10
Literatas Director Editorial: Eduardo Quive * Maputo * 09 de Agosto de 2011 * Ano 01 * Nº 05 * E-Mail: [email protected] Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona Literatas agora é no SAPO literatas.blogs. sapo.mz Não conhecemos o preço da palavra. Envie esta revista a um amigo Sai às Terças-feiras UM POETA NO JARDIM DA IMENSIDÃO “Governo contra pirataria” pg. 3 José Inácio Vieira de Melo, Autor dos livros - Códigos do Silêncio - Decifração de abismos - A Infância do Centauro - A Terceira Romaria - Roseiral

Revista Literatas edição 5

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Revista Literatas edição 5

LiteratasDirector Editorial: Eduardo Quive * Maputo * 09 de Agosto de 2011 * Ano 01 * Nº 05 * E-Mail: [email protected] Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona

Literatas agora é no SAPO

literatas.blogs.sapo.mz

Não conhecemos o preço da palavra. Envie esta revista a um amigoSa

i às T

erça

s-fe

iras

Um poeta no jardim da imensidão

“Governo contra pirataria”pg. 3

José Inácio Vieira de Melo, Autor dos livros

- Códigos do Silêncio- Decifração de abismos- A Infância do Centauro- A Terceira Romaria- Roseiral

Page 2: Revista Literatas edição 5

4 dias de troca de experiências

2 BLA BLA BLA Exero 01, 5555

Em primEiraTerça-feira, 09 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 2

Durante quatro dias, a escritora brasileira, Ana Rusche, esteve em contacto com a literatura nacional, interagindo com jovens da Associação Movimento Literário Kuphaluxa, com escritores e estudantes da capital moçambicana.Ana Rusche, poetisa e romancista da capital económica do Brasil, São Paulo, esteve em Maputo entre os dias 1 e 5 de Agosto corrente, onde orientou uma oficina de criação de dois dias no Centro Cultural Brasil – Moçambique, com a participação de 20 amantes da literatura.

A oficina de criação, era orientada sob o tema “Nós que adoramos um documentário” título de uma obra da autora em que se supõe ser um livro de autobiografia.

Em Nós que adoramos um documentário, Ana Rusche retrata em três partes, momentos da sua infância no município lituânio em Ubatubba (1983) a vida adulta na cidade de São Paulo (2009), e prevê o futuro, novamente em Ubatuba (2037).

Mas a oficina, não tratava da vida e obra da escritora, mas tinha a ver com a criatividade e imaginação, em técnicas transmitidas pela orientadora.

Ainda na Capital, Ana Rusche orientou uma palestra na Escola Industrial 1º de Maio, a qual contou com a presença de alunos daquela instituição de ensino, e do corpo docente.

A palestra tinha como questão de fundo “Porquê ler? Tema que envolveu em conversa com vários estudantes, escritores moçambicanos, levados pelo movimento Kuphaluxa em diversas escolas das cidades de Maputo e Matola, no ano passado.

Sobre estas experiências, os participantes moçambicanos, empenharam-se em colher mais subsídios para aplicar na prática das suas actividades de criação para os diferentes géneros literários.

Carlos Felipe Moisés, Rinaldo de Fernandes, Luis Fernando Emediato, entre outros. DuRAnte o lançamento, o livro será apresentado pelo escri-tor e historiador Jãn Macêdo (também membro do Núcleo Literário Blecaute) e contará com a apresentação musical do cantor e escritor Antônio Deah. ViA LitteRARuM, editora responsável pela publicação da obra, é ainda jovem no mercado (atuando apenas desde 2004), na cidade de Itabuna, estado da Bahia. Entretanto,

neste pouco tempo, já publicou nomes importantes da lit-eratura baiana e de outras regiões próximas, como Antonio Naud Júnior, Georgio Rios e Aleilton Fonseca. ALéM De Campina Grande, neste segundo semestre o autor pretende lançar o livro em João Pessoa (durante o Agosto das Letras), em Areia (na ocasião do Festival de Artes de Areia - Setembro) e em Boqueirão (no Balaio Cultural - Novembro). Há ainda possibilidades de lançamento do livro nas cidades de Recife (PE) e Marechal Deodoro (AL). o LAnçAMento será um evento gratuito, sendo uma par-ceria do Núcleo Literário Blecaute conjuntamente com o Centro de Cultura e Artes da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

Ana Rusche, escritora brasileira.

nA pRóxiMA sexta-feira (dia 12 de Agosto), ás 19:30 horas, o escritor Bruno Gaudêncio lançará na cidade de Campina Grande, Paraíba, o livro “Cântico Voraz do Precipício” (Via Litterarum Editora, 68 pgs. 15 reais) no Centro de Cultura e Artes da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), antigo Museu Assis Chateaubriand, localizado ao lado do Terminal de Integração. “CântiCo VoRAz do Precipício” é uma coletânea de contos, produzidos pelo escritor entre os anos de 2006 e 2010. Segundo o autor “São ficções curtas que tratam sobre a experiência universal da morte, em seus aspectos humanos e desumanos, singelos ou inverossímeis. Muitas vezes abor-dadas de maneira quase exótica ou absurda. A coletânea possui duas sessões. A primeira traz contos mais simples, escritos numa primeira fase. A segunda parte possui contos mais próximos de uma prosa poética”. nAtuRAL De Campina Grande (PB), o escritor Bruno Gaud-êncio em 2009 publicou a coletânea de poemas O Ofício de Engordar as Sombras (Sal da Terra). Seu nome vem destacando na atual literatura paraibana, graças a sua atu-ação junto aos Núcleos Literários Blecaute e Caixa Baixa (respectivamente de Campina Grande e João Pessoa) e pela co-edição da Revista Blecaute, juntamente com seus amigos Jãn Macedo e João Matias de Oliveira. “CântiCo VoRAz do Precipício” traz em sua capa a ilustração do artista plástico gaúcho radicado em São Paulo Guilherme de Faria (nome destacado das artes visuais brasileiras desde a década de 1960), contendo ainda, alguns comentários de

- Da autoria de Bruno Gaudêncio“Cântico Voraz do Precipício”

O Movimento Literário Kuphaluxa, que foi quem se responsabilizou pela organização das actividades com a escritora, deu nota positiva à esta visita que Ana Rusche efectuou com o principal objectivo de conhecer de perto a agremiação.

Refira-se que além da capacitação, a escritora brasileira, participou de um sarau cultural no CCBM, na quinta-feira, orientou uma palestra na AEMO sobre as perspectivas da literatura contemporânea brasileira, num painel em que Moçambique esteve representado pelo secretário-geral da AEMO, o qual falou da parte moçambicana no tema.

Ana Rusche, ofereceu livros de diversos autores da terra do samba, ao Movimento Kuphaluxa, à Escola Industrial 1º de Maio e à Associação dos Escritores Moçambicanos, visitou a casa de José Craveirinha e entrevistou vários escritores nacionais

Page 3: Revista Literatas edição 5

Agostinho Levieque lança livro em Maputo

Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 3

Em primEiraTerça-feira, 09 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 3

desenvolvimento, e arriscar-me-ia a dizer, pioneira na preo-cupação de casar a produção de reputados teóricos interna-cionalmente consagrados com a realidade moçambicana.“As práticas de gestão de recursos humanos, para serem eficazes, precisam ser desenvolvidas na dependência e em conformidade com as exigências da cultura”, defende Levieque. Para muitos, a afirmação parecerá óbvia, mas

bastará olhar em torno, analisar as práticas do dia-a-dia das insti-tuições públicas, para constatar como os critérios contabilísticos e burocráticos que caracterizavam os velhos “departamentos de pessoal” ainda sobrevivam, como expressão dos fenómenos de resistência à mudança, para os quais o autor chama a atenção.É esse comportamento organiza-cional conservador que, na opin-ião do Dr. Agostinho Levieque, determina a fraca competitividade do sector público e as principais ineficiências.Após um enquadramento teórico e histórico, a obra percorre os difer-entes aspectos que são parte da gestão de recursos humanos na Administração Pública em Moçam-bique: gestão do trabalho e tempo, problemas de natureza organiza-cional, globalização e renovação tecnológica, importância do pla-neamento estratégico, comunica-ção interna, gestão e negociação de conflitos, análise e descrição de funções, recrutamento e selecção, carreiras profissionais, avaliação de desempenho, formação profission-al, maximização das competências e fidelização dos recursos huma-nos.O autor está consciente de que a gestão de recursos humanos, e neste caso especial dos recursos na

administração dos serviços que dizem respeito a todos os cidadãos, é matéria que a todos interessa. Por isso, sendo uma obra de grande interesse para administradores, gestores, políticos, formadores e alunos, o livro oferece-nos um trabalho no qual Levieque consegue – evitando o recurso desnecessário ao jargão técnico – um estilo escor-reito e de fácil leitura, sem fazer quaisquer concessões no que respeita ao rigor científico que observa no tratamento das questões.Está de parabéns o Dr. Agostinho Levieque e estamos de parabéns todos nós, moçambicanos

grupo de interesses, mas está ao serviço do conjunto dos cidadãos e facilitando as suas iniciativas, regulando a vida social, garantindo a segurança e a ordem da comunidade.A eficiência da sua função depende da qualidade dos seus funcionários e do aproveitamento integral e dinâmico dos recursos humanos de que dispõe.Na presente obra, o autor traça uma radiografia da nossa

Administração Pública com uma notável sustentação teórica e com uma abordagem que transcende a gestão técnica dos recursos humanos. Ele recorre a outros ramos das ciências sociais para enquadrar nos tempos globais e no espaço nacional as suas observações, sugestões e propostas.Não sendo especialista na matéria, tenho procurado acompanhar a produção teórica moçambicana na área das ciências sociais, incluindo as ciências sociais aplicadas. De quanto conheço, esta é sem dúvida a mais completa publicação sobre esta questão tão sensível para o nosso

