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Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida . APOSTILA DE SOCIOLOGIA – M3 Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida

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Apostila de Sociologia do M3.

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Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida

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APOSTILA DE SOCIOLOGIA – M3

Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida

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TRABALHO E SINDICALISMO O novo regime político que se instala no Brasil a partir de 1964, encontra um ambiente de disputas político-econômicas e

reivindicações sociais. No plano econômico, a indústria automobilística havia influenciado as relações comerciais no Brasil mesmo antes da sua plena instalação no país, criando diversas ramificações econômicas e originando novas elites ligadas ao ramo metal-mecânico, que se fortaleciam na medida em que a nação se industrializava. A instalação do parque automotivo durante o governo de Juscelino Kubitschek proporcionou ao governo aliviar tanto as pressões populares por empregos, como as pressões do empresariado nacional ligado ao ramo metal-mecânico, que recebia agora um novo impulso motivado pela demanda na construção de automóveis e pela obrigatoriedade de nacionalização das peças. No entanto, em meados de 1962 a indústria automobilística entra em crise, pois a capacidade produtiva havia crescido mais do que a capacidade do mercado.

Cabe aqui salientar as ações econômicas do novo governo, onde, segundo Gros (1987), após a concretização do golpe a política econômica adotada durante o regime se apoiou no seguinte tripé: capital privado nacional, capital privado internacional e capital estatal. Entre outras medidas adotadas para sanar a economia nacional, reduzir a inflação e retomar o crescimento destaca-se: a proibição dos aumentos de salários, perda da autonomia dos sindicatos, aperfeiçoamento do aparelho arrecadador e do sistema tributário. O resultado imediato destas medidas foi um aumento de mais de 80% no custo de vida em 1964.

Desta forma os governos militares puderam manter a inflação controlada, a custo do arrocho salarial da mão de obra menos qualificada, do aumento das

tarifas nos serviços públicos, dos reajustes monetários e a redução da demanda, no entanto, os níveis de produtividade não se alteraram. Com a repressão aos sindicatos, os trabalhadores perderam sua representatividade, e com a quase proibição das greves, houve a perda da capacidade operaria de barganha, somado a isso, se tem a maior inserção da mão de obra feminina e infantil, que ampliou a disputa por empregos deixando os trabalhadores ainda mais temerosos do desemprego, por conta disso em 1968, 59,2% dos trabalhadores citadinos realizavam entre 40 e 49 horas de trabalho semanais. Assim sendo, a custa do empobrecimento da população se transferiu renda dos trabalhadores para a classe média, permitindo uma aceleração no processo de acumulação de capital, que se ancorou nos setores de bens de capital, de responsabilidade do estado, bens duráveis, de responsabilidade das multinacionais e bens de consumo, de responsabilidade do capital nacional. Segundo SINGER (1982), o milagre iniciado em 1968 se deve a uma simples “abertura de torneira”, ou seja, após quatro anos de acumulação de capital, o governo reduziu as taxas de juros, facilitou o credito e criou subsídios para estimular as multinacionais. A classe média que vinha com o seu consumo controlado, passava a euforia impulsionada pelo credito e aumento dos salários da mão de obra especializada. Edgar de Barros (1992), chama a atenção para o Plano de Ação Econômico do Governo (PAEG), que tratou de aplicar o liberalismo econômico, e tendo como resultado a concentração do capital, a diminuição da inflação e o fechamento de empresas que não possuíam produtividade suficiente para manter os menores preços.

Em fins da década de 70, as relações industriais começam a se transformar, os trabalhadores passam a desenvolver técnicas alternativas de greve, já que o ato ainda era proibido por lei, e com base na lei de segurança nacional, as greves eram sufocadas com violência física e demissão por justa causa. Desta forma, tornava-se necessário um novo método de greves. Segundo SILVA (1991), na primeira greve em conjunto nas empresas automobilísticas e em indústrias de autopeças, os trabalhadores simplesmente pararam ao lado de suas máquinas e permaneceram em silêncio. Sem saber quem eram os lideres, o patronato chamou o sindicato dos trabalhadores a cada uma das fábricas para negociar, em nome dos trabalhadores, sendo que na Ford

a greve persistiu por um tempo maior, cinco dias.

Por conta disto, a FIESP passou a recomendar que seus membros adotassem estratégias contras as greves, indicando as

seguintes táticas: a) Não pagar, em nenhuma hipótese, horas paradas

e não estabelecer quaisquer acordos de indenização, pois não existindo no Brasil fundo

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Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida de greve, esse será um excelente recurso para as empresas.

b) Tentar de todas as formas, colocar os grevistas na via pública[...] [para] envolver o poder público [...] [e] exercer uma pressão psicológica sobre o Sindicato do Empregados [...].

c) Suspender por um ou dois dias (disciplinarmente) aqueles que entrarem na Fábrica, sob condição de trabalharem e não cumprirem o prometido. Em última instância, dispensar um certo número de pessoas por justa causa, após [...] pedir aos trabalhadores que executem uma certa tarefa. (A negativa caracterizará um ato de insubordinação) 1.

