1. Mauricio Campos 1 CoquetelariacomSabordeBrasil COQUETELARIA
COM SABOR DE BRASIL Autor: Mauricio Campos 2015 2Edio
2. Mauricio Campos 2 CoquetelariacomSabordeBrasil Mauricio
Campos Bartender desde os 18 anos, teve a oportunidade de morar em
todas as regies do Brasil, passando pelos estados de So Paulo
(aonde nasceu), Santa Catarina, Paran, Gois, Tocantins e Cear.
Durante 13 anos de viagens pelo Pas, passou por 22 estados e mais
de 600 cidades. Hoje associado do movimento Slow Food e defensor
assduo da profisso de Bartender no Pas. Em 2012, assumiu o
compromisso de lutar pela Regularizao da Profisso de Bartender, em
busca de melhorias nas condies de trabalho de centenas de milhares
de profissionais do setor. E como forma de fortalecer o crescimento
da profisso, j apoiou mais de 40 Torneios de Bar no Pas e 8
Bartenders Brasileiros em campeonatos em 15 pases.
3. Mauricio Campos 3 CoquetelariacomSabordeBrasil Coquetelaria
Com Sabor de Brasil
4. Mauricio Campos 4 CoquetelariacomSabordeBrasil INDICE
VIAJANTES (RELATOS SOBRE O BRASIL, SCULOS XVI A XIX)
........................4 A CONTRIBUIO RABE PARA O BRASIL
....................................................41 AMAZNIA
......................................................................................................46
BIOPIRATARIA
................................................................................................
65 SLOW
FOOD....................................................................................................
67 ALIMENTOS
ORGNICOS...............................................................................
81 AGRICULTURA
FAMILIAR..............................................................................
106
TRANSGNICOS...............................................................................
.............110
BIODIVERSIDADE............................................................................................115
A ILUSO DA DIVERSIDADE DAS
MARCAS.............................................. 126 TECNOLOGIA
E
COQUETELARIA...................................................................134
SISTEMAS DE
FILTRAGEM...............................................................................141
BEBIDAS
INDGENAS......................................................................................145
ADOANTES
ALTERNATIVOS.........................................................................195
MANIFESTO PELAS FRUTAS
BRASILEIRAS......................................................
240 BEBIDAS
REGIONAIS.....................................................................................
246 INGREDIENTES
AMAZNICOS......................................................................
263 MERCADO DO VER O
PESO.........................................................................
399
POPULAES.................................................................................................409
CERRADO.......................................................................................................423
CAATINGA.....................................................................................................457
DECORAO.................................................................................................580
PRODUTOS
ARTESANAIS................................................................................601
5. Mauricio Campos 5 CoquetelariacomSabordeBrasil O UMAMI
BRASILEIRO...............................................................................
623 TRANSTORNO DE DFICIT DE
NATUREZA.......................................................629
LICORES
REGIONAIS.....................................................................................631
CAPETEIROS....................................................................................................638
RASPA
RASPA..............................................................................................640
FLOR DE SAL
BRASILEIRO..............................................................................642
CACHAA, HISTRIA E
CURIOSIDADES......................................................
643
CAIPIRINHA....................................................................................................658
BARES MAIS ANTIGOS EM FUNCIONAMENTO NO
BRASIL..........................755 REFRIGERANTES
REGIONAIS..........................................................................761
UVA
ISABEL.....................................................................................................773
MENUS DA POCA DO IMPRIO NO
BRASIL................................................781
CAF...............................................................................................................788
MANDIOCA....................................................................................................817
MILHO...........................................................................................................
832 BIOFILMES /
BIOPOLMEROS..........................................................................842
COMO FAZER UMA
HORTA..........................................................................
846
INSETOS..........................................................................................................853
PLANTAS ALIMETCIAS NO CONVENCIONAIS (
PANCS)..........................857
ARQUEOLOGIA..............................................................................................862
ARQUEOLOGIA
BIOMOLECULAR.................................................................
898 ECONOMIA
CRIATIVA...................................................................................918
ECONOMIA DA
EXPERINCIA.......................................................................943
PEDAGOGIA HISTRICO
CRTICA...............................................................
945 REGULAMENTAO DA PROFISSO DE
BARTENDER...................................950
6. Mauricio Campos 6 CoquetelariacomSabordeBrasil DICAS DE
LIVROS...........................................................................................954
ENDEREOS TEIS PARA
COMPRAS.............................................................967
CONTATOS PARA AQUISIO DE ALGUNS INGREDIENTES DO BRASIL..... 968
CENTROS DE
PESQUISA..................................................................................970
7. Mauricio Campos 7 CoquetelariacomSabordeBrasil Viajantes
(relatos sobre o Brasil, sculos XVI a XIX) Os viajantes foram,
portanto, os grandes cronistas da vida brasileira dos sculos XVI a
XIX, descrevendo em suas obras aspectos da terra, da gente, dos
usos e costumes do Brasil. Todas as obras citadas no texto podem
ser consultadas na Biblioteca Central Blanche Knopf da Fundao
Joaquim Nabuco. A presena de viajantes estrangeiros e seus relatos
publicados sobre o Brasil, datam do sculo XVI. Existem mais de 260
obras, em vrias lnguas, onde os autores falam dos habitantes, vida
social, usos e costumes, fauna, flora e outros aspectos da antiga
colnia portuguesa, principalmente durante o sculo XIX, depois que
Dom Joo VI decretou abertura dos portos brasileiros, em 1808. Com
abertura dos portos houve um incremento da navegao e o consequente
aumento da presena estrangeira no pas. O primeiro a narrar a
histria primitiva do pas foi Pero Vaz de Caminha, em carta que
enviou a D. Manoel I, Rei de Portugal, quando encontrou a Terra de
Santa Cruz. Ainda do sculo XVI so tambm os relatos de Hans Staden,
Viagem ao Brasil (1557) e o de Jean de Lry, Viagem terra do Brasil,
(1574).
9. Mauricio Campos 9 CoquetelariacomSabordeBrasil Dessa grande
quantidade de estrangeiros, viajantes e aventureiros (ingleses,
franceses, alems, portugueses), que escreveram suas impresses e
crnicas sobre o Brasil, pode-se destacar alguns que estiveram no
Nordeste Brasileiro e fizeram seus relatos sobre a regio. Uma das
melhores narrativas sobre o Nordeste na primeira metade do sculo
XIX, a do ingls Henry Koster, que escreveu o livro Travels in
Brazil, publicado em Londres, em 1816. Em 1898, foi traduzido por
Antnio C. de A. Pimenta e publicado na Revista do Instituto
Arqueolgico, Histrico e Geogrfico Pernambucano. Porm, sua primeira
edio em livro no Brasil de 1942, com traduo de Lus da Cmara Cascudo
sob o ttulo Viagens ao Nordeste do Brasil. Como uma complementao ao
relato de Koster, o francs Louis Franois de Tollenare escreveu,
entre 1816 e 1818, um dirio onde aborda aspectos importantes da
vida social e poltica, usos e costumes, festas populares,
escravido, movimentos polticos e economia da sociedade da poca. As
partes referentes aos estados de Pernambuco e da Bahia foram
traduzidas por Alfredo de Carvalho e publicadas sob o ttulo de
Notas dominicais, nas Revistas do Instituto Arqueolgico e Geogrfico
Pernambucano, em 1904 (v.61), e do Instituto Histrico e Geogrfico
da Bahia, em 1907 (v.14). Um outro relato importante o James
Henderson, viajante e diplomata ingls que esteve no Brasil de 1819
a 1821 e escreveu o livro (ainda sem traduo para o portugus), A
history of Brazil: comprising its geography, commerce,
colonization, aboriginal inhabitants (Uma histria do Brasil:
compreendendo sua geografia, comrcio, colonizao, habitantes
aborgenes), publicado em Londres, em 1821. O alemo Johan Moritz
Rugendas tem uma obra significativa para o estudo das
caractersticas fsicas, hbitos e costumes da populao negra e ndia,
assim como dos mulatos e mestios que formam hoje a chamada raa
brasileira. O livro foi traduzido para a lngua portuguesa e
publicado, em 1940, sob o ttulo Viagem pitoresca atravs do Brasil.
Outro relato importante sobre o Brasil e o Nordeste do sculo XIX o
da inglesa Maria Graham, que esteve por trs vezes no pas e escreveu
o Dirio de uma viagem ao Brasil e de uma estada nesse pas durante
parte dos anos de 1821, 1822 e 1823 (ttulo em portugus), publicado
na Srie Brasiliana, v. 8, em 1956. Dois cientistas alemes, Johan
Baptist von Spix e Karl Friedrich Philip von Martius, realizaram
uma grande viagem pelo interior do Brasil, entre os anos de 1817 e
1820, percorrendo vrias provncias, seguindo atravs do rio So
Francisco, por Minas Gerais e Bahia, passando pelo serto de
10. Mauricio Campos 10 CoquetelariacomSabordeBrasil Pernambuco,
Piau e Maranho, analisando e fazendo anotaes sobre as populaes
rurais. Suas anotaes foram traduzidas para o portugus e publicadas
pela Imprensa Nacional, sob o ttulo Viagem pelo Brasil, em 1938.
