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Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

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Terapia comportamental e cognitivo comportamental

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/ erapia Comportamental e Cognitivo-comportamental

Práticas uínicas

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Organizadores

Cristiano Nabuco de AbreuPsicólogo, Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

(PUC-SP) - Doutor em Psicologia Clínica pela Universidade do Minho (UM), Portugal - Coordenador da Equipe de Psicologia do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares (AMBULIM) do Instituto de Psiquiatria do Hospital

das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo —Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo (NPCSP).

Hélio José GuiihardiPsicólogo, Mestre em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo

(U SP) - Professor Colaborador do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (IJFSCar) e Professor Convidado das Faculdades Salesianas

de Vitória (ES) - Instituto de Análise de Comportamento (IAC) e Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR) de Campinas (SP).

ROCA

Page 4: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Copyright © 2004 da I a Edição pela Editora Roca Lida.ISBN: 85-7241-526-2

Xenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, guardada pelo sistema “retrievaT ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, seja este eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação, ou outros, sem prévia autoriza­ção escrita da Editora.5

Capa (Jardins de Monet, em Giverny, França)Hélio José Guilhardi

Quarta-capa (Jardins de Monet, em Giverny, França)Cíntia Guilhardi

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

M251

Terapia comportamental e cogniti vo-comporrarnental — Prá­ticas clínicas

/ organizadores Cristiano Xabuco de Abreu, Hélio José Guilhardi. — Sào Paulo : Roca. 200-1

Inclui bibliografiaISBN 85-~24l-526-2

1. Terapia cognitiva. 2. Terapia do comportamento. 3-Cognição. -4. Comportamento humano. 5. Psicoterapia. 6. Psi­cologia clínica. L Abreu. Cristiano Xabuco de. II. Guilhardi. Hélio José.

04-1066. CDD 616.8914CDU 615.851

2004

Todos os direitos para a língua portuguesa são reservados pela

EDITORA ROCA LTDA.Rua Dr. Cesário Mota Jr., 73

CEP 01221-020 - São Paulo - SP TeL: (11) 3331-4478— Fax: (11) 3331-8653

E-mail: [email protected] - www. editor ar oca. com .br

Impresso no Brasil

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Agradeço às colegas Noreen Campbell de Aguirree Maria Eloisa Bonavita Soares pelo trabalho realizado na elaboração da

Parte I - Terapia Comportamental.

H élio José G uilhardi

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Prefácio

Quando Watson, em 1913, lançou seu manifesto beha­viorista, provavelmente não tinha idéia que seu movimen­to e sua proposta para a Psicologia, como ciência natural, fosse florescer tanto quanto aconteceu.

De fato, depois de muitos experimentos realizados por ele e por seus orientandos, o movimento behaviorista se subdividiu muito e hoje temos um grande número de pro­postas de entendimento e de trabalho percebendo o com­portamento como matéria de estudo.

Particularmente, a área de aplicação genericamente denominada de Terapia Comportamental e Cognitiva, de­senvolve muito conhecimento, tendo sua história contada por vários autores. A versão mais comum dela é que a Tera­pia Comportamental e Cognitiva originou-se no movimento filosófico denominado “neobehaviorismo”. Por essa razão, autores como Watson (apontado como o fundador do movimento behaviorista), Tolman e Hull (iniciadores do behaviorismo mediacional) e Skinner (proponente do behaviorismo radical) são considerados os precursores de toda e qualquer terapia que possua o adjetivo “compor­tamental” em seu nome (Costa, 2002),

Com o tempo, parte da vertente cognitivista da Terapia Comportamental também passou a se interessar pela com­preensão da construção de significados pelos indivíduos, debruçando -se sobre o estudo dos esquemas emocionais que orientaram essa construção (Abreu e Roso, 2003), for­mando assim, a vertente cognitivo-construtivista da tera­pia. Das estruturalistas às funcionalistas, das mecanicistas às contextualistas, das dualistas às monistas, uma gama de terapias comportamentais pode ser encontrada na litera­tura (Dougher e Hayes, 1999).

Obviamente, as várias vertentes foram criando técnicas para lidar com as queixas e problemas humanos. Especial­mente em terapias -e/ou de terapias - do comportamento

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roram encontrados vinte e oito termos de referência à Terapia Comportamental na literatura produzida no Brasil entre 1970 e 2001 (Nolasco, 2001). Esse dado mostra a multiplicidade e a riqueza da produção da área e, decorrente disso, as diversas formas de abordagem do comportamento.

tste livro é um reflexo desse trabalho múltiplo. Seu propósito é organizar cia* ramente as técnicas disponíveis para a árdua e imensa tarefa de diminuir o sofri­mento humano. Os esforços conjuntos de Cristiano Nabuco de Abreu e Hélio José Guilhardi foram coroados de êxito. Este Manual Prático de Técnicas em Terapia comportamental, Cognitivo-comportamental e Cognitivo-construtivista organi­za, o elenco atualizado de técnicas de forma simples e objetiva, sem perder de vis­ta a seriedade e a pro tundid ade das origens e dos pressupostos de cada uma delas.

Os artigos foram escritos por experts das terapias analítico-comportamental, cognitivo-comportamentai, cognitivo-construtivista. Neles, pode-se encontrar a tradição da abordagem científica do comportamento, cada qual contribuindo e discutindo para que as aplicações necessárias na clínica psicológica sejam bem enfrentadas. Isso possibilita maior tranqüilidade para o especialista que passará a ter uni arsenal de procedimentos clínicos para a capacitação do exercício de sua atividade profissional.

No entanto, cabem aqui três alertas ao leitor mais desavisado. A multiplicidade de técnicas também gera vasta compreensão do comportamento humano e das suas determinações. Como foi apontado, a origem das técnicas oferece entendimento bastante particular e diverso entre as várias abordagens do comportamento aqui discutidas. A organização do livro que classifica as técnicas em Comportamentais, Cognitivas e Cognitivo-construtivistas, demonstra essa diversidade. É uma classifi­cação cuidadosa, criteriosa e (re) conhecedora da multiplicidade.

Um segundo alerta deve ser feito: o objetivo deste livro não é comparar as técnicas entre si. Não foi à toa que os organizadores, na sua Introdução, obser­vam “um fracasso generalizado na pesquisa para demonstrar, consistentemen­te, um enfoque soberano sobre os demais”. Isso aponta quão infrutíferas seriam as comparações.

Por outro lado, este livro não prega um ecletismo teórico. Nesse ponto cabe o terceiro alerta. Uma posição bastante parcimoniosa para o leitor seria revelar to­das as técnicas disponíveis. Cada uma delas pode ser útil em algum momento da atuação do profissional de qualquer abordagem teórica, sem ferir o modelo subja­cente à sua forma de trabalho. Entretanto, sua análise, escolha e utilização devem ser pautadas na tundamentação teórica da abordagem assumida pelos terapeutas. O conhecimento das técnicas nunca substituirá a análise de cada profissional so­bre o caso atendido.

Feitos os três alertas, resta ao leitor inclinar-se sobre o estudo detalhado de cada capítulo. Asseguro-lhe que sairá desse estudo como um terapeuta mais bem formado, seguro e criativo em seus atendimentos.

Roberto A lves B anaco Professor no Programa de Estudos Pós-graduados em. Psicologia Experimental: Análise do Comportamento

Professor Titular do Departamento de Métodos e Técnicas em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

XE V * e.-ac a Comporta mental e Cognitivo-comportamentai ~ Práticas Clínicas

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Introdução

Nós temos presenciado, como clínicos, o esforço evi­dente de muitas escolas de terapia no sentido de auxiliar seus clientes na buscar da tão desejada mudança psicoló­gica. Todavia, em muitos momentos, a realidade prática faz certos limites tradicionais de nossa praxe serem severamente revistos. Em função disso, tem. ocorrido um forte movimen­to de diferentes escolas da terapia para o desenvolvimento de perspectivas mais integrativas. No entanto, existe o fra­casso generalizado na pesquisa para demonstrar, de ma­neira consistente, um enfoque soberano sobre os demais. Felizmente, esse resultado encontra-se em sintonia com o momento cultural atual, chamado de pós-modernidade, que, dentre outras coisas, possui uma concepção relativista da realidade, a qual rejeita, sadiamente, premissas dog­máticas a respeito de qualquer tipo de ideologia.

Com freqüência, vemos teóricos de determinadas es­colas se esquecendo desse momento histórico, ainda pro­clamando-se mais eficazes. Somos contrários a tal tipo de preocupação: é impossível avaliar, comparativamente, pro­postas terapêuticas que diferem entre si quanto a pressu­postos conceituais, estratégias de ação clínica e critérios de avaliação do progresso do cliente. Parece-nos mais saudá­vel cada escola, ou abordagem terapêutica, se avaliar a par­tir de seus próprios referenciais teóricos e práticos e, assim, se rever. Cada proposta deve surgir de uma avaliação crítica de seu próprio dinamismo das atuações prática e científica. Todas as abordagens se desenvolvem e buscam sistemati­zar melhor os dados que obtêm dentro de um referencial teórico coerente e, parcimoniosamente, abrangente. Os dados são mais importantes que os desejos e as teorias. A teoria deve ser revista e ampliada para incorporar as evi­dências dos dados e esses nunca poderão ser distorcidos, a fim de se preservar a teoria. As abordagens comportamen­tais e cognitivas são praticadas por teóricos, pesquisadores

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XVI ■ Terapia Comportamental e Cognitivo-comportamental - Práticas Clinicas

e clínicos que compartilham dessa postura e, como resultado, pode-se dizer queas Terapias Comportamental e Cognitivo-comportamental revelam transformaçõesgraduais, sistemáticas que as tomam um empreendimento científico e terapêutico em desenvolvimento. Defendemos esse dinamismo evolutivo. Queremos o entendi­mento mais preciso de cada tradição e de sua contribuição à Psicologia por inteiro.

Neste livro não pretendemos apresentar preceitos verdadeiros dessa ou da­quela teoria, evitamos, ao máximo, qualquer postura dogmática de oposição ou d i comparação. Simplesmente, temos o objetivo de ampliar o entendimento de vauas» técnicas da t radição comportamental e cognitiva e, assim, fornecer deta-

es minuciosos para que nossas história e prática sejam mais bem compreendi­as. s capítulos seguintes resultam do trabalho de vários profissionais na

descrição de suas práticas clínicas. Esperamos que este resultado possa ser, de alguma maneira, fecundo.

C ristiano N abuco de A breu

H élio José G uilhardi

Page 10: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

t:- K«rt f f Hj >LtrG i? !W P Yi-i“ : S!*iiHEY:'.i‘JrI>iMiJni itta H-.^ïr'j^.^.liTifVi'M rape 's : H P£RB^f^3#&74&^tjr£ft =(■ Jfh± lïlii^ ÔjTtf■3f»iF lATatCiASi^f?.^ -ü u *= ^ 7 ï^ tc iiY tIl^ ^ h ^ , > iii^^7 .b ttr '-l^ iÈ ll=tll=i~ 1,iï-3ïiJiiiét1'ÎWÇtïr’J:-arr- S?tcíil^.=ii!AiH ijta t^ im M ^ p f*m 3 n r= ^ ifa'^m'i'rSt'PÏJi iTTT>ewip.ta ,tJ=1.-S=>i,=>:'! L- n iitaAíiTili™ituí=iivrjHi7i w î& r t f f i^ ÿ w

/>índice

Pa rte ITerapia Comportamental...................... 1

C apítu lo 1Terapia por Contingências de

Reforça mento........................H élio J o sé G uilhardi

3

C apítu lo 2Reforçamento Positivo: Princípio,

Aplicação e Efeitos Desejáveis............................ 41M a r ia B eatriz B a rbo sa P inho M a d i

C a pítu lo 3Reforçamento Negativo na Prática Clínica:

Aplicações e Implicações...................................... 55M a ly D elitti

Cá ss ia R oberta da C unha Th o m a z

C a pítu lo 4Punição Positiva............................................................ 61R oberto A lves Ba n ac o

C apítu lo 5Punição Negativa......................................................... 72Patric ia P iazzon Q ueiroz

C apítu lo 6Imitação............................................................................ 102Priscila R . D erd yk S ilvia S . G ro berm an

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XVIII ■ Terapia Comportamental e Cognitivo-comportamentaI - Práticas C/7nicas

C apítu lo 7EsvanecimentoL ilian M ed eiro s

C apítu lo 8Modelagem......................J a íd e A parecida G o m es R eg ra

.... 121

C apítu lo 9Extinção e Terapia................................................................................................ 144Fá t im a C ristina d e S ouza C onte J o celain e M artin s da S ilveira

C apítu lo 10Instruções e Auto-instruções: Contribuições da Pesquisa Básica...... 152JOSELE A bREU-RoDRIGUESE lisa Ta v a res S a n a bio -H ec k

C a pítu lo 11Dessensibilização Sistemática ao Vivo.......................................................... 169D enis R o berto Z a m ig n a n i

C a pítu lo 12Dessensibilização Sistemática por Imagens................................................ 177M á rc ia da R . P itta F erraz

C apítu lo 13Condicionamento Respondente: Algumas Implicações

para o Desenvolvimento de Tolerância,Síndrome de Abstinência e Overdose...................................................... 186

M arcelo F rota B envenuti

C apítulo 14Manejo de Comportamentos Clinicamente Relevantes........................ 194M a r ia Z ila h da S ilva B ran dão J o celain e M artin s da S ilveira

C apítu lo 15Ensaio Comportamental.................................................................................... 205Vera R egina L ig n elu O tero

C a p ít u lo 16Emparelhamento com ModeloJ úlio C. de R o se

215

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índice ■ XiX

C apítu lo 17Reversão de Hábito.............................................................................................. 226L u c M a rc e l A dhem ar Vandenberghe

C a pítu lo 18

Encadeamento de Trás para Frente................................................................231M a ria M a rth a C osta Hübner

C a pítu lo 19Técnica Implosiva................................................................................................. 234R egina C hristina W ielen skaí

C apítu lo 2 0f

Princípio de Premack...........................................................................................238La ér o a A breu Vasco n celo s L incoln da S ilva G im en es

C apítu lo 21Economia de Fichas............................................................................................. 251L u c M a rc e l A dhem ar Vandenberghe

C a pítu lo 2 2Autocontrole: Pesquisa e Aplicação.............................................................. 259JOSELE A bREU-RoDRIGUESM a rc e lo Em ílio B e ck e rt

Parte IITerapia Cognitivo-comportamental.................................275

C a pítu lo 2 3Introdução às Terapias Cognitivas..................................................................277C ristia n o N abuco de A b reu

C a pítu lo 2 4Conceituação Cognitiva.................................................................................... 286B ernard Ra n g é

C apítulo 25Rotulação das Distorções CognitivasM a r ia C ristina Triguero V elo z T eixeira

300

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XX ■ Terapia Comportamental e Cognitivo-comportamental - Práticas Clínicas

C apítu lo 2 6Diálogo Socrático..................................................................................................311M a r ia Cristin a O . S . M iya za k i

C a pítu lo 2 7

Flecha Descendente..............................................................................................320EROY A parecida da S ilva

C a pítu lo 2 8

Questionando Rótulos, Atribuições e Significados..................................330Helene Sh inohara

C apítu lo 2 9

Descatastrofização................................................................................................336M a riâ n g e la G en til Savoia

C apítu lo 3 0

Treino de Resolução de Problemas.................................................................344L/liana Seg er Ja co b

C apítu lo 31Paradoxo.................................................................................................................. 352D ébora P a sto re B a ss itt

C apítu lo 3 2Imaginação Dirigida..............................................................................................365E lian e d e O . Falco n e

C apítu lo 3 3 •Questionando Crenças Irracionais..................................................................371Ir ism a r R eis d e O liveira M elan ie O g u ari Pereira

C apítu lo 3 4Técnica da Cadeira Vazia....................................................................................383R aphael Ca n g elu F ilho

Page 14: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

índice * XX!

C a pítu lo 3 6Agenda..................................................................................................................... 398M a r ia d e Fá t im a G a spa r Va sq u es

C a pítu lo 3 7Treinamento em Auto-instruções...................................................................405S érg io L uiz E . S a n to s

M a rc o A ntônio S . A lvaren ga¥

C a pítu lo 3 8Entrevista Motivacional..........................................................................................414R oberta Pa y á N elian a B uzi F ig lie

Parte IIITerapia Cognitivo-construtivista....................................... 435

C apítulo 3 9Introdução às Terapias Construtivistas........................................................ 437H enrique A lvaren ga da S ilva Ca rlo s E duardo R eche

C a pítu lo 4 0Técnica da Escada................................................................................................ 442M ireia C . R o so

C apítu lo 41Técnica do Espelho.............................................................................................. 449Leon ardo R Fraim an

C apítu lo 4 2Técnica da Moviola: Método de Auto-observação

no Construtivismo Pós-racionalista............................................................. 459A ugusto Z a g m u t t Cah bar

índice Remissivo......................................................................................................475

Page 15: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

ParteL T O S » ' • ' '■■■■ - r - r J :-v.- - ;•= ■-* L - ï - ' . ~ r^ .v . ,14 n .IV rJ . ;Í1 - - - . T H . - J i - -H LL1- - S j ; j TJ,-. ,- v, j ,-.-. - ■.- --J^ r-V .v . : r-.Ti L i - i T - - : t í j & ■ l - ^ t . - , & : T l. - £ . _ - j . - . - , . , . . . . , J - , . £ ÿ ^ ^ ■ - , . - ^ ^ ^ - - . . , rj . : L t : : z ^ - : T. j Jd I □ : - - j= . r^ - : - J.-.J - : - =- : - \ - - - V r . - ( = t :

Terapia Comportamental

Page 16: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

C A P Í T U L O

Terapia por Contingências de Reforçamento

, H é lio J osé G u ilh a rd i1

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\ A Terapia Comportamental é um processo que en­} volve a aplicação de procedimentos ou técnicas com-j portamentais específicos, utilizados com o objetivo de| alterar exemplos particulares dos com portam entos{ da queixa apresentada pelo cliente ou por pessoas rele-j vantes do ambiente social em que ele está inserido,j Envolve, sim, tal prática, mas não se limita a ela. Essa\ advertência inicial é necessária para que o leitor dos ca-j pítulos que se seguem não se sinta atraído pela noçãoI de que cada técnica descrita é um exemplo de Terapia; Comportamental ou uma maneira de lidar com uma{ queixa. Certas perguntas, freqüentemente formuladasj pelos estudantes e profissionais principiantes: “Vocêj pode sugerir um texto que me ensine a tratar um casoj de depressão?” ou “O que eu tenho que fazer para tra-; tar uma fobia?” são inapropriadas e parecem buscarj respostas que, aparentemente, estariam nos capítulos{ sobre as técnicas. A impropriedade de tais questõesj deve ficar plenamente esclarecida até o final do pre-i sente capítulo.

1 Terapia por Contingências de Reforçamento - Instituto de Análise de Comportamento e Instituto de Terapia por Contingências de Refor­çamento (Campinas/SP).

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4 ■ Terapia Comportamental

Ferster (1972)2 argumentou que os problemas comportamentais detectados no cliente que busca a terapia são muito mais abrangentes que a queixa específica e restrita trazida por ele:

“O desconforto que traz o paciente para a terapia vem, predom inantem en­te, de comportamentos não verbais. Em outras palavras, ele perm anece em casa em vez de ir ao trabalho ou ele não fa la com as pessoas quando as vê.Isso sugere que a efetividade e a adequacidade geral do repertório operante do paciente são uma dimensão mais importante de seu problem a, do que fob ias ou medos específicos” (pág. 4).

Ferster destacou que o terapeuta deve lidar com o repertório geral de com­portamentos do cliente - tal é a ênfase relevante e fundamental - e não atentar, prioritariamente, para a queixa específica apresentada por ele. Respondeu, de certa maneira, a uma crítica que, com certa insistência, se tem feito à Terapia Comportamental: ela está voltada apenas para problemas isolados, como fobia, gagueira, birra etc. Uma observação clínica freqüente revela que pessoas quei­xosas de “fobias de elevador”, raramente tiveram qualquer experiência desagra­dável ou ameaçadora com elevadores; por outro lado, muitas outras que tiveram alguma ocorrência desse tipo, não apresentam nenhuma reação “fóbica” com elevadores. A resposta para as diferentes reações deve ser buscada no reper­tório global de comportamentos de umas e de outras. O terapeuta, antes de propor qualquer ação terapêutica, deve ficar sob controle dos excessosy dos déficits e das reservas com portam entais do cliente, não sob controle exclusivo da queixa. Ferster (1972) prosseguiu:

“f/m repertório operante, fortem ente reforçado positivamente, tem mais chances de incluir com portam entos que podem term inar os estímulos aversivos do que comportamentos que podem vir a ser perturbados por eles. Inversamente, é difícil imaginar como a dessensibilização de uma classe par­ticular de desempenhos poderia trazer muitos benefícios num repertório cuja freqüência geral de comportamentos é baixa , por exemplo, e que não detec­ta características importantes dos am bientes reforçadores que estão poten­cialmente disponíveis... Há um extremo em que o repertório geral é muito lim itado e um outro extremo no qual a fob ia é de importância trivial no contexto do repertório total do paciente. Assim, com portam ental e clinica­mente, uma fob ia não é tanto uma form a de comportamento, mas mais propriam ente uma mudança numa parte substancial do repertório total da pessoa” (págs. 4-5).

2 As citações freqüentes e extensas de B. F. Skinner e de seus seguidores têm dupla finalidade: familia­rizar os não iniciados com os textos originais; mostrar, de maneira abrangente, o potencial dos escritos de tais autores para a atuação em áreas distintas como clínica, educação e planejamento da sociedade. Agradeço as psicólogas Lilian Medeiros, Maria Eloisa Bonavita Soares, Maria Rita J. Martini Del Guerra, Noreen Campbell de Aguirre, Patrícia Piazzon Queiroz e Tatiana Lussari pelas criteriosas sugestões durante a elaboração do capítulo.

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Terapia por Contingências de Reforçamento ■ 5

Considere como exemplo uma pessoa com repertório social limitado, ou seja, para quem a presença do outro funciona como estímulo pré-aversivo (“Dele podem vir críticas, reprovações etc., em relação aos meus comportamentos... e isso tudo me faz muito mal”). Ela apresenta baixa freqüência de comportamentos de falar com pes­soas, não defende as próprias opiniões com argumentos claros e insistentes, tem dificuldades para discordar do outro e assim por diante. O repertório geral de fuga- esquiva de contingências coercitivas sociais e de acesso a reforçadores positivos sociais que a pessoa apresenta são, enfim, restritos e deficientes. Acrescente-se, ainda mais, que o desempenho profissional dela é também limitado: cumpre as tarefas de trabalho com dificuldades, possui poucas iniciativas e não consegue hierarquizar as obrigações mais urgentes que lhe são solicitadas. Na primeira sessão, a cliente rela­tou que estava procurando ajuda terapêutica por causa de “fobia de elevador" (o terapeuta depois constatou que o elevador dá a ela acesso ao escritório em que traba­lha), porque tem tido crescentes dificuldades para sair de casa: “O simples fato de en­trar no carro me causa tamanha ansiedade que, às vezes, sinto meus braços amortecidos e tenho dificuldades para mudar as marchas... Acho que vou parar de dirigir”; e relatou, ainda, que nenhum ansiolítico ou antidepressivo funcionava. Fica iaro que, embora a cliente se queixe de problemas específicos (fobias e ansiedade),1

I

exi

L-i.

aoe ao terapeuta ampliar o alcance da investigação, abrangendo o repertório mais enso de comportamentos da cliente, bem como as relações desse repertório com

os eventos reforçadores e punitivos disponíveis no ambiente. O exemplo é didático para ilustrar que a investigação e a intervenção do terapeuta devem voltar-se para as

ificuldades sociais e profissionais (e, possivelmente, outras a serem detectadas). Qual- iuer técnica, voltada de início para as fobias, resultará em fracasso e não trará benefí­

cio para as dificuldades significativas e fundamentais da cliente. Os comportamentos íobicos e os estados corporais associados (ansiedade) compõem um repertório de fuga-esquiva das contingências presentes nos contextos social e profissional por falta de repertório adequado p a ia lidar com essas relações. Se não houver uma intervenção terapêutica bem-sucedida, é muito provável que os comportamentos de fuga-esqui­va se fortaleçam e se ampliem (a cliente irá se tornar mais fóbica e, portanto, se sen­tindo e se declarando “cada vez pior”), até o ponto de ela evitar o contato com os componentes aversivos do ambiente fora de casa: não porque a cliente os removeu ou aprendeu a lidar com eles, mas porque se afastou da situação (pede demissão, deixa de sair de casa, pára de dirigir etc.). Ao se livrar daquelas conseqüências aversivas, ela acabará entrando em contato com outras conseqüências aversivas. A ênfase do terapeuta precisa voltar-se à ampliação dos repertórios deficitários e não aos com­portamentos de fuga-esquiva que ela vem apresentando. Ferster (1972) continuou:

“A habilidade do paciente para reagir, sensível e diferencialmente, ao seu próprio comportamento pode prover uma importante ponte com seu am ­biente natural A pessoa que pode reagii; diferencial e especificamente, àquela parte do seu ambiente natural que a perturba está um passo adiante para atuar sobre ele e livrar-se da disrupção” (pág. 5).

A pessoa pode ficar sob controle do próprio comportamento e dos estados r orporais, sem atentar para os aspectos do ambiente externo a ela, que produzem

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6 * Terapia Comportamental

esses comportamentos e estados. Dessa maneira, freqüência aumentada de batimentos cardíacos, dores na nuca, zumbido no ouvido, sensação de “estra­nheza” no corpo etc., podem controlar a pessoa e funcionar como estímulos discriminativos para verbalizações do tipo: “Vou ter um ataque cardíaco”; “Vou ter um derrame”; “Devo ter um tumor”...; e também para comportamentos de ir ao médico, medir pressão, entre outros, de forma exagerada. Por outro lado, “Não consigo fazer nada; só quero dormir”; “Estou com meu trabalho acumulado e sem ânimo para enfrentá-lo”; “Não tenho vontade de sair com meus amigos” são verbalizações sob controle da baixa freqüência de comportamentos que, prova­velmente, foram mais fortes no passado. Invariavelmente, seguem-se explicações: “Devo estar deprimido”; “Estou estressado”; “Perdi a motivação”; etc. No exemplo citado, a cliente fica sob controle de comportamentos e estados corporais e atri­bui à “fobia” a explicação do que está ocorrendo com ela. Em todas as situações apontadas, a pessoa não relaciona os estados corporais com a atuação de contin­gências coercitivas, as quais produzem comportamentos operantes de fuga-es- quiva e, ao mesmo tempo, eliciam reações respondentes. Os respondentes são sentidos e priorizados (exercem mais controle) e, para a pessoa, tornam-se sinto­mas com função pré-aversiva, os quais anunciam desfechos aversivos (morte sú­bita, câncer etc.). Da mesma maneira, a freqüência reduzida dos operantes não é causada por depressão nem por estresse, mas por contingências de reforçamento com redução importante da quantidade e da qualidade dos reforçadores positi­vos, aumento exagerado na razão de respostas por reforço, introdução de contro­le aversivo ou outras ações. Quando a pessoa não fica sob o controle dos eventos ambientais que compõem as variáveis controladoras das mudanças compor­tamentais e os estados corporais sentidos, o terapeuta terá que ensiná-la a identi­ficar e descrever as relações funcionais entre os comportamentos e as variáveis ambientais que os determinam. Em seguida, deve capacitá-la para alterar as rela­ções na direção que lhe for mais apropriada. Na citação seguinte, Ferster (1972) enfocou a relevância da interação ativa da pessoa com o ambiente, propondo o com­portamento discriminativo como pré-requisito para a atuação bem-sucedida:

“Comportamentalmente, um estímulo aversivo pode desmantelar um reper­tório inteiro ou pode aumentar a freqüência (por meio do reforçamento ne­gativo) de algum desempenho que o elim ine... Por outro lado, parece possível que um repertório discriminativo (acurada percepção do ambiente funcio­nal) seja um pré-requisito necessário para ação efetiva. Sem controle diferen­cial pelos elementos aversivos do meio (sem notar elementos do ambiente), só pode haver uma reação emocional difusa ou um afastamento da situação total. A delicada interação com o ambiente total - evitando ou escapando de elementos aversivos e, ao mesmo tempo, agindo sobre os elementos positivos - há de requerer, certamente, um repertório discriminativo abrangente" (pág. 5).

O que foi dito sobre fobia representa um exemplo da análise a ser feita diante de qualquer queixa específica trazida pelo cliente. Por isso, o processo terapêutico jamais se restringe ao emprego de técnicas específicas para manejar problemas específicos.

Para se entender a natureza do processo da terapia, há necessidade de especificar vários aspectos que caracterizam a Terapia Comportamental. Em primeiro lugar, é

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Terapia por Contingências de Reforçamento ■ 7

importante salientar que não há unanimidade, mesmo entre os que se denominam terapeutas comportamentais, quanto à definição de Terapia Comportamental, quanto às práticas clínicas empregadas com o cliente, quanto ao referencial conceituai adotado, quanto aos dados de pesquisa utilizados, quanto à metodologia de pesquisa adotada, quanto ao objeto fundamental de estudo, isso somente para citar as divergências mais relevantes. Diante dessa realidade da prática clínica, pare­ce oportuno adotar um termo que substitua a denominação Terapia Comportamental por outro, Terapia por Contingências de Reforçamento, que se espera seja mais des­critivo do envolvimento conceituai, experimental e aplicado dos terapeutas e me­nos envolto em equívocos e impropriedades. Saliente-se, porém, que mais do que uma nova terminologia, a Terapia por Contingências é uma forma de compreender e lidar com o comportamento humano, essencialmente comprometida com:

1. Arcabouço teórico-filosófico específico: o Behaviorismo Radical (Skinner, 1953, 1957, 1968, 1969,1971, 1974, 1978, 1987, 1989, 1999);

2. Ação metodológica para investigar e analisar os fenômenos comportamentais: a ciência do comportamento (JEAB, 1958 e seguintes; JABA, 1968 e seguintes; TAVB, 1984 e seguintes; Skinner, 1938; Keller e Schoenfeld, 1950; Ferster e Skinner, 1957; Sidman, 1960; Ferster, CulbertsoneBoren, 1968; Catania, 1998);

3. Utilização de procedimentos de intervenção terapêutica “tecnologicamente”descritos e “conceitualmente” sistemáticos (Baer, Wolf e Risley, 1968), deri­vados da ciência do comportamento;

4. Linguagem para descrever os fenômenos interacionais entre terapeuta (pes­quisador) e cliente (sujeito), alicerçada na proposta de análise do comporta­mento verbal de Skinner (1957).

A Terapia por Contingências abrange um conjunto de interações compor­tamentais que ocorrem em diferentes contextos, nos quais uma pessoa com a função de agente de mudança comportamental (terapeuta), influencia os comportamen­tos de outra pessoa (cliente) que solicitou, da primeira, ajuda para alterar compor­tamentos e sentimentos aversivos e cuja mudança está incapacitada de fazer por si mesma. As palavras de Skinner (1967/1953)3 esclarecem o que mobiliza a pessoa para procurar terapia:

“Os subprodutos (ou produtos colaterais) do controle que incapacitam o indivíduo ou são perigosos, seja para o indivíduo, seja para os outros, cons­tituem o cam po da psicoterapia” (pág. 204).

E também esclarecem a função última do terapeuta:

“A terapia consiste, não em levar o paciente a descobrir a solução para o seu problema, mas em m udar o seu paciente, de tal modo, que seja capaz de descobri-la” (pág. 216).

A primeira data refere-se ao texto consultado; a segunda, à publicação original.

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Ter a p ia Co mp o rta mental

A Terapia por Contingências é diferenciada de outras propostas terapêuticas pela maneira como o terapeuta atua (os procedimentos que utiliza) e pelo com ­promisso conceituai e experimental que ele adota na sua prática. Duas frases de Skinner (1999/1972a) parecem apropriadas para esclarecer o argumento:

“A concepção de comportamento humano que emerge de uma análise expe­rimental explica a característica ím par da m odificação de comportamento, qual seja: ela é diretamente comprometida com tomada de decisão e controle. Quando especificamos as metas... podemos ir diretamen te ao delineamento das contingências relevantes. A análise experimental do comportamento é mais que mensuração. Ela é mais que teste de hipóteses. Ela é um ataque empírico sobre as variáveis manipuláveis das quais o comportamento é fu n ­ção” (pág. 327).“A teoria que acom panha uma análise experimental é especialmente útil para justificar a, prática porque a m odificação de comportamento, freqüen­temente, significa uma am pla mudança na maneira pela qual lidamos com pessoas. E am pla não apenas no objetivo (atuando em áreas tão diversascomo educação, psicoterapia., economia e governo), mas também em nà própria natureza das pessoas, já que estados da mente, sentimentos e ou tros atributos do hom em interior, que figuram em explicações tradicionais do comportamento humano, são rejeitados em favor de circunstâncias an ­tecedentes nas histórias genética e individual da pessoa. A história genética está no momento além do controle, mas a história ambiental, passada e pre­sente, pode ser suplementada e mudada, isso é o que éfeito numa tecnologia comportamental genuína. M odificação de comportamento é m odificação de am biente, embora isso não seja am plam ente reconhecido” (pág. 326).

Todos os comportamentos emitidos pelo terapeuta estão sob o controle dos seguintes conjuntos de determinantes:

1. Comportamentos verbais e não verbais emitidos pelo cliente e por pessoas significativas do ambiente social dele;

2. Conjunto de procedimentos, metodologia de pesquisa, dados compor­tamentais e conceitos produzidos pela Ciência do Comportamento (AnáliseAplicada e Análise Experimental do Comportamento) e pelo Behaviorismo Radical;

3. Repertório comportamental pessoal, profissional e científico do terapeutaproduzido pela sua história de contingências, enquanto pessoa e enquanto profissional.

Ferster (1972) assim se referiu aos temas sistematizados nos três itens anteriores:

“Para alguns, a terapia... é um produto da interação (1) momento a m o­mento entre eles (terapeuta e cliente). Experiência passada, (3), experiência transmitida por outros (3) e teoria (2) provêem uma estrutura que oferece à terapia alguma direção, enquanto a qualidade experiencial (3) e o foco pri-

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Terapia por Contingências de Reforça mento ■ 9

mário sobre o com portam ento (1) do paciente individual, constantemente, adaptam e redirecionam a teoria (2) e a experiência passada (3) sobre as quais o tratamento se fundam enta. A teoria (2) sugere o que deve ser procu­rado, mas quando ela deixa de ser útil, o terapeuta experiente (3) volta-se para suas observações do comportamento (1) do paciente e para sua pró­pria experiência (3)... Ao prestar mais atenção às observações com por­tamentais (1) do que à teoria (2), a Análise do Comportamento (2) pode descobrir tipos de conduta (2) que são objetivos úteis para procedimentos de m odificação com portam ental (2 )”“As mudanças no com portam ento (1) do paciente podem reforçar (2) o com ­portam ento (1) do terapeuta, mesmo quando os procedimentos que ele está usando são intuitivos (3)... O resultado (1) não é conhecido previamente (2), cada atividade (2) é determ inada pelos resultados (1) da anterior e o paciente ensina ao terapeuta o que é efetivo (2). As aproxim ações sucessivas(2) - m odelagem - do comportamento (1) do terapeuta, geradas pelas mu­danças no comportamento (1) do paciente têm potencial para a Análise doComportamento (2) porque muitos desses fenôm enos (1,2) e procedim en­tos (2), ao que parece, não podem ser descobertos de nenhum a outra m a­neira (2). Independentemente de como os fenôm enos (1,2) e métodos (2) são descobertos pela primeira vez, no entanto, eles podem se tornar objetivos (2) e comunicáveis (2)}} (págs. 1 -2).4

A Terapia por Contingências se define por algumas características fundamen­tais e inalienáveis. Serão discutidas as mais relevantes (no presente capítulo, ape­nas três delas).

0 OBJETO DE ESTUDO E DE INTERESSE DO TERAPEUTA É O COMPORTAMENTO HUMANO

Nesse aspecto, a Terapia por Contingências apresenta uma posição radical ao se interessar, exclusivamente, por comportamentos. Para estudar o comportamento, o terapeuta trabalha, de fato, com as contingências de reforçamento passíveis de identificação e manejo. De acordo com Matos (1997):

“...o behaviorista radical não trabalha propriamente com o comportamento, ele estuda e trabalha com contingências comportamentais, isto é, com o com ­portar-se dentro de contextos" (pág. 46). E, um pouco m ais... “se tem dito, meio ironicamente, que a prática do psicólogo operante se restringe à an áli­se do operante, isto é, de relações 'se... então...' De fato, se ‘com portam ento’ é uma categoria funcional de análise} se é um termo teórico, uma concep­ção do behaviorista radical, ‘contingência’ é a operação em pírica equiva­

Esses números são do autor do capítulo. Indicam os controles, apontados no parágrafo anterior, sob os quais estão os comportamentos do terapeuta.

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10 ■ Terapia Comportamental

lente usada pelo analista de comportamento. Acontece que, sendo o orga­nismo o loca l o ponto de confluência desses movimentos-e-efeitos, ele tam ­bém é parte das contingências, e, assim, na verdade (se assumirmos o que se tem dito acerca de nós), seria m elhor completarmos ‘a prática do analista de comportamento é estudar contingências em seu efeito cumulativo sobre o desempenho dos organismos’” (pág. 52).

A unidade de análise do analista de comportamento envolve, portanto, uma situação antecedente (a relação entre a resposta e os estímulos que a antecedem e que estavam presentes na ocasião em que ela foi conseqüenciada), a resposta e a conseqüência (a relação entre a resposta e os estímulos produzidos por ela e que a influenciam).

O comportamento é um conceito interacional: fala-se de comportamento como a interação recíproca entre o organismo e o ambiente e, como tal, ele é um conceito interacional inferido e não observado diretamente. Todo comportamento operante é produto de um processo que implica a interação entre o indivíduo e o ambiente. A partir de tal interação, am bos se modificam; até mesmo o am­biente da pessoa vai sendo construído. Para Skinner (1999/1953): “O comporta­mento de um organismo não é uma coisa fácil para ser descrita. Ele não é um objeto que pode ser paralisado para inspeção. Comportamento é um processo, uma mudança contínua” (pág. 101).

As ações observadas do organismo não são comportamento, pois falta a elas o status de evento relacional, enquanto processo: “Watson, ao limitar o comporta­mento, como objeto de estudo da psicologia, ao observável como atividade do organismo, eliminou a interação como processo e circunscreveu seu domínio empírico ao dos movimentos. Assim, deu origem ao surgimento de duas formas de dualismo epistêmico: o behaviorismo metafísico e o behaviorismo metodo­lógico” (Ribes, 1982, pág. 24). Somente após a demonstração das relações funcio­nais entre as ações e os contextos ambientais antecedentes e conseqüentes, pode-se falar em comportamento (melhor seria falar em contingências de reforçamento). Ribes (1982) escreveu:

Postulamos a existência de um nível psicológico no conhecimento científico da realidade, independente, porém complementar, do biológico (e do social) que se fundam enta em um duplo critério. Por um lado, a especificidade do nível de organ ização dos eventos; por outro, a especificidade de sua historicidade. Como resultado, o psicológico se dá em um nível organizacional que inter-relaciona o biológico e o social, porém não se reduz a nenhum deles. O comportamento como interação do organismo total com seu ambiente (fí­sico, biológico e/ou social) modificável (mutável) em e por transcurso de sua história individual é o psicológico. Sua especificidade histórica o distingue do biológico, que se plasm a na filogenia (história evolucionária da espécie; que se contrapõe à ontogenia, que é desenvolvimento do indivíduo desde a fecun­dação até a idade adulta) e do social, constituído a partir do coletivo. O com ­portamento não é movimento nem mudança interna isolada, é movimento e m udança interna co-participantes de uma interação. O com portam entoé interação" (pág. 23).

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Terapia por Contingências de Reforçamento ■ 11

A visão do comportamento como interação faz justiça aos efeitos recíprocos do ambiente e do organismo. O que caracteriza o comportamento operante é a sensibilidade que possui aos efeitos que ele próprio produz no ambiente. Ele ori­gina alterações no ambiente e é modificado por essas mudanças. Segundo Micheletto e Sério (1993):

“Aqui começa a se esboçar a noção de homem como relação. O homem constrói o mundo a sua volta, agindo sobre ele e} ao fazê-lo, está tam bém se cons­truindo. Não se absolutiza nem o homem, nem o mundo; nenhum dos ele­mentos da relação tem autonomia. Supera-se, com isto, a concepção de que os fenôm enos tenham uma existência por si mesmos e a noção de uma na­tureza, hum ana ou não, estática, já dada. A própria relação não é estática, não supõe meras adições ou subtrações, não supõe uma causalidade m ecâ­nica. A cada relação obtém-se, como produto, um am biente e um hom em diferentes. Dizer que, como produto desta relação, se tem um hom em dife­rente a cada nova relação significa que este homem, a cada relação, se altera em sua totalidade” (pág. 14).

O instrumento de que o homem dispõe para alterar o próprio mundo e a si mesmo, produzindo ou reorganizando contingências de reforçamento, é o seu próprio comportamento operante. O instrumento que o terapeuta tem para alte­rar os comportamentos do cliente, produzindo ou reorganizando contingências de reforçamento que afetarão o cliente, é o seu próprio comportamento. Com por­tamento é, portanto, nosso instrumento de poder. Poder para transformar; poder para se transformar. Segundo Micheletto e Sério (1993):

“Skinner caracteriza o comportamento que com põe a relação operante como aquele que produz conseqüências... A importância desta caracterização está no termo produzir; ele indica que o comportamento é indispensável porque ele é que produzirá aquilo que passará a fazer parte de seus determinantes. Dito de outra maneira, a conseqüência depende do comportamento e o de­termina ” (pág. 13)... “É a característica de ‘produtor’que o com portam ento tem, quando inserido numa relação operante, que permite a Skinner afir­mar: ‘O mundo em que nós vivemos é am plam ente uma criação das pes­soas'ou “O operante é essencialmente o exercício do poder: ele tem um efeito sobre o am biente" ou “Os homens agem sobre o mundo, m odificam -no e, por sua vez, são m odificados pelas conseqüências de sua ação” (pág. 14).

O terapeuta interessa-se também pelos sentimentos da pessoa. “Os terapeutas preocupam-se tanto com o que as pessoas fazem, quanto com o que elas sentem” Skinner, 1995,1989, pág. 103). “Uma reformulação behaviorista não ignora os sen­

timentos; ela meramente muda a ênfase: do sentimento para aquilo que é senti­do. Uma pessoa responde ao mundo físico ao seu redor e, com um conjunto : ertamente diferente de nervos, ao mundo não menos físico dentro da sua pele. O jue ela sente é seu próprio corpo e entre as coisas que ela sente está seu próprio :omportamento, enquanto ele foi afetado por suas conseqüências” (Skinner, 1999,

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1972b, pág. 330). A posição de Skinner sobre os sentimentos apresenta, pelo me­nos, dois importantes avanços em relação às concepções tradicionais, anteriores a ele, sobre a natureza e a função dos sentimentos. Em primeiro lugar, sentimento é um fenômeno físico, é manifestação do organismo. Rompe-se, assim, a concep­ção dualista que postula a dicotomia entre sentimento (de natureza mental) e com- portamento-ação (de natureza corporal). Em segundo lugar, o sentimento deixa de ser a causa dos comportamentos, aquele evento que antecede e produz as ações humanas, e passa a ser entendido como um evento causado, colateral, simultâ­neo, indissociável do comportamento. De evento explicativo, passa a ser evento a ser explicado; de variável independente, passa a ser variável dependente. E, um pouco além, é melhor conceber o conjunto comportamento e sentimento como um processo indissociável, produzido por e fazendo parte das contingências de reforçamento. Skinner (1995,1989) assim se expressou:

“A posição behaviorista é: volte aos eventos am bientais antecedentes para explicar o que alguém faz e, ao mesmo tempo, o que essa pessoa sente en­quanto faz alguma coisa. Para cada estado sentido e designado pelo nome de um sentimento, presumivelmente existe um evento am biental anterior do qual esse estado é produto. A Terapia Comportamental se interessa mais pelo evento antecedente do que pelo sentimento” (pág. 103).

Uma evidência experimental (existem inúmeras) de que nem os sentimentos nem as emoções são causas do comportamento foi oferecida por Azrin (1959) num estudo realizado com pombos. O comportamento de bicar do sujeito experimen­tal era mantido num esquema FR (cada pombo, tinha um valor próprio da razão que variou de 10 a 50), mantido por reforçamento positivo. Após o desempenho no esquema FR mostrar estabilidade, o procedimento envolveu uma contingên­cia de punição em que cada resposta de bicar era seguida por um choque elétrico cuja intensidade foi introduzida de forma crescente desde 1 até 120 volts. A mu­dança de uma intensidade para a seguinte (mais intensa) dependia do desempe­nho do pombo: a intensidade da punição era mantida até que o padrão e o número total de respostas não mostrassem qualquer tendência discernível por sessões su­cessivas. Segue-se a descrição que o autor fez da observação de um pombo man­tido em FR 25 durante punição severa (convém lembrar que o sujeito recebia 25 choques e um reforço na condição experimental):

“A observação visual direta dos sujeitos na presente investigação revela uma visão bastante dram ática durante punição severa (80,100 e 120 volts). Im e­diatam ente após o reforçamento, o pom bo usualmente se afasta com pleta­mente da área do disco de resposta. Quando o sujeito finalm ente retorna até o disco e executa a prim eira resposta, a punição produz agitação e movi­mentos frenéticos e violentos das asas. A violência da reação física a esta prim eira punição dá a impressão que nenhuma outra resposta voltará a ser em itida por algum tempo. No entanto, o sujeito executa as 24 respostas res­tantes numa sucessão extremamente rápida, mesmo quando o efeito físico

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Terapia por Contingências de Reforçamento * 13

da punição parece tornar difícil a manutenção de uma postura ereta, ou até de se manter respondendo” (pág. 304).

O resultado do experimento e as conclusões foram sumarizados assim:

“O efeito da punição no desem penho em razão fixa é aum entar a duração das pausas após reforçamento. Não ocorre redução na taxa local (observa­ção do autor do capítulo: taxa local é definida pela relação entre número de respostas em itidas por unidade de tempo, determ inada para um período curto, particularmente quando ela é relativamente constante durante aquele tempo) de respostas, quase independente da severidade da punição. Qual­quer redução no número total de respostas é, portanto, atribuída a um aum ento nas pausas e não a qualquer decréscimo na taxa de respostas que vem prevalecendo.Esta redução de respostas é m aior no momento da introdução inicial ou no aumento da punição. Ocorre uma recuperação progressiva após exposição continuada, a qu a l virtualmente, se com pleta nas intensidades m oderadas de punição que tinham, inicialmente, reduzido m arcadam ente as respos­tas... Com intensidades mais altas, quase intoleráveis fisiologicamente, a recuperação do efeito inicial da punição é apenas parcial” (págs. 304-305).

Os resultados desse experimento mostraram, de maneira inconteste, que o sujeito experimental ficou sob controle das contingências de reforçamento ma­nejadas: reforçamento positivo intermitente em esquema de razão fixa e punição positiva, tendo choque elétrico como evento aversivo, contingente a todas as res­postas emitidas. A maneira como foi introduzida a intensidade do choque numa hierarquia progressiva - do menor valor para o maior - parece ser uma variável crítica, não avaliada experimentalmente (o que ocorreria se as intensidades maio­res de choque fossem apresentadas inicialmente?). O tamanho da razão de reforçamento foi avaliado (FR 10 a FR 50), revelando que os parâmetros da razão não alteraram os padrões de respostas dos sujeitos experimentais. A expectativa de que os sentimentos (ou emoções) de medo (do choque), de ansiedade (produ­zida por uma situação aversiva conhecida inescapável, não contingente à respos­ta), ou quaisquer outros sentimentos, possam ter função causal se esvai com esse estudo. Não são os sentimentos que produzem ou causam comportamento; o com­portamento é determinado pelas contingências (tanto quanto é o sentimento - ou melhor, o “sentir” - o é). E, no estudo relatado, o comportamento analisado é um operante livre em itido, não uma resposta reflexa eliciada: o pombo em ite a bicada que produz choque (sempre) e alimento (ocasionalmente). A demonstra­ção do papel das contingências se torna, portanto, enfática: não é o estado corporal sentido que produz o comportamento; são as contingências de reforçamento.

Um pombo “masoquista”! Chamá-lo de “masoquista” (ou, no caso de uma pes­soa, chamá-la de “deprimida” ou “estressada”) é a mesma coisa que lhe dar um apelido, uma vez que não acrescenta nenhuma informação sobre as variáveis que controlam os comportamentos. Pode ser tentador buscar explicações para o com­p ortamento em dinamismos psíquicos internos (masoquismo seria um exemplo).

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Quando, porém, se tem acesso aos processos comportamentais que produzem determinados padrões de comportamento, a necessidade de buscar uma explica­ção inventada ou mágica desaparece. A explicação está no nível das variáveis que podem ser manejadas para produzir o comportamento e das variáveis que permi­tem prever a ocorrência (ou não ocorrência) do comportamento, está nas contin­gências de reforçamento. O pombo não é masoquista; ele é (se preferir uma palavra afetiva) “vítima” das contingências ambientais a que foi exposto. Mais precisa­mente, ele é parte ativa das contingências em operação, produzindo conseqüên­cias e sendo afetado por elas. O desempenho final é o produto de tal interação entre o organismo e o ambiente (experimental).

Os sentimentos são, mais uma vez, manifestações do organismo e não entida­des abstratas de outra natureza que não a corporal. A compreensão dos sentimen­tos só é possível pela análise das interações entre organismo e o ambiente e a detecção das contingências em operação. Assim, por exemplo, o sentimento de prazer começa a ser entendido a partir da análise dos estados corporais produzi­dos por contingências de reforçamento positivo. Em seguida, pelo papel desem­penhado pela comunidade verbal da pessoa que, por meio de contingências de reforçamento sociais, ensina-lhe a identificar os estados corporais e a dar-lhes nomes arbitrários, porém convencionados, dentro da comunidade. Assim, senti­mentos envolvem manifestações corporais respondentes e operantes produzidas por contingências de reforçamento. Veja-se Skinner (1995,1989):

“Os terapeutas comportamentais atribuem o que é feito a dois tipos de conse­qüências seletivas: comportamento inato à seleção natural e comportamento aprendido ao reforçamento operante. Um exemplo específico é usualmente um produto conjunto de ambas. Existe, por exemplo, um lado operante na emoção. O medo não é só uma resposta das glândulas e dos músculos lisos, mas também uma probabilidade reduzida de movimento em direção ao ob­jeto temido e uma alta probabilidade de afastamento dele. O lado operante da raiva é uma probabilidade m aior de causar dano a alguém e uma menor probabilidade de ser agradável Enquanto o estado corporal resultante de con­dicionamento respondente é usualmente cham ado de sentimento, o estado resultante do condicionamento operante, observado pela introspecção, geral­mente é cham ado de estado da mente” (págs. 103-104).

Há vantagens em substituir o substantivo “sentimento” pelo verbo “sentir”. “Usamos o verbo 'sentir' para descrever nosso contato com esses dois tipos de estimulação” - (os sistemas interoceptivo e proprioceptivo) (Skinner, 1993, 1974, pág. 23). Com tal afirmação, Skinner definitivamente coloca o sentir no âmbito dos eventos do organismo: “Os estados corpóreos que são sentidos ou observados merecem reconhecimento, mas a ênfase deve ser dada às condições ambientais a que estão ligados e deve-se insistir que são as condições e não os sentimentos que nos habilitam a explicar o comportamento” (Skinner, 1993,1974, pág. 207). Pode- se concluir, então, que as contingências de reforçamento produzem simultanea­mente duas classes de comportamentos: operantes e respondentes. Não há necessidade de - mais precisamente, é um equívoco conceituai - falar-se em com­portamento e sentimento. Tudo é comportamento.

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Quando um paciente procura o médico, esse pede a ele para descrever as do­res, os estados orgânicos. Surgem dificuldades, já que as descrições são, em geral, pouco precisas. “A dificuldade não advém de o paciente não estar sendo estimulado de forma perfeitamente clara, mas sim de ele nunca ter estado exposto a condi­ções de instrução em que aprendesse a descrever adequadamente os estímulos” íSkinner, 1993, 1974, pág. 26). Estudos de pesquisa básica com animais parecem confirmar que os estados corporais têm função de estímulo controlador de com­portamento, mesmo que o organismo não tenha ciência de tal relação de controle ;falta, aos organismos infra-humanos, o comportamento verbal). Assim, Hoffman e Fleshier (1965) introduziram a punição positiva na supressão condicionada (no paradigma original de supressão condicionada, um estímulo-sinal (luz) sinaliza a apresentação de um estímulo aversivo (choque) inevitável, não contingente à res­posta, enquanto opera um esquema de reforçamento intermitente mantido por reforçamento positivo). Ou seja, os autores usaram um procedimento experimental que investigava uma variação no paradigma de supressão condicionada: num delineamento de emparelhamento {yoked, dois sujeitos são submetidos às mes­mas condições experimentais, exceto uma, que é a variável experimental sendo investigada), as bicadas de um pombo produziam choque para si mesmo (pu­nição positiva) e também para um outro pombo do par que estava num outro equipamento experimental (choque livre). Para os dois membros do par, periodi­camente era apresentado um estímulo-sinal (som), enquanto estava operando um mesmo esquema VI com alimento. Para o sujeito que era punido após o som estar presente por dois minutos, a primeira bicada produzia simultaneamente um cho­que elétrico, enquanto o som era desligado. O outro membro do par, no mesmo momento, também recebia o choque e o som era igualmente desligado. Portanto, os dois membros do par recebiam exatamente a mesma distribuição de choques e de som, mas, para o pombo da.condição de punição, a apresentação do choque era contingente à emissão da bicada durante a porção terminal do som, enquanto, para o outro pombo da condição de emparelhamento, a apresentação do choque era independente do comportamento que estava sendo emitido. As diferenças entre os desempenhos típicos dos dois pombos, quando os procedimentos reve­laram seu controle, foi evidente. Para o sujeito controle, tão logo o som era intro­duzido, se iniciava um curto período de aceleração negativa, o que reduzia rapidamente a freqüência de bicadas para um nível baixo, e que assim permane­cia até o término do som. O sujeito que era punido apresentava pausas maiores, porém no início da apresentação do som raramente ocorriam mudanças na fre­qüência de respostas; as pausas surgiam na porção final do som (mais próximas da resposta punida). Veja a explicação de Hoffman (1969) para as diferenças entre os dois sujeitos experimentais:

“Embora as explicações destas diferenças tenham que ser, no momento, um tanto especulativas, o trabalho sugeriu que a inclusão de uma contingência específica resposta-choque no paradigm a de supressão serviu para m odifi­c a ra influência do estímulo-sinal (som). Em particular, ela (contingência punitiva) pareceu estabelecer uma situação na qual a condição necessá­ria para ocorrer a supressão era que o sujeito estivesse respondendo na

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16 ■ Terapia Comportamental

presença do estímulo-sinal. Assim, para os sujeitos punidos, a introdução do estímulo-sinal não fo i comumente acom panhada por uma m udança na freqüência de resposta* Mais precisamente, estes sujeitos tipicamente res­ponderam durante o segmento inicial do estímulo-sinal e, então, abrupta­mente mostraram uma parada com pleta de bicar Foi como se o estímulo, que ganhou controle sobre a reação em ocional do sujeito, consistisse de um composto no qual um elemento fo i estim ulação provida pelo estímulo-si­nal e o outro elemento fo i estimulação provida pela informação proprio- ceptiva originada do comportamento de bicar o disco. Quando um dos elementos do composto estava faltando, com o ocorria durante os intervalos entre sons (quando o som estava ausente) e durante os primeiros segundos do som (quando a estimulação proprioceptiva das bicadas ao disco durante o som estava ausente), não ocorria supressão” (págs. 199e200).5

O aspecto que se deseja enfatizar com essa pesquisa é que seus autores suge­rem que o comportamento do pombo punido ficou sob o controle da estimulação proprioceptiva (debaixo da pele) na parte final da presença do som. O pombo fi­cou sob o controle da estimulação corporal produzida pela relação de contingên­cia existente entre a resposta e a conseqüência aversiva por ela produzida e não pela apresentação do choque. O pombo controle também recebia o choque em condição idêntica, apenas não havia uma relação de contingência entre o bicar e o choque. Seu desempenho (redução na freqüência de resposta durante o som) ficou exclusivamente sob controle do estímulo exteroceptivo. É oportuno para­frasear Skinner (1993,1974, pág. 188): Os sujeitos infra-humanos se comportam de forma consciente no sentido de estarem sob o controle de estímulos (exteroceptivos, no exemplo do pombo controle; exteroceptivos e proprioceptivos, no caso do pombo punido): ouvem som (os dois pombos experimentais) e sen­tem o próprio corpo (apenas o pombo punido), no sentido de responderem, apro­priadamente, cada um de acordo com a condição experimental a que foisubmetido; todavia, nenhuma contingência verbal os torna conscientes do som, no sentido de ouvir que estão ouvindo, ou do corpo, no sentido de sentir o que estão sentindo.

Com a afirmação de Skinner sobre o papel das contingências verbais, anun­ciam-se os problemas que a comunidade tem para ensinar os seus membros a emitirem respostas discriminativas verbais sob o controle de eventos orgânicos debaixo da pele. Tais eventos, por serem inacessíveis à observação direta da co­munidade, faz com que ela tenha dificuldades para reforçar diferencialmenterespostas sob o controle desses estímulos corporais.

“Há diferença entre sentimentos e relatos acerca daquilo que se sente. Pode­mos tomar o sentimento (seria m elhor dizer o sentir) com o simples resposta a estímulos (orgânicos internos), mas seu relato é o produto das contingên­cias verbais especiais, organizadas por uma comunidade. Há uma diferen-

5 Grifos do autor do capítulo

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Terapia por Contingências de Reforçamento ■ 17

ça sem elhante entre o com portam ento e o relato do comportamento ou das suas causas (conseqüências). Ao organizar as condições em que uma pessoa descreve o mundo público ou privado onde vive, um a com unidade gera aquela form a muito especial de comportamento cham ada conhecimento. Responder a um estômago vazio ingerindo com ida (comportamento sob controle de estímulos corporais internos advindos do estômago) é uma coi­sa; é outra, porém, saber que se está com fom e (comportamento verbal que descreve um estado corporal sob controle de tal estado e m odelado pelas contingências geradas pela com unidade verbal). Caminhar sobre um terre­no acidentado (comportamento m odelado pelas conseqüências advindas das irregularidades do piso) é uma coisa; é outra, porém, saber que se está fazendo isso (comportamento verbal que descreve uma form a de andar em um tipo específico de terreno sob o controle do próprio com portam ento e do terreno e m odelado por contingências geradas pela com unidade verbal)”6 (Skinner; 1993,1974, pág. 30).

Os paradigmas a seguir (Quadros 1.1 a 1.3) podem esclarecer, esquemati­camente, o que foi exposto.

Na contingência A, a comunidade verbal não é parte das contingências em operação, e o comportamento operante emitido foi resultado, exclusivamente, das

Q uad ro 1.1 - Contingência A - Comportamento operante "pegar a bola debaixo da árvore"

j Antecedentes Resposta não verbal Conseqüências

! 1. SD externos:i

\ Bola de futebol perdida\ está debaixo de uma árvorei 2. SD internos:

(a) Estímulos| proprioceptivos produ­

zidos por andar até• a árvorei

(b) Estímulos proprioceptivos e interoceptivos desper­tados pela descoberta de um evento

: reforçador positivo(a boia)

3. Respostas encobertas (porexemplo, "São 11 horas.Tenho que ir para casa.")

- Andar até a árvore e apa­nhar a bola (comporta­mento operante)

- Outras respostas (não reie- vantes para a presente discussão)

- Segurar a bola, brincar com ela etc., bem como eventos corporais internos: estimulação proprioceptiva e interoceptiva com fun­ção reforçadora positiva, adquirida por associação com outros reforçadores positivos

Os parênteses foram colocados pelo autor do capítulo

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18 ■ Terapia Comportamental

Quadro 1.2 - Contingência B - Comportamento verbal discriminativo que descreve o próprio comportamento "fui pegar a bola"

Antecedentes Resposta verbal Conseqüências

1. Os três elos da tríplice con­tingência apresentados na contingência A (o SD inter­no a exerce maior controle que o b em função da questão 2 a seguir)

2. As questões:(a) "0 que você fez?"(b) "0 que você está

fazendo?"(c)"Onde você está indo?"

(a) "Fui pegar a bola."(b) "Estou pegando a bola."(c) "Até a árvore... pegar

a bola."(comportamentos verbais de descrição do próprio comportamento operante)

- Reforço diferencia! social generalizado contingente à descrição do comporta­mento, provido pela pes­soa que fez a pergunta

Quadro 1.3 - Contingência C - Comportamento verbal discriminativo que descreve o próprio sentimento "senti-me contente"

Antecedentes Resposta verbal Conseqüências

1. Os três elos da tríplice con­tingência apresentados na contingência A (o SD inter­no b exerce maior controle que o a em função da questão 2 a seguir)

2. A questão: "0 que você sentiu quando, finalmente, encontrou a bola?"

"Uma emoção forte, meu co­ração disparou. Senti-me contente."(comportamento verbal de descrição do estado corporal)

- Reforço diferencial social generalizado contingente à descrição do sentimento, provido pela pessoa que fez a pergunta

f f i i ' +

1 , ■ .

inter-relações entre a criança que apanhou a bola e aspectos específicos do ambiente físico natural. (Excluiu-se da análise, para fins didáticos, o papel da história decontingências a qual o garoto foi exposto, embora se reconheça que tal história também é fator determinante e participante das interações. Suponha, por exem­plo que, na história de contingências dessa criança, “perder a bola” fosse ocasião para chorar até que uma outra pessoa a devolvesse. O produto comportamental observado no exemplo seria outro.)

Na contingência B, a comunidade verbal tem papel decisivo. São as questões postas pela comunidade (“O que você está fazendo?” por exemplo) que colocamo comportamento do ouvinte, de descrever o que está fazendo, sob o controle das inter-relações entre antecedentes - respostas - conseqüentes (note que, no es­quema da contingência B, o item 1 dos antecedentes é exatamente a tríplice con­tingência de A). A pergunta, porém, destaca um item específico da contingência total: o SD interno a é mais crítico que b, provavelmente, porque fazer envolve estímulos originados na musculatura esquelética e nas articulações. Produz-se,

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Terapia por Contingências de Reforçamento ■ 19

desta forma, o comportamento verbal de relatar o aspecto da tríplice contingência que ficou sob controle do SD verbal do falante. No caso, o SD verbal, “O que você está fazendo?”, controlou o comportamento verbal que foi emitido: “Estou pegan­do a bola”. Dentre todos os aspectos da tríplice contingência, a questão enfocou o operante fazer, o aspecto enfatizado que exerce controle máximo sobre o com­portamento verbal. Se a questão fosse “Onde está a bola?” o enfoque seria no ou­tro aspecto da contingência e a resposta verbal, que ficaria sob o controle da nova questão, poderia ser “Debaixo da árvore.” Se o SD verbal fosse outro (por exemplo, “Por que você vai pegar a bola e não larga ela lá?”), seria, necessariamente, evoca­do outro comportamento verbal do ouvinte, sob controle de outros aspectos da contingência (não identificáveis no exemplo apresentado no paradigma B). Nesse caso, o esquema da contingência B precisaria ser ampliado para incluir elemen­tos da história de reforçamento da pessoa. Aquilo que ocorreu no passado, quando ela perdeu uma bola ou outro objeto, é determinante da classe de com­portamento “procurar a bola até achá-la”, “não ir procurar a bola”, “desistir antes de achá-la” etc. Assim, por exemplo, “Meu pai me punha de castigo, me chamava de irresponsável... quando eu perdia alguma coisa” é uma classe de contingências da história de vida que torna importante procurar a bola até achá-la. Finalmente, deve-se esclarecer que o comportamento de descrição do próprio comportamento não ficou apenas sob controle da pergunta provinda de um membro da comuni­dade verbal, mas por todo o conjunto de contingências. A pergunta destaca, do conjunto, sob o controle de qual particularidade dos componentes da contin­gência, a resposta verbal, se for emitida, será reforçada.

Na contingência C, a comunidade verbal também tem papel fundamental. A questão proposta “O que você sentiu... ?” coloca o comportamento verbal do ouvinte sob o controle de todos os componentes descritos na contingência A (no esquema de contingência C, o item 1 dos antecedentes é exatamente a tríplice contingência de À). A pergunta, porém, destaca um item específico da contingência total: o SD in­terno b é mais crítico que a , provavelmente porque sentir envolve estímulos pro­venientes, principalmente, dos eventos corporais internos, estímulos próprio e interoceptivos, gerados pelo contato com a bola perdida. Produz-se, dessa forma, o comportamento verbal de relatar o aspecto da tríplice contingência que ficou sob controle do SD verbal do falante. No caso, o SD verbal, “O que você sentiu?”, colocou sob controle o comportamento verbal que foi emitido: “Senti-me contente.” A ques­tão enfocou o operante “sentir”, dentre todos os aspectos da tríplice contingência, sendo enfatizado por exercer controle máximo sobre o comportamento verbal. En­tão, a pessoa emite uma verbalização, tipicamente categorizada com o nome de um sentimento, no caso, “contente”. Mas ela poderia nomear outro sentimento, por exemplo, “Senti-me aliviado.” A diferença entre sentir um estado corporal (nomea­do “contente”) e outro (nomeado “aliviado”) deve ser buscada na história de contin­gências de cada indivíduo: “alívio” seria um termo mais provável se, na história de contingências da pessoa, o comportamento de perder um objeto fosse, usualmente, Dunido. Assim, ao achar o objeto, ela estaria se esquivando da punição prevista: o :omportamento seria reforçado negativamente e o estado corporal sentido poderia ser chamado de “alívio”. Cada contingência produz um estado corporal correspon­dente e a pessoa responde aos componentes da contingência, ao estado corporal e aos controles da comunidade verbal.

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20 ■ Terapia Comportamental

Skinner (1999/1954) fez uma importante observação sobre o papel do auto­conhecimento, refutando claramente que lhe caiba um possível papel causal:

“O ponto importante não é que o indivíduo, freqüentemente, fo i incapaz de descrever aspectos importantes do seu próprio comportamento ou de iden­tificar relações causais importantes, m as sim que sua hab ilidade para descrevê-los fo i irrelevante para a ocorrência do comportamento ou para a eficácia das causas. Começamos por atribuir o comportamento do indiví­duo a eventos em sua história genética e am biental Depois notamos que, por causa de certas práticas culturaisf o indivíduo pode vir a descrever a l­guns daqueles comportamentos e algumas daquelas relações causais. Pode­mos dizer que ele está consciente das partes que é capaz de descrever e inconsciente do resto. Mas, o ato de autodescrição, tanto quanto o de auto- observação, não desem penha nenhum papel na determ inação da ação. Ele é sobreposto ao com portam ento... estar cônscio da causa, não tem nada a ver com eficácia causal” (pág. 293).

Desmistifica-se, dessa forma, uma concepção basilar da Psicologia, na qual a conscientização tem, por si mesma, poder de causar ou modificar comporta­mentos. A conscientização, enquanto conhecimento, permite à pessoa identifi­car ou descrever os determinantes, as relações funcionais dos comportamentos, mas, com isto, a conscientização não se materializa em causa. Finalmente, a ”conscientização” (ou seja, a auto-observação e a autodescrição) tem um papel relevante no processo terapêutico, pois, embora não cause comportamento, pode nos levar às causas, ou seja, colocar o terapeuta e o cliente sob o controle dos determinantes dos comportamentos relevantes.

Os eventos corporais “debaixo da pele” são tão reais quanto os eventos corpo­rais “fora da pele” e, essencialmente, da mesma natureza. O que os diferencia é o acesso que o observador tem a cada uma das duas classes de eventos: a primeira só é acessível ao próprio indivíduo que se comporta; a segunda é também acessível a ou­tros observadores. Por outro lado, é oportuno nesse ponto ressaltar com Matos (1997):

“A expressão'mundo externo'não se refere ao que reside fora da pele do orga­nismo e sim (por necessidade conceituai de uma postura analítica) ao que não é a própria ação. Para o ‘behaviorista radical' ‘ambiente* é o conjunto de condições ou circunstâncias que afetam o comportar-se, não importando se estas condições estão dentro ou fora da pele. É importante entender que, para Skinner, o am biente é externo ã ação, não ao organismo" (pág. 47).

Desta maneira, a citação de Ferster (1972) complementa as palavras citadas anteriormente:

“É útil distinguir entre duas partes do ambiente do paciente que controlam suas descrições verbais: (a) o repertório dentro da pele do paciente; (b) suas descrições verbais dos fatores ambientais que estão produzindo a reação in­terna, predominantemente privada. Essa última, requerendo uma análise

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Terapia por Contingências de Reforçamento ■ 21

funcional do desempenho, é controlada por elementos particulares do ambiente (usualmente externos) é, obviamente, uma condição necessária para uma pessoa viver com sucesso. Além de que, a habilidade para notar mudanças no seu próprio estado interno parece ser um começo importante, talvez necessá­rio, na direção da pessoa observar essa relação funcional Tais comportamen­tos de observação - os tatos sob o controle de eventos privados - são eventos naturais cujo reforçamento contínuo não depende das circunstâncias arbi­trárias ou especiais da situação terapêutica1" (págs. 5-6).

No mesmo texto, Ferster (1972) enfatiza em uma nota a importância de dis- ::nguir entre tato puro e impuro, quando se lida com eventos privados:

“Controle pelo estímulo e não pelo reforço dá ao tato sua objetividade, sua utilidade para com unicação e seu uso com um por diferentes m embros da com unidade, sob am pla gam a de circunstâncias. Em termos coloquiais, um tato 'descreve'algum evento. No presente caso, o evento que o tato ‘des­creve' está debaixo da pele da pessoa, portanto, é privado . É útil fa la r do tato com o desem penho verbal controlado por algum estímulo em vez de ‘descrever’ o estímulo, porque o prim eiro uso aponta para o procedim ento exato que estabelece o com portam ento, enquanto que o segundo uso é mentalista (pág. 6). Um tato impuro é um desem penho verbal cujo con­trole é com partilhado pelo estímulo que lhe dá a deixa fprompU e um reforçador relevante para o estado atual de privação do falante. Se o tato fosse puro, sua form a seria controlada, exclusivamente, pelo estímulo an ­tecedente, excluindo-se qualquer reforçador relevante para o estado atual de privação do fa lan te” (pág. 11).

Desse modo, quando as descrições que o cliente faz de seus estados privados sào conseqüenciadas de forma arbitrária pelo terapeuta, os desempenhos verbais io cliente são observações em um sentido limitado, já que, por serem tatos im­puros, ou seja, reforçados pelo terapeuta (reforço arbitrário), em vez serem ronseqüenciados por reforçadores generalizados naturais, não estão sob o con- role exclusivo dos eventos que descrevem, mas foram, de certa forma, modelados arbitrariamente) pelo terapeuta.

A discussão do presente subtítulo corresponde, com as alterações e amplia- :ões apresentadas, à primeira dimensão característica da Análise Aplicada do lomportamento, nominalmente com portam ental conforme apontada por Baer, ’ Vblf e Risley (1968).

\ TERAPIA POR CONTINGÊNCIAS É MONISTAO conceito de "mente”, abstração imaterial e interna, capacitada a causar todo

: jmportamento e sentimento humano, é absolutamente estranho à Terapia porI jntingências. Essa nega, essencialmente, o dualismo (cartesiano) e seus pressu- r ostos fundamentais, os quais, nas palavras de Ribes (1982), se caracterizam por:

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22 ■ Terapia Comportamental

“(a) o mental é concebido com o o causal interno;(b) a interação dos homens com o seu meio é redutível à ação m ecânica, passiva e reflexa;(c) o mental, enquanto substância primária, independente do material, obe­dece a leis próprias.Como tal, a proposta dualista elim ina a interação com o meio como objeto de estudo e analisa as ações produzidas com o ato m ediado de uma ‘m áqui­na’ ou de uma mente interna ou, inclusive, de sua interação” (págs. 22-23).

A citação anterior fornece elementos para destacar a diferença fundamental entre o Behaviorismo Radical (monista) e o Behaviorismo Cognitivo (dualista). Conclui-se, então, que, enquanto a Terapia Cognitivo-comportamental encontra lugar dentro da terminologia mais abrangente da Terapia Comportamental, ela, de modo algum, é conciliável com a Terapia por Contingências (solidamente alicerçada no Behaviorismo Radical). No Behaviorismo Cognitivo-comportamental e nas suas várias versões, o nível explicativo é deslocado para o interior do orga­nismo ou é substituído por enunciados lógicos que têm a função de mediar a na­tureza empírica dos fenômenos a serem explicados. Ora a explicação aparece na forma de reducionismo mecanicista no qual se estabelece a identidade entre a mente e o cérebro, definindo-se a mente como a ação do cérebro. (Essa postura epistemológica justifica, por exemplo, a ação terapêutica de empregar medicação para “curar” problemas psicológicos ou de atribuir ao estresse - estado corporal - a função de causa de perturbações comportamentais.) Ora a explicação surge na forma de mimetismo monista (já que tudo de que se fala é comportamento, cria- se a impressão de se tratar um monismo comportamental), no qual comporta­mento (geralmente privado) causa comportamento (público, em geral). Supor que o pensamento é a causa dos comportamentos (“as pessoas não sofrem pelos fatos da vida, mas pelo que pensam sobre...” é um enunciado típico das posições cognitivas) envolve um equívoco conceituai fundamental. Para o Behaviorismo Radical, o pensamento, enquanto comportamento, também precisa ser explicado. E nas relações entre organismo e ambiente que devem ser buscadas (e encontra­das) as “explicações” causais e nunca nas relações organismo-organismo. Veja a maneira como Skinner (1995, 1989) escreveu sobre este ponto:

"C om portam entos p ertu rbados são cau sados p or con tin gên cias de reforçamento perturbadoras, não por sentimentos ou estados da mente perturbadores e nós podem os corrigir a perturbação corrigindo as contin­gências" (pág. 102).

Ninguém diria que o comportamento do rato olhar para a barra ou erguer-se para pressioná-la (elos de um encadeamento comportamental) são causas de pres­sionar a barra. O rato pressiona a barra porque existem relações complexas, mas identificáveis e manipuláveis, entre o ambiente antecedente (por exemplo, a luz com função de SD), o ambiente conseqüente (por exemplo, a água com função de Sr+), uma operação estabelecedora prévia (privação de água), história compor­tamental (processos de modelagem e esquemas de reforçamento intermitente) e

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Terapia por Contingências de Reforçamento ■ 23

o comportamento específico do organismo (um encadeamento de respostas cujo elo final é pressionar a barra que produz água). Da mesma forma, é um equívoco dizer que pensamento (ou algo equivalente) é causa do comportamento. Melhor seria considerá-lo o elo de um encadeamento comportamental e continuar pes­quisando como esse encadeamento interage com o ambientes físico e social, in­cluindo a história comportamental da pessoa, que o determina. O Behaviorismo Cognitivo, em determinadas instâncias, vai além no equívoco conceituai e recorre aos conceitos explicativos derivados de um constructo lógico, formulados em ter­mos fisicalistas, como traços ou transtornos de personalidade ou conceitos relativos a estados mentais internos, como conflitos, expectativas, finalidade etc. O papel do pensamento, das regras e das auto-regras na emissão de com­portamentos será retomado adiante.

DICOTOMIA ENTRE EVENTOS COMPORTAMENTAIS PÚBLICOS E PRIVADOS

A Terapia por Contingências adota a dicotomia público-privada (concepção comportamental) quando faz referência ao comportamento fora e debaixo da pele do indivíduo, em oposição a objetivo-subjetivo (concepção internalista, men- ralista). Ribes (1982) sintetizou a questão da dicotomia:

“A dim ensão objetivo-subjetivo parece corresponder; em termos da episte- mologia tradicional, à dicotom ia idéia-m atériae pressupõe, de alguma m a­neira, uma problem ática equivalente à dualidade mente-corpo. O problem a fica melhor equacionado se for atribuída aos eventos privados a propriedade de evento objetivo, enquanto sua ocorrência, e se fo r restringido ao sujeito o 1locus' parcial do evento. Como local parcial, o sujeito pode conceber-se como resposta participante de um evento interativo, cuja ocorrência não é publicam ente observável, assim como não o são os produtos parciais do es­tímulo. Posto desta maneira, não se trata, pois, de assumir uma qualidade dual do observável (enquanto objetivo) e do privado (enquanto subjetivo), pois isto significaria reduzir a objetividade dos fenôm enos ao que é publicamente verificável, tese empirista de frágil consistência epistêm ica” (págs. 27-28).

Os eventos comportamentais públicos e privados não são diferentes entre s: quanto à natureza; ambos são manifestações do organismo, mas se distinguem quanto ao local onde ocorrem e ao acesso do observador do fenômeno: os even­tos privados somente são observados pela própria pessoa que se comporta. Segundo Skinner (1999/1954):

uCada um de nós está num contato particularmente íntimo com uma p e­quena parte do universo contido dentro (withinj da sua própria pele. Sob certas circunstâncias limitadas, podem os vira reagira tal parte do univer­so de maneiras diferentes das usuais. Mas não se segue que aquela parte particular tenha quaisquer propriedades físicas ou não físicas especiais, nem

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. : - : ; : . .u observações dela difiram , em qualquer aspecto fundam ental, das nossas observações do restante do m undo" (pág. 292).

O fato de os comportamentos privados não serem acessíveis a dois ou mais observadores independentes entre si não os descarta como eventos naturais, nem os exclui como fenômenos passíveis de serem analisados cientificamente. Para o Behaviorismo Radical, não é exigida a fidedignidade de observação entre dois ou mais observadores para legitimar a ocorrência do evento comportamental. Skinner (1999/1945) escreveu:

“A distinção entre público e privado de m aneira alguma é a m esma que en­tre físico e mental. É por isso que o Behaviorismo Metodológico (que adota a primeira) é muito diferente do Behaviorismo Radical (que elim ina o último termo da segunda distinção). Como resultado disso, enquanto o behaviorista radical pode , em alguns casos, considerar os fa tos privados (talvez, de m aneira inferencial, m as não obstante, significativa), o operacionista metodológico colocou-se numa posição na qual está im pedido de fazê-lo. A ciência não leva em consideração os dados p rivadosd isse Boring. Mas eu discordo, pois m inha dor de dente é tão física quanto m inha m áquina de escrever, em bora não seja pública e não vejo razão pela qual uma ciência objetiva e operacional não considere os processos pelos quais se adquire e se mantém um vocabulário descritivo de uma dor de dente”7 (págs. 429-430).

Nota-se que o estudo dos eventos privados, para Skinner, relaciona-se comas estratégias que a comunidade verbal tem à disposição para instalar e mantero comportamento verbal de descrição dos eventos privados. Nas palavras de Ribes (1982):

"O problem a se põe, portanto, em outro nível: como os eventos privados, que participam de uma interação pública, podem ser referidos como eventos e, conseqüentemente, como se pode responder a eles publicamente? Esta é a es­sência da questão que nos leva ao problema da gênese da linguagem, a qual se refere a eventos privados. Trata-se de uma gênese individual que se expressa publicamente ou se trata de uma gênese social que abrange o privado e o torna evento? A resposta a esta questão determina que se dê ou não uma solução dualista ao problem a representado pelos eventos privados" (págs. 28-29).

A resposta, como se verá, é que a origem dos termos sobre os eventos privados é social e, como tal, desaparece a problemática dualista.

Aposição de Skinner (1999/1945) sobre o papel do comportamento verbal nos eventos privados é fundamentalmente inovadora e se define propondo que os ter­mos, os conceitos e os constructos são respostas verbais; o significado da resposta verbal está entre os seus próprios determinantes e não é propriedade da resposta;

7 Os grifos em itálico foram feitos pelo autor do capítulo.

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Terapia por Contingências de Reforçamento ■ 25

uma classe de respostas verbais não é definida por sua forma fonética apenas, mas por suas relações funcionais. O estímulo antecedente deve afetar o falante e o ouvinte, mesmo quando tais estímulos antecedentes são privados. Nesse caso, como se verá, a comunidade verbal recorre às estratégias que lhe permite, num nível inferencial, chegar aos eventos privados. “Quando dizemos que o comporta­mento é função do ambiente, o termo ‘ambiente’, presumivelmente, significa qual­quer evento no universo capaz de afetar o organismo. Mas parte do universo está encerrada dentro da própria pele de cada um... Com respeito a cada indivíduo, em outras palavras, uma pequena parte do universo é privada” (Skinner, 1967, 1953, pág. 149). (Um evento é privado quando não está acessível à comunidade e, como tal, essa não pode empregar, em relação ao evento, contingências tão efeti­vas como nos eventos públicos). E, mais adiante: "O ambiente, seja público ou pri­vado, parece permanecer indistinto até que o organismo seja forçado afazer uma distinção... a auto-observação também é um produto de contingências discri­minativas e, se uma discriminação não pode ser afetada pela comunidade, pode não aparecer nunca. Por mais estranho que seja, é a comunidade que ensina o indi­víduo a se ‘conhecer’" (Skinner, 1967,1953, pág. 151).

Um repertório verbal do cliente que assume papel essencial na terapia é aque­le em que ele descreve o próprio comportamento. Quando o comportamento é público (por exemplo, “Fui à academia de ginástica hoje de manhã.”), tanto o ou­vinte, quanto o falante têm acesso ao comportamento descrito e às variáveis que o determinam. Nesse caso, o repertório autodescritivo não cria nenhum proble­ma em particular, uma vez que a comunidade pode reforçar, diferencialmente, a precisão do comportamento verbal que descreve o comportamento emitido. Háoutras situações em que surgem algumas dificuldades, apontadas por Skinner (1967, 1953, pág. 152-154), como:

(a) Parte da estimulação que o indivíduo recebe do seu próprio comporta­mento é privada e, como tal, não está ao alcance da comunidade e, de acordo com Skinner (1999/1945), “Um reforçamento diferencial não pode se tornar contin­gente à propriedade de privacidade” (pág. 424). Daí, a descrição de um comporta­mento que não foi executado parece depender somente de eventos privados. Dessa condição, são exemplos verbalizações como: “Irei para casa daqui a 10 minutos.” ou “Eu estava a ponto de ligar para você... ” Há classes de verbalizações dessa or­dem que são de suma importância na clínica. Assim, por exemplo, alguém diz: “Eu estava a ponto de dar um murro no meu chefe.”, “Tenho pensado em me ma­tar.”, “Estou inclinado a começar meu regime.”, “Acho que vou largar meus estu­dos.”, “Sinto que vou retomar às drogas.” etc. Os estímulos controladores não só são privados, mas também parecem não ter quaisquer acompanhamentos públi­cos. Como pode a comunidade verbal instalar respostas dessa classe? (em Skinner, 1967,1953, pág. 152 algumas possibilidades são sugeridas.) E, conseqüentemente, como pode vir a lidar com elas? Conhecer como foram instaladas, como se man­têm e quais sua validade preditiva e probabilidade de emissão futura efetiva do comportamento que anunciam, são de extrema relevância (lamentavelmente, a questão mais crítica, a validade preditiva, seja aquela para a qual o clínico tem menos evidências confiáveis...). Além dessas, há outras questões. Para o interesse clínico, seriam as respostas às seguintes questões: de que variáveis, na história de reforçamento do indivíduo, essas respostas não emitidas publicamente são fun­

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26 ■ Terapia Comportamental

ção? O que determinou que elas não fossem emitidas publicamente? Que papel tem a reação do terapeuta sobre a emissão de tais classes de verbalizações?

Um cliente, 52 anos, drogadito, verbalizou: “Estou pronto para 'cair'. É questão de dias, horas ou minutos. Depende... eu vinha de táxi para a sessão. Mas a Vera (mulher do cliente) se ofereceu para me trazer. Se tivesse vindo de táxi, eu pararia no bar e tomaria umas... depois iria ‘cheirar'. Nem voltaria para casa. É até melhor eu sumir porque se começar a beber e cheirar, vou dizer umas verdades para a Vera e isso pode complicar nossa vida. Vou dizer que ela quer mandar em mim, que só porque ela é certinha, ela não tem o direito de dizer o que eu tenho que fazer.., Sou diferente dela. Nem que me arrependa depois e chore a ausência dela. Na hora eu falo tudo o que sinto e aí vai detonar (o casamento)...” Inicialmente, o cliente parece estar respondendo a estados corporais que, no passado, antecede­ram o uso de bebida e cocaína: “Os estímulos privados, gerados em adição às ma­nifestações públicas, ganham assim o grau de controle necessário. Mais tarde, quando os estímulos privados ocorrem sozinhos, o indivíduo pode responder a eles” (Skinner 1967,1953, pág. 152).

“Estou pronto para cair” pode ser entendido como “Observei manifestações corporais em mim mesmo que, tipicamente, precedem ou acompanham beber e usar droga.” Além disso, o cliente descreve diferentes controles de estímulos que aumentam (andar de táxi) ou diminuem (estar com a mulher ao seu lado) a pro­babilidade de emitir imediatamente o comportamento de consumir álcool e co­caína, quando o estado corporal é o descrito. O comportamento operante de escolha ainda é fraco, de modo que ele ficou (por ora) sob o controle da mulher. (Em outras ocasiões, quando a privação, ou as operações estabelecedoras, era mais intensa, ele simplesmente chamou o táxi e comunicou à mulher que ia sair. Parou no bar, deu a desculpa para o motorista que ia trocar o dinheiro para pagar a cor­rida e aproveitou a parada para, de fato, beber...). Ele reconhece o controle exercido pela mulher e emite comportamentos verbais que descrevem comportamentos de contra-controle que poderiam ser emitidos: “Vou dizer que ela quer mandar em mim... ela não tem o direito de dizer o que eu tenho que fazer...” Esses com­portamentos são, porém, fracos para serem emitidos sob o controle de estímulo decorrente (diante da mulher). As verbalizações ocorrem sob o controle do terapeuta. Beber os primeiros tragos funciona como uma operação estabelecedora, pois altera a função reforçadora ou aversiva da mulher. A partir de então, é possí­vel, para ele, emitir comportamentos de criticá-la de forma agressiva, que têm a função de fuga-esquiva, removendo o controle aversivo, uma vez que ela se cala, se tranca no quarto e ele pode, então, sair para beber e cheirar... Como essa classe de eventos comportamentais já ocorreu em outras oportunidades, o terapeuta tem condição de prever, de modo confiável, a ocorrência do comportamento de beber e “cheirar” a partir da verbalização “Estou pronto para cair”. Literalmente, em dias ou semanas ele “cairá”. Por outro lado, como o controle exercido pelas conseqüên­cias imediatas do consumo de bebida e cocaína é extremamente forte, o terapeuta raramente dispõe de procedimentos eficazes para evitar a emissão dos elos termi­nais do encadeamento.

No exemplo apresentado, parte da estimulação respondida pelo indivíduo foi privada, parte foi pública. Todo o encadeamento parece ter início com o controle

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exercido pelos estados corporais. Assiste-se, progressivamente, ao processo de mudança de controle de estímulos: os estados corporais vão ganhando mais con­trole e os aspectos externos ao cliente vão invertendo as funções controladoras. O controle da esposa sobre os comportamentos de abstinência vai se enfraquecen­do, enquanto o controle exercido por bares; pela agenda com telefone de usuários e fornecedores; por roteiros de acesso à droga e aos ambientes de uso vão aumen­tando o poder de controle. A intervenção terapêutica tem maior probabilidade de sucesso se ocorrer nos elos iniciais do encadeamento. Seria importante instalar no cliente um comportamento discriminativo sob controle dos primeiros sinais, provindos do organismo (se ele ainda não responde a tal controle) e instalar o repertório de relatar mais cedo possível a presença dos sinais orgânicos (o terapeuta precisa instalar no cliente um repertório para eliminar as condições ambientais aversivas que controlam comportamentos de fuga-esquiva, como mentir, omitir, agredir etc., caso contrário, o comportamento de relatar não será emitido), a fim de se iniciar procedimentos de autocontrole e rearranjo das condições ambientais que controlam outros comportamentos além do consumo de drogas, por exemplo.

(b) Respostas ao próprio comportamento discriminativo da pessoa. Dizer “Há um arco-íris no céu” é diferente de “Vejo um arco-íris no céu.” Assim, as contin­gências poderiam ser, respectivamente (Quadro 1.4):

Q uadro 1.4 - Respostas a diferentes controles de estímulossD R discriminativa Sr

1. Arco-íris no céu (evento físico público)

2. Ver o arco-íris (comportamento privado)

Ver o arco-íris

Relatar que viu o arco-íris

Alterações no ambiente (físico ou social)Reações da comunidade verbal

O ouvinte se beneficia quando um indivíduo responde verbalmente a eventos com os quais apenas ele está em contato. O indivíduo amplia, assim, o ambiente daqueles que o ouvem. Mas, é também importante que relate as condições sob as quais está respondendo. Quando a comunidade condiciona o indivíduo a dizer “Vejo... ”, “Ouço... ”, “Sinto... ” e assim por diante, deve haver algum indício de um comportamento discriminativo. O terapeuta poderá ajudar mais o cliente, enquan­to os comportamentos terapêuticos de análise e de intervenção ficarem, propria­mente, sob controle dos comportamentos discriminativos do cliente. A tarefa do terapeuta é buscar indícios públicos da ocorrência de uma resposta verbal que, de fato, descreve um comportamento discriminativo do cliente. Há necessidade das evidências de que a resposta discriminativa esteja acontecendo e não apenas que os estímulos sejam presentes, pois a resposta verbal pode estar sob outros contro­les. “Você está vendo a lagarta sobre a folha?” pode evocar a resposta “Eu vejo a lagarta.” É um exemplo de comportamento verbal que descreve a resposta discriminativa de ver, mas pode também ser uma resposta verbal de esquiva de algum comentário crítico (do tipo “Está cego?”) que poderia vir a conseqüenciar uma resposta do tipo “Não vejo a lagarta.” O terapeuta é a parte da comunidade

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habilitada para levar o cliente a discriminar qual das duas classes de comporta­mento verbal ele está emitindo, para isso, o próprio terapeuta precisa discriminar a qual controle o cliente reage. Um recurso é buscar indícios adicionais do contro­le de estímulos: “De que cor ela é?” e “Arranque a folha onde ela está.” são bons exemplos. Apenas quando informações colaterais forem dadas corretamente, a comunidade pode reforçar, de modo apropriado, a resposta. Veja a diferença en­tre as duas considerações sobre a verbalização: “Na hora de fazer a prova fico an­sioso, dá um branco na minha cabeça e não consigo fazer mais nada.” O cliente pode estar sob o controle dos estados corporais e emitir uma resposta verbal discriminativa que os descreve e, eventualmente, até comportamentos respon- dentes. Pode, porém, estar sob controle das questões da prova diante das quais não possui repertório apropriado (não estudou o suficiente) e, como tal, elas não funcionam como SD para respostas acadêmicas corretas. Então, por que ele não diz simplesmente: “Eu não sabia responder...” Podem ter existido conseqüências diferenciadas, a primeira classe de respostas (“Fico ansioso...”) não foi punida e pode ter sido aprendida por imitação ou modelada por reforçamento negativo; enquanto que a segunda classe de respostas (“Não estudei, não sabia...”) foi pu­nida ou não foi instalada (o cliente não discrimina que seu repertório de estudo é ineficaz). De qualquer maneira, os procedimentos terapêuticos serão distintos em cada caso. É tarefa do terapeuta buscar evidências que lhe permitam discriminar a que controle de estímulos o cliente responde. Se o terapeuta fizer algumas ques­tões sobre o conteúdo do material acadêmico da prova e o cliente respondê-las corretamente, aumentam as evidências de que o desempenho deficitário na pro­va não se deu por falta de estudo. Outras questões podem fornecer informações adicionais. Assim, “Como é esse branco?”: “Sinto a cabeça pesada como se esti­vesse sendo comprimida. Não consigo me lembrar nem do meu número de ma­trícula. Preciso copiá-lo do meu crachá”; “O que pensa na hora da prova?”: “Penso que, se tirar nota baixa, meu pai vai ficar muito mal... Só penso nele... ” (os relatos sobre os estados corporais - “cabeça pesada” etc., sobre a supressão de comporta­mentos operantes, “Não consigo me lembrar...”, sobre a urgência de emitir com­portamentos de fuga-esquiva, “Se tirar nota baixa...” pode significar “Tenho que tirar nota alta.”, são evidências de que há uma história de contingências aversivasassociadas ao desempenho em provas).

(c) Quando o indivíduo vem a descrever seu próprio comportamento dis­criminativo, ele se observa enquanto executa alguma resposta. Os eventos priva­dos correlacionados com os eventos públicos usados pela comunidade também resultam do comportamento discriminativo, não da simples estimulação. A res­posta “Vejo um arco-íris.” não é, portanto, equivalente a “Há um arco-íris no céu.” Se fosse, um único estímulo discriminativo, arco-íris, seria descrito pelas duas for­mas, mas “Vejo...” é uma descrição da resposta de vero arco-íris. Assim, se uma pessoa verbaliza “Meu marido é muito agressivo comigo.”, ela pode estar emi­tindo um tato verbal que descreve comportamentos do marido. Tal informação pode ser irrelevante do ponto de vista terapêutico, tanto quanto, ela disser que o marido, usualmente, trabalha de terno. Cabe ao terapeuta investigar o que os com­portamentos “agressivos” do marido produzem sobre os comportamentos dela: “Como você se sente?” (o terapeuta fornece deixas necessárias para ela observar e

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descrever respostas respondentes e estados corporais) e “O que você pensa?" “O que você faz?” (o terapeuta fornece deixas para que ela observe e descreva as suas respostas operantes), “Quando seu marido emite tais comportamentos em relação a você?” (o terapeuta estimula sua observação da relação funcional entre os comportamentos dela e os do marido). A intervenção do terapeuta, por meio das questões que propõe, transforma a descrição de um evento social presente (comportamentos do marido) em observação e descrição dos comportamentos pri­vados e públicos da cliente e, ainda mais, em função de quais variáveis ambientais esses comportamentos dela ocorrem (em função dos comportamentos do ma­rido, no caso). O terapeuta mudou o controle de estímulo do comportamento ver­bal da cliente. Inicialmente controlada pelos comportamentos do marido, depois ficou sob controle dos próprios comportamentos dela. O terapeuta, dessa forma, instalou um relato verbal discriminativo dos comportamentos da cliente e de que relações eles são função.

(d) Outro problema ocorre quando o arco-íris não está presente. Segundo Skinner (1967,1953), “Talvez o problema mais difícil na análise do comportamen­to se origine de respostas que começam com 'Vejo, . . 'Ouço..,', e assim por diante, quando faltam os estímulos costumeiros: quando não há nenhum estímulo pre­sente que se assemelhe aos estímulos usuais, nem estímulo generalizado, nem da classe de estímulos que controlam abstração, uma resposta que começa com "Vejo... ' deve ser explicada em termos de condicionamento operante e respondente” (pág. 154). Surgem duas questões: como explicar a resposta de ver algo que não está presente e como explicar a resposta de descrever essa resposta de ver. Ambos os comportamentos são adquiridos a partir de contingências discriminativas. No caso de ver, a aquisição depende do reforçamento diferencial de respostas, embasado na presença-ausência de um determinado estímulo. No caso de des­crever, a aquisição depende de reforçamento diferencial, sempre social, funda­mentado na inferência da presença de determinado estímulo. Uma vez que tais comportamentos são multideterminados, nem todas as variáveis envolvidas no controle da resposta precisam estar presentes para que a resposta ocorra, sendo que a resposta, que efetivamente ocorreu, pode ser relatada. As questões que cabe ao terapeuta responder são:

1. Como a comunidade verbal do cliente instalou as respostas discriminativas controladas por eventos públicos?

2. Como instalou as respostas discriminativas sob controle de eventos privados?3. Como reage atualmente às respostas verbais descritas de “ver na ausência

do objeto visto”?4. Como o próprio terapeuta reage às descrições de comportamento sob con­

trole de estímulos não públicos?

As duas primeiras questões dificilmente serão respondidas de forma satisfatória pois o terapeuta terá que discriminar se o que o cliente diz sobre a história de contingências são tatos sob controle das táticas que a comunidade, de fato, usou para instalar os comportamentos verbais discriminativos; são tatos impuros; são comportamentos intraverbais; ou são respostas verbais modeladas pelas conse-

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qüências dadas pelo terapeuta. No entanto, os produtos das contingências que instalaram os repertórios (e das que os mantêm atualmente), quais sejam, os com­portamentos descritivos discriminativos atuais, sob controle de estímulos inter­nos, são acessíveis ao terapeuta. Então, ele pode suplementar a história de contingências, manejando, no contato direto com o cliente, contingências ver­bais que instalam as classes de comportamentos desejadas. Portanto, as últimas questões poderão ser esclarecidas e as respostas delas poderão dar indícios segu­ros das variáveis responsáveis pela modelagem e manutenção desses comporta­mentos. Aliás, as duas últimas questões estabelecem um forte controle de estímulos sobre o comportamento do terapeuta: que comportamentos ele deve instalar, que comportamentos ele deve enfraquecer, que mudanças nos controles de estímulos devem ser implementadas por ele etc,

A análise de Skinner sobre “ver na ausência da coisa vista” abre uma enorme possibilidade de análise para o terapeuta, pois ele pode trabalhar com eventos que não estão necessariamente presentes no sentido convencional, mas estão, sim, funcionalmente. Uma viúva se queixa de que estámuito deprimida, mas acres­centa: “Não entendo o que acontece comigo: não parei de fazer as coisas que sem­pre fiz (o repertório operante se mantém praticamente inalterado). Falam que na depressão a gente não faz mais nada. Para mim, sinto uma dor no peito que não passa, uma angústia, choro o tempo todo e fico lembrando do meu marido. Não posso passar pelos lugares que ele freqüentava, que vejo ele correndo (no clube), vejo ele conversando com os amigos (num bar da cidade), vejo ele trabalhando (na oficina lá embaixo)...” A rotina de vida da cliente estava sob controle de SD que não advinham do marido; como tal, a relação entre o repertório de fazer e o controle exercido pelo ambiente não se alterou com a morte dele. Ela continua respondendo com as mesmas classes comportamentais aos mesmos controles de estímulos. Por outro lado, a perda brusca e inesperada de reforçadores positivos fortes gera reações corporais - sentimentos e emoções fortes - que a cliente ob­serva, descreve e nomeia como angústia, e também elicia choro (provavelmente, prevalece o lado respondente do choro, embora não se excluam os componentes operantes). Finalmente, o comportamento de “ver” o marido em várias situações pode ser entendido (Skinner, 1967,1953) como uma “visão condicionada, ou seja, podem-se ver ‘estímulos que não estejam presentes' nos padrões do reflexo con­dicionado: vemos X, não apenas quando X está presente, mas quando qualquer estímulo que, freqüentemente, acompanhaXfor apresentado” (pág. 154)... “Os estí­mulos que geram visão condicionada (clube, bar, oficina etc.), muitas vezes, são reforçadores por fazerem isso e aumentam a amplitude dos estímulos reforçadores disponíveis para o controle do comportamento humano... A música nostálgica é eficaz se 'lembra alguém', de dias felizes, aos quais também seria reforçador retornar” (pág. 156). A cliente vê o marido em várias situações. E nelas o vê se comportando de maneiras reforçadoras para ela, as quais, obviamente, desejaria reviver. O comportamento de ver o marido também pode ser entendido (Skinner, 1967, 1953, págs. 156-159) como uma “visão operante”. Segundo Skinner, “há muitas maneiras de mostrar que o comportamento discriminativo de ver X é forte. Uma delas é a freqüência dos comportamentos pré-correntes que tornem possível ver X: olhar p araX por longos períodos ou em cada oportunidade; olhar

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em busca, olhar ao redor do modo que no passado levou a ver X.” É assim que se pode entender por que uma pessoa, quando vai até o quarto de outra que não está mais ali, abra a porta e olhe para a cama onde a ausente costumava dormir Se o comportamento de encontrar alguma coisa foi reforçado (por exemplo, ao se re­forçar uma criança por encontrar a letra inicial do seu nome em painéis de propa­ganda), então surgirão outros comportamentos da mesma classe (de ver a letra: olhar procurando em quaisquer outros painéis ou placas; insistir para os pais a ajudarem a encontrar outros painéis nos quais já viu a letra; olhar em revistas etc.); sob o controle de outros membros da classe de estímulo (estímulos que se asse­melham ou incluem a letra do seu nome: maiúscula, minúscula, no meio, no fim, no início de uma palavra); eventualmente, confundirá a letra com outras (dirá que um Q é um P); poderá ver a letra do seu nome nos contornos de nuvens; e, final­mente, verá a letra mesmo quando não houver estimulação visual, como quando seus olhos estiverem fechados ou num quarto escuro (dirá, por exemplo, que está pensando” na letra, “imaginando” ela). No caso da cliente eram fortes os com­

portamentos pré-correntes da classe ver o marido enquanto ele estava vivo: saber onde estava, o que estava fazendo, com quem estava, a que horas chegava etc. Outra variável é a força do comportamento: fala-se que a pessoa é interessada por, gosta de etc. Skinner (1967,1953, pág. 157) ofereceu um exemplo esclarecedor sobre o que é um comportamento forte (de alta freqüência) numa pessoa que gosta de cachorro: uma característica dessa pessoa é que nela a resposta “ver” cachor­ros é especialmente forte. Ela olha para cães sempre que seja possível, cria opor­tunidades para vê-los, seleciona estímulos que lembram cães (fotos, livros de cães etc.), compra objetos relacionados (coleiras, ossos, entre outros). E, o mais crítico é que a presença física do cão não é essencial. Estímulos condicionados que acom­panharam cães - coleira, ração etc. - facilmente “lembram-lhe” cães. Certos estí­mulos verbais, como a narração de um episódio envolvendo cães, por exemplo, levam-na a visualizar cães e pode até mesmo compor esses estímulos. A mesma tendência se manifesta quando olha para borrões de tinta e nuvens, nos quais “vê” cães. O comportamento de ver “cães” também acontece na ausência de qual­quer suporte externo identificado. Ela “pensa” sobre cães, “devaneia” sobre eles, “sonha” com eles à noite. O exemplo do processo que ocorre com cães, descrito anteriormente, de autoria de Skinner, pode facilmente ser generalizado para com­portamentos fortes em relação a outros temas e se aplica à relação da cliente com o marido. O repertório dela era muito forte no tocante ao marido: “falar sobre ele”, ficar ao lado dele”, “guardar recordações dele”, “ouvir atentamente as histórias

dele”, “conversar sobre ele”, “discordar dele”, “brigar com ele”. Sendo assim, eventualmente,é de esperar-se que certos estímulos verbais possam fazer a clien­te “visualizar”, até o ponto de “ver” o marido na ausência de qualquer suporte externo identificado. Os comportamentos da cliente sob controle do marido eram abrangentes e fortes; não se deve estranhar, portanto, a força do comportamento de ver o marido. “Ao contrário da visão condicionada no padrão respondente, este comportamento (visão operante) não é eliciado por estímulos presentes e não depende do emparelhamento prévio de estímulos. As variáveis controladoras pri­márias são reforço operante e privação... Um homem faminto aumenta o número de respostas práticas que no passado foram reforçadas com alimento; também

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respostas verbais, a pessoa fala sobre comidas saborosas; ou artísticas, pinta qua­dros ou, num museu, se detém mais tempo diante de obras que representam ali­mento; ou, ainda, ‘pensa ou sonha' com comida” (Skinner, 1967, 1953, pág. 157). As relações sociais da cliente eram restritas e infreqüentes fora do lar, de maneira que os reforçadores positivos generalizados provinham da relação familiar imedia­ta: marido e filhos. A privação de reforçadores positivos fica evidente após a morte do marido, maior provedor de tais reforços. “Uma resposta discriminativa que pode ser feita quando os estímulos estão ausentes apresenta uma vantagem: não re­quer a emissão do comportamento pré-corrente que gere o estímulo externo e pode ocorrer mesmo quando este comportamento for impossível” (Skinner, 1967, 1953, pág. 157). A cliente, ao “ver” o marido, não precisava ir até ele (comporta­mento atualmente impossível) e, ao “vê-lo” (mesmo que ele não estivesse ali), des­frutava da sua companhia, ainda que por curtos momentos, pois a visão do evento reforçador, reforça o comportamento de vê-lo. Por outro lado, “A resposta discriminativa sob tais condições apresenta também ‘desvantagens'; uma delas é que o comportamento não altera o estado de privação. Logo, não se enfraquece porque não ocorre saciação” (Skinner, 1967, 1953, pág. 158). Pode-se perguntar: “Mas não ocorre, então, extinção?” Não, porque o efeito reforçador existe nos estí­mulos privados e nos públicos: o exemplo de Skinner é que o homem faminto é reforçado pelo aparecimento real do alimento e por “vê-lo” quando ausente. As­sim, “ver” o marido correndo, conversando, trabalhando etc., é reforçador, mes­mo quando ele está ausente. Esses reforços não dependem de uma redução real no estado de privação. Pode-se gerar uma resposta emocional (agradável ou não), relembrando um evento emocional ou simplesmente vendo-o ou ouvindo-o.

Mas, se a cliente chora ao ver o marido e se esquiva de ir aos lugares que pro­piciam vê-lo, como poderia ser positivamente reforçador vê-lo? Trata-se de umcaso especial em que operam dois determinantes simultaneamente: o compo­nente reforçador positivo - “ver” o marido - interage com o fato de que ela vê o marido “ausente”, não porque ele viajou e logo voltará (aqui o sentimento poderia ser de saudade, produzido por ausência temporária do reforço social generalizado posi­tivo), mas porque ele morreu e, nesse caso, são inevitáveis os sentimentos dolorosos, concomitantes, produzidos por contingências de perda definitiva de reforçadores positivos poderosos. Finalmente, quando se reafirma que qualquer comportamento é multideterminado, decorrem algumas conclusões: nem todas as variáveis envol­vidas no controle da resposta precisam estar presentes para que a resposta ocorra, ou seja, a resposta discriminativa pode ser emitida na ausência do estímulo discriminativo e, ainda mais, a resposta que efetivamente ocorreu pode, então, ser relatada. As considerações teóricas parecem dar importantes indícios para a compreensão do comportamento de ver na ausência do objeto visto, quando apli­cadas ao caso sucintamente relatado. Tanto a “visão condicionada” como a “visão operante” devem ser consideradas, pois há componentes determinantes de uma e de outra na história de contingências da relação entre a cliente e o marido.

O comportamento de “ver na ausência do objeto visto” pode apresentar vanta­gens. Por exemplo, um arquiteto que seja capaz de “ver” uma construção pronta, antes mesmo de tê-la esboçado na prancheta, certamente tem um repertório pro­fissional elaborado que lhe pode ser útil e funcional no desenvolvimento de pro-

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jetos arquitetônicos. Em outras circunstâncias, porém, “ver na ausência” pode ser um comportamento que anuncia uma deficiência comportamental. Suponha-se um adolescente com repertório social limitado, que esteja “apaixonado” por uma ga­rota. Provavelmente, ele terá uma classe abrangente e freqüente de comportamen­tos de “vê-la” sem que ela esteja por perto. Assim, poderá “vê-la” conversando com ele; “vê-la” passeando pelo parque com ele; “vê-la” arrumando-se para encontrar com ele; bem como poderá “ouvi-la” dizendo que o ama; “sentir” o toque dela etc. Tais comportamentos revelam, porém, limitações comportamentais do jovem para se aproximar e emitir comportamentos eficazes sob controle da presença real da garota. De maneira análoga, a cliente revela uma deficiência generalizada de re­pertórios comportamentais em aspectos determinados da vida, o que a mantém “vendo” o marido e sofrendo por ele. Logo, ela apresenta um repertório a ser alte­rado e não fortalecido. Como poderia, então, o terapeuta proceder para ajudá-la?

A análise das condições controladoras que determinam o comportamento de “ver na ausência do objeto visto” proposta por Skinner, revela como se “cons­trói” o comportamento. Deve-se começar, então, pelo manejo de tais variáveis determinantes para “desconstruir” o comportamento. Entre as variáveis básicas no processo de instalação e manutenção do comportamento de “ver na ausência” estão: força da resposta, privação, reforço operante, acesso aos reforços condicio­nados sem necessidade de emissão da resposta pública, emissão de respostas pré-correntes que tornam provável “ver na ausência”, presença de estímulos con­dicionados eliciadores, conseqüência social com reforços generalizados, apresen­tados pela comunidade verbal que reforça comportamentos, como se lamentar, dizer que só pensa no marido, que o “vê” em todo lugar etc. O primeiro ponto enfatizado pelo terapeuta é que a cliente apresenta uma limitação generalizada de repertório social para: obter reforçadores a partir de novas relações e para ficar sob o controle de outras fontes de estimulação, além do marido. Repetindo Ferster (1972), citado no início do capítulo: “Há um extremo onde o repertório geral é bastante limitado (é o caso da cliente nas relações sociais e afetivas) e um outro extremo onde a fobia (sofrer pela perda do marido) é de importância trivial (não se espera que a morte do marido seja trivial, mas não deveria ser tão amplamente perturbadora e perma­necer intensa por tanto tempo) no contexto do repertório total do paciente.” As­sim sendo, o terapeuta poderia estabelecer como meta a ampliação dos repertórios sociais e das interações afetivas da cliente. Os comportamentos dela em relação ao marido eram muito fortes, em detrimento de outros comportamentos, que eram muito fracos. Há necessidade de ampliar o repertório geral da cliente, despertan­do nela outros interesses (descobrindo novos reforçadores), aumentando a varia­bilidade comportamental (colocando o repertório sob controle de múltiplos estímulos), de tal forma que ela desenvolva várias classes de comportamentos fo r ­tes disponíveis, simultaneamente, no repertório comportamental (não uma ou poucas classes, como se caracteriza o repertório até o momento). É necessário também alterar as condições ambientais cotidianas, criando, em torno dela, um novo conjunto de estímulos que reduza a função condicionada de eliciar reações respondentes associadas ao marido (mudar distribuição dos móveis, alterar o guar­da-roupa etc.). Ao mesmo tempo, a cliente deve se expor aos estímulos condicio­nados intimamente relacionados ao marido (fotos, ferramentas, livros etc. dele),

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de modo a enfraquecer a relação real entre o objeto e o marido (via extinção respondente, uma vez que, rompendo a relação entre CS e US, a força eliciadora do CS se enfraquece progressivamente). Nessa última estratégia terapêutica, é fun­damental que o contato com esses estímulos, condicionados fortes, seja feito so­litariamente, na ausência de outras pessoas, a fim de minimizar as conseqüências sociais operantes, que poderão manter a força dos estímulos condicionados (via condicionamento operante, em que as fotos, ferramentas, etc, tornam-se SD, ou seja, ocasiões para “sofrer” e ser conseqüenciada socialmente com o “conforto” ou com outros reforços generalizados, advindos de outrém). Deve-se também am­pliar o repertório dela de se engajar em novas e múltiplas atividades (emitir operantes públicos), como sair de casa, fazer compras, conversar, freqüentar lu­gares, visitar pessoas etc., que produzam reforçadores positivos. O objetivo é de­senvolver repertório incompatível com o repertório de emitir comportamentos pré-correntes, basicamente encobertos: pensar, imaginar, ficar sentada “sonhan­do” etc., para os quais os reforços liberados pela comunidade, mesmo eventuais, muitas vezes reforçam os comportamentos não desejados: isolamento social, cho­ramingo, frases de autopiedade, entre outros. (“Coitada, Está tão triste... Tão amua­da. .. Tão sozinha... Perdeu o encanto pela vida... ”) Além disso, como se sabe, “ver”, “imaginar”, “sonhar” etc., com aquilo de que se está privado é reforçador: (“O ho­mem faminto é reforçado pelo aparecimento ou presença de objetos relevantes, tanto quanto por vê-los quando estiverem ausentes”) (Skinner, 1967, 1953, pág. 158). Outra estratégia a ser adotada é interromper as conseqüências operantes, basicamente reforços generalizados, que mantêm os comportamentos de luto (chorar operante, lamentar-se etc.). A cliente deve ser orientada a freqüentar no­vos ambientes (começar algum curso, exercícios físicos ou outra atividade) nos quais não é conhecida, sendo, portanto, menor a probabilidade de falar sobre o marido, a menos que ela própria inicie tal tipo de conversa. Deve também, nos ambientes conhecidos, utilizar técnicas de autocontrole que reduzam a probabilidade de falar sobre o marido e de se lamentar pois esses tipos de verbalizalização funcio­nam como SD para as pessoas emitirem comportamentos de “ouvir”, “dar conforto” etc., reforçando os operantes verbais e mantendo, via reforço operante, os estados corporais (de sofrimento) associados. Os procedimentos levam a cliente a emitir dife­rentes classes de operantes, abrangendo uma ampla gama de repertório social e pro­duzindo reforçadores sociais. Reduz-se, dessa maneira, o estado de privação e aumenta-se a sensibilidade a novos reforçadores. Em suma, a identificação das variá­veis que controlam o comportamento de interesse (“ver na ausência”) fornece, ao terapeuta, as informações necessárias para sistematizar um pacote de procedimen­tos que, no conjunto, altera os padrões comportamentais dos quais a cliente se queixa e que, geralmente, poderiam ser nomeados “manter-se no luto”. (Para ilustrar o tratamento anterior, deu-se ênfase aos objetivos comportamentais e não aos procedi­mentos específicos. O terapeuta deve chegar a um nível de especificidade de proce­dimentos que os tornem funcionalmente relevantes para as necessidades da cliente.)

O que se discutiu em relação ao comportamento de ver aplica-se, igualmente, a outros comportamentos, como ouvir, tatear, cheirar, saborear, sentir etc. Em contexto terapêutico, o comportamento de sentir assume enorme importância pois o cliente, em grande parte do tempo, fala sobre sentimentos.

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O cliente pode ter o repertório de observar seus próprios comportamentos quando não há acompanhantes públicos e de relatar esses comportamentos ins­talados pela comunidade verbal a qual pertence (os mecanismos pelos quais a comunidade verbal instala os comportamentos são apontados adiante). Perma­necem duas questões básicas para o terapeuta:

1. A fidedignidade dos comportamentos de observar e de relatar do cliente;2. As variáveis das quais tais comportamentos são função. O que de fato a pes­

soa observou?

“Acho que vou começar a estudar.” pode ser relato de um comportamento incipiente, sob controle dos elos iniciais de um encadeamento que, na história de reforçamento particular daquele indivíduo, se completa por uma cadeia de respostas públicas que significa ir estudar. Pode, ainda, ser uma resposta verbal de fuga-esquiva controlada pela chegada do pai que, usualmente, pergunta “Já estudou hoje?” e que diante da resposta verbal “Não estudei.” aplica uma puni­ção positiva (dá-lhe uma bronca) e negativa (fica de cara “fechada”), mas que diante da resposta verbal “Estudei.” (mesmo não tendo estudado) ou “Estou indo estudar.” adia a punição. No primeiro caso, a pessoa observa e relata seu próprio comportamento: movimentos operantes tão minúsculos não são observados por outra pessoa, mas geram estímulos proprioceptivos, controlando os comporta­mentos de observar e de relatar. Aparentemente, o relato verbal descreve um comportamento futuro: “Acho que vou (irei) estudar.”, mas de fato descreve um comportamento emitido no passado em condições de controle semelhantes às atuais. O que está ocorrendo com a pessoa, mais precisamente, é o seguinte: no passado, em condições do controle de estímulos semelhantes, aconteceram mudanças corporais, os primeiros elos de um encadeamento, discriminados nesse momento, e seguidos por outros comportamentos, os elos seguintes do encadeamento, como ir até a escrivaninha, pegar livro, caderno etc., e começar a estudar. Ou seja, a pessoa está descrevendo os elos que faltam no momento, mas que no passado foram emitidos (e reforçados). A previsão de comporta­mento a ser emitida é resumida em: condições de estímulo específicas controla­ram (no passado) a emissão de um comportamento específico; logo, se essas condições são repetidas e os elos iniciais da cadeia de respostas estão ocorren­do, então é alta a probabilidade de emissão desses mesmos elos finais da cadeia, emitidos na ocasião anterior. Na segunda possibilidade, ele observa a relação entre seu comportamento verbal e a reação do pai e se comporta sob o controle do reforçamento negativo. O controle de estímulo, na primeira alternativa, é o próprio comportamento de quem se comporta. O controle de estímulo, na se­gunda, provém de um agente externo, o pai. Convém lembrar que os comporta­mentos do filho de observar e de relatar a relação entre seu comportamento e o do pai somente ocorrerão se existirem contingências sociais apropriadas para instalar esses comportamentos de observar e relatar. Ocorre que, o comportamento de fuga-esquiva do filho, pode ter sido selecionado apenas pelas conseqüências que produz. Nesse caso, o filho fica sob o controle dessas conseqüências mas não observa e nem relata a relação entre o comportamento e os seus determinantes,

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36 ■ Terapia Comportamental

embora consiga relatar o comportamento emitido. (Por exemplo, se o terapeuta lhe perguntar “Por que você não diz para seu pai, simplesmente, que não estu­dou?n, ele provavelmente responderá “Nem sei. Falo que vou estudar, me tranco no quarto e fico um tempo lá vendo TV”)- É tarefa do terapeuta, se for o caso, criar as contingências que modelam, observar e relatar os comportamentos emitidos e as relações funcionais.

O cliente pode, porém, ter limitações na observação e no relato de comporta­mentos que ocorrem sob o controle de eventos que não estão diretamente dispo­níveis para a comunidade. Esses déficits comportamentais necessitam, nesse caso, ser superados por contingências produzidas pelo terapeuta no contexto clínico. Uma cliente, 35 anos, relatou que se sente culpada pela separação no primeiro casamento. “Um erro que cometi foi não querer acompanhá-lo em nenhuma ati­vidade social: não saía sozinha com ele, nem com amigos - não gostava dos ami­gos dele - nem o acompanhava nos jantares ou festas profissionais. Ele ficava muito bravo comigo, mas eu não estava nem aí. Quando decidiu se separar de mim, disse que essa era uma das razões,.,” Numa outra sessão, falou sobre o fim de semana com o atual namorado: “Me enfiei numa lata de lixo. Fui passar o fim de semana na casa da mãe dele. Teve a viagem... Ele nem estava me esperando: saiu com os amigos e voltou tarde.., Tive que agüentar a irmã viúva dele... A filha dele é boazinha, mas não tenho saco para ficar dando atenção a ela...”

Seguiu-se o diálogo na sessão:Terapeuta: Por que você aceitou ir? Poderia ter dito 'não'?”Cliente: Não sei. Poderia... não me ocorreu.”Terapeuta:Ficar sozinha no fim de... ”Cliente: Não é isso. Fico bem, sozinha. Até gosto.”Terapeuta: “-Você foi fortemente punida pelo seu marido por se recusar a sair com ele... De certa maneira, dizer 'não' foi uma razão para o desfecho...”Cliente: Nunca pensei nisso. É verdade... Eu dizia 'não' e me dei mal. Elejogou isso na minha cara... Eu nem tive como me defender.”Terapeuta: “- O que você sente quando diz 'não'?”Cliente: “- No trabalho digo..Terapeuta: Com seu namorado?”Cliente: Não consigo, mesmo que ele seja injusto e duro comigo.”Terapeuta: Por que você o ama?”Cliente: Não. Acho que ainda amo mais meu marido.,. Com ele não vai longa”Cliente: “- Entendi agora o que ocorre, me sinto mal quando digo ‘não’ para o namorado. O 'não' lembra meu marido, nossas brigas, sinto um mal-estar... Não tinha me dado conta disso.”Cliente: É pior esse estado... (Não sei bem como descrever. É angústia? Éansiedade?) do que passar um fim de semana assim. Parece que, um eu posso escolher, o outro não...”A cliente, aparentemente, estava sob o controle dos comportamentos do na­

morado. A partir do ponto em que o terapeuta sinalizou que o padrão de compor-

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Terapia por Contingências de Reforçamento ■ 37

tamentos atual era o oposto ao que emitia com o ex-marido, ela passou a observar os estados corporais associados a dizer “não" aos programas propostos pelo na­morado. Certamente, as respostas encobertas incipientes que antecediam o dizer “não” ao ex-marido estão sendo atualmente evocadas por condições ambientais atuais semelhantes aos acontecimentos do passado (ser convidada pelo ex-mari­do para uma atividade social, assemelha-se com ser convidada pelo namorado). Assim, mesmo antes de ocorrer o comportamento público (dizer “não”), ela res­ponde aos estados corporais desagradáveis, aceitando o convite (comportamento de fuga-esquiva que produz, provavelmente, um alívio imediato no estado corpo­ral, reduzindo-se, assim, a angústia ou a ansiedade - segundo os termos da clien­te). Ela possui um repertório bem instalado para lidar com a aversividade de algumas situações práticas vivenciadas com o namorado: fica lendo, vai dormir, trabalha etc., ou seja, fica sob o controle de aspectos do ambiente que lhe são reforçadores (livro, trabalho, quarto de dormir, entre outros) e não fica sob os con­troles aversivos: comportamentos do namorado que lhe são desagradáveis, pre­sença da cunhada etc. (a frase dela “Parece que, um posso escolher... ’’ pode significar: tenho respostas para lidar com a situação). Os estados corporais senti­dos lhe eram desconhecidos e, com eles, ela não sabe lidar (a frase dela “o outro não posso escolher” pode ter o sentido de: não sei como lidar com alguma coisa que desconheço). Nas sessões seguintes, o terapeuta levou a cliente a discriminar que a generalização que ela fez entre o ex-marido e o namorado era imprópria pois cada um conseqüenciava, diferentemente, os comportamentos dela (diferentes contin­gências operavam nas duas relações). Dizer “não” ao namorado, possivelmente, não teria conseqüências aversivas como as que havia sofrido com o ex-marido e a fun­ção eliciadora dos estados corporais desagradáveis do “não” iria se enfraquecer se não ocorresse punição. A cliente passou a dizer “não” para os programas que lhe eram desinteressantes e não se sentiu afetada aversivamente: “Tenho dado limites para meu namorado. Agora “não” é “não”. Acho, porém, que estou menos radical... ”

Há autores (Ferster, 1972) que apontaram a existência de alguns tipos de auto- observação particularmente difíceis de serem ensinados ao cliente, porque o com­portamento é privado ou de magnitude pública tão ínfima, sendo essencialmente encoberto. Assim:

“Três tipos de eventos que precisam ser observados são: (a) Estados fisiológi­cos e somáticos da pessoa (a pessoa aprende a descrevê-los respondendo a perguntas do tipo “Como você se sente?”); (b) A força de comportamentos la­tentes ou incipientes no repertório (aprende a descrevê-los respondendo a ques­tões do tipo “Para onde você está indo?”); (c) A relação funcional entre o desempenho e o elemento do ambiente que o controla (aprende a descrevê-la respondendo a perguntas do tipo “Por que você fez isso? ). Descrições clínicas nem sempre diferenciam entre estes três tipos de eventos. Quando um pacien­te diz que está com raiva, o estímulo discriminativo que controla seu desem­penho verbal pode ser fisiológico; ou pode ser o efeito disruptivo que as mudanças fisiológicas produzem sobre o comportamento em operação; ou poderia ser uma freqüência aumentada de comportamentos agressivos. Freqüentemente, o paciente pode descrever o estado fisiológico interno (fica

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38 ■ Terapia Comportamental

sob o controle de estados corporais: “Sinto-me zonzo.” “Sinto-me o c o ”), mas falta-lhe comportamento verbal sobre os eventos do meio externo que o gera. Outros pacientes podem ser incapazes de descrever os eventos externos ou mu­danças eliciadas dentro de sua pele. Outros são capazes de descrever um au ­mento na freqüência de comportamento atual ou latente, mas incapazes para descrevê-lo funcionalmente em relação ao ambiente que o controla. A discus­são de Skinner (1953,1957) a respeito de comportamento social sob o controle discriminativo de eventos privados se aplica diretamente ao problema de defi­ciências da autoconsciência: O desenvolvimento desses comportamentos em te­rapia parece ser quase o mesmo que ocorre no desenvolvimento e crescimento normal de uma criança. Provavelmente, o evento mais significativo e difícil para aprender a observar é a relação funcional entre o comportamento da própria pessoa e o elemento do ambiente que o controla. Em geral, um relato dos fatos que aconteceram é m uito pouco útil se com parado com as relações entre os eventos e a parte do ambiente que os controla”8 (pág. 9).

É provável que o leitor, ao final do presente capítulo, manifeste uma certa frus­tração: “O capítulo não me ensinou a fazer terapia!.. Correto, não ensinou mes­mo, no sentido estrito de “fazer terapia” que a frase expressa. Há pelo menos dois pressupostos, absolutamente equivocados, subjacentes a essa necessidade de aprender a fazer terapia que merecem alguns comentários. Em primeiro lugar, o pressuposto de que o comportamento é um evento estático e, como tal, passível de ser, ele próprio, classificado como adequado ou inadequado e, portanto, obje­to de mudança. Em segundo, a adoção de um modelo explicativo mecanicista, a partir do qual supõe-se que existam causas para os comportamentos-problema manejados por procedimentos padronizados. Em suma, se o problema de com­portamento foi identificado, deve haver um procedimento para resolvê-lo.

O capítulo mostrou uma proposta completamente diferente: há necessi­dade de uma profunda compreensão do fenômeno comportamental humano, à luz da ciência do comportamento e do Behaviorismo Radical e do mergulho no novo paradigma decorrente deles. O comportamento é um processo dinâ­mico e contínuo que resulta da interação recíproca entre a pessoa e o ambien­te presente e passado. Nenhum comportamento pode ser avaliado fora do contexto em que ocorre, já que comportamento não é função do organismo, não é função do ambiente, é interação entre ambos. Isolar um aspecto especí­fico do comportamento - por exemplo, aquele relatado na queixa - é simplifi­car demasiadamente o processo comportamental. Além disso, o modelo explicativo é o da seleção do comportamento pelas conseqüências que pro­duz. O comportamento é determinado pela intrincada rede de contingências de reforçamento que, cumulativamente (desde a origem do organismo), o influen­ciaram e das quais o próprio comportamento é integrante. Conceitualmente, não é possível considerar iguais dois comportamentos quaisquer de dois orga­nismos diferentes, mesmo que sejam topograficamente semelhantes. Pelo fato

8 Os grifos em itálico e parênteses foram feitos pelo autor do capítulo.

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Terapia por Contingências de Reforçamento ■ 39

de os determinantes do comportamento não se repitirem, os procedimentos para lidar com eles não podem ser exatamente os mesmos.

Buscar nos livros procedimentos que funcionam com determinados proble­mas do comportamento de clientes específicos é enriquecedor, mas raramente permite uma replicação direta dos procedimentos descritos. O que se espera do terapeuta, a partir das leituras, é que ele consolide conceitos sobre comportamento, sobre procedimentos de mudança, entre outros, e, na prática clínica, faça generali­zações, estabeleça relações de equivalência etc. O mais relevante a se esperar do terapeuta é, diante da intrincada e única teia de contingências que emerge da interação com o cliente, que seja criativo (apresente variabilidade comportamental) dentro dos limites da adoção do modelo conceituai e experimental descrito (Behaviorismo Radical e Ciência do Comportamento) e sensível às conseqüências do seu próprio comportamento advindas do cliente, as quais modelarão procedi­mentos terapêuticos apropriados para cada caso. Assim, a atuação terapêutica é sempre única - embora conceitualmente sistemática - por ser única também cada combinação de contingências trabalhada pelo terapeuta. O capítulo, portanto, começou a ensinar a fazer terapia, mas da maneira como concebem os o processo terapêutico. A proposta apresentada é peculiar em muitos aspectos e o texto expõe essas particularidades. Desse modo, se faz terapia dentro do arcabouço da Terapia por Contingências. Atuar de acordo com essa proposta faz a diferença.

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e seguintes. '

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Reforçamento Positivo: Princípio, Aplicação e

Efeitos Desejáveis

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“A terapia bem-sucedida constrói comportamentos fortes, removendo reforçadores negativos des­necessários e multiplicando os positivos. Inde­pendentemente de as pessoas que tiveram seus comportamentos fortalecidos dessa maneira vive­rem, ou não, mais que as outras, ao menos pode-se dizer que vivem bem” (Skinner, 1989, pág. 114).

Essa afirmação expressa a importância que o terapeuta comportamental precisa atribuir às contingências de Refor­çamento Positivo ao definir os procedimentos terapêuticos para promover mudanças no repertório comportamental de seus clientes.

Neste capítulo, pretende-se apresentar um breve histó­rico do princípio do Reforçamento Positivo, o processo comportamental pela descrição de possíveis efeitos das contingências de Reforçamento Positivo na instalação, no fortalecimento e na manutenção de repertórios compor­tamentais e aspectos relevantes do procedimento para sua aplicação como técnica terapêutica dentro do modelo de Terapia por Contingências (Guilhardi, 1997).

A partir de experimentos realizados com animais, Skinner publicou seu primeiro livro, O Comportamento dos Organismos, em 1938, no qual descreveu conceitos que definiram o condido-

1 Agradeço a Hélio José Guilhardi pelos comentários feitos durante a pre­paração do texto.

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42 ■ Terapia Comportamental

namento operante como um tipo de aprendizagem que se contrapõe ao condiciona­mento clássico, no qual o comportamento é modificado por suas conseqüências.

Assim, os comportamentos que operam no ambiente geram conseqüências e são, por sua vez, modificados por elas e denominados comportamentos operantes.

As conseqüências podem alterar o comportamento de diferentes maneiras, es­tabelecendo relações específicas entre o comportamento emitido e o ambiente que o controla. Uma das relações observadas é descrita pelo princípio do reforçamento: “A força (do operante) aumenta se a ocorrência de um operante for acompanhada da apresentação de um estímulo reforçador” (Skinner, 1938).

Em Bjork (1993) encontra-se uma citação de Skinner justificando a origem da escolha do termo reforçamento:

“Eu adotei a palavra de Pavlov e sinto que ela tem uma vantagem clara sobre 'recom pen sa ' por iden tificar o efeito de um a conseqü ência do com portam ento no fortalecim ento do com portam ento, isto é, em tornar o comportamento mais provável de ocorrer novamente. A velha idéia de pra­zer e dor e os termos de Thorndike - \satisfação’ e \desconforto' - referem-se a sentimentos, o que na m inha opinião é um equívoco” (pág. 99).

Keller e Schoenfeld (1973), no clássico Princípios de Psicologia, descrevemhis- toricamente a diferenciação dos procedimentos desenvolvidos por Skinner desde a “lei do efeito” descrita por Thorndike até o princípio do reforçamento e a noção de comportamento operante.

Em Ciência e Comportamento Humano, Skinner (1970), afirma: “Os eventos que se verificam ser reforçadores são de dois tipos. Alguns reforços consistem na apresentação de estímulos, no acréscimo de alguma coisa... Esses são denomina­dos reforços positivos. Outros consistem na remoção de alguma coisa... Esses deno­minam-se reforços negativos. Em ambos os casos, o efeito do reforço é o mesmo: a probabilidade da resposta será aumentada” (pág. 49).

É importante salientar que, ao lado de termos como operante, os termos re­forço, reforçador e reforçamento são identificadores imediatos da proposta skinneriana que, muitas vezes, é conhecida como Teoria do Reforço.

Para Catania (1999), “o princípio é simples, mas à medida que evoluiu... trouxe consigo alguns problemas de linguagem lógica” (pág. 90). Ele propôs a terminolo­gia do reforço apresentada resumidamente abaixo:

Princípio do reforço O responder aumenta quando produz reforçadores.Reforçador (substantivo) Um estímulo.Reforçador (adjetivo) Uma propriedade de um estímulo.Reforço (substantivo) Como uma operação - apresentar conseqüências

quando uma resposta ocorre.Como um processo - o aumento das respostas que

resultam do reforço.Reforçar (verbo) Como uma operação - apresentar conseqüências

quando uma resposta ocorre: as respostas são re­forçadas, não organismos*

Como um processo - aumentar o responder me­diante a operação de reforço.

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Reforçamento Positivo: Principio, Aplicação e Efeitos Desejáveis * 43

“Esta term inologia ê adequ ada se e som ente se estiverem presentes três condições: (1) um a resposta produz algum a conseqüência, (2) a resposta ocorre com m ais freqüência do que quando não produz conseqüências e(3) o aum ento das respostas ocorre porque a resposta tem aqu ela conse­qü ên cia,} (pág. 90).

Catania (1999) afirma também que “Embora um reforçador seja uma espécie de estímulo, o reforço não é nem o estímulo, nem a resposta... a operação é efe­tuada sobre as respostas e, portanto, podemos falar tão somente de respostas re­forçadas, não de organismos reforçados” (pág. 90).

O uso adequado dos termos, que descrevem o evento comportamental de interesse, facilita a previsão e o controle do comportamento quer a relação estabelecida (comportamento-conseqüência) tenha sido programada para es­tudos em laboratório, quer tenha sido planejada em am bientes sociais estruturados como a situação clínica, ou seja, observada nos ambientes natu­rais da vida cotidiana.

PRINCIPIO DO REFORÇAMENTO POSITIVO NA TERAPIA

O princípio do Reforçamento Positivo pode ser considerado o mais funda­mental dos princípios básicos que caracterizam a Análise Aplicada do Com­portamento em clínica por estar presente em muitas técnicas e procedimentos comportamentais, como modelagem, modelação, reforçamento diferencial, para citar as mais comuns.

Está presente desde o início do processo terapêutico na formação do vínculo entre terapeuta e cliente: “O poder inicial do terapeuta como agente controlador se origina do fato de que a condição do paciente é aversiva e, portanto, qualquer promessa de alívio é positivamente reforçadora” (Skinner, 1970, pág. 208).

Para que o terapeuta exerça com sucesso a sua função reforçadora, é impor­tante que ele esteja atento para as variáveis relevantes que atuam na manutenção da relação face a face com o cliente durante as sessões terapêuticas. Porém, as histórias de contingências presentes na instalação e na manutenção dos compor- tamentos-problema que fizeram o cliente buscar ajuda é que devem ser alteradas para promover a modificação comportamental desejada.

“A qualidade da relação terapeuta-cliente é diretamente proporcional à com ­preensão conceituai que o terapeuta tem do seu cliente e da sua habilitação instrumental e pessoal para lidar com as dificuldades trazidas por ele. A compreensão conceituai permite ao terapeuta conhecer a problem ática do cliente num nível que vai alem do expresso pelo próprio cliente. Isso aprofunda o vínculo” (Guilhardi, 2002, pág. 141).

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44 ■ Terapia Comportamental

Levando-se em conta essa afirmação, a partir do princípio do Reforçamento Positivo seguem algumas considerações sobre relações funcionais observadas na prática clínica, os procedimentos terapêuticos derivados e os possíveis correlatos teóricos.

QUANDO 0 REFORÇAMENTO OCORREOs critérios que especificam quando uma resposta produzirá reforçadores, quer

sejam programados ou observados, geram padrões comportamentais específicos.Se uma dada conseqüência seguir todas as ocorrências de uma dada resposta,

esse critério é conhecido como esquema de reforçamento contínuo.Esse arranjo entre comportamento e ambiente é particularmente possível em

ambientes controlados ou pode ocorrer quando há interesse específico em au­mentar a freqüência de uma resposta que está sendo instalada e oferece alto valor reforçador também para quem reforça.

Assim, na prática clínica, na relação face a face entre terapeuta e cliente, é desejável que o reforçamento ocorra, em especial, na aquisição de classes de res­postas emitidas durante a sessão, favorecendo o fortalecimento do vínculo e re­duzindo a probabilidade de contra-controle típico das contingências aversivas.

No entanto, a vantagem do uso do procedimento de reforçamento contínuo é restrita às condições iniciais de aprendizagem de um comportamento. É impor­tante salientar que os comportamentos tornam-se mais resistentes quando man­tidos em esquemas de reforçamento intermitente.

“O reforço de algumas respostas mas não de outras, cham ado de reforço in­termitente ou parcial, é uma característica geral do com portam ento.(...) Oreforço contínuo ou regular, que é o reforço de cada resposta dentro da classeoperante, é a exceção mais do que a regrat} (Catania, 1999, pág. 177).

O esquema de reforçamento intermitente especifica quando uma resposta será reforçada e quando o reforçador não estará disponível. Nesse caso, obser­va-se o reforçamento e a extinção, ou seja, não ocorrência do reforço em deter­minadas ocasiões.

Os esquemas de reforçamento intermitente mais comuns são:

Esquemas de razão: Determinado número de respostas constantes (FR)ou variáveis em torno de um valor médio (VR), deve ocorrer antes que a resposta seja reforçada. O respon­der no esquema FR gera pausa após reforço seguida de taxas relativamente altas e constantes e no VR as pausas são reduzidas ou eliminadas e o responder mantém-se em taxas altas e constantes.

Os esquemas de reforçamento em razão, geralmente, originam padrões de comportamento bem estabelecidos. Por exemplo, se o número médio de reforços nos esquemas de razão variável for favorável ao indivíduo, ou seja, a relação desem­

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Reforçamento Positivo: Principio, Aplicação e Efeitos Desejáveis ■ 45

penho-reforço gerar estados corporais agradáveis, poderá produzir padrões bem fortalecidos que se manterão por longos períodos.

Esquemas de intervalo: Determinado tempo mínimo constante (FI) ou variávelem torno de um valor médio (VI) deve transcorrer des­de a ultima resposta reforçada para, então, a resposta emitida ser reforçada. Em geral, o intervalo de tempo é medido a partir do reforçamento anterior. Nos esque­mas de FI, o desempenho típico é de pausa após reforçador seguida por uma aceleração gradual ou abrupta, atingindo uma taxa moderada de respostas. O desempenho em VI gera taxa de respostas relativamente constante entre os reforços.

O comportamento humano operante produz mais conseqüências nos esque­mas de reforçamento em razão que em esquemas de intervalo, no qual um único desempenho pode ser emitido para liberar o reforço.

Existem vários esquemas de reforçamento mais complexos que combinam cri­térios temporais e/ou número de desempenhos. Uma descrição detalhada de seus efeitos sobre o comportamento pode ser encontrada em Catania (1999) ou em Ferster, Culbertson e Perrot Boren (1982).

Em função da contingência, o comportamento, submetido a cada tipo de es­quema em vigor, varia de maneira significativa e característica. Para identificar o esquema vigente, o terapeuta precisa especificar o desempenho de interesse, o reforçador que o segue e o mantém e a relação funcional entre eles. Conhecer o padrão típico do desempenho em cada esquema facilita a tarefa.

Valores atribuídos pelo cliente ao seu próprio comportamento, por exemplo, dizer que algum desempenho é fácil, sugere reforçamento contínuo, ou difícil, indica reforçamento intermitente. Ambos oferecem pistas importantes para o le­vantamento de hipóteses explicativas e, conseqüentemente, para os procedimen­tos clínicos a serem adotados. O esquema de reforçamento vigente pode ser o principal determinante para a explicação de uma queixa.

Muitos sentimentos (“estados corporais” produzidos pelas contingências) re­latados pelos clientes estão relacionados com mudanças nos esquemas de Reforçamento Positivo em vigor.

A “perda de confiança” é um sentimento que aparece com freqüência na prá­tica clínica, e pode ser analisado como um estado corporal resultante da diminui­ção drástica do Reforçamento Positivo produzido anteriormente por um comportamento reforçado continuamente.

Skinner (1974) refere-se à “expectativa frustrada” como uma condição gerada quando o Reforçamento Positivo costumeiro deixa de ocorrer (extinção). A “sau­dade” é descrita como a ausência da ocasião apropriada para a emissão do com­portamento anteriormente reforçado. A “abulia” (falta de “força de vontade”) é proveniente de esquemas de razão fixa cuja relação entre resposta e reforço tenha sido alta demais, tornando-se desfavorável para o organismo que se apresenta inapto para reiniciar o responder ou seu desempenho ocorre em baixa freqüência e o indivíduo passa a relatar incapacidade de agir e de tomar decisões.

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46 ■ Terapia Comportamental

Outro efeito que pode ser nocivo gerado por esquemas de reforçamento em razão é o comportamento de “jogar compulsivo” que se mantém a despeito da razão variável, altamente desfavorável, entre desempenho e reforço. O desem­penho se mantém em taxas altas, mesmo quando o reforçamento não é freqüente.

CONTINGÊNCIAS DE REFORÇAMENTO POSITIVOEm geral, os clientes buscam ajuda terapêutica em função de contingências

coercitivas presentes em sua vida e das dificuldades para eliminar, escapar ou evi­tar esses estímulos aversivos que geram sofrimento descritos, muitas vezes, como respostas emocionais. Desse modo, os sentimentos como medo, ansiedade, culpa e raiva indicam a presença de contingências aversivas na história de vida passada e/ou atual do cliente e suas dificuldades para lidar com elas.

As contingências de Reforçamento Positivo, por sua vez, aparecem nas quei­xas quando estão escassas nas relações do indivíduo com seu ambiente. Apare­cem nos relatos de sentimentos de angústia ou depressão, sugerindo diminuição ou perda de Reforçamento Positivo em processos de punição negativa (perda de agente reforçador, diminuição dos reforços etc.) ou extinção (comportamentos que deixam de produzir reforçadores).

E importante salientar que as contingências de Reforçamento Positivo são fun­damentais para promover sentimentos de auto-estima e de autoconfiança e faci­litar a instalação de repertório de auto-observação, um pré-requisito para tornar o cliente um agente de sua própria mudança.

Qualquer proposta terapêutica, em especial as embasadas no modelo de Te­rapia por Contingências (Guilhardi, 1997), precisa conter, entre seus principais objetivos, procedimentos que façam o cliente identificar contingências de Reforçamento Positivo operando em suas relações com o seu ambiente e promo­ver para si e para os outros reforçadores positivos genuínos.

IDENTIFICANDO AS CONTINGÊNCIAS“As pessoas usualmente procuram a terapêutica m édica ou comportamental em função daquilo que estão sentindo. O médico m uda o que elas sentem de m aneiras m édicas; os terapeutas com portam entais alteram as contingên­cias das quais os sentimentos são função” (Skinner, 1991, pág. 114).

O cliente, ao procurar a terapia, descreve sua queixa usando os termos insta­lados pela comunidade verbal presente enquanto vigoravam as contingências das quais seu comportamento é função.

uDiferentes com unidades geram tipos e quantidades diferentes de auto­conhecimento e diferentes maneiras de uma pessoa explicar-se a si mesma e aos outros” (Skinner, 1974, pág. 186).

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A tarefa inicial do terapeuta é alterar possíveis descrições incompletas ou im­precisas e instalar um novo repertório que gere descrições acuradas das contin­gências relevantes ao comportamento a ser modificado.

Embora pareça uma questão simples, isso requer muita atenção por tratar-se de desenvolver um repertório verbal que concorre com outros termos não técnicos, reforçados pela comunidade social leiga.

IDENTIFICANDO OS REFORÇADORES“A única m aneira de dizer se um dado evento é reforçador ou não para umdado organismo, sob dadas condições, é fazer um teste direto. Observamosa freqüência de uma resposta selecionada, depois tornamos um evento aela contingente e observam os qualquer m udança na freqüência” (Skinner, 1970, pág. 48).

O procedimento sugerido acima, para a classificação de um evento como reforçador, é possível quando a atuação acontece em ambiente planejado para o controle das variáveis relevantes. Em geral, são ambientes “de laboratório” onde o rigor experimental exigido é possível.

Na prática clínica, o terapeuta tem disponível apenas o relato verbal do clien­te sobre seus comportamentos-problema, uma pequena parcela das dificuldades, em geral os déficits comportamentais ou excessos emitidos durante a sessão e, principalmente, poucos reforçadores positivos, geralmente os eventos disponí­veis nos episódios verbais, provenientes do falante e/ou do ouvinte, ou seja, reforçadores sociais generalizados verbais tipo elogio e aprovação e não verbais na forma de gestos, atenção, carinho etc.

Para Skinner (1991) “aquilo que o cliente fa z na clínica não é a preocupação básica. O que lá acontece é uma preparação para um mundo que não está sob o controle do terapeuta. Em vez de arranjar contingências correntes de reforçamento, com o acontece no lar, na escola, no local de trabalho ou no hospital, os terapeutas dão conselhos. (...) Ele pode assumir a form a de uma ordem (...) ou pode descrever contingências de reforçam ento(...)” (pág. 111).

Assim, o terapeuta parte do relato do cliente sobre suas interações sociais, aju­dando-o a identificar as contingências de reforçamento, os reforçadores positivos efetivos ou potenciais para o seu próprio comportamento ou para o comporta­mento de outros relevantes na sua vida.

Existem muitos textos básicos disponíveis na literatura que classificam e des­crevem tipos de eventos que podem ter a função de reforçadores positivos.

Martin e Pear (1999) sugerem procedimentos para selecioná-los que são úteis para os analistas do comportamento que atuam em instituições, nas escolas, na área esportiva ou em clínica, diretamente com crianças ou orientação de pais.

No entanto, o procedimento mais apropriado é a observação das contingên­cias detalhadamente, buscando as relações funcionais entre o desempenho e os reforçadores que o mantém.

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Salienta-se que, sempre que for necessário utilizar como reforço um item ou evento que não esteja disponível no ambiente do cliente, é desejável partir de ope­rações estabelecedoras, considerando os interesses do cliente e não dos agentes ou das agências controladoras.

Reforçadores sociais generalizados tipo atenção, aprovação, gestos carinho­sos, demonstrações de afeto são exemplos relevantes nesse caso.

REFORÇAMENTO ARBITRÁRIO VERSUS NATURAL“O terapeuta do comportamento pode usar reforçadores arbitrários adequa­dam ente, como parte de uma estratégia terapêutica, mas esta estratégia es­tará condenada, a menos que haja um plano viável para que os reforçadores naturais possam substituir os arbitrários e mantenham os novos padrões de respostas” (Ferster, 1982, pág. 281).

A necessidade de se atentar para a distinção entre arbitrário e natural surge quando os princípios do comportamento passam a ser aplicados na situação clí­nica e aparecem as dificuldades para manter os comportamentos instalados na terapia, fora dela.

Diferentemente da prática clínica, as condições de controle necessárias e os critérios básicos exigidos para os estudos experimentais permitem, ao experi­mentador, utilizar reforçadores mais fáceis de manusear no laboratório, sem a necessidade de considerar se ocorrem em ambiente natural ou não. São chama­dos reforçadores arbitrários.

O terapeuta deve estar sensível a esta questão e selecionar, pela observação acurada feita por ele, em conjunto com o cliente, quando possível, reforçadores que ocorrem em conseqüência do comportamento no próprio ambiente natural. Agindo assim, terá o acesso aos reforçadores naturais.

