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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO “JAÚ EM RITMO DE BAILE” RECONSTITUIÇÃO JORNALÍSTICA DA HISTÓRIA DAS ORQUESTRAS CONTINENTAL E CAPELOZZA DE JAÚ LUÍS HENRIQUE MARQUES ORIENTADOR: MURILO CÉSAR SOARES Projeto experimental apresentado ao Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - para obtenção do grau em Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo de acordo com a Resolução número 002/84 do Conselho Federal de Educação. Bauru, 1991.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE ARQUITETURA, ARTES E COMUNICAÇÃO

“JAÚ EM RITMO DE BAILE”

RECONSTITUIÇÃO JORNALÍSTICA DA HISTÓRIA DAS ORQUESTRAS

CONTINENTAL E CAPELOZZA DE JAÚ

LUÍS HENRIQUE MARQUES

ORIENTADOR: MURILO CÉSAR SOARES

Projeto experimental apresentado ao Departamento de Comunicação Social da Faculdade

de Arquitetura, Artes e Comunicação - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita

Filho” - para obtenção do grau em Bacharel em Comunicação Social, habilitação em

Jornalismo de acordo com a Resolução número 002/84 do Conselho Federal de

Educação.

Bauru, 1991.

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Orientando: Luís Henrique Marques

Orientador: Murilo César Soares, do Departamento de Ciências Humanas da Faculdade

de Arquitetura, Artes e Comunicação - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita

Filho” - campus de Bauru

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Agradecimento

A todos que colaboraram com este trabalho, em especial ao professor Murilo, pelo

entusiasmo com que se dispôs a orientar-me e aos ex-integrantes das orquestras por tudo

que aprendi com cada um deles.

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A minha família, em especial, aos meus pais, Bruno e Carmem.

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Índice

1. Introdução ..............................................................................................................

2. Jaú em um retrato dos anos 50 ..............................................................................

2.1 A “Terra das Tradições” ......................................................................................

2.2 A Intensa vida cultural ........................................................................................

3. Música: o que há de melhor entre as tradições do Jahu ........................................

3.1 Jazz-band: um produto “made in USA” ..............................................................

3.2 Tudo começou... ..................................................................................................

3.3 A cada apresentação, aumenta a popularidade ....................................................

3.4 Lps: uma nova experiência ..................................................................................

3.5 Dificuldades comprometem o futuro ...................................................................

4. “Tunin e Dante” ....................................................................................................

5. “Sabu” ...................................................................................................................

6. “Roberto Pavan” ....................................................................................................

7. O Baile ...................................................................................................................

8. “Waldomiro de Oliveira” ......................................................................................

9. “Danilo Fornalé” ...................................................................................................

10. “Constante Ometto” ............................................................................................

11. Jaú: a música hoje ...............................................................................................

12. Relatório sobre a reportagem “Jaú em ritmo de baile” .......................................

13. Bibliografia ..........................................................................................................

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INTRODUÇÃO

Cobrir uma lacuna na história de Jaú pode parecer muita pretensão. Mesmo assim,

é precisamente esse o intuito dessa reportagem.

As Orquestras Continental e Capelozza de Jaú (SP), cujo período de existência

data, aproximadamente, de 1940 a 1970, alcançaram um surpreendente sucesso junto ao

público do Estado de São Paulo e de, pelo menos, mais cinco Estados do Brasil. Porém,

hoje em dia, pouca gente sabe disso, sobretudo entre os mais jovens.

É fato que pouco se tem organizado e arquivado acerca das duas orquestras,

autênticos patrimônios histórico-musicais de Jaú.

Desse modo, este trabalho de reportagem visa cobrir essa lacuna, tornando-se o

primeiro material organizado, a contar, em linguagem jornalística, a história das jazz-

bands Continental e Capelozza.

A reportagem que se segue tem ainda como objetivo servir de subsídio para

estudos futuros, não só em relação a história das próprias orquestras, bem como em

relação ao significado social do baile nesse período, de 1940 a 1970.

E é claro, apesar de se tratar de um trabalho jornalístico, portanto, crítico, não

deixa de ser uma homenagem aos antigos músicos e ex-integrantes da Capelozza e

Continental.

É fundamental que, pelo menos, se cite e agradeça a colaboração de todos os

músicos e outras pessoas (o público da época) que, por razões técnicas, não mereceram

um espaço maior nesta reportagem. Gostaria de poder citá-los todos. Entretanto, é

inevitável que se deixe alguém de lado. Afinal, muita gente passou pelas orquestras de

Jaú. Gente que é viva e mora na cidade, mas também muitos que já faleceram ou que,

atualmente, não moram mais em Jaú. A todos, obrigado e também minhas desculpas se

cometi alguma injustiça.

Mexer com o passado, como ficará demonstrado, é mexer com as tradições e

costumes antigos. Portanto, existe uma grande diferença entre mim e os meus

entrevistados. Trata-se de nada menos que algumas décadas... Contudo, quando se

entrevista alguém, como se acostuma afirmar na gíria, é preciso “entrar na dele”. Só é

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possível entender alguém para depois questioná-lo, se se entender o porquê de sua forma

de pensar. Por isso, procurei mergulhar no passado para poder compreender melhor essas

pessoas.

E o fruto desse trabalho, nesses moldes, não se resume a apenas uma boa

reportagem. Nem aprende-se a ver o quão atrasadas, sob certos aspectos, eram as pessoas

nos anos 50. Aprende-se, portanto, a ver também o que tinham de positivo. Parece óbvio,

entretanto, ver o positivo nas coisas não é uma atitude comum nos nossos dias. E não

seria isso, por um acaso, o que está faltando, hoje, à imprensa em geral?

o AUTOR

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JAÚ EM UM RETRATO DOS ANOS 50

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15 de agosto de 1953. Já se passaram 100 anos desde que foi rezada a primeira

missa na pequena capela dedicada à Nossa Senhora do Patrocínio, a partir de então,

padroeira da cidade que estava nascendo.

Jaú ou o Jahu, como preferem os mais antigos, está diferente. Cresceu... mas nem

tanto.

Capital do Calçado Feminino, Capital da Terra Roxa, Terra de João Ribeiro de

Barros. Títulos não faltam. O jauense parece gostar dessas coisas. Talvez a sua marca

registrada seja, precisamente, o culto ao passado e seus heróis.

E aqui reside um desafio: descobrir em meio a tantos adjetivos e superlativos o

que existe de mais substantivo na história de duas “personagens ilustres do Jahu”: as

Orquestras Continental e Capelozza.

Como que por etapas, caro leitor, observe melhor essa cidade. Após 100 anos de

fundação, Jaú, apesar de inegáveis progressos que sua privilegiada situação econômica

tem proporcionado a sua população até aqui, em certo sentido, não evoluiu muito.

Por outro lado, com apenas quarenta mil habitantes (incluindo o Distrito de

Potunduva), ela dispõe de benefícios de deixar muita cidade grande deste País de queixo

caído: foi uma das primeiras cidades do Brasil a contar com iluminação elétrica,

pavimentação de ruas e praças e sistema de ligação automática dos serviços telefônicos.

A base econômica que lhe permitiu esse e outros privilégios em sua infra-estrutura foi o

plantio de cana-de-açúcar e do café, além da indústria do calçado, especificamente, o

calçado feminino. Por isso, recebeu os títulos de Capital do Calçado Feminino e Capital

da Terra Roxa (solo propício, sobretudo, para a cultura do café).

Agora, do que o povo jauense parece gostar mesmo é do título de Terra de João

Ribeiro de Barros. Não há quem não estufe o peito e encha a boca ao narrar a façanha do

aviador jauense, o primeiro a atravessar o Oceano Atlântico em um avião. Um ato

heróico, sem dúvida, principalmente se o leitor der uma espiada no hidroavião “Jahu”,

exposto no Museu da Aeronáutica, em São Paulo. Como alguém poderia voar em um

negócio daqueles?

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“Terra das Tradições”

O sentimento ufanista é uma provável conseqüência da rígida e tradicional

maneira de agir e pensar desse povo. Há outras, contudo.

Observe agora, um pouco desse comportamento. Para começar, dê uma olhada

como, nessas bandas, se encara o namoro. Só pra dar uma primeira idéia: pegar na mão,

só depois de seis meses! Beijar então, de cara, nem pensar! Chegar tarde em casa, fora de

cogitação! Se a moça não quiser ficar pra fora de casa (com exceção aos dias de baile),

ela deve entrar, impreterivelmente, às dez da noite! (Hoje, em dia, em pleno final do

século 20, não dá pra imaginar uma coisa dessas!...)

Mas, um momento! Pode parecer que só em Jaú as coisas sejam assim, o que não

é verdade. Trata-se de um comportamento comum a toda a sociedade brasileira, cuja base

é a família patriarcal, envolvida por um forte sentimento religioso. Afinal, estamos nos

anos 50!

E quanto ao preconceito racial? Não, ele não existe. Pelo menos é o que querem

demonstrar as pessoas. Sabe como é: “cabeça aberta” dá uma boa imagem... E isso o povo

adora. É, mas, na realidade, a coisa é bem diferente... Quem não ouviu falar que, em Jaú,

na Praça da República (o Jardim de Cima), brancos e pretos não circulam pelo mesmo

lado? Na verdade, os pretos nem chegam a andar na praça propriamente dita. Restringem-

se às suas calçadas laterais. Os negros, inclusive, possuem um clube só deles. O baile no

“Luiz Gama” é contudo, apreciado por todos, brancos e negros. Mas o preconceito

sobrevive. Talvez cada vez menos em atitudes externas, mas, com certeza, na cabeça das

pessoas: “Preto quando não suja na entrada, suja na saída”.

E isso não é tudo. Mais que a cor, o que realmente conta é se você é filho (ou pelo

menos parente) do fulano ou do ciclano de tal. Sim, porque a partir daí é que você pode

ter uma noção mais precisa de quanto você é mais ou menos valorizado na cidade. Se

você tem o nome da família tal, você tem mais valor, seja porque essa família tem

dinheiro, seja porque tem prestígio político. Ou como acontece, em geral, porque tem os

dois.

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As famílias ricas, defensoras da tradição, moral e bons costumes, permanecem de

mãos dadas com o poder público e religioso (quando não se confundem com os mesmos)

e ditam a ordem social vigente, bem como os modelos sociais a serem seguidos. Um dado

complementar: a maioria esmagadora dos habitantes é cristã, de confissão católica

romana.

Os exemplos que tecem esse quadro seguiriam longe. Cito apenas mais um. Para

cada classe social, existe um clube recreativo: o “Jaú Clube” para os ricos; o “Aero

Clube” e o “Grêmio Paulista” para a classe média, e o “Clube Dansante Operário” (1)

para os mais pobres. É evidente que essa divisão não é precisa. Contudo, o que importa é

notar o quanto ela pode determinar o comportamento social. Por exemplo: um jovem de

família rica até pode ir ao baile no “Operário”, mas isso não iria pegar muito bem...

Talvez, nesse sentido - o de estar atrelada a tradicionalismos e preconceitos -, é

que Jaú não tenha evoluído tanto nesses últimos 100 anos.

Intensa vida cultural

Dando uma folga às tradições, é possível notar evidentes qualidades no povo de

Jaú. Essa pequena cidade do interior paulista, 341 quilômetros distante da capital São

Paulo, é um aquecido centro de manifestações culturais. Independente quanto tais

manifestações são ideologicamente válidas ou não, o que é importante constatar é que são

muitas e variadas. Um dado, no mínimo interessante, se o compararmos ao porte de Jaú.

É José Fernandes (2) quem descreve esses dados de forma minuciosa: “Há dois

cinemas, sendo o Cine-Jaú, o principal, pois funciona em grande edifício de propriedade

da Empresa Teatral Pedutti, com capacidade para cerca de duas mil pessoas. O outro é o

Acadêmico, com amplo salão para espetáculos teatrais e conferências”. A cidade conta

ainda com: Casa da Cultura, Clube de Amadores Fotográficos, Clube de Xadrez, a

Corporação Musical “Carlos Gomes” (3), o Conservatório Jauense de Música, um núcleo

da Associação Paulista de Escritores, além de 10 bibliotecas, 4 das quais localizadas em

escolas.