Richard Francis Burton foi um dos maiores viajantes ingleses do
sculo XIX. Em 1865, foi nomeado cnsul britnico em Santos e, em
1867, conseguiu permisso para uma viagem pelo Brasil, que durou
cinco meses. Visitou o Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paulo Afonso,
na Bahia, indo at Penedo, em Alagoas, seguindo pelo rio So
Francisco, que denominou de Mississipi brasileiro. Suas observaes
foram registradas no livro, Explorations of the highlands of the
Brazil, publicado em Londres, em 1869 e traduzido para o portugus
com o ttulo Viagens aos planaltos do Brasil (1941). As narrativas
dos viajantes, reunidas em livros, impressos s vezes em mais de uma
edio e em diversas lnguas, fizeram muito sucesso na poca, sendo
disputados pelo pblico interessado em descries de povos e costumes
exticos. A viagem que revelou a biodiversidade do Brasil ao Mundo
Durante trs anos, de 1817 a 1820, o naturalista alemo Carl von
Martius percorreu 10 mil km no interior do Brasil, de So Paulo ao
Amazonas, realizando um levantamento de plantas jamais superado no
pas. Aps essa viagem, as descries das espcies coletadas foram
reunidas na Flora brasiliensis, maior obra sobre a flora de um pas
da histria da botnica. Essa foi a primeira indicao de que o Brasil
apresentava uma das maiores diversidades de plantas do mundo. Carl
von Martius
11. Mauricio Campos 11 CoquetelariacomSabordeBrasil Raimundo
Paulo Barros Henriques Departamento de Ecologia, Universidade de
Braslia O incio da viagem que revelaria a incomparvel diversidade
da flora brasileira ao mundo no foi nada animador. Logo aps sair do
Rio de Janeiro, a 8 de dezembro de 1817, Carl Friedrich Phillipp
von Martius (1794-1868) ficou desolado. Em Santa Cruz, no caminho
para So Paulo, as mulas assustaram- se, deixando para trs pessoas,
mantimentos e equipamentos. Reunidos os animais, o grupo seguiu
viagem. Naquele momento, Martius no imaginava as enormes
dificuldades que enfrentaria em sua viagem de trs anos pelo
interior do Brasil, nem que seu nome ficaria ligado em definitivo s
pesquisas sobre plantas das regies tropical e subtropical das
Amricas. Viajar pelo Brasil naquele tempo era uma empreitada de
alto risco, que podia at levar morte, em ataques de grupos indgenas
ou de animais estranhos. No era raro os viajantes contrarem graves
doenas ainda desconhecidas, como malria ou febre amarela. Vrios
naturalistas da poca sofreram com essas e outras doenas em suas
expedies pela Amrica do Sul. O francs Aim Bonpland (1773-1858), que
esteve na Amrica Central e na Amaznia venezuelana com o baro alemo
Alexander von Humboldt (1769-1859), contraiu malria em 1800. Os
viajantes eram pessoas de ambos os sexos, de classes sociais
variadas, profisso e formao intelectual diversificada, que
descreveram aspectos do Brasil, atravs de crnicas, relatos de
viagem, correspondncia, memrias, dirios, lbuns de desenhos. O
conjunto de obras deixadas por eles integra a chamada literatura de
viagem e se constitui numa literatura de testemunhos, cujos
registros e observaes ajudam a conhecer a realidade do Brasil da
poca. Em alguns casos, o isolamento prolongado e o estresse
decorrente das duras condies das viagens levavam a distrbios
mentais, transitrios ou permanentes, como aconteceu com o diplomata
e naturalista russo Georg von Langsdorff (1774-1852) no final de
sua viagem ao Amazonas, entre 1826 e 1828. A viagem de Martius
custaria a morte de dois de seus auxiliares. Alm disso, Martius e o
zologo Johann Baptiste von Spix (1781-1826), que o acompanhava,
tiveram malria e o segundo, debilitado, morreria apenas seis anos
depois de retornar Alemanha. Efeito Humboldt difcil imaginar hoje,
na era do ecoturismo para as mais remotas regies do planeta, quanta
admirao e atrao causaram, nos europeus do incio do sculo 19, as
palestras e livros do baro von Humboldt, que viajou pela Amrica
Central e pelo noroeste da Amrica do Sul entre 1799 e 1804. Essa
viagem, inicialmente planejada para ser no Brasil, no recebeu
autorizao da corte portuguesa. A crescente necessidade de
conhecimento sobre a Amrica colonial substituiu o explorador
aventureiro pelo profissional de cincia da poca: o naturalista. O
assunto ganhou importncia, virando questo de Estado. As cortes da
Prssia (parte da atual Alemanha) e da Rssia enviaram naturalistas
ao Brasil, aps a viagem de Martius. s vezes membros da nobreza
europeia participavam pessoalmente das expedies, como o
prncipe
12. Mauricio Campos 12 CoquetelariacomSabordeBrasil da Rennia
(hoje tambm na Alemanha), Maximilian Wied-Neuwied (1782- 1867), que
viajou do Rio de Janeiro Bahia de 1815 a 1817. O Brasil atraiu o
interesse dos naturalistas europeus por razes polticas. Ao contrrio
de alguns pases hispano-americanos, o Brasil obteve sua
independncia sem conflitos, em parte por ter servido de exlio para
a famlia real portuguesa, o que tornava a viagem mais segura. Outro
motivo de interesse era o pouco conhecimento da natureza
brasileira. Isso pode ser constatado pela carta enviada, a 12 de
fevereiro de 1765, pelo pai da moderna classificao biolgica, o
sueco Carl von Linn (ou Lineu, 1707-1778), ao italiano Domenico
Vandelli (c.1735-1816), ento professor na Universidade de Coimbra,
em Portugal: Oxal possas ir ao Brasil, terra onde nunca ningum
andou, exceto Marcgrave..., mas em um tempo em que no estava acesa
nenhuma luz da histria natural; agora tudo deve ser de novo
descrito luz. Tu ests apto para isso, s solidssimo nas coisas da
natureza, infatigvel na inquirio, habilssimo nos belos desenhos.
Carl Martius nasceu em Erlangen, no reino da Baviera (parte da
Alemanha). Seu pai, Ernst Martius (1756-1849), era farmacutico,
professor da universidade local e scio fundador da Sociedade
Botnica de Ratisbona. O tio Heinrich Martius (1781-1831) foi o
autor de Prodromus florae mosquensis, sobre a flora da regio de
Moscou. A casa de Ernst Martius era freqentada pelo botnico e
zologo Johann Schreber (1739-1810), ex-aluno de Linn, que talvez
tenha influenciado o interesse do jovem Carl pelas plantas. Este
comeou a estudar medicina aos 16 anos, na Universidade de Erlangen,
obtendo o grau de doutor em 1814, com uma dissertao sobre as
plantas do Jardim Botnico da cidade. Nessa ocasio, o rei da
Baviera, Maximiliano Jos I, enviou a Erlangen o botnico e
entomologista Franz von Schrank (1747-1835) e o zologo Johann
Baptiste von Spix para comprarem o herbrio de Schreber. Spix (que
viajaria com Martius pelo Brasil) e Schrank ficaram to
impressionados com o jovem Carl que o recomendaram para o Jardim
Botnico da Academia de Cincias da Baviera, em Munique. Assim, ao
final do curso, Martius foi para Munique, onde aperfeioou seus
estudos botnicos. Como europeu, Martius certamente tinha grande
curiosidade pela Amrica, devido leitura dos livros de Humboldt.
Este citado com frequncia por Mar - tius no dirio de sua viagem
pelo Brasil antes dessa viagem, as informaes sobre as plantas do
Brasil eram escassas. A oportunidade para a vinda Amrica do Sul
surgiu aps a invaso de Portugal pelo exrcito de Napoleo Bonaparte e
a transferncia da famlia real portuguesa, e de toda a corte, para o
Rio de Janeiro, onde chegaram no incio de 1808. Com a sede do
imprio portugus no agora reino do Brasil, o regente D. Joo mudaria
de posio quanto entrada de estrangeiros. Assim, nas negociaes para
o casamento de D. Pedro de Alcntara (depois D. Pedro I) com a
arquiduquesa da ustria, D. Carolina Josefa Leopoldina, foi includo
o envio, pela Academia Real de Cincias da ustria, de uma misso
cientfica e artstica ao Brasil. O rei da
13. Mauricio Campos 13 CoquetelariacomSabordeBrasil Baviera
aproveitou a ocasio para integrar a essa misso tanto Martius, pela
Academia de Cincias da Baviera, quanto Spix, pelo Museu Zoolgico de
Munique (ver Misso austraca alem). A comitiva de D. Leopoldina
partiu de Trieste, hoje na Itlia, em 10 de abril de 1817. Martius
chegou ao Brasil em 15 de julho de 1817 e realizou suas primeiras
observaes na cidade do Rio de Janeiro e arredores, em excurses ao
Corcovado, ao Po de Acar e lagoa Rodrigo de Freitas, com von
Langsdorff, cnsul da Rssia. Fez tambm uma curta viagem serra dos
rgos, a cerca de 90 km do Rio de Janeiro, quando conheceu as duras
condies que teria de enfrentar no pas. Seu espanto com a
diversidade tropical est claro no primeiro relatrio da viagem ao
rei da Baviera: Diante de tanta riqueza de formas, no temos mos e
olhos suficientes para realizar nosso trabalho. Cada um de ns teria
que ser pintor, empalhador, caador e herborista para poder
representar e reunir toda esta riqueza. O interior do Brasil
Martius tinha 23 anos quando iniciou a viagem pelo Brasil, com Spix
e o pintor austraco Thomas Ender (1793-1875). Partiu com destino a
So Paulo, a cavalo, com trs guias e uma tropa de mulas. Aps a
travessia da mata atlntica na serra do Mar, eles surpreenderam se,
ao chegar a Taubat, no vale do rio Paraba do Sul, na provncia
paulista, com a mudana na aparncia da vegetao. A floresta densa que
observavam desde a partida, com rvores altas, de copa fechada e
galhos cobertos de outras plantas, deu lugar a uma vegetao aberta
de campo, com rvores baixas de casca espessa, chamada de tabuleiro
ou cerrado pela populao local. O grupo chegou cidade de So Paulo no
final de dezembro, e dali retornou ao Rio de Janeiro. Spix e
Martius foram para o interior, a 9 de janeiro de 1818, passando por
Sorocaba e cruzando as serras ao norte de Atibaia, em direo
provncia das Minas Gerais. Nessa altura, j tinham estabelecido a
rotina de trabalho que seguiriam em toda a viagem. Eles cavalgavam
das 6 h s 14 h, quando paravam em um abrigo de tropeiros ou em uma
fazenda, descarregavam as mulas e faziam sua segunda refeio, com as
aves ou mamferos caados durante a marcha do dia (na Amaznia,
depois, canoas substituram os cavalos e essa refeio era baseada em
peixes). Durante a manh realizavam as principais observaes e
coletas de plantas e animais. Aps a parada das 14 h, faziam outras
observaes e coletas nos arredores do local de repouso, preparavam e
embalavam os espcimes coletados e atualizavam os registros e as
anotaes no dirio de viagem. Em Minas Gerais seguiram at Ouro Preto
e dali para Diamantina. Cruzaram o rio So Francisco e alcanaram o
nordeste de Gois, chegando lagoa Feia, em Formosa, a apenas 70 km
de onde hoje Braslia. Nesse percurso Martius encontrou de novo a
vegetao de cerrado, s que em muito maior extenso. Depois voltaram
ao So Francisco, mas em Januria, na Bahia. Ali Martius registrou um
terceiro tipo de vegetao, a caatinga, com espcies mais adaptadas a
perodos secos. Na caatinga, em duas ocasies, a escassez de gua
traria grandes problemas para Martius e Spix. Na primeira, no serto
baiano, atravessando a serra de Sincor, a forragem para os animais
e a gua praticamente se esgotaram,
14. Mauricio Campos 14 CoquetelariacomSabordeBrasil
obrigando-os a beber gua acumulada em cacimbas e bromlias. Ambos
ficaram doentes, mas, socorridos por um tropeiro, chegaram a
Salvador (BA) em novembro de 1818. Na segunda, aps partirem (em
fevereiro de 1819) rumo ao Piau, ficaram sem gua no centro-oeste da
Bahia, entre Coit e Rio do Peixe. Bebiam o orvalho depositado sobre
lajes de pedra e a gua salobra de cacimbas, e adoeceram de novo,
juntamente com alguns tropeiros. Apesar das dificuldades, Martius
fez observaes e registros em seu dirio sobre a vegetao da caatinga.
Reconheceu diferenas na vegetao dentro da prpria caatinga e
associou claramente a mudana na vegetao do litoral para o interior
com a reduo das chuvas nessa segunda regio, em funo da barreira
natural que as chapadas, como as de Borborema, Araripe e
Diamantina, representavam para os ventos ocenicos midos. Essa relao
entre relevo, clima e vegetao s seria bem compreendida pelos
meteorologistas mais de um sculo depois. Aps atravessar mais uma
vez o So Francisco, na altura de Juazeiro, seguiram pelo oeste de
Pernambuco, em direo ao Piau. Depois de passar por Oeiras, antiga
capital da provncia do Piau, em maio, alcanaram o rio Parnaba, mas
os dois amigos estavam to doentes e debilitados que no conseguiam
cavalgar, sendo transportados em redes. J no Maranho, a 56 km de
Caxias, Spix entrou em coma. Temendo pela vida do amigo, Martius,
mesmo com febre, seguiu na frente da tropa, a cavalo, para buscar
ajuda na cidade. Ao chegar cidade, entregou ao juiz as autorizaes
reais para o trabalho na provncia e desmaiou, devido ao cansao e
doena. Depois de um perodo de descanso em Caxias, ambos se
recuperaram e partiram para So Lus. Atingiram essa cidade no incio
de junho e, aps algumas excurses por rios prximos, seguiram de
navio para Belm a 20 de julho. A meta almejada. com essa frase que
Martius se refere, em seu dirio, terceira e ltima etapa da expedio.