JOSé LuíS CAbAçOO senso comum e a História nos ensinam que as capaci-dades do ser humano e o potencial dos solos são o capital natural e elementar do indivíduo e organizado (família, comunidade, nação). De uma forma ou de outra, os proces-sos de desenvolvimento se verificaram, e verificam, pela maximização do uso e aproveitamento dessas capacidades e desse potencial por indivíduos, organizações ou países. O fenómeno da pobreza derivou, e deriva, da concentra-ção numa minoria do resultado do trabalho e do controle sobre o solo. As razões disso podem ser múltiplas e são do conhecimento geral.Um olhar sobre o passado, remoto e próximo, nos mostra que a apropriação e gestão da mais valia da terra e do trabalho gera duas dinâmicas em sentidos opostos, a da riqueza e a da pobreza, que se tendem a reproduzir e afastar, uma vez que, na sua lógica, uma se alimenta da outra. As abordagens teóricas sobre a capacidade de um equilíbrio pelas sinergias do mercado estão naufragando de forma clamorosa nos escolhos da acumulação desen-freada dos nossos dias.A crise financeira em curso evidencia o processo de antropofagia económico-social que o determinismo mate-rialista de Thomas Hobbes anunciara há quatro séculos. A Hidra insaciável já começou a devorar as suas cabeças menores.É no equilíbrio destas dinâmicas e na salvaguarda do bem comum que ressurge no debate internacional a importân-cia da administração do Estado, como gestor dos interesses globais das nações. “A questão que se continua a pôr – e quem a ignorar vai pagar o custo – é a da construção do Estado, se vista do estreito ponto de vista do Estado mod-erno”, afirma Óscar Monteiro. E este autor lembra que a questão do Estado moderno ultrapassa as acções do nation building: “para além da construção da identidade nacional, a organização da coisa pública e da sua boa gestão per-manecem primordiais”.O livro do Dr. Agostinho Levieque tem, como primeiro mérito, o da oportunidade da sua publicação. Num país, como o nosso, na extrema periferia do mundo global (somos dos mais pobres, não nos esqueçamos), a adminis-tração eficiente e competente da res publica é um bastião da soberania, o instrumento decisivo para fazer da nossa jovem democracia um processo de participação efectiva de todos os moçambicanos.O Estado tem de representar todos os cidadãos, deve servir todos, proporcionando os serviços e recursos para que todos, independentemente de suas opiniões e escolhas, nele se reconheçam em última análise. O Estado, só exerce a sua função nacional quando não é instrumento de um

o MinistéRio da Cultura moçambicano lança, em todo o País, o início de acções de busca e apreensão de fonogramas e videogramas produzidos e comercializados à margem das normas vigentes na República de Moçambique, uma acção a ser levada a cabo em estreita colaboração com Procura-doria Geral da República, Ministério do Interior, Autori-dade Tributária de Moçambique, Inspecção das Actividades Económicas, conselhos municipais, Associação dos Músicos Moçambicanos, Sociedade Moçambicana de Autores e com a Sociedade Moçambicana de Cineastas.tRAtA-se De acções permanentes que pretendem reduzir e erradicar os níveis de pirataria dos fonogramas e videogra-mas, excepcionalmente na vertente musical e cinematográ-fica, e ao mesmo tempo, estabelecer uma plataforma para um desenvolvimento das indústrias culturais e criativas

sustentáveis, e valoriza-ção o trabalho dos artis-tas e criadores no País.estAs ACções pretendem, igualmente, promover o preceituado no nº 2 do Artigo 94 da Constituição da República assim como a Lei nº4/2001, de 27 de Fevereiro sobre Direitos de Autor e Direitos Con-exos, e doutros disposi-tivos internos e interna-cionais legais relativos a esta meteria.

Governo em acção contra pirataria

Intitulada “Gestão de Recursos Humanos e Administração Pública em Moçambique”, a obra será lançada no próximo dia 11 do mês em curso, no Centro Cultural Universitário

Prefácio

Page 4: Revista Literatas edição 5

FiCHA téCniCAPropriedade do Movimento Literário Kuphaluxa

Sede: Centro Cultural Brasil-Moçambique* AV. 25 de Setembro nº 1728, Maputo, Caixa Postal nº 1167 * Celulares: (+258) 82 27 17 645 e (+258) 84 57 78 117 * Fax: (+258) 21 02 05 84 * E-mail: [email protected]

Director Editorial: Eduardo Quive ([email protected])Coordenador: Amosse Mucavele ([email protected]) Editor - Canto da Poesia: Rafael Inguane ([email protected])Redacção: David Bamo, Nelson Lineu, Mauro Brito, Izidine Jaime, Japone Arijuane.Colaboradores: Maputo: Osório Chembene Júnior * Xai-Xai: Deusa D´África * Tete: Ruth Boane * Nampula: Jessemusse Cacinda * Lichinga: Mukurruza*Brasil: Itapema - Pedro Du Bois * Santa Catarina: Samuel da Costa * Nilton Pavin * Marcelo Soriano * Portugal: Victor Eustaquio e Joana Ruas.Design e páginação: Eduardo Quive

OS 2 PRIMEIROS POEMAS DA IMPACIÊNCIA

FAbIÃO

4 BLA BLA BLA Exero 01, 5555Terça-feira, 09 de Agosto de 2011 LITERATuRA MOçAMbICANA 4

RuI NOgARI

Tatuagens de lua

no corpo quente

da mãe-terra

e assim nua nua

no leito vermelho

virginal ainda

ela espera a semente

que tarda a chegar

que tarda a chegar

II

Que venham

mas não de braços cruzados

aqui amigos

o sexo vermelho da terra

lateja de febre e de cio

é preciso saciá-la

e depressa

que venham

sim que venham

mas repito não de braços cruzados

aqui amigos

aqui

a terra fenece

na fome de arados

que tardam a chegar

que tardam a chegar

ah! que tardam tanto a chegar

RuI NOgARO padre da missão falou em Deus. Deus: irmão bom. Falou nos anjos: todos amigos. Falou no céu: oh! céu bom, muito bom. Só não falou nos homens. Homem? Muito complicado mesmo. Todo gente há-de aprender sozinho. É preciso coragem. Coragem e resignação (mas que é “...signação”?). Vida é má. Muito má. Homem também. É preciso aprender sòzinho. Ser bom. Ter bom coração. Quando outra gente faz mal a você é preciso esquecer. É preciso perdoar esse gente. É preciso sofrer. É preciso...Fabião, mufana ainda, o boca muito aberto, os olho muito aberto, mexeu cabeça, mexeu cabeça – compreendeste sim senhor Padre...Padre José passou a mão pela testa, onde as teimosas gotas de suor desfizeram-se, escorrendo por entre os dedos curtos e grossos.Fabião cresceu pouco.Foi tropa: três anos escravo de caqui, corneta e meu sargento. Três anos em que toda mulher chunguila e todo moleque tinha medo do seu cinturão. Fabião era bom. Mas quem sabia? Fabião era soldado. Soldado não é bom: diz moleque, diz mulher. Fabião era bom, mas só ele sabia, mais ninguém.Um dia foi na “Lagoas”. Arranjou mulher de todo gente. Esse mulher estava grosso. Com certeza não viu caqui, não viu cinturão, nem sequer viu Fabião. Sentiu aquele braço forte que segurou ela quando ia cair na escada da cantina. Depois, aquele braço forte seguiu ela até colchão.Mulher está dormir. Ele não sabe ainda como ela chama. Também não interessa. Ele quando voltar ela não conhece ele. Mas ele também não há-de voltar. Palavra!... Mas Fabião está a gostar dela. [É] pena, dinheiro é pouco. Bem! Fabião segurou dinheiro todo, deixou no colchão e foi embora. Mulher de todo gente quando acordar há-de pensar dinheiro caíu do céu. Fabião riu. Lembrou Padre José quando falou no céu. Ih! Céu bom, muito bom mesmo!Três dia passou. Enfermeiro molungo deu injecção a Fabião porque doença veio. Enfermeiro molungo é bom. Tropa é bom porque tem senhor enfermeiro que cura doença de mulher.Carregador no cais: um ano contratado. Um ano para perder 4 (quatro) amigos. Um ano enorme e pesado, cheio de lembrança de Padre José que disse: é preciso sofrer. Ah! Padre José!... Padre José!Primeiro: Salvador. Caíu no porão de “Congo Maru”. Deitou sangue da boca e dos ouvidos. Não disse mais nada. Também, quando Salvador falava, pouco gente compreendia. Ele falava outra língua. De muito longe. Agora, palavra! todo gente parece querer compreender Salvador. Agora todo gente gostava saber falar com Salvador. Agora.Depois Agostinho e Cipriano na mesma semana. Ficou parecia papa de farinha. Assim mesmo. Só pele, com osso pisado lá dentro.Agostinho estava trabalhar debaixo de guindaste n.º 10. Cabo que segura aquele saco todo partiu. Era muito saco. Cheio de cimento. Agostinho não teve tempo. Não fugiu. Ficou parecia tinha cola nos pés.Quando pedreiro vai fazer casa com aquele cimento, há-de ficar casa com pouco sangue de Agostinho. Sangue e vida e medo de Agostinho.Doze e meia. Cipriano está dormir perto chapa de aço. Muito chapa de aço em cima doutro chapa de aço. Passou combóio perto. Chão fez assim assim. Chapa de aço que estava em cima mexeu, mexeu e caíu. Mesmo na cabeça de Cipriano. Cipriano não acordou nunca mais. Ele tinha cabeça grande e duro. Quando jogava borracha dava cabeçada com força. Maningue força. Partia sempre cabeça de outro gente. Cipriano nunca mais vai jogar porrada. Nunca mais vai dar cabeçada.Quando estava quase acabar contrato de Fabião, foi Saúl.Saúl, capataz indígena. Não gritava muito. Não chatiava muito. Carregador gostava dele.Um dia estava entre dois vagão. Via serviço de contratado. Cantava mesma cantiga de contratado, ih! cantiga de contratado é malcriado. Muito malcriado mesmo. Diz coisa que não pode dizer. Por isso contratado gostava daquele cantiga. Por isso trabalha bem com cantiga. Lingote de cobre pesa menos. Vida custa menos.Saúl cantava muito bem. Ali perto estava máquina vaivem com manobra. Máquina foi. Escondeu atrás de armazém L. Depois máquina veio. Faz barulho. Não deixa ouvir cantiga. Agulheiro não pode segurar máquina. Voz de Saúl, voz de contratado, voz de máquina é um só. Tudo canta mesma cantiga. Máquina galgou cicatriz de linha. Entrou no caminho errado. Saúl canta maningue bem mesmo! Máquina apanhou primeiro vagão da frente. Chocou. Empurrou. No meio Saúl canta ainda. Vagão correu, agarrou barriga de Saúl – cantiga parou agora mesmo no boca de Saúl – e engatou noutro vagão. Barriga de Saúl engatou também. Cantiga parou. Todo gente correu. Ficou ver tripa de Saúl que baloiça pendurada no engate do vagão. Ambulância gritou e veio levar voz de Saúl. Nunca mais ele vai cantar cantiga de contratado. Cantiga malcriado. Ah! mas a culpa é do cais. Cais não presta. E por isso cantiga é malcriado. E por isso cantiga de malcriado há-de ficar mais malcriado ainda. Muito mais.Fabião quando saíu última vez no Porta Cinco, cuspiu com força para o chão. Fazia frio. Fabião trazia no corpo farrapos de ganga azul desbotada. O céu lá longe era azul também. Azul desbotado.Mineiro do Rand: 16 meses soterrado. Dezasseis meses de medo: o grisú, monstro que não se vê, não se cheira, não se pressente a estoirar a todo o momento. Dezasseis meses! Quem sabe se o amanhã não o é para Fabião? Toneladas de terra equilibram-se sobre as formigas e os homens que as imitam. Num segundo podem transformar-se numa imensa sepultura. Todos sabem isso. Mas são dezasseis meses necessários para Fabião e seus companheiros. Libras, pounds irão comprar amanhã casacos de pele de leopardo, calças de bombazine, peúgas e meias de futebol das mais berrantes, sapatos fortes, grosseiros, etc. etc. E depois, lá na terra, a certeza duns braços de mulher.Fabião economiza. Não compra máquina de costura em quinta mão, nem bicicleta sem roda, nem outra porcaria. Vai fazer palhota maticada. Pintar porta e janela verde com dois risco amarelo. Machamba pequena. Milho, amendoim e mandioca.Dez meses passou. Fabião não pode dormir. Tosse não deixa. Ele de manhã cedo vai fazer curativo. Depois vai outra vez buscar tosse lá dentro da mina. Falta pouco para acabar contrato. Tosse não pára. Fabião quando voltar para terra não vem sòzinho. É capaz mesmo, esse coisa que acompanha ele, não deixar Fabião chegar no terra. Fazer machamba, palhota maticada com porta e janela verde com dois risco amarelo, semear milho, amendoim, mandioca, arranjar mulher, gastar libra, pound.

