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121 BIB, São Paulo, nº 70, 2º semestre de 2010, p. 121-144. O Eclipse da Sociedade Política nos Estudos sobre o Orçamento Participativo Wagner de Melo Romão Introdução Desde fins dos anos 1980, no Brasil, têm-se multiplicado a abertura de espaços de debate e gestão de políticas públicas, sob o mote da participação e do controle social. A abordagem mais disseminada nos estudos sobre este fenômeno indica a proeminência da sociedade civil como protagonista dessas instâncias, reflexo do fato de que, após a Constituição de 1988, vem se consolidando o entendimento de que a democratização da ação do Estado implica sua participação nas instâncias gestoras de políticas. Talvez a mais festejada dessas novas ini- ciativas de democratização do Estado seja o orçamento participativo (OP). Essas experi- ências tiveram sua origem em administrações municipais do Partido dos Trabalhadores (PT), no período 1989-92, e se ampliaram nos anos 1990, também em governos coman- dados por outros partidos (Ribeiro e Grazia, 2003). De maneira geral, os OPs possuem características semelhantes. São processos de debate sobre a peça orçamentária a ser enca- minhada pelo Executivo à Câmara de Vere- adores. Suas assembleias têm base local, no nível dos bairros ou distritos dos municípios. Na maioria das experiências, são eleitos de- legados e, dentre estes, conselheiros, que são os responsáveis por levar as demandas discu- tidas e priorizadas nas reuniões de bairro às esferas mais altas de deliberação, os fóruns de delegados e os conselhos do OP. Nessa últi- ma instância, onde em geral têm voto apenas cidadãos representantes da sociedade civil – talvez daí a particularidade e o fascínio dessas experiências, uma vez que em outros espaços, como os conselhos de saúde, por exemplo, o poder de voto se divide entre gestores, pres- tadores de serviço e os usuários – são deter- minadas as demandas que comporão a peça orçamentária a ser encaminhada pelo Execu- tivo ao Legislativo municipal. Nestas duas décadas, as experiências de orçamento participativo se espalharam por todo o país e no exterior. Talvez o auge da percepção do OP como modelo de política pública de participação e controle social te- nha se dado no final dos anos 1990, após a Segunda Conferência das Nações Unidas para Assentamentos Humanos – Habitat II, reali- zada em Istambul, em 1997, que premiou e indicou sua replicação, com base na experiên- cia porto-alegrense. Até os dias atuais, tais po- líticas permanecem sendo realizadas em deze- nas de cidades brasileiras e recomendadas por organizações como o Banco Mundial (Shah, 2007) e as Nações Unidas. Mantém-se ativo o engajamento de gestores públicos e ativistas da democracia participativa no debate e di- vulgação dos resultados de suas experiências 1 . 1 Em 2007, foi fundada a Rede Brasileira de Orçamento Participativo, que reúne atualmente mais de cinquenta municípios. A Rede possui organizações similares em outros países, como a Argentina.

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ROMÃO, W. O eclipse da sociedade política nos estudos sobre o orçamento participativo. BIB –Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, n. 70, 2010.

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121BIB, São Paulo, nº 70, 2º semestre de 2010, p. 121-144.

O Eclipse da Sociedade Política nos Estudos sobreo Orçamento Participativo

Wagner de Melo Romão

Introdução

Desde fins dos anos 1980, no Brasil, têm-se multiplicado a abertura de espaços de debate e gestão de políticas públicas, sob o mote da participação e do controle social. A abordagem mais disseminada nos estudos sobre este fenômeno indica a proeminência da sociedade civil como protagonista dessas instâncias, reflexo do fato de que, após a Constituição de 1988, vem se consolidando o entendimento de que a democratização da ação do Estado implica sua participação nas instâncias gestoras de políticas.

Talvez a mais festejada dessas novas ini-ciativas de democratização do Estado seja o orçamento participativo (OP). Essas experi-ências tiveram sua origem em administrações municipais do Partido dos Trabalhadores (PT), no período 1989-92, e se ampliaram nos anos 1990, também em governos coman-dados por outros partidos (Ribeiro e Grazia, 2003). De maneira geral, os OPs possuem características semelhantes. São processos de debate sobre a peça orçamentária a ser enca-minhada pelo Executivo à Câmara de Vere-adores. Suas assembleias têm base local, no nível dos bairros ou distritos dos municípios. Na maioria das experiências, são eleitos de-legados e, dentre estes, conselheiros, que são os responsáveis por levar as demandas discu-

tidas e priorizadas nas reuniões de bairro às esferas mais altas de deliberação, os fóruns de delegados e os conselhos do OP. Nessa últi-ma instância, onde em geral têm voto apenas cidadãos representantes da sociedade civil – talvez daí a particularidade e o fascínio dessas experiências, uma vez que em outros espaços, como os conselhos de saúde, por exemplo, o poder de voto se divide entre gestores, pres-tadores de serviço e os usuários – são deter-minadas as demandas que comporão a peça orçamentária a ser encaminhada pelo Execu-tivo ao Legislativo municipal.

Nestas duas décadas, as experiências de orçamento participativo se espalharam por todo o país e no exterior. Talvez o auge da percepção do OP como modelo de política pública de participação e controle social te-nha se dado no final dos anos 1990, após a Segunda Conferência das Nações Unidas para Assentamentos Humanos – Habitat II, reali-zada em Istambul, em 1997, que premiou e indicou sua replicação, com base na experiên-cia porto-alegrense. Até os dias atuais, tais po-líticas permanecem sendo realizadas em deze-nas de cidades brasileiras e recomendadas por organizações como o Banco Mundial (Shah, 2007) e as Nações Unidas. Mantém-se ativo o engajamento de gestores públicos e ativistas da democracia participativa no debate e di-vulgação dos resultados de suas experiências1.

1 Em 2007, foi fundada a Rede Brasileira de Orçamento Participativo, que reúne atualmente mais de cinquenta municípios. A Rede possui organizações similares em outros países, como a Argentina.

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Quanto à literatura acadêmica, Le-onardo Avritzer se destaca como uma das principais referências teóricas sobre as no-vas “instituições participativas” (Avritzer, 2009), especialmente quanto aos estudos sobre o OP. Para o autor, estas experiências guardariam sua origem mais remota na atu-ação dos movimentos sociais no Brasil, nos anos 1970 e 1980. Tal visão se fundamenta em determinado modo de compreender o papel da sociedade civil no recolhimento das ditaduras na América Latina, nos anos da redemocratização.

É bastante plausível, e mesmo inegável, a identificação de uma espécie de linha evo-lutiva das relações entre a sociedade civil e o Estado no Brasil, que conecta a atuação dos movimentos sociais nos anos 1970 e 1980 no confronto com a ditadura militar e o sur-gimento de experiências de democracia par-ticipativa como as do OP, logo no início dos anos 1990. No entanto, aqui se argumenta-rá que, embora tal visão possua considerável validade explicativa, ela produziu uma agen-da de pesquisas que diminuiu as possibilida-des de análise dos sentidos da existência des-sas instâncias participativas e, mais que isso, do sentido da própria atuação da sociedade civil e da sociedade política nelas. A grande maioria dos trabalhos acadêmicos acerca do OP se baseou na busca, constatação ou mes-mo na problematização sobre o caráter pro-tagonista da sociedade civil nessas instâncias. Pouco se focou no debate sobre os interesses da sociedade política em sua produção e manutenção ou, de maneira mais ampla, na relação dos partidos e governos no proces-so político do OP2. Além disso, prevaleceu

uma visão dicotômica que separa sociedade civil e Estado em categorias analíticas estan-ques, qualificando-se, em geral, a sociedade civil como o polo positivo e o Estado como o polo negativo no âmbito da democracia participativa3. Isso, por um lado, gerou uma visão unívoca e quase metafísica da partici-pação da sociedade civil nessas instâncias – o que dificultou a análise sobre a variedade de interesses permeados nesse campo – e, por outro lado, se refletiu na limitação em se tratar o papel dos governos e partidos po-líticos junto a essas experiências por meio da noção de vontade política, em si pouco explicativa, pois limita a análise à consta-tação sobre o maior ou o menor empenho dos governos e partidos na implementação das instâncias de participação.

Propõe-se, neste artigo, passar em re-vista a produção teórica de Leonardo Avrit-zer, o principal intérprete dessa visão sobre o OP e também sobre outros espaços de en-contro entre o Estado e a sociedade civil. A escolha pela análise de sua obra para tecer o argumento que será apresentado se dá, em primeiro lugar, porque Avritzer construiu o mais bem estruturado edifício teórico para a compreensão das novas instâncias partici-pativas, em especial o OP. O autor não só foi um dos pioneiros a jogar luzes sobre um fenômeno recém-descoberto, ainda em me-ados dos anos 1990, mas também perma-nece sendo referência fundamental para os pesquisadores instigados pelas experiências de democracia participativa, no Brasil e no mundo. Em segundo lugar, porque, muito embora aqui se faça a crítica dessa visão, é preciso reconhecer a extrema coerência

2 Com algumas exceções, como D’Ávila Filho (2000), Márcia Dias (2002), Gurza Lavalle, Houtzager e Acharya (2004), Bezerra (2004), Teixeira e Tatagiba (2005), Teixeira e Albuquerque (2006), João M. Dias (2006), Goulart (2006), Ottmann (2006), Wampler (2007), Rizek (2007), Rodgers (2009), Romão (2010a), Souza (2010).

