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Thereza e Tom

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Perfil biográfico do casal Thereza Regina de Barros Camargo Maia e Tom Maia, escrito por Anna Laura Barreto.

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Lorena - SP2011

AnnA LAurA BArreto

Thereza e Tom

Projeto experimental de caráter profissional apresentado às Faculdades Integradas Teresa D’Ávila como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, sob orientação do prof. Francisco de Assis.

revisão: João BatiSta teixeira da SiLva

Projeto Gráfico e trAtAmento de imAGens: SeBaStião aSSunção de aLmeida FiLho

cAPA: SeBaStião aSSunção de aLmeida FiLho SoBre o deSenho de tom maia

imPressão: tachion GráFica diGitaL

B273t Barreto, Anna Laura

Thereza e Tom / Anna Laura Barreto. – Lorena, 2011. 152p.

Projeto Experimental (Graduação em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo) – Faculdades Integradas Teresa D’Ávila, 2011.

Orientador: Francisco de Assis

1. Livro-reportagem. 2. Perfil Jornalístico. 3. História. 4. Vale do Paraíba. 5. Thereza e Tom Maia. I. Título

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Dedico este livro a um herói que viveu para ensinar as mais bonitas lições de vida e para cercar de alegria todos os que o rodeavam:

meu avô materno, Sebastião Assunção de Almeida.Infelizmente, Deus o levou para perto de si.

Mas sei que ele está ao meu lado nos momentos em que preciso e que chamo por sua luz.Sempre o levo na memória, porque, assim, consigo ser uma pessoa melhor.

E, com felicidade, também compartilho espiritualmente a realização de um sonho. Vô Tião, sua neta, agora, é jornalista!

A todos os aspirantes a jornalista, que vivem contidos no desejo de se tornar escritores: acreditem, pois a vida é ainda melhor quando fazemos dela poesia.

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Agradecimentos

Aos meus pais, aos meus avós e ao meu irmão, com amor e muita gratidão.

Ao prof. Francisco de Assis, por me confiar este trabalho, e me orientar com sua sabedoria e amizade. Sinto-me honrada por tê-lo em meu caminho.

A Thereza e Tom Maia, por existirem e por compartilharem comigo as lembranças de uma vida.

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Sumário

Prefácio, 11 Prólogo, 13 Apresentação, 15 Nas paredes da memória, 17 Entre lembranças e risos, 33 As histórias por trás dos livros, 49 Mais produções, mais experiências, 70 Sobrinhos do santo, 93 A parceria de uma vida inteira, 111 Prêmios, honrarias e títulos recebidos por Thereza e Tom Maia, 133 Bibliografia de Thereza e Tom Maia, 141 Referências, 151

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Prefácio

Diego Amaro de Almeida

Foi uma grande honra ser convidado para prefaciar esta obra de uma jovem autora que trata da trajetória desses dois companheiros de Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV). Pessoalmente, estou envolvido pelo tema, tendo em vista que, muito antes do meu ingresso no curso de História, fui cativado por suas obras (nunca vou me esquecer daquela Paraty: encantos e malassombros). Neste livro, podemos apreciar a história de Thereza e Tom Maia, célebres filhos de Guaratinguetá. De uma forma prazerosa, o texto, tão bem elaborado por Anna Laura Barreto, nos apresenta importantes momentos da vida e da obra desses dois grandes escritores que tanto fizeram e fazem pela preservação da cultura, da memória e da história da nossa região. Uma história interessante, curiosa e divertida. Diversão que, aliás, é uma das marcas do bom humor de Tom Maia – sempre presente nos encontros do IEV –, aspecto devidamente retratado neste trabalho, por meio das histórias vividas por ele e por Thereza. Aqui, o leitor poderá conhecer o trabalho desenvolvido pelos dois, sempre com muito empenho e dedicação, junto de outros companheiros do IEV, como os professores José Luiz Pasin, Francisco Sodero Toledo, Nelson Pesciotta, entre outros grandes nomes, sempre em busca da preservação do patrimônio histórico, cultural e ambiental. Um rico exemplo que deve ser seguido por todos. O livro de Anna Laura Barreto tem relevância para a história valeparaibana, que carece de estudos sobre escritores e pesquisadores da região. É necessário que sejam

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conhecidos feitos como os de Thereza e Tom, e, assim, as novas gerações sejam motivadas a ingressar nessa luta em defesa da nossa região. Nesta obra tão bem elaborada e agradável, conheceremos sua história. Veremos o lado humano, a infância, a família, as decisões tomadas, as amizades, as aventuras, as lutas vividas, enfim, o caminho percorrido por esse casal que faz tanto por nossa cultura. Boa leitura!

Diego Amaro de Almeida é pesquisador e membro do IEV.

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Prólogo

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Uma obra de interesse histórico e sociológico

Nelson Pesciotta

Concluinte do curso de Jornalismo, das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila (Fatea), em Lorena, Anna Laura Barreto aventurou-se em superar as limitações de um TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) para produzir um estudo mais profundo, e escolheu a memória de um casal de Guaratinguetá formado por Tom (José Carlos Ferreira) Maia e Thereza Regina de Camargo Maia. Louvo-lhe a escolha por duas razões: a primeira, por permitir, com a possível publicação de seu trabalho, a perpetuação da memória de duas pessoas que muito bem representam a sociedade e o ideário guaratinguetaense, e a segunda por produzir um documento que certamente servirá de ponto de partida a tantos pesquisadores que abraçaram a estrutura das instituições que, no estreito campo do mundo familiar, rompem barreiras para a identificação do pensamento e da ação vigentes na sociedade que sobrevive às transformações morais, econômicas, religiosas, educacionais e políticas do nosso tempo. O jornalista, pela sua curiosidade em revelar o raro e o precioso, presta um relevante serviço social, mostrando realidades e descobrindo valores humanos. Este trabalho, assim, é essencialmente jornalístico.

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Thereza e Tom, por sua importância na vida de Guaratinguetá e por sua projeção não só no Vale do Paraíba, conhecidos que são em todo o Brasil, pelas suas obras, merecem ser lembrados e louvados. O percurso que percorreram é o trajeto da nossa história regional.

Nelson Pesciotta é presidente do IEV.

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Apresentação

Eu tinha lá dois ou três diferentes temas em vista. Mas nada me satisfazia. Não conse-guia decidir que rumo daria ao meu Trabalho de Conclusão de Curso. Só tinha em mente uma certeza: queria ser orientada pelo professor Francisco de Assis. Foi quando comecei a persegui-lo com meus dilemas, que parecem muito grandes aos olhos de quem está na última etapa de se concluir um curso acadêmico. Francisco, que é de pouca idade, mas de muito conhecimento, percebeu que minha vontade era mesmo escrever um livro, mas com um conteúdo pelo qual eu me apaixonasse. Não tardou, então, para me su-gerir que eu fizesse um livro-reportagem sobre a vida de Thereza e Tom Maia, os historiadores “advogados” de Frei Galvão. Interessei-me logo de cara, e corri para contar a ideia à minha mãe. Lembro-me do que ela falou: “Faz isso, que Frei Galvão vai te ajudar!” Batia quinze horas quando cheguei, em 26 de março de 2011, ao número quarenta e oito, da estreita e histórica rua Frei Galvão, localizada discretamente no centro de Guaratingue-tá, interior de São Paulo. Lá, há um antigo casarão de esquina, grande e com requinte colonial, intimidante por fora e gracioso por dentro. Em sua famosa sala de visitas, conheci Thereza e Tom. Do papel de parede às almofadas das poltronas, tudo naquele lugar parece combinar perfeitamente. A impressão que se tem é a de que os objetos, eles próprios, conseguem contar histórias. Histórias que encantam os que se aventuram pelos cômodos da casa. E quanto mais eu adentrava em suas vidas, mais eu tinha certeza de que jamais iria esquecer aquelas sinestesias. O casal, famoso em toda a região, parece viver em sintonia de gestos, de olhares e de palavras. Thereza fala, Tom sorri. Tom fala, Thereza completa. E as lembranças tomam o am-

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biente, tornando alerta todos os possíveis sentidos. A cumplicidade é tamanha que quase pode ser tocada. Parece que não existem mais casais como Thereza e Tom. Thereza é fina de comportamento, tem sorriso singelo, é simpática e “extremamente pragmática”, segundo Tom. Ele, sempre a falar, é, para a mulher, “alegre e linguarudo”, e nun-ca se cansa de relembrar momentos que não se findam. Ela diz que se apaixonou por conta dessa alegria, porque gostava da conversa de Tom e adorava ouvi-lo cantarolar acompanhado de seu violão. Ele, por seu turno, diz que foi “fis-gado” pelo pragmatismo da mulher. Enfim, foram feitos um para o outro. Tom é artista nato. Mas também é um ótimo contador de histórias. Thereza firmou-se historiadora desde pequena, mostrando interesse por brincadeiras um tanto quanto peculiares. Ambos sempre foram visionários, de muitos sonhos e de muitos amigos, muitos dos quais foram ouvidos durante a produção deste livro-reportagem. Desvendar as aventuras de Thereza e Tom é um exercício que vale a pena.

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Nas paredes da memória

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Camargo, Angélica, Zizinha e Leonardo comemoram o casamento de Thereza e Tom; Guaratinguetá, 20 de dezembro de 1958

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Thereza olha para os grandes janelões de sua casa, e se lembra de quando costumava observar as pessoas passarem pela rua. Tom faz o mesmo. O grande e redondo espelho, fixado no alto da parede e de frente para o sofá, reflete o casal marcado pela história. Confusos e ansiosos, vão narrando tudo de que se lembram, saudosos do passado e orgulhosos do presente.

A casa onde vivem possui até nome: “solar Rangel de Camargo” ou “solar dos Camargo”. Foi erguida em 1866, pelo Capitão João Baptista Rangel, tetravô de Thereza. É feita de taipa de pilão e pau a pique, e abrigou todas as gerações posteriores da família, já estando no sexto estágio de descendência. Conceituado local histórico, sob seu teto foram acolhidos príncipes, princesas, políticos, escritores, cineastas, artistas e músicos de várias partes do Brasil.

Os pais de Thereza, o famoso político e advogado João Baptista Rangel de Ca-margo – a quem a cidade de Aparecida deve sua independência – e a paulistana Maria Angélica de Barros Rangel de Camargo, foram morar no casarão assim que se uniram em

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matrimônio, e ali permaneceram pelo resto de suas vidas. Viveram sempre rodeados de amigos, vizinhos e estudiosos, que promoviam um movimento constante no solar. Thereza Regina de Barros Camargo nasceu em Guaratinguetá, no dia 11 de abril de 1935. Ainda menina, já tinha comportamentos que direcionariam seu futuro: gostava de fazer bolinhos de terra, lia bastante e passava muito tempo sonhando com um mundo encantado, inspirado nas histórias de Monteiro Lobato, a quem deve as peripécias de sua infância. — A minha formação é toda de Monteiro Lobato. Li todos os seus livros, do começo ao fim. Só não gostei do Aritmética da Emília — conta Thereza, que também sonhava em ser arqueóloga no Egito, e costumava cavar o quintal de casa, na busca por cacos antigos. Durante as tardes, ela ocupava seu tempo apurando os acontecimentos locais. Apoiava os braços nos janelões, e passava horas vendo o movimento na rua. Ouvia as conversas e os causos, reparava nas roupas das senhoras e das senhoritas, espiava os na-moricos. Depois, ia contar para as tias, já que a mãe não costumava dar muita trela a essas conversas.

Maria Angélica dedicava a maior parte de sua rotina às orações e à leitura. Não co-zinhava nem limpava, apenas cuidava dos empregados. Era de poucas amizades, tal como prezavam os modos franceses da época, nos quais havia sido criada. Aliás, até suas rezas eram feitas no idioma originário da França, fazendo com que Thereza achasse que a mãe pensava em francês. Antes do casamento, foi catequista no Colégio Des Oiseaux, onde estudara, em São Paulo. O educandário da elite paulistana, pela própria origem percebida em seu nome, utilizava a língua de Molière em tudo, dos livros sobre o país às orações.

Mas o que realmente diferenciava Angélica das outras mulheres eram suas roupas e seus refinados modos. Usava meias, sapatos de salto e conjuntos finos, cheios de baba-dos e de detalhes, o que não era costume na época. Chamava a atenção. Tanto ela quanto o marido se destacavam pela elegância. O bom gosto deveria ser de família. Afinal, ela era neta da Baronesa Maria Angélica de Souza Queiroz de Barros, a quem é dedicada a avenida Angélica, na capital paulista.

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Se sua mãe passava as tardes rezando, a menina Thereza, toda esperta, aproveitava o tempo livre para fazer suas brincadeiras e para ficar de butuca nas conversas do pai. Cravava os ouvidos atrás da grande porta de madeira do escritório, localizado na parte baixa da casa, e o escutava aconselhar clientes e políticos. Pouco entendia, mas permane-cia atenta e cautelosa para não ser pega.

Enquanto Thereza enchia seu tempo prestando atenção no movimento do lado de fora do solar, Tom, já moço, a observava dos fundos do sobrado onde morava, que dava para a rua Frei Galvão, com frente para a rua Coronel Virgílio, enquanto brincava de patins e de patinete com seus irmãos. De tão alto e irritante, o barulho das rodinhas podia chegar aos ouvidos de Thereza, que mantinha a pose de indiferente, mas atraída pelas brincadeiras ruidosas feitas no terreno de fundo do sobrado.

Tom – aliás, José Carlos Ferreira Maia – nasceu em 16 de janeiro de 1929, em Guara-tinguetá. É o caçula dos seis filhos de Maria Rosa de França Cipolli Maia e Leonardo Ferreira Maia. Seus irmãos: Antônio Carlos, Maria Virgília, Maria José, Maria Isbela e Maria Isa.

Maria Rosa é de 1892, natural de Guaratinguetá. Ainda com seis anos, foi interna no Colégio do Carmo, na mesma cidade, saindo de lá anos depois, para cursar a escola normal, no Colégio Conselheiro Rodrigues Alves, até hoje conhecido como Instituto. Ao se formar professora, lecionou em Aparecida, até se casar com Leonardo, que ocupava o cargo de diretor regional dos correios, no Rio de Janeiro.

O Dr. Camargo, pai de Thereza, e Maria Rosa, quando jovens, chegaram a ter um namorico. Trocavam bilhetinhos, flertavam na igreja e se encontravam nas festas. Tudo como mandava o figurino. Até que num certo Carnaval, quando era costume fazer diver-tidas “bolas de perfume” ou “limão de cheiro”, a mãe de Tom saiu para brincar e acabou acertando uma dessas bolas nas costas de Eduardo, avô de Thereza e pai do jovem por quem se interessava. A situação foi tão constrangedora que Maria Rosa saiu correndo. E terminou a paquera.

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Assim que se casou, Maria Rosa, mais conhecida por Zizinha, mudou-se para o Rio de Janeiro. A posição de Leonardo era conceituada, o que lhe rendia um bom ordena-do, mas que também exigia sua transferência, de tempos em tempos, para várias partes do Brasil. A família viveu, depois, em São Luís, no Maranhão, em Florianópolis, no Estado de Santa Catarina, e novamente no Rio. Por conta disso, os filhos desenvolveram um sotaque bem peculiar, difícil de ser identificado.

Somente em 1937 é que a mãe de Tom resolveu voltar para Guaratinguetá. Ela, o marido e os filhos foram morar no sobrado da família, junto com o famoso Dr. Gastão de Meireles França, advogado e genealogista, que já havia sido prefeito da cidade. Era o tio solteiro e culto que acabou por proporcionar a Tom uma bela educação. Tom já estava com dez anos, e nunca havia acompanhado o curso primário. Seu conhecimento era adquirido dos costumes e dos locais por onde passou. Até aquela fase da vida, havia somente estudado em casa, lendo, em francês, o “Qui, pour quoi, com-ment” – semelhante à coleção “Tesouro da Juventude”, editada no Brasil – ou revistas como Cariocas e Vamos Ler, além de jornais da época. Ele conta: — Quando vim de Florianópolis, já tinha lido muitos livros, e sabia de muita coi-sa. Não era merecimento, era o que tinha pra fazer. O jovem era adepto de livros estrangeiros, que exerceram influência sobre seu pensamento e que, no futuro, acabaram lhe rendendo ilusões e sonhos. Cercado princi-palmente de literatura francesa, ganhou o apelido de Tom por causa de um personagem, Tom Pouce, o Pequeno Polegar, traduzido para o português. Anos mais tarde, o codinome iria se tornar marca registrada.

Tom vivia aprontando. Junto com os irmãos, fazia bolinhos de barro para jogar na casa habitada pela família de Frei Galvão e nos descuidados que desciam aquela rua, conhecida pelos antigos como “beco”. Quando foi fazer a primeira comunhão, não sabia nem como confessar, uma vez que nunca tivera aulas de catecismo. Como já era tempo, Tom precisava ingressar na escola, e conquistar um diploma. Foi então que prestou seu primeiro exame de admissão na escola normal. Como resulta-

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do da boa educação recebida em casa, conseguiu alcançar a nota oitenta e três, passando como primeiro colocado. Seu sotaque, no entanto, era bem diferente do habitual. Falava como carioca, mas não exatamente igual. Isso dificultava o entendimento de todos, principalmente de seus professores. Mas em ditados e em leituras de textos, o menino é quem se confundia. Al-guns mestres, confirmando a pronúncia local, trocavam o som da letra l pelo r. Diziam “porvilho”, em vez de polvilho; “vorta”, no lugar de volta, e assim por diante. E aí, como escrever? Com l ou com r ? Tom ficava em dúvida.

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A rotina das famílias que moravam em Guaratinguetá era bastante parecida. Todo domingo, a missa celebrada na igreja de Nossa Senhora das Graças, às oito da manhã, era um ponto de encontro. Nessas ocasiões, Thereza e Tom se viam e se cumprimentavam. Ela ficava animada em ir à missa porque, depois, podia passear na praça com os pais, que lhe compravam livros e sorvetes.

E aquele costume não mudava com o passar dos tempos. Thereza, mesmo depois de moça, não tinha o hábito de escrever em diários nem sonhava em ter filhos. Mas era vaidosa. Gostava de se arrumar, de tomar sol, de se bronzear. E queria usar justamente as roupas que a mãe não gostava. Vestidos cavados e sem manga, modernos para época, eram os seus preferidos. Nessa época, acompanhava as novenas com Maria Angélica, para, depois da reza, continuar a dar suas voltas pela praça.

Certa vez, ela resolveu vestir um bolero branco, de manga japonesa curta, para ir à novena de Santa Teresinha, na matriz de Santo Antônio. Dentro da igreja, o padre, rígido e conservador, caminhava pelos corredores, com um terço na mão, enquanto rezava alto, junto com os fiéis. Quando avistou Thereza, com um vestido que deixava seus braços de fora, exclamou alto:

— Quem estiver de manga curta ou sem manga, pode sair da igreja! Favor sair da igreja quem estiver de manga curta!

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Thereza insistiu em permanecer no lugar onde estava, até todas as senhoras vol-tarem o olhar para ela. Sem opção, saiu da igreja, e foi para a casa reclamar ao pai. O Dr. Camargo sempre ficava ao seu lado, concedendo seus desejos. E a filha, por sua vez, possuía todas as características dele: era firme nas decisões e nas vontades, qualidades que perduram até hoje. Assim como o pai, ficou revoltada com o comportamento do vigário. A mãe, no entanto, continuou na novena.

