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Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

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Enid Blyton

Claudina no Colégio de Santa Clara

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Título: Gémeas

- Volume V:

CLAUDINA NO COLÉGIO DE SANTA CLARA.

Autora: Enid Blyton.

Dados da Edição: Editorial Notícias, Lisboa, 1978.

Título original: CLAUDINE AT ST. CLARE'S.

Tradução de MARIA ANTÓNIA CORREIA LEAL

Género: Juvenil.

by Methuen and Cª, Ltd. 1965

Reservados todos os direitos para Portugal

Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destinada unicamente à

leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. Por força da lei de direitos

de autor, este ficheiro não pode ser distribuído para outros fins, no todo ou em

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1 Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de facilitar o acesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas obras. Se quiser outros títulos nos procure http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros, será um prazer recebê-lo em nosso grupo.

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I Novo regresso ao Colégio

Patrícia e Isabel O'Sullivan entraram na sala do quarto ano no Colégio de

Santa Clara, e olharam para todos os lados.

- Quarto ano - disse Patrícia. - Meu Deus, como estamos adiantadas,

Isabel!

- É verdade. O quarto ano parece muito distante do primeiro - concordou

Isabel. - Lembras-te, quando estávamos no primeiro ano, há sete séculos?

Chamavam-nos as Gémeas Emproadas nessa altura, porque detestávamos o

Colégio de Santa Clara, e não queríamos cá estar.

As gémeas recordaram o seu tempo de caloiras, a sua instalação no

Colégio de Santa Clara, e como a aversão que a princípio sentiam se

transformara em orgulho e admiração. E agora ali estavam, já no quarto ano, no

começo do ano lectivo!

- Não achas que as caloiras parecem agora bebés - disse Patrícia. - Quando

para aqui viemos, pela primeira vez, achávamo-nos muito crescidas, mas ao ver

agora as caloiras parecem-me umas miúdas! Eu vou gostar muito de estar no

quarto ano, e tu Isabel?

- Eu também - disse Isabel. - Espero ficar aqui até ao último ano, e que as

nossas amigas fiquem também.

- Bem, algumas já saíram - disse Patrícia. - A Pamela não volta, nem a

Sheila. A Lúcia Oriell também se foi embora para uma Escola de Belas-Artes.

Ela tencionava ficar aqui, mas é muito artista e conseguiu uma bolsa de estudo

para a melhor Escola de Belas-Artes do país.

- Foi óptimo para a Lúcia! - disse Isabel. - Vamos ter saudades dela.

Haverá algumas alunas novas este ano?

- Há com certeza - disse Patrícia, olhando à roda da grande sala. - É uma

rica sala, não achas? É a mais bonita de todas as que temos tido até agora.

Desfruta-se uma linda vista da janela.

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E assim era. As gémeas viam quilómetros duma paisagem encantadora.

Era uma paisagem já muito sua conhecida, e que ambas adoravam. Ao fundo,

nos terrenos do colégio, havia os campos de ténis e de outros jogos, e uma

grande piscina. Também viam os jardins do colégio, e a grande horta cheia de

frescos vegetais.

- Eu fico ao pé da janela - disse Patrícia. - Olá, lá vem a Roberta e a Joana!

A Roberta e a Joana entraram na sala a rir. A cara sardenta da Roberta

tinha um ar arrapazado, e as suas maneiras eram arrapazadas também. Era

muito brincalhona e gostava muito de fazer partidas.

- Olé! - disse ela. - Vieram ver a nossa nova sala? É bonita, não é?

- Como é a nossa nova professora? - perguntou Patrícia. - A miss Ellis...

dizem que é muito simpática, será?

- É muito calma, delicada e digna. É uma professora como deve ser - disse

Roberta.

- Tens algumas partidas novas para pregar, Joana - perguntou Isabel.

Todos os períodos a Joana tinha uma quantidade de partidas, a maior

parte das quais eram fornecidas pelo irmão, que também andava no colégio e

devia ser muito travesso. A Joana riu-se.

- Esperem e verão - disse ela. - De qualquer modo, agora que estou no

quarto ano, tenho que me portar com juízo. Quando se está nos últimos anos da

escola não se pode fazer tanta brincadeira. E também tenho que trabalhar para o

meu exame, por isso não vou ter muito tempo para partidas.

- Mesmo assim, desconfio que vais ter... - disse Patrícia. - Sabes se há

algumas alunas novas?

- Há duas ou três - respondeu Roberta. - Olá, Lida! Boas férias?

A Lida Wentworth entrou na sala, morena e sorridente.

Estava no Colégio de Santa Clara há mais tempo do que as gémeas.

- Olá! - disse ela. - Tive umas férias esplêndidas. Montei a cavalo todos os

dias, e joguei ténis todos os dias também. Olhem lá, quem é o anjo?

- O que é isso? - perguntaram as gémeas à Roberta.

- Ah, vocês ainda a não viram? - disse a Lida. - Acaba de chegar, completa,

com uma mala nova toda moderna, três raquetas de ténis, e uma carteira com as

suas iniciais em ouro! Até aposto que a vossa prima Adelina a considera uma

das sete maravilhas do mundo! Tem o cabelo dum louro claro, cortado como

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geralmente se vê nos anjos das gravuras, um rosto oval como o das fadas, e uma

voz de princesa.

- Safa! Onde está ela? exclamaram as outras muito interessadas. - Será do

nosso ano?

- Está lá em baixo no vestíbulo - disse a Lida. - Chegou no maior carro que

eu já vi nos dias da minha vida, com dois motoristas!

- Vamos vê-la - disse Patrícia. E lá foram as cinco para o corredor,

debruçaram-se no balaústre das escadas para ver a recém-chegada.

Ainda lá estava, e era absolutamente verdade. Parecia mesmo um anjo, se

se pode imaginar um anjo de uniforme, com três lindas raquetas de ténis na

mão!

- É encantadora, não é? - disse Roberta que, não sendo nada bonita,

apreciava sempre a beleza das outras.

- Sim, também aposto que a Adelina vai andar atrás dela como um

cãozinho. A Adelina só se sente feliz na presença duma beleza tão

extraordinária que se não pode descrever!

A Adelina subia naquele momento. Era prima das gémeas. Uma bonita

rapariga, mas frívola e de cabeça oca.

- Olá! - disse ela. - Estavam a falar de mim?

- Estávamos! - concordou a Lida. - Estávamos a dizer que com certeza

gostavas daquela rapariga tipo anjo que lá está em baixo. Já viste alguma coisa

assim?

A Adelina debruçou-se no balaústre, e, de acordo com o prognóstico das

outras, ficou imediatamente de cabeça perdida.

- Parece uma princesa dum. conto de fadas! - disse ela. - vou ter com ela e

perguntar-lhe se quer que a acompanhe.

Foi a correr para baixo. As companheiras riram-se umas para as outras.

- A Adelina já perdeu a cabeça - comentou Patrícia.

- Pobre Adelina! A quantidade de amigas formidáveis que tem arranjado e

perdido! Lembram-se da Sara, a rapariga americana, e dela estar sempre a dizer

“A Sara diz...”, e de termos feito uma cantiga por causa disso, e de a cantarmos?

Como ela se zangava!

- Lembro-me perfeitamente. E quando estava no segundo ano, que achava

a nossa ensaiadora um assombro, e quando estava no terceiro perdia a cabeça

com a chefe de turma, a ponto de se tornar maçadora - disse Joana. - Realmente,

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as vezes que a Adelina tem perdido a cabeça por pessoas que nunca lhe ligam

meia!

- É muito frívola - disse Patrícia. - Olhem para ela a pegar no braço do

anjo, já toda em cima dela!

- Há outra aluna nova lá em baixo - disse Roberta.

- Tem o ar de quem se sente abandonada. Acho que a Adelina devia levá-

la também. Hee! Adelina!

Mas Adelina havia desaparecido com o anjo dourado. As gémeas

desceram as escadas e dirigiram-se à outra aluna nova.

- Olá! Estás cá de novo, não estás? É melhor ires cumprimentar a Vigilante.

Nós levamos-te lá.

- Como te chamas - perguntou Patrícia, olhando para a recém-chegada,

que procurava mostrar que não se sentia nova nem perdida.

- Chamo-me Paulina Bingham-Jones - disse a nova aluna, numa voz um

tanto afectada. - Sim, gostaria que me dissessem o que devo fazer.

- Geralmente a Vigilante está aqui a receber as novas alunas - disse a Lida

um pouco intrigada. - Onde estará ela?

- Também ainda a não vi - disse Patrícia. - Também aqui não estava

quando nós chegámos.

- É estranho - comentou a Isabel. - Vamos à procura dela. Assim como

assim, temos que a cumprimentar.

Foram todas à procura da Vigilante e levaram Paulina. Bateram à porta.

Todas as alunas gostavam da Vigilante apesar de a temerem bastante. Havia

muitos anos que estava no Colégio de Santa Clara, e algumas das mães das

alunas, que também ali tinham estado no colégio, a tinham conhecido também.

Uma voz respondeu:

- Entrem!

- Não é a voz da Vigilante - disse Patrícia, muito admirada. Abriu a porta e

entrou, seguida pelas outras.

Uma senhora, com o uniforme da Vigilante, cosia junto da janela. Não era

a Vigilante que elas conheciam tão bem. As raparigas olharam para ela,

surpreendidas.

- Ah! - exclamou Patrícia - vínhamos à procura da Vigilante.

- Neste período sou eu a Vigilante - esclareceu ela.

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- A vossa antiga Vigilante adoeceu durante as férias, e por isso vim.

substituí-la. Tenho a certeza de que nos vamos dar muito bem.

As raparigas ficaram a olhar para ela. Não estavam muito seguras disso. A

antiga Vigilante era gorda e alegre, com uma cara redonda que inspirava

confiança. Esta Vigilante era magra e tinha um ar azedo. Os lábios eram muito

delgados e com a boca fechada pareciam uma linha recta. Sorria às alunas, mas

o seu sorriso não ia além da boca, nunca chegava aos olhos.

- Viemos à sua procura - disse Roberta. - A antiga Vigilante costumava ir

esperar as alunas novas. Esta é uma delas. Vem trazer-lhe a lista das suas

roupas, toalhas, etc.

- Bem sei, obrigada - disse a Vigilante, cortando com os dentes a linha com

que estava a coser. - Mandem-me todas as alunas novas, sim? Quantas

chegaram?

As raparigas não sabiam. Achavam que a Vigilante é que devia sabê-lo e

não elas. Lembraram-se da antiga Vigilante, que andava dum lado para o outro

à procura das alunas novas para lhes dar as boas-vindas, apresentá-las às

respectivas professoras, ou arranjar antigas alunas que olhassem por elas.

- Esta é Paulina Bingham-Jones - disse Patrícia por fim. - Há outra aluna

nova algures, que nós já vimos. Parece que a nossa prima Adelina anda com ela.

As raparigas abandonaram a sala, deixando a Paulina com a nova

Vigilante. Olharam umas para as outras e torceram o nariz.

- Não gosto dela - comentou Isabel. - Parece uma garrafa de vinagre!

As outras riram-se.

- Deus queira que a antiga Vigilante volte - disse Roberta. - O Colégio de

Santa Clara não parece o mesmo sem ela. Gostava de saber para onde é que a

Adelina levou o “anjo”.

Adelina apareceu naquele momento, muito corada e radiante. Era mais

que evidente que arranjara uma amiga. Vinha acompanhada do “anjo”.

- Oh! - disse Adelina. - Patrícia, Isabel, Roberta, Lida... esta é a fidalga

Ângela Favorleigh.

A fidalga Ângela baixou ligeiramente a cabeça, como se estivesse a

cumprimentar os seus súbditos. Roberta riu-se.

- Tive em tempos uma boneca que se chamava Ângela - disse ela. - Era

parecida contigo! Espero que gostes do Colégio de Santa Clara. Adelina, leva-a

à Vigilante.

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- Onde está a Vigilante? - perguntou Adelina

- Tenho andado à procura dela.

- Neste período há uma Vigilante nova - disse Roberta. - Não vais gostar

dela.

A fidalga Ângela Favorleigh não gostou de Roberta. Olhou para ela como

se fosse qualquer coisa que lhe não cheirasse bem. Voltou-se para a Adelina e

disse numa voz bonita e altiva:

- Bem, vamos à Vigilante. Quero tirar as minhas coisas da mala.

Saíram juntas. A Lida desatou a rir.

- Todas nós sabemos onde a Adelina vai passar a maior parte do tempo... -

disse ela. - No bolso da fidalga!

- Olhem - disse Roberta -, há outra aluna nova. Já desemalou também as

coisas dela. Acho que tem cara de ser do quarto ano.

A nova aluna subiu, com passos rápidos, como se se dirigisse para algum

sítio.

- Olá! - disse Roberta. - Tu és nova aqui, não és? Em que ano ficas, sabes?

- No quarto - respondeu a rapariga. - Chamo-me Helena Paterson.

- Nós também somos do quarto ano - disse Patrícia, apresentando-se a si e

às outras. - Queres que te levemos a dar uma volta pelo colégio? A Vigilante

costuma estar aqui para receber as alunas, mas este período há uma Vigilante

nova que ainda não está dentro dos hábitos.

De repente, a rapariga mostrou-se aborrecida.

- Sei muito bem o meu caminho, obrigada - disse, muito empertigada. - Já

aqui estou há uma semana.

Foi-se embora sem dizer mais nada. As outras ficaram a olhar para ela.

- Que bicho lhe teria mordido - disse Roberta. Não precisava de ser

malcriada daquela maneira. E diz que está aqui há uma semana... o que é que

isto quer dizer? Ninguém volta para o colégio antes do dia da abertura.

Marília subiu com a sua amiga Glória.

- Olá! Olá! - disseram as outras. - Ainda bem que voltamos a ver-nos. Já

falaram com aquela rapariga que saiu agora mesmo daqui, uma aluna nova

chamada Helena Paterson? Parece julgar que o colégio lhe pertence!

- Não, ainda não lhe falei - disse Marília. - Mas sei que a mãe dela é a nova

Vigilante. A antiga está doente, não sei se sabem. Helena é a filha da nova

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Vigilante e vai ser educada aqui. Veio com a mãe há uma semana, quando a

mãe veio tomar conta do seu cargo, tratar das roupas e do resto.

Roberta assobiou.

- Oh, não admira que tenha ficado aborrecida ao ouvir-nos dizer que a

nova Vigilante devia dar as boas-vindas às novas alunas, e que ainda não está

dentro dos hábitos! - disse ela. - E não admira que conheça os cantos à casa,

visto que já cá está há uma semana. Não gostei lá muito dela.

- Por enquanto nada se pode dizer - comentou a Lida. - Sabes muito bem

que quando se chega a qualquer parte pela primeira vez e encontramos

raparigas que já lá estão há muito tempo, toda a gente se põe na defensiva. A

princípio sentimo-nos como que umas intrusas.

Havia alunas novas nos anos inferiores, mas isso não interessava

grandemente às alunas do quarto. Estavam satisfeitas por se voltarem a ver: as

gémeas, Roberta, Lida, Catarina, Dora, Carlota, e as outras. Iam todas juntas

para o quarto ano. Havia algumas do ano anterior que continuavam no quarto

ano, a maior parte das quais era muito estimada pelas gémeas. Susana Howes

era a chefe de turma, uma rapariga simpática e boa, com um elevado sentido de

responsabilidade e de justiça.

O quarto ano ficava sob a direcção de miss Ellis. Era uma pessoa calma e

firme, raras vezes elevava a voz, queria bom trabalho e procurava consegui-lo.

Interessava-se pelas alunas, gostava muito delas, e estas, em compensação,

estimavam-na muitíssimo.

Ângela Favorleigh, quando estava na aula, com os cabelos caídos sobre os

ombros, ligeiramente voltados para dentro nas pontas, parecia mais um anjo do

que nunca. Todas as suas roupas escolares, embora cortadas nos mesmos

moldes dos das outras, eram na verdade lindas.

- Sabem uma coisa? Os sapatos dela são todos feitos por medida - disse

Adelina ao ouvido das gémeas. - E tem uma carteira a condizer com cada

vestido, todas com as suas iniciais em ouro.

- Cala-te! - disse Patrícia. - Quem é que se importa com essas coisas? A tua

querida Ângela é uma snob.

- E por que não há-de ser snob - respondeu a Adelina, sempre pronta a

defender a sua nova amiga. - A família dela é uma das mais antigas do país, tem

uma prima em terceiro grau que é princesa, e só Deus sabe quantos parentes

titulares ela terá!

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- E tu és outra snob, Adelina - disse Isabel, com desdém. - Por que andas

sempre atrelada a pessoas desta natureza? Não sabes que a pessoa vale pelo

que é e não pelo que tem?

- Eu não sou snob - ripostou Adelina. - Claro que estou satisfeita por a

Ângela me ter escolhido para sua amiga. Acho-a encantadora.

- Só é pena que não tenha mais miolo... - disse Roberta. - Sinceramente, dá-

me a impressão de que não tem as medidas bem aferidas!

Ângela Favorleigh era na verdade uma snob. Tinha um grande orgulho na

sua família, na sua riqueza, nos seus carros, e no seu ar de menina bem. Era

muito esquisita com as amigas. Gostava da Adelina porque era bonita e

delicada, tinha bonitas maneiras e era evidente que a adorava de todo o seu

coração.

Ângela gostava de muito poucas raparigas do seu ano. Detestava a

Roberta porque lhe dissera que parecia uma boneca. com a Carlota não queria

mesmo nada.

Carlota não se ralava nem um bocadinho. A rapariga de olhos e cabelos

escuros tinha sido em tempos uma rapariguinha de circo, do que nada se

envergonhava. A mãe fora amazona de circo, mas o pai era um verdadeiro

senhor, e a Carlota vivia agora com o pai e com a avó, quando estava em férias,

porque a mãe tinha morrido. Tinha aprendido a ser uma senhora, a ter boas

maneiras, e era muito estimada, mas não havia esquecido os dias emocionantes

do circo, e muitas vezes divertia as outras andando à roda da casa a dar

cambalhotas como se fosse a roda dum carro, ou dançando à espanhola, o que

muito divertia as companheiras.

Adelina tinha contado à Ângela a história de todas as raparigas, incluindo

a da Carlota, e a Ângela torcera o seu delicado nariz ao saber que a Carlota

tinha realmente andado a cavalo num circo.

- Como podem tê-la aqui, num colégio destes - exclamou ela. - Tenho a

certeza que a minha família não me mandaria para aqui se tivesse tido

conhecimento disso.

- Por que vieste para Santa Clara - perguntou Adelina, cheia de

curiosidade. - É um colégio considerado sensato, que não admite disparates

nem ostentações.

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- Eu não queria vir - confessou Ângela. - A minha mãe queria mandar-me

para um colégio muito melhor, mas o meu pai é de ideias esquisitas, e disse que

eu precisava que me tirassem as peneiras.

- Oh, Ângela! Tu não tens nenhumas peneiras! - exclamou Adelina. -

Sinceramente, acho que não tens nenhum defeito.

Era justamente aquilo que Ângela gostava de ouvir, e era uma das razões

por que gostava de ter Adelina como amiga. Olhou para a Adelina com os seus

inocentes olhos azuis, e sorriu-lhe com um ar angelical.

- Dizes coisas agradáveis, Adelina - disse ela. - És de longe, a rapariga

mais simpática da turma. Não posso suportar aquela medíocre Helena, nem a

horrível Carlota, nem a medonha Paulina Bingham-Jones.

A Paulina não era nenhum sucesso. Parecia tão snob como a Ângela, mas

não fazia tanta vista porque as suas roupas não eram tão bem feitas, e não

possuía tantas maravilhas como ela. Mas também virava as costas à Carlota, e

não gostava de Roberta, porque tinha a resposta sempre pronta. Quanto a

Helena, mal lhe falava.

- Não percebo por que é que a Helena pode vir para este colégio lá porque

é filha da Vigilante - disse Paulina com a sua voz afectada. - Santo Deus! Daqui

a nada vem a filha da cozinheira e a do jardineiro também! A Carlota já chega

bem. Tem um ar tão selvagem e tão desmazelado!

A Carlota no princípio do período, na verdade, tinha sempre um ar um

pouco selvagem, em parte porque já não estava sob a severa vigilância da avó.

Mas ninguém se importava com o seu ar selvagem nem com o seu desmazelo.

Tudo isso fazia parte da animada e divertida rapariga. Carlota sabia que nem a

Ângela nem a Paulina gostavam dela, e sentia até prazer em falar em calão,

fazer caretas e andar com as mãos no chão na frente delas.

Contudo miss Ellis não gostava que as alunas do quarto ano fizessem

coisas do género. Achava que o seu ano era uma espécie de meio caminho

andado, em que as raparigas tinham que aprender a perder as suas maneiras

estouvadas, a tornarem-se membros da escola mais sérios, e em quem se pode

confiar. Assim que chegavam ao quinto e ao sexto ano tinham salas de estudo

pessoais, em vez de salas comuns, e exigia-se-lhes uma boa parte de

responsabilidade.

Por isso a Carlota era muitas vezes chamada à ordem pela miss Ellis, na

sua voz baixa e firme, e então a Ângela e a Paulina olhavam desdenhosamente

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para a antiga rapariga de circo, e segredavam coisas trocistas à aluna que se

encontrava junto delas.

Havia uma rivalidade presunçosa entre a Paulina e a Ângela. Por vezes as

companheiras gozavam à custa delas.

- O meu terceiro primo, aquele que é príncipe - dizia a Ângela - tem um

avião mesmo dele, e prometeu levar-me a passear nele.

- Ainda não andaste de avião - dizia Paulina com afectada surpresa. -

Santo Deus! Eu já andei três vezes. Foi quando estive em casa dos Lacy-

Wrights. Imaginem que eles têm dezasseis casas de banho... claro que se trata

dum solar.

- Tenho a certeza que tu não tens mais que uma casa de banho - disse

Ângela, com certo desprezo. - Nós temos sete.

- Nós temos nove, se contarmos as duas das criadas - ripostou Paulina.

As colegas olharam para ela com espanto. Acreditavam perfeitamente que

a Ângela tivesse montes de casas de banho, porque a riqueza estava patente em

toda aquela snob... mas a Paulina não tinha cara de possuir muitas casas de

banho, um comboio de automóveis caros e outras coisas do género.

- Bem - disse Roberta - deixem-me contar as minhas casas de banho. Três

para mim, quatro para a mãe, cinco para o pai, duas para as visitas... quantas

são?

- Palerma! - disse Patrícia, rindo.

A Ângela e a Paulina não acharam graça nenhuma.

- Não me lembro se temos casa de banho lá em casa ou não... - disse a

Lida, entrando na brincadeira. - Deixem-me pensar bem!

Mas por muito que as outras troçassem, nada demovia a Ângela e a

Paulina da sua mútua rivalidade. Se não eram as casas de banho, eram os

automóveis; se não eram os automóveis era a beleza e as dispendiosas toilettes

das respectivas mães; se não eram as mães era qualquer outra coisa. As colegas

estavam fartas daquilo.

A Helena Paterson não parecia ligar muita importância ao desprezo que a

Ângela e a Paulina lhe votavam. Só falava com entusiasmo duma coisa: do

irmão. Trabalhava algures, na cidade mais próxima, e era mais que evidente

que tinha por ele uma verdadeira adoração.

- Chama-se Edgar - dizia ela - mas nós chamamos-lhe Eddie.

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- Claro - disse a Ângela com ar de gata assanhada - e se o nome dele fosse

Alfredo chamar-lhe-iam Alf. Se fosse Alberto chamar-lhe-iam Alb... ou talvez

Beto.

Helena corou.

- Ângela - disse ela. - Vais ver quando o Eddie cá vier, isto é, o Edgar. É

estupendo! Tem o cabelo encaracolado e o sorriso mais bonito do mundo, e o

melhor irmão que já se viu. Trabalha muito no emprego. Estás a ver, a mãe

perdeu uma data de dinheiro e foi por isso que teve que se empregar como

Vigilante, e que o Eddie... o Edgar teve que ir trabalhar.

- Olha Helena, a história da tua família não me interessa nada - disse

Ângela friamente, e foi-se embora com a Adelina.

A Helena encolheu os ombros e comentou:

- Snob! Precisavas duma valente bofetada.

Carlota concordou com ela.

- Sim, às vezes a minha mão vibra com desejos de a esbofetear forte e feio.

Mas agora estou no quarto ano... que pena! Tenho que esquecer como se dá

uma bofetada em quem está mesmo a pedi-la!

- Ah, não esqueces! - disse Roberta, rindo-se para a solene Carlota. - Se o

sangue te sobe à cabeça nunca mais te lembras do quarto ano... e voltas a ser a

Carlota exaltada que sempre foste!

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III A chegada de Claudina

Antes do fim da primeira semana chegou uma quarta aluna. A própria

mademoiselle anunciou a sua vinda.

- Tenho uma surpresa para as meninas - disse ela uma manhã ao chegar

para dar uma lição de Francês, com um sorriso de grande satisfação. - Vão ter

mais uma companheira no quarto ano. Chega hoje.

- Por que vem tão tarde - perguntou Patrícia, muito admirada.

- Esteve a convalescer da bexiga - explicou mam’zelle que falava sempre

das bexigas no singular em vez de empregar o plural. - A bexiga é uma doença

muito maçadora. A Claudina teve uma bexiga muito má, e não pôde vir mais

cedo.

- Claudina - disse Isabel. - Que nome tão bonito! Gosto muito.

- Ah, e também vão gostar da Claudina! - disse mam’zelle. - É francesa. É

minha sobrinha.

Foi uma grande novidade para todas. Nem mesmo sabiam que

Mademoiselletinha uma sobrinha, e que vinha para o Colégio de Santa Clara,

também.

- Deus queira que ela goste do colégio - disse a Lida, que achava que

alguém devia dizer qualquer coisa.

- Vai gostar muito - disse mam’zelle. - A Claudina sente-se bem em toda a

parte. Nunca se viu criança mais feliz. Sempre satisfeita, sempre a rir, sempre a

fazer partidas e a dizer graças.

Parecia-lhes que devia ser uma rapariga formidável. Estavam ansiosas

pela sua chegada, e olhavam para mam’zelle na esperança de que lhes contasse

mais coisas.

Mas mam’zelle tomou uns ares solenes. Firmou bem os óculos no nariz, e

olhou para as alunas que a escutavam, através das grossas lentes dos seus

óculos.

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- Eu fiz força para que a Claudina viesse para este colégio - acrescentou. -

Primeiro esteve num colégio de freiras, mas era muito rigoroso, e as freiras

achavam que a pobre Claudina só fazia disparates. Diziam que não fazia caso

de nada nem de ninguém, nem das regras e costumes do colégio. E eu disse

para comigo: “Ah! A boa e estudiosa Roberta também era assim, e vejam o que

o Colégio de Santa Clara fez dela! Está a trabalhar para o seu exame, e hojeé o

que se chama um triguinho sem joio! Talvez que com a minha Claudina

aconteça o mesmo.” Roberta ficou atrapalhada aoouvir este discurso da

mam’zelle. Ficou sem saber se gostava que se lhe referissem como “triguinho

sem joio”. Mas mam’zelle estava tão entusiasmada, que Roberta não protestou.

Também não servia de nada! Mam’zelle prosseguiu no seu discurso.

- E assim a Claudina vem hoje, completamente refeita da bexiga, e vocês

vão recebê-la muito bem, não é verdade? Em atenção à vossa velha mam’zelle.

- Com certeza! Vamos recebê-la o melhor que pudermos - disse Susana

Howes, e a maior parte das alunas disse o mesmo, com excepção da Ângela, da

Adelina e da Paulina, que mostraram todas má cara, como se uma sobrinha

pertencendo à mam’zelle não fosse digna dum pensamento seu.

- Ah, vocês são muito boas raparigas - disse mam’zelle -; assim que a

Claudina chegar vou logo apresentá-la a todas. Vai gostar muito de vocês. É boa

rapariga, embora pareça não ligar importância ao que é bom e conveniente. Mas

vocês vão modificar tudo isso, nest-ce pás?

As raparigas pensaram que a Claudina devia ser divertidíssima. Ia ser

engraçado ter uma colega francesa na aula! Olharam, umas para as outras,

pensando que de todas as alunas novas, esta parecia ser a que mais prometia.

Cerca de cinco minutos antes de acabar a lição, a porta abriu-se, e uma

rapariga desconhecida entrou. Era baixa, morena e elegante. Tinha um ar muito

descarado, e olhou rapidamente para todas antes de se dirigir à mam’zelle.

Mam’zelle estremeceu, e correu para a rapariga que chegava. Beijou-a

diversas vezes em ambas as faces, acariciou-lhe o cabelo negro, e despejou uma

torrente de francês de que ninguém percebeu nada.

A rapariga respondeu num francês calmo e delicado, e beijou mam’zelle

em ambas as faces. Parecia não ligar meia ao entusiasmo da tia.

- Ah! Finalmente chegaste, minha querida Claudina! - exclamou

mam’zelle. Fez rodar a sobrinha até ficar virada para as alunas. - Aqui têm a

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Claudina - disse mam’zelle deixando escorregar os óculos do nariz com a

violência do entusiasmo. - Claudina, cumprimenta as tuas novas amigas.

- Olá, cridíssimas! - disse Claudina amavelmente.

As raparigas olharam para ela surpreendidas, e riram-se. Era engraçado

ouvir aquela expressão na boca da nova condiscípula.

- O que é que tu disseste? - perguntou mam’zelle que não percebera bem o

que a sobrinha dissera. - Disseste “olá cridíssimas”'? Isso não é correcto. Devias

ter dito “olá queridíssimas.

As alunas desataram à gargalhada. Claudina riu-se também. Mam’zelle

estava radiante. Via-se claramente que tinha um grande orgulho em Claudina, e

que a adorava.

A campainha anunciou o fim da aula. Mam’zelle chamou a Lida:

- Lida, leva a Claudina contigo e mostra-lhe o colégio. Vai sentir-se

estranha e pouco à vontade, coitadinha.

Mas mam’zelle estava totalmente enganada. Claudina estava à vontade e

não parecia sentir-se nada estranha. Na verdade procedia como se tivesse

conhecido as colegas desde sempre! Falava-lhes com naturalidade e

simplicidade.

O seu inglês era bom, embora, como mam’zelle, se expressasse por vezes

duma maneira fora do vulgar.

Tinha frequentado a escola em França, e depois tinha estado um período

num colégio de freiras em Inglaterra. Parece que nem a Claudina quis continuar

no colégio das freiras, nem elas o desejavam...

- Sabem, foi uma desgraça! A professora de Ciências subiu uma escada

para ir a uma árvore apanhar um fungo especial que ali existia - explicou

Claudina na sua vòzinha francesa - e eu fui e tirei a escada... por isso não houve

lição de Ciências naquele dia.

- Pai da vida! Quer dizer que deixaste a professora empoleirada na árvore?

- exclamou Roberta. - Olha que tiveste coragem! Não admira que a mam’zelle

diga que o Colégio de Santa Clara te fará bem. Aqui não podes fazer uma coisa

dessas.

- Não? - disse Claudina. - Mas que pena! Contudo talvez vocês aqui se

divirtam. Lamento não ter vindo para o colégio no primeiro dia. Mas tinha

apanhado uma bexiga.

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As raparigas riram-se. Todas gostavam da Claudina menos a Ângela. Até

a Paulina escutava a nova aluna, e a Adelina estava muito divertida a ouvi-la.

Mas a Ângela, como de costume, olhava para ela com desdém.

- O que é que eu te disse? - observou ela à Adelina.

- Primeiro temos que aturar a filha da Vigilante, agora a sobrinha da

mam’zelle! Não percebo que graça achas tu à Claudina, Adelina. Estou

espantada contigo.

- Olha, gosto da voz dela e das suas maneiras - disse Adelina. - Gosto dos

gestos que faz com as mãos quando fala, que são exactamente iguais aos da tia.

Tem paciência, mas é muito engraçada.

Ângela não gostava que a Adelina discordasse fosse do que fosse. Olhou

friamente para a amiga, e foi-se embora amuada. O sistema que empregava

para castigar alguém era ir-se embora e amuar. A Adelina não podia suportar

tal atitude, e assim procurou desfazer a má impressão que causara à sua amiga.

Foi atrás dela, pegou-lhe na mão, gabou-a, lisonjeou-a, e por fim Ângela

condescendeu em sorrir novamente à sua escrava voluntária.

Então Adelina mostrou-se feliz.

- Não julgues que faço algum caso da Claudina. Na verdade não passa

duma rapariguinha vulgar.

- Não tão vulgar como a Carlota - disse Ângela com desprezo.

A Adelina não gostou deste comentário. Era sinceramente amiga da

Carlota, que era honestíssima, muito direita, nunca dizia uma mentira, além de

ser uma companheira divertida. Até o seu temperamento exaltado fazia parte

da sua personalidade. Adelina achava que a Carlota tinha mais personalidade e

era mais natural do que qualquer das outras. E ser natural era ter

personalidade.

Claudina instalou-se de seguida. Ficou numa carteira ao fundo da aula, e

arrumou as suas coisas numa gaveta da cómoda, no cimo da qual colocou uma

fotografia da mãe. Tinha trazido um grande bolo que generosamente repartiu

por todas, mas a Ângela não aceitou nenhuma fatia. A Adelina fez o mesmo,

depois duma ligeira hesitação. Teve medo que a Ângela amuasse novamente se

a visse comer uma fatia do bolo.

A princípio as raparigas divertiram-se muito com a Claudina, mas em

breve descobriram que não procedia como uma inglesa. Por exemplo, achava

que copiar pelas outras não tinha importância nenhuma! Era esperta, mas

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muitas vezes tinha preguiça, e então copiava as respostas dadas pela

condiscípula do lado. Esta era a Marília, cuja inteligência deixava um pouco a

desejar. Por isso, muitas eram as vezes em que Claudina copiava disparates.

Mas não se ralava nada com isso.

- Olhem lá, nós não devíamos deixar a Claudina cabular desta maneira -

disse Patrícia. - Copia tudo pela Marília. A Marília diz que a Claudina não está

para se maçar a fazer uma única conta, e copia tudo por ela!

- O que tem piada é que faz isso absolutamente às claras - comentou Isabel

- o que me leva a crer que não vê nisso qualquer mal!

Claudina ficou atónita quando a Susana Howes, a chefe de turma, lhe

falou no assunto.

- Isso é batota, Claudina, e com certeza tu bem o sabes! - disse Susana,

fazendo-se muito vermelha, pois detestava acusar alguém de fazer batota.

- Não acho nada - exclamou Claudina. - Vocês todas me vêem copiar.

Batota é uma coisa que se faz às escondidas.

- Estás enganada - disse Susana. - Batota é sempre batota, quer seja feita às

claras ou às escondidas. Além disso é estúpido da tua parte copiar pela Marília.

Responde tanta coisa mal! Se a miss Ellis descobre, metes-te em sarilhos.

- Então achas que é melhor copiar pela Lida - perguntou Claudina muito a

sério. Susana suspirou.

- Olha Claudina, não deves copiar por ninguém. Eu sei que os franceses

têm uma maneira de ser, diferente da nossa, como por exemplo, a mam’zelle.

Mas tens que procurar modificar-te, se queres sentir-te bem entre nós.