3 Sobre esse aspecto da crítica, ver Gurza Lavalle (2003).

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teórica do autor, ao longo de quase duas décadas de intensa produção acadêmica. O artigo se estrutura a partir dessa produção, e sustenta que a relativa ausência da socie-dade política nos estudos sobre o OP pode ser explicada pelos embates de Avritzer com a teoria da democracia e pelas escolhas ana-líticas que o levaram a plasmar, sobretudo no OP, as expectativas de democratização do Estado e do sistema político pela ação da sociedade civil.

Além desta introdução e das considera-ções finais, este texto se estrutura em mais quatro momentos. De início, se procede à análise dos estudos de Leonardo Avritzer sobre a teoria democrática contidos em A moralidade da democracia: ensaios em teoria habermasiana e teoria democrática (1996). O livro é composto por artigos escritos na pri-meira metade da década de 1990 e tem seu fio condutor na elaboração de uma perspec-tiva crítica às teorias da democracia produzi-das ao longo do século XX, estabelecidas em torno do elitismo democrático e das teorias da escolha racional. Seu principal alicerce teórico é o pensamento de Jürgen Haber-mas; nele Avritzer localiza as possibilidades da construção de uma alternativa às teorias acima mencionadas, sobretudo no contexto sociopolítico latino-americano.

Em seguida, a obra analisada é Demo-cracy and the public space in Latin America (2002), que sintetiza as preocupações de Avritzer no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Neste livro, o autor estabelece os principais parâmetros de sua visão sobre os processos de democratização na América Latina. Segundo ele, tais processos seriam bastante limitados se não fossem incorpo-radas, pelos atores estatais, as inovações na esfera pública, produzidas pelos atores da sociedade civil que nos anos 1970 e 1980 teriam revertido a tradição clientelista e particularista típica da América Latina. Sem

esse processo histórico, não haveria oportu-nidade para o surgimento de “públicos par-ticipativos” – expressão utilizada pelo autor para designar novos espaços de participação e seus públicos – como os observados nas experiências de OP.

O quarto tópico é dedicado à análi-se dos principais textos do autor focados no OP (Avritzer, 2002a, 2002b, 2003a, 2003b, 2005). Avritzer estrutura sua visão sobre o OP a partir dos casos de Porto Ale-gre e Belo Horizonte, nos quais a força e a tradição do associativismo teriam gerado a oportunidade do surgimento das mais bem sucedidas experiências de OP. Serão indica-dos os principais fatores que caracterizam o OP, na visão de Avritzer.

Depois, será apresentada uma breve lei-tura da mais recente proposta analítica do autor, contida em Participatory institutions in democratic Brazil (2009), sobretudo no que se refere ao estudo sobre o OP. Nessa obra – embora existam ganhos em relação a tra-balhos anteriores, sobretudo vinculados à in-corporação da sociedade política à análise –, Avritzer mantém a perspectiva fundada so-bre a noção de vontade política, já presente em trabalhos anteriores, que pouco amplia o referencial investigativo e interpretativo das dinâmicas competitivas presentes nesses processos, de fundamental importância para que o OP seja mais bem compreendido.

Importante esclarecer que este artigo tem como mote a análise dos caminhos teó-ricos que levaram Leonardo Avritzer a fun-damentar sua leitura sobre as experiências de OP, em que são apontadas as lacunas que tornaram frágil sua leitura do processo po-lítico que envolve o OP. Não se trata, por-tanto, de proceder a uma exegese dos textos dos autores que o influenciaram nessa leitu-ra, o que ultrapassaria os limites propostos para este texto. Este tema será tratado em trabalho em elaboração.

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Avritzer e a moralidade da democracia

Leonardo Avritzer inicia o primeiro ensaio de A moralidade da democracia suge-rindo que as revoluções ocorridas no Leste europeu no ano de 1989, que promoveram a derrubada das ditaduras comunistas até então em vigor naqueles países, ocorre-ram não pela “reestruturação do Estado a partir de um novo princípio, mas (pel)a redefinição das relações entre Estado e so-ciedade sob o ponto de vista desta última” (Avritzer, 1996, p. 14). Esse fortalecimento progressivo da sociedade seria indicativo da existência de novas formas de relação entre esta e o Estado, dessa vez com a iniciativa das ações situada no nível societário. Nesse novo contexto democrático – também pre-sente nos desafios institucionais das socie-dades latino-americanas saídas de regimes ditatoriais4 –, a teoria social habermasiana seria de grande valia analítica e normativa, uma vez que seu ponto de chegada envol-veria “um diagnóstico da política moderna cujo centro constitui a análise do empo-brecimento das práticas políticas contem-porâneas, do surgimento de novos atores e movimento sociais e da possibilidade de aprimorar democracias contemporâneas” (Avritzer, 1996, p. 15).

Da tensão entre as estruturas sistêmicas e as do mundo da vida (Habermas, 1984) resulta o “surgimento de uma esfera de au-tonomia social identificada com o proces-so de produção da democracia” (Avritzer, 1996, p. 18). Os movimentos sociais apa-recem como os representantes das “formas de comunicação e de interação”, próprias do mundo da vida, no embate com as es-truturas sistêmicas. Essa visão implicaria

o (re)estabelecimento de um “significado normativo à democracia”, pois os processos de democratização seriam fruto da demar-cação da especificidade do mundo da vida frente ao avanço das estruturas econômicas e administrativas (essas últimas burocráti-cas, próprias da lógica estratégica do poder, relativa ao Estado), o que originaria a “esfe-ra de autonomia social” indicada.

Vista dessa ótica:

A democracia depende, para a sua reprodução, não apenas daqueles processos que ocorrem no sis-tema político strictu sensu – aglutinação da opinião pública em partidos, atividades parlamentares e eleições –, mas depende também dos processos de formação e renovação de uma cultura política democrática. Tais processos estão ligados à forma-ção de associações e à reprodução da solidariedade social (Avritzer, 1996, p. 20).

Assim, a renovação da cultura política teria seu elemento dinâmico não nas estrutu-ras formais do sistema político, mas na esfera societária, caracterizada pelo associativismo. Ela aparece na perspectiva de uma “racionali-dade comunicativa” em que são estabelecidas “regras de um processo de comunicação livre de constrangimentos”, no qual “o princípio ético envolvido na prática democrática esta-ria relacionado à qualidade dos processos de comunicação ligados à democracia” (p. 21). Essa visão de uma vida associativa pautada por um conjunto de regras propiciador de processos comunicativos democráticos leva Avritzer a qualificar a leitura habermasiana da democracia “enquanto problema moral, isto é, enquanto procura intersubjetiva das regras mais adequadas ao desenvolvimento de uma sociabilidade coletiva” (p. 22).

Desse primeiro movimento analítico, cabe ressaltar:

4 Embora o autor não indique a validade de suas teses para a América Latina neste primeiro capítulo de seu livro, essa ideia será sugerida nos capítulos finais e também em outra obra sua (Avritzer, 2002a).

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(a) a perspectiva que vincula a democratiza-ção à constituição de uma esfera societá-ria autônoma (esfera pública) em relação ao Estado – subtende-se, também, em re-lação ao mercado, embora essa dimensão seja pouco explorada –, de certo modo produzida no embate de movimentos so-ciais contra as estruturas sistêmicas. Essa perspectiva dialoga, na visão de Avritzer, com a “integração de novos atores, novas práticas e novas relações entre Estado e sociedade civil” (p. 22);

(b) o estabelecimento de um “significado normativo à democracia”, relacionado ao reconhecimento da esfera societária como seu núcleo dinâmico. A “crítica ao exercício do poder” deverá ser feita pelos “públicos não institucionalizados e não institucionalizáveis”, no âmbito da “es-fera pública” (p. 75);

(c) a vinculação de certa “cultura política democrática” à ação comunicativa livre de constrangimentos próprios das estru-turas sistêmicas, com as regras próprias das modalidades de interação social (mundo da vida).

A segunda confrontação de Avritzer é com os teóricos da escolha racional. Segun-do o autor, as teorias da escolha racional compreendem um arsenal explicativo da “re-alidade” social pelo qual o indivíduo estabe-leceria sua ação no mundo a partir da “ma-ximização individual da utilidade” (Avritzer, 1996, p. 79), orientação esta tanto do homo economicus como do homo politicus. Tal foco no indivíduo é oposto à visão propugnada por Avritzer – amparada em Habermas –, centrada na ação coletiva, uma vez que sua concepção de democracia é estruturada pela ação comunicativa em busca da formação de consensos em uma esfera pública. Esta seria fundada “não somente no reconhecimento do outro enquanto alguém capaz de tornar

os recursos da sociabilidade escassos, mas também enquanto alguém que eu reconheço como potencialmente capaz de adquirir os mesmos direitos que eu” (p. 81).

As teses da escolha racional pautariam a ação humana pelo interesse egoísta típico das situações de mercado. Como alternativa a essa visão única, Avritzer acentua a visão habermasiana da existência de estruturas sis-têmicas e do mundo da vida, regidas por lógi-cas distintas. Para o autor, os teóricos da esco-lha racional ensejariam uma visão da política

que nega as bases consensuais da ação, transfor-mando a defesa de interesses privados em único critério para a ação, ao substituir a ideia de argu-mentação própria à política pela ideia de barganha própria ao mercado. Com isso, acentua-se a dinâ-mica das instituições políticas encarregadas de co-ordenar a disputa estratégica entre atores sociais, ao mesmo tempo que as dimensões pactuadas e negociadas da política são ignoradas (Avritzer, 1996, p. 93-94).

