para as especificações dos combustíveis de forma que

os limites de emissões previstos pela legislação ambiental possam ser cumpridos.

Deve-se também considerar que os limites de emissões impostos pelas duas

novas fases do Programa de Controle da Poluição por Veículos Automotores (Proconve),

uma em vigor desde 2006 e outra prevista para entrar em vigor em 2009, convergem para

os valores já definidos para a maioria dos países desenvolvidos como os Estados Unidos,

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o Japão e a Comunidade Européia, e que estes novos limites de emissões são

expressivamente menores do que os atuais, sobretudo no caso das emissões dos óxidos

de nitrogênio (NOx). Assim, diante da necessidade de analisar e refletir sobre as

contribuições e barreiras criadas a partir da inserção do biodiesel na matriz energética

brasileira, este trabalho tem como objetivo contribuir para o estudo de aspectos técnicos e

ambientais relacionados ao seu uso em motores de combustão.

USO DO BIODIESEL EM MOTORES DE COMBUSTÃO

O motor de combustão interna ciclo Diesel foi apresentado durante a exposição

mundial de Paris em 1900 e podia ser alimentado por petróleo filtrado, óleos vegetais ou

óleo de peixe. O uso direto de óleos vegetais nos motores do ciclo Diesel foi rapidamente

superado pelo óleo diesel por fatores econômicos e técnicos, uma vez que os aspectos

ambientais no início do século XX não eram considerados importantes. O uso de fontes

alternativas de energia somente voltou a ser considerado de forma significativa no mundo

como conseqüência das duas crises do petróleo. No Brasil, as primeiras referências ao

uso de óleos vegetais em motores datam da década de 1920, em que algumas pesquisas

foram desenvolvidas no Instituto Nacional de Tecnologia, no Instituto de Óleos do

Ministério da Agricultura e no Instituto de Tecnologia Industrial de Minas Gerais. Em 1980,

a Resolução nº 7 do Conselho Nacional de Energia instituiu o Programa de Produção de

Óleos Vegetais para Fins Energéticos (Proóleo). Um dos objetivos era substituir o óleo

diesel por óleos vegetais em misturas de até 30% em volume. No período entre 1981 e

1985, a Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio

(STI/MIC) lançou e desenvolveu o Programa Nacional de Energias Renováveis de Origem

Vegetal que levaram à implantação do Programa Nacional de Energia de Óleos Vegetais

(Oveg), em 1983, voltado especificamente para a comprovação técnica do uso de óleos

vegetais em motores ciclo Diesel. Os primeiros testes foram realizados com ésteres

metílicos e etílicos puros e misturas com 30% de éster metílico de soja.

Contudo, após o fim das crises do petróleo, a viabilidade econômica era

questionável: em valores de 1980, a relação de preços internacionais óleos

vegetais/petróleo era de 3,30 para o dendê, 3,54 para o girassol, 3,85 para a soja e 4,54

para o amendoim.

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As moléculas dos óleos vegetais contêm glicerina, e o seu uso em motores sem

qualquer modificação pode provocar problemas de carbonização e depósitos nos bicos

injetores, válvulas de admissão e escapamento, desgaste prematuro dos pistões, anéis de

segmento e cilindros, diluição do óleo lubrificante, dificuldade de partida a frio, queima

irregular, redução da eficiência térmica e odor desagradável nos gases de escapamento

(POULTON, 1994). De acordo com Acioli (1994) e Ribeiro (2002), para minimizar esses

problemas existem algumas opções: utilização de misturas de óleos vegetais com o óleo

diesel em até 30%; utilização de ésteres de ácidos graxos, obtidos por meio de

transformação química do óleo vegetal (biodiesel), e utilização de óleos vegetais

craqueados.

1) Consumo de combustível

Um importante parâmetro a ser considerado no uso de qualquer combustível

alternativo é o seu consumo. Ferrari et al. (2005) avaliaram o consumo de combustível em

um grupo gerador de energia utilizando misturas de óleo diesel e biodiesel obtido através

da transesterificação do óleo de soja com etanol anidro na presença de catalisador

alcalino (hidróxido de sódio). Os autores observaram que em misturas de óleo diesel e

biodiesel em proporção de até 10% ocorreu uma redução no consumo de combustível, e

que para proporções maiores que esta ocorreu um aumento no consumo, chegando a

4,77% quando se utilizou biodiesel puro. Esse aumento no consumo é justificado pela

diferença no poder calorífico do biodiesel, que em geral se apresenta menor que o poder

calorífico do óleo diesel. Agarwal e Das (2001) verificaram que o uso do combustível B20,

testado em um motor a diesel, teve o melhor desempenho dentre todas as misturas

analisadas, com um benefício de 2,5% na eficiência térmica máxima e uma redução

significativa nos teores de fumaça. Dorado et al. (2002) concluíram que o motor a diesel,

analisado sem nenhuma modificação, funcionou de maneira satisfatória com misturas de

10% de biodiesel de óleo de fritura e 90% de óleo diesel. Ferrari et al. (2005) realizaram

testes utilizando 5% de biodiesel e 95% de diesel convencional (B5) durante um ano,

tendo percorrido 19.240 km em condições normais de trabalho, e observaram que o

veículo apresentou desempenho normal com redução da emissão de fumaça. Além disso,

durante o período de realização dos testes não foram necessários reparos no motor, o

que induziu os pesquisadores a concluir que os óleos vegetais transesterificados se

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adaptam perfeitamente ao motor. A média de consumo de combustível observada foi de

0,207 l/km, representando um aumento de 7,90% no consumo de combustível que,

anteriormente, com óleo diesel puro, era de 0,192 l/km. Peterson et al. (1992) realizaram

testes de desempenho, em dinamômetro, de um motor diesel turbo alimentado de 3,9

litros de cilindrada, 61 kW de potência a 2.650 min–1 e 290 Nm de torque a 1.500 min–1

sem modificações das suas características. Os testes demonstraram que o motor

operando com éster metílico desenvolveu maior torque e maior potência do que operando

com éster etílico. Observou-se, também, que o consumo foi idêntico para os dois tipos de

combustível e que algumas características desejáveis foram observadas com o motor

operando com éster etílico, tais como menor opacidade, temperaturas de exaustão mais

baixas e menor ponto de entupimento. Os dois tipos de combustível apresentaram, na

média, uma redução de 4,9% na potência desenvolvida em relação ao óleo diesel. Além

disso, o torque máximo para o biodiesel ocorre em rotações mais baixas do que para o

óleo diesel. Em 1.700 min–1 o torque sofreu uma redução de 5%, e em 1.300 min–1 a

redução no torque foi de 3%. A opacidade também foi medida, e uma redução de 75% em

relação ao óleo diesel foi observada. O consumo de combustível sofreu um acréscimo de

7% em relação ao consumo observado para o óleo diesel.

2) Emissões de óxidos de nitrogênio e efeitos na saúde humana

Mais de 95% das emissões de NOx estão sob a forma de óxido nítrico (NO), que é

um gás introduzido no meio ambiente principalmente pelos gases de escapamento dos

veículos. É formado, sobretudo, em conseqüência da alta temperatura na câmara de

combustão dos motores e não representaria perigos à saúde, mas reage com o oxigênio

formando o dióxido de nitrogênio (NO2), que é um gás com odor característico e muito

irritante. O NO2 é um gás tóxico, de modo que a pessoa atingida sente imediatamente

ardência nos olhos, no nariz e nas mucosas em geral. O NO2 reage com todas as partes

do corpo expostas ao ar, pele e mucosas, provocando lesões nas células. Os epitélios

(revestimentos celulares) que mais sofrem são aqueles das vias respiratórias, ocorrendo

degenerações e inflamações no sistema respiratório, desde o nariz até a profundidade

dos alvéolos pulmonares. Em caso de intoxicação grave, a inalação provoca edema

pulmonar, hemorragias alveolares e insuficiência respiratória, causando morte. Se a

exposição for aguda, aparecerão traqueítes e bronquites crônicas, enfisema pulmonar

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(dilatação anormal dos alvéolos), espessamento da barreira alvéolo-capilar (dificuldades

nas trocas gasosas que ocorrem nos pulmões: gás carbônico por oxigênio) e

broncopneumonias químicas ou infecciosas. O NO2 pode reagir também com radicais

hidróxidos provenientes principalmente da água, e formar ácido nítrico que também tem

participação no fenômeno da precipitação ácida. Os óxidos de nitrogênio também

participam na formação do smog fotoquímico que é um aerossol, irritante aos olhos e às

mucosas, constituído por produtos resultantes da interação dos NOx com compostos,

entre eles aldeídos, nitratos de alquila, ozônio e nitrato de peroxiacila (KRUPA, 1997).

3) Limites das emissões

De acordo com relatório de avaliação do Programa Europeu de Emissões,

Combustíveis e Tecnologias em Motores (Epefe), que apresentou os resultados de testes

realizados no período de 1993 a 1995, algumas propriedades do óleo diesel como a

densidade, o conteúdo de HPA (Hidrocarboneto poliaromático), o número de cetano (NC)

e a temperatura T95, entre outras, têm influência direta na emissão de poluentes

(PALMER, 1996). Os testes foram realizados utilizando duas condições diferentes. Uma

combinação do ciclo ECE que simula as condições de trânsito urbano, ou seja,

velocidades menores (de 0 km/h até cerca de 60 km/h) e do ciclo EUDC que simula

condições similares às das estradas, ou seja, velocidades maiores (de 20 km/h até 120

km/h), e outro ciclo denominado ‘13 pontos’ que submete o veículo a 13 diferentes

condições de carga e velocidade. A Tabela 1 apresenta a relação entre as emissões e a

redução da densidade de 855 para 828 kg/m3.

Observa-se que ocorrem reduções significativas das emissões de monóxidos de

carbono (CO), hidrocarbonetos (HC) e material particulado (MP) quando se reduz a densidade

do óleo diesel e o motor opera em condições de velocidades moderadas (ciclo ECE).

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Entretanto, ocorre um pequeno aumento das emissões de NOx nessas condições. Quando o

motor opera em velocidade mais elevada (ciclo EUDC), a redução da densidade proporciona

uma pequena redução das emissões de NOx e MP. Porém, as emissões de CO e HC

aumentam. A Tabela 2 apresenta a relação entre as emissões e o número de cetano.

Os dados apresentados na Tabela 2 mostram que o aumento do NC proporciona

considerável redução nas emissões de CO, HC e, em menor proporção, NOx, com o

motor operando em cargas moderadas e altas. Entretanto, esse aumento no número de

cetano proporciona um pequeno acréscimo na emissão de MP quando o motor opera em

cargas moderadas. A Tabela 3 apresenta a relação entre as emissões e a redução na

temperatura de destilação T95 de 370ºC para 325ºC.

A redução da temperatura T95 proporciona uma importante redução das emissões

de MP quando o motor opera em cargas moderadas, mas ocorre também um aumento

nas emissões de CO e HC quando o motor opera em cargas elevadas.

Chang et al. (1966, citados em COSTA NETO et al., 2000, p.535) demonstraram

que as emissões de CO, CO2, e MP foram menores que as emissões do óleo diesel.

Porém, as emissões de NOx foram maiores em diferentes tipos de biodiesel. A Tabela 4

apresenta a alteração das emissões em veículos pesados em função do teor de biodiesel

adicionado ao óleo diesel padrão dos Estados Unidos.

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Estudos realizados por Wang (2000) mostram que as emissões de NOx também

estão relacionadas com a potência que o motor desenvolve. Em aceleração, as emissões

aumentam; em velocidade de cruzeiro, as emissões diminuem. Isso ocorre porque altas

cargas exigem maior massa de combustível, o que provoca picos de alta pressão e

temperatura na câmara de combustão, favorecendo a formação dos óxidos de nitrogênio.

Desta forma, as emissões de NOx também estão relacionadas com a massa de

combustível injetado. O autor também observou que as emissões de NOx estão

diretamente relacionadas com a potência desenvolvida pelo motor. Quando a potência é

aumentada, a emissão de NOx também aumenta, e quando se opera o motor em

potências moderadas, as emissões de NOx diminuem. Porém, diferentemente das

emissões de CO, que se mantêm praticamente constantes em potências moderadas, as

emissões de NOx tendem a ser diretamente proporcionais à potência desenvolvida em

faixas moderadas. Este efeito ocorre pelo fato de as emissões de NOx estarem

relacionadas diretamente com os picos de pressão e temperatura na câmara de

combustão. Quando a potência está decrescendo, a quantidade de combustível é

reduzida e isso resulta também na redução da emissão de NOx. Assim, observa-se que a

emissão de NOx é proporcional à massa de combustível injetado. As emissões de HC

apresentam-se relativamente constantes para as diversas faixas de potência, e isso

mostra que o processo para formação das emissões de HC é bastante complexo. Quanto

maior a potência desenvolvida, maior a quantidade de combustível injetado e maior a

tendência de emissão de HC. Entretanto, fatores relacionados com o processo de

preparação da mistura ar–combustível, como a taxa de injeção do combustível e a

velocidade do ar, influenciam também a emissão de HC. Isso explica o elevado nível das

emissões de HC em faixas de potência moderadas.

Diversos estudos têm demonstrado as vantagens ambientais do uso do biodiesel,

dentre as quais destaca-se a redução das emissões de CO, MP e dióxidos de enxofre

(SOx), além da redução das emissões de gás carbônico (CO2), por se tratar de uma fonte

renovável de energia. Em países tais como Alemanha, Áustria, França, Suécia, Itália e

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Estados Unidos, estudos sobre a produção e uso do biodiesel mostram que os motores

de um modo geral atendem aos limites de emissões quando operam com biodiesel, e que

na maioria dos casos ocorre uma redução da emissão de poluentes (SCHARMER, 2001).

A Tabela 5 mostra que resultados semelhantes foram obtidos por Scharmer (2001)

e Krahl (1996) utilizando biodiesel B100.

Diante desses dados pode-se assumir que o biodiesel proporciona uma nítida

redução das emissões de hidrocarbonetos. Büenger et al. (1998), Carraro et al. (1997) e

Krahl et al. (1996) demonstram que no caso particular dos HPAs suspeitos de serem

carcinogênicos ou mutagênicos, essa redução foi de 25% em relação ao óleo Diesel.

4) Limites de emissões no Proconve

O Conama mediante a Resolução nº 18, de 1986, instituiu o Programa de Controle

da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve). Esse programa tem como

objetivos principais a redução dos níveis de emissão de poluentes por veículos

automotores, a promoção do desenvolvimento tecnológico nacional da engenharia

automobilística, dos métodos e equipamentos para ensaios e medição da emissão de

poluentes, a criação de programas de inspeção e manutenção para veículos em uso, a

promoção da conscientização da população para os problemas da poluição do ar por

veículos automotores e a promoção da melhoria das características técnicas dos

combustíveis líquidos, postos à disposição da frota nacional de veículos automotores,

visando a redução da emissão de poluentes na atmosfera. A Resolução nº 8, de 31 de

agosto de 1993, em complemento à Resolução Conama nº 18, de 1986, estabelece os

limites máximos de emissão de poluentes para os motores do ciclo Diesel e veículos

pesados novos que são apresentados na Tabela 6.

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De acordo com a Resolução Conama nº 8, de 1993, a partir de 1º de março de

1994 todos os motores Diesel produzidos, referentes aos modelos responsáveis por pelo

menos 80% da produção, deveriam atender aos limites da fase II, devendo os modelos

remanescentes atender aos limites da Fase I. Seguindo o mesmo critério, os limites

correspondentes à Fase III deveriam ser atendidos a partir de 1º de janeiro de 1996 e os

limites referentes à Fase IV a partir de 1º de janeiro de 2000, com antecipação para 80%

dos ônibus urbanos para 1º de janeiro de 1998. A partir de 1º de janeiro de 2002 os limites

deveriam ser atendidos pela totalidade de motores destinados aos veículos pesados.

A Resolução nº.315, de 2002, do Conama dispõe sobre as novas etapas do

Proconve. Nessa Resolução foram estabelecidos os limites máximos de emissão de

poluentes e respectivas datas de implantação, conforme Tabelas 7 e 8, para os motores

destinados a veículos pesados, nacionais ou importados, a serem atendidos em 2006 e

2009.

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De acordo com essa Resolução, os motores convencionais do ciclo Diesel e

aqueles munidos de equipamentos de injeção eletrônica de combustível, recirculação de

gases de escapamento (EGR) e/ou catalisadores de oxidação deverão atender aos limites

de emissão expressos na linha 1 da Tabela 7, sendo ensaiados segundo os ciclos ESC e

ELR. Para o atendimento aos limites da linha 2 da Tabela 9 o motor deverá atender,

adicionalmente, aos limites da linha 2, da Tabela 7, segundo o ciclo ETC, e os motores do

ciclo Diesel equipados com sistemas de pós-tratamento dos gases de escapamento,

como catalisadores de NOx e ou filtro de partículas, além de atenderem aos limites

expressos na linha 1, deverão atender também aos limites de emissões estabelecidos

para o ciclo ETC, conforme a linha 1 da Tabela 8. Para os ônibus urbanos, a data de

implantação dos limites de emissão estabelecidos na linha 1, da Tabela 7, foi 1º de janeiro

de 2004; para os microônibus, a data de implantação dos limites de emissão

estabelecidos na Linha 1 da Tabela 7 foi 1º de janeiro de 2005, e para os veículos

pesados, exceto ônibus urbanos e microônibus, para quarenta por cento da produção

anual, por fabricante ou importador, a data de implantação dos limites de emissão

estabelecidos na linha 1 da Tabela 7 foi 1º de janeiro de 2005. Para os veículos pesados,

para 100% da produção anual, por fabricante ou importador, a data de implantação dos

limites de emissão estabelecidos na linha 2 das Tabelas 7 e 8 será 1º de janeiro de 2009.

A Resolução nº 315 do Conama exige também a disponibilidade dos combustíveis

de referência para desenvolvimento de produtos, testes e homologação, além de

combustíveis comerciais com características adequadas e compatíveis com as

tecnologias a serem adotadas nas datas previstas. Porém, veículos com motores que

utilizem combustíveis não previstos poderão ser dispensados parcialmente das

exigências, mediante decisão motivada e exclusiva do Instituto Brasileiro do Meio

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Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), por um período máximo de dois anos. A

resolução não define combustíveis não previstos. Assim, interpretou-se como qualquer

combustível para o qual não havia autorização de uso e especificações técnicas da ANP,

na data da publicação da Resolução nº 315 do Conama.

5) Limites de emissões na União Européia e nos Estados Unidos da América

Os limites de emissões de NOx requeridos pela legislação brasileira seguem uma

tendência mundial conforme se observa na Tabela 9, apresentada no Relatório Panorama

Internacional de Energia, publicado em 2004 pelo Departamento de Energia dos Estados

Unidos da América.

Verifica-se que, tanto nos Estados Unidos quanto na União Européia, a tendência

é a redução dos limites das emissões de óxidos de nitrogênio. O biodiesel tipicamente

provoca um aumento das emissões desse tipo de poluente de maneira proporcional à sua

adição ao óleo diesel. Sendo assim, um desafio importante é o desenvolvimento de

tecnologias que compensem esse efeito.

O enxofre contido no óleo diesel contribui para a lubricidade do combustível,

prevenindo o desgaste dos componentes do sistema de injeção. Entretanto, a oxidação

do enxofre e a sua reação com a água geram resíduos que causam a corrosão do

sistema e a poluição do ar. O biodiesel é um combustível isento de enxofre, dessa forma,

a sua adição ao óleo diesel vem ao encontro das exigências mundiais no que se refere ao

limites no teor de enxofre.

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6) Tecnologias para a redução das emissões de NOx em motores

As tecnologias para redução das emissões nos motores a diesel podem ser

analisadas analogamente às tecnologias empregadas para a redução das emissões em

fontes fixas. Tipicamente essas tecnologias são classificas em ‘tecnologias fim-de-tubo’,

ou seja, aquelas que atuam no pós-tratamento, e tecnologias contidas nos conceitos da

‘produção mais limpa’ e ‘tecnologias limpas’, que atuam na fonte. Em geral, considera-se

o melhor sistema de tratamento de emissões gasosas aquele que: efetua o tratamento

das emissões diretamente na fonte; maximiza a eficiência da queima do combustível;

utiliza combustível com propriedades adequadas ao desempenho do motor; é

complementado, quando necessário, por processos de pós-tratamento dos gases; utiliza o

mínimo possível de energia em sistemas auxiliares.

De acordo com Santos (2007), Huch e Leal (2005) classificaram as soluções

tecnológicas para redução das emissões em motores ciclo Diesel. Entre as tecnologias

para redução das emissões de NOx destaca-se o uso de aditivos melhoradores do NC,

alteração do tempo de injeção, aplicação de sistemas de recirculação dos gases da

exaustão, emprego de catalisadores para conversão do NOx contido nos gases do

escapamento e, no caso específico do biodiesel, determinação das fontes e propriedades

que contribuem para reduzir a formação do NOx. Dentre essas tecnologias, descritas por

Santos (2007), duas delas vêm ganhando importância junto aos fabricantes de motores:

aplicação de sistemas de recirculação de gases da exaustão e utilização do processo de

redução catalítica seletiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar do importante avanço decorrente da definição do marco regulatório para a

produção e distribuição do biodiesel no Brasil, ainda precisam ser debatidas muitas

questões relacionadas à sua produção e ao seu uso. Entre essas questões destacam-se

as de ordem técnica, ambiental, comercial e econômica, destacando-se que este trabalho

visou apresentar questões técnicas e ambientais.

