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Tantos livros, tão pouco tempo

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O fim do fim do mundoJulio Cortázar

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"Não existe arte para crianças, existe a Arte. Não existem ilustrações para crianças, existe a Ilustração. Não existem cores para crianças, existe a Cor. Não existe literatura para crianças, existe a Literatura. Partindo destes quatro princípios, podemos dizer que um livro para crianças é um bom livro, quando é um bom livro para todos."

François Ruy-Vidal (Paris, 1931), escritor e editor

“Por isso o elfo não aprendeu nada dos livros de fadas, e a mesma coisa sucede a muita gente em muitos livros, apesar de muito anunciados, como costumam ser os livros de fadas e outros livros para meninos e meninas.”

Fernando Pessoain Era um vez um elfo (texto inacabado)

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A crítica literária de literatura infantil e as escolhas do público | Profª. Leonor Riscado

O que lêem as nossas crianças em geral? O que é que as livrarias lhes destinam? Que livros têm à sua disposição em casa, nos jardins de infância e nas escolas do 1º ciclo do ensino básico? Quais são os critérios de selecção do corpus textual destinado aos mais jovens? Quem são os responsáveis por essa selecção?

Se atentarmos na primeira questão – o que lêem as crianças em geral – deparamos com um panorama não muito animador; na maior parte dos casos, o livro enquanto artefacto e obra de arte, é substituído, nas preferências do público, pelo material vídeo, de mais fácil consumo e digestão e, quando se trata do livro, ele mesmo, a fatia preferida é a dos sucedâneos dos vídeos, em edições importadas e pessimamente traduzidas, às vezes, cretinizantes, com ilustrações confrangedoras e de enorme mau-gosto, ultrapassando o pior do kitsch.

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Passando à segunda pergunta – o que é que as livrarias lhes destinam –encontramo-nos perante uma oferta múltipla e diversificada, porque a produção de livros para crianças é, actualmente, muito grande; mas – foi intencional a utilização da designação “livros para crianças” – o que é facto é que grande parte dessa produção não pode, de forma alguma, inserir-se na literatura ( a não ser entendida à estreita luz da sua etimologia ). De entre uma oferta considerável em termos de quantidade, imperam os livros comerciais, com ilustrações que cegam pela exuberância das formas, das linhas e das cores, em suma, pelo exagero e falta de qualidade estética; quanto aos textos, eles são, por vezes, de uma pobreza confrangedora no que diz respeito à efabulação, com recurso frequente a moralidades desadequadas e passadistas e, quanto à linguagem utilizada, revelam uma enorme infantilização.

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Ao interrogarmo-nos agora sobre os livros de que as crianças dispõem em casa, nos jardins-de-infância e nas escolas do 1º ciclo do ensino básico sou forçada a testemunhar, a partir da observação no terreno, que as situações são, obviamente variáveis, que cada caso é um caso; mas, tendo em conta a generalidade, os livros da exclusiva propriedade da criança, em casa, são poucos, nem sempre diversificados do ponto de vista dos géneros literários, escasseando, normalmente, a poesia e o teatro, dominando a narrativa e o texto informativo (às vezes já bastante desactualizado).

Nos jardins de infância a exiguidade do cantinho da biblioteca, a pobreza dos títulos de literatura infantil e a sua enorme falta de actualidade, com predomínio das colecções DISNEY e sucedâneos, ANITAS e ABC´s , fazem com que nos interroguemos sobre o imenso tédio que às crianças está reservado e sobre a absoluta impossibilidade de despertarem para a beleza mágica da palavra e da imagem convocadoras de outros mundos.

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Se pensarmos nos critérios de selecção do acervo de livros para os mais novos deparamos, às vezes, com uma quase total ausência de critérios, sendo os livros escolhidos mais em função das capas e dos títulos do que propriamente dos conteúdos; e aqui podem entrar ainda em linha de conta factores economicistas que em nada contribuem para melhorar o estado de coisas.

Quanto à responsabilidade da selecção, ela é partilhada um pouco pelos pais, educadores, professores e livreiros ou vendedores ambulantes de editoras, o que acaba por ter um efeito perverso na medida em que há uma diluição de efectiva responsabilização de cada um dos agentes; por vezes ainda, surge um coro de desculpas consubstanciado na afirmação decisiva “mas as crianças gostam!”.

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Face a esta situação, torna-se urgente que todos aqueles que têm um papel importante na formação das crianças se consciencializem de que a qualidade da Literatura Infantil é um elemento fulcral para a modelagem e construção de futuros adultos empenhados, questionadores, imaginativos, interventivos. É também urgente que subam a sua fasquia de exigência em relação às enormes catadupas de livros para crianças que o mercado livreiro constantemente disponibiliza (sobretudo em épocas festivas, como o Natal); para tanto é preciso, sobretudo, ter tempo e ter disponibilidade para aprender a olhar para os livros “com olhos de ver”, para começar a descobrir o que se encontra por trás de uma primeira observação ou leitura, para comparar textos e ilustrações, para conhecer verdadeiramente os livros (…)

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Definição de literatura infantil | Perry Noldelman

• A literatura infantil (ou seja, a literatura publicada especificamente para o público infantil e, portanto, produzida de acordo com as ideias dos adultos sobre as crianças) é um género separado e definível, com características que surgem a partir das ideias persistentes que os adultos têm sobre as crianças e que, portanto, têm permanecido estáveis durante o período de tempo em que se produziu este tipo de literatura. Tais ideias são intrinsecamente ambivalentes e, portanto, também a literatura o é.