Reforça-se, portanto, no pensamento de Avritzer, uma separação de fundo entre dinâ-micas próprias do agir político. Por um lado, uma dinâmica estratégica, relacionada às dis-putas entre atores sociais concorrentes. Por outro lado, a dinâmica comunicativa, relacio-nada à negociação e formação de consensos. No momento da análise dos textos do autor sobre o OP, veremos como essa divisão do agir político dificultará o estabelecimento de uma visão mais ampla e completa do autor sobre essas experiências de participação.

A leitura de Avritzer sobre o elitismo democrático está relacionada à observação de uma ruptura teórica com a concepção clássica de democracia, calcada na noção de soberania popular absoluta, como no contra-to social rousseauniano. Para autores como Max Weber e Joseph Schumpeter, o funcio-namento efetivo dos regimes democráticos, no âmbito da complexidade e dimensão inerente às sociedades nacionais modernas,

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só seria possível a partir de um “estreitamen-to da participação e do campo das decisões políticas possíveis de serem implementadas” (p. 102). Tal limitação no âmbito da partici-pação política se daria, sobretudo, pela

substituição de um conceito holístico de raciona-lidade cuja pretensão é o alcançamento de uma ideia unificada de bem comum por um conceito técnico de racionalidade de acordo com o qual o aumento da complexidade das sociedades moder-nas apontaria na continuidade da separação entre a população e os meios de produção e administra-ção (Avritzer, 1996, p. 104).

Para Weber, a generalização dos direi-tos políticos a todos os cidadãos se realizaria na possibilidade de todos poderem concor-rer às eleições para o governo. A ação go-vernamental estaria restrita aos eleitos para o comando do aparato estatal. Já a crítica de Schumpeter à concepção clássica de de-mocracia teria se centrado na reprovação à ideia de que seria possível aos indivíduos entrarem em acordo sobre o significado do bem comum e também à crença sobre um comportamento racional dos indivíduos na esfera política (p. 106). Essa visão, conju-gada à crítica weberiana, teria formado o substrato teórico para as teses de Anthony Downs (1956) sobre a democracia.

Downs, por sua vez, conecta a visão do indivíduo como um maximizador de be-nefícios – própria da escolha racional – ao comportamento de instituições no ambiente democrático. Avritzer (1996, p. 111) chama a atenção a isso na seguinte passagem:

Downs elabora um conceito de democracia no qual os interesses dos indivíduos e dos grupos políticos estão permanentemente em conflito. Na verdade, o conflito passa a constituir a noção es-truturante do sistema político na medida em que

Downs inverte os termos da relação entre interes-se, solidariedade e conflito. Para ele, os partidos políticos não têm como objetivo formular progra-mas de governo, mas ganhar eleições. Os governos tampouco visam à realização de qualquer tipo de bem comum. Pelo contrário, o objetivo dos gover-nos é se manter no poder.

As teses de Downs serão refutadas por Avritzer com base nos trabalhos de Robert Dahl e Habermas. Dahl teria reintroduzido a dimensão normativa e moral à teoria demo-crática. Preocupado com a dimensão prática do exercício democrático, incorporada à sua avaliação da qualidade de uma poliarquia, Dahl conecta a dimensão do interesse à di-mensão coletiva: “Todos os indivíduos são su-ficientemente qualificados para participar das decisões coletivas de uma associação que afete significativamente os seus interesses” (Dahl, 1989, p. 98 apud Avritzer, 1996, p. 117). A racionalidade, portanto, se reconectaria à dimensão moral da democracia, embora esti-vesse ainda centrada no indivíduo5.

Os limites do trabalho de Dahl esta-riam relacionados à sua incapacidade em estabelecer os parâmetros de uma sociedade poliárquica. Dahl “não consegue converter a sua teoria da democracia em uma teoria da democratização devido à ausência de uma concepção sobre as práticas capazes de tornar uma sociedade normativamente desejável” (Avritzer, 1996, p. 118). Avritzer parece per-seguir a diferenciação entre práticas propi-ciadoras de uma sociedade democrática, em um contexto de democratização. Essa preo-cupação encontrará abrigo no modo como trabalha o conceito de cultura política, como se verá mais a frente.

Outro conjunto de insuficiências dos es-critos de Dahl, relacionado à sua dificuldade

5 Para Avritzer (1996, p. 114), “Dahl ocupa um lugar intermediário entre o ‘elitismo democrático’ e uma concepção normativa e participativa da democracia”.

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em “separar administração de esfera pública [...] [e de] postular a reintrodução das are-nas participativas e discursivas na política” (Avritzer, 1996, p. 120), seria satisfeito pela teoria habermasiana, como já indicamos no início deste artigo. Não cabe agora retomar aqueles argumentos. No entanto, vale refor-çar a visão de Avritzer sobre como Habermas encararia a “qualificação” da prática demo-crática. Segundo o autor:

Se o ponto de partida habermasiano é a impossi-bilidade da associação da racionalidade com uma noção substantiva de bem comum, o ponto de chegada é a constatação de um princípio de uni-versalização presente nas próprias regras do discur-so, princípio esse capaz de fundamentar a igualda-de da prática democrática (Avritzer, 1996, p. 122).

O critério de validade possível à demo-cracia, portanto, estaria ligado à “qualidade do processo de argumentação e de discussão próprio à democracia” (p. 122). Isso só seria possível em ambientes coletivos, produzidos pelo reconhecimento do outro enquanto igual. Tal critério de validade seria indicativo da potência democratizante da esfera pública junto ao sistema político.

Habermas nos oferece como solução ao problema da participação a existência de públicos não insti-tucionalizados capazes de se organizar no nível da sociedade e forçar a compatibilização entre esfe-ra pública e sistema político. A compatibilização entre uma soberania popular procedimentalizada e os resultados de um debate discursivo no nível da esfera pública contribuiria para a racionalização do sistema político (Avritzer, 1996, p. 123).

Essa visão de democratização e da de-mocracia foi determinante para a leitura ela-borada por Avritzer sobre as experiências de OP, pela qual a sociedade civil protagoniza o embate pela incorporação de práticas so-cietárias de deliberação política no ambiente estatal. Outros elementos analíticos serão a seguir indicados, desta vez com relação à crí-

tica elaborada pelo autor aos estudiosos da transição democrática, fundamentalmente embasada na categoria cultura política.

No sexto capítulo de A moralidade da democracia (publicado originalmente em Avritzer, 1995), o autor confronta-se com os teóricos da transição para a democracia (Linz e Stepan, 1996; Przeworski, 1991). Acompa-nhemos a síntese proposta:

Tais teorias partem do suposto de que o autori-tarismo constitui um processo temporalmente localizado de ruptura com a ordem democrática. Esta se romperia em virtude da incapacidade de negociação entre atores políticos em uma deter-minada conjuntura. A partir desse ponto, certos atores adquiririam a capacidade de vetar resulta-dos no interior do sistema político. Em contraste com o autoritarismo, a democratização consistiria na entabulação de um processo que reconstituiria as condições para a negociação e favoreceria a re-tirada dos atores autoritários da cena política. A partir desse momento, a democracia, entendida como a livre coordenação da ação no interior do sistema político, se reconstituiria (Avritzer, 1996, p. 125-126).

Em oposição a esse diagnóstico, Avritzer proporá uma visão da transição democráti-ca marcada pela categoria cultura política. As teorias teriam falhado ao focar suas ava-liações sobre a democratização de um país apenas pela ausência de veto à livre prática da ação política. Não bastaria que os atores políticos considerados não democráticos dei-xassem de vetar aspectos ou práticas institu-cionalmente legitimadas do sistema político. Avritzer chama a atenção para o fato de que as teorias da transição não avaliariam a “in-ternalização ou não pelos atores políticos de uma normatividade democrática devido à insuficiente problematização sobre o papel a ser jogado pelos atores políticos não de-mocráticos após a completude do processo de transição” (p. 128). Além disso, indica--se que “a ocupação de posições-chaves em um sistema político democrático por atores

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políticos de convicções não democráticas ou semidemocráticas implica constrangimentos para o exercício da democracia” (idem).

A concepção de democracia talhada por Avritzer se refere às ações práticas – e mes-mo às “convicções” – de atores políticos, que deveriam ser guiadas por uma “cultura po-lítica democrática”. Assim, à concepção de democracia como ausência de vetos sobre o sistema político, Avritzer justapõe outra concepção em que a “democracia deve ser entendida como a interligação da livre ope-ração do sistema político com o sistema de normas, valores, crenças e tradições culturais que predominam no interior desse mesmo sistema político” (p. 128)6.

Com essa visão, Avritzer estabelece sua segunda crítica aos teóricos da transição, para os quais a democracia seria “um fenômeno re-lacionado exclusivamente à operação das ins-tituições e do sistema político” (p. 129). Para o autor, de outro modo, “a democratização deve ser ligada às práticas dos atores sociais e sua luta contra a predominância de formas sistêmicas no interior dos domínios societá-rios” (p. 130). Ou, nos termos da categoria cultura política, Avritzer entenderá o processo de democratização “como uma disputa entre atores políticos democráticos e atores políti-cos tradicionais acerca da cultura política que irá prevalecer no interior de uma sociedade com instituições democráticas” (idem).

Nesse ponto, o autor é bastante ex-plícito ao destacar atores democráticos ou tradicionais (não democráticos), o que o encaminha para certa essencialização de sua ação, ao situar o foco de análise me-nos nas práticas e mais nos próprios atores políticos – democráticos ou tradicionais –, portadores inequívocos de práticas demo-cráticas ou autoritárias.

