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Os três sarah lotz

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Quinta-feira Negra. O dia nunca será esquecido. O dia em que quatro aviões caem, quase no mesmo instante, em quatro pontos diferentes do mundo.Há apenas quatro sobreviventes. Três são crianças. Elas emergem dos destroços aparentemente ilesas, mas sofreram uma transformação.A quarta pessoa é Pamela May Donald, que só vive tempo suficiente para deixar um alerta em seu celular:Eles estão aqui.O menino. O menino, vigiem o menino, vigiem as pessoas mortas, ah, meu Deus, elas são tantas… Estão vindo me pegar agora. Vamos todos embora logo. Todos nós. Pastor Len, avise a eles que o menino, não é para ele…Essa mensagem irá mudar completamente o mundo.

COMOCOMEÇA

Anda,anda,anda...

Pam olha a luz indicadora do cinto de segurança, desejando que ela seapague.NãovaiaguentarmuitotempoequaseconsegueescutaravozdeJimdandoumabroncapornãoter idoaobanheiroantesdeembarcarnoavião:Vocêsabequetembexigasolta,Pam,oqueestavapensando?A verdade é que ela não tinha ousado ir a um dos banheiros do

aeroporto. E se icasse cara a cara com um daqueles vasos sanitáriosfuturistasquetinhavistonoguiaenãoentendessecomodaradescarga?Eseacidentalmentesetrancassedentrodeumcubículoeperdesseovoo?Epensar que Joanie sugerira que ela passasse alguns dias explorando acidade antes de pegar a conexão para Osaka! A simples ideia de seorientarsozinhanasruasalienígenasdeTóquiojádeixaPamcomasmãosúmidas de suor – o aeroporto já fora atordoante demais. Abalada epegajosa depois do voo desde Fort Worth, sentiu-se como uma lesmagiganteenquantosearrastavaemdireçãoaoTerminal2,deondepartiaovoo de conexão. Todo mundo ao redor parecia e iciente e con iante; aspessoas passavam embandos, pastas balançando, olhos escondidos atrásdeóculosescuros.Elaestavaconscientedecadaquiloextraquecarregavaao se espremer no ônibus, corando a cada vez que alguém lançava umolharemsuadireção.Felizmente houvera muitos outros americanos no voo para Tóquio – o

rapaz gentil ao lado dela havia mostrado pacientemente comomexer nosistemadevídeo–,masnesteaviãoelatinhaumaconsciênciadolorosadequeeraaúnica...qualémesmoapalavraquesempreusamnosseriadosde detetive de que Jim gosta? Caucasiana, isso. E as poltronas sãomuitomenores;precisavaseespremerfeitoumpresuntoenlatado.Mesmoassim,pelomenosháumlugarvazioentrePameosujeitocomardeempresáriosentado na poltrona do corredor e ela não terá que tomar cuidado paranãoesbarrarnele acidentalmente.Masprecisará incomodá-loquando for

aobanheiro,nãoé?E,meuDeus,parecequeeleestácaindonosono,oquesignificaquePamteráqueacordá-lo.O avião continua a subir e o sinal ainda está aceso. Ela olha para a

escuridãodoladodeforadajanela,vêaluzvermelhapiscandonaasaqueemergeatravésdanuvem,seguracomforçaosbraçosdapoltronaesenteasentranhasdaaeronavelatejandoatravésdocorpo.Jimestavacerto.Elanemchegouaodestinoetodoesseempreendimento

já é demais. Ele tinha avisado: Pam não era feita para voos de longadistância, tinha tentado convencê-la de que a coisa toda era má ideia.Joanie pode vir para casa quando quiser, Pam, por que se incomodar emviajar metade do mundo para vê-la? E por que ela quis dar aulas paraasiáticos, a inal? As crianças americanas não são boas o bastante? E, alémdisso, Pam, você nem gosta de comida japonesa, como é que vai conseguircomergol inhocruouseiláoqueelescomemporlá?Maselahaviabatidoopé,surpreendendo-o.JoanieestavalongehaviadoisanosePamprecisavavê-la, sentia uma saudade terrível e, pelas fotos que vira na internet, osreluzentes arranha-céus de Osaka não pareciam tão diferentes dos quehavia nas cidades americanas normais. Joanie avisara que no início elapoderiaacharaculturadesconcertante,queo Japãonãoeratodofeitodeloresdecerejeiraegueixassorrindotímidasportrásdeleques,masPampresumira que conseguiria enfrentar. Pensara, estupidamente, que seriaalgum tipo de aventura divertida de que poderia se gabar com Rebaduranteanos.Oaviãosenivelaeen imaluzparamanterpresososcintosseapaga.Há

umaagitaçãoquandováriospassageirospulamdaspoltronasecomeçamaremexernoscompartimentosdebagagem.Rezandoparaquenãohaja ilaparaobanheiro, ela soltao cintoe sepreparaparaesgueirar-seà frentedosujeitonoassentodocorredorquandoumestrondoportentosoabalaaaeronave. Pam logo pensa num cano de descarga de automóvelestourando, mas os aviões não têm isso, certo? Solta um gritinho – umareaçãoatrasadaqueafazsentir-seligeiramenteidiota.Nãoénada.Trovão,talvez. É, é isso. O guia impresso dizia que tempestades não eramincomuns...Outroestouro,maisparecidocomumtiro.Umcorodegritosagudosvem

dafrentedoavião.Asluzesdoscintosdesegurançaseacendemoutravez

e Pam procura o seu; seus dedos estão entorpecidos, não consegue selembrardecomoa ivelá-lo.Aaeronavecai,mãosgigantescasapertamseusombrosparabaixoe seuestômagoparece ser forçadocontraa garganta.Issonãopodeestaracontecendo.Nãocomela.Coisasassimnãoacontecemcompessoascomoela,pessoascomuns.Pessoasboas.Háumasacudida,oscompartimentosacimachacoalhamedepois,misericordiosamente,oaviãopareceplanar.Umping,umaarengaemjaponês,eentãoumavoz:–Porfavor,continuemnaspoltronascomoscintosafivelados.Pamrespiradenovo;avozéserena,despreocupada.Nãopodesernada

muitosério,nãohámotivoparapânico.Tentaolharporcimadosencostosdas poltronas para ver como as outras pessoas estão reagindo, mas sóconseguevislumbrarumasériedecabeçasbaixas.Agarra de novo os braços da poltrona: a vibração do avião aumentou,

suasmãosestãosesacudindo,um latejamentodoentioreverberadeseuspés. Um olho meio escondido atrás de uma franja de cabelos pretosaparecena fendaentreaspoltronasà sua frente;devesera criançaqueela recorda ter visto sendo puxada por uma jovem séria de batom, logoantes de decolarem. O menininho olhara para ela, obviamente fascinado(podemdizeroquequiseremsobreosasiáticos,tinhapensadoela,masascrianças deles são as coisas mais fofas). Ela acenara e rira, mas ele nãohavia reagido, então a mãe rosnara algo e ele deslizara obedientementeparaapoltrona,sumindodevista.Elatentasorrir,massuabocaestáseca,oslábiossegrudamnosdentese,ah,meuDeus,avibraçãoestápiorando.Umanévoabrancavempelocorredorepairaemvoltadela;Pamsepega

batendo inutilmente na tela à sua frente, tentando pegar os fones deouvido.Issonãoestáacontecendoagora,dejeitonenhum.Não,não,não.Seao menos puder fazer a tela funcionar, assistir a um ilme, algotranquilizador, como aquele seriado de humor que viu na viagem até ali,aquelecomo...Ryannãoseidasquantas.Oaviãosesacodeviolentamenteoutra vez: parece ir de um lado para o outro e de cima para baixo; seuestômago revira de novo. Ela engole em seco convulsivamente. Não vaivomitar,nãovai.O empresário se levanta, os braços balançam conforme o avião sacode,

pareceestartentandoabrirocompartimentodebagagemacima,masnão

consegueseequilibrar.Pamquergritar“Oquevocêestáfazendo?”;temasensaçãodeque,seelenãosesentar,asituaçãovai icarpior.Avibraçãoestá tão intensa que a faz pensar em quando o estabilizador de sualavadora quebrou e a droga da máquina corcoveava pelo chão. Umacomissária de bordo surge na neblina, segurando os encostos daspoltronas dos dois lados. Faz um gesto para o empresário, quehumildemente tombade volta no assento. Ele remexenobolsodedentrodopaletó,tiraumcelular,encostaacabeçanapoltronaàfrenteecomeçaafalarnoaparelho.Ela deveria fazer o mesmo. Deveria telefonar para Jim, falar sobre

Snookie, lembrar-lhe que não pode dar aquela comida barata para ela.DeverialigarparaJoanie...Masparadizeroquê,quetalvezváseatrasar?Ela quase ri. Não, para dizer que sente orgulho dela, mas será que vaihaversinalali?Seráqueusarseucelularnãovai interferirnosistemadenavegação da aeronave? Será que ela precisa de cartão de crédito parausarotelefonedoencostodapoltrona?Onde está seu telefone? Na pochete com o dinheiro, o passaporte e os

comprimidos, ou será que pôs na bolsa? Por que não consegue lembrar?Abaixaamãoprocurandoabolsa,oestômagoparecendoespremidocontraa coluna. Vai vomitar, sabe que vai, mas então seus dedos encostam naalça; Joaniedera-lheabolsanoNatalantesde irembora,doisanosantes.Fora um bom Natal, até Jim estava de bom humor naquele dia. Outrasacudidaeaalçapulaforadoseualcance.Elanãoquermorrerassim,não.Não entre estranhos, não com aquela aparência, os cabelos oleosos –aquela nova escova fora um erro – os tornozelos inchados, de jeitonenhum. Nem pensar. Depressa, pense numa coisa interessante, numacoisa boa. É. Isso tudo é um sonho, na verdade ela está sentada no sofásegurando um sanduíche de frango commaionese, com Snookie no colo,Jim cochilando na poltrona acolchoada. Ela sabe que deveria rezar, sabequeéissoqueopastorLendiria.Serezar,seráquetudoissoacaba?Maspelaprimeiraveznavidanãoconseguepensarnaspalavras.Saium“Deus,me ajude”, mas outros pensamentos icam se intrometendo. Quem vaicuidardaSnookiesealgoacontecercomela?Snookieestávelha,quase10anos, porquePamadeixou?Os cachorrosnão entendem.Ah,meuDeus,temaquelapilhademeias-calças rasgadas escondidano fundoda gaveta

de calcinhas, que ela vive pensando em jogar fora. O que as pessoas vãopensarseaacharem?A névoa está icandomais densa, a bile ardente sobe pela garganta de

Pam, sua visão ica turva. Um estalo agudo e um copo plástico amarelosurgeemsualinhadevisão.Maispalavrasemjaponês.Seusouvidosestãoestalando, ela engole em seco, percebe que sente o gosto do horrívelmacarrão temperado que comeu no voo anterior e tem tempo de sentiralívioporquenãoprecisamaisurinar.Agorasãopalavraseminglês,ruídosininteligíveis:...socorroamigospassageiros...Oempresáriocontinuaafalaraotelefone,oaparelhoéarrancadodamão

delequandooaviãosesacodeoutravez,masabocadosujeitocontinuasemexendo; ele parece não perceber que não o segura mais. Ela nãoconsegueinspirarosu iciente,oartemgostometálico,arti icial,áspero,fazcomque engasgue de novo. Clarões fortes a ofuscammomentaneamente,Pam estende a mão para a máscara, mas a coisa ica balançando paralonge e então ela sente cheiro de algo queimando, como plástico largadoem cimade um fogão. Fez isso uma vez, deixouuma espátula e Jim icoufalando sobre aquilo durante semanas.Você poderia ter queimado a casatoda,mulher.Outramensagem...Preparem-se,preparem-se,preparem-separaoimpacto.A imagemde uma cadeira vazia preenche sua cabeça e ela é inundada

porumapenadesiprópriatãoagudaquedói:éasuacadeira,emqueelasesentatodaquarta-feiranogrupodeestudodaBíblia.Umacadeiraforte,con iável,amigável,quenuncareclamadeseupeso,oassentoesburacadopelouso.ElasemprechegacedoàreuniãoparaajudarKendraapegarascadeiras e todomundo sabe que ela se senta sempre à direita do pastorLen,pertodacafeteira.Tinhamoradoporelanavésperadapartida–atéRebadesejara sorte. Seupeitohavia seenchidodeorgulhoegratidão, asbochechasqueimandoporserocentrodetantaatenção.QueridoJesus,porfavor, cuidedenossa irmãeamigaquerida,Pamela, enquanto ela... O aviãochacoalha e ouve-se o ruído das malas, laptops e outros pertencesdespencando dos compartimentos de bagagem, mas se ela continuarconcentrada naquela cadeira vazia tudo vai icar bem. Como aquele jogoque ela às vezes faz voltando de carro da loja: se passarem três carrosbrancos,opastorLenvaipediraela,enãoaReba,paraarrumarasflores.

Umsomagudocomounhasgigantesraspandonumquadro-negro,opisoentraemconvulsão,umpesoempurra sua cabeçanadireçãodocolo, elasenteosdentesbatendounsnosoutros,quergritarparafazerpararquemestápuxandosuasmãosparacimadacabeça.Anosatrásumapicapehaviaentrado na frente do seu carro enquanto ela ia pegar Joanie na escola.Naquele momento tudo icara lento de repente: ela teve consciência dedetalhesminúsculos,arachaduranopara-brisa,ospontosdeferrugemnocapôdooutrocarro,aformasombreadadomotoristacomboné.Masagoratudo acontecia depressa demais! Pam é chicoteada, socada e espancada.Não conseguemanter a cabeça erguida, a poltrona à frente salta para oseurosto,umaluzbrancarelampeja,cegando-a,eelanãoconsegue...

Umafogueiraestalaecospefagulhas,massuasbochechasestãofrias,aliás,congeladas.Elaestádoladodefora?Claroquesim!Idiota,nãodáparaterfogueiras dentro de casa, dá? Mas onde ela está? Sempre fazem umareunião no rancho do pastor Len na noite de Natal; Pam deve estar nopátio, olhandoos fogosde arti ício. Ela sempre traz seu famosomolhodeblue cheese. Não é de espantar que esteja se sentindo tão perdida!Esqueceu-sedetrazeromolho,deveterdeixadonabancada.OpastorLenvaificarmuitodesapontadoe...Alguém está gritando –não se deve gritar no Natal, por que você está

gritandonoNatal?Éumaocasiãofeliz.Levanta amão para enxugar o rosto,mas não consegue... Isso não está

certo, ela está deitada sobre o próprio braço, que está torcido às costas.Por que está deitada? Será que caiu no sono? Não no Natal, quandosempre há tanta coisa para fazer... Tem que se levantar, pedir desculpasporsertãogrosseira,Jimvivedizendoqueelaprecisaorganizarasideias,tentarserumpouquinhomais...Passa a língua nos dentes. Um dos incisivos está lascado, a borda

machuca a língua. Ela mastiga areia, engole... Meu Deus, a sensação nagargantaécomosetivesseengolidogiletes,seráqueela...E então a lembrança do que aconteceu a atinge de uma vez, com uma

força que a faz ofegar, e com isso vem um jorro de dor incandescente,brotando na perna direita e disparando pela barriga. Levante, levante,levante.Aotentarlevantaracabeça,agulhasquentespenetramnanuca.

Outrogrito,parecebempróximo.Nuncatinhaouvidonadaassim:éumacoisa crua, quase inumana. Precisa fazer com que pare, está piorando ador na barriga, como se o grito se conectasse diretamente com suasentranhas,puxando-asacadauivo.Ah, obrigada, Jesus, ela consegue mexer o braço direito e o levanta

lentamente, sonda a barriga, toca algomole,molhado; aquilo não deveriaestarassim.Nãovaipensarnissoagora.Ah,Deus,elaprecisadeajuda,quealguém venha ajudá-la, se aomenos tivesse ouvido Jim e icado em casacomSnookieenãotivessetodosaquelespensamentosruinssobreReba...Pare com isso. Não pode entrar em pânico. É o que sempre dizem: não

entre em pânico. Está viva. Deveria agradecer. Precisa se levantar, verondeestá.Nãoestámaisemsuapoltrona,disso temcerteza,estádeitadaem algum tipo de super íciemusgosa,macia. Conta até três, tenta usar obraço bom para se virar de lado, mas é obrigada a parar quando umrelâmpago de agonia – agudo e espantoso como um choque elétrico –atravessaocorpo inteiro.É tão intensoquenãoconsegueacreditarqueador pertença mesmo a ela. Fica imóvel e a dor misericordiosamentecomeça a diminuir, deixando um entorpecimento preocupante, mastambémnãovaipensarnissoagora,dejeitonenhum.Fecha os olhos com força e volta a abri-los. Pisca para clarear a visão.

Hesitante, tenta virar a cabeça para a direita e dessa vez consegue semaquela dor horrível, intrusiva.Bom. Uma mancha de luz alaranjada aofundo deixa tudo em silhueta, mas ela pode avistar um bosque denso –árvores estranhas e retorcidas, que não consegue identi icar – e ali, bemna frente, umpedaço curvodemetal retorcido.Ah,meuDeus, é o avião?É... elaconseguevera formaoblongadeuma janela.Umestalo,umsibilo,umestrondofracoetodaacenaé iluminada,claracomoodia.Seusolhosse enchemde água,mas ela não vai desviar o olhar.Não vai. Pode ver aborda serrilhadada fuselagem, rasgada cruelmentedo restodo corpodaaeronave... Onde está o resto? Ela estava sentada naquela parte?Impossível.Nãopoderiasobreviveràquilo.Écomoumenormebrinquedoquebrado,queafazpensarnosterrenosemvoltadostrailersondeamãede Jim morava. Eram cheios de entulho, pedaços de carros velhos,velocípedesquebradosePamnãogostavadeirlá,aindaqueamãedeJimsemprefossegentilcomela...Suavisãoestálimitadadevidoàsuaposiçãoe

ela ignora os estalos que ouve quando estica a cabeça até a bochechaencostarnoombro.Os gritos param abruptamente, nomeio de umuivo.Bom. Ela nãoquer

que esse momento seja atrapalhado pela dor e os barulhos de outrapessoa.Espere um instante... Tem alguma coisa se mexendo, perto de onde

começavam as árvores. Uma forma escura, uma pessoa pequena, umacriança?Acriançaqueestavasentadanafrentedela?Pamétomadapelavergonha: não pensara nomenino ou namãe dele nem por um segundoenquanto o avião caía. Só em si mesma. Não é de espantar que nãoconseguisseorar,quetipodecristãelaé?Parasuafrustração,a igurasaidesualinhadevisão,maselanãoconsegueviraropescoçonemmaisumcentímetro.Tentaabrirabocaparagritar;destavezparecequenãoconseguemexer

amandíbula.Porfavor.Estouaqui.Hospital.Consigaajuda.Umapancadafracaatrásdesuacabeça.–Ai–conseguearticularela.–Ai.Algo toca seu cabelo e ela sente lágrimas escorrendo pelas bochechas:

estáemsegurança,vieramsalvá-la.Osomdepéscorrendo.Nãová.Nãomedeixe.Pésdescalçosaparecemderepentediantedeseusolhos.Péspequenos,

sujos,estáescuro,escurodemais,maselesparecemmanchadoscomumagosmapreta–lama?sangue?–Meajude,meajude,meajude.Isso,elaestá falandoagora.Seconsegue falar,vai icarbem.Sóestáem

choque.É.Ésóisso.–Meajude.Orostovememsuadireção;estátãopertoqueelasentearespiraçãodo

meninonasbochechas.Tenta se concentrarnosolhosdele. Seráqueelesestão...? De jeito nenhum. É só a má iluminação. Eles estão brancos,totalmente brancos, sem pupilas,ah, Jesus,me ajude. Um grito cresce emseu peito, aloja-se na garganta, ela não consegue colocá-lo para fora, vaisufocá-la. O rosto se vira bruscamente para o outro lado. Seus pulmõesestãopesados,líquidos.Agoradóirespirar.Algo tremula na extrema esquerda de seu campo de visão. É amesma

criança?Comoelapode ter ido até lá tãodepressa?Está apontandoparaalgumacoisa...Formas,maisescurasdoqueasárvoresaoredor.Pessoas.De initivamentesãopessoas.Aclaridadealaranjadaestádiminuindo,masela consegue ver claramente as silhuetas. São centenas, parece, e estãovindopara ela. Saindodas árvores, daquelas árvores estranhas, nodosas,encalombadasetorcidasfeitodedos.Ondeestãoospésdeles?Nãotêmpés.Issonãoestácerto.De jeitonenhum.Não são reais.Nãopodemser reais.Elanão consegue

ver os olhos deles, os rostos são glóbulos totalmente pretos quepermanecemchapadoseimóveisenquantoaluzatrásfloresceemorre.Estãovindopegá-la,elasabe.O medo se esvai, substituído pela certeza de que ela não tem muito

tempo. É como se uma Pam fria e con iante – uma Pam nova, que elasemprequisser–entrasseeassumisseseucorpoespancado,agonizante.Ignorando a sujeira onde sua barriga estivera um dia, ela tateiaprocurando a pochete. Ainda está ali, embora tenha sido girada para alateral do corpo. Fecha os olhos e se concentra em abrir o zíper. Seusdedosestãomolhados,escorregadios,masagoranãovaidesistir.Ovup-vuppreencheseusouvidos,destavezmaisintenso,umaluzvemdo

alto e dança acima e ao redor dela; Pam consegue divisar uma ileira depoltronasespalhadas,estruturasdemetalcaptandoa luz,eumsapatodesaltoaltoqueparecenovoemfolha.Esperaparaversealuzvaiimpediraaproximação do grupo. Eles continuam a se esgueirar e ela ainda nãoconsegue identi icar nenhuma característica facial. E onde está o garoto?Se aomenos pudesse dizer para ele não chegar perto deles, porque elasabeoqueelesquerem,ah,sim,elasabeexatamenteoquequerem.Masagora não pode pensar nisso, não quando está tão perto. En ia amão nabolsa, dá um gritinho de alívio quando os dedos roçam na parte traseiralisado telefone.Comcuidadoparanãodeixá-locair, retira-o– tem tempoparasemaravilharcomopânicoquesentiuantes,quandonãoconseguialembrarondeohaviacolocado–e instruiobraçoa trazê-loatéorosto.Eseelenãofuncionar?Eseestiverquebrado?Nãovaiestarquebrado,elanãovaideixarqueestejaquebrado,egrasna

emtriunfoquandoescutaaanimadamusiquinhaao ligá-lo.Quase lá...Umtscdeexasperação–elaéumacriaturatãodesastrada!Hásanguenatela

toda. Usando o resto das forças para se concentrar, encontra o caminhoparaapastadeaplicativos,vaiatéoíconedogravador.Agorao vup-vupédeensurdecer,masPamgritaaomesmo tempoque ignorao fatodequenãoconseguemaisenxergar.Seguraotelefonejuntoàbocaecomeçaafalar.

QUINTA-FEIRANEGRA

DAQUEDAÀCONSPIRAÇÃO

PordentrodofenômenodosTrês

ELSPETHMARTINS

Jameson&WhiteEditoresNovaYork*Londres*LosAngeles

NOTADAAUTORA

Talvez alguns leitores não sintampavor quando as palavrasQuinta-FeiraNegra são mencionadas. Aquele dia – 12 de janeiro de 2012 – em quequatro aviões de passageiros caíram com horas de diferença, resultandona morte de mais de mil pessoas, entrou para os anais dos desastresdevastadoresquemudaramaformacomovemosomundo.Demodo previsível, semanas depois dos acidentes, omercado recebeu

uma avalanche de relatos de não icção, blogs, biogra ias e artigos deopinião aproveitandoo fascíniomórbidodopúblicopelos eventos epelascrianças que sobreviveram, conhecidas como Os Três. Mas ninguémpoderia ter previsto a cadeia macabra de acontecimentos que viria emseguidaouarapidezcomqueiriamsedesdobrar.Como izemDetonadores,minhainvestigaçãosobreoscrimescomarmas

de fogo perpetrados por crianças com menos de 16 anos nos EstadosUnidos, decidi que, se ia acrescentarminha voz a essa balbúrdia, o únicomododefazer issoeramontarumrelatoobjetivo,deixandoosenvolvidosfalarem com as próprias palavras. Com essa intenção, usei uma amplavariedadede fontes, inclusiveabiogra ia inacabadadePaulCraddock, asmensagens coletadas de Chiyoko Kamamoto e entrevistas que realizeipessoalmentenodecorrerelogodepoisdosacontecimentosemquestão.Não peço desculpas pela inclusão de assuntos que alguns possam

considerar incômodos, como os relatos dos primeiros a chegar aos locaisdas tragédias; as declarações de antigos e atuais pamelistas; os ishoencontradosnolocaldaquedadovoo678daSunAir;eaentrevista,nuncaantespublicada,doexorcistacontratadoporPaulCraddock.Mesmo admitindo ter incluído trechos dematérias de jornais e revistas

como forma de estabelecer um contexto – e, até certo ponto, comoinstrumento de narrativa –, minha motivação principal, assim como emDetonadores, é fornecer uma plataforma isenta para as perspectivas daspessoas mais próximas aos principais atores dos fatos ocorridos entrejaneiro e julho de 2012. Tendo isso em mente, peço que os leitores

lembrem que estes relatos são subjetivos e que tirem suas própriasconclusões.

ElspethMartinsNovaYork

30deagostode2012

Elesestãoaqui.Eu...NãodeixeaSnookiecomerchocolate,évenenoparaoscachorros,elavaiimploraravocê...Omenino.Omenino,vigiemomenino,vigiemaspessoasmortas,ah,meuDeus,elassãotantas...Estãovindomepegaragora.Vamostodosemboralogo.Todosnós.Tchau,Joanie,adoreiabolsa,tchau,Joanie,pastorLen,aviseaelesqueomenino,nãoéparaele...

ÚltimaspalavrasdePamelaMayDonald(1961-2012)

PARTEUMQUEDA

DoprimeirocapítulodeCuidandodeJess:minhavidacomumdosTrês,dePaulCraddock(escritoemcolaboraçãocomMandiSolomon).

Sempre gostei de aeroportos. Podem me chamar de romântico, mas euicavainebriadoaoverfamíliaseamantessereunindo–aquelafraçãodesegundoemqueoscansadosequeimadosdesolemergempelasportasdevidroeoreconhecimentoiluminaseusolhos.Assim,quandoStephenpediuqueeufossepegá-locomasmeninasnoaeroportodeGatwick, iqueimaisdoquefeliz.Saí com uma boa hora de folga. Queria chegar cedo, tomar um café e

observar as pessoas durante um tempo. Agora é estranho pensar nisso,masnaquela tardeeuestavacomumhumormaravilhoso.Tinharecebidoum convite para o papel do mordomo gay na terceira temporada deCavendish Hall (por causa do tipo ísico, claro, mas Gerry, meu agente,achou que essa en im poderia ser minha grande chance) e eu tinhaconseguido achar uma vaga de estacionamento que não me exigiriacaminhar muito até a entrada. Como estava de bom humor, pedi umespressocomleiteecremeextraefuimejuntaràmultidãoqueesperavaasaída dos passageiros da área de bagagem. Perto de uma loja do Cup’nChow, um grupo de jovens estagiários discutindo sem parar fazia umserviço execrável desmontando uma decoração cafona de Natal que jádeveria ter sido retirada muito antes. Assisti àquele minidrama por umtempo,semsaberqueomeuestavaparacomeçar.Eunãotinhapensadoemveri icarohoráriodoaviãonopaineldevoos,

porissofuiapanhadodesprevenidoquandoumavoznasaladaestrondeounoalto-falante:– Por favor, todos os que esperam a chegada do voo 277 da Go!Go!

AirlinesvindodeTenerifedirijam-seaobalcãodeinformações,obrigado.Esse não é o voo do Stephen? , pensei, veri icando os detalhes no meu

Blackberry. Não iquei muito preocupado: presumi que fosse um atraso.Nãomeocorreupensar por que o Stephennãohavia ligadodizendoqueiriaseatrasar.

Agentenuncapensaqueissovaiacontecercomagente,nãoé?A princípio éramos apenas um grupo pequeno – outros, como eu, que

tinham chegado cedo. Uma garota bonita com cabelo tingido de ruivosegurando um balão em forma de coração preso numa vareta, um caracomdreadlocks e corpode lutadoreumcasaldemeia-idade compeledefumante, vestindo roupas demoletom idênticas, cor de cereja. Não era otipo de pessoas de quem eu geralmente optaria por me aproximar. Éestranho como as primeiras impressões podem ser tão erradas... Agoraelesestãoentreosmeusamigosmaisíntimos.Bom,essetipodecoisauneagente,nãoé?Eu deveria saber, pela expressão chocada do adolescente cheio de

espinhasqueestavanobalcãoepelamulherdasegurançapálidaao ladodele,quealgohorrívelsepassava,masnesseestágiosósentiairritação.–Oqueestá acontecendo?– falei rispidamentenomeumelhor sotaque

deCavendishHall.O adolescente conseguiu gaguejar que deveríamos acompanhá-lo até

“ondemaisinformaçõesseriamdadas”.Todosobedecemos,masconfessoque iqueisurpresoaoverqueocasal

demoletomnãoreagiucomagressividade,poiselesnãopareciamdotipoque gosta de receber ordens. Mas, como me disseram semanas depois,numadasnossasreuniõesdo“277Unido”,àquelahoraestavamemplenafasedenegação.Sealgodesagradáveltivesseacontecidocomoavião,nãoqueriam saber nada, em especial da boca de um garoto que mal haviasaídodapuberdade.Oadolescentepraticamente correuem frente, talvezparaquenenhumdenós tivesse chancede interrogá-lo, enos fezpassarpor uma porta inócua ao lado do escritório da alfândega. Fomos levadosporumlongocorredorque,a julgarpelatintadescascandoeopisogasto,não icava numa parte do aeroporto normalmente vista pelo público.Lembro-me de sentir um cheiro de fumaça de cigarro vindo de algumlugar,numflagrantedesrespeitoàproibiçãoaofumo.Fomos parar numa sala austera sem janelas, mobiliada com gastas

poltronascordevinho,típicasdesaladeespera.Meuolharfoiatraídoporumdaqueles cinzeiros tubularesdosanos1970,meioescondidoatrásdeumaplantadeplástico.Éengraçadooqueagenterecorda,nãoé?Umcaracomternodepoliéstersegurandoumapranchetaveionanossa

direção, o pomo de adão subindo e descendo como alguém que sofre desíndromedeTourette.Apesardepálidofeitoumcadáver,suasbochechasestavamvívidascomumcortesériofeitoaosebarbear.Seuolhariadeumladoparaoutro,encontrouomeubrevemente,depois itoualgumpontoaolonge.Naquelemomento,acho,éque fuiatingidopelacompreensãonauseante

dequeiaouviralgoquemudariaminhavidaparasempre.–Váemfrente,camarada–disseKelvin,ocaradosdreads.Osujeitodeternoengoliuemseco,numespasmoconvulsivo.–Lamentomuitodizerissoavocês,masovoo277desapareceudoradar

hácercadeumahora.Omundoosciloueeutiveosprimeirossintomasdeumataquedepânico.

Meus dedos estavam pinicando e o peito começava a se apertar. EntãoKelvinfezaperguntaqueorestodenósreceavafazer:–Elecaiu?–Porenquantonãotemoscerteza,mas,porfavor,saibamquedaremosa

informação a vocês assim que ela chegar. Psicólogos estarão disponíveisparaquaisquerdevocêsque...–Ehásobreviventes?As mãos do homem de terno estavam tremendo e o avião de desenho

animado brilhando em seu crachá plástico da Go!Go! parecia zombar denóscomumadespreocupaçãopresunçosa.“OnomedeveriaserGay!Gay!”,costumava dizer Stephen sempre que um dos terríveis comerciais daGo!Go! apareciana televisão.Ele viviadizendoqueo aviãozinhoeramaisafeminado do que um ônibus cheio de drag queens. Eu nãome ofendia:esseeraotipoderelacionamentoquenóstínhamos.–Comoeudisse–osujeitodeterno icouruborizado–,temospsicólogos

àdisposiçãodevocês...Mel,amulherdemoletom,semanifestou:–Danem-seosseuspsicólogos,sódigaoqueaconteceu!A garota que segurava o balão começou a soluçar de maneira meio

teatraleKelvinpassouobraçoporseusombros.Elalargouobalãoeeuovi quicar triste no piso, acabando por se alojar perto do cinzeiro retrô.Outraspessoascomeçavamaentrarnasala,trazidaspormaisfuncionáriosda Go!Go!, a maioria parecendo tão perplexa e despreparada quanto

aqueleadolescentecheiodeespinhas.O rosto deMel estava tão vermelho quanto seu agasalho demoletom e

ela sacudiu um dedo no ar diante do funcionário. Todo mundo pareciagritarouchorar,maseusentiaumcuriosodistanciamentocomrelaçãoaoqueacontecia, comose estivessenopalcoesperandoumadeixa.E éumacoisamedonhadeadmitir,maspensei:Lembre-sedoquevocêestásentindo,Paul, você pode usar isso em alguma atuação. Não sinto orgulho disso; sóestousendohonesto.Fiquei olhando o balão, e de repente pude ouvir as vozes de Jessica e

Polly,nítidascomoumsino:“Mas,tioPaaaaauuuuul,oquemantémoaviãonoar?”Stephenhaviameconvidadoparaalmoçarnodomingoanterioràviagem e as gêmeas não tinham parado de pegar nomeu pé falando novoo, presumindo, por algum motivo, que eu era a fonte de todo oconhecimento sobre as aeronaves. Era a primeira vez das meninas numavião e elas estavammais empolgadas com issodoque comas férias. Eumepeguei tentando lembrar a última coisa que Stephenmedissera, algodo tipo “Vejo você quando estivermais velho, camarada”.Nós não somosgêmeos idênticos, mas como pude não ter sentido que algo medonhoacontecera? Tirei o telefone do bolso, lembrando que Stephen tinha memandado um torpedo na véspera:As meninas dizem oi. Hotel cheio deotários. Chegamos aí 15h30. Não se atrase ;) Repassei as mensagens,tentando encontrá-la. De repente era absolutamente vital que eu asalvasse.Nãoestavaali;deviaterapagadosemquerer.Mesmo semanas depois eu desejava ter mantido aquela mensagem de

texto.Sem me dar conta, estava de volta ao saguão de desembarque. Não

lembro como fui parar lá nem se alguém tentou me impedir de sairdaquela salamedonha. Eu vagava, sentindo que as pessoasme olhavam,masnessemomentoelaseram igurantes sem importância.Haviaalgonoar, como se uma tempestade fosse desabar. Pensei: dane-se, preciso deumabebida, o quenão era domeu feitio, pois eu estava sóbrio fazia unsdez anos. Fui como um sonâmbulo em direção ao bar irlandês naextremidadedo saguão.Umgrupode rapazesde terno rodeavaobalcão,vendo TV. Um deles, um moleque de cara vermelha com sotaque demalandro, falavaaltodemais,asneirassobreo11deSetembro,dizendoa

todomundo que tinha de chegar a Zurique às 17h50 ou “cabeças iriamrolar”.Parounomeioda frasequandomeaproximeieosoutrosabriramespaço para mim, recuando como se eu fosse contagioso. Claro, desdeentãoaprendiqueosofrimentoeohorrorsãocontagiosos.O som da televisão estava no máximo e uma apresentadora – um

daqueles horrores americanos cheios de botox, dentes arti iciais emaquiagemdemais–falavasemparar.Atrásdelahaviaaimagemdoquepareciaumaespéciedepântanocomumhelicópteropairandoacima.Lialegenda:“AcidentecomoaviãodaMaidenAirlinesnosEverglades.”Eleserraram,pensei.StepheneasmeninasestavamviajandopelaGo!Go!,e

nãonesseavião.Eentãoentendi:outroaviãotinhacaído.

Às14h35(horáriodaÁfricaCentral),umaviãoAntonovdecargaepassageirosalugadopelacompanhiaaéreanigerianaDalucaiunocoraçãodeKhayelitsha,afavelamaispopulosadaCidadedoCabo.LiamdeVilliersfoiumdosprimeirosparamédicosachegaraolocal.Naépocadoacidente,eraumprofissionalavançadodesalvamentodaCapeMedicalResponseeagoratrabalhacomaconselhamentopsicológico.EsterelatofoielaboradoapartirdeentrevistasrealizadaspeloSkypeepore-mail.

Estávamosatendendoaum incidentenaBadenPowelDrivequando tudoaconteceu. Um táxi havia batido numMercedes e capotara, mas não eranada tão ruim, pois não levava passageiros. Apesar de o motorista tersofrido apenas pequenos ferimentos, precisávamos mandá-lo para aemergência,paralevarpontos.Eraumdaquelesrarosdiascalmos,oventosudestequeviera incomodandodurantesemanastinhaparadoesóhaviauns iaposdenuvenssobreabordadamontanhadaMesa.Achoquevocêpoderiachamardeumdiaperfeito,apesardeestarmosparadosumpoucopertodemaisdaestaçãode tratamentodeesgotodeMacassar.Depoisdesentir aquele cheirodurantevinteminutos, iquei agradecidopornão tercomidoofrangofritoparaviagemquecompraraparaoalmoço.NaquelediaeuestavacomCornelius,umdosnovatos,umcaramaneiro,

com senso de humor, que batia papo com dois guardas de trânsito. Otaxista gritava ao celular, mentindo para o chefe enquanto eu fazia umcurativonapartesuperiordoseubraço.Nãodavaparaperceberquealgohaviaacontecidocomele:osujeitonãoseencolheuumavezsequer.EujáiaperguntaraoCorneliusseele tinhaavisadoàemergênciadoFalseBayqueestávamosseguindocomumpacientequandoumrugidorasgouocéu,fazendo todosnóspularmos.Omotoristado táxideixoucairo telefonenochão.Eentãonósvimos.Seiquetodomundodizisso,masfoiexatamentecomo

assistir a uma cena de ilme; não dava para acreditar que estavaacontecendo de verdade. Ele voava tão devagar que pude ver a tintadescascadanologotipo–sabe,aquelearabescoverdeemvoltadeum“D”.O tremde pouso estava abaixado e a aeronave balançava loucamente deum lado para o outro, como um homem na corda bamba tentando se

equilibrar.Lembro-medeterpensado:oaeroporto icanadireçãooposta,queporraopilotoestáfazendo?Corneliusestavagritandoalgumacoisa,apontando.Nãopudeouviroque

ele dizia, mas captei o sentido geral. Mitchell’s Plain, onde sua famíliamorava,nãoeramuitolongedolugarparaondeoaviãopareciasedirigir.Era óbvio que o aparelho estava caindo; nãopegava fogonemnada,masestavaclaroquepassavaporproblemassérios.O avião sumiu de vista, houve umbum e juro que o chão tremeu.Mais

tarde, Darren, o controlador da nossa base, disse que provavelmenteestávamoslongedemaisparasentirqualquertremor,maséassimqueeulembro.Segundosdepois,umanuvempretabrotounocéu:eragigantescae me fez pensar naquelas imagens de Hiroshima. Pensei que não haviajeitodealguémsobreviveraisso.Não paramos para pensar. Cornelius pulou na cabine, começou a falar

pelo rádio com a base, dizendo que tínhamos um acidente de grandesproporções e que o centro de administração de desastres devia sernoti icado. Eu falei ao taxista que ele teria de esperar outra ambulânciapara levá-loàemergênciaegritei “InformequeéumFaseTrês,umFaseTrês!”.Ospoliciais já estavamna estrada, indodiretopara a saídada viaexpressaparaKhayelitshaHarare.Puleinapartedetrásdaambulância,aadrenalina disparando no corpo, jogando fora todo o cansaço que sentiaapósdozehorasdeplantão.Enquanto Cornelius dirigia, seguindo o carro da polícia, eu peguei uma

mochila e comecei a remexer nos armários a im de encontrar osequipamentos para queimadura, frascos de soro, tudo que poderíamosnecessitar. Coloquei-a na maca. Éramos treinados para a queda de umavião,éclaro.HáumlocaldesignadoparapousosdeemergênciaemFishHoek,emFalseBay,eeumeperguntei seerapara láqueopilotoestavaindoquandopercebeuquenãoconseguiriachegaraoaeroporto.Masnãovoumentir, treinamentoéalgobemdiferente;nuncapenseiqueteríamosdeenfrentarumasituaçãoassim.Aquela corrida de ambulância está gravada na minha memória de um

jeito que não dá para acreditar. Os estalos no rádio em meio a vozesconferenciando,osnósesbranquiçadosdosdedosdeCorneliussegurandoo volante, o fedor da comida que nunca cheguei a comer. E olhe, isso vai

soar mal, mas existem partes de Khayelitsha em que geralmente nemsonharíamos ementrar; tivemos incidentes emqueopessoal foimantidodoladodefora–todososserviçosdeambulânciavãolhedizer–,masissoera diferente. Nem me ocorreu icar preocupado por entrar em LittleBrazzaville.Darrenestavadenovono rádio,orientandoCorneliusquantoaos procedimentos, falando que tínhamos de esperar que o local fosseconsideradoseguroprimeiro.Emsituaçõesassimnãohálugarparaheróis.Você não vai querer se ferir e acabar como mais uma baixa para sertratadapelopessoal.À medida que chegávamos mais perto, eu podia ouvir gritos se

misturando com as sirenes que vinham de todas as direções. A fumaçarolava aténós, cobrindoopara-brisa comum resíduooleoso, e Corneliusprecisou diminuir a velocidade e ligar os limpadores. O cheiro acre decombustível queimando encheu a ambulância; durante dias não conseguitiraraquele fedordapele.Corneliuspisouno freioquandoumamultidãoveionanossadireçãofeitoumaenchente.Amaioriacarregavatelevisores,crianças chorando, móveis, cachorros. Não estavam saqueando, poissabiam a velocidade com que um incêndio poderia se espalhar naquelaárea. Quase todas as casas são grudadas umas nas outras, barracos demadeira e zinco, muitas mal passam de lenha para fogueira, para nãomencionaraquantidadedeparafinaquedeviaestarespalhadaporali.Diminuímosavelocidadeatéquaseparareeupodiaouvirosomdemãos

batendo nas laterais da ambulância. Cheguei a me abaixar ao ouvir oestrondo de outra explosão e penseimerda. Um bando de helicópteroslotava o ar e eu gritei para Cornelius parar – era óbvio que nãopoderíamos ir mais longe sem colocar nossa segurança em risco. Saí datraseiraetenteimeprepararparaoqueveríamos.Eraocaos.Seeunãotivessevistocommeusprópriosolhos,nãosaberia

que era uma queda de avião: teria presumido que uma bomba haviaexplodido.Eo calorquevinhade lá...Mais tarde vi as imagens emvídeo,feitas pelos helicópteros, o buraco preto no chão, os barracos achatados,aquela escola construídapelos americanos, esmagada como se fosse feitadepalitosde fósforo,a igrejapartidaaomeioparecendotão frágilquantoumcasebre.– Temmais! Temmais! Ajude a gente! – gritavam as pessoas. – Aqui!

Aqui!Pareciaque centenasdepessoasvinhamnanossadireçãogritandopor

socorro, mas felizmente os policiais que estavam no local da colisão doscarros empurraram a maioria para trás e pudemos avaliar o queenfrentaríamos. Cornelius começou a organizá-los em grupos de triagem,separando quem tinha mais necessidade de ajuda urgente. Eu soube deimediato que a primeira criança que vi não resistiria. Sua mãe abaladadisse que os dois estavam dormindo quando ouviu um rugidoensurdecedor e pedaços de entulho choveram dentro do quarto. Agorasabemos que o avião se partiu durante o impacto, espalhando partes emchamas,talequaloAgenteLaranjaherbicidausadonaGuerradoVietnã.Ummédico do hospital de Khayelitsha foi o primeiro a chegar, fazendo

um serviço fantástico. O cara era rápido no gatilho. Mesmo antes que aequipe de enfrentamento de desastres tivesse aparecido, ele já tinhalocalizado áreas para as barracas de triagem, necrotério e posto deambulância. Há um sistema para essas coisas, você não pode fazer pelametade. Eles estabeleceram o círculo externo em tempo recorde e oserviço de bombeiros e resgate do aeroporto estava ali minutos apóstermoschegadoparaisolaraárea.Eravitalgarantirquenãoaconteceriammais explosões. Todos sabíamos muito bem quanto oxigênio os aviõescarregam,paranãofalarnocombustível.Cuidamos principalmente das baixas periféricas. A maioria era de

queimaduras, membros decepados por metal voando, um bocado deamputações, muita gente com problemas oculares, em especial crianças.Cornelius e eu entramos em ritmo acelerado. Os policiais mantinham aspessoas afastadas, mas não era possível culpá-las por se apinharem aonosso redor. Eram pais procurando ilhos que estavam naquela escola ecreche, outros exigindo saber a situação de entes queridos. Um bomnúmero ilmavacomcelulares.Eunãoos condenava: issoestabeleceumadistância,nãoé?Eamídiaestavaemtodaparte,eraumenxame.PreciseiimpedirCorneliusdesocarumhomemquetentavaen iarumacâmeranacaradele.E, à medida que a fumaça diminuía, dava para ver pouco a pouco o

tamanho da devastação. Metal amassado, retalhos de roupas, móveis eutensílios quebrados, sapatos largados, um celular pisoteado. E corpos,

claro. A maioria queimada, mas havia outros... pedaços, você sabe... Osgritosecoavamde todosos ladosàmedidaquemaisemaismortoseramdescobertos; abarracausadacomonecrotério improvisado simplesmentenãodariaconta.Trabalhamosodiainteiroenoiteadentro.Quandoaescuridãocomeçoua

seadensar,olocalfoiiluminadocomholofotese,dealgummodo,tudoficoupior. Mesmo com o equipamento de respiração, alguns voluntários maisjovensdaequipenãosuportavamedavaparavê-loscorrendoparalonge,paravomitar.Ossacoscomcadáverescontinuavamseempilhando.Não se passa um dia sem que eu não pense nisso. Ainda não consigo

comerfrangofrito.Você sabe o que aconteceu com o Cornelius, não sabe? A esposa disse

quenuncapoderáperdoá-lo,maseuoperdoo.Seicomoésesentiransiosootempotodo,nãoconseguirdormir,chorarsemummotivoaparente.Éporissoquepasseiatrabalharemaconselhamentopsicológico.Olhe,anãoserquevocêtenhaestado lá,nãoexisteummodoadequado

de descrever,mas deixe-me comparar. Sou paramédico hámais de vinteanose jápresencieialgumascoisaspesadas. Jáviocorpocarbonizadodeuma pessoa ainda soltando fumaça depois de terem botado fogo nela, orosto ixo numa expressão que você não quer ver nem em seus piorespesadelos. Eu estava de serviço quando houve tumultos na greve dostrabalhadoresmunicipaiseapolíciaabriufogo:trintamortosenemtodosem decorrência dos ferimentos de bala. Você não quer ver que tipo dedanosum facãode canapode causar.Estive emengavetamentosondeoscorpos de crianças e de bebês ainda nas cadeirinhas foram jogados porcima de três pistas. Vi o que acontece quando um caminhão blindadoperde os freios e passa por cima de um carro de passeio. E, durante oserviçoemBotsuana,encontreiosrestosdeumguarda lorestalque forapartidoaomeiopormordidasdeumhipopótamo.Nadapodesecompararcom o que vimos naquele dia. Todos entendemos pelo que Corneliuspassou–todoopessoalentendeu.Elefezacoisadentrodocarro,nacostaoeste,ondecostumavairpescar.

Asfixia,mangueiraligadanocanodedescarga.Semsujeira,semconfusão.Sintofaltadele.

DepoisrecebemosummontedecensurasportermostiradofotosepostonoFacebook.Masnãovoumedesculparpor isso.Éumadasmaneirasdeenfrentarasituação–precisamosfalar–esevocênãoestánoserviço,nãovai entender.Agora andam falando em retirá-las, já que aquelesmalucosicamusando-as comopropaganda.Comocrescinestepaís, não sou fãdacensura, mas consigo ver por que eles estão pressionando. Isso só põemaislenhanafogueira.Masvoudizerumacoisa:euestivelá,naporradomarcozero,edejeito

nenhum alguém daquele avião sobreviveu. De jeito nenhum. Vou memanter irme,nãoimportaoquedizemaquelesfãsescrotosdeteoriasdeconspiração(desculpeopalavreado).Voumemanterfirme.

YomijuriMiyajima,geólogoerastreadorvoluntáriodesuicídiosnafamosaflorestadeAokigahara,noJapão,localpopularentrepessoasdeprimidasquequeremacabarcomaprópriavida,estavadeserviçonanoiteemqueumBoeing747-400DoperadopelacompanhiajaponesaSunAirmergulhouaopédomonteFuji.(TraduçãodeEricKushan)

Euesperavaencontrarumcorponaquelanoite.Nãocentenas.Geralmente os voluntários não patrulham à noite, mas, quando estava

começandoaescurecer,nossopostorecebeuotelefonemadeumpaimuitopreocupado com o ilho. Ele havia interceptado e-mails alarmantes eencontrado um exemplar do manual de suicídio de Wataru Tsurumiembaixo do colchão do adolescente. Junto com o famoso romance deMatsumoto, esse é um texto popular para quem deseja se suicidar naloresta; já perdi a conta de quantos exemplares abandonados encontreinosmeusanosdetrabalhoaqui.Há algumas câmeras destinadas a monitorar atividades suspeitas na

entradamaispopular,maseunãotinharecebidoqualquercon irmaçãodeque ele fora visto e, apesar de ter uma descrição do automóvel doadolescente,nãoviranenhumsinaldoveículonoacostamentodaestradanem em qualquer dos pequenos estacionamentos perto da loresta. Issonão queria dizer nada. Frequentemente as pessoas seguem de carro atélocais distantes ou escondidos nos limites da loresta para acabar com aprópria vida.Alguns tentam sematar comgasesde escapamento; outros,inalando a fumaça tóxica de churrasqueiras portáteis. Mas, de longe, ométodomaiscomuméoenforcamento.Muitossuicidastrazembarracasesuprimentos, como se precisassem passar uma ou duas noitescontemplandooquevãofazerantesdeirematéofim.Todo ano a polícia local e muitos voluntários fazem uma varredura naloresta para encontrar os corpos dos que optaram pormorrer aqui. Naúltimavezemquefizemosisso,nofimdenovembro,descobrimososrestosmortais de trinta pessoas. A maior parte jamais foi identi icada. Se euencontroalguémquedescon ioestarplanejandosematar,peçoquepensena dor da família deixada para trás e lembro que sempre há esperança.

Apontoparaarochavulcânicaqueformaabasedopisoda lorestaedigoque, seasárvorespodemcrescernumasuper ície tãodurae implacável,uma vida nova pode ser construída sobre o alicerce de qualquerdificuldade.Hojeemdiaécomumosdesesperadostrazeremfitaadesivaparamarcar

o caminho de volta, casomudemde ideia, ou, namaioria dos casos, paraindicarondeseuscorpospodemserencontrados.Mastambémháturistasasquerosos que esperam encontrar algum morto, mas não querem seperder.Eumeofereciparaentrarapéna lorestaeveri iqueiprimeirosehavia

indicaçãodealgumanova itagrudadanasárvores.Estavaescuro,logoeraimpossível ter certeza, mas pensei ter visto sinais de que alguémdesrespeitara,faziapoucotempo,asplacasde“nãoultrapasseesteponto”.Nãomepreocupavaahipótesedemeperder,poisconheçomuitobemaloresta. Peço desculpas se pareço pretensioso, mas depois de 25 anosfazendoisso,aatividadesetornoupartedemim.EeutinhaumalanternapoderosaemeuGPS–nãoéverdadequea rochavulcânicaatrapalhaossinais.Contudo,a lorestaé ímãdemitose lendaseaspessoasacreditamnoquequerem.Assim que você entra na loresta, ela se torna um casulo. As copas das

árvoresformamumtetosuavementeondulantequeisolaomundoláfora.Algumaspessoaspodemachar intimidantea imobilidadeeosilêncio,maseu, não. Osyūrei não me amedrontam. Não tenho por que temer osespíritosdosmortos. Jáouviu falarnashistóriasdequeesseeraumlocalcomumparaoubasute,apráticadeabandonarosidososouenfermosparamorrer ao relento em temposde fome? Issonão tembase real. É apenasmais uma das muitas lendas que o lugar atrai. Muitos acreditam que osespíritos são solitários e tentam puxar as pessoas. Acreditam que é porissoquetantosvãoàfloresta.Nãovioaviãocair–comodisse,acopada lorestaescondeocéu–,mas

ouvi.Foiumasériedeestrondosabafados,comoportasgigantescassendofechadascom força.Oquepenseiqueera?Presumique fosseumtrovão,apesar de não ser época de tempestades ou tufões. Estava absorvidodemaisemexaminarassombras,reentrânciasesulcosnochãoda lorestaembuscadeevidênciasdapresençadeumadolescenteparaespecular.

Já ia desistir quandomeu rádio emitiu estalos e Sato-san, umdosmeuscolegas rastreadores, me alertou de que um avião com problemas sedesviara da rota e caíra em algum lugar nos arredores da loresta,provavelmente na área de Narusawa. Claro que percebi então que eraessaafontedosestrondosqueouviraantes.Satoinformouqueasautoridadessedirigiampara láedissequeestava

organizando uma equipe de buscas. Parecia ofegante, profundamentechocado. Sabia, como eu, que o resgate teria di iculdade para chegar aolocal. O terreno em algumas áreas da loresta é quase impossível detranspor: existem fendasprofundas escondidas emmuitos lugares, oquetornaperigosopercorrê-los.Decidiirparaonorte,nadireçãodosomquetinhaescutado.Em menos de uma hora ouvi o rugido dos helicópteros de resgate

varrendoa loresta.Sabiaqueseriaimpossívelpousarem,porissoavanceicomurgênciaaindamaior.Sehouvessesobreviventes,sabiaqueprecisavaalcançá-los logo. Em duas horas comecei a sentir cheiro de fumaça: asárvores tinham se incendiado em vários lugares, mas felizmente osincêndios não haviam se espalhado e os galhos reluziam enquanto aschamasserecusavamapegarecomeçavamamorrer.Algomefezapontaro facho da lanterna para as copas, captando uma pequena sombrapenduradanosgalhos.Aprincípiopenseique fosseo corpoqueimadodeummacaco.Nãoera.Haviaoutros,claro.Anoiteestavatomadapelossonsdoshelicópterosde

resgate e da mídia, que sobrevoavam acima de mim, iluminandoincontáveis formas presas aos galhos. Algumas eu conseguia ver commuitos detalhes; nem pareciam feridas, quase como se estivessemdormindo. Outras... Outras não tiveram tanta sorte. Todas estavamparcialmentevestidasounuas.Lutei para chegar ao que agora é conhecido como o principal local da

queda, onde a cauda e a asa partida foram encontradas. Equipes deresgate estavam sendo baixadas por cordas, mas os helicópteros nãoconseguiampousarnumterrenotãoirregularetraiçoeiro.Era uma sensação estranha chegar perto da cauda da aeronave. Ela se

erguia alta acima de mim, o orgulhoso logotipo vermelho

fantasmagoricamente intacto. Corri até onde dois paramédicos cuidavamdeumamulher que gemiano chão; nãodavapara ver até queponto elaestava ferida,mas nunca ouvi um somdaqueles sair de um ser humano.Foi então que captei um movimento com a visão periférica. Algumasárvores ainda pegavam fogo nessa área e eu vi uma forma pequena,encurvada, oculta em parte atrás de um a loramento de rocha vulcânicaretorcida. Corri para lá e vislumbrei dois olhos no facho da lanterna.Larguei a mochila e corri, movendo-memais depressa do que nunca navida.Aomeaproximar,percebiqueeraumacriança.Ummenino.Ele estava agachado, tremendo violentamente, e pude ver que um dos

seusombrosseprojetavanumânguloquenãoeranatural.Griteiparaosparamédicos virem depressa, mas eles não me escutaram por causa dosomdoshelicópteros.Oqueeudisseaele?Édi ícillembrar,masdevetersidoalgocomo“Você

estábem?Nãoentreempânico,estouaquiparaajudar”.Era tão grossa amortalha de sangue e lama cobrindo seu corpo que a

princípio não percebi que ele estava nu –mais tarde disseram que suasroupas foramarrancadaspela forçado impacto.Estendiamãopara tocá-lo. Sua carne estava fria, porém o que mais se esperaria com aquelatemperatura,abaixodopontodecongelamento?Nãosintovergonhadedizerquechorei.Enroleimeu casaco nele e, com omáximo de cuidado, peguei-o no colo.

Eleencostouacabeçanomeuombroesussurrou“Três”.Oupelomenosfoioquepensei.Pediquerepetisse,masseusolhossefecharam,aboca icoufrouxa como se ele estivesse dormindo a sono solto emepreocupeimaisainda em levá-lo para a segurança emantê-lo quente antes que sofressehipotermia.Claro que agora todo mundo vive me perguntando: você viu algo

estranhonomenino?Claroquenão!Elehaviaacabadodepassarporumaexperiênciahorríveleoqueeunotavaeramsinaisdechoque.Não concordo comoque algumaspessoas estãodizendo sobre ele.Que

está possuído por espíritos raivosos, talvez dos passageiros mortos queinvejam sua sobrevivência. Que ele mantém as almas furiosas dentro docoração.

Também não dou crédito às outras histórias que cercam a tragédia: opilotoseriaumsuicidaea lorestaoestariaatraindo,poisnãohaviaoutromotivoparaoaviãocairemJukei.Teoriascomoessaapenascausamdoremais problemas quando já há em excesso. Para mim é óbvio que ocomandante lutoupara fazer a aeronave cairnumaáreadespovoada.Eleteveminutosparareagiretomouumaatitudenobre.E como um menino japonês pode ser o que aqueles americanos estão

dizendo?Aquelegarotoéummilagre.Voume lembrardelepelorestodavida.

MinhacorrespondênciacomLillianSmallcontinuouatéoFBIinsistiremqueelanãotivessemaiscontatocomomundoexterior,parasuaprópriasegurança.ApesardeLillianmoraremWilliamsburg,Brooklyn,eeuserresidentedeManhattan,nuncanosencontramospessoalmente.Seusrelatossãobaseadosemmuitasconversasportelefoneee-mail.

Reuben estivera inquieto toda a manhã e eu o acomodara na frente daCNN; às vezes isso o acalma. Nos velhos tempos ele adorava assistir aonoticiário,especialmentequalquercoisapolítica, icavaempolgadomesmo,costumava pegar no pé dos comentaristas e analistas políticos como sepudessem ouvi-lo. Não creio que ele tenha perdido algum debate ouentrevista durante as campanhas, foi por isso que percebi que havia umproblema. Ele estava tendo di iculdade para lembrar o nome daquelegovernador doTexas, você sabe, aquele idiota que não conseguia dizer apalavra “homossexual” sem retorcer a boca com nojo. Nunca vou meesquecer da expressão do Reuben tentando se lembrar do nome dopanaca. Veja bem, ele andava escondendo de mim os sintomas. Vinhaescondendohaviameses.Naquele dia pavoroso, a apresentadora entrevistava um analista sobre

suasprevisõesparaasprimáriasquandoointerrompeunomeiodafrase:–Sintomuito,precisocortá-lo,poisacabamosdesaberqueumaviãoda

MaidenAirlinescaiunosEvergladesnaFlórida...Claro,oprimeiropensamentoquepassoupelaminhacabeça foisobreo

11 de Setembro. Terrorismo. Uma bomba a bordo. Duvido que haja umaúnicapessoaemNovaYorkquenãotenhapensadonissoaoouvirfalardoacidente.Agentesimplesmentepensa.E então as imagens surgiram na tela, uma visão de cima, de um

helicóptero.Nãomostravamuitacoisa,apenasumpântanocomumamassaoleosanocentro,ondeoaviãotinhamergulhadocomtantaforçaqueforaengolido. Meus dedos estavam congelando, como se eu segurasse gelo,apesar de sempremanter o apartamento aquecido.Mudei de canal paraumprogramadeentrevistas, tentandoafastaraquela sensação incômoda.Como Reuben tinha cochilado, eu esperava ter tempo su iciente paratrocaroslençóiselevá-losparaalavanderia.

Estava acabando de fazer isso quando o telefone tocou. Corri paraatender,preocupada,achandoqueReubenpoderiaacordar.Era Mona, a melhor amiga de Lori. Pensei: por que Mona está ligando

para mim? Nós não éramos íntimas, ela sabe que eu nunca a aprovei,sempre a considerei depravada, uma in luência ruim. No im das contasicoutudobem,mas,aocontráriodaminhaLori,mesmoaos40anosMonanãohaviamudadoseujeitofrívolo.Divorciara-seduasvezesantesdos30.Semaomenosdizer“olá”ouperguntarpeloReuben,Monaindagou:–EmquevooLorieBobbyvêmparacasa?Ogeloqueeuhaviasentidoantesseesgueiravadevolta.–Doquevocêestáfalando?Elesnãoestãoemaviãonenhum.–Mas,Lillian,Lorinãocontou?ElaiaàFlóridaverumlugarparavocêe

Reuben.Perdiaforçanamãoedeixeicairoaparelho,ouvindoavozlamentosade

Monaecoar.Meusjoelhossedobrarameeumelembrodeterrezadoparaque aquilo fosse uma das peças doentias que Mona gostava tanto depregar quando era nova. Então, desliguei na cara dela, sem nem medespedir, e telefoneiparaLori, quasegritandoao seratendidapela caixapostal. Lori dissera que ia levar Bobby para ver um cliente em Boston,paranãomepreocuparseelanãofizessecontatoporunsdoisdias.Ah, como desejei poder falar com o Reuben naquele momento! Ele

saberiaoque fazer.Achoqueminhasensaçãoeradepuropavor.Nãodotipoquesetemaoassistiraum ilmedeterrorouserencurraladoporumsem-teto de olhar ensandecido, mas algo tão intenso que mal dá paracontrolarocorpo,comosenãohouvessemaisumaconexãocomele.PudeouvirReuben semexer,mas ainda assim saí do apartamento e fui diretoparaaportadavizinha,semsaberoquefazer.GraçasaDeusBetsyestavaem casa. Ela deu uma olhada em mim e me puxou para dentro. Minhasituaçãoeratalquenemnoteianuvemdefumaçadecigarroquesemprepaira na casa dela; era ela quem sempreme visitava quando queríamostomarumcafécombiscoitos.Ela serviu um conhaque, me obrigou a engoli-lo e se ofereceu para

retornar ao apartamento comigo e icar sentada comoReuben enquantoeutentavafazercontatocomacompanhiaaérea.Mesmodepoisdetudooqueaconteceumaistarde,nuncavouesquecercomoelafoigentilnaquele

dia.Nãoconsegui comunicação–a linhaestavaocupadaeeueramantidaà

espera. Foi quando eu de fato soube como era o inferno: aguardar paraouvirodestinodaspessoasmaisqueridasouvindoumaversãopiegasde“Garota de Ipanema”. Hoje, sempre que ouço essamúsica, sou levada devoltaparaaquelemomentomedonho,comogostodeconhaquebaratonalíngua, Reuben gemendo na sala, o cheiro da sopa de frango da vésperaaindanacozinha.Nãoseiporquantotempotenteifalarcomaquelaporcariadenúmero.E

então,quandojáestavadesanimando,umavozatendeu.Umamulher.Deiaela o nome de Bobby e Lori. Ela pareceu tensa, mesmo procurandopermanecerpro issional.Umapausaqueduroudiasenquantoeladigitavanocomputador.ElainformouqueLorieBobbyestavamnalistadaquelevoo.E eu disse que devia haver um erro. De jeito nenhum Lori e Bobby

podiam ter morrido. Eu saberia. Teria sentido. Não acreditava. Nãoaceitaria. Quando Charmaine – a psicóloga da Cruz Vermelha designadaparanós–nosencontroupelaprimeiravez,euaindameencontravanumaatitude de negação tão intensa que praguejei... e sinto vergonha disso...mandandoqueelafosseparaoinferno.Apesar disso, meu primeiro impulso foi ir direto ao local da queda. Só

para icarmaispertodeles.Sóparagarantir.Devoadmitirquenãoestavapensandocomclareza.Comopoderia fazer isso?Nãohavianenhumaviãovoando e isso signi icaria deixar Reuben com alguém estranho por Deussabe quanto tempo, talvez colocá-lo num asilo. Para onde quer que euolhasseviaorostodeLorieBobby.Tínhamosfotosdosdoisemtodocanto.Lori segurando Bobby recém-nascido no colo, sorrindo para a máquinafotográ ica.BobbyemConeyIsland,segurandoumpirulitogigante.Lorinaépocadaescola,LorieBobbynafestade70anosdeReubennoJujubee’s,um ano antes de ele começar a entrar em franca decadência – quandoaindaselembravadequemeuera,dequemLoriera.Nãoconseguiaparardepensarnodiaemqueelamecontouqueestavagrávida.Eunãohaviarecebidobemanotícia,nãogostavadaideiadeelairàquelelugarcompraresperma como se fosse tão simples quanto comprar um vestido e depoisser... inseminadaarti icialmente.Parecia friodemaisparamim. “Tenho39

anos,mamãe”(elacontinuavamechamandodemamãe).“Podeserminhaúltima chance e, vamos ser realistas, o Príncipe Encantado não vaiaparecertãocedo.”Todasasminhasdúvidassumiramaovê-lacomBobbypelaprimeiravez,claro.Elaeraumamãemaravilhosa!E eu não conseguia deixar de me culpar. Lori sabia que um dia eu

esperavamemudar para a Flórida, ir para um daqueles lugares limpos,ensolarados, com assistência, onde Reuben poderia receber a ajudanecessária. Foi por isso que eles viajaram. Ela planejava me fazer umasurpresa de aniversário. Isso era a cara da Lori, altruísta e generosa aoextremo.BetsyseesforçavaparaacalmarReubenenquantoeuandavadeumlado

para outro. Não conseguia icar parada. Remexia nas coisas, pegava otelefone, conferia se estava funcionando, só para o caso de Lorime ligardizendoquenoúltimomomento tinhadesistidodepegaraquelevoo.QueelaeBobbyhaviamdecididopegaroutromais tarde.Oumaiscedo.Eraaissoqueeumeagarrava.Asnotíciasdosoutrosacidentescomeçavamachegareeu icavaligando

e desligando a porcaria da televisão, não conseguia decidir se queria ounãoveroquesepassava.Ah,as imagens!Éestranhopensarnissoagora,mas, ao ver aquele menininho japonês sendo carregado para fora daloresta e içadoparaumhelicóptero, senti inveja. Inveja! PorquenaquelemomentonãosabíamossobreoBobby,apenasquenenhumsobreviventeforaencontradonaFlórida.Paramim,tínhamostidotodooazarqueumafamíliapoderiater.Pensei:

porqueDeusfariaissocomigo?Oqueeuhaviafeitoparamereceraquilo?E,alémdaculpa,daagonia,doterrorabsolutoeesmagador,eumesentiasolitária. Porque, independentemente do que acontecesse, quer elesestivessem ou não no voo, eu jamais poderia contar ao Reuben. Ele nãopoderiameconsolar,esfregarminhascostas,meajudardealguma formaseeunãoconseguissedormir.Nãomais.Eletambémtinhaidoembora.Betsy só saiu quando Charmaine apareceu, disse que ia voltar para o

apartamento dela e fazer algo para a gente comer, se bem que eu nãoconseguiriaengolirnada.As horas seguintes são turvas.Devo ter acomodado oReubenna cama,

tentado fazer comqueele tomasseumpoucode sopa. Lembro-mede ter

esfregado a bancada da cozinha até minhas mãos icarem vermelhas eardendo,apesardeCharmaineeBetsytentaremmefazerparar.E houve o telefonema. Charmaine atendeu enquanto Betsy e eu

permanecíamos imóveis na cozinha. Estou tentando lembrar as palavrasexatas,maselasvivemmudandonaminhamente.Elaéafro-americana,aCharmaine, com a pelemais linda que você já viu, eles envelhecem bem,nãoé?Masquandoentrounaquelacozinha,pareciadezanosmaisvelha.–Lillian,achoquevocêdeveriasesentar.Não me permiti sentir nenhuma esperança. Tinha visto as imagens do

acidente. Comoalguémpoderia ter sobrevivido àquilo?Olhei-a diretonosolhosepedi:–Digalogo.–ÉoBobby.Elesoencontraram.Eleestávivo.E então Reuben começou a gritar no quarto e eu tive de pedir que ela

repetisse.

EstabelecidoemWashington,oagenteAceKelso,daANST(AgênciaNacionaldeSegurançadosTransportes),tambémdeveserconhecidopormuitosleitorescomooastrodeAceinvestiga,quetevequatrotemporadasnoDiscoveryChannel.EsterelatoéumatranscriçãoparcialdeumadasnossasmuitasconversaspeloSkype.

Você precisa entender, Elspeth, que, devido à magnitude dos casos,sabíamos que se passaria um tempo até termos certeza absoluta do queestávamosenfrentando.Pensebem.Quatroquedasdiferentesenvolvendotrêsmodelosdistintosde aeronaves emquatro continentes: era algo semprecedentes. Entendíamos que seria necessário trabalharmos juntos ecoordenadoscomaAAIB,doReinoUnido;aAAC,daÁfricadoSul;a JTSB,do Japão, para nãomencionar as outras partes que tinham interesse nosacontecimentos – estou falando dos fabricantes, do FBI, da agênciaamericanadeaviaçãoedeoutrosquenãovoucitaragora.Nossopessoalfaziaomáximopossível,masapressãoeradiferentede tudooqueeu jáhavia experimentado. Pressão das famílias, pressão dos executivos dascompanhias aéreas, pressão damídia, pressão de todos os lados. Eu nãodiriaqueestavaesperandoexatamenteumasuruba,masagenteprecisaesperarumpoucodedesinformaçãoeerros.Somoshumanos.E,àmedidaqueassemanaspassavam,tínhamossorteseconseguíamosalgumashorasdesonopornoite.Antesdechegaraoqueseiquevocêquerouvir,vou lhedarumabreve

visão geral, contextualizar as coisas. Como investigador encarregado doacidente da Maiden Airlines, comecei a reunir minha equipe de ação nosegundo em que recebi o telefonema. Um investigador regional já estavano lugar, fazendo as observações preliminares, mas nesse ponto sórecebíamosasimagensdosnoticiários.Ocomandantedasinvestigaçõesnaáreameinformarapelocelularascondiçõesdolocal,porissoeusabiaqueestávamos diante de uma situação feia. Você deve lembrar que o lugarondeoavião caiuera remoto.A8quilômetrosdopíermaispróximo,uns25 quilômetros da estrada mais próxima. Do ar, a não ser que vocêsoubesse o que procurava, não veria nenhum sinal – nós sobrevoamosantes de pousar, por isso eu vi pessoalmente. Destroços espalhados, um

buraco negro cheio d’água, mais ou menos do tamanho de uma casa declassemédia,eaquelecapim-navalhaquecortaapele.Eis o que eu soube pelo primeiro relatório: um MD-80, da McDonnell

Douglas, caíraminutos depois de decolar.O controlador de tráfego aéreoinformou que os pilotos haviam sugerido uma falha domotor,mas nesseestágio inicial eunão iriadescartaralgomal-intencionado,principalmentecominformeschegandosobreacidentesemoutroslocais.Doispescadoresviramo avião se comportando demodo irregular e voando baixo demaisantesdemergulharnosEverglades.Disseramteravistadochamassaindodo motor, mas isso não era incomum: as testemunhas quase sempreinformam ter enxergado sinais de uma explosão ou de fogo,mesmo quenãohajachancedeissoteracontecido.Imediatamente, mandei que o meu pessoal de sistemas, estruturas e

manutenção fosse para o Hangar 6. A Administração Federal de AviaçãohaviadesignadooG-IVparairmosaMiami–euprecisavadeumaequipecompletanessecasoeoLearnãodariaconta.OhistóricodaMaidencomoserviçodemanutenção jános causaraalgunsproblemas,masaaeronaveemsieraconsideradaconfiável.Estávamos a uma hora de viagem quando recebi a informação de que

haviam encontrado um sobrevivente. Lembre-se, Elspeth, nós tínhamosvistoasimagensdamídia;nemdariaparasaberqueumaviãotinhacaídose você não estivesse bem no lugar, já que ele estava completamentesubmerso.Devoadmitirqueaprincípionãoacreditei.Levaram o menino às pressas para o Hospital Infantil de Miami e

recebemos informes de que ele estava consciente. Ninguém podiaacreditar que ele tinha conseguido sobreviver e que não fora apanhadopelos jacarés. Havia tantos daqueles bichos desgraçados por lá queprecisamos chamar guardas armados para mantê-los longe enquantopuxávamososdestroços.Depois de pousarmos, fomos direto para o local. A Equipe de Resposta

Operacional a Desastres com Mortes já estava lá, mas não parecia quepudessemencontrarqualquercorpointacto.Comtãopoucoacontecendo,aprioridade era achar o gravador de voz da cabine e a caixa-preta;precisaríamos de mergulhadores especializados. A coisa estava feia ládentro: quente feito o inferno, infestado de moscas e o fedor...

Precisávamos de trajes completos de isolamento biológico, e não édivertido usá-los naquelas condições. De cara pude ver que iríamosdemorar semanas para entender aquilo e não tínhamos semanas, aindamaisagoraquesabíamosqueoutrosaviõeshaviamcaídonomesmodia.Euprecisavafalarcomogaroto.Deacordocoma listadepassageiros,a

únicacriançanaquela faixaetáriaeraBobbySmall,queviajavadevoltaaNova York com uma mulher que presumimos ser a mãe. Optei por irsozinho, deixando minha equipe no local do acidente para as açõespreliminares, e entrei em contato com as autoridades locais e outrasequipesacaminhodaárea.Aimprensaestavaapinhadaaoredordohospital,pegandonomeupé.–Ace!Ace!–gritavam.–Foiumabomba?–Eosoutrosacidentes?Estãoconectados?–Éverdadequeháumsobrevivente?Respondi o de sempre, que uma declaração seria feita quando

soubéssemosmais,queas investigaçõesaindaestavamemcurso,etc.,etc.A última coisa que eu faria como investigador encarregado era abrir abocaantesdetermosalgoconcreto.Eu tinha ligado antes para avisar que estava a caminho,mas sabia que

era umahipótese remotamedeixarem falar comele. Enquanto esperavaautorizaçãodosmédicos,umadasenfermeirassaiudoquartodomeninoetromboudiretocomigo.Elapareciaàbeiradaslágrimas.Olhei-anosolhoseindaguei:“Eleestábem,nãoé?”Elaapenasassentiuefoiparaopostodeenfermagem.Encontrei-acerca

de uma semana depois, perguntei por que parecera tão perturbada. Elanãoconseguiacolocarempalavras.Dissequetinhaasensaçãodequealgoestavaerrado; simplesmentenãogostavade icarnaquelequarto. Sentia-se culpada, dava para ver. Falou que devia ter sido afetada pelopensamento de que todas aquelas pessoas haviam morrido ao mesmotempoequeBobbyerauma lembrançavivadequantosperderamavidanaqueledia.Apsicólogainfantildesignadaparaocasochegoualgunsminutosdepois.

Eraumamoçalegal,de30epoucosanos,queaparentavasermaisjovem.Esquecionome...Polanski?Ah,certo,Pankowski.Obrigado.Tinhaacabadode ser designada e a última coisa que desejava era algum investigador

intrometidoincomodandoomenino.–Moça,nós temosumacidente internacionaleaquelemenino ládentro

podeserumadasúnicastestemunhascapazesdenosajudar.Não quero que você pense que sou insensível, Elspeth, mas, naquele

estágio,asinformaçõessobreosoutrosacidenteseramsuper iciaise,peloqueeu sabia, aquelegarotopodia sera chavedomistério.Lembre-se,nocaso do Japão demorou um tempo até con irmarem que haviasobreviventesesórecebemosnotíciasobreameninadoacidentenoReinoUnido horas depois. De qualquermodo, a tal Dra. Pankowski falou que ogarotoestavaacordado,masnãodisseranenhumapalavra,nãosabiaquea mãe provavelmente tinha morrido. Pediu que eu agisse com cuidado,recusou-se a me deixar ilmar a entrevista. Concordei, apesar de serprocedimento-padrão gravar todas as declarações de testemunhas. Devofalar que, depois, não consegui decidir se icara feliz ou não por não terpodido ilmar.Tranquilizei-a garantindoqueera treinadopara interrogartestemunhas,queumdosnossosespecialistasestavaacaminhoparafazerumaentrevistaposterior. Sóprecisava saber sehavia algo especí icoqueelelembrasseequepoderianosajudaraseguirnadireçãocerta.Tinhamlhedadoumquartoparticular,paredesclaras,cheiodecoisasde

criança.UmmuraltemáticodoBobEsponja,umagirafadepelúciaquemeparecia meio assustadora. O menino estava deitado de costas, com sorosendoinjetadonobraço,eerapossívelvernapeleosarranhõesdocapim-navalha – todos nós icamos cheios desse tipo de ferimento nos diasseguintes –, mas afora isso ele não sofrera nada signi icativo. Ainda nãoentendo.Comotodomundodisseaprincípio,pareciaummilagre.Estavampreparando-o para uma tomogra ia e eu soube que só tinha algunsminutos.Osmédicos que pairavam ao redor da cama não icaram felizes emme

verePankowskisemanteveaomeuladoenquantoeumeaproximavadacama.Elepareciafrágildeverdade,emespecialcomtodosaquelescortesnosbraçosenorostoe, claro,eumesentimalpor interrogá-lo tãopoucotempodepoisdoqueelehaviapassado.–Olá,Bobby.MeunomeéAce.Souinvestigador.Elenãomexeuummúsculo.OtelefonedePankowskisoltouumbipeeela

deuumpassoatrás.

–Estoumuitofelizemverquevocêestábem,Bobby–continuei.–Senãoforproblema,gostariadefazerumasperguntas.Seus olhos se abriram de repente e olharam direto nosmeus. Estavam

vazios.Eunemsoubeseeleaomenosmeescutava.–Ei,quebomverquevocêestáacordado.Elepareciaolhardiretoatravésdemim.Depois...escute,Elspeth,issovai

parecermuito sinistro,mas eles começaramamarejar, como se ele fossecair no choro, só que... meu Deus... isso é di ícil... eles não estavam seenchendodelágrimase,sim,desangue.Eu devo ter gritado, porque logo Pankowski estava do meu lado, me

segurando, e a equipe médica zumbindo em volta do menino feitomarimbondosnumpiquenique.–Oquehádeerradocomosolhosdele?–questionei.Pankowskime itoucomosetivesseacabadodebrotarumacabeçaextra

nomeupescoço.Voltei a encarar Bobby, mas seus olhos estavam límpidos, de um azul

vívido,semnenhumtraçodesangue.Nemumagota.

DosegundocapítulodeCuidandodeJess:minhavidacomumdosTrês,dePaulCraddock(escritoemcolaboraçãocomMandiSolomon).

Com frequência me perguntam: “Paul, por que você assumiu a guardaplenada Jess?A inalde contas, vocêéumatorbem-sucedido,umartista,umsolteirocomhorário irregular,você levamesmo jeitoparaserpai?”Aresposta mais simples é: logo depois de as gêmeas nascerem, Shelly eStephen pediram que eu fosse o guardião legal das meninas se algoacontecesse com eles. Haviam pensado muito sobre isso, em especialShelly.Todososamigosdelestinham ilhospequenos,entãonãopoderiamdartodaaatençãoqueelasmereciamea famíliadeShellynãoeraopção(por motivos que vou abordar mais tarde). Além disso, mesmo quandoeram bebezinhas, Shelly dizia que tinha certeza que as garotas meadoravam.“ÉsódissoquePollyeJessprecisam,Paul”,afirmavaela.“Amor.Evocêtemummontedeamorparadar.”Stephen e Shelly sabiam tudo sobremeupassado, claro. Eu havia saído

dos trilhos um bocado aos 20 e poucos anos, após uma séria frustraçãopro issional. Estava nametade da ilmagem do piloto deBedside Manner,considerado o próximo grande drama hospitalar na Inglaterra, quandosoube que iam cancelar o seriado. Eu tinha recebido o personagemprincipal, Dr. Malakai Bennett, um brilhante cirurgião com síndrome deAsperger, vício emmor ina e tendência à paranoia, e o cancelamentomeafetou demais. Fizera meses de pesquisa para o papel, mergulhara deverdadeneleeachoquepartedoproblemaeraqueeuhaviainternalizadodemais o médico. Como tantos artistas antes de mim, entreguei-me aoálcooleoutrassubstânciasparaembotarador.Essesfatores,combinadoscomoestressedeumfuturoincerto,provocaramumadepressãoagudaeoquepoderiaserchamadodeumasériedelevesilusõesparanoicas.Mas eu tinha enfrentado esses demônios particulares anos antes de as

meninasseremsequerumbrilhonoolhodoStephen,porissopossodizerhonestamente que eles me consideravam a melhor opção. Shelly insistiuque legalizássemos a situação, por isso fomos a um advogado. Claro,quando pedem para você fazer algo assim, você nunca acha que vai

acontecerdeverdade.Masestoupondoocarronafrentedosbois.Depois de ter saído daquela sala horrível para onde tínhamos sido

arrebanhados pelos ineptos funcionários da Go!Go!, passei a meia horaseguinte no bar do aeroporto só olhando para a TV enquanto a legendarolava na base da tela repetindo e repetindo a notícia terrível. E entãovieram as primeiras imagens da área onde achavam que o avião doStephen havia caído: uma tomada do oceano, cinzento e agitado, algunsdestroçosbalançandonasondas.Osbarcosderesgatepercorrendoaáguaem busca de sobreviventes pareciam brinquedos naquela paisagemsinistra e sem im. Lembro-me de ter pensado:Graças a Deus Stephen eShellyensinaramasmeninasanadarnoverãopassado. Ridículo,eusei.Atéomelhornadadordomundo teriadi iculdades ali.Mas, emmomentosdeemoçõesextremas,sãoincríveisascoisasàsquaisagenteseagarra.FoiMelquemeencontrou.ElapodefumarquarentaRothmanspordiae

comprarroupasbaratas,mas,comoseuparceiroGeoff,temumcoraçãodotamanhodoCanadá.Comoeudissenocapítuloanterior,nãosepodejulgarumlivropelacapa.–Vocênãopodeperderaesperança,querido.Oscarasnobarmantinhamdistância,masnão tiraramosolhosdemim

durante todo o tempo em que iquei lá.Minha aparência era terrível, eusuava e tremia e devo ter chorado em algum momento, porque minhasbochechasestavammolhadas.– O que vocês estão olhando? – rosnou Mel para eles, depois pegou

minhamãoemelevoudevoltaparaasaladeinformes.Umexércitodepsicólogos tinha chegado.Estavamdistribuindo chá com

gosto de água suja adoçada e isolando áreas com divisórias, paraaconselhamento.MelmefezsentarentreelaeGeoff,comosequisessemeproteger:meus apoiosde livro com trajesdemoletom.Ohomemdeuumtapinhanomeujoelho,dissealgocomo“Estamostodosjuntos,camarada”eme entregou um cigarro. Eu não fumava havia anos, mas aceitei,agradecido.Ninguémnosproibiudefumar.Kelvin, o cara dosdreadlocks, e Kylie, a ruiva bonita que estivera

segurando o balão (que agora não passava de um pedaço de borracha

enrugadonochão), juntaram-seanós.O fatodenóscinco termossidoosprimeiros a receber a notícia nos dava uma intimidade compartilhada eicamos juntos, fumando um cigarro atrás do outro e tentando nãoimplodir. Uma mulher nervosa – algum tipo de conselheira, apesar deparecer tensa demais para o papel – perguntou o nome dos nossosparentes que estavamno voo acidentado. Como todos os outros, tinha naponta da língua a frase “vamos colocá-los a par assim que tivermosnotícias”. Eu sabia, já então, que a última coisa que eles queriam era nosdar falsas esperanças, mas ainda assim a gentetem esperança. Não dáparaevitar.Agentecomeçaarezarparaqueoentequeridotenhaperdidoo voo, para que a gente tenha pegado o número ou a data de chegadaerrada, para que tudo seja só um sonho, algum pesadelomaluco. Eumeixei nomomento antes de ter ouvido sobre o acidente, olhando aquelesgarotos desmontando a árvore de Natal haviamuito esquecida (ummaupresságio dos grandes, apesar de eu não ser supersticioso), eme pegueidesejandoestardevoltaali,antesqueasensaçãoenjoativa,vazia,passasseamorardeveznomeucoração.Outro ataque de pânico começou a cutucar o meu peito com dedos

gelados.Mel eGeoff tentarammemanter falandoenquanto esperávamosser designados para um psicólogo, mas eu não conseguia enunciarnenhuma palavra, o que não era do meu feitio. Geoff me mostrou oprotetor de tela do seu smartphone, a foto de uma garota sorridente, decerca de 20 anos, acima do pesomas bonita ao seumodo.Disse que eraDanielle,afilhaquetinhamvindopegar.–Garota inteligente,passouporumperrengue,masvoltouaos trilhos–

comentouGeoff,tristonho.Danielle estivera em Tenerife numa pródiga viagem de comemoração

com amigas; só tinha decidido ir no último minuto, quando outraparticipantedesistiu.Issoéqueédestino.Àquela altura, eu estava com di iculdade para respirar, o suor frio

pingando pelas laterais do corpo. Sabia que, se não saísse daquela salaimediatamente,minhacabeçairiaexplodir.Melpercebeu.–Medêoseunúmero,querido–pediuela,apertandomeujoelhocoma

mãopesadade joiasdeouro. –Assimque soubermosmais alguma coisa,

avisamosavocê.Trocamos telefones (a princípio eu não conseguia lembrar omeu) e saí

correndo.Umdospsicólogostentoumeimpedir,masMelgritou:–Deixeelesair,seéoqueelequer!Éummistério comoconseguipagaro estacionamento e voltar aHoxton

sementrardebaixodeumcaminhãonaM23.Outrobrancocompleto.Maistardevique tinhaestacionadooAudidoStephencomas rodasda frenteno meio- io, como se fosse um veículo abandonado depois de umabandalha.Só voltei a mim ao entrar tropeçando no corredor do prédio, fazendo

voar a mesa que usamos para as correspondências. Um dos estudantespoloneses que moravam no apartamento térreo passou a cabeça pelaporta e perguntou se eu estava bem. Ele deve ter visto que não, porque,quandopergunteisetinhaalgumabebidaparamim,desapareceudurantealguns segundos, depois me entregou em silêncio uma garrafa de vodcabarata.Entrei correndonomeuapartamento, sabendomuitobemque estava a

pontodedesmoronar.Enãomeimportava.Nãomedeiotrabalhodepegarumcopo:tomeiavodcadiretonogargalo.