• Oferece às crianças, tanto o que os adultos acham que as elas gostam, como aquilo que os adultos querem que eles necessitem, mas fá-lo para satisfazer as necessidades dos adultos sobre as crianças. Oferece o que se supõe que as crianças gostam, descrevendo personagens e contando histórias que, teoricamente, vão preencher os desejos de poder e independência das crianças. Colmatam as necessidades reais dos adultos e as alegadas necessidades das crianças que tentam colonizar; imaginando um leitor infantil implícito como um modelo a ser adoptadopelos leitores reais.

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Narra feitos a partir do ponto de vista supostamente infantil para ensinar as crianças a ocupar ou a viver essa visão. Aparentemente, é uma literatura simples da qual os adultos excluem coisas; contam às crianças menos coisas do que sabem, especialmente sobre a sexualidade. É uma literatura focada no argumento, que mais que explicar, mostra as coisas. Mas oferece de forma implícita mais do que diz; sublima conhecimentos mais profundos e subtis de adultos em forma de texto silencioso subjacente, mas claramente presente e que está disponível para todos os leitores, tanto para adultos como para crianças.

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Tende a ser utópica no sentido de que imagina a inocência infantil como utópica, mas suas tramas tendem a colocar as personagens infantis em situações pouco infantis que os despoja da sua inocência. No entanto, é de tom esperançoso e optimista, e conta histórias com os pretendidos finais felizes, em que as crianças ou seres semelhantes alcançam a maturidade não passando por experiências adultas, e aceitando a protecção dos adultos e das suas ideias limitadoras sobre sua própria condição de crianças.

Tende a representar visões da infância que são agradáveis para os adultos em termos de imagens e ideias de lugar, e os seus finais felizes muitas vezes significam voltar ou chegar ao que se apresenta como casa.

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A literatura infantil trata principalmente do desconhecimento. Passou a existir quando os adultos começaram a imaginar a infância como um espaço inevitavelmente separado do mundo adulto. Separado, porque as crianças precisam de ser mantidas longe de certo tipo de conhecimento... e saber menos. Desde então, a infância é, por definição, uma questão de ser menos; menos experiente, menos compreendido, menos sensato, menos responsável, menos capazes. Quase sempre tem sido definida em termos que variam a partir do que é assumido como o seu oposto: a idade adulta. A variação é sempre uma questão de carência. Como resultado, a literatura infantil é uma literatura que carece de sexualidade, por exemplo, ou complexidade, negrume ou grandes palavras. É a literatura que diz menos.

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O que não é literatura infantil infanto-juvenil | Elsa Aguiar

• Literatura infanto-juvenil não é o mesmo que livros para crianças. Isto é bastante óbvio, mas não devemos esquecer: nem todos os livros para crianças são literatura. Há muitos livros para crianças, necessários e maravilhosos, que não são literatura: o livro informativo, livros-jogo... E há outros que, mesmo pretendendo sê-lo, não são literatura.

• Literatura infanto-juvenil não é o mesmo que literatura light. Não é uma literatura sem palavras complicadas, sem elaboração da linguagem, sem temas ou questões difíceis. É literatura que sabe fazer suas as possibilidades de expressão e compreensão da criança ou jovem, os seus modos de interpretar a realidade e o mundo, a sua forma de estar nas coisas que acontecem e que lhe acontecem.

• Literatura infanto-juvenil não é o mesmo que literatura com uma criança ou jovem como protagonista. É verdade que muitas vezes a presença de uma criança ou jovem de uma certa idade permite a identificação mais rápida por parte do leitor, mas é apenas isso: uma ferramenta que pode ser facilitadora. O importante é que a literatura se ligue com as preocupações, necessidades e aspirações das crianças e jovens.

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• Literatura infanto-juvenil não é o mesmo que pedagogia. E isto é importante porque, apesar de, em teoria, todos os autores, editores, mediadores ... – o tenham mais ou menos claro, o que a "literatura" com a intenção (moralizante, edificante ...), parece que nos tenta mais do que parece. Nas palavras de uma grande escritora da literatura infantil: A literatura infantil não é uma pílula pedagógica envolta em letras, mas sim literatura, ou seja, o mundo transformado em linguagem. (Christine Nöstlinger).