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Sobre a imprensa e rádio, Fernandes escreve: “Há na cidade dois jornais diários: o

‘Comércio do Jahu’ e o ‘Correio da Manhã de Jaú’. A difusora local, a PRG7 que irradia

em onda 1010 kcs, foi instalada em 1934”. (4)

No esporte, o futebol é a modalidade privilegiada. Além do Esporte Clube XV de

Novembro (profissional), que conta com estádio próprio, o “Arthur Simões” (5), cuja

capacidade é para 12 mil pessoas, Jaú possui vários clubes amadores. Os principais são

A. A. Palmeiras, A. C. Guarani e o A. C. Gráficos.

Tudo isso mais as orquestras Continental e Líder. (6)

Notas (1) Observe que a grafia da época para dançante era feita com “s” e não com “ç”, como atualmente se utiliza. (2) FERNANDES, José. Vultos e fatos da História de Jaú. Edição conjunta extraordinária do Correio da Noroeste, Correio da Capital, Correio de Garça, comemorativa do centenário de Jaú, São Paulo, 1955. (3) A Corporação Musical “Carlos Gomes”, uma banda de coreto, no ano de 1991, portanto, por ocasião da elaboração deste trabalho, completou 100 anos de existência. (4) A rádio emissora PRG7 a que refere-se o texto é a Rádio Jauense AM, em funcionamento até hoje. (5) O estádio do E. C. XV de Novembro de Jaú, “Arthur Simões” foi substituído pelo atual, “Zezinho Magalhães”. (6) Líder Orquestra foi o nome que recebeu a orquestra fundada pelos irmãos Capelozza logo após o seu retorno a Jaú, a qual, depois, passou a se chamar Capelozza e sua Orquestra.

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A MÚSICA: O QUE HÁ DE MELHOR ENTRE AS TRADIÇÕES DO JAHU

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Vaidades a parte, é quando a noite de sábado se aproxima que a cidade parece se

inebriar de um clima novo, diferente. É quando as pessoas demonstram seu lado poético,

romântico. Sábado é dia de baile e, precisamente por isso, tudo parece mudar...

Na pomposidade do “Jaú Clube” ou na simplicidade do “Operário”, o baile em

Jaú parece conduzir magicamente as pessoas ao mundo dos sonhos. Alguém chamou essa

fase de “anos dourados”. Para os jovens, moças e rapazes, é o que parece: esses anos 50,

devido ao romantismo, são chamados os “anos dourados”.

E o baile é o momento romântico por excelência. Agora, enquanto os jovens

dançam “sobre as nuvens”, tem gente que dá um duro danado para fazer do baile esse

momento especial. Cabe aos músicos da orquestra (a jazz-band) garantir, através da

suavidade de suas notas, esse clima que envolve o público.

Jazz-band: um produto “made in USA”

Jazz-band, crooner, fox-trote, ok! A influência norte-americana era descarada. O

que não é de se espantar. Afinal, não era a primeira vez que os Estados Unidos da

América ditavam moda ao mundo. E o Brasil, como não poderia deixar de ser a um país

subdesenvolvido, foi na onda. Depois do surgimento, em 1912, das primeiras orquestras

americanas do tipo jazz-band, o Brasil aderiu a moda, em definitivo, a partir da década

seguinte.

É certo que o sentimento nacionalista que envolvia o brasileiro nas décadas de 50

e 60 procurou compensar essa influência estrangeira, por exemplo, no repertório das

orquestras, com a introdução de um produto nacional. Assim, o samba e o samba-canção

passaram a conviver pacificamente com o jazz, o fox, o tango, o bolero, o mambo, a valsa

e outros ritmos importados.

Desse modo, a jazz-band, uma “orquestra de origem dos negros norte-americanos,

caracterizada pelo ritmo sincopado de sua música e pelo papel desempenhado pela

improvisação”, como define Sérgio Ricardo S. Correa (1), no Brasil, sofreu algumas

modificações.

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A principal delas foi exatamente a incorporação do samba ao seu repertório, o que

justificou a presença do pandeiro junto aos demais instrumentos básicos da jazz-band:

metais (sax, pistão e trombone), piano, guitarra, contra-baixo e bateria. O próprio samba,

por sua vez, sofreu influências de modo a adaptar-se a maneira de tocar da jazz-band.

“Criado para as orquestras de dança de salão, o samba-canção, entregue ao semi-

eruditismo dos orquestradores, foi progressivamente amolengando o ritmo até

transformar-se, no decorrer da década de 1940, na pasta sonora que o confundiu por vezes

com o bolero (samba “Risque”, de Ari Barroso, por exemplo)”. (2)

A febre das jazz-bands, como define o crítico de música José Ramos Tinhorão,

chegou ao Brasil e como uma epidemia infestou todo o interior paulista. De fato, de lá,

surgiram várias orquestras e algumas de sucesso surpreendente, como a Laércio de

Franca, Pedrinho e sua Orquestra Guararapes, Orquestra Nelson de Tupã, Orquestra de

Jasson e outras.

E Jaú não ficou atrás. Terra de tradições arraigadas e claramente influenciada por

modismos estrangeiros, a cidade teve o seu nome projetado muito além de seus limites

através de duas jazz-bands de sucesso: Continental e Capelozza.

Tudo começou...

Fundada pelos irmãos Amélio e Plácido Antonio Capelozza, em 1940 (o seu

primeiro baile data de 7 de setembro de 1940, no “Jaú Clube”), a Continental ou como

ficou inicialmente conhecida, a Orquestra Típica Continental, tornou-se um patrimônio

musical da cidade. No começo, sua formação se constituía de três sax, dois pistões,

trombone, violão, bateria e crooner.

Quatro anos após a fundação da Continental, os irmãos Capelozza resolveram

deixar a cidade para ir trabalhar em uma marcenaria com um tio, em Marília.

A orquestra passou a ser dirigida por José Ayello e Antonio Waldomiro de

Oliveira. O primeiro, pistonista, havia deixado o trabalho no circo para tocar na

Continental. Cuidava da direção musical. “As bandas de circo eram quem revelavam os

músicos para as orquestras da época e assim, todo circo que aportava em Jaú era

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obrigatoriamente visitado pelos músicos. Se houvesse alguém bom, recebia o convite

para aqui ficar”. (3) O segundo, crooner, passou a cuidar da parte administrativa da

orquestra: fechava os contratos para bailes, providenciava alojamento para o pessoal,

alugava condução para as viagens, etc.

A partir de 1948, após votação dos 11 músicos, Waldomiro de Oliveira foi

escolhido diretor da Continental, função que exercera até o fim da orquestra.

Praticamente nesse mesmo período (fins de 1948 e início de 1949), os irmãos

Plácido Antonio (Tunin) e Amélio Capelozza, depois do insucesso com a marcenaria em

Marília, resolveram voltar a Jaú e fundaram a Líder Orquestra. Com eles, veio o crooner

Sabu.

Além de provenientes do circo, os músicos contratados pelas jazz-bands vinham

de orquestras de outras cidades. A troca de músicos entre orquestras era um fato comum.

Em geral, tratavam-se de amadores e semi-profissionais. No caso da Continental, a partir

de 1955, quando viveu seu auge, os músicos eram inteiramente profissionais; viviam

exclusivamente dos rendimentos da orquestra. Alguns, inclusive, chegaram a ser trazidos

do Rio de Janeiro por Waldomiro de Oliveira.

Entretanto, nesse mesmo período, a Capelozza (surgida no lugar da Líder

Orquestra, que quebrara), pelo contrário, mantinha em sua formação, praticamente

músicos amadores e semi-profissionais. Isso signficava que todos tinham outra profissão,

mesmo que, em alguns casos, possuíssem o registro de músico profissional. Esse registro

era expedido, até 1960, pela Polícia do Estado de São Paulo, o que depois passou a ser

feito pela Ordem dos Músicos do Estado. Assim, entre os músicos da Capelozza,

encontravam-se marceneiros, relojoeiro, comerciário, frentista de posto de gasolina,

funcionário público e assim por diante. Nota-se que, em geral, tinham como trabalho

principal um ofício, além de serem pais de família e terem origem humilde.

Dificilmente, encontrava-se entre eles alguém com curso superior. Apesar disso,

em geral, haviam estudado música (via aulas particulares ou em conservatório) durante

anos e dentro de um esquema disciplinar rigoroso. Primeiro e invariavelmente, a teoria.

Só depois de um bom tempo é que se pegava no instrumento.

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Como foi constatado por Luiz Augusto Milanesi através de pesquisa realizada em

Ibitinga, interior de São Paulo (4), também em Jaú o gosto pela música foi marcado por

uma forte influência de antigas famílias de imigrantes italianos: Senise, Fornalé,

Capelozza e outras. Influência que se dava quase sempre em nível familiar: o pai ou o tio

já era músico e, do convívio, nascia o interesse em aprender música.

O rigor e disciplina com que se aprendia a tocar era naturalmente transportado

para o trabalho na orquestra, o que, apesar do amadorismo, lhe garantia um desempenho

profissional: não se tocava de ouvido e sim, somente através de partituras, as quais eram

compradas de arranjadores profissionais de São Paulo. Nesse aspecto, a Continental foi

mais longe. Sob a direção de Waldomiro de Oliveira, chegou não só a comprar arranjos

de maestros norte-americanos famosos da época (Tommy Dorsy, Benny Goodman) como

passou a contar com arranjadores entre os seus próprios integrantes: os pistonistas Tite,

Danilo e Luiz, o pianista Charles, o guitarrista Lima e o saxofonista Romeu.

A cada apresentação, aumenta a popularidade

Para o profissional de música, me dizem ex-integrantes das orquestras, dava para

viver, enquanto que para o amador o cachê representava um acréscimo razoável ao

próprio orçamento.

As orquestras, em geral, funcionavam sob a forma de cooperativas. A Continental

seguiu a regra geral: “Depois de pagas todas as despesas, o dinheiro arrecadado em um

baile era fraternalmente dividido - na verdade, o único que ficava com a parte menor era o

pandeirista - e uma pequena quantia ia para o caixinha”. (5)

Na Líder Orquestra, o sistema de administração dos lucros e de direção era o

mesmo. Porém, os irmãos Capelozza, a um dado momento, propuseram aos demais

músicos comprar a parte de cada um no patrimônio da orquestra, de modo centralizar a

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direção da mesma em suas mãos. A partir de então, a Líder Orquestra passou a se chamar

Capelozza e sua Orquestra.

Com a popularidade crescente, as orquestras de Jaú passaram a ganhar também em

prestígio, não só junto ao público, como também junto ao meio musical. Havia finais de

semana em que eram solicitados por 3 ou 4 clubes diferentes (isso para uma mesma noite

de sábado). Num jornal regional de 1975, lê-se: “Não há cassino, estância hidro-mineral

ou hotel famoso em que não se tenha apresentado a Continental de Jaú nos seus principais

bailes”. (6)

O critério de escolha de um baile variava entre o clube que pagava melhor ou a

cidade que ficava mais próxima. Em períodos de carnaval, considerava-se sobretudo esse

último critério, uma vez que as orquestras chegavam a se apresentar até 4 vezes num

mesmo final de semana.

A Continental chegou a fazer, em média, 110 bailes por ano. Nos meses de

dezembro e janeiro, animava cerca de 25 bailes de formatura. Apresentou-se em um total

de 300 cidades dos Estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro,

Paraná e Minas Gerais.

Entre as principais apresentações, destacaram-se aquelas realizadas nas capitais e

grandes cidades, especialmente os shows na TV e rádio, quando acompanhou estrelas da

música nacional (os “cartazes” como eram conhecidos na época): Hebe Camargo,

Francisco Alves, Nelson Gonçalves, Marlene, Inesita Barroso, Gregório Barrios e outros.