As reivindicações por salários e melhores condições de trabalho se seguiam até 1982. Com o agravamento da crise econômica, as empresas passaram a realizar demissões em massa, enfraquecendo o poder de reação dos sindicatos. Aproveitando-se desta realidade, as empresas passaram a demitir, prioritariamente, os operários envolvidos no sindicalismo, pois podiam alegar que as demissões se davam por conta da recessão econômica em que o País se encontrava. Assim, essas medidas intimidavam e disciplinavam os trabalhadores.

ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES

1 RAINHO, 1983, p. 213. Aphud: SILVA, 1991, p. 249-250.

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O QUE SÃO CRIME E CRIMINALIDADE2 Como nos

lembra o sociólogo Anthony Giddens, desvio e crime não são sinônimos, embora muitas vezes se sobreponham. O conceito de desvio caracteriza qualquer comportamento que viole uma norma

social, por isso, é um conceito muito mais abrangente do que o conceito de crime, que se refere apenas à conduta inconformista que viola uma lei. Assim, o crime tem uma natureza especial. Diferentemente do desvio, o crime precisa das sanções do Direito para que possa se solidar como conceito. O desvio, porém, refere-se ao poder social no plano da cultura e de normas relacionadas a costumes. Por isso, nem todo desvio é sancionado por lei, enquanto todos os crimes o são.

Conceitualmente, crime é qualquer tipo de ação que suscita uma reação organizada por parte da sociedade. Ou seja, crime é tudo a que a sociedade condena como imoral, porquanto lhe dirige uma ofensa ou que tenha conseqüências negativas para a vida social. A idéia de crime remete à idéia de criminalidade, a qual significa o conjunto dos crimes praticados em uma sociedade, tais conjuntos, estão definidos no Direito Penal, que faz corresponder a cada um deles uma penalidade que a sociedade considere condizente à ofensa praticada. Os tipos e as práticas de crimes podem ser variados. Pode-se falar de crimes contra o patrimônio público, como a corrupção, a concussão ou a prevaricação, bem como pode-se falar dos crimes contra o patrimônio privado, como o roubo, o latrocínio, a extorsão etc.

O estudo científico do crime começou em 1876, com a obra O delinqüente, de Cesare Lombroso. A crimonologia, em seu início, baseava-se nas premissas 2 Texto transcrito da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES, M. M. A. GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão. São Paulo: FTD, 2008.

do evolucionismo, dominante na Biologia. Para Lombroso, o crime tem suas causas relacionadas às condições biológicas do delinqüente. Ou seja, algumas pessoas teriam predisposições genéticas e, portanto, naturais a praticar o crime, o que em essência, a idéia, defendida por Lombroso, de atavismo. Para Lombroso, para combater o crime seria fundamental a eugenia. Essa perspectiva foi abandonada na criminologia contemporânea, que absorveu o método sociológico para fazer o estudo científico do crime. De acordo com Émile Durkheim, em contraposição a essa versão da criminologia, nenhuma sociedade está livre do crime, o crime é um problema do delinqüente. Como uma sociedade é feita de um conjunto de instituições que pressupõem a existência de regras para a convivência coletiva, o crime é normal, é um padrão social. A normalidade do crime não significa que ele seja bom, mas apenas que ele é um fato social ligado às condições fundamentais de qualquer vida em coletividade. Nesse sentido, o crime pode representar, por exemplo, a degeneração dos laços de solidariedade entre indivíduos e grupos.

Mas, segundo Durkheim, o crime pode também assumir uma degenerativa da vida social, quando ele se configura em uma situação de anomia, ou seja, uma situação na qual a ausência de normas ameaça a coesão social. Em outras palavras, a anomia é condição de não-socialização, segundo a qual as instituições da sociedade são fracas para socializar o indivíduo, isto é, trazer o indivíduo ao convívio da sociedade.

Émile Durkheim inaugurou uma virada na criminologia, inovando no estudo científico do crime. Essa inovação está no fato de a Sociologia adotar a premissa de que a prática do crime ocorre de acordo com o meio em que ele é praticado. Ou seja, da perspectiva de Émile Durkheim, as causas do crime devem ser procuradas na sociedade e não no delinqüente.

A violência: Alguns crimes são praticados com a violência. Violência é toda ação praticada por um indivíduo ou por um grupo contra outro indivíduo ou outros grupos que implique constrangimentos físicos e morais. Normalmente, a violência é praticada com o uso da força, significando um estado de coação que leva a vítima a fazer ou deixar de fazer aquilo que o agressor lhe pede.

A violência pode ser legítima ou não-legítima. É legítima quando sua prática está balizada em uma regra da sociedade como o Direito. Exemplo de violência legítima é aquela pratica pelo policial, que está autorizado a agir violentamente, dentro dos limites estabelecidos pelo Direito, para proteger vítimas de atos criminosos. Da mesma maneira, a violência é legítima em uma situação de defesa da vida.

A violência não é legítima quando é seguida da prática de crime. Ou seja, como vimos anteriormente, violência não-legítima seguida de uma ação correspondente a uma ofensa à sociedade. Um assassinato é um tipo de violência não-legítima, porque corresponde a um crime. Da mesma maneira, a extorsão

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Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida é um tipo é violência não-legítima, porque representa um tipo de ameaça contra alguma pessoa em troca de uma informação ou vantagem.