Ele desembarcou em Belm a 25 de julho de 1819 e comeou a viagem
pelo rio Amazonas quase um ms depois. O desejo de conhecer a
Amaznia era to grande que, antes de iniciar a subida do rio, ficou
vrias noites sem conseguir dormir de ansiedade. Os dois viajantes
fizeram uma incurso pelo rio Tocantins e depois subiram o rio
Amazonas, passando por Manaus em outubro e aportando em Tef (Ega,
na poca), no final de novembro. Dali, Spix subiu o rio Solimes at
Tabatinga, na fronteira com Peru e Colmbia, enquanto Martius subiu
o rio Japur at Araracoara, tambm na fronteira com a Colmbia. Eles
se reencontrariam em Manaus, em maro de 1820. Durante essa viagem
Martius fez as primeiras descries do uso de produtos vegetais
locais, como a extrao e o preparo do ltex da seringueira (Hevea
brasiliensis), do guaran (Paullinia cupana) e do cumaru (Dipterix
odorata). Relatou tambm como os ndios usavam, para pescar, extratos
de plantas que entorpecem, como o aau (Hura crepitans e Hura
brasiliensis) e o timb (Paullinia pinnata), alm do cultivo e uso de
epadu (Erythroxylum coca), de efeito alucingeno, pelas tribos do
alto Solimes. Tais descries, com as informaes etnogrficas (sobre os
hbitos e a cultura dos
15. Mauricio Campos 15 CoquetelariacomSabordeBrasil ndios)
coletadas por Martius, o colocam como um precursor da etnobotnica,
disciplina que surgiria mais de um sculo depois de sua viagem pelo
Brasil. Percurso da Expedio de 1817 a 1820 Depois da viagem Os
amigos partiram de Belm, na volta Europa, a 13 de junho de 1820. O
relato da aventura, intitulado Reise in Brasilien (Viagem pelo
Brasil), foi publicado em trs volumes, entre 1823 e 1831, com mapas
do Brasil (os melhores da poca) indicando as regies percorridas e
40 estampas baseadas em desenhos originais de ambos. Esse relato
foi um grande sucesso editorial e deu notoriedade a Martius,
nomeado em 1826 professor da Universidade de Munique e em 1832
diretor do Jardim Botnico de Munique (onde trabalhou at sua morte).
O trabalho realizado por Martius foi extraordinrio, mesmo para os
padres atuais. Quando a viagem terminou, Martius havia percorrido
10 mil km, de norte a sul e de leste a oeste do Brasil. Comeando no
Rio de Janeiro, ele atravessou So Paulo, Minas Gerais, parte de
Gois, Bahia, Pernambuco, Cear, Piau, Maranho, Par e Amazonas,
chegando fronteira colombiana. Coletou e registrou milhares de
plantas, apontando muitas novas famlias, gneros e espcies dados
divulgados em vrias publicaes, inclusive a monumental Flora
brasiliensis. Martius ainda preparou o primeiro mapa fitogeogrfico
do Brasil, que no difere muito do ltimo mapa de biomas do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica.
16. Mauricio Campos 16 CoquetelariacomSabordeBrasil
Biodiversidade Brasileira Ao retornar Alemanha, Martius levou cerca
de 10 mil plantas e, a partir de 1823, comeou a publicar seus
resultados botnicos sobre os espcimes coletados na viagem. Seu
trabalho inicial foi dedicado especialmente descrio de novas
famlias, gneros e espcies. Entre as espcies descobertas por Martius
esto o aa (Euterpe oleracea), o palmito (Euterpe edulis) e o babau
(Orbygnia speciosa). Em seguida, encorajado pelo prncipe von
Metternich, planeja a Flora brasiliensis. O primeiro fascculo dessa
obra gigantesca, publicado em 1840, descreve as unidades
fitogeogrficas do Brasil, com ilustraes sobre os diferentes tipos
de vegetao, baseadas em desenhos de Ender e do prprio Martius. A
Flora teve apoio financeiro do imperador da ustria (Ferdinando Jos
I), do novo rei da Baviera (Ludovico I) e, a partir de 1850, do
imperador brasileiro D. Pedro II. A subveno brasileira no foi
retirada com a proclamao da Repblica, em 1889, mantendo- se at a
publicao do ltimo volume, em 1906. A Flora brasiliensis o maior
projeto de catalogao de uma flora da histria da botnica. Foi
organizada em 140 fascculos, com 40 partes distintas agrupadas em
15 volumes. Trabalharam na obra 60 dos maiores botnicos da poca.
Nela so descritas 22.767 espcies de plantas, das quais 5.689 eram
novas para a cincia. A publicao completa demorou 67 anos, e s
terminou 48 anos aps a morte de Martius. A obra foi tambm a
primeira estimativa da biodiversidade brasileira. O Brasil, hoje,
considerado o pas mais rico em plantas do mundo, com cerca de 35
mil espcies conhecidas, mas estimativas apontam um nmero real entre
40 mil e 100 mil espcies vegetais. Na Flora brasiliensis as 22.767
espcies foram inventariadas em 67 anos, o que corresponde a 340
espcies por ano. J as espcies acrescentadas ao inventrio da flora
brasileira desde o final da publicao da obra, em 1906, at a ltima
compilao de espcies de plantas do Brasil (realizada em 2001 pelo
botnico Rafal Govaerts, do Jardim Botnico Real, em Kew, na
Inglaterra) somam 12 mil, em 95 anos a uma taxa, portanto, de 126
espcies por ano. Isso indica que o trabalho realizado na Flora
brasiliensis por Martius e outros autores foi 2,8 vezes mais
eficiente que o feito depois. Mesmo considerando que o acmulo
histrico de conhecimento sobre a flora torna cada vez mais difcil
encontrar espcies novas, essa eficincia pode ser creditada em
grande parte ao modelo de planejamento, coleta e registro do
naturalista alemo, adequado para inventariar a fauna de regies
tropicais e subtropicais. Apesar de todos os recursos tecnolgicos
atuais, como computadores e fotografias digitais, os botnicos do
Brasil e das regies tropicais ainda tm muito o que aprender com
Martius.
17. Mauricio Campos 17 CoquetelariacomSabordeBrasil Frutas
Brasileiras por Albert Eckhout
18. Mauricio Campos 18 CoquetelariacomSabordeBrasil Mais de um
sculo depois de sua proibio, o livro Cultura e opulncia aguou a
curiosidade de historiadores. Afinal, quem foi Antonil ? Quando o
reitor do Colgio dos Jesutas da Bahia, o padre Joo Antnio Andreoni
usando o pseudnimo de Andr Joo Antonil , mandou para Lisboa o
manuscrito da obra que havia acabado de escrever, Cultura e
opulncia do Brasil por suas drogas e minas, mal podia imaginar o
que o destino lhe reservava. No mesmo ms em que saiu do prelo da
Oficina Real Deslandiana, em maro de 1711, a obra foi destruda por
ordem real. Rarssimos exemplares escaparam das chamas. Mas que
razes havia por trs dessa deciso? Como qualquer outro livro, o de
Antonil tambm havia sido submetido ao exame dos censores, que
deveriam reprov-lo caso seu contedo estivesse em desacordo com a
moral, a religio e os costumes vigentes. O curioso saber o que
poderia haver de to condenvel em uma obra que tratava apenas de
assuntos econmicos, como rezava seu ttulo completo:Cultura e
Opulncia do Brasil por suas drogas e minas, com vrias notcias
curiosas do modo de fazer o acar, plantar e beneficiar o tabaco,
tirar ouro das minas e descobrir as da prata; e dos grandes
emolumentos que esta Conquista da Amrica meridional d ao Reino de
Portugal com estes e outros gneros e contratos reais. E mais: ela
havia sido oferecida aos que desejam ver glorificado nos altares ao
venervel Padre Jos de Anchieta, sacerdote da Companhia de Jesus,
missionrio apostlico e novo taumaturgo do Brasil.
19. Mauricio Campos 19 CoquetelariacomSabordeBrasil O livro foi
submetido s censuras obrigatrias entre 8 de novembro de 1710 e 6 de
maro de 1711, e acabou sendo aprovado. Os censores do Santo Ofcio
declararam que a obra no continha coisa que seja contra nossa Santa
F ou bons costumes e que era muito merecedora da licena que pede. O
frade e censor Paulo de So Boaventura chegou a proferir a seguinte
concluso: Porque por este meio sabero os que quiserem passar ao
Estado do Brasil o muito que custam as culturas do acar, tabaco e
ouro, que so mais doces de possuir no Reino que de cavar no Brasil.
Por isso se pode estampar com letra de ouro. O censor do Desembargo
do Pao, frade Manuel Guilherme, no teve a menor dvida em conceder
seu parecer favorvel: Vi o livro que V. Majestade foi servido
remeter-me, seu autor Andr Joo Antonil. E sobre no achar nele coisa
que encontre o real servio de V. Majestade, me parece ser muito til
para o comrcio, porque despertar as diligncias e incitar a que se
procurem to fceis interesses. Mas o livro ainda teve que passar por
outra verificao que no era habitual: a do Conselho Ultramarino,
cujos membros tinham competncia para examinar e resolver todos os
problemas relativos aos domnios do Ultramar. Em 17 de maro de 1711,
representaram ao rei o perigo que havia em divulgar, entre outras
coisas () todos os caminhos que h para as minas de ouro
descobertas, e recomendaram muito que se no faam pblicas nem possam
chegar notcia das naes estranhas pelos graves prejuzos que disso
podem resultar conservao daquele Estado, da qual depende em grande
parte a deste Reino e a de toda a Monarquia. Para isso, era
fundamental que o rei ordenasse que este livro se recolha logo e se
no deixe correr. Trs dias depois, D. Joo V assinou a ordem para que
se recolhesse o livro. Durante quase um sculo, no se falou mais de
Cultura e Opulncia do Brasil. At que, em 1800, frei Jos Mariano da
Conceio Velloso, diretor da CasaLiterriadoArcodoCego criada por D.
Rodrigo de Souza Coutinho, ento ministro da Marinha e Domnios
Ultramarinos , encontrou um exemplar do livro. Ele acabou tomando a
iniciativa de publicar a parte da obra dedicada cana-de-acar, que
se integrava perfeitamente no seu programa de edies pedaggicas
atitude que, efetivamente, revogou o antigo veto. Muitos anos se
passariam at que fossem feitas reedies completas de Cultura e
opulncia do Brasil e resolvidos os dois enigmas levantados pela
obra: os motivos de sua destruio e a personalidade do autor que
usava o pseudnimo de Antonil. Os historiadores se debruaram sobre
este assunto a partir do final do sculo XIX e ao longo do XX,
emitindo hipteses umas slidas, outras fantasiosas , at que eu mesma
descobrisse nos arquivos portugueses os dois documentos de maro de
1711 que esclareceram definitivamente os motivos da destruio da
obra: a consulta do Conselho Ultramarino e a ordem dada pelo prprio
rei, acima citadas. O responsvel pela descoberta do pseudnimo do
autor foi o historiador brasileiro Capistrano de Abreu (1853-1927),
que se deu conta de que Andr Joo Antonil era o anagrama quase
perfeito de Joo Antnio Andreoni, jesuta italiano que havia ocupado
cargos importantes na Bahia entre os sculos XVII e XVIII.
20. Mauricio Campos 20 CoquetelariacomSabordeBrasil O padre
Serafim Leite (1890-1969), incansvel investigador da histria dos
jesutas no Brasil, chegou a levantar dados biogrficos sobre o autor
de Cultura e opulncia no Brasil. Segundo a pesquisa do religioso,
Andreoni nasceu no dia 8 de fevereiro de 1667 em Lucca (Toscana) e
se formou em Direito pela Universidade de Peruggia. Assim que foi
admitido na Companhia de Jesus em Roma, em 20 de maio de 1667,
conheceu o padre Antnio Vieira, relacionamento que incutiu nele o
desejo de vir para o Brasil, em janeiro de 1681. J na Bahia, em
agosto de 1683, o padre Andreoni assumiu o ensino de vrias
disciplinas no Colgio dos Jesutas. Foi nomeado Provincial em 1705 e
por duas vezes reitor do Colgio da Bahia. Excelente jurista, foi
confessor de dois governadores gerais o marqus das Minas e D. Joo
de Lencastre e gozou da inteira confiana do arcebispo D. Sebastio
Monteiro de Vide. Muito estimado na Corte de Lisboa, obteve a
suspenso de cartas rgias que proibiam os religiosos estrangeiros de
desempenhar cargos importantes e obrigavam os jesutas italianos
concentrados no Colgio da Bahia a serem dispersados. Morreu na
Bahia no dia 13 de maro de 1716, aos 67 anos. Foi justamente
Serafim Leite quem colocou o motivo da apreenso do livro na devida
conjuntura histrica,associando-a s disputas pelas minas de ouro no
comeo do sculo XVIII e aos ataques que o Brasil sofreu naquela poca
por parte dos espanhis (ocupao da Colnia do Sacramento, 1705) e dos
franceses (ataque ao Rio de Janeiro por Duguay-Trouin, 1710),
justificando os receios dos membros do Conselho Ultramarino.