• Literatura infanto-juvenil não é a que se escreve para crianças e jovens, mas sim a que as crianças fazem sua. Há livros que não foram escritos para crianças, mas que crianças de diferentes gerações se apropriaram: Verne, Dumas, Poe, Dickens, London, Asimov ... E há muitos livros escritos para crianças e jovens que as crianças e os jovens não têm qualquer interesse na sua leitura e se os lerem, rapidamente os esquecem. Falta-lhes autenticidade.

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O contador de histórias Saki (Herbert Munro)

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Escrever para crianças: estereótipos e más práticas Revista Emília

• Forte conteúdo pedagógico, em que a voz adulta prevalece e se impõe na narrativa.

• Construções narrativas frágeis que apresentam problemas de linguagem e de desenvolvimento do tema proposto.

• Enredos sem densidade literária e que pouco acrescentam à formação do leitor.

• Ilustrações didáticas e literais que não propõem possibilidades de múltiplas leituras e que reproduzem apenas o conteúdo do texto.

• Recursos gráficos artificiais para “adorno” sem acrescentar nada ao produto final.

• Aproveitamento dos clássicos de maneira pouco criteriosa e aposta em nomes consagrados da literatura para crianças e jovens.

• Adaptações pouco criteriosas que empobrecem o original e não acrescentam densidade ao itinerário leitor dos jovens leitores.

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• Autores e ilustradores repetindo fórmulas e técnicas que, por vezes, provocam um desgaste naquilo que eles têm de melhor.

• Desconhecimento das características do álbum ilustrado por parte de editores e de autores e ilustradores.

• Produção irregular e inconsistente de editoras reconhecidas pelo mercado. O catálogo enquanto livro (R. Calasso).

• Tendência à infantilização do leitor.

• Forte presença de livros voltados para os chamados “temas transversais”, ou que procuram transmitir “mensagens” que visam justificar a sua entrada nas escolas e que portanto atendem aos interesses do mediador e não do leitor final.

• Uso de muitos clichés e estereótipos na abordagem dos temas tanto no que se refere ao texto como às ilustrações.

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Prémios Limão 2010 | Recolha de Carla Maia

de Almeida

Algumas coisas incompreensíveis, delirantes, inanes ou de gosto duvidoso que foram dadas à estampa em 2010, com o pretexto de serem “para crianças”:

Prémio “a Ferreirinha dos pequeninos”

– Pode trazer mais uma garrafa disto?– Vinho do Porto?– Exactamente. Aqui o meu colega hipopótamo tornou-se apreciador.– Revela bom gosto – retorqui delicadamente. – O Vinho do Porto é um dos grandes orgulhos de Portugal.

(Francisco Moita Flores, As Aventuras de Maresia do Mar e Outras Histórias para Aprender)

Prémio “Vais acabar nas Novas Oportunidades, ai vais, vais”

Se António admirava os grandes campeões desportivos, não admirava menos os heróis das histórias e os escritores que tinham sido capazes de as inventar.– Ainda por cima – gabava-se o avô Francisco, à conversa com os amigos –, o miúdo também adora ler. Vamos lá a ver o que sai dali, porque ele, afinal, tem jeito para tudo.

(José Jorge Letria, A Magia do Círculo Azul)

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Prémio “O camisinha amarela”

[Útero]É resguardado e secretocom a lição aprendidapois é nele que começao mistério desta vida.E os espermatozóidesnele encontram ambientepara que a promessa de vidapossa enfim seguir em frente.

(José Jorge Letria, O Alfabeto do Corpo Humano)

Prémio “Puto, enriquece o teu vocabulário”

Deixem que lembre aindaO m de merda: dá tanto jeitoPara mandar alguns mm dos tais…E é nome escorreito:Vem no Morais.

(José Carlos de Vasconcelos, Arco, Barco, Berço, Verso)

Prémio “E se for só à expressão já vais com muita sorte”

– Vamos agora. Isto vai ser sem espinhas – disse o Tição sem perceber porque é que os outros não acharam graça à expressão.

(Luís Represas, A Coragem de Tição)

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Prémio “Assim também eu votava nas presidenciais”

Na cidade de Cata-vento viviam-se dias de grande agitação. Chegara a hora de escolher um novo Presidente que servisse com honra e inteligência toda a comunidade.

(Carmen Zita Ferreira, O Bicho-de-Sete-Cabeças – História de uma eleição democrática)

Prémio “Os malefícios do álcool e do tabagismo”

O António, que tinha tido todas as oportunidades na vida mas nenhuma cabeça para as aproveitar, acabou mal, precocemente envelhecido, com hábitos alcoólicos e sem saber fazer nada, porque nunca tinha aprendido nem querido aprender, e revoltou-se contra o mundo em vez de se revoltar contra ele próprio. Teve a sorte de ir parar a uma instituição social mesmo sem pagar a mensalidade.