Anos depois, já na faculdade, ao estudar a Inquisição, Thereza percebeu o signi-ficado das acusações para a Igreja Católica, principalmente no período em que sequer as famílias ousavam defender seus parentes, aterrorizadas com fogueiras, castigos e persegui-ções. Analisando aquele cenário, lembrou-se do fato ocorrido com ela, na igreja de Santo Antônio, e narrou a ironia aos colegas. Ironia porque um de seus ascendentes, que foi vigário da mesma matriz, veio de Portugal justamente como representante da Santa Inqui-sição, no início do século 19. Era o Padre Manuel da Costa Moreira, que trouxe consigo dois “sobrinhos” – na realidade, seus filhos –, Madalena Thereza de Jesus e Francisco, sendo esse último o futuro padre fundador de Itajubá (MG).

Mas os passeios depois das cerimônias religiosas não eram a única diversão de Thereza. Outro lugar que ela adorava frequentar era o Cine Urânio – localizado na Praça Conselheiro Rodrigues Alves –, ao qual as pessoas costumavam ir elegantes, para assistir aos filmes, aparecer em público e conversar. As películas ainda eram novidade no interior. E Thereza, como as moças da época, aguardava ansiosa a permissão para acompanhar as sessões, sempre com os pais. Mas, para a revolta da filha, Angélica permitia apenas as sessões liberadas pela cotação da Igreja, o que fazia a moça recorrer e choramingar ao pai, até conseguir o que queria. Na hora da entrada, as luzes do cinema haviam de estar acesas, pois só assim as pessoas podiam ser reparadas. Era como ir a um evento social. Thereza, sempre vaidosa, adorava.

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Guaratinguetá, 1954. Na praça central, durante as tardes, os rapazes faziam char-me – uns encostados nas árvores, outros sentados nos bancos, outros volteando o lugar, mais conhecido como “Largo”. Enquanto os cavalheiros permaneciam parados, as moças caminhavam, para serem admiradas e para conquistar uma boa paquera. Tom era do gru-po da árvore. E, discretamente, era com quem a Thereza flertava. Mas os dois eram novos, tímidos, filhos de pais severos. Quase nunca se falavam.

Era junho. Mês de São João, uma amiga de Thereza, Marli Alves, daria uma festa junina para comemorar seu aniversário, e pediu para Thereza sugestões de convidados. Thereza, direta, como de praxe, sugeriu o nome de Tom.

Foi em clima de tradição, ao som de baiões, que no dia 16, do ameno mês de ju-nho, na primeira casa da Vila Alves, Thereza e Tom tiveram a conversa que deu início a uma longa história. A partir daí, as boas prosas foram ficando cada vez mais extensas, e a missa das oito da manhã passou a ser frequentada semanalmente pelo casal. Na época, não existia namoro. O fato de conversar e, em algumas raras vezes, dar as mãos, já signifi-cava certo compromisso. Para irem além, precisava haver um noivado.

A família de Thereza ficou enciumada, já que ela era a filha única do casal. Suas tias ficavam vigiando-a pelas janelas. Já a família de Tom fez muito gosto do relaciona-mento, pois sua mãe tinha grande apreço pela moça. Os convites para Thereza tomar café com bolo na casa do futuro marido eram frequentes. Ambos eram um bom partido.

Sete anos de diferença os separavam. Thereza estava, então, com dezoito anos, formando-se professora na escola normal. Tom já tinha vinte e cinco, e estava prestes a concluir o curso de Direito, no Rio de Janeiro.

Logo que começou a advogar em Aparecida e em Guaratinguetá, ele se decepcio-nou com a profissão. De bom coração, tentava ajudar seus clientes, e acabava perdendo dinheiro. Ajudava a quem precisava. Construía casas para aqueles que as haviam perdido, e não cobrava quando o cliente não tinha como pagar. Era um jovem advogado, de ilusões, preceitos e princípios. Até que infelizes episódios o fizeram pensar em tudo aquilo.

Uma das casas que ele havia ajudado a construir, com a intenção de proporcionar um lar a uma pobre senhora, foi dada a um agiota para acerto de contas. E um advogado,

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sem ter recebido por seu serviço, tomou um relógio do bolso de seu cliente para garantir o pagamento. Essas situações levaram Tom a refletir e a deixar a advocacia. Resultado: prestou concurso para delegado.

1956. Tom se torna delegado de polícia. O namoro com Thereza já durava dois anos, e ele, sonhador, aspirante a escritor, pensava em fugir para Paris. A ideia vinha dos livros estrangeiros, dos quais gostava desde pequeno e que lhe mostravam a cidade luz como a megalópole cultural do momento. Leitor assíduo dos livros e das histórias fran-cesas, Tom sempre cultivou uma idealização mágica da vida na capital da França. Com sua mente jovem e inquieta, queria viajar. Planejava ir para a Europa de navio, deixando tudo e todos para trás. Só que na pacata Guaratinguetá havia Thereza. Sua doce, pragmática, jovem, realista e decidida Thereza.

Com o apoio de sua mãe, carregando o título de delegado e certo de que esse seria o melhor caminho a seguir, Tom foi pedir Thereza em casamento, antes de ser transferido para delegar em Herculândia, no interior de São Paulo. Era quase certo que o Dr. Camargo iria consentir. De terno marinho e gravata vermelha, ele foi sozinho até o solar da rua Frei Galvão, onde a família da moça o esperava. Thereza havia avisado à mãe, que preparou a sala de visitas para esperar o futuro genro. Para a satisfação dos dois jovens, o pedido foi aceito.

Tom começou a delegar. Chamava a atenção por ser jovem e muito bem apessoa-do. Pelo aspecto físico e por ocupar um bom cargo, começou a ser assediado pelas moças de Herculândia. Um médico local chegou a ir até ele oferecer sua filha em casamento, prometendo-lhe uma casa. Obviamente, Tom não aceitou. Estava à espera de uma trans-ferência para o Vale do Paraíba, para poder se casar com Thereza. Resistindo às paqueras, e firme de sua decisão, fez o caminho de volta assim que conseguiu uma vaga em Piquete. Dois anos após o noivado, o casamento foi marcado.

A data foi agendada às pressas, por pura teimosia de Thereza. Não havia necessi-dade de ser tão próximo ao Natal. Mas Tom faz questão de lembrar:

— Ela era muito firme e muito pragmática.O convite e o buquê foram feitos em São Paulo. A noiva queria as letras em alto

relevo, e as flores mais bonitas. A cerimônia não poderia ser realizada à noite, por conta

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dos parentes que viriam da capital paulista. Entre os comes e bebes, dois grandes perus foram encomendados. Não faltaram os doces: gelatina recheada, doces de frutas, molda-dos em forma de coração, balas recheadas de coco e de licor feitas em Minas Gerais. Os parentes paulistanos foram embora mais do que satisfeitos.

No dia 20 de dezembro de 1958, às dezessete horas, Thereza entra na igreja ma-triz de Santo Antônio para se casar. Com os cabelos curtos e enrolados, um tradicional vestido de rendas brancas e segurando um grande buquê feito com lírios de São José, ela caminhou ao lado de seu pai, pelo corredor central. No altar, estava Tom, vestido em um terno cinza escuro, complementado por uma gravata prateada.

As bodas foram celebradas pelo Padre Oswaldo de Barros Bindão, que futura-mente viria a batizar todos os filhos do casal. E a festa foi realizada na própria casa dos Camargo, onde também haviam se casado os pais e os avós de Thereza.

Terminados os festejos, o casal partiu para Piquete, cidade próxima, onde iria fixar residência. Como a casa já estava pronta e mobiliada, e estava bem próximo da comemoração do Natal, a lua-de-mel foi adiada. Só em fevereiro de 1959 é que viajaram para Angra dos Reis.

Meses depois, Tom foi transferido para a delegacia de Cunha, também na região. O casal ficou com medo. Na época, a cidade não tinha uma boa fama: era conhecida pe-las brigas e pelas mortes que aconteciam frequentemente. E Tom iria exercer um cargo vulnerável às ameaças.

Certa vez, o delegado recém-chegado ganhou um presente estranho, como era de costume de boas-vindas: uma grande cabeça de porco recheada. Thereza, com medo, pe-diu para o marido enterrar aquilo no quintal, quando fosse madrugada, para ninguém ver.

A vida em Cunha era tranquila para Thereza, e agitada para Tom. Foi nesse período que ela teve tempo para conhecer a cultura local e para começar a se encantar pelos festejos populares, do Jongo à Festa do Divino. Mas também foi quando ele se deparou com difíceis situações para um delegado. A cidade era famosa por conta da violência, e Tom tinha de pensar muito bem para agir. Queria, acima de tudo, zelar pela segurança da família segura.

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28 de janeiro de 1960. Nasce Regina, a primeira filha. Thereza já havia engra-vidado quando morava em Piquete, mas sofreu um aborto, no segundo mês de gestação. Desta vez, finalmente, conseguiu dar à luz.

O choro da menina era tão intenso que Thereza tinha de passar as noites em claro com a filha, que só dormia ao amanhecer. Mãe de primeira viagem, achava um problema as épocas de chuva e de frio, tudo porque as fraldas precisavam ser colocadas em varais na cozinha, próximo ao fogão a lenha, para secar.

Em Cunha, curiosos casos sempre aconteciam. Crianças recém-nascidas morriam de tétano, porque o médico era chamado na última hora. Como o óbito ocorria sempre uma semana depois, a doença era conhecida como “mal de sete dias”. O problema, na verdade, é que os partos eram realizados em casa, com parteiras sem noções de higiene. A Santa Casa era o último recurso. Corria a notícia de que lá, às parturientes e aos doentes, era dado o “chá da meia noite”, uma espécie de veneno. Assim, poucos amanheciam vivos.

Thereza consultava, em Guaratinguetá, o Dr. Rubens Nepomuceno, famoso mé-dico pediatra. Depois, repassava as informações para as mães que viviam em Cunha e que não podiam ir à outra cidade. Quase sempre, as receitas eram de antibióticos, como Tetrex e Quimicetina, muito em uso na época. Às vezes, ela receitava remédios homeopáticos, encontrados nos livros que haviam sido da avó. Também contava com a ajuda do livro A vida do Bebê, do Dr. Rinaldo De Lamare, que, em 1958, já estava na décima quinta edição. Era um grande apoio para Thereza, que nunca lidara com crianças.

Em certo momento, ela chegou a pensar que havia herdado o gosto pelas receitas de um de seus ancestrais, o boticário João Gonçalves dos Santos Camargo, que se estabe-lecera como farmacêutico em Cunha, após ter deixado Campinas, no início do século 19.

Tom trabalhava enquanto a mulher tomava conta da casa. Isso durou até 1961, quando um triste episódio aconteceu. Aliás, a gota d’água para o delegado. Um preso ateou fogo na cadeia. Os moradores queriam deixar o culpado morrer queimado. Tom foi contra. Não permitiu que isso ocorresse, e ainda foi a Guaratinguetá pedir socorro à Aeronáutica, uma vez que não havia telefone em Cunha nem bombeiros na região. Mas não foi possível salvar o antigo sobrado da câmara municipal nem a cadeia.

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Depois de três anos morando em Cunha, Thereza, junto do marido, voltou para o solar dos Camargo, onde continuaria cuidando de Regina e onde também daria à luz sua próxima filha. Ela queria tanto ser mãe novamente que fez uma promessa para a Santo Antônio, pedindo uma gestação tranquila, sem risco de aborto. Em 5 de fevereiro de 1962, nasceu Maria Antônia. Parto difícil, feito a fórceps. O apoio maior veio das pílulas de Frei Galvão, tomadas no final da gravidez.

A moça que, antes, não sonhava em ter filhos, agora tinha duas meninas.

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O sobrado da rua Coronel Virgílio, em Guaratinguetá, foi habitado pela família de Tom Maia

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No baile de formatura da escola normal, Thereza não deixou de usar um vestido de mangas cavadas; Guaratinguetá, 1950

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A jovem Thereza era vaidosa e

gostava de acompanhar as

sessões do Cine Urânio

Antes de se casar com Thereza, Tom trabalhou no interior paulista; jovem e bonito, chamava a atenção em Herculândia

O solar dos Camargo foi desenhado por Tom Maia

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A catedral de Santo Antônio, onde Tom se casou com Thereza, também foi registrada em seus traços

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Entre lembranças e risos

Antes de se casar com Thereza, Tom trabalhou no interior paulista; jovem e bonito, chamava a atenção em Herculândia

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Na viagem que fez a Sergipe, em 1977, para desenhar aspectos do Estado, Tom foi acompanhado de Thereza e dos filhos

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— A Thereza não gosta, mas eu conto muita bobagem. E eu gosto é de contar bobagem mesmo — revela Tom Maia, ao se lembrar da vez em que visitou o alto do Rio Negro, em 2002, e foi à noite co-nhecer uma aldeia de índios da Amazônia, localizada próxima ao Hotel Ariau. Lá, dançou com várias índias, e só foi reparar que elas estavam nuas ao ver a foto, tirada com flash. Das lembranças que ainda tem, Tom cultiva especial predileção pela época em que era esportista. Sempre jogou tênis como hobby, mas teve de parar os exercícios depois que sofreu com ancilostomose, em 2009. Doença chamada de “amarelão”, é bastante conhecida no Vale do Paraíba, e ganhou desataque no Brasil após ter sido descrita por Monteiro Lobato, no livro Urupês. Era o mal que assolava seu Jeca Tatu. Tom passou cerca de um ano doente. Ficava cada vez mais debilitado por conta da anemia, e os médicos não conseguiam curá-lo, por conta da dificuldade para fazer o diagnóstico. Com a ajuda das rezas das filhas e da esposa, o “amarelão” foi

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descoberto, por meio de uma endoscopia do estômago, e foi tratado com um remédio chamado Zentel, um simples vermífugo. Mas a paixão pelo tênis ainda persiste: durante as tardes, a televisão da sala fica ligada nos jogos transmitidos pelos canais pagos. Aos oitenta e quatro anos, ele parece cultivar o mesmo espírito maroto que mar-cou sua infância e sua juventude, tempos que ele traz à tona, volta e meia, ao se lembrar de que, mesmo ocupando um cargo importante, costumava fazer caricaturas dos que estavam presentes para se distrair durante as audiências. Pouco antes de se casar com Thereza, Tom ainda se arriscou em outra carreira: a de professor. Foi dar aula na Escola de Comércio de Guaratinguerá, que funcionava na Faculdade Nogueira da Gama. Lecionando para uma turma de rapazes, não pegou gosto pela função, devido ao mau comportamento dos alunos, que, mesmo naquela época, não paravam dentro da sala. Por isso, deu preferência à advocacia. Em 1962, ele se tornou promotor público, aprovado em concurso. A mudança de Cunha para Guaratinguetá possibilitou que começasse a carreira cobrindo substituições, onde fosse requisitado, enquanto Thereza permanecia na casa dos pais, com as filhas pe-quenas. No ano seguinte, Tom conseguiu uma vaga fixa em Cachoeira Paulista, e se mu-dou para lá com a família. Foram morar em uma casa que ficava no alto da ladeira da igreja de Santo Antônio, a qual só era aberta em tempos de festa. Na casa onde residiam, havia uma placa, onde se podia ler: Vila Santa Teresinha. Sua extensão ia de uma rua até outra, e a vizinhança também era rodeada por outras dessas vilas. A casa do promotor sempre foi muito movimentada. O povo da cidade costu-mava bater em sua porta para pedir que resolvesse problemas rotineiros ou que prestasse algum tipo de ajuda. Sua generosidade o fez, por muitas vezes, ceder muito mais que a sua atenção, quando, por exemplo, passou anos doando leite a uma senhora, que dependia disso para alimentar seus filhos.

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Por essa época, Thereza voltou a ter abortos. Engravidava, mas não chegava a completar três meses de gestação. Passou por isso cinco vezes, sofrendo com fortes he-morragias. Até que conheceu o Dr. Darwin Aymoré do Prado, médico que residia em Cachoeira. Seu diferencial: era espírita e “gênio”, no dizer de Tom. — Ele era o melhor médico de lá — afirma Thereza. O médico descobriu que o aborto, nas primeiras semanas de gravidez, era provo-cado por má circulação. As veias de Thereza eram estreitas, e isso impossibilitava que a placenta se firmasse para o desenvolvimento do bebê. O médico, então, receitou um re-médio para circulação, o que solucionou seu problema e lhe permitiu ter mais dois filhos. Maria Angélica, a terceira filha, nasceu em 9 de dezembro 1965. Apelidada de Marie, é a mais calma e a mais meiga. Passou a ser chamada de “toquinho” pelo pai, por também ser a mais nova entre as mulheres. Três filhas, porém, ainda não era o suficiente. Como todo homem, Tom queria um filho. E o Dr. Camargo, um neto. — Estava entrando no mercado a pílula anticoncepcional, só que eles ainda eram muito machistas. E essa coisa do machismo os fazia querer um herdeiro homem — recor-da-se Thereza. Então, em 24 de fevereiro 1970, foi a vez de Thereza dar à luz João Carlos, o caçula da família. Dizem que seu gênio é muito parecido com o da mãe, enquanto as três meninas puxaram ao pai. Sobre o nascimento do filho, Tom não hesita em esbravejar: — Eu caprichei! Regina, Maria Antônia e Maria Angélica nasceram na maternidade do Hospital Frei Galvão, em Guaratinguetá. Como era o costume da época, durante a primeira semana de vida das filhas, a mãe só as via na hora de amamenta-las. — E eu dou graças a Deus, pois só assim podia descansar — confessa Thereza, que conseguia dormir todas as noites, sem precisar fazer esforços com a criança recém-nascida. João Carlos, no entanto, só passou a primeira noite longe da mãe. Precisou ficar na incubadora até o pediatra chegar para lhe dar alta. Mas depois que foi liberado, não

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saiu mais dos braços de Thereza. Tom acredita que, por causa da distância da mãe, nos primeiros dias de vida, as filhas tenham se apegado mais a ele, enquanto o filho, por ter sido cuidado por Thereza desde o começo, tenha puxado mais a ela. O fato de o menino ter sido o único a nascer na Santa Casa de Guaratinguetá também fez surgir na família o mito de que somente as mulheres nasciam na maternidade do Frei Galvão, enquanto os homens nasciam na maternidade da Santa Casa. Mas é tudo folclore. Naquela época, não havia recursos de ultrassonografia que permitissem desco-brir o sexo do bebê. Tom gostava de desempenhar o papel de pai, e muitas vezes tomava conta da situação: — A Thereza não sabe ninar criança. A criança abria a boca pra chorar, eu a pe-gava e ela parava na hora. E ela pegava as crianças do lado errado — reclama. Esse zelo teve início, na verdade, quando Regina nasceu. Tom foi dar banho na menina, e escutou um elogio da mulher: — Nossa, como você é jeitoso! Caiu na conversa, e acabou ganhando a vez de dar banho em todos os outros filhos. Thereza também se lembra que o marido costumava distrair as crianças durante as noites, narrando contos e causos.