Além dessas duas modalidades de violência, pode-se pensar duas outras: a violência física e a violência moral ou simbólica. A violência física é a ação em que um indivíduo ou grupo agride, fisicamente, outro indivíduo ou outro grupo. É o tipo de violência geralmente realizada pelos criminosos.

A violência moral ou simbólica é aquela em que a agressão ocorre no plano psicológico. É tão grave quanto a violência física e pode deixar marcas profundas na vítima.

CRIME E ANOMIA3

Veja abaixo um trecho de A divisão do trabalho social, de É Durkheim, no qual ele apresenta seu conceito de crime e sua relação com a idéia de anomia.

Podemos, pois, resumindo a análise que precede, dizer que um ato é criminoso quando ofende os estados fortes e definidos da consciência coletiva. [...] Em outros termos, não é preciso dizer que um ato fere a consciência comum porque é criminoso, mas que é criminoso porque fere a consciência comum. Não o reprovamos porque é um crime, mas é um crime porque o reprovamos. Quanto à natureza intrínseca destes sentimentos, é impossível especificá-la; eles têm os objetos mais diversos e não se poderia dar uma forma única. [...] Existe, aliás, uma maneira de controlar o resultado a que chegamos. O que caracteriza o crime é que ele determina a pena. Portanto, se nossa definição do crime é exata, ela deve dar conta de todas as características da pena.

Outros estudiosos da criminalidade e da

violência ressaltam existirem fatores estruturais que explicam o crime na sociedade. Um dos principais fatores explicativos do crime violento é a pobreza. Crimes violentos estão altamente correlacionados à pobreza, que é um dos principais elementos explicativos do crime nas sociedades contemporâneas.

De acordo com Robert Merton, o crime é explicado por uma situação de anomia, segundo a qual existe, nas sociedades contemporâneas, uma distorção entre os desejos de consumo e a possibilidade e satisfazê-los, por parte dos grupos mais pobres. Isso não quer dizer que a criminalidade seja uma prática exclusiva dos pobres. As classes mais altas da 3 Texto transcrito da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES, M. M. A. GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão. São Paulo: FTD, 2008.

sociedade também praticam crimes, como os crimes do “colarinho branco”, especialmente a corrupção. Entretanto, a situação de anomia da criminalidade nas sociedades contemporâneas relaciona-se ao poder de consumo enquanto um cultural. Para Merton, as sociedades capitalistas elegem o consumo como o fim cultural mais importante. Ou seja, o que caracteriza as sociedades capitalistas é a busca pela riqueza. Isso cria um contexto de anomia, à medida que proporciona um meio favorável a práticas desviantes e criminosas.

De acordo com Merton, o crime violento é a conseqüência do fator estrutural pobreza. Nas sociedades capitalistas, existe uma hierarquia de classes sociais, de acordo com a qual os grupos subalternos não conseguem satisfazer seus desejos de consumo. Uma vez que não conseguem satisfazer seus desejos de consumo, a reação dos grupos mais pobres da sociedade é praticar crimes violentos, criando uma situação de anomia, porquanto os laços de solidariedade entre os grupos se tornam fracos. A pobreza, de acordo com Merton, é um fator estrutural da criminalidade. Essa tese de Merton se tornou fundamental na construção dos estudos sobre a criminalidade violenta.

De fato, a correlação entre indicadores sociais e prática de crimes violentos é alta. O problema da criminalidade violenta, nesse sentido, é um problema de classes sociais. O combate à criminalidade, portanto, não se faz com o uso da violência legítima, mas por políticas de redistribuição de renda, por parte do Estado. A redistribuição da renda, mediante políticas públicas de Estado, tornaria possível a satisfação de desejos de consumo pelos mais pobres, reduzindo as taxas de crimes violentos. Estudos contemporâneos, entretanto, ressaltam que apenas a redistribuição de renda não basta para a contenção da escalada da criminalidade violenta.

Do ponto de vista comparativo, os países mais industrializados e que melhor fazem a redistribuição de renda apresentam indicadores e crimes violentos mais baixos, enquanto

países mais pobres e com grande desigualdade apresentam indicadores mais elevados. Estudos mais contemporâneos da criminalidade e da violência apontam para os fatores institucionais e socializadores. Partem do conceito de anomia, de Durkheim e Merton, para apontar a reação aos elementos de relativa normalidade da vida social. A gradativa fraqueza de instituições como a família, a escola, as prisões e o Direito explica certa escalada

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Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida dos crimes violentos. A fraqueza de instituições fundamentais da vida social cria um contexto que favorece o surgimento e comportamentos divergentes. A idéia de anomia, nesse sentido, é central na abordagem sociológica do crime e da violência.

CRISE NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL4

Não são poucos os estudos que reconhecem

a incapacidade do sistema de Justiça criminal, no Brasil – agências

policiais, Ministério Público, tribunais de Justiça e sistema penitenciário – em conter o crime e a

violência respeitados os marcos do Estado

democrático de Direito. O crime cresceu e mudou qualidade; porém, o sistema de Justiça permaneceu operando como há três ou quatro décadas. Em outras palavras, aumentou sobremodo o fosso entre a evolução da criminalidade e da violência e a capacidade do Estado de impor lei e ordem [...].

