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Ditados, Provérbios e Ditos Populares

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“Antes marido feio e laborioso que bonito e

preguiçoso”

Gato escaldado tem medo de água fria e Rosa Maria

embora acreditasse que águas passadas não movem

moinhos, não meteria a mão na cumbuca novamente.

Aquele malandro do atraente mas arrogante Pedrão

arrastava-lhe a asa, não largava do seu pé depois de um

namorico complicado nos tempos de escola. Mas nada

como um dia após o outro e ele ficara para trás, iletrado,

colecionando provérbios populares no barzinho, vivendo

às custas dos pais e ela se formara, era agora a

professorinha do lugarejo.

Pedrão queria Rosa Maria que se contentava com o

Hermínio do cartório. Quem ama o feio bonito lhe parece

e o fisicamente insonso funcionário era tido como

intelectual, fazia seus versos, discutia literatura com ela,

preenchia seu tempo vago. Iam tocando o burro da vida

sem tombar a carrocinha, num relacionamento chove não

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molha...

Mas Pedrão não se conformava e insistia, não há rosas

sem espinhos e água mole em pedra dura tanto bate até

que fura, raciocinava ele. O problema era a tal de cultura

do franzino rival, ginasial completo. De grão em grão

Pedrão enchera o papo de ditados, citações e os usava

para tentar impressionar sua desencantada musa,

respostas pré fabricadas que nela entravam por um

ouvido e saiam pelo outro.

- Pedrão, entenda, estou bem com o Hermínio, nosso

caso passou, acabou!

- Nunca digas desta água não beberei, Rosinha...

- Desista!

- Quem espera sempre alcança...

A necessidade é a mãe das invenções e Pedrão dava

tratos à bola para descobrir um meio de impressionar

Rosa Maria, entrar no campo do adversário, a cultura. O

tempo passava e ele não queria dormir na estação e

perder o trem. Foi então que surgiu a grande chance:

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- Ei, Rei dos Provérbios, olhe isso aqui! Na sua medida!

E o Zé do Bar lhe estendeu o jornalzinho da comarca.

Na última página leu algo que caiu como colírio em seus

olhos: 9º Concurso Nacional de Contos Livro de Graça

na Praça da Academia Mineira de Letras, cujo tema

“deverá estar relacionado com determinado ditado,

provérbio ou locução popular, à escolha de cada autor.”

- Mamão com açúcar, está no papo -exclamou radiante-

achei o caminho das pedras! Araruta também tem seu dia

de mingau!

E devorou a notícia, não sem uma certa dificuldade:

- Raios, é aí que a porca torce o rabo, muita burocracia,

um tal de envelope grande, envelope pequeno, correios,

caracteres, laudas... Vou tentar, cobra que não anda não

engole sapo. O tempo é curto mas antes tarde que nunca,

vou perguntar sobre a tal de lauda lá na tipografia.

- Lauda é mais ou menos essa folha aqui preenchida,

Pedrão, e aí diz no máximo 4 laudas, pode até ser uma só.

- Dos dois lados?

- Aí já não sei...

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Pedrão já pensando em esticar as letras para encher

linguiça, ponderava: é concurso mineiro, turminha de

mão fechada, não tem prêmio em dinheiro mas a cavalo

dado não se olha os dentes, quem ganha fica conhecido e

a propaganda é a alma do bom negócio. É o que me

interessa, mais vale um gosto do que dez vinténs e com

fama de intelectual ganho Rosa Maria, dois coelhos com

uma só cajadada:

- É ganhar a fama e deitar na cama!

- Mas primeiro tem que ganhar, não ponha a carroça na

frente dos burros!

- A formiga sabe a folha que corta, conselho se fosse bom

era vendido, não seja derrotista, passarinho que

acompanha morcego amanhece de cabeça para baixo!

Não há provérbio que eu não conheça, já está no papo!

- E se ganhar vai é gastar dinheiro, leia aí embaixo, eles

tiram o corpo fora, não pagam nem cafezinho!