Embora o biodiesel possua muitas características semelhantes às do óleo diesel,

existem algumas propriedades típicas de determinados óleos vegetais que criam algumas

barreiras técnicas.

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Aspectos Técnicos e Ambientais Relativos ao Uso de Biodiesel em Motores de Combustão

Mauro Alves dos Santos; Patrícia Helena Lara dos Santos Matai INTERFACEHS

O Conama definiu os limites atuais e futuros para cada uma das fases do

Proconve. Em geral, o biodiesel pode ser considerado um agente facilitador para o

atendimento das metas estabelecidas para o programa, uma vez que as emissões de MP,

CO e HC sofrem uma redução significativa quando o biodiesel é utilizado. Entretanto, as

emissões de NOx geralmente sofrem um aumento que é proporcional à quantidade de

biodiesel utilizada na mistura. Existem diversas tecnologias desenvolvidas para redução

das emissões de NOx. Porém, toda ação que se promove para reduzir as emissões de

NOx gera um aumento das emissões de MP e no consumo de combustível. Considerando

que o uso do biodiesel proporciona uma redução significativa das emissões de MP, resta

a desvantagem do aumento no consumo de combustível quando se aplicam as

tecnologias para redução das emissões de NOx, tais como as modificações dos

parâmetros de injeção que visam reduzir a temperatura na câmara de combustão.

Pode-se considerar que, não só como desafio, mas também como meio de

obtenção de respostas a algumas questões ambientais e técnicas, ainda há muito a ser

realizado com respeito à produção e ao uso de biodiesel em motores de combustão.

Dessa forma, como recomendação para a discussão, algumas questões não abordadas

neste trabalho podem ser destacadas:

• na produção de biodiesel: melhorias na separação da glicerina formada na reação

de transesterificação com etanol.

• considerar a possibilidade de se utilizar metanol na transesterificação, apesar de

aquele insumo ser derivado da indústria petroquímica, já que a reação de

transesterificação é mais rápida e os rendimentos são mais elevados em relação

ao etanol.

• considerando-se que há metas estabelecidas para o biodiesel em mistura com

óleo diesel, a glicerina obtida como co-produto na reação de transesterificação

deverá ter os seus usos ampliados em relação ao que ocorre atualmente.

• solucionar a questão da alta viscosidade do biodiesel produzido a partir de óleo de

mamona.

• realizar estudos comparativos de queima em motor de combustão com biodiesel

nacional produzido com etanol e com metanol, em paralelo com estudos de

emissões ambientais.

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Aspectos Técnicos e Ambientais Relativos ao Uso de Biodiesel em Motores de Combustão

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Artigo recebido em 08.02.08. Aprovado em 03.03.08.

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PESQUISA DE AVALIAÇÃO DE UM PROGRAMA SINDICAL DE FORMAÇÃO EM SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO*

Diane Berthelette1; Luc Desnoyers2; Anne Bédard3

1 Professora titular, Departamento de Organização e de Recursos Humanos, Ècole des Sciences de la

Gestion, Université du Québec à Montreal, Montreal, Québec [email protected] 2 Professor associado, Depatamento de Ciências Biológicas, Université du Québec à Montreal, Montréal,

Québec 3 M. B. A., Montréal, Québec

RESUMO O objetivo desta pesquisa de avaliação era analisar a relação que poderia existir entre o

processo de um programa de formação de base em saúde e segurança do trabalho e os

efeitos dele esperados. Esse programa, oferecido por uma central sindical quebequense a

seus membros, tem por objetivo último melhorar a ação sindical dos trabalhadores, em

seu meio de trabalho, quanto a esse ponto. Nossos resultados parecem indicar que esse

programa produz a maioria dos efeitos esperados relativos aos temas estudados, ou seja,

aumentar a compreensão do papel dos fatores ambientais na ocorrência de acidentes de

trabalho e atribuir esses eventos a riscos ambientais pelos quais os empregadores são

responsáveis.

Palavras-chave: formação sindical; prevenção de acidentes de trabalho; avaliação.

1

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Pesquisa de Avaliação de um Programa Sindical de Formação em Saúde e Segurança do Trabalho

Diane Berthette; Luc desnoyers; Anne Bédard INTERFACEHS

Os resultados que apresentamos no presente artigo decorrem de um projeto de

pesquisa avaliativa que tinha por objetivo geral verificar se um programa sindical de

formação em saúde e segurança do trabalho atingia seus objetivos ou, em outros termos,

produzia os efeitos esperados (CONTANDRIOPOULOS et al., 1992). O programa em

estudo, oferecido por uma Central sindical quebequense a seus membros, tem por

objetivo último melhorar a ação sindical dos trabalhadores implementada em seus meios

de trabalho no que se refere à prevenção primária de lesões profissionais. Nosso estudo é

a primeira pesquisa de avaliação de um programa de formação sindical em saúde e

segurança do trabalho oferecido no Quebec. Apresentamos aqui nossos resultados sobre

um dos temas que é objeto da formação, ou seja, os acidentes de trabalho e, mais

especificamente, os objetivos de aprendizagem seguintes: 1) compreender que os

acidentes de trabalho têm várias causas; 2) ser capaz de identificar essas causas; 3) ser

capaz de identificar as medidas para evitar a ocorrência de acidentes e 4) atribuir os

acidentes de trabalho a riscos ambientais pelos quais os empregadores são responsáveis.

O programa de formação de base em saúde e segurança do trabalho (SST) em

estudo tem uma duração de quinze horas, divididas em três dias. Ele é dirigido a

membros de comitês de saúde e segurança do trabalho, a delegados sindicais, a oficiais

ou simples membros de sindicatos. Ele é oferecido regularmente, desde 1976, pelo

Serviço de Educação da Central, com formadores vindos das instâncias regionais (os

Conselhos do Trabalho) ou ainda formadores dos grandes sindicatos afiliados. Em todos

os casos, trata-se de militantes sindicais formados pela Central no decorrer de uma

sessão que dura cinco dias e incide tanto sobre o conteúdo como sobre os métodos

pedagógicos. Distribuem-se aos aprendizes cadernos de formador e de participante. Além

disso, colocam-se os futuros formadores em situação concreta de formação diante de

seus colegas. Suas práticas pedagógicas são analisadas e comentadas. Os formadores

novatos que são bem-sucedidos nesse curso podem, depois, oferecer programas de

formação a militantes sindicais, inicialmente sob a supervisão de formadores seniores.

Blondin (1980, p. 79) especifica que o curso de base em saúde e segurança do

trabalho segue as três etapas seguintes:

1) “conscientização do número dramático de acidentes de trabalho e a

deterioração geralmente rápida da saúde dos trabalhadores como conseqüência da

presença pouco controlada de assassinos silenciosos que hipotecam gravemente sua

saúde”;

2) “informações sobre leis cuja meta oficial é a proteção da saúde”; e

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Pesquisa de Avaliação de um Programa Sindical de Formação em Saúde e Segurança do Trabalho

Diane Berthette; Luc desnoyers; Anne Bédard INTERFACEHS

3) “as diversas dimensões dos meios de ação sindical... para proteger nossa

saúde, assegurar nossa integridade física”. Essas três etapas correspondem aos três

“blocos” do programa de formação identificados como segue no caderno do formador:

1) os acidentes de trabalho e as ameaças à saúde;

2) direitos dos trabalhadores e trabalhadoras em matéria de saúde e segurança; e

3) a ação sindical.

O processo do programa deve, antes de tudo, recorrer à utilização da experiência

e dos conhecimentos dos trabalhadores. Ele é baseado na troca e no confronto dos

conhecimentos e das percepções. Poucas exposições devem ser apresentadas. Devem-

se privilegiar as discussões e os trabalhos de equipe. Além disso, a comunicação deve

ser simples e direta. Blondin (1980, p. 78) também especifica que os formadores devem

evitar “tudo que é paralisante, passivo, desmobilizador”, porque os programas de

formação são concebidos para “que, ao sair do curso, o que foi aprendido seja traduzido

em gestos concretos, em ação e engajamento”. Esse é o objetivo último do programa de

formação.

Poucas pesquisas de avaliação incidem sobre programas de formação em saúde e

segurança do trabalho e aquelas que foram consagradas ao tema se concentraram,

principalmente, em intervenções cujo objetivo último era diferente do programa que é

objeto de nosso estudo, ou seja, modificar os comportamentos dos trabalhadores em

relação às suas atividades de trabalho e, principalmente, as posturas adotadas no

momento de erguer cargas, de modo a prevenir doenças nas costas. Algumas

publicações se referem a programas de formação que perseguem objetivos últimos

similares ao programa que é objeto de nosso estudo, ou seja, levar os indivíduos

formados a melhorar as condições de trabalho em seus respectivos meios. Tais

publicações foram produzidas, antes de tudo, por ergonomistas, que conceberam

programas de formação mediante análise do trabalho visando os trabalhadores. Em geral,

os autores descrevem análises qualitativas pouco formalizadas, comparando as

características das situações de trabalho que prevaleciam antes da formação àquelas que

observaram ou ainda que os trabalhadores lhes relataram após a formação. As

observações dos autores parecem convergir: a formação mediante análise do trabalho

levaria os indivíduos formados a reivindicar melhoria de suas condições de trabalho

(WENDELEN et al., 1998). Pelo que sabemos, um único estudo empírico relata esse

programa de formação (MONTREUIL et al., 1997). Este era destinado a pessoal que

utiliza terminais com monitores de visualização e era baseado em um modelo de

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Pesquisa de Avaliação de um Programa Sindical de Formação em Saúde e Segurança do Trabalho

Diane Berthette; Luc desnoyers; Anne Bédard INTERFACEHS

promoção da saúde que visava permitir aos trabalhadores conhecer as sujeições e os

riscos associados às suas condições de trabalho e fornecer-lhes estratégias preventivas.

Os resultados indicam que o número de indivíduos que implantaram estratégias

preventivas era significativamente mais elevado no grupo exposto ao programa do que no

grupo testemunha. O número de mudanças implementadas nos postos de trabalho era

significativamente superior no grupo exposto. Da mesma forma, entre os indivíduos de

menos de 40 anos do grupo exposto, a incidência de problemas músculo-esqueléticos

era, pela metade, inferior à do grupo testemunha.

Descrevemos em outro lugar a implantação do programa que é objeto de nosso

estudo e sua teoria subjacente, e a variação que observamos entre os componentes do

programa prescrito pela Central e aqueles que haviam sido implantados (DESNOYERS et

al., 1997; BERTHLETTE et al., 1998). A descrição da teoria subjacente permitiu-nos, entre

outras coisas, delimitar os efeitos intermediários do programa. Parecia-nos mais útil

centrar nossa avaliação nesses efeitos, mais do que ressaltar os efeitos últimos do

programa a fim de permitir à Central ter uma visão de conjunto dos resultados de cada um

dos objetivos de aprendizagem de seu programa. Nós queríamos, igualmente, evitar

utilizar a abordagem da “caixa preta” (CHEN e ROSSI, 1983), cujos limites são

importantes. Os pesquisadores que recorrem a essa abordagem deixam de verificar a

implantação do programa avaliado. Conseqüentemente, eles não podem explicar seus

resultados quando estes indicam que um programa não produz os efeitos esperados. Nós

desejamos, ao contrário, estar em condição de produzir resultados úteis à Central sindical

em questão a fim de que ela possa tomar decisões esclarecidas sobre o futuro de seu

programa. Além disso, poucas publicações que se referem à análise dos efeitos de

programas de formação em saúde e segurança do trabalho descrevem suas teoria

subjacente e os processos. Conseqüentemente, é limitada a extrapolação dos resultados

dessas pesquisas de avaliação a programas que podem ser similares. Apresentamos

dados sobre a teoria subjacente ao programa e seu processo - as atividades

empreendidas no contexto do programa (CONTANDRIOPOULOS et al., 1992) - a fim de

facilitar a comparação, por nossos leitores, das características do programa em estudo

com outras intervenções similares.

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Diane Berthette; Luc desnoyers; Anne Bédard INTERFACEHS

MÉTODOS

A população em estudo é composta de membros dos sindicatos locais,

pertencentes a uma grande Central sindical quebequense, disponíveis para participar do

programa em estudo. Recorremos a uma estimativa de pesquisa pré-teste, pós-teste com

grupo testemunha não equivalente. Uma vez que a participação no programa de formação

era voluntária, a possibilidade de distribuir os sujeitos de maneira aleatória nos grupos

exposto e testemunha estava excluída.

Utilizamos o método de amostragem por conglomerados a fim de recrutar os

sujeitos do estudo. A amostra do grupo exposto é composta de 65 delegados sindicais

que participaram de quatro sessões de formação oferecidas entre os meses de fevereiro e

novembro de 1999. Essas sessões reuniam dezoito pessoas em média. Cada sessão era

ministrada por dois formadores em um período de três dias consecutivos, conforme o

programa prescrito. O pré-teste foi administrado no início do primeiro dia de formação,

enquanto o pós-teste foi completado no fim do terceiro e último dia de formação.

Os sujeitos do grupo testemunha foram recrutados entre os membros dos

sindicatos locais expostos a outros programas de formação e não a este, que é objeto do

presente estudo, entre os meses de novembro de 1997 e fevereiro de 2000 (n=60). Eles

participaram de seis programas de formação relacionados aos seguintes temas: 1) o

barulho; 2) a organização do trabalho (2 grupos); e 3) o delegado sindical (3 grupos). As

atividades desses programas eram divididas em três dias, como no programa em estudo.

Em todos os casos, o pré-teste foi administrado no início do primeiro dia de curso,

enquanto que o pós-teste foi completado no fim do último dia.

Procedemos a um estudo exploratório a fim de identificar os efeitos esperados do

programa, ou seja, os objetivos de aprendizagem e seu conteúdo nocional, “a matéria a

ser aprendida ou o objeto da habilidade a desenvolver” (TOUSIGNANT e MORISSETTE,

1990, p. 48). Para isso, adotamos um procedimento interativo comportando as três etapas

seguintes:

1) recolher e analisar o conteúdo dos dados retirados do material pedagógico

utilizado pelos formadores e pelos participantes, depois o registro de uma sessão de

formação que gravamos em fita;

2) validar nossos resultados preliminares junto à pessoa responsável pela

formação em SST da Central; e

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Diane Berthette; Luc desnoyers; Anne Bédard INTERFACEHS

3) confrontar nossos resultados com quadros conceituais que pudessem conter

objetivos de aprendizagem pertinentes ao programa em estudo. A análise do conteúdo do

material pedagógico permitiu-nos identificar os 32 temas sobre os quais a formação

incidia. Utilizamos esses temas para efetuar uma primeira codificação do registro da

sessão e isso com a ajuda do programa Atlas Ti.

Os objetivos de aprendizagem relativos ao tema acidentes de trabalho, que é

objeto do presente artigo, identificados após a análise qualitativa dos resultados deste

estudo, são os seguintes:

1) compreender que os acidentes de trabalho têm várias causas;

2) ser capaz de identificar essas causas;

3) ser capaz de identificar as medidas para evitar a ocorrência de acidentes; e

4) atribuir os acidentes a riscos ambientais, pelos quais os empregadores são

responsáveis.

A duração prescrita das atividades de formação é de 75 minutos, enquanto aquela

que observamos foi de 120. Essa diferença seria devida às três dimensões seguintes da

teoria subjacente ao programa elaborado por aqueles que o conceberam: 1) o objetivo

último do programa é levar os participantes a mobilizar os trabalhadores de sua empresa

de modo que eles façam pressão sobre os dirigentes para eliminarem as fontes de risco

de lesões profissionais; 2) para que o programa produza esse objetivo último, ele deve,

previamente, levar os participantes a atribuírem o conjunto das lesões profissionais às

condições de trabalho; 3) estas últimas dependem da responsabilidade dos

empregadores; 4) seria inútil prosseguir a formação se os objetivos do primeiro bloco do

curso não foram atingidos.

Os dois quadros conceituais seguintes pareceram-nos pertinentes para conceituar

os objetivos da Central identificados precedentemente sob a forma de objetivos de

aprendizagem, ou seja: a taxonomia dos objetivos pedagógicos (BLOOM et al., 1969) e a

teoria da atribuição (DUBOIS, 1996). A taxonomia dos objetivos pedagógicos refere-se às

manifestações cognitivas da aprendizagem, ou seja, conhecimentos, habilidades e

capacidades intelectuais. Ela reúne seis níveis de aprendizagem, subdivididos em

subcategorias e ordenados de modo hierárquico em função de seu grau de abstração e

complexidade. Trata-se das categorias seguintes: aquisição de conhecimento,

compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação. O conhecimento refere-se à

simples memorização de fatos, métodos, processos, modelos, estruturas ou ordens. A

compreensão consiste em conhecer a informação que é comunicada e saber dela se

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Pesquisa de Avaliação de um Programa Sindical de Formação em Saúde e Segurança do Trabalho

Diane Berthette; Luc desnoyers; Anne Bédard INTERFACEHS

servir, sem, necessariamente, estabelecer vínculo com outras informações nem

apreender todo seu alcance. A aplicação e a análise são, respectivamente, definidas

como “a utilização de representações abstratas em casos particulares e concretos” e a

“separação dos elementos ou partes constituintes de uma comunicação de modo a

esclarecer a hierarquia relativa das idéias e das relações entre as idéias expressas”. A

síntese é uma operação que consiste em reunir e combinar elementos de modo a “formar

um plano ou uma estrutura que anteriormente não se distinguia claramente”. Enfim, a

avaliação consiste em fazer um julgamento de valor sobre um objeto visando um fim

preciso. Esse quadro conceitual permitiu-nos delimitar dois dos objetivos de

aprendizagem em relação ao tema dos acidentes de trabalho, ou seja, a compreensão

dos fatores que contribuem para os acidentes e a aplicação de conhecimentos para sua

prevenção.

A atribuição é “uma explicação, um julgamento, uma inferência feita a posteriori

sobre um evento preciso” (DUBOIS, 1996). Ela remete aos lugares de causalidade desse

evento, que podem ser de ordem interna (causas atribuídas às características do

indivíduo envolvido no evento) ou externa (causas atribuídas a fatores de origem

ambiental). Esse conceito pareceu-nos pertinente para qualificar um dos efeitos

esperados da formação, ou seja, a habilidade dos indivíduos formados em explicar a

ocorrência de acidentes de trabalho em função de fatores ambientais (problemas de

organização do trabalho, de ferramentas inadequadas, etc.), mais que atribuí-los à

adoção de comportamentos de risco por trabalhadores vítimas de acidentes. Trata-se da

pedra angular da teoria subjacente ao programa elaborado pela Central. Assim, a

atribuição das lesões profissionais a causas de ordem externa é um dos objetivos

intermediários do programa de formação.

Nós criamos um quadro de especificação dos objetivos de aprendizagem, de seu

conteúdo nocional e sua importância relativa (TOUSIGNANT e MORISSETTE, 1990;

DESNOYERS et al., 1997). Avaliamos a importância relativa dos objetivos e de seu

conteúdo em função da proporção de tempo (real sobre prescrito) que lhes foi dada pelas

formadoras da sessão observada e dos comentários da pessoa responsável pelos cursos

de SST da Central.

Essas diferentes etapas permitiram-nos construir um instrumento de medida que

refletisse a importância relativa dos efeitos esperados do programa que deviam ser

medidos. Trata-se de um questionário auto-administrado que comportava questões

relativas aos efeitos esperados do programa e às características dos sujeitos que nos

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permitiriam controlar os eventuais vieses de seleção que pudessem alterar a validade

interna de nosso estudo. Lembremos que os resultados que apresentamos referem-se a

um único dos temas da formação, ou seja, os acidentes de trabalho.

Submetemos os objetivos de aprendizagem e seu conteúdo nocional, assim como

a formulação de nossas questões, ao responsável pela formação em SST da Central a fim

de validar seu conteúdo. Mensuramos o conjunto das variáveis dependentes,

correspondente aos efeitos do programa e que são o objeto do presente artigo, com a

ajuda do seguinte caso:

“Diana é técnica de laboratório. Ela usa meios individuais de proteção (MIP) no

contexto de suas atividades. Trata-se de um gabão, luvas, óculos, um chapéu e

uma máscara de respiração. Ela trabalha num meio cuja temperatura varia entre

25 e 35 graus Celsius. Essa temperatura elevada é devida, essencialmente, à

proximidade de aparelhos de esterilização. Por conta do calor, o uso do

equipamento torna-se particularmente irritante e aconteceu que Diana o tirou. Um

dia, nessa situação, Diana teve uma queimadura de segundo grau por causa dos

gazes que escaparam no momento da abertura do aparelho de esterilização.”

As três questões seguintes foram utilizadas:

1) Qual(is) é(são) a ou as causas desse acidente?

2) Como esse acidente poderia ter sido evitado? e

3) Quem é responsável por esse acidente?

O programa de formação prevê a utilização de cinco casos comparáveis a esse

que utilizamos, seguidos de questões idênticas às nossas.

A primeira questão de nosso instrumento de medida era aberta. Ela visava medir a

compreensão dos sujeitos sobre o fenômeno do acidente. Trata-se, igualmente, de uma

medida de atribuição de causas a acidentes. Nós repertoriamos o conjunto das respostas

fornecidas pelos sujeitos. Cada uma delas foi objeto de uma avaliação normativa pelos

pesquisadores responsáveis pelo projeto. Essa avaliação incidia sobre a plausibilidade

teórica da resposta. Depois, as respostas plausíveis à primeira questão foram codificadas

novamente, nas duas seguintes categorias: causas individuais e causas ambientais.