A despeito dos investimentos em segurança pública, ora crescentes ora decrescentes, sobretudo em recursos materiais, são notórias as dificuldades e desafios enfrentados pelo poder público em suas tarefas constitucionais de deter o monopólio estatal da violência [...]. Seus sintomas contemporâneos radicam, por exemplo, na sucessão de rebeliões nas prisões organizadas por dirigentes do crime organizado, como o Comando Vermelho e Terceiro Comando no Rio de Janeiro; e o Primeiro Comando da Capital, em São Paulo [...].

A face visível desta crise do sistema de Justiça criminal é, sem dúvida, a impunidade penal. Ao lado do sentimento coletivo, amplamente difundido entre cidadãos comuns, de que os crimes cresceram, e vêm crescendo e se tornando cada vez 4 Texto transcrito da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES, M. M. A. GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão. São Paulo: FTD, 2008.

mais violentos, há igualmente o sentimento de que os crimes não são punidos; ou, quando o são, não o são com o rigor que seria esperado diante da gravidade dos crimes que têm maior repercussão na opinião pública. Mas há também um outro lado da questão. Se muitos crimes deixam de merecer sanções penais, quaisquer que sejam, isso não significa dizer que a Justiça penal é pouco rigorosa. As sanções alcançam preferencialmente grupos sociais singulares, como negros e migrantes, comparativamente às sanções aplicadas a cidadãos brancos, procedentes das classes média e alta da sociedade. A imagem flagrante do sistema de Justiça criminal é de um funil: largo na base – área na qual os crimes são oficialmente detectados – e estreito no gargalo, região onde situam aqueles crimes cujos autores chegaram a ser processados e por fim acabaram sendo condenados. [...]

A conseqüência mais grave desse processo em cadeia é a descrença dos cidadãos nas instituições promotoras de Justiça, em especial encarregadas de distribuir e aplicar sanções para os autores de crime e de violência. [...] Aqueles que dispõem de recursos apelam, cada vez mais, para o mercado de segurança privada, um segmento que vem crescendo há, pelo menos, duas décadas. Em contrapartida, a grande maioria da população urbana depende de guardas privados sem profissionalização, apóia-se perversamente na "proteção" oferecida por traficantes locais ou procura resolver suas pendências e conflitos por conta própria. Tanto num como noutro caso, seus resultados contribuem ainda mais para enfraquecer a busca de soluções por intermédio das leis e do funcionamento do sistema de Justiça criminal.

ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES

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DESVIOS INSTITUCIONAIS5 O que define Estado é o conjunto de suas regras jurídicas. O fundamental é que essas normas são postas para controlar o exercício do poder no Estado Democrático de Direito, fazendo que governantes, políticos e qualquer cidadão estejam submetidos ao império da lei. Mas essa submissão dos agentes políticos não significa que não seja possível qualquer tipo de desvio. A noção de desvio implica a ideia de que um agente saiu de um certo caminho traçado. . A norma jurídica posta pelo Estado tem a pretensão de ser algo semelhante a um rio, porque determina um fluxo da ação praticada por agentes humanos. Essa é a noção que a ideia de desvio produz. Mas precisamos pensar. Quando é possível falar que um desvio ocorreu? De acordo com essa analogia com o fluxo da água de um rio, o desvio ocorre sempre que o fluxo de nossa ação social sai de sua normalidade. E onde essa normalidade da ação está posta? O que diz o que é normal e patológico? O normal está instituído no Direito, o qual diz o que é proibido e o que é permitido. Não por acaso a palavra normal tem a raiz etimológica da palavra norma. A norma institui aquilo que é normal. Só podemos pensar o desvio se houver uma norma que institui o que é normal, porque o desvio é, por definição, uma patologia. Essa distinção entre o normal e o patológico foi criada pelo sociólogo francês Émile Durkheim, em seu livro As regras do método sociológico. A diferença entre o normal e o patológico para Durkheim é sublime e precisa de bastante reflexão, pois ela nos ajuda a entender o que dá coesão aos sistemas sociais.

A noção de desvio é devida ao pensamento de Durkheim, para o qual só é possível pensar em um comportamento desviante se houver uma normalidade instituída. Por isso, Durkheim afirmou que o crime como um tipo de desvio, é normal na 5 Texto organizado a partir da obra de: DIMENSTEIN, G. RODRIGUES, M. M. A. GIANSANTI, A. C. Dez lições de Sociologia para um Brasil cidadão. São Paulo: FTD, 2008.

vida social, porque não é possível dizer o que vem primeiro, se o normal ou o patológico. O crime é normal na vida social porque não é possível pensar a existência de regras se não houver sua transgressão. Do mesmo modo que não é possível dizer que haja uma transgressão se não houver uma norma que diga o que é normal. Como a Sociologia é a ciência que estuda as instituições sociais, segundo Durkheim, podemos pensar que ocorrem desvios nessas instituções. Como instituições, de acordo com o pensador francês, são artifícios humanos, trata-se dos desvios proporcionados pelos homens dentro das instituições. Vamos falar, essencialmente, dos desvios produzidos nas instituições do Estado, tendo em vista a política e a luta pelo poder. Mas quais são os desvios institucionais do Estado? Quais são os desvios institucionais?