Um dos aspectos mais importantes para a seleção de reforçadores naturais está relacionado à noção de controle que, muitas vezes, é o centro de críticas para a proposta comportamental. Ferster (1982) argumenta que os reforçadores natu­rais não dependem da intervenção arbitrária do terapeuta, não beneficiam o controlador (terapeuta) em detrimento do controlado (cliente). São usados para beneficiar o controlado, são úteis para manter os comportamentos imediatamente ou a longo prazo e podem garantir a emissão do comportamento aprendido em qualquer situação que gere reforçamento natural.

REFORÇAMENTO ACIDENTAL: ESTABELECENDO RELAÇÕES SUPERSTICIOSAS

"Quando se diz que o reforçamento é contingente à resposta, isso significa apenas que ele vem logo após a resposta. Pode vir após a resposta em vir­tude de uma conexão m ecânica ou devido à m ediação de outro organis­mo; mas presume-se que o condicionamento ocorre por causa da relação

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tem poral em termos da seqüência e da proxim idade da resposta e do reforçamento” (Skinner, 1948).

Considerando-se que o fenômeno é temporal, observa-se que qualquer refor­çador poderá aumentar a freqüência da resposta que o anteceda, mesmo que ela não o produza, quer seja um evento determinado por alguma agência controladora,por uma comunidade social ou apenas algo que ocorra imediatamente após.

O comportamento que resulta desse reforçamento, de tipo acidental, é cha­mado de comportamento supersticioso. Para Skinner, “no comportamento operante supersticioso(.. o processo de condicionamento malogrou" (1970, pág. 56). Sugere-se que a imediaticidade foi selecionada como uma vantagem impor­tante para a sobrevivência da espécie, mas, muitas vezes, traz prejuízos importan­tes para o indivíduo, dificultando a identificação de relações funcionais efetivas.

“Uma pessoa está bem consigo mesma quando sente um corpo positivamente reforçado. Os reforçadores positivos dão prazer. Dão prazer mesmo quando acidentais (feliz, antigamente, significava \sortudo’) ” (Skinner, 1989, pág. 114).

O conceito de comportamento supersticioso, na prática clínica, é de funda­mental relevância pois o cliente que descreve seu comportamento levando em conta as relações supersticiosas, em geral, apresenta um repertório de autoconhe­cimento pobre, fundamentado em eventos que terá dificuldade em reproduzir no futuro. Isso pode ser desanimador, levando-o mais freqüentemente a condições de extinção ou a novas buscas explicativas em condições de privação, que o tor­nam mais vulnerável para estabelecer outras relações supersticiosas. Além disso, ele terá dificuldades em estabelecer relações efetivas em seu ambiente social, pois estará vulnerável aos controles espúrios que não favorecem o seu domínio sobre o ambiente enquanto agente de sua própria história de vida.

“A terapia é freqüentemente um modo de destruir os efeitos reforçadores de conseqüências acidentais” (Skinner, 1991, pág. 107). O terapeuta, nesse caso, deve atuar como uma comunidade social que facilite a descrição de relações entre sen­timentos, os comportamentos e o ambiente, quer sejam passadas, presentes ou futuras, gerando um novo repertório de autoconhecimento e tornando o cliente mais conhecedor das conseqüências que de fato atuam sobre seus comportamentos.

ALÉM DOS EFEITOS DE FORTALECIMENTO E DE PRAZERSegundo Skinner o reforçamento tem dois efeitos: “o efeito de prazer e de fortale­

cimento. Eles ocorrem em diferentes momentos e são sentidos como coisas diferen­tes. Quando nós sentimos prazer, nós não estamos necessariamente sentindo uma maior inclinação para agir da mesma forma(...) Por outro lado, quando nós repeti­mos o comportamento que foi reforçado, nós não sentimos o efeito do prazer que nós tínhamos sentido no momento em que o reforçamento ocorreu” (1987, pág. 17).

Como o sentimento é o efeito que ocorre imediatamente, o que é sentido é mais facilmente identificado como efeito do procedimento, do que a tendência aumentada em se comportar da mesma maneira no futuro.

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Além disso, considerando-se novamente a imediaticidade como uma variável poderosa, ela pode dificultar a identificação das causas “reais” do comportamen­to a ser analisado. O ambiente social leigo, enquanto comunidade verbal e as prá­ticas terapêuticas mentalistas influenciadas pelo efeito do prazer, tendem a fortalecer explicações que levam o cliente ä relatar o que sente a partir da obser­vação de estados internos como as possíveis causas do seu comportamento.

O terapeuta, enquanto analista de comportamento, pode funcionar como facilitador para descrições que diferenciem os dois efeitos, ampliando com isto o repertório de auto-observação do cliente, ou seja, levando-o a relatar como senti­mentos diferentes o estado corporal gerado pelo reforçamento negativo, prazer do tipo alívio e o estado corporal de prazer típico das contingências de Reforça­mento Positivo, como alegria, felicidade ou contentamento. Com isso, ele estará também aumentando o repertório de autoconhecimento do cliente, em especial ao ensiná-lo a identificar e descrever o fortalecimento do desempenho que pro­duziu o reforçador, como o aumento da tendência em se comportar da mesma maneira no futuro, quando condições semelhantes estiverem presentes.

Os dois efeitos do reforçamento podem ocorrer como conseqüência de qual­quer comportamento que gere um reforçador, independente da adequacidade do comportamento que o antecedeu ou do tipo de reforçador produzido.

“O efeito reforçador de uma conseqüência particular pode ter se desenvolvido sob condições que já não vigoram. Por exemplo, a m aioria de nós é forte­mente reforçada por alimentos salgados ou doces, não porque grandes quan­tidades são atualmente boas para nós, mas porque alimentos salgados e doces foram escassos na história da espécie" (Skinner; 1991, pág. 105).

A sensibilidade alterada de um organismo para o reforçamento por eventos com alto valor evolucionário para a espécie humana pode facilitar a instalação e a ma­nutenção de excessos comportamentais com graves conseqüências para a sobrevi­vência do indivíduo. O comer excessivo, o comer compulsivo, distúrbios como diabetes, obesidade, hipertensão podem estar relacionados a essa questão.

uPor outro lado, há problemas que se originam do fato de alguns reforçadores nunca terem tido nenhuma vantagem evolucionáriaC..) os efeitos reforçadores do álcool, da heroína, da cocaína e de outras drogas são presumivelmente acidentaisC * J A necessidade intensa de que padecem os toxicômanos é um estado corporal devido a um reforçador anôm alo” (Skinner, 1991, pág. 106).

Nesse caso, o efeito de prazer imediato é gerado a partir do uso de uma droga e os efeitos nocivos podem aparecer somente após um determinado tempo, fun­cionando como uma conseqüência aversiva atrasada que, para controlar o com­portamento que a gerou, requer a mediação de uma regra.

Assim, as dificuldades comportamentais que evidenciam mais especificamente o efeito do prazer, podem ser modificadas partindo-se da construção de novas regras que descrevam contingências mais favoráveis ao indivíduo e com o uso de técnicas que promovam o autocontrole.

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Reforçamento Positivo: Principio, Aplicação e Efeitos Desejáveis ■ 51

Por outro lado, os excessos comportamentais que explicitam claramente o efei­to do fortalecimento, tais como padrões de comportamento bem estabelecidos que consomem muito tempo do indivíduo, podem ser modificados a partir de procedimentos que reforcem padrões incompatíveis e/ou ampliem as classes de comportamentos que possam promover Reforçamento Positivo.

QUANDO O REFORÇAMENTO POSITIVO PODE DIFICULTARGuilhardi (2002) afirma existir, pelo menos, três condições relacionadas às

contingências de Reforçamento Positivo que dificultam o processo de mudança do cliente:

1. Reforçamento Positivo muito freqüente. “Desenvolve um repertório fraco (os comportamentos entram facilmente em extinção, quando as condições atuais provêem poucos e esporádicos reforçadores positivos ou quando são aumentadas as exigências para obtenção dos reforços), muito sensível àfrus­tração (quando a densidade de reforços positivos cai, a pessoa apresenta reações emocionais perturbadoras para ela e para os que a cercam)(...)”

2. Reforçamento Positivo muito infreqüente. “Sob este sistema de contingên­cias, as pessoas têm alta tolerância à frustração. Às vezes, exageradamente alta. Tendem a se mobilizar pouco para a mudança, uma vez que se habitua­ram a suportar condições adversas extremas(...) Mantém os padrões de com­portamento praticamente inalterados, independente das conseqüências aversivas que produzem... Quando entram em contato com contingências reforçadoras significativas ou freqüentes, sentem-se culpadas(...)”

3. Reforçamento Positivo não contingente. “Nas relações não contingentes, o com­portamento e o evento que se segue são associados apenas seqüencialmente - primeiro um, depois o outro - e com proximidade temporal, um imediatamen­te após o outro. As relações não contingentes tendem a desenvolver padrões de resposta supersticiosa.(...) Buscam soluções mágicas para suas dificuldades e pouco se empenham em descobrir as possíveis relações entre seu próprio com­portamento e as reações do ambiente que a cercam(...)” (pág. 136).

Cada contingência de reforçamento anteriormente descrita requer um proce­dimento específico para alterar a história comportamental gerada e instalar re­pertórios alternativos que possam contrapor os efeitos indesejáveis dessas contingências anteriores. No entanto, a relação comportamento-conseqüência precisa ser alterada através da mudança gradual nos esquemas de reforçamento vigentes nas três condições citadas.

Quando o reforço positivo foi muito freqüente na história de vida do cliente, o procedimento indicado pode ser a mudança no esquema de reforçamento pas­sando-o de “quase” reforçamento contínuo para um esquema intermitente, inicia­do com uma densidade média de reforços bastante favorável para reduzir os possíveis efeitos aversivos imediatos, que possam gerar reações emocionais típi­cas de contingências de punição negativa (perda de reforços).

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52 ■ Terapia Comportamental

Ferster afirma que “a adolescência é o momento em que os esquemas de reforçamento, que prevaleciam para o comportamento da criança, se alteram por­que as práticas da comunidade mudam” (pág. 454).

Na clínica, muitas das dificuldades observadas no repertório comportamental do adolescente são produtos do aumento das exigências para obtenção de refor­ços positivos. Além da transição para esquemas com menor densidade de reforços, mudanças repentinas ou drásticas dificultam o fortalecimento de repertórios alternativos.

A exposição a outras comunidades sociais além da família, tais como: mudan­ça de escola, novos colegas, convívio com novos parceiros conjugais dos pais se­parados, mudança de cidade etc., também podem enfraquecer a variabilidade comportamental e dificultar a seleção de comportamentos que possam repor os reforços positivos perdidos.

Contingências de Reforçamento Positivo pouco freqüentes podem gerar além de um repertório fraco em produzir reforçadores, sugerindo um déficit com­portamental social importante, pouca familiaridade com sentimentos mediados pelo comportamento de outras pessoas que acompanham os reforçadores do tipo afeto, carinho, aprovação, amor.

Por outro lado, o Reforçamento Positivo não contingente implica praticamen­te no estabelecimento de relações entre comportamento e conseqüência que não são produzidas naturalmente na vida cotidiana. Sendo assim, os repertórios são construídos partindo-se de relações de contigüidade e se manterão dependentes de um ambiente provedor.

As contingências de Reforçamento Positivo são poderosos instrumentos dispo­níveis para promover o bem-estar dos clientes, principalmente, em função da imediaticidade de seus efeitos, em especial daquele que é sentido (efeito do prazer).

Portanto, atentar apenas para esse efeito pode gerar repertórios pobres e fra­cos na produção de reforçadores genuinamente prazerosos e com alto valor de sobrevivência para o cliente.

Micheletto (1997), ao analisar o fazer humano do ponto de vista de Skinner, afirma: “O problema da busca exclusiva do prazer, por exemplo, é que ele ocorre quando pouca coisa é feita e um comportamento muito simples é reforçado. O fato de culturas ocidentais criarem oportunidade para privilegiar o efeito de pra­zer nas práticas culturais em detrimento do efeito de força tem levado a ‘corrosão das contingências de reforçamento’ (Skinner, 1986, pág. 569), uma vez que as pes­soas perdem a inclinação para agir” (pág. 123).

PROMOVENDO OS EFEITOS DESEJÁVEIS DAS CONTINGÊNCIAS DE REFORÇAMENTO POSITIVO

. .Nem todo problema pode ser resolvido mediante a aplicação de uma regra, sendo assim, os terapeutas precisam ir um passo à frente e ensinar a seus clien­tes como construir suas próprias regras. Isso significa ensinar-lhes algo sobre a análise do comportamento, uma tarefa usualmente mais fácil do que ensiná- los a alterar seus sentimentos ou estados da mente” (Skinner, 1991, pág. 112).

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Reforçamento Positivo: Princípio, Apíicação e Efeitos Desejáveis ■ 53

Ensinar o cliente a identificar e produzir contingências de Reforçamento Posi­tivo para seu comportamento ou a reforçar positivamente o comportamento de outros, pode se tornar uma tarefa simples para o terapeuta comportamental cujo repertório tenha sido modelado por meio das conseqüências liberadas pelos seus clientes ao aplicarem suas orientações e, também, pela atualização conceituai ob­tida mediante leituras científicas, cursos, discussão de casos, supervisão, partici­pação em congressos etc.

Dessa forma, o terapeuta estará sob controle de comunidades diferentes que levam-no a atentar para questões teóricas que o ajudem a gerar procedi­mentos com descrições tecnológicas (Baer, Wolf e Risley, 1968), que permitam um leitor bem treinado replicar e reproduzir os mesmos resultados apenas pelaleitura da descrição.

Procedimentos cada vez mais efetivos do ponto de vista técnico-científico podem garantir a ocorrência do efeito do fortalecimento em suas melhores con­dições, quando incluem as preocupações descritas anteriormente. Garantir que a conseqüência tenha se revelado reforçadora por seus efeitos, imediata em sua aplicação, contingente ao comportamento de interesse e naturalmente produzi­da por ele.

As contingências de Reforçamento Positivo são fundamentais para garantir o fortalecimento de comportamentos, promover o aumento da variabilidade comportamental e produzir sentimentos de auto-estima e autoconfiança. Guilhardi (2002) apresenta procedimentos bem relatados para ensinar os pais a gerarem em seus filhos bons sentimentos de auto-estima, produto de contingências de Reforçamento Positivo de origem social e de autoconfiança, produto de contingên­cias de Reforçamento Positivo e negativo de origem não social.

Se o terapeuta tiver acesso direto aos agentes reforçadores (por exemplo, os pais) poderá orientá-los, fornecendo regras claras que descrevam contin­gências (e produzam as conseqüências nelas descritas), além de ensinar-lhes conceitos da análise do comportamento que facilitem a seleção das variações comportamentais para alterar as hipóteses explicativas.

Caso contrário, caberá ao terapeuta ensinar o cliente a identificar as conseqüên­cias que seu comportamento produziu no passado, identificar as produzidas atual­mente, buscar novas fontes de reforço positivo atentando para novos estímulos discriminativos ou instalar novos comportamentos que possam produzir em re­forços positivos ampliando a variabilidade comportamental.

A auto-observação promovida pelo terapeuta ao questionar o comportamen­to do cliente e o autoconhecimento (descrição das contingências identificadas) são comportamentos fundamentais a serem modelados e mantidos durante todo o processo terapêutico.

As contingências de Reforçamento Positivo estão disponíveis no ambiente natural, mas podem atingir sua função selecionadora mais acuradamente duran­te a terapia, quando seus efeitos de fortalecimento e de prazer forem atingidos em sua plenitude a partir da aplicação planejada e criteriosa.

“Ser reforçado pelo sucesso da nossa ação é especialm ente vantajoso na m edida em que nos faz essencialmente seres agentes em relação ao meio, agen­tes controlados pelo efeito de nossa própria ação" (Micheletto, 1997, pág. 118).

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54 ■ Terapia Comportamental

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........... .................. ....................................CAPÍTULO

Reforçamento Negativo na Prática Clínica: Aplicações

e Implicações

M a ly D e l it t i ... Cássia R oberta da C unha Thomaz

As respostas são, decisivamente, influenciadas por suas conseqüências. Segundo Skinner (1967), as conseqüências de uma resposta podem retroagir sobre ela e, quando isso acontece, alteram a probabilidade de ocorrência futura des­sa resposta.

Os eventos que aumentam essa probabilidade são cha­mados de estímulos reforçadores e possuem duas caracte­rísticas definidoras; (a) Um estímulo reforçador deve seguir uma resposta; e (b) Fazer essa resposta ocorrer mais freqüentemente, isto é, ser mais provável no futuro.

Skinner (1967) afirma que os eventos reforçadores são de dois tipos. Os reforços que consistem na apresentação de um estímulo pela emissão da resposta são denominados positivos e aqueles que são removidos pela emissão da res­posta são chamados negativos. O termo reforçador, refere- se, então, aos estímulos e a expressão reforçamento faz referência a um processo ou uma operação de fortalecimen­to ou manutenção de uma resposta por um S.

O Reforçamento Positivo pode ser entendido como uma re­lação “se... então”, por exemplo: se resposta “X”, reforçador “Y”, se resposta “não X”, não reforçador “Y” Essa noção de contin­gência (seguir-se a...) é fundamental ao conceito de reforçador.

No Reforçamento Positivo, a resposta de uma pessoa aumenta de freqüência porque é seguida de um evento que não existia antes. Exemplificando, a resposta de um

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56 ■ Terapia Comportamental

rato de pressionar a barra é seguida de água no bebedouro ou a resposta de es­tudar de um sujeito é seguida de aprendizagem e boas notas nas provas.

Entretanto, grande parte das respostas não é mantida por conseqüências po­sitivas. Encontram-se, também, respostas mantidas por Reforçamento Negativo. O termo Reforçamento Negativo é definido como um procedimento no qual há a retirada ou a evitação de um estímulo aversivo contingente a uma resposta, que aumenta de freqüência posteriormente.

Existem, basicamente, dois tipos de operações que se caracterizam como Reforçamento Negativo: fuga e esquiva. Respostas de fuga produzem o fim do con­tato com um estímulo aversivo e respostas de esquiva evitam o contato com esse estímulo. Se estas respostas aumentarem de freqüência no futuro, considera-se que foram reforçadas negativamente.

A idéia central a ser esclarecida é a de que o reforçamento sempre significa aumento de freqüência de resposta e que o termo negativo refere-se ao fato de uma resposta específica remover, ou eliminar, um evento aversivo.

Na vida, os estímulos aversivos são tão ubíquos quanto as respostas de fuga e esquiva que produzem. Sempre que houver um estímulo aversivo, potencialmen­te ocorrerá alguma resposta que lhe dará término ou o evitará.

Procurar a sombra para sair do calor do sol, tomar um remédio para aliviar ador, estudar muito para evitar bronca e punição dos pais e procurar um terapeutapara resolver um problema conjugal, são exemplos de respostas mantidas por Reforçamento Negativo.

Especificamente em relação à situação clínica, parece que, freqüentemente, o indivíduo procura um terapeuta porque encontra-se em alguma situação aversiva. Conforme afirma Sidman (1995), uma pessoa mantida principalmente por Reforçamento Negativo, ou seja, que escapa de estímulos aversivos e/ou os evita, acaba tendo suas interações com outras pessoas influenciadas por esse tipo de controle coercitivo, o que poderia alterar sua visão geral da vida. Nesse sentido, além de se observar o controle por Reforçamento Negativo como uma variável relevante da queixa da pessoa que procura a terapia, encontram-se, também, res­postas mantidas por Reforçamento Negativo na história de vida dela e na sua interação com o terapeuta.

De qualquer maneira, deve-se investigar o controle vigente em determinada situação pois, segundo Sidman (1995), algumas vezes é difícil dizer qual é o con­trole: Reforçamento Positivo, Negativo ou ambos. Em uma situação de laborató­rio, determinados procedimentos poderiam demonstrar o controle em vigor mas, fora desse ambiente, não é simples saber o que mantém a(s) resposta(s), apesar da importância de se descobrir isso.

Uma história de vida caracterizada por controle aversivo leva ao desenvolvi­mento de um repertório de fuga-esquiva e de respostas emocionais decorrentes da punição, como agressão, frustração e ansiedade.

Essas respostas emocionais são consideradas efeitos colaterais da punição e, segundo Sidman (1995), freqüentemente, têm significação comportamental con­siderável como os efeitos principais.

Um outro efeito colateral da punição é possibilitar, a qualquer sinal de puni­ção, a capacidade para punir por si mesmo. Isso acaba por aumentar, para uma

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Reforçamento Negdtivo na Prática Clínica: Aplicações e Implicações ■ 57

pessoa, o número de eventos ambientais aversivos, o que tornaria a vida menos satisfatória, uma vez que a pessoa possivelmente irá se deparar com mais estí­mulos que os sinalizam e, por encontrar eventos aversivos com freqüência, aprenderá que é mais seguro ficar quieta e fazer o mínimo possível. Então, o Re-forçamento Negativo pode limitar o repertório comportamental, ao tornar o am­biente coercitivo.

Alguns efeitos da exposição a eventos aversivos, conceituados como formas de medo e de ansiedade, envolvem atos de esquiva desnecessários. Assim, o terapeuta não deve desviar a atenção dos eventos observáveis causadores dos es­tados internos e das respostas abertas.

Um exemplo característico de Reforçamento Negativo pode ocorrer na interação verbal entre o terapeuta e o cliente, durante a sessão. O terapeuta per­gunta sobre um determinado assunto, que é aversivo para o cliente e esse, ao invés de falar sobre o tema, muda de assunto. Nesse caso, poder-se-á supor que a res­posta do cliente, ao mudar de assunto, talvez tenha sido reforçada negativamente porque ela eliminou a estimulação aversiva de falar sobre aquele assunto. Isto é, se o terapeuta permite que cliente deixe de falar sobre o assunto supostamenteaversivo, a R “mudar de assunto” mudou este S supostamente aversivo e foi, por­tanto, reforçada negativamente.

O terapeuta, sabendo que a cessação da estimulação aversiva reforça negati­vamente a resposta, deveria descrever esse tipo de controle para o cliente e expli­car para ele a função da terapia que, nesse caso, não é a de repetir o padrão domundo frente a isso, mas a de, por exemplo, investigar e discutir as contingências consideradas aversivas.

Outro padrão de respostas do cliente que indicaria uma estimulação aversiva na relação terapeuta-cliente ocorre quando há faltas e/ou atrasos repetidos, indi­cando uma possível esquiva. Portanto, o terapeuta também deveria descrever a contingência e analisá-la, identificando o evento aversivo presente na terapia, con­forme descrito anteriormente. Em geral, não é a relação com o terapeuta (a interação) a variável aversiva (em ambos os casos), mas o assunto no qual a tera­pia chegou. Então, cabe ao terapeuta propor a análise desse tema na vida do cliente e as alternativas de respostas excluindo as de fuga-esquiva.

Uma outra situação clínica na qual aparece o Reforçamento Negativo seria,por exemplo, quando um cliente queixa-se que a situação presente é aversiva. Essase caracteriza quando o cliente, por exemplo, relata que a vida está aversiva, isto é,vários aspectos da vida, como relação com o marido, os filhos e o chefe, são aversivos.

Frente a esse tipo de situação, o terapeuta investigaria, em um primeiro momento, como ocorre a relação do sujeito com o mundo. O cliente poderia relatar, por exemplo, suas queixas constantes para o marido, que não dá atenção a ela. Caberia ao terapeuta mostrar que o marido pode não prestar aten­ção porque ela, freqüentemente, se queixa e, a resposta dele (de não ir para casa, por exemplo), pode ser negativamente reforçada pela eliminação do even­to aversivo “mulher reclamando’'. Além disso, poderia mostrar que a resposta de se queixar pode ser reforçada negativamente e que isso não produz uma mudança no mundo (reforçador positivo). Discutiria, então, quais os refor­

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58 ■ Terapia Comportamental

çadores positivos disponíveis na vida da cliente pois, aparentemente, pode-se supor que não há muitos. A partir disso, o terapeuta deveria planejar contin­gências para a instalação de um novo repertório comportamental, fazendo com que as respostas incompatíveis com o “queixar-se” ocorram e produzam reforçamentos positivos.

Mais um exemplo de situação em que o Reforçamento Negativo aparece na prática clínica é quando o cliente relata uma história de vida com presença cons­tante de eventos aversivos. As descrições a seguir ilustram este caso.

C., um cliente de 28 anos, procurou por terapia queixando-se ser muito agres­sivo e possuir muito medo de ficar sem ninguém (amigos, namorada etc.), porque a namorada traiu-o com um homem que conheceu na Internet e ele não queria abandoná-la para não ficar sozinho, afirmando que ela cometeu a traição por causa da agressividade dele e, por isso, o relacionamento não estava bom.

Quando investigada a história de vida de C., descobriu-se que a mãe abando­nou o pai e levou C. (na época com 8 anos) e sua irmã menor para outra cidade. C. relata que gostava muito de ficar com o pai e sentiu a sua falta. Ele encontrou com o pai novamente quando tinha 16 anos e, até então, a mãe afirmava que o pai os tinha abandonado. Quando o pai encontrou-os (com a ajuda da justiça), tentou restabelecer um contato com os filhos, mas esses não aceitaram a volta dele por acreditarem na mãe. C. afirma que, somente por volta de 21 anos, voltou a falar com o pai e entendeu o que aconteceu, mas a sua relação atual com ele era distan­te graças a essa história.

Desde que passou a morar com a mãe e a irmã em outra cidade, ele disse que a mãe sempre foi mais próxima da irmã e lhe dava atenção quando fazia algo que ela considerava errado (como brincar com o vizinho, por exemplo). Aos 18 anos, mudou-se de estado para fazer faculdade e a mãe, em vez de lhe dar dinheiro para suas necessidades, pagava previamente suas contas (como república e alimenta­ção) e qualquer outra necessidade de C. deveria ser comunicada a ela. Dessa for­ma, a mãe o mantinha sob o seu controle econômico, sempre reclamando e criando punições quando ele pedia dinheiro extra.

Aos 22 anos, arrumou emprego em São Paulo e resolveu “cortar relações” com a mãe. Essa não aceitou a mudança do filho e o fez assinar notas promissórias de tudo o que ela já havia gasto com C. e ele assinou.

Até então, observa-se que as respostas de C. (mudar de Estado, sair de casa. assinar as notas) tinham como função eliminar um evento aversivo: a mãe.

Um ano depois, C. procurou pela mãe para resolver o problema e ela mandou o pastor da cidade dizer a C. que ele estava errado porque as mães nunca erram. Além disso, a mãe deu queixa na polícia (depois que C. saiu da cidade), dizendc que havia duas pessoas em determinado carro (da amiga que acompanha C.) que estavam traficando drogas na região, eles foram parados na estrada e foram para £ delegacia. Só saíram horas depois quando o acontecimento e a autora da queixa foram esclarecidos.

C. resolveu nunca mais procurar a mãe (provavelmente por conta da puniçê: dessa resposta) e foi morar com a namorada em São Paulo. Ele relatou que os dc: se falavam pouco, que mantinham relações sexuais com pouca freqüência e qut ele trabalhava muito, estando sempre cansado.

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Reforçamenio Negativo na Prática Clínica: Aplicações e Implicações ■ 59

Dentre os diversos aspectos que foram discutidos na terapia, mostrou-se a C. que na vida dele houve diversos eventos aversivos, como as punições da mãe na infância e na adolescência, as notas promissórias e a ausência do pai e que muitas de suas respostas tiveram a função de eliminar ou evitar estímulos semelhantes. O mesmo ocorreu com o seu namoro, no qual o que, aparentemente, mantinha a resposta de ficar casado era a possível evitação do estímulo aversivo “ficar sozi­nho”, caracterizando um Reforçamento Negativo. Ainda, responder para evitar e/ ou eliminar eventos aversivos prejudicava a aprendizagem de outros repertórios. Além disso, explicou-se que a agressividade é um provável produto da história da sua vida e que ele agiu, durante todo esse tempo, da maneira mais adequada para o momento, ou seja, isto foi o que ele pôde fazer para “continuar em frente”.

Outra questão discutida com C. foi o efeito da submissão a eventos aversivos independentemente da resposta do sujeito que seriam, além de sentimentos des­critos como ansiedade, a falha na aprendizagem das conseqüências como produ­tos de respostas das pessoas.

Pretendeu-se, então, discutir com C., dada a sua realidade, quais os repertórios comportamentais que deveriam ser aprendidos e quais respostas poderiam ser emitidas para que determinadas conseqüências reforçadoras fossem produzidas. Além disso, foi ensinado a ele um relaxamento e planejaram-se respostas incom­patíveis àquelas “agressivas” nas situações que provocavam agressividade.

Com o decorrer do processo terapêutico, C. foi morar sozinho, mudou de em­prego e foi trabalhar em algo que ele gostava (o salário também aumentou) e ini­ciou um outro relacionamento. Pode-se afirmar que o cliente começou a responder em função de reforçadores positivos.

M., uma cliente de 32 anos, procurou terapia queixando-se de timidez, de so­lidão e de rejeição por partes dos homens, dizendo “Me usavam para conseguir o que queriam e depois me abandonavam.” Ao fazer a análise da sua história de vida, o terapeuta encontrou inúmeros episódios de punição: sua mãe biológica a abandonara, a mãe adotiva a repreendia dizendo “Ninguém te quis, nem sua mãe de verdade. Seja boa, senão eu te ponho na rua.” Na escola, aos 6 anos, pediu para ir ao banheiro, a professora não permitiu, ela não conseguiu se controlar e urinou na calça. Foi punida pela professora e motivo de chacota para seus colegas. Na adolescência, passou a ser boazinha, correspondendo a tudo que as colegas pe­diam, fazendo suas lições, dando-lhes o seu lanche, parecia que ela adivinhava o que os outros queriam e sempre era agradável e solícita. Quando adulta, perce­beu que era uma profissional competente - secretária - e bem-aceita pelos cole­gas porque sempre estava à disposição deles, fazendo hora extra, oferecendo carona, ajudando-os no trabalho etc., mas que eles nunca a convidavam para sair ou tinham com ela uma relação de amizade. Era uma moça atraente e se envolveu sexualmente com vários rapazes, que, no entanto, nunca estabeleciam uma rela­ção mais duradoura com ela.

Na terapia, foi analisado como as suas respostas de submissão e disponibili­dade eram os padrões que ela desenvolveu para ser aceita nos grupos e não ser “jogada na rua”. Essa cliente aprendeu com a terapia que podia ser firme, colocar seus limites e necessidades de forma tranqüila e que podia emitir uma série de respostas assertivas e ser reforçada por isso. Seus colegas de trabalho, em princípio,

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estranharam sua mudança (o terapeuta já havia lhe advertido sobre esta possibi­lidade), mas depois estabeleceram com ela outro tipo de relacionamento, mais verdadeiro e não apenas de “uso”. Também com os rapazes começou a se colocar de forma mais firme e arrumou um namorado que a respeita como ela é. Sua tera­pia continua, porém, as suas mudanças são muito reforçadoras para ela e para a sua terapeuta.

Parece importante ressaltar que o Reforçamento Negativo não é uma técnica terapêutica, mas uma operação comportamental presente nas relações sujeito- ambiente. Eventos aversivos estão presentes no ambiente natural e têm efeitos sobre as respostas dos sujeitos. Frente a (ou a possibilidade de) um evento aversivo, o sujeito aprende a emitir determinada resposta que cessa ou evita a apresenta­ção dele e, assim, a resposta aumenta de freqüência graças ao seu efeito no mun­do. A função dessa resposta é um fato cotidiano e as pessoas as apresentam em virtude da adequação ao ambiente. Apresentar algumas dessas respostas é alta­mente adaptável e mantém a sobrevivência.

A função da terapia é, portanto, dar condições para o cliente analisar como e por que ele emite determinados padrões comportamentais (autoconhecimento) e, a partir desse conhecimento, eleger os que aumentem os reforçadores em sua vida cotidiana (autocontrole).

R e f e r ê n c ia s

SIDMAN, M. Coerção e suas Implicações. Campinas: Editorial Psy, 1995.SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1967.

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CAPÍTULO- z s z , z z z > .z í - / r > . X > r > z ; T J i ^ r < z „'■ « 3 k S s ^ - s = - “ = - . 5 \ Z j t . ^ . t s i * j ; ü : V Ï V ^ * ' .- V - . ^ ’ " J- I í T O í * ^ i V . ^ r - / y . ^ T ^ y , C V f ^ B , ^ . í V i W S « Í % ^ =

Positiva

R oberto A lves B anac o

A palavra punição tem sido definida como “qualquer forma de castigo que se impõe a alguém”, “pena determi­nada por um juiz a quem cometeu um crime” ou “algo pe­noso ou desagradável que alguém é obrigado a suportar” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001) ou, sim­plesmente, como “castigo e pena” (Ferreira, 1999).

Como se pode notar nessas definições, há uma ação de alguém sobre outra pessoa, algumas vezes, deixando explicitado que a última emitiu algum comportamento. As definições encontradas nos dicionários dizem muito sobre a cultura na qual estamos inseridos. Quando fala­mos em punição da maneira que encontramos nos dicio­nários, portanto, estamos nos referindo ao controle sobre o comportamento de algumas pessoas que a cultura tenta exercer por meio de castigo, de pena, ou de algo desa­gradável.

No entanto, quando falamos em punição em uma lin­guagem técnica, especialmente em um contexto de terapia do comportamento, nos referimos a relações mais comple­xas. O tema desse capítulo é constituído dessas relações que caracterizaram a punição enquanto técnica e dos critérios para o uso dessa técnica.

PUNIÇÃO ENQUANTO OPERAÇÃOA punição tem sido um tema essencial de qualquer

livro de iniciação sobre Análise Experimental do Com­portamento, constando, enquanto item, de todos os su­mários das obras principais (como observado em Keller e

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Schoenfeld, 1950/19741; Skinner, 1953/1989; Lundin, 1961/1975; Millenson, 1967/ 1975; Ferster, Culbertson e Perrott-Boren 1968/1978; Malott, Whaley e Malott, 1997; Catania, 1998/1999). Além disso, tem sido tratada, se não diretamente como nas obras citadas anteriormente, dentro de capítulos sobre o controle aversivo do comportamento (Bandura, 1969/1979) ou, exclusivamente, em obras como Coerção e suas implicações (Sidman, 1989/1995).

Isso se deve ao fato da punição ser descrita mais que como uma técnica, uma operação básica passível de ser aplicada no controle do comportamento. Todas as obras citadas abordam a punição em termos de paradigmas e descrevem os efei­tos da sua utilização.

Esse panorama é suficiente para que se possa tratá-la como um capítulo à parte neste livro. No entanto, como será verificado em seguida, sua utilização é feita apenas em situações muito específicas e por um profissional extremamente habilitado, para que seus efeitos não causem mais problemas que soluções.

PRINCÍPIOSA punição é um tema bastante controverso, mesmo dentro da Análise do Com­

portamento. Em termos técnicos, é vista apenas como um procedimento (de acor­do com o que se observa nas definições encontradas nos dicionários: a aplicação de uma estimulação supostamente aversiva para o organismo que a recebe). Essa visão é bastante limitada e não utiliza uma grande ferramenta que um analista do comportamento possui para trabalhar - a análise de contingências. Somente ao observar um procedimento e seu efeito sobre o comportamento, tem-se certeza do que se utiliza em termos de operações. Aplicar uma estimulação supostamen­te aversiva, sem especificar as alterações comportamentais, não garante a utiliza­ção da operação de punição.

Portanto, para se falar de punição enquanto operação, deve-se entender sua definição como o conjunto de meios que se combinam para a obtenção de um certo resultado ou como componente de uma técnica (entendida, por sua vez, como um conjunto de processos com um objetivo específico).

Segundo Todorov (2001), não se encontra uma definição única para a puni­ção. Pela própria divisão observada no sumário deste livro, pode-se perceber que existem ao menos dois tipos de punição: a positiva e a negativa (essa última é tratada no capítulo seguinte).

Os termos “positiva” e “negativa” se referem às operações de estímulos. Se, na operação realizada, é apresentado ou pertimito o acesso a um estímulo, chama- se a operação de positiva. Quando na operação é retirado ou impedido o acesso a um estímulo já existente no ambiente, chama-se a operação de negativa (Baum, 1994/1999). Especialmente no caso da Punição Positiva pode-se dizer que uma

1 A primeira data refere-se ao ano de publicação do original e a segunda ao ano da obra consultada, a qual encontra-se na bibliografia. A adoção desse sistema tenta oferecer ao leitor o contexto de quando a obra foi produzida e quais as suas possibilidades de obtê-la em português.

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Punição Positiva ■ 63

das definições mais aceitas pertece a Azrin e Holz (1966) e classificá-la enquanto uma operação pois define um estímulo e seu efeito: “uma redução na probabili­dade futura de uma resposta específica como resultado da apresentação imediata de um estímulo para aquela resposta”. Se tal relação for verificada, chama-se o estímulo de aversivo e a operação de Punição Positiva.

Mais recentemente, Catania (1998/2001) afirmou que “o efeito da punição é simplesmente o oposto do efeito do reforço” (pág. 109). Mais ainda, afirmou que “o reforço e a punição são simétricos: o primeiro aumenta o responder, enquanto a última diminui, mas seus efeitos continuam enquanto os procedimentos são mantidos e desaparecem depois que eles são interrompidos (o responder retorna aos níveis prévios à introdução da operação de reforço ou de punição)” (pág. 110).

Todorov (2001), no entanto, fez uma excelente análise das definições encon­tradas nas obras de iniciação em Análise do Comportamento citadas e alerta que é necessário diferenciar a punição de outros procedimentos que também redu­zem a freqüência de uma resposta (controle de estímulos, extinção, saciação e restrição física). Segundo esse autor, todos esses procedimentos diminuem o res­ponder, mas não obedecem a outras quatro características principais descritas por Azrin e Holz (1966) para a punição: ter efeito imediato na diminuição da fre­qüência da resposta, provocar a supressão completa da resposta, possuir efeito duradouro e ter efeito irreversível.

Nota-se que, enquanto alguns autores apóiam uma definição bastante estrita para a punição, outros a tornam bastante abrangente.

MÉTODOTodorov (2001) citou ainda as circunstâncias descritas por Azrin e Holz (1966)

necessárias para o processo de punição funcionar, levando para uma supressão completa do comportamento. Essas circunstâncias são ligadas pelas seguintes exigências:

1. Quanto à possibilidade de fuga e/ou esquiva: não pode haver resposta de fuga possível do estímulo punitivo;

2. Quanto à intensidade: o estímulo é tão intenso quanto possível, desde a primeira aplicação. Se a intensidade for baixa, os períodos para a liberação da punição devem ser curtos;

3. Quanto à freqüência e ao momento da liberação do estímulo aversivo: a apresentação do estímulo é tão freqüente quanto possível, imediatamen­te na subseqüencia da emissão da resposta;

4. Quanto às associações entre estímulos: o estímulo punitivo jamais é asso­ciado à apresentação de um estímulo reforçador positivo, evitando a aqui­sição de propriedades de estímulo discriminativo; a freqüência de reforço positivo para a resposta precisa ser diminuída; e a punição deve sinalizar um período de extinção para a resposta;

5. Quanto às possíveis operações de motivação: o grau de motivação para a resposta que se quer eliminar deve ser diminuído;

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64 ■ Terapia Comportamental

6. Quanto às possibilidades para o organismo: uma resposta contrária à res­posta punida deve estar disponível para a obtenção do reforço que mante­nha a resposta a ser eliminada. Caso não haja essa possibilidade, o indivíduo deve ser conduzido para outra situação que possibilite a obtenção do reforçador positivo;

7. Quanto às alternativas de aplicação: se um aversivo primário não for ad­ministrado após a emissão da resposta, usa-se um estímulo aversivo con­dicionado; se isso não for possível, aplica-se timeout2 ou exige-se uma resposta mais custosa para a obtenção do reforço.

DESCRIÇÃOComo foi esclarecido até o momento, o efeito mais claro buscado na aplicação

da Punição Positiva é o de eliminar uma resposta imediata e completamente do repertório de um indivíduo. Também, como visto até esse ponto, é muito difícil, a partir dessa definição, discriminar qual o procedimento de punição pois outros procedimentos também teriam esse efeito. Talvez, enfim, seja nos “efeitos colaterais” da punição que encontram-se sua especificidade. Entende-se como efeito colateral àquele que não é previsto diretamente pela técnica, mas, que nem por isso, seja menos importante na análise de contingências, especialmente em situações clínicas.

Segundo Skinner (1953/1989) e Sidman (1989/1995), os efeitos colaterais da punição seriam:

• A punição, sozinha, não suspende a relação de contingência entre a respos­ta e a obtenção do estímulo reforçador que a mantém. Por essa característi­ca, ela só tem o efeito de suprimir a resposta enquanto o agente punidor estiver presente;

• Sua aversividade provoca efeitos emocionais aversivos que têm como con­seqüência respostas de fuga-esquiva que poderão ser reforçadas se dimi­nuírem, suspenderem, afastarem ou previnirem a estimulação aversiva;

• Uma tendência à agressão e à destruição, se possível dirigida à própria fon­te da estimulação aversiva. Se tal agressão ou destruição não for possível de ser dirigida à fonte de estimulação aversiva (em situações de autoridades, pessoas com mais poderes que o indivíduo submetido à punição ou de ele­mentos da natureza), ocorre uma tendência à agressão ou destruição de qualquer elemento (animado ou inanimado) que estiver por perto;

• Redução do repertório do organismo que sofre a punição: seja porque ne­nhuma resposta que emita é capaz de eliminar a aversividade da situação

2 Período aplicado definido como “uma suspensão discriminada da contingência de reforço” (Todorov, 1971) que pode ser aplicado, contingentemente, à ocorrência de uma resposta, ou seja, uma situação na qual a resposta a ser eliminada fique impedida de ocorrer por meio de contin­gências de reforço.

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ou porque a resposta de fuga-esquiva que elimina a aversividade tende a ser repetida. No primeiro caso, os efeitos observados em modelos de ansie­dade são de supressão condicionada (Estes e Skinner, 1941), ou seja, en­quanto esteja presente o sinal de que a punição é possível, há uma paralisação do comportamento operante em curso. Se essa condição for repetida inúmeras vezes, observa-se o “desamparo aprendido” (Seligman, 1975/1977), na qual o organismo simplesmente pára de responder na si­tuação original e torna-se incapaz de aprender novas respostas;

• E incompatível com a aprendizagem de novos repertórios (ensina apenas o que não deve ser feito, e não ensina novas respostas). Justamente pelo fato de restringir o repertório pelo reforçamento das respostas de fuga-esquiva, pela supressão de comportamento positivamente reforçado ou pela incom­patibilidade da aprendizagem de repertórios novos, a punição, adicionalmen­te, provoca a impossibilidade de responder sob o controle de estímulos pois os efeitos descritos comprometem o processo de discriminação. Pelo fato de também provocar respostas emocionais intensas (reflexas), a punição man­tém o controle do comportamento do indivíduo por seus próprios estados internos, pelo controle da estimulação do ambiente externo (como pode ser observado em pessoas com sintomas de transtornos de ansiedade).

Por essas razões, as técnicas ou procedimentos aversivos devem ser utilizados com extrema parcimônia e em casos nos quais nenhuma outra técnica não aversiva pudesse ser utilizada (Banaco, 2001). Em toda a descrição feita até o momento, os efeitos gerais da punição geram mais problemas adicionais do que solucionam o problema original.

DESCRIÇÃO DO USO DA TÉCNICA EM UM CASO CLÍNICOA técnica de Punição Positiva tem sido utilizada em casos clínicos sob condi­

ções estritas e, em geral, com populações que apresentam comportamentos cha­mados de “bizarros” (autolesão, comportamentos que provoquem algum dano para a saúde do indivíduo etc.) ou com populações que apresentem atrasos no desenvolvimento. Ainda assim, Piazza, Fisher, Roane e Hilker (1999) alertam que poucos procedimentos estão disponíveis para orientar os terapeutas na escolha de procedimentos efetivos de punição, Se o terapeuta avaliar que os benefícios poten­ciais do uso da punição excedem os riscos potenciais, o desenvolvimento de um método empírico de seleção de estímulos punidores apresenta várias vantagens:

“Primeiro, se o procedimento de punição for baseado em um método acurado para prever a efetividade do tratamento, então a probabilidade de rapidamente se suprimir o comportamento é aumentada. Assim, a ne­cessidade de que um indivíduo seja exposto repetidamente a uma série de procedimentos potencialmente incômodos, mas ineficazes, é eliminada. Uma supressão rápida do comportamento também pode ser importante em casos severos, nos quais o indivíduo esteja em perigo significativo para

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si próprio ou para outras pessoas (por exemplo, nos quais as autolesões continuadas possam causar cegueira). Segundo, com um método acurado de predição da efetividade do punidor pode diminuir a chance de que o procedimento venha a ter um efeito oposto ao pretendido. Por exemplo, restrição física contingente é por vezes selecionada como tratamento para comportamento autolesivo, mas pode funcionar como reforçador para este comportamento-problemaC..) Finalmente, a predição efetiva dos efeitos da punição pode resultar na seleção do procedimento menos intrusivo, mas mais efetivo reduzindo assim a probabilidade de que a resistência ao tratamento ou habituação (...) ocorram como resultado da exposição do cliente a procedimentos ineficazes}> (págs. 72-73).

Mais uma vez, pode-se notar que a aplicação da punição, se eleita como técnica de controle de comportamento, deve ser acompanhada pelo analista de compor­tamento, o qual monitora cuidadosamente seus resultados.

RELATO DE CASO COM BONS EFEITOS DA PUNIÇÃO POSITIVA

Malott, Whaley e Malott (1996) descrevem dois casos em que duas clientes classificadas como profundamente retardadas foram tratadas com punição para o tratamento de bruxismo: uma de 32 anos de idade, nascida surda e cega, e outra de 16 anos de idade, incapaz de andar. Ambas haviam destruído seus den­tes e, supostamente, sofriam de dores de cabeça pois apresentavam choro e irritabilidade durante os períodos em que rangiam os dentes, sendo incapazes de se comunicarem verbalmente. Isso fazia as pessoas envolvidas com elas (pais,cuidadores e professores) se esquivarem do contato social.

Depois de tentarem técnicas complexas de reforçamento para reduzir o comportamento de rilhar os dentes, os analistas do comportamento respon­sáveis pelo caso selecionaram uma punição leve3 para aplicarem ao compor­tamento: consistia em tocar a face das clientes com um cubo de gelo por poucos segundos todas as vezes que elas apresentavam o rilhar de dentes de forma que pudesse ser audível aos terapeutas. Os resultados apresentados apontam que, logo nos primeiros dias de aplicação do procedimento, o comportamento de rilhar os dentes das duas clientes decresceu em freqüência e dois meses depois elas pararam, quase completamente, de apresentar o comportamento (enquanto na linha de base observou-se que elas passavam em média 60% do tempo rilhando os dentes, depois da punição leve, essa porcentagem baixou para menos de 5% do tempo). Outros resultados positivos também foram notados: as clientes tornaram-se mais sociáveis (uma delas inclusive ria e

3 Observa-se que o procedimento de aplicação da punição nesses dois casos foi aprovado pela insti­tuição na qual as clientes estavam internadas e também pelos pais delas.

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brincava mais, possivelmente pela eliminação das dores de cabeça), mais coo­perativas e, por esta razão, aprenderam mais rapidamente. Esses resultados deixaram os pais, os cuidadores e os professores mais capazes de passarem mais tempo com elas.

DESCRIÇÃO DO USO INADVERTIDO DE PUNIÇÃO EM UM CASO CLÍNICO E SEUS EFEITOS

Fundamentados na proposta de Skinner (1953/1989) de que a terapia deveria se constituir de uma audiência não punitiva para que o comportamento original­mente punido no ambiente natural pudesse aparecer na sessão terapêutica para o devido tratamento, Baptistussi (2001) e Garcia (2001) analisaram, de formas di­ferentes, o mesmo conjunto de sessões terapêuticas observadas em um caso clí­nico. Enquanto Baptistussi concentrou seu trabalho na busca de comportamentos do terapeuta que facilitaram a ocorrência do comportamento problemático na sessão (conforme as propostas de Kohlenberg e Tsai, 1991/2001), Garcia identifi­cou as respostas de esquiva do cliente e a utilização pelo terapeuta da técnica de bloqueio da esquiva (Kohlenberg e Cordova, 1994). No caso analisado, a clienteapresentava comportamentos obsessivo-compulsivos e o terapeuta auto­denominava-se comportamental.

Segue a transcrição do trecho extraído de Baptistussi (2001, págs. 63-65) em uma sessão na qual aparentemente a cliente (C) tentou a fuga-esquiva de um as­sunto e a conseqüente tentativa do terapeuta (T) em bloquear a resposta de es­quiva (procedimento aversivo). A sessão transcorria sobre a escolha por C de uma possível profissão, inspirada na leitura de um material que descrevia várias profis­sões de grau universitário:

“T: (Acena positivamente com a cabeça. Pausa de 14 segundos.) - C, eu tô percebendo uma coisa. Seus critérios de exclusão são sempre a dificuldade. Que cê acha disso? (Introdução da estimulação aversiva, por sinalizar a esquiva.)

C: - Eu não sei o que eu acho (riso). (Indicativo de fuga-esquiva.)T: - Você acha que é o melhor critério de escolha?C: - Não.T: - Por que não?C: - Porque se for assim eu não vou fazer nada. Porque todos os que eu li têm

alguma coisa que eu não gosto.____

T: - E... todos eles são trabalho e têm o seu componente bom e o seu compo­nente ruim, né? O meu trabalho, por exemplo, eu adoro o que eu faço, C, mas, por exemplo, eu adoro dormir duas, três da manhã e acordar às dez, onze. Quando eu vou fazer isso? Nunca, né? Agora, num dia de trabalho, porque, porque eu começo às nove da manhã, às vezes às oito da manhã, né? Os meus clientes não vão pro meu consultório às duas da manhã, eles, por exemplo, (risos) têm o horário deles, né? É, outra coisa, eu acho é, por exemplo, esse trabalho de atendimento é... é muito gostoso na minha profissão, eu ver as pessoas melhorando, eu ver quando eu con­sigo no meu trabalho uma pessoa, ver que aquela pessoa está crescendo, está se

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desenvolvendo, né? Mas isso implica em às vezes não estar lá no meu melhor dia e ter que ir lá no meu consultório atender e ter que apresentar um... tem que ser profissional, né? Então, a minha profissão tem as coisas chatas e nem por isso ela deixa de ser uma profissão extremamente agradável. Eu gosto muito da minha profissão é... No entanto, eu vejo que quando você está escolhendo, a primeira coisa que você olha são os obstáculos. E o resto perde todo o valor.

C: (Latência de oito segundos) - É que eu não sei o que eu quero, é por isso.(.Resposta de esquiva.)

T: - Hummm.C: - Daí fica mais difícil de escolher (pausa de 11 segundos). (.Resposta indicativa

de fuga-esquiva.)T: - Então, eu tenho a impressão que não é. Acho que é realmente, cê não sabe

o que você quer. É natural na idade em que você está, neste momento, ficar em dúvida, mas eu acho que tem uma coisa anterior a isto que é: você frente a uma dificuldade parece que a tua, o teu movimento é recuar ao invés de tentar alterna­tivas, se perguntar ‘Como é que eu vou superar essa dificuldade?'. E aí a gente tem um problemão não só no trabalho... (pausa de 10 segundos) Você já notou, você tem outras coisas, outras áreas da tua vida que você percebe que isso acontece? (Terapeuta mantém e expande a estimulação aversiva.)

C: - Ah, tenho.T: - Por exemplo?C: - Assim, de confusão assim, de não saber o que eu faço? [Resposta indicativa

de fuga -esqui va.)T: - Não, disso que eu acabei de falar. De você, quando vê uma dificuldade,

você recuar, ao invés de conseguir ir em frente.C: -Às vezes, mas eu não sei explicar quando. Agora, esse negócio de confusão

na minha cabeça acontece em tudo.T: - Hummm.C: - Eu nunca sei o que eu vou fazer, o que que eu faço.T: - Sei... (pausa de 6 segundos) Eu vejo que você está procurando uma profis­

são ideal que nunca vai existir, né? Aquela profissão que pra você é o paraíso, né? Só tem coisa boa. (Terapeuta mantém estimulação aversiva.)

C: - É mais ou menos isso. É que eu queria uma coisa que eu não tivesse que irtodo dia.

T: - Hummm, sei.C: - Não sei se é porque agora eu tô com medo de andar de ônibus, essas coi­

sas. (Resposta indicativa de fuga-esquiva.)T: - Hummm.C: - Então, eu queria um negócio que eu não tivesse a obrigação de ir, quando

eu quisesse faltar.T: - Hummm, você não acha que é mais uma situação onde você recua na

dificuldade ao invés de pensar 'Bom, como é que eu vou fazer pra conseguir andar de ônibus?7 (Terapeuta bloqueia a esquiva.)

C: - É. (pausa de seis segundos).T: - Você pode viver assim. É uma escolha. Só que as conseqüências são você

ficar cada vez mais fechada em casa. Você provavelmente não terá uma profissão.

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Punição Positiva ■ 69

Provavelmente não terá, e se tiver uma profissão não vai ter o emprego porque você não vai todo dia, né? (Sinaliza punição.)

C: - É.T: - Ou seja, você pode ser uma mulher dependente do marido que vai ficar

trancada dentro de casa lavando louça o dia inteiro, é uma alternativa. (Sinaliza punição.)

C: - Não gosto nem de lavar louça (risos de T e C).T: - Imagino que não seja a melhor alternativa.C: - É... (pausa de 11 segundos)T: - Vamos tentar olhar pra essas profissões que a gente acabou de ver e vamos

ver coisas positivas nela? (Tentativa de retirada de estimulação aversiva, mas man­tendo a cliente em uma situação de escolha, possivelmente aversiva.)

C: - Nessa aqui, eu gostei de computação gráfica. (Dada a imediaticidade da resposta, uma possível resposta de fuga da atividade.)

Todas as interpretações grifadas em itálico puderam ser levantadas pelos pesqui­sadores porque, em seguida a este episódio, a cliente relata estar tendo vertigens e pede para terminar a sessão mais cedo. O terapeuta atende ao pedido da cliente e ela falta na sessão seguinte. Esses dados sugerem que o uso da punição na sessão tera­pêutica pode provocar respostas de fuga-esquiva da própria sessão, efeito a ser evita­do pela contingência envolvida na terapia. Possivelmente, se o terapeuta insiste em manter a cliente sob a aversividade nesse momento, ela abandonaria a terapia.

COMENTÁRIOS FINAISApesar de tudo o que foi dito sobre a punição até o momento, é digno de

observá-la como um procedimento que permanece freqüentemente em uso na nossa cultura. Para entender isso, deve-se analisar as conseqüências para o com­portamento do punidor. Skinner (1953/1989) alertou que, especialmente na aná­lise de episódios sociais, observa-se o agente punidor utilizando-se da punição porque ela possui efeitos imediatos de supressão do comportamento do indiví­duo punido, comportamento esse que deve ser aversivo para o punidor. Sendo imediata, a supressão da aversividade para o punidor funciona como reforçador negativo para a resposta de punir. Isso explica o motivo pelo qual agências controladoras criadas pela vida em grupo (Governo, Religião, Educação e Econo­mia) utilizam-se tanto dessa forma de controle do comportamento dos indivíduos. Nessa análise, pode-se constatar que vários comportamentos observados na clí­nica advêm da utilização da punição: problemas emocionais (especialmente an­siedade e depressão), comportamentos de fuga-esquiva (abandono de religião, de escola etc.), comportamentos classificados como delinqüentes (agressão à fonte de estimulação aversiva ou a quem estiver por perto), problemas psiquiátricos (Sidman, 1989/1995). Esse é mais um motivo pelo qual a utilização de alternativas não aversivas seria mais adequada para o tratamento dos problemas apresenta­dos em terapia (Banaco, 2001) do que a utilização de punição ou qualquer outra técnica aversiva.

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70 ■ Terapia Comportamental

No entanto, como apontaTodorov (2001), o estudo da punição e dos seus efei­tos deve ter continuidade. É necessária a explicação dos motivos do constante uso desse método, apesar dele trazer conseqüências ruins para o indivíduo e para a sociedade. Esse autor denuncia: “Dos anos 50 para cá, mesmo com o interesse científico pelo processo (da punição) diminuído, a punição como técnica de con­trole do comportamento parece ter aumentado. Nas Febem4 e nas prisões (ou se­rão a mesma coisa?), nas escolas, o que se lê na imprensa mostra que ainda é a técnica preferida para o controle do comportamento. Então, por que deixamos de fazer a análise experimental do processo de punição?” (pág. 40).

Talvez a resposta a essa questão não seja simples. Mas fica claro tanto pelas observações formais dos experimentos quanto pelas observações obtidas na prá­tica clínica que a utilização da técnica de punição, isoladamente, traz mais pro­blemas que soluções. Não custa repetir que sua utilização precisa ocorrer em situações muito restritas e, de preferência, em combinação com outras técnicas. É desnecessário ressaltar que deve ser usada por quem conhece profundamente a Análise do Comportamento.

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C A P ÍT U L O

Punição Negativai

P atrícia P ia zzo n Q ueiroz

O Senhor Deus, por isso} o lançou fora do jardim do Éden, a fim de lavrar a terra

de que fora tomado (Gn, 3,23).

No presente capítulo será apresentado o conceito de Pu­nição Negativa, serão discutidas as vantagens e desvanta­gens do seu uso e serão oferecidos exemplos da aplicação do procedimento na atuação clínica.

Para se discutir o conceito de Punição Negativa, inicial­mente, é necessário definir o conceito de punição. Punição é um procedimento que envolve uma resposta, a qual pro­duz um estímulo aversivo conseqüente. É necessário que a resposta operante seja emitida e, contingente a ela, siga-se um estímulo aversivo. Appel (1969) sintetizou a concei­tuação de punição da seguinte maneira:

“A punição é um procedimento; não é um processo nem um estímulo. O procedimento especifica uma relação única entre dois eventos - a apresentação do aversivo (Sav) contingente à ocorrência de uma res­posta (R), a qual é funcionalm ente definível e, por­tanto, m ensurável Se uma dada resposta ocorre, então um estímulo aversivo ocorre; se aR não ocor­re, o Sav não é apresentado. Ainda que outros eventos

1 Agradeço a Ana Paula Basqueira e Maria Eloísa Bonavita Soares pelo trabalho de digitação e comentários e, em especial, a Hélio José Guilhardi pela orientação e revisão do capítulo.

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Punição Negativa ■ 73

possam também estar envolvidos (por exemplo, o Sav pode se apresentar após cada qüinquagésima R na presença de um estímulo, como o som de uma cam painha) deve haver, por definição, uma R e um Sav, bem como uma rela­ção de contingência entre eles; assim, não é necessário qualquer outro evento ” (Ferster, Culbertson eBoren, 1978, pág. 225).

O procedimento de punição definido por Appel (1969) ressaltou a importân­cia da relação contingente entre a resposta emitida e a conseqüência funcional­mente aversiva. Nessa relação, o estímulo aversivo pode ser aplicado de duas maneiras. Na primeira, o procedimento de punição envolve a apresentação de um estímulo aversivo contingente a uma resposta, por exemplo: quando uma criança põe o dedo em uma tomada e leva um choque; quando a criança faz uma birra e a mãe lhe dá um tapa; ou quando a criança solta a mão da mãe, corre para o meio da rua e leva uma tremenda bronca. Nessas situações, choque, tapa, bronca são exem­plos de estímulos aversivos que foram apresentados contingentes às respostas emitidas. A relação de apresentação do estímulo aversivo produzido por uma de­terminada resposta é a chamada punição positiva. A palavra positiva não é usada com uma conotação valorativa, mas como termo matemático: adiciona-se o estí­mulo aversivo; ele é acrescentado. Na segunda maneira, o procedimento de puni­ção envolve a remoção de um estímulo reforçador positivo contingente à resposta emitida. Ou seja, ao emitir a resposta, o estímulo reforçador que estava disponí­vel, ou presente, é retirado, por exemplo: a criança está carregando uma bandeja com lanche e refrigerante, tropeça e os deixa cair; a criança responde ao pai com um palavrão, então, ele a proíbe de assistir ao desenho preferido; ou uma criança é proibida de brincar com o amigo por ter tirado nota baixa na escola. As três ocor­rências - perder o lanche e o refrigerante, não assistir ao desenho preferido e não brincar com o amigo - são exemplos de estímulos reforçadores positivos removi­dos contingentemente às respostas emitidas. Essas situações exemplificam o pro­cedimento de Punição Negativa, no qual a conseqüência reforçadora positiva é removida contingente à resposta. Cabe também ressaltar que a palavra negativavem do conceito matemático de subtrair, diminuir e não possui uma conotação valorativa.

Holland e Skinner (1975) assim definiram o procedimento de punição: "Na punição uma resposta é seguida pela remoção de um reforçador (positivo) ou pela apresentação de reforçador negativo" (pág. 246). Sidman (1995) propôs uma defi­nição semelhante: “Um tipo de punição confronta-nos com o término ou retirada de alguma coisa que comumente seria um reforçador positivo; outro tipo con­fronta-nos com a produção de algo que normalmente seria um reforçador nega­tivo'' (pág. 59). O uso do termo “reforço (ou reforçador) negativo", em substituição ao termo “estímulo aversivo”, promove um importante avanço na definição do procedimento de punição (positiva), pois o evento que segue à resposta passa a ser definido pelos efeitos que produz sobre o comportamento. Assim, reforço nega­tivo é aquele evento do ambiente que fortalece a resposta que o elimina. Desapa­rece a ambivalência gerada pelo uso de “aversivo”.

O Quadro 5.1 sintetiza os efeitos dos procedimentos sobre os comporta­mentos operantes.

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74 ■ Terapia Comportamentai

Quadro 5.1 - P roced im entos o p eran tes básicos

R o produz R o remove

Estímulo Reforçador (Reforço positivo)

Estímulo Aversivo (Reforço negativo)

a. Reforçamento positivo

c. Punição positiva

b. Punição Negativa

d. Reforçamento negativo

A definição de punição não faz referência ao efeito do procedimento sobre o comportamento. Na definição de reforçamento, diz-se que um comportamento foi reforçado se uma conseqüência, que se seguiu a uma resposta, produz um au­mento na freqüência dela, por exemplo, uma criança põe o dedo na boca e a mãe segura o pulso da criança e lhe diz: “Que feio!” Se a criança continuar pondo o dedo na boca e o fizer mais vezes quando a mãe estiver por perto, diz-se que o comportamento da criança foi reforçado, o toque e a frase da mãe foram conse­qüências reforçadoras. Nesse sentido, Skinner (1967) escreveu:

“A única maneira de dizer se um dado evento é reforçador ou não para um dado organismo sob dadas condições é fazer um teste direto. Observamos a freqüência de uma resposta selecionada, depois tornamos um evento con­tingente a ela e observamos algum a m udança na freqüência, Se houver mudança (um aumento), classificamos o evento como reforçador para o organismo sob as condições existentes” (pág. 48).

Então, para definir um evento ou conseqüência como reforçador, precisa-se observar um aumento na resposta que o produziu. Holland e Skinner (1975) defi­niram: “O comportamento operante tem efeitos diretos sobre o ambiente. Uma determinada conseqüência do operante, que resulte em um aumento de freqüên­cia das respostas seguintes, pode ser chamada de reforço” (pág. 50). Sendo assim, na definição de reforçamento, o efeito sobre o comportamento produzido pela relação resposta-conseqüência é importante e só por meio dele se pode afirmar que a conseqüência foi reforçadora.

Para vários autores, a punição não deve ser definida pelos efeitos produzidos sobre o comportamento. Appel (1969) referiu-se, aos efeitos do procedimento de punição, da seguinte maneira: “As propriedades da punição não são bem entendi­das; primeiramente, porque os efeitos da punição são de fato complexos, no sen­tido de que a ocorrência de qualquer comportamento sujeito à punição é determinada por muitos fatores em adição da contingência de punição” (Ferster et al.y 1978, pág. 225). Para Holland e Skinner (1975), “os efeitos da punição só podem ser descobertos pela realização de um experimento. Diversamente do refor­çamento, a punição não foi definida em termos de um efeito determinado sobre o comportamento” (pág. 248). Sidman (1995) escreveu: “...definimos punição sem apelar para qualquer efeito comportamental; punição ocorre sempre que uma ação

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h

seja seguida ou pela perda de reforçadores positivos ou pelo ganho de reforçadores negativos. Esta definição nada diz sobre o efeito de um punidor sobre a ação que o produz” (pág. 59). E, ainda, Appel (1969), referindo-se ao efeito da punição sobre o comportamento; ressaltou a dificuldade de prevê-lo, pois “o efeito de qualquer estímulo depende das condições em que ele é aplicado e da história do organis­mo. Não podemos, por isso, ter certeza de que, numa dada situação, em que ocor­re a punição, um determinado Sav, que selecionamos, reduzirá sempre a taxa de resposta” (em Ferster etaL, 1978, pág. 227).

Reafirmando a posição apresentada até esse ponto de que o reforçamento é defi­nido pelo aumento na freqüência de resposta, enquanto a punição, positiva ou nega­tiva, não é definida pelo efeito sobre o comportamento, Skinner (1967) escreveu:

“Devemos primeiro definir punição sem pressupor efeito algum . Isto pode parecer difícil. Ao definir um estímulo reforçador podem os evitar a especifi­cação de características físicas, apelando para o efeito que tem sobre a fre­qüência do comportamento. Define-se também uma conseqüência punidora sem referência às suas características físicas e, se não há efeito comparável para usar um critério, que caminho nos abre? A resposta vai em seguida, Primeiro definimos um reforçador positivo como qualquer estímulo que, quando apresentado, aumenta a freqüência do comportamento ao qual é contingente. Definimos um reforçador negativo (um estímulo aversivo) como qualquer estímulo que quando retirado aum enta a freqüência do com por­tamento. Ambos são reforçadores no sentido literal de reforçar ou aumentar a freqüência de uma resposta. Na m edida em que a definição científica cor­responde ao uso leigo, am bos são ‘recom pensasPara resolver o problem a da punição simplesmente inquirimos ‘Qual é o efeito da retirada de um reforçador positivo ou da apresentação de um negativo?' Um exemplo do primeiro seria tirar o doce de uma criança; um exemplo do último, castigá- la. Não usamos nenhum termo novo na colocação dessas questões e assim nada precisa ser definido. Ademais, até o ponto em que somos capazes de dar uma definição científica de um termo leigo, essas duas possibilidades parecem constituir o campo da punição. Não houve pressuposição de qual­quer efeito; simplesmente levantamos uma questão para ser respondida com experimentos adequados” (págs. 109-110).2

Millenson (1957), ao discutir a definição do procedimento de punição e seu efeito, revelou a dificuldade para essa definição diante da diversidade de variáveis relevantes nesse procedimento: “Os efeitos da punição dependem de muitos fato­res para podermos escrever um simples paradigma de procedimentos, processos e resultados. Os processos e resultados dos procedimentos de punição são variá­veis e condicionais ao tipo de comportamento que está sendo punido, assim como aos estados de muitas variáveis que operam no ambiente presente e passado do indivíduo punido” (pág. 402).

Pu nição Nega ti va ■ 75

2 Os grifos em itálico foram feitos pela autora do capítulo.

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76 ■ Terapia Comportamental

Toda a discussão em torno dos efeitos da punição sobre o comportamento tem um denominador comum: a complexidade da interação das variáveis contro­ladoras do comportamento atuantes num determinado contexto, como:

1. As operações estabelecedoras: intensidade da privação presente, por exemplo;2. Parâmetros das variáveis que compõem as contingências de reforçamento

no momento em que o procedimento é aplicado: intensidade do estímulo aversivo empregado, amperagem do choque, por exemplo; esquema de reforçamento em operação; possibilidade ou impossibilidade de emissão de comportamentos de fuga; presença simultânea de outras contingências de reforçamento operando sobre outros comportamentos - incompatíveis ou não - com o comportamento que está sendo punido etc.

3. História de contingências de reforçamento: a qual tipo de contingências o organismo esteve previamente exposto.

Azrin e Holz (1966) propuseram uma definição que tem sido apresentada como uma referência na área e discutiram as interações das variáveis que influenciam os efeitos dos procedimentos de punição sobre o comportamento. Esses autores introduziram de maneira enfática a mudança comportamental produzida pelo procedimento como componente fundamental da definição. Observe a referida definição e os comentários feitos pelos autores a respeito dela:

“.. .seria preferível como um passo inicial olhar para o próprio comportamento para nossa definição mínima. Um aspecto inequívoco da punição parece ser que ela reduz um comportamento quando a punição é arranjada como uma conse­qüência daquele comportamento. Daí, nossa definição mínima será urna con­seq ü ên c ia de com portam en to qu e reduz a p ro b a b ilid a d e fu tu ra d aq u ele comportamento. Posto de maneira mais completa, punição é uma redução da pro­babilidade futura de uma resposta específica como um resultado da liberação im e­diata de um estímulo para aquela resposta. O estímulo é chamado de estímulo punitivo; o processo todo é chamado de punição ”

Vários aspectos desta definição requerem comentários. Primeiro, a definição não possui um sentimento subjetivo. Portanto, seria incorreto chamar um estí­mulo de estímulo punitivo, simplesmente, porque aquele estímulo resulta em um estado de infelicidade ou em um estado emocional. Segundo, um evento específi­co precisa ser produzido por uma resposta específica em seqüência, para ser con­siderado um estímulo punitivo. O simples decréscimo em responder não é uma razão suficiente para classificar o procedimento como punição. Saciação, extin­ção, drogas, doença, mudança de estímulo etc., também podem reduzir as res­postas. Estes procedimentos são claramente distintos da punição, pois eles não produzem uma redução da resposta, que possa ser atribuída à produção do estí­mulo específico (o punitivo) pela resposta. Só quando a redução de respostas ocorre porque a resposta produz um estímulo específico, chamado processo de punição.Um terceiro aspecto desta definição é que ela especifica a probabilidade futura de uma resposta. A redução em responder durante a apresentação atual de um es­tímulo não é indicativo de punição. Se um choque intenso é liberado na pata, após uma resposta, o choque pode produzir reações como pular que são fisicamente

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Punição Negativa ■ 77

incompatíveis com a resposta; mas isso não é suficiente para categorizar o cho­que um estímulo punitivo. Similarmente, a liberação de comida resulta em com­portamento de consumir que é, usualmente, incompatível com a resposta. A mudança na freqüência da resposta subseqüente ao estímulo define as proprieda­des reforçadoras ou punitivas daquele estímulo. Por esta razão, nossa definição de punição é em termos de uma redução na probabilidade futura da resposta pu­nida. A presente definição considera punição como um processo primário, uma vez que (1) não requer nenhuma evidência independente de que o estímulo irá manter comportamento de fuga, e (2) a característica definidora de punição é di­retamente mensurada em termos da existência de redução da resposta... A pre­sente definição de um estímulo punitivo é idêntica à definição de um estímulo reforçador, uma vez que ela requer uma mudança na probabilidade futura de uma resposta como resultado da produção de um estímulo pela resposta. As definições diferem apenas com respeito à direção de mudança da probabilidade da resposta: um aumento de probabilidade, no caso do reforçamento positivo, um decrésci­mo, para a punição. Nenhum processo é secundário ao outro” (págs. 381-383).

Walley e Mallot (1980), Catania (1999) e Martin e Pear (2003) incorporaram explicitamente, na definição de punição, o efeito que as conseqüências têm sobre o comportamento. Martin e Pear (2003) usaram o termo princípio de punição (e não procedimento) e começaram definindo um punidor (punishef):

“É um evento que quando apresentado imediatamente após um com porta­mento, produz um decréscimo na freqüência do com portam ento... Asso­ciado com o conceito de punidor está o princípio de punição: se em uma dada situação, alguém faz alguma coisa que é imediatamente seguida por um punidor, então a pessoa tem menor probabilidade de fazer a mesma coisa outra vez, quando se encontrar em situação similar” (pág. 148).

Martin e Pear (2003) classificaram em quatro categorias os eventos que, quan­do liberados como conseqüências para o comportamento, atendem à definição de punidor: (a) punidores físicos; (b) repreensões; (c) timeout7 (d) custo da resposta” (pág. 149). Como se pode observar, os dois autores não separaram a punição posi­tiva da negativa de forma explícita. Em relação aos objetivos do presente capítulo importam as duas últimas categorias de Martin e Pear (2003):

'Timeout envolve transferir um indivíduo de uma situação mais reforçadora para outra menos reforçadora após um determinado comportamento. Pode ser visto como um tempo sem oportunidade para obter reforços” (pág. 150). “Custo da resposta envolve a remoção de uma amostra especificada de re­forço após um determinado comportamento. Exemplos de custo de resposta na rotina cotidiana são as multas por atrasos de pagamento. Custo de res­posta é diferente de timeout, pois não há mudanças nas contingências de reforçamento em operação quando ela é administrada. Custo de resposta também não deve ser confundido com extinção. No procedimento de extin­ção , um reforço não é apresentado após a emissão de uma determinada res­posta. No custo de resposta, um reforço que está de posse da pessoa é retirado após uma resposta inadequada” (págs. 150-151).

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78 ■ Terapia Comportamental

Walley e Mallot (1980), ao definirem o conceito de punição, enfatizaram o efeito de redução da freqüência de resposta quando um estímulo reforçador é removido contingente a uma resposta. Ou seja, a resposta produz a remoção de um estímulo reforçador e a freqüência dessa resposta diminui após essa conseqüência. Então, Walley e Mallot (1980) afirmaram: “A remoção de um reforço (positivo) como conseqüência da emissão de uma resposta pode ser definida como um procedimento de punição. O resultado desse procedimento de punição é uma redução na freqüência da resposta em que ele está associado. Se como conseqüência da remoção do reforço se obtém uma redução, a remoção pode ser considerada como uma punição” (pág. 147). Ob­serve que nessa definição de punição, os autores estão descrevendo o procedimento de Punição Negativa (objetivo do nosso capítulo) ao considerar punição como a re­moção do estímulo reforçador, embora não empreguem tal terminologia (optarampor “punição produzida por remoção contingente de reforço positivo”).

Catania (1999) também discutiu a punição como um procedimento que altera a probabilidade futura de ocorrência da resposta. Ele ainda destacou que a remo­ção de uma conseqüência reforçadora pode ser considerada um procedimento de punição, diminuindo, assim, a probabilidade futura da resposta que produziu tal remoção ser novamente emitida. Assim, ele escreveu: “Existe uma outra relação, a punição em que as conseqüências do responder tornam o responder menos pro­vável. Além disso, um estímulo que reforça uma resposta, quando é produzido por ela, pode ter uma função diferente quando é removido por uma resposta: sua remoção pode punir o responder” (pág. 108).

Uma distinção teórica bastante oportuna envolve o procedimento de punição e a extinção. Como foi visto na punição, a resposta emitida produz o estímulo aversivo. O organismo que se comporta produz a conseqüência, sendo um agente ativo no processo. A extinção envolve o não-reforçamento de uma determinada resposta. Inevitavelmente, características aversivas estarão envolvidas na relação entre resposta e não-reforçamento. É importante destacar que na extinção, dife­rentemente da punição, o organismo não produz a conseqüência de não- reforçamento, não sendo o sujeito, assim, o ativo produtor da conseqüência. Nesse sentido encontra-se emFerster e t a l (1978):

“Na linguagem coloquial há, algumas vezes, uma tendência a descrever o comportamento do pai que não atende o choro da criança como punição. Embora o não reforçamento de um comportamento operante em curso pos­sa ser desagradável ou ter propriedades aversivas em algumas situações, é importante distinguir entre a punição de um desempenho, seguindo-o com um estímulo aversivo e a diminuição da freqüência de um desempenho pelasimples suspensão do reforçamento” (pág. 205).

Na extinção, a taxa de respostas diminui pois elas não possuem reforço (as respostas não produzem o estímulo reforçador). Na punição, a taxa de resposta diminui porque elas são seguidas de conseqüências aversivas (as respostas pro­duzem o estímulo aversivo).

Um importante ponto na aplicação da punição é citado por vários autores. O procedimento de punição, positiva ou negativa, suprime o comportamento

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Punição Negativa * 79

operante ao qual a conseqüência aversiva se seguiu, A punição não elimina a res­posta punida do comportamen to do organismo, apenas suprime essa resposta, en­quanto a conseqüência aversiva está presente. Skinner (1967) discutiu essa problemática: “Mais recentemente, levantou-se também a suspeita de que a pu­nição não faz, de fato, aquilo que se supõe que faça. Um efeito imediato na redu­ção de uma tendência a se comportar é bastante claro, mas isso pode ser enganador. A redução na freqüência pode não ser permanente” (pág. 109). E ainda: “O fato de que a punição não reduz permanentemente uma tendência para responder, está de acordo com a descoberta de Freud sobre a atividade sobrevivente do que cha­mou de desejos reprimidos” (pág. 109). Ferster et a l (1978) também descreveram a punição como a supressão da resposta punida e não a eliminação dela: “O efeito da punição na redução da freqüência de um operante positivamente reforçado é mais corretamente descrito como a supressão temporária de um comportamento e não como a sua eliminação. A punição não pode ser considerada o oposto do reforçamento positivo” (pág. 191).

Appel (1969) também discutiu o efeito da punição como um efeito temporário produzido pelo estímulo aversivo, não alterando a probabilidade futura da ocor­rência da resposta. Ele, ainda, apontou outra questão: nenhuma agência punitiva conseguirá punir todas as emissões da resposta que deseja suprimir; ela conse­guirá punir algumas das respostas, mas não outras, podendo, com isso, fortalecer o padrão inadequado num esquema de reforçamento intermitente. Appel (1969) afirmou: “Então, o fato de que uma ação foi suprimida por punição não implica que a probabilidade de sua futura ocorrência tenha que ser significativamente di­minuída, mesmo que continuemos a punir. Na 'vida real' nenhuma agência puniti­va poderá punir todas as pequenas manifestações do comportamento cada vez que ocorrem e de modo severo e inevitável. Devemos, por isso, admitir que a pessoa que pune, espera, erradamente, que uma vez que o comportamento punido tenha sido suprimido, permanecerá suprimido” (Ferster et a í, 1978, págs. 230-231),

Ou seja, para que um comportamento permaneça suprimido é necessária a presença da conseqüência aversiva, porém é muito difícil para a agência controladora punir todas as ocorrências de uma determinada resposta. Nem o terapeuta, nem os pais, nem os professores poderão estar permanentemente ao lado do indivíduo conseqüenciando, eliminando cada emissão da resposta inade­quada. Esse fato pode tornar a utilização da técnica pouco prática, desde que, na ausência da agência punitiva, o comportamento volte a ocorrer na mesma fre­qüência anterior à aplicação. Porém, a punição é uma técnica importante para reduzir rapidamente a resposta inadequada e isso não deve ser ignorado. Às ve­zes, a ocorrência única da resposta inadequada pode ser muito danosa, por exem­plo, quando uma criança atravessa a rua sem esperar pela orientação do adulto, pula numa piscina sem saber nadar, puxa o cabo de uma panela quente no fogão, segura um ferro elétrico ligado etc. Nesses casos, a punição poderia ser útil se al­guém a aplicasse em tempo de interromper a cadeia de respostas, antes que os elos terminais pudessem ocorrer. Esses exemplos extremos (lamentavelmente, comuns) podem justificar o uso da punição (positiva), mas não devem ser usados como argumento para o uso generalizado da punição. Em situações, mais ame­nas, em que se use a punição, ela deve ser branda e é essencial a combinação da

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80 ■ Terapia Comportamental

sua aplicação com outro procedimento que desenvolva um repertório durável mantido por reforçadores positivos. Esse destaque é muito importante para a prá­tica clínica; o terapeuta, ao usar a punição, deve estar ciente da supressão tempo­rária e ainda habilitado a utilizar outros procedimentos (modelagem, fading in, controle por regras etc.) para construir um repertório adequado permanente. Sidman (1995) sintetizou muito claramente essa posição:

“Comportamento inadequado persiste a despeito da punição porque é tam ­bém reforçado. A m aioria de nós, indiscutivelmente, preferiria reforçar ações alternativas em vez de utilizar punição para fazer com que os nossos filhos e os outros m udassem . Algumas vezes, entretanto , o com portam ento indesejado é tão forte que ele impede o indivíduo que se comporta inade­quadam ente de tentar qualquer outra coisa. O diálogo freqüentemente não os persuade a abandonar um curso de ação que já funciona. Podemos, en­tão, sentir que a punição é o único recurso. Se uma ocasião assim surge, podem os usar punição suave. A supressão temporária do ato punido nos dá uma oportunidade para ensinar ao indivíduo algo novo, alguma outra m a­neira de obter os mesmos reforçadores. Tendo parado momentaneamente um ato indesejável, punindo-o suavemente, podemos, então, substituí-lo por meio do reforçamento positivo de uma atividade mais desejável” (pág. 87).

E, nesse sentido, Martin e Pear (2003) escreveram: “Punição não estabelece nenhum comportamento; ela apenas suprime o velho comportamento. Em ou­tras palavras, punição não ensina o indivíduo o que fazer; na melhor hipótese, ela só ensina o que não fazer. Por exemplo, a principal característica de pessoas com déficit de desenvolvimento é a falta de comportamento que elas têm em comparação com a maioria das pessoas. A primeira ênfase para esses indivíduos, então, deveria ser o estabelecimento do novo comportamento em vez de mera­mente eliminar o velho comportamento. Reforçamento é necessário para reali­zar esta tarefa” (pág. 157),

Como foi enfatizado até aqui, a punição é aplicada contingente a um repertó­rio que esteja sendo considerado inadequado. Esse comportamento foi fortaleci­do e mantido por reforçadores, já que sua freqüência não desapareceu (não se extinguiu). Isso nos remete a uma outra discussão importante. A resposta operante, que se pretende eliminar com a punição, é mantida no repertório do indivíduo por reforçadores. Ao introduzir a punição (que apenas suprime a resposta tempo­rariamente), o valor do estímulo reforçador que mantinha tal comportamento não foi alterado. Ou seja, ao retirar a punição, a resposta, ao ser emitida, continua pro­duzindo o reforçador que a mantinha. Por exemplo, proibir a criança de brincar ou assistir ao desenho por um período do dia não altera o valor reforçador natural dessas atividades; assim que a punição for removida ou o agente se afastar a criança voltará a emitir essas respostas. Appel (1969) explicitou que ocorre uma interação entre os procedimentos de punição e de reforçamento:

uComo a punição é usada, freqüentemente, tanto no laboratório como em situações práticas para suprimir (ou eliminar) uma resposta, isto é, para

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Punição Negativa ■ 81

reduzir sua taxa de ocorrência, a resposta deve existir no repertório do orga­nismo e, provavelmente, deve ocorrer em uma taxa que a pessoa que pune considera muito alta, antes da punição ser aplicada. Como o comportamento operante não ocorre a menos que seja, ou que já tenha sido reforçado (usual­mente por outro estímulo, Sr)> a resposta deve ter pelo menos um efeito (o d e ser reforçada) além de estar envolvida na punição; sua taxay por isso, será determinada pela força relativa de suas várias conseqüências, bem como por outros fatores” (pág. 226).

Completando a citação anterior, Ferster et a l (1978) escreveram: “A redução na freqüência de um desempenho pela punição é um processo complicado por­que a punição não altera o reforçador que mantém o comportamento” (pág. 216).

Em outra passagem Appel (1969) ressaltou a importância do estímulo reforçador para a reaquisição e manutenção do repertório suprimido:

“A punição é um procedimento operante que implica numa tentativa de eliminar o comportamento que afeta o am biente do organismo (isto ê, uma resposta operante). Tal comportamento é adquirido porque ele leva a certas mudanças no meio, mudanças essas que são necessárias por razões que po­dem ou não ser conhecidas. O comportamento pode ser desorganizado por uma grande variedade de estímulos ‘novos’ inclusive pela punição, mas per­sistirá, pela mesma razão pela qual fo i adquirido: o anim al ainda necessita aquilo que necessita e mesmo que tenha que trabalhar arduamente, ele o fa rá para obter o que necessita” (Ferster et al., 1979, pág. 231).

Nessa citação, Appel (1969) também sugeriu um outro efeito sobre o compor­tamento, que decorre da aplicação do procedimento da punição: o comportamento é am plam ente “desorganizado”. Ou seja, a punição suprime a resposta inadequa­da, porém ela também poderá produzir o mesmo efeito sobre outras respostas operantes que estiverem sendo emitidas no momento da punição. Por exemplo, uma criança está brincando e falando alto, quando um adulto a repreende. A criança pára de brincar, se afasta dos adultos, começa a falar mais baixo em outras situa­ções, a ponto de só ser ouvida com dificuldade, O repertório mais amplo da crian­ça, mesmo comportamentos que não foram diretamente punidos, ou seja, outras classes de respostas semelhantes (generalização de respostas) ou classes de res­postas equivalentes se enfraquecem em condições de estímulos semelhantes (ge­neralização de estímulos). Instala-se um amplo - e indesejado - repertório de fuga-esquiva. Ferster et ah (1978) escreveram sobre os efeitos da punição sobre o repertório operante:

“Se a intensidade dos estímulos aversivos puder condicionar e suprimir comportamentos operantes, geralmente esses estímulos desorganizarão ou suprimirão uma am pla gam a de comportamentos não relacionados, numa variedade de situações. Essa desorganização do comportamento operante do indivíduo, que estiver ocorrendo e que estava sendo reforçado positiva­mente, pode produzir um sério enfraquecimento no repertório com por­tam ental” (pág. 212).

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Além das alterações no repertório operante, também ocorrerão reações respondentes, como taquicardia, aceleração no ritmo respiratório; alterações na pressão arterial, transpiração etc., e estados corporais desagradáveis. A pessoa poderá relatar sentimentos de raiva, medo, insegurança, agressividade, entre outros; todos incluem componentes operantes e respondentes. Conclui-se que a punição pode produzir excessos comportamentais ao lado de supressões comportamentais, abrangendo o repertório global da pessoa num nível mui­to além do esperado e, certamente, produzindo alterações comportamentais não desejadas.

Uma possível explicação para o efeito imediato de redução da resposta puni­da é que o procedimento pode eliciar respostas respondentes incompatíveis com o comportamento. Skinner deu o exemplo de uma criança que leva um beliscão forte quando está rindo na igreja. O beliscão elicia respostas incompatíveis com o riso e assim o suprime. A resposta de rir pode ocorrer futuramente, mas basta um gesto ameaçador da mãe, que pode ter o efeito de estímulo condicionado aversivo eliciador, para a criança cessar o riso, via condicionamento respondente de res­postas incompatíveis. Um outro problema que decorre do procedimento de puni­ção envolve os estímulos presentes no momento da punição. Esses estímulos adquirem funções de estímulos condicionados. Os estímulos que acompanham a própria resposta punida ou que estiverem ocorrendo simultaneamente a ela são condicionados. Em situações futuras, nas quais algum desses estímulos condicio­nados estiver presente, todo o repertório do indivíduo pode ser alterado, ocorren­do uma desorganização dos comportamentos operante e respondente do sujeito. Eles adquirem, então, a função de estímulos pré-aversivos, ou seja, sinalizam quan­do a emissão da resposta pode ser seguida de estimulação aversiva. Ferster et ol. (1978) falam em perturbação generalizada no repertório (ansiedade):

“Os estímulos aversivos tendem a evocar reflexos que influenciam o estado do organismo. A mera ocorrência de um estímulo incondicionado ou con­dicionado pode influenciar e desorganizar potencialmente qualquer com ­portamento operante que esteja ocorrendo. Os estímulos que precedem o estímulo aversivo incondicionado podem ter efeitos muito mais pronuncia­dos do que o próprio evento. Por exemplo, o som que precede o choque elétri­co pode desorganizar virtualmente qualquer comportamento operante que esteja ocorrendo e reduz sua freqüência. O comportamento de pressionar a barra reforçado por com ida cessa, ou será substancialmente perturbado, durante o som que precede o choque (estímulo pré-choque), em bora o desempenho operante volte ao normal após o choque. Qualquer outro d e­sempenho operante que estivesse ocorrendo poderia ser igualmente desor­ganizado. O efeito do estímulo pré-choque sobre o comportamento do rato é, algumas vezes, cham ado ansiedade... Assim, torna-se mais próprio d e­signar este estado como uma conseqüência de um estímulo pré-aversivo} e não como uma resposta em ocional porque a primeira designação focaliza a atenção sobre o comportamento operante diretamente observável que é alterado, sem a implicação enganosa de que há mudanças no repertório operante que são eliciadas como no caso de um reflexo” (págs. 211 -212).

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Decorre, daí, um efeito comportamental importante: qualquer resposta emi­tida nesse contexto que afaste a estimulação aversiva adquire função no repertó­rio do indivíduo, pois é reforçada negativamente. Com isso, na presença deestímulos aversivos condicionados, o indivíduo tende a emitir respostas (de fuga-esquiva) que cessam a estimulação aversiva* Os estímulos aversivos condiciona­dos não apenas produzem estados corporais, operantes e respondentes, desagradáveis, como também aumentam a probabilidade de respostas de fuga- esquiva. Skinner (1967) descreveu: “Se uma dada resposta for seguida por um estí­mulo aversivo, qualquer estimulação que acompanhe a resposta, originando-se do próprio comportamento ou de circunstâncias concomitantes, será condicio­nada. Acabamos de apelar para esta fórmula ao explicar os reflexos e as predispo­sições condicionados emocionais, mas o mesmo processo também leva ao condicionamento dos estímulos aversivos que servem como reforçadores negati­vos. Qualquer comportamento que reduza essa estimulação aversiva condicionada será reforçado. No exemplo há pouco considerado, assim que o rato se aproxima da barra na qual suas últimas respostas foram punidas, poderosos estímulos aversivos condicionados são gerados pela proximidade cada vez maior da barra e pelo próprio comportamento de se aproximar em que o rato se empenha. Todo comportamento que reduza esses estímulos - voltar-se ou afastar-se, por exem­plo, - será reforçado. Tecnicamente, podemos dizer que é evitada a punição pos­terior” (pág. 112). Martin e Pear (2003) exemplificaram: “Punição pode fazer com que a situação e a pessoa associados com o estímulo aversivo se tornem punidores condicionados. Por exemplo, se você está tentando ensinar uma criança a ler e se você punir a criança quando ela errar, qualquer coisa associada com essa situação - como palavras impressas, livros, a pessoa que puniu, o tipo de quarto no qual a punição ocorreu - tenderá a se tornar punitivo. A criança pode tentar escapar ou evitar tais estímulos. Então, em vez de ajudar o indivíduo a aprender, a punição pode conduzi-la para longe de pessoas, objetos e eventos associados com a situa­ção de aprendizagem” (pág. 156).

A relevância dessa discussão é notável, pois, quando ocorre a punição, uma ampla gama de comportamentos é desorganizada; estados corporais, operantes e respondentes, desagradáveis são produzidos; os estímulos presentes na situação e no próprio corpo da pessoa são condicionados, adquirindo função pré-aversiva; diante dos estímulos pré-aversivos, o indivíduo tenderá a emitir respostas de fuga- esquiva - inclusive comportamentos de agressão - ou terá o repertório operante suprimido, mesmo os componentes não punidos. Um ponto ainda mais crítico advém da função de estímulo pré-aversivo adquirido pelas próprias respostas cor­porais: o indivíduo não será estimulado apenas pelo meio externo pois poderá ficar sob o controle da função aversiva provinda do próprio corpo. Os comporta­mentos de fuga-esquiva são muito fortes e pouco sensíveis à extinção, particular­mente o comportamento de esquiva. Se o organismo emite de forma eficaz o comportamento de esquiva, então ele não experimenta a conseqüência aversiva. Se tal condição aversiva for suspensa, não há como o organismo testar a mudança na contingência. Mesmo que a punição não esteja mais atuando, o indivíduo pode continuar se comportando como se ela estivesse presente (como se ela viesse a ocorrer). O comportamento está sendo reforçado negativamente, de forma su­persticiosa e, provavelmente, persistirá na presença dos estímulos pré-aversivos.

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A função que os estímulos adquirem na punição é importante na prática clíni­ca, porque ela pode estar operando - por generalização - mesmo quando o terapeuta não está usando procedimentos de punição. Suponha que a situação que o terapeuta maneja se assemelhe a uma condição em que ocorreu punição no passado: muitos padrões comportamentais emitidos na sessão podem estar ocor­rendo em função de estímulos presentes que foram condicionados como estímu­los pré-aversivos em outra situação. O terapeuta estaria, nesse caso, lidando com um repertório de comportamento já instalado* Por exemplo, o terapeuta pede para a criança escolher um jogo; a criança hesita e pede para a terapeuta escolher por ela. A criança não está, necessariamente, respondendo à relação com a terapeuta (supondo uma relação não punitiva), mas sim a uma história de contingências,nas quais “escolher” foi punido.

Um outro aspecto relevante para a prática clínica precisa ser destacado. Adul­tos são importantes modelos quanto aos modos de comportamento. Em brinca­deiras infantis ou na interação com outras crianças, freqüentemente, elas imitam comportamentos observados nos adultos com outros adultos ou de adultos com ela própria. Nesse sentido, ao aplicar o procedimento de punição, um modelo de atuação poderá estar sendo dado à criança; assim, ela poderá passar a usá-lo em outras relações. Martin e Pear (2003), embasados em estudos sobre a função que os comportamentos de modelos têm sobre o comportamento de crianças, afirmaram:

(<Criançasf freqüentemente, têm adultos como modelo e os imitam. Se os adultos aplicam punição em crianças, as crianças aprendem a fazer o m es­m o com os outros. Então, punindo a criança, nós podem os , inadver- tivamente, estar provendo um m odelo a ser seguido por elas, qual seja apresentar estímulos aversivos aos outros. Por exemplo, crianças que foram ensinadas a brincar com um jogo no qual elas eram multadas pelos com ­portamentos incorretos, multavam outras crianças para as quais elas ensi­navam o jogo" (pág. 157),

O comportamento agressivo de uma criança pode ser instalado por diferentes processos comportamentais: imitação, modelagem, reforçamento negativo etc. No entanto, o terapeuta, sem menosprezar essas informações, deve priorizar as contingências que prevalecem presentemente e que mantêm os comportamen­tos agressivos e até modelam repertórios mais elaborados e danosos de agressão. Porém, independentemente dos modelos comportamentais que são apresenta­dos, o próprio procedimento de punição pode produzir agressão. Azrin e Holtz (1966) listaram dois tipos de agressões: operante e eliciada. Na agressão operante, a contingência de punição é eliminada “destruindo ou imobilizando o estímulo punitivo. Chamá-la de agressão operante indica que esse tipo de agressão é man­tido pelas conseqüências potencialmente favoráveis da agressão” (pág. 440). A agressão eliciada ocorre quando estímulos dolorosos são aplicados em um orga­nismo na presença de outro. O primeiro ataca o segundo mesmo quando ele não é fonte da estimulação aversiva. “Este tipo de agressão não parece depender de qualquer conseqüência operante favorável para a sua existência” (pág. 440).

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Punição Negativa ■ 85

Um novo aspecto deve ser ressaltado: o efeito do procedimento de punição sobre o comportamento do agente aplicador da punição. Quando a punição é efi­caz, há uma redução imediata da resposta indesejada. Esse efeito reforça (negati­vamente) o comportamento de quem aplicou a punição. Isso se torna um problema quando a pessoa que aplica a punição fica sob o controle do reforçador que seu comportamento produziu (diminuiu ou suprimiu a resposta inadequada) e se mantém aplicando a punição, a despeito de seus efeitos sobre o indivíduo punido . O procedimento é aplicado para o benefício imediato do agente controlador, quan­do o objetivo da utilização deve ser, exatamente, priorizar os benefícios para a pessoa punida. Nessa condição, o agente da punição não se preocupará em utili­zar procedimentos que instalam novos comportamentos, incompatíveis com os indesejados e instala-se um ciclo pernicioso: ocorre o comportamento, segue-se a punição, o comportamento é suprimido temporariamente, mas reaparece, sendo novamente punido (provavelmente, o agente punitivo será reforçado diferencial­mente para aplicar conseqüências com intensidades crescentes) e seguem-se os descaminhos discutidos.

Martin e Pear (2003) escreveram: “Uma vez que a punição resulta na rápida supressão de comportamento indesejável, pode ser tentador para quem a usa se utilizar dela prontamente e negligenciar o uso de reforçamento positivo para com­portamentos desejáveis. Entretanto, o comportamento indesejável pode voltar após uma supressão temporária ou algum outro comportamento indesejável pode ocorrer. A pessoa pode, então, recorrer, progressivamente, a doses cada vez mais intensas, criando um círculo vicioso com desastrosos efeitos colaterais” (pág. 157).

Ferster et al. (1978) também relataram: “Este controle instantâneo do com­portamento do indivíduo fornece um reforçamento muito grande para o controlador, e reforça sua disposição para continuar a usar o controle aversivo, a despeito de suas desvantagens óbvias a longo prazo: a necessidade de continuar o controle aversivo para manter o comportamento e a possibilidade de contra-con- trole pelo indivíduo que é punido, além dos estados emocionais gerados tanto no controlador quanto no controlado. Estes efeitos colaterais indesejáveis são, às ve­zes, retardados e, quando ocorrem depois que o comportamento do controlador foi reforçado por uma modificação imediata no desempenho do controlado, são freqüentemente ignorados” (pág. 215).

Skinner (1967) salientou o quanto a punição é amplamente utilizada na nossa sociedade:

“A técnica de controle mais comum da vida moderna é a punição. O padrão é fam iliar: se alguém não se comporta como você quer, castigue-o; se uma criança tem mau comportamento, espanque-a; se o povo de um país não se comporta bem, bombardeie-o. Os sistemas legais e policiais baseiam-se em punições como multas, açoitam ento, encarceramento e trabalhos forçados.O controle religioso é exercido pelas penitências, am eaças de excomunhão e consignação ao fogo do inferno. A educação não abandonou inteiramente a palmatória. No contato pessoal diário controlamos por meio de censuras, admoestações, desaprovações ou expulsões. Em resumo, o grau em que usa­mos punição como uma técnica de controle parece se limitar apenas ao grau

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em que podemos obter o poder necessário. Tudo isso é feito com a intençãode reduzir tendências de se comportar de certas maneiras. O reforço estabe­lece essas tendências; a punição destina-se a acabar com elas” (pág. 108).

Surge, então, um debate importante: a punição, por envolver estimulação aversiva, recebe freqüentes retaliações em sua aplicação. Sem dúvida, como foi demonstrado, a punição produz efeitos colaterais muito indesejáveis. É inegável que métodos punitivos foram usados, várias vezes, de forma abusiva em favor do opressor e sem preocupações com alterações sistemáticas e necessárias no reper­tório comportamental da pessoa punida. No entanto, o que se deve criticar é o uso inadequado, antiético da punição; não o procedimento em si. A punição exis­te, inclusive, no ambiente natural e pode ensinar como se comportar de modo a não se machucar ou se ferir gravemente. Skinner (1983) escreveu: “O castigo, mui­to comum na natureza, nos ensina muito. Uma criança se machuca quando corre desajeitadamente e cai; é picada quando toca uma abelha; e é mordida quando tenta tirar o osso de um cachorro. Em conseqüência, aprende a não fazer de novo” (pág. 51). Assim, a conseqüência aversiva tenderá a fazer o indivíduo não agir da mesma maneira, evitando, com isso, se ferir, sentir dor etc. Ironicamente, pode-se dizer que a punição acaba nos protegendo de danos maiores. Essa sensibilidade pela estimulação aversiva desenvolveu-se na evolução da espécie, é uma caracte­rística humana e, graças a ela, nossa espécie se perpetuou.

A sociedade, apesar de recriminar, utiliza amplamente a punição para contro­lar as pessoas. Muitas vezes, argumenta-se que a punição é usada para proteger seus membros, por exemplo, multando o excesso de velocidade, protege-se o motorista imprudente e outros passageiros na estrada, ou é aplicada para o bene­fício da comunidade como um todo, por exemplo, cobrando impostos que se re­vertem em escolas, saúde pública etc. Esses métodos de controle, definidos como necessários, poderiam, sob a influência de ideologias mais comunitárias e de um efetivo conhecimento da ciência do comportamento, ser substituídos por outros mais humanos, mais efetivos e com menos efeitos colaterais indesejáveis (leia-se Walden Two - Uma Sociedade do Futuro). Acrescenta-se que, em nossas críticas, os objetivos pelos quais essas práticas se justificam são, na realidade, deturpados.Isso sem falar em práticas tirânicas.

Catania (1999) escreveu: “Algumas pessoas argumentam contra qualquer tipo de modificação de comportamento, tanto envolvendo estímulos aversivos quan­to reforçadores positivos. Os que fazem uso de tal argumento deveriam reconhe­cer que o nosso comportamento é modificado a todo instante, tanto por contingências naturais como por contingências artificiais criadas pelos que estão em nossa volta. Negar isso não eliminará tais contingências e um contra-argu- mento é que nossa melhor defesa contra o mau uso das técnicas comportamentaisé aprender tanto quanto possível a respeito de como elas funcionam” (pág. 128). Concorda-se com Catania e não se adota a posição ingênua de que todos os tipos de controle aversivo podem ser evitados. O ideal seria que essa evitação pudesse ser possível. Na vida cotidiana há necessidade de limites para determinados compor­tamentos e, muitas vezes, o comportamento indesejado precisa ser enfraquecido diretamente. Os critérios para o uso da Punição Negativa são discutidos adiante.

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CONTROLE EM LABORATÓRIO DE CHUPAR O DEDOPELA REMOÇÃO E REAPRESENTAÇAO DE REFORÇO

Com esse título, a revista JEAB, a mais importante publicação de trabalhos experimentais em análise do comportamento, publicou um trabalho pioneiro de Baer (1962), em que foi usado o procedimento Punição Negativa para alterar o comportamento de chupar o dedo em três crianças de 5 anos. Pela importância histórica desse estudo, apresenta-se um resumo do experimento.

O bjetivo

“No presente estudo, a técnica de remoção (do reforçador positivo) é usada para produzir controle temporário sobre chupar o dedo em três crianças pequenas que, persistentemente} chupavam o dedo. Pretendeu-se dem ons­trar que a resposta de chupar o dedo pode ser m odificada pelo controle do am biente presente através do uso de conseqüências explícitas da resposta ”

Procedimentos

O experimentador demonstrou que os filmes de desenho animado tinham função reforçadora positiva para as crianças: ao assisti-los, elas riam, ficavam aten­tas, se divertiam, faziam comentários etc.

Inicialmente, uma criança assistiu por oito sessões, com intervalo de 2 ou 3 dias entre elas, desenhos animados sem nenhuma interrupção, durante 21 minu­tos. Nesse período ela ficou praticamente 100% do tempo chupando o dedo. A criança estava bem adaptada ao ambiente experimental quando foi introduzida na etapa seguinte do procedimento.

Uma mulher entrava com a criança e ficava sentava atrás dela em um canto. Os desenhos eram projetados na parede oposta à sala de controle e de observação do experimento. Nas oito sessões iniciais, três desenhos de 7 minutos eram mos­trados sem interrupção. Durante as três sessões experimentais, eram projetados, para a criança, os mesmos três desenhos duas vezes, sem intervalo entre eles, na seqüência A-B-C-A-B-C. O comportamento de chupar o dedo era marcado em um registrador Gerbrands de registro cumulativo, que anotava uma resposta para cada 3 segundos acumulados de chupar o dedo. O experimentador, observando atrás de um espelho, todas as vezes em que a criança punha o dedo na boca, pres­sionava um interruptor e o mantinha assim ligado enquanto ela estivesse chu­pando o dedo. O interruptor ligava um programador automático. O programador, por sua vez, acionava o registrador que marcava uma resposta a cada 3 segundos em que o interruptor estivesse pressionado. Nas situações de punição, o progra­mador desligava o projetor dos filmes e também o som, enquanto o interruptor continuasse pressionado. Quando a criança tirava o dedo da boca, o desenho e o som eram reapresentados.

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88 ■ Terapia Comportamental

Durante as sessões experimentais, o desenho A foi apresentado sem punição; durante o desenho B, todas as respostas 'chupar o dedo’ foram punidas (um pe­ríodo de controle); no desenho C ocorreu um período de recuperação da resposta. Na segunda apresentação dos desenhos observou-se: em A, todas as respostas ‘chu­par o dedo' foram punidas (período de controle); B era o período de recuperaçãoe, em C, todas as respostas foram novamente punidas (período de controle).

R esultados e D iscussão

Nas três sessões, durante aprojeção do desenho A (nível operante), afreqüên- cia de chupar o dedo estava bem próxima do limite máximo. Nas apresentações com punição contingente (controle) a chupar o dedo, a freqüência de resposta diminuiu de forma uniforme e efetiva, com efeitos mais evidentes graças às su­cessivas repetições da condição experimental. Nas apresentações de recuperação, a freqüência da resposta de chupar o dedo foi comparável ao nível operante, com recuperação forte e rápida.

A criança não completou a terceira sessão, dizendo que já tinha visto o sufi­ciente. Isso pode ser resultado do procedimento de punição em andamento, como também poderia ser saciação, já que a criança assistiu ao desenho 13 vezes.

Os resultados podem ser analisados como uma discriminação dos componen­tes do esquema em funcionamento, uma vez que não houve uma supressão gene­ralizada de chupar o dedo pela punição.

O utro Procedim ento

Baer realizou um outro procedimento com duas crianças de 5 anos (SI e S2). Foram colocadas na mesma sala de projeção, porém com um divisor entre elas para que não se vissem. As duas crianças tiveram três sessões de 30 minutos de projeção dos desenhos até que a resposta de chupar o dedo estava próxima de 100% da fre­qüência. Então, seguiram-se duas sessões de experimento em dias sucessivos. Na primeira sessão, SI experimentava alternadamente 5 minutos de desenho contí­nuo e 5 minutos de retirada e reapresentação do desenho contingente à resposta de chupar o dedo. Enquanto S2, assistindo aos mesmos desenhos, experimentava as mesmas condições, exceto que a remoção e reapresentação dos desenhos era de­terminada pelo chupar o dedo de Sl, sendo, portanto, não contingente para S2. Nesse caso, essas operações apenas foram randomicamente contingentes ao comporta­mento de S2 de chupar o dedo. No dia seguinte, as crianças tiveram suas posições invertidas nas condições experimentais: Sl passava para a situação de remoção não contingente e S2 para a remoção e reapresentação contingente.

R esultados

Nas duas sessões, o sujeito que estava na condição de remoção e reapresen­tação contingente à resposta de chupar o dedo ficou rapidamente sob o controle

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Punição Negativa ■ 89

dessa contingência. Simultaneamente, também nas duas sessões, o sujeito queestava na contingência de remoção e reapresentação do desenho (porém apenasrandomicamente associado ao comportamento de chupar o dedo) não mostrou efeitos óbvios.

A remoção do reforçador contingente à resposta e a sua reapresentação ao cessá-la enfraquecem o “chupar de dedo”. Porém, a remoção e a reapresentação do desenho não contingente à resposta não a afetam significativamente.

CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DOS PROCEDIMENTOS DE PUNIÇÃO NEGATIVA USADOS COM CRIANÇAS NA NOSSA PRÁTICA CLÍNICA

Em nosso Instituto, a prática clínica tem adotado a definição de Walley e Mallot (1980) e Catania (1999), as quais enfatizam o efeito da redução na freqüência da resposta punida. Do ponto de vista terapêutico, a aplicação de determinados pro­cedimentos tem objetivo explícito: manter comportamentos (desejados); m odifi­car comportamentos (aumentar a freqüência daqueles que são desejados, mas pouco freqüentes; reduzir a freqüência ou eliminar aqueles que são indesejados); colocar os comportamentos sob o controle apropriado de estímulos (determinar as condições sob as quais o comportamento pode ser emitido e sob as quais não deve); instalar novos comportamentos (ampliar o repertório global de comporta­mentos). Todos os objetivos devem ser atingidos até um nível de relevância social ou de relevância para o próprio indivíduo, o que funcionalmente significa que a ocorrência do comportamento alcançou um padrão que não produz estimulação aversiva nem para a própria pessoa que se comporta, nem para o grupo social significativo para ela e, ao mesmo tempo, produz conseqüências reforçadoras positivas para a pessoa e, desejavelmente, também para o grupo social ao qual pertence. Baer, Wolf e Risley (1968) propuseram que, como uma dimensão básica da Análise Aplicada do Comportamento, as mudanças comportamentais produ­zidas sejam socialmente significativas. É, exatamente, o aspecto destacado nas linhas anteriores. Quando se trata, como é o tópico desse capítulo, da utilização de procedimentos de Punição Negativa, é necessário que o seu uso produza alte­rações “socialmente significativas”, ou seja, que o cliente e a comunidade social em que ele está inserido tenham benefícios reais e significativos com essas transfor­mações. Por exemplo, se uma criança mordia coleguinhas de classe todos os dias, duas a três vezes, um procedimento que reduza a freqüência das mordidas para uma a duas vezes por semana revela-se eficaz. No entanto, a eficácia do procedi­mento não é socialmente significativa pois a freqüência menor de mordidas per­manece, ainda, como um problema comportamental sério, acarretando danosimportantes para a criança que morde, para as crianças que são mordidas por ela, para todos os pais e para a escola.

Em nossa prática, mesmo reconhecendo que o uso de timeout e de custo da resposta atendem à definição de Punição Negativa, nenhum desses procedimen­tos têm sido empregados. Tem-se optado pela retirada de atenção e de quaisquer outros reforçadores sociais generalizados, contingentes às respostas não deseja­

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90 ■ Terapia Comportamental

das em associação com a reapresentação de atenção e outros reforçadores sociais generalizados, contingentes às respostas desejadas. (O uso da extinção também deve ser mencionado, uma vez que respostas indesejadas pouco freqüentes, pode- se dizer fracas no repertório do cliente, são eliminadas, simplesmente, ignoran­do-as. Porém, se a extinção não for suficiente, introduz-se a retirada contingente da atenção.) Eventualmente, usam-se reforços positivos materiais, mas com a cla­ra proposta de removê-los gradualmente [fadingoui), permanecendo apenas os reforçadores sociais generalizados, até a condição em que os comportamentos mantêm-se pelas conseqüências naturais da rotina cotidiana.

Outro aspecto dos procedimentos adotados é a aplicação da Punição Negati­va e do reforçamento positivo contingentes aos primeiros elos da cadeia de res­postas trabalhadas. É mais fácil enfraquecer um comportamento partindo-se das formas mais incipientes que apresenta. Ao mesmo tempo, são gerados menos efei­tos colaterais emocionais indesejados. Também é mais eficiente instalar um com­portamento (em geral, incompatível com o indesejado) a partir do reforçamento diferencial da ocorrência dos primeiros elos, os mais simples, do que esperar a emissão do comportamento com topografia terminal mais complexa (modelagem).

Outra característica dos procedimentos adotados são aplicação im ediata e diferenciada das conseqüências e descrição verbal (pelo menos na primeira ocor­rência do comportamento, desde o momento em que a contingência terapêutica passará a ser aplicada) dos procedimentos a serem aplicados. A imediaticidade é fundamental para que se estabeleça uma relação inconfundível de contingência entre o comportamento e a conseqüência e não uma relação de contigüidade temporal entre os eventos. A seqüência temporal íntima pode condicionar supersticiosamente o comportamento e, no caso da punição, enfraquecer, desne­cessariamente, o desempenho. Isso porque a conseqüência aversiva seleciona a resposta mais próxima da sua ocorrência, como aquela que a produziu. Por exem­plo, ao colocar o dedo na tomada, leva-se um choque. A proximidade entre os dois eventos determina claramente a resposta que produziu o choque, diminuindo, desse modo, a probabilidade futura de colocar o dedo na tomada. Quando não há uma proximidade temporal entre a resposta e a conseqüência aversiva, outra res­posta que tenha ocorrido nesse intervalo pode ser erroneamente selecionada e ter sua freqüência deduzida. Appel (1969) discutiu essa questão: “Se o estímulo aversivo é contíguo à resposta ou apresentado imediatamente após a resposta, os dois eventos estão, provavelmente, bem associados. Se, contudo, há uma demora entre a resposta crítica e o estímulo aversivo, qualquer comportamento que ocor­ra durante esse período de tempo pode ser condicionado ao estímulo aversivo, de acordo com o mesmo princípio de contigüidade” (pág. 226). No entanto, o atraso na apresentação da conseqüência aversiva, se necessária, pode ocorrer com os seres humanos, desde que ela seja mediada por comportamento verbal. Se a mãe diz, conseqüentemente ao comportamento inadequado do filho: “Quando seu pai chegar, decidiremos o que fazer com você", mesmo que o pai chegue à noite e a conseqüência seja aplicada só então, a criança relacionará a conseqüência aversiva ao comportamento que ela emitiu à tarde. No momento exato em que o pai e mãe lhe disseram: “Amanhã você não irá ao passeio porque, hoje à tarde, você..." ela estará engajada em um outro comportamento qualquer (vendo desenhos na TY

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Punição Negativa ■ 91

por exemplo), não sendo esse, por certo, o comportamento punido. O uso da des­crição verbal das contingências, que são aplicadas, funciona como um SD verbal para o comportamento da criança, aumentando a probabilidade de emissão de comportamento que, se ocorrer, será reforçado como estímulo pré-aversivo e di­minuindo a probabilidade de emissão de comportamento que, se ocorrer, será punido. Cria-se, dessa maneira, contingências para o comportamento passar a ser governado por regras. O cliente tem, portanto, o comportamento governado pelas regras explicitadas pelo terapeuta (“Regras ou instruções descrevem con­tingências: se continuar por esta via acontecerá isto ou aquilo; se tomar uma via alternativa acontecerá outro aquilo.” Matos, 2001, pág. 52), bem como modelado pelas conseqüências, a partir do efetivo manejo de conseqüências diferenciais fei­tas pelo terapeuta em função dos comportamentos emitidos na presença dele. O cliente fica sob o controle de duas classes de contingências nas interações entre ele e o terapeuta.

Ainda mais, o terapeuta apresenta reforços sociais periódicos (elogios, afagos, comentários etc.) durante a sessão, sem atentar para contingências específicas (não importa que comportamento é, assim, conseqüenciado), exceto que esses refor­ços generalizados não devem vir após comportamentos indesejados. O objetivo desse procedimento é fortalecer, de forma intermitente, o repertório adequado abrangente do cliente e criar, na sessão, uma relação permeada com reforçadores positivos com a geração de sentimentos de satisfação, bem-estar etc. A condução de eventos reforçadores da maneira descrita pode ser considerada um modo de gerar uma operação estabelecedora, pois torna a relação terapêutica e o contexto terapêutico mais reforçadores que outros contextos de vida da criança.

Finalmente, os procedimentos testados com a eficácia demonstrada nas ses­sões são ensinados para os pais, a fim de que eles os usem na relação cotidiana com o filho. É uma maneira de promover a generalização dos ganhos compor­tamentais verificados nas sessões para outros contextos da vida da criança e na interação dela com outras pessoas. Assim, fundamentalmente, a única forma de punição adotada, quando se conclui que punição deve ser empregada, é a remo­ção contingente de reforços positivos - Punição Negativa manejando contin­gências amenas e sempre associadas às contingências de reforçamento positivo, contingentes a outros comportamentos e a comportamentos incompatíveis com aqueles que foram punidos. Dentro dos parâmetros empregados, os efeitos cola­terais indesejáveis, que decorrem do uso da punição, estão confiavelmente mini­mizados na nossa prática e os ganhos comportamentais e afetivos observados com o uso parcimonioso e criterioso dos procedimentos punitivos em associação com o uso abundante, mas também criterioso, dos procedimentos reforçadores positi­vos, encorajam a continuidade desse modelo de prática clínica com crianças. Con­tinuamente nós avaliamos nossos comportamentos com a convicção de que os procedimentos adotados devem produzir benefícios, prioritariamente, para o clien­te. As discussões de caso e as supervisões funcionam como contingências eficazes para modelar e manter os comportamentos do terapeuta em favor do desenvolvi­mento comportamental e afetivo do cliente. As orientações feitas para os pais e os profissionais das escolas pretendem colocá-los sob os mesmos controles aos quais o terapeuta responde na aplicação de procedimentos. A supervisão direta dos com-

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92 * Terapia Comportamental

portamentos dos país e dos professores peio terapeuta visa produzir conseqüên­cias diretas e eficazes para manter esse objetivo. Não basta instruir os pais sobre a forma de proceder com os filhos; há necessidade de reforçar, diferencialmente, os comportamentos de interação entre eles e os filhos emitidos na presença do terapeuta, mantendo os comportamentos dos pais dentro dos mesmos critérios usados com os terapeutas. (O mesmo vale para os professores e demais profissio­nais da escola.)

Todos os procedimentos apontados caracterizam o modelo de ação terapêu­tica aplicado em crianças no IAAC3.

EXEMPLOS DE PROCEDIMENTOS ADOTADOS COM CRIANÇAS QUE APRESENTAVAM DISTINTOS COMPORTAMENTOS INADEQUADOS

M order

Alex, de 4 anos, freqüentemente mordia as crianças na sala de aula. A profes­sora por diversas vezes conversou com ele: “O que aconteceu para você fazer isso?”; “Vamos tentar conversar com os colegas?”; “Me conta o que aconteceu.”, ou seja, deu atenção contingente ao comportamento indesejado, explicando-lhe que o com­portamento era inadequado: “Isso é errado, você não deve agir assim.”; “Você machucou seu coleguinha. Doeu. Veja como ele está chorando.”, ou seja, deu aten­ção contingente ao comportamento indesejado, castigando-lhe: “Agora você sai da roda e fica no canto.” Mas ele, fora da roda, ainda provocava as crianças, então, a professora disse: “Você vai ficar do lado de fora da classe perto da porta, sentado, quieto e só voltará quando eu chamar.” Porém, funcionários passavam e interagiam com ele: “Você vai para outra sala pensar no que fez.” e no caminho conversa­vam com ele e depois de deixá-lo na outra sala, voltavam algumas vezes para per­guntar se estava pensando, ou seja, mesmo nas situações de castigo ele continuava recebendo atenção de colegas, funcionários e da própria professora. Questionada pela terapeuta, a professora não conseguia identificar os elos iniciais do encadea­mento que culminava com a mordida (a terapeuta buscava essa informação, a fim de orientá-la para intervir o mais cedo possível, de modo a evitar a ocorrência da mordida). A partir dos relatos da professora, ficou claro que a criança tinha um repertório operante forte de provocar os amigos (pegava os brinquedos deles, os beliscava, batia neles, os empurrava). Esses comportamentos foram observados, mas ignorados pela professora (ou seja, eram reforçados por conseqüências natu­rais), não sendo considerados relevantes, uma vez que havia um repertório operante mais aversivo em operação (o morder). A professora ficava, exclusi­vamente, sob o controle do morder. Mas, esses outros comportamentos inade­quados, não menos importantes, formavam elos da cadeia que se completava com

3 Instituto de Análise Aplicada de Comportamento.

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Punição Negativa ■ 93

o morder. O comportamento de morder poderia ocorrer sob controle de qualquer comportamento dos colegas que não o agradasse (alguém estar na sua frente, ou esticar o braço diante dele, ter um brinquedo que ele quisesse). Alex não emitia respostas adequadas como pedir alguma coisa que desejasse, solicitar a ajuda da professora diante de alguma dificuldade; por outro lado, ele se recusava a entre­gar ou devolver um brinquedo para outra criança, mesmo que não fosse seu, ig­norava instruções da professora etc. As punições introduzidas pela professora para o comportamento de morder não foram eficazes, pois: (a) eram muito longas; (b) os reforçadores removidos eram fracos; (c) os procedimentos não eram siste­máticos de uma ocorrência para a outra; (d) os procedimentos não eram conceitualmente sistemáticos (intercalavam extinção com reforçamento); (e) ou­tros comportamentos inadequados, pertencentes ao encadeamento de morder, continuavam sendo reforçados; (f) a punição era intermitente (ora ocorria puni­ção, ora aconselhamento); (g) comportamentos incompatíveis com morder não foram sistematicamente modelados e fortalecidos.

O seguinte procedimento foi proposto:

a. A qualquer resposta inadequada (empurrar, puxar, cutucar etc.), um colegaseria conseqüenciado (não deveria ser esperada a ocorrência do elo final: morder);

b. Alex seria retirado da sala, imediatamente, e levado para outra sala sem nenhum reforçador disponível: nem material (lápis, jogos, brinquedos) e nem reforçadores generalizados sociais (provindos de funcionários, dire­tora etc.);

c. Ele permaneceria lá por um período curto de tempo (entre 2 e 3 minutos), quando, então, seu comportamento seria observado, sem que recebesse nenhum tipo de atenção (extinção). Se estivesse adequado, era trazido para a classe; se estivesse gritando, chorando, batendo na porta etc., continuava sendo ignorado e o tempo era prolongado até ficar adequado por pelo menos 30 segundos;

d. A professora não deveria ter nenhuma interação verbal com Alex, desde o momento da emissão do comportamento inadequado até a volta para a sala após o isolamento;

e. Quando voltasse à sala de aula, ele teria atenção natural da professora e colegas: ela ficaria, porém, um pouco mais atenta a ele, elogiando seus com­portamentos adequados e respondendo suas verbalizações com mais pron­tidão, com o objetivo de fortalecer - no início do procedimento - outros comportamentos, diferentes dos inadequados;

f. O procedimento se repetiria quantas vezes fosse necessário, sempre con­tingente a algum comportamento definido como inadequado.

No primeiro dia da introdução do procedimento, Alex foi retirado da sala de aula a cada comportamento inadequado emitido durante todo o dia. Uma vez calado na sala de isolamento, ele rapidamente passava a se comportar adequa­damente, ficando sentado e quieto. Assim, contingente a esses comportamentos adequados, retornava para a sala de aula (após poucas ocorrências, bastavam os 2

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94 ■ Terapia Comportamental

minutos de isolamento). Novamente na sala de aula, recebia atenção da professora e colegas sem nenhum comentário sobre o episódio da retirada da sala. Nos dias subseqüentes, a freqüência dos comportamentos inadequados de provocar os colegas foi, gradualmente, reduzida, possibilitando a permanência dele na sala de aula em grande parte do tempo, enquanto se mantinha emitindo comportamentos adequados e obtendo, apenas dessa forma, a atenção da professora. Alex passou a se comportar mais adequadamente até que não saiu mais da sala de aula. Se qual­quer resposta inadequada de provocar os amigos voltasse a acontecer, o procedi­mento era reintroduzido. A aplicação do procedimento foi sistemática e rapidamente houve uma redução em todo o encadeamento de comportamentos inadequados de Alex na escola.

Os pais também foram orientados sobre como proceder diante dos compor­tamentos inadequados de Alex. Os itens (a) até (f) do procedimento utilizado na escola foram explicados a eles com a única alteração de que Alex seria retirado de qualquer lugar, independente de onde eles estivessem (shopping , loja etc.), caso ocorresse a resposta inadequada e só retornaria para o local após ficar en­tre 2 e 3 minutos em outro lugar sem reforçadores naturais ou arbitrários (mate­riais ou sociais) e estivesse se comportando adequadamente (estivesse quieto, sentado etc.). Os pais seguiram as orientações dadas pela terapeuta e utilizaram o procedimento no shopping , em uma loja e no supermercado. Num exemplo ocorrido, Alex foi retirado da loja e levado para fora do estabelecimento. Então, foi colocado sentado num banco do local. Os pais ficaram por perto, mas em silêncio. Bastaram os 2 minutos (dado que ele estava quieto, sentado), foi retirado do banco e retornou para o interior da loja. A prontidão com que se portou ade­quadamente, provavelmente, foi uma generalização do efeito do procedi­mento usado na escola.

Imitar

Um cliente de 10 anos (Carlos) estava em terapia há um bom tempo. A relação com a terapeuta era boa: falava bastante, estava sempre próximo, atendia ordens, sugeria atividades... Ele era agitado, ou seja, tinha uma freqüência alta de com­portamentos operantes na sala de espera: andava de um lado para o outro, senta­va-se por curtos períodos, ficava se mexendo no sofá, pulava etc. Na sala de atendimento, como a atenção da terapeuta era exclusivamente para ele, essa agi­tação diminuía e o mantinha sob o controle das atividades por períodos longos e raramente ele se levantava. A terapeuta fez, então, um procedimento diferencial na sala de espera: por um período deu atenção para ele de modo contínuo e, en­tão, observou que a freqüência dos comportamentos operantes diminuiu, ele fi­cava sentado por mais tempo, agitava-se menos no sofá, balançava menos a perna etc. Por outro lado, quando a terapeuta conversava alguns minutos com outra terapeuta ou com a secretária (ou seja, interrompia a atenção contínua), os com­portamentos operantes de Carlos aumentavam de freqüência, ele andava mais, agitava-se de um lado para o outro, pegava coisas fazendo barulho, batia na pare* de ou batia palmas etc. Pode-se dizer que a atenção da terapeuta tinha dupla fun-

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Punição Negativa ■ 95

ção: era SD para emissão de comportamentos adequados e Sr+para a manutenção e modelagem de comportamentos desejáveis. Como tal, a remoção da atenção era a ocasião para a emissão das outras classes de comportamentos: aumentava a va­riabilidade comportamental, incluindo a emissão dos comportamentos inadequa­dos que eram fortes no repertório uma vez que, na história de contingências de Carlos, vinham sendo conseqüenciados por atenção. Quando a terapeuta voltava a interagir com ele, a freqüência dos comportamentos inadequados reduzia-se novamente. Embora possa parecer uma relação adequada (Carlos mantinha-se adequado quando recebia atenção), de fato, não o é. Ele controlava o comporta­mento das pessoas de dar-lhe atenção exclusiva conseqüenciando-as com bons comportamentos e as punia com maus comportamentos. Foi necessário inverter a relação de controle.

No final de uma sessão, ele começou a repetir as frases que a terapeuta falava. A terapeuta ignorou o comportamento (extinção) durante toda a sessão. Na sessão seguinte, Carlos começou a imitá-la novamente. A terapeuta disse-lhe que era um comportamento inadequado e lhe sugeriu uma possível função de fuga-esquiva para o comportamento, se a atividade ou assunto em que estavam envolvidos não lhe agradava, então, existiriam outras alternativas mais adequadas (outros com­portamentos de fuga-esquiva) a serem usados: poderia escolher outro assunto, fazer outra coisa etc. O comportamento de Carlos persistiu, demonstrando que ele estava sendo reforçado pela atenção da terapeuta. Então, uma nova instrução foi dada: “Se você continuar repetindo o que eu digo, vou parar de conversar com você.” Carlos continuou imitando a terapeuta, que então parou de falar com ele e se ocupou com outra atividade (começou a ler um livro). Ele permaneceu por um tempo quieto até que retomou a conversa com ela de maneira adequada. A terapeuta voltou a interagir naturalmente. Logo depois, Carlos reiniciou o com­portamento de imitá-la. Nova instrução foi dada: “Você voltou a se comportar ina­dequadamente. Você sabe que há alternativas, caso não queira falar sobre isto ou prefira outra atividade. Se você não mudar seu comportamento, eu encerrarei a sessão.” Carlos continuou repetindo as frases da terapeuta, então, ela encerrou a sessão. Ele imediatamente se desculpou, disse que não faria mais aquilo e pediu que a sessão não fosse interrompida. A terapeuta aceitou as desculpas (conse- qüenciou com atenção o comportamento de pedir desculpas), mas assim mesmo encerrou a sessão (removeu a atenção dela e, dessa maneira, não reforçou negati­vamente o comportamento de fuga-esquiva de se desculpar). O objetivo foi impe­dir a ocorrência de um encadeamento inadequado que seja: imitar a terapeuta (comportamento inadequado) —»remoção da atenção (Punição Negativa) —»des­culpar-se (comportamento adequado) -» atenção (reforço positivo) -» imitar a terapeuta e assim por diante. Dessa forma, concordar com a continuidade da ses­são poderia funcionar como uma conseqüência social que manteria a emissão de toda a cadeia de comportamentos. Carlos permaneceu o restante do tempo na sala de espera aguardando pela mãe, enquanto a secretária e demais profissionais da clínica foram orientados a não interagirem com ele naquele dia. Após a aplicação desse procedimento, Carlos não emitiu mais o comportamento inadequado de imitar a terapeuta nas sessões.

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96 ■ Terapia Comportamental

B irra

A mãe de Daniel, de 4 anos, procurou atendimento pois não conseguia con­trolar o filho. Qualquer atividade rotineira como comer, escovar os dentes e obe­decer ordens era um problema pois ele não atendia aos chamados, mantendo-se na atividade que estava realizando (vendo desenho na TV, por exemplo) ou saía correndo (do alcance da mãe). Daniel não ficava sob o controle das solicitações ou dos limites impostos pelos pais: “Agora não é hora de desenho.” (não saía de frente da TV); “Vamos guardar seus brinquedos,” (largava tudo no chão); “Venha comer agora.” (recusava os alimentos); “Vamos dormir.” (continuava brincando). E quando os pais insistiam, ele tinha ataques de birra jogando-se no chão ou gri­tando. Na maioria das vezes, os pais desistiam e deixavam-no assistindo aos dese­nhos, guardavam os brinquedos por ele, os horários de comer e dormir eram atrasados e envoltos em muita conversa, pedidos, explicações etc.

O objetivo inicial foi colocar os comportamentos de Daniel na sessão sob o controle da terapeuta e desenvolver o repertório de atender ordens.

A terapeuta expôs uma variedade de brinquedos para o cliente na sala. Daniel entrou e começou a brincar. Na primeira sessão, a terapeuta permitiu que ele brin­casse com os brinquedos que quisesse. No final da sessão, o cliente não guardou os jogos, mesmo após solicitação da terapeuta e saiu correndo na frente da terapeuta, não atendendo a orientação de esperá-la. Nas sessões seguintes, os se­guintes procedimentos foram iniciados:

(a) Daniel escolhia a atividade que queria fazer e poderia manter-se nela o tempo que quisesse;

(b) Quando emitisse respostas na direção de outro brinquedo ou verbalizasse que não queria mais aquele, a terapeuta, antes de iniciar a nova atividade, lhe dizia: “Podemos mudar de jogo. Qual você quer agora?”; “Estou vendo que você cansou dessa atividade. O que você quer fazer agora?” O objetivo era colocar o comportamento de Daniel de mudar de atividades na ses­são sob o controle da terapeuta, evitando, assim, que se instalasse um pa­drão comportamental de mudar continuamente de atividades. Quando ele respondia, a terapeuta fazia-lhe uma solicitação com alta probabilidade de ser atendida, como: “Pegue o brinquedo e o coloque sobre a mesa. Va­mos brincar lá.”, “Sente-se nessa cadeira para começarmos.” etc. (Observe que a terapeuta, no início do procedimento, somente fez solicitações que tivessem alta probabilidade de serem atendidas). A atividade com o objeto escolhido era usada como uma conseqüência reforçadora positiva para os comportamentos de atender às solicitações feitas. Ao mesmo tempo, a nova atividade que Daniel desejava poderia ser considerada reforçadora positiva para ele naquele momento. Essa era uma dica importante para a terapeuta pois ela poderia usar o brinquedo escolhido (atividade com alta probabi­lidade) como a conseqüência a ser manejada (permitida ou impedida), caso Daniel não emitisse uma determinada resposta adequada desejada pelo terapeuta (atividade com baixa probabilidade). É um exemplo do uso do Princípio de Premack.

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Punição Negativa ■ 97

Progressivamente a terapeuta foi aumentando o grau de exigências das solici­tações para mudar de atividade: “Você quer mudar de atividade. Que legal! Mas, para isso, precisamos guardar esse jogo para depois mudarmos. Sem guardar não tem outro jogo.” Se Daniel colaborasse guardando o jogo, mesmo que ainda fosse uma pequena colaboração, ele poderia jogar em seguida. O grau de exigência de ajuda, até Daniel guardar sozinho o brinquedo, foi sendo aumentado gradualmente. A terapeuta ia apresentando conseqüências sociais (“Muito bem.”, “Nossa, como você é organizado.”, “Gosto da sua ajuda.” etc.), modelando o repertório adequado de colaborar emitido pela criança. Passou também a introduzir solicitações durante a atividade (“Vá buscar o macaco na prateleira e traga até aqui para ele também brincar.”, por exemplo) que eram reforçadas com a continuidade da brincadeira. Uma eventual recusa era conseqüenciada com a interrupção da atividade: “Vou aguardar o macaco chegar para continuar o jogo.” Caso Daniel não aceitasse cola­borar, a terapeuta removia o brinquedo do alcance da criança e descrevia a con­tingência mais uma vez. Assim que Daniel começava a emitir a resposta adequada, a terapeuta reiniciava a brincadeira. Caso Daniel persistisse em não atender a soli­citação feita, a terapeuta mantinha o brinquedo fora do alcance e não dava mais atenção social: permanecia calada fazendo alguma atividade sem interagir com ele até o encerramento da sessão no horário habitual. Se Daniel começasse a emitir outras respostas inadequadas como bater, gritar etc., a terapeuta imediatamente encerrava a sessão. Assim, o procedimento consistiu em conseqüenciar imedia­tamente as respostas adequadas com reforçadores positivos naturais (atividades escolhidas pelo cliente) e arbitrários (verbalizações da terapeuta apresentadas como conseqüências diferenciadas) e punir com a retirada do brinquedo, inter­rupção da brincadeira ou remoção da atenção da terapeuta durante os compor­tamentos inadequados.

Outro procedimento foi utilizado para lidar com o comportamento inadequado de sair correndo da sala. Antes de sair da sala, no final da sessão, a terapeuta mos­trava possíveis reforçadores positivos arbitrários (doce confeitado, moeda de cho­colate, bala) para que Daniel escolhesse um. Ao escolher, ele recebia a seguinte instrução: “Se você sair comigo da sala e for andando até a sala de espera sem correr, então você ganhará esse presente (o reforçador arbitrário escolhido) quando encontrarmos sua mãe.”

Ao sair da sala, a terapeuta ia verbalizando: “Você está pertinho de mim.”; “Você está andando direitinho.” As verbalizações tinham dupla função: SDpara o com­portamento a ser emitido e Sr+pelo comportamento adequado que estava sendo emitido se ele:

(a) Estivesse adequado, a verbalização aumentaria a probabilidade de manter o comportamento até ser conseqüenciado com o reforçador arbitrário material e social (da terapeuta e da mãe);

(b) Estivesse começando a emitir uma resposta inadequada, ainda poderia al­terar seu comportamento e vir a ser conseqüenciado positivamente.

Se Daniel não emitisse a resposta adequada, não receberia a conseqüência arbitrária material e nem social. E a terapeuta descreveria para ele o compor­

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98 ■ Terapia Comportamental

tamento que o levou à não-obtenção do reforçador. A eficácia do procedimento deveria ser continuamente avaliada nos seguintes itens: função do reforçador es­colhido (poderoso ou fraco); haveria outras formas de obtê-lo (pedindo para a mãe, por exemplo); clareza do SD verbal inicial; freqüência e contingência dos SD verbais durante o trajeto.

Os procedimentos aplicados às duas classes de comportamentos foram gra­dualmente retirados (fadingout) conforme as respostas adequadas foram se for­talecendo e ficando sob o controle das condições naturais dos contextos em que deveriam ocorrer. A criança guardava os jogos sem que a terapeuta solicitasse e a acompanhava até a sala sem correr na frente. As deixas verbais foram gradualmente passando para o controle de estímulos provindos das próprias atividades que ele escolhia (molhar as plantas, por exemplo), uma vez que estava instalado um reper­tório de pré-requisitos de cooperação, de atendimento de ordens e de cuidar dos objetos com os quais brincava (guardá-los, fechar a torneira etc.) sem ajuda da terapeuta. O reforçador arbitrário material foi eliminado e os comportamentos passaram a ser mantidos pelas conseqüências naturais provindas da própria ati­vidade. Quanto à saída da sessão sem correr, ficou sob o controle natural de en­contrar-se com a mãe.

L eitura de G ibi

Um menino de 8 anos (Fábio) sistematicamente ficava na sala de espera lendo gibi, acompanhado de sua mãe, enquanto esperava a terapeuta. Quando ela vinha chamá-lo para o atendimento, ele a ignorava e continuava a leitura. Imedia­tamente, sua mãe começava a chamá-lo e insistia que ele entrasse para o aten­dimento. Fábio permanecia lendo, ignorando a terapeuta e a mãe. Ele claramente recebia atenção de ambas nessa situação e, independentemente do que elas fa­lassem, ele as ignorava. O comportamento de entrar na sessão estava fora do controle delas; afinal, independentemente do que dissessem ou fizessem, ele em algum momento se levantava e ia para a sala. Na sala de atendimento ele tomava iniciativa de escolher as atividades (“Eu gosto desse jogo, posso jo ­gar?” “Hoje vamos desenhar?”); interagia com a terapeuta contando fatos (“Eu joguei futebol na escola”, “Vi TV até tarde ontem.”, “Minha mãe não deixou eu ir ao cinema naquele dia.”); respondia às perguntas (“O que faremos hoje?” “Quem está ganhando?”, “Você viu tal programa?”, “Você foi ao cinema.”). Geralmente, reclamava de interromper as atividades quando a sessão terminava. Ficava claro que as sessões de terapia e as atividades não lhe eram aversivas ou desagradá­veis pois não foram observadas respostas de fuga-esquiva das sessões e o clientemantinha as atividades propostas pela terapeuta ou escolhidas por ele. A terapeuta concluiu que o comportamento de ler gibi na sala de espera não era uma resposta de fuga-esquiva da sessão, mas estava sendo mantida por outros reforçadores. As verbalizações da mãe (“Entre filho, a terapeuta está chamando.”, “Chega de gibi.” etc.) e da terapeuta (“Vamos entrar, teremos muitas atividades hoje.” “Vamos, eu estou esperando.”) mantinham seu repertório de ignorá-las. Programou-se então o seguinte procedimento:

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Punição Negativa ■ 99

(a) Quando a terapeuta aparecesse, a mãe não interagiria mais com Fábio. Ela poderia permanecer na sala lendo uma revista ou sair do ambiente, avi­sando a terapeuta em voz alta (“Vou à padaria e volto para buscá-lo.").

(b) A terapeuta o cumprimentaria se:1. Fábio respondesse adequadamente (olhasse para ela, respondesse

verbalmente, se levantasse ou sorrisse), interagiria com ele sem comen­tários específicos e entrariam para a sala de atendimento;

2. Fábio não respondesse, ela diria: “Eu estou lá dentro. Aguardo você lá." Na sala de atendimento, a terapeuta ficaria lendo uma revista ou fazendo algo até que ele entrasse. Quando ele viesse, não faria comentários sobre a demora, nem sobre a chegada, simplesmente passaria a interagir com ele normalmente propondo algumas atividades (“Vamos desenhar hoje?" “O que faremos hoje?"). Dessa maneira, em relação ao compor­tamento inadequado na sala de espera, o procedimento envolveu: (a) extinção do comportamento inadequado - mãe e terapeuta ignoravam o comportamento - e (b) Punição Negativa - retirada da terapeuta e da mãe da sala. Em relação ao comportamento adequado, envolveu reforçamento positivo social na sala de espera e na sessão. O atraso para entrar na sessão tinha como conseqüência a redução no tempo total de interação social, uma vez que o horário de término da sessão era mantido;

3. Caso o repertório inadequado de ignorar a terapeuta voltasse a ocorrer na sessão, ela imediatamente interrompia a atividade e lhe dizia: “Eu estou falando com você. Quando me responder, continuaremos a ati­vidade." Nesse momento, a terapeuta começava a ler um livro, remo­vendo sua atenção. O objeto da atividade em curso não era removido, uma vez que o comportamento na sessão era mantido pela interação com a terapeuta e não pelos objetos de jogos em si.

O procedimento foi introduzido. No primeiro dia, assim que a terapeuta apa­receu na sala de espera, a mãe se retirou dizendo: “Vou tomar um café e volto.” A terapeuta se despediu dela e chamou Fábio para entrar. Ele continuou lendo o gibi. Ela disse: “Estou indo para a sala. Quando você quiser, você entra.” Fábio continuou na sala de espera por mais alguns minutos e entrou. Na sala de aten­dimento, a terapeuta interagiu normalmente e iniciou uma atividade de desenho. Ele interagiu com a terapeuta na sessão adequadamente: tomou iniciativas (“Quero lápis de cor.") e contou situações cotidianas (“Fui ao cinema com a minha mãe."). Nas sessões seguintes, a mãe permaneceu na sala lendo revista e a terapeuta apenas dizia: “Já estou na sala." Fábio passou a entrar na sala de atendimento cada vez mais prontamente, chegando a entrar na sala imediatamente após a terapeuta. Ele continuava se comportando adequadamente na sessão, verbalizando situações, realizando as atividades, rindo etc. Porém, Fábio não emitia nenhum compor­tamento desejado (olhar, sorrir, levantar etc.) com a terapeuta na sala de espera. A terapeuta, então, programou a generalização do repertório de interagir com ela (olhar, sorrir, levantar, responder etc.) na sessão de terapia para a sala de aten­dimento. Inicialmente, ela passou a valorizar as interações adequadas que ocorriam na sessão: “Gosto de conversar com você como ocorreu hoje... nosso papo foi

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100 ■ Terapia Comportamentai

numa boa.”, “Gosto de ouvi-lo quando conta coisas da sua vida.” “Quando você fala, dá um colorido para tudo que lhe acontece.” etc. Então, ela dava-lhe uma regra no final da sessão: “Na próxima sessão, vamos ver se você vai olhar para mim quando eu chegar na sala de espera. Se você se lembrar disso, você terá uma sur­presa. Só quero ver... ” A terapeuta optou por introduzir um reforçador arbitrário material (bala, doce confeitado, chocolates etc.) Na sessão seguinte, Fábio olhou para a terapeuta e se levantou quando ela chegou na sala de espera. Ela interagiu dizendo: “Nossa, que beleza. Gostei de ver você olhando para mim e se levantan­do. Vamos entrar que tenho uma surpresa.” Fábio a acompanhou e recebeu uma moeda de chocolate. No final da sessão, a terapeuta retomou a regra: “Vamos ver se você vai se lembrar na semana que vem de me receber tão bem como você me recebeu hoje. Daí, teremos outra surpresa.” Na sessão seguinte, Fábio, nova­mente, comportou-se adequadamente (levantou-se prontamente, olhou e sorriu para a terapeuta) na sala de espera e foi conseqüenciado com reforços arbitrários sociais (atenção da terapeuta: “Gostei de ver. Você não se esqueceu. Vamos lá para dentro.”) e material (bala). Então, a terapeuta deu uma nova regra no final da ses­são: “Na semana que vem, quero ver se consegue me contar lá na sala de espera a história que você estiver lendo. Vamos ver se você consegue ganhar outra surpre­sa.” No encontro seguinte, Fábio olhou para a terapeuta na sala de espera, mostrou- lhe o gibi e disse “Vou contar uma história.”. A terapeuta reagiu “Você não esqueceu. Que bom. Me conta, então.” A terapeuta sentou-se ao lado dele ali mesmo, en­quanto ouvia a história. Ao terminar disse: “Adorei, você contou com muita clareza... Vamos entrar e ganhar a surpresa.” No final dessa sessão, a terapeuta deu uma regra mais genérica: “Vamos ver como você vai me receber na semana que vem.” Fábio, ao vê-la na semana seguinte, levantou-se e respondeu ao cumprimento da terapeuta. Ela o conseqüenciou: “Nossa, que beleza! Vamos lá.” e deu-lhe uma bala quando chegaram na sala de atendimento. Dessa sessão em diante, ela não lhe deu mais regras no final da sessão sobre comportamentos na sala de espera, mas ele continuou adequado: olhando, conversando etc. A terapeuta manteve, no entanto, o reforçador arbitrário ao entrar na sala, porém sem explicitar verbalmente a contingência. Gradualmente, ela foi atrasando a entrega do reforço arbitrário ma­terial que passou a ser contingente a qualquer comportamento adequado que es­tivesse ocorrendo na sessão. Depois, atrasou a entrega do reforço arbitrário material para o fim da sessão, até removê-lo completamente. Durante o esvanecimento do reforçador arbitrário material, a terapeuta não deixou de emitir reforçadores so­ciais também arbitrários: “Gostei de como você me recebeu.”, “Estava gostoso nosso jogo.” “Você foi uma companhia legal.”, “Achei bonito seu desenho.”, “Gostei da ati­vidade que você escolheu.”, “Adoro ver esse seu sorriso.”, “Essa sua história hoje foi demais.” etc. O manejo de reforços sociais generalizados dessa classe tem três fi­nalidades: conseqüenciar classes de comportamentos desejados - colaborar, parti­cipar e manter-se nas atividades (função Sr + ); aumentar a probabilidade de ocorrência de classes de comportamentos desejáveis (função SD); e produzir es­tados corporais associados com conseqüências reforçadoras positivas, em geral, sentimentos agradáveis (operação estabelecedora, que torna a situação terapêu­tica mais reforçadora).

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Punição Negativa ■ 101

O procedimento de Punição Negativa, como foi mostrado nos exemplos, deve sempre ser aplicado em associação com outra técnica. O uso desses procedimentos é uma parte do processo terapêutico, porém, a terapia não se restringe apenas à aplicação da técnica (Guilhardi, 2003), envolvendo um processo mais amplo.

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CAPÍTULO

Imitação

P riscila R . D e r d yk S ilvia S. G r o b e r m a n

RESUMOInúmeros são os teóricos que têm estudado o conceito

de Imitação, buscando entender quais são as condições que produzem o comportamento imitativo e como ele facilita a aquisição de novos comportamentos. O presente capítulo busca descrever a Imitação de acordo com os pressupostos da Análise do Comportamento, além de discutir o seu uso na prática clínica.

“...quer exista ou não algo com o im itação não aprendida ou inata, uma coisa é certa: a imitação pode ser ensinada. Usando-se os procedimentos de condicionamento - tornando o reforço contingen­te à repetição do ato do outro - um organismo pode ser levado a im itar” (Keller e Schoenfeld, 1950/ 19731, pág. 378).

O conceito de imitação tem sido estudado pelos tem­pos por diferentes teóricos na história da Psicologia na tentativa de entender quais condições produzem o com­portamento imitativo e como ele facilita a aquisição de um novo comportamento.

O uso do termo imitação varia conforme o autor, apa­recendo como: modelação, aprendizagem por observação, aprendizagem social, aprendizagem vicariante e identi­ficação (Mikulas, 1977).

1 Sempre que aparecerem duas datas na referência de alguma obra, a primeira indica a data de publicação original da obra e a segunda, a data da publicação da obra consultada.

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Imitação ■ 103

Imitação é um processo de aprendizagem pelo qual os indivíduos aprendem comportamentos novos ou modificam antigos por meio da observação de um modelo. Isso ocorre porque existe a probabilidade das pessoas serem reforçadas pelas mesmas conseqüências que reforçam o comportamento do modelo (Keller e Schoenfeld, 1950/1973; Bandura, 1969/1979; Malott, 1971/1981; Striefel, 1975; Mikulas, 1977; Skinner, 1989/1991; Baum, 1994/1999; Catania 1998/1999).