* * * Em Cachoeira Paulista, a família fixou moradia por cerca de nove anos. Voltaram para Guaratinguetá em 1972, assim que Regina atingiu a idade para ingressar no Colégio do Carmo. Tom continuou trabalhando em Cachoeira, mas fazia, todos os dias, o percur-so entre uma cidade e a outra. — Os períodos mais felizes, para mim, foram aqueles em que morei fora de Gua-rá: em Piquete, em Cunha e em Cachoeira — confessa Tom. Mas, como as crianças precisavam de uma boa escola, o retorno a Guaratinguetá era inevitável.

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A rotina da família permaneceu assim até 1978, quando Tom recebeu uma ligação do presidente da estatal Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), Said Farah. Assim que atendeu ao telefone, escutou: — Quero que você desenhe o Brasil para mim. Tom Maia sempre teve aptidão para o desenho. Por essa época, seus trabalhos feitos com bico de pena já haviam ganhado fama, por conta dos cinco livros lançados pela Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP), nos quais retratou a realidade das construções históricas do Vale do Paraíba, de Paraty e de Santos. Com o susto provocado pelo telefonema repentino, Tom hesitou, alegando que era promotor público e que não poderia deixar seu posto. Mas, assim que se inteirou da proposta, largou a promotoria pública rapidamente. Ele iria ganhar o mesmo salário, só que para viajar pelo Brasil, desenhando cidades históricas. Em menos de três meses, já havia acertado tudo para dar início à nova jor-nada. A primeira viagem foi para Minas Gerais, mais precisamente para São João del Rei e para Tiradentes. A família, claro, o acompanhou. Nessa turnê, Tom teve a possibilidade de desenhar o sobrado de Tancredo Neves, que mais tarde seria eleito governador de Minas e presidente do Brasil, embora tenha falecido antes de assumir este último cargo. A história começou quando, em São João del Rei, o casal estava procurando um bom imóvel para Tom desenhar seu interior. Pediram, então, informações a um farmacêu-tico, que logo indicou: — Vão ao sobrado do meu irmão Tancredo, que possui uma bela mobília na sala de visitas. Por coincidência, o farmacêutico era irmão de Tancredo Neves. Thereza deixou as crianças em uma praça, localizada em frente ao casarão, e foi até lá. Junto do marido, tocou a campainha. Foram recebidos com gentileza. Enquanto Tom fazia seu trabalho, Thereza permaneceu conversando o político, que mandou um empregado servir guaraná para ela e para seus filhos, que os aguardavam do lado de fora. — Ele foi muito simpático e receptivo — recorda Thereza.

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Durante a conversa, Thereza também descobriu que Tancredo era devoto de São Francisco de Assis, e que possuía uma coleção de imagens antigas do santo. Ele pertencia à Ordem Terceira, e não deixava de acompanhar as procissões realizadas na cidade. Sempre que Tom acabava de desenhar uma região, retornava à casa, juntava todos os originais dos desenhos e ia de ônibus, com Thereza, até o Rio de Janeiro, para entregar o material. Logo no primeiro ano em que começaram a fazer esse trabalho, conseguiram o lançar o livro São João del Rei e Tiradentes, com nanquins de Tom e pequenos textos de Thereza. Pelos caminhos, a família Maia vivia aventuras, mas também passava por dificul-dades. Foram muitas as experiências, as amizades feitas e as cidades desbravadas. — Para chegar até Alcântara, no Maranhão, ou íamos de avião, ou íamos de velei-ro. Fomos de avião, e o João foi conosco. Foi lindo! — afirma Tom. — Ao descermos do avião, que era um daqueles teco-tecos, um caminhão foi pegar a gente. Não tinha nada na cidade, nem luz. O gerador havia estourado — comple-menta Thereza. Em Alcântara, cidade onde as crianças brincavam ao som das cantigas de roda, não era possível trabalhar no período da tarde. O calor era muito forte. No café da manhã, não havia nada para comer que lembrasse os costumes do Vale do Paraíba. Só comidas típicas, como o camarão frito. O pão vinha de São Luís, mas só quando as condições do mar eram favoráveis. E como também por lá não tinha moeda por conta dos poucos ha-bitantes e da falta de comércio e de progresso, Thereza tinha de conseguir o que queria a base do escambo: — O João Carlos não comia nada. Então, trocávamos seus shortinhos e camisetas por pencas de bananas — conta. Nessa empreitada, o casal viajava de ônibus, de avião ou no antigo carro da marca Ford, Rural Willys, de cor verde e branca, que pertencia a Tom e que está até hoje com a família. O automóvel foi adquirido em 1970, ano de sua fabricação e também do nasci-mento de João Carlos. Por isso, foi prometido ao caçula, que receberia o presente quando completasse dezoito anos.

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A promessa foi cumprida. Ajudado pelo filho, Tom ainda reformou o carro, que até hoje chama a atenção, por onde passa.

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1979 foi um ano produtivo. O casal conseguiu lançar mais cinco livros, em parceria com outros cinco escritores: Tijuco e Diamantina, com Ayres da Matta Macha-do Filho; Vila Boa de Goiás, com Bernardo Ellis; Sergipe del Rei, com José Anderson do Nascimento; Serro do Frio: vila do Príncipe, com Miguel Lins, e Grão Pará, com Leandro Tocantins. Mesmo após encerrar o trabalho para a Embratur, em 1979, Thereza e Tom con-tinuaram explorando o Brasil, e já se sentiam em casa quando chegavam ao Maranhão. O casal tinha a sorte de poder contar com os pais de Thereza, que olhavam os netos durante as longas viagens. As crianças ficavam alegres com a volta dos pais. Talvez nem tanto pela saudade, mas pela ansiedade de ganhar um presente. Maria Antônia conta que, durante essas via-gens, o dia a dia na casa dos avós era normal. Todos estavam bem acostumados. — A gente nem ligava muito. Ficávamos com o vovô e com a vovó, e a casa sem-pre foi assim, movimentada — lembra. Thereza era a responsável por separar o material utilizado por Tom na hora de de-senhar. Se deixasse por conta dele, certamente ele iria esquecer os itens principais, como aconteceu em algumas ocasiões. A memória de Tom era mesmo atrapalhada. — Ele esquecia tudo — diz Thereza, num tom de exclamação. Houve uma vez em que os dois foram de ônibus ao Rio de Janeiro, para lá embar-car num avião. Passando por um viaduto, na entrada de Cachoeira Paulista, cidade onde o ônibus, obrigatoriamente, teria de parar, avistaram João Carlos, com um paletó na mão, à espera dos pais. No bolso do paletó, estavam as passagens de avião que Tom esqueceu em casa. Se não fosse o filho, teriam perdido a viagem.

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A dedicação pelo trabalho fez com que nunca fossem intimidados pelas dificulda-des. Quando foram desenhar a Bahia, souberam que ninguém visitava o Pelourinho após as quatorze horas. — Era suicídio — diz Tom. Na época, o Pelourinho era considerado muito perigoso e mal frequentado. Mas Tom precisava cumprir sua tarefa. Foi até lá com Thereza, acomodou-se na sombra, atrás de uma caçamba de lixo, e começou a desenhar. O cheiro era horrível. Depois, ainda tive-ram de ir até uma casa de prostituição, e alugar um quarto, para que Tom conseguisse o melhor ângulo para seus desenhos. Por sorte, não tiveram nenhum problema.

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Em visita à Amazônia, em 2002, Tom conheceu uma aldeia indígena, no alto do Rio Negro

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O sobrado de Tancredo Neves, desenhado por Tom, em 1977, entrou para o livro São João del Rei e Tiradentes

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“Simpático e receptivo”: é assim que Thereza descreve Tancredo Neves

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O carro Rural Willys, da marca Ford, foi passado de pai para filho

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O livro Sergipe del Rei foi lançado em Aracaju, em 1979

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As histórias por trás dos livros

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Paraty foi cenário de muitas histórias vividas por Thereza, Tom e seus quatro filhos

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Um ano de grandes mudanças na vida de Thereza e Tom Maia foi 1972. Mudanças que iriam trazer bons ares e novos amigos.

Thereza acabara de regressar a Guaratinguetá, para colocar os filhos na escola. Apoiada pelo marido, decidiu voltar a estudar. Em 1952, ela havia integrado a primeira turma de Pedagogia das Faculdades Integradas Teresa D’Ávila (Fatea), em Lorena, mas deixou o curso no último ano, sem concluí-lo, porque se desencantou com a disciplina de metodologia. Passadas duas décadas, o momento, agora, era propício para o reencontro com o ensino superior.

Foi assim que, com trinta e sete anos, quatro filhos e nenhuma grande intenção, ela decidiu cursar Estudos Sociais, nome dado, no período de repressão ditatorial, ao antigo curso de História. E, nada mais justo, voltou à Fatea. Para facilitar seu ingresso na faculdade, pôde fazer uma complementação de currículo, aproveitando muito do que ha-via cumprido na passagem anterior pela instituição. Assim, conseguiu não apenas retomar os estudos, como também pôde concluir os dois cursos.

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Tom, muito companheiro, era quem levava a mulher todas as noites para a facul-dade, enquanto os filhos ficavam com os sogros. À época, Lorena era famosa por abrigar um grande núcleo intelectual da região. Ali, grandes ideias e velhos pensamentos eram transformados. Dentre seus professores, constavam os nomes de Maria de Lourdes Bor-ges Ribeiro – folclorista nacionalmente reconhecida – e Francisco Sodero Toledo, que viriam a ser grandes colaboradores do casal, em momentos posteriores.

Naquele ano, foi realizada a primeira edição do Simpósio de História do Vale do Paraíba, no qual estudiosos da área se reuniram para discutir assuntos de interesses regionais e para promover uma maior valorização dos patrimônios. Foi quando o amigo de Thereza e pesquisador aparecidense, José Luiz Pasin, com apenas vinte e cinco anos, teve a grande ideia de criar um instituto de intelectuais, que assumisse o compromisso de preservar a história do Vale do Paraíba e seu meio ambiente.

Thereza e Tom logo aderiram a esse movimento. Assim, em 1973, na sede do Mu-seu Frei Galvão, em Guaratinguetá, foi fundado o Instituto de Estudos Valeparaibanos, identificado pela sigla IEV. Assinada por Pasin, a ata de fundação registra o seguinte:

Aos trinta dias do mês de junho do ano de hum mil novecentos e setenta e três, na sede do Museu “Frei Galvão”, à Praça Conselheiro Rodrigues Alves, número quarenta e oito, às vinte horas, reuniram-se professores, his-toriadores, pesquisadores e sociólogos, com a finalidade de fundarem o Insti-tuto de Estudos Valeparaibanos, entidade cultural, em nível superior, sem finalidade de lucro, com sede e foro judiciário nesta cidade de Guaratinguetá, Estado de São Paulo.

Iniciando a reunião, o professor José Luiz Pasin expôs as finalidades principais do Instituto de Estudos Valeparaibanos, destinado a centralizar os estudos e pesquisas sobre a região valeparaibana, congregar os estudio-sos e pesquisadores, manter uma biblioteca, arquivo, filmoteca, hemeroteca e mapoteca e promover simpósios, congressos, seminários, cursos, pesquisas e outras promoções relacionadas com o Vale do Paraíba.

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Em seguida foram lidos e aprovados os Estatutos do Instituto de Es-tudos Valeparaibanos, sendo eleita por aclamação a primeira diretoria e Conselho Administrativo para o triênio 1973-1976, assim constituídos: Diretor: Professor José Luiz Pasin; Vice-Diretor: Professor Francisco So-dero Toledo; Secretário: Professora Thereza Regina de Camargo Maia; Te-soureiro: Professora Catarina Aparecida Vieira Vilela. Conselho Admi-nistrativo: Professora Maria de Lourdes Borges Ribeiro, Doutor José Carlos Ferreira Maia, Professora Mariza de Souza Menezes, Professor Benedito Carlos Marcondes Coelho, Professora Terezinha Paiva de Faria, Doutor F. A. Lacaz Netto, Professora Wania Aparecida Nogueira, Professor Paulo Pereira dos Reis e Doutor Francisco de Assis Barbosa.

Deliberou-se, a seguir, que a sede oficial do Instituto de Estudos Valepa-raibanos será no edifício do Centro Social de Guaratinguetá, praça Conse-lheiro Rodrigues Alves, número quarenta e oito, segundo andar.

A instalação oficial do Instituto de Estudos Valeparaibanos será reali-zada no próximo mês de outubro, em data a ser marcada. Como primeira realização oficial, o Instituto de Estudos Valeparaibanos promoverá em Guaratinguetá, em julho de hum mil novecentos e setenta e quatro, o II Sim-pósio de História do Vale do Paraíba, relacionado com o tema “O Desbra-vamento e o Povoamento do Vale do Paraíba – Séculos XVII e XVIII”.

Nada mais havendo a tratar, foi encerrada a reunião de fundação do Instituto de Estudos Valeparaibanos, da qual, para constar, foi lavrada a presente Ata de Fundação, a qual, vai pelos presentes assinada: José Luiz Pasin, Maria de Lourdes Borges Ribeiro, Thereza Regina de Camargo Maia, Catarina A. Vieira Vilela, Francisco Sodero Toledo, José Carlos Ferreira Maia, Terezinha Paiva de Faria, Mariza de Souza Menezes, Wa-nia Aparecida Nogueira, Benedito Carlos Marcondes Coelho, Francisco de Assis Barbosa, Paulo Pereira dos Reis.

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O IEV representa, de fato, um marco na história do Vale do Paraíba. Seu cres-cimento e a adesão de novos pesquisadores fazem com que se mantenha em constante atividade, estando próximo de completar quarenta anos. — O ponto forte hoje do Instituto são os simpósios que antes aconteciam de dois em dois anos, mas que agora são promovidos anualmente — explica Nelson Pesciotta, atual presidente do IEV, que também reforça o fato de o Instituto ter antecedido muitas das ONGs ambientalistas espalhadas pelo mundo; afinal, já em 1973, o meio ambiente era pauta de extrema importância nas discussões promovidas por aquele grupo. Thereza, assim como o marido, exerceu diversas funções dentro do Instituto. Muitas das principais atas, aliás, foram elaboradas por ela, como a do dia 29 de outubro de 1977, na qual escreveu sobre a importância da conscientização e da valorização dos bens culturais da região, por meio de Cartas de Defesa:

Ata comemorativa do aniversário de fundação do Instituto de Estudos Valeparaibanos. Aos vinte e nove dias do mês de outubro de hum mil e novecentos e setenta e sete, no Salão Nobre do Museu “Frei Galvão” de Guaratinguetá, realizou-se sessão solene de quarto aniversário de fundação do Instituto de Estudo Valeparaibanos e posse de seus novos membros efeti-vos e associados. A sessão teve início às dezenove horas, aberta pelo Presidente do Insti-tuto de Estudos Valeparaibanos, que falou sobre o significado da Carta de Defesa do Patrimônio Cultural do Vale do Paraíba e Paraty, e da respon-sabilidade de cada membro do Instituto no Ano de Defesa do Patrimônio Cultural de ambos, no ano de 1978, onde a ação de todos deveria ser mais intensa e significativa, dentro do plano de valorização de nossa terra, nossa gente.

Em 11 de novembro de 1978, em outra reunião, Thereza, ainda como secretária,

deixou o seguinte registro:

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A profª. Thereza Regina de Camargo Maia propôs que a meta da pró-xima diretoria deve ser a oficialização do Instituto junto aos órgãos estaduais e federais, afim de que possa atingir inteiramente seus objetivos. Assim foi encerrada a última sessão ordinária da primeira diretoria do Instituto de Estudos Valeparaibanos, da qual eu, Thereza Regina de Camargo Maia, secretária, lavrei a presente ata. Guaratinguetá, em onze de novembro de 1978.

O trabalho que Thereza e Tom desenvolveram junto ao IEV é visto, pelos novos pesquisadores, como incentivo, um exemplo de como é possível fazer a diferença quando há propósito e paixão por determinada causa. — A gente nunca pode esquecer o trabalho que esses primeiros historiadores tive-ram para organizar e formar a nossa historia. Tom foi o primeiro responsável pela defesa do patrimônio como representante IEV — diz Diego Amaro, de vinte e cinco anos, o membro mais novo do Instituto.

* * *

Na Fatea, em 1972, Lourdes Borges, responsável pela cátedra de Folclore, solici-tou aos alunos um trabalho sobre irmandades de negros. Como seus colegas já haviam escolhido a maioria das irmandades espalhadas pelo Vale do Paraíba, Thereza optou pelos grupos da pacata Paraty, no litoral fluminense. Foi seu ponto de partida para os estudos regionais. Como foco, ela elegeu as irmandades de São Benedito e de Nossa Senhora do Rosário. Para entender as manifestações daquele povo, foi preciso passar dias fazendo entrevistas e pesquisas de campo, tipo de trabalho que os antropólogos chamam de etno-grafia. Lá, escutou histórias, conheceu personalidades e desbravou uma nova cultura.

Quando o texto ficou pronto, Thereza sentiu a necessidade de imagens para ilus-trá-lo, para dar vida à sua pesquisa. Fotografar estava fora de questão, pois era um material

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caro, e demandava de muito trabalho para ficar pronto. Como gostava de desenhar, Tom decidiu oferecer ajuda: pegou um bico de pena e começou a traçar as ruas, as construções, os personagens e tudo o mais que fazia parte daquele cenário. Foi aí, também, que veio a descoberta de seu verdadeiro talento.

O trabalho foi entregue. Ao recebê-lo, a professora folheou por inteiro. E sua primeira manifestação foi:

— Nossa! Mas quem fez esses desenhos?Surpresa com a qualidade do material, ela sugeriu que o inscrevessem no “Prêmio

Silvio Romero” de 1973, da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro do Ministério da Educação e Cultura. Foi uma boa aposta. Além de conquistar o primeiro lugar naquele evento, o trabalho deu origem ao livro Paraty: religião e folclore, publicado no ano seguinte, em 1974.

O livro fez alarde. Conscientizou muitas pessoas sobre a cultura local, mostrando quão ricas eram as tradições daquele povo. Revelou que a região, marcada como sede do porto mais importante para a exportação do ouro no Brasil, abrigou famílias, escravos e índios no período colonial, desenvolvendo hábitos e costumes incomuns a outros perío-dos e a outros lugares.

Uma das descobertas mais curiosas feitas por Thereza foi a de que há, em Paraty, quatro igrejas: a dos brancos, a dos mulatos, a dos negros e a da elite. Todas elas resistiram ao tempo e às mudanças ocorridas nos últimos séculos.

Pelos feitos de Thereza e de Tom, o perfil da região começou a ser identificado e traçado. Com isso, eles também passaram a criar raízes por aqueles lados, e a conquistar novos amigos, como o historiador Diuner Mello.

Diuner, que em 2011 ocupa o cargo de Secretário de Cultura de Paraty e coordena os principais núcleos culturais da cidade, foi parceiro do casal na fundação do Instituto Artístico e Histórico de Paraty (IAHP). Ele é um dos que reconhecem a importância do casal para a cidade:

— A fundação do IHAP, acredito que foi o maior trabalho, uma vez que a insti-tuição vários desenvolveu trabalhos na preservação da cultura, sobre costumes, dança e

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história. O Instituto passou a ser o depositário de publicações e ações de preservação da memória local.