Não conseguia sentir o gosto. Estava tremendo, a pele pinicava, as mãoscoçavam.PegueioBlackberry,olheiminhalistadecontatos,masnãosabiaparaquemligar.Porque a primeira pessoa para quem eu ligava quando estava

encrencadoeraoStephen.Fiqueiandando.Entorneimaisálcool.Engasguei.DepoismesenteinosofáeligueiaTVdetelaplana.Aprogramaçãonormalforasuspensa,substituídaporrelatosconstantes

sobre os acidentes. Eu estava entorpecido, num porre razoável,mas deupara ver que o tráfego aéreo fora interrompido emais sabichões do queseria possível contar eram levados ao estúdio da emissora para serementrevistadosporKennethPorter.Hojeemdianemconsigoescutá-losemficarnauseado.O canal de notícias se concentrou no acidente da Go!Go!, já que era o

maispróximodopaís.Umcasalnumnaviodecruzeirotinhacaptadoumaimagemtrêmuladoaviãovoandoperigosamentebaixosobreooceanoeatelevisão a repetia sem parar. O momento do impacto não era visível,graças a Deus, mas ao fundo dava para escutar a voz de uma mulherberrando:“Ah,meuDeus,Larry!Larry!Olhaisso!”Aspessoaspodiamligarparaumdeterminadonúmeroseachassemque

seusparentesseencontravamnovooeeupenseivagamenteemdigitá-loantes de pensar: de que adianta? Quando o apresentador não estavainterrogandoautoridadesaeronáuticasouexibindomaisumarepetiçãodailmagem feita pelo casal, o canal voltava a atenção para os outrosacidentes. Assim que ouvi falar em Bobby, o menino encontrado nosEverglades da Flórida, e nos três sobreviventes do desastre no Japão,lembro-medeterpensado:issoépossível.Elespodemestarvivos.Enxugueiagarrafanumgolesó.Assistiaovídeodeummeninojaponêsnusendoiçadoparaohelicóptero

eaimagensdeumafricanotraumatizadogritandoporsuafamíliaàfrentedeumafumaçapretaetóxicaquesubiaparaocéu.Viaqueleinvestigadorde acidentes que se parece um pouco com o Capitão América insistindopara as pessoas não entrarem em pânico e um executivo de empresaaérea, claramente chocado, informar que os voos tinham sido canceladosatésegundaordem.Devo ter apagado. No momento em que acordei, o âncora era uma

morena magra usando uma blusa amarela horrenda (nunca vou meesquecer daquela blusa). Minha cabeça estava latejando e a náuseaameaçavamedominar, portanto, quando ela disse que umpassageiro daGo!Go!foraencontradovivo,aprincípioacheiqueminhamenteestavameenganando.Então eu soube. Era uma criança. Eles haviam encontrado uma criança

agarradaaumdestroço,amaisde3quilômetrosdeondeachavamqueoavião do Stephen caíra. A princípio não dava para ver grande coisa naimagem feita do helicóptero: um grupo de caras num barco de pescabalançandoosbraços,uma igurapequenanumcoletesalva-vidasamareloberrante.Tentei não sentirmuita esperança,mas houve um close quando ela foi

içadaparaohelicópteroeeutivecertezadequeeraumadasgêmeas.As

pessoasconhecemosseus.LigueiprimeiroparaMel.Nãopenseiduasvezes.–Deixecomigo,querido–assegurouela.Nãopareiparapensaremcomoeladeviaestarsesentindo.Aequipedecontatocomas famíliaspareceuchegaremsegundos,como

seestivessemesperandodooutroladodaporta.Opsicólogo,Peter–nuncagravei o sobrenome dele –, um homenzinho grisalho com óculos ecavanhaque, fez eu me sentar e me contou tudo. Alertou-me sobreesperançasexcessivas.–Precisamosnoscertificardequeéela,Paul.Eleperguntousepodiacontatarmeusamigoseminhafamília, “paraum

apoioamais”.PenseiemligarparaoGerry,masmudeide ideia.Stephen,Shelly e as meninaseram minha família. Eu tinha amigos,mas não eramrealmentedotipocomquevocêpodecontarnumacrise,sebemquemaistarde todos tentaramseaproximar, ansiosospor ter seusquinzeminutosdefama.Pareceamargo,eusei,masagentedescobrequemsãoosamigosdeverdadequandoavidadesmorona.Euqueriaviajar logopara icar comela,masPetermegarantiuqueela

seriatransportadaparaaInglaterraassimquesuasaúdeseestabilizasse.Eu havia me esquecido por completo de que todos os aviões na Europaestavam em terra. Por enquanto ela estava sendo avaliada num hospitalportuguês.Quando achou que eu estava su icientemente calmo para ouvir os

detalhes,elecontou,deformagentil,quepareciaterhavidoumincêndioabordoequeopilotoforaobrigadoafazerumpousodeemergência.EJess– ou Polly – tinha se ferido. Mas eles estavam mais preocupados com ahipotermia. Pegaram uma amostra da minha saliva para fazer teste deDNA e garantir que ela era de fato uma das gêmeas. Não há nada tãosurreal quanto ter o lado de dentro da bochecha esfregado com umcotonete gigante enquanto se espera para saber o destino dos entesqueridos.Após semanas, numa das nossas primeiras reuniões do 277Unido,Mel

mecontouque,aoouvirqueJessforaencontrada,elaeGeoffmantiveramaesperançadurantesemanas,mesmodepoisquecomeçaramaencontraroscorpos.DissequeimaginavaDaniellejogadanumailha,esperandopelo

resgate. Quando o tráfego aéreo voltou ao normal, a Go!Go! ofereceu umvoo especial para levar os parentes ao litoral português, omais próximoquepoderiamchegardo localdoacidente.Eunão fui–estava totalmenteocupado com Jess –, mas a maioria do pessoal do 277 Unido foi. AindaodeioaideiadeMeleGeoffolhandoaqueleoceano,sentindoumafagulhadeesperançadequesuafilhapudesseestarviva.Deve terhavidoalgumvazamentonaGo!Go!, jáqueo telefone tocouno

instante em que foi con irmado que uma das gêmeas havia sobrevivido.Não importavaseosrepórteressensacionalistas fossemdoTheSunoudoThe Independent, todos faziam as mesmas perguntas: “Como você sesente?”, “Acha que é um milagre?”. Para ser honesto, enfrentar aquelesquestionamentos incessantes afastava minha mente do sofrimento quevinha emondas, provocado pelas coisasmais inócuas: desde um anúnciode automóvel mostrando uma mãe e uma criança incrivelmente bem-arrumadas,atéaquelescomerciaisdepapelhigiênicocomcachorrinhosebebês de várias etnias. Quando eu não estava enfrentando as ligações,icava grudado no noticiário, como quase todo o resto do mundo. Elesdescartaramoterrorismologodeinício,mascadacanaltinhaummontedeanalistas especulando sobre as causas. E, comoMel e Geoff, acho que eunãoconseguiadeixarmorreraesperançadequeemalgumlugarStephenaindaestivessevivo.Dois dias depois, Jess foi transferida para um hospital particular em

Londres,ondepodiarecebercuidadosdeespecialistas.Suasqueimadurasnão eram sérias,mas a infecção era sempre uma ameaça e, apesar de aressonância não mostrar sinal de dano neurológico, ela ainda não haviaabertoosolhos.Osfuncionáriosdohospitalforamfantásticos,apoiandodeverdade,eme

levaramaumasalaparticularondepudeesperaratéqueosmédicosmeautorizassem a ver Jess. Ainda dominado por um sentimento deirrealidade, sentei-me num sofá e folheei uma revista de fofocas. Todomundo diz que não consegue entender como o mundo continua girandodepois que uma pessoa amadamorreu e é exatamente assim que eumesentia ao ver as imagens de celebridades fotografadas sem maquiagem.Cochilei.Fuiacordadoporumaagitaçãonocorredor,umhomemgritando:

–Comoassim,agentenãopodevê-la?Eumamulherguinchando:–Masagenteédafamília!Meu coração se retraiu. Eu soube de imediato quem eram: a mãe de

Shelly –Marilyn Adams – e seus dois ilhos, Jason (“podeme chamar deJase”) e Keith. Stephen tinha posto neles o apelido de “Família Addams”muito tempo atrás, por motivos óbvios. Shelly havia se esforçado aomáximo para cortar os laços com eles ao sair de casa, mas sentira-seobrigadaaconvidá-losparaocasamentocomStephen,aúltimavezqueeutivera o prazer de sua companhia. Stephen era bastante liberal, mascostumava dizer que era compulsório cada um dos Addams passar pelomenos três anos na prisão deWormwood Scrubs. Sei que vou parecer opiortipodeesnobe,maseleserammesmooestereótipodebandidinhos:afraude casual coma previdência, os cigarros ilegais que eles vendiamnamoita e o carro turbinado na entrada do prédio no conjunto residencial.JaseeKeith–vulgoTioChicoeGomez–tinhamatémesmodadoaos ilhos(umexércitodeles,geradosporumain inidadedemãesdiferentes)nomesdecelebridadesedosjogadoresdefutebolamericanomaisrecentes.AchoatéquehaviaumchamadoBrooklyn.Quandoosouviberrandonocorredor,volteidiretoaodiadocasamento

de Stephen e Shelly, que, graças à Família Addams, seria lembrado portodomundoportodososmotivoserrados.Stephenmepediraparaserseupadrinho e eu levei meu namorado na época, Prakesh, comoacompanhante.AmãedeShellyapareceuusandoumvestidotenebroso,depoliéster rosa, que lhe dava uma semelhança espantosa comMiss Piggy;Tio Chico e Gomez haviam trocado suas jaquetas de couro e as calças demoletomdesemprepor ternosmalcortados.Shelly trabalharaduroparaorganizar aquele casamento; na época ela e Stephen não tinham muitodinheiro, aconteceu antes de os dois se darem bem nas respectivascarreiras. Mas ela havia economizado e conseguira alugar uma pequenacasa de campo para a recepção. A princípio, cada um icou em seuterritório:afamíliadeShellynumlado;eu,PrakesheosamigosdeStepheneShellydooutro.Doismundosdiferentes.Mais tarde,Stephendissequegostariade ter fechadoobar.Depoisdos

discursos – o de Marilyn foi um desastre completo –, Prakesh e eu nos

levantamosparadançar.Atémelembrodamúsica:“CarelessWhisper”.– Ui, ui! – gritou um dos irmãos mais alto do que a música. – Olha as

bichinhas!–Veadões!–emendouooutro.Prakeshnãoeradelevardesaforoparacasa.Nemhouvediscussão.Num

minuto estávamos dançando, no outro ele dava um soco no Adamsmaispróximo. Chamaram a polícia, mas ninguém foi preso. Aquilo arruinou ocasamento, claro, e o nosso relacionamento: Prakesh e eu terminamospoucodepois.Era quase uma bênção que mamãe e papai não estivessem lá para

testemunhar.ElesmorreramnumacidentedecarroquandoStepheneeutínhamos20epoucosanos.Deixaramosu icienteparasobrevivermosnosanosseguintes,paravercomopapaieragenteboa.Mesmoassim,nomomentoemqueosAddamsforamtrazidosparaasala

deesperaporumaenfermeiraintimidada,umdosirmãos,achoqueeraoJase, teve a gentileza de parecer envergonhado ao me olhar, isso devoadmitir.–Semressentimentos,malandro–falouele.–Agenteprecisa icarjunto

numahoradessas,saca?–MinhaShelly–queixou-seMarilyn,soluçando.Elarepetiuváriasvezes

quesóhaviadescobertoquandoumtabloidevazoua listadepassageiros.–Eunemsabiaqueelesiamtirarférias!Quemtirafériasemjaneiro?Jason e Keith passaram o tempo mexendo nos celulares enquanto

Marilynseguiaemsua lenga-lenga;Shelly icariahorrorizadasesoubesseque eles faziam parte daquilo. Mas eu estava decidido, pela Jess, a nãopermitirumescândalo.–Voufumarumcigarro,mãe–avisouJase,eooutrosaiuatrásdele,me

deixandosozinhocomamatriarca.–Bom,oquevocêachadisso,Paul?–indagouela.–Coisaterrível.Minha

Shellysefoi.Murmurei algo sobre lamentar sua perda, mas eu tinha perdido meu

irmãogêmeo,meumelhoramigo,enãoestavaemcondiçõesdesentirumasolidariedadeverdadeira.–Nãoimportaqualsejaameninaquetenhamencontrado,elavaiterque

ir morar comigo e os rapazes – continuou Marilyn. – Ela pode dividir o

quartocomJordaneParis.–Umprofundosuspiro.–Anãoserqueagentesemudeparaacasadeles,claro.Agoranãoera ahorade informaraMarilyn sobre adecisãode guarda

tomadaporShelly,maseumepegueifalandobruscamente:–Oquefazvocêpensarquevaicuidardela?–Paraondeelairia?–Quetalparaaminhacasa?Aspapadasdelatremeramdeindignação.–Você?Masvocêé...vocêéumator.– Ela está pronta – anunciou a enfermeira, aparecendo à porta e

interrompendonossodeliciosotête-à-tête.–Podemvê-laagora.Massóporcincominutos.AtéMarilynfoisensataparaperceberquenãoerahoradeteressetipo

deconversa.Recebemos jalecos verdes e máscaras (jamais vou saber onde eles

encontrarampeças de tamanho su iciente para o corpanzil deMarilyn) edepois acompanhamos a enfermeira até um quarto decorado para separecercomumasuítedehotel,cheiodesofás loridoseumaTVdeúltimotipo,ea ilusãosóeraparcialmentedestruídapelo fatodeque Jessestavacercada por monitores cardíacos, tubos de soro e vários outrosequipamentosintimidantes.Seusolhosestavamfechadoseelamalpareciarespirar;bandagenscobriamamaiorpartedorosto.–ÉJessouPolly?–perguntouMarilyn,aninguémemparticular.Eusoubeimediatamente:–ÉJess.–Como, porr... Comovocêpode ter certeza?O rostodela está coberto –

gemeuMarilyn.Era o cabelo, veja bem. A franja de Jess estava com um pedaço mal

cortado. Logo antes de partirem de férias, Shelly havia apanhado Jesscortando-o, tentando copiar o estilomais recente deMissyK. Alémdisso,Jess tinha uma cicatriz minúscula logo acima da sobrancelha direita, dequandocaíracontraalareiranaépocaemqueaprendiaaandar.Ela parecia tão pequenininha, tão vulnerável, ali deitada... E nesse

momentojureifazertudooquepudesseparaprotegê-la.

AngelaDumiso,quenasceunoCaboOriental,moravanafaveladeKhayelitshacomairmãeafilhade2anosquandoovoo467daDaluAircaiu.Elaconcordouemfalarcomigoemabrilde2012.

Eu estava na lavanderia passando roupa quando ouvi falar. Dando duropara terminar a tempo de pegar meu táxi às quatro, por isso já estavaestressada–opatrãoémuitometiculosoequeriaque tudo,atéasmeias,fossem passadas a ferro. A madame entrou correndo na cozinha e, pelaexpressãodela,percebiquehaviaalgumproblema.Geralmenteelasófaziaaquela cara se um dos gatos trazia um roedor e ela precisasse de mimparalimpar.–Angela–chamouela.–AcabeideouvirnoCapeTalk,aconteceualguma

coisaemKhayelitsha.Nãoéláquevocêmora?Eu respondi que sim e perguntei o que era – presumi que fosse outro

incêndionumbarraco ouumproblemade greve. Ela disse que, pelo quepôde entender, um avião tinha caído. Corremos para a sala e ligamos atelevisão.Estavaemtodososnoticiárioseparamimeradi ícilentenderoque via. A maior parte das imagens só mostrava pessoas correndo egritando,fumaçapretasubindoemvoltadelas.Masentãoouviaspalavrasque gelaram meu coração. A repórter, uma moça branca com olhosapavorados, informou que uma igreja perto do Setor Cinco foracompletamentedestruídacomoimpactodaaeronavenochão.Acrechedaminhafilha,Susan,eranumaigrejanaquelaárea.Claro,meu primeiro pensamento foi contatar Busi,minha irmã,mas eu

estavasemcrédito.Amadamemedeixouusarocelulardela,masninguématendeu;caiudiretonacaixapostal.Eucomeçavaa icarenjoada,atémeiotonta.Busisempreatendeaotelefone.Sempre.–Madame,euprecisoir.Precisochegaremcasa.Estava torcendo para que Busi tivesse decidido pegar Susan na creche

maiscedo.Eraodiadefolgadelanafábricaeàsvezeselafaziaisso,paraas duas passarem a tarde juntas. Quando saí de casa às cinco daquelamanhã para pegar o táxi em direção ao subúrbio no norte, Busi aindadormia a sono solto ao lado de Susan. Tentei manter essa imagem na

mente: Busi e Susan em segurança. Foi nisso que me concentrei. Sócomeceiarezarmaistarde.Amadame (o nomedela é Sra. Clara van der Spuy,mas o patrão gosta

que eu a chamede “madame”, o que deixavaBusi furiosa) disse quemelevaria.Enquantoeupegavaminhabolsa,pudeescutarabrigadelacomopatrão

pelocelular.– Johannesnãoquerqueeu levevocê–comentouela.–Maselequese

dane.Eunãoficariacomaconsciênciatranquilasedeixassevocêpegarumtáxi.Ela não parou de falar o tempo todo, só fazendo pausas quando eu a

interrompia para indicar o caminho. Meu nível de estresse estava medeixando doente; podia sentir a torta do almoço virando uma pedra noestômago. Ao entrarmos na via expressa N2, pude ver a fumaça pretasubindo a distância. Depois de alguns quilômetros, senti o cheiro. Amadame dizia a todo momento “Tenho certeza que tudo vai estar bem,Angela.Khayelitshaéumlugargrande,nãoé?”.Elaligouorádio;olocutorestava falando de acidentes de avião que tinham acontecido em outroslugaresnomundo.–Terroristasdesgraçados–xingou.Conforme nos aproximávamos da saída da Baden Powell, o tráfego se

intensi icou. Estávamos cercadas de táxis buzinando, cheios de rostosamedrontados, gente como eu, desesperada para chegar em casa.Ambulâncias e caminhõesdebombeirospassavamestridentespornós.Amadamecomeçavaaparecernervosa;estavamuito longedesuazonadeconforto.Apolíciahaviamontadobarreiraspara tentar impedirquemaisveículosentrassemnaáreaeeusabiaqueteriademejuntaràmultidãoeirapéatéomeubairro.–Váparacasa,madame–falei,epudeveroalívionorostodela.Não a culpei. Aquilo era um inferno. O ar estava cheio de cinzas e a

fumaçajáfaziameusolhosarderem.Desci do carro e corri para a multidão que lutava para passar pela

barreira.Aspessoasemvoltademimgritavameeuberreijuntocomelas.–Intombiyan!Minhafilhaestálá!Ospoliciaisforamobrigadosanosdeixarpassarquandoumaambulância

veioatodavelocidade.Corri.Nuncacorritãodepressaemtodaavida,masnãosentiacansaço–

o medo me pressionava. Pessoas saíam da fumaça, algumas cobertas desangue, e sinto vergonha de dizer que não parei para ajudá-las. Fiqueiconcentrada em seguir adiante, se bemquede vez emquando era di ícilenxergar para onde estava indo. Às vezes isso era quase uma bênção, jáque via... via bandeirinhas incadas no chão e sacos plásticos azuiscobrindo formas... Eu sabiaqueerampedaçosde corpos.Havia incêndiosem toda parte e bombeiros com máscaras isolavam outras áreas. Aspessoaseram impedidasdeavançar.Maseuaindaestavamuito longedarua onde morava; precisava chegar mais perto. A fumaça queimava ospulmões, fazia os olhos lacrimejarem e, com frequência, havia um estaloquando algo explodia. Não conseguia me localizar e imaginei se teriaentradonumaáreadesconhecida.Procuravaotopodaigreja,maselanãoestava ali. O cheiro – igual ao de churrasco misturado com combustívelqueimando –me dava vontade de vomitar. Caí de joelhos. Sabia que nãoconseguiriachegarmaispertosequisessecontinuarrespirando.Foi um dos paramédicos que me encontrou. Ele parecia exausto, o

macacãoazulencharcadodesangue.–Minhafilha.Precisoacharminhafilha–foisóoqueconseguifalar.Não sei por que ele decidiu me ajudar. Havia muitas outras pessoas

precisandodeajuda.Elemelevouparasuaambulânciaeeumesenteinobancoda frente enquanto ele falavapelo rádio. Emminutos, chegouumakombidaCruzVermelhaeomotoristasinalizouparaeuentrar.Comoeu,as pessoas dentro estavam todas imundas, cobertas de cinzas, a maioriacom expressões profundamente traumatizadas. Uma mulher na traseiraolhava em silêncio pela janela, com uma criança adormecida no colo. Ovelhoaomeuladotremiaemsilêncio;riscasdelágrimasmanchavamsuasbochechassujas.–Molweni–sussurreiparaele–kusolunga.Estavadizendoquetudoiria icarbem,maseumesmanãoacreditava.Só

podia rezar, fazendo acordos com Deus, para que Susan e Busi fossempoupadas.Passamospela tenda cheia demortos. Tentei nãoolhar lá dentro. Podia

ver pessoas levantando os corpos – mais daquelas formas cobertas por

plásticoazul.ErezeimaisaindaparaqueelesnãocontivessemocorpodeBusiouSusan.Fomos levados ao salão comunitáriodaMewWay. Eudeveria assinar o

nomeaoentrar,maspasseiempurrandoospoliciaisecorriparaaporta.Mesmode fora eu podia ouvir o somde choro. Lá dentro era o caos. O

centro estava cheio de pessoas amontoadas em grupos, cobertas defuligemebandagens.Algumaschoravam,outraspareciamprofundamentechocadas, com o olhar vidrado, como as pessoas na kombi. Adentrei amultidão.ComoiriaencontrarBusieSusannaquelaconfusão?ViNoliswa,uma vizinha que às vezes cuidava de Susan. Seu rosto estava coberto desangue e sujeira preta. Ela se balançava para trás e para a frente e,quando tentei perguntar sobre Busi e Susan, ela simplesmenteme olhoucomosenada itasse;a luzhavia sumidode seusolhos.Mais tardesoubequedoisnetosdelaestavamnacrechenomomentodaquedadoavião.Eentãoescuteiumavoz:–Angie?Gireidevagar.EviBusicomSusannocolo.–Niphilile!Vocêsestãovivas!–griteidiversasvezes.Nósnosabraçamosporumlongotempo,Susanseretorcendo,poiseua

apertavacomforçademais.Eunãohaviaperdidoaesperança,masoalíviopor elas estarembem... nunca vou sentir nada tão forte de novo na vida.Quando nós duas paramos de chorar, Busi me contou o que acontecera.Disseque tinhapegadoSusannacrechecedoe, emvezde irdiretoparacasa,decidirapassarnoarmazémparacompraraçúcar.Falouqueo somdo impacto fora incrível; a princípio acharam que fosse uma bomba. Elaagarrara Susan e correra omais depressa que pôde para longe daquelebarulhoedasexplosões.Setivessemidoparacasa,estariammortas.Porque nossa casa não existia mais. Tudo que possuíamos fora

incinerado.Esperamosno salão até sermos transferidasparaumabrigo.Algunsde

nós izemos divisórias, pendurando lençóis e cobertores no teto,improvisando quartos. Um número muito grande de pessoas perdera ascasas,maserapelascriançasqueeumaissentia.Asqueperderamospaisou avós. Eram tantas e muitasamagweja [refugiadas] que já haviamsofrido durante os ataques xenófobos quatro anos antes. Já tinham visto

demais.Um menino continua na minha mente. Naquela primeira noite não

consegui dormir. A adrenalina ainda não saíra do corpo e acho que euaindaestavasoboefeitodoquevira.Levantei-meparaesticaraspernasesenti alguémmeolhando.Num cobertor perto deBusi, Susan e eu, haviaummenino sentado. Eumal o notara antes – estava concentrada demaisem cuidar de Susan e entrando nas ilas para comida e água.Mesmo noescurodavaparaveradoreasolidãobrilhandonosolhosdele.Ogarotoestava sozinho; não pude ver nenhum sinal de pai ou avô. Perguntei-mepor que o serviço social não o levara para a área de criançasdesacompanhadas.Indagueiondeestavasuamãe.Elenãoreagiu.Sentei-mepertoepeguei-o

nocolo.Eleseencostouemmim,seucorpoparecendoumpesomorto,semserabaladoporchorosousoluços.Acheiqueelehaviaadormecido,deitei-oevolteidemansinhoparaomeucobertor.Nodia seguinteouvimosdizerque seríamos transferidosparaumhotel

que estava doando os quartos para quemperdera a casa.Olhei em voltaprocurandoomenino,pensandoqueelepoderiaircomagente,masnãooencontrei em lugar algum. Ficamos duas semanas no hotel e, quandominha irmã recebeu oferta de emprego numa padaria grande perto deMasiphumele,fuitrabalharcomela.Denovotivesorte:émuitomelhordoqueserempregadadoméstica.Apadaria temcrecheeposso levarSusancomigotododiademanhã.Maistarde,quandotodosaquelesamericanosvieramparaaÁfricadoSul

procurar a tal “quarta criança”, um investigador – um xosa, não um doscaçadoresderecompensaestrangeiros–encontrounósduaseperguntouse tínhamos visto uma criança especí ica naquele salão para onde fomoslevadas. Fez a descrição domenino que eu tinha visto na primeira noite,mas eu não contei nada ao homem. Não sei bem por quê. Acho que, nofundo,sabiaqueseriamelhorparaelenãoserencontrado.Davaparaverque o investigador descon iava que eu escondia alguma coisa, mascontinueiescutandoavozdentrodemim,dizendoparaeuficarquieta.E...talvezelenemfosseomeninoqueestavamprocurando.Haviamuitas

intandane[criançasórfãs]eomeninonãomefalouseunome.

OsoldadodeprimeiraclasseSamuel“Sammy”Hockemeier,daIIIForçaExpedicionáriadosFuzileiros(FEF),baseadaemCampCourtney,nailhadeOkinawa,concordouemfalarcomigopeloSkypeapósretornaraosEstadosUnidosemjunhode2012.

Conheci Jakequandonósdois fomos transferidosparaOkinawaem2011.Sou de Fairfax, Virginia, e por acaso ele cresceu em Annandale, entãoicamos amigos imediatamente. Descobrimos que, no ensino médio, euhavia jogado futebol americano contrao irmãodele algumasvezes.Antesde entrarmos naquela loresta, ele era só um cara comum, nada deespecial,maisquietodoqueamaioria,tinhaumsensodehumorquevocêpoderia não perceber de cara se não estivesse prestando atenção. Erameiopequeno, tinhanomáximo1,75metro;as fotosqueestãoespalhadaspor toda a internet o fazem parecermaior do que era.Maior e pior. Nósdois começamos a curtir jogos de computador quando estávamos lá, osjogossãopopularesnabase,eficamosviciados.Éopiorqueeupossodizersobreele–querodizer,atéelepirardevez.NósdoisnosinscrevemosnoCorpodeAjudaHumanitáriadaIIIFEFe,no

início de janeiro, ouvimos dizer que nosso batalhão seria enviado para oAcampamento Fuji para treinamento: uma reconstituição de desastrecompleta. Jake e eu icamos bem animados ao saber. Dois fuzileirosantiterroristas contra quem tínhamos jogado num campeonato haviamacabado de voltar de lá. Disseram que Katemba, uma das cidadespróximas, era um lugar maneiro para curtir; tinha um bar onde erapossívelbeberecomertudoquevocêquisessepor3milienes.Alémdisso,esperávamosumachancede iraTóquioconhecera cultura.NãodáparavermuitacoisaemOkinawa,jáque icaa700quilômetrosdailhaprincipaldo Japão. A vista de Courtney é incrível, dá direto para o oceano, mas agente ica enjoado de olhar aquilo dia sim, dia não, e um monte demoradoresdailhanãotemumaboaopiniãosobreosfuzileiros.Partedissoé por causa do acidente com aquele fuzileiro, Girard, que sem quereratirounumamoradoraquecatavapedaçosdemetalnaáreadetiro,eporcausa daquele estupro grupal nos anos 1990. Eu não diria que osmoradores da região são abertamente hostis, mas a gente percebia que

muitosnãoqueriamosmilitaresali.OAcampamentoFujiemsiélegal.Pequeno,masaáreadetreinamentoé

bacana. Mas estava um frio dos diabos quando chegamos. Muita névoa,chuva direto; tivemos sorte porque não nevou. Nosso comandanteanunciou que passaríamos os primeiros dias preparando equipamentospara a distribuição das tropas na Área de Manobra Fuji Norte, masmalhavíamos nos acomodado nos alojamentos quando as notícias sobre aQuinta-feiraNegracomeçaramachegar.AprimeiraqueouvimosfoisobreoacidentenaFlórida.Unsdoiscaraseramdeláeasfamíliasenamoradasmandarame-mailscomasúltimasnovidades.Depoisquesoubemossobreos aviões na Inglaterra e na África, você deveria ouvir os boatos quecorriam. Um monte de gente nossa achou que eram terroristas, outrarepresáliamaluca,talvez,eestávamosconvencidosdequenosmandariamimediatamentedevoltaparaOkinawa.Émeio irônico, considerandoondeestávamos,masaúltimacoisadeque icamossabendofoisobreodesastredaSunAir–nenhumdenóspôdeacreditarquetinhaacontecidotãopertodanossabase.Comotodomundo, Jakeeeu icamosgrudadosna internetnaquela noite. Foi assim que soubemos dos tais sobreviventes, dacomissáriadebordoedogaroto.Duranteumtempoaconexão icouruim,mas conseguimos baixar um vídeo do YouTube que mostrava o garotosendoiçadoparaumhelicóptero.Ficamosarrasadosquandodescobrimosqueumdossobreviventesmorreraacaminhodohospital.Agoraéloucurapensar nisso, mas me lembro do Jake dizendo “Merda, espero que nãotenhasidoaquelegaroto”.Issovaisoarmal,massaberquetambémhaviaumaamericanaabordoequeelanãosobreviverafaziaoacidentedaSunAirparecermaisrealparaagente.Ofatodeumdosnossostermorrido.Namanhãdesexta-feira,meucomandantefalouqueelesprecisavamde

voluntáriosdaAjudaHumanitáriapara isolara regiãoe limparumaáreade pouso para os helicópteros de busca e salvamento, de modo quepudessem chegar mais perto do local. Na reunião, ele nos informou quecentenas de parentes abalados tinham seguido para o local e estavaminterferindonaoperação.Amídiatambémtransformavaacoisatodanumasuruba; alguns repórteres até haviam se perdido ou se machucado naloresta e precisavam ser resgatados. Fiquei surpreso ao saber que osjaponesesqueriamquenósnosenvolvêssemos.Claro,osEstadosUnidose

o Japão têmum acordo,mas osmoradores fazemquestão de resolver ascoisas do modo deles; acho que é uma questão de orgulho. Mas ocomandante explicou que eles tinham sido criticados por pisar na boladepoisdaquele acidente como trem-balano imdos anos1990, poisnãoconseguiramagircomvelocidadesu iciente,esperaramasengrenagensdaburocracia girarem, só agiamquandoumsuperiormandava, esse tipodecoisa. Isso custou vidas. Eume ofereci de imediato e o Jake fez omesmo.Avisaramque iríamos trabalhar comumpunhado de caras do campo daForça deDefesa Terrestre do Japão, ali perto, e Yoji, um soldado da FDTdesignado para ser nosso tradutor, começou a contar sobre a lorestaenquanto estávamos a caminho. Falou que o lugar tinha reputaçãomuitoruim por causa do número de pessoas que sematavam ali, que houveratantos suicídios que os policiais tinham sido obrigados a colocar câmerasnas árvores e que o lugar era cheio de corpos não identi icados queestavamláhaviaanos.Relatouqueosmoradoresdaregião icavamlongeporque acreditavam que a loresta era assombrada pelos espíritos dosmortos raivosos ou alguma merda assim, almas que não conseguiamdescansarousei láoquê.Nãoseimuitosobreaespiritualidade japonesa,só que eles acreditam que as almas dos animais estão em praticamentetudo, desde pessoas até cadeiras ou o que quer que seja, mas aquilopareceusinistrodemaispara seralgoalémdepapo furado.Amaioriadenóscomeçouafazerpiadas,masJakeficouemsilêncio.Devo dizer que os caras da Busca e Salvamento [BES] e da FDT não

tinham feito um serviço ruim isolando a área, considerando o queprecisavamenfrentar,masestavamemnúmeropequenodemais.De jeitonenhumpoderiamcontrolaronúmerodepessoasqueseamontoavamdolado de fora das tendas do necrotério provisório. Após a reunião inicial,Jake,eueunscarasdonossoesquadrãoedaFDTfomosmandadosàáreaprincipal do acidente e o resto da divisão icou para vigiar as tendas,ajudaratransportarsuprimentosefazerlatrinastemporárias.Nosso comandantenos informouqueos carasdaBESedaFDThaviam

mapeadooslugaresondeamaioriadoscorposcaíranahoradoimpactoeagoraoslevavamparaastendas.SeiquevocêtemmaisinteressenoJake,mas vou lhe dar uma ideia de como era a coisa. Quando eu estava naescola, nós estudamos uma música antiga, “Strange Fruit”. Era sobre os

linchamentosqueaconteceramcontraosnegrosnosuldosEstadosUnidos.Como os corpos pendurados nas árvores pareciam estranhas frutas. Foiisso que a gente viu. Era o que algumas daquelas árvores esquisitasseguravam, mais perto de onde o avião desabara. Só que a maioria doscorpos não estava inteira. Alguns caras vomitaram, mas Jake e euaguentamosfirme.Talvez pior do que isso fossem os civis que cambaleavam por ali,

chamando os pais, parentes ou outras pessoas queridas. A maioriatrouxera oferendas, como comida ou lores. Mais tarde, Yoji, que foidesignado para ajudar a arrebanhá-los para fora dali, me contou queencontrou um casal tão convencido de que o ilho ainda estava vivo quetinhamlevadoumamudaderoupa.Jakeeeufomosenviadosparaajudaracortarárvoresparaoheliponto.

Apesar de ser um trabalho di ícil, era longe dos destroços e afastava amente do que tínhamos visto. Os caras da ANST só chegaram no diaseguinte,masatéláascoisasestavambemmaisorganizadas.Nossocomandanteavisouquepermaneceríamosnolocalnaquelanoitee

queiríamosdormirnumabarracadaFDT.Nenhumdenós icousatisfeito.Todos os soldados se sentiammal por passar a noite naquela loresta. Enão apenas pelo que tínhamos visto naquele dia. Até falávamos emsussurros; não parecia certo levantar a voz. Poucos caras tentaram fazerpiadas,masnenhumaeraengraçada.Porvoltadastrêshoras,fuiacordadoporumgrito.Pareciavirdoladode

foradabarraca.Algunsdenóspulamosesaímoscorrendo.Merda,minhaadrenalina estava a toda.Não conseguia vermuita coisa: a névoa tomavacontadetudo.Umdoscaras–achoquefoioJohnny,umnegrodeAtlanta,bomsujeito–

pegoualanternaegirouofacho.Ofachonãoera irme,porqueamãodeletremia. A luz se focou numa forma a poucosmetros de onde estávamos:erauma iguradecostas,ajoelhada.ElasevirouparaolhareeuviqueeraoJake.Perguntei a ele que porra estava acontecendo. Ele pareceu atordoado,

balançouacabeça.–Euvi–respondeu.–Euvi.Aspessoassempés.Levei-odevolta àbarracae ele caiuno sono imediatamente.Namanhã

seguinte,serecusouafalarsobreoquetinhaocorrido.Não contei ao Jakey, mas, quando falei com o Yoji sobre isso, ele

comentou:“Osfantasmasjaponesesnãotêmpés.”Edisseque,noJapão,ahoraqueseconsideravaassombrada–a ushi-mitsu;de jeitonenhumvouesquecer essa palavra – era três damadrugada.Devo admitir que iqueiassustadodenovoaoouviramensagemdePamelaMayDonald.Ascoisasque ela disse... bem, eram muito parecidas com o que o Jake relatounaquela noite. Presumi que ele fora in luenciado pelo que Yoji tinhacontadoàgente.Os outros caras icaram pegando no pé do Jake por causa daquilo

durantesemanas,claro.ContinuaramatédepoisdeagentevoltaraCampCourtney.Vocêsabecomoé: “Viualgumapessoamortahoje, Jakey?” Jakeengolia tudo em silêncio. Acho que foi nessa época que ele começou atrocar e-mails como tal pastor noTexas. Antes disso, ele nunca se ligaraem religião. Nunca tinha ouvido Jake falar em Deus ou Jesus. Acho quedeveterprocuradonainternetsobrea lorestaeosacidenteseencontrouositedopastor.Jake não acompanhou o resto da unidade quando fomos enviados para

ajudar no resgate após a enchente nas Filipinas: icou doente, doente deverdade. Dores de barriga, suspeita de apendicite. Claro que agoraacreditamqueeleestava ingindo.Aindanãosabemcomoelesaiudailha.Acham que subornou um barco de pesca ou baleeiro, algo assim, talvezuma daquelas tripulações taiwanesas que tra icam ilhotes de enguia oumetanfetaminanaárea.Eu daria qualquer coisa para voltar no tempo,moça. Impedir o Jake de

entrarnaquela loresta.Seiquenãopoderiaterfeitonada,mas,poralgummotivo,atéagoramesintoresponsávelpeloqueelefezcomaquelegarotojaponês.

ChiyokoKamamoto,de18anos,primadoúnicopassageirosobreviventedovoo678daSunAir,HiroYanagida,conheceuRyuTakaminofórumdeumpopularRPGon-line.Amaioriadosjogadoreséotaku(gíriaparanerdsouobsessivos),adolescentesoucomnomáximo20epoucosanos.Comoéumadaspoucasparticipantesdosexofeminino,Chiyokoficouextremamentefamosa.ÉummistérioomotivoporqueChiyokoescolheucomocolegadebate-papoRyu,umsujeito

reclusoedebaixaautoestima,aindaqueissotenhasidomotivodeespeculaçõesintermináveis.Atéosacontecimentososatropelarem,osdoistrocavammensagenstodososdias,àsvezesdurantehoras.AsmensagensforamrecuperadasdocomputadoredosmartphonedeChiyokodepoisdeseudesaparecimentoeacabaramvazandonainternet.Chiyokoserefereàsuamãe,comquemtinhaumrelacionamentogélido,comoCriaturaMãeou

CM.TioAndroideouTAindicaKenjiYanagida,otiodeChiyokoeumdosmaiscélebresespecialistasemrobóticadoJapão.Ooriginaleraescritopredominantementeem“grafiadechat”,masparafacilitaraleituraea

coerência,comaexceçãodousodelinguagemcoloquialedosemoji(emoticons)porpartedeRyu,elefoimodificado.Ostermoscomasteriscosãoexplicadosnoglossárioaofimdaconversa.(TraduçãodeEricKushan)

Conversainiciadaem14/01/2012,às15h30

CHIYOKO:Ryu,vctáaí?

RYU: Ondevocêandou?

CHIYOKO:Nemmefale...ACriaturaMãe“precisou”demimdenovo.Vocêsoube?Acomissáriadebordo.Morreunohospitalháumahora.IssoquerdizerqueHiroéoúnicosobrevivente.

RYU:Todomundotáfalandodissono2-chan.Muitotriste.ComotáoHiro?

CHIYOKO:Bem,acho.Deslocouumaclavícula,arranhões...Sósoubedisso.

RYU:Muitosortudo.

CHIYOKO:ÉoqueaCriaturaMãevivedizendo:“milagre”.ElafezumaltartemporáriopratiaHiromi.Nãoseiondeconseguiuafotodela.CMnuncagostoudaminhatia,masagorapareceoutrapessoa.“Umapena,elaeratãobonita,tãoserena,umamãetãoboa...”Tudomentira.Elasemprefalavaquetitiaerametidaabesta.

RYU:VocêdescobriuoqueelestavamfazendoemTóquio?SuatiaeoHiro?

CHIYOKO:Sei.CMdissequetiaHiromieoHiroforamvisitarumavelhaamigadeescola.DápraverqueCMtáputaporquetitianãoveiovisitaragentequandoesteveaqui,masnãodizissoemvozalta,nãoseriarespeitoso.

RYU:Algumrepórtertentoufalarcomvocê?Aquelevídeodelestentandoescalarasparedesdohospitalpratirarfotosdossobreviventesfoimuitolouco...Ouviufalardoquecaiudotelhado?TemumvídeonoNiconico.Quepanaca!

CHIYOKO:Aindanão.Masdescobriramondemeupaitrabalha.Nemcomamortedairmãeletiraumdiadefolgadotrabalho.Eleserecusouafalarcomeles.MasénoTioAndroidequeestãomesmointeressados,claro.

RYU:AindanãoacreditoquevocêéparentedoKenjiYanagida!Ouquenãomecontouissoquandoagenteseconheceu.Euteriafaladopratodomundo!

CHIYOKO:Ecomoeuiriafalarisso?“Ei,eusouChiyokoe,olhaquecoisa,souparentedoHomemAndroide.”Iaparecerquetavatentandoteimpressionar.

RYU:Vocêmeimpressionar?Deveriaserocontrário.

CHIYOKO:Nãovaicomeçardenovoasefazerdevítima,vai?

RYU:Nãosepreocupe,vocêmecuroudessevício.Eaí...comoeleédeverdade?Precisodedetalhes.

CHIYOKO:Jácontei.Nãoconheçoeledeverdade.Aúltimavezqueviocarafoiquandoele,HiroetiaHiromivieramproano-novo,doisanosatrás,logodepoisdeagentevoltardosEstadosUnidos,maselesnãoficaramesótrocamosumastrêspalavras.Titiaerabonitamesmo,sóquemeiodistante.MasgosteidoHiro,umgarotofofo.CMdizqueoTioAndroidedeveficarcomagenteenquantooHiroestivernohospital.Achoqueelanãotáfelizcomessaideia.OuvielafalarpropapaiqueoTioAndroideétãofrioquantoorobôdele.

RYU:Verdade?Maseleparecetãoengraçadoemaneironaqueledocumentário!

CHIYOKO:Qual?Temmilhões.

RYU:Nãolembro.Querqueeuvejapravocê?

CHIYOKO:Nãoprecisa.Masnafrentedacâmeraaspessoaspodemsermuitodiferentesdoquesãodeverdade.Achoqueéumnegóciogenético.

RYU:Oquê,aparecernafrentedascâmeras?

CHIYOKO:Não!Serfrio.Tipoeu.Eunãosounormal.Soufria.Tenhouma

lascadegelonocoração.

RYU:Chiyoko,aprincesadegelo.

CHIYOKO:Chiyoko,ayuki-onna.*

CHIYOKO:Entãodescobrimosquetenhoumproblemagenético,souumaprincesadegelo,esópossosercuradacom...oquê?

RYU:Fama?Dinheiro?

CHIYOKO:Éporissoqueeugostodevocê,Ryu,sempretemarespostacerta.Acheiquevocêfossedizeramoreaíeuiriavomitar.

RYU:o(__)oOquetemdeerradonoamor?

CHIYOKO:Elenãoexisteforadosfilmesamericanosdequintacategoria.

RYU:Vocênãoécompletamentefria.Seiquenãoé.

CHIYOKO:Entãoporquenãomeimportomais?Escuta,vouprovar.QuantaspessoasmorreramnoacidentedaSunAir?

RYU:525.Não,526.

CHIYOKO:526.É.Inclusiveaminhaprópriatia.Massósintoalívio.

RYU:??(•_•)

CHIYOKO:Certo...Deixaeuexplicar.Desdeoacidente,desdequeelaficousabendosobretiaHiromieHiro,CMnãopegounomeupénenhumavezpravoltarprocursopreparatório.Éumacoisaruimdepensar?Queporcausadatragédiaeutenhoumpoucodepaznaminhavidapessoal?

RYU:Ei,vocêtemumavidapessoal.Issojáéalgumacoisa.Olhapramim.

CHIYOKO:Ha!Eusabiaqueerabomdemaispradurar.Tudobem,vocêpodesermeuhikikomori.*Gostodeimaginarvocêtrancadonoseuquartinho,ascortinasimpedindoaluzdeentrar,fumandoumcigarroatrásdooutroetrocandomensagenscomigoquandosecansadejogarRagnarök.

RYU:Nãosouhikikomori.EnãojogoRagnarök.

CHIYOKO:Agentenãodissequesempreseriahonestoumcomooutro?Eutefaleioqueeuera.

RYU:Équenãogostodessapalavra.

CHIYOKO:Vaificaremburradoagora?

RYU:_|7O

CHIYOKO:ORZ*????Nããão!Háquantotempovocêtavaguardandoesseaí?Vocêtemmesmo22anosenão38ouseiláoquê?EquandovaicrescereparardeficarbotandotodaessamerdaemASCII*?

RYU:<(__)>Vamosmudardeassunto.Ei...quandovocêvaimecontar

sobreavidanosEstadosUnidos?

CHIYOKO:Denovo,não.Porquevocêquertantosaber?

RYU:Sótôinteressado.Vocêsentesaudade?

CHIYOKO:Não.Nãoimportaondeagenteviva,omundoéumadroga.Outroassunto,porfavor.

RYU:Ceeeeerto...OsfórunscontinuamfalandosemparardomotivoproaviãotercaídoemJukai.Hátodaumateoriadequeocomandantederrubouoaviãodepropósito.Ocomandantesuicida.

CHIYOKO:Eusei.Issoénotíciavelha,táemtodaparte.Oquevocêacha?

RYU:Nãosei.Algumascoisasqueelesdizempodemserverdade.AflorestatemmesmoumahistóriaeficaaquilômetrosdarotadeOsaka.Porquecairlá?

CHIYOKO:Talvezelenãoquisessedescernumaáreapovoada.Talvezestivessetentandosalvarmaisvidas.Sintopenadamulherdele.

RYU:Vocêsentepena?Acheiquevocêeraaprincesadegelo.

CHIYOKO:Mesmoassimpossosentirpenadela.Dequalquermodo,aqueleporta-vozdaSunAirdissequeocomandanteeraumdosmelhoresemaisconfiáveis,quenuncafariaumacoisaassim.Alémdisso,elesfalaramqueelenãotinhaproblemasfinanceiros,nãoprecisavadoseguro,eafichamédicamostrouqueasaúdedeletavaboa.

RYU:Elespodiamestarmentindo.E,dequalquerforma,talvezeleestivessepossuído.Talveztenhasidoobrigadoafazeraquilo.

CHIYOKO:Ha!Derrubadoporfantasmasfamintos.

RYU:Masvocêprecisaadmitir...Porquetantosaviõesnomesmodia?Temquehaverummotivo.

CHIYOKO:Tipooquê?Nãodiga,ésinaldequeofimdomundotáchegando?

RYU:Porquenão?Estamosem2012.

CHIYOKO:Vocêpassoutempodemaisnessessitesdeconspiração,Ryu.Eaessaalturajásaberíamossefosseterrorismo.

RYU:SeráqueaChiyokodeverdadepodevoltar,porfavor?Évocêquevivedizendoqueogovernoeamídiamanipulamementem.

CHIYOKO:Nãosignificaqueprecisoacreditarnumateoriadeconspiraçãofajuta.Avidanãoéassim.Échata.Ospolíticosmentem,claroquementem.Dequeoutramaneiraagenteiriaserosbonssoldadinhosdelesenãosairdalinha?

RYU:Vocêachamesmoqueelescontariamaverdadesetivessemsidoterroristas?

CHIYOKO:Euacabeidedizerqueelesmentem.Masalgunssegredossãograndesdemaisatémesmopraelesesconderem.TalveznosEstados

Unidos,masnãoaqui.Ahistóriadodisfarceteriadepassarporoitoníveisdeburocraciapraseraprovada.Aspessoassãotãootárias!Seráquenãotêmcoisamelhorprafazerdoqueconversarodiainteirosobreteoriasdeconspiração?Falarmaldeummortoqueprovavelmentetavatentandosalvaromaiornúmerodepessoaspossível?

RYU:Ei...agoratôficandopreocupadodeverdade.Seráqueaprincesadegelotáderretendo?Issoésinaldequeelarealmenteseimporta,nofimdascontas?

CHIYOKO:Eunãomeimporto.Eu...Tá,eumeioquemeimporto.Masissomedeixalouca.OspiradosnossitesdeteoriasdeconspiraçãosãotãoinúteisquantoasgarotasqueficamodiainteironessaredesocialdoMixi.Dápraimaginaroqueaconteceriaseelesgastassemamesmaenergiafalandodecoisasqueimportamdeverdade?

RYU:Tipooquê?

CHIYOKO:Mudarosistema.Acabarcomonepotismo.Impedirqueaspessoasviremescravas,morram,soframbullying...Essascoisas.

RYU:Chiyoko,aprincesadegelorevolucionária.

CHIYOKO:Tôfalandosério.Váàescola,façaocursopreparatório,estudemuito,orgulheosseuspais,entrepraKeio,trabalhetododiadurantedezoitohorasseguidas,nãosaiadalinha,nãoreclame,nãosejainconformista.Sãonãosdemais.

RYU:Vocêsabequeeuconcordocomvocê,Chiyoko.Olhapramim...Masoquepodemosfazer?

CHIYOKO:Nada.Nãopodemosfazernada.Sóengolirsapo,saltarforaoumorrer.PobreHiro...Eletemmuitacoisapelafrente.

RYU:(__)..........o

GLOSSÁRIO

ASCII:Termoparaindicardesenhoscomcaracteres(comoofeitoporRyu).Foipopularizadoemfórunscomoo2-channel.

Hikikomori: Alguém que é socialmente isolado a ponto de sair do quartoapenasemrarasocasiões(oununca).Estima-sequenoJapãohajaquaseummilhãodeadolescentesoujovensadultosdessetipo.

ORZ: Um popularemoji denotando frustração ou desespero. As letraslembramuma igura batendo a cabeça no chão (oO é a cabeça; o R, otronco;oZ,aspernas).

Yuki-onna: “Mulher de neve”. No folclore japonês, uma yuki-onna é oespíritodeumamulherquemorreunumatempestadedeneve.

AcontrovertidacolunistasocialinglesaPaulineRogers,conhecidaporseuestilodejornalismoconfessional,foiaprimeiraacunharaexpressão“OsTrês”parasereferiràscriançasquesobreviveramaosacidentesnaQuinta-FeiraNegra.EsteartigofoipublicadonoTheDailyMailem15dejaneirode2012.

Jáse foramtrêsdiasdesdeaQuinta-FeiraNegraeestousentadanomeuescritórioparticular recém-montado, olhandoa telado computadornumaincredulidadeabsoluta.Ao contrário do que você pode pensar, não porque ainda estou pasma

com a coincidência horrenda que resultou em quatro aviões depassageiroscaindonomesmodia.Sebemqueestou.Quemnãoestá?Não.Estouexaminandoalistaespantosadesitessobreconspirações,todoscomuma teoria diferente – uma mais bizarra do que a outra – sobre o quecausou a tragédia. Uma simples consulta de cinco minutos ao Googlerevelará várias páginas dedicadas à crença de que Toshinori Seto, ocomandante corajoso e altruísta que optou por descer com o voo 678 daSun Air numa área despovoada para não causar mais vítimas, estavapossuído por espíritos suicidas. Outro insiste que todos os quatro aviõesforam alvos de ETs malévolos. Investigadores de acidentes observaramque qualquer atividade terrorista pode ser descartada sem sombra dedúvida, emespecialno casodoacidentedaDaluAirnaÁfrica,porqueosrelatos dos controladores de tráfego aéreo con irmam que o desastre sedeveuaumerrodopiloto.Masexistemsitesanti-islâmicossendocriadosacada minuto. E os fanáticos religiosos – é um sinal de Deus! – estãoalcançando-osrapidamente.Umacontecimentodessamagnitudetemtudoparacentralizaraatenção

domundo,masporqueaspessoaslogopensamnopiorouperdemtempoacreditandoemteoriasbizarrasetortuosas?Claro,aschancesdetudoissoacontecersãoin initesimais,mas,qualé!Seráqueestamostãoentediadosassim?Seráque,nofundo,todosnãopassamosdeprovocadores?De longe, os boatos e as teorias mais venenosas são os que circulam

sobreastrêscriançassobreviventes,BobbySmall,HiroYanagidaeJessicaCraddock,que,emnomedabrevidade,vouchamarde“OsTrês”.Eculpoa

mídiaporgarantirqueacobiçadaspessoaspor informaçõessobreessaspobrescriaturinhassejaalimentadahoraahora.NoJapãoestãoescalandoparedes para conseguir fotos do pobre garoto que, não esqueçamos,perdeu a mãe no acidente. Outros correram para o local da queda,atrapalhandoasoperaçõesderesgate.NaInglaterraenosEstadosUnidos,Jessica e Bobby estão recebendo mais espaço nas primeiras páginas doqueaúltimagafedafamíliareal.Mais do que a maioria das pessoas, sei como essa atenção e as

especulações implacáveis podem ser estressantes.Quandome separei domeu segundo marido e optei por escrever sobre os detalhes íntimos denosso divórcio nesta coluna, fui parar no centro de uma tempestademidiática.Duranteduassemanas,malconseguiasairdecasasemqueumpaparazzo saltasse para tentar me fotografar sem maquiagem. Soutotalmente solidária aos Três e a Zainab Farra, de 18 anos, que há dezanosfoiaúnicasobreviventedeumacidenteaéreodevastador,quandoovoo 715 da Royale Air caiu depois de decolar num aeroporto em AdisAbeba.Ela tambémseviunocentrodeumcircodamídia.Recentemente,publicou sua autobiogra ia,Vento sob minhas asas , e pediu que Os Trêsfossem deixados em paz, para poderem encarar sua sobrevivênciamilagrosa.“Elesnãosãoaberrações”,a irmaela.“Sãocrianças.Porfavor,oque eles precisam agora é de espaço e tempo para se curar e processartudoporquepassaram.”Amém.Deveríamos agradecer por eles terem sido salvos, e não perder

tempo elaborando bizarras teorias de conspiração ao redor deles outornando-osassuntodefofocasdeprimeirapágina.OsTrês–saúdovocêse espero, do fundo do coração, que todos encontrem paz enquantoenfrentamosacontecimentosterríveisquelevaramseuspais.Esperemosqueossensacionalistasdomundopercebam.

NevilleOlson,umfotógrafopaparazzofreelancequetrabalhavaemLosAngeles,foiencontradomortoemseuapartamentoem23dejaneirode2012.Apesardesuamortebizarratersidoassuntodeprimeirapágina,estaéaprimeiravezqueseuvizinhoStevieFlanagan,quedescobriuocorpo,faloupublicamente.

É preciso ser um tipo bemparticular para fazer o queNeville fazia paraganharavida.Umavezpergunteiseelesesentiasujoporseesconderemarbustos à espera de conseguir uma foto por baixo da saia de qualqueraspiranteaestrelaquefosseacarinhadomês,maseledissequesófaziaoqueopúblicoqueria.Eraespecializadoemsujeiras,comoaquelasfotosquefez de Corinna Sanchez comprando cocaína em Compton – ele nuncacontoucomosoubequeelaestarianaquelebairro,pelomenosnãoamim.Eradiscretosobreomodocomoconseguiaasinformações.Não preciso dizer que Neville era meio esquisito. Solitário. Acho que o

trabalho combinava com sua personalidade. Eu o conheci quando ele semudouparaoapartamentoembaixodomeu.OlugarondeagentemoravanaépocaeraumcomplexodecasasgeminadasemElSegundo.Muitosdosque moravam lá trabalhavam no aeroporto LAX, portanto tinha gentechegando a toda hora do dia e da noite. Eu trabalhava na locadora decarrosOneTime, um lugar conveniente. Eu não diria que éramos amigosíntimosoualgoassim,masseagenteseesbarrava, jogavaconversa fora.Nuncavininguémvisitando-oenuncaovicomumamulher,nemcomumcara.Elepareciameioassexuado.Unsdoismesesdepoisdesemudar,eleperguntou se eu queria “conhecer seus colegas de apartamento”. Acheiquetivessearranjadoalguémparadividiroaluguel,porissorespondiquesim.Fiqueicuriosoemverquetipodepessoairiasedarcomele.Quase vomitei ao entrar no apartamentopela primeira vez.Quemerda,

cara,o lugar fedia.Nãoseicomodescrever,achoqueeraumamisturadepeixeecarnepodre.Eeraquenteeescuroládentro–ascortinasestavamfechadaseoar-condicionadonãoestavaligado.Foitipo:queporraéessa?Entãovialgumacoisasemexendonocantodasala–umasombragrande–epareciaqueaquilovinhadiretoparamim.Aprincípionãoentendioquevia,depoispercebiqueeraaporradeumlagartoenorme.GriteieNeville

riufeitomaluco.Eleestavaesperandominhareação.Mandoueu icarfrioedisse“Nãosepreocupe,ésóoGeorge”.Eusóqueriadaroforadali,mastentavanãoparecerummaricas,saca?PergunteiaoNevillequeporraeleestava fazendo com uma coisa daquelas no apartamento e ele só deu deombros, falou que tinha três daquelas porras – lagartos-monitores, daÁfricaouseiláoquê–equenamaioriadotempoeleosdeixavasoltosemvezdemantê-los em jaulas ou aquários. Comentouque eram inteligentesdeverdade,“quenemporcosoucachorros”.Indagueiseeramperigososeele mostrou uma cicatriz serrilhada no pulso. “Saiu um pedaço de peleenorme.” Dava para ver que sentia orgulho. “Mas se você tratar direito,eles costumam ser tranquilos.” Quis saber o que eles comiam e elerespondeu:“Filhotesderatos.Vivos.Compronumatacadista.”Imagineterum trabalho assim, hein, vender bebês ratos? Ele não parava de falarsobre como algumas pessoas eram contra dar roedores de comer aosmonitoreseotempotodoeusó icavaolhandoaquelacoisa.Desejandoquenãochegassemuitopertodemim.Nãoerasóisso:elemantinhaacoleçãodecobrasearanhasnoquarto.Aquáriosemtodaparte.Econtinuavaemsua lenga-lenga, sobre as tarântulas serem os melhores bichos deestimação.Maistardemecontaramqueeraumacumuladordeanimais.Uns dois dias depois da Quinta-Feira Negra, ele bateu à minha porta,

avisouqueiasairdacidade.AmaiorpartedoseutrabalhoeraemLA,masocasionalmente ele precisava irmais longe. Foi a primeira vez que pediupara eu dar uma olhada nos seus “coleguinhas”. “Eu coloco comidasu iciente antes de sair”, explicou ele. Podia icar fora por até três dias eelespermaneciamnumaboa.Pediuparaeuolharoníveldaáguae jurouque os monitores icariam trancados. Geralmente ele era discreto comrelação aos compromissosde trabalho,masdessa vez informouaonde ia,comosehouvesseumachancedeseenfiarfeioemmerda.Dissequehaviamcobradoumfavorporele terviajadonumhelicóptero

de aluguel, que planejava ir aMiami, àquele hospital para onde levaramBobby Small, para ver se conseguia uma foto do garoto. Comentou queprecisava fazer issodepressa,porqueogaroto logo iaser levadodevoltaparaNovaYork.Perguntei como, diabos, ele achava que iria chegar perto – pelo que eu

tinha visto no noticiário, a segurança no hospital era rígida –, mas ele

apenassorriu.Garantiuqueeraespecializadonessetipodecoisa.Só icou fora três dias, então não precisei entrar no apartamento. Ao

chegardotrabalho,euovisairdeumtáxi.Eleestavacomumaaparênciademerda. Abalado de verdade, como se estivesse doente ou algo assim.Pergunteiseeleestavalegalesetinhaconseguidoumafotodogaroto.Elenãorespondeuepareciatãomalqueoconvideiparaumabebida.Eleveioimediatamente,nemfoiemcasaveri icarosrépteis.Davaparaverqueelequeria conversar,masnão conseguia colocar aspalavraspara fora. Serviumadoseeeleengoliudeumavez,depoiseulhedeiumacervejaporquetinha icado sem destilados. Ele entornou a cerveja e pediu outra, quetambémtragou.O álcool ajudou e aos poucos ele contou o que izera. Achei que ele iria

contarquesedisfarçaradeporteirooualgoassimparaentrarnohospital,ouquetinhaentradopelonecrotério,comonumaespéciede ilmeB.Masfoipior.Maisinteligente.Maspior.Elehaviasehospedadonumhotelpertodo hospital, tinha uma história de disfarce, uma identidade falsa e umsotaqueque já usara antes – comoumempresário inglês num congressoemMiami.Disseque izeraamesmacoisaquandoKlintMaestro,ocantordosSpaceCowboys, teveumaoverdose.Foiassimqueconseguiuas fotosde Klint parecendo arrasado com a camisola de hospital. Foi fácil.Simplesmente tomou insulina extra para entrar emhipoglicemia. Eu nemsabiaqueele eradiabéticodependentede insulina, bom, comoéque iriasaber? Ele desmoronou no bar e informou ao barman ou a uma pessoaqualquer que precisava ser levado ao hospital mais próximo. Depoisapagou.Na emergência, foi posto no soro e, para ser admitido, ingiu ter um

ataque epilético. Poderia ter morrido, mas confessou que não era aprimeira vezque fazia isso e sempremantinhadois saquinhosde açúcarna meia para sair do aperto. Era seu modus operandi. Revelou que erauma merda circular naquela condição (eles lhe deram Valium após oataqueeeleaindasesentiamaldepoisdahipoglicemia).Pergunteiseeleconseguiuchegaraondeogarotoestavaeelefalouque

não,onegóciofurou.ExplicouquenãoconseguiuchegarnempertodaalaondeoBobbyestava,porqueasegurançaerarígidademais.Mas, quando mais tarde encontraram sua máquina fotográ ica, ela

mostrouqueelehaviaconseguidoentrarnoquartodogaroto,no imdascontas. Há uma imagem de Bobby sentado na cama e ele está sorrindodiretoparaacâmera,comoseposasseparaumafotodefamília.Vocêdeveter visto. Alguém do instituto médico-legal deixou vazar. Aquilo mearrepiou.Ele engoliu uma terceira cerveja e a irmou: “Não tem sentido, Stevie.

Nadadissotemsentido.”Euperguntei:“Oquenãotemsentido?”Pareceuqueelenãomeescutou.Nãoseidequeporraeleestavafalando.

Eelefoiembora.Depois disso, iquei atolado no trabalho. Aquele vírus do vômito estava

circulandoepareciaque todomundodo trabalho tinha icadodoente.Eufaziaturnosduplosenametadedotempopareciaumcadáverambulante.Sómais tarde percebi que devia ter se passado uma semana desde quetinhaesbarradonoNeville.EntãoumdoscarasquemoravadooutroladodoapartamentodoNeville,

o Sr. Patinkin, pediu o número do zelador, comentou que havia umproblema com o esgoto e que talvez o cheiro estivesse vindo doapartamentodoNeville.Achoquenessemomentoeu soubequealgumacoisa acontecera.Desci,

batiàporta.PodiaouvirosomfracodaTV,nadamais.Aindatinhaachave,mashoje eu gostaria de ter ligadodiretopara a polícia.O Sr. Patinkin foicomigo. Depois disso, ele precisou de aconselhamento psicológico e eucontinuotendopesadelos.Estavaescuroládentro,maspudeverNevilledaportada frente,encostadoàparede,aspernasestendidas.Sua formanãoparecianormal.Porquefaltavampedaços.Disseram que ele morreu de overdose de insulina, mas a autópsia

mostrou que talvez não estivesse completamente morto quando elescomeçarama...Vocêsabe.Foiumagrandenotícia: “Homemcomidovivopor lagartosearanhasde

estimação”. Correu uma história de que as tarântulas tinham tecido umateiaemvoltadocorpo inteiroeque faziamninhosdentrodacavidadedopeito.Babaquice.Peloquepudever, todasasaranhasaindaestavamnosaranhários,ousei lácomosechamam.Foramoslagartos-monitoresqueocomeram.

Engraçadoeleterviradonotícia.Comoéquesediz?...Éirônico.Atéhaviacaras como ele rondando o apartamento e tentando tirar uma foto.Duranteumdiaahistóriaafastoutodoopapodascriançasmilagrosas,OsTrês, das primeiras páginas. Mais tarde tudo isso foi trazido de voltaquandoaquelepastorcomeçouaa irmarqueeraoutrosinaldoapocalipseouseiláoquê–osanimaisatacandoossereshumanos.O únicomodo de enfrentar isso é pensar que talvez fosse assim que o

Nevillequeriapartir.Eleamavaasporrasdaqueleslagartos.

PARTEDOISCONSPIRAÇÃO

JANEIRO–FEVEREIRO

Ex-integrantedaIgrejadoRedentor,dopastorLenVorhees,RebaLouiseNeilsonsedescrevecomotendosido“aamigamaisíntimadePamelaMayDonald”.AindamoranocondadodeSannah,suldoTexas,ondeécoordenadoradoCentroPreparatóriodeMulheresCristãs.InsistequenuncafezpartedaseitapamelistadopastorVorheesequeconcordouemfalarcomigo“paraqueaspessoassaibamqueexistegenteboavivendoaqui,quejamaisquisquealgoderuimacontecessecomaquelascrianças”.FaleicomRebaportelefoneemváriasocasiõesemjunhoejulhode2012ereuninossasconversasemváriosrelatos.

Stephenie me contou primeiro. Estava chorando ao telefone, eu malconseguiaentenderaspalavras.–ÉaPam,Reba–disseelaquandoenfimconseguiacalmá-la.–Elaestava

naqueleaviãoquecaiu.Faleiparaelanãoserboba,quePamestavanoJapãovisitandoa ilha,e

nãonaFlórida.–Nesseavião,não,Reba.Nojaponês.Estánonoticiárioagora.Bom,meucoraçãopraticamenteparou.Eutinhaouvidofalardoacidente

no Japão, claro, e também naquele lugar impronunciável na África, e noaviãocheiode turistas inglesesquecaiunomarnaEuropa,masnemporumminutopenseiquePamestarianele.Aquiloerasimplesmenteterrível.Por um tempo, pareceu que todos os aviões do mundo estavamdespencando do céu. Os apresentadores da Fox falavam de um acidente,depoisseencolhiameemendavam:“Eacabamosdesaberqueoutroaviãocaiu...” Meu marido, Lorne, comentou que dava a impressão de ser umapiadademaugosto.Perguntei a Stephenie se havia contado ao pastor Len, e ela respondeu

que tinha tentado ligar para o rancho dele mas Kendra fora vaga, comosempre, sobre quando ele iria voltar, e que ele não atendia o celular.Desliguei e corri até a saleta para assistir ao noticiário. Atrás deMelindaStewart (éminha apresentadora predileta da Fox, o tipo demulher comquem você pode se imaginar tomando café, não é?) havia duas fotosenormes,umadaPameoutradaquelemenininhojudeuquesobreviveuaoacidentenaFlórida.NãogostodepensarnoquePamteriaditosobreafotodela,quedeviaserdopassaporteepareciatiradaparauma ichacriminal.

Odeiodizer,masocabelodelaestavaumhorror.Nabasedatelapassavamasmesmasfrasessemparar:“526mortosnodesastredaSunAirnoJapão.Haviaumaúnicaamericanaabordo,PamelaMayDonald,doTexas.”Só iquei ali sentada, Elspeth, olhando aquela foto, lendo aquelas

palavras, até que a inal a icha caiu: Pam tinha morrido mesmo. Aqueleinvestigador gentil, o Ace não sei das quantas, daquele programa sobreacidentesaéreosdequeoLornegosta,apareceuaovivodaFlóridaedisseque era cedo demais para ter certeza, mas não parecia terrorismo nemnada assim.Melindaperguntou se ele achava que os acidentes poderiamter sido causados por fatores ambientais ou talvez um “ato divino”. Nãogostei disso, Elspeth! Sugerir queNosso Senhor não tinha nadamelhor afazer além de derrubar aviões. O Anticristo é que deve ter posto o dedonisso. Não consegui me mexer durante um tempo enorme, então elesmostraram a imagem aérea de uma casa que parecia familiar. E percebiqueeradaPam,sóquepareciamenorvistadecima.EmelembreidoJim,omaridodaPam.Eu nunca tivemuito a ver com o Jim. Pelomodo como Pam costumava

falar dele, com uma espécie de reverência sussurrante, seria de pensarqueele eraumgigantede1,90metro,masnaverdadenãoémuitomaisalto do que eu. Não gosto de dizer isso, mas sempre suspeitei que eleusasseospunhoscommuita liberdade.NuncavimoshematomasemPamnemnadadisso.Maseraestranhoelasertãoacovardadaotempotodo.OmeuLorne,sealgumavezlevantasseavozparamim...Bom,acreditoqueohomem é a cabeça do lar, claro, mas deve haver respeito mútuo, sabe?Mesmoassim,ninguémmerecepassarpeloqueelepassoueeusabiaqueprecisavafazeralgoparaajudá-lo.Lorne estava nos fundos, fazendo o inventário das frutas enlatadas e

reorganizandonossossuprimentossecos.“Tercuidadonuncaédemais”,éo que ele a irma, principalmente com essas explosões solares, aglobalização e as supertempestades de que todo mundo fala, e de jeitonenhum vamos ser apanhados desprevenidos. Quem sabe quando Jesusvainoschamar?Conteiaeleoquehaviaacontecido,quePamestavanotalavião japonês. Ele e Jim trabalhavam juntos na fábrica da B&P e eu faleiqueeledeveria irver seo Jimprecisavadealgumacoisa.Ele semostrourelutante–osdoisnãoeramchegados,trabalhavamemseçõesdiferentes

–, mas ainda assim foi. Achei melhor icar em casa, garantir que todomundoficassesabendo.PrimeiroligueiparaocelulardopastorLenecaiudiretonacaixapostal,

masdeixeirecado.Elemeligoudevoltaimediatamentee,pelomodocomosuavozestava trêmula,eusoubeque tinhaacabadodereceberanotícia.Pam e eu éramos os membros mais antigos do que ele chamava de seu“círculo interno”.Antesqueopastor eKendra chegassemao condadodeSannah–estamos falandode...ahn,quinzeanosatrás–,eu faziapartedaigreja das Novas Revelações em Denham. Isso implicava uma viagem demeia hora todo domingo e toda quarta-feira para o estudo da Bíblia,porque de jeito nenhum eu iria ao culto dos episcopais, não com a visãoliberaldelessobreoelementohomossexual.Portanto,vocêpode imaginarcomo iqueianimadaquandoopastorLen

chegouàcidadeeassumiuaantigaigrejaluteranaque icaravaziaporumbom tempo. Na época eu não tinha ouvido o programa de rádio dele. Aprincípio, foram os cartazes que atraíram meu olhar. Ele sabia chamaratenção para o serviço ao Senhor! Toda semana colocava uma faixa comumamensagemdiferente.“Gostadejogar?Odiabonegociaalmas”e“Deusnão acredita nos ateus, portanto os ateus não existem” eram duas dasminhasprediletas.Aúnicadaqualeunãogostavamostravaa imagemdeuma Bíblia com uma daquelas antenas dos celulares antigos saindo daparte de cima e a legenda “Aplicativo para salvar sua alma”, o que euachavaumpoucometidoaengraçadinhodemais.No início,acongregaçãodopastorLenerapequenaefoiláquerealmenteconheciPam,apesardejá tê-la visto nas reuniões de pais – a sua Joanie é mais velha que asminhas duas ilhas. Nós nem sempre concordávamos em tudo, masninguémpoderiaafirmarqueelanãoeraumaboacristã.Opastoravisouquetinhaorganizadoumcírculodeoraçõespelaalmade

Pamnanoiteseguintee, comoKendraestavadecamacomumadassuasdores de cabeça, ele pediu que eu ligasse para o pessoal do grupo deestudos da Bíblia. Então, Lorne entrou bufando, alertando que a casa doJim estava cercada de repórteres e carros dos noticiários de TV, queninguém atendia à porta. Bom, claro, contei tudo isso ao pastor Len, quefalou que era nosso dever, como cristãos, ajudar o Jim nessa hora denecessidade,mesmoqueelenão izessepartedaigreja.Pamsempretinha

sido meio reservada com relação a isso. Meu Lorne ia comigo tododomingo, apesar de não ter entrado para o grupo bíblico nem para ocírculodeoraçõesdecura,edeviaserterrívelparaaPamsaberqueseumarido seria deixado para trás na terra, diante da fúria do Anticristo, equeimarianoinfernoportodaaeternidade.Entãocomeceiameperguntarse Joanie,a ilhadePam,viriaparacasa.

Elanão apareciahaviadois anos; tinha acontecido algumproblemaentreelaeJimnaépocaemqueelaaindaestavanafaculdade.Elenãoaprovavao namorado dela na época. Um mexicano. Ou meio mexicano, acho. Issoprovocouumadivisãonafamília.EseiqueissomagoavaaPam.Elasempreicava triste quando eu falava dos meus netos. Minhas duas meninas secasaram logo depois de terminar a escola e foram morar bem perto demim.PorissoPamfoiaoJapão.SentiaumafaltamedonhadaJoanie.Estava icandotarde,por issoopastordissequeiríamosvisitaroJimna

manhã seguinte. Ah, ele estava elegante ao me pegar às oito do diaseguinte! Nunca vou esquecer isso, Elspeth. Terno e gravata de sedavermelha.Maselesempreseimportoucomaaparênciaantesdedeixarodemônioentrar.EugostariadepoderfalaromesmosobreKendra.ElaeopastorLennãopareciamteraverumcomooutro.Elaeramagrafeitoumancinhoesempreestavamal-arrumadaesemmaquiagem.Fiquei surpresa ao ver que Kendra ia com a gente; em geral ela dava

algumadesculpa.Eunãodiriaqueelaerametida...sósemantinhadistante,comum sorriso vago no rosto, tinha problema de nervos. É verdade queela foi parar num daqueles lugares, um daqueles... asilos? Não chamammaisassim,nãoé?Instituições,éapalavraqueeuestavaprocurando!Nãoconsigo deixar de pensar que é uma verdadeira bênção os dois nuncaterem tido ilhos. Pelomenos eles não precisaram testemunhar a dor damãecedendoàmentefraca.AchoqueforamasfofocassobreopastorLencomaquelamulherdavidaquea izeramdesmoronardevez.Masdeixe-meserclara,Elspeth,de jeitonenhum,nãoimportaoqueeuachedoqueelefezmaistarde,dejeitonenhumdoucréditoaessesboatos.Depoisdeumaoraçãorápida,fomosdiretoparaacasadaPamedoJim.

FicanaSevenSoulsRoadeaimprensatomavatodooentorno,repórterese aquele pessoal com as câmeras parado do lado de fora do portão,fumandoefalandosemparar.“Ah,céus,comovamosentrarnoquintalda

Pam?”,pergunteiaopastor.OpastorLenrespondeuqueestávamosaserviçodeJesusequeninguém

iria nos impedir de cumprir com nosso dever cristão. Quando paramosjunto ao portão, um enxame de repórteres veio para cima da gente,dizendo coisas como “Vocês são amigos de Pam? Como se sentem com oque aconteceu?”. Estavam tirando fotos e ilmando e, nessemomento, eusoubeoqueaquelaspobrescelebridadespassamotempotodo.– Como você acha que nós estamos nos sentindo? – questionei a uma

moçaqueusavarímeldemaiseeraamaisenxeridadetodos.O pastor me olhou como se dissesse “deixe que eu falo”, mas os

jornalistas precisavam ser postos no devido lugar. Ele explicou queestávamos em missão para ajudar o marido de Pam naquela hora denecessidade e que ele voltaria para fazer uma declaração assim quegarantíssemosqueJimestavaemcondiçõesrazoáveis.Issopareceuaplacá-loseelesvoltaramparaosfurgões.Ascortinasestavamfechadasenósbatemosnaportadafrente,masnão

houve resposta. O pastor Len foi para o quintal dos fundos, porém ahistória se repetiu. Então lembrei que Pam mantinha uma chave extraembaixo do vaso de plantas perto da porta traseira, para o caso de icartrancadadoladodefora,efoiassimqueentramos.Ah,ocheiro!Erapraticamenteumtapanacara.Kendra icoubranca,de

tão ruim que aquilo era. E então Snookie latiu e veio em disparada pelocorredor na nossa direção. Pam teria um ataque cardíaco se visse acozinha daquele jeito. Ela só havia saído dois dias antes, mas dava parajurarqueumabombatinhaexplodidoali.Vidroquebradoemcimadetodaabancadaeumaguimbade cigarro caídanumadasmelhoresxícarasdeporcelana damãe de Pam. E Jimnão devia ter deixado Snookie sair nemuma vez, porque havia o que o meu Lorne chama de minas terrestrescaninasemtodoobomlinóleodePam.Precisoserhonesta,Elspeth,jáqueacredito em falar sempre a verdade, mas nenhum de nós gostavamuitodaquela cachorra.Mesmo que Pam desse banho nela cem vezes por dia,elasempretinhaumfedorhorrível.Eosolhostinhamsempreumapelículapor cima.Mas Pam a adorava e, quando a vi cheirando nossos sapatos eolhandoparaagente todaesperançosadequeumadenós fosseaPam...bom,issoquasepartiumeucoração.

–Jim?–chamouLen.–Vocêestáaí?A televisão estava ligada, por isso, depois de veri icarmos a cozinha,

fomosparaasaleta.Quasegriteiaover Jim.Estava largadoemsuapoltronaacolchoadacom

umaespingardanocolo.Ascortinastinhamsidofechadas,estavaescuroe,porumsegundo,penseiqueeleteria...Entãoviabocaabertaeelesoltouum ronco. Garrafas de bebida alcoólica e latas de cerveja quase nãodeixavamverochãoeasalafediaaálcool.NocondadodeSannah,oálcoolé proibido, mas você consegue bebida se souber onde procurar. E Jimsabia.Nãogostodedizerisso,Elspeth,mas icoimaginandooqueeleteriafeitosenãotivesseapagado.Talveztivessetentadoatiraremnós.Opastorabriu as cortinas, entreabriu uma janela e, sob a luz, eu pude ver que afrentedacalçadoJimestavamolhada.Len assumiu o controle, como eu sabia que faria. Tirou gentilmente a

espingardadocolodoJim,depoissacudiuoombrodele.Jimdeuumpulo e olhoupara a gente, os olhosmais vermelhosdoque

umbaldedesanguedeporco.– Jim – chamou. – Acabamos de saber sobre a Pam. Estamos aqui para

ajudar,Jim.Sehouveralgumacoisaquepossamosfazer,vocêsabequesóprecisapedir.Jimbufou.–É,vocêspodemdarofora,por...Bom, eu quasemorri. Kendra soltou um som que poderia ser uma

gargalhada–provavelmenteerasóchoque.Lennãoseabalounemumpouco:– Sei que você está perturbado, Jim. Mas nós viemos ajudar. Ajudar a

superarisso.Jim começou a soluçar, arfando e tremendo. Não importa o que digam

agorasobreopastorLen,Elspeth,vocêdeveriavercomoelecuidoudoJim.Comgentilezagenuína.Levou-oparaobanheiroparaselimpar.Por um tempo Kendra e eu só icamos ali, mas depois eu lhe dei uma

cutucadaecomeçamosatrabalhar.Limpamosacozinha,tiramosacacadecachorroedemosumaboaesfregadanapoltrona.EotempotodoSnookieficavaacompanhandoagentecomaquelesolhos.O pastor trouxe Jim de volta para a sala e, apesar de o pobre coitado

estar cheirandomuitomelhor, suas lágrimas não tinham secado nemumpouco.Elecontinuavasoluçandoesoluçando.–Senãoforincômodo,Jim,nósgostaríamosdeorarporPamcomvocê–

falouLen.Euespereique Jimoxingassedenovoe,porumsegundo, juro,Elspeth,

pude ver queopastor tambémesperava isso.Mas aquele homemestavaarrasado,destroçado.Mais tarde, Lendissequeeraomodode Jesusnosmostrar que precisávamos deixá-lo entrar. Mas você precisa estarpreparado.Jáviissomilvezes.Comoquandoestávamosorandopeloprimode Stephenie, Lonnie, o que tinha aquela doença dos neurôniosmotores.Não funcionou porque ele não deixou o Senhor entrar no coração. NemJesuspodetrabalharcomumjarrovazio.Assim,nósnosajoelhamospertodosofá,cercadosporlatasdecerveja,e

oramos.–DeixeoSenhorentrarno seu coração, Jim–disseopastor. –Ele está

aquiparavocê.Elequerserseusalvador.Vocêpodesentir?Foi uma coisa linda de ver. Ali estava um homem tão esmagado pelo

sofrimentoquenãoparavadechorar,ealiestavaJesus,sóesperandoparapegá-lonosbraçoseconsertá-lodenovo!Ficamos sentados com o Jim durante pelo menos uma hora. O pastor

falavaotempotodo:–Agoravocê fazpartedonossorebanho, Jim,estamosaquiparaajudar

você,assimcomoJesusestáaquiparaajudarvocê.Foi algo tão enternecedor que não sinto vergonha de dizer que chorei

feitoumbebêrecém-nascido.O pastor ajudou Jim a sentar-se de novo na poltrona e eu pude ver no

rostodelequeestavanahoradecomeçaralidarcomascoisaspráticas.–Bom,Jim–falouLen.–Precisamospensarnoenterro.JimmurmuroualgosobreJoaniecuidardisso.–VocênãovaiviajaratéláetrazeraPamdevolta?Jimbalançouacabeçaeumaexpressãovagasurgiuemseusolhos.–Elameabandonou.Eudisseparaelanãoir,maselanãoqueriaescutar.Houve uma batida à porta e todos nós pulamos assustados. A porcaria

dosrepórterestinhavindoatéacasa!Podíamosouvi-losgritar:

–Jim!Jim!Oquevocêachadamensagem?Opastormeolhou.–Dequemensagemelesestãofalando,Reba?Bom,éclaroqueeunãofaziaamínimaideia.Lenajeitouagravata.–Vouafastaraquelesabutres,Jim–garantiuele,eJimoencarou,como

olhar tomado por pura gratidão. – Reba e Kendra vão arranjar algumacoisaparavocêcomer.Fiquei feliz por fazer alguma coisa, Elspeth. Pam, que Deus a abençoe,

tinhapreparadoummontederefeiçõesparaoJim,todasarrumadinhasnofreezer;foifácilpegarumaecolocarnomicro-ondas.Kendranãofezmuitopara ajudar, pegou a cadela no colo e começou a sussurrar para ela.Portanto,euéquetivede limparorestodasujeiradasalaeconvenceroJimacomeroempadãodecarnequeeupuseranumabandejaparaele.Quando o pastor voltou para dentro, estava com uma expressão

atordoada.Antesqueeupudesseperguntaroqueoincomodava,elepegouocontroleremotodaTVeligounaFox.MelindaStewartinformavaqueumpunhado de jornalistas japoneses chegara ao local do acidente e pegaracelulares de vários mortos. Alguns passageiros – que Deus proteja suasalmas – haviam gravado mensagens ao perceber que iam morrer e osrepórteres tinham vazado as gravações. Publicaram antes mesmo quealgumas famílias tivessem certeza de que seus entes queridos haviammorrido,seéquedáparaacreditar.Uma dessasmensagens era de Pam, se bem que eu nem sabia que ela

tinhacelular.Amensagemdelaestavapassandonabasedatelaeopastorgritou:–Elaestavatentandomedizeralgumacoisa,Reba!Olhe!Meunome,bem

ali!AcabamosnosesquecendodoJim,quecomeçouagritar“Pam!”diversas

vezes.Kendra não ajudou a acalmá-lo. Só icou parada junto à porta, com a

Snookie no colo, ainda falando demansinho com a cachorra como se elafosseumbebê.

Asseguintesmensagens(isho)foramgravadasporpassageirosdovoo678daSunAiremseusúltimosmomentos.(TraduçãodeEricKushan,comaobservaçãodequealgumasnuanceslinguísticaspodemterse

perdido)

Hirono. As coisas estão icando feias aqui. A tripulação na cabine estácalma. Ninguém está em pânico. Sei que voumorrer e quero dizer que...Ah, temcoisascaindo,estãocaindoemtodaparteeeupreciso...Nãoolhenomeuarmáriodoescritório,Hirono.Porfavor,Hirono,imploro.Háoutrascoisasquevocêpodefazer.Sópossoesperarque...KoushanOda.Cidadãojaponês.37anosHá uma fumaça que não parece fumaça. A velha ao meu lado estáchorando em silêncio e rezando e eu gostaria de estar sentado perto devocê. Há crianças neste voo. Ah... é... cuide dos meus pais. Deve haverdinheiro su iciente. Ligue para Motobuchi-san, ele vai saber o que fazercomoseguro.Ocomandanteestáfazendotudooquepode,precisocon iarnele.Possosentir,pelavoz,queeleéumhomembom.Adeus,adeus,adeus,adeus...ShoMimura.Cidadãojaponês.49anosPrecisopensarprecisopensarprecisopensar.Comoissoaconteceu...Certo,uma luz forte surgiu na cabine. Um estrondo. Não,mais de um. A luz foiantesdoestrondo?Nãosei.Amulher juntoà janela,agaijin [estrangeira]grande, está uivando a ponto de os meus ouvidos doerem e eu precisojuntarminhas coisas para o caso de nós... Estou gravando isso para quevocê saiba o que vai acontecer. Não há pânico, apesar de eu sentir quedeveriahaver.Duranteumbomtempoeuqueriamorrere,agora,perceboque estava errado, que a minha hora chegou depressa demais. Estouapavorado e não sei quem vai ouvir isto. Se você puder passar estamensagemparaomeupai,digaque...KeitaEto.Cidadãojaponês.42anos

Shinji?Porfavor,atenda!Shinji!Houveumaluzforteedepois...edepois...Oaviãoestácaindo,estácaindo,eocomandantedizqueprecisamos icarcalmos.Eunãoseiporqueissoestáacontecendo!Sópeço...Cuidedascrianças,Shinji.Digaqueeuasamoe...NorikoKanai.Cidadãjaponesa.28anosSeiqueoSenhorJesusCristovaimetomarnosbraçosequeesseéoplanodele paramim.Mas, ah, como eu desejaria ver vocêmais uma vez. Eu teamo, Su-jin, e nunca disse. Espero que você ouça isso. De algum modo,espero que chegue até você. Queria que icássemos juntos um dia, masagoravocêestátãolonge!Estáacontecendo...SeojinLee.Cidadãosul-coreano.37anosEles estãoaqui.Eu...Nãodeixea Snookie comer chocolate, é venenoparaos cachorros, ela vai implorar a você... O menino. O menino, vigiem omenino, vigiem as pessoas mortas, ah, meu Deus, elas são tantas... Estãovindomepegaragora.Vamostodosemboralogo.Todosnós.Tchau,Joanie,adoreiabolsa, tchau, Joanie,pastorLen,aviseaelesqueomenino,nãoéparaele...PamelaMayDonald.Cidadãamericana.51anos

LolaCando(nãoéonomeverdadeiro)sedescrevecomoex-trabalhadoradosexoeempreendedoradainternet.OsrelatosdeLolasãobaseadosemmuitasconversaspeloSkype.

Lennyveiomeveruma,talvezduasvezespormêsduranteunstrêsanos.VinhaládocondadodeSannah,deviaserumahoradecarropelomenos,mas para ele tudo bem. Dizia que gostava da viagem, dava tempo depensar nas coisas. Ele era estritamente convencional. Mais tarde, aspessoastentarammeforçarafalarqueeleeraalgumtipodetarado,masnãoera.Enãocurtiadrogasnemcoisasestranhas.Só“papaiemamãe”,umdedinhodebourboneumpapo,erasódissoqueelegostava.EntreinessenegócioatravésdaminhacolegaDenisha.Elaéespecialista,

forneceserviçoparaclientesqueachamdi ícilfazercontatocommulheres.Sóporquevocêéobrigadoa icaremcasaounumacadeiraderodasnãoquerdizerqueperdeuavontadede fazersexo,nãoé?Eunão façomuitotrabalhoespecializado,entendeu?Amaioriadosmeusclientesregularesédegentecomum,carassolitáriosoucomumamulherqueparoude fazersexo.Eusacomuitobemosmeuscarase,senãohouverumaconexãoouelesquiseremcoisasesquisitas,digo:desculpe,minhaagendatálotada.Não curtodrogas; não comecei a fazer issopara alimentar umvício.Na

mídia você não ouve falar muito de garotas que nem eu e Denisha, quefazemdissoummododevidasemveroladonegro.E,comoaDenishavivedizendo,émelhordoquearrumargôndolasnumWalmart.Eu tinha um apartamento que usava para, você sabe, negócios, mas o

Lenny não gostava de ir lá. Eramuito cauteloso com coisas assim, quaseparanoico.Preferiaqueagenteseencontrassenummotel.Háumbocadodemotéisqueoferecemumbomserviçoporhorasemfazerperguntas.Elesempreinsistiaqueeuentrasseantesdele.Bom,naqueledia ele chegou tarde.Umameiahora atrasado, o quenão

eracomum.Arrumeiasbebidas,pegueigelonamáquinaeviareprisedeum episódio deParty-Time enquanto esperava, aquele em que Mikey eShawna-Lee inalmente icam juntos. Quando já ia desistir, ele entrouvoandonoquarto,semfôlegoesuando.–Ora,olá,estranho.

Eusempreocumprimentavaassim.–Cortaessa,Lo,precisodeumamalditabebida.Isso me assustou. Nunca tinha escutado ele falar em maldição. Lenny

a irmavaquesóbebiacomigoeeuacreditei.Pergunteiseelequeria,vocêsabe,começarodesempre,maselenãoestavainteressado.–Sóabebida.As mãos dele tremiam e dava para ver que ele estava agitado de

verdade.Prepareiumadosedupla emeoferecipara esfregarosombrosdele.–Não.Precisoficarsentadoummomento.Pensar.Mas elenão se sentou: icou andandodeum ladopara o outronaquele

quarto como se estivesse decidido a gastar o tapete. Eu sabia que nãodevia perguntar em que ele estava pensando. Sabia que ele ia dizerquando estivesse pronto. Ele me entregou o copo e eu servi mais doisdedos.–Pamestavatentandomedizeralgumacoisa,Lo.Claroque,nahora,eunãoentendinada.–Len,vocêprecisacomeçardocomeço.ElemecontoutudosobrePamelaMayDonald,amulherquemorreuno

aviãojaponêseeradacongregaçãodele.–Len,sintomuitomesmopelasuaperda.Mas tenhocertezaqueaPam

nãoiaquererquevocêficassetãoperturbadoporcausadela.Elenempareceumeouvir.En iouamãonabolsa–elesemprecarregava

umapastaescolar,comosefosseummeninocrescido–,tirouumaBíbliaebateucomelanamesa.Euaindaestavatentandopegarleve.–Querqueeubataemvocêcomissoouoquê?Grandeerro.Orostodele icoutotalmentevermelho, in louquenemum

daqueles peixes. Ele tem o que chamam de rosto expressivo, que faz aspessoas con iarem nele, acho, parece que não consegue mentir. Pedidesculpasrapidinho,poisfiqueiapavorada.Ele contou que Pam tinha deixado uma mensagem, uma... como é que

chamam? Aquelas mensagens que ela e uns japas tinham deixado nostelefonesenquantooaviãocaía.–Aquilosignificaalgumacoisa,Lo.Eachoqueseioqueé.

–Oquê,Lenny?–Pamosviu,Lola.–Pamviuquem,Lenny?–TodososquenãoaceitaramoSenhornocoração.Todomundoquevai

serdeixadoparatrásdepoisdoArrebatamento.Euvenhodeumafamíliareligiosa,vocêentende,fuicriadanumbomlar

batista.NãotemmuitacoisanaBíbliaqueeunãosaiba.Aspessoaspodemmecondenarpeloqueeufaço,masseiqueJesusnãomejulgaria.ComoaDenisha vive dizendo (ela é episcopal), algumas dasmelhores amigas deJesuseramprostitutas.De qualquer modo, mesmo antes da Quinta-Feira Negra, Len era uma

daquelaspessoasque acreditamnoFimdosTempos. Saca, aqueles carasque veem em todo canto sinais de que o im está chegando: o 11 deSetembro, terremotos, o Holocausto, a globalização, a Guerra ao Terror,tudo isso. Ele acreditava mesmo que era só questão de tempo até Jesuslevartodososjustosparaoparaíso,deixandoorestodomundosofrercomo Anticristo. Alguns acreditavam que o Anticristo já estava na terra. QueeraochefãodaONU,opresidentedaChinaouumdaquelesmuçulmanos,árabes ou não sei o quê. Mais tarde, claro, icaram dizendo quepraticamente tudoquesaíanonoticiárioerasinal.Aquela tal febreaftosanaInglaterra,eatéaquelavirosequeatacouosnaviosdecruzeiro.Já eu não sei como me sentia sobre esse negócio do Arrebatamento.

Aquelediaemque,vupt,todososjustosiamdesaparecernocéu,deixandoasroupaseosbensterrenosparatrás.Parececomplicadodemais.PorqueDeus iria se incomodar com tudo isso? Lennyme deu os livros da sérieArrebatadosparaler–sabedoqueestoufalando?–,aquelasérieemqueos cristãos renascidos são arrebatados todos ao mesmo tempo e oprimeiro-ministro da Inglaterra acaba sendo oAnticristo. Eu disse que ialer,masnuncali.Serviumadoseparamim.Sabiaqueia icaralipelomenosumahora.Às

vezesoLennypassavaoprogramaderádiodeleparamim.Eu ingiaqueescutava.SoumaisdotipoTV,saca?QuandocomeceiaencontrarcomoLenny,acheiqueeleeraumdaqueles

evangélicos doidos por grana, como os caras que a gente vê na TVtentando fazer aspessoasdoaremdinheiroparaospastores, falandopor

queodízimoénecessáriomesmosevocêestivervivendodaprevidência.Aprincípioacheiqueeleeraalgumtipodetrambiqueiroevoudizerque jáencontrei um bom número desses! Mas depois de conhecê-lo melhor,passei a achar que ele começou a acreditarmesmo no seu próprio... nãoquero chamar de papo furado; como eu disse, sou batista de carteirinha,masnuncaboteimuita fénessenegóciode fogoe enxofre.Porémnãohácomo negar que o Lenny queria se juntar aos igurões, caras poderosos,tipoo talDr.Lund–oqueera tãoamiguinhodopresidenteBlake.Lennyestava desesperado para entrar no circuito de palestras evangélicas. Oprograma de rádio deveria ser a porta de entrada, mas, mesmo apóstantosanos,nãotinhaidomuitolonge.Etambémnãoerasópelodinheiro.Lennyqueriaerarespeito.Estavacansadodeviveràscustasdamulher.–Escute,Lola–falouele,eleuamensagem.Aquilo não fez muito sentido para mim. Para mim, pareceu que Pam

estavamaispreocupadacomacachorradela.Lenny comentou que era um milagre aquelas três crianças terem

sobrevividoquasesemumarranhão.–Nãoestácerto.Elasdeveriamtermorrido,Lola.Euadmitiqueeraestranho.Mas todomundoachavaestranho.Erauma

daquelascoisasmalucasqueagentenãoconsegueen iarnacabeça.Comoo11de Setembro.A não ser que você estivesse lá e passasse pela coisa.Mas,sabe,achoqueno imdascontasaspessoasseacostumamcomtudo,não é? Recentemente, meu quarteirão tem sofrido apagões e, depois detodasasreclamaçõeselenga-lengas,agentecomeçaaaceitar.Louco,né?–Ogaroto.Ogaroto...–elenãoparavademurmurar.LeuumapassagemdeZacariasevirouaspáginasatéApocalipse.Lenny

adorava o livro do Apocalipse, mas eu sentia arrepios com aquele livroquando era criança. E voudizeruma coisa: fui euque coloquei aquilonacabeçadele.Olha, vou admitir, às vezes eubanco aburra, Lenny gostavadisso(diabo,todosgostam).– Sabe o que eu nunca consegui entender, Lenny? Aqueles quatro

cavaleiros.Porquesãocavaleiros,afinal?Etodasaquelascoresdiferentes.Bom,oLennyficouimóvel,comoseeutivesseblasfemado.–Comoassim,Lo?Pensei que eu tinha falado alguma coisa que ia deixá-lo com raiva de

novoe iqueiolhandocomatenção,paraocasodeeleestourarcomigo.Eleicou parado que nem uma estátua, os olhos saltando de um lado para ooutro.–Lenny?Lenny,querido,vocêestálegal?Elebateupalmasegargalhou.EraaprimeiravezqueeuouviaoLenny

gargalhar.Eleseguroumeurostoentreasmãosemebeijounaboca.–Lola,achoquevocêdescobriu!–Comoassim,Lenny?Maselesórespondeu:–Tirearoupa.Entãoagentefezeelefoiembora.

TranscriçãodoprogramaderádiodopastorLenVorhees,MinhaBoca,aVozdeDeus,quefoiaoarem20dejaneirode2012.

