262
Um Ano de Berro 365 dias de fúria

UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Rascunho do que viria a ser o livro comemorativo de 1 ano do fanzine O BERRO. O livro saiu impresso pela Editora Independente, de Brasília.

Citation preview

Page 1: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Um Ano de Berro365 dias de fúria

Page 2: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

BARBOSA, Fabio da Silva. VASCONCELLOS, Alexandre Mendes de. GUEDES JÚNIOR, Winter Bastos. Um ano de Berro: 365 dias de fúria. Brasília: Editora Independente, 2010.

Colaborou: Francisco Bragança, Anita Rink, Tânia Roxo, Aline Naue, Renata Machado Seti Rodrigues e Eduardo Marinho.

Organização: Fabio da Silva Barbosa e Winter Bastos Guedes

Júnior.

Capa: arte de Alexandre Mendes Vasconcellos.

Impresso na Gráfica Bandeirantes.

Permitida a reprodução integral ou parcial, desde que citados

os seus autores e a Editora. Todos os direitos estão

reservados.

Abril de 2010.

www.editoraindependente.com.br

Page 3: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

APRESENTAÇÃO

Foi em outubro de 2008 que nasceu o fanzine O Berro, fruto do esforço comum de três amigos que acreditaram num veículo de comunicação inovador, plural, crítico e participativo. Àquele despretensioso número 0, seguiram-se outros. A publicação continuou independente e mensal, apesar de todas as dificuldades de se manter um meio de comunicação alternativo. Continuou produzida por Fabio Barbosa, Alexandre Mendes e Winter Bastos, mas teve vários colaboradores. E, graças a todos, já ultrapassou um ano de vida.

Este livro reúne textos presentes no fanzine O Berro em seu primeiro ano de luta. Foram 12 números de revolta, arte, crítica, poesia, política, cinema, literatura, vida: 365 dias de furor, fibra e fúria. E, ao que tudo indica, é só o início.

Winter Bastos

ÍNDICE

TextosDesenhos

Capas

Page 4: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

O Aumento Por Fabio da Silva Barbosa

Nos chuveiros da fábrica, Tarciso e Genival se banhavam no final do expediente.

_E aí, Tarciso? Vamos tomar uma?_Hoje não. Tenho um compromisso importante._Quando compromisso foi motivo para não beber?_Mas hoje é sério._Motivo de doença?_Não._Então é papo de mulher._Também não - sorriu Tarciso, enquanto se enxugava. _Depois te conto. Agora não dá.Tarciso se arrumou apressado e seguiu rumo às

escadas. Ao subir os degraus, seus passos começaram a ficar lentos e vacilantes. A cabeça girava tentando formular frases e gestos. Passou a semana remoendo se deveria ou não tomar aquela atitude. Enfim decidiu. Daquele dia não passaria.

Terceiro andar. Passou a mão pela testa suada. Lembrou que deveria ter pego o elevador. Já avistava a mesa da secretária, que com ar entediado, falava ao telefone. Começou a fazer promessas a todos os santos e orixás que lhe vinham a cabeça. De pé, Tarciso aguardou por quinze minutos até ser percebido. Contrariada, a secretária disse que teria de desligar. Voltou-se para ele e perguntou se desejava alguma

Page 5: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

coisa._Por favor, gostaria de falar com o senhor Gervázio._Qual seu nome?_Tarciso. Sou funcionário._Vou ver se ele pode atender - discou o ramal. Passado

algum tempo, anunciou: -Senhor Gervázio, Tem um funcionário de nome Tarciso querendo falar com o senhor.

_E então? Posso entrar?_Ele pediu que o senhor aguarde um pouquinho. Pode

sentar. _Indicou, com a caneta, as cadeiras de espera.Exatos cinquenta minutos se passaram. Tarciso já

achava melhor deixar aquilo tudo de lado. A úlcera começava a doer e a cabeça girava mais que pião. A secretária juntou alguns papéis que estavam sobre sua mesa. Bateu na porta da sala ao lado. Senhor Gervásio, com a habilidade que só a prática dá, fechou a página erótica que minuciosamente analisava na tela do computador. Ela entrou. Lembrou do funcionário que aguardava do lado de fora.

_Que funcionário? Vem cá, dona Marisa. Senta aqui._Mais quarenta minutos se passaram. Tarciso já se

levantava quando ela voltou._Pode entrar.Agora não tinha mais jeito._Com licença._Pode entrar. Sente-se. Em que posso ajudá-lo?

Page 6: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

_Meu nome é Tarciso e já trabalho a quinze anos na sua fábrica. Nunca faltei um dia sequer. Mesmo quando doente. Nem atrasado cheguei.

_Hum..._Se o senhor verificar minha ficha, poderá ver que não

há nada que me desabone. Então gostaria de pedir..._Hum..._Gostaria de pedir um aumento._Aumento?_Sim... Afinal são quinze anos... A família cresceu... O

senhor sabe como é..._Claro. Entendo.Tarciso quase saltou da cadeira._Entende mesmo? Então quer dizer que...Senhor Gervázio o olhou de forma penetrante. Parecia

ler sua alma. Pegou o telefone e pediu que a secretária levasse a pasta com os documentos de Tarciso.

_O senhor deseja uma bebida?_Não, obrigado._Cigarros?_Parei de fumar._Sábia decisão, senhor Narciso. Folgo em saber que

temos alguém com tanta perspicácia como o senhor trabalhando aqui.

_Tarciso._Tarciso, claro, Tarciso – estudou o rosto do funcionário

Page 7: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

por algum tempo. – Sabe de uma coisa, senhor Narciso. Uma coisa que me incomoda é a visão errada que as pessoas têm de mim. Às vezes percebo que alguns funcionários me vêem como uma pessoa fria e sem coração.

_Que absurdo.A conversa continuou descontraída, circulando por

assuntos leves, até dona Marisa cortar a sala com a esperada pasta na mão. O chefe agradeceu com cerimônia. Ela se retirou. Ele passou os olhos pelos documentos. Fechou a pasta e a jogou sobre a mesa.

_Realmente sua visita foi providencial. Tarciso estava completamente aliviado. Deveria ter tomado a mais tempo aquela decisão.

_Eu realmente estava querendo falar-lhe – continuou o chefe, tomando nesse ponto um ar grave, que deixou o funcionário confuso. – Nossa fábrica está passando por um momento difícil e estamos pensando em fazer alguns cortes.

_Cortes?_Infelizmente. E teremos de começar por funcionários

como o senhor, que estão muito além de nossas posses no momento.

_Mas... não pode ser..._Lamentamos muito._Mas... se conversarmos com calma... podemos..._Não nos sentiríamos à vontade pagando tão mal a

alguém tão capacitado. Com certeza isso não será problema

Page 8: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

para alguém como o senhor. Qualquer empresa ficaria satisfeita em recebê-lo em seu quadro de funcionários.

_Não é tão fácil... Emprego está difícil... E..._Não para o senhor. Tenho certeza._Por favor, senhor... Sejamos razoáveis... Esqueçamos

essa história de aumento..._Mas não é só o caso do aumento. Seu salário é

inviável._Conversando... com certeza chegaremos a um acordo._A fábrica no momento só pode pagar a metade que o

senhor recebe atualmente._A metade?_Sabia que o senhor não iria aprovar. Acho inclusive

bem compreensivo. Não tomarei mais seu tempo._Tudo bem. tudo bem. Eu aceito._Tem certeza?_Claro._Então faça o favor de se retirar. Ainda tenho muito que

fazer._Muito obrigado e desculpe o incômodo. O senhor é

realmente um bom homem. Tem um ótimo coração.Ao ver Tarciso fechar a porta, o garboso senhor

Gervázio girou a cadeira, pondo-se de frente para o computador, onde iria voltar a analisar alguns corpos nus, enquanto Tarciso descia as escadas orgulhoso. Queria chegar em casa e contar a mulher como heroicamente defendeu seu

Page 9: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

emprego.

A festaPor Fabio da Silva Barbosa

_Volta aqui, menino - Milne corre atrás do filho com a toalha na mão - a casa está ficando toda molhada.

_Me solta... Sai daqui! - grita o menino ao ser agarrado e embrulhado na toalha.

_Fica quieto, diabo. Deixa eu te enxugar. Isso... assim..._Ai...tá me machucando._Tem que secar o cabelo direito. Agora vamos colocar a

roupinha nova._Não quero. Não gostei dessa roupa._Como não? Conjunto tão bonitinho!_Não quero. Tira isso. _Deixa de ser bobo, Paulinho. Enfia o braço. Levanta.

Vai .Chegando na festa, Milne deu um leve empurrão nas

costas do filho._Leva o presente para o amiguinho._Não quero._Olha a falta de educação._Não vou entregar nada. _Assim ele vai ficar triste.

Page 10: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

_Problema dele._Mas ele não é seu amiguinho?_Não._Desgraça de menino. Só me faz passar vergonha.

_Oi, Milne. Que bom que vocês vieram! Paulinho, onde está o beijo da tia?

_Fala com a tia Vera, menino.Paulinho mostra a língua._Dando língua para a tia? Que coisa feia!_Desculpe, Vera. Não sei mais oque fazer com esse

menino. Nem parece meu filho._Vem sentar. Daquela mesa você consegue vigiar ele._Pára de correr, garoto. Está ficando todo suado. Olha

a atracação. Que inferno de criança. O conjuntinho novo está amassando. Senta um pouco.

_Me larga. Não quero sentar.No caminho de volta, Milne dirigia o carro com atenção.

Passado algum tempo, resolveu quebrar o silêncio._Gostou da festa, meu filho? Paulinho? Você poderia

pelo menos fazer o favor de me responder? - Milne vira levemente a cabeça para o lado e se depara com o menino dormindo - Que gracinha, dorme como um anjinho.

Page 11: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Do padrePor Fabio da Silva Barbosa

Padre Eurípides já se impacientava. Os olhos passeavam pelas linhas da Bíblia, escorregando rumo a discreta porta lateral da capela e de lá para o relógio. Já fazia um quarto de hora que aguardava pela chegada de Eulálio.

_Ó senhor!Depositou o livro sobre as coxas. A mão direita tateou,

até achar o terço que repousava, desengonçado, sobre o comprido banco de madeira. Fechou os olhos e começou a murmurar alguma coisa, enquanto os dedos alisavam as contas do sagrado cordão. A porta lateral rangeu. Padre Eurípides se levantou com um salto. A Bíblia caiu.

_A pontualidade é uma virtude muito apreciada - repreendeu o sacerdote, com ar severo.

_Desculpe, padre. Mamãe demorou a dormir._Não tem problema._Estudou o rapaz de cima a baixo._Venha._Pediu com delicadeza, estendendo os braços._Padre..._Xxxiiiii... Não diga nada. Não é hora de falar-

murmurou o padre, apertando Eulálio contra o corpo._Porque demorou tanto?_Mamãe...

Page 12: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

_Xxxiiiii... Não fale. Não fale- apoiou a cabeça no ombro de sua querida tentação, tentando capturar todo frescor juvenil que exalava de seu pescoço. A voz estremeceu, embriagada pelo prazer.

_Vamos para o altar._No altar?_Não seja bobo - sorriu, segurando a mão de Eulálio -

Vem._Chegando ao último degrau pôs-se de quatro,

escobrindo as nádegas brancas. _Vem, Eulálio! Vem! _Eulálio desviou o olhar. Deparou-se com o cristo

crucificado._Vem, Eulálio! Vem!Eulálio pousou as mãos tremulas sobre as nádegas

flácidas do padre._Vem! Vem! - Padre Eurípides virou a cabeça, fitando

seu objeto de desejo. A suplica em seus olhos lhe dava um ar infantil.

_Ai, padre..._Vem! Anda! Vem!Eulálio abriu rapidamente o fechecler, descendo a causa

até os joelhos. O membro, já meio endurecido, penetrou sem dificuldade no sacrossanto orifício. Padre Eurípides foi sacudido por bizarros frenesis. Começou a recordar os tempos de seminário. Do padre Francis. De como esse rigoroso mestre o

Page 13: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

introduziu nos mistérios da fé._Ah...Padre Francis...Ah..._?_Xxxiiiii... Não fala... Não fala. - As lembranças o

embalavam. Como era bondoso o padre Francis. Tão amigo. Tão paciente com os que ainda tinham tanto a aprender.- Vem Eulálio... Eulálio... Eulálio e Eurípides... Vem... Ah...Padre Francis... Oh...

O ritmo dos corpos acelerava. Padre Eurípides apertava os olhos, misturando passado e presente. Um estremecimento repentino jogou os corpos no chão. Após curto silêncio, os lábios do padre se entreabriram, deixando escapar um gemidinho agudo.

_O dinheiro está no lugar de sempre. Cuidado quando for. Ninguém pode ver - a voz do padre saía ofegante.

Os olhos sacerdotais ainda estavam fechados. Eulálio aproveitou para apreciar um pouco mais aquela criatura dantesca, com que acabara tão bestialmente de se satisfazer. Não era só o padre que sentia prazer naquela atividade. Ele próprio já sentia falta daqueles encontros noturnos quando demoravam um pouco mais a acontecer. Mas o padre não poderia desconfiar, pois inventaria de não pagar e dinheiro era muito bem vindo. Eulálio saiu em silêncio. Ao pegar o pagamento, aproveitou para levar uma garrafa de vinho pela metade que o sacerdote havia esquecido ali por perto. Ao passar pelo padre deitado no altar, pode escutá-lo sussurrar o

Page 14: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

nome do rigoroso padre Francis, com doçura angelical. Atravessou a porta por onde meia hora antes havia entrado. Subiu a rua tomando um gole do vinho, pensando que teria de acordar cedo para levar sua velha mãe a igreja, assistir a missa do santo padre Eurípides.

A hora da macaca mancaPor Fabio da Silva Barbosa

Já fazia mais de uma hora que estava ali. O suor escorria pelo pescoço. O ventilador de teto espalhava o ar quente pelo lugar. Seu rô olhava Gonzaga com desconfiança.

_Tá olhando o que, português? Não tô agradando avisa. Se não fosse por mim essa porcaria tava vazia. Seu Rô estalou os lábios e foi arrumar o freezer. Preferia estar só a ter aquele tipo como único freguês. Mas segunda-feira era um dia fraco e as contas não paravam de chegar. _Pensei que não viesse.- Gruniu Gonzaga ao ver Zinda entrar no botequim.

_Só consegui chegar agora. O que você quer?- Perguntou Zinda sentando.

_Ô português, sai aquela gelada e um copo para a moça aqui.

Seu Rô, com ar contrariado, pôs a cerveja e o copo em

Page 15: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

cima do balcão. Zinda levantou-se e foi buscar. Pegou a cerveja encheu o copo e já veio bebendo. Gonzaga apreciou o trajeto dela com incontido interesse e admiração. Ela ainda era uma menina. Dezesseis? Dezessete? Quem sabe? Nem ela, sabia ao certo. Todos os documentos que tinha, foi ele quem arrumou com um amigo. Do nome ele não gostou. Nome feio aquele. Podia escolher o nome que quisesse. Mas essa era a única recordação que tinha. O único pedaço de história pessoal que possuía. Não sabia de mais nada. Pai...mãe...nada...

_Não posso demorar. Se Carboniere descobre que me encontrei com você, vai se aborrecer. Prometi que nunca mais nos veríamos.

_Então é ele? É por causa desse sujeito que você me abandonou?

_Ele tem sido bom para mim. Quer me tirar da rua. Me pediu em casamento.

_Tudo que você tem fui eu que dei. Sabe o que é estar agarrado naquele buraco, sem dinheiro e sem pertencer a nenhuma facção? Sabe o que acontece com um homem nessas condições? Ele deixa de ser homem. Ele vira um escravo. Vira um...

_Tentei levar o dinheiro, mas ele não deixava. Disse que teria de escolher. Queria me transformar numa mulher séria. Não podia continuar sendo a prostituta protegida por um preso sem nenhum tipo de poder aqui fora. Estavam tomando

Page 16: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

tudo que ganhava. Ninguém respeitava mais seu nome._Torpedo prometeu que cuidaria de meus negócios._Na primeira semana em que esteve preso ele me

quebrou três costelas e disse que se te falasse me mataria e botava a culpa na polícia.

Gonzaga era um baiano baixinho e troncudo. Tinha quarenta e dois anos. Aos sete era engraxate. Aos nove vendia doce no ônibus. Dos onze aos dezoito saiu pelo Brasil a fora e conheceu os horrores das instituições para menores, ao ser pego roubando uma bolsa em São Paulo. Participou de uma fuga aos quinze, mas em menos de seis meses estava de volta. Aos vinte veio para o Rio de Janeiro começar carreira de rufião. Ao ouvir essas palavras, tomou conhecimento da traição do colega de profissão, tornando o rosto rígido e trincando os dentes.

_Ele me paga. _Paga nada. Isso é besteira. Se fizer qualquer coisa te trancam de novo._Volta a colar comigo e esqueço tudo isso. Te perdôo. Prometo. Vai ter vida de rainha._Não posso._Claro que pode. Deixa o maldito gringo comigo._Você não entende. Pela primeira vez alguém quer

realmente melhorar minha vida. Ele realmente está cuidando de mim. Tem um professor me ensinando a ler.

_Ensinando a ler? Eu te dei muito mais que isso. Eu te

Page 17: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

ensinei a viver por você. Sem precisar de nada nem de ninguém. O que vai conseguir sabendo ler? O que importa é ter uma viração.- Argumentou Gonzaga atordoado.

_Não, baiano. Não quero mais isso - Zinda pegou algumas notas e depositou sobre a mesa.- Isso deve dar para pagar a cerveja. -

_E nós? - Suplicou Gonzaga- Sempre fizemos uma dupla infernal. Sabe que ninguém vai conseguir dar oque te dou. Juntos podemos tudo.

_Não me procure mais. Não quero contrariar Carboniere.

_E você pensa que é assim? - Gonzaga levantou-se agarrando Zinda pelo braço. Sacou rapidamente da faca e a enfiou com ferocidade na barriga da mulher, que de olhos arregalados escorreu pelo ar, até cair sentada de volta na cadeira.

_Parado, se não eu atiro._Abaixa essa arma, português.Com um movimento rápido, Gonzaga desarmou o

comerciante passando a faca pela sua garganta.Foi até a porta. Conferiu se não vinha ninguém. Metendo na cintura o trinta e oito que acabara de adquirir, deu a volta por trás do balcão e pegou todo dinheiro do caixa. Ao sair esvaziou os bolsos do velho português e pegou a bolsa de Zinda que foi esvaziando pelo caminho.

Ao passar por uma esquina, leu no muro uma pichação

Page 18: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

que dizia:“Agora, meu chapa, é a hora da macaca manca”.

VidinhaPor Fabio da Silva Barbosa

Vinha se arrastando pelos muros. Pedras e buracos golpeavam seus pés. Um grupo de mulheres conversava na esquina. Tentou se afastar da parede. Quase caiu. Chegou mais perto do grupo. Não eram mulheres. Um cachorro invisível latia em algum lugar. Quando reparou, já haviam passado alguns quarteirões. Faltava pouco. Só restava descobrir onde estava.

_“Será que eram mulheres?” – resmungou.O Sol iluminava seu mal-estar. Tomou conhecimento de

que existia. Os olhos entreabriram. A dor entrou pelas pálpebras atingindo o topo do crânio. Sentiu chegar à nuca. Fechou novamente os olhos. Um cheiro azedo invadiu as fossas nasais. Fez força para se levantar. As mãos tremiam com o esforço. Parecia impossível desgrudar o corpo do chão. Tentou novamente abrir os olhos. Olhou para um lado e depois para o outro. Tentava entender o que acontecia. Se localizar. Sentiu algo esquisito colado ao rosto. Olhou para o chão e viu o vômito que servira como travesseiro por toda a noite. Vomitou de novo. Depois do último espasmo estomacal, tentou acelerar o difícil

Page 19: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

ato de levantar. Tudo começou a girar. A dor de estômago competia

com a da cabeça. Conseguiu ficar de joelhos. Olhou para sua casa. Caiu bem na esquina. Se tivesse dado mais alguns passos, teria conseguido dormir em casa e evitar mais esse vexame. Reuniu toda a energia que havia em seu corpo para segurar no poste e ficar de pé. Jogou a cabeça para trás. Quase caiu de costas. Tentou ajeitar seu esqueleto. Deu dois passos a frente. Respirou fundo e foi. Com o corpo pendendo de um lado para o outro conseguiu chegar em casa.

O portão, como sempre, estava encostado. Parou diante da porta. Pensou um pouco. Tinha de pegar a chave no bolso. Mas, em qual deles estaria? Depois de revistar todo lugar possível, respirou fundo mais uma vez e bocejou: “Merda!” Ao encostar-se à porta, essa cedeu. Quase caiu de cara no cômodo que funcionava como sala, quarto e cozinha. Banheiro não havia. Olhou para o velho fogão à frente. Uma ratazana correu derrubando a lata que estava com um resto de sopa velha. A parede da direita era o quarto, porque nela ficava encostada a cama. A da esquerda era onde o sofá rasgado, que encontrara na rua, indicava ser a sala.

Se jogou no sofá, soltando um suspiro de dor. Esqueceu que as madeiras do móvel velho estavam expostas. Ficou ali por algum tempo tentando organizar as idéias. Quando parecia melhorar, o teto rodava. O mal-estar voltava incapacitando nosso herói de qualquer ação. Uma mosca o aborreceu por

Page 20: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

algum tempo. Levantou irritado. Precisava de um banho. Olhou para o pequeno quintal procurando a solução. Só encontrou lixo e bingas de cigarro rodeando a casa. Pensou em juntar algumas e enrolar um cigarro. A idéia fez subir um calafrio de ojeriza. A baba grossa encheu a boca de nojo. Deixou o corpo cair sobre a cama. A ratazana correu para o quintal. Sentia-se fraco e doente. Os olhos foram fechando. Der repente, dormiu.

1701Por Fabio da Silva Barbosa

Acordei ainda inebriada pela manhã de prazer com

Morgana. Morgana... Era assim que gostava de ser chamada. Minha machinha. Passei as mãos pelo seu corpo nu. Tomei banho e me arrumei. Tinha cliente marcado cinco da tarde. Queria sair antes que ela acordasse. Se me visse indo, poderia estragar tudo com suas crises de ciúme. Sabia que meus clientes tinham algo com que não poderia competir. Isso a deixava louca. Mas, ela se esquecia do mais importante. Eram apenas clientes. Depositei o dinheiro da cerveja em baixo do cinzeiro que transbordava de bingas e saí.

Ao abrir a porta, o senhor que mora em frente abriu a janelinha.

_Boa tarde, princesa!Coitado. Deve passar o dia esperando eu abrir a porta

Page 21: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

para olhar pela janelinha com aquela cara de tarado e me saudar com suas frases feitas. Balancei a cabeça com um sorriso cínico e prossegui. O elevador ainda estava com defeito. A proprietária deveria abater isto no aluguel. Um dos argumentos usados para cobrar esse absurdo por mês, foi o fato do prédio ter elevador. Ratos e baratas disputavam os cantos. O porteiro está sempre dormindo, bêbado.

_Como é Seu Oligário? Assim vai cair da cadeira. Ele abriu os olhos assustado._Oi Dona Clarice... Bom dia..._Boa tarde!Respondi com o mesmo sorriso que havia usado para

cumprimentar meu vizinho. Era uma forma de agradar. Sabia que eles gostavam quando usava esse artifício. Descendo os degraus que desembocavam na rua, ainda pude ouvir seu suspiro.

_Gostosa!!!Deve ter voltado a cochilar logo que dobrei a esquina.

Veio um táxi. Fiz logo sinal. O motorista parou. Entrei séria. Disse o endereço acompanhado de um discreto sorriso. Cínico, como todos os outros. Desci no restaurante combinado. O cliente já estava me esperando na varanda, tomando sua tequila com limão e petiscando algo que daquela distância pareciam azeitonas. Assim que cheguei, me elogiou, como sempre. Esqueci de conferir se eram mesmo azeitonas no pratinho. Conversamos sobre bana-lidades. Ele era jovem,

Page 22: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

bonito e tinha dinheiro. Nunca entendi porque precisava de meus serviços. Qualquer mulher poderia aprender a manusear os consolos de que tanto gostava, sem maiores sacrifícios. Pedi suco de laranja. Dentro de meia hora estávamos no motel.

Eram por volta das vinte e uma quando pedi que me deixasse na boate. Foi uma noite movimentada. Morgana apareceu perto da hora de fechar. O segurança criou problema por ter ordens de não deixá-la entrar. Na última vez abriu um gringo a facadas e deu a maior merda. Conversei com ela, mas não adiantou. Deve ter bebido a tarde toda. Saiu me amaldiçoando e disse que quando voltasse conversaríamos. Suspirando, entrei. Ela sabia que ficaríamos na pior se arranjasse um desses empregos de salário mínimo. Atendi mais dois clientes e fui para o banho. Algumas meninas dormiam por lá, mas se não fosse para casa, ia ter problemas.

O táxi que havia pedido já estava esperando. O motorista tentou puxar assunto, mas eu não estava para muito papo. Só pensava em Morgana e na chateação que iria ter quando chegasse em casa. Estava torcendo para que ela estivesse na rua. Pelo menos chegaria bêbada, em vez de me alugar com suas crises de ciúmes. Às vezes penso que seria melhor morar sozinha. Ou então voltar para minha terra. A família ficaria feliz em me ver voltar. Mas agora não dava para isso. Tinha de juntar mais dinheiro. Estava pensando em comprar um carro. Mas carro era perigoso. O último que tive Morgana estraçalhou contra o poste. Quase perdi aquela

Page 23: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

danada. Se pelo menos tivesse juízo naquela cabeça... Para que beber assim? Mas também, se não beber, fica pior. Ninguém aguenta. Ô coisinha braba que fui arrumar.

Quando nos conhecemos, se vestia de cigana e botava cartas. Fui por indicação de uma amiga e realmente encontrei meu destino. A própria cartomante. Aqueles brincos enormes... Ficava linda com aqueles lenços. O nome havia tirado não sabia bem de onde. Disse que lembrava ter ouvido em algum lugar. Coisas daquela cabeça maluca.

O porteiro estava dormindo. Passei em silêncio. Não estava para sorrisos cínicos. Abri a porta do apartamento. O vizinho da frente também estava dormindo àquela hora. Tomara que Morgana não resolva acordar todos os sonolentos com suas gritarias. A casa estava escura. Ouvi o barulho do chuveiro. Fui para o quarto. Estava tudo revirado. Uma bagunça só.

Deitei e fiquei esperando. Fechei os olhos para, no último caso, fingir que dormia. Ela não veio. Muito tempo se passou. Talvez mais de uma hora. Levantei devagar. O que estaria tramando? Às vezes me assustava com seu lado sombrio. Nunca sabia o que esperar. Bem devagar, fui até a porta do banheiro. Estava entreaberta. Empurrei com cautela. Qual loucura desta vez?

_Morgana?Ninguém respondia. Dei uma espiada. Não poderia ser.

A silhueta, que vi através das paredes plásticas do box,

Page 24: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

registrava algo terrível. Disparei pelo cômodo, abrindo a porta que me separava do meu amor. O corpo estava caído. Sem vida. Parecia uma marionete esquecida por seu dono. A barriguinha, inchada pelo álcool, tapava parte de sua xota cabeluda. Abracei-a em prantos sem saber o que fazer. Era o terror jamais sentido. A água nos molhava, enquanto pedia para que se levantasse. Só depois observei o sangue tingindo o chão do banheiro. Ainda não tinha me recuperado quando os policiais chegaram. Não saberia dizer quanto tempo passou, ou como souberam que precisávamos de ajuda. Agora, estou aqui. Tomando banho de sol no pátio. Nunca saberei o que se passou em nosso apartamento. O número 1701 de um prédio, no centro da cidade. Fui à única suspeita. Seu Oligário não havia visto ninguém entrar ou sair do prédio. Os vizinhos disseram que brigávamos muito, por isso não estranharam aquela gritaria. Uma coisa é certa e só eu sei. Eu não estava lá.

A hora do jantarPor Fabio da Silva Barbosa

Mãe: Viu o marido da Suzana Vieira?Pai: Que merda ele fez agora?Mãe: Morreu de overdoseFilho de saco cheio: E daí? Muita gente morre de overdose.Pai: Isso já é nota fria. Bom foi o sapato voando na cabeça do

Page 25: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Bush.Mãe: Coitado... Um rapaz tão bonito.Pai: Quem??? O Bush?Mãe: Não. Que Bush... Tô falando do marido da Suzana.Filho de saco cheio: Tinham era que matar esse sacana.Pai e mãe: O marido da Suzana Vieira?Filho de saco cheio: Marido de quem? O Bush.Mãe: O marido do Bush. Então ele é gay?Pai: Está dando merda na Grécia.Mãe: Mas o Bush não é americano? Aaaaah... O namorado dele é grego?Pai: O Bush está tendo um caso com um grego? Então é isso.Filho se animando: Espera, vai falar da Madona.De repente falta luz.Pai irritado: Puta que o pariu... Só faltava essa.Filho que correu ao telefone para ligar escondido para o namoradinho: Armando, faltou luz aqui em casa. Me conta o que ta falando da Madona no repórter.Mãe desesperada: Onde vai parar esse mundo. O Bush tem um namorado grego.

Page 26: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

NãoPor Fabio da Silva Barbosa

Fico pensando, atordoado, em como o sistema criado pelos homens e que deveria servir a ele mesmo, se tornou tão predatório que está caçando seu próprio criador. O ser humano está sendo chacinado por sua própria sociedade; por sua própria máquina de matar. A situação está insustentável. Estamos à beira do invivível. O sistema atual virou um predador tão eficaz, que não permite a mínima chance de vida.

Somos educados, a partir de nosso nascimento, a sermos perdedores implacáveis. Nos agrupam, rotulam, vendem.. Fumar e beber se torna o auge da rebeldia. A playboizada acende seu baseado achando que está afrontando as regras. Mas na verdade, é isso que o sistema quer. É aí que ele começa a matar. Ele tira as chances de sua sobrevivência

sob as regras criadas por seus pais ou avós para garantir sua segurança. Uma segurança falsa e inviável. Que exige uma perfeição imprópria do homem. Você se torna seu pior inimigo, assim como as regras criadas pelos antigos se tornaram inimigas deles. Ambos sufocam sua essência de forma diferente.

Como se não fosse suficiente, o sistema de ensino que deveria abrir nossa mente e nos levar a lugares inexplorados, se mostra como algo massificante e sacal. Aqui no Brasil, por exemplo, podemos observar um fenômeno no mínimo insólito. O

Page 27: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

colégio público que deveria atender satisfatoriamente a grande maioria da população, pobre e desprovida de recursos, virou uma espécie de amostra grátis do que acontece nos particulares. As escolas públicas são providas de um ensino ralo e insuficiente. Depois, chegando à época da faculdade, essas pessoas não podem continuar no ensino público, pois a prova para uma universidade pública é para quem estudou em escola particular, que o pobre não tem acesso. Ou seja, ele não tem dinheiro para um ensino superior particular, nem a preparação para um vestibular público. Preciso continuar essa explanação? É difícil ver que é tudo feito para impossibilitar a ascensão dos que estão em baixo? Que é muito mais fácil para quem já está em cima subir ainda mais? DEPOIS AINDA ME VEM COM ESSA ESTORINHA DE COTAS COMO SE FOSSE SOLUÇÃO. BLA BLA BLA

A saúde pública está um caos. Se não tem plano de saúde... Sem chance. E olha que na verdade o atendimento público não é gratuito, já que pagamos inúmeros impostos para termos garantidos esses direitos.

Enquanto nosso massacre acontece diariamente, somos ludibriados com partidas de futebol, onde os jogadores ganham fortunas. O professor, que é o responsável pelo conhecimento, é mais um a viver com dificuldade. A sobreviver na verdade. Realmente é de dar nojo esse animal que vive satisfeito com a política de pão e circo aplicada até os dias atuais. Chafurdando nas próprias fezes. Política essa imposta por uma minoria a

Page 28: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

contar do antigo império romano. Então essa minoria está bem? Na verdade não. O

sistema não deixa brecha para felicidade. Esses estão com medo e acuados. Vivendo em um mundo ilusório, onde tudo é mentira. Se trancam na futilidade hipócrita da artificialidade que só o dinheiro pode comprar. Fazem as tais leis que promovem a segurança, mas que são desprezadas por eles mesmo.

Não quero mais falar. Chega. Não vou corrigir nem reler esse texto. Ele vai como está. Sem ser repensado ou preso a qualquer norma pré estabelecida. Vai como um grito de raiva. Como a verdadeira revolta. Algo a mais que se dar por vencido e deixar uma carreira de pó, ou uma pedra de crack roubar sua vontade de lutar. Chega de mentir para si mesmo. Chega de dar o que nossos assassinos querem.

CHEGA!!!

S.O.S. BotequinsPor Fabio da Silva Barbosa

Não sei se isso está ocorrendo em todo Brasil, mas aqui em Niterói eu posso me lamentar, sem medo de estar enganado; os botequins estão acabando. Esses locais onde a nata da cultura e da contracultura de nosso país sempre se reuniu para animadas conversas em um ambiente descontraído, sem o moralismo dos “bons costumes”, estão sendo

Page 29: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

substituídos por locais repletos da frieza que a arrogância do requinte consegue oferecer melhor que ninguém.

A primeira grande mudança observada é a televisão prendendo a atenção das pessoas que costumavam estar ali em uma extravagante troca de idéias. Depois podemos observar os petiscos que antes ficavam expostos na vitrine e que agora vem em cardápios trazidos por garçons. Chouriço, moela, batatinha a calabresa, cu de galinha frito... Tudo isso é substituído por uma pálida porção de batatas fritas (daquelas congeladas, que vêm num saquinho) ou vá lá saber o quê.

Os que ainda ostentam esse nome não lembram em nada aquele balcão super confortável, onde nos debruçávamos e muitas vezes conversávamos com pessoas que estávamos acabando de conhecer. Um enriquecedor papo de balcão, ou conversa de botequim, como muitos gostam de chamar.

Desde moleque sempre freqüentei os botecos de Niterói. Outro dia fui caminhar com meu parceiro de elucubrações Alexandre Mendes, e fizemos uma verdadeira peregrinação por Santa Rosa em busca de um botequim onde pudéssemos encostar a pança e colaborar com o burburinho de vozes que fazem a sinfonia desses lugares. De vez em quando uma gargalhada sempre corta o ar.

AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA... Estávamos precisando de algo assim para reorganizar as ideias. Mas, para nossa surpresa, todos os botequins de verdade foram reformados. Agora eles têm toalhas sobre as mesas e

Page 30: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

substituíram o copo americano por tulipas finas.Coitadas das pessoas. Vão perder um reduto onde a

interação com a diversidade característica do ser humano está dando lugar à uniformidade das ilhas mesas. E a conversa que se começava com um e terminava com outro? Essa está sendo travada apenas com a televisão.

Alegria e tristeza sob um sol escaldantePor Fabio da Silva Barbosa

Mal cheguei do trabalho, Severino me chamou para irmos à feira de São Cristóvão (Feira do Paraíba, RJ). Chegamos lá sem muita dificuldade por volta de 11h. No caminho passamos por um corpo estendido no chão. Pelo que as pessoas comentavam, tratava-se de uma senhora que tinha sido atropelada aproximadamente 2h da manhã. “Isso é um absurdo: a coitada está cozinhando nesse chão quente desde a madrugada”, comentava uma moça que estava próxima ao corpo coberto.