Um pouco sobre Rui Nogar esCRitoR e político moçambicano, Rui Nogar, pseudónimo de Francisco Rui Moniz Barreto, nasceu a 2 de fevereiro de 1935, em Lourenço Marques (atual Maputo), Moçambique.Fez os estudos primários e secundários em Lourenço Marques e começou a trabalhar como empregado comercial e funcionário de agência de publicidade. Para além disso, exerceu vários cargos como o de deputado da Assembleia Popular, Diretor do Museu da Revolução, Diretor Nacional da Cultura e Secretário-Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos. Desde 1964 era militante da Frelimo e foi preso pela PIDE por fazer parte da organização. A obra Silêncio Escancarado (1982) resultou de uma recolha de textos escritos no tempo em que esteve preso.poetA, ContistA, declamador, Rui Nogar colaborou em publicações de imprensa, como Itinerário, O Brado Africano, A Voz de Moçambique, Caliban e África. A sua obra está incluída em várias antologias nacionais e estrangeiras, como Poetas Moçambicanos (1960), Resistência Africana (1975) e No Ritmo dos Tantãs (1991).Rui nogAR morreu em Lisboa, em 1994.

Page 5: Revista Literatas edição 5

MARCELO SORIANO - [email protected]

Nota preliminar: Antes de prosseguir com este artigo, lembro ao leitor que me dirijo à CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), portanto, podemos encontrar gerúndios, futuros do pretérito, expressões etnocêntricas, familiares a certos leitores, porém, inusitadas a outros. Oxalá, que esta peculiaridade não seja pretexto para correções, mas para integrações e enriquecimentos léxicos e culturais entre nós. Marcelo Soriano. Santa Maria - RS - BR. 14/07/2011.

1. A QuintA estAção Embarquei nesta vida, recém nascido, embrulhado no manto branco ageadado1do Inverno. Pela Primavera, vi tapetes vermelhos de flores multicores se desenrolarem.Chegado o Verão, as madrugadas quentes traziam mosquitos com suas amplas luascheias amarelas. E o Outono, ah o Outono! Um caminho de folhas secas delatando oslentos passos do caminhante. Dizem, no murmúrio dos córregos lajeados da Boca doMonte*, que existe uma Quinta Estação, mas ela está fora do tempo; fora do mundo...Dizem, em seus sussurros de correntes cristalinas tamborilando nas pedras: “A QuintaEstação brilha nos olhos d’água, onde se banham nuas as Almas puras dos cardumesabençoados”.(*) Boca do Monte é um distrito pertencente ao Município de Santa Maria, Estado do Rio Grande do Sul,Brasil. Localiza-se no oeste da cidade. O local era habitado por indígenas que chamavam a região deCaá-Yurú, que significa “Boca do Mato”, dando origem, mais tarde, à atual denominação.

2. LetRAs VisuAis

- Frase em Código QR2: “ Não sei-te. Talvez-nos. Feliz-nos”.

3 . M o n ó L o g o s póstuMos CoM QuintAnA - pARte V

“Autodidata é um ignorante por conta própria.”

Mário Quintana

[Poemavivo] Eu a ele:

Poeta! Ainda ontem, vi um poema vivo que batia dentro da gaveta como um coração que pedia para sair. [ParLarvas] Ele a mim:

Ver e ouvir... Verbos que se acasalam na magia íntima do verbo Ler. Poema é corpo. Poesia é vida. Independente do tempo que durmam ali, no sarcófago da gaveta, os casulos esquecidos pelos poetas verdes, sempre hão de ressuscitar com a inquietude das asas coloridas dos seus insetos juvenis. (3.) ContinuA nA pRóxiMA eDição...___________________ Código QR é um código de barras em 2D que pode ser facilmente lido usando qualquer celular moderno. Esse código vai ser convertido em uma pedaço de texto (interativo) e/ou um link que o celular os identifica.

gAzA MEu ÚTERO

AMOSSE MuCAVELE - MATOLA

À Paulina Chiziane

A Província dos meus olhos é uma flor que nunca murcha, as suas folhas estão pintadas de variadas cores, cores que reflectem vários sentimentos, sentimentos que nos tranquilizam, carregados de tanta

emoção, fazendo-nos re(viver) nesta ponte de afectos que liga-nos de um passado glorioso à um presente nostálgico.Nestes ultimamentes a minha querida Gaza anda desalmada, carece de amor, falta-lhe uma voz amiga, pois Os Ventos do Apocalipse

abocanharam a sua felicidade e o medo cobriu-lhe o tecto. Dorme um sono secular, vive um pesadelo milenar, a natureza trancou-lhe as portas, e ela aceitou estar encarcerada em Mabalane, não se interessou em contratar um advogado, muito menos procurar ajuda dos amigos, ficou no silêncio das grades da sua angústia, nem a mim que num passado não muito distante juntos plantamos coqueirais de amor.Quando cheguei a Província que tanto me esperava, constatei que algo mudou, o casebre transformado em Castelo, repleto de seguranças, empregados domésticos, e.t.c. uma prisão domiciliária, creio que ela conseguia me ver, daí descobri a 8ª Cor do Arco-íris.Bati a porta a 1ª,2ª,3ª vez e ninguém respondeu, mas de longe via-se monte de gente a circular no quintal, o meu último sentido despertou-me da letargia que me assombrava.Oh pobre de mim, nas grandes casas já não se bati a porta, toca-se a campainha, a resposta veio à uma velocidade da luz, em seguida vieram os serviçais e atenderam-me.-Com quem o senhor deseja falar? - Perguntaram-me-arrepiado de medo, e a tremelicar de incerteza, dei a seguinte resposta – com dona da casa.-quem é o senhor? Pois a senhora está a dormir, ela quando encontra-se neste estado não gosta de ser incomodada, espero que entendas, podes vir mais tarde? Se assim o achar conveniente, mas contudo deixe-nos com o seu nome.De longe ouvia-se uma voz feminina, a perguntar oh José creio que era o nome do homem que estava a me atender – não veio alguém me precisar?-tem aqui um senhor que precisa da senhora – respondeu o José-manda-o entrar -disse ela.A sua voz planta respeito e felicidade no povo que a circunda, apesar dela não desfrutar dos mesmos. O corpo dela guarda segredos milenares tal como As mumias, os seus olhos são uma verdadeira caixa de surpresas, sei que quando cruzarem-se com os meus explodiram como a bomba atómica que destrui Hiroshima e Nagasaki. E os seus estilhaços irão cair nas mãos da potência do nosso amor, sobrevoarão à caminho do futuro nas asas das Andorinhas, tenho comigo uma pá para poder cavar os compartimentos do seu coração, bem sei que Gaza é de poucas palavras e muitas acções, diferente de

outras mulheres que sonham, Gaza vive, idealiza e concretiza.Chegado a sala de visita onde ela estava sentada.Pode sentar -disse ela com olhos boquiabertos, em seguida aproximou-se de mim e deu-me um abraço do tamanho do mundo, os empregados domésticos ficaram bastante surpresos, pois nunca tinham visto O Alegre Canto da Perdiz, instalou-se o silêncio, a realidade tinha traços

de ficção.Sabes há muito que precisa de conversar consigo, volvidos 12 anos tive a oportunidade de estar perto de ti, dada as circunstâncias desta auto-estrada da vida ,ora quando vinhas ao meu encontro não me encontravas e quando fazia o mesmo você estava em constantes viagens ,e neste instante nos encontramos.A sociedade em que estou inserida nela esta contra a nossa relação amorosa, agitava-me para te deixar, te esquecer, cortar os laços que nos une.-aquela provinciana não é digna do seu amor – diziam eles.Davam-me dissolventes e eu resistia sempre, tal como fez o ngungunhane, assim transformei a minha palavra em flecha e o amor que uiva dentro de mim num arco. Saiamos deste lugar, pois algo diz de mansinho que este lugar tem alguma coisa de nefasta, caso continuemos sentados nesta mesa onde estamos sentados com os garfos e as facas que mal sabem dançar Niketche e muito menos sabem falar a nossa língua o nosso changana. Creio que de tanta inveja este lugar pode vir a restaurar estes nossos sentimentos ambulantes

dando-lhes um outro ar.-Princesa vamos – disse eu.- Para onde meu amor – respondeu ela Vamos sentar na esteira do rio Limpopo a sós, para melhor escutarmos A Balada do Amor ao só do vento

Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 5Terça-feira, 09 de Agosto de 2011 CRÓNICA / CONTO 5

FiLosoFonias rapsódicas

Page 6: Revista Literatas edição 5

6 BLA BLA BLA Exero 01, 5555

- discurso dirEctoUm Poeta no Jardim da Imensidão

Terça-feira, 09 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 6

Certamente, é luta árdua – e vã – ter controle exato sobre o que se

escreve e impor-lhe uma linha coerente, uma espinha dorsal, por assim

dizer. Coube a você decidir que rumo a escritura tomaria durante todo

o processo ou os poemas se impuseram, um a um, ordenando-se

acidentalmente? Até que ponto, essa seleção e ordenamento foram

intencionais e conscientes?

JIVM – Sua pergunta é curiosa, porque o Roseiral surgiu de um

sonho, de um lance de pétalas. Os ventos dadaístas, anunciados

no poema “A casa dos meus quarenta anos”, visitaram-me numa

certa noite, lá na Pedra Só, minha roça, e me vi como um condenado

a fazer versos bem diferentes dos que estão presentes na minha

produção anterior. E, logo de cara, o nome se impôs: Roseiral (Ah,

quantas críticas sofri por causa desse título!). E os poemas só falavam

em rosas, em mulheres, em sangue, em pedras. Logo em seguida,

soube que um amigo, dos tempos de adolescência, havia cometido

suicídio com um tiro, de revólver calibre 38, na cabeça. Na hora veio

a imagem de uma rosa de sangue brotando violentamente da sua

face. E pensava num belo roseiral escarlate nascendo em cima de

um lajedo. Era uma loucura e eu não sabia que rumo daria para essa

produção. O engraçado é que boa parte desses poemas foi feita com

versos medidos, visitando desde as redondilhas até o alexandrino e,

principalmente, o decassílabo.

No capítulo “Roseiral” há seis sonetos brancos. Mas, se algum

purista – defensor rigoroso da predominância do decassílabo heróico

e perseguidor das rimas raras – pegar esses poemas para ler, vai ficar

apavorado, porque, além de colocar simultaneamente no mesmo

soneto o decassílabo heróico, o decassílabo de gaita galega, o de

arte maior, o sáfico e o de inclinação provençal, evito os preciosismos

professorais. Dialogo com a tradição, mas não pretendo ser Olavo

Bilac. Ao invés de ficar queimando as pestanas para fazer pastiche de

quinta categoria dos poetas que me antecederam, estou explorando

e experimentando. Estou fazendo meu caminho.

Paralelo a esse acontecimento das rosas, surgiram uns poemas

extremamente agressivos, despudorados e violentos, que tinham

endereço certo: o patriarcalismo que sempre esteve de sentinela,

a massacrar as diferenças e moldá-las à sua imagem e semelhança.

Na mesma linha do despudor, surgiram uns poemas eróticos que eu

jamais imaginei que teria coragem de publicar.

Como pode perceber, no começo não houve nenhuma possi-

bilidade de ordenação, pois os poemas surgiram em grupos e aos

borbotões. Com o passar do tempo – meses e meses – é que fui

percebendo que determinado poema não cabia naquele conjunto,

mas se adequava ao outro. E a arrumação ficou de tal maneira que os

capítulos desenvolvem um andamento, como se estivesse fazendo

um percurso, que começa no terreiro de pedras e que leva ao jardim,

labirinto escarlate por onde se faz a travessia para alcançar a calçada

da juventude e, finalmente, chegar à casa da maturidade. Mas acho

também que cada capítulo, ou mesmo cada poema, pode ser lido

separadamente, sem que haja necessidade de traçar um roteiro.

MARIANA IANELLI – Vejo que o poeta que anunciava a calmaria,

em A infância do Centauro, agora se descobre, em Roseiral, no centro

de uma vertigem. Nesse magma de criação, destruição, recriação, o

poema, ainda que muitas vezes assuma o tom imprecatório, ainda

assim, é uma rosa, uma revanche da vida. Não será este o grande

MAuRíCIO MELO JÚNIOR, LIMA TRINDADE, VITOR NASCIMENTO Sá, MARIANA IANELLI E IgOR FAguNDES

José Inácio Vieira de Melo acaba de lançar seu quinto livro de poesia: Rosei-

ral. Cantado por Myriam Fraga, Astrid Cabral, Maria da Conceição Paranhos e

Eliana Mara Chiossi nos textos da contracapa, orelha e posfácio, o poeta faz

de seu universo um imenso jardim. Vermelho. E lança pedras como se fossem

pétalas. Com a mesma disposição de Davi frente ao gigante, alça sua voz

singular sobre os telhados do mundo. Nesta entrevista, ele nos fala de suas

influências, processo criativo, sonhos, sertões, inveja e muitos outros assuntos

ligados à arte de escrever e viver. Paremos para ouvi-lo.

MAURÍCIO MELO JÚNIOR – Seu novo livro, Roseiral, seguindo a trilha de

sua obra, é um diálogo entre o moderno e o arcaico. O que esperar de novo

nesta conversa já tão antiga?

JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Embora compreenda “que o novo sempre

vem”, os anseios por novidades a qualquer custo não me atraem. Ainda mais

quando me lembro dos versos de Sierguei Iessiênin, que dizem “Se morrer,

nesta vida, não é novo,/ Tampouco há novidade em estar vivo”. O que me

faz recordar também de um velho adágio popular: “Abaixo do céu e acima

da terra, não há nada de novo”.

O que busco é dizer as coisas de uma forma que ao menos soe pessoal.

Busco expressar meus sentimentos de uma maneira que possam despertar

emoções no outro, mas quando o faço, não penso no outro. Faço poesia por

uma necessidade vital. Claro que existe uma preocupação estética. E nesse

aspecto, como você já observou, dialogo com a tradição. Penso que ninguém

cria uma obra do nada. Por mais inovadora que ela seja, sempre apresentará

pontos de convergências com outras preexistentes. Acredito mesmo que as

referências sejam salutares para que se possa criar algo valoroso. Quanta ‘obra

de vanguarda’ não perdura mais que uma semana? A cada esquina aparece

um poeta que se intitula ‘inventor’. Isso só acontece porque esses vanguar-

dosos, que buscam a novidade desesperadamente, não leem. Uns porque

não gostam de ler, outros para não verem suas ‘obras’ serem influenciadas.

E, por conta dessa ignorância, apresentam pastiches de quinta categoria do

que já foi feito a cem ou duzentos anos.

Eu, particularmente, não acredito em escritor que não lê literatura. Van-

guarda para mim tem que ser como Dom Quixote. E foi dessa conversa tão

antiga entre Cervantes e José Lins do Rêgo que surgiu o Capitão Vitorino.

Foi da conversa antiga de Lima Barreto com Cervantes que surgiu Policarpo

Quaresma. E foi assim, sem querer inventar a rosa, que surgiu o meu Roseiral.

Em um diálogo com os poetas que admiro e com os que vou conhecendo

na minha caminhada pela existência. Ah, nada como uma prosa boa para

despertar a poesia da vida!

LIMA TRINDADE – Você não inventa a rosa, mas anuncia, desde a epígrafe

de Gertrude Stein, que a rosa vive e respira independente de nossas vontades,

e que podemos, sim, olhar a rosa, sentir o seu odor e colher, por meio de

nossos sentidos, seus múltiplos significados. Poderíamos afirmar, então, que

você re-inventa a rosa? Que sua rosa é uma e nenhuma mulher, é começo e

fim, amor e morte, matéria e sonho, paraíso e danação?

JIVM – Embora tudo – nos tempos e pelos tempos – seja tão semelhante,

cada momento é singular. A cada instante construímos relações que vão

compondo o que somos. Somos uma invenção que está constantemente a

se reinventar. Nesse sentido, o Roseiral é invenção e re-invenção. A epígrafe

inicial do livro, como você bem observa, aponta para isso, que uma rosa é

tão-somente uma rosa, mas é também toda a possibilidade de criação. É o

Jardim do Éden, do qual nos fala aBíblia, é o Jardim das Delícias, de Bosch, o

Jardim das Acácias, do Zé Ramalho, são meus jardins dos Mandacarus e das

Algarobeiras e, finalmente, é Roseiral – o jardim da imensidão. Eu me invento

dentro desse Roseiral. Suas rosas são brasas. Suas pétalas, pedras que jogo na

cabeça de Deus e de quem estiver pela frente, para que jorre a seiva escar-

late e assim eu possa ver o mundo encarnado. Para além de uma elegância

asséptica, busco colocar em meus versos a força do animal humano, persigo

os aromas e os matizes do barro em que foi moldado.

Há um poema no livro, intitulado “Invenção da poesia”, que explicita bem

as proporções do Roseiral, a partir da estrofe inicial, que diz “Pele vestida, dis-

tribuída e refeita,/ parto para o princípio do labirinto”. Mas, logo em seguida,

afirma: “Parto e principio o labirinto”. O Roseiral é um jardim, porém o seu

elemento ordenador não é a plenitude, é a inquietação. É a busca da origem,

da Rosa Mística, que inicia quando partimos à procura do princípio do labir-

into. Acontece que, quando partimos, damos início ao nosso labirinto. O meu

Roseiral é um labirinto. E, como não preciso de justificativa, “parto,/ que a

peripécia não é chegar,/ que o coração só tem um fim:/ ao som do coro das

sereias/ cantar o ciclo da origem”.