O IHAP foi criado em 1976, baseado no IEV e adaptado a Paraty. Os trabalhos para sua fundação foram realizados, efetivamente, por Thereza e Tom Maia, juntamente com os paratienses Diuner Mello e Annazitha de Alvarenga Corrêa. Ao nascer, o Insti-tuto passou a ser um depositário de documentos, atuando em favor da preservação da memória local.

— Os trabalhos de Thereza preservaram a história e o folclore, enquanto os de Tom registraram a iconografia arquitetônica de Paraty. Ambos são de vital importância para estudos atuais e futuros — defende Mello.

Mas a história da família Maia, em Paraty, teve início algum tempo antes. Em 1970, Maria Antônia tinha fortes crises de bronquite. Seguindo os conselhos do Dr. Rubens Nepomuceno, pediatra, a menina deveria passar uma boa temporada na praia, respirando ar puro, descalça, sem fugir da chuva. Foi aí que Tom comprou uma casa em Paraty, na rua Dona Geralda, no centro da cidade, por onde passam procissões e festas populares. Para adquiri-la, teve de vender um carro.

Naquela época, as idas até a cidade passaram a ser frequentes. A família toda viaja-va no Rural Willys, o automóvel que, assim que comprado, fora prometido ao caçula João Carlos. E com todas as realizações que a cidade permitia, o casal foi fazendo cada vez mais parte daquela terra.

Certa vez, tempos após o lançamento de Paraty: religião e folclore, Thereza viajou até lá para participar da tradicional Festa do Divino. Quando chegou à igreja, disseram-lhe que não havia papel vermelho para fazer as flores e enfeitar o altar. Então, ela logo sugeriu que as fizessem com plástico. Mas ouviu uma resposta não muito amigável:

— Imagina! No livro diz que é com papel!Mal sabiam que era ela quem havia escrito o livro. — As novas gerações não os conhecem e não sabem do importante papel que

Thereza e Tom desempenharam na preservação de Paraty. Mas Paraty é assim, meio ico-noclasta. Não cultua ídolos, e isso não acontece somente com eles. A cidade não exibe em

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seus logradouros públicos nenhuma estátua ou busto de personalidade local ou nacional — argumenta Diuner Mello.

* * * O ano era 1974. A segunda edição do Simpósio de História do Vale do Paraíba propunha, como tema para discussão, a decadência das antigas fazendas que cultivavam o café, as quais, por muito tempo, seguraram a economia do Brasil, resgatando o povo da crise da mineração e proporcionando prosperidade para o Vale. Thereza e Tom participaram do Simpósio, cujas atividades incorporavam uma ex-cursão a tradicionais fazendas, que, abandonadas, estavam sendo destruídas pelo próprio tempo. Foi quando Tom, literalmente, entrou para a história. Em meio àquelas discussões, e por conta do passeio, despertou nele o interesse em preservar um patrimônio merecedor de valorização. Decidido a fazer o seu papel da maneira que lhe cabia, disse a Thereza que gostaria de desenhar as velhas construções. Assim, durante os finais de semana, o casal passou a preparar lanches e equipa-mentos, para ir de cidade em cidade, de fazenda em fazenda. Thereza, sempre compa-nheira e entusiasta, o acompanhava para fazer as pesquisas e as entrevistas, conhecendo as festas populares e a cultura local. Quando Tom juntou centenas de desenhos das fazendas, o amigo e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), Eduardo de Oliveira França, os recolheu para mandá-los a São Paulo, e tentar um apoio da Universidade para a publicação. Meses se passaram, e nada de Eduardo dar resposta ou mandar notícias. Interessado, o casal foi à capital atrás dos de-senhos, quando descobriu que o professor havia sido cassado, por repressão do regime militar, e as obras estavam todas na EDUSP, onde queriam lançar um livro usando-as como ilustração para os textos de Sérgio Buarque de Hollanda. Como o material não estava assinado, a própria editora não sabia quem era o autor daqueles documentos iconográficos.

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A empolgação foi imediata, e a proposta foi aceita. Reuniões foram marcadas para acertar os detalhes. Apenas sessenta, dos duzentos desenhos mandados por Tom, iriam entrar no novo livro. Porém, com a audácia de Thereza, cento e vinte fazendas acabaram ilustrando as páginas. E assim foi publicado, em 1975, o aclamado Vale do Paraíba: velhas fazendas, fruto da parceria entre Sérgio Buarque de Holanda e Tom Maia. No Vale, o primeiro lançamento do livro foi realizado na Fazenda Boa Vista, em Roseira, propriedade de José Luiz Pasin. Sérgio e Tom fizeram uma noite de autógrafos na antiga senzala daquele lugar, iluminado pela luz de velas. Os convidados puderam, ainda, saborear uma famosa canja temperada com hortelã. Os anfitriões não esperavam a quantidade de pessoas que prestigiaram o evento. Como a fazenda é distante de Guaratinguetá, acreditavam que seriam poucos os presen-tes. Perceberam que estavam enganados quando boa parte dos convidados começou a chegar, seguidos de Dom Pedro Henrique de Orléans e Bragança – membro da família real brasileira, residente em Vassouras (RJ) –, que também fez questão de festejar os auto-res, junto com seus familiares. Porém, para susto e espanto de todos, a lua cheia que embelezava o céu daquela noite, em meados de junho 1975, deu vez a uma forte chuva. — Deu um estrondo no céu, e bateu uma tempestade. Era impossível prever chu-va naquele tempo frio, mas deu um toró violento. Foi a nossa sorte! — lembra Tom. Sorte, sim. Como não calcularam a quantidade de gente, eles se preocuparam se a canja seria suficiente para todos. A chuva, foi até providencial. A tempestade passou, a lua reapareceu. Na porta da senzala, alguém gritou: — Houve um dilúvio no morro! Rapidamente, Sérgio Buarque de Hollanda revidou: — Paulo Florençano! Taubateano, historiador e grande amigo de Sérgio e de Tom, Paulo Camilher Floren-çano era um convidado bastante esperado. Foi ele quem gritou lá do portão. E foi quem ins-pirou Tom a desenhar com bico de pena, já que também era desenhista e ilustrador da antiga revista Paulistania, além de ter usado a mesma técnica para registrar vários cenários de Taubaté.

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A amizade de Thereza e de Tom com Sérgio Buarque de Holanda perdurou du-rante anos, até sua morte, em 1982. Residente em São Paulo, ele sempre ia ao Rio de Janeiro, para visitar o filho, um certo Francisco, de apelido Chico. Nessas ocasiões, parada obrigatória era Guaratinguetá. Sérgio não dirigia. Quem fazia as vezes de motorista era sua esposa, Maria Amélia. Em Guará, costumavam pousar no Kafé Hotel, no centro da cidade, bem próximo ao solar dos Camargo, onde jantavam e ficavam proseando durante horas. — Aqui em casa era ponto de descanso do Sérgio. Ele era de ótima prosa, porém só ele podia falar. Ele falava mais do que eu — assegura Tom. — E ele me pediu para comprar o whisky Queen Anne. Toda vez que chegava em casa, sentava-se à mesa da sala de jantar, para beber, de costas para as janelas e ao lado de sua esposa, que ia completando o copo dele com água mineral. Quando percebia isso, ele cuspia pela janela e voltava a colocar o whisky. Por essa época, Chico Buarque ainda estava no começo do sucesso de sua carreira, e sua firmação artística fazia Sérgio Buarque brincar, muitas vezes: — Eu sou pai do Chico. O nome do filho tornou-se uma identificação para ele, já que os mais jovens não conheciam sua obra. Numa das vezes em que o escritor estava em Guaratinguetá, funcionários do Kafé Hotel foram chamar Tom Maia para acudir o amigo, que tinha caído e cortado a cabeça. Tom correu para levá-lo até a Santa Casa. Quando chegou lá, viu que não havia médicos, somente um jovem residente. Sem poder optar, Tom alertou ao residente: — Cuidado com esse homem, porque ele é o pai do Chico Buarque. O atendimento foi tão bom que, tempos depois, Sérgio mandou uma carta de São Paulo, agradecendo pelo socorro. A parceria na produção de Vale do Paraíba: velhas fazendas rende frutos até hoje, em-bora não para os autores ou para seus descendentes. Ocorre que, das estâncias que ainda restam no Vale do Paraíba, aquelas que foram desenhadas pelas mãos de Tom e que constam naquele livro são as mais valorizadas. Chegam a valer em dobro, na hora da venda.

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Para além desse volume, a parceria com a EDUSP ainda rendeu o lançamento de mais quatro valiosas obras produzidas por Thereza e Tom Maia: Paraty (1975), Vale do Paraíba: velhas cidades (1977), Do Rio a Santos (1977) e Recife e Olinda (1978).

O acesso a esses livros, hoje, não é muito fácil. Todos esgotados, estão disponí-veis em algumas bibliotecas públicas e preservados em acervos particulares. Quando são comercializados, possuem um alto valor. Em agosto de 2011, o site de compras e leilões Mercado Livre disponibilizava um volume de Paraty, lançado em 1975, para quem se inte-ressasse. O preço: R$ 450,00.

* * *

Thereza e Tom conheceram até Juscelino Kubitschek, responsável pela constru-ção de Brasília e autor do ousado projeto “Cinquenta anos em cinco”. O encontro entre os três ocorreu em 1976. Naquela ocasião, o historiador e jornalista Francisco de Assis Barbosa – também membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) –, que tinha laços de amizade com o casal e com o político, iria celebrar seu segundo casamento. Então, convidou Tom e sua esposa para assistirem ao matrimônio, com o seguinte pedido: levar um exemplar do livro Vale do Paraíba: velhas fazendas para entregar pessoalmente a JK, que seria padrinho do casamento. A celebração aconteceu na Fazenda Engenho D’Água, em Guaratinguetá, terra natal do acadêmico. Tom foi acompanhado de Thereza, com o livro debaixo do braço, especialmente dedicado ao ex-presidente, que, na mesma hora em que recebeu o agrado, parou para apreciar o trabalho do desenhista. Como aquela fazenda está registrada no livro, a intenção de Francisco de Assis Barbosa, na qualidade de amigo íntimo do político, era a de entregar a JK uma recordação do local e da ocasião. Mesmo com o movimento da festa e com a dificuldade de manter longas conver-sas, Tom se recorda que Juscelino, ao ver os desenhos, chegou a fazer uma recomendação:

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— Você precisa fazer um livro sobre Diamantina. — Mas eu já fiz! — retrucou Tom. Mineiro nascido naquela cidade, Juscelino logo imaginou sua terra sendo registra-da pelos traços de Tom.

* * *

Thereza não tem dúvidas de que faz suas pesquisas muito mais por amor do que por qualquer outro motivo. E, ao longo dos anos, sempre procurou dar valor ao que real-mente precisava ser valorizado. Tom também tem uma certeza: escolheu desenhar com bico de pena por inspira-ção e por dom. E até hoje mostra o quão habilidoso é com sua técnica.

— Quanto mais eu desenho, melhor fica. Depois, eu fico bobo de ver o resultado. Acho que não fui eu que fiz — afirma ele, em tom irônico.

Muitas vezes, seus desenhos são feitos, na rua, com lápis. Só depois, em casa, é que ele faz o contorno e o acabamento. No estojo de couro caramelo que o acompanha, há itens dos mais variados: lápis-borracha, lapiseiras, borracha comum e canetas especiais para desenho. Quem aponta seus lápis é sempre a esposa.

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O 1º Simpósio de História do Vale do Paraíba foi realizado em Lorena, em 1972

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Auditório cheio, no simpósio que daria origem ao IEV

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A reunião que oficializou o IEV foi realizada no Museu Frei Galvão, em 30 de junho de 1973

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No segundo casamento de Francisco de Assis Barbosa, em 1976, Juscelino Kubitschek foi presenteado por Tom Maia, com um de seus livros

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A Fazenda Engenho D’Água, onde Francisco de Assis Barbosa se casou pela segunda vez, foi desenhada por Tom Maia

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Quando Vale do Paraíba: velhas fazendas foi lançado em São Paulo, Sérgio Buarque de Hollanda se reuniu, mais uma vez, com os amigos Tom e Thereza

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No Itaguará Country Club, em 1977, José Luiz Pasin discursou durante o lançamento do livro Vale do Paraíba: velhas cidades; Guaratinguetá, 1977

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Paraty, na “versão” de Tom Maia

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Mais produções, mais experiências

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Thereza e Tom passam muitas tardes ao lado das filhas Regina, Maria Angélica e Maria Antônia

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Numa tarde fria de setembro, sentados à grande mesa de madeira, no centro da sala de jantar, Thereza e Tom desfrutam da compa-nhia das filhas, que se lembram da juventude e das viagens ao lado da mãe historiadora e do pai desenhista. Soltam risadas, contam peripécias e se emocionam. Tudo acompanha-do de xícaras e xícaras de café. O sol reluz o claro cabelo de Maria Antônia – discreta, mas sempre atenta –, en-quanto o ambiente é tomado pela personalidade efusiva de Regina, que não mede elogios: — Crescer com esses dois foi muito bom! Aos poucos, vários momentos vão sendo lembrados e revelados. — Minha mãe nunca me deixava chegar tarde em casa. Eu podia fazer o que quisesse, qualquer curso, qualquer viagem. Mas tinha de estar em casa até às vinte e uma horas — conta Regina, na tentativa de explicar como Thereza era rígida com horários. Nas viagens em família, motivadas pelo trabalho do casal, enquanto Tom ficava sentado numa cadeira de praia, com seus papeis e seu bico de pena, os filhos passeavam

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pelas redondezas. Muitas vezes, Thereza dava um gravador na mão de uma das meninas, e as levava para ajudar no trabalho de campo. Thereza e Tom levaram os filhos para conhecer várias partes do Brasil. Proporcio-naram a eles, portanto, uma infância de muitas descobertas. Em 1982, a família viajava pela Bahia. Saíram todos de Rio das Contas para ir até Mucugê, localizada numa altitude de mil metros acima do nível do mar, com clima serrano. Cidade pacata, detém até cinquenta e dois por cento da área do Parque da Chapada Diamantina. Para chegar até lá, era previsto, em média, dois dias. No meio do caminho, Tom avistou uma fazenda. Não resistiu, e parou para desenhá-la. Atrasou a viagem, e fez com que ficassem no escuro, em meio a uma estrada de terra deserta, sem ninguém para dar informações ou para ajudar. O solo estava tão seco, que era possível o carro atolar na poeira. Não havia nem comida nem água para as crianças, que, de tanta sede, tiveram que tomar da garrafa reservada para completar o carburador do automóvel. Sem saber onde estava e qual caminho tomar, Tom decidiu seguir as estrelas. Pediu para João Carlos ir vigiando a que mais brilhava, enquanto calculava a sua direção. Com o conhecimento de Tom e com a concentração do filho, a família conseguiu chegar até o destino antes que o esperado. Em Mucugê, encontraram uma pequena sociedade cheia de costumes e de tradições, como o licor de jenipapo, a “jenipapança”, neologismo criado por Dias Gomes, nascido na região, e apresentado a todo o país na novela “O Bem Amado”. Na dramaturgia ou na vida real, a bebida ficou famosa pelo seu poder de tornar os homens mais viris. De lá, a família seguiu viagem para Xique-Xique de Andaraí. Todas essas cidade-zinhas pertencem ao rico coração da Chapada Diamantina. Chegando a Xique-Xique, as crianças se encantaram. As construções de toda a cidade eram de pedras. O lugar dava a impressão de estar abandonado. Apenas um casal morava ali, em um antigo sobrado. Havia um tanque d’água, também de pedra, mais parecido com uma caverna, que, quando chovia, acumulava e filtrava a água, restrita no local.

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Mas essa realidade nem sempre foi assim. Por conta da extração de pedras pre-ciosas, houve tempos em que aquelas casas ostentavam muitos sinais de riqueza. Foram abandonadas quando acabou a mineração. — Em Xique-Xique e em Mucugê, as mulheres chegavam a ir à missa de chapéu e luva, tamanho o luxo que tinham — explica Thereza. Ao sul da Bahia, outra cidade curiosa visitada pela família foi Cairu. Lá, eles não tinham onde se hospedar, pois não havia hotel. E também não havia onde comer. O padre é que costumava receber os turistas em seu convento, mas justo naqueles dias estava fora, tratando de problemas de saúde. A família ficou sem abrigo. Uma senhora, vendo a situação, ofereceu-lhes o porão de sua casa e alguns colchões velhos. Assim, tiveram onde dormir, durante os dois dias em que permaneceram no lugar, com direito a tomar banho frio de balde – uma novidade para as crianças – e a boas comidas oferecidas pela vizinhança.

* * *

Tom voltou a exercer seu cargo de promotor público – do qual se afastou a pedido da Embratur, em 1978 – a partir de 1980, permanecendo no posto até 1993, quando se aposentou. Já Thereza, por ser aluna destaque do curso de Estudos Sociais, assim que se for-mou foi chamada para substituir a professora Lourdes Borges. Durante aproximadamente cinco anos, lecionou na Fatea. Em 1973, ainda fez pós-graduação em Metodologia da Pes-quisa Histórica, na Faculdade Salesiana de Lorena – atual Universidade Salesiana (Unisal) –, para complementar o conhecimento em sua área de atuação. O professor Francisco Sodero, que convive com Thereza há mais de três décadas, desde que foi seu professor na Fatea, reconhece, na ex-aluna, um dom natural para a pro-fissão de historiadora. — A Thereza se destacava como aluna. Ela tinha um diferencial, tanto que, no fi-nal do curso, já havia publicado um livro — diz Sodero, referindo-se ao livro Paraty: religião e folclore, que deu início a outras publicações.

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Sodero, além de ser parceiro de Thereza nos movimentos de preservação do Vale do Paraíba, continuava a lecionar na Fatea quando sua ex-aluna ingressou na instituição como professora. Em plena ditadura, o trabalho não era fácil. — Nossas aulas eram sempre vigiadas. Em cada sala, havia um elemento oculto fazendo a supervisão. A Fatea era muito visada, pois a Irmã Iracema, também docente, era esquerdista — lembra Sodero. Irmã Iracema Farina era uma professora com ideias avançadas, e sempre foi a favor da democracia e da liberdade de expressão. Na Fatea, tomou iniciativas que contri-buem até hoje para a formação dos alunos, como a criação do “Cine Clube”, popular por exibir filmes conceituados, às sextas-feiras. Faleceu em São Bernardo do Campo (SP), no dia 9 de abril de 2011, aos noventa e um anos.

* * *

Thereza sempre fez um trabalho de pesquisa muito próximo da atividade do jor-nalismo. Desvendou tradições e apurou histórias. Conseguiu carregar consigo um pouco do conhecimento de cada um com quem já teve o prazer de conversar, e transformou a sabedoria popular em livros considerados importantes para a memória cultural, tanto do Vale do Paraíba quanto do resto do país. Aos poucos, foi formando obras que revelam a riqueza de movimentos tradicionais. Ao mesmo tempo, Tom desenhou a arquitetura de diversos cantos do Brasil, con-seguiu preservar a história. Sua habilidade fez com que vários artistas e arquitetos fossem até ele tentar entender como conseguia fazer aqueles desenhos. Mas ele sempre fez ques-tão de reforçar: não passam de puro dom. E muitos de seus desenhos são usados como modelos para restaurações de casas, sobrados e até de altares. O jornalista José Luiz de Souza, de Guaratinguetá, compara o trabalho do casal ao de Jean-Baptiste Debret, o pintor francês que aportou no Vale do Paraíba em 1827, registrando, em aquarelas, as paisagens das então vilas de Bananal, Guaratinguetá, Pinda-monhangaba, Taubaté e Jacareí, além de outros aspectos.