Fiz a cobertura da primeira caravana organizada pelo “Ministério do Baião” ao lugar. Entre a festa, a pobreza desfilava pelos animados dançarinos de forró. Enquanto o “Trio Severino” arrebentava no palco, mulheres transitavam com crianças no colo, que nem ao menos sei se eram seus filhos. Em um calor escaldante, crianças derretiam nos braços dessas

Page 31: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

vendedoras e até sozinhas por entre as mesas. Um garotinho se aproximou e ofereceu umas balas.

Dissemos que não queríamos. Ele me abraçou e falou com dengo: “Compra, tio”. Retribuí o carinho com um afago em sua cabeça e disse que não compraria. Agradeci e ele foi fazer seu charme para ocupantes de mesas próximas. Todos recusaram. Ele se debruçou sobre a mesa e fez cara de choro. Aquilo já me cortava o coração. Bati uma foto. Ele tentou fugir e bati outra. Chamei-o e prometi não bater mais nenhuma. Mostrei o resultado. Expliquei como tinha ficado bonita a imagem. Ele parece ter gostado. Pedi para ficar com ela. Se não concordasse, excluiria no ato. Ele fez um gesto que entendi como afirmativo. Como já tinha feito vários registros do evento, resolvi fotografar engraxates e outras figuras do gênero. O impacto daquelas pessoas sofrendo, naquele calor, entre os felizes, deu um contraste gritante às fotos.

Saí do lugar com aquilo transitando em minha mente. Por volta das 16h estava fazendo a cobertura do Bloco Um dia Sai. E mal aquele paradoxo felicidade/tristeza começava a se afrouxar de minha lembrança, passamos todos sambando, por onde horas antes, uma senhora, que nem sei o nome, foi atropelada.

Page 32: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Língua rica ou confusa?Por Fabio da Silva Barbosa

Certas coisas não entram em minha rude cabeça. Por exemplo: Se o ch tem o mesmo som do x, qual a necessidade do ch? Questiono o ch por terem unido duas letras para fazer o som de uma que já existe. Eu sei que muitos irão falar sobre a origem da palavra e toda essa história, que embora seja muito interessante para estudiosos do assunto, não serve muito para os que usam a língua em sua real finalidade, a comunicação.

O fato é que sou um grande oxigenador. Sou a favor das mudanças. Mudar sempre. Só o que está morto não precisa de oxigênio e mesmo assim muda. De um jeito ou de outro muda. Apodrece. Muda a forma, a consistência, o cheiro... É a mudança que resta aos que se mantêm firmes às velhas normas: o apodrecimento e o mofo. Cérebros engessados não produzem, apenas repetem o que já foi dito, tocado e feito.

O falar serve como um meio de comunicação assim como o escrever. Não é mais que isso. É apenas uma forma de se comunicar. E a língua muda como muda o povo que a usa. Ela tem de atender a necessidade do povo, ao em vez do povo atender as suas necessidades. .

Para não acharem, os simplistas, que apenas abolindo o ch se resolverá a questão, vou citar também o caso do s. De uma forma geral, s faz som de z e ss, som de ç. Preciso continuar o raciocínio? Preciso ainda falar que, na prática,

Page 33: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

essas regras têm exceção? Que, por vezes, o s faz outro som? E de que serve isso? Isso é riqueza da língua? Preciso perguntar a utilidade de uma letra que faz som de outra? Preciso chegar ao cúmulo de passar pelo h antes de uma palavra como o nome Hugo? Há países em que isso faz uma grande diferença. Mas vamos falar de Brasil. Qual a diferença de Ugo e Hugo? A não ser o h, é claro. E o g com som de j, ou vice versa?

Poderia ficar o dia inteiro na frente do PC desfiando as banalidades lingüísticas que nos são impostas, mas acho (ou axo, tanto faz) que já consegui passar a idéia geral da coisa. A história ou etimologia da palavra não é camisa de força para prender um povo a um sistema confuso de signos que perde o foco de sua real função. Dizer que ia ser complicado mudar tudo agora seria uma grande besteira. Não seria dificuldade nenhuma uma pessoa, independente da idade, ser informada de que a partir de agora apenas o x fará som de x. Olha que coisa difícil de explicar.

A internet trouxe mudanças muito mais complexas ao cotidiano da escrita, e todos absorveram muito mais rápido do que essa linguagem empolada que nos empurram goela a baixo desde a alfabetização, sem conseguir nunca que nós fiquemos confortáveis ao usá-la. Somos sempre vítimas dela, que nos assalta com dúvidas criadas por suas regras arbitrárias. Engraçado que nunca vi aula de MSN para ensinar que vc significa você, ou qualquer outra coisa do tipo.

Page 34: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

A coisa flui naturalmente quando é agradável ao usuário. Assim como o k, w e y foram retirados do nosso abecedário, a coisa tem de continuar caminhando. O desengorduramento lingüístico tem de persistir. Nunca vai estar bom o suficiente ao ponto de não precisar mudar mais. A perfeição é utópica. .

Ainda bem que existem as gírias para nos salvar dessa estagnação que tanto agrada a alguns senhores do saber. A gíria é o enriquecimento da língua. Isso sim é riqueza. O povo criando e transformando o que é seu. Dia após dia. Palavra por palavra. Mudando conceitos sem nenhum tipo de preparação ou aviso, nem por isso deixando de compreender o significado da palavra assim que é dita. É por isso que o teórico fica tão aborrecido com essas mudanças. Porque ele fica de fora. Não é consultado. Quando sabe... Já foi. Aí só resta desfiar seu conhecimento ultrapassado, com cheiro azedo, tentando provar que tudo que escapa ao seu controle é blasfêmia.

VIVA A LITERATURA MARGINAL!VIVA AS TRANSGRESSÕES LIGÜISTICAS!VIVA O VIVO!

Page 35: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Por que o jornalista vive em uma camisa de força?

Por Fabio da Silva Barbosa

Ao contrário do que muitos acreditam, o jornalista vive em uma apertada e sufocante camisa de força. Sua liberdade de escrita e de estilo é limitada ao máximo pelas empresas de comunicação. Um jornalista não pode ter visão diferente do veículo que o contrata. Ele vive sob uma ditadura ideológica sem precedentes.

A imparcialidade é uma utopia, já que tem de prevalecer sempre a linha editorial. O que é linha editorial? É o que manda o dono do veículo e é policiado pelos editores. Em jornais como o Expresso ou o Meia Hora, por exemplo, a linha editorial é extrema, como em qualquer outro veículo de comunicação. Só se deve exaltar sexo e violência. Matéria cultural não tem espaço.

Como escapar dessa violenta repressão? O jornalismo Gonzo foi uma alternativa. De acordo com a Wikipédia “O criador do estilo foi o jornalista norte-americano Hunter S. Thompson. O termo foi cunhado por Bill Cardoso, repórter do Boston Sunday Globe, para se referir a um artigo de Thompson. Segundo Cardoso, “gonzo” seria uma gíria irlandesa do sul de Boston para designar o último homem de pé após uma maratona de bebedeira. O mais famoso texto gonzo é “Fear and Loathing in Las Vegas” (literalmente “Medo e Delírio em

Page 36: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Las Vegas”, lançado no Brasil em 1984 pela editora Anima como “Las Vegas na Cabeça”), originalmente uma matéria sobre uma corrida no deserto, a Mint 400, encomendada pela revista Rolling Stone. Thompson gastou todo o dinheiro com drogas e álcool, fez enormes dívidas no hotel, destruiu quartos e fugiu sem pagar. Não cobriu o acontecimento e, no lugar da matéria que deveria escrever, descreveu o ambiente sob seu ponto de vista entorpecido e virou o precursor de um novo estilo jornalístico. O jornalismo gonzo é por muitos nem considerado uma forma de jornalismo, devido à total parcialidade, falta de objetividade e pela não seriedade com que a notícia é tratada, fugindo a todas as regras básicas do jornalismo. O estilo vigora até os dias de hoje e ganha maior número de adeptos entre jovens, que se interessam pela narrativa literária de vivências e descobertas pessoais em situações extremas ou de transgressão. Se o jornalismo gonzo é ou não um modelo jornalístico, se é subjetivo demais ou se não é digno de crédito são questões que permeiam o ambiente acadêmico.”

Olha a ironia. A Wikipédia lança à academia uma responsabilidade para algo tão belo e antiacadêmico quanto o Jornalismo Gonzo.

Mas a pergunta básica é: Quem são esses sábios que ditam o que vem e o que não vem a ser jornalismo? E essa dá origem a outras como: Nós precisamos de suas opiniões? Temos de segui-las? E se eu quiser fazer diferente? E se eu fizer? Serei lançado ao inferno por causa disso?

Page 37: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Além do gonzo existem diversos outros tipos de resistência a esse engessamento da notícia, que não garante de forma alguma a tão comentada imparcialidade. O jornalismo comunitário é outro exemplo disso. Nele os próprios moradores locais fazem o papel da mídia, usando sua linguagem e atitude. O blog também vem sendo um importante meio de resistência contra os hitlers da imprensa. Em comparação com os sites, eles são os fanzines da internet.

Não poderíamos deixar de citar aqui a geração que nos trouxe grandes nomes como Charles Bukowisk, que por muito tempo teve uma coluna no The Sun. Dessa coluna saiu o livo “Notas de Um Velho Safado”.

Então qual a função dessa matéria? Muitas ou nenhuma. Mas nenhuma não pode? Quem disse que não pode? Mas aí não teria sentido. Mas quem disse que tem de fazer sentido? Tudo bem. Então supondo que tenha um... Qual seria? Talvez... Pense sobre as verdades . Aprenda a questionar. Resista. Ou quem sabe... Não veja a imprensa oficial e suas normas como a única forma de se informar ou produzir informações.

Leia, estude, pense – não deixe que pensem por você!

Page 38: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

A influência da mídia na cultura.Por Fabio da Silva Barbosa

A mídia e seus paradigmas impostos vão alterando a cultura e os costumes dos povos através de sua constante lavagem cerebral. Isso faz o belo e o correto serem únicos em toda parte, independente da cultura local ou opinião pessoal. Pegando um jovem americano, japonês ou brasileiro, podemos averiguar os mesmos hábitos e inclinações. Estarão de boné, tênis e óculos escuros. Essa é a roupa de quem é jovem, segundo a mídia .

O americanismo, implantado através das superproduções hollywodianas, vai uniformi-zando a tudo e a todos. Quantas brasileiras abusaram do implante de silicone para ficar como americanas esteriotipadas, apresentadas nas telas como loiras fatais? Isso nos lembra os cabelos loiros nas cabeças de nossas morenas. Sem falar na questão: Será que todas as americanas são assim? Todas clones da Marilin Monmro? É obvio que não. Mas é assim que são apresentadas. Uma nação clonada do que é tido como perfeição pelos donos da verdade e do bom gosto.

E a rebeldia? Se dado a ela, usa jaquetas de couro e causas jeans, se contrapondo ao modeloimposto. Permanece o tênis. A diferença é que o rebelde adere à velha moda do All Star, enquanto aplayboizada compra a última moda. É fácil ser rebelde hoje em dia. Basta comprar uma camisa do Che no

Page 39: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

shopping. A fruta típica da região não faz um suco tão vendido

quanto a Coca-Cola, assim como a menina da escola nunca será tão bela quanto a capa da Play Boy. A Playboy é um tipo diferente de imposição midiática. Mulheres que não tem e nunca terão rugas ou celulites. Imagina uma pessoa normal vendo aquilo. Irá se punir até conseguir ser como alguém que não existe. Só assim atingirá o que é tido como beleza pela mídia capitalista e seus terríveis manipuladores.

Fórmulas previamente estabelecidas destroem a verdade

Por Fabio da Silva Barbosa

Você acha que o jornalismo está realmente ligado à verdade? Você acredita na imparcialidade e na ética jornalística? Então vou te contar um segredinho: O jornalismo tem um só compromisso. Com um sistema medíocre e pré-estabelecido que teoricamente purifica a verdade, mas que na prática, impõe tanto ruído a essa verdade, que a transforma em um espectro frágil do que realmente é.

O sujeito já começa tendo que se submeter a uma linha editorial. Ou seja: nossa visão é essa. Você nunca pode olhar para outro lado, porque só olhamos para aqui. Dando continuidade a isso, vem uma doutrina onde o repórter deve se

Page 40: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

comportar de um jeito x. Seus movimentos, gestos e falas são minuciosamente regulados. O indivíduo se torna um boneco, abrindo mão de toda a humanidade que possui. Ele não pode ser humano e nem pode humanizar o alvo de sua reportagem.

Parece ridículo, mas muitas vezes o repórter conversa com o entrevistado sobre a matéria antes da entrevista. Explica o que ele pretende, como serão as perguntas e alguns chegam ao clímax da hipocrisia de orientar a resposta. “Não dizemos o que ele deve responder, mas não tem nada de mais mostrar a melhor forma das coisas serem ditas. Isso é normal.” Isso eu ouvi da boca de um colega jornalista. Um sujeito que vive vomitando a ética do jornalismo.

Como podemos facilmente observar, nada disso tem haver com verdade. Nem ao menos com um recorte da realidade. Isso tem a ver com pessoas cegas e sem atitude seguindo uma doutrina que já está podre e mofada, que pede para ressuscitar, para respirar... para se banhar na fonte da juventude e automaticamente se renovar. .

Por isso prefiro a contramão. Pode ser o caminho mais difícil, mas é o caminho em que acredito. É o certo. É a verdade. É o mais próximo da imparcialidade que se pode chegar. É a reposta que afronta a todo esse padrão Globo que estupra a verdadeira ética do profissional. A contramão é a verdadeira ética. .

Por isso saúdo aos que fizeram a diferença e ficaram imortalizados por sua visão única do jornalismo. Saúdo também

Page 41: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

aos que morreram na sarjeta, por não serem admitidos nesse clubinho alienante, formado por eruditos e pessoas manipuláveis e manipuladoras.

A endemonização do erroPor Fabio da Silva Barbosa

Quando ouvi falar disso pela primeira vez, não consegui entender tão bem quanto agora. O erro, que deveria ser apenas o início do acerto, vem se transformado em um demônio assustador, chegando ao ponto de impedir as pessoas de tentar. A maioria acaba por preferir não fazer nada a fazer algo e correr o risco de errar. Os erros, medalhas no peito dos que não querem apenas assistir outros produzirem, são usados pelo senso comum como uma metralhadora de desprezo e humilhação. Existem pessoas especialistas nisto. Procuram falhas e imperfeições em tudo que apareça. Como ninguém, ou nada, é perfeito, acabam achando. E um pequeno erro se transforma em algo mais importante que toda uma belíssima obra.

Um exemplo da falta de complexo em relação ao erro são as “reticências” na legenda que sobe na série de cinema Star Wars. Em vez de se retratarem da falha do primeiro filme, colocaram os quatro pontos - que aparecem no final do texto - em todos os filmes da série. Virou marca registrada.

Page 42: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

A endemonização do erro nos leva apenas ao co-modismo e nos causa um pânico paralisante. Temos de entender que o erro faz parte de nosso ser. Somente negando nossa essência e nos negando a aprender, deixamos de errar. O presidente norte-americano Roosevelt dizia: “O único homem que não erra e aquele que nunca faz nada”. Embora esse homem não tenha sido dos melhores, podemos destacar tal frase como seu melhor momento.

Não tenha medo de errar. Erre! Tente! Faça!

ApocalípticosPor Fabio da Silva Barbosa

Os mass media dirigem-se a um público heterogênio, tendo de basear-se em médias de gosto, evitando soluções originais com a difusão do que já foi assimilado, trabalhando opiniões comuns e difundindo uma cultura de tipo homogêneo. Características culturais de diversos grupos são destruídas com a hogeneização das culturas. Impondo mitos e símbolos de fácil universalidade, criam tipos, reduzindo ao mínimo a individualidade e o caráter concreto, não só de nossas experiências, como de nossas imagens.

O livro “Apocalípticos e Intergrados”, de Umberto Eco, destaca que “os mass media expõem as emoções já confeccionadas ao invés de as sugerirem”. O exemplo dado é o

Page 43: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

da música, que serve mais como estímulos sensoriais, que como uma forma contemplável.

Ao seguir uma lei baseada no consumo, sustentada pela ação persuasiva da publicidade, os mass media sugerem ao público o que eles devem desejar.

Todos os produtos, independente do nível cultural, são difundidos, nivelados e condensados a fim de não provocarem nenhum esforço por parte do fruidor, resumindo o pensamento em fórmulas, desencorajando assim a pesquisa de novas experiências. Isso reforça sua utilidade apenas como entretenimento e lazer, empenhando apenas o nível superficial de nossa atenção e viciando nossa atitude.

Encorajando uma imensa corrente de informações sobre o presente, os mass media entorpecem a consciência histórica.

Mesmo ao assumirem modos exteriores de uma cultura popular, não crescem espontaneamente de baixo para cima, mas são impostos de cima para baixo.

Black Power – a união da comunidade negraPor Fabio da Silva Barbosa

Surgido nos anos 60, o Partido Pantera Negra para Auto-Defesa, tinha como objetivo inicial patrulhar os guetos onde a comunidade negra vivia e era constante-mente abordada com brutalidade pela polícia. Mais tarde passou a se chamar

Page 44: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Partido dos Panteras Negras e assumiu uma postura revolucionária. Em seu auge, ainda nos anos 60, tinha mais de dois mil militantes. Sua luta pelos direitos dos negros e por compensações por anos de exploração branca incomodou a chamada América Branca, que reagiu prendendo vários de seus membros. A pressão exercida sobre o grupo foi tanta que conseguiram por fim dissolve-los.

Mumia Abu-jamal foi integrante dos Panteras Negras. Depois de algum tempo foi ser jornalista na Filadelfia, onde ficou conhecido por seu programa de rádio “A Voz dos Sem Voz”. Mumia foi condenado a morte nos anos 80 por ter matado um policial que espancava seu irmão. Depois de muitos protestos e abaixo assinados contra a sentença, tida como mais uma armação do poder americano contra os Panteras, outras audiencias ocorreram e várias irregula-ridades foram encontradas no processo de Mumia. Embora a justiça americana tente trata-lo como preso comum, é de conhecimento de todos sua situação como preso político. Atualmente Mumia aguarda por uma decisão que vai optar pela pena de morte ou converte-la em prisão perpétua.

Informações:cma-j.blogspot.comhttp://www.freemumia.com/http://www.mumia2000.org/www.prisonradio.org/mumia.htm

Page 45: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

http://www.abu-jamal-news.com/

Violência contra jornalistasPor Fabio da Silva Barbosa

Sempre ouvimos falar sobre esses casos. Mesmo que os menos informados só tenham ouvido falar sobre Tim Lopes, a coisa não se resume nisso. Um que podemos citar aconteceu em 19/09/2007. O jornalista Amauri Ribeiro Junior, 44 anos, que trabalhava no Correio Brasiliense, sofreu um atentado durante a noite na Cidade Ocidental, perto do Distrito Federal. Foi baleado enquanto produzia reportagens sobre trafico e violência na região. O secretário de Segurança de Goiás, Ernesto Roller, determinou no dia 21/09 o afastamento do inquérito da titular da Delegacia da Cidade Ocidental, Adriana Fernandes. Então as investigações passaram a ser presididas pelo delegado, José Luis Araújo que confirmou ter sido atentado, descartando o roubo levantado por sua antecessora. Ernesto Roller, disse que o afastamento tratavasse de assunto interno, mas fontes extra oficiais informaram fatos estranhos ocorridos durante a investigação da ex-titular, que poderia estar envolvida, sendo apoiada por setores da polícia, que não gostariam da verdade.

O motorista de Amaury Ribeiro, Francisco Oliveira, única testemunha do crime, disse que um jovem de gorro, vestindo

Page 46: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

bermuda branca e camisa preta se aproximou e disparou. Em nenhum momento foi anunciado assalto.Foram disparados 3 tiros. Um acertou o repórter no abdome e os outros dois disparados na fuga. O caso ainda está em aberto.

10 anos de CobreloaPor Fabio da Silva Barbosa

O tradicional Bar Cobreloa comemorou uma década dia 12 de maio com o atual proprietário. José Tavares Pessoa, 59, o popular Seu Zé, é quem comanda esse espaço localizado na Rua Visconde do Rio Branco,161, no Centro de Niterói. Embora o bar seja inimaginável sem ele, Seu Zé alerta que “O estabelecimento tem uma história muito mais antiga, pois já peguei com esse nome do outro dono”.

Entre seus ajudantes, os mais antigos são Fabiano e Cristiano (seu filho). Ambos têm seu estilo próprio de atender. Fabiano é conhecido como Expedito, por sua rapidez e presteza no atendimento. Cristiano também não fica atrás e expõe suas esculturas no local, além de bater um papo sem igual.

Como se não bastassem as diversas bebidas com que trabalha, o local ainda prende os fregueses pelo estômago, com uma infinidade de tira gostos. Torresmo, batatinha, lingüiça... Tudo que você puder imaginar.

Page 47: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

A Shaninha é um Show a parte. A mascote do bar é uma gata cinza que brinca entre as pernas dos freqüentadores que retribuem as brincadeiras do bichano com muitos carinhos.

Boa Noite e Boa SortePor Fabio da Silva Barbosa

O filme retrata a época do Macarthismo, onde se fez uma arbitraria caça aos comunistas nos Estados Unidos (outro filme muito interessante sobre a mesma época é o “culpado por suspeita”, que por acaso assisti no dia seguinte). O enfoque fica sobre um repórter e sua equipe, que apesar das pressões políticas e militares, fez varias denuncias sobre os métodos utilizados nessas prisões e duras críticas aos líderes desta perseguição.

As denuncias eram reforçadas por filmagens de julgamentos e pronunciamentos, dando um caráter inquestionável ao discurso do programa.

“Boa noite. Boa sorte” é mais que o documento de uma época. É a demonstra-ção de como os meios de comunicação de massa podem ser utilizados para algo maior que simples entretenimento. De como podem ser utilizados para informar e promover mudanças. O compromisso com a verdade se integra com a profissão de tal forma, que fica impossível dissociá-lo.

Outro ponto interessante é como os patrocinadores

Page 48: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

sempre conseguiam se aproveitar do prestigio do programa para fazer sua publicidade. O caso mais explicito foi o do cigarro, onde ele fazia a conexão entre a atitude do programa e a atitude de fumar seu produto.

O problema é que as pessoas estão tão insufladas com o besteirol rotineiro do cinema americano, que ficam cegas para trabalhos desse estilo e não conseguem compreendê-los.

IndiferençaMais uma cena rotineira da cidade grande

Por Fabio da Silva Barbosa

Um homem, depois de muito cambalear pelo centro de Niterói, caiu perto de uma rampa para deficientes físicos.

Ficou por ali a falar com o céu, até que adormeceu. Qual seu nome? Não perguntei. Mas também ninguém perguntou. Foi apenas mais uma cena rotineira na cidade grande. Nada de mais.

Page 49: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

O Circo chegouPor Fabio da Silva Barbosa

O Grande Circo Eleitoral chegouTemos O Candidato X, engolidor de homens O Candidato Y, O Rei das Fraudes O Candidato Z, o que não ganha, mas leva voto para o partido Atrações invisíveis: só aparecem nessa época Palhaços e Domadores inúmeros É o Grande Circo Eleitoral A entrada é franca, mas o sofrimento eterno É um direito participar, mas se você não comparecer, iremos pressioná-lo por isso O circo chegou Anões e mulheres barbadas O sensacional homem que cospe fogo só pode cuspir se for na direção certa Não percam Apresentação única Isso se não houver segundo turno Venham Hipnotismo, Ilusionistas e a participação do Grande Mentiroso Vamos votar

Page 50: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Atrações nacionalmente importadas Vocês não podem perder

As novas floresPor Fabio da Silva Barbosa

eles são como semeadores que espalham morte e sangue em nossas vidassomos a terra em que nos enterramo descartável do descartávelatravés do medo e paranóia impedem a vidaafastam-nos de nossos irmãosfazem acreditar ser impossível a felicidade que viver sem temer é um perigoeles insistem que devemos ter medo do perigomas o perigo não é nosso irmãoo perigo é apenas o sabor de estar vivoé o oposto dessa morte confortávele segura que vivemos dia a diaa incerteza é a felicidade de vivercriar raízes é virar plantavirar vegetal é vegetarse evitarmos o desconhecido, ficamos apenas com o que já sabemosnada mais será aprendido

Page 51: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

se não nos aventurarmos pela vida aforase não abraçarmos o desconhecido, lascando um beijo na bocaestaremos apenas andando em círculossó a loucura é descobertasó a loucura caminha rumo ao sabersó a loucura salvaa loucura o mal gosto e o perigoeis a Santíssima trindade que devemos beber

Não me rendo à hipocrisiaPor Fabio da Silva Barbosa

estou cansado de pessoas que sabem tudo dizendo o quanto a hipocrisia é bela o quanto a verdade é rude o quanto devemos ter cuidado com o que dizemos estou cansado dos senhores do saber com suas regras impostas nos impondo seu certo que aceitaram tão passivamente quanto o gado aceita a morte quando vai ao abatedouro e olha que ele não aceita isso não tem nada a ver com aceitação isso é só força de expressão

Page 52: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

estou cansado da mentira peçonhenta que nos enfraquece enquanto os alimenta que nos mutila em forma de graduação que nos castra enquanto cidadão da lavagem cerebral que somos obrigados a aceitar dessa forja que nos forma da sutileza azeda das amargas boas maneiras e de versos métricos que me enfadam mas não como as fadas me enfadam fadas da vida fadas feridas

Reboco caídoPor Fabio da Silva Barbosa

quero um lugar onde a beleza não me incomode com seus rostos bonitosseus corpos perfeitos

quero um lugar onde aprecie os defeitosonde possam os sujeitos

Page 53: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

cantarem e rodopiarempor todas as praças e camposdespidoscompletamente nus

onde os excessos sejam adoradosos certos estejam erradose haja um cultos aos depravados

o pudor seja execradoo mal desmascaradoe os fúteis renegados

vamos para o mundoonde todo Raimundonão importa se sugismundonos abrace e faça um brinde onde os sábios escrevam errado e o esquecido seja lembrado chega de ser deturpadoque se crie outro ladoe não se tenha mais cuidado

Page 54: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Entrevista com LatuffPor Fabio da Silva Barbosa

Tenho muita satisfação de trazer até vocês essa entrevista com Carlos Latuff.

A primeira vez que vi seu trabalho foi através do jornal do sindicato da UFF (SINTUFF). Esse foi seu primeiro espaço?Foi um dos primeiros. O primeiro foi um folder para o sindicato dos estivadores em 1990. Em seguida trabalhei no sindicato dos radialistas e depois na Associação dos Servidores da UFRJ, que atualmente é um sindicato.

Na minha opinião, seu trabalho e de Alexandre Mendes com charges e cartoons são os mais relevantes da atualidade. Como se deu esse vínculo política-charge/cartoon na sua vida?Sempre tive inclinação ao questionamento. Isso se deu com maior clareza a partir de 89. Em 90 começou a tomar corpo com o trabalho na imprensa sindical. Fui trabalhar na imprensa sindical não por questões ideológicas, mas por falta de espaço. Tinha ilusões de trabalhar na grande imprensa e em grandes agencias de publicidade. Aí me deparei com a realidade. Quem abriu as portas para mim foi à imprensa sindical de esquerda, à qual devo minha carreira e minha vida, embora tenha minhas críticas ao rumo que o sindicalismo tomou a partir dos anos 90. Mas só posso agradecer e afirmar que só existo como ente

Page 55: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

político e profissional graças à imprensa sindical. Lá pude exercer com maior liberdade minhas inquietudes. Embora tivesse o embrião de uma relação ideológica nesta imprensa, era basicamente profissional. Só com o encontro que tive com a realidade do Movimento Zapatista de Chiapas, comecei a me entender como “artivista”: Ativista + artista.

E como se deu essa relação com o movimento Zapatista?Eu havia assistido a um documentário feito em Chiapas e decidi colaborar com o movimento através de charges livres de direitos autorais, que poderiam utilizar não só como seu material de divulgação, como também sua base de apoio pelo mundo. Então fazia alguns desenhos e mandava por fax para o Escritório da Frente Zapatista na cidade do México, que era o braço político da EZLN. Posteriormente abri um site chamado Zapatista Art Gallery, onde colocava as charges que as pessoas poderiam reproduzir. Posso dizer que através desse contato virtual e do encontro com dois membros da Frente Zapatista, aqui no Rio de Janeiro, em um evento na UERJ, é que me tornei um ativista que se utiliza da arte como instrumento de denúncia e de luta. Esse contato com os zapatistas me ensinou muito. Tanto o movimento zapatista, quanto o movimento anti-globalização são fantásticos por se insurgirem contra a nova ordem mundial, a nova ordem neoliberal, a nova ordem da ignorância coletiva, do imobilismo... Também devo bastante a esse movimento por ter aberto minha mente para outros

Page 56: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

movimentos pelo mundo.

Vi uma homenagem que você fez ao dia da mulher anarcopunk. O movimento punk anarquista influenciou em seus traços?Na segunda metade dos anos 90, a partir do contato que tive com o centro de mídia independente, um importante movimento que surgiu em resposta à globalização e ao neoliberalismo, é que tive contato com os anarcopunks. Muito me chamou a atenção a disposição que tinham e as posturas progressistas, libertárias e apartidárias. Tinha um jeito contestador não alinhado. Não eram subservientes aos padrões sociais. Achei do cacete esse encontro e cheguei a fazer algumas ilustrações alusivas ao movimento. Tenho bastante apreço e carinho por eles.

E a história do pentágono estar de olho em você? Eu tenho um blog chamado “TALES OF IRAQ WAR” (Contos da Guerra no Iraque) onde publico diversas charges sobre a guerra no Iraque e a política intervencionista dos Estados Unidos. Tenho um serviço gratuito que registra de onde vêm os visitantes. Gosto de saber quantos visitantes tenho e de onde vêm. Para minha surpresa me deparei com visitas insólitas como a da ONU, do Centro de Informações do Departamento de Defesa e diversas academias militares como a academia de US Point, que é uma das mais importantes dos Estados Unidos. Essa é visitante freqüente. O departamento de justiça também

Page 57: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

já passou por lá. Então resta saber o que nesse site, que é um blog de charges, chama tanta atenção dos organismos de defesa. Podemos dizer... Não sei se você pode ouvir na gravação, mas eu estou espirrando veneno aqui porque meu quarto está cheio de mosquito da dengue. Aí a gente fica pensando que pode ser assassinado por agentes do Pentagono, mas acaba morrendo por causa do mosquito da dengue. É uma esculhambação isso. Mas de fato tem havido certa... Se eu usar a palavra vigilância vão dizer que eu sou adepto da teoria da conspiração. Vamos dizer então... atenção especial desses organismos para com as minhas charges.Eu acho que realmente o Grande Irmão está aí e tem trabalhado bastante.

Fale sobre a era Obama.Cara, o Obama é o Clinton negro. Eu achei todo esse alarde em relação a eleição do Obama uma papagaiada sem tamanho. A gente aqui... Pelo menos posso falar de mim... Depois do Lula fui vacinado. Tivemos dois mandatos FHC. Aí achávamos que o Lula seria mudança. Todos acreditavam nisso, mas nós verificamos que, a despeito de uma pequena mudança aqui e ali, o sistema capitalista brasileiro que mantém os pobres mais pobres enquanto os ricos ficam mais ricos, na essência, continua igual. Já ouvi até falar e li a respeito da tendência que haveria do PT e o PSDB se unirem em um único partido. As diferenças são poucas no frigir dos ovos. Se a gente transportar essa situação para os Estados Unidos, podemos ver

Page 58: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

que entre Democratas e Republicanos o que se tem é um modelo de imperialismo e neoliberalismo brutal, hard line (linha dura) e por outro lado um modelo imperialista e capitalista defendido pelos democratas que seria mais soft, discreto, mais palatável aos liberais. Mas no final das contas é tudo imperialista e capitalista. A mídia incensou bastante o Obama. E convenhamos, depois de quatro anos de Bush, até o Maluf seria visto como salvação da lavoura. Mas não se enganem: no final das contas o governo americano não vai mudar sua política. Continuará apoiando as ações do Estado de Israel contra os palestinos 100%. Vai continuar defendendo que o Irã é a ameaça mundial. Vai tirar tropas do Iraque para mandar ao Afeganistão. Tudo como dantes no quartel de Abrantes.

O capitalismo venceu?Não sei. Os processos históricos demoram. Você tinha o feudalismo, agora tem o capitalismo, teve a revolução industrial... Tudo isso demora séculos. A história está sempre em transformação. Pode ser que o capitalismo vença hoje e amanhã, mas não vencerá sempre. Não existem impérios eternos. Não existe nada eterno na humanidade. Então imagino que o capitalismo, como tudo na vida, tenha sua ascensão e queda. Como todos os impérios e regimes. Um dia haverá de acabar. Então se a gente puder ajudar nesse processo... Eu sempre imagino aquela grande represa que não vai durar para sempre, mas que a gente pode ajudar no processo fazendo

Page 59: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

pequenos buraquinhos aqui e ali. Isso faz a diferença.

As doutrinas como o Marxismo e o Anarquismo ainda dão conta do mundo atual?Eu acho que existem coisas antigas que são clássicas. Comer, respirar e trepar são coisas antigas que não deixamos de fazer. Então enquanto tivermos de comer, de vestir, de beber... Enquanto tivermos de viver, sempre haverá o Marxismo, o Anarquismo e o Socialismo. Porque são teses que defendem a submissão do capital diante do social e não ao contrário como vemos hoje. Então não se engane com esse discurso de coisa antiga ou anacrônica, pois a necessidades básicas do ser humano são muito antigas. Sempre houve e continuará havendo. É para dar resposta à necessidade de todos que estão aí essas antigas teses e doutrinas. Eu vejo que a vida é de esquerda, a morte é de direita. A ausência da beleza e da poesia é a direita, é o capital, é o dinheiro. A esquerda é o social, a vida, o gozo. Pode ser que eu esteja viajando na maionese, mas é o que penso.

O que está havendo com a juventude?Poderíamos dizer que não é só a juventude, mas as pessoas de um modo geral, principalmente depois do golpe militar de 64, entraram em uma espiral de ignorância e estupidez que poderia ser chamada do império do senso comum. Existe toda uma máquina de mídia, corporativa, estatal e privada que mantém

Page 60: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

essa ignorância. Existe um sistema que mantém as pessoas na ignorância. Esse sistema se dá através da televisão, das igrejas pentecostais, da grande mídia e de tudo aquilo que mantém o cidadão na pobreza intelectual. Ela nivela tudo por baixo e transforma cidadãos em consumidores. Transforma tudo em produto. É uma espécie de Midas capitalista, onde tudo que é tocado vira produto, tem um preço e um valor. Tudo é mais valia. Estão todos vivendo numa Matrix. Mas, existe sempre uma vanguarda que não é engabelada pelas promessas da mídia e do horário eleitoral. E são essas vanguardas, geralmente formadas por jovens, que se levantam e tentam de alguma forma rasgar o véu da ignorância. Então se a grande maioria da juventude se encontra alienada... Eu não acredito que esse processo seja para sempre. É preciso sempre apostar no jovem. Sempre que vejo um movimento estudantil... Hoje também se vê muita disputa política nesses movimentos. Muitas dessas lideranças usam o espaço estudantil como trampolim para ser vereador, deputado, prefeito... Mas é através do jovem e de sua organização política e revolucionária que existe alguma esperança. Eu acredito no jovem como mudança.