Queridos ouvintes, não preciso dizer que agora, mais do que nunca,estamos vivendo uma época sem Deus. Vivemos num tempo em que aBíblia é dispensada nas nossas escolas em troca de mentirasevolucionárias não cientí icas, em quemuitos expulsamDeus do coração,em que sodomitas, assassinos de bebês, pagãos e fascistas islâmicos têmmais direitos em nosso país do que os bons cristãos e cristãs. Em queSodoma e Gomorra lançam uma mortalha sobre cada aspecto da nossavida cotidiana e nossos líderes mundiais tentam com todo o empenhoconstruiraculturadaglobalizaçãoqueéapreferênciadoAnticristo.Queridosouvintes, tenhoboasnotícias.Tenhoaprovadeque Jesusestá

nosouvindo,queestáatendendoàsnossasorações,queéapenasquestãodetempoatéqueElenosleveparanossentarmosaoSeulado.Ouvintes,querolhescontarumahistória.Era uma vez uma boamulher. Seu nome era PamelaMayDonald e ela

eratementeaDeusehaviaaceitadoJesusemseucoraçãocomcada ibradoser.Essamulherdecidiufazerumaviagem,visitara ilhanumlocaldistante,

na Ásia, para ser exato. Ao fazer asmalas e se despedir domarido e daigreja,elanãosabiaqueestavaparaparticipardoplanodeDeus.Essamulherentrounumaviãoem...ElaentrounumaviãonoJapãoeesse

aviãocaiu,arrancadodoarporforçasmisteriosas.E enquanto morria, caída naquele solo estrangeiro, duro e frio, com o

sangue escorrendo das veias, Deus falou com ela, ouvintes, e lhe passouuma mensagem. Assim como Deus falou com o profeta João na ilha dePatmos quando ele teve a visão dos sete selos, como descrito emApocalipse.EPamgravouessamensagem,ouvintes,paraquetivéssemosobenefíciodeentenderoqueDeusdizia.Bom, João nos falou que os primeiros quatro selos viriam na forma de

quatro cavaleiros. Sabemos, e é fato, que os quatro cavaleiros sãomandados para cumprir um objetivo divino. E sabemos, a partir de

Ezequiel,queesseobjetivoécastigaros in iéiseosnão tementesaDeus.Oscavaleirostrarãoà terraapeste,a fome,aguerraeopânico;serãoosarautosdaTribulação.Existemmuitosqueacreditamqueosselos já foramabertos,ouvintes,e

vou admitir que é di ícil não acreditar nisso, com tudo que estáacontecendonomundonestemomento.MasfoimostradoaPamqueDeus,emsuasabedoria,sóagoraabriuosselos.OquePamelaMayDonalddisseemsuamensagemparamim–bondosos

ouvintes,emsuasabedoria,eladirigiusuamensagemamimpessoalmente– é que os quatro cavaleiros estão aqui agora. Aqui na terra. Enquantoagonizava,elafalou:“Omenino,omenino,pastorLen,aviseaeles...”Todos vocês assistiram aos noticiários. Todos viram as três crianças

sobreviventes, talvez quatro, não temos certeza de que não há outra, jáque, como sabemos, lá naÁfrica está o caos. Todos vocês sabem,e é fato,quedejeitonenhumaquelastrêscriançaspoderiamtersobrevividoaumcataclisma daqueles praticamente incólumes. Esses três são os únicossobreviventes, vou repetir, ouvintes, porque é importante, os únicossobreviventes. Nem mesmo os investigadores de acidentes aéreosconseguemexplicarporqueessascriançasforamsalvas.Leais ouvintes, eu acredito que essas crianças foram habitadas pelos

espíritosdosquatrocavaleiros.Pamela May Donald disse “Pastor Len. O menino. O menino”. De que

menino ela poderia estar falando senão daquela criança japonesa quesobreviveu?Éclarocomoágua.Comoamensagempoderiasermaisclara?OSenhoré

bom, ouvintes, Ele não vai gerar confusão. E, em Sua graça, Ele nos deumais provas ainda de que o que digo é verdade. Em Apocalipse 6,versículos1a2:ObserveiquandooCordeiroabriuoprimeirodosseteselos.Entãoouvium

dos seres viventes dizer com voz de trovão: “Venha!”Olhei, e diante demimestavaumcavalobranco!Umcavalobranco, ouvintes.Deque cor era a insígniadaquele aviãoda

MaidenAirlinesquecaiunaFlórida?Umapombabranca.Branca.QuandooCordeiroabriuo segundo selo,ouvio segundo serviventedizer:

“Venha!”Entãosaiuoutrocavalo;eesteeravermelho.

De que cor era a insígnia do voo da Sun Air? Vermelha. Todos vocêsviram, irmãose irmãs.Todosvocêsviramaquelegrandesol.Vermelho.Acordocomunismo.Acordaguerra.Acor,queridosouvintes,dosangue.Quando o Cordeiro abriu o terceiro selo, ouvi o terceiro ser vivente dizer:

“Venha!”Olhei,ediantedemimestavaumcavalopreto.Bom, é verdade que aquele avião inglês, o que caiu no mar, tem uma

insígnia laranja-vivo. Mas pergunto: de que cor eram as letras naqueleavião?Pretas,ouvintes.Pretas.Quando o Cordeiro abriu o quarto selo, ouvi a voz do quarto ser vivente

dizer: “Venha!” Olhei, e diante de mim estava um cavalo amarelo. Seucavaleirochamava-seMorte.Sabemosquea cordo cavalodaMorteé escritonooriginal grego como

khlros,queétraduzidocomoverde.AinsígniadaqueleaviãonaÁfricaquecaiu...dequecorera?Issomesmo.Verde.Seiquehaverámuitaspessoasdocontraquedirão:mas,pastorLen,tudo

isso pode ser apenas coincidência. Mas Deus não age através decoincidências.Sabemosqueissoéfato.Haverámais sinais.Mais sinais, irmãos e irmãs. Haverá guerra, haverá

peste,haveráconflitosefome.O Juízo Final começou. E, quando o Rei dos Reis abrir o sexto selo, os

escolhidosserãosalvoseocuparãoseulugardedireitoaoladodeJesusnoReinodoCéu.Nossotempoéagora.Ossinaissãoclaros.Nãopoderiamsermaisclaros

nemseDeustivessecolocadoumagrande itavermelhaneleseoslançadodocéu.E pergunto a vocês, ouvintes –queridos ouvintes. Vocês estão

preparados?

OespaçonãomepermiteincluirtrechosdetodosossitesdeteoriasdeconspiraçãoquebrotaramdepoisdaQuinta-FeiraNegra,masdentreos“teóricosalternativos”maisenfáticosestavaoescritoreautointituladoufólogoSimeonLancaster,cujoslivrospublicadosporcontaprópriaincluemAliensentrenóseLagartosnaCâmaradosLordes.LancasterserecusouafalarcomigoemaistardenegouquedealgummodotivesseinfluenciadoosatosdePaulCraddock.Otrechoseguintefoiretiradodeumblogdositedele,AliensEntreNós,em22dejaneirode2012.

INTERVENÇÃOALIENÍGENA–QUINTA-FEIRANEGRA:TODASASPROVASDEQUEPRECISAMOS

Quatro aviões caem. Em quatro continentes. Acontecimentos queobcecararam a mídia mundial como nenhum outro NA HISTÓRIA DOMUNDO. Não pode haver outra explicação, a não ser que Os Outros, osalienígenasinfiltrados,decidiramUSARSEUPODEReOSTENTÁ-LO.Éapenasquestãodetempo,guardemminhaspalavras,atéqueoMajestic

12 crie uma operação de acobertamento de alto nível. Nos relatos dosacidentes, eles negarão que tenha havido qualquer causa “sobrenatural”,esperemparaver.JáestãodizendoqueaculpadoacidentenaÁfricaédospilotos.JáestãodizendoqueumafalhahidráulicaéacausadoacidentenoJapão.Sabemosquenãoéverdade.ELESMENTIRÃO.MentirãoporqueestãoDE

CONLUIO com senhores alienígenas. É espantoso que aquelas criançaschamadas de Os Três (se é que são crianças) não tenham sido levadasaindaparaoslaboratórios(vejaomapacomaslocalizaçõespossíveis)paraserprotegidas.Vejamosasprovas:

QUATROAVIÕESQUATRO??? Sabemos que as chances de uma pessoa se envolver numaquedadeaviãosãodeumaem27milhões.EntãoquaissãoaschancesdeQUATROaviões caíremnomesmodia comapenasTRÊS sobreviventes???

Por si sós, as chances de isso acontecer estão fora de qualquer escala.Portanto, foi um acontecimento deliberado. Terroristas? Então por queninguém assumiu a responsabilidade? PORQUE OS RESPONSÁVEIS NÃOSÃOOSTERRORISTAS.OsresponsáveissãoosOutros.LUZESFORTESPorquepelomenosdoispassageirosabordodovoodaSunAirinformam,em suas mensagens, que viram luzes fortes? NÃO existe evidência deexplosãooudeum incêndioabordo.Nemdedespressurização. SÓPODEHAVERUMAEXPLICAÇÃO.SabemosquealgumasaeronavesVdosOutrosforam vistas DEPOIS de luzes fortes aparecerem no céu. LUZES FORTESsãoumsinalsegurodequeelesestãoaqui.PORQUECRIANÇAS?UmacoisacomquetodospodemosconcordaréqueDEJEITONENHUMOsTrêspoderiamtersobrevividoaosacidentes.Mas por que Os Outros escolheriam crianças? Acredito que é porque,

como espécie, nós cuidamos dos pequenos, mas não só por isso: nossareaçãobásicaseráPROTEGÊ-LASecuidardelas.SabemosqueométododeataquepreferidopelosOutroséain iltraçãoe

a FURTIVIDADE. Seria óbvio demais se colocassem a si mesmos noGOVERNO de novo. Eles tentaram isso antes e foram EXPULSOS!!!!! Elesestãoaquiparanosvigiar.Nãosabemosquandodarãoopróximopasso.OsTrês serão controlados por forças alienígenas trabalhando nas suasmentes e nos seus corpos e veremos isso se evidenciar em temposvindouros.As crianças sofreram IMPLANTES e estão nos vigiando, para ver o que

faremos.ÉAÚNICAEXPLICAÇÃOPOSSÍVEL!!!!

PARTETRÊSSOBREVIVENTES

JANEIRO–FEVEREIRO

LillianSmall.

Zelna, uma das cuidadoras no centro de assistência a pacientes deAlzheimer aonde eu costumava levar o Reuben quando ele ainda semovimentava, chamava a doença de seu marido Carlos de “Al”, como sefosseumaentidadeseparada,umapessoadeverdade,enãoumadoença.Namaioriadasmanhãs,quandoReubeneeuchegávamos,Zelnamedizia:–AdivinhesóoqueoAlfezhoje,Lily.E então relatava uma das ações engraçadas ou perturbadoras que o Al

havia“obrigado”Carlosa fazer:porexemplo,embrulhar todosossapatosdela com jornalparaquenão sentissem frioou chamaras idasao centrode“irparaotrabalho”.Elaatéescreveuduranteumtempoumblogsobreisso,“Al,CarloseEu”,

eganhoualgunsprêmios.ComeceiapegarohábitodetambémchamaradoençadoReubendeAl.

Acho que isso me dava esperança de que, em algum lugar, lá dentro, overdadeiro Reuben continuasse existindo, esperando, lutando paraimpedirqueoAlassumisse completamente.Mesmosabendoquenãoeraracional pensar assim, issome impedia de culpar o Reuben por tirar demim os últimos anos que iríamos passar juntos. Em vez disso, eu podiaculparoAl.PodiaodiaroAl.Zelnafoiobrigadaa internaroCarlosnumainstituiçãoháunsdoisanos

e, depois que se mudou para a Filadél ia para morar com a ilha, nósperdemoscontato.Sinto faltadela–sinto faltadocentro–,deestarpertode outras pessoas que sabiam exatamente o que eu passava. Comfrequência, ríamosdascoisasmalucasquenossosmaridosoupais faziamoudiziam.Lembro-medeZelnamorrerderirquandoconteiqueoReubeninsistia emusar a cueca por cima da calça, como se fosse fazer um testepara o papel de um Super-Homem geriátrico. Não era engraçado, claro,mas rir pode ser omelhor remédio, não acha? Se você não ri, chora. Porissonãosintoculpadaquilo.Nemumpouco.Porém, mesmo quando Reuben não podia mais ir ao centro de

assistência,colocá-lonumasilonãoeraopçãoparamim.Nãosóporcausado custo: é que eu já havia estado num lugar daqueles. Não gostava docheiro.Achavaqueaguentariacuidardelesozinha.Lorifaziaoquepodiaesempre havia Betsy e a agência, se eu precisasse de uma folga. Eu nãousavaaagênciafrequentemente,arotatividadedefuncionárioseragrandeeagentenuncasabiaquemiapegar.Nãoqueroquevocêachequeestoureclamando,agentesevirava,eacho

queeu tinha sorte.OReubennunca icavaviolento.Alguns icamassim–paranoicos –, acham que os cuidadores estão tentando prendê-los, emespecialaoperderemacapacidadedereconhecerfeições.Eelenãoeradesairandando,não tentavasairdoapartamentoseeuestivessecomele.Adoença do Reuben progrediu rapidamente, mas mesmo nos dias ruins,quandooAlestavanocontroletotal,ele icavabastantecalmoaovermeurosto.Massofriacompesadelosterríveis.Elesemprefoidesonharmuito.Eumevirava.Etinhaminhaslembranças.Fomosfelizes,Reubeneeu.Quantaspessoaspodemdizeramesmacoisa

honestamente?Éissoqueeuvejoaoolharparatrás.NasrevistasqueLoricostumavatrazer,viviamdizendocomoorelacionamentoéperfeitosevocêe seu companheiro (ah, como odeio essa palavra, parece tão frio, nãoacha?) são osmelhores amigos, e nós éramos assim. E quando Lori veio,encaixou-se perfeitamente na nossa vida. Uma família unida, comum.Vivíamosarotina.Reubeneraumbommarido.Bomprovedor.DepoisqueLori foi para a universidade, eu iquei meio triste, acho que estavasofrendodaquelasíndromedoninhovazioeReubenmesurpreendeucomuma viagem de carro ao Texas – imagine, logo ao Texas! Ele queriaexplorar San Antonio, conhecer o Álamo. Antes que o Al levasse emboraseusensodehumor,costumávamosbrincardizendoque,nãoimportavaoqueacontecesse,“sempreteríamosacidadedeParis,noTexas”.Mas nossa vida antes da chegada do Al não era um completo mar de

rosas. A vida de alguém é assim? Houve problemas no correr dos anos:Lorisaindodostrilhosnafaculdade,ocaroçoqueacheinomeuseioequeconseguimostirarbematempo,aconfusãoqueamãedoReubenarrumoucom aquele sujeito mais novo que ela conheceu na Flórida. Nósenfrentamostudoisso.

FoiReubenquemsugeriuquenosmudássemosparaoBrooklynquandoLori anunciou que estava grávida. Ele podia verminha preocupação porela criar um ilho sozinha. A carreira dela começava a decolar e elaprecisava de ajuda. Nunca vou me esquecer de seu primeiro des ile naNew York Fashion Week. Reuben e eu icamos tão orgulhosos! Váriosmodelos eram homens usando vestidos de mulher, o que fez Reubenlevantar uma sobrancelha, mas nunca tivemos a mente muito fechada.Alémdisso,eleadoravaNovaYork.Tínhamosviajadomuitonosprimeirostempos, na época em que ele trabalhava como professor substituto, porissoestávamosacostumadosafazerasmalasenosmudarmos.–Vamosremarcontraamaré,Lily,enosmudarparaacidade.Porque

não?Na verdade, para Reuben não importava onde nós morássemos. Ele

sempre foi um leitor. Amava os livros. Todos os livros. Ficção, não icção,história. Passava a maior parte do tempo livre en iado num livro e vocêpodefazerissoemqualquerlugar,nãoé?Essafoiaoutragrandetragédiacom o surgimento do Al: uma das primeiras coisas a ir embora foi acapacidadedeler,sebemqueaprincípioReubentenhaescondidoissodemimbastantebem.Dóipensarnosmesesemque icavasentadonacama,virandoaspáginasdeum livroqueelenão tinhacomoentender, sóparamepoupardapreocupação.Doismesesdepoisdodiagnóstico,eudescobriaverdadeiraextensãodoqueele tentavaesconderdemim.Nagavetademeias, encontrei uma pilha de cartõezinhos, onde ele havia escritolembretesparasimesmo.“FLORES”,eraoqueestavaescritoemum. Issomepartiuocoração.Todasexta-feira,durante45anos,elecomprarafloresparamim,semfalhar.Fiquei meio nervosa ao me mudar para perto de Lori. Não porque

relutavaemsairdeFlemington;Reubeneeununcafomosmuitosociaiseospoucos amigosque tínhamos jáhaviampartidopara a Flóridapara seafastar dos invernos de Nova Jersey. A casa estava paga, possuíamosalgumdinheiro,masaspropriedadesemFlemingtontinhamsofridomuitocom a queda domercado. Lori estava preocupada, achando que o bairrodela eramuito jovem emoderno para nós, comentava que era “cheio dehipsterseaspirantesaartistas”,masaindaháumacomunidadechassídicabastantegrandeeavisãodelestranquilizouReubenquandoelecomeçoua

icar doente de verdade. Talvez isso tivesse a ver com sua infância; afamíliadeleeraortodoxa.Lorinosajudouaacharumbomprédiopertodoparque,acincominutosdoloftondeelamorava,naBerryStreet.Tivemossorte,nossosvizinhosdoladoerammaisvelhos,comonós,eBetsyeeunosdemosbemdecara.Nósduasadorávamostrabalharcomagulhas–Betsyera ótima no ponto de cruz – e assistíamos aos mesmos programas. Aprincípio,Reubenachou-aumpouco intrometidaenãogostavadofatodeela fumar (era totalmente contrário a isso), mas foi Betsy quem sugeriuque ele se oferecesse como voluntário no centro de alfabetização deadultos. Essa, claro, foi outra coisa da qual oReuben foi obrigado a abrirmão. Também escondeu isso de mim, arranjou alguma desculpa de quequeria estar em casa para me ajudar com o Bobby. E, ah, eu adoravacuidardoBobbyquandoeleerabebê!Tivemosumanoótimo,emqueeleeraocentrodanossavida;Loriodeixavaconoscotodamanhãesempreolevávamosaoparqueseotempoestivessebom.Eletinhaseusmomentos,todasascriançastêm,maseraummenininhointeligente,umraiodesol.Eissonosmantinhaocupados!Entãobam!: oAl chegou. Reuben tinha apenas 71 anos. Eu escondi isso

deLoripelomáximodetempoquepude,maselanãoeraidiota,podiaverqueeleestava icandocadavezmaisesquecido, falandocoisasestranhas.Eladeveterpensadoqueeraalgumaexcentricidadecausadapelavelhice.Fuiobrigadaalhecontarnafestade2anosdoBobby.Eutinhafeitoum

bolo de chocolate em camadas, o predileto de Lori, e tentávamos fazer oBobby soprar as velas. Ele estava rabugento naquele dia – os terríveis 2anos,sabe?EntãooReubendissedonada:–Nãodeixeobebêqueimar,nãodeixeelequeimar.Eemseguidacaiunochoro.Lori icou horrorizada e eu precisei fazê-la sentar-se, contar que

tínhamos feitoodiagnósticoseismesesantes.Ela icouabalada,claroqueficou,masdisse,enuncavouesquecer:–Vamosenfrentarissojuntas,mamãe.Eumesentimal,claro,jogandotudoemcimadela.Tínhamosnosmudado

paraa cidadeparaajudá-la comoBobbyeagoraa situaçãose invertera.Lori tinha sua carreira e tinha o Bobby, mas vinha nos ver sempre quepodia. Bobby era pequeno demais para entender o que acontecia com o

avô. Eu me preocupava pensando que isso iria perturbá-lo, mas ele nãopareciaseincomodarcomocomportamentoesquisitodoReuben.Ah,Elspeth,osdiasapóseutersabidosobreoBobby!Aculpaquesenti

por não ter ido direto a Miami para icar com ele naquele hospital... Foientão que percebi o quanto odiava o Al. Queria gritar com ele por terroubado o Reuben quando eu tinha todo esse problema para enfrentar.Nãopeçoquecompreenda,hágentecomproblemasmuitopioresdoqueomeu, mas ainda não conseguia afastar a ideia de que estava sendocastigadaporalgumacoisa.PrimeiroReuben,depoisLori.Oqueviria emseguida?A maior parte de tudo isso não passa de um borrão, havia tanta coisa

acontecendo. O telefone tocando semparar, os repórteres e o pessoal daTV me perseguindo. No im precisei tirar o telefone do gancho e usaraquele celular que Lori tinhame dado. Emesmo assim, de algummodo,elesconseguiramonúmero.Eunãopodiasairpelaportasemumacâmeraseren iadanaminhacara:

“Como a senhora está se sentindo?”, “A senhora sentia que ele estavavivo?”.ElesqueriamsabercomooBobbysesentia,comoestavasevirando,oqueestavacomendo,seeuerareligiosa,quandoele iavoltarparacasa,seeuiaviajarparavê-lo.Meofereceramdinheiro.Ummontededinheiro,implorarampor fotosdeleedeLori.Nãoseiondeconseguiramaqueladoprimeirodiadelenaescola;suspeitoquetenhasidocomMona.Eununcaaacuseidisso,masondemaiseles conseguiriam?Nemvoucomeçara falardo pessoal da publicidade e de Hollywood! Eles queriam comprar osdireitosdahistóriadavidadoBobby.Eletinhasó6anos!Masdinheiroeraa última coisa emque eu pensava na época. Disseramque receberíamosseguromesmoqueaMaidenAir fosseà falência imediatamente.Lorinãoestavamaldevida,masnãoerarica.Haviaseparadotodaapoupançaparamim e Reuben, paramorarmos na Flórida.Mas agora não precisaríamosdisso,certo?Na verdade, nem toda a atenção era tóxica. As pessoas deixavam

presentes, mandavam cartas. Algumas erammuito tristes, especialmenteasdaspessoasquetambémtinhamperdido ilhos.Preciseiparardelê-las,poispartiammeucoração,quejánãoaguentava.AirmãdoReuben,quenuncaseofereceuparaviajaratéaquieajudara

cuidardeleantes, ligava trêsouquatrovezespordia,perguntandooqueeu ia fazer com relação aoshiva para Lori. Mas como eu poderia pensarnisso, com Bobby lá em Miami? Quase me senti grata porque todos osaviõesestavamproibidosdevoareelanãopodiavirsemeter.Betsy,queDeus a abençoe, cuidou da comida naqueles primeiros dias. Pessoasentravamesaíamotempotodo–Charmaineajudounisso,certi icando-sedequenão fossemrepórteresdisfarçados.Pessoasdobairroque tinhamouvidofalardoqueaconteceracomLori.OsantigosalunosdeReuben,daalfabetização de adultos. Os amigos e colegas de Lori. Negros, latinos ejudeus,detodotipo.Todosseoferecendoparaajudar.Betsy até entrou em contato com o rabino dela, que se ofereceu para

fazerumacerimôniamemorial,mesmosabendoquenãoéramosreligiosos.Umfuneralestavaforadequestãoaté liberaremocorpo...Masnãoquerofalardisso.Aqueledia... emqueapusemosparadescansar...Nãoconsigo,Elspeth.Uma noite, deve ter sido dois dias depois de termos ouvido falar do

Bobby, Reuben e eu estávamos sozinhos no apartamento. Sentei-me nacama e senti uma onda de desespero e solidão tão grande que me deuvontadedemorrer.Nãopossodescrever,Elspeth.Tudoaquiloerademais.Euprecisavaser fortepeloBobby, sabiadisso,masachavaquenão tinhacondições.Nãoseise,dealgummodo,o tamanhodaminhadordeu forçaaoReubenparaempurraroAlpara longedurantealgunssegundos,maseleestendeuamãoesegurouaminha.Apertou.Olheinosolhosdelee,porumsegundo,vioReuben,oantigoReuben,meumelhoramigo,eeracomose ele estivesse me incentivando: “Anda, Lily, não desista.” Em seguida,aquelamáscarainexpressiva–Al–voltouaolugareelesumiu.Masissomedeuforçasparacontinuar.CharmainesabiacomoeumesentiaculpadapornãoestarcomoBobbye

mecolocouemcontatocomapsicólogadeleláemMiami,aDra.Pankowski.Elaajudoumuito,garantiuquenãoiriademoraratéelepodervoltarparacasa.Contouquearessonânciadeleestava limpaequetinhacomeçadoafalar,nãomuito,maspareciaentenderoquehaviaacontecido.Quandorecebemosanotíciadequeelepodiaretornar,recebiumavisita

doauxiliardoprefeito,umrapazgentil,afro-americano.– Bobby é ummilagre, Sra. Small. E aqui, emNova York, nós cuidamos

dosnossoscidadãos.Eleofereceucolocarumpolicialdoladodeforadoprédioparaquandoa

pressão da imprensa se tornasse demasiada e atémandou uma limusineparamelevaraoaeroporto.Charmaine foi comigo enquanto Betsy e uma cuidadora que eles

mandaram icavamparaajudarcomoReuben.Euestavanervosacomonodiadomeucasamento!Bobby ia chegar num avião especial, alugado, numa área do aeroporto

geralmente usada pelos políticos e pelas pessoas importantes, o quesigni icava que, pela primeira vez, os repórteres não estariam nosperseguindo. Me deram um assento na sala de espera e eu podia sentirtodoopessoal tentandonãomeencarar.Eunãohaviame importadocomminhaaparêncianosúltimosdiaseestavasemgraça.Charmainesegurouminhamãootempotodo.Nãoseioqueeuteria feitosemapsicóloga.Elacontinuaemcontato.Odiaestavafrio,mascomumdaquelescéusazuis,eCharmaineeeunos

levantamosparaveroaviãopousar.Pareceudemorarumaeternidadeatéabriremasportas.Eentãoeuovidesceraescada,segurandocomforçaamão de uma jovem. A Dra. Pankowski tinha viajado com ele, Deus aabençoe. Ela parecia nova demais para uma doutora, mas sempre sereigratapeloqueelafezporele.Bobbyreceberaroupasnovaseestavatodoagasalhado,comocapuzescondendoorosto.Deiumpassonadireçãodele.Falei:–Bobby.Soueu.ABubbe.Elemeolhouesussurrou:–Bubbe?Elspeth, eu chorei. Claro que chorei. Fiquei tocando-o, acariciando seu

rosto,certificando-medequeeleestavamesmoali.E,quandooabracei, foicomoseas luzesseacendessemdenovodentro

de mim. Não sei descrever de outra forma, Elspeth. Veja só, naquelemomentoeusoubeque, independentementedoquehaviaacontecidocomaminhaLoriecomoReuben,agoraqueeutinhaoBobbydevoltatudoiaficarbem.

MonaGladwell,melhoramigadeLoriSmall,concordouemfalarcomigopeloSkypenofimdeabrilde2012.

Olha,Lori eraminhaamiga,minhamelhoramiga,enãoqueroquepareçaque estou falando mal dela, mas acho que é importante as pessoassaberem a verdade sobre ela e o Bobby. Não me entenda mal, Lori eraespecial, fezmuito pormim,mas às vezes ela podia ser... podia sermeioirresponsável.Lori e eunos conhecemosno ensinomédio.Minha família semudoudo

QueensparaFlemington,NJ,quandoeutinha15anos,eeueLorilogonosdemosbem.Porfora,Lorieraatípicagarotacertinha.Boasnotas,educada,nuncasemetiaemencrencas.Mastinhatodaumavidasecretadaqualospaisnuncasouberam.Fumavamaconha,bebia,andavacomgarotos:coisacomumdegentejovem.Naépoca,ReubendavaauladehistóriaamericananaescolaeLoritomavacuidadoparanãomancharareputaçãodopai.Eleera apenas o Sr. Small, não alguém tremendamente popular, mas sabiacontarumahistória.Eraquieto.Tinhaumaespéciededignidade,acho.Erainteligente também. Mas, se sabia que Lori vivia bebendo e transandopelascostasdele,nuncadeixoutransparecer.QuantoaLillian...seiqueelanuncagostoudemim,meculpavapeloque

aconteceu com Lori na faculdade, mas era gente boa. No entanto,comparado commeus pais, quase todomundo é. Lillian nunca trabalhou,parecia felizemserdonadecasa–gostavadecosturar, cozinhar, coisaetal – e o Reuben ganhava o su iciente para os dois. Afora a linha políticadosdois–erammuitomaisliberaisdoquevocêimaginarianumaprimeiraimpressão–,eracomoseaindavivessemnosanos1950.Depois da formatura, Lori e eu decidimos nos candidatar para a NYU.

Lillian não icou feliz, ainda que Nova York ique só a uma hora deFlemington.NãodemoroumuitoparaLorientrarnoagito,começarausardrogas pesadas, principalmente coca. Tínhamos todo um sistema paraquando ela sabia que os pais viriam visitar: limpávamos o quarto que agente dividia, ela escondia as tatuagens, garantia que não houvessenenhuma evidência àmostra,mas chegou a umponto emque não podia

maisesconder.Lillianpiroudevez,insistiuqueLorivoltasseamorarcomela e Reuben, por isso Lori acabou pulando fora daquilo. Depois de sedesintoxicar,voltouàcidadee tentouummilhãodepro issõesdiferentes:instrutora de ioga,manicure, atendente de bar. Foi onde eu conhecimeuprimeiromarido,numdosbaresemqueelatrabalhava.Nãodurou.Nemotrabalhonemomarido.Então,donada,Loriseinscreveunumcursodemoda,convenceuReuben

eLillianapagar,masnãoseiondeelesarranjaramagrana.Euachavaqueera só outra tentativa maluca, mas por acaso ela era boa nisso,especialmenteemdesenharchapéus,oqueacabouvirandoobaratodela.Começou a receber contratos, mudou-se para o Brooklyn, onde podiapagar para ter um estúdio. Desenhou um chapéu para o meu segundocasamento, não quis cobrar de jeito nenhum, apesar de estar sócomeçando.Foilogodepoisdefazeraqueledes iledoGallianoqueeladescobriuque

estavagrávida.–Esteeuvoudeixar–a irmouela.–Estouchegandoaos40etalveznão

tenhaoutrachance.Nãoquiscontarquemeraopai,por issosuspeiteidequeelatinhafeito

de propósito. Não vou dizer que ela dormia com deus e o mundo, masgostavadecurtir;nãoviasentidoemmanterumrelacionamento.Elabolouumahistóriamaluca,deque izera inseminaçãoarti icial,para

Lillian não pirar. Eu não pude acreditar que ela iria em frente com isso,nãoparecia certo.Mas ela insistia que era omodomais fácil. Depois queaquelepastorcomeçouafalarqueBobbynãohavianascidodeumhomem– que ele não era natural e todas aquelas bobagens –, eu poderia terretrucadoalgumacoisa,poderiatercontadoaverdade,masacheiquetudoiaacabarsendoesquecido.Quempoderialevaraquiloasério?Durante a gravidez, Lori passou por uma fase religiosa, falava em

mandar Bobby para fazer aulas da Cheder quando tivesse idade,shul, acoisa toda. Síndrome demãe judia, explicava. Não durou. Pensei que elairia pirar quando Lillian e Reuben decidiram semudar para o Brooklyn,maselagostou.–Talveznãosejamáideia,Mona.Eelatinharazão,pelomenosatéoReubenadoecer.TerLillianporperto

tornouacoisamaisfácil.EspecialmentequandoBobbyerabebê.Tudodeuerrado quando Reuben icou mal de verdade e Lori é que teve de darapoio.Maselaeraboanisso.Decertomodoissoafezcrescer.Euaadmireipor ter enfrentado a barra daquele jeito. Mesmo assim... às vezes mepergunto seelaqueriaqueLillianeReubensemudassemparaaFlóridapara não icaremmais no pé dela, se bem que issome faz parecer umavacaabominável,nãoé?Eunãoaculparia.Loriprecisavacuidardemuitacoisa.E o Bobby... Não gosto de dizer isso, mas juro por Deus que depois do

acidente ele virou uma criança diferente. Eu sei, eu sei, talvez fosse sósíndrome pós-traumática, choque ou sei lá o quê. Mas antes de issoacontecer...quandoeleeramenor...Olha,nãoháoutromododedizer.Eleeraumapeste, tinhachiliquesummilhãodevezespordia.Euochamavade Damien, por causa daquele garoto do ilme, e isso deixava Lori louca.Lillian não viametade dessas coisas; Bobby se comportava feito um anjosempre que estava com ela, acho que porque ela o deixava fazer o quequisesseotempotodo.EoReubencomeçouaadoecerquandoBobbytinha2anos,entãoelanão icavacomeletantoassim.Loritambémoestragavacom mimos, dava o que ele quisesse, mas eu argumentava que a únicapessoa que ela estavamachucando era ele. Não quero dizer que ela eraumamãeruim.Nãoera.Elaoamava,eésódissoqueelesprecisam,nãoé?Mas a verdade era que eu não sabia se ele eramimado ou se era o queminhamãechamavadesementeruim.Loriesperavaqueeleseacomodasseaocomeçaraescola.Umadaquelas

escolasartísticastinhaacabadodeabrirnobairroeeladecidiumatriculá-lo. Não adiantou. Dias depois de ele ter começado, ela foi chamada paraconversar sobre as “di iculdades de integração” ou sei lá comodescreveram.Uma vez, quando o Bobby tinha 4 anos, Lori teve que encontrar um

cliente dos bons. Precisava de uma babá e, como Lillian ia levar Reubenparaseravaliadoporumnovomédico,Lorimepediuparatomarcontadomenino.EumoravanumapartamentoemCarrollGardensemeunoivodaépocamederaumagatinha,umacoisinha linda, enós lhedemosonomede Salsicha. En im, deixei Bobby em frente à televisão para poder tomarumbanhoe,enquantoenxugavaocabelo,escuteiumsomagudovindoda

cozinha.Juro,nuncasoubequeanimaispodiamgritardaquelejeito.Bobbyestava segurando Salsicha pelo rabo e balançando-a de um lado para ooutro. Tinha uma expressão no rosto que demonstrava divertimento. Deiumtapaneleenãomeenvergonhodisso.Elecaiuebateucoma testanabancada da cozinha. Sangrou bastante. Precisei levá-lo correndo àemergênciaparatomarpontos.Maselenãochorou.Nemseencolheu.Lorieeu icamosbrigadasporcausadissoduranteumtempo,masnãoduroumuito, tínhamos uma longa história de amizade.Mas foi a última vez queelapediuparaeutomarcontadele.Atéque,depoisdoacidente...pareciaqueeleeraumapessoatotalmente

nova.

DoterceirocapítulodeCuidandodeJess:minhavidacomumdosTrês,dePaulCraddock(escritoemcolaboraçãocomMandiSolomon).

AatençãodaimprensadepoisqueJessfoitransferidaparaaInglaterrafoidiferente de tudo que eu tinha imaginado. As três “crianças-milagre”estavamsetornandorapidamenteahistóriadadécadaeasededopúblicoinglês por notícias sobre o estado de Jess era insaciável. Paparazzi erepórteressensacionalistashaviamacampadonaescadadomeuprédioeo hospital estava quase sitiado. Gerry me alertou para não dizer nadamuitopessoalpelocelular,sóparaocasodeeleestargrampeado.O apoio público que Jess recebeu foi avassalador. Os presentes logo

encheram o quarto dela; pessoas deixavammensagens, lores, cartões elegiõesdebrinquedosdepelúciadoladodeforadohospital–haviatantosquemaldavaparavera cercaemvolta.Aspessoaseramgentis.Era seumododemostrarqueseimportavam.Enquanto isso, meu relacionamento com Marilyn e o resto da Família

Addams ia sedeteriorandodia adia.Eunãopodia evitar encontrá-losnasala de espera e estava icando impossível escapar das exigências deMarilyn para entregar as chaves da casa de Stephen e Shelly. Porém averdadeiraguerra fria só começoudeverdadeem22de janeiro,quandoouvi Jaseconversandocomumdosespecialistasresponsáveispor Jessdoladodeforadoquartodela.Àquelaaltura,elaaindanãoacordara,masosmédicos tinham garantido que não havia sinal de qualquer problemacognitivo.–Porquevocêsnãoconseguemacordarela,porra?–diziaJase,en iando

umdedomanchadodenicotinanopeitodopobremédico.Ohomemassegurouqueestavamfazendotodoopossível.–É–zombou Jase.–Bom,seelaacabarvirandoaporradeumvegetal,

vocêsvãopodermuitobemficarcuidandodela,porra.Foiagotad’água.Paramim,osAddamstinhammostradooqueeramde

verdade. Eu não podia impedir que visitassem Jess, mas eles deveriamsaber que não cuidariam dela de jeito nenhum após ela receber alta.Contatei o advogado de Shelly imediatamente e o instruí a informar aos

AddamssobreosarranjosdeguardafeitosporShelleyeStephen.Umdiadepois,elesestavamnaprimeirapáginadoTheSun. “AvódeJess

cortadadesuavida”.Devo ser justo com o fotógrafo: ele os captara em toda a sua glória

bandida. Mamãe Addams olhando furiosa para a câmera, os irmãos evários rebentos fazendo carrancas em volta, como um anúnciopromovendo os bene ícios do controle de natalidade. Marilyn, emparticular,nãosemostrou tímidaemdeclararseuspontosdevista: “‘Nãoestácerto’,dizMarilyn(58).‘OestilodevidadePaulnãoémoral.Eleégaye nós somos cidadãos íntegros. Uma família. Jess icaria melhor com agente.’”OTheSunnãodeixouescaparnada,éclaro.Puseramasmãosnumafoto

minha tirada na parada gay do ano anterior, vestindo um tutu egargalhando commeu companheiro da época, Jackson. Isso foi publicadoemcoresdoladoopostodasfotosdosAddams.Ahistóriaseespalhoucomofogodepalhaenãosepassoumuito tempo

até que os outros tabloides conseguissem publicar fotogra ias minhasigualmente comprometedoras – sem dúvida cortesia de amigos ou ex-amigos.Achoquenãopossoculpá-losporlevantarunstrocados:amaioriatambémeradeartistaslutandoparasobreviver.Mas a maré virou mesmo contra mim quando Marilyn e eu fomos

convidados a comparecer ao programa do Roger Clydesdale. Gerry mealertouparanão ir,maseunãopoderiadeixarqueMarilyn falasseoquequisesse sem ser questionada, poderia? Eu havia conhecido Roger numlançamento midiático alguns anos antes e, nas poucas ocasiões em queassistira ao seu programa matinal sobre “atualidades”, ele fora bastanteduro com os que chamava de vampiros da previdência. Ingenuamente,supusqueeleestariadomeulado.Aatmosferadentrodoestúdiopareciaelétricadeansiedade;davapara

verqueaplateiaestavababandoparaassistiraumquebra-pau.Não icoudesapontada. A princípio, vou ser honesto, achei que ele pendia para omeu lado. Marilyn estava sentada de qualquer jeito no sofá do estúdio,murmurandorespostas inarticuladasparaasperguntascaracterísticasdeRoger, tipo “por que você não está procurando um trabalho?”. Então, elevirouseuolharpenetranteparamim.

–Vocêtemalgumaexperiênciaemcuidardecrianças,Paul?Respondi que eu cuidava de Jess e Polly desde que elas eram bebês e

reitereiqueStepheneShellyhaviammeescolhidocomoguardiõesdeJess.– Ele só quer a casa! Ele é ator! Ele não se importa com a criança! –

berrou Marilyn, por algum motivo recebendo uma salva de palmas daplateia.Roger fezumaboapausaparadeixarqueo furormorressee jogousua

granada:–Paul,éverdadequevocêtemumhistóricodedoençamental?AplateiaexplodiudenovoeatéMarilynpareceumeioperplexa.Eu não estava preparado para a pergunta. Gaguejei, hesitei e iz um

péssimotrabalhoexplicandomeucolapsocomoumacoisadopassado.Claro,essarevelaçãoprovocou incontáveismanchetesespalhafatosasdo

tipo“MalucovaicuidardeJess”.Fiqueiarrasado,claro.Ninguémgostadevercoisasassimescritasaseu

respeito e eu só podia culpar a mim mesmo por ser tão aberto. Depoisdisso, fuibastantecriticadopelomodocomo lideicoma imprensa.Dentreoutras coisas, fui chamadode “estrelinha”ede “egomaníacoenarcisista”.Mas, independentemente de como a mídia optasse por me chamar, nofundoeusóqueriaomelhorparaJess.Tinhapostominhacarreiradeladopara dedicar todo o meu tempo a ela. Francamente, se eu estivesseinteressado em explorar sua tragédia por dinheiro, poderia ter ganhadomilhões.Não que dinheiro fosse problema: as apólices de seguro de vidade Shelly e Stephen estavam quitadas e houve a indenização que eupretendia colocar numa poupança para Jess. Ela sempre seria bemcuidada.Omotivoparaeuteraparecidoemváriosprogramasmatinaisnãotinha nada a ver com grana e tudo a ver com esclarecer as coisas.Qualquerpessoateriafeitoomesmo.E,vejabem,eutinhamuitacoisapararesolver,masaprioridadeeraJess.

Elaaindanão reagia,mas, aforaasqueimaduras, estavabem isicamente.Euprecisavacomeçaradecidirondeelairiamorar.O Dr. Kasabian, que foi indicado como psicólogo de Jess quando ela

acordasse e começasse a falar, sugeriu que seria melhor para ela icarnumambientefamiliar,oquesigni icavaqueeudeveriamemudarparaacasadoStephen,emChiselhurst.

Entraralinaquelaprimeiravezfoiumadascoisasmaisdi íceisquejá iz.Tudo,desdeasfotosdocasamentoedeescolanasparedesatéaárvoredeNatal secana entradade veículos, que Stephennão chegara a jogar fora,eram lembranças do que Jess e eu havíamos perdido. Quando fechei aportaatrásdemim,ouvindoosgritosdosrepórteresdoladodefora(sim,eles haviamme seguido nessa tarefa dolorosa), eu me senti tão abaladocomonomomentoemquereceberaanotíciatrágica.Masmeobrigueiaenfrentarasituação.PelaJesseuprecisavaserforte.

Andei lentamentepelacasa,desmoronandodevezaoverasminhas fotoscom Stephen na infância, que ele pusera no escritório. Ali estava eu,gorduchoebanguela;ele,esguioesério.Você jamaissaberiaqueéramosgêmeospelaaparência,enossaspersonalidadestambémeramdiferentes.Aos8 anos, eu já sabiaque ia estarnospalcos e Stepheneramuitomaisreservado e sério. Ainda que não andássemos nos mesmos grupos naescola, sempre estávamospróximos e, quando ele conheceu Shelly, nossorelacionamentoseaprofundou.Shellyeeulogogostamosumdooutro.Apesardepartirmeucoração,obriguei-meapassaraquelanoitenacasa

– precisavame aclimatar, pela Jess. Dormi, ainda quemal, e sonhei comStephen e Shelly.Os sonhos eram tão vívidos que eles pareciamestar noquartocomigo,osespíritospresosàcasa.MaseusabiaqueestavafazendoacoisacertaparaJesseagoraseiqueelesmederamabênção.Atéhoje os corposdosdoisnão foramencontrados.NemodePolly.De

certa forma, isso é uma bênção. Em vez de uma viagem terrível paraidenti icá-los em algum frio necrotério português, minhas últimaslembranças deles são do nosso último jantar juntos: Polly e Jess rindo,StepheneShelly falandodas fériasdecididasnaúltimahora.Uma famíliafeliz.Nomeiodetudoisso,nãoseioqueteriafeitosemMel,Geoffeorestodas

pessoas bondosas do 277 Unido. Lembrem-se, eram homens emulheresquetinhamperdidoseusentesqueridosdomodomaishorrendopossível,maselesvieramemminhadefesaemtodasasoportunidades.MeleGeoffaté me acompanharam quando levei meus pertences para a casa, meajudaramadecidir oque fazer comas fotosde família àmostra em todaparte.Resolviguardá-lasatéque Jess jáaceitasse totalmenteamortedospaisedairmã.Elesforamminhasrochasedigoissodofundodocoração.

Não era só a bile derramada pelos Addams e seus sensacionalistas deestimação que tínhamos de enfrentar, ainda mais quando todas ashistórias de conspiração começaram a se disseminar. Mel icou muitoirritada com isso – você não saberia só de olhar,mas ela é uma católicaferrenha e icou genuinamente ofendida com a teoria dos cavaleiros emparticular.Mais ou menos nessa época recebemos a notícia de que estava sendo

planejada uma cerimônia memorial. Os poucos corpos recuperados sóseriam liberados depois do im da investigação, o que poderia demorarmeses,etodossentíamosqueprecisávamosdealgumencerramento.Aindanão sabiam o que havia causado o acidente da Go!Go!, apesar de oterrorismo ter sido descartado, como acontecera com relação a todos osdesastres. Eu tentava não me informar muito sobre a investigação nosnoticiários – isso sómedeixavapior –, apesarde ter icado sabendoqueelessuspeitavamdealgorelativoaumatempestadeelétricaqueprovocarasérias turbulências em outros voos na área. Mel contou que vira asimagensfeitasdosubmarinodaMarinhaenviadoparatentarrecuperaracaixa-preta dos destroços no fundo do oceano. Disse que lá embaixoparecia pací ico demais; a parte domeio do avião parecia quase intacta,acomodadapara sempreemseu túmulomarítimo.Confessouqueaúnicacoisaqueamantinhadepéeraopensamentodequetudoforarápido.Nãosuportavaa ideiadequeDanielleeosoutrospassageirossoubessemqueiammorrer,comoaquelescoitadosnovoojaponêsquetiveramtempoparadeixarmensagens.Eusabiaoqueelaqueriadizer,masagentenãopodepensarassim,nãopodemesmo.AcerimôniamemorialseriarealizadanacatedraldeSaintPaul,comuma

adicional na Trafalgar Square, para o público. Eu sabia que a FamíliaAddams estaria lá, sem dúvida com seu repórter predileto doThe Sun areboque,eestavacompreensivelmentenervoso.De novo, Mel, Geoff e seu exército de amigos e familiares vieram me

resgatar. Ficaram domeu lado durante todo aquele dia sofrido. Para serhonesto, eles vinham de uma situação igual à da família de Shelly. Geoffestava desempregado havia anos e eles moravam num conjuntoresidencial emOrpington, nãomuito longedeondeosAddamsmoravam.Nãoseriaestranhosetivessem icadodoladodeMarilynecompanhia,até

porque eu estava sendo tachado de “esnobe com aspirações artísticas”.Masnão icaram.Quandochegamosàcerimônia,poracasonamesmahoraqueosAddams(issoéqueédestino,nãoé?Haviamilharesdepessoaslá),MelpôsumdedonacaradeMarilynesibilou:–Sevocêcausarencrencaaqui,eudounasuacara,ouviu?Marilynusavanacabeçaumamantilhapretaebarataquefazialembrar

umaaranhagigantee,apesardepermanecerimpassível,seurostotremeuindignado. Jase e Keith se eriçaram, mas os dois foram encarados porGavin,o ilhomaisvelhodeMeleGeoff,umsujeitodecabeçaraspadacomcorpoe aparênciade segurançadeboatede striptease.Mais tarde iqueisabendo que ele “tinha ligações”. Um cara da pesada. Alguém com quemvocênãoiriaquerermexer.Eupoderiatê-loabraçado.Não vou falar da cerimônia propriamente dita, mas uma parte em

particularmetocou:a leituradeKelvin.Elehaviaescolhidoaquelepoemade W. H. Auden,Parem todos os relógios , que a maioria das pessoasconhece do ilmeQuatro casamentos e um funeral . Poderia icar piegas,mas ali estava aquele cara enorme e cheio dedreadlocks, lendo comdignidade discreta. Quando recitou o verso “Que os aviões circulemgemendoláemcima”,dariaparaouvirumalfinetecaindo.Eu mal havia saído da catedral quando recebi o telefonema do Dr.

Kasabian:Jesstinhaacordado.NãoseicomoosAddamsdescobriramqueelasaíradocoma–presumo

quealgumaenfermeira tenha ligado–,masaochegaraohospital, comasemoções ameaçando me sufocar, lá estavam eles, esperando do lado deforadoquarto.O Dr. K sabia tudo sobre nosso relacionamento precário – ele não era

nenhumermitão–einsistiuqueaúltimacoisadequeJessprecisavaagoraera uma atmosfera tensa. Carrancuda, Marilyn concordou em fechar abocaemandouqueTioChicoeGomezesperassemdoladodefora.Fomoslevadosparaoquarto.Marilyn,comamantilhaaindatremendoindignada,certi icou-se de chegar primeiro perto da cama de Jess, quase meempurrandoparaforadocaminho.–Soueu,Jessie.Vovó.Jess olhou-a inexpressivamente. Depois estendeu a mão para mim. Eu

gostaria de dizer que ela sabia quem nós éramos, mas não haviareconhecimentonosseusolhos,oqueeracompreensível.Masnãoconsigodeixar de pensar que ela olhou para nós, avaliou-nos e deduziu, de cara,quemseriaomenordedoismales.

ChiyokoeRyu.

Mensagemenviadaem21/01/2012,às19h46

RYU:Vocêtáaí????

Conversainiciadaem21/01/2012,às22h30

CHIYOKO:Voltei.

RYU:Quando?

CHIYOKO:Tipounscincominutos.

RYU:24horassemnenhumamensagem.Nadadevocê.Foi...estranho.

CHIYOKO:Quefofo.Oquevocêfezenquantoeunãotavaaqui?

RYU:Odesempre.Dormi.Comialgumacoisa,viumepisódioantiquíssimodeBem-vindoàNHK,masfoisópramatarotempo.E,ei...vocêmentiu.

CHIYOKO:Comoassim?

RYU:EutevinaTV.Vocêébonita.É...vocêsepareceumpoucocomHazukiHitori.

CHIYOKO:…

RYU:Desculpa.Nãoqueriatedeixardesconfortável.Desculpeestenerdidiota.(<^_^>)\

CHIYOKO:Comovocêsoubequeeraeu?Eunãotavausandocrachá.

RYU:Sópodiaservocê.VocêtavaaoladodoHiro,depéatrásdoseutio,tôcerto?TinhaquasetantasimagensdeHiroeKenjiquantoda...ComoémesmoonomedaquelamulhermalucadoministroUri,queacreditaemaliens?

CHIYOKO:AikaoUri.

RYU:É,isso.Entãoeravocê?

CHIYOKO:Talvez.

RYU:Eusabia!Acheiquevocêtinhaditoquenãocurtiamoda.

CHIYOKO:Nãocurto.Chegadecoisaspessoais.

RYU:Desculpadenovo.Eaí,comofoi?

CHIYOKO:Foiumacerimôniamemorial,comovocêachaquefoi?

RYU:Tôdeixandovocêmal-humorada?

CHIYOKO:Ei,eusouaprincesadegelo.Tôsempredemauhumor.Eu

contosevocêquisersaber.Vocêquermuitosdetalhes?

RYU:Querosabertudo.Escuta...seiqueissovaicontraasregras,mas...vouperguntar:querpassarproSkype?

CHIYOKO:…

RYU:Vcaindatáaí?

CHIYOKO:Vamoscontinuarcomosempre.

RYU:Oqueformelhorpravocê,princesadegelo.Agoraseicomovocêé.Vocênãopodeseesconderdemim(wwwwwwwwwwwwww).Desculpa,chegaderisomaligno.

CHIYOKO:Éestranhovocêconhecermeurosto.Comosevocêtivessepodersobremimoualgodotipo.

RYU:Ei!Euteconteiminhaverdadeiraidentidadeprimeiro.Vocênãopodeacreditarcomofoidifícil.

CHIYOKO:Eusei.Tôsendoparanoica.

RYU:Euteconteicoisasquenuncaconteianinguém.Vocênãomejulga.Nãoficameolhandoquenemasvacasvelhasdavizinhança.

CHIYOKO:Comoeupoderia?Agentemoraembairrosdiferentes.

RYU:Vocêentendeu.Euconfioemvocê.

CHIYOKO:Masconheceminhaaparênciaeeunãoconheçoasua.

RYU:Vocêémaisbonitadoqueeu.(^_^)

CHIYOKO:Chega!!!

RYU:Ok.Entãodiga,comofoi?Pareceuumnegóciobememocionante.Notemplo...Todasaquelasfotosdospassageiros...Pareciaquenãoiaacabarnunca.

CHIYOKO:Foi.Querodizer,emocionante.Nemaprincesadegeloconseguiunãoserafetada.Eram526pessoas...Nemseiporondecomeço.

RYU:Começadocomeço.

CHIYOKO:Ok...Bom,eutedissequeagenteprecisavasairbemcedo.Pelaprimeiraveznavida,papaitirouodiadefolgaeaCriaturaMãefalouqueeupodiamevestirdepreto,masnada“namodademais”.Eurespondi:ei,semproblema,CM.

RYU:Vocêtavabonita.

CHIYOKO:Ei!

RYU:Desculpa.

CHIYOKO:PorcausadostatusdoTioAndroide,agenteconseguiuacomodaçãonumapousadapertodolagoSaiko,assimnãoprecisamosiremboralogodepois,comoamaioriadasfamíliasdasvítimas,sebemqueummontedelastavahospedadanoHighlandResortoualgumoutrohotelturísticodomonteFuji.

CHIYOKO:Nossapousadaeraemestilojaponês,administradaporumcasalmuitovelhoquenãoconseguiatirarosolhosdoTioAndroide.Amulherficavafalandootempotodo,seoferecendopratrazercháedizendocomochegaraoonsenmaispróximo,comoseagenteestivesseládeférias.

RYU:Pareceosmeusvizinhos.

CHIYOKO:É.Muitoenxeridos.Quandochegamos,anévoadamanhãtavabaixandoefaziafrio.CMnãoparoudefalardurantetodoocaminhoatélá,apontandopraondeomonteFujiestariasedessepraver–anuvemescondeueleodiatodo.OTioAndroiderecebeuagente,eletinhachegadodeOsakananoiteanterior,comHiroeairmãdeumadasassistentesdolaboratório,praquemeletinhapedidoajudapracuidardoHiro.SeiqueCMficouofendidaporqueelevoltoupraOsakadepoisdeoHirosairdohospitalemvezdeficarcomagente,maselafezumacaraeducadaerespeitosa.

CHIYOKO:OTioAndroidepareciamuitomaisvelhodoqueeulembrava.

RYU:Vocêachaqueelefazorobôdeleparecermaisvelhoàmedidaqueenvelhece?

CHIYOKO:Ryu!Nemparecevocê,tãosinistro!!!

RYU:Desculpa.EoHiro?

CHIYOKO:EletavadormindoquandoCM,papaieeuchegamos,aindaerabemcedo,lembra?AassistentedoTAfezumareverênciaprameuspais,bajuloueles,dandoumsorrisoafetadoproTioAndroide.Davapraverqueelatavaafimdele.QuandoCM,papaieoTioAndroideforampraoutrasalaconversaremparticular,elaagarrouocelularecomeçouadigitarmensagensfeitoumalouca.

RYU:Achoqueeuviela!Cabeção.Caradepastel.Gorda.

CHIYOKO:Comovocêsabequenãoeraeu?

RYU:Seera,sintomuitomesmo.Nãoqueriaofender.

CHIYOKO:Claroquenãoeraeu!

RYU:o(__)oDesculpaaminhaidiotice.

CHIYOKO:Étãofáciltesacanear!QuandomeuspaiseoTioAndroideterminaramdeconversar,voltarameagenteficoujuntoecomeçouumaconversamuito,muitosemjeito.“PrecisoiracordaroHiro”,disseoTioAndroide.“Tánahora.”Aassistentefalou:“Deixaqueeuvou.”VouchamareladeCaradePastel.Elafezumareverênciababacaesaiudasala.Essapartefoiengraçada.Agenteouviuumberroeeladesceuaescadacorrendoegritando:“Aiii,Hiromemordeu!”

RYU:Hiromordeuela?Sério????

CHIYOKO:Elamereceu.ACriaturaMãefalouqueHiroprovavelmentetavatendoumpesadeloeacordouassustado.DavapraverqueelatambémnãogostoumuitodaCaradePastele,pelaprimeiraveznavida,fiqueifelizporestarpertodela.OTioAndroidesubiuprapegarele.Hirovestiaumterninhopreto,osolhosinchadosdesono.Depoisdisso,oTioAndroidemalolhoupraele,nemfaloucomele.

RYU:Comoassim?

CHIYOKO:Deviaachardolorosoolharpraele,comoseoHiroofizesselembrarmuitoatiaHiromi.Fisicamente,Hironãotemnadaavercomela,mastalvezosdoisfossemparecidosdealgumaforma.Possocontinuar?

RYU:Porfavor.

CHIYOKO:OHiroolhoupragenteumporume,quandomeviu,veioarrastandoospésesegurouminhamão.Aprincípio,eunãosabiaoquefazer.Osdedosdeletavamgelados.CMpareceusurpresaporqueoHirotinhameescolhidoeficoutentandoatrairele.Maseleseencostouemmimeeuouvielesuspirar.

RYU:Achaquevocêlembraamãedele?

CHIYOKO:Talvez.Talvezeletenhapercebidoqueorestodaspessoasnasalaeramumasporrasdeunsfracassados.

RYU:!!!!

CHIYOKO:Entãofomosdecarroaolugardomemorialeaotemplo.Aindaeracedo,masjátinhamilharesdepessoaseummontãoderepórterese

câmerasdeTV.QuandoaspessoasviramoHiro,foiumsilênciosúbito–eleaindaserecusavaasoltarminhamão–etudoquedavapraouvireramoscliqueseoszumbidosdascâmeras.Váriaspessoasfizeramreverênciarespeitosamente,maseunãosabiasetavamfazendoissoproTioAndroideouproHiro.EraestranhoestarnocentrodasatençõesedavapraverqueaCaradePasteltavaadorandoaquilo.PapaicontinuoucomaexpressãovaziaeCMnãosabiapraondeolhar.Amultidãoatérecuoupraqueagentepudesseirdiretoprestarhomenagemàfotodatitiasemesperarnafila.Aindatavaenevoado,oarcheiodeincenso.Tôenchendoosaco?Contandodetalhesdemais?

RYU:Não!Tôcomovido.Vocêdeveriaserescritora.Suaspalavrassãolindas.

CHIYOKO:Táfalandosério??????

RYU:Tô.

CHIYOKO:Ha!Digaissoaopessoalquecorrigeasprovas.

RYU:Porfavor,continue.

CHIYOKO:Enquantoagentetavalá,teveumaagitaçãonamultidãoeumamulherpequenachegoupertodagente.Nãoreconhecielalogo.EntãopercebiqueeraamulherdocomandanteSeto.Elaévelha,tempelomenos40anos,masémuitomaisbonitapessoalmente.

RYU:IssonãopassounaTV.

CHIYOKO:Elafoicorajosaemir,aindamaisporquemuitosescrotos

continuavamfalandoqueoacidenteeraculpadocomandanteSeto.Issomedeixatãofuriosa!Especialmenteporqueosishoprovaramqueeletavacalmoecontroladoatéoúltimoinstante.Alémdisso,temaquelafilmagemfeitacomumtelefone,queaqueleempresáriofezquandoacabinetavacheiadefumaça,entãoeraobviamenteumproblemamecânico.Amulherdeleseportavademaneiramuitodignaecalma.FezumareverênciaproHiro,masnãofalou.Agoraachoqueeudeveriaterditoalgumacoisapraela.Queriadizerqueeladeveriasentirorgulhodoqueomaridofez.Depoiselafoiembora.Nãovieladenovo.

RYU:Devetersidoumnegócioprofundo.

CHIYOKO:É.VocêprovavelmenteviuorestonaTV.

RYU:Vocêfaloucomoprimeiro-ministro?

CHIYOKO:Não.Eleparecemuitomaisvelhoemenornavidareal.Ocabeloeramuitoralo.Oventolevantavaunsfiosedavapraverocourocabeludo.

RYU:!!!!!

CHIYOKO:Ei,vocêouviuodiscursodoTAfalandoquetiaHiromieramuitoimportanteequeelefariaomáximoprahonraramemóriadelaenquantocriasseoHiro?

RYU:Claro.

CHIYOKO:Atéeuquasechorei.Nãoforamsóaspalavras,eraaatmosfera.Tôcomeçandoaparecerumaespéciedepiradaespiritualista,né?

RYU:Não.Deuprasentiraatmosferaatéaquinomeuquartodemerda.

CHIYOKO:EotempotodooHiroficavasegurandoaminhamão.Euolhavapraverseeletavalegal,eCMeaCaradePastelcompetiampraverquempaparicavamais,maseleagiacomoseelasnemestivessemali.

RYU:Aquelaamericanaquetavanoavião...Foiafilhadelaquefalou,nãofoi?Ojaponêsdelaébom.

CHIYOKO:É.Aquelamensagemqueamãedeladeixou...Oquevocêachaqueelatavatentandodizer?“Omenino,omenino...”VocêachaqueelaviuoHiroantesdemorrer?

RYU:Nãosei.Meuinglêséruimeeusóliatradução.Táhavendoummontedeespeculaçãono2-chanenoTokoZsobreisso.

CHIYOKO:Porquevocêperdetemponessessites?Falasério!Oqueestãodizendoagora?

RYU:Aquelacoisaqueelafalousobreosmortos.Achamqueelaviuosespíritosdosmortos.

CHIYOKO:É,certo.Comoseelanãoestivessefalandodacoisamaisóbvia:daspessoasreaisquemorreramnoacidente.Aspessoassãoidiotas.

RYU:Vocêviuafotodela?

CHIYOKO:Qual?

RYU:Adaquelesiteamericano,AutópsiadeCelebridades.Queaquelerepórtertirouantesqueosjornalistasfossemimpedidosdeiraolocal.Éhorrível.

CHIYOKO:Porquevocêfoiverisso?

RYU:Seguiumlink,meperdi...Ei...desculpaperguntar...Massuatiadeixoualgumamensagem?

CHIYOKO:Nãosei.Meutionãodissenada.Sedeixou,aimprensanãovazouprasrevistas.

RYU:Bom...edepoisdasbênçãosedosdiscursos,oqueaconteceu?

CHIYOKO:Voltamosprapousada.CaradePastelinsistiuqueoHiroprecisavatirarumcochiloedessavezelefoicomela,quietinho.Elenãodissenenhumapalavraodiatodo.ACriaturaMãedizqueéporqueeleaindatátraumatizado.

RYU:Claroquetá.

CHIYOKO:Maistarde,aCaradePasteltentoufofocarcomigo,masdeimeumelhorolhardefelinomalignoeelacaptouamensagemepassouorestodotempofalandonocelular.TAmalfalouumapalavra,apesardeCMtentarconvencereleafalarsobreoquefazercomosrestosdetitia,quandofossemliberados.

RYU:Iaterumacremaçãoemmassa,né?

CHIYOKO:É.Masvaiterduas:umaaquieoutraemOsaka.TitianasceuemTóquio,masmoravaemOsaka,logovãoterquedecidiroquefazer.MasaCriaturaMãeconseguiuconvencereleapassarunsdiascomagentenacidadeantesdeirpraOsaka.

RYU:Sério?KenjiYanagidatánasuacasa????Agora?

CHIYOKO:É.EoHirotádormindonaminhacama,aummetrodeondetôsentada.

RYU:EaCaradePastel?

CHIYOKO:CMdissepraelavoltarpraOsaka,falouqueelanãoeranecessária.

RYU:ApostoqueissochateouaCaradePastel.

CHIYOKO:É.Pelaprimeiravez,sentiorgulhodeserfilhadaCM.

RYU:Outraperguntadifícilequevocênãoprecisaresponder...vocêfoiaolocaldoacidente?Ouvidizerqueumasfamíliaspediramprairnodiaseguinte.

CHIYOKO:Não.Elesarranjaramváriosônibuspralevarquemquisesse,partindodaestaçãodeKawachiko.Euqueriair,masaCriaturaMãeepapaiqueriamvoltarpracidade.Masalgumdiavou.Ah,esquecidedizer:depoisdacerimônia,aquelecaraqueencontrouoHiroveiocumprimentaragente.

RYU:Otalrastreadordesuicídios?

CHIYOKO:É.

RYU:Comoeleera?

CHIYOKO:Ah...quieto,maspareciaotipodepessoaemqueagentepodeconfiar.Triste,masnãodeprimido,seéqueissofazsentido.Estilodasantigas.Esperaaí.ACriaturaMãetámechamando.Precisoir.

RYU:

Conversainiciadaem22/01/2012,às10h30

CHIYOKO:Ryu,vctáaí?

RYU:Sempre.Oquefoi?

CHIYOKO:TAacaboudedescobrirqueaCaradePastelandoumandandoe-mailsproShukanBunshun,tentandovenderahistóriadela.ACriaturaMãetáfuriosa,oTioAndroidetáardendoderaiva.ACriaturaMãeperguntouseelequerqueoHirofiqueaquienquantoelevoltaaOsakapraevitartodaaatenção.Elaofereceumeusserviçoscomobabá.

RYU:Oquê?VOCÊcuidardogaroto?

CHIYOKO:É.Vocêachaqueeuvoutentarcorromperele?

RYU:Vocêvai?Querodizer,nãocorromper,mascuidardele?

CHIYOKO:Vocêsabecomoéacoisaaqui.Oquemaiseupossofazer?Nãodápraeupulardeempregoememprego.

RYU:VocêpodesejuntaràminhaganguedaYakuza,gata.Agenteprecisadepessoasboas.

CHIYOKO:Clichêdemais.Olha,precisoir.CMquerconversaaaaaardenovo.

RYU:Ok,memantenhainformado.

CHIYOKO:Podedeixar.Eobrigadaporestaraí.

RYU:Sempre

ODr.PascaldelaCroix,professorfrancêsderobótica,atualmentetrabalhandonoMIT,foiumadaspoucaspessoascomquemopaideHiroYanagida,orenomadoespecialistaemrobóticaKenjiYanagida,concordouemfalarnassemanasdepoisdoacidentequetirouavidadesuaesposa.

Conheço Kenji há anos. Nós nos conhecemos na Exposição Mundial deTóquio em 2005, quando ele revelou o Surrabot #1, seu primeiro cloneandroide. Fiquei cativado imediatamente – que habilidade! Apesar de oSurrabot #1 ser um dos primeirosmodelos, mesmo na ocasião vocêmalconseguia diferenciá-lo do Kenji. Muitas pessoas na nossa áreadesconsideraram o trabalho dele como sendo narcisista ou excêntrico,zombavamdofatodequeofocodeKenjieramaisapsicologiahumanadoque a robótica,mas eu, não.Outras pessoas consideraramo Surrabot#1profundamente perturbador, já que ele penetra no vale misterioso queexistedentrode todosnós.Atéouvipessoasdizeremque criarmáquinasidênticas aos seres humanos não é ético. Que bobagem! Se podemosentender edecifrar anaturezahumana, semdúvida essa é a tarefamaiselevada,nãoé?Deixe-me prosseguir. Nósmantivemos contato ao longo dos anos e, em

2008,Kenji,aesposaHiromieo ilhovieramsehospedarcomigoemParis.Hiromi não falava muito inglês, portanto a comunicação com ela eralimitada,masminhaesposa icouencantadacomHiro.“Osbebêsjaponesessãotãocomportados!”Achoque,sepudesse,euoteriaadotadonaépoca!Por acaso eu estava em Tóquio quando ouvi a notícia sobre o acidente

aéreoeofalecimentodaesposadeKenji.Soubedeimediatoquedeveriairvê-lo,queeleprecisariadosamigosmaisdoquenunca.Vejabem,eutinhaperdido meu pai, de quem eu era muito próximo, para o câncer no anoanterior,eKenjihaviasidomuitogentil comsuascondolências.MasKenjinãoatendeuao telefoneeseusassistentesnaUniversidadedeOsakanãoquiseram revelar onde ele se encontrava. Nos dias seguintes, surgiramfotos dele em toda parte. Não era a loucura da mídia que se seguiu àsobrevivênciadomeninoamericanoedapobremenininhadaInglaterra–os japoneses não são tão intrusivos –,mas, ainda assim, ele era o centrodas atenções. E os boatos loucos! Tóquio inteira parecia fascinada pelo

Hiro. Ouvi histórias dos funcionários do hotel, de que algumas pessoasacreditavam que omenino abrigava os espíritos de todos quemorreramnoacidente.Nãofaziaomenorsentido!Pensei em ir à cerimôniamemorial,mas achei que não seria adequado.

QuandoouvidizerqueKenjihavia retornadoaOsaka,decidique, emvezde voltar para casa, faria uma última tentativa de vê-lo e reserveipassagemnovooseguintedisponívelparaOsaka.Àquelaaltura,o tráfegoaéreoestavaquasenormal.Não me envergonho de ter usado minha reputação para entrar no

laboratório dele na universidade. Seus assistentes, muitos dos quais euconhecia, foram respeitosos, mas me informaram que ele não estavadisponível.E então eu vi seu androide. O Surrabot #3. Estava sentado no canto da

sala e uma jovem assistente parecia falar com ele. Eu logo soube que oKenjiestavafalandoatravésdorobô;euovirafazerissoantesemmuitasocasiões. De fato, se recebesse o convite para fazer uma palestra e nãopudessesairdauniversidade,mandavaorobôefalavaatravésdele!Querqueeuexpliqueumpoucocomofuncionaomecanismo?Vouusara

linguagemmaissimplespossível.Eleécontroladoremotamente,atravésdeumcomputador.Kenjiutilizaumacâmeraparacapturarosmovimentosdorostoedacabeça,quesãotransmitidosparaservomotoresdentrodaplacafacial do androide. É assimque ele repete as expressões faciais deKenji.Ummicrofoneregistrasuafala,queéemitidapeloalto-falantenabocadorobô, até mesmo sua entonação. Também há um mecanismo dentro dopeito–similaraousadopelos fabricantesdebonecasdesexshopdealtonível–quesimulaarespiração.Podesermuitodesconcertantefalarcomoandroide.Àprimeiravista,vocêachaqueéoKenji.Eleatémudaocabelodorobôsemprequecortaoseu!Insistiemfalarcomoandroideedisse,semhesitar:–Kenji,lamentomuitooqueaconteceucomaHiromi.Seioquevocêestá

passando.Porfavor,seeupuderfazeralgumacoisa,ésóavisar.Houveumapausae,então,oandroidefaloualgoemjaponêsàassistente.

Ela me disse “Venha” e pediu que eu a seguisse. Levou-me por umaquantidade espantosa de corredores até descermos para uma área noporão. Recusou-se educadamente a responder qualquer perguntaminha

sobreobem-estardeKenji enãopudedeixardeadmirar sua lealdadeaele.Elabateunumaportasemidentificação,quefoiabertapelopróprioKenji.Fiquei chocadoaovê-lo.O fatode ele ter envelhecido terrivelmente era

mais perceptível ainda após minha conversa com o androide. O cabeloestava desgrenhado e Kenji tinha olheiras profundas. Ele disse algo comrispidez à assistente – o que não era do seu feitio, eu nunca o vira serdescortêsantes–eelasaiudepressa,deixando-nosasós.Dei-lhe meus pêsames, mas ele mal pareceu ouvir. Mantinha o rosto

impassível;sóosolhosdemonstravamalgumsinaldevida.Agradeceuporeuteridotãolongeparavê-lo,masafirmouquenãoeranecessário.Pergunteiporqueeleestavatrabalhandonoporão,enãonolaboratório,

eelerespondeuqueestavacansadode icarpertodepessoas.Aimprensanão tinha parado de assediá-lo desde a cerimônia memorial. Então meindagou se eu queria conhecer sua última criação e me chamou paradentrodasala.–Ah!–exclameiaoentrar.–Vejoqueseufilhoveiovisitá-lo.Mas antes de terminar a frase, percebi o erro. A criança sentada na

cadeirinhapertodeumdos computadoresdeKenji não erahumana.Eraoutradesuasréplicas,umSurrabot.–Esseéoseuúltimoprojeto?–perguntei,tentandoesconderochoque.Pelaprimeiravezelesorriu.–Não.Fizissonoanopassado.Então, ele indicou o canto mais distante da sala, onde um Surrabot

vestindoquimonobrancoestavasentado.Umrobôfeminino.Fui até ela. Era linda, perfeita, com um leve sorriso nos lábios. O peito

subiaedesciacomoseestivesserespirandoprofundamente.–Essaé...?–Eunãoconseguicompletarafrase.–É.ÉHiromi,minhamulher.–Semafastaroolhardela,eleacrescentou:

–Équasecomoseaalmadelaaindaestivesseaqui.Tentei indagarporque ele sentianecessidadede construir uma réplica

de sua esposa falecida,mas a resposta é óbvia, não é? Ele evitouminhasperguntas,mascontouqueHiroestavaemTóquiocomparentes.Nãofaleioqueeupensava:“Kenji,vocêtemum ilhovivo.Queprecisade

você.Nãoseesqueçadisso,amigo.”

Nãosónãoeradaminhacontacomoeusabiaqueosofrimentodeleeragrandedemaisparaouviroqueeudizia.Porissofizaúnicacoisaquepoderiafazer.Saí.Doladodefora,nemabelezadacidadeconseguiumeacalmar.Euestava

inquieto,comosealgumacoisanoeixodomundotivessesemovido.Enquanto eu estava ali parado, olhando para o prédio da universidade,

começouanevar.

MandiSolomonéaghost-writer/coautoradabiografiainacabadadePaulCraddock,CuidandodeJess:minhavidacomumdosTrês.

Meu principal objetivo quando conheço uma pessoa sobre quem vouescrever é ganhar a con iança dela. Geralmente há um prazo apertadopara os livros de memórias de celebridades, por isso em geral precisotrabalharàspressas.Amaioriadosmeusclientespassouacarreiravendorevelações comprometedoras ou apenas besteiras escritas sobre si (ousuas agênciasdedivulgação colaboraremcomasbesteiras), por isso elessãotreinadosparamanteroeuverdadeirooculto.Masosleitoresnãosãoidiotas,conseguemfarejarfalsidadesaquilômetrosdedistância.Paramiméimportanteincluirmospelomenosumpoucodematerialnovo,equilibraromaterial de divulgação de sempre com algumas revelações genuínas ecoisas chocantes. Não tive esse problema com o Paul, claro: ele estavadisposto a cooperar desde o início. Meus editores e o agente deleassinaramocontratoem temporecorde.Queriamahistóriadecomo Jessestavalidandocomtudo;sabiamquehaveriamuitosholofotessobreelaenãoseenganaram.Ahistóriafoificandomaioracadadia.Nosso primeiro encontro foi num café em Chiselhurst, no início de

fevereiro. Jess ainda se encontrava no hospital e Paul estava ocupadolevandoascoisasdeleparaacasadela,preparandoolugarparaquandoasobrinha voltasse. Minha primeira impressão sobre ele? Era bastantecharmoso,inteligente,umpoucoafeminado,claro,masa inaldecontaseleé–ouera–ator.Amortedoirmãooabaloumuito,comoeradeseesperar,equandotoqueinoassuntohouvealgumas lágrimas,maselenãopareciaembaraçadopordemonstraremoçõesnaminhafrente.Efoinotavelmentehonesto comrelaçãoaoprópriopassado, ao fatodeque, aos20epoucosanos, bebeu demais, experimentou drogas, foi um tanto promíscuo. Nãoentrou em detalhes sobre sua passagem pelo Hospital PsiquiátricoMaudsley, mas também não negou. Disse que o colapso foi devido aoestresse depois de uma frustração pro issional. Nem por um segundopensei que ele fosse incapaz de cuidar de uma criança. Se alguém meperguntasse, após aquele primeiro encontro, o que eu pensava dele,

comentaria que era um bom sujeito, talvez um pouco obcecado consigomesmo,masnadacomparadocomalgumaspessoascomquemlidei.Depoisdeganharacon iançadosclientes,euentregoaelesumgravador

digital e os encorajo a falar no aparelho o máximo possível, sem pensarmuito no que está dizendo. Sempre os tranquilizo garantindo que nãousarei nenhuma informação com a qual eles estejam desconfortáveis.Muitos insistem num contrato abordando isso, o que para mim não énenhumproblema.Semprehámodosdecontornaressetipodecoisae,dequalquer maneira, a maioria deles gosta de acrescentar um tempero àhistória da própria vida. Você icaria espantada com a rapidez com queeles se acostumam ao método do gravador; alguns deles o usam comoterapeuta pessoal. Já leuLutando pela glória, a biogra ia de Lennie L., olutador deMMA? Foi publicada no ano passado.Nossa, as coisas que eledizia!Sópudeusarmetade.Comfrequênciaeledeixavaoaparelholigadoenquantofaziasexoeeucomeceiaacharqueeradepropósito.Paulseadaptouaométododogravadorcomoumpatonaágua.Noinício,

as coisas pareciam ir bem. Fiz um esboço dos três primeiros capítulos emandei um e-mail detalhando o que mais achava que a gente poderiaprecisar.Osdownloadsvinhamcomaregularidadedeumrelógioeentão,cerca de uma semana depois de Jess voltar para casa, pararam. Euimaginei que ele estivesse atolado lidando com Jess, a imprensa e osmalucosquenãoodeixavamempaz,por issocobriabarradeledurantemais ou menos ummês. Ele prometia que memandaria mais coisas. Donada, anunciou que o livro estava cancelado. Meus editores icaramfuriosos,ameaçaramprocessar.Vejabem,tinhampagadoadiantamento.FoiMelqueachouopendrivequePauldeixouparamimnumenvelope

na mesa de jantar, com meu nome e o número do meu telefone. Euentreguei à polícia, claro,masnão antes de fazer uma cópia. Pensava emtranscrevê-lo, talvez publicar mais tarde, mas não consegui ouvir depoisdaquelaprimeiravez.Aquilomeapavorou,Elspeth.Morridemedo.

TranscriçãodagravaçãodePaulCraddockde12/02/2012às22h15.

Entãolávamosnósdenovo,Mandi.MeuDeus,todavezquedigoseunomeaquelamúsica do BarryManilow vem naminha cabeça: “Oh, Mandy, youcame and ...” Não lembro o resto da letra. A música era mesmo sobre acachorradele?Desculpa,estenãoéolugarparaserfrívolo,masvocêdisseparaserespontâneoeissoafastaminhamente,vocêsabe,doStephen.Doacidente.Daporratoda.(soluço)Desculpa. Desculpa. Estou bem. Isso acontece às vezes, acho que estousuperandoe aí...Bom.Éo sextodiadesdeque Jess chegou.Parecequeamente dela foi totalmente apagada: as lembranças sobre a vida antes daQuinta-Feira Negra ainda são precárias e ela não se lembra de nada doacidente. Ainda faz o ritualmatutino, como se estivesse desconectada domundo real e precisasse lembrar quem é: “Sou Jessica, você é omeu tioPaul e mamãe, papai e minha irmã estão com os anjos.” Ainda me sintomeioculpadoporcausadosanjos.StepheneShellyeramateus,mastenteexplicar o conceito da morte para uma criança de 6 anos sem falar deparaíso.ODr.Kasabian(meuDeus,umdiadesseseupagueiummicoeochamei de Dr. Kevorkian – não coloque isso no livro) disse que vaidemorar um tempo para ela se ajustar e que as mudanças nocomportamento são normais. Não há sinais de dano cerebral, como vocêsabe,mas eu izmais pesquisas na internet e a síndromepós-traumáticapode provocar coisas estranhas. Mas, vendo pelo lado positivo, ela estámuitomaiscomunicativa,maisdoqueantesdoacidente,seéque isso fazsentido.Aconteceuumacoisaestranhaestanoite,quandoeuaestavacolocando

na cama, mas não sei se podemos usar no livro. Você lembra que eucomentei que estávamos lendoO leão, a feiticeira e o guarda-roupa ?EscolhadaJess.Bom,donadaelaperguntou:“TioPaul,oSr.Tumnusgosta

debeijarhomensquenemvocê?”Eupirei,Mandi. Stephen e Shelly tinhamdecididoque asmeninas eram

novas demais para a conversa sobre pássaros e abelhinhas, quantomaisparaalgomais complexo, então,peloque sei, elesnãohaviamcomentadocomasgêmeasqueeusougay.Eeunãodeixoqueelavejaosjornaisnementrenainternet,principalmentecomtodaabesteiradaqueestãodizendonos Estados Unidos sobre ela e as outras duas crianças. Para nãomencionar o veneno que a porra da Família Addams ica jogando nostabloides ameu respeito. Pensei em perguntar quem lhe dissera que eu“gostavadebeijarhomens”,masresolvinãolevaraquilomuitoasério.Erapossívelquealgumrepórtertivessechegadopertodelaequeopessoaldohospitaltivesseescondidoisso.Elanãoquisdeixarparalá.–Elegosta,tioPaul?Você conhece o livro, não é, Mandi? O Sr. Tumnus é o primeiro animal

falante que Lúcia encontra ao passar pelo guarda-roupa e entrar emNárnia: um sujeitinho com cavanhaque e pernas de cervo, um fauno oualgoassim(eleseparececomopsicólogoquetinhaaparecidologodepoisdeeu icar sabendosobrea Jess).E,para serhonesto,na ilustraçãooSr.Tumnusparecemuitogaycomaecharpezinhaenroladaelegantementenopescoço.Achoquenãoestá foradepossibilidadequeele tivesseacabadode voltar de uma suruba com uns centauros na loresta. Meu Deus. Nãoponha isso também. Acho que eu falei algo como “Bom, se ele gosta, aopçãoédele,nãoé?”econtinueialer.Lemosumbombocadoe iqueimeionervosoao chegarmosàparte em

queAslam,oleãofalante,entrega-seàrainhamáparasermorto.Stephentinhame contado que, quando leu isso para asmeninas no ano passado,elaschorarammuitoePollyteveatépesadelos.MasdestavezJessficoudeolhossecos.–PorqueAslamfariaisso?Éidiotice,nãoé,tioPaul?Decidi não explicar que a morte de Aslam é uma alegoria cristã, Jesus

morrendopelosnossospecados e essababoseira toda, por isso falei algodotipo:–Bom,Edmundotraiuosoutrosearainhamáameaçamatá-lo.Aslamvai

ficarnolugardeEdmundoporqueeleébomegentil.

–Mesmoassiméidiota.Masficofeliz.EugostodoEdmundo.Se você se lembra, Mandi, Edmundo é a criança sacana, egoísta,

mentirosaemimada.–Porquê?–Eleéaúnicacriançaquenãoéaporradeumveadinho.MeuDeus, eu não sabia se dava uma bronca ou se ria. Lembra que eu

comentei que ela havia aprendido um monte de palavrões no hospital?Devetersidocomosporteirosouopessoaldafaxina,porquenãoconsigoimaginaroDr.Kouasenfermeirasfalandosacanagememvoltadela.–Vocênãodeveriafalarcoisasassim,Jess.–Assimcomo?A coisanão funcionadesse jeito.Aporradeumguarda-

roupa...Comoseissofossepossível,tioPaul.Essepensamentopareceudiverti-laeelacaiunosonopoucodepois.Acho que eu deveria me sentir grato porque ela está falando e se

comunicando. Ela não ica visivelmente chateada quando mencionoStephen,ShellyePolly,masaindaécedo.ODr.Kavisouqueeudeveriamepreparar para algum colapso emocional, mas até agora tudo bem. Aindafalta umbocado paramandá-la de volta à escola – a última coisa de queprecisamoséqueascriançaslhecontemoqueandamfalandosobreela–,masestamosindolentamenterumoaumavidanormal.Entãooquemais?Ah, sim, amanhãoDarren,daassistência social, vem

veri icar se eu “estou me saindo bem”. Eu lhe falei sobre ele? Darren élegal, estilo hippie e está domeu lado, dá para ver. Talvez eu precise deuma diarista ou algo assim, apesar de aquela vizinha enxerida, a Sra.Ellington-Burn (o que acha desse nome?) icar pegando nomeu pé paradeixá-la cuidar da Jess.Mel e Geoff falamque também teriamprazer emajudar.Quedupladapesada!Achoquevocêpoderiadizeralgocomo“Mele Geoff continuaram a ser meu suporte enquanto eu lutava com a novacondição de pai solteiro.” Piegas demais? Bom, podemos trabalhar nisso.Você fez um ótimo trabalho com os primeiros capítulos, portanto tenhocertezadequevaificarmaneiro.Esperaaí,deixaeupegarochá.Porra!Merda.Derramei.Ai.Estáquente.

Tudobem...Nenhum maluco telefonou hoje, graças a Deus. O grupo que está

convencido de que Jess é uma alienígena parou depois que eu pedi à

polícia para adverti-los, agora só restam o esquadrão divino e a mídia.Gerry pode cuidar do pessoal do cinema. Ele ainda acha que deveríamosesperar um pouco e leiloar a história de Jess. Parece meio ganancioso,especialmente após o dinheiro do seguro, mas Jess talvez me agradeçaquando estiver mais velha se eu resolver sua vida inanceira. Decisãodi ícil. Não consigo imaginar como aquele garoto americano está sevirando,aatençãodeveser insana.Sintopenadeverdadedaavódele,sebemquepelomenoselaestáemNovaYorkenãonumdaquelesestadosdo Cinturão Bíblico. Acho que com o tempo tudo isso vai ser esquecido.ConteiavocêqueoutrotalkshownosEstadosUnidosestátentandojuntarOsTrês,nãocontei?Destavezéumdosgrandes.QueriamlevarJesseeupara Nova York, mas de jeito nenhum ela vai fazer isso. Então elessugeriramumaentrevistapeloSkype,mastudofoiporterraquandoopaidogaroto japonêseaavódoBobbynegaram.Vaihaver temposu icientepara tudo isso. Em certos dias eu gostaria de desligar omaldito telefone,mas preciso estar disponível para a assistência social e outras ligaçõesimportantes. Ah! Eu contei que vou aparecer noBate-PapoMatutino comRandy e Margaret na semana que vem? Assista e diga o que achou. Sóconcordei porque a programadora simplesmente não desistia! E Gerryacha que é uma chance de colocar as coisas em pratos limpos depois detodaaquelamerdaameurespeitonoTheMailonSunday.

(telefonetocacomotemadeDoutorJivago)

Esperaaí.Era a porra da Marilyn de novo. A essa hora da noite! Não atendi.

Obrigado, identi icador de chamadas. Eles só vão pegar no meu péperguntandoquandovoulevarJessparavisitá-los.Nãopossoenrolarparasempre, porque iriam correr para o repórter sensacionalista prediletodeles noSun e abrir o bico, mas ainda estou esperando um pedido dedesculpasporcausadaquelamatériadifamatórianarevistaChat,dizendoqueeusoumaluco.Esperoquevocênãoestejalevandotodaaquelamerdaasério,Mandi.Achaquedeveríamosfalarmaissobreissonolivro?Gerryachaquedeveríamosdarpouca importância.Nãohámuitoacontar,paraserhonesto.Eudeiumescorregãozinhohádezanos,nãofoigrandecoisa.

Enãosintovontadedebeberdenovodesdeodiaemquerecebianotícia.

(bocejos)

Porenquantoésó.Boanoite.Vouparaacama.3h30

Certo.Certo.Tudobem.Respira.Aconteceuumaporraesquisita.Mandi...Eu...Respirafundo,Paul.Ésóasuacabeça.Sóestánaporradasuacabeça.Fala. É. Porra. Por que não? Posso apagar isso, não posso? Psicologia

narrativa.ODr.Kficariaorgulhoso.

(risoabalado)MeuDeus,estouencharcadodesuor.Ensopado.Tudoestádesvanecendo,masoqueeulembroéoseguinte:Acordeiderepenteesentiquehaviaalguémsentadonabeiradacama–

ocolchãoestavaumpoucoafundado,comosehouvesseumpesoemcima.Sentei-me e senti um pavor gigantesco. Acho que soube instintivamenteque,quemquerquefosse,erapesadodemaisparaseraJess.Achoquefaleialgocomo“Quemestáaí?”.Meus olhos se acostumaram e então vi uma forma escura na beira da

cama.Congelei. Nunca senti um medo igual. Aquilo... Porra,pense, Paul. Meu

Deus.Era como... como seummontede cimento tivesse sido injetadonasminhasveias.Fiqueiolhandoduranteséculos.Aquelacoisaestavasentadafrouxa,imóvel,olhandoparaasmãos.Eentãofalou:–Oquevocêfez,Paul?Comopôdedeixaressacoisaentraraqui?Era o Stephen. Pela voz eu logo soube que era ele,mas a forma estava

diferente.Torta.Mais encurvada, a cabeçagrandedemais.Maseramuitoreal, Mandi. Apesar do pânico, por um segundo iquei absolutamenteconvencido de que ele estavamesmo ali e fui tomado pela alegria e por

alívio.–Stephen!–achoqueeugritei.Estendiamãoparasegurá-lo,maselehaviasumido.

5h45

MeuDeus.Acabeideouvir essa gravação.É tão estranho,nãoé, comoossonhos parecem tão reais na hora, mas somem tão depressa? Devia sermeu subconsciente.Mas eu gostaria que ele fosse direto e deixasse tudoclaro. Não consigo decidir se mando isso para você ou não. Não queroparecer pirado, principalmente com todas as histórias que correm sobremim.Não entendi o que ele quis dizer com “Como pôde deixar essa coisa

entraraqui?”.

PARTEQUATROCONSPIRAÇÃO

FEVEREIRO–MARÇO

SegundorelatodeRebaLouisNeilson,a“amigamaisíntima”dePamelaMayDonald.

StepheniedissequequaseteveumpiripaquequandoouviuoprogramadopastorLensobreamensagemdePamela.DepoisdoestudodaBíblia, elesemprediscutia comopessoalmais próximoo que ia falar noprograma,mas daquela vez não houve prévia. Eu praticamente não dormi após terescutado. Não conseguia imaginar por que ele não havia primeirocompartilhado uma coisa tão importante com sua igreja. Mais tarde elealegouqueaverdadelhevieranaquelediaequeelesesentiuchamadoaespalhar a notícia assim que pudesse. Stephenie e eu concordamos queaquelas crianças não teriam sobrevivido a algo assim sem amão guia deDeus; e aquelas cores nos aviões, combinando com a visão de João emApocalipse,bom,comopoderiasercoincidência?MasquandoLencomeçouafalarquePameraumaprofeta,comoPauloe João,bom,achei issomeiodifícildeengolir,enãofuiaúnica.Eu sei que o Senhor tem um plano para todos nós, um plano que nem

sempre podemos entender, mas Pamela May Donald profeta? A velha esimplesPam,que icavaforadesiaoqueimarosbrowniesparaafestadearrecadaçãodefundosparaoNatal?GuardeiminhasdúvidascomigoesóquandoStepheniepuxouoassuntoaomevisitarquesugerimeupontodevista.Na época nós duas tínhamos todo o respeito domundopelo pastorLen, de verdade, e decidimos não dizer uma palavra a ele ou a Kendrasobrecomonossentíamos.Não que tenhamos visto muito o pastor Len nos dias seguintes ao

programateridoaoar.Nãoseiquandoelearranjavatempoparadormir!ElenemfoiaoestudodaBíblianaquelaquarta-feira:meligouepediuparadirigirareunião.ExplicouqueiadecarroaSanAntonioencontrarumwebdesigner, pois queria começar um fórum na internet para discutir o queelechamavade“averdadesobrePam”,equesóvoltariatarde.–PastorLen,temcertezadequeosenhordeveriaestarmexendocoma

internet?Elanãoéobradodiabo?– Precisamos salvar o maior número de pessoas possível, Reba.