- Eu sinto-me bem em toda a parte... - respondeu Claudina. - Mas está

bem, daqui em diante só copiarei quando não tiver estudado nada...

Outra coisa que elas achavam irritante na Claudina era a maneira como

pedia coisas emprestadas. Pedia lápis, borrachas, réguas, livros... tudo quanto

precisava de momento. E noventa por cento das vezes não devolvia nada!

- Esqueço-me... - explicava ela. - Peço um lápis emprestado, sirvo-me dele,

fico muito grata por mo terem emprestado, depois nunca mais me lembro, e aí

anda a pobre Lida a dizer “onde está o meu lápis, perdi o meu lápis”, enquanto

ele está na minha carteira, e não está nada perdido.

- Sim, mas tens que procurar lembrar-te de devolver aquilo que pedes

emprestado - recomendou a Lida.

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- No fim de contas foi uma lapiseira de prata que te emprestei, e da qual

muito gosto. E devias pedir licença antes de levar as nossas coisas.

- Oh, os ingleses! - suspirou Claudina. - Agora vou portar-me bem, e direi

sempre: “querida Lida, por favor, por favor, empresta-me a tua linda lapiseira

de prata! “

A Lida riu-se. Ninguém podia deixar de achar graça à Claudina. Fazia

girar os seus expressivos olhos pretos, e fazia com as mãos uns gestos iguais aos

da mademoiselle. Pensando bem, havia pouco tempo que regressara da

Inglaterra. Era natural que aprendesse os hábitos ingleses antes do período

acabar.

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IV Cuidado com a vigilante!

As primeiras semanas depressa passaram, e em breve as alunas que

tinham transitado do terceiro ano se sentiam como se sempre ali tivessem

estado! Olhavam um pouco desdenhosamente para as do terceiro ano, e quanto

às do segundo, era como se não existissem. Nenhuma aluna do quarto ano se

lembraria de lhes ligar qualquer importância.

O período do Verão era sempre muito agradável. Havia ténis e natação.

Ângela mostrava ser uma boa nadadora, perfeita e ágil. Adelina, que não

gostava da água, esforçava-se por se evidenciar para conservar a amizade da

sua querida Ângela.

Claudina detestava francamente a água. Recusava-se terminantemente a

meter-se nela, com grande arrelia da professora de desportos.

- Claudina! De que serve vir para um colégio inglês, se não queres

aprender o que ele tem de bom! - exclamava a professora.

- Nadar não é nada bom - dizia Claudina -, é até uma coisa horrível! Uma

pessoa molha-se, tem frio, treme! Não gosto da vossa mania de jogar tantos

jogos. O ténis também é muito estúpido.

Como ninguém podia despir a Claudina à força, não entrava na água. As

colegas arreliavam-na, salpicando-a o mais que podiam. A professora estava a

ver que daí a nada alguma a empurrava, vestida e tudo, para dentro da piscina,

e então mandou-a para dentro de casa.

Claudina jogava o ténis ainda pior do que a Carlota, que nunca conseguira

jogar bem, e que continuava um gato selvagem e descontrolada em todos os

jogos. A bola de ténis tanto podia ir parar ao meio da piscina como passar por

cima da rede! Mas a Claudina nem sequer tentava tocar na bola!

- É um jogo tão estúpido! - dizia, pousando a raqueta e indo-se embora.

- Oh, Claudina, mas é a hora de jogar o ténis, tens que vir - dizia a Lida.

- Não tenho nada que ir! - era a sua resposta, e não havia nada a fazer.

Page 21: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Ângela jogava muito bem. Levava sempre as suas três lindas raquetas,

apesar da troça das companheiras. Paulina invejava aquelas raquetas, e

procurava vingar-se da dona, sendo màzinha.

- Eu tenho mais duas ou três raquetas em casa - comentou em voz alta. -

Mas não é de boa educação trazer mais do que uma para o colégio. A minha

mãe diz que isso é dar nas vistas, e que as pessoas bem educadas nunca dão nas

vistas.

Ninguém gostava do orgulho da Ângela, mas também ninguém gostava

da maldade da Paulina. Realmente poucas pessoas gostavam da Paulina,

porque, fazendo ver que descendia duma família importante e rica, era

desprovida de qualquer atractivo, enquanto que a Ângela era na verdade

encantadora. Ninguém podia deixar de olhar para o seu rosto angelical sem

admiração e prazer. Adelina pensava que era a mais formosa rapariga que ela

jamais tinha visto.

Helena era razoável tanto no ténis como na natação. Também era razoável

nos estudos. Simpatizava muito com a Adelina, por qualquer razão, e ficava

desolada quando esta lhe mostrava, com excessiva clareza, que não tinha tempo

para a aturar.

- Por que não andas comigo quando saímos de tarde - perguntou ela à

Adelina. - Não podes andar sempre com a Ângela. E por que não aceitas nunca

as guloseimas que te ofereço? Não têm veneno!

- Bem sei - respondeu Adelina friamente. - É só porque me não apetecem.

E também não tenho nenhum interesse especial em passear contigo. -.

Desconfio que a Ângela te disse para o não fazeres! - disse Helena, de mau

humor. - Não tens vontade própria. Pensas pela cabeça da Ângela, fazes tudo

quanto ela faz! Até estás a deixar crescer o cabelo como o dela, caído nos

ombros, com as pontas voltadas para dentro. Chegas a ser ridícula!

Adelina ficou toda ofendida. Olhou para a Helena com frieza.

- Pois bem, se queres que te diga, a Ângela não simpatiza contigo, e como

é minha amiga, respeito a sua vontade. De qualquer modo, eu também não

simpatizo contigo. És uma alcoviteira.

Helena foi-se embora, vermelha de raiva. A última insinuação da Adelina

acertara em cheio. Foi ter com a mãe, com grandes histórias, e não havia nada

que o quarto ano fizesse que a nova Vigilante não soubesse.

Page 22: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Pior do que isso. Se a Helena dizia à mãe que alguém havia sido antipático

com ela, em breve a Vigilante tratava de mandar chamar esse alguém e dava-

lhe um lençol com um enorme rasgão para coser, meias para passajar, ou botões

para pregar.

- Eu acho que ela faz os buracos de propósito e ela própria arranca os

botões! - disse a Ângela furiosa, a quem tinham dado três meias para passajar

nas horas livres.

- Nunca passajei uma meia na minha vida. Para que serve a Vigilante, se

não tem as nossas coisas em ordem?

- É que faz parte do regulamento do Colégio de Santa Clara o cosermos

partes das nossas coisas - elucidou Patrícia. - Mas devo dizer-te que me não

parece que tenhas feito todos esses buracos nas tuas meias! Nunca te vi com um

buraco.

- Eu bem sei que os não fiz - disse a Ângela, tentando em vão enfiar uma

agulha com um fio de lã. - Como é que vocês conseguem passar a lã pelo fundo

da agulha? Há sete séculos que estou aqui a enfiar esta!

As colegas riram-se. Ângela não fazia a mínima ideia de que era preciso

dobrar a ponta do fio para se enfiar a agulha. Adelina tirou-lhe a agulha e a

meia.

- Eu passajo isso - disse ela. - Não te preocupes. Até aposto que foi a

alcoviteira de Helena que foi contar à mãe alguma coisa que disseste ou fizeste,

e ela deu-te esse trabalho para te castigar.

A Adelina passajou as três meias. Não ficaram muito bem, isso é verdade,

porque passajar não fazia parte dos seus dons. Mas Ângela ficou-lhe muito

grata, e mostrou-lhe tanta ternura, que a Adelina estava nas suas sete quintas. A

seguir foi Paulina que se viu azul com a Vigilante. Tal e qual como a Ângela,

tambémela olhava Helena com um certo desdém, e só lhe falava quando o não

podia evitar. Quando uma manhã estava a dizer à Roberta que lhe doía a

garganta, a Helena ouviu, saiu a correr, e dentro de poucos minutos a Vigilante

mandou-a chamar.

- Sei que estás com dores de garganta, Paulina - disse a Vigilante com um

sorriso. - Devias ter-me dito imediatamente. A Helena ficou preocupada

contigo, e disse-mo. Foi muito simpático da parte dela. Tenho aqui uns

gargarejos para fazeres agora, e um medicamento para tomares.

Page 23: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Oh, a minha garganta está muito melhor - disse Paulina, alarmada. E na

verdade estava, mas a Vigilante não a deixou sair. Obrigou-a a gargarejar

durante dez minutos com uma droga horrível, e deu-lhe um remédio

igualmente horroroso para tomar.

Paulina foi ter com as colegas, furiosa e cheia de medo. Olhou para todos

os lados para se certificar de que a Helena não estava presente.

- A Helena continua com as suas coscuvilhices - segredou ela. - Foi dizer à

mãe que eu tinha dores de garganta, e acabo de passar um mau bocado. Até me

sinto doente. Sei que a Helena disse à mãe que eu não gostava dela, e foi por

isso que a Vigilante tanto me fez sofrer.

- Temos que ter muito cuidado com aquilo que dizemos e fazemos à

Helena - disse Adelina cheia de medo, pois detestava toda a espécie de

remédios. - Talvez fosse melhor fazermo-nos amigas dela.

- Eu não faço - disse logo Claudina. - É uma rapariga de quem não gosto.

E, longe de se tornar sua amiga, excedia-se em más-criações para com ela!

O resultado foi que a Vigilante a castigou duramente, dando-lhe um cesto cheio

de roupa para coser!

- Rompeste a bainha dos teus dois lençóis - disse ela à Claudina -, tens as

meias cheias de buracos, e precisas de pôr um remendo numa das tuas batas. És

muito travessa e muito descuidada. Vais coser tudo isto de castigo.

Claudina não disse nada. Pegou no cesto da costura e pô-lo em cima da

cómoda. A princípio, as colegas pensaram que ela nunca mais se lembraria

daquilo, que se recusaria a coser a roupa assim como se recusava a fazer outras

coisas. Porém, com grande surpresa sua, Claudina pegou no cesto e sentou-se

num canto da sala a coser.

Roberta via a agulha de Claudina entrar e sair com todo o desembaraço.

- Que bem que tu coses! - exclamou. - Mas que bem! As tuas passagens até

parecem bordados! Estão lindas!

- Gosto de coser e de passajar - confessou Claudina.

- Em França todas nós sabemos coser. Vocês, inglesas, atrapalham-se com

uma agulha na mão. Percebem muito de desportos, mas não sabem fazer uma

passagem!

- Deixa a costura agora, Claudina, e vem nadar - disse Susana. - Está um

lindo dia de sol. Mas os lindos dias de sol não atraíam Claudina.

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- Posso ver o sol da janela - disse ela continuando a coser com todo o

desembaraço. - Deixa-me. Gosto de coser.

Roberta olhou atentamente para a cabeça inclinada da rapariguinha

francesa, e deu uma gargalhada, dizendo:

- Oh, Claudina! Tu gostas muito mais de coser um mundo de roupa do

que de nadar ou jogar seja o que for...

- É isso mesmo - concordou Claudina. - Acho que coser e bestial.

Todas se riram. Achavam sempre graça à Claudina quando falava em

calão.

- Desconfio que isto não passa duma manha da Claudina - disse Roberta. -

Quer ter uma desculpa de peso para escapar aos jogos! Todas nós sabemos que

não podemos jogar quando temos coisas para coser. E a Claudina fez com que a

Vigilante lhe desse aquele castigo para se libertar dos jogos e ficar a fazer aquilo

que lhe dá verdadeiro prazer!

Miss Ellis entrou na sala.

- Despachem-se meninas, vão-se embora. Não percam um minuto deste

lindo dia de sol. Claudina, deixa a costura.

- Desculpe, miss Ellis, mas a Vigilante disse-me que tinha que coser as

minhas coisas, e que não podia jogar com as outras enquanto a costura não

estivesse pronta

- respondeu Claudina, levantando os seus enormes e inocentes olhos

pretos. - É muito aborrecido, mas acho que tenho que coser isto, miss Ellis.

- “Humm”... - fez miss Ellis, que se não deixava enganar com a inocência

daqueles olhos. - vou falar à Vigilante.

Mas a Vigilante insistiu em que a Claudina havia sido muito descuidada, e

tinha que coser tudo, e miss Ellis deixou-a entregue à sua costura. E Claudina

teve uns momentos muito agradáveis, cosendo toda contente num canto da sala

cheia de sol, ouvindo os gritos das colegas na piscina. Não tinha o mais leve

desejo de ir ter com elas!

“Que horrível água fria!”, estava ela a pensar, mas ergueu os olhos ao

ouvir passos que entravam na sala. Era a tia, a mam’zelle.

- Oh, ma petite! - disse mam’zelle toda enternecida.

- Então tu estás aqui? Deixa-me ver a tua costura. Está linda! Por que será

que as raparigas inglesas não sabem coser? Onde estão as outras?

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- Na água - respondeu Claudina em francês. - Estão sempre na água, ou a

bater numa bola, estas inglesas! Eu cá por mim prefiro coser, ma tante.

- Muito bem, Claudina! - concordou mam’zelle, que, apesar de estar em

Inglaterra há muitos anos, nunca compreendera como as inglesas tanto

gostavam da água fria, de bater em bolas, e de correr dum lado para o outro,

feitas tontas. - Estás contente, minha filha?

- Estou sim, ma tante - respondeu Claudina pensativamente. - Mas estou

um bocado triste. Nunca acontece nada nestes colégios ingleses?

- Nunca - disse mam’zelle.

Mas estava enganada. Na verdade aconteceram coisas... e dentro de muito

pouco tempo!

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V Ângela tem uma surpresa

Por volta da terceira semana do período, quando todas estavam instaladas

e compenetradas dos seus trabalhos, Ângela teve uma surpresa.

Estivera a jogar ténis, e uma das bolas tinha-se perdido.

- Não te maces à procura dela agora - disse Roberta, que detestava

interromper um jogo. - Aparece com certeza. As bolas do ténis aparecem

sempre. E se não aparecer, procuramo-la no fim.

A bola não apareceu, e Ângela ofereceu-se para a procurar. As outras

tinham que ir para a lição de música, ou para o treino de dicção, e Ângela era a

única que estava livre.

- Está bem - disse a Lida. - Obrigada, Ângela. Procura a bola e guarda-a na

caixa juntamente com as outras, se a encontrares.

As companheiras correram todas para o colégio, e Ângela começou à

procura da bola perdida. Não a viu em sítio nenhum. O campo de ténis onde

tinham estado a jogar era junto duma parede muito alta, e Ângela lembrou-se

que talvez a bola tivesse passado para o outro lado.

“De uma vez a Roberta bateu uma bola muito alto pensou consigo

própria. - Não me parece que a bola esteja deste lado da parede. vou abrir a

cancela e ver do outro lado”.

Abriu a cancela e entrou na azinhaga. Procurou a bola e por fim

encontrou-a. Quando ia a apanhá-la, teve um estremeção de surpresa. Um

rapaz alto e magro estava por trás do arbusto, perto da bola.

Ângela apanhou a bola e ia a voltar para o colégio, quando o rapaz lhe

dirigiu a palavra.

- Pertence ao Colégio de Santa Clara?

Ângela olhou para ele e não gostou do seu aspecto. Tinha cabelo

encaracolado e comprido de mais. Tinha uns olhos pequenos e empapuçados na

parte inferior, e era muito pálido.

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- O que é que você tem que saber se pertenço ao Colégio de Santa Clara,

ou não - respondeu Ângela com o seu ar altivo.

- Oiça lá! Não se exalte nem seja estúpida - exclamou o rapaz saindo de

trás do arbusto. - Só lhe quero dizer uma palavrinha.

- Mas eu é que não quero nenhuma palavrinha consigo - respondeu

Ângela, e abriu a cancela do colégio. O rapaz tentou não a deixar passar.

- Espere um momento - disse ele, e o tom da sua voz era tão implorador,

que Ângela voltou-se, surpreendida. - Desejava que me levasse um recado para

uma das alunas.

- Claro que não levo - respondeu Ângela. - Deixe-me passar, por favor.

Merecia que eu apresentasse queixa!

- Escute. Diga à Helena que o Eddie precisa de lhe falar - murmurou o

rapaz. - Tenho aqui um bilhete para ela. Quer fazer o favor de lho entregar?

- Ah, então você é o irmão da Helena, não é verdade?

- disse Ângela. - Muito bem. Entregar-lhe-ei o bilhete. Mas não percebo

por que é que não entra para ver a sua mãe, e falar com a Helena, se assim o

deseja. A sua mãe é a Vigilante, não é?

- É - respondeu Eddie. - Mas pelo amor de Deus não lhe diga que me viu.

Ela não sabe que estou aqui, e havia um grande sarilho se o soubesse.

- A sua mãe arranja sarilhos a muita gente, não é só a si! - comentou

Ângela, pegando no bilhete.

Passou a cancela e fechou-a, depois enfiou o bilhete no bolso da bata,

tencionando dá-lo à Helena quando a visse.

A Helena não estava à vista quando Ângela entrou no vestiário para

mudar de sapatos. Viu ali a Adelina e começou a contar-lhe o que tinha

acontecido.

- Queres saber, Adelina! Aconteceu uma coisa muito engraçada agora

mesmo. Fui à azinhaga à procura duma bola de ténis, e estava lá um rapaz

escondido.

- Deus do Céu! - exclamou Adelina, cheia de espanto.

- E tu o que fizeste?

- Era horrível - disse Ângela, começando a exagerar, como fazia sempre

que contava qualquer coisa. - Palavrinha que parecia o rapaz que traz aqui o

peixe todos os dias, sabes, aquele rapaz horroroso, com o cabelo muito

comprido, e que assobia duma maneira muito aguda! Estava mesmo à espera

Page 28: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

que ele dissesse “trago pescada, pregado e pargo, menina”, como disse o rapaz

do peixe à Vigilante noutro dia, julgando que era a cozinheira!

Adelina riu-se. O mesmo fizeram mais umas raparigas que estavam no

vestiário. Ângela adorava ter um auditório que a admirasse. Continuou a sua

história, sem ver que a Helena tinha entrado para tirar os sapatos da ginástica.

- Perguntou-me se eu pertencia ao Colégio de Santa Clara, e eu meti-o na

ordem, podem ter a certeza! Mas nisto ele disse-me quem era. Vocês não são

capazes de adivinhar!

As colegas apinharam-se à roda dela, cheias de interesse.

- Quem era - perguntou Adelina. - Como é que tu queres que a gente

saiba?

- Pois era o querido, o amado, o maravilhoso Eddie, o grande irmão da

Helena! - disse Ângela. - O mais ordinário que possam imaginar! Estive quase

para lhe perguntar por que é que não cortava o cabelo!

Alguém abriu caminho desabridamente através do grupo que rodeava a

Ângela. Era a Helena, com as faces cor-de-cereja. Fixou os olhos em Ângela e

disse:

- Aldrabona! O meu irmão ao pé do Colégio de Santa Clara! Como te

atreves a inventar uma história dessas? vou imediatamente dizer à minha mãe,

minha horrível e detestável snob!

Desatou a chorar e foi-se embora. Ficaram todas a olhar para ela.

- Jesus! - exclamou Adelina. - Ela vai realmente contar à Vigilante, e de

certeza vai haver grande sarilho. Tu não inventaste, pois não, Ângela?

Ângela ergueu a voz e gritou atrás da Helena.

- Se queres dizer, diz, mas o teu adorado Eddie pediu-me por tudo que

não dissesse à mãe que ele estava aqui. Por isso, se me metes num sarilho,

também o metes a ele.

Helena voltou-se muito assustada. Era evidente que acreditava agora no

que a Ângela dizia. Tinha sido o Eddie!

- O que é que ele te disse - perguntou à Ângela numa voz sufocada. -

Queria ver-me?

- Não te digo - respondeu Ângela, irritante. - Ia fazer-te um grande favor e

entregar-te o bilhete dele, mas como te portas dessa maneira, não estou para

servir de intermediária entre ti e o teu querido, adorado Eddie!

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Neste emocionante momento aparece miss Ellis com uma cara muito

aborrecida.

- Meninas! Não ouviram a sineta? O que estão a fazer aqui no vestiário, em

grande conversa? Sabem muito bem que isso não é permitido. Na verdade era

muito bom que se compenetrassem de que estão no quarto ano e não no

primeiro! Estou muito aborrecida por ter que as vir buscar.

- Desculpe, miss Ellis - disseram todas, saindo a correr do vestiário para

voltarem para a sala de estudo e preparar as lições. Evidentemente que tinham

ouvido a sineta... mas quem as arrancava dali, quando uma discussão de alta

categoria se travava entre a angelical Ângela e a detestada Helena?

Ângela sentia-se radiante, sentada na sua carteira. Agora tinha a Helena

como queria, ou seja, na mão! E se Helena voltasse a contar à mãe alguma coisa

a seu respeito, e esta lhe desse montes de coisas para coser, ela, Ângela, ameaçá-

la-ia de contar à Vigilante tudo acerca do querido Eddie! Ângela sorriu

intimamente, o que lhe dava um ar ainda mais angelical. Era extraordinário

como Ângela podia apresentar um ar tão inocentemente belo, quando os seus

pensamentos eram tão maus!

Helena observou o seu íntimo sorriso. Apertou os lábios e rangeu os

dentes. Naquele momento detestava a Ângela com um ódio tão profundo como

o amor que tinha pelo irmão. Como podia a Ângela chamar ordinário ao Eddie?

Como se atrevia a dizer que parecia aquele horrível rapaz do peixe, com os seus

longos e engordurados cabelos, mais o seu agudo assobiar?

Para Helena o seu irmão Edgar era o ser mais maravilhoso do mundo. O

pai deles tinha morrido quando eram ambos muito novos, e a mãe era uma

mulher dura e severa. O irmão era tudo para ela, e o Edgar tinha pela irmã uma

imensa ternura.

- Quando for homem, hei-de arranjar um bom emprego e ganhar rios de

dinheiro para ti e para a mãe - dizia ele à Helena. - Depois a mãe já não precisa

de trabalhar tanto, nem de se cansar, nem de se zangar, e tu terás imensos

presentes, todos formidáveis. Vais ver as coisas maravilhosas que eu hei-de

fazer!

E agora Ângela havia troçado do seu adorado e bom Eddie. Helena

parecia que rebentava de fúria e dor. Também estava muito preocupada. Por

que é que Eddie tinha saído de Woolaton, onde trabalhava, para a vir procurar

Page 30: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

secretamente? O que teria acontecido? Oh, ao menos se aquela idiota da Ângela

lhe dissesse!

Helena pensava no irmão, lá fora, na azinhaga. Há algumas semanas que o

não via, e estava desejosa de falar com ele e contar-lhe tudo. Talvez que ele

tivesse tido o mesmo pensamento e tivesse arranjado uns momentos para a vir

visitar. Talvez não quisesse vir ao colégio, porque assim teria que ver a mãe

também, o que estragaria a conversa amigável que poderiam ter juntos.

Helena olhou para a Ângela, que estava a estudar Francês, com um ar

sereno e encantador. Helena voltou a ranger os dentes, sabendo que em breve

teria que fazer qualquer coisa de muito difícil, que muito detestava, e que

contudo teria que fazer com toda a delicadeza.

“Tenho que ir ter com a Ângela, pedir-lhe perdão, e pedir-lhe para me

dizer o que o Eddie lhe disse - pensava Helena. - Idiota! Detesto-a, mesmo cá de

dentro! “

Deu um grande suspiro. Miss Ellis olhou para ela. Já tinha reparado que a

Helena não estava a prestar qualquer atenção ao estudo.

- Não te sentes bem, Helena - inquiriu ela. - Tenho estado a observar que

não fazes coisa nenhuma.

- Sinto-me bem, muito obrigada, miss Ellis - respondeu Helena muito

depressa. - Este... este Francês é um bocado difícil hoje, mais nada.

- Na verdade acho que deve ser muito difícil aprender Francês num livro

de Geografia... - disse miss Ellis com a sua voz calma.

Helena olhou logo para o livro... bolas! Era a Geografia que tinha na sua

frente! Os olhos perspicazes de miss Ellis deram logo por isso!

Não disse nada, mas tirou imediatamente o livro de Francês. Ângela olhou

e fez um sorrizinho de troça. Sabia muito bem a razão por que Helena

confundia os livros naquele momento... estava preocupada por causa do seu

querido, adorado Eddie. Pois bem, deixá-la estar preocupada!

Adelina estava sentada junto de Helena, e não podia deixar de ter pena

dela. Apesar de ser uma cabeça de avelã, Adelina era sensível aos sentimentos

dos outros, e sabia que a Helena estava ansiosíssima por saber o que se passava

com Eddie. Por isso, assim que o estudo acabou, foi ter com a Ângela para lhe

falar.

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- Olha lá, Ângela, não é melhor dar à Helena o recado do irmão? Ela está

num estado desgraçado. Dava tais suspiros durante a aula de estudo, que quase

fazia voar os papéis que eu tinha sobre a minha carteira!

Ângela não achou graça nenhuma à graça da Adelina, nem gostava que

ela lhe desse conselhos. Foi-se embora, e o coração da Adelina deu-lhe um

baque. Lá se foi a Ângela novamente, muito fria e amuada! O seu bonito rosto

tomou uma expressão dura e altiva, e a Adelina sabia que levaria uma

eternidade para conseguir que ela voltasse a sorrir-lhe.

Ia justamente atrás dela quando a Helena apareceu, dizendo com um

sorriso forçado:

- Ângela! Posso falar-te um momento a sós, por favor?

Page 32: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

VI Ângela e Helena

- Tenho que fazer - disse Ângela secamente.

- Não, não tens - disse Helena, tentando falar calmamente, e sorrindo. - É

muito importante, Ângela.

- Espero que me peças desculpa pela tua má-criação para comigo - disse

Ângela com altivez. - Só te falarei se o fizeres. Não posso consentir que pessoas

como tu me chamem horrível e detestável snob.

Helena engoliu em seco, e esforçou-se por falar, apesar das palavras quase

a sufocarem.

- Peço-te que me perdoes, Ângela. Eu... eu perdi a cabeça!

Carlota ouviu esta conversa, por acaso e inesperadamente veio em auxílio

da Helena.

- Se me pedirem a minha opinião, acho que a Ângela também te deve

pedir desculpa a ti, Helena, pelas suas observações! - disse Carlota, na sua voz

fresca e sincera. - Eu por mim nunca pediria desculpa àquela gata!

Ângela voltou-se para a Carlota numa fúria, com os seus olhos azuis

brilhando de raiva.

- Nem pela cabeça te passa que liguemos importância a pessoas de circo,

pois não? - gritou ela. Mas em vez de ficar humilhada, Carlota deu uma das

suas gargalhadas.

- Se não estivesse no quarto ano dava-te a mais valente bofetada que já

apanhaste nos dias da tua vida - disse ela com afabilidade. - Uma valente

bofetada era a melhor coisa que te podiam dar.

- Nunca na minha vida me tocaram nem com um dedo! - ripostou Ângela,

sentindo um desejo enorme de esbofetear o rosto vivo de Carlota.

- Vê-se! - exclamou Carlota. - Serias um pouco mais simpática se o

tivessem feito. Anda daí Helena, deixa a Ângela mais os seus ares altivos e vem

jogar as cartas comigo na nossa sala.

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Helena sentia-se muito grata para com a Carlota pela sua inesperada

intervenção, mas abanou a cabeça. Tinha que descobrir o que se passava com o

Eddie. Que pouca sorte ter sido a Ângela, no meio de tantas raparigas, com

quem ele tinha falado! Qualquer das outras teria sido decente, menos a

Paulina... talvez.

Carlota encolheu os ombros e foi ter com a Roberta e as gémeas. Não

gostava lá muito da Helena, porque pensava, bem como as outras, que era uma

alcoviteira; mas mesmo assim a Ângela estava a comportar-se como uma gata,

deitando as garras de fora e arranhando com quanta força tinha!

Ângela voltou-se para Helena.

- Bem, tu pediste-me desculpa, e eu aceito as tuas desculpas. O que me

queres dizer?

- Ângela, por favor, diz-me o que te disse o Eddie. Entregou-te algum

bilhete para mim?

- Entregou-me uma carta respondeu Ângela. Helena corou de nervosa que

estava, e olhou para a colega com ansiedade.

- Dá-ma, por favor - implorou ela.

- Não sei por que é que ta hei-de dar - disse Ângela.

- Parece-me que não devia pegar em bilhetes e entregá-los desta maneira.

Helena sabia que Ângela dizia aquilo para a irritar. Ficou furiosa, mas

manteve-se calma.

- Nunca mais terás que o fazer - afirmou Helena

- porque vou dizer ao Edgar para não voltar a mandar bilhetes por este

sistema. Para a outra vez mandará pelo correio. Por favor, dá-me o bilhete.

- Agora ouve - disse Ângela, pensando repentinamente nos seus interesses

pessoais. - Se eu te der este bilhete e não disser à tua mãe que vi o teu precioso

Eddie, tens que me prometer qualquer coisa.

- O quê? - perguntou Helena surpreendida. - Prometo o que quiseres!

- Óptimo - disse Ângela. - Tens que prometer que nunca dirás nada à tua

mãe a meu respeito, estás a perceber? Não quero voltar a ter montes de coisas

para coser, com buracos que eu nunca fiz!

- Não deves dizer essas coisas da minha mãe - disse Helena.

- Mas digo! - continuou Ângela. - Todas nós sabemos que lhe contas tudo a

nosso respeito. Fala das outras todas, se quiseres, mas nunca mais lhe fales de

mim. Terás que te arrepender se o fizeres.

Page 34: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Não havia nada a fazer senão prometer, e Helena prometeu, numa voz

que tremia.

- Nunca direi nada de ti. Eu não faço queixas. Se a mãe vos dá coisas para

coser, a culpa não é minha.

- Humm... - fez a Ângela, como quem não acredita.

- O que se sabe é que sempre que alguém se atreve a dizer alguma coisa de

ti, a Vigilante despeja sobre esse alguém um monte de roupa para coser, de

forma que o tal alguém fica privado de nadar ou praticar outro desporto. De

qualquer modo, Helena, previno-te que tens que dizer à tua mãe coisas

agradáveis a meu respeito, se não queres que eu lhe fale de ti, e lhe diga que vi

o Eddie e que ele não quer que a mãe saiba disso!

Helena mordeu o lábio. Era muito custoso ter que se conservar calma

durante este longo discurso. Mas sabia que tinha que ser assim, por causa do

Eddie.

- Já pedi desculpa, Ângela, e prometi o que me pediste - murmurou

Helena em voz baixa. - Agora por favor dá-me o bilhete.

Ângela pôs-se à procura do bilhete na algibeira. Levou imenso tempo,

fingindo tê-lo perdido, procurando na blusa e em todas as algibeiras. Helena

estava furiosa com tanta demora, mas esperou com toda a paciência enquanto

Ângela procurava.

Por fim, Ângela apresentou o bilhete. Helena arrancou-lho da mão, e sem

mais qualquer palavra foi-se embora sozinha para o ler. Era muito curto. Dizia

o bilhete:

Minha querida irmã

Preciso de falar contigo. Não digas nada à mãe. Precisamos de ter

uma conversa. Podes ir ter comigo do lado de fora do muro do jardim,

junto da porta, esta noite a qualquer hora? Esperarei por ti por trás dum

arbusto até tu chegares.

Teu irmão muito amigo,

Eddie

Helena leu o bilhete três vezes e depois rasgou-o. Receava que a mãe o

visse, e depois zangar-se-ia com o Eddie. Demais a mais a mãe não era uma

pessoa compreensiva. Não tinha o Eddie em grande conta, e estava sempre a

Page 35: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

dizer-lhe que o pai tinha sido um homem formidável, que era muito estranho

que o Eddie não tivesse feito na escola nada de feito, nem ganho uma única

bolsa de estudo, nem feito nada de que a mãe pudesse orgulhar-se.

“Irei à procura do Eddie, junto da porta do jardim, logo que as outras

estejam seguras na nossa sala - pensava Helena. - Pobre Eddie, há quanto tempo

ele está à espera! Não podia mandar uma carta pelo correio, porque a mãe tê-la-

ia visto de certeza, e já se vê que a queria ler.”

Helena esperou até se certificar de que estavam todas as alunas do quarto

ano reunidas na sala. Sentou-se perto da porta e observou-as. Dora e Carlota

estavam a fazer palhaçadas e as outras estavam a vê-las e riam-se. Claudina

levantou-se para se juntar às que estavam a fazer as palhaçadas, e Helena

verificou que era naquele momento a melhor altura. Saiu sorrateiramente.

Mas houve uma pessoa que a viu sair. Foi Ângela, que estava à espera que

ela fosse até à azinhaga. As alunas estavam proibidas de sair do colégio, sem

licença, depois da aula de estudo, e Ângela sorriu para dentro, malignamente.

“Se a Helena se põe no hábito de se encontrar com o seu querido irmão

Eddie fora de horas, poderei também pegar-lhe por isso”, pensou Ângela. Saiu

da sala e entrou na salinha de música que dava para os pátios do colégio. Era

difícil ver alguém por causa das árvores e dos arbustos, mas como ela sabia

muito bem para onde havia de olhar, conseguiu ver a Helena de vez em

quando, correndo entre as árvores até à cancela do jardim.

Voltou para a sala. Dora, Carlota e Claudina ainda estavam a fazer

palhaçadas, mantendo toda a gente a rir à gargalhada. Dora era formidável em

mímica, Carlota fazia imensas habilidades, e Claudina imitava mam’zelle, a tia,

na perfeição.

Ângela não achava graça nenhuma, nem percebia de que se riam. “Será

que realmente acham engraçado fazer caretas, e ficarem com aquele ar feio e

estúpido “, pensava ela, ao olhar para a Dora que imitava uma velha mulher a

dias, e Claudina a representar o papel duma criada francesa. Acariciava o seu

lindo cabelo louro claro, comparando-o com a trunfa selvagem da Carlota. A

sua face encantadora iluminou-se com um estranho sorriso. Sabia que era mais

bonita do que qualquer outra rapariga do colégio! De que servem os dotes e a

inteligência? Toda a gente olhava para ela na rua, toda a gente achava que ela

podia ser pelo menos uma princesa! E quem sabe se um dia casaria com um

Page 36: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

príncipe e seria uma autêntica princesa! Ângela sonhava acordada, sem ouvir

nada do que se passava à sua volta.

Havia duas pessoas a observá-la, uma com inveja, outra com uma grande

admiração. A primeira era Paulina que, feia e sem graça, invejava a beleza da

outra, e desejava ardentemente ser como ela. Mas o seu cabelo absolutamente

liso, apesar de bem escovado, nunca teria o brilho do da Ângela, nem nunca se

voltaria para dentro nas pontas como acontecia ao da Ângela, e que tão bonito

ficava. Os olhos da Ângela eram dum azul lindo e brilhante enquanto os da

Paulina eram mortos. As faces da Ângela eram dum rosado perfeito, e as da

Paulina raras vezes tinham qualquer cor. Não era justo que a Ângela tivesse

tanto, e ela, Paulina, fosse tão desprovida, no que se refere a aparência.

A outra pessoa que observava Ângela era, evidentemente, a sua dedicada

escrava Adelina. Perguntava a si própria se Ângela lhe teria perdoado por a ter

aconselhado acerca da Helena. Procurou atrair o olhar da Ângela, mas ela

estava perdida no meio dos seus belos sonhos.