Houve bailes que marcaram a memória da Continental, conforme narra o próprio Tunin

Capelozza, em entrevista concedida ao jornalista J. H. Teixeira do “Comércio do Jahu”

(edição de 14/09/1986). Ele recorda um baile animado pela Continental, em Araçatuba

(SP), o qual contou com a presença da então Miss Brasil, Martha Rocha: “Foi um baile

granfino mesmo. A toalete das senhoras ficava ao lado do palco. Então, quando passavam

as moças que iam à toalete, nós, os músicos, ficávamos boquiabertos e comentávamos se

a Martha Rocha seria mais bonita que aquelas que estavam passando ao nosso lado. Seu

moço, quando a Martha Rocha apareceu, todas as outras ficaram feias!”

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Foto do jornal “Correio da Manhã de Jaú”, edição de 03/09/1955. Ao lado da foto, lê-se: “Hoje nos salões

de festas do Aeroclube de Jaú, grandioso baile para Coroação da Rainha da Escola Técnica Industrial de

nossa cidade, onde estará presente para dar um maior brilhantismo a famoso Capelozza e sua Orquestra.

Amanhã (domingo) - A Capelozza e sua Orquestra, abrilhantará uma grandiosa brincadeira dansante na

visinha cidade de Bocaina nos salões de festas do ‘Nosso Clube’”. Anúncios como este eram muito

comuns na década de 50, sobretudo nos meses de janeiro e dezembro (devido aos bailes de formatura) e

épocas de carnaval.

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Lps: uma nova experiência

A fama da Continental ultrapassou os horizontes que a própria Jaú podia

vislumbrar. Em 1956, surge a oportunidade para gravar o primeiro LP, um acontecimento

inédito na história de uma orquestra do interior paulista.

Tal acontecimento, como a gravação do segundo LP, é contado, em detalhes pelo

jornalista Mário Schwarz do “Comércio do Jahu”, após entrevista com Waldomiro de

Oliveira (edição de 25/10/1987):

“Waldomiro de Oliveira revelou a Dionísio, o irmão, que gostaria de gravar um

disco pela Continental. Os contatos foram feitos e um ano mais tarde a orquestra jauense

foi mostrar que já merecia uma chance no mercado de discos, apresentando-se no

programa ‘Papel Carbono’, da Rádio Nacional (7), não só uma música mas o programa

todo. Isso para que o executivo da gravadora aprovasse o lançamento de um disco. Mas a

reação do auditório foi tão boa que antes mesmo do final do programa, o responsável pela

gravadora já tinha se decidido a gravar um LP com a Continental. Um não, dois (...)

Dos cinco saxofones, quatro pistões, três trombones, contra-baixo, bateria, piano e

guitarra, só não foram gravar no Rio um pistão e um trombone, substituídos por músicos

da Orquestra de Severino Araújo (Moura e Macacheira) e o primeiro LP, “Convite para o

Baile”, teve arranjos até de Vadico, o parceiro de Noel Rosa.

O segundo, com a orquestra completa, de nome “Chegou a Orquestra de Jaú”, foi

gravado em dois dias, embora o estúdio estivesse reservado por uma semana. A

Continental estava afiadíssima.

‘Para gravar esses discos, passamos bons apuros. Ficamos em hotel de quinta

categoria e nossa refeição era a mais barata: macarronada, com Malzibier para reforçar.

Não foi fácil, mas valeu a pena’. No verão de 59, LP embaixo do braço, Waldomiro de

Oliveira voltou para Jaú e foi até a “A Musical”, conceituadíssima loja de discos da

cidade. Ele conta: ‘O Félix e o Licurgo eram vivos. Então pedi a eles que colocassem o

disco para tocar. Os dois adoraram e perguntaram: que orquestra é essa? Eu disse que era

a Continental e eles não acreditaram. Poucos dias depois, com a colaboração do Rotary

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Club, lançamos o nosso primeiro LP no Aero Clube para um público de

aproximadamente três mil pessoas. Até o Renato Mursi esteve aqui para o lançamento,

que foi um sucesso’”.

Capelozza e sua Orquestra, dirigida pelos irmãos Amélio, Tunin e Irineu, seguiu

passos semelhantes aos da conterrânea Continental. Entretanto, não gravou LP. Segundo

seus antigos integrantes, a idéia de fazê-lo foi discutida. Contudo, concluíram que não

compensava financeiramente. Por isso, desistiram da idéia de gravar.

Apesar disso, sua popularidade, sobretudo no Estado de São Paulo, por onde mais

se apresentou, é indiscutível. Também acompanhou gente famosa como Gregório Barrios,

Carlos Lombardi, Carlos Vilela e outros.

Dificuldades comprometem o futuro

Quando se houve a história das orquestras de Jaú, a impressão que se tem (pelo

menos, a primeira impressão), é que se trata de uma epopéia, repleta de sucessos e só.

Engano. De fato, os ex-integrantes da Continental e Capelozza, se hoje riem das

passagens, mesmo as dolorosas, com certeza, nessas ocasiões, a vontade era de chorar,

acabar com tudo, “chutar o pau da barraca”.

Entre todas as passagens da vida das jazz-bands, os ex-músicos são unânimes em

afirmar terem sido as viagens as mais difíceis.

Fosse pelas estradas de terra, fosse pelos automóveis ou ônibus, cuja velocidade

máxima não ultrapassava os 30 km/h, uma viagem à vizinha Bauru ou a Bariri, poderia se

transformar em um transtorno. Em especial nos dias de chuva. O que pensar então,

quando se era contratado para tocar em cidades mais distantes, como em outros estados,

por exemplo?

Mesmo que o cachê compensasse, teve gente que chegou a desistir de ser músico

por causa de tanto sacrifício. “A gente - conta Tunin Capelozza na mesma entrevista

concedida ao “Comércio do Jahu” (edição de 14/09/1986) - ia de ônibus, de carro ou de

trem, em estradas ruins, com chuva ou frio. Certa vez, fomos tocar na cidade de

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Rancharia no mês de junho. Fazia um frio danado, até geou naquela noite. O quanto

sofremos. Foi nesse dia que o nosso violonista Manoel Sabatino desistiu, não quis mais

saber da orquestra”. E continua: “Uma vez fomos em um baile e os carros encalharam na

estrada. Chegamos no clube a 1h30 e tocamos todos sujos de barro até o fim do baile”.

A Continental teve dois ônibus próprios. O primeiro, chamou-se “Martha Rocha”,

em homenagem à ex-Miss Brasil. Depois, adquiriram outro, em melhores condições, o

“Adalgiza Colombo”, cujo nome também foi inspirado em uma Miss Brasil. A facilidade

de possuir condução própria não afastou, entretanto, as dificuldades. Não foram poucas as

vezes em que todos tiveram que descer do ônibus para empurrá-lo por quilômetros, com

lama e tudo.

A Capelozza, por sua vez, se utilizava de carros ou ônibus alugados e de trem

(para as viagens mais longas). “Quando viajávamos de trem, você sabe, eles param pouco

tempo na estação. Então, não dava tempo para descarregar todos os instrumentos da

orquestra. Isso aconteceu mais de uma vez: era preciso alugar um carro, correr até a

próxima cidade onde parava o trem para retirar o restante dos instrumentos”, conta Tunin.

(8)

Com o passar do tempo, precisamente com o advento do rock na década de 60, as

viagens tornaram-se uma preocupação menor para as orquestras. No seu lugar, surgiu a

concorrência dos pequenos conjuntos, os regionais (a base de violão, acordeom, pandeiro

e crooner) e, principalmente, os grupos de rock que introduziram o uso dos instrumentos

eletrônicos (guitarra, contra-baixo e depois órgão) e passaram a substituir as jazz-bands

na animação dos bailes.

A concorrência se dava em dois níveis. O primeiro era justamente o financeiro:

ficava mais barato para o dono do clube contratar um conjunto com, no máximo, 5

elementos, do que uma orquestra que tinha, em média, 15 integrantes. O segundo era a

questão da preferência musical da época que passou a mudar sob influência de novos

modismos estrangeiros. O rock’n roll passou a perna no tango, samba-canção, bolero,

rumba, fox (cuja expressão máxima era a orquestra norte-americana de Glenn Miller,

modelo imprescindível para as nossas orquestras) e a juventude, principal público

consumidor do mercado fonográfico, aderiu em massa ao seu ritmo alucinante.

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Essa situação sentenciou, por assim dizer, o fim das jazz-bands. Elas até que

resistiram bastante. A Continental, por exemplo, só encerrou suas atividades em 1968:

“um sonho que acabou exatamente em 12 de maio de 1968 (...) na pequena Angatuba,

onde a Continental tocou pela última vez. Restou também uma dívida que o Waldomiro

de Oliveira precisou de três anos para pagar”. (9)

A Capelozza acabou mais ou menos no mesmo período. “A morte prematura do

irmão Amélio teve grande influência no fim da Orquestra Capelozza, mas Tunin não

desistiu. Formou um conjunto que se apresentava em festas e restaurantes”. (10)

De fato, existiram também razões de ordem pessoal, inerentes a influência dos

modismos estrangeiros, que provocaram o fim das orquestras de Jaú. Entretanto, os

membros preferem não discutir o assunto. A resposta geral é “Cada um tem o seu tempo.

O nosso já passou”. Inclusive, sobre o relacionamento entre os músicos e entre as duas

orquestras rivais de Jaú, preferem, em geral, resumir questão em frases do tipo: “O

relacionamento era excelente”; “Até hoje, somos muito amigos”; “Sempre, sempre

amigos”. Se existiram pequenas ou grandes diferenças, depois de tanto tempo, preferem

esquecer. Saudável ou não, ironia do destino, as pessoas dessa cidade parecem tomar

atitude semelhante: as orquestras, patrimônio histórico-musical de Jaú, por falta de se

preservar a memória desse mesmo povo, parecem condenadas ao esquecimento.

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Notas

(1) CORREA, Ricardo S. Ouvinte Consciente. São Paulo, Ed. do Brasil S.A. _________, p. 60. (2) TINHORÃO, José R. Pequena história da música popular - Da modinha à canção de protesto. Petrópolis, Ed. Vozes, 1978, p. 125. (3) SCHWARZ, Mário. “Personagem: Waldomiro de Oliveira” in jornal Comércio do Jahu, Jaú, 25/10/1987, p. 5. (4) MILANESI, Luiz A. O Paraíso via Embratel. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. (5) SCHWARZ, Mário. “Personagem: Waldomiro de Oliveira” in jornal Comércio do Jahu, Jaú, 25/10/1987, p. 5. (6) “O som das grandes bandas do interior paulista” in jornal Internews, suplemento de cadeia de jornais da CBI, agosto/75, p. 15. (7) “Papel Carbono”, programa da Rádio Nacional criado em 1937 e dirigido por Renato Mursi, onde os candidatos deviam se apresentar imitando a voz de algum cantor já famoso. (8) TEIXEIRA, J.H. “Personagem: Tunin Capelozza” in jornal Comércio do Jahu, Jaú, 14/09/1986, p. 5. (9) SCHWARZ, Mário. “Personagem: Waldomiro de Oliveira” in jornal Comércio do Jahu, Jaú, 25/10/1987, p. 5. (10) TEIXEIRA, J. H. “Personagem: Tunin Capelozza” in jornal Comércio do Jahu, Jaú, 14/09/1986, p. 5.

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“TUNIN E DANTE”

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“E essa é a história da orquestra”, concluiu Tunin. E eu quase despenquei do sofá.

“Não é possível que alguém consiga resumir trinta ou quarenta anos de história em dez

minutos e concluir que é tudo”, pensei. Foi mais ou menos assim que começou a minha

primeira entrevista e, com certeza, uma das mais importantes para esta reportagem.

Confesso que vi meu trabalho ir “por água abaixo”. Como poderia fazê-lo a partir de dez

minguados minutos de entrevista?

Talvez por estar mais que acostumado a contar a história das orquestras

Continental e Capelozza, o Tunin deve ter aprendido a resumi-la e por isso nem se deu

conta da rapidez com que quase liquidou a entrevista. E quase liquidou o meu trabalho.

Por outro lado, o “seo” Tunin, como é conhecido Plácido Antonio Capelozza, um

dos fundadores da Continental e da Líder Orquestra (que depois transformou-se em

Orquestra Capelozza), aos 83 anos, não economiza palavras para elogiar os anos 50, fase

de ouro das jazz-bands que, como se dizia naquela época, abrilhantavam os bailes do

interior paulista de todo o Brasil.