Enfim, calculamos, para cada sujeito, o número de respostas pertencentes a cada uma

dessas categorias. Trata-se dos dois primeiros efeitos esperados medidos ou variáveis

dependentes, ou seja, o número de causas individuais plausíveis e o número de causas

ambientais plausíveis do acidente descrito no caso, enumeradas pelos sujeitos.

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A segunda questão era aberta. Ela visava medir a aplicação dos conhecimentos

adquiridos em relação à prevenção de acidentes de trabalho. As respostas plausíveis à

segunda questão foram igualmente codificadas nas duas categorias seguintes:

1) ações individuais plausíveis por parte da trabalhadora e

2) ações plausíveis por parte dos empregadores.

Trata-se de nossos terceiro e quarto efeitos esperados ou variáveis dependentes,

ou seja, o número de ações individuais e o número de ações organizacionais plausíveis

que poderiam ter sido implementadas para prevenir o acidente descrito, enumeradas

pelos sujeitos.

A terceira questão comportava as duas subquestões seguintes, cujas respostas

eram medidas com a ajuda de escalas visuais análogas:

1) indique a % de responsabilidade do empregador nesse acidente, e

2) indique a % de responsabilidade da trabalhadora nesse acidente.

As porcentagens de responsabilidade do empregador e da trabalhadora são os

dois últimos efeitos esperados ou variáveis dependentes. Trata-se de varáveis contínuas,

cujo valor pode variar entre 0 e 10, que visam medir a atribuição de causas de acidentes.

Recorremos às três variáveis seguintes a fim de verificar a presença potencial de

um viés de seleção nos grupos exposto e testemunha:

1) o número de meses de experiência em um comitê de saúde e segurança do

trabalho;

2) o número de meses de experiência como delegado sindical; e

3) a exposição anterior a um curso de formação sindical em saúde e segurança do

trabalho.

Recorremos a questões abertas para medir as duas primeiras variáveis, que são

de natureza contínua. Atribuímos um valor nulo a essas duas variáveis quando os sujeitos

não possuíam nenhuma experiência. Quanto à terceira variável, que é dicotômica, nós

pedimos aos sujeitos que identificassem os programas de formação que haviam seguido

com base numa lista de 23 programas identificados pela Central. A exposição anterior a

um ou outro de três programas pertinentes (Ação em prevenção, Organização do trabalho

e Demandantes à Comissão da Saúde e Segurança do Trabalho) recebia um código

significando a presença de uma formação em saúde e segurança do trabalho. Tentamos,

com a ajuda dessas três variáveis, avaliar o nível de competência em SST dos sujeitos

por ocasião do pré-teste.

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Efetuamos análises descritivas das variáveis dependentes e de controle, assim

como análises bivariadas para comparar nossos grupos. O pertencimento ao grupo

exposto ou testemunha corresponde à variável independente.

Num primeiro momento, verificamos se existiam diferenças significativas entre o

grupo exposto e o grupo testemunha no que se refere às variáveis de controle recorrendo

a testes de t (experiência num comitê de SST e como delegado sindical) e a testes de

Qui-quadrado (número de sujeitos com uma experiência num comitê de SST e tendo

ocupado uma função de delegado sindical e formação anterior em SST). Como mostra a

Figura 1, avaliamos as distâncias entre os grupos para cada uma das variáveis

dependentes com a ajuda de teste de t:

1) pré-teste versus pós-teste para

a) grupo exposto (C1) e

b) para o grupo testemunha (C2).

2) pré-teste dos grupos exposto versus testemunha (C3), e

3) pós-teste dos grupos exposto e testemunha (C4).

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Nossas análises multivariadas tinham por objetivo estimar o efeito da exposição ao

programa de formação sobre cada um dos seis efeitos esperados do programa. A

exposição ao programa, medida de maneira dicotômica conforme os sujeitos

pertencessem ao grupo exposto ou testemunha, constitui a variável independente. Os

resultados obtidos pelos sujeitos, no que concerne aos efeitos esperados do programa,

medidos por ocasião do pós-teste, correspondem às seis variáveis dependentes. Além

disso, os resultados do pré-teste para cada uma das seis medidas dos efeitos foram

incluídos em nossas análises a título de variáveis de controle, de modo a avaliar o efeito

líquido da formação, ou seja, o grau de aprendizagem dos sujeitos entre o período que

precedia a formação (pré-teste) e o que a seguia (pós-teste).

As interações entre, de um lado, a seleção e o hábito com o teste e, de outro lado,

a maturação e a história são vieses que podem ameaçar a validade interna de um estudo

baseado numa avaliação como a nossa (CONTANDRIOPOULOS et al., 1980). De fato, a

ausência de uma distribuição aleatória dos sujeitos no grupo exposto e no grupo

testemunha pode fazer com que os grupos apresentem características diferentes,

capazes de originar uma eventual variação entre seus respectivos resultados, acarretando

assim um viés de seleção. Ora, se tais diferenças fazem com que um grupo seja mais

sensível a um viés de hábito ao teste, de maturação ou de história que o outro grupo, a

validade da relação observada entre a exposição ao programa e seus efeitos é alterada.

Recorremos a três variáveis medindo as competências dos sujeitos em SST a fim

de tentar controlar a presença potencial de um viés de interação entre a seleção e o

hábito com o teste. Um viés de hábito com o teste aparece quando as respostas ao pós-

teste são alteradas pela utilização do instrumento de medida dos efeitos no pré-teste. No

caso deste estudo, postulamos que as três variáveis de controle permitiam avaliar as

competências adquiridas em SST antes da exposição ao programa. Era plausível que o

conhecimento das questões relativas aos efeitos esperados do programa, adquirido por

ocasião da administração do pré-teste acarretasse uma reflexão que podia modificar as

respostas dadas quando do pós-teste, e isso particularmente entre os sujeitos que

possuíam competências em SST no momento do pré-teste.

Um viés de maturação altera a validade interna dos resultados quando os sujeitos

sofrem mudanças, ligadas ao tempo entre o pré-teste e o pós-teste, capazes de alterar

seus resultados no pós-teste. Um viés de história está presente quando os sujeitos são

expostos a uma outra intervenção, que persegue objetivos similares àquela que é objeto

da pesquisa de avaliação, entre o pré-teste e o pós-teste. Nós administramos os

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questionários pós-teste no último dia de formação, ou seja, três dias após o início da

formação nos dois grupos, a fim de tentar reduzir ao mínimo a probabilidade de interação

entre eventuais vieses de seleção, maturação e história.

Nossas análises descritivas revelaram que as quatro primeiras variáveis

dependentes (o número de causas individuais e de causas ambientais plausíveis de

acidente e o número de ações individuais e organizacionais plausíveis que poderiam ter

sido implementadas para prevenir o acidente) seguiam uma distribuição de Poisson. Para

as análises finais, então, reunimos as respostas em duas categorias, ou seja, a presença

ou a ausência de respostas plausíveis. Depois submetemos nossos dados a análises de

regressão logística múltipla. Utilizamos o método de seleção de variáveis progressiva

hierárquico. A seleção das variáveis foi realizada com a ajuda do ratio dos logaritmos

naturais de verossimilhança (“likelihood ratio”). Os dois métodos seguintes nos permitiram

avaliar o grau de ajuste do modelo: 1) a comparação dos valores preditos com os valores

observados e 2) a relação de verossimilhança. Enfim, as duas últimas variáveis

dependentes foram submetidas a análises de regressão linear múltipla. Recorremos ao

método de seleção das variáveis progressiva hierárquica.

RESULTADOS 1. Características dos grupos

As taxas de resposta dos grupos exposto e testemunha são, respectivamente, de

80% e de 90%. Entretanto, após retirar os questionários que não continham o conjunto

dos dados úteis às análises apresentadas neste artigo, as taxas de resposta caíram a

65% (grupo exposto) e 70% (grupo testemunha), cada grupo composto por 42 sujeitos.

Os resultados de nossas análises descritivas indicam que 30 sujeitos do grupo

exposto e 10 sujeitos do grupo testemunha foram membros de um comitê de saúde e

segurança do trabalho. A diferença entre os grupos é estatisticamente significativa

(p=0,000). O número médio de meses de experiência num comitê era, respectivamente,

de 7,3 meses (s = 9,6) entre os sujeitos do grupo exposto ao programa e de 11,1 meses

(s = 22,1) entre os sujeitos do grupo testemunha. Essa diferença entre os grupos não é

estatisticamente significativa (p=0,456).

O número de sujeitos com experiência de delegado sindical está distribuído como

segue entre os grupos exposto e testemunha: 23 e 34. A diferença é estatisticamente

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significativa (p=0,009). O número médio de meses de experiência nessa função eleva-se

a 11,1 meses (s = 22,1) no grupo exposto e a 36,4 meses ( s = 66,0) no grupo

testemunha (p=0,021).

Além disso, as porcentagens respectivas, dos grupos exposto e testemunha, de

indivíduos que acompanharam outros programas de formação em SST que não o

programa em estudo são de 2% e de 33% para o grupo testemunha. Essa proporção

elevada no grupo testemunha não é de surpreender, visto que o conteúdo de três dos seis

programas, nos quais nós os recrutamos, se relacionavam em parte a aspectos ligados à

saúde e segurança do trabalho. Não pudemos efetuar o teste Qui-quadrado para essa

variável porque uma célula continha menos de cinco sujeitos. Os resultados das análises

bivariadas e a importância da distância observada entre os grupos quanto às formações

anteriores em SST parecem indicar a presença de um viés de seleção entre os grupos.

2. Os resultados das análises bivariadas

As análises bivariadas apresentadas nos Quadros 1 e 2 revelam a presença de

uma única diferença estatisticamente significativa entre os grupos exposto e testemunha

no que concerne os resultados no pré-teste (C3 da Figura 1). Trata-se da atribuição da

responsabilidade do empregador quanto a um acidente descrito no caso submetido aos

sujeitos. O grupo exposto atribui, inicialmente, uma responsabilidade menor ao

empregador que o grupo testemunha (5,45 ± 3 versus 6,82 ± 3,02). A presença dessa

distância significativa indica a presença de um viés de seleção para essa variável, cujo

efeito nós controlamos nas análises finais com a inclusão de resultados do pré-teste a

título de variável de controle.

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No grupo exposto, observamos diferenças estatisticamente significativas entre os

resultados do pré-teste e os do pós-teste (C1) e para cada um dos efeitos esperados do

programa. O número de causas individuais de acidente identificadas pelos sujeitos, assim

como a variação intragrupo, diminuem sensivelmente entre o pré-teste e o pós-teste,

enquanto o número de causas ambientais aumenta. Observamos o mesmo fenômeno

quanto à medida de aplicação dos conhecimentos concernentes às ações individuais e

organizacionais que podem ser acionadas com antecedência para prevenir os acidentes

de trabalho. Enfim, a porcentagem de responsabilidade atribuída à trabalhadora diminui

de forma importante, enquanto a atribuída ao empregador aumenta.

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Entre as testemunhas, observamos que as médias pré-teste e pós-teste (C2) de

quatro varáveis são objeto de diferenças estatísticas significativas. O número médio de

causas ambientais ( x pré=0,944; x pós=0,679) e de ações organizacionais ( x pré=1,00;

x pós=0,714) diminui entre o pré-teste e o pós-teste, o que corresponde ao inverso

daquilo que o programa de formação visa atingir. Além disso, a porcentagem de

responsabilidade que as testemunhas atribuem ao empregador aumenta ( x pré=6,82;

x pós=7,59) enquanto aquela atribuída à trabalhadora diminui ( x pré=4,80; x pós=3,22).

A diferença entre os resultados do pré-teste e do pós-teste observada no grupo

testemunha pode indicar a presença de um viés de hábito no teste quanto a essas

variáveis.

Enfim, comparamos os resultados pós-teste dos grupos exposto e testemunha

(C4). Nossas análises revelam a presença de diferenças significativas entre os grupos e

isso no caso de cada uma das variáveis dependentes. O número de causas individuais de

acidentes é inferior, enquanto que o número de causas organizacionais é superior no

grupo exposto ao programa. Observamos o mesmo fenômeno quanto ao número de

ações individuais e organizacionais visando prevenir o acidente. Enfim, a porcentagem de

responsabilidade atribuída ao empregador é superior no grupo exposto, enquanto que

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aquela atribuía à trabalhadora é menor. Esses resultados estão de acordo com a teoria

subjacente ao programa.

3. Os resultados das análises multivariadas

Somente as análises multivariadas permitem verificar se as mudanças

observadas no grupo exposto podem ser atribuídas ao programa de formação. Elas

também nos permitem avaliar a importância relativa do efeito do programa sobre essas

mudanças. Reunimos os resultados de nossas análises de regressão logística no Quadro

3, enquanto aqueles obtidos com a ajuda de análises de regressão linear múltipla

aparecem no Quadro 4.

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A exposição ao programa de formação é a única variável associada de forma

estatisticamente significativa à probabilidade de um sujeito atribuir uma causa individual

ao acidente por ocasião do pós-teste. Nossos resultados indicam que o programa reduz

essa probabilidade, uma vez que a ratio das cotas é de 0,141 e os sujeitos que

participaram do programa de formação em estudo têm uma probabilidade 85,9% inferior à

dos sujeitos do grupo testemunha de identificar uma causa individual de acidente após a

formação. Duas variáveis permitem explicar a probabilidade de um sujeito referir-se a uma

causa ambiental. Trata-se de resultados no pré-teste e da exposição ao programa. Uma

vez controlado o efeito dos resultados do pré-teste, essa probabilidade é quatro vezes

maior para o grupo que participou do programa do que para o grupo testemunha. Em

suma, parece que o programa de formação atinge um de seus objetivos, ou seja,

aumentar a compreensão do papel dos fatores ambientais na ocorrência de acidentes de

trabalho.

Nenhuma variável permite explicar os resultados obtidos no pós-teste

concernentes à probabilidade de identificar ações individuais de prevenção de acidente

exposta em nosso caso. Em contrapartida, os resultados do pré-teste e a exposição ao

programa estão associados, de maneira estatisticamente significativa, à probabilidade de

identificar ações organizacionais. O programa de formação aumenta quatorze vezes a

probabilidade de que os sujeitos identifiquem pelo menos uma causa organizacional,

depois que o efeito dos resultados do pré-teste foi controlado.

Nossos dois modelos de regressão múltipla linear respeitam essas premissas, tal

como revelaram as análises residuais e as análises de correlação entre as variáveis

independentes e de controle. O coeficiente de correlação mais elevado era de 0,415

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(p=0,000); ele se referia ao número de meses de experiência em SST e antiguidade na

função de delegado sindical.

Três variáveis estão positivamente associadas, e de maneira estatisticamente

significativa, à porcentagem de responsabilidade atribuída ao empregador. Elas explicam

30,4% da variação dessa variável. A exposição ao programa é a variável que parece ter o

efeito mais importante, seguida dos resultados do pré-teste, depois da presença de uma

formação. Enfim, duas variáveis foram retidas para explicar a variação da porcentagem de

responsabilidade atribuída ao trabalhador. Elas explicam 17,8% dela. A exposição ao

programa tem um efeito negativo sobre nossa variável dependente, enquanto que os

resultados do pré-teste estão associados a ele de maneira positiva. Esses resultados

parecem indicar que o programa de formação favorece a aquisição de uma atribuição

externa aos acidentes.

DISCUSSÃO

Os resultados que apresentamos no contexto do presente artigo fazem parte de

uma pesquisa de avaliação mais ampla, que tinha como objetivo geral verificar se um

programa de formação de base em saúde e segurança do trabalho, oferecido por uma

Central sindical a seus membros, produzia os efeitos esperados. Trata-se de um tipo de

pesquisa de avaliação, ou seja, uma análise dos resultados segundo o quadro conceitual

de Contandriopoulos et al. (1992). Empreendemos esta pesquisa após ter constatado que

existia pouca distância entre o programa prescrito e aquele que fora implantado. Para

analisar os resultados do programa de formação, recorremos a uma estratégia de

pesquisa experimental já evocada e, mais particularmente, a uma estimativa pré-teste e

pós-teste com grupo testemunha não equivalente, visto que era impossível distribuir

aleatoriamente os sujeitos no grupo exposto ao programa e no grupo testemunha, uma

vez que a implementação do programa e o recrutamento dos participantes estavam sob

controle da Central, de suas instâncias regionais e dos sindicatos que a compõem. Em

tais circunstâncias, a escolha de uma tal estimativa é ótima, visto que reduz ao mínimo o

número de vieses capazes de alterar a validade interna dos resultados

(CONTRANDRIOPOULOS et al., 1980).

Tentamos prevenir a ocorrência de um viés de seleção ao constituir nosso grupo

testemunha com sujeitos cujas características podiam ser similares às dos sujeitos do

grupo exposto ao programa de formação. Visto que a experiência sindical era uma

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variável importante, recrutamos os sujeitos do grupo testemunha em programas de

formação destinados a membros ativos em seus respectivos sindicatos. Verificamos,

igualmente, se existiam diferenças entre nossos grupos com a ajuda de nossas variáveis

de controle. Nossos resultados indicaram que os sujeitos do grupo exposto comportavam

três vezes mais membros de comitês de saúde e segurança do trabalho, mas que a

duração de sua experiência na matéria não era estatisticamente diferente daquela do

grupo testemunha. Por seu lado, as testemunhas comportavam mais membros que

atuavam como delegado sindical (uma função de alcance mais geral) e por um tempo três

vezes maior. Os sujeitos do grupo testemunha tinham também acompanhado programas

de formação em diferentes domínios relacionados à saúde e à segurança do trabalho.

Entretanto, nossas análises bivariadas relativas à comparação dos resultados pré-teste

dos grupos exposto e testemunha parecem indicar que a validade de um único resultado

corria o risco de estar ameaçada por um viés de seleção. Trata-se da responsabilidade de

acidente atribuída por nossos sujeitos ao empregador, a qual era, logo de início, superior

no grupo testemunha. Os efeitos potenciais de um viés de seleção foram controlados

quando de nossas análises multivariadas, pela inclusão dos resultados do pré-teste dos

grupos exposto e testemunha a título de variáveis de controle e a comparação dos

resultados pós-teste entre esses grupos. A inclusão de nossas variáveis de controle

relativas à experiência em um comitê de SST e como delegado sindical, assim como a

presença de formação anterior em SST, nas análises de regressão, permitiram-nos

controlar o viés de interação potencial entre a seleção e o hábito com o teste. Uma vez

que o tempo decorrido entre o pré-teste e o pós-teste dos grupos exposto e testemunha

era idêntico e diminuto, é muito pouco provável que um viés de interação entre a seleção

e a maturação tenha podido alterar a validade interna de nosso estudo. Entretanto, em

razão das diferenças existentes entre nossos grupos, no que se refere ao número de

trabalhadores membros de comitês de SST, é possível que um viés de interação entre a

seleção e a história possa ter sido produzido: esse viés estaria ligado, no nosso caso, à

influência, no grupo exposto, de eventos relativos à SST exteriores ao programa de

formação, como um acidente de trabalho importante envolvendo um dos colegas, que

teriam ocorrido durante a formação e que teriam podido influenciar as respostas dos

sujeitos por ocasião do pós-teste. Entretanto, acreditamos que o risco de um tal viés é

mínimo, pois os sujeitos não retornavam ao ambiente de trabalho entre o pré-teste e o

pós-teste.

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A utilização dos resultados do pré-teste a título de variável de controle permitiu-nos

distinguir os efeitos relativos do programa daquelas competências adquiridas pelos

sujeitos antes da exposição ao programa no que concerne aos efeitos esperados do

programa. Nossas análises bivariadas revelam que o grupo exposto apresenta um maior

número de mudanças estatisticamente significativas entre as medidas do pré-teste e as

do pós-teste. Todas as diferenças são estatisticamente significativas e vão no sentido dos

objetivos da formação, segundo os quais os participantes devem compreender que os

acidentes estão ligados a um número importante de fatores, que eles devem atribuí-los a

causas externas mais do que às internas e que devem atribuir a responsabilidade sobre

eles ao empregador, mais do que à trabalhadora vítima do acidente.

Entre as testemunhas, duas questões não sofreram alteração entre o pré-teste e o

pó-teste: as testemunhas atribuem o mesmo peso às causas individuais dos acidentes e

preconizam o mesmo número de ações individuais para prevenir sua ocorrência. Portanto,

não parece haver aí viés de hábito ao teste para essas variáveis. Além disso, no pós-

teste, as testemunhas atribuem maior responsabilidade ao empregador e menor à

trabalhadora no que se refere ao acidente. Essa mudança, que vai no sentido desejado

pelo programa de formação, bem parece resultar tão-somente de um efeito de hábito com

o teste. Tudo acontece como se, refletindo de novo sobre as questões propostas, a mira

fosse reajustada. Nós não podemos, além disso, eliminar a possibilidade de que as

testemunhas tenham discutido entre si sobre essas questões entre as duas mensurações,

já que conviviam no contexto do programa de formação. Entretanto, tais considerações

não levam em conta outras mudanças observadas nas respostas dos sujeitos do grupo

testemunha. No pós-teste, estes invocam menos causas ambientais para os acidentes e

propõem menos ações organizacionais que no pré-teste. Esse fenômeno é paradoxal:

poder-se-ia esperar que essas respostas não mudassem e o fato de que sua evolução se

faça no sentido contrário aos efeitos esperados da formação resiste à análise.