- Estás tão bonita, Ângela! - murmurou Adelina por fim.

Ângela ouviu e sorriu docemente. Esquecera-se de que estava zangada

com a Adelina. Esta falou-lhe em voz baixa, louvando-a pela conquista que

fizera da Helena.

- Disse-lhe das boas, por ser uma alcoviteira - contou ela à Adelina. -

Proibi-a de voltar a falar de mim, e ela prometeu não voltar a fazê-lo.

- Oh!, Ângela, na verdade conseguiste que ela fizesse essa promessa? -

perguntou Adelina. - Tu és formidável, realmente! - olhou à roda da sala. - Olha

lá, onde está a Helena?

- Gostavas de saber? - perguntou Ângela, olhando para o valioso relógio

de ouro que tinha no pulso; e ao ver que havia apenas cinco minutos até à hora

de irem para a cama, disse: - Então vem comigo, que eu vou ver se te posso

mostrar onde está a nossa querida Helena.

Levou a Adelina até à salinha de música.

- Vês o muro do colégio, lá em baixo? - perguntou Ângela. - Sabes da porta

que existe por trás do campo de ténis? penso que a Helena saiu essa porta para

ir à azinhaga falar com o seu querido, adorado Eddie!

- Olha, lá vem ela - disse Adelina. - Santo Deus! Meteu-se num bom

sarilho se a apanham!

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- É a Helena, sim senhor - confirmou Ângela, ao avistar uma figura entre

as árvores, e desaparecer outra vez. - Vamos esperar do lado de fora da sala, e

apanhá-la ao entrar.

E as duas ali esperaram. Helena subiu o corredor rapidamente até à sala, e

Ângela dirigiu-lhe a palavra.

- Então, como está o querido, adorado Eddie? Helena olhou para ela,

quase sem a ver. Estava pálida e parecia preocupada. Empurrou a porta da sala,

tencionando ir buscar a camisa de noite que tinha estado a coser. Mas Ângela

obrigou-a a parar.

- Não respondeste à minha pergunta - observou ela, numa vòzinha meiga.

- Como está o querido, adorado Eddie?

Helena olhou a direito para aquela rapariga tão má, e disse numa voz que

tremia:

- Eddie está óptimo. Tinha uma quantidade de boas notícias para me dar.

Vai lindamente.

Helena entrou na sala. Adelina voltou a não se sentir à vontade. Não

gostava que a Ângela arreliasse assim a outra, porque atingia as raias da

maldade. Mas como podia atrever-se a discordar da fidalga Ângela?

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VII Claudina consegue o que quer

- Este período é muito agradável - disse Patrícia a Isabel enquanto se

enxugavam depois da natação na piscina. - Eu adoro toda esta vida ao ar livre.

Ténis... natação... andar a cavalo... jardinagem... e hoje até tivemos lições ao ar

livre. Estava tanto calor!

Isabel riu-se.

- A pobre Claudina é que não gosta tanto do ar livre como nós! - observou

ela. - Não teve piada na aula de Matemática.

Na verdade Claudina tinha tido piada. Para começar, ficara horrorizada ao

ouvir dizer que a miss Ellis propunha dar as lições ao ar livre, debaixo das

árvores. Nos colégios onde tinha estado nunca ouvira falar em tal coisa.

- Lições ao ar livre - admirou-se a rapariguinha francesa. - Mas porquê?

Passa-se alguma coisa cá dentro de casa? Não gosto de dar lições na rua. O sol

está muito quente, fico queimada.

- Que pena que não te queimes um bocadinho mais - comentou a rir,

Roberta, que era da cor das bolotas.

- Olha para nós, todas morenas e queimadas, enquanto tu pareces uma

açucena pálida e branca!

Claudina olhou para as suas mãos, brancas como uma açucena, cheia de

satisfação.

- Aí está outra coisa que eu não compreendo em vocês, raparigas inglesas.

Não é bonito ficar queimada, é feio encher-se uma pessoa de sardas, e contudo

vocês procuram queimar-se o mais que podem, durante o dia inteiro! Eu cá por

mim gosto de ter uma pele branca. É mais natural e fica melhor. E que ideia é

essa da miss Ellis querer dar as lições na rua? Eu levo um guarda-sol comigo,

pois não quero apanhar nem uma sarda!

Mas miss Ellis não consentiu que se levassem guarda-sóis para a lição de

Matemática. Olhou para Claudina e repreendeu-a.

Page 39: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Não sei se te estás a fazer engraçada, ou se realmente achas que precisas

dum guarda-sol debaixo das árvores, onde não há sol... mas seja como for, o

guarda-sol volta para o colégio imediatamente. Nem posso imaginar onde é que

o arranjaste!

Aquele guarda-sol tinha sido usado numa peça, e era enormíssimo.

Claudina desaparecia debaixo dele. Olhou para miss Ellis com um ar

absolutamente patético.

- Por favor, chère miss Ellis, eu não estou a brincar; e porque não quero

ficar com sardas no nariz - disse ela com uns olhos imploradores. - Uma

rapariga francesa não fica bem com sardas. As sardas são inglesas, miss Ellis, e

eu não quero ter sardas.

- Oh!, as sardas são tão francesas como inglesas!

- disse miss Ellis. - A tua cara pálida só tem a lucrar com umas sardas

castanho-escuro aqui e além. Fazes favor de levar o guarda-sol para o colégio e

não voltar a trazê-lo.

- Oh!, por favor miss Ellis, deixe ficar o guarda-sol para mim e para a

Claudina - suplicou Ângela, que também receava fortemente as sardas. A sua

face estava queimada, dum castanho-rosado, e não tinha sardas nenhumas.

Tinha muito cuidado para não se deixar queimar excessivamente, porque sabia

que isso estragaria a sua delicada beleza. Deitou à cara da Roberta uma

olhadela trocista. Estava completamente cheia de sardas castanho-escuro até à

pontinha do nariz arrebitado.

- Tinha um grande desgosto se ficasse sardenta como Roberta - disse

Ângela, sem que a sua voz mostrasse qualquer sombra de maldade. - Este sol é

tão quente, miss Ellis... veja como ficou a pobre Roberta!

- Estás enganada - disse Roberta, que não tinha paciência para disparates

daquele género. - A minha cara é tão sardenta no Verão como no Inverno. O sol

do Verão não tem nada a ver com isso! Já nasci sardenta!

Todas as alunas se riram, e Roberta abriu a boca para continuar. Mas miss

Ellis, que conhecia os discursos de Roberta, falou primeiro.

- Já chega, Roberta. Não quero nem mais um minuto da lição de

Matemática perdido a falar de sardas. Claudina, leva o guarda-sol para trás.

Ângela, não fiques com essa cara de quem vai perder os sentidos. Fazia-te

muito bem a ti, eà Claudina, se ficassem com umas sardazinhas. À Claudina,

porque está tempo demasiado dentro de casa, e a ti, porque não pensas noutra

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coisa senão na tua aparência. Era melhor que pensasses um pouco mais nos

estudos. Podes achar engraçado ser a última todas as semanas, como tens sido

até aqui, mas devo dizer-te que não percebo onde está a graça.

Ângela corou. Que horrível era a miss Ellis! Viu um sorriso de satisfação

na face de Paulina. Paulina era mais inteligente do que ela. Aliás, era a única

coisa em que Paulina lhe era superior. Ângela ficou triste, e olhou para Adelina

como que a pedir consolação. Adelina deu-lha, sorrindo com adoração, e

fazendo uma careta a miss Ellis.

As lições ao ar livre não eram nada bem sucedidas com a presença da

Claudina. Gritava quando um insecto voava junto dela, e se um pássaro se

atrevia a sair dum arbusto esvoaçando, fazia com que toda a gente desse um

pulo, com os seus gritos. Miss Ellis estava muito aborrecida com ela.

- O que se passa agora, Claudina? - perguntou quando uma abelha passou

perto dela e lhe zumbiu ao ouvido. Claudina gritou, saltou e correu para o

outro extremo da comprida mesa onde estavam a trabalhar.

- É um animal que faz “Zzzz” e tem um ferrão, miiss Ellis - gritou,

verdadeiramente assustada.

- É uma abelha - esclareceu miss Ellis com tristeza.

- Descansa que não te ferra. Senta-te. Estás a perturbar todas as outras.

O que a seguir afligiu Claudina foi uma formiga. Trepou-lhe pela perna, e

ela de repente deu por isso. Soltou um grito tão aflito, que todas as colegas

deram um violento salto.

- CLAUDINA! Mando-te lá para dentro se voltas a gritar! - disse miss Ellis

exasperada. - O que aconteceu agora.

Claudina estava a tirar a liga com as mãos a tremer, dando gritinhos

acompanhados de exclamações em francês. A formiga tinha explorado o

interior da parte superior da meia. As colegas desataram a rir, e miss Ellis batia

na mesa, muito zangada.

- O que estás a fazer, Claudina? com certeza não vais tirar as meias!

Claudina era surda a tudo quanto miss Ellis dizia. Quando finalmente viu

a formiga, dentro da meia, não se atreveu a tocar-lhe, e olhava à roda com uma

expressão tão aflita, que Roberta teve pena dela, e atirou, com toda a destreza, a

formiga para o chão.

- Ah! - suspirou Claudina - trés bien, Robertazinha! Que coisa horrível me

havia de acontecer!

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- Coisas muito mais terríveis te acontecerão se voltares a perturbar a aula -

disse miss Ellis com uma voz tão severa, que Claudina estava admirada. Voltou

a sentar-se, apertando a liga.

- Se dás mais um grito, vais para dentro - acrescentou miss Ellis.

Claudina ficou a olhar para ela pensativamente. Se alguma coisa havia que

ela desejasse naquele momento, era justamente ir para casa, onde não havia

animais que voavam e outros que rastejavam, para a molestar.

Esperou que miss Ellis baixasse a cabeça para corrigir o trabalho da Lida, e

então deu tamanho grito, que fez com que a companheira mais próxima,

Paulina, saltasse com tanta violência que entornou o tinteiro em cima da mesa.

Miss Ellis levantou-se dum salto, perdendo por completo a sua calma habitual.

- Claudina! O teu comportamento é intolerável. Vai para dentro

imediatamente, procura na sala das professoras aquela que estiver livre de

momento, e diz-lhe que te mandei para casa de castigo. Diz-lhe também que lhe

peço para ficar junto de ti enquanto fazes os teus trabalhos de Matemática. E se

fizeres um único erro, muito terás que me ouvir. Estou muito aborrecida

contigo.

com a maior alegria e entusiasmo, Claudina obedeceu a miss Ellis,

correndo para casa com os livros, antes que a professora mudasse de ideias.

Dora deu uma das suas gargalhadas. Miss Ellis olhou para ela asperamente, e a

Dora parou imediatamente de rir. Nessa altura ocorreu a miss Ellis que

Claudina, como de costume, tinha conseguido exactamente aquilo que queria,

usando o seu processo habitual, pouco escrupuloso!

Miss Ellis procurava adivinhar quem seria a professora que naquele

momento estaria na sala. Pensou que talvez fosse miss Rollins. E isso era bom.

Miss Rollins era muito severa, e faria com que Claudina se sentisse muito

pequena e humilde perante o acto que praticara.

Mas, com grande satisfação de Claudina, não era miss Rollins. Ao bater

timidamente à porta da sala das professoras, pensou qual seria a professora

com mais probabilidades de ali se encontrar. Desejou que fosse a professora de

pintura, porque era engraçada e alegre.

Abriu a porta e entrou, e viu que era Mademoiselle. Mam’zelle estava a

passar uns momentos agradáveis, sozinha. Tinha tirado os sapatos de salto raso,

e desabotoara a gola alta da sua blusa. Estava um dia tão quente! Estava a

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passar pelo sono, sobre um caderno, quando a figurinha de Claudina apareceu.

Ficaram a olhar uma para a outra.

- Por que estás aqui, Claudina? - perguntou Mam’zelle severamente, em

francês. Claudina despejou imediatamente uma copiosa e sincera explicação.

Como todos aqueles insectos e animais alados daquele horrível exterior inglês a

tinham molestado, sim, e mordido, e picado, e que a vida assim nem valia a

pena ser vivida! E o sol queimava-a, e tinha a certeza que lhe iam aparecer

dúzias daquelas sardas tão feias, e o que iria a mãe dizer? Ah! muito dura era a

vida naquele desportivo colégio inglês, com o seu amor pela água gelada, o

delírio de andar a bater em bolas tantas vezes por semana, os detestáveis

passeios a pé, e...

Mam’zelle concordou inteiramente. Também detestava sol a mais, e os

insectos e répteis de qualquer espécie enchiam-na de medo e repugnância.

Esqueceu-se de inquirir se Claudina tinha ido para dentro de livre vontade, ou

se tinha sido mandada de castigo. Falaram pelos cotovelos, os seus

pensamentos voltaram-se para a sua querida França, onde as raparigas eram

verdadeiras raparigas, estudavam, cosiam e bordavam, e não andavam em

correrias loucas como as raparigas inglesas.

Por isso, quando miss Ellis perguntou mais tarde à mam’zelle se tinha

ralhado devidamente à Claudina por ter sido mandada para dentro de castigo,

mam’zelle apanhou um choque, e ficou espantada a olhar para miss Ellis.

- Ah, pobre Claudina! - disse por fim. - Não deve tratá-la com muita

dureza, miss Ellis. É tão difícil para uma rapariguinha estrangeira aprender os

vossos hábitos ingleses!

Miss Ellis bufou.

- Suponho que isso significa que fizeram festas uma à outra, que a

mam’zelle acreditou tudo quanto a menina mal comportada lhe disse, e se

calhar até a ajudou a fazer os trabalhos de Matemática! Ela nunca tinha feito

uma conta certa!

Mam’zelle sentiu-se muito pouco à vontade. Tinha ajudado Claudina a

fazer o trabalho, e claro que tinha acreditado quanto ela havia dito. Seria que a

Claudina enganava a sua boa tia? Não... não! Tal não era possível!

Mas, pensando bem no assunto, sabia que a espertalhona da Claudina

podia enganá-la, e enganava, se lhe desse para aí. Mam’zelle adorava Claudina

e bebia os ares por ela. Mas assim mesmo, às vezes não sabia o que pensar...

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Seria Claudina um bocadinho esperta de mais? Não conseguia ela o que queria

demasiadas vezes? O mal é que nunca se sabia o que Claudina queria senão

depois dela o ter conseguido, e nessa altura já não havia nada a fazer.

- Palavra de honra! - disse Roberta no fim da lição de Matemática, quando

todas estavam a guardar os livros.

Aquela Claudina faz o que lhe apetece, e consegue-o!

Tenho a certeza que passou lá dentro um rico tempo. E assim foi. Foi ter

com miss Ellis no fim da manhã, pedir-lhe perdão com um ar muito

enternecedor.

- Ah, miss Ellis! Estou tão envergonhada, tão envergonhada, tão

envergonhada! Os ingleses não têm medo de nada, conservam-se sempre

calmos, nunca perdem a cabeça... mas eu, sou uma estúpida rapariguinha

francesa... perdoe-me, que eu prometo portar-me melhor de futuro. A minha tia

ficou muitíssimo zangada comigo, fez-me chorar amargamente. Veja como

tenho os olhos vermelhos!

Miss Ellis não viu quaisquer vestígios de vermelhidão nos seus olhos, e

tinha a certeza que mam’zelle não se tinha zangado coisa alguma, mas era-lhe

difícil esconder um sorriso. Claudina era tão sincera nas desculpas que pedia!

- Por esta vez perdoar-te-ei, Claudina. Mas tem cuidado para a próxima

vez.

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VIII O período continua

Embora as raparigas soubessem que Claudina dizia petas quando lhe

convinha, que se servia das coisas delas sem prévio pedido, e continuava a

copiar sempre que lhe era preciso, não podiam deixar de gostar dela. Era muito

alegre, generosa à sua maneira, e nunca se ofendia com aquilo que lhe diziam.

Contudo podia ofender-se facilmente com alguma coisa que a Ângela ou a

Paulina lhe dissessem. Ângela olhava Para ela com o mesmo desdém com que

olhava para a Helena, porque era uma aluna que certamente não pagava a

pensão do colégio.

- Alunas por caridade... qualquer delas! - disse ela um dia à Adelina,

troçando. - Acho que não deviam estar em colégios como este.

Se Roberta, Lida ou as gémeas ouviam comentários deste género, por

acaso, diziam-lhe das boas e não a poupavam.

- Olha lá - disse Patrícia uma vez -, nós não gostamos mais da Helena do

que tu, mas tens que compreender, Ângela, que se a mãe da Helena a tem aqui

sem pagar, é por causa do trabalho que ela própria aqui tem como Vigilante, e é

indiferente pagar qualquer coisa em dinheiro ou em trabalho; tudo é

pagamento, e a Helena não está aqui por “vaidade”, como tu dizes. Tu é que és

tão snob que até enjoa!

Ângela detestava que lhe chamassem snob. Fechou o livro com toda a

força.

- Snob! - exclamou ela - é uma palavra da vossa predilecção quando se

referem a alguém que tem verdadeira classe. Arranjem qualquer coisa mais

original para dizer.

- Tens razão - concordou Roberta imediatamente.

- Tu achas que a Claudina também aqui está por caridade. Pois bem, em

vez de nos dizeres isso a nós, por que não vais dizê-lo à mam’zelle, ou à própria

Claudina? És demasiado cobarde para isso. És capaz de tocar na Helena porque

a tens na mão e ela não te pode responder à letra! Mas não te atreves a tocar na

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Claudina directamente, porque ela é capaz de se atirar a ti e arranhar-te essa

carinha de anjo, ou fazer com que a mam’zelle te comece a fazer guerra!

- Oh, és impossível! - disse Ângela, furiosa. - vou pedir à minha mãe que

me tire do colégio no meio do período. Na verdade, quando ela aqui chegar e

vir o género de raparigas com quem tenho que viver, tenho a certeza que me

leva com ela.

- Deus do Céu! Se ao menos a tua mãe tiver o senso preciso para fazer isso!

- suspirou Roberta. - Mas não faz. Eu conheço as mães. Vai deixar-te ficar aqui

para nos maçares durante o resto do período.

Os olhos de Ângela encheram-se de lágrimas de raiva. Durante a sua vida,

completamente estragada com mimos, nunca ninguém lhe tinha falado daquela

maneira. Estava furiosa, magoada e triste. Engolia as lágrimas, porque as

lágrimas prejudicavam a sua beleza. Foi ter com a Adelina. A Adelina arranjava

sempre um unguento para suavisar as mágoas da Ângela. com o seu habitual

sistema de cabeça oca, fazia por não ver os graves defeitos da Ângela, e apenas

tinha olhos para o seu rosto encantador, para a beleza dos seus vestidos e de

tudo quanto possuía. Pobre Adelina! Tinha a sina de ser atraída pelas pessoas

que devia desprezar.

- Nunca aprende! - comentou a Lida. - Realmente pensei uma vez, quando

ela andava no segundo ano, e estava tão interessada na nossa horrível

ensaiadora, a miss Quentin, que essa lição lhe tivesse servido de alguma coisa...

lembras-te como a miss Quentin a desprezava? Fingia gostar imenso da

Adelina, e troçava dela nas costas.

- Lembro-me perfeitamente - concordou Patrícia.

- É uma pena que a Adelina só se sinta feliz adorando alguém. No fundo

faz um mal terrível à Ângela. Sempre que nós conseguimos introduzir um

pouco de bom senso na cabeça da Ângela, a Adelina fá-lo sair, dizendo-lhe que

ela é maravilhosa, duma beleza indescritível, e o mais que lhe vem à cabeça!

- Devo dizer que é completamente diferente de vocês ambas - disse

Roberta. - Vocês são muito sensatas. Até custa a crer que tenham uma prima

como a Adelina!

O tempo continuava quente e de sol, com o céu azul todos os dias. As

alunas nadavam e jogavam a seu belo prazer. Estavam todas muito queimadas,

excepto Claudina, que permanecia pálida e branca apesar de tudo. Houve uma

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semana em que se preocupou muito porque estava certa de que lhe iam

aparecer sardas no nariz. As outras arreliavam-na sem dó nem piedade.

- Santo Deus! Como já se vê bem uma enorme sarda que a Claudina tem

no nariz! - exclamou a Lida fixando os olhos no narizito da colega.

- Se vê! Vai ser uma verdadeira beleza - confirmou Patrícia.

- Do tamanho duma moeda de dez tostões - disse Isabel.

Claudina soltou um grito de aflição, e tirou do bolso o espelhinho que

trazia sempre consigo. Tanto ela como a Ângela e a Adelina andavam sempre

munidas de espelhos para examinarem os rostos a propósito de tudo e de nada.

- Não tenho sarda nenhuma! - anunciou ela indignadamente. - Vocês

falam “debaixo do chapéu”!

As colegas riram-se, e a Roberta disse:

- Claudina, tu falas “através do chapéu” e não “debaixo dele”. Mas se

queres guardar um segredo, guarda-o “debaixo do chapéu”. Percebes?

Claudina suspirou.

- Muito difíceis são os vossos ditados ingleses! Mas agora hei-de lembrar-

me: falar através do chapéu, significa ser parvo, e guardar qualquer coisa

debaixo do chapéu, significa guardar um segredo. Olhem, ali vai alguém que

guarda qualquer coisa debaixo do chapéu!

As raparigas voltaram-se para ver a quem se referia Claudina. Era Helena

Paterson.

- Realmente a Helena tem ar de quem anda embuchada - disse a Lida um

tanto preocupada. - Dá a impressão de que tem um segredo, e que receia que

alguém o descubra. Por vezes até parece que se sente infeliz.

- Mas tem aqui a mãe a quem pode contar tudo - disse Patrícia. As colegas

fizeram uma troça doida.

- “Peee”! - fez Roberta. - Tu contavas alguma coisa à Vigilante, se ela fosse

a tua mãe? Eu cá não contava nada. É dura como ferro. Deus queira que eu

nunca adoeça enquanto ela aqui estiver como Vigilante. Não posso pôr na

minha ideia ser tratada por ela!

As raparigas eram agora muito cuidadosas na maneira de tratar a Helena,

pois tinham a certeza que qualquer desdém, quer intencional, quer não, que

mostrassem à Helena, era participado à Vigilante, que as sobrecarregaria com

toda a espécie de inesperada costura. Todas, menos a Ângela. Esta podia fazer e

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dizer à Helena tudo quanto lhe apetecesse. A Vigilante parecia olhar sempre

para a Ângela com toda a benevolência. Helena não se atrevia a dizer nada dela.

- Tenho a impressão de que a Helena sente a falta do irmão - disse

Roberta. - Vocês ouviram o que a Ângela nos contou... como ele a veio ver, sem

querer ver a mãe. Se calhar ele está metido nalgum sarilho, e a Helena anda

preocupada por causa disso.

- Pobre Helena! - lamentou a Lida. - vou ver se consigo tirar nabos da

púcara.

Para o efeito, Lida, com bondade e tacto, “apalpou” a Helena, mas ficou a

saber muito pouca coisa.

- Que idade tem o teu irmão - começou ela. - É parecido contigo?

Helena foi buscar uma fotografia e mostrou-a à Lida. Parecia satisfeita por

ter uma oportunidade de falar do irmão.

- Eddie tem dezoito anos - informou. - Tem mais dois anos do que eu. É

simpático, Lida. Mas não tem tido muita sorte. Sabes, o meu pai morreu quando

éramos ainda tão pequenos. O Eddie devia estar agora no colégio, mas tem que

ganhar a vida.

lida olhou para a fotografia. Era um rapaz de aspecto fraco. Parecia

bondoso, mas era tudo quanto se podia dizer.

- Em que trabalha ele? - perguntou ela.

- Está nuns trabalhos de engenharia - respondeu Helena. - Desempenha-se

muito bem. Um dia há-de ganhar muito dinheiro.

- Tu não andas preocupada por causa dele, pois não? - inquiriu a Lida com

bondade, olhando para a cara da rapariga que estava a seu lado, e que corara.

Helena respondeu logo:

- Preocupada por causa dele? Claro que não. Por que havia de estar?

Gostava de o ver mais vezes, isso gostava. Sabes, até ao princípio deste período

em que a mãe arranjou este emprego, vivíamos todos juntos. Ele está agora num

apartamento, e eu sinto muito a sua falta.

lida não disse mais nada. Continuava a achar que a Helena parecia

preocupada, e não prestava tanta atenção às lições como miss Ellis desejava.

“Mas, no fim de contas - pensava Lida - não era preciso mais que ter que ouvir

as rabugices da Vigilante, nas horas vagas, Para uma pessoa ter um ar

preocupado! “

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Helena tinha que ajudar a mãe no arranjo das roupas, todas as semanas, e

às vezes quando as alunas passavam à porta da Vigilante, ouviam-na rabujar

com a Helena. Quando calhava, a Helena respondia-lhe torto, isso é verdade,

mas geralmente ouvia em silêncio. Algumas das raparigas tinham pena da

Helena, outras ficavam satisfeitas, porque sabiam que era uma alcoviteira

quando lhe apetecia contar o que se passava no quarto ano.

Mais umas semanas se passaram, e o meado do período aproximava-se.

Três ou quatro raparigas do quarto ano faziam anos, e houve uma porção de

presentes para comprar.

Ângela tinha sempre muito dinheiro e comprava presentes muito caros.

Paulina procurou rivalizar com ela e comprava presentes maravilhosos

também. Mas era impossível gastar tanto dinheiro como a Ângela! Não podia

pensar em gastar quarenta escudos num frasco de sais para o banho, ou num

lenço de assoar com uma rendinha à volta.

Helena não deu presente nenhum.

- Desculpa... - disse ela à Lida no dia dos seus anos. Gostava de te dar

qualquer coisa, mas não tenho dinheiro nenhum nesta altura. Contudo desejo-te

muitas felicidades.

- Muito obrigada - disse a Lida, pensando que a Helena devia ser muito

direita e honesta, e apreciando-a naquele momento, em que provou ser

suficientemente corajosa para confessar que não tinha dinheiro nenhum.

Ângela presenteou Helena com um magnífico diário, cuja capa era de

cabedal autêntico, com os cantos lindamente trabalhados. Lida gostou muito

dele. Então Paulina ofereceu-lhe uma bolsa com as suas iniciais: I. W. W.

- Oh, Paulina, que bonito! Mas não queria que gastasses tanto dinheiro

comigo! Tenho a certeza de que isso te faz diferença!

Foi uma observação infeliz feita à Paulina, que era muito sensível em

matéria de dinheiro, e que procurava sempre competir com a Ângela. Corou e

respondeu, toda empertigada:

- Sabes que a minha família, os Bingham-Jones, são ricos - respondeu ela,

com aquela voz afectada que a Lida detestava. - Tenho o dinheiro que quero. É

verdade que o não espalho duma maneira tão vulgar como a Ângela, mas

também tenho-me na conta de ter mais educação. Contudo tenho aquele que

peço, Lida, e não julgues que gasto mais do que aquilo que posso.

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- Oh, filha, os Bingham-Jones e a fidalga Favorleigh deixam-nos

completamente esmagados com tanta riqueza e fidalguia! - comentou Patrícia,

rindo. - Bem, mas das duas, eu prefiro a Paulina, porque a Ângela é realmente

má, por vezes, e diz coisas horripilantes com o mais angélico dos sorrisos!

- Não tenho em grande conta nenhuma das quatro raparigas que entraram

este ano. Considerando bem - disse Isabel franzindo a testa pensativamente. -

Ângela é uma snob cheia de maldade. Paulina é uma snob invejosa. Claudina é

divertida mas sem escrúpulos nenhuns... não tem qualquer noção do que seja

honra, segundo me parece... e a Helena é uma alcoviteira!

- Pai da vida! A modos que és màzinha, Isabel! - observou Patrícia.

- Não, isso é que não sou - disse Isabel honestamente.

- Estou apenas a avaliá-las. Não sou como a Adelina, que é incapaz de ver

para além dum rosto bonito. E embora não tenha em grande conta nenhuma

destas quatro, sabes muito bem que as ajudaria a todas, se da minha ajuda

precisassem. E quando se é realmente mau, não se pensa assim, não te parece?

- Tens toda a razão - concordou Patrícia. - Tens razão, sim senhora. Não

importa que se vejam as pessoas como elas são, e que até se não goste delas,

desde que se esteja pronto a auxiliá-las quando elas precisam.

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IX Fazendo os preparativos para a festa do período

O meio do período chegou rapidamente, e as alunas andavam excitadas

porque os pais vinham visitá-las. Haveria desafios de ténis e corridas de

natação na sua presença. Lida, Roberta, as gémeas e mais algumas alunas

andavam muito entusiasmadas porque esperavam fazer parte das equipas que

entravam nessas competições.

- Gostava que a minha mãe me visse nadar debaixo de água durante todo

o tempo do banho - disse Roberta.

- Ela foi grande nadadora quando era nova. Deus queira que me escolham

para as corridas de natação.

As gémeas esperavam entrar nos desafios de ténis, pois a mãe ficaria

muito satisfeita de as ver jogar juntas e ganharem um desafio. Tinham ambas

um grande orgulho no Colégio de Santa Clara, e desejavam ardentemente que o

seu colégio fizesse vista, e que elas próprias fizessem boa figura.

lida iria bater-se sozinha contra uma aluna do quinto ano. Tinha sido

escolhida pela sua maneira elegante de jogar, e esse desafio seria mais uma

exibição do que uma luta. Ambas as raparigas jogavam com uma elegância

natural, e a professora tinha uma grande vaidade nelas.

Marília esperava vencer a prova de comprimento na piscina. Era muito

rápida e forte. A sua amiga Glória, que parecia um ratinho, também entrava nas

provas de natação, porque, apesar de ser muito baixa, era uma esplêndida

nadadora. Estava ansiosa por que a mãe a visse.

Não tinha nem pai nem irmãos, e por isso a mãe era tudo para ela.

- As festas do período vão ser animadas - disse Lida.

- A tua mãe vem, Ângela?

- Evidentemente - respondeu Ângela - e o meu pai também. Estou desejosa

de ver o carro novo. É um Rolls-Bentley preto, com uma risca verde, e...

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- Desconfio que estás mais ansiosa por ver o carro novo do que a família! -

comentou Roberta, com um risinho. - Nunca falas dos teus pais senão a respeito

da sua riqueza... Ainda não tinhas dado por isso?

Ângela ficou amuada.

- Não sei o que queres dizer com isso. Certamente também falavas de

carros e outras coisas se os teus pais tivessem tanto como os meus. E vais ver a

minha mãe quando ela vier! Há-de sobressair de todas as outras. É linda, tem o

cabelo louro como o meu, e uns olhos muito azuis. Anda sempre muitíssimo

bem vestida...

- Até os alfinetes de segurança que ela usa são de ouro do melhor quilate,

cravados de diamantes... - rematou Patrícia.

- Não sei que graça é que vocês acham - disse Ângela quando as colegas

desataram à gargalhada. - Só lhes digo que esperem, que depois me dirão

quando virem a minha mãe! É a senhora mais bonita que vocês jamais viram.

- Que pena não seres parecida com ela! - exclamou Roberta em ar de troça.

- A tua mãe não tem desgosto de ter uma filha como tu? Deves ser um grande

desapontamento para ela!

Ângela corou de raiva. Não suportava que a arreliassem daquela maneira.

- Está bem - disse ela numa voz azeda. - Está bem. Mas esperem só até

verem a minha mãe... e depois me dirão se é ou não a pessoa mais maravilhosa

que vocês já Viram em toda a vossa vida. Espero que traga o colar de Pérolas de

duas voltas. Vale quatrocentos contos.

- Pois eu - disse Glória, que raras vezes intervinha em conversas destas,

com a sua doce voz - quero lá saber se a minha mãe traz o vestido mais velho

que tem, se vem com malhas caídas nas meias, ou se até se esqueceu de pôr pó-

de-arroz no nariz, desde que venha ver-me e que eu possa estar algumas horas

com ela! Pode ser a mais desarranjada, a mais feia, a mais pobremente vestida,

que terei sempre muito orgulho nela, e para mim será sempre a melhor de

todas!

Este discurso pareceu enorme na boca da tímida Glória. Ficaram todas

caladas quando ela acabou de falar. Patrícia sentiu virem-lhe as lágrimas aos

olhos. Havia tanta ternura na voz da Glória... e o que ela havia dito era

extraordinário. Aquela era a verdadeira maneira de se amar alguém. Que

importa o aspecto ou o que se faz? O que importa é receber as pessoas como

elas merecem.

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Até a Ângela foi apanhada de surpresa. Ficou a olhar para a Glória, muito

admirada. Ia para fazer uma observação desdenhosa, mas Roberta não deixou.

- Agora cala-te - intimou Roberta numa voz firme.

- A Glória disse a última palavra no que respeita a mães, e tem toda a

razão. Parabéns, Glória.

Depois disto, Ângela não disse mais nada, mas intimamente regozijava-se

ao pensar na sua mãe admiravelmente vestida, e em como as outras seriam

forçadas a admirá-la, e ao seu vestido, quando ela aparecesse.

- Os teus pais vêm? - perguntou Lida à Paulina.

- Claro que vêm - respondeu Paulina com alegria, e começou a falar deles

com entusiasmo. - O meu pai é um bonito homem, e a minha mãe é muito

simpática. Deus queira que traga o vestido que comprou nas férias. é muito

bonito. Fá-la parecer mais nova, e fica-lhe muito bem.

Paulina falou sobre os pais duma maneira tão snob como a Ângela,

embora duma forma diferente. Referia-se-lhes como pessoas generosas, boas e

bem dispostas, em vez de se lhes referir como pessoas cheias de teres e haveres.

- Os pais da Paulina devem ser simpáticos - comentou Patrícia. - Tenho

que ver bem os pais da Ângela. Tenho a impressão de que o pai deve usar

botões de brilhantes no casaco, e a mãe cinco ou seis casacos de peles ao mesmo

tempo!

Isabel fartou-se de rir.

- Estou muito contente por a nossa mãe ser uma pessoa vulgar. É bonita,

boa e sensata, mas não passa duma simpática mãe como há muitas!

Todas as alunas se exercitaram bem para as exibições que se

aproximavam, nadando e jogando ténis sempre que podiam, para que os pais se

orgulhassem delas. Havia também uma exposição de quadros pintados pelas

alunas e uma exposição de costura, na qual Claudina esperava obter um certo

êxito. Tinha bordado uma linda almofada em que havia um pavão com uma

maravilhosa cauda aberta.

Mam’zelle tinha um grande orgulho nesta almofada. Maçava toda a gente

a descrevê-la, e explicava:

- É um trabalho muito delicado! Ah! Claudina é muito inteligente! Não

acha que a Claudina fez uma cauda perfeita, miss Ellis?

- Acho - respondeu miss Ellis. - Muito melhor do que os trabalhos de

Matemática, História, Geografia, Literatura, ou...

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- Bem, bem! - interrompeu mam’zelle, magoada.

- Nem todos podemos ter habilidade para tudo. Mas a Claudina, ela...

- Não me parece que a Claudina tenha jeito para mais alguma coisa além

da costura - comentou miss Ellis.

- Só queria que ela tivesse um bocadinho de atenção nas aulas, e que

pensasse um bocadinho durante as horas de estudo! A mam’zelle estraga a

Claudina com mimos.