(Maria de Belém Roseira, in Contos Pouco Políticos)

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Prémio “Depois de ler este livro também já bebia qualquer coisa”

O Riscas não precisou de pensar muito para formular o primeiro desejo, a viagem estava a ser cansativa e precisava de beber algo para seguir a caminhada. Sim, beber era de facto o primeiro desejo.Largar o grito seria o segundo e talvez o mais importante desejo.

(Sónia Borges, O Riscas)

Prémio “Conselhos aos meus amigos caçadores”

– Os homens são perigosos mas também são estúpidos, Ismael. Eles estão sempre a fazer barulho, estão sempre a falar uns com os outros e em voz alta, ao contrário de nós, coelhos. Depois, eles não sabem caminhar no mato silenciosamente: fazem sempre tanto ruído que, se estiveres atento, vais poder esconder-te antes que eles cheguem próximo de ti.

(Miguel Sousa Tavares, Ismael e Chopin)

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Prémio “Não estive em Woodstock, mas já fui ao Andanças”

Alana aproximou-se das outras ninfas e viu que elas estavam mais alegres. Cantavam com mais vigor, bailavam com mais energia, procuravam as essências mais activas, teciam grinaldas maravilhosas e túnicas delicadas e esvoaçantes…– A Primavera é como uma festa diária nos nossos corações, explicou a rainha das ninfas. – A festa da alegria e da cor!

(Alice Cardoso, Alana e a Festa da Cor)

Prémio "O problema é que os fios de lã se metem nos dentes"

A menina Adélia era amiga da sua avó e recepcionista do museu. Por ano produzia quilómetros e quilómetros de cachecóis de lã para ajudar meninos carenciados.

(Mariana Roquette Teixeira, O Pintor Desconhecido) – Prémio Branquinho da Fonseca/ Gulbenkian

Prémio "Sir Richard Attenbourough de sacristia"

Mas a verdade é que há cobras más, cobras boas e cobras mais ou menos boas e mais ou menos más. O mesmo acontece com os outros animais e também com as pessoas. E por isso devemos sempre olhar e ouvir com atenção, antes de dizermos se uma cobra, animal ou pessoa são maus ou são bons.

(Francisco Alegre Duarte, Joana Serpentina)

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A criança e o livroMaria Judite de Carvalho

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8 ideias erróneas sobre o que significa escrever para crianças | Ana Garralón

• Os meus filhos adoram as histórias que lhes contos ao deitar

Portanto, todas as crianças também vão gostar, certo? Isto aplica-se igualmente aos contos dos avós, aos professores que fazem o mesmo nas suas salas de aula, e quase a qualquer situação onde estamos com crianças, seja porque tem que ser (escola) ou porque eles precisam desse momento (os pais antes de dormir). Esse momento de cumplicidade absoluta e carinho não acontece tão espontaneamente quando a história é dada através do papel e outras crianças vão lê-la em situações completamente diferentes (numa biblioteca, numa livraria, um com um adulto a ler o livro). Na história espontânea há muita tolerância com as falhas na história, absurdos improvisados ou, simplesmente, sentimentalismo.

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• As histórias para crianças têm uma lição/mensagem.

É uma reivindicação antiga da pedagogia, a aprendizagem da leitura e a escola. Já que estamos aqui, porque não aprender qualquer coisa. Por esta razão pensa-se sempre na mensagem da história e tenta-se torná-la o mais clara possível. O literário? Ora, são pequenos, mais vale que saibam claramente o que é correcto e errado para reconhecê-lo na vida real. De acordo com este princípio, alguns autores, editores e professores premeiam livros onde se pode reconhecer claramente qual é a mensagem, onde estão os "valores" e como ler este livro vai ajudar a construir uma boa pessoa.

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• Escrever para crianças é mais fácil do que para adultos.

É claro! Eles têm menos vocabulário, sabem menos coisas e até podemos escrever com menos palavras. Basta juntar algumas pequenas coisas e temos uma história. Escrever as coisas de forma simples é, geralmente, mais difícil do que não ter que selecionar palavras ou níveis de leitura. Quando se ignora tudo isto, aparecem livros cheios de frases simples, muita acção, muito diálogo (para quê complicar com descrições), escassa experimentação e temas mais que mastigados.

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• Eu tenho uma grande ideia e preciso de um ilustrador.

Normalmente, uma ideia não é uma história. Repetimos: uma ideia não é uma história. É difícil fazer ver isto a escritores que querem adaptar um episódio, basear uma história numa piada ou, simplesmente, ter um momento de génio. Uma história tem muitas camadas, mesmo que não se vejam, e implica uma profunda reflexão sobre as personagens, situações de vida, tempo, espaço ... Por isso muitas pessoas pensam que o que eles precisam é um ilustrador para lhes desenhar o que a eles lhes falta. Mas se um ilustrador não tem o volume necessário na história, apenas poderá interpretá-la e reproduzi-la.

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• As crianças pensam de forma abstracta.