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— Thereza e Tom cumpriram, nos séculos 20 e 21, o que Debret cumpriu no século 19: registraram todo o patrimônio que o imediatismo político e o comercialismo moderno insistiram em destruir. Para fazer esse registro, Thereza e Tom participavam de festas populares, ob-servando os modos e os costumes. Faziam amizades, e perguntavam, nas ruas, sobre os fatos mais curiosos e marcantes para cada povo. Um trabalho conjunto, como percebe o professor Nelson Pesciotta: — O Tom é um ilustrador, e ele e Thereza formam um par muito interessante, culturalmente falando. Pelo que eu sei, Tom nunca estudou desenho. É nato dele o dom de trabalhar com o bico de pena. E Thereza sempre foi uma acompanhante no terreno das ideias. Nesse ritmo de ideias e de ideais, Thereza e Tom lançaram, entre 1980 e 1990, mais de uma dezena de livros, dentre os quais Ouro Preto e Mariana (1980), com textos de Tarquínio J. Barbosa de Oliveira, comemorativo à elevação de Ouro Preto a Patrimônio Mundial, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco); O folclore das tropas, tropeiros e cargueiros no Vale do Paraíba (1981), vencedor do Prêmio Silvio Romero, em 1980, da Campanha de Defesa do Folclore, do Ministério da Educação e Cultura; e São João del Rei na história de Minas e do Brasil (1986), com texto his-tórico de Francisco Iglesias. Eles ainda se dedicaram a produzir para crianças. Transformaram ilustrações de Paraty, do Vale do Paraíba, de Ouro Preto, de Belém do Pará e da Bahia em desenhos para colorir, publicando seus volumes na coleção infantil Colorindo o Brasil, criada pela Editora Santuário, em 1987.

* * *

Thereza e Tom não se cansam de pesquisar, produzir, preservar. De pesquisa em pesquisa, de desenho em desenho, surgem livros e mais livros.

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Em homenagem à figura feminina, que cada vez mais conquistava espaço na so-ciedade, na década de 1990, e inspirada pelo início da Campanha Março Mulher, promo-vida em Guaratinguetá, Thereza decidiu escrever sobre a presença feminina no Vale do Paraíba. Nasceu, assim, em 1991, A mulher e o Vale do Paraíba, publicado pela Editora Ebid, do Rio de Janeiro, e ganhador do prêmio Eugênia Sereno, concedido pelo Instituto de Estudos Valeparaibanos. Ainda naquele ano, mais uma publicação do casal revelava seu apreço por Paraty: um livro homônimo sobre a cidade. No ano seguinte, 1992, foi lançado Medicina popular e ecologia no Vale do Paraíba. O li-vro surgiu de uma outra pesquisa realizada por Thereza, que seria dedicada exclusivamen-te ao Museu Frei Galvão. Porém, o material rendeu mais do que ela imaginava, originando uma publicação também pela Editora Ebid. De 1994 a 1995, a terra onde Thereza e Tom nasceram foi prestigiada em dois livros. No primeiro ano, foi lançado Guaratinguetá: roteiro turístico, cultural e ecológico, pelo Centro Cultural Objetivo e pela Fundação Nacional do Tropeirismo. No segundo, foi a vez de Memórias do comércio de Guaratinguetá, que traçou o perfil do comércio da cidade, o qual sempre esteve em desenvolvimento e crescimento, adaptando-se a novas necessida-des. Em suas páginas, é feita, inclusive, a apresentação do Sindicato do Comércio Varejista e da Associação Comercial do município. Ainda em 1995, Tom foi convidado a desenhar os monumentos históricos de Itu. A intenção era publicar seu trabalho em cartões postais e em um livro com legendas sobre município. Ao aceitar o convite, ele e a esposa deixaram os filhos, arrumaram suas coisas e foram passar cerca de duas semanas na pacata cidade do interior paulista, numa casa histórica, onde funcionou o antigo fórum e a câmara municipal. O imóvel, de esquina, era muito parecido com a casa de Frei Galvão, localizada na região central de Guará. Dessa estada, foi originado Itu: quatro séculos de história, com textos de Jonas Soares de Souza, pre-fácio de Donato Mello Júnior e apresentação de Sebastião Witter. Dando continuidade aos estudos sobre o Vale, outros oito livros foram publica-dos, de 1996 a 2010, dentre os quais Frei Galvão: sua terra e sua vida, editado em 1998, ano da beatificação do religioso que, nove anos mais tarde, se tornaria o primeiro santo brasileiro.

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O livro No mundo das sinhás, de 2003, é um dos poucos que aparece apenas com a assinatura de Tom Maia. Nele, verdadeiras histórias do tempo de sua avó foram trazidas à tona. A única diferença é que, embora fiel aos causos, ele trocou os nomes das persona-gens do final do Segundo Império e do começo da República. Com esse material, recebeu mais um prêmio do Instituto de Estudos Valeparaibanos.

* * *

O Estado de Minas Gerais também foi desbravado pela família Maia, em vários momentos. Em 1994, finalizaram o álbum de arte Ouro Preto, com desenhos de Tom, legendas de Thereza e texto histórico de Francisco Iglesias, que chegou ao mercado editorial com o selo da Editora Exped. As legendas desse volume foram traduzidas para seis idiomas: espanhol, inglês, francês, alemão, japonês e russo. Como projeto próprio, eles também percorreram toda a Serra do Cipó, saindo de Belo Horizonte e passando pelo Vale do Jequitinhonha. — Os mineiros são muito generosos, e gostam de uma boa prosa — ressalta Tom, relembrando de Serro, Diamantina, Tiradentes, São João del Rei, Mariana e muitas outras cidades mencionadas em Viagem ao país dos mineiros, livro que publicaram em 1999. No “país dos mineiros”, todos os que os recebiam queriam acomodá-los por mui-to tempo. As mesas eram sempre fartas, e as conversas sempre longas. Quando o livro foi lançado, também em 1999, o casal foi para Belo Horizonte. No dia do evento, decidiram passear, durante a manhã, em frente ao Palácio da Liberdade, onde foram avistados pelo Secretário Estadual da Cultura, Ângelo Oswaldo de Araújo Santos. Ele os convidou para entregar um exemplar do livro à atriz Fernanda Montenegro, que estava na cidade, recebendo uma homenagem, comandada pelo então governador do Estado, Itamar Franco. Thereza e Tom, mesmo despreparados para a ocasião, foram presentear a atriz, que ainda trocou uma prosa simpática com eles.

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— Começamos a conversar sobre pão de queijo — lembra Thereza. Mas as viagens não pararam por aí, muito menos se restringiram aos limites geo-gráficos do Brasil. Thereza e Tom visitaram muitos países. Em Portugal, estiveram muitas vezes. O encanto pelas terras além mar foi tamanho que lhes rendeu mais dois livros: Óbidos, casa das rainhas, em 2000, e Ílhavo, vila maruja, em 2003, ambos em segunda edição. E foi principalmente a Óbidos, uma pequena vila localizada a aproximadamente oitenta quilômetros ao norte de Lisboa, onde é possível encontrar belas construções me-dievais, que dedicaram grande atenção. Nas pesquisas realizadas em terras portuguesas, as informações eram um pouco mais difíceis de serem obtidas. A sorte é que os autores puderam contar com a ajuda do português Sérgio Gurjão, diretor do Museu de Óbidos e historiador, que se tornou grande amigo de Tom. — O castelo de Óbidos tem mais de oitocentos anos. E uma muralha cerca toda a sua área. Dentro dela se formou uma cidade. A nossa arquitetura é muito semelhante com a de Portugal, principalmente as ruas. Só que lá tem castelos — explica Tom, que define aquela cidadezinha associando-a a aspectos brasileiros: — É uma Paraty entre muros. Os portugueses gostaram tanto dos desenhos que, em 2000, os ampliaram em painéis e os colocaram em frente aos monumentos de Óbidos, durante um trabalho de restauro e de recuperação realizado pela prefeitura da cidade. Porém, não comunicaram ao autor. Avisado por um amigo, Tom ficou surpreso quando viu suas obras expostas em tamanho gigante. Ílhavo, o outro destino que despertou grande interesse nos dois, é uma cidade localizada no distrito de Aveiro, no litoral. A Fábrica Vista Alegre, de porcelanas, e a pesca do bacalhau são as principais marcas da região. Lá, ainda está localizado o famoso Farol da Barra, o mais alto dos quarenta e oito faróis marítimos do país. É cidade-irmã de Paraty, e quando o presidente da câmara de Ílhavo veio ao Brasil para assinar o Tratado de Gemina-ção, como os portugueses denominam esse fato, ganhou um livro do casal. Obviamente, sobre Paraty. Na mesma hora, convidou Thereza e Tom para produzirem um livro sobre sua cidade. Assim, surgiu Ílhavo, vila maruja, com o qual eles ganharam uma medalha cul-tural do município e uma homenagem na câmara municipal, no aniversário da cidade.

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Enquanto Tom desenha, Thereza permanece ao seu lado, apontando lápis, ar-rumando o material e conversando com quem passa pela rua. Em geral, muitos habi-tantes locais gostam de lhe contar causos, registrados posteriormente nas legendas dos desenhos. Bom exemplo é o livro Tijuco e Diamantina, cujo patrimônio imaterial é tão importante como o arquitetônico, cenário de famosas festas do Divino, das histórias de Chica da Silva e da lendária Princesa Acaiaca, que atravessou a Cordilheira dos Andes e se estabeleceu em Diamantina. Seu caminho ficou famoso, e tem até nome: Peabiru, atraente mistério que ainda não foi desvendado.

* * *

Muitos dos livros publicados pelo casal chegaram a novas edições ou foram tradu-zidos para outras línguas. É o caso de Vale do Paraíba: velhas fazendas, resultado da dobradi-nha entre Tom e Sérgio Buarque de Hollanda: em 2010, foi republicado pela Editora José Olympio, numa edição especial. A pesquisadora Sônia Gabriel, membro do IEV desde 2006, também atesta que os livros do casal são essenciais para conscientizar as novas gerações sobre a importância dos patrimônios material e imaterial do país: — Há, em suas obras, um diálogo que consegue alcançar os jovens. Eles os co-locam diretamente com o cotidiano histórico e cultural do Vale, de forma que humaniza. Não são textos distantes, elitizados. É a história em si, e a história é construída por todos. Sônia ainda diz que usa obras de Thereza e Tom em pesquisas próprias. Na sua avaliação, o livro que costuma gerar grande interesse, entre os leitores mais novos, é o vo-lume “sobre assombrações”, como ficou conhecido o livro Paraty: encantos e malassombras, publicado em 2005. Os temas sobrenaturais, realmente, fazem sucesso. — Fui dar uma palestra sobre Frei Galvão, na Escola Professor Alfredo de Barros Santos, de Guaratinguetá, conhecida como Colégio Alfredão, para uma turma de Turismo. Falamos de assuntos sérios sobre o santo, mas quando foi aberto espaço

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para as perguntas, eles só queriam saber sobre a história da Maria Augusta — revela Thereza. Maria Augusta de Oliveira Borges viveu no século 19. Filha do Visconde de Gua-ratinguetá, foi obrigada por ele a se casar com um ilustre conselheiro do Império, o Dr. Francisco Antônio Dutra Rodrigues, quando tinha apenas quatorze anos. Após o casa-mento, insatisfeita com sua situação, fugiu para a Europa. Nada se sabe sobre sua morte, uma vez que o atestado de óbito nunca foi achado. Reza a lenda, no entanto, que sua mãe, Amélia Augusta, mandou trazer, da França, o corpo da filha, que passou meses sendo velada, dentro de sua casa, até que a construção de uma capela-túmulo fosse concluída. Mas, mesmo depois de terminada a obra, Amélia negou-se a enterrá-la. Suas exéquias só foram encerradas porque a mãe sonhou com a fi-lha, pedindo para que seus restos mortais fossem, enfim, depositados no jazigo. Sepultada no Cemitério dos Passos, no centro de Guará, a jovem parece ser confundida com o mito da “loira do banheiro”, que assombra os colégios da região, especialmente o Conselheiro Rodrigues Alves, instalado no local do imóvel onde Maria Augusta foi velada. Os estudan-tes narram as mais diversas histórias sobre o vulto, e um grupo de espíritas acredita que a jovem não teve consciência da própria morte, por isso fica vagando à procura da família. A ideia de escrever a respeito das histórias que o povo conta e das lendas regionais foi surgindo na medida em que o casal desenvolvia pesquisas para outros fins. Nessas ocasiões, iam escutando histórias paralelas, que despertavam curiosidade. Paraty: encantos e malassombras narra fatos assombrosos, todos relacionados aos mo-numentos da cidade. Os autores tiveram o cuidado de ouvir vários depoimentos, para confirmar as muitas histórias que reproduziram em seu livro. As histórias das “malassombras” são curiosas e inexplicáveis. Thereza e Tom des-cobriram, por exemplo, que houve um suicídio, em 1909, na casa paratiense que haviam comprado. Curiosa, Thereza foi atrás de um senhor que guardava jornais antigos da cidade, e encontrou uma matéria que relatava o estranho caso de um rapaz que se matou por conta de um amor não correspondido. As empregadas da casa dizem ver em certos dias, por volta das dezessete horas, alguém de branco, deixar um molho de chaves sobre a mesa.

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Houve uma ocasião, também, em que Thereza estava deitada, e começou a ouvir um barulho vindo da cozinha. Achou que haviam deixado a janela aberta, e que algum gato poderia ter entrado e feito bagunça. Mas, assim que desceu as escadas e acendeu a luz, nada viu. Vai entender...

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Em 2003, Tom recebeu o Prêmio Eugênia Sereno, do IEV, pelo lançamento do livro No mundo das sinhás

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No ano 2000, no litoral português, Tom fez desenhos que seriam incluídos no livro Ílhavo, terra maruja

Tom descobriu por acaso que seus desenhos serviram de base para restauros em Óbidos

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A última aparição pública de José Luiz Pasin ocorreu no lançamento do livro Uma casa paulista, em 2007

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Ao lado dos quatro filhos e dos oito netos, Thereza e Tom lançaram o livro sobre o solar dos Camargo

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Sessão de autógrafos do livro Uma casa paulista, obra inspirada em trabalho desenvolvido por Regina

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O jornalista José Luiz de Souza é amigo de longa data; Guaratinguetá, 1980

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27 anos depois: em 2007, José Luiz de Souza prestigiou Thereza e Tom, na Livraria Teixeira, em São Paulo, durante uma tarde de au-tógrafos do livro Uma casa paulista

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Tom passou meses desenhando o interior da Bahia; em Mucugê, conheceu o licor de jenipapo

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Em Xique-Xique do Andaraí, na Chapada Diamantina, todas as construções eram de pedra

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Sobrinhos do santoEm Xique-Xique do Andaraí, na Chapada Diamantina, todas as construções eram de pedra

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Em 11 de maio de 2011, Thereza concedeu entrevista à TV Vanguarda; a pauta: o quarto aniversário da canonização de Frei Galvão

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“Frei Galvão foi finalmente canonizado depois de anos de uma batalha ‘solitária’ por parte de Thereza, Tom e de alguns religiosos. Tanto que eles estiveram presentes em todos os momentos e etapas, desde a beatificação até a canonização. E manter aquele espaço para que o visitante – turista ou peregrino – en-contre ao chegar em Guaratinguetá é mérito único – sem interesse político ou financeiro”.

É com essas palavras que o jornalista José Luiz de Souza faz referência ao trabalho que Thereza e Tom Maia desempenham, há muitos anos, para preservar a memória do religioso que se tornou o primeiro santo “cem por cento” brasileiro.

Santo Antônio de Sant’Anna Galvão, nascido e criado em Guaratinguetá, sempre foi alvo das preces e das orações dos Camargo e dos Maia, bem como de outros con-terrâneos. Muito antes de o Vaticano tomar partido quanto aos sinais de santidade que apresentou em vida – e que continuaram a se manifestar após sua morte, no século 19, conforme relatos de fiéis –, todos os membros daquelas famílias já o consideravam um protetor, e tinham grande apreço por sua memória.

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Não era para menos. A história do frade franciscano estava entrelaçada com suas próprias vidas. Foi na catedral de Santo Antônio, em Guará, onde Frei Galvão fez a pri-meira comunhão, foi crismado e rezou, depois de ordenado, a sua primeira missa, que Thereza e Tom se casaram. Também foi ali que o casal fez os primeiro sacramentos, assis-tiu aos batizados dos filhos e, em 2008, comemorou suas bodas de ouro. A causa de Frei Galvão foi abraçada por historiadores e por religiosos conscientes da importância de sua figura para a região e para o mundo. No caso específico de Thereza e Tom Maia, há um motivo a mais: o parentesco com o santo. O sobrenome Barros, de Thereza, vem do mesmo ramo de Isabel Leite de Barros, mãe de Frei Galvão. — Também sou parente dele pelo lado de suas duas irmãs: Ana Joaquina e Ana Francisca — diz ela, referindo-se ao fato de haver muitos casamentos entre primos na família. Ana Joaquina é ascendente da tetravó de Thereza, Thereza Galvão de França, e Ana Francisca é ancestral de seu tetravô, João Baptista Rangel de Camargo, o construtor do solar dos Camargo. Quanto a Tom, seu parentesco com o santo é de sétima geração. Ele descende do Capitão Manuel Galvão de França, irmão de Frei Galvão, nascido em Guaratinguetá, no ano de 1749. Sobrinhos do santo, eles não poderiam cruzar os braços diante das manifestações dos fiéis. E também não poderiam ficar diferentes à destruição do patrimônio histórico e cultural da cidade, que há muito presenciavam. Juntando as duas motivações, começaram uma série de benfeitorias, que tiveram início em 1972. Incentivada pelo amigo Pasin, e aceitando os palpites de outros amigos historiadores, Thereza se empenhou em criar o Museu Frei Galvão, para dar início à preservação da memória da região e do santo. Desde a fundação do Museu, localizado ao número quarenta e oito da Praça Con-selheiro Rodrigues Alves, no centro de Guaratinguetá, Thereza atua como diretora. A sala onde foi instalado também foi conquistada por ela, com apoio do Fundo Social de Solidariedade, instituição da qual seu pai era diretor, na época.