- Eu?! Estragar a Claudina com mimos! - exclamou mam’zelle, deixando

cair os óculos, com a fúria. - Nunca estraguei rapariga nenhuma com mimos,

nunca! Sou sempre severa, sempre justa, sempre...

- Está bem, mam’zelle -? disse miss Ellis apressadamente, ao ver que

mam’zelle estava lançada num dos seus longos e apaixonados discursos - está

bem. Tenho que me ir embora. Quando nos voltarmos a encontrar diz-me

o resto.

Mam’zelle procurou Claudina. Agarrou-se a ela, abraçou-a muito, com

grande espanto de Claudina. É que mam’zelle lembrara-se de repente, que a

pobre Claudina» não teria a presença dos pais na festa do período, visto que

estavam em França. Por isso, assim que se lembrou de tal, correu a confortar

Claudina que, no entanto, não precisava de qualquer conforto. Gostava dos

pais, evidentemente, mas como eram muitos irmãos e por conseguinte não

recebia do amor e da atenção dos pais senão um pequena parcela, não tinha

muitas saudades deles.

- Ah, minha querida Claudina! - disse mam’zele apertando nos braços a

espantada Claudina. - Não estejas triste, não te deixes desencorajar! Não te

amofines, que não estarás sozinha no dia da festa.

Claudina perguntava a si própria se a tia teria enlouquecido.

- Eu não estou triste, ma tante! Mas o que se passa? Aconteceu alguma

coisa?

- Não, não! – respondeu Mam’zelle, ainda cheia de ternos pensamentos

para com a sua Claudina. - Não aconteceu nada. É só porque tenho pena de ti

por os teus pais não virem à festa do período. Quando todas tiverem os seus

simpáticos pais e mães junto delas, tu não terás senão a tua tia Matilde que te

adora!

- Mas isso é bestial! - exclamou Claudina. Mam’zel franziu o nariz e os

óculos caíram.

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- Não empregues essas expressões! - aconselhou a tia - São ordinárias. Ah,

minha querida Claudina, não terás aqui os teus pais para admirarem a tua linda

almofada, com o seu imponente pavão... mas estou eu, minha querida, e não

sairei de junto dela nem um só minuto, e direi a toda a gente: “Vejam! Vejam a

linda almofada bordada pela extraordinária Claudina! Ah! Só uma rapariga

francesa seria capaz de executar um trabalho destes. Olhem para a cauda, vejam

como as penas estão bem matizadas, olhem para esta valiosa almofada, a coisa

mais bela deste dia! “

- Oh, tia Matilde, pela sua rica saúde não diga nada disso! - suplicou

Claudina verdadeiramente alarmada.

- As minhas colegas nunca mais acabariam de rir! Arreliar-me-iam até

mais não! Por favor não diga nada. Eu não me sentirei só, nem me importo que

não venha ninguém.

- Ah, como és valente! - suspirou mam’zelle, enxugando uma lágrima que

teimava em cair. – Compreendo a tua coragem. Não queres mostrar às outras o

teu sofrimento.

- Eu não sofro - afirmou Claudina, já um pouco impaciente - mas não sofro

mesmo, tia Matilde. Peço-lhe que não faça disto um bicho-de-sete-cabeças. Seria

ridículo se estivesse a tarde inteira ao pé da almofada a fazer observações dessa

natureza!

A ideia da mam’zelle de guarda à almofada como um buldogue, a falar

aos pais das outras alunas na solidão da sua sobrinha, e a gabar até ao infinito a

sua almofada, enchia a Claudina de terror. Começou a desejar que as festas do

período tivessem acabado!

Mas nem sequer haviam começado! Quatro dias... três dias... dois dias...

finalmente a véspera! Agora sim, estava perto! Naquela noite as alunas foram

para a cama muito excitadas, e cochicharam até muito depois das luzes

apagadas. Susana Howes, a chefe de turma, fingia estar a dormir. Não queria

ser desmancha-prazeres na véspera do dia da festa, severa como era todas as

outras noites.

Ângela pensava na impressão maravilhosa que a sua mãe iria causar, e

como ela se iria aquecer nos reflexos da glória da mãe. Esperava que a mãe

trouxesse o famoso colar de pérolas, e a sua linda raposa.

Helena também pensava na mãe, presente mas como Vigilante, e não

enfeitada e bonita com as mães das colegas. Gostava que o Eddie pudesse ali

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estar, não porque ela entrasse em qualquer competição desportiva, ou tivesse

algum trabalho em qualquer das exposições, mas porque seria encantador vê-lo

à sua procura, o seu adorado irmão.

Adelina estava ansiosa por ver a sua bonita mãe, bem como a da Ângela.

Esperava que ficassem amigas. Seria formidável se gostassem uma da outra, e

como seria bom se a mãe da Ângela a convidasse a ela, Adelina, para passar as

férias em sua casa. Seria ouro sobre azul!

Paulina também estava a pensar nos pais. E Roberta igualmente. As

últimas férias pareciam estar já a uma grande distância. Estar no colégio era

bom, mas melhor era estar em casa junto dos seus. Era muito agradável estar

com a família no dia seguinte.

Uma a uma as raparigas adormeceram. Roberta foi a primeira a acordar.

Sentou-se na cama e gritou:

- Acordem, dorminhocas! É o dia da festa!

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X Finalmente o dia da festa

No sábado da festa o dia estava lindo. O sol brilhava num céu azul sem

uma única nuvem.

- Está um dia magnífico, Claudina! - disse Dora, radiante, à colega

francesa. - Não podia estar mais bonito!

Claudina resmungou:

- Pensar que temos que estar lá fora com um sol destes! Já sei que vou ficar

cheia de sardas. Quem me dera que estivesse a chover!

- Minha desmancha-prazeres! - disse Roberta rindo-se

- Até num dia destes gostavas de ficar dentro de casa! Vem daí, anima-te e

sorri. Na verdade está um dia divinal.

A exposição de pintura estava pronta para ser admirada pelos pais das

alunas. Havia quadros muito bons, Miss Walker, a professora, tinha muito

orgulho neles. Tinha aguarelistas com quem saía muitas vezes para pintarem

cenas rurais, e algumas delas pintavam muito bem.

- Estes quadros vendem-se lindamente! - disse Claudina. - Os nossos

trabalhos são para vender? Quanto te dariam por este lindo quadro, Lida?

Lida riu-se.

- Tens ideias cómicas, Claudina. Claro que os nossos trabalhos não são

para vender. Como se os nossos orgulhosos pais o consentissem! Não. Os pais

levam para casa e colocam em lugares de destaque nas paredes, ou sobre os

móveis, os nossos quadros e cerâmicas, para que os amigos os possam admirar

e dizer: “Como a sua filha deve ser inteligente, minha senhora!”

- Aposto que a tua mãe ficava contente se lhe mandasses a tua linda

almofada no dia dos anos - lembrou Patrícia. Claudina riu-se.

Tenho três irmãs que fazem coisas muito mais bonitas do que as minhas.

A minha mãe olhava para a almofada e dizia: “Ah, a Claudina está a fazer

progressos! Isto não está nada mau para uma principiante!“

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- Mas a verdade é que a mam’zelle acha que está uma maravilha... - disse

Roberta. Tu tens uma coisa boa Claudina, não és nada vaidosa. com o falatório

que se tem feito acerca do teu bordado, era para estares toda inchada, e não

estás.

- Eu sei que está bem feito em relação ao que vocês inglesas fariam -

confessou Claudina, muito séria. - Mas também sei que em França não passa

dum bordado vulgar. A minha bitola de comparação no que se refere a bordado

é diferente da vossa, e não posso achar a minha almofada tão maravilhosa como

vocês dizem.

Claudina era uma estranha mistura de honestidade, sinceridade e

fraudulência. Mas até a sua fraudulência era estranha, porque não procurava

escondê-la. Tentava muitas vezes enganar miss Ellis, por exemplo, mas quando

ela dava por isso, Claudina confessava imediatamente a sua tentativa de dolo

sem se sentir envergonhada. Era como se estivesse a brincar com as professoras,

tentando levar a melhor, mas sem procurar esconder o facto de que estava

fazendo essa tentativa. As condiscípulas não conseguiam defini-la.

Patrícia e Isabel iam jogar juntas um desafio do colégio” e estavam

radiantes. Inspeccionavam as suas saias e blusas brancas, as peúgas encarnadas

e os sapatos brancos, e levaram as roupas à Vigilante para a criada as passar a

ferro. Todas as alunas tinham que se apresentar impecáveis à chegada dos pais!

Paulina mostrou-se triste ao pequeno-almoço, e ninguém sabia por quê.

Lida falou-lhe no seu modo habitualmente bondoso.

O que tens, Paulina? Pareces triste. Não estás aborrecida por não teres sido

escolhida para os desafios do colégio, pois não?

- Não! - respondeu Paulina. - Tive apenas um grande desapontamento.

- O que foi - perguntou Lida, e as colegas aproximaram-se para ouvir.

- Sabem - disse Paulina -, por pouca sorte, a minha mãe está doente e o

meu pai não a quer deixar sozinha, por isso não vêm hoje! E eu tinha tanto

gosto em que viessem à festa!

- Já foi azar, Paulina! - lastimaram as gémeas, com simpatia.

Um desapontamento daqueles à última hora era uma arrelia. Ficaram

todas cheias de pena.

- Deus queira que a tua mãe não tenha nada de cuidado - desejou Susana

Howes.

- Não, não tem nada de importância - disse Paulina.

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- Mas não pode vir. E eu que tanto gostava que vocês conhecessem o meu

pai, que tem uma figura tão bonita, e a minha mãe, que é linda! Até lhe tinha

escrito a pedir-lhe que trouxesse o vestido novo de que eu gosto tanto, e ela

mandou-me dizer que sim.

- Paciência - disse Isabel, que na verdade estava cheia de pena. - Podes sair

connosco e com os nossos pais, se quiseres. E assim não te sentirás tão só.

- Obrigada - disse Paulina. E depois parecia muito mais animada e tudo a

entusiasmou muito mais.

Mam’zelle tinha colocado a bonita almofada de Claudina num lugar bem

em evidência. Sentia-se ainda na disposição de cair nos braços de Claudina e de

lhe dizer que se não sentisse abandonada, mas Claudina fugia-lhe sempre que

podia, desaparecendo cada vez que via aproximar-se a tia.

- É uma espécie de jogo das escondidas, Claudina! - disse Roberta. - Mas

olha que tens que falar com a Mam’zelle rapidamente, ou ela rebenta. Está

ansiosa por te mostrar a maneira graciosa como colocou a tua maravilhosa

almofada na exposição.

O almoço foi muito ligeiro naquele dia porque as criadas estavam

atarefadas a arranjar os morangos para o chá que os pais tomariam à tarde, e

havia dezenas de quilos de morangos para pôr em taças de vidro. As

cozinheiras tinham feito bolos e biscoitos formidáveis, e havia sanduíches de

toda a espécie. As alunas estavam constantemente a espreitar para dentro da

casa de jantar, onde as travessas estavam todas enfileiradas.

Claudina entrou e surripiou alguns morangos. Era a única que se atrevia a

fazer aquilo.

- Arranjas um bom sarilho se alguém te apanha - disse Roberta.

- Entrem e provem - aconselhou Claudina, passando a língua rosada sobre

os lábios vermelhos. - São tão doces e tão sumarentos!

- Não - respondeu Roberta. - Demos a palavra de honra que não

tocaríamos nas coisas do chá, e nem sequer me passa pela cabeça faltar à minha

palavra.

- A vossa honra é uma coisa muito engraçada - troçou Claudina. - É uma

coisa horrível, que vos não deixa fazer o que vos apetece. Eu não me preocupo

com essas honras. Nunca terei a vossa honra. Não gosto disso.

- Tu és impossível, Claudina - censurou Ângela, torcendo o nariz. - Fazes

tudo quanto te apetece. Ainda bem que não sou tão desonesta como tu.

Page 59: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

O tom destas palavras foi muito desagradável, mas Claudina limitou-se a

rir. Dificilmente se ofendia.

- Oh, Ângela! - disse ela. - Achas pior surripiar alguns morangos do que

dizer mentiras duma rapariga, nas suas costas? Eu, cá por mim, acho realmente

desonesto dizer mentiras acerca de alguém, como tu fazes. Para mim tu és

desonesta, não vales mesmo nada, não por causa de meia dúzia de morangos,

mas por causa da tua má língua!

As raparigas presentes fartaram-se de rir. Aquilo fora dito numa voz

agradável, mas havia tanta verdade naquelas palavras, e o feitiço tinha sido tão

habilmente voltado Contra o feiticeiro, que as raparigas não puderam deixar de

se rir. Apenas Ângela ficara zangada. Mas havia pouco tempo para discussões

no dia da festa. Havia tanto que fazer, e cada aluna tinha a sua tarefa a cumprir.

Algumas tinham o encargo de arranjar as flores em todo o colégio, o que

levava muito tempo. As jarras tinham que Ser lavadas, eram retiradas as flores

velhas, era preciso apanhar flores novas e dispô-las, o melhor possível, nas

jarras e outros recipientes do género. As gémeas tinham muito jeito para este

trabalho, e estiveram ocupadas toda a manhã.

Depois do almoço todas vestiram fatos de desporto ou o uniforme do

colégio. O uniforme de Verão era uma bata de cor muito alegre. Cada aluna

podia escolher a cor que mais lhe agradasse, e cada uma escolhia aquela que

melhor lhe ficava. As morenas, como Carlota, escolhiam tons de vermelho e

laranja. As louras, como Ângela, escolhiam tons claros de azul e rosa. Pareciam

flores que se moviam sobre o relvado dos terrenos do colégio, naquele dia

quente de Verão.

- Os pais começam a chegar! - anunciou Adelina, ao ouvir os carros no

caminho. - Os primeiros já cá estão. Quem são?

A turma do quarto ano espreitou pelas janelas, mas ninguém conheceu as

pessoas que estavam nos carros.

- Devem pertencer aos anos mais atrasados - disse Roberta. - Lá vêm mais.

- São nove! - exclamou Joana. - Já sabia que chegavam cedo. A minha mãe

está muito bonita e queimada. vou ter com os meus pais.

Saiu a correr. Cada vez chegavam mais carros, e em breve os relvados

estavam cheios de pais, mães, tios, irmãos e irmãs mais velhos ou mais novos.

Como Helena gostaria que o irmão ali estivesse!

Page 60: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

A mãe de Helena estava muito bem arranjada, muito direita no seu

uniforme de Vigilante e o seu avental branco. Alguns dos pais iam falar com ela

acerca da saúde das filhas. Helena estava satisfeita por ver que a mãe era

procurada por tantos pais, mas não podia deixar de lastimar que não pudesse

estar vestida como as mães das outras, com um bonito vestido e o mesmo ar

doce e atraente que as outras tinham.

“A mãe devia sorrir-se mais - pensava Helena. - Tem um ar tão severo e

duro. Olhem para a mãe das gémeas, além... tem um ar mesmo agradável. E

como aprecio a maneira como pôs o braço à roda da Patrícia e da Isabel. A

minha mãe nunca me abraça a mim nem ao Eddie.”

Um enorme carro subia a alameda, com um condutor elegantemente

fardado. Era um belo Rolls-Bentley novo, preto, com uma risquinha verde.

Parou, e o condutor apeou-se. Ângela soltou um grande grito:

- O nosso carro novo! Olhem todas, não é uma beleza? Gostam da farda do

motorista, preta com galões verdes para condizer com o carro? As almofadas

também são pretas, debruadas a verde, e com monogramas verdes também.

- Pensei que ficasses tão entusiasmada ao ver os teus pais que nem

reparasses no carro! - disse Joana friamente.

Mas Ângela não fez caso. Estava na verdade radiante por ali estarem

tantas alunas do quarto ano à chegada do seu enorme carro novo!

O motorista abriu a porta do carro. A mãe da Ângela saiu. Parecia um

quadro! Tinha um ar muito jovem, era parecidíssima com a filha, e estava

vestida o mais elegantemente possível.

As raparigas ficaram a olhar para ela, que por sua vez olhou à volta com

os seus brilhantes olhos azuis, iguais aos da filha também. Depois saiu o

marido. Era um homem alto, com um ar marcial e sério. Ângela deu outro grito.

Correu para os pais, abraçou a mãe, como vira as colegas fazerem, exagerando

tudo propositadamente, porque sabia que estavam a observá-la.

- Querida Ângela! Tem cuidado com o meu vestido! - disse a mãe. - Deixa-

me ver como estás.

O pai deu um grande abraço à filha, depois afastou-a um pouco para a

poder ver bem.

- Está óptima, realmente.

Page 61: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Mas este horrível uniforme do colégio não a favorece nada - comentou a

mãe. - Acho que lhe não fica mesmo nada bem. E não posso ver esses

horrorosos sapatos de salto raso.

Todas as alunas os usam - disse o pai de Ângela sensatamente. - Acho que

a pequena está até muito bem.

Se ao menos o colégio tivesse um uniforme mais bonito! - disse a mãe em

tom de censura. - Era uma das razões por que eu não queria que viesse para

aqui.

O uniforme tão feio!

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XI A “Maravilhosa” mãe de Ângela

Muitas vezes se ouviu naquela tarde a voz censuradora da mãe da Ângela!

Bonita como era, atraente e elegantemente vestida, o seu rosto perdia todo o

encanto em consequência do enfado e descontentamento que mostrava.

Queixou-se de tanta coisa, e a sua voz infelizmente era áspera e demasiado

alta! Queixou-se do banco duro em que estava sentada para ver os desafios de

ténis. Queixou-se da chávena de chá que a filha lhe levou.

- Que porcaria de chá! Ao menos deviam ter chá chinês. Sabes que não

gosto de chá da índia.

Queixou-se do bolo, dizendo:

- Que seco! Dificilmente se pode comer.

- Então não comas - disse o marido.

E com grande aflição da Ângela, a mãe atirou-o para o chão, onde podia

ser pisado. Os perspicazes olhos das colegas observavam todas estas coisas, e

Ângela começou a não se sentir à vontade.

- Não achas a minha mãe encantadora? - perguntou à Adelina, em voz

baixa. - Não tem um cabelo lindo? E aquelas pérolas não são magníficas?

Adelina concordou, intimamente achava que a mãe da Ângela se

comportava como uma criança amimada, queixando-se e rabujando sempre.

Não gabou nenhum quadro, não mostrou qualquer entusiasmo pela cerâmica.

Foi forçada a elogiar a almofada de Claudina, porque mam’zelle estava lá como

um dragão, com uma cara tão feroz, que toda a gente se achava na obrigação de

louvar o trabalho da sobrinha.

Ah, então esta senhora é a tua mãe, Ângela? - perguntou mam’zelle numa

voz muito delicada. - Vamos mostrar-lhe o trabalho da Claudina! Não acha

lindo? Veja a perfeição dos pontos! Repare na cauda, que bem aberta que está!

A mãe da Ângela tinha cara de quem ia passar pela almofada sem dizer

uma palavra, mas mam’zelle não estava disposta a que isso acontecesse. Pegou

Page 63: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

no braço da visitante, e praticamente forçou-a a debruçar-se sobre a almofada

da Claudina.

- A senhora ainda não reparou! É um trabalho de arte! É a mais bela coisa

que está na exposição! - disse mam’zelle com grande entusiasmo.

- Muito bonita - disse a mãe da Ângela de tal maneira que mais parecia

dizer “horrorosa”.

Libertou o braço da mão da mam’zelle sacudiu a manga, como se ali

tivesse ficado alguma poeira, e foi-se embora toda impaciente.

- Quem é esta velha? - perguntou à Ângela, numa voz que se ouvia bem. -

com certeza não é tua professora? Já viste alguém mais insignificante e gebo?

As alunas gostavam todas muito da mam’zelle, e ficaram furiosas ao ouvir

aquelas apreciações. Roberta estava certa de que a própria mam’zelle tinha

ouvido. A senhora francesa ficou-se a olhar para Ângela e para os seus pais,

com uma expressão magoada e intrigada nos olhos.

- Olhem, eu sempre achei a Ângela má - disse Roberta em voz baixa - mas

só agora sei de onde lhe vem a maldade! Como eu ficaria envergonhada se a

minha mãe se fosse embora daquela maneira, criticando as coisas e as Pessoas

em alta voz. Pobre mam’zelle! É uma pena magoá-la.

Claudina tinha ouvido as observações feitas pela mãe de Ângela, e estava

também furiosa e magoada. Adorava a tia Matilde, e embora estivesse

aborrecida por ela não sair de junto da almofada e se comportar tão

exageradamente, compreendia que essa atitude era filha do muito Que queria à

sobrinha, e do orgulho que nela tinha.

Olhou para a bonita mãe da Ângela. Reparou no seu ar enfadado, na sua

boca petulante que por vezes lhe prejudicava a beleza. Pensou nos insultos que

aquela bonita boca devia ter pronunciado através dos anos, e nos males que

devia ter causado. E Claudina desejou ardentemente castigar a mãe da Ângela

de qualquer forma dramática, pelas palavras cruéis que tinha dito acerca da tia

Matilde.

Ângela levou os pais para a piscina. O Colégio de Santa Clara tinha muito

orgulho nela, porque era uma das mais belas e das maiores piscinas existentes

em qualquer dos colégios do reino. A água batia de encontro às paredes da

piscina, dum bonito azul esverdeado.

Mas até nisso a mãe da Ângela achou que dizer:

- Suponho que mudam a água todos os dias, não Ângela?

Page 64: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Não, mãe, mudam duas vezes por semana, e às vezes três - respondeu

Ângela. A mãe fez uma careta de repugnância.

- Deus do Céu! Pensar que nem ao menos mudam a água uma vez por dia!

Que colégio! Tenho que apresentar uma reclamação por causa disso. Ângela, só

tomas banho na piscina quando a água for mudada. Proíbo-te.

- Mãe, mãe - começou Ângela pouco à vontade - tenho que fazer o que as

outras fizerem. E na verdade a água está sempre limpa, mesmo quando já tem

dois ou três dias.

- Tenho que reclamar - repetiu ela. - Nunca aprovei a ideia de te mandar

para aqui. É um colégio de segunda classe, creio eu. Eu bem queria mandar-te

para o Colégio das Torres Altas. Um colégio de tanta categoria! Não percebo

por que é que o teu pai te quis mandar para aqui. Talvez que agora, depois de o

ver, ele mude de opinião.

- Não fales tão alto, Palmira - recomendou o marido.

- As pessoas daqui não gostam de te ouvir falar assim. Estás em minoria. É

evidente que todos os outros pais aqui presentes pensam como eu, que o

Colégio de Santa Clara é esplêndido em todo o sentido!

- Oh, tu! - exclamou a mãe de Ângela, como se o que o marido pensava

não marcasse coisa alguma. Cerrou os lábios vermelhos, e ficou tão amuada

como Ângela costumava ficar quando alguém a contrariava.

Não... a mãe da Ângela não foi nenhum sucesso! Bonita podia ser, rica era

com certeza... mas não tinha o encanto da mãe das gémeas, ou a sensatez da

alegre mãe de Roberta, ou a afectividade da mãe da Glória, que se vestia com

simplicidade e tinha um ar muito doce.

- Ainda bem que não tenho uma mãe como a da Ângela! - disse Joana para

a Adelina. - Não achas que é horrível?

Por muito leal que a Adelina quisesse ser para com Ângela, não pôde

deixar de concordar. Tinha ouvido várias das malcriadas observações da mãe

da Ângela, de que não tinha gostado, porque até Adelina, que era uma cabeça

tonta, tinha um profundo sentimento de lealdade para com o Colégio de Santa

Clara. Já não estava nada interessada em ser apresentada à mãe dela, mas

chegou uma altura em que teve que o ser, porque Ângela andou à sua procura e

levou-a.

- Mãe, esta é a Adelina, a amiga de que lhe falei nas minhas cartas - disse.

Page 65: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

A mãe olhou para a bonita e delicada rapariga com aprovação. Adelina era

como a Ângela, e o uniforme do colégio ficava-lhe bem.

- Ah! Então esta é que é a Adelina? Muito prazer em conhecê-la. Devo

dizer que tem um ar muito mais atraente do que o de algumas das outras

alunas. Uma ou duas das que a Ângela me apresentou, até metem medo!

Roberta fora-lhe apresentada, e certamente era uma das que metia medo.

A sua face franca e sardenta não podia oferecer qualquer atracção a uma pessoa

tão esquisita como a mãe da Ângela.

Onde está a tua mãe? - perguntou Ângela. - Temos que a apresentar à

minha. A minha mãe quer pedir-lhe Para te deixar passar parte das férias

grandes comigo.

Mas, com grande alívio da Adelina, quando a apresentação se efectuou, e

as duas mães se tinham cumprimentado, o convite foi firmemente declinado

pela própria mãe da Adelina.

Muito obrigada - disse ela - mas tenho outros Projectos para a Adelina.

Não explicou quais eram. Também não disse que tinha observado a mãe

da Ângela, e algumas das suas insolentes observações a tinham decepcionado.

Não disse que a da Ângela era uma pessoa com quem não gostaria que a filha

passasse nem um só dia! Mas a Adelina sabia o que a mãe estava a pensar, e

apesar de ser uma menina tonta sabia que a mãe tinha razão.

A mãe da Ângela teve a percepção dos pensamentos da mãe da outra, e

ficou surpreendida e maçada. Ia dizer qualquer coisa mais, quando se ouviu

uma sineta tocar.

- Oh, é preciso tocar uma sineta desta maneira - disse a mãe da Ângela,

tapando os ouvidos. - Que brutalidade!

- Mas é característico, não acha - observou a mãe da Adelina secamente, e

foi-se embora.

- É a sineta a chamar para se ir ver a natação - informou Adelina, dando o

braço à mãe. - Vamos mãezinha, Vai ver a Roberta a nadar, aquela rapariga

sardenta de quem a mãe gostou. E a Marília também nada com muita rapidez.

O sol brilhava intensamente quando o grupo tomou os os seus lugares

junto da piscina. Os pais sentaram-se à volta dela, mas as alunas foram para a

grande galeria que ficava por cima, olhando para as nadadoras com

entusiasmo.

Page 66: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Muitas não tomavam parte na natação, mas todas estavam interessadas

em ver as condiscípulas mergulharem e darem cambalhotas e nadar. Era

divertido ouvir o chapinhar da água e ver a ondulação da água azul.

- Está uma tarde maravilhosa - disse Joana, contente.

- Tenho-me divertido imenso! Sinto-me feliz por estar um dia tão bonito,

para que o Colégio de Santa Clara possa mostrar todo o seu esplendor.

- Todos os pais parecem achar que tem sido um grande sucesso -

comentou Roberta. - Todos... excepto uma pessoa!

Referia-se à mãe de Ângela. Ângela ouviu esta observação e corou.

Sentira-se tão contente para mostrar sua linda mãe... mas tudo parecia

estragado. Não podia deixar de desejar que a mãe tivesse feito comentários

agradáveis como acontecera com as mães das colegas.

Mas a verdade é que a mãe geralmente não se mostrava satisfeita com

coisa alguma, fosse lá o que fosse.

Claudina, Adelina, Ângela e muitas outras que não entravam nas

competições, arranjaram lugares na frente, na galeria que ficava por cima da

piscina. Claudina debruçou-se muito, não tanto para ver as nadadoras nos seus

fatos de banho azul-marinho, mas para ver as filas dos pais.

- Cuidado, Claudina, olha que cais! - disse Adelina alarmada, tentando

puxá-la para trás.

- Não caio - respondeu Claudina -, só estou a ver aquela pessoa lá em

baixo, sempre descontente, que fax malcriados comentários em voz alta!

- “Schiiu” - fez Adelina - olha que a Ângela pode ouvir.

- Não me ralo - respondeu Claudina. - Por que havia a Ângela de esperar

que gabássemos uma mãe que só é bonita por fora e tem uma alma hedionda?

- Cala-te, pela tua saúde suspirou Adelina, receando que Ângela ouvisse. -

Lamento que a mãe dela tivesse dito aquelas coisas da tua tia. Eu ouvi, e estou

convencida de que a pobre mam’zelle ficou magoada.

A natação começou. A mãe da Ângela ficou com um ar enjoado quando

um pingo de água caiu em cima do seu lindo vestido. Sacudiu-o com delicadeza

e procurou afastar-se um pouco, mas havia outras pessoas atrás dela e não pôde

fazer o que queria.

Era um momento emocionante, porque as nadadoras eram rápidas e boas,

e as mergulhadoras graciosas e valentes. Mas o momento mais emocionante da

Page 67: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

tarde inteira, não foi a natação, nem os mergulhos, nem as cambalhotas

formidáveis que a Roberta deu.

Foi a inesperada e altamente dramática proeza praticada por Claudina,

sem qualquer ensaio prévio!

Estava toda debruçada sobre a balaustrada da galeria. De repente deu um

grito muito agudo, que fez com que toda a gente estremecesse, alarmada, e

depois, com horror de todos os espectadores, a rapariguinha francesa caiu de

cabeça para baixo dentro da piscina!

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XII Um momento feliz

Fez um enorme reboliço ao cair na água. Esta saltou e caiu em cheio em

cima da mãe da Ângela, encharcando-a da cabeça até aos pés!

- Santo Deus! exclamou miss Theobald, a Directora, abandonando a sua

calma dignidade habitual.

- Quem caiu à água? Que alguém a apanhe depressa!

Claudina não sabia nadar. Mergulhou e depois veio à superfície, abrindo a

boca. Roberta e Marília estavam na água e imediatamente nadaram até junto

dela. Agarraram-na e ajudaram-na a sair da piscina.

- Claudina! O que aconteceu? - disse Roberta. - És idiota!

Claudina abria a boca e gesticulava. Deu uma olhadela para os lados da

mãe da Ângela, e viu, com grande prazer, que estava encharcada. Miss

Theobald estava junto dela, Pedindo desculpa, e dizendo-lhe que era melhor ir

imediatamente para dentro do colégio, e consentir que ela, miss Theobald, lhe

emprestasse alguma roupa enquanto a dela secava.

Furiosa, a mãe da Ângela seguiu miss Theobald. Tinha um ar desgraçado,

com o vestido encharcado, agarrado ao corpo, e o seu lindo chapéu a pingar.

Ângela tinha uma Cara atormentada.

- Também deves ir com a Directora e mudar de roupas, Claudina -

aconselhou miss Ellis à encharcada menina.

Veste outra farda, depressa, senão ainda te constipas. Despacha-te.

Pelo canto do olho, Claudina viu mam’zelle debruçada sobre ela, com o

alarme e a ansiedade estampados no rosto. A francesinha correu imediatamente

para o colégio. Sentiu que não podia aguentar, ver-se envolvida naquele

momento na esmagadora afeição da mam’zelle.

- Espera, espera Claudina - gritava a Vigilante, que estava muito

aborrecida por ela a ter obrigado a abandonar o grupo e voltar para o colégio.

Mas Claudina não esperou. Era preferível fazer face à descompostura da

Vigilante do que às manifestações de desgosto e simpatia da mam’zelle.

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- Isto foi uma coisa mesmo à Claudina, causar tanta confusão! - comentou

Patrícia. - Oh! Isabel, não posso deixar de me sentir radiante por a pessoa

encharcada ser a antipática mãe da Ângela!

- Achas que a Claudina poderia ter feito aquilo de propósito? - perguntou

Isabel, com certa dúvida. - Sabes, é que ela não se importa nada com as acções

que pratica para atingir qualquer fim que tenha metido na cabeça. E aposto que

queria castigar a mãe da Ângela pela sua má-criação para com a mam’zelle.

- Mas a Claudina detesta pura e simplesmente a água! - disse Patrícia. -

Nada a faz despir para se meter na piscina. E atirar-se da galeria para a água

seria uma grande valentia, considerando que não sabe nadar.

Claudina voltou em breve, com roupas enxutas e um ar pensativo e

inocente. Era capaz de se mostrar tão inocente como a Ângela, quando queria...

e agora, que as companheiras a conheciam melhor, tinham a certeza que quanto

mais inocente parecia, maior maldade tinha feito ou ia fazer!

A mãe da Ângela voltou também pouco depois, vestida com roupas da

miss Theobald! Esta era mais ou menos da mesma estatura da mãe da Ângela,

mas um pouco mais alta, e embora andasse sempre bem arranjada, os seus

vestidos eram simples, modestos e dignos.

Não ficavam nada bem à mãe da Ângela. Ficava até muito esquisita dentro

deles, e ela sabia-o. Estava furiosa e não o escondia. Já era mau ficar encharcada

daquela maneira por causa duma estúpida e descuidada aluna, mas era muito

pior ser obrigada a vestir roupas tão compridas, grosseiras e antiquadas, depois

do seu lindo vestido!

Mas de qualquer modo não podia ser malcriada para com miss Theobald.

A Directora foi extraordinariamente simpática e pediu imensas desculpas, mas

manteve-se calma e digna, e agiu como se esperasse que a mãe da Ângela se

mantivesse calma e digna também. E, com grande surpresa sua, a senhora

prejudicada viu-se de boca calada, e comportando-se o melhor possível,

enquanto vestia as roupas de miss Theobald.

O resto do tempo depressa passou. Todos os desafios e competições

haviam terminado. Os pais foram-se embora com as filhas, levando-as a jantar

fora nos diversos hotéis das redondezas, para se distraírem.

Paulina foi com a mãe das gémeas. Estas tinham contado à mãe o grande

desapontamento da amiga, e ela disse imediatamente que Paulina iria com elas.

A mãe da Adelina perguntou-lhe:

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- Há alguém que gostasses de trazer contigo esta noite? Espero que não

desejes ir com a Ângela e os pais, porque seria um aborrecimento para mim e

para o teu pai.

Adelina compreendeu que a mãe não queria criar relações de amizade

com a mãe da Ângela. Uma vez que não podia convidar esta, quem havia de

convidar?

Deu uma olhadela pelas companheiras. A maior parte estava de roda dos

pais, conversando alegremente, enquanto esperavam que os respectivos carros

chegassem. Helena estava sozinha a olhar. A mãe havia desaparecido,

certamente estava de volta das mais pequenas. Helena tinha um ar tão triste

que a Adelina ficou impressionada.

- Vou convidar a Helena, mãe. Não é que eu a aprecie muito, nem à mãe,

que é a Vigilante, mas com certeza gostaria tanto de ir! Olhe mãe, posso

convidar mais uma?

- Quem? - perguntou a mãe, surpreendida.

- Posso convidar a Claudina, aquela menina francesa que caiu à água? -

pediu Adelina. - Os pais dela estão em França. Só cá tem a tia, a mam’zelle.

Tenho a certeza que ficava contente. Adora sair.

- Está bem querida. Convida-as - disse a mãe, satisfeita.

Tudo, menos a enfatuada da Ângela e sua igualmente enfatuada

mãezinha!

Adelina correu para a Helena e disse-lhe:

- Vai pedir à tua mãe se te deixa ir jantar connosco. Avia-te.

- Oh! - exclamou Helena, com uns olhos que brilhavam como estrelas. -

Oh, Adelina, isso é verdade? Tu és formidável!

Correu à procura da mãe. Adelina foi ter com Claudina dizendo:

- Queres vir jantar comigo e com os meus pais? A mãe disse-me que podia

convidar-te. A Helena também vai.