As crianças adoram a fantasia! Esta é uma ideia que leva muitos autores a negligenciar a verosimilhança. É uma festa, se os animais falam, tudo pode acontecer. Vamos a exemplos: uma menina que conversa à noite com seu travesseiro, uma criança cuja bicicleta a ajuda a evitar perigos, uma avó voadora, as letras de um livro que escapam para viver a sua própria aventura, etc. Em muitos casos, o autor nem se deu ao trabalho de justificar essa fantasia e, muito menos, pensar sobre o porquê das coisas acontecerem assim.

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• O livro infantil ideal tem acção, suspense e aventura.

Quando se lêem as contracapas dos livros lidos ficamos com a impressão de que um padrão se repete interminavelmente: por exemplo, alguma coisa que desapareceu (uma pintura num museu, uma criança, algo na escola) ou modificou o comportamento (a padaria fechou inexplicavelmente, uma menina de um gangue já não fala com as amigas) e o enredo gira em torno deste feito de suspense. Sucedem-se então as reuniões secretas, alvitram-se hipóteses, encontra-se a solução para o mistério. É uma excelente maneira de criar futuros leitores ... de policiais.

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• Sou contador de histórias e as histórias que invento são muito do agrado das crianças

Este ponto pode ser relacionado com o primeiro tópico, com a nota que, actualmente, existem muitos contadores de histórias que estão a publicar as suas próprias histórias, e até recebem prémios. O contador tem uma prática com estruturas narrativas que o favorece na altura de criar uma história. Mas um conto contado oralmente nem sempre funciona quando se passa a papel, e muito menos quando se ilustra. O espaço de imaginação que propõe o contador quando começa a sua história é completada por cada criança, de uma forma ou de outra e essa é a maravilha da tradição oral. Vê-lo num álbum, acompanhado da interpretação feita pelo ilustrador, diminui muitas vezes uma história com nuances e, normalmente, o texto fica reduzido a uma forma anedótica que nem sempre é compreendida.

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• Eu não sei contar histórias, mas tenho grande sensibilidade

Sim, e as crianças são seres com grande sensibilidade. Isto significa que vamos falar às crianças sobre a lua, as estrelas do mar, do vento e também as nuvens, porque são coisas cheias de romantismo e as crianças adoram momentos poéticos. E, neste caso, não precisamos de qualquer história, porque é ou não é verdade que falar sobre contemplar o céu estrelado, e escrevê-lo num livro, é uma ideia que lhes vai encantar? Não vamos ajudá-los a desenvolver a sua imaginação? Se acrescentarmos que não devemos fazer lixo na praia, temos o livro perfeito. Pois.

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SupõeAlastair Reid + Catarina Sobral

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O álbum em 5 questões

• O que é um álbum?

O álbum ou álbum ilustrado é caracterizado pela cumplicidade permanente entre o texto escrito e o texto visual.

Tanto o texto como a imagem participam na construção de sentido na obra. Esta relação pode ser complementar, contraditória, sobreposta, subordinada, etc.

Na cumplicidade entre estes dois tipos de linguagem são necessários dois trabalhos importantes: em primeiro lugar, a escrita do texto, embora alguns o excluem de todo, e, por outro lado, no álbum é fundamental o trabalho do ilustrador.

O nome e definição deste produto editorial é cada vez mais claro e difere de outros trabalhos que utilizam imagens apenas para ilustrar o que o texto diz, no caso do álbum a ilustração não está sujeita ao texto, assim como lemos o texto, também temos de ler as ilustrações, que contam o que não está escrito e estabelece uma comunicação com o leitor sobre o não explícito.

É necessário, portanto, ler texto e ilustração como um todo.

Como diz Uri Shulevitz (1980) “Um álbum não pode ser lido na rádio.”

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• É um género literário?

Trata-se de um genuíno e novo género dentro da literatura infantil que se desenvolveu com grande dinamismo desde os anos 60 na Europa e nos Estados Unidos.

Uma das razões do seu nascimento foi o desenvolvimento e avanço das técnicas de impressão, com as quais os ilustradores encontraram um caminho cheio de possibilidades para incorporar imagens de forma muito mais abertas e criativas nas histórias.

As características do álbum distinguem-no como um género único, porque são capazes de criar um clima emocional, produzindo um impacto sobre o leitor, acerca-se a outras linguagens (fotografia, cinema, pintura, etc.) e outras formas de narrar que não são puramente lineares, e provocam e buscam prazer estético chegando a tornar-se objetos culturais de elevado conteúdo artístico.

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• Quais são suas características?

A ilustração deve ser considerada como um texto já que é o resultado de uma série de decisões tomadas pelo criador na seleção de alguns símbolos em detrimento de outros, configura uma determinada mensagem em conjunto com a ilustração. Alguns autores distinguem na imagem dois tipos de símbolos: os icónicos e os plásticos. Os icónicos são aqueles que remetem para uma referência reconhecível.