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Alice Aparecida Bittencourt dos Santos trabalha ali desde 1987. Ela e Ana Maria Maia Braga, organizadora de exposições de arte e de artesanato e secretária do Centro So-cial de Guaratinguetá, são as funcionárias mais antigas do Museu. As duas contam, ainda, com a ajuda da responsável pela digitação dos livros, dos textos e das divulgações: Eliana Aparecida Antunes Perrenoud. Foi na época em que cursava Biblioteconomia, na Fatea, que Alice conheceu The-reza, responsável pela disciplina de Museologia. Desde logo, por influência da professora, passou a frequentar o Museu Frei Galvão. — As aulas eram muito agradáveis, porque ela abordava o lado do folclore e das questões sociais. Na época, eles estavam começando a organizar o Museu. Então, nós fomos convidados para montar a parte de biblioteca e documentação. E começamos a ter aulas no próprio Museu, em vez de ficarmos na faculdade — conta Alice. O professor José Luiz Pasin também costumava levar os alunos para ter aula no Museu. E foram eles os maiores colaboradores para a organização do arquivo e para a montagem do espaço. Embora ostente o nome de Frei Galvão, o Museu não preserva apenas a memória do santo. Tudo o que diz respeito a Guaratinguetá está guardado lá dentro, desde convites até documentos originais, como arquivos judiciários e escravocratas. E Thereza é, notada-mente, a grande responsável por esse trabalho. — A Thereza Maia tem uma visão muito ampla, tanto que o arquivo foi pioneiro na região — afirma Alice. — Thereza está sempre sorrindo, alegre, de bem com a vida, sendo sempre essa pessoa que ela é. Eu sempre falo que meu trabalho não é trabalho, é lazer — complementa. Hoje, o espaço é mantido por uma sociedade de amigos, que contribui com uma mensalidade, e pelo Centro Social de Guaratinguetá, detentor da propriedade do prédio, que, além de ceder as salas, também doa alguma quantia em dinheiro, quando necessário. Todos os anos, o Museu Frei Galvão monta exposições de acordo com as datas comemorativas. Mas a maior procura pelo local ocorre por alunos que estão pesquisando e escrevendo monografias.

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O acervo é formado exclusivamente por objetos e documentos doados. No co-meço, Thereza fez uma boa campanha para conseguir ajuda da população e para arrecadar o material necessário para preservar a história regional. A reposta da sociedade foi tão po-sitiva que, ainda hoje, documentos e materiais são constantemente oferecidos, para serem arquivados e catalogados. Como já não há tanto espaço, Thereza agora dá preferência às doações que remetem especificamente a Guaratinguetá. Em 2002, quando o Museu completou trinta anos, o casal recebeu, do Instituto de Estudos Valeparaibanos, a Distinção Cultural Paulo Camilher Florençano, entregue pelo professor Nelson Pesciotta. Foi uma forma de reconhecer, publicamente, o trabalho desempenhado pela instituição, que, por muito tempo, também abrigou o arquivo do IEV. De 1973 até 1999, todo o acervo do Instituto era mantido sob seus cuidados. Só foi transferido para a biblioteca do IEV, localizada no Departamento de História da Unisal, em Lorena, quando Thereza começou a expandir suas pesquisas sobre Frei Galvão, e precisava do espaço para armazenar novas aquisições.

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— Um dia, telefonou-me uma freira que eu nunca conheci na vida, dizendo que estava incumbida de fazer o processo de beatificação de Frei Galvão e que queria visitar o arquivo do Museu. Nós marcamos, e ela veio fazer as pesquisas — conta Thereza, sobre o primeiro contato que teve com a Irmã Célia Cadorin, postuladora da causa de vários santos brasileiros, uma espécie de advogada, designada pela Igreja para defender os can-didatos à beatificação e à canonização. Até 1997, a Casa de Frei Galvão – lugar onde ele nasceu – não era local público. Era habitada por Regina, a primogênita do casal. O material consultado pela postuladora estava guardado no Museu. Foram analisados, então, todos os documentos dos irmãos do futuro santo, pois era preciso provar que sua família era católica. Depois, foi necessário recuperar a sua própria trajetória.

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Um processo de beatificação é um trabalho minucioso. A parte mais complexa é a comprovação dos milagres. Assim, análises e laudos médicos foram realizados no Brasil e em Roma, tanto para os milagres da beatificação, quanto para o milagre da canonização, que é referido por “milagrão” pela freia, por Thereza e por Tom. Irmã Cadorin revelou a Thereza que nunca vira um processo tão rápido. E isso só foi possível porque todos os documentos já estavam organizados nos arquivos do Museu. A beatificação de Frei Antônio de Sant’Anna Galvão foi celebrada em 25 de ou-tubro 1998, pelo Papa João Paulo II, que lhe concedeu o título de “Homem da Paz e da Caridade”. Em 2000, o frade recebeu, pelo mesmo Papa, um nova honraria: “Patrono da Construção Civil no Brasil”, por ter sido ele quem fundou e construiu o Mosteiro da Luz, em São Paulo, trabalhando como pedreiro junto aos escravos. Quando ocorreu a beatificação, Thereza e Tom foram ao Vaticano, em Roma, para participar da missa solene. Tom recebeu a comunhão das mãos do Pontífice, e There-za participou da procissão das oferendas. No mesmo ano, eles lançaram o livro Frei Galvão, sua terra e sua vida. Na festa realizada para comemorar o novo beato, em 22 de novembro de 1998, no Mosteiro da Luz, Thereza e Tom tiveram a oportunidade de estar com Geraldo Alckmin, então governador do Estado. Também nessa época, eles abriram um espaço, na casa onde o frade nasceu e vi-veu até aos dezoito anos – hoje conhecida como Casa de Frei Galvão –, para expor uma pequena mostra relativa à sua vida. A casa havia sido adquirida pelo pai de Thereza, assim que deixou de ser habitada, na década de 1950. Na época em que o imóvel estava à venda, Tom, que ainda não havia se casado, queria muito adquiri-lo, só que como não tinha como pagar pelo valor. Depois, ficou enfurecido quando soube que o comprador era o Dr. Ca-margo. O pai de Thereza comprou a Casa de Frei Galvão a pedido dos herdeiros de Lou-renço Pires Barbosa, seu antigo proprietário. Como eles não tinham condição de reformá-la, não queriam que ela fosse adquirida por pessoas que não respeitassem sua história. Aliás, a casa já havia sido oferecida à prefeitura municipal para ali ser instalado um museu

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dedicado ao frei e à cidade. Alegando não ter condições econômicas para restaurar aquele monumento – considerado por Afonso de Taunay, historiador e então diretor do Museu do Ipiranga, de São Paulo, como a casa mais antiga de Guaratinguetá, a prefeitura encer-rou as tratativas sobre o assunto. Na partilha da herança de Camargo, a casa passou a ser de Thereza e, consequen-temente, de Tom, que pôde concluir o seu desejo de reformar aquela preciosa construção. Quando a reforma já estava pela metade, Tom, que investira uma alta quantia para adaptar os cômodos segundo as normas atuais e restaurar o que nela tinha de ser preservado, se deu conta de que seu dinheiro estava acabando, e não teria meios de finalizar a obra. Foi aí que aconteceu o que o casal costuma chamar de “mais um milagre”: — Papai tinha falecido, e chegou-nos um ofício da Companhia Estrada de Ferro Sorocabana, dizendo que ele tinha umas ações para receber. Então, veio o dinheiro exato que estava faltando para acabarmos de restaurar a casa — explica Thereza. Dessa forma, o casal conseguiu alcançar seus objetivos em relação à Casa de Frei Galvão. Hoje, a parte de baixo da casa é aberta para visitação, enquanto na parte de cima mora a filha Regina, casada com Leonardo de Oliveira Galvão de França, também descen-dente da família do santo. Após a beatificação, iniciou-se uma nova etapa: a luta pela a canonização. Era pre-ciso mais um poderoso milagre, que só foi comprovado em 2007. Em 11 de maio daquele ano, em sua primeira visita ao Brasil, na condição de chefe da Igreja Católica, o Papa Ben-to XVI declarou que a Santa Sé reconhecia o frei como santo, numa cerimônia realizada no Campo de Marte, em São Paulo. Na ocasião, o casal levou ao Pontífice uma âmbula de ouro com as hóstias, e recebeu, em troca, estojos com terços por ele abençoados. Concretizava-se, assim, mais um grande desejo de Thereza, que agora podia se dedicar à preservação da memória do primeiro santo brasileiro. Quando completou um ano da canonização, foram inaugurados, numa casa adap-tada por inciativa de Thereza e de Tom, em frente ao solar dos Camargo, a fonte, a sala dos milagres e o jardim do lugar que passou a se chamar Memorial de Frei Galvão. The-reza explica que, quando foram levadas as peças para a Casa de Frei Galvão, começaram a

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chegar, também, muitos pedidos e muitas histórias de milagres. Faltava espaço para expor tudo aquilo. Assim que o casal ficou sabendo que o terreno em frente ao solar estava à venda, Tom o comprou, como presente para a Thereza, que tanto queria dedicar mais um espaço ao santo da família. O Memorial de Frei Galvão abriga milhares pedidos e agradecimentos, verdadei-ras demonstrações de fé. Lá, também é feita a acolhida aos romeiros, que encontram uma fonte de água benta e um ambiente para refeições.

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Thereza e Tom não têm rotina fixa no Museu. Estão sempre viajando, pesquisan-do e escrevendo. Por conta do vasto material publicado e de seus feitos por Frei Galvão, turistas e curiosos sempre batem à porta de sua casa para conhecer o casal. Nessas ocasi-ões, o que mais pedem são autógrafos. Maria Angélica toma conta dos funcionários, da comercialização dos produtos religiosos e do Café do Frei, uma pequena lanchonete que vende café e quitutes, instalada junto ao Memorial. Sob sua supervisão, trabalham dez funcionários no Conjunto Devo-cional e Cultural de Frei Galvão, como é chamado o complexo formado pelos três locais turísticos – o Museu, a Casa e o Memorial –, além de um guia, de um porteiro que cuida da catedral de Santo Antônio e de vigias de rua, que fazem ronda aos sábados, domingos e feriados.

Os funcionários são indispensáveis. Não só para acompanhar os romeiros, mas também para a segurança das relíquias que são guardadas nos três departamentos. No Brasil, há quadrilhas especializadas em roubo de peças históricas, e uma valiosa imagem do século 18, de Nossa Senhora de Sant’Anna, que pertenceu à família do santo, já foi roubada do Memorial de Frei Galvão. — Se não fosse a Thereza e Tom trabalharem por frei Galvão, o que haveria em Guará, hoje, para ser visitado? — questiona Diego Amaro.

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Muitas vezes, o dinheiro arrecadado com a venda de lembranças e com o Café do Frei não é suficiente para cobrir as despesas mensais, que acabam ficando aos encar-gos de Tom. Mas ele não se importa. O trabalho em família é, acima de tudo, um prazer. Além disso, todo o esforço, no fim, parece ser válido, principalmente quando se sentem recompensados. Entre essas recompensas, o casal guarda uma lembrança, com especial carinho: a do milagre recebido por Soledad Lineros, residente na cidade de Laudalo, no Chile. Ela estava tentando engravidar, quando descobriu que sofria menopausa precoce. Sua gravidez, então, era considerada impossível pelos recursos da medicina. Quando a moça viu, na televisão, que o santo brasileiro também era patrono das grávidas, logo tratou de mandar uma carta a Guaratinguetá, pedindo as famosas pílulas de Frei Galvão. Thereza enviou-lhe rapidamente o que pedira, dizendo que o santo iria atendê-la. E fez um pedido também: quando a criança nascesse, Soledad deveria trazê-la ao Brasil, para que Thereza a conhecesse.

Dois anos se passaram e, certo dia, uma chilena bate à porta do solar dos Camargo chamando por Thereza. Tom, sem entender do que se tratava, questionou a presença da mulher estranha em sua casa. Soledad rapidamente disse que era sobre um milagre de Frei Galvão, e que queria falar somente com Thereza.

Soledad viajou de avião do Chile até o Rio de Janeiro, e de lá foi de táxi até Gua-ratinguetá, só para mostrar à sobrinha do santo o segundo filho nascido graças a um mila-gre. Hoje, Soledad e seu marido, Alejandro Lienros, têm quatro filhos: Aurora, Guillermo e um casal de gêmeos, Antônio e Mariana.

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Os feitos por São Frei Galvão aumentaram ainda mais a popularidade do casal, principalmente na mídia, pois eles se tornaram fontes fáceis para os assuntos de mais destaque do Vale do Paraíba.

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No quarto aniversário da canonização do santo brasileiro, Thereza e Tom foram convidados para participar do programa “Todo Seu”, exibido pela TV Gazeta e apresenta-do por Ronnie Von. No dia 3 de maio de 2011, eles foram até os estúdios da emissora, em São Paulo, para serem entrevistados e para relatarem muito do que sabem sobre a história de Frei Galvão.

Também em 2011, a TV Vanguarda, instalada em Taubaté, fez, ao menos, três matérias com foco no trabalho do casal. Uma delas, inclusive, foi sobre o lançamento de mais um livro em homenagem ao santo: Frei Galvão para crianças e para adultos também, uma coletânea de desenhos e legendas para pequenos leitores colorirem, publicada pela Edito-ra Santuário. O lançamento foi realizado ao final de uma missa de domingo, celebrada na catedral de Santo Antônio, no dia 23 de outubro de 2011, em meio a uma ação realizada junto às crianças da paróquia. Os livros foram doados e autografados pelo casal.

O trabalho do Museu Frei Galvão ajudou Thereza e Tom a se firmarem ainda mais como historiadores e a conquistar um exército maior para ajudar em suas lutas. As ações planejadas pela instituição vão bem além das causas religiosas, abordando assuntos mais complexos e decisivos para o futuro da região, como a recente e bem-sucedida cam-panha contra a transposição do Rio Paraíba do Sul.

Também recentemente, por meio do Museu, Thereza encaminhou pedido, aos órgãos competentes, para o tombamento histórico da Fazenda do Morro Vermelho, que fica na divisa dos municípios de Guaratinguetá e Aparecida, e de um palacete do final do século 20, próximo à Prefeitura de Guará, que abrigou o antigo Teatro Municipal.

Nada satisfaz Thereza tanto quanto salvar a história. E nada deixa Tom mais feliz do que fazer registros iconográficos de cenários e de vestígios do passado. Não é à toa que se deem tão bem.

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Na beatificação de Frei Galvão, Tom comungou com o Papa João Paulo II; Vaticano, 1998

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Também na cerimônia de beatificação de Frei Galvão, Thereza participou da procissão das oferendas

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Na festa em comemoração ao beato Frei Galvão, realizada em 22 de novembro de 1998, no Mosteiro da Luz, em São Paulo, Thereza e Tom conversaram com Geraldo Alckmin

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O livro Frei Galvão: sua terra e sua vida foi lançado em 1998, ano em que o religioso foi beatificado

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Irmã Célia Cadorin, postuladora da causa de Frei Galvão, foi homenageada pela Câmara Municipal de Guaratinguetá, em 2007

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A Casa de Frei Galvão, localizada na esquina da rua que leva seu nome, guarda várias relíquias; na parte de cima, mora Regina

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Uma das preocupações de Thereza e de Tom é a segurança das peças guardadas na Casa de Frei Galvão

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O primeiro santo brasileiro também foi retratado por Tom Maia

Por ter construído o Mosteiro da Luz, Frei Galvão recebeu o título de Patrono da Construção Civil no Brasil

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A parceria de uma vida inteira

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A família Maia se reuniu para o lançamento do livro Frei Galvão para crianças e para adultos também, em 23 de outubro de 2011

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Cai a noite em Guaratinguetá. É o segundo dia de novembro, primavera, mas o clima está frio. Enquanto os janelões se fecham, o antigo lustre da saleta de entrada se acende. A grande porta de madeira, que dá para a rua Frei Galvão, permanece aberta. No muro, ao lado da porta, um mosaico de azulejos indica que lugar é aquele: o histórico patrimônio dos Rangel de Camargo. A indicação, no entanto, é pouco necessá-ria. Quase todos conhecem o solar, e é praticamente impossível passar por ali sem notá-lo. Contemplar aquele imóvel é uma obrigação. Da calçada, ouve-se, ao longe, a voz de Tom, brincando com os netos. Também é possível escutar o movimento que dá vida ao local. Lá, os ares são outros. É como o se o tempo, dentro da casa, fosse diferente do restante do centro. E, certamente, por trás daquelas paredes, não faz o mesmo frio que deixa a rua gelada. A família está reunida, como de costume. É Dia de Finados. Tornou-se tradição eles se reunirem aos feriados e aos finais de semana, até mesmo quando Thereza e Tom

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estão viajando. João, o caçula, vem de São José dos Campos. Aos poucos, os membros da família Maia tomam conta do casarão. Faz tempo que é assim. Afinal, Thereza e Tom até já completaram bodas e ouro. Foi em 2008. No dia 20 de dezembro daquele ano, eles subiram novamente ao altar da catedral de Santo Antônio. Foram celebrar os 50 anos de uma união marcada por muito mais do que somente pelos laços matrimonias. Iaiá Tom e iaiá Thereza têm oito netos. “Iaiá” porque é assim que os netos os cha-mam, desde sempre. Talvez o casal nunca tenha escutado as palavras vovô e vovó sendo proferidas pelas crianças. Quem começou com esse “apelido” foram os primeiros netos, filhos de Maria Antônia: Maria Gabriela e Rodrigo. Depois, vieram os de Regina: Maria Thereza e Pedro. Angélica teve duas meninas: Angélica e Isabel. E João Carlos, mais dois meninos: Antônio Carlos e João Carlos. A família é grande. Mas mesmo com os netos que demandam grande energia dos avós, o casal já es-pera ansioso para ver o primeiro bisneto nascer. A responsabilidade está aos encargos na neta Gabriela – a “Bá” –, recém-casada, que está no começo de sua primeira gestação. A família Maia demonstra viver feliz. A vida de viajante que Thereza e Tom leva-ram nunca prejudicou os filhos. Fez o inverso. Os longos anos na estrada foram funda-mentais para suas formações. Como diz Maria Antônia, tudo o que eles presenciaram foi muito válido: — Uma experiência de vida.

As meninas se tornaram jovens na década de 1970, época em que a cultura hippie – verdadeiro movimento de contracultura e de contestação da ordem vigente – influen-ciava o país. Naqueles anos, Tom fazia pulseiras de arame, com pedras e miçangas, para as jovens, que adoravam usar as peças artesanais e originais. As filhas se lembram com cari-nho dessa passagem. São grandes fãs do pai, e se sentem envaidecidas quando recordam dos cuidados que ele tinha com cada uma delas. Tom foi compreensivo até nas ocasiões em que as filhas foram pedidas em casa-mento. Lembra-se, em especial, de quando o noivo de Regina foi fazer o pedido:

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— Foi muito engraçado porque o rapaz não falava, ficou mudo e morrendo de vergonha. Regina, toda falante, que tomou a vez e começou a falar. Mas a gente já sabia do que se tratava. Regina foi a segunda filha a se casar. A primeira foi Maria Antônia, a terceira foi Angélica, e o caçula, João Carlos, foi o último. Com seus cabelos curtos e enrolados, Regina se diverte consigo mesma. Ela, dire-ta em seus assuntos, jura que vê seres do além: — Tem um frei que atravessa a minha casa e passa para o vizinho. Mas não é Frei Galvão. E algumas vezes em que eu chegava na cozinha de casa, sentia uma agitação mui-to grande. Batia palma e falava: “Agora, vão embora que sou só eu aqui”. E tudo ficava calmo. Tom considera o dom da filha uma grande vantagem. — Esse privilégio não é só da Regina. Minha neta Isabel também diz que vê. Ela conta que enxerga um anjo bem grande em sua casa — acrescenta. Em contrapartida à personalidade de Regina, Maria Angélica é a calma em pessoa, sempre sutil, com seus cabelos amarrados. João Carlos é mais conhecido pelo sorriso largo que estampa nas fotografias da família. E Maria Antônia – apelidada de “Totó” pelo pai – tem uma presença forte e marcante, quase indescritível. Quem fala muito dela é o professor Francisco Sodero:

— Uma coisa que me liga muito a Thereza e ao Tom são os filhos. A Totó foi minha aluna. Era e é uma pessoa muito vibrante. Então, todas as vezes que nos encontra-mos, a gente falava dela. Quando a Totó ia às reuniões do IEV era uma festa.