Passados trezentos anos da sua primeira edio, Cultura e opulncia do
Brasil continua a cativar historiadores e leitores que simplesmente
se interessam pela histria e pela literatura do Brasil. At porque,
alm de tudo o que revela, o livro tambm uma obra literria,
principalmente na parte dedicada ao acar, na qual, em puro estilo
barroco, Antonil evoca o martrio da cana-de-acar e as vicissitudes
da sua transformao num produto que torna por muitas vezes a ser
vendido e revendido, preso, confiscado e arrastado, () to seguro de
ser comprado e vendido entre cristos como arriscado a ser levado
para Argel entre mouros. E ainda assim, sempre doce e vencedor de
amarguras. Cultura e opulncia do Brasil uma obra fundamental cuja
leitura atenta, nas linhas e entrelinhas, revela muitos aspectos da
vida daqueles homens que estavam imersos na conjuntura econmica do
comeo do sculo XVIII. No seio de uma sociedade baseada no trabalho
escravo, eles contriburam, custa do dinheiro de uns e do suor e do
sofrimento de outros, para a riqueza de um imprio cobiado e ameaado
por potncias estrangeiras. Andre Mansuy-Diniz Silva professora
aposentada da Universidade de Paris III, autora da verso comentada
com estudo crtico de Andr Joo Antonil, Cultura e opulncia do Brasil
por suas drogas e minas. (Paris: IHEAL, 1968; EDUSP, 2007).
21. Mauricio Campos 21 CoquetelariacomSabordeBrasil Historia
Naturalis Brasiliae (em portugus: Histria Natural do Brasil),
escrito originalmente em latim, o primeiro livro mdico que trata do
Brasil, publicado em 1648, de autoria do holands Guilherme Piso em
que este se utiliza, ainda, de observaes feitas pelos alemes George
Marcgraf e H. Gralitzio e ainda de Joo de Laet. A obra foi dedicada
ao Conde Maurcio de Nassau. Embora trate a todo momento do Brasil,
os autores em verdade se referem faixa litornea do Nordeste,
ocupada pela Companhia das ndias Ocidentais. Foi editado, como
consta de seu frontispcio, em: Lugdun. Batavorum : Apud Franciscum
Hackium ; et Amstelodami: Apud Lud. Elzevirium1 - nome latino da
prestigiada editora, ainda existente, Elsevier.
22. Mauricio Campos 22 CoquetelariacomSabordeBrasil A obra
consta de volume nico, medindo no original 40 centmetros de altura
e seu ttulo completo, com subttulo, : "Historia naturalis Brasiliae
: in qua non tantum plantae et animalia, sed et indigenarum morbi,
ingenia et mores describuntur et iconibus supra quingentas
illustrantur". Sobre o trabalho de Piso, registrou o mdico e
pesquisador brasileiro Juliano Moreira: "Esta obra, evidentemente
magistral, reexaminada com afinco, evidencia, a cada perquirio,
excelncias novas e, por isso, ainda hoje uma das mais ldimas glrias
da literatura mdica holandesa. A Pies devemos uma descrio, exata e
minudente, das endemias ento reinantes no Brasil e dos meios de
trat-las. Observou a bouba, o ttano, paralisias vrias, a
disenteria, a hemeralopia, o maculo. Descreveu a ipeca e sua
qualidade emeto-catrtica, das quais j se utilizavam os aborgenes
muito antes do clebre mdico Adriano Helvetius, av do notvel filsofo
francs Cludio Adriano Helvetius haver recebido de Lus XIV mil luses
de ouro, ttulos e honrarias, por haver descoberto exatamente
aquelas mesmas virtudes teraputicas. De 1688 data o Tratado de
Helvetius intitulado Remde contre le cours du ventre." A obra foi
vertida para o portugus, em duas edies separadas pela Companhia
Editora Nacional - ambas prefaciadas por Afonso de E. Taunay - em
1942 e em 1948. Ficou o primeiro livro para a parte da obra de
Georg Margraf, com traduo feita por Jos Procpio de Magalhes, e a
segunda, traduzida por Alexandre Correia, dedicada ao trabalho de
Guilherme Piso, esta ltima dedicada ao cinquentrio do Museu
Paulista, e coincidente com o terceiro centenrio da primeira
publicao. Misso ao Brasil Frans Post, paisagem do Brasil Holands.
Guilherme Piso, filho de um msico que chegou a frequentar o curso
mdico e no o concluiu, estudara medicina em Leida (sua cidade
natal) e depois em Caen, onde formou-se aos 22 anos de idade.
Mudou-se para Amsterdam em 1633. No integrava a misso nassoviana ao
Brasil - como observou Juliano Moreira: as atas da Companhia das
ndias de 1636 no citam o seu nome; com Nassau viera o mdico Willem
Van Milaenen, que morrera logo aps a chegada. Moreira informa ainda
que "em carta datada de 25 de agosto de
23. Mauricio Campos 23 CoquetelariacomSabordeBrasil 1637, o
conselho administrativo em Pernambuco pedia lhe fosse enviado, o
mais breve possvel, outro mdico hbil e experimentado." Foi somente
aps isso que Piso saiu da Holanda, numa data que no pode ser
precisada - contando ele com 26 ou 27 anos. O conde Maurcio de
Nassau, que trouxe a primeira misso exclusivamente cientfica
Amrica. A pretenso do nobre holands era levar a termo o
conhecimento tcnico da colnia brasileira. A respeito disto Juliano
Moreira escreveu: "...no s de lucros pecunirios para a Companhia
das ndias Ocidentais cogitava o conde Joo Maurcio. A to magnnimo
governador deve o Brasil a vinda s suas plagas setentrionais de uma
pliade de homens do mais evidente valor." Deste modo Piso viu-se
chefiando a primeira misso exclusivamente cientfica europeia no
Novo Mundo. Possivelmente viera junto ao botnico Marcgraf e ao
astrnomo Henrique Chalitz (que, porm, morreu durante a viagem, aos
30 anos). De sua permanncia no Brasil Holands colheu Piso as
informaes para o De Medicina Brasiliensi, a primeira parte da
Historia Naturalis, e Marcgraf o material do seu Histori Rerum
Naturalium Brasili, segunda parte da obra. O nome de Piso ficaria
associado ao de Marcgrave, assim como o de Martius liga-se ao de
Spix. Voltou Holanda em 1645 junto a Nassau, de quem continuou
amigo - embora algumas verses antigas dessem conta de que o mdico
particular do conde com este se desentendera ainda no Brasil (a
exemplo de Frei Manuel do Salvador na obra Valeroso Lucideno). De
volta ptria tornou a matricular-se no curso mdico em Leida, a fim
de inteirar-se das novidades cientficas ocorridas durante sua
estada brasileira. Marcgraf morrera em Angola, em 1644, antes da
publicao da obra.
24. Mauricio Campos 24 CoquetelariacomSabordeBrasil Ainda no
Brasil ocorre a disseno entre Piso e Marcgraf. Este ltimo tornara-
se ligado diretamente a Nassau, em 1641, e no mais um subordinado
daquele. O botnico, ento, passa a registrar suas anotaes por meio
de um sistema de criptografia particular, cuja chave provavelmente
deixou sob a guarda de Nassau; bigrafos associam este sistema
justamente preocupao de que Piso usasse indevidamente sua produo
intelectual - posto ser Piso "ainda pior zologo do que botnico",
como disse Gudger. A disputa, mesmo aps a morte de Marcgraf,
resultaria em duas edies da obra, e acusaes de plgio a Piso, como
se ver adiante. Primeiras edies: disputas A obra teve uma primeira
edio na qual no tomou parte Guilherme Piso, e foi dirigida por Joo
de Laet. Desagradando-se desta, Piso promoveu, dez anos depois da
primeira, uma segunda edio, com novo ttulo, mas que revelou-se um
trabalho inferior ao primeiro. A disputa entre Marcgraf e Piso
restara ainda sem o devido esclarecimento. Mesmo em enciclopdias
posteriores, como a Rees's Cyclopaedia de 1819, consignava que no
estava claro qual deles era o superior, qual o subordinado. Segundo
Alfredo de Carvalho, (em domnio pblico): "Piso, sobrecarregado de
trabalhos, confiou a empresa de por em ordem os originais de
Marcgrave a Joo de Laet. Este, por sua vez, entregou os papeis
relativos astronomia e geodsia a Golius. Mas, organizao e
classificao dos manuscritos se opunha quase invencvel dificuldade a
cifra composta por Marcgrave, precavidamente em poca de tamanha
pilhagem de trabalho intelectual. A grande custo logrou o editor
descobrir a chave do sistema criptogrfico e traduzir as notas do
cauteloso sbio; estando, porm, escritas em pequenas folhas de
papel, sem numerao, no foi menos penoso o trabalho de coorden-las.
Conseguindo isto, e havendo tambm Piso fornecido o seu contingente,
pde enfim, em 1648, aparecer o livro, em volume in-flio. Conquanto
no ttulo figurem os nomes de Piso, Marcgrave e Laet, j o notou
Driesen (o bigrafo de Maurcio de Nassau) foi Marcgrave sempre
considerado o principal autor e sob o seu nome citado o livro. Em
1658, Piso, acusando Laet de precipitao e desleixo, promoveu
segunda edio da obra que, entretanto, no contedo e na forma, difere
da primeira a ponto de ser reputada livro novo. Ambas as publicaes
encerram, contudo, a smula, completa e fidedigna, dos produtos
naturais do Brasil, e as sua importncia cientfica subiu de vulto
com o fato de, nos cento e sessenta anos seguintes, no ter mais
aparecido nenhum outro trabalho similar. Igualmente abrangem a
quase totalidade dos estudos de Marcgrave at hoje dados luz."
25. Mauricio Campos 25 CoquetelariacomSabordeBrasil A edio de
Joo de Laet Informa Taunay que o prncipe Joo Mauricio de Nassau
enviara a Joo (ou Johannes) de Laet os originais tanto de Piso
quanto de Marcgraf. Antes mesmo de sua partida, confiara Nassau a
Laet e a Alberto Conrado Burg sua inteno em trazer ao Brasil uma
misso de fins cientficos. Carvalho adiciona que "parece duvidoso,
por vrios motivos, que Piso haja tomado muita parte no preparo da
edio da "Histria Natural do Brasil", em 1648. Declara Lichtenstein
que na ausncia dele Piso, acompanhara Laet a impresso de toda a
obra. Haja ou no colaborado em tal trabalho, descontentou-se Piso,
e, muito como sabemos, acusando Joo de Laet de fazer obra apressada
e descuidada." De Laet tambm recebeu manuscritos de Marcgraf que
estavam em um seu ba, alm daqueles remetidos por Nassau. Sobre
isto, consignou: "Tendo-me sido entregues assim imperfeitos e
desordenados os seus comentrios, pelo ilustre conde Joo Maurcio
(com cujo auxlio, favor e gastos isto havia feito), de modo
imediato surgiu no pequena dificuldade pois o autor, temendo que
algum lhe vindicasse os trabalhos, se por acaso algo lhe sucedesse
antes de poder d-los luz pblica, escreveu grande parte dos mesmos,
e o que era de mais importncia, com certos sinais por ele
inventados, que primeiramente deveriam ser interpretados e
transcritos, conforme um alfabeto deixado em segredo (...)" Apesar
da acusao de descuido feita por Piso, Franozo acentua que a
participao de De Laet foi alm do material enviado. Era ele diretor
da Companhia das ndias Ocidentais, e j publicara em 1625 o livro
Niuewe Werelt ofte beschrijvinghe van West-Indien ("O Novo Mundo ou
descrio das ndias Ocidentais"). Seu prprio relato na parte da obra
de Marcgraf diz que mandara produzir desenhos para ilustrar as
descries sem os mesmos, a partir de exemplares secos contidos no
acervo do botnico e, ainda, a partir de exemplares que mandara
providenciar para tal fim.