O que você aconselharia às pessoas que estão entrando no mundo das ilustrações?Isso depende do que você espera do seu trabalho. Penso que boa parte das pessoas vive nessa máxima que estávamos conversando agora. Essa condição de estagnação, ignorância e

Page 61: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

alienação faz com que as pessoas queiram olhar para o seu próprio umbigo, e o artista não está sendo diferente. Está mais interessado em mostrar seu trabalho em galerias e ter os seus 15 minutos de fama que em uma transformação social mais radical. Eles pensam o seguinte: “Bem, já que estamos na merda mesmo, vamos fazer o que é possível pelos nossos próprios umbigos. Vamos ganhar dinheiro e aparecer na televisão. Dar entrevistas e ficar famosos. Pronto. Está ótimo. A vida é uma merda mesmo e eu não tenho culpa disso. Que se dane o resto. Agora, para quem se sente indignado com o estado de coisas que se vislumbram pelas portas de nossas casas... Esse vai usar sua arte para combater a disfarçatez da politicagem e daqueles que defendem valores conservadores e reacionários. Irão combater a violência policial, os crimes cometidos pelos banqueiros, pelos empresários. Combater também o fascismo, aqueles que vão para a televisão dizer que a única saída é o capitalismo, o cinismo dos reacionários na televisão... Lembrar que os valores básicos da vida e a possibilidade de se viver com dignidade é coisa que não fica velha. A possibilidade de ser atendido com dignidade no hospital público, ter sua residência, seu estudo e um serviço público de boa qualidade, enquanto a privatização é um engodo. Os serviços não melhoram porque são privatizados. As empresas privadas não estão interessadas no bem estar da coletividade. O único fim de uma empresa privada é o lucro, não o bem estar das pessoas. Alguém que está chegando

Page 62: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

doente em um hospital precisa de um tratamento e não de alguém perguntando se tem plano de saúde ou cheque calção. Não adianta ficar alimentando esse espacinho safado pós-moderno que se vê nas escolas de belas artes da vida. “Agora estamos vivendo o novo mundo... Na modernidade... Você tem aí o ipod...” Foda-se, meu amigo. Você continua morrendo de doenças do século passado... Do século retrasado. Pessoas morrendo por doenças causadas por mosquitos. Tuberculose. Então vamos parar com essa palhaçada do pós-moderno e botar o pé no chão. Aceitar que a gente não vive na Suécia. A gente vive no terceiro mundo. Estamos fodidos e vivemos em um sistema que nos mantém fodidos. É preciso que se rebele e o artista que tiver a mínima consciência política vai se utilizar de seu trabalho para abrir os olhos das pessoas e combater os discursos reacionários e conservadores. O discurso que defende a privatização, o latifúndio e as grandes corporações de mídia. Então o meu conselho nem é um conselho, mas um desejo. Que os artistas desçam do pedestal, parem de ficar olhando para seu próprio rabo e acordem, pois nós estamos na merda. Assumam para si que nós não estamos vivendo na Bélgica. Temos problemas seríssimos. E que esses problemas são estruturais, são sistêmicos e não é através do voto em X ou em Y, em Gabeira ou Eduardo Paes, é que se vai mudar isso. É através da arte e da revolução. Da revolução pelos movimentos de base é que se vai transformar alguma coisa. É o movimento popular que pode mudar alguma coisa. Como os sem-teto, sem-

Page 63: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

terra... Este tipo de coisa que eu acredito poder produzir mudanças e transformações. E o artista deve se juntar a esses movimentos. Deve emprestar seu talento a esses movimentos por serem atualmente a única coisa que presta no Brasil e no mundo.

Redson fala sobre vida, luta e CóleraPor Fabio da Silva Barbosa

Agradecimentos a Deise (Revoluta Produções)Cólera é um dos primeiros grupos de Punk Rock brasileiro. Surgiu em 1979, na cidade de São Paulo, formado pelos irmãos Redson (Edson Lopes Pozzio) na guitarra e vocais e Pierre (Carlos Lopes Pozzi) na bateria. O baixo ficava por conta de Helinho, que mais tarde foi substituído pelo amigo Val (Valdemir Pinheiro), substituído depois por Josué Correia, seguido por Fabio Bossi. Participou da coletânea inaugural do movimento Punk no Brasil, “Grito Suburbano” (1982), e desde cedo se destacou pela postura pacifista, antimilitarista e ecológica. Duas coletâneas viriam depois – “Sub” e “O Começo do Fim do Mundo” (ao vivo), ambas de 1983. Seu primeiro LP, “Tente Mudar o Amanhã” saiu em 1984. O segundo, “Pela Paz em Todo o Mundo” (1986), tornou-se recordista de vendas em se tratando de uma produção independente (85 mil cópias). Em 1987, o Cólera se tornou a primeira banda de Punk Rock do

Page 64: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

país a excursionar pela Europa. Em 1989, gravações desses shows viraram um disco ao vivo. No mesmo ano, a banda lançaria o LP “Verde, Não Devaste”. Nos anos 90 lançou os discos “Mundo Mecânico, Mundo Eletrônico” (1991) e “Caos Mental Geral “(1998). Em 2000 a banda ganharia novo destaque, uma vez que a Plebe Rude regravou “Medo” em seu disco ao vivo e os Inocentes, “Quanto Vale a Liberdade” em “O Barulho dos Inocentes”.Fábio saiu em 2006, sendo substituído pelo antigo baixista Val. Em 2008 fizeram a tour européia comemorando os 29 anos de banda. Atualmente o Cólera está fazendo a Tour “30 Anos Sem Parar!”.

Quem é Redson e o que é o Cólera?Redson sou eu, ainda me descobrindo. Até onde sei bem, Redson significa filho vermelho.Cólera é uma expressão de ímpeto, indignação, impulso. É nome da banda que faz um som diversificado, com raiz no Punk Rock e asas nas mensagens, isso há 30 anos.

Sua atuação como militante político, conta desde antes do Cólera começar. Conte um pouco sobre essa fase pré Cólera.Nos anos 70, antes de rolar o Punk Rock, eu estive presente nas passeatas de Sampa; de professores, estudantes, bancários...o que fosse contra a ditadura, eu tava lá! Isso durou na ativa uns três anos. Depois adotei armas mais poderosas:uma guitarra e um microfone. Já era!!!

Page 65: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

E depois que a banda deu certo, o que mudou?Mudou todo o cenário nacional. Nosso desbravamento dos possíveis caminhos do som alternativo presenteia a cena nacional com bandas indo e vindo da Europa; cenário do faça você mesmo presente (mesmo que não esteja como queremos, está rolando atividade, está andando), e muitas outras conquistas que não precisamos dizer. O que sempre foi legal foi a nossa definição desde o início de não ter bloqueios sonoros. Os primeiros sons eram um tipo de country punk, com letras surrealistas... Em 1979... hehehe.

Como você, que canta pela paz e sobre ecologia há tantos anos, vê a insistência do ser humano em promover uma realidade tão violenta e autodestrutiva?Existem muitas guerras que vemos e que não vemos. Nosso próximo álbum tem uma ópera, a “A Ópera do Caos”, que narra as guerras mais incomuns. Este estado de estupidez que mantém ainda essas guerras no mundo é justamente uma guerra de meia dúzia de seres que não cresceram, mas estão em cargos de muita responsa. Então, sugiro um bom terapeuta para tratar desta síndrome de Peter Pan que ataca líderes e manda-chuvas neste momento da história.

Existe um discurso comodista que sempre lança contra qualquer tipo de esforço: “Nada disso adianta. O mundo é assim e pronto.

Page 66: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Nunca vai mudar”. O por que disso? Bem, o termo que consolida isso é: SUPRESSÃO, ou seja, quando alguém vê sua conquista em aprender ou em buscar algo com forte expectativa; o supressor, vendo-se inferior em seu estado mórbido e de baixa auto-estima, logo deprecia a possibilidade, suprimindo sua ação. Não é brincadeira; teremos uma música no próximo álbum chamada: Supressão... hehehehe

Como uma banda sobrevive tantos anos sendo independente?Com seus membros trabalhando fora, se virando pra sobreviver, pois nunca vivemos da banda.

Como você se define política e ideologicamente?Mutante radical ou Idealista livre... É melhor... Como busco ser eu mesmo, é a ação mais forte que conheço politicamente. Atrai o melhor para todos.

Agora, vou dar alguns temas e gostaria que você falasse sobre eles.Mídia: Um veículo a ser usado com cautela (touro doido... hehehe)Terrorismo: mentirasDrogas: As drogas matam, as ervas curam. Plantas de poder podem ser excelentes veículos, sabendo pilotá-los, é claro.Indústria tabagista: Idade da pedra

Page 67: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

A atual situação política brasileira: Desrespeito. Faço meu dia a dia. Nem perco tempo vendo noticiário, vejo os cataclismos e assuntos que me interessam para a sobrevivência, mas se você for atrás, todas as noticias são as mesmas todos os dias em todos os órgãos de comunicação... Nossa!!! Só deve ter um jornalista em cada fato... Não existe relatividade na informação... Eles governam sua cidade... Fazem caixa pra investir na campanha de governador e assim querem ir até o topo.... E nós, com um imposto novo por bimestre, pagamos os panfletos e vinhetas de ultima categoria. Quero deixar um salve aí pra todos que estão na vivência do faça você mesmo! Seja banda, zine, grafitte, faça alguma coisa, quem fica parado é POSTE!!!Contatos da banda:http://colera.orghttp://www.myspace.com/coleraoficialhttp://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=28030

Cinema e reflexãoPor Fabio da Silva Barbosa

Nascido em Alagoas, Maceió, em 1940, Carlos Diegues (Cacá Diegues) veio para o Rio de Janeiro aos 6 anos. Fez direito na PUC, onde foi Presidente do Diretório Estudantil, fundou um

Page 68: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

cineclube e começou suas atividades como cineasta. Ainda como estudante, dirigiu o jornal da UME (União Metropolitana de Estudantes) e juntou-se ao CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes). Fundou o movimento Cinema Novo, junto com Glauber Rocha, Leon Hirszman, Paulo Cesar Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade entre outros. Participou da resistência intelectual e política à ditadura militar.

Como surgiu o interesse por cinema e como este se tornou um caminho a seguir, já que na época não havia escolas de cinema no Brasil e a tecnologia para tais produções era praticamente nenhuma?Sempre fui um cinéfilo, um fã que aprendeu tudo que sabe através dos filmes que viu. Quando decidi que queria fazer filmes, estudei, vi todos os filmes que precisava e fiz alguns curtas-metragens, até realizar meu primeiro filme, aos 23 anos de idade.

De todos os filmes que você dirigiu, qual merece destaque e por quê?O preferido é sempre o próximo, aquele que ainda não foi feito e no qual depositamos toda a nossa fé.

O que diferencia o cinema brasileiro do cinema do resto do mundo?

Page 69: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Não sei. Talvez aquilo que diferencia o Brasil do resto do mundo. Mas o que é esse elemento diferenciador? É difícil explicar uma cultura e suas singularidades.

E o cinema de Cacá Diegues? O que o faz ser considerado um dos cineastas mais populares do Brasil?Em primeiro lugar o amor ao cinema. E depois, o meu desejo de ser útil aos outros, sendo sincero comigo mesmo.

Quais as principais dificuldades encontradas pelo nosso cinema?Como sempre, e como na maioria das atividades culturais praticadas no Brasil, recursos para fazer o que queremos. Cinema é uma coisa cara e, num país como o nosso, parece quase um luxo querer fazê-lo.

Como você já teve experiência em exibir filmes no exterior, fale um pouco sobre a receptividade do público estrangeiro em relação a nossas produções.Sempre que você faz qualquer coisa nova e inédita, provoca o interesse. Da Sibéria ao Equador. Mas se você repete canhestramente aquilo que os outros já fizeram, provoca desinteresse e desprezo.

Qual a principal herança do Cinema Novo encontrada no cinema atual?

Page 70: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

O desejo de ter uma personalidade própria, e de descobrir o Brasil através do cinema.

Para finalizar, vamos tirar um pouco o foco do cinema. Algumas vezes encontramos pessoas dizendo que a vida era melhor na época da ditadura. Como você, que militou contra toda aquela violência, analisa esse tipo de opinião?Quem diz isso não viveu aquele tempo ou então era um aliado da ditadura. Não podemos deixar que aquilo volte a acontecer em nosso país, a ditadura foi uma noite muito escura que não pode cair novamente sobre nós.

Entrevistando o poetaPor Fabio da Silva Barbosa

Ele é poeta, ficcionista, ensaísta, colaborou com diversos veículos de infor-mações, como a inesquecível revista em quadrinhos Chiclete com Banana e tirou seu nome artístico da doença que o cegou. Sabem quem é? Não poderia ser outro, se não o grande Glauco Mattoso.

Como foi o despertar para a arte?Fallando em despertar, faço logo um alerta: só escrevo pela antiga orthographia e quero que minha escripta não seja mexida, certo? Accordei para a arte porque desde creança vi

Page 71: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

que minha janella para a vida commum seria fechada pela cegueira progressiva. Foi uma sahida existencial, uma escapatoria.

Qual o principal papel da arte em sua vida?Antes de mais nada, evitar o suicidio, ou o alcoholismo, ou as drogas mais letaes. De quebra, a arte rendeu algum tesão... (risos)

O que é o underground para você?Para quem ja cresceu na peripheria e desde cedo foi sacco de pancada da moleca-da, ser “underdog” na vida ou “underground” na arte faz pouca differença... A marginalidade, social ou litteraria, veiu a ser meu proprio habitat.

Como foi trabalhar com o alternativo na época da ditadura?Por ser a unica via livre da censura, a imprensa nannica offerecia um illimitado universo creativo. Meu zine anarchopoetico, “Jornal Dobrabil”, fez coisa que nenhum grande orgam impresso podia fazer em termos de linguagem, diagramma-ção, conteudo, emfim, foi um vehiculo de commu-nicação de facto.

Glauco, careta em relação às suas obras?Minha philosophia de vida é o paradoxo. Acho que todos somos poços de contradicção, moci-nhos e bandidos ao mesmo tempo.

Page 72: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Portanto, nada de extranho no facto de eu ser mais louco como personagem que como pessoa.

Você se venderia para ter uma vida mais confortável?Através da historia, e em muitas regiões do mundo, os deficientes foram escravizados ou tiveram que se pros-tituir para sobrevive-rem. Si eu vivesse na India, provavelmente seria massagista e chupador para ga-nhar o pão. Aqui posso me dar ao luxo de ser massagista e chupador para ga-nhar inspiração nos sonetos ou nos con-tos... (risos) Mas isso não significa que eu assignaria contracto com uma editora commercial que me pagasse bem mas me exigisse radicaes mudanças de estylo.

O atual panorama político brasileiro e mundial segundo o poeta:Ja versejei demais sobre o scenario politico, particu-larmente no livro “Poetica na politica”, e tenho commentado a respeito em minha columna na “Caros Amigos”. Não ha o que accrescentar: fallar de merda sempre foi minha especialidade.

A tese de que trocamos a ditadura militar pela capital é real?Sim, mas na verdade nunca a trocamos. A dictadura economica é permanente. Apenas a militar foi addicionada a ella durante aquelle periodo.

O ser humano se entregou à alienação?Pode ser, mas ha varios typos de alienação, umas damnosas,

Page 73: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

outras gozosas. Phantasias sexuaes, mesmo as minhas, que são sadomasochistas, podem ser boa estrategia para compensar as difficuldades practicas. Ja a desinformação é a peor forma de alienação, da qual fujo como o Diabo da cruz.Seu epitáfio.Epitaphio? Vira essa bocca para la! Não pensei ainda.Talvez na hora de morrer eu decida. Mas seria algo como “Aqui jaz alguém que jamais soube o que dizer da morte e só fallou mal da vida”... (risos)

Entrevista com Malatesta do blog RetomadaMais um guerreiro na luta contra o mal(retomadaeminente.blogspot.com)

Por Fabio da Silva Barbosa

Por que o nome Malatesta? . O nome é uma homenagem a um dos maiores combatentes do anarcossindicalismo, na virada do século XIX/XX, Errico Malatesta. Ele acreditava que, com os trabalhadores no comando dos sindicatos, seria possível a propagação do ideal anarquista, alcançando a classe proletária. Foi exilado em 1926 e faleceu em 1932. Malatesta é a inspiração de que precisava.

O que pretende o Retomada? Qual seu objetivo? Conscientizar a classe rodoviária, de Niterói a Arraial do Cabo,

Page 74: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

que devemos participar das assembléias no sindicato (SINTRONAC), reivindicar pelo que acharmos necessário.

Os rodoviários estão dando retorno? O retorno tem sido mais nas ruas, do que na Internet. Quando eu prego o assunto, os colegas se mostram interessados.

Em que situação se encontram os sindicatos atualmente? Os sindicatos, em sua maioria, estão entregues nas mãos da classe empresarial, e políticos corruptos. Para o trabalhador, os sindicatos são meros planos de saúde (igual ao SUS), e assistência jurídica (advogado). O aumento salarial dos trabalhadores é calculado em um percentual irrisório, comparado aos lucros da megaburguesia brasileira. O sistema capitalista não está enfraquecendo, mas está sempre renovando suas forças e seguindo em frente. As disparidades sociais e econômicas estão se acentuando cada vez mais pelo mundo a fora. Precisamos nos organizar e, em vez de tentar as vias eleitorais; devemos tomar influência nas assembléias dos sindicatos do país; fortalecer a classe trabalhadora; reivindicar o nivelamento dos salários, a princípio. As decisões de leis ficarão nas mãos do povo, através do voto, em cabines nas ruas, todos os dias. O povo se conscientizará, e, com a decisão da maioria, o Brasil tomará novos rumos. .

Em que momento você resolveu que deveria agir e por quê?

Page 75: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Como foi esse momento de transformação? No momento que conheci a Sociologia e a Antropologia, vi que havia chegado a hora de criarmos velhas expectativas nos trabalhadores comuns, como era em dias de convenção nas Internacionais européias. Todos os teóricos e ativistas, marxistas e anarquistas, reuniam-se para discutir os caminhos de uma nova ordem econômica, à qual deveria ser revolucionada pelo povo comum, através dos votos públicos ( o povo).A Antropologia me fez pensar nos povos pré-cabralinos, no alto nível de evolução econômica em que se encontravam se comparados com os europeus. Enquanto os primeiros tinham uma filosofia de vida, que consistia em arranjar comida todo dia e, ao término, viviam felizes à descansar. O maldito português, com sua filosofia de acúmulo de riquezas, juntamente com os espanhóis e, mais tarde, com ingleses, franceses e holandeses, dizimaram um sistema econômico de vida , muito mais evoluído do que o deles.

Whashington do Enemy CrossPor Fabio da Silva Barbosa

A banda, Enemy Cross, surge em 1996 e passa por várias formações. Participou de coletâneas e fez vários shows. Em 2000 lançou uma Demo Tape. Depois participou no Three Way com Biologic Enemy e Flagelador. Em 2006 o primeiro cd foi

Page 76: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

lançado independente. Atualmente continua na estrada. Contatos: [email protected] , www.mayspace.com/enemycross. Tel:[22] 27712964 & [22] 92027227 / Washington.

Por que Enemy Cross?É puro deboche e afronta ao cristianismo. Nossa cruz é invertida, pois somos a Cruz Inimiga. Somos contra o fanatismo religioso e a lavagem cerebral promovida pelo cristianismo!

De 1996 até hoje, o que mudou no som?Muito pouco. Quase nada. Hoje acrescentamos elementos mais brutais ao som, como a adição de pedal duplo na bateria.

Como é o processo de criação?Nos primórdios da banda, eu e nosso antigo batera, Nicko, fazíamos as letras. Eu fazia as bases e passava para os outros membros da banda. Hoje continuo fazendo as letras e algumas bases. O Anderson, o novo guitarrista, também está contribuindo com letras e bases.

Quando éramos crianças, ouvíamos sempre que isso era uma fase e que iria passar. Como esse espírito de trabalhar e viver no underground persiste até hoje? Como esse lado convive com o dia a dia. Em primeiro lugar, é o amor pelo que acreditamos e fazemos. O

Page 77: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

metal faz parte de nossas vidas.É uma verdadeira cachaça! Sou viciado no que faço e espero morrer fazendo músicas extremas para pessoas extremas! No dia a dia somos como qualquer outra pessoa. Trabalhamos para sustentar nossas famílias pois todos temos filhos e casa para sustentar. Mas sempre arrumamos tempo para fazer um som.

Qual o futuro do metal e do Enemy Cross?O Metal vai sempre estar por aí. Seja na mídia ou no Undergroud. Vão sempre existir as modas e os oportunistas. Os aproveitadores! Mas também vão ter pessoas que vivem e acreditam no metal! Quanto ao Enemy cross, até me aguentar em pé, estarei levando a banda à frente.Não penso em acabar com a banda. Da formação original só restei eu. Mas a luta continua, e pretendo lutar até a morte !

Cinema ultraindependente trash ultranovoPor Fabio da Silva Barbosa

Se você pensa que já viu tudo em termos de cinema independente, precisa conhecer esse grupo de cinema teatral que está sendo formado em São Gonçalo no estado do Rio de Janeiro. O grupo leva ao extremo a teoria do cinema novo, de uma câmera na mão e uma idéia na cabeça. A estética trash está presente na falta de recursos e pelo tosco. Isso sem falar

Page 78: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

no ideal do “faça você mesmo”, explícito.A iniciativa é sinceramente primorosa. Em vez de

ficarem se queixando, eles fizeram, com o nada que possuem, uma história cinematográfica que ainda tem planos para o futuro. A filmografia pode ser vista no youtube:

O primeiro filme se chama ONG BLACK . Um curta de artes marciais, com coreografia de tirar o fôlego de qualquer Bruce Lee. Na sequência podemos ver ainda ONG BLACK - MAKING OFF e o trailer da continuação que ainda não foi finalizada. O último trabalho da COLLECKTORS PICTURES se chama O RETORNO DE XANDY.

O negócio é ler esta entrevista, com Alexandre Collecktor, enquanto aguardamos os próximos lançamentos.

Alexandre, você interpreta dois personagens no primeiro filme ou é impressão minha?Pois é rapaz. A mudança de personagem pode ser observada quando coloco uma peruca.

O personagem principal consegue fazer várias acrobacias durante a coreografia marcial.Aquele é meu irmão.

E a sequência?A história é que, enquanto filmávamos, a bateria acabou. Pensamos em uma solução imediata para o problema e

Page 79: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

colocamos no final o aviso de que faríamos a continuação. Mas ainda não gravamos. O cara que aparece no trailer fazendo papel do chefão é o meu primo. Alto, né?

Vocês reuniram um bom número de atores.Aquilo é o pessoal que fica de bobeira na rua. Tudo amigo dali mesmo.

E o equipamento?Aquilo é uma câmera de VHS. Só. Usamos muitas cenas de ação justamente por não ter um sistema de som adequado, o que atrapalha na hora de entender os diálogos. Hoje já temos uma câmera melhor, mas ainda nada moderna.

E o cenário natural usado?Foi tudo filmado no Pacheco, aqui em São Gonçalo

E o pessoal gosta? Sua esposa, por exemplo, já viu?O pessoal se diverte. Minha esposa já viu, sim. Gostou, mas não se entusiasmou muito. Também, não tem muito como se entusiasmar.

Vocês é que pensam. Muita gente fica arrumando desculpa para não fazer as coisas tendo recursos para tal. Vocês não têm nada e mesmo assim estão produzindo. Eu me entusiasmei. Descobri um filme que ainda não tinha visto.

Page 80: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

(Alexandre tem um ataque de risos)

Entrevista com um dos nomes mais importantes do Rock

Por Fabio da Silva Barbosa

Essa é uma daquelas quentes. Com vocês, sem necessidade de maiores apresentações, Kid Vinil!

Fale do início. Como nasceu o Kid Vinil? O Kid Vinil nasceu Antonio Carlos e logo cedo se interessou pela música, pois meus pais adoravam, apesar de não serem músicos. Meu pai ouvia jazz e muita música brasileira dos anos 40 e 50. Cresci ouvindo Carmem Miranda, Miles Davis, João Gilberto, Francisco Alves, John Coltrane, Tonico e Tinoco e, claro, Elvis Presley (esses sons embalaram minha infância, uma família bem eclética por sinal) Acho que isso é que me tornou também um cara muito eclético musicalmente. Quando garoto, assistia os festivais da Record e adorava Chico Buarque, Edu Lobo, Nara Leão e a turma da Tropicália e da Jovem Guarda, Beatles e Stones. Quando entrei no colégio, formei meu primeiro grupo de escola, tocávamos desde Jovem Guarda a Raul Seixas, Rita Lee e Mutantes. Na faculdade, logo me arrumaram um teste numa rádio pra apresentar um programa e foi aí que começou a carreira do Kid Vinil que deixou de ser

Page 81: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Antonio Carlos. O apelido foi uma junção de dois djs ingleses do final dos anos 70, Kosmo Vinyl e Kid Jensen. Daí o programa sobre punk e new wave deu certo, e o nome Kid Vinil começou a se propagar, até que em 83 veio o Magazine e o sucesso nacional com “Sou Boy” e “Tic Tic Nervoso”.

A história do Kid Vinil como Herói do Brasil seria uma espécie de Macunaíma do rock?Nunca pensei dessa maneira e ninguém fez esse tipo de comparação, mas acho que a obra de Mario de Andrade é muito mais complexa. Talvez o lado preguiçoso até tenha a ver, pois só trabalho a toque de caixa, mas acabo fazendo tudo com prazer e depois fico me deliciando com aquilo que escrevi. Não me considero um herói, isso foi apenas uma brincadeira da letra de Tico Terpins, talvez ele até tenha se inspirado em Macunaíma pra escrevê-la.

Falando em rock... O rock morreu?Na minha vida não, ainda encontro muita coisa interessante por aí. É claro, não dá pra ficar eternamente cobrando as novas gerações, mas existe tanta coisa boa se a gente olhar pra trás, isso nunca morre, é como o jazz e o blues, são eternos.

E o ser humano? Tem jeito?Hahaha! às vezes eu acho que cada vez mais eles me decepcionam, mas num dado momento existem acessos de

Page 82: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

lucidez nas pessoas e a gente acaba vendo um resto de esperança, mas não se anime demais.

A arte e o capitalismo podem conviver em harmonia, ou um é inviável diante do outro?Eu acho que se conviveram juntos bem ou mal todos esses anos, o capitalismo selvagem segue seu rumo e arte o dela. Alguns fazem suas concessões outros mantém sua essência e integridade, é assim desde o inicio dos tempos.

O que você destacaria hoje em dia? Como minha área é a música, destaco toda e qualquer iniciativa de música independente com fundamento. Hoje existem movimentos musicais relevantes, por exemplo no Brooklyn em NY e até mesmo na cena independente brasileira, é só procurar.Geralmente cito no meu blog coisas que eu gosto dessa nova música, dêem uma espiada: www.kidvinil.blogspot.com

O kid Vinil de ontem e o de hoje são a mesma pessoa? Com certeza muita coisa muda na gente, mas às vezes parecem mudanças superficiais, hoje eu tenho 54 anos de idade, mas acho que esse peso da idade não afetou meu interesse pela música, pelo novo e não parei no tempo como alguns colegas da minha geração. Eu detesto encontrar esses músicos, principalmente que chegam pra mim e dizem que não

Page 83: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

se fez mais nada de bom depois da década de 80. Isso é morrer, é dizer não pro resto do mundo e pra aquilo que vem acontecendo. Acho que esse sentimento de garimpar informações e estar sempre atualizado faz parte do meu processo evolutivo.Não me casei, não constituí família, apenas por opção, tudo que tenho é um cachorro que por incrível que pareça me ensinou a ser mais humano.

Entrevista com Miguel FavorettoPor Fabio da Silva Barbosa

Miguel Angelo Falcão Favoreto, 48 anos, artista plástico encostado e figura sem igual. Onde houver cerveja gelada, rum e um violão para poder acompanhar com seu vocal rouco um bom blues, ele vai estar. Como sempre, sentados na mesa do bar, batemos um papo enriquecedor. Miguel esbanjando irreverência e conhecimento prático da vida. Esta entrevista já havia sido feita há alguns anos, mas só agora eu a encontrei perdida em um antigo caderno de notas. O que me deu na telha para dessa vez anotar a conversa, eu não sei. Provavelmente no meio da bebedeira pedi para me conceder uma entrevista. Vamos fazer um pá-pum rápido.

Legal.

Page 84: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Literatura...Chapeuzinho Vermelho.

Sua vida como artista plástico...Vagabundo.

Suas obras...Esculturas e pinturas. Surrealismo com pintura clássica e muito rock’n roll.

Quem te representaria em uma foto?Deus.

Um personagem...Eu.

Dadaismo...Dadaísmo... dá os outros. O que é dadaísmo mesmo? Então. Não põe isso não.Não. Não. É que eu não lembrava. Foi um momento dadaísta. Agora eu lembro. Era um movimento surrealista.

Vida...Cuido só da minha. É um negócio bom.

O que é um negócio bom? Cuidar só da sua vida ou a vida em

Page 85: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

si?Nesse tipo de entrevista você não pode voltar atrás. Tem de ir sempre em frente.Tá certo. Álcool...RISOSÉ um negócio bom.

Melhor que a vida...Não tem. (PAUSA MEDITATIVA. UMA GOLADA NA CANA)É viver intensamente.

Liberdade de expressão...VAI TOMAR NO CU. Não... Não... Não põe isso, não... Que que eu vou falar? Liberdade... Expressão... Liberdade... Que que eu... É uma coisa muito boa. Depende de quem fala. E do que fala. As vezes você não quer ouvir.

Choque de ordemPor Alexandre Mendes

O choque de ordem vem aícorre pra não perderFiscalização e PMsua mercadoria vai prender

Page 86: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Puxa o paraquedasnão esquece o tripénão pode ter prejuízospois tem filhos e mulherO choque de ordem vem aívem limpando a zona urbanaas ruas do centro do Rioe a Praia de Copacabanacontribuindo ao desempregoe aumento da violênciavai ter muito tiroteionão adianta pedir clemênciaVai trabalhar,vagabundo!Dá um jeito!Se vira!os donos desse mundonão se importam com sua marmitae defendem seu propósito:deixar a cidade limpa

Rotina da retinaPor Alexandre Mendes

O dia começa e acabaO relógio gira sem pararO dia procede a noite

Page 87: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Que procede o diaQue procede a noite novamenteTomo meu café, como meu biscoitoVisto minha roupaVou para meu trabalho

Será que hoje ainda é ontem,Ou hoje já é amanhã?

Olho para o sol: parece estar no mesmo local de ontemAo chegar no meu trabalho, bato o meu velho cartãoAquele velho cartão amassado, que era novo no início de agostoAquele velho cartão amassado, que será substituido por outro novo no início de setembroComeço minha labuta

Será que hoje ainda é ontem,ou hoje já é amanhã?

Começo minha labutaO suor a escorrerA mesma angústiaO mesmo tédioVelha vontade de perecer

Page 88: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Chega à hora; bate o sino; dá o sinalE na volta pra casaO ônibus cheioComo uma jaulaVida animal

Será que hoje ainda é ontemOu hoje já é amanhã?

Chego em casaMinha casaA mesma casa: vou descansarEntro em comae nos meus sonhosParece que tudo está a mudarNo meu sonho, nunca é ontem!No meu sonho, nunca é amanhã!

Meus sonhos Singelo presente de Marx No último estágio de sua obra

Meus sonhos Singelo tempo da igualdade Suave dom da felicidade

Page 89: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

De repente toca o trim tão indesejado

E pela realidade sou capturado Me ponho de pé, e inicio O meu dia tão antigo Dia novo, dia velho...

A charolaPor Alexandre Mendes

Odeio o pobre de espírito aquele que despreza o raciocínio se deixa levar pelo mito: abnegação do direito de pensar nociva alimária cervejinha e carnaval na terra dos índios que foram roubados dos negros, mulatos açoitados no arraial Dia após diaa morte a lhe espreitar nas filas do SUS, ou esquina qualquer em mais uma chacina

Page 90: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

deixa filhos e mulher Desamparados no mundo sangrando eles se vão na charola maldita onde se encontram os passivos se encontram os coniventes merecedores do mundo em que vivem alarido inerte_ não há vozes em oposição idiotas, tirem a venda dos olhos! não há esperança, com a procrastinação.

Cântico derradeiroPor Alexandre Mendes

Seguiu até o quarto:Desculpe-me cérebrodeixei-o ser massacrado pelos gritospelos dias que se passaram Nunca mais obedecer patrões malditos Parou em frente a escrivaninha:Perdoe-me, velho coração Se vai parar é por minha culpa sofria calado todo diavítima sofrida da minha luta (maldita labuta!)

Page 91: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Abriu a primeira gaveta e olhou para suas mãos:

Vocês duas foram fortes;guerreiras e batalhadoras diversas vezes me salvaram da fome,mas apenas uma será minha redentora Pegou a arma no fundo da gaveta e olhou para o seu sexo:

Meu amigo, muito obrigado quantas vezes me fez feliz Nós dois prontos pra sermos comidos Não se turbe, fui eu que assim quis Apoiou o “pica-pau” em seu crânio e deu adeus ao mundo: Aperto o gatilho e apago, é certo.vou embora pra onde não sei talvez para o descanso eterno alguns dizem que sofrerei Não importa o destino minha conduta não segue norma em outro lugar, posso até sofrer mas que seja de outra forma Parto do mundo deixando saudades: -Sinto muito, amigos! Estou indo! Enquanto todos chorarem em meu pijama Espero estar no além sorrindo! POW

Page 92: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

TerremotoPor Alexandre Mendes

Como dói o descobrir buscar a verdade, pensar O mundo já não é mais o mesmo,aquele em que insistia em acreditar Era mais fácil ser oprimidopois cria que os pobres herdavam o céu

e agora, me sentindo ferido- Ignorância, mentira cruel! Conhecer as injustiças do mundo e a arte de o povo enganar Sofistas, hipócritas e imundos e o povo, em seus pés, a ajoelharPara mim, não há mais crenças nem deus, diabo ou altaro homem que criou as diferençasacompanhadas do verbo odiar Razão abraça pessimismonas mãos de déspotas poderososo mundo segue seu destino em guerras e gastos onerososDeve ser melhor vegetar: Que nos empalem com sua mentira

Page 93: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

sorrir e aceitar, sem pensar para Deus não castigar em sua ira

Dia de Fúria Por Alexandre Mendes

Hoje eu despertei para a realidade das regrasO mundo me cobra uma postura: Viva sob regras, pois essas fazem o mundo girarVocês não me enganam mais!Vou colocar em xeque toda minha credibilidademeu trabalho, minha famílianão importa: Quero dizer o que sinto.Acho que ganho muito pouco; um salário na proporção da minha liberdadeHoje consigo compreender porque alguns ignoram as regras e matam, tomados pela fúriaAs regras me sufocam, não consigo respirarFalta oxigênio, não consigo respirarQuero minha liberdade; aquela que as regras me roubaram Quero sentir prazer em viver, bem mais que cinco minutos por diafazer o que eu quero, não o que me é imposto. Chega desse fantochismo barato.QUEM FAZ AS REGRAS NÃO SEGUE REGRAS

Page 94: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

quero exercer o meu direito de xingar: Merda, Porra e Puta que o PariuQuero andar pelado pelas ruas do Centro ao meio diaMaldito mundo sob regras... As pessoas estão satisfeitasAuxílio doença e auxílio desempregoAs pessoas estão satisfeitasCopa do Mundo e CarnavalMaldito mundo sob regrasme levando à destruição

A história do Brasil e o sentido revolucionário

Por Alexandre Mendes

O povo brasileiro é um povo azarado. Digo isso porque nós realmente nunca tivemos um ícone na liderança que fosse plenamente considerado revolucionário, com a idéia de expulsão do estrangeiro e seu investimento explorador. Nossa História foi moldada e definida a partir de elementos no poder ligados a Coroa, com a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) em 1838. Próximo a nós, Simón Bolívar e San Martín influenciaram movimentos de libertação

Page 95: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

nos países de colonização espanhola. O Brasil não teve a mesma sorte, e podemos observar que todos os momentos de mudança política foram praticamente consentidos e realizados por homens de prestígio financeiro, que mantiveram a exploração, a exclusão racial e a corrupção. O IHGB tinha como função inventar uma história na qual afirmasse que o índio era bárbaro e ignorante; o negro era preguiçoso e incapaz, mas o branco era o eleito por Deus para guiar o Brasil para a evolução. Apoiavam-se nas idéias iluministas para justificar o branco na sua missão, mas repudiavam a Revolução Francesa. A definição de identidade nacional era forçada e grosseira. Até Gonçalves Dias chegou a ser mal visto por seu indianismo. Francisco Adolfo Varnhagen alerta o Imperador D. Pedro II para o fato: “...não deixar para mais tarde a solução de uma questão importante acerca da qual convém muito ao país e ao trono que a opinião se não extravie, com idéias que acabam por ser subversivas, a literatura veicula a imagem do indígena como portador da brasilidade.”