Para pensar a ideia de desvios institucionais, é fundamental ter em vista a noção de Direito: o império da lei institui aquilo que é normal e define, por sua vez, aquilo que é patológico,

ou seja, o desviante da normalidade. A característica fundamental do Estado de Direito é o fato de o império da lei não permitir qualquer tipo de privilégio ou uso indevido do poder. A lei está a serviço da sociedade para controlar o poder do Estado e não permitir seus desvios. Como a lei tem a pretensão de dar uma direção à nossa ação, os desvios institucionais apenas podem ocorrer em função dela. E como o império da lei, de acordo com Max Weber, na modernidade, vem para controlar o poder e acabar com os privilégios, os desvios institu¬cionais devem ser pensados a partir do Direito e da razão de Estado, e não dos interesses pessoais. Do ponto de vista dos elementos centrais para pensar os desvios institucionais, é fundamental ter a noção de que esses desvios são oriundos da luta pelo poder e dos privilégios de certos grupos sociais. Poder e prestígio são os fatores centrais para a existência dos desvios institucionais. Eles são derivados do abuso do poder, seja político seja econômico, e dos privilégios de certos grupos sociais na sociedade. Entre os principais desvios institucionais estão o clientelismo, o nepotismo, a patronagem e a corrupção. São modulações dos desvios institucionais que estão relacionadas ao abuso do poder por certos agentes políticos ou aos privilégios que certos grupos sociais têm no exercício de seu poder. Na modernidade, a separação entre o público e o privado é o elemento

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Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida central de constituição do Direito do Estado. O anormal, portanto, o que representa o desvio, é tudo aquilo que faz que o mundo privado não se diferencie do mundo público. Todos os desvios institucionais estão relacionados a essa diferenciação entre o público e o privado. O clientelismo é uma das práticas mais antigas da política. Pressupõe uma relação interativa entre o cliente e o patrão. Fundamental¬mente, o clientelismo é uma forma de vincular os homens livres a seus patronos, caracterizada pela troca de favores e de presentes, tendo em vista o apoio político. A relação entre patronos e clientes sustenta-se, por conseguinte, em um sistema de trocas que, enquanto prática, tolera certa prevaricação do patrono em relação à res publicae (coisa pública). Ou seja, o sistema de trocas do clientelismo permite uma tolerância sobre o fato de o chefe político elevar seu mundo privado sobre o mundo público. O nepotismo, do mesmo modo que o clientelismo, é um tipo de prática antiga, datada do domínio dos papas sobre o império roma¬no. A palavra nepotismo vem do latim nepos, que quer dizer sobrinho. O nepotismo se referia ao poder dos sobrinhos do papa em Roma. Na acepção moderna, o nepotismo se refere a qualquer pessoa que exerça um poder ou tenha certo privilégio porquanto tenha um parente em uma posição de comando. O nepotismo institui certos privilégios na administração do Estado e ineficiência da ordem burocrática. O nepotismo permite a apropriação de cargos públicos em virtude de laços exclusivamente pessoais, relacionados ao parentesco. A patronagem é um sistema entre patrão e clientes, mas que ocorre exclusivamente no plano das instituições. A patronagem está relacionada aos sistemas partidários e ao modo como governantes exercem cooptação sobre os partidos. O governante dá aos partidos políticos recursos e poder em troca de apoio nas arenas legislativas. Com isso, os partidos apadrinhados pelo sistema de patronagem podem participar dos despojos, ou seja, da distribuição dos cargos pú¬blicos para atender aos interesses privados de políticos e burocratas. A corrupção, por outro lado, ocorre quando um funcionário públi¬co recebe vantagens em troca do não cumprimento de um dever oficial, seja para atender ao interesse privado de outro funcionário

público, seja para atender ao interesse de um agente privado. A corrupção se

dá,

fun¬damentalmente, em razão do dinheiro e do poder. O papel do cidadão - É possível controlar os desvios institucionais? De acordo com a noção de Émile Durkheim, os desvios institucionais são normais na vida social. Clientelismo, nepotismo, patronagem e corrupção são triviais. Mas isso não quer dizer que sejam benéficos. Ao contrário. Os desvios institucionais produzem ineficiência do Estado e, por conseguinte, má alocação dos recursos públicos. Os desvios institucionais são normais, porque se assim não fosse não haveria razão para proibi-los. Ou seja, se não existisse corrupção em uma sociedade, para que proibi-la? Os desvios institucionais são normais na vida social e devem ser controlados. O primeiro elemento central é controlar o poder do Estado e proibir a existência de qualquer forma de privilégio ou abuso de poder. A maneira para se proibir esses desvios e permitir seu controle é criar um império da lei que seja igualmente respeitado por todos. E falar no império da lei é pensar, fundamentalmente, a existência da democracia. É essencial para o controle dos desvios institucionais a existência de mecanismos democráticos presentes no império da lei. O Estado deve adotar princípios fundamentais, como o princípio da publicidade, da moralidade e do dever de ofício de funcionários públicos e agentes privados.

ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES

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RIO FARÁ MURO EM 11 FAVELAS DE ÁREA NOBRE6

Ao custo

de R$ 40 milhões, o governo do Rio vai construir muros no entorno de 11 favelas. O objetivo, segundo o Estado, é conter a expansão das

moradias irregulares em áreas de

vegetação. Todas as áreas escolhidas, no entanto, cresceram abaixo da média em comparação às demais comunidades. O projeto, inicialmente, será implantado apenas na zona sul, área nobre da cidade.

Segundo o Instituto Pereira Passos (IPP), órgão municipal, a área ocupada por favelas na capital subiu 6,88% de 1999 para 2008. As favelas escolhidas para o projeto cresceram, somadas, 1,18% no período. No morro Dona Marta, onde o projeto está em andamento, houve redução do terreno ocupado de 0,99%. O levantamento é feito a partir de fotos aéreas e não faz contagem da população.

A iniciativa do governador Sérgio Cabral (PMDB) recebeu críticas do escritor português José Saramago e do coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, Itamar Silva [...].

O Estado afirma que o objetivo da medida é conter a expansão das favelas. Serão mais de 11 mil metros de muros de três metros de altura, ao custo previsto de R$ 40 milhões. As construções de uma creche, um hospital e dois centros de integração e cidadania na Rocinha (com restaurante e usina de reciclagem), por meio do Programa de Aceleração do

6 Texto organizado pelo professor, a partir da obra de: Folha de S.Paulo, por: ITALO NOGUEIRA, ANDRÉ ZAHAR. 02/4/2009. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u544553.shtml

Crescimento, custarão R$ 32 milhões. [...] O presidente da Federação das Favelas, Rossino

de Castro, afirmou ser contra a medida. Disse que líderes comunitários sentem medo de resistir ao projeto e que, com isso, suas comunidades sejam excluídas de projetos sociais do governo. Para Marcia Hirota, diretora de gestão do conhecimento da SOS Mata Atlântica, um muro não é a melhor forma de evitar o avanço de construções irregulares sobre a mata. Para ela, a comunidade deve se envolver na proteção das áreas verdes. O sociólogo Ignácio Cano diz suspeitar que "há um elemento de segurança pública no muro", escondido pelo governo para não aumentar a polêmica.

Outro lado Presidente da Emop (empresa pública estadual,

responsável pelas obras nas favelas), Ícaro Moreno minimizou as críticas à construção dos muros. "O Saramago deu sua opinião e eu também posso dar a minha sobre o trabalho dele. Não vejo polêmica. Há uma aversão a muros, mas muros existem em casas, condomínios e linhas ferroviárias."

Ele diz que, apesar da estabilidade da ocupação de algumas favelas, é preciso evitar que os moradores ergam construções em áreas de risco. "A sociedade da

zona sul e das comunidades apoia. O desmatamento é ruim para todos."

[...] O secretário

municipal de Urbanismo do Rio, Sérgio Rabaça Moreira

Dias, nega que a implantação de muros em favelas da zona sul seja uma forma apenas de isolar a pobreza. Segundo ele, o foco é ambiental. "As barreiras estão orientadas pelas áreas de maior concentração [demográfica] e pela localização das áreas de risco e de preservação ambiental."

[...] Procurados pela reportagem, o governador

Sérgio Cabral Filho e o vice-governador Luiz Fernando Pezão não quiseram comentar o assunto.

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OS MITOS RACIAIS7

DOIS MANIFESTOS dividiram a sociedade brasileira: um contra a definição de cotas para negros e índios nas universidades e a reserva de vagas para minorias no serviço público; outro, a favor. Nos dois manifestos, impressionam a falta de argumentos e a ausência de propostas alternativas dos adversários das duas políticas de ação afirmativa, a não ser a reafirmação da universalidade dos direitos -da igualdade de todos perante a lei.

Esse é um princípio fundamental da nossa Constituição, mas, sendo ela um documento do século 20, não é um princípio vazio de conteúdo social. No século 18, a igualdade de todos perante a lei representava um grande avanço político quando a burguesia liberal lutava contra o Estado absoluto: era a luta de uma classe média em ascensão contra uma aristocracia montada em cima de privilégios legais. Depois disso, porém, o mundo avançou politicamente. Percebeu-se que não bastava a igualdade perante a lei, era preciso também a igualdade de oportunidades entre as classes sociais e entre as raças.

No Brasil, preocupamo-nos apenas com a igualdade social. Alguns avanços foram alcançados nesse campo, embora o país continue um dos mais desiguais do mundo. No plano racial, porém, fomos incrivelmente displicentes. Apoiados no fato de que somos um país mestiço -e, de fato, somos-, supusemos que tínhamos aqui uma democracia racial -ou quase. Não a temos -nem quase. Caetano Veloso estava certo quando concordou que a democracia racial no Brasil era um mito e acrescentou: "Mas um belo mito". De fato, é um belo mito, no sentido de nos fazer orgulhosos de nossa mestiçagem e de nos levar a rejeitar toda discriminação racial. Mas a rejeição é teórica. Na prática, a discriminação no Brasil é

7 Luiz Carlos Bresser-Pereira, Folha de S.Paulo, 17.7.2006.

fortíssima, conforme todas as pesquisas comprovam. Se o Brasil é injusto no plano social, é ainda mais no racial.

