161
REVISTA BRASILEIRA DE PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES FORMAÇÃO DOCENTE Volume 04 n. 07 jul.-dez. 2012 A formação inicial de professores no quadro dos compromissos de Bolonha – Contributos para uma reflexão sobre o que foi instituído em Portugal CARLINDA LEITE Professores e pesquisa: da formação ao trabalho docente, uma tessitura possível LUCIANA APARECIDA DE ARAUJO PENITENTE Formação do professor pesquisador na perspectiva do professor formador MARLI E. D. A. ANDRÉ, MARLY KRÜGER DE PESCE Professores de Educação Física e seus saberes docentes: a gestão do conteúdo de ensino em questão JOSÉ ÂNGELO GARIGLIO A formação inicial de professor: considerações sobre o programa de licenciaturas internacionais MARIELDA FERREIRA PRYJMA Crenças e concepções dos licenciandos em Matemática sobre a profissão docente MARLI AMÉLIA LUCAS PEREIRA, MARLI E. D. A. ANDRÉ, FRANCINE DE PAULO MARTINS, ANA MARIA GIMENES CORRÊA CALIL Os processos de construção identitária docente: a dimensão criativa e formadora das crises ECLEIDE CUNICO FURLANETTO Encontros e desencontros nos processos de formação continuada de professores em escolas públicas de educação básica EDUARDO A. TERRAZZAN, MARIA ELIZA GAMA Modalidades de ações desenvolvidas por estagiários e professores da escola básica supervisores de estágio MARIA DA ASSUNÇÃO CALDERANO A pesquisa ação-formação como instrumento de formação em serviço para integração das TIC na prática pedagógica do professor DILMEIRE SANT’ANNA RAMOS VOSGERAU

Revista formação docente

Embed Size (px)

Citation preview

REVISTA BRASILEIRA DE PESQUISA SOBRE FORMAÇÃO DE PROFESSORES

FORMAÇÃO

DOCENTEVolume 04 n. 07 jul . -dez. 2012

A formação inicial de professores no quadro dos compromissos de Bolonha – Contributos para uma reflexão sobre o que foi instituído em Portugal CARLINDA LEITE

Professores e pesquisa: da formação ao trabalho docente, uma tessitura possível LUCIANA APARECIDA DE ARAUJO PENITENTE

Formação do professor pesquisador na perspectiva do professor formador MARLI E. D. A. ANDRÉ, MARLY KRÜGER DE PESCE

Professores de Educação Física e seus saberes docentes: a gestão do conteúdo de ensino em questão JOSÉ ÂNGELO GARIGLIO

A formação inicial de professor: considerações sobre o programa de licenciaturas internacionais MARIELDA FERREIRA PRYJMA

Crenças e concepções dos licenciandos em Matemática sobre a profissão docente MARLI AMÉLIA LUCAS PEREIRA, MARLI E. D. A. ANDRÉ, FRANCINE DE PAULO MARTINS, ANA MARIA GIMENES CORRÊA CALIL

Os processos de construção identitária docente: a dimensão criativa e formadora das crises ECLEIDE CUNICO FURLANETTO

Encontros e desencontros nos processos de formação continuada de professores em escolas públicas de educação básica EDUARDO A. TERRAZZAN, MARIA ELIZA GAMA

Modalidades de ações desenvolvidas por estagiários e professores da escola básica supervisores de estágio MARIA DA ASSUNÇÃO CALDERANO

A pesquisa ação-formação como instrumento de formação em serviço para integração das TIC na prática pedagógica do professor DILMEIRE SANT’ANNA RAMOS VOSGERAU

1

SumárioLinha EditorialConselho editorialNormas Para Submissão de Artigos

EDITORIAL

Apresentação – Júlio Emílio Diniz-Pereira

ARTIGOS

A formação inicial de professores no quadro dos compromissos de Bolonha – Contributos para uma reflexão sobre o que foi instituído em Portugal – Carlinda Leite