A comparação das medidas pós-teste, dos grupos exposto e testemunha, se

traduz em diferenças significativas, que vão no sentido dos efeitos esperados do

programa de formação. Entretanto, as mudanças parecem não resultar das mesmas

causas.

No caso de atribuição dos acidentes a causas individuais, os resultados das

testemunhas não mudam entre o pré e o pós-teste, enquanto que esses casos diminuem

conforme as expectativas. Nas análises multivariadas, só a exposição ao programa de

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formação está associada a esse efeito esperado. Parece, pois, que o programa atinge

plenamente seu objetivo.

A atribuição de acidentes a causas ambientais é significativamente mais

importante em pós-teste no grupo exposto que no grupo testemunha. Poder-se-ia crer que

é a mudança paradoxal do grupo testemunha que induz as diferenças entre o pré e o pós-

teste desse grupo. Ora, a comparação pré-pós no grupo exposto indica que sua atribuição

aumentou significativamente, o que parece indicar um efeito da formação. Essa

interpretação é modulada pelos resultados das análises multivariadas, conforme as quais

os resultados do pré-teste e a exposição ao programa estão associados à probabilidade

de atribuir o acidente a causas ambientais.

A recomendação de ações individuais em matéria de prevenção não muda no

grupo testemunha, enquanto diminui no grupo exposto, de acordo com os objetivos do

programa. No pós-teste, o grupo exposto ainda se diferencia significativamente das

testemunhas. Aqui se pode acreditar na realização dos objetivos do programa. Entretanto,

paradoxalmente, as análises multivariadas não enfatizam nenhum fator significativo que

possa explicar as mudanças.

É um pouco diferente quanto às ações organizacionais preconizadas. No pós-

teste, o grupo exposto recorre a elas significativamente mais que as testemunhas. Isso

poderia resultar de uma outra mudança paradoxal entre as testemunhas, que preconizam

menos essas ações em pós do que em pré. Mas há, ao mesmo tempo, um aumento

significativo dessa escolha entre os expostos, e as análises multivariadas colocam em

primeiro plano o efeito da formação, o que corrobora uma interpretação favorável à

realização dos objetivos da formação.

A apreciação da responsabilidade dos empregadores representa a única diferença

significativa entre testemunhas e expostos no pré-teste, as testemunhas considerando-a

mais importante. Essas testemunhas, no pós-teste, vão aumentar de forma significativa

essa atribuição. Em tais circunstâncias, o fato de os expostos atribuírem uma

responsabilidade maior aos empregadores do que as testemunhas, por ocasião do pós-

teste, é notável. A variabilidade, segundo as análises multivariadas, é atribuível,

sobretudo, ao programa, mas também aos resultados do pré-teste e ao conjunto das

outras formações recebidas.

Enfim, a atribuição da responsabilidade à trabalhadora é significativamente mais

fraca no grupo exposto do que no grupo testemunha no pós-teste, tal como esperado. No

entanto, o grupo testemunha atenuou a parte de responsabilidade da trabalhadora entre o

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pré-teste e o pós-teste, mas o grupo exposto fez isso de forma marcante. Aqui ainda, as

análises multivariadas confirmam que a variação está ligada ao programa de formação,

mas que ela é também marcada pelos resultados do pré-teste.

Os resultados das análises multivariadas indicam que o programa de formação em

estudo está associado, de modo estatisticamente significativo, a cinco dos seis efeitos

esperados. O programa acarretaria, tal como previsto, uma melhoria da compreensão dos

fatores que contribuem para os acidentes, tal como desejado pela Central sindical. Essa

melhoria se traduz em uma menor probabilidade, entre os sujeitos do grupo exposto ao

programa, de atribuir causas individuais ao acidente descrito em nosso instrumento de

medida e uma maior probabilidade de que esses sujeitos o atribuam a causas ambientais.

O programa favoreceria, igualmente, a aplicação dos conhecimentos ensinados pela

Central na prevenção de acidentes. Essa aprendizagem se traduz em uma maior

probabilidade, entre os sujeitos do grupo exposto, de identificar uma ação organizacional

capaz de prevenir o acidente descrito. Enfim, o programa de formação aumenta a

porcentagem de atribuição externa do acidente e reduz a porcentagem de atribuição

interna.

A existência de uma formação anterior em SST está associada à porcentagem de

responsabilidade atribuída ao empregador. Além disso, esse efeito esperado do programa

era o único no qual nós havíamos observado, por ocasião das análises bivariadas, uma

diferença significativa entre os resultados do pré-teste dos grupos exposto ao programa e

testemunha. Esses resultados parecem indicar a presença de um viés de hábito ao teste

nos sujeitos que já haviam participado de uma formação em SST. A inclusão dessa

variável em nossas análises permitiu-nos não somente estimar seu efeito, mas também

proceder de forma que a avaliação do efeito do programa de formação não fosse alterada

por sua presença.

Além disso, nossas análises não nos permitiram verificar a existência de relação

entre o programa e a probabilidade de que um sujeito identifique as ações individuais

capazes de prevenir a ocorrência do acidente descrito em nosso instrumento de medida.

Nenhuma variável de controle está associada a essa variável dependente. É plausível que

a falta de relação estatisticamente significativa entre o programa e esse efeito esperado

esteja ligado a uma força estatisticamente insuficiente, visto que a variação entre os

resultados pré-teste e pós-teste era pouca.

Nós tentamos reduzir ao mínimo os vieses que pudessem afetar a validade

externa do estudo recrutando os sujeitos nos quatro grupos. Os programas dos quais eles

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participaram foram ministrados por formadores diferentes. É provável que nossos

resultados possam ser extrapolados para o conjunto dos programas de base em saúde e

segurança do trabalho pelos quais a Central é responsável e pelas seguintes razões: 1)

nossas taxas de resposta foram elevadas (65% e 70%), e 2) no contexto de um estudo

precedente, observamos pouca variação entre o programa prescrito e o que tinha sido

implantado. Essa variação relacionava-se tão-somente ao tempo consagrado às

atividades relacionadas aos temas abordados no contexto do presente artigo, uma vez

que a duração observada das atividades era superior à que era prescrita no caderno do

formador.

Infelizmente, não podemos comparar nossos resultados com os de outros estudos,

pois é a primeira pesquisa de avaliação pertinente a um programa de formação sindical

cuja teoria subjacente foi descrita. Uma outra pesquisa de avaliação verificou se existia

uma relação entre um programa de formação em saúde e segurança do trabalho e seus

efeitos esperados (MONTREUIL et al., 1997). Considerando a variação existente entre a

teoria subjacente ao programa que estudamos e a que foi utilizada por esta equipe de

pesquisa, não podemos comparar os resultados.

Nossos resultados só poderiam ser extrapolados para programas de formação que

recorressem a um processo similar ao do programa em estudo. Sob o impulso de Freire

(1983) e de Blondin (1980), a teoria subjacente ao programa implica que os formadores

peçam constantemente aos participantes, por métodos ativos e participativos, que

exprimam seus conhecimentos e suas percepções, de um lado, sobre as condições de

trabalho e sobre sua saúde, de outro lado, sobre os comportamentos das pessoas

envolvidas em problemáticas de saúde e segurança do trabalho (colegas de trabalho,

empregador, inspetores, etc.). Eles devem, igualmente, pedir aos participantes que

expressem o que pensam das relações entre seu trabalho e sua saúde. O formador deve

interagir com os participantes, para reforçar ou modificar as opiniões que eles expõem. Os

resultados de nosso estudo descritivo de implantação do programa revelaram que as

atividades de formação utilizadas no processo do programa são de quatro tipos: 1)

exposições teóricas ministradas pelo formador (cerca de 35% do curso); 2) plenárias no

decorrer das quais o formador pede dados aos participantes (cerca de 5% do curso); 3)

discussões em subgrupos de casos descritos no material pedagógico (cerca de 40% do

curso) e 4) plenárias durante as quais um representante de cada um dos subgrupos

apresenta os resultados das discussões (cerca de 20% do curso). Nós observamos que o

formador desempenhava um papel de animação durante as plenárias: ele formulava

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questões e assinalava sua aprovação ou desaprovação ante as respostas dadas pelos

participantes. A análise do registro da sessão que registramos em fita permitiu-nos

constatar que os formadores confrontavam os participantes quando estes expressavam

opiniões diferentes dos efeitos esperados do programa. Em geral, a interação finalizava

quando o participante adotava a opinião do formador. Parece, pois, haver aí uma

concordância com a teoria educativa à qual a Central sindical se refere (FREIRE, 1983;

BLONDIN, 1980). O processo do programa que acabamos de descrever pode acarretar

um viés capaz de afetar a validade externa de nosso estudo. Trata-se do desejo de

agradar o avaliador. De fato, considerando os métodos de confronto utilizados pelos

formadores, é provável que os participantes conheçam os efeitos esperados do programa

e que fiquem tentados a se conformar aos objetivos de formação quando completam o

questionário pós-teste. Somente observações das ações sindicais que empreendem

quando de sua volta ao seu meio de trabalho permitiriam verificar o valor preditivo das

medidas em curto prazo dos efeitos da formação que efetuamos.

CONCLUSÃO

Nosso estudo permitiu verificar a presença de relações entre um programa de

formação de base em saúde e segurança do trabalho dispensado por uma Central

sindical a seus membros, e cinco dos efeitos esperados. Estes incidiam, unicamente,

sobre um tema do programa, ou seja, os acidentes de trabalho. Segundo a teoria

subjacente ao programa, a aprendizagem que ele visa produzir está diretamente

vinculada à ação sindical que a central implementa. Não se trata, no contexto do

programa, de formar especialistas de saúde e de segurança do trabalho, com

competências técnicas na matéria, mas, sobretudo, de indivíduos que mobilizarão os

trabalhadores de suas empresas de modo a estabelecer relações de força com os

dirigentes a fim de que estes se envolvam em atividades de eliminação das fontes de

risco. Para isso, a Central acredita ser necessário modificar, antes de tudo, as avaliações

dos acidentes por parte de seus membros, avaliações internas que podem levar a uma

culpabilização dos trabalhadores vítimas de acidentes, o que atrapalharia suas

motivações de reclamar a implantação de medidas de eliminação das fontes de acidentes

de trabalho na empresa.

Nossos resultados parecem indicar que esse programa produz a maioria dos

efeitos esperados relativos ao tema acidentes de trabalho. Conseqüentemente, não

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recomendamos à Central sua modificação. Além disso, nosso estudo permitiu

desenvolver um instrumento de medida que poderia ser utilizado pela Central não

somente para avaliar os efeitos de seu programa, mas também para selecionar os

membros dos sindicatos que dele poderiam se beneficiar.

NOTAS

* Originalmente publicado em francês na revista Relations Industrielles, 2001, v. 56. n. 3, pp. 516-542 (e-mail: [email protected] - site web: http://www.riir.ulaval.ca). A INTERFACEHS agradece à diretora Esther Déom pelos direito de publicação deste artigo.

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RESÍDUOS DE SERVIÇO DE SAÚDE NO ESTADO DO AMAZONAS: DESAFIOS PARA IMPLANTAR SUA GESTÃO

Maria Elizete de A. Araújo1; Tatiana Schor2

1 Farmacêutica, Mestre em Meio Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Universidade Federal do

Amazonas 2 Profa. Dra., Departamento de Geografia, Universidade Federal do Amazonas

RESUMO Os problemas de gestão dos resíduos de serviço de saúde no Amazonas são um fato, e a

necessidade de resolvê-los também. Com o crescimento populacional expansivo da

cidade também aumentaram as demandas hospitalares e conseqüentemente os resíduos

de serviço de saúde. Aliado a este fato, o município não possui uma política púbica eficaz

para minimizar os problemas ambientais decorrentes do descarte inadequado desses

resíduos, haja vista que o município não dispõe de aterro sanitário licenciado, nem outra

forma para tratamento desse tipo de resíduo. O presente artigo tem por finalidade

contribuir para o debate sobre a necessidade de implantar políticas públicas eficazes para

a gestão de resíduos de serviço de saúde no Amazonas.

Palavras-chave: gestão de resíduos de serviços de saúde; resíduo hospitalar; destino

final.

1

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Resíduos de Serviço de Saúde no Estado do Amazonas: Desafios para implantar sua Gestão

Maria Elizete de A. Araújo; Tatiana Schor INTERFACEHS

Em um país e regiões de extensão territorial e complexidade física como as do

Brasil, em especial no estado do Amazonas, compreender a configuração, o sentido da

expansão urbana é uma necessidade que se impõe de forma multidisciplinar, devendo ser

um objetivo básico do planejamento territorial nas diversas esferas de governo.

No Brasil, a dinâmica de urbanização associada a uma crise na gestão pública tem

como resultado uma explicitação das carências sociais e dos serviços públicos e uma

dificuldade concreta de gestão administrativa. Isto tem provocado um crescente grau de

deterioração ambiental, que se manifesta na deterioração dos recursos hídricos e nas

dificuldades de garantir a qualidade dos serviços urbanos básicos associados ao

saneamento ambiental (JACOBI, 2005).

O estado do Amazonas não foge à regra; por ser o maior estado brasileiro em

extensão territorial, caracterizado pela sua hidrografia complexa que implica uma rede

urbana diferenciada, favorece ainda mais o descumprimento de normalizações,

fiscalização e implantação de sistemas eficazes para as questões ambientais. Como

fronteira da expansão do capital apresenta ainda uma sociedade civil não organizada,

onde pouco se questiona em relação à implantação de políticas públicas que satisfaçam

as necessidades locais.

De acordo com Scherer e Oliveira (2006), na apresentação do livro Amazônia:

políticas públicas e diversidade cultural, as políticas públicas para a Amazônia não podem

estar dissociadas das práticas sociais e dos conflitos existentes entre os vários sujeitos

produtores do espaço, dos lugares construídos e vividos.

Conforme esses mesmos autores, a Amazônia vive inúmeras contradições: planos

de governos desenraizados da história e dos lugares, do espaço e do tempo, expressos

no acesso às mais avançadas tecnologias, que são símbolos da modernidade, e que

convivem ao mesmo tempo com a grande maioria da população sem acesso às

necessidades sociais básicas, ou seja, tratamento de esgotos e destino adequado dos

resíduos sólidos urbanos.

A cidade de Manaus cresce silenciosamente em meio à grande floresta, e do

‘porto de lenha’ referenciado nas canções locais, nasce uma metrópole. As políticas de

desenvolvimento impõem novos padrões urbanos para a cidade, com elas surgem as

migrações de pessoas, aglomerando-se em bairros denominados ‘mutirões’ ou ‘invasões’,

que em pouco tempo recebem um nome religioso ou de um político local. Ali elas

convivem com um baixo índice de qualidade de vida, quase sempre condenadas à miséria

absoluta. O espaço disponível para muitos, como forma de sobrevivência, são as ruas da

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Resíduos de Serviço de Saúde no Estado do Amazonas: Desafios para implantar sua Gestão

Maria Elizete de A. Araújo; Tatiana Schor INTERFACEHS

cidade e, para outros, os lixões, onde estão desprotegidos em meio aos subprodutos da

civilização, expostos à contaminação por agentes químicos e microbiológicos.

Os problemas da rede urbana de Manaus são muitos, portanto, iremos nos deter

somente num deles: os subprodutos dos processos de atendimento na área de saúde,

denominados resíduos de serviços de saúde, parte de uma fração dos resíduos urbanos

gerados nas cidades brasileiras.

Nem mesmo é necessária uma análise criteriosa para percebemos que os

estabelecimentos de saúde são empresas complexas, cuja administração central está

com a incumbência de dividir com seus colaboradores uma série de atividades, entre as

quais podemos destacar o atendimento dos clientes, produção de serviços, aquisição e

gerenciamento de tecnologias, aquisição e controle de matéria prima e insumos,

administração de recursos humanos e gerenciamento dos subprodutos gerados no

processo de atendimento.

No entanto, para abordar o tema é necessário contextualizar os estabelecimentos

de saúde, cujo objetivo fundamental é a recuperação da saúde de seus clientes. Para

proporcionar um atendimento de qualidade, são necessários investimentos científicos e

tecnológicos e mão-de-obra especializada.

Durante o processo de atendimento, água, energia elétrica, insumos e diferentes

materiais são utilizados, gerando efluentes que precisam ser tratados e uma grande

variedade de resíduos sólidos que necessitam de gerenciamento adequado, pois

constituem uma fonte importante de contaminação para o meio ambiente (SISINNO,

2005).

Além disso, os estabelecimentos de saúde fornecem parcela de emissões

atmosféricas provenientes de processos de trabalho, como: gases medicinais, autoclaves

e outros processos físicos de esterilização.

Os estabelecimentos de saúde também são fontes de pesquisas clínicas, geram

conhecimento científico e fornecem educação continuada para clientes e funcionários.

Sendo assim, devem ser visualizados e gerenciados como uma empresa, com seus

direitos e obrigações.

Neste contexto, abordaremos as questões ambientais, tendo como referência os

resíduos de serviço de saúde gerados durante o atendimento aos clientes, analisando-os

sob o ponto de vista da interdisciplinaridade, para traçar um elo entre a rede urbana local

e as políticas públicas para o seu gerenciamento na fase exterior ao estabelecimento de

saúde.

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Resíduos de Serviço de Saúde no Estado do Amazonas: Desafios para implantar sua Gestão

Maria Elizete de A. Araújo; Tatiana Schor INTERFACEHS

UMA VISÃO INTERDISCIPLINAR

De acordo com Leff (2001), o ambiente é integrado de processos tanto de ordem

física como social, definidos pela racionalidade econômica dominante e dos quais fazem

parte a superexploração da natureza, a degradação sócio-ambiental, a perda da

diversidade biológica e cultural, a pobreza associada à destruição do patrimônio, de

recursos dos povos a dissolução de suas identidades étnicas, a distribuição desigual dos

custos ecológicos do crescimento e a deterioração da qualidade de vida.

O autor aborda as variáveis que compõe o ambiente, e o único ser capaz de

promover todas essas desordens físicas e sociais é o homem, sendo este também o

responsável pelo restabelecimento da ordem. Mas para que isso aconteça não basta

somente conhecer os paradigmas evidenciados pela diferentes ideologias, é necessário

força política, mudança de pensamento de toda uma nação, e saber reconstruir,

recomeçar, usar de estratégias metodológicas para a produção de conhecimento, a

reorientação da pesquisa e o desenvolvimento tecnológico.

A partir de tal ponto de vista a interdisciplinaridade entra como conciliadora do

processo, promovendo a ligação entre os diversos saberes ou restabelecendo uma

corrente de conhecimento produtivo. Ser interdisciplinar é saber dialogar com todas as

disciplinas, é poder trabalhar com todas em uma só atividade. Assim caracteriza-se pela

intensidade das trocas entre os especialistas e pela integração dos diversos

conhecimentos aplicados num mesmo projeto de pesquisa e de ação (LEFF, 2003).

Ser interdisciplinar é acreditar na potencialidade de cada um de nós, sem

subestimar a área de conhecimento do outro, o artístico, poético, filosófico, químico, ou

seja, todos esses conhecimentos voltados para o mesmo objetivo. Ainda considerando

Leff (2003), a interdisciplinaridade aplicada ao campo ambiental levou a formulações

gerais que orientam uma visão holística e integradora do processo de desenvolvimento,

mas deixou de fora a especificidade dos processos materiais e simbólicos que o

constituem.

Leff (2001) não afirma que todos os paradigmas científicos devem ser

questionados pelas diferentes perspectivas ideológicas dentro das quais se coloca a

problemática ambiental, ou que os recursos provenientes dos conhecimentos das

especialidades existentes não possam ser aplicados à solução de problemas ambientais

pontuais: análise de toxicidade, tratamento de águas, reciclagem de resíduos, tecnologias

‘limpas’ e de economia de energia.

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Resíduos de Serviço de Saúde no Estado do Amazonas: Desafios para implantar sua Gestão

Maria Elizete de A. Araújo; Tatiana Schor INTERFACEHS

No entanto, é necessário um novo estilo de vida, com mudanças nos padrões de

consumo e, portanto, nos padrões de produção e geração de resíduos. Sem isto, o futuro

se projeta como uma grande interrogação (FERREIRA, 2006). Tais mudanças se impõem

fortemente para a humanidade, à medida que se observam cada vez mais os problemas

ambientais: fúria da natureza traduzida em aquecimento global, descongelamento de

geleiras, com grandes enchentes, tornados, furacões.

De acordo com Harvey (2004), estas questões estão longe de ser simples, pois a

definição de ‘problemas ambientais’ com freqüência envolve um viés particular: ignoram-

se de modo geral os que afetam os pobres, os marginalizados e as classes trabalhadoras

(por exemplo, a segurança e a saúde ocupacional), ao passo que se enfatizam os

problemas ambientais associados com os ricos. Os impactos ambientais também estão

relacionados a um viés social (discriminações de classe, de raça e de gênero se

evidenciam, por exemplo, na escolha dos locais para depósito de resíduos).

Isso implica a existência de múltiplas contradições a serem trabalhadas quando

contemplamos nossas responsabilidades perante a natureza, de um lado, e a natureza

humana, do outro (HARVEY, 2004). Pois os riscos e a incerteza podem atingir a todos e

qualquer lugar, inclusive aqueles em que ficam os ricos e poderosos.

