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Luiz Fernando Veríssimo - A Praia

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Chegou o verão e com ele também chegam os pedágios, os congestionamentos na estrada, os bichos geográficos

no pé e a empregada cobrando hora-extra.

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Verão também é sinônimo de pouca roupa e muito chifre, pouca cintura e muita gordura, pouco trabalho

e muita micose.

Verão é picolé de Ki-suco no palito reciclado, é milho cozido na água

da torneira, é coco verde aberto pra comer a gosminha branca.

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Verão é prisão de ventre de uma semana e pé inchado que não entra no tênis.

Mas o principal, o ponto alto do verão é...a praia!! Ah, como é bela a praia!

Os cachorros fazem cocô e as crianças pegam pra fazer

coleção.

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Os casais jogam frescobol e acertam a bolinha na cabeça das véias.

Os jovens de jet ski atropelam os surfistas, que por sua vez, miram a prancha pra abrir a cabeça dos banhistas.

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O melhor programa pra quem vai à praia é chegar bem cedo, antes do sorveteiro, quando o sol ainda está fraco e

as famílias estão chegando.

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Muito bonito ver aquelas pessoas carregando vinte cadeiras, três geladeiras de isopor, cinco guarda-sóis, raquete, frango, farofa, toalha, bola, balde, chapéu e

prancha, acreditando que estão de férias.

Em menos de cinqüenta minutos,

todos já estão instalados, besuntados e prontos pra enterrar a

avó na areia.

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E as crianças?

Ah, que gracinha!

Os bebês chorando de desidratação, as crianças pequenas se socando por uma conchinha do mar, os adolescentes ouvindo

walkman enquanto dormem.

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As mulheres também têm muita diversão na praia, como buscar o filho afogado e caminhar vinte quilômetros pra

encontrar o outro pé do chinelo.

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Já os homens ficam com as tarefas mais chatas, como perfurar um poço pra fincar o cabo do guarda-sol.

É mais fácil achar petróleo do que

conseguir fazer o guarda-sol ficar

em pé.

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Mas tudo isso não conta, diante da alegria, da felicidade, da maravilha que é entrar no mar!

Aquela água tão cristalina, que dá pra ver os cardumes de latinha de cerveja no fundo.

Aquela sensação de boiar na salmoura

como um pepino em conserva.

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Depois de um belo banho de mar, com o rego cheio de sal e a periquita cheia

de areia, vem aquela vontade de fritar na chapa.

A gente abre esteira velha, com cheiro de velório de bode, bota o chapéu, os óculos escuros puxa um

ronco bacaninha.

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E à noite o sol vai embora. Todo mundo volta pra casa tostado e vermelho como mortadela, toma banho e deixa

o sabonete cheio de areia pro próximo.

O shampoo acaba e a gente acaba lavando a cabeça com qualquer coisa, desde o creme de barbear até

desinfetante de privada.

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As toalhas, com aquele cheirinho de mofo que só a casa de praia oferece.

Aí, uma bela macarronada pra entupir o bucho e

uma dormidinha na rede pra adquirir um bom torcicolo e ralar

as costas queimadas.

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O dia termina com uma boa rodada de tranca e uma briga em família.

Todo mundo vai dormir bêbado e emburrado, babando na fronha e torcendo, pra que na

manhã seguinte, faça aquele sol e todo

mundo possa se encontrar no mesmo

inferno tropical...

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Qualquer semelhança com a vida real, é uma

mera coincidência..

Luis Fernando Veríssimo

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Imagens: obras de Gustavo Rosa .Artista plástico paulistano.

Consegue enxergar com sensibilidade o irreverente, o humor, o delicado, o

grotesco e o belo, trasnpondo-os com traços definidos, singelos,

diretos e claros.

Música -“Tico-Tico no fubá” – Arthur Moreira Lima

Formatação - Christina Meirelles Neves

Suas obras são brasileiras e universais, contam a realidade irônica e poeticamente ao mesmo tempo.