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Revista InterfacEHS edição completa Vol. 6 n.2

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A InterfacEHS é uma Publicação Científica do Centro Universitário Senac que publica artigos científicos originais e inéditos, resenhas, relatos de estudos de caso, de experiências e de pesquisas em andamento nas áreas de Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade. Edição Especial da revista agora com novo foco nas áreas de Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade. Acesse a revista na íntegra! http://www3.sp.senac.br/hotsites/blogs/InterfacEHS/

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EDITORIAL

Mudanças climáticas e saúde humana

O encontro das maiores cidades do mundo – o C40 Summit – realizado em São Paulo teve um fato novo de extrema importância. Pela primeira vez, o C40 inclui na sua pauta a discussão das questões de Saúde Humana relacionadas às mudanças climáticas. A discussão entre mudanças climáticas e saúde no contexto urbano parece óbvio, porém, paradoxalmente, era pouco abordado de forma explícita como o foi na reunião de São Paulo. O acúmulo de substâncias tóxicas no meio físico da Terra e o aquecimento global representam talvez o maior desafio à saúde e qualidade de vida da espécie humana. O aumento da mortalidade pela exposição constante aos poluentes, a antecipada escassez de água em áreas carentes (no nosso caso, a região Nordeste do Brasil), a escassez de alimentos decorrentes da desertificação do solo, o aumento das doenças infecciosas que possuem insetos como vetores (dengue e malária, por exemplo), a maior frequência de desastres naturais como inundações e ventos intensos, variações extremas de temperatura (para mais ou para menos) e seus efeitos adversos à saúde, a deterioração da qualidade das águas pela salinização dos aqüíferos, a formação de correntes migratórias no Brasil e na América do Sul a partir das regiões mais afetadas, são alguns dos cenários previstos para os próximos anos, caso medidas efetivas de controle das emissões não sejam implementadas.

Um aspecto inovador do encontro foi a discussão dos co-benefícios locais em saúde das políticas voltadas para a mitigação da emissão dos gases de efeito estufa quando implementadas no cenário urbano. A maior parte das mudanças de hábito pessoal que conduzem a menor consumo energético são reconhecidamente capazes de produzir efeitos benéficos à saúde das pessoas. Caminhar mais até chegar ao transporte coletivo, andar de bicicleta, consumir menos carne, comer alimentos saudáveis, são atitudes que levam a reduções significativas e imediatas do risco para doenças cardiovasculares, diabetes, osteoporose, demência e câncer. Desta forma mudanças de atitudes voltadas à promoção da sustentabilidade urbana promovem a saúde e trazem benefícios reais e imediatos.

A incorporação dos co-benefícios em saúde das políticas voltadas à sustentabilidade dos centros urbanos indica que podem ser conseguidos ganhos consideráveis em qualidade de vida, bem como economia por menor gasto com despesas de saúde, quando medidas de reduções de gases de efeito estufa são adotadas. Mais importante, os resultados são imediatos e obtidos nas próprias localidades onde as estratégias de mitigação são colocadas em prática, evitando a discussão reincidente surgida a partir da questão “Porquê devemos reduzir as nossas emissões enquanto outros países emitem muito mais do que nós?”. A resposta a este tipo de questionamento passa a ser que nossa saúde melhora aqui, onde vivemos, em nosso espaço e na janela de tempo de nossas vidas. Reduzir emissões é preservar a qualidade do ambiente global e, ao mesmo tempo, melhorar a nossa saúde aqui e agora. Resta-nos iniciar esta marcha virtuosa e contribuirmos para a adoção de práticas sustentáveis que irão beneficiar a todos, inclusive a nós mesmos.

Boa Leitura!Dr. Paulo Saldiva

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TRANSPORTE, MUDANÇAS CLIMÁTICAS E A IMPORTÂNCIA DOS CO-BENEFÍCIOS NA DEFINIÇÃO DE MEDIDAS DE MITIGAÇÃO PARA O

SETOR

Luiz Antonio Cortez Ferreira1

Resumo

Neste artigo o autor apresenta uma análise da importância do controle de emissões atmosféricas no setor de transportes e das principais linhas de ação aplicáveis para a mitigação das emissões de gases de efeito estufa do setor, com foco no transporte rodoviário urbano e de longa distância, tanto para carga quanto para passageiros. A análise é acompanhada de uma resenha de evidências dos co-benefícios à saúde, resultantes das diversas alternativas de controle de emissões de gases de efeito estufa no setor de transportes, apontando para a importância da implantação de políticas de mitigação intersetoriais, integradas e de longo prazo, que considerem as avaliações de co-benefícios à saúde e ao desenvolvimento sustentável durante os processos de tomada de decisão.

Palavras-chave: Transporte; transporte de baixo carbono; emissões veiculares; efeito estufa; mudanças climáticas; saúde e poluição; controle de emissões; políticas públicas; ações de mitigação.

1 Arquiteto pela Universidade de São Paulo, especialista em Gestão Ambiental e Conservação de Energia (OCU/AOTS – Osaka, Japão, 2006), especialista em Planejamento de Transportes Públicos Urbanos (MLIT/JTCA – Tóquio, Japão, 2000). Especialista técnico na Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô, Conselheiro titular no Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA e no Comitê Gestor da Polí-

tica Estadual de Mudanças Climáticas – CG-PEMC Endereço para correspondência: Luiz Antonio Cortez Ferreira. Rua Mirassol, 272 - 6º andar, 04044-010 São Paulo - SP. Email: [email protected]

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TRANSPORTATION, CLIMATE CHANGE, AND THE RELEVANCE OF CO-BENEFITS ASSESSMENT DURING THE DEFINITION OF MITIGATION

ACTIONS FOR THE SECTOR

Abstract

In this article the author presents an analysis of the importance of controlling air emissions in transport sector and the main lines of action applicable to the mitigation of greenhouse gases emissions from the sector, focusing on urban and long distance road transport, both freight and passengers. Analysis is accompanied by a review of evidences of health co-benefits resulting from the various alternatives of greenhouse gases emissions control in transport sector, pointing to the importance of implementing intersector, integrated and long-term mitigation policies, and urges policymakers to consider health and sustainable development co-benefits assessments during mitigation actions decision-making processes.

Keywords: Transportation; transport sector; low-carbon transport; vehicle emissions; greenhouse effect; climate change; health and pollution; emission control; public policies; mitigation actions.

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1. Introdução

O transporte é uma atividade essencial à vida em sociedade e a demanda por transporte cresce rapidamente à medida que as relações econômicas e sociais se tornam mais complexas e intensivas. As interações sociais e econômicas dependem da habilidade de mover pessoas e bens, superando as distâncias que de outra forma impediriam essas interações. “Sistemas de mobilidade eficientes são facilitadores essenciais do desenvolvimento econômico”, conforme KAHN RIBEIRO et al. (2007, p. 328), afirmando que “desenvolvimento econômico e transporte estão inextricavelmente conectados. O desenvolvimento aumenta a demanda por transporte, enquanto a disponibilidade de transporte estimula ainda mais desenvolvimento ao permitir o comércio e a especialização econômica. A industrialização e a crescente especialização fomentam a necessidade de grandes volumes de deslocamentos de bens e materiais a distâncias substanciais, enquanto a globalização acelerada faz aumentar fortemente esses fluxos”. Crescem, assim, os fluxos de bens e pessoas, tanto localmente quanto a grandes distâncias, demandando modos mais rápidos de deslocamento e resultando em um uso mais intensivo de energia para sua realização.

O modelo de desenvolvimento consolidado ao longo do século XX baseia-se fortemente no uso de combustíveis fósseis – petróleo, gás natural e carvão – e na transferência de recursos naturais para manter os níveis de atividade econômica. Produtos agrícolas, madeira, minério e outras commodities (produtos não-especializados) originárias dos países em desenvolvimento são utilizados em quantidades cada vez maiores para manter os padrões de consumo e de conforto das populações dos países desenvolvidos. Essa população dos países economicamente afluentes representa hoje cerca de 1,2 bilhões do total de 6,5 bilhões de pessoas no globo, mas deverá permanecer inalterada enquanto a população mundial crescerá para 9,1 bilhões em 2050 (ONU, 2005: POP/918. In: CORTEZ FERREIRA, 2007).

A criação de infraestrutura de transporte adequada é uma questão crítica para os países em desenvolvimento. Infraestruturas inadequadas tendem a impedir ou limitar o desenvolvimento econômico e social, perpetuando a pobreza em países menos desenvolvidos. Por sua vez, ao atingir níveis mais avançados de desenvolvimento os países se vêm à frente de novos problemas, como o crescimento dos congestionamentos, dos acidentes de trânsito e da poluição ambiental, aumentando custos e impactando seriamente a saúde e qualidade de vida da população (JICA, 2007, p. 10). Esses três problemas - congestionamentos, acidentes e poluição – têm impacto imediato e ocupam a agenda da sociedade, da imprensa e, por consequência, dos formuladores de políticas públicas, fazendo com que muitos releguem as providências relacionadas às mudanças climáticas para um segundo plano.

Os derivados de petróleo – recurso fóssil – respondem por 95% da energia total utilizada pelo setor de transportes em todo o mundo. Em 2004 o setor foi responsável por 23% das emissões mundiais de gases de efeito estufa (GEE) provenientes do uso de energia, com cerca de três quartos dessa parcela oriundos do transporte rodoviário2.

2 Neste artigo, o termo “transporte rodoviário” é utilizado para designar o transporte motorizado por caminhões, ônibus, utilitários leves, automóveis, triciclos, motocicletas e similares, em usos urbanos e interurbanos.

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Ao longo da última década, as emissões de GEE dos transportes cresceram a taxas mais elevadas que as de qualquer outro setor que utiliza energia (KAHN RIBEIRO et al., 2007, p. 325).

As evidências disponíveis mostram claramente que as mudanças climáticas decorrentes do aumento da concentração de gases de efeito estufa na troposfera constituem o maior problema ambiental da atualidade. Suas consequências já superam os cenários mais pessimistas de previsões científicas elaboradas há menos de uma década e a aceleração da velocidade dessas mudanças deixa clara a ameaça real que o aquecimento global representa para o desenvolvimento digno da humanidade.

Os efeitos das mudanças climáticas serão sentidos especialmente em duas vertentes: a quebra da produção agrícola e industrial, redução da disponibilidade hídrica e destruição da infraestrutura, provocadas pelos fenômenos meteorológicos extremos – furacões, inundações, secas e desertificação – e os impactos gravíssimos que serão provocados pela elevação do nível dos oceanos, inundando regiões litorâneas e ameaçando instalações portuárias e cidades à beira-mar, juntamente com toda sua infraestrutura, incluídos os sistemas de transporte. Desses efeitos resultarão graves riscos à saúde da população, seja pela disseminação de doenças, pelos acidentes no curso de tais fenômenos extremos, pela carência de alimentação adequada e de água potável, ou pelas migrações forçadas de enormes contingentes de desabrigados. À medida que os efeitos sobre a saúde da população forem se agravando, os orçamentos públicos poderão ser onerados por crescentes gastos nos setores de saúde, seguridade social e defesa civil, comprometendo os recursos orçamentários disponíveis para investimento no setor de transportes.

Resulta imperativo, portanto, que medidas apropriadas de mitigação e adaptação sejam implantadas imediatamente. Este artigo apresenta as possíveis ações para mitigar emissões do setor de transportes e demonstrar a importância de uma análise abrangente de seus co-benefícios na seleção das medidas e políticas públicas a serem priorizadas.

2. Panorama das emissões do setor de transportes

Responsável por 23% do total mundial de emissões de CO2 do setor energético, em 2004 o setor de transportes emitiu 6.300.000 GgCO2, sendo que o transporte rodoviário foi responsável por 74% dessa emissão. Os países em desenvolvimento (não-OECD) responderam por 36% do total, parcela que deverá crescer rapidamente para 46% até 2030 se forem mantidas as tendências atuais (KAHN RIBEIRO et al., 2007, p. 325).

No Brasil, em 2005 o setor de transportes foi responsável por 43% das emissões de CO2 do setor energético e 8,1% do total do país, totalizando a emissão de 133.431 GgCO2, dos quais 92% pelo transporte rodoviário. As emissões de CO2 do transporte rodoviário cresceram 72,1% entre 1990 e 2005, enquanto o total de emissões de CO2 no Brasil cresceu 65,2% (MCT, 2010, p. 140-141). As emissões do setor de transportes no Estado de São Paulo em 2005 totalizaram 36.820 GgCO2, representando 47% das emissões de CO2 do setor de energia e 41,4% do total de 88.844 GgCO2 emitidos no estado. O transporte rodoviário totalizou 33.767

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GgCO2, representando 92% das emissões de CO2 do transporte (CETESB, 2011, p. XXVII e 106-109).Juntamente com o crescimento das emissões antrópicas de gases de efeito estufa, o século XX assistiu a

um explosivo crescimento da utilização de automóveis. O primeiro automóvel movido à gasolina foi vendido nos Estados Unidos em 1896. Em 2000, a taxa de motorização americana era de 771 veículos por 1.000 habitantes, mais que um veículo por motorista habilitado, enquanto no restante do mundo era de 89 veículos por 1.000 pessoas – a mesma dos EUA em 1920. Mas desde 1950 a taxa de crescimento da frota no restante do mundo é mais que o dobro da taxa americana. A China, em 2000, já era o quarto maior mercado de novos automóveis no mundo, atrás apenas dos EUA, Japão e Alemanha. Os 6,1 bilhões de pessoas na Terra em 2000 possuíam 735 milhões de veículos. Se a mesma taxa de motorização americana fosse aplicada, seriam 4,7 bilhões de veículos, praticamente todos queimando combustíveis fósseis. Apenas para estacioná-los seria necessária uma área equivalente à Inglaterra ou à Grécia. Mantida a atual tendência de crescimento da frota, serão cinco bilhões de veículos em 2100. A esse respeito, SHOUP (2005) pergunta: “Poderá o mundo suprir todo o combustível necessário para mover cinco bilhões de veículos? Os humanos serão capazes de respirar a fumaça expelida por cinco bilhões de canos de escapamento? Onde esses cinco bilhões de veículos poderão estacionar?” Da mesma maneira, podemos perguntar: Que dizer das emissões de gases de efeito estufa?

É nesse cenário alarmante que fica clara a necessidade de uma mudança radical no estilo de vida das populações mais favorecidas. Especialmente, fica claro que esse modelo baseado nos automóveis não pode ser o objetivo a ser almejado por todos, não pode ser o parâmetro a ser perseguido pelos países em desenvolvimento. O atual padrão de consumo de energia e de recursos naturais é insustentável até mesmo para a pequena parcela da humanidade que dele usufrui, que dizer da ideia de aplicá-lo a todos. Junto com grandes avanços tecnológicos que possam permitir um crescimento brutal na eficiência da utilização dos recursos não-

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renováveis, será necessária também uma mudança de atitudes, uma mudança de comportamentos.Nesse mesmo cenário o transporte público tem sua grande oportunidade, pois pode representar um

enorme ganho de eficiência em comparação aos automóveis. Políticas públicas bem focadas e a conscientização e mobilização dos operadores e da indústria são fundamentais, de forma a garantir a canalização de investimentos maciços na expansão e melhoria dos sistemas coletivos. Entretanto, tal oportunidade pode rapidamente transformar-se em ameaça. Não apenas o setor ainda é amplamente dependente dos combustíveis fósseis, como é também dependente da capacidade de pagamento da população, da existência de um ambiente regulatório favorável e da disponibilidade de uma infraestrutura minimamente adequada para poder operar de forma eficiente. Fatores que poderão evoluir de forma muito negativa caso o aquecimento global não seja controlado e seus impactos não sejam mitigados a tempo (CORTEZ FERREIRA, 2007).

As emissões de gases de efeito estufa pelo setor de transportes estão crescendo mais rápido que as de qualquer outro setor e já representam cerca de 26% das emissões globais de CO2. Ainda mais, o crescimento das emissões do setor de transportes está anulando os efeitos dos esforços empreendidos por outros setores da economia para reduzir suas emissões (UITP, 2007). Dada sua característica dispersa, o setor de transportes é de difícil controle e o estabelecimento de metas é muito mais complexo, se comparado a outros setores da economia. Por essa razão, o setor de transportes ficou fora das metas de emissões atribuídas internamente pelos países do Anexo B do Protocolo de Kyoto, para o primeiro período de compromisso (2008–2012).

A tabela a seguir ilustra a situação das emissões de GEE dos Estados Unidos, UE-15 e Japão, em 1990 e 2003, permitindo a comparação entre as variações de emissões totais e do setor de transportes. A coluna à direita indica as metas de redução preconizadas pelo Protocolo de Kyoto.

Fonte: WRI - World Resources Institute

Gráfico 2

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Tabela 1

Fica patente que o setor de transportes não estava participando do esforço de redução de emissões, mesmo no caso da União Europeia (UE-15). As figuras a seguir ilustram a situação na mesma data para a Alemanha e Espanha, ambas participantes do grupo UE-15. Neste caso, a meta de redução do grupo UE-15 (-7%) foi distribuída pela União Europeia entre cada um dos países que compõe o grupo, tendo resultado em metas bastante distintas conforme o país (no exemplo, Alemanha -21% e Espanha +15%).

Figura 1 - Emissões de GEE: Alemanha, 1990 – 2003

Emissões de GEE, em milhões de toneladas de CO2e

1990 2003 Variação Meta 2008-2012

Estados Unidos 6.082,51 6.893,81 13,3% - 8%

Transportes 1.494,39 1.810,59 21,2%

UE-15 4.237,98 4.179,61 -1,4% - 7%

Transportes 704,68 872,31 23,8%

Japão 1.187,25 1.339,13 12,8% - 6%

Transportes 215,88 259,89 20,4%

http://ghg.unfccc.int/tables/a1wo_luluc_p.html (sem LULUCF)

http://ghg.unfccc.int/tables/a3_transport_p.html

20/5/2006

GHG changes relative to 1990 level

-18.2

-14.7

-33.5

-40

-35

-30

-25

-20

-15

-10

-5

0

1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002

%

GHG total without LULUCF CO2 non-CO2 gases

AlemanhaAlemanha, 1990–2003, 1990–2003

Meta Kyoto = - 21%

Variação1990-2003

Change in GHGs by sector (%), 1990-2003

-19.9

-60.9

-16.4

-20.5

4.7

-20.7

-70 -60 -50 -40 -30 -20 -10 0 10

Agriculture

Waste

Energy (w ith transport)

Energy (w ithout transport)

Transport

Industrial Processes

- Todos os setores: GHG - Exceção: t ransporte +5%

Fonte: http://unfccc.int

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Figura 2 - Emissões de GEE: Espanha, 1990 – 2003

Ao final da década 2000-2010 os resultados de políticas de melhoria da eficiência energética dos veículos já se faziam sentir, apontando uma redução nas emissões do setor de transportes nesses países, propiciada também pelos impactos da grave crise econômica que se abateu sobre os países da OECD no final da década. Entretanto, esse ganho de eficiência será pouco a pouco suplantado pelo crescimento da frota e das distâncias percorridas, a menos que medidas complementares sejam colocadas em marcha.

3. Impactos das mudanças climáticas para a saúde humana

A extrema complexidade dos modelos de avaliação de cenários de oscilação do regime climático em razão do aumento das concentrações de GEE na atmosfera, associados às limitações do conhecimento disponível sobre suas consequências, dificultam o estabelecimento de estimativas aprofundadas e cientificamente aceitáveis quantificando com precisão os impactos das mudanças climáticas para a saúde das populações.

Entretanto, diversos estudos disponíveis comprovam as associações entre condições climáticas e ambientais com o aumento na mortalidade e na incidência de doenças, usualmente moduladas pelas condições socioeconômicas dos afetados.

Os sistemas de transporte, sejam urbanos ou de longa distância, provocam grandes danos à saúde, por acidentes e pela poluição: emissão de contaminantes atmosféricos, ruídos elevados, contaminação do solo e águas por resíduos e por vazamentos de combustíveis. Evidências disponíveis indicam que muitas das ações para mitigar as emissões de GEE do setor promovem, também, a melhora da saúde humana pela redução

GHG changes relative to 1990 level

41.7

45.3

27.2

-10

0

10

20

30

40

50

1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002

%

GHG total without LUCF CO2 non-CO2 gases

Change in GHGs by sector (%), 1990-2003

47.1

38.4

70.5

25.7

18.8

61.0

0 25 50 75 100

Energy (w ith transport)

Energy (w ithout transport)

Transport

Industrial Processes

Agriculture

Waste

EspanhaEspanha, 1990–2003, 1990–2003

Meta Kyoto = +15%

- Todos os setores: GHG - Transporte: +70.5%

Variação1990-2003

Fonte: http://unfccc.int

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nas emissões de contaminantes. Outros co-benefícios, de cunho econômico-financeiro, são: ampliação da eficiência do setor, ganhos de produtividade no trabalho e na educação, redução de custos com tratamentos de saúde, redução de custos de seguridade social e ampliação da disponibilidade de recursos orçamentários para investimentos em programas diversos.

Em que pesem as dificuldades já ressaltadas para o desenvolvimento de modelos estimativos abrangentes dos impactos das mudanças climáticas sobre a saúde da população, um grande número de estudos apresentam evidências importantes que permitem antever suas consequências (ISS et al., 2011) e justificam a importância de medidas imediatas de mitigação, sem que se descuide das providências de adaptação.

4. Importância dos co-benefícios do transporte sustentável de baixo carbono para a saúde humana

As evidências disponíveis quanto aos impactos da poluição veicular para a saúde humana são contundentes e suficientes já há muitos anos para demonstrar a importância do controle das emissões de fontes móveis. As estratégias de mitigação de emissões de GEE no setor de transportes tem o potencial de contribuir, também, para a redução de acidentes de trânsito e para a redução das emissões de contaminantes atmosféricos. Mesmo que esse não seja o objetivo primeiro das políticas de mitigação de emissões de GEE, no caso do setor de transportes os co-benefícios à saúde serão tão importantes que não poderão deixar de ser considerados na formulação das estratégias.

Em 2008, o total de óbitos decorrência de acidentes de trânsito no Brasil superou 38 mil vidas perdidas, atingindo a taxa de 20,2 óbitos por 100 mil habitantes. Em relação a 1998, houve um aumento de 23,9% no número absoluto de mortos em acidentes de trânsito, enquanto a taxa subiu 5,7%. Dentre as Unidades da Federação, em 2008 a taxa mais elevada foi alcançada em Tocantins: 35,6 óbitos por 100 mil hab., seguido por Mato Grosso: 35,5; a taxa mais baixa foi registrada no Amazonas: 11,2. Em São Paulo a taxa atingiu 18,3. Nesse mesmo período, os óbitos de motociclistas no país passaram de 3,4% do total em 1998 para 23,4% em 2008. Em número absoluto, cresceu de 1.047 para 8.939 óbitos/ano, uma variação de 753,8% e a taxa de óbitos de motociclistas por 100 mil habitantes passou de 0,6 para 4,7 - alta de 628,5% em dez anos (WAISELFISZ, 2011). Note-se que taxas tão elevadas e crescentes indicam que as motocicletas representam uma genuína tragédia em termos de saúde pública. Segundo WAISELFISZ (2011), “Em 1970, as 62 mil motocicletas registradas no país representavam apenas 2,4% do total de veículos motorizados. Para 2010 já podiam ser contadas 16,5 milhões de unidades, representando 25,5% dos veículos motorizados.” Do total de motociclistas mortos, 90% eram homens, especialmente na faixa de 18 a 29 anos. “A vulnerabilidade dos motociclistas é de tal nível que sua letalidade em acidentes chega a ser 14 vezes maior que a dos ocupantes de automóvel” (RODRIGUES, 2010, LIN, 2003. In: WAISELFISZ, 2011).

Comparativamente, os modos de transporte coletivo são muito mais seguros, com as taxas de óbitos de ocupantes de ônibus (incluindo ônibus urbanos e rodoviários) oscilando entre 0,1 e 0,2 óbitos por 100 mil

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hab. no mesmo período. Raras são as ocorrências envolvendo passageiros de sistemas metroferroviários. Da mesma forma, as emissões por passageiro-km são inferiores no transporte coletivo, comparadas aos autos e motos. Estudo feito anualmente pelo Metrô de São Paulo apontou, em 2010, que as emissões de GEE para transportar um passageiro pela distância de um quilômetro representaram apenas 4g de CO2eq. Comparadas com outros modos de transporte motorizado, as emissões de GEE por passageiro-km no Metrô foram quase 30 vezes inferiores às dos automóveis e 12,5 menos que dos ônibus em São Paulo (METRÔ DE SÃO PAULO, 2011). Note-se que a utilização do etanol favorece a redução das emissões médias de GEE dos automóveis. Essa comparação seria ainda mais favorável aos sistemas coletivos não fosse pela existência dos veículos flex e se a frota utilizasse apenas gasolina pura, sem adição de etanol anidro.

Confirmando a explosão no uso de motocicletas, o Inventário de Emissões Antrópicas de GEE do Estado de São Paulo (CETESB, 2011) apontou um rápido crescimento nas emissões de GEE por esses veículos: em 1990 as motocicletas totalizaram a emissão de 183 GgCO2eq, demorando catorze anos para dobrar esse valor, atingindo 391 GgCO2eq em 2004. Em apenas quatro anos as emissões dobraram novamente, atingindo 798 GgCO2eq em 2008. No mesmo período 1990 - 2008 as emissões dos automóveis passaram de 7.030 para 10.894 GgCO2eq.

Fica patente que a adoção de políticas públicas que incentivem a expansão e modernização dos sistemas e promovam a ampliação do uso dos transportes coletivos terão o duplo efeito de mitigar emissões de GEE e reduzir os impactos à saúde. Para serem efetivas, devem vir acompanhadas de medidas de desincentivo ao uso do transporte individual e de controle do risco associado de acidentes, buscando reduzir drástica e rapidamente a tragédia associada às motocicletas no país.

No que se refere ao transporte de carga, as maiores reduções de emissão são obtidas pela adoção do transporte hidroviário, seguido pelo ferroviário, modais que devem ser fortemente incentivados. No Estado de São Paulo, as emissões do transporte de cargas atingiram em 2008 17.828 GgCO2eq (caminhões, comerciais leves, ferroviário e aquaviário), enquanto o transporte de passageiros foi responsável pela emissão de 19.151 GgCO2eq (automóveis, motocicletas, ônibus e GNV) (CETESB, 2011). Esses números demonstram a importância de focar ações também para o transporte de cargas quando da formulação de políticas de mitigação de emissões de GEE e de combate à poluição, para que os resultados pretendidos possam ser atingidos plenamente.

Alguns dos contaminantes atmosféricos emitidos por fontes móveis, além de nocivos à saúde, podem ter um papel significativo no efeito estufa, mas somente mais recentemente é que estudos detalhados vêm sendo conduzidos. No caso do ozônio, os estudos avaliando sua interação com o efeito estufa se intensificaram nesta década e as evidências apontam para uma importância maior do que anteriormente se acreditava no que diz respeito ao seu potencial de interação com o sistema climático, especialmente em decorrência do aumento de suas concentrações na tropopausa, no limite entre a troposfera e a estratosfera. Ainda que as evidências disponíveis sejam demasiado recentes para que as conclusões a respeito tenham convergido, fica claro que o controle das emissões de precursores de O3 pode trazer benefícios à saúde e, também, contribuir para a mitigação do efeito estufa, mesmo tendo um tempo de vida muito curto, de horas a dias. Os principais

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precursores do ozônio, que é formado por reações fotoquímicas na presença de radiação ultravioleta solar, são os óxidos de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis, além do metano. Reduzir o consumo de combustíveis por medidas de mitigação de GEE contribui, portanto, para a redução das emissões de precursores do ozônio troposférico. A exposição das vias aéreas ao O3 causa danos ao sistema respiratório, induzindo a inflamação de células que podem contribuir para a formação ou exacerbação de doenças pulmonares existentes. Seus efeitos sobre a mortalidade estão bem demonstrados para exposições de curto prazo, além de sua associação à elevação da morbidade, exacerbação da asma e de admissões hospitalares por causas respiratórias. Também já foi verificada a associação entre exposições de longo prazo ao ozônio e mortalidade por complicações cardiovasculares, cardiopulmonares e respiratórias. Efeitos crônicos relacionados ao ozônio incluem evidências de déficit na função pulmonar em crianças, incremento na incidência de asma e danos à função pulmonar. Ainda que sua associação com a morbidade esteja mais bem evidenciada e seja suficiente para determinar a importância do controle das emissões de seus precursores, estudos mais recentes apontam para importantes efeitos da exposição de longo prazo na mortalidade. Desta forma, os co-benefícios de reduções da concentração de ozônio troposférico podem ser maiores que os previamente estimados (SMITH et al., 2009). Analisando os efeitos do aumento da exposição ao ozônio, estudos verificaram que a incidência do infarto do miocárdio elevou‐se em 5% pelo aumento de 5 mcg/m3 diários de concentração de ozônio (RUIDAVETS, 2005; ACCETTA, 2008; MICHELOZZI, 2009. In: ISS et al., 2011).

Confirmando os efeitos da exposição à poluição veicular nas vias públicas, estudo com controladores de tráfego da Companhia de Engenharia de Tráfego da PMSP apontou alterações da pressão arterial e marcadores inflamatórios sanguíneos em dias mais poluídos. (SANTOS, 2005. In: ISS et al., 2011). Também a exposição a partículas finas inaláveis contribui para o agravamento dos impactos à saúde. Nas cidades brasileiras, o alto teor de enxofre no diesel é o principal responsável pelas emissões de MP2,5 (material particulado fino). O descumprimento da fase P-6 do PROCONVE (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores), que deveria ter entrado em vigor em 1º de janeiro de 2009, postergou o enfrentamento desse problema e comprometeu o cronograma previsto para a vigência da fase seguinte, a P-7. Essa foi a primeira oportunidade em que a data de entrada em vigor de uma fase do PROCONVE, tanto para veículos leves quanto para veículos pesados, deixou de ser cumprida, desconsiderando os benefícios já obtidos com a implantação do programa em suas fases anteriores. Estudo avaliando os benefícios obtidos graças ao PROCONVE verificou que o programa reduziu em 30% a poluição do ar na RMSP entre 1996 e 2005, prevenindo 50 mil mortes no período e economizando US$ 4,5 bilhões por conta dos gastos evitados com saúde, além da diminuição do consumo de energia e redução das emissões de GEE (MIRAGLIA, 2010. In: ISS et al., 2011), evidenciando, por sua vez, que as ações de controle das emissões veiculares, assim como o investimento em modos de transporte público de baixo carbono, produzem efeitos positivos imediatos, com relevantes benefícios econômicos.

Com o propósito de mensurar os benefícios da operação do Metrô de São Paulo para a redução da emissão de poluentes e a consequente redução dos custos de saúde pública, BASTOS (2009) examinou as variações nas concentrações médias diárias de partículas inaláveis (MP10) em São Paulo, analisando as oscilações provocadas por interrupções no serviço metroviário em dias úteis (em razão de greves). Os resultados

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mostraram que o Metrô contribui para reduzir a concentração de poluentes atmosféricos, especialmente o material particulado, podendo atingir reduções de cerca de 75% nas concentrações, dependendo das condições meteorológicas do período. A partir dos níveis de concentração de MP10 obtidos nos dias pré e pós-eventos, foi estabelecida a associação com indicadores de mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias no segmento de idosos com 60 a 64 anos e mais de 65 anos de idade. As mortes excedentes à média diária, ocorridas nos períodos de 72 horas das paralizações, foram convertidas em valor monetário. O resultado estima que os benefícios obtidos com base na mortalidade evitada de idosos graças à redução nas emissões de MP10 pela utilização do Metrô no lugar de veículos a combustão interna atingem de US$ 36 a 50 milhões ao ano (BASTOS, 2009. In: SALDIVA et al., 2010; BASTOS, 2010. In: ISS et al., 2011). Outros co-benefícios do Metrô também são expressivos. A redução dos tempos de deslocamentos graças ao Metrô, em 2010, permitiu um ganho de mais de 575 milhões de horas. A utilização do Metrô resultou na redução de 13 mil acidentes de trânsito em 2010, evitando custos de tratamento de saúde estimados em R$ 138 milhões. (METRO DE SÃO PAULO, 2010A; METRO DE SÃO PAULO, 2010B. In: ISS et al., 2011).

Tanto em termos de redução de emissões de GEE quanto em benefícios à saúde resultantes do incremento de atividade física, o transporte ativo – não motorizado, por bicicletas ou a pé – merece posição de destaque como medida de mitigação. O incremento da atividade física moderada associado ao aumento das distâncias percorridas a pé ou por bicicleta levam a grandes benefícios à saúde. O UK National Health Service (NHS) gasta cerca de US$5.000,00 por minuto em tratamento de doenças que poderiam ser evitadas por atividade física regular. A redução dessas despesas ajudaria a compensar os custos de implementação de políticas de transporte ativo (DOBDON 2009 citado em HAINES 2009. In: ISS et al., 2011).

Os principais ganhos resultam da redução na incidência de doenças cardíacas isquêmicas, problemas cerebrovasculares, depressão, demência e diabetes. Um estudo de cenários comparativos para medidas de redução de emissões de GEE no transporte urbano de passageiros desenvolvido para Londres (Reino Unido) e Délhi (Índia) apontou importantes conclusões no que se refere à contribuição do transporte ativo. Os cenários modelaram os efeitos sobre as emissões de CO2 e a saúde, avaliando a atividade física, poluição do ar em áreas externas (outdoor) e lesões por acidentes de trânsito. Foram considerados, para o horizonte 2030 e para as duas cidades, um cenário tendencial (business-as-usual), um cenário de adoção de veículos de baixa emissão, um cenário de incremento do transporte ativo e um quarto cenário combinando veículos de baixa emissão com transporte ativo. Os resultados obtidos para Londres e Delhi indicaram que a combinação de redução das distâncias percorridas por transporte motorizado e o incremento vigoroso do transporte ativo, combinado com a adoção de tecnologias veiculares mais eficientes (quarto cenário) ofereceu os melhores resultados de redução de emissões de CO2, benefícios à saúde e também redução nas emissões de material particulado. Isoladamente, os benefícios da adoção de veículos mais eficientes foram pequenos e amplamente superados pelos benefícios decorrentes da implantação do cenário apenas transporte ativo. Mesmo considerando que os acidentes de trânsito envolvendo ciclistas tendem a diminuir quando o uso de bicicletas aumenta consideravelmente, ao invés de crescer linearmente, e que a redução na utilização de automóveis e motos poderia favorecer a redução de acidentes com ciclistas e com pedestres, o estudo adverte que o crescimento do transporte ativo exporá

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mais pessoas ao risco remanescente. Assim, conclui que melhorias na segurança, conveniência e conforto para caminhar e pedalar serão essenciais para que a mudança modal possa ter sucesso, e que devem ser acompanhadas por medidas para reduzir a atratividade do uso de automóveis e motos (WOODCOCK et al., 2009).

Além das medidas necessárias para evitar o crescimento dos acidentes envolvendo ciclistas e pedestres, o incentivo ao transporte ativo deve considerar os efeitos nocivos da atividade física em situações de alta concentração de poluentes. A atividade física deve ser evitada próxima às vias de congestionamento e locais muito poluídos. A relação do tráfego como fator de risco para infarto é maior em ciclistas do que naqueles que usaram carros, sugerindo uma interação entre atividade física e exposição à poluição atmosférica relacionada ao tráfego (PETERS, 2004. In: ISS et al., 2011). Em outro estudo, o esforço físico ao ar livre mostrou ser um fator predisponente para infarto maior do que se realizado em ambiente fechado (LANKIT, 2006. In: ISS et al., 2011). Assim, até que os co-benefícios de redução das emissões de poluentes possam ser obtidos, as etapas iniciais de implantação de infraestrutura para o transporte ativo devem evitar a solução intuitiva de acompanhar o traçado dos corredores de tráfego mais densos, buscando trajetos alternativos favoráveis tanto no aspecto da concentração de poluentes, especialmente particulados, quanto da segurança viária, evitando a competição direta com grandes fluxos de veículos motorizados.

5. Medidas de mitigação, custos de implementação e políticas integradas

No que diz respeito ao estabelecimento de políticas públicas com o objetivo de mitigar as emissões de gases de feito estufa do setor de transportes, muitos são os obstáculos a serem superados. Responsável por uma parcela importante das emissões globais, próxima aos 15% das emissões de CO2 equivalente, o setor tem como característica a enorme dispersão de atores (stakeholders) e de abrangência geográfica de atividades, além de estar intimamente relacionado com a economia e as características de distribuição territorial das atividades em cada região, apresentando assim enorme variabilidade. Para efeito desta análise, o autor optou por deixar de lado as emissões dos subsetores aeronáutico e marítimo, por operarem em grande parte em espaços internacionais (especialmente o segundo), e focar nas possibilidades e obstáculos à mitigação das emissões do transporte rodoviário no Brasil, em razão de sua relevância frente aos demais.

As linhas de ação para mitigação das emissões de GEE no setor de transportes podem ser reunidas em quatro vertentes, melhor detalhadas logo a seguir:

substituição de combustíveis fósseis: ampla adoção de biocombustíveis ou outras fontes de energia renovável em parcela muito significativa da frota, abandonando o uso de combustíveis fósseis;

racionalização e mudança modal: a redução das emissões através da migração para modais de transporte menos poluentes e através da racionalização e aumento da eficiência dos sistemas existentes;

aprimoramento tecnológico: aumento da eficiência dos veículos no que se refere ao consumo de energia

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e emissões de GEE;gestão da demanda: redução da quilometragem total percorrida pelos veículos através de melhor

controle e ordenamento das atividades no território.

Substituição de combustíveis fósseis

No que se refere à possibilidade de substituição de combustíveis fósseis por biocombustíveis, é inegável que o Brasil se encontra em posição privilegiada. A tecnologia desenvolvida em mais de trinta anos de utilização comercial do etanol de cana-de-açúcar permitiu que o combustível seja produzido a preços competitivos com os derivados de petróleo, especialmente se o preço do óleo superar US$ 50.00 por barril (o preço nas bombas pode ser afetado por outros fatores além do preço do barril de petróleo), ao mesmo tempo em que a tecnologia dos motores evoluiu, permitindo a ampla oferta de veículos flex. Da maneira como é produzido no Brasil, o etanol de cana-de-açúcar permite reduções significativas nas emissões de GEE se comparadas à gasolina e diesel, numa análise poço-às-rodas (well-to-wheels), ou seja, considerando as emissões na produção, distribuição e consumo. Essa redução tem sido estimada em cerca de 80 a 85% (KAHN RIBEIRO et al., 2007, p. 343-344) e já existe tecnologia disponível para ganhos ainda maiores, decorrentes da adoção de práticas de plantio mais modernas, de equipamentos mais eficientes nas usinas e da cogeração de energia elétrica para ser distribuída a outros consumidores, medidas que ainda não foram adotadas por todos os produtores. A adoção de incentivos financeiros através da redução da alíquota do ICMS no Estado de São Paulo tem contribuído para manter os preços finais ao consumidor do etanol inferiores aos praticados em outros estados e quase sempre competitivos em relação aos da gasolina, reduzindo o impacto das flutuações de disponibilidade do etanol. Este exemplo demonstra a viabilidade de políticas públicas de incentivo econômico-financeiro à ampla adoção de biocombustíveis.