De acordo com Harvey (2004), os seres humanos costumam produzir uma

hierarquia acomodada de escalas espaciais para organizar suas atividades e

compreender seu mundo.

Talvez a solução para a problemática ambiental nos centros urbanos seja mais

difícil para resolver porque a natureza do ser humano é de inquietação e constantes

descobertas e está associado ao constante desenvolvimento tecnológico, ao capital, à

geração de poder e riqueza, o que acontece de forma isolada da natureza.

Analisando Leff (2001), devemos abordar as questões dos resíduos de serviços de

saúde como questões amplas, que envolvam posicionamentos, condutas, pesquisa,

mudanças de paradigmas, gestão pública bem organizada, regulamentação e

fiscalização, perpassando diversas escalas de análise.

Considerando tais aspectos, procuraremos abordar a necessidade de

gerenciamento intra-hospitalar e políticas públicas para a destinação final dos resíduos de

serviços de saúde, considerando o crescimento populacional da cidade e com isso

aumento da demanda hospitalar, e maior produção de resíduos, e também referenciado

estas questões com a rede fluvial da cidade de Manaus.

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Resíduos de Serviço de Saúde no Estado do Amazonas: Desafios para implantar sua Gestão

Maria Elizete de A. Araújo; Tatiana Schor INTERFACEHS

UM ENFOQUE NOS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS E A REDE FLUVIAL EM MANAUS

Hoje se discute muito sobre sustentabilidade na Amazônia, sobretudo

centralizando discussões no uso ecologicamente correto dos recursos florestais e na

própria gestão dos recursos ambientais. De acordo com Scherer (2004), os ambientalistas

estão minimizando ou mesmo esquecendo a sustentabilidade cultural e social e, o mais

grave, as cidades: raramente há debates sobre a degradação ambiental urbana

relacionada com as desigualdades sociais.

A cidade é local onde vive o maior numero de pessoas, é o lugar da urbanização

acelerada e desigual. É o lócus da concentração do capital e da reprodução da força de

trabalho, o lugar onde as pessoas sofrem os problemas urbanos, seja de falta de água e

esgoto, poluição hídrica, poluição atmosférica, resíduos sólidos, resíduos industriais

(SCHERER, 2004).

Em Manaus, o marco histórico para as transformações da cidade se deu com a

implantação do modelo Zona Franca de Manaus no ano de 1967, quando a população

local era em torno de 312 mil habitantes. No ano de 2005, ela chegou a 1.644.690 (IBGE,

2006). Observa-se no gráfico o grau de significância do aumento populacional, que tem

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Resíduos de Serviço de Saúde no Estado do Amazonas: Desafios para implantar sua Gestão

Maria Elizete de A. Araújo; Tatiana Schor INTERFACEHS

promovido transformações no cenário urbano. A nova realidade capitalista transforma a

cidade de maneira significante; a chegada do processo de industrialização afeta o modo

de vida dos amazonenses, o caboclo e os migrantes de outros estados do país passam a

trabalhar nas linhas de montagem em jornada diária, estressante e cansativa; assim tem

sido ao longo dos quarenta anos de Zona Franca de Manaus. O processo migratório

desencadeado pelo Pólo Industrial de Manaus (PIM) provocou a ocupação abrupta e

desordenada da cidade, que já avança em direção à floresta (SCHERER, 2004).

A rede fluvial, sobretudo, tem sido afetada, do ruído manso dos motores de

passageiros da década de 70, aos roncos acelerados das grandes embarcações por onde

chegam os frutos do progresso. Via de transporte dos componentes para sustentação do

PIM, bem como de escoamento de seus produtos para os grandes centros, a malha fluvial

não somente determina a economia regional, mas também tem sido alvo do processo

migratório de ribeirinhos, povos que moram às margens dos rios da Amazônia, os quais

migram para as cidades em busca de qualidade de vida. Como não conseguem se

estabelecer de forma digna por falta de condições financeiras, somam-se aos outros

migrantes pobres do país que chegam diariamente a Manaus à procura de melhoria de

vida, se apropriam de frações do solo próximo ou mesmo dentro dos igarapés e

constroem suas casa em forma de ‘palafitas’ ou ‘barracos’ sem nenhum tipo de infra-

estrutura, despejando seus dejetos no mesmo local em que residem.

Também na rede fluvial, a principal via de transporte da região como já

mencionados, são despejados pelos barcos que trafegam estes rios toneladas de dejetos

humanos, haja vista a inexistência de sistemas de tratamento dos efluentes na maioria

destes transportes, assim como também resíduos de pacientes provenientes de barcos ou

navios hospitalares, que circulam nos rios, igarapés e lagos para atendimento da

população ribeirinha.

Muito distante dessa realidade, mas muito parecida em termos de uso dos

igarapés para destinar os resíduos, quando Manaus era denominada de Vila da Barra,

passando depois à Cidade da Barra na época do Império. A Vila não possuía nem

hospitais nem esgotos públicos, somente após 1870 é que foi encarada a possibilidade de

implantação dos serviços (MONTEIRO, 1997). Segundo a descrição da pesquisa desse

autor, o destino dado ao lixo das residências assim como o lixo público era mesmo os

igarapés: “Por esse locais convergiam os trigueiros com seus barris inconfundíveis

locupletados de matéria fecal coletada a alva das portas das moradas das casas dos

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dignos cidadãos da póvoa”. O tigre era o nome dado ao barril de transporte de

excrementos humanos e o tigreiro era o transportador dos excrementos.

Segundo Monteiro (1997), um dos locais utilizado na época para o descarte de

todas essas imundices era o que hoje se denomina Igarapé do Educandos que continua

até hoje como local de descarte de resíduos urbanos (ver Figura 1).

A cidade de Manaus é entrecortada por inúmeros igarapés que atingem a maioria

dos bairros das diferentes zonas da cidade (OLIVEIRA, 2003). Um dos principais é o

Bairro dos Educandos localizado na zona sul da cidade, entre o Pólo Industrial e o centro

da cidade, com uma densidade demográfica de 11.651 hab/km2 (ATLAS DE MANAUS,

2000). No mesmo bairro se encontra a Bacia do Educando com seus principais

mananciais, os igarapés de Educandos, Mestre Chico e Quarenta, os quais deságuam no

Rio Negro, que circunda a cidade de Manaus.

Hoje os igarapés citados estão poluídos com uma densa camada de resíduos

sólidos provenientes dos moradores do seu entorno e demais pessoas que costumam

despejar seus dejetos em corpos d’água. Apesar de se localizar numa área central, a

coleta de resíduos neste bairro atinge somente 86,6% dos moradores (ATLAS DE

MANAUS, 2000).

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Além desses igarapés outros também já estão poluídos, principalmente os que

estão mais próximos ao aterro controlado, como é o caso do Igarapé do Matrixã

(SANTOS, 2001). Análises realizadas no Igarapé do Matrixã próximo ao aterro controlado

de Manaus, apresentam níveis muito baixos de concentração de O2 dissolvido, e elevado

valor de DBO, o que determina que a água encontra-se poluída, nociva a vida de

organismos superiores, como por exemplo, os peixes (SANTOS, 2001).

Nem mesmo com o aumento constante da população têm sido implantadas

políticas públicas adequadas para conter ou minimizar a ação degradadora do meio

ambiente provocada pela ausência de saneamento básico, regularizar o destino dos

resíduos e principalmente conter as invasões que crescem na cidade, sobretudo às

margens de igarapés.

Portanto, considera-se a importante estudar a problemática dos resíduos de

serviços de saúde no Amazonas especialmente em Manaus e aplicar métodos adequados

de segregação na fase intra-hospitalar e extra-hospitalar por ocasião do seu destino final,

que possam reduzir a contaminação que esses resíduos possam oferecer ao meio

ambiente, considerando a geração de resíduos químicos, radiológicos e biológicos, e

principalmente minimizar ou até mesmo extinguir os riscos de contaminação em

acidentes principalmente por perfurocortantes para os funcionários, tanto intra, como

extra-hospitalar.

AMAZONAS INTERIOR: A GESTÃO DOS RESÍDUOS DE SERVIÇO DE SAÚDE

O Estado do Amazonas possui 63 estabelecimentos de saúde que possuem centro

cirúrgico ou obstétrico, central de material esterilizado, laboratório de análises clínicas,

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serviço de radiologia e agência transfusional, com uma média de leitos de internação de

12 até o máximo de 100 leitos (SUSAM, 2006).

O Estado do Amazonas está dividido em sub-regiões constituídas segundo as

calhas dos principais rios do estado; dentro destas regiões estão os municípios-pólos, que

atendem às demandas dos municípios menores; assim também estão distribuídos os

serviços de saúde, com hospitais maiores nos pólos, possuindo de 60 a 100 leitos

(SUSAM, 2006).

Na Tabela 1 estão representadas as regiões com seus respectivos municípios-

pólos, os leitos assistenciais, a população assistida e o destino final dos RSS.

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De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico - PNSB - realizada

pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000), a situação de destino final

dos resíduos sólidos urbanos por município é a seguinte: 63,6% dos municípios

brasileiros destinam o lixo a lixões e 32,2% a aterros adequados, entre estes, 13,8% a

aterros sanitários e 18,4% a aterros controlados.

Conforme a pesquisa a situação dos resíduos sólidos dos serviços de saúde

melhorou consideravelmente, com 9,5% dos municípios brasileiros encaminhando-os para

aterro de resíduos especiais (IBGE, 2000).

No Amazonas, no ano 2000, foram coletados 2.864 ton/dia, destes, apenas 1%

tiveram destino adequado (IBGE, 2000). Apesar deste dado, sabe-se que o Estado não

possui nenhum aterro sanitário licenciado, o que demonstra ausência de políticas públicas

locais com relação ao destino das toneladas de resíduo despejadas no ambiente.

O “Relatório de Diagnóstico dos Serviços de Limpeza Pública nos Municípios do

Interior do Estado do Amazonas” (2000), realizado por intermédio do Instituto de Proteção

Ambiental do Amazonas (IPAAM) e Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), descreve a

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situação da disposição final dos resíduos sólidos como sendo, sem dúvida, o mais sério

problema relacionado ao lixo no Estado. A formação de lixeiras sem nenhum controle em

áreas de grande risco ambiental e em muitos casos acessíveis a catadores e crianças,

tornou-se quase generalizada, a separação do lixo para a reciclagem é feita de forma

artesanal e dispersa.

Segundo o relatório, dos 21 municípios visitados, Humaitá e Presidente Figueiredo

possuem aterros em forma de trincheiras (Figura 1) com algum controle de recobrimento.

Todos os demais jogam os resíduos de forma desordenada em beira de estradas em

áreas alagadas, áreas de florestas, em áreas de grande valor paisagístico, ou

simplesmente em áreas já degradadas. As lixeiras costumam ser focos constantes de

fogo (Figura 5) ou acúmulo de água. Os resíduos mais leves são constantemente

espalhados pelo vento. Em vários municípios são depositados resíduos comerciais e

industriais, como pó-de-serra (Figura 6), juntamente com resíduos domésticos e

hospitalares.

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Conforme o relatório, com relação aos RSS especificamente não foram

observadas práticas de segregação nas diferentes frações dos resíduos hospitalares,

sendo o material manejado como um todo. Além disso, em vários municípios os serviços

de coleta, tratamento e destinação final dos resíduos não estão sendo conduzidos ou

custeados pelos geradores, ficando a tarefa a encargo dos municípios. Em alguns

municípios foi observada a existência de fornos queimadores do lixo hospitalar,

construídos em alvenaria (Figura 8), mas o relatório não esclarece se os fornos ainda

estavam operando. Em um dos municípios os resíduos hospitalares são dispostos em

fossas, e em outro, utiliza-se vala e cobre-se o lixo com uma camada de terra. Nos

demais a destinação final é feita nas lixeiras, as informações acerca de cada município-

pólo estão detalhadas na tabela 01 (IPAAM/ULBRA, 2000).

Informações mais recentes colhidas no IPAAM dão conta de que três aterros do

interior do Estado estão com processo de licenciamento para instalação: Coari, Itacoatiara

e Parintins, localizados respectivamente nas regiões de Rio Negro e Solimões, Médio

Amazonas e Baixo Amazonas (IPAAM, 2006).

Também com relação ao destino final dos resíduos de serviço de saúde,

informações fornecidas pela Fundação de Vigilância Sanitária são de que os fornos para

queima dos resíduos já estão em desuso, e que os resíduos estão sendo destinado para

os lixões ou aterro das cidades (FVS, 2007).

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Assim observa-se que no interior do estado do Amazonas a gestão dos resíduos

de serviço de saúde é precária, não dispõe de política, e conseqüentemente

gerenciamento dos resíduos proveniente de hospitais eminentemente públicos,

descumprimento de regulamentações, e ausência de local adequado e licenciado para

este fim tem contribuído para o destino irregular, favorecendo a exposição humana.

MANAUS CAPITAL: A GESTÃO DOS RESÍDUOS DE SERVIÇO DE SAÚDE

A capital Manaus possui 428 estabelecimentos de saúde, totalizando 2.882 leitos

hospitalares. No ano de 2004 ocorreram 2.658 óbitos hospitalares dentre os quais 487 por

doenças infecciosas e parasitárias (IBGE, 2006). No ano de 2000, foi evidenciado que

cerca de 63,6% do total de internações por doenças infecciosas sanitárias no Brasil

estavam relacionadas a um saneamento ambiental inadequado, sendo que no Norte e no

Nordeste este percentual é foi maior que 70%, principalmente pelo alto número de

hospitalizações (COSTA et al., 2001, cit. em MIRANDA, 2002).

Além da gama de enfermidades transmitidas por vetores associados á disposição

inadequada de resíduos sólidos e pela ausência de sistemas de saneamento básico

adequados, podemos citar o caso da dengue e da leptospirose, conforme mostra a

distribuição do numero de casos, de 2000 a 2006, apresentados na Tabela 2.

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O Município de Manaus não dispõe de nenhum sistema de disposição final

licenciado para os resíduos gerados nestes estabelecimentos. Eles são coletados em

carros coletores das concessionárias que prestam serviço à Secretaria Municipal de

Limpeza e Serviços Públicos (SEMULSP, 2006) e encaminhados ao aterro controlado do

Município, onde são juntados aos resíduos domésticos em uma vala e cobertos por

camadas de terra.

Na medida do possível é evitada ação de catadores, os quais foram retirados do

aterro no ano de 2004 por meio de uma ação da Prefeitura Municipal de Manaus (PMM,

2004), mas ainda existem relatos de alguns aventureiros que tentam burlar as regras e

vão ao aterro à procura de meios para sobrevivência. Todos os custos com coleta,

transporte e destino dos resíduos de serviços de saúde ainda estão sendo financiados

pela Prefeitura Municipal de Manaus.

A Secretária Municipal de Limpeza e Serviços Públicos (SEMULSP) elaborou um

diagnóstico do mapeamento das rotas de coleta hospitalar, utilizando-se de um aparelho

GPS com o intuito de avaliar o tempo gasto e a extensão percorrida pelas duas empresas

prestadoras do serviço, para coleta e transporte dos RSS, e uma balança para identificar

a quantidade de resíduos coletados, (SEMULSP, 2006).

Os dados representam todas as rotas de coleta realizada por duas empresas,

durante seis dias (segunda-feira a sábado), e estão representados no quadro 1,

mostrando uma distância muito grande em apenas uma semana de coleta, devido à

grande quantidade de pequenos geradores muito distantes uns dos outros, o que

provavelmente encarece o custo da coleta.

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Diante dos fatos questiona-se: que mecanismos estão sendo adotados na cidade

de Manaus para conter a disposição inadequada dos resíduos de serviço de saúde?

O que tem sido divulgado na mídia local é que a Prefeitura Municipal de Manaus

em breve deixará de coletar e destinar estes resíduos, mesmo porque o destino está

inadequado. Já que Manaus não dispõe de um aterro sanitário licenciado e nem há

empresas para tratar resíduos do grupo ‘A’. Neste sentido questiona-se, qual será a

alternativa para os estabelecimentos públicos de saúde, que almejam realizar tratamento

intra-estabelecimento e destinar seus resíduos, conforme preconiza a legislação

ambiental vigente?

Haja vista que as fontes de recursos financeiros são escassas e insuficientes até

mesmo para a terapêutica do paciente, menores ainda serão para terceirizar o tratamento

dos resíduos. Considere-se ainda que a única forma de tratamento local disponível é a

incineração e que o mercado ainda está se firmando, com pouquíssimas opções de

empresas disponíveis para tal serviço.

No Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) estão registradas pelo

menos 12 empresas para incineração de resíduos sólidos em geral. De posse do número

de telefone, foi feito contato com as empresas e poucas estão atuando no mercado,

apenas uma foi identificada que atua no ramo hospitalar, más o certo é que não há um

interesse focado para o ramo, talvez porque o sistema de saúde de Manaus seja quase

em sua totalidade público, isso significa um processo de parceria diferenciado, ou também

porque os hospitais não estão cumprindo as regulamentações, ou está faltando

fiscalização no cumprimento das normas.

POLÍTICA AMBIENTAL DO MUNICÍPIO

Enquanto o País não estabelece a sua Política Nacional de Resíduos Sólidos, que

se encontra em tramitação na Casa Civil, sob a forma de um projeto de lei intitulado

“Política Nacional de Resíduos Sólidos”, alguns estados brasileiros (CE, GO, MT, PE, PR,

RJ, RO, RS) se anteciparam e estabeleceram políticas estaduais por meio de legislação

especifica, em outros (AC, AP, ES, MS, PA, RR, SC, SE, SP, TO), os projetos de lei se

encontram em fase de elaboração (ANVISA, 2004), destes alguns já estão com suas

políticas estaduais definidas, como vemos o Amazonas não está incluído neste contexto.

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O Município de Manaus possui pelo menos três instrumentos legais que podem

subsidiar uma política local aplicável aos resíduos de serviço de saúde, no entanto, tem

sido orientado estritamente para o cumprimento das Resoluções Federais da ANVISA e

do CONAMA.

De acordo com essas resoluções os estabelecimentos que prestam serviços de

saúde são os responsáveis pelo correto gerenciamento de todos os resíduos por eles

gerados, cabendo aos órgãos públicos, dentro de suas competências, a gestão, regulamentação e fiscalização (BRASIL, 2006). As resoluções federais por sua vez

atribuem responsabilidade e competência ao gerador, postulando, portanto o oposto dos

instrumentos locais, que são: a Lei Orgânica do Município de Manaus, Plano Diretor de

Manaus e o Código Ambiental do Município.

A lei orgânica é o instrumento local que define as questões de resíduos sólidos é

de serviço de saúde, e possui pelo menos três artigos que atribuem competência e

responsabilidade ao município, entre estes os princípios contido no Art. 306 que é o

recolhimento do lixo hospitalar em equipamentos próprios, taxação diferenciada e rígidas

regras de controle. Neste caso a taxação foi retirada por decreto municipal em 2007.

O Plano Diretor define diretrizes para o Plano de Gerenciamento de Resíduos

Sólidos, que deverá conter estratégias do Poder Executivo Municipal para gestão dos

resíduos sólidos de modo a proteger a saúde humana e o meio ambiente e ser elaborado

pelo órgão municipal, a quem se atribui a responsabilidade pela coleta e destinação dos

resíduos sólidos no Município (DOMM, 2002).

Embora os estabelecimentos de saúde sejam os responsáveis diretos pelos RSS

por serem os geradores, pelo princípio da responsabilidade compartilhada, ela também se

estende à outros atores: poder público e empresas de coleta, tratamento e disposição

final (BRASIL, 2006).

No artigo 30, a Constituição Federal estabelece como competência dos municípios

“organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços

públicos de interesse local”.

Enquanto isso a cidade de Manaus dispõe somente de um aterro com

denominação de ‘controlado’, com capacidade praticamente esgotada, que recebe

resíduos domésticos, hospitalares e alguns industriais. A cidade não dispõe de aterro

industrial, mesmo com o Pólo Industrial instalado desde a década de 1970; o chorume

proveniente do aterro é lançado diretamente nos mananciais próximos ao aterro sem

nenhum tipo de tratamento.

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O Ministério Público do Amazonas ainda na década de 90 instalou uma ação civil

pública contra a deposição irregular de resíduos na lixeira situada no Km 19 da Rodovia

AM-010, atual aterro controlado de Manaus (Figura 9), já que provocava grandes

impactos no ambiente local, comprometendo todo lençol freático, causando risco a saúde,

em proporções irreversíveis (MPAM, 2007).

Ainda na referida ação pública considera que o deposito de resíduo a céu aberto

de resíduos domiciliares, hospitalares, especiais e outros, iniciou um processo

degenerativo do ambiente, que culminou com a poluição dos corpos hídrico das

proximidades (MPAM, 2007).

Hoje, passado 17 anos desta ação civil, o ministério público continua com esta

ação agora sob a responsabilidade da 50ª Promotoria de Justiça Especializada na Defesa

do Meio Ambiente e Patrimônio Histórico (PRODEMAPH), onde vigora um termo aditivo

de conciliação judicial desta ação civil pública.

O fato do Município não ter um aterro adequado e nenhum outro destino final para

os resíduos tem provocado uma acomodação por parte dos geradores de resíduos de

serviços de saúde, uma vez que pouco adianta investir em gerenciamento na fase intra-

hospitalar, se o destino final acaba sendo igual ao de todos os resíduos gerados na

cidade.