- Obrigada - disse Claudina, trazendo à cena todas as suas bonitas

maneiras. - É muito amável da tua parte, Adelina, e da tua mãe também. vou

pedir à minha tia.

Mam’zelle ficou encantada. Gostava de Adelina, embora não tivesse

nenhuma esperança no francês dela.

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- Vai sim, minha filha - anuiu ela enternecidamente. - Precisas de te

distrair depois do terrível choque desta tarde. Pobrezita! Cair à água daquela

maneira, quase que te afogavas, que...

- Bem, nunca estive em riscos de me afogar... - disse Claudina, piscando o

olho - eu sabia que não me afogaria, tia Matilde, porque a Roberta e a Marília

estavam ambas na piscina... Oh! E não foi formidável quando encharquei

aquela detestável criatura, de alto a baixo? Nunca pensei que a pusesse naquele

estado!

Mam’zelle ficou de boca aberta, e olhava para Claudina como se não

pudesse acreditar no que ouvia.

- Claudina! Claudina! Que estás tu para aí a dizer? com certeza... não, não

é possível... não podes ter caído de propósito! Não és assim tão má como isso! -

Mam’zelle mal podia falar.

Claudina respondeu muito gravemente:

- De propósito, tia Matilde? Como é que a tia pode pensar uma coisa

dessas? Acha que a sua sobrinha era capaz de fazer uma coisa tão chocante?

Mas como foi estupendo que aquilo tivesse acontecido justamente à mãe da

Ângela! Ah! Realmente foi um milagre!

Com um brilho especial nos olhos, a pouco escrupulosa Claudina foi-se

embora para se vestir e sair. A mam’zelle ficou a olhar para ela. Ah! Aquela

Claudina... era mesmo má! E contudo como era boa também, atirar-se à água a

fim de molhar e castigar a antipática criatura que tanto havia magoado a sua

tia! Mam’zelle sentou-se num banco do vestíbulo sem poder respirar. Afinal

Claudina era uma menina má ou boa? Aí está uma coisa que mam’zelle não

sabia dizer.

Entretanto todas as meninas e os respectivos pais tinham saído nos

diversos automóveis. Ângela tinha ido no seu magnífico carro... mas uma

Ângela calada e oprimida. As coisas não haviam corrido como ela planeara.

Não tinha brilhado nos reflexos da glória da sua linda mãe. Apenas sentira a

troça das companheiras porque a mãe tinha criticado o colégio em alto e bom

som.

Ângela olhava pela janela do carro e via o ar feliz das gémeas e da Paulina,

que caminhava junto dos pais das primeiras. Iam sair todos juntos e

conversavam alegremente.

Page 72: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Andaram todas muito bem! - dizia a mãe das gémeas, numa voz clara e

satisfeita.

Depois viu a sua amiga Adelina, e com grande surpresa sua, a Helena e a

Claudina estavam com ela, entrando juntas no mesmo carro! Oh, que vilania a

da Adelina! Por que não a teria convidado a ela, Ângela, para ir com ela e com

os pais? Imaginem, convidar a coscuvilheira da Helena, e aquela exagerada da

sobrinha da Mam’zelle? Como é que a Adelina podia fazer uma coisa daquelas?

Ângela não pensou qual seria a verdadeira razão, que se traduzia num

sentimento de bondade por arte da Adelina. Estava furiosa e arreliada. Havia

de dizer à Adelina aquilo que dela pensava, a primeira vez que se

encontrassem. Se a Adelina queria fazer suas amigas as meninas que ali

estavam por caridade, podia fazê-lo. Mas não voltaria a ter a Ângela Favorleigh,

a fidalga Ângela Favorleigh como sua amiga também!

Havia duas ou três cidades razoavelmente grandes perto do colégio, que

facilmente se alcançavam de automóvel. Cada família escolheu uma cidade e o

hotel que desejava, e todos partiram. com enorme alegria de Helena, a mãe de

Adelina escolheu a cidade onde o Eddie vivia!

- Oh! - exclamou ela no momento em que o carro entrava na cidade - é

aqui que vive o meu irmão. Quem me dera vê-lo!

- Gostavas de o convidar para jantar connosco - perguntou a mãe de

Adelina.

Helena abanou a cabeça.

- Oh, não, muito obrigada. Já é muita amabilidade convidarem-me a mim.

Mas, se não se importassem, gostaria de o ver depois do jantar. Não vive longe

do hotel, e ele gostaria de me ver.

- Como quiseres, minha filha - disse a mãe de Adelina.

E assim, depois do jantar, que tinha sido esplêndido,

Helena saiu para ir ter com o irmão.

Claudina teve um grande sucesso junto dos pais de Adelina. A

francesinha era bem educada, viva e divertida, e estava contentíssima por ter

tido aquela distracção. Os pais da Adelina apreciaram muito a sua companhia.

- Adelina, quem me dera que esta francesa fosse tua amiga em vez da

Ângela - disse a mãe. - Na verdade é muito simpática. Não gostas dela?

- Gosto, mãe, gosto - respondeu Adelina. - É muito diferente das inglesas...

isto é, não tem o nosso sentido da honra nem da honestidade, nem se importa

Page 73: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

com aquilo que faz. Mas é engraçada, absolutamente sincera, e

extraordinariamente boa.

- Lá vem a Helena outra vez - disse a mãe da Adelina.

- Deve ser muito amiga do irmão. Tem agora um ar mesmo feliz!

Helena estava feliz, na verdade. Eddie tinha ficado radiante por a ver.

Olhou para a Adelina e para Claudina duma maneira amiga e enternecedora a

que não estavam habituadas. Como aquele dia tinha sido encantador!

Page 74: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

XIII Joana e as garrafinhas de mau-cheiro

Depois do entusiasmo da festa do período as pequenas estavam

aborrecidas e tristes. Não havia nada de interesse à vista. As lições eram uma

maçada. O tempo estava quente de mais. As férias grandes pareciam a uma

grande distância.

- Joana! Roberta! Não são capazes de arranjar uma partida qualquer? -

sugeriu Patrícia, abrindo a boca.

- Digam que sim! Morro de tédio esta semana se não acontecer nada.

Joana riu-se.

- Eu tenho uma partida formidável que o meu irmão me deu. O que não

sei, é se devemos fazê-la, agora que estamos no quarto ano...

- Não sejas parva! - disse Dora. - Lá porque estamos no quarto ano não

havemos de poder brincar? O que é a partida?

- É um cheiro horrível... esperem um bocadinho que eu vou buscar - disse

Joana.

Foi ao dormitório, remexeu numa das gavetas, e depois voltou com uma

pequena caixa. As colegas rodearam-na. A caixa estava cheia dumas coisas que

pareciam bolas de vidro dum líquido claro.

- O que é isso - perguntou Patrícia, intrigada.

- Nunca vi coisas dessas.

- São garrafinhas de cheiro - explicou Joana -, garrafinhas de mau cheiro,

como o meu irmão lhes chama. Quando alguma se parte e se despeja o líquido,

este seca imediatamente, mas deixa o cheiro mais horroroso que imaginar se

possa...

- Que espécie de cheiro - perguntou Dora com grande interesse. - Género

cano de esgoto, por exemplo?

- Bem... cheira a ovos podres - respondeu Joana.

- O meu irmão... bem, ele é tremendo, sabem? Uma vez partiu uma

garrafinha destas na nossa sala de visitas, no meio duma solene e elegante

Page 75: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

reunião... e foi um instante enquanto a sala se esvazeou! Vocês nem imaginam o

cheiro que era!

Roberta riu-se.

- Vamos partir uma amanhã na lição de Francês lembrou ela. - Vai ser uma

grande maçada traduzir páginas e páginas daquele livro em que a mam’zelle

está tão interessada... aquela peça francesa. É uma partida que está mesmo a

matar para coisas destas. Partes uma dessas garrafinhas amanhã, Joana, ou

queres que eu a parta?

- Tu ficas com uma e eu com outra - disse Joana.

- Se a minha não resultar, pois o meu irmão diz que isso às vezes acontece,

então rebentas tu a tua. Estás a perceber?

As alunas estavam todas palpitantes por causa das garrafinhas de mau

cheiro, estavam todas a par do que se ia passar, com excepção da Helena.

Tinham medo de dizer à Helena e que ela fosse participar à Vigilante,

descobrindo o segredo. Por isso não lhe disseram nem uma palavra. Ficou

muito admirada ao verificar que muitas das colegas se calaram quando ela

chegou, e depois começaram a conversar muito alto de coisas muito parvas.

Estava certa de que tinham estado a falar dela, e sentiu-se magoada.

“Se elas me vão tratar mal, digo à minha mãe, e todas elas vão ter montes

de coisas para coser!”, pensou Helena com despeito.

No dia seguinte, Joana e Roberta entraram na aula de Francês com as

garrafinhas de mau cheiro no bolso. A lição era justamente antes do recreio.

- Temos que escolher uma lição que seja antes do recreio - tinha dito a

Joana. - Porque se o cheiro durar muito tempo, ainda lá pode estar quando miss

Ellis for dar lição, e de certeza desconfia logo que há gato...

- Não desconfia só que há gato... se lhe chegar ao nariz o cheiro das tuas

garrafinhas... - observou Roberta a rir.

- Abrimos todas as janelas e portas para deixar sair o cheiro durante o

recreio - disse Patrícia. - E quando chegar a hora da lição de Matemática já não

cheira a coisa nenhuma, e a miss Ellis não dá por nada.

As alunas estavam todas de pé e caladas, muito delicadamente, quando

mam’zelle entrou, e se sorriu para todas.

- Sentem-se! Hoje vamos continuar com a nossa tradução. vou distribuir os

papéis. Tu, Joana, fazes o papel da velha criada; tu, Adelina...

Page 76: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

As alunas abriram os livros, escondendo a vontade de rir o melhor que

podiam. Uma partida feita pela Joana ou pela Roberta era sempre um gozo, um

grande gozo! Lembravam-se de muitas outras partidas que ambas haviam

pregado, e riam-se. Aquilo animaria consideravelmente a aborrecida lição de

Francês.

- Joana! queres fazer o favor de começar? - disse mam'zelle amavelmente.

Gostava daquele quarto ano. Eram alunas boas, trabalhadoras, e a Claudina

estava lá também, com a cara em cima do livro. Como era boazinha!

Joana começou a ler. Meteu a mão no bolso. As que estavam por trás dela

viram o gesto, e procuraram conter o riso. Este era o mal de quando se fazia

uma partida... havia sempre uma vontade de começar a rir antes do tempo, e

era dificílimo conter as gargalhadas. Dora deu uma das suas habituais

fungadelas, e mam’zelle ficou muito admirada.

Dora transformou a fungadela num violento ataque de tosse, o que fez a

Marília desatar a rir também. Mam’zelle ficou-se a olhar para ela.

- É assim tão engraçado o ataque de tosse da Dora perguntou.

Isto ainda pareceu mais engraçado a Marília, que cada Vez se ria mais, o

que começou a contagiar as outras. Joana voltou-se e franziu o sobrolho. Não

queria que mam’zelle suspeitasse demasiado cedo que ela estava a pregar uma

partida. As colegas viram o seu olhar preventivo, e ficaram o mais sérias que

puderam.

A lição continuou. Joana tirou a garrafinha do bolso. Tinha a mão atrás

dela, e as outras viram-na apertar com força a garrafinha. O vidro partiu-se e o

líquido saiu, secando ao contacto do ar. O líquido desapareceu, e os pequenos

fragmentos de vidro caíram no chão sem serem vistos.

Alguns momentos após, um estranho cheiro espalhou-se pela casa. Dora

tossiu. Adelina fungou e fez “pooh! “

Era um cheiro horrível, não havia dúvida. Cheirava a ovos podres, canos

de esgoto, ratos mortos, carne de gato estragada... era um verdadeiro horror!

A princípio mam’zelle não deu pelo cheiro. Estava só admirada com as

repentinas fungadelas e ataques de tosse. Ergueu os olhos. Viu expressões de

agonia na cara de todas, de mistura com um enorme desejo de rir.

- O que se passa? - perguntou mam’zelle, desconfiada.

- Por que estão a fazer caretas? Adelina, pára com esse “pooh!” e tu Joana,

porque tens essa cara tão enjoada?

Page 77: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Oh, mam'zelle, não nota o cheiro? - disse Joana, com expressão

atormentada no rosto.

- Qual cheiro? - disse mam’zelle, desesperada. O cheiro ainda lá não tinha

chegado.

- Oh, mam’zelle... que cheiro! - disseram meia dúzia de vozes ao mesmo

tempo.

Mam’zelle tinha uma cara espantada e aborrecida. Fez algumas enormes

aspirações de ar, o que provocou explosões de gargalhadas na Dora.

- Não me cheira a nada - afirmou mam’zelle. - É uma brincadeira estúpida.

Pára de fungar, Joana. Se voltas a fazer “pooh”, Adelina, mando-te para fora da

sala. Claudina, não estejas com essa cara de pato moribundo.

- Mas tia Matilde, o cheiro, o cheiro! C'est abominable! - exclamou Claudina,

que detestava maus cheiros, e parecia mesmo ir desmaiar.

- Claudina, também tu! - gritou mam’zelle que, a salvo num canto da sala,

não sentia ainda qualquer cheiro.

- Escutem, mês enfants, se voltam a falar em cheiro vou imediatamente

buscar miss Theobald para ela cheirar. Não passa dum fingimento. As meninas

são muito más. Era uma ameaça terrível! Miss Theobald dava logo pelo cheiro

assim que entrasse na sala, então é que eram elas! As alunas olharam umas para

as outras numa aflição. Puseram os lenços no nariz, e procuraram não aspirar

aquele cheiro medonho.

Mam’zelle começou a ler em voz alta a peça francesa. Depois de ler

algumas linhas, parou. Estranho! Também lhe parecia notar agora qualquer

cheiro. Fez uma cautelosa aspiração. Era cheiro, ou não? Que disparate! Cheiros

estranhos e horríveis não invadem assim as salas de repente. Mam’zelle fez

nova aspiração e continuou com a leitura.

O cheiro acabou por lhe chegar. Sentia-o agora perfeitamente. Voltou a

parar de ler e fungou com força. Sim, não havia dúvida, estava na sala um

cheiro pavoroso! Pobres, pobres pequenas! Tinham-no notado primeiro, e ela

não as tinha acreditado.

Mam’zelle tossiu quando o cheiro se apoderou dela. Começou à procura

do lenço. As pequenas estavam agoniadas com o cheiro e ao mesmo tempo

perdidas de riso por causa da cara horrorizada da mam’zelle. Tapavam a boca

com o lenço, fazendo toda a espécie dos mais estranhos barulhos.

Page 78: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Meninas - disse mam’zelle numa voz abafada - meninas, vocês têm

razão. Está aqui um cheiro horrível. O que será?

- Talvez seja algum rato morto debaixo do chão - sugeriu Dora,

amavelmente, tirando o lenço da boca por um momento.

Mam’zelle deu um gritinho. Ratos, mortos ou vivos, faziam-lhe calafrios.

- Talvez tenha rebentado um cano de esgoto do lado de fora da janela -

lembrou Patrícia, através do lenço que tinha na boca. vou ver.

Foi à janela que estava aberta e debruçou-se, aproveitando para respirar ar

puro. Mais umas duas se lhe juntaram, achando que era uma esplêndida ideia.

- Talvez que desapareça - disse mam’zelle cheia de esperança. - Abre a

porta, Joana. É possível que ajude a fazer sair este cheiro da sala.

Joana abriu a porta de muito boa vontade. Esta partida era divertida... mas

tinha os seus inconvenientes!

A corrente de ar levou até à mesa da mam’zelle uma boa dose do cheiro.

Exclamou com violência:

- Tiens! Isto é medonho! Vamos adoecer todas. Peguem nos livros depressa

e vamos acabar a lição no jardim. vou dizer à miss Theobald e talvez que ela

mande levantar as tábuas do soalho para ver se lá está algum rato morto.

Ficaram todas radiantes por irem para o jardim, excepto Claudina, que

não sabia o que era pior, se o cheiro da sala, se os insectos do exterior! Achava

que entre estas duas hipóteses havia muito pouco que escolher!

Em breve se encontravam sentadas numa agradável sombra do jardim,

rindo-se sempre que se lembravam do horrível cheiro que estava na sala. A

lição deixara de ser aborrecida e triste! O cheiro transformara-a num sucesso.

Mam’zelle manteve a sua palavra e deu parte do sucedido à miss

Theobald.

- Ah, miss Theobald! É um cheiro inacreditável! De ratazanas e ratos

mortos, de ovos podres ou canos de esgoto rebentados! Penetrou na sala

quando as pequenas estavam a ler a lição de Francês, e estragou toda a aula.

Tivemos que abandonar a sala e ir para o jardim.

Miss Theobald ficou surpreendida ao ouvir falar num cheiro tão forte e tão

horroroso. Em tantos anos de colégio, nunca ouvira falar dum cheiro que

levasse a professora e as alunas a abandonar a sala de aula.

- Vou ver de que cheiro se trata - disse ela à mam’zelle. - Se se tratar duma

ratazana morta, ou de canos de esgoto rebentados, evidentemente que ainda

Page 79: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

hoje se tomarão as devidas providências. O cheiro ainda lá estará, se a razão for

alguma destas.

Mas, com grande espanto da mam’zelle e uma ligeira admiração de miss

Theobald, não havia o mais ligeiro vestígio de cheiro. Andaram as duas a

respirar fundo à roda da sala, mas não havia qualquer sobra de cheiro.

- Extraordinário - disse miss Theobald, olhando para a mam’zelle. - Tem a

certeza, que era um cheiro forte, um cheiro muito mau?

Mam’zelle ficou muito indignada. O quê, a Directora estava a duvidar da

sua palavra? Mam’zelle começou imediatamente a descrever o cheiro que

existia em toda a sala, como se fosse dez vezes pior do que realmente fora. Miss

Theobald sorriu-se para dentro. Já conhecia os indignados exageros da

Mam’zelle.

- Bem - disse ela -, não mando levantar hoje o soalho nem inspeccionar os

canos, porque talvez que o cheiro não volte a aparecer. Se voltar, a mam’zelle

imediatamente me diz, por favor, para eu vir cheirá-lo antes dele desaparecer.

- Está bem, miss Theobald - concordou mam’zelle e dirigiu-se para a sala

das professoras, cheia do cheiro e do seu poder de mandar uma classe para o

jardim. Toda a gente ouviu aquilo com espanto. Não ocorreu a ninguém, senão

à professora do primeiro ano, miss Roberts, que podia tratar-se duma partida.

Mas miss Roberts tinha tido uma grande experiência das brincadeiras da Joana,

e a verdade é que lhe passou pela cabeça que se tratava duma brincadeira.

- Diga-me uma coisa, mam’zelle - disse ela pensativamente -, a Joana está

no quarto ano, não está?

- Está - respondeu mam’zelle - mas o que tem isso a ver com o mau cheiro?

- Oh, espero que nada. Mas... se fosse eu, mam’zelle, se esse cheiro

voltasse a aparecer, ia imediatamente chamar a miss Theobald. Desconfio que

ela é capaz de descobrir a causa do cheiro sem levantar o soalho nem

inspeccionar os canos de esgoto!

- Com certeza darei parte do caso à Directora imediatamente - disse

mam’zelle cheia de dignidade.

E chegou o dia em que ela o fez.

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XIV Miss Ellis também prega uma partida

As pequenas tinham ficado maravilhadas com o sucesso da garrafinha de

mau cheiro da Joana. Sempre que a Helena se não encontrava na sala,

conversavam e riam-se do espanto e da arrelia da mam’zelle.

- Seja como for, é melhor não voltarmos a fazer isso - disse Joana. - Tenho

uma espécie de pressentimento que uma vez foi um sucesso, mas que duas

vezes será um fracasso! Pode-se fazer pouco da mam’zelle uma vez, quando o

rei faz anos, mas sempre não.

- Se voltarem a provocar o cheiro, fico doente e saio da sala - preveniu

Claudina. - É o cheiro mais horroroso que eu já senti nos dias da minha vida.

- Não voltamos a fazer isso - prometeu Roberta.

- Mas vou dizer-vos o que vamos fazer. Vamos fingir que há um cheiro, e

mam’zelle vai ficar toda aborrecida e irritada à espera dele... vai fungar e voltar

a fungar, e nós vamo-nos fartar de rir!

- É uma ideia estupenda - concordou Joana. - Dora, tu é que vais começar

outra vez a sentir o cheiro amanhã, na lição de Gramática francesa.

Dora riu-se. Era capaz de representar aquele papel muito bem. E assim, no

dia seguinte, quando a mam’zelle estava sentada à sua secretária no canto da

sala, Dora iniciou a sua representação.

Havia na sala um aroma muito agradável, porque a Adelina, a

encarregada das flores da sala naquela semana, tinha enchido uma grande jarra

de cravos cor-de-rosa que perfumavam agradavelmente a sala. As alunas

aspiravam-lhe o aroma enquanto trabalhavam.

Dora começou a fungar. A princípio fungava devagarinho. Depois fungou

com mais força.

- Dora! Estás constipada? - inquiriu mam’zelle, impaciente. - És alguma

menina do primeiro ano para vir para a aula sem lenço?

- Eu tenho lenço, mam’zelle - respondeu Dora humildemente, tirando o

lenço do bolso.

Page 81: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Nessa altura Joana começou a fungar. Torcia o nariz, fungava e olhava à

roda. Roberta deu uma gargalhada que se transformou num ataque de tosse.

Mam’zelle franziu o sobrolho. Não gostava de comportamentos daquele

género. Ficava furiosa.

Depois foi a vez de Patrícia começar a fungar, e puxou também do lenço.

Em breve toda a classe, com excepção da Helena, que não estava dentro da

brincadeira, fungava, como se todas as alunas estivessem constipadas.

Mam’zelle olhou para as alunas que fungavam, desesperada.

- Que barulho é este “Fum! Fum! Fum!” Não posso suportar isso.

Dora fez uma cara agoniada. Mam’zelle viu, e um pensamento alarmante

a assaltou: seria aquele terrível cheiro outra vez?

- Dora - disse ela com firmeza - o que se passa?

- Noto um cheiro - murmurou Dora -, noto distintamente. É muito forte. A

mam’zelle não nota?

Mam’zelle não notava, o que não era de admirar. Mas lembrou-se que da

outra vez só o notou muito depois das pequenas. Olhou ansiosamente para as

alunas. Todas elas pareciam notar o cheiro.

- Vou participar imediatamente - disse mam’zelle, e saiu da sala numa

correria.

- Com a breca! - exclamou Roberta - não pensei que ela iria chamar a

Directora por causa disto! Ainda por cima partiu com tanta rapidez, que nem

tempo tivemos de dizer nada!

Infelizmente para a mam’zelle, a Directora não estava. Mam’zelle ficou

aborrecida e desolada. Agora que o cheiro voltara, não estava a miss Theobald

para o verificar, e saber que ela, mam’zelle, não havia exagerado da primeira

vez.

Mam’zelle espreitou para a sala das professoras, ao voltar para a aula.

Estava ali miss Ellis, corrigindo trabalhos do quarto ano.

- Miss Ellis, lamento dizer que o terrível cheiro voltou a aparecer. É

abominável! Não me parece que a miss Ellis ali consiga dar a lição que se segue.

Foi-se embora direita à sala de aula. Entrou, esperando ser recebida por

uma onda daquele cheiro horrível. Mas não parecia haver cheiro nenhum. Que

estranho!

- Miss Theobald não está - disse mam’zelle - e é pena, porque não pode

certificar-se do cheiro. E eu também não noto nada ainda!

Page 82: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Foi uma boa notícia a miss Theobald não estar! As pequenas ficaram mais

animadas. Dora disse logo:

- Não se preocupe, mam'zelle. Já sabemos qual é o cheiro desta vez. É

muito diferente do outro. Hoje foram estes cravos!

Dora pegou na grande jarra que tinha os cravos, foi junto da mam'zelle e

meteu-lhos debaixo do nariz. Mam’zelle cheirou-os, e o forte e delicioso aroma

dos cravos subiu-lhe pelo nariz.

- Ah! - exclamou mam’zelle - desta vez era o cheiro dos cravos. Então foi

bem bom que a miss Theobald não estivesse, senão tinha aqui vindo cheirar,

para nada!

Houve alguns risinhos. Porém, ao abrir-se a porta, as alunas ficaram

silenciosas, e olharam para ver se era a miss Theobald que aparecia, no fim de

contas.

Mas não. Era miss Ellis que, cheia de curiosidade por verificar aquele

cheiro extraordinário que tanto excitava a mam’zelle, vinha cheirá-lo também.

Ficou à porta a fungar.

- Não me cheira a nada, mam’zelle - disse ela, admirada. Mam’zelle

apressou-se a explicar:

- Eu também não notei nada. Foi o cheiro dos cravos que as pequenas

notaram. A Dora acaba de mo dizer.

Miss Ellis ficou surpreendida e muito desconfiada.

- Não percebo como é que elas confundiram o cheiro dos cravos com o

cheiro horrível que a mam’zelle me descreveu da outra vez - comentou ela. -

Nem sei se hei-de acreditar no tal cheiro.

Deu uma olhadela à sua turma, e saiu.

Mam’zelle estava indignada. Não tinha ela própria notado o cheiro da

outra vez? O resto da aula passou-se muito calmamente, discutindo cheiros,

presentes e passados, com a indignada professora de Francês.

Depois do recreio tiveram aula de Geografia, com miss Ellis, que entrou na

sala com um ar bastante severo.

- Quero preveni-las - disse ela - de que qualquer menção feita a cheiros,

maus ou bons, será considerada por mim como um sinal de que as meninas

desejam algum trabalho extra para fazer.

Page 83: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Todas sabiam o que aquilo significava. “Algum trabalho extra” na boca de

miss Ellis queria dizer duas boas horas de estudo a mais. Por isso resolveram

logo não pronunciar a palavra cheiro.

Mas qualquer coisa de terrível aconteceu dentro de dez minutos. Roberta

esquecera-se por completo que tinha uma garrafinha de mau cheiro no bolso,

que ali ficara desde a véspera. E, ao sentar-se mais precipitadamente, depois de

ter levado o caderno à miss Ellis, partiu a garrafinha. Então, num abrir e fechar

de olhos aquele horroroso cheiro voltou a espalhar-se pela sala uma vez mais!

Dora notou-o, Joana notou-o, Roberta notou-o e levou imediatamente a

mão ao bolso, apalpando com desespero para ver se acidentalmente teria

partido a garrafinha. Ao descobrir que assim acontecera, olhou esgazeada a

toda a roda, fazendo sinal às outras do que havia acontecido. Os perspicazes

olhos de miss Ellis captaram os sinais de Roberta. Por isso não ficou muito

admirada quando sentiu a aproximação do cheiro para os seus lados. E que

cheiro horroroso!

Miss Ellis raciocinou com toda a calma. Evidentemente que o cheiro de

ontem foi horrível, exactamente igual a este, e aquele a que a mam’zelle hoje se

referiu, e que a Dora acabou por dizer que era o dos cravos, não tinha nada a

ver com o cheiro autêntico, não passou duma brincadeira parva feita à

mam’zelle.

“Mas este cheiro horrível é igual ao de ontem - pensou miss Ellis - e, a

avaliar pelos sinais da Roberta para as outras, fora por engano. Não me parece

que se atrevessem a fazer-me uma partida destas a mim. Pois bem... sou eu que

lhes vou fazer uma partida a elas! “

Calmamente miss Ellis escreveu algumas instruções no quadro. Depois

voltou-se e saiu da sala, fechando a porta atrás de si. As raparigas ficaram a

olhar para o quadro.

Página 72 - Escrever as respostas.

Página 73 - Ler os dois parágrafos e escrevê-los novamente por outras

palavras.

Página 74 - Copiar o mapa que ali está.

- Olhem para isto! - explodiu Dora. - Ela foi-se embora, e nós temos que

ficar aqui a aguentar este horrível cheiro e fazer o trabalho. Roberta, tu és uma

perfeita idiota! Por que partiste essa garrafinha de mau cheiro?

Page 84: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Foi um acidente - desculpou-se Roberta. - Sentei-me em cima dela.

Esqueci-me por completo que a tinha. Não é horripilante? Miss Ellis deu pelo

cheiro, claro está, percebeu que era uma partida, e para castigo obriga-nos a

ficar a trabalhar na Geografia no meio deste cheiro, e nem sequer nos atrevemos

a reclamar!

- Eu não vou ficar aqui no meio deste cheiro - anunciou Claudina com

toda a pompa. Levantou-se. - Sinto-me doente. vou ficar doente.

Saiu, e simulou uns vómitos tão perfeitos ao passar à porta de miss Ellis,

que esta não disse nada e deixou-a ir para a casa de banho. Claudina fazia

sempre o que queria! Nenhuma das outras se atreveu a deixar a sala. Ali

ficaram, de lenço na boca, lastimando-se da sua sorte, mas sem se atreverem a

abandonar o trabalho. No fim da hora, quando o cheiro havia diminuído

bastante, miss Ellis abriu a porta.

Deixou-a aberta e disse.

- Podem ir dar uma volta pelo jardim e voltar. Tu ficas, Roberta.

Com uma careta, Roberta ficou, enquanto as outras correram alegremente

para o ar fresco.

- Desta vez fui eu que causei este horrível cheiro confessou Roberta. com

miss Ellis nunca valia a pena estar com rodeios, e de resto Roberta também não

era dada a eles. Era uma rapariga muito direita e sincera.

- Mas foi um acidente, miss Ellis, juro que foi, e peço-lhe que me acredite.

- Acredito - disse miss Ellis. - Mas é um acidente que espero não volte a

acontecer. Tiveram todas o justo castigo, por isso não se fala mais no assunto.

Mas quero que previnas a turma do quarto ano, que qualquer futuro cheiro

redundará numa série de castigos!

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XV Um aniversário – E uma esplêndida ideia!

- Não está um tempo maravilhoso? - disse Isabel a Patrícia. - Dias e dias

consecutivos de um sol radioso e céu azul. Quem me dera que as lições fossem

dadas na piscina!

- A noite é a parte mais fresca do dia! - disse Dora.

- Gostava de dormir todo o dia e trabalhar durante a fresca brisa da noite.

- A noite passada acordei e vi o luar entrar pela janela - disse Lida. -

Levantei-me e fui à janela, mas nem lhes sei descrever a beleza do campo,

iluminado pela lua. Apeteceu-me ir dar um passeio... e fazer um piquenique ao

luar, sozinha!

- É verdade! - exclamou Roberta. - Um piquenique ao luar! Que ideia

extraordinária! Vamos fazê-lo!

- Ooooh! - exclamaram as outras, olhando para Roberta, na verdade

impressionadas por tão original ideia.

- Como vai ser divertido!

- Sim... seria! - disse Lida. - Mas agora que estamos no quarto ano, acham

que devemos fazê-lo?

- Oh, Lida, não sejas tão santinha! - disse Joana.

- Não sou - protestou Lida indignada - e é uma coisa que nunca fui. Bem, e

no fundo talvez não tenha importância. Podíamos fazer o piquenique ao pé da

piscina, e tomar banho à meia-noite.

- Cada vez melhor! - exclamou Roberta, dando saltos de alegria. - Meu

Deus! vai ser estupendo! Olhem, esperemos pela noite da lua cheia, que é daqui

a duas noites. A piscina estará toda iluminada e vai ser formidável.

- É o dia dos meus anos - disse Marília -, é mesmo nesse dia. Fazemos o

piquenique nessa noite, e é como se fosse uma festa de anos.

- Óptimo - concordou Joana. - Então façamos os planos rapidamente,

porque não temos muito tempo para arranjar as coisas. - Voltou-se para Susana

Page 86: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Howes, a calma e responsável chefe de turma e perguntou: - Tu também vais,

não é verdade?

Susana disse que sim. Era uma boa rapariga, em quem se podia confiar,

mas gostava de se divertir, e não via qualquer mal em se fazer um piquenique

ao luar.

- Vou hoje à cidade com a Lida e compro algumas coisas - anunciou ela. -

Digo na mercearia e no padeiro que vocês irão a horas diferentes para trazerem

uma ou duas coisas. E assim ninguém desconfiará... voltamos todas

calmamente para o colégio com pequenos embrulhos!

- Dizemos à Helena, ou não? - perguntou Joana.

- Claro que não - disse Roberta. - Aposto que nos denunciava, contando à

mãe, seríamos apanhadas, e lá estava tudo estragado.

- Realmente tenho pena que a Helena seja sempre posta de parte - disse

Patrícia. - Mas não podemos arriscar a que nos descubram. E estas coisas à

meia-noite são sempre tão divertidas!

Marília estava entusiasmada por calhar no dia dos seus anos, o que dava

mais sedução ao acontecimento. Ela e a Glória, a sua calma amiguinha, não se

cansavam de falar no assunto.

- Levo o meu bolo de anos, claro está - participou Marília. - vou guardá-lo

até essa altura. A mãe disse que ia mandar 16 velas separadas, e nós espetamo-

las no bolo e acendemo-las ao luar!

Helena já estava habituada a que as outras planeassem as coisas sem lhe

dizerem nada. Sabia que as partidas que combinavam todas juntas não lhe eram

comunicadas senão à última hora por causa da sua fama de alcoviteira. Por isso

não se punha à escuta quando as via falar umas com as outras em voz baixa.

“Que me importa a mim as partidas parvas que elas fazem? Se querem

proceder assim, que procedam!”, pensava ela.

Portanto não procurou ouvir nem descobrir o seu novo segredo.

Continuava a sua vida, com um ar pálido e infeliz. Raras vezes sorria agora,

estava sempre metida consigo, e não procurava criar qualquer amizade. Tinha

sido simpática para com a Adelina depois da festa do período, e Adelina,

devido à sua bondade, tinha beneficiado, pois nunca mais tivera roupa para

coser a partir daquele dia! Mas ainda trabalhava na costura da Ângela, embora

esta nunca se mostrasse muito agradecida.

Page 87: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Chegou o dia dos anos da Marília. Como de costume, a sua turma deu-lhe

presentes. Alguns eram sem importância, se as alunas já só tinham pouco

dinheiro, outros eram caros, como por exemplo o da Ângela, que lhe deu um

livro de música muito caro, e que a Marília desejava possuir. Custou quarenta e

cinco escudos, e Marilia ficou preocupada.

- Não devias ter gasto tanto dinheiro num presente de anos!

- Por quê? - perguntou Ângela. - O meu avô mandou-me quinhentos

escudos a semana passada. De que serve uma pessoa ter dinheiro se não é para

gastar?

Paulina, para não ficar atrás, deu a Marília uma pasta de bom cabedal para

guardar as músicas. Marília ficou abismada. Não era costume darem-se no

colégio presentes de anos de tanta categoria. Nem sabia que a Paulina tinha

reparado que a sua pasta estava tão velha e tinha uma correia partida.

- Oh, Paulina, isto é lindo! - exclamou Marília, corada de surpresa e

alegria. - Mas não devias comprar uma coisa tão dispendiosa. Que a Ângela o

faça, já não é bom, agora eu, dares-me uma coisa tão cara! Na verdade, sinto-me

como que esmagada!

- Se a Ângela o pode fazer, também eu posso - disse Paulina toda

empertigada, o que, até certo ponto, tirou o valor do presente, pois Marília

pensou que se a Paulina lhe dava uma coisa boa só porque não queria ficar atrás

da Ângela, não havia então naquele gesto sombra de amizade ou afeição.