26. Mauricio Campos 26 CoquetelariacomSabordeBrasil A "segunda
edio" de Piso Exemplar da edio De India Utriusque.... Insatisfeito,
como se disse, da edio levada a termo por De Laet, Piso prepara uma
segunda, dez anos mais tarde. Em 1658 publica, assim, o seu De
India utriusque re naturali et medica - objetivando melhorar a obra
anterior, anexando ali o Tractatus Topographicus de Marcgraf e
colaborao de Jacobus Bontius , de quem se tornara amigo ainda
durante os anos de estudo na faculdade. Mesclou o trabalho do
Historia Naturalis Brasiliae s suas prprias anotaes das ervas
medicinais, e adicionou captulos sobre uma certa Mantissa aromatica
que lhe valeram o epteto de "supersticioso", na verdade uma reedio
de obra do tio de sua esposa, sobre a qual Juliano Moreira
taxativo: "Bem dispensvel, alis, seria a reedio de tal livro..." E.
W. Gudger, bigrafo de Margraf, sobre esta edio, opinou: "No somente
no se trata da melhoria do trabalho de Marcgraf como ainda, e em
vrios pontos, -lhe incontestavelmente inferior (...) Segundo
parece, no conseguiu ele obter os desenhos originais a serem ento
descritos, aqueles que haviam sido a fonte das ilustraes da
primeira edio. Assim se apresentam copiados da edio de 1648, ou
inspirados por descries, mal colocadas no texto, ou inteiramente
omitidas do dizer de Lichtenstein. Em suma, tal edio pouco ou mesmo
nada, acresce ao renome de Piso". J alvo de acusaes de plagiar o
trabalho de Marcgraf, Piso consigna, na pgina 107, uma mensagem
onde expressa: "Certas figuras e anotaes emprestei-as ao meu timo e
diligentssimo companheiro Markgravio, resultantes de observaes
feitas em nossas viagens. E isto quero advertir, no v algum malvolo
murmurar que ilustrei os meus escritos com figuras alheias
furtadas".
27. Mauricio Campos 27 CoquetelariacomSabordeBrasil ndice geral
da obra, onde se v as autorias atribudas a Piso, Marcgraf e Laet. A
obra dividida em duas partes principais, e ainda conta com um
apndice por Joo De Laet. A primeira, de nome De Medicina
Brasiliensi, foi da autoria de Guilherme Piso. A subdiviso, em
quatro livros, foca os seguintes temas: 1. Do ar, das guas e dos
lugares. 2. Das doenas endmicas. 3. Dos venenos e seus antdotos. 4.
Das propriedades dos smplices. A segunda parte, de nome Histori
Rerum Naturalium Brasili, composta por oito livros, de autoria de
George Marcgraf. Os livros abordam os seguintes temas: 1, 2 e 3 -
botnica 4 - peixes 5 - pssaros 6 - quadrpedes e serpentes 7 -
insetos 8 - regio do Nordeste brasileiro e suas gentes
28. Mauricio Campos 28 CoquetelariacomSabordeBrasil Dedicatria
Embora oferecido a Nassau, ao prncipe Guilherme de Orange, que
autorizou a publicao, a quem se dedica a obra. A ele Piso
dirige-se: Vs sois as nossas delcias; guiados pelos vossos maiores,
constitumos aquela Provncia, para onde o ter navegado j foi grande
feito; e aqueles mares, que s eram ameaas de ferro e morte, assim
os navegaremos, para que no somente nos ela enriquea com talentos
de ouro e precisssimas mercadorias, mas ainda fornea uma slida
subsistncia vida dos nossos corpos. Nos prolegmenos dirigidos ao
leitor Piso remonta aos trabalhos de seu colega Markgraf,
informando que este colaborara extensamente na observao, nas horas
livres, da natureza; J Gralitzio, matemtico, realizara as observaes
geogrficas, astronmicas e de Histria Natural - tendo ambos j
falecido poca da publicao. A Histria Natural, ou Cincias Naturais,
que era como ento se chamavam aquelas que tm por objetivo o estudo
da natureza em torno do homem, sendo este includo apenas na condio
de animal natural (englobando-se a a fsica, a qumica, a astronomia,
a geologia e a biologia) tambm contou com a colaborao de Joo de
Laet, tambm falecido. Piso ressalta: E para que se consagrassem s
cinzas do defunto os prmios devidos, quis que a sua obra pstuma no
se misturasse, mas se acrescentasse aos meus tratados. Livro I -
Trata dos ares, das guas e dos lugares do Brasil O Brasil, por
certo a prestantssima parte de toda a Amrica, considerado de perto,
excele principalmente pelo seu agradvel e saudvel temperamento, a
ponto de contender, em justa competio, com a Europa e a sia, na
clemncia dos ares e das guas. Os elogios sade da terra atingem por
vezes o imaginrio europeu de um ideal que, de outra forma, no
justificaria a conquista daquele territrio e todos os gastos ento
empreendidos para sua manuteno - fazendo clara aluso a propriedades
revigorantes e rejuvenescedoras: os habitantes atingem cedo a
puberdade e envelhecem tarde; por isso ultrapassam os cem anos,
gozando de verde e longeva velhice, no s os brasis como tambm os
prprios europeus Noticia a ausncia do outono e do primavera, a
ausncia de terremotos. Registra a tentativa frustrada da escravizao
do elemento indgena, e alguns dos seus hbitos - totalmente
estranhos e diferentes dos demais povos:
29. Mauricio Campos 29 CoquetelariacomSabordeBrasil So mui
dados dana e bebida e ignoram tempos determinados para comer () O
canibalismo tido como prtica corriqueira, e a morte proporcionada
aos doentes foi assim registrada, quando falhas todas as mezinhas:
()por consenso unnime, como lhe desesperando da sade, matam- no
ferozmente com clavas de madeira, congratulando-se todos com ele e
ele consigo mesmo, por lhe ter sido dado morrer virilmente,
subtraindo-se assim a todos os sofrimentos. E disto se jactam
contentes, mesmo no momento da morte. Com aplauso no menor, que
contra o cadver de um parente, assanham-se contra o do inimigo
vencido () Dentre recomendaes apropriadas ao clima, como evitar
dormir sem antes forrar o estmago, e a ingesto de frutas ctricas,
abundantes na terra, fez passar "o provrbio: no entra o mdico nas
casas em cujo vestbulo se vem de manh numerosas cascas de
laranjas.". Fala dos alimentos, do clima, das guas, peixes e outros
alimentos, e de como proceder para manter a sade na sua ingesto,
nesta regio ainda desconhecida para a maioria dos europeus. Livro
II - Que trata das molstias endmicas e comuns no Brasil Verso da
obra com frontispcio colorido. Principia rendendo-se s artes
medicinais dos nativos: "pois, como o devemos confessar, os
rudimentos de muitas artes redundaram para ns dos prprios brutos
(aos quais a natureza, bondosa me, no quis privar sobretudo da arte
natural de curar doenas)".
30. Mauricio Campos 30 CoquetelariacomSabordeBrasil Possui 22
captulos, que so: 1. Das febres; 2. Das doenas dos olhos; 3. Do
espasmo; 4. Do estupor; 5. Dos catarros; 6. Do prolapso da
cartilagem mucronada; 7. Das obstrues das vsceras naturais; 8. Da
opilao do fgado e do bao; 9. Da hidropisia; 10.Das lombrigas;
11.Dos fluxos do ventre; 12.Do tenesmo; 13.Da clera; 14.Da
disenteria; 15.Do fluxo heptico dos intestinos; 16.Da lcera e da
inflamao do nus; 17.Das doenas comuns s mulheres e s crianas;
18.Das doenas contagiosas; 19.Do mal venreo; 20.Das feridas e das
lceras; 21.Das ppulas e da impetigo; 22.Dos males externos. Cada um
desses males so apreciados em sua evoluo, reaes orgnicas,
tratamentos e efeitos. Cumpre observar que o ltimo dos captulos
trata precipuamente de um mal at ento exclusivamente brasileiro, o
bicho-do-p (Tunga penetrans), espcie de pulga que ataca "sobretudo
e de preferncia os que andam descalos e perambulam por lugares
arenosos". Fala, ainda, dos marimbondos e dos moscites, espcie de
mosquitos que o autor registra ter sido tal feita atacado que "as
nossas faces incharam e se encheram de bexigas e rubor, que no
pudemos ser reconhecidos dos amigos". Livro III - Trata dos venenos
e seus antdotos Principia a parte ilustrada da obra, com nove
figuras. Falando dos venenos, Piso registra seu uso como meio de
eliminar desafetos - algo que ilustra,
31. Mauricio Campos 31 CoquetelariacomSabordeBrasil
curiosamente, como uma das armas com as quais combatia o escravo ao
cativeiro, pelo autocdio: Os escravos, trazidos da frica para aqui,
quando no conseguiram cumprir o horrvel voto de pr termo vida dos
senhores, no podendo mais padecer o jugo durssimo da escravido, da
fome e de outros sofrimentos, recorrem a esta nica via para a
liberdade, a ningum vedada. Com o veneno que se encontra em toda
parte, lanam mos atrozes contra si prprios, contentes de
renunciarem vida e retriburem a vindita a senhores severos mais que
de justia. Analisa a toxicidade da mandioca e outras plantas, e
prope para que a cada substncia venenosa corresponda um antdoto ou
contra-veneno. Registra ainda que alguns animais so no Brasil tidos
por venenosos, ao passo em que no o eram noutras, como por exemplo
os sapos e rs. Relaciona diversas espcies de serpentes, de cada uma
registrando a nomenclatura pela qual eram conhecidas entre os
portugueses e os indgenas, preferindo estas quelas. assim, por
exemplo, que registra, sobre a jararaca: Curta, esta serpente raro
excede o comprimento de meio cvado () Suas picadas venenosas no
apresentam menores sintomas que as das demais serpentes, exceptos
os de consumirem a vida lenta e sorrateiramente. A prpria serpe,
depois que infligiu a ferida, extirpando- se-lhe a pele, a cauda, a
cabea e as entranhas, e cozida em gua de de raiz de Iurupeba, com
sal, leo, alho-porro, endro e temperos semelhantes, comida pelos
que picou, e lhes costuma ser de grande ajuda. Mas convm mais que
tudo o Caatia, chamada com razo Erva das cobras; ministrada externa
e internamente, facilmente cura das mordidas desta e de outras
serpentes(). O sapo-cururu, um dos animais mais venenosos, segundo
Piso Curiosa descrio faz da gua-viva ou caravela, que chama pelo
nome indgena Moucicu, de cujas queimaduras registra ter sido
vitimado, curando-a com estrato da castanha de caju.