Sodero foi professor de Maria Antônia e de João Carlos, quando eles cursavam o colegial – atual ensino médio – no Instituto de Educação Conselheiro Rodrigues Alves, em Guaratinguetá. Amigo de Thereza e de Tom, o professor também esteve presente em importantes momentos da vida do casal, principalmente junto aos movimentos a favor da preservação da cultura e da história do Vale.

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Embora todos os seus filhos tenham, de algum modo, se inspirado em Thereza e em Tom, nenhum deles seguiu exatamente os seus passos. Maria Angélica se formou em Letras, mas não trabalha na área; dedica-se à coordenação da Casa de Frei Galvão e aos devotos do santo. Regina é arquiteta, atua no ramo das restaurações. Maria Antônia é psicoterapeuta, psicopedagoga e terapeuta floral; vive estudando, fazendo especializações. João Carlos se formou em Direito, e é promotor público em São José dos Campos.

O trabalho para a conclusão do curso de Arquitetura, produzido por Regina, des-pertou em seus pais a ideia de lançar um livro sobre o solar dos Camargo. Assim, foi pu-blicado Uma casa paulista, que traz um rico conteúdo sobre a história do imóvel preservado por gerações. Seu lançamento, realizado no jardim do próprio solar, em 2007, foi um mo-mento importante, principalmente pelo fato de ter sido a última ocasião em que José Luiz Pasin apareceu publicamente, tendo ele falecido em janeiro de 2008. Em seu discurso, o historiador brincou com Thereza e Tom, afirmando que manter uma casa como aquela, no centro de Guaratinguetá, em meio a tanto progresso, beirava a uma loucura cultural. Naquele ano, a casa também passou a fazer parte do Conjunto Devocional e Cultural Frei Galvão.

Em 23 de outubro de 2010, no Museu Frei Galvão, houve mais uma tarde de lan-çamento e de autógrafos. A vez foi do livro Guaratinguetá: ontem e hoje, uma espécie de guia cultural e turístico, que apresenta o que a cidade tem de mais tradicional. Como de praxe, foi preparado um café colonial para receber amigos e familiares. Thereza e Tom gostam de ser receptivos.

O fim do mesmo ano foi marcado por uma visita do casal a São Luiz do Parai-tinga. A cidade, destruída pelas enchentes, passa por um processo de reconstrução, e vai ganhar um dossiê que está sendo produzido pela dupla. Na ocasião da visita, os sobrados e os monumentos foram registrados e catalogados.

Tom já havia desenhado São Luiz em 1977. As iconografias entraram para o livro Vale do Paraíba: velhas cidades, que se tornou importante documento histórico para a região, devido à perda dos monumentos provocada pela chuva.

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A relevância desse trabalho é atestada pela historiadora Sônia Gabriel, que se sente inspirada a falar do casal que tanto admira:

— Thereza e Tom fazem parte de um grupo de intelectuais do Vale do Paraíba que são muito comprometidos com nossa história e nossa cultura. Sempre valorizaram nosso patrimô-nio, e há décadas lutam por sua preservação. Pertencem à estirpe dos que são mestres por essên-cia. Sempre abertos a ensinar e a nos responsabilizar pelos cuidados com nossa história.

Sônia divide com Thereza e com Tom não lembranças muito próximas, ou uma longa amizade, mas a paixão por um mesmo ideal. Além dela, muitos outros companheiros também se unem ao casal, direta ou indiretamente, pelas mesmas bandeiras que defendem. — O grande mérito do trabalho de Thereza e Tom é em relação à preservação da memória, ao resgate e à reconstrução da nossa cultura. É também muito importante a atuação deles junto ao IEV, em defesa do patrimônio cultural e ambiental de Paraty e do Vale do Paraíba — avalia Francisco Sodero. O comprometimento com os bens culturais e ambientais pode ser identificado nas Cartas de Defesa que Thereza e Tom valorizam desde que deram início ao IEV. Até hoje, esses documentos são utilizados para ditar os princípios de muitas causas. Por essas e outras, o casal se tornou mito. De tanto cuidar da história, acabou fazendo parte dela. Não é raro que, onde os dois estejam, admiradores queiram se aproxi-mar para conhecê-los. São figuras constantes nos eventos culturais da região, seja dos mais populares aos mais conceituados. — Thereza e Tom são pop-stars da história — brinca Diego Amaro. Quando Tom fica parado nas ruas, para desenhar, curiosos costumam rodeá-lo, para observar seu trabalho. Ele se nega a fazer desenho a partir de fotografia ou sob algum tipo de encomenda. E também se recusa a desenhar qualquer coisa que não seja construções antigas ou cenários históricos. Com seu jeito engraçado, faz questão de res-saltar, não importa para quem seja: — Eu só desenho casa velha. Mais nada. Nesse ponto, Thereza concorda plenamente com o marido:

— Eu também não sou a favor de ele desenhar coisas que não sejam antigas.

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Em todos esses anos, ele sequer desenhou a esposa. Mas Thereza, também, pouco se importa:

— Eu não quero que ele me desenhe. Ele vai fazer como desenha os tropeiros: sem olho, sem nariz e sem boca — diz, rindo, em alusão às características dos desenhos de Tom.

Além de ilustrador, Tom também tem veia de literato. Em 2009, com o pseudô-nimo de “Ubirajara”, foi premiado com o conto “O nascimento do homem”, no 1º Con-curso Literário do Ministério Público de São Paulo.

Os dois também são colaboradores assíduos de jornais e de revistas do Vale do Paraíba. Thereza escreve para a revista Romeiros, veiculada no circuito religioso da região ou pela internet. Tom colabora com o jornal aparecidense O Lince, periódico conhecido pelos textos literários que publica e pelo jornalismo cultural que desenvolve.

O currículo do casal é tão amplo que já exerceram até papel de atores. Foi em 1998. O cineasta Mario Kupperman, da Futura Filmes e da TV Cultura, os convidou para estrelar no documentário “O Rio Paraíba do Sul”, gravado nos patrimônios da família, em Guaratin-guetá. Pela boa repercussão, o vídeo já foi reprisado diversas vezes pela TV Cultura.

As filmagens do documentário de Kupperman começam com uma cena na sala de visitas do solar, onde todos estão vestidos com roupas do século 19. A partir de um diálogo sobre a queda do café e sobre a abolição da escravatura, desencadeia-se o docu-mentário que aborda temas regionais, dando ênfase à poluição do rio Paraíba do Sul. No correr do filme, também constam depoimentos do casal.

* * *

Se há algo de que Thereza e Tom não se cansam de lembrar são as viagens. — Viajar nos permite ter outra visão do que é o mundo, do que é a arquitetura e do que é a civilização — explica Tom sobre o prazer que o casal tem de se aventurar pelo Brasil e pelo mundo afora.

E, realmente, eles não param. Em 1985, foram conhecer as ruínas de Machu Pic-chu, no Peru, e a Ilha de Páscoa, localizada na região de Valparaíso, pertencente ao Chile.

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Em 1996, devido a um intercâmbio cultural entre Guaratinguetá e Oizume, no Japão – que se tornaram “cidades irmãs” –, o casal foi até o outro lado do mundo para representar o Museu Frei Galvão. No ano seguinte, foi a vez de Thereza e Tom conhecerem o Saara, o maior deserto quente do mundo, localizado ao norte da África. Isso sem falar nas várias andanças por Portugal e na visita que fizeram, em 2007, a Paestum, na região da Sicília, ao sul da Itália, onde pesquisaram sobre a vida de São Benedito.

Ainda em 2011, a convite de Alzira Agostini Haddad, presidente da Associação Amigos de São João del Rei, o casal deve voltar àquela cidade mineira. O motivo é o lan-çamento das “Agendas 2012 – Série Tom Maia”, que tem a seguinte apresentação:

Grande mestre e artista consagrado nacional e internacionalmente, Tom Maia registrou com toda sensibilidade e delicadeza as nossas cidades históri-cas e cedeu gentilmente os direitos de sua obra para o projeto “Ser nobre é ter identidade”, que trabalha pela preservação de nosso patrimônio.

— A publicação dessas agendas nos emocionou muito, pois demonstra que a missão em defesa de nossos bens culturais está sendo compreendida e divulgada. Ficamos sinceramente agradecidos a Alzira Agostini Haddad, que só conhecemos por e-mails e te-lefone. Será uma grande alegria agradecê-la pessoalmente na histórica e querida São João del Rei — adianta Thereza. O projeto “Ser nobre é ter identidade” foi aprovado pela Lei Rouanet, do Minis-tério da Cultura, e teve início em 2007. Seu objetivo é registrar e divulgar a identidade da cultura brasileira, por meio de produtos para uso prático, como agendas, calendários e marcadores de livro. Também são realizadas exposições itinerantes. O material é distribu-ído gratuitamente a instituições de educação, cultura e patrimônio, que as vendem por um valor simbólico, utilizando a renda para suas próprias atividades. Apenas dez por cento do valor arrecadado é investido no próprio projeto.

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A casa de Paraty, na rua Dona Geralda, ainda pertence ao casal, e sempre está movimentada. Thereza e Tom costumam ir à cidade com frequência, e sempre prestigiam a Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), realizada anualmente, no início do segundo semestre. Nesse evento, chegaram a conversar com Gilberto Gil, em 2004, quando o cantor e compositor era Ministro da Cultura, e foi à Flip para ministrar uma palestra e para se apresentar. Além disso, em 7 de agosto de 2010, quando ocorria a oitava edição da feira, participaram de um bate papo sobre Gilberto Freyre, homenageado daquele ano, acom-panhados de Diuner Mello. O sociólogo Gilberto Freyre, falecido em 1987, é coautor do livro Recife e Olinda, também assinado por Thereza e Tom, publicado em 1978. Mas não é só isso. Durante anos, cultivou a amizade do casal, que frequentava sua casa, no bairro Apipucos, na capital pernambucana, nas idas àquela parte do Nordeste brasileiro. Tom, que até desenhou os móveis da casa do sociólogo, recorda-se que o amigo era conhecido como o “homem do licor de pitanga”, por saber preparar muito bem aque-la bebida. O licor, aliás, foi servido no lançamento de Recife e Olinda, realizado na Acade-mia Pernambucana de Letras, em Recife, em 1978. — No lançamento, havia três filas para autógrafos, uma para mim, outra para Thereza e outra para Gilberto — rememora Tom. Por ter compartilhado a obra com o ilustrador e com a historiadora, que já forma-vam uma dupla tradicional, Gilberto Freyre chegou a brincar: — Eu me sinto um irmão terceiro. Freyre gostou tanto do resultado daquele trabalho em conjunto que convidou Tom para mais uma parceria: desenhar os engenhos de “fogo morto” – denominação dada aos antigos engenhos de cana-de-açúcar – de Pernambuco. No entanto, o convite não pôde ser atendido. — Eu tinha muito trabalho, e estava naquele impulso de desenhar o Brasil. Então, eu disse que voltaria depois para fazer. Só que Gilberto acabou falecendo, e nós não tive-mos tempo de fazer um livro sobre os engenhos. Eu lamento muito por isso. Ele era uma pessoa maravilhosa — afirma Tom.

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As ligações mais recentes do casal com Paraty não se resumem apenas à Flip. O famoso “Caminho do Ouro”, que tem seu início em Paraty, já foi várias vezes percorrido por Thereza e por Tom. Eles consideram o percurso interessante. Nele, há bancos colo-cados estrategicamente para o descanso, e, chegando ao alto do trajeto, há um museu com peças que foram encontradas no caminho, durante seu restauro para passeio turístico. Inaugurado em 2003, o “Caminho do Ouro” consiste numa trilha construída há três séculos pelos escravos, a partir das veredas abertas pelos índios guaianases. Ele une Paraty ao Vale do Paraíba, e foi muito usado para escoar o ouro de Minas Gerais, durante o ciclo da mineração. É local bastante procurado por turistas – principalmente estrangei-ros –, que buscam apreciar a história e o meio ambiente da região. Em 2005, Paraty rendeu mais surpresas: a escola de samba carioca Unidos de Vila Isabel tirou inspiração, para seu enredo, do livro Paraty para você, publicado pela Editora Santuário, em 1989, assinado pelo casal. Thereza, então com setenta anos, e Tom, com setenta e seis, foram convidados a desfilar na Marquês de Sapucaí. Aceitaram o convite rapidinho, e foram ao Rio de Janeiro festejar o Carnaval. Naquele ano, Tom também ganhou uma exposição na cidade: “O Traço de Tom Maia”. O evento – realizado na Casa de Cultura – também foi marcada pelo lançamento do livro Paraty: encantos e malassombras. Na noite de abertura, os organizadores prepara-ram uma surpresa para o casal: inspirados pelo clima das malassombras, convidaram os “assombrosos” – famosos bonecões gigantes – a descerem do morro do cemitério e a participarem do lançamento.

* * *

Thereza ainda preserva seus cabelos curtos, como eram quando moça. Sua apa-rência, mesmo com os sinais da maturidade, ainda é jovem. Vaidosa, vai à academia, gosta de ir ao salão de beleza e está sempre de bem com a vida. Tem vários projetos que preten-de realizar, como escrever um livro com as receitas que coleciona há anos.

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Inspirado nessa personalidade, José Antônio Braga Barros, escritor e integrante da Academia Joseense de Letras, escreveu um poema – “Um bico de pena para Thereza Maia” – para homenageá-la durante o sarau “Elas por Eles – Palavra de Mulher”. Rea-lizado na Aliança Francesa de São José dos Campos, por ocasião do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março de 2011, o evento foi promovido pelo Instituto Ecocultura, coordenado por Sônia Gabriel.

Naquele dia, Barros proferiu as seguintes palavras:

Gostaria muito de ter habilidade com o bico de pena e ir traçando no papel, risco por risco, o perfil de Thereza Regina de Barros Camargo Maia. Mas um perfil cheio de cenários históricos, atemporais, que juntasse Colônia, Império, República... Um traço aqui, outro acolá, cada ponto um significa-do! Bordar rendas e trançados de palha, nobreza e pobreza. Colocar o preto no branco, o Santo com o profano, O erudito com o folclórico, no mesmo nível. Num passe de mágica colocar cheiros e sabores, Doces e salgados, suavemen-te... Pausadamente... Cantarolar minuetos, cantigas, quadrilhas, pontos e folguedos. Soltar, no papel, no traço, pipas e fogos de artifício. Colocar a banda no coreto, orquestras nos salões, Encher as casas com poemas, pianos e violões. No detalhe, na janela do casarão, lá dentro, colocar um oratório, juntar mãos em orações. Lá fora, nas montanhas, fazer descer os rios E subir os tropeiros. Na carga, ouro, incenso e mirra. Mais um pouquinho de tinta e com a mão bem suave, quase angelical, desenhar a mulher, esposa, mãe, avó. Com vários diplomas na parede, mas que se apresenta apenas com o sorriso da cordialidade, da hospitalidade, do carinho, da atenção, que a dis-tingue entre muitas. Ah! Se eu tivesse habilidade com o bico de pena, este perfil de Thereza Regina de Barros Camargo Maia teria que ser desenhado em um outdoor.

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Não para ser visto de longe, ao contrário, bem de perto, de pertinho. E ir des-cobrindo em cada risco um T. Que poderia ser de tesouro, mas é de Thereza Maia.

Thereza já recebeu muitas outras homenagens, algumas bastante importantes. Em 2010, foi honrada com o título de “Membro Honorário da Força Aérea Brasileira”, em reconhecimento aos serviços prestados ao Berço dos Especialistas de Guaratinguetá, da Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR).

* * *

As atrizes Marieta Severo e Nathalia Timberg, em 1986, passaram uma temporada se deliciando com os cafés da tarde no solar dos Camargo. É que os fundos do casarão serviram de cenário para as gravações do longa A casa de Bernarda Alba, dirigido por Suza-na Amaral, para a TV Cultura. A casa de Bernarda Alba foi a última peça escrita pelo dramaturgo espanhol Fede-rico García Lorca, falecido em 1936. O texto conta a história de uma matriarca viúva, que criou as cinco filhas de forma tirânica e autoritária. Vestidas com roupas pretas de época, as atrizes causavam sensação por onde passavam, durante os dias em que permaneceram em Guará. Ficaram hospedadas no Kafé Hotel, no centro, almoçavam no Bar Pequeno, situado ao lado do Museu Frei Galvão, e gostavam de se deliciar com os biscoitos de pol-vilho oferecidos por Thereza. Thereza e Tom se envaidecem com sua história, com a história de seus antepassa-dos e com aquele solar – que já ambientou até filme –, fazendo dele uma espécie de mu-seu. Ali, preservam pratarias, cristais, porcelanas, móveis, canastras, estatuetas, imagens, bibelôs e até brinquedos antigos. E tudo isso pode ser admirado no livro Uma casa paulista, no qual os autores fizeram questão de inserir fotografias de cada parte da casa. O solar foi tombado em 18 de abril de 1982, pelo Conselho de Defesa do Patri-mônio Histórico (Condephaat), do Estado de São Paulo, como “Casa dos Camargo”. Na

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placa de tombamento, afixada no quintal, consta o nome de Paulo Maluf, então gover-nador estadual, o de Cunha Bueno, que era deputado, seguido pelos nomes de Thereza e Tom, que sempre lutaram pela preservação daquele patrimônio. Nos cômodos, há muitas fotografias, distribuídas pelas paredes, que revelam as imagens de quem fez a história da tradicional família. Ao mesmo tempo em que ajudam a perpetuar a memória, as paredes parecem congelar o tempo. A mesma sensação é des-pertada pelo escritório do Dr. Camargo, no porão da casa, que permanece intacto, mesmo depois de passados trinta anos de sua morte.

O lugar tem som característico, formado por vários elementos, como o barulho dos passos de quem caminha pelo assoalho de madeira ou o canto dos pássaros criados por Tom, que não raro decidem piar todos ao mesmo tempo. E também não é difícil que o dono fique brincando de imitá-los.

A atmosfera também é complementada pelas vozes da nova geração: os amigos, que entram e saem, sem pedir licença, as filhas, que se reúnem durante as tardes para tomar um cafezinho ao lado dos pais, e os admiradores e curiosos, que sempre batem à porta para fazer algum tipo de convite ou pedido ao casal.

Enquanto as horas vão passando, as netas vão chegando da escola e tomando conta dos sofás e da TV, dando continuidade ao percurso normal do cotidiano da família.

Os antigos relógios batem para indicar as dezoito horas. A noite já está chegando. E, por mais um dia, os janelões se fecham, o antigo lustre da saleta se acende, e a grande porta de madeira continua aberta.