Skinner (1989/1991) discute que a imitação é um processo atribuído à seleção natural e ao condicionamento operante e que a resposta imitada só se mantém pelo reforçamento positivo ou negativo. Para ele, apenas na espécie humana a imitação é usada como uma forma de ensino.

O processo imitativo pode ser assim representado:

Sr+ (Conseqüência)

Sd — R

(Modelo) (Resposta S r (Conseqüência)imitativa)

Uma aula de capoeira ilustra bem esse processo. Para aprender os golpes e movimentos dessa modalidade esportiva, os alunos devem observar o mestre e imitá-lo. O professor levanta a perna de uma determinada forma e os alunos devem ropiá-lo e assim sucessivamente em todos os golpes e movimentos. Uma das con­seqüências possíveis é o mestre dizer ao aluno que o golpe ou movimento reali­zado está perfeito, outra é ele dizer que o aluno necessita aprimorá-lo. Ao mesmo rempo, o aluno começa a discriminar, pelos estímulos proprioceptivos, os golpes e movimentos que realiza. Assim, o seu comportamento fica sob o controle da jbservação dos movimentos do professor e das suas percepções corporais.

Um dos primeiros teóricos a estudar imitação foi Bandura2 (1969/1979). Segun- io ele, a modelação produz três efeitos diferentes no comportamento das pessoas:

Efeito Modelador ou Aprendizagem por Observação: O indivíduo aprende novas respostas pela observação do desempenho do modelo. Por exemplo: um adolescente passa a se vestir de uma forma semelhante aos artistas de sua novela preferida.

Efeitos Inibitórios ou Desinibitórios: A observação de comportamentos do modelo e suas conseqüências pode fortalecer ou enfraquecer as respostas ante­riormente presentes no repertório do observador. Por exemplo: dois irmãos querem redir algo para a mãe. O primeiro toma a iniciativa e, após o pedido, recebe uma r ronca como resposta. O segundo irmão, diante disso, desiste de fazer seu pedido.

Efeito de Facilitação da Resposta: Ocorre quando o comportamento do mo­delo serve de estímulo discriminativo para o observador, facilitando a ocorrência

- Em seus estudos, Bandura refere-se ao processo de imitação utilizando o termo modelação.

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104 ■ Terapia Comportamental

de respostas previamente aprendidas. Esse efeito não deve ser confundido com a desinibição pois o comportamento em questão é socialmente aceito e, portanto, raramente, ou nunca, foi punido. Por exemplo: num grupo de terapia, todos os participantes estavam em silêncio. Quando um dos elementos começa a verbalizar alguma coisa, os outros imediatamente começam a verbalizar também.

Esse autor ressalta que existem algumas condições para facilitar o processo de modelação. A saber:

Características do Modelo: Um modelo é mais facilmente imitado se possuir mais prestígio social, status mais elevado e atributos valorizados dentro do con­texto social em que está inserido. Pode ser real (pai, professor, amigos etc.) ou simbólico (imagens e palavras).

Características do Observador: Um indivíduo que, em sua história de vida, obteve resultados positivos pelo fato de ter imitado modelos, tem maior probabi­lidade de imitar novamente.

ReforçamentoVicariante: Ocorre quando as conseqüências do comportamen­to do modelo determinam a probabilidade do observador imitar ou não esse com­portamento, isto é, observar que determinado comportamento é reforçado no modelo aumenta a tendência do aprendiz a imitá-lo. Dessa mesma forma, obser­var o modelo sendo punido pela emissão de um comportamento aumenta a proba­bilidade do observador de não imitá-lo.

Mais recentemente, Baum (1994/1999) afirma que os indivíduos nascem com uma sensibilidade específica para serem afetados por estímulos que vêm de outros seres humanos, estímulos esses essenciais para o desenvolvimento normal. Essa sensibilidade específica, em relação a determinados estímulos, aliada à tendência do homem de se comportar igual a quem ele observa, o torna apto a imitar.

A imitação é fator essencial para a existência de uma cultura porque permite a reprodução e a continuidade dos seus valores, economizando tempo de aprendi­zagem e garantindo a aquisição de comportamentos adaptativos à sobrevivência da espécie. Os indivíduos que aprendem a imitar comportamentos provenientes de gerações anteriores, em contraposição aos que aprendem por si próprios por in­termédio, por exemplo, de tentativas e erros, aumentam a probabilidade da sobre­vivência e manutenção da cultura (Bandura, 1969/1979; Striefel, 1975; Mikulas, 1977; Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999). O homem, ao aprender com a observação de outros (pais, tios, professores, colegas etc.), ao longo da vida, está adquirindo rapidamente novas respostas que podem substituir antigas, até na mesma geração. Exemplificando esse fato, atualmente pode-se ver o desenvol­vimento do uso da informática, uma prática que passou a ser utilizada por crian­ças, jovens e adultos no mesmo espaço de tempo. Em contrapartida, os seres vivos aculturais imitam ao acaso sem terem, no entanto, a capacidade de educar outreinar seus descendentes, como na cultura humana.

De acordo com Baum: “a imitação provê a base da aprendizagem operante” (pág. 257) e pode ser aprendida ou não.

A imitação não aprendida não exige nenhuma experiência especial. Há uma predisposição genética que permite, ao ser humano sensível, olhar, escutar e co­piar as pessoas ao seu redor, sendo desnecessário um treino para isso. Assim, a

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Imitação ■ 105

imitação não aprendida, combinada com a modelagem3, explicaria por que as crianças aprendem a falar e a se comportar socialmente como as pessoas que lhes são próximas.

A imitação aprendida é uma forma de comportamento governado por regras. Quando alguém verbaliza para o outro “Faça assim.” e mostra como fazê-lo, essa pessoa será capaz de seguir a instrução e o modelo, dependendo de sua história de reforçamento do comportamento de imitar no passado. Além disso, a imitação aprendida permite que regras sejam passadas para outras gerações, possibilitando a transmissão cultural. Desse modo, é mais veloz ainda que a imitação não aprendida.

A criança que não aprende a seguir regras pode não adquirir uma série de com­portamentos socialmente relevantes no seu meio. As regras culturais que são se­guidas, em geral, especificam o comportamento a ser emitido e o provável reforço advindo dos membros do grupo social. Participar de um grupo, nessa perspectiva, permite ao indivíduo receber proteção e partilhar recursos disponíveis a esse grupo, aumentando a sua probabilidade de sobrevivência.

Outra característica da imitação é a seletividade. Imitar seletivamente facilita a aquisição de comportamentos mais adaptativos, enquanto copiar indiscrimi­nadamente qualquer resposta emitida pode não gerar qualquer benefício para o indivíduo.

Para Baum, uma regra que parece existir na cultura é “imite o sucesso”. Assim, os adolescentes imitam ídolos da TV ou do esporte, pessoas consideradas de sucesso e com uma vida de prestígio, em vez, de imitar um adulto que parece mais distante dele. Um estudante quando não sabe responder uma questão da prova, cola do melhor aluno da classe sentado ao seu lado. A professora ensina as crianças a imi­tarem os comportamentos de alunos mais organizados ou que apresentam um melhor rendimento escolar. Também se espera aprimorar o próprio desempenho, freqüentando aulas e palestras ministradas por pessoas bem-sucedidas nas áreas de nosso interesse ou lendo livros que orientam uma forma de comportamento para a obtenção do sucesso numa determinada área.

Outra regra sugerida por Baum, que parece existir na cultura, é imitar os indi­víduos que se encontra mais freqüentemente. Na espécie humana, os pais são os primeiros modelos a serem seguidos, participando da vida de seus filhos por muito xempo. Assim, servem de modelo para diferentes respostas. Essas respostas podem ser mais aceitas socialmente, como por exemplo o comportamento amoroso, ou ser menos aceitas, como a imitação de comportamentos violentos por crianças que :êm pais agressivos. Mais tarde, essa criança passará a ficar muito tempo com seus companheiros (as), podendo começar a imitar as respostas dos mesmos. Aprender a selecionar modelos a serem imitados é um fator de importância na sobrevivência do indivíduo pois resulta em seu sucesso social, em maior ou menor escala. Assim, imitar somente os modelos parentais numa sociedade em mudança constante,

3 Tanto a imitação quanto a modelagem permitem ao indivíduo adquirir novos comportamentos. No entanto, na imitação o comportamento é aprendido através da observação de um modelo, enquanto na modelagem este comportamento é adquirido reforçando-se diferencialmente cada resposta até chegar-se no comportamento final desejado.

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pode não ser suficiente para a vida do indivíduo, uma vez que esses pais não possuam um repertório atualizado para as necessidades do momento, como no exemplo discutido anteriormente sobre o uso do computador. Nesse caso, é mais apropriado aprender com professores de informática. Geralmente, uma pessoa não copia somente um modelo mas vários e, também, não copia a íntegra do comportamento do modelo mas alguns aspectos dele. Conforme a pessoa é ex posta a novas situações ou novos modelos, o comportamento imitado muda de aspecto, sendo acrescido ou modificado por eles. Algumas pessoas comportam se diferente e/ou contrariamente a um modelo; quando isso ocorre, diz-se que o indivíduo está seguindo um antimodelo. Por exemplo, o adolescente que passa a emitir comportamentos opostos aos que seus pais emitem.

Catania (1998/1999) sugere que a aprendizagem por observação é diferente da imitação. Na aprendizagem por observação, o indivíduo, além de copiar o modelo, discrimina também as variáveis que controlam o seu comportamento. Na imitação, a pessoa copia a topografia da resposta do modelo, sem discriminar quais as variáveis que a controlam e, portanto, não aprende sobre as contingências envolvidas. É por esse motivo que ele afirma que nem todas as imitações sao van tajosas. Exemplificando: se um filhote de passarinho sem penas imitar o compor­tamento de voar de seus pais, ele poderá se machucar.

A aprendizagem por observação não deve ser considerada como compor­tamento único, mas como comportamento de ordem superior. Esse autor destaca classe de comportamento de ordem superior como “classe operante, que incluiy dentro dela, outras classes que podem , por sua vez, funcionar como operantes (pág. 389). Isso significa que a aprendizagem observacional é uma classe de respostas que podem ser reforçadas independentemente. Assim, o terapeuta ou o pesquisador considera que a ocorrência dessa aprendizagem inclui vários componentes: um componente verbal, discriminações sutis do comportamento do modelo, discri­minações dos resultados destas ações e a história de reforçamento do observador.

Catania aponta que nem todas as imitações limitam-se à cópia de instâncias específicas do comportamento anteriormente ensinadas. Há casos em que a imitação ocorre em situações novas, sendo chamada de imitação generalizada, uma classe de respostas diferencialmente reforçada, consistindo numa classe de comportamento de ordem superior assim como a aprendizagem por observação. Por exemplo, se uma criança imitar três comportamentos da professora, como bater palmas, rodopiar e pôr a mão na cabeça e, se a professora parar de reforçar o rodopiar, a criança continuará a emiti-lo reforçando a classe de respostas de imitar e não cada comportamento separadamente. Da mesma forma, um novo comportamento emitido pela professora, por exemplo, cruzar os dedos, será imitado pela criança, mesmo sem ter sido reforçado anteriormente pois o compor­tamento de imitar foi aprendido.

Assim como Catania, Skinner afirma que o comportamento imitativo pode ser generalizado para novas situações. No entanto, Skinner ressalta que para ocorrer essa generalização, o ideal é que o aprendiz necessite cada vez menos da presença do modelo para emitir o comportamento aprendido porque, se ele discriminar quais são as variáveis das quais o comportamento do modelo é função, não precisará da sua presença para emitir o novo comportamento.

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Imitação ■ 107J

Voltando, então, ao exemplo da capoeira, o ideal é que o aluno, além de observar o comportamento de seu mestre, discrimine quais são as variáveis presentes, controlando o comportamento do mestre na luta para perceber o motivo do mes­tre o golpear de uma forma e não de outra. Em geral, isso envolve uma discrimina­ção de estímulos motores do adversário, bem como de estímulos proprioceptivos. Essa discriminação possibilita, ao aluno, jogar capoeira mesmo na ausência de seu mestre.

USO DA IMITAÇÃO NA PRÁTICA CLÍNICAA terapia é uma prática atual da sociedade, na qual comportamentos abertos

e encobertos são analisados pelo terapeuta e pelo cliente e, eventualmente, subs­tituídos por outros mais adaptativos. Analisa-se um padrão de comportamento adquirido pela pessoa e as conseqüências geradas por ele, contrapondo-o a com­portamentos alternativos com respostas que produzem conseqüências mais adaptativas para determinadas situações. Portanto, em um processo terapêutico, considera-se que novas formas de comportamento são ensinadas ao cliente ou que padrões antigos de comportamento podem ser mudados, sempre buscando o bem-estar e a possibilidade de uma vida mais satisfatória. O terapeuta espera que os comportamentos aprendidos na sessão sejam generalizados e mantidos pelo ambiente natural do cliente, como sua casa, seu trabalho, sua escola etc.

As mudanças graduais que ocorrem no repertório dos indivíduos são estudadas por vários teóricos interessados em identificar os procedimentos que as desen­cadeiam. Tanto o comportamento verbal quanto a imitação são, sem dúvida, dois elementos de mudança fundamentais entrelaçados nesse contexto.

Conforme Catania, a função do comportamento verbal é instrucional. Ao falar, o terapeuta espera levar as pessoas a experimentarem comportamentos novos. No episódio verbal, que ocorre entre cliente e terapeuta, discute-se um problema e as conseqüências que estão envolvidas. O que o terapeuta pretende, após essa análise, é que o cliente fique sob o controle das verbalizações ocorridas na sessão e passe a agir de forma diferente, ou seja, espera-se que o falar sobre o problema e as suas conseqüências (o dizer), aumente a probabilidade de realização (o fazer) do que foi discutido (Israel, 1978; Zettle, 1990; Catania, 1998/1999; Delitti, Comu­nicação Pessoal). De acordo com Delitti (Comunicação Pessoal), o terapeuta pode pedir para o cliente relatar os comportamentos e conseqüências que ocorreram na situação natural, em decorrência das discussões nas sessões anteriores. Assim, tem-se três momentos: o dizer, o fazer e novamente o dizer, como uma forma de aumentar a probabilidade do indivíduo manter-se, realmente, sob o controle das novas discriminações (descrições de contingências), reagindo com mais eficácia nas situações futuras no seu ambiente natural. No entanto, nem sempre fica claro para o cliente o que (topografia do comportamento) e/ou como fazer (descrição da contingência). A imitação é um recurso que o terapeuta pode utilizar para faci­litar a aquisição desses novos comportamentos e, portanto, aprimorar o fazer.

Na imitação, o cliente é levado a observar diretamente um comportamento e suas conseqüências e incentivado a se comportar como o modelo. Cada passo dessa imitação volta a ser discutido com o terapeuta em sessão.

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Os exemplos abaixo ilustram o uso da imitação na prática clínica:

Exemplo 1: Maria (nome hipotético), 16 anos, procurou a terapia com uma queixa de sentimento de inferioridade e sensação de incompetência. Freqüen­temente, comparava-se com os seus colegas de escola, concluindo que sempre sabia menos, tirando piores notas. Nas sessões, evidenciou-se que realizava seus trabalhos na última hora, ficando nas vésperas dos prazos de entrega, trabalhan­do até de madrugada. Assim, não dava tempo de pesquisar todo o conteúdo ne­cessário para resultar num trabalho consistente e de boa qualidade (o dizer). Incentivada pelo terapeuta, foram levantadas outras formas de se realizar os tra­balhos. Ela passou a perguntar e observar o método de estudos dos colegas que ela mais admirava (aprendizagem por observação). Utilizando os seus colegas como modelo, a cliente planejou um programa de estudos que se adequava ao seu cotidiano (o fazer). Nas sessões seguintes, o terapeuta e a cliente analisaram as conseqüências da nova forma de estudo (novamente o dizer). No espaço de dois a três meses, as notas escolares subiram e a cliente verbalizou sentir-se nessemomento igual aos seus colegas e menos ansiosa.

Nesse exemplo, fica clara a aquisição de novos comportamentos por meio de um processo, no qual ocorreu claramente o dizer, o fazer e o dizer. O fazer foi faci­litado pela observação de modelos bem-sucedidos. Além disso, esses comporta­mentos foram generalizados e passaram a ser reforçados no ambiente natural da cliente.

Exemplo 2: Numa sessão, Joana (nome fictício) estava relatando sobre sua re­lação com a mãe. O convívio entre mãe e filha era difícil, conturbado. A cliente queixava-se que sua mãe era extremamente desorganizada, não planejava nada com antecedência e, por esse motivo, sempre pedia-lhe favores de última hora, deixando-a nervosa e irritada. Alegava que tinha os seus compromissos e, pelo fato de a mãe nunca pedir com antecedência a sua ajuda, ficava impossibilitada de prestar qualquer tipo de favor. Isso era visto pela mãe como uma forma de desprezo pois Joana nunca estava disponível para ajudá-la.

Inicialmente, o terapeuta abordou a questão da organização e planejamento do dia-a-dia da cliente. Ela chegou à conclusão que, assim como a mãe, era desor­ganizada e deixava tudo para ser realizado no último momento. Como mãe e filha eram incapazes de planejar o seu dia previamente, sempre discutiam e nunca chegavam em um acordo. Joana, sempre correndo, tinha que dar conta de seus compromissos e, por essa razão, não podia ter nenhuma hora disponível para a mãe. Por outro lado, pelo fato da mãe também não ter se organizado com antece­dência, queria que a filha estivesse disponível de acordo com a sua conveniência. Essa situação criava um círculo vicioso que piorava o relacionamento familiar.

Para quebrar esse círculo, o terapeuta mostrou à cliente que ela se comportava da mesma forma que a mãe, isto é, que suas respostas produziam as mesmas con­seqüências: ser desorganizada e não planejar os compromissos gerava correria e a impossibilitava de realizar tudo o que era necessário. Ela concluiu que todos na sua casa agiam dessa maneira e, portanto, seus pais haviam sido modelos de desor­ganização para ela e para seus irmãos.

O próximo passo do terapeuta foi levantar com a cliente possíveis formas de organização do seu cotidiano. Para isso, o terapeuta utilizou exemplos de sua

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imitação ■ 109j

própria vida, relatando as atividades que fazia durante a semana e planejando formas de conseguir realizá-las da melhor maneira possível. O terapeuta mostrou sua agenda a ela, a forma que marcava os compromissos diariamente e como isso facilitava o seu cotidiano.

A cliente comprou uma agenda e começou a marcar os seus compromissos, do jeito que o terapeuta havia mostrado. Com o tempo, ela começou a planejar melhor os seus afazeres, reservando momentos para ajudar a mãe. Houve, por­tanto, mudanças importantes no seu repertório: ela passou a ser mais organizada, planejando as suas atividades; o relacionamento com a mãe melhorou pois ela passou a ficar disponível para ajudá-la.

Nesse exemplo, constata-se que a imitação esteve presente em dois momentos. O primeiro foi quando a cliente percebe que os seus pais serviram de modelo para a aprendizagem do comportamento de desorganização e o segundo, quando o terapeuta, pelo uso de exemplos de sua vida, serviu de modelo para a aprendizagem de um novo padrão de comportamento: o planejamento e organização dos com­promissos.

Assim, o comportamento imitativo aprendido pela cliente que teve o terapeuta como modelo permitiu a modificação do seu repertório, a extinção de um com­portamento considerado desadaptativo e a sua substituição por um novo que a tornou capaz de viver de forma mais satisfatória.

Exemplo 3: Numa sessão de terapia em grupo, formada por senhoras, discutia-se as possibilidades de lazer que a cidade oferecia para a terceira idade. Uma das participantes queixou-se de não poder sair sozinha à noite desacompanhada por causa da violência. Outra integrante relatou que isso não era problema pois existia solução: freqüentemente, ela contratava os serviços de uma motorista de van, que mensalmente mandava uma programação com peças de teatro, musicais e concertos. Bastava a pessoa escolher aonde queria ir, ligar para a motorista e informar o horário, que o serviço comprava os ingressos e fornecia a locomoção para o evento por um preço razoável. As demais senhoras do grupo gostaram dessa alternativa e logo pediram o telefone dessa motorista.

Nesse exemplo, percebe-se que uma das integrantes do grupo serviu de modelo para as outras, descrevendo o seu comportamento e suas conseqüências, o que, no futuro, aumenta a probabilidade desse comportamento ser imitado.

Exemplo 4: Cláudia (nome hipotético) trouxe uma queixa de sentir-se robotizada. Isso foi definido como uma pessoa que realiza o que tem de ser feito, porém sem envolver-se emocionalmente. Observou que não expressava seus sen­timentos nem verbal, nem corporalmente. Apenas executava tarefas. Quando se en­contrava com pessoas amigas, cumprimentava-as de longe, sem tocá-las ou beijá-las, mesmo sentindo vontade de fazê-lo. Relatou que, em sua família, o pai, a mãe e os irmãos comportavam-se como ela.

Cláudia também queria ser capaz de verbalizar os seus sentimentos para as pessoas que apreciava, como uma forma de sentir-se mais próxima delas. Tinha um namorado que exibia o mesmo padrão de comportamento dela. Acabou desis­tindo desse namoro e, após um tempo, iniciou um novo relacionamento com um moço totalmente diferente de todos os seus namorados anteriores. Ele era carinhoso, atencioso e falante, qualidades que ela apreciava e relatava não ver nos seus outros relacionamentos amorosos ou familiares.

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110 ■ Terapia Comportamental

Depois de alguns meses de namoro, a terapeuta percebeu mudanças em alguns comportamentos da cliente: ao relatar acontecimentos de sua vida, a cliente passou a perceber o lado do outro e quais os efeitos de pequenos gestos ou palavras nas pessoas. Deixou de analisar o que ocorria como se tudo girasse em torno dela. Passou a incluir os outros como participantes em sua vida em vez de considerá-los como pessoas que queriam prejudicá-la. Começou a ficar mais tempo com a mãe, conversando, saindo, fazendo coisas agradáveis. Sentiu-se livre para expressar seu amor e carinho, principalmente com seu namorado atual. Claudia também relatou para a terapeuta que sentia-se feliz por tê-lo conhecido, pois ele mostrou a ela uma outra forma de relacionar-se com as pessoas, mais agradável e livre.

Fica claro nesse exemplo que a presença de um modelo de prestígio, que apre­senta atributos valorizados e desejados pela cliente, facilitou a aprendizagem de comportamentos antes inexistentes no seu repertório. Esses comportamentos provavelmente vão se manter pois, além de serem reforçados socialmente, pro­duzem uma sensação de bem-estar na cliente. É interessante notar que esses novos comportamentos não apareceram unicamente com o namorado, mas também se generalizaram para outras situações e com outras pessoas, como na presença da mãe e da terapeuta.

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BAUM, W. M. Compreender o Behaviorismo: Ciência, Comportamento e Cultura. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1999 (Publicação original 1994).

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CAPÍTULO

Esvanecimento1

L íl ia n M edeiros

“O meio ambiente é de tal m odo construído que certas coisas tendem a acontecer juntas. O

organismo é de tal modo construído que seu comportamento muda quando entra em contato

com este ambiente'' (Skinner, 1998, pág. 138).

Pedrinho está iniciando sua vida escolar. Até então, ele passava praticamente o tempo todo em casa, sendo cuidado pelos pais. Mas agora está na hora de ir para a escola e seus pais estão preocupados com a mudança acentuada de rotina que o filho terá que passar e em como reduzir a provável aversividade dessa mudança.

Em função da apreensão, consultaram a escola que será freqüentada por Pedrinho e descobriram que nela utiliza-se um recurso denominado adaptação" Ficaram aliviados pois souberam que o recurso permite aumentar gradativamente o tempo de permanência da criança no ambiente escolar até que, finalmente, seja atingido o tempo correspondente ao que a criança deve passar na escola. Além disso, os pais de Pedrinho poderiam participar desse processo junto com o filho. Isso seria muito bom para o menino pois, então, teria tempo para se adaptar às mudanças produzidas em sua rotina.

Além disso, a escola também informou que as atividades propostas às crianças teriam seu grau de dificuldade aumen­tado gradativamente, o que ajudaria no processo de adapta­ção. Nos prim eiros dias, seriam dadas brincadeiras que

1 Agradeço a Hélio J. Guilhardi, Katia Perez Ramos, Noreen Campbell de Aguirre e “Marcelo” pela leitura cuidadosa e pelos comentários ge­nerosos.

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112 ■ Terapia Comportamental

envolvessem , em menor grau, habilidades que fariam parte do aprendizado da criança ao longo do ano . Aos poucos, as brincadeiras seriam substituídas por ativi­dades que envolvessem mais diretamente a aquisição de novos repertórios proposta pela escola.

Mais bem informados, os pais de Pedrinho poderiam dar início à vida escolar do filho com m aior tranqüilidade.

ENTENDENDO 0 EXEMPLOO recurso que a escola de Pedrinho utiliza para a adaptação de seus alunos ao

ambiente escolar parece simples e, até mesmo, óbvio. No entanto, atrás dessa sim­plicidade, estão escondidos procedimentos que analistas do comportamento fazem uso em seu dia-a-dia. Para melhor compreendê-los, faz-se necessário o entendi­mento de alguns princípios básicos da Análise do Comportamento.

Em primeiro lugar, é importante definir comportamento. Pode parecer que sim, mas comportamento não é observável, é inferido, já que é definido como interação existente entre organismo (que se comporta) e ambiente. Isto é, “com­portamento é interação, comportamento não ‘mantém’ uma relação de interação. E essa interação é entre Organismo e Ambiente” (Matos, 1997, pág. 49). De Rose (1997) ainda afirmou que “...o termo comportamento refere-se à atividade dos organismos (animais, incluindo o homem), que mantêm intercâmbio com o am­biente” (pág. 79). Matos (1997) apontou também que o comportamento, especial­mente o operante, tem como característica o fato de ser sensível às conseqüências ou aos efeitos que produz no ambiente. “Estes comportamentos, como diz B. F. Skinner, modificam o ambiente e estas modificações no ambiente levam, por sua vez, a modificações no comportamento subseqüente. Denominamos esses comportamentos de operantes para enfatizar que eles operam sobre o meio” (de Rose, 1997, pág. 80),

Entende-se, então, que comportamento é interação. Mas, quais são os termos que definem essa interação? Skinner (1953, In: de Souza, 1997a) respondeu que “uma formulação adequada da interação entre um organismo e seu ambiente deve sempre especificar três coisas: (1) a ocasião em que a resposta ocorre, (2) a própria resposta e (3) as conseqüências reforçadoras. As inter-relações entre elas são as contingências de reforço” (pág. 84). É possível concluir, então, que as contingên­cias de reforço (também chamadas de tríplice contingência) são a unidade de aná­lise e intervenção sobre o comportamento. No entanto, não basta identificar os três termos da contingência para proceder a análise. Faz-se necessário que se estabe­leçam relações de dependência entre esses eventos, as quais podem ser identifi­cadas pelo enunciado “se..., então...”, como, por exemplo, “Se o tempo estiver fechado, então levarei um guarda-chuva”. Desse modo, “esse termo é empregado, na Análise do Comportamento, como termo técnico para enfatizar como a pro­babilidade de um evento pode ser afetada ou causada por outros eventos” (de Souza, 1997a, pág. 87). A probabilidade de uma pessoa levar um guarda-chuva é alterada pela forma pela qual o clima se apresenta.

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Esvanedmento ■ 113

Assim, é possível formular o seguinte esquema didático:

Antecedente ------------------- Resposta ------------------- Conseqüência

Nesse esquema, antecedente, resposta e conseqüência são os termos da con­tingência e as setas indicam as relações existentes entre eles.

Na relação que se estabelece entre resposta e conseqüência, reside o conceito de comportamento operante, que é aquele que opera no ambiente e produz con­seqüências que alteram a sua probabilidade de ocorrência futura, fortalecendo-o ou enfraquecendo-o. Ou seja, a ocorrência de uma conseqüência depende da ocor­rência de uma resposta. Assim, apertar um interruptor (resposta) produz luz (con­seqüência); colocar os dedos em uma tomada (resposta) produz choque (conseqüência). No primeiro exemplo, a resposta tem sua probabilidade de ocor­rência futura aumentada pois produziu a conseqüência desejada (fortalecimen­to). No segundo, a resposta tem sua probabilidade de ocorrência futura diminuída, pois produziu uma conseqüência aversiva (enfraquecimento).

No entanto, “a descrição do comportamento operante envolve pelo menos duas relações: a relação entre a resposta e sua conseqüência e a relação entre a resposta e os estímulos que a antecedem e estavam presentes na ocasião em que a resposta foi reforçada” (Sério, Andery, Gioia e Michelleto, 2002, pág. 10). De Souza (1997b) apontou ainda que, se a relação resposta-reforço fosse a única fonte de determi­nação do comportamento, isto seria caótico, pois o comportamento teria que ocorrer diante de quaisquer circunstâncias.

Nesse capítulo, a ênfase maior será dada nessa última relação, ou seja, na que se estabelece entre o antecedente e a resposta (em função, é claro, da conseqüência que essa resposta produz). Estabelece-se essa relação quando uma resposta emitida produz uma conseqüência reforçadora (que aumenta a probabilidade de que seja novamente emitida), fazendo o evento que antecede a emissão dessa resposta ad­quirir controle sobre novas emissões dessa resposta (Skinner, 1974). Enfim, se, dian­te do evento antecedente, a resposta for emitida, a conseqüência reforçadora se seguirá. Como enunciado da contingência, temos: “se o estímulo discriminativo estiver presente e se a resposta ocorrer, (então) ela produzirá a conseqüência; se a resposta não ocorrer, ou se ocorrer na ausência do estímulo, a conseqüência não ocorrerá” (de Souza, 1997a, pág. 84). Quando uma criança, que está aprendendo a falar, diz “au, au.” (resposta) diante de um cachorro (estímulo antecedente discri­minativo), seus pais provavelmente dirão “Muito bem. É isso mesmo. É um au- au.” (conseqüência). No entanto, se a mesma criança disser “au, au.” (resposta) diante de um gato (estímulo delta), essa conseqüência não se seguirá. Caso a cri­ança não emita nenhuma resposta diante do cachorro, nenhuma conseqüência será produzida. Assim, dizer “au, au.” só produzirá reforço se a criança o fizer diante do cachorro. Dessa forma, o controle que os estímulos antecedentes exercem sobre uma resposta surge como resultado de uma história de reforçamento, na qual a resposta produz reforço quando é emitida na presença de determinados estímu-

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114 ■ Terapia Comportamental

los - chamados de SD - e não produz reforço quando é emitida na presença de outros estímulos - chamados de SA” (Sério, Andery, Gioia e Michelleto, 2002).

Quando um organismo se comporta dessa maneira, pode-se dizer que fez uma discriminação, isto é, ficou sob o controle de alguns estímulos e não de outros. Segundo Terrace (1966), “controle de estímulo se refere à extensão na qual o valor de um estímulo antecedente determina a probabilidade de ocorrência de uma resposta condicionada. É medido como a mudança na probabilidade de resposta que resulta de uma mudança no valor do estímulo” (pág. 271). Então, o termo controle de estímulo é usado para demonstrar o poder que um antecedente tem para 'evocar' uma reposta. Esse poder está diretamente relacionado com o reforço que essa resposta produz (atenção: ‘evocar’, nesse caso, não é usada como sinônimo de suscitar ou eliciar. O antecedente “não suscita, então, a resposta, como ocorre num reflexo; simplesmente aumenta a probabilidade de ela vir a ocorrer novamente (...)” (Skinner, 1974, pág. 76).

Assim, “o processo de estabelecimento de uma discriminação envolve expe­riência com, pelo menos, uma classe de resposta e dois conjuntos de estímulos: aqueles que deverão assumir uma função de SD e aqueles que deverão assumir uma função de SA em relação a essa classe” (Sério, Andery, Gioia e Michelleto, 2002, pág. 13), Diante de SD, a resposta, se for emitida, produzirá reforço. Diante de SA, mesmo que a resposta seja emitida, ela não produzirá reforço. Dessa maneira, aprende-se a parar diante do sinal vermelho e a prosseguir diante do verde, a usar de linguagem formal no ambiente profissional e informal quando se está no meio de amigos, a distinguir uma garrafa de refrigerante de uma de água, uma barra de chocolate de uma barra de cereal etc. Controles de estímulo que produzem discri­minação envolvem comportamentos que fazem parte de nosso cotidiano.

No entanto, algumas discriminações são mais complexas, o que torna espe­cialmente difícil a tarefa de colocar o comportamento sob o controle de estímulo adequado. Além disso, um treino discriminativo não precisa começar com estí­mulos que sejam mais difíceis de discriminar, mas, ao contrário, podem começar com os mais fáceis e passar gradualmente para os mais difíceis (Catania, 1993).

Whaley e Malott (1980) citam o caso de Bete, uma criança de oitos anos com comprometimento mental que deveria aprender a discriminar o seu nome, escrito em um cartão, do nome de outras crianças que moravam na mesma instituição. O primeiro treino discriminativo ao qual a criança foi submetida não foi bem-sucedido. Dois cartões pretos com nomes escritos em branco eram mostrados a Bete, que deveria apanhar apenas aquele que contivesse seu nome e, então, ela seria reforçada com balas e doces. No entanto, apesar de obter reforço somente quando pegava o cartão correto, a criança continuava fazendo a seleção de modo indiscriminado. A palavra Bete escrita no cartão deveria funcionar como SD para a menina, mas isso não estava acontecendo. Então, como fazer para estabelecer tal discriminação?

A diferença que existia entre o SD (cartão com seu nome) e o S A (cartão com o nome de outra criança) era apenas uma: os nomes nos cartões. Os treinadores produziram uma segunda diferença: o fundo do cartão com o nome de Bete seria cinza claro e o fundo do cartão com o nome da outra criança continuaria sendo preto. Assim, a criança poderia discriminar a partir de duas dimensões do estímulo. Bete seria reforçada quando escolhesse o cartão com fundo cinza claro (que também

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Esvanecimento ■ 115

continha o seu nome) e, não seria, caso escolhesse o cartão preto. Essa discrimina­ção a menina foi capaz de fazer. No entanto, a idéia era que Bete fosse capaz de discriminar seu nome entre os demais e isso não estava acontecendo. O que con­trolava a resposta de escolher o cartão correto era a cor de seu fundo, mas o que deveria ser capaz de produzir essa resposta deveria ser o nome contido nele. Seria necessário realizar uma transferência de controle de estímulo. Como essa transfe­rência poderia ser feita?

Os treinadores começaram, pouco a pouco, a escurecer o fundo do cartão com o nome de Bete, e a escolha desse cartão continuava a ser reforçada. Com isso, em pouco tempo, esse cartão passou, também, a ter fundo preto, como aquele com o nome de outra criança. Bete permaneceu fazendo a escolha correta, apesar de que a única coisa que os distinguia eram os nomes neles escritos. Dessa forma, foi possível concluir que a resposta de apanhar o cartão estava, agora, sob o controle do nome nele contido e não mais da cor do fundo.

Essa transferência gradual de controle de estímulo é denominada Esvane­cimento, tradução para fading, termo que também é comumente usado na li­teratura sobre o assunto. To fa d e significa desbotar, murchar, desaparecer gradualmente, o que sugere que o “procedimento se refere ao esvanecimento das diferenças entre as duas situações-estímulo” (Whaley e Malott, 1980, pág. 212). Seu uso é indicado para qualquer situação em que um estímulo exerça um controle poderoso sobre uma resposta e seja necessário produzir a mudança do controle de estímulo (Martin e Pear, 1999, pág. 121).

Sério, Andery, Gioia e Michelleto (2002) apontam que foram estudos experimentais na área de controle de estímulo que levaram ao desenvolvimento desse proce­dimento. Entre esses estudos, um dos mais relevantes foi o trabalho experimental de Terrace sobre “discriminação sem erro”, no qual o “autor introduziu o estímulo delta (SA) de forma tão gradual que seus sujeitos experimentais praticamente não emitiram respostas diante desse estímulo, não passando, assim, por um proce­dimento de extinção" (Sério, Andery, Gioia e Michelleto, 2002, pág. 49).

Quando é necessário que a emissão de uma resposta deixe de ser controlada por um determinado estímulo antecedente e passe a ser controlada por outro, o uso do Esvanecimento é a melhor alternativa. “A exposição de um sujeito a tais transforma­ções graduais leva à transferência do controle de estímulos: dos estímulos que origi­nalmente controlavam o responder, o controle passa a ser exercido pelos estímulos que foram produzidos nesse processo de transformação” (Sério, Andery, Gioia e Michelleto, 2002, pág. 50). Essa mudança de controles pode ser feita de duas manei­ras: 1. por meio da introdução gradual de estímulo que deve passara exercer o contro­le sobre a resposta {fading irí); 2. ou mediante a remoção gradual do estímulo que deve deixar de exercer o controle sobre a resposta {fading out). No primeiro caso, é necessário acentuaras características do estímulo antecedente, no segundo é pre­ciso atenuar essas características. O exemplo de Bete demonstra o uso do Esvanecimento pela introdução gradual e progressiva da cor escura do cartão, que vai se tornando da mesma cor que o outro, enquanto o estímulo que deve controlar o comportamento de Bete - o nome escrito em letras de forma na cor branca - perma­nece inalterado. Quando as cores se igualam, apenas o nome contido no cartão passa a controlar o responder, o que demonstra a transferência de controle de estímulo.

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116 ■ Terapia Comportamental

Para Martin e Pear (1999), o Esvanecimento ocorre em muitas situações coti­dianas, em que, por exemplo, uma pessoa ensina para outra um novo comporta­mento e, gradualmente, remove a sua ajuda até que ela possa emitir esse comportamento por si mesma (jfading out). “Pais têm probabilidade de esvanecer sua ajuda e apoio quando ensinam uma criança a andar ou andar de bicicleta. Um professor de dança talvez use cada vez menos pressão na mão ao conduzir um alu­no através de novos passos de dança. E, à medida que um jovem progride nas aulas de auto-escola, o instrutor provavelmente fornece cada vez menos dicas ver­bais em relação às várias regras de trânsito” (pág. 121).

O exemplo oferecido no início do capítulo é uma dessas situações coti­dianas as quais Martin e Pear se referem. Agora é possível entendê-lo em ter­mos comportamentais. A adaptação pela qual a criança passa quando começa a freqüentar a escola nada mais é do que um procedimento de Esvanecimento. Pedrinho passava boa parte do tempo em casa, em contato com seus pais e com algumas crianças da vizinhança. Lá, ele era capaz de brincar, conversar, coope­rar, obedecer, entre outros comportamentos que também são úteis para uma boa estada na escola. Mas, o grande desafio seria produzir a emissão desses comportamentos logo nos primeiros dias de aula, além de evitar respostas emo­cionais como choro, medo e ansiedade produzidas pela separação do ambiente familiar. Para isso, seria necessário transferir gradualmente o controle que o ambiente familiar exerce sobre a criança para o ambiente escolar que, por sua vez, deverá ser capaz de evocar em Pedrinho alguns dos comportamentos emiti­dos em casa. O Esvanecimento seria, então, utilizado para produzir tal transfe­rência de controle.

Assim, no primeiro dia, Pedrinho poderia permanecer apenas meia hora na escola, com os pais e um coleguinha da vizinhança ao seu lado o tempo inteiro. No segundo dia, ele ficaria lá por cerca de uma hora, sendo observado pelos pais e pela professora enquanto brinca com o coleguinha da vizinhança e com as outras crianças da escola. No terceiro dia, ficaria na escola durante uma hora e meia, sem a companhia do colega da vizinhança e ao lado dos pais por somente meia hora; no resto do tempo, Pedrinho entraria em sala com a professora para brincar com as outras crianças. No quarto dia, apenas a mãe iria com o filho para a escola, permanecendo na porta da sala de aula por dez minutos, enquanto Pedrinho brinca com as crianças e segue as sugestões de atividades da professora; após duas horas, sua mãe retornaria para buscá-lo. No quinto dia da semana, a mãe apenas deixaria o filho na entrada do colégio, onde seria recebido por alguns de seus novos colegas e voltaria para buscá-lo somente no final do período.

As mudanças graduais, que são uma das características do Esvanecimento, ficam evidentes nesse exemplo. É possível observar que foi feita a introdução gradual do ambiente escolar na vida da criança (fad in g m), além da remo­ção gradual do ambiente doméstico para o período em que Pedrinho deverá permanecer na escola {fading out). Dessa forma, são melhores as garantias de que a criança se comporte na escola de maneira semelhante àquela como se com­porta em casa.

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Esvanecimento ■ 117

Para tentar desfazer uma confusão bastante comum que ocorre quando se dis­cute Esvanecimento, é necessária a análise do trecho do exemplo em que é dito que as atividades das quais Pedrinho irá participar se tornarão cada vez mais comple­xas. O Esvanecimento diz respeito à mudança gradual do estímulo que antecede a resposta e exerce controle sobre ela para outro estímulo que deverá adquirir essa função. Discutir desempenho de atividades implica falar em emissão de respostas. Na medida em que as atividades vão se tornando mais complexas, as respostas exigidas no desempenho delas devem, gradualmente, tornar-se mais complexas tam­bém. Nesse caso, então, a mudança ocorrida é na resposta e não no estímulo ante­cedente. O procedimento que envolve mudança gradual na resposta é chamado de Modelagem. “A modelagem envolve o reforçamento de ligeiras modificações num comportamento, de forma que ele gradualmente venha a se assemelhar ao com- portamento-alvo. A situação de estímulo permanece praticamente a mesma, e o comportamento se modifica de um comportamento inicial (que não se assemelha necessariamente ao alvo) até um comportamento-alvo final(...) Assim, a modela­gem envolve a modificação gradual de uma resposta, enquanto o estímulo permane­ce o mesmo; o esvanecimento envolve a modificação gradual de um estímulo enquanto a resposta permanece praticamente a mesma" (Martin e Pear, 1999, pág. 124). Dessa forma, o aumento gradual na complexidade das tarefas é um exemplo de modela­gem, pois as respostas envolvidas na execução dessas tarefas precisam também fi­car mais complexas, o que demonstra modificação gradual de comportamentos iniciais (exigidos para a execução de tarefas mais simples) para comportamen­tos finais (exigidos para o desempenho de atividades mais complexas). No entanto, nada impede que o Esvanecimento e a Modelagem sejam utilizados simultanea­mente. Para Baldwin e Baldwin (1998), muito do que é aprendido (modelado) pode ser facilitado pelo uso de prompts (estímulos como palavras, sinais, toques físicos, que servem para iniciar um comportamento). Depois que o comportamento novo foi modelado, os prompts são desnecessários e podem ser esvanecidos.

Foi demonstrada a importância do emprego do procedimento de Esva­necimento para tornar possível a emissão do comportamento diante da situação de estímulo adequada, auxiliando, assim, no estabelecimento de discriminações. O Esvanecimento pode ser utilizado em diversas áreas, mas uma que tem destaque especial é a área de ensino. O próprio processo educacional utiliza o Esvane­cimento, pois, no início da vida acadêmica, o estudante recebe bastante atenção individual para execução de tarefas mas, com o passar do tempo, essa atenção vai sendo removida, exigindo-se que o aluno trabalhe cada vez mais por conta pró­pria (Whaley e Malott, 1980). Além disso, por intermédio do Esvanecimento, o indivíduo pode executar discriminações sem cometer nenhum erro, removendo a necessidade de passar pelo penoso processo de extinção pois todas as respostas emitidas são reforçadas. Possíveis punições advindas do contexto social, que têm alta probabilidade de punir o que considera “erro”, também são evitadas. O Esvanecimento também pode e deve ser utilizado na prática clínica, por exemplo, em situações nas quais o comportamento já instalado no repertório do cliente deve ocorrer diante de outras ocasiões diferentes das quais acontece atualmente. A seguir, um exemplo clínico confirma essa afirmação.

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118 ■ Terapia Comportamental

FRAGMENTO DE CASO CLINICOMarcelo (nome fictício) tem cerca de 33 anos, é solteiro, mora com os pais,

trabalha e faz faculdade. Quando chegou à clínica, apresentava quadro caracte­rístico de depressão: choro freqüente, desânimo, apatia, insônia etc. O quadro de depressão geralmente se instala a partir da perda de reforçadores importantes para o indivíduo. No caso do cliente, verificou-se que ocorria uma baixa densidade de reforçadores sociais os quais poderiam ser produzidos por amigos, parentes, namo­rada, entre outros.

Foi possível detectar que a dificuldade apresentada pelo cliente não se caracteri­zava necessariamente por déficit no seu repertório social pois, até certo tempo atrás, Marcelo possuía amigos, namorada, fazia viagens e programas com eles. Na verdade, o cliente apresentava dificuldades em emitir esses comportamentos atualmente. Essa dificuldade se generalizou para outras áreas de sua vida, como a acadêmica, fazendo sua vida escolar correr risco de ser comprometida em função disso.

Cerca de dois meses antes do término do penúltimo ano letivo do curso que Marcelo freqüentava, ele começou a demonstrar alto grau de ansiedade com relação a um trabalho escolar que deveria ser feito em grupo e apresentado diante de to­dos os alunos da sala de aula. Até então, o cliente havia sido bem-sucedido em esquivar-se de participar oralmente de apresentações ao assumir outras atividades na elaboração do trabalho, como pesquisar, redigir, digitar, elaborar slides de apre­sentação etc. No entanto, isso não seria possível nesse trabalho, o último do ano, porque o professor exigia que todos os membros da equipe participassem efetiva­mente da apresentação oral do trabalho, inclusive ele.

Expor-se diante da sala era tão aversivo para o cliente que ele relatava: “Não consigo nem me imaginar apresentando esse trabalho. Imaginar já é tão ruim que chego a pensar até em trancar matrícula.” O estado emocional de Marcelo e a apro­ximação da data de apresentação do trabalho tornaram urgente a elaboração de um procedimento que desse conta de sanar essa dificuldade ou que, ao menos, diminuísse os sentimentos aversivos que essa situação produzia no cliente.

O primeiro passo foi constatar se o cliente possuía as habilidades orais neces­sárias para a apresentação do trabalho, ou seja, habilidade para introduzir, desen­volver e concluir o tema de maneira lógica e coerente, encadeando as idéias, dando exemplos e fazendo uso de vocabulário claro e preciso. Mediante uma apresentação para a terapeuta sobre um tema acadêmico selecionado pelo cliente, foi possível concluir que Marcelo apresentava esse repertório bem estabelecido.

A questão principal era: Marcelo não conseguia emiti-lo diante das condições exigidas pelo professor. Ele era capaz de fazê-lo diante da terapeuta, diante dos membros do grupo, diante até do próprio professor, mas não seria capaz de fazê-lo diante de uma turma inteira. Não seria necessário, então, modelar no cliente os comportamentos que envolvem uma apresentação oral pois esses comportamentos já estavam presentes em seu repertório comportamental. No entanto, era necessá­rio encontrar uma forma de fazer com que o cliente os emitisse diante da condi­ção exigida. Como ele era capaz de fazer essa apresentação diante da terapeuta, a idéia seria, então, introduzir gradualmente a situação que Marcelo encontraria no dia da apresentação, a partir das condições de estímulo diante das quais ele conse­guia se comportar. Assim, a terapeuta poderia fazer uso do Esvanecimento.

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Esvanecimento ■ 119

A PROPOSTA

Para não comprometer o andamento do processo terapêutico, que envolvia a análise e solução de outras dificuldades apresentadas pelo cliente, Marcelo passou a se encontrar semanalmente com uma acompanhante terapêutica (AT), que ti­nha como função prepará-lo para a apresentação. Assim, o procedimento foi divi­dido nos seguintes passos:

1. Levantamento, feito pelo cliente, do conteúdo que faria parte do trabalho;2. Organização desse conteúdo em itens relevantes para apresentação;3. Elaboração de slides com o conteúdo a ser apresentado;4. Apresentação do conteúdo do trabalho pelo cliente, em um primeiro mo­

mento sem a presença de ouvinte algum além dele próprio. Assim, o clien­te poderia fazê-lo em casa, na frente de um espelho e, se possível, gravando aquilo que foi dito. Isso criaria condições para que Marcelo observasse seu próprio comportamento;

5. Apresentação do trabalho para a AT, que seria outra ouvinte, além do pró­prio cliente. Assim, ela funcionaria como uma comunidade crítica que po­deria efetuar possíveis correções no comportamento de Marcelo de apresentar o trabalho;

6. Apresentação do trabalho em sua forma final, apenas para a AT, utilizando o retroprojetor para a projeção dos slides. A utilização de tal recurso produz maior grau de semelhança com a situação final enfrentada pelo cliente;

7. Apresentação do trabalho para mais duas pessoas, totalizando três ouvintes e o cliente apresentador;

8. Apresentação do trabalho para mais duas pessoas, totalizando cinco ouvin­tes e o cliente apresentador;

9. Apresentação do trabalho para mais três pessoas, totalizando oito ouvin­tes e o cliente apresentador.

Dessa maneira, é possível observar que a situação inicial diante da qual o cliente emitia o comportamento de apresentar o trabalho foi sendo gradualmente modifi­cada a fim de se tornar o mais parecida possível com a situação diante da qual Marcelo deveria apresentar o trabalho. Nesse caso, o Esvanecimento foi feito a partir da introdução gradual de estímulos (retroprojetor, aumento gradual dos ouvintes) que devem passar a exercer controle sobre a emissão da resposta, até que ela ocorra sob o controle de estímulos naturais e finais, como a condição exi­gida pelo professor.

Não foi possível, entretanto, levar a cabo esse procedimento pois a apresentação do trabalho foi antecipada, o que tornou inviável, em termos de tempo, a introdu­ção de ouvintes na sessão. No entanto, o treino ocorrido até então se mostrou razoavelmente eficiente, pois Marcelo conseguiu apresentar o trabalho e tirar uma boa nota, embora não estivesse tão desenvolto quanto gostaria.

O relato desse caso mostra uma entre muitas aplicações que o Esvanecimento pode ter em clínica. Na verdade, a própria prática clínica é um grande exemplo desse procedimento, pois no princípio do processo terapêutico, o cliente deve ficar sob o controle do terapeuta e esse controle deve ser gradualmente transferido para as situações naturais diante das quais o cliente deve responder.

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120 ■ Terapia Comportamental

COMENTÁRIOS FINAISAo longo desse capítulo, foi possível rever vários conceitos comportamentais,

entre eles: contingência, comportamento operante, o papel da conseqüência na manutenção do comportamento e o controle que o antecedente exerce sobre o comportamento. Uma revisão tão abrangente teve como função possibilitar a melhor compreensão, pelo leitor, do tema proposto pelo capítulo. O Esvanecimento envolve a transferência do controle exercido pelo antecedente. O antecedente só tem essa função porque o comportamento produz conseqüências que o selecionam e essas conseqüências fazem com que fique marcada a situação diante da qual o comportamento foi emitido. E, para que o comportamento seja passível de análise, é de fundamental importância que se entenda o conceito de contingências.

Assim, aprender sobre Esvanecimento significa não só ser capaz de repetir suas características e formas de aplicação, mas ser capaz de contextualizá-lo a partir de conceitos mais amplos e básicos da análise do comportamento. Dessa mesma forma, a aplicação de qualquer procedimento deve merecer a mesma atenção pois é isso que produz profissionais melhores e mais capacitados para lidar com as idiossincrasias da história de vida das pessoas que passam pela intervenção do terapeuta.

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J a íd e A parecid a G o m e s R eg r a

A análise científica de qualquer fenômeno pode ocorrer, pelo menos, de três modos diferentes. O primeiro é o estudo do fenômeno pela análise experimental do comportamento. O segundo modo de efetuar a análise científica do compor­tamento complexo é por meio da simulação do comporta­mento e dos processos responsáveis por ele, usando organismos ou computadores. Na simulação, embora não se consiga uma análise experimental direta do comporta­mento, obtém-se um auxiliar na compreensão sobre o desenvolvimento de determinado comportamento e um suporte para interpretações do comportamento complexo. Uma terceira forma para compreender o fenômeno com­plexo, especialmente aqueles que, por alguma razão não podem ser submetidos à análise experimental direta, é a interpretação (Schlinger Jr., 1998).

Os fenômenos complexos são analisados de acordo com um conjunto de princípios ou leis derivadas da análise experimental do comportamento mais simples, mas rela­cionada com o fenômeno.

No laboratório, a análise do comportamento é feita pela análise experimental do comportamento. Na clínica, ao fa­zer análise do comportamento complexo, usa-se a interpre­tação. Porém, a interpretação só pode ser realizada com a fundamentação da pesquisa básica desenvolvida no labo­ratório. Pode-se, então, concluir que um terapeuta com­portamental necessita conhecer os princípios e leis que governam os comportamentos e acompanhar o desenvol­vimento e os avanços da pesquisa básica e aplicada.

A técnica de Modelagem é resultante de estudos de labo­ratório que pretedem, inicialmente, instalar uma resposta no sujeito experimental, como pressionar a barra, para o

ModelagemCAPÍTULO

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122 ■ Terapia Comportamental

rato, e bicar um disco, para o pombo, para estudar como essas respostas podem estar sob o controle de determinadas variáveis. O método de aproximações suces­sivas deve ser usado no laboratório para que as respostas selecionadas para estudo sejam rapidamente adquiridas, dando início ao estudo experimental.

“O condicionamento operante modela o comportamento como o escultor modela a argila” (Skinner, 1953). Nessa metáfora está contida a idéia da necessidade de preexistência de um conjunto de respostas no organismo, as quais podem ser rearranjadas até que ocorra uma nova resposta ou uma classe delas. Um compor­tamento operante é o resultado de um processo de Modelagem.

Com o uso da Modelagem procura-se ampliar o repertório comportamental de um organismo por meio da aquisição de novas respostas.

Na brincadeira “Quente e frio" pode-se esconder um objeto sob a almofada que está no chão, ao lado de um sofá e duas poltronas; ao lado oposto há um armário com gavetas e uma mesa com duas cadeiras. A criança recebe a seguinte instrução: “Procure um bonequinho semelhante a esse que está escondido na sala. Quando você estiver longe do lugar onde está o bonequinho, vou dizer ‘Está frio/, quando você estiver se aproximando do lugar onde está o bonequinho, vou di­zer “Está morno/ e quando você estiver bem perto do lugar onde está o bonequinho, vou dizer: ‘Está quente/”

A criança se aproxima da mesa do lado oposto à almofada e o terapeuta diz “Está frio/' A criança olha em direção à almofada e o terapeuta diz “Está morno.” A criança dá alguns passos em direção ao armário e o terapeuta diz “Está frio.” Ela então olha em direção ao sofá, próximo da almofada e o terapeuta diz “Está mor­no.” Ela se vira de costas para o sofá e o terapeuta diz “Está frio.” Ela agora dá vários passos em direção ao sofá e o terapeuta diz “Está esquentando.” A criança levanta a almofada do sofá e o terapeuta diz “Está frio.” A criança olha em direção à almofada e o terapeuta diz “Está quente.” e então a criança levanta a almofada e encontra o bonequinho.

Nessa brincadeira, lidam-se com duas classes de respostas:

1. As respostas que gradualmente se aproximam da resposta final de levantar a almofada e encontrar o bonequinho (elas têm o mesmo efeito no ambiente; todas são seguidas das pistas verbais: “Está morno.” “Está quente.”);

2. As respostas que se afastam da resposta final (todas têm o mesmo efeito no ambiente; são seguidas pela pista verbal: “Está frio.”). Nessa brincadeira, não foi modelada uma nova resposta pois todas faziam parte do repertório comportamental da criança, apenas foi modelado o comportamento de procurar e encontrar o bonequinho. Com a ajuda das pistas verbais, a criança foi conduzida a emitir a resposta que produzia um efeito de encontrar o boneco mais rapidamente. O uso de pistas verbais pode favorecer o apa­recimento mais rápido da resposta final que já faz parte do repertório da criança. Modelar o comportamento da criança significa reforçar respostas intermediárias para gerar uma nova resposta.

No jogo denominado “Rouba Queijo” fica mais evidente a Modelagem de uma nova resposta. Esse jogo contém um tabuleiro com uma mureta semifechada nos

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Modelagem ■ 123

dois cantos opostos (a casa de cada rato). Cada jogador fica com um rato (vermelho ou verde). Cada rato tem um pequeno ímã, colado na direção da cabeça, voltado para baixo. Os queijos são dados pequenos espalhados pelo tabuleiro. Cada joga­dor recebe uma haste de plástico comprida o suficiente para atingir o outro lado do tabuleiro. Cada haste possui um ímã na ponta, voltado para cima. A tarefa de cada jogador é comandar o rato para deslocar-se no tabuleiro, levando os dados (queijos) para dentro de sua casa. Para conseguir isso, os jogadores devem enfiar a haste por baixo do tabuleiro e conectar o ímã da haste com o ímã de seu rato; dessa forma, ao movimentar a haste sob o tabuleiro, estará também movimentando o seu rato sobre o tabuleiro (resposta A). O vencedor será o jogador que levar mais queijos para dentro de sua casa.

As crianças, de acordo com as idades, apresentam dificuldades diferentes para aprender a manejar o rato. Tome-se como exemplo uma criança de sete anos. Ela coloca sua haste sob o tabuleiro; seu rato está dentro de sua casa; a criança enfia a haste sob o tabuleiro de modo que o ímã fique do lado oposto do seu rato (respos­ta B). O terapeuta diz: “O ímã da haste está muito longe do seu rato.” A criança puxa a haste na sua direção, tornando os ímãs mais próximos, porém sem conectá-los (resposta C). O terapeuta diz: “O ímã da haste está aqui (aponta sobre o tabuleiro), ainda está um pouco longe do seu rato.” A criança desloca a haste, aproximando os ímãs, sem conectá-los (resposta D). O terapeuta aponta, em cima do tabuleiro, o local aproximado em que o ímã da haste se encontra e diz: “Está mais perto! Se você puxar a haste nessa direção, o ímã da haste pode grudar no ímã do seu rato.” (o terapeuta desloca o dedo na direção do ímã do rato). A criança puxa a haste, olha por baixo do tabuleiro e conecta o ímã no rato, puxando a haste e deslocando o rato (resposta A). O terapeuta diz: “Olha! O ratinho está andando!” A haste, ao ser deslocada, deve permanecer reta e produzir o efeito de puxar o rato (resposta A). Se a criança entortar a aste (resposta E), o ímã de baixo se desconecta do ímã do rato e o rato não se desloca (efeito da resposta). O terapeuta diz: “A haste deve ficar retinha para não soltar o rato”. A criança coloca a haste reta e puxa o rato (resposta A). O terapeuta diz: “Você pegou o rato!” A criança desloca o rato e per- de-o no meio do caminho ao entortar a haste (resposta E). O terapeuta espera uma nova resposta da criança. Ela empurra a haste sob o tabuleiro, mais próxima dos ímãs, sem conectá-los (resposta C). O terapeuta nada diz. Aqui, nem o brin­quedo nem o terapeuta reforçam a criança. A criança aproxima a haste do seu rato, sem conectar os ímãs (resposta D) e o terapeuta diz: “Está pertinho!” A criança

S .

conecta os ímãs e o terapeuta diz: “Você pegou o rato!” A criança puxa a haste reta, deslocando o rato e o terapeuta diz: “Você está puxando o ratinho!” A criança en­torta a haste (resposta E) e o terapeuta nada diz, porém o rato não é deslocado e a criança tenta conectar novamente os ímãs. Pode-se observar que o próprio brin­quedo fornece o resultado imediato da resposta: com a emissão da resposta A (conectar os ímãs e puxar com a haste reta) o rato se desloca; com a emissão das respostas B, C, D, E, o rato não se desloca, mas algumas dessas respostas são conseqüenciadas pelo terapeuta, por estarem mais próximas da resposta termi­nal. Se a criança emitir a classe de respostas incorretas (aquela, cujas respostas são inefetivas para deslocar o rato), como: colocar o ímã da haste longe do ímã do rato, colocar o ímã da haste próximo ao ímã do rato, colocar o ímã da haste ao

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124 ■ Terapia Comportamental

lado do ímã do rato, colocar o ímã da haste exatamente sob o ímã do rato e entor­tar a haste de modo a desconectar os dois ímãs, então, o rato não será deslocado. Para as respostas que se aproximam da resposta terminal A (conectar os ímãs e deslocar o rato), o terapeuta fornece elogios descritivos e, dessa forma, modela o comportamento da criança por aproximações sucessivas, emitindo a classe de res­postas complexas e funcionais. O brinquedo fornece a conseqüência imediata das respostas, de uma maneira “tudo ou nada”. Ou a criança emite a resposta (A), que tem o efeito de deslocar o rato e é reforçada pelo deslocamento do rato, ou ela emite as respostas (B, C, D, E) que têm como efeito o não-deslocamento do rato. Nessa condição, como é grande o número de respostas que tem como efeito o não-deslocamento do rato, ao deixar o reforçamento apenas por conta do brin­quedo, percebe-se que a maioria das crianças pode desistir do brinquedo.

Porém, se o pai ou o terapeuta modelam o comportamento da criança por intermédio de aproximações sucessivas da resposta A, a criança será reforçada por grande número de emissões (por exemplo, as respostas C, D, E), o que manterá o seu comportamento de persistir com o brinquedo (permanecer emitindo um número maior de respostas, cada vez mais próximas da resposta terminal). Aumenta- se a probabilidade de emissão de deslocar o rato. Quando isso ocorrer, a criança será reforçada, pelo efeito da resposta (deslocar o rato) e pelo elogio descritivo do pai ou terapeuta. Outras respostas, inefetivas para deslocar o rato, podem ser emi­tidas, alternando-se com a resposta funcional. Somente a resposta funcional é re­forçada pelo terapeuta e pelo brinquedo, prevendo-se que ocorrerá um aumento na freqüência dessa resposta.

Em outras palavras, se a criança emitir a classe de respostas (A) que é funcional para deslocar o rato, ou seja, se a criança colocar o ímã da haste sob o ímã do rato e deslocá-la sem desconectá-la do ímã, então, o rato será deslocado e aumenta­rá a freqüência dessa classe de respostas. O terapeuta colabora com o feedback imediato fornecido pelo brinquedo, elogiando o desempenho da criança, como “Você conseguiu pegar o ratinho!”

Foi adquirida uma resposta complexa que não existia no repertório da criança, a qual foi modelada pelas aproximações sucessivas da resposta esperada. O com­portamento motor exigido nesse jogo é muito complexo e dificilmente ocorrerá sem a Modelagem, para as crianças mais novas que ainda não adquiriram essas habilidades.

No laboratório ocorre a possibilidade de controle mais rigoroso das variáveis. O experimento de Modelagem do comportamento de pressionar a barra de um rato, colocado na Caixa de Skinner, com tamanho suficiente para ele dar vários passos dentro dela, possibilita uma compreensão melhor dessa técnica.

Essa caixa possui uma barra metálica redonda, na parede direita, lado interno, que se desloca para baixo, produzindo um clique, sob a leve pressão da pata do rato. Na parede do lado externo direito há o bebedouro com água e o pescador que mergulha na cuba d'água quando a barra se abaixa. Ao soltar a barra, o pescador sobe trazendo uma gota d'água em sua concha. Olhando pelo lado interno, a concha, ao subir, se ajusta num orifício ao nível do assoalho, tornando a gota disponível ao rato (ver Guidi e Bauermeister, 1968).

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Modelagem ■ 125

Como fazer com que um rato, privado de água, obtenha gotas de água, como função do seu comportamento de pressionar a barra?

As instruções de laboratório oferecidas por Guidi e Bauermeister (1968) des­crevem as etapas a serem ensinadas para o rato pressionar a barra.

Liberar uma gota de água no bebedouro. Colocar o rato na caixa experimental e esperar o animal encontrar a gota d'água deixada no bebedouro. Liberar cinco gotas para fazer o treino de bebedouro; agora o rato localiza a água. Especifica-se a resposta: pressão da barra. Deve-se reforçar as aproximações sucessivas a uma resposta na barra que tenha uma topografia de fácil observação e que não dispenda esforço desnecessário ou tempo inútil. O mais comum é o rato operar a barra com uma ou duas patas e pode ser utilizado um critério de pressionar a barra, por seis vezes consecutivas, para considerar que terminou a Modelagem e o rato adquiriu a nova resposta.

Matos e Tomanari (2002), ao descreverem a técnica de Modelagem, assinalam como parte da técnica o uso do método de aproximações sucessivas ou mudanças graduais que é empregado sempre que se pretende ensinar um desempenho com­plexo; quando o sujeito a quem se pretende ensinar algo apresenta dificuldades especiais, como problemas de desenvolvimento ou déficit de repertório; ou quando os pré-requisitos necessários para aquilo que se pretende ensinar a ele estão ausentes do repertório do sujeito.

Ao destacar a importância da Modelagem para ampliar o repertório compor­tamental de um organismo pela aquisição de novas respostas, utiliza-se a análise de laboratório para, em seguida, mostrar a sua aplicação na clínica.

No laboratório, os comportamentos mais prováveis do rato, na caixa expe­rimental, como operante livre, durante a aplicação da técnica de Modelagem do comportamento de pressão à barra, podem ser classificados em dois grupos:

Grupo I-Algumas respostas que, quando emitidas, aumentam a probabilidade de emissão da resposta de pressão à barra:

• Esticar a cabeça em direção à barra, no canto oposto à barra;• Deslocar-se do lado oposto, em direção à barra;• Farejar a concha de água;• Levantar-se e tocar com as patas a parede que contém a barra;• Farejar a barra;• Tocar uma pata na barra sem pressão;• Tocar duas patas na barra sem pressão;• Colocar uma ou duas patas sobre a barra, exercendo leve pressão;• Colocar uma ou duas patas sobre a barra, exercendo pressão média sem

deslocamento;• Colocar uma ou duas patas sobre a barra, exercendo pressão suficiente para

abaixar a barra;*

• Colocar uma ou duas patas ou focinho sobre a barra, abaixando comple­tamente a barra e, depois, soltando-a.

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126 ■ Terapia Comportamental

Grupo II - Algumas respostas que, ao serem emitidas, diminuem a probabi­lidade de emissão da resposta de pressão à barra:

• Ficar em pé, no lado oposto à barra e de costas para ela;• Farejar o canto da caixa oposto à barra;• Deslocar-se na direção oposta à barra;• Levantar-se e apoiar as patas na parede oposta à barra;• Farejar, em qualquer ponto da caixa, ficando de costas para a barra.

Ao se usar a água como reforço, deve-se trabalhar com um rato privado de água.Cada um dos comportamentos do Grupo I, quando emitidos, podem ser

seguidos de água desse modo: liberar água, logo após o comportamento do rato de esticar a cabeça em direção à barra, estando ele ao lado oposto à barra. Isso poderá produzir um aumento na freqüência dessa resposta ou aumentar a pro­babilidade de emissão de respostas da mesma classe; portanto, deve-se atentar para reforçar esse comportamento poucas vezes e esperar uma outra resposta do rato, mais próxima à resposta de pressão à barra, para liberar água. Ao mudar, gradualmente, a resposta a ser seguida por água com o critério de que a próxima resposta deve ter aproximação cada vez maior da classe de respostas de pressão à barra, modelam-se as respostas do rato para aproximações cada vez maiores da resposta final.

O procedimento pelo qual se executa o método de aproximações sucessivas é denominado reforçamento diferencial. Ao se reforçar diferencialmente, as res­postas do Grupo I são selecionadas para serem seguidas por água, enquanto as respostas do Grupo II não são seguidas por água. Ao mudar gradualmente a res­posta seguida de água (Grupo I), no intuito de uma aproximação cada vez maior da resposta de pressão à barra, algumas das respostas do Grupo I vão reduzindo sua freqüência até que a nova resposta ocorra. As respostas do Grupo II entram em extinção.

A Modelagem consiste em:

1. Definir o comportamento terminal que o organismo deve emitir. Exemplo: pressão à barra;

2. Especificar a conseqüência que se segue às respostas consideradas como Grupo I, aquelas que, ao serem seguidas por uma conseqüência possi­velmente reforçadora, aumentam a probabilidade de emissão das respostas mais próximas ao comportamento terminal;

3. Colocar em hierarquia as respostas do Grupo I a serem seguidas por con­seqüência positiva (da mais distante até a mais próxima do comportamento terminal). A importância de esperar a emissão de uma resposta, cada vez mais próxima da resposta terminal, é fundamental para a Modelagem. Reforçar muitas vezes a mesma resposta pode implicar o risco de sua fixa­ção, dificultando a emissão de outra resposta;

4. Extinguir as respostas do Grupo II, ou seja, não conseqüenciar positi­vamente a emissão de respostas que sejam muito distantes da resposta final ou “diminuir" a probabilidade de ocorrência dessa resposta;

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Modelagem ■ 127

5. Escolher respostas que fazem parte do repertório do organismo para iniciar a modelagem. O rato, ao ser colocado na caixa, emite respostas do Grupo I e do Grupo II. Liberar água contingente às respostas do Grupo I, hierarqui­camente, e não liberar água ao ocorrerem as respostas do Grupo II, favorece a aquisição de uma nova resposta do organismo, a qual não fazia parte de seu repertório comportamental;

6. Aumentar a freqüência do comportamento terminal como pressão à barra para liberar água contingente, apenas a essa resposta, depois de sua emissão;

7. Planejar uma conseqüência para uma resposta do início da hierarquia e, em seguida, esperar a emissão da resposta final, dificulta a Modelagem pois a resposta esperada pode não ocorrer por causa do salto muito grande entre a resposta inicial e a resposta terminal.

Pouco reforço pode reduzir o responder em geral. Não se pode modelar com­portamentos, esperando grandes mudanças de respostas para liberar uma conse­qüência positiva. A conseqüência positiva para pequenas mudanças de respostas favorece a aquisição de respostas novas.

É fácil entender o dilema dos pais que esperam a criança se comportar da maneira esperada para poder elogiar porque desconhecem o poder da modela­gem. Enquanto o comportamento terminal desejado não ocorre, punem, por meio de broncas ou outras formas, muitos dos comportamentos intermediários e mais próximos do comportamento esperado, acreditando que a criança não quer fazer o que é esperado dela. Um possível efeito desse comportamento dos pais sobre o comportamento da criança é uma redução na freqüência dos comportamentos mais próximos ao comportamento esperado e aumento dos comportamentos incom­patíveis com ele. Dessa forma, ao tentar ensinar o filho a se comportar de determi­nado modo, estão ensinando um outro comportamento, diversas vezes, muito distante do comportamento que desejam ensinar.

Usa-se o termo resposta para uma ação, quando se supõe não ter sido estabe­lecida uma relação entre os estímulos antecedentes, os conseqüentes e a resposta. Usa-se o termo comportamento para uma ação, quando se supõe ter sido estabe­lecida uma relação entre os estímulos e a resposta.

“Comportamento é uma relação entre estímulos (antecedentes e conseqüentes)e uma resposta” (Banaco, 1999, pág. 135).

O termo classe especifica um conjunto de elementos que apresentam uma propriedade ou característica comum (Skinner, 1935).

A expressão classe de respostas é comumente usada, em Análise do Compor­tamento, para especificar um conjunto de respostas que tem um resultado fun­cional comum (Cuvo, 2000). As classes funcionais são compostas por membros controlados pela mesma conseqüência. Essa expressão foi usada seguindo essas orientações.

Na pesquisa básica, encontra-se, mais freqüentemente, a descrição da Mode­lagem como uma técnica utilizada pelo experimentador para facilitar a aquisição

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128 ■ Terapia Comportamental

de uma resposta a ser adquirida pelo organismo porque foi selecionada para ser estudada pelo pesquisador.

Por outro lado, no ambiente natural, a Modelagem ocorre em muitas situações, favorecendo a seleção natural pelas contingências.

Os analistas comportamentais consideram que a Modelagem do compor­tamento funciona exatamente da mesma forma que a evolução das espécies (Baum, 1994).

Quando a mãe ensina o bebê a falar, é comum a criança ser reforçada por sons que, sucessivamente, se aproximam do som correto esperado.

Nas situações em que ocorrem as contingências naturais que modelam novas respostas, pode-se destacar o comportamento motor do bebê. Ao fazer uma série de movimentos descoordenados para pegar um objeto, inicialmente, o bebê tem dificuldades. Faz vários movimentos que passam mais longe ou mais próximos do objeto até que, casualmente, esbarra no objeto e, então, os movimentos mais am­plos que conduziam a mão da criança para longe do objeto vão se extinguindo e observa-se um aumento na freqüência dos movimentos que aproximam a mão da criança do objeto, até que o bebê consiga agarrá-lo. Daí em diante, decresce o número de respostas motoras que conduzem a mão do bebê para longe do objeto e aumenta a freqüência dos comportamentos motores que conduzem a mão da criança cada vez mais próxima do objeto até que ocorre a aquisição da nova res­posta de pegar um objeto na primeira tentativa. Assim se desenvolvem algumas habilidades viso-motoras.

Na clínica, a Modelagem de respostas é muito utilizada, isoladamente ou em combinação com outras técnicas.

Se o reforço aumenta a probabilidade da resposta que é reforçada, como cada resposta pode aumentar de freqüência, na Modelagem, se uma resposta nunca é repetida exatamente igual? É liberado um estímulo que se segue à resposta, se­gundo um critério de reforçamento diferencial das respostas, o qual gradualmen­te mais se aproxima da resposta terminal a ser adquirida. Mesmo quando ocorre a resposta de pressionar a barra, o rato pode fazer isso de diferentes maneiras: pres­sionar a barra com duas patas, com uma, mordendo e pressionando ou subindo nela. Cada uma dessas respostas é diferente, mas todas têm a mesma função - pressionar a barra e receber uma gota d’água contingente à emissão que realizou. Todas são membros da mesma classe de respostas funcionais.

Chega-se em um nível de análise intermediária no qual não são consideradas as respostas individuais e nem o comportamento em geral, mas as classes de res­postas definidas por propriedades comuns (Skinner, 1935).

A propriedade comum a todas as respostas de pressionar a barra é a sua con­seqüência, ou seja, exercer uma pressão determinada que feche o circuito provo­cando um clique e o abaixar do pescador que mergulhará na cuba d’água. Definir classes de respostas em termos de efeitos ambientais comuns constituiu a base para registrar respostas da classe e para programar as conseqüências delas. Deve ainda ser observado se as conseqüências modificam a probabilidade de respostas na classe selecionada. E, só então chamá-la classe operante: se foi afetada pelo modo que funciona no ambiente (Catania, 1998).

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Modelagem ■ 129

O método de aproximação sucessiva na técnica de Modelagem é bem funda­mentado no trabalho de Verplanck (1956) com seres humanos. Foram usados es­tudantes do curso superior. Eram liberados pontos, pelo experimentador, para conseqüenciar alguns comportamentos, como: coçar a orelha com a mão direita, sorrir, maneirismos faciais e dizer determinadas classes de palavras. Por inter­médio do uso dos pontos como reforçador condicionado foi possível modelar uma variedade de comportamentos dos sujeitos.

Um conjunto de respostas pertence à mesma classe quando o reforçamento de uma das respostas da classe fortalece todas as outras respostas da classe e quando o não-reforçamento de uma resposta da classe enfraquece todas as outras respos­tas da mesma classe (Staats e Staats, 1963).

O comportamento de dispersão da criança que faz parte da queixa de muitos pais e professores é interessante para ser analisado.

A dispersão tem sido descrita como uma dificuldade da criança de se concentrar numa determinada tarefa, por exemplo, lição de casa. Tem-se notado que a criança, frente à lição de casa, emite um conjunto de comportamentos denominados pelo rótulo de dispersão”, como: levantar da cadeira, apontar o lápis, derrubar o lápis e apontá-lo novamente, derrubar a borracha, abaixar-se para pegar a borracha, escorregar da cadeira e entrar embaixo da mesa, mexer no lápis, olhar em direção à janela, olhar as unhas, rolar o lápis na mesa, pegar um brinquedo, olhar em direção a qualquer estímulo sonoro ou visual que esteja ocorrendo no ambiente, mesmo que seja de baixa intensidade, entre outros.

Concentração é o comportamento incompatível com dispersão. Ao se con­centrar na lição, a criança emite uma outra classe de respostas, como: colocar o material na escrivaninha, abrir a agenda, abrir o caderno na página da lição, pegar o lápis, ler as instruções da tarefa e escrever por um determinado tempo, alter­nando com os comportamentos de ler instrução e escrever, até que a lição seja concluída.

Enquanto a criança se dispersa, a mãe espera que ela emita o comportamento terminal que é a classe de respostas nomeada como concentração. É muito co­mum a mãe dizer que fica nervosa quando a criança se dispersa. Desse modo, cada resposta da classe de respostas nomeada como dispersão é comumente se­guida de bronca e atenção. A mãe fica brava com a criança, imediatamente após a emissão de alguns de seus comportamentos de dispersão, como o de escorregar sob a mesa, dizendo: “Senta direito e faça a lição.”. A mãe se torna mais ansiosa quando vê que o tempo está passando e a criança continua engajada nos compor­tamentos incompatíveis com execução da lição de casa. Desse modo, a cada emis­são dos comportamentos de dispersão, a mãe passa a brigar com a criança. O efeito mais comumente observado dessas brigas na hora da lição é o aumento na fre­qüência dos comportamentos da classe dispersão e redução na freqüência dos comportamentos da classe denominada concentração.

O que está ocorrendo nessa situação?A interpretação dos dados pelas hipóteses sobre a análise funcional da interação

mãe-criança, utilizando os princípios desenvolvidos em laboratório, identifica alguns possíveis fatores que mantêm a classe de respostas nomeada como dispersão.

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130 ■ Terapia Comportamental

A análise do comportamento complexo envolve a análise de uma superposição de “variáveis” que interagem entre si. Não mais se restringe a uma análise funcio­nal envolvendo uma única variável, como no laboratório, onde é possível isolar as variáveis relevantes para estudo. São levantadas hipóteses interpretativas sobre a interação de variáveis múltiplas.

Por meio da observação e interpretação dos dados, é possível prever que a bronca, contingente a cada uma das respostas que fazem parte da classe dispersão, pode funcionar como atenção para esses comportamentos e aumentar sua fre­qüência. Os relatos oferecidos pelos pais parecem corroborar esta hipótese.

A classe de respostas, nomeada como “estar concentrado fazendo a lição”, não é emitida no contexto de dispersão; ou porque não faz parte do repertório compor­tamental da criança, ou porque foi punida pela mãe. Se ocorrer alguma resposta da classe concentração, como: sentar-se frente ao material acadêmico, olhar em direção ao caderno, pegar o lápis ou olhar em direção ao livro, esses comportamen­tos, embora fazendo parte da hierarquia de respostas que se aproximam cada vez mais do comportamento de estar concentrado fazendo a lição, comumente não são reforçados porque, muitas vezes, a mãe espera a emissão do comportamento terminal de fazer a lição e não reforça as respostas intermediárias.

Desse modo, a mãe não reforça nenhum dos comportamentos da classe con- centrar-se, a não ser o comportamento terminal, sendo que o pouco reforço pode reduzir o responder. Ainda, se uma das respostas de uma determinada classe não for reforçada, as outras respostas da mesma classe podem ser enfraquecidas.

Ficar brava com a criança, quando emite algumas respostas da classe fazer a lição (esperando que a criança escreva), pode reduzir a freqüência dessa classe e diminuir a probabilidade desse comportamento ocorrer.

Observa-se uma diminuição na freqüência do comportamento que a mãe quer ensinar para a criança e um aumento na freqüência dos comportamentos que a mãe quer eliminar (as respostas que fazem parte da classe nomeada como disper­são de respostas).

As brigas durante a lição podem estabelecer um pareamento de estímulos aversivos (gritos e broncas) com a classe de respostas “estar concentrado” e favo­recer a redução dessa classe de respostas e o aparecimento de respostas de fuga- esquiva frente ao material acadêmico. Nessa condição, o procedimento envolvido, torna-se efetivo para a instalação das respostas de fuga-esquiva. Pode ocorrer um pareamento dos estímulos sinalizadores para grito e bronca com o material aca­dêmico e favorecer o aparecimento de comportamentos respondentes. As respos­tas da classe “dispersão” são duplamente reforçadas: positivamente por meio da atenção liberada pela mãe e negativamente pela interrupção, ou evitação, do estí­mulo aversivo, quando a criança evita ou foge da briga ou do contato com o mate­rial acadêmico.

Paralelamente, ocorre uma punição das respostas que fazem parte da classe concentração (pegar o lápis, olhar em direção ao livro, sentar-se frente ao mate­rial e outros) porque, ao observar esses comportamentos, a mãe pode interpretá- los como parte da classe de respostas “dispersão”, uma vez que a criança não está nem escrevendo e nem estudando.

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Modelagem ■ 131

O dilema da mãe é: ser responsável por ensinar o filho a fazer as tarefas, obser­vando que cada vez mais a criança se dispersa. Quanto mais aumenta o descon­forto da mãe, as brigas podem aumentar de intensidade e freqüência. Quando as brigas aumentam, mais aversivo se torna o contexto de fazer lição e, em decor­rência, aumentam os comportamentos de fuga-esquiva. A mãe quer ensinar a criança a fazer a lição e ter prazer por estudar e está ensinando a criança a evitar enfrentamentos e a detestar fazer lição.

Mãe e criança se encontram numa situação aparentemente sem saída, pro­duzindo um círculo vicioso com tendência a piorar, se nada for feito para alterar esses padrões de comportamento da mãe e da criança.

Na clínica, o terapeuta vai levantar dados sobre as situações em que os com­portamentos da classe “dispersão” ocorrem. Efetua uma análise funcional inter- pretativa do comportamento e identifica as possíveis “variáveis” que dificultam a aquisição da classe de respostas “concentrar-se”.

Situação no consultório: o terapeuta apresenta para a criança um material acadêmico semelhante ao ministrado na escola e na lição de casa e dá a seguinte instrução: “Faça essa atividade.” Observa o comportamento da criança. Na maioria dos casos ocorrem respostas de dispersão como respostas de fuga-esquiva.

O terapeuta inicia a Modelagem das respostas que fazem parte da classe con­centrar-se. A criança derruba o lápis e escorrega sob a mesa permanecendo nessa situação por mais tempo que o necessário para pegar o lápis. O terapeuta escreve, sem olhar para a criança, ignorando o seu comportamento (derrubar o lápis e escorregar sob a mesa são consideradas respostas que fazem parte da classe “dis­persão”). A criança vai sentar-se com o lápis na mão e o terapeuta olha para a criança e sorri (ele considera essa resposta como membro da classe de respostas “concentrar-se”). A criança rola o lápis sobre mesa e o terapeuta escreve os com­portamentos que observa, ignorando essa resposta da classe “dispersão”. A criança deita a cabeça sobre os braços e o terapeuta ignora o comportamento que consi­dera fazer parte da classe “dispersão”. A criança levanta a cabeça, pega o lápis e o terapeuta sorri para ela (levantar a cabeça e pegar o lápis são da classe de respos­tas “concentrar-se”). A criança escreve a primeira palavra e o terapeuta diz: “Que letra bonita! Você fez as letras bem redondinhas, todas do mesmo tamanho e fica­ram todas em cima da linha. Que capricho! (“escrever” é membro da classe “con­centrar-se”). A criança escreve outra palavra e o terapeuta diz “Está certinha essa palavra. Que garoto esperto! A criança derruba o lápis e o terapeuta não olha em direção à criança. Ela levanta e pega o lápis e o terapeuta olha em direção à crian­ça. Ela anda pela sala e mexe no porta-lenço e o terapeuta ignora esses comporta­mentos. A criança olha em direção ao terapeuta e ele olha na direção dela. A criança anda em direção à mesa e o terapeuta sorri para ela. A criança vai se sentar e o terapeuta diz “Gostei da sua letra. Você consegue fazer as letras bem em cima da linha!” A criança escreve outra palavra e o terapeuta diz: “Você escreveu certo e com a letra redondinha. Está muito bom!” A criança escreve outra palavra e o terapeuta diz: “Estou gostando. Tudo certo e bem feito.” O terapeuta pede para a criança escrever uma frase (aumentou a dificuldade da tarefa). A criança derruba a borracha, levanta, anda pela sala e o terapeuta ignora os comportamentos da criança. A criança pega a borracha e o terapeuta sorri para a criança. A criança vai sentar-se

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132 ■ Terapia Comportamentai

e o terapeuta diz “Junte esses pedacinhos (sílabas simples escritas em quadradinhos de borracha) e descubra que palavrinha você formou. Cada palavra nova que des­cobrir, escreva nessa folha, uma embaixo da outra. É um joguinho; cada palavra nova que descobrir você ganha um ponto; um ponto, quando estiver escrita de modo correto; um ponto, quando todas as letrinhas da palavra estiverem do mes­mo tamanho e um ponto quando todas as letrinhas estiverem em cima da linha.”

O terapeuta reduziu a dificuldade da tarefa para modelar outra classe de res­postas: escrever palavras corretamente.

Exemplo da interação terapeuta-criança:Criança: Junta as sílabas e lê a palavra formada.Terapeuta: “Essa palavra existe? O que é?”Criança: Responde certo.Terapeuta: “Isso mesmo, um ponto. Agora pode escrevê-la.”Criança: Junta as sílabas e escreve correto.Terapeuta: “Ótimo! Um ponto porque descobriu uma palavra nova, um ponto

porque escreveu de modo correto, um ponto porque as letras estão redondinhas e todas do mesmo tamanho e um ponto porque todas as letrinhas estão em cima da linha. Agora junte essas.”

Criança: Junta as sílabas e escreve.Terapeuta: “Um ponto porque você descobriu uma palavra nova, um ponto

porque escreveu certinho e um ponto porque as letras estão redondinhas. Aqui, duas letrinhas caíram pra baixo da linha.”

Criança: Junta novas sílabas e escreve, diz “Vou contar quantos pontos eu tenho. Tenho sete pontos.”

Terapeuta: “Agora tem um ponto porque descobriu uma palavra nova, um ponto porque escreveu certo, um ponto porque as letras estão redondinhas e um pon­to porque as letrinhas estão todas em cima da linha.”

Criança: “Agora eu tenho onze pontos.”Terapeuta: “Isso mesmo. Está aumentando. Agora você pode escolher se quer

fazer mais palavrinhas ou se quer mudar de atividade.”Criança: “Quero fazer mais. Quero ficar com quinze pontos.”Os comportamentos da classe de respostas “dispersão” foram extintos e os

comportamentos de aproximações a fazer a tarefa foram gradualmente refor­çados até que ocorreu o comportamento de fazer a tarefa de modo concentrado. Aumentou-se a freqüência das respostas que fazem parte da classe de respostas “concentrar-se”.

Essa mudança ocorre apenas no consultório porque a criança está sob o con­trole de estímulos específicos: na presença do terapeuta, as respostas que fazem parte da classe de respostas “concentrar-se” são reforçadas e as respostas que da classe “dispersão” não são reforçadas.

Na presença da mãe e da professora, o inverso ocorre.Para a criança aumentar a freqüência de respostas da classe “concentração” é

necessário ensinar à mãe a se comportar de modo semelhante ao terapeuta. Orien­tar o professor também ajuda na generalização de respostas.

Um outro exemplo pode ajudar a mostrar como a Modelagem se aplica a qualquer tipo de comportamento. Escolheu-se o comportamento motor de uma criança de 6 anos.

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Modelagem ■ 133

Ela apresenta, inicialmente, dificuldade em estruturar desenho, pintar dentro de limites e pintar cobrindo todo o desenho.

A escola considera a criança com dificuldades motoras ampla e fina.Exemplo da interação terapeuta-criança:Terapeuta: “Quero que você faça um desenho.”Criança: “Não quero desenhar. Não gosto. Não sei desenhar.”Terapeuta: “Desenho não tem certo e errado. Você pode desenhar como quiser.

Se eu quiser desenhar um pato fazendo uma bola amarela e um bico laranja eu posso. Se eu achar que é mais fácil fazer um desenho olhando em outro dese­nho, posso começar a treinar desse modo.”

ATIVIDADE - DESENHO LIVREPode-se considerar alguns aspectos relacionados com a execução de um

desenho livre:

1. Imaginar como é a forma daquilo que eu quero reproduzir graficamente;2. Reproduzir um traçado que tenha alguma semelhança com a forma

escolhida;3. Escolher as cores para pintar;4. Pintar dentro dos limites;5. Cobrir todos os brancos da folha na área do desenho.

Exemplo de interação terapeuta-cliente:Terapeuta: “Tente fazer um desenho parecido com esse e depois você fará um

outro, sem olhar o desenho; só imaginando o que quer fazer.”Criança: Inicia o desenho olhando o modelo e escolhe as cores.Terapeuta: “Você fez os traços firmes e escolheu bem as cores. Gostei da com­

binação de cores.”Criança: Continua desenhando.Terapeuta: “Olha como você pintou bem dentro do desenho, sem sair do

contorno!”Criança: Desenha mais devagar nas proximidades do contorno e não risca fora. Terapeuta: “Olha como você cobriu essa parte e não deixou nenhum branquinho!” Criança: Criança cobre os branquinhos que ficaram sem cor em outros lugares. Terapeuta: “Gostei do seu desenho. Você fez com muito capricho.”Nessa situação, a criança foi encorajada a emitir qualquer resposta, por exemplo,

fazer um traçado, olhando outro desenho.Comportamentos não reforçados:

1. Sair do contorno do desenho;2. Pintar rápido sem cobrir todos os espaços em branco.

Comportamentos diferencialmente reforçados:

1. Pintar dentro do contorno (foi apontado o local em que estava ocorrendo pintura dentro do contorno e a criança passou a fazer movimentos menores e mais lentos para conseguir não sair em outros espaços);

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134 ■ Terapia Comportamental

2. Cobrir os lugares onde a pintura ficou riscada e deixando a mostra o branco da folha.

A criança passou a executar personagens de desenhos que via na televisão. Fez rápido e riscado, mas de forma criativa e contando as estorinhas. Nessa fase, pareceu ter perdido o medo de errar, ou seja, não mais verbalizava “não sei”. Aceitou fazer quase tudo e muitas vezes pedia para desenhar e permanecia bastante tempo nessa atividade. A criança desenhava e nenhuma crítica ocorria. Segundo informa­ção dos pais, em sua história de vida, a criança vivenciou muitas situações onde se sentia avaliada por meio de perguntas que, dependendo da resposta, eram seguidas por críticas.

A ausência de crítica, nas sessões de terapia, favoreceu o aparecimento do com­portamento de desenhar e, na medida em que era elogiada, passou a aumentar a freqüência dos comportamentos de pintar dentro dos contornos do desenho e cobrir toda a área desenhada.

Nas Figuras 8.1 e 8.2 a seguir, podem-se observar as mudanças que ocorreram no comportamento de desenhar da criança, comparando dois de seus desenhos: um na fase inicial do atendimento terapêutico e outro na fase final do trabalho, após aproximadamente um ano. Foram trabalhados com a criança comportamentos de persistência ao fazer tarefas e aumento gradual da resistência à frustração, ou seja, nas situações em que a criança considerava que o desenho não estava bom, ela se torna capaz de continuar desenhando em vez de desistir. Foram também identificadas outras queixas paralelamente trabalhadas.

O treino certamente favorece a aquisição de habilidades motoras, mas é difícil admitir que essa criança apresenta um problema motor acentuado, como foi colo­cado na queixa inicial. Ao se comparar as Figuras 8.1 e 8.2, levantam-se algumas hipóteses iniciais sobre os problemas da criança:

1. Pequeno problema relacionado ao motor fino por falta de treino (baixa freqüência do comportamento de desenhar);

2. Pequeno problema motor fino causado por uma pequena imaturidade neurológica;

3. Pequeno problema motor fino, aparente e não real. Como era criticada frente a muitas classes de respostas, ela desenvolveu medo de crítica, de errar, de se expor e de ser avaliada; emitir o comportamento de desenhar que era de baixa freqüência, expunha a criança às situações de não com­petência, as quais desejava evitar, acabando rápido; fazer rápido implica em riscar sem cobrir o papel e com movimentos ágeis e amplos. Essa classe de respostas diminue a probabilidade de se obter um produto que seja descrito como pintar com movimentos curtos, sem sair dos limites e pin­tar de modo a cobrir todo o papel.

A primeira e a segunda hipóteses não parecem as mais prováveis.O professor costuma observar os produtos das diferentes classes de respostas,

mas a maioria deles não desenvolveu habilidades por prováveis falhas em seus cursos de formação para efetuar uma análise funcional sobre a aquisição das res­postas motoras. Se, ao observar um produto de comportamento, levanta-se um

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Modelagem ■ 135

conjunto de hipóteses sobre as variáveis ambientais que interferiram nessa aqui­sição, revelam-se algumas questões importantes sobre a classe de respostas en­volvidas no comportamento de desenhar e como essas são mantidas:

1. Sob quais condições ocorreu a aquisição dessa classe de respostas;2. Quais os eventos que antecediam e conseqüenciavam essa classe de

respostas;3. Quais os possíveis efeitos decorrentes desses fatores ambientais;4. Quais os fatores sobrepostos e identificados para auxiliar a análise do

comportamento complexo;5. Como fazer uma análise funcional dos comportamentos;6. Quais os microexperimentos realizados para o teste de cada uma das

hipóteses levantadas para a identificação das hipóteses mais prováveis;7. Que procedimentos ou intervenções terapêuticas são elaborados para al­

terar o comportamento de desenhar, aproximando o produto, das respos­tas que fazem parte da classe “desenhar” daquela criança, com o produto das respostas do grupo, no qual a criança está inserida. Em outras palavras, que tipo de intervenções irão favorecer a classe de comportamentos que contém respostas como: desenhar com traços firmes e boa estruturação das formas, movimentos curtos que resultam num traçado dentro dos limites e cobrindo todos os pontos brancos da pintura.

Ao levantar uma hipótese sobre um problema motor aparente, o professor pode desenvolver habilidades para lidar com ele.

Alguns tipos de intervenção terapêutica, possíveis durante a emissão de uma classe de respostas denominada “desenhar”, nas sessões de terapia, envolvem a Modelagem com o uso de elogio descritivo.

Exemplos de elogios descritivos:

• “Você está fazendo traços firmes e gostei da combinação de cores.”• “Você está fazendo movimentos curtinhos e assim a pintura não sai do

contorno do desenho.”• “Olha! Você cobriu todos os branquinhos!”• “Está ficando muito bonita essa pintura!”• “Essa cor azul combinou com a vermelha.”• “Você capricha mesmo!”• “A pintura ficou encostada no contorno e não saiu.”

O elogio descritivo tem uma importante função: ao trabalhar com organismos verbais, pode-se modelar comportamentos que envolvem o fazer, elogiando descri­tivamente as respostas emitidas. Descrever o comportamento elogiado pode ter um efeito mais rápido na sua aquisição e na sua manutenção. A experiência clínica mostra como a criança aumenta rapidamente a freqüência das respostas descritas e elogiadas. Quando o terapeuta diz “Você está fazendo movimentos curtinhos (descreve a resposta da criança) e desse modo a pintura não sai” (descreve o pro­duto da resposta de fazer movimentos curtos), a criança, na maioria das vezes, emite o comportamento descrito pelo terapeuta. É provável que isso ocorra porque a criança identifica qual a resposta que é responsável por aquele produto.

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136 ■ Terapia Comportamental

A Figura 8.1 mostra o desenho 1 da criança, resultante de respostas da classe “desenhar” com pouca estruturação e pintar com movimentos amplos. Foi obser­vado, na maior parte do desenho, um desempenho da criança com movimentos rápidos e amplos que teve como efeito uma estrutura de forma menos elaborada, com riscos grandes que saíam dos contornos e deixavam grandes espaços des­cobertos, produzindo uma pintura rala; em pequenos espaços do desenho foi observada uma pintura em vermelho e preto, onde a superfície estava comple­tamente coberta. Como intervenção, usaram-se os exemplos sobre elogio des­critivo citados anteriormente.

A Figura 8.2 mostra o desenho 2, realizado trinta sessões após a realização do desenho 1. O desenho 2 é produto da emissão da classe de respostas “dese-

Figura 8.1 - Desenho 1 de uma crian­ça com dispersão e aparente problema motor.

Figura 8.2 - Desenho 2 feito pela mesma criança da Figura8.1, após 30 sessões de terapia.

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Modelagem ■ 137

nhar com boa estruturação” e “pintar com movimentos curtos que produzem uma pintura dentro dos contornos e com todos os espaços em branco, da área interna, preenchidos”.

Nas sessões que se seguiram ao desenho da Figura 8.1, foram usados os elogios descritivos, nas quais se pode observar um aumento gradual na freqüência das respostas da classe” desenhar com estruturação” e “pintar com movimentos curtos permanecendo dentro dos contornos e preenchendo todos os espaços em branco”.

O desenho da Figura 8.2 foi um dos últimos de uma série na qual a criança demonstra a aquisição do novo repertório de comportamento.

MODELAGEM DO COMPORTAMENTO VERBALO uso, no ambiente natural, do reforçamento diferencial durante o desenvol­

vimento da fala do bebê demonstra como o comportamento dos pais modela o aparecimento de sons da língua, cada vez mais refinados.

A criança diz “A.”, aponta o copo d’água e recebe água. O som de “A” é ini­cialmente um mando. A criança diz “Aga.” e recebe água. Ocorre um certo número de respostas com sons aproximados ao som de água. É fortalecida uma classe de respostas verbais com sons próximos ao som de água.

Uma Modelagem perfeita dessa classe de respostas por meio de reforçamento diferencial é mais difícil de ser feita pelos pais que darão o copo d’água frente a algumas das respostas da classe, sem usar o critério de aperfeiçoamento gradual do som (Staats e Staats, 1963). Esses autores supõem que os pais, embora não dife­renciem os sons para reforçar, podem reforçar rapidamente os sons mais corretos e menos rapidamente os sons pouco corretos.

Uma outra hipótese relaciona-se ao comportamento dos pais de repetir o que a criança diz com som correto. Os pais oferecem modelos à criança e é possível que repetir corretamente o que a criança diz, demonstrando alegria, possa favo­recer a discriminação do som emitido e a criança repita novamente o som para tentar igualar ao modelo.

A Modelagem e a imitação se combinam para favorecer o desenvolvimento dos sons no comportamento verbal.

Em estudos de laboratório sobre Modelagem do comportamento verbal des­taca-se o experimento de Catania, Matthews e Shimoff (1982) com estudantes universitários. A tarefa dos sujeitos era pressionar dois botões que liberavam pon­tos ocasionalmente e eram trocados por dinheiro. Quando uma luz azul estava acesa sobre o botão da esquerda, vigorava um esquema de razão randômica; quando uma luz estava acesa sobre o botão da direita, o esquema em vigor era de intervalo randômico. Ocorria um intervalo entre as mudanças de esquemas, no qual os su­jeitos completavam sentenças sobre seu desempenho, para cada botão: “A maneira de ganhar pontos com esse botão é... ” As respostas escritas eram modeladas com reforço diferencial pelos pontos trocados por dinheiro. A resposta a ser modelada podia ser pressionar rápido para um dos botões e pressionar devagar para o outro botão. As taxas de respostas mudavam nas direções correspondentes ao com­portamento verbal modelado, independente das contingências em vigor.

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138 ■ Terapia Comportamental

Supõe-se que, nesse estudo, a Modelagem do comportamento verbal, em al­gumas das situações, produziu pistas falsas sobre as contingências em vigor, pro­duzindo uma mudança de comportamento apenas temporária ou mais prolongada, dependendo de como o sujeito pudesse descobrir, posteriormente, que seguia uma pista falsa.

No ambiente natural, o indivíduo pode questionar as pistas verbais e identificar as contingências dependendo de um conjunto de fatores. Porém, em muitas situa­ções clínicas, observa-se que a criança pode ficar sob o controle de uma regra ou um conceito e tornar-se menos sensível às contingências. Daí a importância da terapia para alterar essas condições.

A Modelagem do comportamento verbal na clínica envolve diferentes situações e pode ocorrer uma combinação de procedimentos. Pode-se modelar a resposta de um indivíduo a falar sobre seus problemas mais difíceis de serem ditos.

Por que é difícil falar sobre determinado assunto? A criança pode supor que, ao falar sobre ele, causaria a desaprovação ou crítica do terapeuta. Omitir infor­mações pode ser um padrão de comportamento modelado em sua história de vida e ocorre agora na sessão de terapia.

O terapeuta, ao usar a Modelagem pelo reforçamento diferencial, pode selecio­nar como resposta inicial, o relato verbal sobre qualquer conteúdo. Dessa forma, aumenta a classe de respostas geral que é falar. A habilidade do terapeuta na Mode­lagem de respostas favorece o uso de reforçamento diferencial em pequenas gra­duações para não correr o risco da criança passar muitas sessões falando sobre amenidades ou querendo jogar, como respostas de esquiva. Bloquear gradualmente esses comportamentos de fuga-esquiva pode ter um efeito, juntamente com o uso da Modelagem, de aumentar a emissão da classe de respostas verbais, nomeada como falar sobre si.

Com esse objetivo, o terapeuta pode reduzir a freqüência de determinadas classes de respostas verbais e gradualmente aumentar a freqüência de outra classe que contenha respostas verbais, por exemplo, falar sobre os meus problemas.

Enquanto o cliente fala de assuntos que, na sua história de vida, foram seguidos de crítica e desaprovação, nenhuma crítica e desaprovação ocorrem frente ao tera­peuta. Falar sobre esses assuntos pode aumentar de freqüência e tornar acessível, ao terapeuta, importantes conteúdos para analisar funcionalmente.

Quando o terapeuta começa a se comportar com o cliente de modo diverso ao que outras pessoas fizeram com ele, no passado, o terapeuta pode começar a mode­lar um novo repertório comportamental (mais adaptativo para o cliente). Na me­dida que esse novo repertório é desenvolvido, o cliente pode começar a emitir o mesmo comportamento funcional, no ambiente natural, na presença de estímu­los funcionalmente similares. Se outras pessoas, no ambiente natural, reforçarem as mesmas respostas que foram reforçadas pelo terapeuta, então, as mudanças que ocorrem dentro do contexto da relação terapêutica serão generalizadas para o am­biente natural (Rosenfarb, 1992).

O comportamento verbal, modelado ou governado por contingências é sensível às conseqüências, do mesmo modo que o comportamento não-verbal. O com­portamento verbal modelado pelas contingências pode, mais freqüentemente, ser acompanhado do comportamento não-verbal correspondente. Se o que dizemos

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Modelagem ■ 139

for modelado, faremos o que dissemos. Se nos disserem o que temos que fazer, o que faremos não decorre necessariamente do que dizemos, mesmo quando falamos exatamente o que nos disseram para dizer (Catania, 1998).

Embora encontrem-se poucos trabalhos nessa área que permitam conclusões mais expressivas, as observações clínicas parecem apoiar em parte, algumas das conclusões apresentadas por Catania (1998).

Na experiência clínica, pode-se exemplificar com um caso de adolescente com queixa de problemas escolares. Ele apresentava dificuldade de concentração du­rante o estudo, porém, a grande dificuldade estava relacionada com a organização do tempo de estudo. Planejava estudar e, a cada dia, se percebia emitindo compor­tamentos de fuga-esquiva. Dizia para si mesmo e para os pais que iria estudar e emitia os comportamentos de dormir, sair, ver TV; ouvir música etc., em vez de fazer aquilo que planejou e disse.

O terapeuta ensinou o cliente a fazer uma análise funcional da situação e identi­ficar as alternativas de comportamento para alterar esses comportamentos. Des­creveu também pesquisas e situações clínicas mostrando a dificuldade que existe, em muitas situações, na correspondência entre o dizer e o fazer. O terapeuta su­geriu um desafio: que ele fizesse um trato com o terapeuta para realizar o que disse, com relação ao horário de dormir e estudar para a próxima prova. Foi tam­bém mencionado, que é maior a probabilidade de haver correspondência entre o dizer e o fazer quando se tem que mostrar para alguém (pais ou terapeuta) o re­sultado daquilo que se conseguiu fazer. Ficou acertado que o cliente enviaria e- m ails para o terapeuta no transcorrer da semana antes da próxima sessão.

O cliente enviou o primeiro e-m ailcom o assunto “dizer Xfazer”, onde descrevia o horário de dormir (foi exatamente o que havia dito em sessão), sem mencionar nada sobre o estudo.

O terapeuta responde: “Dito e feito.” Parece que conseguiu muito rápido. Gostei muito.

O próximo e-m ailveio após dois dias: “Planejei estudar Geografia após o almoço. Acabei dormindo. Acordei e tinha academia. Voltei e fui ao cinema. Cheguei e fui estudar das 21 até às 23:30 horas. Fui muito bem na prova de Geografia. Consegui tirar uma nota bem maior que na prova anterior.”

Terapeuta responde especificando o assunto: “Sucesso é bom!” E escreve: “Você conseguiu estudar por um tempo prolongado e isso foi excelente. Continuo gostando.”

Não houve nenhuma menção ao fato do cliente ter emitido uma série de com­portamentos de fuga-esquiva antes de ter estudado. Havia sido analisado que o estudo deveria acontecer antes dos comportamentos de lazer e o lazer ocorrer após o estudo. Embora isso não tivesse acontecido, o terapeuta estava modelando a aquisição de um novo padrão de comportamento (estudar a quantidade de ma­téria necessária para a prova e depois ocorrer o lazer) e, portanto, deveria aceitar e reforçar qualquer resposta que estivesse próxima do comportamento terminal esperado (que fosse membro da mesma classe).

Dizer que o cliente não deveria ter dormido à tarde e nem ido ao cinema po­deria funcionar como desaprovação para emissão do comportamento de estudar, que realmente ocorreu. Essa desaprovação poderia ser uma reprodução do pa-

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140 ■ Terapia Comportamental

drão de comportamento dos pais. É importante que o terapeuta não emita com­portamentos semelhantes aos comportamentos dos pais, os quais possam estar dificultando o processo pois, se isso ocorrer, poderáhaver generalização dos com­portamentos de casa para o consultório e não o inverso, como se almeja.

No próximo exemplo, é feita a análise de um trecho de sessão sobre a interação terapeuta-cliente com uma criança de 9 anos, que apresentava brigas intensas com o irmão, como uma das queixas (Regra, 2000).

Foi solicitado à criança para contar uma briga com o irmão para que se plane­jasse algum truque a ser feito em casa na hora da briga, a fim de se aprender a evitar brigas e ganhar na situação. Ocorre o seguinte diálogo entre terapeuta e criança:

Criança: “Estava deitada na cama da minha mãe vendo TV. Ele (o irmão) no computador, fazendo barulho com o joguinho. Pedi para diminuir o som e ele não parou. Pedi outra vez, ele não diminuiu. Gritei e fui lá para diminuir, ele gritou: ‘Não toca af. Diminuí o som e começou a briga, um batendo no outro. Minha mãe pede pra parar, a gente não pára. Aí eu fico cansada e vou pro meu quarto.”

Terapeuta: “Vamos fazer de conta que você me contou um filme e agora nós vamos voltar a fita pra começar o filme de novo, só que de um outro jeito. O filme dois é assim: você está deitada na cama assistindo TV Seu irmão está no computador com som alto...”

Criança: “Peço: Por favor, dá pra abaixar o som? Ele diminui.”Terapeuta: Mas aqui você deixou a sua vida na mão dele; se ele diminui, fica

tudo bem, se ele não faz isso, sai briga e fica ruim pra você. Então vamos tentar descobrir um outro jeito. Vamos fazer o filme três: você está deitada na cama, seu irmão no computador com som alto...”

(Para modelar gradualmente uma nova classe de respostas, o terapeuta deveria ter reforçado essa primeira resposta: “Você tem razão. Se ele realmente não abaixa o som porque quer que você peça 'por favor', então pedir por favor resolveria o problema. Mas podemos também pensar que, mesmo pedindo 'por favor', ele pode não diminuir o som. Então, você terá que descobrir uma outra maneira de ficar bom pra você, sem sair briga.”

Criança: “Eu levanto e pergunto se posso diminuir o volume. Ele deixa.” Terapeuta: “De novo ficou tudo na mão dele: se ele deixa você diminuir o som,

então não sai briga, mas se ele não deixa, vai sair muita briga e não vai ficar bom pra você. Então, vamos tentar o filme quatro: você deitada na cama, seu irmão no computador...”

(Teria sido importante o terapeuta reforçar primeiro essa resposta da criança “Eu levanto e pergunto...” que faz parte da classe de respostas que está sendo mode­lada, da seguinte forma: “Esse seria um jeito interessante e poderia dar certo se ele te atendesse sempre que você perguntasse com delicadeza. Depois de reforçar essa res­posta (o que não foi feito), então modelar uma nova resposta, levando a criança a identificar que são mais funcionais os comportamentos que ela emite controlando as possíveis conseqüências que aguarda uma mudança na situação, esperando que o outro mude seus comportamentos.O terapeuta descreveu as contingências com o objetivo de fazer a criança prever as conseqüências de cada comportamento alter­nativo e para poder escolher a alternativa que considere ser a melhor para ela.)

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Modelagem ■ 141

Criança: “Ele pergunta se o computador está atrapalhando. Digo que sim. Ele diminui o som do computador/'

(Essa resposta não poderia ser reforçada, pois se refere ao comportamento do irmão e não da criança e, em vez de haver aproximações sucessivas da resposta terminal, ela se distanciou muito da resposta esperada.)

Terapeuta: “Outra vez a solução ficou na mão dele: se ele perguntar se atrapalha, vai dar tudo certo, e se ele não perguntar? Então vamos tentar o filme cinco: você deitada na cama vendo TV e seu irmão no computador... ”

(Pedir para a criança descobrir um outro modo de se comportar favorece o aparecimento de várias respostas da mesma classe. Ao ser reforçada cada resposta, aumenta-se a probabilidade de outras respostas da classe subirem de freqüência. Ao descrever as contingências da nova resposta e pedir para a criança descobrir mais um modo de lidar com a situação, amplia-se seu repertório verbal e ensina- se a criança a fazer análise funcional do comportamento. O desenvolvimento dessa nova habilidade - fazer análise funcional do comportamento - instrumentaliza a criança para resolver novos problemas, longe do terapeuta, o que favorece a inde­pendência da terapia e a prevenção de problemas futuros.)

Criança: “Eu fico vendo TV e tento fingir que o som não tá atrapalhando.” (Agora a criança emitiu um comportamento gradualmente mais próximo da

classe de respostas denominada “eu tomo a iniciativa”, ou seja, se a emissão do com­portamento for da criança e tiver êxito para que a briga não ocorra, então, mudará o padrão de comportamento antigo e poderá estabelecer um novo padrão de intera­ção com o irmão. Futuramente, poderá generalizar o novo padrão de comporta­mento para outras crianças, o que facilitará os novos relacionamentos interpessoais.)

Terapeuta: “Agora você mudou; deixou a situação na sua mão, mas não ficou bom pra você, porque o barulho está te incomodando. Vamos tentar o filme seis: você deitada na cama vendo TV e seu irmão no computador... ”

(O terapeuta reforça a nova resposta sinalizando a mudança. Essa nova res­posta está mais próxima da resposta terminal que pretende instalar e aumentar a freqüência. Novamente o terapeuta descreve as contingências modelando o apa­recimento de respostas que, além de evitar briga, deve fazer com que fique bom ou razoável para os irmãos. Sinaliza com a possibilidade de que não é necessário “agüentar tudo calada” para não brigar.)

Criança: Se ele atrapalhar, não falo nada, saio do quarto e vou ver TV na sala.” (A criança emite outra resposta da classe de respostas “evitar briga sem se pre­

judicar”. Por meio das solicitações do terapeuta foram emitidas respostas verbais cada vez mais próximas do novo padrão de comportamento. Se a criança considerar que se prejudica ao ter que mudar de ambiente, pode ser analisado que isso é temporário. Se as brigas diminuírem de freqüência, será mais provável que o irmão aceite novas regras, como cada dia um muda de ambiente.)

Terapeuta: “Você mudou de lugar sem falar nada e continuou vendo TV sem briga.”

E importante levar a criança a identificar vantagens e desvantagens de cada situação. Se ela considera que ficou lesada porque teve que sair do quarto da mãe, devem ser investigadas outras alternativas de comportamento.

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142 ■ Terapia Comportamental

A criança deve ser ensinada a identificar os possíveis fatores que controlam o comportamento do irmão, para testá-los em diferentes situações. Se o irmão quer provocar e tem alguns ganhos com as brigas, então, mesmo que a criança não queira sair do quarto, pode fazer isso temporariamente, para que o irmão não con­siga ser reforçado pelas suas provocações. Depois de algumas repetições desse comportamento da criança, de sair do quarto, as provocações poderão reduzir de freqüência e então, ela poderá voltar a permanecer no quarto.

A importância da Modelagem do comportamento verbal para desenvolver a correspondência entre o dizer e o fazer, analisada por Catania (1998), surge na experiência clínica como uma forma de intervenção que aumenta a probabilidade de respostas de fazer fora do consultório.

Ao planejar com a criança as tarefas a serem feitas fora do consultório, o terapeuta combina com ela formas alternativas de comportamento para serem emitidas em situações semelhantes àquelas do consultório.

Se o terapeuta, ao analisar a briga da criança com o irmão, fornece para ela as alternativas de comportamento, que ele considere eficientes, pode-se prever uma menor probabilidade da criança fazer, ou seja, de emitir o padrão de compor­tamento fora do consultório.

Ao ser solicitada a descobrir as alternativas de comportamento possíveis numa determinada situação, parece aumentar a probabilidade de ocorrência das res­postas descobertas pela criança. Ao levar a criança a descobrir as alternativas de comportamento, modelam-se, gradualmente, novas respostas verbais. Se a res­posta verbal foi modelada, se prevê que passam a fazer parte do seu repertório comportamental. Essa condição favorece o estabelecimento da correspondência entre o dizer e o fazer.

R e f e r ê n c ia s

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C A P Í T U L O

Extinção e Terapia

F átim a C ristin a d e S ouza C o nte J o cela in e M a r tin s da S ilveira

A proposta deste capítulo é comentar e ilustrar a aplica­ção da Extinção no contexto clínico. Para definir a Extinção e descrevê-la tecnologicamente, recorreu-se à obra de Catania (1998)1 também recomendada aos interessados em se aprofundar nas questões técnicas e conceituais.

A Extinção é, seguramente, um dos principais agentes na promoção de mudanças comportamentais de interesse clínico, sobretudo, quando se consideram as propriedades do conceito contemporâneo de reforço. No livro Aprendiza­gem, Catania (1998) inclui a Extinção no capítulo intitulado “As conseqüências do responder: reforço”. Isso porque a Extinção Operante tem sido concebida com o significado de descontinuar o reforço.

Portanto, antes de definir a Extinção, convém lembrar o conceito de reforço. De acordo com Catania (1998), o termo reforço pode ser empregado referindo-se a uma ope­ração que consiste em apresentar conseqüências, quan­do uma resposta ocorre. Reforço também pode designar um processo de aumento nas respostas que resultam do reforço. Embora seja preferível a acepção de reforço como operação (em que a resposta produziu um reforçador), o termo também é utilizado como processo (em que o res­ponder aumentou, ao produzir um reforçador). Quanto à definição de estímulo reforçador, diz-se que a resposta é reforçada ao produzir um estímulo chamado reforçador pelos seus efeitos sobre a resposta. Considerando a circularidade dessa definição, Catania (1998) argumenta

1 4â edição da obra originalmente publicada em 1979.

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Extinção e Terapia ■ 145

que o emprego da terminologia do reforço (termos como estímulo reforçador e reforço) é adequado somente se três condições estiverem presentes, isto é, so­mente quando: (1) a resposta produz uma conseqüência; (2) ocorrendo com mais freqüência do que quando não produz conseqüências; e (3) quando o aumento das respostas acontece em razão delas terem aquela conseqüência. Se essas três condições estiverem presentes, diz-se que a resposta foi reforçada e que o estí­mulo é um reforçador.

Uma das propriedades do reforço é que sua descontinuidade resulta na redu­ção do responder. A Extinção é a operação na qual o reforço é suspenso; “quando o responder retorna aos seus níveis prévios como resultado dessa operação, diz-se que foi extinto” {Catania, 1998, pág. 71).

De acordo com Catania (1998), descontinuar o reforço tem dois efeitos: (1) elimina-se a contingência entre as respostas e os reforçadores; e (2) os reforçadores não ocorrem mais. Há várias relações de probabilidade imagináveis entre o es­tímulo e a resposta. Por exemplo, a probabilidade de um estímulo pode ser alta para uma determinada resposta e baixa na ausência dela ou a probabilidade de um estímulo pode ser nula, caso uma resposta tenha ocorrido ou não. Quando um estímulo reforçador é suspenso durante a Extinção, a probabilidade do es­tímulo é zero se a resposta aconteceu ou não.

Aplicando-se a Extinção, algumas mudanças na resposta foram observadas em animais no laboratório. Além de se observar um declínio gradual e irregular na taxa de respostas e períodos cada vez mais longos entre as respostas, pesqui­sadores, nas décadas de 40 e 50, registraram o aumento na variabilidade da forma e intensidade da resposta e quebra estrutural da seqüência do comportamento (Millenson, 1967).

Certas propriedades da Extinção tiveram sua importância revista nas décadas seguintes. A chamada resistência à Extinção é um exemplo. Era expressa como o tempo decorrido até o responder ser reduzido a um nível especificado. Como esse nível é arbitrário, podendo tratar do número de respostas emitidas ou da quan­tidade de tempo até alcançar um ponto considerado taxa baixa, o índice obtido na resistência à Extinção tem recebido recentemente uma importância menor (Catania, 1998).

A recuperação espontânea refere-se à quantidade de aumento espontâneo na força da resposta, quando um sujeito é retirado de uma sessão de Extinção e colocado de volta um pouco mais tarde. De acordo com Catania (1998), antes, pensava-se que fenômenos como a recuperação espontânea significavam que o responder reduzido pela Extinção, de algum modo, estava presente o tempo todo, mas inibido. Acreditava-se que a Extinção tinha efeitos inibitórios, suprimindo ativamente o res­ponder. Com o tempo, os estudos foram indicando que o responder simplesmente pode voltar a ocorrer, caso haja oportunidade.

O conceito de ressurgimento, que implica na recuperação do responder extinto, também tem sido explicado atualmente, sem apelar para a crença em efeitos ini­bitórios da Extinção. Catania (1998) o explica por meio de uma ilustração, convi­dando a supor “que a resposta de um rato de puxar uma argola seja extinta e então pressões sobre a barra são reforçadas. Se as pressões na barra forem mais tarde extintas, as respostas anteriormente extintas de puxar a argola, provavelmente reaparecerão” (Catania, 1998, pág. 73).

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146 ■ Terapia Comportamental

Quanto à Extinção Respondente, de acordo com Ferster, Culbertson e Boren (1968/1982), refere-se à apresentação do estímulo condicionado (CS) na ausência da apresentação subseqüente do estímulo incondicionado (US). Dito de outro modo, no condicionamento respondente, “a extinção é a apresentação do CS sem, ou não mais em uma relação contingente com, o US (ou a diminuição no responder condicionado que segue esta operação)” (Catania, 1998, pág. 389).

DESCRIÇÃO TECNOLÓGICA DA OPERAÇÃO DE EXTINÇÃO

Na operação da Extinção, que consiste em suspender a contingência e as apre­sentações do estímulo, é importante observar que a suspensão da segunda pode afetar uma faixa de respostas, mais do que a resposta reforçada (Catania, 1998). Por exemplo, a retirada súbita da comida de um rato, cujas pressões à barra foram reforçadas com pelotas de alimento, pode tornar o animal mais ativo. Ele pode urinar, defecar, morder a barra, ou seja, efeitos colaterais podem ser superpostos ao decréscimo no responder. Em muitos casos, nos quais se pretende aplicar a Extinção, é conveniente que a contingência seja descontinuada, mas a apresentação do estímulo continue. Uma alternativa sugerida por Catania (1998) é, ao se tratar de um rato privado de alimento, quando se descontinua o reforço às pressões à barra, inicia-se uma apresentação de pelotas de alimento automaticamente, a cada 10 ou 15 segundos. O autor afirma que em “experimentos com crianças, por exemplo, algumas vezes, são usados reforçadores, independentes da resposta, em vez de extinção, para evitar os efeitos colaterais da interrupção da apresentação de reforçadores” (Catania, 1998, pág. 75). Esses efeitos são respostas emocionais ou hostis que ocorrem tipicamente em situações de frustração, como chorar, atacar, destruir, agredir e gritar.

PAPEL DA EXTINÇÃO NO CONTEXTO CLÍNICO: DERIVAÇÃO DE TÉCNICAS, ESTRATÉGIAS E ILUSTRAÇÃO DE SUA APLICAÇÃO EM UM CASO

A Extinção parece explicar o efeito de muitas técnicas empregadas na clínica. A Terapia de Exposição, o Contracondicionamento, a Dessensibilização Sistemática, a Exposição Gradual, a Técnica Implosiva {in vivo ou imaginária), a Habituação e a Prevenção de Respostas são exemplos de técnicas que promovem a Extinção Respondente2. O reforçamento diferencial de outros comportamentos (DRO), por exemplo, é uma técnica que favorece a Extinção Operante.

2 A descrição das técnicas pode ser encontrada em outros capítulos desta obra ou em Lettner e Rangé (1987); Mikulas (1977) e Wolpe (1976).

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Extinção e Terapia ■ 147

A estratégia terapêutica proposta por Hayes e Wilson (1994), denominada Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), compreende diversos procedimentos e técnicas que parecem promover tanto a Extinção Respondente quanto a Operante. Por exemplo, a promoção de aceitação de estados e emoções (usualmente indesejados) encoraja o cliente a tolerá-los, sem fugir/esquivar-se das situações em que tendem a ocorrer. Desse modo, o cliente permanece exposto aos estímu­los eliciadores de respondentes (indesejados por ele) e enfrenta situações das quais antes se esquivava, aumentando a chance de Extinção de respostas respondentes e operantes, além de disponibilizar outros reforçadores positivos.

A fim de ilustrar o uso do conceito de Extinção como operação da qual o terapeuta pode valer-se para delinear a intervenção terapêutica e promover a mudança clínica, relata-se o caso de um menino de 9 anos, atendido pela pri­meira autora.

O garoto cursava a 43 série do ensino fundamental, tinha um irmão mais velho e morava com os pais. Foi trazido à terapia com a queixa de ser impaciente, ansioso, descontente, resmungão e mal-humorado. Ele tinha extrema dificuldade para rela­cionar-se com adultos e crianças. Costumava desvalorizar, criticar e agredir as pessoas. Era argumentativo demais, não cedia em uma discussão e resmungava até esquecê-la. Não assumia seus erros e não pedia desculpas.

Sempre isolado, tinha interesses limitados e evitava novidades. Era inflexível em suas idéias e preocupava-se muito com seu desempenho escolar, que era muito bom. Era altamente competitivo e demonstrava publicamente sua satisfação com o fracasso dos demais. A iminência de qualquer atividade, fosse agradável ou não, deixava-o tenso. Ele apresentava constante rigidez muscular, sudorese e agitação.

Sua história de vida revelava um padrão de interação coercitivo estabelecido com outras crianças e adultos. Seu parto foi difícil. Quando nasceu, a mãe estava vivendo problemas conjugais importantes, não contava com o apoio do marido e estava longe de seus parentes. Esse contexto provavelmente foi responsável pela forma inconstante com a qual a mãe tendia a atender o bebê. Ele usualmente re­cebia atenção e era atendido em suas necessidades somente após apresentar com­portamentos intensamente aversivos para a mãe, diferentemente do que ocorrera com o irmão mais velho. A criança cresceu, tornando-se cada vez mais coercitiva, ansiosa e agitada, gerando, nas pessoas, comportamentos de esquiva de sua com­panhia. Assim, houve poucas trocas positivas e oportunidades de fortalecimento de comportamentos alternativos àqueles coercitivos.

Mas, sem perceber isso, os familiares costumavam explicar o comportamento do cliente afirmando que a ansiedade tinha causas orgânicas e decorria de pro­blemas emocionais da mãe na gravidez ou de herança genética pois a avó materna era depressiva. Isso contribuiu para aumentar a inconsistência nas práticas disci­plinares, que oscilavam entre a punição de comportamentos inadequados da criança e a tolerância desses mesmos comportamentos, que eram então intermitentemente reforçados pelos pais.

No decorrer da avaliação e do processo terapêutico, no qual se envolveram a criança e seus pais, observou-se que algumas situações específicas eliciavam a ansiedade e irritabilidade e que determinados comportamentos removiam as con­dições aversivas presentes. Vejam-se os exemplos:

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148 ■ Terapia Comportamental

a) As avaliações escolares sinalizavam a possibilidade de perda de reforçadores (raros e quase sempre relacionados ao seu desempenho). Frente a essas avaliações, o cliente apresentava respostas de ansiedade e de irritabilidade, pressionava e agredia facilmente os presentes;

b) As novidades em brincadeiras, nas quais teria incerteza de seu domínio, sinalizavam possibilidade de fracasso e crítica e o cliente respondia a elas com fuga-esquiva;

c) A espera por atividades, mesmo as potencialmente agradáveis, eliciava ansiedade (o que era compreensível, dada a incontrolabilidade na história experimentada pelo cliente). Se o cliente agisse coercitivamente (fazendo pressão para que os outros acabassem com a espera), os outros tenderiam a agilizar a atividade ou, menos freqüentemente, ocorria punição (castigo, não ocorrência da atividade, por exemplo), estabelecendo-se uma compe­tição entre conseqüências que acabavam favorecendo a intensificação do comportamento coercitivo e os respondentes em curso;

d) As atividades que requeriam esforço físico produziam taquicardia ou outras alterações tipicamente experimentadas no estado de ansiedade, o que poderia sinalizar a ocasião para fugir/esquivar-se da atividade;

e) A argumentação, em situações geradoras de ansiedade, removia, even­tualmente essas situações e a ansiedade, mas a fuga-esquiva da ansiedade condicionada tendiam a intensificá-la.

A ansiedade, portanto, estava condicionada e era eliciada em uma grande variedade de situações. Vários operantes de fuga-esquiva também podiam ser notados e eles diminuíam as oportunidades de novas aprendizagens respondentes, operantes e de acesso a muitas contingências positivamente reforçadoras. A intermitência no reforço das respostas de fuga-esquiva, o custo aparentemente baixo das respostas instaladas, a pobreza do repertório comportamental concor­rente com o observado e a restrição de interações positivamente reforçadoras dificultaram a promoção de mudanças no comportamento da criança. A mode­lagem direta da aprendizagem do repertório problemático na história de vida do cliente tornava robusta sua probabilidade de ocorrência. Tudo isso parecia apon­tar para uma intervenção clínica longa e custosa, assim como a um seguimento terapêutico mais demorado que o usual.

O plano de tratamento consistiu em expor a criança aos estímulos aversivos condicionados, eliciadores de respostas de ansiedade, sem que fossem seguidos de estimulação aversiva. A criança deveria permanecer em contato com suas reações corporais indesejadas e as contingências que as evocava até que elas cessassem, desempenhando comportamentos alternativos aos tipicamente de fuga-esquiva.

Ainda, as respostas operantes inadequadas da criança deveriam deixar de ser seguidas por reforçamento positivo ou negativo. Evidentemente, os pais, a criança e a escola seriam envolvidos nesse plano. Os pontos a seguir foram importantes no plano de tratamento:

1. Frente às avaliações escolares ou outras, o cliente deveria aprender a aceitar a falta de controle sobre seu desempenho e dos demais e suportar o estado corporal presente, sem esquivar-se, provocando ou agredindo os outros. A

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Extinção e Terapia ■ 149

criança deveria tolerar essas situações, aguardar um pouco e observar as conseqüências positivas que as sucederiam, como melhorar seu estado corporal, diminuir seu impacto negativo frente aos amigos etc;

2. Quanto às novidades, como brincadeiras ou outras atividades, o clienteprecisaria se aproximar gradualmente delas, tolerar e aceitar o estado cor­poral gerado por essa exposição e passar a responder aos reforçadores positivos disponíveis na própria ludicidade; '

3. Quanto às atividades físicas, que provocassem taquicardia ou outras al­terações autonômicas semelhantes às do estado de ansiedade, o cliente precisaria se aproximar e não se esquivar delas. Para facilitar essa tarefa, a terapeuta deveria fomentar a aceitação de alterações autonômicas aver­sivas, ensinando o cliente a discriminá-las e a perceber quando elas tendiam a ocorrer. O cliente precisaria discriminar em qual contexto as alterações ocorriam, para então, decidir por permanecer, ou fugir das situações;

4. Quanto a esperar ou lidar com imprevisibilidade e incontrolabilidade, o cliente deveria novamente aceitar a ansiedade e apresentar respostas assertivas. Essa nova forma de se comportar com as pessoas iria torná-las mais sensíveis, previsíveis e respeitosas. Obviamente, a mudança no com­portamento dos pais, provocada pela assertividade do cliente, seria extre­mamente importante para a terapia.

A intervenção junto aos pais consistiu em tornarem-nos mais previsíveis, controláveis e reforçadores positivos, em relação ao comportamento da criança. Além disso, eles desenvolveram novas formas de resposta à ansiedade do filho como a empatia e o incentivo para que a criança não se esquivasse das reações corporais e se engajasse em comportamentos incompatíveis com os coocorrentes com ela. Fomentou-se também uma ampliação do repertório social dos pais.

Da mesma forma, a terapeuta respondeu com empatia, tratando das reações de ansiedade, da irritabilidade e da esquiva da criança. A própria oposição da criança em vir para a terapia foi entendida como uma resposta de esquiva (de novidades, de tarefas etc.). A terapeuta reforçou positivamente as seguintes respostas do cliente: tornar-se íntimo e afetivo com a terapeuta, de aceitar e fazer elogios, de ouvir crí­ticas, de comparecer à sessão antes de alguma atividade muito agradável, de obser­var seus comportamentos de fuga-esquiva dentro e fora do contexto clínico, de se expor, entre outros.

Portanto, o ambiente terapêutico evocou respostas da mesma classe que as descritas na queixa e, então, promoveu respostas alternativas a elas. Os resultados observados no processo incluíram o estabelecimento de interações mais afetivas da criança com os outros, a redução da ansiedade e da irritabilidade, o aumento da sensação de bem-estar na presença de amigos, a aceitação de reações autonômicas desagradáveis e a busca de novas experiências. O seguimento de 4 anos mostrou a permanência dos ganhos obtidos.

Como interpretar as mudanças que ocorreram no repertório comportamental do cliente? No condicionamento operante, a Extinção pode ser concebida como um processo de enfraquecimento de uma resposta pela interrupção abrupta e definitiva da conexão entre uma resposta operante e o reforçador. A resposta não produz mais o reforçador e ele ocorre independentemente da emissão da resposta.

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150 ■ Terapia Comportamental

Em se tratando do comportamento coercitivo do cliente, por exemplo, mantido por reforçamento positivo intermitente, essas respostas deixaram de produzir a conse­qüência reforçadora e mais: as conseqüências potencialmente reforçadoras passa­ram a ocorrer também independentemente das respostas do cliente. A probabilidade de outros comportamentos da criança serem seguidos por esses reforçadores positivos aumentou. Os passeios, o cumprimento de promessas feitas pelos pais, a empatia e a atenção são exemplos de eventos reforçadores para o cliente. Em resumo, os cuidadores do cliente passaram a apresentar estímulos reforçadores positivos independen­temente dos comportamentos coercitivos da criança. Ou ainda, os apresentavam em situações neutras ou subseqüentemente às respostas incompatíveis com o padrão coercitivo (e, consistentemente, não mais reforçavam respostas coercitivas).

Normalmente, a descontinuação do reforço para determinados comportamentos aumenta a freqüência e variabilidade de respostas apresentadas. Isso ocorreu para os comportamentos coercitivos do cliente. Evidentemente, os pais e os professores foram orientados a observar essa variabilidade comportamental (decorrente das mudanças na contingência e da modelagem e da modelação que ocorridas nas sessões de terapia) e a fortalecer respostas incompatíveis com o padrão coercitivo. Isso ajudou no estabe­lecimento e manutenção de novos comportamentos e preveniu o reforçamento acidental de comportamentos desadaptativos que viessem a ser apresentados.

Outros procedimentos que garantiram o êxito na Extinção dos comportamentos coercitivos foram: 1. envolver a criança cooperativamente no processo e ensinar-lhe, gradualmente, estratégias de autocontrole, diminuindo-se a probabilidade de resistência, hostilidade, raiva e luta; e 2. prevenir os pais de que a mudança com­portamental seria demorada e custosa, diminuindo a possibilidade de que eles desistissem ou fossem inconstantes. Enfim, as respostas operantes adequadas foram emitidas e então reforçadas, passando a concorrer com as respostas coerci­tivas, que foram se extinguindo.

A Extinção Respondente também pode ser notada nesse caso. O cliente ficou exposto à estimulação aversiva condicionada, em vez de fugir ou se esquivar, man­teve-se nela até que cessassem as reações emocionais. Isso ocorreu, por exemplo, quando se engajou em atividades lúdicas novas como andar de patins. Aprender a patinar, passo a passo, inicialmente eliciava uma série de respondentes aversivos. Mas, ao final, tornou-se uma atividade prazerosa e fortaleceu seus sentimentos de competência e autoconfiança, além de aumentar a freqüência do seu compor­tamento de se arriscar para desenvolver novas habilidades relacionadas ao lúdico. O cliente tenderia, então, a não fugir imediatamente, ao sentir ansiedade. Da mesma maneira, outras exposições às situações que eliciavam ansiedade, sem que essas fossem seguidas de estimulação aversiva e/ou foram seguidas de estimulação apetitiva, contribuíram para extinguir a ansiedade. Os estímulos condicionados à ansiedade (desadaptativa) perderam sua força.

COMENTÁRIOS E AVALIAÇÃO CRÍTICA DA TÉCNICAO emprego da Extinção na prática clínica requer a utilização de esquemas de

reforçamento combinados, como o reforçamento diferencial de outros compor­tamentos (DRO) acima demonstrado. Conforme indicou Catania (1998), a simples

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Extinção e Terapia ■ 151

suspensão da contingência pode provocar uma série de efeitos colaterais indese­jáveis. No contexto clínico, é crucial manter a apresentação de estímulos refor­çadores, quando uma determinada contingência é suspensa. Na prática, é extremamente perturbador, por exemplo, recomendar aos pais que deixem de re­forçar positiva ou negativamente algum comportamento inadequado da criança, sem terem, paralelamente, criado condições para reforçar as respostas que eles de­sejam da criança. Quando o terapeuta está atento para as conseqüências virtual­mente automáticas às respostas interpessoais do cliente, ele pode fortalecer respostas que tendem a ser seguidas por reforçamento positivo. No caso clínico ilustrado, foi prudente e estratégico fortalecer respostas de empatia dos pais e de assertividade na criança, porque essas respostas tendem a ser sucedidas por con­seqüências reforçadoras virtualmente automáticas. Quanto mais as respostas in­compatíveis são reforçadas, menor a probabilidade de reaparecimento daquelas indesejáveis, as quais foram extintas.

Qual seria então, o papel da Extinção, na mudança de comportamentos im­portantes do ponto de vista clínico? A compreensão da operação e do processo de Extinção de respostas permite a elaboração das propostas de intervenção tera­pêutica e alguma previsão dos resultados do tratamento. Com a Extinção de certas respostas, outras se tornam mais prováveis e mais adequadas, devem ser fortalecidas e concorrer com as primeiras. A mudança comportamental clínica é promovida pelo apoiando a essas relações de probabilidade. Portanto, a Extinção é uma operação estreitamente ligada à força de uma classe de respostas, sendo essa relação de força e fraqueza trabalhada pelo terapeuta durante todo o tempo.

Como operação ou processo, a Extinção permite ao terapeuta desempenhar uma de suas funções mais importantes: lidar com os comportamentos operantes e respondentes gerados pelo controle aversivo e reverter seus efeitos indesejáveis (Skinner, 1953).

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M U

Instruções e Auto-instruções: Contribuições da

Pesquisa Básica

JOSELE AbREU-RoDRIGUES E lisa Tavares S anabio-H e c k

Uma importante distinção foi feita por Skinner (1969) entre comportamento modelado por contingências e com­portamento governado por regras. O primeiro é observado quando um organismo se comporta de uma certa forma porque seu comportamento foi seguido por um determi­nado tipo de conseqüência no passado. Entretanto, as pes­soas aprendem a descrever comportamentos, as condições em que eles ocorrem e as suas conseqüências e são, de al­guma forma, afetadas por essas descrições. Essas descrições, geradas por outras pessoas ou pelo próprio indivíduo, são denominadas de regras e auto-regras, respectivamente (Zettle, 1990). O comportamento governado por regras (ou auto-regras), então, é aquele sob o controle de antecedentes verbais que especificam contingências. Uma importante consideração deve ser feita sobre esses dois tipos de compor­tamentos. Embora apresentem processos de aquisição e manutenção diferenciados, eles possuem um ponto em comum: ambos são comportamentos operantes e, assim sendo, são controlados por suas conseqüências ambientais.

As definições do termo regra são variadas. Alguns autores defendem uma definição topográfica (Glenn, 1987, 1989), enquanto outros argumentam que regras devem ser defi­nidas funcionalmente (Catania, 1989). Dentre esses últimos, também há divergências: alguns definem regras como es­tímulos discriminativos (Cerutti, 1989) e outros consideram

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Instruções e Auto-instruções: Contribuições da Pesquisa Básica ■ 153

regras como estímulos alteradores da função de outros estímulos (Schlinger e Blakely, 1987). Em alguns estudos, os termos regra e instrução são empregados de modo indiferenciado (Oliveira, 1998), enquanto em outros, esse termos são utili­zados em contextos distintos, ou seja, embora ambos sejam considerados estí­mulos verbais especificadores de contingências, o termo regra é usado para indicar contingências generalizadas e o termo instrução, contingências específicas (Cas- tanheira, 2001; Cerutti, 1989). Essa distinção é considerada no presente trabalho (para uma discussão mais detalhada, ver Luciano, 2000; Ribes, 2000).

Uma vez que regras/instruções e auto-regras/auto-instruções podem participar do controle do comportamento não verbal (e vice-versa), torna-se relevante iden­tificar as contingências ambientais responsáveis pela aquisição e manutenção dessas relações de controle. Esse tema é abordado no presente trabalho, o qual tem como objetivos específicos: (a) apontar alguns resultados da pesquisa básica sobre controle verbal; (b) ressaltar a relevância desses resultados para o contexto clínico; e (c) exemplificar o controle verbal na prática clínica.

CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA BÁSICAIn stru çõ es

A aprendizagem, por meio de instruções, apresenta algumas vantagens quando comparada com a aprendizagem decorrente da exposição direta às contingências: instruções facilitam a aquisição de novos comportamentos (Ayllon e Azrin, 1964), principalmente quando as contingências são complexas (Baron, Kaufman e Stauber, 1969), imprecisas (Cerutti, 1991) ou aversivas (Galizio, 1979).

A literatura tem apontado uma desvantagem do uso de instruções, a saber, a redução na sensibilidade comportamental. O termo sensibilidade pode ser defi­nido como mudanças sistemáticas no comportamento diante de mudanças nas contingências de reforço. Dessa forma, quando as contingências mudam e o com­portamento não se altera, diz-se que o comportamento é insensível às contingências (Madden, Chase ejoyce, 1998). Essa insensibilidade tem sido comumente observada em investigações de controle instrucional. No estudo de Kaufman et a l (1966), por exemplo, foram fornecidas instruções diversas sobre o esquema em vigor. Quando havia discrepância entre instrução e esquema, os participantes mostra­ram desempenhos que correspondiam às instruções recebidas ou, alterna­tivamente, desempenhos insensíveis aos esquemas em vigor (ver também Hackenberg e Joker, 1994; Lippman e Meyer, 1967; Matthews, Shimoff, Catania e Sagvolden, 1977; Shimoff, Catania e Matthews, 1981).

Conforme indicado por Skinner (1969), as instruções geralmente são utilizadas para complementar contingências ambientais com baixo grau de discrimina- bilidade e, dessa forma, deve ser esperado que as instruções interfiram no controle exercido por essas contingências. A redução na sensibilidade às contingências, entretanto, não deve ser considerada uma característica inerente ao controle instrucional pois essa redução depende de diversos aspectos. Dentre esses aspectos, pode-se citar o grau de contato com a contingência em vigor, ou seja, a extensão em que os comportamentos gerados pela instrução contatam a discrepância entre

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154 ■ Terapia Comportamental

instrução e contingência atual. Essa questão foi investigada por Galizio (1979) por meio de um esquema múltiplo com quatro componentes. As instruções indicavam que haveria perda de reforços após 10s, 30s e 60s, caso a resposta de esquiva não fosse emitida e também que, ocasionalmente, não haveria perda de reforços. Quando apenas o componente sem perda de reforços estava em vigor, seguir as instruções não permitia contato com a discrepância instruções-contingência e, assim, os participantes seguiram as instruções. Quando apenas o componente 10s foi progra­mado, entretanto, havia contato com a discrepância, uma vez que seguir as ins­truções implicava em perda de reforços em três componentes (30s, 60s e sem perda) e, conseqüentemente, o esquema assumiu o controle do comportamento. Nessa condição, Galizio concluiu que o contato com a discrepância instrução-esquema é necessário para a redução/eliminação do controle instrucional (ou aumento na sensibilidade comportamental) e não apenas a existência dessa discrepância (ver também Buskist e Miller, 1986; Hayes, Brownstein, Zettle, Rosenfarb e Korn, 1986).

O conteúdo das instruções pode determinar a extensão da variação do respon­der sob controle instrucional e, portanto, afetar o grau de contato com a contin­gência em vigor. Nos estudos de Raia, Shillingford, Miller e Baier (2000) e Danforth, Chase, Dolan e Joyce (1990), instruções que especificavam com exatidão a tarefa foram acompanhadas por insensibilidade comportamental. Instruções vagas, por outro lado, favoreceram o desenvolvimento de controle pelas contingências (ver também Dixon e Hayes, 1998; Otto, Torgrud e Holborn, 1999; Wulfert, Greenway, Farkas, Hayes e Dougher, 1994).

Nos estudos anteriores, uma redução na sensibilidade comportamental foi ob­servada quando o conteúdo da instrução produziu um responder estereotipado, li­mitando, assim, o contato com as contingências não verbais. O papel da variabilidade comportamental na sensibilidade às contingências foi investigado por LeFrancois, Chase e loyce (1988). Os participantes que foram expostos a apenas uma instrução (e a apenas um esquema) mostraram controle instrucional, enquanto os que recebe­ram várias instruções (e vários esquemas) apresentaram sensibilidade às mudan­ças nas contingências. Os autores argumentaram que o treino com instruções acuradas diferentes gerou diversas alternativas comportamentais o que, por sua vez, facilitou a seleção de comportamentos mais adaptativos quando novas contin­gências foram implementadas (ver também Joyce e Chase, 1990; Wulfert et ai, 1994).

Um outro aspecto que afeta a sensibilidade à mudança refere-se à extensão em que o comportamento sob controle instrucional é reforçado pelo esquema em vigor ou, alternativamente, à densidade de reforços contingentes ao compor­tamento instruído. No estudo de Newman, Buffington e Hemmes (1995), controle instrucional foi observado quando seguir instruções sempre produzia reforços, diminuiu quando esse comportamento era reforçado apenas parcialmente e foi eliminado quando não havia reforços programados para seguir instruções. Esses resultados mostraram que a efetividade do controle instrucional depende da relação entre o comportamento de seguir instrução e suas conseqüências, consistindo, assim, em evidência adicional de que os efeitos das instruções são determinados pelas contingências em vigor e não pelas instruções em si. Resultados comparáveis foram relatados por Buskist e Miller (1986), DeGrandpre e Buskist (1991), Martinez e Ribes (1996), Newman, Hemmes, Buffington eAndreopoulos (1994) e Schmitt (1998).

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instruções e Auto-instruções: Contribuições da Pesquisa Básica ■ 155

A história de reforçamento do comportamento de seguir instruções tem sido apontada como outra variável de controle da sensibilidade às contingências. No estudo de Martinez e Ribes (1996), os participantes foram treinados em um pro­cedimento de escolha de acordo com o modelo. Alguns participantes receberam instruções verdadeiras (descreviam acuradamente a relação resposta-conseqüência) e, em seguida, instruções falsas; outros receberam apenas instruções falsas. Quando programadas após as instruções verdadeiras, as instruções falsas geraram uma diminuição substancial na acurácia do responder. Ou seja, os participantes seguiram as instruções falsas. Na ausência de experiência prévia com instruções verdadeiras, os participantes ora seguiram, ora não seguiram, as instruções falsas. Evidências adicionais dos efeitos de história foram oferecidos por Galizio (1979), DeGrandpre e Buskist (1991), Newman etal. (1995) e Raia etal. (2000).

A literatura tem fornecido exemplos de situações nas quais o comportamento de seguir instruções ocorre mesmo quando há discrepância entre a instrução e a relação resposta-conseqüência, e mesmo havendo contato com essa discrepância (Dixon, 2000; Dixon, Hayes e Aban, 2000; Hackenberg e Joker, 1994; Hayes e ta l , 1986; Martinez e Ribes, 1996). Hayes e t a l (1986) sugeriram que a persistência do controle instrucional pode ser atribuída a uma história de reforços sociais para a correspondência entre instrução e comportamento. Essa sugestão indica que a sensibilidade comportamental resulta, pelo menos em parte, da competitividade entre conseqüências sociais e naturais do comportamento de seguir instruções (Luciano, 2000).

Alguns pesquisadores têm indicado que a sensibilidade é também influenciada pelo grau de discriminabilidade das contingências em vigor. No estudo de Newman et a l (1995), descrito anteriormente, foi manipulado não somente o nível de acurácia das instruções, mas também o esquema de reforçamento. Os esquemas de reforçamento intermitente geraram insensibilidade, ou seja, os participantes seguiram as instruções mesmo quando o reforço era liberado apenas parcialmen­te ou nunca era liberado. O esquema de reforçamento contínuo, entretanto, pro­duziu um desempenho sensível, caracterizado por uma relação direta entre seguir instruções e densidade de reforços. Esses resultados podem ser atribuídos ao fato de que esquemas intermitentes são mais dificilmente discrimináveis do que esque­mas contínuos e indicam que a sensibilidade do comportamento instruído depen­de tanto das propriedades reforçadoras das contingências, quanto das propriedades discriminativas dessas mesmas contingências (Cerutti, 1991).

A u t o - in stru çõ es

Estudos sobre controle verbal têm investigado não somente os efeitos de estímulos verbais gerados por outra pessoa (no caso, o próprio experimentador), mas também de estímulos verbais gerados pelo próprio indivíduo, sobre o com­portamento não verbal. Nesses estudos, nos quais a questão crítica é a correspon­dência entre os comportamentos verbal e não verbal, os participantes são expostos a um determinado esquema de reforçamento e, após ou durante a sessão experi­mental, são questionados acerca de seus desempenhos não verbais. Quando a

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156 ■ Terapia Comportamental

correspondência entre relato e desempenho não verbal é observada, geralmente se conclui que o desempenho do participante estava sob o controle de auto-instru- ções formuladas durante o experimento.