Professores e pesquisa: da formação ao trabalho docente, uma tessitura possível – Luciana Aparecida de Araujo Penitente

Formação do professor pesquisador na perspectiva do professor formador – Marli E. D. A. André, Marly Krüger de Pesce

A pesquisa ação-formação como instrumento de formação em serviço para integração das TIC na prática pedagógica do professor – Dilmeire Sant’Anna Ramos Vosgerau

Professores de Educação Física e seus saberes docentes: a gestão do conteúdo de ensino em questão – José Ângelo Gariglio

A formação inicial de professor: considerações sobre o programa de licenciaturas internacionais – Marielda Ferreira Pryjma

Os processos de construção identitária docente: a dimensão criativa e formadora das crises – Ecleide Cunico Furlanetto

Crenças e concepções dos licenciandos em Matemática sobre a profissão docente – Marli Amélia Lucas Pereira, Marli E. D. A. André, Francine de Paulo Martins, Ana Maria Gimenes Corrêa Calil

Encontros e desencontros nos processos de formação continuada de professores em escolas públicas de educação básica Eduardo A. Terrazzan, Maria Eliza Gama

Modalidades de ações desenvolvidas por estagiários e professores da escola básica supervisores de estágio – Maria da Assunção Calderano

p. 2

p. 4

p. 7

p. 9

p. 10

p. 19

p. 39

p. 51

p. 65

p. 85

p. 100

p. 115

p. 126

p. 141

2

Linha Editorial

A “Formação Docente” – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores, publicação digital, veiculada semestralmente, é de responsabilidade editorial do Grupo de Trabalho “Formação de Professores” (GT08), da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), em co-edição com a Editora Autêntica.

A criação do GT08 – inicialmente d enominado “GT Licenciaturas” – teve como cenário o final da década de 1970, início de 1980, momento histórico em que os movimentos sociais se constituíram de forma mais vigorosa e alcançaram legitimidade para abrir novos canais de debates e de participação nas decisões do Estado autoritário. À medida que o governo militar começava a emitir difusos sinais de esgotamento, os movimentos sociais conquistaram alguma abertura democrática o que permitiu investidas, ainda que descontínuas, de novos atores que entravam em cena. Nesta ocasião, uma crise se enveredava pelas Licenciaturas visto que vigia um modelo de formação, sustentado na teoria tecnicista e atrelado ao cha-mado “currículo mínimo nacional”.

Nesse contexto, os educadores formaram uma frente de resistência ao modelo tecnicista de formação de professores e passaram a apresentar propostas de mudanças no modelo vigente. Tais ações impulsionaram a mobilização de alguns profissionais da educação que, durante o I Encontro Nacional de Reformulação dos Cursos de Preparação de Recursos Humanos para a Educação, em Belo Horizonte, em novembro de 1983, firmaram um acordo com membros da Diretoria da ANPEd para se organizar um GT que viesse a tratar das questões que afetavam a formação de educadores.

Lançada a proposta, o “GT Licenciaturas” se constituiu e, no ano seguinte, reuniu-se na 7ª Reunião Anual (RA) da ANPEd, em Brasília, no ano de 1984. Foram aprofundadas as discussões para elaborar propostas de formação para as licenciaturas e para o curso de Pedagogia com base nos princípios e orientações contidos no documento final do encontro nacional de Belo Horizonte e, em 1985, ocorreu, em São Paulo, a 8ª RA. Nesta, o GT estruturado de forma mais compatível com as recomendações da ANPEd, organizou uma sessão para análise de pesquisas sobre o assunto.

Em 1993, configurou-se uma nova identidade teórico-metodológica para o Grupo de Trabalho que passou a chamar-se GT08 “Formação de Professores”, delineando o ethos do renovado GT.