Entretanto, as barreiras para a substituição massiva dos derivados de petróleo no transporte rodoviário também são expressivas. Para os veículos leves, dois grandes avanços já foram estabelecidos no Brasil: a mistura de etanol anidro à gasolina, em proporções entre 20 e 25%, permite a redução das emissões de toda a frota, mesmo para veículos que não são flex3; e o amplo desenvolvimento da tecnologia flex, que já se tornou padrão de mercado para os novos veículos de produção nacional. Dois pontos destacam-se aqui: o grande crescimento das importações de veículos, dos quais apenas uma pequena parcela possui motores flex, trará dificuldades à implantação de políticas de substituição da gasolina; adicionalmente, a tecnologia flex permite ao consumidor optar a cada abastecimento pelo combustível que irá utilizar, tornando, assim, a decisão pelo etanol totalmente dependente da flutuação dos preços do combustível nas bombas.

3 veículos fl ex são aqueles cujos motores a combustão interna podem funcionar com qualquer proporção na mistura de etanol e gasoli- veículos fl ex são aqueles cujos motores a combustão interna podem funcionar com qualquer proporção na mistura de etanol e gasoli-veículos flex são aqueles cujos motores a combustão interna podem funcionar com qualquer proporção na mistura de etanol e gasoli-na, podendo chegar a utilizar 100% de etanol.

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Adicionalmente, estudos preliminares em desenvolvimento pelo Comitê Gestor da PEMC (Política Estadual de Mudanças Climáticas) no Estado de São Paulo indicam que a ampla adoção do etanol será retardada pela lenta renovação da frota4, apontando a importância do estabelecimento de programas de renovação da frota para a obtenção de resultados mais imediatos. A imposição de padrões de emissão de GEE mais restritivos aos veículos importados, atingíveis seja pela adoção das tecnologias flex ou híbrida, também será fundamental para uma política de redução significativa do uso de combustíveis fósseis (CG-PEMC, 2010).

A substituição do diesel para veículos pesados apresenta, ainda, grandes barreiras tecnológicas. As reduções de emissões de GEE “well-to-wheels” obtidas com o biodiesel produzido com as tecnologias comercialmente disponíveis no momento estão longe de serem tão expressivas quanto as do etanol de cana-de-açúcar. Também os motores ciclo diesel para veículos pesados ainda não se encontram comercialmente disponíveis para permitir a ampla utilização de etanol ou biodiesel e seu ciclo de desenvolvimento ainda deverá demandar alguns anos. A tecnologia disponível permite propor a adoção de misturas de até 10% de biodiesel ao diesel fóssil, mas passos maiores que esse exigirão medidas concretas de incentivo e tempo de maturação. Se as políticas forem implantadas com sucesso, estimativas preliminares indicam que a ampla substituição da gasolina por etanol, a adoção do etanol nas frotas de ônibus metropolitanos e do Município de São Paulo, juntamente com a adição de 10% de biodiesel ao diesel fóssil, poderão propiciar a redução da emissão de 25.000 GgCO2 no Estado de São Paulo em 2020, num cenário business as usual (CG-PEMC, 2010).

Outros aspectos importantes a serem observados ao definir a implantação de políticas de substituição ampla dos combustíveis fósseis por biocombustíveis são: a garantia de disponibilidade, especialmente nas entressafras, a estabilidade de preços e os impactos de sua produção sobre a produção de alimentos e o desmatamento. Estudo publicado pelo Banco Mundial (GOUVELLO et al., 2010) analisa a demanda futura por terras para a expansão da produção agropecuária e de biocombustíveis. Referido a 2006 e considerando um Cenário de Referência e um Cenário de Baixo Carbono para o horizonte de 2030, a expansão da produção agropecuária para atender as necessidades previstas para 2030 exigirá 16,8 milhões de ha de terras adicionais; a eliminação de carvão vegetal não renovável em 2017 e participação de 46% de carvão vegetal renovável para a produção de ferro e aço em 2030 exigirá mais 2,7 milhões de ha; a recuperação do passivo ambiental no que diz respeito às “reservas legais” de florestas, calculadas em 44.3 milhões de ha em 2030, exigirá 44,3 milhões de ha; finalmente, a expansão da cana-de-açúcar, para aumentar a substituição da gasolina pelo etanol até atingir a marca de 80% no mercado interno e permitir ao Brasil responder, na forma de etanol, pelo fornecimento de 2% da demanda global estimada de gasolina em todo o mundo até 2030 exigirá 6,4 milhões de ha adicionais de área plantada de cana-de-açúcar, totalizando uma demanda de 70,4 milhões de hectares adicionais de terras até 2030. O mesmo estudo confirmou que é possível atender essa demanda por terras adicionais sem que seja necessário recorrer ao desmatamento, contanto que seja promovido o aumento da produtividade da pecuária e a consequente liberação de terras atualmente dedicadas à pastagem para a expansão do plantio.

4 a disponibilidade de veículos flex é recente e grande parte da frota antiga de veículos leves somente pode ser abastecida com gasolina.

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Para aumentar a produtividade da pecuária, “o Cenário de Baixo Carbono considerou três opções: (i) promover a recuperação de áreas degradadas de pastagem, (ii) estimular a adoção de sistemas produtivos que envolvam confinamento de gado para engorda e (iii) encorajar a adoção de sistemas de lavoura-pecuária. O aumento da taxa de lotação resultante da recuperação de áreas degradadas, combinado a sistemas integrados mais intensivos de lavoura-pecuária e confinamento de gado para engorda refletem-se em acentuada redução na demanda por terra, projetada para ser de aproximadamente 138 milhões de ha no Cenário de Baixo Carbono, em comparação com 207 milhões de hectares no Cenário de Referência para o ano de 2030” (GOUVELLO et al., 2010). Estas evidências sublinham a importância fundamental de uma abordagem integrada das políticas públicas no estabelecimento das ações de mitigação de emissões de GEE. Atuando de maneira integrada na agropecuária, na produção de biocombustíveis e no setor de transportes, o Brasil poderá suprir com etanol 80% de suas necessidades de combustível para veículos leves e ainda exportar o equivalente a 2% da demanda mundial projetada para 2030, poderá manter a expansão da produção agropecuária e recuperar as reservas legais, sem que seja necessário recorrer ao desmatamento, ou seja, “zerando” o desmatamento, que é hoje responsável pela principal parcela das emissões de GEE do país.

Substituição modal

A linha de ação da substituição modal pode ser desenvolvida tanto para o transporte de passageiros quanto para o transporte de cargas. No caso dos passageiros, pela substituição de viagens realizadas em transporte motorizado individual (autos e motos) por viagens em transporte coletivo (ônibus, trens ou metrô) ou por viagens não motorizadas (a pé ou em bicicleta). No caso da carga, pela substituição do transporte por caminhões para ferrovias, hidrovias ou dutovias. As ações de racionalização e aumento da eficiência também devem ser promovidas, especialmente para o transporte de cargas. Estimativa desenvolvida pela SLT5 verificou que existe grande contribuição potencial advinda da racionalização dos sistemas de transporte de carga, particularmente do rodoviário: hoje em 48% dos deslocamentos os caminhões circulam vazios, correspondendo a 34% da quilometragem percorrida, enquanto na Europa esse índice é de 22-24% e nos EUA de 16-18% (CG-PEMC, 2010). A racionalização dos sistemas de transporte existentes e a substituição por modos mais eficientes, além de contribuir para a redução das emissões de GEE, aportam também grandes benefícios adicionais no controle das emissões de contaminantes atmosféricos, na redução do consumo de energia e dos custos de transporte. O transporte ativo (não motorizado) pode trazer grandes benefícios à saúde da população. Também pode promover reduções significativas nas emissões de poluentes (sejam contaminantes locais ou gases de feito estufa) e nos custos diretos (out-of-pocket) de transporte. Seu potencial de crescimento no Brasil é amplo, ainda que em parte das grandes e médias cidades as barreiras a serem superadas sejam consideráveis. O primeiro ponto a ser investigado refere-se às medidas necessárias para evitar que a ampliação da letalidade e danos à saúde decorrentes de acidentes e da exposição à poluição atmosférica venham a superar os benefícios.

5 Secretaria de Logística e Transportes do Estado de São Paulo.

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A segunda linha de investigação deve ater-se aos investimentos e às medidas institucionais necessárias para viabilizar uma migração ampla das viagens motorizadas, especialmente aquelas de curta distância, para o transporte ativo. Neste caso, há que se investigar os impactos e as possíveis sinergias com o transporte coletivo, lembrando que este deverá ter capacidade ociosa suficiente para absorver a demanda nas ocorrências de condições climáticas adversas, situação em que seu próprio desempenho operacional também é degradado. O aprofundamento dessas duas linhas de investigação é fundamental para que se estabeleçam bases confiáveis para a construção das políticas públicas de incentivo ao transporte ativo.

De fato, os co-benefícios decorrentes da promoção de políticas de racionalização e substituição modal para a mitigação de emissões de GEE são tão expressivos, seja por sua contribuição para a melhora das condições de saúde da população, seja por sua contribuição ao desenvolvimento econômico, que não podem deixar de ser considerados no desenvolvimento das análises e estudos de viabilidade econômica quando da avaliação dessas políticas. Ao analisar especificamente a realidade brasileira, o estudo publicado pelo Banco Mundial apresenta conclusões que são bastante semelhantes a resultados já evidenciados em estudos internacionais, demonstrando que os custos de implantação da infraestrutura necessária para que seja promovida uma ampla substituição modal são significativamente elevados, seja para a carga ou para o transporte de passageiros (GOUVELLO et al., 2010). Quando cotejados os investimentos necessários com as emissões de GEE evitadas, resulta sempre uma intensidade de capital desfavorável ao setor de transportes. Isso evidencia a relevância da inclusão de suas externalidades, amplamente positivas, nas análises que irão subsidiar os processos de decisão de políticas de mitigação.

Aprimoramento tecnológico dos veículos e redução de congestionamentos

As medidas de promoção do aprimoramento tecnológico dos veículos, resultando no aumento da eficiência dos veículos no que se refere ao consumo de energia e emissões de GEE, devem ser rapidamente implementadas. De fato, alguns países, como é o caso dos EUA, têm conduzido suas ações de mitigação de emissões no setor de transportes cada vez mais nesse sentido. Aprovada em 2007, a lei Energy Independence and Security Act (U.S. Congress, 2007. In: EWING et al., 2008) estabelece limite para o consumo de combustível de novos veículos de passageiros, que deverão percorrer não menos que 35 milhas por galão a partir de 2020 (equivalente a 14,9 km/l). Esse limite deverá promover uma redução média de 34% no consumo por quilômetro rodado para toda a frota em 2030. Não há proposta equivalente em discussão aprofundada no Brasil, onde apenas a ideia da adoção de um selo de eficiência energética para os veículos, a exemplo do já adotado para eletrodomésticos e lâmpadas, foi amplamente considerada até o momento. No caso brasileiro os resultados de limites mandatórios de emissão para veículos se farão sentir mais lentamente que nos EUA, dado o ritmo mais lento da renovação da frota de veículos. Ainda assim, sua rápida implantação poderá evitar que a frota de veículos novos movidos exclusivamente à gasolina (sem tecnologia flex) e sem nenhum controle de emissões de GEE cresça demasiadamente, incentivada pelo rápido crescimento das importações.

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A perda de eficiência resultante de congestionamentos também contribui para o aumento das emissões de GEE e contaminantes. O consumo de combustível cresce em consequência do tempo parado em ponto morto com os motores operando e da frequente aceleração e desaceleração. Investimentos no aumento da capacidade viária e no aprimoramento da operação do trânsito significam um imediato ganho de eficiência e consequente redução de emissões. No entanto, os ganhos obtidos, resultado do aumento da velocidade média dos veículos pela redução dos congestionamentos, não se restringem à redução das emissões. São acompanhados pela redução dos tempos de viagem e redução dos custos diretos com combustível, resultando em maior atratividade e incentivo ao uso de automóveis e caminhões. No longo prazo terminam por provocar o resultado oposto, trazendo o incremento das emissões. Estudo realizado nos EUA avaliando diversas estratégias de redução de emissões no setor de transportes apontou: “Expansão da capacidade viária e alívio de congestionamentos são as únicas duas estratégias analisadas pelo estudo Moving Cooler que resultam em um incremento das emissões de GEE durante o período de 40 anos da análise, de 2010 a 2050. Esse incremento não ocorre imediatamente, entretanto; no curto prazo, a melhoria das condições viárias irá reduzir os congestionamentos e atrasos e, como consequência, o consumo de combustível. Apenas quando a demanda induzida começar a consumir o incremento de capacidade viária é que as emissões de GEE deverão crescer, juntamente com a quilometragem total percorrida.” (CAMBRIDGE SYSTEMATICS, 2009, p. 43).

Controle da quilometragem total percorrida

Os ganhos de eficiência e a consequente redução de emissões, decorrentes do aprimoramento tecnológico dos veículos, serão rapidamente obliterados pelo crescimento da quilometragem total percorrida pela frota de automóveis. Esse crescimento é provocado: pela ampliação da frota, pelo crescimento do uso dos automóveis em viagens antes realizadas a pé ou por transporte coletivo e pelo crescimento da distância média percorrida em cada viagem, consequência do espraiamento das atividades no território.

Analisando o caso dos EUA, EWING et al. (2008) identificou que o rápido crescimento da quilometragem percorrida fará com que as emissões de GEE de automóveis e utilitários leves permaneçam estáveis, correspondendo em 2030 aos mesmos níveis encontrados em 2005, a despeito dos ganhos decorrentes do aumento de eficiência e da adição de biocombustível à gasolina impostos pela legislação vigente. Desde 1980 a quilometragem percorrida pelos americanos cresceu três vezes mais rápido que a população e cerca de duas vezes mais rápido que a frota. O tempo de viagem nas áreas metropolitanas tem crescido constantemente ao longo das décadas e muitos americanos atualmente gastam mais tempo na somatória das viagens residência-trabalho que usufruindo de férias. Da mesma maneira, a área consumida para novos loteamentos imobiliários vem crescendo a taxas quase três vezes mais rápidas que o crescimento populacional. A ocupação de áreas rurais pelo espraiamento das áreas urbanas provocou o aumento das emissões de CO2 por automóveis, ao mesmo tempo em que reduziu as áreas plantadas disponíveis para a absorção de CO2 (EWING et al., 2008).

O fenômeno de espraiamento das manchas urbanas vem ocorrendo a passos acelerados também no Brasil, marcadamente junto às grandes cidades. Buscando condições financeiramente mais favoráveis para

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reduzir os custos com moradia, muitas famílias buscam novas áreas de ocupação urbana, localizadas cada vez mais distantes dos centros metropolitanos. Inicialmente circunscrito predominantemente à população de baixa renda, levando à criação de extensos cinturões periféricos de urbanização precária, o fenômeno da expulsão dos grandes centros atinge agora as classes média e média-alta, incentivado pelas facilidades para a compra de automóveis. Desse padrão de ocupação espraiada e pouco densa do solo, que se desenvolve ao longo dos eixos rodoviários e que é agravado em seus impactos pela quase ausência de planejamento territorial, resulta uma enorme dependência do uso do automóvel para a efetivação de todas as atividades cotidianas das famílias. Essa mesma ausência de densidade torna financeiramente inviável a oferta de transporte público adequado, consolidando um ciclo vicioso de dependência total do transporte individual. A segregação das funções urbanas – habitação em condomínios fechados exclusivamente residenciais, escolas, comércio, serviços e empregos em locais distantes, não raro em outros municípios – inviabiliza o transporte ativo, torna ineficiente o transporte coletivo e aumenta o uso do transporte individual. Grandes distâncias, grande fluxo de veículos e grandes congestionamentos, agravando o consumo de combustível e aumentando as emissões de GEE. Reverter esse quadro demandará tempo e um enorme esforço de gestão, mas a tarefa precisa ser enfrentada. Como ressalta EWING et al. (2008, p. 134) “o planejamento criterioso é crucial para a implantação de reformas no uso do solo e no transporte a nível regional. [...] Uso do solo e transporte definem um ao outro; nenhum pode ser totalmente compreendido ou racionalizado isoladamente”. Por sua vez, “a redução das emissões de CO2 no transporte é como uma banqueta apoiada em três pernas: uma relacionada à eficiência no consumo de combustível, outra no combustível – fóssil ou renovável – e a terceira na quantidade de quilômetros percorridos. As iniciativas de energia e clima a nível federal e estadual [nos EUA] têm pendurado suas esperanças em controlar as duas primeiras pernas da banqueta. Mas uma banqueta não pode parar em pé apoiada apenas em duas pernas” (2008, p.3).

No que se refere à redução da quilometragem percorrida por veículos de carga, um resultado mais rápido pode ser obtido no transporte inter-regional com medidas para aumentar a ocupação e reduzir as viagens com caminhões vazios. A implantação de uma rede de terminais logísticos multimodais e a revisão da estrutura de recolhimento tributário, associadas a medidas complementares de incentivo, apontam para resultados efetivos na redução das viagens vazias e para uma maior racionalização de todo o transporte de cargas, com inegáveis benefícios econômicos e ambientais.

6. Considerações finais

A análise das evidências apresentadas nesta resenha permite ao autor destacar dois pontos fundamentais:primeiro, sublinhar a importância da implementação de medidas integradas, inclusive de caráter

intersetorial, seja para garantir a persistência dos resultados obtidos, seja para alavancar os resultados com o aproveitamento das sinergias que se possam criar entre as diversas medidas. Isso significará um grande esforço de aprimoramento de gestão, exigindo a implementação de políticas públicas integradas e duradouras,

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haja vista que os resultados somente poderão ser obtidos no longo prazo, o que exige que as medidas sejam permanentes e consistentes;

segundo, considerando o expressivo volume de investimentos necessários para a implantação de medidas de redução de emissões de GEE no setor de transportes, vis-à-vis os resultados de mitigação obtidos, e considerando, também, que os benefícios à saúde e qualidade de vida da população, juntamente com os benefícios econômicos, podem ser muito superiores que aqueles diretamente relacionados à mitigação das emissões de GEE, é imperativo que tais co-benefícios (externalidades positivas) sejam criteriosamente considerados quando da definição das estratégias e políticas públicas de mitigação, tanto do setor quanto intersetoriais.

Na definição das estratégias de mitigação para o setor, é preciso resistir à tentação de implantar apenas ações isoladas que prometem resultados imediatos, como as soluções de aprimoramento tecnológico dos veículos, de ampliação da capacidade viária, ou de adoção de biocombustíveis por meio de incentivos econômico-financeiros. Estas podem ser importantes, mas devem vir acompanhadas de ações de mais longo prazo. Como ressalta OWEN (2009, p. 99) “No longo prazo, dependência do automóvel ainda é dependência do automóvel. Aumentar a eficiência e reduzir o consumo dos automóveis pode, no curto prazo, de alguma forma reduzir o ritmo em que o mundo exaure sua disponibilidade de petróleo, mas, ao final, tornar o uso de automóveis mais barato apenas encoraja as pessoas a dirigirem mais. Carros melhores, isoladamente, não importa quantos quilômetros possam percorrer por litro, não poderão reduzir a pegada de carbono da humanidade”.

Transporte e uso do solo são absolutamente interdependentes. O adensamento urbano permite grandes ganhos de eficiência, mas a ideia de reunir quase toda a população mundial (as projeções indicam algo em torno de 12 bilhões de pessoas no final do século) em densas aglomerações urbanas encontra severa resistência naqueles que defendem a imagem idílica de pequenos grupos vivendo quase isoladamente em meio à natureza. Intuitivamente, muitos ambientalistas apegam-se à noção de que famílias vivendo em habitações isoladas, em áreas semi-rurais de muito baixa densidade, representam um impacto ambiental menor e que esse modelo de ocupação do território é mais sustentável, devendo, portanto, ser defendido e generalizado. Para embasar essa noção intuitiva, um ranking de indicadores como consumo de energia, consumo de água, geração de lixo e tantos outros certamente colocará as grandes metrópoles no topo da lista, se forem considerados os valores absolutos. Em OWEN (2009, p. 14) essa noção é contestada: “A população de Nova York é treze vezes maior que a de todo o estado de Vermont e, assim, os dados de consumo em qualquer categoria farão a cidade parecer avassaladora em qualquer comparação direta. É o consumo per capita que conta, no entanto, e por esse critério os habitantes de Vermont usam mais água que os nova-iorquinos. Eles também consomem três vezes e meia mais gasolina – 545 galões por pessoa por ano, versus 146 para todos os habitantes da cidade de Nova York e apenas 90 para os habitantes de Manhattan – resultando que, dentre os cinquenta estados, o pastoral Vermont fique na 11ª posição em consumo de gasolina per capita, enquanto o estado de Nova York, inteiramente graças à cidade de Nova York, ocupa a última e mais baixa posição. Os habitantes de Vermont

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também consomem acima de quatro vezes mais eletricidade que os moradores da cidade de Nova York, têm uma pegada de carbono maior e geram mais lixo sólido, não importa quantos se dediquem a compostar seus resíduos orgânicos no quintal de suas casas”.

As evidências disponíveis são significativas para indicar que o planejamento territorial deve priorizar o assentamento populacional em áreas urbanas adensadas, permitindo o crescimento populacional e o desenvolvimento econômico sem exaurir a disponibilidade de áreas para a agropecuária e para a recuperação da cobertura florestal, garantindo a permanência dos serviços ambientais e a preservação da biodiversidade. No que diz respeito ao transporte, não há como garantir, em longo prazo, o controle das emissões de GEE do setor sem a implantação integrada de políticas de ordenamento territorial, local e regional, para contenção do espraiamento urbano.

As medidas de resultado imediato devem ser acompanhadas daquelas de mais longo prazo, como a implantação de infraestrutura de transporte que permita a mudança modal, tanto de passageiros como da carga, e medidas que promovam a redução da quilometragem total percorrida pelos veículos. Referindo-se ao uso do solo a ao incremento das opções de modos de transporte no capítulo de conclusões de seu estudo, CAMBRIDGE SYSTEMATICS (2009, p. 83) afirma que “enquanto algumas das estratégias do estudo Moving Cooler podem ser implementadas rapidamente, outras requerem muitos anos para serem colocadas em prática. Esta observação é particularmente verdadeira para medidas integradas que envolvam mudanças no padrão de ocupação territorial para aumentar a densidade e reduzir as distâncias percorridas ou reduzir a necessidade de recorrer a modos motorizados. A análise demonstrou que, ao longo do tempo, as mudanças no uso do solo e os investimentos em aprimoramento e ampliação das opções de transporte podem aumentar a eficiência e a qualidade de todas as viagens, reduzindo as distâncias percorridas ou substituindo as viagens motorizadas pelo transporte ativo, reduzindo dessa forma as emissões de GEE. As reduções mais notáveis para essas estratégias foram obtidas nas décadas mais distantes analisadas, de 2030 em diante. Trata-se de estratégias que irão requerer mudanças nas políticas públicas em curso e na legislação vigente, junto com investimentos significativos em razão dos custos de capital para expansão dos serviços de transporte público, mas essas estratégias poderão assegurar reduções significativas das emissões de GEE em 2050, na faixa entre 9 e 15%, sem recorrer a medidas simultâneas de penalização financeira para gestão da demanda”. Note-se que esse resultado é extremamente positivo, pois a implementação de medidas demasiadamente agressivas de gestão da demanda pela imposição de penalizações financeiras (como a criação de taxas de carbono, elevação de alíquotas, pedágios urbanos e outros esquemas de cobrança) pode gerar problemas de equidade pela elevação dos custos de transporte e impactar de maneira negativa o desenvolvimento da economia. Dessa maneira, a formulação das políticas de redução de emissões fica menos pressionada a adotar medidas agressivas de penalização para gestão da demanda.

Os benefícios para a saúde humana decorrentes da implantação de medidas de redução das emissões de GEE pelo setor de transportes são muito importantes, graças à redução da poluição e dos acidentes. Ao proporcionar simultaneamente a redução das concentrações de contaminantes na atmosfera, as ações de mitigação das emissões de GEE promoverão a equidade social, a redução de custos de tratamento de saúde, o

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incremento da produtividade e da qualidade de vida. Em resumo, promoverão o desenvolvimento sustentável e contribuirão para evitar que esse desenvolvimento seja inviabilizado por mudanças demasiadamente acentuadas no regime climático.

A formulação das estratégias e políticas públicas de mitigação de emissões de GEE deve considerar sempre as externalidades positivas que serão potencialmente geradas por ações de mitigação no setor de transportes, de forma a obter uma análise mais adequada dos custos e benefícios envolvidos. Sem a adoção de medidas intersetoriais integradas, dificilmente será possível lograr reduções significativas e consistentes no longo prazo. O setor de transportes tem participação importante nas emissões de GEE e a eficácia das ações de mitigação será ainda mais expressiva em razão dos co-benefícios à saúde que resultarão de sua adequada implantação.

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POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA E EXPOSIÇÃO HUMANA: A EPIDEMIOLOGIA INFLUENCIANDO AS POLÍTICAS PÚBLICAS

Neide Regina Simões Olmo¹ e Luiz Alberto Amador Pereira1

Resumo

A poluição do ar passou por diversos estágios de involução de sua qualidade e seu poder maléfico e silencioso assola a saúde da população urbana. O enfoque jurídico e médico são complementares no entendimento e tomada de decisões governamentais. Os efeitos negativos da poluição atmosférica são evidenciados por meio de estudos científicos notadamente aqueles que se debruçam em comprovar os transtornos respiratórios, cardiovasculares e a exacerbação de comorbidades pré existentes, passando pelos problemas de fertilidade, aumento de abortos e prematuridade. Os grandes centros urbanos são alvo do ar mais poluído em razão principalmente de sua crescente frota veicular ainda inadequada tecnicamente em termos de redução de emissão. O que se almeja para um futuro bem próximo é a tomada de decisões governamentais mais enérgicas em meio e embasadas nos estudos epidemiológicos que evidenciam os efeitos nocivos da poluição atmosférica na saúde humana.

AIR POLLUTION AND HUMAN EXPOSURE: THE EPIDEMIOLOGY INFLUENCING PUBLIC POLICY

Abstract

Air pollution has gone through several stages of involution in its quality and this malefic and silent power reflects on the urban population health. The legal and medical approaches are complementary in understanding the theme and government in terms of decision-making. The negative effects of air pollution are shown through scientific studies especially those that focus on evidence-disordered breathing, cardiovascular and exacerbation of preexisting comorbidities, going through fertility problems, increased miscarriage and prematurity. Large urban centers are the targets from the air more polluted mainly due to theirs growing fleet of vehicles still technically inadequate in terms of emission reductions. What it aims for the near future is closer government environmental decisions grounded in epidemiological studies that show the harmful effects of air pollution on human health.

1 Vínculo institucional: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP , Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental – LPAE e Núcleo de Estudos em Epidemiologia Ambiental-NEAA

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Introdução

Para o ordenamento jurídico o ar, inserido no contexto do meio ambiente ecologicamente equilibrado, é um bem de uso comum do povo, insuscetível de apropriação e objeto de tutela pelo Poder Público e coletividade. Para Medicina a ventilação pulmonar significa suscintamente, o influxo e o efluxo de ar entre a atmosfera e os alvéolos pulmonares, a difusão de oxigênio e dióxido de carbono, dependentes da movimentação do diafragma e elevação e depressão das costelas num ritmo perfeito, capaz de aumentar e diminuir o diâmetro ântero posterior da cavidade torácica e assim promover a respiração.

Esse ar tutelado pelo Estado e essencial a vida na terra está a cada dia mais ameaçado, mais inadequado para suprir sua real finalidade, a vida.

A poluição do ar passou por diversos estágios de evolução, ou melhor dizendo, involução de sua qualidade, acompanhando o progresso industrial, ainda quando não se falava em sustentabilidade. Hoje com o conhecimento acumulado ao longo dos anos e com as pesquisas na área de poluição atmosférica cediço é o real e palpável estrago à vida que a poluição do ar está causando.

O poder silencioso da poluição atmosférica invade o sistema humano (cardiorrespiratório), ulcera suas funções e torna inapropriada a tutela do Estado enquanto órgão coibidor das ofensas aos seus tutelados.

Poluição atmosférica nos centros urbanos

A poluição do ar enquanto mal que assola os centros urbanos se equipara ao crescimento desordenado e avassalador de verdadeiras células tumorais, que alimentada pelo próprio homem o coloca como seu principal alvo a destruir.

Nos grandes centros urbanos hoje nos deparamos com o crescimento da frota veicular, ainda inapropriada em termos de emissão de poluentes atmosféricos. O crescimento, podemos dizer desordenado, das fontes móveis vem propiciando a incapacidade do ser humano e sua morte prematura.

Os estudos epidemiológicos não cessam. Incansavelmente evidenciam o poder destruidor da poluição atmosférica numa tentativa de serem ouvidos pela comunidade e pelo governo.

Os principais poluentes atmosféricos emitidos pela queima de carvão e derivados do petróleo são: dióxido de enxofre (SO2) e metais pesados (chumbo – Pb e mercúrio Hg).

Os derivados da queima incompleta de combustíveis fósseis e de biomassa são: monóxido de carbono (CO) e material particulado (MP).

O advindo da emissão evaporativa de combustível é o hidrocarboneto (HCs). Os derivados da queima de combustível sob altas temperatura são os óxidos de nitrogênio –NOx (NO e NO2) e o poluente secundário formado pela oxidação fotoquímica do NOx e HCs na atmosfera é o ozônio troposférico (O3).

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Efeitos dos poluentes na saúde humana

Esses poluentes devem ser considerados, não isoladamente, posto que a multiplicação de seus efeitos nocivos à saúde humana se verifica também quando em sinergia. A tabela abaixo evidencia de maneira clara alguns dos efeitos adversos da poluição atmosférica na saúde humana:

Tabela 1: Efeitos na saúde de poluentes atmosféricos ambientais

Poluentes População de risco Efeitos

Ozônio

Adultos e crianças saudáveis, atletas e trabalhadores ao ar livre, asmáticos.

Decréscimo de função pulmonar, aumento de reatividade das vias aéreas, inflamação pulmonar

Dióxido de nitrogênio

Adultos saudáveis, asmáticos, crianças.

Decréscimo da capacidade para exercício, aumento das hospitalizações.

Dióxido de enxofre

Adultos saudáveis, pacientes com doença pulmonar crônica, asmáticos.

Aumento da reatividade das vias aéreas, diminuição da função pulmonar, aumento das infecções respiratórias.

Vapores ácidos Adultos saudáveis, crianças, asmáticos.

Aumento dos sintomas respiratórios, aumento da mortalidade, aumento das hospitalizações, decréscimo da função pulmonar.

Partículas Crianças, pacientes com doença pulmonar crônica ou cardiopatia e asmáticos.

Alteração da função ciliar de remoção, aumento das infecções respiratórias, decréscimo da função pulmonar, aumento das hospitalizações.

Fonte: adaptado de Robins e Contran p.448

Segundo a CETESB (2010), os principais agentes presentes na poluição atmosférica, dentre outros são: CO e PM e de acordo com o NAAQS – National Ambient Air Quality Standards - da EPA -- Environmental Protection Agency (EPA, 2009), o:

- monóxido de carbono (CO) é transportado pelos pulmões e tende a formar carboxihemoglobina propiciando um quadro de hipóxia pela elevação da carboxihemoglobina – COHb. A afinidade do CO pela

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hemoglobina – Hb é maior do que desta pelo oxigênio (O2), limitando a disponibilidade de Hb para transportar O2. Quando os níveis de carboxihemoglobina aumentam a curva de dissociação do sangue é alterada para esquerda resultando em menor quantidade de sangue para os tecidos. Ocorre também a combinação preferencial de CO com mioglobina e o citocromo P 450, que pode levar a um dano intracelular no mecanismo de transporte de oxigênio para mitocôndria. Os níveis de carboxihemoglobina fornecem uma boa estimativa de exposição a CO exógeno. Os efeitos maléficos do CO são sentidos por pessoas sadias, e de maneira mais acentuada por cardiopatas, idosos e crianças. Dentre os efeitos do CO ao organismo humano podemos citar: problemas de visão, redução da capacidade cognitiva, redução da destreza manual, dificuldade de realizar tarefas complexas, problemas respiratórios e até a morte.

- material particulado (PM) se deposita no aparelho respiratório por meio de: impactos inertes; sedimentação; difusão; intercepção e precipitação eletrostática, o que se verifica em razão da mudança súbita na direção da corrente aérea e sua velocidade. Assim não só a sedimentação, mas também a impactação pode influenciar na deposição de partículas dentro da mesma faixa de tamanho. A precipitação eletrostática é a deposição relacionada a carga da partícula. A quantidade de material depositado é diretamente relacionada aos efeitos na saúde humana. Assim dependendo da origem, da composição química e do tamanho da partícula, o efeito do material particulado é diferente. As partículas maiores (5 a 30µm de diâmetro) depositam-se, pelo impacto da turbulência do ar, no nariz, na boca, na faringe e na traquéia. Partículas de 1 a 5µm, geralmente depositam-se por sedimentação na traquéia, nos brônquios e nos bronquíolos. Partículas com menos de 1µm de diâmetro, em geral depositam-se por difusão nos pequenos bronquíolos e alvéolos. As partículas que dissolvem no catarro são eliminadas por expectoração ou depois de engolidas eliminadas pelo sistema digestório. Já nos alvéolos as partículas podem se dispersar no sistema linfático ou sanguíneo. O PM pode causar aumento de sintomas respiratórios e diminuição da função pulmonar em crianças, aumento da mortalidade em pacientes com doenças cardiovasculares e pulmonares, aumento e piora das crises de asma e aumento de neoplasias.

Segundo a CETESB as características principais fontes dos poluentes atmosféricos encontrados na região urbana são:

Tabela 2: Poluentes, características e fontes principaisPOLUENTE CARACTERÍSTICA FONTES PRINCIPAIS

Partículas totais em suspensão (PTS)

Partículas de material sólido ou líquido que ficam suspensas no ar na forma de poeira, neblina, aerossol, fumaça ou fuligem etc. Faixa de tamanho > 10 micra.

Processos Industriais e veículos motorizados (exaustão), poeira de rua ressuspensa, queima de biomassa. Fontes naturais: pólem, aerossol marinho e solo.

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Partículas Inaláveis (MP10) e fumaça.

Partículas de material sólido ou líquido que ficam suspensos no ar, na forma de poeira, neblina, aerossol, fumaça fuligem etc. Faixa de tamanho < que 10 micra.

Processos de combustão ( indústria e veículos automotores), aerossol secundário (formação na atmosfera).

Dióxido de Enxofre (SO2)

Gás incolor, com forte odor, semelhante ao gás produzido na queima de palitos de fósforo. Pode ser transformado em SO3, que na presença de vapor de água, passa rapidamente a H2SO4. É um importante precursor dos sulfatos, um dos principais componentes das partículas inaláveis.

Processos que utilizam queima de óleo combustível , refinaria de petróleo, veículos a diesel, polpa e papel.

Dióxido de nitrogênio (NO2)

Gás marrom avermelhado, com odor forte e muito irritante, pode levar a formação de ácido nítrico, nitratos (os quais contribuem para o aumento das partículas inaláveis na atmosfera) e compostos orgânicos tóxicos.

Processos de combustão envolvendo veículos automotores, processos industriais, usinas térmicas que utilizam óleo ou gás, incinerações.

Monóxido de carbono (CO)

Gás incolor, inodoro e insípido.Combustão incompleta em veículos automotores.

Ozônio (O3)

Gás incolor e inodoro nas concentrações ambientais e o principal componente da névoa fotoquímica.

Não é emitido diretamente a atmosfera. É produzido fotoquimicamente pela radiação solar sobre os óxidos de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis.

Fonte: adaptado de CETESB, 2008

A produção científica, tanto nacional quanto internacional, demonstra de maneira uníssona os efeitos adversos da poluição atmosférica na saúde humana.

Em âmbito nacional, segundo estudo publicado por Saldiva (2011), a captação de partículas varia ao longo da árvore brônquica e tecido pulmonar humano, causando colapso alveolar, inflamação e estresse oxidativo.

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Essas partículas provenientes da poluição atmosférica são indutoras de exacerbação das doenças respiratórias crônicas, mesmo em doses baixas (Braga, 2009).

A existência de comorbidades, como diabetes tipo 2 e sua associação com exposição a poluição atmosférica albergam um aumento de visitas a setores de emergência hospitalar e consequentemente um aumento de doenças cardiovasculares associada ao problema de base (Pereira, 2008)

Os efeitos da poluição atmosférica também foram demonstrados no que diz respeito a instabilidade do filme lacrimal e na sintomatologia do desconforto ocular (Novaes, 2010).

Igualmente a função reprodutiva tem sido alvo de estudos que comprovaram os efeitos nocivos sobre a fertilidade e saúde fetal, evidenciando que a exposição aos poluentes atmosféricos está associada com o baixo peso ao nascer, retardo de crescimento intra-uterino, prematuridade, morte neonatal e redução da fertilidade masculina e feminina. (Veras, 2010).

Segundo a revisão sistemática realizada por Olmo et al. (2011) há necessidade de uma inter-relação entre a área da saúde, por meio dos estudos epidemiológicos e a adoção de medidas de políticas públicas tendentes a minimizar os efeitos da poluição atmosférica nos grandes centros urbanos. Os estudos internacionais, igualmente aos estudos nacionais, evidenciaram os efeitos adversos na saúde humana mesmo quando a população objeto do estudo é exposta a emissões abaixo dos padrões legais. Este dado importante vem ao encontro do que Dockery e Pope relataram em seu estudo: “Estabelecer padrões de emissão implicaria na existência de um limite abaixo do qual não são observados efeitos na saúde, mas na verdade a resposta é linear sem que se possa falar em um limite inferior seguro para a saúde humana” (Dockery e Pope, 2006). Esses dados científicos representam um custo quer seja para a saúde da população envolvida, quer seja um custo debilitante da mão de obra ainda jovem, quer seja pela ausência às escolas ou quer seja onerando o serviço público de saúde ou da previdência social.