Precisamos levar essamensagem aonde quer que pudermos. – E depoiscitouApocalipse:–“QuandoCristoretornar,todososolhosirãovê-lo.”Bom,comoerapossívelargumentarcontraisso?Minha ilhaDaynamemostrou o site no ar alguns dias depois. O nome

era Profeta Pamela! Havia uma foto enorme da Pamna página principal.Deviaserdeanosantes,jáqueelapareciamaisdeumadécadamaisnovae pelo menos 15 quilos mais magra. Stephenie tinha ouvido dizer que opastor Len estava até naquele tal de Twitter e que já recebia e-mails emensagensdetodocanto.Bom, cerca de uma semana depois de o site entrar no ar, os primeiros

daquelesqueStephenieeeuchamamosdeUrubuscomeçaramaaparecer.A princípio eram principalmente dos condados vizinhos, mas após amensagem do pastor Len se tornar “viral” (Dayna falou que essa é apalavra), chegaram Urubus até de Lubbock. De um dia para o outro, acongregaçãoquasedobroudetamanho.Issodeveriaterfeitomeucoraçãose alegrar: tantas pessoas sendo chamadas ao Senhor!Mas devo admitirque ainda sentia certa dúvida, aindamais quando o pastor Lenmandoufazer uma faixa para pôr do ladode fora da igreja, “Condadode Sannah,lar de Pamela May Donald”, e começou a chamar seu rebanho depamelistas.Ummonte de Urubus também queria ver a casa de Pamela e o pastor

Len tentavaconvencer Jimacobrarentradaparaqueelepudesseusarodinheiropara“levaramensagemmaislonge”.Nenhumadenósachouumaboa ideiaeeuconsidereimeudeverchamaropastorLende ladoe falardas minhas preocupações. Jim podia ter aceitado Jesus no coração, masbebiamais do que nunca. O xerife Beaumont foi obrigado a lhe dar umaadvertênciaporterdirigidoembriagadoumaouduasvezese,semprequeeu ia preparar alguma coisa para Jim comer, ele fedia como se tivessetomado banho de uísque. Eu sabia que Jim não suportaria estranhosincomodando-o dia e noite. Fiquei tremendamente aliviada quando opastorLenconcordoucomigo:–Vocêestácerta,Reba.EeuagradeçoaJesustododiaporsemprepoder

contarcomvocêcomomeubraçodireito.E depois ele disse que a gente deveria icar de olho no Jim, já que “ele

aindaestá lutandocomseusdemônios”.Eu,Stephenieeorestodocírculo

próximo izemosumrevezamentoparagarantirqueeleestavacomendoever se a casanão tinha caídoemdesleixo total enquanto elepassavaporseu período de luto. O pastor Len estava ansioso por trazer as cinzas dePam de volta para os Estados Unidos assim que terminassem asinvestigações, para que pudéssemos fazer uma cerimônia memorialadequada, e pediu que eu descobrisse quando Joanie iriamandá-las. Jimnemquismeouvirfalandonisso.Nãotenhocerteza–elenãoeradecontarnada,nemsob in luênciadoálcool –,masachoqueelenem falava comailha.Davaparaverclaramentequeeletinhadesistido.Aspessoastraziamcomida e leite fresco, mas namaior parte das vezes ele só deixava tudoapodrecer,nemseincomodavaemcolocarnageladeira.Durantealgumassemanasfoimesmoumaloucura,Elspeth!Depois de criar o tal site, o pastor Len ligava para mim ou Stephenie

quasetododia,a irmandoqueossinaisqueeleprevirasurgiamcadavezmais.–Viunosnoticiários,Reba?Tema tal febreaftosana Inglaterra.É sinal

dequeosinfiéisenãotementesaDeusestãosendogolpeadospelafome.E havia aquele vírus que atacou todos os navios de cruzeiro, o que se

espalhouparaaFlóridaeaCalifórnia,eissosigni icavaqueapesteestavase erguendo. E, claro, em termos de guerra, sempre há um monte, comaquelesfanáticosislâmicosquenossospobresecorajososfuzileirostêmdeenfrentareaquelesnorte-coreanosdesatinados.–Enãoésó isso,Reba.Estivepensando...Eas famíliascomqueaquelas

três crianças estão morando? Por que o Senhor escolheria colocar seusmensageirosemlaresassim?Eu precisava admitir que havia algo sensato no que ele dizia. Não só

Bobby Small estavamorando num lar judeu (apesar de eu saber que osjudeus têmseu lugarnoplanodeDeus),masStephenie tinha lidonoTheInquirer que ele era um daqueles bebês de proveta: “Não é nascido dohomem.Não énatural.” Ehavia as tais históriasdeque amenina inglesaera obrigada a morar com um homossexual em Londres e que o pai domenino japonês fazia aquelas abominações, os androides. Dayna memostrouovídeodeumdelesno taldoYouTube; iqueibastantechocada!Era igual aumapessoadeverdade, eoqueoSenhordisse sobreadorarfalsos ídolos? Também havia aquela conversa amaldiçoada de espíritos

malignosmorando na loresta onde o avião de Pam caíra. Senti pena daPam, por ter morrido num lugar tão horrível. Mas na Ásia acreditammesmo em coisas estranhas, não é? Como aqueles hindus com todos osfalsos deuses que parecem animais, com braços demais. É de darpesadelos.OpastorLenpôstudoissonositedele,claro.Não lembroexatamentequanto tempodepoisdeamensagemdopastor

começara icar viralqueStephenie e eu fomosao ranchovisitarKendra.ElalevaraaSnookieparacasaeStephenieachavaqueeranossodeverdecristãs ver como Kendra estava se virando. Nós duas sabíamos que elatinha problemas de nervos e tínhamos discutido muito que ela pareciaestar icando pior ultimamente, com todos os Urubus tomando a cidade.Stephenie levou uma das suas tortas, mas, para ser sincera, Kendra nãopareceumuito feliz em nos ver. Acabara de dar banho na cachorra, porisso ela não estava fedendo tanto, e até havia amarrado uma ita nopescoço, como se fosse um daqueles bichinhos de celebridades. O tempotodo em que estivemos lá, Kendra mal nos notou. Só icava mexendo nacachorracomoseelafosseumbebê.NemofereceuumaCoca.Já íamossairquandoopastorLenchegoucomapicaperugindo.Entrou

correndoemcasa enuncavininguém tão satisfeito consigomesmocomoelenaqueledia.Cumprimentouagenteeexclamou:–Consegui,Kendra!Consegui!Kendra mal deu atenção, portanto eu e Stephenie é que tivemos de

perguntaroqueelequeriadizer.–Acabeide receberum telefonemadoDr. Lund!Eleme convidoupara

falarnaconvençãoemHouston!Stephenie e eu mal pudemos acreditar! Nós duas assistíamos ao

programa do Dr. Theodore Lund todo domingo, claro, e Pammorreu deinveja de mim quando Lorne me deu de aniversário um exemplarautografadodolivrodereceitasdeSherryLund,Favoritosdafamília.–Vocêsabeoqueissosigni ica,nãosabe,querida?–perguntouopastor

aKendra.Kendraparoudemexernacachorra.–Oquê?Lenteveumataquederiso.

–Voulhedizeroquê:finalmentevoujogarcomosfigurões.

ArtigodojornalistaedocumentaristainglêsMalcolmAdelsteinpublicadooriginalmentenarevistaSwitchOnlineem21defevereirode2012.

EstouparadonosaguãogigantescodoCentrodeConvençõesdeHouston,ondeestáacontecendoaConvençãodeProfeciasBíblicassobreoFimdosTempos,segurandoumaBíbliaquetemnacapaumpescadorcomanzoleesperando que um homem com o nome improvável de Flexível Sandyterminededivulgarseuúltimoromance.Apesardeoingressocustar5mildólares, a convenção atraimilhares de pessoas de todo o Texas e outroslugares, e o estacionamento está cheio de trailers e utilitários esportivoscomplacasatémesmodoTennesseedoKentucky.Alémdisso,pareçoserpelomenosduasdécadasmaisjovemdoquequalqueroutrapessoaaqui–ummar de cabelos grisalhos ondula ao redor. Estou um bocado fora daminhazonadeconforto.Félix “Flexível” Sandy tem um passado exótico. Antes da conversão ao

cristianismo evangélico no início dos anos 1970, teve uma carreira bem-sucedida como contorcionista, trapezista e empresário circense. Depoisqueabiogra iadeFlexível,Umacordabambapara Jesus, viroubest-sellerna década de 1980, diz a lenda que o astro bíblico em ascensão, o Dr.Theodore Lund, procurou-o para escrever o primeiro de uma série delivrosde icçãocomtemáticadoFimdosTempos.Escritasnumaprosaemritmo acelerado, ao estilo de Dan Brown, as obras detalham o que vaiacontecerapósoarrebatamentoedeosjustosdesapareceremnumpiscardeolhos,deixandoos incrédulospresosà terraeobrigadosaenfrentaroAnticristo,umpersonagemquetemumasemelhançaespantosacomoex-primeiro-ministrobritânicoTonyBlair.Novebest-sellersdepois(estima-seque mais de 70 milhões de exemplares foram vendidos), Flexível Sandycontinua irme e forte. Recentemente, lançou seu site, O ArrebatamentoEstáChegando, que rastreiaosdesastres globais enacionaisparaqueosmembros saibam – em troca de uma pequena quantia, claro – comoestamosperto doArmagedom. Com seu corpomagro e a pele bronzeadaarti icialmente, aos80 anos Flexível exala o vigorde alguém commetadede sua idade. Enquanto lida com a enorme ila de fãs devotos que se

estende diante dele, seu sorriso não diminui nem um pouco. Esperoconvencer Flexível a participar da série de documentários que estouproduzindo sobre a ascensão do Movimento Americano do Fim dosTempos. Nos últimos meses, mandei e-mails para sua assessora – umamulherfrágilee icientequemeolhacomdescon iançadesdequecheguei– pedindo um encontro. Na semana passada, ela deu a entender que eupoderiaterumachanceseaparecessenaconvençãoemHouston,ondeelelançariaseuúltimolivro.Para quem não sabe, a profecia do Fim dos Tempos é basicamente a

convicção de que, qualquer dia desses, os que aceitaram Jesus comosalvadorpessoal (renascidos)serão levadosparaoparaíso(arrebatados)e o resto de nós irá suportar sete anos de sofrimentos horrendos sob ojugo do Anticristo. Essas crenças, com base na interpretação literal deváriosprofetasbíblicos–inclusiveJoãoemApocalipse,EzequieleDaniel–,são bem mais disseminadas do que muitas pessoas imaginam. Só nosEstados Unidos estima-se que mais de 65 milhões de pessoas acreditemque os acontecimentos descritos em Apocalipse podem acontecer noperíododesuavida.Muitos importantes pregadores da profecia relutam em falar com a

imprensanão evangélica e eu esperava, ingenuamente, quemeu sotaqueinglês ajudasse a quebrar o gelo com Flexível. Cincomil dólares émuitodinheiro para desembolsar se tudo que vou conseguir em troca é umaBíblia temática. (Por acaso, no saguão também há Bíblias para crianças,“esposas cristãs”, caçadores e entusiastas de armas – mas a versão dopescador com anzol atraiu meu olhar. Não sei bem por quê; nuncapesquei.)Minhaexpectativa,bastanteotimista,éque,seFlexívelconcordarem falar comigo, talvezeupossaconvencê-loameapresentarao igurão-mor, o Dr. Theodore Lund. Porém, não tenho muita esperança: algunscolegas jornalistas disseram que eu teria mais chance de ser convidadoparasentarnocolodeKimJong-Il.Mega-astrodomovimentoevangélico,oDr.LundtemsuaprópriaemissoradeTVeumafranquiademegaigrejasdaFéVerdadeiraque rende centenasdemilhõesdedólarespor ano em“doações”,alémdoapoiodoex-presidenterepublicano“Billy-Bob”Blake.Onúmerode seus fãs é equivalente ao dasmaiores estrelas deHollywood:seus três cultosdominicais são transmitidos internacionalmentee estima-

sequemais de cemmilhõesdepessoas em todoomundo liguemasTVsparaassistiraoseutalkshowcomotemadaprofecia.Elenãoétãolinha-dura quanto os dominionistas, a seita fundamentalista que faz campanhaativa para que os Estados Unidos sejam governados por regras bíblicasrígidas,oque implicariaapenademorteparaosabortistas,osgayseascrianças bagunceiras. Contudo, o Dr. Lund é um ferrenho opositor docasamento gay, é veementemente pró-vida, questiona a teoria doaquecimento global e não é avesso a usar seu poder para in luenciardecisõespolíticas,emespecialquestõesrelativasaoOrienteMédio.A ila de fãs que esperavam para ter o livro autografado por Flexível

arrasta os pés adiante. “Esses livrosmudaram aminha vida”, comenta amulher à minha frente sem que eu solicite. Ela tem um carrinho decomprascompilhasdeváriosexemplaresdoslivrosdasérieArrebatados.“Eles me levaram a Jesus.” Conversamos sobre seus personagensprediletosedescobriqueelagostadePeterKean,umpilotodehelicópterocujaféenfraquecidaérestaurada–tardedemais–quandoeletestemunhaaesposa,os ilhoseocopiloto,todosrenascidos,sendoarrebatadosdiantede seus olhos. Decido que seria grosseiro encarar Flexível sem umexemplardeseuromance,por issopegodoisnumapilhaenorme.Dentrodocarrinho,hátambémumlustrosolivrodeculinária,queatraimeuolhar.Acapatrazafotodeumamulhermuitomaquiada,comosolhosapertadosde quem acabou de fazer plástica. Reconheço Sherry, a mulher do Dr.Lund, coapresentadora de seu talk show pós-sermão. Seus livros deculinária chegam com frequência ao topo das listas demais vendidos doThe New York Times e o manual de sexo que ela coescreveu com o Dr.Lund,Intimidadeaoestilocristão,foiumsucessoenormenosanos1980.EnquantoFlexívelinteragecorajosamentecomseusfãsidosos,veri icoos

cartazes anunciando palestras, discussões e grupos de oraçãoprogramadosparatodaasemana,amaioriamostrandototensdepapelãoem tamanho real dos pregadores-celebridades que são as maioresatrações do evento. Além de várias palestras com a temática “Você estápreparadoparaoarrebatamento?”,hásimpósiossobrecriacionismoeumacréscimo de última hora: um “encontro” com o pastor Len Vorhees, agrande novidade no ramo do Fim dos Tempos. Vorhees causourecentemente uma pequena tempestade no Twitter com seu

pronunciamentoextraordináriodequeastrêscriançasquesobreviveramaos desastres da Quinta-Feira Negra são na verdade três dos quatrocavaleirosdolivrodoApocalipse.Por im, a ila vai diminuindo e chega aminha vez. A assessora irritada

sussurra algo no ouvido de Flexível e ele sorri para mim. Seus olhospequenosbrilhamcomobotõespretoselustrosos.–Inglaterra,é?–perguntaele.–EstiveemLondresnoanopassado.Éum

paíspagãoqueprecisasersalvo,estoucerto,filho?Garantoquesim,comcerteza.–Quetipodetrabalhovocêfaz, ilho?APattyaquidizquevocêqueruma

entrevista,algoassim.Respondo a verdade: faço documentários para a televisão, adoraria

conversarcomeleecomoDr.Lundsobreascarreirasdeles.OsolhosdebotãodeFlexívelsecravamnosmeuscommaisintensidade.–VocêédaBBC?Falo que já trabalhei para a BBC, sim. Não é uma completa mentira.

Comecei a carreira como boy da BBC em Manchester, mas fui demitidodepois de dois meses por fumar maconha no lounge. Decido nãomencionarisso.Flexívelparecerelaxar.–Espereaí,filho,vouveroquepossofazer.Está sendomuitomais fácil do que eu esperava. Ele chama a assessora

denovo,queconsegue,aomesmotempo,sorrirparaFlexívele fazerumacarranca para mim, e os dois trocam algumas palavras sussurradas etensas.–Filho,oTeddyestámuitoocupadoagora.Quetalsubirparaacobertura

daqui aduashoras?Verei oqueposso fazerpara apresentar vocêsdois.Eleégrandefãdaquelasériedevocês,CavendishHall.Não sei bem o queCavendishHall, um seriado xarope de época que faz

sucesso ao redor do mundo, tem a ver comigo, mas por acaso FlexívelSandyaindaestácomaimpressãodequeeutrabalhoparaaBBC.Afasto-merapidinhoantesqueaassessoraoconvençaamudardeideia.

Emvezdevoltaraomeuminúsculoquartodehotel,felizmenteincluídonopreço da convenção, decido ver se consigo assistir a uma das palestras.

Estouatrasadotrintaminutosparao“encontro”comopastorLenVorhees,masgarantoaoporteiroquesouamigopessoaldeFlexívelSandyeelemedeixaentrar.Não há cadeiras no auditório Starlight, a plateia está de pé e tudo que

consigo enxergar do pastor é o topo do cabelo muito bem-arrumadoenquantoeleandadeum ladoparaooutrodiantedopúblico.Suavozàsvezesoscila,masestáclaro,pelocorode“amém”,queaspessoasacolhemsua mensagem. Tenho uma vaga consciência de que a teoria bizarra dopastor provocou um debate feroz entre os crentes do Fim dos Tempos,especialmente por parte do movimento preterista, que, ao contrário damaioria das outras facções, acredita que os acontecimentos relatados emApocalipse jáaconteceram.Eestoudescobrindoqueo livrodoApocalipseé sem dúvida a base para as a irmações loucas do pastor. Segundo aprofeciade João,osquatrocavaleiros trarãoaguerra,apeste,a fomeeamorte, e Len começa a citar vários “sinais” recentes que, segundo ele,provamsuateoria.Dentreeles,estãoorelatorepugnantedamortedeumpaparazzo que supostamente invadiu o quarto de Bobby Small, atacadopor lagartos (ataques de animais também estão incluídos na lista desofrimentos de Apocalipse), e o recente lagelo de norovírus quetransformouuma frota de navios de cruzeiro em infernos inundados porvômito.Eleconcluicomumaproclamaçãoaterrorizantedequeembreveaguerra vai devastar as nações africanas e a gripe aviária vai dizimar apopulaçãodaÁsia.Louco para tomar uma bebida forte, saio do coro de “amém” para

esperarminhaaudiênciacomFlexívelSandyeoDr.TeddyLund.

Fico aparvalhado quando o próprio Dr. Lund me faz entrar na suíte,recebendo-me com um sorriso ofuscante que mostra o trabalhoodontológicodepontarealizadonele.–Éumprazerconhecê-lo, ilho–diz,segurandominhamãocomasdele.

Sua pele tem um brilho um pouco arti icial. – Posso lhe servir algo parabeber?Vocês,ingleses,gostamdechá,nãoé?Balbucioalgocomo“defato”epermitoqueelemeleveatéondeFlexível

e umhomemde terno elegante, de 50 e poucos anos, estão sentados empoltronasextravagantementeestofadas.Demoroumsegundoatéperceber

queocinquentãoéopastorLenVorhees.Elenãodáaimpressãodeestarà vontade ali e parece uma criança tentando mostrar o melhorcomportamentopossível.As apresentações são feitas e eu me permito ser engolido pelo sofá à

frentedeles.Todostêmsorrisosabertosparamimquenãocombinamcomseusolhares.– Flexível comentou que você trabalha na BBC – começa o Dr. Lund. –

Não sou muito de assistir à televisão, ilho, mas gosto daquele seriadoCavendish Hall. Naquele tempo as pessoas sabiam se comportar, não é?Tinhammoralrígida.Evocêveioaquiporquequerfazerumdocumentário,algoassim?Antesqueeupossaresponderqualquercoisa,elecontinua:–Temosmuitagentequerendoentrevistas.Domundo todo.Agorapode

serahoracertadelevarestamensagemàInglaterra.Estouprestesaresponderquandoentramduasmulherespelaportaque

dá para um dos quartos da suíte. Reconheço amais alta como Sherry, aesposa do Dr. Lund; está tão penteada e retocada quanto a foto nacontracapadeseuúltimolivrodeculinária.Amulherquepairaatrásdelanãopoderia ser um contrastemaior. Émagra feito uma vassoura, a bocainanão tembatomeumaespéciedeminipoodlebranco seacomodanosseusbraços.Levanto-me,masoDr.Lundsinalizaparamesentardenovo.Apresenta

asduas e a segundavema ser a esposadopastor Len,Kendra, quemalolhanaminhadireção.Sherrysorriparamimporumnanossegundoantesdesevirarparaomarido.–NãoseesqueçadequeoMitchestávindovê-lo,Teddy.–Elamelança

outrosorrisoensaiado.–Vamos levaraSnookiepara tomarumpoucodear.Emseguida,elaconduzKendraeacadelaparaforadasuíte.–Vamosaoque interessa–dizoDr.Lundamim.–Oquê,de fato,você

deseja,filho?Quetipodedocumentárioplanejafazer?– Bom... – De repente, sem qualquer motivo, meu discurso

cuidadosamente planejado se apaga e me dá um branco. Em desespero,ixo-me no pastor Len. – Talvez eu pudesse começar... Eu assisti à suapalestra, pastor Vorhees... Foi... ahn, interessante. Posso lhe perguntar

sobresuateoria?–Nãoéteoria, ilho–resmungaFlexível,masaindamantendoosorriso.–

Éaverdade.Não imaginoporqueessestrêshomensestãomedeixandotãonervoso.

Talvez seja a força de suas convicções e personalidades coletivas – vocênão se tornaumdosquinhentospregadoresmais ricosdomundo senãoforcarismático.Consigomecontrolar.–Mas...seosenhora irmaqueoprimeirodosquatroselosacabadeser

aberto, isso não contradiz aquilo emque o senhor acredita?Que a Igrejaseráarrebatadaantesqueoscavaleirostragamadevastaçãoàterra?A escatologia, o estudo da profecia do Fim dos Tempos, facilmente ica

complicada.Pelaminhapesquisa, fui levadoa acreditarqueoDr. LundeFlexível são seguidores da teoria do Arrebatamento Pré-Tribulação, emqueo arrebatamentoda Igreja acontecerá antesdoperíodode sete anosdetribulação, istoé,antesqueoAnticristoassumaopoderetorneavidamiserável para o resto de nós. As crenças do pastor Len se encaixamnateoria do Arrebatamento Pós-Tribulação, em que os cristãos renascidospermanecerão na terra como testemunhas durante o estágio de fogo eenxofre,que,segundoele,acabadecomeçar.OrostobonitodopastorLensecontraiconformeelerepuxaalapela,mas

FlexíveleoDr.Lunddãorisinhoscomoseeufosseumacriançaquedissealgoinadequado,porémdivertido.– Não existe contradição, ilho – garante Flexível. – Nós sabemos, com

baseemMateus24,que “naçãose levantarácontranação,e reinocontrareino.Haveráfomeseterremotosemvárioslugares.Tudoissoseráoiníciodasdores”.ODr.Lundacrescenta:–Issoestáacontecendoemtodaparte.Agora.Esabemosqueessasdores

sinalizamaaberturadosprimeirosquatroselos.Tambémsabemos,tantoapartir do livro do Apocalipse quanto do de Zacarias, que os quatrocavaleiros serãoentãomandadospor todoomundo.Obrancoaooeste,overmelhoao leste,opretoaonorteeoverdeaosul.Agoraqueosquatroselos foram abertos, o castigo será lançado sobre a Ásia, a América, aEuropaeaÁfrica.Esforço-me para acompanhar essa lógica e só consigo replicar sobre a

partefinal:–EaAustrália?EaAntártica?Flexívelridenovoebalançaacabeçadiantedeminhaobtusidade.– Eles não fazem parte do declíniomoral do globo, ilho.Mas terão sua

vez.OgovernomundialeaONUvãoseunirparaformarabestademuitoschifres.Como não fui agarrado pelos fundilhos e chutado para fora, me sinto

ligeiramente mais con iante. Observo que a ANST indicou que as causasdosacidentessedevemaacontecimentosexplicáveis–errodopiloto,umpossível pássaro na turbina, falha mecânica – e não à interferênciasobrenatural. De algummodo, consigo verbalizar isso sem parecer estarfalandodealienígenasoudodiabo.OpastorLenabreabocaparacomentarmasoDr.Lundintervém:–Eurespondo,Len.VocêachaqueDeusnãoteriaopoderdefazeresses

acontecimentospareceremacidentes?Ele quer testar nossa fé, separar ocrentedopagão.Nósatendemosaoseuchamado.Masestamosnoserviçode salvar almas, ilho, e quandooquarto cavaleiro for encontrado, até osmaisrelutantesserãochamadosaoaprisco.–Oquartocavaleiro?–Issomesmo,filho.–MasnãohouvesobreviventesnovoodaÁfrica.OpastorLeneoDr.Lundtrocamolhareseosegundoassentelevemente.–Nósacreditamosquehouve.Gaguejoque,segundoaANSTeasagênciasdaÁfrica,nãoháchancede

quealguémdovoodaDaluAirtenhasobrevivido.ODr.Lundsorrisemomínimosinaldehumor.–FoioquedisseramsobreosoutrostrêsacidenteseolheoqueoSenhor

escolheu nosmostrar. – Ele faz uma pausa. Então faz a pergunta que eusabiaqueviria:–Vocêéumdosjustos,filho?OspeculiaresolhosdebotãodeFlexívelSandysecravamnosmeusede

repente estou de volta à escola, parado diante do diretor. Sou dominadopelodesejodementireadmitirquesim,quesouumdeles.Masissopassaeeufaloaverdade:–Soujudeu.ODr.Lundassente,aprovando.OsorrisodeFlexívelnãosealtera.

– Nós precisamos dos judeus – assegura o Dr. Lund. – Vocês são umaparteimportantedosacontecimentosvindouros.Sei do que ele está falando. Depois do Arrebatamento e do governo do

Anticristo, Jesusvoltaráparaderrotaros in iéiseexpulsaroAnticristodotrono.EssabatalhadeveráaconteceremIsraeleoDr.Lund,comomuitoscrentesnaprofecia,éumvociferantedefensordeIsrael.Eleacredita,comoaBíbliadiz,queIsraelpertenceaosjudeusesomenteaosjudeusea irmade forma enfática que a troca de terras e os acordos de paz com ospalestinos devem sofrer oposição ferrenha. Segundo boatos, durante omandato do presidente “Billy-Bob” Blake, o Dr. Lund era um visitanteregular.Euquerolheperguntarsobreoelefantenasala–porquealguémquecrêde fatono imdomundose incomodacomapolítica–,masoDr.Lundselevantaantesqueeupensenummododeverbalizaraquestão.–Váempaz,filho.Falecomminhaassessora;elairáajudá-lo.Soudispensadocomoutrarodadadeapertosdemão.Algunsdiasdepois,

fariaoqueelesugere,masreceberiaapenasumarespostaperemptória–“O Dr. Lund não está disponível” – e um completo silêncio diante dasminhasoutrastentativasdecomunicaçãocomFlexível.Ao sair da convenção com minha Bíblia do pescador e meus livros da

série Arrebatados en iados embaixo do braço, passo por uma falange deguarda-costasenormescercandoumhomemcomternomaiscaroaindadoque o do Dr. Lund. Reconheço-o imediatamente: é Mitch Reynard, ex-governador do Texas, que apenas algumas semanas antes anunciou aintençãodesecandidataràspréviasdoPartidoRepublicano.

TrechoextraídodositeOArrebatamentoEstáChegando,deFélix“Flexível”Sandy.

Aquivaiumamensagempessoal, iéis.Nossosirmãos,oDr.TheodoreLund(quenãoprecisadeapresentação!)eopastorLenVorhees,docondadodeSannah, nos mostraram a Verdade, prova irrefutável de que os quatroprimeirosselos,comoestãonolivrodoApocalipse,foramabertos,equeoscavaleirosforamsoltosnomundoparapunirosin iéiscomafome,apeste,aguerraeamorte.Algunsdevocêspodemretrucar:Mas,Flexível,osselosnão forampartidos hámuito tempo?Omundo está emdeclíniomoral hágerações, não é? Talvez, mas Deus, em Sua sabedoria, nos mostrou averdade.Esepensaremnisso, iéis,tudovaiacontecercomoemLadrãonanoite, o nono livro da série Arrebatados, que, nem preciso dizer, estádisponívelparaencomendanestesite.E isso não é tudo: vocês verão que os sinais estão cada vez mais

frequentes.Boas-novasparatodosnósqueesperamosser levadosparaoladodeJesus!

FlexívelA lista completa pode ser encontrada sob os cabeçalhos se você CLICARneles,masaquiestãoostópicosprincipais:

PESTE(índicedeprobabilidade:74%)O vírus do vômito que começou naqueles navios de cruzeiro se espalhoupelacostaoestedosEstadosUnidos:www.news-agency.info/2012/february/norovirus-spreads-to-US-East-Coast(GraçasaIslaSmith,daCarolinadoNorte,pormandarestanotícia!Flexívelapreciasuafé,Isla!)

GUERRA(índicedeprobabilidade:81%)Bom,oquepossodizer?Aguerraésempreumforteindicadorenãoestá

nos deixando na mão hoje! A santa Guerra ao Terror continua feroz noAfeganistãoe,alémdisso,háaameaçanucleardaCoreiadoNorte:www.atlantic-mag.com/worldnews/north-korea-nuclear-threat-could-be-a-realityFOME(índicedeprobabilidade:81%)A febreaftosapareceestar ixando territórionorestodaEuropa.Con iraesta manchete: “Nova cepa de febre aftosa pode ter enorme impacto napecuária,alertagovernodoReinoUnido”.(Fonte:www.euronewscorp.co.uk/footandmouth)

MORTE(índicedeprobabilidade:91%)Olhei, ediantedemimestavaumcavaloamarelo. Seu cavaleiro chamava-seMorte,eoHadesoseguiadeperto.Foi-lhesdadopodersobreumquartodaterraparamatarpelaespada,pelafome,porpragasepormeiodosanimaisselvagensdaterra.(Apocalipse6:8)Recentemente,temhavidoataquesdeanimais,comodizo imdoversículo.Confiraosseguinteslinks:“Turista americano morto em ataque de hienas em Botsuana”(www.bizarredeaths.net)“Inquérito sobre fotógrafo de Los Angeles comido vivo por lagartos éadiado”(www.latimesweekly.com)

Nota de Flexível:Este último é de interesse particular, já que o fotógrafotinha ligações com Bobby Small, portanto é um fato de suma importância!Desdeo11deSetembronãoficávamostãopertoassim!

LolaCando.

FaziaumtempoqueeunãoviaoLenny,desdequeelemecontousobreamensagem de Pamela May Donald. Então ele me ligou, pediu para euencontrá-lo num dos nossos motéis. Para a sorte dele, eu tive umcancelamento:umdosmeusclientesregulares,ex-fuzileiro,umsujeitofofo,estavatristeequisadiar.De qualquer modo, naquele dia Lenny entrou bruscamente no quarto,

pegouabebidaqueeuserviecomeçouaandardeumladoparaooutro.DissequetinhaacabadodevoltardeumaconvençãoemHouston.Pareciaummenininhoque foraàDisneylândiapelaprimeiravez.Deve ter faladosemparardurantepelomenosmeiahora.Contouqueestivera comoDr.Lund,queohaviaconvidadoparaseapresentarnoprogramadodomingo.Comentouqueaté tinha jantado comFlexível Sandy, o caraque escreveuaqueles livrosquenuncaconsegui ler,equeasalaonde izeraapalestraficaralotada.–Eadivinhequemmaisestavalá,Lo?–perguntou,tirandoagravata.Eu

nãosabiaoqueresponder,não icariasurpresaseeledissessequeeraopróprioJesus,pelomodocomofalavadaquelescaras,cheiodeadmiração.–MitchReynard.MitchReynard!ODr.Lunddeuapoioaele.Não curto política, mas até eu sabia quem era esse cara. Vi em alguns

noticiários que a Denisha gosta de assistir. Um cara arrumadinho, ex-pastor,separeciaumpoucocomoBillClinton,sempretinhaasrespostascertas, faziapartedo talTeaParty.Nuncamais saiudonoticiárioquandorevelaramque iasecandidataràsprimáriasparaapresidência.Recebeuum monte de críticas dos liberais por causa do que falou sobre ofeminismoeporqueconsideravaocasamentogayumaabominação.Lennycomeçouaseempolgar,a irmandoqueissopodiaserseuingresso

napolítica.–Qualquer coisa épossível, Lo.ODr. Lunddizquedevemos fazer tudo

queestejaaonossoalcanceparain luenciarnaeleição,garantirqueopaísvolteaterumaboabasemoral.

Por falar emmoral, até onde eu sei, Lennynunca considerouhipocrisiapagarpelosmeusserviços.Talveznemvisseaquilocomoadultério.Elenãocostumavafalardaesposa,mastiveaimpressãodequeosdoisnãotinhamintimidadeshaviaumtempo.Bom,nasúltimasvezesqueeuovi, tambémnãohaviamuito adultério acontecendo; ele estavamuitoocupado falandosemparar.Se eu diria que a fama lhe subiu à cabeça? Sim, claro. Depois que ele

criou o site e se envolveu comoDr. Lund, icou igual a uma criança comumbrinquedo novo. Disse que estava em contato compessoas de todo omundo. Gente até da África. Havia o tal do Monty, que ele falou quemandava e-mails todo dia, e um fuzileiro que servia em algum lugar doJapão.Jakenãoseidasquantas.Nãoconsigolembrarosobrenome,apesardemaistardetersaídoemtodososnoticiários.Lennymecontouqueotalfuzileiro tinha entradona loresta onde o avião caiu, “ondePam respiroupela última vez”. Comentou que o Dr. Lund tentara contatar a avó doBobby,queria convidarBobbyparaoprograma também,masnãoestavaconseguindo. Eu realmente senti pena da pobre coitada. Eu e Denishasentimos. Não deve ser fácil virar o foco de toda aquela atenção quandoaindaseestádeluto.Lenny continuou tagarelando sobre os pedidos de entrevistas que

recebera de toda parte: programas de televisão, de rádio, blogs, a coisatoda,enãosóveículosreligiosos.– Você não se preocupa em ser ridicularizado por eles, Lenny? –

perguntei.EledeuaentenderqueaequipederelaçõespúblicasdoDr.Lundtinha

avisadoparaeletercuidadoaofalarcomamídianãocristãeeuacheiqueeraumbomconselho.Oqueeleestavadizendosobreascriançasseremoscavaleiros,davaparaverquemuitagenteachariaumcompletoabsurdo.–Estouespalhandoaverdade,Lo.Sequerem ignorá-la,nãoédaminha

conta.Quandooarrebatamentoacontecer,veremosquemriporúltimo.Nem izemos nada nesse dia; ele só queria falar. Quando foi embora,

pediu para eu assistir ao programa União da Fé Verdadeira , do Dr. Lund,naquelefimdesemana.Fiquei curiosaparaver comooLenny iria se sair,por isso,nodomingo,

senteiparaassistir.Denishanão conseguia imaginarquediaboeuestava

fazendo. Eu não tinha dito a ela que o Lenny erameu cliente. Respeito aprivacidadedosmeusclientesregulares,oqueseiqueparecementira, jáque estou falando com você agora!Mas eu nunca pedi para ser exposta,pedi?Eunãofuiprocurarosrepórteres.Dequalquermodo,noiníciooDr.Lund estava de pé naquele púlpito dourado e grande, com um coroenorme atrás. A igreja, do tamanho de um shopping, estava lotada. Elebasicamente repetiu as teorias do Lenny sobre a mensagem de PamelaMayDonald, parando a cada cincominutos para o coro cantar umpoucomais e a congregação gritar “amém” e “louvado seja Jesus”. Depois falouqueotempodojulgamentodeDeustinhachegado,comtodaaimoralidadequesevia,osgays,asfeministas,osinfanticidaseasescolasqueensinamaEvolução. Denisha icava estalando a língua em reprovação. A igreja delasabeoqueelafazparaviverenãotemproblemacomosgays.–Para eles é tudoamesma coisa – comentava ela. –Gente é gente, e é

melhor assumir do que esconder. Jesus nunca julgou ninguém, não é? Anãoserquememprestadinheiro.Amaioriadospastoresfamosostinhaesqueletosnosarmáriosetododia

pareciasurgirumnovoescândalosobreeles.MasnãooDr.Lund.Eleeraconhecido por ser totalmente limpo. Denisha achava que ele possuía asconexões certas para manter suas sujeiras fora da mídia; sabia onde oscorposeramenterrados.Depois do sermão, o Dr. Lund foi até uma área na lateral do palco,

decoradacomoumasaladeestar,cheiadetapetescaros,pinturasaóleoeabajures com borlas douradas. No sofá, esperando por ele, estavam amulherdoDr.Lund,Sherry,eumamulhermagricelaquepareciaprecisardecomida.Foi aprimeiravezquevi a esposadopastorLen,Kendra.Elanão poderia parecer mais diferente de Sherry que, segundo Denisha,parecia uma drag queen, toda cheia de cílios e acessórios.Mas Lenny sesaiu bem. Estava meio agitado, icava se remexendo e a voz tremia umpouco,masnãopassouvergonha.ODr.Lundfoiquemmaisfalou.Kendrapermaneceuemsilêncio.Eaexpressãodela...eradi ícildecifrar.Nãodavaparasaberseelaestavanervosa,seachavaaquilotudoumaidioticeousemorriadetédio.

OpastorLenVorheesconcordouemserentrevistadonofamosoprogramadoDJErikKavanaughemNovaYork,Bocanotrombone.Oquesesegueéumatranscriçãodoprogramaquefoiaoarem8demarçode2012.

ERIKKAVANAUGH:OpastorLenVorhees, do condadode Sannah,Texas,estáaotelefonecomigo.PastorLen...Possochamá-loassim?

PASTORLENVORHEES:Sim,senhor,estáperfeitamentebem.

EK:É aprimeira vezque alguémme chamade senhor.Devodizerqueosenhor é mais educado do que a maioria dos convidados que costumoreceber. Pastor Len, nestemomento o senhor está bombandonoTwitter.Achaqueécertoumcristãoevangélicousaramídiasocialdessemodo?

PL:Acredito que devemosusar todos osmeios possíveis para espalhar aBoa- -Nova, senhor. E, desde que divulguei a mensagem lá, as pessoasestão chegando em bandos ao condado de Sannah, ansiosas para seremsalvas.Ora,naminha igrejaelasestãoquase transbordandopelasportas.(risos)

EK: Então é igual àquela cena deTubarão. O senhor vai precisar de umaigrejamaior?

PL:(pausa)Nãoseiexatamenteoque...

EK: Bom, vamos direto ao ponto. Algumas pessoas podem achar que suacrençadequeaquelascriançassãooscavaleirosdoApocalipseé–enãoencontrooutromododedizer–umamerdaabsurda.

PL:(rindonervosamente)Bom,senhor,essetipodelinguagemnãoé...

EK: É verdade que o senhor surgiu com essa teoria depois que uma dasfrequentadoras do seu templo, PamelaMay Donald, a única americana abordodaqueleavião japonêsquecaiuna loresta,deixouumamensagemnocelular?

PL: Ah... é, está certo, senhor. A mensagem dela era dirigida a mim e osigni icadoeraclarocomoágua:“PastorLen,aviseaelessobreomenino.”Sóhaviaummeninodequemelapoderiaestar falando:ogaroto japonêsque foioúnico sobreviventedaqueleacidente.Oúnico sobrevivente. E asinsígniasdosaviões...

EK: Na mensagem, ela também menciona a cachorrinha. Se o senhoracreditaqueelasereferiaaogarotojaponêscomoumaespéciedearautodo im do mundo, certamente também acredita que deveríamos tratar amascotedafamíliacomoumadivindade?

PL:(váriossegundosdesilêncio)Bom,eunãochegariaaopontode...

EK:Emseusite,ProfetaPamela–vocêsdeveriamdarumaolhada,pessoal,acreditem em mim –, o senhor a irma que há fatos que embasam tudo.Sinais de que o sofrimento que os cavaleiros devem trazer já estáacontecendo.Deixe-me dar um exemplo aos ouvintes que podemnão terouvidoosdetalhesdesuateoria.OsenhorfalaqueosurtodefebreaftosanaEuropaécausadopelachegadadoscavaleiros,estoucerto?

PL:Correto,senhor.

EK: Mas esse tipo de coisa acontece o tempo todo, não é? A Inglaterrapassoupelamesmacoisaháalgunsanos.

PL:Masestenãoéoúnicosinal,senhor.Seosenhor juntartodos,poderáverclaramentequeháumpadrãode...

EK:Eessessinais,osenhordizquetodosapontamparaofatodequeo imdomundoestápróximo,quandotodososjustosserãoarrebatados.Éjustoafirmarquevocês,evangélicos,estãoansiososporesseacontecimento?

PL:Eunãodiriaque“ansiosos”sejaotermocorreto,senhor.Éimportantedeixarseusouvintessaberemque,aoaceitaroSenhor...

EK: Então esses sinais são o modo de Deus avisar “Acabou o tempo,pessoal,sejamsalvosouqueimemnoinfernoparasempre”?

PL:Ah...nãotenhocertezadeque...

EK: Suas crenças receberam ataques radicais por parte de líderesreligiosos de, digamos, crenças mais tradicionais. Um bom número delesa irmouqueoqueosenhordefendeé,entreaspas,“umcompletoabsurdodestinadoaprovocaromedo”.

PL: Sempre haverá quem duvide, senhor, mas eu insistiria com seusouvintespara...

EK:O senhor tem algumas iguras importantes apoiando-o. Estou falandodoDr.TheodoreLund,doMovimentodoFimdosTempos.Éverdadequeelecostumavairatirarcomoex-presidente“Billy-Bob”Blake?

PL:Ah...issoosenhorteriadeperguntaraele.

EK: Não preciso perguntar a ele a respeito dos pontos de vista sobre osdireitosdasmulheres,osacordosdepazdeIsrael,oabortoeocasamentogay. Ele se opõe radicalmente a tudo isso. O senhor compartilha seuspontosdevista?

PL:(outrapausa longa) Acredito que deveríamos buscar orientação paraessesassuntosnaBíblia,senhor.OLevíticodizque...

EK: Também não diz no Levítico que é certo possuir escravos e que ascriançasque respondemaospaisdevemser apedrejadas?Porquevocêsaceitam,digamos,omaterialcontraosgaysenãoasoutrasmerdas?

PL :(silêncio durante alguns segundos) Senhor... eu questiono o seu tom.Vimaoprogramaavisaraosseusouvintesqueéhora...

EK:Vamosemfrente.SuateoriasobreOsTrêsnãoéaúnicaqueandaporaí. Há umbocado de pirados insistindo que essas crianças são possuídaspor alienígenas. Por que os pontos de vista deles deveriam serconsideradosmaisinsanosdoqueaquiloemqueosenhoracredita?

PL:Nãoseibemoqueosenhor...

EK:OsTrêssãoapenascrianças,nãoé?Elasjánãosofreramobastante?A

posturacristãnãodeveriasernãojulgá-las?

PL:(outrapausalonga)Eunão...Eu...

EK: Então digamos que elas estejam possuídas. As crianças verdadeirasaindaestãodentrodoscorpos?Nessecasodeveestarapertado ládentro,certo?

PL:Deus...Jesustrabalhademaneirasquesópodemos...

EK:Ah,aclássicadefesa“Deusatuademodosmisteriosos”.

PL:Ah...masosenhornãopode...Osenhornãopodedescartarossinaisdeque... De que outromodo aquelas crianças sobreviveriam aos acidentes?É...

EK:Éverdadequeo senhoracreditaqueumaquarta criança sobreviveuna África? Um quarto cavaleiro? Está dizendo isso apesar de a ANST tercertezaabsolutadequeninguémpodetersobrevividoàquelatragédia?

PL:(pigarreia)Ah...olocaldaqueleacidente...Houvemuitaconfusãoporlá.AÁfricaé...AÁfricaéum...

EK: E como aqueles cavaleiros derrubaramos aviões? Parece umbocadodeesforço,nãoé?

PL: Ah... não posso responder com certeza, senhor. Mas vou lhe dizer oseguinte:quandoeles liberaremosrelatóriosdosacidentes,haverásinaisde...de...

EK:Interferênciasobrenatural?Comoopessoaldosalienígenasacredita?

PL:Osenhorestádistorcendominhaspalavras.Eunãoafirmeique...

EK: Obrigado, pastor Len Vorhees. Depois do comercial, abriremos aslinhasparaosouvintes.

OinvestigadorAceKelso,daANST,faloulongamentecomigooutravezdepoisqueasdescobertaspreliminaressobreosquatroacidentesforamreveladasnumaentrevistacoletivarealizadaemWashington,Virgínia,em13demarçode2012.

Comoeudissenacoletiva,érarorevelarmosasdescobertastãocedo.Masesseeraumcasoespecial:aspessoasprecisavamsaberqueosacidentesnão tinham a ver com terrorismo nem com alguma droga de eventosobrenatural e as famílias dos sobreviventes precisavam de umaconclusão. Você não acreditaria na quantidade de telefonemas que oescritório de Washington recebeu de malucos convencidos de queestávamos de conluio com agências de governo sinistras tipoHomens depreto.Claro, juntodetudoissohaviaofatodeque,depoisdaQuinta-FeiraNegra, a indústriadaaviação sofria inanceiramente,precisavavoltaraostrilhos. Você ouviu dizer que algumas empresas aéreas maisinescrupulosas estão lucrando com o fato de que os três sobreviventesestavam sentados perto da traseira das aeronaves? Estão cobrando umpreçoespecialpelaspoltronasdosfundos,considerandomudaraprimeiraclasseeaclasseexecutivaparaapartede trás,pararecuperaros lucrosperdidos.Para nós icou óbvio desde cedo que o terrorismo não era um fator.

Sabíamos, a partir dos corpos e dos destroços, que nenhuma dasaeronaves, em nenhuma das quatro situações, havia se partidosigni icativamentenoar,oqueaconteceriasealgumexplosivotivessesidodetonado.Claro,tínhamosdeconsiderarprimeiroumapossívelsituaçãodesequestro, mas nenhuma organização assumiu a responsabilidade emmomentoalgum.Como você sabe, ainda está acontecendo uma operação enorme para

localizar o gravador de voz e a caixa-preta do avião da Go!Go! Air, masestamoscon iantesdequeentendemosasequênciadeeventosque levouaodesastre.Emprimeiro lugar,pelarotadevooepelosdadosclimáticos,sabemosqueelesestavamnomeiodeuma tempestadeviolenta.Oúltimocontato da aeronave, uma mensagem de telemetria automática para ocentro técnico da Go!Go!, indicou que a aeronave havia sofrido várias

falhas elétricas, principalmente no sistema de aquecimento do sensor depressão. Isso resultaria em cristais de gelo se formando nos sensores depressão, o que resultaria em leituras erradas da velocidade do ar.Pensando que ela estava baixa demais, os pilotos aumentariam cada vezmaisavelocidadedaaeronaveparaevitarumestol.Acreditamosqueelescontinuaram a fazer isso até excederem a capacidade do avião earrancarem as asas. Temos quase certeza de que as queimaduras deJessica Craddock foram causadas por um incêndio provocado pelocombustíveldepoisdoacontecimentoouporumsinalizadordefeituoso.Bom,ovoodaDaluAirfoioutrahistória.Asériedefatoresqueresultou

naquedaapontavaparaumacidenteprestesaacontecer.Paracomeçar,oprojeto do Antonov AN-124 é dos anos 1970, a anos-luz de distância datecnologia de controle por cabo elétrico usada pela Airbus. Além disso, aaeronave era operada por uma pequena companhia nigeriana quetransportava principalmente cargas e não tinha o melhor histórico desegurança.Nãovamosentraremmuitasquestões técnicas,masosistemadepousoporinstrumentosdoAeroportoInternacionaldaCidadedoCabonãoestava funcionandonaqueledia –pareceque ele é fajuto.OAntonovnãotinhaequipamentosmodernosdenavegaçãocomooSNL[SistemadeNavegação Lateral] e não estava adequadamente aparelhado com osistema de aproximação alternativo. Os pilotos avaliaram mal aaproximação, chegaram cerca de 30 metros baixo demais, a asa direitabateunum ioelétricoeoAntonovcaiunumafaveladensamentepovoadaperto do aeroporto. Todos icamos impressionados com o modo como ainvestigaçãodoDaluAir foi feitapelaAgênciadeAviaçãoCivildaÁfricaepela Equipe de Administração de Desastres da Cidade do Cabo. Aquelescaras conhecem o serviço. Você não imaginaria ao pensar num país doTerceiro Mundo, mas eles se organizaram em tempo recorde. Oinvestigador-chefe,NomafuNkatha(achoquenãoseipronunciardireitoonomedele,Elspeth!),reuniurelatosdetestemunhaslogoapósoacidente,evárias pessoas haviam ilmado com celulares os instantes anteriores aoimpacto.Osinvestigadoresaindaestãotrabalhandoparaidenti icaroscorposdos

mortos. Parece que muitos eram refugiados ou pessoas buscando asilo,entãovaiserquaseimpossívelencontrarparentesparaexamesdeDNA.O

gravadordevozdacabineacabousendorecuperado.Haviagentepegandopedaços do avião, vendendo para turistas – dá para acreditar nessamerda?Mas,comoeudisse,aequipedelámerecenota10.O próximo acidente que vou abordar é o da Maiden Air, do qual fui

investigador-chefe antes de me pedirem para supervisionar toda aoperação. As evidências sugerem que a aeronave sofreu uma perda depotência quase completa nos dois motores devido a ingestão,provavelmente porque vários pássaros entraram nas turbinas. Issoocorreu mais ou menos dois minutos após a decolagem, a fase maisvulneráveldasubida.OspilotosnãopuderamvoltaraoaeroportoeoaviãocaiunosEverglades três ouquatrominutosdepois. Encontramos a caixa-preta,mas os dados estavam corrompidos. Apesar de, curiosamente, nãohavertraçosdasaves,as turbinasN1dosdoismotoresmostravamdanoscompatíveiscomchoquesdepássarose, segundominhasrecomendações,foioqueocomitêestabeleceucomocausamaisprováveldoacidente.E temos ainda o que eu diria ser mais controvertido. Estou falando do

acidente da Sun Air. Foi di ícil conter os boatos sobre esse caso,principalmenteafaláciadequeocomandanteSetoerasuicidaederrubouoaviãodepropósito.Alémdisso,amulherdoministrodosTransportesdoJapão disse que acreditava no envolvimento de alienígenas. Houve umagrandepressãopararesolvermoslogoocaso.Tínhamosogravadordevozindicando uma perda de potência hidráulica e sabemos pela caixa-pretaque a aeronave caiu devido a uma manutenção malfeita. O fato de nãoteremseguidoprocedimentosbásicosdereparonaseçãodacaudafezcomque os rebites cedessem. A integridade estrutural da fuselagem foicomprometida,provocandoumadescompressãoexplosivacercadecatorzeminutos depois de iniciado o voo. O leme foi dani icado e a potênciahidráulica se perdeu; quando isso acontece, é quase impossível guiar aaeronave. Os pilotos lutaram com o avião do melhor modo possível. Épreciso admirá-los. Fizemos testes comparativos em simuladores eninguémpôdemanteraaeronavenoarportantotempoquantoeles.Claro, tivemosdeenfrentarmilhõesdeperguntasnaentrevistacoletiva;

muitosrepórteresqueriamsaberdeondetinhamvindoasluzesfortesquealguns passageiros alegaram ter visto. Poderia ser resultado de váriascoisas. Por isso divulgamos a transcrição do gravador de voz o quanto

antes,paraacabarcomessesboatos.

Atranscriçãoaseguir,tiradadogravadordevozdacabinedovooSAJ678daSunAir,foipublicadapelaprimeiraveznositedaAgênciaNacionaldeSegurançadeTransportesem20demarçode2012.

COM=comandante

CP=copiloto

CTA=ControladordeTráfegoAéreo

A transcrição começa às 21h44 (catorze minutos depois da decolagem doaeroportodeNarita).

CP:Passandopeloníveldevootrêstrêszero,comandante, faltammilpés.Parecequevaiestartudolimponotrêsquatrozero;aprevisãoédepoucaturbulência.

COM:Bom.

CP:Vocêtem...

(Estrondoalto.Soaoalarmededespressurização.)

COM:Máscara!Ponhasuamáscara!

CP:Máscaraposta!

COM:Estamosperdendoacabine,vocêconseguecontrolar?

CP:Acabinejáestáa14.000!

Com:Passeparaomanuale fecheaválvulade luxoexterno.Parecequetemosumadescompressão.

CP:Ah,comandante,precisamosdescer!

COM:Tentedenovo.

CP:Aválvulaestátotalmentefechada,nãoadianta...nãopossocontrolá-la!

COM:Vocêfechouaválvuladefluxoexterno?

CP:Afirmativo!

COM: Ok, entendi. Diga ao CTA que vamos começar uma descida deemergência.

CP:Mayday,mayday,mayday,SAJ678começandodescidadeemergência.Tivemosumadescompressãoexplosiva.

CTA:Entendido.MaydaySAJ678,podedescer,nãohánenhumtráfegoqueafetevocês.Câmbio.

COM:Estounocontrole.Qualénossonível?

CP:Nível140.

COM:Desconectando o acelerador automático,mostrador no nível de voo140.

CP:Níveldevoo140estabelecido.

(Ocomandantefalapelointerfone)

COM:Senhorasesenhores,aquifalaocomandante.Estamosiniciandoumadescida de emergência. Por favor, coloquem as máscaras de oxigênio esigamasinstruçõesdoscomissáriosdebordo.

COM:Começandodescidadeemergência.Fechandoosmanches,baixandoosflapes.Leiaalistadechecagemdedescidadeemergência.

CP: Manches fechados, lapes baixados, direção escolhida, nível inferiorescolhido, passar a ignição para contínua, luzes de cintos de segurançaacesas, oxigênio conectado, código de transponder para 7700, CTAnotificado.

COM:Nãoconsigocontrolaradireção;eleestáoscilandoparaadireita.Nãoconsigonivelarasasas!

CP:(palavrão)Lemeouaileron?

Com:Temosaileronesquerdointeiro,maselenãoestáreagindo!

CP: Baixa pressão hidráulica. Vou desligar a luz. Perdemos toda ahidráulica,temosluzesacesasdepressãobaixanosistemaAenosistemaB!Voupegaromanualdereferênciarápidaeleralistadechecagem.

COM:Meconsigaumpoucodehidráulicadevolta!

CP:(palavrão)

COM:Vouprecisardemaispotêncianosmotores3e4.

CP:Parecequeosistemadereservatambémsefoi.Osvaloreshidráulicosestãotodosvazios!

COM:Continuetentando.

CP:Temos2.000pésparanivelar.

CP:1.000pésparanivelar.

(Somdoalarmedealtitude.)

COM:Voufecharosflapesecolocarmaispotêncianosmotores1e2.

CP:Onarizestábaixando...Suba!

COM:Elenãoestáreagindo!Maisvelocidadeparadiminuiradescida.

COM:Certo,eleestánivelando.Aindanãoconsigocontrolaradireção, icaindoparaadireita.

CP:Tentemaispotênciano3eno4.

COM:Ok.Maispotênciano3eno4...

COM:Nãoestáadiantando,elecontinuavirandoparaadireita!

CTA:MaydaySAJ678,paraondevocêsestãoindo?

CP:MaydaySAJ678perdemostodaahidráulica,jávamosfalarcomvocê.

COM:Nãotemosleme!

CP:Temosdepassarparareversãomanual!

COM:(palavrão)Parecequejáestamosemreversãomanual!Estoulutandoparacontrolar.Vamosverseconseguimosbaixarumpoucoavelocidade...300nós.

CP:Onarizestábaixandodenovo!

COM:Temalgumcampodepousoperto?

CP:O...

COM:Medámaispotênciano3eno4!

(Som do Sistema de Alerta de Proximidade do Solo: uuup uuuup suba,terreno baixo demais, terreno baixo demais, uuuup uuuup, suba, uuuupuuuup,suba,uuuupuuuupsuba,terrenobaixodemais.)

COM:Potênciamáximanosquatro...Sobe!Sobe!

CP:(palavrão)

COM:Sobe!Sobe!

(Agravaçãotermina.)

ArtigopublicadonoCrimsonStateEchoem24demarçode2012.

PregadordoFimdosTemposcomeçaacaçadaao“QuartoCavaleiro”

Numa recente entrevista coletiva emHouston, oDr. TheodoreLund, umadasforças impulsionadorasdoMovimentoEvangélicodoFimdosTempos,a irmoua repórteresdeváriaspartesdomundoque “Oquarto cavaleiroestáporaíeéapenasquestãodetempoatéqueelesejaencontrado”.ODr.Lund refere-se à teoria, divulgada pela primeira vez por um obscuropregador texano, de que Os Três, as crianças que sobreviveram aosacontecimentosdevastadoresdaQuinta-FeiraNegra,estãopossuídaspelosCavaleiros do Apocalipse, mandados por Deus para apressar o Fim dosTempos.AteoriasebaseianasúltimaspalavrasdePamelaMayDonald,aúnicacidadãamericanaabordodoaviãoquecaiunafamosa“ lorestadossuicidas” de Aokigahara, no Japão. O Dr. Lund e seus seguidores sãoenfáticos em dizer que não há outra explicação para a chamadasobrevivênciamilagrosadosTrêseacreditaquevários incidentesglobais,comoenchentesarrasadorasnaEuropa,umasecanaSomáliaeasituaçãocadavezmaistensanaCoreiadoNorte,sãosinaisdaproximidadedo imdomundo.E agora oDr. Lund fez uma declaração extraordinária de que há outra

criança – umquarto cavaleiro – que sobreviveu à queda do voo daDaluAir na Cidade do Cabo, África do Sul. Com base na lista de passageirospublicadarecentemente,oDr.LundfalouquenovoosóhaviaumacriançamaisoumenosdamesmaidadedosTrês,ummeninonigerianode7anoschamado Kenneth Oduah: “Acreditamos irmemente que Kenneth seráconfirmadocomoumdosarautosdeDeus.”O Dr. Lund não se abala com a declaração de initiva da Agência de

Aviação Civil da África do Sul de que, “categoricamente, não houvesobreviventesdovoo467daDaluAir”.“Vamos encontrá-lo”, garantiu ele. “Depois do acidente houve um caos

por lá. AÁfrica é um lugar bagunçado. A criança pode ter se perdido ousaído da área. E quando o encontrarmos, isso será a única prova de queprecisarãoosqueaindanãoentraramparaorebanhodeJesus.”Indagado sobre o sentido disso, ele respondeu: “Vocês não vão querericar para trás na hora em que o Anticristo vier. Vão passar porsofrimentos piores do que podem imaginar. Como se lê emTessalonicenses: ‘OdiadoSenhorvirá como ladrãoànoite.’E Jesuspodenoschamaraqualquermomento.”

RECOMPENSADE200.000dólaresamericanos!!!

PeladescobertadeKennethOduah,umpassageironigerianode7 anosqueviajavanoaviãoAntonovde carga e passageiros que caiu no distrito deKhayelitsher [sic], Cidade do Cabo, África do Sul,em 12 de janeiro de 2012. Acredita-se queKenneth deixou o centro de assistência infantilpara onde foi levado depois do acidente e agorapodeestarmorandonasruasdaCidadedoCabo.Segundo sua tia, Veronica Alice Oduah, Kennethtem cabeça grande, pele muito escura e umacicatriz em forma de lua crescente no courocabeludo.Sevocêachaquesabeoparadeirodele,por favor, entre emcontatopelo siteEncontrandoKennethouliguepara+00789654377646edeixeumrecado.Custodeligaçãonormal.

PARTECINCOSOBREVIVENTES

MARÇO

ChiyokoeRyu.(OtradutorEricKushanobservaqueoptouporusarotermojaponêsizokunatranscriçãoabaixo

emvezdatraduçãoaproximada,“parentesdosenlutados”,ouamaisliteral,“parentesdeixadosparatrás”)

Conversainiciadaem05/03/2012,às16h30

RYU:Ondevocêesteveodiainteiro?Eutavaficandopreocupado.

CHIYOKO:Seisizokuchegaramhoje.

RYU:Todosaomesmotempo?

CHIYOKO:Não.Doischegaramjuntosdemanhãeorestoveioseparado.Étãocansativo!ACriaturaMãevivedizendoquetemosquetratarasfamíliascomrespeito.Seiqueelasestãosofrendo,mascomoelaachaqueoHirosesente,tendoqueouvirelestododia?

RYU:Comoelesesente?

CHIYOKO:Praeledevesermuitochato.Todosarrastamospésatéeleefazemreverências,depoisfazemamesmapergunta:“Yoshi,ouSakura,ouShinji,ouseiláquem,sofreu?Elesdisseramalgumacoisaantesdemorrer?”ComoseoHirofossesaberquemsãoessaspessoas!Issomedeixaarrepiada,Ryu.

RYU:Euficariaarrepiadotambém.

CHIYOKO:SeelesvêmquandoCMtáfora,eumandoiremembora.CM

sempredizàspessoasqueeleaindanãotáfalando–nãoqueissopareçafazerqualquerdiferençapraelas.Mashoje,enquantoCMtavanacozinhapreparandochá,eufizumaexperiência.Dissepraelasqueelefala,masémuitotímido,equevivecontandoquenãohouvepâniconemhorrorduranteaquedadoaviãoeninguémsofreu,anãoseraamericanaeosdoissobreviventesquemorreramnohospital.Issoémaldade?

RYU:Vocêfalouoqueelesqueriamouvir.Nomínimo,foibondade.

CHIYOKO:É,bem...eusódisseissoporquequeriatiraraquelaspessoasdaminhacasa.Nãoconsigoficarmuitotemposervindocháecomcarade“sintopelasuaperda”.Ah,euqueriacontar:vocêsabequeamaiorpartedosizokuquevêmaquipraveroHirosãovelhíssimos...bom,hojeveioumamulhermaisnova.Novatiponãoprecisavaandarcombengalaenãopareceuchocadaquandonãoserviocháexatamentedomodocerto.Elafalouqueeramulherdohomemquetavasentadoaoladodaamericana.

RYU:Seiquemé...KeitaEto.Eledeixouumamensagem,nãofoi?

CHIYOKO:É.Eurelidepoisqueelasaiu.Basicamentediziaque,antesdeentrarnoavião,eletavapensandoemsuicídio.

RYU:Vocêachaqueamulhersabiacomoelesesentiaantesdemorrer?

CHIYOKO:Bom,comcertezaagorasabe.

RYU:Issodevedoer.OqueelaqueriacomoHiro?

CHIYOKO:Odesempre:saberseomaridoagiucomcoragemenquantooaviãocaíaeseelefaloualgumaoutracoisaalémdamensagem.Perguntou

issonumtomcasual.TiveaimpressãodequeelasótavacuriosaemveroHiroequenãoqueriasetranquilizar.Comoseelefosseumaespéciedeaberração.Issomedeixouirritada.

RYU:Logoelesvãoparardeiraí.

CHIYOKO:Vocêacha?Maisdequinhentaspessoasmorreramnoacidente.Hácentenasdefamíliasqueaindapodemquererfalarcomele.

RYU:Nãopensaassim.Pelomenosagoraelessabemcomcertezaporqueoaviãocaiu.Issopodeajudar.

CHIYOKO:É.Talvezvocêestejacerto.Esperoqueissodêalgumapazàmulherdocomandante.

RYU:Vocêficoumesmoimpressionadacomela.

CHIYOKO:Fiquei.Admitoquepensoumbocadonela.

RYU:Porquê?

CHIYOKO:Porqueseicomoé.Serevitada,aspessoasfalaremcoisasterríveispragente.

RYU:IssotambémaconteciaquandovocêtavanosEstadosUnidos?

CHIYOKO:Vocêgostamesmodeescavarinformações,né?Masnão,eunãoeraevitadaquandomoravanosEstadosUnidos.

RYU:Vocêfezamigoslá?

CHIYOKO:Não.Sóconhecidos.Vocêsabequeeuachoamaiorpartedaspessoaschatas,Ryu.Issoincluiosamericanos.Masseiquevocêadmiraeles.

RYU:Nãoadmiro!Porquevocêachaisso?

CHIYOKO:Porqueoutromotivovocêseinteressapelaminhavidalá?

RYU:Eujádisse:sótenhocuriosidade.Querosabertudosobrevocê.Nãofiquechateada._|7O

CHIYOKO:Ai!OORZatacaoutravez.

RYU:Eusabiaqueissoanimariavocê.E,sópravocêsaber,tômuitofelizporqueaantissocialPrincesadeGeloachaquevaleapenafalarcomigo.

CHIYOKO:VocêeoHirosãoasúnicaspessoascomquemsuportoficar.

RYU:Sóquevocênuncaencontrouumeooutronãofala.Vocêprefereisso?Osilêncio?

CHIYOKO:TácomciúmedoHiro,Ryu?

RYU:Claroquenão!Nãofoiissoqueeuquisdizer.

CHIYOKO:Nemsempreénecessáriofalarpraserentendido.Vocêficaria

pasmoaoverquantaemoçãooHiroexpressasócomosolhosealinguagemcorporal.E,sim,mesmoadmitindoqueétranquilizadorfalarcomalguémquenãopoderesponder,tambéméfrustrante.Nãosepreocupa,nãovouescolheroMeninoSilenciosoetedeixardelado.Alémdisso,elepassouagostardeWaratteIitomo!eApronofLoveeseiquevocêjamaiscurtiriaisso.Esperoqueessafasepasse.

RYU:Ha!Elesótem6anos.

CHIYOKO:É.Masessesprogramassãopraadultosretardados.Nãoseioqueelevênaquilo.CMtápreocupadacomoqueasautoridadesvãodizerseelenãovoltarlogopraescola.Achoqueelenãodeveriavoltar.Odeioaideiadeeleficarcomoutrascrianças.

RYU:Concordo.Ascriançassãocruéis.

CHIYOKO:Ecomoelepodesedefendersenemconseguefalar?Eleprecisadeproteção.

RYU:Maselenãopodeficarlongedaescolaprasempre,né?

CHIYOKO:Precisoarranjarummododeensinareleaseproteger.Nãoqueroqueelepassepeloqueagentepassou.Eunãosuportaria.

RYU:Eusei.

CHIYOKO:Ei.Eletáaquiagorasentadocomigo.Querdizerolápraele?

RYU:Olá,Hiro!(/•ω•)(/ •ω•)

CHIYOKO:Legal!Elefezumareverênciadevoltapravocê.CMdizquequerlevareledevoltaaohospitalprafazerexamesdenovo.Eusemprebrigocomelaporcausadisso.Dequeadianta?Nãotemnadaerradofisicamentecomele.

RYU:Talvezelesónãotenhanadapradizer.

CHIYOKO:É.Talvezsejaisso.

RYU:Ouviuoqueosamericanosestãofalando?Sobreaquartacriança,daÁfrica?

CHIYOKO:Claro.Éidiotice.CMfalouqueumrepórteramericanoligoupracáontem.UmestrangeiroquetrabalhanoYomiuriShimbun.ElessãotãoruinsquantoAikaoUriesuabesteiradasobrealiens.Comoamulherdeumministropodesertãoidiota?Aliás,eunãodeveriamesurpreender.TôpreocupadapensandoqueelapodevirvisitaroHiro.

RYU:É.“Leve-meaoseulíder,Hiro.”

CHIYOKO:!!!Escuta,Ryu.Sóquerodizer,obrigadapormeouvir.

RYU:Deondeveioisso?

CHIYOKO:Jáfazumtempoqueeuqueriadizer.Seiquenãoéfácilaguentarmeujeitodeprincesadegelo.Masajuda.

RYU:Hum...Chiyoko,temumacoisaqueeutambémprecisofalar.Édifícil,masprecisopôrprafora.Achoquevocêdeveadivinharoqueé.

CHIYOKO:Guardeessepensamento.CMtágritandoalgumacoisacomigo.

Mensagemregistradaem05/03/2012,às17h10

CHIYOKO:TioAndroidetáaqui!ElenãoavisouquevinhaeCMtápirandodevez.Agentesefalamaistarde.

Mensagemregistradaem06/03/2012,às02h30

CHIYOKO:Ryu.Ryu!

Conversainiciadaem06/03/2012,às02h40

RYU:Tôaqui!Desculpa,dormi.Acordeicomobipedasuamensagem.

CHIYOKO:Escuta...tenhoumacoisamalucapracontar.Masvocêprecisaprometersegredo.

RYU:Vocêprecisamesmopedir?

CHIYOKO:Ok...TioAndroidetrouxeumacoisaproHiro.Umpresente.

RYU:Oquê?Nãomedeixanosuspense!

CHIYOKO:Umandroide.

RYU:!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

CHIYOKO:Acoisaficamelhorainda.ÉumacópiaexatadoHiro.Éigualzinhoaele,apesardeocabeloserdiferente.VocêdeveriaveroberrodaCMquandoviu.

RYU:Falasério!UmaversãorobôdoHiro?

CHIYOKO:É.TioAndroidedissequetavafazendoeleantesdeatiaHiromimorrer.Émuito,muitosinistro.MaismalucoaindadoqueoSurrabotdele.Enãoésóisso.

RYU:Temmais?Oquepoderiasermaisesquisito?

CHIYOKO:Espera.TioAndroidetrouxeonegóciopracáporqueCMfalouqueoHiroserecusavaafalar.Achouqueissopoderiaajudarele.VocêsabecomoTAtrabalha,certo?

RYU:Achoquesim.Eleusaumacâmerapragravarosmovimentosfaciais,quesãorepassadosprossensoresdoandroideatravésdeumcomputador.

CHIYOKO:Nota10!TAlevouséculospramontartudo.EnquantoCMeeuolhávamos,elefocalizoualentedecapturademovimentonorostodoHiroepediuproHirotentardizeralgumaspalavras.Hiromoveuoslábios,naverdadesussurrou,eentãooandroidefalou...seprepara...“Olá,papai”.

RYU:!

CHIYOKO:CMquasedesmaiou.Parecerealdemais.Temummecanismonopeitoquefazparecerqueeletárespirando.Atépiscadevezemquando.

RYU:JáimaginouoqueiriaacontecersevocêfilmasseissoepostassenoNiconico???

CHIYOKO:Aiiiii!Osrepórteresiriampirar!!!!

RYU:Masseeletáfalando...osinvestigadoresnãovãoquerersaberoqueeleviuduranteodesastre?

CHIYOKO:Oqueimporta?Elesjátêmrespostas.Vocêleuatranscriçãodasúltimaspalavrasdospilotos.Asautoridadessabemoquecausouoacidente.OmelhorquepodemosfazeréesperarpraverseissovaiajudaroHiroasecomunicarcomagente.Eparecequetádandocerto.Adivinhaoqueeledissenojantar?

RYU:Oquê????

CHIYOKO:ComoTAapareceu,CMdecidiuqueiafazeropratodenattoprediletodele.

RYU:Eca.

CHIYOKO:Eusei.Tambémodeio.EntregueiatigeladoHiro,eleolhoupraela,mexeuoslábioseseuandroidetraduziu:“Nãogosto,porfavor,possocomerumpoucodemacarrão?”AtéCMriu,epediupraeucolocarelena

cama.Depois,entreidefininhopraouviroqueelatavaconversandocomTA.

RYU:E???

CHIYOKO:CMdissequetavapreocupadaporqueoHironãotinhavoltadopraescolaprimária,queasautoridadespodiamcobrar.TAafirmouqueusariaseustatuspragarantirqueoHironãoprecisassevoltarduranteumtempo,pelomenosatéestarfalandonormalmenteenãoatrairatençãodemais.TArepetiuváriasvezesqueagentedeviamanteremsegredooquetavaacontecendocomoandroide.CMconcordou.

RYU:EledeveestaragradecidoporvocêcuidartãobemdoHiro.

CHIYOKO:Achoquesim.Masescuta,Ryu.Vocênãodevecontarissopraninguém.

RYU:Praquemeuiriacontar?

CHIYOKO:Nãosei.Vocêpareceestarsempreno2-chan.Vocêeseusímbolodeestimação,oORZ.

RYU:Muitoengraçado.Olha,vocêchamoueledevolta:_|7O

CHIYOKO:Ai!!!Tiraissodaí!!!Tenhoqueir,precisodormirumpouco.Mas,ei,oquevocêqueriamedizerantes?

RYU:Nãoprecisaseragora.Agentesefaladepois?

CHIYOKO:Claro.FicaligadopramaishistóriasempolgantesnoLoucoMundodaPrincesadeGeloedoIncrívelGarotoFalante.

RYU:Vocêéengraçada.

CHIYOKO:Eusei.

LillianSmall.

Fazia seis semanas que o Bobby estavamorando com a gente quando oReuben acordou pela primeira vez. Naquele dia eu tinha uma cuidadorapara vigiar o Reuben, ia levar o Bobby ao parque. Eu me preocupavaporqueoBobbynãopassavatempocomoutrascrianças,masnãopareciacertomandá-lodevoltaparaaescola,por causadaatençãoconstantedamídia. Estava tendo pesadelos em que chegava tarde para pegá-lo e umdaquelesfanáticosreligiosososequestrava.Masnósprecisávamossairdoapartamento;nãopudemosdurantedias.Todaaáreaestavaapinhadacomadrogadaquelesfurgõesdosnoticiários.Masfinalmentesabíamosporqueo avião caíra. A investigadora da ANST que veio me contar o que eleshaviamdescoberto, antesda entrevista coletiva – iquei surpresapor serumamulher –, contou que asmortes deviam ter sido instantâneas e queLori não deve ter sentido nada. Saber que Lori não sofreume deu certoconsolo,masreabriuaferida,epreciseipedirlicençaunsminutosparamerestabelecer.AinvestigadoranãoconseguiaafastaroolhardoBobby;davaparaverqueelanãoacreditavaqueelehaviasobrevivido.Eofatodequepássarostinhamderrubadooavião...Pássaros!Comoumacoisaassimpodeacontecer?Logodepoisdo frenesipassar,aquelesdesgraçadosdoFimdosTempos

começaram commais bobagens, a irmando que uma quarta criança teriasobrevivido ao acidente na África. Isso trouxe uma nova onda dejornalistas e cinegra istas e outra multidão de religiosos com seus olhosarregaladosecartazesfalandodofimdomundo.Betsyficoufuriosa:– Aquelesmeshugeners! Eles deveriam ser presos por espalhar essas

mentiras!Eutinhaparadodelerosjornaisdepoisdovenenoqueelesespalharam,

dizendo que o Bobby “não era natural”, que ele estava possuído. ResolvipediràBetsyparanãomemostrarasmatériasnemfalarsobreelas.Nãosuportavaouvir.Acoisa icoutãoruimquepreciseibolarumarotinaespecialantesqueo

Bobby e eu pudéssemos sair do apartamento. Primeiro eu pedia paraBetsy olhar do lado de fora e veri icar se não havia nenhuma daquelaspessoas dos aliens nem os religiosos que icavam gritando no parque,então o Bobby colocava o disfarce: um boné e óculos de lentestransparentes.Eletratavaaquilocomoumjogo,graçasaDeus:“Horadesefantasiar de novo, Bubbe!” Eu tinha passado a tingir o cabelo depois detodas aquelas fotos minhas e do Bobby na cerimônia fúnebre da Loriterem sido publicadas. Foi ideia da Betsy, nós passamos meia hora nafarmácia tentandoescolherumacor.Optamospor castanho-avermelhado,apesar de eu achar que me deixaria com aparência de mulher fogosa.ComoqueriateraopiniãodoReubensobreisso!Naquele dia, Bobby e eu passamos um tempo ótimo. Estava chovendo,

nãohaviaoutras crianças,mas foibomparanósdois.Duranteumahora,quasepudefingirquelevávamosumavidanormal.Depoisdevoltarmosdoparque,acomodeioReubennacama.Eleestava

maissereno,achoquepodemosquali icarassim,desdequeoBobbytinhavindomorarconosco.Dormiamuitoeossonhosnãopareciamassombrá-lo.FizumsanduíchederosbifemalpassadoparanósdoiseBobbyeeunos

acomodamos no sofá para assistir a um ilme no Net lix. Escolhi umchamadoAilhadaimaginaçãoemearrependiimediatamenteporquehaviaumamãemortajánoscréditosdeabertura.MasBobbynemseabalou.Eleaindanãointernalizara(achoqueesseéotermocorreto)oqueaconteceracom Lori. Tinha se acomodado na vida comigo e com o Reuben, como sesemprehouvessemoradocomagente.EnuncamencionavaLori,anãoserqueeufalassedelaantes.Eusemprerepetiaqueamãedeleoamaramaisdoquea simesmaequesempreestaria comBobbyemespírito,maselenãopareciaabsorver isso.Euestavaadiandoadecisãode levá-loaoutropsicólogo – ele não parecia precisar –,mas continuava em contato com aDra.Pankowski,quemegarantiuqueeunãodevia icarpreocupada.Diziaque as crianças têm ummecanismo interno para ajudá-las a enfrentar otraumasúbitoequeeunãoprecisavaentrarempânicosenotassealgumamudançano comportamentodele.Nuncagosteide falarnadaàLori,masalgumas vezes, quando cuidava do Bobby, logo depois de o Reuben icardoente,elefaziaumacena.Davaumoudoischiliques.Masapósoacidentee de Lori... Foi como se ele tivesse crescido da noite para o dia, como se

soubesse que todos tínhamos de trabalhar juntos para superar. E eramuitomais afetuoso. Eu tentava esconder o sofrimento,mas sempre queme via chorando, ele passava o braço em volta de mim e me consolava:“Nãoficatriste,Bubbe.”Enquantoassistíamosaofilme,eleseaninhoupertodemimeperguntou:–OPoPonãopodeassistircomagente,Bubbe?PoPoeraoapelidoqueBobbyderaaoReuben.Nãomelembrodeonde

veio,masLoriachavafofo,porissooencorajouausá-lo.–PoPoestádormindo,Bobby.–OPoPodormeumbocado,nãoé,Bubbe?–Dorme. É porque... – Como a gente explica omal deAlzheimer a uma

criança?–VocêsabequeoPoPoestádoenteháumbomtempo,nãosabe,Bobby?Vocêselembradisso,deantesdevirmorarcomagente.–É,Bubbe–confirmouele,sério.Não me lembro de ter caído no sono no sofá, mas devo ter dormido.

Acordeicomosomdeumagargalhada.Ofilmetinhaacabado,portantonãopodiaseratelevisão.EraoReuben.Fiquei congelada, Elspeth, mal ousando respirar. Então ouvi o Bobby

dizer alguma coisa – não entendi as palavras – e em seguida veio agargalhadadenovo.Faziamesesqueeunãoouviaaquelesom.Meu pescoço estava doendo por causa do ângulo em que eu tinha

dormido,masnãonotei isso.Fuiquasecorrendoparalá;háanosquenãomemoviatãodepressa!Os dois estavam no quarto, o Reuben sentado, o cabelo todo revolto, o

Bobbyempoleiradonabeiradacama.–Oi,Bubbe–cumprimentouBobby.–OPoPoacordou.Aquelaexpressãomorta–amáscaradoAl–haviasumido.– Oi – falou Reuben, com toda a clareza. – Você viu meus óculos de

leitura?–Preciseiapertarabocacomamãoparanãogritar.–Bobbyquerqueeuleiaumahistóriaparaele.Acho que eu respondi “Quer?”. Estava tremendo. Fazia meses que o

Reuben não tinha um período consciente – um momento anti-Al –, semcontaraqueleapertonaminhamãoqueelederaquandodescobrimosque

oBobbytinhasobrevivido.AcoerênciaverbaleraaprimeiracoisaqueoAlhavia roubado do Reuben e ali estava ele falando com clareza, todas aspalavrasnaordemcorreta.Acheiqueeuestivessesonhando.–Olheinacômida,masnãoachei–continuouele.Nãome importavaqueele tivesseusadoapalavraerrada; sóconseguia

pensarqueestavatestemunhandoumaespéciedemilagre.–Euprocuroparavocê,Reuben–ofereci-me.Faziamesesqueelenãoprecisavadosóculos.Bom,elenão iria ler,não

comoAl. Comapulsaçãodisparada feito um tremdescarrilado, procureiem todo lugar em que pude pensar, espalhando coisas por todo canto.Fiquei aterrorizada pensando que, se não encontrasse os óculos, elerecuaria e o Al tomaria conta de novo. Finalmente achei, no fundo dagavetademeias.–Obrigado,querida–agradeceuReuben.Lembro-me de ter achado isso estranho: Reuben nunca havia me

chamadode“querida”antes.– Reuben... você está... como você está se sentindo? – Eu ainda achava

difícilfalar.–Umpouquinhocansado.Mas,foraisso,tudobem.Bobbysaiudoquartotrazendoumdosseusantigoslivrosilustrados.Um

esquisito,queLoritinhacompradoanosantes,chamadoColavegetal.EleoentregouaoReuben.– Hummm. – Reuben franziu os olhos para o livro. – As palavras... não

estãocertas.Ele estava indo embora de novo. Dava para ver a sombra do Al

reaparecendonosolhos.–PossopediràBubbeparalerparanós,PoPo?–indagouBobby.Outroolharconfuso,depoisumbrilhodevida.–Sim.CadêaLily?–Estouaqui,Reuben.–Vocêéruiva.MinhaLilyeramorena.–Eutingiocabelo.Gostou?Elenãorespondeu;nãopodia:tinhasumidodenovo.–Lêparaagente,Bubbe!–pediuBobby.

Sentei-menacamaecomeceialerolivro,comavoztrêmula.Reubencaiuno sonoquasede imediato.Quandoeu fui colocaroBobby

nacama,pergunteioqueelesfalavamnomomentoemqueouvioReubengargalhando.–Eleestava falandodospesadelose eudissequeelenãoprecisava ter

maispesadelossenãoquisesse.Eunãoesperava fecharosolhosnaquelanoite.Masdormi.Acordei e vi

queoReubennãoestavanoseuladodacama.Corriparaacozinhacomocoraçãomartelandonopeito.Bobbyestavasentadonabancada,falandosempararcomoReuben,que

colocavaaçúcarnumcopocheiode leite.Nãome importeiqueabancadaestivessecobertadepódecafé,migalhasdepãoeleitederramado;aúnicacoisa que consegui captar na hora foi o fato espantoso de que Reubenhavia se vestido. Estava tudo certo, exceto pelo paletó estar pelo avesso.Atétentarasebarbearenãotinhafeitoumserviçomuitoruim.Olhouparamimeacenou.–Euqueriacomprarpão,masnãoacheiachave.Tenteisorrir.–Comovocêestásesentindohoje,Reuben?–Bem,obrigadoporperguntar,denada.Reuben não estava totalmente de volta, havia algomeio errado – ainda

faltava algo em seus olhos –, mas ele estava de pé e se movimentando,vestidoefalando.BobbypuxouamãodeReuben.–Anda,PoPo.VamosverTV.Agentepode,Bubbe?Aindaatordoada,assenti.Nãosabiacomoreagir.Ligueiparaaagênciadecuidadoreseaviseique

nãoprecisavadeninguémnaqueledia,depoismarqueiumaconsultacomoDr.Lomeier.Fiztudoissonoautomático.

Sairdoapartamento,mesmocomomilagre,nãoseriasimples.Reubennãoestiveradoladodeforaporsemanaseeuestavapreocupadaemcansá-lodemais. Pensei em pedir a Betsy para fazer a varredura usual da área,paraversenãohaviarepórteresporperto,masalgomeimpediudebateràportadela.Chameiumtáxi,mesmosendoapenasalgunsquarteirõesaté

aclínicaBethIsrael,epediaoBobbyquecolocasseodisfarce.Naquelediativemossorte:nãopudevernenhumrepórtereaspessoasquepassavampela frente do prédio – um chassídico e um grupo de adolescenteshispânicos – nem olharam para a gente. O taxista conseguiu parar bemdiantedaporta.ElelançouumolharestranhoparaoBobby,masnãodissenada.Eraumdaquelesmotoristas imigrantes,bengalioualgoassim.Achoquenemfalavainglês,eeutivedeorientá-loparachegaràclínica.ProvavelmenteeudeveriacontarumpoucosobreoDr.Lomeier.Eunão

gostavadele,Elspeth.Nãohádúvidadequeeraumbommédico,maseunão apreciava o modo como ele falava do Reuben, como se ele nãoestivesseali,quandoeuolevavaparaoscheckups:“EcomooReubenestáhoje,Sra.Small,estamostendoalgumadificuldadecomele?”Ele foi o primeiro médico que mencionara a possibilidade do mal de

Alzheimer como causa dos esquecimentos e Reuben também não gostoudele. “Por que eu teria de receber esse tipo de notícia de umputz comoele?”Oespecialistaaquemfomosindicadoseramuitomaisafável,masissoimplicava uma viagem a Manhattan e eu não estava pronta para levarReuben tão longe. Por enquanto o Dr. Lomeier serviria. Eu precisava derespostas.Precisavasabercomoqueestávamoslidando.Quandoentramosnoconsultório,oDr.Lomeierfoimaisamistosodoque

ousual.–EsteéoBobby?Ouvifalarmuitodevocê,mocinho.–Oqueo senhorestá fazendonocomputador?–perguntouBobby.–O

senhortemfotos.Querover!ODr.Lomeierpiscou,surpreso,evirouateladocomputador,queexibia

afotodeumacenaalpina.–Essafoto,não–replicouBobby.–Asfotosquetêmasmoçassegurando

ospipius.HouveumsilênciodesconfortáveleReubendisse, comtodaanitidezdo

mundo:–Ah,anda,mostraasfotosparaele,doutor.Bobbyriuparaele,satisfeitíssimo.O Dr. Lomeier icou de queixo caído. Parece que estou exagerando,

Elspeth,masvocêdeveriatervistoosujeito.–Sra.Small,háquantotempoissovemacontecendo?

RespondiqueReubentinhacomeçadoafalarnanoiteanterior.–Elecomeçouafalarcoerentementeontemànoite?–É.–Sei.–Eleseremexeunacadeira.QuaseespereiqueReubenfalassealgocomo“Ei,euestouaqui,sabe,seu

schmuck”.Maseleficouemsilêncio.–Devoconfessar,Sra.Small,queestouatônito,seoqueasenhoradizé

verdade.AdeterioraçãodoReubenera...Estousurpresosóporverqueelesemovimentasozinho.Esperavaterqueindicarumdaqueleslaresestataisjáháalgumtempo.Araivameacertoufeitoumtrem.–Nãofalesobreeleassim!Eleestáaqui!Eleéumapessoa,seu...seu...–Putz?–sugeriuReuben,todoanimado.–Bubbe?–Bobbyolhouparamim.–Podemosiragora?Essehomemestá

doente.–Éoseuavôqueestádoente,Bobby–retrucouoDr.Lomeier.–Ah,não–discordouBobby.–PoPonãoestádoente.–Elepuxouminha

mão.–Vamos,Bubbe.Issoéidiota.Reubenjáestavadepé,indoparaaporta.Levantei-me.O Dr. Lomeier ainda estava aturdido e seu rosto pálido tinha icado

vermelho.– Sra. Small... Insisto que marque outra consulta imediatamente. Posso

indicá-la de novo para o Dr. Allen, do Mount Sinai. Se Reuben estámostrandosinaisdemelhorianacapacidadecognitiva,issopodesigni icarque a dosagemdeDematine que ele usa temmuitomais e icácia do quepoderíamosimaginar.Esquecidemencionarque,haviasemanas,oReubenserecusavaatomar

amedicação. Não era o remédio que causara sua transformação: eu nãoconseguiaobrigá-loaengoli-lo.

Isobel,afilhadeStanMurua-Wilson,éex-colegadeturmadeBobbySmall.OSr.Murua-WilsonconcordouemfalarcomigopeloSkypeemmaiode2012.

Nem preciso dizer que todos nós, pais da escola Roberto Hernandes,icamos superchocados quando soubemos da Lori. Não conseguíamosacreditar que uma coisa daquelas podia acontecer com uma pessoaconhecida. Não que Lori e eu fôssemos íntimos nem nada do tipo.Minhamulher, Ana, não é ciumenta,mas tinha restrições ao comportamento deLoriemalgumasreuniõesdepaiseprofessores.Anadiziaqueelagostavade lertar,chamava-ade“falsidadenota10”.Eunãoiriatãolonge.Lorieralegal. Amaioria das crianças da Roberto Hernandes é hispânica –mas aescola tem uma ética de integração e diversidade – e Lori nunca fez ogênero “olhe paramim, estoumandandomeu ilho para a escola públicapara que ele saque a realidade com a garotada do bairro”. Alguns paisbrancos cujos ilhos frequentam escolas com currículos direcionados sãoassim, sabe, metidos a besta. E Lori poderia facilmentemandar o Bobbyparaumadasboasescolasjudaicasdobairro.AchoquepartedoproblemadeAnacomLorieraoBobby...Elenãoeraumacriançamuitofácil,sevocêquersaberaverdade.Souformadoeminglês,estavapensandoemdaraulasantesdachegada

daIsobel,eocomportamentodoBobby–querodizer,antesdoacidente–eaatitudedeLoricomrelaçãoaelemelembravaaquelecontodeShirleyJackson,Charles. Você conhece? É sobre ummenino chamado Laurie quevolta todo dia do jardim de infância falando de um garotomau chamadoCharles,quevivefazendobagunçanasala,maltratandoasoutrascrianças,matandoohamsterdaturma,coisaetal.OspaisdeLauriesãodotipoquesenteprazercomosofrimentoalheioedizemcoisascomo“porqueospaisdo Charles não castigamo garoto?”. Claro, quando eles vão à escola paraumareuniãodepais,descobremquenãoexistenenhumacriançachamadaCharlesnaturma:omeninomalvadoéofilhodeles.Alguns pais tentaram conversar com Lori sobre Bobby, mas jamais

conseguiam argumentar. Ana icou louca no ano passado quando Isobelchegou em casa e disse que o Bobby tinha tentadomordê-la. Ana queria

falar como diretor,mas eu a convenci a não fazer isso. Sabia que aquiloiria passar com o tempo ou talvez Lori tomasse juízo e tratasse o garotocomRitalinaouseiláoquê,poiseletinhaumsériocasodeTDAH.Se posso dizer que ele se tornou uma criança diferente depois do

acidente?Falammuitosobreisso,comtodaaquelamerdaqueosmalucosligadosemprofeciasestãoproclamando,mascomoLillian,aavódoBobby,decidiucolocá-lonoprogramadeensinoemcasa–achoqueporcausadetodaa atençãoqueele estava recebendodamídia edaquelesdoidos –, édi ícildizer.Mashouveumaocasiãoemqueeuoencontrei,lápelo inaldemarço.Otemponãoestavaótimo,masIsobeltinhapegadonomeupéodiainteiro,pedindoparairaoparque,eporfimeucedi.Aochegarmos,Isobelfalou:–OlhaoBobbyali,papai.E, antes que eu pudesse impedir, ela correu direto para omenino, que

usava boné e óculos, por isso não o reconheci na hora, mas Isobel oidenti icou de imediato. Bobby estava com uma mulher idosa que seapresentoucomoBetsy,vizinhadeLillian.ExplicouqueReuben,omaridodeLillian, estava tendoumdia ruim, por isso ela havia se oferecidoparasairumpoucocomoBobby.Betsyfalavademais!–Querbrincarcomigo,Bobby?–perguntouIsobel.Ela é uma garotinha bondosa. Bobby concordou e estendeu a mão. Os

dois foram para os balanços. Eu estava vigiando atentamente, escutandoBetsy comapenasumouvido.Davapara verque ela achava estranho euestaremcasaecuidardeIsobelenquantoAnaiatrabalhar.–Issonuncaacontecerianomeutempo–afirmava.Ummontedosmeusamigosdobairro sãocomoeu. Issonão tornavocê

menos homem, nenhuma merda dessas. Nós não icamos entediados.Temosumgrupodecorrida;jogamosraquetebol,essetipodecoisa.IsobeldissealgumacoisaaoBobbyeelegargalhou.Comeceiarelaxar.Ali

estavamosdois,comascabeçasjuntas,batendopapo.Pareciamsedivertirumbocado.– Ele não temmuito contato com outras crianças – continuava Betsy. –

NãoculpoLillian,elaestáatoladadetrabalho.Quando voltávamos para casa, perguntei a Isobel o que ela e Bobby

haviam conversado. Fiquei preocupado pensando que Bobby podia ter

contadosobreoacidenteeamortedamãe.Euaindanãofalarademortecom Isobel. Ela tinha um hamster que estava icando cada vez maisvagaroso, mas eu planejava simplesmente substituí-lo sem que elasoubesse.Paravercomosoucovarde.Anaédiferente:“Amorteéumfatodavida.”Masagentenãoquerqueascriançascresçamdepressademais,nãoé?–Euestavacontandoaelesobreavelha–respondeuela.EusabiaoqueIsobelqueriadizer.Desdeos3anos,Isobelsofriaterrores

noturnos, mais especi icamente alucinações hipnagógicas, em que via aimagem terrível de uma velha corcunda girando diante de seus olhos.Partedoproblemaéqueminhasograencheacabeçade Isobelcomtodotipodehistórias,coisassupersticiosascomoochupa-cabraeummontedebaboseiras.Anaeeubrigávamosmuitoporcausadisso.No ano passado, a situação de Isobel tinha icado tão ruim que eu

procureiumapsicóloga.ElagarantiuqueIsobelacabariasuperandoaquiloeeurezeiparaquefosseverdade.–Bobbyéigualàvelha–comentouIsobel.Pergunteioqueissosigni icava,mastudooqueelarespondeufoi“Eleé”.