32. Mauricio Campos 32 CoquetelariacomSabordeBrasil Dos animais
mais venenosos que registra est o do sapo-cururu (imagem),
consignando a crena comum de que o mesmo tem rgos excretores de
veneno: Entre os venenos dotados de mxima virtude deletria est o
sapo Cururu, monstruoso e intumescido () e que inficiona de
qualquer modo: ou externamente, pela urina ou pela saliva, o que
muito pior, ingerindo-se-lhe o sangue e sobretudo o fel. Segundo
ele, deste sapo extrado poderoso veneno ministrado s ocultas pelos
"perversssimos brbaros". Trata, enfim, de plantas, peixes e insetos
venenosos, bem como de seus possveis antdotos e tratamentos. Livro
IV - Que trata das faculdades dos smplices Tambm ricamente
ilustrada, esta seo da obra dedicada s culturas propcias s terras
brasileiras e, maior riqueza de ento, grande destaque d ao acar.
Hoje aqui se vem muitos engenhos deste gnero, tanto de portugueses
quanto de holandeses. Nem h outros produtos desta terra que
redundem mais lucros e ganhos para os traficantes. Pois outrora o
acar de todo o Brasil atingia a um milho de arrobas, cada ano
levado para a Europa e vendido com certssimo proveito. O engenho
moendo a cana-de-acar Descreve largamente o cultivo e preparo do
acar, a partir do caldo da cana. Esta a parte mais ampla do livro,
contendo ao todo 104 captulos e 110 figuras. Aprecia todas as
principais plantas de uso interessante, algumas com nomenclatura
cientfica da poca ou terminologia em lngua indgena (algumas
consignadas de modo errneo ou com erros tipogrficos): mandioca, mel
silvestre (sic), copaba, cabureba, acaj, icicariba, ietaba,
palmeiras, aroeira, urucu, umbu, murici, anans, etc., esto dentre
as espcies apreciadas. Sobre o manac, por exemplo, registrou que
suas razes tm uso medicinal, embora restrito a pessoas bastante
robustas, por seu efeito violento. Mas aprecia sua funo
ornamental:
33. Mauricio Campos 33 CoquetelariacomSabordeBrasil Deita
flores pequenas, das quais umas ostentam um lustroso azulado, e
outras, nveo (o que tanto mais belo quanto mais raro). V-se
belamente florida e mui viosa no ms de janeiro, e, mula do narciso,
rescende toda a floresta com a sua fragrncia. Auguste de
Saint-Hilaire, viajante exemplar Lorelai Kury Pesquisadora e
professora da Casa de Oswaldo Cruz e professora do Departamento de
Histria da UERJ A historiografia brasileira tem como uma de suas
principais fontes a literatura de viagens do sculo XIX. Os livros
dos inmeros viajantes que estiveram aqui no sculo passado tm sido
usados no apenas como manancial de informaes sobre o Brasil de
nossos antepassados, mas, por vezes, tambm como inspirao para as
grandes linhas interpretativas de nossa histria. Muito citados, os
textos dos viajantes do sculo XIX so, no entanto, muito pouco
estudados em seus contextos europeus e mesmo em sua repercusso no
Brasil da poca. Seus relatos so apenas genericamente tratados como
fazendo parte de um olhar de fora, como se todo estrangeiro fosse
igual. O famoso viajante Auguste de Saint-Hilaire , na verdade, um
desconhecido entre ns. Poucos detalhes de sua vida e de sua obra
foram estudados. Na Frana atual, ele um personagem esquecido, o que
no aconteceu em sua poca, quando ocupou posio de prestgio no meio
cientifico parisiense e francs. Saint-Hilaire buscou fazer de sua
viagem ao Brasil, realizada entre 1816 e 1822, um modelo no que diz
respeito forma como os cientistas da
34. Mauricio Campos 34 CoquetelariacomSabordeBrasil Europa
civilizada deveriam se relacionar com os demais pases do globo. Alm
disso, o botnico quis atuar como um viajante-naturalista exemplar e
usar suas credenciais cientficas somadas a suas relaes familiares
na Frana da Restaurao - para garantir boa situao quando de retorno
Frana. So conhecidas as mudanas ocorridas nas viagens-cientficas
desde fins do sculo XVIII, quando as cincias tendem a se tornar
indispensveis administrao dos Estados europeus, alm de contriburem
simbolicamente para sua legitimao. Naturalistas, qumicos e fsicos
so constantemente consultados sobre a construo de pontes, a
qualidade da gua e dos alimentos, a melhor e mais barata maneira de
fabricar plvora, plantas e animais teis passveis de serem
naturalizados, etc. Os viajantes naturalistas muitas vezes
financiados pelo Estado constituem elos teis na cadeia que liga as
colnias e os lugares ditos exticos aos museus e jardins botnicos
europeus. A cincia vista ento como um dos principais sinais
distintivos dos povos do estado de civilizao. Assim, a cincia
chamada a desempenhar uma funo simblica e a atuar como agente que
torne mais eficaz a administrao de homens e coisas. Torna-se
portanto compreensvel a retrica utilitarista que cerca as cincias
no momento mesmo em que ela se especializa e se distancia dos
diletantes e dos amadores. A separao que hoje em dia fazemos entre
cincia terica e cincia aplicada no era operante no incio do sculo
XIX. Saint-Hilaire, por exemplo, era ao mesmo tempo um homem ligado
aos aspectos filosficos da histria natural e aos aspectos prticos
de sua especialidade. Para ele, esses dois lados da cincia se
complementam. A vertente romntica da histria natural, fundada,
entre outros, por Humboldt e adotada Saint-Hilaire, tambm uma
cincia prtica, voltada para a satisfao das necessidades das
populaes europias e para o fortalecimento material e simblico da
nao que representavam. Talvez a melhor definio da atitude cientfica
desses naturalistas seja a de filantropia, respeitando o
significado que o termo tinha na poca. Filantropia na lngua
francesa um neologismo do sculo XVIII para designar uma virtude que
consideravam natural do ser humano, que o amor por seu prximo. A
filantropia uma laicizao do sentimento da caridade. Quanto
caridade, trata-se do amor por Deus que leva ao ato de fazer bem
aos outros; j a filantropia diz respeito humanidade. Nesta ltima,
as aes dos indivduos em favor da sociedade so consideradas como um
sentimento natural, pois a felicidade pessoal s pode ser assegurada
quando reina a prosperidade social. A filantropia um valor aos
olhos da elite europia de fins do sculo XVIII e do sculo XIX,
qualquer que seja sua orientao poltica. Ela age como um pano de
fundo a justificar as ambies nacionais e pessoais, j que os
interesses privados eram vistos como coletivos. O sentimento
filantrpico deveria nortear as aes do europeu civilizado. em nome
do progresso e do bem da humanidade que se d a expanso colonialista
do sculo XIX e no com a evocao do lucro privado capitalista.
Afinal, a reciprocidade tem sido sempre a ideologia do capitalismo
sobre si mesmo, como lembra analista atual. Os viajantes europeus
que visitam os pases ditos selvagens ou menos civilizados,
35. Mauricio Campos 35 CoquetelariacomSabordeBrasil como o caso
do Brasil, sentem-se portadores de uma espcie de misso. Sentem-se
como irmos mais velhos dos outros povos, a quem devem ajudar e
aconselhar. Para eles, seus interesses so o interesse da humanidade
inteira. A cincia o instrumento maior que permite o exerccio da
misso do viajante, pois permitiria conhecer as leis da natureza e
auxiliaria a vida dos homens. O botnico especializado e bem formado
poderia contribuir de diversas maneiras para o bem da humanidade e
para o progresso de sua nao. Em primeiro lugar, suas reflexes sobre
a distribuio das plantas sobre o planeta esclarecem a todos sobre a
ordem que reina no universo, tenha esta ordem origem divina ou no.
Em seguida, os conhecimentos da botnica e da agricultura (botnica
aplicada) fornecem ao homem a possibilidade de alterar a ordem
planetria, se for de seu interesse. Ele pode tirar plantas de sua
terra natal e naturaliz-las em outro pas. Para tanto, necessrio que
se conhea o terreno apropriado para cultiv-la, o clima mais
adaptado, a melhor exposio luz, etc. Outra possibilidade na qual se
acreditava na poca era a aclimatao. Muitas tcnicas foram
desenvolvidas para tentar aos poucos fazer com que as plantas
pudessem viver em climas muito diferentes de seu pas natal. O
botnico tambm poderia ser til ao reconhecer em um pas estranho as
propriedades de plantas que ele nunca vira antes. Na poca da viagem
de Saint-Hilaire, a diviso do reino vegetal em famlias naturais,
segundo o mtodo proposto por Jussieu, permitiria reconhecer
parentescos morfolgicos em plantas de pases diferentes. A famlia de
uma planta um possvel indicador de suas propriedades. Um exemplo
muito citado na poca, o fato dos naturalistas das grandes expedies
martimas poderem reconhecer plantas anti-escorbticas numa ilha
totalmente desconhecida. Desse modo, segundo os padres da poca, o
conhecimento universal de um viajante- naturalista poderia dizer
mais sobre as plantas de um pas que desconhece do que os
conhecimentos empricos de seus habitantes. Desse modo, a viagem
cientfica , no Iluminismo tardio, uma atividade que ultrapassa as
fronteiras do que qualificamos hoje em dia como puramente
cientfico. A anlise das narrativas de viagem de Auguste de
Saint-Hilaire e a documentao relativa a sua estadia no Brasil
indicam a adequao de empreitada aos critrios de cientificidade e de
utilidade vigentes nos meios oficiais e acadmicos de incio do sculo
XIX. Dentre os pontos que podem ser desenvolvidos a partir de
investigaes sobre sua viagem, gostaria de chamar ateno para a
vinculao de Saint-Hilaire aos discursos e prticas justificados pela
filantropia e a concomitante afirmao de critrios internos ao meio
cientfico para consolidao de sua carreira. Auguste de Saint-Hilaire
nasceu em Orleans em 1779 e morreu na mesma cidade, em 1853.
Oriundo de famlia nobre, passou alguns anos de sua juventude na
Alemanha, o que permitiu que adquirisse familiaridade com a lngua e
a cultura alems. De retorno Frana, dedicou-se histria natural,
publicando diversos artigos em revistas especializadas. Em 1816, na
ocasio de sua partida para o Brasil, Saint-Hilaire j tinha trinta e
sete anos e possua conhecimentos botnicos extensos, tendo publicado
sobre a flora francesa, particularmente sobre a anatomia dos
frutos. Nessa poca,
36. Mauricio Campos 36 CoquetelariacomSabordeBrasil tinha
contatos com Antoine-Laurent de Jussieu, do Museu de histria
natural de Paris, era amigo de Karl-Sigismund Kunth, preparador de
Humboldt e ligara-se ao mesmerista Joseph-Philippe-Franois Deleuze,
ajudante-naturalista e futuro bibliotecrio do Museu. Era
correspondente do importante botnico suo Augustin-Pyramus de
Candolle. Era prximo tambm de Flix Dunal, de Montpellier. Enfim,
estava integrado ao meio cientfico europeu. Seu principal bigrafo e
amigo, Alfred Moquin-Tandon atribui s relaes com os sbios de
Montpellier a causa do esprito filosfico perceptvel em seus ltimos
escritos. Atualmente, Saint-Hilaire citado entre os representantes
da botnica filosfica, sobretudo por causa de sua Leons de botanique
comprenant principalement la morphologie vgtale..., publicadas em
1840, onde ele reivindica a influncia de Goethe e de Candolle. Ele
foi, alis, um dos relatores escolhidos pela Academia de Cincias de
Paris para analisar a traduo que Martins fez das obras de histria
natural de Goethe, em 1837. Auguste de Saint-Hilaire veio para o
Brasil em 1816, acompanhando a misso extraordinria do duque de
Luxemburgo, cujo objetivo era resolver o conflito que opunha
Portugal e Frana quanto posse da Guiana, passado o perodo
napolenico. Suas demandas para acompanhar a embaixada do diplomata
amigo de sua famlia - foram sempre apoiadas por pessoas bem
posicionadas e seguidas de carta de recomendao do chanceler
Dambray. Entretanto, o ministro do Interior o conde de Vaublanc
apela desde o incio ao Museu de histria natural para julgar a
importncia de sua participao na misso. Os professores do Museu
confirmam a utilidade potencial das investigao de Saint-Hilaire e
informam o ministro quanto a seus conhecimentos de histria natural,
sobretudo em botnica.7 Respaldado pelo parecer dos naturalistas da
instituio, o ministro permite que parta na qualidade de viajante
naturalista enviado pelo governo e concede a ele, inicialmente, a
soma de trs mil francos por ano, aumentada logo em seguida para
seis mil. O botnico, por sua vez, deveria buscar instrues junto aos
professores do Museu e enviar para l toda correspondncia cientfica
e objetos de histria natural que coletasse. Uma vez no Brasil,
Saint-Hilaire procede da maneira indicada pelo ministro, porm, como
se tratava de algum com conhecimentos reconhecidos em botnica, ele
mesmo decidia em ltima instncia sobre o destino de suas pesquisas e
coletas. Ele enfatiza, alis, em suas cartas e depois em seus
relatos de viagem que no se limitava a recolher plantas e envi-las
ao Museu de Paris. Ao contrrio, as analisava e tomava suas notas in
situ, quando ainda estavam frescas e no secas em herbrios. Por
isso, pediu a seu amigo Deleuze, do Museu, que guardasse os envios
de plantas que fazia, pois ele mesmo era a pessoa mais indicada
para analisar as colees que formara. Quanto ao resto animais,
minerais e sementes estavam disposio dos naturalistas da instituio.