Mas voltemos à entrevista. São mais ou menos três da tarde quando aparece por

ali um novo personagem, convidado pelo Tunin para o nosso bate-papo.

Baixinho e falante, Reodante Pepe, ou simplesmente Dante, é o oposto do amigo

Tunin que é alto e de pouca conversa, ou pelo menos, sem muitos rodeios. Quanto ao

Dante, era de se esperar, afinal foi o primeiro crooner da Continental e como todo bom

cantor, ele deve ser antes de tudo comunicativo.

Estão todos de acordo em gravar e a entrevista recomeça.

Apesar do contraste físico e de comportamento, os velhos amigos possuem uma

também velha paixão em comum: a música. E foi justamente essa paixão que levou o

então inexperiente Dante a encarar o seu primeiro baile no dia 7 de setembro de 1940, dia

da inauguração da Continental. Ele lembra com humor: “Eu tinha lá os meus vintes anos.

Cantava, mas cantava em seresta. Nunca havia me apresentado com uma orquestra. No

dia da inauguração, eu tremia que nem vara-verde! (risos) Eu tomei um litro de conhaque

ou uísque, eu não sei... Mas olha, a cada intervalo, eu ia lá e pá, pá, pá!! E voltava.

Acabou o baile e eu estava meio assim...” (risos)

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Já a carreira do músico Tunin Capelozza começou bem antes. Filho de músico

italiano, na verdade, a sua história confunde-se com a própria história das orquestras

Continental e Capelozza e, antes mesmo do seu surgimento, quando, aos 16 anos, já

tocava no Jaú Jazz, o primeiro jazz-band da cidade. Isso mais ou menos no final dos anos

20, começo dos anos 30. Mais ou menos, porque nomes e datas fogem à sua memória.

Tunin estudara com músicos da cidade: “... um senhor que se chamava Vitorino

Frigolo, o José Fornalé, o Danilo Fornalé... porque isso aqui antigamente não tinha

professor de música, não havia escola. A gente tomava lição na casa do músico”. Quando

mudou-se para Marília, juntamente com o irmão Amélio, por motivo de serviço, disse

que era para aposentar o sax, o clarinete e o bandoneom. “Mas quem nasceu pra música,

não consegue largar a música...”

Entretanto, é o próprio Tunin quem adverte: “Vou falar a verdade pra você:

música nunca deu nada pra ninguém. Música é só perda de tempo!” Como acontecia com

uma boa parte dos músicos de Jaú, Tunin, Dante e outros possuíam uma profissão. O

Dante, por exemplo, era garçom, o Tunin e o irmão Amélio, marceneiros, o Irineu, o

terceiro dos irmãos Capelozza, relojoeiro e assim por diante. “Cada um tinha o seu

emprego. Nós nos reuníamos para ganhar um dinheirinho extra no sábado e no domingo.

E no carnaval a gente aproveitava para ganhar uns cobrinhos a mais”.

Uma vida de sacrifícios, mas levada por um grande prazer pela música. Porém,

para o Dante, tanto sacrifício passou a não compensar mais. “Eu fiquei apenas um ano na

Continental. Depois desisti. Tinha um emprego e precisava faltar para acompanhar a

orquestra. Era uma complicação”. Depois disso, Dante foi para São Paulo, tendo voltado

para Jaú anos mais tarde.

O Tunin continuou. Como ele próprio afirmou, “mais por prazer”. E esse prazer,

esse amor pela música, impressiona na sua pessoa. Logo que entrou pela sala de estar,

confesso que não acreditei que aquele senhor de mãos grossas (mãos de marceneiro), fala

alta e gestos bem italianizados, pudesse ter sido músico. Referindo-se à sua mulher,

contudo, é que se percebe um certo lirismo (claro, dentro do seu estilo de pessoa) que

parece envolvê-lo. Perguntei-lhe se não houve problemas com a mulher, tendo que

conciliar a vida de casado, de marceneiro (trabalhou 45 anos até se aposentar na fábrica

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de móveis Jahu Progride) e de músico. E ele respondeu: “é uma mulher que é um

espetáculo, se conformou com tudo e não houve problemas...” Diferente, mas não deixa

de ser uma sincera declaração de amor.

A admiração do público, pelo menos das pessoas mais velhas, é incontestável.

Algo que vem de longe. Uma prova concreta do reconhecimento público dos valores do

músico Tunin Capelozza está na homenagem que recebeu de seu amigo, o maestro

Rubens Leonelli, então regente da Banda Sinfônica da Polícia Militar de São Paulo, por

ocasião da festa do aniversário de Jaú, em 1970. Velho conhecido de Tunin, Leonelli

resolveu fazer-lhe uma surpresa. A Banda Sinfônica da Polícia Militar iria se apresentar

em Jaú, na Igreja Matriz Nossa Senhora do Patrocínio com seus 120 músicos. No

repertório, entre os clássicos da música erudita, estava lá a valsa “Vera Lúcia” composta

por Tunin e dedicada à filha mais nova. Quando a banda começou a executar a valsa em

arranjo sinfônico e o público presente reconheceu a obra do jauense Tunin, todos

explodiram em palmas. Depois de execução da valsa, Tunin dirigiu-se ao maestro e aos

músicos para cumprimentá-los. Consigo levou a pequena Vera Lúcia. “As palmas

continuaram sem parar, por uns 10 minutos! Foi a maior emoção da minha vida!”, conta,

quase em lágrimas.

Assim como para a filha mais nova, Tunin compôs as valsas “Nida” (dedicada à

esposa Leonilda), “Virgínia” e “Vilma” (para as outras duas filhas) e o choro “Walter”,

dedicado ao seu único filho homem.

Apesar do seu comportamento simples, Tunin não se preocupa em esconder o

pouco de vaidade de seus mais de 40 anos de músico. “Com o público, barbaridade! Eu

era estimado, barbaridade!! Todo sábado tínhamos 3 ou 4 lugares para escolher. A nossa

orquestra era disputada!”

O amigo Dante, aos seus 72 anos (e com uma filha de 14!) também não esconde a

vaidade: “O senhor cantaria hoje, em público, se tivesse oportunidade?”, pergunto. “Eu

até cantaria, mas sabe... a gente não tem mais aquela aparência de quando era jovem...

Penso que a mocidade de hoje não daria valor...”

Não é pra menos que os irmãos Capelozza têm motivos para essa vaidade

incontida. Além do talento em si e justamente por isso, foram eles os fundadores de

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praticamente todas as jazz-bands de Jaú. “Tínhamos facilidade para formar um novo

grupo. Éramos nós quem imperava...”

A esse propósito, Tunin se defende: “Se nós tivéssemos formado Capelozza e sua

Orquestra no começo, não tinham acontecido nada desses rolos, né? Mas nós fomos fazer

no fim... ninguém ia querer tirar o nome da gente...” “Mas o que eram esses rolos?”,

pergunto. “Havia os invejosos que queriam ficar dono, você tá me entendendo? Então,

nós pegávamos e deixávamos pra eles: fiquem donos vocês!! E formávamos outro

grupo”.

Depois de tanto tempo, Tunin e Dante, como outros, não demonstram

preocupação ou interesse (nem querem comentar) a respeito das diferenças dentro de uma

orquestra ou sobre a rivalidade entre Capelozza e Continental. “Tanto tocando juntos,

como fora dos bailes, nós éramos sempre amigos”, garantiu Dante. “Até hoje, graças a

Deus!”, completou Tunin. Dante lembrou, inclusive, que não havia punições pré-

estabelecidas para quem errava, fugia ao compromisso. “Falava-se assim: oh, bichão!

Você tá dando tripa! E só”. Tratava-se de uma gíria da época que é o mesmo que “pisar

na bola” hoje. “Mas quanto à rivalidade entre a Continental e a Capelozza?”, insisto. É o

Tunin quem responde: “Existia uma rivalidade, barbaridade! Mas nunca nós deixamos de

ser amigos!!”

Foi num clima espontâneo, diria, quase familiar, que se conduziu o nosso bate-

papo, a propósito, bem humorado. Tão humorado e espontâneo que, várias vezes, precisei

desligar o gravador, a pedido, para que meus entrevistados não se sentissem

constrangidos com aquele fato, aquela situação ou comentário. “Mas você está

gravando?! Corta isso, pelo amor de Deus!!” (risos)

As duas horas e meia de entrevista passaram rápido. De tudo o que foi dito, bastou

a simplicidade e alegria daqueles senhores para entender que é preciso enxergar mais que

velhos hábitos e velhas tradições para entender o passado...

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“SABU”

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Se você perguntar em Jaú pelo Marcílio Galdino Pires, provavelmente pouca

gente vai dizer que conhece. Agora, se, ao contrário, você perguntar pelo “seo” Sabu,

então sim, muita gente vai saber de quem se trata. Especialmente os mais velhos que não

se esquecem dos muitos dançados ao som da voz do crooner Sabu a frente de Capelozza e

sua Orquestra.

O apelido Sabu (que depois virou nome artístico, registrado na Ordem dos

Músicos de São Paulo) foi inspirado em um antigo herói de cinema do início da década

de 60.

Hoje, cantando apenas entre amigos e após um bom tempo afastado dos palcos,

Sabu é mais conhecido na cidade como o proprietário do Hotel Paulista, localizado

próximo à estação rodoviária.

Apesar das diferentes atividades que desenvolvera no decorrer da sua vida, a de

cantor é, sem dúvida, a que lhe traz as melhores lembranças. Foi graças à música que a 4

de dezembro de 1987 recebera o título de Cidadão Jauense, cujo diploma exibe,

orgulhosamente, na recepção do seu hotel.

E é exatamente sobre música que se desenrola o nosso bate-papo. A propósito,

quando o procurei e lhe disse sobre o que e porque deseja entrevistá-lo, de cara, mostrou-

se entusiasmado em colaborar. E me garantiu: “Você não vai tirar dez nesse trabalho! Vai

tirar mil!”

A sua história como cantor começa quando moleque (por volta de 1945, 1946).

Certa vez, ganhara um concurso para cantores em um parque de diversões na sua cidade

natal, Agudos (SP). Na ocasião, cantar, para Sabu, era apenas uma diversão, um

passatempo. É nesse momento que acontece uma reviravolta em sua vida. Chega de

Marília um músico de jazz-band. Ele conhece Sabu e, sem hesitar, o convida para assumir

a vaga (que estava livre) de crooner na sua orquestra.

Embora estivesse receoso, em virtude de sua inexperiência, encorajado pelo

músico, Sabu aceitou e partiu para Marília.

Já fazia algum tempo que acompanhava a pequena orquestra de Marília, quando

Sabu resolveu partir para algo maior. Foi para São Paulo e prestou um concurso na Rádio

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Bandeirantes. “Passei. Então resolvi que iria para São Paulo, faria um cachê na

Bandeirantes e cantaria nas noites, nas bocas, como se diz”. Estava decidido a fazê-lo.

Nesse meio tempo em que permanecera em Marília, conhecera os irmãos Amélio

e Tunin Capelozza (que haviam se mudado para lá para trabalhar com um tio na

marcenaria). “Então, a gente travou uma boa amizade, porque eles também são gente

fina”. E foi devido a essa amizade que novamente aconteceriam mudanças nos planos do

crooner Sabu.

Decididos a retomar o trabalho com a música, os irmãos Capelozza propuseram a

Sabu que não deixasse a orquestra em Marília até que eles pudessem voltar para Jaú (o

que aconteceria em breve) e fundassem a sua própria orquestra, na qual ele assumiria a

função de crooner. “Eu não queria viver integralmente como profissional. Então, desisti

de ir para São Paulo e aceitei a proposta dos Capelozza”.

E, de fato, foi o que aconteceu: em fins de 1948, Sabu e os Capelozza fundam a

Líder Orquestra, que depois passou a se chamar Capelozza e sua Orquestra. “Eu comecei

com eles. Sou fundador. Os Capelozza como chefes e eu como integrante da orquestra”.

Em Jaú, preferindo não viver só de música, Sabu passou a trabalhar como inspetor

de alunos da Escola Profissional Joaquim Ferreira do Amaral, a Industrial. “Em 1954, 55,

mais ou menos, eu sai da escola. Ai comecei um novo trabalho, como vendedor.