Aquilomearrepiouumpouco,paraserhonesto.Talveznãotenhanadaaver,mas...apósterencontradooBobbynaquele

dia,Isobelnãoacordougritandonemumaveznemreclamoudequalquervisitada “velha”. Semanasdepois,volteia interrogá-la,maselaagiucomosenãofizesseamínimaideiadoqueeuestavafalando.

TranscriçãodagravaçãodePaulCraddockdemarçode2012.

12demarço,5h30

Foisóumabebida,Mandi.Sóuma...Eu tiveoutranoitedaquelas,Stephenapareceudenovo,masdessaveznãofalou,só...

(somdeumapancada,seguidapeladescargadovasosanitário)Nuncamais.Nuncamais,porra.Darrenvaichegardaquiaalgumashoras

eeunãopossodeixarqueelesintaocheirodebiritavelhaemmim.Masissoajuda.Nãopossonegar.Ah,meuDeus.

12demarço,11h30

Achoquemedeibem.Tiveocuidadodenão icar fedendoadesinfetantebucal, o que é uma tremenda bandeira. Encontrei um daquelesdesodorantesbaratosemspraynofundodoarmáriodobanheiro,quemefez cheirar a almíscar manufaturado. Mas é a última vez que vou mearriscarassim.Não que eu tenha passado muito tempo com o Darren, de qualquer

modo.Jessocontroloumuitobem,comosempre:“Darren,querassistiraoMeu querido pônei comigo? O tio Paul comprou a série inteira.” Elade initivamente não era tão extrovertida antes do acidente. Agora tenhocerteza.ElaePollynuncaforamdotipoqueagentechamariadeprecoce.As duas eram sempre tímidas com estranhos, mas acho que é de seesperarumaligeiramudançanocomportamento.DarrensugeriuqueeuacolocassedevoltanaescoladepoisdosferiadosdaPáscoa.VeremosoquedizoDr.K.Obrigadoporsertãocompreensivaporeunãotermandadoasgravações

duranteumtempo.Ésóque...falarassim...ajudamesmo,sabe?Vouvoltarlogo ao material adequado, prometo. Deve ser o sofrimento, não é?Negação ou sei lá o quê. Não é um daqueles estágios pelos quais todo

mundo passa no período de luto? Felizmente Jess não está passando pornadadisso.Parecequeaceitoutudo,aindanemchorou,nemnomomentoemqueoscurativos foramtiradosdorostopelaprimeiravezeelaviuascicatrizes. Não são feias; nada que um pouquinho de maquiagem nãoresolvaquandoela formaisvelha.Eocabeloestávoltandoacrescer.Umdiadessesnosdivertimosescolhendochapéuspela internet.Elaescolheuum de aba estreita, preto, incrivelmente chique. Não imagino a Jess pré-acidentequerendoessetipodecoisa.NãoeramuitotipoMissyK,quetemosensodemodadeumadragqueenretardadaedaltônica.Mas ainda assim... aceitar tudo como ela aceitou... não pode ser normal,

pode?Ficotentadoamostraraelaasfotosdefamíliaqueguardeiantesdetrazê-laparacasa,paraverseconsigoprovocaralgumareaçãoemocional,mas não estou preparado para olhá-las e tenho o cuidado de não icarperturbado demais perto dela. Agora que divulgaram o que chamam dedescobertas preliminares sobre o acidente, espero de verdade que issosigni ique que terei algum sossego íntimo. E o 277 Unido está ajudando.Não contei a eles sobre os pesadelos. De jeito nenhum vou fazer isso.Con ioneles,especialmenteemMeleGeoff,masnuncasesabe.Asporrasdos jornaispublicamtudo,nãoé?VocêviuaquelahistóriachorosanoTheDailyMail –Stephencostumavachamá-lodeDailyHeil – sobreaMarilyn?Elaa irmaquerecebeudiagnósticodeen isema.“Etudoquequeroéverapequenina Jessie antes demorrer, buá, buá.” Pura chantagem emocional.VivoesperandoverTioChicoeGomezrondandodo ladode foradacasa.MasachoquenemmesmoaFamíliaAddamsé idiotaapontodearriscarsofrer uma ordem de restrição. E sempre posso chamar Gavin, o ilhobarra-pesadadaMel,paraviraterrorizá-losseelesaparecerem,nãoé?MeuDeus,estoufalandosemparar,feitoumidiota.Éoestresse.Faltade

sono.NãoédeespantarqueaquelessacanasamericanosemGuantánamousassemaprivaçãodosonocomoinstrumentodetortura.

(telefonetocacomotemadeDoutorJivago)Esperaaí.Telefone.

11h45

Maravilha. Bom, isso foi o máximo. Um repórter sensacionalista, comosempre. Desta vez doThe Independent. Esse não era supostamente umjornal racional?Queria saber como eu estavame sentindo comos boatosde que um daqueles sacanas religiosos vai começar a procurar o quartocavaleiro,seéquedáparaacreditarnisso.Que porra tenho a ver com isso? Meu Deus. A quarta criança? Que

babaquice. Ele teve até o desplante de perguntar se eu havia notadoalguma mudança no comportamento da Jess. Fala sério! É isso que aimprensaestáfazendoagora?Acreditandoemencantadoresdeserpentese aberrações religiosas? Os malucos estão cuidando do asilo? Hum, issoicoulegal.Devomelembrardemanterapósapagartodoomaterialsobreossonhos.Certo:café,mandarJesstrocarderoupaedepoisiraosupermercado.Só

tem dois neandertais paparazzi hoje lá fora; acho que dá para sair semproblema.

15demarço,23h25

Hummm...nãoseioquedizer.Diaestranho.Hoje demanhã, comou sempaparazzi, decidi que precisávamos de um

pouco de ar puro. Estava icando maluco sem fazer nada e Jess andavavendoTVdemais.Masnãopodemos sair o tempo todo se nãoquisermosser fotografados até amorte. Graças a Deus ela não tem interesse peloscanais de notícias, mas não aguento mais ouvir o tema doMeu queridopônei,meucérebroécapazdeexplodir.Fomospelacalçadaatéoestábulono imdarua,seguidosporumgrupoderepórteressebentoscomcabelosesticadosporcimadacareca.–Sorriaparaa câmera, Jess! –grasnavam,ofegandoemvoltadela feito

umbandodepedófilosquetiraramfolgadoasilodelunáticos.Precisei de toda a força do mundo para não mandá-los se foder. Fiz a

carade“tiobonzinho”eJessrepresentouparaelescomosempre,posandocomoscavalosesegurandominhamãonavoltaparacasa.ComoiríamosnosencontrarcomoDr.Knodiaseguinte,acheiqueseria

boa ideia tentardenovo fazer Jess seabrir sobrePolly, StepheneShelly.Estou icandopreocupadoporelaestartãocontidae...feliz,acho.Porqueé

assimqueelaestá.Atéparoudeusarpalavrões.Como sempre, ela me ouviu com calma, com aquela expressão meio

paternalista.Apontei para a televisão, na qual passava um episódio repetido doMeu

querido pônei – um desenho que, devo admitir, apesar do tema musicalmedonho,éestranhamenteviciante.Jáseiquasetodososepisódiosdecor.– LembraquandoApplejack recusaqualquer ajudadas amigas e acaba

se encrencando, Jess? – arrulhei naminha voz de tio animado. – No im,TwilightSparkleeasoutrasaajudameelapercebequeàsvezesoúnicomododeenfrentarsituaçõesdifíceisécompartilharcomosamigos.Jess icouemsilêncio,olhandoparamimcomoseeu fosseumcompleto

imbecil.–Estoudizendoquevocêpodecontarcomigosemprequequiser,Jess.E

não faz mal chorar quando a gente está triste. Sei que você deve sentiruma falta terrível de Polly, da mamãe e do papai. Eu sei que não possosubstituí-los.–Nãoestoutriste–replicouela.Talvez ela tenha bloqueado as lembranças deles. Talvez esteja ingindo

quenuncaexistiram.Pelamilésimavez,perguntei:–Querqueeuvejasealgumaamigasuaquervirbrincaramanhã?Elabocejou.–Não,obrigada.Evoltouaassistiràporcariadospôneis.

3h30

(soluços)Mandi.Mandi. Não aguentomais. Ele esteve aqui... Não pude ver o rosto.Disseaquelacoisadenovo,oqueeledizsempre:–Comopôdedeixaressacoisaentraraqui?Ah,meuDeus,ah,porra.

4h30

Dejeitonenhumvouvoltaradormir.Dejeitonenhum,porra.Elessãoreaisdemais.Ossonhos.Sãoincrivelmentereais.E...merda.Isso

estáalémda loucura...Masdessavez tivecertezadequesentiumcheiro,umleveodordepeixepodre.Comose,comopassardotempo,ocorpodoStephenestivesseapodrecendo.Eaindanãoconsigoverorostodele.Certo.Jáchega.Precisopararcomisso.Éabsolutamenteinsano.Mas... acho que deve ser por causa da culpa. Talvez seja isso quemeu

subconscientepreciseenfrentar.Me esforço ao máximo pela Jess, claro que me esforço. Mas não posso

deixar de sentir que estou deixando de perceber alguma coisa. Quedeveriaestarfazendomais.Como quando mamãe e papai morreram. Deixei tudo por conta do

Stephen.Deixeiqueele izesse todososarranjosdoenterro.Naépocaeuestava em turnê, fazendo uma peça de Alan Bennett em Exeter. Achavaque minha carreira era mais importante; me convenci de que mamãe epapai não queriam que eu estragasse minha grande chance, rá, rá.Tremenda chance. Na maioria das noites, tínhamos sorte quando a casaestava com público pela metade. Acho que eu ainda sentia raiva deles.Nuncameassumiparaeles,maselessabiam.DeixaramclaroqueeueraaovelhanegradafamíliaeoStepheneraomeninodeouro.Seioqueeulhedisse antes, Mandi, mas eu e o Stephen não éramos unidos na infância.Nuncabrigamosnemnada,mas...Todomundogostavadele.Eunãosentiaciúme,masparaeleerafácil.Paramimnãoera.GraçasaDeuspelaShelly:senãofosseela,nósnuncateríamosnosligadodenovo.Maseusabia...sempresoube...OStephenerabomdemais.Melhordoque

eu.(soluço)Atémedefendeuquandoeunãomerecia.E eu sabia, bem no fundo do coração, que ele não me achava

suficientementebomparacuidardaJess.EleeShelly...erambem-sucedidos,nãoeram?Ecáestou...

(soluçoalto)

Vejasó,acoitadinhadasenhoritaautopiedade.Ésóculpa.Sóisso.Culpaearrependimento.Masvoumesairmelhorcom

aJess.VouprovaraoStephenqueShellyestavacertaaomedaraguarda.Então,talvezelemedeixeempaz.

21demarço,23h30

Desisti e pedi à Sra. Ellington-Burn para cuidar da Jess enquanto eu ia àreunião do 277Unido esta noite. Geralmente levo a Jess e ela sempre secomportacomoumanjinho,claro.Melarrumaalgumacoisaparaelafazernosaguãodocentrocomunitário,colorindo igurasoualgoassim,eeulevoo Mac do Stephen para que ela possa assistir mais uma vez à RainbowDash e àsmeninas,mas para algumas pessoas do 277... não sei, tenho aimpressãodequeé incômodoparaelesquandoJessvai.Sãotodosótimoscomela, claro,é só...bem,nãopossoculpá-los.Elaéuma lembrança fortedemais de que seus parentes não sobreviveram, não é? Deve parecerinjusto para alguns. E sei que eles devem querer perguntar a Jess comoforam os últimos segundos antes da queda do avião. Ela diz que não selembra de nada, e por que lembraria? Jess icou inconsciente quando acoisa aconteceu. O investigador da AAIB que veio falar com ela antes defazerem aquela coletiva fez o máximo para lhe instigar a memória, masJess insistiu que a última coisa de que lembrava era estar na piscina dohotelemTenerife.A Sra. EB quaseme expulsou;mal podia esperar para icar com a Jess.

Talvezelasejasolitária.Nuncavininguémvisitando-a,foraastestemunhasde Jeová,mas namaior parte do tempo ela é uma vaca velhamiserável.Felizmente, deixou o poddle chato em casa, então pelomenos não tenhoquemepreocuparcomseudetestávelpeloportodoolugar.Nãocreioquea empá ia dela com relação a mim seja pessoal. Geoff disse que minhavizinhaoolhacomoseele tivessemerdanosapato(típicogeof ismo),porissoachoquesejaapenasumesnobismomonumental.Fiqueinervosopordeixar Jess com ela, mas minha sobrinha se despediu de mim com um

acenotão feliz...Nunca falei issoemvozalta,mas...àsvezesnãoseiseelaligaamínimaseeuestouporpertoounão.Dequalquermodo...ondeéqueeuestava?...Ah,sim.O277Unido.Quase

desembuchei a coisa toda. Quase contei sobre o Stephen. Sobre ospesadelos.MeuDeus.Emvezdisso,tagareleisobreaatençãodaimprensa,comoissomedeixavaarrasado.Eusabiaqueestavaatropelandootempodetodomundo,masnãoconseguiaparar.Por im, Mel precisou me interromper, pois estava icando tarde.

Enquanto tomávamos chá, Kelvin e Kylie se levantaram e avisaram quequeriam fazer um anúncio. Kylie virou um pimentão e torceu as mãos eKelvin disse que os dois tinham começado a namorar e que planejavamficarnoivos.Todoscomeçamosachorareaplaudir.Paraserhonesto,fiqueicom um pouquinho de ciúme. Faz meses que eu nem tomo uma bebidacomalguém comquemquisesse transar aomenos remotamente, e agoranãohámuitachancedisso,nãoé?ImaginooqueoTheSundeclararia:“Tiomaluco de Jess transforma casa em antro de sexo pervertido” ou algoassim. Eu comentei que estava feliz por eles, apesar de Kelvin sermuitomaisvelhodoqueKylieeacoisatodaparecermeioapressada–sófazummêsqueosdoiscomeçaramasairjuntos.Dequalquerforma,eleéumcaralegal.Kylieésortuda.Kelvinésensível

de verdadeporbaixode todos aquelesmúsculos e aquela atitude tipo “éissoaí,cara”.Eumesmocomeceiaterumaligeiraquedaporeleapósouvi-lo ler aquele poemana cerimôniamemorial. Sabia que issonãodaria emnada.Kelviné totalmentehétero.Todossão.Eusouoúnicogaydogrupo,rá, rá,porra.Depoisde todomundodarosparabéns,Kelvina irmouqueseuspais–eleperdeuosdoisnoacidente–adorariamterconhecidoKylie;durante décadas os dois insistiram para ele casar. Isso fez todo mundochorardenovo.Geoffestavapraticamenteberrando.TodossabíamosqueKelvinhaviapagadoaviagemdospaisaTenerife;umpresentedebodasderubi.Devetersidomedonholidarcomisso.FezeumelembrardamãedoBobbySmall.OmotivoparaelaestarnaFlóridaeraprocurarumlocalondeospaispudessemseestabelecer,nãoera?Horrendo. Issoéqueéaporradeumcarma.Um grupo do 277 depois iria para o bar tomar umas bebidas para

comemorar, mas eu decidi que não era boa ideia ir junto. A tentação de

tomarumabebidaforteseriademais.Nãoseisefoiminhaimaginação,masvários deles pareceram aliviados quando recusei. Provavelmente eraapenasminhavelhaamiga,aparanoia,dandooardagraçadenovo.Aochegaremcasa,encontreiaSra.Ellington-Burnesparramadanosofá

lendo um romance de Patricia Cornwell. Não parecia com pressa de irembora, por isso decidi perguntar se ela havia notado alguma coisadiferentenaJessdesdeoacidente–foraaaparência,claro.QueriaverseerasóeuqueachavaqueapersonalidadedeJesstinhapassadoporumatransformaçãotipoDoctorWho.Ela pensou por muito tempo, depois balançou a cabeça, disse que não

tinhacerteza.ComentouqueJessfora“umtesouro”naquelanoite,sebemque, surpreendentemente, tivesse pedido para assistir alguma coisadiferente deMeu querido pônei. A Sra. EB admitiu, carrancuda, que elaspassarampor umamaratona de reality shows, desde Britain’s Got TalentatéAmerica’s Next Top Model. Então Jess foi para a cama sem que elaprecisassemandar.Comoelacontinuousemfazermençãode irembora,agradecidenovoe

dei um sorriso, na expectativa de ser entendido. Ela se levantou e meencaroudireto,aspapadasnacaradebuldoguetremelicando.–Umconselhozinho,Paul–disseela.–Presteatençãonoquevocêcoloca

nassuaslixeirasdereciclagem.Fuiacertadoporumaondadeparanoia,porumsegundopenseiqueela

teria encontrado uma das minhas garrafas do que eu chamo de “biritaparaaguentar abarra” equeestavaparame chantagear.Tinha feitoumenorme estardalhaço a irmando que estava sóbrio, portanto, acima detudo,nãopoderiadeixarqueissofossedivulgado.– Os repórteres, veja bem – prosseguiu ela. – Peguei eles revirando as

lixeiras algumas vezes. Mas não se preocupe, mandei todo mundo semandar.–Eladeuumtapinhanomeubraço.–Vocêestáfazendoumbomtrabalho:Jessestáótima.Nãopoderiaestaremmãosmelhores.Levei-apara foraedepois caíno choro.Estava tremendamentealiviado

porquepelomenosumapessoaachavaqueeufaziaalgumacoisaboapelaJess.Mesmoquefosseaquelavacavelhaeríspida.Eagoraestoupensando:precisodarumjeitonospesadelos.Mecontrolar,

enterraraautopiedadedeumavezportodas.

22demarço,16h

AcabodevoltardoDr.K.DepoisqueeleterminoucomaJess–odesempre:elapareceestarbem,

podemosde initivamentepensaremcolocá-ladevoltanaescola,etc.,etc.–,tenteifalarsobrealgumasdasminhaspreocupações.Mencioneiqueestavatendo pesadelos, mas não entrei em detalhes por motivos óbvios. É fácilconversarcomessemédico:eleégentil,gordo,masdotipoursofofo,quelhe cai bem, não do tipo que come escondido. Disse quemeus pesadelossãoumsinaldequeomeusubconscienteestálidandocommeusofrimentoe minha ansiedade e que, assim que a atenção da imprensa passar, ascoisas vão entrar nos eixos. Sugeriu que não devo subestimar a pressãoquesofroporpartedosrepórteressensacionalistas,daFamíliaAddamsedosmalucosque ainda telefonamocasionalmente. Falouqueposso tomaralguma coisa para me ajudar a dormir e me deu uma receita para umcomprimidoque,segundoele,vaimeapagarcomcerteza.Bom...vejamossefunciona.Mas vou ser honesto: mesmo com os comprimidos para dormir, estou

commedodecairnosono.

23demarço,4h

(soluço)Nenhumsonho.NadadoStephen.Masisso...issoé,ah...nãoépior,mas...AcordeimaisoumenosnahoraemqueoStephencostumaaparecer,às

trêsdamadrugada,eescuteivozesvindodealgumlugar.Edepoisumriso.OrisodeShelly.Clarocomoágua.Puleidacamaecorriparabaixo,comocoraçãonaboca.Nãoseioqueesperava, talvezShellyeStephenparadosnocorredor,dizendoquetinham...porra,nãosei,tinhamsidosequestradosporpiratasdaSomáliaoualgodotipo,equeeraporissoquenãotínhamostido notícias deles. Eu só estava meio acordado e acho que por isso nãopensavadireito.Mas era só a Jess. Estava sentada a centímetros da tela da televisão

assistindoaoDVDdocasamentodeShellyeStephen.–Jess?–chameibembaixinho,semquererassustá-la.

Estavapensando:porra,elafinalmentedecidiuencararaperda?Semsevirar,elaperguntou:–VocêtinhaciúmedoStephen,tioPaul?–Porqueeuteriaciúme?NahoranãomeocorreuindagarporqueelaochamaradeStephen,não

depapai.–Porqueelesseamavamevocênãotemninguémqueteame.Eu gostaria de ser capaz de imitar o tom de voz dela; era como um

cientistainteressadonumespécime.–Nãoéverdade,Jess.–Vocêmeama?Eurespondiquesim.Maseramentira.Euamavaaantiga Jess.Oantigo

PaulamavaaantigaJess.Porra.Nãoacreditoqueacabeide falar isso.Oqueeuquisdizercom“a

antigaJess”?Deixei-a assistindo ao DVD, depois fui para a cozinha e me peguei

abrindoumavelha garrafa de xerez de culinária. Eu a havia escondido –longedavista,longedamente.Elaaindaestáassistindoagora.Éaquartavez,possoouviramúsicaque

tocaramna cerimônia: “BetterTogether”, daporrado Jack Johnson. E elaestárindodealgumacoisa.Masoquepoderiaserengraçado?Agoraestousentadoolhandoagarrafa,Mandi.Masnãovouencostarnela.Nãovou.

GeoffreyMoranesuaesposa,Melanie,foramfundamentaisnacriaçãodo277Unido,ogrupodeapoioparaosqueperderamentesqueridosnodesastredaGo!Go!Air.Geoffreyconcordouemfalarcomigonoiníciodejulho.

Euculpoamídia.Eleséquedeveriamresponderporisso.Vocêouvefalardaqueles grampos telefônicos, eles se livrando depois de publicarmentiras; eu realmente não poderia culpar o Paul por icar um poucoparanoico.OssacanasatétentaramfazereueaMeldizermoscoisasruinssobre ele algumas vezes, vinham com perguntas capciosas. Mel mandouelesdaremofora,claro.No277Unido,nóssomosunhaecarne;cuidamosdos nossos. Bom, eu também acho um milagre as três criançassobreviveremdaquelejeito,éumadaquelascoisasdavidaqueagentenãoconsegue explicar. Mas tente falar isso aos fanáticos pelos aliens ouàqueles ianques com as baboseiras sobre conspiração. Se não fosse adrogadosrepórteres,nenhumamerdadessaveriaaluzdodia.Foramelesquelevaramissoapúblico.Ossacanasdeveriammorreratiros,todoseles.NóssabíamosoqueoPaulera,claroquesabíamos.Enãoestou falando

sobresergay.Oqueaspessoasfazematrásdeportasfechadasédacontadelas. Me re iro a ele ser um ator afetado, querendo ser o centro dasatenções.Eledissede caraparanósque era ator.Eununca tinhaouvidofalar nele, apesar de ele ter contado que fez alguns papéis na televisão,participaçõesespeciais,vocêsabe.Deveterferidooegodelenãoconseguiro que queria na vida. Fazia eume lembrar umpouco daminhaDanielle.Ela era muito mais nova do que ele, claro, mas demorou um tempo adecidir o que queria fazer, tentou todo tipo de coisa até partir para onegóciodeesteticista.Algumaspessoasdemorammaistempoparaacharocaminhonavida,nãoé?Antes de começar a se comportar... bom... antes de começar a icar um

poucomaisreclusodoqueousual,PaulirritavaumpoucoaMel.Eracapazde falar durante horas nas reuniões se a gente deixasse. Mas, quandopodíamos, nós tentávamos ajudar com a Jess. Nem sempre era fácil: nóstambémtemosnetosparacuidar.OnossoGavintemtrês ilhospequenos,mas o Paul era um caso especial. Precisava de todo o apoio possível,

coitado, com a imprensa em cima dele o tempo todo e o outro lado dafamília – sementes do mal, como a Mel chamava – causando tantosofrimento. Gavin teria interferido se aquela família atrapalhasse acerimôniamemorial. Anoque vemele vai se inscrever para a polícia. Vaiserumbompolicial, eles sempre são,osque jáviramooutro ladoda lei,por assim dizer. Não que ele já tenha entrado em encrenca de verdade.Aquelavizinhametidaabestatambémfaziaopossível.Eraumatremendaesnobe,mastinhaocoraçãono lugarcerto.Euaviexpulsarumdaquelespaparazzi jogando um balde de água fria em cima do sacana. Dou osparabénsaelaporisso,mesmosendometidaabesta.Quando o canal Discovery estava planejando aquele programa especial

sobreaQuinta-FeiraNegra,logodepoisqueasconclusõesdainvestigaçãoforamdivulgadas, oprodutorprocurouMel e eupara falarnoprograma,queriaquedisséssemosoquesentimosaosaberqueoaviãohaviacaído.Agora é horrível pensar nisso, mas, antes de perdermos nossa Danielle,adorávamos assistir àquele programa americano sobre investigações deacidentes aéreos, de Ace Kelso. Agora eu gostaria de nunca ter assistido,claro. Mel recusou de cara, e Kylie e Kelvin também. Na época os doistinham icado juntos. Kylie havia perdido sua cara-metade no acidente eKelvinerasolteiro,entãoporquenão?Claro,eleeramuitomaisvelhodoqueela,masessetipoderelacionamentopodefuncionar,nãoé?VejaeueMel:elaéseteanosmaisvelhadoqueeuenósestamos irmeshámaisdevinte anos. Kylie e Kelvin estavam planejando se casar em agosto, masagora andam falando em adiar. Eu disse a eles que precisamos de umpoucodealegrianavida,paraquenãodeixassemqueoacontecidocomapequenaJessosperturbassem.Foi nessa época que eu deveria ter percebido que algo de initivamente

nãoestavacertocomoPaul.Querodizer,quandoelefalouquenãoqueriafazer parte doprogramadoDiscovery.Mas eu o defendo: ele não tentoucolocar a Jess sob os re letores. Na verdade foi o contrário. Só que nosprimeiros dias ele não se envergonhava de aparecer na mídia. Nos doisprimeiros meses, era como se ele sempre estivesse nos programasmatinais, sentado no sofá e falando sobre como Jess estava se saindo. Enão,nãocreioqueissodesseàimprensaodireitodeinvadiraprivacidadedeleeoperseguirdaquele jeito.DepoisdoqueaconteceucomaPrincesa

do Povo, seria de pensar que eles aprenderiam a lição. Quanto sangueprecisaserderramadoantesqueelesparem?Eusei,estoumealterando,maséqueissofazmeusangueferver.Quanto à Jess... era um verdadeiro doce. Um tesouro completo. Dava a

impressãode sermaismaduradoqueo comumpara a idade, oquenãoera de surpreender após tudo o que tinha passado. Nunca parava desorrir,nuncareclamavadascicatrizesnorosto:umapersonalidadealegre.Éincrívelcomoascriançaspodemsairdesituaçõesdessejeito,nãoé?Euliaquelabiogra ia,datalmeninamuçulmanaquefoiaúnicasobreviventedoacidenteaéreonaEtiópia,eelacomentouqueduranteanosnadadaquiloparecia real para ela. Então talvez fosse assim que Jess estivesseenfrentando tudo.Melnãopodia encostar amãonaquele livro.Amaioriado pessoal do 277 também não. Kelvin confessa que até agora precisapedirqueoscolegasselecionemoquepassanatelevisãoantesdeassistir.Nãopodevernadasobreaviõesouacidentesnemumdaquelesprogramassobreprocedimentospoliciais.E não, nãohavia nadade estranho coma Jess.Digo isso o icialmente. A

drogadosamericanoseasmentirasdelessobreaquelaspobrescrianças...DeixavamMel forade si.Enãoéramossónósqueachávamosquea Jessestava ótima. A professora dela é umamulher objetiva. E o psicólogo e ocaradoserviçosocialnuncadescobriramnadaesquisito,certo?NaúltimavezqueviJesseuestavasozinho.Melhaviasaídoparaajudar

KylieaescolherumlocalparaocasamentoePaulestavaatolado,explicouque tinha uma reunião com o agente. Eu peguei-a na escola e levei paraver os cavalos no im da rua. Eu sempre perguntava como ela estava naescola, icavameiopreocupadocomahipótesede Jesssofrerbullyingporpartedasoutrascrianças.Ascicatrizesde Jessnãoeramfeias,masaindaassimestavamláevocêsabecomosãoascrianças.Maselaa irmavaqueninguém nunca zombava. Era uma igurinha durona. Naquela tarde nósnosdivertimosumbocado.Quandovoltamosparacasa,Jesspediuparaeuler um livro:O leão, a feiticeira e o guarda-roupa. Ela sabia ler bem,masgostavaqueeu izesseasvozesdospersonagens.Jessachavaaquelelivroengraçado,nãoenjoavanunca.QuandoouvimosoPaulchegar,elasorriuparamim,osorrisomaislindo

domundo,mefezlembrardaminhaDaniellepequena.

–Vocêéumhomembom,tioGeoff– falouela.–Sintomuitoporquesuafilhatevequemorrer.Essa lembrança sempremevemàmentequandopensonela agora.Me

fazchorar.

ChiyokoeRyu.(Estaconversaaconteceutrêsmesesantesdodesaparecimentodosdois)

Mensagemregistradaem25/03/2012,às13h10

RYU:Vocêtáaí?

Mensagemregistradaem25/03/2012,às13h31

RYU:Vocêtáaí?

Conversainiciadaem25/03/2012,às13h45

CHIYOKO:Tôaqui.

RYU:Fiqueipreocupado.Vocênuncaficouemsilênciotantotempoantes.

CHIYOKO:TavacomoHiro.Agentetavaconversando.CMsaiu,porissoagenteficousozinhoemcasapelaprimeiravez.

RYU:Elejáfalousobreoacidente?

CHIYOKO:Já.

RYU:E??????

CHIYOKO:Eledizqueselembradetersidoiçadoprohelicópterodoresgate.Falouquefoidivertido.“Quenemvoar.”Equetavaansiosopra

fazerissodenovo.

RYU:Esquisito.

CHIYOKO:Eusei.

RYU:Elesólembraissodoacidente?

CHIYOKO:Ésóissoqueeledisseatéagora.Sesabemaisalgumacoisa,nãoquerdizer.Nãoqueropressionar.

RYU:Elejáfalousobreamãe?

CHIYOKO:Não.Porquevocêtátãointeressado,afinal?

RYU:Claroquetôinteressado!Porquenãoestaria?

CHIYOKO:Tôpegandomuitopesadocomvocêdenovo,né?

RYU:Játôacostumado.

CHIYOKO:Ogelodaprincesaqueima.

RYU:Chiyoko...quandoelefalaatravésdoandroide,praquemvocêolha?ProHiroouprorobô?

CHIYOKO:Ha!Boapergunta.PrincipalmenteproHiro,maséestranho...agoratôacostumada.Équasecomosefosseumgêmeodele.Ontemeume

pegueifalandocomelecomoseeleestivessevivo,quandooHirosaiudasala.

RYU:!!!

CHIYOKO:Ficofelizporqueumdenóstárindo.Masomodocomotôreagindoaisso,esquecendoqueelenãotávivodeverdade,éexatamenteomotivoproTioAndroideterfeitoseuSurrabot.

RYU:???

CHIYOKO:Elequeriadescobrirseaspessoascomeçariamatratarosandroidescomosefossemhumanosassimquepassassemporcimadosentimentodeestranheza.Agorasabemosqueelasvãocomeçaraverelescomohumanos.Oupelomenosaprincesadegelovai.

RYU:Desculpa,eutavasendoburro.

RYU:Ei...Vocêviuaquelaentrevistaemqueeledissequeàsvezes,quandoaspessoastocamoSurraboteeletáaquilômetrosdedistância,trabalhandoremotamente,dáprasentirosdedosdelasnasuapele?Océrebroéumacoisaestranha.

CHIYOKO:Émesmo.EugostariadesaberporqueoHirosófalaatravésdorobô.Seiqueeletemumavoz,queécapazdefalar.Talvezoandroidedêaeleumadistânciaemocional,sebemquenestacasatodossomosemocionalmentedistanciados,haha.

RYU:Igualaumcinegrafistaqueconseguevercenashorríveisatravésdacâmera,semviraracara.

CHIYOKO:Escutaisso:hojeeupergunteiseelequeriavoltarpraescola.

RYU:E?

CHIYOKO:Elerespondeu“Sóseeupuderlevarminhaalma”.

RYU:Levaroquê?

CHIYOKO:ÉcomoelecomeçouachamaroSurrabot.

RYU:Vocêprecisamanterissoemsegredo.EspecialmenteporqueAikaoUritádenovononoticiáriocomaquelasteoriasmalucassobrealiens.Nãoébomdarideiaspraela.

CHIYOKO:Oqueelatádizendoagora?TáfalandodoHirodenovo?

RYU:Destavez,não.Maselaacreditamesmoquefoiabduzidaporaliens.NoNiconicotemumvídeomaneirodelafalandoquefoisondada.ApessoaquefezovídeointercaloucomcenasdeE.T.Éengraçadíssimo.

CHIYOKO:Elaestáagindotãomalquantoaquelesamericanosreligiososcomaparadadaquartacriança.Fazagitartudodenovo.Todaaqueleburburinho...Asujeirabaixaeaíalguémremexeaáguacomumavaraeelaficaturvadenovo.

RYU:Ha!Muitopoético!Vocêdeviavirarescritora.Eupoderiailustrarsuashistórias.

CHIYOKO:Agentepoderiasejuntarprafazermangás.Àsvezesacho...

Espera.Temalguémnaporta.Provavelmenteésóumvendedoroualgodotipo.

Conversainiciadaem25/03/2012,às15h01

CHIYOKO:Adivinhaquemera?

RYU:Desisto.

CHIYOKO:Adivinha.

RYU:AmulherdocomandanteSeto.

CHIYOKO:Não.Tentedenovo.

RYU:AikaoUrieseusamigosaliens?

CHIYOKO:Não!

RYU:Totoronoônibus-gato?

CHIYOKO:Ha!VoucontarissoproHiro.EufaleiquedeixeieleassistiraMeuvizinhoTotoro,apesardeCMacharquenãodevia,porqueelepoderiaficarperturbado,nãocontei?

RYU:Não,nãocontou.Eeleficouperturbado?Ouoandroideficou?

CHIYOKO:Não.Eleriu.Atéachoudivertidaaparteemqueamãedas

meninastánohospital.

RYU:Essegarotoéesquisitomesmo.Eaí?Senãoeraoônibus-gato,quemera?

CHIYOKO:Afilhadaamericana.

RYU:Σ(O_O;)!!AfilhadePamelaMayDonald?

CHIYOKO:É.

RYU:Comoeladescobriuondevocêmora?

CHIYOKO:Provavelmentecomalguémdosgruposdeapoioaosizoku.Masnãoéimpossíveldescobriremoutrasfontes.AsrevistasvivemdizendoquenossacasaficapertodaestaçãodeYoyogietemumasfotosdelanositedoTokyoHerald.

RYU:Comoelaé?

CHIYOKO:Acheiquevocêtinhavistoelaquandoassistiuàcerimôniamemorial.

RYU:Querodizer,quetipodepessoaelaé?

CHIYOKO:Aprincípioacheiqueeraumaestrangeiratípica.Eemalgunssentidosé.Maselatavamuitoserena,calma,vestidademodoconservador.MecumprimentoucomosesoubessedemeustatusdePrincesadeGeloNúmeroUmdeShinjuku.

RYU:Vocêdeixouqueelaentrasseemcasa????

CHIYOKO:Porquenão?Elaéumaizokucomotodososoutros.Nãosóisso:deixeiqueelafalassecomoHiro.

RYU:ComoHirooucomaalmadoHiro?

CHIYOKO:ComaalmadoHiro.

RYU:VocêdeixouqueelefalassecomelaatravésdoSurrabot????Acheiquevocêtavacomraivadela.

CHIYOKO:Porqueestaria?

RYU:Porcausadoqueamãedelaprovocou.

CHIYOKO:Nãoéculpadela.Sãoosamericanosidiotas.Eelapareceutãoperdidaquandochegou...DeveterprecisadodecoragempravirládeOsakapraverele.

RYU:Algumacoisanãotácerta.APrincesadeGelonuncasecomportariadessejeito.

CHIYOKO:TalvezeuquisesseouviroqueelairiafalarcomoHiro.Talvezestivessecuriosa.

RYU:ComoelareagiuquandoviuaalmadoHiroepercebeuqueteriaquefalaratravésdela?

CHIYOKO:Elasóolhouproandroideefezumadaquelasreverênciassemjeitoqueosocidentaisfazemquandotentamsereducados.Eupudeouvirelerindoatravésdorobôimediatamente.Eletavaescondidoatrásdobiombonomeuquarto,comocomputadoreacâmera.Fiqueiimpressionadoporqueelanãoberrounempirou.

RYU:Eoqueelaperguntou?

CHIYOKO:Primeiroagradeceuporeleconcordaremfalarcomela.Depoisperguntouoqueelessempreperguntam:seamãedelasofreu.

RYU:E?

CHIYOKO:EoHirorespondeu“sim”.

RYU:Ai.Eoqueeladisse?

CHIYOKO:Agradeceupelahonestidade.

RYU:Hiroadmitiuquefaloucomamãedela?

CHIYOKO:Nãoexatamente.Naverdadeelenãodeunenhumarespostadireta.Acheiqueelaiacomeçaraficarfrustradadeverdade,masentãooHirofalou“nãofiquetriste”eminglês!

RYU:OHirofalainglês?

CHIYOKO:TiaHiromieTioAndroidedevemterensinadoalgumasfrasesaeleantesdoacidente.Aamericanamostrouumafotodamãe,perguntouse

eletinhacertezadequetinhavistoela.Eelerepetiu“nãofiquetriste”.Elacomeçouachorar.Deverdade.FiqueipreocupadaachandoqueissoiriaperturbaroHiro,porissopediqueelafosseembora.

RYU:Chiyoko,nãotenhoodireitodeopinar...mas...achoquevocênãodeviaterfeitoisso.

CHIYOKO:Nãodeviatercolocadoelaprafora?

RYU:Não.DeixadoqueelafalassecomaalmadoHiro.

CHIYOKO:Nãopedisuaopiniãosobreisso,Ryu.E,dequalquermodo,acheiquevocêeraapaixonadopelasamericanas.

RYU:Porquevocêtornaacoisatãodifícilpramim?

CHIYOKO:Nãoéjustovocêmefazersentirculpa.

RYU:Nãoquerofazervocêsentirculpa.Tavatentandoserseuamigo.

CHIYOKO:Amigosnãojulgamunsaosoutros.

RYU:Eunãotavajulgandovocê.

CHIYOKO:Tava,sim.Nãoprecisoaguentarissodevocêtambém.JábastaaCM.Tôindo.

RYU:Espera!Seráqueaomenospodemosfalarsobreisso?

CHIYOKO:Nãotenhonadapradizer.

Mensagemregistradaem25/03/2012,às16h34

RYU:Aindatácomraiva?

Mensagemregistradaem25/03/2012,às16h48

RYU:_|7O

Conversainiciadaem26/03/2012,às03h19

CHIYOKO:Ryu,táacordado?

RYU:Desculpaoquefaleiantes.VocêviuqueeuatémandeiumORZ?

CHIYOKO:Vi.

RYU:Vocêtálegal?

CHIYOKO:Não.ACriaturaMãeemeupaiestãobrigando.NãofaziamissodesdequeoHirochegou.Tôpreocupadaachandoqueelepodeseperturbar.

RYU:Porqueelesestãobrigando?

CHIYOKO:Porminhacausa.CMdissequepapaiprecisasermaisrígidocomigoemeobrigaravoltarpraescola.Queeutenhoqueserforçadaapensarnosmeusplanosprofuturo.MasaíquemvaicuidardoHiro?

RYU:Vocêtáligadamesmoaessegaroto.

CHIYOKO:Tô.

RYU:E...oquevocêquerfazerdavida?

CHIYOKO:Souigualavocê:nuncaolhomaislongedoqueumdiaàfrente.Quaissãoasopções?Nãoquerotrabalharnumaempresa,virarescravapelavidainteira.Nãoquerofazerumserviçofrilaidiota.Provavelmentevouacabarmorandonumabarracanoparquecomossem-teto.CMficariaradianteseeumecasasse,tivessefilhos,seessefossemeuobjetivodevida.

RYU:Vocêachaqueissovaiaconteceralgumdia?

CHIYOKO:Nunca!!!!!EuadorooHiro,masaideiadeserresponsávelpelavidadeoutrapessoa...Vouviversozinhaemorrersozinha.Sempresoubedisso.

RYU:Vocênãotásozinha,Yoko.

CHIYOKO:Obrigada,Ryu.

RYU:Aprincesadegeloagradeceu????

CHIYOKO:Tenhoqueir.OHiroacordou.Falocomvocêamanhã.

RYU:

PARTESEISCONSPIRAÇÃO

MARÇO–ABRIL

LolaCando.

Na última vez que veio me ver, o Lenny estava totalmente furioso. Logoque entrou nomotel, entornou direto um bourbon duplo e depois outro.Demorou um tempo pra se acalmar o su iciente pra me contar o queestavaacontecendo.Por acaso Lenny descobriu que o Dr. Lund havia organizado um comícioparaMitchReynardemFortWorth,algumtipodeconvençãodos“CrentesUnidos” pró-Israel, e o Lenny icou revoltado porque não foi convidadopara falar. E não era só isso. Depois de ele ter participado daqueleprograma de rádio – em que oDJ deNova York acabou com ele –, o Dr.Lund tinhamandado um assessor falar como Lenny. O cara (que Lennydescreveu como “um lacaio de terno metido a besta”) disse que ele nãodeveriaatrairmuitaatençãoparasimesmo,masdeixarqueoDr.LundeoFlexívelSandydivulgassemanotíciasobreamensagemdePameladojeitodeles.Lennytambém icouputoporqueoDr.Lundnãoquisenvolvê-lonabuscaàquartacriança.–Precisodescobrirummododeconvencê-lodequeeleprecisademim,

Lo– falouele. –Pamelame escolheuparaespalharanotícia.Ele temqueverisso.EunãodiriaquesentipenadoLenny,masdavaparaverqueofatodeo

Dr. Lund cortá-lo daquele jeito, roubar a mensagem dele, o deixousentindo-seigualaumacriançaimpopularnaescola.Eachoquenãotinhanadaavercomdinheiro;Lennycomentavaqueositedelerecebiadoaçõesdomundotodo.Naminhaopinião,eramaisorgulhodoquequalquercoisa.ODr. Lund pode ter dado um gelo nele,mas amensagemdo Lenny se

espalhava feito fogo de palha. Pessoas que eu nunca pensei que fossemreligiosas se convertiam, inclusive dois clientesmeus. Alguns, claro, davaparaverquesóestavamfazendoumseguro,paraocasodeacabarsendoverdade. Não importava que os episcopais e até aqueles líderesmuçulmanos a irmassem que não existia motivo para pânico: as pessoascomeçaram a acreditar de verdade, saca? Havia todos aqueles sinais

acontecendonomundointeiro–peste,fome,guerraeseiláoquê.Aquelevírusdovômitoeafebreaftosapioravam,eaíveioaquelasecanaÁfricaeo grandemedo quando os norte-coreanos ameaçaram testar suas armasnucleares. Foi só o começo. Ehouve todos aqueles boatos sobreo avôdoBobby e aquela coisa do robô que estava acontecendo com o garotojaponês. Era quase como se, a cada vez que as teorias do Lenny eramderrubadas por alguém, surgisse outro sinal para apoiá-las. Quando euconheci o Lenny, se vocême perguntasse se ele seria capaz de provocarumaagitaçãodessas,eunegaria.– Preciso de uma plataformamais forte, Lo – repetia ele. – O Dr. Lund

estápegandotudo.Estáagindocomosefosseideiadele.–Issonãotemavercomsalvaralmas,querido?–É,claroquetemavercomsalvarpessoas.Ele icou realmente furioso com esse assunto, disse que o tempo podia

estaracabandoeoDr.Lunddeveriaestartrabalhandocomele.Nemquisfazerodesemprenaqueledia.Estavatensodemais,nãoconseguiu...Vocêsabe. Falou que precisava se encontrar com o tal do Monty, começar aplanejar como voltaria a cair nas graças dos igurões. Revelou que haviaum bom número de “mensageiros” como o Monty que já estavamhospedadosno ranchodele e achoquepensavaque seriauma coisaboaconvidaroutros.Depois que ele saiu, comecei a juntarminhas coisas,me preparar para

voltar ao meu apartamento e para o próximo cliente, quando bateram àporta. Achei que talvez fosse o Lenny de novo, lamentando terdesperdiçado nossa hora juntos só falando. Abri e vi uma mulher aliparada. Soube imediatamente quem era. Eu saberia só pela cachorra,Snookie. Parecia mais magra ainda do que no programa do Dr. Lund.Magra, magra demais, como uma anoréxica. Mas a expressão estavadiferente.Nãopareciaperdida comonaquelaocasião.Nãoveio comraivanemnadadisso,masseuolhardizia“nãomesacaneie”.Elame olhou de cima a baixo e pude ver que tentava deduzir o que o

Lennyviaemmim.–Háquantotempovocêeelevêmfazendoisso?–perguntoudecara.Conteiaverdade.Elaassentiu,passoupormimeentrounoquarto.–Vocêoama?–indagou.

Quasegargalhei.RespondiqueLennyera sóumcliente regular.Eunãoera namorada, amante nemnadadisso. Sei que alguns clientesmeus sãocasados;nãoédaminhaconta.Issopareceudaralgumconfortoàmulher,quesesentounacama,pediu

paraeulheservirumabebida.Entreguei-lheamesmabebidaqueoLennysempre tomava. Ela cheirou, depois bebeu de um gole só. A bebidaescorreu pelo queixo e a fez engasgar, mas ela pareceu nem notar.Gesticulouaoredordesiedisse:–Tudo isso, oquevocê tem feito comele. Fui euquepaguei.Eupaguei

portudo.Eu não soube como responder. Sabia que Lenny dependia do dinheiro

dela,masnãoatéqueponto.Elapôsacachorrinhaaoseulado,nacama.Obichofarejouoslençóisesedeitoudeladocomoseestivesseprontoparase enrolar e morrer. Eu sabia que não deixavam animais entrarem nomotel,masnãofalariaisso.Ela perguntou do que o Lenny gostava e eu contei a verdade. Ela

comentouquepelomenosomaridonãoestavaescondendodelanenhumfetichesexualestranhodurantetodosessesanos.Depois indagou se eu acreditava no que ele andava dizendo, que as

crianças eram os cavaleiros. Eu respondi que não sabia direito em queacreditar.Elabalançouacabeçaeselevantouparasair,emsilêncio.Haviaumatristezaprofundadentrodela.Deuparavernahora.Devetersidoelaque contouaoTheInquirer sobremimeLenny.Apósumoudoisdias,umrepórtermetelefonou, ingindoserumclientecomum.Porsorteeuestavaligada naquele dia, mas isso não impediu que os fotógrafos tentassem asorteduranteumtempo.Depois disso, abri o jogo com Denisha, contei que o Lenny era meu

cliente.Issonãoasurpreendeu.Nãoépossívelchocá-la:elajáviudetudo.Provavelmente você está imaginando como eu me sinto com relação aoLenny agora. Como eu disse, as pessoas vivem tentando me obrigar aa irmarqueeleeraummonstro.Masnãoera.Erasóumhomem.Achoquequandoeudecidir fazero tal livroqueoseditoressemprepedemqueeuescreva,talvezeupossafalarmais,masporenquantoésóissoquetenhoadizer.

ArtigodopremiadoblogueiroejornalistafreelanceVuyoMolefe,publicadopelaprimeiraveznoperiódicoon-lineUmbuzoem30demarçode2012.

Trazendooscorposparacasa:ocustopessoaldoacidentedaDaluAir

É véspera da inauguração do memorial do acidente da Dalu Air emKhayelitsha e os fotógrafos da imprensa já estão rondando. Equipes defuncionáriosdaprefeituraisolaramaáreaaoredordaesculturacriadaàspressas, uma sinistra pirâmide de vidro preto que mais pareceria umacasa num cenário de um ilme ruim de icção cientí ica. Por que umapirâmide? É uma boa pergunta, mas, apesar da quantidade de editoriaiscondenando a escolha peculiar do projeto, ninguém com quem falei,inclusiveRaviMoodley,overeadordaCidadedoCabo,queoencomendou,eaprópriaescultora,MornavanderMerwe,pareciapreparadoparamedar(ouaqualquerpessoa)umarespostaclara.O local também está apinhado de seguranças, tanto homens quanto

mulheres, seguindo o velho estereótipo de ternos pretos e fones deouvidos com microfones, que olham para mim e para outrosrepresentantesdaimprensacomumamisturadedesprezoedescon iança.Dentre os igurões importantes destacados para a cerimônia de amanhã,estão Andiswa Luso, anunciado como o novo cabeça da Liga Juvenil dopartidoCNA,e JohnDiobi,umpregadornigerianodealtonívelemagnataempresarial que supostamente tem ligações com várias megaigrejas dosEstados Unidos, inclusive as que estão sob o comando do Dr. TheodoreLund,quealcançouasmanchetesdetodoomundocomsuateoriadequeOs Três são arautos do apocalipse. Correm boatos de que Diobi e seuscolegas estão oferecendo uma recompensa pela descoberta de KennethOduah,opassageirodaDaluAir commaisprobabilidadede seroquartocavaleiro.AindaqueaAgênciadeAviaçãoCivildaÁfricadoSuleaANSTtenhaminsistidoqueninguémabordodovoo467poderiatersobrevivido,o dinheiro prometido já provocou uma caçada humana histérica, com

moradoresdo locale turistasansiososparaentraremação.Eo fatodeonomedeKennethestargravadonomemorial,apesardeseusrestosouseuDNAnãoteremsidoencontradosnosdestroços,enraiveceuváriosgruposevangélicosnigerianos–outromotivoparaagrandepresençadeguardas.Mas não estou aqui para contrariar o pessoal da segurança nem pedir

uma entrevista aos VIPs. Hoje não é nas histórias deles que estouinteressado.LeviBandah(21),quevemdeLantyre,Malaui,merecebenaentradado

centro comunitário Mew Way. Há três semanas, ele viajou à Cidade doCaboparaprocurarosrestosdeseu irmãoElias,queeleacreditaserumdosmortosemsoloquandoa fuselagemabriuumrasgomortalna favela.EliastrabalhavacomojardineironaCidadedoCaboparaajudaragrandefamílianoMalauieLevisuspeitoudealgoerrado,poiselenãocontatouafamíliaaolongodemaisdeumasemana.– Ele mandava umamensagem de texto todo dia e o dinheiro chegava

todasemana.Minhaúnicaopçãofoiviajarparacáeversepodiaencontrá-lo.Eliasnãoestánalistademortos,mascomtantosrestosnãoidenti icados

– a maioria supostamente pertencendo a imigrantes ilegais – aindaesperando testes deDNApara a identi icação formal, isso não é garantiadenada.Em muitas culturas africanas, inclusive a minha, xosa, é vital que os

falecidos retornem à sua pátria para se reunir com os espíritos dosancestrais.Se issonão for feito,acredita-sequeoespíritodomorto icaráinquieto e causará sofrimento aos vivos. E levar o corpo para casa podesaircaro.Podecustaraté14milrandstransportarumcadáverdevoltaaoMalauiouaoZimbábueporaviãoe,semajuda inanceira,issoestariaforado alcance dos cidadãos comuns. Para as famílias de refugiados,transportar um corpo por mais de 2 mil quilômetros é uma perspectivaintimidadoraemedonha.Nopassado,ouvihistóriasdeagentesfuneráriostramando com as famílias para disfarçar os corpos como alimentosdesidratadosafimdediminuiroscustosdofreteaéreo.Nos dias depois do acidente, Khayelitsha ressoava com o barulho dos

alto-falantesenquantoasfamíliasfaziampetiçõesàcomunidadeparadoaroquepudessemparaqueoscorposfossemlevadosdevoltaasuasterras

natais. Não é incomumque elas recebam o dobro da quantia necessária;comomuitas pessoas do CaboOrientalmigram para trabalhar na Cidadedo Cabo, ninguém sabe quando alguém precisará de ajuda. E ascomunidadesderefugiadosnãosãodiferentesdassociedadescomuns.–Acomunidadeaquitemsidogenerosa–asseguraDavidAmai(52),um

elegantezimbabuensedeChipingede falamansaque tambémconcordouemconversarcomigo.ComoLevi,eleestánaCidadedoCaboesperandoqueasautoridadeslhe

deem os documentos para levar para casa os restos de seu primo,Lovemore,tambémvítimadadevastaçãodoacidente.Mas,antesdepartirdo Zimbábue, David tinha uma coisa que a família de Levi não tinha: acertezadequeseuentequeridoestavamorto.Eelesnão icaramsabendopelospatologistasquetrabalharamnolocal.– Como não recebemos notícias do Lovemore, a princípio não sabíamos

ao certo se ele havia morrido. Minha família consultou um herborista(sangoma), que fez o ritual e falou comos ancestrais domeu primo. Elescon irmaram que ele tinha feito contato e então soubemos que elemorrera.O corpo de Lovemore acabou sendo identi icado por teste de DNA e

Davidtemesperançadequepossalogolevarseusrestosparacasa.Masesenãohouverumcorpoparaserenterrado?Semrestosparalevardevoltaàfamília,aúnicaopçãodeLevierapegar

umpoucodascinzasedaterrado local,queseriamenterradas logoapósseuretornoàcasa.Éaíquesuahistóriapassaparaoreinodospesadelos(ou do absurdo). Enquanto tentava pegar um saquinho de terra, umpolicialexcessivamentezelosopartiuparacimadele,acusando-oderoubarsuveniresparavendera turistas inescrupulosose“caçadoresdeKennethOduah”.Apesardeseusprotestos,Levifoipresoejogadonumacela,ondeicoumofando,commedodemorrer,duranteo imdesemana.Felizmente,ao ouvir falar de seu problema, várias ONGs e a embaixada do Malauiintervieram e Levi foi solto quase incólume. Seu DNA foi coletado e eleesperaaconfirmaçãodequeEliasestáentreasvítimas.– Dizem que não vai demorarmuito. E as pessoas daqui têm sido boas

comigo.Masnãopossovoltarparacasasemumapartedomeuirmãoparadevolveràminhafamília.

Ao sair do local do acidente, recebo uma mensagem do meu editorinformandoqueVeronicaOduah,tiadoesquivoKenneth,desembarcounaCidadedoCaboparaacerimôniadeamanhã,masserecusouafalarcomaimprensa.Nãopossodeixardepensaremcomoelaestásesentindo.ComoLevi, está vivendo num cruel limbo de incerteza, esperando,mesmo semchancesreais,dequedealgummodoseusobrinhonãoseencontreentreosmortos.

OsuperintendenteRandallArendseéinspetordadelegaciadepolíciadaÁreaC,Khayelitsha,CidadedoCabo.Elefaloucomigoemabrilde2012.

Quatro cavaleiros é o cacete. Todo dia um novo “Kenneth Oduah” eratrazido à delegacia. Em geral não passava de algummoleque de rua quefora subornado com alguns trocados para dizer que era Kenneth. E nãoéramossónós.ElesestavamaparecendoemtodasasdelegaciasdaCidadedo Cabo. Aqueles escrotos americanos não sabiam o que tinhamprovocado.Duzentosmildólaresamericanos?Équase2milhõesderands,mais do que amaioria dos sul-africanos vai ganhar durante toda a vida.Tínhamosumafotodomenino,mas,paraserhonesto,nãovíamossentidoem compará-la com as iguras que chegavam. Amaioria domeu pessoaltinhaestadolánaqueledia,viraosdestroços.Dejeitonenhumalguémqueestivesse naquele avião teria sobrevivido, nem se fosse um malditocavaleirodoapocalipse.A princípio eram só os moradores da área que tentavam a sorte, mas

então os estrangeiros começaram a chegar. No início não eram muitos,mas,quandoagentepercebeu,elesestavamaparecendoembandos.Nãodemoroumuitoparaos trambiqueirosdaáreaentrarememcena.Algunsmais inteligentes até ofereciam os serviços pela internet. Logo haviaquadrilhasorganizandopasseiosemquasetodasasfavelas.Ninguémtinhaautorizaçãoo icial.Masissonãoimpediaqueosotárioscaíssemnosgolpes.MeuDeus,cara,algunsatépagavamcomantecedência.Eracomoatirarempeixesdentrodeumbarrilepossodizer,extrao icialmente,quenão icariasurpresosehouvessealgunspoliciaisenvolvidos.Nãoseiquantosidiotas icarampresosnoaeroportoesperandoqueseus

“pacotes com tudo incluído” viessem pegá-los. Recebemos caçadores derecompensas pro issionais, ex-policiais, até alguns daqueles desgraçadoscaçadoresdeanimaisgrandes!Algunsestavamatrásdagranaecagavame andavam se o negócio era verdade ou não, mas um bom númeroacreditavamesmonoqueotalpastordizia.PorémaCidadedoCaboéumlugarcomplexo.VocênãoentrasimplesmenteemGugs,CapeFlatsouemKhayelitshacomseucarroalugadochiqueecomeçaafazerperguntas,não

importando quantos leões e guepardos você já matou. Um bom númerodelesdescobriuissodomodomaisdifícil,aoperderseuspertences.Nuncavoumeesquecerdedoisamericanosgrandalhõesquechegaram

uma tarde à delegacia. Cabeças raspadas, bastante musculosos. Os doiseramex-fuzileiros.Consideravam-sedurões,mais tardecontaramàgenteque tinham ajudado a levar alguns dos criminosos mais procurados dosEstados Unidos à justiça. Mas, quando os vi pela primeira vez, estavamtremendo feito menininhas. Tinham encontrado o suposto “guia” noaeroportoeeleoslevaraaondequeriam–paraomeiodeKhayelitsha.Aochegaremaodestino,oguiaarrancousuasGlocks,odinheiro,oscartõesdecrédito, os passaportes, os sapatos e as roupas, deixando-os só de cueca.Alémdisso,brincoucomeles.Fezosdoisandaremdescalçosnumalatrinavelha que fedia que nem o inferno, amarrou os dois e disse que, se elesgritassem pedindo socorro, atiraria neles. Quando en im se livraram,estava escuro, fediam a merda e os skelm tinham sumido havia muitotempo.Doismoradores tiverampenadeleseos levaramàdelegacia.Meupessoal riu dos caras durante dias. Precisamos deixá-los na embaixadaamericanasódecuecas,poisnenhumaroupanadelegaciacabianeles.Ofatoéqueaspessoassãoduras,amaiorialutaparasobreviveracada

dia,evãoaproveitarumachancesepuderem.Nemtodomundo,claro,masaquiacoisaédi ícil.Vocêprecisaseresperto.Precisarespeitaraspessoasouelasnaaivocêdireitinho.Oquê,vocêachaqueeuvouchegarnocentrodeLosAngelesouseiláondeeagircomosefossedonodolugar?Juro,aquelesmoegoesquechegavamaquipodiamsóentregarseusbens

paraoscarasdaimigraçãoepularosintermediários.Tivemosquecolocarplacas no aeroporto para avisar às pessoas. Isso me lembrou daqueleilme,A fantástica fábricadechocolate .Acaçadaàquelebilhetedouradoetodosficandomalucos.Quero dizer, foi uma tremenda dor de cabeça para nós, a polícia e tal,

masfoiumabênçãoparaaindústriadoturismo.Oshotéisestavamcheios;osônibus turísticos, apinhados.Todomundoganhava,desdeosmolequesde rua até os donos de hotéis. Especialmente os moleques. Veja bem, acertaaltura,haviamseespalhadoboatosdequeKennethestavamorandonasruas.Aspessoasacreditamemqualquercoisase tiveremummínimodechance,nãoé?

Eu sentia pena da tia do Kenneth. Ela parecia uma senhora boa. MeuprimoJamieestavanaequipedesegurançadestacadaparaeladuranteainauguraçãodaestátuadomemorialdaDaluAireelaveiodeLagos.Jamiecontou que ela estava perplexa, icava falando que, como as outrascriançastinhamsobrevividomilagrosamente,porqueKennethnãoestariavivo?Aquelesescrotosfundamentalistaslhedavamexpectativasirreais.É,era

isso.Falsaesperança.Nemparavamparapensarqueoquefaziameracruel.

RebaNeilson.

Aquilo tudo estava icando demais para mim. Era como se o pastor Lenestivessedandoascostasparaseuverdadeirocírculointernoemtrocadepessoas como o tal do Monty. Já falei do Monty, Elspeth? Não lembro sefalei.Bom,elefoiumdosprimeirosUrubusqueoptaramporficar–chegouaocondadodeSannahlogoapósopastortervoltadodatalconvençãoemHouston. Dias depois de aparecer, ele estava andando ao lado do pastor,lealfeitoumcãoderuaqueacaboudeganharcomida.NãofuicomacaradeledesdeoinícioenãoestoudizendoissoporcausadoqueelefezcomocoitadodoBobby.Haviaalgumacoisanele,algodesonesto,eeunãoeraaúnica comessaopinião.A Stephenie vivia falando: “Aquele sujeitopareceestar precisando de um bom banho.” Tinha ummonte de tatuagens nosbraços – algumas delas não me pareciam muito cristãs – e o cabeloprecisava de uma boa tesoura. Parecia um daqueles satanistas que àsvezesaparecemnoTheEnquirer.EdesdequeoMonty chegou, Jimparecia terperdidoa ajudadopastor

Len.Claro,àsvezesopastoroarrastavaparaa igrejaaosdomingoseseique ele não tinha desistido da ideia de fazer aqueles passeios guiados àcasadePam,masnamaiorpartedotempoJimsó icavasentadoemcasa,bebendoatéapagar.Opastorpediu aBilly, primoda Stephenie, para orçar alguns trabalhos

de construção que ele queria fazer no rancho, por isso foi Billy quemcontou à gente que aquelas pessoas pareciam ter se mudado para lápermanentemente. Disse que um desavisado pensaria que era umadaquelascomunidadeshippies.Naquelas semanas, iqueimuitas noites semdormir, Elspeth.Não posso

descrever o quanto sofri.O que o pastor estavadizendo sobre os sinais...fazia muito sentido, no entanto... eu não conseguia engolir o fato de quePamela,avelhaedesmazeladaPamela,eraumaprofeta.EnchiosouvidosdeLorne.– Reba, você sabe que é uma boa cristã e que Jesus vai salvá-la, não

importando o que aconteça. Se não quer mais ir à igreja do pastor Len,talvezJesusestejadizendoparavocênãoir.Stepheniesentiaomesmoqueeu,masnãoeratãofácilassimagentese

desligar. Principalmente numa comunidade como a nossa. Acho que vocêpoderiaafirmarqueeuestavadandoumtempo.Stephenie e eu estávamos preocupadas pensando que Kendra não

aguentaria todos aqueles Urubus chegando e decidimos que,mesmo nãoconcordando com tudo que o pastor Len vinha fazendo ultimamente, eraadequadoquefôssemosláparavercomoelaestava.Planejamosfazerissono imdesemana,masnaquelasextaveioàtonaahistóriadamulhercomquemopastorseencontrava.Stephenieveiomeencontrar logoque icousabendo, me trouxe um exemplar do Enquirer. Ocupava toda a primeirapágina:Sórdidos encontros amorosos do pregador do Fim dos Tempos . Asfotos mostravam uma mulher grande usando calças roxas e um topapertado, mas eram tão granuladas que não dava para ver se ela eramorena,negraouumadaquelashispânicas.Nãoacrediteinahistórianemporumsegundo.Mesmodepoisqueeledeixouodemônioentrar,acrediteiirmementequeoverdadeiropastorLen, ohomembomque tinha sidoochefedanossaigrejadurantequinzeanos,aindaestavaemalgumlugarládentro. Recuso-me a acreditar que todos nós fomos enganados durantetantos anos. Além disso, como falei à Stephenie, quando, pela glória deDeus, ele encontraria tempo para se meter commulheres decaídas? Elemaltinhatempoparadormir,comtudoqueandavafazendo.Bom, enquanto eu e Stephenie terminávamos de conversar, imagine

quem apareceu na entrada de veículos? O próprio pastor. Meu coraçãoafundouaoverqueeleestavacomotaldoMonty.–Reba–chamouopastornosegundoemquepassoupelaportadetela.

–Kendraestáaqui?Respondiquenãoavira.Monty sentou-se à mesa imediatamente, serviu-se de um copo de chá

gelado sem sequer pedir. Os olhos de Stephenie se estreitaram, mas elenãoseincomodoucomela.–Todasas roupasdaKendra sumiram– comentouopastor. –A cadela

também.Eladissealgumacoisaavocê,Reba?Sobreparaonde iria?FaleicomoirmãodelaemAustin,maseledissequenãoaviu.

EueStepheniegarantimosnãofazeramínimaideia.Nãomencioneiquenão a culpava por sair de lá, com todos aqueles estranhos ocupando suacasa.–Talvezsejamelhorassim–disseele.–EueKendra... tínhamosalguns

desentendimentossobreopapeldeJesusnanossavida.–Amém–entoouMonty,apesardeeunãovermotivoparaisso.Stephenie tentava esconder oTheEnquirer comosbraços,masopastor

percebeu.– Não deem atenção a essas mentiras. Nunca iz nada imoral. A única

coisadequeprecisonavidaéJesus.Acreditei nele, Elspeth. Aquele homem falava com uma convicção

verdadeiraquandoqueriaeeupudenotarqueelenãoestavamentindo.Fizmaisumajarradechágeladoedepoisdecidifalaroquemepassava

nacabeça,encarandoMontysemnenhumavergonha:– Como o senhor planeja alimentar todas as pessoas que apareceram,

pastorLen?–OSenhorproverá.Essasboaspessoasserãocuidadas.Bom, elas nãome pareciam boas pessoas. Especialmente as do tipo do

Monty.Faleialgosobreseaproveitaremdesuaboaíndoleeopastor icouirritadodeverdadecomigo:–Reba,oqueJesusfalousobrejulgaraspessoas?Comoboacristã,você

deveriasaber.EntãoeleeoMontyforamembora.Fiqueimuitochateadacomadiscussãoe,pelaprimeiravezemanos,no

domingo eu não fui à igreja.Mais tarde, Stephenie contou que ela estavacheiadosnovosUrubus,equeváriosdocírculointernonãoforam.Bom, dois dias depois, acho, eu estava ocupada, querendo terminar de

prepararasconservasnaquelasemana(àquelaaltura, tínhamosunsdoisanosdefrutasemconserva,Elspeth,masaindahaviamuitacoisaafazer).Lorne e eu conversávamos sobre encomendar um pouco de lenha eguardarnosfundos,paraocasodeaeletricidadefaltar,quandoouviumapicapeparardoladodeforadavaranda.OlheieavisteiJimsentadofrouxoatrásdovolante.Eunãooviadesdeasemanaanterior,nodiaemqueforalevar-lheumatorta.Eletinhaserecusadoaabriraportae,acontragosto,deixeiodocenodegraudafrente.

ElepraticamentecaiudocarroeeueLornecorremosparafirmá-lo.–RecebiumtelefonemadaJoanie,Reba–informouJim.Ele fedia muito, a bebida e suor. Pelo jeito não fazia a barba havia

semanas.Imaginei se a ilha teria ligado para dizer que as cinzas de Pam en im

viriamparacasaeseeraporissoqueeleestavaperturbado.Fizcomqueelesesentassenacozinha.–Vocêpode ligarparaopastorLenparamim?–perguntou Jim.–Para

pedirqueelevenhalogoparacá?–Porquevocênãofoiatéoranchodele?–retruquei.Na verdade, ele não deveria estar dirigindo o carro para lugar algum.

Davaparasentirocheirodeálcoolaumquilômetro,apontodemeusolhoslacrimejarem.SeoxerifeBeaumontovissenaqueleestado, iria jogá-lonacadeiacomcerteza.ServiimediatamenteumaCocaparaaliviarumpoucoaressaca.Depois de eu e o pastor termos discutido, eu não estava ansiosaparalhetelefonar,masaindaassimliguei.Nãoesperavaqueeleatendesse,masfoioquefez.Garantiuquevirialogo.Jimnãofaloumuitacoisaenquantoesperávamosopastor,apesardeeue

Lorne tentarmos fazê-lo se abrir. E o pouco que ele disse não fez muitosentido para nós. Quinze minutos depois, o pastor apareceu com ocachorroMontyareboque,comosempre.–Joaniefoiverotalgaroto,Len–disparouJim.–OgarotodoJapão.O pastor congelou. Antes que tivessem se separado, o pastor vivia

dizendoqueoDr.Lundtentarapormuito tempofalarcomumadaquelascrianças.OsolhosdeJimnãoparavamquietos.– Joaniedissequeo garoto japonês... disseque falou como garoto,mas

nãoexatamentecomele.Nenhumdenóssabiaoque,emnomedeJesus,aquilosignificava.–Nãoestouentendendo,Jim–admitiuopastor.– Ela disse que falou através de um tal androide. Um robô igualzinho a

ele.–Umrobô?–perguntei.–Eleestavafalandoatravésdeumrobô?Como

aquelesdoYouTube?Peloscéus!–Oqueissoquerdizer,pastorLen?–indagouMonty.Opastorficouemsilênciodurantepelomenosumminuto.

–AchoqueeudevoligarparaoTeddy.Era como o pastor chamava o Dr. Lund. Teddy, como se fossem bons

amigos, apesar de todos nós sabermos que os dois nãomantinhammaiscontato. Mais tarde, Lorne opinou que o pastor Len esperava que umahistóriadaquelascompensasseasmentirassobresuaamante,consertassepartedosdanos.Entãoveioabomba:Jimrevelouquejáhaviafaladocomosjornaissobre

a história. Contou tudo, como Joanie tinha visto o garoto japonês e faladocomorobôqueeraigualzinhoaele.OpastorLenficouvermelhofeitoumabeterrabaemconserva.–Jim,porquenãofalouprimeirocomigoantesdeiraosjornais?Jimestavacomaquelaexpressãoteimosa.–Pameraminhamulher.Elesmeofereceramdinheiropelahistória.Eu

nãoiriarecusar.Precisosobreviver.JimestavaganhandoumatoneladadedinheirodosegurodePam,então

isso não era desculpa. Estava claro para Lorne que o pastor Len icarairritadoporquequeriausarainformaçãoembenefíciopróprio.Jimbateucomopunhonamesa.–Easpessoasprecisamsaberqueaquelascriançassãomalignas.Como

aquelegarotopôdesobrevivereaPam,não,pastorLen?Nãoé justo.Nãoestácerto.Pameraumamulherboa.Umamulherboa.Jim começou a chorar, dizendo que aquelas crianças eram assassinas.

Que tinham matado as pessoas nos aviões e ele não entendia por queninguémpercebiaisso.Opastoravisouqueialevá-loparacasa,equeMontyiriaatrásnapicape

do Jim. Foram precisos os dois para carregá-lo até o novo utilitário dopastor. Jimestavatendoumataquedechoro,tremendoeuivando.Depoisdisso,aquelesujeitonãodeveriatersidodeixadosozinho.Eraóbvioqueamente dele estava deteriorada. Mas ele era teimoso, e sei, no fundo docoração,queteriarecusadoperemptoriamenteseeulheoferecesseminhacasa.

Logoantesdeestelivroirparaagráfica,conseguiumaentrevistacomKendraVorhees,aex-mulherdopastorLen.Conversamosnumaeleganteclínicapsiquiátricaondeelaresideatualmente(concordeiemnãopublicaronomenemalocalizaçãodoestabelecimento).

Sou levada ao quarto de Kendra, um espaço arejado e ensolarado, por umfuncionário elegante. Kendra está sentada junto de uma escrivaninha, comum livro aberto à frente –mais tarde vejo que é o último volume da sérieArrebatados,deFlexívelSandy.Acadelaemseucolo,Snookie,balançaorabomeio desanimada quando me aproximo, mas Kendra mal parece registrarminha presença. En im ela levanta os olhos límpidos, com uma expressãomuitomaisperspicazdoqueeuesperava.Elaétãomagraquepossovercadaveia por baixo da pele. Há um ligeiro sotaque texano em sua voz e ela falacomcuidado,talvezdevidoàmedicaçãoquetoma.Ela indica uma poltrona do outro lado da escrivaninha e não questiona

quandocolocoogravadordiantedela.Pergunto a Kendra por que ela decidiu falar comigo e não com um dosoutrosjornalistasansiososporentrevistá-la.Eulioseulivro.Aqueleemquevocêentrevistouascriançasquematarampor acidente os irmãos com o .38 Special da mamãe ou que decidiramassassinar os colegas de classe com o brinquedinho semiautomático dopapai.Len icoufuriosoquandomeviulendoaquilo.Claroque icou:eleédefensor ferrenho daquela baboseira da segunda emenda, o direito depossuirarmasetal.MasvocênãodevepensarqueestoumevingandopeloqueLenfezcom

aquela prostituta. Uma “garota de programa”, como dizem, não é? Gosteidela,paradizeraverdade.Elaeradeumahonestidaderevigorante,oqueérarohojeemdia.Esperoqueelaaproveiteseusquinzeminutosdefama.Quetiretudoquepuderdisso.Perguntose foielaquevazouahistória sobreas indiscriçõesdopastorLen.Ela suspira, remexe na Snookie e con irma brevemente com a cabeça.

Questionoomotivo,jáquenãosetratavadevingança.Porque a verdade vos libertará! ( Ela gargalha abruptamente, sem achargraça.)Vocêpodedizeroquequiserquandoescreversobreisso,porsinal.Oquevocêbemquiser.Mas,sequeraverdade,eu iz issoparaafastaroLendoDr.Lundparasempre.Len icoudecoraçãopartidodepoisqueosigurões o chutaram do clube por ele ter feito papel de idiota naqueleprograma de rádio, mas eu sabia que não seria preciso muito para elecorrer de volta se o Dr. Lund estalasse os dedos. Pensei que estavafazendo aquilo pelo próprio bem dele, qualquer um podia ver que o Dr.Lunderaummanipulador.EoDr.Lundnão iriaquererquealguémcomum escândalo sexual nas costas enlameasse sua reputação reluzente,principalmente agora, com todas as aspirações políticas. Acabou sendo apiorcoisaqueeupoderiaterfeito.Issomepassapelacabeçamilvezespordia: e se eu não tivesse seguido o Len naquele dia? E se tivesse deixadoparalá?Ficopensando:eseoLentivessevoltadoacairnasgraçasdoDr.Lund,teriafeitodiferençano inal?Teriaimpedidoqueeleouvisseaquelahistóriamaluca do JimDonald? Todomundo a irma que o Len “deixou odemônio entrar”, mas não é tão simples assim. O fato é que odesapontamentoempurrouoLenparaoprecipício.Umcoraçãopartidofazissocomagente.Abroabocaparacomentar,maselacontinua.Não sou louca.Não soumaluca.Não soudoida.Aquiloacaboucom todooingimento.Vocênãopoderepresentarumpapelavidatoda,pode?Dizemqueeu tenhodepressão.Clínica.Posso serbipolar,masquemsabeoqueisso signi ica? Este lugar não é barato. Estou fazendo meu irmãoimprestável pagar a conta. Ele andoumexendo com o dinheiro de papai,icoucomapartedaReceita, chegouahoradedividir.Eaquemmaiseuiria pedir? Pensei em procurar o próprio Dr. Lund. Mesmo naquelaconvençãomedonha,davaparaverqueelemeconsideravaumembaraço.Sei, com certeza, que ele não queria que eu aparecesse com o Len noprogramanaquela vez.Amulherdele tambémnão foi comaminha cara.

Erarecíproco.Vocêdeviatervistoacaradelaquandomerecuseiaentrarpara a Liga dasMulheres Cristãs. “Precisamos colocar essas feministas eassassinasdebebêsemseudevidolugar,Kendra.”Elaestreitaosolhosparamim.

Vocêéumadessasfeministas,certo?Respondoquesim.

Quando ele ler o que tenho a dizer, isso vai deixar o Lund mais furiosoainda. Eu não sou. Quero dizer, feminista. Não sou nada. Não tenhonenhum rótulo, nem causas. Ah, sei o que aquelas mulheres ridículasnaquelelugarmedonhopensamdemim.Porquinzeanosmoreilá.Elasmeachavammetida,pensavamquetinhaideiasmetidasabestaporcausadaminha origem. Também me achavam fraca; mansa e fraca. Os mansosherdarão a terra. Len podia ver as pulsações delas batendo, claro. Ficosurpresaporelenãoterseengraçadocomumadelas.Masachoquedevoagradecerporqueeleoptoupornãocuspirnopratoemquecomia.Que vida! Presa num condado atrasado, tendo um pastor comomarido.

Nãoeraoquepapaihaviaimaginadoparamim.Nemdelongeeraoqueeuhavia imaginado para mim. Eu tinha ambições, ainda que não muitas.Chegueiapensaremserprofessora.Tenhodiplomadefaculdade,sabe?Eaquelasmulherestentavamfazercomqueeumeinteressasseemtodososseuspreparativosabsurdos;sehouverumaexplosãosolarouumaguerranuclear,millatasdepiclesdepepinonãovãosalvarvocê,vão?Pamelaeraamelhordogrupo.Emoutravidapoderíamostersidoamigas.Bom,talveznão amigas, mas ela não era tão chata quanto as outras. Não era burranemfofoqueira.Eusentiapenadela,vivendocomaquelemarido.O taldoJim era mau feito um picapau. Mas eu gostava de Joanie, a ilha. Fiqueiradianteaosaberqueelacortaraoslaços,foraveromundo.

ElaacariciaSnookiedenovo.

Gosto de pensar que pelo menos Pam terá algum conforto sabendo queSnookieestásendobemcuidada.PerguntocomoelaconheceuopastorLen.

Ondemais?Numcongressobíblico.UmcongressonoTennessee, onde izfaculdade. Nós nos conhecemos numa barraca apinhada (ela ri semhumor).Amoràprimeiravista–pelomenosparamim.Demoreianosparaperceber que o Len só me achava atraente por causa dos meus outrosatributos.Elesóqueriaterumaigrejaprópria.“Foiparaissoquefuipostonaterra”,dizia.“ParapregarapalavradoSenhoresalvaralmas.”Na época a gente era batista. Ele tinha ido tarde para a faculdade,

estivera trabalhando em vários lugares no Sul. Todo cheio de fogo e deJesus,trabalhouumtempocomodiáconoparaoDr.SamuelKeller.Duvidoquevocê se lembredele.Denível inferior,masparecia estarno caminhopara ganhar a fama antes de ser apanhado com as calças arriadas nosanos 1990. Como falavameu pai, amerda gruda e, depois que Keller foidescoberto com um garoto naquele banheiro público, Len descobriu quenão seria fácil arranjar outro cargo, pelo menos não até o burburinhodiminuir. Sua única escolha foi começar por conta própria. Nós nosmudamos um bocado, procurando o lugar certo. Até chegarmos aocondadode Sannah. Papai acabarademorrer,medeixouumaherança ecomelanóscompramosorancho.AchoqueoLentinhaaideiadeplantarcomoatividadeextra,masoqueelesabiasobreagricultura?Ele era um homem lindo de se olhar. Ainda é, acho. Conhecia os

bene ícios de se cuidar bem. Papai não icou satisfeito quando eu o leveiemcasa:“Ouçaoqueestoudizendo,esserapazvaipartirseucoração.”Papaiestavaerrado.Lennãopartiumeucoração,massemdúvida fezo

possível.

Lágrimas começam a correr pelo seu rosto, mas ela parece não notar.

Entrego- -lheumlençodepapeleelaousadistraidamenteparaenxugarosolhos.Não pense mal de mim. Nem sempre fui assim. Eu acreditava, ah,acreditava.Não.Perdia féquandoDeusdecidiunãomedar ilhos.Erasóissoqueeuqueria.Poderia tersidodiferenteseele tivessemedado isso.Nãoémuitacoisaparapedir.EoLennãoadmitiaadotar:“AscriançasnãofazempartedoplanodeJesusparanós,Kendra.”Mas agora eu tenho umneném, não é?Ah, sim. Alguémque precisa de

mim.Queprecisaseramada.Quemereceseramada.

ElaacariciaSnookiedenovo,masacadelamalsemexe.Len não é um homem mau. Não. Eu nunca diria isso. É um homemfrustrado, envenenado pela ambição contrariada. Ele não era inteligentenem carismático o bastante, pelo menos até icar com aquele fogo eenxofre nos olhos, pelo menos até a mulher falar o nome dele naquelamensagem.Estouparecendoamarga,nãoé?Eu não deveria sentir raiva de Pamela. Na verdade, não a culpo. Como

disse,elaeraumamulherboa.Leneeu...achoqueestávamosestagnadosdurante anos e alguma coisa precisava mudar. Ele tinha o programa derádio e os grupos da Bíblia e de cura, havia passado anos tentandoconseguirque“ igurões”, comoelechamava,onotassem.Enuncaovi tãoempolgado como quando foi convidado para aquela maldita convenção.Havia uma parte de mim – uma parte que ainda não tinha morrido naépoca–quepensouquetalvezaquilofossemesmoanossachance.Maseledeixouacoisasubiràcabeça.Eacreditoudeverdadenaquelamensagem.Eleacredita naquela mensagem. As pessoas o acusam de ser charlatão,nem um pouco melhor do que o pessoal dos alienígenas ou os líderesmalucosdeseitas,maspelomenosessapartenãoérepresentação.Nãoconseguiasuportartodasaquelaspessoaschegandoaorancho.Elas

incomodavamaSnookie.AchoqueoLenpensouqueiafazerumafortunacomtodososdízimosqueelastrariam.EissotambémprovariaaoDr.Lund

queelepoderiaterseguidoresleais.Masnenhumdosquechegavamtinhadinheiro. Aquele Monty, para começo de conversa... Às vezes eu podiasenti-lo me vigiando. Havia algo errado no modo como a mente daquelesujeitofuncionava.Eupassavamuitotemponoquartovendotelevisão.Lententavamelevarà igrejaaosdomingos,masnessaépocaeunãotolerava.Em outras ocasiões, eu e Snookie entrávamos no carro e rodávamos erodávamos,semnosimportarcomolugarondeiríamosparar.Acoisaacabariaazedando.Euavisei aoLenparanão fazeroprograma

derádiocomaqueleespertinhodeNovaYork.MasLennãoeradeouvir.Nãogostavadesercontrariado.EusabiaqueoDr.Lundiriaacabaraprontandoparaele,efoioquefez.

Pegou as palavras do Len e as usou para seus próprios ins. Len icavafurioso,andandodeumladoparaooutro,tentandofalarpelotelefonecomoDr.LundoucomotalFlexívelSandy,mascomotemponãoconseguiaseratendidonempelosassessoresdeles.Saíanosnoticiáriosqueumnúmerocada vezmaior de pessoas estava se convertendo e o Dr. Lund ganhavadinheiro. Ele tinha os contatos, veja bem. E quando apoiou aquele MitchReynardenãoconvidouoLenparafalarnocomíciopró-Israel,nuncavioLen tão irritado.Não iqueiparavera caradeledepoisqueamatéria foipublicada noThe Enquirer ; fui embora no dia da publicação. Ele negou,como eu sabia que faria. Mas ser expulso do clube dos igurões causoumaisdanoàautoestimadeledoquequalquermatériade jornal,pormaissensacionalistaquefosse.Naverdade,nãoduvidoqueadispensadoLundtenhadoídomuitomaisnoLendoqueeuabandoná-lo.Foicruel.ODr.Lundabriraumafrestanaporta,deixaraqueelevisseo

palácioedepoisbateracomaportanacaradele.

Elasuspira.AgoraaSnookieprecisatirarumcochilo.Éhoradevocêir.Eudisseoquetinhaadizer.

Antesde irembora,perguntocomoelasesenteagoracomrelaçãoaoLene

umafagulhaderaivabrotaemseusolhos.NãotenhomaisespaçoparaoLennomeucoração.Nãotenhoespaçoparaninguém.

ElabeijaacabeçadeSnookieetenhoaimpressãodequeesqueceuqueestouali.Vocênuncairiamemagoar,nãoé,Snookie?Não.Vocênuncairia.

PARTESETESOBREVIVENTES

ABRIL

LillianSmall.

Eulevavaumavidaestranha.Emalgunsdias,Reubenpodiasecomunicartãoclaramentequantoestoufalandocomvocêagora,mas,semprequeeufalavaalgumacoisasobrenossacasaantiga,umdosnossosamigosantigos,ou um livro do qual ele havia gostadomuito, uma expressão preocupadaenchiaseusolhoseelessaltavamdeumladoparaooutrocomoseReubententassedesesperadamente acessar a informação,mas emvão. Era comoseotempoantesdeeleacordarfosseumvazio.Decidinãopressioná-lo.Édi ícil falar sobre isso... mas o fato de ele não parecer lembrar nossopassadojuntosoumesmonãoentendermaisnossapiadade“Paris,Texas”eraquasetãodolorosoquantoosdiasemqueoAlvoltava.Porque em alguns dias o Alvoltava. Eu logo percebia, quando ele

acordava, se seria oReubenouoAl durante o dia inteiro; davapara vernos olhos ao lhe trazer o café da manhã. Bobby aceitava tudo comnormalidade,agiasempredomesmomodocomoReuben,masissoeraumfardo para mim. Essa incerteza... Não saber o que ia encarar a cadamanhã...EusópediaajudaaBetsyouligavaparaaagênciadecuidadoresse tinha certeza de que seria o Al o dia todo. Não que não con iasse naBetsy, mas não podia me esquecer do modo como o Dr. Lomeier haviareagidoquandooReubenfaloucomele.NãopodiasuportarpensarnoqueaqueleslunáticosdiriamsedescobrissemoqueaconteceracomoReuben.Eles ainda não nos deixavam em paz. Não posso contar quantas vezesprecisei desligar o telefone ao perceber que era um daqueles religiososmalucos,implorandoparafalarcomoBobby.E...mesmonumdiadoReuben, elenãoeraexatamenteelepróprio.Por

algummotivo,tinhaseviciadonoTheView,umprogramaqueodiavaantesdadoença,epassavahorascomBobbyassistindoa ilmesantigos,sebemqueReubennuncativessesidofãdecinema.Tambémperderaointeressenos canais de notícias, mesmo com todos aqueles debates políticosacontecendo.Um dia demanhã, eu estava na cozinha fazendo o café do Bobby eme

preparando psicologicamente para acordar o Reuben quando meu netoentroucorrendonacozinha.–Bubbe–chamouele.–PoPoquerdarumpasseiohoje.Elequersair.Bobby pegou minha mão e me levou para o quarto. Reuben estava

sentadonacama,tentandocalçarasmeias.–Vocêestábem,Reuben?–perguntei.–Podemosiràcidade,Rita?Foi assim que ele começou a me chamar, de Rita. Por causa de Rita

Hayworth!Docabeloruivo,vejasó.–Aondevocêgostariadeir?BobbyeReubentrocaramolhares.–Aomuseu,Bubbe!–exclamouBobby.Aquele ilme,Uma noite no museu , passara na noite anterior e Bobbyicarafascinadopelascenasemquetodasaspeçasemexposiçãoganhamvida.EraumdiadoAl,portantoeuduvidavadequealgumacoisadolongativessepenetradonaconsciênciadoReuben,oqueeraumalívio,jáquenametadeoBobbyfalou“Odinossauroé igualavocê,PoPo.Elevoltaàvidacomovocêvoltou!”.–Reuben?–perguntei.–Vocêachaqueestáemcondiçõesdesairhoje?Eleassentiu,ansiosofeitoumacriança.–Sim,porfavor,Rita.Vamosverosdinossauros.– É! Dinossauros! – concordou Bobby. – Bubbe? Você acha que eles

existirammesmo?–Claro,Bobby.–Eugostodosdentesdeles.Umdiaeuvoutrazerelesdevoltaàvida.OentusiasmodeBobbyeracontagiantee,sealguémmereciaumagrado,

era ele. Fazia dias que o coitadinho estava dentro de casa, se bem quenuncareclamava,nunca.Porém,quantomais tempopassássemosdo ladodefora,aumentavaaprobabilidadedequealgoacontecesse.Esefôssemosreconhecidos? E se um daqueles fanáticos religiosos nos seguisse etentasse sequestrar o Bobby? Eu também estava preocupada pensandoquea forçadoReubennão iria semanter.As faculdadesmentaispodiamestarmelhorando,masfisicamenteelesecansavacomfacilidade.Masdeixeide lado todosesses temorese, antesquepudessemudarde

ideia,chameiumtáxi.

Encontramos a Betsy ao sairmos e eu rezei para que o Reuben nãodissessenada.Claro,eutiveraummilhãodeesbarrõesdessetipoepartedemimansiavaporfalaralgumacoisaarespeito–eunãohaviacontadoaninguém,anãoseroinútildoDr.Lomeier.Murmurei“médico”paraBetsyeelaassentiu,masBetsyéespertaedavaparaverqueela sabiaqueeuestavaescondendoalgo.O táxi conseguiu encontrar uma vaga bem na frente da porta, uma

bênção, já que pude ver um daquelesmeshugeners com cartaz ofensivoandandopeloparque,mesmoàsnovedamanhã.Misericordiosamenteomotorista–outrodaqueles imigrantes indianos–

nãonosreconheceuou, sereconheceu,nãodeuaentender.PediquenoslevassepelaponteWilliamsburgparaqueoReubenpudesseveravistae,ah, Elspeth, como gostei da viagem! O dia estava lindo, parecendo posarpara um cartão-postal. Apontei as paisagens para Bobby enquantoatravessávamos Manhattan depressa, o edi ício Chrysler, o RockefellerPlaza,aTrumpTower,eele icougrudadonajanelafazendoumaperguntadepoisdaoutra.Acorridacustouumafortuna,quase40dólares,incluindoa gorjeta,mas valeu a pena. Antes de entrarmos nomuseu, perguntei seBobbyeReubenqueriamumcachorro-quentecomodesjejum,esentamosparacomernoCentralParkcomoturistascomuns.LoritinhametrazidoalicomoBobbyumavez–nãoaomuseu,masaoparque.Naqueledia, faziafrioeBobbyestavacarrancudo,masaindamelembrodetudocomprazer.Ela não havia parado de falar sobre todas as encomendas que vinharecebendo;estavatãoempolgadacomofuturo!Mesmosendodiadesemana,omuseuestava lotadoe tivemosque icar

um bom tempo na ila. Comecei a icar ansiosa, com medo de sermosreconhecidos,masamaioriadaspessoasaoredoreramturistas,ummontede chineses e europeus. Reuben já parecia cansado; gotas de suorbrotavamna testa. Bobby estava cheio de energia; não conseguia afastarosolhosdoesqueletodedinossauronosaguão.Ohomemnoguichêdeingressos,umafro-americanoqueadoravabater

papo,meolhoucomarinterrogativoquandomeaproximei.–Eunãoaconheço,senhora?–Não – respondi, provavelmente de forma umpouco rude. Depois que

pagueiemevirei,ouvi-ogritar:–Espere!