Os efeitos de relatos verbais modelados e instruídos sobre o responder não verbal foram investigados por Catania, Matthews e Shimoff (1982). Quando os re­latos eram modelados, foi observada correspondência entre os comportamentos de relatar e pressionar o botão, mesmo quando havia discrepância entre os relatos e as contingências programadas para cada componente. Quando os relatos eram instruídos, contudo, o controle dos relatos foi inconsistente: os relatos às vezes controlaram, às vezes foram controlados e outras vezes eram independentes do comportamento de pressionar o botão. Os autores concluíram que é mais provável que o comportamento verbal controle comportamentos não verbais quando o primeiro é modelado (e não instruído).

A correspondência verbal-não verbal não foi observada por Torgrud e Holborn (1990). Os resultados desse estudo indicaram que as contingências verbal e não verbal controlaram suas respectivas classes de respostas sem que houvesse uma interação entre elas. Isto é, os participantes emitiram taxas de respostas não verbais (e escolheram alternativas de relato) que produziam o número máximo de reforços, mesmo quando havia oposição entre taxa e relato. Torgrud e Holborn atribuíram a ausência de correspondência entre os comportamentos verbal e não verbal ao forte controle discriminativo exercido pelas contingências programadas para cada um desses comportamentos. Segundo esses autores, o controle verbal observado por Catania et al. (1982) apenas foi possível porque as manipulações verbais foram introduzidas na ausência de controle discriminativo pelas contingências em vigor.

Essa sugestão foi confirmada por Cerutti (1991). Quando a contingência incluía a apresentação de eventos não contingentes em intervalos randômicos, os relatos influenciaram o desempenho não verbal, mesmo quando havia inconsistência entre as contingências verbal e não verbal. Quando esses eventos eram apresentados em intervalos fixos, não foi observada correspondência entre relatos e desempenho não verbal. Cerutti atribuiu os resultados ao grau de discriminabilidade das contin­gências. Com o esquema randômico, a incompatibilidade entre as contingências verbais e não verbais era mais dificilmente discriminável do que com o esquema fixo, o que gerou insensibilidade do responder não verbal à incontrolabilidade dos eventos.

Além de ser influenciado pela discriminabilidade da contingência, o controle exercido pelos relatos é afetado pela história de reforçamento da correspondência entre os comportamentos verbal e não verbal, conforme indicado pelo estudo de Amorim (2001). Quando o desempenho não verbal foi reforçado diferencialmente, de modo a gerar taxas de respostas diversas ao longo das condições, foram obser­vadas mudanças correspondentes nos relatos. Quando conseqüências diferenciais foram programadas para os relatos, selecionando relatos específicos no decorrer das condições, as taxas de respostas não verbais acompanharam os relatos. Quando essas manipulações foram efetuadas após o reforçamento da correspondência verbal-não verbal, os relatos continuaram acompanhando as taxas de respostas e vice-versa; após o reforçamento da ausência de correspondência, por outro lado, foi observada uma discrepância entre taxas de respostas e relatos. Em conjunto,

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esses resultados sugerem que as relações de controle entre respostas verbais e não verbais podem ocorrer nas duas direções e o tipo de relação de controle depende de uma história prévia de reforçamento para a correspondência ou não-corres- pondência entre esses dois tipos de respostas.

Rosenfarb, Newland, Brannon e Howey (1992) compararam o controle exercido por instruções e auto-instruções. No grupo de auto-instruções, os participantes eram solicitados a relatar a melhor forma de obter reforços. Para o grupo de ins­truções externas, eram apresentados os relatos gerados pelo primeiro grupo. Os participantes do grupo sem instrução não foram solicitados a emitir relatos e nem receberam relatos externos. Ao final da fase de aquisição, os grupos de auto-ins­truções e de instruções externas apresentaram desempenhos mais apropriados aos esquemas em vigor do que o grupo sem instruções. Ao final da extinção, o grupo sem instrução apresentou uma maior redução do responder do que os ou­tros dois grupos. Rosenfarb et a i (1992) deram ênfase a quatro pontos em suas conclusões: (1) auto-instruções e instruções externas facilitam o controle exerci­do por contingências complexas; (2) auto-instruções e instruções externas retar­dam o processo de extinção - reduzem a sensibilidade à mudança; (3) a formulação de auto-instruções não é condição necessária para que as contingências exerçam controle sobre o comportamento (ver também Simonassi, de Oliveira e Sanabio, 1994; Simonassi, Fróes e Sanabio, 1995; Simonassi, 1999); e (4) os efeitos de auto- instruções e instruções são funcionalmente equivalentes, sendo ambos mantidos pelas contingências de reforço dispostas pela comunidade verbal.

A correspondência entre auto-relatos e desempenho não verbal é comumente tida como evidência de controle verbal. Ou seja, quando o indivíduo relata seus comportamentos verbais encobertos e esses relatos estão de acordo com o com­portamento público, é comum a conclusão de que o comportamento público está sob o controle desses comportamentos verbais encobertos. Essa conclusão, en­tretanto, deve ser vista com reservas. Isso porque, dentre outros motivos, os auto- relatos nem sempre são fidedignos, podendo ser determinados pelos estímulos que supostamente descrevem e por outras variáveis ambientais (Simonassi, Tourinho e Silva, 2001; Shimoff, 1986). Diversos estudos têm investigado o controle múltiplo dos relatos. Em alguns, estudantes universitários foram expostos a uma tarefa de escolha de acordo com o modelo. Após a resposta de escolha, a pergunta “Você acertou?” aparecia na tela e os participantes deveriam relatar se haviam acertado ou não. Vários fatores demonstraram exercer influência sobre os auto- relatos: o limite de tempo para a resposta de escolha (Critchfield e Perone, 1990), o número de estímulos modelo (Critchfield e Perone, 1993), o número de estímulos de comparação (Critchfield, 1993) e uma história de punição (Sanabio, 2000).

IMPLICAÇÕES CLÍNICASAs similaridades funcionais entre o ambiente terapêutico e o ambiente natu­

ral do cliente contribuem para a ocorrência de comportamentos funcionalmente semelhantes nesses dois ambientes. Assim, é comum que o cliente se comporte em relação ao terapeuta da mesma forma como se comporta em relação a outras

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pessoas, o que constitui uma oportunidade para o terapeuta promover repertó­rios sociais mais adaptativos. Com o progresso da terapia, espera-se que ocorra o movimento inverso, ou seja, que o cliente passe a emitir os comportamentos recém-aprendidos na terapia em suas interações fora da sessão (Kohlenberg e Tsai, 1991). Os resultados da pesquisa básica sobre controle verbal podem ser relevantes tanto para o processo de aquisição de novos repertórios quanto para o processo de generalização dos mesmos para o ambiente natural. Assim sendo, a seguir serão destacados os principais resultados dos estudos mencionados anteriormente e suas possíveis implicações clínicas.

O controle exercido por instruções ou auto-instruções facilita a aquisição de novos comportamentos mas reduz a sensibilidade às mudanças nas contingências ambientais.

A mudança terapêutica pode ser efetuada, dentre outras alternativas, por meio de modelagem ou do uso de instruções. Supondo que um dos objetivos da terapia é ensinar o cliente a realizar análises funcionais fidedignas, isto é, a identificar as variáveis de controle de seu comportamento, o terapeuta pode: (a) conseqüenciar diferencialmente as verbalizações do cliente, de modo a selecionar aproximações sucessivas ao objetivo final desejado; e (b) apresentar análises funcionais “prontas”, ou seja, interpretações do comportamento do cliente. A modelagem, por gerar um processo de aprendizagem mais demorado e, muitas vezes, mais difícil de ser implementado, ao exigir do terapeuta que decida, momento a momento, o que deve ser reforçado e o que não deve, é comumente substituída pelo uso de inter­pretações. O uso de interpretações, bem como de instruções, pode ser necessário quando o cliente está em situação de perigo ou que exija comportamentos ine­xistentes em seu repertório ou quando é importante ressaltar os efeitos de con­tingências a longo prazo em detrimento daquelas imediatas (situações de autocontrole). Apesar dessas vantagens, é importante considerar que o controle exercido pelas verbalizações do terapeuta podem reduzir a sensibilidade do comportamento do cliente à mudanças nas contingências. Ou seja, diante da in­terpretação “Grande parte de seus problemas conjugais pode ser decorrente das suas dificuldades assertivas” é possível que o cliente passe a emitir o compor­tamento esperado e que esse comportamento se mantenha mesmo naquelas situações em que comportamentos alternativos seriam mais apropriados. Dessa forma, interpretações/instruções devem ser usadas com cautela e, quando a avaliação funcional do caso justificar seu uso, é possível que a utilização simul­tânea de estratégias de modelagem previna ou minimize a redução na sensibi­lidade comportamental.

Instruções que especificam com precisão a relação com portam ento- conseqüência geram estereotipia com portam ental, reduzindo o grau de contato com as mudanças ambientais o quef por sua vez, contribui para a manutenção do controle verbal.

Interpretações (e instruções) podem diferir com relação ao conteúdo. Podem especificar com exatidão o comportamento-problema e seus antecedentes e conseqüentes e, nesse sentido, são completas (“Quando seu pai diz ‘não’, você faz

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críticas severas a ele, o que diminui a possibilidade dele mudar de opinião”), podem apontar partes da contingência (“Quando seu pai diz ‘não’, você faz críticas severas a ele”), podem ser vagas (“Suas críticas parecem ter uma função específica”) etc. Conteúdos diversos podem ter efeitos diferenciados sobre o comportamento. Quando o terapeuta, clara e precisamente, aponta as variáveis de controle do com- portamento-problema e sugere um comportamento alternativo específico, a aqui­sição desse comportamento é rápida, conforme apontado anteriormente, mas pode resultar em estereotipia comportamental e, conseqüentemente, em dimi­nuição da sensibilidade às mudanças. Por exemplo, se o terapeuta treinou o cliente a questionar o pai diante de um “não”, é possível que o cliente emita esse compor­tamento no momento apropriado e que o mesmo sejabem-sucedido (pai explicita motivos do “não”, pai atende parcial ou totalmente a solicitação do cliente). Mas, se houver alguma mudança ambiental (pai não pode atender a solicitação e/ou não pode explicar seus motivos; pai reage agressivamente aos questionamentos) que exija mudanças comportamentais (parar de questionar, questionar em outro momento, pedir ajuda da mãe, apresentar propostas etc.), é possível que o cliente, na ausência desses comportamentos em seu repertório, continue emitindo o com­portamento de questionar. Dessa forma, é relevante promover variabilidade comportamental de modo que, no caso de mudanças ambientais (muitas delas imprevisíveis), o cliente dispusesse de alternativas para lidar com essas mudanças.

A manutenção do controle verbal é mais provável quando os indivíduos apresentam um a h istória de reforçam ento (social e não socia l) do com portam ento de seguir instruções e quando as contingências atuais (sociais e não sociais) continuam reforçando esse mesmo comportamento.

Os terapeutas comumente perguntam o porquê dos clientes seguirem instru­ções inacuradas. É possível que o reforçamento ocasional do comportamento de seguir a instrução inacurada, mesmo que adventício, dificulte o contato com a discrepância entre instrução e contingência. E, mesmo havendo contato, é possível que seguir essa instrução se mantenha, pelo menos em parte, em função de: (a) uma história passada de reforçamento para seguir instruções e punição para não segui-las; (b) reforços como atenção, simpatia, apoio, contingentes ao insucesso do comportamento de seguir a instrução; e (c) reforços sociais por seguir instru­ções (Poppen, 1989). Dessa forma, tentar enfraquecer o controle exercido por ins­truções inadequadas simplesmente substituindo-as por outras mais adequadas pode ser contraproducente, uma vez que o comportamento-problema pode ser justamente o seguir instruções indiscriminado. Tentar empreender mudanças por meio de instruções contribui para a manutenção do seguir instruções generalizado, principalmente se for considerado que o terapeuta, por ser uma figura de autori­dade, guarda muitas semelhanças com as pessoas que puniram (ou punem) o não- seguimento de instruções. Nesse caso, é mais vantajoso treinar o cliente a discriminar entre instruções que devem ou não ser seguidas, o que pode ser feito por meio de reforçamento diferencial de seus comportamentos intra-sessão.

Controle auto-instrucional é mais provável quando o comportamento verbal é modelado, em oposição a instruído.

Instruções e Auto-instruções: Contribuições da Pesquisa Básica ■ 159

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160 ■ Terapia Comportamental

A partir do momento que o cliente aprende a fazer análises funcionais ade­quadas e, conseqüentemente, identifica alternativas comportamentais mais adaptativas, um dos principais objetivos terapêuticos é estabelecer a correspon­dência entre o que o cliente diz na presença do terapeuta e o que o cliente faz fora do contexto clínico, de modo que o dizer assuma funções de auto-instrução. Ou seja, não é suficiente formular auto-instruções; o cliente deve também aprender a segui-las. É importante ressaltar que o controle exercido por auto-instruções implica em uma relação comportamento-comportamento. Comportamentos, públicos ou privados, verbais ou não verbais, podem assumir diversas funções de estímulo (eliciador, discriminativo, motivacional, reforçador) e, assim, participar na deter­minação de comportamentos subseqüentes (Skinner, 1969; Matos, 1997). Entre­tanto, para que essas funções se desenvolvam, é necessário que a comunidade verbal estabeleça contingências apropriadas para a aquisição do dizer, para a correspondência dizer-fazer e para o comportamento de seguir instruções. En­quanto parte dessa comunidade, o terapeuta deve implementar essas contin­gências (o que pode ser feito com a ajuda de outras pessoas relevantes para o cliente) e, ao fazê-lo, considerar que o controle por auto-instruções é mais provável quando o dizer do cliente é desenvolvido por meio de modelagem, em vez de adquirido por meio de instruções (por exemplo, interpretações, sugestões, avisos etc.) fornecidas pelo terapeuta. É possível que esse efeito seja observado porque o pro­cesso de modelagem favorece o desenvolvimento de controle pelos eventos pre­sentes no dizer do cliente. Quando esses eventos ocorrem (dentro e fora da terapia) é mais provável que o fazer também ocorra. No caso de instruções, por outro lado, é possível que a participação explícita do terapeuta fortaleça o controle por variáveis sociais, de modo que o fazer correspondente está sob o controle predominante de contingências sociais e não de contingências naturais.

A probabilidade de controle verbal é reduzida quando os comportamentosverbal (auto-instrução) e não verbal estão sob forte controle de contingênciasconflitantes. E, quanto maior o grau de discriminabilidade desse conflito,menor a probabilidade de seguir auto-instruções.

A ausência de correspondência dizer-fazer, um dos problemas comumente encontrados na prática clínica, pode resultar do controle de contingências discre­pantes. Por exemplo, suponha que um dos objetivos terapêuticos seja o desenvol­vimento de habilidades de comunicação na relação conjugal. Nesse contexto, o cliente aprende a analisar funcionalmente sua comunicação com o cônjuge e, como resultado, verbaliza um comportamento meta (“Vou expressar o que penso e sinto na situação X”), sendo prontamente reforçado pelo terapeuta. Entretanto, é possível que esse dizer não gere o fazer correspondente porque as contingências aversivas presentes fora da terapia controlam fortemente o fazer inadequado (não expressar pensamentos e sentimentos na situação X, o que pode consistir em es­quiva de discussão, crítica, distanciamento etc.). Nesse caso, a discrepância entre contingências é bastante clara: na terapia, os reforços são contingentes a dizer “A” e, fora da terapia, a fazer B. Caso haja reforços ocasionais para fazer A, as funções discriminativas da contingência aversiva são enfraquecidas, o que pode aumentar

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Instruções e Auto-instruções: Contribuições da Pesquisa Básica ■ 161

a probabilidade do cliente fazer A. O reforçamento de A pode ser planejado por meio de diversas estratégias, como por exemplo: (a) o cliente pode ser treinado a implementar o comportamento A gradualmente, fora da sessão, de modo a redu­zir a possibilidade de punição; (b) o terapeuta pode evocar e reforçar o comporta­mento A durante a sessão e, ao mesmo tempo, promover o controle pelas conseqüências intrínsecas do fazer A (por exemplo, conseguir falar, sentir-se alivia­do); e (c) o cônjuge pode ser incluído no processo terapêutico etc.

A possível relação de controle entre os comportamentos verbal e não verbalé bidirecional.

Mudanças no comportamento verbal tendem a ser acompanhadas por mudan­ças correspondentes no comportamento não verbal, da mesma forma que mudanças no comportamento não verbal tendem a gerar o comportamento verbal corres­pondente. Esse resultado desafia procedimentos terapêuticos que focalizam a alteração do controle verbal, ou seja, a substituição de auto-instruções inade­quadas por outras mais adequadas e que defendem o status causal de compor­tamentos verbais encobertos. Mudanças comportamentais podem acontecer por meio de exposição direta às contingências, sem a mediação de auto-instruções. Quando essas mudanças ocorrem, é possível que o indivíduo descreva a relação comportamento-conseqüência em seguida, principalmente se essas contin­gências exercerem um forte controle discriminativo e a comunidade verbal pro­mover (ou tiver promovido) reforçamento para a correspondência fazer-dizer. Considerando que a aprendizagem de novos comportamentos pode ocorrer na ausência de controle verbal, que o controle exercido por instruções/auto-instruções reduz a sensibilidade comportamental às mudanças nas contingências (o que atenua os benefícios gerados por exposições diretas subseqüentes) e que esses compor­tamentos verbais não incluem completamente as sutilezas do controle exercido diretamente pelas contingências (Hayes, Kohlenberg e Melancon, 1989) é impor­tante ressaltar, mais uma vez, que a ênfase no uso de instruções/auto-instruções (controle verbal) pode ser substituída pela ênfase no uso de modelagem (controle pelas conseqüências). Nesse caso, a relação terapêutica é utilizada para modelar comportamentos mais efetivos, conforme proposto por Kohlenberg e Tsai (1987).

O auto-relato é um comportamento operante sob o controle de múltiplasvariáveis, atuais e históricas.

Os eventos privados podem ser acessados, indiretamente, por meio dos auto- relatos. É necessário, entretanto, que se tenha bastante cautela ao considerar esses comportamentos como medidas fidedignas de eventos privados (por exemplo, auto-instruções), uma vez que auto-relatos podem ser determinados por inúme­ros fatores. A questão não é se os eventos descritos pelos auto-relatos realmente existem ou se esses eventos podem influenciar outros comportamentos. A dis­cussão crucial é se a influência desses eventos privados pode ser afirmada tendo como base apenas os auto-relatos. É importante considerar que os auto-relatos podem não ser controlados por eventos privados (Abreu-Rodrigues e Sanabio, 2001;

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162 ■ Terapia Comportamental

Kohlemberg eTsai, 1991). Por exemplo, alguns terapeutas poderiam afirmar que o auto-relato “Eu não consigo fazer nada direito” estaria sob o controle de senti­mentos de inadequação ou de pensamentos autodepreciativos, ambos eventos privados. Entretanto, o auto-relato pode estar sob o controle de eventos ambien­tais públicos como, por exemplo, contingências passadas de punição. Ou seja, o cliente pode ter experienciado punições contingentes às suas verbalizações de sucesso, capacidade etc. e, no contexto atual, seu relato é uma descrição de contin­gências passadas, em vez de uma descrição de seus pensamentos e sentimentos. De acordo com a abordagem analítico-comportamental, tanto os auto-relatos como os pensamentos e sentimentos do cliente são produtos de sua história passada de reforçamento e punição.

CASO CLINICONo início da terapia, a cliente CE tinha 21 anos, era solteira e estudava pedagogia.

Procurou terapia com as seguintes queixas: (a) tinha reações emocionais muito fortes, embora quase não as demonstrasse diante de situações cotidianas. Qualquer coisa era motivo para lhe deixar com raiva (deixar os livros caírem), para se sentir injustiçada (tirar uma nota baixa), decepcionada (deteriorização do relacionamento com melhor amiga depois que essa começou a namorar); (b) assumia muitas res­ponsabilidades ao mesmo tempo (faculdade, inglês, espanhol, teclado, natação etc.) mas, diante de dificuldades, desistia facilmente de seus projetos (tinha medo de não fazer bem-feito e, assim, não corresponder às expectativas dos outros); (c) adotava uma postura defensiva diante de críticas, opiniões contrárias às suas etc. Nesses momentos, seu objetivo era mostrar que estava certa e, assim, “derrubar” a opinião do outro. Relatou também que não confiava nas pessoas (“Elas estão sempre querendo me prejudicar”) com exceção de sua mãe, que era sua única amiga. Es­perava que a terapia lhe ajudasse a ter mais controle emocional (“harmonia entre razão e emoção”), a ser menos sensível às críticas, mais tolerante com seus próprios erros e indiferente aos outros.

Sua mãe foi rejeitada pela família porque era solteira quando ficou grávida. Seu pai se casou com outra mulher quando ela tinha 1 ano de idade e teve um filho no novo relacionamento. Por alguns anos, ele esteve presente, dando alguma assistência afetiva e financeira. Por volta dos 9 anos, CE começou a sentir que seu pai não lhe dispensava os mesmos cuidados que dava ao outro irmão. Conversa­ram sobre o assunto, ele admitiu a diferença e disse que não tinha condições detratá-los da mesma forma, o que determinou o afastamento de CE. Ela atribui essa diferença de tratamento ao fato do irmão ser branco e filho de uma mulher branca e rica (o pai também é branco) enquanto ela é “negra e filha de uma mu­lher negra e pobre”. No início da adolescência freqüentou, juntamente com sua mãe, reuniões de grupos anti-racismo. Na adolescência, relatou ter sido vítima de pre­conceito racial e social (“Minhas colegas não me chamavam para sair, criticavam minhas roupas porque eu nunca estava na moda, achavam que eu devia alisar meu cabelo. Eu também achava meu cabelo feio, mas sou negra e tenho de ter orgulho de ser negra”). Sempre teve um bom desempenho acadêmico. Só teve um namorado,

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Instruções e Auto-instruções: Contribuições da Pesquisa Básica ■ 163

o qual terminou o namoro porque ela se recusou a manter relações sexuais. Atual­mente, mora com a mãe, raramente sai de casa com amigos (“Moro longe, preciso de carona e acabo devendo favores”), dedicando-se completamente aos estudos (faculdade, curso de línguas e teclado). Seu lazer se resume a passar os domingos assistindo TV em companhia da mãe (“Não quero namorado e nem amigos, a gente acaba sempre se decepcionando”).

A história de rejeições (família materna, pai, colegas na adolescência, namo­rado, melhor amiga), algumas delas de cunho afetivo, outras de cunho racial e socioeconômico, aliada à sua experiência com movimentos anti-racismo, parecem ter gerado a seguinte auto-instrução: “Eu sou negra, pobre e mulher, o que me deixa em desvantagem e me torna um alvo fácil para crítica, desrespeito, indife­rença. Tenho que ficar alerta para poder me defender. Preciso me dedicar aos es­tudos para obter admiração e respeito.” Em conjunto, esses aspectos contribuíram para o desenvolvimento de dois padrões comportamentais: isolamento social (im­portante lembrar que a mãe oferece esse modelo) e dedicação à capacitação pro­fissional, ambos reforçados negativamente. O padrão de fuga-esquiva generalizada de CE era acompanhado por intensas emoções negativas (principalmente raiva e ansiedade) e uma quase ausência de reforços positivos.

Era importante, portanto, promover mudanças comportamentais controladas prioritariamente por contingências reforçadoras positivas. Para tanto, era neces­sário que a cliente entrasse em contato com a discrepância entre auto-instrução e contingência. Embora sua auto-instrução fosse acurada em algumas circunstâncias (afinal, a discriminação racial e socioeconômica é uma realidade no país), ela não o era na maioria dos casos. O importante, então, era ensinar a cliente a discriminar essas situações e promover repertórios mais adaptativos para lidar com ambas, o que foi feito por meio da própria relação terapêutica. Era importante construir uma relação terapeuta-cliente na qual a postura defensiva de CE fosse extinta, o que implicava minimizar eventuais punições. Assim sendo, a terapia consistiu em um processo de descoberta de potencialidades e construção de repertórios, em vez de eliminação de comportamentos indesejáveis.

A terapia não poderia se resumir a um processo de substituição de regras ina­dequadas por outras mais adequadas. Para que um indivíduo siga uma regra ou instrução, é necessário não apenas que apresente os requisitos básicos para a emissão do comportamento estabelecido naregra/instrução, mas, principalmente, que as contingências ambientais sejam favoráveis a essa emissão. Dessa forma, a terapeuta enfatizou o treino do repertório social de CE (observar, aproximar-se, ouvir a opinião do outro e considerar suas razões e motivos, mudar suas próprias opiniões quando necessário, elogiar, criticar positivamente, fazer e recusar pedidos etc.). Esse treino foi implementado intra-sessão por meio de modelagem. À medida que a cliente aprendia novos padrões comportamentais na sessão, a terapeuta a incentivava a descrever funcionalmente seu comportamento e reforçava diferen­cialmente essas descrições. Esperava-se que essas descrições assumissem funções de controle de modo que, em situações similares fora da sessão, favorecessem a emissão dos comportamentos aprendidos na sessão.

E importante ressaltar que, se a terapeuta tentasse mostrar a inadequação da auto-regra da cliente apresentando simplesmente regras mais adequadas, era

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164 ■ Terapia Comportamental

bastante provável que a discrepância entre auto-regra e regra gerasse compor­tamentos defensivos. Além disso, optou-se pela modelagem tanto do com­portamento verbal quanto do não verbal, uma vez que esse procedimento facilita a ocorrência de correspondência entre esses dois comportamentos. Dessa forma, o uso de regras/instruções foi minimizado. Quando instruções tornaram-se neces­sárias (para incentivar a exposição às contingências de reforço fora da sessão, por exemplo), a terapeuta utilizou instruções de conteúdo geral (por exemplo, “Observe as pessoas”), de modo a evitar estereotipia comportamental e que não contrastas­sem diretamente com a auto-instrução de CE (“Defenda-se”).

Após 13 meses de terapia, CE apresentava um repertório comportamental mais adaptativo: realizava análises funcionais fidedignas, estabelecia (e implementava) estratégias de resolução de problemas, mantinha conversas amenas e produtivas com as pessoas, aceitava convites para sair (embora ainda apresentasse dificuldades para fazer convites), tinha duas amigas mais próximas, envolvia-se com paqueras. Além de ampliar suas interações sociais e afetivas, CE reduziu a quantidade de atividades acadêmicas (o que implicou em maior rendimento), tendo sido apro­vada em todas as disciplinas cursadas na faculdade, concluído o nível inter­mediário do curso de inglês e participado de uma apresentação pública com seu grupo de música.

CONSIDERAÇÕES FINAISA diminuição na sensibilidade comportamental às mudanças nas contingências,

produzida pelas instruções, pode assumir tanto um caráter negativo quanto posi­tivo. No primeiro caso, a insensibilidade seria acompanhada por uma redução nos reforços disponíveis. Por exemplo, a instrução “Não devo me aproximar de nin­guém, pois estão todos contra mim”, embora possa ser acurada em algumas situa­ções, quando seguida indiscriminadamente pode reduzir os reforços comumente gerados por contatos sociais. No segundo caso, a insensibilidade minimizaria (ou mesmo eliminaria) os efeitos de contingências aversivas. Por exemplo, seguir a instrução “Não use drogas” pode funcionar como esquiva de eventos aversivos (incluindo a possibilidade de morte), sendo a manutenção e generalização desse comportamento de grande relevância para o indivíduo e a sociedade. Dessa forma, pode-se argumentar que o objetivo das intervenções terapêuticas não deve ser sempre reduzir insensibilidade, já que em algumas situações a persistência do controle instrucional pode ser a alternativa mais adaptativa. Entretanto, mesmo quando a insensibilidade é desejável, certos aspectos devem ser considerados. O ambiente está em constante mudança, de modo que é sempre possível que a ins­trução se torne inacurada e, assim, novas adaptações sejam necessárias (por exem­plo, o indivíduo segue a instrução “Não use drogas” mesmo naquelas situações em que o uso de medicamentos antidepressivos seria necessário). Assim, um dos grandes desafios da terapia parece ser ensinar o cliente a formular e seguir instru­ções discriminadas.

Uma importante consideração deve ser feita sobre a questão do controle instrucional. Quando a interação entre auto-instruções e o comportamento não verbal é observada, a tentativa de identificar um dos dois comportamentos como

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Instruções e Auto-instruções: Contribuições da Pesquisa Básica ■ 165

sendo a causa do outro apresenta problemas. Sob uma perspectiva analítico- comportamental, toda e qualquer causa refere-se aos eventos ambientais externos. Contudo, a afirmação de que variáveis causais são encontradas no ambiente não exclui a possibilidade de que um comportamento funcione como uma variável de controle para outro comportamento. Entretanto, é preciso identificar as variáveis ambientais responsáveis por essas relações comportamento-comportamento (Hayes, 1986). Assim, qualquer que seja a função de controle exercida por auto- instruções (funções respondentes, motivacionais, discriminativas ou reforçadoras), é preciso descrever as variáveis ambientais históricas e atuais responsáveis pelo estabelecimento e manutenção dessas funções.

Os diversos estudos apresentados anteriormente demonstram a possibilidade de integração entre a pesquisa básica e a prática profissional. Pesquisa e aplicação devem ser vistas como parte de um mesmo continuum (Hake, 1982). É comum as pessoas considerarem a relação pesquisa-aplicação como sendo unidirecional. Ou seja, os pesquisadores produzem conhecimento e esse conhecimento é utili­zado por profissionais para resolver problemas práticos. Entretanto, é importante ressaltar que essa relação é recíproca: os processos básicos identificados na pesquisa são aplicados na compreensão e intervenção de comportamentos socialmente relevantes e, quando dificuldades ou novas perguntas surgem durante a aplicação, novas pesquisas passam a ser realizadas para identificar novos processos e, assim, sucessivamente (Wacker, 2000). Dessa forma, os resultados encontrados em pes­quisa básica podem fornecer uma ajuda importante na compreensão e interven­ção de problemas práticos, assim como a atuação prática pode levantar questões relevantes para a pesquisa básica.

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Dessensibilização Sistemática ao Vivo

D e n is R oberto Z am ig n an i

RESUMOA Dessensibilização Sistemática (DS) foi largamente

empregada, principalmente até a década de 80, para o ma­nejo de problemas relacionados à ansiedade e à esquiva. Desde o seu desenvolvimento, há relatos na literatura de sua aplicação para o tratamento de diversos problemas, como medo e ansiedade frente às situações sociais, doen­ças, ferimentos, morte, animais, encontros sexuais, pesa­delos, anorexia, obsessões e compulsões, depressão, apreensão epilética, gagueira. A técnica consiste basi­camente de três elementos: (1) treino em técnicas de rela­xamento; (2) desenvolvimento de uma escala de ansiedade subjetiva; (3) planejamento de exposição gradual ao(s) evento(s) que elicia(m) respostas de ansiedade e/ou esquiva; e (4) pareamento dos eventos eliciadores de ansiedade com o relaxamento. A técnica foi desenvolvida por Joseph Wolpe no final dos anos 40, a partir do procedimento de relaxamento progressivo desenvolvido por Jacobson. Tem como funda­mentação o princípio de inibição recíproca, segundo o qual as respostas características, que são eliciadas no organis­mo, ao entrarem em contato com um evento aversivo pode ser inibidas por meio do engajamento em uma resposta incompatível com as respostas de ansiedade. A Dessen­sibilização Sistemática pode ser desenvolvida por imagina­ção ou pela exposição ao vivo do evento eliciador de ansiedade enquanto são aplicadas as técnicas de relaxa­mento. A literatura aponta a dessensibilização gradual e ao vivo como mais eficaz que outras formas de aplicação da téc­nica. Algumas questões serão levantadas quanto à sua apli-

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170 ■ Terapia Comportamental

cação e fundamentação teórica, bem como quanto aos resultados obtidos em dife­rentes problemas comportamentais. Por último, algumas vantagens e desvanta­gens da técnica em comparação com algumas técnicas posteriorm ente desenvolvidas serão apresentadas.

A Dessensibilização Sistemática foi uma das técnicas mais largamente em­pregadas por terapeutas de orientação comportamental para o tratamento de problemas relacionados à ansiedade e à esquiva, principalmente até meados da década de 80. Há relatos na literatura de sua aplicação para o trata­mento de medo e de ansiedade frente a diversos eventos, como situações sociais, doenças, ferimentos, morte, animais e encontros sexuais, ou pesadelos, anorexia, obsessões e compulsões, depressão, apreensão epilética, gagueira e outros (Kazdin, 1978).

A criação da técnica de Dessensibilização Sistemática teve como precurso­res os estudos sobre neurose experimental (Kazdin, 1978) - estudos que objetivavam demonstrar a determinação ambiental das chamadas neuroses e desenvolver procedimentos para seu tratamento. Nesses estudos, animais eram expostos às condições experimentais que eliciavam respostas de ansiedade, tornando-se “neuróticos”, e, então, testavam-se procedimentos em busca da cura da condição identificada como neurótica. Um exemplo de indução de uma resposta neurótica em animal está em um estudo realizado por Wolpe (1973). Nesse estudo, um gato era mantido em uma gaiola por tempo suficiente até que se habituasse a esse ambiente, quando então, um choque perturbador era aplicado aos seus pés. Esse estímulo eliciava uma série de respostas de ansie­dade, como gritos, dilatação da pupila, ereção de pelos e respiração acelerada. Após diversas apresentações do choque nesse ambiente, as respostas de an­siedade se mantiveram, mesmo sem a apresentação do choque e, cada vez que o animal era colocado nessa gaiola ou em ambientes semelhantes, o mesmo comportamento ocorria. Estava criada, portanto, uma condição “neurótica” desencadeada por eventos ambientais. Para o tratamento dessas respostas, o animal era exposto a um procedimento de aproximações sucessivas, que con­sistia na apresentação de comida (um estímulo que eliciava uma resposta in­compatível à resposta de ansiedade) em ambientes em ordem decrescente de semelhança à gaiola na qual foi condicionada a neurose. Assim, procedendo sistematicamente, foi possível eliminar as respostas de ansiedade diante da gaiola experimental (Wolpe, 1973). Experimentos como esse permitiram a for­mulação do princípio da inibição recíproca, segundo o qual “se uma resposta inibidora de ansiedade puder ser produzida na presença de estímulos eliciadores de ansiedade, ela enfraquecerá o vínculo entre esses estímulos e a ansiedade” (Wolpe, 1973, pág. 32).

Foi a partir desse princípio que técnicas como a Dessensibilização Sistemática foram desenvolvidas.

DESSENSIBILIZAÇÃO SISTEMÁTICAA Dessensibilização Sistemática foi criada por Joseph Wolpe no final dos anos

40, a partir de um procedimento de relaxamento progressivo desenvolvido por Jacobson (1938). Basicamente, a técnica consiste de quatro elementos: (1) treino

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Dessensibilização Sistemática ao Vivo ■ 171

em técnicas de relaxamento; (2) desenvolvimento de uma escala de ansiedade subjetiva; (3) planejamento de exposição gradual ao(s) evento(s) que elicia(m) res­postas de ansiedade e/ou esquiva; e (4) pareamento dos eventos eliciadores de ansiedade com o relaxamento (principalmente por meio da imaginação). Segundo Wolpe (1973), os efeitos obtidos pelo relaxamento são opostos àqueles da an­siedade e, portanto, ao ser apresentado o relaxamento como contraposto aos es­tímulos eliciadores de ansiedade, eles inibem a resposta de ansiedade que esses estímulos eliciam.

Um aspecto importante a ser considerado é que a aplicação da técnica é reco­mendada pelo autor após uma consideração adequada do terapeuta sobre seu uso (Wolpe, 1973). Também é indicado que, antes da aplicação da técnica, o terapeuta “corrija concepções errôneas” (forneça informações adequadas sobre o evento temido pelo paciente) e aplique o “treino afirmativo” (uma espécie de treino de assertividade). Somente depois desses passos preliminares e, se ainda a dessensibilização for indicada, ela é iniciada.

1. Relaxamento: O método de relaxamento indicado por Wolpe (1973) é a técnica de relaxamento progressivo desenvolvido por Jacobson (1938), adaptada para um número menor de sessões. O relaxamento progressivo “consiste em aprender a tensionar e logo relaxar os diversos grupos mus­culares do... corpo, de forma que saiba o que sente quando o músculo está tenso e quando está relaxado” (Vera e Vila, 1996, pág. 153). O Quadro11.1 apresenta exemplos de exercícios de relaxamento para alguns con­juntos de músculos.

Quadro 11.1 - Exercícios de tensão-relaxamento para alguns grupos musculares

Grupos musculares Exercícios

Mão e antebraço dominantes Bíceps dominanteMão, antebraço e bíceps não dominantes Fronte e couro cabeludo

Olhos e nariz

Boca e mandíbula

Aperta-se o punhoEmpurra-se o cotovelo contra o braço da poltronaIgual aos membros dominantesLevantam-se as sobrancelhas tão alto quanto

possívelApertam-se os oihos e, ao mesmo tempo, enruga-se

o narizApertam-se os dentes enquanto se levam as

comissuras da boca em direção às orelhas

(Adaptado de Vera e Vila, 1996, pág. 155)

Além da técnica de relaxamento progressivo, outras técnicas de relaxamento podem ser utilizadas, bem como estratégias de meditação ou “viagens de fantasia” (Turner, 1996).

2. A escala de ansiedade subjetiva (SUDS - Escala de Unidades Subjetivas de Ansiedade): Para que o paciente possa monitorar a intensidade de sua ansie-

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172 ■ Terapia Comportamental

d ade, ele é instruído a desenvolver uma escala subjetiva de ansiedade. Atri­bui-se a intensidade 10 (ou 100) à maior ansiedade imaginável (pede-se que ele imagine um grau de ansiedade que represente estar em pânico) e inten­sidade 0 para um estado de absoluta tranqüilidade. Adicionam-se graus in­termediários de ansiedade e se constrói a escala. Essa escala será utilizada tanto para classificar em ordem hierárquica os eventos ambientais que ge­ram ansiedade quanto para a mensuração do grau de ansiedade vivenciado pelo paciente durante o procedimento de dessensibilização (Wolpe, 1973).

3. Construção de uma hierarquia de eventos que eliciam respostas de ansie­dade e/ou esquiva: Para a construção da hierarquia de ansiedade, primei­ramente, enumeram-se todos os eventos que eliciam respostas de ansiedade, e então se atribui uma nota da escala subjetiva de ansiedade a cada um deles. Feito isso, coloca-se em ordem decrescente de ansiedade cada um dos itens da lista. Não é necessário que o cliente tenha experimentado todos os eventos presentes na lista; para alguns eventos, o cliente deve ima­ginar como seria a exposição a eles. A construção da hierarquia é iniciada logo no início do treino de relaxamento, antes da realização da dessensibi­lização propriamente dita. No entanto, ao longo da aplicação da dessensi­bilização a hierarquia deve ser constantemente reavaliada (Wolpe, 1973). Primeiramente, porque a hierarquia é construída por meio de imaginação, é possível que o paciente subestime ou, pelo contrário, superestime um ou outro item da lista e, a partir do exercício, ele pode ser corretamente avaliado. Em segundo lugar, novos itens que haviam sido esquecidos ou não considerados podem ser acrescentados a qualquer momento.

A relação mostrada pelo Quadro 11.2 é um exemplo de hierarquia de eventos ansiógenos desenvolvida por Wolpe (1973) para um cliente com queixa de ansie­dade relativa a exames.

Quadro 11.2 - Hierarquia de eventos ansiógenos para um cliente com ansiedade relativa a exames

1. A caminho da universidade num dia de exame2. O processo de responder numa folha de exame3. Diante das portas abertas da sala de exames4. Aguardando a distribuição das folhas de exames5. Com a folha de exame voltada para baixo diante de si6. A noite anterior a um exame7. Um dia antes de um exame8. Dois dias antes de um exame9. Três dias antes de um exame

10. Quatro dias antes de um exame11. Cinco dias antes de um exame12. Uma semana antes de um exame13. Duas semanas antes de um exame14. Um mês antes de um exame

(Wolpe, 1973, pág. 135)

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Dessensibiliza ção Sistemá ti ca ao Vivo ■ 173

Uma possível variação da lista é a sua classificação por grupos de estímulos com características comuns. O Quadro 11.3 traz a hierarquia de eventos fóbicos realizada por uma cliente com medo de eventos relacionados à morte.

Q uadro 11.3 - Hierarquia de eventos fóbicos para uma cliente com medo de eventos relacionados à morteEstímulos externos

1. Uma criança com as duas pernas quebradas2. Homem caminhando vagarosamente, com falta de ar, por causa do coração fraco3. Homem cego operando um elevador4. Uma criança com uma perna quebrada5. Um corcunda6. Uma pessoa gemendo de dor7. Um homem com um pé torto8. Um homem com um só braço9. Um homem com apenas uma perna

10. Uma pessoa com a temperatura elevada decorrente de uma doença relativamente pouco perigosa, como uma gripe

Estímulos endógenos1. Extra-sístole (contração cardíaca com pausa mais longa que a habitual)2. Dores agudas no tórax e abdome3. Dores no ombro esquerdo e nas costas4. Dor na parte superior da cabeça5. Zumbido no ouvido6. Tremor nas mãos7. Dormência ou dor na ponta dos dedos8. Falta de ar após esforço9. Dor na mão esquerda (lesão antiga)

(Wolpe, 1973, págs. 138-139)

Os itens de uma hierarquia podem ainda envolver dois ou mais fatores que interagem na determinação da intensidade da ansiedade. Por exem­plo, o Quadro 11.4 apresenta a hierarquia de ansiedade de uma cliente cujo medo de opiniões negativas dos outros varia de acordo com o adjetivo a ela atribuído e a pessoa que o aplicou.

Q uadro 1 1 .4 -Tabela bidimensional de hierarquia de eventos ansiógenos

Tio Charlie Florence Sharon Geraldine DesconhecidoUsa as pessoas 95 65 70 50 20Irresponsável 90 75 50 40 20Egoísta 90 75 40 50 20Falível 80 60 30 40 10Preguiçosa 60 50 10 20 0Desleixada 50 40 20 10 0Inapta 40 30 10 10 0

(Wolpe, 1973, pág. 139)

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174 ■ Terapia Comportamental

4. 0 procedimento de dessensibilização propriamente dita: O procedimento de dessensibilização consiste na exposição a estímulos eliciadores de an­siedade e na neutralização da ansiedade por meio do relaxamento. É pos­sível encontrar na literatura algumas variações na sua aplicação, como o uso de computadores e fita cassete, a dessensibilização em grupo, a dessen­sibilização vicariante - que se beneficia da observação de outros indiví­duos que se expõem ao evento ansiógeno, entre outras.

A Dessensibilização Sistemática pode ser desenvolvida por imaginação ou pela exposição ao vivo ao evento eliciador de ansiedade enquanto são aplicadas as téc­nicas de relaxamento. Para alguns tipos de eventos, a única forma de exposição possível é por meio de imaginação (como no caso descrito no Quadro 11.4) pois nem sempre é possível a ocorrência sistemática dos eventos para a realização do procedimento. No entanto, a literatura tem apontado a dessensibilização gradual e ao vivo como mais eficaz que outras formas de aplicação da técnica na maioria dos casos (Vera e Vila, 1996). No presente trabalho, será enfantizada a dessensi­bilização ao vivo.

A Dessensibilização Sistemática ao Vivo parte dos mesmos pressupostos e do mesmo mecanismo da dessensibilização por imaginação, porém utiliza a exposi­ção direta aos estímulos que eliciam ansiedade. Uma característica importante desse método de aplicação da técnica é que, por causa da própria situação de aplicação, em alguns momentos não é possível realizar o Relaxamento Progressivo concomitantemente à exposição ao evento ansiógeno. Por essa razão, algumas variantes mais simples do treino de relaxamento, ou ainda treino de respiração podem ser utilizados. O Quadro 11.5 apresenta uma hierarquia de situações ansiógenas utilizada para exposição ao vivo em uma cliente com fobia de elevador:

Quadro 11.5 - Hierarquia de eventos ansiógenos para uma cliente com fobia de elevador

1. A 6 metros do elevador, pensando em entrar nele2. A 3 metros do elevador3. Ao pé do elevador4. Apertando o botão para chamar o elevador5. Abrem-se as portas do elevador e prepara-se para entrar nele6. Subindo no elevador vazio7. Subindo no elevador cheio8. As portas do elevador se fecham e ele começa a subir em um edifício com menos de dez andares9. Estando dentro de um elevador em um edifício de dez a vinte e cinco andares

10. Estando dentro de um elevador em um edifício com mais de vinte e cinco andares11. Em um elevador qualquer que pára entre dois andares enquanto ela se encontra dentro dele

(Adaptado deTurner, 1996, pág. 193)

Um aspecto da dessensibilização ao vivo a ser lembrado é que, apenas quando o cliente não apresenta nenhuma ansiedade frente a algum evento da hierarquia, parte-se para o evento seguinte (Turner, 1996).

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Dessensibilização Sistemática ao Vivo ■ 175

Para realizar a dessensibilização ao vivo, quando o caso exige muitas horas de atendimento, uma alternativa é o uso de Acompanhantes Terapêuticos. Como a técnica não exige grandes conhecimentos teóricos, o treinamento de estudantes de Psicologia pode permitir um trabalho de qualidade a um custo viável (Zamignani eWielenska, 1999).

ALGUMAS QUESTÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICASAlgumas questões merecem ser levantadas quanto à aplicação e fundamenta­

ção teórica da dessensibilização ao vivo.Primeiramente, o conceito de inibição recíproca tem sido questionado como

o mecanismo responsável pelo resultado da técnica, que parece ser mais bem explicada por outros processos comportamentais. Diversas teorias alternativas foram desenvolvidas para explicar a eficácia da dessensibilização, mas nenhuma delas prevaleceu sobre as demais na construção de uma explicação consistente para o funcionamento da técnica (Turner, 1996; Kazdin, 1978). Alguns autores sugerem que a diminuição da ansiedade obtida por meio da dessensibilização se deve apenas à exposição ao estímulo eliciador, levando à habituação, o que colo­ca em dúvida o princípio da inibição recíproca como responsável pela mudança comportamental (Turner, 1996). Alvarez (1996), por sua vez, questiona a natureza mecanicista do conceito de inibição recíproca:

"...Wolpe supõe a ansiedade com o um processo interm ediário entre o estímulo e a resposta, de m odo que esta se converte no objeto da mudança.A ansiedade vem a ser um a espécie de 'montante de energia' ou drive suscetível de ser quantificado, descomposto e reduzido pouco a pouco. As operações terapêuticas, por exem plo, a dessensibilização sistem ática , parecem destinadas a repor o equilíbrio do sistema nervoso, de modo que se destinariam a inibir uma parte excitada por meio da ativação de sua antagônica. Uma explicação, por demais, mecanicista” (pág. 29).

Em segundo lugar, apesar da técnica ser efetiva para a eliminação de algumas respostas fóbico-ansiosas, para outros problemas como o comportamento obses­sivo-compulsivo ou tiques, as pesquisas não demonstraram resultados satisfatórios (Salkovskis, 1997); a exposição com prevenção de respostas é uma técnica que tem mostrado maior eficácia nesses tipos de caso. Nas últimas décadas, mesmo para o tratamento de problemas relacionados a fobias - para os quais a dessensi­bilização apresentou melhores resultados - houve um declínio na utilização da dessensibilização sistemática, em preferência à técnica de exposição em situação natural, em virtude da constatação de que a última, mais que a exposição gradual ou o relaxamento, é eficaz para reduzir a ansiedade condicionada (Hawton, Salkovskis, Kirk e Clark, 1997).

Em comparação com a técnica de exposição, que foi desenvolvida poste­riormente, a Dessensibilização Sistemática apresenta algumas vantagens, como a pouca aversividade (pela associação com o relaxamento) e desvantagens como a menor probabilidade de ocorrência da habituação (melhor obtida sem a utilização

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176 ■ Terapia Comportamental

da resposta incompatível). Apesar de sua pouca eficácia na obtenção de resultados definitivos, a aversividade baixa dessa técnica permite que ela seja utilizada como um procedimento introdutório para a aplicação do procedimento de exposição. Em casos nos quais a dificuldade do cliente em entrar em contato com os estímulos eliciadores de ansiedade é muito intensa, a técnica de dessensibilização pode ser utilizada como a primeira etapa, menos aversiva, da exposição.

É importante considerar que, embora a técnica de dessensibilização seja pouco utilizada nos dias atuais, o trabalho de Wolpe e todas as pesquisas desen­volvidas a respeito da dessensibilização são precursores fundamentais do desen­volvimento da maioria das técnicas comportamentais atualmente difundidas nos tratamentos dos transtornos de ansiedade.

R e f e r ê n c ia s

ALVAREZ, M. P. La psicoterapia desde el punto de vista conductista. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, 1996.

HAWTON, K., SALKOVSKIS, P. M„ KIRK, J„ CLARK, D. M. Desenvolvimento e princípios das abordagens cognitivo-comportamentais. In: HAWTON, K., SALKOVSKIS, P. M., KIRK, J. e Clark, D. M. (Org.) Terapia Cognitivo-comportamental para problemas psiquiátricos: Um guia prático. São Paulo: Martins Fontes, 1997. c.1. p. 1-17.

JACOBSON, E. Progressive Relaxation. Chicago: University of Chicago Press, 1938.KAZDIN, A. E. History of Behavior Modification. Baltimore: Univeristy Park Press, 1978.SALKOVSKIS, P. M., KIRK, J. Distúrbios Obsessivos. In: HAWTON, K., SALKOVSKIS, P. M„ KIRK, J.,

CLARK, D. M. (Org.) Terapia Cognitivo-comportamental para problemas psiquiátricos: Um guia prático. São Paulo: Martins Fontes, 1997. c .5. p. 186-239.

TURNER, R. M. A Dessensibilização Sistemática. In: CABALLO, V. E. Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento. São Paulo: Santos Editora, 1996. c .10. p. 167-195.

VERA, M. N., VILA, J. Técnicas de relaxamento. In: CABALLO, V. E. Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento. São Paulo: Santos Editora, 1996. c.9. p. 147-165.

WOLPE, J. Prática da Terapia Comportamental. Brasília: Editora Brasiltense, 1973.ZAMIGNANI, D. R., WIELENSKA, R. C. Redefinindo o papel do acompanhante terapêutico. In:

KERBAUY, R. R., e WIELENSKA, R. C. (Org.) Sobre Comportamento e Cognição. v.4. Santo André: Arbytes, 1999. c. 18. p. 157-165.

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C A P I T U L O

Sistemática por Imagens

M árcia da R . P itta F er r a z

A Dessensibilização Sistemática (DS), uma técnica tera­pêutica derivada de procedimentos de aprendizagem, é amplamente empregada em casos de comportamentos de evitação, fobias ou outros padrões de comportamento que envolvem respostas de ansiedade. Essas respostas com­põem-se de elementos associados a uma descarga do sistema nervoso autônomo, predominantemente, da divisão sim­pática: taquicardia, aumento de pressão arterial, hiperpnéia, sudorese, midríase, piloereção, diminuição de salivação.

A técnica consiste em levar o cliente a desenvolver respostas contrárias às de ansiedade, numa primeira eta­pa e, posteriormente, colocá-lo em situações gradualmen­te controladas em que a estimulação aversiva esteja presente. Isso pode ser feito por meio da imaginação ou ao vivo. O presente texto tratará da técnica de DS por ima­gens visualizadas mentalmente pelo indivíduo.

A DS é um procedimento de contracondicionamento onde são apresentados estímulos reforçadores e aversivos, simultaneamente. O resultado obtido é uma diminuição da freqüência das respostas de esquiva e de ansiedade, mesmo na presença de um estímulo com propriedades aversivas.

As aplicações das técnicas do contracondicionamento foram relatadas por Jones (1924), mas a técnica da DS foi desenvolvida mais tarde por Wolpe (1958), que a aplicou numa grande variedade de transtornos comportamentais. Wolpe fundamentou-se nos experimentos clássicos de Pavlov (1927) sobre neuroses experimentalmente induzi­das. Pavlov condicionou um choque elétrico fraco ao com­portamento de comer num cachorro. O choque foi sendo

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178 ■ Terapia Comportamental

gradualmente intensificado, enquanto o animal emitia a resposta de comer, até tornar-se extremamente forte. O cachorro continuou a emitir a resposta de comer e não apresentou nenhuma resposta de esquiva ao choque. Após várias repetições do procedimento, fortes descargas elétricas provocavam somente a resposta de comer.

Outros estudos com animais de laboratório descreveram respostas de esquiva e ansiedade a um estímulo previamente neutro do contexto, quando o mesmo era pareado com estimulação aversiva. Wolpe (1958) descreveu experimentos nos quais as respostas de ansiedade em animais eram instaladas pela aplicação de descargas elétricas que inibiam seu comportamento de comer. Posteriormente, demonstrou que as respostas de ansiedade poderiam ser eliminadas, pareando-se um estímulo não-aversivo (comida) com a aproximação gradual do animal à jaula onde, ante­riormente, havia recebido choques elétricos. Wolpe concluiu que as respostas de ansiedade eram reduzidas pela inibição de uma resposta (comer) por outra (medo). Ele propôs a explicação para a redução das respostas de ansiedade nos animais pelo conceito teórico da inibição recíproca.

O termo inibição recíproca foi introduzido inicialmente por Sherrington (1947) e se refere à inibição de um reflexo medular por outro, como ocorre quando um nervo aferente causa relaxamento de um músculo contraído por estimulação con­tralateral. Esse conceito se aplica às situações em que a eliciação de uma resposta parece provocar a diminuição na força de uma resposta simultânea (Wolpe, 1958). Segundo esse autor, as conexões normais entre os choques elétricos e as reações de defesa do animal foram inibidas neurofísiologicamente. A resposta de comer envolve uma inibição recíproca a de esquivar-se do estímulo aversivo, o que expli­caria por que, mesmo com níveis elevados de intensidade de choque, a resposta de comer continua a ocorrer. Wolpe estendeu essa explicação aos sintomas de an­siedade neurótica em seres humanos e desenvolveu o procedimento da Dessen­sibilização Sistemática.

Desde então, vários estudos foram realizados e demonstraram a eficácia da técnica de DS, a despeito da suposição teórica sobre a inibição recíproca. Bandura (1969) fez uma revisão desses estudos que investigam a eficiência da técnica e suas variáveis controladoras. Concluiu que os resultados obtidos indicam que as respostas autonômicas e as respostas de esquiva não se relacionavam de maneira causal e que o relaxamento não era o responsável pela diminuição de esquiva frente ao estímulo aversivo. Ambos, relaxamento e esquiva, parecem ser igualmente afe­tados no contracondicionamento e o relaxamento funciona mais como um facilitador do que como requisito fundamental para a mudança. O processo de dessensibilização aos estímulos aversivos seria alcançado induzindo atividades incompatíveis com as respostas de ansiedade na presença do estímulo eliciador. Esse efeito sobre o comportamento parecia embasar-se no fato de que os efeitos do condicionamento clássico podem funcionar como mediadores, principalmente por intermédio de mecanismos centrais sobre o comportamento instrumental aprendido. Nesse mesmo trabalho de revisão, Bandura apontou dificuldades metodológicas na realização dos experimentos e concluiu que o processo respon­sável pelo êxito da DS não foi esclarecido e muitas pesquisas deveriam ser feitas.

Wolpe (1958) e Bandura (1969) concluíram que três conjuntos de variáveis se­riam importantes no processo de dessensibilização, alguns necessários e outros apenas facilitadores:

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Dessensibilização Sistemática por Imagens ■ 179

1. A seleção de um estímulo neutro, que eliciasse respostas incompatíveis com as respostas emocionais e de esquiva evocadas pelo estímulo aversivo, como relaxamento muscular, alimentos, imagens agradáveis, respostas afetivas e medicações;

2. A seleção cuidadosa dos estímulos que provocariam as respostas de ansie­dade e esquiva em sua dimensão física e intensidade. A DS geralmente é conduzida selecionando-se estímulos aversivos e neutros por meio da imaginação, pela praticidade em sua aplicação. No entanto, nas situações em que apenas a indução verbal dos estímulos ameaçadores não leva às respostas de ansiedade, faz-se necessário o uso de estímulos com dimensão física (visual ou auditiva - fotos, projeção de slides, fitas gravadas etc.);

3. O processo da DS deve prever que os estímulos neutros e os aversivos sejam apresentados temporalmente de maneira próxima, um após o outro.

PROCEDIMENTO DA DESSENSIBILIZAÇÃO SISTEMÁTICA

O primeiro passo da DS é o treino do paciente em relaxamento e discriminação do seu nível de ansiedade. Diferentes técnicas de relaxamento podem ser utilizadas, como o relaxamento progressivo (envolve tensão e relaxamento dos diferentes grupos musculares), o relaxamento passivo (sem exercícios de tensão) e o rela­xamento autógeno (são elaboradas frases com a finalidade de induzir o estado de relaxamento por sensações físicas como peso, calor, tranqüilidade). É importante enfatizar para o cliente que o relaxamento é uma habilidade que deve ser apren­dida e praticada diariamente.

Inicialmente, Wolpe (1958) utilizava o relaxamento como meio de comunicação entre terapeuta e paciente para informar o nível de ansiedade que o paciente experienciava com apenas um sinal: levantar uma das mãos ao menor indício de ansiedade. Anos mais tarde, introduziu-se a Escala de Unidades Subjetivas de Ansiedade (SUDS) para graduar as situações de estímulo conforme seu potencial provocador de ansiedade. A SUDS tem várias utilizações, sendo empregada: na construção da hierarquia de ansiedade, na avaliação do estado de relaxamento atingido pelo paciente e como uma estimativa, para o terapeuta, do nível de ansie­dade do paciente durante todo o procedimento de apresentação das cenas amea­çadoras. Pede-se ao paciente para imaginar a cena mais amedrontadora que puder e se dá a ela o número 100. Em seguida, ele imagina a situação mais tranqüila e agradável que já tenha experienciado e, para ela, atribui-se o número 0. Esses serão os pólos extremos da escala. Pode-se também pedir que o paciente imagine uma cena intermediária que recebe o número 50. Conforme as cenas são apresentadas, o paciente deve atribuir números entre esses valores, com o objetivo de levá-lo a discriminar, cada vez melhor, as intensidades de suas respostas de ansiedade.

O segundo passo da DS é a construção da hierarquia de ansiedade, uma lista de situações de estímulo, as quais um paciente reage, relacionadas em termos de conteúdo e graduadas de acordo com a ansiedade que provocam. A hierarquia é construída colocando-se o item mais ameaçador (que teve a maior nota na escala

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180 ■ Terapia Comportamental

SUDS) no topo da lista e, o que provoca menor intensidade, é colocado abaixo. Então, um conjunto de estímulos de mesmo conteúdo é desenvolvido, com a ajuda do paciente, e organizado de acordo com o nível de ansiedade atribuído a cada item. O aumento de intensidade entre um item e o próximo deve variar em 10 unidades, de modo que cada hierarquia tenha cerca de 10 itens. Em alguns casos, é necessário que mais itens sejam introduzidos, de modo que os intervalos de intensidade entre eles ficam menores. A hierarquia de ansiedade é a base para a DS por imagens com o uso de relaxamento. Quando houver dificuldades para o paciente visualizar as cenas solicitadas, ele pode ser treinado para isso. Por exem­plo, mostrar a figura de umabola e solicitar que ele “veja” essa cena. A complexidade das cenas pode ser aumentada gradualmente ou podem ser utilizados recursos com fotos ou projeção de slides.

O trabalho de construção das hierarquias começa com a Análise Compor­tamental da história do paciente, que relata as diversas situações nas quais ele rea­ge com uma perturbação desproporcional ao esperado.O próprio paciente fornece os dados durante as sessões iniciais. Outras fontes de dados podem ser utilizadas, como o Fear Survey Schedule (Inventário de Medo)} desenvolvido porWolpe e Lang (1969). O terapeuta deve fazer uma Análise do Comportamento cuidadosa desde o início e durante todo o tratamento, identificando e intervindo nos fatores fun­damentais relacionados ao transtorno de ansiedade apresentado. Esse é um dos aspectos fundamentais para o êxito do procedimento.

O terceiro passo é a aplicação daDS propriamente dita. O paciente, nessa altura, deve estar treinado no relaxamento e na utilização da escala SUDS. A primeira sessão de uso da DS começa com o paciente sendo solicitado a relaxar tão profun­damente quanto possível. Ele precisa começar a imaginar uma cena que não produza ansiedade (o estímulo neutro). Deve-se ter o cuidado de assegurar que a cena seja visualizada tão vividamente quanto possível e que não sejam incorpo­rados quaisquer estímulos perturbadores. O terapeuta pede que ele imagine as cenas durante alguns segundos. Em seguida, pergunta ao paciente o grau de an­siedade que experimentou pela escala SUDS. Se ele atingiu um nível próximo de 0, é introduzida a cena mais fraca da hierarquia por alguns segundos, solicitando-se que o paciente atribua uma nota à ansiedade que a mesma despertou. O terapeuta, então, o conduz novamente ao estado de relaxamento com ansiedade próxima de 0. Reapresenta a cena anterior até que o paciente atinja o nível 0. Uma vez alcançado esse nível, apresenta-se o próximo item da lista e procede-se da mesma maneira, até se atingir o nível 0 novamente. Cada um dos itens é apresentado dessa forma ao paciente até que todo o conjunto seja esgotado. Deve-se ter o cuidado de não apresentar o próximo item cujo grau de evocação de ansiedade é maior, sem que o atual tenha atingido o nível 0. A hierarquia pode ser alterada ou o procedimento repetido sempre que o paciente relatar um aumento de ansiedade a um item que previamente havia atingido o nível 0.

Geralmente, as sessões de DS têm uma duração total de 60 minutos, desde o seu início, com o terapeuta retomando os acontecimentos anteriores à sessão, a introdução do relaxamento, a apresentação das cenas, o relaxamento final e o tér­mino da sessão. Caso não tenha se completado a hierarquia durante uma sessão, a seguinte se inicia pelo item corrente da lista. Pode ser necessária a construção

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Dessensibilização Sistemática por Imagens ■ 181

de mais de uma hierarquia de ansiedade a qual aborde outro conjunto de estímulos provocadores de ansiedade. Neste caso, utiliza-se outra lista quando a anterior estiver completa.

Wolpe (1969) relatou que o número total de sessões requerido é variável mas, em geral, fica entre dez e vinte e cinco. Esse número varia de acordo com as ca­racterísticas do cliente, da intensidade da fobia, do tamanho da escala e, por essas razões, não se deve prender-se a ele.

A seguir são relatados dois exemplos de caso que pretendem ilustrar a utilização da DS em situação clínica.

CASO 1C é uma jovem de 18 anos, solteira, estudante do 29 ano do curso de Turismo,

residente na cidade de São Paulo. Procurou a clínica com a queixa de haver desen­volvido medo de andar de metrô. Vinha utilizando esse meio de transporte há 1 ano e meio, desde que havia entrado na faculdade. Até então, sua mãe era a res­ponsável por levá-la e pegá-la na escola. C relatou que, aos 8 anos, teve um pro­blema pulmonar importante (bronquiectasia), que a levou a ter um brônquio lesado e a requerer cuidados médicos rigorosos para evitar um processo cirúrgico, algo que a assustava muito. Além disso, foi desenvolvendo uma rinite que acumu­lava líquido no ouvido, provocando tonturas e zumbidos constantes. Essa situa­ção a tornou dependente de cuidados mais intensos e acompanhamento médico constante. Com o tempo, mesmo com seu quadro médico controlado e em franca melhora, ela foi deixando de sair com amigos e passou a evitar situações que pudessem desencadear uma gripe, como entrar em piscina, mar, beber gelado, sair em noite fria, tomar chuva etc. C passava a maior parte do seu tempo livre em casa. Por ocasião de sua entrada na faculdade, sua mãe intensificou seu trabalho como pro­fessora, o que a obrigou a usar o metrô para se locomover. C tinha habilitação para dirigir mas não tinha coragem porque poderia sentir-se mal. Cerca de 3 semanas antes de ir pela primeira vez ao consultório, esperando o metrô com uma amiga, C se sentiu tonta, relatou dificuldades para respirar e forte zumbido no ouvido. Não entrou no vagão, com medo de piorar, começou a tremer e voltou para casa, ajudada pela amiga. No dia seguinte, não conseguiu entrar no metrô novamente. A partir disso, com medo de uma nova crise, não queria mais ir para a faculdade e estava disposta a desistir dela, apesar de ser boa aluna e gostar do curso. Fez vários exames médicos, os quais asseguraram que o episódio não havia sido desenca­deado por uma piora no seu quadro orgânico estável e com bom prognóstico. Foi encaminhada para uma avaliação psicológica. Após algumas entrevistas com C, optou-se por iniciar a abordagem às suas dificuldades pelo medo de andar de metrô, uma vez que ela já havia perdido um grande número de aulas e isso poderia comprometer seu curso em curto prazo de tempo. A técnica escolhida foi a DS, que passou pelas seguintes etapas:

1. Treino em relaxamento e utilização da escala SUDS: Essa fase apresentou dificuldades porque C não conseguia relaxar na posição deitada, pela difi­culdade respiratória. Foi usado relaxamento progressivo (lacobson) na

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182 ■ Terapia Comportamental

posição sentada. Após duas sessões, C conseguiu atingir o relaxamento e a visualização de uma cena que não evocava ansiedade. Praticava esse exer­cício em casa, diariamente, como tarefa e descrevia como tinha sido seu desempenho num diário de atividades. Utilizava adequadamente a escala SUDS - sempre que solicitada, atribuía uma nota compatível com os sinais de tensão observados pela terapeuta.

2. Construção da hierarquia: A partir da terceira sessão começou a se cons­truir a hierarquia que constou do conjunto de itens que segue abaixo, com intensidade crescente de nível de ansiedade.Como cena agradável (neutra): estar deitada no seu quarto, em casa.2.1 - A mãe bate na porta do quarto, avisando o horário de sair (10);2.2 - C se levanta (20);2.3 - Trocando de roupa (30);2.4 - Saindo do quarto (40);2.5 - Chegando na rua (50);2.6 - Andando pela rua sozinha (60);2.7 - Chegando à estação do metrô (70);2.8 - Passando pela catraca, em direção à plataforma do metrô (80);2.9 - Descendo as escadas (90);2.10 - Entrando no vagão do metrô (100).

3. Dessensibilização Sistemática: Foram apresentados todos os itens da hie­rarquia, em ordem crescente de nível de ansiedade atribuído por C. A cena agradável era reintroduzida após a apresentação e visualização de cada item da hierarquia. C repetia os passos da hierarquia em casa e fazia um diário no qual registrava as notas que havia atribuído para cada item e as possíveis dificuldades que ocorressem.

Na terceira semana, com a hierarquia preenchida várias vezes, em casa e no consultório, ela resolveu ir sozinha à faculdade de metrô. Relatou que sentiu muito medo mas resolveu enfrentá-lo. Praticou o relaxamento dentro do vagão e percebeu a ansiedade diminuindo. Ficou tranqüila na volta para casa. A partir deste episódio, C decidiu sair sozinha para outros lugares e enfrentar suas sensações físicas.

Com o prosseguimento das sessões, foram estabelecidas novas metas de tra­tamento, que incluíram um treinamento de habilidades sociais. Após 8 meses de terapia, as sessões passaram a ser mensais. C continuava utilizando o metrô sozinha, começou a dirigir nos finais de semana e a ter mais contato com pessoas de sua idade. Após o término das sessões, C passou a trabalhar como estagiária numa agência de turismo, longe de sua casa, e continuava mantendo as melhoras conseguidas.

CASO 2T é uma menina com nove anos de idade, no início da terapia, freqüentando a

3- série do ensino fundamental. Foi encaminhada pela pediatra para uma avaliação psicológica. Os pais se queixavam que havia 2 meses que T não dormia mais sozinha no seu quarto, indo todas as noites para a cama dos pais. T apresentava dores difusas no abdome, dores de cabeça e dizia ter muito medo de perder os pais. Suas

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Dessensibilização Sistemática por Imagens ■ 183

notas haviam piorado na escola e estava com problemas de relacionamento com as amigas. Os pais não conseguiam identificar nenhum acontecimento fora da rotina que pudesse relacionar-se às queixas atuais. Sua mãe dizia que T era auto­ritária com amigas e primos com os quais convivia bastante. Na sua história de vida, T teve algumas complicações no nascimento que ocorreu no início do 99 mês de gestação. Os pais ficaram muito aflitos pois haviam passado por uma ges­tação anterior interrompida no 42 mês. Aos 2 anos, T teve desidratação e pneumo­nia e foi hospitalizada. Seus pais ficaram preocupados e mostravam ansiedade frente a qualquer sinal de doenças em T. Eles possuíam dificuldades em colocar limites, sendo muito permissivos com as duas filhas. T se impressionava facilmente com filmes e histórias que lhe contavam. Brincava bastante tempo sozinha, fanta­siando situações. Seus pais diziam “Ela não quer crescer.” A partir de observações realizadas em sessões de terapia individuais e em situações de grupo, observou-se que T possuía um nível intelectual adequado para sua idade, apresentava bom relacionamento com a terapeuta, mas tinha dificuldades no relacionamento com as crianças do grupo pois não iniciava conversas e só respondia ao que era neces­sário. Para ela, o horário de dormir era muito difícil e procurava prolongar ao má­ximo o momento de ir para a cama, o que significava sempre uma briga com seus pais, que acabavam por deixá-la ir para o quarto deles. A família, da religião espí­rita, afirmava que T era muito sensitiva, tinha dons mediúnicos e poderia estar tendo problemas com isso. Depois de algumas sessões individuais, T disse que nunca mais dormiria no seu quarto porque sua irmã (com 12 anos) e sua prima (10 anos) haviam visto seu avô falecido lá, passando, então, a estar certa de que isso iria acontecer com ela também. T ficou pálida, chorou, dizia que sua barriga doía e foi para o colo da terapeuta, que procurou acalmá-la e questionar a veraci­dade dessa narrativa. Não foi possível fazê-la sequer duvidar, mas ela concordou em tentar voltar para o quarto bem devagar.

Optou-se pela DS por imagens e orientação com a família. Na primeira etapa da DS, foi utilizado o relaxamento progressivo de Jacobson. Como cena neutra, T escolheu visualizar a si mesma e toda a sua família brincando na piscina do sítio. Ela colaborou muito bem e dizia gostar do relaxamento. Enquanto a DS era ini­ciada nas sessãos individuais, as de grupo prosseguiam, com o objetivo de identi­ficar dificuldades na sua interação com as outras crianças e modelar padrões mais adequados. A família participava de sessões de orientação com o objetivo de le­vantar conteúdos de crenças religiosas, filmes ou mesmo padrões de interação entre T e sua irmã que pudessem se relacionar às respostas de medo. Em nenhum momento foram questionadas as crenças religiosas da família, apenas ponderou- se que T estaria com problemas na maneira de interpretá-las, achando que veria um espírito no seu quarto. A família colaborou muito nesse sentido.

A segunda etapa , construção da hierarquia, foi feita juntamente com T e, com ordem crescente de intensidade de estímulos provocadores de ansiedade, era a seguinte:

1. T saindo da escola no final da tarde (10);2. Brincando na sala, antes do jantar (20);3. Tomando banho (30);

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184 ■ Terapia Comportamental

4. Colocando o pijama (40);5. Jantando (50);6. Brincando na sala, depois do jantar (60);7. Na escada, indo escovar os dentes (70);8. Escovando os dentes (80);9. No corredor, indo para seu quarto (90);

10. Na sua cama, dentro do quarto (100).

Não houve dificuldades para imaginar as cenas e as notas da escala SUDS eram atribuídas corretamente, ou seja, sempre que requeridas. T classificava seu nível de tensão com notas adequadas às respostas corporais que podiam ser observadas pela terapeuta (se ela estava com os maxilares tensos, ombros contraídos, mãos contraídas etc.)

Na terceira etapa, começou-se a dessensibilização, feita cuidadosamente, cada item sendo reapresentado até que se atingisse o nível 0 por três vezes. Só depois passava-se para o item seguinte. A cena agradável era reintroduzida após apre­sentação de cada um dos itens da hierarquia. Chegou-se ao final da lista em cerca de cinco sessões. T concordou em dormir no seu quarto. Depois de algum tempo lá dentro, sozinha, não conseguiu continuar ali, apresentando respostas de medo acentuadas. A sua mãe acabou ficando com ela até que pegasse no sono. Quando a mãe tentava sair, ela respondia com bastante ansiedade.

T começou a não querer ir para a escola e a se queixar de isolamento. As sessões individuais e de grupo prosseguiram. Numa delas, T disse que realmente os espí­ritos apareciam, sua irmã jurou que havia visto um e, como a terapeuta não acre­ditava neles, eles não apareciam para ela (terapeuta) mas sua família sabia que eles existiam (todos eram espíritas) e ela (T) ouviu os adultos conversando sobre os ruídos que ouviam na casa do sítio e que eram atribuídos às almas que haviam morado ali antes deles e que tinham sofrido muito (tinha ocorrido um suicídio). A terapeuta tentou um questionamento para essa afirmação: se os espíritos apare­cessem realmente para as pessoas, deveriam fazê-lo para quem acredita nisso e para quem não acredita também. O problema não era acreditar neles, mas que eles até o momento não apareceram para ninguém. Ela não argumentou mais.

As sessões com a família passaram a ser semanais. A mãe foi orientada a se retirar gradualmente do quarto na hora de dormir, a não responder às perguntas insistentes com relação a esse tópico desde a saída da escola, a reforçar compor­tamentos incompatíveis com as respostas de medo e a ignorar o choro quando saísse do quarto de T.

Nas sessões individuais se optou por outro procedimento. A terapeuta utilizou um livro infantil, que narrava a história de uma menina que tinha tanto medo do Lobo Mau que não saía mais de casa. No livro, a personagem acaba com seu medo quando o encara firmemente e transforma o lobo em bolo. T resolveu fazer o mesmo e, junto com a terapeuta, escreveu os nomes do que lhe provocava medo em pedaços de papel. Os papéis eram recortados para montar novas palavras com outro signi­ficado, geralmente inofensivo. A palavra “assombração” virou “brassomção”, “fan­tasma” se tranformou em “mastanfa” e assim por diante. Era uma tentativa de colocar o comportamento de ansidade deT sob outro controle de estímulos no qual se fez

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Dessensibilização Sistemática por Imagens ■ 185

um fad ingout da palavra ansiógena e ximfadingin de outras palavras. Satisfeita, T riu bastante e sugeriu que se fizesse o mesmo na situação de grupo. Ela mesma contou a história do livro e orientou os recortes. Fez o mesmo em casa, com as primas menores. Depois de duas semanas, comunicou à mãe que dormiria sozi­nha no seu quarto. Não houve mais recaídas. T fez mais 4 sessões individuais, após seu primeiro dia dormindo sozinha no quarto e passou a freqüentar somente as sessões de grupo. Seus pais continuaram as orientações, agora mensais. T melhorou seu relacionamento com as crianças do grupo e começou a participar de trabalhos em equipes na própria escola. Após 6 meses, ela começou o processo de alta. A duração total da terapia foi 20 meses. Contatos posteriores, que a própria T fez com a terapeuta, mostraram que os resultados positivos em relação ao medo se mantiveram e que seu desempenho na escola havia melhorado.

Os dois casos relatados ilustram a utilização da técnica de DS em clínica. No primeiro caso, a DS se mostrou um instrumento importante para aumentar a fre­qüência de comportamentos incompatíveis com as respostas de ansiedade frente a uma situação específica. O princípio teórico no qual se fundamenta a DS ainda não foi suficientemente esclarecido, mas sua eficácia é reconhecida e extensamente corroborada por numerosos estudos. No entanto, no caso da menina T, somente o uso da DS por imagens não se mostrou efetivo. Inicialmente, mostraram-se aspectos positivos ao eliminar as respostas de ansiedade dentro da situação clínica, mas a generalização desses resultados para as situações naturais não ocorreu. Foi neces­sário empregar um manejo de contingências dentro do ambiente familiar e a ex­posição em uma outra dimensão dos estímulos que provocavam as respostas de medo. A relação com a terapeuta também foi um dos elementos que contribuíram para atingir os objetivos propostos. Uma vez que respostas mais adequadas ocorre­ram, elas foram prontamente reforçadas pela terapeuta, pelas outras crianças do grupo (na clínica) e em ambiente natural (em casa, com os pais e primos), o que facilitou a ocorrência e manutenção desses comportamentos na escola e com os amigos. Nesse caso, a abordagem envolveu vários procedimentos para diferentes aspectos, combinando exposição gradual, eventos neutralizadores de ansiedade e reforçamento de comportamentos incompatíveis, o que foi mais efetivo na extinção dos comportamentos de esquiva do que a utilização de uma técnica isoladamente.

R e f e r ê n c ia s

BANDURA, A. Principies o f Behavior Modification. New York: Holt, 1969.BUARQUE, C. Chapeuzinho Amarelo. 7.ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1997. JACOBSON, E. Técnicas de Relaxamento. In: CABALLO, V. Manual de Técnicas de Terapia e Modi­

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___________________ CA PÍTU LO

Condicionamento Respondente: Algumas

Implicações para o Desenvolvimento de

Tolerância, Síndrome de Abstinência e Overdose1

M arcelo F rota B en ven u ti

Aquilo que fazemos pode ser explicado pela ação de diferentes mecanismos que regulam nossas interações com o ambiente. Falar de comportamento, no contexto da análise do comportamento, implica na identificação de di­ferentes relações entre aspectos do ambiente e nossas ações, ou seja, nossas respostas em relação a esses aspec­tos do ambiente. Falamos de comportamento operante quando estamos diante de respostas emitidas e mantidas pelas conseqüências produzidas no ambiente. A noção de operante permite entender como novos comportamentos podem ser modelados e mantidos por suas conseqüências e, assim, permite entender como nós passamos a ser dife­rentes uns dos outros, a partir de um processo de variação e seleção que ocorre na história de vida de cada pessoa.

1 Versão de trabalho apresentado no IX Encontro da ABPMC - Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental - Setembro de 2001, Campinas/SP.

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Condicionamento Respondente: Algumas Implicações para o Desenvolvimento... ■ 187

No comportamento respondente, ao contrário do que ocorre no comporta­mento operante, uma resposta não é modelada a partir de nossa história pessoal. Uma resposta presente em uma relação respondente faz parte do repertório de um organismo como membro de uma determinada espécie. Faz parte do conjunto de ações que um organismo é capaz de realizar sem que seja necessária qualquer história de aprendizagem. No comportamento respondente, essas respostas são eliciadas por estímulos específicos. Diante de um sopro de ar na direção do olho, pisca-se. Diante de uma leve batida no joelho, exibe-se a resposta de chutar. Dian­te de um susto, o coração bate mais rápido e o corpo sua frio. Nesses exemplos, respostas diferentes são eliciadas por estímulos específicos sem que qualquer ex­periência pessoal anterior seja necessária. Pode-se observar um bebê apresentan­do prontamente respostas como essas diante da estimulação adequada. A explicação da origem e da vantagem funcional de se apresentar certas respostas diante de certa estimulação do ambiente está na história da nossa espécie: a propensão para reagir de certa maneira diante de determinados aspectos do ambiente foi seleciona­da por contingências de seleção natural, na medida em que essa propensão pro­movia uma melhor adaptação de certos indivíduos de uma espécie ao seu ambiente.

Quando uma resposta é eliciada por um estímulo a despeito da experiência pessoal, diz-se que a resposta e o estímulo são incondicionais. Por convenção, chamamos o estímulo incondicional de US (do inglês, unconditional stimulus) e a resposta incondicional de UR (do inglês unconditional responses).

No início do século XX, o trabalho do fisiólogo russo Pavlov começou a mostrar que o processo hoje chamado de Condicionamento Respondente pode explicar como respostas selecionadas pela história de seleção natural ocorridas sob as novas situações, a depender da história individual (Pavlov 1934/1980). Seu trabalho des­pertou o interesse de psicólogos com diferentes concepções filosóficas para uma área que até então era de interesse quase específico da fisiologia. Muitos pesqui­sadores estudaram e discutiram o processo de Condicionamento Respondente e suas implicações para a compreensão do comportamento humano. Com isso, desde os estudos de Pavlov, o conhecimento a respeito desse processo se sofisticou. O início do estudo do Condicionamento Respondente foi marcado pelo entusiasmo em relação às possíveis extrapolações desse princípio para comportamentos mais complexos como se esse processo pudesse abarcar mais fenômenos compor­tamentais do que se sabe hoje serem possíveis. Pavlov chegou a falar de reflexo investigatório diante de respostas de orientação de uma pessoa em um ambiente novo ou de reflexo de autodefesa diante de situações nas quais um sujeito expe­rimental, a partir de respostas diversas, buscava se livrar de uma situação desa­gradável. A noção de condicionamento reflexo ou respondente esteve no centro do sistema proposto por Watson na primeira versão do behaviorismo e também apareceu como conceito central de várias outras versões do behaviorismo que se seguiram às propostas de Watson. Com o avanço da Análise Experimental do Com­portamento, contudo, passamos a ter cada vez mais claro quais dos nossos compor­tamentos podem ser explicados como respondentes.

O conhecimento do âmbito e das diferentes propriedades do Condicionamento Respondente tem possibilitado uma série de análises a respeito do comporta­mento humano e de técnicas de intervenção embasadas em suas propriedades.

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188 ■ Terapia Comportamental

Comportamentos respondentes podem interagir com outros comportamentos no nosso dia-a-dia, sendo especialmente importantes para se explicar os sentimentos ou as emoções. A Dessensibilização Sistemática é um exemplo de procedimento utilizado na prática do psicólogo que se fundamenta em algumas das propriedades conhecidas do Condicionamento Respondente. Os procedimentos de exposição e prevenção, utilizados para tratamento de distúrbios obsessivo-compulsi- vos, servem como exemplo de outros procedimentos aplicados que se valem, em parte, de propriedades do Condicionamento Respondente.

O estudo do processo de Condicionamento Respondente contribui à com­preensão dos mecanismos subjacentes aos fenômenos de desenvolvimento de tolerância, de dependência e de morte por uso de drogas ilícitas como a heroína ou de uso médico ou cotidiano, como a morfina ou o álcool. Esse conhecimento tem implicações importantes para a elaboração de técnicas especiais para o tra­tamento do uso abusivo dessas drogas, podendo explicar e ajudar a evitar a rein­cidência de uso dessas substâncias depois do tratamento especializado. O objetivo desse capítulo é apresentar uma descrição breve do processo de Condicionamento Respondente e mostrar algumas das implicações desse princípio para a compreensão dos efeitos de diferentes drogas.

CONDICIONAMENTO E EXTINÇÃO RESPONDENTESCondicionamento Respondente ocorre quando um elemento qualquer do

ambiente (um estímulo) passa a se associar a uma relação respondente incondicio­nal. Determinada a associação entre esse novo estímulo e a relação incondicional, o novo estímulo elicia uma resposta que antes não era eliciada por ele. Pavlov, em seus estudos com a salivação condicional, mostrou o que passou a ser o exemplo paradigmático do Condicionamento Respondente. Alimento na boca de um cão pro­voca salivação. Pode-se dizer que a comida funciona como um estímulo incondi­cional (US) que provoca uma resposta incondicional confiável - salivação (UR). Os passos de uma pessoa em uma sala experimental, no início, não têm esse efeito pois não produzem salivação. Na medida em que os passos dessa pessoa estão sistematicamente associados à apresentação do alimento, na medida em que pas­sos precedem sistematicamente o alimento, eles passam a funcionar como estí­mulos que, mesmo a despeito do alimento, eliciam a salivação do cão. A nova relação entre estímulos e respostas, passos produzidos e salivação, é condicional à primeira: alimento produzindo salivação. O termo condicional, nesse contexto, significa que a nova relação depende da outra tanto para sua origem como para sua manutenção. Por convenção, chama-se o estímulo condicional de CS (do inglês conditional stimulus) e a resposta condicional de CR (do inglês conditional responses). No exemplo, os passos da pessoa são caracterizados como um CS e a salivação que surge, na seqüência dessa estimulação específica, como uma CR.

Várias situações envolvendo nosso próprio comportamento podem ser usadas como exemplos nos quais o Condicionamento Respondente está envolvido. Saliva­mos diante de alimentos e também diante de uma série de outras situações que, em nossa história de vida, estão associadas com o aparecimento de alimento: cheiro ou a visão do alimento, pratos e talheres, os ponteiros do relógio indicando a proximidade da hora do almoço.

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Condicionamento Respondente: Algumas Implicações para o Desenvolvimento... ■ 189

0 princípio de Condicionamento Respondente explica o funcionamento do detector de mentiras. Estimulação aversiva pode funcionar como US que provoca sudorese como UR. Esse UR, por sua vez, aumenta a condutividade elétrica da pele. Quando alguém é sistematicamente punido por mentir, a resposta de mentir passa a se associar à apresentação de estimulação aversiva. Dessa maneira, mentir pode produzir reações semelhantes àquelas produzidas por punição. Quando mente, uma pessoa pode passar a apresentar sudorese como CR. Essa sudorese, por sua vez, pro­duz aumento na condutividade elétrica da pele que pode ser detectada por um equi­pamento especial, o detector de mentiras, que nada mais faz do que medir o efeito da resposta condicionada sobre a condutividade elétrica da pele. O exemplo da sudorese eliciada é especialmente interessante porque nos permite entender como algumas das respostas autonômicas que caracterizam “ansiedade” aparecem em uma diver­sidade de situações que diferem da situação original responsável pela “ansiedade”.

Alimento estragado pode produzir respostas que caracterizam um forte enjôo como reação incondicional. O sabor desse alimento, por estar associado à ingestão do alimento estragado, funciona como um poderoso CS que passa a provocar uma CR característica, muito semelhante às reações antes produzidas pelas proprieda­des químicas do alimento estragado. Experiências de intoxicação levam, freqüente­mente, à aversão condicional a gosto: depois da intoxicação, por muito tempo, o simples gosto do alimento responsável pela intoxicação produz enjôo condicional.

Ao se descrever o processo de Condicionamento Respondente, emprega-se uma linguagem mentalista e diz-se que alguém associa a função de um estímulo com a função de outro e, por isso, passa a exibir respostas condicionais. Contudo, “associar” no Condicionamento Respondente, não é uma ação de alguém, não é algo que alguém faz e que explica a criação da nova relação. Condicionamento Respondente é um processo básico, a partir do qual se passa a exibir respostas previamente selecionadas pela história de nossa espécie diante de novos elementos do ambiente. A associação dos estímulos é feita pelo ambiente, não pelo sujeito.

Na verdade, a mera associação entre um estímulo e outro não é uma explicação completa para o processo de condicionamento. Durante algum tempo, a linguagem do condicionamento tratou da sua explicação a partir da noção de pareamentos ou associações entre estímulos (Catania, 1998). Contudo, a pesquisa básica com Condicionamento Respondente tem demonstrado que a mera associação, ou pa- reamento, entre US e outro estímulo neutro não é condição suficiente para haver o condicionamento. O Condicionamento Respondente depende de uma relação de contingência entre CS e US. Rescorla (1988) pontuou que o Condicionamento Respondente depende de quanto o CS provê de informação para uma relação incondicional. “Informação” é um termo que pode assumir muitos significados a depender de diferentes posições teóricas em Psicologia. Pode-se dizer que um es­tímulo é “informativo” simplesmente porque que ele precede confiavelmente ou­tro, no sentido de uma relação de contingência, uma relação “se... então.. entre um estímulo e outro incondicional.

A identificação das relações de contingência entre um estímulo e outro ajuda a determinar quando há maior ou menor probabilidade de um estímulo se tornar um estímulo condicional. Pode-se criar uma história de associações entre um tom e apresentação de comida, de maneira que o tom passe a funcionar como CS para a

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190 m Terapia Comportamental

resposta de salivação condicional. Contudo, se o mesmo tom é apresentado em muitos outros momentos diferentes sem relação com o alimento ou, se o alimento é apresentado sem que o tom o tenha precedido em outros momentos, a força desse tom como CS será menor, podendo nem se tornar um CS efetivo em eliciar salivação. O tom pode ser pareado com o alimento, mas se as relações entre tom e alimento são inconsistentes não há condicionamento.

Um outro exemplo com a sudorese eliciada e o detector de mentiras: a eficácia desse equipamento para detectar alguém mentindo depende se essa pessoa tenha uma história prévia consistente de associação entre mentir e punição. Se não existe essa história, o detector de mentiras não tem qualquer validade. Também pode não haver condicionamento se alguém tem uma história na qual é punido, ora por mentir, ora por fazer qualquer outra coisa ou se é punido independentemente do que faça. A ausência de contingência entre mentir e punição é suficiente para evitar que o mentir se torne condição para o aparecimento da sudorese condicional, o que enviesa o resultado no detector mesmo que a pessoa testada de fato esteja mentindo. A ausência de contingência, nesse caso, pode até mesmo explicar porque alguém se mantém “frio” e “impassível” diante de situações que, para a maioria das pessoas, teria gerado uma série de reações condicionais autonômicas desagradá­veis ou, ainda, porque alguém, ao contrário do caso anterior, apresenta fortes rea­ções condicionais autonômicas diante de muitos elementos do ambiente.

Uma relação incondicional depende de certo número de associações entre CS e US para existir: essas associações são também importantes para a manutenção da relação condicional. Na medida em que o CS é apresentado, isso elicia uma CR. Contudo, se é feito sem que o US seja apresentado logo em seguida, a relação con­dicional se enfraquece ao ponto do CS perder completamente seu valor. Chama- se isso de extinção respondente. Se o alimento deixa de ser apresentado logo depois do tom ou dos passos do experimentador, lentamente, esses eventos, tom ou pas­sos, vão deixando de eliciar a salivação condicional. Na medida em que uma pessoa deixa de ser punida por mentir, o mentir vai perdendo o seu poder de CS. As rela­ções condicionais dependem sempre da associação sistemática com as relações incondicionais, seja para a aquisição ou para a manutenção da relação aprendida.

Muitas implicações para a compreensão do comportamento humano podem se depreender do conhecimento acumulado sobre algumas das variáveis embutidas no processo de Condicionamento Respondente. Entre essas, serão tratadas, a se­guir, algumas implicações para fenômenos relacionados ao consumo de drogas, como o desenvolvimento de tolerância, a síndrome de abstinência e a overdose.

CONDICIONAMENTO DE RESPOSTAS COMPENSATÓRIAS, TOLERÂNCIA, SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA E OVERDOSE

O pesquisador canadense Siegel eta l estudaram, sistematicamente, as relações entre efeitos de drogas e Condicionamento Respondente (Siegel, 1989; Siegel, Baptista, Kim, McDonald e Weise-Kelly, 2000). Os estudos de Siegel et a l foram

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Condicionamento Respondente; Algumas implicações para o Desenvolvimento... ■ 191

realizados, principalmente, com drogas opioáceas, como a morfina e a heroína. Contudo, suas principais conclusões a respeito das relações entre drogas e Condicio­namento Respondente podem ser estendidas ao efeito de muitas outras drogas.

Drogas opiáceas produzem uma série de efeitos conhecidos: diminuição da sensibilidade à dor, aumento da temperatura corporal, euforia, relaxamento e dimi­nuição da pressão arterial. Esses efeitos, contudo, passam a ser cada vez mais fracos ao longo de administrações sucessivas da droga, o que é descrito como desenvol­vimento de tolerância. Com a instalação da tolerância, é necessária uma quanti­dade cada vez maior da droga para se obter os mesmos efeitos das primeiras administrações até que se chegue em níveis nos quais, de início, o organismo não sobreviveria. Um usuário de heroína, por exemplo, pode chegar a consumir uma quantidade até 100 vezes maior da droga depois de desenvolvida a tolerância, sendo que o efeito sobre o organismo é semelhante ao das primeiras doses.

O primeiro efeito da interrupção do consumo de drogas é chamado de “síndrome de retirada” ou “síndrome de abstinência” A síndrome de abstinência é uma das principais evidências para se constatar o desenvolvimento de dependência química a uma droga. Com drogas opióides, os sintomas da síndrome de abstinência são bastante severos e desagradáveis, e incluem: dor e irritabilidade, insônia, diminuição da temperatura do corpo, aumento da pressão arterial, diarréia, entre vários outros sintomas que podem, inclusive, constituir uma nova motivação para retomar ao consumo da droga: ela passa a ser consumida para evitar os sintomas desagradáveis provocados pela abstinência.

Os efeitos de uma droga sobre um organismo são vistos como reações incon­dicionais à droga. Durante a aplicação de uma droga como a morfina ou a heroína, por exemplo, são eliciadas respostas que, de certa forma, compensam os efeitos iniciais e mais característicos da droga. Conforme foi pontuado por Siegel e Allan (1998), esse fato tem relação com a noção de homeostase: diante de um distúrbio fisiológico, um organismo reage com processos regulatórios que se opõem ao dis­túrbio fisiológico, compensando os efeitos desse distúrbio e restabelecendo o equi­líbrio fisiológico anterior. Esse processo regulatório e os efeitos iniciais da droga são incondicionais e se desencadeiam em virtude da experiência do organismo em receber a droga, seja ele um sujeito experimental no laboratório, um usuário iniciante ou um usuário habituado à droga.

O trabalho de Siegel et a l demonstra como o processo regulatório eliciado pela ingestão de uma droga como a heroína pode se tornar condicional aos eventos associados à ingestão da droga. Assim, a partir do Condicionamento Respondente, o processo regulatório, compensatório em sua natureza, pode ser eliciado por um estímulo condicional associado, sistematicamente, à ingestão da droga.

As implicações da possibilidade do condicionamento de respostas com­pensatórias são que o próprio desenvolvimento da tolerância a uma droga pode ser explicado, em parte, como uma instância de Condicionamento Respondente. Estímulos condicionais associados à administração da droga produzem, quan­do presentes, os efeitos opostos aos da droga. A própria condição de aplicação pode funcionar como CS que produz os efeitos compensatórios condicionados que, por sua vez, exigem cada vez uma quantidade maior de droga para produzir os efeitos iniciais.

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192 ■ Terapia Comportamental

A apresentação dos estímulos condicionais que antecederam à ingestão da droga também pode ser suficiente para produzir os sintomas da síndrome de absti­nência, característicos da interrupção de uma droga como a heroína ou a morfina. Na medida em que certos aspectos do ambiente funcionam como “dicas” para os efeitos da droga, a simples apresentação delas pode desencadear todos os sintomas condicionais que caracterizam a síndrome de abstinência, ou seja, os efeitos opostos aos produzidos pela ingestão da droga. Nesse sentido, a síndrome de abstinência é caracterizada pela própria CR eliciada pelas “dicas” presentes nas administra­ções da droga. Desse modo, a tolerância e a síndrome de abstinência para drogas opióides e outras, como nicotina, cafeína, álcool e cocaína, são explicados pelo me­canismo de Condicionamento Respondente que produz as respostas opostas às ocorridas na administração inicial da droga.

O relato de um caso envolvendo um usuário de drogas evidencia o papel do Condicionamento Respondente na produção dos sintomas que caracterizam a “síndrome de abstinência” e mostra como o Condicionamento Respondente pode se envolver na retomada do consumo de drogas. Nesse caso, relatado por O’Brien (1976), um ex-usuário de heroína apresentou fortes sintomas de abstinência durante os primeiros 4 ou 5 dias em que esteve preso e afastado das drogas, passando a se sentir bem depois disso. Ao sair da prisão, 6 meses depois, voltou a sentir os mesmos sintomas de síndrome de abstinência que sentira na prisão. Como relata O' Brien:

“No caminho para casa depois de deixar a prisão, ele começou a pensar em drogas e sentir-se nauseado. Ao se aproximar do metrô, parou, começou a suar, a lacrimejar e a passar m al Este era o lugar no qual ele freqüentemente havia experimentado sintomas de abstinência enquanto tentava comprar drogas(...) no dia seguinte ele continuou experienciando forte desejo pelas drogas e sintomas de abstinência em seu bairro(...) logo ele retomou o consumo de drogas” (pág. 533).

O'Brien (1976), a partir de sua experiência com o tratamento de ex-usuários de drogas, levantou algumas das situações ambientais que freqüentemente funcionam como “dicas” para o consumo de drogas. Entre essas situações, des­tacam-se: a visão de um colega utilizando a droga, o falar sobre drogas em um grupo de terapia, a visão de alguém utilizando drogas em fotos de campanhas antidrogas. A partir do processo de Condicionamento Respondente, essas são algumas das situações que, freqüentemente, funcionam como estímulos condi­cionais que provocam reações características da síndrome de abstinência ou um forte desejo de consumir droga. A apresentação não planejada dessas situações para um ex-usuário pode contribuir para a retomada do consumo de drogas. Essa constatação pode explicar o alto índice de reincidência depois de longos tratamentos de desintoxicação.

Além da tolerância e da síndrome de abstinência, o processo de condicio­namento também explica muito dos casos de overdose que, apenas aparentemente, são explicados pela administração de uma quantidade maior de droga do que aquela consumida habitualmente. Siegel (1984) examinou as condições sob as quais vários ex-usuários de heroína haviam sofrido overdose (sem morrerem) e descobriu que,

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Condicionamento Respondente: Algumas Implicações para o Desenvolvimento... ■ 193

para eles, o que havia de comum não era exatamente a administração de uma grande quantidade de heroína, mas a administração de uma grande dose (à qual eles já se mostravam tolerantes) de maneira ou em ambiente não usual. A ingestão da droga acontecia sem a presença daqueles estímulos condicionais que produziam as reações condicionais compensatórias as quais, de certa maneira, preparavam o organismo para a droga. Em um ambiente diferente ou com a ingestão de forma não usual, portanto, na ausência dos estímulos condicionais, o efeito incondicional era muito mais forte, podendo levar o organismo a um colapso e o indivíduo à morte.

As relações entre alguns dos problemas do consumo abusivo de drogas e o Condicionamento Respondente têm implicações importantes para o tratamento de ex-usuários. Essas relações apontam a importância dos procedimentos de ex­tinção respondente no tratamento de ex-usuários e para a importância do acom­panhamento do ex-usuário na volta ao seu ambiente original. Ao passo em que as dicas associadas à ingestão de drogas são apresentadas sem a associação com os seus efeitos, é enfraquecido o seu poder como CS, havendo probabilidades cada vez menores de se desenvolver tolerância, sintomas de abstinência e, conseqüen­temente, diminuindo as chances da reincidência ao consumo de tóxicos.

R e f e r ê n c ia s

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Page 207: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Manejo de Comportamentos Clinicamente Relevantes

M a r ia Z il a h da S ilva B r an d ão J o c elain e M a r tin s da S ilveira

DEFINIÇÃODo ponto de vista clínico, o manejo de comportamen­

tos importantes é a tarefa central do terapeuta. Todas as in­terações que o terapeuta estabelece com o cliente, desde o primeiro contato com ele, estão, direta ou indiretamente, implicadas no manejo de comportamentos a serem muda­dos. Em um sentido amplo, há comportamentos tanto do terapeuta quanto do cliente que são importantes para a pro­moção de mudanças comportamentais de interesse clínico. Mas, emprega-se a expressão Comportamentos Clinica­mente Relevantes apenas para designar certas classes de resposta apresentadas pelo cliente. As respostas dessas clas­ses são apresentadas pelo cliente durante a sessão, na interação com o terapeuta e em outros ambientes além do contexto clínico.

Kohlenberg e Tsai (1987/1991) distinguiram três compor­tamentos do cliente, que chamaram de Comportamentos Clinicamente Relevantes (CRB). Foram chamados pelos autores de CRB1, CRB2 e CRB3. O CRB1 é o comporta­mento do cliente que deve ter sua freqüência diminuída ao longo do tratamento. Trata-se do comportamento pro­blemático do cliente e que, freqüentemente, ocorre na sessão. Essa classe de respostas normalmente está sob o controle de estímulos aversivos e consiste em esquiva. O CRB2 é um comportamento do cliente cuja pouca for­ça está relacionada ao problema clínico. Portanto, é um comportamento de melhora do cliente que pode ser pouco

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Manejo de Comportamentos Clinicamente Relevantes ■ 195

freqüente nas sessões iniciais da terapia, mas que também ocorre na sessão. Os comportamentos verbais do cliente relacionados com a interpretação de seu próprio comportamento são chamados de CRB3. Portanto, os CRB3 envol­vem a observação e descrição do comportamento e dos estímulos reforçadores, discriminativos e eliciadores a ele associados.

Nesse capítulo, descrevem-se procedimentos para o manejo dos CRB du­rante a sessão de terapia, os quais são ilustrados com o relato de um caso clíni­co. O manejo dos CRB refere-se aos procedimentos empregados pelo terapeuta para produzir uma diminuição na freqüência do CRB1 e um aumento na fre­qüência dos CRB 2 e 3. Nos casos clínicos descritos, as variáveis não foram manipuladas experimentalmente, em condições controladas. Por isso, sempre que se fizer referência às classes de resposta, no texto, assume-se que são construídas hipoteticamente, considerando a relação entre as respostas e as variáveis controladoras.

p r in c íp io s d e a p r e n d iz a g e m im p l ic a d o s NO MANEJO DE COMPORTAMENTOS CLINICAMENTE RELEVANTES

O contexto clínico apresenta muitas, senão todas, as características requeri­das para a modelagem direta de comportamentos do cliente. Isso porque o reforçamento é mais efetivo quanto mais próximas forem as conseqüências no tempo e no espaço sobre as respostas apresentadas pelo cliente. Em razão disso, Kohlenberg e Tsai (1991) preconizam a modelagem direta de comportamentos do cliente durante as sessões de terapia.

De acordo com os autores, as ações do terapeuta durante as sessões de terapia afetam o comportamento do cliente por meio de três funções de estímulo: discriminativas, eliciadoras e reforçadoras. Cada ação do terapeuta envolve uma ou mais dessas funções. Kohlenberg e Tsai (1991) explicam que o estímulo discri­minativo se refere às circunstâncias nas quais certos comportamentos foram re­forçados e, portanto, ocorre nelas. Quando o terapeuta faz perguntas sobre um assunto, sinaliza ao cliente uma ocasião para que ele continue a falar sobre a mes­ma temática (e não sobre outra). Esse é um, entre os incontáveis, exemplos da função discriminativa de estímulo corrente na sessão terapêutica. O cliente pode começar a chorar enquanto fala do assunto indicado pelo terapeuta. Esse com­portamento respondente, o chorar, indica que alguma função de estímulo eliciadora está, possivelmente, presente na fala do cliente ou na interação com o terapeuta. Por último, as funções reforçadoras, as quais se referem às conseqüên­cias que afetam o comportamento do cliente. Por exemplo, se depois do cliente emitir verbalizações sobre sua condição de impotência ou incapacidade, o terapeuta deixa de exigir dele alguma colaboração com o processo terapêutico, pode estar, despercebidamente, reforçando (negativamente) a emissão de verbalizações desse tipo.

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196 ■ Terapia Comportamental

ALGUNS PRECURSORES NO MANEJO DE COMPORTAMENTOS CLINICAMENTE RELEVANTES NA SESSÃO

Em seu capítulo “Terapia do ponto de vista de um behaviorista” Ferster (1972) esclarece que a maneira mais eficaz de garantir a contiguidade das conseqüências às respostas é deixar que as primeiras sejam virtualmente automáticas à emissão das últimas. Isto é, a contiguidade tende a ser certa e consistente se prescinde da mediação de uma pessoa para a apresentação de uma conseqüência reforçadora. Quando isso acontece, diz-se que o reforçamento é natural, porque as conseqüências que seguem a resposta são virtualmente automáticas. É o que acontece quando a resposta de vestir um casaco é seguida pelo aquecimento do corpo. O reforçamento é dito artificial quando as conseqüências são arranjadas por um outro que as apresenta. Uma criança pode receber doces após vestir o casaco. Nesse caso, sua resposta de vestir o casaco não produz naturalmente o recebimento de um doce. Essa conse­qüência depende de uma outra pessoa.

Kohlenberg e Tsai (1987/1991) consideram que se o terapeuta tem consciência dos comportamentos de seu cliente a serem diminuídos de freqüência na terapia (CRB1) e daqueles que precisam ter sua freqüência aumentada (CRB2), ele tenderá a apresentar as conseqüências virtualmente automáticas às respostas do cliente na ses­são. Kohlenberg e Tsai sistematizaram uma forma de tratamento clínico, a terapia analítico-funcional (FAP), fundamentada filosoficamente no Behaviorismo Radical, que preconiza a modelagem direta de CRB na sessão e o uso do reforçamento natural, conforme proposto por Ferster (1972). A FAP é indicada para os casos de clientes com dificuldades para se relacionar intimamente ou casos de clientes que se queixam de transtornos em interações sociais e que são incapazes de descrever as suas causas.

DESCRIÇÃO TECNOLÓGICA DO MANEJO DE COMPORTAMENTOS CLINICAMENTE RELEVANTES

Desde que se adotou a FAP na prática clínica das autoras deste capítulo e se passou a ensiná-la em cursos de graduação em Psicologia, notam-se muitas con­veniências tanto pela melhora produzida no comportamento dos clientes, quan­to na percepção que os alunos, estagiários em clínica comportamental, passaram a ter sobre os aspectos do comportamento de seus clientes que realmente merecem atenção. No trabalho das autoras deste capítulo, é fornecido aos estagiários um roteiro para relatório de atendimento clínico que contém, entre outros, os itens apresentados nos quadros a seguir e eles o preenchem de acordo com o que têm observado nas sessões terapêuticas que conduzem. Embora um mesmo cliente possa apresentar mais que um CRB1 e mais que um CRB2, há sempre uma classe de respostas de CRB1 e de CRB2 que se destaca e o aluno pensa nela ao preencher o quadro.

Nos Quadros 14.1 e 14.2, ilustram-se respostas de um cliente, Marcos, em atendimento na Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina, que procurou terapia por causa de sua ansiedade intensa. O cliente tinha 24 anos e era estudante universitário. Nas sessões, queixava-se insistentemente de sua ansie-

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Manejo de Comportamentos Clinicamente Relevantes ■ 197

Quadro 14.1 - Condições antecedentes, respostas e possíveis eventos conseqüentes que, no passado, relacionaram-se ao CRB1 de Marcos

CRB1Condições antecedentes Respostas

Terapeuta demonstra interesse nos assuntos do paciente

Na faculdade

Na sessãoPaciente emite verbalizações

sobre seu transtorno de ansiedade

Ri de modo sarcástico de si mesmo e da terapeuta

Confunde a terapeuta anulando o que havia dito antes

Critica o antigo terapeuta Faz comentários de descaso com

a terapeuta (por exemplo:"Aqui eu falo sobre mim porque esse local é para isso.")

Fora da sessão Paciente responde hostilmente

às perguntas que os amigos lhe fazem e fica lembrando de como falou por um longo tempo depois

Possíveis eventos conseqüentes no passado

R (paciente remove aproximação, rejeição e exigência de desempenho)

R- (paciente remove aproximação, rejeição e exigência de desempenho)

Quadro 14.2 - Condições antecedentes, respostas e possíveis eventos conseqüentes que, no passado, relacionaram-se ao CRB2 de Marcos

CRB2Condições antecedentes Respostas Eventos possivelmente

conseqüentes

Terapeuta demonstra interesse nos assuntos do paciente

Na sessãoPaciente fala sobre seus

sentimentos em vez de falar sobre o transtorno de ansiedade

R+(terapeuta apoiou e confortou o paciente)

Na faculdade

Ri junto com a terapeuta de algum assunto (sem sarcasmo)

Mantém o que havia dito antes. Descreve o que estava acontecendo em contextos importantes como a sua casa

Verbaliza preocupações com os sentimentos dos outros

Fora da sessãoPaciente pensou que poderia ter

magoado um amigo e foi se explicar para ele

R+(o amigo disse que não havia ficado magoado)

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198 ■ Terapia Comportamental

dade e de se sentir incapaz de realizar tarefas simples, como leituras para a fa­culdade. Morava com os pais e um irmão. No início da terapia, não tinha namo­rada ou amigos e fazia comentários de desprezo em relação à sua família, principalmente ao pai.

Considera-se que organizar, da forma proposta no quadro, as possíveis res­postas emitidas pelo cliente na sessão e fora dela, facilita a apresentação, por parte do terapeuta, de conseqüências adequadas às respostas do cliente. Normalmen­te, a partir da sexta sessão, os estagiários já interagiram o bastante com o cliente e estão em condições de preencher o quadro. Compor o quadro é um exercício que treina os alunos em identificar os CRB do cliente, considerando as respostas, as condições que as antecedem e que as seguem. Evidentemente, a história de vida do cliente explica o modo como os CRB têm sua freqüência aumentada (CRB1) ou diminuída (CRB2).

Frente à emissão de uma resposta que compõe um CRB1, o terapeuta pode: (1) levar o cliente a observar seu próprio comportamento em curso e a discrimi­nar as variáveis que o controlam; (2) o terapeuta, eventualmente, pode optar por não apresentar conseqüência alguma a essa resposta, por exemplo, deixan­do de dar continuação a uma determinada temática; ou (3) o terapeuta pode deixar de remover algum estímulo aversivo considerando que o CRB1, muitas vezes, é mantido por reforçamento negativo. Considere-se o exemplo do cliente que emite verbalizações sobre sua condição de impotência ou incapacidade, frente às quais o terapeuta tende a remover exigências para que ele colabore com o processo terapêutico. Manter as exigências é uma forma de deixar de remover um estí­mulo aversivo.

Frente a uma resposta que compõe um CRB2, o terapeuta tende a manifestar proximidade, satisfação e aprovação, que são estímulos reforçadores para a maio­ria dos clientes. O terapeuta pode sinalizar a ocorrência desse comportamento e suas conseqüências apetitivas na interação. Ele também tende a proceder assim quando o cliente emite respostas que compõem o CRB3. Por exemplo, o CRB3 tende a se fortalecer quando o terapeuta valoriza a iniciativa do cliente de falar sobre seu comportamento e sua disposição para observar a si mesmo.

A tecnologia para o implemento da FAP é descrita por Kohlenberg e Tsai (1987 / 1991) na forma de cinco regras para o terapeuta e cujo cumprimento é ilustrado mais adiante. A primeira regra recomenda a observação de CRB. Os três tipos de CRB costumam ocorrer nas sessões de terapia em maior ou menor freqüência e o terapeuta deve estar atento para consequenciá-los de modo pertinente. A regra número dois prevê a necessidade de evocar CRB1, para que ele possa ser tratado. A terceira recomendação é reforçar o CRB2. Observar os efeitos reforçadores poten­ciais do comportamento do terapeuta em relação aos CRB do cliente é a quarta regra proposta pelos autores. Por último, a quinta regra recomenda interpretar variáveis que afetam o comportamento do cliente.

Algumas perguntas podem ajudar na tarefa de identificar os CRB e caracterizam o cumprimento da primeira regra proposta por Kohlenberg e Tsai (1987/1991). Observar CRB (regra 1) implica em notar de que modo o cliente afeta o terapeuta durante a interação com ele nas sessões. O terapeuta pode se perguntar “O que sinto ao interagir com esse cliente?” Não importa que a resposta a essa questão

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Manejo de Comportamentos Clinicamente Relevantes ■ 199

seja, inicialmente, vaga e imprecisa. O importante é que ela tende a abreviar a iden­tificação de CRB. Por exemplo, o cliente com respostas como as descritas nos qua­dros anteriores fez sua terapeuta se sentir desnecessária, repetitiva, desinteressante e diminuída. Às vezes, ela se sentia irritada com o descaso do cliente ou com sua insistência em falar exclusivamente do transtorno de ansiedade e tinha vontade de se afastar.

Muito provavelmente, ao responder desse jeito, o cliente tende a afastar as pessoas. Isso está intrinsecamente relacionado ao seu sofrimento ou ao problema clínico. Portanto, tem-se um indício de que a classe de respostas seguida pelo efeito de provocar esses sentimentos nas pessoas e o afastamento delas seja um CRB1 do cliente em questão. A identificação do CRB2 decorre, inicialmente, de levantar respostas hipoteticamente concorrentes com aquelas que compõem o CRB 1. “Hi­poteticamente” porque essas respostas podem não ocorrer ou ser infrequentes nas primeiras sessões.

Caso o cliente relate um padrão comportamental que lhe provoque sofrimento, mas o terapeuta não o observa no contexto da sessão, é necessário evocá-lo para, então, adotar os procedimentos frente ao CRB1 descritos nesse capítulo. Também é necessário evocar os CRB 2 e 3 para que o fortalecimento deles seja possível na sessão. Ao fazer isso, o terapeuta atende a segunda recomendação de Kohlenberg e Tsai (1987/1991): evocar CRB.

A primeira autora atende a uma cliente, Ângela, que tem 40 anos e veio para terapia com queixa de depressão. Ela é oftalmologista, divorciada há 5 anos e mãe de uma menina de 7 anos. No início da terapia, namorava um rapaz solteiro da mesma idade. O relacionamento caminhava para o casamento, o que parecia deixar Ângela bastante satisfeita. Em uma das sessões pediu que a terapeuta a ajudasse a programar sua festa de casamento. Na sessão seguinte, Ângela, sorridente, con­versava informalmente há 10 minutos, quando ocorreu o seguinte diálogo:

Cliente: “Aconteceu uma coisa diferente que virou tudo de ponta-cabeça. Mas eu estou bem, não precisa se preocupar” (sorrindo).

Terapeuta: “O que aconteceu?”Cliente: “Eu e o Mário terminamos o nosso noivado. Eu vou te contar como

foi. Ele é uma pessoa muito ciumenta e nós já havíamos discutido por isso.” Terapeuta: “Eu não sabia que ele era ciumento assim.”Cliente: “Pois é, a gente já havia brigado por várias razões... ” (ela relata que o

noivo tinha ciúmes dos relacionamentos que ela tivera antes e descreve várias ce­nas de ciúmes)... “E agora ele teve uma crise horrível! Ele ficou bravo porque eu estou saindo com uma amiga que ele não gosta. Ele diz que ela é 'mulher fácil’, que todo mundo ‘canta'.”

Terapeuta: “Eu não sabia de seus relacionamentos passados, nem que ele não gostava de sua amiga e implicava com suas saídas.”

Cliente: “É, nem te falei pois parecia estar resolvido. Mas voltando ao que acon­teceu, eu achei absurda a desconfiança dele. Ele viu a Cleuza me ligando e convi­dando para sair e começou a dizer que eu devo estar escondendo coisas dele porque eu não havia contado que, quando ele viaja, eu saio com ela e com outras amigas. Eu fiquei muito irritada. Ele não tem o direito de duvidar de mim.”

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200 ■ Terapia Comportamental

Terapeuta: “Como assim? Você acha que o ciúme quer dizer que ele acha que você poderia mentir para ele?”

Cliente: “Sim, acho e não admito isso. Eu acho que confiança é fundamental para o relacionamento. Se não confia na pessoa, deixa-a. É o que eu penso e foi o que aconteceu. Rompemos o namoro.”

Terapeuta: “Entendo que você se sentiu agredida, mas não seria muito radical terminar um relacionamento firme como o seu por causa de uma crise de ciúmes ou, mesmo que seja, de desconfiança? Você não tem medo de estar sendo precipitada?”

Cliente: “Eu nem achei que deveria contar, eu sei que depois do casamento tudo piora, então achei melhor assim.”

Terapeuta: “Eu achei que você estava tão empolgada com o casamento na semana passada que confesso: estou confusa com a sua determinação, objetividade e racionalidade perante o término do relacionamento” (a terapeuta confronta aqui, os sentimentos observados com os relatados pela cliente frente à mesma situação).

Cliente: “Você acha que estou muito fria, é isso?”Terapeuta: “Acho que sim, mas o que mais me confunde é que eu acho que

você deu um tiro de canhão em uma formiguinha...”Cliente: “Não é isso. É que o ciúme dele realmente é exagerado. Eu não admito isso.” Terapeuta: “Pode ser que eu não esteja entendendo bem a sua reação, porque

você não tinha me contado nenhum ponto negativo de seu relacionamento, mesmo quando eu perguntava a respeito.”

Cliente: “Eu não achei que iria acontecer de novo.”Terapeuta: “Por que você não contou para seu noivo que encontrava essa amiga

de quem ele não gostava?”Cliente: “Porque ele ficaria bravo. Ele me perguntou isso também. Eu dei a

mesma resposta.”Terapeuta: “Eu estou me sentindo mal por não ter sabido desse problema antes

de tudo chegar a esse ponto. Achei estranho você não ter me contado. Você não me contou por mais algum motivo? Também teve medo de mim?”

Cliente: “Não, eu não achei importante” (a cliente foge da pergunta sobre os sentimentos).

Terapeuta: “Será que você confia em mim? Por exemplo, agora mesmo penso que você não está querendo demonstrar que está triste com a separação. Você está evitando chorar?”

Cliente: “Não, é que eu decidi mesmo. É melhor assim, do que sofrer de­pois. Eu não aceito pessoas infantis e que, ainda por cima, duvidem de mim. Minha conduta é impecável, não dou margens aos questionamentos a respeito de minha idoneidade.”

Terapeuta: “Eu estou triplamente surpresa: por você não estar muito triste, por você não ter comentado comigo sobre seu namorado e suas dificuldades e, por último, por perceber sua indignação com a desconfiança dele. Você não acha normal que as pessoas tenham, de vez em quando, sentimentos menos nobres, fraquezas ou erros que permitam suspeitas?”

Cliente: “Não. Acho que ele não tinha esse direito.”Terapeuta*. “Você acha que nunca faria nada errado? Que, em hipótese alguma,

pudesse despertar a desconfiança de alguém?”

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Manejo de Comportamentos Clinicamente Relevantes ■ 201

Cliente: “Não. Eu nunca faria isso.”Terapeuta: “Eu acredito que todos nós, seres humanos, estamos sujeitos a fazer

coisas erradas, trair ou mentir sob determinadas circunstâncias. Você se acha dife­rente de todos, nesse sentido?”

Cliente: “Parece que sou muito moralista, não é? Me acho incorruptível. Isso não é normal, é?”

Terapeuta: “Acho difícil para você, você pode perder boas oportunidades de relacionamento e manter sua auto-estima ruim por não reconhecer e aceitar seus pontos fracos ou os das outras pessoas. Quanto a nós duas, me sinto um pouco traída e um pouco desvalorizada. É uma mistura de sentimentos.”

Cliente: “E isso dá pra mudar? Por que sou assim? Isso é minha personalidade?”Terapeuta: “Isso é como você aprendeu na sua vida, a se ligar com exigências

altas de desempenho e com muita punição ou coerção. As respostas estão na sua história de vida. Você não me contou que sua mãe passou a vida provando ao seu pai que era digna e que as filhas dela também seriam mulheres honradas? É isso aí! Você levou ao pé da letra.”

Cliente: “Prometo pensar no que você falou.”Terapeuta: “Está bem. Na próxima sessão, analisaremos isso melhor.”

Assim, Ângela omite coisas passíveis de crítica ou condenáveis, tem dificuldade em confiar nas pessoas e em fazer com que elas se sintam merecedoras de sua confiança. A cliente relatou também que teme uma punição, caso revele assuntos desse tipo. Em sua história de vida, “andar na linha” evitava que os pais apresen­tassem punição.

É importante, nesse caso, analisar o comportamento de Ângela de omitir fatos da terapeuta, assim como ela costumava agir com o noivo. Esse é um CRB1 e a cliente precisa tornar-se consciente dele. A terapeuta deve, assim, levar Ângela a dis­criminar as conseqüências que o seu comportamento produz para si mesma e para os outros. A terapeuta observou os CRB na sessão e aumentou suas reações a eles, a fim da cliente discriminar o efeito de seu comportamento nas outras pessoas.

A terapeuta interpretou o padrão comportamental atual da cliente como a ri­gidez, o moralismo e a desconfiança em razão da contingência coercitiva mantida pelos pais na história de vida de Ângela. Esse tipo de procedimento terapêutico caracteriza o cumprimento da quinta regra proposta por Kohlenberg e Tsai (1987/ 1991): interpretar variáveis que afetam o comportamento do cliente.

Quanto ao cumprimento da terceira e da quarta regra, deve-se reforçar CRB2 e observar os efeitos reforçadores potenciais do comportamento do terapeuta em re­lação aos CRB do cliente. No caso clínico relatado, a terapeuta deveria observar como se sente e como age diante do comportamento dos outros de lhe dedicar confiança. Caso ela se sentisse realmente gratificada com isso, tenderia a agir de maneira naturalmente reforçadora para a emissão de CRB2 da cliente. A terapeuta também poderia se questionar sobre seu repertório comportamental relacionado à tolerância de fracasso do outros. Esse repertório seria necessário para descontinuar a contingência estabelecida pelos pais da cliente. Se, na história de Ângela, errar foi seguido por punição; na terapia, seus erros não poderiam ser seguidos por esse tipo de conseqüência social.

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202 ■ Terapia Comportamental

Quadro 14.3 - Condições antecedentes, respostas e possíveis eventos conseqüentes que, no passado, relacionaram-se ao CRB1 de Ângela

CRB1Condições antecedentes Respostas

conseqüentes no passadoPossíveis eventos

Paciente possui uma tarefa (organizar a festa do casamento)

Relação com a terapeuta

Na sessãoPaciente pede a ajuda da

terapeuta

Relata eventos irrelevantes ou situações nas quais ela dispõe de respostas eficazes em seu repertório (por exemplo, conta do namoro, mas omite as brigas por ciúmes)

Relata um evento relevante e, possivelmente, eliciador de respostas emocionais sem os correspondentes emocionais (por exemplo, conta que não vai mais se casar e que é melhor assim)

R” (remove erro/punição, aumenta a chance da tarefa ser bem-sucedida ou diminui a possibilidade de ser punida, caso a tarefa seja malsucedida, dividindo a responsabilidade com a terapeuta)

R- (remove erro/punição)

R- (remove erro/punição)

Relação com o noivo

Tarefas rotineiras

Situações inéditas ou inesperadas

Fora da sessão

Paciente relata eventos irrelevantes ou situações nas quais dispõe de respostas eficazes em seu repertório (por exemplo, fala o que fazia quando ele viajava, omitindo que saía com a amiga de quem ele não gostava)

Relata um evento relevante e,possivelmente, eliciador de respostas emocionais sem os correspondentes emocionais (ela é considerada "fria")

Repetir (pouca variabilidade e inovação)

Romper relacionamento ou ameaçar fazê-lo (repete padrão de comportamento dos pais)

R- (remove erro/punição)

R- (remove erro/punição)

R+ (êxito na tarefa)

O outro age de modo previsível, o que, para ela pode ser reforçador

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Manejo de Comportamentos Clinicamente Relevantes ■ 203

Q u a d r o 1 4 .4 - Condições antecedentes, respostas e possíveis eventosconseqüentes que, no passado, relacionaram-se ao CRB2 de Ângela

CRB2Condições antecedentes Respostas Eventos possivelmente

conseqüentesNa sessão

Ter uma tarefa Paciente a realiza sozinha sem Se, para a terapeuta, aconsultar terapeuta autonomia da cliente for

reforçadora, ela pode elogiar a iniciativa da cliente (R+)

Relação com a terapeuta Relata situações frente às quais R+(terapeuta pode amparar,possui uma resposta eficaz confortar e se aproximardisponível e situações em que dela)não dispõe de respostaseficazes

Relata um evento relevante e, R+(terapeuta pode amparar,possivelmente, eliciador de confortar e se aproximarrespostas emocionais e dela)apresenta os correspondentesemocionais

Fora da sessão

Relação com os outros Paciente relata situações nas R+(o outro pode amparar,quais tem uma resposta eficaz confortar e se aproximardisponível e situações sem dela)respostas eficazes

Relata um evento relevante e, R+ (o outro pode amparar,possivelmente, eliciador de confortar e se aproximarrespostas emocionais e dela)apresenta os correspondentesemocionais

Tarefas rotineiras Varia R+ (êxito na tarefa)

Respostas inéditas ou Apresenta respostas alternativas O outro se aproximainesperadas dos outros à coerção

Portanto, ao manejar CRB, no caso de Ângela, a terapeuta se valeu da observação do comportamento (da terapeuta e da cliente), da apresentação de estímulos (discriminativos, eliciadores ou reforçadores), da modelagem direta na qual o reforçamento natural é uma parte importante, da análise funcional do padrão comportamental de interação social e da descrição de comportamentos da cliente na sessão e de variáveis que o controlam (interpretação). A fim de esclarecer o raciocínio sobre os CRB de Ângela, foram compostos os Quadros 14.3 e 14.4, con­siderando as respostas da cliente que chamaram a atenção da terapeuta.

Page 217: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

204 ■ Terapia Comportamental

Considere que pensar nas respostas da cliente e em suas possíveis variáveis controladoras auxilia no cumprimento da regra 1, proposta por Kohlenberg e Tsai (1987,1991): observar CRB. Como se nota, a presença do terapeuta e suas respostas são extremamente importantes nesse tipo de análise e elas constituem eventos ante­cedentes ou conseqüentes para as respostas do cliente. O terapeuta apresenta, na interação com o cliente, várias funções de estímulo, ao mesmo tempo. No caso clínico em questão, ao demonstrar que estava surpresa com o fato de Ângela ter omitido eventos importantes, a terapeuta pode ter eliciado ansiedade na cliente e, simultane­amente, ter sinalizado que Ângela pode se explicar e manter a confiança da terapeuta.

COMENTÁRIOS FINAISA compreensão do comportamento clinicamente relevante é fundamental para

seu manejo na sessão de terapia e a observação das cinco regras propostas por Kohlenberg e Tsai (1987/1991) pode ajudar terapeutas iniciantes nessa tarefa.

Por muito tempo, negligenciou-se a ocorrência do padrão comportamental problemático do cliente na própria relação terapêutica. Embora analistas do com­portamento, como Ferster (1972), privilegiassem a análise da interação entre o terapeuta e o cliente, foi apenas mais recentemente, com a sistematização feita por Kohlenberg e Tsai (1987,1991), que essa proposta passou a ser adotada por um número maior de terapeutas.

O comportamento verbal do cliente também tem recebido mais atenção. O terapeuta, ao manejar CRB, permanece atento, não só ao que o cliente está falando, mas em função de que ele o faz. Isto é, o terapeuta identifica variáveis controladoras do comportamento verbal do cliente na própria relação terapêutica, apoiando-se nas categorias do comportamento verbal estabelecidas por Skinner (1957). A fala do cliente pode caracterizar-se como um tato ou uma ordem e o terapeuta o consequência ade­quadamente, se tiver clareza das respostas que compõem as diferentes classes de CRB.

O manejo de CRB impede que a terapia conduzida seja meramente apoiada em técnicas. Manejar CRB é, por excelência, analisar a relação entre o terapeuta e o cliente. Dessa relação, decorre uma mudança clínica que afeta o sentimento de eu (self) do cliente e não apenas de seu repertório comportamental observável pelos outros. O terapeuta cumpre o papel de um outro significativo que altera o modo como o cliente se sente em relação a si mesmo e às pessoas íntimas.

R e f e r ê n c ia s

FERSTER, C. B. Psychotherapy from the standpoint of a behaviorist. In: KEEHN J. D. (Org.) Psychopathology In animais: Research and clinicai implications. Nova York: Academic Press, 1972. p.279-303.

KOHLENBERG, R. J., TSAI, M. Functional analytic psychotherapy. In: JACOBSON, N. S. (Org.) Psychotherapists in clinicai practice: Cognitive and be havioral perspectives. Nova York: Guilford Press, 1987. p.388-443.

KOHLENBERG, R. J., TSAI, M. Functional analytic psychotherapy: creating intense and curative therapeutic reiationships. Nova York: Ptenum Press, 1991.

SKINNER, B. F. Verbal behavior. Nova York: Appleton-Century-Crofts, 1957.

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CAPÍT U L O

Ensaio Comportamental

Vera R egina L ig n elli O tero

O Ensaio Comportamental é um procedimento utilizado em práticas de intervenção, em diferentes situações, para ensinar comportamentos por meio de treinamentos. Ele também pode ser chamado de treinamento de papéis ou role-play.

É uma técnica inspirada nos procedimentos desenvol­vidos por Moreno (1946/1955), criador do Psicodrama. Os trabalhos de Wolpe (1949/1958) e Wolpe e Lazarus (1966) também fundamentam o desenvolvimento do Ensaio Com­portamental. Esses autores lidavam com comportamentos complexos, como os apresentados por pacientes fóbicos. As técnicas propostas por eles visavam à aprendizagem de novos padrões de comportamentos que deveriam ser emi­tidos diante dos estímulos que anteriormente provocavam reações de medo. Wolpe acreditava na importância das con­seqüências ambientais para a aquisição de novos compor­tamentos assim como na possibilidade de se ensinar o cliente a resolver problemas no contexto terapêutico.

Outra contribuição à formulação da técnica foi dada por Salter (1949). Ele enfatizava a importância da aquisição de comportamentos chamados assertivos nos processos tera­pêuticos em geral e não apenas nos comportamentos pa­tológicos. Ele propôs um conjunto de técnicas que visavam levar à expressão de emoções, opiniões etc.

Nessa mesma época (1949), Skinner sistematizou suas análises para a compreensão das leis que regem os com­portamentos. Os conhecimentos produzidos pelas pesquisas com sujeitos animais e humanos, ao lado dos estudos sobre os procedimentos e resultados das intervenções terapêuticas, deram um novo rumo às práticas clínicas, a partir de então, fundamentadas em dados de pesquisas.

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206 ■ Terapia Comportamental

Dentre outras, essas contribuições levaram à formulação de procedimentos extremamente úteis para ajudar as pessoas a resolverem seus problemas.

Ensaio Comportamental é uma das técnicas originadas desses conhecimentos e utilizadas na prática clínica. Nesta, freqüentemente, depara-se com pessoas que apresentam vários tipos de dificuldades de interação social e que, em decorrência disso, vivem muitas situações problemáticas. Elas possuem déficits em seus reper­tórios comportamentais e, em função deles, desenvolvem, dentre outras coisas, uma intensa ansiedade que as conduz aos estados de sofrimento e as impedem de ter uma vida semelhante à da maioria das pessoas. Isolam-se em seus mundos, privando-se de convivências que lhes seriam queridas ou têm interações desas­trosas que comprometem seus relacionamentos.

Elas têm dificuldades para expressar suas opiniões, vontades, sentimentos ou fazer solicitações; não conseguem se aproximar de determinadas pessoas (patrões, chefes, familiares, professores, paqueras etc.) ou lhes dirigir a palavra; não vão a determinados lugares (restaurantes, lojas, casas de pessoas etc.); não desempenham algumas funções e papéis sociais (solicitar informações, abrir conta em banco, procurar emprego, propor namoro etc.).

Essas pessoas sofrem porque não conseguem dizer o que querem ou sentem. Têm suas vidas limitadas pelos déficits em seus repertórios comportamentais que, às vezes, são inadequados ou inexistentes.

O Ensaio Comportamental é um procedimento por meio do qual se instalam ou se aperfeiçoam habilidades interpessoais que ajudam o cliente a melhorar sua qualidade de vida. É uma das principais técnicas utilizadas para o desenvolvimento da assertividade.

A assertividade é entendida como um conjunto de habilidades de interação social que permitem a expressão de vontades, de opiniões ou de sentimentos. Diz-se que um comportamento é assertivo quando ele pode ser categorizado como apro­priado, adaptativo ou socialmente aceito.

O comportamento assertivo, segundo Rimm e Masters (1983), é:

1. Interpessoal e envolve a expressão genuína, honesta e relativamente direta de pensamentos e sentimentos;

2. Socialmente apropriado de acordo com a comunidade em que está inserido;3. Aquele que, quando emitido, leva em consideração os sentimentos e o bem-

estar dos outros;4. Diferente de comportamento agressivo pois não é socialmente repreensível,

não é coercivo e não desconsidera os direitos das outras pessoas.

Comportando-se assertivamente, a pessoa sai de um estado de sofrimento e de ansiedade, passando a ter uma sensação de conforto e de bem-estar. Ela tem maior probabilidade de obter recompensas sociais significativas.

Para desenvolver assertividade uma pessoa poderá passar por um treinamento assertivOy o qual inclui vários procedimentos para aumentar ou aprimorar suas habilidades de interações sociais. Dentre esses procedimentos, tem-se o Ensaio Comportamental que é o objeto de interesse deste capítulo.

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Ensaio Comportamental ■ 207

CONCEITOEnsaio Comportamental é uma técnica de intervenção que visa ao aprimora­

mento do repertório comportamental já existente ou à instalação de novos com­portamentos. É um tipo de representação teatral na qual simulam-se situações reais da vida da pessoa nas quais ela apresenta algum grau de dificuldade. No En­saio Comportamental, terapeuta e cliente representam seqüências de interações sociais já vividas ou a serem enfrentadas futuramente pela pessoa. O terapeuta pode desempenhar o papel do próprio cliente ou de outra pessoa significativa no contexto e, quando isso ocorre, diz-se que ele está dando um modelo. Esse proce­dimento pode ser repetido várias vezes com alternância dos papéis representados por cada um. Isso é chamado de inversão de papéis.

O Ensaio Comportamental pode ser empregado em uma grande variedade de problemas clínicos em atendimentos individuais ou de grupo ou em terapia de casal ou familiar. Pode ser usado com crianças, adolescentes ou adultos.

O Ensaio Comportamental também é realizado em contextos institucionais como escolas (treinamentos de professores, funcionários ou alunos etc.), empresas (treinamento de diferentes funções ou papéis) ou em igrejas, penitenciárias etc.

PROCEDIMENTOPara utilização da técnica de Ensaio Comportamental as situações a serem

trabalhadas devem contemplar os seguintes passos:

1. Obter uma boa descrição da situação-problema que deverá conter refe­rências precisas sobre:• O QUE ocorreu, não ocorreu ou deveria ocorrer na situação;• QUEM emitiu (ou não) o comportamento, estava ou estará presente na

situação;• COMO foi ou como deverá ser a interação;• QUANDO foi ou quando deverá ser a interação;• ONDE foi ou deverá ser a interação.

É necessário que a descrição contenha informações sobre os com ­portamentos verbais orais e não verbais. Por meio de perguntas e reforçamento diferencial de respostas, o terapeuta modela, no cliente, o comportamento de relatar a situação a ser trabalhada. Nesse processo, o cliente identifica os com­ponentes internos e externos de sua dificuldade e, ao mesmo tempo, aprimora seu repertório comportamental.

2. Decompor uma seqüência comportamental em partes de maneira queseja possível:• Trabalhar apenas um comportamento-problema por vez;• Começar sempre por situações avaliadas como fáceis pelo e para o cliente;• Limitar-se ao problema exposto naquele momento;• Simular interações breves que durem, no máximo, 3 minutos.

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208 ■ Terapia Comportamental

3. Dar instruções ou modelos de desempenho:• Descrever, claramente, quais elementos compõem aquela cadeia de

comportamentos;• Descrever, claramente, como deve ser a interação;• Encenar os comportamentos a serem reproduzidos pelo cliente enquanto

ele observa ou interage na cena.4. Representar a cena:

• Estimular o cliente para que ele siga as instruções dadas ou reproduza as cenas por ele observadas.

5. Dar dicas sobre o desempenho:• Durante ou após a representação o terapeuta deve sinalizar para o cliente

como foi o seu desempenho.6. Inverter papéis:

• Quando necessário, podem ocorrer trocas de papéis entre o cliente e o terapeuta com o objetivo de aprimorar o desempenho.

7. Reapresentar:• As cenas podem ser repetidas quantas vezes forem necessárias. O tera­

peuta deve avaliar constantemente se as repetições estão sendo positivas para o cliente naquela situação, evitando desgastes desnecessários.

8. Reavaliar o desempenho:• Após a reapresentação da cena, o desempenho deve ser novamente

avaliado.9. Programar a generalização:

• Para que o Ensaio Comportamental possa atingir seus objetivos, é ne­cessário que se programem situações nas quais as aquisições compor­tamentais são colocadas em prática.

10. Avaliar o desempenho na situação real na sessão seguinte:• Ajudar o cliente a auto-avaliar seu desempenho na situação real, salien­

tando que o mais importante é o fato dele ter tentado, não se foi bem ou malsucedido.

PRINCÍPIOS UTILIZADOSNo Ensaio Comportamental são utilizados alguns princípios e procedimentos

de aprendizagem, às vezes isoladamente, às vezes concomitantemente:

InstruçãoÉ a descrição mais detalhada possível do que e de como deve ser uma interação

ou um comportamento. Ela é necessária e está presente no emprego de todos os outros princípios e procedimentos utilizados no Ensaio Comportamental.

Em alguns casos e situações, as instruções são suficientes para ajudar alguém a enfrentar o seu problema. Isso ocorre sempre que uma pessoa apresenta os comportamentos que são pré-requisitos para a vivência ou representação da si­tuação proposta.

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Ensaio Comportamental ■ 209

Exemplos de instrução:“Ande até a porta, bata, espere-o aparecer e pergunte se o havia chamado.”“Olhe para a pessoa durante toda a conversa.”“Fale com a amiga dela para descobrir qual tipo de filme ela gosta. Telefone

para convidá-la para ir ao cinema com você. Lembre-se de levar em conta qual será o dia de folga dela.”

ModelaçãoÉ a demonstração de uma possibilidade de interação. Utiliza-se do princípio

de aprendizagem vicariante, segundo o qual uma pessoa pode aprender um deter­minado comportamento pela observação do desempenho de outra.

Essa observação pode ocorrer dentro da sala de atendimento, na situação natural (loja, bar, escritório etc.) ou ao se assistir a filmes com ou sem a presença do terapeuta.

O cliente observa a atuação de alguma outra pessoa e depois deve imitá-la. O terapeuta comenta seu desempenho, reforçando os aspectos positivos; oferece dicas para o aprimoramento e sugere a repetição da observação ou da representação sempre que necessário, até que ambos considerem que os objetivos foram atingidos.

O procedimento de modelação permite decompor a seqüência de comportamen­tos em partes. Assim se enfatiza os componentes não verbais, como contato visual, gestos, postura corporal, expressão facial e os aspectos paralingüísticos, ou seja, entonação da voz, fluência verbal, latência da resposta, precisão do vocabulário etc.

A modelação é especialmente útil quando uma pessoa apresenta um desem­penho inadequado ou não consegue interagir em um determinado contexto.

Vale salientar que o uso de modelos do próprio terapeuta, da observação de situações reais ou de personagens de filmes, é uma maneira mais eficaz de se en­sinar comportamentos novos do que o uso de instruções.

A seguir, tem-se o exemplo de um Ensaio Comportamental realizado com um rapaz de 23 anos, cursando educação física, extremamente tímido e que deveria demonstrar uma aula de judô para seus colegas de classe.

Antes do treinamento, ele identificou e descreveu quais eram os elementos importantes que precisaria transmitir aos colegas e quais eram as suas dificuldades: falar com um tom de voz audível por todos e olhar para os colegas enquanto dava as instruções da aula.

A terapeuta dá o modelo ao cliente:

Terapeuta: “Bem gente, todo mundo se lembrou que tem que tirar relógio, pulseira, corrente, brinco, para fazer aula de judô?” (pausa) “Todo mundo tá com a faixa?” (terapeuta olhando para o cliente o tempo todo).

Cliente: “Não pode brinco, relógio, corrente. Tem que tirar tudo.” (olhando para o chão e eventualmente para o terapeuta e falando baixo).

Terapeuta: “Olha, já melhorou desde o momento em que você me contou sobre a situação pela primeira vez. Veja o que você acha: ‘Pessoal, pra fazer aula de judô tem que tirar relógio, pulseira, corrente, brinco. Todo mundo tirou? Todos colocaram a faixa?'”

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210 ■ Terapia Comportamental

Cliente: “Gente, para o judô não se pode usar: relógio, pulseira, corrente, brinco, anel. Nada no corpo sem ser a roupa. Tem que estar com a faixa.”

Terapeuta: “Ótimo, melhorou muito. Você olhou para mim enquanto falava. Agora vamos trabalhar o tom de voz e o contato visual durante todo o tempo em que você estiver falando. Desse jeito, falando alto para todos ouvirem.”

Cliente: “Gente, pra fazer judô, tem que...” (cliente repete as instruções de ma­neira adequada).

Modelagem por Aproximações SucessivasÉ um procedimento no qual se reforçam positiva e diferencialmente desem­

penhos cada vez mais próximos do comportamento ou interação final desejada, indicando-se quais são os passos seguintes a serem alcançados.

Na modelagem por aproximações sucessivas, decompõem-se os elos de uma cadeia comportamental e programa-se qual a seqüência a ser trabalhada. Esse procedimento contém instruções e pode ser utilizado concomitantemente com a modelação.

No atendimento de um garoto de 6 anos, que tinha outros dois irmãos menores e cujas queixas principais eram de agressividade, desobediência e briga com os irmãos, programou-se uma seqüência de objetivos a serem atingidos:

• Aprender a esperar;• Identificar e nomear sentimentos;• Colocar-se no lugar do outro;• Aprender comportamentos adequados para enfrentar sentimentos de

frustração;• Identificar as regras que controlavam o comportamento dele.

O exemplo abaixo ocorreu numa situação na qual a terapeuta e a criança brincavam com um posto de gasolina, sendo que a criança iniciou a brincadeira desempenhando o papel de usuário.

Terapeuta: “Bom dia, posso ajudá-lo? O que você deseja?”Criança: “Eu quero gasolina.”Terapeuta: “Espere só um momento, eu vou atender o telefone e já, já eu ponho

gasolina.”Criança (gritando): “Eu quero agora. Burra. Chata.”Terapeuta (ignora, finge atender o telefone e volta): “Quanto você quer de

gasolina?”Criança: “Eu não quero nada. Você é chata.”Terapeuta: “Eu estou vendo que você está com raiva. Parece que você não

percebeu que eu tinha que atender o telefone!”Criança: “Eu vi, mas eu não gosto.”Terapeuta: “Acho que acontece sempre isso com você.”Criança: “É.”

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Ensaio Comportamental ■ 211

Terapeuta: “E é gostoso?”Criança: “Não.”Terapeuta: “Olha, vamos ver se tem um outro jeito de fazer? Vamos fazer de

conta que você é o moço do posto, tudo igualzinho aconteceu antes e você vai me fazer esperar.”

(Criança fica parada e não atende à sugestão.)Terapeuta: “Vamos, faça de conta que você é o moço do posto!”(Criança olha para terapeuta e recomeça a brincadeira.)Criança: “O que você quer?”Terapeuta: “Gasolina... Ih, parece que o telefone está tocando. Deve ser praA.voce.Criança: “Pera aí, já volto” (faz que atende e volta).Terapeuta: “Você pode pôr 20 reais?”Criança: “Eu posso.”Terapeuta: “Obrigada. Então, o que você está sentindo?”Criança: “Nada.”Terapeuta: “E a raiva?”Criança: “Não estou com raiva.”Terapeuta: “Você viu que eu esperei? Eu também não estou com raiva. Na sua

casa acontece muito isso, de você ficar com raiva?”Criança: “É.”Terapeuta: “Sabe, acho que você não se lembra que a outra pessoa tem outras

coisas pra fazer além das suas. Vamos pegar o caminhão? Agora você é o motorista outra vez, já consegue esperar e já sabe que, às vezes, a gente precisa esperar.”

Criança: “Eu quero gasolina.”Terapeuta: “Só um momento. Vou ver quem está me chamando.”(Terapeuta sai de perto e simula uma conversa com outra pessoa, enquanto

criança espera adequadamente.)Terapeuta: “Desculpe moço, quanto você quer de gasolina?”Criança: “20 reais.”Terapeuta: “Está pronto. Que legal, foi muito jóia você ter esperado. Você falou

direitinho, sem gritar. Jóia, jóia. Antes parece que você achava que não podia ou não sabia esperar. Quando alguém não pode nos atender na hora, não é que não goste da gente, é porque precisa fazer alguma outra coisa. Como é que você pode tentar fazer na sua casa, quando você pede alguma coisa para alguém?”

Criança: “Esperar.”Terapeuta: “Que legal, no nosso próximo encontro você me contará se conseguiu

esperar sem gritar e sem xingar, lá na sua casa.”

O Ensaio Comportamental é uma técnica bastante eficiente e utilizada também no atendimento de casais, pois permite trabalhar os comportamentos interativos que ocorrem durante as sessões conjuntas. Geralmente, nesses atendimentos temos pessoas com relacionamentos desgastados e comprometidos dos pontos de vista interacional e emocional.

O Ensaio Comportamental aparece como um instrumento pelo qual se revelam, na presença do terapeuta, os comportamentos encobertos que levam à construção

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212 ■ Terapia Comportamental

de auto-regras que comprometem os casamentos porque elas produzem sofri­mentos gerados pelas distorções de realidade. É uma técnica que permite lidar com esses comportamentos de forma objetiva. Os casais tiram a atenção das topografias e identificam as classes de respostas que controlam seus compor­tamentos interativos.

Na seqüência de diálogos a seguir pode-se identificar a utilização dos proce­dimentos de instrução, de modelação e de modelagem.

Trata-se de um casal, ela com 31 e ele com 33 anos, juntos há 9 anos e com grande dificuldade de comunicação. Brigas e trocas de acusações são a principal forma de relacionamento entre eles.

Terapeuta: “Gostaria que vocês tentassem reproduzir, com a maior fidelidade possível, como foi a discussão de ontem à noite.”

Marido: “Eu já falei que ela quer acabar com a minha vida. Eu não venço tra­balhar e ela só gasta. Ela faz isso pra me agredir.”

Esposa: “Deixa eu falar, não é nada disso..Terapeuta: “Maria, o que você está sentindo nesse momento?”Esposa (faz uma pausa antes de falar): “Medo, tristeza, raiva.Terapeuta: “Como você se sente em casa quando vocês brigam?”Esposa: “Do mesmo jeito.”Terapeuta: “Você diz isso para ele?”Esposa: “Não, não dá. Só quando a raiva vai crescendo e já virou briga.” Terapeuta: “É importante que se identifique o que se sente e se diga para não

se misturar os sentimentos. Tente dizer pra ele. José, tente ouvir, pensar no que a Maria vai lhe dizer e perceber o que você sente... ”

Esposa: “Eu fico triste quando você não acredita em mim.”Terapeuta: “E você José? O que você sente?”Marido: “Em casa, raiva. Aqui, não sei.”Terapeuta: “O que você gostaria de dizer para ele?”Esposa: “Eu queria que ele me deixasse falar. Que ele acreditasse em mim.” Terapeuta: “Como você pode dizer isso para ele? Diga.”Esposa: “Eu quero que você acredite em mim, eu não gasto pra te agredir... ” Marido: “Como se eu não te conhecesse!”Terapeuta: “Tente escutá-la. Maria, fale olhando pra ele.”Esposa: “Eu compro porque eu gosto. Eu compro escondido porque você só

me critica e me acusa... Eu também sei que você fica me comparando com sua mãe. Eu não gosto.”