As primeiras idéias sobre a Revista “Formação Docente” surgiram no começo da década 2000, no en-tanto, foi na 30ª RA que se conferiu maior materialidade à idéia e, em 2008, por ocasião do XIV Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), em Porto Alegre, pesquisadores do GT08 encaminha-ram decisões substantivas sobre sua editoração.

A “Formação Docente” pretende ser um canal de divulgação da produção na área específica, em diá-logo interdisciplinar com as contribuições de pesquisas realizadas pelas áreas correlatas que tratam da mesma temática. Visa, em especial, fomentar e facilitar o intercâmbio nacional e internacional do seu

3

tema objeto. A Revista é dirigida ao público de professores, pesquisadores e estudantes das áreas de Educação e ciências afins.

Seguindo as práticas editoriais, a partir de critérios elegidos pelo grupo fundador, a política editorial do periódico é executada por um Conselho Editorial Executivo e um Conselho Editorial Consultivo (nacional e internacional) de diversificada representatividade. Os artigos são apreciados quanto ao mérito científico por meio do sistema de Dupla Avaliação por Pares – DAP (Double Blind Review).

É com imenso prazer que apresentamos, então, ao público interessado, a “Formação Docente” – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores e esperamos uma participação efetiva dos cole-gas pesquisadores para que este periódico possa contribuir para a melhoria da qualidade da produção acadêmica nesse campo e, por via de consequência, para a melhoria da própria formação de educadores em nosso país.

Os Editores

4

Conselho editorialEDITOR

n Júlio Emílio Diniz-PereiraDoutor em Educação pela Universidade do Estado de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenador da Coleção Docência - Editora Autêntica. Conselho Editorial Executivo

n Joana RomanowskiPedagoga, doutora em Educação pela USP, professora do Programa de Mestrado em Educação da PUCPR e da FACINTER.

n José Rubens Lima JardilinoDoutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com pós--doutoramento pela Universidade Laval, em Québec, no Canadá. Professor Titular do Departamento de Educação da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).

n Márcia de Souza HoboldProfessora Dra. Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE.

CONSELHO EDITORIAL CONSULTIVO (NACIONAL)

n Betânia Leite RamalhoDoutora em Ciências da Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha. Professora do Departamento de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bolsista de Produtividade de Pesquisa do CNPq – Nivel 2.

n Eduardo Adolfo TerrazanDoutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 1D.

n Emília Freitas de LimaDoutora em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com pós-doutoramento pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora Associada da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

n Iria BrzezinskiDoutora em Administração Escolar pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pela Universidade de Aveiro, em Portugal. Professora Titular da Universidade Católica de Goiás (UCG). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2.

n Joana Paulin RomanowskiDoutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora Adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2.

5

n Laurizete Farragut PassosDoutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora Assistente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

n Leny Rodrigues Martins TeixeiraDoutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pela Universidade de Paris V, na França. Professora Titular da Universidade Católica Dom Bosco.

n Luis Eduardo Alvarado PradaDoutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com pós-doutoramento pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

n Márcia Maria de Oliveira MelloDoutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutoramento pela Universidade do Minho, em Portugal. Professora do Programa em Pós-graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

n Marília Claret Geraes DurhanDoutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com pós-dou-toramento pela Fundação Carlos Chagas (FCC-SP). Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Metodista de São Paulo.

n Marli Eliza Dalmazo Afonso de AndréDoutora em Psicologia da Educação pela Universidade do Estado de Illinois, nos Estados Unidos, com pós-doutoramento pela mesma Universidade. Professora do Programa de Estudos Pós-graduados em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

n Menga LudkeDoutora em Sociologia da Educação pela Universidade de Paris X, na França, com pós-doutoramento pela Universidade do Estado da Califórnia, em Berkley, nos Estados Unidos. Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 1A.

CONSELHO EDITORIAL CONSULTIVO (INTERNACIONAL)

n Carlos Marcelo GarciaProfessor Catedrático de Didática e Organização Escolar da Universidade de Sevilha, na Espanha.

n Cecília Maria Ferreira BorgesProfessora e pesquisadora da Universidade de Montreal, no Canadá.

n Clermont GauthierProfessor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Laval, em Québec, no Canadá.