Hesitei, preocupada, pensando que ele iria mostrar quem era Bobby atodoomuseu.Maseleapenasperguntou:–Possooferecerumacadeiraderodasparaoseumarido,senhora?Eu poderia beijá-lo. Todomundo sempre diz que os nova-iorquinos são

grosseiroseegoístas,masnãoéverdade.Bobbypuxavaminhamão.–Bubbe!Osdinossauros.Ohomemdesapareceuevoltoucomumacadeiraderodas;Reubenlogo

afundou nela. A essa altura, eu estava realmente preocupada com meumarido. Ele começava a parecer confuso e eu iquei temerosa de que Alpudesseseesgueirardevoltaecriarproblemasparanós.Obilheteironoslevouaoselevadores.–Entre,filho–disseeleaoBobby.–Mostreosdinossaurosaosseusavós.–Osenhoracreditaqueosdinossaurosvoltamàvidadenoite,moço?–

perguntouBobby.–Por quenão?Milagres acontecem, não é? –Ele piscouparamime eu

tive certeza de que ele sabia quem nós éramos. – Não se preocupe,senhora,vouguardarsegredo.Divirtam-se.Fomos direto para o andar dos dinossauros. Eu tinha pensado que

daríamos uma olhada rápida, só pelo Bobby, e depois voltaríamos diretoparacasa.Falei paraoBobby icar grudado comigo, poishavia gentedemais, e foi

umalutaparaentrarnoprimeirosalão.Reubenmeolhoueperguntou:–Oqueeusou?Estoucommedo.Ecomeçouachorar,algoquenãofaziadesdeque“voltaraàvida”,como

diziaoBobby.Fiz omáximo para acalmá-lo. Algumas pessoas o encaravam e a última

coisa que eu queria era atrair atenção. Quando levantei os olhos, Bobbyhaviasumido.–Bobby?–chamei.–Bobby?ProcureialgumsinaldoseubonédosYankees,masnãovinada.Opânicome atacou feito ummaremoto.Deixei oReubenonde estava e

simplesmentecorri.Empurreipessoas,ignorandoosgrunhidosde“Ei,dona,cuidado”,osuor

geladoescorrendopelocorpo.–Bobby!–griteiaplenospulmões.Imagens relampejavam na minha mente: Bobby sendo levado por um

daqueles religiosos, sequestrado e sofrendo todo tipo de coisas terríveis;BobbyperdidoemNovaYork,andandosemdestinoe...Umamulherveioàspressasatémim.–Calma,senhora–pediuela.–Asenhoranãodevegritaraqui.Dava para ver que elame considerava louca, e não a culpei: eu sentia

queestavaperdendoacabeça.–Meuneto!Nãoestouencontrandoomeuneto.–Calma,senhora.Comoeleé?NãomeocorreudizeraelaquemBobbyera–queeleera oBobbySmall,

umdosTrês,acriança-milagreetodoaqueleabsurdo.Tudomesumiudacabeçae ico felizpor isso;ospoliciais seriamchamados imediatamenteesemdúvida a coisa toda estaria nas primeiras páginas nodia seguinte.Oguarda avisou que iria alertar os funcionários nas entradas e saídas, sóparagarantir,masentãoescuteiapalavramaislindadomundo.–Bubbe?Quasedesmaieidealívioaovê-loseaproximar.–Ondevocêestava,Bobby?Vocêquasemematoudemedo.–Estavacomograndão.Eletemdentesenormes,quenemumlobo!Mas

vem,Bubbe,PoPoprecisadagente.Dá para acreditar? O Reuben havia sumido domeu pensamento, e nós

voltamos correndo para o salão onde eu o deixara. Felizmente, ele tinhacaídonosononacadeira.Sóme senti segura de novono táxi indopara casa.Quando acordoudo

cochilo, Reuben estavamais calmo e, apesar de não ser ele próprio, nãopreciseilidarcomumAlempânico.– Eles não voltaram à vida, Bubbe – falouBobby. –Os dinossauros não

voltaramàvida.–Éporqueelessóvoltamàvidaànoite–explicouReuben.Eleestavade

volta.Segurouminhamãoeapertou-a.–Vocêagiubem,Lily.Lily,elemechamoudeLily,enãodeRita.–Comoassim?–perguntei.–Vocênãodesistiu.Nãodesistiudemim.

Entãoeuchorei.Nãoconseguisuportar,aslágrimasescorreram.–Vocêestábem,Bubbe?–indagouBobby.–Estátriste?– Estou bem. Só iquei preocupada com você. Achei que tinha perdido

vocêlánomuseu.–Vocênãopodemeperder.Nãopodemesmo,Bubbe.Éimpossível.

ÚltimaconversaporchatregistradaentreRyueChioko.

Conversainiciadaem03/04/2012,às20h46

CHIYOKO:ACHEIQUEVOCÊERAMEUAMIGO!!!Comovocêpôdefazerissocomigo???????“Hirofalaatravésdeandroide”!www.hirotalksthroughandroid/tokyoherald.Esperoquetenhampagadobem.Esperoquetenhavalidoapena.

RYU:Chiyoko!Juro,juroquenãofuieu.

CHIYOKO:CMtáfuriosa.TioAndroidetáameaçandolevaroHirodevoltapraOsaka.Temrepórteresportodolado.Voumorrerseeuperderele.Comovocêpôdefazerisso?

RYU:Nãofuieu!

CHIYOKO:Vocêarruinouaminhavida,NUNCAMAISFALECOMIGO.

RYU:Yoko?Yoko?Porfavor.Porfavor!NÃOFUIEU.

ArrasadodepoisdeserbloqueadonomessengerporChiyoko,Ryuentrounofórumdesolteiros“CoraçãoPartido”do2-channelusandooavatarHomemOrz,iniciandootópico“Nerdfracassadoprecisadeajuda”.Quaseimediatamente,suahistóriatornou-seviral,instigandoaimaginaçãodosfrequentadoresdogrupodediscussãoeatraindomilhõesdeacessos.(TraduçãodeEricKushan,queobservaqueasabreviaçõesegíriasforamempregadasparasimularalinguagemusadanosgruposdediscussão,masquepreferiumanterosacentosparamelhorcompreensão)

NOME:HOMEMORZ–DATADEPOSTAGEM:05/04/2012–01:32:39.32Preciso de conselho de vcs por favor!!! Preciso me reconectar c/ umagarotaqmebloqueou.NOME:ANONIMO111Pqelatechutou,Orz?NOME:HOMEMORZElaachaqconteiumsegredo,masnãofuieu._|7ONOME:ANONIMO275Jápasseiporisso,cara,masprecisodemaisinfo.NOME:HOMEMORZCerto... isso pode demorar um tempo. Eu conversava c/ a garota pelainternet,vouchamareladePrincesadoGelo.Elaeramtosuperioramim,logovcspodemimaginarcomo iqueiespantadoporumapessoacomoelapassar tempo c/ um fracassado q nem eu. A gente tava se dando bem,falando todo dia e contando coisas, saca? Então... aconteceu uma coisa.Uma...vamosdizerqvazouumahistóriaqfezafamíliadela icarmaleelaachouqfuieueagorabloqueouminhasmsgs.Nãoqueroq vcs achemq souum fracassado.Mas issomachuca.Qdo elaparou de aceitar minhas msgs, foi como se meu estômago fosse feito devidroetivessesedespedaçado.

NOME:ANONIMO111“Comosemeuestômagofossefeitodevidro.”Issoélindo,Orz.NOME:ANONIMO28Tôchorandoaqui.NOME:HOMEMORZObrigado. Eu tô mal. É igual a uma dor ísica. Não consigo comer nemdormir.Ficolendoasnossasmsgsotempotodo.Passeihorashjanalisandocadapalavraqagentetrocou.NOME:ANONIMO23Eca!!!! Vc precisa saber q as mulheres só existem pra causar dor, meucaroOrz.Fodam-seelas.NOME:ANONIMO111Ignoreo23.Jápasseiporisso,Orz.Temalgumaesperançadevcsvoltaremasefalar?NOME:HOMEMORZNãosei.Nãopossoviversemela.NOME:ANONIMO23Comoelaé?Égostosa?NOME:ANONIMO99<SUSPIRO>Vcéumbabaca,23.NOME:HOMEMORZSóvielaumavez.Enãopessoalmente.Elasepareceumpoucoc/HazukiHitori.NOME:ANONIMO678Hazuki Hitori dos Sunny Juniors? Uau! Orz, seu gosto é bom, cara. Tb tô

apaixonadoporela.NOME:ANONIMO678Hazuki????Uauuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu.NOME:ANONIMO111Seguraotesão,pessoal.Orz,vcprecisafalarc/elapessoalmente.Dizercomosesente.NOME:HOMEMORZNão é tão simples assim. Isso é embaraçoso. Pessoal... eu ainda moro c/meuspais.NOME:ANONIMO987Tudobem.Eutbmoroemcasa.NOME:ANONIMO55Eutb.Qualoproblema?NOME:HOMEMORZNãofoiissoqeuquisdizer.Nãosaiodecasafaz...umtempo.Nemsaiodoquarto.NOME:ANONIMO111Umtempoquanto,Orz?NOME:HOMEMORZVcsvãomejulgar!!!Maisdeumano._|7ONOME:ANONIMO87Omundo real pode ser umamerda. Uma dica, Orz: se vc não quer ir aobanheiro,deixegarrafasdebaixodamesapraemergências.Éoqfaçoqdotôjogandodireto.

NOME:ANONIMO786KKKK!!!!Bomconselho,87!NOME:ANONIMO23Pessoal,oOrzéumhikikomori.NOME:ANONIMO111Orzsocializananet,logoécapazdecontatohumano.Elesóérecluso,nãoéumhikikomorideverdade.[Otópicosedesviabrevementedoassuntoprincipaldevidoaumadiscussãosobreaverdadeiranaturezadoshikikomori]

NOME:ANONIMO111Orz,vcaindatáaí?NOME:HOMEMORZTô. Escuta... desculpa desperdiçar o tempo de vcs. Escrever isso me fazperceber...Oq ela veria emmim, a inal?Pqela aomenosolhariapraumfracassado assim? Olhem pra mim... Sem trabalho, sem grana, semesperança.NOME:ANONIMO111Sua princesa morreu? Não. Então sempre tem esperança. Pessoal, essecaraprecisadanossaajuda.Horadecolocarosuniformes.NOME:ANONIMO85Carreguemasarmas.NOME:ANONIMO337Miremnaquelaprincesa.NOME:ANONIMO23Travadaecarregada,SENHOR!

NOME:ANONIMO111Primeiro:ajudaroOrzasairdoquarto.NOME:ANONIMO47Orz,unsconselhospravc:1. Toma banho pra icar o mais bonito possível. Nada de cabelodesgrenhadonemespinhas.

2.VaiatéumalojadaUniqloecompreumasroupasboas,nadachamativo.3.VaiverAPrincesa.4.Convidaelaprajantar.5.Nojantar,dizcomosesente.Assim,mesmoseelatechutar,vcnãovaiterarrependimentos.NOME:ANONIMO23TalvezOrznãosaibaondeelamora,seelessósefalarampelainternet.Eledisseqnãotemgrana,comovaicomprarroupas?NOME:HOMEMORZObrigadopelosconselhos.Nãotenhooendereço,masseiqelamorapertodaestaçãoYoyogi.NOME:ANONIMO414Temumbomrestaurantedemassasaliperto.NOME:ANONIMO23Massa no primeiro encontro? Vai pro Yakitori ou pra um de comidafrancesaouétnica,assimvcvaiterassuntopraconversar.[Otópicosedesviaparaumadiscussãosobreomelhorlugarparaumprimeiroencontro]

NOME:ANONIMO111Nãoéumprimeiroencontro.Orzesuaprincesasãociberalmasgêmeas.

Pessoal,vcsnãotãosacando.PrimeiroOrzprecisatomarbanhoesairdoquarto.NOME:HOMEMORZVcsachammesmoqeudevotentarverelapessoalmente?[Segue-seumcorode“sim”,“fazisso,cara”,“oqvctemaperder”,etc.]

NOME:HOMEMORZCerto.Vcsquasemeconvenceram!Agoraasquestõespráticas...Achoqpossoarranjarumdinheiro,masnãomto.Aprincesamoranum

bairro diferente, por isso preciso de um lugar pra icar enqto procuro acasadela.Nãopossopagarhotel.Algumasugestão?Algumdevcsjápassouanoitenumnetcafé?Éumaopção?NOME:ANONIMO89Nãoéideal,masjá iz issoumaveznosarredoresdeShinjuku.Ébaratoetemcomidapravender.[OsparticipantesbombardeiamOrzcomconselhos,discutindoondeeledeveriaficarequalomelhormododeatrairaatençãodaprincesa]

NOME:HOMEMORZPrecisodormir.Tôacordadohávintehoras.Vcsmeajudarammesmo.Nãomesintomaistãosozinho.NOME:ANONIMO789Vcconsegue,Orz.NOME:ANONIMO122Façaissopelosnerds.NOME:ANONIMO20Boasorte!!!Estamostodosc/vc,Orz.Anda,cara,vcconseeeeeegue.

NOME:ANONIMO23Fazisso,porra.NOME:ANONIMO111Mantenhaagenteinformado!!!![Doisdiasdepois,Ryu,ouoHomemOrz,reaparecenofórum,tempoemquemuitaespeculaçãoaconteceu]

NOME:HOMEMORZ–DATADEPOSTAGEM:07/04/2012–01:37:19.30Não sei se algum de vcs q tava aqui no tópico q eu comecei outro dia táouvindo.Andei lendo o q vcs disseram.Tô espantado c/ o apoio q recebinestesite!Sóqueriaqsoubessemqseguioconselho.Saídecasa.NOME:ANONIMO111Orz!Ondevctáagora?NOME:HOMEMORZNoreservadodeumcafé.NOME:ANONIMO111Que tal o mundo grande e mau? Precisamos de detalhes. Comece doprincípio.NOME:HOMEMORZAh.Comoeudisse,seguitodososconselhosdevcs.Primeirotomeibanho.Escoveiosdentesq tavamamarelosde tanto fumar.Depoisocabelo.Nãotinha grana pra cortar, por isso eu mesmo cortei. Acho q não icou mtoruim!Agoraapartedi ícil.Vcsvãomejulgardeverdadeporcausadisso.Meus

pais tavam no trabalho qdo saí e eu levei as economias q minha mãeguardana cozinha.Não émto,masdá prame virar algumas semanas setivercuidado.Deixeiumbilhete,masaindamesintomal.Faleiqdecidisair

earranjarumemprego,pranãosermaisumpesoprafamília.NOME:ANONIMO111Vcfezocerto,Orz.Podepagardevoltaqdotiversevirandosozinho.NOME:ANONIMO28É,Orz.Vcfezaúnicacoisaqpodiafazernessasituação.Anda,contatodososdetalhes.NOME:HOMEMORZObrigado,pessoal.Maisdetalhes...certo.Meus sapatos ainda tavamno armário perto da porta da frente, onde eutinhadeixadoháumano.Tavamcobertosdepó.Sairdecasa foiumadascoisasmaisdi íceisq já iz.Tôtentandopensar

em como explicar... qdo pus o pé do lado de fora, me senti um palito defósforo no oceano. Tudo parecia brilhante demais, grande demais. Osvizinhos curiosos tavam todos olhando por trás das cortinas. Sei q elesfofocavamsobremimdurantemeses,umacoisaqincomodouumbocadoaminhamãe.Era o início da tarde qdo saí, mas até o meu bairro parecia

insuportavelmente agitado. Eu icava sentindo meu quarto me puxar devolta.Eracomosetivessesendoarrastadopratrás,masluteicontraissoemeobrigueiacorreratéaestação.CompreiumbilhetepraShinjukuantesqmudassedeideia.Eracomosetodomundoqeuvissetivesseapontandoerindodemim.Nãovoucontardosataquesdepânicoconstantesqtivedeenfrentarqdo

cheguei em Shinjuku. Como não sabia o q fazer, entrei num restauranteYoshinoya e,mesmo sem vontade de comer,me obriguei a perguntar aocaradobalcão seele sabiadealgum lugarbaratoondeeupudesse icar.Elefoilegal,meindicouestenetcafé.Vouserhonesto...tômeioqpirando...

NOME:ANONIMO179Não pira, camarada. A gente tá aqui. E agora? Como vc vai achar a casadela?

NOME:HOMEMORZFizumaspesquisas.Afamíliadela...digamosqelesnãosãodesconhecidos,econseguidescobriroendereço.NOME:ANONIMOQuerdizerqelaéfamosa?[Ashorasseguintessãopassadascommaisconselhoseespeculaçõessobrequempoderiaserafamíliadaprincesa]

NOME:HOMEMORZTôachandoq, se eu tiver coragemde falar c/ ela, omelhor é esperar ospaissaíremdecasa.NOME:ANONIMO902Vcpensounoqvaidizer?NOME:ANONIMO865OestômagodevidroquebradodoOrztátilintando.Eleacendeumcigarroe icasobaluzdeumpostevigiandoacasadaprincesa.Esmagaocigarroc/abota,vaiatéaportadafrenteebate.Elaabre.Eleficasemfôlego:elaéaindamaislindadoqelelembra.–Soueu,oOrz–dizele,tirandoosóculosescuros.– Me leva pra longe de tudo isto – implora ela, caindo de joelhos diantedele.–Mepossui,mepossuiagora!NOME:ANONIMO761Belotrabalho,865,KKKKK!!!NOME:HOMEMORZAndeipensando...Achoqseicomochamaraatençãodela...NOME:ANONIMO111Nãodeixaagentenosuspense.

NOME:ANONIMO2É,Orz.Somosdoseutime,cara!!!!NOME:HOMEMORZContoamanhãsedercerto.Senão,euvouestaremposiçãofetal,cortandoospulsosechorando.NOME:ANONIMO286Avitóriaésuaúnicaopção,Orz!Vcconsegue!!!![DepoisqueRyusaidofórum,aconteceaseguinteconversa]

NOME:ANONIMO111Pessoal...achoqseiqueméaprincesa.NOME:ANONIMO874Quem?NOME:ANONIMO111Orzdisseqafamíliadaprincesaéconhecida.TbfalouqelamorapertodaestaçãoYoyogi.HiromoraemYoyogi.NOME:ANONIMO23Hiro??????Hiro,acriança-milagre?Ogarotoandroide?NOME:ANONIMO111É. Hiro tá hospedado c/ o tio e a tia. Eles têm uma ilha. Vi os vídeos dacerimôniamemorial. Tem uma garota q se parece c/ Hazuki no grupo qtavapertodafamília,eoutraqnãoétãogata.NOME:ANONIMO23NossohumildeOrz táapaixonadopelaprimadoGarotoAndroide????VAI

FUNDO,ORZ!

TranscriçãodagravaçãodePaulCraddockdeabrilde2012.

17deabril,12h30

MeuDeus. Já fazum tempo... Comovocê está,Mandi? Sabe, apesarde euestar falando sem parar nessa porra como se você fosse minha melhoramiga ou uma substituta do Dr. K, percebi outro dia que não consigorecordarseurosto.AtéentreinoFacebookparavera fotodoseuper ilaimde lembrar como você é. Já falei comoodeio o Facebook, não falei?Aculpa é minha. Eu aceitei, feito um idiota, pedidos de amizade de umaporradadegente semveri icarprimeiro.Os sacanasbombardearamcomódiominhapáginaemeuTwitterporcausadaparadadaMarilyn.Mandi, eugostariadepedirdesculpaspor ignorar seus telefonemas.Eu

sónão...Eu tiveunsdias ruins, certo?Paraserhonesto,maisdoqueuns.Algumassemanas,rá,rá.Aquiloparecianãoacabar.OStephen...bom,vocêsabe.Nãoqueroentrarnesseassunto.Enão izmuitacoisapararesolveroque podemos manter em meio a toda esta falação. Na verdade não izmuitodenada.Foi cedo demais. Tudo isso. Muito pouco tempo após o acidente. Agora

vejo.Mastalvezpossamosretrabalharmaistarde,depoisque...depoisqueeuestivermesentindomaiseumesmo.Nãoestoumuitobemnomomento,vocêsabe.Em alguns dias me pego olhando fotos da Jess, tentando identi icar a

diferença.Umdiadesseselameflagrou.– O que está fazendo, tio Paul? – perguntou, toda doce e carinhosa,

desgraçada.Elatemumjeitodechegardemansinhosemeuperceber.–Nada–respondicomrispidez.Senti tantaculpaquenodiaseguinte fuià lojadebrinquedosegasteio

equivalenteàprestaçãodeumcarro.AgoraelatemumconjuntointeirodoMeu querido pônei absurdamente caro, além de uma porrada de Barbiestemáticas,queeuseiquefariaafeministaShellyserevirarnotúmulo.Masestou tentando.MeuDeus, estou tentando.É sóque... elanãoé ela.

JessePollyadoravamashistóriasqueeueoStephen inventávamospara

elas, versões idiotas das fábulas de Esopo. Tentei inventar uma um diadesses – uma versão deO garoto que gritava lobo –, mas ela me olhoucomoseeutivesseficadomaluco.Rá!Talveztenha.Porque há outra coisa. Ontem à noite iz outra maratona de buscas no

Google, tentando entender como estou me sentindo com relação à Jess.Existe uma doença. Chama-se Síndrome de Capgras. É muito rara, maspessoasquesofremdissoseconvencemdequeaspessoascomquemelasmoram foram substituídas por imitações. Foram trocadas. Sei que éloucura só pensar nisso. Até perigoso... Mas ao mesmo tempo étranquilizador saber que existe algo especí ico que explicaria tudo. Maspodeserapenasestresse.Éaissoqueeumeagarroagora.

(pigarreia)

E,meuDeus,écoisademais.AindaporcimacomoprimeirodiadeJessdevoltaàescola.Issonóspodemosusar,acho.Éotipodecoisaqueosleitoresquerem, não é? Acho que eu contei que oDr. K eDarren decidiramqueseriabomqueelavoltassedepoisdosferiadosdaPáscoa.Nãoeraidealelaicarestudandoemcasa.Eunãosougrandecoisacomoprofessore... issoimplicavainteragircomeladurantehoras.A imprensaapareceuembando,comosempre,por isso izaatuaçãoda

minha vida, todo sorrisos, poderia ganhar um Oscar pelo papel de“guardiãopreocupado”. Enquanto os repórteres sensacionalistas uivavamdoladodeforadoportão,fuicomelaatéasaladeaula.Aprofessora,Sra.Wallbank, tinhafeitoascriançasenfeitaremtudo;haviaumagrandefaixacom “Bem-vinda, Jess!” pendurada em cima do quadro-negro. A Sra.Wallbank é uma mulher robusta e alegre demais, o tipo de pessoa quepassa os ins de semana visitando locais históricos, caminhando com aspernascabeludasemmontanhasbatidaspelovento.Logoqueavi,medeuvontadedeen iaroraboentreaspernasefumarummaçodeRothmans.(É, é, Mandi, agora são vinte por dia, mas nunca em casa. Outro vício aesconder, rá, rá, se bem que descobri que a Sra. EB não é avessa a umcigarrinhoescondido.)LogodescobriqueaSra.Wallbank falacomascriançascomose fossem

adultos,mastrataosadultoscomoretardados.– Olá, tio da Jess! Não se preocupe com nadinha. Jess e eu vamos icar

bem,nãoé?–Tem certezadeque você está preparadapara isso, Jess? – perguntei,

sorrindodemodoafetado.– Claro, tio Paul – respondeu ela com aquele sorriso complacente que

passeiaodiar.–Volteparacasa,fumeumcigarroetomeumavodca.ASra.Wallbankpiscouparamimetentoulevaraquilonabrincadeira.Com aquele sentimento de alívio que sempre tenho quando não estou

pertodela,saícorrendodelá.Doladodefora,tentei ignorarasperguntascostumeirasdosrepórteres,

como“quandovaideixarMarilynveraneta?”.Murmureiasbaboseirasdesempre, tipo “quando Jess sentir vontade, etc. etc.”Depois entrei noAudidoStephenecirculeiumpouco.FuipararnocoraçãodeBromley.Pareieentrei num supermercado para comprar algo especial para o jantar doprimeirodiadeJessdevoltaàescola.Eotempotodosabiaquesóestavarepresentando um papel. Fingindo que era o tio atencioso. Mas nãoconsigo... não consigo deixar de pensar em Stephen e Shelly – nosverdadeirosStepheneShelly,nãonoStephenqueapareceànoite–eésóopensamentodenãodesapontá-losquememantémindoemfrente.Achoque, se eu mergulhar no personagem, ele vai acabar virando realidade.Comotempovouretornaraumnívelnormal.De qualquer modo, eu estava na ila, segurando uma cesta cheia

daquelasmassasprontasmedonhasdequeJesstantogosta,quandomeusolhos se ixaram na seção de vinhos. Me visualizei sentado ali mesmo,engolindo uma garrafa após outra de tinto chileno até meu estômagoexplodir.–Anda,querido–pediuavelhaatrásdemim.–Háumcaixaaberto.E isso me tirou do transe. A caixa logo me reconheceu. Me deu o que

passeiachamarde“sorrisodeapoio”.–Comoelaestá?–sussurrouemtomconspiratório.Quaserespondirispidamente“Porquesempresóqueremsaberdela?”.Obriguei-meadizeralgocomo“elaestámaravilhosamentebem,obrigado

por perguntar” e, de algummodo, consegui sair sem lhe dar um soco nacaranemcomprartodaaseçãodebebidas.

24deabril,23h28

Esta semana estou bem, Mandi. Agora é melhor, com ela na escola. Atépassamosumanoite juntosassistindoaumamaratonadeTheOnlyWayisEssex.Elaadoraesserealityespantoso,nãosefartadeverospanacascombronzeado arti icial falandomerdas uns para os outros emboates, o queme preocupa um pouco. Mas acho que todos os amigos da escola delacurtem esse tipo de lixo, por isso deveria considerar um comportamentonormal e tranquilizador. Ela continua implacavelmente alegre e bem-comportada(gostariaqueelativesseumchiliqueouserecusasseairparaacamadevezemquando).TentomeconvencerdequeoDr.Kestácerto,que,claro,ocomportamentodelairiamudardepoisdetodoaqueletrauma.Sóvaidemorarumtempoparaelaseajustar.– Jess –perguntei duranteum intervalo comercial, umalívio emmeio a

todaaquelabanalidadenatela.–Vocêeeu...nósestamosbem,nãoé?–Claroqueestamos,tioPaul.E pela primeira vez em séculos eu pensei: tudo vai icar bem. Vou

superarisso.Até telefonei para o Gerry garantindo que estava pronto para voltar a

trabalhar. Ele perguntou sobre as gravações, claro, contou que os seuseditores,Mandi,pegamnopédele,desesperadosparaqueeumandemaismaterial,eeudeiasdesculpasdesempre.Eles teriamumorgasmoseeumandasseistoaquisemeditar.Masvoudarumjeito.É.

25deabril,16h

É.Meugrandedia,Mandi.Darrenveioaquie,meuDeus,eleconsegueserumpentelho,revirouosarmárioseageladeiraparaveroqueJessestavacomendo,oquetenhoquasecertezadequenãoéoprocedimento-padrão.Logodepoisdeele sair,o telefone tocou.Comovocê sabe, geralmenteéaimprensa ou algummaluco religioso que de algummodo conseguiumeunúmeronovousandosubornoouchantagem.Mashoje,surpresa,surpresa,eraumapessoadobandodaabdução.Elesandavamafastadosdesdequeeu botei a polícia em cima logo depois de Jess sair do hospital. Quasedesliguei na mesma hora, mas algo me impediu. O cara que telefonou –

Simonnãoseidasquantas–pareciabastanterazoável.Dissequemeligoupara saber como eu estava. Não Jess e, sim,eu. Precisei ter cuidado; émuito provável que o telefone esteja grampeado, por isso deixei quepraticamentesóelefalasse.Parasersincero,eudefatonãotinhamuitoadizer. Enquanto ouvia, quase senti como se olhasse paramimmesmo dooutroladodasala.Seiqueeraloucuradaratenção.Elea irmouqueoqueosextraterrestresfazem–eleoschamavade“osoutros”,comonum ilmeBmal-escrito – é sequestrar as pessoas, colocar ummicrochip dentro docorpoeusar“tecnologiaalienígena”paracontrolá-las.Dissequeelesestãode conluio com o governo. Aquilo me fez... Por que não ser honesto?Ninguémmais vai ouvir isso. Merda, certo... Olha, em algum nível aquilofaziaumaespéciedesentidoesquisito.Quero dizer... e se a Quinta-Feira Negra for um tipo de experiência do

governo, a inal de contas? Há uma quantidade enorme de gente queacredita que de jeito nenhum aquelas crianças poderiam sobreviver aosacidentes. E não estou falando dos malucos óbvios como aqueles quesacodemBíblias.Ouosdoidosqueachamqueascriançasestãopossuídaspelo demônio. Até aquele investigador que veio perguntar a Jess se elalembrava alguma coisa do acidente a olhou como se não acreditasse queela estava viva. Claro, no acidente do Japãohouve outras pessoas quenoinício sobreviveram ao impacto, mas não resistiram muito. E comoexatamente Jess sobreviveu? A maioria dos outros corpos... bom, elesestavam em pedaços, não foi? E aquele avião daMaiden Airlines pareciater passado por um liquidi icador quando começaram a tirá-lo dosEverglades.Certo... Respira fundo, Paul. Calma, porra. A falta de sono pode foder a

cabeçadagente,nãoé?

29deabril,3h37

Elevoltou.Jásãotrêsnoitesseguidas.Parecemaluco,masestoumeacostumando.Não icomaisapavoradoao

acordareverqueeleestásentadoali.Ontemànoitetenteifalarcomeledenovo.–Oquevocêestátentandomedizer,Stephen?

Mas ele só disse o mesmo de sempre, depois sumiu. O cheiro estápiorando. Ainda posso sentir nos lençóis, até agora. Peixe podre. Carnepodre.Porra.Nãopossoestarimaginandoisso,posso?Posso?E...precisoadmitirumacoisa.Nãosintoorgulhodisso.Ontemànoitenãosuportei.Saídecasaàsquatrodamadrugada–é,isso

mesmo,deixeiJesssozinha–efuiatéummercadoque icaabertoanoitetodaemOrpington.CompreiumameiagarrafadeBells.Quandochegueiemcasa,elaestavavazia.Escondiagarrafadeuísqueembaixodacama, comasoutras.ASra.EB

pode ser minha nova aliada para os cigarros escondidos, mas icariahorrorizadacomaquantidade.Estou icandodescontrolado;precisocortarissodenovo.Precisopararcomessamerda.

30deabril

Issoéqueédecisãodeentrarnuma.AcabeideexaminaroquartodeJess.Nãoseioqueesperavaencontrar.

Um livro de receitas com carne humana talvez, como naquele antigoepisódiodeAlémdaimaginação,rá,rá.

(orisodePauldálugarasoluços)

Tudobem.Estoubem.Mas elaestá diferente.Está.Nãohá comonegar isso.Elaaté tirou todos

ospôsteresantigosdaMissyK.Talvezosalienígenastenhambomgosto.

(outrorisoqueviraumsoluço)

Mas...comoelapodenãoseraJess?Oproblemadevesereu.Mas...Está icando mais di ícil esconder tudo isso do Darren. Não posso me

permitirdesmoronar.Agora,não.Precisoexaminartudo.Chegaraofundoda situação. Até pensei em desistir e levá-la para ver Marilyn. Mas seráque a vaca gorda ao menos saberia se há algo diferente na Jess? Shelly

odiava ir até lá, por issoMarilyn via asmeninasmenos do que eu. Achoquevaletentar.ElaécarneesanguedeJess,nãoé?Masnessemeio-tempopediaPetra,umadasmamãessolícitasdaescola

deJess,paratrazersua ilhaSummerparabrincarhojeàtarde.Petravivemandando e-mails e ligando para perguntar se pode ajudar com algumacoisa,porissoadorouachance.Atéseofereceuparapegarasmeninasnaescolaetrazerparacá.Então... vou deixar o gravador no quarto de Jess. Só para veri icar. Só

para tercerteza.Veroque Jess falaquandonãoestouperto.Éoqueumtiobomfaria,nãoé?TalvezJessestejasofrendoeseabracomSummer,aíeusabereiqueacausadeelaestarsecomportandoassiméoqueoDr.Kchamade“traumanãoexplorado”.Elasvãochegardaquiacincominutos.

(somdevozesdecriançasseaproximando,queficacadavezmaisalto)

–...aívocêpodeseraRainbowDasheeu,aPrincesaLuna.AnãoserquevocêqueiraserRarity?–Vocêtemtodosospôneis,Jess?–É.Paulcomproupramim.TambémcomprouaBarbieVestidodeFesta.

Olhaaqui.–Caraca!Elaélinda.Masneméoseuaniversário.–Eusei.Podeficarcomela,sequiser.Paulpodemedarumanova.–Verdade?Vocêéamelhoramigadomundo!Jess...oquevocêvaifazer

comtodososbrinquedosdaPolly?–Nada.–E,Jess...doeu?Quandovocêsequeimou?–Doeu.–Ascicatrizesvãosumir?–Nãoimporta.–Oquenãoimporta?–Seelasvãosumirounão.–Mamãedizqueéummilagrevocêtersaídodaqueleavião.Elamandou

eunãoperguntarsobreisso,paravocênãochorar.–Nãovouchorar!– Mamãe falou quemais tarde você vai poder cobrir as cicatrizes com

maquiagem,paraaspessoasnãoficaremolhando.–Anda!Vamosbrincar!

(Nos quinze minutos seguintes, as meninas brincam de “Meus queridospôneisseencontramcomBarbieemEssex”)

(somdistantedavozdePaulchamandoparadesceremparaolanche)

–Vocênãovem,Jess?–Vaivocêprimeiro.Voupegarospôneis.Elespodemcomercomagente.–Tá.PossoficarmesmocomaBarbieVestidodeFesta?–Pode.–Vocêéminhamelhoramigadetodas,Jess.–Eusei.Agoravaiprimeiro.–Tá.

(OgravadorcapturaosomdeSummersaindodoquarto.Háumapausadeváriossegundos,seguidapelosomdepassosseaproximandoerespiração)

–Olá,tioPaul.

NoperíodoemqueestiveemLondresparameencontrarcommeuseditoresdaInglaterra,algunsdiasdepoisdoenterrodeJessemjulho,MarilynAdamsmeconvidouparaentrevistá-laemsuaresidência,umacasageminadabem-arrumada,comtrêsquartos,cheiadeaparelhosemóveismodernos.

Marilynestámeesperandonosofá,comotanquedeoxigênioperto.Quandovou começar a entrevista, ela pega um maço de cigarros ao lado do sofá,acendeedáumatragadafunda.Não conte aos rapazes, está bem, querida? Sei que eu não deveria, masdepoisdetudoisso...Quemalpodefazer?Meuúnicoconsolohojeemdiaéumcigarrinho.Sei o que você leu nos jornais, querida, mas na época nós não

desejávamos mal ao Paul, o problema era só ele querer manter a Jesslongedagente.Eutinhaumprimoassim,querodizer,gay.Nósnãosomospreconceituosos, graças a Deus. Tem ummonte deles por aí e eu adoroaquele tal do Graham Norton. Mas a imprensa... bom, eles deturpam aspalavrasdagente,nãoé?SeeuculpoaShellypordaraguardaaoPaul?Na verdade, não. Ela só queria uma vida melhor para ela e as meninas,quempodeculpá-la?Nunca tevemuitacoisaenquantocrescia.Seiqueaspessoas pensam que somos parasitas, mas temos todo o direito de vivercomoqueremos,nãoé?Tenteconseguiradrogadeumempregohojeemdia.TemgentequeachaqueagentesóqueriaaJessporqueestávamosatrás

da casa do Paul e da Shelly e todo aquele dinheiro do seguro. Eu estariamentindo se dissesse que isso não viria em boa hora, mas esse era opensamento mais distante da nossa mente, juro por Deus. Nós sóqueríamospassarumtempocomapequenaJess.Acoisafoisearrastandoeemalgunsdiasoestresseera tãograndequeeumalconseguiadormir.Osmeninosviviamfalando:“Vocêvaiterumataquedocoraçãodetantosepreocupar, mamãe.” Por isso, quando iquei doente de verdade, recuei,decidi não envolver os advogados. Achei que era para o bem. Jessiepoderiaencontraragentedepoisquecrescesse,certo?

Assim,quandooPaulligoueperguntouseagentequeriaveraJess,vocêpoderia me derrubar com uma pena. O serviço social vinha prometendohaviaséculosquefariaoquepudesse,maseunãoboteinenhumafénisso.Todos icamosbastanteempolgados.Achamosqueseriamelhornãodeixá-laagitada,podeserumcaosaquiàsvezessetodomundosejunta,porissodecidique seria sóeu,os rapazese Jordan–oprimodelaqueémaisoumenos damesma idade. Falei com o pequeno Jordan que a prima vinhanos visitar e ele disse: “Mas ela não é uma alien, vó?” O pai deu-lhe umcascudona orelha,mas o Jordie só estava repetindouma coisa que tinhaouvido na escola. “Como alguém pode acreditar nessas besteiras?”, era oque o Keith sempre questionava quando um daqueles americanosdesgraçadoscomeçavama falarqueOsTrêsestavamnaBíbliaousei láoquê. Ele falava que os sacanas deveriam ser processados por difamação,masissonãoeradanossaconta,era?Levei um tremendo choque no momento em que a assistente social

deixouela aqui. Jess tinha crescido feitoumaárvoredesdequeeu a virapelaúltimavez.Todasaquelasfotosnaimprensanãolhefaziamjustiça.Ascicatrizesnorostonãoestavamtãoruins;faziamapeleparecerumpoucomaisesticadaebrilhante,sóisso.Cutuquei o Jordan e o mandei se levantar e dar um abraço nela. Ele

obedeceu,masdavaparaverquenãoestavamuitoafim.Jase saiu e comprou sanduíches do McDonalds para todo mundo e eu

perguntei tudo a Jess, sobre a escola, os amigos, coisa e tal. Ela era umaverdadeira matraca. Toda animadinha. Não parecia sem jeito perto dagente.Paraserhonesta, iqueimeiosurpresa.Naúltimavezqueeuatinhavisto, ela eramuito tímida, ela e a irmã, Polly. Ficava grudada na saia damãesemprequeaShellytraziaasduas.Umpardeprincesinhas,eracomoeue os rapazes costumávamos chamá-lasdebrincadeira.Nemumpoucobagunceirasfeitoosoutros.Nãoqueagenteencontrassemuitoasgêmeas,vejabem. Shelly só as trazianoNatal enosaniversários ehouveumanoem que a Brooklyn mordeu Polly. Mas a Brooklyn era praticamente umbebênaépoca,nãosabiaoqueestavafazendo.– Por que nãomostra seu quarto à Jessie, Jordan? – indaguei. – Quem

sabeelanãoquerbrincarcomoWii?–Elaéengraçada–comentouJordan.–Acaradelaéengraçada.

Dei-lheumtapaedisseparaJessnãodarimportância.–Tudobem.Meurostoéengraçado. Issonãodeveriaacontecer.Foium

erro.–Elabalançouacabeçacomosetivessemilanos.–Àsvezesagenteerra.–Quemerra,querida?–Ah,nós.Vem, Jordan.Vou te contarumahistória.Tenhoummontede

histórias.E os dois se foram. Fiquei com o coraçãomole só de ver os dois assim,

juntos.Famíliaéumacoisaimportante,nãoé?Hojeemdiaédi ícilsubiraescada,comospulmõescomoestão,porisso

pedi ao Jase para subir e icar de olho. Ele disse que os dois estavam sedandomuito bem, Jessie falando sem parar. Antes que a gente se desseconta,jáestavanahorademandá-laparacasa.– Você gostaria de vir de novo, Jess? – perguntei. – Passarmais tempo

comosprimos?–Sim,porfavor,vovó.Issofoiinteressante.Depoisqueaquelecaradoserviçosocialbuscou-a,pergunteiaoJordano

queeleachoudaJess,sepensavaqueelatinhamudadoecoisaetal,masele balançou a cabeça. Não quis falarmuito sobre o assunto. Perguntei oque os dois icaram falando a tarde toda, mas ele respondeu que nãolembrava.Nãoopressionei.Naquela noite, Paulme telefonou e eu tive um choque de novo quando

escutei a vozdele! E ele foi educado. Indagou se euhavianotado algumacoisa estranha na Jess. Foram essas as suas palavras. Confessou queestavameiopreocupadocomela.Eu disse o que estou dizendo agora a você, que ela foi umamenininha

adorável,umaverdadeirajoia.Paul pareceu achar isso engraçado, até gargalhou, mas, antes que eu

pudesseperguntarqualeraagraça,eledesligou.Claro,nãopassoumuitotempoatéagentesaberoqueeletinhafeito.

LillianSmall.

O telefone tocou às seis da manhã e eu corri para atender antes queacordasse o Reuben. Eu não dormia bem desde aquele dia no museu etinhapegadoohábitodesairdacamaporvoltadascinco,a imdepassaralgunsminutos sozinha eme acalmar antes de descobrir quemarido euencontraria.–Quemé?–pergunteirispidamenteaotelefone.Se fosse um jornalista ou algummeshugener se arriscando a ligar tão

cedo,eunãoestavacomclimaparatratá-lobem.HouveumsilêncioeentãoapessoaseapresentoucomoPaulCraddock,o

tio de Jessica. Seu sotaque inglês muito correto me lembrou de umdaqueles personagens do seriadoCavendish Hall do qual Betsy nuncaparava de falar. Foi uma conversa estranha, cheia de pausas longas,desconfortáveis,mesmoquesefossedeesperarqueteríamosmuitooqueconversar. Lembro-me de ter pensado que era estranho nenhum de nósdois termos pensado em fazer contato antes. As crianças viviam sendomencionadasnasmesmasmatériasde jornaisedevezemquandoalgumprodutor dos grandes talk shows punha na cabeça tentar juntar as trêscrianças, mas eu sempre recusei. Pude perceber imediatamente quealguma coisa não ia bem com o Paul; acho que considerei que era adiferença de fuso horário ou talvez uma distorção da linha. Ele en imconseguiu ser claro. Queria saber se eu havia notado algo diferente noBobby,seapersonalidadeouocomportamentodeletinhamudadodepoisdoacidente.Era omesmo tipo de pergunta que as porcarias dos repórteres viviam

fazendo e fui curta e grossa. Ele pediu desculpa por me incomodar edesligousemsedespedir.Fiqueiagitadaapóso telefonema,nãoconseguimeacalmar.Porqueele

meperguntaria uma coisa assim?Eu sabia quePaul, como eu e a famíliadaquele garotinho japonês, devia estar sofrendo com a pressão daimprensa. Acho que eu também senti culpa por ser tão grossa. Ele

pareceraperturbado,comoseprecisasseconversar.Eeuestavacansadadesentirculpa.CulpapornãotermandadooBobby

de volta para a escola; por não levar o Reuben de volta ao Dr. Lomeierpara ser examinado pelo especialista; por esconder de Betsy a situaçãodele. Como Charmaine, que ainda ligava para ver como estávamos todasemana,Betsyestiveracomigodesdeoinício,maseunãoconseguiaafastara sensação de que o que acontecia com o Reuben era meu milagreparticular.Emeufardoparticular.Eusabiaoqueaconteceriaseahistóriafosse revelada. Fazia dias que aquela história ridícula sobre o garotinhojaponês interagindo com um robô que o pai fez para ele lotava osnoticiários.Fizumaxícaradecafé, sentei-menacozinhaeolheipela janela.Eraum

lindo dia de primavera eme lembro de ter pensado em como seria bomsimplesmente dar um passeio, icar numa cafeteria por aí. Ter algumtemposozinha.A essa altura, Reuben estava acordado e, naquele dia, era o Reuben, e

não o Al. Pensei: talvez eu possa sair por alguns minutos, sentar-me noparqueaosol.Respirar.FizocafédamanhãdoBobby,limpeiacozinhaepergunteiseoReuben

seincomodariaseeusaísseunsminutinhos.–Podeir,Rita.Váesedivirta.FizBobbyprometerquenãosairiadoapartamentoeentãofui.Desciaté

oparque,sentei-menobancodiantedocentroesportivoelevanteiorostoparaosol.Repetiaamimmesma:sómaiscincominutoseeuvolto,trocooslençóis da cama, compro leite comoBobby.Umgrupode homens jovensempurrandocarrinhosdebebêspassoupormimenóstrocamossorrisos.Olheiparaorelógioeviquetinhapassadomaisdequarentaminutosforadecasa–paraondeo tempohavia ido?Estavaamenosdecincominutosdomeuprédio,masacidentesacontecememsegundos.Osúbitopânicomedeixounauseadaeeucorriparacasa.E tinha razão emme preocupar. Gritei ao entrar no apartamento e ver

doishomensnacozinha,usandoternosidênticos.UmdelesestavadeolhosfechadossegurandoamãodeBobby juntoaopeito.Ooutroestavacomamãolevantadaacimadacabeçadele,murmurandoalgo.– Afaste-se dele! – berrei a plenos pulmões. Pude ver imediatamente o

queeram.Ofanatismoirradiavadeles.–Saiamdomeuapartamento!–Évocê,Rita?–indagouReubendooutrocômodo.– Os homens pediram para entrar e assistir ao The View com a gente,

Bubbe–explicouBobby.–SãoelesqueBetsychamadebupkes?–Váparaoseuquarto,Bobby–mandei.Virei-medenovoparaoshomens,comafúriasaltandoemtodasasveias.

Eles pareciam gêmeos, o cabelo louro partido identicamente de lado, amesmaexpressãopresunçosaehipócrita, oque tornavaa situaçãomuitomais perturbadora. Mais tarde Bobby me contou que eles tinhamaparecido cincominutosantesdeeu chegar equenãohaviam feitonadaalémdoqueeuviranacozinha.Deviamtermevistosaindoedecididosearriscar.– Só pedimos que você deixe o espírito de Bobby lavar nossas almas –

disseumdeles.–Asenhoranosdeveisso,Sra.Small.– Ela não deve nada a vocês – retrucou Betsy atrás de mim. Graças a

Deuselahaviaescutadomeugrito.–Chameiapolícia,portantotiremdaquiessesrabosquevivemsentadosnaBíblia.Os dois se entreolharam e foram para a porta. Pareciam querer falar

maisdaquelesabsurdos,masaexpressãodeBetsyosfezcalaraboca.Betsy falou que cuidaria do Bobby enquanto eu prestava a queixa. Eu

sabia que era tarde demais para me preocupar com a hipótese de eladescobrir sobre o Reuben. O próprio comissário de polícia veio me vernaquela tarde. Sugeriu uma proteção 24 horas por dia, talvez umsegurançaparticular,maseunãoqueriaumestranhonaminhacasa.Quantotermineideconversarcomopolicial,logonoteiqueBetsysabiae

queria falar sobrea transformaçãodoReuben.Queopçãoeu tinhasenãoabrirojogo?Equemeupoderiaculpar,alémdemimmesma?

BetsyKatz,vizinhadeLillianSmall,concordouemfalarcomigonofimdejunho.

Oquemaismefazsofreréqueeutinhasidocuidadosacomtodosaquelesrepórteres. Aquela gente dos jornais podia ser esperta.Muito esperta, seesgueirando.Ligandoparamimefazendoperguntascapciosascomoseeutivessenascidoontemenãoenxergasseoqueelesqueriam.–Sra.Katz,nãoéverdadequeBobbyestámeioestranho?–Podempararcomessenegóciodeestranho–replicavaeu.–Dóisertão

idiotaassim?SenãofossepeloBobby,nãoseiseLilyteriaforçasparaseguiremfrente

depoisdamorteda ilha.Lorieraumamoçalegal,metidaaartista,maseraumaboa ilha.Eunãoseiseaguentariaviverapósumafacadadaquelasnocoração.EBobby,quecriançaadorável!Nuncafoiumincômodorecebê-lodas mãos da Lily. Ele entrava na minha cozinha e me ajudava a fazerbiscoitos; eu o tratava como da família. Às vezes nos sentávamos paraassistir aumprogramadequiz.Ele eraboa companhia,ummeninobom,sempre feliz, semprecomumsorrisonorosto.Eumepreocupavaporqueelenãopassavamuitotempocomoutrascrianças;quemeninoquerpassartodo o tempo com duas velhas? Mas isso não parecia preocupá-lo. Eudissera a Lily muitas vezes que a família do rabino Toba tinha uma boayeshivaemBedford-Stuyvesant,maselanãoqueriasaber.Eunãopoderiaculpá-la por querer que ele icasse tão perto. Nunca fui abençoada comilhos,masquandomeumaridoBenfaleceudecâncer, fazdezanosnestemês de setembro, a perda me dilacerou. Lily já havia perdido muito.PrimeirooReuben,depoisafilha.Eu sabia que Lily tentava esconder alguma coisa de mim, mas nem na

minha vida inteira eu poderia adivinhar o que era. Lily não era boa emmentir,eraumlivroaberto.Eunãoinsistiparaqueelamecontasse.Acheiqueelaacabariameprocurandoefariaarevelação.Naqueledia, euestava limpandoa cozinhaquandoouviLilygritar.Meu

primeiro pensamento foi que devia ter acontecido algo com o Reuben.Corri direto ao apartamentodela.Ao ver aquelesdois homens estranhos,

de terno e com olhares fanáticos do outro lado da porta, voltei direto aomeu apartamento e liguei para a polícia. Eu sabia o que eram. Eu? Soucapaz de identi icar umdaqueles lunáticos a umquilômetro de distância,depois que começaram a rondar o bairro. Até os que se achavammuitoespertos, vestindo-se como empresários. Eles foram inteligentes, fugiramde lá antes que a polícia chegasse. Enquanto Lily prestava queixa, fui aoapartamentovigiaroBobbyeoReuben.–Olá,Betsy–cumprimentouoBobby.–PoPoeeuestamosassistindoaA

umpassodaeternidade.Éum ilmevelhoemquetodomundoécoloridodepretoebranco.EentãoReubencomentou,deformabemclara:–Osantigoséquesãobons.Ecomovocêachaqueeureagi?Quasetiveumataquedocoração.–Oquevocêdisse,Reuben?– Eu disse que não se fazemmais ilmes como antigamente. Você está

comdificuldadeparaouvir,Betsy?Preciseimesentar.EuvinhaajudandoLilyacuidardoReubendesdeque

Bobbysaíradaquelehospitale, em todoesse tempo,não tinhaouvidoelepronunciarumapalavrasequerquefizessesentido.Lilyvoltoue logoviuqueeusabia.Entramosnacozinhaeelaserviuum

conhaqueparanósduas.Explicoutudo.Quenumanoite,donada,eletinhacomeçadoafalar.–Éummilagre–falei.Quandovolteiparacasa,nãoconseguimeconcentraremnada.Precisava

falarcomalguém.TenteiligarparaorabinoToba,maselenãoestavaeeuprecisavameabrir.Por issotelefoneiparaminhacunhada.Osobrinhodamelhor amiga dela, Eliott, um bom garoto – ou pelomenos era o que eupensavanaépoca–eramédicoeelasugeriuqueeuconversassecomele.Eu só estava tentando ajudar. Pensei que obteria uma segunda opiniãoparaLily.Dizendoissoagora,parecequefuiumaverdadeiraidiota,eusei.Não sei se lhepagaramouo que izeram,mas sei que foi ele que falou

com os repórteres. No dia seguinte, ao sair de casa para ir à loja – sócomprar um pão, já que ia tomar sopa naquela noite –, vi todos osjornalistas em volta do apartamento, mas isso não era novidade. Eles

tentaramfalarcomigo,maseulhesdeiumchega-pra-lá.Viamanchetenumcartazdo ladode foradapadaria: “Éummilagre!O

avô senil deBobbyvolta a falar”.Quase vomitei alimesmo.QueDeusmeperdoe,masmepassoupelamentequeeupoderiaculparaquelesmalucosreligiosos que tinham entrado no apartamento. Só que amatéria deixavaclaroqueanotíciavinhade“umafontepróximadeLillianSmall”.Fiqueimuitopreocupada.Sabiaoque issopoderiasigni icarparaaLily.

Todos aqueles malucos, eu sabia que eles pulariam em cima disso comomoscasnummontedebosta.CorridevoltaparacasaefaleiaLily:–Eunãoqueriaqueacoisavazasse.Elaficoubranca,eseráqueeupoderiaculpá-la?–Denovo,não.Porqueelesnãonosdeixamempaz?Lily nuncame perdoou. Nãome cortou de sua vida, mas, depois disso,

semprepareceucarregarumaexpressãoalertaaoficarpertodemim.Mepergunto,deverdade,seissonãoajudouaprovocartodooresto.Que

Deusmeperdoe.

PARTEOITOCONSPIRAÇÃO

ABRIL–JUNHO

Matériaqueapareceunomakimashup.comem19deabrilde2012–umsitededicadoadivulgar“oestranhoeomaravilhosonomundotodo”.

ArainhadaesquisiticenoJapãoOprimeirovídeomostraumalindamulherjaponesaajoelhadanumtatameno centro de uma sala elegante e mal iluminada. Ela ajeita o quimonovermelho-vivo,piscaecomeçaarecitarumtrechodeRoubada,umlivrodememórias best-seller escrito por Aki Kimura, que foi estuprada por trêsfuzileiros americanos na ilha de Okinawa nos anos 1990. No segundovídeo, ela passa vinteminutos falando, emdetalhes explícitos, sobre umaabdução. No terceiro, ela diz por que Hiro Yanagida, sobrevivente doacidentedaSunAir,éumtesouronacional,umsímbolodaresistênciaedaidentidadedoJapão.Essas gravações, que apareceram primeiro no Niconico, a plataforma

japonesadecompartilhamentodevídeos,tornaram-sevirais,atraindomaisvisualizaçõesdoquequalqueroutranahistóriadosite.Oqueastornatãoenvolventes tempoucoaver comosassuntosecléticosdosmonólogosdamulheretudoavercomamulherpropriamentedita.Vejabem,amulhernão é humana. É um Surrabot, a cópia androide de Aikao Uri, uma ex-cantorapopquefezgrandesucessonadécadade1990atéseaposentarecasarcomopolíticoMasamaraUri.Aikaonãopegalevequandosetratadenotoriedade, raramente icando fora do noticiário. Ela iniciou a moda desobrancelhas raspadas no início dos anos 2000, é uma fervorosaantiamericana (segundo boatos, devido ao fracasso em estourar emHollywood em meados dos anos 1990), sempre usa vestes tradicionaisjaponesas como rejeição aos ideais da moda ocidental e, o maiscontrovertido de tudo, acredita que foi abduzida várias vezes desde ainfância.É desconcertante assistir ao Surrabot de Aikao Uri falar. Passam-se

váriossegundosaténossocérebroseajustarepercebermosqueháalgo...erradocomamulhereloquente.Seuritmoésememoção;osmaneirismos,apenasumafraçãodesegundolentosdemaisparaseremconvincentes.Eo

olharémorto.AikaoadmitequeencomendouseuSurrabotdepoisdasnotíciasdequeo

sobreviventeHiroYanagidasó se comunicaatravésdoandroide feitoporseu pai, um famoso especialista em robótica. Ela acredita que falar pormeio de Surrabots, que são controlados remotamente com o uso decâmeras e equipamentos de captura de voz de último tipo, “vai nosaproximardeummodomaispurodeser”.E Aikao não é a única que abraçou esse “modo mais puro de ser”.

Conhecidosem todoomundopor seu sensodemoda “exótico”, os jovensjaponeses criadores de tendências também estão pulando no bonde doSurrabot. Os que não podem comprar o seu – as cópias androides maisbarataspodemcustaraté45mildólares–passaramacomprarmanequinsebonecassexuaisrealistaseamodi icá-los.AsruasaoredordeHarajuku,onde oscosplayers se reúnem tradicionalmenteparaexibir seuestilo, sãotomadaspor fashionistasansiosospormostrarsuasversõesdamodadosSurrabots,quefoichamadade“OcultodeHiro”.Fala-seatémesmoqueasbandasdegarotas,comoabem-sucedidaAKB

48easSunnyJuniors,estãocriandosualinhadeSurrabotsquedançamecantam.

Emmeadosdeabril,fuiàCidadedoCabo,ÁfricadoSul,meencontrarcomVincentXhati,investigadorparticularcontratadoemtempointegralparadescobriroparadeirodeKennethOduah,osuposto“quartocavaleiro”.

O saguãode chegadadoAeroporto Internacional daCidadedoCabo estáapinhado de pretensos guias turísticos, todos gritando “Táxi, senhora?” ebalançando pan letos de “passeios porKhayelitsha com tudo incluído” naminhacara.Apesardocaos,éfácilavistarVincentXhati,queconcordouemme acompanhar pela cidade por alguns dias. Commais de 1,90metro equase140quilos,destaca-seacimados taxistasedosagentesde turismo.Ele me cumprimenta com um largo sorriso e cuida imediatamente daminha bagagem. Conversamos amenidades enquanto passamos pelamultidão e nos encaminhamos para o estacionamento. Dois policiais deuniforme azul e ar entediado olham para todomundo com suspeita,masnem eles nem as placas alertando aos recém-chegados “não saia comestranhos” parecem deter os abutres. Vincent espanta dois dos maistenazescomumríspido“Voetsek”.Exaustadepoisdovoodedezesseishoras,estoumorrendodevontadede

tomar um café e uma chuveirada, mas quando Vincent pergunta se eugostaria de ir direto ao lugar do acidente da Dalu Air, antes de meregistrarnohotel,respondoquesim.Eleassenteemelevaparaseucarro,umesguioBMWpretocomjanelasdevidrofumê.–Ninguémvaimexercomagentenistoaqui–garante.–Vaiparecerque

somospolíticos.Eleolhaparamimesoltaumagargalhada.Afundonobancodocarona,notandoquenopainelháumacópiadafoto

granuladadeKennethOduah,tiradaquandoeletinha4anos.Quando deixamos o aeroporto para trás e entramos numa estrada

secundária,vejoamontanhadaMesaaolonge,rodeadaporumanuvem.Oinvernoestáparachegar,masocéuédeumazullímpido.Vincententranavia expressa e ico pasma com os sinais de pobreza ao redor. Asinstalações do aeroporto podem ser supermodernas, mas a estrada élanqueada por barracos precários e o investigador é obrigado a frear

bruscamente quando uma criança pequena puxando um cachorro comumacordaziguezagueianomeiodotráfego.– Não é longe – avisa Vincent, estalando a língua ao ser obrigado a

ultrapassarummicro-ônibusenferrujadocheiodepassageirosqueobstruiapista.Indago-lhequemocontratouparaprocurarKennetheelesorriebalança

a cabeça. O jornalista que me deu as informações sobre Vincent meassegurou que ele era con iável, mas não consigo deixar de sentir umapontada de inquietação. Pergunto sobre os relatos a respeito doscaçadoresdeKennethqueforamassaltados.Vincentsuspira.–Aimprensaandouexagerando.Sóquemsecomportoufeitoidiotateve

problema.QuestionoseeleacreditaqueKennethestámesmovivoemalgumlugar.– Não importa em que eu acredito. Talvez a criança esteja aqui, talvez

não.Seelapuderserencontrada,euencontro.Saímosdaviaexpressae,àdireita,vislumbroasbordasdeumaenorme

áreaapinhadadepequenascasasdetijolos,barracosdemadeiraezincoefileirasdelatrinasqueparecemguaritasdesentinela.–IssoéKhayelitsha?–Ja.–Háquantotempovocêestáprocurandoporele?– Desde o início. Não tem sido fácil. A princípio houve alguns con litos

com a comunidademuçulmana, que tentava impedir as pessoas de falarcomquemoestavaprocurando,comoeu.–Porquê?– Vocês não tiveram esse problema nos Estados Unidos? Os

encrenqueiros presumiram que Kenneth era um menino muçulmano eforamcontraosamericanosviremparacáa irmandoqueeleeraumdosmensageiros. Então se tornou público que ele é de família cristã e agoraelesnãoseimportam!Outragargalhada.–Imaginoquevocênãosejareligioso.Eleparaderir.–Não.Jávicoisasdemais.

Eleviraàdireitae,emquestãodeminutos,estamosnocoraçãodafavela.As ruas de terra que serpenteiam entre os inúmeros barracos não têmidenti icação.HáumaproliferaçãodepropagandasdeCoca-Cola,amaioriapresa em antigos contêineres de navio que, percebo, são lojasimprovisadas.Umgrupodecriançaspequenasvestindoshortssujosacenaparao carroe sorri,depois todasgritame corrematrás.Vincentparanabeiradarua,entrega10randsaummeninoeoinstruiavigiaroBMW.Ogarotoestufaopeitoeassente.Aalgumascentenasdemetros,umônibusdeturismoestáparadojuntoa

uma série de camelôs vendendo suas mercadorias. Vejo um americanopegar uma escultura de arame representando um avião e começar aregatearcomovendedor.–Vamossairdaqui–dizVincent.–Fiquepertodemimenãofaçacontato

visualcomnenhummorador.–Certo.Outragargalhada.–Nãosejalouca,vocêestábemaqui.–Vocêmoraaqui?–Não.MoroemGugs.Gugelethu.Já vi uma foto aérea do lugar onde o avião caiu, rasgando uma trilha

serrilhadapelapaisagem,masaspessoasdaquisãotenazesejáhápoucossinaisdadevastação.Umanovaigrejacomeçaaserconstruídaebarracosbrotaramondeos incêndiosocorreram.Umareluzentepirâmidedevidropreto, gravada com os nomes dos que perderam a vida (inclusive o deKennethOduah)ergue-senocentro,totalmentedeslocada.Vincentseagachaepassaosdedospelosolo.–Elesaindaachampedacinhos.Ossosefragmentosdemetal.Elesabrem

caminho para fora da terra. Sabe quando você tem um ferimento? Umafarpa?Aterraestárejeitandoessascoisas.Voltamos em silênciopara a via expressa e nosso trajeto.Outrosmicro-

ônibuspassamzunindo,cheiosdegenteacaminhodacidade.Amontanhada Mesa corre na nossa direção, agora com a nuvem escondendo seucaracterísticotopoplano.–Voulevá-laaohoteleestanoitevamoscaçar,certo?Aárea litorâneadaCidadedoCabo,onde icameuhoteldevidroeaço,

nãopoderiacontrastarmaiscomolugardoqualacabodevir.Équaseumpaís diferente. É di ícil acreditar que as lojas de grife e os restaurantescinco estrelas estão apenas a uma curta corrida de táxi da pobreza dafavela.Tomo um banho de chuveiro, desço ao bar e dou alguns telefonemas

enquanto espero Vincent. Há vários homens de meia-idade reunidos empequenos grupos eme esforço para entreouvir o que dizem. Muitos sãoamericanos.Venho tentando conseguir umaentrevista coma investigadora-chefeda

Agência de Aviação Civil da África do Sul, mas o escritório dela recusoucontato coma imprensa.Mesmoassim,digitoonúmero.A secretária comquemfaloparececautelosa.–Tudoestánorelatório.Nãohouvesobreviventes.Tambémsou impedidadeconversarcomosenfermeirosemédicosque

chegaramprimeiroaolocaldepoisdoacidente.Vincent entra no hotel como se fosse dono; tão à vontade neste luxo

extravagantequantonocoraçãodeKhayelitsha.FalocomelesobreminhasdificuldadescomaAAC.– Pode esquecê-los. Mas verei o que posso fazer para conseguir que

outrosfalemcomvocê.Elerecebeumtelefonemanocelular.Aconversaébreveeemxosa.–Meusóciojuntouosgarotosdestanoite.–Elesuspira.–Nãovaidarem

nada.Mas devo examiná-los.Meu chefe quer um relatório completo tododia.OsóciodeVincent,umhomempequenoemagrochamadoEricMalenga,

nos espera sob um viaduto inacabado. Está cercado por três garotosmaltrapilhos, todos parecendo inseguros de pé. Mais tarde ico sabendoque muitos meninos de rua são viciados em cola de sapateiro, o que ostorna descoordenados. Vincent informa que aquelas crianças ganham avidapedindoesmolaeroubandonocentrodacidade.–Àsvezeselesconseguemqueosturistaslhescompremcereale leitee

entãoelesvendemtudoparaosmochileiros.Outrosvendemoscorpos.Conformenosaproximamos,notoumaquarta criançasentadaseparada

dasoutras,numcaixotevirado.Estátremendo,masnãodáparasaberseédemedooudoventofrio.

O mais alto, um menino magricelo com o nariz escorrendo, levanta acabeçaaonosverchegareapontaparaacriançanocaixote.– Olha ele aí, chefe. É o Kenneth. Eu ganho minha recompensa agora,

chefe?Vincentmedizqueoúltimo“Kenneth”neménigeriano.Édaclassificação

racial conhecida como “de cor”, uma palavra que faz com que euestremeça.Vincent assente cansado para Eric, que empurra a criança pequena na

direçãodoseucarro.–AondeoEricvailevá-lo?–pergunto.–Paraumabrigo.Paralongedessebandodeskebengas.– Mas ele falou que era o Kenneth, chefe – geme o garoto de nariz

ranhento.–Eledissepragente,eujuro.– Você sabe por que todo mundo está procurando o Kenneth? –

pergunto.–Ja,dona.Achamqueeleéodiabo.–Nãoéverdade–retrucaoutromenino.–Eleprecisa iraum sangoma;

estápossuídopeloespíritodeumfeiticeiro.Sevocêseencontrarcomele,nãovaivivermuitotempo.– Ele só sai à noite – completa o terceiro. – Se ele tocar numaparte do

corposua,elamorre.Elepodeatéespalharaaids.– Ja.Eu tambémouvi isso– concordaomaisalto,obviamenteo líderdo

grupo.–Conheçoumapessoaqueoviu,dona.Semeder100eulevovocê.– Esses garotos não sabem de nada – replica Vincent, mas entrega 10

rands a cada um e os manda embora. Eles gritam de alegria e correm,instáveis,pelanoite.–Éassimotempotodo.Maseuprecisosermeticuloso,fazer o relatório diariamente. Na maior parte dos dias, veri ico onecrotério,paraocasodeeleaparecerporlá,masnãovoulevarvocê.Nodiaseguinte,Vincentmeencontranohotelparaavisarqueestáindoà

costaoeste“seguirumapista”.Coloca-meemcontatocomopolicialdeumadelegacia de Khayelitsha que aceita falar comigo, me dá o nome de umparamédico que chegou ao local minutos depois do acidente e passa onúmerodocelulardeumamulherqueperdeuacasanadevastação.– Ela sabe de alguma coisa – garante. – Talvez fale com você. Uma

estrangeira.

Comoutrosorrisolargoeumapertodemãocomplicado,elevaiembora.(Após dez dias, estou em casa, em Manhattan, quando recebo uma

mensagemdeVincent.Tudooquedizé:“elesopegaram”.)

DeclaraçãotomadanadelegaciadepolíciadeBuitenkant,naCidadedoCabo,em2demaiode2012.

SERVIÇODEPOLÍCIADAÁFRICADOSULEK/EU:BrianvanderMerwe

OUDERDOM/IDADE:37

WOONAGTIG/RESIDÊNCIA:RuaEucalyptus,Bellville,CidadedoCabo

TELEFONE:0219116789

WERKSAAMTE/TRABALHAEM:KugelSeguros,Pinelands

TELEFONE:0215318976

VERKLAAR IN AFRIKAANS ONDER EED / DECLARA EM INGLÊS, SOBJURAMENTO:

Na noite de 2 de maio de 2012, aproximadamente às 22h30, fuiapreendido (sic) no inal da Long Street, distrito comercial da Cidade doCabo, perto da loja de móveis Beares. Eu tinha parado para dar umacarona de carro a uma criança quando percebi que policiais haviamparadoseuveículoaomeulado.Contei aos policiais que o motivo para eu ter parado era que estava

preocupado coma segurançada criança.Omenino, quedevia ter 8 ou 9anos,nãodeveriaestarnaruaàquelahoradanoiteeeutinhaparadoparadarumacarona.Nego que eu iria fazer sexo com o garoto e, quando os policiais me

encontraram no carro, nego que minha calça estivesse aberta e que omeninorealizasseumatosexual.O sargentoManjitKumarme tiroudo carro emedeuum tapana cara,

queinsistoquesejaregistradoaqui.Depoiseleperguntouaomeninocomose chamava. Ele não respondeu. Uma outra policial, Lucy Pistorius,

perguntou:“VocêéKenneth?”Ogarotoconfirmou.Eunãoresistiàprisão.

AndiswaMatebele(nãoéonomeverdadeiro)éacuidadora-chefedeumlocaldesegurançaparacriançasabandonadasequesofreramabusosnaCidadedoCabo(olocalexatonãopodeserreveladopormotivosóbvios).Elaconcordouemfalarcomigoportelefonecomacondiçãodequeeunãorevelasseseunomenemalocalizaçãodoabrigo.

Uma vergonha. Quando o menino foi trazido, estava muito desnutrido e,mesmoantesdeeulhedarumbanho,mecerti iqueidequetomasseumagrande tigeladeputu ecozidodecordeiro.Estavamuitopreocupadacomele,enãosóporqueasferidasnapernaenosbraçostinhaminfecção.Elefora examinado por um médico, que prescreveu antibióticos, e recebeucoquetel antirretroviral, já que havia sinais de que podia ter trabalhadocom sexo. Isso não é incomum entre as crianças de rua. Muitas foramabusadaspelospaisenãoconhecemoutromododesobreviver.Oquepossodizersobreomenino?Nãotinhasotaquenigeriano,peloque

pudever,mas eradi ícil ter certeza, já que ele raramente falava. Pareciater mais de 7 anos, a idade de Kenneth Oduah. Enquanto ele comia,perguntei:–SeunomeéKenneth?–Sim,meunomeéKenneth.Porém, mais tarde descobri que podia perguntar qualquer coisa e ele

confirmaria.No dia seguinte, uma equipe de perícia veio ao abrigo e pegou uma

amostradesalivaparafazertestedeDNA.FuiinformadadequeomeninoicariaaquiatéquepudessemtercertezadequeeramesmoKenneth.Eusenti,muito intensamente, que se o garoto fossemesmo a tal criança, eledeveriaserlevadoparaatiaeafamíliaomaisrápidopossível.NãosoudeKhayelitsha,masestivenolocaldomemorialeviondeaquele

aviãocaiu.Achodi ícilacreditarquealguémtenhasobrevividoàquilo,masfoiamesmacoisacomoacidentenaAméricaeosdaÁsiaedaEuropa,porisso não sabia o que pensar. Pouco a pouco, fazendo perguntas diretas,conseguiextrairahistóriadogaroto.Elecontouquetinhamoradoduranteum tempo na praia em Blouberg, depois na baía Kalk e então decidiravoltarparaodistritocomercial.

Fiqueideolhoneleparagarantirqueasoutrascriançasnãootratassemmal–issopodeacontecer–,masamaioria icoulonge.Eunãoconteiquemelepoderia ser.Eraaúnicapessoaque sabia.Algunsoutros funcionárioseramsupersticiososejásefalavaque,seummeninohaviasobrevividoaoacidente,comcertezaeraalgumtipodefeiticeiro.Duassemanasdepois, icamossabendoqueoDNArealmentebatiacomo

datiadeKennethOduahenãosepassoumuitotempoatéasautoridadesorganizarem uma grande entrevista coletiva. Presumi que Kenneth serialevado embora de imediato, mas a polícia ligou para avisar que a tia deKennethadoecera(talvezpelochoquedeouviranotícia)enãopoderiavirde Lagos para identi icar o menino formalmente e buscá-lo. Eles meinformaramqueoutroparente,maisdistante,estavaacaminho.Ele chegou no dia seguinte e disse que era primo do pai de Kenneth.

Perguntei se ele tinha certeza de que o garoto era seu parente e eleconfirmoucomfirmeza.–Vocêconheceestehomem,Kenneth?–indagueiaogaroto.–Conheço.–Vocêquerircomeleouficaraquiconosco?Omenino não soube o que responder. Se você perguntasse “você quericar?” ou “você quer ir com este homem?”, ele concordaria da mesmaforma.Elenãopareciasaberoqueestavaacontecendo.Foilevadoemboranaquelanoite.

Matériapublicadanaediçãoon-linedoEveningStandard,daInglaterra,em18demaiode2012.

FebredoarrebatamentovarreosEstadosUnidosUmpastor empreendedor abriu o primeiro centro de batismo drive-thruemSanAntonio,Texas,onde,pelopreçodeumMacLancheFeliz,vocêpodegarantirseulugarnocéu.“Vocêpodesersalvonahoradoalmoço!”OpastorVincentGalbraith(48)

sorri. “Bastaentrarcomocarro,receber Jesusnocoraçãoevoltarparaotrabalhosabendoque,quandooarrebatamentochegar,vocêseráumdosescolhidosdeDeus.”O pastor Galbraith, seguidor domovimento do Fim dos Tempos, do Dr.

Theodore Lund, teve a ideia depois que sua igreja icou apinhada deaspirantesacristãosquehaviamaceitadoateoriabizarradequeOsTrês,e agora Kenneth Oduah, são os arautos do apocalipse. Até agora,mesmoinaugurado há apenas uma semana, as ilas de carro têmdado voltas noquarteirão. “As pessoas estão icando desesperadas, e commotivo”, diz oex-vendedor de seguros transformado em pastor. “Os sinais não podemser ignorados e eu sabia que alguémelaboraria uma solução.Não somosexigentes.Nãome importaqualerasuareligiãoantes.Muçulmano, judeu,ateu, todos são bem-vindos. Nunca se sabe quando o Senhor vai noschamar.”Eledáum risinho. “E, se continuarnesse ritmo, estoupensandoemabrirfranquias.”O novo empreendimento do pastor Galbraith é apenas uma dasmuitas

indicações de que milhares de pessoas no Cinturão Bíblico dos EstadosUnidosestão levandoasérioa teoriadosCavaleirosdoApocalipse.Numapesquisa recente feita pela CNN com a revistaTime, 69 por cento dosamericanos–umnúmeroespantoso–acreditamqueosacontecimentosdaQuinta-FeiraNegrapodemserumsinaldequeofimdomundoéiminente.NoKentucky,HanniganLewis(52)fazproselitismodomovimentoAbaixo

asferramentas . “Oarrebatamentopodechegaraqualquerhora”,a irmaoex-operador de empilhadeiras. “Se você estiver pilotando um avião,dirigindo um ônibus, e for um dos salvos... bom, diabos, pense na

carni icinaquevai acontecernomomentoemquevocê for levadoparaocéu de repente.” Pegando emprestada uma expressão de uma campanhaimpopulardoPartidoConservadordoReinoUnido,eleestáencorajandooscrentes no arrebatamento a “voltar ao básico” e se separar de qualquertecnologiaquepossaferirosqueforemdeixadosparatrásquandoos iéisforemarrebatados.Mas nem todos os crentes americanos estão aceitando essa teoria. O

pastor Kennedy Olax, chefe da organização Cristãos pela Mudança,baseadaemAustin,fala:“Nósaconselharíamosaspessoasanãocederemàhisteria que varre o país neste momento. Não há motivo para pânico. Ateoriaridículaeinfundadadoscavaleirosnãopassadeincitaçãoaomedo,brotando de um desejo de incrementar a Direita Religiosa e colocarReynardnaCasaBranca,agoraqueestamosemanoeleitoral.”Outros grupos estão preocupados com as mudanças políticas e sociais

que essa histeria religiosa poderia trazer. E agora que o Dr. Lund e seucrescente movimento do Fim dos Tempos apoiaram o pré-candidatorepublicano linha-duraMitch Reynard, suas preocupações parecem cadavezmaislegítimas.“Estamospreocupados”,comentaoporta-vozdaLigadeGays e Lésbicas Poppy Abrams (37). “Sabemos que o Dr. Lund está seesforçando para juntar todos os distintos grupos evangélicos efundamentalistas que formam a direita religiosa, e Mitch Reynard templataformascontraocasamentogayeoaborto.Elepodeaindanãoestaràfrentenaspesquisas,massuabasecrescediariamente.”O imame Arif Hamid, da Coalizão Islâmica dos Estados Unidos, é maisilosó ico. “Não estamos preocupados com ataques contra osmuçulmanoscomoosqueforamvistosdepoisdo11deSetembro.Amaiorpartedoódioparece ser contraas clínicasdeabortoea comunidadehomossexual.Atéagora não houve informes sobre cidadãos muçulmanos sendomarginalizados.”Apesardeateoriadoscavaleirosaindanãoterprovocadoomesmonível

de pânico no Reino Unido, muitos clérigos britânicos de todas asdenominações,desdea IgrejaCatólicaatéa IgrejaAnglicana,notaramumacréscimode iéisemparóquiase templos.Eagoraqueo supostoquartocavaleiro foi encontrado, talvez seja apenas questão de tempo até haverumaumentonaquantidadedebatismosdesteladodoAtlântico.

RebaLouiseNelson.

Dói falar sobre isso,Elspeth.Mas sintonecessidadede contaromeu ladoda história. As pessoas precisam saber que existem bons cristãos nocondado de Sannah, que jamais quiseram fazer qualquer mal a essascrianças.Acho que o pastor Len começou de fato a deixar o diabo entrar no

coração logoapósKendra iremboraeoDr.Lundseafastardeledeumavez por todas. Depois vieram os repórteres zombando dele (Stepheniedissequeaté izeramumesquetesobreeleno SaturdayNightLive,apesardegeralmenteelanãoveressetipodeprograma).EtodosaquelesUrubusnão ajudaram nem um pouco. Uma nova onda deles começou a chegardepois que acharam o Kenneth Oduah lá na África e as pessoascomeçaramaa irmarqueoavôdeBobbySmalltinhacomeçadoafalardenovo, apesar do Alzheimer. Chegaram tantos que, parece, ele precisoualugar um bocado daqueles banheiros químicos, e da estrada mal davapara ver o rancho, tal era o número de trailers e picapes parados napropriedade.Nãoestoudizendoquenãohaviabonscristãos,masàsvezeseuosvianacidadeealgunstinhamumaexpressãoperdidanoolhar,comoseasalmasestivessemabaladas.PessoascomootaldoMonty.Mas,naminhaopinião,averdadeiragotad’águafoioJim.MeuDeus,aquelefoiumdiaterrível.Lembroatéosmínimosdetalhes.Eu

estava na cozinha, fazendo um sanduíche para o Lorne – mortadela equeijo,oprediletodele.ATVdacozinhaestavaligada,comMitchReynardsendo entrevistado por Miranda Stewart, falando que os Estados Unidosiam direto para o inferno e que havia chegado a hora de o país voltar aumaboa basemoral (Stephenie acha que ele se parece umpouco comoGeorgeClooney,masnão tenho tanta certeza).Naquela época, ele eoDr.Lund viviam no noticiário. Estavam sendo açoitados por todos os ladospelosliberais,maspermaneciamfirmes,ecomrazão.Otelefonetocoujustoquandoeu ia levaro lanchedoLorne.AoescutaravozdopastorLendooutroladodalinha,confessoque iqueidesconfortável.Acheiquefosseme

perguntarporquefaziaumtempoqueeunãoiaàigrejanemaoestudodaBíblia,maselesóqueriasaberseeutinhavistooJim.Opastorcontouqueestavaplanejandoumdos seusencontrosmatinaisdeoraçãoequeo JimconcordaraemiraoranchofalarcomosnovosUrubussobrecomoPamelahavia sidoumamulherboa. Eudisseque faziamais deuma semanaquenão via o Jim, mas que naquela tarde estava pensando em levar umalasanha para ele. O pastor perguntou se eu me incomodaria em ir maiscedo para dar uma olhada, já que ele não atendia o telefone. Disse queesperavamevernaigrejanodomingoedesligou.Durante meia hora, não consegui me acalmar – parte de mim ainda

sentia culpa por ter dado as costas para a igreja daquele jeito –, entãoligueiparaopessoaldoCírculo Internoparaver sealguémtinhanotíciasdo Jim. A verdade é que a maioria havia parado de levar comida e vercomo ele estava. Stephenie, Lena e eu éramos as únicas que aindapassávamos láocasionalmente,maselenuncaparecia agradecido.DepoistenteionúmerodoJimtrêsouquatrovezes,masninguématendeu.Lorneestavanos fundoseeu indagueiseeleme levariaàcasado Jim,paraverseelenãoteriaapagadobêbadoetalvezbatidoacabeça.Agradeço todo dia ao Senhor por o Lorne estar de folga; eu nunca

poderiaterencaradoaquilosozinha.Soubedecaraquealgumacoisaruimhavia acontecido, no segundo emque paramos. Dava para ver por causadonúmerodemoscassearrastandopelo ladodedentrodaportadetela,queestavatotalmentepreta.Lorne logo telefonou para Manny Beaumont e nós icamos no carro

enquantoeleeopolicialentravam.Oxerifeinformouqueforasuicídio:Jimhavia en iado a espingarda na boca e arrancado a cabeça dos ombros. EtinhadeixadoumbilheteparaopastorLen.Nóssósoubemosoquediziaquando o pastor leu no enterro. Foi nesse momento que houve umareviravolta.Jimpodia ter cometidopecado contraDeus ao tirar aprópria vida,mas

eu, Stephenie e outras pessoas do Círculo Interno concordamos em fazeros arranjos de lores para a cerimônia fúnebre. A igreja estava apinhadaatéotetocomosUrubusdopastor,estranhosquenemtinhamconhecidooJim.LornecomentouqueopastorestavarepresentandoparaascâmerasdeTV,semdúvidaesperandoqueoDr.Lundovissenosnoticiários.

– Jiméummártir–a irmouopastorLen.–Uma testemunha, comosuaesposa, Pamela.O tempoestá acabando.Aindahámilharesqueprecisamsersalvosantesquesejatardedemais.PrecisamosdemaistempoeJesusnãovaiesperarparasempre.Lorne diz que as autoridades deveriam ter feito com que ele parasse

naquela hora. Mas o que o xerife Beaumont poderia fazer? Nos EstadosUnidos aspessoas têmodireitode fazeroquequiserememsuaprópriaterra e o pastor Len não estava violando nenhuma lei. Na ocasião, nãoestava. Ele não falou diretamente que aquelas crianças deveriam sermortas.O pastor tinha sido minha luz-guia por um tempo enorme. Eu havia

con iadonaspalavrasdele,ouvidoseussermões,procuradoseuconselho.Masoqueelea irmava–quePamelaeraumaprofetaequeofatodeJimter sematado não era pecado e, sim, ummodo demostrar que o quintoseloforaaberto–nãomepareceudireito,eissoéfato.AcreditoqueJesusfalou comigo e avisou: Reba, afaste-se. Afaste-se agora. De uma vez portodas.Efoiissoqueeufiz.Esei,nofundodocoração,quefizacoisacerta.

ApesardeosoldadodeprimeiraclasseJakeWallacetertentadodestruirodiscorígidodeseulaptopdepoisdedesaparecerdabasenailhadeOkinawa,aseguintecorrespondênciafoirecuperadaporumhackeranônimoepostadanopopularblogdedenúnciasVigilanteHackscomosupostaprovadequeopastorLenVorheesteveumpapelimportantenasaçõessubsequentesdeJake.

De:[email protected]:[email protected]:25/04/2012Carosenhor,Obrigado pelo link para o seu último sermão no YouTube. Foi incrível

escutarsuavozesaberqueestápensandoemseusMensageirosemtodoomundo.Mas iquei louco ao ler os comentários desrespeitosos embaixodovídeo.Fizoqueosenhordisseenãorespondiaeles,mesmoquerendo,de todo o coração!!!!! Também criei um endereço de e-mail com outronome,comoosenhorfalouparafazer,comodáparaver!!!!!Tenho muita coisa a dizer, senhor. O senhor pediu para eu contar se

tivesse outro daqueles sonhos com a Sra. Pamela May Donald. Tive umontemànoite.Dessavezeusaíadaminhabarracaeentravanaclareiradaloresta,ondeaconteceuoacidente.ASra.Donaldestavadeitadadecostas,comorostocobertoporumamortalhabrancae ina.Quandoelarespirava,amortalhaentravanabocaabertaeeutentavapuchar[sic]paraforaparaelanãosufocar.Amortalhapareciaoleosaeescorregoudasminhasmãos,então ela sumiu eminha irmã Cassie estava ali e ela também tinha umamortalha e disse para mim Jake não consigo respirar também e aí euacordei. Eu estava com tanto frio como na loresta e precisei morder opunhoparanãogritardenovo.Senhor, sem suas mensagens eu ia me sentir muito sozinho. Até os

fuzileiros cristãos aqui fazempiada sobreo garoto e o robôpor onde elefala e eles simplesmente não veem que isso não é brincadeira. Tem umgrupo que imita o que o menino faz e só fala através de robôs e FalsosÍdolos e estou com medo de que a in luência do Anticristo esteja se

espalhando até nesta ilha. Me mantenho discreto como o senhoraconselhouesó fazendoomeudeveremeutreinamento,masédi ícil.Sepudermossalvarsóumapessoa,nãoéoquedevemosfazer?Temfamíliasamericanas e crianças aqui e inocentes. Não é o meu dever comoMensageirosalvarosoutrosantesquesejatardedemais?SeufielJ

De:[email protected]:[email protected]:26/04/2012

VerdadeiroMensageiro,É nosso dever e nosso Fardo sermos cercados pelos que se recusam a

enxergar a verdade. Tenha cuidado para que eles não penetrem no seucoraçãocommentirasecarisma,causandoDúvida.ADúvidaéodemôniocontraoqualvocêdeveestardeguarda.Éporissoqueestoufalandoparavocêsemanterdiscreto.Entendooquevocêquerdizersobreosinocenteseeutambémlutocontra isso,maschegaráo tempoemquetravaremosabatalhafinaleosqueaceitaramaVerdadenocoraçãoserãosalvos.Comome regozijei ao saber do seu sonho! É outro SINAL! Como nossa

profeta Pamela May Donald, você recebeu uma prova naquela lorestaquando viu os que serão tomados e Salvos. PamelaMay Donald está lhemostrando o verdadeiro caminho. Está mostrando a você que, como ovenenoexpelidopelosfalsosprofetasFlexívelSandyeDr.TheodoreLund,aspalavrassãovaziasesóosATOSimportamnahoradesertestado.Vocêestásendotestado,Jake.EstásendotestadopeloSenhorDeuspara

versevaisairdocaminho.VOCÊ,esóVOCÊ,énossavozenossocoraçãonessanaçãopagã.Seiqueésolitário,masvocêreceberásuarecompensa.Os sinais estão aumentando, Jake. Os sinais estão AUMENTANDO. MeusMensageirosestãocrescendoàmedidaquemaisemaisescolhidosvêmsejuntaramim.Masvocê,vocêqueestá sozinhonuma terradePagãos,éomaiscorajosodetodosnós.Aquelequesemeiapoucotambémcolherápouco,eaquelequesemeiacom

farturatambémcolheráfartamente.

Lembre-sedequeosOuvidoseosOlhosdoAnticristodemuitascabeçasestãovigiandotodososnossosMensageiros,portantoestejavigilante.

De:[email protected]:[email protected]:07/05/2012

Carosenhor,Ébondadesuameescrevercom tanta frequencia [ sic], jáque seiqueo

senhordeveestarmuitoocupadoagoraqueseusverdadeirosMensageirosestão se juntando ao senhor pesoalmente [sic] além de em espírito.GostariadetodooCORAÇÃOpoderestarcomelesmasseiqueissonãofazpartedoplanodeDeusparamim!!!!SuaspalavrasmetrazemConfortoVerdadeiromasoqueosenhorquer

dizer é claro não se preocupe, senhor, estou tendo cuidado e sempredeletocomoosenhordissequeeudevofazer.TeveoutroprotestocontraabaseamericanaemUrimaontem.Sentiuma

vontade forte de ir falar com os pagãos e dizer que eles devem aceitarJesusantesquesejatardedemais.EmLucasdizquedevemosamarnossosinimigos, fazer o bem a eles, e emprestar a eles sem esperar nada emtroca,maseusabiaquepeloBemMaiornãodeveriafazerisso.SeufielJ

De:[email protected]:[email protected]:20/05/2012

Carosenhor,Venhoveri icandomeuse-mails tododiae repasseinacabeça tudoque

falei para o caso de ter ofendido o senhor já que não recebo nenhum e-mail seu há um tempo e aí vi as notícias sobre a morte do marido dePamelaMayDonald.Dizqueelecometeuopecadodosuicídio.Éverdade?Sei que o senhor deve estar muito ocupado com o Luto, mas tente me

escrevermesmoquesejasóumalinhajáquesuaspalavrasmedãoforças.Tentei acharo seu sitemasnãoconsigomaisentrarneleoquemedeixapreocupado pensando que o senhor e os outros Crentes VerdadeirosforamdominadospelosquetrabalhamparaoAnticristo.Senhor,precisodasuaAjuda.EstãoacontecendoenchentesnasFilipinas,

que só podem ser outro sinal de que o mal está dominando o mundo.Algunscarasdizemqueminhaunidadevai sermandadaparaajudarnosesforçosderesgate.AindapossosersuaVoz,seuCoraçãoeseusOuvidoseOlhossesairdaqui?Estoumesentindomuitosozinho.J

De:[email protected]:[email protected]:21/05/2012Senhor? O senhor está aí? Minha unidade parte em 3 dias o que devo

fazer?

De:[email protected]:[email protected]:21/05/2012

VerdadeiroMensageiro,Vocênãoestásozinho.Deveterféque,mesmonomeuSilêncio,estoudo

seulado.EstamossendoperseguidoseespezinhadospelosFalsosProfetaseseusLacaios,masnãovamosnosdobrar.Mandeipara vocêuma cópiadomeuúltimopostnoblog, explicando as

açõesdeJimDonald.Jim Donald, como sua Amada Esposa, sacri icou-se para nos dizer a

VerdadeReal,aVerdadequesuspeiteidesdeoinícioquandoPamelaMayDonaldpagouopreçodefinitivoparamandarpessoalmentesuaprofecia.Vocêéumdosescolhidos.Vocêéespecial.EstamosdiantedeumaGuerra

Santa e o tempo está se esgotando. É hora de os Soldados de Deus seapresentarem.VocêestápreparadoparaserumSoldadodeDeus?Precisamos conversar,mas não onde os olhos e ouvidos doAnticristo e

seusLacaiospodemescutar.Diga aquehorasposso ligarpara você semsermosincomodados.

De:[email protected]:[email protected]:27/05/2012

Carosenhor,Lamento ir contra seus desejosmas isso paramim é uma agonia! Fico

pensando na minha família e especialmente na minha irmã que não foisalvaenoquevai acontecer comeles senãoviremaVerdadeantesquesejatardedemais.Recebi seu donativo. Fiz contato com um grupo que acho que podeme

ajudarasairmasnãotenhocerteza.Estounaenfermariacomoosenhordissequedeveriafazerporissonão

possoescrevermuito.Minhaunidadepartiu.Podemosconversardenovo?PrecisoouvirsuavozporqueestoutendoDúvidas.J

De:[email protected]:[email protected]:27/05/2012NÃOmecontatedenovo.Euentroemcontatocomvocê.

AindaqueositedopastorLen,ProfetaPamela,nãoestejamaisnoar,oseguintetextopodeserencontradonainternet,tendosidopostadoem19demaiode2012.