Inúmeras soluções foram desenvolvidas para o manejo dos resíduos, podendo ser

citadas os aterros controlados, aterros sanitários, incineração, compostagem e reciclagem

(IPT/CEMPRE, 2000; LIMA, 2001). E mais recentemente a autoclavagem em

equipamentos que esterilizam e descaracterizam os resíduos, e as tecnologias de

microondas e a plasma pirólise, já adotadas no Brasil.

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Porém, conforme as pesquisas do IBGE (2002), a principal forma de destinação

final dos resíduos no Brasil ainda são os lixões, usados em aproximadamente 70% dos

municípios brasileiros, ou seja, uma forma inadequada e ilegal de dispor dos resíduos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim como inúmeras cidades brasileiras, Manaus não foge à regra: é composta

por diversos bairros periféricos sem infra-estrutura de serviços públicos coletivos, destino

irregular de resíduos e áreas ambientalmente degradadas. A disponibilidade de um aterro

sanitário licenciado pelos órgãos ambientais, uma política pública local, aplicada para o

manejos dos resíduos domésticos e hospitalares é o mínimo que o governo local poderá

oferecer a população, evitando assim gasto excessivos com tratamento e internação por

doenças infecciosas.

Assim conclui-se que o crescente agravamento dos problemas ambientais na

cidade de Manaus e a forma de apropriação do espaço urbano, deixa evidente as

desigualdades sociais e econômicas que se exterioriza, sendo a questão mais agravada

pela ineficácia ou mesmo ausência total de políticas públicas para o enfrentamento destes

problemas, haja vista o aumento populacional no município e com isso a demanda de

serviços de saúde.

Porém deve ser lembrado e evidenciado a importância de utilizar um sistema

adequado de gerenciamento intra-hospitalar, que pelo menos dê segurança aos

trabalhadores do setor, haja vista que os processos de segregação (separação),

acondicionamento e tratamento na fase intra-hospitalar previnem contaminação para os

manipuladores dos resíduos, bem como minimiza ou extingue os acidentes por

perfurocortantes envolvendo os funcionários.

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Resíduos de Serviço de Saúde no Estado do Amazonas: Desafios para implantar sua Gestão

Maria Elizete de A. Araújo; Tatiana Schor INTERFACEHS

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AVALIAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO DOS PROJETOS DE MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO (MDL) EM ATERROS SANITÁRIOS PARA OS ASPECTOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO BRASIL

Gabriela Pacheco Rotondaro

Programa de Educação Continuada em Engenharia – Gestão e Tecnologias Ambientais (Universidade de São

Paulo Escola Politécnica MBA/USP)

[email protected]

RESUMO O presente estudo avalia a contribuição dos projetos de Mecanismo de Desenvolvimento

Limpo (MDL) em aterros sanitários para os aspectos de desenvolvimento sustentável no

Brasil. Por sua importância nos dias de hoje, as mudanças climáticas provocadas pelo

homem induziram à formação de um mercado que segue atividades que afirmam conter

aspectos de desenvolvimento sustentável. Foram analisados dezenove projetos de MDL

em aterros sanitários, com base no Anexo III da Resolução nº 1 da Comissão

Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC). O resultado da análise indica que

a maior parte deles contribui para o desenvolvimento sustentável, porém não há uma

fiscalização e um plano de monitoramento que garanta sua execução em seu cenário de

referência.

Palavras-chave: MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo); desenvolvimento

sustentável; gases de efeito estufa; resíduos; energia.

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Avaliação da Contribuição dos Projetos de Macanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) em Aterros Sanitários para os Aspectos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil

Gabriela Pacheco Rotondaro INTERFACEHS

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Em 1987, a Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento da

Organização das Nações Unidas, na Noruega, elaborou um documento denominado

Nosso Futuro Comum, também conhecido como Relatório Brundtland, em que os

governos signatários se comprometiam a promover o desenvolvimento econômico e

social em conformidade com a preservação ambiental (COMISSÃO MUNDIAL..., 1991).

Nesse relatório foi elaborada uma das definições mais difundidas do conceito de

desenvolvimento sustentável: “o desenvolvimento sustentável é aquele que atende às

necessidades do presente sem comprometer as possibilidades de as gerações futuras

atenderem suas próprias necessidades”.

De acordo com o Relatório Brundtland, foi definida a necessidade urgente de se

encontrar formas de desenvolvimento econômico que se sustentassem, sem a redução

drástica dos recursos naturais e sem provocar danos ao meio ambiente. O Relatório

definiu também três princípios essenciais a serem cumpridos: desenvolvimento

econômico, proteção ambiental e eqüidade social, sendo que, para cumprir tais

condições, seriam indispensáveis mudanças tecnológicas e sociais. Esse documento foi

definitivo na decisão da Assembléia Geral das Nações Unidas, para convocar a

Conferência sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, dada a necessidade de redefinir

o conceito de desenvolvimento, para que o desenvolvimento socioeconômico fosse

incluído e, assim, a deterioração do meio ambiente fosse detida. A nova definição poderia

surgir somente com uma aliança entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Segundo Sachs (2007), a teoria do desenvolvimento sustentável, ou eco-

desenvolvimento, foi criada porque a maior parte das teorias que procuraram desvendar

os mistérios sociais e econômicos das últimas décadas não obteve sucesso. O modelo de

industrialização tardia ou de modernização, que foi tema de diversas teorias nas décadas

de 1960 e 1970, é capaz de modernizar alguns setores da economia, mas incapaz de

oferecer um desenvolvimento equilibrado para uma sociedade inteira. De acordo com

Brüseke (2003, citado em SACHS, 2007), a modernização, não acompanhada da

intervenção do Estado racional e das correções partindo da sociedade civil, desestrutura a

composição social, a economia territorial e seu contexto ecológico. Emerge daí a

necessidade de uma perspectiva multidimensional, que envolva economia, ecologia e

política ao mesmo tempo, como busca fazer a teoria do desenvolvimento sustentável.

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O desenvolvimento econômico necessário à redução da pobreza, aliado ao

crescimento populacional, implicará um significativo aumento da demanda por energia

nas próximas décadas. Os impactos ambientais resultantes gerarão um conjunto de

dilemas e desafios cuja solução demandará um complexo arranjo de cooperação entre os

países com medidas de longo prazo (CONSELHO EMPRESARIAL BRASILEIRO...,

2004).

A solução para o problema não é fácil, mas é possível, e o Brasil tem muito a

contribuir nesse sentido. O papel do governo implica manter uma matriz energética pouco

intensiva em carbono, compatível com as necessidades de desenvolvimento, associada

às medidas efetivas que reduzam a taxa de desmatamento e queimadas e estimulem o

reflorestamento – pré-requisitos para a credibilidade perante a comunidade internacional

(ibidem).

O Brasil já ocupa posição privilegiada, com uma das matrizes energéticas mais

limpas do mundo e boa parte da frota de veículos movida a biocombustível. O país é

referência de como uma economia pode ser movida com níveis de emissões de gases de

efeito estufa relativamente baixos (ibidem).

CONVENÇÃO-QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MUDANÇA DO CLIMA (CQNUMC)

A Convenção-Quadro das Nações Unidas entrou em vigor no dia 21 de março de

1994. Os países que se tornaram Partes da Convenção, ou seja, aqueles que assinaram

e ratificaram o acordo, se propõem a estabilizar as concentrações de gases de efeito

estufa na atmosfera em um nível que impeça o desequilíbrio do sistema climático pela

interferência antrópica. Nesse sentido, a Convenção tem o papel de orientar os governos

no trabalho em conjunto para a implementação de iniciativas que reduzam os impactos

das atividades humanas sobre o clima, de acordo com os contextos socioeconômicos de

cada país. (CONVENÇÃO SOBRE MUDANÇA DO CLIMA, 2004).

A Convenção estabelece como ‘objetivo final’ A estabilização das concentrações

atmosféricas de gases de efeito estufa em níveis seguros. Esses níveis, que não foram

quantificados pela Convenção, devem ser alcançados num prazo que permita aos

ecossistemas adaptarem-se naturalmente à mudança do clima, assegurando que a

produção de alimentos não seja ameaçada e permitindo que o desenvolvimento

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econômico prossiga de forma sustentável. Para atingir tal objetivo, todos os países têm o

compromisso comum de tratar da mudança do clima, adaptar-se aos seus efeitos e relatar

as ações que estão sendo realizadas para implementar a Convenção.

A Convenção, então, divide os países em dois grupos: os listados no seu Anexo I

(conhecidos como ‘Partes do Anexo I’) e os que não são listados nesse anexo (as

chamadas ‘Partes não-Anexo I’) (ibidem).

As Partes do Anexo I são os países relativamente ricos, que eram membros da

Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE) em 1992, e

incluem também os países com ‘economias em transição’, ou seja, a Federação Russa e

vários outros países da Europa Central e Oriental. A Convenção concede certo grau de

flexibilidade às economias em transição na implementação de seus compromissos por

causa dos grandes transtornos econômicos e políticos por que passaram esses países.

Vários deles fizeram uso dessa condição para escolher uma linha de base anterior a

1990, ou seja, antes das mudanças econômicas que provocaram grandes reduções nas

suas emissões. Isso porque seus percentuais de emissão de gases, até a data base, são

mais facilmente cumpridos.

PROTOCOLO DE QUIOTO

O Protocolo de Quioto surgiu na CQNUMC, assinada em 1992, a qual estabeleceu

o compromisso de estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na

atmosfera em um nível que impeça uma interferência perigosa no sistema climático, nível

este que deveria ser atingido permitindo aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente às

mudanças do clima, assegurando-se, ainda, o desenvolvimento sustentável

(GONÇALVES & TESSER, 2005).

A Conferência culminou na decisão por consenso (1/CP.3) de se adotar um

Protocolo segundo o qual os países industrializados devem reduzir suas emissões

combinadas de gases de efeito estufa em pelo menos 5% em relação aos níveis de 1990,

entre o período de 2008 e 2012. Esse compromisso, com vinculação legal, visa produzir

uma reversão da tendência histórica de crescimento das emissões iniciadas nesses

países há cerca de 150 anos (PROTOCOLO DE QUIOTO, 1997; MCT, 2007).

O Protocolo de Quioto foi aberto a assinaturas, e 84 países o assinaram entre 16

de março de 1998 e 15 de março de 1999. Durante esse período, incluíram-se todas as

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Partes do Anexo I, menos duas, Estados Unidos e Austrália, importantes emissores de

gases de efeito estufa, o que indica a aceitação do texto e a intenção de tornarem-se

Partes dele (estados que não assinaram também podem tornar-se Partes). Foi ratificado

pela inclusão da Federação Russa, que satisfez a exigência de um mínimo de 55 Partes

da Convenção, dentre as Partes do Anexo I que contabilizaram 55% das emissões de

dióxido de carbono desse grupo em 1990. Assim, o documento entrou em vigor dia 16 de

fevereiro de 2005 (MCT, 2007).

As reduções das emissões dos gases de efeito estufa ocorrem em várias

atividades econômicas. O Protocolo estimula os países a cooperarem entre si por meio de

algumas ações básicas:reformar os setores de energia e transportes; promover o uso de

fontes energéticas renováveis; eliminar mecanismos financeiros e de mercado

inapropriados aos fins da Convenção; limitar as emissões de metano no gerenciamento

de resíduos e dos sistemas energéticos, e proteger florestas e outros sumidouros de

carbono.

O Protocolo determina a estabilização dos GEE, definindo prazos de controle e

três mecanismos de flexibilização a serem utilizados para o cumprimento das metas,

quais são:

• Implementação Conjunta (IC) – Joint Implementation (JI) – (Art. 6 do Protocolo)

• Comércio de Emissões (CE) – Emission Trading (ET) – (Art. 17 do Protocolo)

MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO (MDL)

O MDL é um dos três instrumentos de flexibilização estabelecidos pelo Protocolo

de Quioto com o objetivo de facilitar o atendimento das metas de redução de emissões de

gases de efeito estufa definidas para os países que o ratificaram.

O MDL permite a certificação de projetos de redução de emissões nos países em

desenvolvimento e a posterior venda das reduções certificadas de emissões, para serem

utilizadas pelos países desenvolvidos como modo suplementar de cumprirem suas metas.

Esse mecanismo deve implicar em reduções de emissões adicionais àquelas que

ocorreriam na ausência do projeto, garantindo benefícios reais, mensuráveis e de longo

prazo para a mitigação da mudança do clima (STATUS ATUAL DAS ATIVIDADES...,

2007).

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Para que um projeto resulte em RCE, as atividades de projeto do MDL devem,

necessariamente, passar pelas etapas do ciclo do projeto, que são sete: elaboração de

Documento de Concepção de Projeto (DCP), usando metodologia de linha de base e

plano de monitoramento aprovados; validação (verifica se o projeto está em conformidade

com a regulamentação do Protocolo de Quioto); aprovação pela Autoridade Nacional

Designada – AND, que, no caso do Brasil, é a Comissão Interministerial de Mudança

Global do Clima – CIMGC (verifica a contribuição do projeto para o desenvolvimento

sustentável); submissão ao Conselho Executivo para registro; monitoramento;

verificação/certificação; e emissão de unidades segundo o acordo de projeto (ibidem,

2007).

A elaboração do DCP é a primeira etapa do ciclo. O documento deverá incluir,

entre outros itens, a descrição: das atividades de projeto; dos participantes da atividade

de projeto; da metodologia da linha de base; das metodologias para cálculo de redução

de emissões de gases de efeito estufa e para o estabelecimento dos limites da atividade

de projeto e das fugas; e do plano de monitoramento. Deve conter, ainda, a definição do

período de obtenção de créditos, a justificativa para adicionalidade da atividade de

projeto, o relatório de impactos ambientais e os comentários dos atores e informações

quanto à utilização de fontes adicionais de financiamento. Os responsáveis por essa

etapa do processo são os participantes do projeto. A validação é o segundo passo no

Brasil e corresponde ao processo de avaliação independente de uma atividade de projeto

por uma Entidade Operacional Designada (EOD), no tocante aos requisitos do MDL, com

base no DCP. A aprovação, por sua vez, é o processo pelo qual a AND das Partes

envolvidas confirma a participação voluntária e a AND do país onde são implementadas

as atividades de projeto do MDL atesta que dita atividade contribui para o

desenvolvimento sustentável do país (ibidem, 2007).

No caso do Brasil, os projetos são analisados pelos integrantes da CIMGC, que

avaliam o relatório de validação e a contribuição da atividade de projeto para o

desenvolvimento sustentável do país, seguindo cinco critérios básicos: distribuição de

renda, sustentabilidade ambiental local, desenvolvimento das condições de trabalho e

geração liquida de emprego, capacitação e desenvolvimento tecnológico e integração

regional e articulação com outros setores.

O Registro é a aceitação formal, pelo Conselho Executivo, de um projeto validado

como atividade de projeto de MDL. A aprovação de projetos no Conselho Executivo do

MDL é subseqüente à aprovação pela AND. A aprovação pela CIMGC é necessária para

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a continuidade dos projetos, mas não suficiente para sua aprovação pelo Conselho

Executivo, que analisa também a metodologia escolhida e a adicionalidade do projeto,

entre outros aspectos. O registro é o pré-requisito para o monitoramento, a

verificação/certificação e emissão das RCE relativas à atividade de projeto no âmbito do

MDL (ibidem, 2007).

O processo de monitoramento da atividade de projeto inclui o recolhimento e

armazenamento de todos os dados necessários para calcular a redução das emissões de

gases de efeito estufa, de acordo com a metodologia de linha de base estabelecida no

DCP, que tenha ocorrido dentro dos limites da atividade de projeto e dentro do período de

obtenção de créditos. Os participantes do projeto serão os responsáveis pelo processo de

monitoramento. A sexta etapa é a verificação/certificação. Verificação é o processo de

auditoria periódico e independente para revisar os cálculos acerca da redução de

emissões de gases de efeito estufa ou de remoção de CO2 resultantes de uma atividade

de projeto do MDL que foram enviados ao Conselho Executivo por meio do DCP. Esse

processo é feito com o intuito de verificar a redução de emissões que efetivamente

ocorreu. Após a verificação, o Conselho Executivo certifica que determinada atividade de

projeto atingiu determinado nível de redução de emissões de gases de efeito estufa

durante período de tempo específico (ibidem, 2007).

A etapa final se dá quando o Conselho Executivo tem certeza de que, cumpridas

todas as etapas, as reduções de emissões de gases de efeito estufa decorrentes das

atividades de projeto são reais, mensuráveis e de longo prazo e, portanto, podem dar

origem a RCE. As RCE são emitidas pelo Conselho Executivo e creditadas aos

participantes de uma atividade de projeto na proporção por eles definida e, dependendo

do caso, podem ser utilizadas como forma de cumprimento parcial das metas de redução

de emissão de gases de efeito estufa (ibidem, 2007).

De acordo com o Ministério da Ciência e Tecnologia (2007), classificam-se como

atividades de projeto de pequena escala do MDL: a) atividades de projetos de energia

renovável com capacidade máxima de produção equivalente a até 15 MW (ou uma

equivalência adequada); b) melhoria da eficiência energética que reduza o consumo de

energia pelo lado de fora da demanda e oferta até 60 GWh/ano; c) outras atividades que

reduzam emissões antrópicas por fontes e que, simultaneamente, emitam diretamente

menos do que 60 mil toneladas de dióxido de carbono equivalente.

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RESOLUÇÕES DA CIMGC

A CIMGM estabeleceu sua forma de atuação por meio de documentos legais de

caráter orientativo sobre a matéria. O produto desse esforço se manifestou na forma de

cinco Resoluções, cujos conteúdos passam a ser detalhados, nos elementos cabíveis a

esta discussão, a seguir:

A Resolução nº 1 estabelece os procedimentos para submissão de projetos de

MDL para serem aprovados. O Documento de Concepção do Projeto; Descrição da

contribuição para o desenvolvimento sustentável (Anexo III); O Relatório de Validação

pela EOD; Termo de compromisso de envio do documento de distribuição das unidades

de RCE, a cada verificação; Documentos atestando conformidade com a legislação

ambiental e trabalhista em vigor, quando for o caso (BRASIL, 2003).

Essa Resolução nº 1 demanda obediência à legislação trabalhista brasileira, em

consonância com a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para a sua

Eliminação, no âmbito da qual está previsto processo de consulta pública aos agentes

afetados direta e indiretamente pelas atividades de projeto (ibidem, 2003). Segundo o

Anexo III da Resolução n° 1, os participantes do projeto deverão descrever como a

atividade de projeto contribuirá para o desenvolvimento sustentável, conforme alguns

aspectos (BRASIL, 2003):

O primeiro aspecto é a contribuição para a sustentabilidade ambiental local, o qual

avalia a mitigação dos impactos ambientais locais (resíduos sólidos, efluentes líquidos e

poluentes atmosféricos, dentre outros) propiciada pelo projeto em comparação com os

impactos ambientais locais estimados para o cenário de referência.

O segundo aspecto é a contribuição para o desenvolvimento das condições de

trabalho e a geração líquida de empregos, que avalia o compromisso do projeto com

responsabilidades sociais e trabalhistas, programas de saúde e educação e defesa dos

direitos civis. Além disso, estabelece o incremento no nível qualitativo e quantitativo de

empregos (diretos e indiretos) comparando-se o cenário do projeto com o cenário de

referência (BRASIL, 2003).

O terceiro aspecto aborda a distribuição de renda, que determina os efeitos diretos

e indiretos sobre a qualidade de vida das populações de baixa renda, observando os

benefícios socioeconômicos propiciados pelo projeto em relação ao cenário de referência.

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O quarto aspecto é a contribuição para capacitação e desenvolvimento

tecnológico, que computa o grau de inovação tecnológica do projeto em relação ao

cenário de referência e as tecnologias empregadas em atividades passíveis de

comparação com as previstas no projeto. Além da possibilidade de reprodução da

tecnologia empregada, observando o seu efeito demonstrativo, avaliando a origem dos

equipamentos, a existência de royalties e de licenças tecnológicas e a necessidade de

assistência técnica internacional.

O quinto e último aspecto retrata a integração e o desenvolvimento regional que

podem ser medidos a partir da integração do projeto com outras atividades

socioeconômicas na região de sua implantação.

Além da Resolução n. 1, a CIMGC editou outras 4 Resoluções tratando desde a

forma de apresentação do projeto de MDL até os aspectos que definem os projetos de

pequena escala.

AVALIAÇÃO DOS ASPECTOS AMBIENTAIS DOS PROJETOS

Os aspectos ambientais dos projetos de aterros sanitários existentes no Brasil,

segundo o Anexo III da Resolução nº 1, foram analisados por item.

Em 20 de junho de 2007 dezenove projetos constavam na página de Internet do

MCT. Desse total, três não possuem o Anexo III da Resolução nº 1. Portanto, dezesseis

projetos são avaliados a seguir.

A avaliação é feita pela comparação entre o texto do Anexo III da Resolução nº 1 e

o texto dos DCP. A avaliação se baseou em aspectos observados nos DCP e seu Anexo

III. A avaliação diferenciou entre sim e não, ou seja, o sim indica que o aspecto é

observado no documento, o não indica que o aspecto não é observado. Os itens

analisados segundo o Anexo III são: sustentabilidade ambiental local, desenvolvimento

das condições de trabalho e geração líquida de empregos, distribuição de renda,

capacitação e desenvolvimento tecnológico e integração regional e articulação com outros

setores.