6

n Emílio Tenti FanfaniProfessor Titular da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires (UBA), na Argentina.

n Kenneth M. ZeichnerProfessor Titular da Universidade do Estado de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos.

n John ElliotProfessor Emérito da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de East Anglia, na Inglaterra.

n Maria do Céu RoldãoProfessora e pesquisadora da Escola de Educação da Universdade Católica de Santarém, em Lisboa, Portugal.

n Rafael Ávila PenagosProfessor e pesquisador em Educação pela Universidade Pedagógica Nacional de Bogotá, na Colômbia.

n Rui Fernando de Matos Saraiva CanárioProfessor Catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, em Portugal.

7

Normas Para Submissão de ArtigosOs artigos submetidos à Revista “Formação Docente” serão apreciados pelo Conselho Executivo quanto à pertinência dos mesmos à Linha Editorial do periódico, sua adequação aos requisitos da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e às demais instruções editoriais.

Os textos devem guardar originalidade do tema ou do tratamento a ele concedido na língua materna. Os artigos recebidos em outro idioma serão submetidos à tradução e publicados com a autorização do autor. Os autores assumem o compromisso de não submeter simultaneamente o texto a outras revistas da área e cedem à “Formação Docente” o direito de indexação (nacional e internacional). A Revista, ao seu juízo, pode reeditar artigos internacionais de grande relevância teórica ou metodológica para a área, que tenham sido publicados em outros veículos de divulgação acadêmica, com a devida autorização de quem detém os direitos autorais.

O Conselho Executivo poderá sugerir aos autores modificações de ordem técnica nos textos submetidos e aceitos, a fim de adequá-los à publicação.

É de inteira responsabilidade do(s) autor(es) os conceitos, opiniões e idéias veiculados nos textos.

Todos os textos aceitos para publicação serão submetidos à avaliação de pares acadêmicos e lidos por, no mínimo, dois paraceristas – ambos do Conselho Consultivo ou um membro do Conselho Consultivo e um ad hoc. A Revista garante o sigilo e anonimato de autores e pareceristas.

ASPECTOS FORMAIS DO TEXTO

Os artigos devem conter de 40 a 70 mil caracteres (com espaços) digitados no Word ou programa compa-tível de editoração, fonte Times New Roman, tamanho 12 e espaçamento duplo. O texto deve ser alinhado à esquerda e as margens não devem ser inferiores a 3 cm. As palavras estrangeiras devem ser grafadas em itálico, neologismo e/termos incomuns deve ser grafado entre ‘aspas’ simples.

Os artigos devem ser enviados em dois arquivos com o mesmo nome, diferenciados pelos numerais 1 e 2. Devem ser nomeados pelo sobrenome do primeiro autor. O primeiro arquivo deve constar a identifi-cação do(s) autor(es): nome(s), instituição(ções) de origem e endereços, físicos e eletrônicos; e resumo expandido de até mil caracteres (aproximadamente, uma página) e respectiva tradução em língua inglesa (abstract). Ambos acompanhados de, no mínimo, três palavras-chave (e as respectivas keywords). No segundo arquivo, constará o texto na íntegra a ser publicado.

As normas de referências bibliográficas seguidas pela Revista são as da ABNT e devem se restringir ao material citado no corpo do texto. As citações de fontes, diretas ou indiretas, devem ser inseridas no corpo do texto (AUTOR, data, página). As notas, quando necessárias, devem seguir no final do texto com numeração seqüencial em algarismos arábicos e antes das referências bibliográficas.

As referências de material e fontes eletrônico/digitais devem citar o endereço (Web Site ou Home Page) seguida da data de acesso (Acesso em: 25 Fev. 2009).