Astrid Cabral e eliana Mara Chiossi avaliam esteticamente o mais novo livro de Vieira de Melo

VITOR NASCIMENTO SÁ – A leitura de Roseiral deixa evidente uma pre-

ocupação em concatenar os poemas de um modo que a obra se torne

uma espécie de organismo coeso, ou pelo menos se assemelhe a isso. Essa

impressão nos é transmitida tanto no campo formal como no temático.

desafio do poeta, hoje, transmudar pedras em pétalas, fazendo prevalecer

o amor e a beleza sobre o golpe de violência?

Roseiral - o mundo encarnado pela seiva das rosas escarlates

JIVM – O segredo que a rosa preserva alimenta a minha fome de desco-

berta, a minha sede de beleza. Há

algum tempo, afirmei em uma

entrevista que poesia para mim é

salvação. É nisso que acredito. Além

de uma questão de fé, é também

uma constatação, pois sem a poesia

eu não conseguiria sobreviver.

Também professo a beleza, mas

nem sempre os aspectos positivos

de um determinado assunto, sejam

a grandeza, a novidade e a beleza,

conseguem emoldurar a expressão

que se originou no eu poético. O que

me leva a pensar que não existem

assuntos poéticos e assuntos não

poéticos. Tudo cabe na poesia, do

preço do feijão até as tragédias que

assolam a humanidade. O triste fim

de Heitor, dedicado pai de família

e guerreiro ideal, pelas mãos do

implacável e furioso Aquiles, não

tira a beleza dessa passagem da

epopéia de Homero.

Por falar em beleza, lembrei-me

de Rainer Maria Rilke, quando diz

nas Elegias de Duíno: “Pois o belo

não é/ Senão o início do terrível”.

E quantas vezes nos deparamos

perplexos e assustados diante de uma situação, ou mesmo depois de

ler um poema ou depois de ver um filme, e dizemos: Que coisa terrível!

E é como se disséssemos: Que beleza! O Raimundo Fagner cantava para

a minha adolescência uns versos de Antonio Brandão que me marcaram

muito: “Beleza só depois de uma sangria desatada”. Não que seja maso-

quista, mas o sofrimento chega e entra sem pedir licença. Mesmo assim,

é preciso reagir e abraçar a tarefa de transformar pedras em pétalas. Só

que os olhares estão presos na vitrine, as pernas correndo atrás do carro

novo, o pensamento está se especializando em conhecer cada vez mais

sobre cada vez menos. E aí não há espaço para essa discussão. Então, só

uma pedrada certeira para despertar a aurora das ideias.

IGOR FAGUNDES – Tanto em seus poemas quanto na entrevista, nestas suas

respostas que jamais deixam de trazer o calor e o sol de um poema, como se também

o fossem, ouvimos a voz dos deuses a saltar de sua boca. Em geral, quando um

poeta dialoga vigorosamente com os mitos gregos, e assumindo que seria o seu

caso, de imediato a crítica apressada o qualificaria (depreciativa ou elogiosamente)

como erudito – poeta para poetas e não para o povo. Mas, de repente, temos um

José Inácio Vieira de Melo entre algarobeiras da roça, entre o sertão e o agreste

brasileiros, a chamar palavras como quem chama a seus bois, tão capaz de abraçar

e comover um não-letrado quanto uma fazenda de gado o é. Um José Inácio Vieira

de Melo a lembrar-nos que falar em gregos nada tem de impopular e letrado, se

ali, entre os rapsodos e cantores da Grécia, tudo é corpo e oralidade, palpitando

entre os homens comuns, ou melhor, incomuns. Já lhe perguntaram, aqui, acerca da

convergência entre o moderno e o arcaico; contudo, penso que toda esta mitologia

não apenas desfaça tal dicotomia ao derrubar a linearidade do tempo na revelação

do que permanece contemporâneo, isto é, um presente jamais ultrapassável. Para

além dessa dimensão temporal, imagino que, em seus versos, punge também a

dimensão espacial desta mítica que entrevê na terra particular e brasileira, a terra

universal. No lugar específico, o sem-lugar que abisma todas as terras. Quero, com

tudo isso, chegar a uma questão: à sua habilidade de tornar o José Inácio particular

e distinto em um Vieira de Melo universal, indistinto, abismal, de maneira que a

história de vida do indivíduo que escreve se apresente em seus poemas com tal força,

que ela mesma se torna um mito, uma mitologia para nós e em nós, seus leitores. O

homem que escreve não se transforma apenas em um eu lírico que o transfigura ou

dele diverge. O eu lírico também transforma este homem em certa divindade – no

sentido grego e, portanto, originário. Afinal, tanto “A casa de meus quarenta anos”

quanto “A calçada dos meus quinze anos” parece valer como oráculo para todos os

que com seu Delfos se consultam. Diante disso, gostaria de saber se acredita que,

em toda arte, o biográfico, para ser poesia, precisa deixar de sê-lo e, a partir daí, que

discutisse até que ponto a potencialização, ou a superlativação, ou a transmutação de

uma biografia contribuem para a mitificação da figura não do poeta, mas do homem

que se lhe antecipa e nele se eleva.

JIVM – Rapaz, você foi longe... Mas eu estou aqui bem pertinho de uma

algarobeira, sentido a brisa do sertão. Confesso que para mim é um tanto

difícil explicar por qual mecanismo minha vida se apresenta na minha

poesia. Mas, por outro lado, fica bem fácil quando sei que, para mim,

não existe um José Inácio das obrigações cotidianas e, em separado,

um Vieira de Melo poeta. Eu sou José Inácio Vieira de Melo por inteiro.

Page 7: Revista Literatas edição 5

Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 7Terça-feira, 09 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 7

Sou completamente poeta, embora saiba que não seja um poeta

completo, pois sempre há searas a conhecer. Sinto que sou poeta

25 horas por dia. Não consigo dissociar minha vida da minha poesia.

Sei que existem poetas bem mais competentes que eu, com uma

obra mais consolidada que a minha, que não fazem o estardalhaço

que eu faço. Ficam ali, recolhidos na tranquilidade, para lembrar de

Wordsworth, e poucos sabem do seu ofício de poeta. Eu não. Por

onde passo, deixo o rastro do poeta. E mesmo os que não entendem

bem do que se trata dizem logo: “ele é poeta”, sem que haja nenhuma

intenção de valoração.

Vivo pensando a poesia que me é possível o tempo inteiro. Mas,

por mais intensa que seja essa relação, por mais próxima que seja do

que sou, ainda assim, não é o que sou. Esse sujeito que está o tempo

todo dentro da minha poesia, que se parece tanto comigo, sou eu

mesmo tentando me autenticar dentro do poema, dentro da arte.

Mas, ainda assim é uma representação. É um eu lírico idealizado, que

vai pedir bênção aos mitos, sobretudo os gregos e hebraicos, para se

perpetuar dentro de uma tradição. Não que o biográfico não esteja

presente, mas há um somatório de referências, há enxertos de ficção

que superlativizam o biográfico e potencializam o mito. A partir daí, a

figura humana é investida por uma couraça do imaginário, pelo poder

da criação, que pode lhe conferir heroísmo e até mesmo o deificar. O

homem que sou, e que se diz poeta o tempo inteiro, não consegue

acompanhar o eu poeta na escalada rumo às esferas do delírio, por

maior que seja a sua vigília. No entanto, as pedras que são atiradas

no poeta, essas recebo todas. Em dobro, até.

No que se refere aos mitos, sempre achei que são coisas do povo.

De um lugar para outro, de uma época para outra, mudam-se os

nomes, mas são as mesmas figuras mágicas que vêm atender as

necessidades de milagres e de punições das tribos, dos povos. Apesar

do diálogo com os mitos gregos, sinto-me um poeta de inclinação

bíblica, um pastor de nuvens e de versos. Os meus livros anteriores

devem tributo ao poeta Davi, o salmista. Já neste Roseiral, os Cânticos

dos Cânticos de Salomão são uma referência mais próxima. A seiva

das rosas escarlates do Roseiral trouxe um novo tônus para minha

poesia.

MAURÍCIO MELO JÚNIOR – Tenho uma visão até óbvia de sua

poesia: a forte presença da terra, do semear. E isso é um jeito meio

esquecido pelos poetas contemporâneos, tão urbanos e violentos.

Você é sertão, só que se conhece uma infinidade de sertões metafóri-

cos – Zé Limeira, João Rosa, Zé de Alencar, Rachel, Mestre Graça,

Cabral –, enfim, onde se localiza sua geografia íntima?

JIVM – Pois é, o sertão é o mundo, como nos ensina o Mestre Rosa.

Por outro lado, o bardo cantador Elomar traz notícias de um sertão

profundo, de dentro. A minha geolírica situa-se nessas plagas das

quais falam João Guimarães Rosa e Elomar Figueira Mello. Um sertão

íntimo, de dentro, tão intenso, que faz com que para onde eu olhe

vislumbre o sertão planetário do poeta Gerardo Mello Mourão, a roça

de estrelas de José Chagas e de Jorge de Lima. O sertão cósmico de

Roberval Pereyr e de Antonio Brasileiro.

A minha geografia íntima é abismal e localiza-se no terreiro do

meu ser – bem longe da balbúrdia dos modismos. Deitado nas relvas

de Whitman, de dia pastoreio nuvens – de Pessoa e de Davi – no curral

da imensidão azul. À noite, do balanço da rede, cultivo as estrelas

nos labirintos de Borges, que trazem brilho, inquietação, suspiro,

inspiração. O sopro lírico de Drummond e de Ruy Espinheira Filho.

Cada estrela tem nome de poeta – Bandeira, Lorca, Kaváfis, Rilke,

Murilo – e faz parte de uma constelação. Misturam-se e renovam-se.

Morrem e renascem. E continuam. Tantas e tantas. Os que citamos e

mais Herberto Helder, Cecília Meireles, Alberto da Cunha Melo, Maria

da Conceição Paranhos, Francisco Carvalho, Myriam Fraga, Wilmar

Silva, Mariana Ianelli, José Alcides Pinto, Astrid Cabral, Alexandre

Bonafim e vários outros.