O subitem Potência Elétrica Instalada, prevista e possível dos dezenove projetos

aprovados, foi analisado separadamente, através de uma tabela, com base no DCP dos

projetos analisados.

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Fonte: Manual do usuário do programa de computador Biogás: geração e uso energético – aterros. Secretaria do Meio Ambiente, Cetesb, Ministério da Ciência e Tecnologia, 2006.

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CONTRIBUIÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL LOCAL

A sustentabilidade ambiental local avalia a mitigação dos impactos ambientais

locais propiciados pelos projetos em comparação com o cenário de referência. Com base

na Tabela 1, podemos analisar que:

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Os aspectos de redução da emissão de GEE para atmosfera, redução de outros

gases tóxicos, redução de odores, aumento da estabilidade do maciço e segurança dos

trabalhadores locais estão presentes em todos os projetos.

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Os aspectos de melhoramento da qualidade de vida do entorno, tratamento de

chorume e preservação do meio ambiente se encontram em mais da metade dos projetos

avaliados.

A desativação de lixões é um aspecto presente em pouco mais da metade dos

projetos, sendo um item de grande relevância, pois a desativação dos lixões contribui de

forma positiva e diretamente para o meio ambiente.

A geração de energia é um aspecto que está incluso em poucos projetos, porém

esse aspecto será avaliado oportunamente neste documento.

O projeto de Manaus é o único que contempla todos os aspectos. Os projetos

Marca, Aurá, Sil, Caieiras e Quitaúna somente não contemplam o aspecto de geração de

energia.

Os aspectos são verificados em mais da metade do total possível de ocorrências.

DESENVOLVIMENTO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO E GERAÇÃO LÍQUIDA DE EMPREGOS

O desenvolvimento das condições de trabalho e a geração líquida de empregos

avaliam as responsabilidades sociais e trabalhistas, programas de saúde e educação e

defesa dos direitos civis, e estabelecem o incremento no nível qualitativo e quantitativo de

empregos (diretos e indiretos). Com base na Tabela 2 podemos analisar que:

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Os aspectos de geração de empregos na implantação e operação do projeto e

treinamento de funcionários e geração de empregos diretos correspondem a mais da

metade dos projetos.

O aspecto de geração de empregos indiretos é citado em metade dos projetos, e

absorção de mão-de-obra local, em apenas seis projetos, podendo se concluir que esses

não estão contribuindo como deveriam para o desenvolvimento local.

Os aspectos são verificados em um pouco mais da metade do total possível de

ocorrências.

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DISTRIBUIÇÃO DE RENDA

A distribuição de renda determina os efeitos diretos e indiretos sobre a qualidade

de vida das populações de baixa renda. Com base na Tabela 3 podemos analisar que:

O aumento na renda das classes sociais mais baixas é conseqüência da geração

de empregos locais e da elevação na renda dos trabalhadores locais, devido ao

treinamento de funcionários, constante em mais da metade dos projetos. Já os aspectos

de geração de receita através de royalties e desenvolvimento de novos projetos sócio-

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ambientais estão presentes em menos da metade dos projetos.O projeto Anaconda não

contempla aspectos avaliado.

Os aspectos são verificados em um pouco menos da metade do total possível de

ocorrências.

CAPACITAÇÃO E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO

A capacitação e o desenvolvimento tecnológico avaliam o grau de inovação

tecnológica do projeto em relação ao cenário de referência e às tecnologias empregadas

em atividades passíveis de comparação com as previstas no projeto. Com base na Tabela

4 podemos analisar que:

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O aspecto de tecnologia internacional e nacional e de tecnologia norte-americana

são citados em sete projetos.

O aspecto de treinamento de funcionários desse item complementa esse mesmo

aspecto citado no item desenvolvimento das condições de trabalho e geração líquida de

empregos, sendo muito importante por evitar a contratação de mão-de-obra estrangeira.

O projeto ONYX não se enquadra em nenhum dos aspectos relacionados.

Os aspectos são verificados em menos da metade do total possível de

ocorrências.

INTEGRAÇÃO REGIONAL E ARTICULAÇÃO COM OUTROS SETORES

A integração regional e a articulação com outros setores avaliam a integração do

projeto com outras atividades socioeconômicas na região. Com base na Tabela 5

podemos analisar que:

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O aspecto de desenvolvimento nos setores econômicos, sociais e ambientais não

consta em apenas dois projetos, no entanto, os aspectos de movimentação do setor

detransporte, construção e assistência técnica local, e criação de serviços para a

população local constam de apenas sete projetos.

Os aspectos integração do setor de engenharia e destinação do lixo regional para

o aterro, minimizando a degradação ambiental, são observados em apenas cinco

projetos, e benefícios locais resultantes da geração de energia estão presentes em quatro

projetos.

Os aspectos são verificados em menos da metade do total possível de

ocorrências.

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POTÊNCIA ELÉTRICA INSTALADA, PREVISTA E POSSÍVEL

O Brasil tem potencial de geração de energia elétrica com emprego do biogás de

aterro na ordem de 180MW. Isso demonstra que o biogás recuperado nos aterros vem

sendo apenas queimado em queimador, sem a correspondente geração de energia. Com

base na Tabela 6 podemos analisar que:

O total de 40.376 t/dia de resíduo sólido urbano depositado nos dezenove aterros

dos projetos analisados tem a capacidade de gerar 8.300.000 tCO2equivalente/ano, o que

corresponde a uma potência elétrica da ordem de 165 MW.

Embora 93 MW de potência elétrica estejam previstos nos DCP, apenas 42 MW

estão instalados, sendo 22 MW no aterro Bandeirantes em atividade, e 20 MW em fase

final das obras da termelétrica no aterro São João.

AVALIAÇÃO DO PLANO DE MONITORAMENTO DOS DCP EM RELAÇÃO AO ANEXO III

Dos projetos avaliados, apenas três apresentam plano de monitoramento

correspondente ao Anexo III: Bandeirantes, NovaGerar e VegaBahia. Dos dezesseis

projetos restantes, doze não apresentam o plano de monitoramento do projeto e três não

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se encontram na página de Internet da UNFCCC (unfccc.int UNFCCC – United Nations

Framework Convention on Climate Change).

Para serem aprovados, os projetos de MDL precisam de um plano de

monitoramento com base em sua metodologia e linha de base, não sendo necessário um

plano de monitoramento para o Anexo III, que trata justamente dos aspectos de

desenvolvimento sustentável. Os projetos que possuírem esse plano são mais completos

que os demais.

ANÁLISE DA AVALIAÇÃO DOS PROJETOS EM ATERRO SANITÁRIO

Os projetos avaliados apresentam proposta de desenvolvimento sustentável,

coerente com a definição. Alguns projetos como VegaBahia, NovaGerar e Paulínia não

apresentam o Anexo III em seu DCP e não foram incluídos na avaliação.

No item de sustentabilidade local, a maioria dos projetos apresenta todos os

aspectos, porém o único aspecto com baixa expressão nos empreendimentos é o de

geração de energia.

No item de condições de trabalho e geração de empregos há projetos que não

especificam a quantidade de empregos gerada, treinamento de funcionários e absorção

de mão-de-obra local.

No item de distribuição de renda os projetos estão bem enquadrados, com a

qualificação da mão-de-obra dos trabalhadores elevando a renda destes e,

conseqüentemente, a renda local.

O item capacitação e desenvolvimento tecnológico demonstra deficiência em

relação à tecnologia nacional, pois em quase todos os projetos, exceção de

Embralixo/Ararúna e Anaconda, a tecnologia empregada é internacional.

No item integração regional e articulação com outros setores, a maior parte dos

projetos não corresponde aos aspectos avaliados. Os projetos Canabrava, Manaus, Aurá

e ONYX deixam a desejar, pois correspondem a apenas um aspecto avaliado.

Segundo a Tabela 6, a soma das potências possíveis nos dezenove

empreendimentos chega a mais de 150 MW. A geração de outros 80 MW é possível com

a inclusão da prática de recuperação do biogás nos aterros e a redução dos desperdícios

que podem ser contabilizados nos atuais empreendimentos. Esses se devem às elevadas

incertezas no projeto, ocasionando a previsão de menores quantidades de redução de

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emissão de metano do que aquelas registradas. Atualmente, apenas os aterros

Bandeirantes e São João estão aproveitando seu potencial energético.

A utilização do biogás para a geração de energia é de extrema importância para o

desenvolvimento sustentável, por ser fonte energética limpa. Os maiores geradores de

GEE no mundo provêm de matrizes energéticas baseadas em combustíveis fósseis.

Com base no texto da CQNUMC, o desenvolvimento sustentável é um direito e

dever das Partes, que devem incluir e cumprir suas regras em seus projetos de MDL.

Portanto, o Anexo III é parte das atividades do projeto e deve ser cumprido.

Entretanto, isso não está acontecendo, pois não é obrigatório um plano de

monitoramento do Anexo III da Resolução nº 1, sendo apenas um complemento opcional

ao plano de monitoramento obrigatório sobre a metodologia e linha de base.

Deveria existir fiscalização mais rígida em relação a esse requisito, que tornasse

tais projetos diferentes dos demais, devido a inclusão no seu documento da importância

do desenvolvimento sustentável para o cenário de referência e a conscientização da

necessidade da preservação do meio ambiente para as gerações futuras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos concluir que falta mais rigor na elaboração e cumprimento das propostas

descritas no Anexo III dos projetos de aterro sanitário.

Esses projetos, em seus cenários de referência, são os precursores para a

mudança nos hábitos da população local e regional em relação à qualidade de vida, à

consciência ambiental e, principalmente, ao desenvolvimento sustentável, pois são

rentáveis.

Deveria haver mais investimentos na recuperação do biogás para geração de

energia, por ser uma fonte mais limpa que não contribui para o aumento do efeito estufa,

além de ter impactos menos agressivos ao meio ambiente.

Conforme observado, deveria haver um plano de monitoramento específico para o

Anexo III, pois é ele que garante o comprometimento do projeto com o desenvolvimento

sustentável. Sugiro que seja reestruturada a maneira como são geridas as auditorias

técnicas, deixando de ser trabalho voluntário e passando a ser realizadas por membros

de diversos países, para que todos acompanhem cada projeto e sua evolução.

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Deveria ser cobrado dos países do Anexo I um maior comprometimento com cada

item que compõe o Anexo III, se o projeto não estivesse de acordo e fosse aprovado,

seria designado um prazo para se enquadrar nessa condição. Caso isso não fosse

cumprido, poderia ser cobrada multa mensal, forçando-lhe comprometimento maior com o

desenvolvimento sustentável.

O Anexo III da Resolução nº 1 está de acordo com os conteúdos da Agenda 21 e

do Relatório Brundtland, documentos que fundamentam as iniciativas de desenvolvimento

sustentável no mundo.

Este trabalho contribui para refletir sobre a credibilidade do desenvolvimento

sustentável nos projetos de MDL em aterros sanitários no Brasil.

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Gabriela Pacheco Rotondaro INTERFACEHS

LOPES, Ignez Vidigal (Coord.) O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL: guia de

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Acesso em: 20 jun. 2007.

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O PLANETA FAVELA (PLANET OF SLUMS) Selene Herculano

Professora da UFF/ICHF-PPGCP-PPGSD

[email protected]

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O Planeta Favela (Planet of Slums)

Selene Herculano INTERFACEHS

O autor, Mike Davis, 61 anos, ensaísta, urbanista, professor da Universidade da

Califórnia e editor da New Left Review, define-se como um ambientalista urbano marxista.

Não é um acadêmico Ph.D., mas um ativista sobretudo, um ex-motorista, ex-açougueiro,

autor de Prisioneiros do sonho americano (1986), que ficou mais conhecido entre nós

através dos livros Cidade de quartzo (São Paulo: Página Aberta, 1993) e Cidades mortas

(Rio de Janeiro: Record, 2001). No primeiro, desvenda a história do condado de Los

Angeles através de seus conflitos de classe e étnicos, denunciando os interesses dos

grandes agentes imobiliários e financeiros, mancomunados com os políticos e que dão

forma ao condado degradando suas paisagens, suas águas e aviltando suas gentes; no

segundo, além de Los Angeles, coloca o foco também em outras cidades americanas

(Las Vegas, Nova York) para mostrar como a grande cidade capitalista é ao mesmo

tempo extremamente perigosa e vulnerável em sua pretensão de dominar a natureza, ao

incitar uma economia do medo e ao priorizar a criação de infra-estrutura física para as

finanças internacionais às custas do subemprego e da submoradia de sua população

trabalhadora local. Se nesses livros o autor nos desvela a presença da pobreza urbana no

seio da maior potência econômico-militar do globo, no livro que a seguir resenhamos ele

se debruça sobre uma realidade que nos é mais familiar, a favelização do Terceiro

Mundo, processo que tende, segundo ele, a se generalizar.

Em seu novo livro, Planeta favela, Davis se volta para as megacidades do Terceiro

Mundo, para a generalização, agudização, extensão e multiplicação das favelas em

decorrência das políticas de ajuste do Banco Mundial. As grandes concentrações urbanas

estão no Terceiro Mundo (México e Seul, por exemplo, com populações acima de 21

milhões; Mumbai/Bombaim e São Paulo, com mais de 19 milhões, em dados de 2004).

Com base em Relatório do Programa de Assentamentos Humanos das Nações Unidas –

UN-Habitat de 2003, intitulado “The Challenge of Slums” (O desafio das favelas) e em

farta consulta bibliográfica a pesquisas específicas, Davis mostra o capitalismo neoliberal

como o responsável por uma urbanização da população mundial que se caracteriza pela

sua concentração nas favelas (um terço da população urbana total): 99,4% da população

da Etiópia, 98,5% do Afeganistão, 55,5% da população indiana, 37,8% da população

chinesa e 36,6% da população brasileira seriam faveladas. A população favelada mundial

cresceria cerca de 25 milhões de pessoas ao ano, ainda segundo a UN-Habitat. Na Ásia,

em apenas cinco cidades – Karachi, Mumbai, Délhi, Calcutá e Daca – há 15 mil favelas,

somando mais de 20 milhões de habitantes. A falta de habitação digna faz que no Cairo 1

milhão de pobres habitem um cemitério; em Hong Kong, cerca de 250 mil pessoas morem

2©INTERFACEHS – Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente - v.3, n.1, Resenha 1, jan./abril. 2008

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O Planeta Favela (Planet of Slums)

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em telhados, poços de ventilação e ‘gaiolas’ (cobertura de arame sobre camas

suspensas); em Mumbai, vive-se nas calçadas.

O processo de favelização é variado: causado pela urbanização forçada, que

expele as populações do meio rural, como na estratégia militar apontada como tendo sido

usada por Samuel Huntington no Vietnam, para extinguir suas comunidades e solapar a

resistência contra a ocupação norte-americana; pela formação de campos de refugiados,

como em Gaza; às vezes, pelo processo de enobrecimento ou gentrificação das áreas

ocupadas pelos pobres e que passam a ser destinadas ao turismo e aos condomínios de

luxo, como em Maroko, em Lagos, Nigéria. Ou, ao contrário, pela degradação ambiental e

envenenamento de seu solo, que faz das áreas de despejo de lixo os locais de moradia e

trabalho de amplos segmentos da população: são as favelas-lixo de Quarantina, em

Beirute; Santa Cruz Meyehualco, no México; Hillat Kusha, em Cartum; Dhapa, em

Calcutá.

Embora agudizado a partir da década de 1970 pelas políticas neoliberais das

grandes finanças globalizadas, o processo de favelização (um misto de adensamento com

a inexistência de sistema de saneamento) é apontado como remontando à colonização

britânica. Os britânicos teriam sido “comprovadamente os maiores construtores de favelas

de todos os tempos” (p.61), obrigando a população africana a morar em barracos

precários à margem de cidades segregadas e restritas; recusando-se a melhorar as

condições sanitárias na Índia, na Birmânia e no Ceilão. Também os franceses, nas

favelas coloniais de Medina (Dacar), Treichville (Abidjã) e Brazzaville, Congo) recusavam

infra-estrutura sanitária rudimentar aos bairros nativos; o mesmo era feito pelo stalinismo

asiático.

Além da alta densidade sem saneamento (em Kimbera, Nairóbi, havia em 1998

dez latrinas do tipo fossa para 40 mil pessoas), o espaço urbano nas megacidades

terceiro-mundistas tenderia a se caracterizar pela diminuição da interseção entre a vida

dos ricos e a dos pobres, pelos territórios fragmentados, formando enclaves fortificados

nos quais elites desenraizadas se autoconfinam em ‘zonas totalmente protegidas’, nas

‘ilhas de cibermodernidade’, como nos condomínios Alphaville, no Brasil e na esterilidade

dos shoppings centers, enquanto os mais pobres se acotovelam nas favelas, bidonvilles,

gecekondus, superbloques e rumah panjang, agarrando-se a “fissuras de sobrevivência”

(p.197).

Por que as favelas se multiplicam? Primeiro, porque, segundo o Relatório de

Desenvolvimento Humano da ONU para 2004, o desenvolvimento recuou nos anos 90,

3©INTERFACEHS – Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente - v.3, n.1, Resenha 1, jan./abril. 2008

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porque os programas neoliberais aceleraram a demolição do emprego estatal,

promoveram a desindustrialização local e porque o pagamento dos serviços da dívida

externa absorveu recursos que seriam dos programas sociais e habitacionais.

Mas o autor aponta outras causas para a permanência das favelas: porque assim

interessa a muitos. Interessa aos políticos clientelistas; interessa à expansão imobiliária

que tolera invasões, como em Manila, para que alagados pantanosos e encostas se

transformem em terrenos habitáveis e privatizáveis; porque interessa aos landlords,

proprietários que alugam imóveis em favelas, com alta rentabilidade. (Segundo o autor,

um proprietário que pague 160 dólares por um barraco de 6 metros quadrados em Nairóbi

recupera seu investimento em poucos meses de aluguel. Os lucros oriundos do aluguel

de cortiços à pobreza já era conhecido na Londres de Thomas Flight, landlord de 18 mil

moradias, e na Nápoles do fim de século, a “Calcutá da Europa”). Interessa às quadrilhas

de funcionários públicos, policiais corruptos e intermediários conhecidos como dalals, em

Karachi, que favelizam em proveito próprio as terras públicas que supostamente deveriam

estar controladas pela agência de desenvolvimento urbano local. Interessa até às ONGs e

ao seu ‘imperialismo brando’, que intermedeia programas de dotação de verbas de

grandes fundações cujos verdadeiros beneficiários parecem acabar sendo as próprias

ONGs e não o povo local. As ONGs usurpariam as vozes dos pobres, praticariam novas

formas de clientelismo e, ao focar o tema da capacitação e da governança em ações

pontuais com o enfoque em boas práticas, evitariam as questões básicas da dívida e da

desigualdade e desencorajariam o debate e a compreensão das políticas globais

financeiras.

Outra causa apontada para a continuidade das favelas é que a informalidade

econômica da marginalidade urbana teria se tornado uma força avassaladora, como em

Allahabadad e Jaipur, na índia, e em Huancayo, no Peru. Mas o autor está longe de

engrossar o coro daqueles que louvam o empreendedorismo da economia informal e seu

pretenso papel macroeconomicamente revolucionário. Davis chama tal setor informal,

com expressão que credita a sociólogos brasileiros, de ‘proletarização passiva’. Embora

sejam dois quintos da população economicamente ativa mundial, segundo a ONU, esses

trabalhadores estão sem abrigo na economia internacional contemporânea. O setor

informal empreendedor urbano seria um mito segundo o autor, e isso por várias razões:

porque seus defensores confundem micro-acumulação com sub-subsistência; porque, em

lugar do estereótipo do autônomo heróico, a maioria dos trabalhadores informais trabalha

para outrem; porque há desigualdades internas e redes invisíveis de exploração, com o

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O Planeta Favela (Planet of Slums)

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abuso do emprego de mulheres e de crianças; porque pesquisas teriam demonstrado o

baixo impacto do microcrédito e do empréstimo cooperativo na redução da pobreza;

porque solapa a cultura da doação e ajuda mútuas... As estratégias de sobrevivência nas

favelas sobrecarregam sobretudo suas mulheres e encurtam o horizonte de vida de seus

jovens.

A regularização fundiária defendida por muitos também é criticada pelo autor

porque individualizaria a luta por moradia, solapando a solidariedade, instalando a

competição, cooptando os moradores e fazendo disparar os preços. Seria mais uma

estratégia cômoda e fácil, um gesto de pena que dá novo alento ao paradigma da

autoconstrução, combinando-se com a ideologia anti-estatal dominante, que desobriga os

governos de suas responsabilidades.

Se as agências governamentais estão corrompidas, se as ONGs agem em causa

própria, se o empreendedorismo dos pobres é um mito, se a regularização fundiária mais

um engodo, se a política macroeconômica ditada pelos bancos fragmenta o tecido urbano

e torna uma humanidade excedente, qual a saída? Para Davis, não há saída. Há, ao

contrário, um big bang da pobreza urbana: a Rússia nos espantou com sua riqueza

instantânea e sua miséria igualmente súbita; as ‘cidades-cinderela’ indianas – Bangalore,

Pune, Hyderabad e Chennai – são bolhas de alta tecnologia e de novos milionários que

se fizeram acompanhar de mais 56 milhões de pobres (p.172). Em Bangalore haveria

mais catadores de papel e crianças de rua (90 mil) do que gênios de software (60 mil). Lá,

em dez favelas locais, pesquisadores teriam contabilizado apenas 19 latrinas para 102 mil

moradores (p.174).