8

Todos os textos deverão ser enviados para o endereço eletrônico da Revista “Formação Docente” ([email protected]). Após o envio do artigo, o autor receberá a confirmação do recebimento da sua mansagem contendo os arquivos, em anexo, com o texto e da adequação (ou não) do mesmo às normas técnicas. Após, aproximadamente, 40 dias, o autor receberá uma nova mensagem informando sobre o resultado da avaliação acadêmica do artigo.

9Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 8-9, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Volume 04, número 06, jan./jul. 2012

APRESENTAÇÃOÉ com imenso prazer que apresentamos o número 7 da Formação Docente – Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores, como vocês já sabem, um periódico eletrônico semestral do GT08 da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), em parceria com a Autêntica Editora.

Este número marca alguns avanços conquistados pela Revista. Em primeiro lugar, é o primeiro número que publicamos depois da segunda avaliação de periódicos da CAPES, em que a Formação Docente foi classificada como B3. Apesar de essa ser ainda uma avaliação muito inferior à que almejamos para a nossa Revista, devemos lembrar que, na primeira avaliação, fomos classificados como “Imprópria”, o que nos deixou, além de muito tristes, revoltados com a terminologia utilizada pela agência de fomento. Revistas que ainda lutam para se consolidar deveriam receber um tratamento mais justo e respeitoso, pois, ao ser classificado como “Impróprio”, o periódico passa a enfrentar ainda mais dificuldades para, por exemplo, receber, de maneira espontânea, bons artigos para serem publicados. Não há dúvida de que se trata de um termo muito forte e infeliz. Pensemos, por exemplo, em situações cotidianas em que essa palavra é utilizada: “Imprópria para menores de 18 anos”; “Imprópria para consumo”; “Imprópria para o banho” – estas duas últimas referindo-se à água. Quem, em sã consciência, gostaria de ter um artigo publicado em uma “revista imprópria”? Apesar das consequências que sofremos com a “impropriedade” do uso desse termo, após a primeira avaliação da CAPES, conseguimos superar esse momento difícil e passar, já na avaliação seguinte, para B3.

Este número marca ainda outra conquista: conseguimos publicar, pela primeira vez, dez artigos em um único número! Nos volumes anteriores, vínhamos publicando em média sete artigos por número. Aquelas pessoas envolvidas na editoração de periódicos científicos no Brasil sabem bem da dificuldade de se conseguir reunir dez artigos de qualidade para serem publicados em um mesmo número. Pois conse-guimos. Neste número, você encontrará artigos muito interessantes que tratam de diferentes temáticas da pesquisa sobre formação de professores a partir de diferentes perspectivas e de uma diversidade de referenciais teóricos e metodológicos.

Por fim, a publicação deste número marca também a minha saída como editor-chefe deste periódico ele-trônico do GT08 da ANPEd. Assumi essa função por dois triênios: de 2008 a 2011 e de 2011 a 2014, ou seja, antes mesmo da criação da Revista, em 2009, até agora. Pessoas com mais competência do que eu e mais experiência com a publicação de periódicos científicos assumirão essa tarefa, e, a partir deste momento, passo a apoiar a Formação Docente como membro do Conselho Editorial Executivo e em tudo o que for preciso para que este periódico eletrônico cumpra o seu papel de contribuir com a melhoria da qualidade da produção acadêmica sobre formação de professores no Brasil.

Uma boa leitura a todos/as!Um fraterno abraço,

Júlio Emílio Diniz-Pereira

EDITORIAL

10 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 10-18, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ARTIGOS

A formação inicial de professores no quadro dos compromissos de Bolonha – contributos para uma reflexão sobre o que foi instituído em Portugal

Carlinda Leite

RESUMO: Este artigo confronta os desafios com que convivem os professores do ensino fundamental, neste século XXI, com o modelo de formação inicial que tem vindo a acontecer em Portugal decorrente da adaptação aos compromissos de Bolonha. Neste sentido, é caracterizado o modelo de formação de professores instituído após 2006 e, recorrendo à opinião de formadores de professores, são analisadas as possibilidades que ele oferece para socializar os estudantes, futuros professores, com situações que permitam uma preparação capaz de positivamente enfrentarem os desafios que se colocam no exercício da profissão.