Sendo assim, os únicos episódios que vêm à memória do brasileiro como tentativas de revolução são os movimentos revolucionários marxistas, no período da Ditadura. No entanto, os guerrilheiros do Araguaia não são lembrados como heróis nacionais, mas sim como loucos que abandonaram suas famílias para morrerem na selva. Pobre Brasil... Tudo aqui é manipulado. Nosso prestígio político na América do Sul é produto do servilismo aos estrangeiros. Onde está a resposta

Page 96: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

do povo ao resultado da CPI no Senado?Onde está a resposta do povo a cada um dos escândalos que pipocam no cenário político? Tudo é manipulado. Pobre povo brasileiro...

A máquina biológica na sinuosa estrada da vidaManual de instruções

Por Alexandre Mendes

A chave na ignição - símbolo de sexo, orgasmo e reprodução. Ao girá-la, cometerás o ato sexual em si, podendo, daí, originar outras máquinas biológicas. Momento mágico, onde a construção do motor pode ser impedida, através de dispositivos sintéticos e elásticos.

Quando passares a primeira, iniciarás o seu estágio Alfa e, com isso, a origem do conhecimento. O mundo será decifrado lentamente por sua mente. Aprendizado fundamental para a passagem das marchas seguintes. Na maior parte do tempo, precisarás de um guia, pois pouco entendes de si.

Ao encaixares a segunda, tornar-te-ás cientista de tua própria vida. Com a tecnologia “flex”, a razão e o mito se fundirão em teu raciocínio, servindo como combustível e moldura da tua personalidade. Entrarás por caminhos tortuosos, mesmo sob advertência. Ultrapassarás sinais fechados; pisarás fundo no acelerador, deixando diversos passageiros no ponto.

Page 97: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

A terceira marcha é considerada atraente e voluptuosa. Fará com que muitos amores embarquem e desembarquem, compulsivamente, em tua vida. Em certos momentos, te sentirás como se estivesses ainda na segunda e, ao mesmo tempo, pressentindo a quarta. Recomenda-se encapar o pistão para não danificar os componentes e, mesmo em dias frios, precisarás ligar o ar condicionado.

Deverás engatar a quarta marcha lentamente, pisando suave sobre a embreagem. Para isso, utiliza tua experiência pessoal, adquirida nas passadas de marcha anteriores. Engrenagem perigosa, com risco de surgir problemas no motor. A revisão e a lubrificação devem ser feitas periodicamente, a fim de preservar o andamento da viagem.

A quinta é a última marcha do câmbio, e a mais veloz, portanto, requererá muita atenção de tua parte. As curvas devem ser feitas de forma macia; não haverá lugares por onde tu já não tenhas passado. Repetição de situações anteriores; passageiros que já embarcaram em outros momentos reembarcarão. Chegarás ao princípio do momento final. Farás o balanço da tua viagem, e de todos os pontos em que parou. Reconhecerás que, em certos momentos, engataste a ré por engano e que caminhos mais longos e desgastantes poderiam ter sido evitados.

O surgimento da dor em teus calcanhares, virá acompanhado do cansaço e da fadiga, causados pelo tempo da viagem. Quando já não houver mais combustível, a luz

Page 98: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

vermelha acenderá em teu painel; serás obrigado a engatar o ponto morto.

A chave voltará a posição “desligar” automaticamente.

Um pouco de históriaPor Alexandre Mendes

IntroduçãoMuita gente se pergunta porque o Rio de Janeiro é

conhecido em seus cartões postais, belas praias e pontos turísticos. Na realidade, o que repercute com mais frequência na imprensa internacional sobre a cidade, são os morros e comunidades, vistos como impérios do crime. Essa visão poderia ser facilmente contestada, se os curiosos fossem mais a fundo nas investigações. Toda comunidade sempre tem aquele morador simpático e agradável, que te recebe sorrindo com um copinho de café na mão. Quem habita nossas comunidades? A maior parte é constituída de trabalhadores e estudantes; pessoas vivendo em condições precárias, buscando se adaptar a sociedade sob as condições que o Estado lhes oferece.

Classes perigosasFalemos agora do passado. Antes de existirem os

estereotipados morros do Rio, haviam os cortiços. Eram

Page 99: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

pequenas ou enormes instalações, espalhadas pelas principais ruas da cidade. Lá, habitavam algumas famílias de imigrantes europeus; ex-escravos, seus descendentes e um grande contingente de trabalhadores, identificados como “classes perigosas” ou “classes pobres”. Esses termos, um tanto pejorativos, eram utilizados pelo governo da época (final do século XIX) e, se pensarmos bem, ainda existe uma herança desses termos circulando na mentalidade da sociedade em geral.

Cabeça de porcoDentre os cortiços, o mais badalado era o Cabeça de

porco, na Rua Barão de São Félix, nº154. Havia quem dissesse que o número de moradores chegou a quatro mil, em tempos áureos. No dia 26 de janeiro de 1893, se concretizou o desejo do prefeito Barata Ribeiro e empresários do ramo da construção: a demolição do Cabeça de Porco. Nesse dia, estipula-se que havia de quatrocentos a dois mil moradores no local. As pessoas foram brutalmente expulsas do cortiço e, com seus apetrechos nas costas, provavelmente passaram a noite no relento (pois a operação iniciou às seis horas da tarde). Esse episódio marca a história da urbanização carioca, como o fim dos “cortiços” e o “início” das “favelas”. O prefeito Barata Ribeiro, em uma atitude contraditória a sua primeira conduta, permitiu que os moradores levassem os destroços de suas casas, para que pudessem reconstruí-las (bem longe dalí).

Page 100: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Entretanto, há fortes indícios que grande parte das famílias expulsas subiu o morro, situado atrás do extinto cortiço, e lá se instalaram. Mais tarde, em 1897, os soldados sobreviventes do massacre de Canudos foram contemplados com pequenos lotes no dito morro. O local então passou a se chamar “Morro da Favela”, atual Morro da Providência.

Ídolos de BarroPor Alexandre Mendes

Vou desmitificar algumas das personalidades bem vistas historicamente pela sociedade, pois estas tiveram seus nomes postos em praças, ruas e avenidas, sem merecer, como forma de homenagem. Repetimos, ao longo de nossas vidas, seus nomes quando nos dirigimos a tais lugares: nomes que deveriam cair no esquecimento, ou então serem identificados com pessoas da política atual, com o objetivo de esclarecer os caminhos da política brasileira, aonde ela pode vir a chegar nas mãos dos pares. Ainda podemos dizer que esses homenageados foram colaboradores da desestabilização a longo prazo de nosso desenvolvimento econômico, lutaram diretamente ou ideologicamente contra os movimentos a favor da democracia e igualdade. Foram indivíduos que apoiaram a monarquia escravocrata, ou a república “parcialista”, defendendo interesses burgueses.

Page 101: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Floriano Peixoto - O “consolidador da República” ou “Marechal de Ferro” foi um dos nossos primeiros ditadores da República. Com a Revolta da Armada, no Rio de Janeiro (1893) e a Revolução Federalista, no Rio Grande do Sul (1895), as Tropas Florianistas foram instruídas militarmente ao fuzilamento de centenas de pessoas consideradas “inimigas da República”. Quem tiver a oportunidade de ler o livro “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, do grande escritor Lima Barreto (taí um bom nome para se homenagear), entenderá o clima da época.

Rodrigues Alves - Fez inicialmente o jogo duplo, pois foi presidente de província na monarquia, e depois foi ministro da fazenda de Floriano Peixoto na república. Modernizou o centro do Rio de Janeiro, expulsando de forma violenta os moradores carentes para os morros próximos ou lugares longínquos. Foi o responsável, ao lado de Oswaldo Cruz, pela Revolta da Vacina, através da violenta imposição da vacina da varíola à massa carioca desfavorecida e sem esclarecimento.

Washington Luís - Não precisamos ir muito longe com a definição desse elemento, apenas ressaltamos a sua ideologia burguesa e indiferente aos interesses do povo, quando lembramos a sua forma de encarar a questão social como um caso de polícia, isto é, qualquer greve trabalhista estava sujeita à repressão policial, e à prisão sumária de seus participantes.

Estes homens citados anteriormente não chegam à metade dos nomes que são homenageados de forma injusta. O fato parece corriqueiro, mas devemos inovar nosso olhar sobre

Page 102: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

a história, a fim de definir, em nossa memória, os personagens dessa densa trama, que se chama política nacional. Isso contribuirá positivamente para a identificação dos políticos, aonde eles querem chegar com suas filosofias. As praças, ruas e avenidas não deveriam levar o nome de indivíduos que apoiaram (ou apóiam) a vontade do povo?

Os excluídos da sociedade

Por Alexandre Mendes

Há muito tempo, ouvimos a conversa fiada de que a Prefeitura irá construir um camelódromo ao lado do Terminal Rodoviário de Niterói. Eles afirmam que irão desimpedir as calçadas e facilitar o tráfego de transeuntes. A idéia da construção do camelódromo provavelmente não incluirá as centenas de camelôs que ocupam as ruas da cidade, considerados “ilegais”. O trabalho dessas pessoas é considerado informal, porque a Prefeitura de Niterói há muito tempo nega a documentação autorizando que essas pessoas trabalhem honestamente (em hipótese alguma concede as permissões). Eu fui às ruas perguntar aos camelôs considerados “ilegais” o que eles achavam da construção do camelódromo. A reação foi a esperada: nenhum deles havia ouvido falar sobre isso recentemente, e ninguém afirmou ter sido cadastrado para alguma coisa pela Prefeitura de Niterói.

Page 103: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

O que vai adiantar se a Prefeitura de Niterói pegar os camelôs já cadastrados, em barracas fixas, e os colocar no sonhado camelódromo? Os que não são cadastrados vão continuar sendo perseguidos? O vendedor ambulante é uma profissão tão antiga quanto a prostituição. Além do mais, o ambulante deve ser considerado o reflexo da política injusta e parcial, onde a maioria do povo é legado à sua própria sorte. Todas as grandes cidades do mundo tem seu contingente informal. Caso o Estado queira continuar com a política hipócrita, sua obrigação é a de criar condições para acomodar todos os trabalhadores informais de seus domínios. “ILEGAL” é o Estado ver um cidadão buscando formas alternativas de sobreviver (em meio ao excesso de mão-de-obra, e pouco emprego) e proibi-lo de seu ato. Onde fica, então, aquela conversa de Direitos Humanos?

DepoimentosFrancisco da Silva Machado,25 anos - Camelódromo?

Essa estória é antiga! Trabalho a 8 anos aqui e, ó, já tentei a permissão da Prefeitura: é meio difícil, hein!

Carlos Henrique da Cunha, 32 anos - Eu só posso confiar em Deus, porque ser humano nenhum liga pra gente não! É o dia inteiro correndo do “rapa”, e eu só quero defender o leite das crianças!

Marizete Alves Lima, 47 anos - Já perdi dois tripés e

Page 104: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

mais de R$90,00 em mercadorias só esse mês passado para a Guarda Municipal. Da última vez, meu filho foi defender as coisas e quase apanhou!

Os Heróis da Chibata e os Heróis da Sobrevivência

Por Alexandre Mendes

A história está cheia de pessoas que são lembradas sem ter porquê ou merecer. Eis que temos contada, de forma indigna, a Revolta da Chibata, em 1910. Liderada pelo marujo João Cândido Felisberto, mais conhecido como “Almirante Negro”, e seus companheiros, os marujos Francisco Dias Martins e os cabos Gregório e Avelino a marinha rasa se sublevou, contra o castigo do açoite. A “última vítima”, o marujo Marcelino Menezes, levou 250 chibatadas no convés, e apanhou até depois de desmaiado. .

Esse fato marca o início da revolta em 22 de novembro de 1910. Com os navios Minas Gerais, São Paulo e Deodoro, João Cândido e os marujos apontaram os canhões para a capital, reivindicando melhores salários, alimentação e a extinção da chibata. Com astúcia, o governo aceita as reivindicações, mas em seguida (menos de um mês depois), persegue-os, simulando uma rebelião na Ilha das Cobras, onde estava a maioria dos sublevados. .

Page 105: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

João Cândido não estava na Ilha das Cobras, mas foi mandado para lá. Outros marinheiros não tiveram tanta sorte e foram transladados para o interior da Amazônia, ou fuzilados e jogados ao mar durante o percurso. João Cândido sobrevive e fica louco. É internado em um hospital psiquiátrico e, quando lhe dão alta, sua patente é caçada, e todas as portas fecham na sua cara. João Cândido termina sua injusta vida como empregado no comércio pesqueiro, aos 89 anos. Ele nunca abandonou o mar. O Almirante Negro foi, como Zumbi, um dos nossos verdadeiros heróis. Devemos nos espelhar neste exemplo de cidadão brasileiro que luta pelos seus interesses. Os marinheiros eram perseguidos, e a Marinha do Brasil monstrava-se posturalmente escravocrata. Hoje em dia, os marinheiros tem o seu prestígio e, em 2003, todas as honras, salários e gratificações dos marujos da revolta foram calculados e repassados às suas famílias. No entanto, podemos afirmar que o problema não acabou... . Outras profissões são perseguidas e discriminadas, como podemos ver no cotidiano das grandes cidades. Um exemplo disso são milhares de vendedores ambulantes, pessoas desempregadas, que passam o dia gritando o nome de suas mercadorias e correndo da fiscalização. Se forem pegas, sua mercadoria (às vezes todo o dinheiro da pessoa é aplicado) é confiscada sem um termo de apreensão. Se a pessoa tentar retirar a mercadoria do depósito, ela se dirige até lá e, se ainda tiver algo dela (porque, na calada da noite, as coisas somem

Page 106: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

misteriosamente no depósito), ela pega o termo de apreensão do que restou, e espera uma audiência para avaliar o valor da multa (que é igual, ou maior do que o da mercadoria).

NÃO EXISTE VOZ NA IMPRENSA QUE FALE A FAVOR DOS AMBULANTES. Eles são marginalizados. Se buscarmos as origens do comércio ambulante, chegaremos aos negros recém-libertos e os ainda escravos, vendedores de fumo e especiarias, retratados nas pinturas de Debret e Rugendas. Então, reconhece-se a perseguição ao vendedor ambulante, como um marginal: um homem que vende mercadorias falsificadas, sem notas fiscais, que fere os cofres públicos e privados (os empresários, que são vistos como vítimas). Se o ambulante tem sua origem no escravo, a perseguição ao ambulante, como a dos marinheiros da chibata, não pode ser vista como uma simples contenção de prejuízos. O AMBULANTE SEMPRE EXISTIU EM NOSSA SOCIEDADE. Não deveria ser tratado como um bandido. Reivindico nesta matéria para nossa cultura, o título de herói a João Cândido e seus companheiros, e a valorização dos ambulantes, com a concessão de alvarás, e a admissão de que os tais façam parte do cotidiano histórico, do panorama visual, e econômico das grandes cidades brasileiras.

Page 107: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

As Leis Jim CrowPor Alexandre Mendes

Há certos momentos em que o ser humano necessita se organizar, avaliando determinados episódios da história, a fim de evitar repetidas tragédias e momentos críticos.

Sem dúvida alguma, foi o movimento negro (décadas de 50 e 60) que lutou por direitos civis, no sul dos Estados Unidos, um dos maiores exemplos de coragem na conquista de um objetivo, no século XX, desde o fim a Guerra da Secessão norte-americana (1865), após a abolição da escravidão no sul. No entanto, as autoridades sulistas conseguiram aprovar uma lei, que pedia a segregação do espaço público, mas com “igualdade”. Porém, isso só acontecia no papel. Nenhum hotel no sul aceitava hóspedes negros; as escolas eram separadas, a dos negros era bem inferior em todos os aspectos; a maioria dos bares e restaurantes não serviam negros; e nos ônibus, os negros só podiam se sentar nos fundos. Se o ônibus enchesse, ele era obrigado a dar seu lugar ao branco.

Eram as leis conhecidas como “Leis Jim Crow”. No ano de 1929, em 15 de janeiro, nasce em Atlanta, Geórgia, Martin Luther King Jr.Filho de um pastor, Luther King foi criado com seus dois irmãos, protegidos de todos os lados, por seus pais. Jamais deixavam os filhos pegar um ônibus, sempre tentando afirmar o valor que eles tinham, apesar da opressão aos

Page 108: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

negros. Uma característica interessante, na pregação do já Pastor Luther King, era o incentivo para a comunidade negra lutar por seus direitos. Enquanto a maioria dos pastores negros falavam da salvação após a vida, ao invés de se preocupar com as privações que passavam em vida, Martin Luther King buscava conscientizar a comunidade negra do sul a lutar pelos seus direitos civis.

Em 1º de dezembro de 1955, uma mulher, de nome Rosa Parks, ex- secretária da NAACP (Associação Nacional para o Progresso das Pessoa de Cor) pegou o ônibus, na volta do trabalho (era costureira), e se sentou. O ônibus encheu e um branco lhe pediu o lugar. Então ela se recusou a levantar, e foi presa. Esse episódio foi o estopim para o avanço da luta pela revogação das Leis Jim Crow, por parte dos negros do sul norte-americano. Sob o comando pacífico (baseado na conquista dos direitos humanos através da não violência, de Gandhi), porém persistente, de Martin Luther King, as pregações vinham do fundo de sua alma, reivindicando a liberdade negra por completo, no sul.

_ “Eu lhes digo...”, começava._ “Diga doutor” respondia a congregação._ “...Que qualquer religião que se diga preocupada com as almas das pessoas...”“Sim, isso mesmo”, era a resposta.“...e não está preocupada com a miséria a que estão condenadas...”

Page 109: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

“Amém, irmão!“...e as condições sociais que as reduzem...”“É isso aí!”“...é tão árida quanto uma religião de pó”.“oh-hoh”Os negros fizeram um boicote aos ônibus do dia 5 de

dezembro de 1955, até 21 de dezembro de 1956. Graças ao apoio das frotas de táxi negras (cobravam o valor da passagem do ônibus), o boicote foi bem sucedido. Com a pressão ao governo americano, conseguiram dar plenos direitos civis aos negros, no ônibus. Em seguida, a admissão dos negros nas escolas públicas para brancos.

O sit-in era uma forma de protesto, no qual os negros sentavam-se nos bancos de bares e lanchonetes, e diziam que só sairíam, se fossem servidos. É certo que houve represálias por parte da Ku Klux Klan, organização racista contrária aos direitos civis negros. Enforcamentos, mutilações, assassinatos e explosões.

Também Luther King tinha diversos inimigos no poder público, como o diretor do FBI Edgar Hoover; o chefe de polícia de Albany Laurie Pritchett; e o comissário de polícia de Birmingham Eugene “touro” Connor.

Até conseguir o apoio de Kenedy, Martin Luther King Jr. já havia sido preso várias vezes, e sua casa explodida mais de uma vez. No entanto, até a sua morte, jamais abandonou a causa. Em 28 de agosto de 1963, os negros organizaram uma

Page 110: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

marcha até o Lincoln Memorial, em Washington, onde, exatamente cem anos antes, Abraham Lincoln assinava a abolição da escravidão nos Estados Unidos. A quantidade esperada de expectadores era de 100 mil. No final havia aproximadamente 250 mil negros e brancos de todos os credos, unidos pelo fim da segregação racial no sul.

A marcha pelos direitos civis foi determinante para a promulgação de novas leis no sul. Os negros também conquistaram o pleno direito ao voto, nesta data. Em seguida, Luther King Jr. continuou dedicando sua vida à comunidade negra local.

Luther King foi brutalmente assassinado, no dia 4 de abril de 1968, com uma bala no rosto, na sacada do Motel Lorraine. Ele iria discursar em apoio a greve dos garis da cidade de Menfhis. Sua morte causou uma revolta em todo o país.

Temos um exemplo de persistência e coragem na luta por um objetivo. Devemos nos conscientizar do poder que temos, como maioria, contra os poderosos que se beneficiam das regras do capitalismo em nosso detrimento. Detrimento que é capaz de alcançar um homem, em seu interior. Um trabalhador oprimido, que necessita de “hora extra”, ou “dobra”, para garantir os seus direitos mínimos, pouco tempo tem para explorar seus talentos e habilidades. Pedimos liberdade do julgo que nos é imposto.

Fonte e citação: Grandes Líderes, Editora Nova Cultural,

Page 111: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

1987

Os mecanismos de controlePor Alexandre Mendes

Pablo Neruda disse: “A espada, a cruz e a fome vão dizimando a família

selvagem.” Ele se referia ao brutal processo de conquista e exploração, por parte dos invasores ibéricos, sobre a América. Agora , façamos uma analogia à frase, em relação ao processo de controle e exploração do povo brasileiro.

A ESPADA - O cotidiano dos menos favorecidos, moradores de áreas carentes, movimentos em busca de terras e moradores de rua, que são obrigados a conviver entre o terror e o medo impostos tanto pelo Estado (através da polícia), quanto por organizações criminosas financiadas ocultamente por figuras do poder. A lei do silêncio, o toque de recolher e os assassinatos são frequentes e fazem o indivíduo refletir que é melhor fazer sua parte e não reclamar de nada.

A CRUZ - São as milhares de igrejas que se espalham pelo país. Algumas pregam o sofrimento terreno como passaporte para o céu,outras procuram orientar o membro à doar tudo o que tem, baseando-se em trechos bíblicos

Page 112: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

interpretados de maneira falaciosa. Alguns líderes, em época de eleições, chegam a apoiar políticos, e pedem o voto dos membros para tal, no púlpito. Cerimoniais em forma de espetáculo mexem com o sentimento das pessoas. Logo, se esquecem da triste vida que os espera lá fora...

A FOME - Talvez seja o mecanismo mais cruel, pois um bom chefe de família passa por qualquer humilhação para alimentar seus filhos. Com o implemento da tecnologia em benefício dos empresários, o medo de perder o emprego é constante. Quando chega o mês do aumento - e normalmente é aquela micharia! - o empregado resmunga um pouco, mas logo se contenta.

A FAMÍLIA SELVAGEM - Essa é a visão que a elite tem do povo, pois se desfaz dele, ou faz dele o que bem entender. E assim caminha o povo brasileiro rumo à extinção de sua identidade...

História para boi dormirPor Alexandre Mendes

Atualizar meios de exploração é tarefa contínua do sistema. A evolução do capitalismo acompanha a inovação tecnológica que aliena a população, com o objetivo de fazê-la

Page 113: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

não perceber a usurpação manifesta através do próprio ambiente individualista e egocêntrico em que perece a humanidade contemporânea.

Uma estratégia utilizada é a domesticação da juventude através de livros didáticos. Muitos assuntos históricos são comentados e analisados sem a verdadeira história do povo, na qual ele se demonstra ativo, ser enfatizada. Revoluções e revoltas, envoltas em ideologias realmente revolucionárias, são pouco aprofundadas, ou nem sequer comentadas.

O ideal iluminista, por exemplo, no tocante à liberdade e igualdade é positivo, entretanto os livros didáticos não tratam o assunto de forma que o jovem o assimile ao seu presente.

Ideologias que se opõe ao capitalismo, então, nem pensar! O império romano, por exemplo, entre 235 d.C.(guerras contra os persas) e a chegada de Diocleciano ao poder, em 284d.C, é identificado como um período de “anarquia e desordem”. Logo, o anarquismo (uma ideologia justa e igualitária) é associado a fatos negativos.

Explicações sobre revoltas armadas em resposta à cobranças de impostos e criações de comunas são assuntos passados pelos livros e professores de forma superficial, sem buscar uma fomentação intelectual e crítica nos alunos. Temos como consequência, um povo que parece aceitar tudo que os políticos fazem de ilícito. Por que não há valorização desses ideais nos livros didáticos? Talvez seja pelo fato do MEC ser um órgão do governo (no fundo, a gente sabe que é por isso

Page 114: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

mesmo). O tal procura nos controlar, desde a infância nos fazendo acreditar que sempre fomos um povo pacífico e que nossas revoltas foram casos isolados.

Isso explica o triste desinteresse da classe oprimida quanto ao direito de reivindicar sobre as condições de vida que lhe são impostas. Por isso, toda vez que ocorre um escândalo de milhões, no governo ou em outros setores burocráticos, os pivôs do fato ficam à vontade, pois deduzem que o povo brasileio não se manifestará. Normalmente, o “tiro” é certeiro: muitos são reeleitos ou, se afastados, não devolvem a grana que roubaram.

Alguns Assuntos históricos construtivos para os alunos (se bem trabalhados):-Quilombos(Brasil, período colonial).- Revolução Fancesa(1789).- Revolução Cubana _ Até a tomada de Havana (1959).-Guerra dos Camponeses _ de Thomas Münzer (1524). Revolta dos Malês _ Bahia (1835)

Page 115: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Devemos exigir o direito de um esclarecimento mais bem elaborado sobre o que foi, e o que pode vir a ser uma revolta popular alicerçada em ideais benéficos à população.

O fim do mundoPor Alexandre Mendes

“Os dirigentes capitalistas podiam temer que o desaparecimento do produtor rural, do artesanato e da pequena burguesia comercial e industrial reforçasse as fileiras do proletariado. Mas o ‘modernismo’ veio trazer-lhes o êxito total com a automação, a miniaturização e a informática. Após o despovoamento dos campos, assistimos agora ao das fábricas e dos escritórios. Como o capitalismo não sabe nem quer partilhar o lucro e o trabalho (vemos isso nas reações indecentes e histéricas do patronato à jornada de 35 horas- medida de resto bem tímida), chegamos inelutavelmente ao desemprego e à sua corte de desastres sociais.” Maurice Cury .E.C Éditions, Le Libéralisme Totalitaire.

Pois então, meus caros leitores, essa é a triste realidade do horizonte que avistamos. A tecnologia não está gerando a evolução. A tecnologia está gerando a “devolução”, que nos dá uma idéia de retorno, atraso. Mas é claro que o atraso fica para o povo. Um exemplo claro está no vale-transporte eletrônico. O trabalhador não pode pegar uma van na volta do trabalho: é

Page 116: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

obrigado a esperar o ônibus, não importa o seu atraso. Passageiro e condutor de van saem perdendo nessa, só quem ganha é o empresário de ônibus. E o cobrador, que está sujeito a perder seu emprego, por causa do validador e do micro-ônibus. Milhares já foram demitidos em nome da tecnologia. Somos cercados por câmeras em nossos serviços. Os empresários, em geral, alegam que é para a segurança da empresa. Somos vigiados quando entramos em um elevador, ou em qualquer outro lugar público. Não podemos mais exprimir o que pensamos em uma cédula eleitoral, apenas apertamos botões que não expressam nosso ódio e repúdio pelos políticos e suas sujeiras. A cada dia somos mais e mais controlados pelos manda-chuvas do mundo. E a ordem sintética da tecnologia capitalista é, gradualmente, não precisar mais do povo para nada. Pessoas formadas disputam vaga para gari com pessoas de menor grau de instrução; alguns aceitam trabalhar sem carteira assinada, ou sem receber pelas horas extras. Estamos chegando a um nível insuportável de desvalorização de nossa mão-de-obra. Qual foi a última vez que o povo se revoltou com a situação trabalhista? Será esse o prenúncio do fim do mundo para nós? Será que um dia não haverá mais povo no mundo, somente os empresários e a tecnologia demagógica deles?

Page 117: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Séc. XIX – quanto tempo!Por Alexandre Mendes

Do início dos tempos até hoje, podemos verificar mudanças na mentalidade do ser humano. É impressionante o rumo que a evolução do homem tomou. Os momentos que nos parecem benéficos, ao fim, demonstram-se direcionados para os últimos resultados.

Vejamos, por exemplo, o que a Revolução Industrial nos deixou como herança. Um mundo controlado por poucos. Pessoas se engalfinhando, para conseguir um maldito emprego. Disparidade gritante.

O quê aconteceria se os romanos não tivessem aderido ao cristianismo? Ou então, se Martinho Lutero não tivesse feito a Reforma Protestante? Provavelmente teríamos uma outra religião qualquer, que submeteria o homem, por séculos, em suas igrejas, mesquitas ou sinagogas.

Entretanto, vale ressaltar o século XIX como referência na intensidade do pensamento humano na Europa. Movimentos anarquistas e marxistas agitavam o cotidiano, principalmente da Itália e França. A Alemanha se orgulhava de seus renomados filósofos.

O século XIX, acima de tudo, foi um momento marcante, por ser quando o capitalismo encontrou seus maiores rivais ideológicos. Movimentos anarquistas surgiram, também no Brasil, entre os séculos XIX e XX.

Page 118: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Apesar de haver muita ignorância, etnocentrismo e doutrinas falaciosas (que culminaram com o extermínio de judeus, e de palestinos por judeus, a partir de meados do século XX), o século XIX demonstrou-se estupendo, com poetas, como Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, John Keats, na Inglaterra, detonando corações nobres com seu ultra-romantismo.

Século XIX, quando a mulher não havia ainda conquistado o direito de ficar nua, em público, sem ser posteriormente execrada.

Os meios de comunicação não estavam consolidados, portanto, não havia essa massificação ideológica imposta pelas elites. Era visível uma movimentação ideológica que vinha, através dos séculos, se desenvolvendo lentamente, formando sucessivos golpes. Entretanto a burguesia estava ali se consolidando gradualmente, desde a Revolução Francesa. Eles conseguiram criar uma forma de nunca serem destituídos do poder: tomaram o controle dos meios de comunicação; adotaram a Igreja como meio de alienar a humanidade (assim como os monarcas fizeram).

E hoje, graças ao massacre diário por qual passamos, correndo atrás de nossa subsistência, podemos sentar em frente à TV e ver os EUA e Israel massacrando árabes, consentidamente. Podemos ver desempregados serem assaltados pela Guarda Municipal nas ruas das cidades, consentida-mente. Aturamos todo tipo de humilhação para

Page 119: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

garantirmos nosso emprego. Nos sujeitamos a ridículos aumentos salariais. A mídia nos confunde com um grande número de informações. A maioria, inútil. O sistema capitalista eliminou a maior parte da oposição. Hoje são poucos que se manifestam contra.

Chegará o dia em que o mundo será igual ao filme MADMAX, e idosos contarão histórias, contadas por seus ancestrais, de que o mundo era belo?...blá, blá,blá, coisa e tal?

A evolução da escravidãoPor Alexandre Mendes

Analisando o regime escravista em épocas e lugares diferentes,chegaremos a conclusão de que não há um modelo universal para a aplicação deste.

Na Grécia Homérica,enquanto alguns escravos não eram dignos da menor confiança, outros possuíam terras doadas pelo seus donos,constituíam família e até adquiriam seus próprios escravos.Ser escravo na Grécia,ainda era melhor do que não participar de nenhuma família (Oikos), ser livre sem uma família (teta) era a pior posição social.

Em Roma,os escravos ocupavam diversos cargos dentro das famílias: os rurais viviam em piores condições, havia os especializados em alguma função (vinhateiros,

Page 120: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

porqueiros,etc) O Vilicus obtinha a melhor posição:administrava a terra e os demais escravos de seu senhor. No Brasil colônia,o escravo trabalhava nas plantações de forma sub-humana,uma tentativa de fuga era seguida de diversas chibatadas no tronco,ou até a mutilação como castigo.Atualmente,o regime escravocrata é considerado extinto.Porém reflita:*Você é livre para ir onde quiser amanhã?*O que acontece se você ficar desempregado?*Você já engoliu algum sapo do seu patrão, para não perder o emprego?*O que acontece se não pagar todas as suas dívidas e impostos?*E se você agredir verbalmente uma autoridade?*E se ela te agredir verbalmente?*O que acontece se você parar de votar?

Essas e outras questões nos mostram como estamos presos a uma teia social* ,na qual um conjunto de leis,regras e costumes impostos pelo Estado e Elite, nos prende ao regime capitalista de forma covarde. Portanto a escravidão não acabou, ela apenas foi adaptada para o modo de produção capitalista atual.

*Max weber

Page 121: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

DesmascarandoPor Alexandre Mendes

Vivemos na sociedade do medo e da incerteza. Com isso, quem tem trabalho sempre aceita as imposições do empregador. As frases de efeito são comuns: “Segura seu emprego que está difícil lá fora!” ou “Tem até gente formada fazendo concurso para gari”. O grande causador deste mal estar psicológico é a mídia .

O controle da opinião pública é praticada desde a antiguidade. Na Grécia (séc.VI), professores de arte retórica, ou sofistas, inicialmente, induziam o povo ao voto com seus discursos. Eram aristocratas e viviam no ócio, diferente do povo, com o fardo pesado do trabalho, não tendo tempo de organizar seu raciocínio mediante aos discursos bombásticos da elite.

Na Revolução Francesa (1789), a burguesia revoltada pelo custo dos impostos, articula a queda da monarquia baseando-se no Iluminismo, idéia precursora do Liberalismo capitalista. Usaram o povo, dizendo-se iguais. Quando conseguiram tomar o poder, demonstram seu verdadeiro pensamento: Igualdade jurídica, não social.

Dois acontecimentos observados em distintos momentos. Possuem apenas um aspecto comum: A dominação através da propaganda da idéia que antes de ser aprovada pela maioria, parece perfeita.

Esse poder se desenvolveu. Atual-mente é utilizado

Page 122: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

pelos grandes empresários e políticos (latifundiários e corruptos) que se interligam formando um conluio explora-dor. A Imprensa,com suas matérias sensacionalistas e dinâmicas, impedem ao trabalhador de raciocinar sobre si próprio. A Imprensa apóia a elite e pertence a ela. Se faz necessário o desenvolvimento de uma Imprensa desligada do aparelho Estatal e da classe empresarial.

“A Imprensa deve ser livre para conscientizar o povo de sua situação.” Alexandre Mendes

Desmascarando II Por Alexandre Mendes

Às vezes você deve se perguntar por que a imagem de Jesus Cristo,nos livros e pinturas,é de um homem caucasiano,ou então quando vê um negro em destaque na sociedade,toma até um susto ou se impressiona. Mas afinal,de onde vem esse pensamento racista profundamente arraigado em nossa consciência? Na verdade,esse racismo vem dos ideais do colonizador europeu, que era cristianizar e organizar socialmente os povos colonizados, fazendo com que aceitassem(de forma pacífica ou não) a exploração de sua terra e trabalho. A consolidação do racismo etnocêntrico europeu, foi forjada na necessidade de se escrever “uma história para a nação”, após a independência do Brasil, visando posteriormente

Page 123: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

o ensino desta nas escolas com o objetivo de conformar e delinear papéis na sociedade.

Atualmente,o que vemos no ensino é o desenvolvimento de tal técnica. As escolas públicas são fracas,porém há um fortalecimento no ensino profissionalizante, de baixo custo ou até gratuito. Isto é, “eles” querem que o pobre (a maioria negra ou mestiça) seja no máximo o “técnico”,mas raramente o “doutor”. Em contrapartida,as escolas particulares buscam preparar os alunos (a maioria branca) de forma que alcancem com facilidade o emprego, ou lugar de destaque na hierarquia social (que é visto como seu por direito).