Os símbolos plásticos apontam para os elementos que compõem a imagem e que lhe concedem um significado mais amplo no contexto em é revelada. Encontramos elementos tão diversos como:

O uso da cor

A luz da imagem

A textura

Os espaços

A perspectiva

Com estes elementos, a ilustração atinge o estatuto de metáfora, transporta mensagens implícitas e não só denota, mas também conota. Assim, a imagem aumenta, amplia e expande o significado do texto, aportando mais afetividade, ao imaginado, ao subconsciente, e ao pensado.

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A cuidada edição em que intervém o design, o tamanho da fonte, suporte material e composição gráfica.

Um álbum deverá ser sempre resultado de um trabalho de grupo: escritor, ilustrador, editor e designer gráfico.

O ritmo da narrativa no álbum envolve a dimensão física do livro. Os criadores têm em conta o tempo de passagem das páginas para marcar o ritmo narrativo e utilizam uma grande quantidade de recursos e "iscos" para convidar o leitor a parar ou a virar a página.

Também usam o tamanho da página para dispor de forma efectiva as ilustrações e o texto. A apresentação das páginas com molduras ou sem elas, são um elemento para criar aproximação ou distância com o leitor.

Muitas vezes, estes livros surpreendem ao incorporar questões atuais espelhando a cultura do nosso tempo.

A leitura de um álbum provoca o espírito crítico, apresenta problemas que não procuram a evasão da realidade, mas que claramente expõem temas muitas vezes difíceis, mas apresentados com seriedade e profundidade, sem perder o prazer da leitura.

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• Qual o público-alvo?

Muitas vezes, a beleza de um álbum é tal que não só o desfruta a criança, mas também jovens e adultos.

O álbum cativa adultos quando percebem que este tipo de obra tem vários níveis de leitura e que pode ser interpretada de forma diferente por um adulto e uma criança. Em muitas ocasiões, o texto ou imagem piscam o olho ao adulto apelando à sua experiência, mas acima de tudo contribuindo com elementos que permitem uma leitura partilhada e enriquecida por mais novos e mais velhos.

"Um álbum bem feito, então, é um álbum que terá algo a dizer, ou fazer descobrir, despertar emoções e reações a uma criança e um adulto." Odette Michel

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• Quais as suas possibilidades?

Dada a forma atractiva como o álbum apresenta as histórias ao leitor, outorgando um lugar central às ilustrações, apresenta-se como uma excelente ferramenta para fomentar a leitura entre crianças e jovens.

Os álbuns são um recurso valioso para pequenos e futuros leitores: a sua extensão torna-os perfeitos para contar uma história completa num curto espaço de tempo; para além disso as crianças também podem descodificar a história sem dominar o código escrito, tendo antes sido lido por um adulto, é uma motivação porque se sentem já leitores.

A abordagem dos jovens com este material significa também um desafio para os professores, os quais terão de estar receptivos a novas opções de trabalho e avaliação de leitura. Uma leitura "não-tradicional" requer, por sua vez, uma avaliação "não-tradicional", onde o que é avaliado não é a capacidade de repetir o conteúdo, mas a capacidade de desvendar e compreender significados.

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No caso dos álbuns ilustrados, os significados procuram-se através da imagem, que tem grande capacidade de definir o tom e registo da narração, e da sua cumplicidade com o texto, provocando interpretações diferentes da mesma história.

O álbum é uma ferramenta educacional importante que pode ser usado em diferentes níveis e sectores de aprendizagem.

Alguns álbuns são meios para fazer o leitor pensar e refletir, a sua leitura leva a um debate interpretativo e a argumentos sobre temas difíceis de tensão social ou simplesmente aproxima-nos de nós próprios através da discussão do outro.

Muitos professores começam as suas aulas com a leitura de um álbum, de um poema ou de um pequeno texto informativo ou de ficção.

O álbum ilustrado é, sem dúvida, uma excelente oportunidade para o diálogo e leitura.

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Alguns tópicos para uma melhor escolha Yolanda Reyes

• TextoQuem é o escritor? Não é difícil encontrar num supermercado livros anónimos assinados por multinacionais. Como em qualquer literatura, um verdadeiro escritor de livros para crianças garante o que escreve com a sua assinatura. No entanto, um nome conceituado nem sempre é garante de um texto desafiador e inteligente.Interessa construir as nossas referências e construir uma equipa que funcione para nós, mas nunca perdendo o sentido crítico face às nossas preferências.

• Ilustração e designNos álbuns ou livros ilustrados, a ilustração é uma linguagem tão válida quanto o texto. Aprenda a diferenciar "desenhos" de uma ilustração com caráter e estilo próprios. (Aqui também, a assinatura de um ilustrador é uma garantia de que alguém está por trás desse trabalho.) Estamos a educar o olhar de uma criança. Cuidado com os estereótipos: o sol com rosto feliz ou a típica casinha triangular. Queremos uma ilustração que não se limite a repetir o que dizem as palavras, mas que as amplie, que brinque com elas; que proponha novas leituras; que deixe um espaço para a imaginação. Como diz Kveta Pacovska “Um livro ilustrado é a primeira galeria de arte que uma criança visita.”Também o design é um factor importante na hora de escolher. Repare no formato do livro, na paginação do texto, a relação com as ilustrações, fonte escolhida, tamanho, tudo o que contribui, ou não, para o equilíbrio na convivência de todos os elementos.