Terapeuta: “Pense. Você acha que ela está dizendo a verdade?”Marido (faz uma pausa antes de falar): “Pode ser. Eu sei que ela fica triste. Eu

também.”Terapeuta: “Diga pra ela.”Marido: “Eu não gosto que você compre escondido. Faz uma coisa e diz que

não fez.”Terapeuta: “Como você se sente?”Marido: “Traído, não posso confiar nela. Vou ficando com raiva.”Terapeuta: “Diga pra ela. Tente falar olhando pra ela.”

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Ensaio Comportamental ■ 213

Marido: “Eu quero que você me fale a verdade.”Esposa: “Eu gostaria muito que você chegasse mais cedo em casa, perguntasse

como foi o meu dia, o que aconteceu.”Terapeuta: “Como você se sente quando isso não ocorre?”Esposa: “Abandonada, ignorada, desvalorizada.”Terapeuta: “O que você faz com isso, com estes sentimentos?”Esposa: “Nada. Vou deixando virar raiva, meio que virar vingança. Eu sei que

ele pode gastar. Eu gasto. Além de gostar de comprar, eu me vingo.”Terapeuta: “O que você acha disso, José?”Marido: “É verdade, ela me pede pra chegar cedo em casa e eu só trabalho.

Eu sempre quero ganhar mais dinheiro. Chego em casa exausto. Não quero nemconversar.”

Terapeuta: “Há quanto tempo vocês não fazem um programa gostoso juntos?” Esposa: “Até já me esqueci.”Terapeuta: “Vocês se esqueceram dos prazeres? Nem perceberam que o comprar

e o impedir de comprar têm outra função no relacionamento de vocês. Servem de punição mútua e tem sido a maneira mais freqüente de relacionamento entre vocês. Gostaria de sugerir para vocês, como tarefa de casa, que tentassem propor um ao outro e fizessem acontecer algo que o outro goste de fazer em conjunto.”

Resumidamente, o Ensaio Comportamental se mostra como uma técnica ex­tremamente útil para a instalação e aprimoramento de habilidades de interações sociais, as quais ajudam as pessoas a se tornarem assertivas. É um instrumento coadjuvante nos processos terapêuticos e de aprendizagem, em diferentes tipos de instituições, podendo ser utilizado em situações para se avaliar quais pessoas irão se tornar mais hábeis, social e emocionalmente.

Sua utilização também é uma opção relevante para o ensino, por exemplo, de pessoas portadoras de problemas médicos, como hipertensão arterial, cardiopatias, diabetes, a manejarem sentimentos como a raiva (Larkin e Zayfert,1996). Também se emprega como uma técnica para auxiliar e promover o desenvolvimento do repertório comportamental de pessoas com necessidades especiais e déficits em diferentes áreas.

Ensaio Comportamental, portanto, é um procedimento essencial e eficaz no desenvolvimento de comportamentos assertivos, na identificação de sentimentos e na aprendizagem da maneira adequada de exprimi-los. Também é eficiente na aquisição do comportamento de observar a si e aos outros com quem se interage. Só deve ser utilizado, a exemplo de qualquer outra técnica, após o estabelecimento de um bom vínculo (terapêutico ou não) e do domínio dos princípios nela envolvidos.

R e f e r ê n c ia s

CABALLO,V. E. Manual de técnicas de terapia e modificação de Comportamento. São Paulo: Livraria Santos Editora, 1996.

LARKIN, K. T., ZAYFERT, C. Anger manegement training with mild essential hypertensive patients. Journal of Behavioral Medicine, 19:415-433, 1996.

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214 ■ Terapia Comportamental

MORENO, J. L. Psychodrama, v.1. In: RIMM, D. C.,MASTERS, J. C. Terapia Comportamental: Técnicas e Resultados Experimentais. São Paulo: Ed. Manole, 1983.RIMM, D. C., MASTERS, J. C. Terapia Comportamental: Técnicas e Resultados Experimentais. São

Paulo: Ed. Manole, 1983.ROJAS-BERMUDES, J. G. Introdução ao Psicodrama. São Paulo: Editora Metre Jou, 1977.SALTER, A. Conditioned reflex therapy. In: RIMM, D. C., MASTERS, J. C. Terapia Comportamen­

tal: Técnicas e Resultados Experimentais. São Paulo: Ed. Manole, 1949.SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1953.WOLPE, J. Psychoterapy by reciprocal Inhibition. Stanford; Univertsity Press, 1958.WOLPE, J. A prática da terapia Comportamental. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1976.WOLPE, J., LAZARUS, A. A. Behavior Therapy techniques: A guide to The treatment of neuroses.

New York: Pergamon Press, 1966.

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Emparelhamento com ModeloJúLio C. d e R o se

EMPARELHAMENTO COM MODELO E SUAS APLICAÇÕES

Para introduzir a técnica comportamental de Empa­relhamento com Modelo1, retorna-se ao ano de 1800, quando um “menino selvagem” que parece ter sido aban­donado na floresta, sobrevivendo fora do convívio huma­no, foi encontrado na região francesa de Aveyron. Victor, como veio a ser chamado o menino, foi pouco depois enviado ao médico francês Jean Marc Gaspard Itard (1774- 1838), que decidiu encarregar-se da tarefa de educá-lo. Itard aparece neste capítulo porque, ao empenhar-se na educação de Victor, ele praticamente fundou a educação especial para deficientes mentais, antecipando técnicas de análise comportamental aplicada que vieram a ser utili-

1 Emparelhamento com Modelo é uma das alternativas de tradução da expressão inglesa matching to sample. Sample, além de modelo, tem sido traduzido como amostra ou padrão. O termo matching reúne diversos significados, porém é difícil encontrar um correspondente em português. Alguns termos possíveis são equiparação ou correspon­dência, mas as traduções mais usadas são igualação, emparelhamento e pareamento. Também se usa o termo escolha de acordo com o modelo. A palavra inglesa matching indica, uma correspondência, equiparação, emparelhamento ou equivalência entre dois termos. Por essa razão, como visto adiante, a denominação matching foi, convincentemente, criticada por Sidman e Tailby (1982).

CAPÍTULO

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216 ■ Terapia Comportamental

zadas no século XX2. Uma das técnicas usadas por Itard foi o Emparelhamento com Modelo.

A abordagem de Itard foi, como observa Pessotti (1978), influenciada por filó­sofos empiristas como Locke e Condillac, enfatizando os fatores ambientais na formação da mente humana. Itard raciocinou que Victor, sem manter praticamente nenhuma interação social com seus semelhantes, foi privado das experiências mais decisivas para a formação do intelecto humano. Para educá-lo seria necessário propiciar as experiências necessárias ao seu desenvolvimento. As tentativas de ensinar Victor a falar fracassaram e levaram Itard a buscar um substituto para a fala, partindo dos métodos desenvolvidos pelos abades Sicard e De L’ Epée para a educação de surdos. Itard procurou, de início, ensinar as distinções mais simples entre objetos e suas propriedades, progredindo depois em direção à aprendiza­gem conceituai pela abstração de propriedades dos objetos e chegando, por fim, à aprendizagem simbólica mediante a discriminação de letras e a utilização de suas combinações para designar os objetos.

Pode-se reconhecer, nesse percurso, os principais elementos da tecnologia comportamental utilizada atualmente para o ensino discriminativo. Esses elementos básicos compreendem habilidades discriminativas em níveis crescentes de com­plexidade: discriminação simples, discriminação condicional ou Emparelhamento com Modelo e equivalência de estímulos. Cada um desses níveis é pré-requisito para o domínio dos seguintes. A aprendizagem de Emparelhamento com Modelo requer o domínio anterior de discriminações simples e a formação de equivalência de estímulos requer o domínio anterior de Emparelhamento com Modelo, como será exposto neste capítulo. Ainda, em qualquer desses níveis, a aprendizagem começa pela discriminação de propriedades mais salientes dos estímulos e progride por intermédio dos níveis crescentes de abstração.

Analise-se uma das tarefas de Emparelhamento com Modelo ensinada a Victor. Em um quadro-negro, Itard desenhou o contorno de uma chave, uma tesoura e um martelo. Para mostrar a Victor o que ele deveria fazer, o próprio Itard pegou cada um dos objetos e o colocou sobre o respectivo contorno desenhado no quadro- negro. Em seguida, ele indicava com o dedo um dos desenhos e solicitava ao aprendiz que lhe entregasse o objeto correspondente.

Ao se analisar essa tarefa, percebe-se que ela envolve uma seqüência de tenta­tivas ou ensaios. Em cada tentativa, Itard apontava para o desenho de um objeto. Pode-se chamar o desenho apontado de amostra, padrão ou modelo (termo prefe­rido no presente capítulo). Assim, o modelo, em cada tentativa, é o desenho indi­cado pelo instrutor. A tarefa do aprendiz é escolher uma, dentre várias alternativas disponíveis. Na tarefa ensinada por Itard, as alternativas eram objetos concretos. Hoje em dia, tarefas de Emparelhamento com Modelo empregam comumente figu­ras de objetos ou abstratas, muitas vezes apresentadas em um microcomputador

2 Sobre o papel de Itard como fundador da educação especial para deficientes mentais e precursor da análise comportamental aplicada, o leitor encontrará uma excelente análise de Pessotti (1978). A descrição e a análise dos procedimentos de Emparelhamento com Modelo usados por Itard tam­bém está disponível em Sério, Andery, Gioia e Micheletto (2002), texto que também é recomendado como introdução aos fundamentos do controle de estímulo.

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Emparelhamento com Modelo ■ 217

embora, em muitos casos, também sejam empregados objetos concretos. Na lite­ratura sobre Emparelhamento com Modelo, as alternativas que o aprendiz tem para escolher são designadas mais freqüentemente como estímulos de compara­ção ou, abreviadamente, comparações. Assim, a cada tentativa de emparelhamen­to, Victor tinha, diante de si, três estímulos de comparação (chave, tesoura e martelo) e, determinado um modelo indicado pelo instrutor, a tarefa dele era es­colher a comparação correspondente ao modelo e entregá-lo ao seu mestre.

Isso permite resumir as características do Emparelhamento com Modelo. Tem-se uma seqüência de tentativas, cada uma das quais apresenta um modelo e vários estímulos de comparação. Para cada modelo há somente um estímulo de compa­ração correto, sendo os demais incorretos. Assim, quando o modelo é o desenho da tesoura, o estímulo de comparação correto é o objeto concreto tesoura e esco­lhas da chave ou do martelo são consideradas incorretas. O modelo apresentado varia em diferentes tentativas da série, de modo que escolhas da chave não são corretas quando o modelo é, por exemplo, o desenho da tesoura, mas serão corre­tas em outras tentativas, quando o modelo for o desenho da chave.

Então, o leitor verifica que, na tarefa descrita, há uma correspondência entre cada modelo e um determinado estímulo de comparação, de acordo com uma relação de similaridade, ou seja, há similaridade entre o desenho da tesoura e a própria tesoura. Uma das riquezas da técnica de Emparelhamento com Modelo é que a correspondência entre modelos e comparações pode ser fundamentada em uma grande variedade de relações. Pode-se situar essas relações em um contínuo que vai da relação de identidade à relação puramente arbitrária. Desse modo, em um dos extremos a correspondência entre modelos e comparações se fundamenta na identidade: uma das comparações é idêntica ao modelo e as demais não. A tarefa do aprendiz é, portanto, a de escolher, para cada modelo, o estímulo de comparação que lhe é idêntico, sendo denominada emparelhamento ao modelo por identidade3. No outro extremo, a correspondência entre modelos e compara­ções se apoia em uma relação inteiramente arbitrária, convencional, sendo cha­mada emparelhamento arbitrário ao modelo4. Um exemplo de relação arbitrária existe entre um objeto e seu nome (escrito ou falado). Essa é uma relação conven­cional que varia entre diferentes comunidades verbais. Nenhuma propriedade intrínseca ao objeto mesa, por exemplo, requer que ele tenha o nome de mesa e, de fato, outras comunidades verbais dão nomes diferentes a esse objeto, como as comunidades que falam inglês, que chamam esse objeto de table.

Para melhor compreender a importância do Emparelhamento com Modelo, é necessário deter-se no tema da relação entre nomes e objetos. As crianças quando aprendem o vocabulário de uma língua, estão aprendendo relações arbitrárias entre nomes e objetos nas quais cada objeto corresponde um determinado nome e cada nome indica um certo objeto5. Os estudiosos da linguagem denominam

3 Identity matching to sample.4 Arbitrary matching to sample.5 É evidente que se está simplificando demais a questão. Falar de uma relação de correspondência

um para um entre nomes e objetos é uma aproximação um pouco rude, mas útil para os propósitos deste capítulo.

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218 ■ Terapia Comportamental

essa relação como simbólica e, mais recentemente, os analistas do comportamento também passaram a utilizar essa termo (por exemplo, Sidman, 1994). Mas há dife­renças importantes entre a aprendizagem da relação entre nomes e objetos no am­biente natural e a aprendizagem da mesma relação por meio de Emparelhamento com Modelo no laboratório ou na clínica. Na aprendizagem da fala em situação natu­ral, a criança aprende tanto a reconhecer os objetos (olhar ou apontar para um objeto, dentre outros, quando seu nome é falado) quanto a pronunciar os nomes diante dos objetos. As crianças são, além disso, tipicamente expostas a muitas palavras e objetos, em múltiplas oportunidades de aprendizagem não programadas explicitamente. Essa ausência de programação significa a falta de uma graduação crescente das dificul­dades e a não-necessidade de verificação da aprendizagem de uma etapa antes de ir para a seguinte. Logicamente, os adultos usam, intencionalmente ou não, muitos recursos para facilitar a aprendizagem da criança e as crianças com desenvolvimento típico, expostas a um mínimo de estimulação, aprendem a falar sem grandes dificul­dades. Isso não acontece, no entanto, com crianças que apresentam deficiências sen- soriais ou neurológicas, as quais poderão apresentar retardo de linguagem. No caso de crianças criadas em ambientes empobrecidos, a situação pode se tomar mais difícil. Victor, o menino selvagem de Aveyron, é considerado um caso extremo de criança que viveu em um ambiente empobrecido. Para ele, a pronúncia das palavras se revelou uma dificuldade intransponível. No entanto, por meio dos métodos usados por Itard, ele conseguiu aprender a relação entre palavras e símbolos gráficos, passando a usar a escrita para se referir aos objetos.

Portanto, a técnica de Emparelhamento com Modelo é importante e útil, em grande medida, porque reproduz de forma simplificada, no laboratório ou na clí­nica, a aprendizagem de relações fundamentais para o desenvolvimento cognitivo. Por esse motivo, ela é especialmente indicada para ser empregada em indivíduos com atraso no desenvolvimento e, também, aplicada em crianças com desenvol­vimento típico. Isso não significa que a aplicabilidade do Emparelhamento com Modelo está restrita às crianças. Continua-se a aprender discriminações e relações simbólicas depois de se tornar adulto e, por isso, o Emparelhamento com Modelo pode ser aplicado nos adultos, por exemplo, quando se estuda uma segunda língua (inglês, japonês, francês, etc.) ou quando se aprende um novo sistema de repre­sentação simbólica como a notação musical.

Voltemos às relações entre modelos e comparações e ao contexto no qual se situam, com as relações de identidade em um extremo e as relações totalmente arbitrárias ou convencionais no outro. O que se tem, então, entre esses dois extre­mos? Considere-se novamente o exemplo de Itard ensinando o emparelhamento de objetos concretos com desenhos de seus contornos. Há similaridade entre mo­delos e comparações, mas não uma identidade total. O desenho dos contornos de um objeto é algo intermediário entre o próprio objeto e um símbolo totalmente abstrato. Isso é comprovado pela evolução dos sistemas de escrita nos quais os primeiros símbolos foram pictográficos, ou seja, os desenhos estilizados dos con­tornos de objetos evoluíram para símbolos cada vez mais abstratos e com menos relação com os objetos representados. Assim, o ensino da relação entre objeto e a representação gráfica de seu contorno pode ser entendido como o primeiro passo em direção ao ensino das relações totalmente arbitrárias e simbólicas, empreendido mais tarde por Itard ao ensinar Victor a utilizar as letras.

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Emparelhamento com Modelo ■ 219

CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA O ENSINO DE EMPARELHAMENTO COM MODELO

Como foi dito anteriormente, a técnica de Emparelhamento com Modelo transpõe para o laboratório e para a clínica as situações de aprendizagem de relações encon­tradas pelos seres humanos ao longo de seu desenvolvimento. Porém, a transposição para o laboratório envolve a simplificação da tarefa e a programação do seu ensino conforme os princípios da análise comportamental aplicada. Antes da abordagem das condições específicas para o ensino de Emparelhamento com Modelo, convém recapitular as condições necessárias para a aquisição de qualquer comportamento operante e que devem estar presentes no ensino do Emparelhamento com Modelo.

R espo sta A t iv a d o A prendiz

Essa é uma condição inerente ao procedimento de Emparelhamento com Modelo. O aprendiz responde a cada tentativa de emparelhamento, selecionando ou escolhendo um dentre vários estímulos de comparação. A forma (ou topografia) da resposta de escolha não é relevante, podendo ser adaptada às capacidades sen- soriais e motoras do aprendiz. Quando os estímulos de comparação são objetos concretos, as respostas de escolha mais usadas são pegar ou tocar um objeto. Quando as comparações são figuras apresentadas no computador, as respostas mais comuns são selecionar uma figura com o mouse ou tocá-la diretamente sobre a tela. Para indivíduos com graves limitações motoras, a situação pode ser adaptada para utilizar como resposta de escolha qualquer resposta diferencial que o indivíduo possa emitir em relação às comparações.

R efo r ç a m en t o D iferen cia l Im ed ia to

Para ensinar Emparelhamento com Modelo é necessário programar uma con­seqüência reforçadora para as respostas corretas. O reforçamento de respostas corretas é diferencial, ou seja, o reforçamento é contingente às respostas corretas e não às respostas incorretas. A identificação de reforçadores para cada aprendiz é empírica, ou seja, é importante determinar quais estímulos funcionam, de fato, como reforçadores para cada aprendiz. Sidman e Stoddard (1966) relatam o desen­volvimento de um programa para o ensino de discriminações simples para crianças ou indivíduos com retardo, em que os participantes tipicamente recebiam um confeito de chocolate depois de cada resposta correta. Isso funcionava como reforçador para a maioria dos participantes, mas os confeitos de chocolate não funcionavam como reforçador para alguns deles. Nesses casos, foi preciso identificar outros reforçadores. Em um dos casos, os autores não conseguiram identificar nada que pudesse ser dado ao participante e que tivesse função reforçadora; even­tualmente, eles descobriram que um reforçador efetivo para essa criança era permitir que ela colocasse um confeito de chocolate na boca do pesquisador! Assim, a cada resposta correta, o pesquisador dava um confeito de chocolate à criança e deixava que a criança o colocasse em sua boca. Somente desse modo foi possível manter o responder da criança, de modo que ela aprendesse a tarefa.

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220 ■ Terapia Comportamental

S u bd iv isã o d a T a r e f a em E tapas S eq ü en c ia is ,

c o m D if ic u ld a d e G r a d u a d a

Uma tarefa de Emparelhamento com Modelo é, normalmente, a etapa de uma aprendizagem mais ampla. Itard, por exemplo, ensinou o emparelhamento entre objetos e respectivos contornos como uma etapa do percurso que objetivava che­gar à relação entre objetos e palavras escritas (Pessotti, 1978; Sério et al.} 2002). Para isso, ele subdividiu o objetivo mais amplo em etapas de dificuldade crescente nas quais o domínio de cada uma preparava o aprendiz para a seguinte.

Dependendo das limitações do aprendiz, contudo, necessita-se subdividir o próprio Emparelhamento com Modelo em etapas. Alguns indivíduos com retardo mental têm grandes dificuldades na aprendizagem de emparelhamento arbitrário. Zygmont, Lazar, Dube e Mcllvane (1992) desenvolveram um método engenhoso para ensinar gradualmente o emparelhamento arbitrário, partindo-se do empa­relhamento de identidade (que os participantes do estudo haviam dominado). O método envolvia uma modelagem de estímulo ou esvanecimento de modo que, depois de se estabelecer um emparelhamento de identidade, a forma dos modelos foi sendo gradualmente modificada até os modelos se tornarem distintos dos es­tímulos de comparação corretos. Assim, ao longo dessa seqüência de etapas, o emparelhamento por identidade se transformava gradualmente em empare­lhamento arbitrário.

Outra forma engenhosa de superar as dificuldades de indivíduos com retardo mental na aprendizagem de emparelhamento arbitrário foi relatada por Saunders e Spradlin (1990). Esses pesquisadores desenvolveram um estudo com dois adultos com retardo mental grave que haviam falhado repetidamente na aprendizagem de emparelhamento arbitrário. O objetivo de Saunders e Spradlin era ensinar os participantes a emparelhar dois modelos (Al e A2) com dois estímulos de com­paração, BI e B2. Portanto, as comparações BI e B2 deveriam ser apresentados em cada uma das tentativas e o modelo seria Al ou A2. Na presença do modelo Al, seleções de BI seriam corretas e em presença do modelo A2, seleções de B2 seriam as certas.

Para ensinar a tarefa, Saunders e Spradlin fizeram uma análise dos compo­nentes do emparelhamento arbitrário e, então, seqüenciaram esses componen­tes. Um requisito para o emparelhamento seria que os participantes distinguissem entre os modelos Al e A2. Essa é uma discriminação sucessiva (ver Matos, 1981; Sério etal.y 2002) pois Al e A2 são apresentados, cada um por sua vez, ao longo de tentativas sucessivas. Para ensinar a discriminação sucessiva entre Al e A2, eles ensinaram os participantes a nomear os estímulos. Depois que isso foi aprendido, os pesquisadores ensinaram outro componente necessário para o emparelhamento: a discriminação simultânea entre BI e B2. No emparelhamento arbitrário essa discriminação simultânea é continuamente revertida, ou seja, o estímulo correto muda a cada tentativa, dependendo do modelo apresentado. Saunders e Spradlin decidiram ensinar os participantes a reverterem gradualmente a discriminação simples apresentando blocos de tentativas consecutivas com o mesmo modelo e diminuindo gradualmente o número de tentativas desses blocos até que os mo­delos fossem apresentados em ordem randômica. Os participantes mantiveram o

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Emparelhamento com Modelo ■ 221

responder correto e, portanto, aprenderam o emparelhamento arbitrário. Então, os pesquisadores ensinaram novas tarefas de emparelhamento (com novos es­tímulos) e verificaram que os participantes pareciam estar “aprendendo a apren­der” emparelhamentos arbitrários. Novos emparelhamentos foram aprendidos mais rapidamente e, eventualmente, o treino dos componentes do empare­lhamento arbitrário se tornou desnecessário com os participantes aprendendo novos emparelhamentos por tentativa e erro.

D o m ín io de u m a E ta pa A ntes d o A v a n ç o para a E ta pa S eg u in te

Em todos esses exemplos de programação do ensino de emparelhamentos com modelo, um cuidado tomado pelos pesquisadores foi o de estabelecer um critério de desempenho para cada etapa em que o programa foi subdividido. O critério era sempre rigoroso para assegurar o domínio de uma etapa antes do avanço para a etapa seguinte. Mesmo quando a etapa anterior era dominada, havia ocasiões em que o desempenho apresentava deterioração no avanço para uma etapa seguinte. Assim que se constatava uma deterioração no desempenho, os pesquisadores imediatamente retrocediam no programa, retornando às etapas anteriores até que o desempenho acurado fosse recuperado. Nem sempre a recu­peração ocorria na etapa imediatamente anterior e podia ser necessário retro­ceder várias etapas até a recuperação do desempenho. Muitas vezes, no entanto, o desempenho pode se deteriorar sempre que uma determinada etapa do programa é alcançada. Isso sugere a necessidade de modificar o programa de ensino e empregar procedimentos alternativos. Por exemplo, a graduação de dificuldade pode estar inadequada e o avanço para uma determinada etapa pode ser muito grande para um particular aprendiz. Nesse caso, é importante subdividir ainda mais o programa, incluindo etapas intermediárias. O leitor interessado pode encontrar informações detalhadas sobre essa questão no relato de Sidman e Stoddard (1966) sobre a construção e revisão de um programa para ensino de discriminações às pessoas não verbais. Embora o programa desenvolvido por eles ensine discriminações simples e não Emparelhamento com Modelo, as con­siderações sobre a construção do programa são válidas para qualquer programa de ensino fundamentado na análise do comportamento.

Além dessas condições fundamentais para a aquisição de qualquer compor­tamento operante, existem alguns requisitos específicos para o ensino de Empa­relhamento com Modelo. Já foi mencionado anteriormente que a aprendizagem do Emparelhamento com Modelo requer a discriminação sucessiva dos modelos e a discriminação simultânea dos estímulos de comparação.

Uma técnica muito usada para aumentar a probabilidade de discriminação dos modelos é a de, em cada tentativa de emparelhamento, apresentar inicialmente o modelo isoladamente e aguardar que o aprendiz emita uma resposta de obser­vação ao modelo. Uma resposta de observação utilizada comumente é a de tocar o modelo. O requisito de que o aprendiz toque o modelo assegura uma orientação dele em direção ao modelo, mas não assegura que ele observe e distinga os aspectos que diferenciam um modelo dos demais. Mesmo assim, na maioria dos casos, uma resposta de observação como tocar o modelo é suficiente para a aprendizagem do

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222 ■ Terapia Comporta mental

emparelhamento. Quando o aprendiz não alcança um desempenho acurado nessas condições, uma alternativa é requerer uma resposta diferencial a cada modelo. Essa foi uma das condições empregadas por Saunders e Spradlin (1990) para ensinar Emparelhamento com Modelo a adultos com retardo mental severo que, ante­riormente, haviam fracassado repetidamente nessa aprendizagem. Os pesqui­sadores ensinaram os participantes a dizer um nome diferente em presença de cada modelo. Cada tentativa de em parelham ento com eçava com a apresentação do modelo e o aprendiz tinha que nomeá-lo, produzindo o aparecimento dos estímulos de comparação. Para nomear acuradamente é necessário que o parti­cipante discrimine cada modelo. No entanto, uma resposta diferencial não precisa ser necessariamente de nomeação. Qualquer resposta diferente em presença de cada modelo assegura que o aprendiz discrimine os modelos. Portanto, para par­ticipantes que tenham dificuldade na produção de nomes, podem ser utilizadas outras respostas emitidas pelo participante, como gestos ou sinais manuais, dife­rentes taxas ou padrões de toques no estímulo, etc.

É importante assegurar que o participante discrimine de fato os aspectos rele­vantes dos modelos e não alguma outra característica regular eventualmente exis­tente nos estímulos ou no arranjo de tentativas. Assim, uma precaução necessária é assegurar que a ordem de tentativas seja randomizada pois uma ordem não randomizada permitiria que o aprendiz respondesse à ordem e não aos modelos. Para exemplificar, suponha que a ordem de apresentação dos modelos seja sempre Al, A2, A3, A3, A2, Al, e assim sucessivamente. O sujeito poderia eventualmente responder à seqüência de estímulos de comparação Bl, B2, B3, B3, B2, Bl, sem atentar para os modelos, porém, este responder seria aparentemente acurado. Da mesma forma, em relação à discriminação dos estímulos de comparação, é impor­tante verificar se não há nenhuma outra característica como a posição de apre­sentação dos estímulos que pode ser discriminada. Para um exemplo simples, suponha-se que o instrutor esteja ensinando o emparelhamento entre os mode­los Al e A2 e os estímulos de comparação Bl e B2, respectivamente. Um modelo e dois estímulos de comparação são apresentados a cada tentativa, sendo os estímu­los de comparação apresentados um à direita do modelo e outro à esquerda. Su­ponha-se também que o instrutor tenha se descuidado na programação das tentativas, dispondo-as de modo em que duas tentativas consecutivas, o estímulo de comparação correto esteja à direita do modelo, nas duas seguintes ele seja apre­sentado à esquerda e assim por diante, de modo que a posição do estímulo de comparação correto alterne entre direita e esquerda a cada duas tentativas. Nesse caso, o aprendiz poderia responder corretamente em todas as tentativas mesmo sem sequer olhar para os modelos e comparações; ele poderia aprender simplesmente a alternar entre direita e esquerda a cada duas respostas. Ou seja, ele estaria res­pondendo sob o controle da posição e não da relação entre modelos e compara­ções. É importante notar que, nesse caso, se o participante responder corretamente, é possível que ele o faça sob o controle da relação entre modelos e comparações, mas o instrutor não pode ter certeza disso. O único modo pelo qual o instrutor pode certificar-se é a eliminação da regularidade na posição do estímulo de comparação correto, tornando-a randômica. Se, mesmo com a eliminação da regularidade na posição dos estímulos, o aprendiz continuasse a responder corretamente, seria possível afirmar que a posição não é a variável que controla a seleção correta.

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Emparelhamento com Modelo ■ 223

EMPARELHAMENTO ARBITRARIO E EQUIVALÊNCIA DE ESTÍMULOS

As pesquisas de Sidman et a l (por exemplo, Sidman, 1971; Sidman & Cresson, 1973; Sidman e Tailby, 1982; Sidman, 1994), mostraram que a aprendizagem de emparelhamento arbitrário com modelo pode gerar novos desempenhos ensinados não diretamente. Por exemplo, Sidman (1971) ensinou um jovem com retardo mental a emparelhar vinte palavras ditadas às respectivas palavras impressas. As palavras eram substantivos com três letras, como bee, hat, eye, ear, hut, dog, etc. Elas tinham várias letras em comum, de modo que o participante precisava se atentar a todas para fazer escolhas acuradas. Em cada tentativa de emparelhamento foram apresentadas oito palavras impressas e uma delas era ditada como modelo. Antes do início desse estudo, o aprendiz já era capaz de emparelhar as palavras ditadas às figuras, representativas dos objetos designados pelas palavras. Depois que o participante aprendeu a emparelhar as vinte palavras ditadas às respectivas pala­vras impressas, Sidman verificou se ele seria capaz de novos emparelhamentos, os quais ele não dominava antes do experimento: emparelhar as figuras (modelos) com as palavras impressas (comparações) e emparelhar as palavras impressas (mo­delos) com as figuras (comparações). O participante apresentou esses desempe­nhos emergentes com bastante acurácia e, além disso, mostrou-se capaz de nomear oralmente as palavras impressas. Sidman concluiu que o participante havia apren­dido a ler com compreensão as vinte palavras.

Nesse estudo, Sidman (1971) considerou que cada desempenho de empare­lhamento estabelecia a equivalência entre os modelos e respectivos estímulos de comparação. De acordo com essa concepção, o participante já aprendera, antes do experimento, a equivalência entre palavras ditadas e figuras. A equivalência entre palavras ditadas e palavras impressas foi diretamente ensinada no estudo, produzindo a emergência de duas novas relações de equivalência que não foram, portanto, diretamente ensinadas: entre palavras impressas (modelos) e figuras (comparações) e entre figuras (modelos) e palavras impressas (comparações). O desempenho de nomeação oral das palavras, acompanhado dessas relações de equivalência, indi­caria que o participante aprendera a ler essas palavras com compreensão.

Porém, em trabalhos posteriores (por exemplo, Sidman e Tailby, 1982), Sidman et a l , com base na definição matemática de relações de equivalência, refinaram a definição de equivalência entre estímulos. Esses trabalhos de Sidman et al. são influentes e a equivalência entre estímulos se tornou em um dos principais tópicos de análise conceituai e investigação experimental na análise comportamental con­temporânea. A definição matemática da equivalência de estímulos contribuiu, também, para emprestar uma aura de mistério a esse conceito.

Para os propósitos deste manual, não considero essencial explicar essa definição. Os interessados podem encontrar uma introdução a esse conceito em de Rose (1993) e uma revisão bastante completa dos estudos e de suas implicações no livro publicado por Sidman (1994). O que me parece importante é que Sidman et al. utilizam a definição matemática de equivalência para caracterizar a relação entre estímulos como uma relação simbólica. Portanto, a definição matemática de equivalência fornece, de acordo com Sidman et a l, um critério operacional para

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224 ■ Terapia Comportamental

determinar que um estímulo em particular tem propriedades simbólicas para um indivíduo. Nesse caso, diz-se que o indivíduo tem compreensão do símbolo.

Segundo Sidman e ta l, o emparelhamento arbitrário entre modelos e estímulos de comparação é uma discriminação condicional ou, em outras palavras, uma relação entre pares associados. Sidman critica a linguagem que ele próprio havia usado em seus artigos do início dos anos 70 (por exemplo, Sidman, 1971; Sidman & Cresson, 1973), argumentando que, ao contrário do que ele afirmava nesses ar­tigos, emparelhamentos como o ensinado entre palavras ditadas e palavras im­pressas não constituíam necessariamente uma relação de equivalência. Sidman et a l observam que um pombo, por exemplo, pode aprender emparelhamentos deste tipo. Por exemplo, um pombo é condicionado a emparelhar modelos de discos iluminados por luzes vermelha, verde e azul com estímulos de comparação con­sistindo das letras R, G e B (red, green e blue, respectivamente). De acordo com a nova conceitualização de Sidman e t a l , esse emparelhamento, por si só, não permi­tiria supor que o pombo houvesse adquirido uma relação de equivalência entre letras e cores. Ou seja, é errado afirmar que as letras se tornaram, para o pombo, símbolos das cores. Esse erro é comprovado ao se efetuar uma reversão entre modelos e estímulos de comparação e se apresentar as letras como modelos e os discos coloridos como estímulos de comparação. Submetido a esse teste, o pombo provavelmente não será mais capaz de emparelhar os supostos símbolos com as cores (de fato, essa incapacidade foi comprovada em vários estudos revistos em Sidman, 1994).

Assim, o emparelhamento aprendido pelo pombo não vai além de um desem­penho diretamente condicionado que estabelece uma relação condicional ou entre pares associados. Seres humanos, ao contrário dos pombos, depois que aprendem relações de emparelhamento, podem mostrar desempenhos que vão além dos que foram diretamente aprendidos. Quando os seres humanos aprendem empare­lhamentos com modelo, como por exemplo AB e AC, eles comumente exibem rela­ções emergentes, ou seja, não diretamente ensinadas, mas derivadas das relações AB e AC ensinadas. Por exemplo, é comum os indivíduos serem capazes de exibir as relações emergentes BA e CA, que revertem as funções de modelos e comparações das relações aprendidas. Também é comum que eles aprendam as relações BC e CB derivadas, logicamente, do fato de os indivíduos aprenderem a relacionar os estímulos B e os estímulos C com os estímulos A. Sidman argumenta que, quando aprendizes exibem todas estas relações emergentes após o ensino de discriminações condicionais como AB e AC, então os estímulos relacionados entre si formam classes de estímulos equivalentes. Assim, supondo que os conjuntos de estímulos A, B e C contenham três estímulos cada um, então, de acordo com Sidman, pode-se dizer que os aprendizes formaram três classes de estímulos equivalentes, a primeira delas compreendendo Al, BI e Cl, a segunda englobando A2, B2 e C2 e a terceira envolvendo A3, B3 e C3. Em cada uma dessas classes, as relações entre os estímulos são relações de equivalência ou simbólicas.

De acordo com Sidman eta l, o comportamento simbólico pode ser identificado pela apresentação de desempenhos relacionais não diretamente ensinados, de­rivados de discriminações condicionais ensinadas explicitamente. Essas rela­ções emergentes permitem afirmar que, para um determinado indivíduo, as

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Emparelhamento com Modelo ■ 225

relações entre estímulos são simbólicas e que ele compreende os símbolos. As­sim, o pombo condicionado a bicar uma letra correspondente à cor do disco iluminado não compreende a letra e esta não é, para ele, um símbolo da cor, pois a aprendizagem do pombo limita-se à discriminação condicional que foi diretamente ensinada. A maioria dos seres humanos, porém, quando aprende discriminações condicionais com conjuntos de estímulos comuns, como por exemplo AB e AC, é capaz de exibir novas relações condicionais em que esses estímulos são permutados. Isso confirma que esses indivíduos formam relações simbólicas e compreendem os símbolos.

R e f e r ê n c ia s

DE ROSE, J. C. Classes de estímulos: Implicações para uma análise comportamental da cognição.Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1993.

MATOS, M. A. O controle de estímulos sobre o comportamento. Psicologia, 7 (2): 1-15, 1981. PESSOTTI, I. (1988). Deficiência mental. Da superstição à ciência. São Paulo: TA Queiroz, 1984 SAUNDERS, K. J., SPRADLIN, J. E. Conditional discrimination in mentally retarded adults: The

development of generalized skills. Journal o f the Experimental Analysis o f Behavior, 54:239- 250, 1990.

SÉRIO, T. A. P., ANDERY, M. A., GIOIA, P. S., MICHELETTO, N. Controle de estímulo: Uma introdução.São Paulo: EDUC, 2002.

SIDMAN, M. Reading and auditory-visual equivalences. Journal o f Spech and Hearing Research, 14:5-13, 1971.

SIDMAN, M. (1994). Equivalence relations and behavior. A research story. Boston: Authors Cooperative, 1994.

SIDMAN, M., CRESSON, 0 . Reading and crossmodal transfer of stimulus equivalences in severe retardation. American Journal o f Mental Deficiency, 5:515-523, 1973.

SIDMAN, M., STODDARD, L. T. Programming perception and learning for retarded children.International Review o f Research in Mental Retardation, 2:151-208, 1966.

SIDMAN, M., TAILBY, W. Conditional discrimination vs. matching to sample: An expansion of the testing paradigm. Journal o f the Experimental Analysis o f Behavior, 37:5-22, 1982.

ZYGMONT, D. M., LAZAR, R. M., DUBE, W. V., MCILVANE, W. J. Teaching arbitrary matching via sample stimulus-control shaping to young children and mentally retarded individuals: A methodological note. Journal o f the Experimental Analysis o f Behavior, 57:109-117, 1992.

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CAPÍTULO

Reversão de HábitoL u c M a r c e l A d h e m a r Va n d e n b e r g h e

prin cíp io s

A noção de que os hábitos podem ser revertidos por treino foi amplamente estudada e usada nos anos de pioneirismo da Terapia Comportamental. Uma nova resposta pode ser repetida até alcançar uma fluência tão elevada que eclipsa outra mais antiga ou um hábito involuntário pode ser inten­cionalmente treinado até perder seu automatismo. Quem rói unhas deve exercitar movimentos de mastigar em volta dos dedos sem mordê-las. Um gago pode gaguejar intencio­nalmente durante 15 minutos duas vezes por dia, eliminando assim a relação direta com os estímulos que evocaram o comportamento (Dunlap, 1932).

Com o advento do paradigma operante, a compreensão dos hábitos mudou. Atualmente, as conseqüências dos com­portamentos entraram em foco. Graças a essa abordagem, a tecnologia de Reversão de Hábito, por meio dos trabalhos de Azrin eta l, chegou à maturidade. Novos comportamentos podem ser reforçados seletivamente até serem fortes o su­ficiente para tomar o lugar do hábito problemático. Moni­toração (aumento da consciência do comportamento) torna a própria eliminação do hábito reforçadora. Assim, em ter­mos operantes, a interpretação mais simples é que Reversão de Hábito é possível por uma combinação de automonitoria e reforçamento diferencial de comportamentos incompa­tíveis (Allen, 1998).

Por outro lado, desde o início foi observado que os clientes necessitam ser altamente motivados para aproveitar esse programa (Dunlap, 1932; Azrin eNunn, 1973). A motivação do cliente constitui outro princípio fundamental que permeia todo o tratamento.

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Reversão de Hábito ■ 227

MÉTODONa sua forma atual, a técnica se resume ao treino de um novo padrão de res­

posta com o intuito de eliminar um hábito prejudicial. É uma técnica adequada à prática de gabinete tradicional do psicólogo clínico e se adapta facilmente à terapia de grupo com enfoque didático, quando há homogeneidade entre os participantes quanto ao tipo de hábito a ser modificado. Consiste em planejar a troca do hábito por uma outra forma de agir, em exercitar o novo comportamento, em planejar o treino no cotidiano e em discutir progressos e problemas.

Foi aplicado com sucesso aos problemas como gaguejo (Azrin e Nunn, 1973), tiques de piscar (Azrin e Peterson, 1989), tricotilomania (Mouton e Stanley, 1996), ataques de raiva durante perform ance atlética (Allen, 1998) e em vários outros hábitos (Miltenberger, Fuqua e Woods, 1998).

DESCRIÇÃONa primeira fase, a consciência que a pessoa tem do comportamento inde-

sejado é aumentada. Isso significa que o cliente é treinado para identificar com exatidão episódios do hábito, mesmo os sutis. Miltenberger, Fuqua e Woods(1998) especulam que esse treino de auto-observação é motivador. Quando o cliente torna a ocorrência da resposta mais evidente para si mesmo, ele a esta­belece como um evento aversivo cada vez menos suportável. Essa estimulação aumentada evoca comportamentos alternativos, negativamente reforçados pelo término ou pela esquiva do evento aversivo. Nesse raciocínio, a tomada de cons­ciência se tornou uma operação estabelecedora que motiva o cliente de persistir na sua tentativa de mudança.

Uma resposta alternativa é introduzida. Exemplos podem ser encontrados na literatura. Quando o piscar involuntário se tornou um tique, a pessoa pode aprender a piscar de forma intencional, espaçada no tempo (Azrin e Peterson, 1989). Ao gaguejar ela pode aprender a regular a respiração, inspirando devagar antes de falar e antecedendo a primeira palavra com uma expiração leve (Azrin e Nunn, 1973). Mas, em muitos casos, o comportamento a ser treinado precisa ser escolhido ao se levar em consideração as singularidades do hábito e do con­texto em que ele surge.

Uma “revisão da inconveniência” consiste em questionar o cliente sobre o sofri­mento decorrente do hábito e sobre os ganhos esperados do seu abandono. O psi­cólogo enfatiza as perdas atribuídas ao comportamento problemático enfocando os aspectos que o cliente considera mais graves. A intenção dessa entrevista é, clara­mente, de aumentar a motivação do cliente. Mouton e Stanley (1996) elaboram essa fase detalhadamente num tratamento de grupo. Pode-se supor que ouvir dos outros como o hábito interfere no cotidiano e quais os problemas decorrentes dele deve tor­nar esse hábito ainda mais aversivo. Trata-se aqui de controle verbal por meio da fun­ção de aumentador definido por Hayes, Zettle e Rosenfarb (1989) como uma regra que aumenta o valor reforçador de um evento. Neste caso, os eventos que devem se tomar reforçadores são: evitar os efeitos incovenientes descritos e alcançar os ganhos.

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228 ■ Terapia Comportamental

Os clientes são instruídos a contatar pessoas que fazem parte da sua rede social e que têm interesse em ajudá-los, a fim de compartilhar os progressos. Elas po­dem solicitar que os clientes lembrem de treinar e podem elogiar ao perceberem melhoras. Esse componente de sustentação social também é uma intervenção motivadora. Consiste na disponibilização de uma quantidade maior de reforçamento social para os comportamentos concorrentes e para as melhores no desempenho geral.

Finalmente, o cliente é instruído a treinar respostas alternativas em diferentes situações do cotidiano, aumentando as chances de generalização ampla dos ganhos terapêuticos. Nessa fase, o novo comportamento se integra profundamente nas contingências do cotidiano.

CASO CLÍNICOUma mulher de 24 anos, casada, sem filhos, com nível de instrução baixa, pro­

curou-me em busca de alívio para o seu problema de tricotilomania. Ela possuía uma mancha calva na cabeça. No seu trabalho as colegas tinham comentado pois, apesar de ela sempre manter o cabelo amarrado, ficava cada vez mais difícil es­conder a calvície. Um ano antes, o seu marido tinha tocado no assunto algumas vezes, logo que ela começou a tirar o cabelo, porém, ele não insistiu.

Durante a primeira sessão, concentrei-me na revisão de inconveniência que não revelou nenhuma conseqüência concreta na vida atual, pouca preocupação com a aparência e apenas um leve interesse sobre o que os outros pensavam sobre ela. A principal motivação para buscar ajuda era o medo de ficar completamente careca no futuro.

Como ela não sabia quando ou em que situações tirava os cabelos, uma tarefa de auto-observação foi combinada: durante 2 dias específicos, ela anotaria todas as vezes em que se percebeu puxando os cabelos. Deveria também anotar onde estava, com quem estava, o que fazia (pensava e sentia) e como interrompeu o comportamento.

As anotações revelaram que o único momento perigoso era quando, à noite em casa, ela estava relaxada, assistindo televisão em silêncio, deitada no sofá com o marido. Ela negava sentir tédio, tensão ou outras sensações aversivas nesses momentos e não sabia se o marido estava percebendo o comportamento, mas percebeu que ela parava automaticamente quando se sentava no sofá ou quando o marido a olhava.

Havia a impressão de que o comportamento apareceu num momento vazio, no qual os dois estavam fisicamente juntos, mas não tinham contato entre eles. A hipótese de um problema de relacionamento, que poderia ter relação com intimi­dade/comunicação ou que, de outra forma, poderia dar uma função ao hábito não foi levada adiante pois inexistiam dados para sustentá-la.

Comportamentos alternativos foram selecionados: sentar-se em posição reta, deitar com a cabeça no colo do marido ou comentar algo com ele. Ela não concordou em pedir a ajuda do marido para lembrá-la dos comportamentos alternativos ou para reforçar seus progressos, insistindo que o problema era dela e que ela deve­ria resolvê-lo. A cliente recebeu uma tarefa de auto-observação diária para au­mentar a consciência do comportamento e intervir cada vez que ele se manifestava.

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Reversão de Hábito ■ 229

Na terceira sessão, ela trouxe as folhas de anotação em branco, mas contou que tinha se pegado começando a puxar o cabelo duas ou três vezes durante a semana, mas que fazer um comentário sobre o que estava passando na televisão ou sobre um acontecimento do dia, tinha adequadamente bloqueado o compor­tamento. Na quarta, ela relatou não ter mais puxado o cabelo, mas passou a sentir vontade de fazê-lo quando estava fora de casa e tinha começado a aplicar com­portamentos alternativos como comentar algo se ela estava com alguém ou, em outros casos, mudar de posição corporal.

Como ela considerou o problema como resolvido, foi combinada uma data de follow-up para 6 meses depois, na qual ela apareceu com os cabelos novamente crescidos.

Esse caso ilustra um tratamento muito breve que consistiu dos seguintes com­ponentes: revisão de inconveniência, escolha de comportamentos alternativos e treino de consciência. O treino dos comportamentos não foi necessário e a gene­ralização aconteceu espontaneamente.

O ponto-chave nesse caso foi o déficit na auto-observação. Na primeira sessão, a cliente não soube dizer em quais lugares ela emitiu o comportamento. Depois da terceira sessão, apesar de não conseguir descrever as relações funcionais rele­vantes, ela detectou instâncias sutis do hábito (a simples vontade de puxar os cabelos) e reagiu adequadamente a eles.

COMENTÁRIOSReed e Howell (2000) apontam que o processo básico da técnica não está em­

piricamente estabelecido. Eles consideram improvável que contingências de reforçamento expliquem os efeitos do tratamento e inferem que comportamentos antecedentes à resposta indesejável são potencialmente punidos, o que é um as­pecto criticável da técnica. Concordamos que o aumento de estimulação aversiva tem um papel importante no tratamento, mas a prática clínica oferece amplos exemplos de como o contato com as conseqüências naturais, quase necessa­riamente, reforça o novo comportamento.

Como grande parte do programa é puramente motivador, entende-se que ele pode ser abreviado quando se trata de clientes que chegam no consultório altamente motivados. Wagaman, Miltenberger e Arndorfer (1993) mostraram que um trata­mento mais enxuto, constituído de treino de consciência, implementação de res­posta concorrente e mobilização da rede social, é suficiente para um bom êxito com crianças. Wagaman, Miltenberger e Arndorfer (1996) relataram sucesso e boa manutenção com adultos com o uso de um tratamento reduzido a treino da consciência e implementação da resposta concorrente.

Connor, Brault e t a l (2001) mostraram, num estudo com 90 sujeitos com dife­rentes transtornos de hábito ou tiques crônicos, que 65% relatam resultados muito bons no fim de um tratamento de treino da consciência, relaxamento progressivo e treino da resposta alternativa. Após 2 anos, cerca de 52% mantiveram a mesma avaliação.

Allen (1998) mostrou que, quando o programa não funciona bem, a imple­mentação de contingências extras (como o custo de resposta para episódios do hábito nos quais a resposta alternativa não é emitida ou a eliminação de situações

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230 ■ Terapia Comportamental

antecedentes que desviam a atenção do programa) podem ajudar dramaticamente. O primeiro tipo de intervenção substitui a falta de motivação (operação estabele- cedora) por conseqüências artificiais, a segunda aumenta a eficácia das condi­ções antecedentes.

Deve-se encarar a Reversão de Hábito como um método de modificação de comportamento que funciona na maioria dos casos por meio das contingências artificiais e, dessa forma, não se encaixa nos anseios dos analistas clínicos do com­portamento que consideram como ponto-chave da terapia o trabalho com as con­tingências naturais. Isso não impede o uso como técnica auxiliar dentro do contexto da análise clínica. Woods e Miltenberger (1996) discutem dados que mostram como a ansiedade facilita os hábitos de manipulação dos cabelos e do rosto, enquanto o tédio incrementa os hábitos de manipular objetos. Essas emoções são possíveis di­cas concernindo as conseqüências que mantêm os hábitos, sendo elas a redução de ansiedade no primeiro caso e a auto-estimulação no segundo.

Todos esses dados esclarecem que o tratamento, como já dizia Dunlap (1932), precisa considerar as especificidades do cliente e os seus contextos. E, como sempre, quando não ocorrem mudanças imediatas, uma análise funcional cuidadosa do processo é indispensável.

R e f e r ê n c ia s

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Encadeamento de Trás para Frente

M aria M artha C osta H übner

DEFINIÇÃOEncadeamento de Trás para Frente é o nome de um con­

junto de procedimentos que envolve ensinar, em primeiro lugar, o último passo de uma determinada cadeia de res­postas e, em seguida, o mais próximo do último, ou seja, o penúltimo passo e assim por diante, até se chegar ao pri­meiro passo. Para a compreensão desse conjunto de pro­cedimentos é necessário entender o conceito de cadeia de estímulos e respostas: uma seqüência de estímulos discriminativos (SD) e respostas (RS) em que cada resposta produz o SD para a próxima resposta. A emissão da seqüência inteira é geralmente seguida de reforçamento (liberação de conseqüências que aumentem a probabilidade futura de emissão de toda a seqüência).

Martin e Pear (1978) exemplificam de forma elucidativa o que vem a ser uma complexa cadeia de estímulos e res­postas, na qual cada resposta deve ser emitida numa certa ordem, uma por vez. Cada resposta pode ser chamada de passo. O exemplo é do comportamento de arrumar uma cama que foi dividido pelos autores em vinte passos. O pri­meiro é colocar o lençol de baixo e o último é pôr a colcha sobre a toda a cama.

Aplicar o procedimento de Encadeamento de Trás para Frente consiste em, por exemplo, enquanto instrutor, rea­lizar para o aprendiz, num primeiro momento, toda a cadeia (exceto o último passo) e solicitar ao aprendiz que o faça, mesmo que seja necessária a ajuda física (no caso de uma criança, por exemplo). Após a emissão do último passo da

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232 ■ Terapia Comportamental

cadeia pelo aprendiz, libera-se uma conseqüência comprovadamente reforçadora para ele. O último passo é repetido várias vezes, cada vez com um nível menor de ajuda até que o aprendiz realize o passo sozinho. Em seguida, faz-se o mesmo procedimento com o penúltimo passo e assim sucessivamente, até se completar toda a cadeia.

PRINCÍPIOS QUE SUSTENTAM ESSE PROCEDIMENTO

Embora muitos alunos considerem estranho ensinar algo de trás para frente, há um bom raciocínio para o emprego desse procedimento: o princípio do reforçamento condicionado.

Voltando ao exemplo de Martin e Pear (1978). Apresentar uma conseqüência reforçadora para a resposta “colocar a colcha sobre a cama” ocorre diante dos estímulos “travesseiros sobre a cama” (considerando-se que colocar os traves­seiros sobre a cama foi o penúltimo passo). Com base no princípio de refor­çamento condicionado, a visão dos travesseiros sobre a cama torna-se um reforçador condicionado para a resposta estabelecida imediatamente anterior a ela, por exemplo, colocar os travesseiros sobre a cama. Essa última resposta é re­forçada, por sua vez, na presença de fronhas colocadas nos travesseiros, o que se torna, por sua vez, reforçador condicionado para a resposta imediatamente anterior a ela e assim por diante. Portanto, o procedimento de Encadeamento de Trás para Frente faz uso do poder reforçador da conseqüência oferecida no final da cadeia de respostas que é transferido como um “efeito dominó” a cada SD acrescido à cadeia de estímulos e respostas. É um exemplo do emprego efi­ciente de reforçamento para se estabelecer uma cadeia de estímulos e respostas fortemente encadeados.

Quando as seqüências se mantêm ligadas e o reforçador condicional de uma resposta serve como estímulo discriminativo para a próxima, aplica-se o termo “cadeia comportamental” Os elos da cadeia são as ações desempenhadas, uma após a outra. Os elos são ligados pelos estímulos discriminativos (Baum, 1998).

OUTROS EXEMPLOS DO EMPREGO DO ENCADEAMENTO DE TRÁS PARA FRENTE

O procedimento de encadeamento de trás para frente tem sido empregado em várias situações de ensino, além de ser extensivamente aplicado em treinos de habilidades da vida diária (AVD) em crianças com ou sem retardo mental.

Algumas escolas de ensino da língua inglesa no Brasil empregam tal procedi­mento: para fazer com que seus aprendizes repitam “I went to the moviesyesterday\ por exemplo, o professor geralmente diz a frase toda, depois diz somente “I went to the movies...” solicita à classe que repita “Yesterday” e elogia. Em seguida, diz somente “I went to the...”, solicita à classe que diga o restante da frase e vai repe­tindo, passo a passo, até que os aprendizes estejam verbalizando a frase toda.

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Encadeamento de Trás para Frente ■ 233

O tamanho de cada passo é determinado pela equipe de instrutores ou pelo terapeuta, tendo em vista dois critérios: os pré-requisitos do aprendiz (seu reper­tório de entrada) e as dificuldades apresentadas por ele em cada passo ou em cada nível de ajuda em cada passo. Aliás, para evitar o fracasso, todos os procedimentos da Análise do Comportamento consideram esses dois critérios.

O tamanho de cada passo e o comportamento do aprendiz nos níveis de ajuda podem fazer o terapeuta subdividir cada etapa e adicionar reforçadores antes do final de toda a seqüência de estímulos e de respostas.

O estabelecimento de seqüências adequadas de ensino, com uma boa gradação entre os passos, depende de uma adequada decomposição de habilidades (noção introduzida no Brasil por Carolina Bori em seu curso Planejamento de Contin­gências de Ensino, ministrado no Instituto de Psicologia da USR Departamento de Psicologia Experimental e publicada em Keller e Sherman, 1974).

Essa noção ensina que, ao se programar uma determinada seqüência de ensino, a cada resposta ou classe de respostas que se quer ensinar pergunta-se “O que o aprendiz precisa saber para...?'7. Cada resposta vai formando a cadeia de pré-re- quisitos, até se chegar ao repertório de entrada do aprendiz.

Ferster, Numberger e Levitt (1962) são considerados autores de referência na introdução do conceito de cadeia comportamental. Martine Pear (1975) apresen­taram, entretanto, um excelente guia prático de aplicação do procedimento de Encadeamento de Trás para Frente do qual o exemplo central deste capítulo foi extraído.

A decisão de ensinar a cadeia comportamental de trás para frente ou de frente para trás depende, claramente, de muitos fatores e não é, por vezes, a questão mais importante. Os fatores decisivos para a questão de se ensinar de trás para frente são: poder do reforçamento final da cadeia toda e seu tamanho e o dos ní­veis de dificuldade de cada elo.

Obviamente, se o passo final envolve habilidades que dependem de práticas envolvidas em passos anteriores, não se começa pelo final. Mas se os passos envolvem níveis semelhantes de dificuldades e o reforçamento final tem um alto poder de manutenção de toda a cadeia, então é melhor começar o ensino pelo último elo. O exemplo de arrumar a cama se encaixa nesse último caso, embora sempre se deve atentar para os desempenhos de cada aprendiz. No caso de cadeias comportamentais, não há evidência experimental da superioridade de um tipo de ensino ou de outro.

R e f e r ê n c ia s

BAUM, W. M. Compreender o Behaviorismo: Ciência, Comportamento e Cultura. Porto Alegre: ArtMed, 1999.

FERSTER, C. B., NURNBERGER, J. L., LEVITT, E. G. The control of eating. Journal o f mathetics, 1:97-109, 1962.

KELLER, F. S., SHERMAN, J. G. The Keller pian handbook. Menlopark. California: W. A. Benjamin, 1974.MARTIN, G., PEAR, J. Behavior Modification: what it is and how to do it. New Jersey: Prentice-

Hall Englewood Cliffs, 1978.

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CAPITULO

Técnica Implosiva

Regina Christina Wielenska

A terapia implosiva, no contexto da teoria comporta-mental, faz parte do arsenal de técnicas disponíveis para omanejo de algumas manifestações de ansiedade. No presentecapítulo, optou-se por nomear o procedimento como Técni-ca Implosiva, salientando-se que a escolha apropriada das téc-nicas terapêuticas é consequência da combinação entre oembasamento teórico que lhe dá sustentação, os dados experi-mentais disponíveis e a avaliação longitudinal do caso clínico.

ORIGENS DA TÉCNICA IMPLOSIVA:TEORIA SUBJACENTE E SEU

PROCEDIMENTO

Stampfl e Levis (1967) são considerados os proponentesdaTécnica Implosiva, cujo procedimento se baseia na teoriade dois fatores, desenvolvida por Mowrer (1947). McAllistere McAllister (1995), analisando a proposição teórica deMowrer, fazem a distinção entre teoria de dois fatores e teo-ria de dois processos, outro termo corrente na literatura daárea. Segundo os dois autores, é mais apropriado entenderque Mowrer elaborou uma compreensão do medo como umfenómeno regulado por dois procedimentos de aprendiza-gem: o condicionamento clássico e a aprendizagem instru-mental operante. A cada procedimento corresponderia,respectivamente, um processo, uma explicação teórica: osprincípios da contiguidade e do reforçamento.

O primeiro fator envolvido na aprendizagem das respostasde medo/ansiedade é o procedimento de condicionamentoclássico (pavloviano). O pareamento entre um estímuloaversivo incondicionado (US) e um estímulo neutro (S neutro)

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Técnica Implosiva 235

torna o organismo sensível ao, outrora, estímulo neutro. Ele adquire a função de estí-mulo condicional (CS), gerador de respondentes (respostas condicionais ou CR), aná-logos aos eliciados pelo US. ParaMowrer, o medo aprendido é mantido por um segundofator: a aprendizagem instrumental. Ao emitir respostas operantes de fuga-esquiva(dos estímulos aversivos condicionado), o indivíduo reduz a ativação autonômicacondicionada, ao lamentável preço de impedir a extinção do respondente condicio-nado. Em outros termos, o medo se instala por um condicionamento pavloviano e semantém pelo reforçamento negativo de respostas de fuga-esquiva.

TÉCNICA IMPLOSIVA OU DE INUNDAÇÃO:ESTABELECENDO DISTINÇÕES

Bernstein (1981) se refere àTécnica Implosiva como similar à técnica de inun-dação (no original, flooding), pois ambas se baseiam no princípio da extinção, oqual prevê que respostas operantes não reforçadas são, por fim, extintas, ou seja,a resposta passa a ocorrer em níveis similares aos da linha de base, anterior aocondicionamento. Em floodinge naTécnicaImplosiva, o cliente é posto em contatocom formas do estímulo aversivo intensamente ansiógenas (até que a ativaçãoautonômica seja reduzida). Em paralelo, toma-se o cuidado de inibir a emissão derespostas, públicas ou encobertas, de fuga-esquiva. Segundo Bernstein, nos doisprocedimentos se apresenta, ao cliente, o estímulo aversivo em sua intensidademáxima, usualmente via imaginação e, por vezes, in vivo. Até esse momento, atécnica pode ser nomeada flooding. Para ser considerada implosiva, a técnica requer,adicionalmente, que o cliente visualize, entrando em contato imaginário com asconsequências mais terríveis que possam, supostamente, advir da exposição àaversividade máxima. Esse componente da técnica exige, muitas vezes, a introduçãode vívidas descrições verbais, fornecidas ao cliente pelo terapeuta.

PROCEDIMENTO DA TÉCNICA IMPLOSIVA:INDICAÇÕES E OUTROS ASPECTOS

Em primeiro lugar, o procedimento é reservado ao tratamento de manifestaçõesautonômicas e operantes encontradas em quadros de transtorno do pânico, fobiase no transtorno obsessivo-compulsivo. Primeiramente, o terapeuta parte dos proce-dimentos habituais de avaliação comportamental para formular a análise funcionaldo caso. Ao mesmo tempo, ocorre o estabelecimento de um relacionamento tera-pêutico caracterizado pela transparência na comunicação, expressão emocionallivre, com mínima aversividade interpessoal e pautado na ética profissional e nosconhecimentos científicos (sempre atualizados) do terapeuta.

A adoção de uma técnica tão intensamente aversiva como a implosiva apenas sejustifica em contextos restritos. Deve-se, sempre que possível, adotar procedimentospouco intrusivos e menos aversivos para o manejo da ansiedade. Técnicas refinadasde relaxamento, Dessensibilização Sistemática e exposição graduada in vivo foramdesenvolvidas e testadas com esse fim. Ao profissional caberá justificar a escolha deuma técnica aversiva, com alto risco de gerar subprodutos emocionais adversos.

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236 Terapia Comportamental

A adesão ao tratamento se reduz com a introdução da Técnica Implosiva e podemsurgir esquivas encobertas de difícil identificação e controle. Por exemplo, um

cliente obsessivo-compulsivo foi exposto a um estímulo muito aversivo (assimdefinido pelo cliente ao construir, com o terapeuta, uma hierarquia de estímulosaversivos, graduados conforme sua capacidade de eliciar respondentes e gerarfugas). Decidiu-se, na consulta, que o cliente, um lavador compulsivo das mãos,

tocaria na sola de seu calçado e permaneceria por um tempo longo sem lavar asmãos, enquanto escreveria uma lista das piores coisas que decorreriam da conta-minação (doenças graves para si e para terceiros, além das perdas e eventualresponsabilização criminal pelos danos ocorridos). O terapeuta não percebeu que ocliente rapidamente desenvolveu uma fala encoberta com função de neutralizaçãoimediata do perigo imaginado: "Meu terapeuta quer o meu bem, não iria me colocarem risco, aqui não tem perigo, somente lá fora.

"

Aparentemente teria ocorridohabituação aos estímulos aversivos, mas, na realidade, ocorreu uma fuga encobertae o comportamento fora do consultório permaneceu inalterado.

Além desse problema, a construção da hierarquia costuma exigir ajustes fre-quentes, em função de aspectos novos do problema identificados durante a terapia.Alguns clientes precisam ser expostos a estímulos complexos e sutis (por exem-plo, estados corporais como a sensação de desmaio - para um fóbico a sangue -ou ferimentos ou a decepção imaginária do meu interlocutor, que vai me odiare punir quando souber que cometi um erro - no caso de alguém obcecado com aperfeição nos relacionamentos interpessoais).

Para o cliente se engajar no procedimento, ele precisa aprender a conceitualizarseu problema segundo o modelo proposto pelo terapeuta e a conduta terapêutica aser adotada deve ser a melhor escolha dentre as alternativas possíveis. Os critériosde julgamento, para a tomada de decisão, sempre que possível, deveriam satisfazertanto o cliente quanto o terapeuta.

Cada sessão de exposição por meio daTécnica Implosiva precisará ser longa osuficiente para ocorrer uma redução evidente da ativação emocional (sem a ne-cessidade da fuga, é claro). O terapeuta precisa conhecer muito bem seu clientepara identificar nele os sinais correios de habituação. E mais, as intensas conse-quências aversivas imaginadas precisam ter essa função para aquele cliente emespecial, não para o terapeuta ou algum outro cliente. Isso exige uma avaliaçãopersonalizada e capacidades aguçadas de coleta de dados, observação e raciocínioclínico por parte do profissional.

Uma técnica aversiva como a implosiva exige atenção redobrada a ações decunho psicoeducacional, as quais costumam anteceder várias formas de inter-venção psicológica. O cliente precisa aceitar o procedimento como uma solução,

aversiva a curto prazo, mas, numa segunda instância, com função libertadora (cessaa estimulação aversiva sem que o cliente permaneça escravizado pelas respostasde fuga e esquiva). Uma situação, felizmente menos comum, na qual pode sernecessário o uso da Técnica Implosiva é aquela em que o cliente vive, abrupta-mente, uma intensa ansiedade, e pensa sucessivas desgraças que podem ocorrerse ele não fugir. Sente-se encurralado, preso no círculo "ansiedade - tentativa defuga - mais ansiedade". Um exemplo que ilustra essa possibilidade é o caso de umacliente obsessiva, desesperada com um efeito colateral de uma nova medicaçãoprescrita - a queda de cabelo. Segundo o psiquiatra responsável era um problema

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Técnica Implosiva 237

leve, temporário e reversível. A cliente estava em viagem e, emergencialmente, tele-fonou ao terapeuta. Avaliada a situação e pesados prós e contras, decidiu-se listar aspiores possibilidades (propositalmente, não se discutia quais previsões pareciammais ou menos plausíveis), para que a cliente construísse um texto, a ser repetidoad nauseum por ela sempre que acometida pela ansiedade abrupta. Imaginou-seque, caso perdesse o cabelo por inteiro e para sempre, poderia não mais ser amadapelo marido que a abandonaria, seu destino seria o isolamento absoluto e o com-pleto desespero, nem mesmo um paciente em quimioterapia poderia aceitá-la. Oexercício funcionou muito bem, com redução dos sintomas num momento inicial,o suficiente para aguardar a consulta seguinte. Entretanto, o aprofundamento pos-terior da análise funcional revelou que o temor do efeito colateral era apenas umrepresentante de uma classe ampla de respostas, todas relacionadas ao temor darejeição em diferentes níveis dos relacionamentos interpessoais. Esse fenómeno,

na cliente, foi gerado por sua história de rejeição parental durante grande parte dainfância e adolescência. Ou seja, o uso isolado e frequente da Técnica Implosivaapenas aumentaria a aversividade na vida de alguém já treinado a identificar, em

todos os interlocutores, os dolorosos sinais de possível rejeição interpessoal ("Se atéa terapeuta me leva a sofrer é porque sou alguém sem valor, este é meu destino"

).

OBSERVAÇÕES FINAISEm suma, a terapia não será bem-sucedida se o cliente não obtiver significativa

mudança na sua qualidade de vida após a redução da sintomatologia ansiosa.

Portanto, outras estratégias terapêuticas poderão substituir ou acompanhar a Téc-nica Implosiva, de forma a ampliar o raio de ação do terapeuta comportamental(por exemplo, acrescentando o treino de habilidades sociais, o relaxamento respi-ratório e muscular, entre outras técnicas disponíveis).

De qualquer modo, não se considera que técnicas extremamente aversivascomo as descritas no presente capítulo sejam de uso corrente no atual estágio dedesenvolvimento da teoria e terapia comportamentais, devendo ser suplantadaspor uma perspectiva que enfatize o reforçamento de respostas alternativas, maisbenéficas, a curto e longo prazo, ao cliente portador de transtornos de ansiedade.

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CAPITULO

Princípio de PremackL a é r c ia A b r e u Va s c o n c e l o s L in c o l n da S ilva G im e n e s

CONTEXTUALIZANDO A UTILIZAÇAO DO PRINCÍPIO DE PREMACK

Diferentes modelos teóricos têm sido utilizados na prá­tica da clínica psicológica sob a denominação de Terapia Comportamental. A Modificação do Comportamento que, especialmente nos anos 70, enfatizou a aplicação de técnicas operantes e respondentes no contexto clínico, a Terapia Cognitivo-comportamental, e o modelo professado por aqueles que defendem a utilização de teorias psicológicas do desenvolvimento (por exemplo, ênfase nos estágios crí­ticos para o desenvolvimento) ou instrumentos de classi­ficação e diagnóstico de psicopatologias como M anual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais e DSM-IV (American Psychiatrie Association, 1994) são exemplos da panacéia que o termo Terapia Comportamental representa (Cavalcante e Tourinho, 1998). Assim, observa-se uma com­binação de diferentes orientações que, por sua vez, ameaça uma prática consistente dos princípios comportamentais norteadores da atuação clínica.

A Terapia Analítico-comportamental é denominada assim por muitos autores com o objetivo de identificar as bases teórico-metodológicas envolvidas nessa prática clínica (Watson e Gresham, 1998). A clareza conceituai, o intercâmbio entre o laboratório e a clínica, entre a pesquisa básica e a aplicação, são alguns dos pontos centrais utilizados pela Terapia Analítico-comportamental. O intercâmbio entre a pesquisa básica e a aplicação do conhecimento foi enfati­zado por Skinner (1953/1981) ao destacar a aplicação dos

20

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Princípio de Premack * 239

princípios básicos do comportamento operante e respondente a um amplo con­junto de problemas humanos. Skinner (1953/1981) também enfatizou a aplicação da análise funcional em ambos os objetivos, experimental e clínico. “Histori­camente, o elo entre a análise aplicada do comportamento e a pesquisa básica tem sido uma estratégia de sucesso” (Pierce e Epling, 1999, pág. 341).

A Terapia Analítico-comportamental é orientada pela filosofia do Behaviorismo Radical. É designado Radical por envolver a análise do maior número de variáveis potencialmente importantes na análise de um fenômeno, dentro ou fora da pele, sejam elas eventos privados ou apenas de acesso ao indivíduo que os experimenta, eventos públicos ou manifestos passíveis de observação por diferentes observado­res (Skinner, 1974/1982). ATerapia Analítico-comportamental é também orientada pelos princípios da ciência da Análise do Comportamento. Um significativo banco de dados sobre as relações entre um organismo e variáveis externas, ambientais, utilizando animais como sujeitos, assim como participantes humanos, tem oferecido bases conceituais e metodológicas para esse modelo de atuação clínica.

A visão analítico-comportamental enfatiza a necessidade de avaliação presente em todas as fases do processo terapêutico - da fase inicial, na qual a queixa apresen­tada pelo cliente é cuidadosamente analisada, à fase intermediária, de seleção de procedimentos de tratamento, à fase final de implementação do tratamento, pro­moção, programação de generalização e, posterioriormente, seguimento após a conclusão do tratamento. A avaliação comportamental proposta é relativamente recente com a publicação, em 1979, dos periódicos BehavioralAssessmente Journal o f B ehav ioral Assessment, que se tranformaram em Jou rn al o f B ehav ioral Assessment a n d Psychopathology. O objetivo da avaliação funcional é identificar o maior número de variáveis de controle, antecedentes e conseqüentes, utilizando-se medidas diretas e indiretas do comportamento. Entre algumas medidas diretas estão as observações naturalísticas, automonitoramento e monitoramento fisioló­gico e entre as medidas indiretas estão: as entrevistas, avaliação feita por outras pes­soas, auto-relato e procedimento análogo ao role-play (Gresham e Lambros, 1998).

A análise funcional é um tipo de avaliação funcional. É voltada para a manipu­lação de eventos ambientais com o objetivo de identificar determinantes ambientais de comportamentos específicos no repertório do indivíduo. A avaliação conta com diferentes dimensões do comportamento, como freqüência, duração, latência, tempo entre respostas e intensidade. A validade da medida obtida e a validação social fazem parte também do modelo de avaliação comportamental (Gresham e Lambros, 1998). Ao utilizar esses instrumentos de avaliação, o clínico executa o teste de hipóteses funcionais e estabelece um elo entre pesquisa e avaliação para tratamento, o que o distingue de profissionais que defendem a aplicação de métodos ditos comportamentais, controlados por um manual que especifica técnicas para problemas psicológicos (Cautilli e Rosenwasser, 2001).

A avaliação comportamental difere da avaliação psicológica tradicional. É a visão idiográfica versus a nomotética tradicional. É o sujeito como seu próprio controle versus a análise de grupos da avaliação psicológica tradicional. É a varia­bilidade analisada, controlada e explicada versus a variabilidade descartada como erro estatístico na análise de grandes grupos (por exemplo, Gresham e Lambros, 1998; Matos, 1990).

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240 ■ Terapia Comportamental

A análise funcional é um instrumento fundamental. Para citar apenas algumas possibilidades explicativas, o comportamento é compreendido em suas relações com eventos antecedentes, eventos com funções discriminativas, eventos com funções estabelecedoras e, ainda, eventos conseqüentes com funções reforçadoras ou punitivas (Cavalcante, 1999; Michael, 1982; Sturmey, 1996). A unidade principal de análise é a contingência tríplice; numa discriminação simples, por exemplo, somente na presença do estímulo discriminativo BI a emissão da resposta Rx será conseqüenciada pelo reforço Sr :

Contingências definidas a partir de um maior número de unidades podem também ser utilizadas, como a contingência de quatro termos, na qual os três termos estão sob o controle de um estímulo condicional. Exemplificando, a resposta produzirá o reforço Sr1 na presença de um entre dois estímulos discriminativos, Bl ou B2, dependendo de qual estímulo condicional estiver presente, A1 ou A2 (por exemplo, Sidman, 2000):

Ai' Bj - Rj —» Srj A2 -B 2-R ! ^ S r1

É importante ressaltar, entretanto, que a análise não é linear (Goldiamond, 1975a/1986); outros estímulos presentes e semelhantes aos estímulos BI e B2 podem exercer controle sobre a resposta, assim como outras respostas alternativas, não definidas pelo experimentador, podem estar presentes na situação e serem mais efetivas na produção do reforço. Essas possibilidades poderão enfraquecer a discriminação condicional AB e as relações dela derivadas (Sidman, 2000).

A Terapia Analítico-comportamental não prevê a padronização de formas de avaliação ou intervenção. Também não prevê a prescrição de técnicas para pro­blemas específicos na clínica psicológica (por exemplo, Cavalcante e Tourinho, 1998; Guilhardi, 1988; Hayes, Strosahl e Wilson, 1999). Segundo Skinner, parafra­seado por Pierce e Epling (1999), “...Análise Aplicada do Comportamento é mais do que a aplicação da tecnologia comportamental, é parte da ciência do compor­tamento humano" (Skinner, 1953, pág. 343). Assim, a aplicação de técnicas deri­vadas dos princípios da Análise do Comportamento deve ser contextualizada, não só para produzir os objetivos desejados, mas também para contribuir no desen­volvimento dessa ciência do comportamento humano.

PRINCÍPIO DE PREMACKO Princípio de Premack (Premack, 1959; 1962; 1963) surgiu, em grande parte,

da pesquisa básica, no laboratório animal, sendo uma alternativa de definição e seleção de eventos reforçadores. Enquanto a Lei Empírica do Efeito define um evento reforçador a partir de observações post hoc de sua efetividade, Premack propôs que um evento reforçador poderia ser uma resposta e definido a priori.

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Princípio de Premack ■ 241

Segundo a Lei Empírica do Efeito, o princípio do reforçamento pode ser des­crito pela relação entre duas classes distintas de eventos, isto é, uma resposta emitida pelo organismo e um estímulo do ambiente. O estímulo é reforçador (Sr) se a sua ocorrência, logo após uma resposta, produzir aumentos no compor­tamento (R) (Skinner, 1935):

R -^ S r

Na proposta de Premack (1959) um evento reforçador é uma resposta definida a priori embasada na sua relação com um comportamento a ser aumentado, sendo a probabilidade relativa dessas respostas a chave para a ocorrência do refor­çamento. Em outras palavras, um comportamento de alta freqüência, se con­tingente a outro comportamento de baixa freqüência, reforçará a ocorrência desse último. Ele descreveu uma contingência na qual um comportamento (uma resposta instrumental) foi fortalecido pela oportunidade de engajamento em outro com­portamento (uma resposta contingente). Como esquematizado por Pierce e Epling(1999) o reforço é uma outra ação do organismo:

Comportamento°perante —»ComportamentoSr

Como esquematizado por Knapp (1976), respostas de baixa probabilidade (Rbp) são reforçadas por respostas de alta probabilidade (R ) e, ainda, Rbp punem Rap:

bp ap

A Hipótese da Probabilidade Diferencial ou o Princípio de Premack propõe uma avaliação das probabilidades das respostas em uma situação de livre emissão de respostas, permitindo o estabelecimento de respostas mais prováveis, respostas intermediárias e respostas menos prováveis. Respostas intermediárias podem ter a função de reforço positivo para respostas menos prováveis e a função de reforço negativo para as respostas mais prováveis. Em 1971, Premack amplia esse princí­pio ao incluir a punição. Assim, a função reforçadora ou punitiva de uma resposta em uma contingência depende de sua probabilidade relativa à resposta imedia­tamente precedente. Portanto, as probabilidades relativas são centrais para a ocor­rência do efeito reforçador e a magnitude do efeito reforçador é proporcional à magnitude da diferença das probabilidades entre as duas respostas (Terhune, 1978).

Skinner (1938) apresenta que a probabilidade da resposta é uma forma adequada de ordenar diferentes comportamentos em um continuum de preferência, tornando crítico o método de determinação da probabilidade da resposta. A medida origi­nalmente utilizada por Premack (1959) para definir um comportamento como reforço foi a duração da resposta. O comportamento é medido em uma condição de linha de base de livre operante, não contingente, que permita o estabelecimento da probabilidade independente de duas ou mais respostas ocorrendo livremente, isto é, sem nenhuma intervenção programada por parte do experimentador. As oportunidades de respostas poderão ser individuais, para cada resposta, ou em pares (Premack, 1963). Em seguida, a fase contingente demonstrará se a taxa de

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242 ■ Terapia Comportamental

resposta de Rbp aumenta após a relação contingente com Rap, demonstrando, assim, a relação de reforçamento. Finalmente, o período reverso, invertendo a relação entre Rbp e Rap, demonstrando a reversibilidade do reforçamento (Knapp, 1976). Portanto, a duração da resposta e a taxa de resposta mais alta a definirá como reforço para uma resposta de menor taxa (Premack, 1959). A freqüência relativa de um comportamento também é utilizada como medida da probabilidade de uma resposta. O comportamento de freqüência mais alta reforçará o compor­tamento de freqüência mais baixa (Knapp, 1976).

Premack (1962) demonstrou como a manipulação de alguns parâmetros pode tornar um comportamento mais provável e possibilitar a ocorrência da reversibi­lidade do reforço. Em um experimento realizado com ratas, o livre acesso ao ali­mento e à roda de atividade e a restrição à água, disponível uma hora por dia, tornou o comportamento de beber mais provável que o correr. Entretanto, o livre acesso a alimento e água e a restrição à roda de atividade, disponível uma hora por dia, tornou o comportamento de correr mais provável que o beber. Assim, ao programar um comportamento de alta probabilidade contingente a um compor­tamento de baixa probabilidade foi possível reforçar o comportamento de beber com o comportamento de correr, bem como reforçar o comportamento de correr com o comportamento de beber. Deve ser notado que as probabilidades relativas das respostas podem ser alteradas ao limitar as oportunidades do organismo de se engajar em determinadas respostas. Premack demonstrou a relatividade dos reforçadores, ao considerar a probabilidade diferencial das respostas e a relação reversível entre reforçadores, ao utilizar a privação, uma operação estabelecedora (Michael, 1982). Catania (1998/1999) ressalta que a relatividade do reforço foi igno­rada por muito tempo. Por conveniência, respostas de baixa probabilidade, como pressionar a barra (ratos) e bicar o disco (pombos), foram reforçadas por respostas de alta probabilidade, por exemplo, o comer. Entretanto, não se considerava a possibilidade de inversão dessas respostas, isto é, a possibilidade do compor­tamento de pressionar a barra reforçar o comportamento de comer.

Terhune (1978) amplia a análise ao mostrar dados intra-sessão das probabi­lidades das respostas instrumental e contingente, uma vez que grande parte dos estudos utiliza valores médios de blocos de sessões de linha de base temporalmente separadas. Os resultados apresentados por Terhune são consistentes com a Hipótese de Probabilidade Diferencial e com o modelo de privação de Timberlake e Allison (1974). Terhune destaca a importância do refinamento da avaliação das probabi­lidades para predições precisas do comportamento.

O Princípio de Premack tem sido amplamente utilizado em diferentes contextos por permitir a utilização de um número extraordinariamente alto de potenciais reforçadores no ambiente natural. Entre as vantagens da utilização do Princípio estão a possibilidade de identificação e utilização de eventos reforçadores no am­biente natural e em contextos de aplicação, a definição do reforço como um com­portamento e não como um objeto tangível, estático (por exemplo, brincar, pular, correr, ler) e a possibilidade de utilização de eventos reforçadores mais naturais para o organismo (Knapp, 1976).

O reforçamento positivo é, certamente, uma poderosa fonte de controle com­portamental, seja nas interações em família, seja no processo de educação, seja

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Princípio de Premack ■ 243

em uma intervenção terapêutica. A significativa utilização de reforçamento posi­tivo no processo terapêutico e a importância da utilização de reforços naturais para a generalização dos ganhos obtidos são considerações que justificam inves­timentos de pesquisa em técnicas fundamentadas no Princípio de Premack.

Entretanto, a definição do reforçamento em termos relativos especificado a priori envolve um alto custo quando se move do laboratório animal para ambientes mais complexos, semi-estruturados como a sala de aula, por exemplo. Além disso, a especificação precisa da probabilidade de uma resposta por meio da avaliação de dados de duração tem sofrido algumas modificações. Danaher (1974), ao revisar os parâmetros conceituais e a aplicação clínica do Princípio de Premack, apresenta algumas alternativas empregadas para a análise das probabilidades das respostas. A preferência obtida por meio do auto-relato de comportamentos preferidos ou valorizados ou a observação comportamental das atividades consideradas mais prazerosas são possibilidades consideradas. Como acontece no contexto da sala de aula, onde a preferência subjetiva é utilizada e não a probabilidade empiri­camente determinada, isto é, a criança seleciona uma atividade reforçadora de uín menu e não é feita uma avaliação precisa da duração do comportamento (Danaher, 1974). A generalização dos dados de probabilidade da resposta para diferentes situações é resolvida com a sugestão de Premack de manter constante o tempo permitido para o organismo responder a um determinado estímulo e o tempo entre tentativas, prevenindo, por exemplo, a saciação.

A pesquisa com sujeitos humanos sobre o Princípio de Premack, em geral, é dedicada à aplicação clínica e não à análise dos postulados. Os estudos se dividem entre aqueles que envolvem manipulações de variáveis experimentais no labora­tório ou em contextos de aplicação e aqueles que apenas relatam a aplicação desse princípio em estudos de caso (Danaher, 1974; Knapp, 1976).

Numa revisão de estudos experimentais com seres humanos e a aplicação do Princípio de Premack, Knapp (1976) não encontrou evidência empírica substancial para sustentar os parâmetros básicos desse princípio, segundo as quais uma res­posta de alta probabilidade reforça uma resposta de baixa probabilidade, sendo essa relação também reversível (Premack, 1962) e, ainda, uma resposta de baixa probabilidade pode punir uma resposta de alta probabilidade (Premack, 1971). Segundo Knapp (1976), os dados do primeiro estudo de Premack (1959) não per­mitem conclusões definitivas sobre o aumento da Rbp após o estabelecimento de uma relação de contingência da Rap com a Rbp. Além disso, uma análise de outros estudos sugere que a probabilidade diferencial não é uma condição necessária e nem suficiente para a Rap reforçar a Rbp. O efeito reforçador é, portanto, função da variável privação (Knapp, 1976). Com comportamento verbal, Robinson e Lewinsohn (1973) mostraram que, quando a Rap é impedida de ocorrer em uma condição controle, a Rbp aumenta, assim como aumenta na condição na qual é seguida, imediatamente, pela R .0 7 7 ± ap

O teste do Princípio de Premack em muitos estudos com manipulação de variá­veis em contextos naturais apresenta alguns problemas metodológicos. Alguns estudos não constituem um teste adequado do Princípio de Premack. Além das probabilidades das respostas não serem medidas em uma situação de livre esco­lha (por exemplo, Schaeffer e Nolan, 1974), não consta a avaliação empírica das

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244 ■ Terapia Comportamental

probabilidades das respostas Rbpe Rap, a condição reversa entre as respostas e nem o retorno à condição de linha ae base. Além disso, observa-se um inadequado planejamento de grupo ou uma inadequada utilização do planejamento do sujeito como seu próprio controle. Os resultados são atribuídos às instruções ou ao efeito de treino, a simples exposição à tarefa. Em geral, os estudos aplicados não oferecem apoio consistente ao Princípio de Premack (Knapp, 1976). Nos estudos de caso em que o Princípio de Premack foi utilizado também se observam alguns problemas, como uma descrição incompleta dos procedimentos e resultados obtidos. Para Knapp (1976), “o Princípio de Premack serve como controle para o comportamento verbal do autor, enquanto que o comportamento dos sujeitos observados pode estar sob controle de inúmeras variáveis, além daquelas previstas sob o rótulo Prin­cípio de Premack” (pág. 142).

A utilização da Terapia Analítico-comportamental no sistema de saúde mental oferece significativas vantagens para o alto número de pacientes diagnosticados como esquizofrênicos, os quais mostram elevados índices de reincidência ao longo de vários anos de tratamento. A independência desses indivíduos e a inserção dos mesmos na sociedade e no mercado de trabalho são pontos fundamentais que devem ser considerados. Um dos grandes problemas que eles enfrentam é o rela­cionamento interpessoal que se mostra, em geral, altamente prejudicado pelo iso­lamento a que são submetidos nas instituições de saúde.

Mitchell e Stoffelmayr (1973) aplicaram o Princípio de Premack em pacientes diagnosticados como esquizofrênicos, extremamente inativos e que se recusavam a aceitar reforços tangíveis. Os pacientes tinham em média 56 anos de idade e 26 anos de hospitalização. A Rap escolhida foi o comportamento de sentar (comum entre pacientes internos) e a resposta a ser reforçada, Rbp, foi o cumprimento de uma tarefa de enrolar folhas de fumo, também comum nas seções com pacientes inativos. A aplicação do Princípio de Premack foi uma estratégia terapêutica efetiva, com a Rbp aumentando de freqüência após a programação contingente da Rap. Somente a utilização de instruções ou, ainda, a presença do experimentador, quando os pacientes receberam o material e foram solicitados a trabalhar, não produziram aumento no comportamento alvo.

Avanços no estudo do comportamento verbal têm contribuído significati­vamente para o desenvolvimento da Terapia Analítico-comportamental, como observado em Kohlenberg e Tsai (1991/2001) e Hayes, Strosahl e Wilson (1999). A análise do comportamento verbal tem possibilitado avaliações mais completas e mais amplas no contexto clínico e a programação de intervenções terapêu­ticas para queixas mais complexas, que nem sempre são claramente definidas operacionalmente.

Uma série de estudos experimentais sobre o Princípio de Premack utilizou o comportamento verbal em vez de comportamentos motores envolvendo manipulando, arbitrários. Robinson e Lewinsohn (1973) utilizaram a técnica do Princípio de Premack com o objetivo de mudar o comportamento verbal de indi­víduos deprimidos. A partir da premissa que indivíduos deprimidos têm poucas fontes externas de reforçamento, a fala depressiva, que ocupa muito tempo em sessões de terapia, foi considerada um comportamento potencialmente reforçador. A restrição da emissão da Rap, a fala depressiva, foi seguida por um aumento da

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Princípio de Premack ■ 245

emissão da Rbp7 respostas verbais não depressivas, ao comparar as condições de linha de base e experimentais, nas quais estabeleceu-se a relação de contingência R, —> R .Na discussão dos resultados, Robinson e Lewinsohn (1973) concluembp ap 7 v yque um dos componentes críticos do procedimento de Premack é a privação, no caso, a restrição do comportamento verbal de alta freqüência, tornando o proce­dimento efetivo na produção de mudança no comportamento verbal do cliente. Uma vez que muitos indivíduos apresentam uma categoria de comportamento verbal dominante no contexto terapêutico, assim como em suas interações no ambiente natural, a técnica é potencialmente efetiva para muitos indivíduos.

A privação da resposta de alta probabilidade foi analisada por alguns autores (Eisenberger, Karpman e Trattner, 1967; Konarski Jr, Johnson, Crowell eWhitman, 1980/1981; Timberlake e Allison, 1974), os quais sugerem que a supressão, a redu­ção da Rap ou a privação da resposta contingente é uma condição necessária e suficiente para o reforçamento. Ao contrário do Princípio de Premack, a Hipótese de Privação da Resposta de Timberlake e Allison (1974) estipula que qualquer res­posta no repertório comportamental do sujeito é um potencial reforçador somente quando a relação de contingência entre a resposta instrumental e a resposta con­tingente resultar na privação da resposta contingente ou, em outras palavras, na redução do acesso à resposta contingente relativa ao seu nível de ocorrência na linha de base.

Enquanto para Premack (1965) a redução da resposta contingente não é uma condição necessária, mas uma parte da rotina do procedimento de reforçamento, para Timberlake e Allison (1974) a privação da resposta contingente é uma condi­ção necessária para a resposta instrumental. Para esses autores, a Probabilidade Diferencial não é necessária e nem suficiente na obtenção do efeito reforçador da resposta contingente sobre a resposta instrumental, o que significa que é possível as respostas de baixa probabilidade reforçarem respostas de alta probabilidade, desde que satisfeita a condição de privação das respostas utilizadas como respostas contingentes na relação de contingência programada.

Konarski, Jr. etol. (1980) testaram a Hipótese de Privação daResposta utilizando crianças em um contexto escolar. Três tarefas foram utilizadas no procedimento abordando os seguintes tópicos: matemática, desenho e leitura. No Experimento 1, a comparação das tarefas de desenho e de matemática mostrou que o compor­tamento de desenhar ocorreu em probabilidades mais altas. Os comportamentos de desenhar (R ) e de se envolver em tarefas de matemática (Rbp) foram utilizados como respostas instrumental e contingente, respectivamente, Rap -» Rbp, com pri­vação da Rbp. Os dados obtidos mostraram aumento da resposta instrumental selecionada, R M quando seguida imediatamente pela R. , , f .7 ap (desenhary o bp (envolver-se em tareras aematemática)* linha de base para a condição de privação, e pouco ou nenhum au­mento na condição de não privação. Os resultados foram consistentes com a Hipó­tese de Privação da Resposta e contrários ao Princípio de Premack demonstrando não ser necessário um comportamento de probabilidade mais alta para funcionar como resposta contingente e produzir o efeito reforçador. A privação da resposta parece ser suficiente para influenciar a resposta instrumental. No Experimento 2 as condições foram as mesmas, sendo que a relação de contingência foi Rbp (ieitura) -» Rap (matemáticar A comparação prévia entre esses dois comportamentos mostrou que

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246 ■ Terapia Comportamental

se envolver em tarefas de matemática ocorreu com probabilidade mais alta do que o comportamento de leitura. Os resultados do Experimento 2 mostraram aumentos maiores na resposta instrumental, quando comparado aos aumentos obtidos no Experimento 1. Entretanto, a ausência de aumento da resposta ins­trumental (Rbp) na condição de não privação demonstra que a privação da res­posta é uma condição necessária para o efetivo reforçamento. Portanto, os resultados do Experimento 2 foram consistentes com o Princípio de Premack e com a Hipótese de Privação.

A Hipótese de Privação da Resposta sugere algumas vantagens sobre o Princípio de Premack, isto é, independentemente da probabilidade de respostas, qualquer uma pode cumprir a função de reforço para outra resposta. Entretanto, a combi­nação de probabilidade diferencial com privação da resposta parece ser o melhor procedimento quando os comportamentos são utilizados como reforços para ou­tros comportamentos. A privação da resposta tem a função de uma variável poten- cializadora, a qual torna a relação de contingência entre os dois comportamentos mais potente, aumentando a probabilidade de ocorrência da resposta instrumental (Goldiamond, 1975b) ou funciona como uma operação estabelecedora (Michael, 1982). No contexto de aplicação, respostas de valor clínico, de valor social, de valor para a saúde ou educação podem ser selecionadas a priori, de acordo com as necessidades do cliente, desde que a privação delas possa ser efetivamente controlada.

UMA ILUSTRAÇÃO PARA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DE PREMACK

O exemplo escolhido para ilustrar uma possível aplicação do Princípio de Premack representa um problema comum e freqüente entre crianças, a inade­quação de hábitos alimentares. Essa inadequação se reflete no desbalanceamento nutricional das refeições, principalmente o baixo consumo de verduras. A queixa apresentada pelos pais de uma criança do sexo masculino, com 7 anos de idade, referiu-se ao baixo consumo de verduras, padrão alimentar que estava colocando em risco a saúde de criança, segundo avaliações de um pediatra e de uma nutri­cionista. Após as sessões de avaliação funcional, iniciais, decidiu-se pela inter­venção tópica (Goldiamond, 1986), voltada diretamente ao comportamento alimentar: o consumo de verduras. Uma descrição inicial da composição das re­feições da família indicava uma variedade de alimentos a cada refeição, sendo que a criança apresentava, em termos de quantidade, um consumo regular de vários alimentos.

A primeira fase do programa envolveu uma linha de base para a determinação das diferentes probabilidades de consumo alimentar da criança, durante todas as instâncias de alimentação, incluindo, além das refeições principais, outros eventos regulares, como lanche da tarde. Os dados para a linha de base foram obtidos por meio de registros que especificavam horários, locais, tipo de alimento consumido

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Princípio de Premack ■ 247

e quantidade, além de outras observações julgadas pertinentes. Um membro da família que esteve presente durante as refeições da criança foi treinado para rea­lizar os registros (vale ressaltar que muitos nutricionistas dispõem de folhas de registro de consumo alimentar que podem ajudar nesse treino). A partir dessa linha de base, realizada por um período mínimo de uma semana (tempo neces­sário para que se apresente uma ampla variedade de cardápios), pode-se deter­minar as preferências da criança por diferentes alimentos e as probabilidades associadas a cada um deles. Além do registro feito durante a linha de base, outras técnicas lúdicas, como a utilização de brinquedos, miniaturas representando diferentes tipos de alimentos e outros, contribuíram para a determinação das pre­ferências alimentares da criança e indicaram as possíveis probabilidades de ocor­rência em situações reais.

Após a determinação das preferências e das diferentes probabilidades de con­sumo alimentar, foram programadas as contingências para aumento do compor­tamento referente, o consumo de verduras. Segundo o Princípio de Premack, essas contingências estabelecem que um comportamento de baixa probabilidade (con­sumo de verduras) deve ser seguido de um comportamento de alta probabilidade (consumo de um alimento de maior preferência). Em outras palavras, o acesso ao alimento preferencial deve ser contingente ao consumo de verduras. Para que essa contingência fosse efetiva, ou se tornasse mais potente, estabeleceu-se a privação para o comportamento de maior probabilidade, isto é, o alimento de maior prefe­rência só foi oferecido à criança após a mesma ter consumido algum tipo de verdura. Se o alimento de maior preferência estivesse disponível em outras situa­ções, a relação de contingência programada teria pouco ou nenhum efeito.

Para o estabelecimento da contingência programada, consideraram-se as várias opções de procedimentos, a partir de uma análise da situação, levando-se em conta o repertório comportamental da criança e das pessoas que participam das oca­siões nas quais ocorre o comportamento alimentar. Assim, pode-se utilizar a mo­delagem, exigindo-se inicialmente um baixo consumo de verduras, começando o programa com as verduras de menor rejeição, seguindo-se uma alteração gradual nas verduras e nas quantidades. Modelação também pode ser utilizada com os demais membros da família servindo de modelo para o consumo inicial de verdu­ras. Tanto modelagem como modelação podem ser utilizadas em combinação com instruções, dependendo do repertório da criança de seguir instruções. Para faci­litar o estabelecimento da contingência, sugeriu-se adotar o estilo de servir refei­ções à francesa, no qual, para cada etapa da refeição, os alimentos são substituídos, não permanecendo todos de uma só vez à mesa.

Uma vez estabelecido, ou aumentado, o comportamento de consumo de ver­duras por meio da contingência programada, procedimentos adequados para manutenção do comportamento foram utilizados. Uma vez mais, esses proce­dimentos dependem de uma análise das condições disponíveis, podendo-se estabelecer outras contingências com reforçadores extrínsecos ou sociais, até que o novo comportamento passe a fazer parte natural do repertório comportamental da criança. Observações de sondagens na ausência dessas contingências servem como indicadores da expansão do repertório alimentar.

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248 ■ Terapia Comportamental

CONSIDERAÇOES FINAISSério (2001), em sua discussão do impacto do Behaviorismo Radical sobre a

explicação do comportamento humano, mostra que o convite dessa filosofia ao estudo sistemático e contínuo é um ponto fundamental a ser considerado pelos analistas do comportamento.

O Princípio de Premack amplia as possibilidades de utilização de eventos potencialmente reforçadores no ambiente naturaL Entretanto, estudos siste­máticos são fundamentais para a validade interna de uma intervenção ao possibi­litarem o estabelecimento de uma relação consistente entre os resultados obtidos e os procedimentos implementados em uma intervenção terapêutica. A siste- maticidade dos estudos também contribui para o desenvolvimento da ciência da análise do comportamento. A validade externa, a possibilidade de replicação em diferentes contextos, com diferentes terapeutas e clientes, traz contribuições posi­tivas para a generalização das relações previstas em uma teoria. Outro item fun­damental se refere à comunicação dos dados obtidos. Além do planejamento sistemático, a descrição detalhada e objetiva da aplicação do Princípio de Premack pode contribuir para o aprimoramento de questões teóricas e metodológicas. A especificação do contexto e a precisão da medida da probabilidade diferencial das respostas são necessárias para o aprimoramento da técnica.

Finalmente, vale ressaltar que a análise comportamental aplicada é parte de uma ciência do comportamento humano e não apenas a mera aplicação de conhecimento obtido em pesquisas de laboratório. Assim, uma técnica não pode ser isolada de uma teoria, de suas unidades analíticas e suas bases filosóficas. A utilização de qualquer técnica pressupõe uma análise comportamental refinada, a qual apontará quais técnicas ou procedimentos serão mais apropriados para cada caso. As técnicas por si só não são instrumentos adequados de intervenção; uma técnica utilizada sem uma análise anterior refinada pode produzir mais danos que benefícios.

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Economia de FichasL u c M a r c e l A d h em a r V a n d en b erg h e

A Economia de Fichas é um sistema monetário local, utilizado por analistas do comportamento para promo­ver comportamentos adequados numa variedade de populações.

Nos anos 50, os skinnerianos estavam começando a aplicar os princípios operantes em diferentes contextos fora do laboratório. Nessa época, Jack Michael orientou uma pesquisa de doutorado de um jovem analista com­portamental, Theodore Ayllon, num hospital psiquiátrico canadense, que mostrou como os comportamentos proble­máticos dos pacientes estavam diretamente relacionados com as contingências vigentes nas interações entre eles e os enfermeiros. Mostrou como os últimos podem se tornar agentes de mudança comportamental quando mudam essas contingências (Ayllon e Michael, 1959).

Staats, Finley, Minke, Wolf e Brooks (1964) desenvol­veram um sistema de reforçamento para o treino de leitura em crianças de 4 anos. Seu comportamento de ler foi conseqüenciado com a entrega de bolinhos que, num outro momento, podiam ser trocados por reforçadores de apoio, como brinquedos de plástico, doces ou outras coisas ou, alternativamente, podiam ser juntadas para comprar brin­quedos maiores ou mais caros. Montou-se uma loja com grande variedade de reforçadores de apoio. As crianças visitaram a loja e escolheram os objetos que queriam com­prar antes de fazer as tarefas.

A partir da idéia do reforçador de apoio e da experiência no Canadá, Ayllon eAzrin (1968) desenvolveram, num hos­pital nos Estados Unidos, um programa motivacional para promover comportamentos adequados nos pacientes. O programa especificou comportamentos que seriam refor-

CAPÍTULO

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çados com a liberação imediata de fichas que podiam ser trocadas depois para diferentes formas de prêmios. Esse programa se tornou modelo para as economias de ficha elaboradas nas décadas seguintes. Apesar da sua atitude crítica em relação ao paradigma operante, o behaviorista neopavloviano Hans Eysenck (1972) foi con­vencido de sua eficácia, o que fez com que ele representasse um papel importante na divulgação dessa maneira de trabalhar na psiquiatria institucional européia.

Esses programas foram aplicados, entre outros, às populações psiquiátricas (Boisvert e Trudel, 1977; Wong, 1996), na sala de aula (Walker e Buckley, 1974; Alberto e Troutman, 1982; Rodriguez, Tubio, Serra e ta l, 1988) e no campo de espor­tes (Hupp e Reitman, 1999; Reitman, Hupp, 0 ’Callaghan, Gulley e Northup, 2001). Eles constituíam uma tecnologia flexível e adaptável que aproveitou uma longa história de experiência acumulada na literatura, da qual o presente texto pretende realizar um resumo.

DESENVOLVIMENTO DE UM PROGRAMAOs componentes necessários para uma Economia de Fichas (Ayllon e Azrin,

1968) são: (1) definição clara e concreta dos comportamentos a serem reforçados; (2) escolha da forma de troca- algum símbolo ao qual chama-se de ficha, mas que pode ter a forma de uma perfuração ou um carimbo num cartão que o participante carregue consigo, um objeto que ele recebe ou um ponto que é adicionado numa conta mantida em um caderno; (3) providência dos bens a serem adquiridos com essas fichas, chamados de reforçadores de apoio.

Quando possível, os participantes devem ser incluídos no planejamento e na administração do sistema. Eles precisam ter voz na escolha dos bens e dos preços e na elaboração das regras que determinam como ganhar fichas. Essa participa­ção é possível até com crianças pequenas e com pessoas retardadas. Em certos casos, os participantes atuam como agentes dentro do sistema, por exemplo, re­vezando os papéis de vendedor, de contador ou de ajudante de fiscalização na loja (Walker e Buckley, 1974; Cooper, Heron e Heward, 1987).

É importante que os comportamentos visados, os quais gerarão as fichas, sejam especificados num contrato claro e operacional, evitando toda ambigüidade (Alberto e Troutman, 1982). Em grandes sistemas como os hospitais, funcioná­rios e colaboradores da Economia de Fichas precisam de um manual detalhado e de ajuda em forma de supervisão contínua durante toda a aplicação do sistema (Martin e Pear, 1999).

Boisvert e Trudel (1977) discorrem longamente sobre a formação necessária para habilitar enfermeiros ou outros funcionários do hospital psiquiátrico para colaborar como agentes de distribuição de fichas. Eles devem entender bem os princípios comportamentais e devem ter instruções claras para aplicar. Mas, mesmo assim, a ausência de supervisão qualificada é um erro grave.

O contrato com os participantes e as instruções para os agentes se corres­pondem absolutamente para evitar problemas durante a execução do progra­ma. As regras especificam o tipo de comportamento visado e a qualidade exigida, evitando uma alta taxa de respostas com baixa qualidade (Rodriguez, Tubio, Serra e t a l , 1988).

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Como comportamento-alvo é preciso selecionar somente o qual pode ser obje­tivamente definido e mensurado. Os comportamentos não devem ser difíceis para o participante pois, se ele não ganha as fichas, o programa não tem efeito, mas também não devem ser demasiamente fáceis para evitar que o programa acarrete um retrocesso para ele. Evita-se o foco em comportamentos adquiridos e para os quais já existe motivação intrínseca suficiente (Cooper, Heron e Heward, 1987).

Enfocar comportamentos de autocuidado como tomar banho e se vestir ou cola­boração com tarefas como arrumar a cama só é possível quando o agente que en­trega as fichas está presente no momento da emissão do comportamento. Alternativamente, a Economia de Fichas pode ser organizada de forma que, em visi­tas programadas, a aparência do paciente (estar de banho tomado e vestido) ou a execução das tarefas (a cama está arrumada) são recompensadas (Wong, 1996). Deve ser notado que, no primeiro caso, trata-se de reforçamento de razão fixo e, no segundo, trata-se de reforçamento de intervalo fixo.

O contrato com os participantes estipula também como serão modelados os comportamentos novos. Por exemplo, “arrumar o quarto” pode passar por uma fase em que só arrumar a cama é suficiente, depois por uma fase em que as roupas devem ser guardadas no armário até uma fase final em que outros itens especifi­cados também devem ser guardados adequadamente para ganhar a ficha (Alberto eTroutman, 1982).

A ficha deve ser um símbolo que pode ser entregue imediatamente. Deve ter uma forma bem escolhida em relação às características dos participantes e do am­biente em que o programa é aplicado. Objetos que podem ser engolidos não são indicados para crianças pequenas ou pessoas severamente retardadas. Carimbos podem ser ideais para participantes que sabem guardar e manusear o cartão ou o caderno em que os carimbos são colocados. Feijões em bocais individualizados, postos numa prateleira de forma visível para as crianças é um exemplo de fichas usadas na escola (Cooper, Heron e Heward, 1987).

A ficha pode ser considerada um reforçador condicionado generalizado porque não é por si mesmo reforçador, mas se toma reforçador por ser associado a uma variedade de eventos que o são. Reforçadores condicionados generalizados são eficazes independentemente de estados temporários de privação porque são asso­ciados a diversos bens que podem funcionar como reforçadores em diferentes momentos. Isso também significa que, se as fichas somente podem ser trocadas por um tipo específico de bem, eles não são reforçadores generalizados e a sua eficácia depende do estado de privação do participante em relação a esse bem.

Gráficos individuais e grupais com as freqüências das condutas-alvos devem ser mantidos diariamente pelo coordenador do sistema (Boisvert e Trudel, 1977). Assim, não somente o progresso dos participantes, mas também a escolha para um esquema de razão ou de intervalo e outras opções do sistema podem ser ava­liados e as conclusões servem para corrigir os parâmetros da Economia de Fichas durante a sua aplicação.

Os bens que o participante compra com as fichas não devem incluir even­tos que são (ou deveriam ser) naturalmente acessíveis aos participantes. Nunca podem incluir refeições, comunicação (por exemplo, privilégios de acesso ao telefone), bens relacionados ao bem-estar geral como boas roupas, interação social básica, exercício físico necessário etc. (Cooper, Heron e Howard, 1987).

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Inicialmente, a freqüência das “compras” na lojinha deve ser alta para estabe­lecer o valor de reforçador condicionado da ficha; no entanto, nas fases mais adian­tadas do programa, pode diminuir até chegar a uma vez por semana (Alberto e Troutman, 1982; Martin e Pear, 1999). Outros autores entregam, no início do progra­ma, amostras de fichas gratuitamente, independentemente do comportamento, aos participantes em diferentes momentos do dia e os deixam trocá-las imediata­mente na lojinha (Boisvert e Trudel, 1977; Encinas e Cruzado, 1993).

O participante deve ter a oportunidade de comprar quaisquer bens oferecidos; somente assim as fichas ganharão o maior valor de reforço (Rodriguez, Tubio, Serra et a l, 1988). Do outro lado, a taxa de resposta pode cair quando o participante tem muitas fichas guardadas. Quando ele começa a ganhar muitas fichas, bens mais luxuosos que custam mais fichas podem ser colocados à disposição. Todavia, bens muito atraentes não devem ser baratos, senão o participante não estará interessa­do em ganhar muitas fichas (Cooper, Heron e Howard, 1987). Outra solução é a introdução de fichas diferenciadas, por exemplo, fichas brancas que só servem para comprar sucos, enquanto os outros bens só podem ser comprados com fichas convencionais, ou fichas vermelhas que somente são trocadas para pagar excur­sões, aulas e outras atividades, mas não valem na loja (Encinas e Cruzado, 1993).

O fim do programa deve ser bem planejado. A aprovação espontânea que acom­panha a emissão da ficha se toma eficaz como reforçador, e pode manter o compor­tamento adquirido no futuro (Cooper, Heron e Howard, 1987). Os profissionais devem promover, explicitamente, o valor desses e outros reforços naturais que irão tomar o lugar das fichas, assim as conseqüências naturais dos novos compor*” tamentos são destacadas e valorizadas (Walker e Buckley, 1974; Rodriguez, Tubio, Serra e t a l , 1988).

Deve ser claramente combinado com os participantes, que menos fichas se­rão entregues na fase final do sistema, por exemplo, exigindo gradualmente, mais respostas para a emissão de uma ficha ou restringindo o sistema a funcionar só durante as manhãs e depois somente durante algumas manhãs da semana (Cooper, Heron e Howard, 1987). Alternativamente, o número de fichas emitidas pode ser reduzido durante cerca de 20 dias, tornando o reforçamento mais intermitente a cada dia (Rodriguez, Tubio, Serra et a l , 1988; Encinas e Cruzado, 1993; Martin e Pear, 1999).

Progressivamente, os bens que não são acessíveis aos participantes fora do sistema devem ser colocados à disposição deles por maneiras alternativas (Cooper, Heron e Howard, 1987). É possível que isso aconteça de forma natural em virtude da emancipação do sujeito que adquiriu novas habilidades e agora consegue sair da instituição ou, ao menos, trabalhar fora, ter seu próprio dinheiro etc. A inser­ção social deve ser integrada com a última fase do sistema, na qual o conteúdo aprendido pelo participante será transferido para outros ambientes e mantido por conseqüências naturais (Encinas e Cruzado, 1993; Boisvert e Trudel, 1977).

Quando se trata de pessoas portadoras de deficiências graves que são incapa­zes de circular independentemente na comunidade, os padrões comportamentais adquiridos são mantidos de forma natural providenciando acesso aos bens que, durante a fase de aquisição do comportamento, elas precisavam pagar com fichas (Encinas e Cruzado, 1993). Em hipótese nenhuma a conclusão do programa deve resultar num retrocesso da qualidade de vida do participante.

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Economia de Fichas ■ 255

EXEMPLO 1 - PROGRAMA INDIVIDUALIZADOUma aluna da 8- séria participava num estudo de Polirstok e Greer (1977). Ela

foi considerada um problema dentro da sala de aula por várias professoras. Uma delas a mandou para a coordenadora por motivos de indisciplina com alta fre­qüência (na linha de base, em média 5 vezes por semana), duas vezes por mês por ofensas graves. O seu nível acadêmico para a matéria lecionada por essa professora estava um ano em atraso.

Os pesquisadores pediram que a aluna escolhesse comportamentos desejáveis da professora que ela queria aumentar. A aluna treinou em role-play como poderia reforçar esses comportamentos. Durante a fase experimental (cinco aulas seguidas de cinco aulas de retorno à linha de base e mais cinco aulas com implementação do programa) ela ganhou fichas de acordo com o número de vezes que realmente reforçou os comportamentos da professora. Ela usou as fichas para pagar fitas de música, aulas de ginástica ou de inglês ou almoço com a sua professora favorita. Na linha de base inicial (após o treino em role-play) emitia, em média, seis refor­ços por aula para os comportamentos escolhidos por ela. Durante a implementa­ção da Economia de Fichas, a média chegou a treze reforços. Não só a professora envolvida, mas também as outras professoras mudaram drasticamente as atitudes delas em relação à menina. Ela foi mandada para a coordenadoria somente uma vez depois do encerramento do programa. Os pesquisadores supuseram que o novo padrão de interação entre a aluna e as professoras manteve o comportamento positivo das duas partes.

EXEMPLO 2 - PROGRAMA DE GRUPO MENORNuma pesquisa, duas sessões consecutivas de Economia de Fichas aumentaram

de forma duradoura a freqüência de comportamento esportivo e de habilidades de driblar no campo de basquete em times de crianças com déficit de atenção com hiperatividade (Hupp e Reitman, 1999). Durante outro jogo de bola, a Economia de Fichas foi comparada com medicação, no seu efeito: (1) sobre a manutenção da atenção das crianças; e (2) sobre comportamentos problemáticos durante o jogo. Nas duas variáveis dependentes, a Economia de Fichas se mostrou superior à medicação e o tratamento combinado de Economia de Fichas com medicação se mostrou superior aos dois tratamentos separados (Reitman, Hupp, 0 ’Callaghan, Gulley e Northup (2001).

EXEMPLO 3 - PROGRAMA DE GRUPO MAIOREm Honduras, Cohen (1994) desenvolveu, em várias favelas, um programa

comunitário no qual os moradores ganharam vales por completar uma grande diversidade de atividades de utilidade para a comunidade local. Exemplos dos comportamentos eram: completar questionários, passar na avaliação final de um curso de educação de saúde ou de um curso de alfabetização, trabalhar um número de horas especificado num projeto de urbanização, entregar peças aca­badas numa oficina.

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256 ■ Terapia Comportamental

Um terço das fichas só poderia ser trocado por comida na loja do projeto ou na loja cooperativa que os próprios moradores tinham montado. Os outros dois terços foram entregues na forma de vales que podiam ser trocados para outros tipos de mercadoria. Além de resultar numa melhora importante da qualidade de vida das comunidades, o programa se tornou auto-sustentável quando as coope­rativas que funcionam dentro do projeto decidiram contribuir com 10% dos seus lucros aos custos do projeto.

ERROS COMUNS A SEREM EVITADOSMuitas vezes, psicólogos implementam um programa sem estudar o compor­

tamento dos participantes no contexto natural. Sempre uma linha de base deve ser levantada antes do início do programa, a fim de mensurar as mudanças e cer­tificar se o nível de performance do sujeito realmente justifica a implementação de uma Economia de Fichas (Martin e Pear, 1999).

Um ponto a ser ressaltado é que os programas de reforçamento arbitrário não devem ser aplicados sem uma cuidadosa análise funcional que identifica as con­tingências preexistentes que mantém o comportamento problemático. Na ausência dessa análise não há como prever os efeitos das conseqüências pro­gramadas. Mesmo quando os últimos são potentes, ganhos terapêuticos podem desaparecer logo depois do término do programa (Wong, 1996). Carr, Levin, McConnachie et al. (1994) também criticam as pretensões de muitos colegas que alegam não precisar saber o motivo do sujeito agir de certa forma para modificar o comportamento dele.

Sistemas de níveis nos quais os pacientes que não adquiriram determinados padrões de interação ganham reforço de maneira diferenciado aos outros partici­pantes ou nos quais pessoas que chegarem a um nível adiantado ganham privilé­gios inacessíveis aos outros, não melhoram a eficácia do sistema e são contra-indicados por causar problemas práticos e distanciar o funcionamento de todas as necessidades do indivíduo (Boisvert e Trudel, 1977).

Nunca deve ser especificada a cessação de atividades (por exemplo, parar de chorar) ou a ausência de comportamento (como não atrapalhar a professora) como itens a serem reforçados. No primeiro caso existe o perigo de se ensinar padrões de fuga-esquiva para lidar com problemas, além de reforçar a cessação do com­portamento e a iniciação dele (para ganhar reforço de parar de chorar, primeiro é necessário começar a chorar). No segundo não se sabe qual comportamento se está reforçando (Rodriguez, Tubio, Serra e tco l, 1988).

O contrato não pode especificar obediência, seguir instruções ou fazer o que o coordenador pede como comportamento a ser reforçado. Esses comportamentos não levam à emancipação do sujeito. Precisam ser escolhidos comportamentos úteis que servem ao crescimento do participante depois do encerramento do progra­ma (Alberto e Troutman, 1982).

____ ____

E importante que, numa Economia de Fichas, o participante nunca possa ter dívidas (Cooper, Heron e Howard, 1987). As multas para comportamento inadequa­do, existentes em certos sistemas, constituem um pecado mortal contra a ideolo­gia básica da Análise Aplicada do Comportamento. O participante nunca deve

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perder o que adquiriu com os seus esforços por causa de comportamentos destrutivos ou desafiadores. Além do controle punitivo ser eticamente ques­tionável, ele pode tornar inválida a eficácia do sistema.

Precisa-se pensar na Economia de Fichas como um quadro geral que leva à aquisição de padrões de comportamento, os quais possibilitam a aprendizagem e facilitam a implementação de outras formas de tratamento visando os problemas específicos, mas nunca como uma solução para problemas disciplinares.

N, ___ ___

As vezes, a Economia de Fichas é considerada um programa completo que soluciona os problemas por si mesmos. Na realidade, em muitos casos, ela constitui apenas um contexto de tratamento. Outras técnicas da modificação do compor­tamento não devem ser esquecidas. Na sua revisão da literatura empírica, Wong (1996) descobriu que os programas funcionam melhor quando combinados com a modelagem individualizada do comportamento visado e com o uso de técnicas de controle antecedente.

Finalmente, deve-se esclarecer que não se trata de uma forma de atuação na qual o psicólogo se isola no seu campo científico. A implantação de uma Economia de Fichas pode ser uma oportunidade excelente para a colaboração interdisciplinar, envolvendo os enfermeiros, os psiquiatras, os terapeutas ocupacionais, os assis­tentes sociais e outros profissionais. Todos eles podem contribuir com as suas habilidades específicas e com os seus pontos de vista para uma atuação integral e mais eficaz.

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CA PÍTU LO O Oí* J L ? ^ e 3 f7 A A a ^ ír -A C - ^ w r t W fc s r A ^ f^ O T » *

Autocontrole: Pesquisa e Aplicação

J o s e le A b r e u-R o d rig ues M a rc e lo E m ílio B e c k e r t 1

O termo autocontrole torna-se relevante naquelas situa­ções de conflito em que o responder produz conseqüências reforçadoras imediatas, gerando a longo prazo, porém, con­seqüências punitivas. Por exemplo, ir às festas implica ver amigos, ouvir música, dançar e beber, mas pode resultar em baixo desempenho acadêmico; sexo sem proteção pode re­sultar em mais prazer sexual, mas também aumenta o risco de gravidez e de doenças, algumas delas até fatais. Essas situa­ções também podem ser descritas de uma forma alternativa, uma vez que caracterizam o conflito entre conseqüências aversivas imediatas e conseqüências reforçadoras alongo pra­zo. Exemplificando: estudar tem como conseqüência imedia­ta não ver os amigos, ouvir música, dançar ou beber, podendo, entretanto, levar a um alto desempenho acadêmico; usar pre­servativo pode diminuir o prazer sexual, gerar críticas e até rejeição, mas pode também prevenir gravidez e doenças.

Nos exemplos citados, diz-se que o indivíduo mostra autocontrole quando escolhe estudar e usar preservativos, ou seja, quando não cede às pressões das contingências ime­diatas. Caso contrário, o indivíduo demonstra impulsividade. Para alguns teóricos, adeptos do modelo de causalidade in­terna, o comportamento de autocontrole é determinado por eventos cognitivos inferidos, como valores, expectativas e auto-eficácia (Bandura, 1977), capacidade para adiar gratifi­cação (Mischel, Shoda e Rodriguez, 1989), sistema de metas

1 In memoriam

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(Karoly, 1995) e auto-atribuição de controle (Rehm, 1996). Nesse modelo, o self de­tém o papel de agente controlador do comportamento, cabendo ao ambiente um papel secundário, o qual consiste em fornecer subsídios para as decisões em­preendidas pelo self. Outros teóricos, dentre eles os analistas do comportamento, defendem o modelo de causalidade externa, segundo o qual a explicação do com­portamento de autocontrole deve ser buscada no ambiente externo (físico e social), imediato e histórico do indivíduo (Skinner, 1953,1969,1974).

O objetivo do presente capítulo é discutir questões relativas ao comportamento de autocontrole a partir da abordagem analítico-comportamental. Essa discussão compreenderá os seguintes tópicos: (a) definição de autocontrole; (b) contribui­ções da pesquisa básica e aplicada para a intervenção cínica; (c) descrição da técnica de autocontrole; (d) exemplo da aplicação da técnica de autocontrole no contexto clínico; e (e) considerações finais.

DEFINIÇÃO DE AUTOCONTROLE

Para Skinner (1953), ‘controlar' implica em estabelecer contingências de modo a alterar a probabilidade de um determinado comportamento. Quando esse arranjo de contingências é feito por outras pessoas, fala-se em controle externo; quando é feito pelo próprio indivíduo, fala-se em autocontrole (ver Goldiamond, 1965). Nesse último caso, o indivíduo emite duas respostas: a resposta controladora e a resposta controlada. Uma vez que a resposta controlada produz conseqüências conflitantes, o indivíduo emite a resposta controladora, que consiste na manipulação das va­riáveis ambientais das quais a resposta controlada é função. A alteração resultante na resposta controlada e a conseqüente redução na estimulação negativa ou o aumento na estimulação positiva reforçam e mantêm a resposta controladora (ver Castanheira, 2000; Nico, 2001). Retomando o exemplo anterior, sexo sem proteção pode gerar mais prazer, bem como mais possibilidades de gravidez e doenças. Esse conflito evoca respostas controladoras, como carregar preservativos consigo, conversar com o parceiro sobre os riscos do sexo sem proteção, não consumir álcool em excesso etc., o que pode aumentar a probabilidade do uso de preserva­tivos e, então, reduzir as possíveis conseqüências punitivas do sexo sem proteção (resposta controlada).

Uma vez que o comportamento é determinado por múltiplas variáveis am­bientais, diferentes formas de autocontrole são possíveis, cada uma delas caracte­rizada pela manipulação de uma ou mais variáveis específicas. De maneira geral, as respostas controladoras podem alterar dois tipos de variáveis de controle: ante­cedentes (motivacionais, eliciadoras, discriminativas) e conseqüentes (reforça­doras e punitivas). Exemplos de mudanças nas condições antecedentes ocorrem quando o indivíduo faz uma refeição leve antes de sair para um jantar, joga fora as cartas da ex-namorada para evitar momentos de tristeza, retira a televisão de seu quarto para evitar distrações durante o estudo; mudanças nas condições conseqüen­tes, por sua vez, ocorrem quando o indivíduo compra roupas sempre e somente

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Autocontrole: Pesquisa e Aplicação ■ 261

quando atinge as metas de sua dieta ou quando não se permite jogar futebol com os amigos caso não cumpra suas tarefas acadêmicas2.

Autocontrole não é uma característica generalizada; ou seja, o indivíduo pode apresentar, por exemplo, autocontrole em situações profissionais, mas não em situações afetivas, isso porque a caracterização de um comportamento como autocontrole ou impulsividade depende do contexto em que o mesmo ocorre. De acordo com Logue (1995), o valor reforçador das conseqüências da resposta controladora é uma variável relevante para essa questão. Por exemplo, suponha que um indivíduo está fazendo compras e precisa decidir entre comprar um CD agora ou guardar o dinheiro para ir ao cinema com a namorada posteriormente. Vários fatores podem afetar o valor reforçador do CD e do cinema: a dificuldade em encontrar aquele CD específico; o fato de existir somente uma cópia do CD ou do mesmo ser a peça que faltava para completar uma coleção; o tempo decorrido desde a última vez que viu a namorada; já ter combinado o cinema, ou não; o número de vezes que já mudou os planos assumidos com a namorada etc. Assim, não comprar o CD pode ser, ou não, um exemplo de autocontrole. Logue (1995) também chama atenção para as situações em que a resposta indesejada, por ser emitida em baixa freqüência, não produz perdas significativas de reforços a longo prazo. Por exemplo, o indivíduo come em excesso somente nas comemorações do Natal e do Ano novo, o que não acarreta em ganho de peso ou outros problemas relacionados. Assim sendo, é difícil classificar esse comportamento como sendo um exemplo de impulsividade.

Em suma, a função do comportamento de autocontrole é minimizar a influência de contingências reforçadoras e punitivas imediatas em prol de objetivos futuros mais adaptativos (Kanfer, 1970; Kanfer e Karoly, 1972). Autocontrole não é uma propriedade do indivíduo, nem uma propriedade do ambiente, mas o produto da relação entre indivíduo e ambiente. Desse modo, autocontrole é produto de con­tingências de reforço e punição e, enquanto tal, é um comportamento aprendido.

2 O termo auto-reforçamento (e autopunição) foi questionado por alguns autores. Skinner (1953), por exemplo, argumenta que auto-reforçamento supõe que, mesmo já tendo acesso a uma condição reforçadora, o indivíduo estabelece voluntariamente que esse acesso só ocorrerá no futuro caso ele emita um comportamento específico. Essa suposição suscita, pelo menos, duas questões. Primeiro, se o indivíduo tem acesso à conseqüência, mesmo na ausência da resposta específica, por que se negaria a contatar essa conseqüência? Segundo, essa conseqüência aumentaria a probabilidade de ocorrência da resposta que a produziu? Catania (1975,1976) tentou responder essas questões assi­nalando que os processos comportamentais denominados auto-reforçamento e autopunição não correspondem às definições de reforçamento e punição. Catania sugere que auto-reforçamento e autopunição sejam substituídos por automonitoramento, auto-avaliação ou autodiscriminação, termos que descrevem comportamentos que sinalizam, para o indivíduo, se seu desempenho atingiuo critério para a liberação do reforço externo (ver Goldiamond, 1976). Essa proposta sugere que certos comportamentos podem exercer controle discriminativo sobre o responder e que o autocontrole envolve também controle externo (Blount e Stokes, 1984; Epstein, 1997). No presente trabalho, o termo auto-reforçamento será mantido para especificar as situações em que o próprio indivíduo não somente estabelece uma relação de contingência entre seu comportamento e cer­tas conseqüências, como também implementa essas contingências, ou seja, para indicar um procedimento do treino de autocontrole e não o resultado desse procedimento.

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262 ■ Terapia Comportamental

Assim, naquelas situações em que o comportamento de autocontrole é desejado, os agentes externos de controle (por exemplo, pais, professores, terapeutas) podem contribuir para a aprendizagem desse comportamento. A questão é “Quais são as contingências apropriadas para o treino do autocontrole?”

CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA BÁSICA E APLICADAA identificação das contingências necessárias para a aprendizagem do com­

portamento de autocontrole tem sido alvo de inúmeras pesquisas, básicas e apli­cadas, com humanos e não humanos. Esse interesse parece ser justificado pelas vantagens do uso de estratégias de autocontrole na vida diária, algumas delas apontadas por O'Leary e Dubey (1979). Segundo esses autores, o autocontrole: (a) é tido como evidência de independência, uma característica muito valoriza­da em nossa cultura porque envolve uma participação ativa e preponderante do próprio indivíduo; (b) parece especialmente relevante naquelas situações em que os agentes externos estão impossibilitados (ou não desejam) implementar con­tingências de controle; (c) requer menos atenção por parte de agentes externos, os quais passam a ter mais tempo para ensinar ao indivíduo outras habilidades importantes; (d) possibilita a ocorrência de comportamentos efetivos mesmo na ausência de agentes externos; e (e) facilita os processos de manutenção e genera­lização para outros contextos, pois o indivíduo aprende a analisar seu compor­tamento e a implementar contingências favoráveis à emissão de desempenhos mais adaptativos.

Os analistas do comportamento têm investigado autocontrole com base na noção de escolha. Considerando que autocontrole implica reduzir o controle exer­cido pelas contingências atuais de modo a favorecer o controle por contingências remotas, é possível defini-lo como um comportamento de escolha entre 'agora versus depois' (Castanheira, 2000). Dentro dessa perspectiva, autocontrole é inves­tigado a partir do paradigma experimental desenvolvido por Rachlin (1970), que inclui a escolha entre duas alternativas de reforço: uma imediata e com menor magnitude do reforço e outra mais atrasada e com maior magnitude do reforço. A escolha da alternativa de reforço mais atrasado e de maior magnitude é identificada como autocontrole, enquanto o oposto define impulsividade (para uma discussão das vantagens e desvantagens desse paradigma, ver Baum, 1999; Logue, 1988,1995; Castanheira, 2000; Karoly, 1995; Mazur, 1998).

Diversos estudos sobre autocontrole têm apontado diferenças entre espécies, sendo o comportamento de impulsividade mais freqüentemente observado com não humanos do que com humanos (Ainslie, 1974; Logue e Pena-Correal, 1984; Rachlin e Green, 1972). A idade dos indivíduos também é relevante, uma vez que crianças tendem a ser mais impulsivas do que adultos (Logue, 1988; Logue e Chavarro, 1992; Sonuga-Barke, Lea e Webley, 1989), resultado que pode ser atri­buído, pelo menos em parte, à natureza dos reforços. Quando reforços primários (e imediatamente consumíveis) são utilizados, crianças e adultos escolhem a alter­nativa de impulsividade; no caso de reforços secundários, entretanto, a escolha recai sobre a alternativa de autocontrole (Jackson e Hackenberg, 1996; Logue, Pena- Correal, Rodriguez e Kabela, 1986).

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Manipulações de variáveis temporais indicam que aumentos no atraso relativo do reforço de maior magnitude resultam em diminuição no autocontrole (Green, Fisher, Perlow e Sherman, 1981), efeito que pode ser atenuado pela experiência prévia com atrasos (Grosch e Neuringer, 1981). Outra estratégia para reduzir a impulsividade refere-se às mudanças graduais no atrasoy feita ao se estabelecer, no início, atrasos iguais para os reforços de menor e maior magnitude e, em seguida, diminuindo-se gradualmente o atraso na alternativa de impulsividade (Mazur e Logue, 1978) ou aumentando gradualmente o atraso na alternativa de autocontrole (Schweitzer e Sultzer-Azaroff, 1988).

A utilização de atividades de distração durante o atraso do reforço de maior magnitude também promove autocontrole (Grosch e Neuringer, 1981; Mischel, Ebbesen e Zeiss, 1972). Quando essas atividades foram introduzidas durante atrasos que aumentavam gradualmente, o fortalecimento do autocontrole foi observado a despeito do tipo de comportamento (auto-instrução ou identificação de objetos) emitido durante o atraso (Binder, Dixon e Ghezzi, 2000) e de o treino ter sido rea­lizado individualmente (Dixon, Hayes, Binder, Manthey, Sigman e Zdanowski, 1998) ou em grupo (Dixon e Holcomb, 2000). A sinalização do atraso do reforço de maior magnitude também contribui para a ocorrência de autocontrole, principalmente quando não há reforços disponíveis para o comportamento indesejado (Vollmer, Borrero, Lalli e Daniel, 1999).

O autocontrole também é influenciado pela magnitude relativa do reforço. Ou seja, aumentos na magnitude (quantidade, duração, qualidade) relativa do reforço com maior atraso produzem aumentos correspondentes na escolha por autocontrole (King e Logue, 1990), especialmente quando não há reforços presen­tes fisicamente na situação (Grosch e Neuringer, 1981). Além disso, o autocontrole é mais provável quando: (a) uma vez tendo sido escolhida a alternativa de autocontrole, não é permitida a mudança de escolha durante o atraso do reforço de maior magnitude (Logue e Pena-Correal, 1984); (b) o indivíduo emite uma res­posta que o impede, posteriormente, de escolher a alternativa de impulsividade, estratégia conhecida como compromisso prévio (Rachlin, 1974; Rachlin e Green,1972); e (c) o indivíduo apresenta uma história de reforçamento do comportamen­to de autocontrole (Mazur e Logue, 1978).

Um aspecto importante do treino de autocontrole consiste no “auto-registro” (também denominado de auto-observação ou automonitoramento). Um dos efeitos comumente observados quando o indivíduo registra seu próprio comportamento é a reatividade, ou seja, mudanças (geralmente na direção socialmente desejada) no comportamento registrado, na ausência de conseqüências programadas (Hayes e Cavior, 1977a, 1977b). No estudo de Kirby, Fowler e Baer (1991) foi demonstrado que as técnicas de registro muito intrusivas podem produzir maior reatividade, principalmente quando há instrução sobre metas a serem alcançadas. Além disso, dependendo do tipo de tarefa, comentários de pessoas relevantes também contri­buem para o aumento da reatividade. Outros autores têm sugerido que a freqüên­cia do registro afeta a reatividade, mas os resultados têm sido contraditórios. Nelson (1977), por exemplo, observou que a reatividade do comportamento de fumar aumentou com registros muito freqüentes, enquanto Critchfield (1999) observou uma relação inversa entre a reatividade do comportamento de nadar e a fre-

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264 ■ Terapia Comportamental

qüência do registro. A discrepância entre os resultados parece sugerir que o tipo de comportamento registrado interage com a freqüência do registro para deter­minar a reatividade.

Outro componente do treino de autocontrole investigado consiste no processo de “auto-avaliação” o qual compreende a comparação entre o comportamento registrado e um determinado critério de desempenho. O estabelecimento de crité­rios, em combinação com a implementação de contingências reforçadoras, con­tribui para a aquisição e manutenção de autocontrole, a despeito desses critérios serem definidos pelo próprio indivíduo ou por outras pessoas (Felixbrod e O'Leary,1973). Além disso, os estudos indicam que a auto-avaliação é mais efetiva nas si­tuações em que o indivíduo faz registros acurados e realiza tarefas com baixo ní­vel de dificuldade (Peacock, Lyman e Richard, 1978) e que a manutenção dos resultados é mais provável quando as avaliações do desempenho são realizadas pelo próprio indivíduo [auto-avaliação) e não por outras pessoas (Cohen, Gelfand, Dodd, Jensen e Turner, 1980).

O papel do “auto-reforçamento” também tem sido investigado. A literatura rela­ta que conseqüências auto-administradas são, pelo menos, tão efetivas quanto as administradas por outras pessoas (Bandura e Perloff, 1967; Glynn, 1970), princi­palmente quando os critérios são autodeterminados (Dickerson e Creedon, 1981). O auto-reforçamento é mais efetivo quando: (a) os indivíduos apresentam uma história de reforçamento desse comportamento, podendo ser ensinado por meio da transferência gradual do controle dos reforços para o indivíduo; e (b) há moni­toramento externo (Blount e Stokes, 1984; Santogrossi, O’Leary, Romanczyk e Kaufman, 1973).

Diversos estudos têm avaliado os efeitos de estímulos verbais. Instruções facili­tam a aquisição do desempenho e diminuem a sensibilidade às mudanças nas contingências, efeitos similarmente observados quando essas instruções são fornecidas pelo próprio indivíduo (Rosenfarb, Newland, Brannon e Howey, 1992). O reforçamento prévio do comportamento de seguir instruções e auto-instruções aumenta a probabilidade de ocorrência desses comportamentos em situações futuras (Burron e Bucher, 1978; Martinez e Ribes, 1996), principalmente quando essas situações incluem contingências sociais para seguir instruções e/ou auto- instruções (Hayes, Brownstein, Zettle, Rosenfarb e Korn, 1986; Zettle e Hayes, 1983) e quando os indivíduos apresentam os requisitos necessários para a execução da tarefa (Higa, Tharp e Calkins, 1978). O conteúdo das instruções e auto-instruções afeta diferencialmente a aquisição do comportamento. O controle verbal é mais efetivo quando as instruções e auto-instruções: (a) focalizam o comportamento com maior probabilidade de ser reforçado (Bentall e Lowe, 1987; Danforth, Chase, Dolan e Joyce, 1990; Mischel e Patterson, 1976); (b) enfocam aspectos positivos da contingência (Mischel e ta l} 1989); e (c) apresentam análises de custos e benefícios (Larrick, Morgan e Nisbett, 1990). As pesquisas têm mostrado ainda que descri­ções do desempenho e das contingências tendem a ser acompanhadas pelo com­portamento não verbal correspondente, principalmente quando a aprendizagem dessas descrições ocorreu por meio de modelagem em vez de instruções (Catania, Matthews e Shimoff, 1982; Matthews, Catania e Shimoff, 1985). Quando há reforçamento explícito da correspondência verbal-não verbal, Beckert (2000)

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mostrou que os treinos da correspondência dizer-fazer, fazer-dizer e dizer-fazer- dizer são similarmente efetivos no que se refere à aquisição de autocontrole, defi­nido a partir do paradigma proposto por Rachlin (1970), mas que o treino dizer-fazer é mais efetivo do que os demais na manutenção desse comportamento (ver Beckert, 2001).

DESCRIÇÃO DA TÉCNICA DE AUTOCONTROLEUma vez que as técnicas de autocontrole ajudam o indivíduo a minimizar os

efeitos de reforçadores imediatos, mas perigosos a longo prazo, de forma inde­pendente de outras pessoas, contribuindo, assim, para a sobrevivência da espécie e da cultura (Epstein, 1997), a avaliação da necessidade de inclusão do treino de autocontrole no processo terapêutico assume uma posição crítica. De maneira geral, esse treino é recomendado naquelas situações-problema em que não há reforços imediatos e potentes para comportamentos alternativos (dificuldades de estudar, alimentação excessiva, desempenho em esportes etc.); quando compor­tamentos mais adaptativos são prontamente reforçados pelo ambiente natural, outras técnicas terapêuticas podem ser mais eficientes (Masters, Burish, Hollon e Rimm, 1983).

O treino do comportamento de autocontrole consiste em um conjunto de pro­cedimentos que visam a ensinar o indivíduo a modificar seu próprio comporta­mento a fim de alcançar objetivos a longo prazo (Rehm, 1996). Esse treino compreende três processos comportamentais, conforme proposto por Kanfer (1970; Kanfer e Karoly, 1972): auto-registro, auto-avaliação e auto-reforçamento. Esses três processos apresentam um ponto em comum: em todos o cliente é o principal responsável pelo planejamento e execução da intervenção, mas para o cliente exercer seu papel de agente de maneira eficiente, é necessário que ele rece­ba informações gerais sobre os princípios da Análise do Comportamento. É impor­tante, nesse momento, que o cliente compreenda que as dificuldades de autocontrole não representam “falta de força de vontade”, “fraqueza” ou algo similar, mas o efeito de contingências ambientais de reforço e punição, passadas e atuais.

A descrição dos três processos mencionados anteriormente, apresentada a seguir, baseada nos textos de Masters et a l (1983) e Rehm (1996).

Auto-registroO auto-registro corresponde à observação e ao registro sistemáticos do próprio

comportamento, seus antecedentes e seus conseqüentes. Um cliente que apre­senta o comportamento de fumar deve registrar o número de cigarros consumi­dos e as condições em que esse comportamento ocorreu (local, horário, atividade em andamento, presença de outras pessoas, estados internos etc.) e as conseqüên­cias positivas e/ou negativas que ele produziu (redução de ansiedade, bem-estar, críticas, tosse etc.).

O registro do comportamento alvo pode ser feito de inúmeras formas. Podem ser registradas a freqüência, a quantidade, a duração e/ou a intensidade do com­

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portamento (por exemplo, número de cervejas ingeridas, quantidade de calorias consumidas, tempo gasto estudando, intensidade da dor), dentre outras medidas. Esse registro permite a identificação precisa do comportamento-problema.

O registro dos eventos antecedentes favorece a identificação de relações funcio­nais entre determinadas condições ambientais e o comportamento alvo, favore­cendo a compreensão da relevância do controle de estímulos e, conseqüentemente, contribuindo para a aceitação do modelo de causalidade externa. A definição dos antecedentes de um comportamento ajuda o indivíduo a planejar uma interven­ção. Essa intervenção pode consistir em modificar as condições de estímulo (o obeso que come mais quando faz suas refeições sozinho passa a alimentar-se acompanhado de outras pessoas), restringir o controle de estímulos (o indivíduo que conta piadas compulsivamente em qualquer ambiente passa a fazê-lo somente durante momentos de lazer), fortalecer o controle de estímulos (o rapaz com difi­culdades de interação social passa a cumprimentar pessoas específicas), incluir auto-instruções (“Vou comer menos se eu fizer as refeições com minha família”), emitir respostas alternativas (a mulher que faz compras desnecessárias todas as tardes inicia um curso de pintura nesse período) etc.

Quando o auto-registro revelar que o comportamento-problema é o elo final de uma cadeia de respostas (sair do trabalho, passar na padaria, beliscar o pão no trajeto para casa, tomar banho, preparar o lanche, comer) a intervenção será mais eficiente se for implementada no início da cadeia (fazer um trajeto diferen­te para casa, de modo a não passar pela padaria e pedir para outra pessoa com­prar o pão) porque quanto mais próximo do final, maior é o controle de estímulos antecedentes e conseqüentes.

Finalmente, o registro dos eventos conseqüentes, físicos (mal-estar) e/ou sociais (brigas com a esposa), permite identificar as funções do comportamento alvo (o beber funciona como esquiva de revelar dificuldades financeiras) e estra­tégias ineficazes utilizadas pelo cliente em suas tentativas de ‘resolver' o proble­ma (pedir dinheiro emprestado).

Dessa forma, o auto-registro ajuda o indivíduo a identificar as variáveis man­tenedoras do comportamento alvo, ou seja, realizar análises funcionais e, assim, definir estratégias de intervenção mais eficazes (Frea e Hughes, 1997; Piazza, Hanley e Fisher, 1996), habilidades que lhe serão benéficas no decorrer da sua vida. Um exemplo das vantagens de analisar funcionalmente o comportamento foi oferecido por Goldiamond (1973). Após um acidente automobilístico, ele ficou durante 8 me­ses internado em um hospital com especialização em reabilitação motora, período em que fazia registros detalhados do seu tratamento. Em um determinado momento, passou a ter dificuldades para dormir. Para a enfermeira, a insônia estava sendo cau­sada pelos pensamentos negativos de Goldiamond mas, para ele, tanto a insônia quanto os maus pensamentos estavam sendo produzidos pelas contingências. Ao consultar seus registros, percebeu que seus problemas de insônia começaram após a retirada abrupta do Valium® (tranqüilizante e relaxante muscular). A partir des­sa observação, ele voltou a ingerir o medicamento e, em seguida, diminuiu gradativamente a dosagem até sua completa retirada, sem apresentar insônia.

No início da terapia, o auto-registro é utilizado para coletar dados de linha de base, gerar hipóteses de causalidade, planejar intervenções. No decorrer da terapia, o auto-registro se torna essencial para a avaliação do processo terapêutico, indi-

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cando a necessidade de revisões na intervenção. O auto-registro pode também funcionar como estratégia de intervenção. Isso porque a observação do próprio comportamento geralmente é acompanhada por mudanças positivas no compor­tamento observado (por exemplo, redução no número de ansiolíticos ingeridos por dia antes mesmo da implementação da intervenção e concomitante ao registro desse comportamento) e tende a acentuar as propriedades discriminativas de con­tingências mais adaptativas (por exemplo, receber o telefonema de um amigo).

Auto-avaliaçãoA auto-avaliação pode ser definida como a comparação, quantitativa e/ou

qualitativa, entre o desempenho observado e algum critério de desempenho preestabelecido. Esses critérios podem ser derivados de fontes externas (por exemplo, escalas peso/altura para determinar limite diário de calorias; tabela Cooper para condicionamento físico) ou do próprio comportamento do indiví­duo (por exemplo, em um período de 3 meses, diminuir em 5 segundos o tempo gasto para nadar 200 metros).

Problemas de autocontrole consistem, freqüentemente, em dificuldades de auto-avaliação caracterizadas pela excessiva dependência de avaliações externas e/ou pelo estabelecimento de metas muito rigorosas. Considere um cliente que apresenta dificuldades de participar ativamente em reuniões pro­fissionais (permanecendo calado nessas reuniões). Dificuldades similares não são observadas em encontros com amigos. Esse cliente pode estabelecer crité­rios de desempenho irrealmente elevados (liderar as reuniões), vagos (impres­sionar o chefe e os colegas) ou definidos em termos negativos (não dizer bobagens), dificultando o alcance dos mesmos e gerando auto-avaliações ne­gativas. Critérios devem ser realistas, operacionalmente definidos e enfocar a construção de repertórios (apresentar idéias, durante as reuniões, que favore­çam a solução de problemas). Esse último critério, entretanto, pode não gerar prontamente a emissão do comportamento alvo pois estabelece reforços de longo prazo. Esse problema pode ser evitado por meio da decomposição do critério inicial em subcritérios que dependem do repertório de entrada do clien­te. Os subcritérios facilitam a execução da tarefa e, assim, proporcionam uma freqüência maior de reforços, principalmente quando são implementados em ordem crescente de dificuldade (cumprimentar os colegas, fazer comentários informais com o colega ao lado, fazer perguntas para o colega próximo, fazer perguntas para o grupo, expor uma idéia para o colega ao lado, expor uma idéia para o grupo etc.).

Auto-reforçamentoO procedimento de auto-reforçamento implica que o indivíduo, mesmo ten­

do acesso livre às conseqüências potencialmente reforçadoras, estabelece que essas conseqüências somente serão contatadas caso o seu desempenho atinja critérios previamente estabelecidos (Blount e Stokes, 1984). Por exemplo, uma

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268 ■ Terapia Comporta menta l

cliente com problemas alimentares estabelece que somente irá ao cinema na sexta-feira (o que faz rotineiramente) se consumir, no máximo, 2.500 calorias por dia no período de segunda até sexta-feira. Apesar das controvérsias teórico- conceituais sobre o tema, as pesquisas têm mostrado que a auto-administração de conseqüências contribui para o aumento da freqüência do comportamento que a produziu, fortalece a motivação e a aderência ao tratamento e promove a manutenção e generalização dos resultados. A questão, portanto, não é a eficá­cia do procedimento, mas como e por que ele funciona, conforme discutido an­teriormente.

A eficácia do auto-reforçam en to pode ser aumentada quando o treino de autocontrole adota um modelo construcional de intervenção (Goldiamond, 1973). De acordo com esse modelo, a terapia deve objetivar a construção de repertórios mais adaptativos em vez de objetivar eliminação de comportamentos-problema. Assim sendo, quando existem déficits comportamentais, as conseqüências são con­tingentes ao comportamento-alvo (conversar com a esposa sobre temas amenos, no caso de um marido com problemas de comunicação) e, quando há excessos comportamentais, as conseqüências são contingentes a comportamentos incom­patíveis (ir ao cinema, no caso de um workaholic).

Estratégias AdicionaisOutras estratégias são usualmente incluídas no treino de autocontrole. Dentre

elas, destaca-se o uso de instruções e auto-instruções, treino de correspondência, modelagem, modelação, simulação de papéis, treino de assertividade, treino de habilidades sociais, treino de solução de problemas etc. Qualquer que seja a estra­tégia adicional empregada, a seguinte ressalva deve ser considerada. A partici­pação do terapeuta como agente de controle externo, fornecendo estímulos antecedentes como instruções e modelos, ou fornecendo reforços contingentes à correspondência verbal-não verbal, é importante e, até mesmo, imprescindível no início da terapia. É fundamental, entretanto, para a manutenção e generalização do autocontrole, que essa participação seja gradualmente substituída pelo con­trole exercido pelo próprio cliente. Ou seja, o processo terapêutico deve permitir que o controle dos comportamentos de automonitoramento (incluindo a habi­lidade de realizar análises funcionais), auto-avaliação e auto-reforçamento seja exercido por contingências naturais.