Nas universidades, por exemplo, há apenas 2% de negros estudantes e apenas 1% de negros docentes, embora eles constituam 45% da população brasileira. É por essa razão que há alguns anos surgiu o movimento no sentido de implantar no Brasil iniciativas de ação afirmativa. Quando o movimento começou, os nacionalistas de ocasião disseram que isso era invenção americana; alguns hesitaram em lembrar o triste argumento do branqueamento gradual; outros apontaram as dificuldades em distinguir as raças no Brasil; a maioria dos contrários argumentou que a definição legal de raças só agravaria a situação.

Por quê? Porque tornaria as diferenças raciais, que no Brasil são muitas vezes imprecisas, claras e, por essa razão, poria em cheque a "paz racial" ou a "harmonia natural" que regeriam as relações de raça no país. Vemos, assim, que há outras versões do mito da democracia racial: versões que colocam a ordem, transmutada em paz e em harmonia, no centro da questão. O conservadorismo de nossa sociedade reaparece assim com toda a força. Além dos argumentos liberais da igualdade perante a lei, também os argumentos da defesa da ordem ressurgem no debate. A paz social é necessária, mas não é perpetuando a injustiça que ela será alcançada.

Não basta que se almeje "um Brasil no qual ninguém seja discriminado", como diz o manifesto contra. É preciso ter a coragem que 30 universidades brasileiras já tiveram e começar a adotar ações afirmativas contra a discriminação. As ações afirmativas que estão sendo propostas não são apenas justas: são razoáveis. Elas não ameaçam a ordem, apenas fazem avançar modestamente a justiça. Têm razão os subscritores do manifesto a favor quando afirmam que o documento contra "parece uma reedição, no século 21, do imobilismo subjacente à Constituição da República de 1891: zerou, num toque de mágica, as desigualdades causadas por séculos de exclusão e racismo e jogou para um futuro incerto o dia em que negros e índios poderão ter acesso eqüitativo à educação, às riquezas, aos bens e aos serviços acumulados pelo Estado brasileiro".

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O RACISMO8

A origem da discriminação, seja ela de raça

ou de sexo, geralmente é conseqüência da

desigualdade social. Desde a Antigüidade grega,

em toda a história do mundo ocidental o poder é

branco, masculino e adulto.

No Brasil, a longa tradição histórica de

rígidas hierarquias sociais se expressa por meio de

formas políticas de dominação. No entanto, ao

contrário dos EUA ou da África do Sul, locais onde

o racismo é explícito, os brasileiros camuflam o

preconceito por meio do "mito da democracia

racial". Isso, em última análise, até prejudica o

equaciona-mento do problema e a luta organizada

das vítimas do preconceito.

O índio

Para analisar o problema do racismo no

Brasil desde o seu início, precisamos lembrar que

a colonização das Américas partiu da necessidade

de expansão comercial da burguesia enriquecida

pela Revolução Comercial. As colônias

significavam, portanto, não só maior possibilidade

de consumo, como também a condição de

fornecimento de produtos tropicais e metais

preciosos indispensáveis para a expansão

capitalista.

8Texto extraídos da obra: Temas de filosofia / Maria Lúcia de Arruda

Aranha, Maria Helena Pires Martins — São Paulo : Moderna, 1992.

Quando os primeiros jesuítas aqui

chegaram, o processo de cristianização dos índios

por eles empreendido facilitou a política de

dominação da metrópole. Mesmo que possamos

considerar não ter sido esta a intenção dos missio-

nários, imbuídos de ardor religioso, eles foram

vítimas de avaliações etnocêntricas, pois estavam

convencidos da superioridade da sua cultura e

religião. Ao "docilizarem" os índios, adequando-os

a padrões estranhos, deram início à desintegração

da cultura indígena.

Os colonizadores, usando a violência física,

dizimaram as tribos indígenas e escravizaram os

que puderam. Apesar disso, geralmente são

enaltecidos nos relatos da história oficial como va-

lentes desbravadores do sertão e conquistadores

que "levaram o progresso" às terras "bárbaras".

Em pleno século XX, apesar da con-

tribuição da antropologia e etnologia, continua a

violência contra os índios, expulsos dos seus

territórios ou aculturados de maneira inadequada

por motivos os mais diversos: construção de

estradas, instalação de fazendas, garimpo etc.

O negro

Da mesma forma que o índio foi

inferiorizado, a origem do preconceito contra o

negro se acha na tradição da escravidão. Não

importa se para cá vieram, entre os negros

africanos, alguns de seus valorosos chefes

guerreiros. Tornados escravos, a inferiorização se

tornou inevitável.