Evidências científicas e políticas públicas

As medidas de política pública não podem se ater a alocar o crescente número de veículos, mas necessita enxergar a epidemiologia como uma ciência aliada na adoção de padrões mais restritos de emissão atmosférica e conscientizar a população envolvida, conferindo com isso legitimidade as suas decisões (Olmo et al.,2011).

No trabalho de Olmo e colaboradores (2011) anteriormente citado , a comparação entre os diplomas legais internacionais revelou a constante preocupação com a revisão dos padrões de emissão baseada em critérios de qualidade do ar em harmonia com os mais recentes conhecimentos científicos produzidos e publicados, relativos aos efeitos maléficos da poluição atmosférica na saúde humana, bem como a orientação para implementação de políticas públicas de transporte em atendimento aos padrões revisados e seus critérios atualizados, com vistas à redução dos impactos na saúde pública por meio da minimização das fontes móveis de poluição e enaltecimento dos transportes públicos mais eficientes (EPA, 2009). Assim, verificaram a

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constante preocupação internacional com a revisão periódica dos padrões de qualidade do ar baseados na análise e aceitação de relatórios, inquéritos e estudos científicos. A preocupação internacional extrapola as fontes móveis de seus territórios e alcança também os veículos importados que igualmente devem atender as normas estabelecidas e serem submetidos a rigorosos testes de inspeção, manutenção e revisão. Com isso prioriza-se no universo internacional, além da informação científica, a participação pública presente e atuante, não somente no seu julgamento como consumidor, mas como peça fundamental de um processo de qualidade de vida presente e futura, com adoção de medidas integradas entre população e governo para consecução de políticas públicas eficientes. A informação da população é item de prioridade na realização de uma correta administração pública posto que campanhas são executadas visando não somente a conscientização da população quanto aos males da poluição atmosférica mas igualmente visando à participação desta população como aliada do governo na realização de tarefas que embora simples fazem diferença quando executadas em massa, como: a carona solidária, a revisão periódica dos veículos, verificação da pressão dos pneus, retirada de carga em excesso do porta malas, minimização do uso do ar condicionado, velocidade condizente com a via, dentre outras (EPA e EUROPA, 2009). Por meio desta análise da legislação internacional verificaram então que no exterior os avanços científicos caminham junto com as medidas de políticas públicas e essas aguardam os resultados das pesquisas científicas, para efetuarem melhorias nos seus padrões de emissão atmosférica ou condicionam as alterações dos seus padrões de emissão, as novas pesquisas, portanto a evolução se dá simultaneamente de maneira próspera e instigativa, o que se reflete na qualidade de vida da população.

Do estudo realizado por Olmo e colaborades (2011), verificou-se uma linha de coincidências científicas quando da apresentação dos seus resultados, pois todos revelaram uma relação entre poluição atmosférica e efeitos adversos na saúde humana, sendo que dos estudos internacionais poucos evidenciaram uma vertente tendente a discutir política pública o que foi atribuído a uma maior efetividade do resultado dos estudos na revisão de seus padrões e estabelecimento de políticas públicas, tornando essa discussão talvez desnecessária no campo internacional, posto que efetivamente a tomada de decisões embasadas nos estudos epidemiológicos já é verificada este contexto internacional. Já nos estudos nacionais houve a discussão de políticas públicas de alguma maneira, mas somente superficialmente, ora com comentários sobre a inexistência de adoção de políticas públicas eficientes e ora com comentários relativos à adoção de padrões brasileiros de emissão que datam de 1990, portanto antigos e não tendentes a suprir os anseios relativos à sadia qualidade de vida.

Hoje no Brasil, direito e epidemiologia ainda caminham isoladamente sem comunicação entre si, enquanto evidenciamos que internacionalmente essas duas áreas possuem tamanha identidade, que são geridas como uma só, em função do bem comum, que é a saúde humana. A epidemiologia eterniza seu papel ao apontar os determinantes causais dos diversos males humanos ocasionados também pela poluição atmosférica fornecendo assim subsídios para que o direito possa não só atribuir responsabilidades, mas principalmente prevenir males.

O sinergismo entre epidemiologia e saúde na adoção de medidas de política pública, já é verificado na Europa e nos Estados Unidos. Em 2009 em Kopenhagen, na Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU – COP15, foi apresentado um documento sobre os impactos das mudanças climáticas, referindo à necessidade

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de alteração das emissões globais embasado na ciência (Decisão COP 15).Woodcock e colaboradores (2009) publicaram um estudo mostrando como esse sinergismo pode ser

benéfico para a adoção de políticas públicas mais eficazes. Os autores utilizam estimativas de comparação de riscos para estimar os efeitos na saúde de cenários alternativos de transporte urbano terrestre para duas cidades - Londres, Reino Unido, e Nova Déli, na Índia. Para cada uma delas, foi comparada a projeção para 2030 sem as políticas de redução de gases de efeito estufa, com cenários alternativos de veículos de menores emissões de carbono motor, aumento de viagens ativas, utilizando diversas formas de transporte, e uma combinação dos dois. Os modelos ligavam os cenários dos transportes com a atividade física, a poluição do ar e risco de lesões do tráfego rodoviário. Em ambas as cidades, observou-se que a redução nas emissões de dióxido de carbono através de um aumento das viagens ativos e menos circulação de veículos automóveis teve maiores benefícios de saúde por milhão de população do que do aumento do uso de veículos de baixa emissão de motor.Os autores concluem ainda que a combinação das viagens ativas e veículos de baixa emissão de motor daria os maiores benefícios.

No Brasil um projeto desenvolvido pelas agências ambientais norte-americana, CETESB, laboratório de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP, entre outros, estabeleceu um quadro para o desenvolvimento de políticas integradas e ambientalmente sustentáveis para a Região Metropolitana de São Paulo, com especial incidência no setor dos transportes. Este quadro foi criado para fornecer aos tomadores de decisão política, instrumentos mais fortes que, simultaneamente, atendessem as necessidades locais e regionais, com as questões ambientais globais com base em critérios técnicos, econômicos e sociais. O relatório foi concluído em 2004, indicando que a implantação do PROCONVE ( Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores) irá impedir um número estimado de 10 mil internações hospitalares e mais de 8.800 mortes atribuídas à poluição do ar cumulativamente entre 2000 e 2020. Este número, pode ser valorado entre 4,8 bilhões dólares e 6,7 bilhões dólares, desde o início do PROCONVE na década de 1990. As reduções de emissões de CO2 entre 2010-2020 devem ser entre 2,6 a 57,2 milhões de toneladas. O estudo também descobriu que o Plano de Transporte Integrado em curso no Estado de São Paulo (PITU), considerado um cenário alternativo, pode evitar um adicional de 2.277 internações e 1.800 mortes por poluição do ar relacionados com efeitos 2000-2020, avaliado em US$ 1,7 bilhão para US$ 2,3 bilhões (IES, 2004).

Conclusões

Os dados ora expostos devem ser analisados a luz da ciência, envolvendo todas as áreas do conhecimento, principalmente a jurídica e a da saúde.

Como tal devem merecer seu real valor para que caminhem de maneira próspera ao lado e em parceria com a tomada de decisões governamentais.

As decisões devem ser tendentes a melhoria das condições de saúde de uma população que clama por um ar passível de ser respirado e alternativas que redundem em qualidade de vida.

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A respiração não é um mecanismo totalmente voluntário e o ar limpo ainda não é passível de compra para uso cotidiano.

Assim, os estudos epidemiológicos devem ecoar no palco pela vida e por um ar limpo para que tanto empenho da comunidade científica possa repercutir em medidas conscientes, sustentáveis e prósperas.

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INTERAÇÕES ENTRE O CLIMA, O TEMPO E A SAUDE HUMANA

Denise Maria Sette1 e Helena Ribeiro2

Resumo

O artigo analisa as interações entre o clima, o tempo e a saúde de seres humanos e seu interesse no quadro das mudanças climáticas globais. Mostra a diferença entre os conceitos de clima e tempo, ressaltando a importância de uma visão de totalidade através do holorritmo, ou totalidade dos ritmos (físico, biológico e social). Em seguida, discorre-se sobre a relação entre a saúde ambiental e estudos do clima, com enfoque na geografia médica e na biometeorologia. Apresenta alguns efeitos diretos e indiretos na saúde humana pela ação dos atributos climáticos, exemplificando-se com estudos realizados no Brasil. Por fim, são discutidos os conceitos de riscos à saúde e de vulnerabilidade face às mudanças climáticas induzidas pelos homens em escalas local e global.

Palavras-chave: Clima, vulnerabilidade, mudanças climáticas, saúde humana

INTERACTIONS BETWEEN THE CLIMATE, WEATHER AND THE HUMAN HEALTH

Abstract

The paper analyzes the interactions between climate, weatherand health of human beings and their interest in the context of global climate change. Shows difference between the concepts of weather and climate, pointing out the importance of a vision of wholeness(totality) through the holorritmo concept, or the composition of all rhythms (physical, biological and social). Then, discuss about the relationship between environmental health and climate studies, basing on medical geography and biometeorology. Presents some direct and indirect effects on human health by the action of climatic attributes, exemplifying with case studies in Brazil. Finally, we discuss the concepts of health risks and vulnerability to climate change induced by men on local and global scales.

Key words: Climate, vulnerability, climate change, health of human

1 Geógrafa, Doutora em Geografia Física com Pós-Doutorado em Saúde Pública na USP. Professora Doutora da Universidade Federal de Mato Grosso, Rondonópolis. [email protected]

2 Geógrafa, Doutora em Geografia Física e Livre-docente em Saúde Pública. Professora titular do Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP. [email protected]

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Introdução

O presente artigo analisa as interações entre o clima, o tempo e a saúde de seres humanos e seu interesse no quadro das mudanças climáticas globais.

“O(s) clima(s) é (são) uma composição da totalidade dos ritmos dos estados da atmosfera sobre um lugar na superfície da Terra, para uma determinada relação espaço-tempo” (TARIFA, 2001).

Para TARIFA E ARMANI (2001), “a realidade climática ‘natural’ em diferentes níveis de hierarquia (local, meso e topo climático) guarda estreita relação com as várias superposições temporais: anuais, sazonais, diárias (dia e noite)”, pois existem momentos ou durações em que os fenômenos e ritmos urbanos se impõem, mas existem outros, em que os ritmos da circulação atmosférica são dominantes. Neste sentido, a natureza do espaço (que inclui a forma e os conteúdos) torna-se uma categoria fundamental para ser analisada.

As diferenças sociais estão contidas nos espaços, onde as variações do tempo meteorológicos são sempre mais sentidas pelos seres humanos que vivem nas áreas vulneráveis e riscos.

Clima e tempo

Os estudos referentes ao clima evoluíram juntamente com o conjunto de ciências, e foram incorporando a visão de mundo de acordo com o momento histórico e a cultura de cada lugar, assim como se utilizando dos instrumentos disponíveis a cada época. “... No desenvolvimento histórico, a idéia de clima é inseparável das preocupações biológicas. Os primeiros registradores não foram instrumentos de medida, mas sim registradores naturais, em particular a sensibilidade do homem”... (SORRE, 1934).

A climatologia é uma área de estudo interdisciplinar. Entretanto, a climatologia geográfica considera o clima pelo que representa no conjunto de relações natureza e sociedade. Ou seja, o importante é a interação da atmosfera com a litosfera, a hidrosfera e a biosfera no espaço social. A dinâmica dos atributos climáticos se dá por meio de vários ritmos, inter-relacionados, que irão repercutir e interagir nas atividades humanas e no ambiente. Também os ritmos internos dos corpos estão indissoluvelmente ligados a determinadas condições limítrofes de gravidade, temperatura, luz, umidade e oxigênio, evoluídas e produzidas em tempos e ciclos longos e relativamente dentro de certos padrões de regularidade ou variações temporais que permitem adaptações às mudanças (TARIFA, 2002).

O conceito clássico de HANN (1882), da escola alemã de climatologia, define o clima como “o estado médio da atmosfera em um determinado lugar”. Trata-se de método estatístico-analítico separatista, no qual os elementos do clima são trabalhados de forma isolada. Sorre (1934) enfatizara no livro Traité de Climatologie Biologique et Médicale, as insuficiências da definição de clima de Hann:

“A definição clássica e suas insuficiências... Ora, o ritmo é um dos elementos essenciais do clima. As descrições de Hann escapam frequentemente a esses inconvenientes”. ... A que nós proporemos deverá levar em conta o fator tempo (duração). Não é perfeita, sem dúvida. Contudo, corresponde melhor às nossas concepções”.

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SORRE (1951) critica a exagerada importância dada à noção de temperatura média, e propõe “substituí-la por uma fórmula mais diretamente utilizável pelos biólogos: o clima, num determinado local, é a série dos estados da atmosfera, em sua sucessão habitual. E o tempo nada mais é que cada um desses estados isoladamente. Essa definição conserva o caráter sintético da noção de clima, enfatiza seu aspecto global, ao mesmo tempo, evidencia o seu caráter dinâmico, introduzindo as ideias de variações e de combinação de propriedades a que chamamos de elementos do clima... queremos apenas insistir sobre os aspectos biológicos do assunto”. Para enfatizar o caráter conceitual de sua proposta, acrescentou cinco regras de influência à saúde:

l) “Os valores numéricos que devem ser guardados para as escalas são os valores críticos para as principais funções orgânicas”;

2) “Uma definição climatológica deve abranger a totalidade dos elementos do clima suscetíveis de agir sobre o organismo”;

3) “Os elementos climáticos devem ser considerados em suas interações”;4) “Qualquer classificação climática deve acompanhar de perto a realidade viva”;5) “O fator tempo (duração) é essencial na definição dos climas”.O conceito de clima, proposto por Sorre, juntamente com as regras que o acompanham, o interpretam

como uma síntese dos estados atmosféricos, a partir da totalidade (tipos de tempo), e de suas interações com os vários ritmos. Destacam as anomalias, consideradas críticas para as funções biológicas e a necessidade de se apreender a realidade viva.

Conforme Monteiro (1971), “é a sequência que conduz ao ritmo, e o ritmo é a essência da análise dinâmica”. A metodologia da análise rítmica proposta pelo referido autor, procura explicar a gênese das variações diárias e até horárias dos elementos climáticos associados à circulação atmosférica regional de um determinado espaço geográfico. Sette (2000) acrescentou, nesta postura metodológica, a noção de holorritmo, que contempla a totalidade dos ritmos (físico, biológico e social), a energia global que conduz a sequência. O ritmo nos diversos sentidos é movimento, mas, em se tratando de clima, se traduz como dinâmica climática, que se repete a intervalos regulares (estações do ano) ou não, numa sucessão de eventos habituais ou anômalos (disritmias), no conjunto fluente (atmosfera) e sua interação com as outras esferas (biosfera, hidrosfera, antroposfera) - holorrítmo. O conjunto de atributos e controles climáticos caracteriza o clima de cada lugar, marca o ritmo e compõe a paisagem (SETTE, 2000).

Tarifa (2002) usa a ritmanalise, definida como “teoria e método de entender as polirritmias dos corpos e dos espaços”. Os ritmos em sua unicidade ou multiplicidade são repetitivos, quase iguais, porém diferentes. Esta mesma dialética atinge a profundidade do ritmo dos corpos (interior-exterior) ou das relações entre o espaço e o tempo. Em uma pessoa sã, os ritmos são sincrônicos, tais como o respiratório, o circulatório e o cardíaco.

O tempo meteorológico é uma condição complexa e mutável da atmosfera em escala temporal de minutos a até no máximo15 dias, trata-se do tempo atual ou tempo a ser previsto pelos meteorologistas. Os tipos de tempos têm sua seqüência, na qual a repetição da ausência ou da presença de um fenômeno atmosférico conduz às situações de riscos (seca, estiagem, chuvas, enchentes, vendavais, geada).

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Já o clima urbano depende do porte da cidade (megalópole, metrópole, grande, médio ou pequeno), bem como da sua posição no relevo e da compartimentação intra-urbana. Considerando-se tais elementos, têm-se as seguintes escalas utilizadas nos estudos de clima urbano: regional, local, meso e topoclima (MONTEIRO, 1976 e OKE, 1978). Quando se desdobram as unidades de grandeza em unidades menores, o número de variáveis que intervêm no processo torna-se significativamente maior. Acontece uma superposição, ou melhor, uma interação entre controles e atributos estruturais de uma determinada ordem de grandeza (ex. nível global), com os outros novos elementos e ordem de grandeza imediatamente inferior e assim sucessivamente até as menores unidades possíveis junto ao solo. Da mesma forma, à medida que se reduzem as dimensões de espaço, a velocidade das mudanças temporais também se altera, exigindo um ajuste da unidade de tempo adequada para captar as mudanças que fluem em ritmos diferenciados para cada unidade de grandeza.

Saúde Ambiental e Clima

O estudo dos climas (fato natural), do clima urbano (fato social) e da saúde (fato biológico) necessita de fundamentos de uma visão ampla e complexa. O saber ambiental excede as “ciências ambientais” para abrir-se ao terreno dos valores éticos, dos conhecimentos práticos e dos saberes tradicionais. O saber ambiental, fundamentado no pensamento complexo, integra fenômenos naturais e sociais e articula processos materiais que conservam sua especificidade ontológica e epistemológica, irredutível a um metaprocesso e a um logos unificador (LEFF, 2001). Para Leff (2001), o saber ambiental se constrói através de processos políticos, culturais e sociais, para transformar as relações sociedade-natureza. O objeto das “ciências ambientais” não surge da recomposição interdisciplinar dos campos atuais do conhecimento, nem da ecologização das ciências sociais. É um processo teórico que se dá através de movimentos sociais e mudanças institucionais que incidem na concretização do conceito de ambiente.

A Agenda 21 situa o ser humano no centro de seus objetivos. O primeiro princípio da Declaração do Rio proclama que: “Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza”. Como consequência da Reunião de Cúpula do Rio, a Organização Mundial da Saúde elaborou uma Estratégia Mundial de Saúde e Meio Ambiente, na qual destaca os amplos vínculos existentes entre a saúde e o meio ambiente no contexto do desenvolvimento sustentável.

A visão da saúde ambiental mostra a necessidade de se estudar as causas sociais da doença, como também de se abandonar concepções ecologistas reducionistas. Portanto, a saúde ambiental abre um campo mais amplo à saúde pública para atender as condições das maiorias empobrecidas, mas também as novas doenças de gêneses ambientais (LEFF, 2001, pg 312). O próprio conceito de saúde é ampliado quando relacionado com a temática ambiental e quando integrado com a saúde dos ecossistemas.

Problemas de saúde e ambiente precisam ser compreendidos de forma a incorporar a pluralidade de dimensões e perspectivas que caracterizam sua complexidade. A análise dos diferentes fenômenos envolvidos pode ser realizada por várias disciplinas e abordagens que produzem recortes particulares da realidade

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analisada. Contudo, abordagens técnicas restritas, mono ou multidisciplinares, são ineficientes para analisar e enfrentar problemas complexos que envolvam múltiplas dimensões e relações entre dinâmicas globais e locais. A complexidade dependerá das escalas espaciais e temporais envolvidas, das incertezas associadas aos problemas ambientais, e das dinâmicas sociais que articulam os interesses e processos decisórios em torno dos problemas (FREITAS e PORTO 2006 p. 27 e 28)

Os estudos de clima e saúde fazem parte da Geografia Médica, que tem suas origens em estudos de Hipócrates, juntamente com a história da medicina, e com a publicação da importante e famosa obra “Dos ares, das águas e dos lugares” em 480 a.C. Para Hipócrates, o médico deveria investigar a origem das enfermidades no ambiente de vida do homem (LACAZ, 1972). Desde então, a relação dos fatores ambientais com o aparecimento de doenças estava posta.

Assim, os efeitos do tempo e do clima sobre a vida humana, animais e plantas são reconhecidos desde a Antiguidade, mas os estudos sistemáticos se desenvolveram no início do século XX. As investigações foram direcionadas para o estudo e classificação dos estados do tempo diário e seu impacto sobre atividades humanas, a exemplo a produção de trigo, nas regiões centrais da antiga União Soviética (Fedorov, 1925 apud LECHA, 2009), Entre 1934 e 1938, William F. Petersen, da Universidade de Illinois, E.U.A., escreveu várias monografias na série “O paciente e o tempo”. Estes artigos são relacionados com influências meteorológicas na pessoa normal e no paciente (LECHA, 2009).

“O corpo humano responde às mudanças climáticas incomuns e variações sazonais. As respostas do corpo humano a estas mudanças podem ser vistas, principalmente através do aumento da atividade nervosa, das mudanças abruptas do sistema de termorregulação e do balanço de calor do corpo e atividade cardiovascular.” (Voronin, Ovcharova e Spiridonov, 1963 apud LECHA, 2009.

Grande parte destas respostas internas depende da adaptabilidade do ser humano. Entretanto, sob certas condições específicas, quando excedem determinados limites de impacto, as reações pessoais podem ocorrer associadas a condições patológicas contrastantes do tempo meteorológico.

O ser humano é homeotérmico, com uma temperatura do corpo entre 36 e 37ºC. Abaixo destes valores há hipotermia e mecanismos de controle são acionados, como a vaso-constrição, tiritar, arrepios, aumento da taxa metabólica, na tentativa de se elevar a temperatura corporal. Estas são respostas de curto prazo, há respostas mais longas, com o aumento dos depósitos de gordura, gordura subcutânea e outros mecanismos. Para o caso de hipertermia, acima de 37ºC, temos o suor, a vaso-dilatação e respostas também de mais longo prazo. Portanto, o conforto se dá quando nenhum destes mecanismos foi acionado, gerando um estado de neutralidade.

Mas as relações entre clima e saúde humana são complexas porque dependem da intensidade e duração da mudança de tempo (grau de contraste) e sensibilidade do receptor, sendo que esses fatores mudam continuamente de local, indivíduos e populações. Os efeitos meteoro-trópicos3 tendem a ocorrer de forma

3 Efeito Meteoro – tropico: ação complexa e diversificada que a variabilidade do tempo tem sobre a saúde das pessoas.

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sincrônica em um grande território, sob a influência das mesmas condições de tempo e afetar significativamente a população local. Eles podem ser específicos e inespecíficos.

Os efeitos meteoro-trópicos específicos do clima sobre a saúde humana ocorrem quando há uma ação direta de elementos meteorológicos em uma seqüência de ações inter-relacionadas, por exemplo, chuvas torrenciais, inundações, contaminação das águas que resultam em surtos de doenças diarréicas e aumento de populações de vírus e vetores, provocando surtos de doenças transmissíveis (LECHA, 2009).

Os estudos de clima e saúde fazem parte da biometeorologia, que trata das inter-relações entre o ambiente geofísico e geoquímico da atmosfera e os organismos vivos, plantas, animais e o homem. A Biometeorologia Humana, por sua vez, estuda a influência do clima e do tempo no homem. Está intimamente ligada à geografia, à ecologia, à epidemiologia e à saúde ambiental. Em todos esses casos, o tempo meteorológico faz parte das relações entre o ambiente físico e social e tem influencia na ocorrência de doenças e dispersão de organismos patogênicos.

A interação entre o meio e saúde humana, especialmente o clima, foi destacada por SORRE (1984), ressaltando o papel dos atributos climáticos e os efeitos na saúde humana conforme Quadro 01. Correlacionou a ocorrência de determinadas doenças a tipos climáticos específicos, introduzindo o conceito de complexo patogênico, ou “complexos patogênicos” (SORRE, 1984, p. 45), compostos de três planos: o físico, o biológico e o social.

“A diversidade dos agentes e transmissores, bem como as diversas etapas da infecção contagiosa, justificam o termo criado, que designa exatamente a teia de relações entre o meio e o natural, o ser vivo e o homem, vivendo lado a lado e mantendo entre si relações mais ou menos intensas e duradouras. Juntamente com o homem e o agente causal da doença, compreende a existência dos seres humanos.” (SORRE, 1984, p.13)

Quadro 1: EFEITOS NA SAÚDE DO HOMEM PELA AÇÃO DOS ATRIBUTOS CLIMÁTICOSAtributosClimáticos Limites Efeitos na saúdeAltitude e Pressão

Atmosférica

Limite máximo8.000 m

-Mal-das-montanhas (dor de cabeça, fadiga, alteração sensorial, depressão, insônia e

alucinações

Radiação(Associada à

Luminosidade)60° e 70° Latitude

-Alta radiação/luminosidade: esgotamento nervoso, perturbações mentais, irritação, síndrome físico-psíquica “golpe de sol”

(sunstroke), euforia.-Baixa radiação/luminosidade: deficiências orgânicas, raquitismo, depressão, debilidade

mental.

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Higrotermia

Limite Variável.Ótimo fisiológicopara raça branca:

15° - 16° C/60%UR

-Diminuição da capacidade respiratória (para europeus nos trópicos).

- Hiperpnéia térmica (entre negros).- Cansaço e esgotamento (brancos).

Vento e EletricidadeAtmosférica

- Morbidez, cansaço e abatimento.- Debilidade do tonos nervoso, depressão,

hipersensibilidade, irritabilidade.- Desidratação, dessecação do aparelho

tegumentar.- Excitação nervosa, alucinações, delírio.- Palpitações, dispnéia, dores de cabeça,

nevralgia.FONTE: SORRE, 1984. O bem-estar humano depende do conforto térmico através da relação temperatura e umidade, vento

e pressão atmosférica e iluminação. As baixas pressões de estados pré-frontais relacionados aos anticiclones polares podem causar desconforto, cansaço ou indisposição. A depressão e o suicídio podem estar relacionados, nos países de altas latitudes, como a Suécia, ao curto período de insolação na estação de inverno. Em contrapartida, a chegada da primavera nos países de clima temperado costuma ser motivo de alegria. O mal das alturas, devido à diminuição do teor de oxigênio do ar, bem como às alterações na pressão do ar, causam desequilíbrios orgânicos. A bioclimatologia é um campo muito rico para pesquisas (FERREIRA, 2003).

Para Ayoade (1986), a influência do clima na saúde humana ocorre de forma direta e indireta, podendo ser positiva ou negativa; os extremos térmicos e higrométricos acentuam a debilidade do organismo no combate às enfermidades, intensificando processos inflamatórios e criando condições favoráveis ao desenvolvimento dos transmissores de doenças contagiosas; por sua vez, temperatura mais amena, umidade e radiação moderadas tornam-se atributos terapêuticos à saúde.

Para Haines (1992), a temperatura tem relação com muitas doenças contagiosas, como febre amarela, dengue e outras enfermidades viróticas transmitidas por artrópodes, peste bubônica, disenteria e outras afecções diarréicas. Os perfis de desenvolvimento e multiplicação dos parasitas, ou vírus da malária, no interior de mosquitos transmissores dependem da temperatura do ar. “Várias doenças, como a malária, tripanossomíase, leishmaniose, filariose, amebíase, oncocercíase, esquistossomose e diversas verminoses, hoje restritas às zonas tropicais, têm relação com a temperatura e poderiam teoricamente ser afetadas pela mudança do clima” (HAINES, 1992 p.140).

Lacaz (1972) e Peixoto (1975) foram os pioneiros no Brasil a estabelecer correlações entre algumas doenças e as condições climáticas do país. Peixoto (1975) relata a manifestação de inúmeras doenças e os denominados complexos patogênicos no Brasil. Refere-se, também, à meteoropatologia (clima e salubridade), e sua relação com várias epidemias brasileiras (especialmente na Amazônia e Nordeste), a exemplo da febre amarela, malária, cólera, febre tifóide, varíola, gripe, entre outras.

Para Ferreira (2003), uma das formas mais tradicionais de abordar a questão do clima e saúde é em

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relação às denominadas doenças tropicais4 a partir de diferentes critérios: 1º valorizando os aspectos do ambiente como temperatura e umidade, e a questão socioeconômica, como sendo a que decorre das condições de subdesenvolvimento. 2º procurando reunir os dois critérios, valorizando os aspectos geográficos regionais, que ocorrem em países na faixa intertropical da Terra, abrangendo tanto as doenças cuja ocorrência depende de certas condições climáticas, como aquelas ligadas à pobreza e à deficiência da infra-estrutura de saneamento e de atendimento à saúde.

A Organização Panamericana de Saúde – Opas – valoriza os aspectos sociais e econômicos responsáveis pelo quadro de saúde da população na América tropical e pelo agravamento de enfermidades que já foram há muitas décadas controladas nos países desenvolvidos de clima temperado ou frio.

Ribeiro Sobral (2005) apontou, dentre fatores ambientais que apresentam influência nas doenças respiratórias, a temperatura do ar e suas flutuações. Outros trabalhos com enfoque em clima e saúde, são de Trindade Amorim (1997) relativo à incidência de dengue e febre amarela na cidade de Presidente Prudente - São Paulo, de Costa Ferreira e Lombardo (1997) voltado ao estudo da incidência de malária e sua relação com as alterações climáticas no entorno do reservatório da hidrelétrica de Itaipu, de Mendonça (1999) voltado à analise da interação entre o clima e a criminalidade urbana no Brasil.

Miranda et al (1995) indicam o aparente aumento da ocorrência dos agravos e de doenças respiratórias agudas e crônicas durante os meses de inverno em São Paulo. Entretanto, ressaltam que, apesar das temperaturas terem um papel importante, não eram determinantes, havendo uma interação de fatores, como mostra a Fig 1.

Fatores Ambientais

Clima , Tempo e Lugar (topo)

Forma do espaço

Ocupação uso do solo

Conteúdo do espaço

Indivíduos(homem, Mulher, adulto,

crianças, idoso) Condição de vida

DoençasRespiratórias

Figura 01: Interações entre os fatores ambientais e as doenças respiratórias crônicasAdaptado de Miranda et al 1995.

4 “doenças tropicais” termo utilizado para se referir a doenças dos trópicos úmidos, valorizando os aspectos climáticos mas também criando muitos preconceitos contra a zona tropical. Colonizadores europeus procuravam passar o verão nas “serras” da América tropical, nas montanhas do norte da Índia ou nas terras mais elevadas dos planaltos da África tropical, para fugir do calor e das doenças. No Brasil, o impe-rador instalava-se em Petrópolis durante o verão (FERREIRA, 2003).

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O agravamento sazonal de morbidade e mortalidade, com o aumento de ocorrências de infecções respiratórias agudas e da pneumonia, sobretudo entre crianças e idosos, no inverno, foi mostrado também por Mello Jorge et al. (2001), apesar de o não terem correlacionado às causas climáticas. Segundo os autores, 34,3% das internações de menores de um ano, no Brasil, em 1999, foram por problemas do aparelho respiratório; quanto à mortalidade de crianças na faixa de um a quatro anos, as doenças respiratórias responderam como principal causa, com 22,8% dos casos.

Em relação aos tipos de tempo em São Paulo, os atributos climáticos que mais influenciam as doenças respiratórias são: a queda da temperatura e da umidade do ar no inverno, a maior amplitude térmica diária, pouca insolação, oscilações bruscas de temperatura, quando da aproximação e passagem de frentes frias e redução da dispersão dos poluentes. Figura 02.

Clima, Tempo e Lugar

Queda de temperaturas

Pouca Insolação

DoençasRespiratórias

Figura 02: Interações entre os atributos climáticos e a natureza do espaço e asdoenças respiratórias Adaptado de Miranda et al 1995.

Saturação do arRedução ou Excesso

Aumento da Amplitude Térmica

Inversões térmicasNoturnas e Matinais

Oscilações bruscas de temperatura

Subsidência Atmosférica

Déficit Hídrico acentuado

Regime de Ventos

Natureza do Espaço(forma e conteúdo)

Baixa dispersão dePoluentes

A ocorrência de extremo calor no verão ou de extremo frio no inverno tende a afetar a saúde e o bem estar de diversas formas. Por exemplo, combinações dos ritmos de temperaturas baixas com ventos fortes provocam a sensação de conforto térmico mais frio, com maior risco à hipotermia (temperatura corporal abaixo de 35ºC), produzida pelo frio excessivo. A frequência cardíaca também tende a se tornar mais baixa, a respiração mais lenta e os vasos se contraírem, provocando aumento da pressão sanguínea. Entretanto, segundo Auciliems (1997), é errado atribuir morbidade ou mortalidade a um parâmetro específico, mas precisam ser tratadas como partes de complexas interações biológicas ambientais. Neste caso a abordagem do holorritmo e da ritmanálise parece ser mais adequada.

Climas Urbanos, riscos à saúde e vulnerabilidade

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As cidades enquanto locais de apropriação e degradação do clima e demais recursos naturais implicam diretamente na qualidade de vida. Monteiro (1971) define o clima urbano como um sistema que abrange o clima de um dado espaço terrestre e a sua urbanização. O S.C.U. (Sistema Clima Urbano) pressupõe vários elementos que caracterizam a participação urbana no desempenho do sistema, constituído através de canais de percepção humana: a) Termodinâmico - (conforto térmico); b) Físico-químico - (qualidade do ar) A poluição do ar é uma das mais decisivas na qualidade do ambiente urbano; c) Hidrometeórico (impacto meteórico).

Com o suporte teórico e metodológico oferecido por MONTEIRO, o estudo de clima urbano no Brasil é evidenciado como área em que mais se desenvolveram pesquisas no ramo de climatologia nas décadas de 1990 e 2000. A maior parte dos trabalhos foi desenvolvida dando ênfase ao subsistema termodinâmico, onde são analisadas principalmente a temperatura do ar e a umidade relativa do ar. Em alguns casos são incluídos os elementos chuva, temperatura do solo, e ventos.

Por outro lado, os riscos e os prejuízos dos eventos meteorológicos são mais intensos onde a população está exposta às condições de vulnerabilidades, portanto os riscos são potencializados. Os problemas sociais frente às alterações atmosféricas são tomados a partir da vulnerabilidade dos grupos sociais em seu ambiente. O conceito de vulnerabilidade socioambiental vem sendo amplamente utilizado para melhor compreensão da realidade das populações, visto que, ao considerar a exposição a riscos ou influencias externas, apresenta uma visão mais ampla das condições de vida dos grupos sociais menos favorecidos, sem abordar apenas renda, número de indivíduos, entre outros.

O espaço socioambiental é aquele onde são articuladas as relações sociais e o ambiente (SANTOS 1996). A natureza do espaço inclui a forma e os conteúdos, que podem ser naturais ou produzidos pelas atividades humanas. Assim, a condição de pobreza de uma determinada população está estreitamente vinculada à condição de vulnerabilidade socioambiental.

Apesar da maioria das atividades biológicas e socioeconômicas ser em grande parte dependente dos insumos climáticos, sua falta ou excesso conduz a um aumento no risco socioeconômico e ambiental. A intensidade dos riscos está relacionada ao grau de vulnerabilidade da população que será afetada. Quanto maior a vulnerabilidade humana, maior o risco, e um evento extremo pode se tornar um desastre climático. Mesmo em condições de clima normal, a população de baixa renda, sofre diariamente, especialmente nos horários das extremas climáticas (máxima e mínima).

“Em população de baixa renda, as condições econômicas muitas vezes não permitem o uso de ar condicionado, ventiladores e aquecedores para regular as condições microclimáticas internas desfavoráveis. Além disso, as construções são precárias, com materiais e técnicas que dificultam o isolamento térmico, deixando essa população mais vulnerável às condições climáticas extremas”. (SILVA e RIBEIRO, 2006).

Para CONFALONIERI (2003), o estudo da vulnerabilidade social e ambiental das populações sujeitas aos efeitos dos impactos climáticos na sua integridade física e bem-estar é de fundamental importância para a orientação de ações preventivas. O IPCC a define como “o grau de suscetibilidade de indivíduos ou sistemas ou de incapacidade de resposta aos efeitos adversos da mudança climática, incluindo-se a variabilidade climática e os eventos extremos” (IPCC, 2001).

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Em estudo financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (CONFALONIERI ET AL., 2005) foi desenvolvida uma metodologia específica para o mapeamento e a quantificação da vulnerabilidade nacional aos impactos do clima. Foi criado um Índice de Vulnerabilidade geral (IVG) para cada Unidade da Federação, para fins comparativos. Este índice foi formado por três componentes ou dimensões principais: socioeconômica, epidemiológica e climática. O componente socioeconômico utilizou indicadores produzidos pelo IBGE, tais como densidade demográfica, urbanização, renda, escolaridade, saneamento básico, taxa de mortalidade infantil, esperança de vida ao nascer e acesso a planos privados de saúde. O componente epidemiológico constou de taxas de incidência e mortalidade por seis doenças infecciosas endêmicas, bem como seus custos financeiros para o sistema de saúde e a disponibilidade de tecnologias para o controle destas condições mórbidas. A dimensão climática constou basicamente de uma avaliação de extremos de precipitação observados nos últimos 40 anos.

Para diversos pesquisadores no Brasil (MENDONÇA, 2000; CONFALONIERI, 2003; CHAGAS E FERNANDA MARQUES, 2007; SOUZA E SANT ANNA NETO, 2007), a vulnerabilidade é resultado da exposição física frente a um perigo natural e sua capacidade de recuperar diante dos impactos negativos de um desastre, sendo, também, as características de um grupo, ou mesmo uma pessoa, em poder se antecipar, resistir e solucionar os impactos, podendo ser eles, os agravados pela influência do clima.

A redução dos impactos causados pela variabilidade climática na população brasileira só pode ser efetuada com o entendimento e a modificação dos fatores de vulnerabilidade social que afetam essas populações em seus contextos geográficos específicos (CONFALONIERI, 2003).

Para RIBEIRO SOBRAL (2005), a urbanização é um dos principais fatores que influencia a relação clima-saúde, e, no entanto, há poucos trabalhos e estudos sobre as alterações climáticas nas áreas tropicais e sua relação com saúde em centros urbanos. Ressalta que a poluição térmica causa doenças cardiovasculares e respiratórias, além de desconforto e stress, atingindo principalmente determinados grupos da população, como crianças (respiratórias), idosos e cardíacos.

Silva (2010), também relata que diversos estudos têm demonstrado a influência do aumento ou diminuição da temperatura em doenças respiratórias e cardiovasculares.

“Em geral as pesquisas utilizam a temperatura do ar e um índice de conforto térmico como parâmetros ambientais de exposição. Os trabalhos mais recentes têm utilizado índices complexos e têm encontrado associação entre esses indicadores complexos e dados de morbidade e mortalidade” (SILVA, 2010).

Perspectivas futuras

Na escala Geológica, o planeta passou por sucessivas alterações climáticas, que desencadearam profundas mudanças geomorfológicas, hidrográficas e biogeográficas. O exemplo mais evidente é o das glaciações e fases interglaciares com efeitos na precipitação e no nível dos oceanos, que ocorreram, sobretudo, no Pleistoceno.