APLICAÇÃO DA TÉCNICA DE AUTOCONTROLE: UM EXEMPLO

Ana, 24 anos, trabalhava como funcionária pública. Há 2 anos concluiu os cursos de Direito e Economia e, logo em seguida, concluiu com sucesso um concorrido curso de pós-graduação em Direito. No último ano, dedicou-se a estudar para concursos públicos de nível superior e foi reprovada duas vezes. Relatou rendimento acadêmico insuficiente, medo de “ficar para trás”, ansie­dade, insônia, gastrite e taquicardia. Seu principal objetivo consistia em “con-

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seguir estudar para passar em um concurso”. O comportamento de estudar da cliente era mantido, prioritariamente, por reforços de curto prazo (notas em testes, provas e trabalhos) e suas auto-avaliações se apoiavam em referenciais externos e pouco objetivos (desempenho dos colegas), o que gerou dificulda­des quando ela se deparou com um projeto de estudo que envolvia muita con­corrência e um reforço de longo prazo, embora de alta magnitude (aprovação no concurso). Em função das cobranças dos pais e de alguns colegas (e suas também), Ana quase não tinha momentos de lazer, o que contribuía para au­mentar o caráter aversivo do estudo. Ao tentar explicar suas dificuldades de estudo, ela fazia alusão à possibilidade de problemas neurológicos, “burrice” ou “vontade de Deus”.

Um importante passo inicial foi definir a linha de base do comportamento- alvo. Durante 2 semanas, Ana registrou seu próprio comportamento em uma tabela que incluía o dia e a hora de cada atividade. Foram estipuladas oito categorias comportamentais: (1) estudo - leitura, síntese e/ou fichamento do material reco­mendado; (2) descanso - dormir, permanecer em casa envolvida em atividades prazerosas; (3) cuidados pessoais - salão de beleza, ginástica; (4) refeições - café, almoço, jantar e lanches; (5) sair com amigos, namorar; (6) compromissos fixos - inglês, grupo jovem na igreja; (7) atividades sociais - foi acrescentada a pedido de Ana e incluía telefonemas, e-mails, receber amigos em sua casa; e (8) outras atividades - dentista, médico, banco. Ana deveria avaliar, também, em uma escala de 0 (nenhuma produção) a 10 (produção máxima esperada), a sua atividade acadêmica diária.

Os dados registrados indicaram flutuações na duração do período de estudo. O número de horas diárias de estudo variava entre 1 e 11 horas seguidas, com pequenos intervalos. Nos dias posteriores àqueles de estudo mais intenso, Ana estudava, no máximo, 2 horas. Os dias avaliados como mais produtivos não foram aqueles com o maior tempo de estudo, mas aqueles em que Ana estudava entre 4 e 5 horas. O estudo ocorria em locais variados: em casa, no trabalho (momentos de folga), em bibliotecas e até no parque, mas havia menos distração no trabalho e na biblioteca (em casa, somente após às 23 horas). Foi observada baixa produti­vidade nas quartas-feiras, dia em que Ana tinha reuniões de trabalho e nos finais de semana (muitos telefonemas e visitas de amigos). A partir dessas observações, Ana estabeleceu as seguintes contingências, com a assistência do terapeuta:

• Mudanças no Comportamento: Estudar em períodos mais homogêneos (en­tre 2 e 8 horas). O padrão desejado foi o de 2 horas de estudo, intervalo de 15 minutos, 1 hora de estudo, outro intervalo de 15min e mais 1 hora de estu­do. Esse padrão poderia ser repetido no mesmo dia, mas somente após, no mínimo, 2 horas de sono. As quartas-feiras não foram incluídas no planeja­mento dos estudos.

• Mudanças nos Eventos Antecedentes: Estudar no trabalho (quando possí­vel), na biblioteca ou em casa (após às 22 horas). A disposição dos móveis do quarto seria mudada de modo que a escrivaninha ficasse próxima à es­tante de livros e a cama ficasse fora de seu campo visual. Durante o estudo, o telefone e o computador permaneceriam desligados. A mãe estaria en­carregada de atender aos telefonemas e anotar recados.

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270 ■ Terapia Comportamental

• Mudanças nos Eventos Conseqüentes: Cada hora de estudo correspon­deria a 1 hora (posteriormente a 30 minutos) de lazer ou descanso. Ana teria as noites de quarta-feira e de sábado livres (cinema, boate etc.), as­sim como as manhãs de domingo. Checar o correio eletrônico, falar ao telefone, sair para jantar com o namorado e comprar CD, todas tidas como atividades reforçadoras, passariam a ser contingentes ao estudo (por exem­plo, Ana só poderia acessar seus e-mails após completar um determinado período de estudo).

O objetivo terapêutico mais importante foi o estabelecimento de uma rotina de estudos produtiva, definida por duas avaliações (quantitativa e qualitativa). A pri­meira avaliação incluía fazer uma previsão, no domingo à noite, do tempo total de estudo da semana seguinte e da cota diária. O tempo dispendido estudando deveria ser registrado, comparado com a meta semanal e diária e conseqüenciado, quando fosse o caso. Metas diárias não cumpridas em função de eventos extras (por exem­plo, festas de aniversário) poderiam ser compensadas em outro dia da mesma semana ou da semana seguinte. Ao iniciar cada período de estudo, Ana deveria registrar quais os objetivos que gostaria de cumprir naquele período iminente (ler um capítulo, fazer o fíchamento e/ou escrever uma composição de quatro pará­grafos sobre o tema lido etc.). Terminado o período, ela deveria avaliar, em uma escala de 0 a 10, o quanto havia conseguido cumprir. Em ambas as avaliações, o objetivo acima mencionado foi dividido em passos menores e progressivos que permitissem contato com as contingências reforçadoras ao longo do processo.

Nos primeiros 2 meses de terapia, Ana tinha duas sessões por semana. Na segunda-feira, o terapeuta checava a adequação das metas e das contingências planejadas por Ana. E, na sexta-feira, ele checava se as metas haviam sido cum­pridas e conseqüenciadas apropriadamente. Nessas sessões foi implementado o treino de correspondência dizer-fazer-dizer. Metas não cumpridas eram reava­liadas funcionalmente com a ajuda do terapeuta. Na terceira semana, as metas semanais foram sistematicamente cumpridas e substituídas por metas mais rigorosas. Apesar de dificuldades iniciais, Ana relatou uma maior motivação para estudar e passou a ser mais realista com a previsão dos objetivos que deveria cumprir diariamente. Após 5 meses de treino de autocontrole, Ana fora aprovada em dois concursos públicos de nível médio, mas não assumiu nenhum deles. Continua fazendo sessões quinzenais de terapia e, mesmo não sendo mais soli­citada a mencionar seus registros, continua automonitorando seus compor­tamentos. Está sempre mencionando que é bom conhecer o Direito como conhece agora (ela se diz apaixonada pela área), o que revela que ‘aprender’ desenvolveu funções reforçadoras. Sobre a aprovação em concurso de nível superior, ela garante:“.. .agora é apenas uma questão de tempo!”

COMENTÁRIOS FINAISO processo terapêutico, nas suas diversas modalidades, visa à aprendizagem

de comportamentos mais adaptativos, que promovam o bem-estar do indivíduo e da sociedade. Durante esse processo, o terapeuta coleta informações, identifica

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Autocontrole: Pesquisa e Aplicação ■ 271

e analisa funcionalmente o problema, planeja e implementa uma intervenção e avalia resultados com o objetivo de mudar o comportamento do cliente. No treino de autocontrole, entretanto, o terapeuta assume uma função peculiar: ensinar essas habilidades ao cliente de modo que ele próprio promova mudanças em seu com­portamento. Embora seja viável argumentar que os terapeutas estão sempre ensi­nando aos seus clientes as estratégias de autocontrole, a implementação de uma intervenção objetivamente estruturada e que vise, explicitamente, à aprendizagem de autocontrole, o que ocorre no treino de autocontrole, pode ser mais efetiva.

Embora as pesquisas descritas neste capítulo, bem como o caso clínico apresen­tado, visassem à aprendizagem de autocontrole, é importante ressaltar que o com­portamento impulsivo nem sempre é indesejável. Se as contingências ambientais forem favoráveis ao comportamento impulsivo, ele ocorrerá; caso contrário, o comportamento de autocontrole será observado. Por meio de uma análise dos custos e benefícios em curto, médio e longo prazos, de cada um desses compor­tamentos, é possível determinar se impulsividade ou autocontrole seria o com­portamento mais adaptativo em um determinado contexto.

Finalmente, é relevante afirmar a necessidade de maior integração entre pes­quisa e aplicação, principalmente no caso da pesquisa básica com animais. A pesquisa aprimora o conhecimento das diferentes formas de interação do indiví­duo com o ambiente e, assim, contribui para a avaliação e desenvolvimento das estratégias de intervenção. A aplicação, por sua vez, favorece a identificação de variáveis potencialmente relevantes que poderiam, então, ser sistematicamente investigadas. Essa integração entre pesquisa e aplicação beneficia pesquisadores, terapeutas e, principalmente, os clientes.

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às Terapias Cognitivas

Cristiano N abuco d e A b r eu

INTRODUÇÃOAo longo dos últimos anos, a terapia sofreu uma profunda

alteração em seus fundamentos (Mahoney e Albert, 1996). Procurando acompanhar as evidentes transições históricas e as mudanças verificadas no campo das ciências humanas, alterações significativas foram feitas na prática clínica, le­vando junto uma série de concepções mais antigas que envolviam o conceito de criação de significados (interpre­tação) e de mudança psicológica. Foi nesse panorama que nasceram as práticas cognitivas de intervenção clínica.

Dessa forma, foi a partir da década de 60 que o esforço de vários pesquisadores, dentre eles Michael Mahoney, Aaron Beck e Albert Ellis, fez com que os primeiros passos fossem efetivamente dados. Inicialmente, o foco de estudo de Mahoney esteve voltado aos processos cognitivos, en­quanto o trabalho de Beck estava focado no tratamento da depressão. Já a publicação de Albert Ellis versava sobre razão e emoção em terapia. Nesse sentido, a histórica frase de Skinner, afirmando que “o cognitivismo levou a um lugar pior do que o lugar nenhum” (Mahoney, 1998, pág. 15) provou estar equivocada.

Assim, com o passar do tempo, houve uma expansão vertiginosa das áreas de interesse e pesquisa ampliando as terapias cognitivas em mais de vinte e cinco tipos distintos ao se contemplar as diferentes referências epistemológicas.

Na visão epistemológica objetivista, por exemplo, en­tende-se que os conceitos que descrevem os estímulos representam a realidade externa, ou seja, desenvolvemos,

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278 ■ Terapia Cognitivcxomportamental

em nossa vida, uma natural inclinação para representar internamente os signi­ficados da existência exterior (o conhecimento existe lá fora', quer estejamos lá ou não para percebê-lo). Nessa concepção de categorias, o trabalho da mente é descobrir os conceitos em sua plenitude no mundo exterior. Um exemplo acontece quando nos deparamos com a palavra ‘mesa’, rapidamente nos perceberemos atri­buindo significados como: quatro pernas, de madeira etc. Assim, quanto mais conceitos se puder coletar a respeito da mesa, mais completa será nossa descrição e mais verdadeiro será o nosso conhecimento. É exatamente nesse contexto que as terapias cognitivas tradicionais (também chamadas racionalistas) se posicionam, advogando a lógica como uma poderosa ferramenta para a obtenção do equilíbrio psicológico humano (Abreu, 2001) e dando origem à máxima: “Viver bem é o resul­tado de um pensar bem (ou corretamente)” (Mahoney, 1998).

Nesse sentido, as técnicas visam às diferentes formas de ajuste cognitivo como registros de pensamentos disfuncionais (J. Beck, 1995), técnicas de reestruturação cognitiva (Beck e Freeman, 1993), processos de identificação das crenças irracio­nais (Ellis, 1988) e toda uma variedade de denominações que sustentam a corre­ção ou a substituição dos padrões disfuncionais por padrões mais funcionais do pensamento.

Nos modelos embasados em uma epistemologia construtivista, os significados não são entendidos como provenientes unicamente da lógica pessoal (cognição) em relação ao meio, mas são freqüentemente criados a partir das estruturas corporal - emocionais (Abreu e Roso, 2002). Isso faz com que esse funcionamento esteja imerso em características emotivas e não somente representativas. Mais do que reproduzir internamente os significados do mundo externo, nós construímos sentidos além daqueles já articulados externamente, isto é, nossa cognição, basicamente pró-ativa, vai adiante do que é apresentado a ela. Portanto, o mundo interno que habitamos é visto como derivado fundamentalmente de uma construção pessoal ímpar, idiossincrática, sentida e não unicamente pensada (Abreu e Roso, 2002).

Ao contrário de desconfiar, a priori, que os padrões de significados estejam equi­vocados ou irracionais, as terapias cognitivo-construtivistas procuram entendê-los e ampliá-los. Esses aspectos serão amplamente abordados em capítulos posteriores. Neste capítulo, optou-se por descrever as modalidades cognitivo-objetivistas, mais especificamente, o modelo de Beck.

TERAPIA COGNITIVA (MODELO DE BECK)Atualmente, é descrita como uma abordagem terapêutica estruturada, diretiva,

com metas claras e definidas, focalizada no presente e utilizada no tratamento dos mais diferentes distúrbios psicológicos. Seu objetivo principal consiste em produzir mudanças nos pensamentos e nos sistemas de significados (crenças) dos clientes, evocando uma transformação emocional e comportamental duradoura e não apenas um decréscimo momentâneo dos sintomas.

Segundo Beck (1964), não é a situação (ou o contexto) que determina o que as pessoas sentem, mas o modo como elas interpretam (e pensam) os fatos em uma determinada situação. E, na medida em que se depara com novas situações, o pensamento tenta extrair as padronizações percebidas de cada acontecimento,

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Introdução às Terapias Cognitivas ■ 279

transformando as similaridades detectadas em padrões gerais de interpretação (Festinger, 1975). Esses padrões coordenam o processo de percepção e de atribuição de significados, sendo também chamado de rotulação e se constituindo de uma verdadeira rede de significados em nossa estrutura cognitiva (Vygostky, 1991). Conhecidos como esquemas ou crenças pela Terapia Cognitiva, essas estruturas são os padrões orientadores da percepção e interpretação da experiência (Bem, 1973). A metáfora cartesiana '‘Penso, logo existo” elucida adequadamente a maneira pela qual nosso pensamento opera1.

Nos modelos tradicionais de Terapia Cognitiva, atribuiu-se ao pensamentonm caráter determinante e, à sua disfunção, toda uma variedade de psicopatologias. Dessa forma, a razão dentro dessa alusão foi elevada à categoria de destaque e a precisão e a graça de sua performance constitui a chave para o comando de uma boa saúde mental.

Assim, as concepções cognitivistas desenvolveram as mais diversificadas pro­postas e criaram ferramentas de ajuste cognitivo, como os registros de pensamentos disfuncionais (J. Beck, 1995), as técnicas de reestruturação cognitiva (Becke Freeman, 1993), o processo de identificação de crenças irracionais (Ellis, 1988) e toda uma variedade de técnicas que sustentaram (e ainda sustentam) a prática da correção ou da substituição dos padrões disfuncionais de pensamento por padrões mais funcionais de análise e de lógica2. Portanto, torna-se fundamental para as referências cognitivistas objetivistas que as distorções do significado não evoluam a ponto de se tornarem mal-adaptadas.

Em outras palavras, se o pressuposto epistemológico é de que o conhecimento consiste numa representação imediata do mundo exterior - dessa realidade que é única -, cabe ao terapeuta auxiliar o paciente no ajuste, no aperfeiçoamento ou na busca de padrões mais concordantes com a existência socialmente estabelecida. Dessa forma, o comportamento humano (teoricamente) normal dependerá da capacidade da pessoa de compreender a natureza do ambiente social e físico dentro do qual está situada (Beck e Alford, 2000).

PAPEL DAS EMOÇÕESO modelo cognitivo-objetivista parte do princípio de que as emoções se

derivam dos padrões de pensamento que, pautados nas crenças, direcionam a maneira pela qual as pessoas interpretam as situações às quais são expostas (Abreu e Shinohara, 1998). Os eventos propriamente ditos não determinam di­retamente como alguém irá se sentir mas, antes, são os juízos associados de valor que provocam uma resposta emocional específica. Assim, para que uma emoção possa ser contextualizada, o terapeuta cognitivo sempre verifica qual é a avaliação racional da situação corrente sob o ponto de vista do paciente (J. Beck, 1995).

1 Outra metáfora de referência é conhecida como mundo-na-mente (Thelen e Smith, 1995).2 Por isso a origem da utilização do termo abordagens cognitivo-racionalistas.

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280 ■ Terapia Cognitivo-comportamenta!

Por isso, apesar da emoção ser considerada de grande importância para o pro­fissional, sua função é indicar, como um sinalizador marinho, a presença de pen­samentos e/ou crenças associados a ela. Assim, quando o indivíduo se depara com situações nas quais o descontrole emocional é revelado, torna-se necessário o exame minucioso da crença subjacente ou de algum esquema (conjunto de crenças) que serve aos propósitos de desadaptação. Entende-se, nesse caso, que o filtro conceituai ou a lógica pessoal está trabalhando de maneira incorreta, desprovida de lógica e levando o paciente a um inevitável e contínuo processo de sofrimento. Disso se chega a uma das premissas cognitivistas centrais de que essa crença é corrigida e submetida a uma (nova) avaliação corrigida da realidade3. Assim, se­gundo J. Beck (1995), a Terapia Cognitiva normalmente pretende abrandar a aflição emocional, corrigindo as interpretações possivelmente errôneas construídas pelo indivíduo. A emoção, portanto, torna-se disfuncional quando decorrente de pen­samentos irrealistas ou absolutistas, interferindo na capacidade do paciente pensar de forma clara e objetiva. Tendo em vista esse referencial terapêutico, entende-se que uma reflexão racional e um exame realista dos pensamentos (e/ou crenças) disfuncionais oferecem condições de reparar as emoções em desalinho com a vida de cada um. Esse é o parecer que a Terapia Cognitiva Objetivista emite a respeito da vida emocional.

DISFUNÇÃO E PSICOPATOLOGIANa concepção cognitivista, a psicopatologia será sempre considerada o resultado

de crenças excessivamente disfuncionais ou de pensamentos demasiadamente distorcidos que, em atividade, teriam a faculdade de influenciar o humor e o com­portamento do indivíduo, enviesando sua percepção da realidade (Beck e Freeman, 1993). Por isso, sua identificação e posterior modificação são elementos centrais para o tratamento, capaz de promover, segundo essa teoria, a redução dos sintomas.

Por exemplo, no modelo de Beck (1976) e de Beck etol. (1979), essas crenças são divididas em básicas (ou centrais) e periféricas (ou intermediárias), as quais resultam dos pressupostos que desenvolvemos a nosso respeito, a respeito do mundo e do futuro, compondo, em seu estágio final, a estrutura (cognitiva) de valores que favorecem a formação do que chamamos de experiência pessoal. Essas orga­nizações de significado são necessárias para que se possa interpretar o mundo de maneira correta, pois auxiliam na previsão das atitudes e no sentido que atribuímos às experiências de vida, garantindo assim o perfeito funcionamento cognitivo. Entretanto, algumas premissas advindas desses mesmos construtos podem, em função de alguma circunstância específica, tornar-se muito repetitivas e, portanto, conservarem-se pouco atualizadas - o que induz a uma condição de contrapro- dução para o indivíduo. Operando, então, em um estado restritivo de atribuição de significados (por serem antigas), passam a atuar como uma camisa de força

3 E muito típico ouvir terapeutas sugerindo a seus clientes que façam os chamados “testes de rea­lidade” no intuito de verificar a autenticidade dos seus padrões de pensamento.

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Introdução às Terapias Cognitivas ■ 281

conceituai, gerando avaliações rígidas e absolutistas e criando um sentido distorcido das situações, o que as torna extremamente resistentes à mudança, por isso classificadas como disfuncionais.

Nesse sentido, muitas vezes essas estruturas irracionais se expressam, ini­cialmente, por meio de pensamentos negativos e, com o passar do tempo, são responsáveis pela ativação de emoções desadaptativas (conforme discutido ante­riormente). De caráter invasivo e imediato, os pensamentos negativos automáticos (PNA) têm o poder de transformar a interpretação das experiências de uma pessoa e, constituindo-se de uma poderosa lente explicativa, afetam significativamente seu comportamento, gerando os conhecidos sintomas. Então, estabelece-se um verdadeiro efeito dominó. Quanto mais os sintomas se desenvolvem, mais intensos os PNA se tornam, sempre na tentativa do organismo de procurar entender ou justificar as emoções presentes pouco compreendidas. Como efeito final, os pen­samentos repetitivos vão gentilmente convidando os (novos) significados a se retirarem e, progressivamente, nossa estrutura cognitiva fica povoada pelas ava­liações viciadas de significado, levando o indivíduo a se comportar de maneira ilógica e irracional ou, segundo nosso ponto de vista, pouco atualizada, oferecendo condições para os transtornos de personalidade se estabelecerem.

Um típico exemplo desse processo é uma pessoa com uma crença central como “Sou incapaz.” Isso gera crenças intermediárias envolvendo condições de valor (incapacidade), como “Se não entender algo de forma completa e perfeita, então, sou burro/' Esse indivíduo, em uma situação qualquer, como em uma sala de aula, por exemplo, ao se confrontar com o menor grau de dificuldade, é freqüentemente visitado por pensamentos automáticos (e disfuncionais que limitam a sua pers­pectiva de avaliação) como “Isso é muito difícil, para mim... eu jamais entenderei isso.” A presença desse pensamento evoca uma reação emocional de tristeza (disparando reações fisiológicas de ansiedade e dor de estômago), gerando ati­tudes e comportamentos que culminam na efetiva incapacidade e na óbvia desis­tência do curso. Assim, quanto mais intensos forem os sintomas de desconforto em uma situação qualquer, maior é a incidência desses pensamentos automáticos disfuncionais, aumentando ainda mais a validade da crença central disfuncional (“Sou incapaz”), reforçando os sintomas e mantendo indefinidamente o círculo vicioso em atividade.

Concluindo, evidencia-se com qual intensidade a disfunção se instala nos modelos cognitivistas de Beck, a partir e, em decorrência, de algumas crenças centrais (ou periféricas) que, não estando suficientemente flexíveis para esclarecer uma determinada situação, fomentam o aparecimento dos vieses interpretativos. A visão da personalidade de cada pessoa leva em conta a história evolutiva desses padrões do pensar, do sentir e do agir de cada um. Contudo, nos casos em que a disfunção é estabelecida, essa tendência ao ajuste cognitivo apresenta-se de ma­neira mais lenta do que a velocidade necessária para acompanhar a mudança no meio e, assim, são instituídos verdadeiros atrasos de interpretação, ou seja, o indi­víduo ainda se encontra preso a determinados valores antigos ou “irracionais”. Cognitivamente falando, as crenças disfuncionais deslocam as estruturas mais adaptativas (compostas por crenças mais razoáveis e mais adaptativas), prevale­cendo nos atos finais de significação.

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282 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

Tem-se aqui um dos campos mais férteis para a criação de transtornos de personalidade, uma vez que as crenças ou esquemas imperativos, tiranicamente, dominam o horizonte interpretativo, gerando distorções de entendimento e aprisionando o indivíduo em perspectivas possíveis naquele momento, mas não suficientes para a compreensão.

PAPEL DO TERAPEUTAO terapeuta tem, na abordagem cognitiva, um papel ativo, colaborativo e

educativo que foi muito bem sistematizado por J. Beck (1995), contemplando as seguintes atribuições:

1. Auxiliar o paciente na identificação dos pensamentos automáticos e das crenças disfuncionais associadas a eles;

2. Propor técnicas de reestruturação cognitiva, visando à modificação desses mesmos pensamentos automáticos;

3. Levantar hipóteses sobre a categoria de crença central (desamparo ou pouca amabilidade) da qual os pensamentos automáticos específicos parecem ter surgido;

4. Especificar a crença central preponderante;5. Apresentar ao paciente sua hipótese sobre a crença central, solicitando

dele uma confirmação (ou não);6. Educar o paciente sobre crenças centrais em geral e sobre sua crença cen­

tral específica, orientando-o a monitorar a(s) operação(ões) de sua crença central;

7. Começar a avaliar e modificar a crença central junto com o paciente, auxi­liando-o a especificar uma crença central nova e mais adaptativa.

Sendo assim, nessa concepção, o terapeuta e o paciente trabalham sempre juntos, planejando estratégias, identificando crenças e atuando sobre pensamen­tos disfuncionais e sobre estratégias necessárias para esses ajustes ou correção (ões). Além disso, o terapeuta deve formular hipóteses sobre quais experiências contri­buíram para o surgimento das crenças apresentadas pelo paciente (sobre si mesmo e sobre os outros), além da história de vida pessoal.

PROCEDIMENTO TERAPÊUTICOUma das principais características da Terapia Cognitiva é seu caráter breve

e focal. Dessa forma, o paciente é informado, logo no início do tratamento, que a terapia tem uma função pedagógica destinada a lhe ensinar a detectar e reduzir os seus sintomas, de modo que possa, gradativamente, se tornar habilitado a conduzir a terapêutica sem a ajuda do profissional. Oferecer ao paciente um fo­lheto impresso, contendo informações sobre a doença, a disfunção e os princípios gerais da terapia é bastante útil para garantir uma compreensão mais ampla do que será abordado durante as consultas que se seguirão (Ito et a l, 1998).

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Introdução às Terapias Cognitivas ■ 283

A partir da conceituação do problema, estabelece-se um plano de tratamento com metas e estratégias específicas. Essas conceituações visam à identificação dos padrões de pensamentos automáticos e das crenças que, muitas vezes, impedem a realização das metas e a conseqüente melhora. Além disso, as sessões de terapia sempre serão estruturadas. Cada atendimento é iniciado com a elaboração de uma agenda na qual o paciente e o terapeuta sugerem os assuntos que gostariam de incluir, definindo prioridades e organizando o tempo que será dedicado a cada tópico. Nesse roteiro, também são incluídos um resumo dos acontecimentos desde a última consulta, uma revisão da tarefa de casa (realizada na semana anterior) e a programação das atividades da semana seguinte.

O clínico deve estar atento ao abordar os assuntos incluídos na agenda do dia para que os objetivos de reestruturação cognitiva com o paciente sejam contem­plados. Ou seja, em cada assunto discutido, será possível identificar os pensamentos automáticos e os pressupostos disfuncionais respectivos, permitindo, assim, que o paciente faça um elenco de suas crenças básicas e tenha a possibilidade, na medida do possível, de modificá-las. No final de cada sessão, deve-se incluir um resumo do que foi discutido, de modo a permitir que o paciente sintetize e registre claramente os aspectos centrais debatidos na sessão. Ao se observar essa seqüência de trabalho, o indivíduo consegue sistematizar as lições estudadas naquela sessão e a utilidade desse aprendizado para as situações futuras (Ito et a l } 1998).

ATerapia Cognitiva reforça, assim, a importância do desenvolvimento da auto­nomia do cliente ao treiná-lo para novas habilidades de manejo e modificação de crenças absolutistas. O cliente é preparado para eventuais episódios de recaída, os quais são entendidos como janelas de oportunidades aos novos aprendizados.

A Terapia Cognitiva ensina o paciente a colocar em foco, a cada sessão, seus pensamentos e crenças disfuncionais, identificando, avaliando e respondendo cada situação disfuncional. Faz-se o trabalho com os pensamentos automáticos solicitando o preenchimento de um diário elaborado a partir das observações feitas pelo sujeito. Esse material serve como um guia para o planejamento do tratamento, no qual são anotadas as ocorrências de sintomas, mudanças de humor e os pen­samentos que lhe vieram à cabeça em um determinado momento, além da data e do local.

Uma vez que essa terapia se estrutura por meio de um estilo focal, as tarefas escolhidas no início dela sempre corresponderão a um alvo que necessite de uma intervenção imediata, devendo respeitar, sempre que possível, o grau de capacidade do paciente para executá-las, a fim de não gerar frustrações desnecessárias.

Nesse processo terapêutico, utiliza-se uma variedade de técnicas para mudar o pensamento, o humor e o comportamento daquele que busca ajuda. Vale lembrar que todas as técnicas comportamentais e cognitivas têm como objetivo modificar os comportamentos e as crenças disfuncionais que mantêm os sintomas sempre em atividade. Técnicas como identificação de pensamentos negativos automáticos e conseqüente exploração de alternativas, junto com a análise de erros de lógica, são as ferramentas mais utilizadas nesse tipo de terapia. Além disso, o Diálogo Socrático (caracterizado por questões dirigidas pelo terapeuta de forma a levar o paciente a perceber as incongruências em seus pensamentos e crenças) também é freqüentemente utilizado.

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284 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

O tempo da Terapia Cognitiva é variável. Beck (1976) sugere de quatro a qua­torze sessões semanais para vários casos. Todavia, nesse mesmo estudo, afirma que alguns pacientes podem necessitar de 1 a 2 anos para modificar suas crenças e seus comportamentos disfuncionais. Mas outros estudos apontam para uma melhora significativa dos sintomas após doze a vinte sessões e enfatizam que o tempo de tratamento estará associado à motivação e disponibilidade do cliente, assim como à natureza e à possibilidade de resolução (Beck e Freeman, 1993).

Finalmente, outra característica da Terapia Cognitiva é sua ênfase no presente.O terapeuta procura fazer a avaliação mais realista possível das situações espe­cíficas que são as mais aflitivas para o paciente no momento. A atenção somente se volta para o passado quando o trabalho presente resultar em pouca ou nenhuma mudança cognitiva, comportamental ou emocional ou quando o clínico julgar importante entender como e quando as idéias disfuncionais se originaram (e como atualmente afetam o indivíduo).

CONCLUSÕESÉ importante esclarecer para o leitor que essas explicações se embasam na

premissa da existência de várias formas ou modalidades de Terapia Cognitiva, embora este capítulo se ocupe em descrever as premissas advindas dos modelos de Beck e algumas de suas principais variações. Nesse sentido, a ênfase no processo de mudança recai muito mais sobre as dimensões conceituais da experiência pois se utiliza, como pressuposto, uma referência epistemológica objetivista (ver a Tabela 23.1), ao passo que nos modelos cognitivos que não compartilham dessa mesma leitura - os chamados modelos cognitivo-construtivistas (e suas referências epistemológicas construtivistas) - se endossa a prática e suas intervenções a partir dos aspectos emocionais da experiência (conforme descrito adiante neste livro). Essa diferença de foco, na opinião do autor deste capítulo, é um dos mais impor-

T a b e la 23.1 - Caracterização dos modelos cognitivos (racionalistas) de terapia

Teoria Conceito derealidade

Papel das emoções

Patologia Tratamento

Cognitiva A realidade é As emoções e a As emoções A ênfase está naobjetivista externa e pode interpretação negativas eliminação, no

ser das situações de resultam dos controle ou naobjetivamente vida são padrões substituição dosobservada e produtos distorcidos e padrões negativos doacessada. É derivados dos irracionais de pensamento.singular, estável pensamentos e pensamento Propõe-se ae universal das imagens (geradores da identificação, seguida

mentais patologia) da alteração dos padrões irracionais por padrões lógicos e realistas

(Fonte: Mahoney, 1998.)

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Introdução às Terapias Cognitivas ■ 285

tantes divisores de águas da família cognitiva, não existindo, portanto, uma mo­dalidade mais eficiente, mas uma ampla variedade de conce-opções de tratamen­to e de entendimento da construção de significados. Independentemente da preferida, vale ressaltar que a Terapia Cognitiva desponta como uma das mais reconhecidas e eficazes intervenções terapêuticas da atualidade.

R e f e r ê n c ia s

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Page 298: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Conceituação Cognitiva

B ernard R angé

O principal objetivo de uma avaliação é desenvolver uma conceituação sobre os problemas apresentados por um indivíduo. Pode-se definir essa conceituação como uma espécie de teoria sobre o paciente a qual relaciona: (1) todas suas queixas, de uma forma lógica, orgânica e significativa entre si; (2) uma explicação sobre o porquê de o indivíduo desenvolver essas dificuldades e o que as mantém; (3) pos­sibilidade de se fazer previsões sobre seu comportamento, dadas certas condições; e (4) possibilidade do desenvol­vimento de um plano de trabalho. Uma formulação também permite um fortalecimento da aliança terapêutica e da adesão ao tratamento, pelo reenquadramento que o paciente faz sobre o que está lhe acontecendo e pela esperança de mudan­ça estabelecida a partir dessa nova compreensão.

MÉTODOO primeiro passo para a formulação é a compilação de

uma lista de problemas. Essa lista deve ser ordenada segundo prioridades no que respeita à seqüência de problemas abor­dados na terapia. Os critérios para estabelecer essa hierarquia são variados. Um determinado problema pode ser o pri­meiro foco de atenção pelo papel ameaçador que possa ter para a integridade física do cliente, por exemplo, um paciente com uma história de tentativas de suicídio deve ser óbvia e primeiramente tratado disso. O foco pode também ser diri­gido para um problema mais simples, como exercitar uma determinada habilidade específica, como resolução de problemas ou relaxamento muscular ou respiratório para pacientes muito ansiosos ou ainda, o foco pode ser o pro-

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Conceituação Cognitiva ■ 287

blema central, isto é, um problema cuja solução poderá causar um efeito dominó na solução de outros problemas.

Há algumas diretrizes para elaborar uma lista de problemas (Persons, 1989):

1. Tentar exaurir todas as possibilidades fazendo um levantamento das áreas da vida do cliente onde existam quaisquer problemas.Algumas dessas áreas iilcluem: (1) sintomas e problemas psiquiátricos (aproximadamente as categorias dos Eixos I ou II do DSM-IV1), como sin­tomas depressivos ou narcisismo; (2) problemas interpessoais, que incluem relações com pais, cônjuge/namorado(a), filhos, chefe, amigos, colegas de trabalho, síndico etc., isolamento social, hipersensibilidade a críticas, bai­xa assertividade etc. (Eixos II e IV); (3) dificuldades de trabalho, como medo de críticas do chefe, raiva de algum colega, insatisfação (pouco gratificante, salário baixo), incertezas vocacionais etc. (Eixos II e IV); (4) dificuldades financeiras, como incerteza sobre a rentabilidade das aplicações de poupan­ças feitas para uso na aposentadoria, contenção de gastos para quaisquer despesas etc. (Eixo IV); (5) problemas de saúde, como colesterol aumenta­do, problemas gástricos, meniscos afetados, grau de adesão aos tratamentos etc. (Eixo III); (5) problemas de moradia, como insatisfação com o local da moradia, preocupação excessiva com segurança etc. (Eixo IV); (6) dificuldades para atividades de lazer, como não ter hobbies ou tempo para isso, ver TV ou ter sono demais, falta de dinheiro para essas atividades etc. (Eixo IV); (7) dificuldades legais, como dificuldades com inventários etc. (Eixo IV); (8) problemas variados, como infertilidade e ausência de filhos, história de múltiplos abortos, problemas religiosos etc. (Eixo IV).Algumas vezes um problema pode ser destacado pela prioridade máxima que possua (por exemplo, ideação suicida) mesmo que se enquadre dentro de outra categoria (sintomas depressivos). Outras vezes pode ser útil listar problemas que se manifestem em várias áreas, como baixa capacidade empática ou procrastinação.

2. Descrever os problemas com uma ou duas palavras, seguidas de escla­recimentos.Por exemplo, dificuldades na relação com a esposa: o paciente acha que sua esposa se dedica demais aos filhos e não consegue mudar isso.

3. Incluir a queixa principal.4. Descrever o problema de forma concreta, em termos comportamentais.

É preferível descrever um pensamento automático como “O paciente pensa que é fracasso, que não vale nada e nunca se desculpa por seus erros” do que uma apreciação vaga como “baixa-auto-estima” ou "Obsessivo: fica in­

1 O DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, versão IV 1994) é um sistema multiaxial com cinco eixos: o Eixo I refere-se aos transtornos mentais propriamente ditos; o Eixo II descreve transtornos do desenvolvimento e da personalidade; o Eixo III diz respeito às condições médicas associadas; o Eixo 4 relaciona estressores sociais; e o Eixo V é usado para uma avaliação global do funcionamento.

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288 ■ Terapia Cognitivo-comporta mental

tolerante quando perde algo e se queixa com todos que não o atendem nos menores detalhes.”

5. Descrever os componentes comportamentais, cognitivos e afetivos de todos os problemas.Por exemplo, “Sente-se sem valor, tem medo de fazer investimentos e tem pensamentos automáticos do tipo ‘se eu tentar algo eu vou falhar’.”

6. Tentar quantificar os problemas sempre que possívelPor exemplo, “Sentimentos de desespero ocorrem numa freqüência diária.”

7. Usar, sempre que possível, as palavras do paciente.8. Averiguar sempre se há uso/abuso de substâncias.9. Tentar, ao máximo, conseguir com o paciente uma concordância sobre a

lista de problemas.

Um modo de facilitar a avaliação e o processo de formulação é a técnica do Incidente Crítico (Freeman e Dattilio, 1992) que consiste em solicitar ao paciente que faça uma descrição de uma situação que ele ache certa para defina exata­mente seu problema.

PREMISSAS BÁSICAS DA ATUAÇÃO CLÍNICAEssa abordagem dos fenômenos clínicos é guiada por premissas básicas das

quais destacam-se: (1) a importância do trabalho clínico ser visto (e praticado) como um empreendimento científico; e (2) a relevância de se assumir o princípio do determinismo. O método da ciência (verificação de hipóteses) depende da dispo­nibilidade de uma hipótese testável. No enfoque científico de caso único, uma hipótese é formulada, depois clinicamente testada e, então, avaliada, tendo por base os resultados do teste. Um ponto de vista determinista do comportamento supõe que todo o repertório comportamental de um paciente deve ser passível de compreensão em termos de uma história causal. A atuação clínica é, portanto, um processo contínuo de testagem de hipóteses e de intervenções derivadas delas. Testam-se hipóteses desde o contato inicial com o paciente, durante o tratamento e até o acompanhamento (Meyer eTurkat, 1988; Turkat etal., 1988). De modo mais desenvolvido, essas são as premissas:

1. A cada instante, um clínico deve estar pronto para especificar operacio­nalmente as suas suposições sobre seu paciente.

2. Essas suposições devem explicar cada sintoma do problema que o paciente apresenta, inclusive a sua etiologia e, sendo sólidas, devem conduzir dire­tamente a um tratamento específico.

3. Essas suposições devem proporcionar predições testáveis relativas ao com­portamento futuro do paciente.

4. Os testes dessas suposições devem permitir a avaliação da validade das idéias do clínico.

5. É realista supor que um clínico precisa testar, no mínimo, a teoria expla­natória que ele adotou para um determinado paciente pois não pode in­vestigar cada teoria plausível sobre ele.

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Conceituação Cognitiva ■ 289

6. O clínico que fundamenta suas suposições sobre um paciente com dados empíricos fornece uma contribuição muito mais útil do que aquele que maneja uma suposição sem fornecer suporte empírico.

7. Essas investigações devem ser vistas como um estudo clínico piloto pois as hipóteses sem sustentação são eliminadas pela lógica da entrevista clí­nica e não por experimentos controlados.

Não é possível deixar de mencionar que a efetividade clínica do terapeuta cognitivo-comportamental depende de sua relação com o paciente. Por melhor que tenha sido a formulação, é necessário que o clínico desenvolva uma relação na qual o cliente se sinta aceito, compreendido e confortável para fornecer as in­formações e mostrar a cooperação necessária. A própria formulação favorece e depende disso. Mais importante, o clínico se beneficia de uma boa relação para continuar testando, reformulando e retestando as hipóteses. A grande vantagem da abordagem apresentada é que o clínico, ao validar as suas hipóteses e supo­sições sobre o paciente num clima positivo, favorece um aumento da probabilidade da eficácia do tratamento.

São necessários oito passos para o estabelecimento de um plano de tratamento: (1) uma conceituação do problema; (2) o desenvolvimento de uma relação cola­boradora entre o terapeuta e o cliente; (3) alguma motivação para um tratamento; (4) uma conceituação do caso; (5) o estabelecimento de metas; (6) a educação do paciente sobre o modelo cognitivo-comportamental; (7) as intervenções cognitivo- comportamentais; e (8) algum esforço para prevenir recaídas.

Num primeiro momento, tenta-se alcançar os três primeiros passos. Assim, o paciente é entrevistado para que o terapeuta possa avaliar adequadamente cada problema ou queixa apresentada. Cada dificuldade dele, bem como a totalidade de seus comportamentos na vida, são o objeto de uma análise funcional calcada nos seguintes aspectos, como demonstrado no Quadro 24.1.

Q uadro 24.1 - Tópicos a serem cobertos numa avaliação inicial

1. Problema(s) apresentado(s)Natureza do(s) problema(s); descrição do(s) comportamento(s) problemático(s) (aspectos comportamentais, cognitivos, afetivos, fisiológicos: quais aspectos, quando ocorrem, onde, freqüência, com quem etc.; variáveis contextuais e moduladoras: situacionais, comportamentais, cognitivas, afetivas, fisiológicas, interpessoais; fatores de manutenção: situacionais, comportamentais, cognitivos, afetivos, fisiológicos, interpessoais); evitações (ativas e passivas); fatores predisponentes, curso temporal e fatores précipitantes; compreensão do paciente sobre o problema, tentativas anteriores de enfrentar o problema

2. Situação atual de vidaSituação existencial, família, trabalho, lazer (interesses e atividades), nível de satisfação com a vida atual

3. Desenvolvimento3.1. História familiar: descrição dos pais, relacionamento com pais e irmãos, principais

acontecimentos desde a infância, passando pela juventude e chegando até o momento atual

(Continua)

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290 ■ Terapia Cognitivo-comportamentai

Q uadro 24.1 - Tópicos a serem cobertos numa avaliação inicial (Continuação)

3.2. História escolar/ocupacional: nível de realização, satisfação, alegria, interesses, escolhas vocacionais, problemas

3.3. História social: relações de amizade na infância, adolescência, vida aduita; relacionamentos sexuais, identidade sexual e preferências, namoros, relações sérias e casamento (incluindo descrição dos parceiros e quaisquer problemas nos relacionamentos)

4. Experiências traumáticasAbalos em relações familiares; problemas médicos, psicológicos ou de abuso de substâncias dentro da família; abuso sexual ou físico

5. História médicaSaúde atual, medicações em uso, problemas médicos prévios, abuso de drogas, história familiar de problemas médicos, de problemas psicológicos e de abuso de drogas

6. História psiquiátrica e terapêuticaTerapias farmacológicas e/ou psicológicas prévias (Quando? Com quem? Por quê?Benéficas ou não? Problemas na(s) terapia(s)?); ocorrências anteriores, curso e resultado dos problemas atuais

7. Status psicológicoAparência, atitude, comportamento, humor e afeto, fala e pensamento, funcionamento perceptual, intelectual e cognitivo

8. RapportGrau de abertura e auto-revelação, motivação para a terapia, níveis de compreensão e insight, sentimentos despertados no terapeuta, disposição para colaborar etc.

9. Metas do paciente para a terapia Descrever clara e especificamente

10. Priorizar perguntas e preocupações do paciente11. Formulação preliminar

Apresentação da formulação e de um plano de tratamento, discussão, contrato

Ao analisar cada comportamento problemático, precisa-se dar atenção aos seguintes elementos de uma análise funcional (Quadro 24.2):

Q uadro 24.2 - Elementos básicos para uma análise funcional

1. Estímulos: qualquer evento ambiental que elicite ou aumente a probabilidade de ocorrência de uma resposta

2. Organismo: todas as variáveis (intervenientes, mediacionais) pessoais, como motivações, predisposições genéticas, bioquímicas, endocrinológicas ou neurofisiológicas; valores morais e religiosos, crenças, regras etc.

3. Respostas: toda resposta abrange três sistemas interligados:3.1 Cognitivo: todos os pensamentos automáticos, imagens, esquemas ou quaisquer

outros processos cognitivos que uma pessoa apresenta em relação a uma situação estimuladora externa ou interna

3.2 Autonômico: todas as reações corporais correspondentes à experiência emocional, como reações de taquicardia, sudorese, tensões musculares, tremores etc.

3.3 Comportamental: todos os comportamentos operantes por meio dos quais uma pessoa atua e modifica o seu ambiente

4. Conseqüências: qualquer ação é seguida por uma mudança no próprio organismo (cognitiva/autonômica) e/ou no ambiente. Essa conseqüência tem influência sobre as cognições, sobre as reações emocionais e sobre os comportamentos futuros semelhantes

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Conceituação Cognitiva ■ 291

Quando há interesse de fazer uma conceituação de um caso é muito reco­mendável que se inicie o processo por solicitar descrições de três situações, como se pode ver no Quadro 24.3 (adiante). Essas situações devem ser típicas do funcio­namento de cada pessoa em seu dia-a-dia. Uma atenção especial deve ser dada às interpretações que a pessoa faz de cada situação, conforme pode ser observado pelos pensamentos automáticos referentes a cada situação. É extremamente im­portante identificar o que aquela experiência significa para a pessoa, ou mais preci­samente, qual o significado do que ela é como pessoa. Daí surgem as tarefas mais simples de descrever os sentimentos ou emoções experimentados em casa situa­ção e os comportamentos apresentados.

Uma vez concluída a tarefa para as três situações, sugere-se que se solicite uma descrição de experiências infantis significativas com a mãe, o pai, os irmãos ou outras pessoas que possam ter influência marcante.

Há dois tipos de crenças subjacentes: as centrais e as condicionais. A partir do diagrama de conceituação cognitiva, o terapeuta pode identificar as estratégias comportamentais mais freqüentes e, dessas, identificar as possíveis crenças con­dicionais. Essas virão sempre em pares: uma positiva (“Se me esforçar, posso conseguir... e outra negativa, que, em geral, acaba permitindo hipóteses sobre a crença central - “Se não conseguir, sou mesmo...”).

É altamente recomendável que se faça um levantamento detalhado das expe­riências infantis precoces com a mãe, o pai, os irmãos, os avós ou outras pessoas relevantes na vida de um paciente porque essas vivências irão fortalecer as crenças que ele tem sobre si e sobre o mundo. Um problema é que essas crenças se desen­volvem numa etapa da vida em que, justamente por ser ainda uma criança, ele não conseguirá conceber as experências de uma forma mais racional. Assim, se a mãe lhe exaltava a beleza e a inteligência, isso provavelmente teve o efeito futuro de incentivar comparações com outros quanto a esses aspectos.

IDENTIFICANDO E TRABALHANDO AS CRENÇAS CENTRAIS

O primeiro passo é identificar a(s) possível (is) crença(s) central(is). Isso pode ser feito pela: (1) expressão direta da crença central pelo paciente; (2) repetição de interpretações distorcidas nas sessões e nos registros de pensamento (ver Quadro 24.4) que permitem ao terapeuta inferir a crença central provável; (3) técnica da Flecha Descendente (Burns, 1990).

É importante lembrar que uma formulação deve atender vários critérios, devendo ser: (a) útil; (b) simples; (c) teoricamente coerente; (d) explicar o com­portamento passado; (e) dar sentido ao comportamento atual; e (f) capaz de pre­dizer o comportamento futuro.

Para testar uma formulação, são realizados certos experimentos clínicos, que vão verificar as hipóteses formuladas sobre o caso. Uma vez que o conhecimento é clinicamente validado, a proposta, então, constitui-se de uma metodologia de mudança específica para cada paciente. A intervenção terapêutica deve prever mu­danças mensuráveis que permitam uma avaliação dos progressos alcançados.

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292 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

EXEMPLO DE UM PROCESSO DE FORMULAÇAOC. veio encaminhado pelo psiquiatra com uma queixa de depressão. E um in­

vestidor aposentado de 60 anos, tardiamente casado, com dois filhos, um com 10 e outro com 14 anos. Sua família de origem é nordestina, ele é filho de um pai que já era rico em decorrência de heranças e também do próprio trabalho e de uma mãe de família rica os quais tiveram, além dele, mais 3 irmãs. A sua família era de pessoas poderosas, de usineiros e latifundiários e de alguns nobres, com expressiva influência sociopolítica. Os negócios da família envolviam, em sua fase mais des­tacada durante a geração do seu pai, empresas de açúcar e de álcool, petroquímicas, bancos, indústrias têxteis, fazendas etc.

Foi o primeiro neto das duas famílias, tendo nascido “como se fosse um menino Jesus”. Era visto como um belo menino, inteligente, mas com muita preocupação de que nada de ruim lhe acontecesse, o que lhe favoreceu que ficasse muito ame­drontado de perder aquela posição.

O seu desempenho acadêmico foi marcado por uma ligação forte com os es­tudos num colégio de destaque do Rio de Janeiro, num ambiente em que se prezava muito as origens sociais de cada aluno. Desenvolveu relações de amizade com outros colegas que também vieram a se tornar influentes no futuro. Seus pais cui­daram de introduzi-lo no mundo social da época.

Desde os 15 anos, ele freqüentou psicólogos, sendo-lhe sugerido que seguisse carreiras como a da área diplomática. Sonhava em ser administrador de empresas, mas esse curso só existia em São Paulo. Isso acabou o levando a fazer Engenharia na PUC2 do Rio de Janeiro, tendo se formado em Engenharia Mecânica com ex­tensão em Engenharia de Produção no ano de 1964.

No último ano fez estágio numa empresa aérea e numa empresa têxtil perten­cente à família. Seu primeiro trabalho depois de formado foi o de incentivar grupos nacionais e internacionais visando ao licenciamento de empresas no Nordeste. Depois se dedicou a importar malte para uma grande cervejaria brasileira, além de ter negócios com grandes investidores do mercado de capitais do nosso país. Subseqüentemente, dedicou-se à implantação de projetos de petroquímica e cervejaria naquela região.

Na área afetiva teve dificuldades de expressar os próprios sentimentos e medo de ser rejeitado pelas outras pessoas, sobretudo garotas. Mesmo assim foi se dedi­cando a isso, com garotas humildes, para que, depois dos 30 anos, viesse a se de­dicar mais seriamente às mulheres. Casou-se aos 44 anos com receio de manter uma casa própria. Vem vivendo com sua esposa e já tem dois filhos.

Sua apresentação durante a entrevista era de uma pessoa bem vestida e limpa. Seu olhar era baixo e ele tendia a manter a mesma postura no sofá quase o tempo todo. Sua linguagem era correta, precisa e ele pensava bastante antes de responder e, quando o fazia, falava com um tom de voz muito baixo. Na época das primeiras entrevistas falava de modo excessivamente lento, interrompendo o discurso fre­qüentemente durante períodos relativamente longos, o que exigia que o terapeuta repetisse as perguntas que havia feito algumas vezes como no exemplo seguinte.

2 Pontifícia Universidade Católica

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Conceituação Cognitiva ■ 293

Cliente: “Eu tenho observado que, pelas minhas tentativas de evoluir nessa sistemática...” (pausa) “eu sempre esbarro com ...” (pausa)

(pausa de cerca de 1 minuto)Terapeuta: “O quê?”Cliente: (pausa) “...a mudança dos pensamentos, quer dizer...” (pausa) “eu

identifico os pensamentos que estão me deixando... ” (pausa) “meu estado de hu­mor angustiado, depressivo, desesperado, sejao que for... mas...”

(pausa de cerca de 1 minuto)Terapeuta: “Mas...?”Cliente: (pausa) “... mas eu sinto que, apesar de eu colocar as evidências de que

eles não têm pertinência... ” (pausa)... “quer dizer, tenho pensamentos, por exem­plo, de que vou falir, que vou tomar uma decisão totalmente desastrosa... ” (pausa) “vai ser uma loucura de prejuízo... vai ser um negócio horroroso” (pausa)...

(pausa de cerca de 1 minuto)

O cerne das suas preocupações era “Nada dá certo comigo.” C. pensava ser um incapaz, um fracassado, sem valor como pessoa. Para ele, qualquer perda foi uma fonte de tormento, não importando se fosse uma lapiseira sem valor ou algum prejuízo significativo em suas aplicações finaceiras. O principal motivo para essas avaliações foi o fato dele sentir que não conseguiu alcançar suas grandes aspirações.

Toda manhã, ele acordava com sentimentos de desespero, querendo morrer, achando que merecia ser punido. Sofria assim durante um bom tempo até se le­vantar e ir tomar um banho (ele descobriu que isso o fazia se sentir melhor). Depois disso, tomava café e, em determinados dias, ia para a sua fisioterapia, da qual gos­tava e saía de lá se sentindo um pouco melhor (sofria de tendinite). Ao longo do dia, ele tinha oscilações do humor e ficava vulnerável a uma queda com qualquer notícia ruim, desde as mais simples. Como investidor aposentado, preocupava-se obsessivamente com seus investimentos e buscava orientação com outras pessoas: peritos em investimentos de bancos com experiência internacional, um assessor pessoal para esse objetivo, sua esposa, uma de suas irmãs etc.

À noite, sentia-se desamparado pois a esposa dedicava mais atenção ao filho de 14 anos que apresentava algumas dificuldades escolares. Sentia-se péssimo nesses momentos, ficando atormentado com ideações suicidas e autopunitivas. Dormia cedo para tentar acordar melhor no dia seguinte.

Eles moravam com uma de suas irmãs, (supostamente) em decorrência de reformas que estavam sendo feitas no seu próprio apartamento. Essa irmã era muito rica e os acolheu de bom grado em seu amplo apartamento, sobretudo por causa dos sobrinhos, dos quais era madrinha e lhes queria muito bem.

A relação com sua esposa era satisfatória, porém, freqüentemente tumultuada graças às suas cobranças obsessivas e irrealistas. Ele mantinha um contato mais superficial com os filhos que eram totalmente absorvidos pela mãe (em parte para proteger C. de preocupações, em parte para proteger os meninos).

Sua vida social estava restrita a algumas idas ao cinema com a esposa e even­tualmente com os filhos. Raramente encontrava amigos para jantar fora ou fazer alguma outra atividade (às vezes, por resistência da esposa que não se sentia con­fortável na presença de outras pessoas).

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294 ■ Terapia Cog nitivo-com porta menta I

0 lazer era, em grande parte, em função dos filhos, levando-os para jogar bo­liche ou videogames no shopping com os amigos deles. Em conseqüência de seu problema de ruptura dos ligamentos do joelho direito, fazia pouca atividade físi­ca, restringindo-se a eventuais passeios de bicicleta com os filhos e, quatro vezes por semana, dançar. As aulas de dança, às quais ia sozinho, eram encaradas como obrigações e fonte de freqüentes desgostos, pois ele se julgava falhando nos pas­sos ensinados.

Suas tardes eram voltadas para seus investimentos ou para iniciativas em re­lação à reforma do apartamento. As dúvidas que tinha em relação à reforma eram variadas: se eles contratavam ou não um arquiteto para serem orientados; com que tipo de empresa fariam a reforma da cozinha; com que firma comprariam o piso e os azulejos para os banheiros; quais seriam as marcas dos boilers} do fogão, da geladeira etc.

Seu BAI3 estava sempre muito baixo, em torno de cinco pontos. Já o IDB4 al­cançava 40 pontos regularmente, portanto, existiam sinais de depressão grave, com destaque para as seguintes afirmações:

1. Estou tão triste ou infeliz que não consigo suportar;2. Acho que o futuro é sem esperança e tenho a impressão que as coisas não

vão melhorar;3. Acho que sou um fracasso completo como pessoa;4. Estou insatisfeito ou aborrecido com tudo;5. Acho que estou sendo punido;6. Sinto-me como se estivesse bem ruim e sem valor;7. Às vezes, penso em me suicidar, mas não o farei;8. Tomar decisões é muito mais difícil que antes;9. Tenho que me esforçar muito para fazer qualquer coisa;

10. Acordo várias horas mais cedo do que costumava e tenho dificuldade em voltar a dormir;

11. Fico preocupado com problemas físicos como dores etc.;12. Perdi completamente o interesse em sexo.

A patologia médica que apresentava era a seguinte: no último ano fez uma cirurgia para eliminar sinais cancerígenos na pele.

DIAGNOSTICOS PROVÁVEISEixo I: Episódio Depressivo Maior;Eixo II: Provavelmente, conforme avaliação pela SCID-TP5 e pela observação

de seu comportamento nas sessões -T P Narcisista e TP Obsessivo-compulsivo; Eixo III: Doenças do sistema digestivo, da pele e tendinite;

3 Beck Anxiety Inventory (1988).4 Inventário de Depressão de Beck (Beck Depression Inventory, 1961 /2000).5 Strutured Clinical Interview for DSM-III-R Personality Disorders - Entrevista Clínica Estruturada

para D SM-III-R Transtornos da Personalidade (Spitzer etal , 1990).

Page 307: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Conceituação Cognitiva ■ 295

Eixo IV: Problemas com o grupo de apoio primário relacionados ao ambiente social, problemas ocupacionais e problemas de moradia;

Eixo V: 60 ou 50.

CONCEITUAÇÃO DO CASOVer na seqüência a conceituação cognitiva de C.:

Q uadro 24.3 - Diagrama de conceituação cognitiva de C.

Dados relevantes da infância

Família da mãe: poderosa (influência na expectativa de perfeição para ser poderoso?)Mãe protetora ("Ela me achava bonitão, inteligente.")Pai ausente (preferência peia irmã mais velha)Raiva da irmã mais velha por ter sido objeto de comportamentos incorretos (consentidos pelo pai) Avó carinhosa

Crença central

"Sou imperfeito. Sou um perdedor. Sou descartável, fraco, imperfeito, incapaz, sem valor. NÃO VALHO NADA."

Crenças condicionais

Positivas: "Se agir certo (fizer aplicações corretas, dirigir bem, não perder coisas, for carinhoso, dançar bem, ser bom pai), vou ser perfeito."

Negativas: "Do contrário, eu não tenho vaior como pessoa."

Estratégias comportamentais

Buscar apoio; verificar; esforçar-se; entregar-se, desistir.

Situação 1 Situação 2 Situação 3

Dúvida sobre aplicações financeiras.

Fazer algo errado (perder papéis, documentos, caneta, chegar atrasado, dançar mal etc.),

Na cama (desesperado).

Pensamentos automáticos Pensamentos automáticos Pensamentos automáticos

"Vou fazer uma aplicação errada."

"Não posso perder isso!" "É insuportável um problema sem solução."

"Nada vai ser agradável."

Significado Significado Significado

"Sou imperfeito." "Sou imperfeito, perdedor, descartável, um lixo, sem valor."

"Sou incapaz."

« M A MEmoçao Emoções Emoção

Medo. Tristeza, decepção e revolta. Desespero.

Comportamento Comportamento Comportamento

Pedir ajuda a Fulano, a Beltrano e aos bancos.

Pedir ajuda. Pedir ajuda.

Page 308: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

296 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

Ora, vê-se claramente, a partir da(s) crença(s) central (is) de C., que ele apresenta uma distorção cognitiva do tipo pensamento dicotômico ou pensamento tudo- ou-nada: para ele, ou faz tudo certo ou não tem valor. Com base nesse tipo de processamento, pode-se entender que qualquer erro passa a ter uma importância extremada. Veja-se o exemplo:

Cliente: “... mas na prática eu começo a pensar que na realidade nada presta mesmo, nada é igual ao que o Antônio Ermírio de Moraes faz... ”

Terapeuta: “Você se compara ao Antônio Ermírio que representa para você um empresário perfeito... é isso?”

Cliente: “E olha que eu não estou falando do Bill Gates...”Terapeuta: “ Mas esse é o extremo ótimo, ideal, desejável... num outro extre­

mo dessa alternativa tem o sujeito totalmente incapaz. Só que, no meio disso, tem uma graduação de pessoas que são menos competentes, outras que são um pouco mais competentes e, em algum ponto dessa escala, está você... O importante é você poder reconhecer as suas realizações, não diminuí-las por compará-las com al­guém que tenha um desempenho extraordinário... se você for se comparar com o Antônio Ermírio, com o Bill Gates, é claro que você vai ficar numa situação de desvantagem já que eles são exemplos de pessoas com desempenhos altamente qualifidados, empreendedoras... Além do mais, você pode se perguntar qual é a vantagem que tem para você se comparar com essas pessoas que têm um desempe­nho extraordinário... isso ajuda a você ficar mais deprimido ou menos deprimido?”

Cliente: “É, só faz ajudar, né?”Terapeuta: “A ficar mais deprimido..Cliente: “A ficar mais deprimido...”

A conceituação do caso de C. se baseava nas experiências infantis que teve com sua mãe que o superprotegia e exaltava suas qualidades de inteligência e beleza. Isso deve ter contribuído para que fortalecesse um autoconceito elevado e superexigente, o que fazia com que ele se esforçasse para acertar em tudo. A ad­miração distante (ou a ausência) do pai deve ter colaborado com isso, uma vez que ele ficava mais sob as influências diretas da mãe e da avó. A raiva da irmã mais velha é compreensível, pois se tratava de uma pessoa também muito exigente, cobradora, possessiva e escravizante.

Seu desempenho escolar foi bom e o social foi satisfatório. Saía com alguns amigos, namorava pouco e gostava da vida sexual, tendo sido isso um dos motivos de seu casamento tardio.

Durante a vida adulta, depois de fazer Engenharia, trabalhou em empresas ligadas à produção de plásticos e em empresas de cervejaria, tornando-se depois um importador de malte para uma das maiores cervejarias do país. O aquecimento do mercado de importações e exportações com o aumento da concorrência fez com que seu trabalho ficasse afetado e que começasse a ter prejuízos, quando, então, ele teve sua primeira crise de depressão.

Tratou-se com medicamentos e com terapias psicodinâmicas e melhorou dos seus sintomas depressivos. Começou a trabalhar na firma de importação e expor­tação da irmã com bastante sucesso, transformando-a na quarta maior empresa

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298 ■ Terapia Cognitivcxomportamentaf

brasileira na área, mas, à custa de muita obstinação e jornadas de trabalho de até 15 horas por dia, incluindo noites sem dormir. Com a globalização, os clientes começaram a fazer negócios diretamente entre si e a firma acabou indo para São Paulo. Ocorreu uma nova depressão.

Ele está sob o tratamento há cerca de 1 ano e melhorou bastante da depressão, como pode ser observado pelos valores no IDB que, nos últimos meses, têm se situado em torno de 14 pontos. Ainda se trabalha as suas exigências perfeccionistas e seu narcisismo.

COMENTÁRIOS FINAISO tratamento da depressão seguiu o protocolo básico de tratamento da depres­

são (ver Beck et a i, 1997).Esse caso, entretanto, apresenta alguns aspectos que dificultam tratamentos,

sendo que os principais deles são os transtornos da personalidade narcisista e obsessiva-compulsiva. Esses aspectos até fizeram com que as intervenções para tratar os sintomas depressivos demorassem mais do que o usual para manifestar os efeitos de progresso. Era comum a C. ficar se lastimando e se punindo por dúvi­das ou erros nas escolhas que fizesse, nas queixas sucessivas, quando as solicita­ções de consertos de equipamentos e de seu automóvel não se mostrassem totalmente satisfatórias, nas aplicações que não rendiam o que ele imaginava quefossem render etc.

Isso é compreensível, tendo em vista ele ter vivido em uma família tão poderosa e influente, o que dificultava seus relacionamentos em casa e com outras pessoas com as quais viesse a interagir.

São estes aspectos que estão sendo trabalhos junto a C. atualmente.

R e f e r ê n c ia s

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Rotulação das Distorções Cognitivas

M aria Cristina Trig u ero Ve lo z Teixeira 1

Faz alguns anos comecei a me interessar pela Terapia Cognitiva depois de descobrir e ler alguns artigos da abor­dagem numa das principais publicações da área, o Journal of Cognitive Psychotherapy. Na ocasião, senti reticência em fun­ção da minha formação eminentemente comportamental, mas com o tempo percebi que a abordagem comportamental e a abordagem cognitiva, embora diferentes, poderiam ser aplicadas no meu trabalho clínico.

Na época, os clientes que atendia eram, na maioria, pessoas idosas e algumas até ultrapassavam os 80 anos. Por mera coincidência, foi-me encaminhado um cliente de 75 anos, sexo masculino, que era absolutamente contrário ao fato de ser tratado com terapia, mas que estava mode­radamente depressivo há quase 6 meses. Pedro era um cliente que havia sido tratado com terapia mas tinha recaído novamente. No momento em que me encaminharam o cliente, ele tinha sido medicado com farmacologia antide- pressiva, no entanto, estava evidente a necessidade de um tratamento psicológico paralelo.

Quando Pedro chegou à sala do consultório, logo que entrou, reagiu dizendo “Justo você! Acha que vai poder

1 Agradeço ao trabalho de exploração comportamental executado pelas alunas Ana Carolina, Fernanda, Gabriela e Maria Cláudia do curso de graduação em Psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, sem o qual teria sido impossível discutir o relato de caso apresentado neste capítulo.

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Rotulação das Distorções Cognitivas ■ 301

mudar minha forma de ver a vida? Lembre que eu tenho 75 anos e minha expe­riência de vida é quase três vezes a sua.” Ipso facto, ele saiu da sala e foi embora. Surpreendi-me a ponto de não conseguir responder e somente me despedi. Duas semanas depois, Pedro ligou pedindo um horário e impondo uma condição algo peculiar: ele disse que precisava desse horário somente para conversar e não para fazer terapia. Por ser um caso muito interessante, mesmo pelo telefone, foi con­cordado somente conversar, quebrando as normas do contrato terapêutico. Era necessário que ele desse a mim a oportunidade de conhecer quais eram suas for­mas de representar a realidade e lhe demonstrar que, mesmo com 75 anos, era possível mudar algumas dessas representações. Como foi referido por Beck et al. (1982) a respeito dos pacientes depressivos, Pedro acreditava tentar tudo e explorar todas as opções possíveis para solucionar seu problema.

Além disso, ele era uma pessoa com forte tendência a dois tipos de distorções cognitivas. Uma delas era minimizar quase todas suas habilidades, capacidades e experiências de vida profissional No decorrer do processo terapêutico se desco­briu a vasta experiência que ele possuía na sua profissão, assim como sua ampla cultura geral. Apesar desses ganhos, ele se minimizava a ponto de se considerar um fracasso total2. A segunda distorção estava relacionada com as rápidas con­clusões que ele tirava dos fatos sem evidências suficientes para sustentá-las. Uma dessas inferências arbitrárias se referia ao próprio processo terapêutico como possibilidade de melhora. Em virtude das suas resistências, decidiu-se iniciar a terapia com relatos de vida do cliente sobre seu dia-a-dia. Mesmo sem que ele compreendesse o objetivo de uma intervenção cognitiva, começou-se a usar duas estratégias fundamentais de tratamento: a Flecha Descendente e a Rotulação das Distorções Cognitivas (Beck et al., 1982). Obviamente, no início da intervenção eu (a terapeuta) correspondia ao monitorar os padrões cognitivos de Pedro, mas, após 3 semanas, ele mesmo se interessou pela intervenção e a terapia foi assumida sob os princípios em que foi desenvolvida (o cliente aprendeu a controlar e a monitorar seus pensamentos automáticos e, até mesmo, rotular seus pensamentos distorcidos). Aos poucos, Pedro foi melhorando. Foram 14 meses de tratamento que, embora

2 Cabe salientar, que embora Pedro apresentasse uma forte tendência a pensamentos do tipo “tudo ou nada", ele manifestou pensamentos que eram válidos, podendo comprovar que, por meio do processo terapêutico, eles não eram apenas uma representação distorcida da realidade. Pedro atra­vessava um período crítico de adaptação à velhice sem muito sucesso pois, após a aposentadoria (demorada, aos 70 anos), ele se surpreendeu ao ter que abandonar repentinamente seus trabalhos de pesquisa. Por causa de outras circunstâncias sociais, a vida de Pedro, antes da aposentadoria, ficou circunscrita às atividades profissionais sem ter outras formas de vida que as pudessem com­plementar. Na época em que começou o tratamento terapêutico, sua esposa padecia de câncer eo único filho do casal ficava quase todo o tempo envolvido com o trabalho sem dar muita atenção a ele. Esse comentário foi feito porque, em determinadas ocasiões, alguns terapeutas iniciantes na Terapia Cognitiva sustentam a ingênua crença de que, se há depressão ou algum outro transtorno, pode se pressupor que a maior parte dos pensamentos integra a categoria de distorção cognitiva. Nesses casos, como é dito em um velho ditado popular, todo cuidado poder ser pouco: sempre haverá pensamentos que apresentam validade. No caso de Pedro, o estudo da Psicologia do Enve­lhecimento contribuiu positivamente para não se cometer esse tipo de erro.

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302 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

não tenham mudado totalmente seus pensamentos, o ajudaram a ter um funciona­mento muito melhor no seu cotidiano, sobretudo sem sintomas depressivos e sem muitas das crenças controladoras disfuncionais que costumava apresentar. Seis meses após a alta psicológica de Pedro, eu me mudei da cidade onde morava e man­tive correspondência com Pedro durante quase 4 anos depois e, durante todo esse tempo, ele esteve muito bem.

Os dados clínicos citados ilustram o quanto é interessante testar e mudar as representações cognitivas individuais de uma pessoa, principalmente quando se trata de uma pessoa idosa. Porém, assim como outras abordagens terapêuticas, a Terapia Cognitiva exige que sejam rigorosamente cumpridos os princípios básicos sob os quais ela se sustenta. De forma breve, a seguir são expostos alguns desses princípios. Posteriormente, um aprofundamento na técnica de Rotulação das Distor­ções Cognitivas será feito e o capítulo é finalizado com a apresentação de um diá­logo com um cliente no qual podem ser rotulados erros ou distorções cognitivas.

PRINCÍPIOS BÁSICOSHá mais de 20 anos, Berger e Luckmann (1983), no seu clássico livro A construção

social da realidade, defendiam que a representação da realidade da vida quotidiana se apresenta ao homem como um mundo intersubjetivo do qual ele participa jun­tamente com outros homens. Essa perspectiva fenomenológica da construção social da realidade foi uma das contribuições mais importantes da sociologia do conhecimento.

Quase na mesma época, uma outra contribuição tão importante quanto a ante­rior foi feita no terreno da representação apenas para a área da Psicologia. Tratava- se do modelo cognitivo da depressão que, aos poucos, foi sendo aplicado no tratamento de outros problemas clínicos. A Terapia Cognitiva trabalha para rotular e modificar as distorções cognitivas. As origens dessas distorções vêm de erros decorrentes da organização cognitiva individual que as pessoas desenvolvem ao longo do curso de vida. Quanto a essa última frase, impõe-se ressaltar que a Terapia Cognitiva, entre outras tarefas, trabalha acima de erros de organização cognitiva desenvolvidos anos atrás na vida de uma pessoa. Conseqüentemente, é ingênuo achar que, logo nas primeiras sessões, os clientes devem mudar seus padrões cogni­tivos desadaptados de representar o mundo. Isso é um trabalho árduo entre o terapeuta e o cliente.

Desde suas origens, a Terapia Cognitiva teve entre seus principais objetivos a criação de estratégias de intervenção para promover, no indivíduo, esquemas de pensamentos funcionais que lhe permitam uma melhor adaptação ao meio em que vive. ATerapia Cognitiva propõe um processo intenso de colaboração do cliente, pois é ele quem aprende a rotular suas próprias distorções cognitivas com a ajuda de uma investigação empírica coordenada pelo terapeuta3.

3 Nos estudos da autora sobre Terapia Cognitiva, foram bastante úteis alguns textos sobre lógica e filoso­fia. Os mesmos a ajudaram no desenvolvimento de estratégias de análise para a pesquisa das cognições distorcidas ou irracionais. Para o leitor interessado, indica-se Gortari (1979) e Kopnin (1978).

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Rotulação das Distorções Cognitivas ■ 303

Os primeiros trabalhos da Terapia Cognitiva apareceram na década de 60 com Beck, ao serem estudados os mecanismos pelos quais os pacientes depressivos mantêm seus sintomas depressivos (Beck, 1963/1964; Beck et ai, 1982). As pes­quisas permitiram inferir que nos pacientes depressivos se manifestavam tendên­cias negativas nos processamentos cognitivos. Aos poucos, a terapia foi desenvolvida com muito sucesso em outros transtornos como ansiedade, alguns tipos de fobias e transtornos de personalidade, entre outros (Freeman e Dattilio, 1998).

O estudo e a exploração de como os indivíduos organizam suas estruturas cognitivas, como apontado por Gonçalves (1993), aos poucos dominou os contextos terapêuticos, laboratoriais e sociais de investigação. Está comprovado que os se­res humanos reagem não diretamente aos fatos, mas à representação que cons- troem deles. Importando-se um termo khuniano, hoje se fala do paradigma da reestruturação cognitiva como um dos componentes essenciais da Terapia Cognitiva.

Para se expor o funcionamento da estratégia de Rotulação das Distorções Cognitivas é imprescindível retomar alguns pressupostos básicos que embasam a Terapia Cognitiva: a maneira como uma pessoa avalia uma situação, geralmente, é evidenciada em suas cognições (pensamentos e imagens visuais); alterações no conteúdo das estruturas subjacentes da pessoa afetam seu estado afetivo e seus padrões comportamentais; por meio da terapia, o indivíduo pode tomar conheci­mento de suas distorções cognitivas; a correção desses construtos disfuncionais falhos leva à melhora clínica (Beck et aL, 1982, págs. 21-22).

Em suma, ao rotular as distorções cognitivas, o terapeuta e o cliente trabalham com as disfunções atributivas que, em geral, são automáticas e irracionais e impedem o funcionamento adequado da pessoa no ambiente onde vive. Ao se introduzir o termo funcionamento, deve-se esclarecer que, quando se trabalha com o modelo de avaliação cognitiva, pressupõe-se um dos princípios básicos da Análise Fun­cional do Comportamento e da avaliação diagnostica comportamental.

O princípio citado estabelece que a análise das cognições do indivíduo deve ser executada sob a perspectiva de relações de contingência entre os estímulos antecedentes, as cognições propriamente ditas (como um elemento referente ao indivíduo) e os estímulos conseqüentes. Aliás, essas explorações de contingências facilitam o trabalho de identificação dos pensamentos disfuncionais e o trabalho de monitoramento de padrões cognitivos nos clientes. Existem situações nas quais, contingencialmente, aparecem algumas distorções com maior freqüência que outras. A identificação de pensamentos disfuncionais no âmbito do consultório nunca deve ser iniciada com a procura isolada da cognição que, supostamente, está distorcida. O cliente deve reviver algum episódio de sua vida (recente, de pre­ferência) e, a partir desse relato, começar o trabalho conjunto de monitoramento do pensamento, de identificação dos erros de pensamento e, posteriormente, de reestruturação cognitiva. Todo esse trabalho de procura e de rotulação das disfunções de pensamento, como foi descrito, pressupõe uma análise funcional das cognições do indivíduo e uma análise funcional do comportamento verbal do indivíduo.

Os clientes são treinados a fazer reestruturações cognitivas da forma que eles representam o ambiente em que vivem. No decorrer do processo terapêutico, o cliente muitas vezes compreende que, quando as pessoas manifestam crenças

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304 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

absolutistas e rígidas do mundo, isso pode se tornar premissa básica para o fomento de distorções cognitivas. Uma das propostas da Terapia Cognitiva é o cliente desenvolver estilos de pensamentos flexíveis que o conduzam de maneira mais adaptada no mundo. Isso pode parecer cativante para qualquer terapeuta que se inicia nessa abordagem, no entanto, o trabalho com a Tera­pia Cognitiva demanda muito treino do terapeuta para que ele não caia na fal­sa crença da facilidade de modificar as formas de pensar das pessoas. Por exemplo, o caso de Pedro no início deste capítulo. É provável que nesse caso não se tenha começado a terapia da forma qualificada como correta, mas logo que ela se iniciou (conforme o modelo cognitivo), Pedro adquiriu a flexibi­lidade cognitiva que havia perdido após vários fatos vitais enfrentados nos anos anteriores ao processo terapêutico.

Do parágrafo anterior, deriva-se uma questão fundamental: como substituir crenças distorcidas e disfuncionais por crenças funcionais? O termo funcional é derivado do pressuposto de funcionalidade herdado da escola funcionalista norte-americana de Dewey, Angell e outros representantes do funcionalismo do final do século 19 e princípio do século 20. Conforme essa escola, o que inte­ressava na vida psíquica era como a consciência servia de ferramenta para re­solver os problemas do homem. Conseqüentemente disso predominava a questão: como e por que funciona a vida psíquica? Num primeiro plano, eram situadas as operações e as funções psíquicas (Yaroschevski, 1983). Voltando à pergunta inicial do parágrafo se supõe, então, que uma crença é distorcida quando está provocando alguma falha na adaptação do indivíduo no meio no qual ele vive. Para lhe substituir não é suficiente classificar ou rotular o erro cognitivo. Como disseram os funcionalistas, é básico investigar como essas operações mentais (denominam-se cognições na Terapia Cognitiva) estão in­terferindo na vida do indivíduo e, sobretudo, fornecer à pessoa formas de pensar alternativas às desenvolvidas por ela.

Atualmente a Terapia Cognitiva trabalha com várias estratégias de inter­venção terapêutica, algumas das quais provêm da própria abordagem e outras pertencem à Terapia Comportamental. A Terapia Cognitiva utiliza técnicas como a Flecha Descendente, o significado idiossincrático, o questionamento da evi­dência, a verificação de opções e de alternativas, a reatribuição, a descatas- trofização, o paradoxo ou exagero, o ensaio cognitivo, a rotulação das distorções, entre outras. Na Terapia Comportamental podem ser usadas técnicas como o Ensaio Comportamental, o Treinamento de Habilidades Sociais, a Dessensi­bilização Sistemática e o Treinamento da Positividade, dentre outras. Para a des­crição de cada ver Caballo (1996), Rangé e Souza (1998), Gonçalves (1993), Freeman eDattilio (1998) e Rangé (1995/1998).

Do ponto de vista teórico, muitas técnicas cognitivas citadas podem ser inte­gradas ao paradigma da reestruturação cognitiva. Como dito anteriormente, a Rotulação das Distorções Cognitivas é uma das técnicas do tipo cognitivo.

Pode parecer óbvio, mas a Terapia Cognitiva nunca deve se iniciar diretamente com o registro de pensamentos disfuncionais sem antes se fazer uma exaustiva avaliação da história pessoal, familiar e social do cliente.

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Rotulação das Distorções Cognitivas ■ 305

DAS DISTORÇOES COGNITIVASA rotulação de distorções como uma das técnicas de reestruturação cognitiva

consiste, basicamente, nos clientes aprenderem a identificar os pensamentos automáticos que são disfuncionais ou errados; aprenderem a rotulá-los e, conse­qüentemente, aprenderem a monitorar seus padrões cognitivos. Quando se fala em padrão cognitivo, a Terapia Cognitiva trabalha com esse termo para se referir aos processamentos de informações característicos que o indivíduo executa para representar a realidade. Isso significa que, na origem de muitos problemas clínicos, encontram-se falhas e erros no processamento de informações que levam os indi­víduos a distorcerem a realidade que representam e a se conduzirem de uma forma contingencialmente desadaptada.

Assim, como outras abordagens terapêuticas dentro da Psicologia, a Terapia Cognitiva se desenvolve originando diversos modelos de tratamento das formas desadaptadas de pensamento. Nesse sentido, Gonçalves (1993) ressalta três mo­delos fundamentais. Um deles é o da Terapia Racional-emotiva de Ellis no qual se privilegia o debate lógico para a reestruturação cognitiva do cliente, sendo que Ellis usa o termo crença para se referir a esses pensamentos automáticos. Outro modelo é a Terapia Cognitiva de Beck que enfatiza o teste empírico das cognições e privilegia o uso do termo pensamento automático. Por último, o modelo da Terapia Cognitiva de Meichenbaum que trabalha fundamentalmente com o treino, o ensaio e a repetição de formas alternativas do discurso privado do cliente. Para tratar de pensamentos automáticos esse autor usa a expressão diálogo interno.

Conforme as características de cada um, há clientes que conseguem mais facilmente identificar seus pensamentos disfuncionais e sua relação com os com­portamentos e com os sentimentos. Outros clientes apresentam mais dificuldades para executar esses procedimentos. Nesse segundo caso, o treino do cliente deve ser muito árduo pois a Terapia Cognitiva é um processo que demanda dois pólos ativos. Ao pólo do terapeuta cabe, entre outras tarefas:

• Definir as cognições;• Distinguir as cognições funcionais das cognições distorcidas;• Identificar as distorções cognitivas;• Modificar os erros ou distorções cognitivas;• Testar novas crenças ou cognições funcionais.

O outro pólo de trabalho diz respeito a próprio cliente que:

• Aprende a distinguir as cognições funcionais das cognições distorcidas;• Monitora seus padrões cognitivos de organização e de representação do

mundo;• Rotula seus erros de pensamento que o levam às formas inaptas de agir;• Aprende a modificar seus pensamentos irracionais;• Aprende a testar as novas cognições reestruturadas.

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306 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

Mesmo que essas tarefas se repitam, o objetivo é ressaltar que, num início do trabalho terapêutico, o terapeuta é mais ativo colhendo o material do cliente e com o avanço do processo terapêutico, o próprio cliente é quem deve aprender a rotular seus erros cognitivos e testar novas formas de representar o mundo. A Terapia Cognitiva pode ser considerada como uma terapia de auto-ajuda. Existem relatos clínicos de alguns clientes pouco interessados em se mostrarem ativos durante o processo terapêutico, desistindo dele logo no início, após avaliarem o aspecto de auto-ajuda implícito no contrato terapêutico (Beck et al.y 1982).

Ao redor do árduo trabalho que a rotulação de distorções cognitivas demanda do terapeuta e do cliente, Beck eta l comentam o seguinte:

"Treinar o paciente para observar e registrar suas cognições é melhor realizado em várias etapas: (1) definir pensamento automático (cognição);(2) demonstrar a relação entre cognição e afeto (ou comportamento) usando exemplos específicos; (3) demonstrara presença de cognições da experiência recente do paciente; (4) designar experimentos para o paciente a fim de coletar cognições e (5) revisar os registros do paciente e fornecer retorno concreto” (1997, pág. 106).

Dentro da Terapia Cognitiva, a técnica da Rotulação das Distorções Cognitivas tem como finalidade principal capacitar o cliente a identificar e corrigir, caso seja necessário, todas as disfunções ou distorções de pensamento a partir de uma testagem da realidade que ele desenvolve no seu dia-a-dia. Daí a necessidade do cliente reflitir sobre fatos recentes que aconteceram em sua vida e não sobre fatos que virão a acontecer. Para o controle e a identificação fidedigna de pensamentos automáticos, de emoções associadas a esses pensamentos e de pensamentos racio­nais substitutivos das distorções cognitivas, usa-se uma técnica na forma de diário que o paciente aprende no processo terapêutico. Trata-se do Registro Diário de Pensamentos Disfuncionais. Nesse registro, o cliente relata as situações mais rele­vantes de seu cotidiano, especificando as emoções e os pensamentos automáticos associados a elas e propondo pensamentos mais racionais e funcionais conforme o grau e o tipo de distorção cognitiva presente no pensamento automático.

Afinal, quais são os tipos de erros ou disfunções de pensamento que o indivíduo pode desenvolver a ponto de distorcer a realidade, se desadaptar da mesma ou estar insatisfeito com ela? Em diversos trabalhos da Terapia Cognitiva existem refe­rências a esses tipos de erros cognitivos no processamento de informações. A seguir serão apresentadas as distorções mais trabalhadas dentro da abordagem:

• Inferência arbitrária: tendência de chegar a conclusões na ausência de provas suficientes para isso ou por meio de um raciocínio falho;

• Abstração seletiva: tendência a focalizar apenas um detalhe do contexto ig­norando outros aspectos que também podem ser importantes. Em graus extremos desse tipo de distorção, pode acontecer do cliente avaliar a tota­lidade da realidade apenas com base em um fragmento dela;

• Hipergeneralização: um determinado evento é visto como negativo e, a partir dele, os demais eventos são avaliados e generalizados como negativos também. A pessoa pode se tornar incapaz de discriminar estímulos, compor­tamentos e até situações.

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Rot uiação das Distorções Cognitivas ■ 307

• Maximização/minimização: os fatos ou as experiências positivas são mini­mizados a ponto de serem desqualificados; da mesma forma, é maximizada a conotação negativa de alguns fatos da vida diária;

• Personalização: o indivíduo sustenta a crença de que ele é causador de fatos ruins;

• Pensamento dicotômico absolutista: tendência a interpretar fatos e expe­riências de maneira dicotômica em categorias opostas (o pensamento de “tudo ou nada”) ;

• Pensamento catastrófico: tendência a exagerar a conotação negativa de fatos e de experiências;

• Raciocínio emocional: tendência a tomar as próprias emoções como única forma de validar uma realidade ou experiência;

• Rotulação: tendência de avaliar erros como traços estáveis do compor­tamento ou como rótulos estáveis que são atribuídos ao comportamento.

• Tirania do “deveria”: tendência de avaliar o comportamento na base de auto- regras altamente moralistas em termos de “deveria ou não deveria”, “certo ou errado”, associados a pouca capacidade de autocontrole do comportamento;

• Leitura mental: tendência de antecipar negativamente e sem provas para isso o que as outras pessoas pensam sobre você.

O resumo de distorções apresentado é derivado da pesquisa de diferentes textos sobre a Terapia Cognitiva. Mais detalhes sobre essas distorções cognitivas são en­contrados emBeck etal (1982), Gonçalves (1993), Rangé (1995), Hawton etal> (1997) e Freeman e Dattilio (1998). Embora exista consenso na classificação e na definição das distorções, não ocorre o mesmo para os procedimentos de intervenção que subs­tituem esses erros por crenças ou pensamentos do tipo funcional. Para citar dois exemplos, existem terapeutas que seguem a linha de Beck do teste empírico, en­quanto outros preferem usar o debate lógico conforme a proposta de Ellis.

Com base no pressuposto de que existem diversas estratégias para a identi­ficação de pensamentos automáticos e de distorções cognitivas, expõe-se a seguir uma breve introdução de como funcionou a estratégia de avaliação de alguns pen­samentos automáticos de um cliente-colaborador e a classificação dos erros cogni­tivos presentes nos mesmos.

RELATO CLÍNICOO relato de caso seguinte não se refere a um paciente que foi avaliado por apre­

sentar algum problema clínico específico. Trata-se de um cliente que se submeteu voluntariamente a colaborar num estudo de avaliação diagnostica comportamental.

Na exploração dos comportamentos relevantes desse cliente foram usados, além da entrevista comportamental, diferentes procedimentos verbais de ex­ploração comportamental que serviram de ferramentas para executar o diag­nóstico comportamental do cliente. Vale ressaltar que a peculiaridade desse caso reside em que ele foi inicialmente avaliado do ponto de vista comportamental apenas para explorar diferentes fatores precipitantes e mantenedores de compor­tamentos recentes do cliente, sejam esses comportamentos problemáticos ou adaptativos.

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308 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

No curso da exploração comportamental o cliente manifestou diversos pen­samentos que apresentavam distorções. Dadas as características da avaliação feita, não se realizou um treinamento do cliente para que ele próprio avaliasse as dis­torções. Por essa razão, o exemplo apresentado serve somente para classificar as distorções encontradas4.

Destaca-se que cada uma das análises comportamentais executadas foram embasadas no seguinte:

“...a avaliação comportamental é a identificação e a medida de unidades significativas de resposta e de suas variáveis controladoras (tanto ambientais quanto organísmicas) , com a finalidade de entender e alterar o compor­tamento humano” (Silvares, 2000).

As colocações citadas nos dois parágrafos anteriores são, no mínimo, pertinen­tes pois os segmentos de entrevista relatados servem unicamente para classificar diferentes tipos de distorções cognitivas. No entanto, a Análise do Comportamento foi mais ampla no sentido de aprofundar as relações funcionais entre o meio em que ele estava inserido e seu comportamento.

As análises do comportamento do cliente seguiram critérios de microanálise e de macroanálise. No caso da microanálise foram feitas análises funcionais de comportamentos específicos recentes do cliente, a macroanálise visou relacionar os comportamentos clinicamente relevantes com a história de vida do mesmo. A partir de muitos dos dados provenientes da macroanálise, puderam ser inferidas algumas das principais distorções cognitivas que o cliente manifestava ao inter­pretar alguns comportamentos e eventos internos e externos da vida dele.

Ao se utilizar ambos os critérios (microanálise e macroanálise) na análise fun­cional dos comportamentos, identificaram-se algumas formas de representar o mundo e a si próprio que, pelas conseqüências que essas formas de representar o mundo tinham sobre o comportamento dele, inferiu-se que muitos desses pen­samentos eram distorcidos ou não válidos.

O cliente era um jovem de 20 anos, solteiro, que tinha cursado até o 2- grau técnico em Informática. Ele apresentava traços de personalidade do tipo dependente. Uma das crenças predominantes do cliente era achar que somente as pessoas mais velhas poderiam guiar e orientar seus comportamentos e tomadas de decisões. Algumas dessas pessoas deviam ser suficientemente mais fortes, aponto de enco- rajá-lo e apoiá-lo no seu dia-a-dia. Esse tipo de relacionamento que o cliente manti­nha com algumas pessoas fazia com que, em muitas ocasiões, criasse relações de dependência entre ele e as pessoas consideradas mais fortes ou corajosas que ele ou, até, entre o cliente e as instituições (avaliadas por ele como fortes e poderosas). Por exemplo, no seguinte exemplo aparece uma crença do cliente a respeito da instituição militar como o único lugar no qual é possível a formação do homem.

Terapeuta: “Como você avalia o quartel depois de ter permanecido nele por quase 1 ano e meio?”

4 As distorções cognitivas encontradas foram grifadas antes de cada fala do cliente

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Rotulação das Distorções Cognitivas ■ 309

Cliente: (Inferência arbitrária; hipergeneralização) “O quartel é a melhor coisa do mundo. A escola de homem é lá dentro. Lá você aprende a ser gente(...) fez bestei­ra, apanha. Não fez, ninguém passa a mão na cabeça. Homem de verdade se faz num quartel. Os homens não mostram sensibilidade. No quartel, a amizade é mara­vilhosa. Os civis são descarados, não são verdadeiros/7

Em outro momento da avaliação comportamental do cliente foi aplicado um questionário para explorar características do comportamento assertivo do mesmo, fundamentado no modelo de questionário de asserção de Lazarus (1980). Um dos aspectos explorados foi a expressividade emocional do cliente em relação à expressão de afetividade e de amor. A partir disso, selecionou-se o se­guinte segmento de entrevista:

Terapeuta: “Você declararia seu amor para alguém?”Cliente: (Abstração seletiva; inferência arbitrária; hipergeneralização;

personalização) “Só gente falsa diz ‘Eu te amo.’, ‘Te amo mais que tudo.’ Agora, é muito diferente falar eu amo rock ou amo o quartel, pois adoro os dois, gosto mesmo. Acho ‘eu te amo' uma expressão muito falsa, falsa mesmo.”

Em outra sessão terapêutica foram exploradas as crenças do cliente a respeito de seu relacionamento com pessoas mais velhas.

Terapeuta: “Por que você prefere se relacionar com pessoas mais velhas?”Cliente: (Hipergeneralização; inferência arbitrária) “As pessoas mais velhas são

melhores porque com elas se aprende mais e as mais novas são todas feitas na base da malandragem.”

Repara-se nos trechos anteriores de sessões terapêuticas que não existe refe­rência a uma das técnicas mais apropriadas para o controle dos pensamentos automáticos da pessoa: o Registro Diário dos Pensamentos Disfuncionais. Não existe esse registro pois o enfoque de exploração usado com o cliente em todas as sessões foi, predominantemente, comportamental. Conquanto, as verbalizações contidas nos trechos citados permitam avaliar o quão distorcido se apresentava o paradigma pessoal de representação do mundo desse cliente e como isso poderia levá-lo a manifestar comportamentos socialmente desadaptativos, sendo um deles o comportamento de dependência.

COMENTÁRIOS FINAISPretende-se com este capítulo oferecer um breve resumo sobre uma das téc­

nicas da reestruturação cognitiva que mais tem sido usada para a identificação e a modificação de crenças pessoais.

Um dos grandes desafios da Terapia Cognitiva é demonstrar, a partir de métodos lógicos, a possibilidade de acesso ao pensamento do ser humano e, associado a isso, mostrar como podem ser mudados os rumos de pensamento quando os mesmos não são válidos. Esse trabalho terapêutico é, durante algumas fases da

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310 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

terapia, eminentemente empírico ou concreto. No entanto, o cliente atinge um nível profundo de abstração ao ter que rotular as distorções que derivam dos seus próprios pensamentos automáticos.

O relato de caso ilustrado no presente capítulo tem como finalidade mostrar exemplos de distorções cognitivas que podem ser deduzidas a partir de crenças ou suposições que o cliente construiu ao longo do curso de vida. Ressalta-se que, embora a avaliação do cliente tenha sido basicamente comportamental, foi pos­sível a identificação dessas distorções de pensamento porque um dos comporta­mentos clinicamente relevantes de grande acesso foi do tipo verbal. Disso foi possível avaliar as cognições como funcionais ou disfuncionais conforme uma análise funcional e uma exploração do grau de autocontrole e de adaptação do cliente no ambiente em que vive.

R e f e r ê n c ia s

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BECK, A. T. Thinking and depression: II. Theory and Therapy. Archives of General Psychiatry, 10:561-571, 1964.

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YAROSCHEVSKI, M. G. La Psicologia Del Siglo XX. Habana: Pueblo y Educación, 1983.

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Diálogo Socrático

M aria Cristin a 0. S. M iy a za k i

PRINCÍPIOSO Diálogo Socrático é um importante recurso na prática

clínica e uma das principais caraterísticas da Terapia Cognitiva. Inicialmente, Diálogo Socrático se referia a um questionamento intenso sobre determinado tema, como uma espécie de sabatina ou chamada oral cujo objetivo era levar o indivíduo a perceber falhas em seu raciocínio ou a admitir sua ignorância. Seu objetivo era fazer com que as conclusões fossem tiradas a partir de um raciocínio lógico e, embora pudesse ser esclarecedor, podia ser também uma experiência humilhante para quem estava sendo questio­nado (Dobson, 2001; Overholser, 1993a).

Em Psicologia, atualmente, o Diálogo Socrático (tam­bém denominado Método Socrático ou Questionamento Socrático) se refere à exploração cooperativa de deter­minado tema. Tem um papel fundamental na prática da Terapia Cognitiva e pode, inclusive, ser considerado uma de suas principais características (Beck, Wright, Curwen, Palmer e Ruddell, 2000; Falcone, 2001; Overholser, 1993a/ 1993b).

A técnica do Diálogo Socrático pode ser definida como uma série de questões cuidadosamente elaboradas para levar a conclusões lógicas em relação a um problema e para fornecer diretrizes adequadas para futuras ações (Corsini, 1999, pág. 921).

Na prática da Terapia Cognitiva, as questões formuladas pelo terapeuta têm vários objetivos, como obter informa­ções, conhecer o problema trazido pelo cliente, obter uma visão geral acerca do seu estilo de vida atual, avaliar estra- téeias de enfrentamento. avaliar os estressores e o funcio-

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312 ■ Terapia Cogn itivo-comp ortamen ta I

namento global, traduzir queixas vagas em problemas concretos, decidir sobre tipo de enfoque a ser utilizado em relação ao problema, auxiliar o cliente a avaliar as conseqüências de seus comportamentos disfuncionais e de possíveis mudanças, identificar cognições específicas associadas a emoções ou comportamentos disfun­cionais, avaliar o significado atribuído pelo cliente a eventos específicos, suas autoverbalizações ou auto-avaliações negativas e, finalmente, explorar áreas de difícil acesso (Beck, Rush, Shawe Emery, 1979).

Assim, em vez de fornecer respostas, confrontar, debater percepções ou interpretações, o terapeuta cognitivo formula questões visam a dirigir a atenção do cliente para uma área específica e avaliar as suas respostas em relação ao tema, esclarecer ou definir o problema, auxiliar a identificar pensamentos, imagens e crenças, examinar o significado atribuído pelo cliente aos eventos e avaliar as conseqüências de pensamentos ou comportamentos (J. Beck, 1997; Curwen, Palmer e Ruddell, 2000; Weishaar, 1993). Essa exploração cooperativa auxilia na modificação de padrões disfuncionais de pensamento, facilitando mudanças com­portamentais, ambientais e biológicas (Padeski e Greenberger, 1995). Além disso, na medida em que o cliente identifica questões para as quais desconhece as respostas, pode se motivar a aprender e tentar descobrir soluções para as suas dificuldades (Overholser, 1993a).

Embora o Diálogo Socrático possa ser útil isoladamente, é habitualmente uti­lizado em conjunto com outras técnicas e empregado durante todo o processo terapêutico.

DESCRIÇÃOUma descrição detalhada do procedimento é atribuída freqüentemente a

Overholser (J. Beck, 1997; Beck et ai, 1993; Dobson, 2001).Para Overholser (1993a/1993b/1994), o Diálogo Socrático contém três com­

ponentes básicos: (a) questionamento sistemático; (b) raciocínio indutivo; e (c) definições universais.

QUESTIONAMENTO SISTEMÁTICOO questionamento sistemático envolve a formulação de uma série de ques­

tões cujo objetivo é desenvolver, no cliente, habilidades para pensar de forma in­dependente. Essas questões podem ser analisadas em relação à forma, ao conteúdo e também como processo (Overholser, 1993a).

A forma de uma questão pode envolver memória (“Quando o problema co­meçou?”), tradução (“O que isso significa para você?”), interpretação (“O que es­sas duas situações difíceis têm em comum?”), aplicação (“O que você já tentou fazer para lidar com esse problema?”), análise (“O que torna essa situação pior? E o que a torna mais fácil?”), síntese (“De que forma você pode encarar essa situa­ção?”) e avaliação (“O que você espera desse relacionamento?”) (Overholser, 1993a). Embora uma questão possa conter apenas uma dessas formas, a integração de formas diversas é habitualmente utilizada em questões mais complexas.

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Diálogo Socrático ■ 313

O conteúdo da questão, por sua vez, pretende desenvolver no cliente estratégias racionais para solucionar problemas. Uma integração entre Diálogo Socrático e treino em solução de problemas “utiliza o questionamento sistemático para auxiliar o cliente a aprender, ao mesmo tempo em que aplica os estágios do treino em solução de problemas, isto é, a definição do problema, o desenvolvimento de estra­tégias de enfrentamento, a tomada de decisões e a implementação das decisões” (Overholser, 1993a, pág. 69).

Cinco elementos são identificados por Overholser (1993a) em relação ao ques­tionamento sistemático como processo: questão principal, explicação, defesa, pro­gressão seqüencial e seqüências curtas. A questão principal focaliza a atenção do cliente em determinado tema (“Você acha que discutir o problema com o seu colega vai ajudar a encontrar uma solução ou vai causar mais atrito entre vocês?”). Uma explicação é necessária quando o cliente não compreendeu a questão principal. A defesa consiste na explanação do cliente em relação ao seu ponto de vista e a pro­gressão seqüencial é a formulação de uma nova questão principal, para manter a discussão progredindo em direção ao objetivo inicial. O questionamento sistemático deve ser realizado em seqüências curtas e ser alternado com diálogos não socráticos, uma vez que a utilização excessiva de questionamentos pode limitar a esponta­neidade do cliente, tornar a entrevista semelhante a um interrogatório e prejudicar o relacionamento terapeuta-cliente (Blank e White, 1986; Overholser, 1993a).

RACIOCÍNIO INDUTIVORaciocínio indutivo é o processo “de derivar inferências e princípios gerais a

partir de observações particulares” (Corsini, 1999, pág. 483). O desenvolvimento de inferências gerais a partir da experiência com eventos específicos auxilia o cliente a “ir além da sua experiência e construir uma visão mais ampla da realidade” (Overholser, 1993b, pág. 75). A análise de semelhanças e diferenças entre situações específicas auxilia ainda a “desenvolver expectativas realistas e estratégias de enfrentamento em um nível abstrato” (Overholser, 1993b, pág. 75).

A utilização do raciocínio indutivo pode ocorrer, por exemplo, a partir da iden­tificação de uma categoria geral que se aplica a todos os membros de um grupo, com base na experiência com apenas um dos membros desse grupo. Esse tipo de generalização é freqüentemente realizado de forma inadequada, principalmente quando o cliente testa crenças a respeito de si próprio, fazendo com que muitas cognições distorcidas se desenvolvam e se perpetuem. Nesse caso, a terapia enco­raja o cliente a buscar um número maior de informações antes de realizar uma generalização.

DEFINIÇÕES UNIVERSAISDefinição universal se refere à descrição de um conceito e de suas propriedades,

de forma que ele possa ser utilizado e compreendido mesmo quando as circuns­tâncias variam (Overholser, 1994). O conceito de independência, por exemplo, pode ser amplamente definido como ausência de controle e, portanto, ser aplicado tanto

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314 ■ Terapia Cognitivo-com porta mental

a um adolescente que luta por autonomia como a um adulto que decide se mudar para uma outra cidade. A utilização de definições universais durante o processo terapêutico auxilia a “reduzir ambigüidades e vieses” (Overholser, 1994, pág. 286), assegurando que o terapeuta e o cliente tenham a mesma compreensão acerca dos conceitos discutidos. Durante a terapia, freqüentemente, é importante auxiliaro cliente a definir conceitos (por exemplo, agressividade, justiça, sucesso, fracasso) e avaliar a definição dos conceitos utilizados, sendo que essa avaliação pode sugerir a necessidade de auxiliar o cliente a criar definições mais adequadas. O questiona­mento envolvido no esclarecimento de definições auxilia o terapeuta a compreender crenças e evita o erro de acreditar que as respostas a determinadas questões são óbvias. Além disso, auxilia o cliente a identificar e questionar as suas crenças.

DESCRIÇÃO DA UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA EM CASOS CLÍNICOS

As entrevistas relatadas a seguir exemplificam a utilização do Diálogo Socrático na prática da Terapia Cognitiva. A primeira, realizada com uma menina de 9 anos (Miyazaki, 2000), ilustra a utilização da estratégia com crianças e a necessidade de adequar o procedimento ao nível cognitivo do cliente. A segunda e a terceira ilustramo uso do Diálogo Socrático com clientes com diagnóstico de abuso de substâncias e transtorno psicótico.

C a so 1 - U tiliza çã o co m crian ças

Problema da cliente: depressão e déficit de habilidades sociais.

Terapeuta: “Acho que isso que você está sentindo é tristeza, o que você acha?” Cliente: “Acho que sim...”Terapeuta: “Sabe, às vezes, têm coisas que fazem a gente se sentir mal e que

guardamos só para nós. Mas se a gente dividir com alguém pode ser mais fácil. É como dividir o peso de uma sacola com alguém, cada um pega em uma alça e fica mais fácil de carregar...”

Cliente: “Eu estou triste. A R. não fica mais comigo na hora do recreio. Ela agora tem outras amigas e não liga mais pra mim.”

Terapeuta: “O que aconteceu? Talvez, se você me contasse o que aconteceu no recreio, eu pudesse entender melhor para dividir isso com você.”

Cliente: “Nós estávamos sentadas tomando lanche e umas meninas vieram chamar a gente pra jogar queimada. A R. quis ir e eu fiquei sozinha.”

Terapeuta: “E o que você achou disso?”Cliente: “Eu achei que ela não deveria ir. Que ela deveria ficar comigo porque

as outras já tinham companhia e eu estava sozinha.”Terapeuta: “Elas chamaram vocês duas?”Cliente: “É...”Terapeuta: “E por que você não foi junto com a R.?”

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Diálogo Socrático ■ 315

Cliente: “Eunão sei...”Terapeuta: “Vamos ver isso como uma espécie de problema para resolver, com

um monte de possíveis soluções ou respostas para ele, tudo bem?”Cliente: “Tudo bem.”Terapeuta: “Vamos pensar nos diferentes tipos de comportamentos ou em tudo

que uma menina poderia fazer quando um grupo de colegas da escola a chamam para brincar. Vamos pensar.. .o que você acha que poderia fazer?”

Cliente: “Poderia ir... ou não ir.”Terapeuta: “É isso mesmo. Se você fosse, o que faria?”Cliente: “Não sei.., acho que eu poderia falar ‘Tudo bem/”Terapeuta: “E o que iria acontecer se você falasse tudo bem e fosse com elas?” Cliente: “Acho que eu iria ficar com um pouco de vergonha no começo... mas

acho que poderia melhorar depois de jogar um pouquinho.”Terapeuta: “Muito bem. E se você não fosse?”Cliente: “Eu iria ficar sozinha.”Terapeuta: “E se você ficasse sozinha, o que ficaria pensando?”Cliente: “Que ninguém gosta de mim, que eu não tenho amigas.”Terapeuta: “Pensando nestas duas possíveis respostas para o nosso problema

- ir ou não ir jogar com as meninas - e nas conseqüências de cada uma, que tipo de resposta você acha que daria um resultado melhor? Quer dizer, um resultado que faria você se sentir melhor?”

Cliente: “Ir jogar com elas, eu acho.”Terapeuta: “Você gostaria de treinar algumas respostas para a próxima vez que

elas te chamarem?”Cliente: “Eunão sei...”Terapeuta: “Vamos pensar... Se você tivesse uma prova de matemática, você

se sentiria melhor para fazer a prova se tivesse estudado ou não?”Cliente: “Se tivesse estudado, claro.”Terapeuta: “É a mesma coisa. Eu sei que você faz balé. Quando o seu grupo

vai fazer uma apresentação você se sente melhor se ensaiou bastante e sabe o que fazer ou se não ensaiou quase nada?”

Cliente: “Se ensaiei bastante, claro.”Terapeuta: “Você sabe, algumas pessoas têm mais facilidade que as outras para

fazer certas coisas. Por exemplo, não tem gente na sua classe que tem dificuldade em matemática?”

Cliente:'‘Tem...”Terapeuta: “E não tem gente que acha que matemática é fácil?”Cliente: “Tem, eu acho que é fácil.”Terapeuta: “É fácil para você, mas não é fácil para todo mundo, não é?” Cliente: “É.”Terapeuta: “Então. É a mesma coisa em relação a fazer amigos, tem gente que

acha que é fácil e tem gente que acha que é difícil.”Cliente: “É? Você acha que tem mais gente que se preocupa porque acha difícil

arrumar amigos?”Terapeuta: “Tem sim. Alguns se preocupam porque acham difícil fazer amigos,

outros se preocupam porque têm dificuldade em matemática e outros se preocupam

Page 328: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

316 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

por outras coisas. Lembra que você me contou daquela sua coleguinha que chora quando tira nota baixa? Para tirar notas melhores o que você precisa fazer?”

Cliente: “Prestar atenção no que a professora está explicando, fazer as tarefas e estudar todo dia.”

Terapeuta: “Isso mesmo. E para a gente fazer amigos?”Cliente: “Não sei... acho que agente precisa ter jeito para isso...”Terapeuta: “Como estudar para tirar nota, tem algumas coisas que a gente pode

fazer para facilitar o relacionamento da gente com os colegas.”Cliente: “Você acha?”Terapeuta: “Eu acho sim. Que tal se a gente tentasse praticar um pouco algumas

dessas coisas para você ver o que acontece? É como aprender qualquer outra coisa, você tem que saber o que fazer e aí começar a praticar.”

Cliente: “Tudo bem, então eu quero tentar.”Terapeuta: “Vamos começar com alguma coisa bem fácil e depois passar para

coisas mais difíceis. Uma das coisas que a gente precisa praticar é conversar com as outras crianças da escola. Fazer uma pergunta para alguém, por exemplo, você acha isso difícil?”

Cliente: “Não sei... talvez perguntar as horas não seja difícil.”Terapeuta: “Você acha que perguntar as horas seria fácil?”Cliente: “Acho que sim.”Terapeuta: “Você acha que daria para você perguntar as horas para alguém?” Cliente: “Acho que sim. Mas para quem eu iria perguntar?”Terapeuta: “O que seria mais fácil, perguntar para alguém da sua classe ou

para alguém de outra classe?”Cliente: “Perguntar para alguém da minha classe.”Terapeuta: “Você acha que dá para fazer isso?”Cliente: “Acho que dá.”Terapeuta: “Quer praticar um pouco aqui comigo?”Cliente: “Não precisa, acho que é fácil.”Terapeuta: “Tudo bem, você anota no seu diário. Você acha que dá para perguntar

três vezes durante a semana, como tarefa de casa?”Cliente: “Dá...”Terapeuta: “Ótimo. Você escreve no seu diário a pergunta, seus pensamentos e

sentimentos, tudo bem?”Cliente: “Tudo^bem.”

C a so 2 - U tiliz a ç ã o co m a d u lto s

Problema do cliente: abuso de substâncias (entrevista extraída de Beck et al, 1993, pág. 104).

Terapeuta: “C, você usou algum tipo de droga durante este último final de semana?”

Cliente: “Não. Faz mais de um mês que eu não uso nada.”Terapeuta: “E o analgésico que o dentista receitou pra você?”

Page 329: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Diálogo Socrático ■ 317

Cliente: “Que é que tem o remédio?”Terapeuta: “Tem algumas coisas que eu gostaria de perguntar sobre isso.

Primeiro: você está usando exatamente a dose que o dentista passou ou está tomando mais? Você está tomando o remédio no horário que deve tomar ou com uma freqüência maior?”

Cliente: “Não se preocupe, estou fazendo tudo direitinho.”Terapeuta: “Você sabe por que eu estou perguntando? Por que isso é im­

portante?”Cliente: “Sei, você me disse que o analgésico é como uma droga.”Terapeuta: “Não como uma droga, é uma droga. É um narcótico leve.” Cliente: “E eu poderia ficar dependente?”Terapeuta: “Isso mesmo. E você sabe por que eu estou preocupado com a

quantidade e freqüência com que você está tomando o remédio?”Cliente: “Não.”Terapeuta: “Pense um pouco. Por que você acha que a gente deveria estar

preocupado com isso?”Cliente: “Não sei.”Terapeuta: “Bom, talvez você não saiba exatamente o porquê, mas será que

pode tentar pensar em alguns motivos? Eu vou dizer os meus motivos, mas gostaria que você me dissesse primeiro o que pensa.”

Cliente: ‘Acho que é porque se eu tomar mais do que devo posso ficar dependente mais depressa?”

Terapeuta: “Isso mesmo. O que mais?”

C a so 3 - U tiliza çã o co m a d u lto s

Problema do cliente: transtorno psicótico (entrevista extraída de Haddock e Slade, 1996, pág. 110).

Cliente: “Eu estou sendo seguida em todos os lugares...”Terapeuta: “Que tipo de pessoas geralmente são seguidas?”Cliente: “Pessoas que estão sendo aterrorizadas por alguém.”

v Terapeuta: “Pense nos filmes que já assistiu e nos livros que já leu. Que tipo de pessoas são seguidas?”

Cliente: “Espiões, terroristas, políticos, a família real, cantores famosos.” Terapeuta: “Você não se enquadra em nenhum desses tipos de pessoas, não é

mesmo?”Cliente: “Não, mas eu me sentia como se fosse da família real quando era mais

nova e minha irmã gêmea estava sempre comigo, em tudo.”Terapeuta: “Talvez isso de estar sendo seguido esteja relacionado com a sua

separação da sua irmã. O que nós realmente precisamos saber é se você tem a sensação de estar sendo seguido ou se realmente tem alguém lá. Você pode anotar a aparência exata das pessoas que estão te seguindo (roupas, expressões faciais etc.) e as circunstâncias cada vez que isso acontecer. Anote no seu diário, todos os dias (tarefa de casa: ‘teste de realidade’) ”.

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318 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

COMENTÁRIOSA utilização do Diálogo Socrático vai além da utilização de questões com o

objetivo de obter dados acerca de fatos e de detalhes. Como enfatiza Overholser (1993a), as questões devem ser elaboradas para encorajar o cliente a “analisar, sintetizar e avaliar diferentes fontes de informação” (pág. 72), bem como desen­volver habilidades para solucionar problemas.

Levar o cliente a pensar sobre o problema em discussão e tentar encontrar uma solução para isso é provavelmente uma das principais razões pelas quais o Diálogo Socrático é considerado tão útil em terapia. Além disso, a utilização ade­quada do método impede que o terapeuta tenha certeza acerca das distorções cognitivas do cliente, enquanto o cliente continua com dúvidas e preocupações não abordadas na sessão (Dobson, 2001).

Um boa forma de desenvolver habilidades para aprender a utilizar o Diálogo Socrático é ouvir sessões gravadas de atendimento, parar a fita cada vez que o terapeuta tiver feito uma observação ou uma pergunta fechada e tentar elaborar uma questão com o mesmo objetivo, mas de forma mais proveitosa (Dobson, 2001).

Embora seja, sem dúvida, uma excelente estratégia, o Diálogo Socrático não deve ser utilizado excessivamente, mas sim alternado com diálogos não socráticos, para não limitar a espontaneidade do cliente cuja comunicação fica limitada em respoder questões (Overholser, 1993a) e, também, para não prejudicar a relação terapeuta-cliente. Portanto, durante o processo terapêutico deve haver um equilíbrio entre Diálogo Socrático e a utilização de outras formas de intervenção, como escla­recimentos, fornecimento defeedbackeuso de estratégias educativas (Beck etal, 1993).

R e f e r ê n c ia s

BECK, A. T., WRIGHT, F. D., NEWMAN, C. F., LIESE, B. S. Cognitive Therapy of substance abuse. New York: Guilford, 1993.

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Language Disorders, 6:1-12, 1986.CORSINI, R. J. The dictionary of psychology. Philadelphia: Brunner-Mazel, 1999.CURWEN, B., PALMER, S., RUDDELL, P. Brief Cognitive Behaviour Therapy. London: SAGE, 2000.DOBSON, K. S. Handbook o f Cognitive-Behavioral Therapies. 2.ed. New York: Guilford, 2001.FALCONE, E. Psicoterapia Cognitiva. In: RANGÉ, B. (Org.) Psicoterapias Cognitivo-comportamentais.

Um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Artmed, 2001. p.49-61.HADDOCK, G., S LAD E, P. D. Cognitive-beha viouraI interven tions with psychotic disorders. London:

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Page 331: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Diálogo Socrático ■ 319

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WEISHAAR, M. E. Aaron T. Beck. London: Sage, 1993.

Page 332: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

CAPÍTULO O H• v :r.yS ,-z^z?S ’ V zi'z* í*z:**r- z . ' í ^ í C r 9 ^ ^ S - -■*=? -Tt-T Í^=T S ^ ír J r i « • '

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Flecha Descendente

íjkoy A parecida da S ilva

INTRODUÇÃODe maneira geral, as terapias são métodos terapêuticos

com técnicas psicológicas determinadas que têm como objetivo reestabelecer o equilíbrio emocional de um indi­víduo, um casal, uma família ou um grupo.

São diversas as propostas terapêuticas na atualidade. Vários autores propõem algumas classificações como: psi- canalíticas, psicodinâmicas, comportamentais, cognitivo- comportamentais, humanistas, sistêmicas, biológicas (Sonenreich etal 2001). Essas classificações são fundamen­tadas nos pressupostos teóricos sobre o conhecimento, as emoções e o comportamento do ser humano e no modelo de compreensão da disfunção psíquica. É importante res­saltar que não existe uma abordagem melhor que outra para que pesquisadores e clínicos sejam convencidos de qual é a verdadeira. Existem, de um lado, profissionais com dife­rentes visões de mundo, que escolhem trabalhar com um pressuposto teórico e prático que mais se aproxima da sua maneira de estar e relacionar com o mundo e, de outro, pessoas que procuram os profissonais para tratamento, na tentativa de melhorar a relação consigo mesmo, com os outros, diminuindo desconfortos internos ou externos.

Os tratamentos são compostos de diferentes técnicas. Técnicas são definidas como procedimentos práticos variá­veis utilizados nos tratamentos terapêuticos, embasadas nos referenciais teóricos diversos (Beck et a ly 1982; Beck et al.y 1993; Whitaker, 1990). A Terapia Cognitivo-compor- tamental utiliza muitas técnicas com a finalidade de propi­ciar ao cliente novos aprendizados sobre sua maneira de pensar, sentir e agir.

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Flecha Descendente ■ 321

MODELO COGNITIVOO modelo cognitivo tem representante bastante remoto na história. Desde o

século I, o filósofo Epicteto já afirmava que “não são os fatos em si que perturbam as pessoas, mas principalmente a visão que elas têm destes.” No entanto, apenas no início da década de 60, passou a constituir um modelo teórico-prático de terapia: a Terapia Cognitivo-comportamental.

O modelo cognitivo preconiza que os pensamentos têm influência nas emo­ções e nos comportamentos e que os problemas psíquicos estão associados a uma maneira distorcida de perceber os acontecimentos (Beck etol., 1982; Beck, 1976). Entretanto, os pensamentos não são as causas dos problemas emocionais; a cognição é compreendida como um processo interativo e integrado, em que os pensamentos, as emoções e os comportamentos são capazes de influenciar uns aos outros conti­nuamente, levando em consideração também as condições ambientais. A interpre­tação dos indivíduos sobre os acontecimentos, tanto internos como externos, tem por base esse processo interativo. O desequilíbrio nessa interação leva as pessoas a desen­volverem crenças distorcidas sobre si mesmas, os outros ou o ambiente, produzindo, assim, padrões de pensamentos automáticos negativos (Marques e Silva, 2001).

O funcionamento cognitivo é composto de níveis de pensamentos inter-rela­cionados, co-responsáveis pela percepção e interpretação dos fatos que afetam a maneira de sentir dos indivíduos: pensamentos automáticos, crenças inter­mediárias e crenças centrais.

Os pensamentos automáticos estão presentes cotidianamente na vida de todas as pessoas e são quase despercebidos. No entanto, com treinamento, é possível identificá-los com freqüência. Existem várias situações consideradas estressoras para a maioria das pessoas: medo da morte, acidentes, violência urbana etc. No entanto, pessoas com dificuldades psicológicas freqüentemente interpretam, de forma distorcida, situações consideradas neutras ou mesmo positivas em suas vidas, levando-as a desenvolverem padrões de pensamentos automáticos disfuncionais. A Terapia Cognitiva auxilia os pacientes a identificar, avaliar e transformar os pen­samentos automáticos negativos, que são emocionalmente aflitivos.

De modo geral, os pensamentos automáticos disfuncionais estão conectados a padrões de crenças intermediárias e centrais, que são mais complexas e difíceis de serem acessadas do que os primeiros.

As crenças intermediárias são suposições que a pessoa faz sobre os eventos com base em regras e atitudes que não estão diretamente relacionadas às situações. Por exemplo, uma pessoa deprimida pode apresentar o seguinte quadro:

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

"Jamais irei melhorar dessa doença." (Pensamento automático)i

"Eu deveria fazer isso por mim mesma." (Regra)1"É muito ruim pedir ajuda." (Atitude)i

"Se eu pedir ajuda, as pessoas irão achar que estou ficando iouca." (Suposição)

"Uma pessoa touca é fracassada." (Crença central)

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322 ■ Terapia Cognitivo-com porta mental

As crenças intermediárias não são facilmente modificáveis como os pensamentos automáticos, porém são consideradas mais acessíveis do que as crenças centrais.

As crenças centrais são idéias mais profundas e rígidas sobre si mesmo; são formadas desde a infância, a partir de circunstâncias da história familiar e individual. Por exemplo: “Sou um fracasso”, “Sou incapaz”, “Sou feio”. É possível identificá-las a partir de técnicas específicas durante a terapia.

PAPEL DAS TÉCNICAS NA TERAPIA COGNITIVAA literatura sobre a utilização de técnicas num processo terapêutico apresenta

um espectro amplo: de um lado é possível encontrar autores bastante críticos quanto ao uso de técnicas específicas, ressaltando que o processo terapêutico ocorre, fun­damentalmente, na relação cliente-terapeuta (Whitaker e Bumberry, 1990); de outro lado, clínicos e pesquisadores, preocupados com a investigação dos resultados em terapias, propõem a operacionalização e estruturação dos processos para melhor avaliação de resultados de práticas científicas aplicadas à terapia (Beck, 1976; Beck e Freeman, 1993; Craighead etaL> 1994).

Jasnow (1978), enfatiza que uma terapia é a mistura da ciência e da arte e sugere que o terapeuta assuma um papel duplo: o de cientista e o de artista. Considera-se, então, que as técnicas são possíveis caminhos de transição nessa tarefa dupla do tera­peuta. O objetivo de uma técnica não é reduzir o ser humano dentro de uma única concepção de realidade; ao contrário, trata-se de poder, inclusive, testá-la e repro­duzi-la para auxiliar terapeutas iniciantes na aplicabilidade do modelo cognitivo, assim como procurar avaliar a efetividade de cada técnica em diferentes clientes.

Um dos principais objetivos da terapia de abordagem cognitivo-comportamental é a modificação de crenças que o cliente apresenta sobre si mesmo e as técnicas cognitivas e comportamentais são auxiliares nesse processo de transformação, apresentando resultados empíricos efetivos (Haw e Dickerson, 1998). Cabe ao terapeuta selecioná-las, levando-se em consideração o diagnóstico preciso do cliente, assim como sua capacidade em se beneficiar de uma ou várias técnicas.

A utilização das técnicas na abordagem cognitiva deve ser cautelosa e exige do terapeuta estudo e supervisão constantes pois, embora aparentemente de simples manejo, a prática clínica nos aponta o quanto é necessário para o terapeuta o domínio da conceituação cognitiva, habilidade fundamental no desempenho desse trabalho.

Esse capítulo não abordará a variedade de técnicas denominadas cognitivo- comportamentais. Nosso objetivo é apresentar, em dois exemplos clínicos, a prática da técnica da Flecha (ou Seta) Descendente na terapia com pacientes dependentes de drogas.

USO DA TÉCNICAA Flecha Descendente foi inicialmente utilizada por Burns (1989) e por Beck

etal (1993). Essa técnica é muito freqüente na Terapia Cognitivo-comportamental. Seu objetivo é, por meio de perguntas sobre o significado pessoal do que o cliente

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Flecha Descendente ■ 323

está relatando, identificar a cadeia de pensamentos automáticos até chegar à crença central. É assim denominada porque o terapeuta mostra para o cliente, no papel, o sentido do pensamento que aponta para outro mediante o uso de flechas ou setas ( i ) como descrito a seguir. Após a identificação da(s) crença(s) central (is), o terapeuta deve procurar modificá-las utilizando outras técnicas (J. Beck, 1997). É importante ressaltar que, com algumas pessoas, essa tarefa pode ser fácil; porém, com outras, o processo é bastante difícil. O cliente deve estar apto anteriormente a identificar os pensamentos-chave automáticos conforme sugerem Beck et oi. (1993); reconhecer as regras e suposições subja­centes (crenças intermediárias) até chegar à crença central. A técnica exige habilidade do terapeuta, que deve evitar provocar no cliente a idéia de julga­mento, confrontação ou acusação.

Weissman e Beck (1978) sugerem a aplicação de um questionário de crenças - Dysfunctional Attitude Scale- como adjunto para as técnicas utilizadas na Terapia Cognitiva.

Seguem abaixo dois exemplos de trechos de sessões nas quais se utilizou a Flecha Descendente com pacientes dependentes de drogas.

CASO 1Terapia Cognitivo-comportamental Breve para clientes dependentes de

drogas. Tempo de tratamento: 8 meses. Foram realizadas 17 sessões. B., 28 anos, do sexo masculino, jornalista, divorciado, sem filhos. É o terceiro filho de pais alcoolistas, tem pouco contato com familiares, morava sozinho quando procurou tratamento. Vem para o tratamento por iniciativa própria no intuito de parar o uso das drogas.

Histórico: Começou a beber aos 14 anos com amigos da escola, em festas. Achava que era tímido e o álcool o “ajudava a se sentir mais à vontade”. Bebia todos os finais de semana, dos 17 aos 20 anos, tendo tido vários “porres, sem maiores conseqüências” (SIC1). Quando entrou na faculdade (aos 20 anos) di­minuiu o uso do álcool e passou a cheirar cocaína. Usou cocaína por 2 anos, três a quatro vezes na semana, sempre na companhia de amigos. Aos 23 anos se casou com uma colega de turma da faculdade, que também usava cocaína. Seis meses após o casamento, passou a cheirar diariamente, sempre à noite, após as atividades. Ficou casado 2 anos, sendo que uma das razões da separa­ção foi a cocaína: a esposa consumia a droga mais do que ele e, aos poucos, o relacionamento foi ficando muito ruim. A maioria dos seus amigos também usava cocaína.

Apesar de separado há 3 anos, não conseguiu parar de usar cocaína. Fazia uso diário de aproximadamente 2 gramas, aumentando o consumo no fim de semana. O uso ocorria, principalmente, à noite, com amigos ou durante o trabalho, quando estava cansado e precisava ficar acordado.

1 Segundo Informações do Cliente.

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324 ■ Terapia Cognítivo-comportamental

S essão

Terapeuta: “Essa é a quarta sessão e o que eu pude constatar é que você convive com o álcool há muito tempo. Você relatou que seus pais sempre beberam e que estava acostumado a vê-los embriagados, principalmente, à noite. A convivência com os amigos, tanto de escola como de faculdade, foi inicialmente com o álcool e depois com a cocaína, é isso?

Cliente: “Sim, é. Convivi com o álcool minha vida toda, dentro de casa, até casar. Após isso, tanto no meu casamento como nas relações sociais, a cocaína foi uma presença constante, eram relacionamentos regados pela droga. Apesar de querer parar de usar essa droga, sou sincero com você, não posso pensar na idéia de sair e não usar cocaína atualmente” (pensamento automático).

Terapeuta: “Você está falando algo muito importante sobre sua maneira de pensar. Vamos juntos explorar isso. Quem sabe teremos algumas pistas a seguir partindo desse pensamento. Estou certa que você é capaz de sair e não usar cocaína, principalmente se aprender a reconhecer as várias funções que ela tem na sua vida, percebendo como você está antes, durante e após fazer o uso, como já con­versamos. Vamos adiante com o que é mais importante aqui: você, seus pensa­mentos, sentimentos e também o comportamento de usar a cocaína... O que significa para você não poder pensar na idéia de sair e não usar a cocaína?”

Cliente: “Significa que eu não consigo conviver com as pessoas, sem cheirar... ” Terapeuta: “O.K. E o que é não conseguir conviver com as pessoas?”Cliente: “Significa que não vou conseguir amigos.”Terapeuta: “E, se isso acontecesse, o que significaria para você?”Cliente: “Que sou um banana, um fracote.”Terapeuta: “Supondo que você tem razão. O que quer dizer para você ser um

fracote ou um banana?”Cliente: “De que sou um fracasso!” (paciente se emociona e começa a chorar

muito).Segue esquema ilustrativo do caso apresentado.

"Não posso pensar na idéia de sair e não usar cocaína atualmente." (Pensamento automático)st

t t Eu não consigo conviver com as pessoas, sem cheirar.nL

"Não vou conseguir amigos."

"Sou um banana, um fracote."\L

//

t i Sou um fracasso." (Crença central)

Aqui é o momento de parar, uma vez que está clara a crença do paciente. De agora em diante ela é trabalhada por intermédio de outras técnicas utilizadas na Terapia Cognitiva, a relação entre o sentimento de fracasso versus a necessidade do uso da cocaína para lhe dar a sensação de potência. Um trabalho imediato é a tentativa de procurar discutir com ele a natureza das crenças evidenciando que elas são adquiridas e não inatas, portanto, possíveis de serem modificadas.

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Flecha Descendente ■ 325

Outras crenças, regras e suposições foram identificadas durante o tratamento com o uso da técnica da Flecha Descendente. Esse cliente possuía fortes crenças sobre seu fracasso, incapacidade, desvalia e procurava recompensas no uso da cocaína. O cliente terminou o tratamento abstinente. Está sem usar cocaína há2 anos, conforme relatos no seguimento realizado após o término da terapia.

CASO 2A. tem 17 anos, sexo feminino, estudante, filha única, pais divorciados há

10 anos; mãe professora desempregada, com diagnóstico de depressão; pai contador, casou-se novamente tem outra família e mora em Porto Alegre. Cliente e mãe vivem com avós maternos em São Paulo. Apresenta uma razoável motivação para o tratamento vindo à terapia por iniciativa dos avós. Visa parar uso da maconha e moderar uso de álcool.

Refere estar “viciada” em maconha e bebida, mas gosta disso.Começou a fumar “cigarro careta” e maconha aos 13 anos com amigos vizinhos

do seu prédio. Aos 14 anos, freqüentando mais festas noturnas, além da maconha passou a beber. Bebia para ficar mais alegre e, muitas vezes, para esquecer seus problemas em casa. Referiu-se a relacionamento difícil com mãe e avós. Aos 15 anos passou a estudar em escola pública, a trabalhar como secretária e com seu próprio dinheiro comprava maconha. Há 1 ano está fumando maconha aproxi­madamente 2 a 3 vezes na semana (um “baseado”), à noite voltando da escola para relaxar.

Bebe todos os finais de semana, e se embriaga com freqüência. Há 6 meses, sofreu um acidente de carro com os amigos embriagados, voltando de uma festa. Tem muitos amigos. Gosta de dançar e freqüentar shows de rock. Até acontecer o acidente com seus amigos achava que não tinha problema nenhum com maco­nha, muito menos com álcool, “me considerava uma usuária social.” Após este episódio, em que um dos amigos quase morreu, começou a perceber que, talvez, estivesse fumando e bebendo demais. Em vários momentos ela acha que sua família a influencia muito nessa maneira de pensar, porque todos são “caretas”, criticam seus amigos e ela fica com muita raiva disso. Ela cheirou cola algumas vezes, mas não gostou. Nunca cheirou cocaína porque tem medo de ficar viciada e por não poder sustentar seu vício. Veio ao tratamento para saber como é e, também, porque a avó de quem gosta muito insistiu; não está convencida de que precisa de tratamento.

Cliente ambivalente em relação à meta. Nas três primeiras sessões o contato foi difícil, resistente à compreensão do modelo cognitivo.

Terapeuta: “Sou capaz de compreender o que você vem me falando: é jovem, quer se divertir, detesta gente careta, mas não consegui ainda saber o que, de fato, você sente quando não bebe ou não fuma maconha. Esse é nosso quarto encontro, faltam ainda mais doze para terminar e não precisamos chegar até lá. De minha parte estou disponível aqui, mas acho que só faz sentido continuar se você puder pensar que aqui você é única, diferente de todo mundo (cliente afirma que bebe, fuma maconha e se diverte igual a todo mundo). Todo o mundo não cabe nessa

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326 ■ Terapia Cognitivo-com porta mental

sala. As pessoas não são iguais; pensam, sentem e se comportam de maneiras diferentes.”

Cliente: “Eu não havia pensado nisso, para mim é tão normal ser igual a todo mundo. Na minha casa ouço isso o tempo todo, você é igual a seu pai, seus amigos maconheiros etc. Resolvi ser amada por todos meus amigos, me divirto quando estou com eles, até com os caretas. Tenho muitos amigos que não usam droga. Faço tudo por eles. Bebemos e fumamos juntos, mas mesmo assim acho que todos não gostam de mim” (pensamento automático).

Terapeuta: “Veja bem: hoje, você fala algo bastante importante. Nem todos seus amigos usam drogas e você também se diverte com eles. Vamos então con­versar sobre esse seu pensamento que seus amigos não gostam de você. Você gosta de todos?”

Cliente: “Não, nem todos. Gosto mais de uns do que de outros; gosto bastante de meus amigos caretas, vários deles até mais do que aqueles com os quais fumo maconha e bebo, mas eles também não gostam de mim” (pensamento automático).

Terapeuta: “É natural que você goste de pessoas de diferentes maneiras, mas supondo que seja verdade sua afirmação ‘Meus amigos não gostam de mirrí, o que isso significa para você?”

Cliente: “Acho que, se me conhecerem melhor, irão me desprezar.”Terapeuta: “Se, de fato você fosse desprezada, o que haveria de desagradável

em relação a isso?”Cliente: “Eu iria detestar.”Terapeuta: “O.K., entendo que não ficaria bem com isso; mas você é capaz de

relatar mais claramente o que aconteceria, se de fato, seus amigos a desprezassem?” Cliente: “Sei lá, isso é muito desconfortável para mim.”Terapeuta: “Revelaria algo sobre você, se eles a desprezassem?”Cliente: (cabisbaixa) “Sim, revelaria que sou inferior a todos eles.”Terapeuta: “Que significado tem para você ser inferior?”Cliente: “Que não tenho nenhum valor (crença central), acho que uso droga

porque é uma maneira de me sentir mais valorizada” (chora).Segue esquema ilustrativo do segundo exemplo:

Uso drogas com meus amigos mas eles não gostam de mim." (Pensamento automático)

Se me conhecerem melhor irão me desprezar.

"Sou inferior a todos eles."

"Não tenho nenhum valor." (Crença central)

//

Essa é uma variação na forma de perguntar usando a Flecha Descendente. O terapeuta deve estar atento quando utiliza esta técnica e surge uma resposta com conteúdo emocional, que pode dificultar ou quebrar a seqüência dos pen­samentos (por exemplo, “Eu ficaria muito triste, seria muito ruim, terrível”) . Isso pode afastar terapeutas menos experientes do caminho descendente de identi­ficação das crenças centrais.

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Flecha Descendente ■ 327

A adolescente do Caso 2 apresentou, durante o tratamento, crenças centrais rígidas de falta de amor: “Não tenho valor”, “Serei abandonada” “Uso droga para não ficar sozinha.” Essas foram surgindo por meio do uso da técnica da Flecha Descendente em diferentes sessões.

O plano de tratamento foi redimensionar as visões negativas que a cliente tinha de si mesma e o uso da droga como forma de se aproximar das pessoas. Aprendeu, nesse período, a perceber que era capaz de fazer amigos e ser querida sem precisar beber ou fumar maconha. Reaproximou-se da mãe e dos avós. Terminou o tra­tamento abstinente da maconha, usando o álcool com moderação com a utilização de técnicas comportamentais para treinamento de moderação no uso de álcool: beber quinzenalmente, nos finais de semana, apenas um dia, (na sexta-feira ou no sábado). Houve ampliação da rede social, incluindo, na vida da cliente, mais amigos que não faziam uso de droga.

A sessão apresentada foi decisiva para a aderência da cliente ao tratamento pois auxiliou no seu processo de diferenciação em relação ao grupo, pai, família etc. Após isso, melhorou o vínculo com a terapeuta. Aprendeu, segundo afirmou: “Ser eu mesma”, “Gosto mais de mim” e “Deixei de ser maria-vai-com-as-outras...”

Vários outros casos com dependentes podem não ter essa evolução. Os de­pendentes de drogas, muitas vezes, possuem pensamentos automáticos negativos e catastróficos em relação à sua vida: “Eu faço tudo errado”, “Não tenho controle de nada na vida.” Ou, ao contrário, minimizam seu problema apesar do diagnóstico de dependência: “Posso sair dessa sem ajuda de ninguém”, “Não preciso de tra­tamento”, “Minha família está exagerando” “Só sinto fissura se eu quiser” A pecu­liaridade em relação a esses clientes é a necessidade de um diagnóstico prévio para avaliar dependência, a motivação para tratamento, a avaliação detalhada do funcionamento familiar e a investigação do conceito de dependência do cliente e dos seus familiares. A construção de uma aliança terapêutica segura também se faz necessária. O terapeuta que trata dependentes deve estar constantemente atento quanto às diferenças socioeconômicas e culturais dos clientes. Também deve desenvolver habilidade para avaliar qual é o momento mais adequado para a utilização de uma ou mais técnicas cognitivo-comportamentais.

Apesar deste capítulo enfatizar a importância da utilização da Flecha Des­cendente com dependentes de drogas, é necessário deixar claro que ela pode ser utilizada para clientes com diferentes problemas: compulsão alimentar, ansiedade, depressão etc. Sua utilização deve ocorrer, preferencialmente, após a identificação clara dos pensamentos automáticos e deve ser realizada, normalmente, por meio do Diálogo Socrático, no qual o terapeuta, mediante perguntas específicas, auxilia o cliente a chegar às suas próprias conclusões, partindo de uma hipótese testada com base em evidências.

Outro aspecto importante a ressaltar é que não existe uma receita pronta e exata da hora de utilizar a técnica da Flecha Descendente; ela é apenas uma dentre as mais variadas técnicas denominadas cognitivo-comportamentais.

Dependendo do problema do cliente, pode ser utilizada sozinha ou acom­panhada de outras técnicas também importantes, como Diálogo Socrático, rela­xamento, assertividade, uso de diários, treino de habilidades sociais, análise de vantagens e desvantagens etc. (Beck e ta l} 1993; Beck, Freeman e ta lf 1993.).

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328 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

É indicado que a Flecha Descendente seja apresentada no papel, apontando a seqüência de pensamentos sucessivos pelas setas (como nos exemplos descritos) para que o cliente compreenda melhor os padrões de pensamentos e crenças que muitas vezes sustentam seus comportamentos disfuncionais.

CONSIDERAÇÕES FINAISExiste, atualmente, uma grande diversidade de técnicas cognitivo-compor-

tamentais que são utilizadas normalmente no processo terapêutico, em integra­ção e associação umas com as outras.

A Terapia Cognitivo-comportamental dá ênfase à utilização de muitas técnicas no tratamento de diferentes problemas. Elas têm como objetivo oferecer aos clientes a possibilidade de identificar, conhecer e transformar seus paradigmas pessoais muitas vezes distorcidos. Normalmente é utilizada para auxiliar a identificação das crenças centrais (mais difíceis de serem acessadas e transformadas) dos clientes, a partir dos pensamentos automáticos e das crenças intermediárias.

O uso de qualquer técnica cognitivo-comportamental deve, cada vez mais, evitar o caráter de “receita pronta” e levar em consideração a conceituação individual do problema, as características dos clientes, a habilidade e o domínio do modelo cognitivo pelo terapeuta.

R e f e r ê n c ia s

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Page 342: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Questionando Rótulos, Atribuições e Significados

H e le n e S hinohara

Na Terapia Cognitiva, a escolha das técnicas depende essencialmente da formulação do caso, levando-se em con­sideração também os objetivos terapêuticos, as caracterís­ticas pessoais e as habilidades do cliente e do terapeuta.

Dispõe-se atualmente de um vasto conjunto de técni­cas validadas empiricamente, as quais facilitam o processo de mudança. No entanto, todos sabem que, mesmo pode­rosas, elas não funcionam se empregadas sem consistên­cia ou fora de um contexto terapêutico de confiança e genuinidade.

Questionar é um dos procedimentos mais ricos e pre­sentes na Terapia Cognitiva. A maneira cuidadosa e o tom amigável usados pelo terapeuta para questionar possibili­tam ao cliente se sentir à vontade para expor suas convic­ções, reconhecer seus pensamentos e examinar seus pontos de vista. Em cada momento da terapia, o nível de pergun­tas e o grau de confrontação são relativos à intimidade e à profundidade possíveis para quem recebe ajuda.

No início, por meio de perguntas é que o terapeuta co­meça a conhecer seu cliente, levantar dados a respeito de sua história, suas dificuldades, seus modos peculiares de interpretar a realidade etc. Simples perguntas podem ser­vir a muitos propósitos; outras vezes, uma série de per­guntas pode trabalhar um assunto em particular, uma decisão ou opinião (Young^íaZ., 1993). As perguntas e co­mentários do terapeuta são fruto de sua própria forma de ver o mundo e, portanto, ele deve permanecer vigilante

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Questionando Rótulos, Atribuições e Significados ■ 331

para com sua linha de questionamento e não colocar idéias na cabeça do cliente (Shinohara, 2003).

Durante a terapia, as perguntas se tornam um poderoso meio para identifica­ção ou mudança de crenças e esquemas. Por meio de outras técnicas, como o re­gistro dos pensamentos automáticos, da Flecha Descendente ou no relato do cliente, o terapeuta começa a perceber temas-chave recorrentes.

Ganhos terapêuticos mais duradouros estão relacionados com as mudanças nos esquemas profundos e nas estruturas psicológicas predisposicionais. Portan­to, é essencial poder usar questionamentos para rótulos subjetivos, atribuições de causalidade e significados construídos pelo cliente.

Um exame cuidadoso dos padrões de desenvolvimento e origem das cren­ças centrais permite compreender suas singularidades e o modo como foi pos­sível organizar as experiências dele desde a infância. Por terem sido organizadas em tenra idade ou úteis em muitos momentos, podem nunca ter sido reava­liadas e permanecem como verdadeiras, mesmo depois de anos. A saber:

RÓTULOSAlgumas vezes, o simples fato de se atribuir um rótulo inadequado pode gerar

considerável grau de sofrimento em forma de pensamento, palavra ou frase. Fun­cionam como disparadores da emoção negativa a eles associados. Rótulos, mes­mo que arbitrários, carregam valoração suficiente para causar emoções difíceis de se lidar (McMullin, 1986).

A técnica pretende a substituição deles por avaliações mais objetivas e menos críticas, o que pode auxiliar na diminuição do desconforto experimentado inicial­mente. A troca de rótulos negativos por neutros, por exemplo “Estou ficando ma­luco" por “Estou confuso”, interfere de forma importante no processamento cognitivo da experiência.

Perguntar o que uma determinada palavra significa determina a clarificação daquele rótulo atribuído. Em geral, eles acabam por obscurecer em vez de explicitar. Seu uso dificulta não somente a comunicação com os outros, mas também com nós mesmos. Acaba sendo difícil ou impossível saber como lidar com uma situa­ção quando palavras soltas e carregadas emocionalmente ficam percorrendo a mente do cliente.

Rotular uma pessoa emocionalmente sensível como alguém doente ou frá ­gil pode ser substituído por outra denominação como, por exemplo, alguém carinhoso e que se importa. Uma pessoa que muda freqüentemente de opinião pode ser rotulada de flexível em vez de volúvel. E alguém indeciso para tomar decisões pode ser simplesmente cuidadoso. O julgamento que fazemos se ba­seia no nosso próprio modo de avaliar como essas pessoas deveriam ser e não ser em algum padrão objetivo que determine o quão sensível ou flexível al­guém pode ser.

Deve-se prestar atenção para comunicar claramente para si mesmo o que sig­nificam as palavras resumidas que se usa.

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332 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

ATRIBUIÇAO DE CAUSALIDADEMuitas vezes, percebe-se que a atribuição de causalidade que o cliente faz,

principalmente, a respeito dos eventos negativos é parcial, enviesada e com omis­são de variáveis importantes. A reatribuição envolve simplesmente o indivíduo ser capaz de distribuir adequadamente as responsabilidades às partes certas e afas­tar a idéia de que é o único responsável (Dattilio e Freeman, 1998).

Ao se questionar as atribuições, na busca por uma avaliação ampliada e obje­tiva, pode-se chegar a conclusões mais precisas sobre a influência de cada aspec­to. A culpa ou a responsabilidade pelas adversidades não estão necessariamente relacionadas às deficiências pessoais do cliente, como falta de habilidade ou es­forço. O objetivo da técnica não é absolvê-lo, mas definir a multiplicidade de fato­res que contribuem para aquela experiência adversa (Beck etal, 1979). Em primeiro lugar, deve-se rever os fatos do evento junto com cliente. A partir disso, discuti­ram-se os critérios usados por ele para a atribuição que fez e, dessa forma, as cren­ças identificadas devem ser avaliadas para uma possível revisão e reatribuição.

É freqüente também a correlação equivocada ou exclusiva entre duas variá­veis, sem uma análise mais detalhada. A causa encontrada parece explicar defini­tivamente, por exemplo, a emoção experimentada, sem levar em consideração outros fatores, nem questionar a veracidade da correlação: “Estou infeliz porque estou sozinha, sem namorado.” Nesse caso, uma análise gráfica usualmente ajuda a esclarecer correlações positivas ou negativas entre as duas condições.

SIGNIFICADOSA definição de uma experiência envolve nuances verbais mais relacionadas ao

modo como o significado é falado do que às palavras usadas. O profissional deve estar atento às entonações e à linguagem corporal do cliente para conseguir apreender acuradamente o significado atribuído por ele àquela situação.

Cada uma das experiências vividas colabora para a construção dos significa­dos pessoais. Freqüentemente, as crenças centrais são tidas como verdades, mas não totalmente percebidas até que se sejam “descascadas” em camadas (J. Beck, 1997). Em geral, quando se pergunta “O que isso significa para você e sobre você?”, consegue-se identificar crenças que o cliente possui sobre ele mesmo e sobre os outros. Perguntas quanto ao significado daquele pensamento para o cliente des­vendam crenças intermediárias; perguntas sobre o que o pensamento sugere so­bre o cliente indicam crenças centrais.

Questionar os conceitos do cliente requer que ele possua alguma habilidade de raciocínio abstrato. Muitos formam hipóteses gerais e tiram conclusões sobre si mesmos, outras pessoas e a vida, com base nas suas possibilidades intuitivas, sendo que a tendência é mantê-las de forma quase permanente.

O processo terapêutico promove revisões dos significados atribuídos e possi­bilita flexibilização no sistema usado pelo cliente. Uma transição gradual será conseguida ao se provocar mudanças nas interpretações das experiências. A pro­moção de novas possibilidades é essencial para uma reorganização cognitiva que englobe tanto elementos tácitos quanto explícitos.

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Questionando Rótulos, Atribuições e Significados ■ 333

A seguir, ilustra-se o uso de um diálogo entre terapeuta e cliente que pode auxiliar o entendimento das técnicas expostas.

Terapeuta: “Exatamente o que você está querendo dizer com 'Eu sou um fra- casso ?

Cliente: “Que eu não consigo controlar o meu peso e que estou de novo imen­samente gorda, infeliz e sozinha.”

Terapeuta: “Você está relacionando então seu grau de felicidade com o seu peso?”Cliente: “É isso mesmo! Para que eu possa ser feliz... eu tenho que estar ma­

gra. Não dá para me olhar assim e ficar satisfeita comigo mesma. Nenhum cara vai se interessar por mim.”

Terapeuta: “Você já me disse que em outras épocas da sua vida você esteve abaixo e acima deste seu peso atual, não é mesmo?”

Cliente: “É! Depois da minha adolescência já pesei muito mais, mas o ideal foi em janeiro desse ano.”

Terapeuta: “Que tal fazermos uma linha do tempo e localizarmos seus pesos ao longo dela?” (ver Fig. 28.1)

Cliente: “ (.. .)Bom, aos 14 el5 anos eu pesava bem mais. Depois entre 16 e 19, eu diminuí um pouco e fiquei razoavelmente normal. Aos 20 anos voltei a engor­dar, mas aos 21, eu comecei a tomar pílula e, ao contrário das outras pessoas, eu comecei a emagrecer. Consegui meu melhor peso e agora, nesses últimos meses, quando parei a pílula, voltei a engordar.”

Terapeuta: “Você voltou ao peso de que idade mais ou menos?”Cliente: “Acho que igual ao de 19 anos, talvez menos.”Terapeuta: “Agora, olhando para este gráfico, o que você consegue ver?”(A cliente começa a chorar e a terapeuta se aproxima)Terapeuta: “Em que você está pensando?”Cliente: “Que talvez esse seja o meu peso médio e que o de janeiro era o menos

possível de acordo com o meu biotipo, minha história.”Terapia: “E isso significa o quê?”

Idade

Figura 28.1 - Linha do tempo versus peso.