A democratização do ensino é lenta. Só a implementação da história da África e do índio nos programas escolares ainda é pouco. O que faz falta são escolas de cunho anarquista e independente, como as Escolas modernas, inspiradas em Ferrer y guardia, do início do século. Infelizmente, podemos afirmar que o ensino democrático ainda é uma utopia...

A revolução exóticaPor Alexandre Mendes

É fato corriqueiro o tratamento menosprezante das bases do poder em relação ao povo. Isto se deve aos antigos regimes,implantados com o objetivo de controlar as massas,a fim de estabilizar sua hegemonia no poder.

Page 124: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Observemos que desde o início do século XX em diante,surgiram movimentos que procuravam a desestabilização ou queda das lideranças,originados dentre a classe média e oligarquias esquecidas. O povo, durante todo esse tempo, foi utilizado como massa de manobra. Uma declaração do tenente Juarez Távora, um dos cabeças do movimento tenentista e do golpe de 30, expõe bem essa idéia em relação às propostas de Prestes (condição dada por ele para sua participação no golpe que seria: a proclamação da revolução agrária a ser realizada e definida pelas massas). Prestes pedia o confisco e a divisão das terras dos latifundiários para entregá-las gratuitamente aos camponeses,além do confisco e nacionalização de todas as empresas estrangeiras no Brasil, anulação da nossa dívida externa e a instalação de um governo dirigido por conselhos proletários com participação de soldados e marinheiros.

Na declaração, Juarez Távora discorda do manifesto “revolucionário” de Luis Carlos Prestes, afirmando não crer na exequibilidade de uma revolução através da massa inerme do proletariado, isto é, ele não acreditava que o povo pudesse articular um governo sem o uso de armas, usando a inteligência. Além disso, Juarez Távora pede, na declaração, a continuidade e apoio “nos mesmos meios em que o golpe de 30 havia sido alicerçado até então”. Távora também enfatizava que não cria na possibilidade de sucesso no golpe, adotando o “EXOTISMO” dos conselhos operários.

Page 125: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Pense e reflita: Porque essa idéia do povo ainda parece ser atual? O povo não deveria ser levado em consideração durante as decisões políticas?

Créditos: “O último tenente”, J.A.Gueiros, Editora Record,1996.

RESPONDA À SEGUINTE PERGUNTA: Qual a sua opinião sobre as regalias do sistema carcerário para pessoas de nível superior? Mande sua resposta.A resposta mais bem elaborada será publicada no zine.O endereço é: [email protected]

SUGESTÃO PARA LEITURA:- Democracia,Violência e InjustiçaO Não-Estado de Direito na América Latina Juan E. Mendés/ Guillermo O’Donell/ Paulo Sérgio PinheiroEditora Paz e Terra,2000.Resenha: Análise do perfil institucional das democracias latino-americanas, refletindo sobre os direitos expressos nas Constituições e a realização efetiva desses direitos.Uma definição para o Não-Estado de Direito das classes desfavorecidas, no qual os autores procuram demonstrar a disparidade entre a abertura e fortalecimento dos direitos políticos,e a frágil e incompleta extensão de direitos civis às massas.

Page 126: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

FRASE: “Não corram tanto!Vão pensar que estamos fugindo!”-Atribuída a D.Maria I, a Louca, quando a família real portuguesa se retirava de Lisboa para o Brasil, em 1807.

Santo Dias: um brasileiroPor Alexandre Mendes

Santo Dias da Silva, operário paulista, foi um dos grandes exemplos na luta pelos direitos dos metalúrgicos durante a ditadura militar. Nascido em Terra Roxa, no interior de São Paulo, em 22 de fevereiro de 1942, trabalhava na roça de café com seu pai e irmãos, como meeiro. A partir de 1960, Santo e outros trabalhadores da Fazenda Guanabara mobilizaram-se contra a forma de participação nos lucros da colheita (obtinham o alimento no armazém do patrão, e recebiam muito pouco após os descontos). O dono da fazenda dispensou sua família e as demais que participaram do movimento.

Mudou-se para Viradouro e passou a trabalhar com sua família como bóia-fria. Tentou lutar por condições melhores no novo ofício e foi novamente dispensado. Em outubro de 1962, deixou sua família e foi tentar a sorte na capital. Conseguiu um emprego de ajudante geral na Metal Leve, empresa de componentes metalúrgicos. Participou de sua primeira greve por aumento salarial e instituição do 13º. Aquele ambiente politizado

Page 127: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

(metalúrgicos) mudou seu destino... Casou-se em 1965, ano em que nasceu seu primeiro filho. Em 1967, participou da formação da Oposição Sindical, que consistia na idéia de um comando gerado dentro de cada fábrica. O movimento contava com a participação de católicos, marxistas e operários independentes. Ainda nesse ano, nasce sua filha.

A sucessão de greves e passeatas ocorridas no ano de 1968 resultaram no endurecimento da ditadura e a instituição do AI-5. A Oposição Sindical lança a chapa verde, concorrendo as eleições do sindicato, mas perde, devido às propostas populistas da chapa situacionista. As greves se alastram por São Paulo e Minas Gerais e a polícia recrudesce a repressão. Santo Dias, além de estar envolvido com a oposição do Sindicato dos Metalúrgicos, torna-se líder comunitário onde residiu na época (Jardim Margarida). A esposa dele, Ana Maria do Carmo Dias, lembra: “Nessa época, a repressão era tanta que a gente ia comprar pão na padaria juntos, eu e o Santo, com medo de ser presos se fôssemos sozinhos”.

Em 1972, Santo foi trabalhar na Burndy do Brasil, onde organizou a comissão de fábrica, mas foi demitido. A Oposição Sindical Metalúrgica criou o grupo chamado Interfábricas. Santo Dias teve uma significativa participação no projeto. Passava madrugadas panfletando em portas de fábricas com a esposa e ajudava os moradores da sua comunidade. Em 1973, as greves se intensificam. Santo volta a trabalhar na Metal Leve. A oposição é atingida pela prisão de cinquenta militantes em

Page 128: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

1975, anulando a possibilidade de concorrer as eleições do ano. Entretanto, sob o lema “Trabalhar dentro da fábrica”, promoveram ações nas comunidades, com a reivindicação de escolas, creches, água, luz, regularização dos loteamentos clandestinos e contra o alto custo de vida. Criaram fundos de greve, prestando ajuda aos que perdiam o emprego. Em julho de 1978, a oposição concorre as eleições com Santo para vice.

No mesmo ano, perde o emprego na Metal Leve (estratégia dos situacionistas a fim de impedir sua candidatura). Consegue às pressas um emprego na Alfa Brás. As eleições acontecem, mas a chapa situacionista vence, por meio de fraude: “...via-se claramente que a urna e os votos tinham sido trocados. Uma pessoa só fez o x nas cédulas.” Tentaram três mandados de segurança contra a posse irregular e perderam. Santo Dias é demitido em 1979. A repressão se intensifica e Santo assume o comando das greves. Decidiu ajudar em um piquete em frente da Fábrica Sylvania, em 30 de outubro de 1979. Com a prisão de um dos grevistas, Santo pediu que o soltassem, o que foi negado. Conformado, deu às costas para a polícia. O policial militar Herculano Leonel, sem motivo aparente, apontou sua arma para Santo Dias e deu um tiro nas costas. Os soldados jogaram seu corpo no camburão e levaram para o Pronto-Socorro, já sem vida. Parentes e amigos correram para lá, afim de evitar que o cadáver sumisse. O enterro foi concorrido, com discursos, inclusive o do sindicalista Lula.Todos os anos, no dia 30 de outubro, às 14h (horário de

Page 129: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

sua morte), escrevem de vermelho em frente da Fábrica Sylvania: “Em 30 de outubro de 1979, aqui foi assassinado pela PM o operário Santo Dias da Silva, defendendo os direitos da classe trabalhadora”. Depois caminham até seu túmulo, onde prestam homenagens. Santo Dias era um homem inconformado com as mazelas do sistema e não se deixou dobrar. Só mais um brasileiro, desses que fazem falta hoje em dia...

Breve DiscursoPor Alexandre Mendes

A história pode ser utilizada pelo historiador como instrumento de análise sobre fenômenos estruturais da atualidade. Sendo assim, o historiador analisa um determinado fenômeno em ação, buscando explicação para tal em sua origem histórica. Válido ressaltar que deve ser respeitada a forma que os homens de determinada época pensavam.

Embora isso seja uma regra, observamos ao longo da história, um fato que parece se repetir sucessivamente: A opressão sobre as massas. Essa análise surgira no século XIX, com grupos ideologicamente contrários ao sistema capitalista e como fato histórico marcante, a Revolução Francesa, em 1789. Camponês, servo, trabalhador, escravo ou livre etc, são termos empregados para as seculares classes oprimidas, em diversas

Page 130: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

épocas, em diferentes sociedades. Enquanto o poder sofreu diversas mutações até seu atual estado de desenvolvimento, a massa trabalhadora; classe operária; campesinato; lumpemproletariado etc, sempre ocupou os piores espaços; exerceu os piores papéis na sociedade, isto é, deixada em último plano. Esta generalização é incontestável. A questão é tentar entender o porquê da satisfação bestializada das pessoas no sistema econômico atual. Vivendo aquele individualismo, preconizado por John Locke, em tempos de Revolução Gloriosa. Há muita contestação sobre o fato. Historiadores afirmam que a visão revolucionária social só pode ser aplicada após a Revolução Francesa ou então, após o surgimento das Internacionais (1862). O dilema é entender de onde partiu a idéia de que trabalho manual é menos importante que trabalho intelectual. Afinal, o serviço braçal é desgastante, tanto fisicamente, como mentalmente (stress). É óbvio que a porção trabalhadora em serviços manuais é altamente necessária, na história de qualquer sociedade. O fato é que há uma negação no sentido de desmistificar esse pensamento discriminatório. Desde a Revolução Inglesa, o capitalismo tem se desenvolvido no mundo; mutando e se adaptando às condições oferecidas.O pensamento liberal e individualista foi propagado pela Inglaterra e se espalhou pelo mundo, afirmando-se como uma das características do sistema econômico mundial. A idéia de libertação burguesa das amarras das monarquias, os cegou para a realidade. Os camponeses foram alijados de qualquer

Page 131: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

direito político de fato. Mesmo com a instituição do sufrágio universal, até os dias atuais, o poder de decisão real do povo é praticamente nulo.

Junto com a imprensa, as idéias em oposição às monarquias vieram em forma de renovação na Europa. A imprensa teve um papel importante na propagação de idéias antiautoritárias, em diversos momentos da história. Mas, atualmente, a imprensa contemporânea (chamada mídia) está sobre total controle das multinacionais e a propaganda de consumo consome a vida da humanidade. São poucos, os impressos que criticam o sistema vigente.

Os sindicatos de trabalhadores, também sofreram tamanho desgaste. Idealizados no auge do anarcosindicalismo, atualmente estão regulamentados e de acordo com os patrões. O direito de greve passa por leis que a moderam. A solução é considerada uma utopia. A riqueza do mundo deve ser redistribuída. Guerras devem parar, para que possamos economizar o investimento em armamentos bélicos e repassarmos todas as riquezas do mundo, de forma igual a todos os povos. Todos os impostos igualados internacionalmente. Todos os seres humanos, desfrutando igualmente de tudo...

Page 132: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Discorrendo sobre história e justificação do poder

Por Alexandre Mendes

O mundo da História é cercado por diversos conceitos que o historiador deve se prevenir para não cometê-los ao escrever sobre um determinado assunto. Sendo assim, o historiador que produz material através de livros; artigos etc, tem seu nome vinculado a sua produção literária, correndo o risco de cair em descrédito no caso de cometer um reducionismo ou anacronismo, por exemplo.

Mas o quê seriam esses conceitos? Reducionismo é quando o autor de um determinado trabalho em cima de algum assunto histórico, faz uma análise que nos dá a impressão de reduzir o assunto com a finalidade de provar uma teoria própria.

Anacronismo é o oposto de sincronismo, isto é, ele é cometido pelo historiador quando ao fazer uma comparação de um assunto histórico a outro mais recente, na busca de provar sua teoria, acaba fazendo uma analogia errônea e limitada sobre os períodos.

No livro “A Fabricação do Rei- A construção da imagem pública de Luis XIV”, o historiador Peter Burke nos descreve como o rei e seus conselheiros construíram sua imagem, fazendo uma analogia (não completamente intencional) aos chefes de Estado da atualidade. Entretanto é impossível não compararmos a estratégia política do monarca com a de líderes

Page 133: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

populistas posteriores.O incentivo do culto a personalidade foi utilizada por

homens do poder como Hitler; Getúlio Vargas e Sadam Hussein. É claro que cada um deles utilizou a estratégia de forma peculiar, mas na essência observamos o método de Luís XIV se perpetuando. Tentem perceber como o autor é zeloso em sua justificativa sobre a possibilidade de cometer um erro: “ Em termos modernos, o que me interessa é a venda de Luís XIV, o pacote do monarca, com ideologia, propaganda e a manipulação da opinião pública. O risco do anacronismo é bastante óbvio. Não tenho nenhuma intenção de apresentar os panegiristas de Luís XIV como equivalentes exatos de Saatchi and Saatchi. (...) Ainda assim, a cultura do século XVII era muito diferente da nossa e essas diferenças não podem deixar de se refletir nas imagens dos governantes.”- Perceberam? Nesse contexto o historiador fica um pouco “engessado”, não podendo fazer comparações a “torto e a direito” por aí.

Concordo que haja certas restrições, mas identificar formas antigas de poder com as formas atuais não me parece tão anacrônico assim.- “Há monografias sobre os historiadores oficiais do reinado e sobre a propaganda do governo durante a Guerra da Sucessão Espanhola. Balés, óperas e outros espetáculos foram tema de muitos estudos. Na busca da origem da idéia de um Rei Sol, remontou-se até a Antiguidade.”- Esse trecho refere-se, provavelmente aos faraós do Egito e a outros déspotas do Oriente antigo. Alexandre Magno, Imperador de um

Page 134: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

vasto território, o qual conquistou em tempo recorde, assimilou cultos e crenças em volta dos chefes locais. Essa cultura oriental foi mesclada à cultura macedônica, já fortemente influenciada pelos gregos anteriormente, sendo chamado de Helenismo ( termo bem mais complexo, o qual não aprofundarei aqui) e trazida para o Ocidente.

Mas o quê leva milhares de pessoas a confiar suas vidas a um monarca ou chefe de Estado e seu asseclas? Em seu livro “Para Além do Bem e do Mal”, Nitzschie esboça sua visão.- “O essencial numa aristocracia boa e sã, porém, é que não se sinta como função (quer da realeza, quer da comunidade), mas como seu sentido e suprema justificativa. Que portanto aceite com boa consciência o sacrifício de inúmeros homens que, por sua causa, devem ser oprimidos e reduzidos a seres incompletos, escravos, instrumentos. Sua fé básica deve-se, precisamente, ser a de que a sociedade não devia existir por amor da sociedade mas apenas como alicerce e andaime sobre os quais um tipo de seres de elite se consiga erguer até sua missão superior e, geralmente, a um ser superior, comparável àquelas plantas trepadeiras, ávidas de sol. Chamam-lhes cipó matador que envolvem com os seus braços um carvalho durante tanto tempo e tantas vezes, até que, por fim, muito acima dele, mas nele apoiadas, possam alargar a sua copa em plena luz e exibir sua felicidade.”-

A explicação Nitzscheana foge a argumentação teórico-marxista que normalmente é utilizada por historiadores do

Page 135: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

assunto. Seria o povo eternamente explorado porquê nasceu para essa função específica? Caso contrário, não consigo entender como as diversas esferas evoluíram de forma tão esplêndida nos últimos séculos, deixando a evolução da esfera social em último plano. Um mundo com complexa evolução tecnológica e tão pequena evolução social. A lógica não seria adotarmos um sistema econômico mais justo para a sociedade, após obtermos consciência histórica de dezenas de séculos de exploração severa, empregada sobre a maioria, em diversas civilizações?

Atualmente, a coerção política continua atingindo a grande maioria em todo o mundo. Utilizando a análise piramidal marxista, a infra-estrutura atual conta com indivíduos letrados, entre médicos; advogados; jornalistas etc. Grupo esclarecido, destoando por completo da dita “massa inerme”, termo usado por Juarez Távora para definir o povo brasileiro. Quase não há grupos de debate que se oponham à “imunidade parlamentar”, gerada pelo clientelismo governamental. O foco inicial de protestos seria os privilégios dos políticos. Se eles não se apoderassem da verba pública para uso pessoal (prática antiga por aqui), creio que teríamos mais verba para cuidar do povo.

Page 136: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

O interior de ObamaPor Alexandre Mendes

Há muita euforia por parte da mídia brasileira quanto a vitória de Barak Obama. Um negro na presidência norte americana está sendo encarado como uma vitória. No entanto, a história política dos EUA tem se mostrado fria e calculista. No livro “JK, segundo a CIA e o SNI”, de Continentino Porto, são revelados arquivos da CIA, em cópias de documentos, descrevendo o perfil político e psicológico dos principais políticos brasileiros, em meados do séc. XX. Se eles se preocuparam em obter essas informações do Brasil naquela época, provavelmente fizeram o mesmo com outros países sob o seu jugo e os considerados inimigos. Podemos deduzir sem dificuldade que fazem isso até hoje...

Outro aspecto que suscita a asquerosa estratégia política é o uso de artistas norte americanos, com imagem não vinculada ao governo, a fim de amenizar o ódio do mundo contra eles. Podemos observar Madonna, Brad Pitt e Angelina Joulie, entre outros, aderindo à febre de adotar crianças de países extremamente subdesenvolvidos. Qual o motivo real para ir tão longe? Nos E.U.A, não há crianças abandonadas para se adotar? Mas, o importante para eles é provar para o mundo que eles são tolerantes. Sendo assim, quanto mais diferente deles for a origem e cor, maior será a ascensão de sua credibilidade perante o mundo.

Page 137: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Manipuladores, também, são alguns desenhos, como o Picapau. Se alguem se mete com o pássaro tricolor (cores da bandeira americana), acaba se dando mal. Ou então Popeye, marujo americano, que come espinafre e bate em qualquer um. Com tal estratégia, conseguiram domesticar milhares de crianças latino americanas.

A última investida dos E.U.A, para garantir sua influência , confundindo, enganando e dividindo opiniões, é a ascensão de Barak Obama à presidência. Temos a impressão de que eles estão tão aflitos com a crise econômica, que decidiram apelar ao extremo. Há cinquenta anos, os negros sulistas eram obrigados a ceder o assento do ônibus para os brancos, e agora, não tão distante, eles têm um afro descendente (direto) na casa branca.

Não se iludam com o presidente yankee, com nome árabe (será uma sátira à Osama?). Barak não passa de um presidente branco, racista e explorador (como os outros), disfarçado sob uma cútis caramelo (ou será marrom-clara?).

PolititicaPor Alexandre Mendes

Nesta quinta feira, 18 de setembro de 2008, foi inaugurada a plataforma P-53, no Rio Grande do Sul. O presidente Lula fez mais um daqueles discursos onde diz que

Page 138: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

tudo vai bem com o Brasil. No entanto, para nós fica a curiosidade de entender por qual motivo a Quarta Frota da Marinha dos Estados Unidos está tão próxima dali.

Lula reconheceu que comprar equipamentos navais no exterior sai mais barato do que produzi-los aqui. Paralelo a isto, o governo também decidiu aumentar o valor da multa por embriaguez. Tudo isso nos leva a crer em uma certa estabilidade na política brasileira, sempre difundida pelo presidente em todas as ocasiões que pode. Porém, não conseguimos ver a justa distribuição desses bens, fruto de nossos impostos, e de todos os bens que o Brasil possui (matéria prima em primeiro lugar).

O presidente disse também, em outra oportunidade, que o Brasil tem reservas suficientes para suportar a crise dos Estados Unidos. E a nossa crise interna? Por quê há alto percentual de desempregados no país, vistos atualmente comprometidos com campanhas políticas, balançando bandeirinhas pela cidade?

Lugares, como a comunidade do Bela Vista, em Rio do Ouro (São Gonçalo), que não possui saneamento, nem água encanada, sofrem com as promessas dos políticos. Moradores do local disseram que havia apenas um político que asfaltava pequenos trechos de ruas, semanas antes das eleições. Mas ele nunca mais deu notícias. Engraçada a maneira dos brasileiros escolherem seus candidatos para votar. É um churrasco aqui, um exame médico de graça alí...

Page 139: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Outro dia, encontrei um velho amigo no ônibus, completamente bêbado, pois vinha de um churrasco de rua, de um político qualquer. Ele batia no peito e dizia: Esse é o meu candidato!

Então, chegamos a conclusão de que o problema, a escassez de benefícios passados à nação provém da ignorância de nosso povo. Estamos condicionados a um modo de enxergar a política, assim como era nos tempos do coronelismo, e voto de cabresto. (vê aí, o que está ocorrendo em algumas favelas?).

RecomendaçõesPor Alexandre Mendes

PARA LER:Diretas jáDiretas já, 1984Editora Record, RJ

Se você conseguir ter acesso a este livro, vai entender o humor negro dos anos 80. Henfil retrata o fim da ditadura, trazendo aquela carga positiva pela qual o povo brasileiro passava com a possibilidade de um novo Brasil. Aí vai uma palhina: EPÍSTOLA AOS EMPRESÁRIOS PÁG.67, 68 E aconteceu que,

Page 140: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

ouvindo o clamor de fome do povo, decidiu o Senhor voltar à terra brasileira. E viu duas barcas que estavam à borda da lagoa. E, entrando numa destas barcas, que era a de Delfim(ministro da economia na ditadura), rogou-lhe que se afastasse um pouco da terra. E, respondendo, Delfim disse-lhe: Mestre, esta barca não mais nos pertence, pois a maxidesvalorização transformou em sucata os barcos nacionais, tendo sido todos eles vendidos a preço de banana para as multinacionais, conforme previam as escrituras do FMI. O senhor ordenou então a Delfim: Faze-te ao largo a pé e lançai as vossas redes para pescar. E, respondendo Delfim disse-lhe: Mestre, mesmo trabalhando toda a noite, não apanharemos nada; as águas brasileiras estão envenenadas pela poluição industrial e pelos defensivos agrícolas. O Senhor disse-lhe: Homem de pouca fé, faça como te ordenei; lançai as vossas redes para pescar. E, respondendo, Delfim disse-lhe: Mestre, ainda que confie em Tua palavra, não poderemos lançar o que não temos; aplicamos todas as nossas redes no black, todas asa nossas varas no ORTNs, LTNs e CDBs, todas as nossa linhas em ouro e todos os nossos anzóis no open. O Senhor então tomou Delfim em suas mãos e lançou-o de isca no meio do lago. E, tendo feito isto, os brasileiros colheram tão grande quantidade de peixes que fizeram sinal aos companheiros uruguaios e argentinos para que viessem ajudar. E vieram e encheram tanto ambas as nações,que quase afundavam de tanto peixe, pão, leite, arroz, feijão... AMÉM!

Page 141: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Memórias do CárcereGraciliano Ramos, 1953Livraria Martins Editora, RJ

Publicação póstuma de Graciliano Ramos, no qual ele nos conta a vida no cárcere, à qual se submeteu em 1936, acusado de comunismo. O escritor narra a dureza dos porões da ditadura “Estadonovista”, e a injusta prisão por falsa acusação, pois Graciliano se tornou realmente comunista em1945, isto é, nove anos após sua prisão.

Seu envolvimento com prisioneiros comuns, e contos sobre os crimes destes também fazem parte da obra. Um importante documento sobre um dos momentos mais terríveis de nossa história.

Bicho Papão ficou obsoletoPor Winter Bastos

Hoje vi uma cena curiosa. Uma criança sentada na calçada fazia pirraça.

A mãe, ao ver um carro estacionar, disse para o filho:“Olha a polícia chegando aí”.O menininho - mais que depressa - parou a birra,

levantou-se e seguiu a mãe assustado.

Page 142: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

A Turma Lima Barreto: uma experiência em pré-vestibular popular

Por Winter Bastos

No ano de 2001, tive a experiência de dar aulas à comunidade pobre de Niterói e adjacências no Pré-vestibular Popular Fernando Santa Cruz, no Diretório Central de Estudantes da Universidade Federal Fluminense. Eu ensinava Literatura e Redação para as duas classes existentes, então chamadas “turma A” e “turma B”. De segunda a sexta-feira, eram dadas todas as matérias exigidas pelo vestibular. As aulas eram à noite para permitir que trabalhadoras e trabalhadores participassem. Aos sábados, havia debates e exibições de filmes com temática social.

Cheguei a passar o vídeo do Centro de Mídia Independente “Não começou em Seatle, não vai terminar em Quebec”, sobre protestos em São Paulo contra a implantação da Área de Livre Comércio das Américas. Depois, junto com um companheiro voluntário do CMI, promovemos um debate sobre a ALCA e a repressão a manifestações antiglobalização.

Exibi também o filme “Terra para Rose”, de Tetê Moraes, documentário sobre a luta pela reforma agrária no Brasil. Após o filme, houve um debate sobre a questão da terra.Porém os alunos tiveram mais empatia mesmo pelo longa metragem “Viva Zapata!”. A princípio os alunos quase não

Page 143: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

tinham informação sobre o tema do filme. Um dos estudantes havia chegado a perguntar: “O que é Zapata?”. Mas o interesse despertado pela Revolução Mexicana e pela figura do guerrilheiro Emiliano Zapata acabou sendo bem grande. A mensagem libertadora do filme tocou a todos e uma jovem chegou às lágrimas durante a exibição. Depois, um companheiro, que viria a se tornar militante da Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ), fez uma palestra sobre Zapatismo bastante apreciada pelos alunos.

Durante minhas aulas, dei ênfase a escritores com maior preocupação social. Examinei detidamente os escritos de Graciliano Ramos. Debatemos longamente o romance “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo. Falei bastante do livro “O Ateneu”, de Raul Pompéia, e ressaltei a ligação deste autor com o pensamento do libertário francês Pierre-Joseph Proudhon. Abordei também a vida e a obra do escritor Lima Barreto, salientando sua adesão ao ideário ácrata. Debatemos também: a greve dos professores da UFF, que ocorria naquela época; a “reforma” da previdência; a questão das drogas; a violência policial...

Numa das reuniões mensais de professores, foi decidido que as classes deveriam ter nomes de personalidades que os alunos julgassem relevantes. Mesmo após a unificação das turmas, a idéia continuou, pois julgamos que seria importante a classe de 2001 escolher para si um nome que traduzisse o esforço empreendido e o espírito que a animou e inspirou

Page 144: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

durante o ano. O nome escolhido pelos alunos acabou sendo o do escritor anarquista LIMA BARRETO.

Por volta de 2002 ou 2003, andando pelo Campus do Gragoatá da UFF, ouvi chamarem meu nome. “Lembra de mim, professor?”, perguntou-me um jovem negra com livros embaixo do braço e um belo sorriso nos lábios. Respondi-lhe: “Claro! Você era aluna no pré-vestibular do DCE. Como vai?”. Ela me respondeu que fora aprovada no vestibular e que, naquele momento, estava cursando Pedagogia na UFF. Desejei-lhe boa sorte e nos despedimos.

Fiquei pensando em todo aquele esforço de preparar aulas, corrigir redações, elaborar exercícios, organizar debates... Tudo aquilo certamente não foi em vão. Como povo, é nosso dever nos ajudarmos mutuamente não só para a aprovação no vestibular, mas para despertar – em nós e nos outros – consciências críticas. Ensinei bastante ao longo daquele ano, e também aprendi muito. Tenho esperança de que aqueles que foram meus alunos um dia também se engajem em projetos de Educação Popular, fortalecendo assim, no seio do povo, o APOIO MÚTUO, princípio essencial a todos nós.

Page 145: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Sérgio Macaco: o homem que fez a diferença.

Por Winter Bastos

Dia 12 de junho de 1968, o capitão pára-quedista Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, convocado a uma reunião, foi recebido no gabinete do ministro da Aeronáutica pelos brigadeiros Hipólito da Costa e João Paulo Burnier, que viria a se tornar conhecido como torturador e assassino. .

Sérgio era admirado por indianistas como os irmãos Vilas-Boas e o médico Noel Nutels. Foi amigo de caciques como Raoni, Kremure, Megaron, Krumari e Kretire. Os índios o chamavam “Nambiguá caraíba” (homem branco amigo). Aos 37 anos, Sérgio Macaco (como era conhecido na Aeronáutica) já tinha seis mil horas de vôo e 900 saltos em missões humanitárias, de resgate e socorro em geral. Todavia o tipo de tarefa que lhe seria proposta ali pelos oficiais não era nem um pouco digna ou solidária.

_O senhor tem quatro medalhas por bravura, não tem? – indagou Burnier.

Sérgio respondeu afirmativamente. Então o brigadeiro continuou:

_Pois a quinta, quem vai colocar no seu peito sou eu – fez uma pausa. – Capitão, se o gasômetro da avenida Brasil explodir às seis horas da tarde, quantas pessoas morrem?

Achando que a pergunta se referia apenas à remota

Page 146: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

hipótese de um acidente na cidade do Rio de Janeiro, Sergio respondeu:

– Nessa hora de movimento, umas 100 mil pessoas. Foi nesse momento que os dois brigadeiros começaram a explicar um terrível plano terrorista das Forças Armadas e qual deveria ser a participação de Sérgio. Os dois propuseram que ele, acompanhado por outros pára-quedistas, colocasse bombas na porta da Sears, do Citibank, da embaixada americana, causando algumas mortes. Em seguida viria a grande carnificina: queriam que dinamitasse a Represa de Ribeirão das Lajes e, simultaneamente, explodisse o gasômetro. As cargas, de efeito retardado, seriam colocadas pelo capitão Sérgio, que depois ficaria aguardando, no Campo dos Afonsos, o surgimento duma grande claridade. Aí ele decolaria de helicóptero e aportaria no local da tragédia posando de bonzinho, prestando socorro a milhares de feridos e recolhendo mortos vitimados pela ação da própria Aeronáutica.

Colocariam a culpa nos grupos esquerdistas que lutavam contra a ditadura. Sérgio seria tido como herói por salvar as supostas vítimas dos “comunistas” e receberia sua quinta medalha, enquanto a ditadura teria um pretexto para aumentar a repressão a socialistas e democratas.

O capitão se negou a participar de uma ação tão vil. Declarou corajosamente aos bandidos fardados:

_O que torna uma missão legal e moral não é a presença de dois oficiais-generais à frente dela, o que a torna

Page 147: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

legal é a natureza da missão. Outros em seu lugar simplesmente encolheriam os

ombros e obedeceriam aos superiores, iriam se desculpar dizendo que estavam apenas “cumprindo ordens”. Mas Sérgio era ético, íntegro, não tinha obediência cega a ninguém, seguia acima de tudo sua consciência e valores. Era um homem de verdade: denunciou o plano diabólico e evitou aquela que seria a maior tragédia da nossa história.

Foi perseguido pela ditadura, discriminado, removido para o Recife, reformado na marra aos 37 anos, cassado pelo AI-5 e pelo Ato Complementar 19, curtiu prisão... só não puderam quebrar-lhe integridade e honra, sua firmeza de ser humano. Sérgio se recusou a ser anistiado. “Anistia-se a quem cometeu alguma falta”, costumava dizer. “Não posso ser anistiado pelo crime que evitei”.

Em 1970, necessitando de um tratamento de coluna, aconselharam-no a não se internar em unidade militar, pois certamente seria assassinado lá dentro. Graças ao jornalista Darwin Brandão, com auxílio do médico Sérgio Carneiro, o capitão acabou sendo tratado clandestinamente no Hospital Miguel Couto.

Nos anos 90, o Supremo Tribunal Federal determinou indenização e promoção de Sérgio a brigadeiro. Tal sentença dependia, porém, da assinatura de Itamar Franco. Itamar, como se sabe, não é nenhum modelo de virtude e, não por acaso, foi vice do corrupto Fernando Collor de Mello, que foi prefeito

Page 148: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

biônico de Maceió durante a ditadura e se criou politicamente graças ao regime militar...

Por seis meses, o presidente Itamar Franco – mesmo sabendo que Sérgio estava acometido de um câncer terminal no estômago – guardou, na gaveta, a sentença do STF favorável ao capitão. Só a assinou três dias depois da morte do herói ocorrida em 4 de fevereiro de 1994.

Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho (cuja história é narrada no documentário “O Homem que disse Não” do diretor francês Olivier Horn) foi enterrado no cemitério São Francisco Xavier no Caju sem honras militares. É lembrado, entretanto, por todos aqueles que valorizam vida, ética, honestidade, coragem. Sérgio provou que, ao contrário do que muitos dizem, uma pessoa pode mudar a História: cada um de nós faz diferença no mundo.

A opressão à mulherPor Winter Bastos

Hoje em algumas organizações que se dizem de cunho revolucionário, questões relativas à emancipação feminina são tidas como secundárias. Primeiro seria preciso resolver assuntos ditos mais urgentes, relacionados sobretudo à esfera econômica. Tal visão é tributária do marxismo, que reconhece todas as demais relações de poder na sociedade como mero

Page 149: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

reflexo da estrutura econômica. Daí se conclui que, uma vez alcançada a coletivização absoluta dos bens, com o aniquilamento da propriedade privada, as demais questões que afligem o povo – machismo, racismo, homofobia (discriminação a homossexuais) – se resolveriam como que magicamente.

Na verdade, tal posicionamento esconde um mal disfarçado menosprezo por temas que não atingem diretamente àqueles que ditam os tais assuntos prioritários na agenda revolucionária. Ora, é obvio que não continuariam se engajando em lutas tidas como importantes, negligenciando questões “pequenas”, se estas os ferissem continuamente. É fácil considerar secundário o preconceito contra alguém que não sou eu.

As mulheres, no entanto, insistem em levantar tais questões “secundárias”, afinal é nas costas delas que o açoite do machismo se abate; pouco lhes importa que os demais açoites devam cessar primeiro, segundo dita a ortodoxia “revolucionária”.

Não raro, as mulheres acabam sendo tachadas de pequeno-burguesas por sua insistência em tratar de “pequenas” questões cotidianas. Chamar uma mulher de burguesa por ela se preocupar com a divisão do trabalho doméstico, ou liberdade para namorar sem a repressão paterna, é pura opressão machista travestida de radicalismo revolucionário. Tal comportamento é compreensível nas fileiras marxistas, já que nelas a revolução é concebida por etapas:

Page 150: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

primeiro o mais importante, depois o secundário. Assim o marxismo entende que primeiro deve haver a ditadura do proletariado que garantiria o essencial a todos: moradia, que alimentação, saúde, educação. Depois o Estado iria – paulatinamente – incorporando os indivíduos aos aparelhos estatais, concedendo mais e mais poder decisório a um número crescente de pessoas. Assim um dia todos se tornariam parte do governo e desta forma deixariam de existir governantes e governados: todos seriam líderes e ninguém seria súdito. Dentro desta lógica – que aliás nunca se verificou na prática –, a mulher também deixaria de ser súdita.

Isso é bem diferente no Anarquismo (se você não conhece esse movimento político, informe-se em http://www.farj.org/). No meio anarquista – eu dizia -, é entendido que não pode haver etapas na revolução. Ela é algo para já. Em um conhecido aforismo, o escritor checo Franz Kafka (1883-1924) escrevera: “Há um local de destino mas não há caminho que nos leve até ele. O que chamamos de caminho é apenas indecisão”. Não existem questões prioritárias e secundárias, há problemas que parecem mais ou menos importantes a umas ou a outras pessoas. Todos devem ser considerados e levados a termo.