Trabalhava de segunda a sexta. Depois ficava disponível para a orquestra”.

Nos finais de semana havia muito trabalho. Mesmo depois de casado (casou-se em

setembro de 1958), continuou cantando. “Ah! Depois de casado, a mulher não gostava.

Sabe como é, é natural. Mas fiquei tempo cantando. No fim, a mulher aceitou porque a

gente já tinha mais despesas, não era um, éramos dois. Então, o dinheiro da orquestra

engrossava o orçamento. Juntava as coisas: uma porque gostava, outra porque rendia um

pouco”.

E tinha bons motivos para gostar. Como cantor, assumia uma posição privilegiada

na orquestra. Era particularmente visado pelo público. “Eu era super bem tratado”. “Mas

as pessoas não tinha aquela tendência de vê-lo e aos outros músicos como estrelas?”,

arrisco. “Não, não. O relacionamento era muito bom. Todo mundo se aproximava da

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gente. Queriam conversar. Parece... a impressão que se tem é que, antigamente, se tinha

mais tempo para conversar. Parece que tinha mais calor humano”.

No que sua baixa estatura não chama a atenção, a voz possante de Sabu convence.

Ainda mais porque, como cantor, aprendeu a ser comunicativo. “Apresentava o

repertório, fazia a abertura do baile, cumprimentando o público. Se tinha alguma coisa

pra anunciar, evidentemente era o cantor que fazia”.

A dedicação à música o levou, mais que aprender a se relacionar com o público:

“Aprendi sax. Mas não tocava. Entretanto, estudava. Quem chegou a me ensinar música

foi o Sr. Amélio Capelozza, um senhor músico”.

Sabu mantém a vitalidade de quando jovem, como quem prefere não falar em

idade. Ainda sim, recordar o passado da Capelozza traz para Sabu uma satisfação

especial. Tanto que já pensa em reservar um local especialmente para reunir os velhos

amigos, bater aquele papo e é claro, curtir uma boa música.

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“ROBERTO PAVAN”

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O jovem saxofonista e clarinetista (talvez um dos músicos mais jovens que tenha

passado pela Orquestra Capelozza) está bem diferente. Além dos óculos, engordou e

ganhou cabelos brancos. Com pouco mais de 60 anos, Roberto Pavan é porém, uma

pessoa muito ativa. Talvez a sua profissão (hoje é comerciante, mas desde garoto

trabalhou no comércio como balconista) lhe exija isso. Tanto que não quis perder tempo.

Após procurá-lo, no dia seguinte, o entrevistei ali mesmo, no fundo da sua loja,

debruçado sobre o balcão. Logo em seguida, após nos despedirmos, ele retomou sem

demora os seus afazeres profissionais.

Roberto parece ser uma pessoa prática e cuidadosa. Antes de iniciarmos a

entrevista, quis saber tudo o que pretendia perguntar-lhe. E a cada pergunta, procurava

responder com objetividade, o que contudo, não disfarçava o saudosismo com que

lembrava passagens da história de Capelozza e sua Orquestra. “Nós saímos, por exemplo,

pra tocar em Marília, Presidente Prudente, Rio Claro, Barra Bonita, Dois Córregos,

Bauru, Lins. Então, quando chegava a Orquestra Capelozza, não precisava falar mais

nada! A receptividade era maravilhosa! E nós percebíamos isso, mas nós éramos

humildes”.

Para Roberto Pavan, maravilhoso era também o relacionamento entre os músicos.

Mesmo se no início, quando entrou para a Capelozza, sentia-se despreparado para tocar

com outros músicos mais experientes, Roberto disse sempre ter recebido apoio dos

colegas. Entretanto, ele, desde jovem, demonstrava uma certa objetividade na maneira de

pensar. Antes de tocar na Capelozza e após os seus primeiros estudos, Pavan fora

convidado para integrar a Líder Orquestra. “... na Líder Orquestra já existiam músicos

tradicionais e eu, como amador, senti muita dificuldade e tive que parar. Então, me

aprofundei bastante no estudo do clarinete e saxofone e tive a satisfação imensa em ser

convidado para tocar na Orquestra Capelozza, na qual trabalhei, mais ou menos, uns 12

ou 13 anos”.

O amor à música e a sua dedicação ao estudo chegou a levar o então inexperiente

Roberto à posição de primeiro saxofone da orquestra, o que era uma posição privilegiada

entre os músicos. Para tanto, teve que “suar a camisa”. “Eu trabalhava no balcão. Às

vezes, voltava do baile com o instrumento na mão e ia trabalhar. Eu trabalhava das oito às

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seis da tarde - tinha uma hora de almoço - e estudava à noite. Estudava também nos

sábados e domingos durante o dia. Toda noite eu pegava o instrumento e estudava, no

mínimo, duas horas”.

Além disso, como toda a orquestra, Roberto teve que enfrentar o lado difícil do

trabalho como músico, como por exemplo, as viagens em dias de chuva. “Houve uma

ocasião... eu era responsável pela montagem da orquestra, pelas estantes, as partituras, era

eu quem punha as pastas. Cada um tinha uma função. Essa era a minha. E houve uma

ocasião em que nós fomos para Bariri e deu uma chuva tremenda. Nós saímos daqui,

mais ou menos, cinco horas da tarde para começar o baile às dez da noite, 22 horas. E

como é que faz com o barro da estrada? Então, tinha que acorrentar o carro... E quando

furava o pneu, era um ‘deus-me-acuda’! Enfim, nós chegamos em Bariri. Montado tudo -

eu estava procurando o repertório - quando perguntei: ‘Cadê a pasta do repertório?’

Esqueceram em Jaú. E aí? Naquele tempo, não tinha outro jeito: eu tive que voltar para

Jaú com o chofer. E o baile ia começar às dez horas. Eram nove e meia quando eu dei

falta do repertório. E pra voltar para com aquela chuva? O que a orquestra fez? Ela tocou,

porque nós tínhamos músicos como o Amélio Capelozza, Tunin Capelozza, Hélio Cioti,

Luis Mingueti, nós tínhamos o Caraciti... Então, eles começaram a tocar, tocar... e eu

voltei para Jaú. Cheguei em Bariri meia noite. Eu estava inteirinho embarreado”.

Sobre a rivalidade entre Continental e Capelozza, Roberto, ao contrário dos outros

músicos, foi bem mais claro em sua opinião: “... naquele tempo, a Continental se achava

superior a nós, só que não era! E sabe por quê? Porque a Continental tinha um estilo

diferente de tocar. Eles tocavam muito forte, alto. Mas o dançarino gostava realmente era

de dançar com a Capelozza, porque era uma orquestra mais suave”. Apesar da rivalidade,

ele garantiu que sempre foram amigos.

A propósito, antes de aperfeiçoar os seus estudos em música no Conservatório

Jauense, tomou as primeiras lições com o maestro Danilo Fornalé (“expoente máximo

como professor que conheci!”) e participou de um pequeno conjunto (do qual não se

lembra o nome) dirigido por Romeu Fornalé, os irmãos, ambos ex-integrantes da

Orquestra Continental.

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Para Pavan, como a maioria dos músicos da Capelozza, o trabalho da orquestra

era um “bico” que ajudava no orçamento, sobretudo depois que se casou pela primeira

vez, em 1952. “O casamento não complicou minha vida, porque eu amo e sempre amei a

música e minha primeira esposa, falecida, era uma moça compreensiva”.

Hoje, bem estabelecido comercialmente, Roberto não sente mais falta da orquestra

como “bico”. Entretanto, lamenta o fato dela como de todas as orquestras do interior de

São Paulo terem terminado. Para ele, além da concorrência dos conjuntos de rock, um dos

motivos do seu fim, é o fato de que “hoje, o moço não pensa em estudar música. E os

músicos mais velhos foram se desgastando, foram morrendo e não houve renovação das

orquestras”.

E justamente por isso, ou seja, o fato das jazz-bands da década de 50 (em

particular a Continental e a Capelozza) estarem condenadas ao esquecimento, é que

Roberto Pavan disse estar contente com iniciativas do tipo desta reportagem. “Acho isso

fantástico! Porque tudo passa, não? E se você não fizer isso, quem vai saber quem foi o

Roberto Pavan? Não que eu faça questão, aliás, eu não acho que se deva marcar o fulano

de tal, mas principalmente as duas orquestras. Inclusive, eu já pensei no dia de Santa

Cecília, 28 de novembro (1), fazer uma exposição na minha vitrine, mostrar para o

público jauense ou quiçá, da região, através de uma exposição de fotos, o que foram

realmente a Orquestra Continental, a Orquestra Capelozza, os seus músicos... Esse é o

sentido da coisa...”

Nota

(1) O entrevistado se enganou sobre a data da festa de Santa Cecília. A data correta é 22 de novembro.

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O BAILE

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“Época muito romântica, o som da orquestra inspirou o nascimento de muitos

casamentos. Ainda hoje casais se lembram da música que a Continental estava

executando quando trocaram o primeiro olhar”. (1)

Porém, o baile em pequenas cidades do interior, como Jaú, era mais que uma

oportunidade para encontro de moços apaixonados. Dançar ao som da jazz-band nos

finais de semana era uma das poucas opções de lazer para a maioria da população jauense

nos anos 50. Além disso, restavam o futebol, o bilhar, o bocha, o cinema, a paquera (o

chamado “footeen”) na praça ao som da “furiosa”. (2)

Nesse período, enquanto o rádio conhecia o seu auge como veículo de

comunicação de massa, a TV no Brasil estava apenas engatinhando. Não era um veículo

popular. Ao contrário, possuir um aparelho de TV era um privilégio. Sendo assim, o

lazer, nas pequenas sociedades como a de Jaú estava quase que invariavelmente ligado às

relações humanas mais diretas. E o baile era, possivelmente, entre essas formas de lazer, a

predileta do público. Além do mais, do ponto de vista das gravadoras, o baile era

fundamental na manutenção do comércio de discos, uma vez que os sucessos do rádio

eram também tocados pelas jazz-bands.

Como no rádio do Brasil da década de 50, o que “estava por cima” era a música

romântica (Nelson Gonçalves, Francisco Alves, entre outros, eram os cantores favoritos

do público), o que se ouvia nos bailes era justamente a valsa, o tango, o bolero, o samba-

canção, ritmos românticos por excelência. Para contrabalançar, tocava-se o jazz, o fox-

trote, a rumba, o mambo, o swing, ritmos mais agitados. De qualquer forma, quem

dançava era o casal, o que independente do ritmo mais ou menos acelerado, era uma

chance para uma aproximação mais efetiva entre o rapaz e a moça. Efetiva sim, mas nem

tanto... Afinal, havia como que uma “consciência coletiva” que determinava limites bem

claros até onde o rapaz podia chegar. Coladinhos mesmo só os namorados mais

avançados ou que tinham coragem para tanto, porque, normalmente, havia a direção do

clube que não permitia atitudes desse tipo.

Sobre situações como essa, Tunin Capelozza recorda uma passagem da

Continental que, hoje, soaria no mínimo engraçada: “Vou contar um baile que nós

fizemos no Jaú Clube. Foram convidados estudantes de Campinas para tomar parte desse

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baile. Você sabe, Campinas era uma cidade diferente da nossa, uma cidade grande. Um

ambiente diferente. Os moços se beijavam... e não tinha nada disso por aqui. No clube, o

Totó Pacheco era o presidente. Ele ficava na porta assim... (levantou-se e fez a pose).

Aconteceu que um dos estudantes beijou uma moça que estava dançando. Ele esperou a

contra-dança, mandou chamar o rapaz na diretoria e falou: ‘O Sr. pode se retirar do

salão`. Bom, eram todos estudantes: tirou um, saíram todos. E acabou o baile. Tocamos

três músicas e ganhamos o baile inteirinho”.