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334 ■ Terapia Cognitivo-œmportamental

Cliente: “Que eu nunca poderei ser tão feliz quanto naquela época.” Terapeuta: “Ora, agora precisamos ver também essa relação que você faz com a

felicidade. Você está dizendo que a razão de estar se sentindo tão infeliz é o fato de você estar gorda. É isso? Vamos ver essa relação entre o grau de felicidade e o seu peso ao longo dos últimos anos. Agora vou pedir a você que desenhe uma outra linha que represente quão feliz você se lembra de ter se sentido naqueles diferentes períodos de sua vida, em termos de muito, médio ou pouco, O.K.?” (Fig. 28.2)

Terapeuta: “O que podemos discutir em termos de superposição, semelhan­ças ou diferenças entre as linhas?” (Fig. 28.3)

Cliente: “É verdade. Nem sempre estive feliz e magra ao mesmo tempo. Mas tinham outras coisas envolvidas.”

Terapeuta: “Isso mesmo! Você veio procurar terapia justamente alguns meses antes de janeiro e não se sentia nem um pouco feliz... Que outras coisas são im­portantes para sua felicidade?”

Cliente: “Bom, além do peso, a minha saúde e a das pessoas da minha família, estar bem profissionalmente, ter um relacionamento legal, um grupo de amigos, dinheiro, segurança, cabelo bonito...”

Terapeuta: “Portanto, se formos colocar estas variáveis em proporções, como ficariam?”

Cliente: “É, não basta estar magra. Tem tantas outras coisas...”Terapeuta: “Então...”

Idade

Figura 28.2 - Linha do tempo versus grau de felicidade.

Muito Gorda

Gorda

Normal

Magra

Muito magra

Idade

Figura 28.3 - Linha do tempo: peso versus grau de felicidade.

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Questionando Rótulos, Atribuições e Significados ■ 335

Cliente: “Acho que prefiro quando estou mais magra, principalmente porque na adolescência me sentia diferente e inferior às outras garotas, mas com certeza hoje em dia, só isso não me é suficiente. E também eu não estou tão magra quanto estava em janeiro, mas não quer dizer que esteja supergorda.”

Terapeuta: “Como você está se sentindo agora ao falar dessas relações?” Cliente: Melhor. Talvez tenha que me lembrar dessas coisas quando me

olhar no espelho... quando me sentir triste e arrasada...”Terapeuta: “É... a gente sempre precisa prestar mais atenção para considerar

todas as possibilidades antes de tirar conclusões. A gente, muitas vezes, se pega acre­ditando em verdades, nossas velhas conhecidas, sem nem mesmo questioná-las.

CONCLUSÃOGeralmente, é inevitável lidar com fortes resistências às mudanças. Precisa­

mos voltar várias vezes, repetir as discussões, novamente confrontar as constru­ções, questionar gentil e firmemente. O encorajamento é essencial para que os clientes realizem mudanças. Sensibilidade é essencial para os terapeutas que os acompanham.

R e f e r ê n c ia s

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Page 348: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Descatastrofização

M ariân g ela G e n t il Savoia

Descatastrofização é uma estratégia de tratamento que ajuda o paciente a testar a realidade de suas cognições. Essa técnica é focada em uma das distorções cognitivas mais fre­qüentes em pacientes deprimidos e ansiosos: a possibili­dade de uma catástrofe iminente. Assim, compreende-se a catastrofização como uma concentração do paciente no resultado ou aspecto negativo mais extremo de qualquer situação. A pessoa geralmente exagera as probabilidades de ocorrência desse acontecimento, sem considerar outras possibilidades (Beck etal, 1985). Pode-se citar como exem­plo o relato de um paciente preocupado com algumas man­chas que tinha na pele e que poderia ser uma doença grave que viu na TV, a lepra. A Descatastrofização, portanto, en­volveu equilibrar a concentração do paciente na pior pos­sibilidade de ocorrência e de seus riscos, com a reavaliação da situação (Dattilio e Freeman, 1998).

Segundo Beck e ta l (1985), experiências de sucesso e performance altamente competentes não necessariamen­te tornam confortável uma situação similar, pois sempre existe a possibilidade de algo errado ocorrer. Para os pa­cientes que apresentam esse tipo de distorção cognitiva, ter uma habilidade adequada para prevenir uma ocorrência desagradável não traz uma possibilidade de sucesso pois essa habilidade pode flutuar de acordo com o grau de peri­go antecipado (e imaginado) das situações, como: “Eu não posso fazer nada errado, se o fizer será uma catástrofe.”

Pode-se citar o exemplo de outra paciente na avaliação psicotécnica para motoristas. Quando resolveu fazer o mes­mo procedimento para porte de armas, avaliou que não seria capaz, que tudo sairia errado, que as pessoas que porventura não fossem consideradas aptas pelo psico-

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Descatastrofização ■ 337

técnico iriam menosprezá-la de alguma forma. Embora ela tivesse excelentes ha­bilidades para realizar o seu trabalho, somente se focava nas eventuais dificulda­des e catástrofes.

O pensamento catastrófico, assim, é composto de predições catastróficas, o que é entendido como uma interpretação de possível dano a qualquer sinal de erro e de feedback negativo (que apenas agrava o problema). Mesmo quando o paciente se sente bem, acaba por antecipar que algo vai falhar. Assim, essas predi­ções acabam por exacerbar os reflexos e a atenção, aumentando a ansiedade e levando o indivíduo a cometer mais comportamentos desastrosos, o que aumen­ta o sentido de vulnerabilidade e reforço da previsão, levando a um círculo vicioso ininterrupto (Beck et al, 1985). É importante lembrar que essa forma de pensar é resultado de um processo de aprendizagem.

A catastrofização, portanto, é um conjunto de respostas que, ao ser mobiliza­do a primeira vez na criança, pode não ter sido resultado de uma distorção, mas o reconhecimento da realidade concreta. Uma paciente que usualmente ca- tastrofizava quando a irmã demorava em chegar, relata o processo uma vivência semelhante em sua primeira infância uma vez que, por ser a mais velha, a mãe solicitava que cuidasse das irmãs. Embora tivesse apenas um ou 2 anos a mais que as mesmas, sempre se sentiu responsável pelo que poderia vir a ocorrer a elas. E então imaginava: “Se alguma coisa ocorrer a elas eu serei a pessoa culpada.” Hoje, quando a irmã menor sai e demora a voltar, somente associa a coisas negativas.

A persistência das cognições que tendem a catastrofizar os acontecimentos “normais” atua como estímulos condicionados que mantêm as reações emocio­nais disfuncionais a ele condicionadas (Fine, 1998).

PROCEDIMENTOSDo ponto de vista deste capítulo, a Descatastrofização não é aplicada somente

por meio de uma técnica específica pois várias outras podem ser utilizadas para esse fim. Nesse sentido, é necessário avaliar cada situação antes, para que as pro­postas de mudança possam ser efetivadas. A seguir, descrevem-se algumas alter­nativas da Descatastrofização:

1. Análise Lógica: Com a paciente que, no caso, realizava testes psicotécnicos, levantou-se quais outros argumentos lógicos teria ela, se consideradas as experiências passadas. A partir desse trabalho, a paciente que relatava 90% de certeza em não ser bem-sucedida modificou essa medida para 50%, diminuindo em muito a sua ansiedade, proporcionando enfrentamento da situação, tornando-se mais tranqüila e obtendo reforçamentos pela sua performance.

2. Coping Cards (Cartões de Enfrentamento): Aliado a esse procedimento, foi elaborado um cartão de enfrentamento onde se encontravam listadas as habilidades que a cliente apresentou nas avaliações psicotécnicas ante­riores (sucesso) que, uma vez anotadas e guardadas na sua carteira, pode­riam ser lidas sempre que esse pensamento catastrófico viesse a surgir.

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338 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

3. Teste de Hipóteses: Outra possibilidade é o trabalho intersessões de testar hipóteses. O terapeuta encoraja a paciente a escrever as predições catas­tróficas, que podem ser testadas na sessão inicialmente ou nas situações reais de maneira assistida.Um exemplo desse procedimento é verificado em um paciente que recu­sava convites da esposa, pois temia exibir alguma forma de tremor frente a ela, vindo a ficar embaraçado. As hipóteses que levantava era de que fica­ria com muita vergonha, se sentiria muito ansioso e não conseguiria man­ter uma conversação adequada. Após o uso daDescatastrofização, resolveu ir pois percebeu ser uma situação importante para o teste de suas cognições. E assim afirmou: “Inicialmente me senti muito ansioso, mas topei justamente para me expor. Inicialmente, quando entramos no res­taurante o nível de ansiedade estava alto (SUDS 8)1 e para completar sen­tamos em uma mesa no centro do restaurante que estava cheio. As pessoas eram agradáveis e a ansiedade foi diminuindo, após 30 minutos estava no nível 3 e no final do jantar no nível 1.”Ao checar as suas hipóteses o paciente confirmou a alta de ansiedade, mas verificou que ela diminuía e pôde aproveitar a situação social, o que lhe foi extremamente prazeroso.

4. Projeção no Tempo: Essa é outra forma de lidar com os pensamentos ca­tastróficos. O paciente pode se projetar no futuro e imaginar a situação meses ou mesmo anos depois. Um paciente com alto nível de ansiedade em uma chamada oral na faculdade se beneficiou desse procedimento. O questionamento realizado foi: “Se for péssima a sua performance, qual será a conseqüência para a vida daqui a 5 ou mesmo 10 anos?” A resposta dis­pensa explicações. Outra forma de questionamento seria: “Qual a pior coisa que poderia acontecer? Seria assim tão horrível?”

5. Descatastrofizar Imagens: Visa ao levantamento, junto com o paciente, dos aspectos extremos de sua imagem distorcida e levá-lo a verificar, por meio de discussões, como a situação pode ser menos catastrófica do que ele realmente imagina.

No exemplo da paciente que a irmã, ao sair de casa, imaginava cenas catastró­ficas ocorrendo, as imagens que vinham em sua cabeça eram da irmã sendo assal­tada, morrendo, sendo seqüestrada. Foi realizado um levantamento de outras possibilidades juntamente com a paciente, como: o ônibus atrasou, a irmã preci­sou ficar mais tempo no serviço e/ou escola, em uma festa, ela quis ficar conver­sando ou encontrou alguém e saiu.

1 Escala Subjetiva de Desconforto (Subjective Desconfort Scale) desenvolvida por Wolpe (1969). Os clientes são solicitados a avaliar sua ansiedade em uma escala de 0 a 10, sendo 0 a ausência de ansiedade; 1, 2 e 3 ansiedade leve; 4, 5 e 6 ansiedade moderada; 7, 8 e 9 ansiedade elevada; e 10 o ataque de pânico.

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Descatastrofização ■ 339

A CATASTROFIZAÇAO E OS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE

Como foi dito no princípio deste capítulo, a catastrofização é uma distorção cognitiva freqüente nos pacientes com transtornos de ansiedade. O indivíduo ansioso distorce os acontecimentos inócuos, exagera o potencial de dano e expe­rimenta pensamentos ou imagens recorrentes de estar sendo física ou psicologi­camente prejudicado. A determinação da incapacidade de enfrentamento pode fazer com que o indivíduo perceba a situação externa como mais perigosa do que realmente é (Dattilio e Freeman, 1998). Na seqüência são analisadas as possibili­dades dessa forma de pensar em alguns dos transtornos ansiosos,

1. Transtorno de ansiedade social: Nesse transtorno são comuns as seguin­tes cognições que, instaladas no repertório do paciente, poderão desen­cadear a catastrofização - diálogo interno de autoverbalizações negativas; atenção seletiva para os sinais socialmente ameaçadores; sensação de ser inferior ou menos capaz que os demais; tendência a perceber críticas e desaprovações que não estão realmente presentes; fantasias negativas que produzem ansiedade antecipada; conceitos rígidos sobre a conduta social apropriada; sensibilidade excessiva de desaprovação e crítica; superestimação da probabilidade de ocorrência de sucessos sociais de­sagradáveis.

2. Transtorno do pânico: No transtorno do pânico são comuns as interpreta­ções catastróficas frente aos sinais de ansiedade. A teoria sobre ataques de pânico serem resultados de interpretações cognitivas catastróficas que o paciente faz de seus sintomas somáticos tem encontrado apoio na litera­tura (Holt e Andrews, 1989; Rapee et ai, 1990; Argyle, 1988).O medo de passar mal, por exemplo, de ter um ataque de pânico leva o paciente a prestar atenção exagerada aos seus sintomas físicos. “Quando eu sinto (sensação específica, como o coração bater mais forte) então, uma catástrofe (como ter um ataque cardíaco) ocorrerá.”Nesse caso é utilizada uma exposição interoceptiva que é uma exposição sistemática a sensações corporais temidas, a qual apresenta como objeti­vo eliminar o medo do medo. A exposição interoceptiva consiste em pro­duzir sinais costumeiros de ansiedade por outros meios visando à extinção do condicionamento interoceptivo, ou seja, uma associação da crise de pânico com as sensações corporais. Barros Neto (2000) apresenta exercí­cios para essa extinção. Nesse sentido, o que o paciente aprende é o corre­to significado das sensações físicas, sem as interpretações catastróficas costumeiras.

3. Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC): É comum encontrar nos pacien­tes com TOC a certeza de que, se efetuarem determinado comportamento, algo de catastrófico irá ocorrer. “Se eu não fizer um ritual, então algo terrível irá acontecer e eu serei culpado.” A seguir foi reproduzido o diálogo de um terapeuta com um paciente que checa as torneiras de casa.Terapeuta: “O que acontecerá se você deixar a torneira aberta?”

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340 ■ Terapia Cognitivo-comporta mental

Cliente: “Pode inundar o apartamento.”Terapeuta: “O que mais pode acontecer?”Cliente: “Na pior possibilidade, vazar muita água e chegar a pingar no apar­tamento vizinho.”Terapeuta: “E qual a conseqüência disso?”Cliente: “Nenhuma, porque já vazou mesmo, poderia ir pedir desculpas e levar um balde para colocar embaixo da goteira.”Terapeuta: “Existe possibilidade de acontecer alguma outra coisa?” Cliente: “Na verdade é muito difícil realmente acontecer isso, pois já es­queci a torneira aberta e nada disso aconteceu.”

4. Transtorno de ansiedade generalizada: Pacientes com esse transtorno, ao catastrofizarem um acontecimento futuro, acreditam que alguma coisa ruim irá acontecer e não serão capazes de lidar com a situação. A estraté­gia básica para o terapeuta utilizar nesse momento, segundo Beck et a l (1985), é esse questionamento triplo: (a) Quais as evidências?; (b) De que outra forma a situação pode ser avaliada?; e (c) Qual o risco de acontecer a possibilidade mais temida?

Esse questionamento triplo envolve técnicas para cada uma das questões. No item (a) pode ser usada a técnica das três colunas. Na primeira coluna o paciente descreve uma situação problema (ansiógena). Na segunda, escreve os pensamen­tos automáticos (PA) e na terceira, os tipos de erros encontrados nesses mesmos pensamentos:

Situação Interpretação Distorções

Marido está atrasado para chegar em casa

Ele não liga para avisar do atraso

Ele deve estar bebendo com os amigos

Vai chegar bêbado e insuportável

Não sou importante, ele faz isso só porque sou eu. Se fosse outra pessoa seria diferente

Acho que nosso casamento está no fim

Inferência arbitrária

Catastrofização

Personalização

Catastrofização

Na situação anterior, o terapeuta auxiliou a paciente a encontrar outras possi­bilidades do atraso que possam ocorrer além da que o marido esteja bebendo com amigos. Assim, tem-se como interpretação alternativa ao marido “estar atrasado para chegar em casa”: trânsito, trabalho extra, problemas com o carro (por exem­plo). Com relação a “não telefonar”, o celular pode estar fora de área de serviço ou ele esqueceu de carregar a bateria. Na terceira questão, “E se realmente aconte­cer?” é onde o processo de descatastrofização se faz mais presente, sendo formu­lada a seguinte pergunta: “Qual o tamanho da catástrofe de alguém sair do trabalho para um happy hour com os amigos? Se realmente chegar ‘alto’ e inconveniente,

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Descatastrofização ■ 341

de quais estratégias de enfrentamento você deve dispor para lidar com a situação? Se ele realmente quiser a separação, que reais condições você teria para enfrentar a vida sozinha?” Nesse processo, o terapeuta deve auxiliar a paciente a avaliar o seu repertório comportamental para lidar com essa situação estressora e, na maio­ria das vezes, trabalhar com técnicas de manejo de estresse.

DEPRESSÃOO modelo cognitivo da depressão enfatiza a tríade cognitiva. Os pacientes de­

primidos têm uma visão negativa de si próprios, do mundo e do futuro. Sua visão negativa do mundo aparece nas crenças de que foram sobrecarregados com enor­mes exigências e barreiras intransponíveis existentes entre eles e seus objetivos. O mundo aparece desprovido de prazer ou gratificação e o futuro é encarado de maneira pessimista, refletindo a crença de que seus problemas atuais só vão pio­rar (Beck etaly 1982).

Como exemplo, cita-se o caso de uma paciente, J., que foi chamada na escola para uma reunião com a coordenadora a respeito de sua filha mais nova. A coor­denadora relatou que a menina apresentava dificuldades em duas matérias (in­glês e matemática) e alguns comportamentos de indisciplina na sala de aula. A paciente pensou “Sou uma mãe relapsa, perdi a minha filha de vista, não tenho mais chances, ela já perdeu o ano e o que será dela no futuro?”

Na sessão seguinte a terapeuta a questionou:

Terapeuta: “O que você estava fazendo na escola da sua filha?”Cliente: “Fui à reunião que havia sido convocada.”Terapeuta: “Você se organizou para essa reunião?”Cliente: “Sim, avisei no trabalho que iria me atrasar/'Terapeuta: “Uma mãe relapsa vai à reunião de escola dos filhos?”Cliente: “Sei o que você quer dizer, na verdade eu não havia pensado nisso.” Terapeuta: “E o que você me diz a esse respeito?”Cliente: “Pensando assim, não sou totalmente relapsa!”Terapeuta: “E qual o problema das matérias que a sua filha não vai bem?” Cliente: “Eu, como mãe, deveria estar estudando com ela, ajudando-a nas li­

ções de casa.”Terapeuta: “E por que você não faz isso?”Cliente: “Por causa dessa minha depressão, não tenho ânimo. Volto do traba­

lho, organizo as coisas da casa e não consigo fazer mais nada.”Terapeuta: “Você já havia me contado anteriormente desse problema da sua

filha com relação aos estudos e me parece que você havia tomado algumas provi­dências ou estou enganada?”

Cliente: “É verdade, eu coloquei um professor particular de inglês e um de matemática para auxiliá-la.”

Terapeuta: “J., mãe relapsa tem essa preocupação com relação aos filhos, de avaliar que não estão bem e contratar professores particulares?”

Cliente: (ri) “Sou obrigada a concordar com você, mas na hora, essas reflexões não acontecem e eu só vejo o lado negativo, ou melhor, o meu lado negativo.”

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342 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

Terapeuta: “Exatamente, você está esquecendo a responsabilidade que sua menina deveria ter com os estudos, afinal você não é a única responsável pelos estudos dela. Podemos relacionar ela, a escola, os professores particulares e o pai.”

Pode-se ver que o pessimismo está centrado no discurso dos pacientes deprimi­dos. Seligman (1992) relata a importância dessa forma de ver a vida, pessimista, que pode levar ao que ele denomina de desamparo aprendido, que é a reação de desistên­cia, a renúncia que resulta na convicção de que não adianta fazer nada para reverter a situação, portanto, só resta esperar pela catástrofe. A percepção de incontrolabilidade da situação leva o paciente a não conseguir mais se comportar, não esboçar nenhu­ma reação para enfrentar a situação para a resolução do problema, fazendo apenas de forma emocional e irracional. No exemplo citado, a paciente não avalia a situa­ção de forma clara e não consegue ir ao trabalho, voltando para casa e indo dormir, ou seja, foge do problema, utilizando estratégias de enfrentamento centradas na emo­ção2. A partir do questionamento realizado, na seqüência, desenvolveram-se estraté­gias de enfrentamento centradas, agora, no problema.

CONSIDERAÇÕES FINAISA Descatastrofização pode ser realizada por técnicas comportamentais e/ou

cognitivas. A escolha da técnica depende de uma análise funcional precisa do com­portamento de catastrofização específico do paciente. Dessa forma, pode-se co­nhecer os fatores desencadeantes e os mantenedores para que se realize um programa terapêutico adequado a cada paciente.

Considera-se importante conhecer os fatores da história de vida do paciente que resultaram na aprendizagem desse padrão de pensamento. Isso possibilita, ao terapeuta e ao paciente, a compreensão de como esse comportamento foi ins­talado. Na grande maioria das situações, esses fatores são essenciais no processo de descatastrofização.

R e f e r ê n c ia s

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2 Habilidades desenvolvidas para o domínio das situações de estresse e adaptação a elas são deno­minadas estratégias de enfrentamento e têm duas funções: modificar a relação entre a pessoa e o ambiente (centrada no problema) e adequar a resposta emocional ao problema (centrada na emo­ção) (Lazarus e Folkman, 1984).

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Descatastrofização ■ 343

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CAPITULO

Treino de Resolução de Problemas

L il ia n a S eger Jacob

Este capítulo tem por finalidade descrever o Treino de Resolução de Problemas e explicitar sua possível aplicação em diversas áreas clínicas.

O estudo empírico do constructo de resolução de pro­blemas tem uma longa história, porém, recentemente, os profissionais de saúde mental têm se centrado nessa técni­ca como um meio de lidar com os transtornos compor­tamentais e os problemas emocionais.

Para que um indivíduo lide de forma eficaz com uma dificuldade, ele necessita aprender a avaliar e a encontrar soluções que lhe permitam resolver seu problema. Consi­dera-se uma resposta eficaz uma resposta ou um padrão de respostas que altera a situação, a qual deixa de ser pro­blemática e, ao mesmo tempo, produz o máximo de outras conseqüências positivas e o mínimo de negativas.

D’Zurilla e Goldfried (1971) publicaram um artigo que delineava um modelo prescritivo para treinar os indivíduos em habilidades de solução de problemas como um meio de facilitar sua competência social geral.

Antes de definir o comportamento de solução de pro­blemas, parece importante definir o “problema” em situa­ções de solução de problema. Segundo Skinner (1953), na verdadeira situação-problema, o organismo não tem o com­portamento disponível que reduzirá a privação ou fornece­rá a fuga para uma situação aversiva. Situações problemáticas ocorrem durante toda a vida do indivíduo. Deve-se deixar clara a distinção entre “emitir uma resposta que é solução” e “solucionar um problema”.

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Treino de Resolução de Problemas ■ 345

Solução de problemas é um comportamento que, por meio da manipulação de variáveis, torna mais provável o surgimento da solução. Solução de problemas se refere ao processo de encontrar uma solução.

A solução, por outro lado, é definida como a resposta ou o padrão de respos­tas resultantes que altera a situação de forma a eliminar ou reduzir sua natureza problemática.

A “dificuldade” de uma situação problemática, para um indivíduo, é proporcio­nal à disponibilidade no repertório de uma resposta que constitui uma solução. Quanto menor for o repertório do indivíduo, maior será a situação problemática.

Torna-se necessário, também, diferenciar comportamento de solução de pro­blema e tentativa e erro (aberta ou encoberta). Em aprendizagem de tentativa e erro, um número de respostas de alta probabilidade pode ser emitido porque a situação problemática contém elementos similares àqueles de situações prévias, nas quais essas respostas foram reforçadas. Se uma dessas respostas foi reforçada, isso não é solução de problemas. O comportamento não foi empregado naquilo que tornou a situação mais provável; a solução foi encontrada por acaso. A tenta­tiva e erro com comportamento de solução de problemas pode ter uma conexão, como no caso de um indivíduo que tenta várias respostas possíveis (aberta e sim­bolicamente) até que ele encontre a “melhor” resposta para ele.

A orientação de Skinner enfatizou o comportamento aberto e a manipulação de variáveis externas. Neste capítulo é considerada uma definição mais ampla de comportamento e se focaliza a atenção em operações cognitivas ou interações com­portamentais encobertas, as quais podem estar envolvidas na solução de proble­mas efetivos na vida, mas que podem não ser representativas de qualquer comportamento aberto imediato.

O Treino de Resolução de Problemas (TRP) é uma técnica que tem sido aplica­da como intervenção de tratamento em uma variedade de transtornos clínicos, incluindo a depressão (Hussian e Lawrence, 1981; Nezu, 1986), o estresse e a an­siedade (Mendonça e Siess, 1976), agorafobia (Jannoun Munby, Catalan e Gelder, 1980), as fobias, a obesidade (Black, 1987; Black e Sherba, 1983; Black e Threefall, 1986), os problemas conjugais (Whisman e Jacobson, 1989), o alcoolismo, a inde­cisão em escolhas, em períodos de transição, aos transtornos infantis e da adoles­cência, enfim, a inúmeras situações que requerem que o indivíduo treine suas habilidades de solução de problemas sociais e interpessoais.

Nezu e Nezu (1996) definiram a solução de problemas sociais como o proces­so metacognitivo pelo qual os indivíduos compreendem a natureza dos proble­mas da vida e dirigem seus objetivos à modificação do caráter problemático da situação ou mesmo das suas reações a ela.

É importante lembrar que, em qualquer tentativa para facilitar a solução de problemas, precisa-se considerar os aspectos da personalidade do indivíduo e do ambiente que podem estar relacionados ao desempenho. Dependendo dos as­pectos envolvidos, outros procedimentos ou formas de tratamento podem ser necessários para preparar o indivíduo para o TRP

Ressalta-se que, como qualquer técnica, essa jamais deve ser vista fora de um contexto ou situação específica. A prioridade em qualquer processo terapêutico, independentemente da intervenção a ser realizada, se concentra na relação estabelecida entre o paciente e o terapeuta.

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346 ■ Terapia Cog nitivo-com porta menta I

Ao se pensar em um problema, tem-se em mente as situações específicas da vida, as quais exigem respostas para um funcionamento adequado. Basicamente, os problemas representam uma discrepância entre a realidade de uma situação e os objetivos desejados.

Um problema pode ser um acontecimento único, uma série de acontecimen­tos relacionados ou uma situação crônica. As demandas da situação problemáti­ca podem se originar no ambiente ou dentro da pessoa. Portanto, um problema por si só não é uma característica do ambiente, nem da pessoa. Ao contrário, um problema é um tipo particular de relação pessoa-ambiente que reflete um dese­quilíbrio ou uma discrepância percebida entre as demandas e a disponibilidade de uma resposta adaptativa.

A adequação ou eficácia de qualquer solução varia de pessoa para pessoa, de lugar para lugar, pois a eficácia depende dos valores e objetivos de cada um.

Deve-se ressaltar que as avaliações do processo deveriam centrar-se nas habi­lidades e capacidades que permitem aos indivíduos solucionar os problemas de forma eficaz, enquanto as avaliações da solução deveriam centrar-se nas soluções encontradas. Na prática clínica, percebe-se que um indivíduo é, às vezes, compe­tente para encontrar uma solução, mas é incapaz de colocá-la em prática.

Determinadas habilidades comportamentais e cognitivas são mediadoras das reações emocionais. A forma como o paciente avalia o problema, suas conseqüên­cias, soluções potenciais e antecipação das conseqüências, isto é, como ele reage a uma situação problemática, precisa ser bem avaliada antes do processo, para que outras técnicas, como a reestruturação cognitiva ou Dessensibilização Siste­mática, possam ser utilizadas conjuntamente.

MÉTODOA capacidade de solução de problemas compreende uma série de habilidades

específicas. Existem cinco processos, cada um avalia um aspecto da solução:

1. Orientação para o problema;2. Definição e formulação do problema;3. Levantamento de alternativas;4. Tomada de decisões;5. Prática da solução e verificação.

O componente de orientação para o problema (1) pode ser descrito como um conjunto de respostas de orientação que representam as reações cognitivo-afetivo- comportamentais imediatas de uma pessoa, quando ela se defronta com uma situa­ção problemática. Essas respostas incluem as crenças, as avaliações e as expectativas sobre os problemas da vida e sobre sua capacidade de solução de problemas. Suas cognições incluem: sua história de vida passada e seu reforçamento relacionado à solução de problemas, o que pode ajudar ou produzir um efeito negativo na forma como o indivíduo analisa o problema.

O processo (2), definição e formulação do problema, consiste em clarificar e compreender a natureza específica do problema. Após se definir e se formular a

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Treino de Resoiução de Problemas ■ 347

natureza da dificuldade, de forma clara e concreta, pode-se avaliá-lo de forma mais precisa.

O objetivo do processo (3) é a criação de alternativas, fazendo com que todas as soluções possíveis estejam disponíveis.

No (4), a tomada de decisões é avaliada, julgada, comparada às opções dispo­níveis para serem aplicadas na situação. Finalmente, o (5), prática da solução e verificação, consiste em avaliar a eficácia da atuação para controlar e resolver o problema ou a situação problemática.

Esses cinco passos não se baseiam numa clarificação das estratégias cognitivo- comportamentais que podem ser utilizadas durante o processo, mas representam um modelo estabelecido de solução de problemas, utilizando um formato lógico para o treinamento.

Os indivíduos podem se movimentar entre esses cinco passos e, freqüen­temente, é necessária a utilização de técnicas complementares entre os passos, a fim de ampliar as capacidades do indivíduo em cada fase. Por exemplo, pode ser necessário o emprego da reestruturação cognitiva durante a fase de definição e formulação do problema, para minimizar as distorções cognitivas que impedem o indivíduo de definir o problema com precisão.

Portanto, essa técnica pode ser utilizada num formato estruturado ou de modo mais amplo e aberto, num formato de terapia.

Existem diversos aspectos que merecem consideração. Um indivíduo pode não conseguir solucionar seus problemas simplesmente por não ter as habilidades necessárias, bastando, nesse caso, aprendê-las ou ele pode não conseguir resolver problemas por causa de emoções negativas, como ansiedade ou depressão, as quais impedem ou dificultam uma avaliação eficaz. O papel do terapeuta assume gran­de importância ao sinalizar e verificar as habilidades do paciente, bem como seus padrões de pensamento.

DESCRIÇÃOAo detalhar cada passo, o terapeuta deve sempre lembrar que o TRP é um pro­

cesso flexível, espontâneo e natural. Deve-se ressaltar a inter-relação entre os com­ponentes conforme a situação ocorre.

O rientação para o P ro blem a

Tornar-se adequadamente orientado para lidar com situações problemáticas da vida (estressantes - reais ou percebidas) significa desenvolver um conjunto de atitudes para reconhecer e aceitar situações problemáticas quando elas ocorrem e inibir a tendência tanto de responder impulsivamente quanto de não fazer nada. É enfatizado, pelo terapeuta, que a vida é constituída de uma série infinita de situa­ções problemáticas, que esse é o estado “normal” mais do que o “anormal” O pa­ciente é instruído de que ele, quando ocorrem dificuldades ou incertezas, poderia imediatamente tentar identificar a situação ou as situações externas que produ­zem essas dificuldades, em vez de reviver constantemente suas próprias reações

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348 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

ou emoções pessoais. O paciente também é encorajado a aceitar o fato de que ele tem habilidades para solucionar problemas, mesmo quando nenhuma solução esteja aparente.

A natureza e os objetivos dessa etapa são descritos e discutidos e o paciente aprende que, embora algumas situações problemáticas sejam mais complexas e, conseqüentemente, mais difíceis de solucionar que outras, ele possui diversas al­ternativas de ação, potenciais disponíveis para lidar com quase qualquer situação problemática.

A grande função da tendência inibitória é a redução da tendência de se rea­gir automaticamente a estímulos familiares em situações problemáticas (inapropriada ou desastrosamente) ou evitar o problema passivamente, “fazen­do nada”. Se uma pessoa dá uma resposta imediata a uma situação problemáti­ca sem parar e pensar, pode não existir tempo suficiente para ocorrerem respostas cognitivas à ação efetiva.

e F o r m u la çã o do P ro blem a

Nessa fase são introduzidas categorias de situações problemáticas para trei­namento (por exemplo, estudar, paquerar etc.). Elas podem ser preparadas com base nas experiências individuais do paciente ou feitas de antemão para exem­plificar e treinar essa fase.

Em geral, indica-se que se comece com uma hierarquia que vai do menos difí­cil para o paciente até às categorias muito difíceis.

Com a ajuda do terapeuta, o paciente constrói uma situação hipotética especí­fica ou uma problemática real. Ele é orientado para definir o problema em termos claros e específicos. Avaliando a situação problemática cuidadosamente, conside­rando todos os fatos relevantes, utilizando termos claros e concretos, ele destaca os aspectos pertinentes do problema, aumentando a possibilidade de solução.

Nessa fase, o próximo passo é formular os objetivos-alvo: quais aspectos da si­tuação problemática devem ser mudados e qual a natureza dessa mudança? Assim se estabelecem os limites para a próxima fase, que é a formulação de alternativas.

L evan tam en to de A lternativas

A procura de alternativas é um processo criativo e imaginativo tanto quanto um processo de recordação e revivência. A revivência de antigas soluções pode ajudar na solução de problemas similares no passado, os quais tenham alcançado bons resultados. O paciente precisa pensar em maneiras de combinar partes de respostas habituais diferentes em novas ações.

O paciente é instruído a produzir respostas associativas. Uma maneira de ajudá-lo a evitar “obstáculos” é por meio do princípio de “adiamento do julga­mento”. De acordo com esse princípio, o paciente tenta pensar em uma alternati­va após a outra, sem ficar interessado por questões como seu valor, sua aceitabilidade ou sua adequação. Evitando, ainda, pensar em conseqüências de respostas nesse ponto o quanto for possível. Utilizando esse princípio, evitam-se

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Treino de Resolução de Problemas ■ 349

duas armadilhas: o término prematuro da procura com uma das primeiras “boas” alternativas vindas à mente e o desencorajamento e término prematuro da procu­ra decorrente de idéias precoces.

Quanto mais alternativas o paciente formula, mais prováveis são as chances dele conseguir melhores alternativas para a solução.

Quando o paciente sentir que esgotou suas idéias, passa-se para a fase de to­mada de decisão.

T o m a d a de D ecisão

Essa etapa envolve a seleção da “melhor” alternativa para a ação, sendo, pro­vavelmente, a fase mais difícil da estratégia. Essa seleção é fundamentada nas ex­pectativas do paciente, por exemplo, as conseqüências possíveis de várias alternativas. O paciente é instruído a antecipar essas conseqüências de cada al­ternativa, considerar seu valor e probabilidade de ocorrência e, então, selecionar a alternativa com melhor chance de solucionar o problema, maximizando as con­seqüências positivas e minimizando as negativas.

É claro que, para que essa análise ocorra, vários fatores interferem, como sua história passada, seu conhecimento de experiência dos outros e suas crenças, ou seja, a forma como o paciente interpreta as situações.

E importante pedir ao paciente que ele faça a seguinte pergunta: “Se eu fosse realizar essa solução particular, quais são as várias coisas que poderiam, possivel­mente, acontecer como resultado?” Nesse ponto, o paciente é instruído a consi­derar as conseqüências em quatro categorias diferentes: pessoal, social, em curto prazo e em longo prazo.

Na categoria pessoal, o paciente tenta avaliar cada alternativa quanto às necessi­dades que satisfazem as metas pessoais para se atingir, com referência aos objetivos- alvo, a situação problemática e os efeitos gerados nos seus sentimentos e emoções.

As conseqüências sociais se referem aos efeitos que a ação alternativa tem so­bre várias “outras significantes” na vida do paciente e as reações dos outros a ele.

As conseqüências em curto prazo se referem aos efeitos imediatos pessoais e sociais na situação problemática. Antecipando as conseqüências em longo prazo, o paciente considera as possíveis conseqüências pessoais e sociais que podem ocorrer no futuro.

Quando o paciente avaliou as alternativas nessas quatro categorias, ele é soli­citado a considerar a probabilidade de ocorrência das várias conseqüências.

Mais uma vez, toda essa avaliação depende de sua história particular e, obvia­mente, uma solução efetiva para um paciente pode não ser efetiva para outro.

O paciente vai, então, avaliando as conseqüências e selecionando o que ele vê com mais probabilidades de sucesso, julgando as suas alternativas possíveis. Essa seleção conduz à fase final, chamada de fase de verificação.

V erificação

A ação na vida real, seguida da tomada de decisão, não é garantida. O pa­ciente pode fracassar ao tentar realizar a alternativa selecionada por uma varie-

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350 ■ Terapia Cognitivo-comportamentai

dade de razões, inclusive déficits motivacionais (ou reforçamentos), inibições por fatores emocionais e obstáculos emocionais. Após o paciente realizar a al­ternativa escolhida, ele avalia as conseqüências e compara o resultado obtido na realidade com o qual havia fundamentado a sua decisão. Se a comparação for insatisfatória para o paciente, ele retorna à fase de tomada de decisão e sele­ciona a segunda melhor alternativa para a ação, repetindo esse processo até uma estratégia se mostrar satisfatória. Nesse ponto, a solução é considerada verificada e a estratégia está terminada.

O terapeuta necessita utilizar o conhecimento das características do seu pa­ciente, isto é, suas habilidades, suas necessidades, seus objetivos, seus valores, entre outros, para guiá-lo pelos passos do programa.

D iscussão

Os procedimentos descritos podem ser utilizados tanto em grupos quanto in­dividualmente. Uma das vantagens do treino em grupos é que, geralmente, ocorre uma soma maior de conhecimentos e informações, provendo um modelo mais adequado para solução de problemas. Além disso, o grupo pode encorajar uma avaliação crítica mais adequada e, como resultado, aumentar a efetividade do trei­namento na tomada de decisão. As relações interpessoais e o reforçamento social decorrentes do grupo podem, também, facilitar a generalização de solução de pro­blemas para situações sociais de vida real.

Um aspecto que deve ser acentuado, é que o objetivo do TRP não é ensinar respostas específicas ou soluções para determinadas situações problemáticas, mas ensinar a estratégia geral ou abordagem de solução de problemas, a serem aplica­das em qualquer problema social ou pessoal.

R e f e r ê n c ia s

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Paradoxo

D ébora P astore B a ssitt

PRINCÍPIOS

D efin ição G eral

O termo Terapia Paradoxal tem sido usado de forma inconsistente e existem controvérsias quanto à defini­ção e aos elementos que a caracterizam (Akillas, 2001). Essa confusão pode ser decorrente do fato das intervenções paradoxais não serem exclusivas da terapia cognitivo- comportamental; foram descritas em várias escolas, pri­meiramente por Frankl, um existencialista. Também existem técnicas paradoxais descritas na psicanálise, na terapia humanística e na teoria de sistemas e comunica­ção interpessoal, essas últimas usadas principalmente em terapias familiares (Seltzer, 1986). Neste capítulo é descrita a intervenção paradoxal como é usada na terapia cognitivo-comportamental. De modo geral, as interven­ções paradoxais podem ser definidas como aquelas nas quais se desafiam as expectativas dos clientes e se envolve alguma forma de recomposição ou prescrição de sinto­mas (Seltzer, 1986).

Prescrever SintomaNas intervenções paradoxais, as experiências ou com­

portamentos problemáticos (sintomas) são prescritos ou encorajados. Os clientes são encorajados a atuá-los deli­beradamente, por exemplo, um paciente com insônia deve

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Paradoxo ■ 353

tentar não dormir (Akillas, 2001). As intervenções paradoxais querem induzir mudança desencorajando o problema (Seltzer, 1986).

Mudar Conotação do Sintoma

Para clientes que resistem à intervenção paradoxal porque investiram esforço e tempo para abolir o comportamento-alvo, o uso do humor preconizado pelos logoterapeutas (para reduzir a preocupação em relação às queixas) ou a recompo­sição do sintoma (conotação positiva) são essenciais para convencer o cliente a efetuar as intervenções paradoxais (Ascher e Turner, 1980),

Outros autores entendem que a mudança de conotação dos sintomas é essencial para o sucesso da Terapia Paradoxal para todos os clientes. Frankl recomendava que se mostrasse o humor do sintoma, pois é impossível ter medo e rir ao mesmo tempo. Uma vez se dando conta do humor e sendo ca­paz de se distanciar da preocupação sintomática, o cliente começa a mudar de atitude, com um novo senso de liberdade e autodeterminação. Essa visão mudada é a chave para o funcionamento não sintomático ou melhorado. Clientes são levados a ter responsabilidade sobre o seu destino, adotando uma atitude de indiferença ou de controle sobre o sintoma indesejado que o trouxe à terapia (Seltzer, 1986). Akillas (2001) apontou que o modo pelo qual os sintomas são avaliados tem papel crucial na eficácia dos tratamentos pa­radoxais. Só praticar os sintomas não é suficiente para dar resultado, pode le­var tanto a efeito terapêutico como a efeito não terapêutico. O efeito terapêutico é mediado pelo significado do sintoma para o paciente. Alguns autores, como Shoham-Salomon e Rosenthal (1987), vão além; eles consideram intervenções paradoxais não só aquelas que prescrevem sintomas, independentemente da conotação dada a eles, mas também as que mudam e recompõem o signifi­cado dos sintomas, atribuindo a eles qualidades positivas, mesmo quando o sintoma não é prescrito.

A plicações

As intervenções paradoxais funcionam bem em casos difíceis (Ascher e Efran, 1978), mas podem ser usadas tanto quando o regime original falhou, como no tratamento inicial suplementado por outros métodos (Seltzer, 1986). Também são úteis para clientes que não cooperam. São eficientes em distúrbios psicos­somáticos, como alterações da atividade sexual, das eliminações e do sono (Ascher e Efran, 1978). A técnica também é usada em outros transtornos como depressão, insônia, tiques, jogo compulsivo, retenção urinária, gagueira e procrastinação (Kraft et al.y 1985). Seltzer (1986) faz uma lista ampla de sinto­mas relatados como tratáveis por intervenções paradoxais nas várias correntes de terapia (Tabela 31.1). Os casos relatados variavam em: idade, cronicidade, status socioeconômico e etnia, mostrando ainda mais a utilidade e abrangência das estratégias paradoxais.

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354 ■ Terapia Cognitivo-comportamentaI

Tabela 31.1 - Distúrbios tratados com sucesso por intervenções paradoxais

Abuso e dependência de drogas Explosões emocionaisAfonia histérica FobiasAlcoolismo GagueiraAnorexia Gestos suicidasAnsiedade HomossexualidadeAnsiedade de falar em público InsôniaAsma InvejaAutodepreciação Jogo patológicoBlushing (ruborizar-se) Masturbação compulsivaCegueira histérica ObesidadeChoro ParanóiaChupar dedo Pensamentos obsessivosComportamento anti-social PerfeccionismoComportamento obsessivo-compulsivo Perspiração

PiromaniaCrise de identidade Problemas comportamentaisDelinqüência Problemas de adolescentesDepressão Problemas de trabalhoDepressão e psicose pós-parto Problemas escolaresDistúrbios alimentares Problemas maritaisDistúrbios do sono Problemas sexuaisDor crônica ProcrastinaçãoEjaculação precoce Sair de casaEncoprese Sudorese excessivaEnurese TiquesEnvelhecimento TonturaEsquizofrenia Vômito e dor de estômago

Zumbido

(Adaptado de Selter, 1986.)

O bjetiv o : M u d an ça C o m po rtam en tal ou C o g n itiva?

As intervenções paradoxais não visam exclusivamente a diminuir ou a elimi­nar os sintomas-alvo, mas também a diminuir o desconforto ou a ansiedade que o indivíduo tem ao apresentar esses sintomas (o que diminui as conseqüências de­letérias dos sintomas). Assim, a pessoa muda se mudar e também muda se não mudar, ou seja, mesmo se o comportamento sintomático não mudar (mudança com­portamental), pelo menos o modo como é percebido se modifica (mudança cognitiva), atingindo o objetivo terapêutico (Shoham-Salomon e Neeman, 1989). Esses autores defendem que, sem mudança na conotação dos sintomas, não há resultado terapêutico com intervenções paradoxais. Akillas (2001) tem uma visão existencial das intervenções paradoxais. Defende a idéia de que, para haver uma mudança comportamental, é necessário haver, antes, uma mudança cognitiva por­que os sintomas são fundamentados, principalmente, na atitude que o paciente tem a respeito deles (a partir da mudança de sentido do sintoma, as escolhas das pessoas são causas da mudança dele).

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Paradoxo ■ 355

M ecanism os de A çã o

Diminuição da Ansiedade de DesempenhoEm distúrbios psicossomáticos (nos quais processos fisiológicos com inerva-

ção autonômica estão inibidos), a ansiedade antecipatória ou de desempenho tem papel importante na manutenção da freqüência do comportamento sintomático. Com o uso da intenção paradoxal, a ansiedade sobre melhora é substituída por indiferença ou por desejo de ter o sintoma pois o paciente tem o sintoma proposi­tadamente. O fato de não tentar, ansiosamente, se livrar do sintoma pode ajudar a reverter o comportamento. Como exemplo de respostas resistentes ao tratamen­to por causa de tentativas ansiosas de controlar o sistema nervoso autônomo, pode- se citar: perspiração, blushing, distúrbios do sono e sexuais, retenção urinária e fecal psicogênica (Seltzer, 1986).

O modo de funcionamento da intervenção paradoxal nesse tipo de distúrbio pode ser exemplificado pela insônia. A maioria das pessoas tem dificuldade oca­sional para dormir e vê essa dificuldade para dormir como evento isolado precipi­tado por eventual tensão durante o dia, muito sono à tarde etc. Noites se sucedendo normalmente resultam em uma rápida volta ao padrão típico de sono do indiví­duo. Porém, algumas pessoas vêem a dificuldade do início do sono como um indi­cador de tendência a diminuir o nível de funcionamento satisfatório. Consideram cada noite como um teste para sua habilidade de dormir e o nível de ansiedade de desempenho aumenta à medida que o teste se aproxima, inibindo cada vez mais o início do sono. Os temas focados são monitoramento do nível de prontidão para o sono e conseqüências negativas da perda do sono (bem-estar físico, dificuldades para o dia seguinte etc.). A preocupação com o sucesso e as conseqüências da falha aumentam a ansiedade antes do sono, agravando o alerta e dificultando o início do sono, o que gera mais a ansiedade para dormir, criando um círculo vicio­so. Há uma quebra desse ciclo com a intenção paradoxal pois a preocupação com o desempenho diminui, reduzindo a ansiedade para dormir, o que minimiza o alerta e facilita o sono, redefinindo a situação (Ascher e Efran, 1978, Relinger e ta ly 1978) como na Figura 31.1. Para a retenção urinária, o esquema é o mesmo da insônia: clientes com retenção tentam urinar, o que gera ansiedade de desempe­nho, aumentando a atividade simpática e aumentando a retenção que, por sua vez, aumenta a ansiedade de desempenho. Intervenção paradoxal diminui a an­siedade de desempenho porque a pessoa não precisa urinar, o que propicia a micção (Ascher, 1979).

Ao fenômeno de ansiedade antecipatória, Frankl atribuía a ocorrência de vários sintomas temidos. Dividiu os padrões de sintoma pela logoterapia: pa­drão fóbico (indivíduo tem medo de ter medo), padrão obsessivo-compulsivo (indivíduo tem medo dele mesmo, de que seus pensamentos os levem a fazer coisas) e padrão neurótico sexual (fuga do sexo). O mecanismo vicioso de feedback de ansiedade antecipatória e sintomas é descarrilado pela confron­tação causada por intenção paradoxal, na qual o sintoma aparece sem a ansie­dade antecipatória ou sem o medo do sintoma, passando a ser manejável pelo indivíduo (Seltzer, 1986).

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Mudança da ConotaçãoDe certo modo, a diminuição da ansiedade de desempenho ocorre porque a

conotação do sintoma muda para o paciente. Deixa de ser algo incontrolável e que provoca medo para ser passível de controle e sem grande importância. Al­guns autores consideram que a intervenção paradoxal é efetiva mesmo se a idéia negativa for mantida, funcionando por forçar o cliente a abandonar esforços im­produtivos para resolver problemas que, de outro modo, se resolvem ou diminuem ou porque clientes podem receber sugestões como perigo à sua liberdade e, en­tão, tornam-se motivados a negar ordens, parando o comportamento problemá­tico. Porém, autores mais modernos consideram a mudança da conotação do sintoma como elemento central nas intervenções paradoxais, enfatizando a im­portância de perceber os sintomas como desejáveis ou divertidos. A mudança de conotação também é vista como elemento necessário para possibilitar a realiza­ção de tarefas paradoxais, capacitando o cliente a ver que o sintoma não é inimigo e que pode ser controlado pelo cliente (Akillas e Efran, 1995).

Akillas (2001) considera que os tratamentos paradoxais funcionam desenca­deando um processo autocorretivo que reavalia e muda a visão de que sintomas são patológicos e incontroláveis. Se o paciente pratica os sintomas em vez de evitá- los, pode atribuir novo significado aos problemas e perceber que o medo dos sin­tomas era improdutivo e excessivo. Essa mudança de visão permite uma mudança comportamental porque o paciente não fica restrito à crença de não haver outra chance além de evitar os sintomas. A mudança do significado atribuído aos sinto­mas se transforma no processo que medeia a eficácia das intervenções. As inter­venções paradoxais funcionam melhor (ou só funcionam) quando o significado dos sintomas é mudado e eles passam a ter conotação positiva ou passam a ser controláveis pois o mecanismo que os desencadeia é explicado. Isso é constatado em alguns estudos descritos adiante neste capítulo. Ascher e Turner (1980) obser­varam melhora quando explicaram o mecanismo de ansiedade de desempenho desencadeando insônia. Kraft et dl. (1985) observaram que a diretiva paradoxal foi efetiva quando apresentada com frases que sugeriam valor positivo dos sintomas depressivos, mas ineficaz quando clientes deveriam praticar os sintomas para entendê-los. Concluiu-se que, para emoções negativas, a recomposição é melhor do que a prescrição de sintomas e esse efeito pode ser específico para as emoções negativas caracterizadas por cognições negativas. Akillas et a l (1995) observaram que diretivas no tratamento da fobia social foram efetivas quando apresentadas junto com a sugestão de que evitação social não é patológica ou vergonhosa. Sen­do assim, o modo pelo qual os sintomas são avaliados tem papel crucial na eficá­cia dos tratamentos paradoxais; só praticar os sintomas não é suficiente para dar resultado, pode levar aos efeitos terapêutico ou não terapêutico. Há efeito terapêutico se a ordem paradoxal leva o cliente a ver o sintoma como comporta­mento legítimo que pode ser escolhido e não como elemento patológico e incontrolável da personalidade. A nova conotação do sintoma é elemento-chave no tratamento (Akilllas, 2001).

Beck e Strong (1982) descrevem o estudo com administração de conotações positivas e negativas (sem prescrição de sintomas) para estudantes com depres­

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Paradoxo ■ 357

são. Observaram que a melhora foi igual nos dois grupos inicialmente, porém durou mais tempo no grupo que recebeu conotações positivas (ou seja, recebeu inter­venção paradoxal) e, após um mês, a média chegou quase ao mínimo na escala de Beck para depressão. O grupo com conotações negativas gostou mais dos terapeutas, enquanto o grupo com conotação positiva atribuiu a melhora a si e o com conotação negativa atribuiu a melhora ao terapeuta. Shoham-Salomon e Rosenthal, 1987, em revisão de doze artigos que compararam as intervenções pa­radoxais com outras intervenções, perceberam eficácia diferente, dependendo do tipo de conotação dada ao sintoma. Quando as intervenções eram acompanhadas de conotações positivas (reconstrução do sintoma e recomposição, ver “Tipos de Conotações de Sintoma”) houve boa eficácia (tanto quando foi acompanhada de intenção paradoxal-tamanho do efeito: 0,52 e de mudança de sintoma- 0,52). Quando foi dada conotação neutra ou negativa ao sintoma (ver “Tipos de Conotações de Sintoma”), o tamanho do efeito foi bem menor: 0,25. A chance de sucesso subiu de 14,4% com conotações neutras ou negativas para 85,5% com conotações positivas, mostrando que a mudança de conotação do sintoma é muito importante para o efeito da intervenção paradoxal. Intervenções com conotações positivas ficaram em terceiro lugar em eficácia (0,57) no ranking de terapias após a cognitiva, a hipnoterapia e antes da comportamental. Foi melhor que 85% das terapias.

Dependendo das Características das PessoasAs intervenções paradoxais parecem funcionar de diferentes modos em dife­

rentes pessoas, dependendo das características delas. Shoham-Salomon e Neeman (1989) procuraram determinar quais mecanismos estão subjacentes ao funciona­mento das intervenções paradoxais. Compararam eficácia de intervenção para­doxal neutra e Técnica de Autocontrole (grupo controle) em estudantes com procrastinação, correlacionando a melhora de sintomas com o nível de eficácia autopercebida e o nível de reatância (capacidade de reagir à ameaça de liberdade, contrariando-a). No grupo controle não houve diferença de resposta entre estu­dantes com reatância alta ou baixa e, quando houve diminuição do tempo de es­tudo, os estudantes perceberam aumento da auto-eficácia. No grupo que recebeu intervenção paradoxal, estudantes com reatância alta apresentaram aumento no tempo de estudo, contrariando as diretrizes; eles acreditavam não haver aumento da auto-eficácia. Os estudantes com reatância baixa não aumentaram tempo de estudo (seguiram as diretrizes) e perceberam aumento na auto-eficácia. Desse modo, os clientes com alta reatância se beneficiaram das intervenções paradoxais com conotação neutra, aumentando tempo de estudo por não seguirem orienta­ção, enquanto os que tinham reatância baixa se beneficiaram por perceber me­lhora na auto-eficácia, propiciando mudança na cognição e, possivelmente, mediando mudança comportamental posterior. Wood e Chamone (1991) propu­seram dois mecanismos semelhantes de diminuição de sintomas nas interven­ções paradoxais: quando o cliente adere ao tratamento (ou seja, tem reatância baixa), a mudança ocorre quando ele tem que obedecer um paradoxo prescrito, mas não consegue ou tenta e percebe seu absurdo e, a partir de então, não tem

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mais o sintoma. Porém, quando desafia o tratamento (ou seja, tem reatância alta), a mudança ocorre porque o cliente se opõe à prescrição paradoxal. A mudança comportamental em clientes com reatância alta não depende da mudança de conotação do sintoma. A intervenção paradoxal, associada à conotação negativa, pode ser boa em clientes indiferentes porque os provoca (Shoham-Salomon e Rosenthal, 1987).

MÉTODOSM éto d o g er a l

O método envolve prescrição do sintoma-alvo e/ou conotação positiva (re­composição ou reconstrução) do sintoma (ver “Definição geral”).

T ipos de C o n o ta çõ es de S in tom a

Junto com a prescrição de sintomas, há a conotação deles e o resultado da intervenção varia com essa determinada conotação (ver “Mudança da Conotação”) . A recomposição do significado do sintoma junto com prescrição de mudança é considerada intervenção paradoxal. Quando as outras conotações são dadas, é sempre prescrito o sintoma. O terapeuta pode dar uma conotação positiva ao sintoma (reconstrução ou recomposição), uma conotação neutra ou negativa (Shoham-Salomon e Rosenthal, 1987). Em seguida, são citados exemplos de tipos de conotação de sintomas.

Beck e Strong (1982) descrevem conotações que deram aos sintomas no estu­do descrito, avaliando estudantes com depressão (ver “Mudança da Conotação”). Quanto à conotação negativa, disseram: (a) estar só indica somente rejeição e evitação dos outros; (b) sentir-se triste é um modo passivo/agressivo de punir os outros e fazê-los se sentirem culpados; e (c) gastar tanto tempo pensando sobre si mesmo decorre de pensamentos irracionais e idiossincráticos. Em relação à conotação positiva (recomposição do sintoma) disseram: (a) estar só mostra apenas uma gran­de tolerância para solidão e auto-satisfação; (b) cada um é capaz de se dar conta de seus pensamentos e sofrimento e perceber que está vivo; e (c) sentir-se mal a res­peito de si mesmo, em vez de culpar outros, mostra vontade de se sacrificar em benefício dos outros, vontade de sofrer para não causar sofrimento aos outros.

Na recomposição, o significado do sintoma passa a ser positivo, os sintomas passam a ser indicativos das virtudes das pessoas (como no exemplo anterior). Isso livra o cliente de ficar deprimido por estar deprimido, eliminando o que man­tém o sintoma, isto é, a constante vontade de lutar contra ele. A recomposição positiva pode ser seguida de prescrição de sintoma ou de mudança. Na reconstru­ção, o processo patológico é explicado se o cliente piora os sintomas na tentativa de controlá-los diretamente (por exemplo, tentando dormir se tem insônia e au­mentando ansiedade antecipatória com isso). A mensagem é que o cliente não está doente, mas preso em um círculo vicioso de um problema exacerbado. Na conotação neutra, o significado junto ao sintoma não tem valor qualitativo. O re­

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querimento paradoxal do terapeuta é apresentado de forma não ameaçadora e explicado como uma forma de obtenção de informação para fins diagnósticos ou para obtenção de informação (tentar lembrar o que se pensa enquanto se tenta dormir, por exemplo). Na conotação negativa, procura-se convencer o cliente da futilidade e irracionalidade do sintoma que é causado por pensamentos irracio­nais ou idiossincráticos,

DESCRIÇÃOEm seguida, são descritos alguns estudos controlados, comparando técnicas

paradoxais e não paradoxais. Um dos primeiros estudos controlados é de Solyom et a l (1972), que compararam intervenção paradoxal em pensamento obsessivo com outro pensamento obsessivo não manipulado na mesma pessoa. Em 6 se­manas, a taxa de melhora foi de 50% nas obsessões com intervenção paradoxal, contra a ausência de melhora da obsessão-controle.

Relinger et a i (1978) fez estudo de caso de um paciente com insônia - inter­venção com conotação neutra - para saber o que pensa e o que sente enquanto tem insônia, a fim de aprender quais são as cognições que perturbam o sono. Houve melhora global do sono, que se manteve após 12 meses com diminuição do tem­po de latência do sono de 64 para 10 minutos e aumento do número de horas de sono (de 5,6 para 6,4), além de diminuição do número de horas acordadas à noite (de 2,52 para 0,71) e aumento da sensação de descanso quando ele acordava.

Ascher e Efran (1978) aplicaram diretivas paradoxais em cinco clientes com insônia que não responderam ao programa de relaxamento/dessensibilização por 10 semanas (representavam de 10 a 15% do total). Foi dito para três deles ficarem acordados tentando perceber os pensamentos (conotação neutra) e para dois de­les prolongarem tarefas de relaxamento, durante 2 semanas. Houve redução da latência de início do sono (em média, de 39,4 para 9,8 minutos) após administra­ção de intenção paradoxal de tentar ficar acordado. Não houve diferença entre as pessoas que prestaram atenção nos pensamentos e as que relaxaram. O reinicio do programa anterior em um paciente coincidiu com aumento do período de latência de início do sono (de 6 para 28 minutos), que diminuiu novamente quan­do diretivas paradoxais foram administradas (para 7 minutos). Após 1 ano, o se­guimento mostrou que os clientes continuaram satisfeitos.

Ascher (1979) descreveu uso de intenção paradoxal para retenção urinária psicogênica a cinco casos resistentes à terapia comportamental (provavelmente não melhoraram por ansiedade de desempenho). Os clientes não urinavam fora de casa, o que produzia variados graus de restrição. Prescreveu intenção parado­xal: segurar urina ao máximo, para depois diminuir o desconforto relacionado à micção. Dado junto com reconstrução do sintoma (foi explicado o efeito deletério da ansiedade de desempenho: quando a ansiedade diminuísse o suficiente e a urgência aumentasse, o paciente urinaria). Os cinco clientes relataram diminui­ção do nível de desconforto ao urinar em público e a melhora se manteve por 6 meses em quatro deles.

Ascher e Turner (1980) estudaram quarenta clientes com insônia. Trataram com intenção paradoxal administrada de duas formas: (a) conotação positiva: re-

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construção de sintoma (explicação do autor sobre relação entre ansiedade de desempenho e dificuldade para começar a dormir e como a intenção paradoxal pode melhorar o problema. Os clientes deveriam ficar na cama com a luz apagada, não deveriam andar nem tentar dormir - reconstrução da seqüência patológica); e (b) conotação neutra: diz-se que várias pessoas não dormem porque têm pensa­mentos que provocam ansiedade enquanto esperam o início do sono. Foi dito a elas para ficarem acordadas para perceber esses pensamentos que seriam dessensi- bilizados na próxima sessão. Também foram formados um grupo placebo (com indivíduos que pensavam, duas vezes por dia, nas atividades da hora de dormir misturadas com imagens neutras) e um grupo de lista de espera. Eles obtiveram diminuição da latência de início do sono (de 60,5 para 29,2 minutos) e aumento da sensação de descanso após o sono com intervenção paradoxal associada à reconstrução do sintoma. A intervenção paradoxal com conotação neutra deu re­sultado igual ao controle.

Kraft et a l (1985) estudaram quarenta e seis estudantes com sintomas depressivos (emoções negativas: tristeza, irritação, culpa, baixo astral). Foram di­vididos em quatro grupos recebendo recomposição positiva (deram conotação mais positiva para os sentimentos negativos, como força ou boa sorte) ou sem recomposição combinados com diretivas paradoxais (desempenharam o compor­tamento sintomático de acordo com agenda diária) ou não (pensaram na sessão algumas vezes ao dia). Houve melhora acentuada na escala de Beck para depres­são e na escala auto-aplicada de humor com recomposição positiva. Não houve diferença quanto à diretiva (se paradoxal ou não).

Shoham-Salomon e Rosenthal (1987), em metanálise de doze trabalhos, concluíram que a eficácia de intervenções paradoxais é boa semelhante à das outras técnicas. O tamanho do efeito foi de 0,42, semelhante ao efeito médio das terapias de acordo com metanálise de quatrocentos estudos. Ao contrário de outras intervenções, a eficácia da intervenção paradoxal aumenta com o tempo e, geralmente, os casos mais graves se beneficiam de intervenções pa­radoxais. A conotação positiva é mais efetiva do que a negativa ou a neutra e com a conotação positiva não há diferença entre prescrição de sintomas ou de mudança. Na conotação negativa, a prescrição de sintomas é menos efetiva que os outros tratamentos.

Shoham-Salomon e Rosenthal (1989) descrevem uso de técnica paradoxal neu­tra em sessenta e quatro estudantes com procrastinação. Foi dada a diretiva para­doxal, sem confrontar a realidade percebida pelo cliente. O problema foi descrito como algo que se entende e precisa ser bem explorado e mais bem compreendido e percebido. Os clientes deveriam observar a procrastinação enquanto ela ocor­resse para, então, estudá-la e ficarem meia hora sem estudar forçosamente. O au­mento no tempo do estudo era desencorajado. Foi observada melhora no tempo de estudo, tanto com técnica paradoxal como com autocontrole.

Wood e Chamone (1991) compararam paradoxo, extinção e repressão em qua­tro clientes com deficiência mental e comportamento desafiador (agressão ver­bal, gritos, ameaças, vagar pelos corredores, estereotipias). Os instrutores deveriam ignorar (extinção), reprimir (repressão) ou encorajar (paradoxo). O comportamento

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foi dividido em verbal, agressivo, movimentos e estereotipias. Os três tipos de in­tervenção reduziram os comportamentos. Paradoxo foi o mais eficiente e o resul­tado foi melhorando com o tempo. Houve redução de 27 a 56% (média de 42%) na freqüência e intensidade e redução entre 65 e 90% da freqüência no final (média de 71 %). Grande idade mental relacionada com grande melhora da gravidade, mas em menor freqüência.

Akillas e Efran (1995) estudaram quarenta e sete estudantes com fobia social. Mediram ansiedade social, medo de avaliação negativa, traço/estado de ansieda­de, sensibilidade para ansiedade, depressão e auto-avaliação de situações sociais problemáticas (ansiedade, evitação e inibição). Foram feitos três tipos de inter­venção: (a) prescrição de sintomas com conotação neutra; (b) prescrição de sinto­mas com recomposição positiva; e (c) controle com lista de espera. No grupo que recebeu intervenção paradoxal sem recomposição, houve melhora na ansiedade social e estado de ansiedade imediatamente e, depois de 1 mês, ocorreu aumento da ansiedade social. O grupo com recomposição positiva teve melhora em todos os questionários: ansiedade social, traço/estado de ansiedade, depressão, sensi­bilidade para ansiedade, modo de avaliação negativo e a melhora se manteve após1 mês. Houve melhora de maior magnitude da inibição e da ansiedade com re­composição. Sem recomposição, 13,3% tiveram melhora global na evitação e medo de avaliação negativa contra 43,7% com recomposição positiva e 0% nos contro­les após a pesquisa. Depois de 1 mês, a melhora foi em 0% dos controles sem re­composição e de 37,5% com recomposição positiva.

A partir desses estudos, pode-se concluir que as intervenções paradoxais são efetivas em várias situações, como insônia, retenção urinária, sintomas depres­sivos, fobia social, procrastinação, comportamentos alterados em deficientes mentais, sendo que a eficácia é maior quando se associa a diretiva paradoxal à conotação positiva do sintoma (recomposição ou reconstrução).

DESCRIÇÃO DO USO DA TÉCNICAUm cliente, CAN, sexo masculino, 18 anos, solteiro, estudante de Admi­

nistração, alto nível intelectual. Seu bom desempenho na faculdade era de­corrente das provas escritas e dos trabalhos (geralmente apresentações em sala de aula) serem feitos em grupo. Ele teve receio de repetir o ano por não conseguir apresentar trabalhos com desenvoltura e veio procurar tratamen­to para conseguir comparecer às apresentações e melhorar seu desempenho nelas. Antes das apresentações, ele sofria de alta ansiedade, ficava pensando que teria sintomas físicos (blushing, tremores, sudorese), mentais (bloqueio do pensamento) e que todo mundo iria perceber. Em apresentações anterio­res, ele mostrou sintomas de ansiedade (tremores, sudorese, bloqueio do pen­samento) , mas conseguiu terminá-las pois lia um papel. Nas últimas, que não eram obrigatórias, ele não compareceu. Em sala de aula não fala nada pois fica inibido, mas se sente muito mal por não dar sua opinião ou tirar suas dúvidas. Apresenta-se muito ansioso no momento. O diagnóstico feito apon­tou fobia social.

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362 ■ Terapia Cognitivo<omportamental

Realizou-se com ele uma abordagem paradoxal. Foi solicitado que CAN ficas­se quieto quando não tivesse nada para dizer durante as aulas e foi dada uma conotação positiva para esse sintoma. Foi explicado que o efeito para superar an­siedade torna a exposição um peso, a escolha para se expor, ou não, deve perten­cer ao sujeito e que, deixando de falar, ele não tem nada a dizer e manteria um desempenho melhor do que se falasse algo fora do contexto. É explicado que a tarefa vai ajudá-lo a descobrir como se sente e como escolhe não fazer coisas que não parecem boas, ou seja, os problemas foram recompostos como escolhas legí­timas e foi sugerido que fossem praticados e explorados nesse espírito. O paciente relatou que conseguiu ficar sem falar e sem se cobrar em algumas aulas e, depois disso, passou a falar quando achava necessário emitindo a sua opinião, sem ter sintomas de ansiedade. Ele participou de um trabalho de grupo para ser apresen­tado e teve participação ativa na elaboração e na apresentação.

Para CAN, a ansiedade antecipatória impedia a sua participação nas aulas porque ele tinha medo de ter medo. A prescrição do sintoma junto com a sua re­composição positiva possibilitou a diminuição da ansiedade antecipatória e do medo do sintoma, que passou a ser visto como controlável. O paciente passou a ter controle real do sintoma, falando quando necessário e ficando quieto quando conveniente.

COMENTÁRIOSA técnica de intenção paradoxal pode ser usada em vários sintomas psicosso­

máticos, como ansiedade antecipatória importante (insônia, impotência), sinto­mas que envolvem ansiedade (por exemplo, fobia social) e outros (pensamentos e emoções depressivas, comportamentos alterados em deficientes mentais), sendo a lista dos usos descritos bastante extensa. É eficiente como as outras técnicas de terapia e sua eficácia aumenta quando é associada à recomposição e à reconstrução do sintoma (conotação positiva).

OUTRAS INFORMAÇÕESSeltzer (1986) faz um histórico das intervenções paradoxais, relatando que foi

descrita pela primeira vez por médico inglês no século XVI, o qual tratou a impo­tência de paciente ao pedir que ele evitasse ereção. No livro Loucura e Civilização, Foucalt discute o tratamento de insanidade no século XVIII. Ele descreve o méto­do não ortodoxo de representação teatral, que não envolve o paradoxo formal pro­priamente dito, mas procura a cura aderindo ao sistema delirante do paciente. Por exemplo, um paciente melancólico que não come porque acha que está mor­to. São colocados atores vestidos como mortos comendo diante dele e dizendo que mortos comem como vivos, induzindo o paciente a comer. Comendo, o pa­ciente se restaura e o delírio, provavelmente, desaparecerá. No início do século XIX, outros autores descrevem intervenções paradoxais e prescrição de sintomas para fobias e tratamento de impotência determinando que os pacientes tivessem relações sexuais sem penetração. O primeiro uso sistemático foi de Dunlap, que

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Paradoxo ■ 363

descreveu a prática negativa na qual os comportamentos adversos deveriam ser repetidos (gagueira, tiques, roer de unha) no esforço de eliminá-los. Após os anos 50, muitos artigos e livros, de algum modo, testemunharam o valor de se utilizar estratégias irracionais ou paradoxais em terapia. As primeiras descrições siste­máticas de intenções paradoxais foram feitas por Frankl, em 1960, que dife­renciou a logoterapia das técnicas não existenciais derivadas da teoria do aprendizado. Na logoterapia, o elemento crucial é a relação especial entre cliente e terapeuta. Apesar da intenção paradoxal tratar os sintomas diretamente, a preo­cupação primária não é com o sintoma, mas com a atitude do cliente frente à sua condição e às suas manifestações patológicas. A intenção paradoxal é efetua­da para que o cliente entre em contato com a liberdade de seguir ação e de tomar responsabilidade ética e espiritual por ela. A iniciativa parte do cliente, que deve tomar o comando dos sintomas. Outros autores usaram técnicas para­doxais, como Adler (anti-sugestão: prescrever sintomas); Rosen da escola de tera­pia pragmática (agir de acordo com psicose, ajudando a lidar com a resistência ao apoiá-la ou ao refletir sobre ela de forma exagerada); Bateson (prescrevia o sintoma); Watzlawick (a figura-chave da teoria da comunicação do paradoxo); e Erickson (hipnoterapeuta).

A heterogeneidade do uso de técnicas paradoxais (Fig. 31.1) nas várias te­rapias pode, segundo Seltzer (1986), ser exemplificada por Frankl. Esse come­çou com Freud e Adler, estabeleceu-se como existencial, mas sua técnica de intenção paradoxal foi tida como cognitiva-comportamental e teorizada de acordo com princípios básicos de aprendizado. Os elementos-chave no método são

Indivíduo com insônia - ciclo vicioso

Intervenção paradoxal - quebra do ciclo

i paradoxal i

Figura 31.1 - Ação da intervenção paradoxal na ansiedade de desempenho (baseado em Asher e Efran, 1978 e Relingter et ai, 1978).

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364 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

associados à teoria da comunicação e de sistemas, particularmente, o uso de recomposição e de certos aspectos interpessoais da relação terapêutica. Re­sumindo, apesar de ser útil explorar o paradoxo como foi aplicado e explica­do por diferentes escolas, as manobras paradoxais devem ser vistas como a ligação entre estas.

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SOLYOM, L., GARZA-PERZ, J., LEDWIDGE B. L., SLOLYOM, C. Paradoxical intention in the treatment of obsessive thoughts: a pilot study. Comprehensive Psychiatry, 13:291-297, 1972.

WOOD V. E. Chamove AS. Paradox, reprimand and extinction in adults with mental handicap. Journal o f Mental Deficiency Research, 35:374-383, 1991.

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CAPÍTULO

Imaginação Dirigida

E l ia n e d e O. F alc o n e

Os procedimentos que utilizam a imaginação do pa­ciente na Terapia Cognitivo-comportamental podem ocorrer na fase de avaliação, para facilitar a coleta de dados e durante o tratamento, para produzir mudanças cognitivas, afetivas e comportamentais. Este capítulo pretende apresentar uma breve descrição das principais técnicas que evocam imagens mentais, nas duas fases da terapia.

FASE DE AVALIAÇÃOUma das características marcantes da entrevista clíni­

ca cognitivo-comportamental é a obtenção de informações específicas, em vez de uma descrição geral, para a identifi­cação dos fatores que mantêm o problema (Kirk, 1997). Se um paciente relata que costuma agir agressivamente com as pessoas do seu convívio social, o terapeuta precisa ex­plorar os pensamentos automáticos, os sentimentos e os comportamentos envolvidos nas situações em que o pa­ciente reage dessa maneira. Para tanto, o terapeuta solicita uma descrição detalhada de uma situação recente na qual ocorreu o comportamento agressivo.

Entretanto, nem sempre a descrição de uma situação específica é suficiente para a identificação dos pensamen­tos automáticos do cliente. Quando isso ocorre, o terapeuta deve pedir que o paciente imagine a situação descrita, como se ela estivesse acontecendo naquele momento (J. Beck, 1997; Kirk, 1997). O terapeuta encoraja o paciente a relatar

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376 ■ Terapid Cognitivo-comporta mental

começou a ganhar peso e a desenvolver acne. Sentia-se deplorável, porém, como era boa estudante, isso lhe confortava.

Aos 15 anos, ainda muito tímida, B. aprendeu a tocar violão. Tinha um grupo de amigas e, ao contrário delas, não se interessava pelos rapazes. “Não esperava que qualquer rapaz pudesse estar interessado em mim”. Desenvolveu uma atitu­de arrogante e comportamento polêmico, tentando chocar as pessoas pelo que dizia e pela maneira como se vestia. Na sua timidez, começou a exprimir-se escre­vendo poemas, crônicas e peças “cheias de sarcasmo”. Era orgulhosa do que es­crevia e as pessoas costumavam elogiá-la.

Aos 16 anos, desistiu de qualquer tentativa de tornar-se bonita. Parou a dieta e exercícios físicos regulares, já que concluíra que sua situação não tinha solução. Contudo, parou de comer compulsivamente e perdeu 10 quilos naquele ano. Po­dia ir a festas e aumentou seu grupo de amigos. Aos 17 anos, descobriu “a existên­cia de rapazes no mundo” e fez muitos amigos do sexo masculino. Percebeu que sua maneira irreverente os atraía. Começou a beber e a usar maconha, LSD e cocaína, embora não de forma regular. Embora não freqüentasse as aulas regu­larmente, sua performance escolar era excelente. Candidatou-se ao vestibular de Medicina e passou, apesar da grande competição. Estava muito feliz e orgulhosa de si mesma. Como não se considerava bonita, surpreendeu-se ao notar que os rapazes estavam interessados nela.

O início do curso médico foi decepcionante. Achava as disciplinas básicas repetitivas e chatas. Desejou ter tentado outro curso como Artes ou Literatura, em vez de Medicina. Chegou a considerar a possibilidade de abandonar a universida­de. Na verdade, não freqüentou as aulas durante o primeiro semestre inteiro pois confiava muito na sua capacidade de aprender e considerava não ser necessário grande esforço. Contudo, logo percebeu que não era tão boa quanto supunha. Seus colegas eram inteligentes e se saíram melhor do que ela. A percepção disso fez com que ela se sentisse desapontada e frustrada consigo própria.

Conheceu o marido na universidade, um estudante de Engenharia, com quem namorou durante os 6 anos seguintes, antes da formatura e do casamento. Ela o descreve como autoritário, extrovertido e muito eloqüente na defesa de suas pró­prias idéias. Sua inteligência e cultura a atraíram. B. não possuía filhos.

Após a graduação, candidatou-se para a residência médica, a qual concluiu em 3 anos. Após isso, iniciou o mestrado, já que não tinha qualquer experiência em ensino e pesquisa.

A primeira entrevista foi dedicada à história de B. e à avaliação diagnostica e do humor. Tinha o diagnóstico pelo DSM-IV de episódio depressivo maior e fo­bia social. O escore do IDB foi 24. O modelo cognitivo foi-lhe apresentado e foi pedido a ela que estabelecesse as metas a serem alcançadas nos 2 meses seguin­tes. As metas foram: (a) melhorar da depressão; (b) terminar o mestrado; e (c) livrar-se dos sintomas da fobia social. Considerando-se que, inicialmente, seria mais racional se concentrar nas duas primeiras metas, uma vez que havia uma data-limite para terminar a dissertação. A terceira meta seria trabalhada poste­riormente. Concordou-se também em não interromper o tratamento antide- pressivo, uma vez que ela tinha melhorado. Qualquer alteração teria introduzido outras variáveis à abordagem cognitiva. Nesse caso, o contrato foi de sessões semanais de 1 hora.

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CAPITULO

INTRODUÇÃOMuitos pacientes ansiosos experimentam imagens

ameaçadoras recorrentes, como cenas imaginárias ou eventos aversivos traumatizantes (Dobson e Franche, 1996). Nos casos de dependência química, por exemplo, os adictos, quando passam pelo episódio de fissura, en­frentam dificuldades em se concentrar nas diversas rea­ções corporais desagradáveis e no modo de pensar que ocorre concomitantemente (Knapp, Luz Jr. e Baldisserotto, 2001). No caso das dores crônicas, elas fazem com que os pacientes se isolem e não se concentrem em nada além de suas próprias dor e tristeza (Angelotti, 2001; Beck, 1997; Turk e Nash, 1997).

Como se pode verificar, eventos aversivos levam ao aparecimento de reações cognitivas e autonômicas desa­gradáveis até se chegar a uma completa extinção de com­portamentos anteriormente prazerosos.

Com esse intuito, a técnica de Distração (do termo em língua inglesa distraction: distração, diversão, passatempo) foi inserida no tratamento de diversos transtornos para re­duzir (temporariamente) quase todas as formas de pensa­mentos e sentimentos inadequados.

A Distração é particularmente efetiva como estratégia imediata na redução de sintomas. No início da terapia, o treinamento da Distração pode constituir uma maneira útil de combater as crenças dos pacientes sobre os quais não se exerce nenhum controle e em situações nas quais inexiste a possibilidade de desafiar os pensamentos automáticos (Clark, 1997).

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Distração ■ 393

DESCRIÇÃO DA TÉCNICADe forma simplificada, essa técnica consiste na mudança do foco de atenção

para outras situações que podem ser agradáveis e disponíveis no próprio ambiente, por exemplo:

1. Prestar atenção em detalhes do ambiente;2. Buscar encontrar um diálogo neutro;3. Sair de um evento que proporciona algum incômodo;4. Tentar encontrar, nas tarefas domésticas, algo como uma fonte de Distração

positiva (e que obtenha um aumento na auto-estima);5. Ler em voz alta para o (a) parceiro(a) ou familiares aquilo que mais gosta

ou mesmo cantarolar alguma música;6. Iniciar alguma atividade lúdica, como jogos, videogame, cartas, ou seja,

tudo que requeira alguma forma de atenção e que faça o paciente se desviar do estímulo original (Knapp, Luz Jr. e Baldisserotto, 2001).

Ao ensinar a Distração como habilidade de enfrentamento, o terapeuta solicita ao paciente que classifique seu grau de sentimento, instruindo-o e, em seguida, a focalização de algum objeto, como a fechadura da porta, as dobradiças da janela ou alguma peça da mobília e, assim, passar a descrever todos esses objetos com a maior riqueza possível de detalhes (Beck, 1997).

O exercício de Distração é utilizado para proporcionar uma potente demonstra­ção do modelo cognitivo ou quando os pacientes são questionados e solicitados a constatarem se, quando distraídos, houve alívio de seus pensamentos e redução de seus sintomas. Quando o exercício é bem-sucedido, solicita-se ao paciente que o pratique em situações nas quais se sinta ameaçado ou incomodado.

Inicialmente, verifica-se que essa técnica faz o paciente se sentir aliviado por apenas alguns minutos, mas deve se esclarecer que, por meio da prática efetiva, a duração do procedimento gradualmente aumenta.

A seguir são apresentados os diversos sub tipos da técnica de Distração e como o terapeuta deve ensinar cada procedimento ao seu cliente.

MODALIDADES DE DISTRAÇÃOTurk e Nash (1997) sugerem algumas modalidades de Distração a serem reali­

zadas num primeiro momento entre terapeuta e cliente e, após um breve treino, devem-se tornar prática usual, sempre que o cliente encontrar dificuldades de enfrentar situações desagradáveis, relacionadas à problemática atual. Algumas modalidades da técnica:

• Imagens agradáveis: O paciente imagina situações agradáveis, não ligadas ao seu foco de atenção;

• Imagens dramatizadas: Ele imagina as situações nas quais encontra difi­culdades, que sejam torturantes ou incômodas e, ao final, ele consegue se livrar delas, sem o auxílio de intermediários;

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394 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

• Imagens neutras: Ele deve fixar o pensamento em novos objetivos, como planejar novas atividades, filme que assistiu, elaboração de um novo cardá­pio semanal etc.;

• Concentração ambiental: Ele identifica algo que necessita ser renovado na sua residência, como roupas, livros, móveis (que devem ser trocados ou apenas mudados de lugar) etc.;

• Atividade rítmica: Ele cantarola suas músicas prediletas ou se esforça para imitar algum cantor que aprecie.

A técnica de Distração não é tida como a única ou a mais eficaz no processo. É necessário que se avalie caso a caso, de forma que a terapia não se resuma à aplicação inócua de técnicas de mudança. Todos sabem o quanto é importante a utilização de meios que reduzem o incômodo do paciente, mas se trata de um exercício coadjuvante no manejo de sintomas indesejáveis e na mudança maior que ocorre ao longo da terapia.

A seguir, um caso clínico demonstra o uso da técnica de Distração.

CASO CLÍNICOM, 40 anos, casada há 5 anos, fibromiálgica (dor no corpo inteiro) há 2 anos e

meio, acompanhada por um médico neur o cirurgião e uma médica físiatra. Foi encaminhada à terapia pelo neur o cirurgião por causa das dificuldades emocio­nais e comportamentais em que se encontrava. Medicada com Pamelor® 75mg uma vez ao dia, foi avaliada inicialmente por IBD, IDATE1 e ISS-LIPP2 (Angelotti, 2001). Constataram-se traços elevados de ansiedade, sintomas depressivos com grau moderado e estresse físico e emocional.

Após a avaliação inicial, discutiu-se sobre alguns pensamentos automáticos presentes que estavam relacionados com a sua história de vida e os possíveis even­tos tidos como aversivos que, inevitavelmente, aumentavam a intensidade da dor.

Estabeleceram-se, na sessão seguinte, algumas metas para o início do tratamento. Identificaram-se as situações que a deixavam com ansiedade elevada, dores excessi­vas e ausência de condições de enfrentamento. Apenas duas das grandes dificuldades eleitas pela própria paciente são citadas. A primeira diz respeito à reforma da casa, a segunda se refere às situações que exigem resposta imediata, deixando-a ansiosa.

Quanto à reforma da casa, a paciente diz que o arquiteto está falido e sem condições de terminar a obra, sendo que ela já estava paga desde o início.

Terapeuta: “M, o que a faz sentir raiva?”Cliente: “O desgraçado do arquiteto que me deixou na mão sem terminar a

obra de casa.”Terapeuta: “O.K. Você procurou outro arquiteto?”

1 Inventário de Ansiedade Traço-Estado.2 Inventário de Sintomas de Estresse de Lipp

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Distração ■ 395

Cliente (muito irritada e dando sinais de desconforto): “Não, pois ele vai ter que terminar essa obra de qualquer jeito. Está tudo pago.”

Terapeuta: “Quais são as possíveis soluções que você encontrou para essa situação?”

Cliente: “Fiquei muito mais nervosa e com muitas dores no corpo, pois meu marido não tem tempo para resolver e estou só nessa história... ”

Terapeuta: “Essa situação específica lhe deixa ansiosa toda vez que você pensa que a obra não irá terminar... Está correto meu raciocínio?”

Cliente: “Sim.”Terapeuta: “O.K. Você conhece a letra de alguma música?”Cliente: “Sim.”Terapeuta: “Costuma cantá-la?”Cliente: “Sempre que estou feliz, canto aquela música do Caetano Veloso, que

vive tocando nas rádios que tocam MPB.”Terapeuta: “O.K. E como se sente quando canta?”Cliente: “Solta, alegre, feliz... pois adoro aquela música.”Terapeuta: “Você poderia cantá-la agora?”Nesse momento M. dá uma pausa, a cor da pele da sua face fica avermelhada

e ela começa a cantar. Logo após o término da música, o terapeuta pergunta: “Como você está se sentindo agora?”

Cliente: “Suave.”Terapeuta: “Numa escala de zero a dez, onde se encontra a sua dor?”Cliente: “No três.”Terapeuta: “Muito bem. Você consegue perceber que, ao chegar na consulta,

estava com a sua dor no nível oito da escala e após encontrarmos uma possível saída para que se distraísse (cantar) você se sente-se ‘suave’?”

Cliente: “Percebo. Acho que estou me sentindo mais aliviada.”Terapeuta: “Pois é. Existem várias formas de você se distrair sem a necessidade

de mudar de ambiente ou mesmo tentar resolver as situações de maneira imediata. Uma delas é Distração (cantar) - o que nós chamamos de atividade rítmica. Acho que este seria um procedimento que lhe ajudaria a baixar a ansiedade e as suas dores e, assim, poder resolver suas pendências de maneira mais razoável. Faz sentido isso para você?”

Cliente: “Sim, faz... é verdade. Sem a dor tão intensa eu acho que me sairia melhor.”

Terapeuta: “Bem, você me falou que existem outras situações que a deixam ansio­sa quando é solicitada a responder a uma situação, sem antes ter a possibilidade de pensar. Que situações seriam essas? Você poderia me dar um exemplo?”

Cliente: “O meu marido me ligou para perguntar como eu estava e, em seguida, me perguntou o nome de um amigo do meu amigo do trabalho, que trabalhava na elaboração de sites. Só que eu estava com a nenê no colo, tentando fazê-la dormir e não lembrava de quem se tratava.”

Terapeuta: “E o que passou pela sua cabeça naquele exato momento?” Cliente: “Me senti confusa e percebi que minha dor estava aumentando e eu

não podia deixar a minha filha sozinha para ir me deitar. Foi horrível.”

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396 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

Terapeuta: “Tudo bem. Existem outras formas de você se distrair nessas situações que a deixam constrangida. Vamos imaginar uma situação muito desagradável que você tenha passado. Você consegue me indicar uma?”

Cliente: “Quando meu pai morreu.”Terapeuta: “O.K. Como você lidou com a situação ao receber a notícia?” Cliente: “Primeiro fiquei sem saber o que fazer. Em seguida, fiz algumas ligações

para alguns parentes e amigos do meu pai. Enquanto fazia as ligações, eu fiquei pensando o quanto é bom ficar vivo, ter a sua família ao seu lado, amigos, ser feliz.”

Terapeuta: “E o que você fez, ao pensar em coisas boas, numa situação triste?” Cliente: “Pois é... percebi que fui me acalmando e, ao falar com os amigos

dele, pude perceber que o importante é estar vivo e aproveitar a vida.”Terapeuta: “Muito bem. Você conseguiu notar alguma diferença no nível de

dor que estava sentindo antes do telefonema da morte do seu pai e logo após a notícia?”

Cliente: “Percebi que minha dor havia aumentado, mas percebi também que ela diminuiu bastante enquanto falava ao telefone com os amigos dele.”

Terapeuta: “Você consegue notar nesse seu relato que desenvolveu uma estra­tégia de enfrentamento ao mudar sua forma de pensar?”

Cliente: “É verdade. Eu não havia reparado nisso. Que legal!”

Nessa situação, M. não havia notado diferença no nível de dor que estava sentin­do, porém, ao relatar o caso, ela percebeu que mudando a forma de pensar, con­seguiria diminuir o nível da dor. Nesse caso, utilizou-se a técnica de Distração com imagens dramatizadas.

CONCLUSÃONota-se que a técnica de Distração é de fácil acesso, simples de ser aplicada e

tem ampla compreensão por parte do paciente, o que a torna eficaz em diversas patologias. No caso apresentado foi usada para tratar a dor crônica.

Independentemente de se estar doente ou não, a técnica de Distração, quando bem-aplicada e manuseada de forma adequada por parte do paciente, torna-se de grande valia em diversos transtornos ou numa simples dificuldade para a qual não se encontra uma saída imediata.

R e f e r ê n c ia s

ANGELOTTI, G. Tratamento da Dor Crônica. In: RANGÉ, B. (Org.) Psicoterapias Cognitivo-com- portamentais. Um diáiogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.

BECK, A. T., EMERY, G., RUSH, A. J., SHAW, B. F. Terapia Cognitiva da Depressão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

CLARK, D. M. Estados de ansiedade: pânico e ansiedade generalizada. In: HAWTON, K., SALKOVSKIS, P. M., KIRK, J., CLARK, D. M. Terapia Cognitivo-comportamental para pro­blemas psiquiátricos. Um Guia Prático. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

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Distração ■ 397

DOBSON, K. S., FRANCHE, R. L. A Prática da Terapia Cognitiva. In: CABALLO, V. E. Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento. Santos: Santos, 1996.

KNAPP, P., LUZ JR., E., BALDiSSEROTTO, G. V. Terapia cognitiva no tratamento da dependência química. In: RANGÉ, B. Ps i cote ra pi as Cognitivo-comportamentais. Um diálogo com a psiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001.

TURK, D. C., NASH, J. M. Dor Crônica: Novas formas de enfrentá-la. In: GOLEMAN, D.f GURIN,J. Equilíbrio Mente Corpo. Como usar sua mente para uma saúde melhor Rio de Janeiro: Campus, 1997.

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Agenda

M a r ia d e F á tim a Gaspar Vasques

pr in c íp io sA Terapia Cognitiva é de natureza focal, tendo como

objetivo principal o alívio dos sintomas e a solução dos problemas decorrentes ou associados a algum transtorno específico. O modelo cognitivo propõe que os transtor­nos psicológicos transcorrem do modo distorcido ou dis- funcional de perceber os acontecimentos, influenciando as emoções, o afeto e o comportamento dos indivíduos em sua interação com o mundo (Abreu e Roso, 2003).

No modelo concebido por Beck (1997), propõe-se que as crenças ou os esquemas são formados a partir da expe­riência pessoal, desde as mais remotas até as mais atuais, as quais são impregnadas pelos valores cotidianos, por exemplo, "Devo ir bem em tudo aquilo que me proponho fazer.”

Essas crenças e esses esquemas são necessários para que o funcionamento e a previsão de atitudes frente ao meio (que auxiliam cada pessoa), de alguma maneira, possam estar garantidos e ofereçam sentido às experiências pessoais.

Dentro desse contexto, invoca-se um dos pontos centrais da Terapia Cognitiva: os pensamentos automáticos. Essas estruturas são conjuntos de significados que se manifestam através do fluxo de pensamentos (J. Beck, 1997). Tais pen­samentos, comuns a todas as pessoas, são breves e, freqüen­temente, rápidos o suficiente para que não se esteja ciente de sua manifestação, percebendo apenas as emoções asso­ciadas a eles. J. Beck (1997) afirma que esses pensamentos tendem a se originar automaticamente, como por reflexos, não estando sujeitos à força de vontade ou ao controle consciente. Apesar da rapidez e da automaticidade, essas estruturas de

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Agenda ■ 399

manifestação de significados são produzidas por meio da interação das crenças relevantes com as situações simbólicas vividas subjetivamente pelo indivíduo.

Apesar de sua utilidade e de sua função, esses pensamentos, em determinados momentos, tornam-se distorcidos e refletem erroneamente a realidade externa. Essas distorções cognitivas aparecem como vieses pessoais na decodificação da informação proveniente dos estímulos, por exemplo, o pensamento do tipo “tudo ou nada”: “Se eu não for um sucesso total, eu serei um fracasso” (Abreu e Shinohara, 1998).

Em relação ao modelo cognitivo, pode-se identificar que os transtornos psico­lógicos, em sua maioria, são decorrentes do modo disfuncional ou distorcido do indivíduo perceber os acontecimentos vitais, interferindo no seu afeto e no seu comportamento (Abreu e Roso, 2003).

As crenças formadas a partir das experiências vitais são necessárias ao funcio­namento sociocognitivo-afetivo nas interações e para a previsão de atitudes que dão sentido às vivências pessoais. Dependendo da história e da vida do sujeito, essas aprendizagens, crenças ou esquemas podem ser decodificados erroneamente como distorções cognitivas, provocando os transtornos psicológicos (Beck e Freeman, 1993).

Por meio dos princípios, estratégias e técnicas desenvolvidas pela Terapia Cognitiva, entre outras, tem-se instrumentos e ferramentas que permitem ao terapeuta favorecer o paciente, o reconhecimento dos seus pensamentos e dos sentimentos e a possível distorção. Essa consciência facilita o entendimento da associação entre ele e seus comportamentos, atitudes e ações. A partir do reco­nhecimento do significado disfuncional desses esquemas vitais é possível uma melhor intervenção nas distorções cognitivas (Beck, 1964).

MÉTODOTendo a intenção de intervir nas distorções cognitivas, a Terapia Cognitiva favo­

rece a solução dos problemas com a reestruturação e com a re-significação do processo cognitivo que aflige seus pacientes, atuando coerentemente com seus princípios ao desenvolver técnicas que utilizam atividades para efetivar o processo real da reestruturação de significados (Beck e Alford, 2000).

Para que se possa compreender essas atuações, é necessário lembrar os prin­cípios filosóficos que norteiam a ação terapêutica e que foram bem expostos por Beck (1997): (1) a Terapia Cognitiva se baseia em uma formulação em contínuo desenvolvimento do paciente e de seus problemas em termos cognitivos; (2) ela requer uma aliança terapêutica segura; (3) ela enfatiza a colaboração e a parti­cipação ativa entre paciente e terapeuta; (4) ela é orientada por metas e focalizada em problemas; (5) ela enfatiza o presente; (6) ela é educativa, ensina o paciente a ser seu próprio terapeuta e enfatiza a prevenção da recaída; (7) ela tem um período limitado; (8) ela possui sessões são estruturadas; (9) ela ensina os pa­cientes a identificar, avaliar e responder a seus pensamentos e crenças disfun- cionais; e (10) ela utiliza uma variedade de técnicas para mudar o pensamento, o humor e o comportamento.

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400 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

A partir desses princípios, a estratégia clínica denominada Agenda oferece um instrumento de registro no qual as dificuldades cotidianas apresentadas pelo paciente são organizadas e registradas nela. Ele as descreve em todos os seus aspectos, por exemplo, o pensamento automático relacionado a uma situação- problema. Por outro lado, pode-se utilizar a Agenda como um recurso no qual as prioridades são relatadas, assegurando a realização dessas tarefas. Além do mais, essa estratégia clínica garante que as metas fixadas em terapia sejam realizadas.

A principal estratégia terapêutica da Agenda evidencia procedimentos como a identificação e a caracterização dos sintomas apresentados e reclamados pelo paciente e as suas atitudes disfuncionais. Além disso, em busca da melhor com­preensão e da definição do problema apresentado, procura-se estabelecer a hierarquização das dificuldades juntamente com a organização e o planejamento dos seus conteúdos que, com ajuda de tarefas de casa, levam o paciente à reflexão e ao exame dos eventos disfuncionais por um movimento constituído pela retomada dos fatos, dos incidentes, dos sentimentos e dos pensamentos, associados à dor emocional (Beck, Rush, Shawe Emery, 1979).

Esse procedimento, organizado e emocionalmente hierarquizado, busca ensinar ao paciente o controle de sua ansiedade pelo problema vivenciado e a necessidade de sua modificação. Nesse sentido, a Agenda é um facilitador expressivo para a implementação do processo terapêutico.

Assim, a Agenda tem o objetivo de definir o assunto a ser abordado em cada sessão terapêutica, ao longo do tratamento, na qual o paciente e o terapeuta levan­tam os assuntos mais relevantes (organização) a serem discutidos, com o propósito de estabelecer prioridades (hierarquização) frente aos sintomas - alvos apresen­tados distribuindo-se adequadamente o tempo para a discussão de cada assunto.

DESCRIÇÃOO princípio educativo e pedagógico está presente desde o início do processo,

conduzindo e auxiliando o paciente a olhar e sentir suas dificuldades, sobretudo, envolvendo-se com elas. Esses assuntos variam de semana a semana e devem ser abordados os que estão incluídos na agenda do dia, utilizando as técnicas da reestruturação cognitiva. O ato de destacar e priorizar os assuntos incluídos na agenda diária favorece a hierarquização das dificuldades pelo paciente, possibili­tando-lhe a construção do controle do quadro em questão, como o da ansiedade (ou outro comportamento qualquer), assim como a organização e planejamento de ações que lhe favoreçam, gradativamente, a mudança do comportamento e das emoções frente às suas dificuldades. Em cada assunto, deve-se sempre questionar os pensamentos automáticos negativos e as distorções cognitivas, visando à iden­tificação das crenças e a conseqüente possibilidade de modificação.

Durante o processo terapêutico, a agenda deve conter a discussão sobre os acontecimentos da última consulta (exame de eventos), a revisão das tarefas soli­citadas durante a terapia, o feedback da consulta anterior e o desenvolvimento de tarefas da consulta seguinte.

O exame de eventos deve ser breve, mas consistente o suficiente para mostrar ao terapeuta como o paciente atuou na semana e para permitir que o paciente

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Agenda ■ 401

possa trazer questões e incidentes importantes a serem discutidos na terapia. Da mesma maneira, é necessário e importante o feedback referente à última consulta pois, por meio dele, pode-se mostrar ao paciente a importância da reflexão sobre o que ocorreu no processo terapêutico, bem como o que o paciente aprendeu com essa reflexão e esse questionamento. Isso é exatamente o princípio da organização e da correlação entre os fatos que aponta para os investimentos futuros.

O processo de realização e desenvolvimento da Agenda exige exercícios que ampliam o trabalho terapêutico pela atuação extraconsultório, exercitando a gene­ralização dos conteúdos trabalhados em cada consulta. Eles constituem as tarefas de casa (que devem ser sempre enfatizadas) e a importância de realizá-las porque, com a ajuda delas, o terapeuta identifica as dificuldades e os mal-entendidos que passam despercebidos e a possibilidade de reforçar o funcionamento independente do paciente diante das situações reais da vida.

DESCRIÇÃO DE CASOB.J., 53 anos, secretária, estudante do 3- grau, casada, mãe de dois filhos. Ela

conta que faz alguns meses que se sente vazia, triste e sem ânimo para desenvolver qualquer atividade. Descreve-se como um fracasso e diz que apresenta, na maior parte do tempo, pensamentos sobre algo ruim que pode lhe acontecer. Foi medicada com antidepressivo. Embora se sentisse melhor, ainda apresentava dificuldades para desenvolver atividades corriqueiras como levar os filhos à escola e arrumar a casa, como também se encontrava desmotivada e com pouca concentração para desenvolver as atividades da faculdade. Sua medicação foi aumentada e ela foi encaminhada para Terapia Cognitiva associada com o tratamento farmacológico. Seu diagnóstico foi de transtorno de humor: depressão maior.

P rim eira S essão

Essa sessão tem como principal objetivo a caracterização do problema, o levan­tamento da história do paciente, do desenvolvimento da sua doença e do seu com­portamento disfuncional. É importante buscar informações a respeito dos eventos que antecederam a depressão e as conseqüências que ocorreram na vida do pa­ciente com a presença da doença. Nessa sessão também é necessário que se esta­beleça um vínculo de confiança com o paciente, sendo o clínico acolhedor e empático frente às dificuldades apresentadas.

No caso referido, a problemática da paciente começou após o rompimento do seu casamento, quando ela começou a se sentir desvalorizada, gerando pen­samentos como “Meus filhos devem me achar incompetente”, “Se não consigo ter um marido, não devo ser também uma boa mãe.”

Após essa fase de avaliação, definiram-se os problemas a serem abordados e os objetivos a serem atingidos. No caso de B. J., o objetivo era ela conseguir voltar a desenvolver suas atividades em casa, com os filhos e na faculdade.

Na primeira sessão, foi necessário explicar à paciente o que é a Terapia Cognitiva, seus princípios lógico-racionais e sua forma de intervenção.

Nesse momento, foi possível iniciar as sessões de tratamento.

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402 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

S eg u n d a S essão

Toda sessão deve ser sempre iniciada com a elaboração de uma agenda. Nela deve constar o assunto a ser abordado na presente sessão. Juntos, paciente e tera­peuta estabelecem as prioridades e o tempo a ser gasto em cada assunto. Dedica-se um tempo para discussão dos acontecimentos desde a última consulta, bem como para as tarefas de casa pedidas na última consulta. Ao final, elabora-se a tarefa da próxima consulta.

A referida sessão pode ser assim exemplificada:

Terapeuta: “Como você está hoje?”Cliente: “Acho que me sinto um pouco melhor.”Terapeuta: “Me conte um pouco como foi sua semana.”Cliente: “Ela transcorreu normalmente, exceto meus filhos que me olham um

pouco desconfiados...”Terapeuta: “Me conte um pouco sobre isso.”Cliente: “Eu acho que eles têm pena de mim e isso me faz sentir muito triste.” Terapeuta: “Acho que deveríamos colocar isso na nossa agenda para discussão

posterior. O que você acha?”Cliente: “Sim... acho legal. Eu também tive um problema em desenvolver as

atividades propostas na faculdade.”Terapeuta: “Acho que deveríamos colocar isso também para ser discutido. Existe

algo mais que eu deveria saber sobre a sua semana?”Cliente: “Não, acho que não.”Terapeuta: “Vamos falar, então, brevemente a respeito da última sessão. O que

você entendeu da última consulta? O que foi importante para você?”Cliente: “Bem, eu entendi que o pensamento que eu tenho sobre as coisas pode,

de alguma maneira, me afetar. Isso eu achei importante, porque imaginava que estava ficando louca. Esses pensamentos aparecem em minha cabeça e eu não consigo me desligar deles... e aí vou ficando cada vez mais mal... me sentindo cada vez mais no buraco.”

(Na consulta anterior não houve tarefa de casa. Caso existisse, essa deveria ser uma das pautas da discussão.)

Terapeuta: “Bom, acho que agora podemos começar a trabalhar alguma das suas metas. Registramos dois temas importantes em nossa agenda de hoje. Em qual você gostaria de falar primeiramente? Sobre a sua dificuldade na faculdade ou sobre a maneira que você percebe seus filhos?”

Cliente: “Bem, eu gostaria de falar sobre como estou com os meus filhos. Estou muito preocupada... ”

Terapeuta: “Bem, isso me parece uma das suas metas a serem conquistadas, não é mesmo? Poder estar bem com seus filhos e consigo mesma.”

Cliente: “Sabe, quando percebo estar sendo observada por eles, tenho a sensação de que eles pensam que sou um fracasso. Me sinto completamente vazia, sem motivação...”

Terapeuta: “Você pode me dar uma visão dos fatos que ocorreram nessa semana, ou seja, o que fez com que você se sentisse dessa forma?”

Page 415: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Agenda ■ 403

Cliente: “Bem, eu estava levando meus filhos para escola, quando apareceu a mãe de um amigo deles. Eles falaram, essa mulher é bárbara... está sempre está brincando com eles.”

Terapeuta: “E como você se sentiu ao ouvir isso?”(Nesse momento, o terapeuta tenta fazer com que a paciente identifique seus

pensamentos automáticos.)Cliente: “Me senti horrível, parecia que o mundo havia caído na minha cabeça.” Terapeuta: “O que passou na sua cabeça nesse momento?”Cliente: “Que eu devo ser um fracasso para os meus filhos!”Terapeuta: “Então me parece que você conseguiu perceber o seu pensamento,

não é mesmo? E como esse pensamento a fez se sentir?”Cliente: “Muito deprimida e, ao mesmo tempo, parece que eu fiquei um pouco

ansiosa.”Terapeuta: “E o que você poderia fazer para não se sentir dessa forma?” Cliente: “Perceber que esse comentário de meus filhos não implica em que eu

não seja uma boa mãe!”Terapeuta: “Perfeito! Parece que você está conseguindo buscar novas alterna­

tivas, não é?”Cliente: “Sim, é verdade.”Terapeuta: “Bem, acho que, para a próxima semana, seria interessante se você

começasse a escrever os pensamentos que forem aparecendo nas situações em que você se sente mal. O que você pensa a respeito? Você acha que seria possível?”

Cliente: “Acho que será um pouco difícil, mas vou tentar fazê-lo.” (Retornando à Agenda.)Terapeuta: “Havíamos marcado em sua agenda a necessidade de discutir a respeito

de sua dificuldade junto à faculdade. Fale-me um pouco mais a esse respeito.” Cliente: “Pois é... acho que meus professores me sentem fraca e incapaz de

realizar as coisas que eu deveria.”Terapeuta: “Por exemplo?”Cliente: “Sei lá... cada vez que preciso apresentar um trabalho na sala de aula

me sinto gaguejando, ficando trêmula... e no final acho que sempre comprometo a nota dos demais integrantes de meu grupo.”

Terapeuta: “Quais evidências você tem de que isso, de fato, ocorre? Quero di­zer, é somente uma impressão ou realmente suas notas são mais baixas do que a dos outros?”

Cliente: “Humm... não sei...”(Os assuntos abordados vão se seguindo conforme a problemática e as metas

estipuladas pelo paciente e pelo terapeuta no início de cada sessão, sendo anotados na agenda.)

COMENTÁRIOSA utilização da Agenda como estratégia terapêutica pode atuar nas principais

dificuldades do paciente, tendo como objetivo prévio a identificação e o estabele­cimento de uma hierarquia da problemática pessoal. Ao se fazer isso, são favore­cidos o aprendizado e a possibilidade de solução de problemas em um processo

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404 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

reflexivo, retomando sempre os eventos anteriores e apontando para as possibi­lidades futuras.

Dessa forma, o paciente tem como identificar seus pensamentos automáticos e o efeito deles em seu comportamento e nas suas emoções, favorecendo a possi­bilidade de percepção de suas crenças sobre si mesmo e sobre o mundo, além de organizar e correlacionar os conteúdos de consultório com situações de vida.

A Agenda prioriza o entendimento das consultas anteriores, bem como o resul­tado das tarefas desenvolvidas pelo paciente fora do contexto terapêutico, ampliando a sua visão das dificuldades e indicando as mudanças ocorridas durante o processo terapêutico.

A Agenda permite que a reestruturação cognitiva seja, gradativamente, elaborada em correspondência às respostas do paciente e na intervenção nas distorções cognitivas dele, as quais formatam os sintomas da doença que originou a procura da terapia.

R e f e r ê n c ia s

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Treinamento em Auto-instruções

S érg io L u iz E . Santos M arco A n tô n io S. A lvarenga

INTRODUÇÃOO Treinamento em Auto-instruções é uma técnica de

grande importância na resolução de problemas cotidianos e na intervenção clínica. Inicialmente foi investigado, na década de 60, no contexto escolar, com a finalidade de tratar crianças caracterizadas como impulsivas (Kazdin, 1994; Meichenbaum e Goodman, 1971; Santacreu, 1999).

Luria {apud Santacreu, 1999) eVygostky (1962) ressalta­vam a importância do papel da linguagem no controle do comportamento. Posteriormente, essas idéias influencia­ram os estudos de Meichenbaum sobre a relação entre verbalizações encobertas e a conduta.

A autoverbalização discrimina os passos na auto-ins- trução, o que contribui para que cada indivíduo possa se auto-reforçar, modificar suas crenças, manter determinados comportamentos e autocorrigir a estratégia utilizada na auto-instrução, o que facilita a resolução do problema. Pode-se perceber o quanto essa técnica é relevante nas terapias cognitiva e comportamental pois, além de ser utili­zada com crianças que estão em processo de aprendizagem ou com algum distúrbio de conduta, pode ser generalizada para adultos na solução de tarefas novas ou complexas.

Apesar de se ressaltar as diferenças no ensino e aprendi­zado das auto-instruções (Santacreu, 1999), sugere-se alguns passos para a avaliação das diferenças individuais que fun­cionam como ferramentas no contexto clínico para veri­ficar as habilidades de cada paciente na facilitação do treino auto-instrucional.

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406 ■ Terapia Cognitívo-comportamental

A partir da idéia de que a linguagem modifica outras cognições e compor­tamentos, essa técnica permite mudanças da competência na resolução de um problema novo. A seguir, são feitas algumas considerações gerais sobre a metodo­logia da resolução de problemas para facilitar a compreensão de alguns aspectos do Treinamento em Auto-instruções.

CONCEITO E APLICAÇÕESD efin ição e D escrição

O Treinamento em Auto-instruções pode ser definido como uma técnica que promove mudanças de comportamento por meio de diálogos internos, novas autoverbalizações (Meichenbaum, 1977) ou inserção de outras instruções para facilitar a resolução de tarefas e problemas novos ou difíceis do cotidiano. Dessa forma, pode-se, pela apropriação dessas instruções, guiar e modificar pensamentos, afetos e comportamentos. Para Meichenbaum (1977), as autoverbalizações são caracterizadas como comportamentos encobertos e são sujeitas às leis de apren­dizagem dos comportamentos manifestos.

Antes do início do tratamento, é importante que os pacientes compreendam o fundamento lógico relativo à técnica de auto-instrução. O terapeuta deve explicitar a relação entre pensamento e comportamento dentro dos moldes da Terapia Cognitiva Objetivista (ou Racionalista). Isso pode ser demonstrado por meio de um exemplo hipotético. A técnica tem como objetivo a mudança gradual das autoverbalizações pela introdução de determinadas instruções que conduzem o comportamento do sujeito à solução de problemas de um modo mais adaptativo. Essa modificação das autoverbalizações é, quase sempre, apresentada como parte integrante de um conjunto de técnicas que incluem outros procedimentos terapêuticos, como Dessensibilização Sistemática, Ensaio Comportamental, Auto-reforçamento, Modelagem e Modela­ção (Dush, Hirt e Schroeder, 1989). A técnica de auto-instrução faz uso de determinadas habilidades mentais que o sujeito possui; para tanto, torna-se necessário identificar os pontos fortes, as qualidades disponíveis para facilitar essa intervenção.

Pode-se observar mais nitidamente o uso das auto-instruções no cotidiano, quando os indivíduos se deparam com tarefas novas ou mais complexas. Esse mecanismo faz o pensamento, antes automático, ter um papel mais reflexivo e consciente, acarretando uma ação mais lenta (Meichenbaum e Goodman, 1971; Meichenbaum, 1977; Santacreu, 1999). As instruções devem ser dadas de forma clara e objetiva e o conteúdo das autoverbalizações focaliza as habilidades de so­lução de problemas e as tarefas que requerem o uso da atenção. As crianças são orientadas e ensinadas a utilizar verbalizações de auto-reforçamento a cada passo do treinamento (Dush, Hirt e Schroeder, 1989). Adiante é explicada a função do uso da técnica de resolução de problemas.

F u n d am en tação

O treino em auto-instrução é descrito como uma técnica de modificação das autoverbalizações no tratamento de crianças hiperativas e impulsivas (Meichenbaum e Goodman, 1971; Meichenbaum, 1977).

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Treinamento em Auto-instruções ■ 407

Parte-se do princípio, como visto nos trabalhos de Luria, Vygotsky e Meichenbaum, de que a linguagem controla o comportamento (Santacreu, 1999). Luria (apud Santacreu, 1999) e Vygotsky (1962) afirmam que, inicialmente, a fala de um agente externo, como pais e professores, guia e controla o comportamento das crianças que internalizam, gradualmente, essas ordens, passando a direcionar seu compor­tamento por meio de verbalizações em voz alta. Posteriormente, as crianças adqui­rem a capacidade de utilizar a fala subvocalizada, caracterizada como primordial para o desenvolvimento normal da regulação do comportamento. Segundo Vygotsky (1962), as falas manifestas diminuem com a idade, contudo, aparecem quando os sujeitos se defrontam com atividades mais complexas.

O treino auto-instrucional, descrito anteriormente, implica em introduzir ou aperfeiçoar novas instruções para a autoverbalização, visando à realização de ta­refas seguidas de auto-reforço e autocorreção, que indicam tendências à resolução do problema (Meichenbaum, 1977), seja ela parcial ou total. De acordo com o refe­rencial da clínica cognitiva, pode-se dizer que a linguagem influencia o pensamento e as emoções antes do comportamento, sendo elas propriedades subjacentes ao que é diretamente observável.

Presume-se que as crianças com distúrbios comportamentais, como Trans­torno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), possuem uma internalização deficiente ou não adaptativa das autoverbalizações (Dush, Hirt e Schroeder, 1989). O Treinamento em Auto-instruções é direcionado para a regulação da desatenção e dos comportamentos impulsivos (Reinecke, Dattillio e Freeman, 1999) e pretende habilitar o indivíduo a fazer sugestões que direcionem sua própria conduta de modo similar ao que é feito quando são instruídos por outras pessoas.

As tarefas de auto-instrução são utilizadas para possibilitar que essas crianças adquiram capacidade de controle sobre seu comportamento e, assim, possam re­duzir respostas impulsivas no seu dia-a-dia (Kazdin, 1994; Meichenbaum e Goodman, 1971). Esse procedimento pode ser incorporado ao treinamento para habilidades sociais (Spence, 2003) e, também, no ensino de cuidados a crianças com mães portadoras de déficit intelectual (Feldman, Ducharme e Case, 1999).

A modificação cognitiva e comportamental acontece pela observação do mo­delo e das instruções. Os passos nos quais as autoverbalizações do terapeuta se baseiam seguem o modelo utilizado pelo treinamento em solução de problemas, descrito adiante.

No tratamento com crianças é importante lembrar que se deve ensiná-las a utilizar o diálogo interno contendo verbalizações de auto-reforço, auto-interro- gação e autocorreção.

D iferenças Individuais e A u to - instrução

A Psicologia das Diferenças Individuais, segundo Colom Maranón (1998), pode ser definida como uma metodologia comparativa que procura verificar quais são as propriedades psicológicas e constructos (inteligência, extroversão, busca de sensações, socialização, neuroticismo, memória etc.) que as pessoas possuem e como elas diferem de uma para outra. Em suma, é um modelo que investiga as diferenças cognitivas, afetivas e comportamentais entre os indivíduos.

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408 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

Como se sabe, os seres humanos compartilham características psicológicas, cuja intensidade, freqüência e estabilidade variam de indivíduo para indivíduo e de cultura para cultura. Para favorecer o ensino do treino em auto-instrução é necessário, dentro de uma boa formulação e conceituação cognitiva, saber quais são as idiossincrasias de cada paciente.

A introdução ao ensino dessa técnica também depende do tipo e das estratégias utilizadas para a resolução do problema. No contexto clínico, constituem os ins­trumentos básicos para a aplicação da técnica. As habilidades do clínico são de grande importância na percepção de como ele (o cliente) funciona, como ele pensa e sente, quais tarefas ele desempenha melhor e quais tarefas o auto-reforçam. Enfim, verificar qual a instrução correta a ser desenvolvida com o indivíduo, ou melhor, a mais adequada ao tipo do paciente, é uma boa providência a ser tomada pelo clínico.

Os autores sugerem alguns pontos para identificar as diferenças individuais:

• Perfil clínico: significa checar se o cliente apresenta ou não algum diagnóstico psiquiátrico. Caso apresente, deve-se esclarecer qual é o quadro e o quanto isso afeta ou não as outras habilidades dele;

• Habilidades intelectivas: são habilidades que fazem uso da lógica, do raciocí­nio. Qual o tipo de atividade intelectiva que apresenta o sujeito, seja para música, letras, matemática, filosofia, física etc. O perfil intelectual geralmente consegue traçar bem os objetivos e os passos na resolução de problemas, conseqüentemente, usa-se essa habilidade para beneficiar o Treinamento em Auto-instruções;

• Habilidades motoras: são habilidades de desempenho corporal. Nesse caso, o sujeito pode passar as auto-instruções com mais facilidade para o com­portamento. Exemplos: bailarinos, atletas, pintores, costureiras, artesãos, músicos etc.;

• Habilidades sociais: são habilidades assertivas utilizadas nos relacionamentos interpessoais. Como a auto-instrução é um treinamento para uma atividade nova ou complexa, pode ser usado em casos de pessoas com algum déficit em habilidades sociais;

• Criatividade: é um componente cognitivo (habilidades intelectivas). Porém, nem sempre fazer uso da razão implica em ser criativo, por isso, deve-se estimular a criatividade na construção das auto-instruções pois, desse modo, o cliente busca desenvolver para si mesmo a melhor linguagem, o melhor conjunto de instruções e os passos para se resolver um problema;

• Selfi é de grande relevância clínica saber como o cliente avalia o seu próprio desempenho na realização de uma tarefa, o seu planejamento ou a realiza­ção dos passos porque isso define, em grande parte, a autocorreção e o auto- reforçamento. Um exemplo é a resolução de problemas matemáticos em computador (Ninness; Ellis e Ninness;1999). A avaliação prévia que as pes­soas fazem sobre suas capacidades prediz melhor as conseqüências de uma determinada ação, ou seja, pensar sobre a auto-eficácia (Cervone, 2000) implica desenvolver e aperfeiçoar o treino auto-instrucional.

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Treinamento em Auto-instruções ■ 409

O paciente tem um potencial em qualquer uma dessas habilidades, o que não significa que seja desprovido ou desfavorecido das outras. Cabe ao clínico averiguar como elas se interatuam em cada indivíduo. O terapeuta deve fazer uso de estra­tégias para preparar os clientes para o tratamento (Walitzer; Dermen e Connors, 1999) e, em alguns casos, simplesmente para desenvolver uma linguagem perso­nalizada de auto-instrução.

Desse modo, para introduzir o treinamento e obter resultados positivos na reso­lução de determinado problema (novo ou mais complexo), é necessário conhecer as diferenças individuais. Grande parte das pesquisas ainda está concentrada em inteligência e personalidade mas esses dados favorecem muito a compreensão e a atuação clínica.

A plicação

O procedimento para o Treinamento em Auto-instruções foi elaborado por Meichenbaum e Goodman (1971) e originalmente criado para o treinamento com crianças hiperativas. Apesar disso, a utilização desse treinamento é ampla. Pode ser empregado em pessoas com problemas cotidianos (condução de veículos, trei­namento em matemática, receita culinária etc.) e em pacientes psiquiátricos (an­siedade generalizada, TDAH, impulsividade, autismo etc.).

Para crianças com TDAH, o treinamento inclui diversas tarefas, como obser­vação do modelo (terapeuta), histórias, colorir figuras e copiar linhas (Kazdin, 1994), entre outras. As verbalizações de autocorreção e auto-reforçamento ajudam a direcionar o desempenho nas tarefas.

O procedimento de Treinamento em Auto-instruções pode ser aplicado junto com outras técnicas comportamentais e cognitivas. A intervenção em que se utiliza essa técnica também pode ser generalizada para adultos.

A aplicação é dividida em cinco etapas (Meichenbaum, 1977):

1. O instrutor (terapeuta) desempenha uma tarefa modelando suas auto- afirmações em voz alta enquanto a criança observa;

2. A criança desempenha a mesma tarefa, sob as orientações audíveis do instrutor;

3. A própria criança realiza a tarefa, instruindo-se em voz alta;4. A criança efetua novamente a tarefa, dessa vez murmurando as instruções;5. Finalmente, a criança direciona seu comportamento por meio de auto-

instruções encobertas, sem a presença de movimentos labiais.

Graças à grande aplicabilidade que esse treino possui, o estudo de casos clínicos se torna um instrumento importante para compreender a sua prática.

CdSO 1

Esse caso demonstra a intervenção em problemas de conduta escolar em um paciente pré-adolescente de 13 anos de idade.

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410 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

O primeiro passo é definir o problema:

Terapeuta: “Você poderia me dizer o que mais lhe incomoda em sala de aula?” Cliente: “A professora chama minha atenção toda hora.”Terapeuta: “Quando ela chama a sua atenção, o que você está fazendo?” Cliente: “Conversando com meus amigos...”(Definido o problema, o terapeuta deve fornecer um roteiro para que o paciente

aprenda a perceber alternativas de resolução do problema e, assim, conduzir seu próprio comportamento para a solução.)

Terapeuta: “Bom, quando a professora me chamava a atenção, eu parava para prestar atenção. Assim eu ficava mais amigo dela e, às vezes, eu podia conversar um pouco mais. Como ela tinha confiança em mim, eu podia comentar algumas coisas com meus colegas com mais facilidade. Entendeu?”

Cliente: “É... pode ser.”Terapeuta: “Ou então, eu sentava mais na frente. Assim ela sabia que eu queria

prestar atenção.”Cliente: “Então, como é que eu vou fazer para a professora saber que eu estou

prestando atenção?”(Nesse momento, o terapeuta sugere uma instrução breve e objetiva ao

paciente.)n

Terapeuta: “Toda vez que sentir vontade de conversar, pense: 'Preciso me comportar, para não perder nota e não repetir de ano/”

(Quando o paciente executar a tarefa, deve-se fornecer verbalizações de auto- reforço e autocorreção, propiciando feedback para suas ações.)

Terapeuta: “Como foi que você se saiu ontem na sala?”Cliente: “Ah! A professora ainda me chamou a atenção.”Terapeuta: “E o que você estava fazendo nesse momento?”Cliente: “Estava brincando com um amigo.”Terapeuta: “Você acha que poderia ter se comportado diferente?”Cliente: “Sim, mas é que ele brinca muito.”Terapeuta: “O que você poderia fazer para evitar isso?”Cliente: “Pedir para ele parar.”Terapeuta: “Muito bem! Se perceber que ele quer desviar sua atenção, diga

para brincarem no intervalo.”Cliente: “Eu poderia também mudar de lugar...”Terapeuta: “Certo! Também é uma boa solução.”

Caso 2Esse caso ilustra parte de uma intervenção em que se utilizou o procedimento

de desenhar figuras para treinar a auto-instrução no controle de impulsos, em uma menina de 7 anos.

Terapeuta: “Eu gostaria de propor uma brincadeira. O que você acha?” Cliente: “Eu acho legal, do que a gente vai brincar?”Teraéuta: “Vamos brincar de desenhar! Você gosta?”

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Treinamento em Auto-instruções ■ 411

(A criança levanta imediatamente, sai pela sala para procurar outras folhas de papel e pegar as canetas coloridas.)

Terapeuta: “Não precisa pegar nem papel e nem caneta, nós podemos fazer isso no quadro. Lá tem giz colorido e você pode escolher a cor.”

(A criança corre em direção ao quadro, procura por um giz e o terapeuta sinaliza que o material utilizado anteriormente está na mesa e precisava ser guardado.)

Terapeuta: “Ih! A gente não guardou o material no lugar, antes de desenhar no quadro. Vamos arrumar isso para que o próximo que vier aqui encontre tudo arrumado.”

(A criança reclama, mas é lembrada pelo terapeuta que tem que deixar a sala como ela estava quando chegaram. A criança por fim concorda em ajudar e o terapeuta passa a descrever as etapas para a solução desse problema.)

Terapeuta: “Onde devemos guardar esse papel?”Cliente: “No armário.”Terapeuta: “E antes de colocar no armário?”Cliente: “Dentro da caixa.”Terapeuta: “Como devemos colocar ele dentro da caixa?”Cliente: “Arrumadinho.”Terapeuta: “Então como vamos arrumá-lo?”Cliente: “Não sei.”(Dessa vez, o terapeuta passa as instruções da tarefa de desenhar para a criança,

repete com ela os passos em voz alta e, em seguida, pede para executar a tarefa.) Cliente: “Agora vamos desenhar?”Terapeuta: “Vamos! Você sabe desenhar uma estrela? Como é que faz?”(O terapeuta deve descrever o procedimento junto às auto-instruções que são

ensinadas para a criança.)Cliente: “Assim.”(A criança rabisca rapidamente o quadro.)Terapeuta: “E uma estrela como essa?”(O terapeuta mostra uma folha para a criança com um desenho de estrela.) Cliente: “Não sei.”Terapeuta: “Vamos tentar?”(Nesse momento, a criança tenta passar para outra atividade e desvia a aten­

ção da tarefa proposta, mas o terapeuta explica que só pode passar para outra tarefa após terminar essa. A criança reluta um pouco, mas o clínico repassa a instrução.)

Cliente: “Como é que eu faço então?”(O terapeuta, enquanto começa a realizar o treinamento, explica o proce­

dimento em voz alta e pede para que ela repita. Após o treino da instrução, ele solicita à criança que comece a desenhar.)

Terapeuta: “E agora, por onde você começaria?”(A criança desenha uma reta, dizendo em voz alta o que estava fazendo e o

terapeuta a reforça a cada novo passo.)Terapeuta: “Muito bem! Como está seu desenho agora?”Cliente: “Tá torto.”(O terapeuta orienta a criança a refazer essa parte do desenho, fornecendo

novamente as verbalizações de auto-reforço.)

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412 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

Dessa forma, a criança repete a instrução até o fim da tarefa. Quando dese­nhava torto, era corrigida; quando fazia certo, ela dizia em voz alta “Agora fiz certi- nho” e continuava a desenhar. Por fim, quando terminou de confeccionar a estrela, sendo reforçada pelo terapeuta, passou para outra brincadeira.

R eso lu çã o de P roblem as

O Treinamento em Auto-instruções é uma técnica utilizada para que a pessoa desenvolva, por meio da linguagem encoberta, um roteiro para a resolução de problemas.

É importante discriminar as etapas da solução de problemas nas quais se pode desenvolver a auto-instrução. Segundo Nezu e D^urilla (apudNezu. e Nezu, 1999), essas fases são:

1. Orientação e delineamento do problema;2. Formulação e definição operacional do problema;3. Levantamento de soluções alternativas;4. Tomada de decisão avaliando as conseqüências;5. Prática e verificação de resultados.

A resolução de problemas enfatiza que os pacientes devem assumir responsa­bilidade por seus problemas, sendo necessário que o terapeuta trabalhe para favo­recer o desenvolvimento de suas habilidades adaptativas. Desse modo, cada passo somente pode ser considerado conquistado frente à avaliação positiva do paciente.

COMENTÁRIOSOs pesquisadores têm procurado descrever as razões e as condições para que

o Treinamento em Auto-instruções ganhe mais efetividade.O repertório de habilidades de coping (manejo) do indivíduo pode ser em**

pregado como meio para promover a mudança cognitiva, assim como as demais características pessoais também devem ser consideradas. Segundo Kazdin (1994), a instrução mais eficiente é aquela que possui em seu conteúdo locus de controle interno1. Esse tipo de verbalização pode contribuir para consolidar os resultados após o tratamento.

Nos trabalhos de Meichenbaum e Goodman (1971), verifica-se que há uma melhora no desempenho de testes cognitivos, por exemplo, os testes de inteli­gência, em conseqüência da diminuição de respostas impulsivas. Esses resultados são congruentes com outros estudos ulteriores, que também utilizaram a técnica da auto-instrução.

1 Segundo Lazarus e Folkman (1984), os indivíduos que possuem o locus de controle interno tendem a acreditar que as conseqüências de uma determinada ação são dependentes de seu próprio comportamento e, portanto, tendem a utilizar estratégias de coping focalizado no problema.

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Treinamento em Auto-instruções ■ 413

Entretanto, é necessário considerar que, em decorrência da fraca metodologia empregada em diversos estudos, ainda existe pouca coerência entre os resultados das pesquisas com crianças comTDAH (Dush, Hirt e Schroeder, 1989).

Um ponto comum é a permanência dos resultados. Por intermédio do proce­dimento de follow-up, foram verificados efeitos positivos até 90 dias após o trei­namento (Dush, Hirt e Schroeder, 1989).

A revisão da literatura especializada também indica que a faixa etária que mais se beneficiou dos treinamentos envolvendo a alteração das autoverbalizações foi a dos adolescentes e dos pré-adolescentes (Dush, Hirt e Schroeder, 1989). Esses achados sugerem mais pesquisas e aperfeiçoamento do emprego da técnica em crianças de qualquer grupo ou em adultos.

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Page 426: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Entrevista Motivacional

R oberta P ayá

N ELIAN A B UZI FiGLIE

INTRODUÇÃOA Entrevista Motivacional é um método de assistência

diretiva, centrada no cliente que almeja promover uma motivação interna de mudança de um comportamento, mediante a exploração e resolução da ambivalência apre­sentada pelo cliente. Esse método envolve espírito de cola­boração, participação e autonomia por parte do cliente, o qual tem a sensação de estar caminhando lado a lado com terapeuta e sendo atuante em seu processo de mudança, em vez de, apenas, seguir orientações.

A Entrevista Motivacional é um meio particular de aju­dar as pessoas a reconhecer e fazer algo a respeito de seus problemas presentes ou potenciais. Ela é particularmente útil com pessoas que relutam em mudar e que estão ambivalentes quanto à mudança. Seu objetivo é ajudá-las para que possam resolver a ambivalência presente e segui­rem o percurso natural da mudança de comportamento. É um meio de aconselhamento direto, centrado no cliente, a fim de se buscar a mudança do comportamento e auxiliá- los a explorarem e a resolverem a ambivalência trabalhan­do, basicamente, com a motivação.

O conceito da Entrevista Motivacional surgiu de traba­lhos dirigidos a bebedores-problemas. Foi primeiramente descrito porWilliamR. Miller (1983) e, posteriormente, com os resultados clínicos de Miller e Stephen Rollnick (1991), autores de referência para qualquer menção sobre o tema. Este capítulo não pretende criar novos conceitos, mas sintetizar e elucidar essa técnica para que seu acesso seja ampliado no campo do trabalho terapêutico.

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Entrevista Motivacional ■ 415

Ao se falar da Entrevista Motivacional, torna-se imprescindível abordar seu principal foco: a mudança, a qual será alcançada uma vez que a proposta central seja mantida, ou seja, a exploração e a resolução da ambivalência. Essa meta re­quer, do terapeuta, um direcionamento para esse propósito.

As pessoas mudam de várias maneiras e por inúmeros motivos. Porém, comumente, elas se sentem bloqueadas, persistindo em padrões comportamentais que claramente as prejudicam e também aos padrões à sua volta (Miller e Baça, 2001). Em nenhuma outra área esse problema é mais claramente observado do que no comportamento aditivo - abuso de álcool e de outras drogas, transtornos alimentares, jogo patológico e outras compulsões (Miller, 1980; Peele, 1985). A aplicabilidade da Entrevista Motivacional pode ser favorável em áreas como ad­ministração, educação, gerenciamento e, obviamente, o vasto campo terapêutico; no entanto, a proposta deste capítulo foca a aplicabilidade dessa técnica na de­pendência química. É importante esclarecer que as discussões e os exemplos do presente capítulo estão voltados aos comportamentos aditivos, mais especifica­mente ao alcoolismo. Contudo, espera-se que as idéias apresentadas sejam úteis no trabalho de uma ampla gama de clientes.

Como foi mencionado, os próprios conceitos da Entrevista Motivacional par­tiram de estudos relacionados com os bebedores-problema. Dessa forma, é ne­cessário compreender que a Entrevista Motivacional como uma abordagem criada para ajudar o cliente a desenvolver um comprometimento com a mudança, bem como tomar a decisão de mudar.

Mas o que significa mudar? Segundo o Aurélio, Dicionário da Língua Portu­guesa, “mudar é tornar-se diferente do que era.” Particularmente, acredita-se que essa capacidade pertence a qualquer ser humano, mas o desfecho da mudança depende de determinados fatores específicos ou não específicos, de condições externas e de condições internas presentes no cliente.

A Entrevista Motivacional compreende que para mudar é preciso, antes de tudo, ter/desenvolver motivação para mudar, sendo ela construída e desenvolvida por uma série de fatores.

A motivação segundo Miller (1983) é a “probabilidade de que uma pessoa ini­cie, dê continuidade e permaneça num processo de mudança específico.” Ela ex­pressa o grau de compromisso ou aderência ao tratamento. Não deve ser entendida como um traço de personalidade, mas como um estado interno de prontidão para a mudança que pode oscilar de tempos em tempos ou de uma situação para ou­tra, conforme as influências, uma delas, a própria relação estabelecida pelo terapeuta.

MODELO DE MUDANÇAJames Prochaska e Cario DiClememte (1982) propuseram um modelo útil, es­

pecialmente influente, de como ocorre a mudança de um comportamento. Preo­cupados em compreender como e por que as pessoas mudam, tanto por si mesmas quanto com o auxílio de um terapeuta, descreveram uma seqüência de estágios pelos quais as pessoas passam no curso da modificação de um problema, inde-

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pendentemente de estarem em terapia ou não. A importância do modelo do está­gio de mudança não está em seus detalhes, mas em sua enunciação da “simples verdade” de que uma importante contribuição para os vários resultados é o indi­víduo decidir se a mudança será boa ou não para ele (Davidson, 1997). Na Figura 38.1, é possível visualizar o modelo espiral que, metaforicamente, oferece o senti­do dinâmico que os autores procuraram transmitir em relação ao movimento do cliente diante o percurso da mudança.

Primeiramente, deve-se compreender estágio como um período de tempo determinado por tarefas/atitudes que estão em movimento para um próximo es­tágio. Esse modelo prega a existência de cinco estágios que servem como catego­rias excludentes; as três primeiras se referem aos clientes que ainda se mantêm no comportamento-problema e as outras duas aos que mudaram o comportamento, ou seja, usuários e ex-usuários (Sutton, 1987). São eles:

P ré-co n tem pla çã o

Primeiro estágio em que o indivíduo não reconhece o problema ou não se con­sidera precisando de ajuda. A mudança não é considerada. Normalmente, nota- se, nesse estágio, o cliente com uma postura defensiva, relutante e sem disposição para efetuar mudanças. É comum associar essa fase com a fase de início do namo­ro, na qual a pessoa pode estar tão apaixonada por seu parceiro que não percebe nenhum defeito. Essa mesma admiração acontece com a droga ou, até mesmo, com outro tipo de comportamento adquirido. Por exemplo, “No meu ponto de vista, eu não tenho nenhum problema que necessite de mudança.”

Figura 38.1 - Modelo de mudança e seus estágios.

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Entrevista Motivacional ■ 417

C o n tem pla çã o

O movimento da pré-contemplação para a contemplação pode ser considera­do um verdadeiro estágio de transição, apesar de não ser diretamente observável porque a pessoa muda de um estado de “não pensar seriamente em parar com o consumo da substância psicoativa” para um estado de “pensar em interromper o consumo”. O que não significa que a pessoa esteja querendo parar constante­mente pois o estágio é de dúvidas, o que possibilita um questionamento. No caso de uso/abuso de álcool ou droga, por exemplo, a pessoa começa a considerar seu consumo de substâncias como um problema, abrindo espaço para um ques­tionamento dos aspectos negativos e positivos de forma ambivalente, reavaliando condutas a partir de uma visão construída entre os pólos negativo e positivo. Mas isso não significa que ela esteja pronta para mudar; na verdade, ainda não há um preparo para isso, como “Tenho pensado que posso querer mudar o meu jeito de comer.”

P reparação

Momento pelo qual a prontidão e o compromisso com a mudança come­çam a se organizar. Nesse estágio, as pessoas são descritas com “prontas para a ação”. Tentativas são colocadas em prática, há interesse para algo diferente. Uma das críticas ao modelo é que, para estar na preparação, essas tentativas precisam, ao menos, expressar algum tipo de interrupção recente, cessação do consumo. Há um reconhecimento que seus resultados podem vir a partir da mudança de atitude e de comportamento e para isso se constrói um pla­nejamento de ações, com base no que se fala e no que se faz. Obviamente, com o apoio terapêutico, essa construção pode ser facilitada. Um exemplo desse conflito é “Estou tentando parar de fumar, mas mesmo assim gostaria de receber ajuda.”

A ção

A entrada nesse estágio é assinalada por uma mudança distinta e observável do uso para o não uso, estágio no qual o cliente procura, decide receber ajuda e/ou abrir mão do comportamento apreendido. As tentativas são colocadas em prática, ocorrendo uma implementação de planos para a modificação do comportamento aditivo. Nesse momento, a mudança é realizada e a terapia é um meio de assegurar o plano para ganhar auto-eficácia, da mesma forma que se espera criar condições externas para a mudança. A reflexão pode ser “Eu estou fazendo algo sobre os problemas que estão me incomodando.” É impor­tante ressaltar que há outras atitudes que indicam a fase de ação, além do iní­cio de um tratamento terapêutico, como uma conversa com a esposa ou com um amigo pode ter tamanho impacto que leva o paciente a mudar, a freqüen­tar uma igreja, começar uma atividade que supra a necessidade de usar algu­ma substância etc.

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M a n u ten çã o

Uma vez que a mudança requer a construção de um novo padrão de compor­tamento ao longo do tempo, ele leva algum tempo para se estabelecer. Na verda­de, nesse período que a mudança sustentada é testada. Esse último estágio da mudança bem-sucedida é denominado manutenção. O que se espera é manter o novo comportamento e a estabilidade passa ser o foco, momento em que a ameaça de recaída ou de um retorno aos padrões antigos se torna menos freqüente e in­tensa. Mas isso não é imutável. A exemplo disso, pode-se recordar o que acontece com uma pessoa determinada a emagrecer. Ouve-se, com certa freqüência, que começar uma dieta é fácil, porém, mantê-la é o grande desafio. Pois bem, com os comportamentos adictivos, mesmo quando o cliente já se encontra em manu­tenção, recaídas podem acontecer.

Nesses estágios de mudança, pode-se contentar tanto os clientes como os terapeutas com a meta alcançada, ou seja, com o novo comportamento. No en­tanto, compreender a recaída como pertencente ao processo de mudança é, cer­tamente, dar um grande passo em termos de tratamento. Dessa forma, é necessário entender a recaída como algo que acontece durante o processo, mais especifica­mente nos estágios da ação ou manutenção, estando ela presente em qualquer situação de mudança de hábito.

Inicialmente, a recaída foi considerada um estágio, mas Prochaska, em 1992, propôs que ela não era considerara um estágio por não envolver uma progressão, mas sim uma regressão. Em grupo ou em atendimento individual é comum ouvir dos clientes que recaíram após um período de abstinência (em casos de trata­mento da dependência química). Vale ressaltar que, para outros tratamentos, as recaídas são relacionadas a determinantes internos (psicológicos) ou externos (ambientais), os quais colocam em perigo a situação de controle (auto-eficácia) da pessoa. Outras vezes, por despreocupação ou por vontade de testar a si mes­mos, os pacientes iniciam um retrocesso. Na maioria das vezes, a recaída não ocorre automaticamente, mas gradualmente após um deslize inicial denominado lapso (Tucker et o ly 1999). Ela deve ser vista como um período de transição que pode, ou não, ser seguido de melhora. Há possibilidade de ocorrer várias vezes antes da aquisição das habilidades necessárias para superar a dependência química.

O modelo dos Estágios de Mudança, também denominado Modelo Trans- teórico, recebeu algumas críticas, uma delas referente ao conceito que implica em ordenação e seqüência temporal. Dessa forma, o esperado é que alguém, num determinado estágio, volte ao estágio precedente e siga a caminho do próximo. Porém, por meio dos estudos dirigidos (McConnaughy etal., 1983/1989), na ques­tão do movimento entre os estágios, constatou-se que o padrão habitual de mu­dança entre os clientes que se automodificam, certamente, não é progressivo, o que indica a possibilidade de retroceder os estágios. Uma outra dificuldade nesse modelo é a falta de determinação do tempo que as pessoas ficam num estágio ou quando e sob quais circunstâncias elas mudam de estágio.

Entretanto, para alguns autores, a contribuição-chave do modelo Transteórico é colocar a Entrevista Motivacional como instrumento de atuação terapêutica, pois a ênfase está em manejar o conflito motivacional com uma série de estratégias

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Entrevista Motivacional ■ 419

solucionadoras da ambivalência. A Entrevista Motivacional pode ser integrada ao modelo dos estágios da mudança porque sistematiza quais estratégias a serem usa­das e quando fazer isso. Essa abordagem é apropriada para clientes em todos os está­gios da mudança de algum comportamento ou transtorno embora, no tratamento das dependências, os autores (Connors etal, 2001) alertem que, nas fases iniciais - pré-contemplação, contemplação e preparação o cliente pode se beneficiar mais com as considerações motivacionais. Para as fases seguintes - ação e manutenção -, o ideal é a utilização de treinamento de habilidades e de prevenção de recaída.

ENTREVISTA MOTIVACIONALA Entrevista Motivacional está embasada (na Terapia Cognitiva, na Teoria

Sistêmica e na Psicologia Social da Persuasão) na contribuição dos estágios de mudança e nas estratégias do aconselhamento centrado no cliente. Uma sessão de Entrevista Motivacional é centrada no cliente; ainda assim, o terapeuta man­tém um forte senso objetivo e direcionador, escolhendo ativamente o momento certo para intervir de forma incisiva.

Há referências que apontam a Entrevista Motivacional como uma técnica mais centrada e diretiva na tarefa do que no aconselhamento tradicional focado no clien­te, fazendo com que o entrevistador motivacional ofereça conselhos e tente ativa­mente criar uma discrepância ou dissonância, em vez de seguir passivamente o cliente (Miller e Rollnick, 2001). Porém, há uma combinação de elementos de abor­dagens diretivas e não diretivas. Pode ser integrada em uma ampla gama de estra­tégias, além de ser utilizada para preparar uma base motivacional para outras abordagens, como treinamento comportamental, Terapia Cognitiva, participação em grupos, abordagem farmacológica, entre outras.

Segundo Miller e Rollnick (2001), “a base teórica da Entrevista Motivacional as­senta-se em duas grandes áreas: o constructo de ‘ambivalência' e do conflito entre indulgência e limite tão claramente encontrados nos comportamentos aditivos” (1985). Ambivalência é descrita como um conflito psicológico versus a motivação flutuante presente. Entretanto, o fracasso em mudar um comportamento que este­ja causando problemas é um fenômeno que ultrapassa a dependência, assim como os efeitos imobilizantes da ambivalência podem ser encontrados em muitas esfe­ras. Uma base conceituai mais genérica é encontrada na teoria e na pesquisa sobre a auto-regulação (Kanfer, 1987). Resumidamente, as estratégias da Entrevista Motivacional podem ser compreendidas dentro dessa base conceituai: princípios das áreas social, cognitiva e motivacional da Psicologia.

PRINCÍPIOSPara algumas pessoas, ultrapassar a ambivalência e atingir um estado de mudança

pode ser mais simples do que para outras e, muitas vezes, alcançar a meta é o suficiente para que se sintam satisfeitas. Nesse aspecto, a Entrevista Motivacional pode ser de fato eficaz e suficiente; no entanto, para quem não se beneficia apenas com essa aborda­gem, deve-se considerar que a aplicação da Entrevista Motivacional pode ser apenas o começo de um tratamento. Dessa forma, o papel do terapeuta tem grande importância

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na fase inicial do processo de mudança, deixando de ser aquele que escolhe ou deter­mina para focar a responsabilidade do cliente no processo de mudança.

As estratégias do terapeuta são mais persuasivas do que coercitivas, mais encorajadoras do que argumentativas. Ele busca criar uma atmosfera positiva que con­duza à mudança. A meta final é aumentar a motivação intrínseca do cliente, de modo que a mudança venha de dentro em vez de ser imposta externamente. Os especialistas afirmam que, quando essa abordagem é utilizada corretamente, o cliente apresenta os argumentos para a mudança mais que o terapeuta. A Entrevista Motivacional em­prega uma variedade de estratégias, algumas derivadas da terapia centrada no clien­te, para chegar nisso. Em contraste com outros estilos mais confrontativos, o terapeuta pode, por vezes, parecer inativo. Ainda assim, ele trabalha com uma forte noção de objetivo e com estratégias claras, necessitando de uma boa noção de timing para intervir de maneiras específicas em momentos incisivos. A utilização da escuta re­flexiva é um bom exemplo dos recursos disponíveis que a abordagem nos oferece como forma de intervenção e talvez seja a habilidade mais desafiadora porque o ele­mento crucial da escuta reflexiva é ouvir e saber como responder o que está sendo dito pelo cliente. Sua essência é a inferência que se faz quanto ao que a pessoa deseja dizer. Cabe ao terapeuta refletir sobre o sentido daquilo que o cliente tenta dizer e que, muitas vezes, é perdido pela maneira imperfeita de decodificar o que foi dito.

Dessa forma, é válido perguntar que postura vem sendo tomada e se as ca­racterísticas fundamentais se enquadram na visão formada sobre a relação terapeuta-cliente.

No Quadro 38.1, encontram-se algumas diferenças importantes na postura do terapeuta quanto aos problemas específicos, como negação, estágio inicial do cliente em relação à mudança e atuação direta do terapeuta quando comparado a outros modelos:

Quadro 38.1 - Comportamentos do terapeuta quanto a problemas específicosNegação: Muitas vezes, por outras abordagens, a negação pode ser entendida como resistência; contudo, para a Entrevista Motivacional, não deve ser confrontada nem corrigida, mas refletida. A resistência é vista como um padrão de comportamento interpessoal influenciado pelo comportamento do terapeuta. Por isso não importa se o cliente aceita seu diagnóstico ou não. A ênfase não diz respeito aos rótulos; é dada pela escolha pessoal e pela responsabilidade de decisão quanto ao comportamento futuro. As metas do tratamento não são impostas pelo terapeuta; são negociadas entre ele e o cliente.Estágio de mudança: Para a Entrevista Motivacional, o risco de treinar habilidades para que a mudança seja alcançada é deixar o cliente sob a ação das tarefas, praticamente, como se ele estivesse apto para mudar (na prática). No entanto, as estratégias oferecidas não têm somente caráter de prescrições; também levam em conta o estágio de prontidão para mudança em que o cliente se encontra, estimulando a mudança, que é de responsabilidade do cliente. Outra diferença é que o modelo de Treinamento de Habilidades tende a identificar e modificar congestões desaptadas e a Entrevista Motivacional oferece possibilidade de explorar, refletir e corrigir as percepções do cliente. Além disso, ele próprio elicia os problemas que deseja solucionar.Atuação direta: Embora a Entrevista Motivacional incorpore muitas das estratégias descritas por Cari Rogers, há diferenças básicas entre os modelos, assim como outras abordagens não diretivas. Mesmo centrada no cliente, a Entrevista Motivacional é bastante diretiva, mantendo às claras a meta do terapeuta: a mudança. Por isso, busca-se criar e ampliar a discrepância do cliente, aumentando a motivação e oferecendo feedback e conselhos quando necessário.

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Entrevista Motivacional "421

Em cinco princípios, elucidados por Miller e Rollnick (2001), é possível com­preender melhor a estrutura básica da Entrevista Motivacional:

1. Expressar empatia• A aceitação facilita a mudança: por intermédio da escuta reflexiva habi­

lidosa, o terapeuta busca entender os sentimentos e as perspectivas do cliente sem julgar, criticar ou culpar. Aceitar não significa concordar. Aceitando o cliente, ele não está impedido de diferir dos pontos de vista do cliente;

• A escuta reflexiva habilidosa é fundamental: vista como uma atitude crucial por parte do terapeuta que, ao utilizá-la, proporciona um desejo de compreender as perspectivas do cliente;

• A ambivalência é normal: aceita como uma parte normal da mudança e não como um traço patológico. A relutância para abandonar um com­portamento problema é esperada no momento do tratamento; caso con­trário, a pessoa muda sem buscar ajuda.