LIMA TRINDADE – Sinto que a ocupação desses diversos topos –

como no caso do sertão (interior e exterior) e do urbano, da mistura

de matizes eruditas e populares, da influência da cultura de massa

em todas as esferas, do surgimento de novas configurações políticas

e comportamentais – marca a literatura contemporânea e também

a sua poética, que não escolhe um único ponto de vista, mas múlti-

plos. Você concorda com essa afirmação? Enxerga singularidade na

produção dos poetas desse início de século?

nietzsche: “somente quem tiver o caos dentro de si poderá dar luz à grande estrela bailarina”.

JIVM – A contemporaneidade jogou o ser no cerne do caos. Vive-

mos num globalitarismo que coloca todos em um suposto pé de

igualdade, que relativiza as culturas em nome de uma cultura global.

Mas sabemos que isso tudo é uma falácia. O que se percebe mesmo

é a imposição de uma cultura dominante que determina comporta-

mentos e estabelece padrões.

A poesia, como toda arte, questiona, subverte, mostra possi-

bilidades para novos caminhos. E não é de se estranhar que, nesses

tempos de indagação, o paradoxo seja a melhor afirmação a se ofer-

ecer. Não há muito que filosofar. Ninguém vai ficar se perguntando

“quem sou eu?” no momento em que perde um braço. Mas o pior

de tudo é que a maioria dos poetas – tão intrincados nos estudos

culturais – está sem caminhos. Então, esses poetas, preferem ficar

usando palavras soltas, mecânicas. Assemelham-se tanto aos robôs

que os computadores parecem mais sensíveis. Seria preferível que

Nikos Kazantzakis, em Carta a El Greco, sobre o dever de “reconciliar os irrec-

onciliáveis” e arrancar do fundo de si mesmo “as espessas trevas ancestrais

para delas fazer luz”. Kazantzakis se referia aos antepassados que combatiam

dentro dele, a terra e o fogo: “bons camponeses” por parte de mãe, “corsários

sanguinários” por parte de pai. Gostaria, na verdade, que você comentasse

um pouco sobre esse conflito interno, se ele existe, e como você o reavalia,

agora, tendo cumprido mais este “ciclo da origem” que sua voz, já desde os

primeiros poemas de Roseiral, profetizava.

JIVM – Eu cresci marcado pelo signo da diferença. Somos cinco irmãos.

Todos homens. Sou o terceiro. Na verdade, sou o sétimo, visto que minha

mãe teve nove filhos. Cinco vingaram. Pois bem, a partir de meus sete anos,

o refrão que mais escutei, e que perdurou até os 20 anos, quando vim morar

na Bahia, foi: “– Esse menino é todo diferente dos outros!” E foi com sete

anos que tive de descer do fusca e ficar sozinho na entrada da fazenda,

que distava uns três quilômetros da sede. Eu até hoje me lembro do meu

pasmo e do imenso abandono que senti. Meu avô Moisés, quando soube,

saiu correndo ao meu encontro...

Na adolescência, quando estudava em Maceió e passava os finais de

semana e as férias no interior, o fato de gostar de usar cabelos grandes – ah,

como sinto saudades dos caracóis dos meus cabelos – distanciou-me ainda

mais de meu pai, uma vez que fiquei impossibilitado de sentar à mesa na

sua presença durante alguns anos. É aquela coisa lá do poema “Banquete”.

Não é muito fácil falar dessas coisas. Pois é! Mas, para tentar limpar o sen-

timento, só enfrentando tudo isso. E oRoseiral veio na medida, passando

o passado na lâmina.

Quero deixar bem claro que meu pai é um referencial de inteligência e

de conquistas. O que ele queria era que eu o acompanhasse na sua luta

desenfreada para vencer na vida. Se a minha história parece difícil, a sua é

muito mais: criado por uma tia desde os dois anos, começou a trabalhar na

infância, frequentou escola por menos de um ano em sua vida, casou aos 18

com uma menina de 14 que, desde os 11, era órfã de mãe. E me ofereceram

do que tiveram – o abandono – e muito mais do que não tiveram: a pos-

sibilidade de estudar e muito afeto também. Esclareço que, nesse ínterim,

comecei a ter problemas com bebidas alcoólicas. E durante duas décadas

(dos 13 aos 33 anos) a barra foi pesadíssima, e causei muitos problemas.

Você, Mariana, além de poeta brilhante, é uma leitora extraordinária.

Mostra o compasso certo desse Roseiral: “reconciliar os irreconciliáveis”.

Eu, revestido por você do mito de Telêmaco, combato a tirania patriarcal

que subjuga as diferenças, que massacra suas crias e, tal qual Procusto,

molda o outro às suas medidas. Desse modo, a figura do Pai – que pode

ser entendida como o deus, como o pai, o patrão, o governante – recebe de

volta a coroa de espinhos que impõe ao filho. Depois de cumprir a travessia

das rosas escarlates e de suas inúmeras pedras, sinto-me aceitando cada vez

mais a minha condição de poeta. Em relação à família, pais e irmãos, estou

muito distante. Parece-me que é a melhor maneira de sentir saudade e de

ser tratado com respeito. No mais, tenho dois filhos – Moisés e Gabriel –

que são luz em minha vida. Que alegria despertam em meu ser! E com que

facilidade alimentam a criança que existe em mim!

JIVM: “Há algo de perdição nessa busca, porque sei que nunca vou estar

satisfeito, sei que o que procuro estará sempre se escondendo detrás da

árvore seguinte, do prédio seguinte e até mesmo na minha sombra”

IGOR FAGUNDES – Disseste que, para o Roseiral, não aguarda nada, que

não é de esperar. No entanto, muitos leitores esperavam um novo livro seu.

Para além do que o inspirou a escrever e das elucubrações críticas que aqui

fizemos, o que, em suma, afinal, podemos todos – os que já o leram e os

que ainda não o leram – esperar de sua poesia? E será que José Inácio não

espera nem por mais poesia em sua vida? Será que já não está chocando

outros livros antes mesmo de este novo circular pelo Brasil? Tu nos deixa

querendo mais poemas, mais livros, José Inácio...

JIVM – Quando falei que não aguardo nada para o Roseiral, quis dizer

que não sou de ficar criando expectativas. Gosto de sair por aí, espalhando

minha poesia. Não publico um livro e fico com ele dentro de casa, velando-o,

esperando que algum crítico extraordinário venha descobrir o gênio que

sou. Não acredito nisso. Nem tampouco fico na esperança de ganhar aquele

prêmio tão desejado pela maioria. Eu corro atrás. Mesmo parado, dentro

de casa, estou sempre pensando numa maneira de levar meus versos ao

outro, através do mundo virtual.

Quanto aos que apreciam minha poesia, só posso dar garantia de que

estarei sempre buscando... Buscando o verso que esteja afinado com meu

sentimento, buscando a poesia de cada momento. Há algo de perdição

nessa busca, porque sei que nunca vou estar satisfeito, sei que o que pro-

curo estará sempre se escondendo detrás da árvore seguinte, do prédio

da esquina e até mesmo na minha sombra. Eu vivo a poesia. Sinto que, a

cada momento, ela apresenta-me uma nova face, ela inventa uma nova

paisagem, ela me tira do chão e me conduz pelas esferas do delírio. Sinto

que tenho um sorriso triste, mas a poesia me tira do sério, me deixa bobo,

me deixa desse jeito que estou agora, fora do tempo, fora de mim. Comple-

tamente eu. E isto é o que há de melhor.

Escrevo pouco, uma média de 25 poemas por ano. O Roseiral saiu e já

tenho no meu matulão umas três dezenas de poemas inéditos. Claro que

outros livros virão. E vai ser assim até o último dia de minha existência. Sinto

que a poesia é minha vida

se jogassem no abismo e bradassem humanamente. Talvez aí houvesse

algum indício de liberdade para criar uma poesia que desperte emoção

no leitor.

Mas nem tudo está perdido. Apesar de achar que é muito cedo para se

falar em singularidade, existem poetas aflorando no alvorecer desse novo

milênio que são avatares (para usar uma palavra que está em circulação).

Poetas que não mataram a criança e que preservam suas humanidades.

Não pense que sou apocalíptico. Apesar do momento caótico em que

vivemos, comungo com Nietzsche quando afirma que “somente quem

tiver o caos dentro de si, poderá dar luz a grande estrela bailarina”.

VITOR NASCIMENTO SÁ – Entre as pedras que são atiradas no poeta,

obviamente, há a crítica negativa daqueles que resolveram se colocar

na vida como seus adversários poéticos, se é que isso faz algum sentido.

Quem acompanha de perto sua produção – seja a publicação dos cinco

livros (incluindo Roseiral), seja a realização dos eventos literários e culturais

ou a sua atuação na internet – sabe que há aqueles que vivem espreitando

seus passos e fazendo um esforço tremendo para negar tudo, infamar

ao máximo. Por outro lado, se levarmos em conta a idade de sua poética

(aproximadamente uma década) sua fortuna crítica é imensa e chove

comentários elogiosos de nomes consolidados. Como é viver, poetica-

mente, assim, entre a simpatia de tantos e a extrema ojeriza de alguns? O

que você aguarda desses opostos com o lançamento de Roseiral?

JIVM – Olha, não tenho do que me queixar. Minha poesia tem mere-

cido a atenção de nomes significativos da literatura brasileira, das mais

diversas vertentes e de diferentes gerações, como você bem observou.

Vai longe o tempo em que eu tinha uma preocupação em conseguir uma

editora para publicar meus livros. Hoje em dia, os convites são vários.

Na verdade, tenho aberto portas para outros poetas publicarem seus

livros por editoras que garantem, ao menos, uma boa distribuição. E é

bom lembrar que estamos falando de poesia, gênero que não desperta

o interesse da grande maioria das editoras, por conta da falta de leitores

e, consequentemente, pela falta de consumidores.