Não basta, porém, a abolição formal da dominação masculina. Num ambiente militar, por exemplo, onde as relações de poder oficialmente se baseiam em patentes hierárquicas bem definidas, o machismo as transgride impunemente a despeito

Page 151: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

dos regulamentos formais. Vê-se, em festividades de ambientes militares, tenentes médicas se apressarem a cobrir e pôr quitutes sobre as mesas, enquanto sargentos e cabos conversam despreocupados, com a maior naturalidade, aguardando ociosos o início do evento.

De modo análogo, numa comunidade pretensamente livre cujos estatutos estabelecessem formalmente a abolição de hierarquias, o machismo poderia perdurar em relações cotidianas.

Hoje, mesmo no seio da repressora sociedade capitalista, temos que lançar a semente libertária que consiste na busca em vivermos da maneira mais anárquica possível desde já.

A opressão da mulher é enorme e ao mesmo tempo quase invisível. Ela consiste em uma série de maneiras de agir e pensar profundamente enraizadas em nossos corações e mentes. As questões de gênero parecem óbvias, naturais, dadas. É como se sempre o homem e a mulher houvessem tido exatamente o mesmo papel que têm hoje. No livro A Dominação Masculina (Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 1999), Pierre Bourdieu atenta para o fato de que a divisão de gêneros, e de papéis entre eles, parece ser algo fora da história, algo inerente à ordem do mundo, imutável e universal. Lê-se na página 17:

“A divisão entre os sexos parece estar ‘na ordem das coisas’, como se diz por vezes para falar do que é normal,

Page 152: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

natural, a ponto de ser inevitável: ela está presente, ao mesmo tempo, em estado objetivado nas coisas (...), em todo o mundo social e, em estado incorporado, nos corpos e nos habitus dos agentes, funcionando como sistemas de esquemas de percepção, de pensamento e de ação.”

Porém Bourdieu constata que os os papéis que homens e mulheres adquirem, dentro de sociedades, não são uniformes, nem imutáveis, mas apenas visam a aparecer dessa forma, se naturalizar, como se fossem universais e existentes desde sempre: “aquilo que na história aparece como eterno não é mais que o produto de um trabalho de eternização que compete a instituições interligadas tais como a família, a igreja, a escola e também, em uma outra ordem, o esporte e o jornalismo...” (p.6).

A construção da masculinidade moderna estava fortemente ligada a nova sociedade burguesa que se consolidava no fim do século 18. Foi aí que os principais estereótipos da masculinidade como conhecemos hoje realmente surgiram.

Os modelos de masculino variam de lugar para lugar e de grupo para grupo, porém pode-se dizer que eles comumente estão ligados ao patriotismo, ao civismo, à honradez. O estereótipo da masculinidade moderna – sobretudo européia e norte-americana – engloba ousadia, autocontrole, coragem, bom-senso e ponderação.

Dentro deste prisma, enquanto a mulher é tachada de

Page 153: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

consumista, desequilibrada, irresponsável, impulsiva, guiada por instintos, o homem seria caracterizado como econômico, prudente, trabalhador, provedor do lar. Ao sexo masculino seria reservada a vida pública, enquanto a mulher estaria naturalmente destinada à esfera privada: lar, filhos, família.

Em princípio não há que se condenar um casal em que a mulher tenha optado por cuidar dos afazeres domésticos enquanto o homem trabalha na rua. Porém considerar que tal estrutura é natural e obrigatória é algo profundamente pernicioso. Este tipo de estruturação da vida familiar foi tão naturalizado e introjetado nas pessoas que hoje é exigido também da mulher que trabalha fora que cuide sozinha da casa e dos filhos – tarefas “naturalmente” femininas. Quando essa dupla jornada de trabalho se torna demasiado extenuante, as famílias que não obrigam a mulher a abandonar seu emprego externo, para se dedicar ao seu “papel natural” no lar, optam por contratar uma empregada (notem: uma empregada, não um empregado). Assim o marido “progressista” de classe média julga resolver o problema da dupla jornada da esposa livrando-a do serviço doméstico. Mas nos cabe indagar: e a empregada doméstica? Ela trabalhará fora o dia inteiro, depois terá que cuidar sozinha da própria casa, afinal isto é trabalho de mulher, ou não?

Pois bem, não é atividade de mulher nem de homem. Não há nada na natureza ou no cosmos que determine qual deve ser o trabalho ou a conduta masculina ou feminina. Todas

Page 154: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

as formulações que buscam fundamentar uma moral para o homem e outra para a mulher não passam de construções teóricas que tentam naturalizar e eternizar um modelo conveniente às estruturas sociais dominantes.

Diz-se, por exemplo – sobretudo no contexto latino-americano –, que o homem seria naturalmente propenso ao adultério e que reprimi-lo por essa prática seria uma agressão à sua masculinidade. Em contrapartida a mulher seria monogâmica por natureza e aquelas que transgredissem esta regra o estariam fazendo por falha de caráter. Chega-se a formular justificativas biológicas para isso. Os homens, por serem dotados de milhões de espermatozóides, seriam propensos a distribuí-los a uma grande quantidade de mulheres, pois estas só produzem um óvulo por mês. Quando se quer criar coelhos, por exemplo, é aconselhável deixar o mesmo macho com várias fêmeas para rápido aumento da criação. O fato é que não somos coelhos ou preás – pretendemos ser seres humanos – e nosso objetivo como sociedade não é fecundar o maior número de fêmeas possível. Seria bem fácil criar alguma teoria de cunho biológico que “provasse” que o homem deveria ser casto, enquanto à mulher caberia ter vários parceiros. Basta pensar, por exemplo, que é possível a mulheres manterem 30 relações sexuais por dia enquanto o homem estaria “naturalmente” destinado a uma vida sexual menos agitada, por limitações de ordem biológica.

A mentalidade machista que perpassa toda a sociedade,

Page 155: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

mesmo sem percebermos, contamina nosso cotidiano e traz graves conseqüências. Uma filha adolescente dormindo até tarde é algo que fere de forma irracional a mãe de família que encara com naturalidade o pai roncar até meio-dia recendendo à cerveja. Quando o pai sai do quarto, vestido apenas com o calção do pijama, se queixando da ressaca, a primeira coisa que pergunta é: “Essa menina ainda está dormindo?”. A mãe suspira como que lamentando a filha indolente que tem. Se, acordada pelos pais, a jovem sai do quarto só de camisola, será certamente acusada de falta de compostura. É, de fato, insuportável a uma família constituída nos moldes burgueses ver uma adolescente dormir, andar de camisola, comer, sair com namorados...

Já o filho – apesar de também ser, até certo ponto, considerado propriedade dos pais – é incentivado à vida pública: sair, beber, dirigir, ter amigos e, sobretudo, mulheres. Ele não deve ter propriamente uma namorada; quanto mais efêmeras e numerosas suas ligações amorosas, mais felizes os pais ficam.

Na sala, deitado, um rapaz pede à irmã que lhe prepare um sanduíche. Se a irmã lhe responde que o faça ele mesmo, a mãe intervém chamando-a de preguiçosa e indo ela mesma preparar o lanche do filho (trabalho doméstico, “natural” da mulher). Depois de uma cena familiar deste tipo, normalmente se passa o resto do dia falando mal da jovem, chamando-a de egoísta e imprestável. Seria, porém, inconcebível que a moça

Page 156: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

pedisse ao irmão que lhe preparasse comida ou fizesse qualquer favor doméstico.

Numa família muito pobre, tal tipo de opressão pode trazer conseqüências devastadoras para a mulher. A filha mais velha pode, por exemplo, ser forçada a ficar em casa cuidando da mais nova enquanto o irmão vai à escola. A filha dedicada o que ganha? Ignorância e escravidão doméstica. A ela restará a esperança de que talvez um dia venha a ser resgatada de sua triste realidade por algum príncipe encantado que a leve a algum bonito castelo. Até lá permanece sofrendo, beijando mais e mais sapos, esperando que algum deles se torne príncipe. Um dia engravida, leva uma surra em casa, é posta na rua, sem lar, instrução ou trabalho. É grande a possibilidade de se tornar prostituta e vir a servir ao rapaz de classe média que exigia, da irmã, um sanduíche. Ele se sentirá feliz em encontrar alguém que o sirva sem restrições, mas no fundo a considerará uma preguiçosa como a irmã, caracterizando-a como mulher de vida fácil.

Nenhuma mulher pode ter vida fácil sob o jugo do capitalismo.

Page 157: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

O homem e a máquinaPor Winter Bastos

O avanço científico e tecnológico parece ter afastado de nós todo obscurantismo. Estaríamos, agora, vivendo sob o império da razão e não mais submissos a dogmas. O que pouca gente pensa é que pode estar surgindo, na sociedade, um novo tirano: a máquina. Hoje há transações bancárias feitas através do caixa eletrônico, apesar de clientes preferirem ser atendidos por funcionários. Da mesma forma, proliferam máquinas para venda de refrigerantes, cartões telefônicos, doces, isso sem falar nos jogos de azar eletrônicos, das catracas que ameaçam substituir os trocadores nos sistemas de transporte coletivo etc. A quem toda essa tecnologia está servindo? Quem está por trás dela?

A partir do primeiro semestre de 2001, quando se ligava para o antigo número da ouvidoria da Telemar no Rio de Janeiro, uma gravação informava que, em virtude da reestruturação da empresa, o serviço fora desativado. E então? A quem reclamar? Depois de muitas tentativas de se falar com um ser humano através dos telefones da companhia, o usuário acabava sendo esclarecido, por um empregado, de que só poderia se queixar via internet. Parecem esquecer que a esmagadora maioria dos brasileiros não tem acesso a tal tecnologia. Então, que progresso é esse?

Em 2008, a situação na citada empresa (que mudou de

Page 158: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

nome para Oi) tornou-se ainda pior: para pedir um serviço, ou esclarecimento – por mais simples que fosse – passou a ser preciso falar por telefone com uma máquina que nunca detecta qual a solicitação feita. O cliente foi condenado a ficar repetindo, de modo ridículo, os pedidos enquanto uma gravação informa: “Não entendi...”. Onde foram parar os ouvidores, atendentes etc.? Quase todos no olho da rua! Da mesma forma, vem diminuindo pessoal em outras companhias que, preferindo máquinas a humanos, promovem o desconforto do usuário e o aumento do desemprego.

A tecnologia é tida como neutra, isenta, não ideológica. Com tal pensamento, George W. Bush, ao disputar a presidência com Al Gore, defendeu a votação eletrônica nos EUA, argumentando que as máquinas não são democratas nem republicanas (ele só falou isso porque um defeito mecânico o favoreceu na contagem de votos). Ocorre que o mundo não é governado por máquinas. Ele é dominado por seres humanos que covardemente se escondem atrás das maquinarias.

Quando alguém destrói um telefone público, chuta uma máquina de refrigerantes, soca um caixa eletrônico, geralmente quer atingir os proprietários de tais tecnologias, subservientes ao grande capital.

No Brasil, um dos mais claros usos da tecnologia para favorecer o poder constituído é o da adoção das urnas eletrônicas, cujo sistema é controlado pela suspeitíssima Abin (Agência Brasileira de Inteligência, herdeira do SNI – Serviço

Page 159: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Nacional de Inteligência da ditadura militar), uma entidade secreta e, por isso mesmo, antidemocrática. Aliás, as eleições brasileiras, com a informatização, passaram a ter maior ar de legitimidade, apesar de o voto se manter obrigatório e a população continuar com poder de decisão limitado à escolha de seus exploradores. .

Dizem que o atual uso das máquinas é inevitável, trata-se de um resultado necessário da marcha inexorável da ciência. Ora, a mulher e o homem são os sujeitos da História. Só eles podem traçar o caminho da humanidade.

Direitos reprodutivos, direitos de viverPor Winter Bastos

“– Não sei como, em semelhante sequidão, ainda há quem se lembre de ter filhos... – Você não vê como estão cheios de crianças os abarracamentos de retirantes?!... Até parece imundície, tanto menino.. - É só o que Deus dá aos pobres... – É um morrer de crianças que até parece praga... – Se não morressem, mulher, o mundo já não cabia mais a gente. Depois, anjinhos, não faz mal morrerem... Vão para o céu rezar pelos pais... – Assim mesmo – retorquiu uma grande matrona que tinha junto

Page 160: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

quatro crianças – eu não quero que os meus morram... Já que nasceram é melhor que se criem... – Pois eu tive cinco – atalhou outra – que Deus chamou à sua santa glória. Foram para o céu direitinho, só passaram pelo purgatório para vomitar o leite pecador...” (Domingos Olímpio – “Luzia Homem”, capítulo 10)

No Brasil de hoje, temos impressão de estarmos no século 19, quando a mulher era considerada mero objeto para satisfação do homem. Assalariadas, estudantes, donas-de-casa são tolhidas em seus direitos reprodutivos quando, muitas vezes, lhes é negado acesso a métodos contraceptivos. Quem depende exclusivamente de hospitais públicos sabe a dificuldade em se obter preservativos, anticoncepcionais, pílulas do dia seguinte etc. É, inclusive, quase impossível fazer laqueadura ou ligação de trompas pelo sistema público de saúde. Porém, ainda piores são os perigos a que são submetidas aquelas que optam por ser mães. Com efeito, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), no Brasil ocorre um terço das mortes maternas da América Latina. 11/11/2002, Alyne da Silva Pimentel, grávida de seis meses, deu entrada na casa de saúde Nossa Senhora da Glória, em Belford Roxo (RJ). A gestante recebeu alta no mesmo dia, não obstante se queixasse de dores abdominais, náuseas e vômitos. Como os sintomas persistiram, a paciente voltou à clínica dois dias depois. Aí médicos constataram que o bebê estava morto.

Page 161: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

O quadro médico de Alyne continuou piorando até ela sofrer hemorragia no dia 15 e ser transferida para o Hospital Geral de Nova Iguaçu. A ambulância demorou oito horas. Quando chegou, Alyne estava em coma. Morreu no dia seguinte. Hemorragia interna.

Processos contra o município de Belford Roxo e contra o estado do Rio de Janeiro ainda se arrastam na Justiça neste 2008. O caso é analisado também pelo Comitê das Nações Unidas pela Eliminação da Discriminação contra a Mulher (Cedaw). O drama de Alyne chamou a atenção de militantes e ONGs, como o Centro pelos Direitos Reprodutivos, que participaram de um protesto na terça-feira 27 de maio na Cinelândia (Rio de Janeiro). Numa faixa estendida pelas manifestantes, podia ser lido: “Não deixe uma vida se apagar! Aproximadamente 4100 mulheres brasileiras morrem todos os anos devido às complicações na gravidez, no parto e no pós-parto. Deste número, 98% dos casos poderiam ser evitados. Não deixe que mais 4100 mulheres morram. Manifeste-se!”

No estado do Rio de Janeiro, faltam médicos, enfermeiros e técnicos em hospitais públicos; os políticos dizem que não há verba. Entretanto no Palácio Tiradentes não falta dinheiro: cada deputado estadual pode ter 60 assessores nomeados sem concurso (reunidos nem cabem nos gabinetes, que têm no máximo 80 metros quadrados).

Page 162: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Uma breve e recente história do Anarquismo no Rio de Janeiro

Por Winter Bastos e Tânia Roxo

Para quem não sabe, o Movimento Anarquista retomou a sua força no Rio de Janeiro nos anos 80, após a ditadura militar. Em 1985, foi promovido um curso sobre Anarquismo pela UNIVERTA (Universidade Aberta), na UFRJ. A partir desse evento, alguns participantes resolveram estruturar um espaço permanente para discutir as idéias libertárias. O interesse despertado na época ocasionou a criação do “Círculo de Estudos Libertários” que reunia dezenas de pessoas semanalmente no campus daquela universidade. Seis anos depois, em 1991, o grupo passou também a publicar o informativo mensal batizado “Libera” que circulava principalmente entre interessados em estudar o Movimento Anarquista no Brasil e no mundo. Após o falecimento de um dos fundadores, o espaço de debates mudou de nome, passando a ser chamado “Círculo de Estudos Libertários Ideal Peres” (CELIP), em 1995.

Cada vez mais atuantes dentro de movimentos sociais, os militantes anarquistas viram a necessidade de fundar uma organização específica para lutar de maneira mais objetiva, colocando em prática desde então o ideal. Isso, sem perder de vista os objetivos finais: eliminar a exploração e a dominação do homem pelo homem, bem como construir uma sociedade

Page 163: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

igualitária (sem governantes e governados). Foi assim que nasceu a FARJ (Federação Anarquista do Rio de Janeiro) em 30 de agosto de 2003, no bairro de Vila Isabel, zona norte da cidade.O “Libera” circula até hoje tendo se tornado o veículo de comunicação da FARJ, com tiragem de 3 mil exemplares nas 4 páginas, em formato tablóide.O CELIP se mantém agora como parte das atividades promovidas pela federação. Além disso, a entidade possui a Biblioteca Social Fábio Luz que disponibiliza mais de 700 livros em seu acervo e centenas de periódicos libertários (jornais, revistas e boletins) de diversos países.Para quem quiser conhecer a biblioteca da FARJ, basta ir até o CENTRO DE CULTURA SOCIAL (R. Torres Homem, 790 – Vila Isabel – Rio de Janeiro), entre 9h e 17h, aos sábados.O site da FARJ é: www.farj.org

Globalização e LiberalismoPor Winter Bastos

O Liberalismo Clássico (de Adam Smith, Ricardo etc.) defendia a divisão social do trabalho e um modo de produção que parecia mais eficiente se comparado ao Mercantilismo e ao Feudalismo. Segundo tal sistema de pensamento, a especialização dos trabalhadores garantiria uma maior produtividade e a “mão invisível do mercado” conduziria a uma melhor distribuição de recursos.

Page 164: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

O Capitalismo, no entanto, é um sistema baseado na exploração humana, dependendo dela para existir. A divisão social do trabalho trouxe realmente benefícios, mas para o patronato apenas, pois resultou na alienação da força de trabalho do empregado e na perda de sua autonomia.

A noção de Adam Smith da “mão invisível” como agente distribuidor de recursos mostrou-se mentirosa. Atualmente, temos grandes empresas supranacionais que coordenam e determinam a distribuição de recursos pelo planeta. O capital sempre tende a se concentrar e eliminar qualquer concorrência, gerando monopólio e tirania. O fenômeno hoje designado globalização nada mais é que um resultado da reaplicação das idéias liberais em escala mundial. O Neoliberalismo propugna medidas para reduzir ao mínimo a interferência do Estado na economia, diminuindo custos para empresas multinacionais. Sem a interferência do Estado, as transações entre matriz e filiais ficam mais baratas, não se interrompem os fluxos de capitais entre elas e podem-se achatar salários com mais liberdade.

Sob o pretexto de equilibrar os orçamentos dos Estados, os neoliberais pregam a eliminação de investimentos em áreas sociais e promovem privatizações que tornam ainda mais distantes do povo direitos como: educação, saúde, transporte etc.

Segundo Noam Chomsky, o Estado – apesar de também ser nocivo – é uma estrutura institucional da qual os

Page 165: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

indivíduos ainda podem participar numa certa medida. Em contrapartida, as tiranias privadas (megacorporações) tomam decisões que repercutem em todo o mundo, sem consultar ninguém nem assumir qualquer ônus por isso, já que explicitamente têm no lucro a sua razão de existir. Sendo assim, segundo esse pensamento, as tiranias privadas seriam ainda mais autoritárias que o próprio Estado.

Chomsky ainda afirma que o Estado é como uma jaula que encarcera trabalhadores, enquanto as multinacionais são como animais ferozes fora da jaula. Caberia, neste momento aos trabalhadores, aumentar o tamanho da jaula e não simplesmente destruí-la, pois isso os deixaria expostos as feras do lado de fora.

Assim se justifica a participação dos anarquistas em movimentos contrários à privatização e ao Neoliberalismo. Ficar na jaula é ruim, mas estar exposto às feras seria ainda pior. Vale lembrar que o Anarquismo não é apenas contrário ao Estado, mas a toda forma de autoritarismo. Atualmente, o “governo das multinacionais” tem se mostrado mais autoritário que qualquer outro, por isso deve ser combatido prioritariamente neste momento. Cabe salientar, no entanto, que esta é apenas uma tática: um método de luta mais adequado à nossa realidade imediata neste início de século XXI. O fato é que não há antagonismo verdadeiro entre Estado e capital privado. O poder político e o poder econômico estão sempre profundamente entrelaçados, pode-se dizer que – em realidade

Page 166: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

– são o mesmo. Falar em Estado mínimo – como faz o Liberalismo – é uma hipocrisia e, mesmo, uma justificativa da opressão estatal. Falar em Estado mínimo é como falar em genocídio mínimo ou em estupro mínimo: uma maneira de justificar esses crimes como corretos em alguma medida. Além disso, os neoliberais nunca tentaram minimizar instituições opressivas como as Forças Armadas, as polícias etc. Pelo contrário, sempre se utilizam dessas instituições contra o povo, além de criar novas, tais como polícias e seguranças privadas, que vêm a se somar às tradicionais forças de repressão.

A atual onda neoliberal não busca atacar os governos. Ela procura reforçar no Estado o que este tem de mais estatal – o aparato repressivo – e diminuir qualquer concessão (direito social) obtida do Estado pelo esforço militante dos trabalhadores organizados.

Um autor ao desabrigo das normasPor Winter Bastos

Igual a Lima Barreto e a João Antônio, Antônio Fraga (1916-1993) se enquadraria na definição de escritor maldito, entendido como avesso aos cânones literários vigentes.

De vida atribulada, saiu de casa adolescente. Foi para o mangue, onde passou a vender siri. Em Minas Gerais, empurrou vagonetes de pedra; em Goiás, garimpou diamantes;

Page 167: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

No Estado do Rio, manejou enxada. Tornou-se lanterninha de cinema, auxiliar de cozinha, funcionário da LBA e da rádio Vera Cruz. Em 1945, publicou a novela Desabrigo, que critica a desigualdade social e a falta de perspectiva nos subúrbios.

Em sua escrita, sente-se independência em relação a cânones estéticos estabelecidos. Há a criação do novo a partir de uma “indefinição” ou não enquadramento em formas de expressão específicas determinadas por autoridades acadêmicas. Daí ele incluir à novela Desabrigo ditos populares, neologismos e gírias. Trata-se de um saudável ato subversivo da linguagem, levando-nos a questioná-la e ampliarmos horizontes de entendimento dos signos à nossa volta e do que representam.

Sugestão para leitura: Desabrigo e Outros Trecos, Antônio Fraga, Editora Relume Dumará

Poe é o ícone literário do bizarroPor Winter Bastos

Grotesco é tudo que se revela bizarro, extravagante, antinatural, monstruoso. Victor Hugo, no prefácio a “Cromwell”, de 1827, teceu relevantes considerações sobre esse termo e caracterizou-o como o oposto do sublime. Porém, entre todos os autores românticos, quem melhor expressou literariamente o

Page 168: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

grotesco foi o escritor norte-americano Edgard Allan Poe (1809-1849).

Sua reunião de contos publicada em 1840 se chamava justamente “Tales of the Grotesque and Arabesque” (Contos do Grotesco e do Arabesco). Segundo Baudelaire, arabescos são linhas e movimentos livres dos objetos e constituiriam os mais espirituais de todos os desenhos, pois seriam fruto do espírito intelectual do homem, sendo, portanto, criações artificiais, por decorrerem exclusivamente do gênio humano e não da Natureza; daí a ligação com o grotesco, ou seja, tudo o que é monstruoso, antinatural.

Poe, hoje, é extremamente popular. Por um lado, isso se dá pela sedução que sua figura sombria e biografia atribulada exercem sobre muitos (elementos que em verdade não deveriam ser levados em conta na apreciação da obra). Outros simplesmente se sentem intrigados e atraídos por suas narrativas, as quais proporcionam sensações de medo e mistério.

O medo é uma sensação desagradável, marcada pela consciência de um mal ou perigo determinados; mas quando este perigo ou mal é apenas simulação e não tem possibilidade real de se converter num dano à pessoa, pode resultar numa espécie de prazer. Assim também o mistério – que quando vivenciado de fato pode resultar em angústia – ao ser usado na ficção proporciona uma instigante e prazerosa sensação de curiosidade.

Page 169: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

A atual popularidade de Edgard Allan Poe deve muito à sensação de medo proporcionada por suas narrativas de terror e à curiosidade que seus contos de mistério provocam nos leitores, mas é importante notar que a genialidade desse famoso escritor reside em aspectos bem mais profundos de sua obra, a qual revela a alma humana em todas as suas misérias, fraquezas e perversidades.

Na literatura desse importante autor do romantismo norte-americano, muitas vezes o homem se vê perseguido por uma consciência severa, impiedosa. Ela é representada de diversas formas. Em “The Black Cat”, é mostrada como um gato preto que persegue o narrador. No poema “The Raven”, surge na figura de um corvo. Mas é o conto “The Tell-tale Heart” (O Coração Delator) que talvez melhor expresse as complexidades da psicologia humana. Nele, o personagem narrador, após ter cometido um assassinato perfeito, se entrega à polícia por não suportar o barulho do coração do morto, coração que continuava a bater alto e acusadoramente.

É no estudo dessa consciência acusadora, no exame das complexidades da alma humana, e na linguagem elaborada e expressiva que reside a real importância de Edgard Allan Poe, um mestre do suspense e do grotesco.

Page 170: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Estranho João do RioPor Winter Bastos

Alguns biógrafos registram seu nome como João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Barreto; outros omitem “Emílio” e “dos Santos”. Em que pese o fato de figurar João Paulo Alberto Coelho Barreto nos contratos assinados a partir de 1905, a pessoa em questão é até hoje conhecida apenas como João do Rio (pseudônimo mais comum desse controvertido repórter, cronista, crítico, teatrólogo, contista - autor carioca por excelência).

Nasceu na Rua do Hospício (atual Buenos Aires, Centro) em 5 de agosto daquele 1881, ano que vira o futuro escritor Lima Barreto vir à luz em maio.

Filho de Alfredo Coelho Barreto – gaúcho, professor de Matemática, republicano e positivista extremado – e de d. Florência (bela negra cerca de 10 anos mais jovem que o marido), o menino não foi batizado na Igreja Católica Romana, mas registrado no Apostolado Positivista contrariando costumes vigentes no Rio de Janeiro, a que mais tarde ele chamaria “Frívola City”.

Iniciou vida jornalística com 18 anos no diário “Cidade do Rio”, flanou por diversos jornais antes de pousar, 1903, na “Gazeta de Notícias”, onde adotou o codinome João do Rio. Permaneceu lá mais de uma década. Suas famosas reportagens dinamizaram o jornalismo da época, então repleto

Page 171: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

de arcaísmos estéreis e grandes maçadas.Quase todos atestam colaboração imensa de Paulo Barreto para a Comunicação Social. Depois dele, a imprensa teria mesmo outra fisionomia. Infelizmente, muito menos gente repara que – além da relevância jornalística – João tem importantes obras propriamente artísticas, literárias.

É impossível não se impressionar com o escritor em “Histórias da Gente Alegre”, coletânea de textos de João do Rio, seleção, introdução e notas feitas por João Carlos Rodrigues, publicada pela livraria José Olympio Editora em 1981. Foi uma rara, senão única, lembrança do centenário natalício de Paulo Barreto. O livro tem como subtítulo “Contos, Crônicas e Reportagens da ‘Belle Époque’ Carioca”, mas não dá para separar o que ali dentro é trabalho cronístico, conto ou reportagem. João do Rio esgarçou limites entre esses gêneros, tornando-os quase indistinguíveis. Líquido e certo é que ali há texto denso, forte – um soco nos cornos.

Imagino alguém me perguntando: “E soco nos cornos é bom?” Camaradas, a verdadeira arte não é feita para nos acarinhar, mas para sacudir a gente. Quando li “Dentro da Noite”, oitavo texto do volume, cheguei a sentir náuseas, porém não consegui largá-lo; ouso dizer que esse conto é comparável aos melhores de Edgard Allan Poe ao abordar perversidades humanas.

Ainda em “Histórias da Gente Alegre”, encontramos os ótimos “O Bebê de Tarlatana Rosa”, “A Aventura de Rozendo

Page 172: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Moura”, “A peste”... Há também a reportagem “A Fome Negra” – corajosa denúncia social sobre péssimas condições de vida do trabalhador. Qual jornalista hoje dá oportunidade para populares falarem, opinarem sobre desemprego, jornada de trabalho abusiva, repressão patronal?

Se é tão bom assim, por que João do Rio é pouco editado agora? Não sei. Seus livros sempre venderam à beça. Mais ou menos em 2006, a Companhia das Letras relançou “A Alma Encantadora das Ruas”, que esgotou rápido, mas não foi publicado novamente. Será que editoras têm preconceito com João do Rio por ele ter sido homossexual, mulato, afetado, obeso e com fortes preocupações sociais? Não duvido.

Quem quiser conhecer também o ambiente literário da época em que viveu esse autor – falecido num táxi nas proximidades da Rua Bento Lisboa, Catete, em 1921 – também apreciará “o momento literário”, reunião de entrevistas feitas por João com vários escritores. Entre eles há Curvelo de Mendonça, Olavo Bilac, Fábio Luz, Elísio de Carvalho... O livro foi lançado pela Editora Fundação Biblioteca Nacional (Coleção Raul Pompéia) em 1994 na Frívola City – Cidade Maravilhosa para alguns.

Page 173: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

O escritor inimigo dos uxoricidas brasileirosPor Winter Bastos

O amor mata? Um sentimento que leva ao assassinato é, sem dúvida, algo maldito e se afasta totalmente da emoção que aprendemos a exaltar como bela e elevada. Porém, ao longo de séculos, a sociedade brasileira tem considerado o assassínio compatível com o amor, e até prova de envolvimento verdadeiro e profundo: é a exacerbação da velha crença de que ciúme é atestado de carinho.

O uxoricídio – assassinato da esposa pelo marido – era permitido pelas Ordenações Filipinas que regeram os direitos civis no Brasil até o século 19. Assim, no Livro V, Título XXXVIII, estava estabelecido que: “Achando o homem casado sua mulher em adultério, licitamente poderá matar assim a ela, como ao adúltero”. O Código Criminal Brasileiro de 1830, nos artigos 251 e 252, amenizou esta punição, determinando que o homem ou a mulher que cometesse adultério seria punido com prisão temporária. Na prática, quase sempre apenas a mulher era enquadrada nesse tipo penal, pois o Estado possuía – igual a hoje – um caráter fortemente patriarcal. .

Este mesmo Estado tinha como ferrenho adversário o escritor anarquista Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922), que criticava com ardor o aparelho judicial brasileiro, por absolver continuamente uxoricidas que alegassem legítima defesa da honra ou “ter matado por amor”. Contra este falso

Page 174: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

amor, Lima Barreto publicou, no Correio da Noite, “Não as matem” em 27 de janeiro de 1915. Afirmava que a violência dos homens reside no fato de que eles se sentem donos das mulheres, portanto, não admitem ser preteridos. A este texto seguiram-se “Lavar a honra matando?” e “Os matadores de mulheres”. .

Em dois de março de 1919, ele publicou “Os uxoricidas e a sociedade brasileira”, o artigo mais longo e importante sobre o assunto. Nele, Lima Barreto afirmou que parece existir “uma tácita autorização que a sociedade dá ao marido de assassinar a esposa quando adúltera”. Condenou de forma veemente os advogados que, para defenderem os uxoricidas, atacam a honra das vítimas. Da mesma forma criticou o procedimento dos promotores de justiça que se limitavam a tentar provar que as mulheres assassinadas tinham uma conduta sexual irrepreensível.

Para Lima, a mulher tem que ser livre. A conduta sexual da esposa em hipótese nenhuma poderia ser justificativa para o assassinato. Contra os homens possessivos, ele já havia escrito em 1915: “Todos esses senhores parece que não sabem o que é a vontade dos outros”. E bradava: “Deixem as mulheres amar à vontade. Não as matem, pelo amor de Deus!” .

O escritor também usou da ficção para combater o falso amor, como na narrativa Clara dos Anjos, corajosa acusação à sociedade brasileira, desde os tempos de Lima uma sociedade racista excludente e machista.

Page 175: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Sobre “Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá”

Por Winter Bastos

Recentemente reli o romance “Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá” do mestre Afonso Henriques de Lima Barreto. O exemplar que tenho é uma bonita publicação da Editora Garnier, o volume 4 da Coleção dos Autores Modernos da Literatura Brasileira, com expressivos desenhos de Poty (artista competente que costuma ilustrar trabalhos do contista Dalton Trevisan na Ed. Record). Meu livro data de 1990, mas ainda está novinho.

O Diário de Notícias foi o primeiro veículo a divulgar um capítulo do romance, em 1910. A primeira edição como livro só veio em 1919, malgrado a obra já estivesse completa desde 1909. Trata-se de literatura que simula a estrutura da biografia, um livro de ficção flertando com o documental. Satiriza pomposas vidas de burgueses contadas no período. Logo de início, o personagem narrador Augusto Machado escreve que a idéia da obra nasceu nele da “leitura diurna e noturna” das biografias feitas por Pelino Guedes. Este era o autor mais adotado nas escolas brasileiras por volta de 1910; Lima frequentemente lhe dava alfinetadas através de contos, crônicas e artigos. Nesse romance o alvo são biografias de ministros que Pelino escrevia aos montes para agradar a poderosos – ironicamente, o narrador declara que (a exemplo do biógrafo de

Page 176: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

ministros), depois dessa primeira biografia, iria fazer mais “duas dúzias”.

“Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá” é contraponto às trajetórias fúteis de figurões. É a narrativa da vida de um simples funcionário público sem posses ou riquezas, mas cheio de sensibilidade, amor à cultura, autonomia de pensamento.

Provavelmente o cacófato M.J. (“mijota”) foi forjado de propósito para ressaltar jocosamente o pouco destaque que Gonzaga de Sá tinha na sociedade. Afinal, “mijota” não lembra “mijadinha”, “merreca”, “bagatela”, “coisa à-toa”?

Logo no capítulo 1, começa a ser caricaturada a burocracia governamental, num episódio envolvendo salva de tiros devida a um clérigo. O bispo de Tocantins, ao entrar no porto de Belém, teve como honraria uma série de 17 disparos, porém acendeu-se logo grande polêmica: seriam 17 ou 18 os tiros regulamentares? Toda uma gama de seções e departamentos estatais se movimenta para esclarecer a questão. Pouco depois surge outra controvérsia: quantas setas deve haver na imagem de São Sebastião? Hilário!

No livro, pedantismo, arrogância e futilidade vão se personificar no caricatural Xisto Beldroegas, colega de Gonzaga de Sá na repartição pública. O personagem Xisto manifesta tão grande culto às formalidades burocráticas que considera absurdo não ser documentado quantos dias choveu no ano. Acha que o mundo todo se rege por decretos, circulares, avisos, provimentos, portarias, resoluções administrativas... Para ele,

Page 177: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

nada existe fora disso. Uma vez Augusto Machado falou a Xisto sobre a lei da hereditariedade. Beldroegas se escandalizou:

“– Lei! exclamou. Isso lá é lei!“– Como?“– Não é. Não passa de uma sentença de algum doutor

por aí... Qual o parlamento que a aprovou?” (p. 110)Até hoje não há quem diga que só é certo aquilo que

virou lei votada pelos políticos? Muita gente por aí ainda é escravo da legalidade burguesa, aceitando absurdos legais e maldizendo ações diretas populares não amparadas por normas jurídicas – feito o ridículo Xisto Beldroegas.