2. Aumentar a discrepância• Dissonância Cognitiva: busca entender a discrepância que existe entre

o comportamento presente e as metas mais amplas, ou seja, onde se está e aonde se quer chegar;

• A conscientização das conseqüências é importante: quando um com­portamento é visto como conflitante com as metas pessoais importan­tes, como a própria saúde, o sucesso, a felicidade da família ou uma auto-imagem positiva, é provável que a mudança aconteça;

• A discrepância entre o comportamento presente e as metas importan­tes motiva a mudança: está correlacionado com os aspectos anteriores, uma vez que um implica o outro. Mas não impede de se enfatizar que, conforme a discrepância seja utilizada, ela pode ser aumentada e am­pliada para que o cliente faça uso dela cada vez mais, possibilitando uma “troca” do comportamento antigo pelo atual;

• O cliente deve apresentar argumentos para mudança: importante que essas estratégias partam do cliente e não de meios externos, por exem­plo, ameaça de demissão no emprego. Acredita-se que as pessoas têm mais chances de mudar quando persuadidas pelo que ouvem de si mes­mas do que pelo que os outros lhe dizem.

3. Evitar a argumentação• A argumentação é contraproducente: sugere-se que o terapeuta real­

mente evite argumentações e confrontos diretos. Embora seja uma téc­nica direta em seu objetivo, o confronto ao cliente é contra-indicado pois gera resistência;

• Defender gera atitudes de defesa: quanto mais se diz para alguém “Você não pode fazer isso”, mais provável que responda “Eu farei.” Defender uma posição com veemência, por exemplo, “Você tem um problema e tem que mudar”, desencadeia oposição e atitudes de defesa por parte do cliente;

• A resistência é um sinal para a mudança de estratégia: a resistência do cliente é fortemente afetada pelo modo como o terapeuta responde a

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ela. É indicado que o terapeuta evite abordagens que a evoquem, mas caso ela apareça, o tratamento pode ser beneficiado se o terapeuta apren­der com ela e mudar de estratégias;

• A rotulação é desnecessária: é válido pensar quais situações podem cor­roborar com a resistência, por exemplo, rotular o cliente de obeso pode ser contraterapêutico. Embora essa postura seja tomada como ponto de partida por alguns profissionais, não há evidências científicas que favoreçam os clientes em tratamento por aceitarem seus diagnósticos. Isso difere completamente de aceitar alguém com problemas e que pre­cisa de ajuda. Os especialistas (Miller e Rollnick, 2001) indicam ainda que se comece de onde os clientes querem chegar, alterando suas autopercepções, não por meio da argumentação sobre rótulos mas so­bre meios substancialmente mais efetivos.

4. Fluir com a resistência• A força pode ser usada em benefício próprio: a Entrevista Motivacional

não é um combate, não se trata de ganhar ou perder. O cliente não é um oponente a ser derrotado. Mas a resistência deve ser acompanhada con­forme o cliente prioriza o que deseja trabalhar;

• As percepções podem ser alteradas: tendo em vista o começo do trata­mento como um jogo, o terapeuta deve se nortear em direção à percep­ção do cliente. O objeto em movimento não é um corpo, mas uma percepção;

• Novas perspectivas são oferecidas, mas não impostas: da mesma forma que a relutância e a ambivalência são reconhecidas como naturais e, sendo assim, não são confrontadas, metas e novas visões também de­vem partir do próprio cliente. Na verdade, ele é convidado a considerar novas informações para construir suas percepções;

• O cliente é um recurso valioso na solução do problema: geralmente, o terapeuta desenvolve uma questão ou problema para que o cliente bus­que soluções. Desse modo, acredita-se que ele é um indivíduo capaz, com insighte idéias importantes quanto aos seus problemas e conflitos.

5. Promover a auto-eficácia e a responsabilidade pessoal• A crença na possibilidade de mudança é um motivador importante: o

terapeuta pode seguir os quatro princípios anteriores e convencer a pessoa quanto ao seu problema. Se, entretanto, o cliente não tiver espe­rança de mudar, assim como acreditar que isso é impossível, o trabalho terapêutico ocorre em vão;

• O cliente é responsável por decidir e realizar mudanças pessoais: as­pecto relevante para a Entrevista Motivacional, pois a auto-eficácia também depende da ênfase na responsabilidade do cliente em mu­dar. A pessoa deve fazer a mudança, pois ninguém mais pode fazê-la em seu lugar;

• Esperança na variedade de abordagens alternativas disponíveis: o cliente pode tanto se beneficiar com as experiências de outros depoimentos quanto com a variedade de abordagens presentes no percurso do seu tratamento. Esse aspecto serve para melhor se compreender certos fra-

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Entrevista Motivacional ■ 423

cassos em conseqüência da não-adaptação entre abordagem e cliente. Isso possibilita a permanência do cliente em tratamento, o qual ele não abandona rapidamente por conta de um fracasso. Miller e Hester (1986) apontam como elemento terapêutico a variedade de opções de trata­mento diferentes e promissoras oferecidas ao cliente, ampliando as chances dele encontrar algo que funcione para si.

Esses cinco princípios fundamentam as estratégias específicas da Entrevista Motivacional. Elas podem ser incorporadas a partir do momento em que tenha se tornado claro para o terapeuta o quão importante ele é para a obtenção da mu­dança do seu cliente, uma vez que ela seja, primeiramente, desejada pelo cliente. Como mencionado anteriormente, todo ser humano possui um forte potencial para mudar. Por meio da Entrevista Motivacional fica entendido que o terapeuta liberta esse potencial, facilitando os processos naturais da mudança inerentes no indivíduo. Na realidade, pretende-se libertar as pessoas da ambivalência que as aprisiona e que produz ciclos de comportamentos autodestrutivos e autode- preciativos (Miller e Rollnick, 2001).

Esses autores afirmam, ainda, que a Entrevista Motivacional é mais do que um conjunto de técnicas para fazer um aconselhamento, portanto, sendo deno­minada abordagem. Ela é uma maneira de estar com os clientes muito diferente da forma como os outros podem tê-los tratado no passado. Também é importante ressaltar que ela serve, antes de mais nada, para despertar a pessoa, dar a partida no processo de mudança e, uma vez iniciada, nada impede que se adicionem ou­tras assistências, pois a seleção de uma abordagem de tratamento, entre várias opções, tem o efeito de aumentar a sensação de controle e de escolha pessoal (Deci, 1980).

METODOLOGIADeve-se lembrar que o objetivo deste livro é ser um manual prático e didático

das técnicas escolhidas. Desse modo, retomam-se as orientações sobre como tra­balhar com a Entrevista Motivacional. Sendo a mudança seu foco e tendo em vista os seus princípios, a seguir, esboçam-se tópicos que viabilizam o estímulo para a mudança de um comportamento, levando em conta o momento em que o cliente se encontra ambivalente durante o estágio de contemplação.

A primeira sessão pode ser crucial, determinando o tom e as expectativas para a terapia. As ações do terapeuta, mesmo em uma única sessão, podem ter uma influência poderosa sobre a resistência do cliente e sobre os resultados em longo prazo (Miller e Sovereign, 1989). Dessa forma, é importante adotar a abordagem adequada desde o início e evitar cair em diversas armadilhas que podem compro­meter rapidamente o progresso (Miller e Rollnick, 2001).

Na primeira vez em que cliente e terapeuta se encontram, como é o impacto de qualquer primeiro encontro, ambos podem ter expectativas, receios, medos etc. Por essa e outras razões, o terapeuta pode, desde o início, nortear o cliente sobre o que vai acontecer. Miller e Rollnick (2001) propõem alguns elementos a serem incluídos nessa orientação:

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• Informação do tempo disponível para trabalharem juntos;• Explicação do papel e dos objetivos do terapeuta;• Descrição do papel do cliente;• Menção de detalhes que devem ser observados;• Pergunta aberta.

Desde o começo, o que importa é adotar a abordagem adequada para evitar certas armadilhas que comprometem o processo terapêutico, tanto na primeira sessão quanto no decorrer do processo. Segundo seus autores, elas são classifica­das como:

A rm ad ilh a da P ergun ta-resposta

No início de uma terapia é muito comum estabelecer um diálogo de pergun­tas e respostas, até mesmo porque é necessário obter informações básicas do quadro do cliente. Mas, para evitá-lo, pode-se oferecer um questionário com in­formações específicas e esperar para continuar. Nesse caso, segue-se um padrão na conversa com perguntas abertas. Responde-se com escuta reflexiva e não se afugenta do risco de se responder com outra pergunta. Como regra geral, evita- se fazer três perguntas seguidas.

ExemploTerapeuta: “Bom Dia! Por favor, sente-se. Nós temos cerca de 40 minutos e eu

gostaria de saber o que te trouxe aqui?”(Começo com pergunta aberta.)Cliente (Resposta ambivalente): “Eu não sei ao certo se isso é um problema.”Terapeuta: “Gostaria de saber se aconteceu alguma coisa que te chamasse aten­

ção durante esses tempos em que você vem mantendo esse hábito de comer...”

E vite A rm ad ilh a do C o n fro n to-n eg a çã o

Poucas pessoas gostam de admitir que estão erradas. Imagine-se um clien­te que está sendo avaliado por pressão familiar, por exemplo. Esse é um dos riscos mais freqüentes durante uma entrevista. O terapeuta toma partido de um dos lados do conflito que indica a presença da ambivalência, ou seja, há também um outro lado. Dessa forma, o pressuposto básico é entender que, quanto mais o terapeuta confrontar, mais o cliente irá resistir e se indispor a mudar (Miller e Sovereign, 1989). Nesse jogo depressões, o cliente, literalmen­te, pode se convencer a não mudar. Essa possibilidade é freqüente e ocorre em qualquer estágio da terapia, principalmente no início. Deve-se lembrar que ela pode surgir em qualquer situação na qual o terapeuta esteja argumentando com o cliente. Para evitá-la, a escuta reflexiva e as afirmações automotivacionais são boas estratégias.

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Entrevista Motivacional ■ 425

ExemploCliente: “Eu não sei bem se o meu caso é sério. O que eu bebo não é muito.” Terapeuta: “Quanto você bebe?”Cliente: “Três cervejinhas.”Terapeuta (risco de perguntar de forma indignada): “Todo dia?”Cliente: “Ah! Mas sempre depois do almoço!”(Confronto.)Terapeuta: “Você fala como se não fosse problema, mas por conta das três

cervejinhas você está aqui e, pelos exames, o seu caso é grave, ou seja, não temos muito tempo!”

Exemplo MotivacionalCliente: “Eu não sei bem se o meu caso é sério. O que eu bebo não é muito.” Terapeuta: “Gostaria apenas de conhecer o seu hábito de beber.”

A rm adilh a do E specialista

Quem nunca se sentiu com todas as respostas? O problema é que, como no jogo das perguntas e respostas, o cliente acaba ocupando um lugar passivo e isso não condiz com a abordagem da Entrevista Motivacional. O importante é ter em mente que há um momento no qual o terapeuta pode falar, mas que o tempo da sessão é para o cliente explorar e resolver sua ambivalência sozinho.

ExemploCliente: “Ser um jogador nato, quase compulsivo, é um vício?”(Terapeuta fornece a resposta.)Cliente: “Então, se posso tomar algumas precauções para evitar o jogo, pode

existir também um remédio para me fazer parar de jogar?”O terapeuta pode dar a informação de medicação, mas um exemplo

motivacional seria:

Exemplo MotivacionalTerapeuta: “Parece que você está muito interessado em métodos para o con­

trole da sua forma de jogar. Posso ajudar te indicando vários métodos, o mais im­portante é você ter em mente que pode conseguir.”

A rm ad ilh a d a R o tu la çã o

Muitas vezes, a rotulação pode surgir durante o jogo de forças que o terapeuta causa de um julgamento decorrente de uma simples necessidade de diagnosticar.

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Caso parta do próprio cliente, o rótulo não precisa ser negado, mas em nenhum momento ele deve ser a preocupação do terapeuta. Se a questão não surgir, não se deve levantá-la. Miller e Rollnick (2001) sugerem que, caso ela apareça por parte do cliente, que seja respondida por meio da combinação das técnicas de reflexão e de reformulação.

Exemplo MotivacionalCliente: “Eu não sou obeso e nem gosto dessa palavra.”Terapeuta: “Me parece que isso lhe incomoda.”Cliente: “Eu não gosto de ser chamado assim.”Terapeuta: “E, de fato, não precisamos dar nome para o que está acontecendo.

O que me interessa é pensarmos sobre como, onde, em quais horas, o que você anda comendo e que talvez esteja lhe prejudicando... ”

A rm ad ilh a do F o co Prem aturo

Parece ser natural manter a atenção naquilo que estamos procurando e se antecipar, indo direto ao foco, durante a primeira entrevista pode ser comum para um especialista da área. Geralmente, para o cliente há outras questões mais im­portantes além de seu problema comportamental, muitas vezes porque para ele próprio ainda não está claro que outras questões (mais amplas) também se relacionadam ao tipo de transtorno que ele vem mantendo. A atenção deve se voltar conforme os tópicos apresentados pelo cliente Começar pelas preocu­pações dele garante que essa armadilha não aconteça.

Exemplo MotivacionalCliente: “Eu, na verdade, estou preocupado com as discussões que estou tendo

com minha esposa, ela briga demais comigo.”Terapeuta: “Parece que as brigas com a tua esposa te incomodam.”Cliente: “Talvez porque eu chego tarde em casa e, às vezes, volto sem dinheiro...

Mas como eu estou dizendo, acho que ela também deveria estar aqui.”Terapeuta: “Percebo que você quer falar sobre a sua esposa. Vamos falar dela.” (Nesse exemplo, o terapeuta passa a falar da esposa para chegar ao cliente.)

A rm ad ilh a d a C ulpa

Também é comum sermos convidados a responder de quem é a culpa e, ao se cair nessa armadilha, muito tempo pode ser perdido. A questão é que a culpa é irrelevante para se obter o desejado. Ela pode ser evitada de várias formas; uma delas é ofere­cer, no início da sessão, informações sobre a estrutura da terapia, de como o traba­lho acontecerá. Outra é simplesmente assegurar ao cliente que sua intenção não é de julgá-lo, mas de mostrar que é possível falar do que está acontecendo com alguém interessado no que o incomoda e o que ele pode fazer quanto a isso.

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Entrevista Motivacional ■ 427

ExemploCliente: “Eu fui o responsável pela situação em que o meu casamento se en­

contra e acho que não tem mais jeito.”Terapeuta: “Parece que você está muito preocupado com o seu casamento. Se

você atingir a mudança desejada, não terá garantias de recuperar o seu casamen­to, mas pode recuperar o bom relacionamento com os seus filhos, bem como um contato amigável com sua esposa.”

(Essa intervenção pode ser entendida como mais de uma armadilha; no caso, sugere que o cliente deva se sentir culpado pelo que está acontecendo no seu rela­cionamento marital e o papel do terapeuta é desfocalizar a culpa e focalizar a mudança do comportamento.)

Na primeira sessão, poder evitar armadilhas é um bom começo, mas é possí­vel garantir um melhor desempenho por parte do especialista. Para isso, recomen­da-se a Metodologia PARR:

P Perguntas Abertas A Afirmar/Reforço*R Refletir R ResumirA proposta é, para cada duas reflexões, fazer uma pergunta aberta ou alternar

uma reflexão com um reforço positivo ou com um resumo para cada pergunta aberta.

Fazer P erguntas A bertas

• Permite que o cliente fale mais, o que é o esperado;• Inicia-se com perguntas abertas para exploração;• Clientes que falam pouco ou mudam de assunto necessitam ser guiados

para não perderem o foco;• Clientes mais ambivalentes precisam ser questionados pelos dois lados.

ExemploTerapeuta: “Entendo que você tem algumas preocupações com a forma de se

envolver com alguém. Geralmente, à base de fortes paixões. Fale-me sobre elas.” Para clientes ambivalentesTerapeuta: “Eu entendo que você está aqui para falar das relações que teve, do

modo em que se envolveu. Ajude-me a ter uma idéia geral, falando da sua forma de se apaixonar.”

A firm ação (R efo rço Po sitivo )

A estimulação direta também ocupa lugar no tratamento. O encorajamento pode ser útil para o cliente, ainda mais quando pautado em ações como:

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428 ■ Terapia Cognitivo-comporta mental

• Apoiar;• Elogiar;• Oferecer afirmações de apreciação e compreensão.

ExemplosTerapeuta:“Obrigado por vir hoje!”“Aprecio a sua pontualidade.”“Você tem pensado muito nisso.”“Parece que você quer ser uma boa esposa.”

E scuta R eflexiva

É o elemento principal da Entrevista Motivacional. A escuta reflexiva é a forma como o terapeuta responde ao que o cliente diz, não interpretando, apenas refle­tindo. A essência de uma escuta reflexiva é a inferência que ela faz em relação ao que a pessoa quer dizer.

ExemploTerapeuta:“Você está se sentindo desconfortável.”

versus“Você está desconfortável?”

Exemplo MotivacionalCliente: “Estou muito aborrecida.”Terapeuta: “Você está me dizendo que está desanimada... ”Uma afirmação reflexiva bem formulada provoca menos resistência do que

uma pergunta que pode gerar questionamento e facilitar o distanciamento do pro­blema. Um recurso importante é o tom de voz (aspecto implícito) nas colocações necessárias; perguntas ou afirmações devem ser feitas de modo tranqüilo e sem exaltação. Oferecer uma escuta reflexiva significa pensar de modo reflexivo. Para isso, é importante se dar conta de que as crenças e suposições sobre o que as pes­soas querem dizer nem sempre são certas. Outra possibilidade é a mera repetição de palavras que ajuda manter o cliente em movimento e, ao mesmo tempo, ajuda o terapeuta a verificar o que está sendo entendido. É válido lembrar que:

• A reflexão não é um processo passivo: o terapeuta decide o que refletir e o que ignorar, quais palavras usar e o que priorizar;

• A reflexão é importante após as perguntas abertas serem feitas.

A Figura 38.2 ilustra o fluxo de uma reflexão adequada.

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Entrevista Motivacional ■ 429

O que o cliente

disse

O que o profissional ouviu

k

O que o cliente

queria dizer

Figura 38.2 - Pensamento reflexivo: modelo de Thomas Gordon (1970).

R esum ir

Essa estratégia deve ser usada durante toda a Entrevista Motivacional confor­me a possibilidade e a necessidade. Para clientes que apresentam facilidade ao falar, o resumo é uma ferramenta extremamente útil. Para isso é importante:

• Conectar materiais que foram discutidos;• Reforçar o que foi dito, pois isso assegura que o terapeuta escutou e prepara

o cliente para seguir adiante;• É extremamente útil para o término das sessões;• Indica-se com uma frase introdutória que a sessão está terminando.

Terapeuta: "Nosso tempo está acabando e eu gostaria de resumir o que foi dito até agora. Pelo que estou entendendo, você começou a perceber que a forma pela qual se apaixona a faz sentir muito ciúme. No segundo casamento, quando estava se separando, isso estava ocorrendo por causa desse sentimen­to e você foi buscar ajuda. Dessa forma, decidiu procurar terapia. Acredito que juntos poderemos tentar resolver essa dificuldade. Para isso, vamos marcar a próxima consulta?”

Lembre-se: Um resumo é como um ramo de flores que se oferece ao cliente. Cada flor representa algo que o cliente acaba de compartilhar com o terapeuta. Ele ajuda o paciente a se organizar e a visualizar melhor o que está se passando nesse momento.

Objetivos GeraisFalar menos que o paciente.Tornar a reflexão a resposta mais comum.Refletir duas vezes em cada pergunta aberta.Ao se questionar, usar perguntas abertas.Evitar se adiantar à prontidão do paciente para a mudança.

Exemplo

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430 ■ Terapia Cognitivo<omporta mental

A IMPORTÂNCIA DE ELICIAR AFIRMAÇÕES AUTOMOTIVACIONAIS

As quatro estratégias procedentes são fundamentais para a Entrevista Motiva­cionais porém, com as afirmações automotivacionais, a ambivalência tem mais chances de ser resolvida. As afirmações são divididas em quatro categorias:

• Reconhecimento do problema: Por exemplo, “Acho que o problema é maior do que pensava”;

• Expressão de preocupação, que pode ser verbalizada ou comunicada de for­ma não verbal;

• Intenção direta de mudança, expressa por ações que indicam um passo ini­cial: Por exemplo, “Não é assim que eu quero ser. O que posso fazer?”;

• Otimismo (reflete a capacidade do cliente de fazer diferença na área-pro- blema): Por exemplo, “Acho que que consigo fazer isso.”

É extremamente agradável ouvir dos clientes essas afirmações durante o dis­curso inicial, mas para que elas sejam evocadas, perguntas abertas devem ser apli­cadas. Aliás, as perguntas abertas sempre são apropriadas independentemente do momento do tratamento em que o cliente se encontra. A seguir, exemplificam- se algumas perguntas evocativas, tendo em vista que o importante é transmitir interesse pelo que está sendo dito, assim como não perder a oportunidade de ex­plorar os aspectos do problema:

• “Que outras preocupações você tem?”;• “O que mais lhe preocupa?”;• “Fale-me sobre outros problemas que você teve”;• “Quais os outros motivos que fizeram você pensar que teria sucesso?”

Como foi descrito, da mesma forma que as perguntas evocativas exercem uma importante função na abordagem, servindo como estratégia de intervenção, outros as­pectos são significamente favoráveis para se trabalhar o comportamento ambivalente.

O terapeuta pode pedir para o cliente aprofundar um tópico motivacional, aju­dando a reforçar o tema; pode sugerir que ele descreva o que mais lhe preocupa; solicitar que ele recorde a época anterior ao problema, sugerindo uma comparação construtiva com a situação atual; ou utilizar reflexões de futuro como “Caso você mude, o que você acha que irá acontecer?” Além de explorar metas para investigar quais as coisas mais importantes na vida do cliente, possibilitando, assim, a identifi­cação dos pontos de choque/conflito entre o comportamento presente e qual se de­seja manter. Para isso, a aplicação da Escala de Disposição (Fig. 38.3) pode ser útil.

Como foi dito, discutir os aspectos positivos e negativos de seu comportamento atual pode ser útil para o cliente. Por meio da Balança Decisória, esses aspectos podem ser listados, proporcionando ao cliente uma percepção amplificada do que o uso da substância está lhe causando ou, enfim, de qualquer outro comporta- mento-problema. A vantagem desse procedimento é fazer o cliente se sentir con­fortável e começar a fornecer informações. O objetivo é fazê-lo falar de ambos os lados da ambivalência. Nota~se, muitas vezes, que essa técnica possibilita ao cliente

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Entrevista Motivacional ■ 431

Quão importante é para você realizar esta mudança?

0...1...2...3...4...5...6...7...8...9...10

Sem importância Extremamente

Quão confiante você se sente para realizar esta mudança?

0...1...2...3...4...5...6...7...8...9...10

Sem importância Extremamente

Figura 38.3 - Escala de disposição.

experimentar um momento de aceitação proveniente do terapeuta em relação ao que faz ou ao que gosta de fazer com o comportamento mantido. Ou ainda, o próprio paciente identifica seus ganhos ou suas perdas. Essa técnica pode ser apli­cada tanto individualmente (entrevista inicial) quanto em sessões posteriores, da mesma forma como é muito eficaz em grupos de clientes. ATabela 38.1 exemplifica um modelo de Balança Decisória.

Outra estratégia relevante na Entrevista Motivacional é o contato pós-consul- ta, porque o risco de um cliente abandonar o tratamento é maior após a primeira sessão. Em alguns estudos, a taxa de abandono no tratamento de alcoolismo fica acima de 50% (Miller e Rollnick, 2001). As estratégias delineadas anteriormente podem ser úteis na redução do abandono, mas uma medida adicional demons­trou aumentar significamente a taxa de clientes que prosseguem o tratamento: um simples contato pós-consulta. Em suma, expressões de preocupação e de afe­to podem ter um grande efeito na motivação de um cliente a retornar ao trata­mento (Wedel, 1965). Um exemplo disso é uma estratégia utilizada no serviço ambulatória!realizado pelas autoras deste capítulo, que escrevem uma carta que expressa a preocupação do terapeuta com o desaparecimento do cliente ou en­viam um telegrama pedindo para que ele entre em contato.

COMENTÁRIOS FINAISV

Muitos estudos têm sido realizados com a abordagem da Entrevista Mo­tivacional no âmbito da dependência com clientes dependentes de heroína ou álcool, com jovens ou casais em trabalhos de aconselhamento e, até mesmo,

Tabela 38.1 - Modelo de Balança DecisóriaUsar Não usar

Vantagens

Desvantagens

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432 ■ Terapia Cognitivo-comportamental

com casais em crises maritais (van Bilsen, 1986; Zweben, 1986; Saunders e Allsop, 1991; Tober, 2001; Cordova etal., 2001). Também é eficiente na redução de riscos de HIV e em tratamentos de criminosos sexuais (Baker e Dixon, 2001; Garland e Dougher, 1990).

Outros estudos afirmam que a Entrevista Motivacional pode ser um meio de intervenção eficaz em crianças obesas que passam por tratamento de dieta (Berg- Smith et aí, 1999), assim como em fumantes adolescentes (Lawendowski, 1998).

Muitas vezes, sua aplicabilidade pode ser associada como complemento do tratamento proposto. Isso foi constatado numa pesquisa com cento e cinco usuários de cocaína que receberam essa abordagem durante o período de desintoxicação (Stotts etal, 2001) ou em clientes esquizofrênicos que participa­ram de um programa de tratamento, o qual incluiu a Entrevista Motivacional, a Terapia Cognitivo-comportamental e a intervenção familiar (Barrowclough etal,2001). Para clientes com dois diagnósticos - psiquiátrico e de dependência de substância - a técnica mostrou bons resultados num estudo piloto que visava à inserção dos clientes em terapia de grupo (Van Horn e Bux, 2001).

A Entrevista Motivacional também pode ser utilizada para outros fins, por exemplo, em postos de saúde de comunidades americanas, a abordagem tem sido oferecida como meio de prevenir doenças e de promover cuidados básicos de saúde (Shinitzky e Kub, 2001). É apropriada como um instrumento de intervenção breve (Sott etal., 1995), porém, vale ressaltar que, muitas vezes, ela é confundida com uma abordagem de intervenção breve, sendo utilizada para instrumentalizar uma intervenção desse tipo. Para evitar isso, é preciso ter em mente qual o objetivo de sua aplicação, afinal, seu foco é aumentar, de forma intencional, a prontidão para a mudança de um comportamento. Esses autores reforçam que a aplicação ocor­re quando suas características e sua definição forem entendidas e incorporadas pelo terapeuta (Conners, 2001).

Outro aspecto importante na questão do setting é o tempo necessário para a ob­tenção de resultados. Seu efeito é relativamente amplo, podendo ser reconhecido em uma sessão ou durante o programa de internação, assim como em clientes ambulatoriais ou internados. A proposta de realizá-la em doze sessões é bem discuti­da, possuindo tempo referencial suficiente para produzir mudanças (Conners, 2001).

Além de se encontrarem dados da Entrevista Motivacional em pesquisas ou experienciá-la na prática clínica, essa técnica também pode ser explorada no site www.motivationalinterview.org, desenvolvido especialmente para clínicos, pes­quisadores e educadores.

Dessa forma, espera-se que a Entrevista Motivacional, enquanto abordagem interventiva, possa auxiliar o leitor dentro de sua especificidade, instrumentalizando seu trabalho terapêutico para assistir quem deseja alcançar mudanças ou quem conta com ela para se motivar frente à resolução dos problemas.

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ParteW fflW W W X

Terapia Cognitivo-construtivista

Page 448: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

CAPÍTULO O Qyrvnrt-fn&r* ra*9itimj » r im w **m n FN f r ^ w t g J èr e ^ r o r c f c j i ij i T c f i ij ^ i f f í r ^ i g i i t iF i i rt iH ^ iq n a u ^ O ij » .‘ l ò nu ü h j L r g n j T j ^ t f * g Kg* g u w v n J M W T y i W - H f r ^ ^ n u ii i iu iu IJ IIJ u ij ij j j iu iu ^ y

Introdução às Terapias Construtivistas

H e n r iq u e A lvarenga da S ilva Carlo s E duardo R eche

ASPECTOS TE0RIC0SO termo “terapia cognitiva” foi usado pela primeira

vez na literatura científica em meados da década de 70. Em um período relativamente curto, essa forma de terapia adquiriu uma relevância significativa, decorrente, em grande parte, da grande interação entre a prática clínica e as pes­quisas científicas (Clark e Fairburn, 1997). O surgimento da Terapia Cognitiva, na segunda metade do século XX, repre­senta o esforço de diversos autores em estruturar um con­junto de técnicas específicas para trabalhar com as crenças. Durante as últimas décadas, essas técnicas foram aprimo­radas, diferenciadas de outras e nomeadas de cognitivas ou cognitivo-comportamentais. Em síntese, aTerapia Cognitiva trabalha com padrões de pensamentos ou crenças que não sejam ou estejam funcionais para os pacientes.

A revolução cognitiva pode ser encarada como a intro­dução do conceito de processamento de informação. O con­ceito de informação substitui, de forma ampla, os antigos conceitos de energia mental, proporcionando um substrato teórico comum para diversas áreas, como a Psicologia, Lin­güística, Computação, Matemática, Fisiologia etc. A Terapia Cognitiva se apoiou, inicialmente, num modelo de funcio­namento da mente como processadora de informações, modelo esse que mostrou flexibilidade suficiente frente às novas descobertas e conhecimentos da neurociência.

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438 ■ Terapia Cognitivo-construtivista

ATerapia Cognitiva Objetivista se fundamenta na idéia básica de que a mente se caracteriza por espelhar a natureza, garantindo a representação correta da rea­lidade. A ciência é a busca da certeza, da verdade objetiva. Nesse contexto, o homem é apenas um observador passivo, capaz de captar fenômenos que ocorrem sem a sua interferência (Alvarenga-Silva, 2002).

Entretanto, recentemente esse modelo tem passado por importantes e signifi­cativas transformações. Atualmente está claro que a informação não é recebida de forma passiva por qualquer organismo vivo e simplesmente interpretada. Não existe uma “decodificação verdadeira” da informação nos seres vivos. Todo acesso à realidade é limitado pela estrutura biológica do organismo que busca conhecer, não havendo um acesso objetivo à realidade (Maturana e Varela, 1988).

A perspectiva construtivista nasceu, justamente, a partir da noção de que o ser humano não é um mero interpretador passivo de uma realidade; ele atua de modo pró-ativo na construção do significado. Sendo assim, no construtivismo não se busca um conhecimento objetivo. De outro modo, o ser humano é capaz de atribuir significado e sentido às coisas e eventos do mundo e essa atribuição de significado se faz de acordo com as crenças e vivências emocionais de cada um.

Enquanto, na Terapia Cognitiva, o terapeuta procura aproximar o paciente de uma suposta realidade, nas Terapias Cognitivo-construtivistas procura-se tornaro paciente consciente de seus processos de significação (Guidano, 1998). Não há, no construtivismo, uma busca dirigida para a mudança de crenças e não existe uma referência a uma verdade normativa rígida.

O foco da terapia é o processo de construção de significado. O objetivo é propor­cionar ao cliente mais flexibilidade nesse processo, de modo que ele possa atingir mais coerência interna. A suposição básica do construtivismo é que a origem do desconforto ou dos problemas emocionais resulta de dificuldades de organização das experiências numa narrativa coerente. Quando existe uma contradição entre a experiência em si e a explicação ou a elaboração dessa experiência, gera-se o desconforto. Não há necessidade de referência a um modo realista de pensamento.

No construtivismo, tanto os aspectos lógicos quanto os aspectos emocionais de uma experiência atuam integrados na construção dos significados. As propostas teóricas iniciais da Terapia Cognitiva consideravam a emoção apenas como a con­seqüência do pensamento consciente, um fenômeno a ser controlado, em vez de ser vivenciado. Entretanto, não se pode mais sustentar a visão inicial da emoção apenas como conseqüência. Damásio (1994/2000) foi um dos primeiros pesqui­sadores a considerar, dentro de um ambiente científico, a emoção como parte in­tegrante da cognição, principalmente nos processos de tomada de decisão. Os trabalhos de Damásio demonstram que a emoção participa dos processos cogni­tivos juntamente com a razão. Hoje em dia, acumulam-se evidências empíricas suficientes para considerar falha a proposta inicial da Terapia Cognitiva de que as emoções são apenas um produto da cognição (Safran, 2002).

Assim, no modelo adotado pelo construtivismo, a emoção faz parte dos pro­cessos cognitivos, influenciando e sendo influenciada por eles, num processo con­tínuo e dinâmico. No lugar de um modelo que separe pensamento e sentimento, propõe-se um modelo no qual esses dois processos estão em contínua relação, num processo dialético de construção de significado. É essa elaboração integrada

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Introdução às Terapias Construtivistas ■ 439

que tem o potencial de organizar a experiência de unidade entre corpo, mente, comportamento e cultura.

A abordagem construtivista é, portanto, adequada para compreender a “cons­trução de significados” que o indivíduo realizou ao longo de sua vida por, jus­tamente, focalizar as narrativas do paciente sobre a história de sua vida e suas experiências atuais. A história de vida tem especial relevância, uma vez que per­mite a compreensão do modo pelo qual essa construção foi sendo realizada (Roso e Abreu, 2002).

ASPECTOS CLÍNICOSNa abordagem construtivista, a patologia não é vista como um conjunto de

sintomas ou reações disfuncionais a serem eliminadas. Os sintomas são consi­derados como parte da organização do indivíduo e são necessários para a cons­trução de um self congruente com a realidade desse indivíduo. A disfunção biológica é aceita como elemento limitador da ação (Bruner, 1997). Dentro dessa concepção, o indivíduo não procura ajuda em um processo terapêutico para a cura de seus sintomas, como faz ao buscar tratamento dentro de um modelo mé­dico. Pode até haver situações em que a expectativa do cliente em relação à terapia seja a redução de sintomas, facilmente identificável, por exemplo, nos casos em que o sujeito é levado à terapia por um terceiro que custeia o tratamento, como pais ou outros familiares. Essa nova vertente entende, dessa maneira, que o indi­víduo está realmente disposto a se envolver no processo terapêutico com o objetivo de mudanças quando percebe uma perturbação no seu sistema de construção de significados (Abreu e Shinohara, 1998).

Na prática clínica, o construtivismo prioriza a abordagem pelas emoções. A terapia é entendida, no construtivismo, como um processo interpessoal com o objetivo de produzir mudanças e os esquemas emocionais são vistos como moduladores da construção de significados e como coordenadores das ações en­volvidas no processo de mudança (Reche, 2002).

CONCLUSÃONo construtivismo, o processo terapêutico se desenvolve no sentido de ati­

var, facilitar e reorganizar os esquemas emocionais (Greenberg, Rice e Elliot,1996). Por definição, a emoção é uma experiência subjetiva acompanhada de manifestações fisiológicas detectáveis (Lent, 2001). O início da terapia pode ter um predomínio de queixas de sintomas. O terapeuta construtivista acata essas queixas como parte da formação ou da expressão desses esquemas emocionais que construíram a experiência subjetiva do cliente. As sessões de terapia têm sua estratégia planejada pelo terapeuta, que estipula planos, abordagens e técnicas a serem empregadas. No entanto, essa estratégia deve ser discutida com o cliente e ser flexível de acordo com o momento. Existe uma valorização do presente, mas pode ocorrer uma utilização do passado como fonte de compreensão da cons­trução da realidade do cliente.

Page 451: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

440 ■ Terapia Cognitivo-construtivista

Além de trabalhar com a descrição narrativa, o terapeuta construtivista per­manece atento à linguagem não verbal e à expressão corporal, pois ela, freqüen­temente, traduz o estado emocional (Sanvito, 1998). Os momentos das sessões mais carregados de expressões não verbais podem ser sinais de autorização do cliente para se aprofundar em suas estruturas mais centrais, trazendo lembranças significativas. O terapeuta respeita o limite do cliente em se manter nesses níveis de tensão e percebe o momento de o cliente voltar aos níveis mais superficiais durante a sessão.

Na Terapia Construtivista, a construção de significados é entendida como parte da unidade organizada que forma o self. Durante o processo, o cliente se sente instável diante da possibilidade de mudanças e desenvolve condições autopro- tetoras, como prevenção ao que ele percebe como uma ameaça ao selfiNeimeyer,1997). A resistência é aceita como um mecanismo necessário para o cliente determinar o ritmo de suas mudanças, de acordo com a sua capacidade de suportar a angústia que uma mudança provoca (Mahoney, 1998).

A postura do terapeuta não é a de um espectador isento. O construtivismo acompanha o novo paradigma da ciência pós-moderna, no qual não existe uma observação isenta de valoração. Entram em questão as emoções detectadas pelo cliente e as emoções que a narrativa do cliente despertam no terapeuta (Safran,2002). A postura do terapeuta de apenas identificar determinados pensamentos do cliente como produtos de uma crença disfuncional, como no modelo cognitivo objetivista tradicional, pode incorrer no risco de esconder, de fato, uma crença que o terapeuta mantém acerca das crenças de seu cliente. No construtivismo, essas variáveis observadas e sentidas pelo terapeuta devem ser sempre discutidas com o paciente.

O término da relação terapêutica no modelo construtivista não se baseia apenas na melhora dos sintomas, mas na identificação que o cliente faz da sua capacidade de gerar novos significados. A terapia chega ao final quando o cliente demonstra a si próprio que é capaz de uma ampliação nas suas possibilidades, passando a per­ceber uma possibilidade de abertura para novas experiências (Abreu e Roso, 2001). Nesse momento, a função do terapeuta é encorajar o cliente, levando-o a alçar seus próprios vôos.

R e f e r ê n c ia s

ABREU, C. N., ROSO, M. C. Terapia Cognitiva Construtivista. Rev. Psiq. Clin., 28(6):356-360,2001.ABREU C. N., SHINOHARA H. Cognitivismo e Construtivismo: Uma Fértil Interface. In: FERREIRA,

R. F., ABREU C. N. Psicoterapia e Construtivismo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. ALVARENGA-SILVA, H, Verdade, Conhecimento e Emoção nas Abordagens Cognitivas. In: ROSO,

M. C., ABREU C. N. Psicoterapias Cognitiva e Construtivista. Novas Fronteiras da Prática Clínica. Porto Alegre: Artes Médicas, no prelo. c.2.

BRUNER, J. Atos de Significação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.CLARK, D. M., FAIRBURN C. G. Science and Practice of Cognitive Behavior Therapy. Oxford:

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Page 452: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Introdução às Terapias Construtivistas ■ 441

GREENBERG, L. S., RICE, L. N., Elliot R. Facilitando el Cambio Emocional: El Proceso Terapêutico Punto por Punto. Barcelona: Paidós, 1996.

GUIDANO, V. F. O Percurso de um Terapeuta: do Objetivismo ao Construtivismo. In: FERREIRA, R.F., ABREU C. N. Psicoterapia e Construtivismo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

LENT, R. Cem Bilhões de Neurônios. Conceitos Fundamentais da Neurociência. São Paulo: Ed. Atheneu, 2001.

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RECHE, C. E. G. O Transtorno Obsessivo-Compulsivo na Prática Construtivista. In: ROSO, M. C., ABREU C.N. Psicoterapias Cognitiva e Construtivista. Novas Fronteiras da Prática Clínica. Porto Alegre: Artes Médicas, no prelo. c.18.

ROSO, M. C., ABREU, C. N. As Terapias Cognitivas: Uma Introdução. In: ABREU C. N., ROSO, M. C., Psicoterapias Cognitiva e Construtivista. Novas Fronteiras da Prática Clínica. Porto Ale­gre: Artes Médicas, no prelo, c.1.

SAFRAN, J. D. Ampliando os Limites da Terapia Cognitiva. O relacionamento terapêutico; a emoção eo processo de mudança. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 2002.

SANVITO, W. L. A Arte de Pensar e Outras Artes. São Paulo: Lemos Editorial, 1998.

Page 453: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

CAPÍTULOj ü j j l m j ü j M l ü I

Técnica da Escada

M ir e i a C. R o s o

De maneira geral, uma das metas da Terapia Cons- trutivista é auxiliar os indivíduos na construção de um signifi­cado mais amplo a respeito de si mesmos, utilizando as emoções como ponto de partida.

Na presença de um quadro psicopatológico, os processos pelos quais os comportamentos e os sintomas foram construídos, ao longo da vida do indivíduo, são o foco prin­cipal de todo processo terapêutico.

Dessa forma, os objetivos da terapia são compreender como se deu a construção do significado atribuído aos sin­tomas e procurar mudar essa situação, ampliando esse significado, de forma que ele, depois de aumentado, deixe de causar sofrimento e desadaptação. Por isso, os processos de mudança envolvidos nessa reconstrução do significado pessoal ou, em outras palavras, a maneira pela qual uma pes­soa muda é motivo de diversos estudos na área (Mahoney,1998). Pelas mesmas razões, os processos que impedem a mudança ou a dificultam têm gerado diversos estudos na literatura. Entre eles, destaca-se o trabalho de Guillem Feixas, cujo conceito de Dilemas Implicativos explica a difi­culdade de mudança apresentada por alguns pacientes, os quais são explicitados na seqüência.

DILEMAS IMPLICATIVOSO conceito de Dilemas Implicativos parte da concepção

construtivista que considera que, independentemente de sua causa, os sintomas, mesmo causando sofrimento, fazem parte da organização pessoal do indivíduo e são coerentes com o conceito que ele tem de si mesmo.

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Técnica da Escada ■ 443

Quando, numa terapia, objetiva-se eliminar os sintomas, alguns pacientes se vêem diante de um dilema: por um lado, eles desejam a mudança e, conse­qüentemente, a melhora, mas por outro, temem a mudança na organização de seu significado pessoal e na manutenção de sua coerência. Daí a idéia de Dile­ma Implicativo, ou seja, o dilema que está implicado na dificuldade encontrada por algumas pessoas frente à melhora, no processo terapêutico. Um exemplo da importância desse tipo de dilema é o estudo de Catina et ah (1990), o qual obser­vou que, quanto mais positivos os significados atribuídos aos sintomas pelos pacientes, mais dificuldades eles apresentavam para atingir os objetivos da te­rapia e, quando essas atribuições positivas diminuíam, melhores eram os resul­tados alcançados.

Diferente da noção de resistência (da Psicanálise) e distorção cognitiva (da Terapia Cognitiva), a idéia de Dilema Implicativo não procura uma interpreta­ção que explique a dificuldade em mudar (resistência) ou a presença de cren­ças distorcidas que estejam impedindo essa mudança; propõe-se apenas uma mudança de foco. O foco da terapia passa a ser o dilema. Uma vez que a difi­culdade para efetuar a mudança é entendida como uma tentativa de preservar sua coerência, o próprio paciente é quem busca uma explicação que lhe seja útil para dar significado ao seu sofrimento e à manutenção de suas dificulda­des. Isso lhe permite considerar a necessidade de uma construção alternativa que amplie a percepção que tem de si mesmo e inclua a ausência ou melhor controle dos sintomas.

TÉCNICAUtiliza-se a técnica da Escada para lidar com os Dilemas Implicativos. Essa

técnica e outras que servem a esse mesmo propósito partem da identificação dos dois pólos envolvidos no dilema do paciente frente à mudança e facilitam o pro­cesso de compreensão desse dilema pelo paciente. A técnica da Escada pode ser ascendente ou descendente.

ESCADA ASCENDENTE (H1NKLE, 1965)Objetivo: Compreender o contexto que dá sentido às ações, pensamentos ou

emoções do sujeito, utilizando sempre os seus próprios conceitos.Aplicação: Parte-se dos pólos discrepantes do dilema. Um exemplo é escolher

entre ser assertivo versus não ser assertivo ou, como mostrado a seguir, melhorar e ser independente versus continuar dependendo de outros. O sujeito escolhe qual dos pólos descreve melhor o tipo de pessoa que desejaria ser. A partir daí, o terapeuta começa a questionar porque esse pólo escolhido (X) é melhor do queo outro (Y) e quais as vantagens de ser (X) e desvantagens de ser (Y), segundo seus próprios critérios. Essas perguntas se repetem até que se esgotem as explicações ou elas comecem a se repetir.

Page 455: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

444 ■ Terapia Cognitivo-construtivista

0 CASO DE C.F.C.F., 25 anos, sexo feminino, há 2 anos em terapia com diagnóstico de bulimia

nervosa. Seus sintomas haviam remitido quase totalmente mas, ainda assim, sentia-se insegura para voltar a sair com amigos, trabalhar e sair sozinha. Sua difi­culdade em melhorar nesses aspectos foi discutida e ela identificou um dilema entre ser independente versus depender de outras pessoas. A técnica da Escada Ascendente foi utilizada para compreender melhor os significados implicados nesse dilema. C.E escolheu o pólo “ser independente” como sendo o mais desejado. Então o questionamento começou a ser feito: “Por que "ser independente' é melhor do que 'depender de outros7? Quais as vantagens de ser independente? E quais as desvantagens de depender dos outros?” E assim por diante, até que a resposta se tornou redundante. O seguinte diagrama foi construído:

Ficar sozinha xTer sempre alguém por

perto e não ficar sozinha

Não me decepcionar,

por nunca esperar

nada de ninguémx Ficar na mão dos outros

Não ficar na mão

de ninguémx

Deixar que os outros

cuidem de mim

Resolver minhas Estar sempre

coisas sem precisar xprecisando da ajuda

de ajuda dos outros

x

PÓLO ESCOLHIDO

Figura 40.1 - Aplicação prática da Técnica da Escada.

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Técnica da Escada ■ 445

A partir da utilização dessa técnica, foi possível para C.F. compreender que, apesar de seu desejo de ser independente, a idéia de independência estava asso­ciada à solidão e, uma vez que nunca havia ficado sozinha em sua vida, sentia medo de não saber lidar com essa situação, sendo-lhe mais coerente e confortável continuar dependente, apesar do sofrimento que isso também lhe causava.

Uma variante da Escada Ascendente é a técnica da Pirâmide (Landfield, 1971).Identificam-se igualmente os dois pólos e o terapeuta começa a questionar o

sujeito sobre a escolha de um pólo e de outro, da seguinte maneira:“Que tipo de pessoa é alguém como (X)/(Y)?”“Como é possível saber que alguém é (X) / (Y)?”“Quais coisas diferentes faz alguém que é (X) de alguém que não é? E (Y)?”

0 Caso de S.V.

S.V., 42 anos, sexo feminino, há 11 meses em terapia, com diagnóstico de depressão maior (DSM-IV), adequadamente medicada, apresentava pouca me­lhora do quadro clínico. Às vezes, parecia mais disposta e animada, mas, em se­guida, recaía num estado depressivo sem que houvesse qualquer alteração no tratamento ou em sua rotina que justificasse isso. A técnica da Pirâmide (Fig. 40.2) foi utilizada para compreender os significados atribuídos aos dois pólos do dilema identificado por ela: melhorar e tornar-se alegre ou permanecer deprimida.

ALEGRE

T

Pessoa que está sempre disposta,

animada, assume compromissos,

expressa seus sentimentos.

Quando recebe um convite, nunca

recusa. Quanto tem um trabalho

está sempre disposta.

DEPRIMIDA

Pessoa que está sempre desanimada, não

consegue ter energia para fazer nada,

fica mais quieta e precisa que os

outros a compreendam.

T

Quando recebe convites ou tem um

trabalho para fazer, não sente

energia para isso, recusa e os outros

têm que entender.

Figura 40.2 - Técnica da Pirâmide.

Page 457: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

446 ■ Terapia Cognitivo-construtivista

É possível observar no caso de S.V que sua dificuldade em melhorar de seus sintomas depressivos decorria do conceito dela sobre o que é ser uma pessoa alegre, ou seja, acreditava que ser alegre significava ter necessariamente que se tornar uma pessoa ativa e disposta a aceitar tudo que lhe propunham. Esse perfil não era coerente com a maneira pela qual S.V via a si mesma. Abandonar a definição que tinha de si mesma parecia ser muito ameaçador e impedia a mudança de S.V Quando foi possível discutir os significados que estava atribuindo a cada um dos pólos do dilema, S.V. ampliou o conceito que tinha do que é ser uma pessoa alegre (ou não deprimida), incluindo entre as possibilidades de ser alegre, a possibilidade de não ter energia e disposição o tempo todo e poder, em alguns casos, até não estar alegre. Depois disso, ela se envolveu mais com o tratamento e apresentou uma melhora significativa em seu quadro clínico.

ESCADA DESCENDENTESemelhante à técnica da Flecha Descendente ou ao Diálogo Socrático, essa

técnica procura eliciar, a partir de um fato determinado, a cadeia de pensamentos que leva o sujeito a uma determinada conclusão. A diferença do uso dessa técnica na abordagem construtivista é que as questões não avaliam a cadeia de pen­samentos apenas do ponto de vista de sua lógica, mas também do significado emo­cional atribuído a eles.

Aplicação: Inicia-se com a identificação, junto ao sujeito, do pensamento eliciado por um determinado fato. Então, o terapeuta pergunta:

“Supondo que fosse verdade, o que isso significa para você (do ponto de vistalógico e emocional)”?“Se (resposta dada na questão anterior) fosse verdade, o que significaria paravocê (do ponto de vista lógico e emocional)?”

E assim por diante, até que se esgotem as dimensões possíveis daquela explicação.

0 C aso de R.T.R.T., sexo feminino, 28 anos, há 1 ano em terapia com diagnóstico de distimia.

Havia melhorado muito dos principais sintomas, mas ainda encontrava dificul­dades em ser assertiva e isso a incomodava. Ora se tornava agressiva e antipá­tica para com seus colegas, ora se sentia incapaz de dizer “não” e aceitava condições que na verdade gostaria de recusar. A técnica da Escada Descendente (Fig. 40.3) foi utilizada para explicitar a cadeia de inferências que a levava a agir agressiva ou passivamente frente a uma determinada situação. A situação esco­lhida foi um pedido feito por uma colega de trabalho para que R.T. a substituísse num plantão (ela é médica).

Page 458: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Técnica da Escada ■ 447

FRENTE AO PEDIDO DE SUBSTITUIR A COLEGA NO PLANTÃO

“Se eu não aceitar, pensarão

que sou antipática”“Se isso fosse verdade, o que significaria afetivamente para você?”

“Que gostariam menos de

mim, pois estou sempre

reclamando”.

“Se isso fosse verdade, o que significaria afetivamente para você?”

“Que sou diferente dos

outros”“Se isso fosse verdade, o que significaria afetivamente para você?”

“Que nunca terei ninguém

que goste verdadeiramente

de mim. Por isso às vezes

os odeio”

“Se isso fosse verdade, o que significaria afetivamente para você?”

“Que não importa o que eu

fizer, sempre serei rejeitada”“Se isso fosse verdade, o que significaria afetivamente para você?”

Figura 40.3 - Técnica da Escada Descendente.

R. T. percebeu, por meio dessa técnica, que em qualquer situação atribuía o significado de que seria sempre rejeitada (crença). Essa idéia lhe era familiar, uma vez que, na terapia, identificou situações em sua história nas quais a sensação de ser rejeitada e excluída estava sempre presente. É importante ressaltar que o tra­balho realizado com crença não foi apenas em relação ao seu significado irracional, mas especialmente em relação ao significado emocional (sensório e corporal) que essa crença representava. Por isso, a revisão de sua história de vida facilitou o pro­cesso de identificação das experiências emocionais em que havia tido a sensação de ser excluída e rejeitada. Sendo assim, na situação atual, ser agressiva ou passiva eram, na verdade, reações à sensação de ser rejeitada. Ora procurava evitar isso, aceitando tudo, ora reagia com raiva de quem supostamente a rejeitara. Uma vez identificada a crença e a sensação associada a ela, R.T. conseguiu modificar suas reações frente a situações que lhe despertavam a mesma sensação, resolvendo o dilema entre ser ou não ser assertiva.

Outras técnicas também são utilizadas com o objetivo de identificar e ampliaro dilema que impede a mudança no processo terapêutico. Entre elas: ABC de Tschudi (1977), que avalia as vantagens e desvantagens da mudança e técnicas

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448 ■ Terapia Cognitivo-construtivista

de reconstrução da história de vida do sujeito aplicadas somente à história dodilema, como a técnica da Moviola de Guidano (1991) e a Narrativa de OscarGonçalves (1993).

R e f e r ê n c ia s

FEIXAS, G., GUTIÉRREZ, G. La Deteccion, Análisis e Intervención en Dilemas Implicativos. www3.usal.es/tcp/protoCastellano, acessado em 15/08/2000 data.

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Alegre: Artes Médicas, 1998.TSCHUDI, F. Loaded and honest questions: a construct theory view of symptoms and therapy. In:

BANNISTER, D. (Ed.) New perspective in personal construct theory. Londres: Academic Press, 1977. p.321-349.

Page 460: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Técnica do Espelho

L eonardo B F r a im a n

INTERAÇAO ENTRE CORPO E MENTENesse início de novo milênio, a ciência atual está des­

cartando os tradicionais modelos científicos de inves­tigação da realidade e os conceitos sobre os mais diversos ramos da ciência tradicional. Isso vale para a concepção sobre o cosmos e também para a percepção do valor da vida humana.

Esse valor cada vez mais é discutido e investigado. Per­cebe-se isso, por exemplo, com o recente incremento dos interesses científico, empresarial e midiático sobre a En­genharia Genética, advindos da possibilidade anunciada de se reproduzir a vida humana por meio do processo de clonagem.

Enfim, é nítida a busca por novos modelos epistemoló- gicos, destacando-se nesse panorama os recentes estudos sobre os hemisférios cerebrais, a biologia molecular e bio­química, o código genético, biofeedback e estados alterados de consciência, a relação entre a Medicina e as terapias psi­cológicas como um todo. São muitos os grupos de autores e cientistas que têm construído pontes entre as diferentes disciplinas e provocado pressão suficiente para que con­tradições e paradoxos sejam resolvidos à luz de novos paradigmas. Como o trabalho de Marilyn Ferguson que, em 1975, começou a publicar na Califórnia um boletim quin­zenal -Brain/MindBulletin-, o qual abrangia pesquisa, teo­ria e inovação, relacionadas com o aprendizado, a saúde, a Psiquiatria, a Psicologia, os estados de consciência, os sonhos, a meditação e outros assuntos correlatos.

Seu livro The Brain Revolution, The Frontiers ofM ind Research, publicado anteriormente a esse boletim, tomou-se

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450 ■ Terapia Cogn iti vo - constru ti vis ta

uma fonte de referência, um banco de dados não oficial para pesquisadores inte­ressados nessas novas descobertas da mente, como o aprendizado acelerado, a expansão da percepção, o poder da imaginação na cura e na solução de proble­mas, a capacidade de recuperar lembranças esquecidas e de criar memórias de futuro, dentre outras.

Em poucos anos, variações sobre o mesmo tema, envolvendo questões de natureza espiritual e científica, eram debatidas em reuniões realizadas nos campi das principais universidades norte-americanas, como Yale, Instituto de Tecno­logia de Nova York, todo o sistema da Universidade da Califórnia e as univer­sidades de Massachusetts, Miami, Michigan e Illinois. Programas explorando a interação mente-corpo passaram a ser patrocinados pelas fundações Rockfeller, Ford e Kellogs.

Em maio de 1975, também na Europa, mais especificamente em Londres, di­versos outros autores, como Moche Feldenkrais, Rick Carlson, Fritjop Capra e Werner Erhard, dentre outros, debatiam uma potencial mudança social sob o tema “Fronteiras da Medicina e da Ciência”. Mesmo não sendo nova, essa abor­dagem de inspiração holística (a mesma já havia sido tentada, antes de 1920, na faculdade de Medicina de John Hopkins), a novidade nos Estados Unidos foi que, em 1979, ocorreu a reformulação do Código de Ética Médica que permitiu aos médicos cooperarem com não-médicos. Isso aconteceu em resposta às ações judiciais e à pressão do governo junto à AMA (American Medicai Asso- ciation), ao mesmo tempo em que psicólogos passaram a desafiar, nos tribu­nais, grupos de médicos e de seguradoras, exigindo o direito de ser incluídos nos pagamentos por prestação de serviços de saúde, situação essa que, no Brasil, só veio a ser solucionada na década de 90.

Com a adoção desse novo paradigma e a nova postura de cooperação inter- disciplinar, a neurociência moderna e as disciplinas afins têm lançado luz sobre a interação dos corpos mental, emocional e físico, sendo que a Psicologia Cognitiva vem explorando, especialmente, a interação entre o cérebro emocional e o siste­ma simbólico-cognitivo, gerando fundamentos importantes para a prática de uma terapia notadamente científica.

Hoje em dia, o próprio conceito de saúde evoluiu, sendo considerado saudável um indivíduo que apresente um estado de bem-estar físico, psíquico e social e não simplesmente a ausência de alguma doença. Isso reflete uma ampla mudança na visão do homem sobre si mesmo, sobre sua saúde e sobre sua relação com o mundo.

Julga-se procedente esse breve esclarecimento, ainda que um tanto simplifi­cado, anunciando um novo paradigma sobre a natureza da saúde e dos processos para conduzir um ser humano a esse estado de bem-estar, uma vez que este capí­tulo apresenta uma técnica que se revela uma interface de todos os processos an­teriores: envolve a percepção corporal, simbólica e a dimensão cognitiva que estão diretamente interligadas no processo de formação do self.

Elegeu-se a Técnica do Espelho para ser discutida pela sua capacidade mobilizadora de integração mente-corpo, por sua simplicidade de execução efácil aprendizagem.

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Técnica do Espelho ■ 451

NOVO PARADIGMA DA SAUDEO novo paradigma de saúde amplia a estrutura do antigo, conforme incorpora

os avanços tecnológicos. Ao mesmo tempo, restaura e confirma intuições antigas sobre a mente e o impacto dos relacionamentos interpessoais sobre a saúde.

Sua abordagem holística pode incluir uma grande variedade de instrumentos de diagnósticos e tratamento, alguns ortodoxos, outros não. Podemos fazer uma comparação simplificada das duas visões, segundo Ferguson (1980, págs. 233-235):

Tabela 41.1 - Comparação entre os paradigmas (antigo e novo) de saúdePressuposições do antigo paradigma da saúde

Tratamento dos sintomas

Especializado

Ênfase na eficiênciaOs profissionais devem ser emocionalmente

neutrosDor e doença são negativos por completo

Intervenções básicas com medicamentos e cirurgia

O corpo é visto como uma máquina em bom ou mau estado de manutenção

A doença ou a deficiência é vista como uma coisa, uma entidade

Ênfase na eliminação dos sintomas, da doença

O paciente é dependenteO profissional é a autoridadeO corpo e a mente são separados; os males

psicossomáticos são mentais, devendo ser tratados com o psiquiatra

A mente é um fator secundário na doença orgânica

Efeitos de placebo mostram o poder da sugestão

Crença básica em informações quantitativas (testes e diversos dados)

Prevenção em grande parte ambientai: vitaminas, repouso, exercícios, imunização

Pressuposições do novo paradigma de saúde

Busca de padrões e causas e tratamento dos sintomas

Integrado, preocupado com o paciente como um todo

Ênfase nos valores humanos O desvelo dos profissionais é um dos

componentes da cura Dor e doenças são informações sobre a maneira

pela qual uma pessoa se auto-organiza Intervenções mínimas com a tecnologia

apropriada, complementadas com todo o instrumental de técnicas não agressivas (terapias, dietas, exercícios)

O corpo é visto como um sistema dinâmico, um contexto, um campo dentro de outros campos

A doença ou a deficiência é vista como um processo

Ênfase na obtenção do bem-estar máximo, "metassaúde"

O paciente é, ou deveria ser, autônomo O profissional é um parceiro terapêutico Perspectiva corpo-mente; os males

psicossomáticos estão dentro da alçada de todos os profissionais da área da saúde

A mente é um fator primário ou de igual valor em todas as doenças

Efeitos de placebo mostram o papel da mente na doença e na cura

Crença básica em informações qualitativas, inclusive relatos subjetivos dos pacientes e intuições dos profissionais; os dados quantitativos são complementares

Prevenção como sinônimo de integridade: trabalho, relacionamentos, objetivos, corpo-mente

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452 ■ Terapia Cognitivo-construtivista

Dentro dessa nova perspectiva, salienta-se que vários aspectos são expansíveis e aplicáveis em algumas modalidades de terapia. Esses modelos, inclusive, são entendidos como paradigmas explicativos mais refinados do funcionamento mental humano, a saber:

• O terapeuta e o paciente trabalham em conjunto, formando uma verdadeira aliança terapêutica, num sistema cooperativo e co-educativo dentro do con­texto clínico;

• O paciente e o terapeuta são percebidos como um sistema interativo;• A subjetividade de ambos é considerada e integrada nessa relação;• A participação ativa do paciente no seu tratamento é condição sine qua non

para o seu progresso e para a prevenção de novas ocorrências;• A mente e os processos cognitivos desempenham papel determinante na

cura, buscando-se a autonomia do paciente e a compreensão de seu pro­cesso de adoecimento, sobre o qual se é co-responsável.

Dentro dessa abordagem, a cura prescinde:

• A elevação do autoconhecimento;• Mais consciência do paciente sobre si mesmo e suas emoções;• Aumento na percepção sobre as relações com o próprio corpo;• Conscientização sobre a história pessoal, fundamentada na corporalidade;• Superação da classificação dicotômica dos padrões de pensamento positivos-

lógicos e negativos-irracionais para outros mais inclusivos;• Escolha de relações afetivas mutuamente saudáveis do paciente com

seus pares.

Evidentemente, essa é uma visão de processo, uma meta a ser buscada. O que se almeja dentro desse novo referencial é uma forma de proporcionar ao indivíduo um aumento no nível de seu bem-estar próprio e com os outros.

Uma mudança de cunho semelhante ocorreu também com os referenciais da Psicologia Moderna. Com os avanços no campo das neurociências, foram alteradas as concepções tradicionais sobre o funcionamento mental humano. Hoje é am­plamente aceito na comunidade científica internacional a idéia de que os seres humanos são pró-ativos na percepção, classificação e interpretação dos fenôme­nos a que são expostos - paradigma esse oposto ao antigo (mais reducionista), no qual o homem era um receptor passivo dos estímulos do meio.

Dessa forma, nota-se grande transversalidade nas pesquisas sobre os fenômenos cognitivos, ou seja, uma verdadeira confluência de áreas afins. Hoje em dia, há pesquisas notáveis que promovem uma verdadeira interdisciplinariedade em ramos de ciências como a Biologia, a Sociologia, a Psicologia e a Medicina.

Em especial, no que se refere ao paradigma terapêutico, todos esses novos conhecimentos (das ciências cognitivas) convergem para uma visão do homem na qual o paciente não mais é percebido como receptor (passivo) de informação, mas como construtor (pró-ativo) de significados pessoais, os quais determinam sentimentos e pensamentos, que interagem com suas células CD4 (responsáveis pela imunidade geral do indivíduo) e acabam por determinar o estado de saúde geral. Isso implica em um homem auto-organizado em co- construção contínua

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Técnica do Espelho ■ 453

de sua realidade. O paciente que chega ao consultório é, portanto, um sujeito ativo e reativo de seu entorno, de uma configuração tão complexa que somente com a integração de diversas áreas do conhecimento humano pode ser realmente com­preendido como é necessário. Por essa mesma razão, a denominação moderna de saúde pela Organização Mundial da Saúde implica na ausência de sintomas expressos e na existência de uma vida sadia e realizada.

Diante dessa percepção do ser humano, a metateoria construtivista devolve, ao sujeito, a possibilidade de reconstruir os significados de suas experiências emo­cionais, a partir de referenciais pessoais, tornando-o protagonista de suas escolhas, mais conscientes e auto-responsáveis.

A cura ou a reorganização emocional depende, portanto, inalienavelmente do aumento do nível de consciência que o paciente tem sobre seus sintomas, bem como do incremento de sua crença em suas reais possibilidades de mudança pessoal.

REFERENCIAL EPISTEMOLÓGICO CONSTRUTIVISTAO referencial epistemológico do presente capítulo apóia-se no modelo

construtivista, que oferece importantes contribuições a respeito do binômio cor- po-mente e das relações do profissional da saúde com seu paciente. Assim, se­gundo Ferreira e Abreu (1998), “os seres humanos conhecem a realidade através de unidades cognitivas biológico-ambientais, sendo que cada unidade de conhecimento é um sistema que envolve biologia e ambiente e que, não podemos conhecer a não ser a partir da biologia. Além disso, 'a pessoa é concebida como ativa e pró-ativa em toda percepção, aprendizagem e conhecimento, sendo construtora de suas experiências, de sua realidade pessoal e de sua identidade pessoal’” (pág. 60).

Nesse sentido, as pessoas não são “inventoras radicais, nem idealistas subjeti­vas no processo de conhecer”. As leis, a partir das quais se ergue a realidade, são as formas humanas de descobrir elementos para operá-la, não sendo meras in­venções ideativas, mas dados com valor preditivo relativo à qualidade e à estrutu­ra de cada lei. Assim, o conhecimento é algo real que se adquire, segundo leis que possibilitam um incremento progressivo da capacidade humana adaptativa, cor­relacionada com um incremento da capacidade neural que, por sua vez, facilita o acesso à melhor informação, num processo evolutivo que garante a sobrevivência da espécie, posição essa referendada por diversos autores como Guidano (1995), Mahoney (1995) e Feixas (1997).

Dentro dessa concepção e visão de homem, não são os eventos per se que pro­vocam as respostas que um indivíduo dá aos estímulos do meio externo, mas antes, a própria percepção pessoal direciona inclusive os inputs que têm a respeito desses estímulos, qualificando-os e, conseqüentemente, as suas respostas, posição de­fendida por Hastorf (1973), Hayek (1978) e Maturana (1985).

TÉCNICA DO ESPELHOMahoney (1992) foi quem inicialmente descreveu essa técnica, apontando a

necessidade de se prestar mais atenção na importância do corpo dentro da terapia. Ele enfatiza a necessidade de auxiliar os pacientes a entrarem mais em contato

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454 ■ Terapia Cognitivo-construtivista

com as suas emoções e intuições, demonstrando que as terapias meramente mentais, nas quais ocorram apenas debates racionais, podem não alcançar a verdadeira essência de alguns fenômenos da vida dos pacientes. De acordo com a sua visão, somos todos “teorias corporificadas” da realidade, o que significa que o nosso corpo registra todas as experiências a que nos expomos ao longo da vida.

Ele defende também que o próprio terapeuta deve passar por um processo de conscientização de suas emoções, procurando ficar “em dia” com seu próprio pro­cesso, sob o risco de fazer de seu paciente uma marionete de seus sonhos frustrados, ao tentar modelá-lo de acordo com suas convicções ou, ainda, direcioná-lo a pensar de acordo com suas próprias crenças.

A seguir descreveremos a aplicação da técnica:

Terapeuta: “Fique tranqüilo pois estamos aqui somente para aprender. A técnica a seguir é somente uma forma de nos conhecermos e tudo o que você terá que fazer é olhar nesse espelho bem na sua frente. Se você se sentir incomodado, é só avisar e nós paramos, O.K.? Peço-lhe agora para fazer uma inspiração profunda, fe­char seus olhos e entrar em contato com a sua respiração.”

(Cliente segue as orientações do terapeuta.)Terapeuta (colocando um espelho grande na frente do rosto da paciente): “Agora,

abra seus olhos suavemente e olhe nesse espelho na sua frente.”(Cliente em silêncio olha e ajeita o cabelo. Sorri e olha para o terapeuta). Terapeuta: “Peço-lhe que se concentre unicamente em olhar nesse espelho e

me diga o que você vê.”Cliente: “Vejo um rapaz de 24 anos, sentado, tentando se concentrar.” Terapeuta: “O que mais você vê?”Cliente: “Vejo uma espinha na minha testa.”(Cliente aparenta ficar constrangido com a exposição de um “defeito” seu.) Terapeuta: “Me diga o que mais você enxerga além dessa espinha... ”Cliente: “Vejo um cara ficando tenso com esse exercício.”Terapeuta: “Tenso?”Cliente: “É difícil falar sobre mim.”Terapeuta: “Entendo...”(Terapeuta fica em silêncio esperando que o cliente fale mais.)Cliente: “Eu não gosto dessa minha característica, mas eu reparo muito na

minha imagem e olho demais no espelho.”Terapeuta: “Você diz imagem física?”Cliente: “Sim, mas isso poderia ser verdade também para outros aspectos da

minha vida, pois eu tenho a impressão de que, muitas vezes, ainda dou muita importância para o que os outros pensam de mim, por exemplo, se você vai me achar adequado, se vai pensar mal de mim... ”

Terapeuta: “Entendo... fale um pouco mais sobre isso.”Cliente (apontando para o coração): “Sabe, está me vindo alguma coisa aqui

dentro... é que estar sentado aqui, está me fazendo ter um monte de percepções diferentes... é como se eu tivesse espelhos em minha volta o tempo todo e eu não gosto disso, me sinto preso e estou com raiva de perceber que sou, muitas vezes, assim...”

Terapeuta: “Raiva? E que tal pensarmos o que você quer fazer de construtivo com esse sentimento? Pense na gratidão que podemos ter por nosso corpo em

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Técnica do Espelho ■ 455

nos trazer alguma informação útil... e que agora pode ser direcionada da forma como você quiser.”

Cliente: “É... mas... por que eu não sinto isso?” (silencia por alguns segundos, enquanto os olhos se enchem de lágrimas) “ ...gostaria de me sentir mais livre, com vontade de levantar uma barreira entre eu e o mundo, ser mais eu mesmo, não sei explicar...”

Terapeuta: “Mais livre? Como assim?”Cliente: “Por exemplo, eu fico muito preocupado em agradar as pessoas, em

me mostrar um bom garoto a elas, mas sinto que na verdade elas não estão nem aí.” Terapeuta: “E o que elas deveriam fazer de volta para você?”Cliente: “Gostar mais de mim... sei lá...” (silêncio) “na verdade eu me sinto

constantemente sendo avaliado pelos outros. Apesar de saber que isso é tudo coisa de minha cabeça.”

Terapeuta: “Como assim?”Cliente: “Às vezes, eu me coloco naturalmente com as pessoas, mas elas reagem

de modo inesperado, por exemplo, com algumas pessoas eu sou eu mesmo e elas gostam de mim... eu nunca sei quando posso relaxar e quando devo ser político com as pessoas.”

Terapeuta: “E nesse momento, como você está se colocando?”Cliente: “Agora exatamente estou sendo eu mesmo, pois sei das suas intenções po­

sitivas para comigo... e é assim que eu gostaria de poder estar com as pessoas lá fora.” Terapeuta: “E o que seria necessário para que isso ocorresse?”Cliente (silencia por alguns instantes e depois sua expressão se acalma): “Sabe,

eu estou pensando que talvez seja eu quem controle as pessoas... eu sempre fico querendo que todos gostem de mim, mas isso é impossível... ninguém é amado por todos o tempo todo. Talvez eu seja tão carente, tão inseguro que queira ter garantias do afeto das pessoas.”

Terapeuta: “De todas as pessoas?”Cliente: “Isso! Puxa vida... como eu fui tolo... o que eu preciso é aprender a

estar mais perto de algumas pessoas com as quais me sinta seguro, preciso é mudaro meu objetivo...” (silencia novamente) “em vez de buscar a aceitação de todos, buscar a intimidade com aqueles que me sinta bem de verdade... como com você, aqui, agora...”

(Terapeuta sorri, olhando com expressão afetiva para o cliente.)Cliente: “Estou sentindo uma coisa forte nesse momento... posso te pedir um

abraço?”(Terapeuta abre seus braços e recebe o paciente calorosamente, permanecendo

abraçado a ele por alguns minutos).Cliente: “Acho que eu preciso ouvir mais as minhas emoções e meus desejos

antes de ficar preocupado com as reações dos outros. Preciso é de mais amor e de saber pedir esse afeto seguro para aqueles que gostam de verdade de mim... ”

Terapeuta: “Me parece que você está agora podendo ouvir a verdadeira sabedoria natural de seu corpo. Enquanto não a ouvimos, tendemos a procurar mais ou menos afeto do que na verdade necessitamos e ficamos dependentes dos outros ou restritos socialmente. Nossa verdadeira busca é saber o quanto de afeto neces­

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456 ■ Terapia Cognitivo-construtivista

sitamos e nos permitirmos ir buscar esse sentimento, podendo assim, estarmos juntos uns dos outros de modo pleno e seguro.”

Cliente (com lágrimas em seus olhos): “Muito obrigado... muito obrigado mesmo por me trazer de volta para mim mesmo...”

INFORMAÇÕES ADICIONAISA metáfora do espelho pode ser compreendida como uma representação inte­

ressante do processo que ocorre no psiquismo de um indivíduo. Para apreender as regras sociais e institucionais da cultura, da família e de todos os contextos em que vive, o ser humano aprende a se pautar nas imagens que ele vê refletidas nos olhos dos outros. Esse processo tem algo de natural, inerente à condição humana. Quando um bebê nasce, ele aprende a se comunicar com a mãe pelo olhar, imi- tando-a e tendendo a igualar suas expressões faciais àquilo que dele se espera, a fim de garantir sua sobrevivência e adaptação. Se a mãe o olha com um sorriso, o bebê tenderá a imitá-la. Se um pai nem olha para o bebê e não interage com ele nos primeiros meses de vida, o vínculo posterior entre os dois pode ficar muito prejudicado, como afirma Guidano (1984), Maturana (1985) e Fraiman (1998).

O ser humano busca um acondicionamento de sua posição perante os outros desde os primeiros dias de vida, de modo a conseguir a aceitação, os cuidados e o amor de que necessita, construindo uma série de regras tácitas que mais tardeo orientam para a criação de moldes vinculares, os quais dirigem seus afetos.

Fraiman (1997) aponta que, na primeira infância, esse processo é passivo e automático pois a roda de convívio social da criança é restrita, com “espelhos” fixos à sua volta. Na fase da adolescência começam os questionamentos sobre os vínculos, sendo comum os jovens buscarem novos “espelhos”, novos ídolos e pes­soas significativas nas quais possam acreditar e buscar referências de conduta. O que se espera de um desenvolvimento saudável é um adulto consciente de suas escolhas e relativamente independente, autônomo, criativo no desenvolvimento de seu papel no mundo.

Porém, Greenberg (1999) mencionou um aspecto importante nesse processo de formação vincular com o mundo externo: ele enfatizou que muitos indivíduos apresentam dificuldades em nomear corretamente as suas emoções, confundindo freqüentemente raiva com ansiedade, tristeza com raiva, medo com vontade de comer e assim por diante. Para esse autor, as pessoas confundem suas emoções por diversos fatores, como medo de serem reprimidas ao falar o que sentem, receio de serem incompreendidas, falta de treino para se escutarem ou, ainda, por estarem acostumadas a modularem suas expressões em troca de algo.

É o caso de famílias que ensinam a seus filhos que eles nunca devem esconder nada de seus pais, ao mesmo tempo em que não lhes dão abertura para expressarem suas experiências emocionais e, assim, constantemente aprendem a confundir seus sentimentos, tornando-se desorientados, conforme apontado por Fraiman (1998). Portanto, auxiliar os pacientes a nomearem corretamente o que sentem é uma das tarefas principais de um terapeuta e essa técnica tem se mostrado um excelente instrumento para beneficiar o processo terapêutico.

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Técnica do Espelho ■ 457

QUANDO UTILIZAR A TÉCNICA1. Pode ser utilizada no início do tratamento, como auxiliar do psico-

diagnóstico, buscando conteúdos não explicitados;2. No decorrer do trabalho terapêutico, quando se deseja mais aprofun­

damento do trabalho;3. No momento da alta, a fim de explicitar a forma como a identidade pessoal

está construída naquele momento.

TÉCNICA PASSO A PASSO1. É importante que o terapeuta vivencie a experiência, antes de aplicá-la;2. Dispor de um espelho de tamanho médio (no mínimo, 50 x 50cm) para

que o paciente possa se ver por inteiro;3. Combinar com o paciente quando for usar a técnica, nunca impor, nem

forçar o paciente a experienciá-la;4. Posicionar o espelho na frente do paciente e pedir a ele que feche os olhos

por um momento, atentando para sua respiração;5. Em seguida, deve-se pedir que ele abra os olhos e se observe refletido no

espelho;6. Solicita-se que ele que fale sobre a imagem que vê;7. Se ele comentar apenas aspectos físicos (por exemplo, cabelo, barriga,

olhos) e não esboçar nenhum comentário a respeito das questões subjetivas (emocionais), pode-se perguntar:

• “O que você sente ao olhar para essa parte do seu corpo?”;• “Se essa parte do seu corpo nos desse alguma informação sobre como ela

se sente (subtécnica de dissociação), o que ela nos diria?”;• “Coloque sua mão sobre a parte mencionada e me diga o que sente”;• “Você gosta do que está vendo?”;• “O que significa isso que você está me dizendo?”;

8. Se o paciente ressaltar algum “defeito pessoal” (como rugas, gordura exces­siva em algum ponto do corpo etc.), é possível perguntar:

• “Qual é a história dessa sua característica? Como ela se formou?”;• “O que ela significa para você, ou sobre você?”;• “É você quem não gosta dessa característica ou você gostaria de mudar

para agradar alguém específico?”;9. Observar os movimentos físicos e as expressões faciais que o paciente fizer

durante todo o exercício para serem vomentados depois;10. O terapeuta sempre deve ser suave e respeitoso. Caso ele perceba que o

paciente fica muito tempo em silêncio confortavelmente, deve deixá-lo se observando ou, se perceber muito desconforto, deve perguntar se o paciente quer continuar ou parar;

11. Alguns pacientes podem se sentir ameaçados com essa exposição e reprimir conteúdos mais profundos. Por essa razão, pode-se levar mais de uma sessão para se comentar os aspectos mais profundos das suas emoções. Esse pro~

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458 ■ Terapia Cognitivo-construtivista

cesso depende da disponibilidade deles de mergulharem a fundo na ques­tão e habilidade deles para criar uma atmosfera de confiança e segurança;

12. O terapeuta sempre tem a possibilidade de usar a franqueza dizendo “Tenho percebido que você comenta basicamente sobre seus aspectos físicos, mas seria interessante conhecer o que você sente, lá no seu íntimo, quando se olha nesse espelho... ”.

CONCLUSÃOA relação terapêutica, para essa ou qualquer outra exposta neste livro, deve

ser construída com o máximo de cuidado e de atenção possível. O resultado eficaz de um trabalho terapêutico deve ser ancorado em uma relação de atenção, presteza, motivação e dedicação.

É dever do terapeuta proporcionar aos pacientes uma aliança segura e bem estruturada, para que a terapia possa ser, efetivamente, o laboratório (onde se rea­lizam experiências) de algumas das mudanças pessoais mais significativas. Como se sabe, é nesse contexto que muitos pacientes experimentam liberdade, espon­taneidade e sinceridade pela primeira vez em suas vidas.

R e f e r ê n c ia s

FERREIRA, R. F., ABREU, C. N. Psicoterapia e Construtivismo - Considerações Teóricas e Práticas. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

FEIXAS, G. Os Constructos Pessoais na Prática Clínica. São Paulo: Núcleo de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo, 1997. (Workshop).

FERGUSON, M. A conspiração Aquariana. Rio de Janeiro: Record, 1980.FRAIMAN, L. Construtivismo em Psicoterapia: Fundamentação e prática clínica. Taubaté: XVII

Semana da Psicologia da Universidade de Taubaté, 1997. (Workshop).FRAIMAN, L. A importância da participação dos pais na educação escolar. 1998. 115p. Dissertação

de mestrado apresentada ao Instituto de Psicologia da USP.GREENBERG, L. Trabalhando com Emoções em Psicoterapia. São Paulo: Núcleo de Psicoterapia

Cognitiva de São Paulo, 1999. (Workshop).GUIDANO, V. Enfoque Posracionalista de la Terapia Cognitiva. São Paulo: Núcleo de Psicoterapia

Cognitiva de São Paulo, 1995. (Workshop).GUIDANO, V. El sí-mismo en proceso. Barcelona: Paidos, 1994.MAHONEY, M. J. Human Change Processes. Toronto (Canadá): World Congress for Cognitive

Therapy, 1992. (Workshop).MATURANA, H. Fenomenología dei conocer. In: MEDINA, C., MATURANA, H. (Ed.) Del Universo ai

Multiverso. Santiago: Contreras, 1985.MAHONEY, M. J. Practical Methods in Constructive Therapy. Copenhage (Dinamarca): World

Congress of Cognitive and Behavioural Therapies, 1995. (Workshop).

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T écnica da Mo viola1: Método de Auto-observação no

Construtivismo Pós-racionalista

_ A ugusto Z a g m u t t Cahbar

I PRINCÍPIOSI A chamada Revolução Cognitiva, que teve início comI os modelos de processamento da informação, foi um sal-I to de grande amplitude para a compreensão da menteI humana. A aplicação de seus paradigmas à terapia foi ex-I pressa, inicialmente, nos modelos objetivistas de TerapiaI Cognitiva a partir dos enfoques cognitivo-comporta-I mentais, herdeiros imediatos do comportamentalismo,■ passando inalterada pelas correntes cognitivas e, atual-I mente, pelos modelos construtivistas. Nessa primeira faseI clássica, o centro do trabalho terapêutico analisava o queI era correto e incorreto nos processos lógicos de pensamen-I to e em sua modificação por meio de estratégias argumen-I tativas ou persuasivas. A idéia básica era a de que “se senteI conforme se pensa”.I Como é de praxe ocorrer na ciência, as discrepânciasI experimentadas no decorrer da aplicação dos métodosI terapêuticos cognitivos objetivistas deram lugar à busca deI novas explicações.I Assim, passou-se desses primeiros modelos primordial-I mente associacionistas, muito próximos da modificação

1 Moviola: equipamento de ediçao cinematográfica com capacidade para se deslocar em diferentes de velocidades, detendo-se ou circulando

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460 ■ Terapia Cognitivo-construtivista

comportamental, para uma fase conexionista com ênfase nos significados semân­ticos do cliente. Entretanto, ambos os enfoques estavam mais voltados para as estruturas de superfície dos processos mentais do que para as estruturas pro­fundas. Ou seja, estavam mais centrados nos efeitos manifestados ou nos resul­tados que nos processos subjacentes àquelas manifestações explícitas. Os progressos mais recentes mostram um interesse crescente pelas estruturas pro­fundas dos processos mentais. Em sua expressão mais geral, esses são os enfoques conhecidos por Construtivismo Terapêutico. As três características que diferenciam os modelos construtivistas dos enfoques objetivistas anteriores são:

• O conhecimento é ativo e proativo. Conhecer não é o mesmo que corres­ponder a uma verdade objetiva;

• A primazia dos processos abstratos no saber e no sentir. Isso implica em que os aspectos implícitos e apriorísticos do conhecimento tolhem, sem qualquer especificação, o conteúdo de nossa experiência consciente;

• O conhecimento é auto-organizado. A construção de uma realidade pessoal guarda uma relação de dependência recíproca com o mundo externo e ao mesmo tempo é subordinada à manutenção de um sentido de continuidade experiencial.

O enfoque pós-racionalista pertence ao espaço da metateoria construtivista atual que entende o homem como o sujeito epistemológico no qual os processos de conhecimento auto-organizados, tanto em nível implícito (processamento emotivo) como em nível explícito (processamento semântico), são uma emergên­cia evolutiva que permite ordenar e reordenar sua experiência, momento a mo­mento, com o propósito fundamental de manter o sentido de continuidade de suas experiências.

Conseqüentemente, esse enfoque está longe de buscar de uma verdade obje­tiva com a qual o cliente deve, de alguma forma, aceder para superar sua irraciona­lidade, mas pelo contrário diz respeito aos processos de manutenção da coerência que sustenta a aparente irracionalidade que o cliente demonstra. Nesse sentido, o pós-racionalismo entende que a rigidez dos pontos de vista do cliente corresponde à sua própria viabilidade e, portanto, não faz sentido impor-lhe uma validade ex­terna na qual é impossível ele se integrar. Dessa maneira, o ponto de vista do cliente é válido em si mesmo e não é passível de ser desafiado, partindo-se da forma idiossincrática e externa de tornar sua experiência coerente. Isso porque nos pro­cessos de manutenção de um senso de coerência pessoal não existe uma lógica universal ou externa, mas uma lógica auto-referencial.

Conseqüentemente, o pós-racionalismo propõe um modelo evolutivo, pro­cessual e sistêmico, no qual os processos para evitar experiências que se tornem discrepantes e com um sentido viável de continuidade pessoal são os processos abstratos centrais, em torno dos quais se constrói um significado pessoal implíci­to e apriorístico, a ser mantido durante a vida do indivíduo. Os desafios existen­ciais subjacentes a todo fenômeno psicopatológico relacionam-se então a essas invariantes de evitação que, uma vez ativadas, precisam ser assimiladas de ma­neira cada vez mais abstrata em sentido mais rico, complexo e articulado. Quan­

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Técnica da Moviola: Método de Auto-obsen/ação no Construtivismo Pós-racionalista ■ 461

do essas experiências críticas são desencadeadas e não são integradas, surge a psicopatologia.

Então, o sentido unitário pessoal se mantém com a tensão essencial entre pro­cessos de manutenção e processos de mudança nos quais a evolução pessoal du­rante toda a vida (não somente durante a infância) ocorre em um processo espiral infinito de organização e reorganização da própria experiência, em que são gera­dos momentos de discrepância, aos quais, por não serem suficientemente resol­vidos, são associados aos fenômenos psicopatológicos.

MÉTODOEm um modelo de evitação, como foi anteriormente exposto, o aspecto cen­

tral para a manutenção de um sentido de coerência são os processos de auto- engano. Basicamente, são esses os processos que permitem a exclusão de informação discrepante e as operações distrativas (por exemplo, lavagem das mãos do obsessivo) diante de experiências não reconhecíveis e que ameaçam a percep­ção real de si mesmo. O cerne do processo terapêutico está em poder conduzir a atenção do cliente para aspectos de sua experiência pessoal que não lhe foi possí­vel perceber e são os que desafiam sua coerência real. A operação essencial é o trabalho de investigação pessoal na interfase entre a experiência imediata em an­damento, momento a momento, e o reordenamento semântico que a sucede uma fração de segundo depois.

Auto-observação, como método único, diz respeito a esse processo de explo­ração-integração, conduzido e facilitado pelo terapeuta, sendo realizado pelo pró­prio cliente. Porém, é preciso esclarecer que Vittorio Guidano2 foi muito enfático ao esclarecer que não se deve confundir a Auto-observação pós-racionalista com a Introspecção, que é voltada, principalmente, para os processos de imediatismo, nem com o Automonitoramento que é centrado nos aspectos explícitos do com­portamento. Nesse caso, o de interesse é a dialética entre a experiência explícita- corporal imediata e seu reordenamento na linguagem, um processo em que um nível restringe reciprocamente o outro.

Esse método requer do terapeuta a habilidade para distinguir entre a expe­riência imediata e a explicação, quando o cliente revisa uma experiência. O terapeuta deve ser capaz de simular a experiência do outro, ou seja, pôr-se em seu lugar para ajudá-lo a distinguir, na reconstrução, o que é a sua experiência ime­diata e o que é a explicação da experiência unitária em curso. Nesse sentido, Guidano exemplifica o que ocorre com o cliente comparando-o com o que ocorre na física com a experiência da cor. As ondas luminosas não são o fato real, mas a teoria que se constrói acerca da irrefutável experiência da cor, na tentativa de ex­plicar essa experiência. Assim, a distinção, na experiência, entre o fato experiencial e a referência posterior feita a esse fato experiencial não é algo simples, exigindo do terapeuta a capacidade de fazer essa mesma distinção em si mesmo para atuar na experiência do outro.

2 Psiquiatra italiano

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462 ■ Terapia Cognitivo-construtivista

Para se colocar essa técnica em prática, é necessário reconstruir o problema do cliente de forma minuciosamente seqüencial, como se faz na reconstrução de um filme cinematográfico. Mas essa reconstrução vai além de considerar como definitivo o que o cliente diz espontaneamente. Trabalha-se simultaneamente em dois níveis: um no qual se investiga a maneira como ocorreu a experiência sob o exame e outro em que se investiga a maneira como o cliente se refere ao ocorrido. A finalidade é gerar uma situação terapêutica que o leve a se interessar pela inves­tigação de novos pontos de vista desenvolvidos diante de sua dificuldade sem pro­curar soluções externas no terapeuta. Em um determinado contexto, o terapeuta não é a pessoa que resolve as discrepâncias dele, o terapeuta gera condições para possibilitar uma solução interna da crise. Nesse sentido, o terapeuta é um agente perturbador com uma orientação estratégica, uma vez que deve conduzir o pro­cesso em passos gradativos, de acordo com as capacidades do cliente.

TÉCNICA DA MOVIOLAAo contrário de um método, essa técnica possui uma protocolização mais es­

pecífica. O método de Auto-observação tem como finalidade alcançar níveis cada vez mais altos de integração e complexidade da própria experiência pela conduta fora do momento terapêutico. O método de Auto-observação é uma invariante do método terapêutico pós-racionalista. A Técnica da Moviola é uma estratégia es­pecífica, notavelmente efetiva para desenvolver a Auto-observação, mas passível de ser substituída ou complementada por outras técnicas, como é o caso de algu­mas técnicas utilizadas pela terapia experiencia!.

À primeira vista, a técnica parece ser simples. É preciso transformar o proble­ma apresentado pelo cliente em uma investigação sobre os eventos que desenca­deiam e/ou mantêm o problema. Os eventos (foco da investigação terapêutica) são reconstruídos de maneira seqüencial, indo-se para frente e para trás, em câ­mara lenta, em uma espécie de plano panorâmico. Faz-se uma focalização em determinada cena (evento crítico), que é analisada em detalhes, enriquecendo o reconhecimento de seus ingredientes e, em seguida, é reinserida na seqüência narrativa, quando esta seqüência se modifica. As mudanças reconhecidas na se­qüência anterior facilitam o aparecimento de outros detalhes ou ingredientes em outras cenas, tornando cada vez mais rica a articulação entre as cenas. Esse traba­lho de revisar para trás e para frente, focalizando uma cena em detalhes para de­pois integrá-la à seqüência, soma-se ao fato de se colocar o cliente, alternadamente, sob os pontos de vista subjetivo e objetivo de sua experiência. Isso pode modificar imensamente a seqüência originalmente percebida, flexibilizando o ponto de vis­ta previamente sustentado pelo cliente como uma verdade objetiva.

Em uma fase inicial, o trabalho é centrado em treiná-lo para diferenciar entre a experiência imediata e o seu ordenamento auto-referencial. Para se conseguir isso, deve-se ressaltar que é possível fazer dois tipos de perguntas ao se examinar sua experiência: “Por que aquilo ocorre?”, ou seja, como se explica o que é experi­mentado, e “Como foi vivida essa experiência?”, à luz dos ingredientes reconheci­dos que o cliente distingue, como imagens, tonalidades emotivas e senso de si

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Técnica da Movioia: Método de Auto-observação no Construtivismo Pós-racionalista ■ 463

mesmo. Simultaneamente, ele é conduzido a enfocar a experiência examinada sob os pontos de vista subjetivo (como se percebe e vive a cena na primeira pes­soa) e objetivo (maneira como é vista a cena do lado de fora, como se fosse o es­pectador de uma peça teatral). Sob essa perspectiva, é possível inferir a experiência interna do personagem a partir do papel representado pelo ator, à medida que se desenrolam comportamentos, atitudes e emoções exigidas pelo roteiro.

O método de Auto-observação, como se pode ver, é delineado para facilitar mudanças de pontos de vista sobre si mesmo, fundados na própria estrutura experiencial e não em fontes externas de referência. Com a focalização da atenção consciente em aspectos ignorados de sua experiência e reconhecimento pelo cliente de novas tonalidades emotivas, antes vividas como alheias e agora assumi­das como próprias, o ponto de vista prévio de si mesmo é desafiado e modificado, em uma mudança da noção de si mesmo e do mundo, mais abstrata e flexível. Em outras palavras, o cliente está em condições de legitimar sua experiência a qual, anteriormente, era vivida de forma alienada.

TERAPIA EM AÇÃOO processo terapêutico segue um protocolo unitário, mas flexível, que se de­

senvolve normalmente em sessões semanais que abrangem três fases:

• Fase 1: Preparação do Contexto Clínico e Interpessoal;• Fase 2: Construção do Marco Terapêutico;• Fase 3: Análise da História Evolutiva Pessoal.

A “Preparação do Contexto Clínico e Interpessoal” é uma tarefa que trabalha a problemática do cliente para que ele se auto-refira a esse contexto como algo que pertence ao seu próprio estilo de funcionamento. Trabalha-se em uma condição na qual ele aceita fazer investigações em sua tela interna ou auto-observar a ma­neira como organiza sua experiência e como se refere a ela; esse processo está correlacionado a ela, mas é independente dos seus eventos desencadeadores. Ou seja, em uma condição que lhe permita ligar sua maneira pessoal de ser com o que ocorre. Isso implica em conduzi-lo a uma situação que lhe permita fazer uma opção diferente daquela de atribuir o que lhe ocorre aos fatos externos, bem como atribuir o seu sofrimento aos contextos físico ou social ou a uma enfermidade física ou mental.

Fernando, estudante de Geofísica, 32 anos de idade, comparece à consulta por ter sido encaminhado por um médico gastroenterologista. Sofre de freqüentes problemas no cólon, cujos sintomas acarretam limitações em sua vida diária e não podem ser resolvidos com os tratamentos médicos. A situação mais preocupante é a persistente perda de peso do cliente, que, segundo seu médico, se encontra em um nível de risco e, segundo sua opinião, trata-se de um problema psicossomático que foge de suas capacidades. Ele não concordou que seja algo que tenha a ver com sua mente. Pelo contrário, adotou uma atitude questionadora com relação aos recursos da medicina e atribuiu à sua incapacidade o fato de não poder melhorar de sua enfermidade, mas acatou a instrução médica e aceita a

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464 ■ Terapia Cogn i tivo-constru ti vista

terapia. Em conjunto com o cliente, foi feita uma revisão detalhada ao se deslocar a sua história sintomática para trás e para frente, detendo-se nos momentos em que são feitas mudanças significativas na sintomatologia. Logo se evidenciou que o problema teve início um ano e meio antes e que estava casualmente ligado ao final de seus estudos universitários e ao começo da preparação para a tese de pós- graduação. Nesse momento, iniciou-se a revisão dos sintomas em termos das re­lações de causa e efeito que o cliente pudesse reconhecer para delimitar a área de investigação pessoal. Logo ficou claro, para surpresa dele que todas as situações em que aparecem os sintomas (diarréia, vômitos, cólicas, prisão de ventre, intole­rância a certos alimentos etc.) ocorriam depois de experiências de raiva ou de an­gústia em vários contextos e, em particular, naqueles em que se sentia pressionado ou exigia muito de si mesmo. Além disso, ele percebeu que possuía uma tendên­cia espontânea a evitar essas situações. Dessa maneira, o foco do problema se alterou a partir da idéia de que ele sofre uma enfermidade física resistente à tera­pia médica para a idéia de que existe uma relação entre sua maneira de reagir psicologicamente diante de certas situações desafiadoras e os sintomas digesti­vos. Como o cliente aceitou essa reformulação da sintomatologia em termos pes­soais, ele se mostrou interessado e disposto a examinar sua experiência.

A relação terapêutica centra-se em obter uma exploração colaborativa da ex­periência do cliente e que é definida como uma relação de trabalho entre dois iguais, sendo um deles um especialista na mente humana e o outro o único espe­cialista possível de si mesmo. Portanto, será um contexto em que não se incenti­vada a busca de confirmações e soluções técnicas unilaterais e unidirecionais de terapeuta para cliente, mas se realiza uma exploração colaborativa para que se permita construir uma compreensão do problema, indisponível no momento, o que significa gerar pontos de vista diferentes que promovem o aparecimento de outros novos pontos de vista sobre si mesmo. Portanto, o foco de interesse terapêutico muda da análise do que é correto no que ocorre (validade) para a bus­ca dos significados emotivos pessoais do que sucede (viabilidade).

Outro aspecto essencial, a ser considerado cuidadosamente, é que nessa pri­meira fase são definidas as regras relacionais que tendem a se manter consisten­temente no tempo, em vista de seu caráter emotivo. Um erro na avaliação que o cliente possa incorrer sobre o seu papel e a função do terapeuta impossibilita a condição auto-referencial exigida para que a terapia seja efetiva. É o caso, por exem­plo, se o terapeuta não se mostre suficientemente claro na posição de que a sintomatologia será encarada de forma consistente como um assunto que tem a ver com o estilo pessoal do cliente e não com aspectos da realidade externa a ela, seja física, social ou outras.

A segunda fase, “Construção do Marco Terapêutico”, é a etapa central da terapia pois é nela em que são esperadas as mudanças mais importantes na sintoma­tologia. Essa fase se desenvolve em dois passos diferentes, porém indisso­luvelmente vinculados:

• Primeira etapa - Enfoque e reordenamento da experiência imediata: com­preende sessões semanais com o objetivo de reconstruir o padrão de coe-

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rência real do cliente e de observar como o desequilíbrio experimentado nesse padrão suscitou os problemas tratados. A matéria-prima com que se trabalha são os acontecimentos significativos ocorridos na semana, os quais são escolhidos de acordo com a reformulação inicial do problema. Esses eventos são divididos em seqüências de cenas que são submetidas ao pro­cesso de Auto-observação. O cliente é treinado a fazer distinções em sua experiência emotiva quando é conduzido a focalizar-se em algumas cenas críticas reconstruídas segundo a Técnica da Moviola. O cliente é instruído desde o início a enfocar, em cada cena, a diferença entre a experiência e a sua explicação, durante de depois da cena; introduzindo a distinção entre o “como” (a experiência) e o “porquê” (a explicação). O “como” está relacio­nado à construção (os ingredientes) da experiência subjetiva (por exemplo, padrões dinâmicos da imaginação, tendência a agir, sentimentos multifacetados, o senso de si mesmo experimentado etc.) e de que maneira é produzida, ou seja, a situação ou acontecimentos que geraram a percep­ção discrepante e como essa foi reconhecida. O “porquê”, conforme descrito acima, relaciona-se à explicação destes aspectos.

Uma vez que Fernando compreendeu e aceitou as explicações acerca de como será o trabalho terapêutico e qual é o papel de cada um dos membros da relação terapeuta-cliente na terapia, procede-se ao exame dos eventos críticos da se­mana. Um desses eventos, escolhido entre ambos, foi o seguinte: durante uma tarde agradável de fim de semana com sua noiva, na casa dos pais dela, Fernando sentiu uma inexplicável sensação de angústia e inquietação motora que só o abandona no dia seguinte ao despertar. De fato, ele relatou que depois de uma semana muito boa no que diz respeito aos sintomas, admitiu que com esses sen­timentos notou um “aperto” na barriga. Ao ser indagado como ocorreu isso, ele recordou que em um dado momento sentira raiva da noiva, o que não havia percebido e certamente essa era a razão de seu mal-estar físico. Focalizou-se o aspecto subjetivo dessa experiência que ele chama de “raiva” sendo possível que ele avaliasse os aspectos dessa experiência caracterizados por uma sensação de incômodo e de falhar em algo. Recorrendo de novo à cena para trás e para fren­te, ele recordou que o momento que desencadeou essa sensação foi ao perceber que a noiva dava mais atenção aos seus familiares do que a ele. Então, levado a focalizar a cena do ponto de vista objetivo, como se olhasse do lado de fora, pôde avaliar que o momento do “aperto” na barriga estava relacionado a uma sensa­ção de medo. Ao se concentrar nesse medo, de forma subjetiva, ele reconheceu imagens automáticas de sua infância em que tem a mesma experiência ao fa­lhar com relação às exigências dos pais. Ao ser posto novamente sob o aspecto objetivo, ele tirou conclusões sobre si mesmo e se observou como alguém que necessita que a atenção da noiva esteja constantemente voltada para ele, assun­to que o confunde muito, pois, até então, considerava-se muito independente e quem precisava sempre de sua atenção era ela. No final da sessão, foi possível reformular sua experiência, com elementos de sua própria experiência quanto a sua sensibilidade, não se deixando guiar pelas expectativas que os outros têm em relação a ele.

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Essa é uma tarefa que desafia o senso comum. É literalmente um ato contra a natureza, somente possível se o cliente a efetuar depois de lhe serem oferecidas inúmeras explicações que permitam superar a tendência espontânea de interrom­per a experiência imediata e a sua explicação. Nessa etapa, o problema inicial­mente proposto como uma atitude para externar um problema objetivo, começa a ser percebido mais internamente ligado ao seu jeito de ser, o que possibilita orien­tar todo o trabalho para o enfoque na discrepância entre a experiência imediata e o seu reordenamento explícito, a fim de se reconstruir o padrão de coerência en­tre os dois níveis de experiência. A idéia é a de que o cliente se conscientize de que seus estados emocionais expressam uma construção que implica em processos de auto-reconhecimento e auto-referência que constituem a base de suas cria­ções e expectativas. Em colaboração, o cliente pode começar a se responsabilizar pela maneira como mantém sua auto-imagem real e os padrões de auto-engano utilizados para isso. Complementando esse trabalho, particularmente no caso de pessoas muito propensas a serem definidas pelos demais, treina-se o cliente para observar a cena do ponto de vista objetivo, fazendo-o distanciar-se do outro. Isso é feito conduzindo-o a uma simulação da experiência do outro, de modo a vê-lo como alguém totalmente distinto dele. O objetivo é desfocalizar o cliente para que ele deixe de ver o comportamento do outro como informação sobre si mesmo (auto-referência) e passe a ver o comportamento do outro como uma informação do outro, ou seja, comece a pensar sobre como é essa pessoa, como ela sente e vive, quais são seus significados e propósitos etc. (hetero-referência). Esse treina­mento promove a flexibilidade para que possam adotar pontos de vista alternati­vos, quando a pessoa está rigidamente fixada em um intenso momento sintomático que lhe é incompreensível.

Após várias sessões, durante as quais foi reconstruído o modo em que a cons­ciência de se ver defraudando as expectativas do outro o afeta emocionalmente, Fernando se tornou consciente de sua sensibilidade ao julgamento dos outros e de seus problemas para determinar limites aos outros. Como esse julgamento de­fine seu jeito de ser no mundo, nesse momento, isso contradiz sua imagem pre­viamente estabilizada de um si mesmo como alguém muito independente dos demais. Outras cenas reconstruídas com o mesmo método fizeram-no perceber que os distúrbios digestivos aparecem normalmente quando ele se sente à mercê do julgamento do outro e que a experiência de medo que havia distinguido, na cena anteriormente descrita, só ocorre quando se sente passivo e incapaz de re­verter a avaliação negativa que percebe do outro. Para muitos clientes, esse desa­fio à imagem aceitável de si mesmo se torna intolerável porque pode se transformar em uma autocrítica negativa, não legitimando uma maneira de ser que lhe permi­ta ampliar a experiência da realidade. Este é o momento de aplicar a estratégia hetero-referencial que facilita a diferenciação de si mesmo com relação aos julga­mentos externos. Escolhe-se uma cena qualquer, que é submetida ao procedi­mento regular. Nesse caso, exemplifica-se com uma situação de trabalho. Paralelamente a seus estudos, Fernando trabalha há 2 anos em uma empresa rela­cionada à sua futura profissão. Em seu trabalho, desenvolveu a mesma atitude de autonomia e auto-suficiência desafiadora até que, em uma ocasião, no meio do processo de terapia, ele teve uma intensa recaída de seus problemas digestivos

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depois de ter uma situação de conflito com o chefe. Ao reconstruir a cena na moviola, foi possível apreciar que, nessa ocasião, seu chefe se apresentou em sua sala em atitude indagadora que, segundo sua opinião, refletia o fato de que a em­presa estava disposta a dispensar seus serviços. Nesse instante, voltou a sentir a experiência de medo, associada a uma sensação de diminuição pessoal e incapa­cidade extrema. Vieram à sua mente imagens de derrota e fracasso e a convicção de que sua incompetência decepcionaria sua noiva, anulando sua projeção afetiva. Focalizado nesse momento de alta intensidade emotiva, foi instruído a ele imagi­nar seu chefe na mesma situação, como se o visse à distância, como uma persona­gem de uma peça teatral, representando um papel. Sua focalização nos aspectos externos, mas irrefutáveis, como o tom de voz, a postura corporal, o olhar e outros aspectos relacionados, fez com que descrevesse detalhadamente tudo o que foi possível distinguir do outro. Uma vez esgotada a descrição do que era publica­mente observável na personagem do chefe, o cliente simulou como seria o mun­do interno de uma pessoa que apresenta essas manifestações externas, passando sucessivamente do plano externo para o interno repetidamente. Em essência, ao se distanciar, Fernando avalia que o chefe exterioriza um padrão coercitivo muito alto numa atitude controladora e que sua indagação tem um caráter de pressão. Pediu-se que ele interpretasse esse comportamento, de modo a refletir coerente­mente o mundo interno do chefe, nesse momento. Fernando elaborou a hipótese de que o chefe é muito pressionado e que sua atitude representa uma necessidade intensa do compromisso do outro e não necessariamente um julgamento negati­vo. Fernando passa a dispor de dois pontos de vista da situação: um que lhe diz que é um inútil dispensável e outro que fala sobre por qual motivo o chefe é assim, ambos são plausíveis. Essa estratégia é utilizada com ele durante várias sessões, de forma sistemática, flexibilizando seu automatismo ao se auto-referir aos de­mais e reconhecendo sua sensibilidade ao julgamento externo. Outra cena im­portante ocorreu com sua noiva em uma situação em que ela, diante das constantes manifestações de auto-suficiência e autonomia de Fernando, desafiou-o a termi­nar o compromisso. Nesse momento, ele teve uma nítida experiência de pavor, uma intensa sensação física de estremecimento e extrema queda de ânimo. Ao reconstruir a cena, ele distinguiu uma sensação de perda e solidão jamais sentida, semelhante à de perder a mãe ou o pai. A sensação de si mesmo foi de total confu­são e perda de familiaridade ele próprio (informação sobre ele). Ao ser posto sob o ponto de vista da noiva e avaliar sua atitude externa, ele distingue um olhar desa­fiador e seguro com tom de voz claro, firme e consistente. Ao interpretar o mundo interno da noiva, ele reelaborou o primeiro ponto de vista que é o de se sentir repelido por ela e a relação terminada, avaliando a atitude dela como uma de­monstração de alto grau de compromisso, ao mesmo tempo em que é uma coer­ção ameaçadora para obrigá-lo a se comprometer. Ele experimentou uma mudança de ponto de vista no qual o que ele diz ou faz deixa de ser visto como informação sobre ele, passando a ser informação sobre ela (ponto de vista hetero-referencial). Esse trabalho lhe permitiu reconhecer que, na realidade, foi ele quem esteve pon­do sua noiva à prova, como forma de se sentir mais independente diante do com­promisso iminente e que essa situação não significou, necessariamente, o fim abrupto e inesperado da relação. Em reconstruções posteriores, ele foi capaz de

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avaliar que, os sintomas ligados à ativação emocional diante de situações em que temia frustrar as expectativas dos demais, estavam relacionados com as mudan­ças na avaliação da total incondicionalidade da noiva para uma condicionalidade cada vez mais evidente e que haviam se manifestado justamente na época dos distúrbios digestivos, cerca de um ano e meio antes.

É necessário observar que, nesse momento da terapia, Fernando já havia re­cuperado seu peso normal e também se queixava de estar engordando. Mas con­tinuou interessado em explorar sua experiência além da resolução sintomática.

A mudança de ponto de vista sobre si mesmo, alcançada pelo cliente nessa etapa, provoca um reordenamento da experiência imediata, podendo reconhecer e auto-referir-se a emoções e sentimentos anteriormente excluídos da consciên­cia e, conseqüentemente, fora da imagem reconhecível de si mesmo e dos outros. Ao se fixar em um momento sintomático incompreensível, começa-se a julgar que os eventos fazem parte de um processo sintomático relacionado com a lógica in­terna da maneira pessoal de se organizar a própria experiência. Isso implica em mudar o foco de atenção das estratégias de controle para as estratégias de com­preensão de como os eventos ocorrem para si. Além disso, progressivamente, o cliente se torna mais perceptivo para reconhecer como seus estados emotivos, originalmente inexplicáveis, começam a se ligar aos desequilíbrios da vida afetiva, isto é, ele começa a conhecer de que maneira é afetado por mudanças inadverti­das na imagem do outro.

• Segunda etapa - Reconstrução do estilo afetivo: Quando o cliente percebe a ligação entre os sintomas que sofre com os desequilíbrios afetivos previa­mente não percebidos, inicia-se também a revisão dos processos de auto- engano que apoiaram a imagem da figura de referência sustentadora e compatível com seu senso de si mesmo e que, ao ser desafiada, desenca­deou o desequilíbrio emocional.

A reconstrução, por intermédio da Técnica da Moviola, do curso cronológico das perturbações, permite distinguir a correlação entre o desequilíbrio percebido e a mudança de imagem da figura afetiva significativa, fazendo com que fique mais evidente que o problema original e coincida com a exclusão e com o reordenamento auto-enganoso dos sentimentos desafiadores. É necessário con­duzir o foco de atenção para a modalidade implícita na qual o cliente constrói a imagem de uma figura de apego, coerente com o senso de si mesmo e os mecanis­mos de manutenção utilizados para enfrentar as discrepâncias. Começa-se com uma análise detalhada da história afetiva do cliente, na qual as seqüências de ce­nas significativas são passadas repetidamente pela moviola, revisando-se os se­guintes aspectos:

1. Variáveis subjacentes ao début sentimental (contexto evolutivo, atitudes pessoais, rede social) e de que maneira foi experimentado, avaliado e auto- referido. Esses aspectos permitem compreender os ingredientes básicos que criaram um estilo afetivo definido com tendência a se manter por todo o ciclo de vida. Para todas as relações significativas são reconstruídas as

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cenas carregadas de afeto durante o começo da relação, a fase de manu­tenção dessa relação e o processo de término.

2. Reconstruir os critérios pelos quais o cliente diferencia as relações signifi­cativas das não significativas, na seqüência de relações significativas. Es­ses critérios nos permitem destacar quais padrões de classificação de casais serão mais coerentes com o estilo de vinculação que gradualmente se estruturou.

A reconstrução da sensibilidade ao julgamento externo que Fernando empreen­deu em todas as dimensões de sua vida o tornou consciente de seu senso de vulnerabilidade em situações de exposição e de como essa vulnerabilidade vai oscilar; dependendo de quanto controle percebe que tem sobre a confirmação de sua noiva com relação a ele. Ele reconhece que se sente completamente diferente quando, nas situações sociais, tem controle sobre os resultados e quando não o tem. No final dessa etapa de trabalho, ele percebeu que, no passado, também che­gou a sofrer uma sintomatologia parecida em situações de exposição que pode agora reconhecer como tais e não como uma enfermidade física. Além disso, fez ligação do início de seu problema médico com a separação dos pais e com o au­mento da sensação de vulnerabilidade em situações sociais, além de um conse­qüente aumento da dependência afetiva da noiva.

Fernando está preparado para investigar sua vida afetiva. É uma história que se caracteriza pela escolha romântica de figuras femininas desde o ensino básico. Esse estilo romântico abstrato, de relações sem relação, existentes apenas no pla­no estético-formal, marcou sua história afetiva em um amor platônico que dura 10 anos e que transcorre somente em sua mente. Os escassos vínculos que pôde mencionar foram igualmente etéreos. Ao reconstruir a seqüência afetiva, ficou- lhe claro que a condição para se vincular era sempre a garantia de não se expor, mantendo uma comunicação muito indireta e ambígua em suas escassas expe­riências. Suas escolhas eram sempre feitas com pessoas pouco desafiadoras de seu caráter de afastamento social. Sua carreira universitária já estava muito avan­çada quando se atreveu a ter as primeiras experiências sexuais, mas com prostitu­tas, situação que lhe permitiu explorar algo no mundo da sexualidade, mas pela pressão e apoio de familiares e sem o mínimo risco de se expor, razão pela qual começou a experimentar um sentimento crescente de isolamento já que o resto dos conhecidos de sua geração estava iniciando seus projetos afetivos pessoais. Ao conhecer a atual noiva, mantinha o mesmo padrão afetivo romântico que o caracterizava desde a primeira infância, sendo ela, inicialmente, uma pessoa de características semelhantes. Ao reconstruir, detalhadamente, o padrão pelo qual escolhera a noiva, avaliou-se que ela o fez sentir-se incondicionalmente aprova­do, sem ter que se expor em nenhum aspecto e, além disso, com uma rede social de apoio respaldando esse vínculo. Ter uma garantia máxima de incondicio- nalidade com uma exposição pessoal mínima foi o que lhe permitiu chegar aos 30 anos sem ter seu primeiro amor real.

Nessa etapa, com esses novos níveis de auto-referência abstrata no ordena­mento das experiências passadas e presentes, obteve-se um desaparecimento quase total dos problemas sintomáticos, criando-se uma nova atitude diante da realidade e com o descobrimento de novos âmbitos de experiência.

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Nessa fase, a maioria dos clientes prefere interromper a terapia, o que não deve preocupar o terapeuta pois não existe um modo inequívoco de fazer as coi­sas, sendo o cliente quem decide qual é a melhor maneira de prosseguir em sua trajetória vital. O terapeuta, em geral, aceita a decisão dele caso deseje finalizar seu processo de terapia, embora o incentive a continuar a exploração pessoal para reconstruir a maneira pela qual seu próprio caminho evolutivo o levou a estruturar seu próprio significado pessoal, surgindo de forma inequívoca diante de seus olhos ao completar a segunda fase.

A terceira fase, “Análise da História Evolutiva Pessoal”, implica em reconstruir as experiências imediatas da história do desenvolvimento. Começa com a identi­ficação dos acontecimentos significativos para de estruturar a história evolutiva em relação a essas cenas, as quais são posteriormente passadas pela moviola.

Faz-se necessário considerar que no início dessa fase, o cliente alcançou no­vos pontos de vista sobre si mesmo, condição primordial para se fazer esse tra­balho terapêutico pois a idéia não é, de forma alguma, transformar esse processo em uma simples repetição biográfica na qual o cliente reconfirma e legitima a versão habitual que possui de si mesmo, o que é um resultado absolutamente indesejável. Na realização da reconstrução da história de vida, precisa-se desta­car que essas lembranças costumam ser vagas e imprecisas, são sobrepostas e apresentam menos detalhes que as cenas lembradas em etapas anteriores. Na execução desse objetivo, o terapeuta se defronta com a dificuldade do cliente ter construído uma versão de sua história de vida em que estruturou, ao longo dos anos, em explicações compatíveis com a imagem construída de si próprio. Isso faz com que, durante o processo de reconstrução das experiências imedia­tas, seja muito provável que as lembranças de suas relações de apego, afetiva­mente significativas, avaliadas e auto-referidas enganosamente, bem como as explicações compatíveis com essas lembranças “oficiais” sejam violentamente desafiadas pela revisão, na Técnica da Moviola, dessas recordações rigidamente estabilizadas. Isso permite ao terapeuta conduzir a investigação do cliente em direção a esses pontos discrepantes e não para confirmações; é o conhecimento profundo da via evolutiva que caracteriza a organização de significado pessoal do cliente e os processos de auto-engano trabalhados a fim de manter a sua coe­rência. É preciso considerar que, geralmente, os clientes supõem que os fatos se identifiquem com as explicações, porém, têm consciência de que essas explica­ções são construídas sobre experiências vividas. Desse modo, o terapeuta, reali­zando uma diferenciação contínua entre experiência imediata e explicação, reconhece nas vivências discrepantes que é preciso ordenar e reformular as dis- crepâncias entre o que o cliente estabeleceu durante toda sua vida e o que mu­dou nela. O trabalho de recompilação de eventos significativos da história evolutiva é feito em três etapas evolutivas. Em cada uma delas primeiro é reconstruída uma visão panorâmica que localiza os acontecimentos refor­mulados como significativos e, em seguida, o terapeuta conduz o cliente a se focalizar em um deles, por meio da Técnica da Moviola, reconstruindo os pa­drões vinculares, a experiência subjetiva adquira na infância e o sentido de si mesmo e do mundo experimentado. Essas etapas são:

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• Infância e anos pré-escolares, de 0 a 6 anos;• Infância entre os 7 e os 12 anos;• Adolescência e juventude entre os 13 e os 20 anos.

Nesse caso, a Técnica da Moviola sofre uma modificação: o procedimento re­gular é efetuado, mudando-se o enfoque do ponto de vista subjetivo para o obje­tivo, utilizando-se dois pontos de vista objetivos. Um funciona para o cliente se ver do lado de fora ao reconstruir esse momento e o outro serve para enxergar a mesma cena da perspectiva de quem ele é hoje em dia.

O objetivo dessa etapa é reconstruir o padrão vincular que é construído du­rante a história de interações e as experiências subjetivas que o acompanham, visando à reconstrução do senso de si mesmo que surge quando a criança vê o mundo. Dessa maneira, o cliente, a partir do entendimento, vai de sua vivência como algo já estabelecido para um modo de vê-la como processo auto-referencial e auto-organizado, o qual lhe permite ordenar as experiências passadas e presen­tes em uma coerência que oferece sentido para a sua continuidade pessoal.

As primeiras lembranças de Fernando são muito vagas e difusas e seus con­teúdos emotivos indicam sensações de harmonia e de felicidade. São lembranças com conteúdos idealizados da vida, em especial da família. Ele se lembrou de si­tuações na educação básica em que, com freqüência, alimentava a idéia de que seus pais eram inseparáveis, mas que os demais não gozavam da mesma possibi­lidade de se sentir tão seguros como se sentia. Durante o processo de reconstru­ção dessa fase, ele se recordou de ouvir que ele era um menino exemplar, muito independente e também um modelo para os outros porque sempre cumpria suas obrigações e nunca causava problemas. Ele também se lembrou de que, desde muito cedo, era do tipo que se apaixonava facilmente e sua atitude com relação ao sexo oposto era quase como a de uma pessoa mais velha, pois mimava as menini- nhas que o interessavam, lhes dava flores e executava outras formalidades de se­dução que eram muito aplaudidas pela família. Ele tinha algumas obrigações domésticas que cumpria com prazer, como cuidar dos irmãos menores e, muitas vezes, substituía a mãe. Ele percebeu a mãe como a pessoa que os unia, era uma mulher trabalhadora e responsável. A passagem de casa para o colégio foi fácil e sem conflitos. A mãe era a diretora do colégio onde ingressara, o qual ficava ao lado de sua casa, de modo que não teve muitas das dificuldades que outros meni­nos sofrem na transição da idade pré-escolar para a escolar. Ele cresceu como um menino líder competitivo, batalhador e com senso elevado de sua liberdade e au­tonomia pessoal. Desde muito cedo, havia se caracterizado por pertencer ativa­mente a todo de tipo de organizações de orientação social ou grêmios, ocupando altos cargos de direção estudantil.

Por volta dos 14 anos, ele sofreu uma transformação radical em sua maneira de ser. Em pouco tempo, tornou-se uma pessoa socialmente retraída e amarga, além de crítico, fazendo juízos das pessoas e da família. Ao fazer uma revisão dos eventos significativos da época, ele percebeu, com muita angústia, que sua mu­dança coincidiu com a inesperada separação dos pais e com uma mudança radi­cal nas atitudes da mãe e dos irmãos, que haviam se transformado em seres “muito egocêntricos” e “preocupados somente com eles próprios”, como mencionou

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amargamente. Além disso, ficou claro que sua atitude com relação às mulheres também mudou e, desde então, deixou de ser um menino sedutor e que se apai­xonava com facilidade, assumindo uma atitude retraída e tímida.

Ao evocar as primeiras lembranças de sua infância, Fernando não pôde lem­brar nenhuma cena dolorosa ou negativa. Dessa época, só lembrava e, com espe­cial prazer, de um momento, aos 6 anos de idade, em que estava no pátio do colégio brincando sozinho com um carrinho de pedalar e extremamente feliz. O cliente considerou, nesse momento, que não tinha nenhum sentido reconstruir essa cena porque não representava nenhum sofrimento, mas aceitou fazê-lo em vista do compromisso assumido com o terapeuta para continuar investigando sua expe­riência pessoal. Ao passar a cena para trás e para frente, sob os dois pontos de vista objetivos e o ponto de vista subjetivo, o cliente se surpreendeu muito ao des­cobrir que a cena que vivia como a máxima demonstração de seu arraigado senso de independência tornava-se o contrário. Ele recorda novos detalhes, como o fato de que, na realidade, nunca estava sozinho, já que normalmente era observado de maneira afetuosa, da janela de sua casa, por outros familiares, uma vez que a casa ficava ao lado do pátio da escola e que, além disso, era dirigida por sua mãe. A mãe, com sua autoridade, constantemente o apoiava diante dos outros meni­nos e dos docentes. Ele percebeu que a sensação de contar sempre com alguma pessoa que o olhava de modo afetuoso e simpático dessa janela era o que lhe dava uma profunda sensação de segurança. Subitamente, Fernando teve a angustiante consciência de que a idéia que tem de si mesmo sobre ser um homem indepen­dente e autônomo já não fazia mais sentido. Assim, ele começou a ter um fluxo de imagens e lembranças pessoais nos quais se viu como um menino carente de alguém ao seu lado para decidir algo ou para desfrutar suas atividades favoritas.

Para Fernando, isso significou uma sensação de profundo desencanto pessoal e, ao mesmo tempo, a tranqüilidade de se reconhecer de forma mais consistente e harmoniosa ao revisar e reordenar sua história de vida à luz de sua sensibilidade de julgamento dos demais. Além disso, é possível explicar a brusca mudança ex­perimentada aos 14 anos, quando ele passou a ser “outra pessoa” compreenden­do que havia perdido a validação da imagem de possuir uma família sólida para apoiá-lo em toda a exploração da realidade. Em particular, a profunda decepção sobre a sua mãe que, de uma pessoa que unia a família, passou a ser alguém que somente pensava em si mesma, fez com que ele passasse a vê-la como uma intru­sa e invasora em sua vida pessoal. Ele se tornou mais compreensível quanto à necessidade de incondicionalidade total em sua vida afetiva.

COMENTÁRIOS FINAISA Terapia Cognitiva Processual Sistêmica de Guidano ou Pós-racionalista é a

decantação do pensamento, inicialmente comportamentalista experimental, do produto da experiência clínica do autor, ou seja, as discrepâncias que sofreu no exercício da profissão de terapeuta. Mais que uma teoria, Guidano brindou a Psico­logia com um ponto de vista diferente para se compreender a experiência humana que, na crença do autor deste capítulo, pode ser a base de uma reformulação

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da terapia como disciplina, a partir de uma escolha epistemológica diferente. É uma terapia que pretende ultrapassar o senso comum e combina o rigor explicativo do âmbito metodológico com o trabalho experiencial. Espera-se que o presente ca­pítulo tenha transmitido a idéia de que essa terapia é essencialmente um método e a técnica em si é subsidiária. É importante entender isso, uma vez que, ao escre­ver este capítulo, o autor manteve constantemente em mente, as palavras de Guidano que alertam para o risco de expor a ação terapêutica em detalhes pois isso pode ser entendido como a maneira correta de fazer as coisas, arriscando, por conseguinte, a se descuidar do método terapêutico como a finalidade última da ação do terapeuta. O exemplo utilizado deve ser considerado apenas para ilustrar uma ação maior cujas complexidades estratégica e experimental são difíceis de representar em um documento como este. Essa advertência não é mera formali­dade. Em um enfoque para o qual a experiência é sempre auto-referencial e na qual o cliente não pode ser determinado, apenas perturbado, não se pode mais falar de uma relação de causa e efeito entre o trabalho do terapeuta e o efeito nele.

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474 ■ Terapia Cognitivo-construtivista

MATURANA, H. La Objetividad; un argumento para obligar. Santiago: Dolmen, 1997.MATURANA, H., VARELA, F. De Maquinas y Seres Vivos. Santiago: Editorial Universitária, 1995.ZAGMUTT, A., FERRER, M. Los trastornos de la alimentación. Un enfoque constructivista

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ZAGMUTT, A. La comprensión dei sintoma desde el enfoque posracionalista. In: CONGRESO DE PSICOTERAPIAS COGNITIVAS LATINOAMERICANAS, 3, 2000, Montevideo (Uruguay).

ZAGMUTT,A. El hombre como un sistema epistémico autopoiético. In: SIMPOSIO TERAPIA COGNITIVA POSRACIONALISTA, TEORIA Y MÉTODO TERAPÊUTICO DEL CONGRESO BRASILERO DE PSICOTERAPIAS COGNITIVAS, 2, 1999, Rio de Janeiro.

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Page 486: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

índice Remissivo

AAbstinência, síndrome, 190 Abstração seletiva, 306 Abulia, 45Abuso de substâncias, 314 Ação, 417Acompanhantes terapêuticos, 175 Afirmação, 427 Afonia, 3541 Agenda, 398 Agitação, 147 Agorafobia, 345 Agressão, 56

tipos, 84 Agressividade, 82,210 Álcool, 50, 188, 192,324

abuso, 375,415 Alcoolismo, 345, 354t Aliança terapêutica, 452 Ambiente, 20, 25, 44

coercitivo, 57 Ambivalência, 73,419 Análise, 312 Angústia, 30, 37, 46, 464 Anorexia, 170, 3541Ansiedade, 5, 37, 46, 56, 65, 82,116, 118,

147,163, 170, 177, 189, 196, 206,234, 268, 281, 303, 327, 337, 345, 3541, 366, 375, 394, 400, 409, 456

condicionada, 175

Ansiedade (Cont) de desempenho, 355 generalizada, 368 hierarquia, 172,179 neurótica, 178 social, 339 subjetiva, 171

escala, 172 transtornos, 339

Ansiolítico, 5 Antidepressivo, 5 Apatia, 118 Aplicação, 312 Apreensão epilética, 170 Aprendizagem, 83, 103,153,195, 216, 234,

337, 399, 405 de tentativa e erro, 345 observação, 106 vicariante, 209

Argumentação, 421 Asma, 3541Assertividade, 206, 327 Atenção, déficit, 255 Ativação, 373 Atividade rítmica, 394 Atuação direta, 420 Autismo, 409 Auto-avaliação, 261, 267 Auto-eficácia, 422 Auto-engano, 461 Auto-estima, 46, 53

aumento, 393

As páginas seguidas pelas letras q e t correspondem, respectivamente, a quadros e tabelas.

Page 487: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

476 ■ Terapia Comporta mental e Cogn i tivo-com porta mentai- Prá ticas Clínicas

Auto-instruções, 152,155, 405 Auto-interrogação, 407 Auto-observação, 20, 37, 46, 227, 459, 461 Auto-referência, 466 Auto-reforçamento, 261, 267, 406 Auto-registro, 265 Auto-regras, 152 Auto-relato, 239 Autoconfiança, 46, 53,150 Autoconhecimento, 60, 452 Autoconsciência, deficiências, 38 Autocontrole, 60,158, 259

descrição da técnica, 265 estratégias adicionais, 268

Autocorreção, 407 Autodefesa, 187 Autodepreciação, 3541 Autodescrição, 20 Autodiscriminação, 261 Autolesão, 65Automonitoramento, 239, 261, 461 Autopiedade, 34 Autopunição, 261 Autoverbalização, 405, 406Avaliação, 312

BBalança decisória, 430 Beber, 26Behaviorismo, 187

cognitivo-comportamental, 22metafísico, 10metodológico, 10,24 radical, 7, 239

Biologia molecular, 449 Bioquímica, 449 Birra, 4, 96 Bronquiectasia, 181 Bruxismo, 66 Bulimia nervosa, 444

cCadeia comportamental, 232 Cafeína, 192 Cardiopatias, 213 Castigo, 86Catastrofização, 336Causalidade, atribuição, 332Cegueira histérica, 354í

Choramingo, 34 Choro, 66, 116, 3541 Cliente, estágio inicial, 420 Clomipramina, 375 Cocaína, 50,192, 323, 432 Cognição, 321,438 Cólicas, 464 Competência, 150 Comportamentalismo, 459 Comportamento, 9, 44, 74, 127

aditivo, 415 agressivo, 84 análise, 112

ciência, 239 experimental, 121 funcional, 303

anti-social, 354í assertivo, 206, 309 auto destrutivos, 423 avaliação diagnostica, 303 ciência, 7 classes, 14clinicamente relevantes, 194 complexo, 130 de chupar o dedo, 87 discriminativo, 6, 28 força, 31governado por regras, 152 imitativo, 106 inadequados, 92 medidas, 239modelado por contingências, 152 mudança, 415obsessivo-compulsivo, 67,175, 354f operante, 113,186 respondente, 187 supersticioso, 49 topografia, 107 verbal, 15, 107, 204, 244

modelagem, 137 Compulsão, 170

alimentar, 327 Conceituação cognitiva, 286, 374

diagrama, 291g, 295g, 3801 Concentração, 129

ambiental, 394 Condicionamento, 122, 235

interoceptivo, 339 reflexo, 187 respondente, 187

Confiança, perda, 45 Confronto, 421

Page 488: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Indice Remissivo ■ 477

Conhecimento, 460 Consciência, estados alterados, 449 Conscientização, 20 Construtivismo, 438

pós-racionalista, 459 Contemplação, 417 Contiguidade, 234 Contingência, 152, 303

análise, 62 coercitivas, 5 de reforçamento, 6 discriminabilidade, 156 total, 18 tríplice, 18, 240

Contracondicionamento, 146,177 Controle, 56

auto-instruções, 157,159 aversivo, 56 discriminativo, 261 instruções, 157 variáveis, 239 verbal, 155

Crença, 305, 321, 367, 392, 398, 405, 437 central, 291, 332 disfuncional, 281, 372, 440 distorcidas, 443 intermediárias, 332 irracionais, 371 nucleares, 371 subjacentes, 291

Criatividade, 408 Culpa, 46, 332, 426

DDelinqüência, 3541 Dependência química, 191, 392, 415 Depressão, 6,30,46,118,170,199,277,

292, 314, 325, 327, 341, 345, 353, 366, 389, 401,445

modelo cognitivo, 302 pós-parto, 3541

Desamparo, 389 aprendido, 65, 342

Desânimo, 118 Descatastrofização, 304, 336 Desejos reprimidos, 79 Desenvolvimento, déficit, 80 Desinibição, 104 Desobediência, 210

Dessensibilizaçãosistemática, 146,169,188,235,304,346,406

ao vivo, 174 por imagens, 177 prodecimento, 179

vicariante, 174 Diabetes, 50,213,375 Diálogo

interno, 305 socrático, 311, 327, 446

utilização com crianças, 314 Diarréia, 191,464 Dilemas implicativos, 442 Discrepância, instrução-esquema, 154 Discriminação, 65,114, 216, 240 Disfunção, 280

biológica, 439 Dispersão, 129 Dissonância cognitiva, 421 Distimia, 446Distorção cognitiva, 296, 336, 399, 443

rotulação, 300 Distração, 369, 392

atividades, 263 caso clínico, 394 subtipos, 393

Distúrbiode conduta, 405 obsessivo-compulsivos, 188 psicossomáticos, 355

Doença, 76de Hashimoto, 375

Dor, 191Drogas, 50, 76, 367

abuso, 3541 consumo, 190

abusivo, 193 interrupção, 191 retomada, 192

opiáceas, 191pacientes dependentes, 322 uso, 27, 188

Dualismo epistêmico, 10

E

Ecletismo técnico, 383 Economia de fichas, 251 Ejaculação precoce, 3541 Elogio descritivo, 135 Emoção, 279, 438

Page 489: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

índice Remissivo ■ 477

Conhecimento, 460 Consciência, estados alterados, 449 Conscientização, 20 Construtivismo, 438

pós-racionalista, 459 Contemplação, 417 Contigüidade, 234 Contingência, 152, 303

análise, 62 coercitivas, 5 de reforçamento, 6 discriminabilidade, 156 total, 18 tríplice, 18, 240

Contracondicionamento, 146, 177 Controle, 56

auto-instruções, 157, 159 aversivo, 56 discriminativo, 261 instruções, 157 variáveis, 239 verbal, 155

Crença, 305, 321, 367, 392, 398,405, 437 central, 291, 332 disfuncional, 281, 372, 440 distorcidas, 443 intermediárias, 332 irracionais, 371 nucleares, 371 subjacentes, 291

Criatividade, 408 Culpa, 46, 332, 426

DDelinqüência, 3541 Dependência química, 191, 392, 415 Depressão, 6, 30, 46,118,170,199, 277,

292, 314, 325, 327, 341, 345, 353, 366, 389,401,445

modelo cognitivo, 302 pós-parto, 354í

Desamparo, 389 aprendido, 65, 342

Desânimo, 118 Descatastrofização, 304, 336 Desejos reprimidos, 79 Desenvolvimento, déficit, 80 Desinibição, 104 Desobediência, 210

Dessensibilizaçãosistemática, 146,169,188,235,304,346,406

ao vivo, 174 por imagens, 177 prodecimento, 179

vicariante, 174 Diabetes, 50, 213, 375 Diálogo

interno, 305 socrático, 311, 327, 446

utilização com crianças, 314 Diarréia, 191, 464 Dilemas implicativos, 442 Discrepância, instrução-esquema, 154 Discriminação, 65,114, 216, 240 Disfunção, 280

biológica, 439 Dispersão, 129 Dissonância cognitiva, 421 Distimia, 446Distorção cognitiva, 296, 336, 399, 443

rotulação, 300 Distração, 369, 392

atividades, 263 caso clínico, 394 subtipos, 393

Distúrbiode conduta, 405 obsessivo-compulsivos, 188 psicossomáticos, 355

Doença, 76de Hashimoto, 375

Dor, 191Drogas, 50, 76, 367

abuso, 354f consumo, 190

abusivo, 193 interrupção, 191 retomada, 192

opiáceas, 191pacientes dependentes, 322 uso, 27, 188

Dualismo epistêmico, 10

E

Ecletismo técnico, 383 Economia de fichas, 251 Ejaculação precoce, 3541 Elogio descritivo, 135 Emoção, 279, 438

Page 490: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

478 ■ Terapia Comportamental e Cognitivo-comportamentai - Práticas Clínicas

Emp arelh amento arbitrário, 223 com modelo, 215

condições necessárias, 219 Empatia, 149 Encadeamento, 27

de trás para frente, 231 Encoprese, 3541 Encorajamento, 427 Enfrentamento, 393 Engenharia genética, 449 Ensaio

cognitivo, 304 comportamental, 205,406

princípios, 208 Entrevista motivacional, 414

princípios, 421 Enurese, 3541 Envelhecimento, 3541 Escuta reflexiva, 428 Esquemas, 372, 398Esquiva, 56, 63, 83, 154, 170, 172, 177, 194 Esquizofrenia, 3541 Estado corporal, 37 Estágio, 416Estereotipia comportamental, 159 Estimulação

aversiva, 178,189 condicionada, 150

direta, 427 Estímulo, 187

aversivo, 6, 56, 63, 72 controle, 194 incondicionado, 234

condicionado, 146 condicional, 235, 240 controle, 27q, 35, 63,114,216

transferência, 115 discriminativo, 103, 113, 195, 231, 240 eliciador, 178 equivalência, 223 funções, 195 incondicionado, 146 incondicional, 188 neutro, 180,234 pré-aversivo, 5 proprioceptivos, 103punitivo, 76reforçador, 55, 78,144, 241 respostas, cadeia, 231

Estresse, 6,345, 394 Esvanecimento, 111

área de ensino, 117

Eventos ansiógenos

exames, 172*7 hierarquia, 173<?

fóbicos, morte, 173*7 Evidência, questionamento, 304 Evitação, 461 Expectativa frustrada, 45 Exposição

em situação natural, 175 funcional cognitiva, 368 graduada in vivo, 235 gradual, 146,175

Extinção, 44, 46, 63, 76, 78, 144, 188, 235, 360, 392

contexto clínico, 146 descrição tecnológica, 146 operante, 146 resistência, 145 respondente, 146,190

p

Fadiga, 375 Fissura, 392Flecha descendente, 301, 320, 331, 374, 446

técnica, 291 Flexibilidade cognitiva, 304 Fluoxetina, 375 Fobia, 4

de elevador, 4 social, 380

Fortalecimento, 49 Fraqueza, 375 Frustração, 56

resistência, 134 Fuga, 56, 63, 76Fuga-esquiva, 5,35, 56, 64, 81, 83, 130, 148,

163,235 Funcionamento, 303

GGagueira, 4, 170, 353,3541 Gastrite, 268

HHabilidades

motoras, 134 sociais, treinamento, 304

Page 491: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

Indice Remissivo * 479

Hábitoalimentares, inadequação, 246 reversão, 226

Habituação, 146, 236 Heroína, 50,188,191 Hetero-referência, 466 Hierarquização, 400 Hiperatividade, 255 Hipercolesterolemia, 375 Hipergeneralização, 306 Hiperpnéia, 177 Hipertensão, 50, 375

arterial, 213 Hipótese

da probabilidade diferencial, 241 de privação da resposta, 245

Homossexualidade, 3541 Humor, transtorno, 401

i

Identificação, 102 Imagens, 393, 394Imaginação

de enfrentamento, 366 de projeção do tempo, 367 dirigida, 365 poder, 450 positiva, 367

Imediaticidade, 49, 90 Imitação, 84,102

antimodelo, 106 aprendida, 105efeitos, 103 generalizada, 106 na prática clínica, 107 não aprendida, 104 observador, 104 vicariante, 104

Imitar, 94Impulsividade, 259, 409 Incidente crítico, técnica, 288 Incompetência, 108 Inferência arbitrária, 306 Inferioridade, 108 Inibição recíproca, 170,175 Insegurança, 82 Insensibilidade, 164Insônia, 118, 191, 266, 268, 352, 353, 354í Instruções, 152,153, 208, 212, 247

Interaçãomente-corpo, 450 social, dificuldades, 206 terapeuta-cliente, 133

Interpretação, 121,158, 312 Intervenção, 5

paradoxal, 353 Introspecção, 461 Inundação, 235 Inveja, 3541 Inversão de papéis, 207 Irritabilidade, 66,147,191 Isolamento social, 34,163, 287

LLapso, 418Lei Empírica do Efeito, 240 Leitura mental, 307 Lentidão, 375 Língua, sons, 137 Locusáe controle interno, 412 Luto, 389

MMaconha, 325 Manutenção, 418 Masoquismo, 13 Masturbação compulsiva, 3541 Maximização, 307 Meditação, 449Medo, 46, 57, 82,116,170, 205, 234, 287,

339, 355, 375, 456, 465 de andar de metrô, 181

Memória, 312 Mente, 21Metateoria construtivista, 453,460 Método

socrático, 311terapêutico pós-racionalista, 462

Midríase, 177 Minimização, 307Modelação, 43, 102, 209,212, 247,406

condições, 104 efeitos, 103

Modelagem, 43, 80, 84, 117, 121, 148, 158, 195, 212, 247, 406

por aproximações sucessivas, 210 Modelo

avaliação comportamental, 239 cognitivo, 304, 321

Page 492: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

480 ■ Terapia Comportamental e Cognitivo-comportamental - Práticas Clínicas

Modelo (ContJcognitivo-comportamental, 289 cognitivo-objetivista, 279 de Beck, 278de privação de Timberlake e Allison, 242 dos estágios de mudança, 418 transteórico, 418

Modo, 371 Morfina, 188,191 Morte, 389

súbita, 6Motivação, 63, 415 Mudança, 415, 420, 440,443

de estímulo, 76 intenção direta, 430

NNarcisismo, 287 Negação, 420 Neurociência, 450 Neurose experimental, 170 Nicotina, 192

oObesidade, 50, 354 r, 345 Obsessões, 170 Organização, 400 Otimismo, 430 Overdosey 190

PPânico, 172, 235, 339 Paradoxo, 304, 360 Paranóia, 3541Pensamento

automáticos, 305, 321, 367, 392, 394, 398 registro, 331

catastrófico, 307, 337 dicotômico, 296

absolutista, 307 disfuncionais, 278, 279

registro diário, 306 negativos automáticos, 281 obsessivo, 359, 369 parada, 369

Percepção, 450 Perfeccionismo, 3541 Persistência, 134

Personalidade, 372 Personalização, 307 Perspiração, 3541 Pesadelos, 170Pesquisa básica, contribuições, 153 Pessimismo, 342 Piloereção, 177 Piromania, 3541 Positividade, treinamento, 304 Prazer, 49Pré-contemplação, 416 Preparação, 417 Pressão, 82

arterialaumento, 177 diminuição, 191

Princípiode Premack, 96, 238 de reforçamento condicionado, 232 recíproca, 170

Prisão de ventre, 464 Probabilidade diferencial, 245 Problema

formulação, 348levantamento de alternativas, 348 orientação, 347 reconhecimento, 430 resolução, 405

treino, 344 solução, método, 346 tomada de decisão, 349

Procrastinação, 3541 Prompts, 117 Psicologia

das diferenças individuais, 407 social da persuasão, 419

Psicopatologia, 280, 461 Psicose pós-parto, 3541 Punição, 46, 56, 61, 117, 162,201, 261

contingente, 88 efeito, 63, 74

colaterais, 64 método, 63 negativa, 72 p o sitiva

bons efeitos, 66 casos clínicos, 65

princípios, 62 uso inadvertido, 67

Punidor, 77

Page 493: Terapia comportamental e cognitivo comportamental - práticas clínicas

índice Remissivo ■ 481

QQueixa, 3, 56,147,199, 210, 286 Questionamento

sistemático, 312 elementos, 313

socrático, 311

RRaciocínio

emocional, 307 indutivo, 313

Raiva, 37,46,82,162,213,227,287,390,456,464 Razão, 438Reação emocional difusa, 6 Reatância, 357 Reatividade, 263 Reatribuição, 304, 332 Recomposição positiva, 358 Reconstrução, 358Reestruturação cognitiva, 278,303,346, 400 Referencial epistemológico

construtivista, 453 Reflexão, 426Reflexo investigatório, 187 Reforçador, 55Reforçamento, 55, 74,103,148,155,195,

229, 231, 234, 251,261 acidental, 48 arbitrário, 48condicionado, princípio, 232 contínuo, 44 de intervalo fixo, 253 de razão fixo, 253 diferencial, 43, 126, 137, 146

imediato, 219 intermitente, 44 natural, 48 negativo, 56, 84 positivo, 41

contingências, 46 princípio, 42, 241 reversibilidade, 242 vicariante, 104

Reforço, 63, 144, 153, 241 Reformulação, 426 Regras, 152 Rejeição, 59 Relação

pessoa-ambiente, 346 resposta-reforço, 113

Relação (Cont.)sujeito-ambiente, 60 terapeuta-cliente, 43,57,163,313,322,465

Relaxamento, 171,178, 235, 327,369 técnicas, 179

Repressão, 360 Resistência, 421, 440, 443 Responsabilidade, 332

pessoal, 422 Resposta, 76, 80,127,187, 231, 260, 279

ativa do aprendiz, 219 cadeia, 266 classe, 127 contingente, 241 discriminativa, 32 emocional, 32 instrumental, 241 neurótica, 170 prevenção, 146

Ressurgimento, 145 Restrição física, 63 Retardo mental, 232 Retenção urinária, 353 Revisão, 332Revolução cognitiva, 459 Rigidez muscular, 147 Rinite, 181Role-play, 205,239,255 Rotulação, 279, 307, 422 Rótulos, 331

sSaciação, 63, 76 Salivação

condicional, 188 diminuição, 177

Saudade, 45 Saúde

conceito, 450 novo paradigma, 451

Self, 408, 450 Sensibilidade, 153 Sentimentos, 11,45 Significado, 332

idiossincrático, 304 Síntese, 312 Sintomas, 352 Solidão, 59, 389, 445 Som, aperfeiçoamento gradual, 137 Sonhos, 449

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482 ■ Terapia Comportamental e Cognitivo-comportamental - Práticas Clínicas

Sono, distúrbios, 3541 Submissão, 59Sudorese, 147, 177, 189, 354£Supressão condicionada, 65

TTaquicardia, 82,148,177, 268 Tato, 21 Técnica, 320

da cadeira vazia, 383 princípios teóricos, 385

da escada, 442aplicação prática, 444 ascendente, 443 descendente, 446

da moviola, 459 da pirâmide, 445 das três colunas, 340 do espelho, 449 implosiva, 146,234

Tensão-relaxamento, exercícios, 171c/ Teoria

do reforço, 42 sistêmica, 419

Terapeuta função, 7 intervenção, 5 investigação, 5 objeto de estudo, 9 papel, 282

Terapia, 107,144analítico-comportamental, 238 analítico-funcional, 196 bem-sucedida, 41cognitiva, 277,300,311,330, 384,398,

419,437 de Beck, 305 de Meichenbaum, 305 objetivista, 406,438 procedimento terapêutico, 282

cognitivo-comportamental, 22, 238, 320, 352, 365

cognitivo-construtivistas, 278 comportamental, 3,238

definição, 6 construtivista, 442 de aceitação e compromisso, 147

Terapia (Cont.) de auto-ajuda, 306 experiencia!, 462 exposição, 146 função, 60 Gestalt, 385 implosiva, 234 importância do corpo, 453 objetivos, 158 paradoxal, 352por contingências, dicotomia público-

privada, 23 de reforçamento, 3 racional-emotiva, 305 racionalista, 406

Timeout, 64, 77 Timidez, 59Tiques, 175, 227, 353, 354í Tolerância, 190 Tomada de decisão, 438 Tontura, 3541 Tradução, 312 Transpiração, 82 Transtorno

de déficit de atenção e hiperatividade, 407 de humor, 401obsessivo-compulsivo, 235, 339 psicológicos, 399 psicótico, 314

Treinamento de papéis, 205 Treino auto-instrucional, 407 Tríade cognitiva, 341 Trico tilo mania, 227 Tríplice contingência, 112 Tristeza, 389, 456

vValidade, 464 Vertigens, 69 Viabilidade, 464 Visão, 30 Vômito, 354í, 464

zZumbido, 3541

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/ erapia Comportamental e Cognitivo-comportamental

práticas Clínicas

Um livro fundamentalmente comprometido com as práticas terapêuticas comportamentais e cognitivo-comportamentais. Eni nenhum capitulo perdeu-se a perspectiva de relacionar a atuação clinica com a pesquisa e com os fundamentos conceituais subjacentes que originaram e que justificam a propriedade dos procedimentos terapêuticos. A linguagem concisa e objetiva e o delineamento apropriado dos exemplos práticos fazem do livro um instrumento indispensável e atraente para os estudantes de Psicologia. O rigor conceituai e a relação da prática com as evidências experimentais o tornam apropriado para uso por professores. Uma bela conciliação entre os interesses clínicos e de pesquisa.