E, talvez para conciliar o absurdo da

dominação com a tradição cristã, os senhores

acalmaram a consciência com a convicção de que

o negro era semi-animal, bruto e rebelde, exigindo

pulso forte por parte do dominador. Por resistir ao

trabalho escravo, o negro passa a ser avaliado por

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Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida meio de estereótipos: é indolente, malandro,

cachaceiro. Ou seja, a situação subumana a que

são lançados os escravos é compreendida a partir

de uma inversão típica da ideologia: em vez de

considerar a inferiorização do negro como con-

seqüência da dominação, a dominação é

justificada porque o negro é considerado um ser

inferior. O próprio negro interioriza a concepção do

branco, o que dificulta a afirmação de sua identi-

dade e o assumir da consciência étnica. Daí os

desvios de comportamento dos negros que, ao

desejarem se integrar no mundo dos brancos,

representam papéis reforçadores da exclusão,

agindo de acordo com padrões "brancos". É nessa

linha que ouvimos falar em "negros de alma

branca" e na valorização do "negro humilde" em

contraposição ao "negro pernóstico" que "não

reconhece seu lugar".

ESPAÇO PARA ANOTAÇÕES

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O MACHISMO9

Dissemos no item anterior que o poder é

branco, masculino e adulto. Portanto, uma das

características da nossa civilização é ser

androcêntrica, ou seja, centrada na figura

masculina. Os direitos, deveres, aspirações e

sentimentos das mulheres se acham há tempos

(calculam-se seis milênios!) subordinados aos

interesses do patriarcado, isto é, ao sistema de

relações sociais que garante a dependência da

mulher em relação ao homem.

Geralmente as formas de dominação se

impõem pela "naturalização", que consiste em

considerar naturais certas características que na

verdade foram construídas a partir das relações

sociais. Nasce o "mito da feminilidade", segundo o

qual a "natureza feminina" teria certas virtudes e

defeitos próprios da mulher: por um lado ela seria

sensível, amorosa, altruísta, maternal, intuitiva, e

por outro lado seria frágil, dependente, sem

iniciativa, instável, deixando-se levar pela emoção,

ao mesmo tempo que também pode ser con-

siderada volúvel, dissimulada e perigosa...

Mas todas as vezes que procuramos definir

o "ser-em-si", tal como a "natureza do homem", a

"natureza da mulher", a "natureza da criança", cor-

remos o risco de forjar estereótipos, formas

simplificadas, redutoras e empobrecidas de

9 Texto extraídos da obra: Temas de filosofia / Maria Lúcia de Arruda Aranha, Maria Helena Pires Martins — São Paulo : Moderna, 1992.

compreender a existência humana. Os

estereótipos da feminilidade geralmente resultam

da atitude preconceituosa com relação à mulher e

contribuem para sua discriminação. Em outras

palavras, o estereótipo da feminilidade acentua a

situação de dependência e infantiliza a mulher,

vista como ser relativamente incapaz. Na história

de todas as culturas, ela se acha confinada ao lar,

subordinada ao pai e depois ao marido, ocupando-

se de tarefas domésticas tais como gerar e educar

os filhos, cuidar da alimentação e manutenção da

casa, sem nunca se afastar dos domínios

domésticos.

Talvez esse esboço da situação feminina

pareça estar bastante superado nos grandes

centros urbanos, onde a mulher conquistou

espaços nos mais diversos campos de trabalho e

vem garantindo sua autonomia.

Mesmo assim, o processo de emancipação

não atingiu muitas regiões do globo, não penetrou

no campo. E, mesmo onde a liberação parece

consolidada, persistem formas sutis de dominação.

Por exemplo, a mulher que trabalha fora arca com

a dupla jornada de trabalho, uma vez que as

tarefas domésticas são consideradas "natural-

mente" incumbência feminina. A própria mulher

assume esse papel, apesar do risco de não

conseguir se profissionalizar sem sentimento de

culpa, nem se ocupar adequadamente com os ser-

viços da casa.

Além disso, sabemos que as mulheres são

discriminadas profissionalmente, recebendo

remuneração abaixo dos homens para serviços

idênticos, sendo preteridas em cargos de chefia e

constantemente excluídas da vida política.

Quando a duras penas conseguem

conquistar cargos públicos, com freqüência ocorre

a confusão entre o público e o privado, ou seja, as

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Colégio Mauá – M3 – Sociologia – Prof. Ms. Michel Willian Zimmermann de Almeida pessoas não conseguem separar a figura pública

da deputada, senadora ou ministra da figura de

mãe, mulher ou amante. Os mexericos que

envolvem a conduta sexual da mulher adquirem tal

dimensão que chegam a comprometer os critérios

de avaliação do seu desempenho profissional.

Podemos dizer que o processo de

emancipação feminina é a grande e principal

revolução do século XX, e a que mais

fundamentalmente vem subvertendo a ordem do

mundo. Reconhecer que a mulher é um ser

humano integral e que, apesar de diferente do ho-

mem, pode conviver com ele muito além da

relação de mando e obediência, abre caminho para

uma humanidade mais justa (e, por que não, mais

feliz?) em que a amizade poderá prevalecer sobre

a hierarquia.