É assim que vivem Thereza e Tom Maia.

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No dia 20 de dezembro de 2008, Thereza e Tom voltaram à igreja de Santo Antônio para celebrar as bodas de ouro

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João Carlos, Regina, Maria Antônia e Angélica comemoram os 50 anos de casamento dos pais

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Além dos filhos, os netos também festejaram as bodas de iaiá Tom e iaiá Thereza

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João Carlos, o sorriso largo que marca as fotografias da família

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Pelo mundo: nas ruínas de Machu Picchu, no Peru, em 1985

No Festival de Oizumi, no Japão, em 1996, quando a cidade se tornou “irmã” de Guaratinguetá

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No deserto de Saara, onde passearam de camelo, em 1997

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Em Paestum, região da Sicília, na Itália, onde pesquisaram sobre a vida de São Benedito, em 2007

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No documentário “O Rio Paraíba do Sul”, Thereza e Tom até se arriscaram a ser atores

Tom desfruta da companhia de Gilberto Freyre e de sua esposa, Magdalena; Recife, 1978

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A porta da saleta de entrada do solar dos Camargo permanece quase sempre aberta

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Prêmio Sílvio Romero, concedido do Ministério da Educação e Cultura, pelo livro O folclore das tropas, tropeiros e cargueiros no Vale do Paraíba (1980).

Comenda Martim Afonso de Souza, outorgada pelo Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga, pelos “serviços prestados em prol da cultura e do patrimônio histórico e artístico nacional” (1980).

Medalha cultural concedida pelo Conselho de Cultura do Estado do Pará (1981)

Colar de Cunhãbebe, outorgado pelo Atheneu Angrense de Letras e Artes, de Angra dos Reis (1981).

Troféu Piraquara, categoria Intelectuais do Ano, outorgado pelo Rotary Clube Guaratinguetá (1981).

Prêmios, honrarias e títulos recebidos por

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Prêmio Os Notáveis do Vale do Paraíba, atribuído por meio de enquete popular realizada pelo jornal Guaypacaré, de Lorena (1981).

Troféu Tropeiro de 1982, concedido pela Prefeitura de Sorocaba, na Semana do Tropeiro (1982).

Cidadãos honorários de Silveiras, Estado de São Paulo (1982).

Cidadãos honorários de Paraty, Estado do Rio de Janeiro (1983).

Diploma-homenagem do Lyons Clube de Guaratinguetá, no Dia do Artista (1991).

Prêmio do jornal O Diário, de Guaratinguetá (1992).

Prêmio-homenagem do Serviço Social da Indústria (Sesi) de Lorena “aos estudiosos e divulgadores da cultura valeparaibana” (1992).

Prêmio cultural Eugênia Sereno, concedido pelo Instituto de Estudos Valeparaibanos, pela autoria de A mulher e o Vale do Paraíba (1995).

Prêmio cultural Eugênia Sereno, concedido pelo Instituto de Estudos Valeparaibanos, pela autoria de Memórias do comércio de Guaratinguetá (1995).

Prêmio Turis Especial, recebido em Paraty (1995).

Prêmio Cavalo de Ouro, homenagem pelos relevantes serviços prestados à Cavalaria de São Benedito de Guaratinguetá (1996).

Cidadãos eméritos de Guaratinguetá, título outorgado pela Câmara Municipal de Guaratinguetá (1996).

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Prêmio Personalidades do Ano, do Rotary Clube Guaratinguetá Norte (1998).

Título-homenagem Defensores de Bens Culturais, recebido do Governador do Estado de São Paulo e da Secretaria de Recuperação de Bens Culturais (1999).

Diploma-homenagem “pelo apoio e dedicação à beatificação de Frei Antônio de Sant’Ana Galvão, primeiro brasileiro na glória dos altares”, concedido pela Catedral de Santo Antônio de Guaratinguetá (2000).

Medalha Frei Galvão, outorgada pela Irmandade Frei Galvão e pela Catedral de Santo Antônio de Guaratinguetá (2002).

Condecoração honorífera, medalha de mérito cultural em prata, aos autores do livro de desenhos e textos Ílhavo, terra maruja, concedido pela Câmara Municipal de Ílhavo (2004).

Medalha Frei Galvão, concedida pela Câmara Municipal de Guaratinguetá (2007).

Medalha comemorativa pelos 250 anos da Festa de São Benedito (2007).

Prêmio cultural Eugênia Sereno, concedido pelo Instituto de Estudos Valeparaibanos, pela autoria de Uma casa paulista (2007).

Prêmio Talentos que Fazem Acontecer, “pela destacada atuação à frente do Museu Frei Galvão”, concedido pela Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco) (2007).

Prêmio cultural Eugênia Sereno, concedido pelo Instituto de Estudos Valeparaibanos, na modalidade paradidático, pela publicação de Guaratinguetá: ontem e hoje (2010).

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Atividades atuais

Diretores do Museu Frei Galvão e da Casa de Frei Galvão.

Membros do Conselho Consultivo da Irmandade de Frei Galvão.

Pesquisas para publicação de livros.

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Instituições culturais às quais Tom Maia pertence

Associação Paulista de Belas Artes.

Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga (Estado de São Paulo).

Instituto Histórico e Geográfico de Niterói (Estado do Rio de Janeiro).

Instituto Histórico e Artístico de Paraty (Estado do Rio de Janeiro).

Atheneu Angrense de Letras e Artes, em Angra dos Reis (Estado do Rio de Janeiro).

Instituto de Estudos Valeparaibanos (Estado de São Paulo).

Associação Paulista de Imprensa.

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Museu Frei Galvão, em Guaratinguetá (Estado de São Paulo).

Associação Paulista do Ministério Público.

Centro Social de Guaratinguetá (Estado de São Paulo)

Fundação Cultural do Vale do Paraíba, em Jacareí (Estado de São Paulo).

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Prêmios individuais de Tom Maia

Troféu Enrico Bastiglia: primeiro prêmio no VI Salão da Prefeitura Municipal de São Paulo (1973).

Menção Honrosa no XXXI Salão da Associação Paulista de Belas Artes (1973).

Troféu Associação Paulista de Belas Artes: primeiro prêmio no Salão da Paisagem Paulista (1974).

Troféu Melhor em Artes: prêmio conferido pela Prefeitura Municipal de Guaratinguetá (1974).

Medalha de Bronze no XXXIII Salão da Associação Paulista de Belas Artes (1975).

Medalha de Prata no VII Salão da Paisagem Paulista (1975).

Grande Medalha de Bronze no XXXIV Salão da Associação Paulista de Belas Artes (1976).

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Medalha de Prata no XXXV Salão da Associação Paulista de Belas Artes (1977).

Grande Medalha de Prata no XXXVI Salão da Associação Paulista de Belas Artes (1978).

Prêmio Conselho Estadual de Cultura no Salão Paulista (1977).

Prêmio Conselho Estadual de Cultura no Salão Paulista (1979).

Medalha Cultural Francisco Matarazzo Sobrinho, concedida pelo Centro Cultural Francisco Matarazzo Sobrinho, de São Paulo (1991).

Prêmio cultural Eugênia Sereno, concedido pelo Instituto de Estudos Valeparaibanos, pela autoria de No mundo das Sinhás (2002).

Prêmio Cidadão de Ouro da Estrada Real, pelo logotipo do Caminho do Ouro, recebido em Paraty (2006).

* * *

Instituições culturais às quais Thereza Maia pertence

Museu Frei Galvão e Arquivo Memória de Guaratinguetá: membro fundador e presidente desde sua fundação, em 1972.

Instituto Histórico e Artístico de Paraty (membro fundador).

Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga (Estado de São Paulo).

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Instituto Histórico e Geográfico de Niterói (Estado do Rio de Janeiro).

Instituto de Estudos Valeparaibanos (Estado de São Paulo).

Associação Paulista de Imprensa (Estado de São Paulo).

Atheneu Angrense de Letras e Artes, em Angra dos Reis (Estado do Rio de Janeiro).

União Brasileira de Escritores (Estado de São Paulo).

Fundação Cultural do Vale do Paraíba, em Jacareí (Estado de São Paulo).

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Prêmios e títulos individuais de Thereza Maia

Prêmio Dez Mulheres do Ano, concedido pelo Conselho Nacional de Mulheres do Brasil, na área da cultura (2006).

Título Honorífico Membro Honorário da Força Aérea Brasileira, como reconhecimento pelos valiosos serviços prestados ao Berço dos Especialistas, outorgado pela Escola de Especialistas de Aeronáutica de Guaratinguetá (2010).

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Paraty: religião e folclore (1974)Autoria: Thereza MaiaMenção honrosa do Prêmio Sílvio Romero, do Ministério da Educação e Cultura (1973).1ª edição pela Cia. Editora Nacional (1974). 2ª edição pela LTC Editora Arte e Cultura (1976).

Vale do Paraíba: velhas fazendas (1975)Autoria: Tom Maia e Sérgio Buarque de Hollanda1ª edição pela EDUSP e pela Cia. Editora Nacional (1975).2ª edição pela Cia. Editora Nacional (1976).

Paraty (1975)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo MaiaPrefácio de Mário Guimarães Ferri. 1ª edição pela EDUSP e pela Cia. Editora Nacional (1975). 2ª, edições, com resumo em inglês, pela Cia. Editora Nacional (1976; 1977; 1979).

Bibliografia de Thereza e Tom Maia

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Do Rio a Santos: velho litoral (1976)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo MaiaPrefácio de Mário Guimarães Ferri. 1ª edição pela Edusp e pela Cia. Editora Nacional (1976). 2ª edição pela Cia. Editora Nacional, com resumo em francês e inglês (1979).

Vale do Paraíba: velhas cidades (1977)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo MaiaPrefácio de Mário Guimarães Ferri.Edição pela EDUSP e pela Cia. Editora Nacional, com resumos em francês, inglês e espanhol (1977).

Recife e Olinda (1978)Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e Gilberto Freyre Prefácio de Said Farhat. 1ª edição pela EDUSP e pela Cia. Editora Nacional, em coedição do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, de Pernambuco, com resumos em francês, inglês e espanhol (1978). 2ª edição (1978).

São João del Rei e Tiradentes (1978)Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e Afonso Arinos de Mello Franco Prefácio de Said Farhat. 1ª e 2ª edições pela Cia. Editora Nacional, em coedição com a Embratur, com resumos em inglês, francês e espanhol (1978).

Serro do Frio: vila do Príncipe (1979)Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e Miguel Lins Prefácio de Said Farhat.Edição pela Cia. Editora Nacional, em coedição com a Embratur, com resumos em inglês, francês e espanhol (1979).

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Sergipe del Rei (1979)Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e José Anderson do NascimentoPrefácio de Said Farhat. Edição pela Cia. Editora Nacional, em coedição com a Embratur, com resumos em inglês, francês e espanhol (1979).

Tijuco e Diamantina (1979)Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e Ayres da Matta Machado Filho Prefácio de Said Farhat. Edição pela Cia. Editora Nacional, em coedição com a Embratur, com resumos em inglês, francês e espanhol (1979).

Vila Boa de Goiás (1979) Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e Bernardo Ellis Prefácio de Said Farhat.Edição pela Cia. Editora Nacional, em coedição com a Embratur, com resumos em inglês, francês e espanhol (1979).

Grão-Pará (1979)Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e Leandro Tocantins Prefácio de Olavo Lyra Maia. 1ª edição pela Cia. Editora Nacional, em coedição com a Secretaria da Cultura e Conselho de Cultura do Pará (1979). 2ª edição pela Editora Expressão e Cultura, com resumos em inglês, francês, espanhol, alemão e japonês (1987).

Ouro Preto e Mariana (1980)Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e Tarquínio J. Barbosa de OliveiraComemorativo pela elevação de Ouro Preto a Patrimônio Mundial, pela Unesco.Edição pela Berlendis e Vertecchia Editores, em coedição com a Fundação Roberto Marinho e Fiat Automóveis Ltda, com resumos em inglês, francês e italiano (1980).

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Folclore das tropas, tropeiros e cargueiros no Vale do Paraíba (1981)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo MaiaPrêmio Sílvio Romero, da Campanha de Defesa do Folclore, do Ministério da Educação e Cultura (1980).Edição pela Portinho Cavalcanti Editora para o Instituto Nacional do Folclore, Ministério da Educação e Cultura, Funart e Secretaria da Cultura de São Paulo (1981).

Velho Maranhão (1981)Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e Josué MontelloPrefácio de Gilberto Huber.Apresentação de José Sarney. Edição pela Editora Expressão e Cultura (1981).

Velho Brasil de hoje (1983)Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e Pedro Calmon1ª, 2ª e 3ª edições pela Editora Expressão e Cultura (1983; 1985; 1986). 4ª edição, bilíngue (português e inglês), pela Editora Expressão e Cultura (1991).

Velha Bahia de hoje (1985) Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e José Calasans Prefácio de Gilberto Huber.1ª edição, bilíngue (português e inglês), pela Editora Expressão e Cultura (1985).2ª edição, bilíngue (português e inglês), pela Editora Expressão e Cultura, comemorativa pelos 177 anos da Associação Comercial da Bahia (1988).

São João del Rei na história de Minas e do Brasil (1986)Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e Francisco Iglésias Prefácio de Ronaldo do Valle Simões. Edição bilíngue (português e inglês), pela Editora Expressão e Cultura (1986).

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Coleção infantil “Colorindo o Brasil” (1987)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo MaiaCom desenhos de Paraty, do Vale do Paraíba, de Belém do Pará, da Bahia e de Ouro Preto. Edição pela Editora Santuário (1987).

Vale do Paraíba: vida cultural (1988)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Apresentação de Carlos di Genio e Ocílio Ferraz. Edição pelo Centro Educacional Objetivo e pela Fundação Nacional do Tropeirismo (1988).

O Vale do Paraíba e as festas dos escravos (1988)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Edição pela Ebid Editora (1988).

O passado ao vivo (1988)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Edição pelo Governo do Estado de São Paulo – Secretaria do Estado da Educação e Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) (1988).

Vale do Paraíba: cidades e Vale do Paraíba: fazendas (1989)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Volumes 2 e 5 da “Coleção Colorindo o Brasil”. Edição pela Editora Santuário (1989).

Paraty para você (1989)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Edição pela Editora Santuário (1989).

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Vale do Paraíba: festas populares (1990)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Apresentação de João Carlos di Genio e Ocílio Ferraz. Edição pelo Centro Educacional Objetivo e pela Fundação Nacional do Tropeirismo (1990).

Patrimônio Cultural de Itu (1991)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Edição pela Prefeitura Municipal de Itu e pela Faculdade de Direito de Itu (1991).

Paraty: história, festas, folclore, monumentos (1991)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Edição pela Editora Expressão e Cultura (1991). A mulher e o Vale do Paraíba (1991)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Prêmio Eugênia Sereno, do Instituto de Estudos Valeparaibanos (1991). Edição pela Ebid Editora (1992).

Medicina popular e ecologia no Vale do Paraíba (1992)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Edição pela Ebid Editora (1992).

Arte popular nativa do Vale do Paraíba (1992)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Edição pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) (1992).

Guaratinguetá: roteiro turístico, cultural e ecológico (1994)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Apresentação de João Carlos di Gênio e Ocílio Ferraz. Edição pelo Centro Educacional Objetivo e pela Fundação Nacional do Tropeirismo (1994).

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Ouro Preto (1994)Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e Francisco IglésiasEdição em 7 línguas (português, inglês, francês, espanhol, alemão, russo e japonês), pela Editora Expressão e Cultura (1994).

Memórias do comércio de Guaratinguetá (1995)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Edição pela Editora Magazine (1995).

Itu: quatro séculos de história (1995)Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e Jonas Soares de SouzaPrefácio de Donato Mello Júnior.Apresentação de José Sebastião Witter. Edição pela Expressão Editorial (1995).

Frei Galvão: sua terra e sua vida (1998) Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Edição em português, inglês, espanhol, pela Editora Santuário (1998).

Viagem ao país dos mineiros (1999)Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e Francisco IglésiasApresentação de Ângelo Oswaldo de Araújo Santos.Edição pela Editora Exped, com 350 desenhos e legendas (1999).

O Vale Paulista do Rio Paraíba (2000)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia1ª edição pela Editora Santuário (2000). 2ª edição atualizada pela Documento Histórico Editora Ltda. (2005).

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Paraty para ti (2000)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Edição bilíngue (português e inglês) pela Editora Stiliano (2000).

Óbidos, casa das rainhas (2000)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia Coordenação de Manuela Marques Pereira e Sérgio Gorjão. Apoio da Comunidade Europeia.Edição pela Câmara Municipal de Óbidos e pelo Santuário do Senhor Jesus da Pedra (2000).

Conversa de cozinha: a história vendendo o seu peixe (2000)Autoria: Tom Maia, Thereza Regina de Camargo Maia e José Luiz de SouzaApoio cultural da Blue Deep Indústria e Comércio de Alimentos. Edição pela Blue Deep Indústria e Comércio de Alimentos (2000).

Roteiro do café (2000)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo MaiaEdição pela Secretaria de Estado de Esportes e Turismo de São Paulo e pela Divisão de Pesquisa e Planejamento (2000).

Paraty para crianças (2002)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo Maia2ª edição atualizada publicada originalmente em 1987, pela Editora Santuário (2002).

Ílhavo, vila maruja (2003)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo MaiaEdição pela Câmara Municipal de Ílhavo (2003).

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No mundo das sinhás (2003)Autoria: Tom Maia1ª edição pela Editora Santuário (2003)2ª edição pela Documento Histórico Editora Ltda (2005).

Paraty: encantos e malassombras (2005)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo MaiaEdição bilíngue (português e inglês) pela Editora Santuário (2005).

Uma casa paulista (2007)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo MaiaEdição pela Noovha América Editora Distribuidora de Livros Ltda. (2007).

Guaratinguetá: ontem e hoje (2010)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo MaiaEdição pela Noovha América Editora Distribuidora de Livros Ltda. (2010).

Frei Galvão para crianças e para adultos também (2011)Autoria: Tom Maia e Thereza Regina de Camargo MaiaEdição pela Editora Santuário (2011).

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BORREGO, Beatriz; MARIA, Letícia; MAIA, Paula. Uma lacuna na história: movimentos de oposição ao regime militar nas cidades de Lorena e Aparecida. Taubaté: Papel Brasil, 2000.

KOTSCHO, Ricardo. A prática da reportagem. São Paulo: Ática, 2007.

LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Record, 2001.

LIMA, Edvaldo Pereira. O que é livro-reportagem. São Paulo: Brasiliense, 1998.

MAIA, Thereza Regina de Camargo; MAIA Tom. Guaratinguetá: ontem e hoje. São Paulo: Noovha America, 2010.

________.; ________. Uma casa paulista. São Paulo: Noovha America, 2007.

________.; ________. Paraty: encantos e malassombras. Aparecida: Santuário, 2005.

________.; ________. Paraty para ti: guia cultural. São Paulo: Stiliano, 2000.

________.; ________. Frei Galvão, sua terra e sua vida. Aparecida: Santuário, 1998.

OYAMA, Thaís. A arte de entrevistar bem. São Paulo: Contexto, 2008.

SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem: notas sobre uma narrativa jornalística. São Paulo: Summus, 1986.

Referências

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