A tese da convivência entre duas dife-rentes culturas políticas será o mote das pró-ximas formulações de Avritzer. O processo de democratização – mais longo do que suporiam os teóricos da transição – deverá se consolidar na incorporação de um “siste-ma de valores” à ação no interior do sistema político. Os agentes para tanto estarão loca-lizados na esfera societária. Avritzer afirma que “as relações entre Estado e sociedade não devem ser concebidas apenas enquanto continuidade. Concebê-las desse modo im-plicaria prescindir da capacidade de expli-car formas coletivas e solidarísticas de ação social e seu impacto sobre a renovação do sistema político” (p. 134).

É clara a vinculação estrita entre cultu-ra política democrática e esfera societária/movimentos sociais e, mais que isso, de uma perspectiva que verifica ação ativa democra-tizante apenas no sentido da sociedade para o Estado. Nela, justapõem-se a categoria cultura política e o arcabouço teórico haber-masiano, na medida em que os movimentos sociais e a sociedade civil – representantes do “mundo da vida” e da cultura política demo-crática – atuam como fatores democratizan-tes do “sistema” político, permeado este pela lógica das formas estratégicas de ação pró-prias do Estado, portador de cultura política autoritária/tradicional. Assim, apresenta-se a seguinte leitura:

a democratização, no caso brasileiro, significou o surgimento de duas culturas políticas: uma demo-crática e vinculada aos movimentos sociais e civis democratizantes e uma outra, a predominante no nosso processo de modernização que persiste com as suas práticas tradicionais. [...] A democratização brasileira virá, precisamente, se essa disputa en-contrar uma solução favorável à sociedade (Avrit-zer, 1996, p. 148).

6 A principal referência do autor para essa concepção de democracia baseada na cultura política é Taylor (1985).

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A essa visão, vincula-se a ideia de que a democratização deve ser avaliada pela “ca-pacidade da sociedade de se constituir em uma arena autônoma e limitar o poder dos subsistemas econômico e administrativo” (idem). Veremos a seguir como esta ideia se desenvolverá.

Democracia e conformação do espaço público na América Latina

Em Democracy and the public space in Latin America (Avritzer, 2002a), o autor re-elabora e amplia sua crítica à teoria demo-crática vigente, sobretudo no que se refere às teses do elitismo democrático. Reforça--se, mais que no livro anterior, o que seriam características próprias da situação socio-política em países latino-americanos, como o Brasil, México e Argentina. As particu-laridades dos processos políticos de saída de cena das ditaduras7, no final da década de 1970 e na década de 1980, teriam gera-do, no nível societário – e apenas nele –, as condições para o pleno restabelecimento da democracia naqueles países.

Para além da manutenção das críticas ao elitismo democrático e às teorias da transi-ção para a democracia elaboradas em A mo-ralidade da democracia, na obra publicada em 2002, Avritzer atualiza sua visão sobre a democracia necessária à América Latina. Porém, dessa vez também surgem críticas a Habermas. Avritzer indica insuficiências na obra habermasiana, o que o impediria de produzir maiores contribuições à teoria democrática. Essas insuficiências estariam ligadas ao fato de que aquele autor “limita a relação entre a esfera pública e o sistema

político à transmissão de influência; e isso reduz dramaticamente a deliberação públi-ca por limitá-la à elaboração de legislação” (Avritzer, 2002a, p. 49)8. Em seguida, o au-tor cita o seguinte trecho de Between facts and norms, que esclarece bem a posição de Habermas (1995) e prepara a indicação da alternativa a ser proposta por Avritzer:

Dentro das fronteiras da esfera pública ou pelo menos de uma esfera pública liberal, atores podem obter apenas influência, não poder político. A influ-ência de uma opinião pública gerada de maneira mais ou menos discursiva em controvérsias abertas é certamente uma variável empírica que pode fa-zer a diferença. Mas a persuasão pública é transfor-mada em poder administrativo apenas após passar pelos filtros dos procedimentos institucionalizados de formação de opinião e vontade democrática, aden-trando (ao sistema político) por meio dos debates de produção de leis no interior de um parlamento legiti-mado. O fluxo informal das questões estabelecidas na opinião pública gera a convicção de que elas foram testadas do ponto de vista da generalização dos interesses. Não se trata de influência em si, mas de influência transformada em um contexto de decisões politicamente legitimadas pelo poder comunicativo (Habermas, 1995, p. 371 apud Avritzer, 2002a, p. 49; grifos meus).

Ora, como vimos, a avaliação anterior de Avritzer era de que a classe política no Brasil pós-ditadura ainda estaria marcada por uma cultura política autoritária, não de-mocrática, dificilmente influenciável pela es-fera pública societária. Essa seria a limitação principal da teoria habermasiana, em que a decisão sobre as deliberações promovidas no processo público e racional de argumentação seria deixada aos donos do poder.

Amparado por Bohman (1996) e Co-hen (1997), Avritzer estrutura uma alter-nativa à visão habermasiana. Essa seria in-

7 No caso mexicano, o autor refere-se ao período de crise institucional desencadeada nos últimos anos de prevalência do Partido Revolucionário Institucional (PRI) naquele país.

8 Os trechos citados de Avritzer (2002a) e Avritzer (2009) foram traduzidos pelo autor deste artigo.

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suficiente por comprometer a deliberação alcançada na esfera pública no momento de sua efetivação pela sociedade política. Propõe-se o aumento das possibilidades de institucionalização da deliberação ocorrida na esfera pública. Segundo Avritzer, com Cohen, “os membros de uma comunidade política ou esfera pública poderiam com-partilhar ‘um compromisso de coordenar suas atividades no seio de instituições que tornam possível a deliberação’” (Cohen, 1997, p. 72 apud Avritzer, 2002a, p. 50).

Avritzer conforma um modelo de de-liberação pública, relacionando o que para ele é possível preservar do conceito haber-masiano de esfera pública – livre expressão e discussão, formação de identidades plu-rais, e livre associação –, com a busca por formas públicas e institucionalizáveis de deliberação (public fora) e a ideia de accoun-tability (p. 51). Assim, entende Avritzer que “apenas dando aos processos públicos de comunicação e deliberação uma dimensão institucional podemos transformar a teoria da esfera pública, de uma teoria da possi-bilidade da democracia participativa em uma teoria verdadeiramente democrática e deliberativa” (p. 52).

Propõe, então, a concepção de parti-cipatory publics (públicos participativos), uma forma de “desenho democrático” que sintetiza as ideias indicadas ao longo desta exposição. Nela estão presentes os seguin-tes elementos: (a) ênfase em mecanismos de deliberação coletiva, no nível público, permeados pela ideia da livre expressão e associação de seus componentes; (b) indica-ção dos movimentos sociais e entidades de associação voluntária como os portadores de práticas alternativas de ação no nível pú-blico, numa reapresentação da temática da cultura política e da vinculação de determi-nadas práticas democratizantes a determi-nados atores sociais; (c) indicação dos me-

canismos de participação como desafiadores do “acesso exclusivo dos técnicos aos fóruns de tomada de decisões”; nessa conjunção entre técnica e participação, os públicos participativos também monitoram a imple-mentação de suas deliberações no nível da administração pública; e (d) caráter experi-mental dos públicos participativos, em bus-ca de formatos e mecanismos que pudessem reproduzir, no nível institucional, os temas contenciosos no nível público.

Em publicações posteriores – que serão analisadas mais à frente – o autor retomará essa dimensão sobre o desenho institucional de públicos participativos (algo que já perse-guia desde o ensaio de 1997). Seu principal referencial empírico para o desenvolvimento desse modelo de mecanismos institucionais será o OP, principalmente as experiências de Porto Alegre e Belo Horizonte.

Em Democracy and the public space in Latin America, Avritzer reforça sua inter-pretação culturalista dos processos de de-mocratização, com base na leitura de Can-clini (2008). Nela, a presença “híbrida” de elementos modernos e não modernos na política latino-americana geraria a combi-nação dos seguintes fenômenos, que teriam prejudicado a construção e consolidação da democracia nessa região do mundo: (a) incompleta diferenciação entre o público e o privado; (b) pouco desenvolvimento das tradições associativas na região; e (c) tradi-ção em que a mobilização social era exercida e compreendida de maneira indiferenciada, calcada na ideia do “popular”, cujo reper-tório de ação coletiva permanecia também indiferenciado, guiado pela associação entre as categorias de classe e povo, no entrela-çamento de tradições marxistas e românti-cas. Esses três fatores comporiam a matriz do diagnóstico sobre a cultura política do-minante na América Latina, conformando uma situação de hibridismo político, carac-

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terizado pela “instrumentalização em rela-ção às instituições políticas e desigualdade deliberativa no nível público” (Avritzer, 2002a, p. 78), que explicariam o raquitismo da esfera pública democrática.

Após a afirmação desse quadro negati-vo sobre a constituição da esfera pública na América Latina, Avritzer muda o foco da análise e explora o que considera ser o seu grande momento de renovação. Essa teria ocorrido, segundo o autor, “na compreensão de que a infraestrutura moral precede a com-petição política, e [...] na ocupação da esfera pública” pelos atores sociais (idem). O passo seguinte será indicar três movimentos sociais de luta contra o autoritarismo, ocorridos na Argentina, Brasil e México, como exemplos da renovação na esfera pública nesses países (Avritzer, 2002a, p. 86-98)9.