Meu coração foi realmente aquecido pelas mensagens que venhorecebendodepoisdomartíriodonossoirmãoJimDonald.Sim,LeaisMensageiros, JimDonald foiummártir.Ummártirquedeua

vidaportodosnós,comosuaqueridaesposaPamela.InsistoparaquenãodeemcréditoàspalavrasdoDr.Lunddeque,ao tiraraprópriavida, Jimestava cometendo um pecado. Ele é um mártir que morreu para queconhecêssemosaverdade.Umprofetaquesesacri icouparanostrazeraBoa-NovadequeDeus,emSuaGlória,optouporabriroquintoselo.ComoselêemApocalipse6:9...Quando ele abriu o quinto selo, vi debaixo do altar as almas daqueles que

haviam sido mortos por causa da palavra de Deus e do testemunho quederam.LeaisMensageiros, Jim, comoPamela, foiummártirde suascrenças.Eu

estava presente quando ele foi salvo, depois de lamentar amorte de suaamada esposa, e nomomento de suamorte Deus optou por lhemandarumavisão.Optoporcolocarsuasúltimaspalavrasaqui,paraquetodosvocêsvejam:Porqueelesforamsalvoseelanão?Elaeraumaboapessoaeboaesposae

nãoquerofazermas [sic]issoelesnãoestãocertosnacabeçaelessãomaus.ElesprovocaramamortedemilharesevãoprovocaramortedemaisaindaANÃOSERQUESEJAMIMPEDIDOS.O que Jim queria dizer, assim como Pamela, está claro. O tempo está

acabandoparatodosnósedevemosfazeropossívelparatrazeromáximode pessoas para o rebanho pamelista assim que pudermos. Existe umchamado mais importante do que salvar o maior número de pessoaspossívelantesqueosextoselosejaaberto?PamelaMay Donald foi o conduto de Deus. Foi o canal através do qual

Sua mensagem foi transmitida. O Dr. Lund e aqueles outros charlatãestentaram deturpar a mensagem dela e Jim provou isso. O Dr. Lund nãoacreditaqueoquintoselojátenhasidoaberto,maseleestáerrado.

“Ogaroto,aviseaeles”,falou-mePamela.Eles clamavam em alta voz: “Até quando, ó Soberano santo e verdadeiro,

esperarásparajulgaroshabitantesdaterraevingaronossosangue?”

LorneNeilsonconcordou,aindaquecomrelutância,emserentrevistadoemjulhode2012.(Esterelatoéumaversãoresumidadenossaconversa.)

Voudizerdecara:nuncacon ieinoLenVorhees.Desdeodiaemqueelechegou ao condado de Sannah. Ele sabia falar, certo, mas para mim osujeitotinhamuitoconfeitoepoucorecheio.MasRebalogogostoudeleeachoqueissopoupavaagentedeirdecarro

tododomingoatéaigrejanocondadodeDenham.Nenhumdenóssoubeoque pensar quando ele começou a dizer que aquelas crianças eram osquatro cavaleiros. Reba era leal àquela igreja e eu não iria pressioná-la.Paramim,estavaclaroqueoLenusavaasúltimaspalavrasdeumamortacom objetivos pessoais, como um meio de se juntar àqueles pregadoresimportantesdeHouston.EntãoelefoiemeteuoJimDonaldnahistória.Jimpodiaservenenosofeitoumbandodecobras,masamortedePamfoiumgolpeduro.Paroude ir trabalhar,não falava comos colegas.Lendeveriatê-lodeixadoempaz,deixadoqueelebebesseatémorrer,seeraissoqueelequeria.Sabe quem eu culpo por ter dado tudo errado? Não o Jim, nem os

repórteresqueespalharamacoisanosjornaisenaTV.CulpooDr.Lundeaquele escritor, Flexível Sandy. Eles encorajaram o Len desde o início.Ninguém pode alegar que eles não são culpados, não importando alinguagemescorregadiaqueusemparanegar.Umasemanadepoisdoenterrodo Jim,Billy, oprimodeStephenie, teve

que entregar umas madeiras no rancho do Len e pediu para eu oacompanhar.Disse que não queria ir lá sozinho e que o empregado deleestavadecamacomotalvírusdovômitoqueassolavaopaís.Rebapediuparaeulevarumpoucodospêssegosemconservadela.“Paraascriançasdelá.”FaziaumtempoqueeunãoiaaoranchodoLen,deviatersidopertodo

Natal, por aí. Tinha visto todo aquele pessoal novo, claro, andando pelacidade empicapes e utilitários com as laterais amassadas, e emparte euestava curioso para ver o que acontecia por lá. Billy comentou que sesentia desconfortável perto deles. A maioria era do estado, mas outros

tinhamvindoatédeNovaOrleans.Chegamosaoportãoevimosquehaviadoishomensaliparados.Umera

o tal do Monty, de quem Reba não gostava. Eles izeram o carro parar,perguntaram o que a gente queria, como se fossem sentinelas. Billyrespondeu e eles se afastaram, deixaram a gente passar, mas icaramolhandocheiosdesuspeita.Nãohaviatantostrailersebarracascomoeuesperava,maserammuitos.

Crianças corriam por toda parte, mulheres transitavam em grupos.Enquanto seguíamos, pude sentir que nos olhavam. Eu disse aoBilly queGraysonThatcher,quecuidavadolugarantesdachegadadoLen,teriaumataquecardíacosevisseoqueaconteceracomseurancho.Assimquea genteparou, opastorLenveioda sededo rancho comum

sorriso enorme na cara e dois sujeitos saíram do celeiro e começaram adescarregaramadeira.Eu o cumprimentei com o máximo de educação, entreguei os pêssegos

queRebatinhamandado.– Agradeça-lhe pormim, Lorne – pediu. – Ela é uma boamulher. Diga

que icareimuito feliz em vê-la aqui no domingo. Foi uma pena fechar aigrejanacidade,masDeusmemostrouquemeucaminhoéaqui.ClaroqueeunãotinhaintençãodefalarissoàReba.Entãoescuteitirosnopastodetrás.Epareciamarmasautomáticas.–Oquevocêestáfazendolá,Len?Atemporadadecaçaacabou.–Agenteprecisasemanterapostos,Len.OtrabalhodeDeusnãoéfeito

sócomorações.Todo mundo tem o direito, dado por Deus, de se proteger. Eu ensinei

minhas meninas a atirar, assim como eu e Reba as encorajamos a estarpreparadas se acontecer alguma daquelas explosões solares que estãoprevendo. Mas aquilo era totalmente distinto – como se eles sepreparassemparaalgumtipodebatalha.Quantomaiseuolhavaaoredor,pioreraasensação.Eraóbvioqueelesestavamforti icandoo local:haviarolos de arame farpado empilhados perto do antigo celeiro e Billy falouqueelesprovavelmente iriamusaraquelamadeirapara fazeralgum tipodecerca.Billyeeusaímosdeláomaisdepressapossível.– Acha que a gente devia contar ao xerife Beaumont o que eles estão

fazendoaqui?–perguntouBilly.Dava para ver que ia dar algum problema, dava para sentir o cheiro

comosefosseumbichomortonaestradahaviadoisdias.PorissoagentefoifalarcomoMannyBeaumont.Indagamosseelesabia

oquesepassavanaquelerancho.Mannyrespondeuque,seospamelistasnãoviolassemnenhuma lei, elenãopoderia fazernada.Mais tarde foramfeitasmuitasperguntas.PorqueoFBInãoestavamonitorandoose-mailsdele, coisas assim, como fazem com aqueles fanáticosmuçulmanos? Achoque eles não imaginavam que um pastor de cidade pequena poderiaestenderasmãosatéomundoláforaecausaraencrencaquecausou.Outalvez eles tenham se preocupado com a hipótese de acontecer algumagrandetragédiasetentassemfecharonegóciodele.

AntesdesairdailhadeOkinawa,osoldadodeprimeiraclasseJakeWallacemandouoseguintee-mailparaseuspaisemVirgíniaem11dejunhode2012.Otextofoiliberadoparaaimprensadepoisdeseucorposerformalmenteidentificado.

Mãe,pai,

EstoufazendoissoporvocêsepelaCassie.Alguém tem que ser o Soldado de Deus na Luta pelas Almas e eu me

apresentei para cumprir o dever. Os sinais estão icando mais claros.Aquela enchente nas Filipinas, a guerra que vai acontecer na Coreia doNorte.OquartoCavaleiroqueencontraramnaÁfrica.Precisotrabalhardepressaporqueotempoestáseesgotando.Estouescrevendo issopara implorarquevocês sejamSalvose recebam

Jesusnocoraçãoantesquesejatardedemais.Pai, sei que você não acredita e estou implorando como seu ilho para

olhar as evidências, por favor. Deus não mentiria para nós. Vocêcostumavamedizerqueo11deSetembrofoiumaconspiraçãodogovernoe icava irritado quando nenhum de nós acreditava. Por favor, pai. LevemamãeeCassieàigrejaeaceiteoSenhoremseucoração.OTEMPOESTÁSEESGOTANDO.VereivocêsnocéuquandoJesusnospegarnocolo.Seufilho,Jake

MontySullivan,oúnicopamelistaqueconcordouemfalarcomigo,estáatualmenteencarceradonaseçãodeCustódiaProtetoradaEnfermariaNortenailhaRikers,ondeesperajulgamento.Falamosportelefone.

EM: Quando você ouviu falar pela primeira vez no pastor LenVorhees e nasuateoriasobreoscavaleiros?MS: Acho que foi logo no início. Na época eu eramotorista de caminhão,entregava frangos do condado de Shelby para todo o estado. Eu tinhacomeçado a zapear no rádio procurando uma estação de rock. Eu nãocurtia aqueles programas religiosos. Cara, eu nem gostava muito decountry. Quando estava entrando no condado de Sannah, dei com oprograma do pastor Len. Alguma coisa na voz dele chamou a minhaatenção.EM:Vocêpodesermaisespecífico?MS: Ele parecia acreditar de verdade no que dizia. Muitos pastores epregadores que a gente escuta no rádio e na TV, dá para sacar que elesestãoatrásédodinheirosuadodospobres.Naépocaeunãocurtiamuitoreligião,meafasteidissoquandoeranovoporcausadaminhamãe.Elaerauma crente de verdade, mandava o dízimo todo mês para um daquelespregadores das superigrejas lá emHouston,mesmo se a gente não tinhadinheiroemcasa.DavaparaverqueopastorLeneradiferente,nenhumavez ele pediu que as pessoasmandassem nenhum dinheiro. E o que elediziaatraiuminhaatençãodecara.Claro,aQuinta-FeiraNegraestavaemtodoonoticiárioeummontedepregadores,principalmenteosevangélicos,a irmava que era outro sinal de que todos íamos para o Armagedom.Falaramamesmacoisa apóso11deSetembro, issonãoeranovo.Masoponto de vista do pastor Len acertou o alvo. O que ele disse sobre asúltimaspalavrasdePamelaMayDonald...Aprovaerafortedemais.Todasaquelas cores nos aviões combinando com as cores dos cavalos que João

viunaRevelaçãodoApocalipse,ofatodeaquelascriançasteremsaídosemferimentos... Quando terminei minha viagem alguns dias depois, entreidiretonainternet,encontreiositedopastorLen,ProfetaPamela.Elehaviaposto todas as evidências bem ali, preto no branco. Eu li tudo, peguei aBíbliadaminhamãe,queeraaúnicacoisadelaqueaindatinha.Venderaoresto,apesardeelanãoterdeixadomuitacoisa.Achoquevocêpodefalarque eu era muito louco naquela época. Não curtia drogas nem nadapesado,masgostavadeumabebida,gasteitodoodinheironisso.DepoisqueouvioprogramadopastorLeneliaquelesite,achoquenão

dormi durante três dias. Podia sentir alguma coisa crescendo dentro demim.Claro,maistardeopastorLenmedissequeeraoEspíritoSanto.Mandeiume-mailparaele,comentandoqueestavamuitoimpressionado

comoqueelefalava.Nãoacheiquehaveriamuitachancedereceberumaresposta.Mas imagina só, elemandouumamensagememmenosdeumahora! E era umamensagem pessoal, não uma daquelas automáticas quemuitagenteusa.Euaseidecor.Devoterlidoummilhãodevezes:“Monty,agradeçomuitoseucontato.Suaféesuahonestidadeprovamqueestounocaminhocerto,nocaminhoparasalvarmaispessoasboascomovocê.”Esperei até meu dia de folga, depois dirigi a noite toda, direto até o

condadodeSannaheàigrejadopastorLen.Espereina ilaparasersalvo.Deviaterumascinquentapessoasnaquelediaeaatmosferaerafestivadeverdade.Todosnóssabíamosqueestávamosfazendoacoisacerta.Aomeapresentar ao pastor Len enquanto ele andava ao longo da ila,agradecendoportermosidoatéali,nuncapenseiqueeleialembrarquemeuera,maselemereconheceunoato:“VocêéocaraquemeescreveudeKendrick!”Pelomodotãoclarocomoeleexplicavaascoisas,percebiqueeuestivera

cegoduranteanos.Minhamãe icoude coraçãopartidoporqueeudei ascostas para a igreja quando era mais novo e eu queria que ela tivessevividoobastanteparaverqueeuvolteiparaorebanhodeJesus.Comoeupodia não ver que estávamos nos encaminhando para o Fim dos Dias?Como o Senhor não poderia estar se preparando para nos trazer suajustiçadepoisdoqueaconteceranomundo?Quantomaiseuolhava,maisminha cabeça rodava. Você sabe que as crianças nos EstadosUnidos sãoobrigadas,obrigadas a ler o Alcorão nas escolas? Mas não a Bíblia, não,

senhora.ODesign Inteligenteébanido,masnãoo livrodos in iéis?E temosgays,osassassinosdebebêseosliberaisconspirandoparatransformarosEstadosUnidosnumpaíssemDeus.ODr.TheodoreLundestavacertocom relação a isso, apesar de mais tarde ter virado as costas para averdadedopastor Len. Vimosque oDr. Lund só queria para elemesmotodaaglóriaquevinhadamensagemdePamela.Elenãoestavadedicadoasalvaralmas;nãocomoopastorLen.

EM:QuandovocêdecidiusemudarparaocondadodeSannah?MS:Depoisquemeconverti, volteipara casae escreviparaopastorLentodo dia, durante algumas semanas. Senti um chamado para me mudarmaisparapertodaigrejadele,aproximadamentenoiníciodemarço,emetornei um de seus mensageiros. Não foi uma decisão di ícil: o Senhorestava me empurrando para aquela direção. Quando o pastor Len meconvidouparamemudarparaorancho,nãopenseiduasvezes.Largueioemprego,vendio caminhãoe fuide caronaatéo condadodeSannah.Eleprecisavademimcomosuamãodireita.EM:Vocêtemumhistóricodeviolência?MS:Naverdadenão,dona.Sóumaououtrabriganopátiodaescola,umasduas brigas quando bebia. Não estou dizendo que eu era tranquilo, masnuncafuiumindivíduoviolento.Nuncativeproblemacomalei.EM:DeondeveioaarmaquevocêusouparaatiraremBobbySmall?MS:Aquelaarmaespecí icapertenciaaoJimDonald.Nãofoiaqueeleusouparasematar,masfoiumaqueeleentregouparanósguardarmos.Maseusabiaatirar.Meupaimeensinouausarumaarmaantesdemeabandonarcomminhamãe,quandoeutinha12anos.

EM:VocêconheciaJimDonald?MS:Nãoconheciabem,dona.Meencontreicomeleumaouduasvezes.OpastorLendissequeeletinhadi iculdadeparaaceitaramortedamulher.OpastorLen faziaopossível para ajudá-lo,masdavapara verqueo Jimestavamuitomalcomaquilo.Eleeraumverdadeiromártir,comoPamela.Ele viu a verdade sobre a destruição que os cavaleiros trouxeram aomundoeviuqueeleshaviamassassinadoaquelesinocentesnosaviões.EM: O pastor Len instruiu você a viajar a Nova York para matar BobbySmall?MS:Eu izoquequalquerumquese importaemsalvaralmas teria feito.EstavaagindocomosoldadodeDeus,fazendooquepodiaparaerradicaraameaça e dar mais tempo para as pessoas serem salvas antes doarrebatamento.Sepudermospararcomossinais, interrompero trabalhodoscavaleiros,teremosmaistempoparaespalharamensagemdeJesusetrazer mais pessoas para o rebanho. Agora que encontraram aquelequarto cavaleiro, agoraqueestá caindo fogoe enxofre sobrea terra comtodosessesdesastresnaturais–asenchentesnasFilipinasenaEuropaeosalertasdetsunaminaÁsia–,nãotemosmuitotempo.EM:MassevocêacreditaqueosquatrocavaleirossãomensageirosdeDeus,por quenão icoupreocupado comahipótese de ser castigadoporDeus aotentarassassinarBobbySmall?MS: Espera um minuto aí, dona. Ninguém está falando de assassinato.Quando o Anticristo vier, quando o sexto selo for quebrado, não vai tervolta. Não há garantia de que a pessoa vai ter uma segunda chanceduranteaTribulação.EuestoudoladodeDeus;ElesabequeopastorLene os pamelistas estão trabalhando duro para trazermais pessoas para orebanho dele. E aquelas crianças não eram naturais. Todo mundo podia

ver isso. Depois de um tempo, elas começaram a usar seu poder e aalardear isso. Elas podem ter começado comomensageiras deDeus,masacredito irmemente no que Jim contou à gente: que no im elas setornaraminstrumentosdoAnticristo.EM:OpastorLenVorheesinstruiuvocêaatiraremBobby?MS:Nãopossoresponderaisso,dona.EM: Muitas pessoas acreditam que você agiu sob in luência do pastor LenVorheesequeeledeveriasertãoresponsabilizadoquantovocê.MS:JesusfoicastigadoporespalharaverdadedeDeus.Nãoimportaoqueelas digam. Logo vou estar nos braços de Jesus. Eles podemme trancar,podemme colocar na cadeira elétrica, para mim dá no mesmo. E talveztudoissofaçapartedoplanodeJesus.Estoutrancadoaquicompecadoreseestaéaminhachancedesalvaromaiornúmeropossíveldeles.

PARTENOVESOBREVIVENTES

MAIO–JUNHO

NassemanasapósRyuteraparecidonofórumdo2-channel,aespeculaçãoarespeitodesuaprincesasermesmoaprimadeHiroYanagidasetornoufebril.Ryuacabouretornandoaofórumusandoseuavatar,HomemOrz.

NOME:HOMEMORZ–DATADEPOSTAGEM:01/05/2012–21:22:22.30Oi,pessoal.Nãoseiseumdevcsqtavanotópicoqeuinicieiháumtempotá on. Tô espantado pelo modo como vcs acolheram minha história. Sóqueriaagradecerdenovo.NOME:ANONIMO23Orz!Maneirovcvoltar.Eaí????Deucerto????Conseguiusuaprincesa?NOME:HOMEMORZRespostasimples:Sim.Agentetájunto.[Segue-seumacentenadevariaçõesde“q??”e“vcéFodão/Sinistro/OCara”,etc.RyupassaaexplicarquepichouumORZdoladodeforadacasadeChiyokoparachamaraatençãodela,paraalegriadopessoaldofórum]

NOME:ANONIMO557Orz,precisosaber:aprincesaéaprimadoGarotoAndroide?NOME:HOMEMORZEutavaesperandovcsperguntaremisso...Andeiseguindounstópicos.Nãopossoconfirmar,pormotivosóbvios.NOME:ANONIMO890Orz,vcjáviuoGarotoAndroide?NOME:HOMEMORZVejarespostaacima._|7ONOME:ANONIMO330

Aprincesaémesmogata,cara?NOME:HOMEMORZComoresponderaissoeserhonesto...Qdoeuvielapelaprimeiravez...Elanãoeraapessoaqeupenseiqera.

Masdealgummodoissonãoimportou.NOME:ANONIMO765Então ela é a garota gorda q tava na cerimônia memorial e não a q separecec/Hazuki?Qbrochante,cara.NOME:ANONIMO111Bem-vindodevolta,Orz.Ignoreo765.NOME:ANONIMO762Cara,vamospraparteboa.Jácomeu????NOME:ANONIMO111Nãosejagrosseiro.DeixaoHomemOrzfalar.NOME:HOMEMORZVousermeloso,mas,pessoal,ficarc/elamudouminhavida.Mesmo sendoumaprincesa, a gente temmais coisas em comumdoq euachavapossível.Elatbteveproblemasnopassado,comoeu.Agentetemomesmo ponto de vista c/ relação a tudo: sociedade, música, jogos, atépolítica.É,àsvezesagentetemconversaspesadas!Atécomeceiacontarpraelacoisasqnãotinhacontadopraninguém.ElameajudouaarranjarempregonumalojadaLawsons,porissoagora

tô ganhando um pouco de grana (não mta, mas basta pra não passarfome).Isso vai parecer piegas... mas às vezes tenho um sonho em q a gente tácasadoemorandojuntonumapartamentoenuncaprecisamossair.NOME:ANONIMO200Ai.Vctámedeixandoc/ciúme,Orz.

NOME:ANONIMO201Pareceamorrr.NOME:ANONIMO7889Qualé,HomemOrz,falasobreoHiro.JáencontrouoSurrabotdele?NOME:ANONIMO1211OqeleachadoCultodeHiro?NOME:HOMEMORZPessoal,semofensa,masesteéumgrupodediscussãopúblicoenãopossofalar disso emdetalhes. A princesa vai pirar se alguma coisa q eu dissersairnasrevistas.NOME:ANONIMO111Vcpodeconfiarnagente,Orz,masentendosuaposição.NOME:HOMEMORZSódigamosqétranquilizadorestarpertodeumacertapessoa.Édiferentedetodomundoqjáconheci.Sóvoudizerisso.

NOME:ANONIMO764Comqfrequênciavcvêaprincesa?NOME:HOMEMORZQuase toda noite. Os pais dela são meio rígidos e não aprovam q elanamorealguémcomoeu,porissoagenteprecisadisfarçar.Temumparquinhonafrentedacasadelaeeuesperolá.Temumprédio

de apartamentos ao lado e às vezes eu me sinto vigiado, mas dá praaguentar.NOME:ANONIMO665

Orzfumaoutrocigarro,esperandoqsuaprincesavenhaencontrarele.Orzsabe q tá nos trinques. Talvez esta seja a noite. Alguns vizinhos olhampelas janelas, mas ele sabe q não vão incomodar ele. Orz lexiona osmúsculosetodosdesaparecem.NOME:ANONIMO9883Aprincesadegelo sai correndopelaporta,usandosóumvestidocurtoetransparente...NOME:ANONIMO210Aprincesacainosbraçosdeleenãoseimportac/quemestejaolhando...[Háumadigressãonaconversa,comdescriçõesexplícitasdenaturezasexual]

NOME:HOMEMORZ*envergonhado*Imaginaseelalêisso?NOME:ANONIMO45Cara,dizqvcfezaquiloc/eladeverdade.NOME:HOMEMORZPrecisoir.Elatáesperando.NOME:ANONIMO887Orz,nãodeixaagentede fora.Agente tavac/vco tempo todo.Umnerdganhandoumaprincesa?C/qfrequênciaissoaconteceforadogalge?NOME:ANONIMO2008É,Orz,vctemumadívidac/agente,dizcomofoi.NOME:HOMEMORZEu sei. Saber q vcs dão apoio faz toda a diferença,mesmovcs sendounstarados.Ébomsaberqagentenãotásozinho.

FaleipeloSkypecomoartistagráficoNeilMellancamp,moradordeGreenpoint,NovaYork,emjunhode2012.

Depois que todos aqueles malucos começaram a aparecer, ninguém dobairro disse explicitamente que queria que Lillian eBobby semudassemparaoutrolugar,masdavaparaverqueamaioriadenóspensavaassim.MoroaalgunsquarteirõesdoprédiodeLillian,dooutro ladodoparque

McCarren, e o bairro virou um circo quase no mesmo dia em quedescobriramondeBobbymorava.Aáreainteiraestavaumcaos.Primeirohaviaosrepórtereseoscarasquequeriamqualquerdeclaraçãoparaseusblogs, tweets e tal: “Comoémorar tãopertoda criança-milagre?” etc. etc.Eu sempre mandei que fossem se foder, apesar de haver um monte degente na vizinhança que via isso como uma chance para seus quinzeminutos de fama. Babacas. Aí veio o pessoal dos OVNIs. Eram totalmentebizarros,masdavaparaverqueamaioriaerainofensiva.Ficavamdoladode fora do prédio do Bobby gritando merdas como “Quero ir com você,Bobby!”,masospoliciaisosenxotavam.Nãoeramtãoinsistentesquantoospirados religiosos, que vinham em bandos. Apareceu uma porradadaqueles escrotos quando saiu a notícia sobre o marido de Lillian, umcontingente inteiro que queria ser curado pelo Bobby – parecia quetinhamalugadoumônibusevindoespecialmentedaCarolinadosMalucos.Dava para ouvir as iguras gritando “Bobby! Bobby! Tenho câncer, metoque e me cure”, mesmo depois de anoitecer. Esses não eram nem delonge tão ruins quanto os maldosos, que icavam em volta do parqueassediando as pessoas. “Deus odeia as bichas”, gritavam,mas o que issotinhaavercomumgarotode6anos?Haviaoutrosquepareciamtersaídode uma tirinha, com “O Fim está chegando” e “VOCÊ já se converteu?”escrito nas camisetas e nas placas. Parecia que não dava para sair doapartamentosemtrombarnumdeles.Vocêconheceobairro,nãoé?Éumamistura, como boa parte do Brooklyn, tem o pessoal da arte,hipsters,chassídicos, ummonte de gente daRepúblicaDominicana,mas os doidoseramevidentesaquilômetrosdedistância.Nãomeentendamal.Apesardeboapartedisso ter sedesgastadobem

depressa, eu sentia pena da Lillian. A maioria de nós sentia. Minhanamorada denunciou alguns dosmaismalignos, que faziam discursos deódio, mas o que os policiais poderiam fazer? Aqueles malucos não seimportavamsefossempresos.Queriamsermártires.Naquela manhã eu estava indo trabalhar e, por algum motivo, decidi

pegaro trem,enãooônibus,oque signi icavaque tinhadeatravessaroparqueepassarpeloprédiodeLillian.Demanhãcedo,ummontedecarasqueminhanamoradachamade“turmadospapaishipsters” faz joggingnoparqueempurrandocarrinhosdebebês,masocaraqueeuvinosbancospertodo centro esportivode initivamentenãoeraum “papaique ica emcasa”eabre restaurantes temporáriosemsuashorasde folgaousei láoquê. O cara só estava sentado ali, mas dava para ver que havia algumacoisa estranha nele, não só pelomodo como se vestia – fazia calor e eleusava casacão preto comprido no estilo do Exército, gorro de lã preto.Assenti para ele enquanto passava, mas ele me encarou. Tenteidesconsiderar aquilo, mas, ao chegar à Lorimer, tive a sensação de quedeveria dar um tempo, ver o que ele estava fazendo na vizinhança. Elepodiasersóumsem-teto,porémalgumacoisamediziaparamecerti icar.Olheiemvoltaprocurandoospoliciaisqueàsvezesestacionavamnafrentedo prédio da Lillian, mas não os vi. Não sou uma pessoa espiritualizadanem nada, mas uma voz dentro de mim disse: Neil, compre um café, dêumaolhada nesse cara e depois vá para o trabalho. E foi isso que eu iz.CompreiumcaféamericanograndepuronaOrgasmicOrganicecomeceiavoltarparaoparque.QuandovolteiàruadeLillian,viosujeitoesquisitovirnaminhadireção,

andando bem devagar. A sensação voltou e eu soube que havia algumacoisamuitoerradanele.Aruanãoestavavazia, tinhaummontedegenteindo para o trabalho, mas eu foquei nele e apressei o passo. A porta doprédiodeLillianseabriueumamulhervelhacomcabelotingidoderuivoeumgarotocombonésaíramparaacalçada.Eusoubedecaraqueerameles.Quemtinhaboladoaqueledisfarcenãoeracriativo.–Cuidado!–gritei.Aparteseguinteaconteceurápido,mas tambémcomoemcâmera lenta,

seéqueissofazsentido.Ocaraesquisitopegouumaarma–nãoconheçoarmas,porissonãopoderiadizerqualera–ecomeçouaatravessararua,

ignorandoo trânsito.Nãopensei duas vezes. Corri direto para ele, tirei atampadocopodecaféejogueiolíquidonosacana.Bemnacara.Eleaindaconseguiudarumtiro,maspassoulonge,acertouumChevroletparadonarua.Todomundoestavagritando,berrando.–Abaixem-se,abaixem-se,porra!A próxima coisa que eu vi foi um cara que veio sei lá de onde – mais

tardedescobriqueeraumpolicialàpaisanaquetinhaacabadodesairdoserviço – e gritou para o sujeito “largar a porra da arma”. O malucoobedeceu,masnessepontodavaparaverqueelenãoeraameaça.Estavabalbuciandoeesfregandoosolhoseorosto.Aquelecaféestavaquenteeapeledele icoutotalmentevermelha.Olunáticocaiudejoelhosnomeiodaruaeopolicialchutouaarmadeleparalongeecomeçouafalarpelorádio.CorriatéLillianeBobby.OrostodeLillianestavabrancoeeutivemedo

de ela sofrer umataque cardíaco ou algo assim.Mas oBobby, não sei seeraochoqueouoquê,maselecomeçouarir.Lillianagarrouamãodeleepuxou-o para dentro. Pareceu que em segundos a rua icou cheia deviaturas. Omaluco foi erguido e levado para longe. Espero que o escrotoapodreçanoinferno.Mais tardeaquelepolicialme ligou,dissequeeueraumherói.Falaram

naprefeituraqueeu iriareceberumamedalhaporbravura.Maseu izoquequalquerumfaria,nãoé?Depois disso, não vi Lillian e Bobby no bairro. Eles foram para o tal

esconderijo, certo? Foi o que disse a velha que morava no prédio deles.Lillian me mandou um e-mail muito maneiro, a irmando que nunca iriaesquecer o que eu iz naquele dia.Meus olhos se encheram de lágrimasquandoli.Apróximavezqueviosdoisfoinonoticiário.

Esteéoúltimoe-mailquerecebideLillianSmall,datadode29demaio.

Estamos fazendo omáximo que podemos, Elspeth. Ainda estou abalada –quem não estaria, depois de uma coisa daquelas? –, mas tento ser fortepeloReubenepeloBobby.Bobbyestábem;achoqueelenãopercebeudeverdadeoqueaconteceu.Acho que disse tudo que você queria saber. No seu livro você poderia

falar, por favor, que não sabemos por que o Reuben começou a falar denovo, mas que não tem nada a ver com o Bobby. Pensei em negar isso,depoisqueaqueleshomensmalignoscomeçaramaa irmarqueeraoutrosinal, mas Betsy e Bobby sabem a verdade. Não quero que ele leia esselivroeasmatériasde jornaisquandotiver idadepara issoevejaquesuaBubbe é mentirosa. Acredito no fundo do coração que o Reuben fez umúltimo esforço para chutar o Al para fora da consciência e passar umtempocomoneto.Foiaforçadoamordelequetornouissopossível.Estão insistindoparaqueagentesemudeparaumesconderijo.Nãohá

muitaopção,seeuquisermanterBobbyemsegurança.FalamemcolocaroReubennumainstituiçãoemoutroestado,masnãovouadmitirisso.Não. Nós somos uma família e vamos icar juntos, não importa o que

aconteça.

TranscriçãodaúltimagravaçãodePaulCraddock,maio/junhode2012.

14demaio,5h30

Nãoconsigome livrardocheiro.Aquelecheirodepeixe.OqueoStephendeixa quando aparece. Tentei tudo; até esfreguei as paredes comdesinfetante. A água sanitária fez meus olhos arderem, mas eu nãoconseguiaparar.Como sempre, Jess não notou. Ficou sentada na sala assistindo aThe X

Factor enquanto seu tio maluco andava pela casa com um balde dedesinfetante de banheiro. Estava pouco se lixando, como diria o Geoff.ConvideiaSra.EB;esperavaqueelatalveztivessealgumasabedoriaanciãparaselivrardeodoresquenãosaíam(mentiefaleiquetinhaqueimadoasiscasdepeixeque izparaJess).Maselareplicouquenãosentiacheirode nada, a não ser a ardência da água sanitária. Elame levou ao quintalpara fumarumcigarro,deuumtapinhanaminhamãodenovoesugeriuque talvez eu estivesseme esforçandodemais, especialmente com toda apressãodamídia.Meaconselhouachorarmais,pôrosofrimentoparaforaem vez de reprimi-lo. Falou durante um bom tempo sobre como icouarrasadaapósamortedomarido,hádezanos.Achavaquenãopoderiairemfrente,masqueDeusaajudaraaacharumcaminho.Olá,Deus,soueu,Paul.Porquenãoestáouvindo,porra?É como se eu estivesse partido ao meio. O Paul Racional e o Paul

Enlouquecendo. Não é como aconteceu da outra vez. Aquilo foi só umepisódio depressivo. Mais de uma vez peguei o telefone para entrar emcontato com o Dr. K ou o Darren, para implorar que tirassem a Jess demim.Mas aí a voz da Shelly vinha àminha cabeça: “Elas só precisam deamorevocêtemmuitoamorparadar,Paul.”Nãopossodecepcioná-los.SeráqueéaSíndromedeCapgras?Será?Euaté...MeuDeus.AtéinventeiumadesculpaparalevaraJessàcasada

Sra.EBparaeuvercomoocachorrodaminhavizinhareagiria.Nos ilmes,osanimaissempresentemseháalgoerradocomumapessoa.Seelaestá

possuídaoualgoassim.Masocachorronão feznada.Só icoualideitado.Precisoviverumdiadecadavez.Preciso.Mas a pressão de agir de modo normal quando, na verdade, estou

gritandopordentro...MeuDeus.OcanalDiscoveryquerqueeudêalgumtipo de entrevista sobre comome senti ao saber do acidente. Não posso.Recusei na mesma hora. E me esqueci completamente de uma seção defotosparaoTheSundayTimesqueoGerrymarcouhásemanas.Quandoosfotógrafosapareceram,batiaportanacaradeles.Gerry está arrancando os cabelos e não engole mais o meu papo de

“estou de luto”. Diz que seus editores vão me processar, Mandi. Podemprocessar.Fodam-se,oquemeimporta?Tudoestádesmoronando.Eoscomprimidosnãofuncionam.

(soluços)

Eladisse “Olá, tioPaul”.Comoela sabiaqueogravadorestavanoquarto,porra?

21demaio,14h30

Enquanto Jess estava na escola, izmais pesquisas na internet. Revirei oGoogle buscando coisas sobre os pamelistas, os seguidores da teoria dosalinígenas e até os que acreditam que as crianças estão possuídas pordemônios(existemmuitosdesses).Porqueascrianças...asoutrascrianças...BobbySmalleHironão-sei-das-

quantas... Eles não são normais, são? Deu para ver que Lillian estavaescondendoalgumacoisaquandoligueiparaelaeagoraseioqueera.Nãoexiste cura para o mal de Alzheimer. Todo mundo sabe disso. Não. TemalgumacoisaacontecendocomoBobby.Eooutro, falandoatravésdeumandroide.Queporraéessa?NãoconseguiencontrarmuitacoisasobreKennethOduah,foraoqueeu

esperava:umaporradadesitesreligiososhistéricos(Aprova inaldequeprecisávamos!), vários artigos satíricos e algumas bobagens de que eleestava sendo mantido num esconderijo em Lagos “para sua própria

segurança”.Eseelesforemoscavaleiros?Eusei,eusei.Mel,emespecial,iriapirarse

me ouvisse falando assim. Mas escute só. O Paul Racional nem pensarianisso,mas acho que precisamosmanter amente aberta. Com certeza háalgumacoisaerradacomJess.Emerdasestranhasestãoacontecendocomosoutrosdois.Outrês.Quemsabequeoutramerdaooutrovaiaprontar?Alienígenas,cavaleirosoudemônios...Nossa!

(começaasoluçar)

SeráquedevoligardenovoparaLillian?Nãoseimesmo.

28demaio,22h30

SeiqueeudeveriasentirpenadoBobbyportersidoatacadodaquelejeito,massósintopenadaLillian.Estáemtodososnoticiários,claro.Todasasdrogasdoscanais.Nosvelhos

tempos,eutentariaimpedirJessdeassistir.Fariacomqueelaficasselongedisso, mas por que eume importaria? Isso não parece afetá-la de modonenhum.O canal de notícias exibiu fotos dos acidentes e imagens gigantes

ampliadas dosTrês. Encontrei Jess sentada a centímetros da tela, comospôneis espalhados em volta, assistindo a uma linha do tempo dosacontecimentoseaoscomentaristasqueadiscutiamadnauseam.Obriguei-meachegarpertodela.–Vocêquerfalarsobreisso,Jess?–Falarsobreoquê,tioPaul?– Por que aquele menino está no noticiário. Por que sua foto está no

noticiário.–Não,obrigada.Fiqueiporalimaisalgunssegundos,depoiscorriparafumarumcigarro

doladodefora.Darrendizqueéprovávelqueapolícia iquedeolhonacasa,paraocaso

dealgummalucoreligiosodecidiratravessaroAtlânticoeatacarJess.Estanoite,depoisqueelaforparaacama,voutentarmaisumavezfazer

oStephenfalarcomigo.“Comopôdedeixaressacoisaentraraqui?”EletemdeestarfalandodaJess,nãoé?Eudeveriaterfeitoissoháséculos.Vou icaracordadoanoitetoda,bebercafésu icienteparaderrubarum

cavaloe,quandooStephenchegar,vouobrigá-loafalarcomigo.

30demaio,4h

Devo ter apagado. Porque, quando acordei, ele estava ali. Todas as luzesestavam acesas, mas era como se ele estivesse no escuro. Sentado nasombra.Nãodavaparaverseurosto.Elemudoudeposiçãoeocheirofoitãofortequequasesufoquei.–Oquevocêquer?Porfavor,diga–implorei.–Porfavor!Estendiamãoparaagarrá-lo,masnãohavianadaali.EntreicorrendonoquartodeJess,sacudi-a,encosteiumafotodePollyna

caradela.–Essaéasuairmã!Porquevocênãoseimporta,porra?Elasevirou,espreguiçou-seesorriuparamim.–TioPaul,precisodormir.Tenhoescolademanhã.Jesus,seráqueelaéaracional?Deusmeajude.

1odejunho,18h30

Doispoliciaisvierammeverhoje,apareceramdemanhã,antesmesmodeeu me vestir. Na verdade não são da polícia, mas do DepartamentoEspecial. O Paul Racional, meu eu de antes de toda esta merda fodidaacontecer,davagritinhosempolgadospordentro.ElessechamavamCalvineMason.CalvineMason!Comootítulodeumseriadodepoliciaisdurões.Calvinénegro,falacomsotaquedeescolachiqueetemombrosdejogadorderúgbi.FaziatotalmenteotipodoPaulRacional.Masonémaisvelho,umaraposagrisalha.Fizcháparaeles,pedidesculpaspelocheirodedesinfetante (depoisda

reaçãodaSra.EB,aprendianãomencionaro fedordepeixepodre).Elesqueriamsaberseeuhaviarecebidoalgumtelefonemaameaçador,comoosda época em que Jess chegara em casa. Eu respondi que não. Contei a

verdade.Queoúnicoincômodoatualeracausadopelaimprensa.Jess estava se comportando às mil maravilhas, claro. Sorrindo,

gargalhando e agindo como uma pequena celebridade charmosa. Os doispodiam ser gostosos, mas não levei muito em conta as capacidades dedetecçãodeMasoneCalvin.Elescaíramdireitinho,claro.Engoliramaisca.Masonteveatéodesplantedeperguntarsepoderiatirarumafotocomela,paramostraràfilha.Disseram que icariam de olho na casa, e pediram para eu ligar seme

preocupasse comalguma coisa.Quase falei: “Vocêspoderiammandarumaviso ao meu irmão, mandar ele me deixar em paz, porra?” Meu irmãomorto!EACOISAtambém,claro.Imaginecomoissoseriarecebido.Preciso parar de chamar Jess de “a coisa”. Não está certo; isso só

alimentaomonstro.Quandoelessaíram,tenteiligarparaLilliandenovo.Ninguématendeu.

2dejunho,4h

(soluços)

Ok.Acordei.Sentiaquelepesofamiliarnacama.MasnãoeraoStephen.Era

Jess,apesardeelanãoterpesosuficienteparaafundarocolchão,nãoé?–Vocêgostadosseussonhos?–perguntou.–Eudeiossonhosavocê,tio

Paul.ParaquevocêpossaveroStephenquandoquiser.–Oquevocêé?–Eraaprimeiravezqueeuindagavaisso.–SouJess.Quemvocêachaqueeusou?Vocêéumbobinho,tioPaul.–Saia!Saia,saia,saia.–Minhagargantaaindaestáardendo.Elariuefoiembora.Tranqueiaporta.Estou icando sem opções. Vão tirar Jess demim se descobrirem o que

penso.Emalgunsdias,achoqueissoseriabom.MaseseaverdadeiraJessainda estiver lá dentro, tentando sair, tentando receber ajuda? E se elaprecisardemim?É hora de agir. Explorar minhas alternativas. Manter a mente aberta.

Pesquisarmais.Examinartodasashipóteses.

Nãotenhoescolha.

GerhardFriedmann,um“exorcistasecular”quetrabalhaemtodaaEuropa,concordouemfalarcomigoviaSkypenofimdejunhodepoisquefizumadoaçãoàorganizaçãodele.

Antesdecomeçararesponderàssuasperguntas,gostariadedeixarumacoisa clara: não gosto de usar a palavra “exorcismo”. Tem conotaçõesdemais. Não, eu faço “cura interior e libertação do espírito”. Esse é oserviço que ofereço. Também quero esclarecer que não cobro nada,meramente peço uma doação ou a quantia que o cliente queira dar.Também não sou a iliado a nenhuma igreja ou instituição religiosa; façomeu trabalho de modo um pouco diferente. E os negócios andam muitobemnomomento:éraroeunãoviajardeprimeiraclasse.Maisoumenosna época em que fui contatado pelo Sr. Craddock, estava fazendo trêslibertações de espírito e limpezas por dia, por toda a Europa e o ReinoUnido.PerguntoaGerhardcomoPaulCraddockentrouemcontatocomele.Existem várias maneiras de os possíveis clientes entrarem em contatocomigo.OSr.CraddockfaloucomigoatravésdeumadasminhascontasnoFacebook.Tenhovárias.TambémestounoTwitter, claro,e tenhoumsite.Comoasituaçãodelenãomepermitia iràsuacasa,concordamosemnosencontrarmosnumlocalqueàsvezesusoparaalibertaçãodeespíritos.(Eleserecusaarevelarqualéolocal)PerguntoseelesabiaquemeraPaulCraddockantesdeelesseencontrarem.Sim. O Sr. Craddock foimuito sincero com relação a isso,mas eu garantique nosso relacionamento seria con idencial – como um acordo entremédico e paciente. Eu conhecia as teorias sobre Jessica Craddock e asoutras crianças,masnãodeixei isso in luenciarmeudiagnóstico. Sóestoufalando com você agora porque a notícia de que o Sr. Craddock contatou

meusserviçosfoivazadapelosadvogadosdedefesadele.Digo a ele que estive em seu site, onde ele declara haver um espírito que semanifesta pela homossexualidade. Pergunto se ele sabia que Paul Craddockeragay.Sim, sabia. Mas também sabia que no caso dele essa não era a raiz doproblema.Ele se preocupava com a hipótese de sua sobrinha estar tomada por

energia ruim, possuída, por assim dizer. Quando nos encontramos, eleestavaagitado,masnãodemais.Ficavarepetindoquehaviamecontatadopara“descartaressaopção”epediuqueeuinvestigasseapossibilidade.OSr.Craddockfalouqueestavatendosonhosextremamenteperturbadores,em que seu irmãomorto vinha até ele, e que tinha di iculdades para serelacionar com a sobrinha. Essas duas coisas são sintomas de possessãopor espírito e/ou doença induzida por exposição exagerada a energianegativa.PerguntoseelesabiadosproblemasmentaisdePaulCraddock.Sim.Elefoimuitodiretocomrelaçãoaisso.Sempretenhoocuidadodenãoconfundir com possessão, por exemplo, um episódio esquizofrênico, maslogosoubequenãoeracomissoqueeuestavalidando.Souextremamenteintuitivonessesentido.Perguntocomoeleemgeralfazalibertaçãodoespírito.A primeira coisa que faço é acalmar a pessoa, fazer comque ela se sintaconfortável. Depois unto a testa dela com óleo. Qualquer óleo serve,masprefiroazeiteextravirgem,jáqueparecedarmelhoresresultados.Em seguida, preciso decifrar se estou lidando com envenenamento por

energiaruimoupossessãoporentidade.Seforpossessão,opassoseguinte

édescobrirquetipodeentidadeseligouaoclienteechamá-lapelonome.Asentidadessãofenômenosperturbadoresepoderososquevieramdeumplano diferente para a terra. Elas se ligam a uma pessoa que já estejaenfraquecida, talvez por causa de abusos ou porque foram envenenadaspela energia ruim de alguém e isso permitiu que suas defesasenfraquecessem. Existemmuitos tipos de entidades; aquelas em quemeespecializeisãoasqueencontraramportasparaonossoreinoatravésdelocaisondehámuitanegatividade.Também faço limpeza de objetos, já que eles também podem abrigar

energia negativa. Por isso sempre encorajo as pessoas a ter cuidado aolidaremcomantiguidadeseartefatosdemuseus.Pergunto por quê, se acreditava que Jessica estava possuída, Paul Craddocknãopediuqueelatambémfosselimpa.Isso não era possível, por causa da situação atual dele. Paul disse queestavasobvigilânciaporpartedaimprensa,queoseguiaeseguiaJessportodaparte.Masquandoeleentrouemmaisdetalhessobreossintomas,queincluíam

ser assolado pelo sentimento de que Jess não era a Jess verdadeira,masuma imitação, tive certeza de que uma entidade estava causando oproblemaequeelahaviaseligadoaPaul,nãoàsobrinha.Osofrimentoeaangústia depois que a família morreu no acidente de avião devem terenfraquecido suas defesas o su iciente para ele se tornar um grandecandidatoàpossessão.PaultambémexpressouapreocupaçãodequeJesspoderia ser uma criatura alienígena, mas lhe garanti que osextraterrestres não existem e que provavelmente ele estava lidando comumsurtodeenergiaruim.Assim queme sintonizei nele, descobri que Paul de fato sofria de uma

sériadoença causadaporuma superintoxicaçãode energia ruim.Garantique, quando tivéssemos feito o ritual de limpeza – que envolve a unçãocomóleoeatransferênciadaenergianegativaatravésdotoque–,elenãoteriamaisaquelessonhosnemacreditariaqueasobrinhaforatrocada.Depois alertei que, apesar de ele ter sido limpo, ainda estava

comprometido e ainda haveria restos de energia ruim dentro dele quetalvez pudessem atrair uma entidade. Encorajei-o a evitar situações deestresseatodocusto.Elemeagradeceue,aosair,falou:“Agorasópodehaverumaexplicação.”

PerguntoseelesabiaoquePaulCraddockqueriadizercomisso.Nahora,não.

PARTEDEZFIMDOJOGO

JoeDeLesseps,umrepresentantedevendasqueviajaregularmenteatravésdeMaryland,PensilvâniaeVirgínia,concordouemfalarcomigopeloSkypenofimdejunho.

Eu atuo nos três estados, vendendo quase tudo que você possa imaginarnoramodeferramentas;aindahápessoasquepreferemlidarcomumserhumanodoquecomumcomputador.Ficoforadasviasexpressasquandoposso. Pre iro as estradas secundárias. Como o meu neto Piper diria, éassimqueeu rodo.Comopassardosanos, abri várias rotas, tenhomeuslocaisprediletosparaparar, tomarumcaféecomerumatorta;algunseuvisito há anos, apesar de um número cada vez maior de lojas familiaresterem sido atingidas pela recessão. Também não gosto dessesmotéis degrandescadeias,pre iroosadministradospor famílias.Vocêpodenão terTVacaboeboacomida,masacompanhiaeocafésãosempremelhores,compreçosaceitáveis.Naquele dia eu estava atrasado. O atacadista que eu tinha visitado em

Baltimore gostava de falar e eu havia perdido a noção do tempo. Quasedecidipegarainterestadual,masháumpequenorestaurantedebeiradeestrada logoantesdaMileCreekRoad–umadasminhasrotasprediletasque leva até perto da loresta Green Ridge –, onde o café é bom e aspanquecas, melhores ainda, por isso decidi fazer o caminho mais longo.Minhamulher, Tammy, vive pegando nomeu pé para ter cuidado com ocolesterol,maserasóelanãoficarsabendo,assimnãosemagoaria.Chegueiporvoltadascinco,meiahoraantesdohoráriodefechar.Parei

perto de um utilitário novinho com vidro fumê. Assim que entrei, penseique devia pertencer ao pequeno grupo que tomava café num reservadoperto da janela. À primeira vista, achei que era uma família comum: umcasalcomo ilho,numaviagemcomvovóevovô.Masquandoolheimaisdeperto, vi que eles não pareciam combinar. Não havia aquelecompanheirismo tranquiloquesevênamaioriadas famíliasouemgentesaindo de férias; o casal mais novo, especialmente, parecia tenso. Quasedava para ver os vincos na camisa do homem mais jovem, como se eletivesseacabadodetirá-ladabagagem.EusabiaqueSuze,acozinheira,queriairparacasa,porissopediminhas

panquecas bem depressa e coloquei creme extra no café para poderengolirmaisrápido.–PoPoqueriraobanheiro–disseomenino,apontandoparaovovô.Mas o velho não falara nada. Dava para ver que havia alguma coisa

erradacomele.Tinhaumaexpressãovazianosolhos,comomeupaipertodofim.A mulher mais velha ajudou o velho a arrastar os pés até o banheiro.

Cumprimentei-aquandoelapassoupelaminhamesae recebiumsorrisocansado.Davaparaverqueocabeloruivoeratingido,tinha2centímetrosderaízesgrisalhas.Tammydiria:aívaiumamulherquenãotemtempodesecuidarháumbomtempo.Eupodiasentirolhares ixosemmim;ocaramais novo estavame analisando. Assenti, comentei algo tipo “uma chuvacairiabem”,maselenãorespondeu.Saíram alguns minutos antes de mim, mas ainda ajudavam o idoso a

entrarnoutilitárionahoraemquefuiembora.–Paraondevocêsvão?–perguntei,tentandoseramistoso.Ohomemmeolhoutortoerespondeu:–Pensilvânia.Estavanacaraqueeraumamentiradeslavada.–Ahã.Bom,secuidem.Amulhermaisvelha,ruiva,medeuumsorrisohesitante.–Anda,mamãe–chamouamaisnova,easenhorapuloucomosetivesse

acabadodeserbeliscada.O menino acenou para mim e eu pisquei para ele. Era um garoto

bonitinho.Elespartiramdepressa,pegandoadireçãoerradase iammesmoparaa

Pensilvânia.AqueleutilitáriodeviaterGPSedavaparaverqueocaramaisnovosabiaoqueestavafazendo.Achoquepensei:nãoédaminhaconta.Nãoviacoisaacontecer.Fizacurva,viobrilhodosfaróis.Ocarroestava

capotadodoladoerradodapista.Parei,pegueimeukitdeprimeirossocorrosnobancodetrás.Quemviaja

comoeuacabadeparandocomummontedeacidentesefaziaanosqueeutinhaumkitnoautomóvel.Atéfizumcursoháalgunsanos.Elesbateramnumcervo.Achoqueocaranovodeveterpuxadoovolante

comforçademaisecapotouocarro.Deuparavernahoraqueosdoisda

frente–omotoristaeamoçadeolharduro– tinhammorrido,edeve tersido rápido. Não dava para ver que partes eram de cervo e que parteseramhumanas.Ovelhonobancotraseirotambémmorrera.Nãovinenhumsangue,mas

osolhosdeleestavamabertos.Elepareciaempaz.Amulher ruiva era outra coisa.Nãohaviamuito sanguenela,mas suas

pernasficarampresaseoolharestavaatordoado.–Bobby–sussurrouela.Eusabiaqueelasereferiaaogaroto.–Vouprocurá-lo,senhora.Aprincípionãoconseguiencontrá-lo.Acheique tivesse sido jogadopelo

vidro de trás. Encontrei o corpo a 200 metros do veículo. Estava numagaleria de escoamento de água, deitado de rosto para cima, como seolhasseocéu.Agentesabequandoaalmasefoi.Háumvazio.Parecianãohavernemumfiapodealmanele.Eu não conseguiria tirar a mulher dali – para isso, precisava de um

alicate pneumático – e estava preocupado com a possibilidade de algumdanonacoluna.Elaparoudechorareeusegureisuamãoenquantoelaiaperdendoaconsciência.Ouviosomdomotorestalandoeespereiapolícia.Sódescobri quemeles eramnodia seguinte.Tammynãoacreditouque

eunãotinhadeduzidoantes;orostodaquelemeninoviviaestampadonasrevistasqueelasemprecompra.Nãopareciacerto.Quaissãoaschancesdeopobregarototerestadoem

doisacidentes fatais?EuplanejavacontinuartrabalhandoatéqueTammymeobrigasseameaposentar,mastalvezessacoisa todasejaumsinaldequeéhoradeparar.Umsinaldequejáchega.

PenseimuitosedeveriaounãoincluirorelatóriodaautópsiadeBobbySmallnestelivro.Decidicolocarumresumodepoisqueváriossitesdeconspiraçãoinsistiramqueamortedelefoiforjada.SegundoapatologistaAlisonBlackburn,perita-chefedoEstadodeMaryland,nãofoiencontradaqualqueranomalianometiculosoexameinterno.BobbyfoiidentificadoformalmenteporMonaGladwell,queserecusouafalarcomigodenovo.(Osleitoressensíveistalvezqueirampularestaparte.Porém,orelatóriocompletopodeser

encontradonositePatologicamenteFamosos)

DEPARTAMENTODEMEDICINALEGALESTADODEMARYLAND

Falecido:BobbyReubenSmallIdade:6anosSexo:Masculino

Númerodaautópsia:SM2012-001346

Data:11/06/2012Hora:9h30

Exame e análise resumida realizados por: Alison Blackburn, MD, Perita-ChefeExameinicial:AGaryLeeSwartz,MD,SubchefedePeríciaExameosteológico:APaulineMaySwanson,ph.D.,ABFAExametoxicológico:AMichaelGreenberg,ph.D.,DABFT

RESULTADOSANATÔMICOSMenino com abrasões super iciais na testa, no nariz e no queixo.DeslocamentocompletoentreC6,C7eC7,T1.SecçãododiscointervertebraledoligamentoanteriorC6,C7.ProcessoespinalC6fraturado.Rasgoparcialdosfilamentosderaizposterioremúltiplospontosdesangramento.

CAUSADAMORTERompimentotraumáticodocordãocervical.

TIPODEMORTEMorteacidentalconsistentecomejeçãodeumveículomotorizado.

RESUMOCIRCUNSTANCIALBobby Small, 6 anos, sexo masculino, foi o único sobrevivente de umacidente de avião há seis meses, em que sua mãe morreu. Sofrerapequenos ferimentos,dosquais se recuperouporcompleto.Estavasendoperseguidoporumgruporeligiosoe foi tomadaadecisãode levá-loparaum local seguro comos avós. Os três eram transportados numChevroletSuburbanutilitáriopordoisagentesdoFBI.Bobbyestavasentadoentreosavósnobancodetrásdoveículo,presoporumcintodesegurançadedoispontos. Aproximadamente às 17h, eles pararam no restaurante Duke’sRoadside, em Maryland. O grupo foi observado lá pelo Sr. JosephDeLesseps, um representante de vendas. Eles atraíram seu interesseporque o Sr. DeLesseps achou que formavam um grupo estranho. Osadultos tomaramcaféeBobbybebeumilkshakedemorangoecomeuumpratodebatatas fritas.Ogruposaiuporvoltadas17h30,seguidospoucodepoispelo Sr.DeLesseps, queviuo Suburbanpartir emalta velocidade.Mais oumenos às 17h50, o Sr. DeLesseps fez uma curva num trecho daestrada que passava por uma loresta e viu o Suburban acidentado noacostamento.Encontrouocarrobatidonumaárvoregrandecomumcervomortoatravessadonopara-brisa.Noveículo,haviaduaspessoasmortasnobancodafrenteeumhomemidosomortonobancodetrás.Haviatambémumamulheridosamuitoferidanobancodetrás.Aonãoavistaromenino,o Sr. DeLesseps procurou-o ali por perto. Encontrou o corpo do garotonumapequenagaleriadeescoamentoa200metrosdoutilitário.Nãohaviasinaldevida.Eleligouimediatamenteparao911.

DOCUMENTOSEPROVASEXAMINADOS1. Relatório do centro de exames de veículos referente ao ChevroletSuburban.Provasdedanosnocapôenopara-brisaconsistentescomoimpactodeumcervo.Amassadodatraseiradoveículoconsistentecomo impacto com um tronco de árvore. Vidro traseiro despedaçado ecinto de segurança traseiro de dois pontos dani icado. Nenhumaevidênciadequalquerdanoanterioraoacidenteoudefeitosnoveículo.

2.Relatóriodaequipedeexamefeitopelaautoridaderodoviária.Marcasde pneus indicam a probabilidade de frenagem súbita após impactocom cervo em velocidade de moderada a alta, resultando emcapotagemparaforadaestradaeimpactolateral-traseirocomárvore.Os cintos de segurança dos adultos permaneceram no lugar, mas ocinto central do banco traseiro, de dois pontos, estava aberto eparcialmente dani icado, resultando na ejeção da criança através dovidrotraseirodespedaçado.

IDENTIFICAÇÃOEm11/06/2012, às9h45, foi realizadoumexamepostmortemcompletono corpo de Bobby Small, identi icado pelo Departamento de MedicinaLegal do condado de Norfolk. David Michaels estava presente comoassistentedeautópsia.

ROUPASEOBJETOSDEVALORBobby Small usava um boné vermelho-vivo (recuperado no local), jeans,umacamisetavermelhado ilmeUmanoitenomuseu ,umagasalhocinza-clarocomcapuzeumpardetênisConversevermelhos.

EXAMEEXTERNOO corpo é de um jovem do sexo masculino bem nutrido com idadedeclaradade6anos.Comprimentodocorpo1,14metro/Peso21quilosCabelo louro-claro, comprimento médio e ligeiramente encaracolado.

Nenhum nevo ou tatuagem. Pequena cicatriz na testa. Abrasõessuper iciaisna testa, nonariz enoqueixo. Pupilas iguais e regulares. Írisazul-claras. Dentes de leite saudáveis com a ausência dos dois incisivosfrontaissuperiores.

ApesardePaulCraddocktertentadodestruirodiscorígidodeseucomputador,váriosdocumentosee-mailsforamrecuperados,inclusiveosseguintes,queforamvazadosparaaimprensa.(Oserrosforamdeixadosparailustrarseuestadomental)

ListademerdasestranhasqueJessdisse(8dejunho)(Maissobreanovaobsessãocomotédio)TioPaul,você icaentediadoporser você? Eu ico entediada por ser eu. (Volta a assistir seu programapredileto, a porra doThe Only Way is Essex.) Essas pessoas estãoentediadasporseremelasmesmas.(Perguntoaelaquem.issoquerdizer)Estar entediado é como ser um copo que não pode ser enchido (zen daporra, onde ela ouviu isso?????? Com certeza não no Big Brother dasCelebridades).

(10dejunho)Entrego o jantar ela diz: tio Paul, o Stephen cheira tãomal quanto essasiscasdepeixe?(Eugrito,elagargalha)Saioela liganumcanaldenotícias.Ouço ela rindo de outra coisa. Quase vomito quando vejo que é umamatériadizendoqueBobbySmallmorreunumacidentedecarro.Perguntoo que tem de engraçado ela diz: ele não tá morto, só tá bancando obobinho.Quenemmamãe,papaiepolly.(Estounacozinha,pensandodenovonoscomprimidosistoéemquantos

teriam de ser para ter certeza) Ela entra sem que eu veja. Chega pertodemaisdomeurosto.Diz:eusouespecial,Paul?Naescoladizemquesou.Étãofácil...

(14dejunho)

A coisa me encontra chorando. Quer brincar de meu querido pôneicomigo? Você pode ser a princesa luna de novo e stephen pode ser aprincesacelestia(gargalha).1)POSESSÃOPRÓ:elasemnptreparecesaberoqueestoupensando,sabecoisas que não saberia tipo sobre orientassão sexual, sabe sdobre ossonhoscomostephenddizquefoielaquemandoueles

2) POSSESSÃO CONTRA: NÃO É RACIONAL EU SEI ISSO QUE ESTOUPENSANDO e ela não tem ataques nem nada como a lista da inetrnetnemfalacomvozesestranhaseaquelebabacadogerharddissequeeraimprovávelsebemqueeunõoconfionaopiniãodele

3)TEORIADOSCAVALEIROSPRÓ:coresdosaviões,sinaismontesdequedejeitonemjhunelespoderiamtersobrevivido,outrascriançastambémagindoestranhotemoavocaducodoBobbyfalandoeHirofalandopelaporradeumrobôe como tantagentepodeestarerradaporque tantasacreditam que é verdade e agra que acharam a quarta criança sebemquetudopodesermaispapofurado

4)TEORIADOSCAVALEIROSCONTRA:babaquicemaluca,atéoarcebispodecanturburyeaquele imameimportantedizemqueépurababaquiceeelestambémacreditamemfadasdocéuesetemumcavaleirodentrodelaonddetáajessdeverdadeeporqueelaparceelamesma.Ossinaisque colocaram no site poderiam ter acontecdo de qualquer modo e onegócio da febre aftosa acabou agora de qualquer forma e aniomaismordemgenteotempotododequalquer formaquenemenchentesetcetc

5)SÍNDROMEDECAPGRASPRÓ:meuhistóricodedoençamentalsebemque isso tinha a ver com estresse e seria legal já que é um problmamédicoqueexplicariiaporqueeuachoqeelanãoéajessmesdsmoelaparecendoajesseasvezesfalacomoela.Eugostariaquefosseisso

6) SÍNDROME DE CAPGRAS CONTRA: nunca tive isso antes, nenhum

ferimento na cabeça (a não ser que eu estivesse bêbado e nãopercebesse)émuitomuitomuitorarapracaralho

7)ALIENSPRÓ:omesmoqueapossessãoeexplicariaporqueasvezeselaparecequeestámevigiandocomoseeufosseumexperimento

8)ALIENSCONTRA:porquenãoé racionla sebenqueaeveidênciapodeser convincente e essa é a única que eu ainda Não descartei mas éprecisopesqisarmaisscertopaul

De:AbraosOlhosPara:[email protected]:14dejunhode2012Assunto:RE:Conselhoemsegredo

Paul,obrigadopeloe-mail,ficofelizemajudarnoquepuder.Como eu disse quando nos falamos por telefone, o modo mais comum

pelo qual eles agem é implantando um MICROCHIP dentro da pessoa.Acredito que no momento dos acidentes as crianças foram postas emestase,por issonãosemachucaram.Depoiselas receberamos implantes.Através demanipulação do tipo “voz para o crânio”, os Outros (ALIENS)podem controlar e in luenciar os escolhidos. Isso é um novo tipo detecnologia que está a ANOS-LUZ de distância do que podemos fazer emnossadimensão.Vocêdizqueveri icou todasasopçõeseprovouqueNÃOéumcasode

possessãodemoníaca.Congratulo-oporsertãometiculoso.Não iconemumpoucosurpresoaosaberqueJessestámostrandosinais

perturbadores ou que se afastou do comportamento característico – issoeraalgoprevisível.Lembre-se,umamudançadePERSONALIDADENÃOénaverdadesintomadesíndromepós-traumática.Comovocêdiz,vejaoqueestá acontecendo com o garoto do Japão (falando através de ummecanismo,deumROBÔ)eogarotodosEstadosUnidos,quesemdúvidaestava fazendoexperimentoscomo funcionamentocognativo[sic]doavô.Émuito improvável que ele estejamorto. Esse é um ardil do governo, já

que ele está de conluio com os OUTROS. Eles recebem imunidade dasexperiências e izeram um acordo com os aliens para que tenham cartabrancaparasealimentardenossasenergias.Suaperguntasobreateoriapamelistaémuitointeressante.Acreditoque

hajaMUITAS similaridades com a verdade. Émuito próximo do queNÓSacreditamos. Eles estão errados, porém estão MAIS CERTOS DO QUEIMAGINAM.Eoquevocêestásentindonãodeveserconfundidocomasíndromede

Capgras.Essaéumaanomolia[sic]psicológica.Como proceder? Eu seria cauteloso perto de Jess, é improvável que ela

façaalgumacoisaparaprejudicarvocê.Os sonhosevisõesquevocêestátendosãoprovavelmenteinterferênciadochip.Euoaconselhariaavigiá-laatentamente e a ter cuidado com o que diz a ela. Avise se houver maisalgumacoisaemqueeupossaajudar.Tudodebom,Si

NorikoInada(nomefalso)residenoquartoandardoprédiodiantedacasadeChiyokoKamamoto.EsterelatofoielaboradoporDanielMimura,jornalistadoTokyoHeraldqueaentrevistoudoisdiasdepoisdoassassinatodeHiroYanagida.(TraduçãodeEricKushan)

Geralmente acordomuito cedo, por volta das cinco, e enquanto espero odiachegar,olhoorelógioaoladodacama.Éporissoqueseiahoraexatado primeiro tiro. Apesar de o meu prédio estar situado a apenas 200metrosdamovimentadaviaexpressaHatsudai,ébemisoladodobarulho,mas aquele sompenetrou nomeu quarto. Um estalo abafado, que fez eume encolher, depois outro, e mais dois. Eu nunca tinha ouvido um tiroantes, a não ser na televisão, por isso não soube o que pensar. Seriamfogosdeartifício?Eeunãopodiatercertezadeondeaquilovinha.Demoreiváriosminutosparasubirnaminhacadeirade rodas,masaos

poucosfuiatéajanela,ondepassoamaiorpartedodia.Nãosaiomuito.Oedi ício tem elevador, mas é di ícil passar pela porta sem ajuda eminhairmãsótemtempodemevisitarumavezporsemana,quandometrazascompras. Eu vivi aqui pormuitos anos commeumarido e, após amortedele,decidificar.Meularéaqui.Aindanãoestavaclaro,osollutavaparasubirnocéu,mas,porcausadas

luzes dos postes, pude ver que a porta da frente da família Kamamotoestavaaberta.EracedodemaisparaKamamoto-sanirparaotrabalho;elesaíatododiaàsseishoras,porisso iqueiumpoucopreocupada.Ninguémmais no bairro havia acordado. Quando fui interrogada pela políciamaistardenaqueledia, elesdisseramquemeusvizinhosqueouviramos tirosacharamqueforaumescapamentodecarro.Abriajanelaparadeixarumpoucodearentrareespereiparaverseo

som se repetia ou se alguém iria sair da casa. Então vi duas iguras sedirigindo para a casa, vindo da direção da estação Hatsudai. Quandopassaram embaixo da minha janela, reconheci a garota – era ChiyokoKamamoto – e deu para ver, pelo cabelo comprido, que o rapaz que aacompanhava era o que eu tinha visto no parquinhomuitas vezes antes.Tambémjáo lagrarapichandoumamensagemnacalçada,maselelimpou

aquilo depois, por isso não reclamei. Aqueles dois erammuito diferentes.Chiyokoandavaempertigadacomosefossedonadasruas;eleseencolhiacomo se tentasse parecer menor do que era. Eu vira Chiyoko saindo dacasamuitas vezes à noite para se encontrar comele,mas era a primeiravez que a observava retornando. Os dois estavam falando baixinho, porissonãoouvidetalhesda conversa.Chiyoko riue cutucouogaroto comocotoveloeelesecurvouparabeijá-la.Elaoempurroudebrincadeiraesevirouparaentraremcasa.Elahesitou aover aporta aberta e se virouparadizer alguma coisa ao

companheiro. Entrou e, após trinta segundos, ouvi um grito. Não erasimplesmenteumgrito,masumuivo.Aangústianaquelesomeraterrível.Ogaroto,queaindaesperavadoladodefora,sesacudiucomosetivesse

levadoumtapa,depoisentroucorrendonacasa.Vários vizinhos começaram a sair de suas casas, perturbados pelos

gritos,quepareciamnãopararnunca.Chiyokoapareceucambaleandocomomeninonocolo.Aprincípio,achei

que ele estava coberto de tinta preta, mas quando ela chegou à luzembaixodaminhajanela,aquilo icouvermelho.Omenininho,Hiro,estavafrouxonosbraçosdela e... e... nãopudevero rostodele.Era só sangueeossoondeorostodeveriaestar.Omeninoaltotentouajudá-la,osvizinhostambém,maselagritouparadeixá-losempaz.ElagritavacomoHiroparaeleacordar,paraparardefingir.Ele era um garotinho ótimo. Sempre que saía do apartamento, olhava

paramimeacenava.Nocomeço,minhairmãnãoacreditouqueacriança-milagre morava na casa do outro lado da rua. O Japão inteiro gostavadaquelemenino.Àsvezesfotógrafosesperavamnarua.Umavezumdelesbateu à porta e perguntou se poderia ilmar a casa ali do meuapartamento,masrecusei.No máximo três minutos depois, ouvi a ambulância chegando. Foram

necessários três paramédicos para tirar o corpo de Hiro de Chiyoko; elalutou,bateuneleseosmordeu.Ospoliciais tentaramarrastá-laparaumadasviaturas,maselaconseguiusesoltare,antesque impedissem,correuparalonge,aindaencharcadaemsangue.Orapazcabeludofoiatrásdela.Amultidão de curiosos e repórteres cresceu àmedida que a notícia se

espalhou.Houveum silêncio quando os corpos foram removidos da casa,

dentrodasmortalhasdeplásticopreto.Foiaíqueeumeafasteidajanela.Naquelanoitenãodormi.Penseiquenuncairiadormirdenovo.

Ogrupodediscussãodo2-channelfervilhouminutosdepoisdeoassassinatodeHiroserdivulgado.

NOME:ANONIMO111–DATADEPOSTAGEM:22/06/2012–11:19:29.15Porra!VcsouviramfalardoHiro?NOME:ANONIMO356Nãodápraacreditar.OGarotoAndroide támorto. A porra de um sacana fuzileiro americano

invadiuacasa.AtirounospaisdaprincesaenoHiro.NOME:ANONIMO23Vcs viram o negócio no Reddit? O fuzileiro era um daqueles malucosreligiosos.TipoocaraqtentouatirarnogarotodosEUA.NOME:ANONIMO885Orzesteve lá.Orze aprincesaacharamo corpo.Tô chorandopordentropeloOrz.Vcsviramasfotosdele?TavalutandoparachegaratéaPrincesaenqtoospoliciaistentavammanterelelonge.Eutavatorcendoporele.

NOME:ANONIMO987Todomundo tava, cara.Fiquei felizpqeles se livraramno im.Vai fundo,Orz!NOME:ANONIMO899A princesa não é tão gostosa qto eu achei q era. Orz parece um otakutípico,comoeuimaginei.NOME:ANONIMO23Qcoisafria.Vaisefoder,899.

NOME:ANONIMO555PraondevcsachamqOrzeaprincesaforam?Apolíciadevequererfalarc/eles.NOME:ANONIMO6543VcsachamqoOrztálegal?NOME:ANONIMO23Nãosejaidiota,6543!Claroqelenãotálegal!!!![Seguiu-semuitaespeculaçãosobreoqueissopoderiasignificarparaofuturodeOrzedaprincesa.Então,trêshorasdepois,Ryuapareceunogrupo]

NOME:HOMEMORZ–DATADEPOSTAGEM:22/06/2012–14:10:19.25Oi,pessoal.NOME:ANONIMO111Orz???Évcmesmo?NOME:HOMEMORZSoueu.NOME:ANONIMO23Orz,vctábem?Eaprincesa?Ondevctá?NOME:HOMEMORZNãotenhomtotempo.Aprincesatámeesperando.Mostrei as msgs de vcs pra ela e ela disse q agora não importa q vcs

saibamquemagenteédeverdade.Dizqvcsnuncadevemesqueceroqelesfizeram.Elatáabalada.Eutôabalado.Masqueriadizerobrigadopordartodoaqueleapoiopragente.

Nãovaiserfácil...Queriaqvcssoubessemqnãovãotermaisnotíciasminhas.Vamos icar juntos pra sempre, indo pra algum lugar onde não possam

maisfazermalpragente.Gostariadeconhecertodosvcs.Nãoteriatidocoragemdesairdoquarto

semoencorajamentodevcs.Adeus.Seuamigo,Ryu(HomemOrz)

NOME:ANONIMO23Orz??????NOME:ANONIMO288Orz!!!!Volta,cara.NOME:ANONIMO90Elefoiembora.NOME:ANONIMO111Pessoal,issonãoélegal.Pareceuumbilhetedesuicídio.NOME:ANONIMO23OOrznuncafariaumacoisadessas...faria?NOME:ANONIMO57890Se vcs pensarem bem, se o Orz e a princesa não tivessem saído juntosnaquelanoite,ofuzileiroteriaatiradonelatb.NOME:ANONIMO896Orzsalvouavidadela.NOME:ANONIMO235É.Eseo111tácerto,elesvãosematarjuntos.Umpactodesuicídio.

NOME:ANONIMO7689Nãoháprovadeqéissoqelesvãofazer.NOME:ANONIMO111Aqueles escrotos americanos. Tavam por trás disso. Mataram o Hiro edestruíramafelicidadedoOrz.Nãopodemficarnumaboadepoisdisso.NOME:ANONIMO23Concordo.Orzéumdosnossos.Elesprecisampagar.NOME:ANONIMO111Pessoal, pela primeira vez na vida, é hora da gente fazer uma coisaimportante.

MelanieMoranconcordouemfalarcomigopeloSkypepoucodepoisdoenterrodeJessicaCraddockemmeadosdejulho.

Eu me culpo. Geoff diz que não devo, mas em alguns dias não consigoevitar.Elevivedizendo:“Vocêjátempreocupaçõesdemais,querida.Oquepoderiaterfeito,afinal?”Olhandopara trásagora,comobene íciode jásaberdoacontecido,não

possodeixardesentirquedeveriatervistooqueviriaaseguir.Paulvinhaagindodemodoestranhohaviaumtempo,tantoqueatéoKelvineoutrostinhampercebido.Elefaltaraàsúltimastrêsreuniõesdo277Unidoenãopedira para eu ou Geoff pegar Jess na escola nem cuidar dela duranteumas duas semanas antes de a coisa acontecer. Para ser honesta, eu eGeoff icamos aliviados por ter uma folguinha. Tínhamos preocupaçõesdemais, nossos próprios netos para cuidar, especialmente depois que oGavin começou a sair cedo para as provas da polícia. E Paul tinha atendência de ocupar o espaço, tornar-se o centro das atenções. Ele podiaser bem carente, obcecado consigomesmo.Mas, ainda assim, eu deveriaterfeitomais.Deveriatermeesforçadomaisparavercomoeleestava.Ouviaqueleassistentesocialdele sendoentrevistadonorádio, tentando

seexplicar.Eledissequenãoeradeespantarquetodomundotivessesidoenganado,Pauleraator,ganhavaavidarepresentandopersonagens.Masissoé sóumadesculpa.O fatoéqueo caranãoestava fazendoo serviço.Deram uma mancada. Aquele psicólogo também. Como o Geoff costumafalar,Paulnãoeraumatortãobom,era?Quando nós começamos com o 277 Unido, alguns outros – não eram

muitos,vejabem–sentiamque,comooPauleraoúnicodenósquetinhaum parente que havia sobrevivido ao acidente, deveria icar de lado,deixar os outros falarem. Eu e Geoff não concordávamos com isso. Paulperdera o irmão, não é? E a sobrinha e a cunhada. Na primeira vez quePaullevouJessparaumencontro,foidi ícilparaamaioriadelesolharparaela;comovocêsecomportadiantedeumacriança-milagre?Porqueelaeraisso, ummilagre, só que não como aquelesmalucos dizem. Você deveriaouvir o padre Jeremy falar sobre eles: “Colocando o cristianismo em

descrédito”.NóstomamoscontadaJessváriasvezesenquantooPaulsaíaparafazer

o que precisava. Era uma menininha adorável, inteligente de verdade.Fiquei aliviada quando Paul decidiu mandá-la para a escola. Levá-la devolta a uma vida normal. A escola que ela frequentava parecia um bomlugar, dava apoio, eles izeram aquela linda cerimônia memorial para aPolly,nãofoi?Achoque,decertomodo,eramaisdi ícilparaoPauldoqueparanós.Eletinhaummembrodafamíliaaindavivo,mas,a inaldecontas,eraumalembrançaconstantedequeosoutroshaviammorrido,nãoé?Dá para ver que estou adiando entrar na próxima parte. As únicas

pessoasaquemconteiemdetalhesforamGeoffeopadreJeremy.Éoqueminha Danielle chamaria de uma completa foda mental. Ela era bemdesbocada.Puxouamim.Não se incomode comigo; as lágrimas estão sempreperto da super ície.

Seiqueaspessoaspensamquesouforte,umavacavelhaedurona,esou...masa coisabate fundo.Todoesse sofrimento, todasessasmortes.É tudodesnecessário.JessnãoprecisavamorrereDaniellenãoprecisavamorrer.Naquele dia eu tinha desligado o celular. Só por algumas horas. O

aniversáriodeDanielleestavachegandoeeumesentiaparabaixo.Decidicuidardemimetomarumlongobanhodebanheira.Quandovolteialigaro telefone, vi que tinha um recado do Paul. Primeiro ele pediu desculpaspor ter se afastado, disse que tivera muito em que pensar e fazer nosúltimos dias. A voz dele estava chapada. Sem vida. Em retrospecto, achoqueeudeveriatersentidoalgumapremonição.Eleperguntouseeupodiairàsuacasabaterumpapo.Tentei ligardevolta,mas caiudiretona caixapostal.Aúltimacoisaque

eusentiavontadeeradeiràcasadoPaul,masmesentiaculpadaporquenão telefonara para saber por que ele tinha parado de ir às reuniões do277. Geoff estava na casa do Gavin cuidando das crianças, por isso fuisozinha.Quando cheguei, toquei a campainha e não houve resposta. Tentei de

novo, então percebi que a porta da frente estava ligeiramente aberta. Eusoubequealgumacoisaestavaerrada,masaindaassimentrei.Encontrei-a na cozinha. Estava caída, esparramada, de rosto para cima,

pertodageladeira.Haviavermelhoemtodaparte.Espirradonasparedes,

na geladeira e nos outros aparelhos. A princípio eu não queria acreditarque era sangue. Mas o cheiro... Eles não dizem isso nos seriados, nosseriados policiais. Como o sangue fede. Eu logo soube que ela tinhamorrido.Estavaquenteláforaealgumasmoscasgrandeseazuiszumbiamem volta dela, se arrastando no rosto e tal. Os lugares onde... ah, meuDeus... os lugares onde ele a cortara... talhos fundos, em alguns pontoschegando ao osso. Uma poça de sangue se espalhava embaixo dela. Osolhosestavamabertos,tambémcheiosdesangue.Vomitei.Nahora.Por todaa frenteda roupa.Comeceia rezareminhas

pernaspareciampesadascomoblocosdecimento.Penseiqueumlunáticotinhainvadidoacasaeatacadoamenina.Pegueiotelefoneeligueiparaaemergência.Aindanãoacreditoqueconseguiqueelesmeentendessem.Tinhaacabadodedesligarquandoouviumapancadanoandardecima.

Não fui eu que izmeu corpo semexer. Sei que isso não faz sentido. Eracomo se estivesse sendo empurrada para a frente. Eu achava que oassassinodeJessaindapoderiaestarnacasa.Subiaescadacomoumrobô,deiumatopadacomodedãonodegraude

cimamasnemsenti.Ele estava deitado na cama, branco feito um lençol. Garrafas de bebida

vaziasespalhadasportodoocarpete.A princípio, pensei que estivesse morto. Então, ele gemeu, me fazendo

pular,eeuviopacotedecomprimidosparadormirapertadonamãodele;agarrafadeuísquevaziaaolado.Ele havia deixado umamensagem namesinha de cabeceira, escrita em

letras grandes e raivosas. Nunca vou poder tirar aquelas palavras dacabeça:“Eupreciseifazerisso.ÉoÚNICOMODO.Precisavaarrancarochipdela,paraqueelaficasseLIVRE”.Nãodesmaiei,masotempoquedemorouatéapolíciachegaréumvazio.

Aquelavizinha,aesnobe,me levoudiretoparadentrodacasadela.Davapara ver que ela tambémestava fora de si de tanto choque.Naquele diaela foigentilcomigo.Fezumaxícaradechá,meajudouame limpar, ligouparaoGeoffpormim.Dizem que Jess deve ter demorado um tempo enorme sangrando

naquelechão.Acoisa icapassandonaminhacabeçao tempotodo.SeeutivessevisitadooPaulantes...Se,se,se...

E agora... não é raiva que sinto do Paul e, sim, pena. O padre Jeremya irma que o perdão é o único caminho para seguir em frente. Mas nãoconsigo deixar de pensar que seria melhor se ele tivesse morrido.Trancado daquele jeito, num lugar daqueles, que tipo de futuro ele vaiencarar?

MatériaescritapelojornalistaDanielMimura,publicadonoTokyoHeraldOn-lineem7dejulhode2012.

TuristasocidentaissãoalvodoMovimentoOrzOntemàtarde,umônibusdeturismoapinhadodeturistasamericanosfoibombardeado por tinta vermelha e ovos quando entrava noestacionamentodo temploMeiji emShibuya.Os criminosos fugiramantesda chegada da polícia, mas foram ouvidos gritos de “Isso é pelo Orz”.Ninguém se feriu no ataque, se bem que vários turistas idosos icarambastanteabalados,segundoosinformes.Há também relatos não con irmados de vários estudantes americanos

queforamagredidosnumalojadeprodutoseletrônicosontemàtardeemAkihabaraeoutraagressãoverbalnãoconfirmadacontraumturistainglêsnoparqueInokashira.Acredita-sequeessesincidentesforamperpetradospeloMovimentoOrz,

umgrupoqueprotestacontraoassassinatodeHiroYanagida,responsávelporpicharvárias lojase instituiçõesocidentais.Em24de junho,doisdiasapósamortedomenino,osfuncionáriosda limpezachegaramàIgrejadaUnião de Tóquio, em Ometsando, perto da famosa loja Louis Vuitton, edescobriram uma pintura representando uma bolsa encharcada desangue,feitapertodaentrada.Naquelanoite,umapinturaaestêncildeumhomem vomitando apareceu nas paredes das duas lojas Wendy’s deTóquio e de um McDonald’s em Shinjuku, provocando ao mesmo temponojoegargalhadas.Umasemanadepois,umhomemmascaradoapareceuem câmeras de vigilância depredando a placa do lado de fora daembaixadaamericana.OsímboloORZédeixadoemtodososlocaisetrata-sedeumemoticon,ou

emoji, que lembra uma igura batendo a cabeça no chão. Signi icadepressãooudesesperoefoipopularizadoemfórunsdediscussãocomoo2-channel.Atéagoraapolícia fracassouemconterocomportamentocadavezmais

radical. Comohápichações iguais surgindo em cidadesde todoo Japão –

até mesmo na distante Osaka –, parece que o movimento já se espalharapidamente.Umporta-vozdaOrganizaçãoNacionaldoTurismoenfatizouqueoJapão

não é um país conhecido por “protestos violentos” e que não deve serjulgadopelosatosdeuma“minoriaequivocada”.Agora o Movimento Orz atraiu uma apoiadora enfática e de alto nível.

AikaoUri,chefedocrescenteecontrovertidoCultodeHiro, fezaseguintedeclaração:“Oassassinato imperdoáveldeHiroeo fatodequeogovernodosEstadosUnidosnãoestápreocupadoem levarosculpadosà justiçaéumclaro sinal dequeprecisamos cortar os laços imediatamente.O Japãonãoéumacriançaquepreciseservigiadapelababáamericana.AplaudooqueoMovimentoOrzestá fazendo.Éumapenaquenossogoverno tenhamedodeseguirseuexemplo.”Ao contrário de muitos nacionalistas linha-dura, ela pediu que fossem

reforçadososlaçoscomaCoreiaeaRepúblicaPopulardaChina,chegandoaopontodeinsistirquesejamfeitasreparaçõespeloscrimesdeguerradoJapãonaSegundaGuerraMundialcontraessasnações.Elaestáàfrentedacampanha para que o histórico Tratado de Cooperação e SegurançaMútuas entre os EstadosUnidos e o Japão seja derrubado e para que astropas americanas baseadas na ilha de Okinawa sejam retiradas. Ela écasada com o político Masamara Uri, que muitos consideram o futuroprimeiro-ministro.

POSFÁCIODAPRIMEIRAEDIÇÃO

MatériapublicadanoTokyoHeraldem28dejulhode2012.

Restosdo“HomemOrz”encontradosemJukeiTodo ano, voluntários da polícia municipal de Yamanashi e dos guardasFujisan fazem uma varredura meticulosa na famosa loresta Aokigahara,procurandooscorposdosqueoptaramporencerraraprópriavidanesse“mar de árvores”. Este ano,mais de quarenta corpos foram descobertos,inclusive os restos de um homem que a polícia suspeita ser Ryu Takami(22),quealcançounotoriedadedepoisquesuahistóriadecoraçãopartidoatraiu a atenção do grupo de discussões 2-channel. Takami, que usava oavatar Homem Orz, estaria num relacionamento com Chiyoko Kamamoto(18),primadeHiroYanagida,sobreviventedovoo678daSunAir.ChiyokoeRyudesapareceramem22dejunhode2012,omesmodiaemqueHiroe os pais de Chiyoko forammortos a tiros por JakeWallace, um soldadorasoamericanobaseadoemCampCourtneynailhadeOkinawa.OsoldadoWallace matou-se no local. Sapatos, celular e carteira pertencentes aChiyoko foram encontrados perto do corpo decomposto. Chiyoko tambémteria acabado com a própria vida na loresta, apesar de seu corpo aindanãotersidodescoberto.Numa estranha reviravolta do destino, os restos foramdescobertos por

YomijuriMiyajima (68), o rastreador de suicidas voluntário que resgatouHiro no local do acidente em 12 de janeiro de 2012.Miyajima, que icouarrasado ao saber da morte prematura de Hiro, encontrou o corpoparcialmentedecompostoduranteumabuscanaáreapertodacavernadegelo.O desaparecimento de Takami provocou os protestos contra os Estados

Unidos,quecontinuamesetornamcadavezmaisviolentos, iniciadospeloMovimentoOrzeoCultodeHiro,easautoridadesestãopreocupadascom

a hipótese de a descoberta de seus restos mortais in lamarem umasituaçãojávolátil.

OjornalistaVuyoMolefecompareceuàentrevistacoletivaconvocadapelobraçosul-africanodaLigaRacionalistaem30dejulhode2012emJoanesburgo.Siga-onoperfildoTwitter@VMaverdadedoi.

@VMaverdadedoiCredenciais veri icadas na entrada do centro de convenções de joburg.Pela3avez#ficafrionaosomosterroristas@VMaverdadedoiMuitaespeculaçãorolando.BoatosdequeVeronicaOduahvaidarascaras@VMaverdadedoi@melanichampa Não sei. Tô aqui há uma hora. Se vier traga café erosquinhaspfavorsisi@VMaverdadedoiFINALMENTE. Aparece Kelly Engels, a porta-voz da Liga Racionalista daAS.FaladapróximaeleiçãonosEUA@VMaverdadedoiKE: preocupada c/ o crescente apoio int. à direita religiosa – pode terimplicaçõesglobais@VMaverdadedoiBoatossecon irmaram:VeronicaOduahestáaqui!Parecetermaisde57.Precisadeajudaprachegaraotablado.@VMaverdadedoiVOmtonervosa.Voztrêmula.Dizqveioabrirojogo.Asalaofega.Sópodesignificarumacoisa

@VMaverdadedoiVO:“elenãoémeusobrinho.Estãomantendo-onumesconderijo longedemimhásemanas.Eudisseissoquandoovipela1avez.”@VMaverdadedoiVO:“Ofereceramdinheiropara icarquietamaseunãoquis.”MasdizqueoprimodopaideKpegouagrana@VMaverdadedoiJorn. da BBC: “quem ofereceu dinheiro?” VO: “Os americanos. Não sei osnomes.”@VMaverdadedoiBurburinhogeral.KellyEngels:“tambémtemosprovadedelatordolabdeJoburgdizendoqueoDNAmitocondrialdeKennãobate.”@VMaverdadedoiDelatortbfoisubornadopra icarquieto.gvnodaASedireitareligiosadeconluio#surpresasurpresacorrupcaodenovo@VMaverdadedoiE outra convidada-surpresa! Jorn. da Zimbo perto demim diz que isso émelhorqueojulgamentodecorrupçãodoministroMzobe.@VMaverdadedoiConvidada édo cabooriental – Lucy Inkatha.Diz que “Kenneth” é onetodela,Mandla@VMaverdadedoiLI:“Mandlafugiudecasaparaacharpainacidadedocabo.Tem8anosesériasdificuldadesdeaprendizado.”@VMaverdadedoiKelly Engels: “estamos todos trabalhando pra levar Mandla pra casa o

quantoantes.”@VMaverdadedoiVeronicaOduah: “Édi ícil,mas tenhodeaceitarqueKennethestámorto.”Algunsrepórteresestãoficandoirritados.@VMaverdadedoiKE: “Agoraque a verdade está aí, as pessoas verão comoospolíticos sãointeresseiros.”@VMaverdadedoiKE:“Gostariadeagradeceratodosquetiveramcoragemdeseapresentarefalaraverdade.”@VMaverdadedoiRT @kellytankgrl FINALMENTE alguma sanidade nessa confusão#naodeixemosbabacasvencerem@VMaverdadedoiRT@brodiemermaid O pessoal de RP da dir. relig. vai precisar de outromilagreprasairdessa#naodeixemosbabacasvencerem@VMaverdadedoiTumultogeral.Esperandoreaçãodopessoaldo imdos tempos.Seráqueissopodeinfluenciaravitóriadeles?#naodeixemosbabacasvencerem

POSFÁCIODAEDIÇÃOESPECIALDEANIVERSÁRIO

Notadoeditor

Quando o agente de Elspeth Martins me mandou uma proposta paraDaqueda à conspiração (DQAC) no início de 2012, iquei imediatamenteintrigado.TinhalidoeadmiradoDetonadores,oprimeirolivrodeElspeth,esabia que, se alguém poderia trazer uma nova perspectiva para osacontecimentos ligadosàQuinta-FeiraNegra,seriaElspeth.Àmedidaqueo livro tomava forma, icou claro que tínhamos algo especial nas mãos.Decidimos apressar a produção, optando por publicá-lo no início deoutubro,antesdaeleiçãode2012.Em uma semana, o livro teve mais duas tiragens. Até hoje, apesar da

recessãomundialedeumdeclínioenormenavendageraldoslivros,maisde 15 milhões de exemplares em papel e em formato digital foramcomercializados.Eninguém–muitomenosaprópriaElspeth–poderiaterprevistoofurorqueaobraprovocaria.Entãoporqueumaediçãocomemorativa?Porquerepublicarolivroque

a Liga Racionalista chamou de “in lamatório e perigoso” nestes temposprofundamenteperturbados?Fora o motivo mais óbvio – o signi icado cultural e histórico, pois, sem

dúvida, in luenciou a eleição presidencial americana de 2012 –, nósobtivemos os direitos sobre o material novo e empolgante que forma oapêndicedesta edição.Muitos leitoresdevemsaberque, exatamentedoisanosapósaQuinta-FeiraNegra,ElspethMartinsdesapareceu.Osfatossãoos seguintes: Elspeth viajou ao Japão e deixou seu hotel em Roppongi,Tóquio,namanhãde12de janeirode2014.Sópodemosespecularoqueaconteceu em seguida, já que as tentativas posteriores de rastrear seusúltimos passos foram prejudicadas pela tensão cada vez maior na área.Parece que seus cartões de crédito e o celular não foram usados depoisdessadata,aindaqueumlivropublicadodeformaindependente,Históriasnão contadas da Quinta-Feira Negra e outras , de “E. Martins”, tenha

aparecidonaAmazon emoutubrode 2014. Existemmuitas teorias sobrese o autor émesmo Elspeth ou um impostor ansioso para faturar com afamadoDQAC.Para esta edição de aniversário, recebemos permissão da ex-

companheiradeElspeth,SamanthaHimmelman,parapublicarsuaúltimascorrespondênciasconhecidas,transcritasabaixo.Elspeth,seestálendoisto,porfavorentreemcontato.