No entanto, os riscos, definidos como probabilidade de ocorrência de um efeito indesejável, de

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desastres naturais aos seres humanos vêm se ampliando por uma série de fatores: -Urbanização: maior aglomeração de pessoas em espaços contíguos-Crescimento demográfico e aumento da densidade humana-Ações humanas que impactam o ambiente natural e sua dinâmica

Segundo o IPCC (2001): As alterações ambientais consequentes às mudanças climáticas podem, nas grandes cidades, afetar a

saúde da população por diferentes mecanismos. Os principais fatores podem ser resumidos assim:Episódios de extremos de temperatura; Episódios de extremos de pluviosidade; Aumento da incidência de doenças infecciosas; Aumento das concentrações de poluentes atmosféricos; Pressão decorrente das migrações de refugiados atmosféricos

A figura 3 ilustra como as mudanças climáticas globais podem afetar a saúde de forma direta e indireta, com mediação de desiquilíbrios sociais, econômicos e demográficos.

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Considerações finais

Os atributos climáticos, entendidos como recursos para vida, formam uma composição integrada ao espaço que os contém. O clima entre outros fatores pode ser um elemento desencadeador na manifestação de determinados agravos à saúde através de seus atributos (a temperatura do ar, umidade, precipitação, pressão atmosférica e ventos), que interfere no bem estar das pessoas. Entretanto, não se pode colocar o clima como o único e nem mesmo como o principal responsável pelo desencadeamento de enfermidades. Deve ser visto na composição de totalidade, que, junto às características físicas, biológicas, econômicas, sociais, psicológicas e culturais, pode se tornar um fator de risco à saúde. Além disso, quando associado a estilos e hábitos de vida pode ser mais um contribuinte para o agravamento de determinadas enfermidades.

Entretanto, há situações socioambientais de especial vulnerabilidade a eventos climáticos extremos, tais como aqueles associados aos fenômenos La Niña e El Niño (Oscilação do Sul), que trazem como conseqüências, principalmente as secas e as tempestades, seguidas de inundações e eventual deslizamento de terra, nas áreas de habitações precárias e, portanto mais vulneráveis. Entretanto o risco não está só nos períodos de episódios extremos, há que ser monitorado no dia a dia cada bairro, e, de preferência até o nível do habitat das populações humanas.

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URBANIZAÇÃO, MEIO AMBIENTE E SAÚDE EM SÃO PAULO

Suzana Pasternak1 e Lucia Maria Machado Bógus2

Resumo

O artigo discute as relações entre a expansão urbana desordenada, a precariedade ambiental e as condições de saúde na Região Metropolitana de São Paulo, na 1ª década de século XXI, a partir das informações do Censo Demográfico e dos registros vitais disponíveis para 2009 e 2010. A análise é realizada com base na metodologia do Observatório das Metrópoles e na categorização dos tipos de município da metrópole de São Paulo. Para o município da capital é utilizada uma divisão territorial em anéis, que permite trabalhar os dados distritais de forma agrupada e estabelecer comparações em âmbito intra-urbano.

A construção da tipologia de municípios foi feita a partir de uma análise fatorial da distribuição da população ocupada e residente nos 39 municípios, de acordo com as categorias sócio-ocupacionais hierarquizadas, e constituiu importante instrumento para a análise das condições de vida e saúde da população, que se distribui de modo desigual pela região metropolitana e usufrui de forma desigual dos equipamentos coletivos e da infra-estrutura urbana.

O texto aborda, também, as relações entre as condições do habitat e de saúde, apontando para as causas do agravamento das condições de vulnerabilidade dos grupos sociais residentes em áreas de risco ambiental ou de grande concentração de pobreza, sobretudo na periferia. A mortalidade infantil e na infância, por tipologia de município apontam, por sua vez, para desigualdades relevantes nas distintas áreas da região metropolitana.

A ocupação urbana descontrolada em áreas de mananciais compromete a qualidade da água da população e aumenta as ilhas de calor, modificando o micro clima e aumentando as precipitações pluviométricas, além de intensificar a erosão. A expansão da área urbanizada, em sinergia com o aquecimento global, provoca grandes precipitações em áreas cada vez maiores da metrópole, ampliando as áreas de risco. Tais ocorrências, aliadas à grande concentração populacional na maior região metropolitana do país, compõem um quadro de possíveis implicações para a saúde humana, incluindo a contaminação da água, seja por ingestão, contato (no caso da leptospirose) ou pela proliferação de vetores (entre os quais a dengue), e provocam o aumento da vulnerabilidade, sobretudo entre crianças e idosos.

Palavras-chave: expansão urbana, vulnerabilidades, áreas de risco, saúde ambiental.

1 Arquiteta, Professora Titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.Vice-coordenadora nacional do Observatório das Metrópoles2 Socióloga, Professora Titular do Departamento de Sociologia da PUC/SP. Coordenadora do Observatório das Metrópoles São Paulo

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URBANIZATION, ENVIRONMENT AND HEALTH IN SÃO PAULO

Abstract

The article discusses the relationship among disordered urban sprawl, environmental precariousness and health conditions in the Metropolitan Region of São Paulo, in the first decade of the 21st century, according to the Census data and vital records available for 2009 and 2010. The analysis is performed based on the methodology of the Observatório das Metrópoles and on the categorization of the types of municipality of the Metropolitan Region of São Paulo. To the capital city of the Metropolitan Region a division of rings is used which allows you to work with the district data in a grouped way and to establish comparisons in an intra urban context. The construction of the typology of municipalities was designed from a factor analysis of the distribution of the working and resident population in 39 municipalities, according to the socio-occupational hierarchy, and it was an important tool for the analysis of living conditions and population health which is unevenly distributed across the metropolitan area and benefits unequally from the community facilities and urban infrastructure. The text also addresses the relationship between habitat and health conditions, pointing to the causes of deterioration of vulnerable social groups living in environmental risk areas or in areas with high concentration of poverty, especially on the periphery. Infant and childhood mortality, by typology of municipality point, in turn, to relevant inequalities in the different areas of the metropolitan region. The uncontrolled urban settlement on fresh water sources sensitive areas compromises the water quality of the population, increases the heat islands, modifying the microclimate and increasing not only rainfall but erosion as well. The urban sprawl area, in synergy with global warming causes increase in rainfall in major growing areas of the metropolis, broadening the risk areas. These events, linked to high population density in the largest metropolitan area in the country, create a scenario of possible implications for public health, including water contamination, either by ingestion, water contact diseases (in case of leptospirosis ) or by the proliferation of vector borne diseases (including dengue fever), causing increased vulnerability, especially among children and the elderly. Keywords: urban sprawl, vulnerability, risk areas, environmental health.

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Introdução

Este artigo aborda as relações entre a expansão urbana desordenada, a precariedade ambiental e as condições de saúde na RMSP na 1ª década de século XXI. Para tanto são utilizadas informações do Censo Demográfico e dos registros vitais disponíveis para 2009 e 2010. A análise será realizada com base na metodologia do Observatório das Metrópoles na categorização dos tipos de município da metrópole de São Paulo. Para o município da capital será utilizada uma divisão territorial em anéis, que permite trabalhar os dados distritais de forma agrupada e estabelecer comparações dentro do tecido intra-urbano.

Caracterização da região metropolitana de São Paulo

A Região Metropolitana de São Paulo, com uma população em torno de 20 milhões de habitantes, é constituída pelo município de São Paulo e mais 38 municípios que se agrupam em torno da Capital do Estado e são por ela polarizados.

Os 39 Municípios que integram a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) representam 3,24% do total do território do Estado, concentrando cerca de 48% da população de todo o Estado.

TABELA 1 - População do município de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo e Estado de São Paulo, 1940 a 2010

ANO MSP RMSP ESP RMSP/ESP MSP/RMSP MSP/ESP

1940 1.326.261 1.568.045 7.180.316 21,84 84,58 18,471950 2.198.096 2.688.901 9.134.423 29,15 81,75 24,061960 3.781.446 4.791.245 36,96 78,92 29,491970 5.929.206 8.139.730 45,8 72,84 33,361980 8.493.226 50,27 67,47 34,041991 9.610.659 49,4 62,53 30,572000 48,28 58,37 28,182010 47,70 56,68 27,30

Fonte: Censos Demográficos de 1940 a 2000; Sinopse Preliminar do Censo de 2010

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TABELA 2 - Taxas geométricas de crescimento anual - Município de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo e Estado de São Paulo

Anos

Município de São Paulo

Região Estado de São Paulo

1940-1950 5,18 5,54 2,441950-1960 5,58 5,95 3,451960-1970 4,79 5,44 3,321970-1980 3,66 4,42 3,451980-1991 1,13 1,86 2,121991-2000 0,92 1,66 1,782000-2010 0,76 0,96 1,08

Fonte: Censos Demográficos de 1940 a 2000; Sinopse Preliminar do Censo de 2010

O período de maior expansão da região metropolitana paulista estendeu-se do final da 2ª, Guerra Mundial ao inicio dos anos 60. Esse período coincidiu com uma grande aceleração do processo de localização industrial na área vinculado, principalmente, às rodovias recém abertas, dando origem a novas áreas de concentração de estabelecimentos industriais como novos elementos da estrutura urbana metropolitana.

A partir dos anos 1960, registrou-se o grande desenvolvimento da indústria automobilística, reforçando a concentração industrial ao longo da Via Anchieta nos municípios da região do ABC (Santo André, São Bernardo e São Caetano). Esse processo evolutivo acentuou a extensão de áreas ocupadas pelos usos urbanos, na medida em que o crescimento das atividades secundárias demandou o surgimento de vários tipos de serviços com a alocação de maior espaço para os estabelecimentos industriais e comerciais. As taxas de crescimento populacional, apresentadas na tabela 2 expressam a feição demográfica da dinâmica metropolitana, que acompanhou a sua expansão econômica e atraiu migrantes de várias partes do país e do mundo. Em que pese a redução dessas taxas em período recente, sobretudo no município de São Paulo, os municípios do entorno metropolitano continuam a apresentar taxas positivas, que ao lado das taxas observadas para o estado como um todo, expressam o dinamismo e a transformação econômica da região, em suas relações com os municípios do entorno e do interior.

O crescimento e diversificação das atividades econômicas foi acompanhado pela elevada taxa de urbanização da população – hoje da ordem de 98% - e pela extensão da área urbanizada. Essa situação faz com que toda a região se polarize de forma extremamente acentuada em torno de área urbana e das atividades desenvolvidas na maior região metropolitana nacional.

Neste artigo serão utilizados os procedimentos para a análise da estrutura social da Região Metropolitana de São Paulo e seu rebatimento no espaço das cidades, com base em informações censitárias georeferenciadas,

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para o período 1991-2000, conforme metodologia desenvolvida no Observatório das Metrópoles3. No que diz respeito à construção de uma tipologia de municípios para a Região Metropolitana de São

Paulo, tendo em vista analisar as formas e as condições de inserção da população na maior área metropolitana brasileira, foi realizada uma análise fatorial da distribuição da população ocupada residente nos 39 municípios, de acordo com as categorias sócio-ocupacionais.

A variável síntese “categoria sócio-ocupacional” constitui um sistema de hierarquização social obtido a partir da combinação das variáveis censitárias renda, ocupação e escolaridade , fornecendo uma proxy da estrutura social. Como resultado chegou-se a uma estrutura sócio-ocupacional composta de 8 grandes categorias (CATs) agrupadas segundo a presença simultânea de certas características quanto à ocupação, escolaridade, renda, posição na ocupação e ramo de produção/atividade. São elas:

1) elite dirigente – formada principalmente por empresários, dirigentes do setor público e dirigentes do setor privado.

2) elite intelectual –formada por profissionais liberais de nível superior, professores universitários e trabalhadores por conta própria de nível superior.

3) pequena burguesia – constituída principalmente por pequenos empregadores e comerciantes por conta própria.

4) camadas médias – constituída, entre outros, por trabalhadores em atividades de supervisão, técnicos e artistas, trabalhadores das áreas de saúde e educação, segurança pública, justiça e correios.

5) operariado secundário – inclui operários da indústria moderna, da indústria tradicional e da construção civil.

6) operariado terciário – constituído por prestadores de serviços, trabalhadores do comércio e trabalhadores autônomos em ocupações manuais com capacitação específica.

7) trabalhadores da sobrevivência – inclui ambulantes, empregados domésticos e biscateiros (Trabalhadores eventuais do setor informal da economia).

8) trabalhadores agrícolas – formada por todas as ocupações agrícolas com renda abaixo de 20 salários mínimos.

Maior detalhamento acerca das categorias sócio-ocupacionais pode ser encontrado em PASTERNAK, S. e L. BÓGUS 19984.

3 O Observatório das Metrópoles é uma instituição em rede que desenvolve estudos e pesquisas que contribuem teórica e metodologi-camente para os debates sobre os impactos sociais produzidos pelas transformações econômicas que vêm ocorrendo no Brasil, desde meados de 1980. A metodologia desenvolvida pelo Observatório das Metrópoles permite realizar análises comparativas entre as regiões metropolitanas bra-sileiras com o uso da mesma base de dados e de informações georeferenciadas. As análises apresentadas nesse texto são resultado de um conjunto de trabalhos realizados pelas autoras a partir da pesquisa “Metrópole, desigualdade sócio-ocupacional e governança urbana: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte” (1998) – Pronex/CNPq. Para mais informações consultar: www.observatoriodasmetropoles.net 4 A variável ocupação foi construída a partir de 400 diferentes tipos de ocupação utilizados pelo IBGE e as categorias sócio-ocupacionais (CATs) constituíram o ponto de partida para a classificação dos tipos de área, através da realização de análise fatorial por correspondência binária. No que se refere à classificação ocupacional, foram utilizadas as informações fornecidas pelo IBGE para os anos de 1980 e 1991. A mudança na forma de classificação das ocupações para o censo de 2000 introduziu uma dificuldade comparativa, que foi superada com alguns ajustes e compatibilizações. Em 2000 modificaram-se os critérios de classificação das ocupações, introduzindo-se o uso da CBO (Classificação Brasileira de Ocupações). Além disso foi também modificado o critério temporal: em 1991 entendia-se por ocupação o exercício de cargo ou função, em-prego, profissão, etc, exercidos durante a maior parte dos doze meses anteriores à data de referência do censo; em 2000 este intervalo temporal foi reduzido para sete dias. A realização dos ajustes necessários possibilitou a utilização da mesma metodologia para a construção de tipologias para 1991 e 2000.

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A análise fatorial, realizada para 38 municípios da periferia da Região Metropolitana de São Paulo em 1991 e 39 municípios em 2000 resultou em dois eixos: o primeiro eixo opõe estratos superiores e médios a operários e trabalhadores da sobrevivência, exprimindo as relações de poder expressas pela qualificação profissional. O segundo eixo exprime a oposição entre trabalho qualificado e não qualificado, colocando de um lado as ocupações que requerem algum tipo de treinamento e de outro, as de baixa qualificação e que quase não necessitam de adestramento, como construção civil, serviços domésticos, ambulantes, biscateiros.

A partir desses eixos foram estabelecidos, para a região metropolitana de São Paulo, os clusters que resultaram em 5 grandes aglomerados ou tipos de município:

1) municípios de tipo popular - concentram grande proporção de trabalhadores da sobrevivência e da construção civil. Esses municípios apresentaram, tanto em 1991 quanto em 2000, uma distribuição bastante semelhante das categorias sócio-ocupacionais e das suas densidades relativas, sendo a maior densidade para os dois períodos a dos trabalhadores da sobrevivência. Pertencem ao tipo popular os municípios de Arujá, Cotia, Embu-Guaçu, Guararema, Itapecerica da Serra, Juquitiba, Mairiporã, Mogi das Cruzes, Pirapora do Bom Jesus (apenas em 1991), Santa Isabel, Santana do Parnaíba, São Lourenço (apenas em 2000), Suzano e Vargem Grande Paulista.

2) municípios de tipo agrícola – são aqueles com forte presença de trabalhadores agrícolas. Tal como no caso anterior a similaridade das distribuições de 1991 e 2000 permite estabelecer a mesma tipologia para os dois anos considerados. Os municípios agrícolas de Biritiba Mirim e Salesópolis se distiguem pela alta porcentagem de trabalhadores agrícolas residentes: 35,2% em 1991 e 16,7% em 2000. Também é significativa a presença nesses municípios de trabalhadores da sobrevivência,

3) municípios operários da industria tradicional – este tipo reúne os municípios de residência operária, sobretudo de operários da indústria tradicional e de serviços e que apresentaram, no ano 2000, presença acentuada do proletariado terciário, do proletariado secundário e de trabalhadores da sobrevivência. Dentre os 18,4% dos ocupados que pertenciam ao operariado secundário em 2000 3,4% eram da indústria tradicional e 5,9% da construção civil. De outro lado, 7,8% eram trabalhadores da sobrevivência. Assim, cerca de 17% da população ocupada residente no cluster era composta de operários tradicionais, operários da construção civil e trabalhadores da sobrevivência. Em 1991, os municípios de tipo operário tradicional possuíam 31% da sua população ocupada no proletariado secundário. Fazem parte deste tipo os seguintes municípios, em 1991: Cajamar, Carapicuiba, Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Franco da Rocha, Itapevi, Itaquaquecetuba e Jandira. Em 2000, aos municípios de Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Itapevi, Itaquaquecetuba e Jandira somaram-se Pirapora do Bom Jesus e Santa Isabel que pertenciam ao tipo popular em 1991, Poá e Rio

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Grande da Serra que pertenciam ao tipo operário moderno em 1991. 4) municípios operários da industria moderna - reúnem, no ano 2000, municípios com percentuais

elevados de trabalhadores residentes do proletariado secundário , sobretudo da indústria moderna e com presença expressiva de trabalhadores de serviços auxiliares. Faziam parte deste tipo, em 1991, os municípios de: Barueri, Caieiras, Diadema, Guarulhos, Mauá, Poá, Osasco, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Taboão da Serra. Em 2000, Poá e Rio Grande da Serra passaram a fazer parte dos municípios do tipo operário tradicional, devido a alterações no perfil de sua população ocupada residente. Por outro lado, passaram a fazer parte do grupo os municípios de Cajamar e Carapicuíba, antes pertencentes ao tipo operário tradicional, também em razão das características de sua população residente, segundo a categoria sócio-ocupacional.

5) municípios da elite industrial - esses municípios apresentam , tanto em 1991 quanto em 2000, percentuais elevados de residentes da elite intelectual e da elite dirigente. Distinguem-se também pela presença elevada da pequena burguesia. Embora a presença do operariado secundário seja pequena, ela é expressiva para os trabalhadores da indústria moderna, tanto em 1991 como em 2000. Fazem parte deste tipo, em 1991, os municípios de: Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, que constituíram o berço da indústria metalúrgica, automobilística e metal-mecânica do Estado de São Paulo. A esses municípios incorporou-se em 2000 Santana do Parnaíba, importante área de expansão de serviços ligados à indústria e onde se localizam os maiores condomínios horizontais de alta renda, para residência de empresários e profissionais pertencentes às elites dirigente e intelectual.

A etapa posterior de análise classifica os municípios em 6 sub-conjuntos, conforme o quadro 1 e o mapa a seguir:

QUADRO 1TIPOLOGIA DOS MUNICÍPIOS DA GRANDE SÃO PAULO

TIPOS DE ÁREA MUNICÍPIOSAGRÍCOLA Biritiba Mirim, SalesópolisPOPULAR Arujá, Cotia, Embu Guaçu, Guararema,

Itapecerica, Juquitiba, Mairiporã, Mogi das Cruzes, São Lourenço da Serra, Suzano, Vargem Grande

OPERÁRIO TRADICIONAL Embu, Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Franco da Rocha, Itapevi, Itaquaquecetuba, Jandira, Pirapora do Bom Jesus, Poá, Rio Grande da Serra, Santa Isabel

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OPERÁRIO MODERNO Barueri, Caieiras, Cajamar, Carapicuíba, Diadema, Guarulhos, Mauá, Osasco, Ribeirão Pires, Taboão da Serra

ELITE INDUSTRIAL Santo André, São Bernardo, São Caetano, Santana do Parnaíba

MUNICÍPIO POLO São Paulo

MAPA

A tabela 3 mostra que a tipologia de conjunto de municípios que mais cresceu no período 2000-2010 foi o chamado popular, onde residem majoritariamente trabalhadores do terciário não especializado e operários da construção civil, justamente as parcelas mais pobres e mais vulneráveis entre os residentes da metrópole. Na década de 90, o maior crescimento ocorreu entre os municípios classificados no tipo operário tradicional. Ou seja, é sempre na periferia da metrópole, onde os preços da terra são menores, onde os trabalhadores mais desassistidos vão se alocar. No item 3 vai-se notar que as piores condições sanitárias e de saúde se apresentam, justamente, neste tipo de município.

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TABELA 3 - taxas de crescimento populacional por tipo de município, Região Metropolitana de São Paulo, 1991 a 2010

tipo de município

população total taxas

1991 2000 20101991-2000

2000-2010

Abrícola 29.192 39.010 44.210 3,27 1,26%Popular 800.249 1.107.060 1.334.204 3,67 1,88%operário tradicional 909.340 1.308.109 1.541.668 4,12 1,66%operário moderno 2.688.810 3.422.777 3.810.444 2,72 1,08%elite industrial 1.371.165 1.567.465 1.699.946 1,5 0,81%Pólo 9.646.185 10.435.546 11.253.503 0,88 0,76% RMSP 15.446.932 17.881.997 19.683.975 1,64 0,96%

Fonte: IBGE Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010

São Paulo: uma Cidade Segregada

O município pólo – São Paulo- mereceu aqui uma análise mais detalhada, até mesmo por seu peso populacional, sem falar na sua importância, tanto social como econômica. Apresenta também um detalhamento de informações sobre condições sanitárias e de saúde.

A Cidade de São Paulo expandiu-se com base em uma lógica segregadora desde o início do século XX. A emergência de uma economia industrial é fator crucial para o entendimento histórico dessa lógica, voltada ao alojamento dos trabalhadores estrangeiros, num momento inicial e de trabalhadores nacionais, oriundos das áreas rurais, sobretudo a partir dos anos 1950. Naquele momento a população da cidade atingiu 2.198.096 habitantes, com taxa de crescimento, entre 1940 e 1950, de 5,25% ao ano. Estima-se que o componente migratório foi responsável por 76% do incremento populacional na década de 1940-50.

Entre 1950 e 1960 a população paulistana cresceu para 3.713.865 residentes. Nesta data o que se denomina de anel periférico agregava uma população ainda reduzida, menos de 11% do total municipal, enquanto cerca de 20% dos moradores residiam no centro expandido (anéis central e interior). A divisão do tecido urbano em 5 anéis seguiu metodologia proposta por Pasternak Taschner (1990). A construção dos anéis privilegiou a variável demográfica, considerando a proporção de população jovem (com até 15 anos de idade) sobre a população total em 1970. Agruparam-se os então sub-distritos e distritos componentes do município em 5 conjuntos: o anel central, com unidades territoriais em torno de 15% de população com menos de 15 anos, o anel interior, com cerca de 20% de população com menos de 15 anos, o anel intermediário, com quase 30% da população considerada jovem, o anel exterior, com 35% e o anel periférico, com distritos com cerca de 40% da população entre 0 e 15 anos5

5 Em 1991 o IBGG usou nova divisão da trama urbana, passando de 56 distritos e sub-distritos para 96 distritos.Como já se tinha alguns trabalhos com a divisão anterior, e esta se provou bastante útil analiticamente, para fins de comparação achou-se interessante continuar com unidades territoriais equivalentes. Para isso comparou-se o desenho dos anéis de 1970-80 com o mapa base de 1991, procurando-se manter o traçado anterior e compatibilizando-o com o novos distritos: São componentes do

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Na década seguinte a população da cidade apresentou crescimento explosivo, com taxa de 4,70% ao ano. Este crescimento foi também devido à grande migração interna (61% do incremento foi migratório). Estas duas décadas foram marcadas pela expansão do tecido urbano em direção ao que pode ser chamado o anel periférico: entre 1960 e 1970 a taxa de crescimento do anel periférico foi de 12,81% anuais, enquanto o centro expandido cresceu, no mesmo período, menos de 1%. É na periferia sem infra-estrutura física e social que se alocam os migrantes pobres recém chegados à cidade. Moradores pobres são impelidos para regiões cada vez mais distantes do centro histórico, tanto para o entorno da capital como para as cidades limítrofes.

A expansão periférica da cidade acentuou-se principalmente a partir dos anos 1970. As taxas totais de crescimento demográfico do município decresceram a partir da década de 70, quando atingiram 3,66% ao ano, caindo para 1,13% anuais nos anos 80, 0,92% nos anos 90 e 0,76% entre 2000 e 2010. Até o ano 2000, este crescimento continuou essencialmente periférico. Nos anos 80, os três anéis centrais perderam cerca de 250 mil residentes. Entre 1991 e 2000 esta perda atingiu 265 mil moradores. De outro lado, o anel periférico ganhou 1,4 milhão entre 1970 e 1980, 1,1 milhão entre 1980 e 1991 e 1,05 milhão entre 1991 e 2000. E esta periferia era, fundamentalmente, lócus da pobreza, lugar sem equipamento, urbanização sem cidade. A renda média do responsável pelo domicílio na periferia em 2000 era 2 vezes menor que a renda média do anel mais rico (anel interior). A proporção de chefes de família que ganhavam até 1 salário mínimo mensal em 2000 é de quase 6% , e a de chefes com até 2 salários mínimos alcança 24%. Em relação à categoria sócioocupacional, é na periferia onde residem os ocupados classificados nos pontos mais baixos da hierarquia: 7% dos ocupados pertencem aos trabalhadores do terciário não especializado e 27% aos trabalhadores do secundário. Apenas 2,7% são profissionais de nível superior e menos de 1% pertence à elite dirigente. Como comparação, no anel interior 10% dos moradores pertenciam à elite dirigente em 2000 e 22,5% eram profissionais de nível superior, enquanto apenas 3% dos moradores pertenciam aos trabalhadores do terciário não especializado e 5,6% eram trabalhadores do secundário. Há uma diferença notável entre a renda e a ocupação dos moradores do centro expandido e da periferia.

A população do município de São Paulo em 2010 atingiu 11.253.503 habitantes. Na primeira década do século XXI o centro de São Paulo inverteu a tendência de queda das décadas anteriores: enquanto a população da cidade cresceu a uma taxa de 0,76%, as dos anéis centrais e interiores cresceram a taxas de 1,24% e 1,05%. Se os três anéis centrais tinham perdido 265 mil moradores nos anos 90, na primeira década de 2000 ganharam 216 mil. Boa infra-estrutura, facilidade de transporte e rede de serviços adequada foram redescobertos por quem escolheu morar em distritos centrais como Sé, República, Santa Cecília ou Bela Vista. Entre os distritos do anel central, apenas Consolação, distrito de alto poder aquisitivo, cresceu menos que a média da cidade - anel central (6): Bela Vista, Consolação, Liberdade, República, Santa Cecília e Sé- anel interior (11): Barra Funda, Belém, Bom Retiro , Brás, Cambuci, Jardim Paulista, Moóca, Pari, Perdizes, Pinheiros e Vila Mariana- anel intermediário (15): Água Rasa, Alto de Pinheiros, Campo Belo, Carrão, Cursino, Moema, Ipiranga, Itaim Bibi, Lapa, Penha, Sacomã, Saúde, Tatuapé, Vila Guilherme e Vila Leopoldina- anel exterior (28) – Aricanduva, Butantã, Cachoeirinha, Cangaíba, Casa Verde, Cidade Ademar, Freguesia do Ó, Jabaquara, Jaçanã, Jaguara, Jaguaré,Limão, Mandaqui, Morumbi, Pirituba,, Rio Pequeno, Santana, São Lucas, Sapopemba, Tremembé, Tucuruvi, Vila Formosa, Vila Maria, Vial Matilde, Vila Medeiros, Vila Prudente, Vila Sônia e São Domingos- anel periférico (36): Anhanguera, Artur Alvim, Brasilândia, Campo Grande, Campo Limpo, Capão Redondo, Cidade Dutra, Cidade Lider, Cidade Tiradentes, Ermelino Matarazzo, Grajaú, Guaianazes, Iguatemi, Itaim Paulista, Itaquera, Jaraguá, Jardim Ângela, Jardim Helena, Jardim São Luis, José Bonifácio, Marsillac, Parelheiros, Parque do Carmo, Pedreira, Perus, Ponte Rasa, Raposo Tavares, Santo Amaro, São Mateus, São Miguel, São Rafael, Socorro, Vila Andrade, Vila Curuçá, Vila jacuí e Lajeado.

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como um todo. TABELA 4 - Município de São Paulo: taxas geométricas anuais de crescimento populacional

taxasANEL 60-70 70-80 80-91 91-2000 2000-2010central 0,69 2,23 -0,94 -2,05 1,24interior 0,08 1,26 -1,17 -1,78 1,05intermediário 2,79 1,28 0,71 -0,79 0,81exterior 5,52 3,13 0,83 0,13 0,33periférico 12,81 7,39 3,05 2,71 0,96TOTAL 4,70 3,66 1,13 0,92 0,76

Fonte: Censos Demográficos de 1960, 70 ,80 ,91, 2000 e 2010

Tomando em consideração a localização das categorias sócio ocupacionais (proxy da situação de classe social, conforme metodologia do Observatório das Metrópoles), a estrutura sócio –espacial da capital apresenta-se bem caracterizada: entre suas 456 áreas de pesquisa (AEDs, áreas de expansão demográfica), 64% são médias e/ou superiores: em 1991 33% eram superiores e 31% médias; já em 2000 as áreas de tipo média representavam 37% do total e as superiores, 27%. Denominam-se áreas superiores aquelas onde o peso relativo das categorias superiores (elite dirigente e profissionais de nível superior) é sensivelmente maior que na média da cidade como um todo, mostrando grande concentração dessas categorias no grupo tipológico, que compreende praticamente todo o centro expandido, na área delimitada pelos rios Tietê e Pinheiros. Nas áreas médias o peso relativo das categorias médias é superior ao do município como um todo. Circundam as áreas superiores, deslocando, em 2000, antigas áreas operárias. Entre 1991 e 2000 a predominância das áreas na capital mudou de operárias para médias: em 1991 22% das áreas de estudo eram operárias, enquanto que em 2000 este percentual diminuiu para 18%. Antigas áreas operárias a leste da capital, como Vila Prudente, Sacomã e Cursino, transformaram-se em áreas médias em 2000, assim como no sul (Jabaquara, Pedreira, Cidade Dutra, São Luis, Capão Redondo, Campo Limpo) e no extremo leste (Sapopemba e Cidade Lider). De outro lado, a extrema periferia continua com maioria de áreas populares, com peso relativo alto de operários da construção civil e de trabalhadores do terciário não especializado. Percebe-se que a cidade apresentava, até 2000, um perfil típico de “mancha de óleo”, onde os tipos superiores se localizam em áreas mais centrais, circundados por tipos hierarquicamente inferiores; primeiro os médios, depois os operários e por fim os populares.

Meio ambiente e saúde na metrópole

Em 1940, cerca de 30% dos brasileiros viviam em cidades, índice que subiu para 85% em 2010. A Região Metropolitana de São Paulo, como já foi colocado, apresenta hoje uma concentração populacional de quase 20 milhões de moradores.

Esta população se distribui de forma bastante desigual no território de 8.051 km2. A maior concentração está no município de São Paulo, que abriga mais de 57%% numa área de 1.051 km2. Além disso, o município

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de Guarulhos tem mais de 1 milhão de habitantes, Osasco, Santo André e São Bernardo do Campo têm, cada um, mais de 500 mil moradores e Mauá possui quase este número de residentes. A região conta com cerca de 40 mil indústrias e quase 7 milhões de veiculos particulares. Esta densa urbanização constitui importante fonte de calor. Segundo Nobre et Al (2010), as partes mais densas da metrópole costumam ser mais quentes, a temperatura diminuindo `a medida que a densidade decresce. Os poluentes são mais ativos em áreas mais densas e quentes, tanto material particulado, como ozônio (O3) e dióxido de carbono (CO2). A área central do município, por exemplo, com edifícios altos e próximos e ruas estreitas, intensa pavimentação, vias sem vegetação e arborização, forma uma enorme ilha de calor, dificultando a dispersão de poluentes em dias de inversão térmica.

Cerca de 6,75% dos seus domicílios se situavam em favelas, segundo dados do IBGE de 2000. As cidades de São Paulo, Guarulhos, Osasco e Diadema possuíam, em 2000, 938 favelas, cerca de ¼ das favelas do país. “A proporção de domicílios favelados na região metropolitana aumentou entre 1991 e 2000, tanto na capital como nos municípios periféricos. A taxa de crescimento das casas faveladas nos municípios periféricos (outros que não o pólo) foi quase o dobro da capital, mostrando que a favelização está se espalhando na região metropolitana. Não apenas a população da periferia da metrópole cresce mais que a da capital, como também as favelas dos municípios periféricos crescem mais que as favelas da capital.” (Pasternak, 2006: 186).

De outro lado, as condições de infra-estrutura dos domicílios metropolitanos, quando comparados com os dados para o Brasil, mostram uma situação razoável em 2010: para a metrópole como um todo, 97,22% dos domicílios eram servidos por rede de água, 99,95% possuíam sanitário individual, entre estes 88,55% ligados à rede pública de esgotos, e 99,49% das casas eram servidas por serviços de coleta de lixo.

Esta distribuição de equipamentos básicos de infra-estrutura, no entanto, não é homogênea. Utilizando a classificação dos municípios por tipologia, a tabela 4 mostra que há diferenças sensíveis no usufruto da água potável e da rede de esgotamento sanitário entre os diferentes tipos de áreas. Assim, os municípios dos tipos agrícola e popular apresentavam proporções menores que 90% em relação ao abastecimento de água, e os municípios da tipologia agrícola, popular e operário tradicional têm situação preocupante em relação ao destino dos dejetos. E é justamente nestes municípios onde residem as parcelas mais pobres da população metropolitana

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TABELA 5 - Proporção de domicílios servidos por equipamento de infra-estrutura, por tipologia de municípios, 2010

tipo de municípiorede de água

rede de esgoto

lixo coletado por serviço de limpeza

agrícola 64,60 58,46 91,19popular 87,32 61,26 94,28operário tradicional 96,03 72,70 95,14operário moderno 98,22 87,23 95,10 elite industrial 97,87 89,57 91,81polo 99,09 91,90 95,09RMSP 97,22 88,85 94,60

Fonte: IBGE, dados censitários de 2010.

Já são bastante conhecidas no meio técnico e acadêmico as relações entre as condições do habitat e de saúde. O aumento do adensamento de moradores em habitações precárias incide no incremento de doenças respiratórias, sobretudo em crianças e idosos, parcelas mais vulneráveis. A falta de saneamento básico incide em doenças infecciosas e parasitárias. A população mais pobre acaba por ocupar favelas e loteamentos irregulares, em locais insalubres, como margens de córregos, áreas cm alta declividade, áreas perto de lixões, áreas de preservação de mananciais, aumentando ainda mais sua situação vulnerável. A mortalidade infantil e a na infância, por tipologia de município, mostram desigualdades relevantes nas distintas regiões. Embora a mortalidade na infância tenha decrescido mais de 40% no estado de São Paulo nos últimos 20 anos, passando de 35,4 por mil nascidos vivos para 14,5 por mil nascidos vivos, ainda persistem diferenças importantes, mesmo dentro da Região Metropolitana: pela tabela 6, nota-se que nos municípios agrícolas, populares e operários tradicionais os índices são superiores aos da metrópole como um todo e aos do estado. Insistindo, é nestes espaços da metrópole que residem os mais pobres e onde as condições de infra-estrutura são as mais precárias. E as condições precárias vão incidir também nas taxas de mortalidade perinatal (natimortos mais óbitos perinatais por mil nascidos vivos). A taxa de mortalidade na infância nos municípios agrícolas atinge 18 mortes para cada 1000 nascidos vivos, enquanto que no anel interior do município de São Paulo, onde residem majoritariamente os dirigentes e os profissionais de nível superior, em 2009 a taxa de mortalidade na infância era de 8,8 mortes para cada 1000 nascidos vivos, menos que a metade que nos municípios de tipo agrícola. Mesmo nos municípios populares a taxa de 16,37 é duas vezes maior que a registrada no anel central. As taxas de natimortalidade nos anéis mais centrais no tecido urbano da capital são menores que 5 por mil, e as taxas de mortalidade perinatal são cerca de 9 por mil nascidos vivos, bem menores que as apresentadas pelos municípios do tipo popular e operário tradicional, mostrando que o atendimento pré natal e ao parto são também desiguais. “Chamam a atenção as iniqüidades- desigualdades injustas e evitáveis- que caracterizam a metrópole” (Maricato, Ogura e Comaru: 63)

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TABELA 6 - Mortalidade infantil, na infância, natimortalidade e mortalidade perinatal, por tipologia de município, 2009

tipo de município

taxasna infância natimortalidade

agrícola 11,52 18,09 5,1 7,7popular 14,06 16,37 9,2 15,8operário tradicional 14,46 16,83 8,2 14,8operário moderno 12,02 14,06 7,5 13,0 elite industrial 12,34 14,11 7,3 12,9polo 11,94 13,84 7,2 12,7RMSP 12,30 14,30 7,4 13,1ESP 12,50 14,50 7,7 13,8

Fonte: Fundação Seade. Mortalidade infantil óbitos de menores de um ano por mil nascidos vivos; mortalidade na infância: óbitos de menores de 5 anos por 1000 nascidos vivos; natimortalidade: nascidos mortos por mil nascidos vivos; mortalidade perinatal: nascidos mortos + óbitos neo natais precoces pro 1000 nascidos vivos

Uma rápida avaliação das principais causas de mortes infantis (até 1 anos de idade) mostra a importância relativa das doenças respiratórias e das doenças infecciosas e parasitárias na composição da mortalidade infantil nas diferentes tipologias de município da metrópole: as doenças respiratórias apresentam proporção de óbitos maior nos municípios do tipo popular e operário tradicional.Nos populares, as doenças respiratórias são causa de 9,30% dos óbitos,enquanto nos operários tradicionais, de quase 8%. Chama a atenção que a proporção deste tipo de óbito é menor no estado (5,35%) que na metrópole (6,65%) e no município da capital (6,45%). Desnutrição, qualidade do ar, bronquites alérgicas que se agravam para pneumonias, na metrópole poluída? Fica a questão.

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TABELA 7 - Proporção de óbitos infantis, por algumas causas de óbito, 2009

municípios da RMSP, por tipo Total

Afecções Originadas no

Período Perinatal

Malformações Congênitas,

Deformidades e Anom. Crom.