Claudina ofereceu a Marília uma bonita carteira, o que surpreendeu todas

as colegas. Claudina era das raparigas que menos dinheiro tinha, e não se

importava de o dizer. Por isso Marília ficou muito comovida com o seu tão

bonito presente.

- Oh, muito obrigada, Claudina, é linda! Mas foi uma extravagância da tua

parte, pois sei que não tens muito dinheiro.

Mas naquela semana Claudina parecia estar cheia dele! Comprou quatro

quilos de cerejas como comparticipação das guloseimas do piquenique, que lhe

custaram vinte escudos. Todas acharam que ela se comportara às alturas.

- Quando tenho dinheiro gosto de o gastar - explicou Claudina. - É bom

gastar dinheiro. Gostava de poder gastar sempre. Que bom seria ser como a

Ângela e dizer:

- Vou comprar isto, vou comprar aquilo!

Page 88: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Sim... mas isso não significa que se tenha muitos prazeres, verdadeiros

prazeres - disse Glória. - Por exemplo, se a minha mãe e eu conseguimos juntar,

ao fim duma data de tempo, dinheiro para irmos passar juntas umas boas

férias, essas férias são para nós muito melhores, e dão-nos um prazer muito

maior do que aquele que a Ângela possa sentir, uma vez que pode ter férias

caras sempre que lhe apetece. Ter muito dinheiro não quer dizer que se goze

mais do que aqueles que têm pouco- Muito bem raciocinado, como sempre -

concordou Isabel dando uma pancadinha nas costas da sensata Glória.

- Tanto eu como a Patrícia gostaríamos de comprar mais coisas para o

piquenique, mas a nossa avó fez anos a semana passada e gastámos a maior

parte do nosso dinheiro no lenço lilás que lhe mandámos. Por isso estamos tesas

por um tempo. Espero que não faças má cara ao nosso presente de anos,

Marília... são só dois lápis de desenho marcados com o teu nome.

- É muito amável da vossa parte - disse Marília, que na verdade não se

importava que os presentes custassem dez escudos ou dez tostões. - Acho que

foram todas muito simpáticas comigo, todas sem excepção. Todas me deram

presentes.

Até a Helena, embora pedindo muitas desculpas pela insignificância do

seu presente.

- É só um lencinho, e nem sequer é novo. É um dos meus, mas peço-te que

o aceites, com os meus parabéns. Não quero ser a única a não te dar nada.

Sabes, eu tenho muito pouco dinheiro meu, e o Eddie está a fazer anos também,

e tenho que poupar todos os tostões por causa disso.

Todas sabiam que a Helena era aquela que menos dinheiro tinha. A mãe

dela era miserável no dinheiro que lhe dava. Fora de dúvida tinha que trabalhar

muito para se governar, mas pensava que a filha, com dezasseis anos, não

precisava mais que cinco ou dez tostões por semana, como no tempo em que

tinha cinco ou seis anos.

- Gostava de dizer à Helena para ir connosco logo à noite- disse Marília.

Marília era uma rapariga insensível e não se preocupava com ninguém a

não ser com a sua amiga Glória. Mas tinha ficado comovida pelo presente da

Helena, e pela sua franca confissão de não ter dinheiro.

- Mas não pode ser - disse Roberta duma maneira decidida. - Sei que ela

disse à mãe que a Joana tinha dito que parecia haver, nos dormitórios do quarto

ano, mais lençóis rotos do que nos outros dormitórios todos juntos, e a pobre

Page 89: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Joana teve esta semana montanhas de roupa Para coser. Mas quem pode deixar

de pensar que alguém rasga os nossos lençóis de propósito? De propósito, sim,

Para terem trabalho para nos dar! Pois se eu chegava a Passar um período

inteiro sem ter uma fronha ou um lençol para coser quando a nossa antiga

Vigilante cá estava!

- Muito bem. Não se convida a Helena – concordou Marília. - Também não

me importo muito. Parece que é uma grande alcoviteira.

Estava tudo preparado para o piquenique e banho da meia-noite. O céu

estava limpo quando naquela noite se foram deitar. Foram para a cama ainda

de dia, porque os dias eram muito compridos naquela altura.

- Desconfio que hoje não chega a haver noite - disse Roberta, chegando à

janela. - Quando a luz do dia começar a desaparecer, começará a lua cheia a

subir no céu, e tudo ficará tão claro como durante o dia. Santo Deus! Que calor!

vou adorar estar dentro de água à meia-noite!

Felizmente para elas, a Helena dormia profundamente. Depois de

adormecer parecia que nada a acordaria; nem sequer acordou uma noite em

que a campainha de alarme de incêndios se avariara e começou a tocar! Por isso

as companheiras estavam certas de que ela não daria por nada.

Havia calor de mais para poderem dormir! Algumas das alunas

dormitavam, Helena e Marília dormiam a sono solto. Mas as outras davam

voltas e mais voltas, meio a dormir, meio acordadas. E assim, quando o relógio

duma das torres bateu as onze e meia, só foi preciso acordar a Marilia.

Helena dormia numa cama junto da porta dum dos dormitórios do quarto

ano, e as outras tinham que passar por ela em bicos dos pés. Helena não se

mexeu. Ultimamente andava com mau parecer e cansada, e agora dormia

profundamente. As raparigas levaram os fatos de banho e os roupões por cima,

e sapatos de borracha. Não fizeram barulho ao passar nos corredores, desceram

as escadas, e foram ao armário grande onde haviam escondido a comida e as

bebidas.

Com risinhos e cochichos pegaram nas coisas todas, e abriram a porta do

jardim o mais silenciosamente que lhes foi possível. Deixaram-na um pouco

aberta para poderem entrar facilmente quando voltassem. Não havia vento para

a fechar.

Encoberta pelas árvores, a fila das excitadas raparigas dirigia-se para a

piscina. Sob uma magnífica lua cheia, a água tinha um aspecto esplendoroso,

Page 90: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

sereno e profundo. A lua ia alta, e inundava os terrenos com uma fria luz de

prata. Tudo se via perfeitamente. Só se sentia a falta das cores quentes do dia.

- Não podemos fazer muito barulho - recomendou Joana. - As nossas

vozes podem ser ouvidas ao longe numa noite calma como esta. Deus queira

que ninguém ouça o barulho da água quando lá entrarmos! Tomamos já banho

antes de comer. Tenho tanto calor!

Despiram os roupões. Longas pernas nuas brilharam ao luar. Uma a uma

entraram na água, mergulhando ou saltando. Todas, menos a Claudina, que se

tinha recusado terminantemente a vestir o fato de banho, e trazia a camisa de

noite por baixo do roupão. A francesinha apreciava o encanto do piquenique da

meia-noite, mas apesar do calor nada a convenceria a entrar na água. Atirara-se

lá para dentro para castigar uma petulante de língua desdenhosa... mas por

prazer nunca lá entraria!

Estava a ver as companheiras e a rir-se. Olhou para o outro lado da

piscina, e de repente viu uma figura caminhando silenciosamente entre as

árvores. Quem seria?

Page 91: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

XVI Claudina trata da Vigilante

Claudina correu, nos seus sapatos de borracha, para ver quem estava na

rua naquela noite, além das alunas do quarto ano. Era Helena! Helena, que elas

haviam deixado na cama a dormir profundamente.

“A alcoviteira! - disse Claudina a si própria. - Vem espreitar-nos para

depois ir contar tudo à sua severa mãezinha! vou atrás dela.”

Mas perdeu-a de vista, sem saber como, e não viu para onde se dirigiu.

Voltou a correr à piscina, e por um triz que não cai à água, com a precipitação

de contar às colegas o que tinha visto.

Que maçada! - lastimou Roberta, saindo da piscina

com o luar a brilhar nas gotas de água que lhe escorriam pelas pernas. -

Certamente que a alcoviteira da Helena vai a correr dizer à Vigilante, e antes de

termos tempo de comer qualquer coisa, já ela aqui estará a descompor-nos e

mandar-nos para dentro, de castigo.

- Eu volto para dentro e ponho-me de vigia - disse Claudina prontamente.

- Sei onde dorme a Vigilante. vou para junto da porta dela e fico ali até ter a

certeza de que vem aí, ou de que a Helena no fim de contas não lhe disse nada.

- Óptimo - concordou Roberta. - Despacha-te! E não te esqueças de vir a

correr prevenir-nos se ouvires a Vigilante a vestir-se ou a andar de um lado

para o outro. Não podemos ser apanhadas. Mas que pena se não podemos fazer

o piquenique à meia-noite! Estou certa de que a Vigilante vai confiscar o lindo

bolo da Marília!

Claudina correu nos seus sapatos de borracha. Não voltou a ver Helena.

Entrou pela porta do jardim que ficara aberta, e subiu as escadas sem fazer

qualquer barulho, até ao corredor onde ficava o quarto da Vigilante.

Postou-se à porta do quarto dela, e escutou. Não vinha lá de dentro o mais

ligeiro ruído. Não ouvia a voz da Vigilante nem a da Helena. Por outro lado não

ouvia ressonar nem respiração pesada. Claudina estava ali sem saber o que

Page 92: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

fazer. Helena tinha visto as companheiras? Tencionava fazer queixinhas? Para

onde é que ela tinha ido?

Nisto Claudina ouviu um barulho vindo do quarto da Vigilante. A cama

estava a ranger! Era evidente que a Vigilante estava acordada. A cama voltou a

ranger, e então ouviram-se passos de quem arrasta chinelas.

“Agora está a vestir o roupão - pensou Claudina. - Agora está a atar o

cinto. Mas por que é que ela se está a levantar agora, se a Helena lhe não veio

dizer nada? “

Claudina encolheu-se num recanto escuro quando a Porta da Vigilante se

abriu de repente. A sua figura delgada e de ombros estreitos apareceu

enquadrada na porta, banhada pelo luar. A Vigilante era horrível.

Caminhou silenciosamente pelo corredor e voltou na direcção dos

dormitórios do quarto ano. Claudina seguia-a como uma sombra preta,

ambulante, parando inteligentemente nos recantos escuros. A Vigilante entrou

no dormitório da Helena.

Helena! - chamou a Vigilante baixinho. Mas não obteve resposta.

Então, evidentemente, a Vigilante apalpou a cama e não encontrou

ninguém. Soltou uma exclamação e em seguida acendeu a luz. Num momento

viu que as camas estavam todas vazias!

Foi ao outro dormitório do quarto ano, e acendeu igualmente a luz.

Ninguém!

- Onde estão elas? - dizia a Vigilante, furiosa. - Não admito isto! Por que é

que a Helena me não preveniu? Devia ter mais juízo e não se meter em

brincadeiras deste género.

Claudina ouviu pronunciar estas palavras e ficou admirada. Então Helena

não tinha prevenido a mãe! Tinha seguido as outras até lá fora, e devia estar

escondida algures a vê-las divertirem-se.

E agora a Vigilante ia estragar tudo. Como tinha tal coragem? Claudina

sentiu um repentino e intenso ódio por aquela Vigilante tão severa e tão má.

Não havia mal algum em tomar banho e fazer um piquenique ao luar! Era mais

que certo que se as alunas tivessem pedido autorização à miss Theobald, ela ter-

se-ia rido e autorizado, apenas uma vez! E agora a Vigilante ia estragar tudo.

A Vigilante desceu as escadas. Foi ao pé do armário onde elas haviam

escondido as coisas do piquenique. Tinham deixado a porta aberta. A Vigilante

soltou uma exclamação e preparava-se para o fechar.

Page 93: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Foi então que a formidável ideia veio à mente de Claudina! Era uma ideia

que podia vir à mente de qualquer rapariga, mas só Claudina teria a coragem

de lhe dar execução.

De repente, a Vigilante apanhou o maior choque de toda a sua vida!

Alguém lhe deu um valente empurrão que a fez entrar no armário, no meio de

velhas raquetas de ténis e outros apetrechos desportivos. Depois fecharam a

porta... à chave.

A Vigilante estava presa! Claudina tirou a chave do armário, e meteu-a no

bolso do roupão.

Sufocada de riso saiu a correr pela porta do jardim, e dirigiu-se para a

piscina. Ouvia a Vigilante a bater na porta do armário. Mas o vestíbulo das

traseiras, que dava para o jardim, onde se encontrava o armário, era raras vezes

usado, e ficava muito distante dos alojamentos onde se dormia, e não era

provável que alguém pudesse ouvi-la.

“Agora estamos salvas! - pensou Claudina, triunfante. - Que rica partida!

Será que estas raparigas inglesas consideram isto uma partida? “

Pela primeira vez uma dúvida lhe atravessou a mente. Ela, Claudina, sabia

que era uma grande, muito grande partida fechar à chave num armário aquela

detestável Vigilante, para evitar que estragasse o divertimento delas... mas

pensariam as outras como ela, Claudina? Não iria aquela curiosa “honra” de

que elas estavam sempre a falar, fazer com que não achassem aquilo uma

partida? Iria a Susana Howes, a chefe de turma do quarto ano, achar-se na

obrigação de acudir à Vigilante? Nunca se sabe o que é que as inglesas acham

bem ou mal!

“O melhor é não lhes dizer o que fiz - pensou Claudina, enquanto ia a

caminho da piscina. - Se não souberem, não se preocupam. Agora só lhes digo

que não há perigo, que a Helena não disse nada, e que a Vigilante está

absolutamente, absolutamente segura! “

As outras saíram da piscina e foram ter com Claudina quando a viram

chegar.

- Não há novidade - disse Claudina. - Novidade nenhuma. A Helena não

disse nada. Ainda não voltou para o colégio. E a Vigilante está absolutamente,

absolutamente segura!

- Óptimo! - disseram todas, sacudindo a água. - E se comêssemos agora?

Page 94: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Mas onde está a Helena, se não está na cama nem voltou para o colégio? -

disse Roberta muito admirada.

Mas ninguém sabia nem ninguém se importava. Que a Helena andasse

por onde lhe apetecesse, desde que lhes não estragasse o divertimento. E que

bom a Vigilante estar segura!

Ficaram todas cheias de fome depois da natação. Sentaram-se a gozar o

piquenique. Havia pão, manteiga, carne de conserva, sardinhas de lata,

marmelada, compota de damasco, bolachas, cerejas, e o grande bolo da Marília.

As velas não faziam muita vista por causa do luar, mas mesmo assim era

engraçado acendê-las.

Fizeram o piquenique à beira da água, balouçando as pernas. A água

estava morna porque o sol a havia aquecido. Era simplesmente formidável. Não

havia memória de uma meia-noite tão divertida!

- Este bolo é um assombro - disse Roberta, comendo uma enorme fatia. -

Palavra de honra! Não me lembro de alguma vez ter tido tanta fome como hoje.

Essas sardinhas estão em sanduíches? Passa-mas, Susana.

Claudina apreciou a refeição mais do que qualquer das outras, não porque

tivesse tanta fome como elas, visto que não tinha andado a nadar... mas porque

não podia deixar de se lembrar da Vigilante fechada à chave no armário escuro,

completamente impossibilitada de estragar o divertimento das alunas do quarto

ano! E aquilo dava um sabor muito especial ao prazer que o piquenique lhe

causava. Não se preocupava nada com o que iria acontecer quando a Vigilante

saísse do armário. Claudina nunca consentia que coisas daquele género a

preocupassem!

Por fim, a refeição acabou. Tinham comido tudo. Até a Ângela disse que

tinha gostado. Adelina não tinha apreciado tanto como as outras pois tinha

caído na piscina com o roupão vestido, e estava sem saber como havia de o

secar antes da Vigilante o ver. Marília disse que nunca tinha tido um dia de

anos tão divertido em toda a vida.

- Foi um grande sucesso - afirmou Joana, satisfeita.

- Agora é melhor irmos embora. Escutem... está a dar uma hora... “Dong”!

Santo Deus! Sinto-me cansada.

Todas estavam cansadas. O banho tinha sido um bocado estafante, porque

tinha havido corridas animadas, e tinham andado em grande brincadeira.

Limparam as migalhas, os cartões, sacos de papel, latas, garrafas vazias, foi

Page 95: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

tudo posto num recipiente que estava na galeria, tencionando deitar tudo fora

quando lhes fosse possível.

- Está tudo em ordem - disse Susana, olhando à roda.

- Que linda que a água está, a brilhar ao luar. Não me apetece nada deixá-

la!

Mas tinham que deixar a piscina. Dirigiram-se para o colégio por entre as

árvores, cochichando umas com as outras. Chegaram à porta do jardim que

continuava aberta.

E então ouviram um barulho esquisito. “Pan, pan, pan”! “Pum, pun,

pum”!

- Com a breca! O que é isto - perguntou Susana assustada.

- Soltem-me! Soltem-me! - gritava uma voz abafada, e alguém estava a dar

pontapés numa porta de madeira.

Adelina e Ângela estavam aterrorizadas.

- É um ladrão! - disse Adelina, e correu pelas escadas acima a toda a

velocidade. Ângela seguiu-a a tremer.

Claudina empurrou as outras para as escadas, rapidamente.

- Não parem - murmurou. - Voltemos para o dormitório o mais depressa

possível. Não parem. Eu já explico tudo.

No maior dos espantos foram todas para os dormitórios. Juntaram-se no

dormitório da Claudina, e pediram explicações quanto aos barulhos estranhos

que tinham ouvido.

- É a Vigilante - disse Claudina. - Está fechada à chave naquele armário.

Houve um silêncio assombrado.

- Quem a fechou lá? - perguntou Roberta, por fim.

- Fui eu - confessou Claudina. - Ela veio aos nossos dormitórios e viu que

não estávamos na cama. Não queria que ela estragasse a vossa festa... por isso

empurrei-a para dentro do armário e fechei-a à chave. Não andei depressa e

bem?

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XVII Uma Vigilante enfurecida

Durante uns dois minutos ninguém disse nada. As raparigas achavam

inacreditável que Claudina pudesse ter feito uma coisa daquelas. Fechar a

Vigilante à chave no armário dos jogos! Deixá-la a gritar e a bater na porta!

Realmente Claudina devia ser completamente louca.

- Não, não sou louca - disse Claudina, lendo no pensamento delas. - Era a

única coisa a fazer, não é verdade? Ela ia estragar-vos a paródia, e eu podia

impedi-la de o fazer. E assim fiz.

- Mas, Claudina, meteste-te num tremendíssimo sarilho! - disse Joana por

fim.

- Que importância é que isso tem - respondeu Claudina, e realmente agiu

como se não se importasse nada com as consequências! Não estava nada

nervosa, nem aflita.

As companheiras continuavam a olhar para ela, dificilmente acreditando

no facto da Vigilante ter estado, e ainda estar, fechada dentro dum armário!

Nesta altura Roberta teve um pensamento horripilante.

- Quem vai soltá-la?

Ninguém disse nada. Nem mesmo Claudina desejava soltar uma mulher

que estava, de certeza, violenta e terrivelmente furiosa. Mas a verdade é que

não a podiam ali deixar ficar até ao dia seguinte.

- Onde está a chave? - perguntou Joana. Claudina tirou-a do bolso do

roupão e apresentou-a.

Era uma chave enorme. Claudina pôs o dedo dentro do buraco do topo da

chave, e balouçou-a dum lado para o outro, pensativamente.

- Como fui eu que a fechei, serei eu também a soltá-la - disse por fim. -

Darei uma volta à chave muito, muito devagarinho, depois abro só uma

coisinha de nada da porta, e depois... ah, pernas para que vos quero! Até voo

pelas escadas acima!

As companheiras não puderam deixar de rir, e Roberta disse:

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- Francamente, não posso perceber como te atreveste a fazer tal coisa...

fechar a Vigilante no armário! Virgem Santíssima! Isto é uma coisa inédita! Por

que não nos contaste isso quando voltaste para a piscina, antes do piquenique?

- Porque pensei que vocês diriam: “Ah, não é honesto fazer tal coisa” -

explicou Claudina. - Pensei que talvez a Susana fosse capaz de se sentir na

obrigação de libertar a Vigilante, e por isso não disse nada.

- Nunca vi ninguém como tu - disse Patrícia. - Fazes as coisas mais

espantosas por motivos absolutamente bons! Por exemplo... atiras-te para

dentro da piscina, quando detestas a água, para castigar alguém que tinha sido

antipático para com a tua tia... agora fechas a Vigilante no armário só para que a

nossa festa não ficasse estragada! Devo dizer que fazes coisas muito

dramáticas... Nunca se sabe o que irás fazer a seguir!

- Bem, o que vamos fazer da Vigilante? - perguntou Susana, que começava

a ficar preocupada. - Devemos deixar a Claudina ir soltá-la?

- Eu vou - disse Claudina, e ergueu-se com muita dignidade.

Gostava de momentos como este, em que se sentia no palco com toda a

gente a olhar para ela. Não era nada vaidosa, mas dava-lhe um grande prazer

fazer qualquer coisa original e dramática.

Foi. As companheiras enfiaram-se na cama a correr, pensando que daí a

nada a Vigilante entraria nos dormitórios, furiosa como um touro bravo!

Claudina desceu as escadas até ao vestíbulo das traseiras. A Vigilante

continuava a gritar e a bater na porta.

Claudina chegou ao armário e meteu a chave na fechadura com muita

cautela... mas no momento em que ia dar a volta à chave, ouviu passos na rua!

Subiu as escadas a correr, sem ter dado a volta à chave. A pessoa que

chegava que lhe abrisse a porta! com certeza que ouvia a Vigilante e lhe abriria

a porta. E assim ela, Claudina, podia ir-se embora, e estava salva!

Os passos chegaram à porta do jardim, e alguém entrou. Era Helena!

Parou, muito quieta e no maior dos espantos, ao ouvir os gritos abafados e as

pancadas na porta do armário dos jogos!

- O quê! Mas é a voz da mãe! - exclamou Helena, absolutamente atónita. -

Onde está ela? Não pode estar naquele armário!

Mas estava, como em breve Helena percebeu. Deu imediatamente a volta

à chave e abriu a porta. A Vigilante saiu a cambalear e completamente fora de

Page 98: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

si, de furiosa que estava. Agarrou na Helena com toda a força, sem ver de quem

se tratava. Helena gritou de dor.

- Mãe! Não! Sou eu, Helena. Quem a meteu nesse armário?

- Tu! - exclamou a Vigilante, largando o braço da filha. - O que estás tu a

fazer aqui? Onde tens estado? Como te atreves a sair à noite desta maneira?

Diz-me imediatamente o que estiveste a fazer?

Helena não disse nada. A mãe deu-lhe um safanão.

- Estiveste algures com as alunas do quarto ano. Nenhuma delas está na

cama! O que estiveste a fazer? vou fazer queixa de vocês todas à miss Theobald.

Por que me não disseste o que se estava a passar?

- Não posso dizer nada, mãe. - respondeu Helena numa voz assustada.

Para ela era uma novidade o facto das alunas do quarto ano não estarem

deitadas. Não tinha dado pela falta delas quando ela própria saíra. Também

não tinha ouvido qualquer barulho na piscina. Tinha saído para se encontrar

com Eddie, o irmão, na azinhaga e não ia dizer isto à mãe. Já não se atrevia a

encontrar-se com ele de dia, com medo que a vissem e dissessem à mãe. Por

isso costumava encontrar-se com ele só uma vez por semana durante a noite,

quando as companheiras estavam a dormir.

Ninguém sabia disto. Nem ela desejava que a mãe soubesse, pois se tal

acontecesse estava o Eddie metido em sarilhos também. O que teriam feito as

alunas do quarto ano? Que maldade da parte delas saírem para uma paródia

sem lhe terem dito nada a ela! De qualquer modo tinha que convencer a mãe

que tinha estado com as outras.

- Não dizes nada? - ameaçou a mãe. - Pois bem, diz-me lá quem e que me

fechou aqui? Não quero pensar que. tu te atreveste!

- Claro que não fui eu - respondeu Helena -, nem sei quem foi. Talvez

tenha sido a Carlota. É uma coisa que ela era capaz de fazer. Mas na verdade

não sei, mãe. Por favor deixe-me ir para a cama!

Mas a Vigilante estava demasiado zangada e humilhada para deixar a

coisa assim. Subiu as escadas, foi aos dormitórios do quarto ano e acendeu as

luzes. Todas fingiam estar a dormir. Entrou no dormitório da Helena e falou em

voz alta e furiosa.

- Não serve de nada estarem a fingir que dormem. Sei que não estão. Vim

aqui para saber quem me fechou dentro do armário! Quero que mo digam

agora mesmo. Essa menina será expulsa do Colégio de Santa Clara.

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Susana Howes sentou-se na cama e olhou para a furiosa Vigilante, e disse

calmamente:

- Todas nós somos culpadas. Todas nós lastimamos o sucedido, senhora

Vigilante, e esperamos que aceite as nossas desculpas.

A Vigilante disse numa voz explosiva:

- Aceitar as vossas desculpas! Evidentemente que não aceito! E não

julguem que isto fica assim. Insisto em querer saber quem me fechou no

armário. De contrário vou direita à miss Theobald, agora mesmo, no meio da

noite.

Claudina levantou-se, pronta para falar. Não se importava nada de

confessar. Mas Roberta pôs-lhe uma mão sobre o ombro, e puxou-a para si, para

lhe dizer ao ouvido:

- Não te confesses à Vigilante! Vai ter com a tua tia e faz um barulho de

meter medo, e não há razão para a mam’zelle ser metida no assunto. Podes

dizer à miss Theobald amanhã, se quiseres.

- Bien! - concordou Claudina, enfiando-se na cama outra vez. - Muito bem.

Farei como tu dizes, Roberta.

A Vigilante ficou-se a olhar à roda do dormitório. Depois bateu com o pé

no chão com toda a força e quase que berrou.

- Muito bem! vou ter com a miss Theobald. Todas terão que explicar o que

estiveram a fazer no meio da noite, abandonando as vossas camas desta

maneira. E previno-as de que não terei dó nenhum daquela que me fechou no

armário. Helena, mete-te na cama. Sinto-me absolutamente envergonhada só de

pensar que uma filha minha se juntou às outras para fazer asneiras durante a

noite, e se recusa a contar-me o que andaram a fazer!

Foi-se embora, com um passo de quem estava furibunda. As raparigas

sentaram-se.

- “iiih”! - fez Roberta - que vulcão! Olha lá Helena, onde estiveste? A tua

mãe julga realmente que estiveste connosco?

- Julga - respondeu Helena em voz baixa. - pelo amor de Deus não me

denunciem. Estive apenas com o meu irmão Eddie. Tive medo de dizer isso à

minha mãe, e por isso deixei-a pensar que estava com vocês. Não sabia o que é

que vocês tinham estado a fazer, por isso era-me impossível dizer-lho,

evidentemente, e isso pô-la furibunda comigo. Estamos todas metidas num

sarilho dos diabos.

Page 100: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Miss Theobald vai ficar danada por a acordarem no meio da noite -

comentou Joana, olhando para o relógio. - É uma e meia. O melhor é tentarmos

dormir alguma coisa... se bem que eu estou à espera de ver entrar miss

Theobald a pedir explicações também!

As pequenas tentaram deitar-se e dormir. Marília foi a primeira a

adormecer, e depois, uma a uma todas adormeceram... todas, excepto Helena,

que permaneceu acordada, olhando a noite, preocupada e infeliz. Tudo corria

mal! Tudo estava cada vez pior! Deus do Céu! Como ela desejava que as

companheiras a não denunciassem e não dissessem que não tinha estado com

elas naquela noite.

Podia muito bem ser que fossem contar a verdade acerca dela. Não estava

ela farta de as acusar naquele período? Não seria pois de admirar se elas

quisessem tirar um pouco de vingança!

A Vigilante dirigiu-se ao longo do corredor para a ala separada do edifício

onde a Directora, miss Theobald, tinha os seus aposentos. Bateu à porta com

toda a força.

- Entre! - respondeu uma voz assustada, e ouviu-se o barulho do

interruptor duma luz que se acendia.

A Vigilante abriu a porta. Miss Theobald estava sentada na cama, perdida

de sono.

- Que aconteceu? - perguntou ela com ansiedade.

- Está alguém doente?

- Não! - respondeu a Vigilante com o rosto ainda vermelho de raiva. -

Muito pior do que isso!

- Santo Deus! O quê? perguntou miss Theobald, saindo à pressa da cama à

procura do roupão. - O que é? Diga depressa!

- É o quarto ano - explicou a Vigilante com uma voz terrível. -Ninguém

estava na cama, ninguém! Nem mesmo a minha Helena! Deus sabe o que

estiveram a fazer!

Miss Theobald sentou-se na cama, muito aliviada.

- Oh, uma ceia à meia-noite, suponho eu. Pensei que me viesse dar parte

duma coisa realmente grave! E isso não podia ser dito de manhã?

- De facto não podia - respondeu a Vigilante - por outra razão muito

importante também. Alguém me fechou durante uma data de tempo no

armário dos jogos, no vestíbulo das traseiras, junto do jardim!

Page 101: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Miss Theobald olhou espantada para a Vigilante, como se realmente não

pudesse acreditar no que ouvia.

- Fecharam-na à chave, no armário - disse por fim.

- Tem a certeza? Quer dizer... na verdade não estou a ver nenhuma das

alunas do quarto ano a fazer uma coisa dessas...

- Oh, não sabe nem metade do que se passa no colégio! - disse a Vigilante

numa voz terrível - Nem metade! A minha Helena conta-me muitas coisas, e se

a miss Theobald ouvisse algumas dessas coisas ficava varada.

- Não tenho que ouvir coisa alguma - disse miss Theobald - e não posso

deixar de pensar que não está certo da sua parte, permitir que a Helena lhe

conte essas coisas. Também acho que não tem que se preocupar se eu sei ou

não, aquilo que se passa. Isso só me diz respeito a mim.

A Vigilante sentiu o tom de censura nas palavras de miss Theobald, e

começou a ficar aborrecida pelo facto da Directora não se mostrar mais zangada

e interessada pela sua prisão no armário. Tinha o ar mais terrível do que nunca.

- A Helena é que me libertou - disse ela. - De contrário teria que estar no

armário até de manhã. Uma linda coisa para acontecer à Vigilante dum colégio

como este! Fui imediatamente aos dormitórios do quarto ano, e lá estavam

todas as alunas fingindo que dormiam. Hipócritas!

- Não seja tão vingativa! - aconselhou miss Theobald, que tinha ficado

chocada com o tom de voz da Vigilante.

- A senhora nunca tinha sido Vigilante num colégio de raparigas, e ainda

não está habituada às garotices dos diversos anos. Mas geralmente são

inofensivas. Quem a fechou no armário?

- As pequenas não dizem - vociferou a Vigilante.

- Mas eu exijo que seja expulsa aquela que me fechou. Uma aluna que faz

uma coisa destas, exerce uma péssima influência sobre as outras.

- Presumo que todas as alunas se combinaram para esse efeito - disse miss

Theobald. - Eu nunca expulsaria uma aluna sem uma razão mais forte do que

uma simples maldade. Tenho a certeza que a turma inteira participou da

brincadeira, e certamente não espera que eu expulse toda a turma! Procure ver

as coisas à luz da razão. Neste momento está muito aborrecida, muito zangada,

mas vai ver que de manhã já não desejará que as alunas sejam expulsas.

Page 102: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Não vem comigo agora aos dormitórios para saber quem me fechou no

armário - perguntou a Vigilante, furibunda, ao ver miss Theobald tirar os

chinelos e despir o roupão.

Espero que as pequenas a estas horas estejam a dormir - disse a Directora,

metendo-se na cama. - Não vejo razão para as acordar outra vez. Isso pode

perfeitamente esperar até amanhã.

A Vigilante estava enfurecida. Planeara um regresso dramático aos

dormitórios, com miss Theobald, e tinha chegado ao ponto de esperar que a

Directora quisesse saber quem era a culpada e anunciasse a sua expulsão

naquele próprio momento. Mordeu os lábios, e olhou para miss Theobald tão

enraivecida, que esta começou a sentir-se maçada.

- Por favor, agora vá-se embora - disse ela. - Continuaremos esta

complicada conversa de manhã.

A Vigilante deu um passo em frente, e o seu rosto tomou um ar maligno.

- Pois bem - disse ela. - Não tencionava dizer nada enquanto não

descobrisse a gatuna... mas há alguém no quarto ano que rouba, miss Theobald!

Tem-me faltado dinheiro, sim, dinheiro, selos também, e outras coisas como

papel e sobrescritos. Há uma aluna desonesta e ladra no quarto ano, e também

quero este assunto esclarecido! De contrário, desconfio bem que vou ter com a

Polícia!

2

2 Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de facilitar o acesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas obras. Se quiser outros títulos nos procure http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros, será um prazer recebê-lo em nosso grupo.

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XVIII Claudina vence outra vez

Miss Theobald detestou intensamente a Vigilante naquele momento. Era

evidente que sentia um verdadeiro prazer em dizer aquelas coisas cheias de

veneno.

- Acho que tudo isso pode esperar até de manhã - disse a Directora. -

Nessa altura tratarei dessas coisas a fundo. Agora de noite não se pode fazer

nada de jeito. Boa noite.

A Vigilante saiu do quarto sem responder. Esperava ter dado um choque a

miss Theobald. Não tencionava falar do dinheiro desaparecido, porque queria

ter o prazer de apanhar a ladra com a boca na botija, para nessa altura a agarrar

por um braço e a levar triunfantemente à miss Theobald. A Vigilante esperava

que a ladra e aquela que a tinha fechado no armário fossem uma só pessoa.

Tinha a certeza de que assim era. Certamente só uma pessoa com muito mau

fundo a poderia ter fechado dentro do armário!

“Talvez que amanhã se descubra tudo - pensava ela enquanto se metia na

cama. - vou obrigar a Helena a contar-me o que o quarto ano fez. Não lhe falarei

do dinheiro que me tem faltado, não vá ela prevenir o quarto ano e a ladra não

ser apanhada”.

Na manhã seguinte, o quarto ano acordou cheio de sono, cansado, e cheio

de medo. A Vigilante sempre teria ido falar com miss Theobald? O que iria

acontecer?

A Vigilante apareceu ao pequeno-almoço, terrível e severa. Helena tinha

os olhos pisados. A mãe tinha-lhe ralhado e exigido que ela lhe dissesse o que o

quarto ano tinha feito na noite anterior. Mas Helena não dissera nada.

Roberta tinha-lhe falado muito a sério.

- Ouve o que te digo, Helena. Não te convidámos para o nosso piquenique

ontem à noite porque tivemos medo que contasses à tua mãe, como fazes

muitas vezes. Mas vamos fazer uma combinação contigo. Não diremos à tua

mãe que não estiveste connosco, e por isso continuará a pensar que estiveste.

Page 104: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Por tua vez nunca mais nos denuncias, estás a perceber? E se o fizeres, a

combinação fica imediatamente sem efeito, e contaremos à tua mãe os encontros

que tens com o teu irmão. É a única maneira de te ensinarmos que com traição

não se lucra coisa alguma.

Helena, pálida e triste, prometera.

- Obrigada - disse ela. - Nem quero pensar que a mãe possa vir a saber dos

meus encontros com o Eddie. Ficaria tão zangada com ele! Nunca mais

denunciarei ninguém. Eu bem sei que o tenho feito... mas é tão difícil por vezes

não responder às perguntas da minha mãe!