O romance é formado por capítulos numerados e com títulos. Tais segmentos têm certa independência, podendo – nuns casos – ser lidos isoladamente: igual a contos ou crônicas. Em verdade, o texto pode ser encarado como uma grande crônica do universo fluminense no início do século 20. Há passagens em Petrópolis; na Praia das Flexas (de Niterói); na Central do Brasil, Rua do Ouvidor (na cidade do Rio)... Augusto Machado e Gonzaga de Sá vagueiam sem pressa, contemplando o ambiente, valorizando patrimônio histórico e natureza numa época em que pouquíssimos falavam de ecologia e preservação arquitetônica.

O ficcional se aproxima do real quando, no Café Papagaio, Augusto Machado se encontra com a turma do “Esplendor dos Amanuenses”, grupo que existia de fato, integrado pelo próprio Lima Barreto e amigos como Domingos

Page 178: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Ribeiro Filho, os quais eram mesmo assíduos no Café Papagaio, mais barateiro e menos formal que a Colombo (existente até hoje) e outros estabelecimentos frequentados por escritores bem posicionados na sociedade.

Essa “boa posição” não alcançada por Lima na época, de forma nenhuma pode desmerecê-lo a nossos olhos. Augusto Machado, Gonzaga de Sá e a turma “Esplendor dos Amanuenses” têm muito mais a oferecer à humanidade que Xisto Beldroegas, Barão do Rio Branco, Pelino Guedes e outros que alcançam fácil “êxito” mundano. Nesse sentido, vemos na página 62 uma interessante frase do libertário Domingos Ribeiro Filho: “Todo vitorioso é banal”.

O povo e a leituraPor Winter Bastos

O Brasil inteiro tem cerca de mil e duzentas livrarias, menos que Buenos Aires sozinha, quando o índice da UNESCO para países com a nossa população recomenda pelo menos 17 mil. Os livros são caros e o governo finge incentivar a leitura apoiando eventos elitistas como a Bienal do Livro do Rio de Janeiro (da última vez só a entrada custou R$10 e o acesso de ônibus foi dificílimo para quem não mora na Barra da Tijuca). As bibliotecas públicas são apenas duas mil e oitocentas no país todo. Conseqüentemente o índice de leitura no Brasil não

Page 179: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

excede o percentual de 0,9 livro/ano por pessoa; o patrimônio vocabular médio do jovem mal chega a trezentas palavras; somente 24% dos brasileiros alfabetizados são capazes de ler e entender um livro na sua totalidade.Por essas e outras, se torna essencial a criação de centros de cultura comunitários. Se todas as comunidades e bairros populares tivessem uma biblioteca – por menor que fosse – o hábito de leitura iria se proliferar e as pessoas desenvolveriam suas potencialidades intelectuais e artísticas.

Reflexão e pensamento crítico sempre são estimulados por bons livros. Como ter acesso a estes, hoje, sem despender muito dinheiro? Uma forma seria através das já citadas bibliotecas; outra seria recorrer a sebos.

Sebos são lojas de livros usados. Em tais estabelecimentos podem-se encontrar títulos esgotados com preços acessíveis e até livros de apenas R$1. Mas muitos trabalhadores e estudantes deixam de aproveitar tais vantagens por simplesmente desconhecê-las.

Em Niterói (RJ) existem mais de 10 sebos, dentre os quais é destaque a Livraria Ideal (2620-7361) – que em março de 2008 completou impressionantes 73 anos de presença no mercado de livros. Há também: Livraria Caminho (2721-0402), Toda prosa (9673-5378), Universo do Livro (2721-0112), Só Letrando (2613-0720), etc.

Page 180: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anarquismo e literaturaPor Winter Bastos

“Queremos livros que nos afetem como um desastre. Um livro deve ser como um machado diante de um mar congelado em nós.”

(Franz Kafka)“A força da literatura (...) se mede por algo que salta

para fora da palavra: está em seu poder de perfurar áreas antes invioláveis do real. Não é por outro motivo que não largamos os poemas de poemas de Pessoa, Drummond ou Baudelaire, nem as narrativas de Clarice, Mussil ou Virginia Woolf. São escritos que nos dividem ao meio. Fechamos o livro, mas não podemos fechar a ferida que abriram.”

(José Castello)

A literatura é o apelo da liberdade do escritor à liberdade do leitor. Uma literatura verdadeiramente artística não submete o leitor a uma visão de mundo, mas convida-o a pensar o mundo de outra forma. A atual sociedade sempre indaga: “Para que ler um romance quando se pode fazer coisas mais úteis?” “Para que serve a literatura?” Há quem responda que a literatura serve para nos divertir, nos entreter. Ora, entretenimento é um prazer fácil, que nos alegra e relaxa para melhor voltarmos ao trabalho, ignorantes e satisfeitos. Essas obras “inofensivas” não são dignas de ser chamadas literárias.

Page 181: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

A literariedade é um desvio na linguagem que a faz deixar de ser simplesmente informativa ou recreativa, e passar a ser artística.

A literatura realmente não é utilitária, não serve para nada. Mas eu me pergunto: Para que serve um recém-nascido? A literatura é expressão viva da humanidade. É uma maneira de vermos o mundo sob outra ótica e repensarmos nossos valores. Ela não cria valores, mas os questiona, põe em dúvida antigas certezas nas quais se baseia nosso edifício social. Como a literatura não impõe, só questiona, podemos dizer que ela é destrutiva, mas não devemos colocá-la como vilã, pois já dizia o revolucionário ácrata Mikhail Bakunin que “o impulso destruidor é, ao mesmo tempo, um impulso construtor”. É nesse caráter “destrutivo” que reside a força da literatura. Buscando neutralizar esta força, a classe dominante vende a idéia de que é preciso explicar a obra pela vida do autor e pelo ambiente social em que foi feita; assim os questionamentos ficam datados, restritos e relativizados por dados biográficos.

A Rede Globo, por exemplo, adora editar e adaptar para a TV textos de Lima Barreto. E o faz sem medo, pois o pensamento libertário é mostrado como “coisa de outros tempos” e a revolta limiana como fruto de problemas particulares do autor: problemas que não são nossos.

O escritor russo L. Tolstói também é lido, para conveniência da burguesia, de uma forma superficial. As críticas ao Estado e à guerra são tidas como produtos da infeliz

Page 182: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

experiência do autor no exército, críticas que só fariam sentido para ele e naquele contexto. Os mesmos que dizem que o pensamento antiestatal de Tolstói é loucura, caracterizam sua obra como de extrema qualidade, sem lembrar que a grandiosidade e a potência libertadora desta obra reside também nesse radicalismo antiestatal. Vale salientar que o romance Guerra e Paz teve este título por causa de um panfleto do anarquista Pierre-Joseph Proudhon chamado “A Guerra e a Paz”.

Hoje temos de um lado os propagandistas da literatura de entretenimento (escritores em busca de dinheiro fácil e leitores em busca de prazer fácil e alienante) e de outro lado a literatura artística, menos assimilável pelo capitalismo e que proporciona um prazer difícil, doloroso, revolucionário, que só pode se exercer plenamente numa sociedade libertária, livre dos grilhões do mercado e aberta para as diversas expressões do espírito humano.

O poder da palavraPor Winter Bastos

Em “A Genealogia da Moral”, Nietzsche afirma que a linguagem é “exteriorização da potência dos dominantes” e fundamenta esta ideia através da própria etimologia das palavras. Mesmo os conceitos de bem e bom teriam surgido de

Page 183: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

classes exploradoras que visavam caracterizar suas ações como positivas (“boas”). Segundo o filósofo, mau vem do latim malus (que deriva de melas, negro) e serviria para designar o homem plebeu de cor morena e cabelos pretos, do solo itálico. Em gaélico, a palavra fin, que significa “o bom”, “o nobre”, antigamente significava “o de cabelos louros” (celtas - dominantes - eram extremamente louros).

A linguagem seria o meio para dominadores imporem como positivo aquilo que eles têm de distintivo em relação aos demais. No livro “Poder e Domínio” (Rio de Janeiro: Ed. Achiamé, 2001), Fábio López López - baseando-se em Nietzsche - afirma que as classes exploradoras em todos os tempos criaram expressões e, através da linguagem, impuseram valores, transmitiram sua ideologia e consolidaram dominação.

Para driblar a opressão da palavra, é necessário desnudá-la: entender a gênese e o significado de provérbios e vocábulos; buscar definir os termos que utilizamos; conviver com a língua escrita, desenvolvendo hábitos de boa leitura. Só assim podemos escapar de dizer o que não queremos ou de aceitar o que é ruim para nós.

Muitos, porém, atuam no sentido de tornar a linguagem inebriante, nebulosa, enganadora, para, desta maneira, manter a população fascinada e ignorante. É o caso do chatíssimo jurista Rui Barbosa, do poeta parnasiano Olavo Bilac (com seus esteticismos vazios) e do prosador Coelho Neto (com intermináveis louvações aos poderosos).

Page 184: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Num caminho oposto, o libertário Lima Barreto (1881-1922) ironizava tanto os escritores “importantes” que usavam uma linguagem pomposa, quanto os leitores que se deixavam impressionar: “Quanto mais incompreensível é ela [a linguagem], mais admirado é o escritor que a escreve, por todos que não lhe entenderam o escrito” (BARRETO, Lima. “Os Bruzundangas”. Rio de Janeiro: Editora Ática, 1998).

Em “Triste fim de Policarpo Quaresma”, ao referir-se com ironia a um personagem pedante, lemos: “A sua sabedoria superior e seu título ‘acadêmico’ não podiam usar da mesma língua, dos mesmos modismos, da mesma sintaxe que esses poetastros e literatecos (...) O processo era simples: (...) invertia as orações, picava o período com vírgulas e substituía incomodar por molestar, ao redor por derredor, isto por esto, quão grande ou tão grande por quamanho, sarapintava tudo de ao invés, empós, e assim obtinha o seu estilo clássico que começava a causar admiração aos seus pares e ao público em geral”.

Na escrita de outro autor revolucionário, Antônio Fraga (1916-1993), também há liberdade em relação a modelos pré-estabelecidos e maçantes. O mesmo se dá com o excelente contista João Antônio (1937-1996). Mas, antes de todos eles, esta escrita renovadora e comunicativa já tinha sido ensaiada por Manuel Antônio de Almeida (1831-1861) no divertidíssimo romance “Memórias de um Sargento de Milícias” que pode ser facilmente encontrado em bibliotecas e sebos da cidade.

Page 185: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Leiam bastante, só assim não embarcamos nas falácias dos “sabichões”.

Morada para todosPor Winter Bastos

Há décadas a mídia burguesa (Rede Globo, SBT, Band etc.) incentiva o êxodo rural através de noticiários que pintam grandes centros urbanos como “terra das oportunidades”. Telenovelas passam a visão de que o meio urbano no Brasil constitui verdadeiro “paraíso tropical” (não tinha um folhetim televisivo global com esse nome?). O objetivo dos veículos de comunicação reacionários é promover o esvaziamento da área rural para amenizar tensões sociais no campo – favorecendo o latifúndio – e, ao mesmo tempo, gerar um contingente de desempregados na cidade, o qual torna possível achatamento de salários: há tanta gente sem serviço nas metrópoles, que sempre se encontra quem aceite trabalhar quase de graça.

Grandes grupos humanos, vítimas da exploração no campo, vêm para a cidade, sem nenhuma estrutura. Muitos acabam residindo nas ruas em condições sub-humanas sob viadutos e marquises. Outros são forçados a derrubar árvores e destruir vegetação de morros, causando danos ao meio ecológico e a si próprios; passam a morar em encostas com risco de deslizamentos e danos para a vida. 10 milhões de

Page 186: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

grupamentos familiares vivem em domicílios precários no Brasil. Oito milhões de famílias não têm casa.

Mesmo em situações completamente adversas, há sem-teto que conseguem se organizar e ocupar imóveis abandonados (sem função social). Em muitos desses espaços, antes ociosos, passam a funcionar centros comunitários, cursos de serigrafia, bibliotecas, hortas, oficinas de reciclagem... Nos últimos anos o estado do Rio de Janeiro conheceu várias importantes iniciativas populares desse tipo, tais como as Ocupações: Domingos Passos, Confederação dos Tamoios, Vila da Conquista, Olga Benário, Margarida Maria Alves, Centro de Cultura Social Lima Barreto, Alípio de Freitas, Flávio Bertoluzzi, Poeta Xynayba e outras.

Algumas dessas ocupações já foram desalojadas pela repressão capitalista através de decisões judiciais injustas, truculência policial e violências de todo tipo. Mas a luta continua.

Devemos ter em mente que só nossa ação direta, popular, solidária, sem intervenção de políticos ou patrões, pode efetivamente derrotar a especulação imobiliária e o capitalismo, garantindo moradia digna para todos, sem exceção.

Se morar é um direito, ocupar é um dever! Ocupar, resistir, lutar para garantir!

Page 187: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

A Propriedade é um direito?Por Winter Bastos

“Se eu tivesse que responder a seguinte pergunta: ‘O que é a escravidão?’ e respondesse numa palavra: ‘É o assassinato’, meu pensamento seria imediatamente compreendido. Não teria a necessidade de um discurso muito longo para mostrar que o poder de espoliar o homem do pensamento, da vontade, da personalidade, é um poder de vida e morte, e que escravizar um homem é assassiná-lo. Por quê, então, a esta outra pergunta: ‘O que é a propriedade?’ não posso responder da mesma forma: ‘É o roubo’, sem ter a certeza de que não serei compreendido, embora essa segunda proposição não seja mais que a primeira transformada?

“Um autor ensina que a propriedade é um direito civil, oriundo da ocupação e sancionado pela lei; outro sustenta que é um direito natural, cuja fonte é o trabalho: e essas doutrinas, por opostas que pareçam são encorajadas, aplaudidas. Sustento que nem o trabalho, nem a ocupação, nem a lei podem criar a propriedade; que ela é um efeito sem causa: devo ser recriminado por isso?”

Sim, deves ser recriminado – respondem muitos juristas a Pierre Joseph Proudhon (1809-1965), pensador francês autor do texto acima. Dizem: Ora, a propriedade é justa, é um direito assegurado constitucionalmente. Esquecem-se de que a lei foi feita para o homem, e não o homem feito para a lei. As leis

Page 188: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

podem – e muitas vezes devem – ser destruídas, mas os homens não podem sacrificar a vida por uma lei. Se a Constituição ordenar que nos matemos uns aos outros, vamos ficar assassinando nossos semelhantes até que se abra a possibilidade de modificar a lei? A lei erra. E o fato de a propriedade ser garantida pela Constituição não quer dizer que seja justa.

“Segundo Cícero, ninguém tem direito senão àquilo que lhe basta: tal é a interpretação fiel de seu famoso axioma suum quidque cujusque sit [a cada um o que é seu], axioma que tem sido tão estranhamente aplicado. O que pertence a cada um não é o que cada um pode possuir, mas o que cada um tem o direito de possuir. E o que temos o direito de possuir? O que baste a nosso trabalho e consumo.”

Proudhon também diz que a propriedade, segundo sua razão etimológica e as definições da jurisprudência, é um direito exterior à sociedade; pois é evidente que, se os bens de cada um fossem sociais, as condições seriam iguais para todos e não se poderia – por simples força de lei – privar pessoas de bens criados pelo trabalho humano. Os frutos do trabalho humano são sempre criações sociais, pois nunca se produz uma coisa de forma absolutamente isolada. O homem é um animal social, e o fruto de seu trabalho também deve ser. Isso não quer dizer que não se possa ter coisa alguma individualmente; quer dizer que não se podem privar outros da posse de bens que o “proprietário” não utilize.

Page 189: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Não é justo se ter direitos sobre o que não se usa diretamente. Assim, os camponeses têm direito sobre a terra, mas o “dono” de fazendas não o tem, pois só a utiliza como meio de exploração do trabalhador. Só é legitimo ter aquilo que se usa diretamente, seja móvel ou imóvel. Nesse sentido Proudhon escreve: “A posse individual é a condição da vida social; (...) A propriedade é o suicídio da sociedade. A posse está dentro do direito; a propriedade opõe-se ao direito. Suprimi a propriedade e conservai a posse; e, só com essa alteração no princípio, mudareis tudo nas leis, o governo, a economia, as instituições: expulsareis o mal da terra”. Talvez seja exagerado esse otimismo de Proudhon ao afirmar que possui a formula para “expulsar o mal da terra”. Pois é claro que, para o advento de uma sociedade justa, além da modificação econômica, muitas outras coisas se fazem necessárias, tais como: uma pedagogia libertária, uma psicologia emancipatória visando romper com as amarras das ideologias autoritárias, a luta contra toda forma de dogmatismo e dominação, seja ela econômica, religiosa, política, ou mesmo jurídica. Mas uma coisa é fato: a opressão não pode ser direito de ninguém.

Page 190: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Triste lembrança de “O Rei do Gado”Por Winter Bastos

Na antiga novela “O Rei do Gado”, da Globo, um sem-terra foi conversar com um latifundiário e pediu que ele cedesse terras improdutivas aos lavradores. O latifundiário - pasmem! - abriu prontamente portões da fazenda para que fosse ocupada de forma pacífica e consensual. Moral da história? Ora, os sem-terra da vida real só se envolvem em conflitos porque não têm civilidade suficiente para dialogar com os “pacíficos” e “bem-intencionados” fazendeiros. Noutra cena, foi mostrada uma passeata de camponeses, com bandeiras brancas, ao fundo uma trilha sonora alegre. Logo apareceu um sem-terra com uma bandeira vermelha; o tema musical tornou-se sombrio. Uma líder sem-terra “boazinha” arrancou a bandeira rubra do manifestante e jogou-a fora dizendo: “Que é isso, rapaz? Quer atear fogo no mundo?”

Em vários diálogos, era dito que a reforma agrária não seria assunto político ou social, mas uma questão técnica que “todos” estariam dispostos a resolver, porém só os “competentes” seriam capazes de fazê-lo. Pela ideologia da novela, camponeses nunca poderiam fazer reforma agrária autonomamente: sempre dependeriam de fazendeiros e políticos. Aliás, um personagem mostrado por ótica positiva era político: senador Caxias. Curiosamente vivia de maneira pobre só porque se recusava a aceitar subornos. Ora, subsídio e

Page 191: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

“auxílios” previstos legalmente já garantem luxo ostensivo, mas a novela mentia tentando fazer o povo acreditar que o rendimento de senador só permite uma vida modesta. Caxias morava em apartamento pequeno com filha e mulher, que se queixava: “Se você aceitasse subornos, não viveríamos nesta miséria”. O “pobre” senador acabou morrendo baleado ao apartar conflito agrário desencadeado por “inconseqüentes” sem-terra. Fica até parecendo que os senadores são as grandes vítimas. Coitadinhos...

É nítido que novelas são lixo cultural e propaganda ideológica de quinta categoria. São criadas para enganar o povo: fazer com que a gente aceite “reis do gado”, “salvadores da pátria” e “donos do mundo” que nos oprimem na vida real. O melhor é boicotar tais porcarias, senão toda a programação televisiva.

Xenofobia no BrasilPor Winter Bastos

A inexistência de xenofobia no Brasil é uma grande mentira como a da democracia racial, a da igualdade perante a lei e muitas outras. A verdade é que xenofobia existe por aqui desde o final do século 19. Nessa época, ela era mais violenta em relação aos portugueses, mas atingia também outros imigrantes: espanhóis, italianos, sírios etc., que disputavam o

Page 192: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

mesmo mercado de trabalho com os brasileiros.Em 5 de setembro de 1896, o jornal “O Jacobino”

noticiou que um grupo de “nativistas”, residentes na estação da Ressaquinha, reuniu-se no dia 30 do mês anterior para protestar e enviar uma mensagem ao Congresso Nacional contra um grupo de italianos “ingratos” que teriam “afrontado e injuriado com a maior ostensividade a Nação brasileira”.

Com relação aos árabes, havia nesse período uma competição das lojas instaladas no centro da cidade do Rio e os vendedores ambulantes, árabes que desfilavam com seus porta-miçangas. Entre esses vendedores existiam mulheres, as “turcas”, que muitas vezes recebiam dos donos das lojas baldes de água em suas mercadorias e nelas próprias, deixando-as encharcadas pelo resto do dia. Eram freqüentes os assassinatos de estrangeiros por simples motivo de diferença de nacionalidade.

No início do século 20, chovem acusações contra estrangeiros ditos perturbadores da ordem da República. Foram tomadas medidas repressoras, como as sucessivas leis do senador Adolfo Gordo a partir de 1907, determinando a deportação de militantes anarquistas quando de origem imigrante.

Com o intuito de combater a xenofobia no próprio meio operário, alguns jornais foram fundados como “L’operario italiano” e “O Estrangeiro”. Mas é principalmente a imprensa anarquista que está sempre a chamar a atenção dos

Page 193: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

trabalhadores no sentido de que o inimigo comum deles é o Estado, o capital e os patrões; os males não advêm dos imigrantes, tão miseráveis e famintos quanto os nacionais.

Um dos maiores crimes contra estrangeiros no Brasil foi a criação, em 5 de maio de 1922, pelo presidente Arthur Bernardes, da Colônia Penal de Clevelândia do Norte (no Oiapoque) verdadeiro campo de concentração, onde foram presos principalmente imigrantes. O estrangeiro era visto como propagador de pensamentos sociais diferentes, considerados anômalos, dentre eles o anarquismo, o qual era tido como contrário à suposta natureza dócil dos brasileiros.

Durante a ditadura militar instituída pelo golpe de 1º de abril de 64, os comunistas também foram caracterizados como propagadores de ideologias exóticas, “estrangeiras”, contrárias à pátria.

A xenofobia, na verdade, é muito útil aos tiranos, pois faz com que trabalhadores se voltem contra trabalhadores estrangeiros, em vez de se unirem como classe, contra seus exploradores. O fato é que a pátria e o nacionalismo não são mais que mentiras que a classe dominante utiliza para isolar trabalhadores de nacionalidades diferentes. Os exploradores sabem que, somente iludindo e separando os explorados, poderão mantê-los sob seu domínio.

Page 194: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

A especificidade anarquistaPor Winter Bastos

O anarquismo é um sistema de pensamento profundamente atidogmático. Não tem um criador único. Nasceu das lutas populares e tem vários sistematizadores, diferente do que ocorre, por exemplo, com o bolchevismo, que segue os escritos do autoritário Karl Marx como uma bíblia.

O anarquismo traz em si a exigência de uma ética libertária: é preciso buscar viver o anarquismo desde já em nossas relações cotidianas. O socialismo libertário rejeita também a atuação parlamentar (a organização em partidos), pregando a atividade política apartidária em sindicatos, associações de moradores, estudantis etc.

Porém essas características do anarquismo podem levar algumas pessoas a certos equívocos. Há quem ache que, pelo fato de o anarquismo ser antidogmático e não ter uma rigidez teórica absoluta, qualquer pessoa que se diga anarquista o é de fato. Isso é errado. Como o anarquismo se originou de noções das classes oprimidas em revolta contra a opressão, construções teóricas alheias à questão da emancipação da classe trabalhadora não podem ser chamadas anarquistas, por mais que seus formuladores se autointitulem como tais.

Outro equívoco mais ou menos freqüente é considerar que basta a cada um tentar mudar a si próprio, de forma isolada, para que estejamos contribuindo efetivamente para a

Page 195: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

anarquia, promovendo a ética libertária. Ora, apesar de buscar aprimoramento individual já ser algo benéfico, é justamente a associação que nos faz fortes e não há por que renunciarmos a ela, nos isolando e dando força a nossos opressores. O anarquismo não pode ser entendido apenas como um estilo de vida que aproveita o máximo as liberdades possíveis hoje. Ele tem que constituir também uma luta efetiva contra todos os opressores, visando à destruição do capitalismo e a construção de uma nova sociedade. Esta luta só tem real possibilidade de êxito se travada pelo povo associado.

Porém não devemos apenas nos associar em sindicatos, grêmios estudantis, associações de moradores etc. A atuação em todos esses âmbitos é necessária, pois temos que estar sempre presentes nas lutas populares concretas por melhorias sociais. Mas é preciso também que existam organizações especificamente anarquistas. É nelas que podemos, em conjunto, traçar planos de ação que conduzam à obtenção de nossos objetivos, evitando a dispersão de esforços que uma atuação desarticulada poderia acarretar.

Os coletivos de estudos anarquistas são imprescindíveis. É através deles que muitos tomam conhecimento do anarquismo e permitem que muitos descubram no socialismo libertário uma ferramenta de luta por uma sociedade mais justa.

Não basta, no entanto, a existência de círculos de estudo para que os ácratas se considerem organizados

Page 196: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

construtivamente em prol da anarquia. É imprescindível o engajamento em federações anarquistas, ou outro nome que queira se dar a tais organizações especificamente libertárias. O que é preciso ter claro é que tais grupos tenham métodos de atuação compatíveis com a ética libertária, respeitando todos os demais indivíduos e organizações anarquistas, mesmo as que optarem por adotar outros pressupostos teóricos, métodos deliberativos e formas de intervenção social.

Apoio mútuo: solidariedade à Aldeia ImbuhyPor Winter Bastos

A Aldeia Imbuhy é uma comunidade de pescadores fundada no século XIX entre os bairros de Piratininga e Jurujuba, em Niterói (RJ). A permanência da comunidade no local tem relevância ecológica, social e histórica: Ecológica porque a comunidade vive em perfeito entrosamento com o ambiente natural há mais de um século, ao contrário do tipo de empreendimento que forasteiros querem impor na região; importância social porque lá residem famílias que se tornariam sem-teto se expulsas do lugar; relevância histórica pelo fato de a comunidade fazer parte da memória do município e de lá ter sido bordada a primeira bandeira nacional do país (por Dona Flora Simões de Carvalho).

No final do século XIX, o exército pediu permissão aos

Page 197: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

moradores para ocupar a Ponta do Imbuhy. Os pescadores, gentilmente, deram a permissão e hoje estão sendo ameaçados de expulsão por esse mesmo exército que quer ceder a área para uma empresa estrangeira construir um hotel de luxo.

Não podemos nos calar diante dessa atrocidade que – para gerar lucro astronômico a uns poucos – ameaça o meio ecológico e a vida de dezenas de trabalhadores.

Em Niterói circula um abaixo-assinado pela permanência dos moradores e no Orkut há uma comunidade “Em defesa da Aldeia Imbuhy”. É importante mantermos vivo o apoio mútuo, nos solidarizando e até estando presentes para ajudarmos os pescadores na resistência a uma eventual tentativa de expulsão.

Apoio: * O Berro (fanzine) - [email protected]* INVERSO&AOCONTRÁRIO (blog) – inversoeaocontrario.blogspot.com* Comunidade Editoria (projeto jornalísticoantropologosocial) –comunidadeeditoria.blogspot.com * Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ) - www.farj.org* Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD.RJ) – mtdrio.wordpress.com.

Page 198: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Atrocidades americanas não poupam ninguémPor Winter Bastos

Quando invadiu o Afeganistão em 2001, o presidente dos EUA afirmou estar numa guerra do bem contra o mal. Bush estava certo em qualificar o Talibã como um mal, mas o fato é que o Estado norte-americano encontra-se muito longe de ser algo minimamente bom.

É terrível que tenham morrido cerca de cinco mil pessoas no ataque às Torres Gêmeas (World Trade Center) em 11 de setembro de 2001, mas é 20 vezes mais abominável que tenham morrido mais de 100 mil civis japoneses no ataque nuclear estadunidense a Hiroshima e Nagasaki. Igualmente horrível foi a ofensiva que a força aérea americana batizou de “Grand finale”, em que mil aviões bombardearam alvos civis japoneses em 14 de agosto de 1945, mesmo depois da rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial. Junto com as bombas que matavam a população japonesa (que nada tinha a ver com os atos de seu governo) eram jogados panfletos que diziam: “O Japão rendeu-se”.

Outra barbaridade foi o bombardeio a Tóquio em 10 de março de 1945. Primeiro lançaram óleo em forma de gel, depois, napalm. O napalm para bloquear o rio, a fim de que as pessoas não pudessem chegar a ele. Quem tentou saltar na água simplesmente queimou até à morte, porque ela estava fervendo. Estima-se que os soldados americanos tenham

Page 199: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

matado, só dessa vez, de 80 mil a 200 mil seres indefesos. Porém não foi apenas o Japão a ser atacado pelos

Estados Unidos. O governo americano já bombardeou Belgrado, Bagdá, Vietnã, Coréia do Norte, além de ter apoiado ditaduras sangrentas na África, América do Sul e Indonésia. Quando perguntada, lá pelo final do século 20, sobre o meio milhão de crianças mortas em virtude da política externa americana, a então secretária de Estado Madelleine Albright disse: “É um preço alto, mas estamos dispostos a pagá-lo”.

São milhares e milhares de mortos a troco de quê? Os EUA dizem que fazem isso pela democracia, e o Talibã afirma que o faz por Deus. Mas o fato é que ambos lutam por dinheiro e poder.

Por que não se opta pela paz? Ora, porque a guerra é muito mais rentável para os governos, apesar de sempre terrível para a população. A guerra é um investimento financeiro em que só o povo sai perdendo. E este povo, em vez de agitar bandeiras em honra de seus opressores, deveria atirá-las de vez ao fogo num repúdio total aos nacionalismos e às guerras. A conquista da paz passa, necessariamente, por uma mudança nas estruturas de poder que acabe com toda e qualquer forma de imperialismo cultural, econômico, político ou militar.

Page 200: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

40 anos da sexta-feira sangrentaPor Winter Bastos

“A revolta é a nobreza do escravo” (F. Nietzsche)“Não somos a inundação da barbárie, somos o dilúvio da justiça”(Manuel Gonzales Prada)

Muita gente por aí diz que o brasileiro não é de nada, que o povo é pacato demais, aceita tudo feito cordeirinho. Será mesmo? Você, caro leitor, já ouviu falar na sexta-feira sangrenta? Pois foi um dia que entraria para a história pela pela intensidade das manifestações de rua em 1968. Onde? Não, amigo, não foi em Paris. O maio de 68 brasileiro caiu em junho e não foi só na sexta-feira 21. .

O povo estava farto de assistir aos desmandos da ditadura instituída pelo golpe militar de 1º de abril de 64, desmandos que incluíam censura, assassinato, prisão arbitrária, tortura, agressão a estudantes, operários, atores etc. Durante um protesto estudantil em 21 de junho de 1968 no centro da cidade do Rio, o povo – não só os estudantes – resolveu revidar: simplesmente cansou de apanhar e decidiu partir para cima dos repressores. Apedrejaram o consulado dos Estados Unidos, que dava apoio aos milicos brasileiros. Populares lutaram contra a polícia com paus, pedras, e, também do alto

Page 201: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

dos edifícios, jogando garrafas, cinzeiros, vasos com flores, tampas de latrina e até uma máquina de escrever. Foram erguidas barricadas em plena Avenida Rio Branco e também pelas ruas México e Graça Aranha. “O povo tomou partido”, escreveu José Carlos Rodrigues em matéria ao Jornal do Brasil na época. .

Mesmo armados e com um efetivo bastante numeroso, policiais da ditadura se borraram, apavorados. No livro “1968: O ano que não terminou” (Editora Nova Fronteira), Zuenir Ventura escreveria: “Nessa tarde, a infantaria da PM teve medo de entrar na Avenida Rio Branco. Os poucos que se aventuraram esconderam-se logo sob as marquises. A única força a entrar foi a cavalaria, mas os cavalarianos não esconderam o medo”. O exército cogitou até pôr tanques de guerra em pleno centro do Rio, dá para imaginar? .

Esse não foi o único episódio de efetiva resistência popular à ditadura. Houve vários. Outros protestos contra o regime militar já haviam acontecido com manifestantes usando rojão, coquetel molotov, virando carros oficiais e empurrando-os até o meio de grandes avenidas. .

Em diversos períodos históricos, a população também já se insurgiu contra a opressão. Existiram levantes populares ao longo de toda a história do Brasil, desde a invasão desse território pelos portugueses em 1500, só que imprensa burguesa e historiografia oficial não dão destaque a nada disso. A grande mídia quer vender a idéia de que aqui é terra do oba-oba, da

Page 202: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

bitolação. Querem que a gente aceite isso e fique se entorpecendo com a alienante cultura de massa. Tem uma canção que diz: “Carnaval, futebol/ Não mata, não engorda e não faz mal”. Será mesmo?

Palavra e açãoPor Alexandre Mendes

Hoje em dia, são poucas pessoas que buscam reproduzir seus pensamentos em palavras que se eternizam nas sólidas folhas de papel e blogs da internet. O pequeno livreto, intitulado “Palavra e Imagem”, de Eduardo Marinho, sintetiza poesia, realidade social e natureza humana. O lema “sensibilizar, esclarecer, conscientizar”, na contracapa, resume a obra. Os desenhos são objetivos, no que se refere aos assuntos tratados. Uma das poesias de que mais gostei vem a seguir.

A entrada e a saídaPor Eduardo Marinho

O contrário de morte não é vida;a morte dura apenas o momentode passar pela porta de saída.

Page 203: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

A vida é o intervalo, a temporadaque começa ali na porta de entradae atende pelo nome nascimento.Contrário mais exato é nascimento,um espaço no tempo é o que é vida,o momento integrado ao movimento.Aprender, ensinar, plantar, colherpassar por se alegrar e sofrerenquanto se aproxima da partida.Irrealidades da nossa realidade, apoiadas na cultura do consumopossuir, ostentar, desfrutar facilidade;e pouco de verdade se alcançar, enfim,como se bastasse se viver assim,possuir o mundo e seguir sem rumo.

Essência que nos une Por Renata Machado Seti Rodrigues

(www.indiosonline.org.br)

Nossa essência nos une ao espírito grande (Anga-açú), no espaço, tempo e pensamento. Nossa alma é como a luz que brilha no Sol ,nas Estrelas e na Lua. A cada respiração a magia da vida nos conecta a todos os

Page 204: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

seres, nesse momento nosso coração não pertence apenas a nós, mas a toda humanidade.Quando nosso coração está aberto a mãe terra e todos seus filhos, flutuam unidos com os mais belos sentimentos existentes, pois ficamos em sintonia com toda beleza que vem da grande fonte de vida. O ciclo de cada existência é como a vida de uma árvore, desde o início de suas raízes. Quando se perde parte das raízes, a árvore jamais volta a ser o que era antes, assim como o ser humano que esquece sua essência, mascarando sua verdadeira face , esquecendo que na vida ele não é dono de nada e sim parte do todo. A terra que pisamos não é nossa e sim parte do que somos, cuidamos dela e ela cuida de nós.

Sua gaiola foi feita sob medida para vocêPor Renata Machado Seti Rodrigues

Respirar na sociedade, pode ser como cantar em uma gaiola em que você o pássaro capturado na natureza, primitivus et ingennus, se encontra aprisionado em um espaço limitado e

Page 205: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

toda vez que tenta bater as asas, acaba batendo nas artificiais grades que te ferem e perturbam.A barreira entre a grade e a liberdade, não é longa, porem sua gaiola foi feita sob medida para você.Toda vez que ousar fugir do destino que aquele que te capturou destinou a ti, perceberá que seu instinto está em um processo de adestramento.

Uma quantidade acumulada de excitação e o sentimento de repressão, vão estar presentes a cada sensação.O entretenimento é você na gaiola, seu dono coloca água, comida, limpa a sujeira do dia a dia e você paga a estadia cantando.Olhares esperam que os entretenha e divirta.Seu canto é a lembrança da liberdade, a forma que muitas vezes se desliga da angústia, seu canto é sua liberdade de expressão.

Sorria, você é mais um na concentração do controle das consciências humanas, sociedade unidimensional da irracionalidade racional.Ela administra seus prazeres e necessidades, fabrica sua fome de consumo, enquanto tua autonomia é assassinada e tua mente violentada. Dominado e doutrinado é o olhar amordaçado que agora olha as estrelas, olhar insaciável, que ao mesmo tempo que busca sente medo de ser livre, se prende a conceitos e preconceitos.