Doenças do Aparelho

Respiratório

Doenças Infecciosas e Parasitárias

popular 301 53,16% 21,93% 9,30% 5,32%operário tradicional 377 53,05% 18,57% 7,96% 5,04%operário moderno 703 56,61% 22,62% 5,97% 4,55%elite industrial 357 53,78% 25,77% 5,60% 5,88%polo 2.072 56,19% 20,46% 6,45% 5,83%Região Metropolitana 3819 55,49% 21,26% 6,65% 5,50%Estado de São Paulo 7475 56,66% 21,86% 5,35% 5,14%

Fonte: Fundação Seade

A Região Metropolitana de São Paulo tem sido palco de inúmeras tragédias, por deslizamento de encostas, inundações, epidemias como de dengue, etc. Lançamento de lixo, ações antrópicas de ocupação de terras não adequadas, como topos de morros, áreas de alta declividade, encostas de córregos, modificam os terrenos, deixando-os suscetíveis à erosão, assoreamento, deslizamentos, inundações. A ocupação crescente de municípios periféricos, sobretudo onde a terra é mais barata, como nos populares e operários tradicionais, faz com que parcelas pobres da população metropolitana vivam de forma precária, o que se traduz numa piora da saúde e no aumento da mortalidade. Condições de moradia ruins, infra-estrutura deficiente, aumento do tempo de transporte para o trabalho, falta de equipamentos sociais traduzem-se em aumento da mortalidade, da morbidade, da violência. A ocupação urbana descontrolada em áreas de mananciais compromete a qualidade da água da população e aumenta as ilhas de calor, modificando o micro clima e aumentando as precipitações pluviométricas, além de intensificar a erosão. E é nestes municípios, do tipo popular e operário tradicional, onde o crescimento demográfico é mais acentuado e onde a estrutura etária apresenta-se mais jovem: cerca de 30% dos moradores tinha menos de 15 anos, em 2000 (Pasternak, 2009).

A metrópole de São Paulo já sofre em todo o verão com as enchentes. Segundo Nobre et al (2010) poderá sofrer um aumento do número de dias com fortes chuvas até o final do século. “Estudos preliminares sugerem que, entre 2070 e 2100, uma elevação média na temperatura da região de 2ºC a 3ºC poderá dobrar o número de dias com chuvas intensas (acima de 10 milímetros) na capital paulista.” (Nobre et al, 2010: 11). Chuvas acima de 50 milímetros, raras antes da década de 1950, ultimamente têm ocorrido até cinco vezes por ano na cidade de São Paulo. E a expansão da área urbanizada, em sinergia com o aquecimento global, projeta grandes precipitações em áreas cada vez maiores da Região Metropolitana, ampliando as áreas de risco.

Além do município de São Paulo, os demais municípios que apresentam vulnerabilidade para acidentes de escorregamento são, segundo Nobre et al:

Entre os municípios do tipo popular, os mais vulneráveis em termos sociais: ao norte, Mairiporã; ao sul,

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Embu-Guaçu e Juquitiba; a oeste, Itapecerica da Serra e Cotia; a leste, GauraremaEntre os municípios do tipo operário tradicional, que agregam residentes ainda com grande grau de

vulnerabilidade: ao norte, Francisco Morato, Franco da Rocha; ao sul, Rio Grande da Serra; a oeste, Itapevi, Jandira; a leste, Ferraz de Vasconcelos

Entre os municípios do tipo operário moderno, com uma população socialmente menos vulnerável que os anteriores: a leste, Guarulhos; ao norte, Caieiras; a sudeste, Mauá, Ribeirão Pires e Diadema; a oeste, Osasco, Carapicuiba, Taboão da Serra

Entre os municípios da chamada elite industrial; a oeste, Santana do Parnaíba; a leste, São Bernardo, Santo André e Diadema

Nobre et al, numa tentativa de visualizar desastres ambientais num futuro próximo, criaram um modelo de expansão urbana para a região metropolitana de São Paulo em 2030, que permitiria identificar as possíveis áreas que teriam ocupação se o atual modelo se expandisse sem nenhuma alteração. Este modelo foi depois integrado com um modelo de declividade, visando identificar as futuras áreas de risco. O que se observou foi que a atual mancha urbana da capital sofrerá pouca alteração, já que sua expansão máxima foi quase atingida. De outro lado, as áreas do entorno seriam ocupadas exercendo forte pressão sobre os recursos naturais existentes. Segundo estes autores, “aproximadamente 11,17% das áreas de expansão em 2030 poderão se constituir em novas áreas de risco de deslizamentos.” (Nobre et al. 2010: 24).

Toda esta ocupação e erosão dos recursos naturais, que aliam mudanças climáticas, ilhas de calor, poluição atmosférica por excesso de veículos, agravados pela grande concentração populacional na RMSP, trazem um cenário de sérias implicações para a saúde humana: contaminação da água, por ingestão, contato (no caso da leptospirose) ou pela proliferação dede vetores (entre os quais a dengue). A chuva excessiva carrega dejetos para os reservatórios de água potável. O excesso de umidade causa fungos, responsáveis por afecções respiratórias. Episódios extremos de temperatura comprometem a saúde de crianças e idosos.

Meio ambiente, clima e saúde no município de São Paulo

O Município de São Paulo, até o início do milênio, apresentava um padrão de crescimento nitidamente periférico, com a população pobre se alocando nas franjas urbanas e, não raro, ultrapassando as fronteiras da capital e indo residir nos municípios limítrofes, como já foi explicitado no item 3 do presente texto. Desde 1980 notava-se perda populacional nas áreas centrais (Tabela 4). Entre 1980 e 1991 os 3 anéis mais centrais já apresentavam perda de 253 mil moradores, perda esta que cresceu para 265 mil entre 1991 e 2000. Na primeira década do século XXI esta tendência se inverte, com ganho de 216 mil residentes nos anéis central, interior e intermediário. O anel periférico, que na década de 90 fora responsável por todo o crescimento populacional do município, e na década de 80 por 97% deste crescimento, agora continua com crescimento, porém menos vigoroso, responsabilizando-se por “apenas” 60% do incremento municipal (o que fornece um total nada desprezível de 492 mil habitantes, mas menor que entre 1991 e 2000, quando o crescimento do anel periférico ultrapassava 1 milhão de pessoas).

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Alguns reflexos começam a aparecer, com a diminuição de imóveis vagos, de um lado, e mudanças no padrão de mortalidade, de outro.

O anel central, denso, pavimentado, forma uma ilha urbana de calor, como já foi dito. Por outro lado, a ocupação dos vales dos rios Tietê, Tamanduateí e Pinheiros hoje se assemelham a grandes bacias aquecidas (Nobre et al, 2010), produtoras de poluentes orgânicos, com cursos d’água conduzindo dejetos orgânicos e industriais e poluentes atmosféricos, resultantes de um grande volume de tráfico pesado. A expansão urbana na direção do vetor leste produziu bairros com densidade demográfica bastante alta, e sem nenhuma área verde. A parte leste dos anéis intermediário e exterior é um mar cinzento, de tijolos de concreto e lajes prel, o que se reflete em temperaturas elevadas e em inundações freqüentes no verão. Já em bairros mais ao sul, como Cidade Jardim e Morumbi, a vegetação urbana torna o microclima mais ameno. As árvores tendem também a remover parte do material particulado e do monóxido de carbono

A capital apresenta condições bastante boas de infra-estrutura básica: 99,09% dos domicílios são servidos por rede de água, 91,90% estão ligados à rede de esgoto e 95,09% têm o lixo coletado por serviço de limpeza, no ano 2010. Em 2000 as desigualdades entre os anéis eram pequenas, com o anel periférico, onde residem os mais pobres, apresentando pequena piora em relação à rede de água (com 97% dos domicílios servidos, à rede de esgoto, com 79% das moradias conectadas e com 98% das casas com serviço de coleta de lixo (Bógus e Pasternak, 2004). Mas há grande número de famílias residindo em assentamentos precários, em áreas de grande vulnerabilidade. Excluídas do mercado de moradias privado, não atendidas por políticas públicas, estas famílias vão ocupar favelas, cortiços, loteamentos irregulares, não raro construindo suas casas num processo lento de auto-construção, de acordo com seu fluxo de recursos. Tanto estas favelas como os loteamentos irregulares de alocam, preferencialmente, nos anéis exterior e periférico.(Tone e Ferrara,2010).

As taxas de crescimento da população favelada têm sido, historicamente, maiores que as população municipal: entre 1980 e 1991, foi de 7,07% anuais, enquanto que a da população municipal foi de 1,13% ao ano. Entre 1991 e 2000, a população favelada cresceu a taxa de 2,82% ao ano, enquanto que a da cidade como um todo cresceu a 0,92%. E as favelas paulistanas crescem mais no anel periférico: entre 1991 e 2000 as favelas do anel periférico cresceram a taxa de 3,98% ao ano, ou seja, 1,3 vezes a taxa média dos favelados. Alguns distritos paulistanos apresentavam, em 2000, mais de 20% da sua população residindo em favelas, como Vila Andrade, Pedreira, Jaguaré, Sacomã, Cidade Dutra, Vila Jacuí, Capão Redondo, Rio Pequeno e Jardim São Luis (Pasternak, 2006: 192). Parte destes distritos apresentavam coeficientes de mortalidade infantil maiores do que o coeficiente médio municipal de 2009, como Vila Jacui, com 16, 6 óbitos por mil nascidos vivos, Pedreira, com 13,5, Cidade Dutra, com 112,8. Outros, como Jardim São Luis e Capão Redondo, tinham mortalidade infantil em 2009 próximas da média, com 11,2 e 10,4 óbitos por mil nascidos vivos. Na Zona Sul, os distritos da Cidade Ademar, Pedreira, Cidade Dutra, Jardim Ângela, Capão Redondo e Campo Limpo concentram quase 50% das favelas paulistanas, no entorno dos mananciais. Ao norte, estão 327 favelas, situadas muitas vezes em terrenos de alta declividade, que antes apresentavam a vegetação da Serra da Cantareira. Hoje sem esta cobertura vegetal, são terrenos sujeitos à erosão e deslizamento. No vetor leste, entre as quase 350 favelas, muitas se situam em áreas de rico e em várzeas sujeitas à inundação. O Jardim

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Pantanal, na várzea do Tietê, aparece freqüentemente na mídia parcial ou totalmente coberto pelas águas. E já tem sido notado que a incidência de leptospirose aumenta entre 15 a 18 dias após um forte temporal

Em 2010, nota-se que o esvaziamento do centro reverteu, com diminuição inclusive dos imóveis vagos. Há unanimidade, entre os urbanistas, das vantagens de uma cidade compacta. Desta forma, este “retorno” ao centro é bem vindo, a população de menor poder aquisitivo podendo usufruir dos equipamentos de infra-estrutura física e social presentes nos anéis centrais. Mas as condições de adensamento destes imóveis centrais se refletem numa maior mortalidade na infância, como mostra a tabela 8.

TABELA 8 - Mortalidade infantil, na infância, natimortalidade e mortalidade perinatal, por anel, Município de São Paulo, 2009

anel

taxasna infância natimortalidade

central 10,1 11,7 4,9 9,9interior 7,7 8,8 4,6 8,2intermediário 9,7 11,1 4,8 9,2exterior 10,6 12,3 6,8 11,7periférico 13,5 15,7 7,9 13,0Município de São Paulo 12,0 13,8

7,2 12,7

Fonte: Fundação Seade. Mortalidade infantil óbitos de menores de um ano por mil nascidos vivos; mortalidade na infância: óbitos de menores de 5 anos por 1000 nascidos vivos; natimortalidade: nascidos mortos por mil nascidos vivos; mortalidade perinatal: nascidos mortos + óbitos neo natais precoces pro 1000 nascidos vivos.

Percebe-se que desigualdades relevantes são encontradas em diferentes anéis do município: assim no anel interior, onde reside a população mais afluente, as taxas de mortalidade infantil e na infância são bem menores que no anel periférico, onde a mortalidade na infância chega a ser 1,8 vezes maior que no anel interior. No anel central uma hipótese é que as condições de pobreza e de adensamento da moradia estejam associadas às taxas relativamente mais elevadas, tanto de mortalidade na infância como da infantil e da mortalidade perinatal. Mas percebe-se um nítido gradiente, partindo de taxas menores no anel interior, até maiores no anel periférico. Trabalho de Maricato, Ogura e Comaru (2010: 63), já comentava que distritos nobres, como Pinheiros, apresentavam taxas de mortalidade infantil de 15,71 óbitos para mil nascidos vivos, enquanto distritos mais populares, como Jaguara e Barra Funda, tinham 16,33 e 12,2 óbitos por mil nascidos vivos, em 2004. Em 2009 Pinheiros registrou mortalidade infantil de 6 óbitos por mil nascidos vivos, enquanto distritos periféricos como Lajeado e Jaguara continuam com taxas de 17,4 e 16,0, respectivamente.

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Esses dados mostram que nos distritos nobres houve uma redução importante de taxas que não foi acompanhada pelos distritos populares. Nos últimos 5 anos os indicadores de mortalidade de parte da periferia não melhoraram. De outro lado, distritos centrais como Santa Cecília e República, no anel central, apresentam mortalidade infantil maior que a média municipal: 14,5 e 12,7 mortes para cada mil nascidos vivos, apontando para uma possível relação entre adensamento, condições de moradia, pobreza e más condições do ar na população na área central.

As causas de morte que afetam estes óbitos infantis apresentam também algumas diferenças: embora, em todos os anéis, as afecções originadas no período neonatal sejam em proporção majoritária, doenças do aparelho respiratório, estas apresentam porcentagem maior nos anéis exterior e periférico. (Tabela 9)

TABELA 9 - Proporção de óbitos infantis, por algumas causas de óbito. Município de São Paulo, 2009

anel Total

Afecções Originadas no Período Perinatal

Malformações Congênitas,

Deformidades e Anom. Crom.

Doenças do Aparelho

Respiratório

Doenças Infecciosas e Parasitárias

central 45 60,00% 22,22% 0,00% 4,44%interior 62 51,61% 25,81% 1,61% 8,06%intermediário 174 56,90% 22,41% 5,75% 6,90%exterior 543 54,51% 23,76% 6,45% 4,05%periférico 1248 56,89% 18,51% 7,05% 6,41%MSP 2072 56,19% 20,46% 6,45% 5,83%

Fonte: Fundação Seade

A urbanização tem se mostrado inevitável, embora a taxa de crescimento da cidade de São Paulo esteja declinante desde a década 1950-60 (Tabela 2). E como também se observou, a infraestrura básica espalhou-se por todo o tecido urbano, mesmo nas favelas: em 2000, 98% das casas em favela tinha acesso à rede pública de água, 51% à rede de esgoto, 99,8% possuía energia elétrica e 80,2% coleta de lixo regular (Pasternak, 2006: 193). Mas, apesar das melhorias ainda persiste a desigualdade intraurbana de acesso à moradia de qualidade, com tamanho e materiais adequados e com acessibilidade ao transporte público.

Em áreas de fronteira, como regiões de preservação ambiental, como em torno dos mananciais e nas encostas da Cantareira, a proliferação de invasões e loteamentos irregulares coloca a população que ai reside em condições vulneráveis, além de comprometer as condições da água, com impactos sobre custos de seu tratamento e transporte.O desmatamento influi no clima urbano, gerando ondas de calor, e a retirada indiscriminada de vegetação gera deslizamentos e escorregamentos de terra, em áreas com alguma declividade. E é justamente nas zonas fronteiriças do norte (Serra da Cantareira) e do sul (área dos mananciais) que o aumento de invasões e loteamentos irregulares tem se mostrado maior. Em relação aos loteamentos irregulares, na década de 80 o vetor sul do município liderava a proporção dos loteamentos irregulares, com 62% deles (Pasternak, 2010: 162). Já na década de 90, a distribuição espacial dos lotes irregulares muda: embora a predominância se observe no vetor leste da capital, o norte apresenta 30% dos lotes em parcelamentos irregulares, num total de

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17 mil lotes irregulares, expandindo-se pela área montanhosa da Serra da Cantareira. O Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontou, em 2009, que num raio de 10 km no entorno do parque da Cantareira, ocorreu a perda da cobertura vegetal em 52 hectares; 28 deles situam-se fora da capital, já no município de Mairiporã.

A residência de camadas pobres na periferia penaliza ainda mais estes segmentos populacionais, já que o tempo de deslocamento casa-trabalho aumenta proporcionalmente à distância das áreas centrais, onde se concentram os empregos. De outro lado, o aumento do trânsito, além do tempo perdido, impacta as condições atmosféricas. E a poluição do ar, embora em processo de redução em São Paulo, tem efeitos deletérios, causando doenças respiratórias, isquêmicas e em arritmias cardíacas. A inflexão do crescimento periférico, em direção aos anéis centrais, indicada pelo censo de 2010, com tendência de retorno ao centro histórico, trará benefícios, com o aproveitamento de infra-estruturas existentes, mas também colocará desafios para a construção de habitação de qualidade, no contexto de um “ mix social” que não expulse a pobreza para a periferia, como historicamente tem ocorrido.

No município de São Paulo, morar perto de um parque é extremamente valorizado: o usufruto da área verde, os benefícios que estas áreas trazem para a redução do calor e da poluição, a absorção proporcionada pela área verde- minimizando as inundações- e a densidade menor do bairro são fatores que contribuem para que estas parcelas do solo urbano sejam as mais valorizadas. As atuais medidas de construção de parque lineares parecem acertadas. Além destas medidas, uma mudança na matriz do transporte urbano e intra-municipal deverá ser incrementada, com maior utilização de ferrovias e do metrô, enfim, com a oferta de transporte de massa de boa qualidade, melhorando as condições de circulação e de emissão e dispersão de poluentes.

Bibliografia

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Maricato,E. Ogura, A e Comaru, F. Crise urbana, produção do habitat e doença In Saldiva, p et AL, Meio Ambiente e saúde: o desafio das metrópoles. São Paulo, Ex Libris, 2010. PP 48-65

Nobre, Carlos et al, Da vulnerabilidade das megacidades brasileiras às mudanças climáticas.Região Metropolitana de São Paulo, Junho de 2010, www.inpe.br acesso a 28 de junho de 2010

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Caderno LAP 47, jul-dez 2005Pasternak, S -Aspectos demográficos da Região Metropolitana de São Paulo, In Bógus, L e Pasternak,

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Pasternak, S.-Loteamentos irregulares no Município de São Paulo: uma avaliação sócio-urbanística Planejamento e Políticas Públicas (PPP). Brasília, IPEA, nº 34, jan-jun. 2010, PP 131-170

Pasternak, S São Paulo e suas favelas. - Revista Pós 19. Revista do Programa de pós graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU-USP, vol 27, n º 19, 2006, jun , PP 176-197

Pasternak Taschner, S.-Habitação e demografia intra-urbana em São Paulo.Revista Brasileira de População, v.7.n.1, Campinas, janeiro/junho,1990, pp.3-34

Tone, Beatriz B. e Ferrara, Luciana N. “Notas sobre a produção da irregularidade no Espaço Urbano em São Paulo” In: Bógus, L. Pasternak,S. e Raposo,I. (Orgs) Da Irregularidade Fundiária Urbana à Regularização: Análise Comparativa Portugal-Brasil. São Paulo, EDUC, 2010,pp. 309-334.

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Mudanças Climáticas e Saúde

Evangelina da Motta Pacheco Alves de Araujo Vormittag

Efeitos da Mudança Climática sobre a Saúde

Estimativas da Organização Mundial da Saúde - OMS mostram que a mudança do clima causa 150 mil mortes anuais e 5,5 milhões de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALY - Disability-Adjusted Life-Years). Em 2000, a incidência de malária foi cinco vezes maior em Moçambique, em decorrência de chuvas e três ciclones que inundaram o país. Em 2003, a onda de calor no verão da Europa, com temperaturas 10ºC acima da média dos 30 anos anteriores, acarretou 70 mil mortes, perdas de colheitas, queima de florestas e derreteu 10% da massa glacial dos Alpes. O furacão Katrina, em 2005, causou devastação nas comunidades costeiras. A onda de calor e incêndios florestais no verão na Rússia em 2010 deixou 56 mil mortos.

No mundo, a inundação é o desastre natural mais freqüente, afetando quase dois bilhões de pessoas ao redor do mundo. As enchentes contaminam as fontes de água, aumentam a proliferação de vetores de doenças, causando doenças como a leptospirose, hepatite A e diarreia. Como exemplo, destaca-se a epidemia de gastroenterite aguda causada por Norovírus, que afetou cerca de 40% das crianças e 21% dos adultos refugiados do Katrina, na Louisiana. As enchentes também causam afogamentos, lesões físicas e, mais tardiamente, transtornos psiquiátricos. Após o Furacão Andrew, casos de estresse pós-traumático foram relatados até depois de dois anos.

As mudanças do clima põem em risco a quantidade e a qualidade da água (estresse da água) em muitos países. A ONU estima que 20% da população mundial já sofram com a escassez de água. Até 2050, estima-se que haverá um bilhão de refugiados ambientais decorrentes de seca, escassez de água e alimentos, catástrofes ambientais, aumento do nível do mar e doenças infecciosas. As doenças sensíveis ao clima são transmitidas através da água ou por vetores e estão entre aquelas que mais matam globalmente. Apenas diarreia (1,9 milhões), malária (0,9 milhão) e desnutrição (3,7 milhões) causaram mais de 6,5 milhões de mortes no mundo em 2009.

O aumento da faixa de clima tropical no planeta levará a migração e aumento dos vetores de doenças mais comuns, causando pandemias. Estima-se, através de modelos matemáticos, aumento potencial de 5 a 7% na distribuição de malária na África para 2100.

Embora a mudança de clima seja um fenômeno global, suas conseqüências não são igualmente distribuídas. A combinação de crescimento populacional, pobreza e degradação ambiental aumenta a vulnerabilidade às catástrofes climáticas. O impacto em países pobres pode ser de 20 a 30 vezes maior do que em países industrializados.

A alteração do clima afeta mais as áreas urbanas que as rurais, sobretudo por causa das emissões veiculares e a abundância de superfícies que retêm o calor, as chamadas ilhas urbanas de calor.

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Cobenefícios em Saúde

Carta de Recomendações em Saúde, São Paulo C40 2011

Mudanças Climáticas e Urbanização foram escolhidas pela OMS como os temas para o Dia Mundial de Saúde em 2008 e 2010, respectivamente.

A Associação Médica Mundial definiu Mudanças Climáticas como o maior desafio de saúde pública no séc. XX1 e elaborou um documento sobre o assunto, a Declaração de Delhi, que reforça o compromisso, em nome das associações médicas nacionais, seus membros e médicos afiliados, de apoiar, liderar, educar, capacitar, observar, pesquisar e colaborar com ações de prevenção e atendimento à saúde diante dos impactos das mudanças climáticas.

Os impactos à saúde humana promovidos pelas mudanças climáticas têm sido relatados em diversas publicações nacionais e internacionais, destacando-se a série Saúde e Mudança Climática, veiculada pela revista médica Lancet em 2009 (um dos artigos da série é traduzido nesta revista).

As principais Academias de Ciência no mundo publicaram em 2010 recomendações dos cobenefícios imediatos em saúde decorrentes das políticas de redução dos gases de efeitos estufa (GEE), que são imediatos e perceptíveis localmente, ao contrário dos benefícios ambientais que levam um maior período de tempo para mostrar seus resultados.

A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com o Comitê Gestor Local do C40, a Coordenadoria do Quadrilátero Saúde/Direito da USP e o Instituto Saúde e Sustentabilidade, teve a iniciativa de elaborar o documento Carta de Recomendações em Saúde, São Paulo C40 2011, para ser entregue aos prefeitos das megacidades na São Paulo C40 Large Cities Climate Summit, em junho de 2011. A reunião tem o objetivo de propor políticas de mitigação e adaptação para auxiliar as cidades na redução de GEE e programas de energia limpa e energia eficiente, que serão seguidos por todas as cidades signatárias .O documento foi elaborado por 78 autores, onde assinalam os cobenefícios imediatos à saúde resultantes das medidas práticas para o combate da emissão dos GEE nas cidades. O intuito do documento é chamar a atenção para a saúde do homem nas cidades, seus moradores, e estimular os governantes a adotarem políticas que os incluam.

Por causa desta iniciativa, pela primeira vez o tema Saúde Humana foi incorporado de forma incisiva na programação do evento.

No documento estão listadas evidências científicas e extensa bibliografia sobre as práticas que poderão contribuir de modo mais efetivo para mitigar o efeito estufa enquanto promoverão, também, a melhora da saúde humana. Também inclui dados como a ampliação da eficiência econômica, redução de custos com tratamentos de saúde, redução de custos de seguridade social e a ampliação da disponibilidade de recursos orçamentários para investimentos em programas diversos.

O documento pode ser acessado na íntegra no website: http://www.saudeesustentabilidade.org.br/html/comunicacao/noticias/0034_carta_recomendacoes_saude_sp_c40.html

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Alguns dados descritos no documento Carta de Recomendações em Saúde, São Paulo C40 2011 são reproduzidos a seguir:

As medidas propositivas que trazem cobenefícios descritas no documento relacionam-se principalmente às áreas de transporte, energia doméstica e consumo de carne nas cidades: 1) redução do uso do transporte individual (motocicleta ou automóvel privados); 2) aumento do transporte ativo (caminhada e ciclismo); 3) diminuição da poluição dentro das casas pela queima de biomassa; 4) geração de eletricidade a partir de fontes renováveis ou de outras fontes de baixo carbono, ao invés de combustíveis fósseis; e 5) redução do consumo de produtos de origem animal em centros urbanos.

Em relação à melhoria da qualidade do ar, medidas que priorizem a redução dos poluentes acarretam benefícios imediatos, como a prevenção e redução da incidência de doenças respiratórias, cardiovasculares, problemas oftálmicos, câncer, doenças reprodutivas e outras doenças crônico-degenerativas, diabetes, sedentarismo, obesidade e a redução dos acidentes de trânsito.

A poluição atmosférica urbana provoca cerca de 1,2 milhões de mortes todos os anos no mundo e 6,4 milhões de anos de vida perdidos por morte prematura, devido a três desfechos principais: câncer do pulmão e vias aéreas superiores; arritmias e infarto agudo do miocárdio; e bronquite crônica e asma. Alarmantes estimativas globais atribuem aos efeitos da poluição do ar cerca de 3% dos óbitos por doenças cardiopulmonares, 5% dos cânceres de pulmão e 3% dos óbitos em crianças até cinco anos de idade. Na cidade de São Paulo ocorrem aproximadamente 4.000 mortes ao ano e uma redução de 1,5 anos de vida, com custos que podem chegar a mais de um bilhão de dólares. Há maior risco de morte por doenças cardiovasculares e respiratórias em áreas de ilhas de calor mais intensas.

Cidadãos do mundo consomem 68 milhões de veículos ao ano!Em vista da magnitude do risco e da exposição da população, a poluição atmosférica e tráfego juntos são

a primeira ameaça para infarto do miocárdio dentre os fatores de risco evitáveis (tais como stress, tabagismo, exercício físico e outros).

Em Londres e Nova Delhi medidas de estímulo à mobilidade ativa, como o ciclismo e caminhada, bem como adoção de motores de baixa emissão, reduziram as doenças cardíacas e isquemia cerebral entre 10 a 20%, câncer de mama em 13%, demência em 8% e depressão em 5%.

Nos Estados Unidos, o Smart Growth Network mostrou que nas cidades mais espraiadas há maior incidência de obesidade na população, devido, entre outras razões, à dependência do uso do automóvel.

O Metrô de São Paulo, como alternativa modal de alta capacidade movida à energia elétrica, reduz as emissões de poluentes em 75% e o risco de mortalidade cardiorrespiratória de sua população, com um ganho de US$ 36 a 50 milhões/ano com as mortes evitadas. Além disso, constatou-se a redução de 30% no tempo de viagem do usuário, que, em 2010, permitiu um ganho de mais de 575 milhões de horas e a redução de 13 mil acidentes de trânsito, com economia de R$ 138 milhões com saúde.

Em 2007, constatou-se 14,7 mortes por acidentes de trânsito para cada 100 mil hab/ano na RMSP. Dentre estas, destacam-se 39% do acidentes com pedestres, 20,6% com motociclistas, 10,5% em ocupantes de automóveis e 3 % com ciclistas.

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Como consequência do aumento da frota de motocicletas na cidade de São Paulo, os acidentes de trânsito aumentaram e passaram a ocupar a 6ª posição de causa de morte para o sexo masculino em 2009. Óbitos por motocicleta passaram de 3,4% em 1998 para 23,4% em 2008. Além do alto índice de acidentes, a moto emite 13g de CO por km rodado, enquanto o carro emite 0,5g/km rodado.

Todos os anos a poluição do ar causada pela queima de biomassa para cozinhar no interior das casas é responsável pela morte de 1,6 milhão de pessoas (2/3 de crianças) por pneumonia, doença respiratória crônica e câncer de pulmão. É quarta causa de mortalidade em países em desenvolvimento, estando à sua frente apenas desnutrição, sexo inseguro e saneamento inadequado. No Nordeste há fogões a lenha em mais de 60% das casas. Foi estimado que um programa na Índia, objetivando a instalação de 150 milhões de fogões com baixa emissão em substituição dos atuais fogões a lenha ou fogueiras a céu aberto, evitaria a morte prematura de 2 milhões de pessoas. No Brasil, é importante ressaltar a queima de canaviais, causando níveis de poluição e danos a saúde similar aos da cidade.

Custos de Saúde devido aos danos do uso de combustíveis fósseis foram estimados para Xangai: US$ 730 milhões; Cracóvia: US$ 87 milhões e Santiago: US$ 780 milhões.

Caso todos os veículos a gasolina e todos os ônibus a diesel passassem a usar etanol em um ano, haveria a redução das internações hospitalares e da mortalidade com economia de US$ 43,10 e US$ 1463,46 milhões, respectivamente.

O atraso em 4 anos no descumprimento da exigência de implementação do diesel com 50 partículas por milhão de enxofre no Brasil poderá custar a vida de cerca de 14 mil pessoas, representando um ônus de US$ 1,8 bilhão aos cofres públicos.

A implantação do Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores - Proconve na RMSP reduziu, entre 1996 e 2005, em 30% a poluição do ar, prevenindo 50 mil mortes no período e economizando US$ 4,5 bilhões por conta dos gastos evitados com saúde, além da diminuição do consumo de energia e redução dos GEE.

A redução na produção de alimentos de origem animal pode fornecer uma contribuição efetiva para diminuir as emissões e o consumo de produtos animais, que por sua vez reduzem em quase 20% as conseqüências para doença isquêmica do coração.

Sobre o planejamento urbano, ocupação e preservação ambiental do solo e mudança de clima urbano, os co-benefícios imediatos em saúde respondem às medidas que priorizem: promoção e a reordenação territorial (princípios da cidade compacta); permeabilização do solo, diminuição de ilhas de calor (alteração do microclima); estabilização de encostas em áreas de alta declividade; priorização da desocupação de áreas de risco pela população vulnerável; redução de enchentes; atenção ao sistema de previsão e de comunicação meteorológica e aos sistemas de alerta para desastres naturais; ampliação, preservação e proteção de áreas verde urbanas, arborização, e priorização da manutenção das áreas de preservação permanente com recomposição da mata ciliar levarão aos seguintes cobenefícios em saúde: melhora do desconforto térmico, evitando-se doenças cardiovasculares; redução das doenças de veiculação hídrica, tais como doenças diarreicas, leptospirose, hepatite A e dengue, redução dos desabrigados por enchentes; diminuição de doenças infecciosas pela

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proliferação de vetores como a dengue; redução de acidentes com traumas e mortes em desastres naturais e socioambientais; redução das desordens comportamentais e psicológicas (distúrbios psicológicos, violência, depressão, síndrome do pânico, psicossociais).

O escorregamento de encostas em áreas de risco é a primeira causa de mortes por desastres no Brasil, seguida por inundações.

A cidade São Paulo tem aproximadamente 30% de sua população vivendo em favelas e habitações precárias, que ocupam quase sempre áreas inadequadas para o assentamento habitacional. Concentrações significativas de áreas de escorregamentos ocorrem principalmente nesses locais. Dentre os acidentes naturais que ocorrem no Brasil, os escorregamentos são os que causam o maior número de mortes. Dados levantados pelo Núcleo de Monitoramento de Riscos Geológicos do IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo mostraram um total de 2.246 mortes por escorregamentos no Brasil, no período de 1988 a 2009.

Um estudo realizado para a cidade de São Paulo mostra que a partir do 14° dia, se estendendo até o 18° após a ocorrência de um temporal com inundação e enchentes, há um pico no número de internações por leptospirose. Variações de precipitação de chuva entre 20 a 140 mm em São Paulo aumentam o número de internações entre 15,6% e 142%. Para cada 20 mm de precipitação, há um aumento não linear de 31,5% na taxa de internação por leptospirose, principalmente nas áreas mais pobres e vulneráveis.

A umidade relativa abaixo de 30% por 11 dias consecutivos (evento climático extremo) em São Paulo mostrou que o risco de morte por doenças cardiovasculares aumentou de 0,26% para 0,64% e o risco relativo de 0,45 para 0,92. Este resultado foi significativo, pois as análises foram feitas controlando os efeitos dos poluentes, ou seja, foi medido o efeito isolado do parâmetro umidade relativa do ar.

Um evento meteorológico extremo matou 32 pessoas idosas por causa do forte calor ocorrido em fevereiro de 2010, em Santos‐SP. Neste episódio, a temperatura atingiu 39ºC e a umidade 21%, condição meteorológica atípica. Episódios extremos de temperatura provocam alterações de mecanismos de regulação endócrina, de arquitetura do sono, de pressão arterial e do nível de estresse, atingindo principalmente pessoas acima de 65 anos e abaixo dos 5 anos de idade.

Finalizando, na íntegra, um parágrafo do documento:

“O presente documento, fruto do trabalho coletivo de pesquisadores de várias áreas do conhecimento, visa explorar estes co-benefícios no cenário urbano. A expectativa é que estes benefícios, expressos tanto em termos de melhora de saúde da população, como também de custos de saúde evitados, possam facilitar a adoção de políticas sustentáveis pelas autoridades municipais, bem como sirvam de argumento adicional para a adoção de hábitos sustentáveis pelo ser humano.”

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AUTORES:

Adriana dos Santos Carneiro Alcir Vilela Junior Alfred Szwarc Ana Carolina Corberi Famá A. e Silva Ana Maria Maniero

Moreira André Palhano Andrea Ferraz Young Angela Maria Branco Antônio Carlos Magnanelli Cacilda Bastos Pereira da Silva

Caio Boucinhas Camila Márcia Villegas Carolina Bernardes Carolina Tavares Canhisares Clarice Umbelino de Freitas Cleber

de Souza Cordovil Cleide Lopes Cristina Guarnieri Daniel Gouveia Tanigushi Denis D. Tomás Diogo Mello Ferreira Edelci

Nunes da Silva Elizabeth Teixeira Lima Emilia Wanda Rutkowski Evangelina da M. P. A. A. Vormittag Flávia Saldanha - Corrêa

Flávio Francisco Vormittag Getúlio Martins Gina Rizpah Besen Helena Ribeiro Inês Suarez Romano Jesuino Romano João

Múcio Amado Mendes João Vicente de Assunção Juliana Cristina Mansano Furlan Laís Fajersztajn Ligia Vizeu Barrozo Lucia

Bógus Luciane Locatelli Luiz Alberto Amador Pereira Luiz Antonio Cortez Ferreira Marcel Oliveira Bataiero Marcella Ody

Piva Marcia Monteiro Alves Fernandes Maria Cecilia Loschiavo Maria de Fátima Andrade Marina Jorge de Miranda Mario Maia

Bracco Micheline S. Z. S. Coelho Natacha Aleixo Nelson Gouveia Neuzeti Maria dos Santos Olímpio de Melo Alvares Junior

Patricia Iglecias Paulo Afonso de André Paulo Saldiva Ricardo Moretti Ricardo Prist Rogério Araújo Christensen Rosana Oba

Roseane M. Garcia Lopes de Souza Rubens Harry Born Rubens José Mário Júnior Samanta Del Vecchio Nunes Silvana Zioni

Silvio Figueiredo Simone Georges El Khouri Miraglia Sofia Lizarralde Oliver Suzana Pasternak Sylmara Gonçalves-Dias Tatiana

Tucunduva P. Cortese Telma de Cássia dos Santos Nery Thais Mauad Ubiratan de Paula Santos Vera Lucia Anacleto Cardoso

Allegro Walter José Senise Wanda Maria Risso Gunther Wolney Castilho Alves

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REFLEXÕES SOBRE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA CIDADE DE SÃO PAULO

Emília Satoshi Miyamaru Seo1, Eduardo Antonio Licco1 e Luciana Mara Ribeiro Marino1

O adensamento populacional é um dos fatores constituintes como fonte de calor. Hoje, se visualizarmos as ocupações urbanas do Brasil, é notável que cerca de 80% dos brasileiros vivem em área urbana distribuídos de forma fragmentada provocando degradação ambiental e desigualdade social. Não é tão diferente quando se trata da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, com uma área de 8.051 km2, somente no município, abriga cerca de 60% de habitantes, que a infere em uma área mais quente do Brasil.

Outras conseqüências resultantes do adensamento populacional é a circulação de mais veículos na região, mais consumo de energia, mais habitações e entre outras. Atualmente, a região Metropolitana de São Paulo conta com mais de 40 mil indústrias e 8,1 milhões de veículos individuais e 30,5 milhões de transportes coletivos. Tais dados explicitam a presença de alta concentração de poluentes atmosféricos constituídos, em geral, em torno de 40% de particulados e 31% do dióxido de enxofre advindos de veículos a combustão e 10% particulados e 67% das emissões de SO2 provenientes das indústrias.

Neste contexto, embora os benefícios sociais e econômicos sejam ampliados por uso de fontes móveis (veículos) e estacionárias (indústrias), os contaminantes atmosféricos são prejudiciais à saúde humana, por exemplo, a exposição das vias aéreas ao ozônio causa danos ao sistema respiratório; e, as exposições ao longo prazo pode vir a provocar complicações cardiovasculares. Além disso, a presença de aerossol secundário (nitratos e sulfatos) e gases oxidantes (ozônio) poderão aumentar a mortalidade. Nos centros da cidade, geralmente mais poluídos, a influência meteorológica é significativa, pois tais condições interferem na dispersão dos poluentes, conseqüentemente ocasionando o aprisionamento dos poluentes nas camadas mais baixas da atmosfera.

Se observarmos a arquitetura das edificações nos centros da cidade de São Paulo, edifícios próximos uns dos outros, ruas estreitas e pavimentações das ruas, são fatores preponderantes da formação de ilha urbana de calor, pois a circulação de ar é menor.