Existe, no estado da Bahia, meia dúzia de pobres diabos que, movidos

por uma inveja corrosiva, estão empenhados em difamar a minha pessoa

e de desmerecer a minha produção poética. Esquecem de trabalhar (e

passam a roubar), esquecem de suas famílias (que, por sua vez, procuram

alento em outros braços), esquecem de si próprios (alguns têm até o álibi

de serem loucos) e se dedicam completamente ao José Inácio Vieira de

Melo. Não sabem, coitados, o quanto contribuem para que, cada vez mais,

meus versos ganhem espaço.

Para o Roseiral não aguardo nada. Não sou de esperar. Gosto do movi-

mento, do ritmo, de andar, de fazer as coisas acontecerem. Por enquanto,

há oito lançamentos marcados: Aracaju, Belo Horizonte, Salvador e cinco

cidades do Vale do Jiquiriçá. De modo que não tenho tempo para desperdiçar com as bobagens dessa meia dúzia de delinquentes.

Rainer Maria Rilke: uma referência para o autor de Roseiral

MARIANA IANELLI – No poema “Fuga”, um dos primeiros do livro, você

fala do momento em que “o homem chega dentro da criança” e aparecem

os “sonhos - fuzilados no horizonte”. O poeta, aí, não apenas antecipa sua

fuga, mas anuncia, creio eu, todo um processo de enfrentamento e assimi-

lação de forças contrárias que viremos a acompanhar ao longo de todo

o livro. Esse conflito com um “patriarcalismo”, como você mesmo disse,

poderia ser compreendido, a meu ver, como uma batalha que se passa

internamente, uma batalha que, por ser sanguínea, abrasadora, desperta

também seu correlato subversivo de erotismo e paixão. Sob esse ponto

de vista, pode ser que nesta “odisseia”, título, aliás, de uma das seções

do volume, o poeta se transmude não em Ulisses mas em Telêmaco, em

busca do pai, para enfrentá-lo, numa viagem poética rumo às origens que

põe a salvo a criança dentro do homem. Na seção “A calçada dos meus

quinze anos”, que concentra os poemas talvez mais significativos dessa

batalha, a representação do banquete ocorre em três poemas, um deles

intitulado “Canibal”, o que me faz pensar novamente em um processo

de assimilação poética, e por que não dizer, de transubstanciação, como

indicam os versos do poema “Vampiro”: “Sim, beberei teu sangue / quão

saboroso é o vinho / que corre em tuas veias”. Isto me lembra o que dizia

Esta entrevista foi publicada na revista Correio das

Artes, Abril/2010, Ano LXI, na cidade de João Pessoa,

na Paraíba. Foi distribuída nas bancas de revista como

encarte do jornal A União, no dia 25 de abril de 2010.

Page 8: Revista Literatas edição 5

JAPONE ARIJuANE - MAPuTO

Há vezes que a tristeza faz me muito feliz

Quando triste lembro a felicidade vivida

Nunca da tristeza que vivo.

Felicidade é bem compreendida

quando se esta triste

Minha vida é o lado feliz da tristeza

Auto-quotidianoPEDRO Du bOIS - bRASIL

Tanto conversamos em silêncio seus olhos perguntam respondo olhares mágoas tristezas iras raivas surdas maneirasde nos fazer entendernão estarmos juntos.

SilênciosEDuARDO QuIVE

Para minha avó,esposa segunda do meu pai,

mãe de dois irmãos meuse falecida

Um bando de dor se excitou,Lágrimas em versão dos hinos celestes,Buscavam o momento do adeus último.

Diante de mim, estava a nova habitante do alémDo poenteDo fim Da noite que não amanhece.

De dolorosoNascia no escancaro,A tumbaO túnel do abrigo na morte.Mais uma vida se rendera aos deuses assassinosDesta vezFoi em Junho.

Aos meus olhosA pirâmide esquivou-se do mortífero Setembro…Quem sobrou….Quem sobrou?O que ficou?

… A maldita que engolirá a minha mãe?A peste que cobiça o meu pai?O próximo é desconhecidoMas existeE a peste o levará para onde quiser

O Morto

ALFREDO bENzANE - MAPuTO

Há coisas que eu gosto de ouvirQue dão-me auto-estima e põem-me a sorrirDão-me um eu que não conheçoE me deixam a viajar num espaço tão lindo

Eu gosto de ouvir elogios verdadeirosDe ouvir adjectivos que engordam frases belasSejam curtos ou longosEles me engordam, e através deles ultrapasso problemas

Eu tenho gosto de dizer obrigado após elogioDireccionado ao meu espírito e não o físicoGosto de ouvir como ele é simpáticoFico alegre e com um enorme prestígio

Eu gosto de ouvir “como ele é quão bom”De ser chamado louco quando a felicidade me consomeQuando me engolem por inteiro e deixam me sem fomeTrilho sem querer sou bomba de risos

Eu gosto de ouvirNum trabalho sem esperar ouvir “és forte”E estudando, um suave “és muito inteligente”

Os elogios vêm de atividades boasPassam por quem vê os fazeresCom distino de quem as faz

Os elogios mudam a qualquer umDão auto-estima e mais bondadeTrazendo a realidade para quem não a conheceQuem a aceita se disliga do SatanásE vive completamente a eternidade

Eu gosto de ouvir elogiosE faço tanto para ouvi-los.

O gosto por elogios

Ericson Maque - Lichinga

Somos dois…Existo para…Não existo sem…

Nascemos alguresNem antes nos conhecíamosJuntos lá vamos

Nas escuras da incomensurável ambiguidadeDas nossas vidas, vão os nossos desabafos.

recolha do texto: Mukurruza

Tu e eu…

8 BLA BLA BLA Exero 01, 5555

no rEcanto dE apoLo...Terça-feira, 09 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 8

ALbERTO ARAÚJO - MAPuTO

Um ente desponta,E aponta o que é ser belo,E da beleza nascem palavras. Singrando pela almaVão-se as palavras entintadas e solfejadas,As quais o tempo fez produzi-las Certas, se fazem fato central de uma vida.Por esse motivo nunca as deixarão adormecidas no cais,Aneladas a tristezas e angústiasTampouco dá guarida aos proveitos do que se fez. Apenas o querer que, as palavras ditas no papelSejam viajadas através do tempo,Fazendo-se cantigas no coração de quem amaAssim o tornando um ser meramente feliz.

IDENTIDADE DO SOL

MukuRRuzA - LIChINgA

(A um povo humilde por aí…)

IMaldito tempo difícil,Soam balas encravadas nas paredes,Acordam banhadas de sangue no rosto.É terrível sacrificar se pela humanidade escolhida!

IINo irreparável cuspo da guerra,Há um denomino que lhes encheDe tristezas e lágrimasDe caras secas e pálidas!

IIIDe suor nudezDeita (se) milhares pelo avermelhado chão.E tudo em volta fica encarnado!

IVPátria se atormentaE de baixo de sol escaldanteVai o povo sonhando liberdade!

O Povo

Page 9: Revista Literatas edição 5

Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 9

LitEratura moçambicana - aEmoTerça-feira, 09 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 9

AuTOR: CLEMENTE bATA1. Apesar de discreto, oxalá por pouco tempo, CB iniciou-se

no mundo literário há cerca de vinte anos e, durante esse tempo,

foi dando um ar da sua graça e do seu talento, apesar, repete-se, de

pouco conhecido como pessoa, e muito embora sabendo-se que

se trata de um homem de letras. Quer dizer, o nome vem sempre à

frente (e a pessoa atrás), pelo que algumas pessoas podem dizer Ah!,

conheço, mas não sabia que era ele....

2. Este Retratos é a sua estreia em livro, juntando-se ao seu

percurso, como intelectual, outros contos, textos diversos sobre lit-

eratura e, ultimamente, as apresentações de livros de outros autores

(belas apresentações, diga-se) – os Matusses, Filipe e Hilário, e o

Simital.

3. “Ele chegou a casa. Deitado na cama, apreciava a noite

branca. Via florescer o amanhecer. Lá fora, comentava-se a violenta

trovoada da noite passada, e avolumavam-se os rumores sobre os

caixões. As pessoas justificavam até as tempestades e a desgraça. É

castigo de Deus, por causa dos voos sacrílegos da noite - diziam”.

4. Os contos terminam todos em apoteose. Este é um truque

que os bons ficcionistas usam; podem ir contando mal, sem muita

garra, mas o arranque e o fecho são fundamentais; tudo deve começar

com muito ritmo e cuidado para prender e, depois, fechar em alta. O

meio pode servir apenas para desenvolver a trama. Funciona.

5. O escritor tem que avaliar o que escreve, hora a hora,

minuto a minuto, segundo a segundo, momento a momento. CB

trata bem as palavras, as letras, e vai avaliando, passo a passo, o

que escreve. Traz a narração dos factos e, em simultâneo, mostra

6. “Uma noite de cacimba agasalhava-o. Ouviam-se vozes lá longe.

Ele sacudira a cidade toda e regressava a casa. Já se fartara de enganar a vista

que entrevia Khudzi na cara dos passantes. Ah, é sempre assim!... Ao chegar

perto, dissipavam-se as dúvidas! Desiludia-se...com um manguito, enviou a

humanidade inteira para o inferno e atentou no silêncio interrompido pelas

vozes”.

7. A dado passo, e lendo-se estes textos, pode-se questionar: Que

literatura se lê em Moçambique?

8. A Literatura faz um barulho agradável; um ruído perfeitamente

audível, uma perturbação que dá gosto seguir, porque nos leva a um fim

que pode estar visível ou pode não estar claramente indicado – isso não

interessa – mas que nos dá o consolo de se chegar ao término da estória e

perceber que as letras podem perfeitamente estar ao alcance e sob domínio

do autor.

9. “Quando os dois se conheceram, Castigo acabava de se tornar

gerente da mercearia do pai dele. Ela frequentava a loja, e sonhava em

possui-lo. Ele desposou Malena, a namorada. Aberta não desarmou. Con-

tinuou a enfeitiçá-lo com os olhos que o devoravam, e com o corpo que

ondulava frenesins estonteantes. Castigo passou a frequentá-la, Malena,

conformada, não dizia nada”.