A ‘saída’ tem sido o êxodo forçado, a repressão e a ação direta de financiadores

como o Banco Mundial que, independendo de votos locais, constroem ilhas de bem-

aventurança e de crescimento para poucos e promovem eventos internacionais de alto

nível que banem a população local a pretexto de campanhas de embelezamento. Para os

estrategistas militares criticados por Davis, a saída estaria em ações de guerra aos

pobres, identificados como terroristas em potencial, através de ações MOUT (military

operations on urbanized terrain) e em uma “guerra mundial de baixa intensidade e

duração ilimitada contra segmentos criminalizados dos pobres urbanos” estudada pela

Rand Corporation (p.202-205). Na disputa pelas áreas, uma outra ‘solução’ mais imediata

tem sido o fogo.

Ermínia Maricato, ilustre urbanista da USP com passagem recente no Ministério

das Cidades do governo Lula, em seu posfácio ao livro critica o autor pela falta de

5©INTERFACEHS – Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente - v.3, n.1, Resenha 1, jan./abril. 2008

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O Planeta Favela (Planet of Slums)

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alternativa, por uma bibliografia unicamente em língua inglesa e por erros nos dados

estatísticos sobre o Brasil (aliás e felizmente, pouco citado nesse imenso rosário de

miséria urbana). Maricato endossa a crítica de um certo Tom Angotti, que teria acusado

Davis de estar no grupo dos TINA (aqueles para quem there is no alternative, isto é, não

existe saída) e por promover uma visão antiurbanista ou anticidade.

Ainda segundo Maricato, no Brasil as tendências são outras: as metrópoles

crescem menos do que as cidades de porte médio, houve uma queda na taxa de

fecundidade e de mortalidade infantil. E há saída na descentralização da gestão urbana,

sim. Maricato, todavia, concorda em que políticas locais que ignorem a macroeconomia e

a esfera nacional são armadilhas, e afirma que Davis acerta “quando remete a fonte

principal das mazelas às forças globais dominadas por interesses financeiros e garantidas

militarmente pelos Estados Unidos ou por aquilo que David Harvey denomina de Novo

Imperialismo” (p.224).

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Gerente do Setor de Tecnologias de Produção mais Limpa/Cetesb e Secretário Executivo da Mesa Redonda

Paulista de Produção mais Limpa. Mestre em Energia – Energia Meio Ambiente e Desenvolvimento (PIPGE-

USP) e Pós-graduado em Análise Pluridisciplinar do Estado do Mundo (Cátedra Unesco-UPC, Barcelona)

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Guias Técnicos Ambientais da Série P+L

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Certamente uma das características humanas mais notáveis é a capacidade de

adaptação e constante evolução no modo de se organizar. Com a gestão ambiental,

entendendo o termo de modo abrangente, não é diferente.

Dentre as diversas possibilidades de ação sobre as interações do meio antrópico

com o natural, já há algum tempo diversas empresas perceberam os limites da

abordagem corretiva, conhecida também como ‘comando e controle’, ou ‘fim de tubo’.

Neste modelo o que se propõe, de modo simplificado, é tratar os rejeitos (sejam estes

resíduos sólidos, efluentes líquidos ou emissões atmosféricas) após a sua geração nos

processos, para que possam ser dispostos no meio ambiente de acordo com a legislação

vigente. Além do elevado custo de algumas dessas ações (tanto na instalação como na

operação dos sistemas), também não se elimina totalmente o problema da poluição –

apenas se transladam os poluentes de um meio para outro (do efluente para o lodo, ou da

emissão para o efluente, por exemplo), culminando com os custos e responsabilidades

inerentes à gestão dos resíduos até sua disposição final.

Fruto da percepção deste entre outros limites, corporações de diversos portes e

atividades passaram a desenvolver uma nova visão do seu desempenho ambiental,

segundo a qual os rejeitos são vistos como matéria-prima não aproveitada, que é

adquirida, armazenada, beneficiada, passa pelo processo consumindo insumos e mão-de-

obra, participa dos custos fixos e ao final não se torna produto, ou seja, não agrega valor.

Ao contrário, exige gastos com armazenagem, tratamento, transporte e disposição final.

Esta visão desenvolveu ao longo do tempo uma estratégia de gestão ambiental à qual

chamamos Produção mais Limpa (P+L).1

A P+L se caracteriza pela atuação preventiva em relação aos aspectos ambientais,

ou seja, em vez de tratar os poluentes gerados busca-se atuar dentro dos processos (ou

mesmo na concepção dos produtos) para reduzir a geração destes, com evidentes

benefícios não apenas ambientais mas também econômicos. Atua-se no gerenciamento

dos processos buscando o aumento de sua eficiência, e isso resulta na redução do

consumo de matérias-primas, água e energia, na minimização da geração de resíduos

sólidos, efluentes líquidos e emissões atmosféricas, entre outros possíveis benefícios.2

Esta estratégia, complementar à necessidade do controle corretivo, surgiu na

esteira do movimento pela ‘qualidade total’ da década de 19803 e foi percebida muito

antes pela própria indústria do que por governos ou pela academia, principalmente por

conta da revisão de processos realizada durante a implantação dos sistemas de gestão

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de qualidade. Atualmente, em diversas partes do mundo, órgãos ambientais se utilizam

dos conceitos e ferramentas da P+L, em sua maioria fomentando ações voluntárias das

empresas, não só por meio de marcos legais e administrativos mas também pela criação

de áreas dedicadas ao tema em seus quadros.

No estado de São Paulo, a P+L começou a ser tratada pelo órgão ambiental na

década de 1990, tendo sido introduzida por meio de um convênio entre a Companhia de

Tecnologia e Saneamento Ambiental (Cetesb) e a agência ambiental norte-americana

(US-EPA). Com a realização de treinamentos e eventos o assunto passou a ser estudado

por alguns técnicos, e em 1996 criou-se uma área específica que teria como missão

apoiar e incentivar ações de P+L junto às indústrias do estado. Desde então diversas

ações têm sido realizadas, entre cursos, eventos, projetos piloto e publicações, dentre as

quais destaca-se a Série P+L.4

A Série P+L caracteriza-se por ser uma coleção de Guias Técnicos Ambientais,

escritos com foco na P+L, cada qual dedicado a um setor produtivo específico. O objetivo

dessas publicações é não apenas divulgar ações do setor, mas principalmente servir

como um Guia na acepção da palavra, orientando indústrias sobre práticas possíveis.

Para tanto, cada documento contém uma estrutura comum composta de cinco capítulos,

além de eventuais anexos.

O Capítulo 1 – Introdução consiste em uma apresentação do documento e

explanação do conceito de P+L. Não se trata de uma conceituação profunda ou mesmo

de uma completa visão sobre o assunto, mas sim de um texto breve em linguagem

simples sobre ‘do que trata’ a P+L e quais seus benefícios, de modo que se possa atingir

o público previsto, composto muitas vezes dos responsáveis pela gestão ambiental das

fábricas e outros profissionais que não têm possibilidade de despender grande quantidade

de tempo para a leitura. O intuito é atrair o leitor para a publicação e despertar a

percepção das possibilidades da abordagem preventiva proposta.

Além disso, faz-se no texto menção às diferentes possibilidades da P+L, que não

exige obrigatoriamente a implementação de um ‘sistema de gestão’ estruturado. Esta

observação tem se mostrado muito importante, visto que muitas das empresas que

procuram essas publicações são de pequeno e médio porte, as quais em geral possuem

certa resistência perante o desafio de cumprir as exigências de um sistema de gestão

completo logo no primeiro contato com o assunto. Outra observação importante diz

respeito à familiaridade com as medidas, e o que se faz é mostrar que muitas empresas já

se utilizam das práticas da P+L, sem no entanto utilizar essa nomenclatura. Ter

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consciência disso não apenas é salutar para a auto-estima dos funcionários envolvidos,

mas também fornece certo conforto e facilita a incorporação do assunto nas rotinas da

empresa.

No Capítulo 2 – Perfil do Setor se traça um panorama sobre o segmento produtivo,

sua importância socioeconômica e a distribuição das empresas – tanto do ponto de vista

geográfico como em relação ao seu porte. Principalmente para os representantes destes

setores esse capítulo parece ter importância crucial, pois demonstra sua identidade, nem

sempre conhecida ou mesmo reconhecida. Do ponto de vista da gestão ambiental essas

informações também se apresentam muito importantes, pois permitem perceber tanto

adensamentos industriais como vocações regionais, questões essenciais para o

planejamento ambiental estratégico e o correto direcionamento dos esforços de ações

locais de gestão – um exemplo é o setor de bijuterias (pequenas galvanoplastias), que

tem 37% do faturamento do país oriundo do município de Limeira, que por esta razão tem

sido objeto de projetos desenvolvidos em parceria entre a Cetesb e entidades setoriais

locais.5

O Capítulo 3 – Descrição do processo produtivo traz resumidamente as principais

operações desenvolvidas pelas empresas do setor. Conforme já dito, uma vez que a base

da ação preventiva é a revisão e a conseqüente melhoria do desempenho ambiental de

processos, a descrição destes é chave no levantamento das possibilidades de ação.

Desta forma, são apresentadas as etapas e operações efetuadas de modo estruturado,

sempre que possível usando fluxogramas e fotografias. Cabe dizer que em muitos casos

a tipologia industrial possui subdivisões, com uma seqüência básica de ‘macro-

processos’, mas com significativas variações de suas etapas produtivas, sendo então

necessário apresentar diferentes configurações. Entre os recursos usados consta um

fluxograma geral, descrevendo essas ‘macro-etapas’ comuns a todos, e os detalhes da

etapa produtiva descrevendo a particularidade de cada atividade distinta.6

Em continuação à descrição dos processos, o Capítulo 4 – Aspectos e Impactos

Ambientais apresenta uma sucinta identificação dos aspectos ambientais mais relevantes

de cada setor ou subsetor, utilizando ao máximo informações visuais como fluxogramas.

Em seguida se comentam brevemente os possíveis impactos ambientais oriundos da não

observância das leis e das boas práticas de fabricação. Estas informações são de grande

importância para alertar os empresários e técnicos sobre eventuais impactos ambientais

de suas atividades (uma vez que nem todos possuem essa visão esclarecida), e

identificar os aspectos ambientais mas significativos, postura imprescindível dentro de

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qualquer ação de gestão ambiental – por mostrar claramente a origem dos impactos da

atividade, facilitando a tomada de decisões.

É exatamente nesse capítulo que reside o maior desafio da publicação: a obtenção

de dados numéricos que quantifiquem os aspectos ambientais das diversas tipologias, de

modo representativo para a realidade do Brasil, e mais especificamente do estado de São

Paulo. Sucede que embora existam diversas fontes de informação que trazem valores

típicos desses aspectos (composição de efluentes, parâmetros de emissões e taxas de

geração de resíduos, entre outros), salvo raras e louváveis exceções esses valores

possuem sérias limitações como sua origem, obsolescência, qualidade ou

representatividade. Embora essenciais para estabelecer valores de referência para

diversos usos, essas informações são de difícil obtenção – por diversos motivos, que vão

desde a falta de uma ‘cultura de monitoramento’ em nossas indústrias, até a dificuldade

de compilação de valores (por falta de homogeneidade nos critérios de coleta e

tratamento de indicadores ambientais nas diferentes indústrias).

Atualmente a parceria entre a Cetesb e os representantes das empresas tem

como um dos principais focos a busca por esses dados, e espera-se que com a

colaboração das indústrias, que cada vez têm se mostrado mais pró-ativas, em breve seja

possível levantar valores típicos de aspectos ambientais que sejam representativos o

suficiente para determinar faixas de ‘valores de referência’ por setor, que permitam

avançar nas políticas públicas de avaliação e estímulo à melhoria de desempenho

ambiental.

Uma vez que os processos produtivos já foram caracterizados, seus aspectos

ambientais identificados e os potenciais impactos estabelecidos, o Capítulo 5 – Medidas

de P+L traz exatamente as propostas atualmente em voga para ações preventivas no

setor em questão. Por meio de levantamentos de campo e revisões bibliográficas

identificam-se boas práticas em uso, descritas no documento de modo simples e direto.

O formato desse capítulo tem sido objeto de diversas modificações, já tendo sido

usado tanto o texto corrido como tabelas contendo os principais aspectos (tais quais

‘fichas’7). Além disso, quanto à organização, em função da necessidade e facilidade de

consulta, em cada caso podemos dividir as medidas propostas por meio (água/efluente;

emissões atmosféricas; resíduos; uso de recursos/energia etc.) ou por etapa do processo

(extração de matérias-primas; beneficiamento; lavagem etc.), e em alguns casos ainda

pode ser inserida ao final uma tabela relacionando meios e etapas, para facilitar a

consulta.

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É importante ressaltar que o grau de profundidade com que as medidas são

apresentadas é bastante genérico, uma vez que, diferentemente das medidas de controle

corretivo, as oportunidades de ação da P+L são encontradas caso a caso de acordo com

as condições do processo e da planta produtiva. Assim, apresentam-se propostas e

sugestões gerais, sem indicação de qual a melhor solução ou de como se deve proceder

ao dimensionamento das instalações – cabendo a cada interessado a responsabilidade

pelo projeto específico e o dimensionamento de seus sistemas, buscando a solução que

melhor atenda às suas necessidades.

Ao final do documento, juntamente com as referências bibliográficas, podem ainda

ser inseridos anexos, a critério das partes que o elaboram e havendo justificativa para

tanto. Apenas para citar um exemplo, no caso já citado das bijuterias há um anexo que

trata de informações sobre saúde e segurança, principalmente sobre os riscos das

substâncias que são utilizadas pelas empresas desse setor, e que foi incluído por se

considerar uma informação essencial aos técnicos da área, que nem sempre estão

cientes da periculosidade à qual estão expostos.

Um aspecto muito importante dessas publicações é sua divulgação. Assim, além

da disponibilização dos documentos nas páginas da Internet das diversas instituições que

participam da elaboração dos documentos, o que se faz é realizar um evento para

lançamento da publicação. Além disso estão em elaboração folhetos para cada um dos

Guias, que consistem num resumo (em apenas uma folha A4, dobrada uma vez), que

poderá ser distribuído amplamente pelos representantes das empresas e pelas Agências

da Cetesb, alertando para os principais pontos do documento e chamando à sua leitura

na íntegra.

Pode-se dizer que a confecção dos Guias da Série P+L possui algumas

características que merecem destaque:

Parceria com entidades representativas das empresas: seja com o

objetivo de enriquecer o material elaborado com informações

atualizadas e representativas, seja para facilitar a penetração junto

às empresas do setor, ou mesmo para divulgar os documentos.

Muito embora alguns dos primeiros Guias da Série P+L tenham sido

elaborados sem essa colaboração, atualmente todos os trabalhos

são feitos dentro dessa filosofia – com as entidades e algumas

empresas mais pró-ativas colaborando com informações, dados

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numéricos, visitas técnicas e na divulgação junto aos associados.

Cabe destacar que a própria metodologia de trabalho acabou se

revelando um dos grandes resultados positivos deste trabalho, por

ser fundamentada na parceria e no diálogo entre governo (órgão

ambiental) e iniciativa privada (representantes das indústrias), para

consecução de um objetivo comum – criando uma situação de

confiança mútua que no futuro poderá beneficiar diversas outras

ações além desta Série P+L;

Participação de especialistas na elaboração dos documentos: uma vez

que a P+L trata de mudanças nos processos (seja em produtos,

equipamentos, procedimentos, matérias-primas e insumos, entre

outros), entende-se que deve haver sempre a participação de

especialistas nas tipologias industriais em questão nas discussões.

Em geral esses são técnicos das empresas, que estão envolvidos

cotidianamente na gestão ambiental dessas operações e, portanto,

são aqueles com mais capacidade para abordar o assunto, embora

em alguns casos exista a colaboração de consultores do setor

produtivo;

Constante evolução de forma e conteúdo: muito embora haja uma clara

definição do tipo de informação que deve constar de cada

publicação, tanto a profundidade como a linguagem dos

documentos têm sido aperfeiçoadas continuamente, de modo a

melhor atender as necessidades dos usuários. Assim, sempre que

necessário e a critério das partes, poderão surgir novas edições de

Guias já publicados, incorporando melhorias de formato ou

acrescentando novas informações, na medida da disponibilidade

destas junto aos setores;

Livre acesso: considerando não apenas o caráter da parceria realizada,

mas principalmente o intuito de divulgar o mais amplamente

possível esses documentos, toda a Série P+L encontra-se

disponível nas páginas da Internet das instituições que colaboraram

em sua elaboração, isenta de custos.

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Quanto aos setores produtivos já abordados, até o momento já foram publicados

13 Guias Ambientais da Série P+L,8 para as seguintes tipologias:

• Gráficas;

• Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos;

• Sucos Cítricos;

• Bijuterias;

• Curtumes;

• Cerveja e Refrigerantes;

• Produtos Lácteos;

• Graxarias;

• Frigoríficos;

• Abate – suínos e bovinos;

• Cerâmica branca e de revestimento;

• Tintas e Vernizes;

• Papel e Celulose.

Atualmente, está sendo negociada a elaboração de novos Guias da Série P+L

para 2008, para diversos setores como: galvanoplastias (grande porte), fundição,

trefilação e condutores elétricos, circuitos impressos, cerâmica vermelha e extração de

areia, entre outros. Nesse ínterim, é importante ressaltar que a Cetesb está sempre

aberta a novas propostas dos representantes dos setores produtivos, quer por meio de

entidades de classe, quer por meio das Câmaras Ambientais – órgãos colegiados de

caráter consultivo para a SMA/Cetesb, compostos de representantes do governo e de

empresas das respectivas tipologias industriais.9

Com a publicação da Série P+L a Cetesb espera não apenas oferecer informações

ambientais às indústrias e aos seus próprios técnicos, mas principalmente avançar no

diálogo com a iniciativa privada, rumo à parceria para a evolução de ferramentas de

gestão modernas e eficazes, que por meio de situações de benefícios mútuos permitam

cumprir sua missão de preservar e melhorar a qualidade ambiental de nosso Estado.

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Guias Técnicos Ambientais da Série P+L

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NOTAS 1 Segundo a definição original das Nações Unidas, “Produção mais Limpa (P+L) é a aplicação contínua de uma estratégia ambiental preventiva integrada, aplicada a processos, produtos e serviços, para aumentar a eficiência global e reduzir riscos para a saúde humana e o meio ambiente. A Produção mais Limpa pode ser aplicada a processos usados em qualquer indústria, a produtos em si e a vários serviços providos na sociedade. Para processos produtivos, a P+L resulta em medidas de conservação de matérias-primas, água e energia; eliminação de substâncias tóxicas e matérias-primas perigosas; redução da quantidade e toxicidade de todas as emissões e resíduos na fonte geradora durante o processo produtivo, de modo isolado ou combinadas; para produtos, a P+L visa reduzir os impactos ambientais e de saúde, além da segurança dos produtos em todo o seu ciclo de vida, desde a extração de matérias-primas, manufatura e uso até a disposição final do produto; para serviços, a P+L implica incorporar a preocupação ambiental no projeto e na realização dos serviços”. Versão original disponível em: www.uneptie.org/pc/cp/understanding_cp/home.htm#definition. 2 Maiores informações sobre os benefícios potenciais da P+L podem ser encontradas em: www.cetesb.sp.gov.br/Tecnologia/producao_limpa/beneficios.asp. 3 Deve-se ressaltar que antes dessa data já havia alguns casos isolados de empresas utilizando-se desses princípios, sendo o exemplo mais conhecido o programa “3P – Pollution Prevention Pays”, da 3M, datado de 1974 e talvez a primeira iniciativa conhecida de P+L. Mas foi apenas na década seguinte que o conceito passou a ser divulgado e discutido, e tomou a forma atual. 4 Para maiores detalhes sobre as ações da Cetesb em P+L, ver: www.cetesb.sp.gov.br/Tecnologia/producao_limpa/apresentacao.asp. 5 Para conhecer um pouco mais sobre este projeto, consultar este documento: www.cetesb.sp.gov.br/Tecnologia/producao_limpa/documentos/problemas_solucoes_bijuterias.pdf. 6 Um exemplo desse procedimento pode ser visto no Guia de Produtos Lácteos, com macro-etapas como: recepção de leite e ingredientes; processamento; tratamento térmico; elaboração de produtos; envase e embalagem; armazenamento e expedição, ao qual se segue o detalhamento para os diferentes subsetores, para a produção de diferentes produtos, tais como leite UHT; queijos; requeijão; creme de leite; manteiga; leite condensado; leite em pó; doce de leite; iogurte; sorvete e recuperação de soro. 7 Para um exemplo do formato de texto corrido, ver o Guia de Curtumes. Para o caso das ‘fichas’, ver o Guia de Produtos Lácteos. 8 A Série P+L pode ser acessada toda no site da Cetesb, em: www.cetesb.sp.gov.br/Tecnologia/producao_limpa/documentos.asp. 9 Informações sobre os setores para os quais a Cetesb/SMA mantém Câmaras Ambientais, bem como sua composição, atribuições e funcionamento, constam em: www.cetesb.sp.gov.br/Tecnologia/camaras/apresentacao.asp.

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