Neste cenário, o desenvolvimento das grandes metrópoles tem como uma de suas principais conseqüências negativas o aquecimento excessivo de seus espaços. A construção do ambiente urbano em base a concreto e asfalto, a redução das áreas verdes, o adensamento populacional e a poluição do ar dão origem às chamadas “ilhas de calor”.

O termo “ilha de calor” descreve áreas construídas que são mais quentes do que áreas rurais próximas, que podem afetar as comunidades através do aumento da demanda de energia elétrica no verão, das despesas

1 Centro Universitário Senac

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com ar condicionado, das emissões poluidoras do ar (incluindo gases de efeito estufa), dos índices e morbidade e mortalidade relacionados ao calor e, na qualidade da água.

Conforme as áreas urbanas se desenvolvem, ocorrem alterações em sua paisagem. Edifícios, estradas e outras infra-estruturas substituem espaços abertos e vegetação. Superfícies que antes eram permeáveis e úmidas se tornam impermeáveis e secas. Essas mudanças fazem com que regiões urbanas se tornem mais quente do que seu entorno rural, formando uma “ilha” de temperaturas mais elevadas na paisagem.

Ilhas de calor ocorrem junto da superfície do solo e na atmosfera. Em um dia quente, ensolarado, de verão, o sol pode aquecer superfícies expostas secas, como telhados e pavimento, a temperaturas que variam de 27 a 50 °C mais quente que o ar, enquanto superfícies úmidas, sombreadas, mais freqüentes em áreas rurais, permanecem próximos à temperatura do ar. Ilhas urbanas de calor de superfície são identificadas de dia e de noite, mas tendem a ser mais fortes durante o dia quando o sol está brilhando.

Em contraste com as Ilhas urbanas de calor de superfície, as ilhas urbanas de calor atmosférico são fracas durante o final da manhã e durante todo o dia e tornam-se mais pronunciadas depois do por do sol, devido à liberação lenta do calor da infra-estrutura urbana. A temperatura média anual do ar de uma cidade com 1 milhão de pessoas ou mais pode ser de 1 a 3°C mais quente do que seus arredores. À noite, a diferença pode chegar 12°C.

É perceptível que o município de São Paulo apresenta temperaturas diferenciadas em toda a sua área, ora a concentração maior de ilhas de calor em uma determinada área, inversões térmicas localizadas, bolsões de poluição e diferenças locais nos comportamentos dos ventos, que favorecem a aumentar o índice de mortalidade.

Soma-se ainda, os processos de alagamentos localizados de forma generalizada em diversos pontos da RMSP, no período de chuvas, principalmente, por motivo das deficiências do sistema de drenagem urbano. Para população que reside na periferia, que normalmente vive em ambientes de maior risco, inundações e deslizamentos de terra devem atingi-la com maior intensidade.

Ainda, os resíduos domiciliares gerados na RMSP, cerca de 6000 famílias lançam esses resíduos nos cursos d água ocasionando para sua obstrução e assoreamento. O Rio Tietê que possui declividade do leito menor, por fim, recebe detritos sólidos arrastados pelas enxurradas.

Sumariamente, os efeitos das mudanças climáticas somente serão sentidos pela população da RMSP se houver quebra da produção agrícola e industrial, redução da disponibilidade hídrica, destruição da infra estrutura (inundações), etc.. Conseqüentemente, surgem graves riscos à saúde da população, de uma forma ou outra onerando os orçamentos públicos.

O aumento das temperaturas durante o dia, resfriamento noturno reduzido, e níveis mais elevados de poluição do ar, em associação com as ilhas de calor urbano podem afetar a saúde humana, contribuindo para o desconforto geral, dificuldades respiratórias, fadigas de calor e exaustão, AVC não-fatais, e mortalidade relacionada ao excesso de calor. Ilhas de calor também podem exacerbar o impacto de ondas de calor, que são períodos de tempo anormalmente quente e, muitas vezes, úmido. Populações mais vulneráveis, como crianças, idosos e aqueles com problemas de saúde existentes, estão particularmente em risco nesses eventos.

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Episódios de calor excessivo, ou o aumento da temperatura abrupta são particularmente perigosos e podem resultar em taxas de mortalidade acima da média. Os Centros de Controle de Doenças norte americanos estimam que de 1979 a 2003, a exposição excessiva ao calor contribuiu para mais de 8.000 mortes prematuras nos Estados Unidos. Este número excede o número de mortes resultantes de furacões, raios, tornados, enchentes, terremotos e combinados.

No caso da capital paulista, segundo dados da UNESP, houve um aumento da temperatura de aproximadamente 1,2ºC desde os anos 1950, época de início da intensa industrialização experimentada pelo município.

Em face deste quadro, medidas devem ser tomadas para a construção de uma cidade sustentável buscando melhorias sociais, econômicos e ambientais.

Inserido neste cenário, estudos e pesquisas devem ser ampliados pensando em um São Paulo sustentável, minimizando as suas vulnerabilidades, em particular quanto a modelagem do clima e quantificação de benefícios decorrentes de medidas de adaptação às mudanças climáticas. Além disso, as instituições públicas e privadas da RMSP deverão buscar soluções para os impactos e perigos, ou seja, controle sobre construções em áreas de risco, investimentos em transportes coletivos, proteção aos recursos naturais e criação de áreas de proteção ambiental nas áreas de várzeas de rios, etc..

Soluções Sustentáveis

Na era do aquecimento global, em que os efeitos ambientais se fazem sentir de forma acentuada, nada mais acertado do que investir em tecnologias capazes de resolver problemas de forma sustentável. Tipicamente, a mitigação das ilhas de calor é parte das técnicas para sustentabilidade de uma cidade, assim como o são o controle da qualidade do ar e da água ou, de forma geral, o saneamento ambiental. Medidas para reduzir ilhas de calor variam de iniciativas voluntárias, tais como projetos de demonstração de pavimentos frios, até políticas públicas, como a exigência de telhados frios via códigos de construção. A maioria das atividades para mitigação das ilhas de calor tem múltiplos benefícios, incluindo uma melhor qualidade do ar, melhoria nas condições da saúde humana e conforto e, redução na demanda de energia, com conseqüente redução nas emissões de gases de efeito estufa.

Destacamos quatro estratégias básicas para reduzir os efeitos das ilhas de calor:• Aumentar a quantidade de árvores e de cobertura vegetal;• Promover a implantação de telhados verdes (também chamado de “jardins suspensos” ou “eco-

telhados”);• Privilegiar a instalação telhados frios e reflexivos;• Utilizar pavimentos frios.

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Formação Sustentável

Considerando as condições sociais, econômicas e ambientais atuais, de caráter local e regional e a contínua busca por uma educação inovadora, o Centro Universitário Senac estabeleceu objetivos de ensino e de pesquisa institucional ligados a uma contribuição socioambiental de relevância imediata, que promovam a integração das áreas de conhecimento da Instituição. Dentre suas áreas de pesquisa está a Sustentabilidade, com projetos focados em estudos e pesquisas aplicadas envolvendo técnicas e tecnologias para sustentabilidade, bem como estratégias e instrumentos de gestão voltados à sustentabilidade, tanto no âmbito das políticas públicas como na gestão empresarial. Dentre estes, destacam-se dois projetos cujos objetivos estão intimamente ligados à mudanças climáticas e saúde: “Telhados Verdes”: uma análise de viabilidade para aplicação em moradias uni familiares da metrópole paulistana” e “Construção Verde e Arquitetura Bioclimática: Um estudo preliminar de ventilação e iluminação naturais em moradias uni familiares no meio urbano”.

O tema Mudanças Climáticas e Saúde também é debatido nos cursos de Engenharia Ambienta, Bacharelado em Administração com ênfase em Gestão para Sustentabilidade e de Superior de Tecnologia em Gestão Ambiental.

A publicação de uma edição temática da Interfacehs - Revista Científica de Saúde, Meio Ambiente e Sustentabilidade, com o tema “Mudanças Climáticas e Saúde”, em parceria com o Instituto Saúde e Sustentabilidade, também faz parte do conjunto de ações da Instituição para trazer o tema para discussão no processo de qualificação de nossos alunos. A edição conta com renomados autores que apresentam dados atuais e de grande qualidade, permitindo que os leitores tenham acesso ao conhecimento da área, fomentando discussões e análises críticas em torno do tema.

Visando enriquecer ainda mais a formação de nossos alunos, a Instituição ainda realizará um Seminário sobre Mudanças Climáticas durante a Semana Nacional da Ciência e Tecnologia.

O trabalho conjunto com instituições conceituadas como o Instituto Saúde e Sustentabilidade tem sido fundamental no desenvolvimento de ações que contribuem com uma formação atual de qualidade dos futuros profissionais que atuarão na promoção de saúde e sustentabilidade para a sociedade.

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Impactos da mudança climática na qualidade da água da superfície em relação à produção da água de beber1

I. Delpla, A.-V. Jung, E. Baures, M. Clement, O. Thomas2

Resumo

Além dos impactos da mudança climática sobre a disponibilidade de água e riscos hidrológicos, as conseqüências na qualidade da água estão apenas começando a ser estudadas. Esta análise tem por objetivo propor uma síntese das mais recentes literaturas interdisciplinares existentes sobre o tópico. Após uma rápida apresentação sobre o papel dos principais fatores (aquecimento e conseqüências de eventos extremos) os quais explicam os efeitos da mudança climática na qualidade da água, o enfoque é dado a dois pontos principais. Em primeiro lugar, são considerados os impactos na qualidade da água dos recursos (rios e lagos) que modificam os valores dos parâmetros (parâmetros físico-químicos, de micropoluentes e biológicos). Em seguida, são discutidos os impactos esperados na produção da água de beber e na qualidade da água fornecida. A principal conclusão que pode ser tirada é que a tendência à degradação da qualidade da água de beber no contexto da mudança climática leva a um aumento de situações de risco relacionadas ao impacto à saúde em potencial.

Palavras-chaves: Mudança climática, Qualidade da água, Aquecimento, Eventos extremos, Inundações, Estiagens, Carbono orgânico, Nutrientes, Micropoluentes, Cianotoxinas

© 2009 Elsevier Ltd. Todos os direitos reservados.

Índice1. Introdução. . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12262. Impactos nos parâmetros da qualidade da água . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . 1226

2.1. Parâmetros básicos . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12262.2. Matéria orgânica dissolvida . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12262.3. Nutrientes . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12282.4. Micropoluentes inorgânicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12282.5. Micropoluentes orgânicos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12292.6. Patógenos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12292.7. Cianobactéria e cianotoxinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12292.8. Indicadores de qualidade da água. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1229

1 Versão traduzida do artigo: “I “Impacts of climate change on surface water quality in relation to drinking water production” - I. Delpla, A.-V. Jung, E. Baures, M. Clement, O. Thomas et al. / Environment International 35 (2009) 1225–1233.

2 Correspondência para o autor. Tel.: +33 2 99 02 29 20; fax: +33 2 99 02 29 29.E-mail: [email protected] (O. Thomas).0160-4120/$ – veja introdução © 2009 Elsevier Ltd. Todos os direitos reservados.doi:10,1016/j.envint.2009.07.001

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2.9. Síntese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12293. Impactos esperados na produção da água de beber . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . 1230

3.1. Determinantes de SPDs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . 12303.2. Potenciais impactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . 12303.3. Monitoramento e modelo de impactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12313.4. Síntese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1231

4. Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . 1232Agradecimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . 1232Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . 1232

1. Introdução

Inundações e estiagens são os principais impactos da mudança climática sobre a disponibilidade de água. Além desses impactos quantitativos, a qualidade da água da superfície é também afetada pela mudança climática. Por exemplo, parece óbvio que a estiagem pode implicar pelo menos na modificação da superfície ou na qualidade da água subterrânea (concentração), provocando às vezes racionamento no abastecimento de água. Se a retração da água da superfície pode ser diretamente afetada pela degradação da qualidade da água, o bombeamento de poços pode ser interrompido por razões sanitárias (qualidade da água subterrânea), bem como por razões de segurança (ameaças de inundações). Entretanto, embora esses fatos sejam bem conhecidos, até recentemente poucos trabalhos científicos sobre impactos da mudança climática na alteração da qualidade da água haviam sido publicados.

A mudança climática não é, de fato, o único fator que afeta a qualidade da água.Integrada ao conceito de mudança global, a evolução do uso da terra, desflorestamento, expansão

urbana e impermeabilização da área podem também contribuir para a degradação da qualidade da água. Porém, mais frequentemente, a poluição da água está diretamente relacionada a atividades humanas de origem urbana, industrial ou agrícola, e a mudança climática poderá levar à degradação da qualidade da água da superfície como consequência indireta dessas atividades. Quando a poluição de origem pontual foi reduzida em muitos países (embora as plantas de tratamento da água servida comecem a atingir seus limites de capacidade) os impactos da mudança do clima (global) poderiam tender a aumentar a poluição difusa com, por exemplo, fuga agrícola ou urbana. Os determinantes da mudança climática que afetam a qualidade da água são principalmente a temperatura ambiente (ar) e o aumento de eventos hidrológicos extremos. Ciclos de secagem e reumedecimento do solo e aumento da radiação solar também podem ser considerados.

Em primeiro lugar, a temperatura (em geral) deve ser vista como o principal fator a afetar praticamente todos os equilíbrios físico-químicos e as reações biológicas. É bem conhecido que todas as “constantes” físico-químicas variam com a temperatura, e frequentemente aumentam as reações endotérmicas. De acordo com a relação de Arrhenius, a cinética de uma dada reação química pode ser dobrada aumentando-se a temperatura em 10 °C.

Consequentemente, diversas transformações ou efeitos relacionados à água serão favorecidos pelo aumento da temperatura da água, tais como dissolução, solubilização, complexação, degradação, evaporação,

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etc. Esses fenômenos globalmente levam ao aumento da concentração de substâncias dissolvidas na água, mas também à diminuição da concentração de gases dissolvidos. Este último ponto é muito importante com respeito ao oxigênio dissolvido na água. Efetivamente, sua concentração de saturação diminui em quase 10% com aumento de 3 °C (10 mg/L a 15 °C). Lembrando que, qualquer que seja o cenário do IPCC, a média global da temperatura do ar deverá aumentar entre 1,8 e 4,0 °C (Bates et al., 2008) durante o século XXI. Além disso, é esperada a tendência à estiagem no verão, particularmente nos subtrópicos, a baixa e média latitudes, além de aumentos de eventos extremos em geral (Bates et al., 2008).

Inundações e estiagens também modificarão a qualidade da água, por efeito direto da diluição ou concentração de substâncias dissolvidas. Para rios de pequena vazão, o principal efeito na qualidade da água é quanto ao aumento da temperatura, aumento da concentração de substâncias dissolvidas na água e diminuição na concentração do oxigênio dissolvido (Prathumratana et al., 2008; Van Vliet e Zwolsman, 2008). Um efeito positivo correlativo é a diminuição da concentração de alguns poluentes devido à baixa velocidade da água (assimilação de nutrientes por plantas aquáticas e adsorção/ complexação de metais pesados na matéria suspensa e sedimento).

Esses fenômenos serão aqui detalhados posteriormente. Para chuvas torrenciais e fortes condições hidrológicas, o escoamento e o transporte de materiais sólidos são as principais consequências. Para países de zona temperada, a mudança climática diminuirá o número de dias chuvosos, mas aumentará o volume médio de cada evento de chuva (Brunetti et al., 2001; Bates et al., 2008). Como consequência, os ciclos de secagem-reumedificação podem impactar a qualidade da água, uma vez que aumentam a decomposição e o fluxo de matéria orgânica nos rios (Evans et al., 2005).

O aumento da radiação solar poderá também alterar a qualidade da água e especialmente as características da matéria orgânica natural em sistemas de água doce tanto por aquecimento quanto por radiação UVB (aumentando a fotólise) (Soh et al., 2008). A fototransformação deve ser seriamente levada em consideração ao avaliar a possibilidade de formação de produtos de transformação por UV, a partir de micropoluentes orgânicos, como por exemplo, os farmacêuticos (Canonica et al., 2008). Muitos documentos consideram os farmacêuticos como substâncias foto-reativas. (Boreen et al., 2003; Buerge et al., 2006; Petrovic e Barceló, 2007).

Este documento tem por objetivo analisar os principais impactos nos parâmetros da qualidade da água, geralmente descritos para a água da superfície (rios e lagos), e os impactos esperados na produção da água de beber.

2. Impactos nos parâmetros da qualidade da água

Os parâmetros da qualidade da água podem ser classificados de acordo com i) parâmetros físico-químicos básicos (temperatura, pH, oxigênio dissolvido, matéria orgânica dissolvida…) e nutrientes, ii) micropoluentes (inorgânicos e orgânicos) incluindo metais, pesticidas e farmacêuticos, e iii) parâmetros biológicos com microorganismos patógenos, cianobactéria e agentes da qualidade da água (Tabela 1).

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2.1. Parâmetros básicos

Tem-se observado uma elevação na temperatura da água da superfície desde os anos de 1960 na Europa, América do Norte e Ásia (0,2 a 2 °C), principalmente devido ao aquecimento atmosférico relacionado ao aumento da radiação solar (Bates et al., 2008). Nos rios europeus, Zwolsman e van Bokhoven (2007), e VanVliet e Zwolsman (2008) observaram um aumento médio na temperatura da água em torno de 2 °C respectivamente nos rios Rhine e Meuse, após a grave estiagem de 2003, com aumento de pH (refletindo em uma redução na concentração de CO2) e redução na solubilidade do oxigênio dissolvido (OD) refletindo em menor solubilidade do OD em temperaturas mais altas da água. A redução no OD também pode ser associada ao aumento na assimilação do OD da matéria orgânica biodegradável por microorganismos (ligados ao aumento de carbono orgânico dissolvido (COD)) (Prathumratana et al., 2008). No mesmo estudo que trata da qualidade da água da superfície na parte mais baixa do Rio Mekong, significativas correlações negativas foram, de forma geral, encontradas entre as precipitações (ou fluxo de descarga) e OD, pH e condutividade (de 0,2 a 0,9). Em muitos lagos da Europa e América do Norte, o período estratificado teve duração de 2 a 3 semanas e as temperaturas da água subiram de 0,2 a 1,5 °C, tendo influência na estratificação térmica (Komatsu et al., 2007) e nos lagos hidrodinâmicos (Bates et al., 2008). Modelos computadorizados previram um aumento em torno de 2 °C para 2070 em lagos europeus, embora essa elevação também dependa das características do lago e da estação (George et al., 2007;Malmaeus et al., 2006). Foi demonstrado que lagos rasos seriam provavelmente os mais vulneráveis à mudança climática. As temperaturas da água exercem impacto nos processos internos do lago, como difusão, mineralização e mistura vertical (Malmaeus et al., 2006). O tempo de residência dos lagos provavelmente aumentarão no verão em 92% em 2050 para lagos com curto tempo de residência George et al. (2007). Foi também previsto que especialmente os lagos rasos terão aumento de temperatura no epilímnion e hipolímnion durante o verão (Jöhnk et al., 2008), embora os lagos artificiais (nos Países Baixos) respondam até mais diretamente às variações climáticas (Mooij et al., 2005).

Contudo, lagos mais profundos são mais sensíveis ao aquecimento climático a longo prazo, devido a sua maior capacidade de armazenar calor e consequentemente apresentará temperaturas mais altas no inverno (George et al., 2007). Um aumento em temperatura da água tem também um impacto nos processos químicos dos lagos, com aumentos em pH e maior geração de alcalinidade (Psenner e Schmidt,1992). Com relação aos impactos do aumento previsto nas precipitações de inverno nas águas dos lagos, eles dependem das dimensões do lago. Pequenos lagos com menor tempo de residência serão particularmente sensíveis à mudança decorrentes das chuvas (George et al., 2007).

2.2. Matéria orgânica dissolvida

A matéria orgânica dissolvida (MOD) afeta o funcionamento do ecossistema aquático devido a sua influência na acidez, transporte de metais vestigiais, absorção da luz e fotoquímica e fornecimento de energia e nutrientes (Evans et al., 2005). A principal fonte da MOD na água da superfície é a lixiviação do solo (Hejzlar et al., 2003). Além disso, foi demonstrada uma relação espacial positiva entre o escoamento de carbono

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orgânico dissolvido (COD) e áreas de terra úmida como turfeiras (Evans et al., 2005). Desde os anos de 1980, vários estudos apresentaram significativos aumentos de COD na Europa Setentrional (Evans et al., 2005; Monteith et al., 2007; Worrall et al., 2004), Europa Central (Hejzlar et al., 2003) e América do Norte (Monteith et al., 2007). Muitos fatores potenciais (temperatura do ar, aumento na intensidade das chuvas, aumento de CO2 atmosférico e declínio na deposição de ácido) foram propostos para explicar essas tendências de COD, embora não houvesse consenso científico. Evans et al. (2005) mostraram que a recuperação da acidificação e a temperatura da água são os principais condutores, uma vez que muitos compostos que participam do COD são ácidos. Efetivamente, foi observada uma redução na deposição ácida, decorrente parcialmente da redução das emissões de enxofre antropogênico (indústrias, transporte de passageiros/mercadorias...) (Monteith et al., 2007; Evans et al., 2008). Isso teria provocado um aumento no pH do solo e consequentemente um aumento nos ácidos orgânicos permitidos pelas novas condições de oxi-redução. Contudo, as tendências de COD são provavelmente resultantes da combinação de vários fatores, incluindo a deposição ácida, uma vez que o aumento nas tendências começou em poucos locais antes da redução na deposição ácida (Worrall e Burt, 2007).

De acordo com Clark et al. (2008), uma variação na vazão pode ser um bom indicador de mudanças na concentração de COD em córregos que drenam os solos organo-minerais, embora o mesmo seja falso para solos turfosos (neste caso, a temperatura é melhor). Finalmente, Prathumratana et al. (2008) mostraram que a DQO (Demanda Química de Oxigênio), usada como indicador de Matéria Orgânica Natural (MON), apresenta correlações significativas, de fraca a moderada, com as precipitações e fluxo de descargas no Rio Mekong (de 0,3 a 0,4).

Finalmente, Prathumratana et al. (2008) mostraram que a DQO (Demanda Química de Oxigênio), usada como indicador de matéria orgânica natural (MON), possui correlações de fraca a moderada com as precipitações (0,295 a 0,426) e fluxo de descargas (0,312 a 0,324).

2.3. Nutrientes

É esperado um aumento de mineralização de N no solo devido ao aumento na temperatura média do solo (Ducharne et al., 2007). Além disso, as estiagens aumentam a concentração de carbono orgânico total (COT) extraível do solo no inverno e o aquecimento aumenta o nitrato extraível no verão e outono e amônio extraível no inverno. Um aumento moderado na temperatura do solo (primavera, verão e inverno) levaria a um grande aumento da atividade enzimática. A temperatura está positivamente correlacionada com o processo de nitrificação (aumentando a atividade da fosfotase e mobilização de P nos solos). Mudanças observadas na atividade enzimática estão relacionadas diretamente ao efeito de aquecimento do solo que estimula a atividade biológica e aumenta a disponibilidade de N (Sardans et al., 2008). O aquecimento do solo aumenta a concentração de nitratos extraíveis do solo no verão e outono (perdas de N facilitadas) e concentração de amônio extraível no inverno.

A qualidade das massas aquáticas está sujeita à sazonalidade climática que provoca um importante

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impacto em seus padrões de nutrientes (Zhu et al., 2005). Um clima mais quente criará impactos indiretos nas massas aquáticas, por exemplo, aumento de cargas de nutrientes na superfície e água subterrânea (Van Vliet e Zwolsman, 2008) e neutralizará os efeitos da política de redução da carga de nutriente externo (Wilhelm e Adrian, 2008). De fato, temperaturas mais altas aumentarão a mineralização e liberações de nitrogênio, fósforo e carbono da matéria orgânica do solo. Além disso, um aumento no escoamento e erosão devido a precipitações de maior intensidade resultará em aumento no transporte de poluentes, especialmente após o período de estiagem. Concentrações mais altas de amônio podem ser observadas em rios com capacidade de diluição reduzida causada pelas estiagens (Zwolsman e van Bokhoven, 2007; Van Vliet e Zwolsman, 2008). Além disso, espera-se um aumento na liberação de fósforo de sedimentos basais em lagos estratificados, devido à diminuição das concentrações de oxigênio nas águas de fundo (Wilhelm e Adrian, 2008).

Modelos e cenários climáticos regionais e globais são ferramentas úteis para produzir entradas de dados para modelos hidrológicos, a fim de compreender e prever os efeitos em potencial da mudança climática nas massas aquáticas. Um aumento na frequência da seca de verão pode levar a uma gradual mobilização do nitrogênio nos solos que poderia ser conduzido para os córregos no início da estação chuvosa e provocar concentrações de nitrato mais altas nos rios (Wilby et al., 2006). Ducharne et al. (2007) previram um aumento na concentração de nitrato nas camadas aquíferas da bacia de Seine para os anos de 2050 e 2100 devido a um aumento nas precipitações e consequentemente na lixiviação do solo. Kaste et al. (2006) e Arheimer et al. (2005) respectivamente previram um aumento de 40–50% no fluxo de nitrato em 2070 –2100 nas bacias hidrográficas norueguesas e um aumento em fósforo (50%) e nitrogênio (20%) em lagos. Correlações entre precipitações, temperatura do ar, fluxo de descarga e fosfatos, nitratos e fósforo total (FT) no Rio Mekong também foram observadas (Prathumratana et al., 2008). Esses resultados estão em conformidade com Bhat et al. (2007) que descobriu que 73% do total da carga de nitrogênio de Kjeldhal em saídas de bacias hidrográficas florestadas foram levados pelo escoamento superficial durante eventos de temporais. Drewry et al. (2009) também encontrou correlações positivas entre FT, nitrogênio total, sólidos suspensos e fluxo. Foi também sugerido que a maior parte do fósforo é adsorvida em sólidos suspensos.

Para lagos, concentrações mais altas de fosfato e amônio em hipolímnion são frequentemente observadas durante o período de calor em países de clima temperado (Petterson et al., 2003). A mudança climática impacta esses ecossistemas de várias maneiras: mudanças na temperatura, na camada de gelo, vento e precipitação (Mooij et al., 2005). O escoamento da carga de P, comandada pela descargas que seguem as chuvas torrenciais, tende a aumentar com a mudança climática e consequentemente terá um impacto nos lagos (Mooij et al., 2005). Inversamente, as concentrações de nitrogênio em córregos são menos dependentes da vazão (Mooij et al., 2005). Supõe-se que os aumentos de temperaturas reduzam as concentrações de nitrato em lagos e aumentem o índice de desnitrificação e as perdas de N em solos situados rio acima e nas águas da superfície (Mooij et al., 2005). Ao contrário, a carga interna de P aumenta graças à decomposição microbiana dos sedimentos do lago (Jackson et al., 2007).

O acúmulo de fósforo hipolimnético solúvel depende da profundidade da termoclina e temperaturas hipolimnéticas (Wilhelm e Adrian, 2008). De fato, temperaturas hipolimnéticas mais altas aumentam a

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mineralização da matéria orgânicas hipolimnética e a liberação de fósforo dos sedimentos. Dramáticos pulsos de nutrientes na zona eufótica podem ser observados após vagas de calor (Wilhelm e Adrian, 2008).

Consequentemente, a alternância de eventos de mistura e longa estratificação ameaça mais especificamente os lagos polimíticos que os lagos dimíticos (Wilhelm e Adrian, 2008). Os aumentos de P na camada superficial, que estimulam o crescimento de fitoplâncton (Jackson et al., 2007), causando a eflorescência de algas e a deterioração da qualidade da água (Komatsu et al., 2007). Por último, com relação às concentrações de Fósforo Total (FT), as temperaturas mais altas podem impactar principalmente os lagos com longo tempo de residência (Malmaeus et al., 2006), muito embora, os índices de mudança nas concentrações de fosfato e nitrato parecerem independentes da morfometria do lago (Weyhenmeyer, 2008).

2.4. Micropoluentes inorgânicos

Na Europa Ocidental, a concentração de metais nos rios sofreram grande redução na década passada com os esforços de tratamento da água servida industrial e urbana. Contudo, as estiagens podem ter impacto na qualidade da água dos rios (Zwolsman e van Bokhoven, 2007; Van Vliet e Zwolsman, 2008), dependendo das propriedades dos compostos que podem ser tanto negativas quando positivas. Em primeiro lugar, concentrações de bário, selênio e níquel significativamente mais altas foram observadas no Rio Meuse durante a estiagem de 2003 (Van Vliet e Zwolsman, 2008).

Opostamente, concentrações de chumbo total, cromo, mercúrio e cádmio significativamente mais baixas foram medidas dentro do mesmo período. Essas diferenças se devem principalmente às desigualdades entre as capacidades de adsorção dos sólidos suspensos, contudo existem discrepâncias entre os estudos. Efetivamente, no Rio Rhine observou-se que as estiagens causam impacto negativo nas concentrações de metal de cádmio, cromo, mercúrio, chumbo, cobre, níquel e zinco, que foram mais altas durante a estiagem de 2003 que durante os períodos de referência (Zwolsman e van Bokhoven, 2007).

Thies et al. (2007) estudaram a resposta das águas do lago alpino alto (Alpes) ao aquecimento climático e observaram a liberação de soluto de gelo de geleira rochosa ativa. As águas da superfície sobre as pedras metamórficas foram afetadas pela condução progressiva de íons e metais pesados da água fundida. Eles previram que a água doce de altas montanhas será então progressivamente afetada pelo aquecimento climático.

Além disso, a forte complexação de alguns metais pelo COD provoca o transporte de chumbo, titânio e vanádio dissolvidos nos sistemas turfosos após o escoamento da tempestade (Rothwell et al., 2007). A mudança sazonal nas concentrações de metal dissolvido foi também observada para vários microelementos (Fe, Mn, Al, La, U, Th, Cd e As). O aumento no conteúdo de carbono orgânico e declínio nas condições de oxi-redução parecem estar relacionados à liberação de microelementos. Uma correlação positiva também é encontrada entre os eventos de tempestade e a concentração de microelementos em córregos (Olivie-Lauquet et al., 2001). Efetivamente, os colóides orgânicos e inorgânicos podem desempenhar um importante papel na mobilização de microelementos nos solos e na água (Pédrot et al., 2008).

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2.5. Micropoluentes orgânicos

As águas da superfície são as principais receptores da contaminação por pesticidas de uso agrícola. Bloomfield et al. (2006) observaram que as mudanças na sazonalidade e intensidade da chuva e aumento da temperatura do ar são os principais condutores na mudança de destino e comportamento dos pesticidas, embora os efeitos da mudança climática provavelmente sejam variáveis e difíceis de serem previstos. Lennartz e Louchart (2007) estudaram as interações físico-químicas entre a matéria orgânica do solo e compostos herbicidas (diuron e terbutilazina) após os ciclos de secagem e reumidificação, a fim de examinar se os impactos climáticos induziram variações no estado da água subterrânea.

Os resultados mostram que variações nos conteúdos da água subterrânea modificam a estrutura da matéria orgânica do solo, que obstruem a difusão e detém os pesticidas.

O aumento de eventos extremos com mudança climática provavelmente neutralizará as medidas de redução de pesticidas. Probst et al. (2005) simularam as entradas em córregos e descobriram, em cenário de tempestade (aumento na precipitação de 10 a 20 mm/dia), que a isoproturona e bifenox podem potencialmente apresentar maior risco devido a sua ecotoxicidade.

Com relação aos farmacêuticos, na bacia hidrográfica ao sul de Ontário, Lissemore et al. (2006) encontraram correlações significativas entre COD e algumas substâncias ativas frequentemente detectadas na água (monensina e carbamazepina), com variações nas concentrações da monensina, lincomicina, sulfametazina, trimetoprima e carbamazepina dependendo da vazão e quantidade de precipitação. Além disso, descobriram que o ácido clofíbrico e iopromida apresentam importante potencial de lixiviação que pode representar risco a longo prazo para a contaminação da água subterrânea pela água de rio, através de sedimento e subsolo (Oppel et al., 2004), especialmente em caso de eventos de tempestades.

2.6. Patógenos

Os patógenos transportados por água podem se espalhar na água doce depois desta ter sido contaminada por resíduos animais ou humanos, devido à descarga dos sistemas de esgoto combinado (SEC) em tempestades. Quando o fluxo excede a capacidade dos SEC, as tubulações de esgoto descarregam diretamente no corpo da água da superfície (Charron et al., 2004). Pednekar et al. (2005) estudaram a carga de coliformes em enseada de maré e mostraram que a água de tempestade vindo da bacia hidrográfica das vizinhanças é fonte primária de coliformes. Além disso, temperaturas da água mais altas provavelmente provocarão aumento na sobrevivência de patógenos no meio-ambiente, embora ainda não haja evidências claras. (Hunter, 2003).

As inundações frequentemente causam a contaminação da água subterrânea e eclosões adicionais de doenças como ceratite por Acanthamoeba em Iowa (EUA) em 1994 (Hunter, 2003). De acordo com Curriero et al. (2001), metade das eclosões de doenças transportados por água nos EUA durante a última metade do século ocorreu após um período de chuvas torrenciais. Embora o risco de erupção de doenças ligadas a redes de abastecimento seja baixo em países desenvolvidos, os abastecimentos privados estariam em risco

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(Hunter, 2003). Além disso, um aumento em temperatura ameaça a qualidade da água com relação a doenças transportadas pela água, especialmente a cólera, na Ásia e América do Sul (Hunter, 2003). Por último, foi mostrado que com o aumento da radiação UV devido à depleção da camada de ozônio, a MON capta os mais altos níveis de energia UV e se separa em mais compostos orgânicos biodisponíveis, minerais e micronutrientes. Todos esses processos podem estimular a atividade bacteriana em ecossistemas aquáticos (Soh et al., 2008).

2.7. Cianobactéria e cianotoxinas

A concorrência entre fitoplancton e cianobactéria pode favorecer a cianobactéria em clima mais quente (Arheimer et al., 2005) e pode também aumento sua dominância. Um fluxo de fósforo mais alto em epilímnion pode promover o crescimento de fitoplancton na camada eufótica e levar a evolução de um estado de água transparente dominado por macrófitas para um estado túrbido dominado por fitoplancton. Aumento nas temperaturas da água e na concentração de nutrientes provoca a eflorescência maciça de cianobactéria em muitas massas aquáticas (Hunter, 2003). Vagas de calor de verão também podem estimular o desenvolvimento de cianobactérias em lagos através da redução da mistura vertical turbulenta e aumento dos níveis de crescimento (Jöhnk et al., 2008). Além disso, novas espécies de cianobactérias como Cilindrospermopsis Raciborskii colonizaram habitats setentrionais devido a efeitos de aumento de temperatura. Essa cianobactéria tropical, conhecida por produzir Cilindrospermopsina foi agora detectada em águas doces na Europa Ocidental e Sul (Itália, Espanha e França) (Brient et al., 2008) e foi detectada nos lagos da Alemanha (Wiedner et al., 2007). Além disso, o aquecimento anual antecipado em países de clima temperado permite um crescimento mais importante e antecipado dessa alga (Wiedner et al., 2007). Por último, outra cianobactéria, como a Microcistis que pode produzir a microcistina, pode se tornar invasiva com o aquecimento climático (Jöhnk et al., 2008).

2.8. Indicadores de qualidade da água

Peixes, algas verdes e diatomáceas são frequentemente usados como indicadores de qualidade da água. Daufresne e Boët (2007) observaram um aumento relacionado a aquecimento global na abundância total e nas proporções das espécies de água quente e mudanças nas estruturas de tamanho em comunidades de peixes nos rios da França. As espécies de peixes termofílicos do sul substituíram progressivamente as espécies de água fria do sul no Rio Rhône acima (Daufresne et al., 2003). Além disso, a alta temperatura e a baixa capacidade de difusão de turbulência em lagos pode suprimir a abundância da população de algas verdes e diatomáceas (Jöhnk et al., 2008). Altas temperaturas parecem favorecer a dominância das cianotoxinas, como Microcistis, sobre as diatomáceas e algas verdes (Jöhnk et al., 2008).

2.9. Síntese

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Os impactos da mudança climática na qualidade da água da superfície estão resumidos na Fig.1, que considera os efeitos (estiagens e inundações) dos dois principais fatores (temperatura e chuva). Os impactos dependem do ambiente natural ou artificial, e as consequências podem ser diferentes de acordo com o tipo de corpo da água (rios, lagos, represas, tanques, mangues...) e características (tempo de residência da água, dimensão, forma, profundidade…). Para córregos, os principais parâmetros afetados são MOD e nutrientes, entretanto os patógenos e cianobactéria/cianotoxinas estão mais relacionados a lagos. Entre os micropoluentes, inorgânicos ou orgânicos são com frequência igualmente afetados.

Fig. 1. Impactos da mudança climática nos recursos de água e na qualidade da água de beber.

3. Impactos esperados na produção da água de beber

Pesquisa realizada na década de 1970, indicou a presença de subprodutos da desinfecção (SPDs) na água de beber (Rook, 1974; Symons et al., 1975). Atenção especial foi dada à concentração de trialometanos (THMs) por causa de seus potenciais efeitos carcinogênicos (Singer, 1993). O estudo sobre a ocorrência de SPDs nos sistemas de distribuição da água de beber aumentou nos recentes anos, focando em primeiro lugar na transformação da matéria orgânica natural. Com relação a SPDs emergentes ligados aos farmacêuticos e novas pesticidas, muito poucos estudos foram publicados, a fim de compreender sua formação e destino durante o

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tratamento da água. Para subprodutos farmacêuticos, a maioria dos estudos está limitada aos farmacêuticos de origem (PFOs) (Fent et al., 2006; Mompelat et al., 2009).

Esta parte tem por objetivo a revisão dos principais determinantes conhecidos na formação de SPDs nas condições comuns de tratamento de água. Em seguida, consideramos os esperados impactos da mudança climática sobre esses parâmetros e a degradação de qualidade da água de beber. Por último, apresentamos algumas necessidades adicionais de monitoramento para melhor conhecimento.

3.1. Determinantes dos SPDs

Diversos fatores, tais como a temperatura, carbono orgânico dissolvido (COD), pH, concentrações de bromo, bem como fatores operacionais ou doses de cloro e tempo de contato foram apontados no relatório, por afetarem significativamente a formação de SPDs (Nikolaou et al., 2004; Teksoy et al., 2008). A matriz da temperatura e da matéria orgânica influenciada pela mudança climática, será posteriormente considerada.