Roberta calculava que sim. Helena tinha os seus problemas, mas não era

sendo fraca e a denunciar as colegas que os resolvia! O que mais cedo ou mais

tarde acabaria por descobrir.

Mas naquela manhã, Helena tinha sido decidida e forte, e não tinha

respondido às instantes perguntas da Vigilante. A mãe zangara-se imenso,

tinha-lhe mesmo puxado as orelhas com quanta força tinha. A Vigilante tinha

um génio tremendo quando perdia a cabeça, e a pobre Helena tinha tido muito

que aguentar.

- Claudina - disse Susana baixinho, ao pequeno-almoço - se queres acusar-

te à miss Theobald de teres fechado a Vigilante no armário, é melhor ir logo em

seguida ao pequeno-almoço. Mas se não te queres acusar não precisas de o

fazer. Ficaremos todas a teu lado, e diremos à miss Theobald para dar um

castigo à turma inteira. No fim de contas divertimo-nos a valer, graças a ti, e

nenhuma de nós deseja que sejas castigada por causa duma coisa que qualquer

de nós gostaria extraordinariamente de ter feito.

- Obrigada, Susana - respondeu Claudina, pensando que aquelas raparigas

inglesas eram capazes de ser muito simpáticas, leais e generosas - mas eu vou

ter com a miss Theobald. Não tenho vergonha do que fiz. Ela é uma mulher má,

a Vigilante, e hei-de dizer à miss Theobald que até tive prazer em a castigar

pelas coisas antipáticas que tem feito durante o período.

- Bem... faz e diz o que quiseres - disse Susana, pensando que Claudina,

provavelmente durante toda a vida, faria e diria o que muito bem lhe

apetecesse! - E boa sorte!

E assim, Claudina foi até à porta da Directora, bateu firmemente, e entrou.

Começou sem qualquer rodeio:

Page 105: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Miss Theobald, vim para lhe dizer que fui eu que fechei a Vigilante a

noite passada. Suponho que é uma coisa que nenhuma rapariga inglesa teria

feito, com o seu extraordinário sentido da honra, mas eu sou francesa, não gosto

da Vigilante, e queria que o quarto ano se divertisse. Fomos fazer um

piquenique à meia-noite, miss Theobald, e tomar banho na piscina. Eu não

nadei, mas as outras nadaram, e disseram que foi formidável.

Miss Theobald teve dificuldade para não sorrir ao ouvir esta franca

confissão. Claudina tinha sempre um ar inocente que desarmava as professoras,

mesmo quando estava a fazer, ou a confessar, as coisas mais extraordinárias.

Miss Theobald olhou fixamente para a inteligente rapariga.

- Por que não gostas da Vigilante?

- Quer que eu lhe diga a verdade? - perguntou Claudina. - Pois bem, então

digo. A Vigilante descobre, através da Helena, todas as parvoíces e maldades

do quarto ano, e então veja o que acontece! Misteriosamente, os nossos lençóis

aparecem rotos, e nós passamos horas a cosê-los. De repente as meias aparecem

cheias de buracos, e as batas sem botões. Oh, miss Theobald, nós não gostamos

da Helena, e se o demonstramos, são montanhas de roupa para coser, e temos

que ficar a fazer costura enquanto as outras estão lá fora a jogar.

- Percebo - disse miss Theobald, que já tinha desconfiado daquilo. -

Claudina, não podes andar a fechar pessoas à chave dentro dos armários. Tenho

a certeza de que nem mesmo as alunas francesas fazem isso.

- Ah, miss Theobald, eu não vou fechar toda a gente nos armários! - disse

Claudina, que se ia lançar num dos seus longos e complicados discursos. - Não,

toda a gente não! Só as pessoas que o merecem, devem ser fechadas nos

armários. Eu cá por mim, nunca...

Miss Theobald pensou que Claudina tinha muita coisa parecida com a

mam’zelle. Sorriu-se intimamente, e pôs ponto final naquela interminável

explicação.

- Está bem, Claudina. Vais pedir desculpa à senhora Vigilante esta manhã,

e aceitar o castigo que ela te der. Há uma coisa mais... - Parou, e olhou para

Claudina duma maneira penetrante. Claudina dispensou toda a atenção porque

tinha uma grande simpatia e respeito pela sensata e bondosa miss Theobald. -

Essa coisa mais é acerca do sentido inglês da honra... Falas disso duma maneira

ligeira, e até mesmo trocista...

Page 106: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Mas penso que intimamente compreendes perfeitamente que se trata

duma coisa boa e admirável. Quando voltares para França, Claudina, leva uma

coisa contigo: o sentido inglês da honra.

Claudina tinha um ar solene. Estava muito comovida.

- Miss Theobald, acredite-me quando lhe digo que realmente não faço

troça disso. A princípio não a compreendia, depois achava que era uma coisa

maçadora nos outros, e ainda mais maçadora para nós possuirmos. Mas agora

começo a aprendê-la, e é uma coisa boa, mesmo muito boa.

Bateram à porta, e a Vigilante entrou, com uma cara mais terrível do que

nunca. Queria esclarecer tudo com miss Theobald imediatamente. Claudina

ficou radiante ao vê-la, e pensou: “agora vou pedir desculpa à Vigilante ao pé

da miss Theobald, e assim ela não se atreverá a ser demasiado má nem a dar-me

um castigo exagerado! “

E assim, dirigiu-se à Vigilante, muito mansa, de olhos baixos, olhando

para o chão, e falou com uma voz muito tímida:

- Senhora Vigilante, fui eu que a fechei à chave ontem à noite. Peço-lhe

muita desculpa, e que me perdoe. Aceitarei de boa vontade o castigo que me

der.

Miss Theobald olhava para a cena, muito divertida. Sabia que Claudina

estava a representar um papel, e tinha-se aproveitado, inteligentemente, da

vinda da Vigilante ali, para pedir logo desculpa, perante a própria Directora.

A Vigilante corou. Olhou para Claudina e ralhou-lhe severamente:

- És uma péssima menina! Mereces ser expulsa! E, ainda mais, fazia com

que te expulsasse, se a tua tia não fosse aqui professora de Francês, e se te

expulsassem partir-se-lhe-ia o coração.

A verdade é que a Vigilante tinha medo da mam’zelle que era capaz de se

exaltar com mais violência do que ela própria. Pensava até que a mam’zelle era

capaz de lhe arranhar a cara e puxar-lhe os cabelos, se ela se atrevesse a

expulsar Claudina.

- É muita bondade da sua parte ter consideração pela minha boa tia -

respondeu Claudina, com a mesma voz doce. - Qual vai ser o meu castigo?

- Vais passar esta semana todas as horas livres a ajudar-me a coser a roupa

do colégio - disse a Vigilante, que não viu o relâmpago de felicidade que

perpassou nos olhos baixos de Claudina.

Page 107: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Ah, assim, durante a semana inteira estava privada dos jogos e dos

passeios a pé!

- Sim, senhora Vigilante - disse ela, fingindo uma voz muito triste, a qual

não enganou miss Theobald. Depois voltou-se para a Directora:

- Agora volto para a aula - disse ela, com um sorriso de muita gratidão.

Saiu da sala, fechando calmamente a porta. Miss Theobald pensou que

ninguém podia deixar de gostar daquela travessa rapariga, esperta como era, e

conseguindo aquilo que queria!

- Bem, miss Theobald - começou a Vigilante, num tom de voz de desafio -

podemos tratar agora o assunto do roubo? Não quero que isto volte a acontecer.

E acontece todos os dias. E o que é mais, voltou a desaparecer algum do meu

dinheiro a noite passada! É verdade que foram só dez escudos... mas roubar dez

escudos é tão mau como roubar cem. É roubar. E acho que a pequena que

pratica estes roubos deve ser expulsa. Não concordou em que se expulsasse a

aluna que me fechou no armário ontem à noite... mas talvez tenha que o fazer,

miss Theobald! Sim, talvez tenha que o fazer!

- O que quer dizer com isso - perguntou miss Theobald, surpreendida.

- Quero dizer - explicou a Vigilante - que desconfio que é essa menina

francesa que me rouba as coisas! Está sempre a entrar e a sair do meu quarto

com roupas para coser... e ouvi dizer que ultimamente tem gasto muito

dinheiro, e eu sei que não o tem porque a própria mam’zelle mo disse. Por isso,

talvez que a miss Theobald ache melhor libertar-se duma aluna deste género, e

concorde comigo em que será uma grande coisa expulsá-la!

Page 108: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

XIX A mãe de Paulina

Ainda a miss Theobald não tinha resolvido naquele dia qual seria a

melhor maneira de estudar a Vigilante e as suas acusações, quando um terrível

acidente se deu no ginásio.

Aconteceu à Paulina, Trepava por uma das cordas, quando a certa altura

escorregou e caiu ao chão. Caiu com uma perna dobrada debaixo dela, e ouviu-

se um estalido.

Paulina ficou encolhida no chão, fez-se muito branca, e perdeu os

sentidos. A professora de ginástica correu para ela, alarmada, chamaram a

correr a Vigilante, e em seguida foi chamado o médico.

- Tem a perna partida - diagnosticou ele. - Fractura simples. Nada de

importância.

O médico tratou da fractura, e puseram a Paulina na cama, ainda muito

branca em consequência do choque. Miss Theobald foi vê-la, e Paulina olhou

para ela com uns olhos imploradores.

- Não digam nada à minha mãe - pediu ela. - Não quero que ela se

preocupe. Por favor não lhe digam nada!

- Já lhe telefonei, minha filha - disse miss Theobald, muito admirada. - Por

que não querias que ela soubesse?

- Não quero que ela se preocupe - disse Paulina debilmente. - Por favor

telefone-lhe outra vez, miss Theobald, e diga-lhe que se não preocupe, que não

é preciso vir ver-me, e que eu lhe escrevo ainda hoje.

- Tu hoje não podes escrever - disse miss Theobald docemente. - Não

podes fazer hoje qualquer movimento. Voltarei a telefonar à tua mãe hoje à

noite, e dir-lhe-ei que se não incomode a vir ver-te se o não puder fazer.

- Diga-lhe que não venha - implorou Paulina. - Sabe, ela não tem estado

bem, e eu não quero que ela se rale.

Page 109: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

Toda a gente tinha pena da Paulina. As colegas não tiveram licença de ir

visitá-la naquele dia, mas mandaram-lhe pequenos presentes de flores, fruta e

livros.

- Parece acontecer tudo ao mesmo tempo - comentou Roberta. - Olhem lá,

não acharam muito estranha a conversa de miss Theobald, esta manhã?

Na verdade tinha sido uma conversa muito séria e muito solene, e tinha

sido justamente antes do almoço, naquela manhã. Todas as alunas do quarto

ano, excepto Paulina, que estava na enfermaria, sob os cuidados da Vigilante,

tinham sido chamadas à sala de miss Theobald.

Miss Theobald falara ligeiramente sobre o acontecimento da noite anterior,

dizendo-lhes que Claudina havia confessado, que tinha pedido perdão à

Vigilante, e recebido o devido castigo pelo seu extraordinário procedimento.

Disse que teria autorizado o piquenique e o banho ao luar, se lhe tivessem

pedido, mas compreendia que as meninas do quarto ano ainda eram

suficientemente novas para acharem mais divertido fazerem essas coisas sem

licença, do que com ela.

Isto fez com que as alunas mais responsáveis se torcessem um pouco. Não

gostavam de ser consideradas novas e parvas. Então miss Theobald abordou a

outra queixa da Vigilante. Esta era muito mais séria, evidentemente, e as alunas

não se sentiram nada à vontade ao ouvi-la dizer que havia uma ladra no meio

delas, que tinha que ser descoberta, ou vir ela própria confessar.

- Devem compreender que aquilo que seria uma coisa sem importância,

relativamente falando, num ano mais atrasado, no meio de crianças, toma

aspecto muito grave entre as mais velhas - disse miss Theobald - e a Vigilante

está preocupada com o assunto, e com razão. Quem quer que é, tira as coisas

deliberadamente e continuamente... não é uma coisa praticada num momento

de aflição, que depois se lamente amargamente. É, ao que parece, feita

friamente, deliberadamente, e com frequência.

As pequenas falaram depois todas sobre o assunto, passando o caso da

Vigilante fechada no armário para segundo plano, visto que a outra acusação

era muito mais grave. Quem diabo poderia ser?

- A Vigilante está convencida de que é alguém do quarto ano porque a

nossa sala é a única que fica perto do quarto dela - disse Roberta. - Seria fácil a

qualquer aluna sair de vez em quando, ver se o caminho estava livre, e depois

entrar e tirar qualquer coisa.

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- Têm sido tiradas coisas tão estranhas além do dinheiro - disse Joana,

intrigada -, selos, papel, sobrescritos. Para quê? A Vigilante diz que também

têm desaparecido bolachas e rebuçados. Até parece que alguém tem tirado o

que pode, só por despeito.

- Bem, nenhuma de nós gosta da Vigilante - observou Roberta, rindo-se. -

Se fosse uma questão de vingança pelas maldades que ela nos faz, qualquer de

nós podia ser a culpada!

- Ainda bem que essas coisas lhe acontecem a ela - disse Claudina. -

Merece todas as desgraças por causa das tristezas que causa aos outros. A pobre

Helena tem estado hoje todo o dia com os olhos vermelhos!

- Pois tem, e eu não posso deixar de ter pena dela - disse Dora. - Já é uma

desgraça ter a Vigilante como vigilante, mas tê-la também como mãe deve ser o

maior dos infortúnios!

Patrícia, Isabel, Joana, Roberta e Lida discutiram o assunto entre elas no

campo de ténis, naquele dia.

- Quem poderá ser? - interrogava Roberta.

- Haverá alguém que de repente tenha mais dinheiro do que era costume?

- perguntava Patrícia. Imediatamente o mesmo pensamento atravessou a mente

de todas.

- Sim... Claudina. Tem gasto a torto e a direito ultimamente.

- E tem muitas oportunidades de ir ao quarto da Vigilante, porque está

sempre a ter coisas para coser!

- Mas não pode ser Claudina! É verdade que não tem o nosso sentido da

honra... mas não fazia uma coisa dessas!

- Vocês sabem que ela não se importa com aquilo que faz quando não

gosta de alguém ou deseja vingar-se. Nem sequer pensaria que o não devia

fazer.

As cinco olharam umas para as outras, sentindo-se de repente muito

pouco à vontade. Sabiam que na verdade Claudina tinha muito pouco

dinheiro... e contudo tinha dado à Marília aquela bonita carteira... e tinha gasto

vinte escudos nas cerejas para o piquenique. Realmente parecia que poderia ser

Claudina.

Tocou a sineta para o chá e as raparigas correram para o colégio. Depois

do chá a Ângela e a Adelina foram juntas à cidade comprar qualquer coisa de

que precisavam. Quando regressavam, passaram por uma senhora de idade,

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vestida com um sóbrio vestido preto, sapatos de salto raso, e um chapéu muito

modesto. Usava óculos, tinha um rosto magro e cansado, mas bondoso.

- Deve ser alguma cozinheira que vai para o Colégio de Santa Clara - disse

Ângela à Adelina.

Quando as raparigas iam a passar por ela, voltou-se e perguntou-lhes:

- Diziam-me, por favor, se vou bem para o Colégio de Santa Clara? As

meninas são do colégio, não são?

- Somos - respondeu Adelina. - É sempre em frente. As raparigas iam para

continuar, quando a senhora as fez parar para lhes fazer uma pergunta que as

deixou surpreendidas.

- Como está a minha Paulina agora? A Directora telefonou-me para me

dizer que tinha partido uma perna esta manhã, e eu apanhei o primeiro

comboio que pude. Sou a mãe dela.

Ângela e Adelina pararam estupefactas na estrada, e ficaram a olhar para

a velha senhora, de boca aberta. Lembravam-se das maravilhosas histórias que

a Paulina contava da sua linda e rica mãe. Não podiam compreender que

aquela modesta senhora, com um ar cansado e quase velha, fosse a suposta

maravilhosa mãe da Paulina.

O coração de Ângela foi logo assaltado pela troça. com que então Paulina,

que nunca queria ficar atrás dela, tinha uma mãe que parecia uma cozinheira

gasta. Tentou puxar a Adelina rapidamente ao longo da estrada.

Mas qualquer coisa no cansado rosto da mãe da Paulina tinha comovido a

Adelina, que tinha muitos defeitos mas era sensível aos sentimentos dos outros,

e sentiu a preocupação e a ansiedade no rosto da senhora. Sacudiu o braço da

Ângela.

- Paulina está bem - disse ela com simpatia. - Não a pudemos ver hoje, mas

todas nós lhe mandámos qualquer coisa. Flores, livros, e outras coisas sabe,

para a animar. Sente-se melhor agora? Paulina ficou tão desapontada por a

senhora não ter vindo, nem o pai, à festa do período, por nessa semana estar

doente.

A mãe de Paulina pareceu muito surpreendida.

- Não estive doente - disse ela. - Eu queria vir à festa, mas Paulina

mandou-me dizer que havia um caso de escarlatina e que a festa tinha sido

adiada, por isso não vim.

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Adelina estava horrorizada. Num abrir e fechar de olhos viu que Paulina,

com receio de que a mãe não fizesse boa figura no meio das outras mães,

sabendo que tinha dito toda a espécie de mentiras que seriam descobertas logo

que as companheiras vissem a sua cansada e velha mãe, tinha realmente

inventado a mentira da escarlatina para evitar a vinda dos pais à festa, e tinha

fingido aquele grande desapontamento por eles não terem vindo.

Ângela, claro está, ouviu o que estava a dizer, e uma expressão de troça e

desprezo lhe veio ao rosto.

- Bem! - disse ela - não houve nenhum caso de...

- Mas Adelina não deixou a Ângela interferir no assunto. Deu-lhe tamanha

cotovelada que a fez dar um grito de surpresa. Depois deitou-lhe uns olhares

tão ferozes que Ângela não disse mais nada, mas pensou, muito admirada, que

a Adelina devia estar louca, para a tratar a ela, Ângela, daquela maneira.

Julgo que a Paulina está contente no Colégio de Santa Clara - disse a mãe. -

Ela sempre desejou ir para lá desde que ouviu falar dele. Não sabia como havia

de suportar tão grande encargo, mas sempre consegui. O pobre Pai é um

inválido, sabe, está assim há muitos anos, com certeza que ela lhes contou tudo

isto. Não temos muito dinheiro, mas gostava que a Paulina fosse feliz no

colégio, e disse-lhe: “Olha minha filha, não podes ter tanto dinheiro como as

outras para os teus alfinetes, nem tantas festas, mas se queres ir nestas

condições, eu não te impeço”.

A mãe da Paulina falava com a Adelina, não com a Ângela. Gostou da

bonita e simpática carinha da Adelina, e estava muito contente por ter com

quem falar. Ângela, teve um gesto de desprezo, e continuou rapidamente o seu

caminho para o Colégio de Santa Clara.

- Ainda é longe, não é? - disse a mãe de Paulina um pouco ofegante. - Não

vim de táxi porque os táxis são caros e pensei que podia muito bem vir a pé.

Coitadinha da Paulina, já foi pouca sorte partir assim a perna. Pensei que ela

iria ficar tão contente de me ver se eu pudesse vir logo!

Adelina não estava tão segura disso. Pensava que se Paulina tinha

mentido para evitar que a mãe viesse à festa, certamente também não estava

interessada agora em a ver no Colégio de Santa Clara, com a razão das suas

mentiras patente à vista.

“Paulina faz-me tristeza - pensava Adelina -, na verdade é odienta, faz

com que a pobre mãe certamente se prive de tudo quanto precisa, para lhe

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pagar o colégio aqui, e depois mantém-na afastada do colégio porque tem

vergonha dela! Idiota! “

Adelina acompanhou a mãe da Paulina até à porta do colégio e deixou-a aí

entregue a uma criada. Foi tirar o chapéu e o casaco e foi até à sala ter com as

outras.

“Deus queira que a Ângela não tenha ido fazer pouco da mãe da Paulina -

pensou Adelina, desanimada. Tenho pena da pobre senhora. Parecia tão

cansada e tão envelhecida”.

Ao abrir a porta da sala ouviu logo a voz da Ângela:

- Só lhes digo que sei quem tirou o dinheiro à Vigilante, e tudo o mais!

Não há qualquer dúvida. Foi a Paulina!

- Paulina? O que é que tu queres dizer? Por que dizes isso? - perguntou a

Joana.

- Já lhes digo por quê - continuou Ângela, e fez uma pausa dramática. - Eu

e a Adelina subimos a estrada com a mãe da Paulina, agora mesmo, e por

aquilo que ela nos contou é mais que certo que a nossa querida Paulina é uma

terrível mentirosa e é certamente uma grande ladra!

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XX Ângela e Claudina

- Tens que dizer a razão por que dizes isso - intimou Roberta.

As alunas do quarto ano juntaram-se todas para ouvir. Só ali não estava

Claudina, nem, evidentemente, Paulina.

- Ora oiçam - disse Ângela malevolamente. - Eu e a Adelina vínhamos

para o colégio, e vimos na estrada uma velha feia, muito modesta, vestida de

preto, mesmo na nossa frente. Pensei que devia ser alguma cozinheira que

vinha para o colégio. E afinal era a mãe da Paulina... Paulina não vem dos

Bingham-Jones, como ela diz, mas apenas dos Jones!

- É uma pessoa muito simpática - disse Adelina, que não gostara da voz

desdenhosa da Ângela.

- Uma pessoa simpática! - zombou Ângela, andando à roda de Adelina

duma maneira trocista. - Vulgar como a porcaria, queres tu dizer! E quando

penso nos ares da Paulina... a querer fazer ver que a sua mãe é tão elegante

como a minha... fingindo que a sua família é tão importante como a minha

realmente é... gabando-se dos seus carros e das suas coisas... quando são tão

pobres como Job, e mal podem manter a filha aqui no colégio! Macacos me

mordam se eu não disser à Paulina o que penso dela quando a vir! E hei-de

dizer-lhe o que penso da sua mãezinha, vestida como uma cozinheira e

lamentando-se por causa da sua pobre Paulina.

Antes de mais alguém poder falar, Adelina levantou-se. Estava branca e

havia um estranho ar na sua fisionomia.

- Não dizes nada disso à Paulina! Não lhe dizes nada que a possa

envergonhar da sua pobre mãe. Não compreendes como podes levá-la a

detestar a mãe, se ela souber que a viste e que dizes essas coisas da pobre

senhora? Acho que a Paulina procedeu muito mal inventando todas aquelas

coisas, mas não consinto que piores a situação da mãe, dizendo à Paulina coisas

horríveis acerca dela. Ângela estava atónita. Como é que a sua amiga Adelina

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lhe falava daquela maneira? Olhava para ela esgazeada, incapaz de dizer uma

palavra. Mas em breve a sua língua readquiriu agilidade.

- Pois olha, se te interessas por pessoas da categoria da mãe da Paulina,

fico bem satisfeita por não vires passar as férias comigo - disse ela

desdenhosamente. - Vou-me embora! Não estou para ser insultada por uma

criatura que tinha na conta de minha maior amiga.

A pobre Adelina estava a tremer, pois detestava discussões. Ângela

dirigiu-se para a porta. Mas com intensa surpresa e aborrecimento da sua parte,

duas raparigas agarraram-na bem pelos braços, e obrigaram-na violen tamente

a sentar-se, o que a deixou quase sem pinga de sangue.

- Podes não querer ouvir a Adelina, mas não tens outro remédio senão

ouvir-nos a nós! - disse Carlota, com os seus olhos de cigana, lançando fogo. -

Agora somos nós! que vamos dizer meia dúzia de coisas!

- Deixem-me ir embora, suas estúpidas - murmurou Ângela entre os

dentes.

- Parece que estás a falar muito acerca de mães - criticou Carlota,

debruçando-se sobre a furiosa Ângela, e falando num tom tão feroz que Ângela

inclinou-se para trás, com medo. - Também nós vamos falar de mães... da tua

mãe! Não falaríamos dela se não fosse preciso... mas é muito preciso agora, para

introduzir um pouco de bom senso nessa cabeça obtusa!

- Se me não deixam ir embora começo a gritar - ameaçou Ângela

enraivecida.

- Cada vez que gritares, dou-te uma bofetada valente como esta - disse

Carlota, dando no anafado ombro da Ângela uma palmada com tanta força, que

ela soltou um grito de dor.

- Cala-te, Carlota - aconselhou Roberta - não podes fazer isso.

- Posso, sim senhor - respondeu Carlota friamente. E Ângela sabia que

podia, por isso não disse mais nada.

- A mãe da Paulina pode ser velha, feia, pobre, e estar cansada, mas não é

razão para ser desprezada. Mas há razão para se desprezar a tua mãe, Ângela! É

uma inútil, uma malcriada, uma insatisfeita, uma horrível snob... tal e qual

como tu! E fazes favor de lhe dizer que não volte a pôr aqui o pé, fazendo cara a

tudo, porque a não queremos ver, porque não gostamos dela e a desprezamos, e

desejamos que te leve daqui o mais cedo que ela quiser!

- Estás a ouvir? - perguntaram a Roberta, a Joana e as gémeas.

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Ângela ficou muito branca. Estas coisas eram dolorosas de ouvir, mas ela

também as havia pensado. Também ela se envergonhara com as atitudes da

mãe na festa do período... mas não tinha percebido quão amargamente as

colegas se haviam magoado com o seu insolente procedimento para com o

colégio e tudo o que o representava.

- Já chega, Carlota - disse Susana Howes, um tanto atrapalhada.

E realmente chegou. Ângela tinha o ar de quem ia desmaiar. Quisera

sumir-se pelo chão abaixo. Acabavam de lhe falar, a ela, que tanto se tinha

gabado e tanta bazófia punha na sua família que colocava acima de qualquer

outra, como se não fosse mais do que um farrapo. com um grande soluço fugiu

da sala.

- Ainda bem que ela se foi embora - disse Patrícia.

- Anima-te, Adelina. Orgulhei-me de te ouvir falar assim. Talvez que

agora vejas a Ângela tão claramente como nós a vemos.

- Vejo, sim - murmurou Adelina com verdadeira desolação. - Acho-a

medonha. Tive tanta, tanta pena da mãe da Paulina... e a Ângela não teve para

com ela senão palavras de escárnio. Não possui um átomo de bondade!

- Nem uma amostra - concordou Joana. - Agora já aprendeu que a

bondade gera bondade, e que o desprezo gera desprezo. E se o não aprendeu,

muito terá que sofrer!

- Acham que a Ângela tem razão quando diz que Paulina deve ser a ladra?

- perguntou Dora. - Ultimamente tem gasto dinheiro a rodo... e se realmente é

pobre... de onde é que lhe vem?

- Nós estivemos inclinadas a pensar que seria a Claudina - disse Isabel. -

Vocês sabem que ela também é pobre... quase nunca tem vintém... e eis que de

repente aparece cheia de dinheiro. E vocês sabem que não tem escrúpulos

nenhuns! Eu gosto dela... mas simplesmente não tem qualquer sentido do que

seja honra! Por isso começámos a desconfiar se seria ela.

- Shiu! Shiu! - fez alguém, mas tarde de mais... pois Claudina, que tinha

entrado sem que ninguém tivesse visto, tinha ouvido o que Isabel dissera!

Claudina abriu imediatamente caminho através das companheiras. Isabel

viu-a chegar, e ficou horrorizada. Por nada no mundo desejava que Claudina

tivesse ouvido o que ela tinha dito!

- Claudina! - disse ela. - Lamento que tenhas ouvido. Não te zangues. Só

tivemos esse pensamento porque as tuas ideias sobre a honra são

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completamente diferentes das nossas. E realmente parece-nos que, se detestavas

a Vigilante, era uma maneira de te vingares dela.

Claudina olhou para o grupo das colegas, e o seu rosto expressava uma

intensa fúria. Viu a cara franca de Isabel, a cara assustada da Patrícia, a cara

atenta da Roberta... e depois, com enorme espanto de todas elas, o seu ar de

fúria desapareceu... e Claudina desatou à gargalhada!

Surpreendidas, todas olhavam para ela. “Francamente - pensou Dora -

nunca se sabe quais são as reacções da Claudina! “

Roberta pensou que era parecidíssima com a mam’zelle nas suas

repentinas mudanças de furiosa para risonha. Mas que sorte que a Claudina

tivesse encontrado nas Palavras de Isabel motivo para gargalhadas!

- Eu não estou zangada - confessou Claudina por fim, limpando as

lágrimas que o riso lhe havia provocado.

Não, não estou zangada. Vocês inglesas são tão sérias, tão solenes e tão

honradas! Eu tenho a minha honra também, e embora por enquanto não seja

igual à vossa, talvez que um dia venha a sê-lo. A boa miss Theobald disse-me

esta manhã que há uma coisa que tenho que levar comigo para França, apenas

uma... o sentido inglês da honra!

- Dizer uma coisa dessas é mesmo à miss Theobald - observou Joana. - Mas

afinal por que te riste, Claudina?

- Ri-me porque me lembrei de repente da razão porque tenho agora tanto

dinheiro para gastar - explicou Claudina, rindo-se com o seu riso contagioso. -

Para eu vos contar essa razão, terão que me prometer primeiro sob a vossa

honra inglesa, que nunca, nunca dirão à minha tia Matilde o que eu fiz!

- Oh, Claudina... o que fizeste tu? - perguntou Patrícia, imaginando as

coisas mais inconcebíveis.

- Lembram-se da minha linda almofada, de que a minha tia tanto gostava?

Pois bem! Vendi-a a uma das vossas mães por uma data de dinheiro!

Compreendem, eu precisava de dinheiro... aproximavam-se aniversários e eu

não gosto de ter tão pouco dinheiro. E uma das vossas mães foi tão boa para

comigo que me comprou a almofada, e eu mandei-lha pelo correio. Expliquei-

lhe que era minha, e que precisava de dinheiro, e ela foi tão boa, tão boa para

comigo!

- Foi a minha mãe? - perguntou Adelina, desconfiada.

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- Eu vi-te falar às escondidas com ela na festa do período. A minha mãe

não é muito capaz de fazer uma coisa simpática como essa, e não dizer nada a

ninguém. Só queria é que ela a pusesse no meu quarto!

- Bem... confessou Claudina, rindo-se com imenso gosto. - Pode ter sido a

tua simpática mãe, Adelina. O meu sentido da honra não me deixa dizê-lo. E

agora apelo para o vosso sentido da honra também, para não dizerem à minha

tia o que aconteceu à almofada. Eu disse-lhe que a tinha mandado à minha mãe.

- Tu és uma terrível aldrabona, Claudina - censurou Glória, chocada. -

Enganas as pessoas a torto e a direito! Não te percebo. Por que não disseste à

mam’zelle que tinhas vendido a almofada, em vez de dizer mentiras e fazer

disso um segredo?

- Ah, eu cá por mim adoro segredos! - disse Claudina com os olhos a

dançarem. - E a tia Matilde teria escrito à bondosa mãe e recuperado a almofada

devolvendo o dinheiro, e eu teria ficado desolada, porque é formidável ganhar

dinheiro, não acham?

- O que eu acho é que tu es um enigma - disse Joana.

- Nunca chegarei a conhecer-te, Claudina. Dizes mentiras para vender a

almofada, a fim de arranjar dinheiro para comprar presentes de anos... fechas a

Vigilante no armário para nós nos podermos divertir... tu...

- Ah, não contes mais nenhuma das minhas maldades - implorou

Claudina com veemência. - Um dia tornar-me-ei boa. Sim, certamente ainda

hei-de vir a ser boa se ficar neste esplêndido colégio mais algum período!

- Foste muito simpática em não te teres ofendido com as minhas palavras -

disse Isabel, com muito calor.

- Estou contente por nos teres dito de onde te veio o dinheiro. Desconfio,

depois disto, que a Paulina é quem deve ter roubado a Vigilante. Ultimamente

tem aparecido com tanto dinheiro! Que aborrecimento! Quem me dera que

estas coisas nunca acontecessem! O que havemos de fazer sobre o assunto?

- A Lida e eu vamos contar tudo à miss Theobald

- disse Susana. - Neste momento não podemos sondar a Paulina, porque

ainda não está capaz. Mas miss Theobald deve saber o que pensamos, e a razão

que a isso nos leva. Anda daí, Lida. Vamos arrumar o assunto!

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XXI Adelina é uma boa amiga

lida e Susana foram ao quarto da miss Theobald e bateram à porta. Ela

disse-lhes que entrassem. Felizmente estava sozinha. Ergueu os olhos com um

sorriso quando as duas alunas entraram.

- Então o que desejam as meninas do quarto ano?

Espero que se não tenham metido em mais nenhuma trapalhada!

- Não, miss Theobald - disse Susana - mas estamos muito preocupadas por

causa da história do roubo... e temos uma ideia de quem possa ser.

- Então por que não vem ela própria ter comigo - perguntou miss

Theobald, com um ar muito sério.

- Bem... não pode - respondeu Susana -, compreende, pensamos que seja a

Paulina... e como sabe, está na enfermaria, com uma perna partida.

- Paulina! - exclamou miss Theobald, com uma grande surpresa

estampada no rosto. - Não acredito que seja a Paulina. Não é o seu género.

Não... com certeza não pode ser a Paulina.

- Primeiro pensámos que podia ser a Claudina - disse Lida - mas não foi.

- Isso dá-me muito prazer - disse miss Theobald.

- Contudo não acredito que seja a Paulina. Em algumas coisas não é muito

sensata... mas de maneira alguma me parece ser uma menina desonesta.

- Temos mais alguma coisa para dizer à miss Theobald acerca da Paulina,

que mostra que realmente, sob certos aspectos, ela e um bocado estranha e

bastante mentirosa - disse Susana com uma certa gravidade. - Claro que não

estamos aqui com a intenção de fazer queixinhas... mas sabe, e que há certas

coisas que nós não podemos tratar, e por isso aqui viemos.

- Muito bem - concordou miss Theobald, muito grave também. - bom... o

que têm para me dizer sobre a Paulina? A mãe dela está cá, e posso ter uma

conversa com ela sobre Paulina antes da senhora se ir embora.

A Lida e a Susana contaram à miss Theobald das ridículas mentiras e

vaidades da Paulina... de como evitou que a mãe viesse à festa do período,

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contando-lhe uma absurda história dum caso de escarlatina... de como fingiu

um grande desapontamento... de como parecia estar sempre cheia de dinheiro,

e afinal a mãe tinha dito à Adelina que Paulina tinha sempre pouco dinheiro

para os seus alfinetes.

- Por isso... - observou Lida - ligando todas estas coisas, e sabendo que a

Paulina é uma terrível mentirosa, pensámos que haveria grandes

probabilidades de ser ela a roubar a senhora Vigilante.

- Compreendo - disse miss Theobald. - Mas geralmente, e isso é muito

curioso, as pessoas que mentem pelos motivos da Paulina, raramente são

desonestas sob outros aspectos. Sabem, a Paulina mente porque deseja

ardentemente ser superior àquilo que é... e é esta a única razão por que mente.

Se ela roubasse, sabia que era um ser desprezível, e que os outros a

desprezariam também. Por isso não roubaria. Mas por outro lado, tendo assim

tanto dinheiro, quando é evidente que a mãe não lhe pode dar muito... é

estranho! E isso leva-me a pensar que talvez ela roube, na verdade.

