1
GERAIS BELÉM, DOMINGO, 21 DE JUNHO DE 2015 GERAIS BELÉM, DOMINGO, 21 DE JUNHO DE 2015 PEDAÇOS DA HISTÓRIA arcos da cultura e da me- mória da população de Belém, prédios públicos históricos da capital enfrentam uma situação grave de abandono. Alguns deles guardam acervos preciosos ou são, por si só, peda- ços da história da cidade, mas es- tão fechados ou inacessíveis à po- pulação. O Memorial Magalhães Barata, em São Brás, é um exem- plo. O centenário Mercado de São Brás, a poucos metros dali, aberto e à espera de uma reforma estru- tural, é outro. O Solar da Beira, no complexo do Ver-o-Peso, alvo de uma ocupação de artistas no úl- timo mês, também expõe sinais de abandono e falta de cuidado. A situação se repete em Icoara- ci, com o chalé Tavares Cardoso, que abrigou a biblioteca pública municipal, com a antiga estação ferroviária e com o mercado do distrito. Se não estão com por- tões fechados, perecem ao tempo, dando a cada dia mais sinais de deterioração: acumulam entu- lho, lixo, ou servem como abrigo a moradores de rua, sem o cuidado que merecem como peças do pa- trimônio da cidade de Belém. Depois que os restos mortais do ex-governador do Pará Magalhães Barata (1888-1959) foram retirados do memorial erguido em nome dele, na praça da Leitura, em São Brás, em setembro de 2012, o lugar, que abrigava um museu com relí- quias e documentos sobre o polí- tico passou por uma limpeza, que parece ter sido a a última feita no prédio, fechado desde então. Ao ca- minhar pelo local, principalmente próximo à ponte que dá acesso ao espaço do museu, é possível sentir o cheiro de fezes e urina. Na parte de baixo do memorial, que ganhou o apelido de “Chapéu do Barata”, por sua forma que remete ao aces- sório usado pelo governador, o vi- dro das portas está estilhaçado. A maior parte delas hoje tem tapume no lugar das vidraças para impedir a entrada de moradores de rua em busca de abrigo. Um vigilante toma conta do es- paço. Na quarta-feira (17), só ele ca- minhava pelo monumento instala- do no centro do bairro de São Brás, cujo entorno remonta à antiga esta- ção de trens instalada ali. “A gente fica aqui para não deixar os vânda- los entrarem, porque já quebraram lá em baixo”, resume o funcionário, que não quis se identificar. Como ocorre em outros espa- ços abandonados, sem-teto passa- ram a utilizar o monumento como abrigo. Pelo menos 50 pessoas vi- vem na parte central de São Brás. Muitos deles passam a noite sob a aba do “Chapéu do Barata”. “Tenho leve lembrança de que o monumento era bem cuidado, e ficou desprezado há muito tempo, quase 10 anos. Acredito que é falta de interesse político e não envolve só esse monumento, mas vários em Belém. Nossa cidade é histó- rica, tem vários pontos turísticos para quem vive aqui e para quem vem de fora ver, então queria en- tender por que esse caso de aban- dono total. Evito até me aproxi- mar do ‘chapéu’, pois a última vez em que estive perto do prédio vi que está bem largado mesmo, tive até que tampar o nariz, o cheiro é insuportável”, relata Jorge Rocha, 36 anos, vendedor ambulante que trabalha há uma década na área. PRÉDIOS CENTENÁRIOS, BIBLIOTECA E ATÉ UM MUSEU PERECEM SEM CUIDADO M ENTREGUES AO TEMPO O Solar da Beira, no Comple- xo do Ver-o-Peso, prédio que es- teve no centro de uma polêmica sobre o uso e a conservação de espaços históricos, também ex- põe uma situação de abandono. O conjunto arquitetônico e pai- sagístico tombado em 1977 pelo Instituto do Patrimônio Históri- co e Artístico Nacional (Iphan), que por anos ficou inutilizado, foi ocupado por artistas por quase um mês, quando voltou a ganhar vida. Mas segue fechado à espera de uma reforma. “O Solar da Beira está entre- gue ao domínio da marginali- dade e das drogas, é um desca- so municipal há mais de dois anos. Aqui já ocorrerem até crimes. O espaço poderia ser usado por tantas pessoas e a população usufruir. A informa- ção que temos é que receberá reforma junto com a do Ver-o- Peso, mas nunca sai do papel. O prédio precisa de reforma total. Aqui poderia funcionar a Guarda Municipal e Polícia Militar, na parte de baixo. Na parte de cima, um posto ban- cário, para receber os impostos dos feirantes e uma extensão da Polícia Civil. Ou quem sabe um restaurante ou espaço de exposição contínua. O que não pode é continuar sem utilida- de nenhuma”, afirma Alberto da Silva, o “Siry”, que trabalha com venda de produtos reli- giosos e mantém uma barraca, temporariamente, próximo ao Solar da Beira. “Depois da ocupação, as cha- ves ficaram com os garis, que utilizam o espaço para trocar de roupas, guardarem materiais e depois trancam. A Polícia Mi- litar, do lado de fora, também ajuda na vigilância. Se deixar aberto, as pessoas entram para usar drogas e dormir, aí deixam tudo sujo e destroem ainda mais o espaço”, conta Alberto. NO CENTRO DA POLÊMICA, SOLAR SEGUE FECHADO CLEIDE MAGALHÃES Da Redação n Museu em homenagem a Magalhães Barata, em São Brás, está fechado. “Aba” abriga moradores de rua. FÁBIO COSTA/AMAZÔNIA Tombado por leis do patri- mônio histórico municipal e estadual desde 1982, o Merca- do de São Brás, a poucos me- tros do Memorial de Magalhães Barata, carrega, em sua facha- da, traços de um passado rico com forte influência europeia. O prédio, que completou 104 anos, carece de reforma. Há infiltrações no telhado, racha- duras, sujeira. Dentro, os per- missionários que trabalham no monumento reclamam da falta de cuidado. “A gente re- clama, reclama, e ninguém vem aqui. Já fizemos vários abaixo-assinados e não resulta em nada”, diz o vice-presidente da Associação do Complexo de São Brás, Geraldo Lisboa. MERCADO DE SÃO BRÁS ACUMULA GOTEIRAS, RACHADURAS E SUJEIRA A Prefeitura de Belém infor- mou, em nota, que a preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural da cidade é uma preo- cupação da atual gestão. “Tanto que está, por meio da Secretaria Municipal de Urbanismo (Seurb), elaborando e finalizando projetos de restauração desses espaços”. A nota informa que uma licitação foi aberta para a obra de reforma do chalé Tavares Cardoso, em Ico- araci, que deve sair nas próximas semanas. Também está em fase final de elaboração o projeto de revitalização do Palacete Bolonha, previsto para terminar em 2016. “O Palacete Pinho também passará, em breve, por alguns ajustes, para que volte a ser aberto”. Outra revi- talização formatada é a do Solar da Beira, cujo projeto também está sendo finalizado para posterior licitação e execução da obra. PREFEITURA PROMETE SÉRIE DE REFORMAS Outros prédios que, fecha- dos, seguem sem utilidade à po- pulação podem ser encontrados no distrito de Icoaraci: o chalé Tavares Cardoso, que abrigava uma biblioteca pública, a anti- ga estação ferroviária e o mer- cado de Icoaraci. “São prédios históricos que deveriam servir para oferecer serviços, proje- tos e atividades culturais para a sociedade, mas encontram-se em escombros, fechados e se deteriorando por conta do total abandono”, ressalta Jorge André Silva, produtor cultural, escritor e integrante do Comitê Popular Urbano. O chalé Tavares Cardoso foi fechado em 2013, ainda segundo Jorge, com a promessa de entrar em reforma em um prazo de três meses. Porém, passados dois anos, os alagamentos permanen- tes em sua lateral ainda compro- metem a utilização do espaço. A estação ferroviária, antiga sede da Associação de Artesa- nato (Copeart), também está fe- chada. O problema está na pre- cariedade da estrutura metálica centenária. O mercado de Icoa- raci, que ainda funciona, apre- senta problemas de estrutura, ainda resultantes de um incên- dio ocorrido há três anos. Tra- balhadores do local denunciam um processo de precarização. “Este espaço foi fechado em de- finitivo no início da atual gestão. A ameaça de fechamento para reforma amedronta os trabalha- dores e a comunidade, pois os espaços públicos que entraram em reforma todos passaram até décadas assim e alguns jamais voltaram a funcionar”, lamenta Jorge Silva. EM ICOARACI, CHALÉ TAVARES CARDOSO AINDA AGUARDA REPAROS n Solar da Beira está na lista de prédios com reforma prevista FÁBIO COSTA/AMAZÔNIA

Pedaços da história entregues ao tempo

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Pedaços da história entregues ao tempo

gerais�

BELÉM, doMingo, 21 dE junho dE 2015 gerais�

BELÉM, doMingo, 21 dE junho dE 2015

pedaços da história arcos da cultura e da me-mória da população de Belém, prédios públicos

históricos da capital enfrentam uma situação grave de abandono. Alguns deles guardam acervos preciosos ou são, por si só, peda-ços da história da cidade, mas es-tão fechados ou inacessíveis à po-pulação. O Memorial Magalhães Barata, em São Brás, é um exem-plo. O centenário Mercado de São Brás, a poucos metros dali, aberto e à espera de uma reforma estru-tural, é outro. O Solar da Beira, no complexo do Ver-o-Peso, alvo de uma ocupação de artistas no úl-timo mês, também expõe sinais de abandono e falta de cuidado. A situação se repete em Icoara-ci, com o chalé Tavares Cardoso, que abrigou a biblioteca pública municipal, com a antiga estação ferroviária e com o mercado do distrito. Se não estão com por-tões fechados, perecem ao tempo, dando a cada dia mais sinais de deterioração: acumulam entu-lho, lixo, ou servem como abrigo a moradores de rua, sem o cuidado que merecem como peças do pa-trimônio da cidade de Belém.

Depois que os restos mortais do ex-governador do Pará Magalhães Barata (1888-1959) foram retirados do memorial erguido em nome dele, na praça da Leitura, em São Brás, em setembro de 2012, o lugar, que abrigava um museu com relí-quias e documentos sobre o polí-tico passou por uma limpeza, que parece ter sido a a última feita no prédio, fechado desde então. Ao ca-minhar pelo local, principalmente próximo à ponte que dá acesso ao

espaço do museu, é possível sentir o cheiro de fezes e urina. Na parte de baixo do memorial, que ganhou o apelido de “Chapéu do Barata”, por sua forma que remete ao aces-sório usado pelo governador, o vi-dro das portas está estilhaçado. A maior parte delas hoje tem tapume no lugar das vidraças para impedir a entrada de moradores de rua em busca de abrigo.

Um vigilante toma conta do es-paço. Na quarta-feira (17), só ele ca-minhava pelo monumento instala-do no centro do bairro de São Brás, cujo entorno remonta à antiga esta-ção de trens instalada ali. “A gente fica aqui para não deixar os vânda-los entrarem, porque já quebraram lá em baixo”, resume o funcionário, que não quis se identificar.

Como ocorre em outros espa-ços abandonados, sem-teto passa-ram a utilizar o monumento como abrigo. Pelo menos 50 pessoas vi-vem na parte central de São Brás. Muitos deles passam a noite sob a aba do “Chapéu do Barata”.

“Tenho leve lembrança de que o monumento era bem cuidado, e ficou desprezado há muito tempo, quase 10 anos. Acredito que é falta de interesse político e não envolve só esse monumento, mas vários em Belém. Nossa cidade é histó-rica, tem vários pontos turísticos para quem vive aqui e para quem vem de fora ver, então queria en-tender por que esse caso de aban-dono total. Evito até me aproxi-mar do ‘chapéu’, pois a última vez em que estive perto do prédio vi que está bem largado mesmo, tive até que tampar o nariz, o cheiro é insuportável”, relata Jorge Rocha, 36 anos, vendedor ambulante que trabalha há uma década na área.

prédios centenários, biblioteca e até um museu perecem sem cuidado

m

entregues ao tempo

O Solar da Beira, no Comple-xo do Ver-o-Peso, prédio que es-teve no centro de uma polêmica sobre o uso e a conservação de espaços históricos, também ex-põe uma situação de abandono. O conjunto arquitetônico e pai-sagístico tombado em 1977 pelo Instituto do Patrimônio Históri-co e Artístico Nacional (Iphan), que por anos ficou inutilizado, foi ocupado por artistas por quase um mês, quando voltou a ganhar vida. Mas segue fechado à espera de uma reforma.

“O Solar da Beira está entre-gue ao domínio da marginali-dade e das drogas, é um desca-so municipal há mais de dois anos. Aqui já ocorrerem até crimes. O espaço poderia ser usado por tantas pessoas e a população usufruir. A informa-ção que temos é que receberá reforma junto com a do Ver-o-Peso, mas nunca sai do papel. O prédio precisa de reforma

total. Aqui poderia funcionar a Guarda Municipal e Polícia Militar, na parte de baixo. Na parte de cima, um posto ban-cário, para receber os impostos dos feirantes e uma extensão da Polícia Civil. Ou quem sabe um restaurante ou espaço de exposição contínua. O que não pode é continuar sem utilida-de nenhuma”, afirma Alberto da Silva, o “Siry”, que trabalha com venda de produtos reli-giosos e mantém uma barraca, temporariamente, próximo ao Solar da Beira.

“Depois da ocupação, as cha-ves ficaram com os garis, que utilizam o espaço para trocar de roupas, guardarem materiais e depois trancam. A Polícia Mi-litar, do lado de fora, também ajuda na vigilância. Se deixar aberto, as pessoas entram para usar drogas e dormir, aí deixam tudo sujo e destroem ainda mais o espaço”, conta Alberto.

no centro da polêmica, solar segue fechado

Cleide MagalhãesDa Redação

n Museu em homenagem a Magalhães Barata, em São Brás, está fechado. “Aba” abriga moradores de rua.

FÁB

io C

oS

TA/A

MA

niA

Tombado por leis do patri-mônio histórico municipal e estadual desde 1982, o Merca-do de São Brás, a poucos me-tros do Memorial de Magalhães Barata, carrega, em sua facha-da, traços de um passado rico

com forte influência europeia. O prédio, que completou 104 anos, carece de reforma. Há infiltrações no telhado, racha-duras, sujeira. Dentro, os per-missionários que trabalham no monumento reclamam da

falta de cuidado. “A gente re-clama, reclama, e ninguém vem aqui. Já fizemos vários abaixo-assinados e não resulta em nada”, diz o vice-presidente da Associação do Complexo de São Brás, Geraldo Lisboa.

mercado de são brás acumula goteiras, rachaduras e sujeira

A Prefeitura de Belém infor-mou, em nota, que a preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural da cidade é uma preo-cupação da atual gestão. “Tanto que está, por meio da Secretaria Municipal de Urbanismo (Seurb), elaborando e finalizando projetos de restauração desses espaços”. A nota informa que uma licitação foi aberta para a obra de reforma do chalé Tavares Cardoso, em Ico-

araci, que deve sair nas próximas semanas. Também está em fase final de elaboração o projeto de revitalização do Palacete Bolonha, previsto para terminar em 2016. “O Palacete Pinho também passará, em breve, por alguns ajustes, para que volte a ser aberto”. Outra revi-talização formatada é a do Solar da Beira, cujo projeto também está sendo finalizado para posterior licitação e execução da obra.

prefeitura promete série de reformas

Outros prédios que, fecha-dos, seguem sem utilidade à po-pulação podem ser encontrados no distrito de Icoaraci: o chalé Tavares Cardoso, que abrigava uma biblioteca pública, a anti-ga estação ferroviária e o mer-cado de Icoaraci. “São prédios históricos que deveriam servir para oferecer serviços, proje-tos e atividades culturais para a sociedade, mas encontram-se em escombros, fechados e se deteriorando por conta do total abandono”, ressalta Jorge André Silva, produtor cultural, escritor

e integrante do Comitê Popular Urbano.

O chalé Tavares Cardoso foi fechado em 2013, ainda segundo Jorge, com a promessa de entrar em reforma em um prazo de três meses. Porém, passados dois anos, os alagamentos permanen-tes em sua lateral ainda compro-metem a utilização do espaço.

A estação ferroviária, antiga sede da Associação de Artesa-nato (Copeart), também está fe-chada. O problema está na pre-cariedade da estrutura metálica centenária. O mercado de Icoa-

raci, que ainda funciona, apre-senta problemas de estrutura, ainda resultantes de um incên-dio ocorrido há três anos. Tra-balhadores do local denunciam um processo de precarização. “Este espaço foi fechado em de-finitivo no início da atual gestão. A ameaça de fechamento para reforma amedronta os trabalha-dores e a comunidade, pois os espaços públicos que entraram em reforma todos passaram até décadas assim e alguns jamais voltaram a funcionar”, lamenta Jorge Silva.

em icoaraci, chalé tavares cardoso ainda aguarda reparos

n Solar da Beira está na lista de prédios com reforma prevista

FÁB

io C

oS

TA/A

MA

niA