O retorno a liberdade é o sonho daquele que um dia foi capturado em seu estado primitivus et ingennus, onde veritas habitat in interiore homine e a vida flui como uma forte chama na consciência, que se auto descobre na catarse.

*Primitivus et ingennus – Primitivo e nascido livre

Page 206: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

*Veritas habitat in interiore homine – Verdade habita no interior do homem

Soneto dos feixesPor Aline Naue

De estruturas alguns feixes de ondasInspiram-se quanto aos contornosMas em geral as que seguem modasSão as construções, sem adornosOs feixes não tendem a imitaçõesSempre trazem novas visões, planosConforme forem as comparações,milênios valerão menos que anosEles são como alusões e inspiraçõesà mostra expostas na naturezaPor conhecimentos de reflexõesAo homem vêm novas luzes entãoNo ver feixes aprendendo delese pondo-os em qualquer dimensão

Page 207: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

PoemaPor Aline Naue

Indo à morte, matizes mórbidasSem crer no amanhã sem ter do dia o pão

Nem porquê nem amor em suas vidas

Nem arte ou cor, elas nem vidas sãoTons efêmeros, nuances pálidasNum painel epitáfio sem donoNinguém sabe suas glórias cálidasEles voam sem o direito a terem sonoMas não há dor tampouco sensaçãoQuando o propósito é afogadoNo mar vazio de toda a multidãoQue esvoaca e queima no fogo infernal

Todo o sonho restante está em chamas

tudo apagado e enterrado é normal

Page 208: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Comemorações: um bate-papo cabeça dos neurônios Tico e Teco no botequim.

Por Aline Naue

Tico: Usando as mesmas palavras do mais que brasileiro, grande Cazuza, vou dizendo... “ eu não tenho nada pra comemorar, às vezes os meus dias são de par em par... procurando uma agulha no palheiro”.

Teco: Ah, mas você não está vendo aí tantas festanças?! Qual brasileiro não se comove por elas? Vamos lá! Agora é o mês da nossa amada pátria salve, salve!!!

Tico: Claro que me comovo! Até demais, só acho revoltante nossa história, nossa história, nosso passado falso, nossos pseudo-heróis... nossas comemorações das vindas de invasores colonizadores e etc., milhões de etc.Teco: E daí?! Nosso povo tem o dom do otimismo... até mesmo os chutes que levamos na poupança nos levaram para a frente!Tico: Só se for pra frente da sarjeta do 3° mundo, hahahah. Mas, pensando bem, acho que o passado não deixa de guardar algo que possamos dizer digno de comemorar.Teco: Pois é, concordo com você... sei que às vezes nossa gente festeja até demais e isso pode ser sinal de ingenuidade. Ainda assim, penso que ela acerta nisso muitas vezes.

Tico: Ah, sim mas com uma credulidade cega e desenfreada nos que fazem as “coisas acontecerem”, nos governos, nos possuidores de algum poder na sociedade...Simplesmente por

Page 209: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

tirar total essa credulidade delas mesmas...Teco: É cara, porém precisamos desencanar e esquecer esse caos todo pra podermos “sobreviver”!!! Tico: Óbvio! Mas não quero viver satisfazendo-me apenas de pão e circo, quero muito mais! A minha náusea, indignação não é só visceral assim não sacou? Eu até concordo em comemorar essas paradas aí sim! ... Pelo ano da França no Brasil, por exemplo...tudo isso. Mas tenho algo no meu peito que não posso ignorar e que me põe os pés no chão ao mesmo tempo!Teco: Ora, ora... o que te faz ficar com os pés no chão? A falta de calçados? Tamo pobre sim, mas não pé-rapados ainda !!! Hahahah

Tico: Eu não ri em!! Falo do fato de saber Teco: Ah Ticoooo, esses gringos sempre foram um bando de

oportunistas mesmo. O que manda no mundo sempre foi a grana e sempre fomos os “comandados” de fato. Mas tem um lado bom cara, imagina as descendentes de portugueses, franceses... Ainda são tão atraentes!Tico: Bah, a caninha 51 tá te fazendo mal mesmo, hein?! Hahahah vambora agora... jááá!!!

Page 210: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Biografia - Woody AllenPor Tânia Roxo

Allan Stewart Königsberg é o verdadeiro nome de Woody Allen, de pais de origem judaica e avós imigrantes judeus, de origem alemã. Além de cineasta e ator Allen é também escritor, roteirista e clarinetista de jazz. De comportamento excêntrico, Woody prefere tocar jazz com sua banda, New Orleans Jazz Band, do que viver na badalação do mundo do cinema.

Costuma-se dizer que os filmes de Allen são mais aceites na Europa do que nos Estados Unidos. Provavelmente, isso deve-se ao facto de que assim como muitas outras crianças de famílias de imigrantes, ele incorporou muito mais elementos europeus do que americanos à sua sensibilidade, apesar de ser o mais nova-iorquino dos realizadores.

Fonteshttp://educacao.uol.com.br/biografias/woody-allen.jhtm http://portalcinema.blogspot.com/ http://www.adorocinema.com/

filmes 2009 - Tudo Pode Dar Certo 2008 - Vicky Cristina Barcelona 2007 - O Sonho de Cassandra

Page 211: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

2006 - Scoop - O Grande Furo 2005 - Ponto Final - Match Point 2005 - Melinda e Melinda 2003 - Igual a Tudo na Vida 2002 - Dirigindo no Escuro 2001 - O Escorpião de Jade 2000 - Trapaceiros 1999 - Poucas e Boas 1998 - Celebridades 1997 - Desconstruindo Harry 1996 - Todos Dizem Eu Te Amo 1995 - Poderosa Afrodite 1994 - Don’t drink the water 1994 - Tiros na Broadway 1993 - Um misterioso assassinato em Manhattan 1992 - Maridos e Esposas 1992 - Neblina e sombras 1990 - Simplesmente Alice 1989 - Crimes e Pecados 1989 - Contos de Nova York 1988 - A outra 1987 - Setembro 1987 - A Era do Rádio 1986 - Hannah e Suas Irmãs 1985 - A Rosa Púrpura do Cairo 1984 - Broadway Danny Rose

Page 212: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

1983 - Zelig 1982 - Sonhos Eróticos Numa Noite de Verão 1980 - Memórias 1979 - Manhattan 1978 - Interiores 1977 - Noivo Neurótico, Noiva Nervosa 1975 - A Última Noite de Boris Grushenko 1973 - O Dorminhoco 1972 - Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo

mas tinha medo de perguntar 1971 - Men of Crisis: The Harvey Wallinger Story 1971 - Bananas 1969 - Um assaltante bem trapalhão 1966 - O que é que há, gatinha?

Mulheres contemporâneas e intensidades latentes

Por Anita Rink

Após a leitura do texto “Radical, Chic e Choc”, de Carolina Isabel Novaes, publicado no jornal “O Globo”, decidi desenvolver suas idéias. A autora escreve sobre um novo tipo de mulher dos modernos centros urbanos, que ela classifica de “mulher trif sica”. Esta inicialmente poderia ser comparada comį um tipo de mulher bipolar, extremamente intensa nas suas

Page 213: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

caracter sticas emocionais. Segundo a Psicologia, o Transtornoķ Bipolar Obsessivo vem a ser uma perturba o afetiva. ēć

A pessoa diagnosticada de bipolar pode se sentir incrivelmente bem num momento como se n o houvesse limitesć em sua enorme capacidade energética: muitas idéias, planos e conquistas. Mal encerra uma idéia, j t m muitas outras porį ź dizer e executar. Em outros momentos, esta mulher pode se aborrecer para valer, e depois esquecer de sua zanga com a mesma facilidade com que se aborreceu. Para a autora a mulher trifásica seria uma pessoa com características bipolar, porém, em vez de alternar os humores, ela teria três tipos de humores simultâneos. Poderíamos exemplificar essa energia intensa como cargas elétricas.Essa mulher receberia e emitiria as três cargas elétricas incessantemente. Uma mulher trifásica de grande intensidade pessoal também pode ser compreendida como uma pessoa que tenha diferentes tipos filtros atuando simultaneamente e se interpondo entre essa intensidade emocional e o mundo.

Observando pelo prisma da Psicologia Analítica Junguiana, estas emoções intensas poderiam ser relacionadas aos complexos. Segundo Carl Gustav Jung, médico e fundador da Psicologia Analítica, os complexos seriam um agrupamento de sentimentos, pensamentos, percepções e memórias de carga emocional acentuada. Para Jung os complexos não são negativos em si, ainda que, dependendo da pessoa e da situação vivida, seja possível que ocorram eventos bons ou

Page 214: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

ruins, agradáveis ou desagradáveis quando esses complexos forem ativados. Quando um complexo irrompe na consciência, fortes emoções interferem no equilíbrio psíquico e perturbam as costumeiras ações do sujeito.

O fato de percebermos três tipos de humor ao mesmo tempo também poderia ser visto como diferentes complexos atuando simultaneamente. Desta forma quando a intensidade emocional desta mulher chega a um pico, algo ou alguém pode involuntariamente provocar um transbordamento da mesma. Segundo Carolina Isabel Novaes, certos fatores podem transformar esse tipo de mulher em uma “mulher-bomba”. No livro de Luciana Pessanha, Como montar uma mulher bomba, a autora afirma que só há uma “mulher-bomba” se houver um homem detonador. Pergunto-me se os modos desta mulher se relacionar consigo mesma também poderiam ser fatores de montagem desta “bomba humana”. Por que sempre culpar os homens ou um único fator por uma mulher ser considerada uma “mulher-bomba”? Será que uma mulher propensa a explodir não tem escolha? Será verdade que alguns homens podem se transformar em elementos da montagem? Acredito em formas mais saudáveis de se refletir sobre os aspectos trifásicos deste tipo de mulher atual.

Quando uma mulher se percebe com esse tipo de perfil, seria interessante usar essas características a seu favor. Para que isso ocorra, deve-se desenvolver estratégias para transformar essa intensidade emocional em ações criativas. É

Page 215: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

um caminho possível para mulheres com esse perfil. No texto Radical, Chic e Choc, Carolina Isabel Novaes comenta que a mulher trifásica, pode ser simultaneamente uma mulher madura, aventureira e romântica. Podemos imaginar ainda outras características de temperamento coexistindo na mulher trifásica: caótica, determinada, irritada, suave, etc. Não consideramos uma mulher trifásica portadora do Transtorno Bipolar Obsessivo, mesmo que uma mulher, com esse perfil, possa ter dificuldade de lidar consigo mesma. A Arteterapia, como método terapêutico, pode ser um coadjuvante no processo de elaboração pessoal. A abordagem inclui uma grande variedade de técnicas que possibilitam ativar o corpo e a expressividade individual.

A Arteterapia propicia a ativação de processos imaginativos que mobilizam a capacidade de auto-regulação da psique. As vivências tendem a equilibrar o paciente e estimular sua criatividade.Ter uma alta intensidade emocional muitas vezes exige atenção e reflexão da pessoa para consigo mesma, caso ela queira transformar essa energia em algo produtivo. Também é importante que a mulher possa desen-volver modos mais genuínos para fazer suas escolhas. Um caminho possível para mulheres com esse perfil seria transformar essa intensidade emocional em ações criativas: dançar, fazer caminhadas, ouvir música, etc. Não há receitas prontas; Cada pessoa é capaz de descobrir aquilo de que precisa para escoar essa energia intensa. Nem toda mulher das grandes cidades

Page 216: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

tem o perfil que chamamos de trifásico, porém o fato de alguém identificar em si esse tipo de intensidade pode ser um presente. Essas pessoas têm um grande potencial de criatividade. Aprender a lidar com a própria intensidade pode ser o primeiro passo para que a mulher se torne capaz de produzir novos significados para sua existência, adquirindo modos próprios de estar no mundo.

O ditador, a menina travessa e o fotógrafoPor Francisco Bragança

Fonte: jornal O Tempo de Belo Horizonte.O ano é o de 1979; a cidade é Belo Horizonte; o

fotógrafo, Guinaldo Nicolaevsky, e os personagens são: General João Figueiredo (último governante da ditadura militar, período de 1979 a 1985) e uma garotinha anônima.

Hoje em dia um grupo de pessoas está mobilizado para achá-la e relembrar uma atitude infantil que resultou numa foto lendária para a história do fotojornalismo brasileiro. O Presidente João Figueiredo estava na capital de Minas Gerais para o lançamento do primeiro carro a álcool que circularia pelas ruas de BH. Um grupo de crianças foi levado ao Palácio da Liberdade – sede do governo mineiro - para que, em uma daquelas demagogas estratégias de marketing, a autoridade em questão pudesse cumprimentá-las. Como não existe e nunca

Page 217: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

existirá ditadura que cerceie o espírito infantil, uma menina simplesmente resolveu continuar de braços cruzados enquanto o Presidente do Brasil lhe estendia a mão, e ainda esboçou um sorriso de quem sabia que estava cometendo uma travessura histórica.

O fotógrafo Guinaldo Nicolaevsky, que estava de plantão no local, assim como boa parte da imprensa nacional, não hesitou em posicionar sua câmera e disparar um clique para imortalizar a cena. Depois correu para redação do jornal, revelou e enviou a foto para o Rio de Janeiro. Para sua surpresa os jornais cariocas não publicaram a foto e mais tarde foi ameaçado de demissão caso não entregasse o fotograma. A saída era uma atitude comum, que alguns profissionais tomavam a respeito de material censurado: enviar para o exterior. Lá a foto teve grande destaque.

Atualmente o blog Pictura Pixel (www.picturapixel.com/blog), dedicado ao universo da fotografia, lançou uma campanha para achar a protagonista da história que deve ser uma mulher na faixa dos 40 anos.

Quem puder colaborar é só entrar em contato com o blog: [email protected] Tel.: (31) 2101-3924.

Page 218: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Falta informação para a doação de medula óssea

Por Francisco Bragança

Assim como eu, antes de me tornar um doador, a maioria dos leitores não deve ter conhecimento sobre o processo para doação da medula óssea. Com a falta de informação nos veículos midiáticos, muitos podem até associar o ato humanista a algum sacrifício relacionado a uma cirurgia complexa, à amputação de órgãos e procedimentos do gênero.

Lendo jornais do estado de Pernambuco, me deparei com matérias pouco esclarecedoras e aprofundadas sobre o HEMOPE (hemocentro de Recife) e sua atividade sobre a doação do material em questão. Achei curioso e resolvi acessar o site do HEMORIO para pesquisar sobre o tema. Anotei o telefone para informações e descobri que poderia agendar uma palestra para saber mais da campanha e poder escolher fazer meu cadastro de doador.

Numa segunda-feira pela manhã, estavam agendadas quatro pessoas para a palestra em uma das salas do HEMORIO, só compareceram eu e mais uma mulher que tinha um aspecto humilde e aparentava ter por volta de 40 anos. Fomos recebidos por uma assistente social, ela nos informou que assistiríamos a um vídeo e depois esclareceria nossas dúvidas. O vídeo institucional tem a duração de mais ou menos

Page 219: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

15 minutos, é apresentado pela atriz Cissa Guimarães e seu conteúdo é composto por depoimentos de doadores e explicações de médicos especialistas.TÓPICOS ESCLARECEDORES:Medula óssea – é o tecido que produz as células do sangue.

Quem necessita receber medula óssea – quem sofre de aplasia de medula, leucemias, anemias, linfomas, mieloma, entre outras doenças hematológicas.Habilitação para ser um doador – qualquer pessoa saudável entre 18 e 55 anos. Após assistir a palestra e optar por ser doador, será coletada uma amostra para a tipagem do Sistema HLA (Antígenos de Histocompatibilidade). O voluntário será cadastrado no REDOME e poderá ser chamado para doação de medula óssea quando seu Sistema HLA for compatível com o do paciente que necessita do transplante.

REDOME - Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea.Compatibilidade – atualmente a probabilidade de se achar um doador compatível com o receptor no Brasil é de 1/100 mil e no mundo de 1/1 milhão.Processo de doação – descoberta a compatibilidade dos Sistemas HLA entre doador e receptor, o primeiro será convocado pelos responsáveis pelo REDOME para uma bateria de exames. Se for constatado que o voluntário encontra-se com

Page 220: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

boa saúde, o médico especialista fará a avaliação para a melhor forma de doação. A primeira maneira dá-se através de uma injeção acima da região glútea para retirada de 600 a 700ml de medula óssea, depois o doador permanecerá durante um dia no hospital e, após sua liberação, em cinco dias sua medula estará reconstituída. Numa segunda situação, o processo é feito através de coleta de células.HEMORIO – Rua Frei Caneca, Centro, Rio de Janeiro.www.hemorio.rj.gov.br - 0800 - 2820708

Excelentismo de profissional, impotência de ser humano

Por Francisco Bragança

O Sudão é o maior país da África, com aproximadamente 2,5 milhões de km² de extensão e está localizado na região nordeste do continente. Seu território é cortado pelo rio Nilo e seus afluentes, a capital Cartum é localizada às margens do Nilo, e sua economia baseia-se na agricultura de subsistência que é desenvolvida segundo técnicas milenares de irrigação e plantio, tendo o algodão como principal produto de exportação.

Em 1956 o Sudão torna-se oficialmente independente livrando-se da dominação do Egito e Reino Unido que perdurava desde 1899. A partir de então o país enfrenta

Page 221: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

conflitos políticos, religiosos e uma guerra civil que já matou cerca de 2 milhões de pessoas. O conflito se dá entre os árabes mulçumanos do norte – grupo majoritário - e os negros do sul, em sua maioria cristãos e animistas (adeptos de religiões tribais). A guerra prejudica a agricultura e acarreta à população muita fome.

No ano de 1989, o general Omar Hassan al-Bashir assume o poder através de um golpe de Estado e adota um discurso mais incisivo contra os rebeldes do sul. Na década de 90, através de ofensivas do governo, há o isolamento de milhares de refugiados que culmina na morte de 600 mil pessoas por falta de alimentação. Nesse período o fotógrafo sul-africano Kevin Carter, do clube do Bangue Bangue – grupo de fotojornalistas que cobriam conflitos na África do Sul, chega ao Sudão com a intenção de documentar os movimentos rebeldes.

Numa de suas expedições, Carter encontra uma criança subnutrida tentando com sacrifício rastejar até um campo de alimentação da ONU. No instante há um urubu próximo esperando para dar o bote e se alimentar da escassa carne da menina faminta. O fotojornalista faz seu enquadramento, ajusta a lente e dispara o obturador, registrando a cena. Logo em seguida, fustiga o animal e abandona o lugar.

A foto é publicada no The New York Times, em 26 de março de 1993, e gera inúmeras cartas e ligações de populares se manifestando em relação ao paradeiro da criança

Page 222: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

(desconhecido) e a atitude do fotógrafo de sair do local após conseguir a imagem. Em 1994, Kevin Carter fatura o Pulitizer Prize for Feature Photography, uma das premiações do mais importante prêmio de jornalismo mundial.

Dois meses após a premiação, aos 33 anos, no auge de seu reconhecimento profissional, atormentado pelas imagens da guerra, pela culpa gerada por críticas e por problemas pessoais, Carter dirige até perto de um rio, onde brincava na infância, coloca a extremidade de uma mangueira no cano de descarga de sua picape e a outra extremidade na cabine, e assim provoca sua morte por asfixia pela inalação de monóxido de carbono.

Depois de sua morte, alguns colegas de profissão vieram a público defender o fotógrafo ressaltando seu profissionalismo. Segundo eles os fotógrafos eram orientados a não tocar em pessoas sob o risco de contagio de doenças. Em 1996, a banda galesa Manis Street Preacheras lança a canção Kevin Carter, ironizando o comportamento do fotojornalista, e sobre o tema temos também a ficção Amor Sem Fronteiras (de 2003) e o documentário A Morte de Kevin Carter: O Desastre do Clube Bangue Bangue (de 2006).Kevin Carter:“Um homem ajustando suas lentes para tirar o melhor enquadramento do sofrimento dela, talvez também seja um predador, outro urubu na cena.”

Parte da carta de despedida de Carter: “Eu estou depressivo…sem telefone…dinheiro para o aluguel…dinheiro para

Page 223: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

o sustento das crianças…dinheiro para as dividas…dinheiro! Eu estou sendo perseguido pela viva memória de matanças, cadáveres, cólera e dor…pelas crianças famintas ou feridas…pelos homens loucos com o dedo no gatilho, mesmo policiais, executivos assassinos…”

Os editais de fomento incentivam a diversidade de inscrições?

Por Francisco Bragança

Venho, por meio deste singelo texto, contestar todo um processo de afirmação dos editais de fomentos e incentivo à cultura desenvolvidos por órgãos do Poder Executivo nas esferas municipais, estaduais e nacional. O Executivo age como se estivesse prestando um favor para os artistas e produtores culturais. E nada mais justo e coerente que o dinheiro público financie projetos culturais que são a expressão de um povo em busca de uma identidade, e isso permeia o campo social, político e econômico.

Está certo que hoje em dia podemos contar com esse recurso, que em tempos passados foi escasso, desorganizado, corrompido e até mesmo nulo para algumas expressões artísticas. Mas não devemos nos dobrar a um discurso político que é utilizado como marketing para futuras eleições. Os editais são coerentes, esclarecedores, ou atraentes para quem

Page 224: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

pretende concorrer? Isso é discutido? Quem participa das decisões?

Escrevo sobre o assunto por que deparei com uma situação que considerei completamente irrelevante e desnecessária. Na primeira etapa (seleção) do edital de fomento da Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro 2009, os editais voltados para o audiovisual, teatro, dança, entre outros, cobravam um documento contendo a numeração do CPF e RG de todas as pessoas envolvidas nos projetos. Caso os projetos não apresentassem a tal documentação, seriam considerados inabilitados. Qual a importância dessa numeração em projetos concorrentes que não serão contemplados? Para os selecionados é aceitável tal exigência, agora, para os concorrentes isso soa como falta de profissionalismo, falta de maturidade, “burrocracia”. Ou será que tem mais coisas por trás?

Os editais e seus processos de seleção são muitas vezes confusos, contraditórios, pouco esclarecedores. Essas características acabam criando efeito inverso do incentivo em pessoas que não conseguem compreender com exatidão o documento na íntegra ou não concordam com a proposta de determinados itens.

Não estou aqui para negar que o poder público incentiva, com seus financiamentos, a área cultural e isso tem peso extremamente relevante. Mas será que incentiva mesmo as diversas inscrições e concorrências? Basta analisarmos uma

Page 225: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

variedade de editais para constatarmos que há uma intensa repetição dos contemplados e isso perdura até que mais repetições sejam iniciadas.

Os editais de fomento e incentivo à cultura têm de ser pensados e esboçados através de discussões com entidades da classe artística e de produtores. Os personagens que são interessados nos financiamentos têm de estar em diálogo constante com os órgãos de fomento, e a partir daí serem formatados os editais, de uma maneira mais consensual e justa.

Alegria com pé no chão e Céu na TerraPor Francisco Bragança

No final da década de 90 e início dos anos 2000 se deu a movimentação para o ressurgimento do carnaval de rua carioca em contraponto à milionária festa das escolas de samba do Grupo Especial. A iniciativa é um sucesso, podemos dizer uma coqueluche momesca. A cada ano, os blocos vão surgindo, juntando-se aos tradicionais. Alguns nonagenários como o Bola Preta, e acumulando uma legião de freqüentadores assíduos atingindo cada vez mais o status de populares.

O bloco Céu na Terra, apesar da pouca idade, pode ser considerado tradicional em razão de sua singularidade e da multidão fervorosa que o segue pelas belas ruas e ladeiras do bairro de Santa Teresa, sempre em dois desfiles. Uma prévia

Page 226: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

na manhã do sábado que antecede o primeiro dia carnavalesco, com os músicos acomodados no bondinho cedido pela Central dos Bondes recriando o Bonde Folia, e o segundo desfile uma semana depois só que desta vez marchando a pé sem o charmoso transporte. Nascido do Núcleo de Cultura Céu na Terra, que surgiu no ano de 2000 com uma montagem de Auto do Boi, organizada por Daniel Fernandes e um grupo de amigos, a produção inclui montagens em épocas específicas que garante apresentações durante o ano inteiro: Cantoria de Reis, Carnaval, Cortejo da Paixão, Boi, Festa Junina e Pastoril. Essa efervescência cultural que sublinha o folclore e as festas nacionais segmentou-se em: Orquestra Popular Céu na Terra, que em seus bailes executa arranjos de Pixinguinha e maxixes, choros, marchas, cirandas, frevos, maracatus; o bloco Céu na Terra movimentando o carnaval de rua; e as oficinas de flauta transversa, sax, violão, Pastoril, percussão, vivência de professores de música, percepção e canto coral.

De sua fundação em 2001, o Céu na Terra ganhou destaque por sua peculiaridade e é um dos mais “queridos” da cidade do Rio de Janeiro. Sua formação é composta por um número superior a 30 músicos distribuídos em trompetes, trombones, saxes, tubas, surdos, caixas, agogôs, ganzás, tamborins e mais cavaquinhos e naipes de acordeons dando um toque especial. O bloco é totalmente acústico e em seu repertório estão às clássicas e perenes marchinhas, além das autorais: Bloco Céu na Terra, Viva o Bonde, Penico de Bianca

Page 227: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Leão (que faturou o 2° lugar do concurso de marchinhas da Fundição Progresso em 2006), Milagre do Viagra (esta última de Homero, um dos compositores de Me Dá um Dinheiro Aí).

Segundo Jean Philippe, da coordenação geral, no início eram conhecidos como Pé no Chão Céu na Terra e depois o nome foi simplificado: “- É um nome que relaciona harmonicamente dois arquétipos teoricamente antagônicos ligados à natureza. Da mesma forma que relacionamos na nossa cultura popular o sagrado e o profano, para os chineses é a forma perfeita de equilíbrio sugerido no hexagrama Paz-T’ai e para os cristãos o ‘assim na terra como no céu’”.

Jean afirma que a organização sente a omissão de políticas públicas e enxerga uma saída na busca de apoios e patrocínios da iniciativa privada, com o intuito de reduzir o ônus do evento que sistematicamente vem sendo bancado por seus participantes, assim como sua sede, situada na Rua Oriente próximo à Taberna Diferent, em Santa Teresa.

Procedimento Operacional PadrãoPor Francisco Bragança

O documentário de Errol Morris foi selecionado para a programação do Festival do Rio de 2008 e chega em terras fluminenses com o status de vencedor do Urso de Prata (Grande Prêmio do Júri) em Berlim. O filme dá voz aos militares

Page 228: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

que foram punidos por torturas e maus tratos aplicados aos prisioneiros de Abu Ghraib, em 2003 no Iraque, quando os EUA cassavam o líder iraquiano Saddam Hussein.

Procedimento Operacional Padrão nos traz a história de registros fotográficos feitos por soldados norte-americanos que por descuido chegaram à mídia. O conteúdo das fotografias revela atos covardes e desumanos como por exemplo: uma militar sorrindo e fazendo sinal de “ok” ao lado do cadáver de um prisioneiro com sua face inchada de tanto apanhar; simulação de sexo oral entre prisioneiros do mesmo sexo; um iraquiano nu sendo arrastado através de uma coleira; entre outros.

Em sua introdução, Morris cria um espaço inexistente aonde centenas de fotos são lançadas em seqüência, dá ao expectador uma dimensão onírica do pesadelo real. O registro documental é todo baseado na análise das fotografias e no depoimento de militares envolvidos no caso. E para não trabalhar em tempo integral com imagens estáticas, o diretor produz cenas fictícias em cima dos relatos dos militares desenvolvendo um excelente trabalho de direção fotográfica assinado por Robert Chappell e Robert Richardson.

Os depoentes apóiam seus argumentos em questões pessoais e na própria estrutura hierárquica das forças armadas para justificar o injustificável. Mas a grande mensagem do filme diz respeito a jovens inexperientes (entre dezoito e vinte poucos anos), recém saídos da escola, que serviram de “bode

Page 229: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

expiatório” para uma instituição dita “democrática” e “protetora” legitimar abusos e violências. Entre todos os julgados e punidos com prisão, só se encontram praças (soldados, cabos e sargentos), com a única exceção da oficial - general rebaixada a coronel - Janis Karpinski que teve uma punição branda em relação a seus subordinados.

Procedimento Operacional Padrão ressalta a máxima popular que diz: “a corda sempre arrebenta pro lado mais fraco”. O documentário deixa claro que toda guerra é criminosa e que as instituições governamentais quando munidas de interesse próprio sempre usam e abusam de seus poderes tiranos contra o povo.

Tal Como Somos. Somos?Por Francisco Bragança

Não é necessário gastar muitas linhas para sublinhar que a programação da televisão aberta no Brasil é sofrível, pobre em seu conteúdo para quem gosta de exercitar o cérebro. Programas sensacionalistas,jornalismo corporativista e entretenimento vulgar.

Sem me alongar, mas para complementar as informações que explicitarei abaixo, posso dizer que existe um abismo cultural entre o Brasil e os outros países latino-americanos. Não digo que essa distância exista por causa das

Page 230: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

línguas (que são próximas e oriundas do latim), mas é um afastamento imensurável e sem ganhos para o povo. Como existem brasileiros que dominam a língua inglesa e não sabem nada do castelhano? Por que nos identificamos muito mais com os EUA e a França do que com o Chile e o México? Será que a mídia tem algo a ver com isso?

Na contramão dessa história, a TV Brasil iniciou em 29 de novembro a apresentação do programa América Latina Tal Como Somos (ou apenas TAL Como Somos). De segunda à sexta das 19h30min às 20h e aos sábados com uma hora de duração. São difundidos documentários produzidos pelo Canal 22 do México, TV Encuentro da Argentina, mais uma gama de emissoras e produtoras independentes de 21 países que formam a Televisão da América Latina – TAL.

Entre os temas abordados estão: arte, culinária, história de civilizações, cultura, turismo. Para primeira temporada estão reservados perfis de escritores reconhecidos como Mario Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Eduardo Galeano, Isabel Allende, Quino, entre outros, além de documentários sobre povos da Argentina, Bolívia, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Uruguai, Peru e Venezuela.

A cada dia é escalado um apresentador para introduzir e comentar o tema desenvolvido. Esse time é composto pela atriz Bárbara Garcia (A Escrava Isaura), pela roteirista Carolina Kotscho (Dois Filhos de Francisco), a atriz Eunícia Baía (Tainá – Uma Aventura na Amazônia), o artista plástico mexicano

Page 231: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Felipe Ehrenberg, a jornalista mexicana Lourdes Hernándes, o cineasta pernambucano Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus) e o jornalista, escritor e roteirista Marçal Aquino (O Cheiro do Ralo).

Ter acesso no Brasil à programação da TAL, em uma TV aberta, é uma excelente oportunidade de promovermos uma integração cultural e artística com povos que tiveram origem e história similares à nossa – seus ancestrais massacrados, suas terras invadidas, suas riquezas roubadas, seus direitos cassados – em detrimento do imperialismo cultural de potências econômicas que podem escravizar nossos corações e mentes.

Um circuito em (re)construçãoPor Francisco Bragança

O movimento cineclubista brasileiro – que começou em 1928 e anos depois foi sufocado pelas ditaduras nacionais - está passando por uma fase de reorganização para sua consolidação no cenário cultural.

O Tela Brasilis, cineclube carioca que começou com a vontade de estudantes de cinema da UFF em assistir parte dos filmes comentados nas aulas que não passavam nos cinemas e nem na televisão, que mais tarde tornou-se uma associação cultural promovendo seminários, cursos e oficinas, está empenhado nessa reconstrução junto ao CNC (Conselho

Page 232: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Nacional de Cineclubes). A associação Tela Brasilis, com parcerias, está promovendo o Circuito em Construção – Seminários Estaduais Para a Auto-Sustentabilidade Cineclubista, uma discussão voltada para estruturação e manutenção dos cineclubes nacionais.

Participei do Circuito em Construção de Recife nos dias 08 e 09 de maio, como representante do cineclube pernambucano Amoeda Digital, e irei relatar aqui como transcorreu o seminário. Este primeiro texto trata sobre o que aconteceu no dia 8 e na próxima edição de O Berro eu continuarei com o dia 9.

A primeira mesa de debates iniciou por volta das 9h30min sobre o tema “Autossustentabilidade dos cineclubes – experiência bem sucedidas e novas idéias, parcerias institucionais/leis de incentivo, formação e fortalecimento de redes locais”. Sua composição se deu com Antonio Claudino, presidente do Conselho Nacional de Cineclubes, Eduardo Ades, coordenador do Circuito em Construção e da Tela Brasilis, Frederico Cardoso, coordenador executivo do Cine mais Cultura, Hermano Figueiredo, coordenador da Rede Olhar Brasil e como mediador Gê Carvalho, presidente da Fepec (Federação Pernambucana de Cineclubes.

Gostaria de lembrar aqui que o tema autossustentabilidade se dá por conta da atividade cineclubista ser uma atividade sem fins lucrativos e sem remuneração para seus produtores. Grande parte dos cineclubes não cobram

Page 233: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

entrada e os que o fazem têm um preço simbólico para ajuda de sua manutenção. Frederico Cardoso ressaltou iniciativas de cineclubes do Rio de Janeiro como o Cachaça Cinema Clube que tem como apoiadores o Cine Odeon BR e a cachaça Claudionor. O do Beco do Rato firmou parceria com o bar homônimo e com isso aumentou a freqüência do estabelecimento. Antonio Claudino nos contou que através do apoio de papelarias, padarias e bares, funciona o cineclube que ele coordena, em Vila Velha no Espírito Santo. Claudino sublinhou também a importância da filiação ao CNC, tanto para o acesso ao acervo de filmes disponíveis, quanto para questões de legitimação e articulação.

A segunda mesa, já adentrado a parte da tarde, tratava do tema “A construção do movimento cineclubista em Pernambuco, sua auto-articulação e sustentabilidade”. Todos que compuseram a mesa da manhã juntamente com Alexandre Figueirôa, Doutor em Estudos Cinematográficos e coordenador do cineclube Revezes participaram dessa discussão. Gê Carvalho chamou a atenção para a importância da exposição de demandas dos cineclubes junto da federação pernambucana e os envios regulares dos relatórios das sessões, para mapear o desenvolvimento das células cineclubistas no Estado. Para encerrar as atividades do primeiro dia tivemos "Prática cineclubista orientada: como animar um cineclube". Gê Carvalho selecionou três curtas-metragens e promoveu uma votação para a escolha do filme que seria exibido e o escolhido foi Una Chant

Page 234: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

D?amour, de Jean Genet (França, 1950). Após a exibição, na conversa sobre o filme foram levantados temas como solidão no sistema carcerário, homossexualismo e abuso de autoridade. Na parte técnica foram ressaltados os aspectos da trilha sonora (vanguardista para época) e a atuação dos atores, todos oriundos do teatro e participando da primeira experiência no cinema (assim como o próprio diretor). Assim se encerrou o primeiro dia do seminário, na próxima oportunidade continuarei explanando o segundo e último dia.

Quem quiser adquirir mais informações sobre a movimentação cineclubista e o Circuito em Construção é só acessar o site do CNC: www.cineclubes.org.br

Page 235: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Desenhos

AnotaçõesEscreva aqui comentários, anotações, críticas, sugestões, e o que mais vier à mente. Se quiser, também pode enviar para o fanzine O Berro pelo e­mail [email protected] ou pelo blog www.umanodeberro.blogspot.com.

Page 236: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 237: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 238: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 239: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria
Page 240: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 241: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 242: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria
Page 243: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 244: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 245: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 246: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 247: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 248: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 249: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 250: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Capas

Anotações

Page 251: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 252: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 253: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 254: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 255: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 256: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 257: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 258: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 259: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 260: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 261: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações

Page 262: UM ANO DE BERRO - 365 dias de fúria

Anotações