Avritzer destaca com frequência a “di-mensão racional dos atores sociais”. No tex-to, o autor afirma que “o assalto à democracia levou os atores sociais a reavaliar o significa-do dos elementos centrais das tradições lo-cais de ação coletiva”. Essa “reavaliação” teria produzido as seguintes “novas tradições”:

uma tradição de ocupação da esfera pública para vocalizar demandas sociais; uma tradição de ocu-pação do público em torno de demandas plura-listas e identidades plurais; e uma nova tradição de formação de associações voluntárias organiza-das de maneira autônoma com relação ao Estado (Avritzer, 2002a, p. 78).

Para o autor, uma das principais ino-vações dos “novos movimentos sociais”, foi deixar de lado concepções de transformação social baseadas em políticas estatocêntri-cas. Avritzer argumenta que esse teria sido o mote das ações nos anos 1950 e 1960 e,

por isso, os atores autoritários teriam tão fa-cilmente se apoderado do controle político. Assim, a primeira grande revisão nas práticas políticas dos atores sociais durante o ocaso das ditaduras na região teria sido a mudança do foco político, do Estado para o nível so-cietário (Avritzer, 2002a, p. 80).

A segunda alteração citada teria ocorri-do no âmbito da “dimensão moral” da polí-tica. Para Avritzer, naqueles anos a dimensão moral da política estava subordinada a uma “concepção substantiva de emancipação política”. Em geral, haveria pouco apego às formalidades do jogo político democrático. Tal visão teria ensejado sucessivas quebras nas regras formais da competição eleitoral, e a legitimação da suspensão de garantias civis nos processos ditatoriais (p. 81). Lem-bra o autor, ainda, que a nova esfera públi-ca própria dos anos 1970 e 1980 teria se moldado por modelos de atuação e organi-zação próprios dos movimentos sociais e das associações voluntárias.

Embora não seja indicado de maneira explícita, transparece a visão de que a pers-pectiva racionalista, teleológica e monoiden-titária sobre o ator social relevante na tradição dos anos 1950 e 60 teria sido ultrapassada ao longo do processo de liberalização (é o ter-mo utilizado para os processos de ocaso das ditaduras, pois o autor evita utilizar o termo “democratização”), em nome da construção de identidades mais plurais e democráticas (Avritzer, 2002a, p. 83). Tais identidades se formaram a partir de necessidades básicas de sobrevivência das populações (moradia, saú-de, transporte, educação etc.).

É conhecida a visibilidade que o proces-so acima indicado adquiriu nos anos 1980.

9 (1) movimentos de direitos humanos na Argentina e no Brasil; os movimentos sociais urbanos no Brasil e no Mé-xico; (2) campanha pelas eleições diretas a presidente da República no Brasil; e (3) monitoramento contra fraudes eleitorais levado a cabo pela Alianza Cívica, no México.

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A essa formação de identidades, Avritzer agrega a dimensão associativa. O autor se utiliza de estatísticas sobre o aumento do número de associações voluntárias criadas nos anos 1970 e 1980 para dar conteúdo palpável ao que considera uma prova da ampliação da esfera pública democrática no período (p. 85). Entretanto, o autor falha ao não demonstrar empiricamente as eventuais alterações na relação dessas associações com os agentes estatais, como pretende formular em trechos como este:

esta transformação ao nível da expressão, forma-ção de identidade, e associação no Brasil, Argenti-na e México representou uma quebra da tradição latino-americana de formas heterônomas de repre-sentação de interesses e mobilizações de massa e o surgimento de uma esfera pública mais autônoma, democrática e horizontal (Avritzer, 2002a, p. 86).

O destaque a essa dimensão autôno-ma, democrática e horizontal do associati-vismo e dos movimentos sociais nas déca-das de 1970 e 1980 será central nas análises sobre o OP elaboradas por Avritzer. O au-tor interpreta o surgimento do OP como resultado das ações dos movimentos so-ciais e da formação de uma esfera pública naquelas décadas. Isso o leva a marcar sua leitura sobre o OP de maneira a destacar, nas experiências que analisa e também no modelo conceitual do OP (como veremos a seguir), as qualidades que teriam caracte-rizado o associativismo e a nomeada cons-tituição de uma esfera pública societária no período da redemocratização. Buscam--se, portanto, expressões da autonomia da sociedade civil frente ao Estado e da con-formação de uma esfera pública nos fóruns de participação. E as expressões do poder estatal – nomeadas como Estado, ou como sociedade política, ou ainda pelas catego-rias governo e partidos políticos – perma-necem ausentes na análise.

Com o conceito de públicos participa-tivos Avritzer estabelecerá a conexão entre as críticas elaboradas à teoria democrática tradicional, aos teóricos da transição e a Habermas ao próprio OP. A continuidade do autoritarismo no período dito demo-crático levaria à não validade no ambiente latino-americano das teorias que ligam di-retamente os consensos originados da esfera pública às deliberações tomadas pela socie-dade política. Os sistemas de accountability, previstos pelos teóricos da transição – os quais, segundo Avritzer, seriam também componentes da visão habermasiana – não produziriam efeito na região.

Assim, os públicos participativos se apresentam como um meio de se substituir essa perspectiva pelas “formas públicas de deliberação” (p. 133). O autor busca con-jugar: (a) os novos atores sociais (membros de associações de moradores e ativistas de direitos humanos); (b) os novos valores (au-tonomia societária) dos quais são portadores; e (c) as novas formas de comportamento po-lítico (monitoramento) por eles inventadas – em instituições políticas deliberativas de caráter permanente.

O problema institucional nas novas democracias não pode ser reduzido à renovação das conexões ao nível público a partir das formas tradicionais de representação e deliberação (isto é, partidos, parla-mento e tribunais). Ele tem que ser compreendido em termos distintos, ou seja, como projetar ins-tituições que possam reforçar inovações que sur-giram ao nível público enquanto se enfraquecem as continuidades da cultura política tradicional no nível do sistema político. (p. 134)

Estes novos espaços públicos e suas deli-berações precisam ser desenvolvidos em três sentidos: “em sua capacidade de encorajar reflexão sobre participação; em sua capaci-dade de reforçar valores democráticos; e em sua capacidade de incrementar as ocasiões nas quais ocorre deliberação” (p. 134). So-

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bre esses aspectos e sobre a noção de públi-cos participativos, se estruturará a visão de Avritzer acerca das experiências de OP.

O que até aqui se buscou expor foi como a crítica de Avritzer às teorias tradicionais da democracia (Weber, Schumpeter, Downs, Dahl), a crítica aos teóricos da transição para a democracia (fundamentalmente, em seus textos, Przeworski, Stepan e Linz) e também a crítica posterior à posição de Habermas quanto à impossibilidade de se instituciona-lizar a esfera pública societária levaram Avrit-zer, em companhia de Bohman e Cohen, a promover o encontro entre a teoria demo-crática e a “realidade” social. O OP é visto como uma nova instituição considerada o “elo empírico que possibilita a conexão, para além da divisão teórica, entre a perspectiva institucional e a teoria da sociedade civil” (Avritzer e Wampler, 2004, p. 219-220). Se é imperativo considerar o forte impacto e o potencial agregador dessa ousada e original construção teórica, também é forçoso indi-car que ela gerou uma sobrevalorização da perspectiva sobre o papel da sociedade civil nessas experiências, sob os marcos da auto-nomia e de uma racionalidade democrati-zante oposta ao Estado.

A visão de Avritzer sobre o orçamento participativo

O modelo de públicos participativos está baseado em duas ideias, coerentes com a argumentação de Avritzer aqui analisada: de que a inovação na cultura democrática ocor-re a partir da esfera societária; e de que as práticas democráticas se institucionalizam ao se colocarem em uma relação direta entre Es-tado e sociedade (Avritzer, 2002a, p. 136). O autor entende ser possível a existência de um desenho institucional para onde confluam atores sociais democráticos que deliberem de acordo com regras que corrijam a desigual-

dade hierárquica e coíbam o clientelismo, e em que todos possam argumentar racional-mente, com grau elevado de informação.

Seu olhar sobre as experiências de OP em Porto Alegre e Belo Horizonte será guia-do pela constatação empírica de que, afinal, é possível que esse modelo de ambiente deliberativo-participativo venha realmente a ocorrer. Avritzer indica a seguinte definição, dada no contexto da discussão sobre os pú-blicos participativos:

Orçamento participativo é uma política local que envolve atores sociais, mem-bros de associações comunitárias, e cida-dãos comuns em um processo de nego-ciação e deliberação. Isto se dá em dois níveis: um nível participativo, no qual a participação é direta, e um nível repre-sentativo, no qual a participação ocorre por meio de delegados e/ou conselheiros eleitos (Avritzer, 2002a, p. 138).

Em texto publicado na coletânea A inovação democrática no Brasil (Avritzer e Navarro, 2003), o autor amplia essa defi-nição, propondo quatro elementos que ca-racterizariam o OP. São eles: (a) a cessão de soberania do Executivo eleito às assembleias formadas pelos cidadãos em geral; (b) a reintrodução de elementos de participação local, como as assembleias, e de delegação, como os conselhos (trata-se dos dois níveis da definição anterior); (c) o princípio da au-torregulação soberana, em que suas regras seriam definidas pelos próprios participan-tes; e (d) a busca pela reversão de priori-dades na distribuição de recursos públicos através de fórmulas técnicas que privilegia-riam os setores mais carentes da população (Avritzer, 2003a, p. 14-15).

As preocupações de Avritzer nas duas definições referem-se basicamente aos pre-dicados do OP relacionados: (a) à caracte-

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rização do OP como composto por cidadãos comuns e entidades locais de moradores, com a renúncia do Executivo a formular diretamente o orçamento e mesmo de for-mular as regras do processo participativo – o OP, portanto, seria uma instância de auto-nomia plena sobre as deliberações quanto ao orçamento e ao seu próprio funcionamento; e (b) à redução da desigualdade social, rela-cionada à reversão de prioridades, embasada em critérios técnicos, racionais de distribuição de recursos públicos.