Atitudes rigorosas à parte, o baile era muito esperado por todos. Sobretudo nas

datas especiais, como o aniversário da cidade, os bailes caipiras em junho, os de

formatura em dezembro e janeiro, e os bailes das debutantes. Existia uma expectativa

muito grande em torno desses eventos. Observava-se com cuidado cada detalhe na

preparação para o baile. O crooner Sabu contou: “O baile aqui em Jaú, por exemplo - isso

eu me lembro perfeitamente - anunciava-se: ‘O Aero Clube vai promover o baile caipira

no dia 2 de julho`. Esse baile era anunciado em maio. Então, as moças se preparavam

para esse baile. Alguma comprava um sapato novo, fazia vestido novo, comprava

chapeuzinho, quer dizer, ia-se devidamente caracterizado. Todo mundo! O baile das

debutantes era muito interessante. Dois meses antes, os pais já ficavam se preparando,

comprando, fazendo vestido para as filhas. Mas era ‘o baile’! Era um ritual, alguma coisa

fora do comum, feita com muito capricho!”

De fato, existia esse capricho. É o que me confirmou o casal Leon e Eunice: “As

moças iam de vestido longo, cores claras, suaves e cinturinha fina. O rapaz sempre de

terno e gravata. Usava-se muito terno branco”.

O interesse pelo baile era geral, envolvia toda a cidade. Tanto que “quase todos os

nossos bailes eram irradiados pela Rádio Jauense (a PRG7). Isso era natural na época”,

completou Sabu.

Quanto ao clima, ao ambiente no salão, todos, músicos e o público da época são

unânimes: havia muito respeito. É verdade que todos concordam que existia um

“controle” sobre o comportamento. Mas preferem dizer que a atitude de respeito era uma

opção para a maioria das pessoas. “O clima era simplesmente maravilhoso! Porque,

geralmente, o casal ia para dançar. O clima era tão gostoso que a gente que estava

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tocando lá no alto, no palco, percebia que o povo tinha satisfação enorme em dançar. Era

um ambiente sadio, gostoso, dançavam realmente. Havia pessoas que dançavam e

começavam às dez e só paravam às quatro da manhã. (...) Às vezes, tinha pessoas,

mocinhos de Jaú que iam conosco nos bailes só pra dançar, em São Manoel, Dois

Córregos, Barra Bonita...”, contou o saxofonista Roberto Pavan.

Apesar do “controle de qualidade”, uma vez ou outra acontecia alguma confusão.

O meu próprio pai, Bruno Marques, contou-me que, certa vez, em um baile no “Clube

Dansante Operário”, um primo nosso “recebeu tábua” de uma moça ao convidá-la para

dançar. Quando uma moça, por qualquer motivo que fosse, “desse tábua”, isto é,

recusasse um convite para dançar, ela jamais poderia, durante o resto do baile, aceitar o

convite de outro rapaz. Se o fizesse, estaria desrespeitando o primeiro que lhe fizera o

convite. Foi o que aconteceu com o nosso primo. Ele foi desrespeitado. Inconformado e já

um tanto alterado por ter exagerado na dose do conhaque, não teve dúvida: partiu pra

cima da senhorita e meteu-lhe um belo tapa no rosto. Formou-se logo uma confusão.

Porém, para ele nada aconteceu. Funcionário da Receita Federal, o primo era quem

concedia os alvarás para a realização dos bailes. Logo, expulsá-lo do salão não seria uma

medida conveniente a ser tomada pela direção do clube...

Entretanto, as situações mais pitorescas nos bailes da cidade eram aquelas que

envolviam os casais apaixonados. Em virtude do clima de respeito e severidade com que

se conduzia o relacionamento entre um rapaz e uma moça durante os anos 50, o namoro

era antes de tudo uma aventura. A dificuldade de se chegar a uma maior intimidade com a

namorada, obrigava o rapaz a passar por situações, em geral, constrangedoras. Entretanto,

para os casais que eram jovens naquele período, as barreiras de então davam um sabor

especial àquela aventura. O que para nós, início dos anos 90 (3), talvez já não teria a

menor graça.

O casal Hipólito Leon e Eunice Pavanelli de Menezes recordou uma situação da

qual foram protagonistas e que dá uma boa idéia a esse respeito. Ambos eram jovens. Ele,

extrovertido, filho de família humilde. Ela, introvertida, filha de família abastada e

tradicional da cidade. “Quando a gente almoçava na casa dela, na mesa, ninguém abria a

boca. Só falava o pai”. Provavelmente por isso, para Leon, Eunice era uma pessoa difícil.

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Acontece que ele adorava dançar (diga-se de passagem, ainda hoje tem fama de bom

dançarino). Assim, algumas vezes, após deixar a namorada em casa, Leon ia com uma

turma de amigos para o clube. Preferia que a namorada não soubesse. “Mas se ficasse

sabendo, eu não iria esconder”.

E foi o que aconteceu. Certa vez, uma amiga de Eunice viu Leon em um baile,

evidentemente, dançando com outra garota. “O baile foi em outra cidade, em Pederneiras

ou Dois Córregos”... Ao saber do fato, Eunice foi taxativa: “Então, não podemos

continuar namorando”. Assim, ambos de coração partido, resolveram terminar

solenemente o namoro. Escolheram dia, horário e local para fazê-lo. “Foi em frente a

delegacia. A gente ficou um tempão no ‘chove-não-molha’. Já fazia um ano que

estávamos namorando e eu ainda não tinha sequer dado um beijo nela...A gente ficava só

nos dois beijinhos no rosto e pronto. Quando, finalmente, resolvemos nos despedir, eu

não aguentei: agarrei-lhe e lhe dei aquele beijo! Foi uma cena cinematográfica!”

(enquanto ríamos, eu e o “seo” Leon, a dona Eunice ficou vermelha como um pimentão).

Depois daquilo, choramingando, Eunice disse a Leon: “É, agora a gente vai ter que

continuar namorando...” (risos)

Notas

(1) “O som das grandes bandas do interior paulista” in jornal Internews, suplemento de cadeia de jornais da CBI, agosto/1975. (2) “Furiosa”é o termo popular usado para nomear as bandas de coreto. (3) Vale lembrar que este trabalho de reportagem foi concluído no final de 1991, portanto, início da década de 90.

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“WALDOMIRO DE OLIVEIRA”

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Antonio Waldomiro de Oliveira, 66 anos, casado, 4 filhos. São tantas e variadas as

atividades que exercera na sua vida até aqui (entre elas a de componente da Orquestra

Continental) que parece difícil saber por onde começar. Em virtude de sua falta de tempo,

foi difícil conseguir um momento para um bate-papo.

É que o “seo” Waldomiro é e sempre foi uma pessoa muito ocupada. Desde o meu

primeiro contato - quando lhe apresentei a idéia dessa reportagem - ele estava com todo o

seu tempo tomado com a gravação de um disco. Uma iniciativa pessoal, algo, como

definiu o crooner Sabu (que teve participação neste LP) “para ficar para a posteridade”.

Entretanto, desde o início, Waldomiro demonstrou-se prestativo, interessado em

colaborar. Ele, inclusive, emprestou-me um material precioso que contribuiu e muito para

a conclusão dessa reportagem. A sua contribuição foi fundamental, porque Waldomiro

esteve a frente da Continental durante a maior parte de sua existência.

Desde cedo, encontrou a sua vocação para a música. Quando criança, aprendeu

piano e clarinete. Mas foi como cantor que se realizou.

Começou no coral da Igreja, em Lins, sua cidade natal. Levando jeito para o

ensino, um ex-professor o convidou a vir morar em Jaú, onde passou a lecionar Mecânica

na Escola Industrial. Isso foi em 1943. Efetivou-se e, em 1969, se aposentou como

professor.

Em Jaú, como cantor, começou dando “canjas” no Nosso Jazz (1) e depois na

Orquestra Típica Continental. Mais tarde, a convite dos Capelozza, passou a dividir a

função de cantor com João Rafa. Este último, tendo concluído o curso universitário,

deixou a orquestra. E Waldomiro assumiu integralmente a função de cantor da

Continental.

Em 1947, os irmãos Amélio e Tunin Capelozza partiram para Marília por motivo

de serviço, deixando a orquestra nas mãos de Waldomiro e do pistonista José Ayello. Em

1948, Waldomiro assumiu inteiramente a direção da mesma. A partir daí, conforme

reconhece o próprio Tunin Capelozza, a Continental conheceu seu auge.

Como cantor da orquestra, além de acompanhar os sucessos da época, Waldomiro

tinha que se virar com os tangos e as canções em inglês e francês. Na retaguarda,

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apoiando o então namorado, estava a Odete, hoje, sua esposa. Era ela quem datilografava

as letras das músicas.

Mas a carreira do cantor Waldomiro de Oliveira poderia ter ido muito além do

sucesso com a Continental, como conta o jornalista Mário Schwarz (2): “Aproveitando o

conhecimento que tinha do Rio de Janeiro, onde em 1943, pelas mãos do irmão mais

velho, havia vencido o programa de calouros da lendária Rádio Nacional (‘ Hora do

Pato’), Waldomiro voltou à Guanabara, não como José Antonio (pseudônimo que havia

utilizado no programa de calouro), mas com o seu próprio nome para se apresentar no

programa ‘Papel Carbono’, do famosíssimo Renato Mursi: ‘Cantei Jezebel, gravada pelo

Jorge Goulart, e também ganhei o primeiro lugar. O Mursi quis me contratar

imediatamente para fazer parte do ‘cast’ da Nacional, prometendo que se eu ficasse, ele

me conseguiria uma gravação dentro de três meses, assim como tinha conseguido para

outro vencedor de ‘Papel Carbono’ há pouco tempo, o Agnaldo Rayol. Mas argumentei

que não podia deixar minha família, a escola e a orquestra de Jaú’. Ao menos por pouco

dias, Waldomiro de Oliveira fez parte do elenco da Rádio Nacional. Esteve até em Juiz de

Fora, Minas, com os cantores daquela emissora e recebeu, inclusive, propostas para

gravar compositores anônimos. Cantou também no Glória, onde conta foi ‘trisado’, ou

seja, em vez de apresentar uma música como estava previsto, foi obrigado a cantar mais

duas outras, fora do roteiro, atendendo a platéia. ‘O Renato Mursi não se conformava.

Vivia dizendo: ‘Puxa vida, Waldomiro, você foi trisado. Fica aqui’. E não fiquei, voltei

para Jaú. Mas aquele contato foi importante’.”

A pessoa do Waldomiro chama atenção. É do tipo que se impõe, atirado. O ar de

professor é inconfundível. Mesmo os mais jovens que não o conheceram ou o conhecem

como músico (atualmente, é regente de um coral litúrgico formado apenas por vozes

masculinas, o “Nossa Gente”), com certeza, já ouviram falar dele como instrutor de canto

do Tiro de Guerra de Jaú. Ganhou uma comenda do Exército por isso.

Waldomiro foi também: presidente da Comissão Pró-Instalação da Paróquia de

Nossa Senhora Aparecida (da qual depois foi seu diretor administrativo), fundador e

governador do Serra Clube de Jaú (3), fundador e regente do Coral Santa Cecília que

durou vinte anos e chegou a gravar um LP. E a lista continua. Durante 25 anos deu

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assistência aos presos da cadeia pública de Jaú, é membro do Lions e pertence à

Irmandade dos Vicentinos. Há 9 anos dirige um programa na Rádio Piratininga de Jaú,

todas as quintas-feiras, a partir das 22 horas. “É assim que Jaú canta” chegou a ser

irradiado em todo País pelo extinto Projeto Minerva. Waldomiro foi ainda vendedor em

uma revendedora de carros de Jaú.

Seu curriculum vitae é ainda mais extenso. Mas até aqui dá pra se ter uma boa

idéia da vitalidade e disposição do maestro Waldomiro.

Em se tratando de música, as realizações de Waldomiro não param em si mesmo.

Seu filho homem, Antonio Waldemir, ou simplesmente Mir, formado em Composição

pela Universidade de Campinas (UNICAMP) tornou-se um conhecido músico de Jaú e

região. Como se diz, “filho de peixe, peixinho é”.

Entre os antigos músicos das orquestras de Jaú, Waldomiro ficou conhecido como

arrojado pela gravação dois Lps da Continental, uma iniciativa sua que, mesmo devido

aos prejuízos financeiros com os quais ele próprio teve que arcar, projetou ainda mais o

nome da orquestra e da cidade.