O Museu de histria natural de Paris seguia de perto as viagens em
curso. Os relatrios e notcias sobre os objetos recebidos ocupavam
uma parte importante do tempo das assemblias dos professores. A
Instruction pour les voyageurs, publicada diversas vezes pela
instituio a partir de 1818, organizada provavelmente por Andr
Thouin, informa sobre os viajantes em
37. Mauricio Campos 37 CoquetelariacomSabordeBrasil misso e
atualizada a cada edio. Nessa publicao a referncia quanto viagem de
Saint-Hilaire ao Brasil, em 1818, otimista: ele enviar para o Museu
uma multido de objetos novos. J no texto de 1824 Saint-Hilaire
retornara em 1822 est indicada a riqussima coleo que o viajante
acabara de levar para Paris. A viagem de Saint-Hilaire tambm foi
objeto de comentrio na Academia de Cincias de Paris. O ilustre
Antoine-Laurent de Jussieu foi o relator, que tratou dos resultados
da expedio como a realizao precisa e competente de um trabalho
cientfico: Uma estadia de seis anos no Brasil, uma grande extenso
de terreno percorrida, em diversos sentidos e sob diversos climas,
numerosas colees em animais, vegetais e minerais, descries exatas
feitas nos prprios lugares, observaes gerais sobre os climas, os
lugares, os costumes dos habitantes, as produes naturais de cada
localidade, a natureza dos terrenos e o tipo de cultura apropriada
a cada um; tais so os resultados da viagem do Sr. Saint- Hilaire.
Ainda no mesmo relatrio, Jussieu sublinha o fato do botnico
redigido um dirio exato de seus trabalhos e recomenda a publicao de
suas observaes botnicas, pois o viajante tem nesta cincia
conhecimentos positivos e extensos. No ano seguinte, Saint-Hilaire
publica o livro Plantes usuelles des Brasiliens (sic) e foi o
clebre Alexander von Humboldt quem leu um relatrio verbal na
Academia de Cincias de Paris. Aqui igualmente h insistncia na
qualidade da formao do viajante. Depois de louvar as valiosas
colees que ele levara para a Frana, Humboldt acrescenta: Mas, o que
concede verdadeiro valor a objetos to numerosos, o que distingue o
viajante cientista do simples coletor, so as observaes preciosas
que ele fez nos prprios stios, para fazer avanar o estudo das
famlias naturais, a geografia das plantas e dos animais, o
conhecimento das variedades se solo e o estado de seu cultivo.
Deste modo, o viajante Saint-Hilaire parece corresponder ao novo
perfil viajantenaturalista idealizado no meio cientfico parisiense:
pesquisa in loco, especializao, capacidade de produzir informaes
balizadas, publicao dos resultados. A qualidade da formao cientfica
do viajante uma condio prvia para que ele realize que o se espera
dele: fazer com que sua misso seja til. Nada deveria ser mais
distante do aristocrtico diletante do grand tour do que esses
filantropos muitos dos quais aristocratas que no acreditavam viajar
para si, mas em nome do progresso da cincia, do bem-estar da
humanidade e da glria da nao. Um conhecido texto de fins do sculo
XVIII classifica em quatro categorias os objetos que devem merecer
a ateno do viajante, de acordo com seu grau de utilidade. Em
primeiro lugar, aquilo que concerne imediatamente ao bem-estar da
espcie humana e tende, assim, para a felicidade geral. Em seguida,
os objetos cujo conhecimento pode aumentar a prosperidade de seu
prprio pas e, em conseqncia, se
38. Mauricio Campos 38 CoquetelariacomSabordeBrasil relacionam
parcialmente com o bem da humanidade. Em terceiro lugar, os objetos
que podem levar a um aperfeioamento de si mesmo, e, por ltimo, os
conhecimentos de ornamento, que se podem adquirir sem negligenciar
o estudo daquilo que realmente importante. Em 1811, antes,
portanto, de sua viagem, Saint-Hilaire j havia refletido sobre as
relaes da botnica com a sociedade, em artigo intitulado Rponse aux
reproches que les gens du monde font ltude de la botanique
(Resposta s crticas que a sociedade faz ao estudo da botnica). A
primeira das crticas as quais ele responde a acusao de que a
botnica seria apenas uma cincia de palavras. Segundo ele, alguns
homens que ficaram para a posteridade livraram o estudo dos
vegetais da barbrie em que se encontrava, envolto em uma
nomenclatura confusa e condenado a ser um apndice da medicina. A
botnica, ento, comeara a ser cultivada por si mesma e ganhou a
moda. Muitas das pessoas que passaram a se dedicar a este estudo
restringiram-se nomenclatura, embora esta cincia, afirma, muito
mais do que isto para um esprito filosfico. A nomenclatura,
escreve, necessria para o reconhecimento dos objetos dos quais
falamos, mas o verdadeiro sbio pode ter a memria fraca e localizar
perfeitamente as plantas na cadeia dos seres. Um botnico, continua,
pode desconhecer o nome de cada parte de uma planta e, porm,
descrever com exatido os fenmenos da vegetao e a vida das plantas
da germinao reproduo. Saint-Hilaire evoca os maiores viajantes como
exemplos do que seria para ele o verdadeiro botnico. Ele pergunta:
possvel acreditar que os Commerson, os Dombey, os Desfontaines
deixassem sua ptria, renunciassem ao que tinham de mais amado, que
tenham penetrado nos contos mais selvagens e enfrentado todos os
perigos para obter a satisfao pueril de acrescentar novos nomes a
algumas listas ridas? A resposta a esta pergunta retrica ,
evidentemente, negativa. Para ele, as viagens so indispensveis para
encontrar-se o plano segundo o qual o Criador semeara os animais e
as plantas no mundo. Se h uma ordem, uma espcie de rede dos seres
cujos ns mais afastados ainda tm algum ponto de contato, a
natureza, por no amar a uniformidade, teria colocado simetricamente
as famlias das plantas nas diversas partes do globo. Entretanto, as
plantas so tal como dois irmos que se amam ternamente e so
afastados um do outro, mas continuam sempre unidos, apesar de sua
separao, pelos laos da mais doce simpatia. O viajante-naturalista
teria por misso reconhecer as afinidades que unem os vegetais. A
segunda crtica contra a botnica respondida por Saint-Hilaire a da
inutilidade. O naturalista argumenta em favor da importncia da
botnica para a medicina, para a agricultura e as artes em geral.
Retomando idias desenvolvidas antes por Augustin-Pyramus de
Candolle14, ele afirma que o naturalista pode ajudar o mdico porque
sabe que os vegetais organizados de forma semelhante possuem
frequentemente as mesmas propriedades; em caso de falta de uma
espcie conhecida, ele pode indicar uma substituta. Para a
agricultura, igualmente, a pesquisa da organizao das plantas e de
suas relaes pode ajudar na busca de novos mtodos de cultivo ou um
vegetal
39. Mauricio Campos 39 CoquetelariacomSabordeBrasil apropriado
a um terreno ingrato. Mais uma vez as viagens e a diversidade dos
seres no planeta aparecem como argumentos centrais no texto. Ao
falar do trabalho do botnico, diz: Se aps ter longamente estudado
as plantas de seu pas ele percorrer lugares longnquos, a analogia o
conduzir a descobrir os vegetais teis que crescero bem em sua ptria
e, ao mesmo tempo, vai inspir-lo com felizes idias quanto aos meios
de cultiv-los e de os aclimatar. Este texto de 1811, que reproduz
alguns lugares comuns em meio aos naturalistas franceses, importa
aqui pois atribui grande importncia s viagens e avana questes que
sero tratadas por ele novamente, anos depois. Sua viagem parece ter
sido desejada com ardor, pois j em 1811 dizia: Quais no devem ser
os transportes de um botnico, quando chega a uma dessas localidades
situadas nos trpicos, onde a natureza parece ter concentrado suas
foras para exibir tudo o que a vegetao possui de mais rico e
variado. Sua viagem ao Brasil foi, efetivamente, de tal forma
expressiva em sua vida que grande maioria de suas publicaes
resultado dela. Seu priplo tropical serve tambm de argumento na
demanda de votos para sua admisso na Academia de Cincias de Paris,
para onde foi eleito em 1830. Em carta endereada a Blainville,
datada de janeiro de 1830, ele apresenta sua carreira de seguinte
maneira: Vinte e cinco anos consagrados botnica, duas grandes obras
comeadas; uma longa seqncia de memrias, das quais muitas submetidas
Academia; seis anos de viagens no Brasil, na Repblica Cisplatina e
nas misses, os dois primeiro volumes dessas viagens atualmente no
prelo: estes so, Sr., meus ttulos cadeira vaga. Durante o ano de
1828, Saint-Hilaire j evocara sua viagem quando pediu ao ministrio
do Interior que lhe concedesse uma penso por servios prestados
cincia. O ministrio concede de incio uma soma de 300 francos por
ano, montante que o viajante acha insuficiente. Em seguida, com
algumas cartas de apoio redigidas por pessoas influentes, dentre as
quais o duque de Luxemburgo, Saint-Hilaire recebe do governo 1000
francos por ano. os argumentos avanados dizem respeito a sua longa
viagem e aos problemas de sade ocasionados por sua estadia no
Brasil, o que o tinha impedido de dedicar aos negcios necessrios
administrao de sua fortuna. Assim, a imagem que o botnico d de si
mesmo a de um mrtir que teria comprometido sua sade em nome da
cincia e da ptria. Ser til ptria e cincia o objetivo
auto-proclamado de sua viagem. Como foi sublinhado acima, as
competncias cientficas de Saint-Hilaire foram condies prviaspara
sua participao na misso diplomtica que viria ao Brasil. Faltava
ainda justificar a importncia das pesquisas especficas a serem
feitos nessa parte da Amrica do Sul. Os professores do Museu de
histria natural e tambm o prprio viajante falam sobretudo da
relativa ignorncia do
40. Mauricio Campos 40 CoquetelariacomSabordeBrasil que
chamavam de as produes brasileiras, e evocavam a possibilidade de
transplantar e aclimatar as plantas desse pas na Frana e em suas
colnias. Em carta ao ministro, enviada pelos professores, os
argumentos so os seguintes: Sabemos que ele [o Brasil] produz,
entre outros, um grande nmero de plantas prprias para tintura, mas
importante para as artes e o comrcio que elas sejam melhor
conhecidas. A facilidade com que as rvores europias se aclimataram
na parte meridional do Brasil d o direito de esperar que l
encontraremos vegetais teis fceis de introduzir em nossas
provncias. Em carta enviada a um amigo influente, provavelmente um
familiar, Saint- Hilaire avana mais argumentos quanto utilidade
imediata de suas possveis pesquisas no Brasil: Sabes, por exemplo,
que nossos colonos da Guiana vendem seu algodo aos portugueses, que
estes o tingem na provncia do Par, e que em seguida o revendem a
ns. As plantas do Par encontrar-se-iam provavelmente na Guiana, que
sua vizinha, ou, ao menos, de se esperar que a poderiam ser
introduzidas sem esforo. [...] No sou presunoso a ponto de prometer
arrancar-lhes este segredo to bem guardado at o presente, mas ao
menos farei o que depender de mim. A correspondncia e os textos de
Saint-Hilaire que ele tinha grande liberdade de ao e que, em
princpio, sua misso era de forma geral formar colees de plantas.