10. O livro é composto por algumas estórias que distorcem e abanam

as máximas que asseguraram durante séculos a tradição e que mostram

como alguns princípios tradicionais estão a perder terreno; episódios mun-

danos, recentes; ladrões de caixões que nos levam a comprar urnas em

segunda mão; idas à John no tempo da guerra ou a esterilidade que nunca

foi bem tratada no meio rural. Ignorância.

11. É uma coletânea de contos onde se conta com muita segurança

e coerência, logo, e por isso, tem-se uma leitura agradável. Está aí um dos

melhores contistas deste país, pode-se afirmar sem reservas

a realidade com as expressões das personagens; as falas reais que saem,

as interjeições, os hábitos que fazem a língua das gentes.

Os conteúdos desta pági-nas foram fornecidos pela Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO)

Retratos do Instante

AuTOR: LuíS LOFORTE1. LL rebuscou as imagens que a sua memória não

conseguiu dispensar e brindou-nos com este romance pub-licado com a chancela de uma editora portuguesa, a Quetzal Editores. Já lá vão 9 anos, desde que a obra veio a público e que, devido à veia criativa do autor, nos foi permitido, mais uma vez, concluir que a literatura pesa na formação de uma pessoa com peso de ouro.

2. É isso: Existe um escritor em cada moçambicano, mas grande parte prefere ler – e a maior parte dessa talvez nem ler. Como consequência, temos uma insuficiência no número de escritores e mensageiros e, logo, de leitores.

da trajetória de uma personagem que acabou por ser adaptada e adaptar-se consoante o que se viva em determinado período.

6. “O que veio a seguir foi uma espécie de reedição da História. Os macondes exigiam explicações concretas a alguém que não conheciam em concreto, no mesmo local em que trinta anos antes, na célebre chacina de Mueda, também ordeira-mente, dezenas de outros haviam sucumbido ao exigir uma independência mal equacionada na forma e no espaço”.

7. A dado passo, lembra o João Paulo Borges Coelho e as suas incursões sobre a cortina de um tempo que se foi, mas que ninguém levou – com poucas e quase sempre as mesmas explicações e cumplicidades frágeis e de pouca duração. Era o tempo do silêncio.

8. As abordagens de LL podem fazer questionar: A litera-tura pode dispôr para o futuro?

9. “Não só compete a Vossa Excelência a repelir a embriaguez, a vadiagem, os pequenos roubos aos proprietários até aniquilar por completo a matilha de malfeitores que a viver sempre de roubos, procurando esquivar-se sempre da polícia com a convicção de que andará sempre impune! Vossa Excelên-cia é o único responsável de tudo quanto passa dentro da área da sua administração”.

10. O acto de escrever pode vir do íntimo, mas nunca é íntimo. Esta é uma afirmação problemática, e é bom que assim o seja – um país não vive, não respira, não se desenvolve, se não tiver problemáticas, escândalos, debates, lutas ideológicas. Este texto, modesto, mas profundo, contribue para isso; é uma ajuda valiosa no processo de discutir as coisas, falar sobre os temas e o modus vivendi que nos acompanham...todos os dias.

11. LL ajuda-nos a ouvir as palavras, num livro que se lê e nem se dá por isso; permite-nos relembrar outras dimensões da nossa História. Tem um belo prefácio de M Regina Arouca e capa com desenho de João Craveirinha. Em tempos onde se fala sobre tudo e muitas vezes nem se chega a conclusão alguma – há quem diga que basta falar, não é preciso concluir pois o debate é já uma conclusão – são palavras como estas que refrescam a alma, a memória, e formam grandes e verdadeiros homens

Este livro vem abanar um pouco esse status e mostrar que, muitas vezes, faz bem à nossa cultura a p a r e c e r e m novos autores a vomitarem de sua justiça. Boa!

3. “O Chefe levantou-se e serviu-se do topo de uma cadeira vazia da coxia para pousar a pasta, abri-la, analisar e assinar, um a um, todos os documentos aí contidos. Os passageiros, impacientes, murmuravam ruidosamente. O chefe man-tinha-se sereno, absorto no conteúdo dos documentos que rabis-cava com uma caneta dourada

de tinta permanente”.4. A escrita profunda vive sem insultos, ofensas, palavrões.

Neste livro, recorre-se ao culto da língua – palavra - verbo que o suposto advogado (solicitador), qual assistente jurídico de hoje, utiliza nas suas incursões, para impressionar os clientes; só que (o peixe morre pela boca) acaba por baralhar o juízo do administrador da sua zona e terem que fugir porque ia ser preso e executado sem direito à defesa. Saber muito atrapalha os outros.

5. Os momentos da vida, deste pedaço de terra neste grande continente, vêm-nos com o tempo colonial e as suas ligações e rami-ficações com o período de revolução; são-nos mostrados através

O Advogado de Inhassunge

Page 10: Revista Literatas edição 5

10 BLA BLA BLA Exero 01, 5555

jaze nas terras adustras de Vacanhecane e, lá está a campa número cinco

da minha tia, a Martinha, a mas nova das mulheres, morreu sedo como

dissem as pessoas, mas ela jura que não, morreu na hora dela, ninguém

morre sedo ou tarde, mania dos homens de terem medo da morte. E

matam-se como se de hienas fossem em tempo de guerra. A campa seis

e sete não sei, mas meu tio-avó Zé contou-me porque uma delas é de

uma criança. A nona campa é da minha bisavô, a Mwamabedjuana, mãe

da minha avó Nocitina e sogra do meu avô André, morreu depois da filha

e de dois netos, o meu tio jornalista Noé Dimande e Marta Dimande. Viveu

muito. É como a minha avó Marta, esposa legitima do meu bisavó Noa,

morreu depois do filho, o meu avô André. O meu tio jornalista ocupa a

decima campa, este meu tio era grande amigo meu, foi nele que mim

veio a vontade de continuar com os estudos jornalísticos se não fosse por

causa dos assasinatos que a classe tem executado aos jornalistas eu estaria

lá. Foi um grande homem, andou nas terras do tio Sam, escreveu para o

New York Time, fundou o Demos com o velho morto, péssimos gestores,

foi a falência antes do sucesso. O Demos em grego diz democracia, era

um jornal semanal que estava a ter seu apogeu, trabalha com o irmão do

Ungulani, um tipo porreiro também, mas em fim lá esta o meu tio ao lado

da decima primeira campa do meu pai Zefanias Dimande.

vez às ordens dos homens deixaram-me incauto, alguém ia retirar a areia

e não eu, filho pródigo.

Dois homens, um já lá no burraco estavam a muito, outro entrou para

o ajudar a segurar o caixão preto revestido de um crucifixo branco, feito

de pano, receberam aos choros das mulheres a ao olhar dos homens. Por

regra as flores, que eram tantas vindas da capital com a mulher primeira

do velho-morto, desde o cravo de burro até as rosas vermelhas, devem

ser colocadas pelos parentes mas próximos do morto-velho, disse o

pastor, depois seguiu a multidão que o vaiva na ância de se libertar do

cemitério. Espantados ficaram os outros aldões ao verem tantas flores

trazidas pela mulher primeira que teve ainda a escolha de fornecer a

viúva principal uma coroa de flores para juntas a depositarem no centro

do caixão, já tapado, acompanhado pelos seus filhos e entiados. Regou-

se. As lágrimas já secavam nos vários rostos. As vozes de conversa já se

notavam. As filas de lavar as mãos já incurtavam. As esteiras da ordem já

estavam colocadas no local das rezas fúnebres da grande casa do meu

avó Ndimande, homem de grande atitudes, segundo um conto que ouvi

numa destas noites em volta da lareira, num estes dias que eu passei

noites na planície de Vacanhecane, localidade cuja família Dimande

recebeu os primeiros sinais da sua formação, situado no distrito Chibuto,

província de Gaza, só não sei o posto administrativo e finalmente esta

aldeia não foi atingida pelo capitalismo das areias pesadas, si não, onde ia

discansar a clã Ndimande. Teriamos de procurar a campa número um do

meu bisavo Noa, da sua esposa Marita número dois, depois tínhamos que

percorrer mas para encontrar a campa três do meu grande mestre André

Dimande e sua esposa Nocitina, a núemro quatro. Mas não, a nossa clã

Em outras paLavrasTerça-feira, 09 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 10

A Décima Primeira CampaDJOkANhANE - MAPuTO

O nome dela completo nunca a perguntei.

Seguiu meu irmão, meu primo do jornal e a fila foi ficando longa

e curta. Eu parado ali vendo choros, ouvindo gritos, tentando pensar.

Vi homens da ordem chorarem, vi mais uma vez minha irmã colocar a

mão direita no rosto do velho, como se mede-se o aquecimento da sua

cabeça, depois dobrou um canto do lençol branco que minha tia-Lulu,

comprara na tarde da quinta-feira no mercado do Chibuto, a 60mt os

dois metros. Foi na tarde em que eu, a tia Lulu, o meu tio-padrinho e

sua esposa tia-madrinha Celina, mana Sónia e minha irmã, comprou-o

numa banca onde vendia uma senhora de tenra idade, tinha a pele lisa, o

sorriso convidativo, um lenço na cabeça, uma blusa que combinava com

a capulana e um atendimento de verdade. Então a minha irmã limpou o

rosto cheio de perfume e ficou naquela posição inerte tentando perguntar

ao velho-morto, e agora? E agora todos deviam dirigir-se ao cemitério

familiar, disse o pastor. Fechei a campa cuidadosamente, mas uma vez

não pode carregar o morto. Retirei as cadeiras e dirigi-me ao cemitério

que distava à cinco metros da casa, no mesmo quintal enorme que a casa

do velho Noa carrega. O cortejo fúnebre ao som de cânticos, reunimo-nos

para despedir, se não fosse o meu tio-SISE a cerimónia seria curta, mas ele

cometeu o impropério de escorregar e deixar que 4 kg de areia entrassem

na cova que o levará aos céus, peguei numa pá para retirar e mas uma

À mim mesmo que as lágrimas derramei

na manhã da 4ª feira, às 7.20h

À minha irmã, que conversou com o morto

no dia último da sua visita, e, teve

a ousadia de noticiar-me às 7.18h

À viúva que o cuidou em vida até a morte...