Ele não esconde o orgulho com que realizou tudo isso, em especial como atuou

como cantor, diretor e regente da Orquestra Continental. Recentemente, em um encontro

de corais amadores realizado em Jaú, ao apresentar Waldomiro e seu grupo “Nossa

Gente”, a coordenadora do evento assim o definiu, referindo-se ao seu trabalho com a

música ao longo dos anos: “um lutador!”. Elogios à parte, algo que não dá para contestar.

Notas

(1) O Nosso Jazz foi um dos primeiros jazz-bands de Jaú, fundado pelos irmãos Amélio e Tunin Capelozza. Com o fim do Nosso Jazz, os irmãos Capelozza fundaram a Orquestra Continental. (2) SCHWARZ, Mário. “Personagem: Waldomiro de Oliveira” in Jornal Comércio do Jahu, Jaú, 25/10/1987, p. 5. (3) Entidade católica que trabalha pelas vocações sacerdotais e religiosas.

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“DANILO FORNALÉ”

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Falar da história da música de Jaú, sem falar em Danilo Fornalé é como cometer

sacrilégio. Exagero? Não, a julgar pelo que dizem as pessoas, músicos e públicos de Jaú,

em geral. E não é pra menos. Sem ter qualquer formação acadêmica no assunto, o ex-

pistonista da Orquestra Continental, Danilo Fornalé, já ensinou (e ensina) música para

muita gente de Jaú. Os próprios irmãos Capelozza aprenderam com Danilo. E ele

continua na ativa. Mesmo tendo deixado de lado o pistão há um bom tempo, Danilo

continua a viver de música. Atualmente, é professor na Escola Municipal de Música

Heitor Azzi, é o regente da “Carlos Gomes” (a banda de coreto que já tem 100 anos de

existência) e escreve composições e partituras para outros músicos.

Baixo e franzino, Danilo, a considerar os estereótipos do artista em voga, à

primeira vista, não convence se tratar de um músico. Também não está preocupado com

isso. Fala da história da Continental com uma naturalidade que parece até ser coisa sem

muita importância. Não é o tipo saudosista, não fala com eloqüência nem parece estar

preocupado em convencer seu interlocutor de verdades. Para ele, ser músico, ao contrário

do que pensa muita gente, é ter uma profissão como outra qualquer.

É curiosa essa atitude despretensiosa, sobretudo a julgar pelo seu currículo. Filho

e sobrinho de músicos (seu pai e um dos tios tocaram na Banda Carlos Gomes,. no seu

início, juntamente com o seu fundador, o maestro Heitor Azzi), Danilo Fornalé, segundo

ele próprio, aprendeu música sozinho. Teve um irmão, Romeu Fornalé (já falecido),

saxofonista, que também fizera parte da Orquestra Continental. Assim, através de um

dom natural e da convivência familiar, aprendeu a tocar e não largou mais o que, com o

tempo, passou a ser a sua profissão. Desde pequeno, acompanhava o pai e o tio que

tocavam na banda do maestro Azzi. E ainda moleque passou a fazer parte da “furiosa”. A

propósito, a entrevista se deu na sede da “Carlos Gomes”, que é também a sua residência.

“Mas o Sr. não teve outra profissão?”, perguntei. “O meu pai queria que eu

exercesse a profissão de alfaiate. Comecei como aprendiz. Mas larguei. Isso não me

interessava”.

Tanta dedicação a essa atividade é que faz com que se entenda o que me disse

Tunin Capelozza, referindo-se ao amigo: “É impressionante! Ele é capaz de ouvir uma

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música, qualquer que seja, pela primeira vez e depois, escrever a sua partitura... assim, no

ato!” De fato, além de músico da orquestra, foi também um dos seus arranjadores.

Mas Danilo realmente não parece preocupado com elogios nem tampouco parecer

ser muito emotivo. Entretanto, quando lhe mostrei algumas fotos das orquestras de Jaú

que conseguira, ele não escondeu a emoção. Olhando bem para uma das fotos, me disse:

“Puxa! Que saudades!”

Danilo é casado. Não teve filhos. Já teve muitos alunos. Como os Capelozza, boa

parte dos músicos das jazz-bands, nascidos em Jaú, tomaram lições com ele. Das

amizades, em especial como músico da Orquestra Continental, Danilo recorda uma

passagem curiosa. Tudo começou com uma brincadeira. E terminou em uma tragédia.

Como é comum entre companheiros de trabalho, entre os músicos da Continental

sempre tinha um que “pegavam pra Cristo”. Ele se lembra do “seo” Giacomo, contra-

baixista. “Ele era mais velho. Uma pessoa muito simples, até simplória. Certa vez, por

brincadeira, o pessoal inventou que ele tinha morrido. Reconheço que foi humor negro...

Enfim... Então, o nosso fotógrafo tirou fotos do ‘enterro do Giacomo’. E mandaram para

Jaú. Ele próprio achou graça. Foi mais uma brincadeira... Acontece que pouco tempo

depois, num baile... estávamos tocando quando, de repente, ouvimos um barulho surdo

atrás. Olhamos e era o ‘seo’ Giacomo. Ele estava estirado no chão. Parou-se o baile,

procuramos atendê-lo. Mas foi tarde.... Ele morreu de parada cardíaca”.

Muita coisa lhe foge à memória: nomes, datas, fatos. Foram mais de 20 anos como

componente da Continental. E isso há mais de trinta anos atrás. A impressão que se tem é

que ele não parece perturbado com o fato de que as pessoas possam esquecê-lo. “Cada

um tem a sua fase”, conclui.

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“CONSTANTE OMETTO”

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Custou, mas encontrei. Ele estava em casa, no fundo do quintal, cuidando dos

frangos. Aos 77 anos, aposentado há um bom tempo, aquele trabalho todo com as

galinhas era para “se sentir útil”. Mas a verdade é que o “seo” Constante gosta daquele

serviço. Afinal, nasceu na roça e lá se aprende a gostar dessas coisas.

E justamente o fato de ter vivido e trabalhado no campo durante a sua infância e

juventude é que faz da história do músico (saxofonista e clarinetista) Constante Ometto,

uma história única.

A simplicidade ao narrar episódios de sua vida pessoal, bem como enquanto

músico das orquestras Continental e Capelozza, lembra um romance clássico. Talvez o

fato de possuir uma forte fé religiosa (é membro da Igreja Adventista de Jaú) faz com que

Constante veja a vida, mesmo as dificuldades do passado, como “um dom de Deus”. Por

isso, seu discurso é sempre entremeado de trechos bíblicos e alusões à fé.

Desde cedo, Constante demonstrara uma forte inclinação para a música: “Vivia

cantando, na roça, vivia cantando”. Apesar de sua mãe ser contra (inconformada com o

gosto musical do filho, certa vez, quebrara sua viola), Constante adorava fazer seresta.

Entretanto, a vida no sítio era dura. “Essa coisa de ter que dormir cedo para

acordar de madrugada e ir para a roça dificultava a gente fazer seresta”. E como se não

bastasse, “trabalhava-se muito e ganhava-se pouco”.

Diante dessa situação, adorar música e estar descontente com que ganhava no

campo, Constante, ainda contrariando a opinião de sua mãe, partiu para um investimento

arrojado. Foi aprender música para ganhar mais dinheiro. Seus “professores”: os irmãos

Capelozza. Depois de estudar a teoria, optou pelo sax. Aprendeu também a tocar o

clarinete, mas era do sax que gostava.

Para ele, a música, pelo menos no início, foi um empreendimento que deu certo.

De fato, os seus rendimentos aumentaram muito desde que começou a tocar no cabaré da

cidade (1). “A minha vida melhorou bastante naquele tempo”.

E precisava realmente que melhorasse, uma vez que, nessa época, já estava

casado. Constante casou cedo, porque antes de tudo desejava sentir-se livre das antigas

pressões familiares, em especial da mãe que via o trabalho de músico com descrédito.

Dona Aparecida, sua primeira e única namorada e esposa há quase 50 anos, ao contrário,

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apoiava e muito o trabalho no cabaré. “Mas não havia problema em casa por tocar num

lugar daqueles?”, insisto. “Não, não. Porque a gente ia lá para trabalhar, não para perder

tempo com outras coisas”.

A esse propósito, não teve dúvidas. Participou de nossa conversa a dona

Aparecida, esposa de Constante, que com sua simplicidade e espontaneidade, endossava

cada palavra do marido. E mais que isso: o já não tão jovem casal demonstrou a todo

momento de nossa entrevista uma harmonia comovente.

Com vários problemas de saúde, entre eles o da audição, algumas vezes e de

forma inocente, dona Aparecida desviava a conversa do assunto com seus comentários.

Nesses momentos, Constante, com uma paciência incomum, dizia-me: “Ela não escuta

direito, não entende sobre o que estamos conversando. Por isso, interrompe...” E

procurava, com a mesma paciência, ouvi-la e ajudá-la a participar do assunto.

Num dado momento, talvez entusiasmada com a minha visita, ela perguntou-me

se não gostaria de ouvir uma canção que eles costumam cantar na sua igreja. “Quando eu

era moça, eu também cantava bastante”, me diz. Constante resolveu acompanhá-la: “Se

não, ela não consegue. Ela anda um pouco sem voz”.

Quando os Capelozza fundaram a Continental, convidaram o amigo Constante

para fazer parte da orquestra. Depois que se mudaram para Marília, Ometto permaneceu

na Continental. Ao voltarem para Jaú, os Capelozza fundaram a Líder Orquestra.

Novamente, em nome da antiga amizade, o saxofonista Constante saiu da Continental

para acompanhar os Capelozza. Ali permaneceu até o fim de Capelozza e sua Orquestra.

Com o passar do tempo e com a chegada dos filhos (tiveram um casal, 6 netos e

até aqui 7 bisnetos), viver apenas de música deixou de ser um bom negócio. Ou pelo

menos, deixou de garantir por si só o sustento da família. Assim, Constante passou a

trabalhar na prefeitura, por onde acabou se aposentando.

Sobre as orquestras de Jaú, Constante não esconde a saudade que sente daquele

tempo. Ele ressaltou sobretudo o respeito e prazer com que as pessoas se divertiam nos

bailes e como as orquestras da cidade eram muito aplaudidas por onde se apresentavam.

Sentados na cozinha de sua casa, eu, Constante e Aparecida, parecíamos velhos

conhecidos, embora tivéssemos nos conhecido há pouco mais de uma hora atrás. Ambos

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os meus entrevistados demonstravam-se entusiasmados com a conversa e a sua

jovialidade me deixava de tal forma à vontade que não me dei conta da notável diferença

de gerações. A um certo momento, Ometto perguntou-me como o havia encontrado.

Então, contei-lhe como fizera. E ele me disse: “Estou contente que tenha se lembrado de

mim”. Posso entender o porquê disso. Se o vissem andar pelas ruas de Jaú a pé ou no seu

modesto fusca verde petróleo, pouquíssimas pessoas hoje, lhe dariam o devido valor que

merece.

Nota

(1) Na verdade, não se tratava de um cabaré propriamente dito, pelo menos não do tipo que sabemos ter existido nas grandes cidades. Algo recatado que não feria muito a imagem da cidade tradicional do interior de São Paulo.

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JAÚ: A MÚSICA HOJE

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Comparar a atividade musical de Jaú nos anos 50, focalizando, em especial, a

atuação das jazz-bands, com os dias atuais, é uma tarefa difícil. Na verdade, nem dá para

comparar. Tudo mudou e muito.

Não existem tantos bailes como antigamente. Afinal, nas décadas de 40 a 60, o

baile era uma das poucas opções populares de lazer. Hoje, ao contrário, o baile é um

acontecimento se não raro, ao menos, bem menos freqüente. O que contudo, não deixa de

ter um valor atrativo considerável.

Para os músicos profissionais que atuam em Jaú e na região, é impossível pensar

seu trabalho em termos de orquestra. Aquela formação (cujo número médio ficava entre

15 e 20 elementos) seria insustentável para um grupo musical, hoje. Pelo menos, num

campo de trabalho como o interior.

Contudo, para esses mesmos músicos, em geral, hoje em dia, a situação é melhor.