- É muito estranho - comentou Susana. - Bem, miss Theobald, nós

dissemos-lhe tudo quanto sabemos e pensamos. Todas nós desejaríamos ver

este caso do roubo esclarecido... o quarto ano detesta-o, como pode imaginar... e

estamos muito satisfeitas por deixar o assunto nas suas mãos.

Nisto bateram à porta. Miss Theobald disse: Entre. - Antes de alguém

entrar fez sinal às pequenas de que podiam ir-se embora. - vou tratar de tudo -

prometeu ela. - vou falar com a Paulina, talvez amanhã ou depois, assim que

estiver refeita do choque de ter partido a perna. O médico vai metê-la em gesso,

e depois voltará para as aulas enquanto se cura. É indispensável que eu tenha

este assunto esclarecido antes dela voltar à turma.

Uma criada havia entrado na sala e esperava que miss Theobald acabasse

de falar. Depois disse:

- A mãe da menina Paulina deseja falar com a miss Theobald antes de se ir

embora.

- Diz-lhe que entre - disse miss Theobald.

A senhora entrou. Lida e Susana olharam para ela com curiosidade antes

de se irem embora. Então, aquela pobre, cansada e ralada criatura, tão

modestamente vestida, era a bonita, maravilhosa, lindamente vestida e rica mãe

da Paulina! Como a Paulina era parva!

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Assim que a porta se fechou, a mãe da Paulina começou as suas

lamentações.

- Oh! Miss Theobald, estou muito aborrecida com a Paulina. Parece que

não ficou satisfeita por me ver. Desfazia-se a chorar quando lhe disse que tinha

encontrado no caminho algumas das suas colegas, com quem eu tinha falado.

Até me ralhou por a ter vindo ver... que sou uma exagerada... e no fim de contas

é a minha única filha a quem tanto quero!

Miss Theobald olhou para a desanimada senhora e teve pena dela. Estava

sem saber se havia de lhe falar nas estúpidas vaidades da Paulina, e de lhe

explicar que a atitude da Paulina era filha da vergonha que sentia por a vinda

da mãe ao colégio ter posto a descoberto todas as suas mentiras... que se

envergonhava da mãe, que se envergonhava de ter pouco dinheiro, que se

envergonhava de tudo... e que isso a tinha levado a inventar uma nova família e

uma nova casa a seu gosto.

Depois resolveu não dizer nada. Só serviria para magoar e afligir ainda

mais a pobre criatura. Primeiro tinha que ter uma longa conversa com Paulina,

e talvez que ela fosse capaz de a convencer a ser ela própria a tratar do assunto.

Por isso ouviu, e tentou confortar a pobre senhora o melhor que pôde.

- Não se preocupe. Paulina teve um grande choque ao cair daquela

maneira. Não faça caso daquilo que ela diz.

Por fim, a mãe de Paulina foi-se embora, apenas meio confortada,

sentindo-se magoada e intrigada. Miss Theobald suspirou. Surgiam de repente

imensos problemas difíceis de resolver. Em que estado ficaria a mãe de Paulina,

se tivesse que lhe dizer que a filha era ladra e uma estúpida gabarola!

“Amanhã ou depois vou ter uma conversa com a Paulina - pensou miss

Theobald. - Só desejo que a Vigilante não me dê mais maçadas! Na verdade

sempre é uma mulher muito desagradável! “

Mas a Vigilante deu mesmo mais maçadas! Na manhã seguinte entrou

como um furacão nos aposentos de miss Theobald, com outra queixa.

- Desta vez desapareceram-me quarenta escudos! Duas notas de vinte

escudos. Do meu porta-moedas. E eu tinha-o escondido no cesto da costura.

Mas desapareceram assim mesmo. Miss Theobald, essa pequena tem que ser

descoberta e expulsa!

Miss Theobald ouviu, assombrada. Como pode a Paulina ser a ladra, se

estava na enfermaria com uma perna partida? Mas, como a Vigilante

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continuava com a sua queixa, depreendeu-se da conversa que o cesto tinha

estado na enfermaria. Tinha-o levado para lá, para coser enquanto esteve ao pé

da Paulina.

Portanto Paulina podia ter tirado as notas do porta-moedas. Outras

pequenas tinham entrado e saído, visto que Paulina tinha tido licença de

receber as companheiras de turma naquele dia. Tudo aquilo era muito

aborrecido. Miss Theobald libertou-se da Vigilante assim que lhe foi possível,

pensando que naquele período o quarto ano lhe estava dando que fazer!

As alunas do quarto ano mantinham-se frias para com a Ângela desde o

dia da discussão. Ângela tinha um ar oprimido e triste, mas ninguém tinha

pena dela, nem mesmo a Adelina. Ao meio-dia e meia hora Adelina viu a

Ângela pôr o chapéu para sair.

- Onde vais? - perguntou-lhe ela. - Sabes que não temos licença de ir à

cidade sozinhas... queres que vá contigo?

- Não! - respondeu Ângela mal-humorada. - Se queres saber o que vou

fazer, digo-to. vou à primeira cabina telefónica dizer à minha mãe as coisas

horríveis que vocês disseram dela, e pedir-lhe que venha buscar-me hoje

mesmo!

- Não faças isso! - aconselhou Adelina, pesarosa.

- Só dissemos aquelas coisas por teres sido tão antipática Para com a pobre

mãe da Paulina.

Mas Ângela tinha tomado aquela resolução, e saiu. Adelina ficou por ali à

espera, muito aflita, sem querer contar às outras. Estava mesmo a ver a mãe da

Ângela chegar no seu Rolls-Bentley, desdenhosa e má, pronta a dizer os

maiores horrores do Colégio de Santa Clara e das suas alunas. Não era um

pensamento agradável.

Logo a seguir, cinco minutos antes da sineta tocar, viu a Ângela que

voltava. Mas uma Ângela infeliz, com os olhos vermelhos de chorar! Adelina

correu ao seu encontro, inesperadamente atraída por aquela Ângela humilde e

infeliz, da qual gostava muito mais do que da Ângela alegre e presumida.

- O que tens? - perguntou ela. Ângela voltou-se para Adelina e começou a

chorar amargamente.

- Oh, Adelina! A minha mãe não estava... foi o meu pai que me atendeu.

Mas em vez de me ouvir e de me confortar, ficou muito zangado. E disse que a

mãe não tinha nenhum direito de falar como falou na festa do período... e que

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ele trataria de fazer com que eu não crescesse a pensar que posso dizer aos

outros, coisas que os magoem... e que vem hoje falar com a miss Theobald por

minha causa!

- Oh, Ângela! - exclamou Adelina muito aflita.

- Que horror! Como deve estar zangado! Miss Theobald não vai ficar nada

satisfeita ao saber que telefonaste para casa a queixar-te. Toda a gente se vai

zangar contigo!

- Isso sei eu! - choramingou Ângela. - Não sei o que hei-de fazer. Oh,

Adelina, eu sei que tenho sido idiota. Mas pelo amor de Deus não me

abandones agora. Fui muito parva ontem ao falar da mãe da Paulina. Até me

sinto envergonhada do que disse. Pela tua rica saúde continua a ser minha

amiga!

- Ângela - disse Adelina, com um ar repentinamente sério. - Tenho sido

uma péssima amiga. Tenho-te gabado, adulado, e achado a melhor do mundo,

quando teria sido muito melhor se me tivesse rido sempre de ti, e te arreliasse,

como as outras. Tanto a Roberta como as gémeas teriam feito de ti uma rapariga

muito melhor. Ter-te-iam incutido a sua sensatez. Eu fui muito parva e

estraguei-te.

- Deixa lá, não faz mal, continua a ser minha amiga - implorava Ângela,

que sentia agora, que as coisas se apresentavam negras, que precisava de ter

alguém que a estimasse. - Peço-te que sejas minha amiga, Adelina.

Prometo que vou procurar ser mais simpática, juro que prometo. Mas o

que vou eu dizer ao meu pai quando ele cá vier esta tarde? Tenho tanto medo

dele quando se zanga de verdade!

- Escuta, Ângela. Logo a seguir ao almoço, voltaremos à cabina telefónica.

Fala com o teu pai, diz-lhe que estiveste a pensar melhor, e que chegaste à

conclusão de que tens sido uma idiota, mas que gostarias que ele te desse outra

oportunidade. Depois eu dir-lhe-ei duas palavrinhas, e talvez que entre as duas

consigamos que ele desista de vir.

- Oh, Adelina, tu és uma jóia! - disse Ângela, enxugando os olhos e

fungando. - O meu pai gostou de ti. Vai dar ouvidos às tuas palavras. Muito e

muito obrigada pelo teu auxílio.

A sineta do almoço há muito que havia tocado. As duas pequenas

chegaram atrasadas. Miss Ellis, olhando para os olhos inchados da Ângela,

limitou-se a dizer meia dúzia de palavras ásperas, e calou-se.

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Logo em seguida ao almoço dirigiram-se as duas para a cabina telefónica.

Ângela falou com o pai, que continuava aborrecido, e fez-lhe o seu pequeno

discurso.

- Tenho sido uma idiota. Agora é que eu vejo. Não venha, paizinho. vou

procurar portar-me melhor. Está aqui a minha amiga Adelina para lhe falar.

Passou o auscultador à Adelina que, um tanto nervosa, iniciou o pequeno

discurso que havia preparado. - Muito boa tarde! Aqui fala Adelina, a amiga da

Ângela. Ela agora está calma. Primeiro estava abatida e um bocado parva. Mas

tenho a certeza de que para o futuro vai ser uma boa rapariga. Por isso parece-

me que não tem necessidade de deixar o seu trabalho para vir ao colégio.

- Oh! - respondeu o pai da Ângela numa voz aborrecida. - Bem, como

estou muito ocupado, não vou hoje. Mas ao primeiro disparate da Ângela vou

imediatamente e faço um grande barulho. Meti a Ângela no Colégio de Santa

Clara por ser o melhor que conheço.

Aí permanecerá até ela própria achar que é o melhor colégio que ela

conhece. Se realmente é amiga dela, ajude-a a compreender isso. Eu sei que a

menina já aí está há muito tempo.

- Sim, já cá estou há muito tempo - confirmou Adelina com entusiasmo - e

é na verdade o melhor colégio do reino inteiro! Farei ver isso à Ângela, garanto

que faço, e as minhas colegas farão o mesmo.

- Não a estraguem - implorou a distante voz, que já não parecia tão

aborrecida. - Sacudam-na um bocado! Ela pode parecer uma princesinha loura,

ou mesmo um anjo, mas por dentro não é nada disso. Diga-lhe para voltar ao

telefone.

Ângela pegou no auscultador. O que ouviu deu-lhe um certo conforto.

- Obrigada, paizinho. vou tentar. Palavra de honra que vou. Adeus.

Pousou o auscultador, com um ar muito mais feliz.

- O meu pai disse-me que embora esteja ainda muito zangado comigo,

será sempre meu amigo. E disse que se eu gostasse dele, procuraria ser como

ele quer que eu seja. Portanto, agora vou fazer por isso. Obrigada, Adelina, pelo

teu conselho.

Apertou o braço da amiga. Adelina deu o braço à Ângela, e voltaram para

o colégio. Adelina falava severamente consigo própria, enquanto caminhavam.

“Não voltes a dizer à Ângela que é bonita! Nunca mais a lisonjeies! Nunca

mais lhe digas que parece um anjo! Não serve de nada parecer um anjo quando

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por dentro se é exactamente o contrário. Arrelia-a, e ri-te dela, e ralha-lhe,

aponta-lhe os defeitos... é isso que tens que fazer se queres ser uma verdadeira

amiga da Ângela”.

E, com espanto da turma inteira, entre as duas amigas os papéis estavam

totalmente invertidos! Ângela era agora a dócil, aceitando uma crítica

arreliadora, e Adelina era quem mandava!

- É bom para as duas! - observou Roberta, sorrindo-se. - Ângela tornará a

Adelina uma rapariga muito mais simpática, e acabará por dar-lhe uma

sensatez muito apreciável!

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XXII A Vigilante tem um choque

- Não sei se a miss Theobald já teve alguma conversa com a Paulina por

ela tirar o dinheiro e as outras coisas à Vigilante - disse Lida à Susana depois do

chá, naquele dia.

Helena ergueu os olhos, assarapantada. Não estivera ali no dia anterior

quando o assunto tinha sido discutido, e a Lida mais a Susana haviam ido falar

com a miss Theobald. Durante esse tempo estivera a ser continuamente

interrogada pela mãe, que tentava descobrir o que as alunas do quarto ano

haviam feito na noite do dia dos anos da Marília. Porém, Helena tinha mantido

a sua palavra, e não dissera nada.

- Paulina a tirar dinheiro à minha mãe - perguntou Helena, espantada. -

Mas o que é isso? Não ouvi dizer nada.

- Não ouviste? - perguntou Joana surpreendida. -Ah, pois não! Estavas

com a tua mãe quando ontem se discutiu esse assunto, e hoje ainda não tivemos

tempo de falar sobre isso. Também não há muito que dizer, na verdade, senão

que todas nós pensamos que foi a Paulina que tirou essas coisas à tua mãe.

Todas nós sabemos agora que os pais dela a têm aqui no colégio com

dificuldade, e que POUCO dinheiro lhe dão para os seus alfinetes... por isso...

como ultimamente tem gasto dinheiro a rodo, ficámos com a certeza que a ladra

era ela. É tão mentirosa, que Pode ir um pouco mais longe e ser ladra também!

- E a miss Theobald vai falar com ela sobre isso - informou Susana. - A

Lida e eu fomos contar tudo à miss Theobald. Tenho pena que a Paulina tenha

partido a perna... mas se na verdade é tão ladra como mentirosa, acho que é um

castigo merecido.

Helena ficou-se a olhar para as companheiras que estavam a conversar.

Roberta achou-lhe um ar um bocado estranho.

- Sentes-te bem? - perguntou-lhe. - Tens uma cara a modos que esquisita!

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- Claro que estou bem - respondeu Helena. Levantou-se e foi-se embora.

com grande espanto das outras, viram-na um minuto mais tarde correndo

caminho abaixo a toda a velocidade.

- O que se passa com a Helena - inquiriu Lida, intrigada. - Ter-se-ia

esquecido que temos trabalhos para fazer esta noite?

Na verdade assim parecia. Não veio para a aula de estudo, e miss Ellis

mandou à Vigilante indagar se, por qualquer razão, conservava a Helena junto

dela. A Vigilante chegou à sala de estudo, muito mal disposta.

- Não faço ideia nenhuma onde esteja a Helena - afirmou ela. - Espero que

a castigue, miss Ellis. Ultimamente tem-se tornado obstinada e desobediente.

Helena nem sequer apareceu ao jantar, e já as outras se estavam a despir

quando a viram. Dora foi à janela do dormitório e viu a Helena a subir um dos

caminhos do colégio. Vinha mais alguém com ela.

- É o Eddie! - disse Adelina. - Santo Deus! Em que sarilhos se meteu! Deve

ter saído a correr para se encontrar com o irmão, e agora ele resolveu vir com

ela.

Helena parecia nervosa e lacrimosa. Eddie parecia estar no mesmo estado.

Entraram no colégio. Em vez de irem direitos aos aposentos da mãe, foram

direitos aos da miss Theobald.

- Anima-te! - murmurou o irmão. -Eu estou aqui! Olharei por ti, Helena.

Entraram os dois no quarto de miss Theobald. A Directora ficou

surpreendida ao ver Helena com um rapaz. Helena disse-lhe quem era o Eddie.

- É o meu irmão Edgar - apresentou ela, depois foi-se abaixo, e desatou a

soluçar tão amargamente que até fazia dó.

Miss Theobald estava impressionada. Eddie deitou um braço protector à

roda da irmã.

- Não chores - disse ele. - Eu conto tudo. - Depois voltou-se para miss

Theobald.

- Hoje a Helena ouviu dizer que uma outra rapariga, Paulina, ia ser

acusada de roubar a Vigilante, nossa mãe. Pois bem... era a Helena quem

roubava o dinheiro e as outras coisas, e não a Paulina nem mais ninguém!

- Mas por quê? O que a levava a fazer uma coisa tão extraordinária? -

perguntou miss Theobald, pensando que nos últimos dias as surpresas eram

enfiadas umas nas outras.

Page 128: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Era por minha causa - explicou Eddie. - Eu tinha arranjado um emprego

numa empresa de trabalhos de engenharia no começo deste período, e a minha

mãe ficou muito contente. Porém não estive lá muito tempo, porque tive um

acidente com um carro e fui despedido. Eu... não me atrevia a dizer à minha

mãe, miss Theobald.

Miss Theobald olhou para a pálida e magra face do rapaz que estava na

sua frente, e não se surpreendeu que temesse o mau génio e a terrível língua da

mãe. A descompostura que lhe pregaria, e as tremendas coisas que lhe diria, se

soubesse que tinha falhado no seu emprego!

- Então - continuou Eddie, engolindo em seco, e conservando o braço à

roda da irmã -, então pensei que talvez conseguisse arranjar outro emprego

relativamente depressa, e depois só era preciso dizer à mãe que tinha mudado

de emprego. Mas, compreende, eu não tinha dinheiro, e tinha que pagar o

quarto e a comida... e assim um dia consegui vir até aqui, sem conhecimento da

minha mãe, e falei com a Helena, pedindo-lhe que me desse o dinheiro que

pudesse.

- Estou a perceber - disse miss Theobald, muito grave - e a Helena roubava

à mãe para lhe dar a si.

- Eu não sabia que a Helena tirava o dinheiro à mãe. Pensava que era

dela... dos seus alfinetes, ou da Caixa Económica dos Correios. Eu sabia que ela

tinha algum dinheiro ali. E também me levava bolachas, e papel e selos para eu

responder aos anúncios. Ela tem sido... tem sido uma jóia para comigo, miss

Theobald.

- Oh, Eddie tu bem sabes que eu tudo faria por ti - soluçava Helena. - Mas,

miss Theobald, quando soube que a Paulina ia ser acusada daquilo que eu tinha

feito... então saí a correr para ir ter com o Eddie e contar-lhe tudo. E ele veio

comigo para lhe contarmos o que se passava. Oh, miss Theobald, nós não nos

atrevemos a dizer à mãe!

- Que trapalhada! - exclamou miss Theobald, olhando para as duas caras

infelizes e assustadas na sua frente.

Intimamente não podia deixar de culpar a Vigilante por tudo aquilo. Se

tivesse sido uma mãe boa e adorável, ajudando os filhos em vez de esperar

deles mais do que é natural, nunca tal teria acontecido. Teriam corrido para ela

para que os confortasse e os ajudasse, em vez de lhe esconderem aquilo que os

afligia, e de a roubarem, só porque tinham medo dela.

Page 129: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Sabe - desculpou-se Helena, enxugando os olhos

- Como a minha mãe também é mãe do Eddie, na verdade não pensei que

era mal tirar-lhe dinheiro e outras coisas a ela para o ajudar a ele.

- Compreendo - disse miss Theobald - mas assim mesmo é mal feito.

Helena, estou muito satisfeita por teres tido a coragem e compreenderes que

não podias deixar culpar outra menina por um mal que tinhas praticado. Isso é

uma coisa muito importante a teu favor.

Houve uma pausa. Então Eddie falou, embora muito nervoso.

- Miss Theobald... acha que pode falar com a mãe, em nosso nome? Peço-

lhe por tudo que o faça. Não se zangará tanto connosco se a miss Theobald lhe

falar primeiro.

Miss Theobald ficou um bocado pensativa, mas disse:

- Está bem, eu falo com ela. Vocês podem esperar nessa sala ao lado até eu

lhe ter falado.

Eddie e Helena retiraram-se para a sala do lado, tristes e assustados. Miss

Theobald tocou a campainha e disse à criada para pedir à Vigilante para lhe vir

falar.

A Vigilante apareceu pouco depois, muito direita no seu uniforme, com o

seu avental engomado.

- Sente-se, senhora Vigilante - disse miss Theobald.

- Descobri quem lhe tirou o dinheiro, e queria falar-lhe sobre o assunto.

- Espero que expulse essa menina - disse a Vigilante num tom severo. - No

fim de contas, miss Theobald, eu tenho aqui uma filha no quarto ano. Não é lá

muito bom exemplo para ela, ter uma ladra que vive a seu lado!

- Bem, senhora Vigilante - respondeu miss Theobald - tomei a resolução de

não ser eu a decidir se essa menina será ou não expulsa. A senhora é que vai

decidir, e mais ninguém.

Os olhos da Vigilante brilharam.

- Muito obrigada. Pode considerar a minha resolução tomada. A menina

vai-se embora, e vai-se embora amanhã!

- Muito bem - concordou miss Theobald. - Agora ouça a minha história,

por favor. A pequena não roubava para ela, mas para alguém a quem ela muito

queria, e que estava em grandes dificuldades.

- Roubar é sempre roubar - disse a Vigilante numa voz de quem se sente

cheia de direitos.

Page 130: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

- Ela teve medo de pedir à mãe para a ajudar, e até teve medo de lhe pedir

conselho - continuou miss Theobald.

- Então a mãe é tão culpada como a filha - comentou a Vigilante. - As mães

cujos filhos roubam porque têm medo delas, estão muito longe de serem boas

mães.

- Estou plenamente de acordo - disse miss Theobald.

- No entanto essa menina teve a coragem de me vir contar, e de me pedir

para lho dizer.

- Onde está a ladra - perguntou a Vigilante ferozmente. - Tenho meia

dúzia de palavras para lhe dizer, é o que lhe garanto! E amanhã vai-se embora.

Miss Theobald levantou-se e abriu a porta que ligava a sua sala com o

escritório.

- A ladra está aqui com o irmão.

A Vigilante entrou com firmeza no escritório, pronta a atirar-se à ladra.

Encontrou ali os seus dois filhos, Helena e Eddie. Ambos olhavam para ela

nervosamente.

- O que é isto? - exclamou a Vigilante numa voz sumida. - Por que está

aqui a Helena e o Eddie?

- Helena é a ladra, senhora Vigilante... e Eddie é aquele para quem ela

roubava... e a senhora é a mãe dura que ambos demasiado temiam para lhe

pedirem conselho e ajuda - disse miss Theobald com uma voz grave e séria. - E

penso que, conhecendo a senhora como conheço, não é Helena que deve deixar

o Colégio de Santa Clara, mas sim a senhora!

O rosto da Vigilante envelheceu como que de repente, e os seus lábios

começaram a tremer. Ficou-se a olhar para Helena e para o Eddie, de olhos

esgazeados, como quem não acredita. Helena chorava novamente.

- A senhora é uma mãe dura e má - continuou miss Theobald em tom

solene. - Os seus filhos precisam de conforto, mas é coisa que a senhora nunca

saberá dar-lhes!

- Já arranjei outro emprego, mãe, arranjei-o hoje! - disse Eddie. - Eu

pagarei todos os tostões que a Helena lhe tirou. Não ralhe com ela. Ela fez isso

porque me quer muito. Em breve ganharei o suficiente para que ela possa viver

comigo e tomar conta da casa. Depois não terá que se incomodar por nossa

causa. Nós sempre lhe demos desapontamentos. Por mais que fizéssemos nunca

Page 131: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

éramos suficientemente espertos ou dotados. Mas eu agora tomarei a Helena à

minha conta.

- Oh, Eddie, pelo amor de Deus não fales assim! - dizia a mãe numa voz

sufocada. - O que é que eu fiz? Oh, o que fiz eu para merecer um castigo destes?

Miss Theobald fechou a porta. Deviam resolver as coisas sozinhos. A

Vigilante é que tinha feito a cama onde agora se deitaria. Aquelas duas crianças

recompor-se-iam do choque que acabavam de sofrer, porque se estimavam

mutuamente, e estariam sempre ao lado um do outro. Não tinham grande força

de vontade nem um carácter muito atraente... mas a estima que tinham um pelo

outro lhes daria força e coragem.

Miss Theobald pegou no telefone. Ligou para a antiga Vigilante, que

estava quase restabelecida da sua doença.

- É a senhora Vigilante - perguntou miss Theobald. - pode voltar amanhã?

Fará apenas aquilo que puder... mas não podemos dispensá-la por mais tempo!

Sim... tenho o pressentimento de que a actual Vigilante se irá embora amanhã.

Óptimo! Teremos o maior prazer em vê-la de volta!

Page 132: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

XXIII Finalmente tudo em ordem

E agora mais uma coisa era ainda preciso fazer. Era preciso falar com a

Paulina e tratar também do seu caso. No dia seguinte, Paulina ficou muito

admirada ao ver entrar miss Theobald na enfermaria muito mais séria do que

de costume.

Era a segunda surpresa que Paulina tinha naquele dia. A primeira fora

quando uma Vigilante completamente diferente tinha aparecido, gorda, alegre e

cintilante. Paulina olhou para ela com espanto, encantada por não ver a outra

Vigilante.

- Olá! - exclamou a nova Vigilante - com que então partiste uma perna!

Muita falta de cuidado. Agora não te ponhas a partir pernas todos os dias!

Ouviste?

- Onde está a outra Vigilante? - perguntou Paulina.

- Teve que se ir embora inesperadamente - respondeu a Vigilante,

endireitando-lhe a roupa da cama. - Por isso tive que voltar. E quero prevenir-te

de que sou uma autêntica Leoa Velha! Estou aqui há anos sem conto, tenho

provavelmente cem anos de idade, e ralhei tanto à maior parte das mães das

alunas que aqui estão como as próprias alunas!

- Ah, então é a antiga Vigilante, de que as minhas colegas tanto me têm

falado - disse Paulina toda contente.

- Que bom! Por que é que a outra Vigilante se foi embora assim tão de

repente? A Helena foi-se embora também?

- Foi - respondeu a Vigilante. - Tiveram ambas de abandonar o colégio

repentinamente, mas isso não é da nossa conta. Olha lá, que tal achas essas

almofadas?

Ainda Paulina não estava refeita do espanto em que ficara ao ver uma

nova Vigilante, quando miss Theobald entrou. Como era seu hábito, miss

Theobald foi direita ao assunto, sem rodeios, e em breve a horrorizada Paulina

Page 133: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

percebeu que tanto a miss Theobald como todas as suas colegas sabiam quão

estúpida, mentirosa e gabarola ela tinha sido!

Sentiu-se uma desgraçada e tapou a cara com as mãos, cheia de vergonha.

Miss Theobald continuou, implacável, e acabou por lhe contar do desgosto e

espanto que ela causara à mãe.

- Veio a pobre senhora a correr, para te ver, chegou estafada, pois veio a pé

da estação para aqui por não ter dinheiro para tomar um táxi, e tu sabes muito

bem que triste recepção lhe fizeste!

Paulina virou a cara para a parede e uma lágrima lhe escorreu pelo rosto.

- E há mais uma coisa ainda - continuou miss Theobald ao lembrar-se de

repente. - Alguém roubava dinheiro... e como tu parecias ter muito, e as

pequenas ouviram dizer esta semana que tu pouco dinheiro tinhas para os teus

alfinetes, foste apontada como a provável ladra! Imagina pois, Paulina, a que

enormes e terríveis suspeitas um presumido e mentiroso nos pode levar!

- Oh, nunca roubei a mais pequena coisa na minha vida! - exclamou

Paulina. - Tinha algum dinheiro na minha caderneta dos Correios... e trouxe-a

comigo sem conhecimento da minha mãe... e quando precisava de dinheiro

levantava-o. E por isso é que eu tinha muito dinheiro para gastar, miss

Theobald. Peço-lhe que me acredite.

- Acredito sim, mas vais dar-me a tua caderneta e não voltarás a levantar

dinheiro algum sem licença da tua mãe. E se continuares aqui no Colégio de

Santa Clara, terás de fazer o que fazem as outras meninas que têm muito pouco

dinheiro... confessá-lo com toda a honestidade! Ninguém se importa. Nunca

devemos julgar as pessoas pelo dinheiro que têm ou pelos haveres que

possuem, mas por aquilo que são. Tens que aprender isto, Paulina, ou então

nunca conhecerás a verdadeira felicidade.

- Sou uma desgraçada! - murmurou Paulina na ânsia de ouvir uma

palavra amiga. - Não sei... não sei como hei-de enfrentar as minhas

companheiras depois disto!

- Diz à Lida, à Susana ou às gémeas que tens sido uma parva - aconselhou

miss Theobald, levantando-se.

- Todas elas lamentam que tenhas partido a perna, e penso que farão com

que sejas bem tratada... mas agora, Paulina, terás que ganhar a sua bondade e

amizade... não procurar comprá-las com histórias de riquezas e grandes

haveres! Ganha a sua amizade sendo sincera, natural e boa. Quanto a sentires-te

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desgraçada... é uma parte do castigo de que só tu és responsável, não é

verdade? E terás que o suportar o mais valentemente que puderes!

Miss Theobald voltou-se para se ir embora. Sorriu para Paulina, um

sorriso mais doce do que as suas palavras, e a pequena sentiu-se um pouco

confortada.

Seguiu o conselho de miss Theobald, e confiou na Lida quando a veio

visitar. Lida dizia o que tinha a dizer sem rodeios, mas gostava de ajudar os

outros.

- És uma terrível idiota, és parva de todo! E só te ajudo, e faço com que as

outras sejam simpáticas contigo, numa condição, Paulina.

- Que condição?

- De escreveres à tua mãe dizendo que estás muito arrependida de a teres

tratado tão mal quando te veio ver, e prometer-lhe que a tratarás com toda a

ternura quando cá voltar - intimou Lida. - Não vou fazer com que as outras te

perdoem, sem que tu sejas a primeira a fazer alguma coisa por isso! E fica

sabendo, minha menina, que não voltas a gabar-te seja do que for, ou connosco

terás de te haver!

E com este conselho se retirou a Lida, para contar às outras que a Paulina

começava finalmente a ter juízo. E como tinha partido a perna e se sentia muito

infeliz, o que é que elas achavam que o colégio ia ser quando voltasse da

enfermaria.

- Bem... sem a Helena, com a rápida modificação da Ângela, a Paulina a

ficar sensata e a Vigilante desaparecida para sempre... parece que vai ser um

céu aberto! - comentou Roberta com um dos seus sorrisos.

- Só falta a Claudina entrar na posse do sentido da honra inglesa - disse

Patrícia. - Nessa altura a nossa turma será na verdade formada de santas!

Na semana seguinte, Adelina recebeu uma carta de Helena, que leu a

todas as companheiras.

Querida Adelina:

Não sei se já lhes disseram, mas a ladra era eu. Vocês

compreendem, o Eddie tinha perdido o emprego (agora arranjou outro

muito bom) e não tinha dinheiro algum, e por isso pediu-me para o

ajudar, o que eu fiz. Mas eu também não tinha muito dinheiro, por isso

tirava o da mãe, bem como outras coisas.

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Foi um grande choque para a minha mãe, que não podia suportar

a ideia de ficar no Colégio de Santa Clara nem mais um dia. Por isso

fizemos as malas e viemos embora. Miss Theobald foi extraordinaria-

mente simpática tanto para comigo como para com o Eddie. Nem eu te

sei dizer como foi boa! Até se ofereceu para me conservar no Colégio de

Santa Clara quando a minha mãe saiu. Mas eu não tinha cara para

aparecer diante de vocês, e de qualquer modo sinto que esse colégio

não é para mim. Sei perfeitamente que não é.

E assim vou aprender dactilografia e estenografia, e depois

arranjarei um emprego no escritório onde trabalha o meu irmão, e

estaremos juntos. A minha mãe está muito diferente. Deve ter sido para

ela um grande choque ao verificar como fui desonesta... mas foi por

causa do Eddie, e não pude evitá-lo. Tem sido mais simpática e mais

meiga. Se a vissem agora, dificilmente a reconheceriam! Eu e o Eddie

pensamos que quando ambos estivermos a ganhar, a mãe não precisará

de trabalhar, poderá então descansar, e talvez se sinta mais feliz.

Achei que era melhor contar-vos o que aconteceu, porque parti tão

de repente! Deixei ficar o meu dedal de prata na caixa da costura do

colégio, na que está no armário do quarto ano. Queres ficar com ele

para ti, como gratidão por me teres levado a jantar fora, no dia da festa

do período, visto que é uma atenção que nunca te poderei pagar?

Espero que a perna da Paulina esteja melhor. Adelina, peço-te

para não pensares só mal de mim. Eu sei que era coscuvilheira, mas

vocês não podem imaginar as dificuldades por que eu às vezes passava!

Tua muito grata.

Helena Paterson

Ficaram todas comovidas com esta carta. Adelina procurou logo o dedal e

disse que o usaria sempre e que não pensaria muito mal da Helena.

- Era mais por culpa da mãe que era tão coscuvilheira e parva - disse

Roberta. - Meu Deus! Muita sorte temos nós de termos umas mães tão boas!

Ângela corou ao ouvir esta observação, mas não disse nada. Ultimamente

estava tão simpática... e tinha resolvido que quando fosse para casa, nas férias,

havia de gabar o Colégio de Santa Clara, noite e dia, e não consentiria que a

mãe dissesse uma única palavra contra ele! As mães podem fazer maus ou bons

Page 136: Enid blyton [gemeas 05] claudina no colégio de st clara (1)

filhos... “mas - pensava Ângela - talvez que os filhos também possam por vezes

modificar as mães”. Estava disposta a fazer uma grande tentativa para procurar

modificar o feitio da mãe sob vários aspectos. Miss Theobald teria ficado

encantada se tivesse tido conhecimento dos pensamentos que atravessavam a

loura cabeça da Ângela durante aqueles dias.

- As férias estão à porta - disse Patrícia à Isabel. - Tem sido um período

agitado... não estás contente com o regresso da velha Vigilante? Olha lá,

Roberta, não arranjas uma partidinha para rematar o período? Fala com a Joana

e tratem disso.

- Acho que sim - riu-se Roberta com o seu ar bem disposto e a sua cara

queimada e com mais sardas do que de costume.

- Podíamos pôr uma rã na carteira da Claudina, ou encher-lhe a caixa dos

lápis de bichas-cadelas - sugeriu Joana com uma olhadela marota à horrorizada

Claudina.

- Se fizerem tal coisa, meto-me no comboio e no barco e fujo para França a

correr! - declarou Claudina.

- Era capaz disso - comentou Joana. - E então talvez seja melhor não se

fazer nada à Claudina. Era uma pena se voltasse para França sem ter tido tempo

de conseguir aquele “sentido de honra” de que está sempre a falar!

Claudina atirou uma almofada à cabeça de Joana, que bateu no cesto do

trabalho da Dora. Dora deu um salto e atirou um monte de roupa à cabeça da

Claudina. A roupa espalhou-se por cima da Marília, que vinha a entrar na sala

naquele momento. As pequenas rebentavam a rir ao ver a Marília parar,

surpreendida, com a bata duma qualquer em cima da cabeça!

Num instante se travou uma batalha com gritos e risinhos. Viram-se

braços, pernas e cabeças em todas as direcções. Nisto abriu-se a porta e Miss

Theobald entrou com uma visita.

- E esta - informou ela - é a sala das alunas do quarto ano. Meninas,

meninas, o que estão a fazer? Como se portarão as meninas quando estiverem

no sexto ano, se agora se comportam como se estivessem na classe infantil!

Como se portarão elas? Suponho que o seu comportamento não será muito

diferente. Depois se verá.

Fim

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