JaredArthurDiretoreditorialJameson&White

NovaYork(janeirode2015)

DE:ElspethMartins<[email protected]>PARA:SamanthaHimmelman<[email protected]>Data:12dejaneirode20147:14ASSUNTO:PorfavorleiaSam,Sei que você pediu para não contatá-la de novo,mas parece adequado

mandar istoparavocênosegundoaniversáriodaQuinta-FeiraNegra,emespecial porque amanhã vou à lorestaAokigahara.Daniel –meu contatoemTóquio–está tentandodesesperadamentemedissuadir,mas,como jáchegueiatéaqui,émelhoriratéo im.Nãoqueroparecermelodramática,masaspessoastêmohábitodeiràquela lorestaenãovoltar,nãoé?Nãosepreocupe, istonãoéumbilhetedesuicídio.Nãoseibemoqueé.Creioqueeumereciaumachancedeconsertarascoisasealguémprecisasaberporqueestouaqui.SemdúvidavocêachaquesouloucaporviajaraoJapãonestemomento,

comofantasmadaaliançatriasiáticanohorizonte,masasituaçãoaquinãoé tão ruim quanto você pode ter ouvido dizer. Não sofri nenhumahostilidade do pessoal da alfândega nem das pessoas no saguão dechegada do aeroporto; no máximo elas se mostraram indiferentes. Meuhotel no “Setor dos Ocidentais”, que antes era um Hyatt cinco estrelas –gigantesco saguão de mármore, escadaria chique – degringolouseriamente.Segundoumdinamarquêscomquemfaleina iladaimigração,os hotéis destinados aos ocidentais estão sendo administrados porimigrantesbrasileiros comvistos limitados e saláriomínimo– isto é, zeroiniciativa para se importar com as normas-padrão. Só um elevadorfunciona, várias lâmpadas dos corredores estão apagadas ( iqueiassustadade verdadequandomedirigia para o quarto) e não creio que,há meses, alguém se incomode em passar aspirador no carpete. Meuquarto tem um ranço de fumaça de cigarro, além de bolor preto nosladrilhos do banheiro. Pelo lado bom, o vaso sanitário – estilo icçãocientí ica,comassentoaquecido–éumamaravilha.Obrigada,engenharia

japonesa.De qualquer modo, não estou escrevendo para reclamar do quarto de

hotel. Quero que veja o anexo. Não posso obrigá-la a ler; provavelmentevocêvaiolharqualéoassuntoedeletar.Seiquevocênãovaiacreditaremmim,mas apesar de todo omaterial cortado e colado e das transcrições(hábitos antigos são di íceis de eliminar), juro que não planejo usar oconteúdoemoutrolivro–pelomenosnãoagora.Estoufartadetudoisso.beijos

CartaparaSam11dejaneiro,18h.RoppongiHills,TóquioSam,tenhomuitacoisaa lhecontar,nãoseiporondecomeço.Mas, jáquenãovouconseguirdormirestanoite,achoquevoufalardesdeoprincípioeveratéondechegoantesdenãoaguentarmais.Olha, seiquevocêachaqueeu fugiparaLondresnoanopassadoa im

de escapar dos ataques que vinha sofrendo depois que o livro foipublicado,eempartefoiisso,claro.Osracionalistasepessoasqueodeiamtudooqueveempelafrenteaindamandame-mailsmeacusandodeseraúnica responsável por colocar um dominionista na Casa Branca, e semdúvida você ainda acha que estou recebendo tudo o quemereço. Não sepreocupe, não vou tentar me defender nem repetir pela milésima vezminha justi icativadequenãohavianadaemDaquedaàconspiração (ou,como você insistia em chamá-lo,Da merda ao conservadorismo) que nãofossededomíniopúblico.Sóparaquevocêsaiba,aindasintoculpapornãoter mostrado o manuscrito inal a você; o fato de ter sido jogado emproduçãoassimqueassineiocontratodasúltimasentrevistascomKendraVorheeseGeoffreyeMelMorannãoservecomodesculpa.Poracaso, emagostohouveumanova torrentede resenhasnaAmazon

avaliandoo livrocomapenasumaestrela.Vocêdeveriaolhá-las;seicomovocê as adora. Esta a seguir atraiu meu olhar, talvez porque tenha umacontençãoincomumesejagramaticalmentecorreta:

Resenhadeleitor

44de65pessoasacharamestaresenhaútil1.0de5estrelasQuemElspethMartinsachaqueé???,22deagostode2013Porzizekstears(Londres,ReinoUnido)–VertodasasminhasresenhasResenhade:Daquedaàconspiração(EdiçãoKindle)Eutinhaouvidofalardacontrovérsiaqueessasupostanãoficçãoprovocounoanopassado,maspresumiquefosseexagero.Aparentemente,aDireitaReligiosacitoupartesdelenacampanhaduranteaspréviasparaaeleiçãocomo “prova” de que Os Três não eram apenas crianças normais quesofriamdesíndromepós-traumática.Não ico surpresoaoverqueaLigaRacionalistapegou tãopesadocomaautora.ASra.Martinsestruturoueeditoucadaentrevistaoucitaçãodeummodo deliberadamentemanipulador e sensacionalista (como assim, olhossangrando?????? e aquele negócio medonho e piegas sobre o velho comdemência).Elanãomostra respeitopelas famíliasdas criançasnempelospassageirosquemorreramtragicamentenaQuinta-FeiraNegra.Na minha humilde opinião, a Sra. Martins não passa de uma incapazaspirante a historiadora. Ela deveria ter vergonha de publicar esse lixo.Nãovoucomprarmaisnenhumaobradela.

Essadoeu.Mas as críticas ruins ao livro não foram o únicomotivo para eu partir.

Tomeiadecisãodedaro foradosEstadosUnidosnodiadoMassacredoCondadodeSannah,doisdiasdepoisdevocêmedaropénabundaemedizer para nuncamais procurá-la de novo. Vi pela primeira vez aquelasfotosaéreasdorancho–oscorposespalhadosportodaparte,escurecidospelasmoscas,osanguenapoeira–noanonimatodeumhotelquepareceuumbomlugarparameen iare lamberminhasferidas.Euvinhatomandoas minigarrafas do frigobar e zapeando nos canais quando a notíciaapareceu. Eu estava bêbada, a princípio não entendi direito o que via naCNN. Vomitei ao ler a legenda na base da tela: “Suicídio em massa nocondadodeSannah:33mortos,incluindo5crianças”.Fiquei imóvel durante várias horas, assistindo aos repórteres brigando

para se posicionar do lado de fora do portão do rancho, tagarelandovariaçõesdafrase“Libertosob iançaenquantoesperavaojulgamentoporincitação à violência, o pastor Len Vorhees e seus seguidores viraramcontrasimesmosaenormequantidadedearmasguardadas...”Vocêviuaentrevista com Reba, a falsa amiga de Pamela May Donald? Como vocêsabe, nunca me encontrei pessoalmente com ela e, devido à sua voz, eusempre a havia visualizado comoumamulher gorda compermanente nocabelo(sentiumadesconexãoestranhaaoperceberqueelaeramagricelae tinha uma trança grisalha serpenteando sobre o ombro). Fora umpesadelo entrevistá-la – sempre saindo pela tangente para falar dos“islamofascistas”esuasatividadesdepreparaçãoparaocaos–,massentipenadela.Comoamaioriadoex-CírculoInternodopastorLen,elaeradeopiniãoqueopastore seuspamelistasachavamque, ao seguirospassosde JimDonald, iriam se tornarmártires: “Rezo pela almadeles todo dia.”Dava para ver nos olhos de Reba que ela seria assombrada por aquelasmortespelorestodavida.Nãoéengraçadoadmitir,mas,deixandodeladoaempatiaporReba,não

demoreimuitoapensarnasconsequênciasqueoMassacredoCondadodeSannahteriaemmim,pessoalmente.Eusabiaqueosuicídioemmassados

pamelistasresultariaemoutraondadecomentáriosecartasderepórteressensacionalistas implorando que eu os colocasse em contato comKendraVorhees.Aquilonunca teria im.Achoqueagotad’água foiodiscursodeReynard à nação, com as feições de astro do cinema no nívelmáximo decompaixão: “O suicídio é pecado, mas devemos rezar pelos que caíram.Usemos isso como sinal de que devemos trabalhar juntos, passar juntospeloluto,lutarjuntosporumaAméricamoral.”Não haviamais nada quememantivesse nos Estados Unidos. Reynard,

Lund, o pessoal do Fim dos Tempos e os empresários escrotos que osapoiavam podiam icar com tudo. Sam, você me culpa? Nossorelacionamentofoidespedaçado,nossosamigos icaramputoscomigo(emprimeirolugar,porpublicaro DQAC,depoisporchafurdarnaautopiedadeao ser atacada) e minha carreira desmoronou. Pensei nos verões quepasseicompapaiemLondres.DecidiqueaInglaterraeraolocalperfeito.Mas, Sam, você precisa acreditar – eu me convencera de que o sonho

eróticodoReynard, de umanação governadapela lei bíblica, era só isso:um sonho. Claro, eu sabia que a campanha Torne a América Moral, deReynard e Lund, uniria as facções fundamentalistas separadas,mas juroquesubestimeiarapidezcomqueomovimentoiriaseespalhar(achoqueissofoiempartedevidoaoterremotonaprovínciadeGansu:outroSINALda ira de Deus). Se eu soubesse que a instigação domedo por parte deReynard infeccionaria os estados republicanos, além dos que não têmpredominância política, e como a coisa icaria feia, não teria ido emborasemvocê.Chegadedesculpas.Bom.TroqueimeuquartodehotelnoLowerEastSideporumapartamentoem

Notting Hill. O bairro me lembrava Brooklyn Heights: uma mistura depro issionais liberais com cabelo brilhante,hipsters ricos e um ou outromendigoapodrecendonomeiodolixo.Masnãotinhapensadonoque fariaem Londres. Escrever uma continuação doDQAC estava fora de questão,claro. Ainda não acredito que sou a mesmamulher que foi tão bajuladapara escreverHistórias não contadas sobre a Quinta-Feira Negra :entrevistas com as famílias das vítimas dos acidentes (a esposa docomandante Seto e Kelvin do 277 Unido, por exemplo); per is dos

refugiadosdoMalaui que aindaprocuramos parentes desaparecidos emKhayelitsha; a nova onda de falsos “Kenneths” que surgiram depois darevelaçãosobreMandlaInkatha.Nasprimeirassemanas iqueidemolho,sobrevivendocomumadietade

vodcaStoliecomidatailandesa.Quasenão falavacomninguém,anãosercom a caixa da loja de bebidas e o cara das entregas do To Thai For.Esforcei-me ao máximo para virar uma hikikomori como Ryu. E semprequemeaventuravadoladodeforatentavadisfarçarosotaque.Osinglesesainda estavam incrédulos por Reynard ter vencido a eleição após oescândalo de Kenneth Oduah e a última coisa que eu queria era serarrastada para discussões políticas sobre o “fracasso da democracia”. OsinglesesdeviampensarquetínhamosaprendidoaliçãodepoisdomandatodoBlake.Achoquetodospensávamosassim.Tenteievitarosnoticiários,masviumas imagensdosprotestoscontraa

lei antibíblica em Austin no mindSpark. Meu Deus, aquilo me apavorou.Dezenasdeprisões.Gáslacrimogêneo.Forçapolicialpesada.Eusabia,porfuxicá-lanoTwitter(nãosintoorgulhodisso,ok?),quevocêtinhaidoparaoTexascomasIrmãsUnidasContraoConservadorismoparajuntar-seaocontingente da LigaRacionalista e não dormi por dois dias.No im, ligueipara Kayla; precisava saber se você estava em segurança. Ela chegou acontar?Bom,voupouparvocêdemaisdetalhesdomeu isolamentoautoin ligido

emLondreseirdiretoaoquevocêchamariade“partessuculentas”.AlgumassemanasdepoisdostumultosemAustin,euestavaacaminhodo

supermercado e tive o olhar atraído pela manchete doThe Daily Mail:“Planos para memorial em casa de assassinato”. Segundo a matéria, umvereador pressionava para que a casa de Stephen e Shelly Craddock – olugar onde Paul havia matado Jess a facadas – fosse transformado emoutro memorial da Quinta-Feira Negra. Quando fui para a Inglaterra meencontrarcomoseditoresdeláeentrevistarMarilynAdams,tinhaevitadovisitar o local. Não queria aquela imagem na cabeça. Mas um dia após areportagemserpublicada,mepegueiesperando,numaplataformagelada,umtrematrasadoque iaparaChislehurst.Disseamimmesmaqueeraaúltima chance de ver a casa antes que ela recebesse o tratamento doNationalTrust.Masnãoerasóisso.LembraqueMelMoranfalouquenão

conseguiuseimpedirdesubiraoquartodePaulnoandardecima,mesmosabendoqueeramáideia?Eracomoeumesentia–comose tivessequeir.(Pareceumacoisapiegaseartificial,tipoPauloCoelho,maséaverdade.)A casa icava numa rua cheia de minimansões impecáveis, as janelas

tinham sido pregadas com tábuas, as paredes estavam sujas de tintavermelho-sangue e pichações (“cuidado o DIABOmora aqui”). A entradade veículos estava coberta demato e tinha umaplaca de “à venda”meioinclinada,comosede luto,pertodagaragem.Omaisperturbadordetudoeraopequenotemplodebrinquedosdepelúciamofadosempilhadosjuntoà porta da frente. Vi vários doMeu querido pônei, alguns ainda naembalagem,caídosnosdegraus.Euestavapensandoempularoportão trancadodo jardimparaolharo

quintaldosfundosquandoescuteiumgrito:–Ei!Virei-meeviumamulheratarracada,comcabelogrisalhoalinhado,vindo

na minha direção pela entrada de carros, arrastando um cachorropequenoeidosopelacoleira.–Issoéinvasão,minhajovem!Estaéumapropriedadeparticular.Reconheci-aimediatamentepelasfotostiradasnoenterrodeJess.Elanão

tinhamudadonemumpouco.–Sra.Ellington-Burn?Ela hesitou, depois empertigou os ombros. Apesar da postura militar,

haviaalgomelancóliconela.Umgeneralque foraparaareservaantesdotempo.–Quemévocê?Outrajornalista?Vocêsnãoconseguemficarlonge?–Nãosoujornalista.Pelomenosnãomais.–Vocêéamericana.–Sou.Fuiatéelaeocachorrinhodesmoronouaosmeuspés.Coceisuasorelhas

e ele me encarou com uma olhar enevoado de catarata. Lembrava aSnookie, tanto na aparência quanto no cheiro, o que me fez pensar emKendra Vorhees. Na última vez que tivera notícias dela, logo depois doMassacredoCondadodeSannah,eladisseraquetinhatrocadodenomeeestava planejando se mudar para o Colorado e entrar para umacomunidadevegana.

OsolhosdaSra.Ellington-Burnseestreitaram.–Espereaí...Euconheçovocê?Amaldiçoei a foto gigante que o pessoal do marketing havia posto na

contra-capadoDQAC.–Achoquenão.–Conheço,sim.Vocêescreveuaquelelivro.Aquelelivromedonho.Oque

vocêqueraqui?–Sótinhacuriosidadedeveracasa.–Curiosidademórbida,hein?Vocêdeveriatervergonha.Nãopudemeimpedirdeperguntar:–AsenhoraaindavêoPaul?– E se eu vejo? Em que isso lhe interessa? Vá embora antes que eu

chameapolícia.Umanoanteseuteriaesperadoatéelavoltarparacasaexeretariamais

umpouco,masdessavezsaídelá.Umasemanadepois,ocelulartocou,oquefoiumaespéciedeefeméride

–asúnicaspessoasquetinhammeunúmeronovoeramminhafuturaex-agente Madeleine e gente do telemarketing. Fiquei completamente semchãoquandoocaradooutroladoseapresentoucomoPaulCraddock(maistarde descobri que a nova secretária deMadeleine icara impressionadacom o sotaque inglês dele e derameu telefone). Ele falou que a Sra. EBhaviamencionado que eu estava em Londres eme disse, em tom casual,que, numa atitude bastante controversa, um dos seus psiquiatras oencorajaraaleroDQACparaajudá-loa“entenderoqueeletinhafeito”.E,Sam,aquelehomem–que,nãoesqueçamos,mataraasobrinhaafacadas–parecia completamente são: coerente e até espirituoso. Contou asnovidadessobreMeleGeoffMoran(quetinhamsemudadoparaPortugalpara icar mais perto do local de descanso da ilha Danielle) e MandiSolomon, que escreveria seu livro e havia entrado para uma seitadissidentedoFimdosTemposnasCotswolds.Ele pediu que eu requisitasse autorização para uma visita, para que

“pudéssemosbaterumpapinhocaraacara”.Concordei em visitá-lo. Claro que concordei. Eu podia estar nomeio de

um período de autopiedade e depressão, podia ter me mudado paraLondres para icar longe dos efeitos colaterais da porcaria do livro, mas

como poderia deixar passar aquela oportunidade? Preciso explicar porqueaproveiteiachance,Sam?Vocêmeconhecemuitobem.Naquela noite, escutei de novo as gravações dele (admito que iquei

assustada eprecisei deixar a luzdoquarto acesa).Repassei várias vezesJessdizendo“olá,tioPaul”,tentandodetectaralgoalémdediversãonoseutom de voz. Não consegui. Segundo o Google Imagens, a Kent House – ainstituição psiquiátrica de segurança máxima onde Paul estavaencarcerado–eraummonólito sombriodepedracinza.Nãopudedeixarde pensar que os asilos de loucos – certo, sei que este não é o termopoliticamente correto – deveriam ser proibidos de parecer tãoestereotipadosedickensianos.Precisei assinar um documento garantindo que não publicaria os

detalhesdomeuencontrocomPauleminhaautorizaçãopolicialeaordemdevisitachegaramnoúltimodiadeoutubro,oHalloween.Porcoincidência,omesmodia emqueoRedditdivulgoupelaprimeiravezoboatodequeReynardplanejavaanular aPrimeiraEmenda.Euaindaevitavaos canaisdenotícias,masnãopodiaevitarasmanchetesdosjornais.Lembrodeterpensado: como issopode estar sedesenrolando tãodepressa?Mas aindaassim não consegui acreditar que Reynard garantiria o congresso e amaioriadedoisterçosnecessária.Presumiquesóteríamosdepassarpelomandatodele,enfrentarasdi iculdadesdepoisdapróximaeleição.Idiotice,eu sei. Àquela altura, a Igreja Católica e os mórmons haviam apoiado acampanhaTorneaAméricaMoral–atéumretardadopodiaverparaondeacoisaia.Decidipegarumtáxiemvezdejogarroleta-russacomoserviçodetrens

e cheguei bem a tempo do encontro com Paul. A Kent House era tãoamedrontadora na vida real quanto no Google Imagens. Um acréscimorecente–umaconstruçãohorrorosadetijolosevidrogrudadanoexteriordoprédio–dealgummodofaziao lugar inteiroparecermais intimidante.Depois de ser revistada e escaneada por dois funcionáriosincongruentemente animados, fui escoltada até a tal construção por umenfermeiro jovial com pele tão cinzenta quanto o cabelo. Eu imaginaraencontrar Paul numa cela nua, com barras nas portas, dois carcereirossérios e vários psiquiatras observando cada movimento nosso. Em vezdisso, passei por uma porta de vidro e entrei numa grande sala arejada,

mobiliada com cadeiras de cor berrante. O enfermeiro informou que nãohaveria outros visitantes: aparentemente, o serviço de ônibus para ainstituição fora cancelado naquela tarde. Isso não era incomum. O ReinoUnidonãoestavaimuneàrecessãocausadapelastrapalhadasdoReynardno Oriente Médio. Mas devo dizer que houve uma admirável falta dereclamações quando o racionamento de eletricidade e combustível foiproposto;talvezofimdomundosejaProzacparaosingleses.[Sam, não pude gravar nossa conversa, pois tive de deixarmeu iPhone

comasegurança.Escrevotudoistodecabeça.Seiquevocênãoseimportacomessetipodedetalhes,maseu,sim.]A porta do lado oposto ao meu se abriu com um estalo e entrou um

homem com obesidade mórbida vestindo uma camiseta do tamanho deumabarracaecarregandoumasacoladeplástico.Oenfermeirogritou:–Tudobem,Paul?Suavisitaestáaqui.Acheiquetinhahavidoumaconfusão.–EsseéoPaul?PaulCraddock?–Olá,Srta.Martins–disseohomem,ereconheciavozdasgravações.–É

umprazerconhecê-la.Logoantesde sair, euhaviaolhadonoYouTube trechosdeatuaçõesde

Pauleprocureiemvãoqualquersinaldesuasbelasfeiçõesnaspapadasenasbochechasmoles.Sóosolhoseramosmesmos.–Porfavor,mechamedeElspeth.–Elspeth,então.Nósnoscumprimentamos.Apalmadamãodeledeixouaminhaúmidae

euresistiàânsiadeenxugá-lanacalça.OenfermeirodeuumtapinhanoombrodePaule indicoucomacabeça

umcubículocomfrentedevidro,apoucosmetrosdanossamesa.–Vouestarali,Paul.–Tudobem,Duncan.–AcadeiradePaulrangeuquandoelesesentou.–

Ah!Antesqueeuesqueça.–EleremexeunasacolaepegouumexemplardoDQACeumacanetahidrocorvermelha.–Podeautografar?Sam,aquiloestavapassandodobizarroparaosurreal.–Ahn...claro.Oquevocêquerqueeuescreva?– Ao Paul. Eu não poderia ter feito isso sem você. – Retraí-me e ele

gargalhou.–Nãoligueparamim.Escrevaoquequiser.

Escrevi “Tudodebom,Elspeth”e empurreio livrodevoltapor cimadamesa.– Por favor, desculpeminha aparência – falou ele. – Estou virando um

pudim. Não hámuita coisa para fazer aqui além de comer. Está chocadaporquemepermitificarassim?Murmurei algo sugerindo que quilos amais não eram o im domundo.

Meus nervos estavam à lor da pele. Paul certamente não parecia umlunáticodesvairadonemagia comoum–não tenhomuita certezadoqueeu esperava, talvez algum tipo de louco com camisa de força e olhosrevirando –, mas, se ele de repente perdesse as estribeiras, pulasse porcimadamesa e tentasseme esganar, só havia umenfermeiro fracoparaimpedir.Paulleuminhamente:–Estásurpresacomafaltadesupervisão?Cortesnopessoal.Masnãose

preocupe,oDuncanéfaixa-pretaemcaratê.Nãoé,Duncan?–Paulacenouparaoenfermeiro,quedeuumrisinhoebalançouacabeça.–OqueestáfazendoemLondres,Elspeth?Suaagentecontouquevocêsemudouparacá.DeixouosEstadosUnidosporcausadoclimapolíticoinfeliz?Respondiqueesseeraumdosmotivos.–Nãopossodizerqueaculpo.SeaquelebabacaqueestánaCasaBranca

conseguiroquequer,logotodosvocêsvãoestarvivendocomonolivrodoLevítico. Os gays e as crianças bagunceiras serão mortos a pedradas equem tiver acneou icarmenstruado será repelido.Maravilha.Quasemedeixaagradecidoporestaraqui.–Porquevocêquismever,Paul?– Como eu disse ao telefone, ouvi falar que você estava aqui na

Inglaterra. Achei que seria legal nos conhecermos. O Dr. Atkinsonconcordouquetalvezfossebomeuconhecerumadasminhasbiógrafas.–Elearrotouprotegendoabocacomamão.–Foielequemedeuseu livropara ler. E é umamaravilha ver uma cara nova por aqui. A Sra. EB vemumavezpormês,masàsvezeselapodeserumpoucoexcessiva.Nãoqueeucareçadepedidosdevisita.–Eleolhouparaoenfermeironacabine.–Às vezes recebo até cinquenta por semana, a maioria de malucos dasconspirações, claro, mas tive um bom número de pedidos de casamento.NãotantosquantooJurgen,masquase.

–Jurgen?– Ah! Você deve ter ouvido falar do JurgenWilliams. Ele também está

aqui. Assassinou cinco crianças,mas, olhando, você nunca imaginaria. Naverdade,eleémuitosemgraça.–Eunãotinhaideiadecomoreagiraisso.– Elspeth, quando você colocou minha história no livro... Você ouviu asgravaçõesoriginaisousóleuastranscrições?–Asduascoisas.–E...?–Elasmeapavoraram.–Apsicosenãoéalgobonito.Vocêdeveterummontedeperguntaspara

mim.Podeperguntarqualquercoisa.– Por favor, avise se eu passar do ponto... mas o que aconteceu nos

últimosdiasantesdamortedeJess?Ela faloualgumacoisaquefezvocê...quefezvocê...–Matá-laafacadas?Podedizer.Essessãoosfatos.Masnão.Nãofalou.O

queeufizfoiimperdoável.Elafoipostaaosmeuscuidadoseeuamatei.–Nassuasgravações...vocêgarantiuqueelaoprovocava.– Ilusões paranoicas. – Ele franziu a testa. – Tudo estava na minha

cabeça. Não havia nada de estranho com Jess. Foi tudo coisa da minhacabeça.ODr.Atkinsondeixou issobemclaro. –Ele olhoudenovoparaoenfermeiro. –Tiveumcolapsopsicóticoprovocadopeloabusodoálcool epelo estresse. Ponto inal. Pode colocar isso no seu próximo livro. Possopedirumfavor,Elspeth?–Claro.Eleremexeudenovonasacoladeplástico,dessaveztirandoumcaderno

fino,quemeentregou.–Andeiescrevendoumpouco.Nãoégrandecoisa...umpoucodepoesia.

Poderialeredizeroqueacha?Talvezseuseditoresseinteressem.Decidi não mencionar que eu não tinha mais um editor, apesar de

suspeitardequeelesadorariampublicarpoemasescritosporumfamosoinfanticida.Apenasfaleiqueseriaumprazereaperteisuamãodenovo.–Nãodeixedelertudo.–Vouler.Observei-o se afastar bamboleando e o enfermeiro de pele cinzentame

acompanhoudevoltaparaaentradadesegurança.Comeceialerolivrona

corrida de táxi para casa. As três primeiras páginas estavam cheias depoemas curtos e apavorantes com títulos como: “Sonhos de Cavendish”(Ler uma fala/Pela vigésima vez/Me faz re letir:/Somos todos atores) e“Prisão da carne” (Eu como para esquecer/Mas isso faz minha almasuar/Penso...seráqueumdia/Chegareiadizernão?).Asoutraspáginasestavamembranco,masnoladointernodacontracapa

haviaaspalavras:Jessqueriaqueeu izesseaquilo.ElaMEOBRIGOUa fazer.Antesde ir, ela

disse que eles estiveram aqui antes e algumas vezes ela decide nãomorrer.Falou que às vezes eles dão às pessoas o que elas querem, outras, não.Pergunteaosoutros,ELESSABEM.Sam, o que você faria com isso? Sei que você teria contatado

imediatamente o psiquiatra de Paul e avisado que ele ainda sofria dealgumtipodecolapsopsicótico.Seriaacoisacertaafazer.Maseunãosouvocê.Depois que oDQAC foi publicado, achei que eu fosse a única pessoa no

mundo que não via algo sobrenatural (por falta de uma palavramelhor)nosTrês.Perdiacontadosmalucosque imploraramparaeuelogiarseuslivros autopublicados sobre comoOs Três ainda estavam vivos e vivendocom uma mulher maori na Nova Zelândia/passando por experiênciasnumabasemilitarsecretanaCidadedoCabo/curtindocomalienígenasnaBaseDulcedaForçaAéreanoNovoMéxico(tenhoprovas,srta.martins!!!!Essaéaúnicaexplicaçãoparaomundoestarindoparaoinferno!!!!!).Eháos incontáveis sites conspiratóriosqueusamcitaçõesou trechosdoDQACpara“provar”suasteoriasdequeOsTrêsestavampossuídosporaliensoueram viajantes do tempo multidimensionais. Os seguintes trechos sãoalgunsemqueelestendemasefixar:

BOBBY:“Umdiaeuvoutrazereles[osdinossauros]devoltaàvida.”

JESS:“Acoisanãofuncionadessejeito.Aporradeumguarda-roupa...Comoseissofossepossível,tioPaul.”“Foiumerro.Àsvezesagenteerra.”

CHIYOKO:“Ele[Hiro]dizqueselembradetersidoiçadoprohelicópterodoresgate.Falouquefoidivertido.‘Quenemvoar.’Equetavaansiosoprafazerissodenovo.”

Atéexistemváriossitesdedicadosadiscutiras implicaçõesdaobsessãodeJessporOleão,afeiticeiraeoguarda-roupa.Masorestodenósprecisaadmitirqueháumaexplicaçãoracionalpara

tudoisso:ascriançassobreviveramaosacidentesporquetiveramsorte;aversão de Paul Craddock sobre os acontecimentos relativos aocomportamento de Jess eram apenas as tagarelices de um lunático;ReubenSmallpode facilmente ter tidouma remissão;Hiroestavaapenasimitando a obsessão de seu pai pelos androides. A mudança decomportamento das crianças poderia ser resultado do trauma quesofreram. E não esqueçamos as horas de material que eu optei por nãoincluir no livro – as longas reclamações de Paul Craddock porque nãoestavatransando,asminúciasdavidacotidianadeLillianSmall–,emqueabsolutamente nada acontecia. Aquele resenhista na Amazon acertou namoscaaomeacusardemanipuladoraesensacionalista.Mas...mas... “Ela disse que eles estiveram aqui antes e algumas vezes ela

decidenãomorrer.Falouqueàsvezeselesdãoàspessoasoqueelasquerem,àsvezes,não.”Eu tinhaváriasopções.PoderiavisitarPauldenovo,perguntarporque

ele havia optado porme passar essa informação; poderia ignorar aquilocomosendomaluquicedeumdoentemental;poderiajogararacionalidadepelajanelaetentarentenderoqueaspalavrassigni icavam.Experimenteiaprimeiraopção,masmeinformaramquePaulnãoestavainteressadoemtermaiscontatocomigo(semdúvidaporquesepreocupavacomahipótesedeeurevelaraoseupsiquiatraoqueelemedera).Asegundaopçãoeratentadora,porémomaisprováveléquePaul tivessemeentregadoaquilopor ummotivo:Pergunteaosoutros,ELESSABEM . Imagineiquenão fariamaldarumaolhadanisso–oquemaiseutinhaparafazercommeutempoalémdeapagare-mailsagressivoseandarporNottingHillemmeioaumanévoadevodca?Por isso, deixei a razão de lado e decidi bancar a advogada do diabo.

DigamosquePaulestivesserepetindoalgoqueJesslhedisseralogoantesdeelematá-la...Oqueissosigni icava?Osloucosdaconspiraçãoteriamumtrilhãodeteoriassobreelesestiveramaquiantesealgumasvezeseladecidenãomorrer,maseunãoiriacontatarnenhumdeles.Equetalàsvezeselesdão às pessoas o que elas querem, às vezes, não? A inal de contas, Os Trêstinhamdadoàspessoas–oupelomenosaopessoaldoFimdosTempos–oque eles queriam: “prova” aparente de que o im do mundo estavachegando. E Jess deu a Paul o que ele achava que desejava (fama); Hirodeu a Chiyoko um motivo para viver; Bobby... Bobby trouxe de volta omaridodeLillian.Decidiqueerahoradequebrarumapromessa.Sam, sei que você costumava icar louca quando eu escondia coisas de

você (como todo o primeiro esboço doDQAC, por exemplo),mas eu dei aLillian Small minha palavra de que não revelaria que ela sobreviveu aoacidente de carro quematou Reuben e Bobby. De todas as histórias daspessoasqueeuhaviaentrevistadoparao livro,adelaeraaquemaismeafetava – e eume sentia tocada porque ela con iou emmim o su icientepara me contatar enquanto estava no hospital. O FBI se oferecera paracolocá-la num lugar seguro e depois disso decidimos que seria melhorcortarocontato:elanãoprecisavarelembraroquehaviaperdido.Duvidei que o FBI fosse simplesmenteme dar o número dela, por isso

deciditentarcomBetsy,avizinha.Otelefonefoiatendidocomum“Ja?”.–EstouprocurandoaSra.Katz.–Elanãomoramaisaqui,não.Nãoconseguiidentificarosotaque;deviaserdoLesteEuropeu.– A senhora tem um endereço para onde mandar correspondência? É

muitoimportante.–Espereuminstanteaí.Ouvi o som do aparelho sendo largado e pancadas de contrabaixo ao

fundo.Depoiselaretornou:–Tenhoumnúmero.ProcureiocódigodeáreanoGoogle:Toronto,Canadá.Dealgummodoeu

nãoconseguiaimaginarBetsynoCanadá.[Sam,oquesesegueéumatranscriçãodotelefonema–é,eusei,porque

euo teriagravadoe transcritosenãoestavaplanejandousá-lonum livroou numa matéria? Por favor, con ie em mim: juro que você não verá AverdadedeElspethMartinssobreOsTrês àvendanalivrariamaispróximanemtãocedo.]

EU:Oi...ÉaBetsy?BetsyKatz?

BETSY:Quemé?

EU:ElspethMartins.Entrevisteivocêparaomeulivro.

[pausalonga]

BETSY:Ah!Aescritora!Elspeth!Vocêestábem?

EU:Estoubem.Evocê?

BETSY: Se eu reclamar, quem vai ouvir? O que você acha do que estáacontecendo em Nova York? Aqueles tumultos que aparecem nosnoticiários e a escassez de combustível... Você está em segurança? Estáconseguindoseaquecer?Temcomidasuficiente?

EU:Estoubem,obrigada.Euestivepensando...VocêsabecomopossofalarcomLillian?

[pausamaislonga]

BETSY: Você não icou sabendo?Bom, é claro, como iria saber? Lamentodizer,masLillianfaleceu.Háummês.Enquantodormia.Umbommododepartir.Elanãosofreu.

EU: [depoisdeváriossegundosdesilêncio,enquanto lutavaparanãoperderocontrole–Sam,eufiqueitotalmentearrasada]Sintomuito.

BETSY: Ela era uma mulher muito boa, sabe que ela me convidou paraicar com ela? Quando aconteceu o primeiro blecaute em Nova York. Donada,elame ligoue falou: “Betsy,vocênãopodemoraraí sozinha,venhaparaoCanadá.”Canadá!Eu!Sintosaudadesdela,nãovoumentir.Mashá

uma boa comunidade aqui, um bom rabino que cuida demim. Lily dissequegostavadecomovocêafezparecernoseulivro–mais inteligentedoqueelaera.MasoqueaMonafalou...Queveneno!ParaLily,foidi íciller.Eo que você acha do que está acontecendo em Israel? Aqueleschmuck naCasa Branca, o que ele acha que está fazendo? Ele quer todos osmuçulmanoscaindoemcimadasnossascabeças?

EU: Betsy... antes de falecer, Lillianmencionou alguma coisa... é... especialsobreoBobby?

BETSY:SobreoBobby?Oqueeladiria?Sóqueavidadelatinhasidoumatragédia. Todomundoque ela amava fora levado embora.Deuspode sercruel.

Desliguei. Chorei durante duas horas seguidas. Pela primeira vez nãoeramlágrimasdeautocomiseração.Mas digamos que eu tivesse falado com Lillian... O que ela teria dito,

a inal?QueoBobbyquevoltouparacasadepoisdoacidentenãoeraoseuneto? Quando a entrevistei, tantos meses atrás, sempre que ela falavasobreeleerapossívelescutaroamoremsuavoz.Pergunteaosoutros,ELESSABEM.Então quem mais havia? Eu sabia que Mona, a melhor amiga de Lori

Small, estava fora de cogitação (após o furor provocado pelo DQAC, elanegouatémesmoquetivessefaladocomigo),masexistiaoutrapessoaqueseencontraracomBobbyenãosaíraincólume.AceKelso.Sam, posso visualizar seu rosto enquanto lê isto: uma mistura de

exasperaçãoefúria.Vocêestavacertaaodizerqueeudeveriatercolocadoareputaçãodeleemprimeirolugar.Vocêestavacertaaomeacusardenãolutarosu icientepara fazercomqueaadmissãodeledequevirasanguenos olhos de Bobby Small fosse tirada das edições posteriores – outropregonocaixãodonossorelacionamento.E,sim,eudeveriaterdestruídoagravação, alegandoqueaquilo foraditoextrao icialmente.Porque,porra,nãoescuteivocê?Euoencontrarapelaúltimaveznaquelasalasemalmanoescritóriodos

advogados da editora, quando a irmaram que ele não tinha base para

abrir um processo. Sua expressão era de abatimento, os olhos estavaminjetados e a barba não era feita havia dias. Os jeans puídos pendiamfrouxosnos joelhos;a jaquetadecourovelha fediaa suor rançoso.OAcequeeuentrevistaraparao livroeviranaTV tinha rostoquadrado,olhosazuis: um verdadeiro Capitão América, como Paul Craddock o descreveucertavez.Eu não fazia ideia se Ace falaria comigo,mas o que eu tinha a perder?

Tentei contato pelo Skype, sem esperança de resposta. Quando eleatendeu, sua voz estava meio rouca, como se ele tivesse acabado deacordar.

ACE:Oi?

EU:Ace...Oi.ÉaEslpethMartins.Ahn...comovocêestá?

[pausadeváriossegundos]

ACE: Ainda estou de licença estendida por doença. Um eufemismo parasuspensãopermanente.Quediabovocêquer,Elspeth?

EU:Acheiquevocêdeveriasaber...FuivisitarPaulCraddock.

ACE:E...?

EU: No encontro, ele frisou que o que fez com Jess foi resultado de umsurto psicótico. Mas quando eu estava saindo, ele me deu um caderno.Olha, isso vai parecer maluco, mas no caderno ele dizia – dentre outrascoisas–queJesslhefalouqueelaeosoutros“tinhamestadoaquiantes”eque“algumasvezeseladecidenãomorrer”.

[outrapausalonga]

ACE:Porquevocêestámecontandoisso?

EU:Eupensei...Nãosei.Acho...OquevocêfalousobreoBobby...Comoeudisse,éloucuraatémesmopensarnisso,masPaulescreveu“pergunteaosoutros”eeu...

ACE:Sabedeumacoisa,Elspeth?Seiquevocêrecebeumuitascríticaspeloque incluiu naquele livro, mas para mim você levou as pancadas pelosmotivos errados.Vocêpublicou todoaquelematerial in lamatório sobre amudança nas personalidades das crianças, jogou a bomba e depois foiembora. Não levou a coisa mais longe; presumiu que tudo tinha umaexplicação racional e, ingenuamente, achou que todo mundo que lessetambémveriadessemodo.

EU:Minhaintençãonãoera...

ACE: Seiquaiseramsuas intenções.Eagoravocêestá farejandoparaversedefatohaviaalgumacoisacomaquelascrianças,certo?

EU:Sóestoudandoumaolhada.

ACE:[suspiro]Éoseguinte:voumandarumacoisapore-mailparavocê.

EU:Oquê?

ACE:Leiaprimeiro,depoisnosfalamos.

[O e-mail chegou imediatamente e eu cliquei num anexo intitulado:SA678ORGÀ primeira vista, achei que era uma cópia exata da transcrição da

gravação de voz da cabine do avião da Sun Air que eu havia incluído noDQAC, exceto por este diálogo que ocorreu um segundo antes de o aviãoterproblemas:Comandante:[palavrão]Viuisso?Copiloto:Ei!Foiumrelâmpago?Comandante:Negativo.Nuncaviumclarãoassim.NãotemnadanoTCAS,

pergunteaocontroledetráfegoseháoutraaeronaveaquicomagente...]

EU:Queporraéessa?

ACE: Você precisa entender, nós não queríamos alimentar o pânico. Aspessoas precisavam saber que as causas dos acidentes eram explicáveis.Osaviõesqueestavamemterraprecisavamvoardenovo.

EU: A ANST falsi icou a transcrição da Sun Air? Quer dizer que vocêsacreditaramdeverdadequeestavamlidandocomumcontatoalienígena?

ACE: O que quero dizer é que deparamos com fatos que não podíamosexplicar. Sem contar o desastre da SunAir, o único que tinha uma causadefinidaeraodaDaluAir.

EU:Quediabovocêestáfalando?EodesastredaMaidenAir?

ACE: Tínhamos impacto de várias aves, mas sem os restos dos bichos.Claro, isso poderia ser explicável se os motores fossem consumidos pelofogo, mas não foram. Como dois motores a jato seriam implodidos porpássarossemquerestassenenhumtraçodematerial?EvejaoacidentedaGo!Go!Airlines.Nãotínhamosaquenosagarrar,masumacoisaécerta:ébastante incomumpilotosentraremnumatempestadedaquelamagnitudehoje em dia. E me responda o seguinte: como aquelas três criançassobreviveram,caralho?

EU: E Zainab Farra, amenina que sobreviveu ao acidente na Etiópia?OsTrêsforamcomoela,tiveramsorte...

ACE:Papofurado.Vocêsabedisso.

EU:Essatranscrição...Porquevocêmemandou?Vocêquermesmoqueeupublique?

ACE: [risoamargo]A situaçãoatualnãopodepiorar.Reynardvaimedarumamedalha, prova de que Os Três não eram apenas crianças normais.Façaoquequiser.AANSTeaJTSBvãonegardequalquermodo.

EU: Entãovocêestámedizendoqueachaqueháalgumacoisa... não sei...quenãoédestemundo,comrelaçãoaosTrês?Vocêéuminvestigador,umcientista.

ACE:SóseioqueeuviquandofuiveroBobby.Nãofoialucinação,Elspeth.E aquele fotógrafo, o que acabou virando jantar dos répteis, também viualgumacoisa.[outrosuspiro]Olha,vocêsóestáfazendooseutrabalho.Eunãodeveria terreagidomalporvocêterpublicadooqueeu faleisobreo

Bobby.Talvezeutenhaditoqueaquiloeraextrao icial,talveznão.Maseraa verdade. O fato é que é preciso ser cego para não ver que havia algoerradocomaquelascrianças.

EU:Eoquevocêsugerefazeragora?

ACE:Vocêéquesabe,Elspeth.Mas,façaoquefizer,sugiroquesejarápido.O pessoal do Fim dos Tempos está totalmente decidido a fazer cumprirsuas próprias profecias. Como, diabos, se pode negociar com umpresidenteconvencidodequeo imdomundoestáchegandoequeoúnicomododesalvaraspessoasdacondenaçãoeternaétransformarosEstadosUnidosnumateocracia?Simples:nãoépossível.

Claro que eu tive di iculdade de acreditar que a ANST mexeria nagravação,mesmo se estivesse preocupada com a hipótese de as pessoasentrarem em pânico por causa dos desastres. Será que a transcriçãopoderiaseravingançadeAcepelosproblemascausadoscomahistóriadoolho sangrando? Se eu levasse uma coisa assim a público, a LigaRacionalistateriaoutromotivoparacairdepauemcimademim.Mas você sabe para onde isto está se encaminhando, não é? Eu tinha o

bilhete do Paul, a transcrição (talvez falsa) do Ace e a a irmação dele dequeviramesmosanguenosolhosdeBobby.Podia ser tudo besteira – provavelmente era. Mas ainda faltava uma

criança.PasseiosdiasseguintespesquisandoChiyokoeHiro.Amaioriadoslinks

levava a novos materiais sobre a trágica história de amor de Ryu eChiyoko, dentre eles um artigo recente sobre uma série de suicídiosidênticos,mas,paraminhasurpresa,haviapoucacoisasobreHiro.ContateiEricKushan,ocaraquetraduziraostrechosemjaponêsparaoDQAC,paraver se ele poderia me dar alguma pista, mas ele tinha saído do Japãoalgunsmeses antes, depoisqueoTratadodeCooperaçãoMútuaentreosEstadosUnidoseoJapãoforacancelado,etudooqueelepôdesugerirfoiqueeuinvestigasseoCultodeHiro.PenseiqueocultopoderiatersetransformadoemalgoparecidocomosiéisdoReverendoMoonouoAumShinrikyo,masemvezdesetornarumculto nacionalista barra-pesada, se reduzira a pouco mais do que uma

moda bizarra de celebridades. Agora que seu marido havia ganhado aeleição, Aikao Uri parecia ter abandonado as teorias alienígenas e oSurrabot, concentrando as energias numa campanha pela aliançatriasiática.OMovimentoOrzsetornaratotalmenteunderground.VocêselembradeDanielMimura?Éumdosjornalistasdo TokyoHerald

quemedeupermissãoparausaralgumasmatériasdelenoDQAC. Foiumdos poucos colaboradores (alémde Lola – a amante do pastor Len – e odocumentaristaMalcolm Adelstein) quememandou um bilhete de apoiodepoisqueamerda foi jogadanoventilador.ElepareceudeliciadocomomeucontatoenósconversamosporumtemposobrecomoopovojaponêsestavasevirandocomofantasmadeumapossívelaliançacomaChinaeaCoreia.Transcreviorestodanossaconversa:

EU:VocêachaqueChiyokoeRyumorrerammesmoemAokigahara?

DANIEL: Ryu morreu com certeza, eles izeram uma autópsia, o que ébastante incomumpara Tóquio, pois elas não são feitas automaticamenteem todas asmortes suspeitas. O corpo de Chiyoko nunca foi encontrado,portantoquemsabe?

EU:Vocêachaqueelapodeestarviva?

DANIEL: Pode ser. Você ouviu os boatos sobre Hiro? Eles andamcirculandoháumtempo.

EU:Aquelabobagemde“OsTrêsaindaestãovivos”?

DANIEL:É.Querqueeufaledisso?

EU:Claro.

DANIEL: Isso é maluquice de conspiração, mas... Olha, para começar, ospoliciais fecharam a cena do crime depressa demais. Os paramédicos eperitos foram instruídos a não falar com a imprensa. Nem os caras daagência policial conseguiram tirar grande coisa deles, a não ser adeclaraçãooficial.

EU:Certo...masporqueiriamforjaramortedele?

DANIEL:OsNovosNacionalistaspoderiamterplanejadoisso,talvez.Querodizer, que modo melhor de colocar o público contra os Estados Unidos?Imagine, se você tivesse inclinação para isso, poderia dizer que elesarmaramacoisatoda,montaramacena,mataramosKamamotoseaquelesoldado,fizeramparecerqueoHiroestavamorto.

EU:Nãofazsentido.OsoldadoJakeWallaceeraumpamelista,tinhamotivoparamatarHiro.Comoconseguiriamenvolvê-lonumatramaassim?

DANIEL:Ei,nãoatirenomensageiro.Sóestoucontandoosboatos.Diabos,nãosei,talvezelestenhamsabidooqueeleiriafazer,tenhamarmadoparaele,hackeadoose-mailsdele,comoaquelesoutroscarasfizeram.

EU:MasastestemunhasdisseramqueviramChiyokocarregandoocorpodoHiro.

DANIEL: É.Mas você viu aqueles Surrabots que Kenji Yanagida faz? Sãosinistros. A não ser que você esteja muito perto, parecem bastanteconvincentes.

EU:Esperaaí...issonãosignificariaqueaChiyokofaziapartedatrama?

DANIEL:É.

EU:Entãodigamosqueoquevocêestáfalandoaconteceu...Chiyokodeixouqueospaisfossemassassinados...Porquê?

DANIEL: Quem sabe? Dinheiro? Para que ela e Hiro pudessem ir paraalgum país desconhecido e viver no luxo? E o pobre e velho Ryu foiapanhadonomeiodacoisaeacabousendomaisumabaixa.

EU:Vocêtemalgumaideiadequantasvezesouviessetipodeteoria?

DANIEL:Claro.Comoeufalei,étudopapofurado.

EU:Vocêjáinvestigouisso?

DANIEL:Andeiremexendoumpouco,nadaimportante.Vocêsabecomoéisso.Sehaviaalgumacoisa,alguémjáteriadeixadovazar.

EU:KenjiYanagidanãoidentificouocorpodeHiro?

DANIEL:Edaí?

EU:Sealguémsabedaverdade,éele.Elefalariacomigo?

DANIEL: [riso] De jeito nenhum. É tudo papo furado, Ellie. O garoto estámorto.

EU:KenjiYanagidaaindaestáemOsaka?

DANIEL:AúltimacoisaqueouvifoiqueelesaiudauniversidadedepoisdeserperseguidopeloCultodeHiro.Elesestavamdesesperadosparaqueelese tornasse um dos seus representantes de alto nível. Parece que semudouparaTóquio,trocoudenome.

EU:Vocêpoderiaencontrá-loparamim?

DANIEL: Você faz ideia de quantas pessoas tentaram falar com KenjiYanagidaenãoconseguiram?

EU:Maseutenhoumacoisaqueelasnãotêm.

DANIEL:Oquê?

NãoconteiaoDanielsobreatranscriçãoenviadapeloAce.TalvezfosseomeutrunfoparafalarcomKenjiYanagida.Talveznão.Seioquevocêestápensando:quenãocontei issoaoDanielporqueera

umainformaçãoexclusivaequeeuqueriausá-lacomobjetivospróprios–talvez colocar em outro livro. Mas, volto a repetir, para mim tudo issoacabou,Sam,juro.Nassemanasseguintes,não iznada.Omundoestavaprendendoofôlego

depoisqueaquelegrupoderenegadosdoFimdosTempostentoupôrfogonamesquitaAl-AqsanomontedoTemplo,emoutroesforçoparaaceleraracorridaparaoarrebatamento.Nemeuseria idiotaapontode irparaaÁsiaduranteoquepoderiaseroiníciodaTerceiraGuerraMundial.

E as notícias que recebíamos dos Estados Unidos eram deprimentes damesmaforma.Pormaisquenãoquisessesaberdosacontecimentos,euviaosrelatosdaescaladadeataquescontraadolescentesgays;o fechamentoemmassadasclínicasdereproduçãohumana;osblecautesnainternet;oslíderesdaaliançaLGBTedaLigaRacionalistasendopresosporcausadassupostas leis de segurança do Estado. Havia protestos antiamericanostambém na Inglaterra. O Reino Unido estava cortando as ligações com oregimedeReynard,eaMigrationWatchfaziacampanhaparainterromperamarédeimigrantesdosEstadosUnidos.Enãoqueroquevocêpensequeeunãomepreocupavacomvocê.Eusópensavanisso,noperíododeNatale Ano-Novo (não vou reclamar por ter passado o Dia de Ação de Graçassozinha no meu apartamento gelado ingerindo comida chinesaencomendada). Pensei em você quando aquelas celebridades inglesas sejuntaramaos igurõesamericanosnacampanha“SalveanossaDeclaraçãodeDireitos”;issoteriapostoparaforaseuladocínico.NemtodososvídeosdoYouTubenemtodasasmúsicasdesuperbandasnoiTunesmudariamasconvicções de pessoas que acreditavam honestamente que, apagando a“imoralidade”, salvariam os outros de queimar no inferno por toda aeternidade.Maseunãopodiadeixarparalá.Lembrando o que Ace dissera sobre não demorar muito, liguei para

DanielnoiníciodedezembroefaleiqueprecisavadeajudaparachegaraTóquio.Eleachouqueeuestavamaluca,claro.Seucontratoacabaradesercancelado;elecontouqueissovinhaacontecendocomocidentaisportodoo Japão– “éomododeelesa irmaremquenãosomosmaisbem-vindos”.Mesmo com meu passaporte inglês, graças aos novos regulamentos euprecisaria de um visto novo, ummotivo válido para viajar e um cidadãojaponês disposto a ser meu patrocinador e representante. Ele garantiu,comrelutância,quepediriaajudaaumamigo.Procurei Pascal de la Croix, o velho amigo de Kenji, e implorei que ele

pedisse para Kenji me receber. Contei-lhe a verdade: que tinha novasinformaçõessobreoacidentedaSunAirqueKenjiprecisavasaber.DissequeestavaindoaTóquiosóparavê-lo.Pascalsemostrouresistente,claro,mas en im concordouemmandarume-mail aKenji pormim,desdeque,casoeuconseguissevê-lo,nãopublicassenadasobrenossoencontro.

Acho que olhei a caixa de mensagens umas cinquenta vezes por dia àesperadeumaresposta, iltrandoacorrespondênciadee-mailsdeódioedespams.Elachegounomesmodiaqueconseguiovisto.Umendereço,nadamais.Sam,vouserhonesta.Antesde irembora, lanceium longoeduroolhar

em mim mesma. Que diabo eu estava fazendo? Ir atrás disso não metornava tão loucaquantoospiradosdoFimdosTempos e das teoriasdaconspiração? E digamos que minha busca maluca a Kenji Yanagida melevasse aoHiro. Digamos que ainda estivesse vivo e eu conseguisse falarcom ele. E Hiro me contasse que Os Três estavam possuídos peloscavaleirosdoApocalipseoueramalienígenaspsicóticos?Seráqueeutinhao dever de “deixar a verdade ser conhecida”? E se tivesse, isso fariaalguma diferença? Veja o que aconteceu com o escândalo do KennethOduah.HouveprovassólidasdequeosresultadosdotestedeDNAforamforjados,mas ainda assimmilhões de pessoas engoliram a besteirada doDr.Lund,deque“éavontadedeDeusqueoquartocavaleiro jamaissejaencontrado”.O voo foi um pesadelo. Senti o pânico de Pamela May Donald antes

mesmo de decolarmos. Ficava imaginando como ela havia se sentido nosminutosantesdeoaviãocair.Atémepegueicompondoum ishonacabeça,sóparagarantir.(Podedeixar,nãovouconstrangê-lacomele.)Nãoajudouemnadaofatodeque,meiahoraapósadecolagem,noventaporcentodosoutrospassageiros–todosocidentais,namaioriaingleseseescandinavos–já estavam bêbados. O cara ao meu lado, um tipo de especialista eminformática que ia para Tóquio ajudar a desmontar o ramo da IBM emRoppongi,meavisouoqueesperarquandochegássemos.– Veja bem, não é que eles sejam abertamente hostis nemnada,mas é

melhor icar na “seção dos ocidentais”, em Roppongi. Não é ruim, temmuitosbares. –Ele engoliu seu JackDanielsduplo ebafejoubourbonemcimademim.–Equemquer icarcomosjapas,a inal?Eupossomostrarolugar,sevocêquiser.Recuseie,felizmente,eleapagoulogodepois.Ao pousarmos em Narita, fomos levados para uma área de espera

especialondenossospassaportesevistosforamexaminadoscomprecisãoforense. Então, fomos arrebanhadospara táxis.Aprincípio, nãopude ver

nenhum sinal de que o Japão, como o resto do mundo, estivesse seencaminhandoparaocolapsoeconômico.Sóquandoatravessamosapontepara o coração da cidade percebi que os anúncios característicos, osletreiroseatéaTokyoTowerestavamiluminadosapenaspelametade.Daniel se encontrou comigo no hotel no dia seguinte e anotou

meticulosamenteumpassoapassoparaqueeuchegasseaoendereçodeKenji em Kanda. Como ica na parte antiga da cidade e fora das ÁreasAprovadasparaOcidentais,elesugeriuqueeuescondesseocabelo,usasseóculos e cobrisse o rosto com uma máscara cirúrgica contra a gripe.Pareceumeioexagerado,masmesmogarantindoqueduvidavaqueeumeencrencasse,dissequeeramelhornãoatrairmuitaatenção.

Sam,estouexaustaetenhoumdialongopelafrente.Estáclareandoagora,masprecisorelatarumaúltimasituação.NãotivetempoparatranscreveraconversacomKenjiYanagida–sóoviontem–,porissovoucontá-laaquidecabeça.SemasorientaçõesdetalhadasdoDaniel, eumeperderia emsegundos.

Kanda era um labirinto de ruas entrecruzadas cheias de restaurantespequeninos, livrarias minúsculas e cafés enfumaçados repletos detrabalhadores de terno preto. Um lugar confuso depois da arquiteturaocidentalecomparativamentesemalmadeRoppongi.Seguiasdireçõesatéumbecoestreitoapinhadodegenteencasacada,osrostosescondidosatrásdecachecóisoumáscarascontraagripe.Pareidiantedeumaportaentreuma miniloja que vendia cestos plásticos com peixe seco e outra quemostrava várias pinturas emolduradas demãos de crianças. Comparei aplaca emkanji do ladode fora como queDaniel havia escrito paramim.Comocoraçãonaboca,aperteiointerfone.–Hai?–soouumavozmasculinaríspida.–KenjiYanagida?–Sim?–MeunomeéElspethMartins.PascaldelaCroixmepôsemcontatocom

osenhor.Depoisdeuminstante,aportaseabriucomumestalo.Entrei num corredor cheirando a mofo e, sem outra opção, desci uma

escadacurta.Ela terminavanumaportaentreaberta.Empurrei-ae entrei

numao icinagrandeeatulhada.Umpequenogrupodepessoasestavanocentrodasala.Entãomeucérebrodeuumnó(Sam,nãotenhooutromododedescrever)epercebiquenãoerampessoas,masSurrabots.Contei seis, trêsmulheres, dois homens e (horrivelmente) uma criança,

encostadosemsuportes,comaluzhalógenare letindonapelemacilentaenosolhosbrilhantesdemais.Haviaváriosoutrossentadosemcadeirasdeplástico e poltronas puídas, num canto escuro – um tinha até as pernascruzadasnumaposeobscenamentehumana.Kenjisaiudetrásdeumabancadacobertade ios,telasdecomputadore

equipamento de solda. Parecia uma década mais velho e 20 quilos maismagro do que nos vídeos do YouTube: a pele ao redor dos olhos estavaenrugada e os malares altos pareciam proeminentes como os de umacaveira.Elefoidiretoaoponto,semnemmecumprimentar:–Queinformaçãovocêtemparamim?Conteisobreacon issãodeAceeentregueiumacópiadatranscrição.Ele

a examinou sem qualquer mudança de expressão, depois dobrou-a eenfiounobolso.–Porquetrouxeissoparamim?–Acheiqueosenhortinhaodireitodesaberaverdade.Suaesposaeseu

filhoestavamnaqueleavião.–Obrigado.Kenjimeencarouduranteváriossegundosetiveaimpressãodequeele

podiaenxergaratravésdemim.FizumgestoindicandoosSurrabots.–Oqueosenhorestáfazendoaqui?EssesaísãodoCultodeHiro?Elefezumacareta.– Não. Estou criando réplicas. Na maioria coreanas. Réplicas dos entes

queridosqueelesperderam.Seu olhar recaiu em uma pilha de máscaras de cera na bancada.

Máscarasmortuárias.– Como o que o senhor fez do Hiro? – Ele se contraiu (quem poderia

culpá-lo? Não foi sensível da minha parte). – Yanagida-san... o seu ilho,Hiro...quandoelemorreu,foiosenhorqueoidentificou?Preparei-me para uma saraivada de ofensas. Em vez disso, ele

respondeu:–Fui.–Lamentoperguntarisso...équeexistemboatosdequeelenão...deque

talvezele...–Meufilhomorreu.Euviocorpo.Éissoquevocêqueriasaber?–EChiyoko?–Éporissoquevocêveio?ParameperguntarsobreHiroeChiyoko?–Sim.Masatranscrição...éaverdade.Osenhortemminhapalavra.–OquevocêquersabersobreChiyoko?Decidi contar a verdade; suspeitei que ele perceberia qualquer papo

furado.–EstouseguindoumasériedepistassobreOsTrês.Elasmelevaramao

senhor.–Nãopossoajudar.Porfavor,váembora.–Yanagida-san,euvimdemuitolonge...–Porquenãopodedeixarissoquieto?Podia ver o sofrimento nos olhos dele. Eu o pressionara demais e, para

sersincera,estavaenojadacomigomesma.Virei-meparasair,masavisteium Surrabot num canto escuro, meio escondido atrás da réplica de umhomem corpulento. Ela estava sentada numa área separada, uma iguraserenausandoquimonobranco.Eraaúnicaquepareciarespirar.–Yanagida-san...essaéacópiadesuaesposa?Hiromi?Umalongapausa.–É.–Elaeralinda.–É.–Yanagida-san,ela...eladeixoualgumamensagem?Um isho,comoalguns

dosoutrospassageiros?Eunãoconseguiameconter;precisavasaber.–Jukei.Elaestálá.Porumsegundo,penseiqueeleestavafalandodaesposa.Depoisa icha

caiu.–Ela?Querdizer,Chiyoko?–Hai.–Nafloresta?EmAokigahara?

Elemalbalançouacabeçaparaassentir.–Emquelugardafloresta?–Nãosei.Eunãoqueriaabusardasorte.–Obrigada,Yanagida-san.Comeceiavoltarparaaescada,maselemechamou:–Espere.Virei-meparaencará-lo.Suaexpressãopermaneciatãoilegívelquantoa

doSurrabotaoladodele.–Hiromi.Namensagem,eladisse:“Hirosefoi.”Então é isso. É tudo que tenho.Não faço ideia domotivo paraKenjime

contaroconteúdodoishodesuaesposa.Talvezeleestivessemesmogratopelatranscrição;talvez,comoAce,eleachequenãohásentidoemguardarmaissegredo.Talvezestivessementindo.Émelhormandar isto agora. O wi- i aqui é umamerda e preciso ir ao

saguãoparausar.Aflorestavaiestarfria;estácomeçandoanevar.Sam,seiqueaschancesdevocêlerestetextosãopequenas,mas,sópara

quevocêsaiba,decidivoltarparacasadepoisdisso.ParaNovaYork, seogovernador não cumprir a promessa de fazer um plebiscito sobre asecessão. Quero estar aí. Não vou mais fugir. Espero que você esteja aí,Sam.Euteamo,Ellie.

COMOTERMINA

O disfarce de Elspeth, óculos escuros e máscara contra gripe agoraligeiramente encharcada, é tão e icaz no subúrbio quanto era na cidade:atéagoranenhumpassageirolhelançouaomenosumsegundoolhar.Masquando ela desce em Otsuki – uma estação de aparência precária queparecepresanadécadade1950–,umhomemuniformizadorosnaalgumacoisa. Ela sente um pânico momentâneo, depois percebe que ele só estápedindoobilhete. Idiota.Elabalançaa cabeça, entrega-oeele sinalizanadireçãodeumalocomotivaantigaqueesperanumaplataformaadjacente.Umapitosoaeelaembarcadepressa,aliviadaporqueovagãoestávazio.Deixa-se afundar no banco e tenta relaxar. Conforme o trem sacoleja,estremece e en im encontra o ritmo, ela olha pelas janelas sujas para oscampos salpicadosdeneve, as casas com telhados inclinadoseumasériede pequenos lotes vazios, exceto por uma plantação de repolhosapodrecidospelogelo.Oarfriopenetrapelasfrestasnaslateraisdotrem;um sopro fraco de neve bate nas janelas. Ela lembra que são catorzeparadasatéKawaguchiko,ofimdalinha.Concentra-se noclac-clac das rodas; tenta não pensar muito no lugar

paraondeestáindo.Naterceiraparada,entranovagãoumhomemcomorosto tão amarrotado quanto as roupas e ela se enrijece quando eleescolheobancoàsuafrente.Elspethrezaparaelenãotentarconversar.Ohomem grunhe, en ia a mão numa sacola grande de compras e tira umpacote do que parecemmakimonos gigantes. En ia um na boca, depoisoferece o saco. Decidindo que seria grosseria recusar, ela murmura“arigato”epegaum.Emvezdearrozealga,mordealgumtipodedoceleveequebradiçoquetemgostodeadoçante.Demora-secomendo,paraocasodeeleofereceroutro,poisjáestánauseada,entãobaixaacabeçacomoseestivesse cochilando. Só é ingimento em parte: está exausta após umanoiteinsone.Quandovoltaalevantarosolhos, icapasmaaoverumamontanha-russa

gigante tomando a vista da janela, a estrutura enferrujada áspera com

dentesdegelo.DevefazerpartedeumdosdefuntosbalneáriosdomonteFuji,dosquaisDanielfalou;umdinossauroincongruentepresonomeiodelugarnenhum.Últimaparada.Dandoumsorrisoenormequeafazsentirculpaporter ingidodormir,o

velho parte. Ela se demora, depois o segue atravessando os trilhos até aestaçãodeserta,umaestruturademadeiraforradadepinhobrilhantequepareceriamais natural numaestaçãode esqui nosAlpes.Umamúsicaderealejo toca em algum lugar, su icientemente alta para acompanhá-laquandoela sainopátioexternodaestação.A cabinede turismoàdireitatemumaaurademausoléu,maselavêumtáxiparadopertodeumpontodeônibus,comfumaçasaindodocanodedescarga.Ela pega o pedaço de papel em que Daniel (com relutância) escreveu

qual era o destino, dobra-o em volta de uma nota de 10 mil ienes e seaproxima do carro. Entrega-o aomotorista, que não demonstra qualqueremoçãoaoolhá-lo.Eleassente,en iaodinheironopaletóeolhadiretoemfrente.O interiordoautomóvel fedea fumaçade cigarroedesesperança.Quantas pessoas esse homem levou à loresta, sabendo que talvez nãofossem retornar? O taxista liga o motor antes mesmo que ela consigaprenderocintodesegurançaeseguepelopovoadodeserto.Amaioriadaslojas temasvitrinescobertaspor tábuas;asbombasdopostodegasolinatêmcadeados.Passamporumúnicoveículo,umônibusescolarvazio.Emminutos estão rodeandoumgrande lago vítreo eElspethprecisa se

agarraràmaçanetadaportaenquantoomotoristajogaocarronascurvasfechadas da estrada. Obviamente, ele está tão ansioso quanto ela parachegarao imdacorrida.Elavêoesqueletocapengadeumgrandetemplodiantedeuma lorestademarcosdesepulturaabandonados,alémdeumaileiradecaiaquesapodrecendoeos restosqueimadosdeváriascabanasde fériasespiandocorajosamenteatravésdaneve.OmonteFuji ergue-seaofundo,comnévoaencobrindootopo.Deixamo lagopara trás eomotorista entranumavia expressadeserta

antesdevirarbruscamenteeacelerarporumaestradamaisestreitacomcalombos de neve, escorregadia devido ao gelo. A loresta se esgueira aoredor.ElasabequetemdeseraAokigahara:reconheceasraízesbulbosasque icamacimadabasevulcânicadopisoda loresta.Passamporvários

carros amortalhados em neve, abandonados junto à estrada. Num deles,Elspeth tem quase certeza de discernir uma igura encurvada atrás dovolante.Omotoristaentranumestacionamentoeparapertodeumprédiobaixoe

fechado, entregue às moscas. Aponta para uma placa de madeiraatravessandoumcaminhoquelevaparaafloresta.Tambémalihávárioscalombosemformadeveículos.Como, diabos, ela vai voltar para a estação?Há um ponto de ônibus do

outroladodaestrada,mascomosaberseosônibusestãorodandoali?Otaxistabatenovolante,impaciente.Elspethnãotemescolhaanãosertentarsecomunicarcomele.–Ah...osenhorsabeondepossoencontrarChiyokoKamamoto?Elamora

poraqui.Elebalançaacabeça.Apontadenovoparaafloresta.E agora? Que porra ela achava que ia encontrar? Chiyoko esperando-a

numa limusine? Deveria ter ouvido Daniel. Isso era um erro. Mas agoraestá aqui – de que adiantaria voltar a Tóquio sem explorar todas asopções?Sabequeexistempovoadosporali.Teráquechegaraalgumdelesseosônibusnãoestiveremrodando.Murmura “ arigato”,mas omotoristanãoresponde.Eleaceleraparalongenosegundoemqueelafechaaporta.Elspeth ica parada por vários segundos. Os espíritos famintos que

espreitam na loresta não deveriam estar tentando atraí-la para asárvores?A inaldecontas,pensa,elesprocuramosvulneráveisesofridos,nãoé?Eseelanãoestivervulnerávelesofrida?Ridículo.Tentandonão ixarmuitoaatençãonosveículosabandonados,atravessa

vários trechos de neve funda e vai para os montinhos cobertos de nevearrumados em círculo diante da construção. Leu que na área existemváriosmemoriais às vítimasdo acidente aéreo.Espanaos cristaisde gelodecimadeumdeles,revelandoummarcodemadeira.Atrás,parcialmenteescondidaatrásdeoutromontedeneve,vêaformadeumacruzemestiloocidental. Elspeth espana a neve, com o gelo derretido começando apenetrar nas luvas, e lê as palavras: “Pamela May Donald. JamaisEsqueceremos”. Imagina se o comandante Seto tem ummarco ali; ouviradizerque,apesardasprovas,algunsparentesdospassageiros(vemàsua

mente o termoizoku, que Eric Kushan insistiu em usar para os parentesdospassageirosmortos)aindaoculpavampeloqueaconteceu.Talvezessafosse de fato uma história que valesse a pena investigar.Histórias nãocontadasdaQuinta-FeiraNegra . Sam estava certa: ela eramuito cheia demerda.Umavozatrása fazdarumpulo.Elspethgira,vêuma iguraencurvada

usandocasacovermelhobrilhantevindodetrásdaconstrução,nadireçãodela.Ohomemrosnaalgumacoisa.Nãohásentidoemseesconder.Elatiraosóculosescuros,aluzfazendo-a

piscar.Elehesita.–Oqueestáfazendoaqui?Seuinglêstemumlevesotaquecaliforniano.–Vimveromemorial.–Elasepegamentindo,nãosabedireitoporquê.–Porquê?–Estavacuriosa.–Nãorecebemosmaisocidentaisaqui.–Tenhocerteza.Ah...oseuinglêsémuitobom.Elesorriderepenteecomferocidade.Seusdentessãomalencaixadose

háumespaçoentreeleseasgengivas.Eleossugadevoltaparaaboca.–Aprendihámuitosanos.Pelorádio.–Osenhoréozelador?Elefranzeatesta.–Nãoentendo.Elaindicaaconstruçãodilapidada.–Osenhormoraaqui?Cuidadolugar?–Ah!–Outrosorrisoquemostraosdentes.–É,eumoroaqui.Ela se pergunta se ele poderia ser Yomijuri Miyajima, o rastreador de

suicídiosquesalvouBobbyeencontrouosrestosdeRyu.Masseriasortedemais,nãoseria?–Euentrona lorestaparapegarascoisasqueaspessoasdeixampara

trás.Possovender.Elspeth treme violentamente enquanto o frio corta suas bochechas,

fazendoosolhoslacrimejarem.Batecomospés.Issonãoajuda.–Temmuitagentevindoaqui?–Elaindicaoscarros.

–Tem.Vocêquerentrar?–Nafloresta?–Éumcaminholongoatéolugarondeoaviãocaiu.Maspossolevá-laaté

lá.Vocêtemdinheiro?–Quanto?–Cincomil.Elaen iaamãonobolso,entregaumanota.Elaquermesmo fazer isso?

Acha que sim. Mas não é por isso que está aqui. O quedeveria estarfazendoéperguntarseelesabedoparadeirodeChiyoko,mas...Chegouatéaqui,porquenãoentrarnafloresta?O homem se vira e vai em direção à trilha e Elspeth se esforça para

alcançá-lo. As pernas do sujeito são arqueadas e ele é pelo menos trêsdécadasmais velho do que ela,mas parece ter o vigor de alguém de 20anos.Elesoltaumacorrentequeatravessaocaminhoecontornaumaplacade

madeira com algo escrito desbotado e descascando. As árvores fazemchover lores de neve sobre ela, os locos atingindo seu pescoço, onde ocachecol escorregou. Ela pode ouvir a própria respiração rouca nosouvidos. O velho atravessa a via principal, indo para as profundezas daloresta.Elspethhesita.Ninguém,anãoserDaniel, sabequeelaestáaqui(Sam talvez nem lesse o e-mail que ela mandou esta manhã) e ele vaipartir do Japão em alguns dias. Se ela arranjar encrenca, está ferrada.Pega o celular. Não há sinal. Claro. Tenta prestar atenção ao ambiente,procurando marcos que a ajudem a voltar ao estacionamento, mas emminutos as árvores a engolem inteira. Fica surpresa por não ter apremonição que esperava.Na verdade é um lugar lindo. Existembolsõesde terra marrom onde a copa da loresta bloqueia o céu e há algocharmosonasraízesnodosasdasárvores.SamuelHockemeier–ofuzileiroqueesteveno local algunsdiasdepoisdo acidente –disseque elas eramfantasmagóricaseintimidantes.Conforme ela prossegue pela neve, seguindo os passos do velho, não

consegueseesquecerdequefoialiquetudocomeçou.Umasequênciadeacontecimentos provocada não por três crianças que sobreviveram aacidentes aéreos e, sim, pela mensagem aparentemente inócua de umadonadecasatexanaagonizante.

O homem para de repente, em seguida vira para a direita. Elspethespera, semsaberoque fazer.Elenãovai longe.Ela avança comcautela,parando ao ver um lampejo de azul-escuro na neve. Há uma igura emposição fetal aopédeuma árvore.Os restosdeuma corda sobematé osgalhosacimadocorpo,comapontaesgarçadarígidadecristaisdegelo.Ovelhoseagachaaoladoecomeçaarevirarosbolsosdoagasalhoazul-

escuro. A cabeça do cadáver está abaixada, não dá para ver se é umhomemouumamulher.Amochilaaoladoseachameioaberta,revelandoumcelulareoquepareceumaespéciedediário.Asmãosdomortoestãoazuiseenroladas,asunhas,brancas.Obolinhodocedovelhodotremlheprovocaenjoo.Elspeth examina o corpo com uma espécie de fascínio mórbido; seu

cérebro não parece processar o que ela vê. Sem aviso, um jorro de bilequente vem à sua boca e ela se vira, segurando um tronco de árvoreenquanto sente ânsiasdevômito,masnãopõenadapara fora. Puxao arparaospulmões,enxugaosolhos.– Está vendo? – diz o homemem tom casual. – Este homemmorreu há

dois dias, acho. Na semana passada encontrei cinco. Dois casais.Encontramosmuitosqueoptampormorrerjuntos.Elspethpercebequeestátremendo.–Oqueosenhorvaifazercomocadáver?Eledádeombros.–Elessóvirãorecolherquandootempoficarmaisquente.–Eafamíliadele?Talvezoestejaprocurando.–Épossível.Elepõeocelularnobolsoeseempertiga.Depoisviraecontinuaaandar.Elspeth já viu tudo que queria. Como pode ter achado aquele lugar

bonito?– Espera – grita para ele. – Estou procurando alguém. Uma moça que

moraaqui.ChiyokoKamamoto.–Ohomempara,masnãovira.–Osenhorsabeondeelamora?–Sei.–Podemelevaratéela?Eupago.–Quanto?–Quantoseria?

Eledeixouosombroscaírem.–Venha.Elspeth recua para deixá-lo passar, depois o acompanha até ao

estacionamento.Elanãovoltaaolharparaocorpo.Correndo para alcançá-lo, Elspeth escorrega num trecho de gelo liso,

conseguindoseequilibrarnoúltimoinstante.O homem abre uma porta dupla na lateral da construção, desaparece

dentroe,segundosmaistarde,Elspethouveummotortentandopegar.Umcarrodámarchaaré,comomotorchacoalhando,asmático.–Entre–falapelajanela.Estáclaroqueelaoofendeudealgummodo:porquenãoquisiraolocal

doacidenteouporquemencionouChiyoko?Elspeth entra antes que ele mude de ideia. O homem sai do

estacionamento e vai para a estrada, tão despreocupado com a neve e ogelo quanto o taxista. Parece semanter nos limites da loresta e, quandofazemumacurva,elavislumbraostetoscobertosdenevedeváriascasasdemadeira.Ovelhodiminuiavelocidadedocarroeelespassamlentamenteporuma

série de residências de um andar, de aparência frágil. Ela nota umamáquinadevendasenferrujada,umvelocípedemeioescondidonaneveaolado do acostamento, uma pilha de madeira cheia de gelo encostada nalateraldeumacasa.Quandochegamaosarredoresdopovoado,eleviradenovo para a borda da loresta. A estrada ali está escondida sob neveintocada,semnenhumapegadahumanaouanimal.–Alguémmoraaqui?Ohomemaignora,aceleraeocarrosobedesajeitadamenteumaladeira

poucoinclinadaeparaa100metrosdeumapequenaestruturadetábuasdescascadas. Não fosse a varanda meio bamba e as janelas fechadas,pareceriaumbarracão.–Esteéolugarquevocêquer.–Chiyokomoraaqui?O velho suga os dentes, olha direto em frente. Elspeth tira uma luva

encharcadaereviraobolsoparapegarodinheiro.–Arigato – agradece, entregando-o. – Se eu precisar de uma carona de

volta,posso...–Vá.–Euofendiosenhor?–Vocênãomeofendeu.Nãogostodestelugar.Umhomemque roubacadáveres falando isso.Elepegaodinheiroeela

desce, trêmula. Elspeth vêo carrodarmarcha a ré, soltandoumanuvempretade fumaça,e resisteàânsiadegritar “espera!”.Ogemidodomotorlogosome,atédepressademais,comoseaatmosferaabsorvessetodosossons, cobiçosa.Dealgummodoa lorestaeramaishospitaleira.Eelaestácomaquelearrepionanuca,comoseolhosaespiassem.Sobe na varanda demadeira diante da casa, notando com alívio que o

piso está cheio de guimbas de cigarro. Sinal de vida. Bate à porta. Suarespiraçãocriavapore,pelaprimeiravezemanos,elasepegadesejandoumcigarro.Batedenovo.Decideque,seninguématender,vaidarofora.Masumsegundodepoisaportaéabertaporumamulhergordavestindo

umyukata rosa e sujo. Elspeth tenta se lembrar das fotos que viu deChiyoko. Recorda-se de uma adolescente rechonchuda de olhar duro,expressãodesafiadora.Pensaqueosolhospodemserosmesmos.–VocêéChiyoko?ChiyokoKamamoto?O rosto largo da mulher se abre num sorriso e ela faz uma pequena

reverência.–Entre,porfavor.Seu inglês é impecável e, como o do velho, tem um traço de sotaque

americano.Elspethentranumasaletaestreita–oarfrígidonãoémenosimplacável

– e tira as botas encharcadas, contraindo-se quando o frio morde suascoxas. Põe as botas numa prateleira junto a um par de sapatos altosvermelho-sangueevárioschinelossujos.Chiyoko (se éChiyokomesmo;Elspethnão temcerteza) leva-aporuma

portaquedánuminteriorigualmentegélido,muitomenordoquepareciapor fora. Um corredor curto divide duas áreasmeio escondidas atrás dedivisórias;naextremidademaisdistante,Elspethdivisaoquepareceumacozinhapequena.AcompanhaChiyoko,passandopeladivisóriaàesquerda,eadentrauma

salaquadrada,mal iluminada,comopisocobertode tatames.Nomeiohá

uma mesa baixa e manchada de molho, com ios de macarrão secoparecendo minhocas, além de várias almofadas cinzentas desbotadas aoredor.–Acomode-se.–Chiyokoindicaumaalmofada.–Voulhetrazerumpouco

dechá.Elspeth obedece, os joelhos estalando ao se abaixar. Ali dentro é só um

pouquinhomaisquenteeoartemumlevecheirodepeixe.Ouve um murmúrio de vozes, seguido por um risinho. Um riso de

criança?A mulher retorna trazendo uma bandeja com um bule de chá e duas

xícarasredondas.Coloca-asobreamesa,depoisseajoelhacommaisgraçadoqueseucorpanzilpermitiria.Serveochá,entregaumaxícaraaElspeth.–VocêémesmoChiyoko,nãoé?Umrisoafetado.–Sou.– Você e Ryu... O que aconteceu? Eles encontraram seus sapatos na

floresta.–Vocêsabeporquedevemostirarossapatosantesdemorrer?–Não.– Para não levar rastros de lama para a outra vida. Por isso existem

tantosfantasmassempés.Umrisinho.Elspeth toma um gole do chá. Está frio, o gosto é amargo. Obriga-se a

tomaroutro,quaseengasgando.–Porquevocêsemudouparacá?– Gosto daqui. Recebo visitas. Alguns vêm antes de entrar na loresta

paramorrer.Amantesqueachamqueestão sendonobresenunca serãoesquecidos. Como se alguém se importasse! Sempre me perguntam sedevemfazerisso.Esabeoqueeudigo?–Chiyokodáumolharmarotodesoslaio. – Digo para fazer. A maioria me traz uma oferenda: comida, àsvezes lenha. Como se eu fosse um templo! Escreveram livros sobremim,canções.Háatéaporradeumasériedemangás.Jáviu?–Já.Elaassente,fazumacareta.–Ah,sim,vocêmencionounoseulivro.

–Vocêsabequemeusou?–Sei.Elspethdáumpuloquandoumberroagudosoaatrásdaportadetela.–Oquefoiisso?Chiyokosuspira.–ÉoHiro.Estáquasenahoradedarcomidaparaele.–Oquê?–O ilhodeRyu.Nóssó izemosumavez.–Outrorisinho.–Nãofoimuito

bom.Eleeravirgem.ElspethesperaqueChiyokoselevanteeváatéacriança,maselaparece

nãoterintençãodefazerisso.–Ryusabiaqueiaserpai?–Não.–Ocorpoqueacharamnaflorestaeramesmodele?– Era. Pobre Ryu. Um otaku sem causa. Eu o ajudei a ter o que queria.

Quer que eu conte como foi? É umaboa história. Você pode colocar numlivro.–Quero.– Ele disse que me seguiria a qualquer lugar. E quando eu falei que

queria morrer, ele garantiu que também me acompanharia até a outravida.Antesdemeconhecer,elehaviaparticipadodeumgrupodesuicidason-line,sabia?–Não.– Ninguém sabia. Foi logo antes de começarmos a conversar. Ele não

conseguiuiratéofim.Precisavadeumempurrãozinho.–Eimaginoquevocêfezisso.Eladeudeombros.–Nãofoimuitodifícil.–Evocê?Tambémtentou,nãofoi?Chiyokorielevantaasmangasdoquimono.Nãohácicatrizesnospulsos

nemnosantebraços.– Não. São apenas histórias. Você já se sentiu assim? Com vontade de

morrer?–Já.–Todomundojásentiuisso.No im,éomedoqueimpedeaspessoas.O

medododesconhecido.Doquepodemos encontrarnooutromundo.Masnãohámotivoparasentirmedo.Acoisasócontinuaecontinua.–Oquê?–Avida.Amorte.Hiroe eupassamosmuitashoras conversando sobre

isso.–Querdizer,oseufilho?Chiyokogargalhacomdesprezo.–Nãosejaridícula.Eleésóumbebê.EstoufalandodooutroHiro,claro.–HiroYanagida?–É.Vocêgostariadefalarcomele?–Hiro está aqui? ComoHiro pode estar aqui? Ele foimorto por aquele

fuzileiro.Atiros.–Foi?–Chiyokoselevantacomfacilidade.–Venha.Vocêdevetermuitas

perguntasparaele.Elspeth se levanta, os músculos da coxa doendo por causa da posição

ajoelhada. Sua visão oscila, ela sente cólica e, por ummomento horrível,imaginaseChiyokoadrogou.Amulherde initivamentenãobatebeme,seoqueestádizendosobreRyueossuicidasqueavisitaméverdade,elaéperigosa. Elspeth não consegue tirar da cabeça a reação do velho àquelelugar. Sua boca se enche de saliva e ela belisca o braço esquerdo,recusando-seaseentregar.Asensaçãopassa.Elaestá tontadeexaustão.Desgastada.Acompanha Chiyoko até a outra sala separada por divisórias, do lado

opostodocorredor.–Venha–chamaChiyoko,abrindoatelaosuficienteparaElspethpassar.Está escuro ali dentro; os postigos de madeira estão fechados. Elspeth

forçaavistae,àmedidaqueosolhosseacostumam,podeverumberçonoladoesquerdodoquartoeumfutoncheiodetravesseirossobasjanelas.Oodor de peixe émais forte ali. Ela estremece, lembrando-se do delírio dePaulCraddockcomo irmãomorto.Chiyoko tiraummenininhodoberçoeeleenvolveseupescoçocomosbraços.–AcheiquevocêtivesseditoqueoHiroestáaqui.–Eestá.Apoiando o menininho no quadril, Chiyoko abre um postigo, deixando

entrarumafaixadeluz.

Elspeth estava errada: os travesseiros no futon não são travesseiros e,sim,umafiguraencostadaàparedecomaspernasestendidas.–Voudeixarvocêsasós–dizChiyoko.Elspeth ica em silêncio. O Surrabot de Hiro Yanagida pisca, um

pouquinho lento demais para ser convincentemente humano. A pele estáfuradaemalgunslugares;asroupas,esgarçadas.–Olá.–AvozinfantilfazElspethpular.–Olá.–Évocê,Hiro?–perguntaElspeth.A insanidadedasituaçãoen imaatinge.Estáno Japão.Falandocomum

robô.Estáfalandocomaporradeumrobô.–Soueu.–Posso...possofalarcomvocê?–Vocêestáfalandocomigo.Elspethchegamaisperto.Existempequenosrespingosmarronsnapele

opacadorosto–sangueseco?–Oquevocêé?Oandroideboceja.–Eusoueu.Elspethestácomomesmo tipodeentorpecimentoquesentiunao icina

deKenji Yanagida. Suamente ica vazia.Não tem ideia doqueperguntarprimeiro.–Comovocêsobreviveuaoacidente?–Nósescolhemosisso.Masàsvezeserramos.–EJessica?EBobby?Ondeelesestão?Morrerammesmo?–Ficaramentediados.Emgeralficam.Sabiamcomotudoiriaacabar.–Ecomoacaba?O Surrabot pisca de novo para ela. Depois de vários segundos, Elspeth

indaga:–Existe...existeumaquartacriança?–Não.–Eoacidentedoquartoavião?Acabeçadogarotoseviraligeiramentedelado.–Sabíamosqueaqueleseriaodiaparafazeraquilo.–Oquê?–Chegar.

–E...porquecrianças?–Nemsempresomoscrianças.–Oqueissoquerdizer?Acabeçadacoisaestremeceebocejadenovo.Elspeth tema impressão

de que aquilo quer dizer “adivinhe, vaca”. Então, o robô faz um somquepoderiaserumriso,oqueixoseabrindoalémdaconta.Háalgofamiliarnomodo como ele está articulando as palavras. Elspeth sabe como aquilofunciona.Viuas imagensdacâmeracapturandoosmovimentos faciaisdeKenjiYanagida.Masnãoexisteindíciodenenhumcomputadornasala.E...issonãoexigiriaalgumtipodesinal?Nãotemsinalali,certo?Elaveri icaocelular de novo, só para garantir.Mas Chiyoko poderia estar operando oandroideapartirdeoutrocômodo,não?–Chiyoko?Évocê?É,nãoé?OpeitodoSurrabotsobeedesce,depoisficaimóvel.Elspethsaicorrendodoquarto,ospésescorregandonostatames.Abrea

porta perto da cozinha vazia, revelando um banheiro minúsculo, abanheira pequena cheia de fraldas de pano imundas. Recua e puxa devolta a divisóriadoúnicooutro cômodo.O ilhodeChiyokoolhapara ela,deitadonochão,brincandocomumbichinhodepelúciasujo,eri.ElaabreaportadafrenteevêChiyokoparadanavaranda,afumaçade

cigarrosubindoaoredordesuacabeça.SeráqueelapoderiateridoatéalienquantoElspethvasculhavaacasa?Nãotemcerteza.Calçaasbotasesejuntaaela.–Eravocê,Chiyoko?Falandoatravésdoandroide?Chiyokoapagaocigarronabalaustradaeacendeoutro.–Vocêachouqueeraeu?–Sim.Não.Nãosei.O ar frio não ajuda a clarear sua cabeça e Elspeth está farta de tantas

charadas.–Certo...Senãoeravocê,oqueeleseram...são?Querodizer,OsTrês?–VocêviuoqueoHiroé.–Sóviaporradeumandroide.Chiyokodádeombros.–Todasascoisastêmalma.–Entãoeleéisso?Umaalma?

–Decertaforma.MeuDeus.–Vocêpoderia,porfavor,medarumarespostadireta?Outrosorrisoenfurecedor.–Façaumaperguntadireta.– Certo... O Hiro, o Hiro de verdade, contou a você por que Os Três,

independentemente de que porra eles fossem, vieram e tomaram oscorposdascrianças?– Por que eles precisariam demotivo? Por que nós caçamos quando já

temos o su iciente para comer? Por que matamos uns aos outros porninharias?Oquefazvocêpensarqueelesprecisavamdeummotivoalémdeapenasveroquepoderiaacontecer?– Hiro deu a entender que eles já estiveram aqui antes. Também ouvi

issodotiodeJessicaCraddock.–Todasasreligiõestêmprofeciassobreofimdomundo.–Edaí?OqueissotemavercomOsTrêsteremestadoaquiantes?Chiyokofazumsomqueéalgoentreumsuspiroeumafungada.– Para uma jornalista, você é muito ruim em pensar nas coisas em

detalhe.Eseelesvieramaquiantesparaplantarasemente?Elspethlevaumsusto.– De jeito nenhum. Você está tentando dizer que eles vieram aqui há

milhares de anos e puseram isso tudo em movimento, só para retornaranosdepoiseverseatalsementequeplantaramprovocaamerdado imdomundo?Issoéinsano.–Claroqueé.Elspethestátãocansadaqueosossosdoem.–Eagora?Chiyoko boceja; faltam vários de seus dentes de trás. Ela limpa a boca

comamangadavestimenta.– Faça o seu trabalho. Você é jornalista. Encontrou o que estava

procurando.Volteeconteoqueviu.Escrevaumamatéria.–Vocêachamesmoquealguémvaiacreditarseeudisserquefaleicom

uma droga de androide que abriga a... alma ou sei lá o quê de um dosTrês?–Aspessoasvãoacreditarnoquequiserem.

–Eseelasacreditarem...vãopensar...vãodizer...–VãodizerqueHiroéumdeus.–Eeleé?Chiyokovoltaadardeombros.–Shikataganai.Oqueissoimporta?Elaapagaocigarronabalaustradaeentraemcasa.Elspeth ica imóvel durante váriosminutos e, sem outra opção, fecha o

zíperdocasacoecomeçaaandar.

COMOCOMEÇA

PamelaMayDonald estádeitadade lado, olhandoomeninoque semoverapidamentecomosoutrosnomeiodasárvores.–Socorro–clama,avozáspera.Procura o telefone. Ele está em algum lugar na pochete, tem certeza.

Anda,anda,anda.Seusdedosroçamnele,quaseconseguiupegar... estátãoperto, você consegue... mas é di ícil... Há alguma coisa errada com seusdedos. Eles não funcionam, estão entorpecidos, mortos, não pertencemmaisaela.–Snookie–sussurraela,outalvezsópensequeestádizendoissoemvoz

alta.Dequalquermodo,éaúnicapalavraemsuamenteenquantoelamorre.Omeninovaiatéela,andandonaspontasdospésemvoltadasraízese

dos destroços. Olha o corpo de Pamela. Ela morreu. Apagou antes quepudesse gravar amensagem.Ele icadesapontado,mas isso já aconteceuantes e ele começavaa icar entediado comesse jogo,dequalquermodo.Todos estavam. Não importa. Mesmo sem a mensagem, tudo acaba domesmomodo.Ele seagacha,põeosbraçosemvoltados joelhose treme.Podeouviro

somdistantedoshelicópterosderesgateseaproximando.Sempregostadeseriçadoparaohelicóptero.Issovaiserdivertido,independentementedoresto.

SOBREAAUTORA

©PaganWicks

SARAHLOTZ é roteirista e autorade romancespulp iction comumaquedapelomacabroepornomesfalsos.EscrevehistóriasdeterrorurbanocomoSL Grey e uma série jovem de zumbis com sua ilha, Savannah, sob opseudônimoLilyHerne,alémdelivroseróticoscomoHelenaS.Paige.MoranaCidadedoCabocomafamíliaeseusanimaisdeestimação.www.sarahlotz.com