- E você acha que vou lá? Basta ter meu nome nos

jornais, é melhor dormir sem ceia que acordar com

dívidas!

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E com esforço incomum começou a colocar no papel

toda sua pretensa sabedoria, certo do direito que dá a

César o que é de César e se o rival passava por ser um

grande perfume em pequeno frasco, ele, fortão, ganhando

o concurso seria um balde inteiro, cheio até a borda!

Por uma semana deixou até de jogar a sagrada sinuca

vespertina, mas não se faz omelete sem quebrar ovos,

suspirou filosoficamente o já autodenominado

intelectual... Emendou uma série de provérbios sem

maiores recheios mas dando-lhes uma sequência,

formando um continho e depois de muito penar

conseguiu preencher duas das tais laudas, espaço 2, pediu

para uma tia corrigir e se deu por satisfeito, sentenciando:

panela que muito se mexe ou sai insosso ou salgado.

Envelope grande, envelope pequeno, pseudônimo de

Trovador da Mantiqueira, conseguiu o carimbo dos

Correios no último minuto do derradeiro dia para entrega

dos originais. Depois sentou-se na indolência de seu dia a

dia e esperou ser comunicado da vitória, afinal o sol

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nasceu para todos e não seria uma nuvenzinha chamada

Hermínio que ofuscaria o grande astro-rei Pedrão...

A sorte é como o raio, nunca se sabe onde vai cair e a

ingenuidade do texto mesclada com a petulância de

ganhador por antecipação que no resumidíssimo

currículo avisara que não compareceria à premiação,

acabou divertindo a comissão julgadora, que talvez

cansada de ler textos empolados, acabaram por concordar

que afinal aquela obra sem qualquer sofisticação

vernácula preenchia o que dela se esperava: distraia,

divertia e sem dúvidas era um documento representativo

da sabedoria popular. E como besteira pouca é bobagem,

acabaram dando ao Pedrão o que era de César.

Telegrama da Academia, notícias em jornais e até uma

entrevista com foto de terno, gravata e mão no queixo no

semanário da comarca. Pedrão, o laureado escritor,

deitou-se na cama da fama e esperou que Rosa Maria o

procurasse, seria magnânimo com ela, afinal, perdoar é

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uma virtude dos fortes e depois de algum charminho a

aceitaria de volta. Durante a gloriosa semana que se

seguiu participou de algumas festas e reuniões onde ela

também se encontrava e só a cumprimentou com a

cabeça, respeitosamente e mantendo a distância. Queria

que a jacaré sentisse que a lagoa estava secando.

Empinou o nariz e esperou, esperou, mas ela

aparentemente desconhecia a parte que deveria cumprir

no plano unilateral. Depois soube que ela estava usando

seu texto na escola, exaltando os alunos a desenvolverem

a escrita e até colocara sua entrevista no quadro de

recortes.

Presunçoso, acreditou entender o porquê dela não se

aproximar: vergonha, timidez, afinal, agora ele era um

intelectual famoso. Resolveu dar uma colher de chá para

a professorinha que deveria estar sedenta de beber de sua

sabedoria, acercou-se dela na saída da escola e certo do

sucesso, foi direto:

-E ai, Rosa Maria, andei pensando, acho que já é tempo

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de acertarmos os ponteiros, vamos juntar os trapos?

Rosa Maria boquiaberta com o que ouviu, esbugalhou os

olhos, deu uma sacudidela na cabeça e disparou:

- Tá maluco Pedrão? Já falamos sobre isso, é assunto

morto e enterrado! Estou com o Hermínio, ele me faz

companhia, tem boa cultura, é um bom homem!

Pedrão, desconsertado com a inesperada recusa, caindo

do cavalo ainda balbuciou:

- Mas eu também escrevo, você gostou do meu conto, eu

sei, tem até usado na escola!

E o “Rei dos Provérbios” e das rápidas respostas pré

fabricadas, ficou mudo ao assistir Rosa Maria parir ali

mesmo, de bate-pronto, uma inédita e definitiva pérola:

- E por acaso para saborear um copo de leite é preciso

gostar da vaca?

fim

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