Com relação à influência da temperatura da água na formação de SPDs, a tendência geral indica que para temperaturas da água natural de superfície (5 a 30 °C), o aumento de temperatura eleva o nível de formação de SPDs. Alguns estudos (Rodriguez e Serodes, 2001) mostraram que as concentrações de THM variam significativamente (de 1,5 a 2 vezes, dependendo das instalações) entre a planta da água de beber e a torneira (a mais distante). Quando a temperatura da água excede 15 °C, as variações espaciais de THM são particularmente altas (de 2 a 4 vezes, dependendo das instalações). Da mesma forma, outros autores relataram que o aumento da temperatura (10 a 33 °C) geralmente aumentou a formação de SPDs de bromo orgânico (Zhang et al., 2005). Entretanto, esta tendência geral deve ser moderada para determinados SPDs instáveis. De fato, Yang et al. (2007) estudaram a formação de SPDs após 3 dias de cloraminação com monocloramina (NH2Cl) em três temperaturas (10 °C, 20 °C e 30 °C). Eles comprovaram aumentos na formação de clorofórmio com temperatura de10 a 30 °C. Entretanto, para SPDs mais instáveis as dicloroacetonitrilas (DCAN) e 1,1-dicloro-2-propano (1,1-DCP), esta tendência geral deve ser moderada, uma vez que sua decomposição pode aumentar com a temperatura.

Em termos de qualidade da água, foi determinado que os constituentes fúlvicos e húmicos da matéria orgânica são importantes precursores de THMs (Christman et al., 1990). O carbono orgânico total (COT), bem como a absorvância de UV, tem sido usados como indicadores da presença de matéria orgânica na água de beber (Thomas, 2007). Alguns autores apontaram que uma dose efetiva mínima de alume mostra uma forte relação estequiométrica com concentrações de COD nas águas de modelo (Shin et al., 2008). Além disso, diversos estudos mencionaram que a concentração de carbono orgânico dissolvido (COD) na água tratada com alume ou ferro estava diretamente relacionada à potencial formação de THM (van Leeuwen et al., 2005; Uyak e Toroz, 2007). Alguns projetos de pesquisa baseados em escala piloto de laboratório e dados de campo mostraram que quanto mais altos são os valores desses parâmetros, mais altas as concentrações de THMs formados (Rodriguez et al., 2000; Golfinopoulos et al., 1998; Garcia-Villanova et al., 1997; Montgomery, 1993). Para a formação dos SPDs, um fator determinante poderia ser a parte aromática ou fração hidrofóbica

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de MON e a distribuição de peso molecular (Randtke e Jepsen, 1981; Bose e Reckhow, 1998; Croue et al., 1999; Singer, 1999). Além disso, alguns estudos já mostraram que para águas que não são controladas pela floculação por varredura, as doses coagulantes são determinadas pelas concentrações de MON e partículas, sendo a sílica o fator determinante para a demanda de coagulação em altas concentrações de partículas (N100 mg/L) (Shin et al., 2008). Consequentemente, as substâncias húmicas associadas a mineral aumentam as propriedades intrínsecas de complexação de substâncias minerais para poluentes orgânicos e inorgânicos (Murphy e Zachara, 1995) e impacta diretamente na formação potencial de SPDs.

3.2. Potenciais impactos

Com relação a problemas de mudança climática na formação de SPDs, investigações anteriores já observaram que a ocorrência de THMs em água clorada pode variar significativamente de acordo com estação e localização geográfica do sistema de distribuição (Williams et al.,1997; Garcia-Villanova et al., 1997; Arora et al., 1997; Singer et al., 1995; Clark, 1994). Essas variações temporais e espaciais são devido a mudanças na qualidade da água bruta e tratada, bem como nos parâmetros operacionais (pH, dose de cloro, tempo de contato…) relacionado a cloração. Eventos de temporais conduzem a elevados níveis de turbidez e matérias orgânicas encontradas nas águas dos rios provocando a deterioração no desempenho do tratamento. Entretanto, foi mostrado que esse efeito não é uniforme. Isso pode ser devido à combinação de temperaturas da água mais baixas e uma mudança na natureza e maiores concentrações de MON na água natural (Hurst et al., 2004). Isso também explicaria o motivo pelo qual esses autores observaram que as diferenças sazonais tem um impacto significativo na robustez do processo, independente da turvação da água bruta. Rodriguez e Serodes (2001) mostraram que quando a temperatura da água é inferior a 15 °C, os THMs na água tratada não são superiores às concentrações iniciais de THM, mesmo que elas sejam altas (60 μg/L). A última situação pode ser típica na primavera ou outono, quando o conteúdo orgânico da água bruta e água tratada tende a aumentar após a chuva ou escoamento de campo. Para temperaturas da água de verão típicas (>18 °C), a concentração de THM no tratamento do sistema pode ser de 2 a 4 vezes, dependendo das instalações (Rodriguez e Serodes, 2001).

A natureza e concentração de COD não são os únicos parâmetros que drasticamente se alteram durante eventos de tempestade, devendo ser também levada em consideração a contribuição do compartimento biológico. Chen e Zhang (2008) globalmente mostraram que a alga contribuiu muito mais para a formação de AHA (ácidos haloacéticos) do que os THM durante eflorescências de verão e outono. Durante esses eventos especiais, quando a concentração de algas é de 20 a 80 milhões por litro, os precursores de DPP que se originaram da alga contabilizariam aproximadamente de 20% a 50% do total do potencial de formação.

Variações da temperatura, pH e composição aquosa que ocorrem durante a mudança climática também influenciam os contaminantes em suas sorções nas fases minerais. Ao avaliar o comportamento de lixiviação dos compostos antropogênicos, a influência das propriedades do solo deve ser levada em consideração (Oppel et al., 2004; Yu et al., 2009). Além disso, especialmente durante os eventos de chuva, a lixiviação de partículas minerais provoca altas concentrações em águas naturais, tendo um impacto direto na demanda de coagulação

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durante o tratamento da água, conforme visto anteriormente (Shin et al., 2008) e na formação de SPDs. Com relação à ocorrência e destino dos micropoluentes com respeito ao tratamento da água de

beber, os principais estudos (recentes) estão relacionados aos farmacêuticos. De fato, os estudos sobre os farmacêuticos estão principalmente ligados ao tratamento de água servida, cuja eficiência poderá afetar a qualidade dos recursos de água que recebem descarga de efluente tratada. Mesmo se eles forem parcialmente removidos, as quantidades residuais podem permanecer na água tratada, e foram encontradas na água de beber (torneira) (Al-Ahmad et al., 1999; Hernando et al., 2006). A eficiência da remoção dos farmacêuticos varia de acordo com os processos de tratamento e também com temperatura e tempo (Choi et al., 2008). Por exemplo, diclofenac apresentou índices de eliminação bastante diferentes entre 17% (Heberer et al., 2002), 69% (Ternes et al.,1998) e 100% (Thomas e Foster, 2004) dependendo desses dois últimos parâmetros. Finalmente, para a eliminação de pesticidas em processos de tratamento físico-químico convencionais da água de beber, tal como a floculação, sedimentação, filtragem ou abrandamento com cal, apenas determinadas substâncias lipofílicas são removidas adequadamente (Baldauf, 2006).

Micropoluentes naturais, principalmente os representados por cianotoxinas podem também exercer forte impacto no tratamento da água de beber. A cloração, micro-/ultrafiltragem e especialmente a ozonação são os procedimentos de tratamento da água mais eficazes na destruição da cianobactéria e na remoção de microcistinas (Hitzfeld et al., 2000). Durante eventos de eflorescência de cianobactérias, a ozonação pode ser um processo apropriado para eliminar as toxinas peptídicas, como a microcistina LA e LR (Rositano et al., 1998, 2001; Brooke et al., 2006). Muitos estudos com relação a remoção das toxinas da cianobactéria da água mostraram que a eficácia do processo de oxidação não é apenas dependente da concentração do reactante, mas também da temperatura, pH, composição iônica (Rositano et al., 1998; Shawwa e Smith, 2001) e concentração de MON (Al Momani et al., 2008). Embora poucos estudos tenham relatado a relação entre a alga e os precursores de SPDs, alguns autores apontaram a contribuição da alga para algumas formações de DPBs (Chen e Zhang, 2008). Alguns estudos tentaram melhorar a identificação de novos subprodutos para as cianotoxinas (Rodriguez et al., 2007; Merel et al., 2009). Entretanto, a formação de SPDs não foi amplamente investigada.

3.3. Monitoramento e modelo de impactos

Diante dos impactos previamente esperados na degradação da qualidade da água (de beber), diversas ferramentas de monitoramento são propostas.

O primeiro modo é incorporar as medições do COT (ou COD) on-line no algoritmo de controle de coagulação para o controle de pH e dose de coagulante para impedir a variação descontrolada, especialmente durante eventos de chuva/tempestade (Hurst et al., 2004). Na mesma área, o desenvolvimento dos sistemas ou os procedimentos de monitoramento em campo podem ser úteis para melhorar o conhecimento da MOD, a fim de avaliar as propriedade do volume, que influenciam principalmente a formação de subproduto de desinfecção, como as atividades biológicas (contribuição das algas, evolução fotossintética…) ou polaridade

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molecular.A análise de fluorescência pode ajudar na avaliação de fontes da MOD por assinaturas espectrais

relacionadas a águas afetadas pela atividade microbiana, tanto pela influência de água servida quanto por processos autóctones e pode correlacionar alguns desses dados com o COD, por exemplo (Parlanti et al., 2000; Jung et al., 2005; Rosario-Ortiz et al., 2007). Outra solução é a previsão da ocorrência ou destino de alguns parâmetros físico-químicos através de modelos. Uyak e Toroz (2007) propuseram um modelo para estimar a concentração de THM e AHA em água bruta clorada, por exemplo, no abastecimento de água da superfície. Outros modelos que relatam a dose de coagulante para a concentração e qualidade dos orgânicos presentes em águas naturais já foram desenvolvidos. Esses modelos possibilitam a previsão das doses de coagulante inorgânico que maximizam a remoção de orgânicos em um pH específico de coagulação (van Leeuwen et al., 2005). Como vimos anteriormente, é necessário continuar os estudos de desenvolvimento de modelo levando em consideração a temperatura. A complexidade das reações de formação de DPP dificulta o desenvolvimento de modelos universalmente aplicáveis. Esse campo de pesquisa, entretanto, deve ser considerado com especial atenção para o futuro.

Um último ponto a ser considerado é o desenvolvimento analítico para substâncias emergentes e subprodutos. Com relação a farmacêuticos e pesticidas, há uma real necessidade de identificação e avaliação da toxicidade dos subprodutos da degradação formados durante o tratamento da água. A remoção de farmacêuticos e outros micropoluentes polares podem ser garantido apenas utilizando-se avançadas técnicas como a ozonação, carbono ativado ou filtro de membrana (Ternes et al., 2002) ou eventualmente tratamento por UV (Canonica et al., 2008). Entretanto, apenas desenvolver as melhores técnicas de tratamento disponíveis para remover essas substâncias sem levar em consideração a formação de SPDs não é um desafio real.

A comparação entre o consumo de substâncias emergentes (tal como os farmacêuticos) e a ocorrência na água baseou-se em uma metodologia de referência, devendo as avaliações de risco ecotoxicológico e à saúde serem desenvolvidas em paralelo com os métodos analíticos que permitam a identificação e quantificação dos subprodutos.

3.4. Síntese

Os impactos da mudança climática nos problemas de tratamento da água de beber foram resumidos na Fig. 2. Deve-se lembrar que a mudança climática pode provocar, em termos de recursos (águas da superfície), grandes variações hidrológicos, elevação da temperatura da água e aumentos da carga de poluição (química e microbiológica). Para plantas de tratamento, considerando-se que todas as ações de recuperação podem ser feitas (redução da fonte de poluição, limitação de escoamento, administração da redução de fertilizantes e pesticidas, etc.) medidas de adaptação precisam ser consideradas para melhor eficiência, particularmente com relação a eventos extremos (chuvas torrenciais e estiagens). Essas medidas integram as etapas de tratamento complementar e controle de processo, mesmo para pequenos sistemas de abastecimento de água. Além disso, o monitoramento da qualidade da água com análise de micropoluentes, entre os quais as substâncias emergentes

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e subprodutos do tratamento, precisam ser realizados, bem como a avaliação de risco à saúde (seguindo um procedimento de plano de segurança da água). Obviamente, em caso de grandes inundações, o transporte de garrafas ou tanques pode ser a única solução para abastecimento seguro da água de beber.

Fig. 2. Impactos da mudança climática e problemas de tratamento da água de beber.

4. Conclusão

O principal resultado desta revisão de literatura sobre o impacto da mudança climática na qualidade da água da superfície (desde os recursos até a torneira) é que há uma tendência à degradação da qualidade da água de beber, provocando um aumento de situações de risco com relação ao impacto em potencial à saúde, principalmente durante eventos meteorológicos extremos. Entre os parâmetros da qualidade da água, a matéria orgânica dissolvida, os micropoluentes e patógenos são susceptíveis à elevação em concentração ou número como consequência do aumento da temperatura (água, ar e solo) e chuvas torrenciais em países de clima temperado.

Outra conclusão é a falta de informação sobre ocorrência de micropoluentes e seu destino com relação aos impactos da mudança climática e a eficácia do tratamento, incluindo potencialmente a associação e o transporte com a matéria orgânica natural. Os subprodutos de desinfecção de micropoluentes não removidos durante o tratamento e os resíduos precisam ser identificados e sua toxicidade avaliada. A última conclusão

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se refere às doenças potencialmente transportadas pela água e fortemente ligadas aos impactos da mudança climática, mas ainda pouco estudadas pelo menos em países de clima temperado. Finalmente, há grande necessidade de monitorar a qualidade da água e prever ferramentas como modelos e sistemas de suporte para tomada de decisão, principalmente com o objetivo de avaliar os riscos à saúde e ações de recuperação e adaptação.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Sophie Mompelat e Sylvain Merel, Estudantes PhD do Laboratoire d’Etude et de Recherche en Environnement et Santé (LERES), por suas discussões produtivas sobre cianotoxinas e ocorrências farmacêuticas e persistência em meio-ambiente. Agradecem também a André Lavoie da Universidade de Sherbrooke por sua ajuda, bem como pela revisão do manuscrito, sugerindo-nos melhorias bastante importantes.

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Page 109: Revista InterfacEHS edição completa Vol. 6 n.2

108 109

Saúde e Mudança Climática 6

Saúde pública se beneficia das estratégias de redução de emissão de gases de efeito estufa: visão geral e implicações dos responsáveis políticos1

Andy Haines2, Anthony J McMichael, Kirk R Smith, Ian Roberts, James Woodcock, Anil Markandya, Ben G Armstrong, Diarmid Campbell-Lendrum,

Alan D Dangour, Michael Davies, Nigel Bruce, Cathryn Tonne, Mark Barrett, Paul Wilkinson

Resumo

Esta Série examinou as implicações à saúde das políticas que tratam da problemática da mudança climática. Avaliações das estratégias de abrandamento nos quatro domínios - energia doméstica, transporte, alimento e agricultura, e geração de eletricidade – sugerem uma importante mensagem: as ações para reduzir a emissão de gases de efeito estufa frequentemente, embora nem sempre, acarretam benefícios líquidos para a saúde. Em alguns casos, os potenciais benefícios parecem ser substanciais. Essa evidência fornece uma razão a mais e imediata e para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, além do abrandamento da mudança climática em si. A mudança climática é uma ameaça em evolução e crescente à saúde da população mundial. Ao mesmo tempo, pesados encargos à Saúde Pública continuam em muitas regiões. Portanto, a mudança climática adiciona também urgência à tarefa de resolver as prioridades internacionais da saúde, como por exemplo, as Metas de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas. O reconhecimento de que as estratégias de abrandamento podem ter substanciais benefícios para a proteção da saúde e do clima oferece a possibilidade de escolhas políticas que tenham potencialmente melhor relação custo-benefício e socialmente sejam mais atraentes que aqueles que tratam dessas prioridades de forma isolada.

1 Versão traduzida do artigo: “Public health benefi ts of strategies to reduce greenhouse-gasemissions: overview and implications for policy makers” - Andy Haines, Anthony J McMichael, Kirk RSmith, Ian Roberts, James Woodcock, Anil Markandya, Ben G Armstrong, Diarmid Campbell-Lendrum,Alan D Dangour, Michael Davies, Nigel Bruce, Cathryn Tonne, Mark Barrett, Paul Wilkinsonet al. / Lancet 2009; 374: 2104–14.2 Prof Andy Haines, Londres School of Hygiene and Tropical Medicine, Keppel Street, Londres WC1E 7HT, Reino Unido - [email protected]

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110

Introdução

A mudança climática ameaça a saúde da população humana do mundo todo, mas particularmente em países de baixa renda.1 Essas consequências adversas à saúde estão entre as mais importantes razões pelas quais os governos precisam coletivamente agir com resolução e urgência para reduzir globalmente as emissões de gases de efeito estufa. Entretanto, o que tem sido menos amplamente compreendido é que as políticas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (políticas de abrandamento da mudança climática) podem com frequência ter efeitos potencialmente grandes e mais imediatos na saúde da população. Esses efeitos secundários são importantes não apenas porque podem oferecer uma razão adicional para se tentar alcançar as estratégias de abrandamento, mas também porque o progresso tem sido lento no tratamento das prioridades internacionais relacionadas à saúde como por exemplo, as Metas de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas (MDMs)2 e as reduções nas desigualdades da saúde. As medidas de abrandamento podem, portanto, oferecer uma oportunidade não apenas de reduzir os riscos de mudança climática, mas também, se bem escolhidas e implementadas, de propiciar melhorias em saúde. São os chamados co-benefícios do abrandamento, embora nem todos os efeitos sejam necessariamente positivos.

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110 111

Principais Mensagens

• Muitas medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos setores de energia doméstica, transporte, alimento e agricultura e geração de eletricidade apresentam benefícios adicionais à saúde (ou co-benefícios à saúde), que, com frequência, são substanciais.• Os co-benefícios à saúde decorrentes de tais medidas podem ajudar a tratar das atuais prioridades globais da saúde, como por exemplo, a mortalidade infantil por infecção respiratória aguda, doença cardíaca isquêmica em adultos e outras doenças não comunicáveis.• Melhorias no acesso à energia limpa disponível (especialmente para as populações desfavorecidas), juntamente com outras estratégias apropriadas de vários setores, podem contribuir para a redução de risco da mudança climática perigosa, ao mesmo tempo em que proporciona melhorias à saúde, reduz a pobreza e favorece o desenvolvimento.• Políticas específicas que podem reduzir as emissões de gases de efeito estufa e resultar em benefícios à saúde incluem o transporte ativo (caminhada e ciclismo) e uso restrito de carros em áreas urbanas, maior compreensão de fogões aprimorados em países de baixa renda, consumo reduzido de produtos animais em locais de alto consumo e geração de eletricidade de fontes renováveis ou outras de baixo teor de carbono, em vez de combustíveis fósseis, particularmente o carvão.• Os custos variáveis da implementação de tais estratégias podem ser compensados, pelo menos parcialmente, pelos benefícios à saúde e desenvolvimento e esses co-benefícios devem ser levados em conta nas negociações internacionais.• Algumas medidas, entretanto, podem ter efeitos negativos à saúde; assim sendo é importante que se avalie os efeitos à saúde das estratégias de abrandamento de gases de efeito estufa.• Os mecanismos de transferência de recursos de desenvolvimento limpo de países de alta renda para os de baixa renda deverão levar em consideração as consequências à saúde das tecnologias e estratégias ao decidir sobre as prioridades dos fundos.• Os métodos para avaliar os efeitos à saúde das estratégias de abrandamento da mudança climática apresentados nesta Série devem ser ainda desenvolvidos e aplicados, para informar os responsáveis políticos.• Os profissionais da saúde possuem importante papel no projeto da economia de baixa emissão de carbono, motivados pela evidência dos benefícios projetados para a Saúde Pública.

País,cidade,

ouregião

Mecanismo de saúde

PrincipaisConsequências

à saúdeRedução

Custo aproximado

(em dólar americano)

Potenciais efeitos adversos

à saúde

Energia doméstica

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112

Eficiência da energia doméstica

Reino Unido

Mudanças na poluição em ambiente

interno (radônio, partículas, monóxido

de carbono, fumante indireto);

mofo; temperatura de ambiente interno no inverno.

Câncer de pulmão

(radônio),doença

cardiovascular, doença

respiratória aguda e

crônica, morte relacionada ao

frio/inverno

850

$5000 a 50000, preço

único por família,

compensação por custos* recorrentes

mais baixos do

combustível

Aumento na concentração de poluição

decorrente de pouca ventilação

e maior risco relacionado ao frio decorrente de temperaturas

internas de refrigeradores.

Fogões de combustão

limpaÍndia

Mudanças na exposição

à poluição de ambiente

interno

Infecção aguda do trato

respiratório inferior, doença

cardíaca isquêmica,

doença respiratória obstrutiva

crônica

12500

Custo de $50 por fogão,

possivelmente a cada 5 anos de

economia de combustível

contínua e/ou economia de

tempo

Nenhum efeito adverso identificado

Sistema de Transporte

Menor teor de carbono e transporte mais ativo

Londres, Reino Unido

Poluição do ar alterada, mudanças no risco de ferimento, mudanças

em atividade física

Doença cardíaca isquêmica,

doença cerebrovascular,

demência, câncer de mama, câncer pulmonar,

câncer do cólon, diabetes,

depressão, ferimentos por acidentes de

tráfego

7400

Incerto: possivelmente

negativo (redução de

custo) para as famílias

Solução de compromisso

entre a redução de risco de

acidente de tráfego

por redução de viagens por veículo

motorizado e maior exposição

ao perigo remanescente de

mais caminhada e ciclismo.

Menor teor de carbono e transporte mais ativo

Delhi,Índia

Idêntico ao caso do Reino

Unido

Doença cardíaca isquêmica,

ferimentos por acidentes de

tráfego, doenças cerebrovascular, câncer pulmonar,

diabetes, depressão

13000Idêntico ao

caso do Reino Unido

Idêntico ao caso do Reino Unido

Alimento e agricultura

Menor consumo

de produtos animais

Reino Unido

Menor ingestão

de gordura saturada

Doença cardíaca isquêmica 2900

Incerto: possivelmente

negativo (redução de custos) para residências e

sociedade

Crescimento infantil e

desenvolvimento decorrente de

menor consumo de produto

animal(países de baixa

renda)

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112 113

Menor consumo

de produtos animais

Cidade de São Paulo, Brasil

Idêntico ao caso do Reino

Unido

Idêntico ao caso do Reino Unido 2200

Idêntico ao caso do Reino

Unido

Idêntico ao caso do Reino Unido

Geração de eletricidade

Tecnologias / combustíveis

com baixo teor de carbono

União Europeia

Menor poluição do ar (particulado)

mortalidade cardiopulmonar, câncer pulmonar,

mortalidade ocupacional

100

$140 por tonelada de dióxido de

carbono

Aumento na insuficiência

de combustível decorrente de

custos mais altos de eletricidade, riscos à saúde por geração

nuclear e captura e armazenamento

de carbono.Tecnologias / combustíveis

com baixo teor de carbono

ChinaIdêntico ao

caso da União Europeia

Idêntico ao caso da União

Europeia550

$70 por tonelada de dióxido de

carbono

Idêntico ao caso da União

Europeia

Tecnologias / combustíveis

com baixo teor de carbono

ÍndiaIdêntico ao

caso da União Europeia

Idêntico ao caso da União

Europeia1500

$40 por tonelada de dióxido de

carbono

Idêntico ao caso da União

Europeia

DALY= disability-adjusted life-year [Anos de vida com ajustamento pela deficiência]. *Explicação mais detalhada para esses custos é dada no primeiro documento desta Série.3

Tabela: Resumo dos cenários considerados nas avaliações de quatro setores.

[legenda da Figura 1]

DALYs saved per million 2010 population in 1 year =

DALYs preservados por milhão de população em 2010, em um ano.

Megatonnes CO2e saved per million 2010 population

= Megatoneladas de CO2e economizadas por milhão de população em 2010

India, clean cookstove, 2010* = Índia, fogão limpo, 2010*

UK, food (IHD)‡ = Reino Unido, alimento (DCI)‡

UK, housing, fuel switching† = Reino Unido, residência, troca de combustível†UK, housing, combined efficiency measures = Reino Unido, residência, medidas de eficiência

combinadas

UK, housing, lower thermostat setting =Reino Unido, residência, regulagem mais baixa do

termostato

UK, housing, fabric insulation = Reino Unido, residência, isolamento de tecido

UK, housing, ventilation = Reino Unido, residência, ventilação

DALYs saved in 1 year (log scale) = DALYs preservados em um ano (escala em log)Megatonnes CO2e saved (log scale) = Megatoneladas de CO2e economizadas (escala em

log)Household energy = Energia domésticaFood and agriculture = Alimento e agriculturaIndia, clean cookstove, 2010* = India, fogão limpo, 2010*UK, food (IHD) = Reino Unido, alimento (DCI)UK, housing, combined efficiency measures = Reino Unido, residência, medidas de eficiência

combinadas105 DALYs/megatonne = 105 DALYs/megatonelada104 DALYs/megatonne = 104 DALYs/megatoneladaUK, housing, fabric insulation = Reino Unido, residência, isolamento de tecido

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114

UK, housing, ventilation = Reino Unido, residência, ventilação103 DALYs/megatonne = 103 DALYs/megatonelada102 DALYs/megatonne = 102 DALYs/megatonelada

Figura 1: Estudo de caso de Redução imputável ao ônus da doença e emissões de dióxido de carbono equivalente para energia doméstica e alimento e agricultura

(A) Anos de vida com ajustamento pela deficiência (DALYS) preservados e redução de dióxido de carbono equivalente (CO2e) por milhão de população em 2010. (B) Redução no total de DALYs e CO2e para cada país. Dimensões do círculo proporcional à população do país em questão. DALYs preservados são baseados nos cálculos do custo imputáveis em comparação à saúde da população de 2010 com e sem as medidas de abrandamento especificadas. Resultados de cenário com mudança negativa ou zero não foram plotados em B. DCI = doença cardíaca isquêmica. *Cálculos alternativos baseados na implementação encenada do programa do fogão de mais de 10 anos encontram-se no primeiro documento desta Série.3 A redução nas emissões de gases de efeito estufa está principalmente baseada nos poluentes diferentes de dióxido de carbono e a equivalência ao dióxido de carbono deve ser interpretada por aproximação. †Mudança zero foi mostrada, mas a mudança líquida nas emissões de dióxido de carbono é provavelmente dependente das fontes de combustível primário alternativo.

O estudo do caso da cidade de São Paulo não foi incluso, por causa das incertezas sobre as emissões de gases de efeito estufa relacionadas à criação de gado. ‡As mudanças mostradas nas emissões de gases de efeito estufa são aquelas que ocorreram diretamente no Reino Unido exclusivamente, e não incluem as possíveis reduções na emissão de outros países que criam gado para consumo no Reino Unido. Aproximadamente 20 a 30% dos produtos derivados de gado consumidos no Reino Unido são importados.

[legenda da Figura 2]

DALYs saved per million 2010 population in 1 year

= DALYs preservados por milhão de população em 2010, em um ano.

Megatonnes CO2e saved per million 2010 population

= Megatoneladas de CO2e economizadas por milhão de população em 2010

Delhi, towards sustainable transport* = Delhi, em direção a transporte sustentável *Delhi, more active transport* = Delhi, transporte mais ativo*London, towards sustainable transport = Londres, em direção a transporte sustentávelLondon, more active transport = Londres, transporte mais ativoIndia, electricity, full trade = India, eletricidade, comércio totalDelhi, lower carbon transport* = Delhi, transporte de menor teor de carbono*China, electricity, full trade = China, eletricidade, comércio totalLondon, lower carbon driving = Londres, condução de menor teor de carbono EU, electricity, full trade = EUA, eletricidade, comércio total

DALYs saved in 1 year (log scale) = DALYs preservados em um ano (escala em log)Megatonnes CO2e saved (log scale) = Megatoneladas de CO2e economizadas (escala em

log)Electricity generation = Geração de eletricidade Transport = TransporteIndia, electricity, full trade = India, eletricidade, comércio totalChina, electricity, full trade = China, eletricidade, comércio totalLondon, more active transport = Londres, transporte mais ativoEU, electricity, full trade = EUA, eletricidade, comércio totalLondon, towards sustainable transport = Londres, em direção a transporte sustentável105 DALYs/megatonne = 105 DALYs/megatonelada104 DALYs/megatonne = 104 DALYs/megatonelada103 DALYs/megatonne = 103 DALYs/megatonelada102 DALYs/megatonne = 102 DALYs/megatoneladaLondon, lower carbon driving = Londres, condução de menor teor de carbono

Figura 2: Estudo de casos de redução de encargos atribuíveis à doença e às emissões de dióxido de

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114 115

carbono equivalente, relacionados à geração de eletricidade e ao transporte

(A) Anos de vida com ajustamento pela deficiência (DALYS) e redução de dióxido de carbono (CO2) por milhão de população em 2010. (B) Redução no total de DALYs e CO2 para cada país, cidade, ou região. Dimensões do círculo proporcional à população do país, cidade, ou região em questão. Estimativas de DALYs preservados com base nos cálculos do ônus imputável em comparação aos cenários de abrandamento de 2030 em cenários de manutenção da situação atual em 2030. Resultados de cenário com mudança negativa ou zero não foram plotados em B.

EU=União Europeia. *Embora haja pequenos aumentos (economias negativas) nas emissões de CO2 para cenários de abrandamento para o transporte em Delhi em comparação a 2010, todos os três cenários promoveram economias apreciáveis de emissões de CO2 com relação às projeções da situação atual. As reduções por milhão de população em 2010 com relação às projeções da situação atual são: 0,14 megatoneladas para condução de menor teor de carbono, 0,52 megatonelada para transporte mais ativo, e 0,58 megatonelada para cenário de transporte sustentável.

Visão geral das avaliações setoriais

Esta Série enfocou os efeitos das estratégias de abrandamento sobre a saúde em quatro setores — energia doméstica,3 transporte,4 alimento e agricultura,5 e geração de eletricidade6 — usando exemplos de cenários de alta, média e baixa renda. Em cada setor, as ligações potenciais entre a redução nas emissões de gases de efeito estufa e saúde parecem ser fortes. Os métodos e resultados são resumidos na tabela e nas figuras 1 e 2. O sexto documento7 da Série analisa e apresenta nova evidência dos efeitos dos poluentes de efeito estufa de vida curta sobre a saúde, os quais são emitidos por vários setores.

As Figuras 1 e 2 mostram as avaliações dos efeitos dos cenários de abrandamento em termos de mudanças na saúde (anos de vida com ajustamento pela deficiência [DALYs] preservados) e reduções nas emissões de dióxido de carbono equivalente (CO2e) por milhão de população em 2010, e em termos de números absolutos (ou seja, mudança total para as populações relevantes como um todo). É importante notar que os resultados específicos por setor e por ambiente mostrados nas figuras 1 e 2 não são exatamente comparáveis entre si, uma vez que cada avaliação possui seus próprios conjuntos de pressupostos e métodos detalhados de estimativa. Os resultados devem ser, portanto, interpretados apenas como indicações gerais da magnitude do efeito.

Para o estudo de caso dos setores de energia doméstica e alimento e agricultura (figura 1), os efeitos estimados à saúde das estratégias para reduzir os gases de efeito estufa foram calculados a partir da diferença entre as exposições basais (2010) e os que ocorreriam com o abrandamento, supondo-se que as circunstâncias são, de alguma forma, mantidas constantes em relação às condições de 2010. Essa abordagem possui a vantagem de reduzir a necessidade de projeções incertas e tornar claro o efeito autônimo do abrandamento, contudo ela

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116

não leva em consideração as tendências potencialmente importantes ao longo do tempo, particularmente na exposição, que pode advir em decorrência das mudanças políticas ou sociais não relacionadas ao abrandamento da Mudança Climática.

A avaliação das medidas de abrandamento nos setores de geração de eletricidade e transporte (figura 2), por contraste, empregou as projeções para as exposições de 2030, parcialmente porque os modelos estavam prontamente disponíveis aos investigadores, mas também porque nesses setores o passo do desenvolvimento tecnológico e social provavelmente resultará em grandes mudanças em exposições durante as décadas vindouras, especialmente em países como a India e China. Assim, calculamos os efeitos na saúde para a população de 2010 usando as diferenças em exposições estimadas em 2030 entre a situação atual e os cenários de abrandamento.

Espera-se que muitos, embora nem todos, dos cenários de abrandamento que tenham benefício líquido em saúde da população, pelo menos em termos de caminhos diretos modelados. Em alguns casos, notadamente os fogões limpos na India, e transporte sustentável com base na maior participação em caminhada e ciclismo juntos com uso muito menor de carros em Delhi, os benefícios parecem substanciais – mais de 10 000 DALYs por milhão de população em 2010. Esses cenários e o exemplo da ingestão reduzida de gordura saturada para o Reino Unido também teve grandes reduções por megatonelada de economia de CO2e — maior que 10 000 DALYs economizados em 1 ano por megatonelada de redução das emissões CO2/CO2e (figuras 1 e 2). Essas intervenções afetam os riscos das principais causas (grandes encargos) de mortalidade e morbidade,

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116 117

que explicam as grandes reduções em DALYs por milhão de população sugeridas para esses cenários. Todos os estudos de caso de transporte para Delhi mostram um aumento em emissões em comparação a 2010 por causa do substancial aumento populacional projetado e, em alguns cenários, no transporte motorizado, em comparação a 2010, embora todos os três cenários apresentem economias nas emissões de CO2 em comparação a projeções da situação atual em 2030.

Essas economias de emissão de CO2 seriam substanciais para os cenários que acarretam menor número de viagens motorizadas particulares.

Essas mudanças gerais positivas mascaram alguns potenciais efeitos negativos à saúde que precisam ser preservadas contra — por exemplo, possíveis consequências nutricionais negativas de um menor consumo de produtos de gado no crescimento e desenvolvimento infantil em cenários de baixo consumo; e possível exposição aumentada ao radônio, mofo, e poluição do ar de ambiente interno devido a níveis reduzidos de ventilação doméstica em cenários de alta renda.

Além disso, enquanto um menor uso de veículos motorizados pode causar menos risco de acidente de tráfego, portanto menos ferimentos por acidentes de tráfego, mais caminhada e mais ciclismo podem aumentar a exposição ao perigo de tráfego rodoviário remanescentes, aumentando assim o número de ferimentos por acidentes de tráfego. A solução de compromisso entre esses efeitos variará de acordo com o cenário, mas pode ser melhorado através de políticas apropriadas. Medidas para proteger de tais consequências adversas podem ser tomadas, desde que elas sejam reconhecidas, salientando o valor dos estudos de modelo, da avaliação das intervenções para testar e refinar as principais decisões políticas.

A extensão das mudanças em emissões, condições ambientais locais e comportamentos associados apresentam incertezas inevitáveis que afetam o que poderia ser encontrado no complexo cenário do mundo

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real. A geração de eletricidade com reduzida emissão de gases de efeito estufa e a maior eficiência de energia doméstica no Reino Unido, parecem ter modestos, embora ainda importantes benefícios à saúde, contudo afetam bastante as emissões de gases de efeito estufa. Os custos econômicos são também importantes na escolha de estratégias de abrandamento, mas a sua avaliação não é direta, em decorrência dos desafios metodológicos (painel 1).

Painel 1: Desafios Metodológicos

Um dos principais desafios é o desenvolvimento de cenários confiáveis de abrandamento das emissões de gases de efeito estufa e projeção das situações atuais durante as futuras décadas. Esse desafio é especialmente difícil no caso de sociedades que estão em rápido desenvolvimento, onde, por exemplo, os padrões de transporte podem mudar substancialmente em curto tempo com implicações importantes para a Saúde Pública. Os pesquisadores da Saúde Pública devem trabalhar em conjunto com os envolvidos na pesquisa e no planejamento estratégico em setores relevantes, para assegurar que os cenários usados estão baseados na melhor evidência disponível sobre prováveis tendências e que as suposições em que se baseiam estão transparentes. A seleção de cenários de situações atuais e as suposições implícitas são importantes e podem afetar as estimativas dos co-benefícios à saúde dependentes, por exemplo, quais suposições são feitas sobre as reduções da poluição do ar em decorrência da legislação ou introdução dos mecanismos de limpeza não relacionadas à política de mudança climática. Suposições sobre as tendências implícitas na prevalência e mortalidade decorrentes de distúrbios, por exemplo, a doença cardíaca isquêmica pode afetar materialmente as estimativas do efeito. São necessárias análises sensíveis que explorem as diversas suposições em potencial sobre as futuras tendências e relações entre as políticas relevantes e as consequências à saúde. As estimativas do efeito devem ser revisitadas como novas perspectivas científicas das relações de exposição-respostas ou opções tecnológicas para que a redução de emissões de gases de efeito estufa seja disponibilizada.

A análise do custo-benefício ou, mais comumente, custo-eficácia é amplamente usada, para avaliar as intervenções de saúde. No contexto particular dos co-benefícios da mudança climática à saúde, a análise do custo–benefício não é especialmente útil, visto que tal análise implicaria a comparação dos benefícios da redução nas emissões (benefícios à saúde a curto e médio prazo, bem como os que advêm da redução de longo prazo de gases de efeito estufa) contra os custos implicados na obtenção de tais reduções. Os modelos de avaliação integrados que incorporam as reduções em emissões de gases de efeito estufa em diversos setores e estratégias devem levar em consideração os co-benefícios à saúde.

No projeto das medidas de abrandamento, os alvos da redução de gases de efeito estufa em diferentes períodos são, com frequência, tomados como fixos e a análise de custo-benefício permite a escolha de opções de custo de menor importância para atingir esses alvos. O principal objetivo da atividade é restringir as emissões de gases de efeito estufa. Ganhos diretos e circunstanciais da saúde são um bônus adicional ao valor da ação de abrandamento e se esses benefícios podem ser calculados em termos monetários eles podem ser compensados pelos custos dessas ações, dando um custo líquido resultante por tonelada reduzida de gases de

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efeito estufa. Essas análises foram amplamente feitas para intervenções que reduzem o dióxido de carbono e outros poluentes de efeito estufa decorrentes de eletricidade e fogões domésticos. Entretanto, fazer uma análise de custo-benefício pode ser uma tarefa difícil.

Algumas das questões que foram levantadas incluem:Como calcular o curso indefinidamente contínuo do ganho da saúde, especialmente reduções de

mortalidade prematura? É ético tomar diferentes valores para os benefícios, que dependem do quanto o país é saudável?

O desconto de futuros ganhos é relevante ou o valor do abrandamento estaria sendo subestimado e a injustiça intergeracional sendo introduzida?

Como os benefícios devem ser avaliados em termos de custos? Por exemplo, a redução do uso de carro e aumento de transporte ativo em cidades podem reduzir as contas de combustível e os custos de propriedade de veículo para as famílias, mas poderia aumento os tempos de percurso, pelo menos até que o uso da terra e destinos de viagem mudem.