• A editoraAlém do nome, verifique a cidade, o ano da publicação, o nome do tradutor etc. Desconfie se essas informações não estiverem explícitas. Vire as páginas; leia a capa e a contra capa. Aí encontrará dados sobre o livro e o seu autor que lhe darão as primeiras pistas. Visite os sites das editoras e tente avaliar a coerência estética e literária do seu catálogo.

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• Original ou adaptação?

No caso dos contos de fadas, das histórias de tradição oral ou dos clássicos, o livro deve dizer se é uma adaptação ou uma versão original. É diferente ler o Capuchinho vermelho de Perrault ou dos irmãos Grimm a ler uma adaptação, onde sepode ter perdido a força da linguagem e a carga simbólica das imagens. Cuidado também com os romances simplificados. Alice no país das maravilhas, de Carroll, Pinóquio, de Collodi, Peter Pan, de Barrie são novelas complexas e belas e devem ser lidas no seu devido tempo. Ler essas obras resumidas em continhos de poucas páginas é como ler A Odisseia num resumo de escola. É melhor que a criança possa desfrutar de toda a riqueza da obra quando crescer um pouco mais. Desconfie, também, dos clássicos para adultos em versões infantilizadas. Virá, no devido tempo, o momento de desfrutar a verdadeira voz de Shakespeare ou Cervantes.

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• Idade sugerida

A maioria dos editores oferece sugestões de idade. Pode levar em conta essas recomendações, porém enriqueça-as com os seus critérios. Existem livros para todas as idades; há outros sem idade. Além disso, nem todos os processos leitores são os mesmos. A idade cronológica de um leitor é apenas uma das variáveis. Confronte sempre a sugestão da editora com o seu conhecimento de quem vai receber o livro.A indicação das faixas etárias nos livros não tem a menor importância quando é o jovem leitor que escolhe. Livros indicados pelas editoras para o leitor iniciante, por exemplo, foram escolhidos, lidos e apreciados por leitores fluentes e críticos. Assim como o inverso também ocorre. Um bom livro ilustrado pode direcionar-se a qualquer tipo de leitor, de qualquer faixa etária.

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• Não confundir obra literária com livro didáctico

Assim como nós procuramos muito mais que ensinamentos explícitos quando lemos um romance de García Márquez, a criança procura na literatura muito mais que um ensinamento moral. A literatura move-se na esfera do simbólico e apela à experiência profunda dos seres humanos. Desconfie das mensagens explícitas e das morais óbvias. O mercado está cheio de livros infantis que "disfarçam" – sob o título de "conto" – as intenções didáticas dos adultos.

Aprenda a diferenciar os manuais de auto-ajuda das obras literárias. A literatura não pretende explicar valores, letras do alfabeto, regras de educação ou mensagens ambientais. Leia nas entrelinhas e não escolha um livro só pelo seu tema, mas pela sua forma e pela maneira como um autor constrói uma voz e um mundo próprios. Desconfie dessa linguagem pseudo-infantil, cheia de diminutivos e de histórias light, onde os protagonistas são tão perfeitos como ursos de peluche. (A criança vai ser a primeira a "não engolir a história".) Os livros infantis podem ser atrevidos, transgressores, irreverentes, subtis, inteligentes, tristes... Todas essas nuances, que constituem a infinita variedade da experiência de um ser humano, alimentarão o mundo interior das crianças e darão-lhes as chaves secretas para desvendar muito sobre sua própria vida e sobre as emoções, sonhos e pesadelos sobre fantasia e realidade.

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• Envolver as crianças

A importância crucial da troca de opiniões aberta e sem preconceito por parte dos adultos depois da leitura. Troca que pressupõe uma escuta atenta e respeitosa das opiniões dos leitores.Leve as crianças a bibliotecas públicas e livrarias. Leia com elas e acompanhe- -as no seu processo de crescimento como leitores. Acredite na palavra da criança, mas ao mesmo tempo, ofereça ferramentas para que possa ir educando os seus critérios. Na medida em que uma criança tem contato com literatura de qualidade, ela irá refinando a sua sensibilidade e tornando-se cada vez mais exigente. Nem sempre o que é fácil, o que está na moda ou o que está no topo da lista dos "mais vendidos" é o melhor. Dê liberdade de escolha, mas ofereça, também, a riqueza de sua experiência como leitor adulto. E não queira acertar sempre. Ler é também enganar-se.

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• Manter-se actualizado

O campo da literatura infantil é enorme. Muitos autores, ilustradores, géneros e tendências que não conhecemos quando éramos crianças têm enriquecido enormemente as opções de leitura. Não fique limitado ao que você leu na infância. Aproveite as crianças para descobrir novas obras e não pretenda conhecer tudo. Procure um livreiro ou bibliotecário que conheça literatura infantil. Consulte as listas de livros recomendados, as publicações sobre o assunto e as instituições que promovem a leitura. Vai surpreende-se com as descobertas e encontrará livros, não só para ler com os seus filhos ou alunos, mas também para si.

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• O que seduz cada leitor é um segredo. Não há receitas preestabelecidas e, por isso, aposte na diversidade com qualidade em todos os sentidos.

• Livros difíceis e impenetráveis? Temas pouco infantis? Nonsense? Imaginação pura? Essas barreiras são erigidas pelos adultos; para os jovens leitores nada disto é um problema. Num clima de liberdade, as crianças acabam por escolher os livros reconhecidamente mais “difíceis” e complexos, tanto no que se refere ao texto, como às ilustrações.

• Há uma sagacidade e rapidez na percepção de detalhes e meandros de uma história por parte dos pequenos leitores, que, muitas vezes, o adulto demora a perceber.

• É crucial o papel de um bom mediador, aberto e capaz de seguir o voo dos jovens leitores, de se surpreender e aprender com eles.

• A história leitora pessoal, o itinerário leitor, a formação de repertório e a aquisição de referências e parâmetros são a base da construção de um futuro leitor literário.

• A importância do humor como recurso que aposta na inteligência do leitor.

• Acima de tudo, como diz Cecilia Bajour, devemos optar pela "escolha de textos vigorosos, abertos, desafiadores, que não caiam na sedução simplista e demagógica, que provoquem perguntas, silêncios, imagens, gestos, rejeições e atrações.

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Por uma literatura sem adjetivos | Teresa Andruetto

Um escritor que produz um livro atrás do outro e que se encontra, ao final dos anos, com o que poderíamos chamar de uma obra (ou seja, certa quantidade de títulos editados, vendidos, talvez recomendados ou até premiados), supõe-se que tenha um programa de escrita e consciência de suas ferramentas. Por isso chama a atenção a falta de consistência, o nada que parece respaldar a obra de muitos escritores para crianças, convertendo, então, a escrita em infantil (a escrita, não o destinatário), um adjetivo que se voltou contra o substantivo, absorvendo sua riqueza. Ao longo dos anos em que trabalho nesse campo, percebi resistência de muitos escritores diante da crítica e dos estudos académicos. Essa resistência esconde, creio, certo medo da discussão de ideias e da revisão das produções.

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Devemos lamentar, entretanto, que essa crítica seja débil em relação à quantidade de agentes que a desenvolvem e que muitas vezes se manifeste tímida perante o avanço da publicidade e do mercado, como também é de lamentar que esse olhar crítico não ocupe ou ocupe pouco lugar nos meios de circulação de massa e fique, assim, limitado a certos pequenos âmbitos de estudo. Se fosse de outro modo –– de um modo que, espero, chegue mais cedo que tarde ––, não teriam prosperado tantos livros de má qualidade e seus potenciais compradores (sejam eles pais, professores ou instituições) teriam sido melhor e mais orientados em direção a livros de qualidade literária e estética.

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Porque a literatura de um país não é feita só com escritores, mas também com pesquisadores, formadores e críticos, e, sobretudo, é feita, com leitores que, dialogando com as obras já escritas, vão construindo uma obra para o futuro. Trata-se de uma construção social que tem a ver com entender a literatura de um país como a imensa tarefa de uma sociedade que, escrevendo, estudando, questionando, difundindo, lendo ou ignorando o escrito vai fazendo a obra de todos.

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E para quê ler? Para quê escrever? Depois de ler cem, mil, dez mil livros na vida, o que se terá lido? Nada. Ou seja: eu só sei que não li nada, depois de ler milhares de livros, não é um acto de fingida modéstia: é rigorosamente exacto(...) Mas não é talvez isso, exactamente, socraticamente, o que os muitos livros nos deveriam ensinar? Ser conscientemente ignorantes, com plena aceitação. Deixar de ser simplesmente ignorantes, para chegar a ser ignorantes inteligentes.

Talvez a experiência da finitude seja o único acesso que temos à totalidade que nos chama, e nos perde, com desmedidas ambições totalitárias. Talvez toda a experiência de infinitude seja ilusória, se não é, precisamente, uma experiência de finitude. Talvez, por isso, a medida da leitura não deva ser o número de livros lidos, senão o estado em que nos deixam.

Que importa ser culto, estar actualizado ou ter lido todos os livros? O que importa é como se anda, como se vê, como se age, depois de ler. Se a rua e as nuvens e a existência dos outros têm algo a dizer-nos. Se ler nos faz, fisicamente, mais reais.

in Livros de maisLer e publicar na era da abundância Gabriel Zaid

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Algumas referências a explorar

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Formação

Pós-graduação em livro infantil pela Universidade Católica

Mestrado em livros e literatura infantil Universidade Autónoma de Barcelona