Mesmo sem tantos bailes, outras opções de trabalho, surgidas nos últimos anos, vieram a

se tornar novos espaços para o exercício da profissão de músico em cidades como Jaú.

Além dos bailes, há os casamentos (cerimônia e festa), jantares dançantes,

restaurantes e bares. Nesse ambientes, a presença da música ao vivo passou a ser

exigência natural do público. Assim, o bar que tem música ao vivo, em geral, tem uma

freguesia maior. Logo, o cachê do músico também é maior, uma vez que ele recebe uma

quantia (o couver artístico), previamente estabelecida com o proprietário da casa, por

cada mesa ocupada.

Para saber melhor a respeito da situação do músico de Jaú e região, procurei

Arquimedes Cantarine Ferreira, músico profissional e delegado regional da Ordem dos

Músicos do Brasil. “Não tenho o que reclamar. O grupo que está bem estruturado, tem

serviço para a semana toda”, garante Arquimedes. Para ele, inclusive, o trabalho em bares

nos finais de semana passou a ser uma segunda opção em relação aos casamentos e

jantares. Ele afirma com segurança de quem nos últimos 27 anos só viveu de música.

Casado, com 3 filhos, aos 42 anos, Arquimedes tem um trio. Autodidata em sax,

flauta transversal, guitarra e contra-baixo e formado em violão clássico pelo

Conservatório Jauense de Música, também leciona no mesmo conservatório e em Bauru.

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Ele afirma que o nível dos músicos de Jaú, na atualidade, é bom, o que contribui para

tradição da cidade na área. O próprio Arquimedes teve um dos seus primeiros contatos

profissionais com a música tocando surdo e caixa no seu primeiro carnaval, quando

acompanhou a Orquestra Capelozza, esta na sua fase final.

Uma característica fundamental para a sobrevivência da atividade profissional em

música, hoje, é precisamente o trabalho em pequenos grupos, duplas e/ou trios ou ainda

sozinho. Aliado a isso, o uso de órgãos, sintetizadores, baterias eletrônicas, veio a facilitar

o trabalho que, no caso do trio do Arquimedes depende em 70% de tecnologia. Isso tudo,

além de um repertório eclético, que atenda a todos os gostos e preferências, o que

significa, normalmente, acompanhar a música comercial das gravadoras e rádios.

Há ainda outro espaço, que ajuda a manter a tradição musical da cidade que são as

aulas particulares, em escolas e conservatórios.. Por fim, surgiu um novo espaço musical,

tanto para os profissionais como para o público: o Projeto “Som na Praça”, uma iniciativa

da Prefeitura Municipal de Jaú que, aos sábados e domingos à noite, reúne músicos da

região que se apresentam na Praça Tancredo Neves (próxima à estação rodoviária).

Sobre o mercado fonográfico, todos os músicos da cidade são enfáticos: não dá

nem pra pensar. Como aconteceu com a Continental, gravar um LP hoje (o que já se pode

fazer no interior) é um empreendimento nada lucrativo. Serve quanto muito para quem

pode investir dinheiro próprio, inclusive na divulgação e comercialização ou por gosto

pessoal. O mercado de discos é um campo restrito a poucos. Além do mais, apenas a

música comercial (com predominância para o que se toca fora do País) tem chance nesse

mercado. “Eu não poderia gravar apenas o que eu gosto, um disco instrumental, por

exemplo”, explica Arquimedes.

Quando aos clubes, existem ainda o Aero Clube e o Grêmio Paulista. Além

desses, há o Caiçara Clube, o mais novo e luxuoso da cidade.

Os principais bailes, contudo, são animados por grupos de fora, quase sempre, da

capital. O que se ouve nesses bailes é o de sempre, ou seja, a música comercial. Tangos,

valsas, boleros e outros antigos ritmos populares deixaram de ser populares. Agora,

pertencem ao passado. A propósito, o comentário dos jovens, em geral, é que é “uma

chatice” ouvir Glen Miller, Ray Coniff e por ai afora.

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Assim, mesmo com a presença do conjunto, o baile hoje parece mais com a boate

dos finais de semana (onde se liga o CD e pronto) do que com o baile mesmo. Bem, pelo

menos, é o que garantem os saudosistas.

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RELATÓRIO SOBRE A REPORTAGEM “JAÚ EM RITMO DE BAILE”

A idéia do tema, uma reportagem impressa sobre a história das orquestras

Continental e Capelozza de Jaú, surgiu ainda no segundo semestre de 1990.

Jaú é uma cidade rica em tradições. Entretanto, conforme informações obtidas

empiricamente, pouco se tem organizado a respeito da história das orquestras Continental

e Capelozza, patrimônios da tradição musical de Jaú.

A relevância do tema se dá pelo sucesso que tais orquestras de salão alcançaram

durante quase três décadas (1940 a 1970), cuja atuação permanece viva na memória das

pessoas que viveram aquele período.

A partir desse fato, surgiu a idéia de se fazer essa reportagem que não só

procurasse cobrir essa lacuna na história da cidade, bem como servisse de subsídio a

pesquisas e estudos futuros.

Assim, ainda em 1990, consultei alguns professores acerca da viabilidade da

proposta para o Projeto Experimental, a ser executado e apresentado no segundo semestre

de 1991.

A confirmação veio no início do semestre seguinte, logo nas primeiras aulas da

disciplina Planejamento em Comunicação, quando o aluno discute em sala de aula sua

proposta para o Projeto Experimental e elabora um pré-projeto.

Durante praticamente todo o primeiro semestre de 1990, dediquei-me, sob a

orientação do professor Dr. Antonio Carlos de Jesus, responsável pela disciplina

Planejamento em Comunicação, à elaboração desse pré-projeto, que nada mais é que um

roteiro inicial que direciona todo o trabalho do aluno na execução do próprio Projeto

Experimental.

Antes contudo, de elaborar o pré-projeto, realizei um trabalho de pesquisa, o

“Conhecimento da Realidade”. Trata-se de um levantamento acerca do meio no qual se

desenvolve o assunto de pesquisa do projeto. No meu caso, ou seja, a “realidade” na qual

estavam inseridas as duas orquestras é a cidade de Jaú (SP), mais precisamente durante as

décadas de 40 a 70, período de existência das referidas jazz-bands.

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Desse modo, durante a última quinzena de março/91, pesquisei junto a fontes

informais (Biblioteca Municipal e do Museu Municipal) e fontes informais (os arquivos

pessoais de ex-integrantes das orquestras e público em geral) material (texto, fotos e

ilustrações) sobre esse período da história de Jaú e informações preliminares sobre o

objeto em estudo, ou seja, as duas orquestras. Ainda no final de março, redigi o

“Conhecimento da Realidade”.

Em seguida, durante a primeira quinzena de abril/91, realizei uma pesquisa

bibliográfica sobre o assunto “música”, buscando focalizar sobretudo o período em

estudo. Além disso, li e fichei livros que se relacionavam direta e indiretamente ao

assunto. (Procurei consultar diversos professores a respeito de sugestões de leitura).

Concluído esse trabalho, durante a primeira quinzena de maio/91, empenhei-me

na redação do pré-projeto e de uma proposta para a estrutura do próprio Projeto

Experimental.

Munido do “Conhecimento da Realidade”, Pré-Projeto e Proposta de Estrutura do

Projeto, através de um ofício, solicitei a orientação do professor Murilo César Soares do

Departamento de Ciências Humanas da FAAC (Unesp-Bauru).

Definida a orientação, iniciamos a partir do segundo semestre de 1991, algumas

reuniões para discutir o andamento do projeto.

No entanto, ainda no primeiro semestre de 1991, sobretudo durante o mês de julho

(férias escolares) e início de agosto, realizei novo trabalho de pesquisa. Junto à Rádio

Piratininga de Jaú, consegui uma cópia da gravação do primeiro LP da Orquestra

Continental, “Convite para o Baile”. Junto ao Museu Municipal e alguns ex-integrantes

das orquestras, obtive fotos (que pude reproduzir) e matérias de jornais sobre o assunto.

Entre os dias 01 e 10 de agosto, realizei entrevistas com os antigos músicos e

pessoas (a maioria casais) que viveram a época em estudo e acompanharam o sucesso da

Capelozza e Continental. Foram, ao todo, 10 entrevistas, das quais 6 mereceram, cada

uma, um capítulo especial no trabalho final. Além das entrevistas, realizei vários contatos

informais com ex-músicos e público em geral que, embora rápidos e não tendo sido

gravados, contribuíram significativamente com as informações que deles obtive.

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De posse das entrevistas transcritas, além do material anteriormente pesquisado

(“Conhecimento da Realidade”, bibliografia), iniciei ainda em agosto, o trabalho de

redação do projeto.

Esse trabalho, realizado em microcomputador, estendeu-se até o início de

novembro. Durante esse período, o professor orientador acompanhou o trabalho de

redação com sugestões e correções.

Redigido o projeto, bastou estruturá-lo a partir de um índice. Na última semana de

novembro, o trabalho foi entregue aos professores da banca examinadora, anteriormente

convidados.

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BIBLIOGRAFIA CORREA, Ricardo S. Ouvinte Consciente. São Paulo. Ed. do Brasil SA ______. FERNANDES, José. Vultos e fatos da História de Jaú. Edição conjunta extraordinária do Correio da Noroeste, Correio da Capital, Correio de Garça, comemorativa do centenário de Jaú, São Paulo, 1955. MILANESI, Luiz A . O Paraíso via Embratel. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. “O som das grandes bandas do interior paulista” in Jornal Internews, suplemento de cadeia de jornais da CBI, agosto/1975. SCHWARZ, Mário. “Personagem: Waldomiro de Oliveira” in Jornal Comércio do Jahu, Jaú, 25/10/1987, p. 5. SEVERINO, Antonio J. Metodologia do Trabalho Científico. 16a. ed., São Paulo, Cortez Editora & Editora Autores Associados, 1990. SODRÉ, Muniz. Técnica de Reportagem: Notas sobre a Narrativa Jornalística. São Paulo, Summus Editorial, 1986. SUCUPIRA, Zélia. “Personalidade em destaque: Plácido Antonio Capelozza, ‘Tunin’” in Jornal Comércio do Jahu, Jaú, 29/10/1978, p. 10. TEIXEIRA, J. H. “Personagem: Tunin Capelozza” in Jornal Comércio do Jahu, 14/09/1987, p. 6. TINHORÃO, José R. Música Popular - do Gramofone ao Rádio e TV. São Paulo, Editora Ática, 1981. TINHORÃO, José R. Pequena história da música popular - Da modinha à canção de protesto. Petrópolis, Ed. Vozes, 1978. TOSCANO, José Raphael. João Ribeiro de Barros - Apontamentos Históricos. 1a. ed., Jaú, Cartonagem Jauense Editora, 1986.

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Legendas/fotos:

Em foto de 1945, a Orquestra Continental., então dirigida pelos irmãos Capelozza, se

apresenta no Tênis Clube de Marília. Na primeira fila, Amélio e Tunin Capelozza,

respectivamente, segundo e quarto saxofones. Ao lado de Tunin, em pé e de branco, o

crooner Waldomiro de Oliveira.

Capelozza e sua Orquestra. Ao microfone, o crooner Sabu. No sax: Amélio e Tunin

Capelozza, Roberto Pavan e Constante Ometto (da esquerda para a direita). No contra-

baixo, Irineu Capelozza.

A Líder Orquestra, antes de se transformar em Capelozza e sua Orquestra. Na foto, Diva

Loka aparece dividindo a função de cantor com Sabu.

A Orquestra Continental durante apresentação no Aero Clube de Jaú.

Capa e contra-capa de “Convite para o Baile”, o primeiro long play da Continental,

gravado em 1958.

A Orquestra Continental, em 1958, por ocasião da gravação do seu segundo LP, “Chegou

a Orquestra de Jaú”. A foto foi tirada no museu da Aeronáutica, no Parque Ibirapuera (S.

Paulo), onde encontra-se o hidroavião “Jahú”, usado por João Ribeiro de Barros para

atravessar o Oceano Atlântico.

O ônibus “Marta Rocha” (1959): mais um baile na cidade de Conchas (SP).