Como podem ser avaliados os efeitos econômicos diretos e indiretos da principal mudança social ? Esses efeitos incluiriam o benefício para setores específicos e desvantagens para outros e maior vantagem comparativa para fornecedores locais em relação aos distantes. Esses efeitos não são perceptíveis para análise de custo-benefício, mas ainda assim precisam ser investigados através de modelos macroeconômicos.

As cidades sustentáveis, com menor uso de recursos e reduzidas emissões de gases de efeito estufa, podem atingir as metas sociais equivalentes ou melhores em comparação àquelas que consomem quantidades maiores de recursos? Além disso, isso levantaria questões quanto ao tipo de cidades que desejamos para morar e como desejamos viver dentro dela.

Nem todos os ganhos e perdas em saúde podem ser quantificados, assim os valores monetários representarão apenas uma parte do conjunto total de ganhos e perdas de várias ramificações sociais, econômicas e tecnológicas da intervenção inicial.

Por essas razões, não tentamos realizar uma análise de custo–benefício de todas as opções e não foi possível realizar uma análise sistemática de custo-eficácia, pelo menos neste estágio do programa de pesquisa, para cada uma das várias ações de abrandamento. Entretanto, o custo-eficácia da ação de abrandamento pode ser avaliada por estratégias, cujas estimativas de custo podem exequivelmente ser desenvolvidas.8 Toda atividade de abrandamento pode ser avaliada, pelo menos teoricamente, em termos de custo por unidade de ganho de saúde e por unidade de redução em emissões de gases de efeito estufa.

Os custos de mudanças, particularmente nos setores de agricultura e transporte, são muitos difíceis de serem avaliados, pois a implementação pode envolver uma complicada combinação de mudanças nos impostos, subsídios, regulamentos, desenvolvimentos de infraestrutura e muitas outras políticas, com amplos efeitos indiretos. É necessário também levar em consideração quem paga o custo das políticas e quem se beneficia das potenciais economias — por exemplo, o custo das intervenções de eficiência e as economias

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que podem decorrer dos custos de combustível. A identificação de todos esses fatores é um exercício por si só importante, que justificaria futuras pesquisas.

Todavia, os custos das diferentes intervenções podem ser considerados em termos amplos (tabela). Um programa de aprimoramento do fogão na Índia, por exemplo, acarretaria um custo anual por residência de, no máximo, poucas dezenas de dólares norte-americanos e economias contínuas em termos de despesa que pode assumir a forma de gastos em combustível ou em tempo que tem custo de oportunidade. Os custos do fogão, particularmente para famílias mais pobres, podem ser reduzidos através do financiamento do carbono, a fim de fornecer subsídios ou outros instrumentos financeiros em favor dos menos favorecidos. Entretanto, a eficiência do programa de energia doméstica no Reino Unido, para atingir os padrões exatos especificados, custaria na faixa de $5000 a 50 000 por residência, resultando em contas de combustível menores, em média, em torno do $500 por ano sobre os preços atuais, porém muito mais que proporcionariam os custos de combustível fóssil e eletricidade. Estima-se que as reduções, em relação aos níveis atuais de emissões de gases de efeito estufa, devido à geração de eletricidade pelo modelo de comércio total — cujas metas nacionais podem ser atendidas através de compra e venda de permissões de emissões no mercado mundial dessas referidas permissões – variem em termos de custo de poucas dezenas de dólares por tonelada de CO2 na Índia para mais de $100 por tonelada no Reino Unido. As mudanças no transporte, que proporcionam aumentos substanciais em caminhada e ciclismo com redução no uso de veículo motorizado urbano e mudanças nos padrões da dieta alimentar, são potencialmente econômicos para as famílias e para a sociedade com relação aos atuais gastos, embora as políticas para concretizar essas mudanças acarretem custos não determinados em nossas análises.

O Serviço de Saúde Nacional do Reino Unido (NHS [National Health Service]) gasta aproximadamente $5000 por minuto em tratamento de doenças que poderiam ser prevenidas por atividades físicas regulares.9 A redução nesses gastos e outros benefícios ajudariam a compensar qualquer custo de implementação. Além disso, o potencial dos benefícios poderá ser maior no futuro — por exemplo, em 2050, o modelo utilizado no relatório de Foresight10 sugere que 60% dos homens adultos, 50% de mulheres adultas, e aproximadamente 25% de todas as crianças com menos de 16 anos serão obesas.

A projeção para custos do NHS imputáveis a sobrepeso e obesidade é de que dobrem para 10 bilhões de libras por ano em 2050. Estima-se que os crescentes custos para a sociedade e para os negócios cheguem a aproximadamente de 50 bilhões de libras por ano (a preços atuais).

Em termos de escolhas estratégicas, os maiores ganhos em saúde parecem resultar de mudanças no transporte ativo e nas dietas de baixo consumo de alimentos de origem animal, pelo menos para a população adulta em países de alta renda. O programa do fogão limpo da Índia também parece uma intervenção prioritária de baixo custo por seus benefícios à saúde pública, embora seus efeitos sobre as emissões de poluentes de efeito estufa sejam menos facilmente determinados (e se refere principalmente às emissões de gases de efeito estufa diferentes de CO2: metano, monóxido de carbono e carbono preto e orgânico, em circunstâncias que

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o combustível de biomassa é armazenado de forma renovável, resultando em emissões CO2 líquidas nulas).

A evidência sugere que são possíveis ganhos substanciais em saúde (somados às substanciais reduções em gases de efeito estufa e emissões de carbono preto) a baixo custo melhorando-se a combustão de sólidos combustíveis domésticos (carvão e biomassa) em residências confinadas e não ventiladas em muitos países de baixa renda.

A exposição doméstica aos poluentes de ar interior por combustão ineficiente ou não ventilada – que é comum na China, Sul da Ásia e grande parte da África subsaariana e América Latina — provoca mortes prematuras estimadas em 1,6 milhão por ano, predominantemente de mulheres e crianças.11 Embora intervenções na geração de eletricidade e na eficiência de energia doméstica em países de alta renda apresentem menos benefícios em termos de DALYs preservados por pessoa do que em países de baixa renda, elas contudo parecem trazer apreciáveis benefícios à saúde pública, quando bem implementadas.

Em termos médios, o mundo não pode se dar ao luxo de escolher uma intervenção em vez de outra, visto que apenas o efeito combinado de todas essas ações de abrandamento, em adição a muitas outras, permitirão o alcance da redução substancial necessária nas emissões de gases de efeito estufa. As sociedades pode, entretanto, escolher em qual opção investir mais com maior vigor inicialmente e como priorizar o uso dos recursos para evitar a mudança climática, em comparação com as atuais formas de tratar as prioridades sociais — decisões que podem ser fundamentadas pela análise do custo-benefício da saúde.Exemplos incluem o corte das emissões de gases de efeito estufa relacionadas ao transporte, estimulando o transporte ativo e reduzindo o uso do carro em centros urbanos em vez de implementar mudanças em tecnologia e, (um exemplo que afeta cooperação e desenvolvimento internacional) a transição para geração de eletricidade com baixa liberação de gases de efeito estufa em países como por exemplo, Índia e China em comparação com a Europa e América do Norte. Esse benefício proporciona incentivo para antecipar as iniciativas em países como por exemplo, India e China, embora claramente não seja um argumento para a Europa e América do Norte adiar as reduções urgentes e necessárias em suas próprias emissões.

O sexto documento da Série7 chama a atenção para a importância de um conjunto de poluentes de efeito estufa de vida curta que é emitido em vários setores e é com frequência, excluído da política e discussões públicas: partículas de carbono preto e de sulfatos e ozônio tropos feérico. Todos apresentam consequências adversas à saúde e são ativos no clima. A importância de prestar maior atenção a eles na política de abrandamento se deve ao fato de que as mudanças nos níveis de emissão rapidamente se refletem nas concentrações atmosféricas. O corte das emissões responsáveis, portanto tem efeitos imediatos no aquecimento climático. Ao mesmo tempo, há dúvidas se diferentes tipos de partículas de diferentes fontes podem ser mais ou menos prejudiciais para a saúde. A evidência de consequências adversas à saúde dos produtos de combustão e seus grandes encargos à saúde global está bem determinada,11 contudo há incerteza se os sulfatos, que derivam principalmente de setores de transporte e energia, o carvão preto, que é produzido pela combustão incompleta da biomassa e

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combustíveis fósseis, principalmente nos setores de transporte e domésticos, são igualmente importantes para a saúde.Nova evidência é apresentada no sexto documento7 desta Série sobre os efeitos à saúde do carbono elementar, o equivalente mais próximo da métrica do carbono preto usada pelos cientistas do clima. Essas análises encontraram alguma evidência de que as partículas do carbono preto e elementar causam mais risco de mortalidade por massa que as partículas finas indiferenciadas, mas apresentam também uma pronunciada interação com o ozônio nos modelos de risco, deixando a questão indeterminada. Para os sulfatos, entretanto, a evidência das duas revisões e o novo estudo é mais consistente e indica, por massa, que as partículas de sulfato não são menos prejudiciais que as partículas finas indiferenciadas e podem ser efetivamente, de alguma forma, até mais. Esses achados têm importantes implicações para os esforços de abrandamento.

Uma vez que as intervenções para reduzir as emissões de carbono preto controlarão também as partículas de carbono orgânico associadas que são danosas à saúde, porém moderadamente refrescantes, o efeito líquido ao clima dependerá da proporção desses dois tipos de partícula na mistura original. As estratégias para reduzir as concentrações de sulfato, entretanto, embora desejáveis pela perspectiva da Saúde Pública, poderiam exacerbar a mudança climática a curto prazo, por causa da perda de aerossóis de refrigeração, implicando que cortes até mais profundos nas emissões de gases de efeito estufa poderão mesmo ser necessários do que são propostos nas presentes metas oficiais, para se evitar a mudança climática perigosa.

As concentrações de ozônio estão aumentando no mundo todo devido às crescentes emissões do precursor antropogênico, incluindo o metano, o segundo gás de efeito estufa mais importante.

O ozônio é não apenas um gás de poderoso efeito estufa, mas está crescentemente implicado como causa de mortalidade prematura em si mesma, que será posteriormente tratado em novo estudo. Ele danifica também as colheitas e o ecossistema.

Futuras análises dos co-benefícios deverão considerar a geração do ozônio e seus efeitos em detalhe.

Implicações políticas

As estimativas e comparação dos efeitos secundários à saúde são, inevitavelmente, imprecisas. Todavia, ela se beneficia dos desenvolvimentos na disciplina da ciência do impacto (por exemplo, quantificação comparativa dos Riscos à Saúde11 da OMS e avaliações dos efeitos na saúde da geração de energia na Europa12).

Painel 2: Incertezas na estimativa dos co-benefícios à saúde

Mesmo para vias específicas causais, importantes fontes de incertezas surgem em relação às funções de exposição-resposta (parâmetros e forma matemática) e a extensão ao qual as exposições de fato mudariam. Nesta Série, mostramos algumas dessas incertezas — por exemplo, o emprego de intervalos de confiança para índices de exposição-resposta no documento de alimento e agricultura,5 e contrastando diferentes

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modelos para efeitos e poluição por particulados nos documentos de transporte e eletricidade.4,6 Não temos sumários das incertezas rotineiramente calculados como por exemplo, intervalos de confiança, ao fazer isso inevitavelmente apenas algumas fontes de incerteza é capturada e, portanto, apenas uma visão parcial é oferecida. Entretanto, temos quantificado os efeitos apenas quando suas evidências foram fortes e assim acreditamos que forneciam estimativas de ampla magnitude e direção dos efeitos.

Nossas análises omitem várias importantes vias pelas quais as estratégias de abrandamento da mudança climática podem afetar a saúde, como por exemplo, o efeito dos preços de combustível e, ao contrário, o efeito de fornecer acesso imparcial à energia limpa para a população de baixa renda. Não consideramos também os efeitos à saúde da redução da amplitude da mudança climática, que é tópico de outro trabalho.

O tempo em que os potenciais benefícios à saúde decorrentes das estratégias para reduzir emissões de gases de efeito estufa se manifestarão variará. Esses benefícios incluem provavelmente reduções imediatas em infecções respiratórias agudas em crianças pela diminuição da poluição do ar interior em países de baixa renda, reduções a curto e médio prazo na incidência de doença cardiovascular e mortalidade que pode ocorrer em um período de anos e reduções na incidência de câncer e mortalidade relacionada à obesidade que pode ocorrer ao longo de décadas. Potenciais benefícios à saúde podem, portanto, estar relacionados aos benefícios envolvidos que podem advir em espaços de tempo variáveis, dependendo das consequências à saúde. A distribuição da mudança em exposição normalmente varia entre os indivíduos e regiões, economias, e culturas; mudança homogênea na atual dosagem recebida é improvável. Incertezas adicionais importantes são a velocidade e a conclusão de alguma intervenção, mas especialmente daquelas que precisam de mudança comportamental e daquelas que precisam de muito investimento e vontade política.

A despeito de muitas incertezas científicas (painel 2), os modelos fornecem evidências úteis sobre o tipo e a escala aproximada dos efeitos à saúde que podem ser esperados das atividades de importantes políticas de abrandamento. Um achado referente aos efeitos à saúde geralmente positivos do abrandamento mostra que as estratégias que promovem pouca redução na emissão de gases de efeito estufa podem também ter potencial para melhorar a Saúde Pública.13 Esse achado também apresenta razões para reduzir as emissões de gases de efeito estufa que não estão totalmente voltadas à obtenção do Abrandamento da Mudança Climática. Alguns comentadores sugerem que muitas características da mudança climática já são irreversíveis e que o objetivo mais importante é tentar adaptar-se a elas e a outras ameaças ambientais globais.14 Entretanto, o caso do abrandamento será bastante fortalecido, se apresentar benefícios colaterais diretos em adição à restrição imposta pela mudança climática.

Muito do ônus da doença nos países mais pobres é ainda devido às condições de categoria I, que são dominadas por doenças infecciosas e parasíticas, mortalidade maternal, consequências de gravidezes adversas e má nutrição.15 Entretanto, os fatores de risco para doenças não comunicáveis e consequentes ônus de categoria II estão em ascensão em muitos países de baixa renda.16 Rápida urbanização, industrialização e crescimento do transporte motorizado resultaram em níveis de partículas finas e ozônio que excederam em muito as

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diretrizes internacionais baseadas na saúde17, a despeito dos esforços de tratamento da qualidade do ar que

reduziram os níveis de poluição do ar em alguns locais. Além disso, à medida que as sociedades de baixa renda modernizam, os riscos da inatividade e abandono das dietas tradicionais estão emergindo rapidamente (por exemplo, a obesidade),especialmente na população urbana na qual o crescimento populacional e congregação são grandes. O aparente crescimento na importância da doença não comunicável é também parcialmente devido a seu desmascaramento, uma vez que o ônus da doença infecciosa cai e a população global envelhece.18

As atividades de Abrandamento da Mudança Climática poderiam, em poucos casos, também reduzir diretamente, através dos co-benefícios, os riscos de doenças infecciosas em países de baixa renda. Um exemplo apresentado nesta Série é o da menor incidência de infecção respiratória inferior aguda com uma melhor eficiência de combustão ou mudança para combustíveis limpos na cozinha doméstica da população de baixa renda.3

De fato, conforme mostrado no documento de energia doméstica,3 a intervenção em escala total no fogão na Índia poderia reduzir as mortes atribuíveis à infecção respiratória inferior aguda, a principal causa da mortalidade infantil do mundo todo, em praticamente um terço por volta de 2020. As presentes estimativas sugerem que poluição do ar interior é responsável por mais de 2% do custo total mundial da doença, ou próximo de 4% nos países mais pobres.11 Além disso, a evidência dos efeitos da poluição do ar interior em muitas outras consequências à saúde, incluindo o nascimento de baixo peso e cataratas, está crescendo, potencialmente somando-se a esse total.19

Painel 3: Prioridades da Pesquisa

Uma recente publicação da OMS apresentou a necessidade de expansão da pesquisa em saúde e mudança climática envolvendo os efeitos, vulnerabilidade, adaptação, e abrandamento.26 As análises apresentadas desta Série podem ser melhoradas através da extensão do escopo, detalhe e refinamentos de dados e metodologias. Além disso, o trabalho deve complementar outros esforços no modelo de avaliação integrada — por exemplo, EC4MACS, um Consórcio Europeu para Modelo de Poluição do Ar e Estratégias Climáticas financiadas pelo programa EU-LIFE.

Durante o nosso programa de pesquisa e modelo, foram identificados vários tópicos que requerem pesquisa adicional para reduzir as incertezas e esclarecer as estratégias de redução potencial de gases de efeito estufa para melhorar (ou em alguns casos piorar) a saúde. Essas questões estão relacionadas a seguir:

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Questões transversais

Custos de implementação de estratégias de abrandamento com substanciais benefícios à saúde; Visão e modelagem dos efeitos sociais e econômicos mais amplos da transição para futuros com baixo

teor de carbono; Maior aproximação das estratégias de abrandamento climático a alvos importantes da saúde, como por

exemplo, os estabelecidos nas Metas de Desenvolvimento do Milênio; Incertezas nos modelos, incluindo tempo de exposição e efeitos à saúde; Efeito do crescimento populacional global, incluindo questões de igualdade socioeconômica e

imigração. Contabilidade completa dos efeitos à saúde e ao clima dos poluentes diferentes do dióxido de carbono

que provocam o efeito estufa; Avaliação das estratégias combinadas de abrandamento e adaptação;Métodos alternativos para a abordagem de avaliação do Risco Comparativo, estratégia que trata da

duplicação dos efeitos à saúde.

Mais específicos para grupos de tarefa

Identificar os esforços adicionais para o abrandamento em mais conjuntos de setores com substancial efeitos à saúde;

Pesquisa primária adicional sobre poluentes de efeito estufa de vida curta, particularmente para a compreensão dos efeitos das concentrações de sulfato no resfriamento climático e saúde, e os efeitos negativos do carbono preto, carbono orgânico e ozônio na saúde e no clima;

Exploração da sensibilidade a suposições: desconto de tempo, modelos de exposição e mudanças antecipadas em saúde ao longo do tempo em modelos de saúde-poluição;

Uso de modelos de dispersão de emissão de poluição do ar refinados para estimar as mudanças na concentração por país para entregar estimativas específicas por país dos efeitos à saúde, construindo abordagens em avaliação integradas, como por exemplo, os da Rede de Modelagem de Avaliação Integrada;

Exploração de métodos que caracterizam os efeitos econômicos sobre a saúde devido a mudanças nos preços do combustível;

Exploração detalhada e modelo de desenvolvimento para matéria particulada em ambiente interno (PM2·5) e concentrações de radônio e efeitos associados à saúde;

Além disso, exploração do desempenho de sistemas de ventilação doméstica e efeitos associados à saúde;

Além disso, contabilidade de diferentes tipos de gordura saturada de produtos animais (por exemplo, esteárico, palmítico, mirístico);

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Avaliação das tecnologias para o abrandamento do impacto à saúde dos gases novos e emergentes de efeito estufa como por exemplo, armazenamento e captura de carbono e esquemas de reengenharia como por exemplo, emissões de sulfatos de origem não combustível.

Potencial para mudança climática e estratégias de abrandamento que afetam a colheita e risco de fome.

Para mais informações sobre Consórcio Europeu para Modelos de Estratégias para Poluição do ar e Clima, veja http://

www.ec4macs.eu/home/index.html

Para mais informações sobre Rede para Modelo de Avaliação Integrada, veja http://www.niam. scarp.se/

Esta Série não inclui as avaliações de todas as estratégias importantes de redução das emissões de gases de efeito estufa. Uma estratégia não inclusa é a redução do crescimento populacional, cujos co-benefícios potencialmente importantes adicionais à saúde adviriam do acesso universal aos serviços da saúde reprodutiva.20 Maior espaçamento entre nascimentos e a fertilidade reduzida decorrentes do acesso da mulher à educação e contraceptivos de controle de suas reproduções podem gerar importantes benefícios à saúde pela redução da e mortalidade infantil e maternal.21

A obtenção desses benefícios não é caso de coerção, mas de provisão do mesmo nível de serviços à saúde reprodutiva que as mulheres já desfrutam em mais da metade do mundo. Embora o efeito exato das emissões de gases de efeito estufa não seja facilmente medido, trazer o mundo para a fertilidade de reposição mais rapidamente em vez de mais tarde reduzirá indubitavelmente os efeitos sobre o planeta em longo prazo. Embora as emissões por pessoa sejam baixas em muitos países de poucos recursos, é previsto o crescimento populacional nas próximas décadas em alguns países de alta emissão como, por exemplo, o Reino Unido e EUA,22 tornando assim a realização de profundos cortes nas emissões de gases de efeito estufa nesses países até mais desafiadores.

Uma abordagem controvertida do abrandamento é a produção de biocombustíveis, particularmente para atender as demandas de crescimento de combustíveis líquidos para transporte. Muitos fatores afetam as emissões de gases de efeito estufa decorrente dos sistemas de abastecimento de biocombustíveis, como por exemplo, o uso de energia para o crescimento de plantas dos quais são derivados e a mudança no uso da terra em decorrência do cultivo de plantas para os biocombustíveis. Tem sido uma preocupação particular que a produção do etanol a partir do milho exija uma quantidade substancial de combustível fóssil e fertilizante, resultando, portanto, em grandes emissões de gases de efeito estufa e particulados finos.23 Os biocombustíveis podem potencialmente proporcionar uma importante contribuição na redução dos gases de efeito estufa, caso sejam originados de “matérias-primas produzidas com emissões de gases de efeito estufa de ciclo de vida inferior aos tradicionais combustíveis fósseis e com pouca ou nenhuma concorrência com a produção de alimento”.24 Para atender às necessidades de transporte, porém, recente evidência sugere que a combustão da biomassa para gerar eletricidade para carregar os veículos movidos à bateria supera o desempenho do

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etanol em termos de eficiência de uso da terra e as compensações das emissões de gases de efeito estufa por unidade de área da cultura.25 As potenciais implicações de biocombustíveis e bioenergia para a saúde e emissões danosas devem ser mais investigadas.

Painel 4: Pontos de Ação

Os responsáveis políticos em seus respectivos setores quanto a substanciais emissões de gases de efeito estufa, devem:

Levar em consideração os co-benefícios à saúde e potenciais riscos ao considerar as diferentes opções de abrandamento de gases de efeito estufa, de forma que elas melhorem o progresso no alcance das Metas de Desenvolvimento do Milênio e outras prioridades de desenvolvimento e saúde;

Assegurar que novas tecnologias e estratégias de abrandamento de gases de efeito estufa sejam submetidas à avaliação do impacto à saúde antes de ser divulgadas;

Implementar políticas para reduzir as desigualdades no acesso a fontes de energia limpa;Considerar as retiradas de subsídios que estimulem o consumo de produtos animais em nações de alto

consumo; Aumentar o financiamento para medidas que estimulem o ciclismo e caminhada e desestimulem o uso

de carro particular em centros urbanos. Os patrocinadores da pesquisa devem:Aumentar o financiamento para a colaboração interdisciplinar, incluindo o desenvolvimento de métodos,

entre os pesquisadores da saúde e cientistas que trabalham em tecnologias e estratégias para o Abrandamento da Mudança Climática em diversos setores;

Gerar capacidades para apoiar o desenvolvimento de carreira e treinamento de pesquisadores em disciplinas relevantes;

Promover estratégias e políticas de baixas emissões de gases de efeito estufa em seus ambientes de trabalho e na alocação de fundos.

Os responsáveis pela política da saúde devem:Promover e apoiar as políticas de redução das emissões de gases de efeito estufa, que ofereçam co-

benefícios à saúde e estimulam mudanças comportamentais simples que resultem na redução de gases de efeito estufa;

Assegurar que a força de trabalho da saúde seja estimulada a reduzir as emissões de gases de efeito estufa de seu pessoal, inclusive através do aumento do transporte ativo.

Os profissionais da saúde devem:Lutar por políticas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e obter os co-benefícios à saúde

baseando-se na melhor evidência disponível; Promover a educação a respeito desse tópico em escolas, universidades e a comunidade em geral;Promover estratégias e políticas para diminuir as emissões de gases de efeito estufa em seu próprio

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ambiente de trabalho.

Esta Série não considerou muitos outros potenciais benefícios com menor efeito direto na saúde que poderiam advir da implementação de políticas e estratégias apropriadas na redução das emissões de gases de efeito estufa.

Essas iniciativas incluem novas oportunidades de emprego em setores de energia renovável, maior tempo produtivo da mulher, em particular para aquela que não precisará mais coletar tanta biomassa para combustível, menor tempo gasto em congestionamento de tráfego e maior segurança de energia com potencial de reduzir o conflito sobre as reservas escassas de combustíveis fósseis. No painel 3 resumimos as áreas de pesquisa identificadas pela Força Tarefa, que requerem trabalho adicional.

Alinhamento da saúde, desenvolvimento, e Abrandamento da Mudança Climática

A Convenção do Quadro das Nações Unidades sobre Mudança Climática (UNFCCC [United Nations Framework Convention on Climate Change]) estabelece que as medidas de abrandamento que proporcionem benefícios sociais devem ser priorizadas. A saúde é um dos benefícios sociais mais evidentes dentre os benefícios sociais (conforme mencionado de forma notável na seção de abertura da UNFCCC 1992).27 Os benefícios à saúde atraem imediatamente o apoio público para a ação política, conforme mostrado por experiências nas quais os benefícios à saúde dominaram as formalidades das intervenções ambientais, como por exemplo, a legislação do ar limpo em muitos países.

O mecanismo de desenvolvimento limpo emergiu do Protocolo de Kioto,27 e estabeleceu mecanismos para a comercialização de permissões do carbono. Embora os países de baixa e média renda fossem isentados das exigências de obrigatoriedade constantes no Anexo 1 para países (industrializados), a fim de se atingir cortes específicos nas emissões de gases de efeito estufa, esses países podem, pelo menos teoricamente, se beneficiar da venda dos créditos de carbono para projetos que melhorarão seu desenvolvimento sustentável. Embora o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo tenha feito alguma contribuição na canalização de fundos para nações beneficiárias, surgiram dificuldades,28 incluindo a ausência de um padrão efetivo para quantificar a extensão do desenvolvimento no referido projeto ou para escolher um projeto dentre outros de acordo com o nível de desenvolvimento atingível. Portanto, embora o mecanismo tenha pretendido oferecer apoio ao desenvolvimento sustentável, os projetos aprovados focaram amplamente o abrandamento dos gases de efeito estufa, com alguma consideração de emprego. Além disso, os dados de 200628 mostraram que apenas poucos projetos haviam beneficiado a África Subsaariana (1,8%), enquanto que países asiáticos (particularmente a China) haviam tido muito mais sucesso. A iniciativa do Quadro de Nairóbi foi lançado em novembro de 2006, com apoio das Nações Unidas, do Banco Mundial e Banco de Desenvolvimento Africano para promover a participação de países pobres, particularmente da África.29

A conquista de uma condição de saúde razoável nas populações é um elemento essencial do desenvolvimento, uma vez que ela é reconhecida por praticamente todos os países na forma de Metas de

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Desenvolvimento do Milênio (MDM).2 Embora não sem incertezas, acreditamos que a avaliação dos co-benefícios à saúde dos projetos de abrandamento climático é suficientemente avançado para permitir estimativas da magnitude de seus efeitos. Propomos, portanto, que a avaliação dos co-benefícios à saúde dos projetos submetidos ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e outros esforços internacionais similares seja um critério de adequação para fundos. Efetivamente, o estabelecimento em 2007 da Instalação para Carbono das MDM através do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, Fundação das Nações Unidas e outros sugerem um mecanismo potencial através do qual esse esforço possa começar.30 O nosso trabalho pode contribuir para o desenvolvimento de abordagens padronizadas para a avaliação dos co-benefícios à saúde e ao desenvolvimento.

Transposição do fosso da igualdade

A principal dificuldade nas negociações internacionais sobre os gases de efeito estufa é a diferença nas perspectivas históricas e futuras entre países ricos e pobres. Observadores de países de baixa renda apontaram que as atividades históricas em países ricos causaram a maior parte das mudanças climáticas até o momento.31 Uma vez que os países de baixa renda possuem muitas necessidades urgentes de desenvolvimento, eles não percebem o atual abrandamento. Contudo, caso a mudança climática deva ser colocada sob controle, com adição de reduções urgentes e de longo alcance em países de alta renda, rapidamente ocorrerá a necessidade para muitos países de renda baixa e média tomarem atitudes de abrandamento.

Políticas que promovam as atividades de abrandamento com fortes co-benefícios em saúde e outras necessidades de desenvolvimento forma potencialmente uma ponte política por sobre a lacuna de desenvolvimento entre países ricos e pobres.

Essas iniciativas tratarão diretamente as principais necessidades de desenvolvimento, com reconhecimento dos imperativos da mudança climática. Efetivamente, a provisão de energia doméstica limpa acessível em países em desenvolvimento pode contribuir para a realização de todos as oitos MDMs, através dos co-benefícios à saúde e das contribuições para a redução da pobreza, fornecimento de trabalho produtivo, redução de tempo improdutivo e , por meio disso a redução das desigualdades de gênero.32

Considerações da igualdade intergeracional também serão aplicáveis para pelo menos algumas das decisões sobre as ações de abrandamento. Por exemplo, caso as atuais tendências nos métodos de produção de animal e o consumo de produto animal por pessoa continuar, a geração atual legará para gerações futuras um ambiente mais empobrecido e danificado que o de hoje. Ao contrário, a reforma do cenário urbano e mudanças no planejamento da cidade e padrões de residências podem criar, em várias décadas, uma base infraestrutural concedendo benefícios duradouros para gerações presentes e futuras.

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Apelo à ação e conclusões

No painel 4 resumimos as implicações para diversos grupos de acionistas com relação às evidências desta Série.

A melhoria da saúde (através dos co-benefícios e prevenção contra os efeitos à saúde acarretados pela mudança climática) deve ser integrada nas políticas de redução das emissões de gases de efeito estufa e dos riscos da perigosa mudança climática. Apelamos aos profissionais da saúde que ultrapassem seis limites profissionais convencionais e colaborem com os responsáveis políticos e tecnológicos para abrandar a mudança climática.

Esta Série deixa claro que os co-benefícios à saúde podem advir como resultado direto de muitas atividades de abrandamento para emissões de gases de efeito estufa. Se as sociedades mudarem seus sistemas de energia de forma a melhorar a qualidade do ar interior e exterior, mudar seus métodos de transporte de forma a estimular a atividade física e o contato social e modificar as práticas de produção intensiva de alimentos e as escolhas do consumidor de forma a reduzir os riscos dietéticos à saúde, então resultarão em consequências positivas para a saúde. A despeito de incertezas sobre a magnitude e prazo, os co-benefícios à saúde decorrentes do abrandamento podem ser antecipados. Portanto, o comprometimento com as ações para o abrandamento que produzam muitos desses benefícios se tornou muito apelativo, especialmente se (como provavelmente é) os ganhos da saúde acarretarem em substancial economia aos cofres públicos em decorrência do corte nos custos das ações de abrandamento. A importância estratégica dessa questão é potencialmente grande. Se os co-benefícios à saúde decorrentes das atividades de abrandamento em países de baixa renda forem suficientemente grandes, isso fortaleceria as razões para se obter a convergência dos esquemas de abrandamento entre os países de baixa e alta renda.

Os potenciais co-benefícios das medidas selecionadas para o abrandamento de emissões de gases de efeito estufa devem elevar o perfil de saúde, conforme o critério em discussão na Conferência sobre Mudança Climática em Copenhagen, Dinamarca em dezembro de 2009. Até o momento, a consciência da importância e o significado para a saúde a longo prazo dos desafios da mudança climática tem sido baixa. Portanto, os profissionais da saúde têm um importante papel na educação do povo e responsáveis políticos sobre os aspectos da saúde relacionados à mudança climática, incluindo os potenciais co-benefícios à saúde das medidas de abrandamento de gases de efeito estufa.33

Uma vez que os países considerem as reduções em suas próprias emissões de gases de efeito estufa ou do clima para investir em desenvolvimento limpo, os co-benefícios à saúde (e consequências potencialmente negativas à saúde) devem ser avaliados antecipadamente com cuidado. Além disso, são necessários pesquisa, desenvolvimento metodológico e trabalho analítico para melhorar a priorização do abrandamento em diferentes setores e regiões. Uma vez que trilhões de dólares serão provavelmente gastos no abrandamento de gases de efeito estufa nas próximas décadas, é fundamental alocar os recursos consideravelmente pequenos de pesquisa, necessários para direcionar esses investimentos ao longo das vias que tragam o mundo mais perto das metas de sua saúde e clima.

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ContribuidoresAH ocupou a presidência da Força Tarefa. Todos os autores participaram do desenvolvimento de ideias

para seus documentos. O texto deste documento foi preparado principalmente por AJM, AH, KRS, e PW, com contribuições de todos os outros autores.

Força Tarefa para o Abrandamento da Mudança Climática e Saúde Pública

Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, Reino Unido Andy Haines (presidente), Ben G Armstrong, Zaid Chalabi, Alan D Dangour, Phil Edwards, Karen Lock, Ian Roberts, Cathryn Tonne, Paul Wilkinson, James Woodcock; Sociedade Americana do Câncer, Atlanta, GA, EUA, Michael J Thun; BC3 (Centro Basco para a Mudança climática), Bilbao, Spain Aline Chiabai, (também na Universidade de Bath) Anil Markandya; Universidade Brigham Young , Provo, UT, EUA C Arden Pope III; Universidade Edinburgh Napier, Edinburgh, Reino Unido Vicki Stone; Rede de Pesquisa do Clima e Alimento, Universidade de Surrey, Surrey, Reino Unido Tara Garnett; Saúde Canadá, Ottawa, ON, Canadá Richard T Burnett; Instituto de Efeitos à Saúde, Boston, MA, EUA Aaron Cohen; Instituto Indiano de Tecnologia, Delhi, Índia Ishaan Mittal, Dinesh Mohan, Geetam Tiwari; Faculdade Imperial de Londres, Londres, Reino Unido Richard Derwent; Faculdade Real de Londres, Grupo de Pesquisa Ambiental,Londres, Reino Unido Sean Beevers; Centro de Desenvolvimento International de Londres, Londres, Reino Unido JeffWaage; Centro National para Epidemiologia e Saúde da População, Universidade Nacional Australiana, Canberra, ACT, Austrália Ainslie Butler, Colin D Butler, Sharon Friel, Anthony J McMichael; Universidade de Nova York, Escola de Medicina, Nova York, NY, EUA George Thurston; Universidade Estadual de San Diego, Escola Graduada de Saúde Pública, San Diego, CA, EUA Zohir Chowdhury; Universidade de St George de Londres, Divisão de Ciência da Saúde da Comunidade, e Centro MRC-HPA para o Meio-Ambiente e Saúde, Londres, Reino Unido H Ross Anderson, Richard W Atkinson, Milena Simic-Lawson; Takedo International, Londres, Reino Unido Olu Ashiru; Universidade de Auckland, Escola da Saúde Popular, Auckland, Nova Zelândia Graeme Lindsay, Alistair Woodward; Universidade da Califórnia, Berkeley, Escola de Saúde Pública, Berkeley, CA, EUA Heather Adair, Zoe Chafe, Michael Jerrett, Seth B Shonkoff, Kirk R Smith; Faculdade da Universidade de Londres, Escola Bartlett de Estudos Graduados, Londres, Reino Unido Michael Davies, Ian Hamilton, Ian Ridley; Faculdade da Universidade de Londres, Instituto de Energia, Londres, Reino Unido Mark Barrett, Tadj Oreszczyn; Universidade de Grenoble e CNRS (Centre Nationale de la Recherche Scientifique), Grenoble, França Patrick Criqui, Silvana Mima; Universidade de Liverpool, Divisão de Saúde Pública, Liverpool, Reino Unido Nigel Bruce; Universidade de Oxford, Escola de Geografia e Meio-Ambiente, Centro para o Meio-Ambiente, Oxford, Reino Unido David Banister, Robin Hickman; Universidade de Ottawa, Ottawa, ON, Canadá Daniel Krewski; Universidade de Warwick, Instituto de Pesquisa das Ciências de Saúde, Coventry,

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Reino Unido Oscar H Franco; Organização Mundial da Saúde, Genebra, Suíça Simon Hales, Diarmid Campbell-Lendrum.

Conflitos de interesse

Declaramos que não há conflitos de interesses.

Agradecimentos

O projeto que possibilitou essa Série foi fundado pela Wellcome Trust (financiador da coordenação); Departamento de Saúde, Instituto Nacional para Pesquisa da Saúde; Faculdade Real de Médicos; Academia de Ciências Médicas; Conselho de Pesquisa Social e Econômica; Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental dos EUA; e OMS. A ; Faculdade Real de Médicos é patrocinada por concessão educacional irrestrita da Pfizer. Os financiadores não participaram do projeto, análise ou interpretação deste estudo. As opiniões expressas são dos autores e não necessariamente refletem a posição dos organismos de financiamento ou Instituto de Efeitos à saúde dos EUA ou seus patrocinadores.

Referências

Haines A, Kovats RS, Campbell-Lendrum D, Corvalan C. Climate change and human health: impacts, vulnerability, and mitigation. Lancet 2006; 367: 2101–09.

United Nations. Millennium Development Goals Report 2009. New York: United Nations, 2009.Wilkinson P, Smith KR, Davies M, et al. Public health benefits of strategies to reduce greenhouse-gas

emissions: household energy. Lancet 2009; published online Nov 25. DOI:10.1016/S0140-6736(09)61713-X.Woodcock J, Edwards P, Tonne C, et al. Public health benefits of strategies to reduce greenhouse-gas

emissions: urban land transport. Lancet 2009; published online Nov 25. DOI:10.1016/S0140-6736(09)61714-1.

Friel S, Dangour AD, Garnett T, et al. Public health benefi ts of strategies to reduce greenhouse-gas emissions: food and agriculture. Lancet 2009; published online Nov 25. DOI:10.1016/S0140-6736(09)61753-0.

Markandya A, Armstrong BG, Hales S, et al. Public health benefi ts of strategies to reduce greenhouse-gas emissions: low-carbon electricity generation. Lancet 2009; published online Nov 25. DOI:10.1016/S0140-6736(09)61715-3.

Smith KR, Jerrett M, Anderson HR, et al. Public health benefi ts of strategies to reduce greenhouse-gas emissions: health implications of short-lived greenhouse pollutants. Lancet 2009; published online Nov 25. DOI:10.1016/S0140-6736(09)61716-5.

Smith KR, Haigler E. Co-benefi ts of climate mitigation and health protection in energy systems: