Upload
victor-muzza
View
270
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
DEIXE O PÁSSARO VOAR
Por João Victor Soares
O pequeno pássaro que o menino tinha capturado se debatia na gaiola
como quem se debate em uma gaiola. É óbvio, pra quem nunca ficou preso.
Assim que o estranho se aproximou para ver aquela ave com penas amarelas
ao redor do rosto, logo notou o que precisava não ser.
– Deixe o pássaro voar.
O menino olhou com estranha estranheza para os olhos curiosos do
mais novo protetor da natureza do condomínio. Não respondeu. Virou sua
cabeça para baixo, novamente, e continuou a observar o comportamento do
pássaro.
– Você vai mata-lo, menino.
Novamente olhou. Não respondeu. Virou a cabeça para baixo.
– Ele é bonito.
Quem sabe assim… Novamente olhou. Não respondeu. Virou… Dessa
vez a pausa se estendeu por um tempo a mais. Ninguém que estivesse vendo
a cena de perto saberia se foi porque o sujeito estava pensando em uma nova
maneira de ser respondido ou porque o pássaro começou a fazer novas
acrobacias. O fato é que demorou um pouco mais. Demorou. Um pouco. Mais.
– Por que você não me responde?
Novamente olhou não respondeu virou a cabeça.
– Ele está doente?
Cinco segundos milimétricamente cronometrados no relógio mais
sofisticado e que dê a mais exata noção de tempo em toda a atmosfera
terrestre.
– Está.
Um a zero para o sujeito.
– O que houve?
Agora o diálogo parecia fluir como se o gelo nunca houvesse existido.
– Eu não sei. Achei ele desse jeito na porta da minha casa hoje de
manhã.
Não que o tempo seja importante, mas o relógio marcava exatas onze
horas e vinte e cinco minutos. No relógio mais sofisticado.
– Por que você não o deixa voar? Assim ele encontrará o ninho dele e a
família dele irá tratar de curá-lo.
– Ele não tem família.
Tampouco o sujeito estranho.
– Como sabe?
– Senão ele não teria vindo pedir ajuda na minha casa.
O estranho sorriu, contemplando por um momento a ingenuidade do
menino. Tão bobo ele era ao pensar que um pássaro poderia pedir ajuda a
alguém.
– Provavelmente ele tenha se perdido. Agora só quer voltar pra casa.
– Então eu tenho que leva-lo para casa.
– Ele sabe voar.
– Mas não sabe onde está. Se ele me dissesse ao menos o nome da
rua que ele mora… Eu poderia leva-lo.
– Ele não deve morar em nenhuma rua. A casa dele deve ser em
alguma árvore perto daqui.
– Ele não mora por aqui.
O pássaro continuava sua dança em brasa dentro da gaiola.
– Como sabe?
– Ele não teria se perdido.
– Os pássaros se perdem o tempo todo.
– Eu preciso ajuda-lo.
– Você só pode ajuda-lo se você o deixar voar.
– Por que ele não pode ficar na gaiola? É mais seguro.
Por um lado, era mesmo mais seguro permanecer na gaiola. Mesmo
quando não se tem espaço suficiente para dançar com os pés descalços em
uma chapa de ferro quente.
– Os pássaros precisam ser livres. Todos nós precisamos. Se você
deixa-lo na gaiola, ele irá morrer. Você tirará dele a chance de encontrar sua
família e se curar.
– Isso é triste.
– Deixe-o voar, garoto! Deixe-o ser livre!
O menino receou. Novamente olhou. Não respondeu. Virou a cabeça
para baixo. Abriu a gaiola. Dessa vez não houve pausa, foi rápido e direto. Não
havia tempo para pensar, o barulho que o pássaro fazia enquanto se contorcia
e batia seu corpo nas grades não permitia silêncio.
O pássaro voou cinquenta metros e caiu. Morto. No meio da rua.
Quase na esquina. O menino olhou por um segundo, tomado por angústia
instantânea, nos olhos do sujeito estranho e correu ao encontro do cadáver. O
sujeito não se importou, deu as costas e continuou seu caminho em direção a
lugar algum. Como quem não tivesse tirado nada daquela criança. Virou a rua
e seguiu. Livre.