Ele insistia, entretanto, no fato de no ser um mero coletor e de
analisar as plantas recm-colhidas. Alm disso, ele sempre buscou dar
relevo ao aspecto utilitrio da viagem, afirmando, certa vez:
Dediquei-me principalmente s espcies que so utilizadas pelos
habitantes. Saint-Hilaire realiza de modo particular as aspiraes
utilitrias comuns sua poca. Ele insiste com freqncia, como no texto
de 1811 acima citado, na idia de que a botnica uma cincia til ao
esprito. Em seu livro sobre as plantas do Brasil e do Paraguai, de
1824, por exemplo, ele define da seguinte maneira os objetivos de
sua viagem: Todas as espcies que coletei foram analisadas nos
lugares da coleta; coligi informaes que poderiam esclarecer sua
histria, e dediquei-me sobretudo ao estudo das relaes que elevam a
botnica ao nvel das cincias as mais filosficas. A anlise das
atividades que Saint-Hilaire realizou no Brasil faz crer que o
naturalista buscou tornar sua viagem ao mesmo tempo filosfica e til
Frana e humanidade, de acordo com as crenas e com o vocabulrio da
poca. Na realidade, no h contradio entre os dois objetivos, eles so
compatveis e mesmo complementares. Os sentimentos patriticos do
botnico manifestam-se diversas vezes. Ele estabeleceu, por exemplo,
contato com o consul francs no Brasil, Sr. Maller, e o ajuda a
enviar plantas para a Martinica. Ele participa igualmente do envio
que
41. Mauricio Campos 41 CoquetelariacomSabordeBrasil Frei
Leandro do Sacramento faz para a Martinica e para Caiena. Assim, so
21 caixas de plantas vivas originrias dos arredores do Rio de
Janeiro que seguem para as colnias francesas. Sempre pensando na
Frana, ele fica contente quando percorre as regies do Sul, de clima
mais temperado. Ele reconhece algumas plantas de seu pas e encontra
alguns vegetais que poderiam ser aclimatados na Frana, como o caso
da araucria. Ele faz diversos envios de sementes desta rvore para o
Museu de Paris, para estar seguro que um deles chegaria a seu
destino. Impossvel no pensar em algumas linhas escritas por ele
anos antes. Tudo leva a crer que Saint-Hilaire no teve surpresas
durante sua estadia no Brasil: ele conhecia os relatos dos
viajantes que percorreram o mundo todo, inclusive a Amrica do Sul,
e se apega ao savoir-faire estabelecido. Em passagem redigida em
1811, ele descreve sentimentos que poderiam ser seus cinco anos
mais tarde: Penetrando nas florestas antigas da Amrica
setentrional, os dois Michaux s pensavam na Frana e se expunham a
todos os perigos para conseguir-lhe novas riquezas. Seus relatos de
viagem, publicados a partir de 1830, tambm transmitem a sensao de
que sua formao anterior o teria capacitado a agir com frieza e
objetividade, sem se ater aos detalhes suprfluos e sem perder as
boas oportunidades que surgiam. Da tradio dos viajantes o botnico
reteve tambm outra caracterstica: a crena na permuta filantrpica. A
biopirataria exercida pelo viajante francs vista por ele mesmo como
algo plenamente justificvel, j que se trata de uma troca e no de um
roubo. Do Brasil ele levaria para a Frana sementes, vegetais teis,
um herbrio, animais, informaes sobre a geografia e a histria do
pas, etc. Mas, sendo til aos franceses, ele estaria ao mesmo tempo
sendo til aos brasileiros. Conhecimentos apenas empricos passariam
a fazer parte do universo da cincia. com esse objetivo que ele
publica os livros Histoire des plantes les plus remarquables du
Brsil e du Paraguay (1824) e Plantes usuelles des Brasiliens (sic)
(1824-1828). Em obra posterior, de 1840, ele faz um balano de sua
vida, e afirma: Talvez eu no tenha sido intil aos meus semelhantes,
quando submeti aos princpios rigorosos da cincia o exame das
plantas que os brasileiros empregam para o alvio de seus males.
Desse modo, o sentimento de filantropia que permeava as atividades
dos viajantes-naturalistas parte de uma distino inicial bsica:
pases civilizados com cincia e pases no totalmente civilizados com
prticas empricas tradicionais. Emnome da transformao da natureza em
objeto cientfico, as fronteiras nacionais deviam ser abolidas. A
cincia torna-se universal. Seu desenvolvimento considerado til
humanidade como um todo e no apenas ptria de cada cientista.
Argumento semelhante fora usado anos antes por um homnimo do
viajante que veio ao Brasil, tienne Geoffroy Saint-Hilaire, em
misso cientfica a Portugal, durante a invaso francesa. Sobre os
ricos herbrios que encontrou no Museu dAjuda, afirma:
42. Mauricio Campos 42 CoquetelariacomSabordeBrasil Todos so
virgens; no se deram ao trabalho de abri-los: no resultaram em
nenhuma planta, em nenhuma idia botnica. Classificados e estudados
na Frana esses herbrios que eram inteis em Portugal poderiam ser
teis aos prprios naturalistas portugueses. Estes passariam a ter
uma propriedade cientfica, quando anteriormente possuam apenas
ervas. no sentido dessa troca filantrpica que podemos compreender a
atitude dos naturalistas diante dos saberes das populaes dos locais
que visitavam. Por onde passava, Auguste de Saint-Hilaire recolhia
informaes sobre o uso de plantas na medicina, na alimentao e na
indstria. No havia, no entanto, uma adoo imediata dos produtos
considerados teis. As plantas e seu emprego deveriam ser
cuidadosamente observados e analisados, se preciso com a ajuda de
qumicos e mdicos. Assim, a Frana participaria dessa troca
internacional com a cincia e o Brasil com a natureza e as prticas
empricas tradicionais. Alm disso, a Frana forneceria produtos que
poderiam ser aclimatados aqui. Graas a seus domnios coloniais e s
trocas que os museus e jardins botnicos franceses realizam com o
mundo inteiro, Saint-Hilaire podia dispor de produtos teis, que
cresciam naturalmente em lugares de clima semelhante ao do Brasil.
Nos relatos de suas viagens e em sua correspondncia, o naturalista
narra diversos episdios que demonstram os servios que acredita ter
prestado aos brasileiros. Conta, por exemplo, que conquistou a
amizade do conde da Barca, ao descobrir uma planta (que ele no diz
qual ) que poderia ser comercializada pelo Brasil. Ele estudou
outras plantas, como a quina brasileira, que, embora no fosse a
verdadeira quina do Peru, poderia ser empregada utilmente na
medicina. Conta tambm que foi chamado a opinar sobre a razo da
diferena de gosto entre o mate do Paraguai e o mate do Brasil.
Concluiu que se tratava da mesma espcie vegetal. O gosto da bebida
variava, portanto, de acordo com a maneira de prepar-la.27 Alm
disso, Saint-Hilaire escreve do Brasil ao Museu de histria natural
de Paris e pede que enviem de l sementes de vegetais teis
principalmente legumes, frutas e plantas de ornamento que poderiam
ser aclimatados no Brasil. As referncias de Saint-Hilaire
humanidade no devem ser tomadas somente como recursos de retrica. A
filantropia se organizou em grupos e sociedades espalhados pela
Europa e pelo Brasil, dos quais diversos cientistas, nobres,
burgueses e polticos fizeram parte. Saint-Hilaire era prximo de
Deleuze, bibliotecrio do Museu de Paris, mesmerista e ativo
militante da Sociedade Filantrpica. O botnico deCandolle, seu
correspondente, tambm era filantropo militante, assim como o duque
de Luxemburgo, amigo de sua famlia. O homem a ser ajudado pela
filantropia tanto pode ser o pobre das ruas de Paris, o escravo
africano, o ndio americano ou aqueles que buscavam construir uma
nao civilizada nos trpicos. Se para Saint-Hilaire a botnica deveria
ser cultivada por ela mesma, no deixava de ser uma cincia
estreitamente vinculada ao bem-estar material das sociedades. A
importncia que cada nao atribui s cincias naturais j , segundo ele,
um indicador de seu nvel de civilizao. A estadia do naturalista no
Brasil foi importante para suas aspiraes filosficas. A aplicao do
mtodo
43. Mauricio Campos 43 CoquetelariacomSabordeBrasil natural,
com a finalidade de descobrir o plano do Criador exigia dos
botnicos o conhecimento de todas as plantas disseminadas pelo
planeta. Da o desejo do viajante de que logo at a menor gramnea
desse pas imenso fosse descrita. As viagens incluam tambm a
realizao de atividades prticas, tornadas possveis graas ao
conhecimento da forma dos vegetais e da relao de parentesco
existente entre as espcies. Desse modo, Saint-Hilaire realizou de
forma clara o que j se tornava uma tradio. Todas essa
caractersticas fazem parte de mesma arte a de viajar e dizem
respeito ao mesmo personagem: o viajante-naturalista.
44. Mauricio Campos 44 CoquetelariacomSabordeBrasil A
CONTRIBUIO RABE PARA O BRASIL Um esboo acerca da influncia rabe no
Brasil Colnia Rafael Saraiva Lapuente Dentre vrias contribuies de
povos diferentes para a formao cultural do Brasil, um deles, embora
muito presente, muitas vezes acaba passando despercebido: os
atributos rabes no Brasil colonial. Desde aspectos relacionados
arquitetura, passando pelos engenhos aucareiros, culinria,
vocabulrio e at na religio os rabes estiveram presentes na construo
da identidade brasileira. Assim sendo, o presente trabalho se
embasar em explanar as caractersticas mouras presentes no Brasil
Colnia e que, de uma maneira geral, ainda permanecem presentes na
sociedade brasileira. A partir da leitura e pesquisa de
historiadores, socilogos e antroplogos relacionados a essa temtica,
revelou-se que a contribuio dos rabes foi extremamente proeminente
para o Brasil, sendo determinantes para firmar aspectos que hoje so
ponderados como peculiares do pas. Por fim, percebe-se que escassos
so os estudos que focalizam essa questo de maneira aprofundada,
fato que contribui para a solidificao do pensamento de que a
constituio tnica e cultural brasileira se embasa apenas no trip
Portugus cristo, indgena nativo e africano da dispora, ficando de
fora uma cultura to rica, duradoura e aguda para a composio do
Brasil enquanto povo e nao. A histria da cultura brasileira tem
como marco a miscigenao cultural e tnica. Nativos, portugueses e
escravos africanos caracterizaram uma verdadeira mistura durante o
perodo colonial. Um dos povos que contribuiu para a criao de uma
identidade nacional no s para o Brasil, como tambm para Portugal,
foram os mouros, povo de origem rabe que ocupou a Pennsula Ibrica.
Os mouros eram um povo de origem rabe que desde o sculo VIII
ocuparam a Pennsula Ibrica. De acordo com A. do Carmo Reis (apud
PORTUGAL, 2011, p.6) foi uma crise polticoreligiosa da mon