Nos parágrafos dedicados à interpreta-ção das origens do OP, a experiência de Por-to Alegre ganha protagonismo. E, embora Avritzer considere que o OP teria nascido da “ação pública de muitos atores diferen-tes” (Avritzer, 2003a, p. 145), é na chama-da “tradição associativa” gaúcha que o autor irá buscar as raízes mais primordiais do OP. A particularidade do processo de formação social e econômica do Rio Grande do Sul e a tradição política do estado teriam gestado “elementos mais fortes de uma sociabilidade igualitária que contribuíram na formação de elementos associativos mais fortes do que no resto do país no século XX” (Avritzer, 2003a, p. 21). Processos de organização social ocor-ridos na década de 1950 e 1960 e, mais re-centemente, nos anos da redemocratização, teriam gerado um associativismo mais “den-so” e “reivindicativo” (p. 22). Reflexo disso seria o uso do termo orçamento participativo em documento da União das Associações de Moradores de Porto Alegre (Uampa).

O primeiro documento por nós localizado, no qual aparece a expressão “Orçamento Participati-vo”, é um documento da UAMPA – União das As-sociações de Moradores de Porto Alegre. Em uma reunião realizada em 26 de março de 1986, com o objetivo de discutir a participação dos movimen-tos populares no governo Alceu Collares (PDT), aparece o diagnóstico acerca da centralidade do orçamento público: “o mais importante na Prefei-tura é a arrecadação e a definição de para onde vai

o dinheiro público. É a partir daí que vamos ter ou não verbas para o atendimento das reivindicações das vilas e bairros populares. Por isso, queremos intervir diretamente na definição do orçamento municipal e queremos controlar sua aplicação”. E, mais à frente, o documento diz: “queremos decidir sobre as prioridades de investimento em cada vila, bairro e da cidade em geral”. Este parece ter sido o ponto de partida para um processo no qual o orçamento e sua elaboração foram se tornando os elementos centrais do debate político na cidade de Porto Alegre (Avritzer, 2002b, p. 28).

O autor se utiliza dessa descoberta como a principal evidência empírica do protago-nismo da sociedade civil na elaboração da proposta do OP. A relevância desse docu-mento quanto às suas origens é continua-mente mencionada em seus textos (Avritzer, 2002a, 2002b, 2003a, 2005, 2009; Avritzer e Wampler, 2004).

Entretanto, o autor não menciona as ob-servações realizadas por Baierle (1992) sobre o elevado grau de partidarização das direções da Uampa desde os primeiros momentos de sua fundação, em 1983. Baierle indica que essas se revezavam entre a influência do PT e do PDT, nas disputas pela diretoria da enti-dade. Os presidentes da Uampa foram Wal-dir Bohn Gass (1984-1988) – que, em 1989, seria eleito o primeiro presidente municipal do PT da capital gaúcha – e Paulo Guarnieri (1989-1992), este filiado ao PDT. Ainda se-gundo Baierle (1992, p. 67), “todos os anos de realização de congressos pela Uampa fo-ram anos eleitorais, o que parece indicar a utilização destes eventos como instrumento de campanha eleitoral pelas oposições”.

A não menção de Avritzer a esses ele-mentos que sugerem a confluência de po-sições das associações de moradores com as disputas partidárias no campo da esquerda está diretamente relacionada ao seu referen-cial teórico. Nele, a sociedade civil se contra-põe às estruturas próprias do sistema político – partidos incluídos –, com as quais apenas

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estabelece relações estratégicas para a obten-ção da institucionalização de suas práticas de renovação democrática. A ação dos partidos e dos governos aparece como suplementar às iniciativas da sociedade civil. Eles são anali-sados apenas na dimensão relativa à vontade política na implementação de políticas par-ticipativas (Avritzer, 2003a, p. 34), dando guarida às reivindicações de participação da sociedade civil.

Ora, a mera avaliação da maior ou me-nor vontade política para a criação do OP e sua salvaguarda de pressões externas pouco explica as motivações de um prefeito para a delegação das deliberações sobre o orçamento público municipal – algo que lhe é atribuído por força do cargo que ocupa – àqueles que ocuparão a arena do OP. Ou seja, a avaliação sobre a maior ou menor vontade política não parece ser suficiente para que sejam proble-matizados os fatores que levam os Executivos municipais a criarem e manterem o OP. Vol-taremos logo mais à frente a esse tema.

Outro exemplo da visão de Avritzer so-bre o tema da presença partidária no OP se dá na polêmica com relação ao artigo de Na-varro (2003), publicado no mesmo A inova-ção democrática no Brasil, em que esse critica o “clientelismo de quadros (ou partidário)” presente no OP, principalmente pela influ-ência do PT. Para Navarro, teria se confor-mado outro padrão de clientelismo, em que

os espaços de mobilização social do OP [...] pas-saram gradualmente a ser vistos como espaços pri-vilegiados de reprodução política, aproveitando-se da intensa imbricação de operadores partidários--governamentais com as lideranças comunitárias e, por extensão, com os cidadãos (e eleitores). Sem surpresa, a manutenção do OP como uma exclusi-va “inovação petista” tem igualmente o propósito instrumentalista de manter tal mecanismo preso a uma órbita partidária específica, bastando acom-panhar os resultados das sucessivas eleições para perceber seus resultados práticos (Navarro, 2003, p. 119).

Navarro defende a tese de que a instru-mentalização do OP pelo governo e pelo PT prejudicaria o caráter universalizante dos procedimentos deliberativos do processo de participação. Avritzer não enfrenta direta-mente essa crítica. Ao trazer a argumenta-ção de Navarro meramente para a discussão sobre “a caracterização da dimensão pública do OP e sua relação com a hegemonia de um partido político – o PT – nesse proces-so” (Avritzer, 2003a, p. 53), o autor opta por considerá-la somente “como uma consequ-ência inevitável da presença dos partidos em todas as formas de institucionalização da participação [...], que implicam inevita-velmente escolhas institucionais”. Ou seja, novamente o autor retoma a dimensão par-tidária exclusivamente da ótica da vontade política, intrinsecamente ligada ao Executi-vo municipal como instituidor do processo participativo ou à opção de determinado partido em promover participação. A auto-nomia dos atores sociais e a observação das regras formais do processo deliberativo não se colocariam em risco:

A questão que se coloca não é a de saber se há pre-sença partidária no OP, mas de se perguntar quais as consequências desta presença, em particular para a igualdade do processo distributivo e para a autonomia do processo associativo. Nesse sentido, identificar a presença partidária como elemento de particularismo, tal como o faz Navarro, parece insuficiente para caracterizar o neoclientelismo. É necessário também demonstrar, e essa pode ser a direção de trabalhos futuros, que há desautonomi-zação social ou mecanismos diretos de pressão da sociedade política sobre o processo decisório. Até o momento não parece haver evidências empíricas nessa direção (Avritzer, 2003a, p. 53-54).

Os limites analíticos sustentados por Avritzer forçam uma apreensão dos OPs calcada no desenho institucional de cada ex-periência. O autor entende que “o limite da plasticidade do OP parece ser um só: a ma-nutenção dos elementos deliberativos do de-

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senho” (Avritzer, 2003a, p. 51), descartando eventual vinculação entre esses elementos e a influência que podem ter sobre eles os insti-tutos da política partidária, dos interesses go-vernamentais e outros aspectos constitutivos do jogo político, e muito menos como esses podem alterar a própria natureza de tais am-bientes de participação e deliberação. Uma vez que haja desenho institucional adequa-do, condizente com o modelo porto-alegren-se, parece estar garantido o protagonismo da sociedade civil e a validade deliberativa de determinada experiência.

Subentendida a essa está a visão de que quem participa é uma sociedade civil una, cujas eventuais disputas internas se contém e são resolvidas nos limites do processo de-liberativo do OP. O modelo não dá conta da possibilidade de que ela própria possa conter fraturas, grupos de interesse que possam se aliar aos agentes governamen-tais e aos partidos políticos no âmbito lo-cal, de maneira a que haja interação entre o que, no conceitual habermasiano, seriam as estruturas sistêmicas e o mundo da vida. Também essa leitura de Avritzer repõe, em última instância, uma divisão do agir políti-co – de um lado, o agir estratégico, próprio da competição da política partidária, e de outro lado, o agir comunicativo, próprio das instituições participativas como o OP – que afasta as possibilidades de uma compre-ensão mais acurada sobre como os proces-sos participativos se conectam às disputas próprias ao mundo da política partidária.

Em geral não há, nos textos do autor, menção alguma ao sentido político-estraté-gico do OP e de como ele se relaciona à com-petição política própria da democracia repre-sentativa. As conexões entre a sociedade civil e a sociedade política são compreendidas a

partir do pressuposto da preservação plena das identidades específicas dessas esferas. Compreendemos que essa visão é equivoca-da e colabora para a divulgação de uma con-cepção mistificadora e limitada sobre o OP.

Em livro mais recente, Avritzer mantém o essencial de suas teses sobre a dimensão democratizante da sociedade civil junto ao Estado brasileiro e, embora incorpore uma discussão mais robusta acerca do papel da sociedade política na criação das instituições participativas, também mantém suas aná-lises reservadas à maior ou menor vontade política dos governos e partidos em colocar em funcionamento tais instituições, o que parece ser insuficiente para uma análise mais aprofundada das experiências de OP. É sobre esse livro que nos deteremos a seguir10.

Avritzer e as instituições participativas

Em Participatory institutions in demo-cratic Brazil, Avritzer rediscute e amplia a análise sobre experiências de OP nas cidades de Porto Alegre, Belo Horizonte e São Pau-lo, e também apresenta estudos sobre mais duas instituições participativas – os conse-lhos municipais de saúde e os processos de formulação dos planos diretores urbanísticos nessas cidades, e também em Salvador.

Propondo desenvolver uma “teoria das instituições participativas”, o autor re-conhece que “os partidos políticos e a so-ciedade política permanecem pouco teo-rizados na maior parte da literatura sobre participação, por causa do caráter elitista da literatura ou das concepções antissistêmicas da teoria dos movimentos sociais” (Avritzer, 2009, p. 4). Isso constituiria uma lacuna na literatura pois, sobretudo no contexto bra-sileiro, “em que o Partido dos Trabalhadores

10 Já analisado em outros dois lugares (Romão, 2010a, 2010b).

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(PT) mostrou o caminho ao introduzir ar-ranjos participativos, a conexão entre par-tidos políticos e sociedade civil na imple-mentação de modelos de participação vem a ser uma variável chave – mas que não é esclarecida pela teoria” (p. 7). Assim, a prin-cipal diferença desse livro para seus traba-lhos anteriores é o reconhecimento dessa la-cuna e a tentativa de incorporar a dimensão político-partidária à análise.

Sua proposta teórica sobre as institui-ções participativas relaciona três elementos: a sociedade civil, a sociedade política e o desenho institucional. Retomando trabalhos anteriores, repõe seus argumentos sobre o papel da sociedade civil na redemocratização brasileira, sobretudo por meio do avanço do associativismo nas grandes cidades a partir de meados dos anos de 1970.

O autor direciona suas observações às mudanças ocorridas na sociedade política brasileira e latino-americana nos anos de 1980 e 1990. É então que começa a ser in-corporada à análise a dimensão partidária, pois Avritzer passa a enfatizar o modo como a sociedade política, os partidos políticos de esquerda e, especificamente, o Partido dos Trabalhadores teriam atuado para a forma-lização do que chama de instituições partici-pativas, incorporando demandas sobre parti-cipação presentes em suas origens externas às instituições políticas formais.

A sociedade política, no interior das instituições participativas, relaciona concepções de participa-ção originárias dos atores da sociedade civil. Nesse sentido, reforça concepções gerais de participação que estão na raiz da formação dos partidos políti-cos de massas e de esquerda. [...] O PT, no Brasil, desempenha exatamente este papel de relacionar ideias de participação presentes em suas origens com atores da sociedade civil que demandam par-ticipação. Na maior parte dos casos de participa-ção analisados neste livro, a iniciativa foi tomada por atores da sociedade política (Avritzer, 2009, p. 10).

Essa nova demarcação teórica, dada pela incorporação dos partidos políticos à análise, dá-se de modo bastante específico:

Afirmo que a distinção entre partidos de massa e partidos eleitorais ainda é válida. Além disso, ar-gumento que o lado identitário da formação do partido continua a ser relevante no debate sobre partidos políticos de massa. Demonstro que um partido de massas com ligações externas ao siste-ma político é o veículo ideal para trazer demandas participativas ao Estado (Avritzer, 2009, p. 13, grifo meu).

Assim, mesmo quando pretende incor-porar a sociedade política à sua análise, tal se dá pelo viés da sociedade civil, uma vez que o PT é visto como um partido de origem nela e tão somente um veículo de suas demandas participativas. As mudanças na socieda-de política – em suma, o aparecimento do PT – são derivadas das mudanças ocorridas na sociedade civil: o PT, herdeiro direto do associativismo revigorado nos anos de 1970 e 1980, teria atuado como cabeça de ponte da participação popular no sistema político, facilitando a inserção de práticas democrati-zantes da sociedade civil no Estado. Em um mesmo movimento, Avritzer revê e reforça seu argumento original.

Dessa forma, assim como no caso da so-ciedade civil, a caracterização do surgimen-to do PT se dá na chave da autonomia: “o projeto político do PT nasce das demandas por autonomia em relação ao Estado feitas pelo novo sindicalismo e pela Igreja Cató-lica” (Avritzer, 2009, p. 47). No caso do novo sindicalismo, tratar-se-ia de autonomia diante da tutela do controle do Estado sobre as organizações sindicais. No caso da Igre-ja Católica, Avritzer indica que “autonomia significou a habilidade dos atores sociais de demandar bens públicos – terra, serviços sociais, saúde, ou melhorias urbanas, como pavimentação ou saneamento – indepen-dentemente do Estado” (idem). Ao novo

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sindicalismo e à Igreja Católica, o autor agrega o que chama de new left, parcela da esquerda crítica aos comunistas – ou seja, também “autônoma” ao campo tradicional da esquerda. Além disso, também como um componente identitário do PT, figuram a crítica ao clientelismo e a adoção da demo-cracia participativa. Esses fatores teriam con-tribuído para que o PT tivesse inovado com a introdução das instituições participativas.

A partir desse ponto, o autor introduz o que potencialmente seria o principal ga-nho analítico de Participatory institutions in democratic Brazil. Ele argumenta que, para que sejam investigadas as causas dos suces-sos e dos fracassos das políticas participativas das diversas administrações petistas, devem ser conhecidas as seções locais do PT, so-bretudo quanto à relação entre identidade e estratégia no nível local. E avalia que o PT, como todo partido político de esquerda e de massas de perfil social-democrata, teria pas-sado pelo dilema de manter sua identidade sociopolítica, construída sobre o princípio da autonomia dos movimentos sociais dos quais seria originário, e, ao mesmo tempo, tornar-se competitivo no sistema político – a dimensão estratégica. As variações desses dois polos (identidade e estratégia) deveriam ser consideradas no âmbito local (municipal e/ou estadual). Desse conjunto de fatores, te-ria se originado maior ou menor vontade po-lítica da seção local do PT e de seus governos municipais para com as instituições partici-pativas (Avritzer, 2009, p. 50 e seguintes).

O livro denota relativo deslocamento nas teses anteriores de Avritzer, sobretudo quanto ao OP. De fato, era insustentável a pouca importância teórica dada ao contexto político-partidário das localidades, especial-mente quanto aos posicionamentos do PT local e às disputas no interior do partido. Embora o tema não estivesse totalmente au-sente em seus textos anteriores, o autor não

havia ainda tratado do papel central dos go-vernos e dos partidos que os sustentam na proposição e no controle dos processos de OP. Não havia estabelecido como preocu-pação teórica a natureza das relações entre os partidos políticos e a sociedade civil para explicar a configuração das instâncias parti-cipativas. Avritzer pouco se debruçara sobre o problema dos padrões de comportamento e composição local dos partidos que ajuda-riam a explicar as variações de vontade polí-tica nas experiências de OP.

É possível que esse passo analítico te-nha se dado pelo relativo fracasso do OP paulistano. Outrora saudado como “poten-cializador da dinâmica participativa na ci-dade” (Avritzer, Recamán e Venturi, 2004), a postura adotada pelo autor com relação a esse caso se torna mais crítica nesse livro. A incorporação de São Paulo ao rol de cidades estudadas traz a necessidade de explicar por que não teria sido satisfatória a experiência do OP em uma cidade com movimentos so-ciais tradicionalmente tão vigorosos.

Embora os oito anos de malufismo (1992-2000) entre a primeira e a segunda administração petista em São Paulo sejam indicados como perniciosos para a estru-turação de instituições participativas na cidade, o argumento explicativo central se baseia na verificação das divisões internas no PT paulistano sobre as prioridades da-das à participação popular, já presentes no governo de Luiza Erundina e acentuadas no governo de Marta Suplicy.

É fundamental ao argumento do autor caracterizar o PT como um partido necessa-riamente pró-participação. Os casos em que isso não se configura são ora explicados pelas fissuras internas ao partido – entre setores mais ou menos afeitos às instituições parti-cipativas –, ora indicados como concessões ao sistema político formal para que o partido não “perca votos”, como na justificativa pela

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“opção” do governo de Marta Suplicy em não privilegiar o OP como política de gestão, pela necessidade eleitoral que o teria levado a realizar acordos com a direita política na Câ-mara de Vereadores (Avritzer, 2009, p. 113).

Para Avritzer, quando há harmonia intrapartidária nas seções locais do PT, as chances de que o OP vingue são maiores. Esse argumento vale tanto para o caso ne-gativo (São Paulo), em que não teria havido acordo no interior do partido sobre a di-mensão a ser dada às políticas participativas, como para o caso positivo (Porto Alegre), em que teria havido um “pacto” entre as prin-cipais facções para que as disputas internas não atrapalhassem o projeto político maior na cidade.

Em Porto Alegre, Olívio Dutra tomou posse com o apoio de todos os grupos internos ao PT, lide-rando um pacto segundo o qual cada facção local do PT iria indicar o prefeito nas eleições subse-quentes. Tarso Genro seguiu Dutra, e Pont seguiu Genro, mostrando como este pacto no âmbito das lideranças produziu uma durável hegemonia do PT na cidade (Avritzer, 2009, p. 58).

Afirmações de tal natureza indicam os limites da análise de Avritzer e demonstram as insuficiências da compreensão apresenta-da pelo autor quanto aos padrões internos da competição político-partidária. É sabido que as disputas entre as forças políticas internas do PT de Porto Alegre – e gaúcho de manei-ra geral –, nos anos de 1990, talvez tenham sido ainda mais conflagradas que as do PT paulistano. Segundo Filomena (2006), de 1993 a 1999, estabeleceu-se uma aliança en-tre as tendências Articulação de Esquerda e Democracia Socialista (DS), adversárias do PT Amplo (grupo liderado por Tarso Gen-ro). Tanto é que em 1996 houve prévias entre Raul Pont (DS) e José Fortunati (PT

Amplo) para a escolha do candidato a prefei-to, vencidas pelo primeiro. Fortunati, então, torna-se vice de Pont. Já em 2000, mesmo com a vigência da possibilidade da reeleição, as novas prévias envolvem Pont, Fortunati e Genro, que as venceu. Essas situações e os muitos casos de desfiliações de figuras locais proeminentes – como o próprio Fortunati e, antes dele, Antonio Hohlfeldt, que fora o primeiro vereador do partido em Porto Alegre, eleito em 1982 – indicam que o am-biente interno do PT gaúcho pouco diferia do habitual em outras seções do partido. Ou seja, as disputas por indicações a cargos ma-joritários deram-se em geral na base do voto e da quantidade de delegados que cada can-didato ou facção conseguia arregimentar. Tal aritmética, da mesma forma, era a base para a nomeação de mais ou menos correligioná-rios aos cargos no governo ou no partido11. O prestigiado OP porto-alegrense tornou-se também um anexo a essa disputa, um espa-ço político-estratégico de fortalecimento dos grupos internos do partido (Baierle, 2002; Filomena, 2006).

É também interessante verificar como Avritzer trata de um caso negativo de OP, o de São Paulo na gestão de Marta Suplicy (PT). Para o autor, a explicação para o fra-casso se deve aos seguintes fatores combi-nados: (a) o núcleo de assessores mais pró-ximos de Suplicy seria cético em relação à participação, e teria deixado o comando do OP aos setores esquerdistas do PT na capital paulista, com pouco poder político no inte-rior do partido e da gestão; (b) a opção de governabilidade executada fora a incorpora-ção de setores conservadores e malufistas à maioria governista, sobretudo por meio das nomeações de subprefeitos. Isso teria dificul-tado a realização do OP em subprefeituras

11 O que não quer dizer que tenha sido o único critério para nomeações.

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dominadas por membros de partidos não comprometidos com a participação. Ou seja, no caso paulistano, o OP fracassara pela von-tade política débil do Executivo em mantê-lo prestigiado junto ao governo e a salvo das pressões da sociedade política.

A justificativa do fracasso ou sucesso do OP se aplica a uma concepção que o vê por uma perspectiva que reforça o papel da sociedade civil em seu protagonismo. Ao considerar apenas a vontade política positiva ou negativa como elementos para o sucesso ou fracasso do OP, Avritzer permanece com uma leitura que exclui a sociedade política e suas dinâmicas de atuação no OP, ou seja, a mantém fora do próprio OP. Quando traz a dimensão da sociedade política, permanece preso ao referencial teórico que enxerga nela apenas um ator em chave positiva ou negati-va com relação ao OP, que cria ou não cria, fortalece ou não fortalece as experiências de OP. E, desse modo, o OP permanece pairan-do no ar, como um instituto intrínseco à so-ciedade civil, embora sua existência seja con-dicionada à vontade da sociedade política.

Isso também se reforça quando trata do PT. Não se quer aqui negar as origens históri-cas do Partido dos Trabalhadores, realmente distintas da vasta maioria dos outros partidos políticos brasileiros e amplamente analisadas pela literatura (Meneguello, 1989; Keck, 1991; Doimo, 1995; Secco, 2011). Meu argumento é o de que, novamente quando parece encaminhar-se para trilhar o caminho de uma análise mais propriamente política sobre a importância do OP no projeto parti-dário petista – e isso significa problematizar os eventuais dividendos políticos e eleitorais que possam ser colhidos pela implementação do OP –, Avritzer trata de ver o PT como mero veículo das demandas participativas da

sociedade civil. Seguramente, não se trata apenas disso.

Repõe-se, assim, a limitação em se considerar os partidos políticos e governos apenas com relação à vontade política, para se implementar ou não propostas participa-tivas. Em suma, a incorporação da sociedade política em sua argumentação é restringida por seu arcabouço teórico anterior, o que impede Avritzer de avançar significativa-mente na incorporação das dinâmicas pró-prias da sociedade política à análise.

Considerações finais

O debate acadêmico sobre o orçamento participativo tem discutido, nos anos recen-tes, as relações entre as instâncias de parti-cipação e suas articulações com a sociedade política. A maior parte dessa literatura se refere à verificação empírica de elementos organizativos do OP que se relacionam à atuação direta do governo e dos partidos go-vernistas no processo participativo12. Outros trabalhos têm procurado apontar alternati-vas teórico-metodológicas para a compre-ensão das instituições participativas consi-derando a confluência entre sociedade civil e sociedade política (Cortes e Silva, 2010; Gurza Lavalle, 2011).

Esse veio de análise não foi trilhado por Avritzer, pois poria à prova suas teses origi-nais sobre uma sociedade civil que deman-da espaços de participação e atua neles de maneira autônoma pela democratização do Estado. O argumento de que “o elemento analítico relevante é como sociedade civil e sociedade política interagem” (Avritzer, 2009, p. 165) mantém intacto o espírito de seus textos desde A moralidade da democra-cia. É notável como, em Participatory institu-

12 Ver nota 2.

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tions in democratic Brazil, embora se avance na observação do contexto local das relações internas dos governos e partidos, sociedade civil e sociedade política permanecem como categorias estanques. Pouco se diz sobre o quanto a dimensão substantiva da sociedade civil – tal como conceituada por Avritzer –, em vez de se afirmar, pode ser diminuída nas experiências de OP e em outras das novas instâncias participativas.

Uma vez que as preocupações teórico--analíticas de Avritzer se referem, desde seus primeiros trabalhos, ao papel da sociedade civil no processo de democratização do Bra-sil e da América Latina, fica eclipsada nos textos do autor a dimensão estatal, governa-mental ou mesmo a referente aos partidos políticos, à exceção do PT, por suas origens ligadas aos movimentos sociais. De modo geral, o foco sobre a dimensão societária e democratizante do OP obscurece sua dimen-são político-estratégica, tanto aquela referida

nos governos e partidos líderes de governos, como na dimensão mais propriamente vin-culada às novas dinâmicas possibilitadas pela criação desse espaço participativo, na interação daqueles representantes eleitos aos fóruns de delegados e aos conselhos do OP com a competição político-partidária pró-pria da democracia representativa. Trata-se, enfim, dos limites que lhe sugerem sua pró-pria trajetória de pesquisa sobre as relações entre sociedade civil e Estado e as inovações institucionais da democracia participativa.

A agenda de pesquisa que se coloca, sobretudo quando as discussões se encami-nham para o debate sobre a efetividade das instituições participativas (Pires, 2011), deve combinar preocupações metodológicas e teó-ricas sobre as relações e entrelaçamentos entre sociedade civil e sociedade política nelas. E, talvez, sobre a própria validade analítica das distinções estanques entre essas duas catego-rias no estudo das instituições participativas.

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Artigo recebido em 24/01/2011

Aprovado em 25/11/2011

Resumo

O Eclipse da Sociedade Política nos Estudos sobre o Orçamento Participativo

A literatura acadêmica sobre os novos espaços de participação surgidos no Brasil da redemocratização tem privilegiado sua caracterização como lugares de protagonismo da sociedade civil. Essa visão se torna ainda mais marcante nos textos sobre as experiências de Orçamento Participativo. Este artigo sustenta que tal enfoque limita a compreensão sobre tais instâncias de participação, pois obscurece a influência fundamental que as dinâmicas próprias da sociedade política exercem sobre esses espaços. Busca-se reconstituir as origens dessa lacuna a partir da análise da obra de Leonardo Avritzer sobre as relações entre a sociedade civil e o Estado e as inovações institucionais da democracia participativa.

Palavras-chave: Orçamento Participativo; Sociedade civil; Sociedade política; Democracia participativa; Estado.

Abstract

The Eclipse of the Political Society in the Studies on Participatory Budgeting

The academic literature on the new spaces of participation emerged in Brazil’s re-democratization has focused its characterization as areas of civil society protagonism. This view becomes even more pronounced in the papers on the experiences of participatory budgeting. This article argues that such approach limits the understanding about these instances of participation, because it obscures the fundamental influence that the political society dynamics have on these spaces. We aim at reconstructing the origins of this gap, by analyzing the work of Leonardo Avritzer on relations between civil society and state and institutional innovations of participatory democracy.

Keywords: Participatory budgeting; Civil society; Political society; Participatory democracy; State.

Resumé

L’éclipse de la Société Politique dans les études sur le Budget Participatif

La littérature académique sur les nouveaux espaces de participation qui sont apparus au Brésil à partir du retour à la démocratie, privilégie leur caractérisation en tant qu’arènes protagonistes de la société civile. Cet abordage ressort

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davantage dans les textes sur les expériences du Budget Participatif. Cet article défend qu’un tel abordage limite la compréhension sur ces instances de participation, car il cache l’influence fondamentale exercée par les dynamiques propres de la société politique sur ces espaces. Il cherche à reconstituer les origines de cette lacune à partir de l’analyse de l’œuvre de Leonardo Avritzer sur les relations entre la société civile et l’État et les innovations institutionnelles de la démocratie participative.

Mots-clés: Budget participatif; Société civile; Société politique; Démocratie participative; État.