PALAVRAS-CHAVE: Formação inicial dos professores em Portugal, Processo de Bolonha, Desafios à docência.

Teachers initial training in the context of the Bologna process – contributions to a reflection of what was implemented in PortugalABSTRACT: This article confronts the challenges that teachers of Basic Education are dealing with in this 21st century, with the training that teacher’s currently have in Portugal, as a result of the adaptation to the Bologna Process. In this sense, the teachers’ training model, set up after 2006, is characterized through the opinions of teacher trainers by analyzing the possibilities that it offers for students, future teachers, to socialize with situations that prepare them to face the challenges that arise in their profession.

KEYWORDS: Initial training teachers in Portugal, Bologna process, Teaching challenges.

11Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 10-18, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

INTRODUÇÃO

Reconhecendo-se que o ofício de professor/a é cada vez mais exigente, os discursos académicos e políticos têm reclamado a necessidade de uma formação de qualidade que se amplie para além dos conhecimentos disciplinares tradicionais (PERRENOUD, 2000; LEITE, 2012). A tese que justifica essa posição afirma que a complexidade das situações sociais que atravessam a educação escolar exige professores profissionalmente competentes para que, em função dos contextos em que exercem a atividade profissional, se envolvam na concepção e no desenvolvimento de ações e projetos que promovam aprendizagens significativas e contribu-am para a criação de uma sociedade socialmente mais justa e equitativa (CONNELL, 1993; SANTOMÉ, 2013).

A par desse discurso, as políticas europeias enunciadas a partir da assinatura da Declaração de Bolonha (1999), e em que foi estabelecida uma matriz comum para as reformas do ensino superior, orientaram-se na intenção de construir um Espaço Europeu do Ensino Superior (EEES) competitivo e atrativo, onde sejam oferecidos cursos facilmente legíveis e comparáveis entre si. Nesse sentido, a organização dos currículos do ensino superior, nomeadamente no que diz respeito à duração desses cursos, passou a ser de 6 a 8 semestres no caso do 1º ciclo (licenciatura), de 4 semestres no 2º ciclo (mestrado) e de 6 semestres no 3º ciclo (doutoramento).

A formação de professores, contrariamente ao que acontecia e que procurava ter caraterísticas de um mo-delo integrado, isto é, em que os estudantes, futuros professores, iniciavam a sua formação para o exercício da docência desde o primeiro ano do curso, passou a ocorrer apenas ao nível do 2º ciclo. Quer isso dizer que, com o Processo de Bolonha, e após a legislação que em 2006 (Decreto de Lei n. 74/2006) instituiu a adaptação dos cursos do ensino superior aos compromissos de Bolonha, os estudantes formam-se como professores em um período de tempo que decorre entre um ano e dois anos (conforme os níveis de ensino em que vão leccionar) e depois de terem frequentado um curso de 1º ciclo de carácter generalista (para o caso dos educadores de infância e professores dos primeiros anos de escolaridade do ensino fundamental) ou focado no saber da área disciplinar a que tencionam vir a ficar vinculados (no caso dos professores do ensino secundário/médio).

É essa situação que é examinada neste texto. Para isso, e na intenção de explicitar a grelha de análise que nos guia, a anteceder a caracterização do modelo de formação inicial de professores decorrente do Processo de Bolonha, são sistematizados alguns dos desafios que os professores têm de enfrentar no exercício da atividade profissional neste princípio do século XXI. É depois disso que, na intenção de triangular a opinião pessoal – fundada na experiência pessoal como investigadora da formação de professores e elemento da equipa que, em Portugal, está encarregue de avaliar cursos de formação de professores – são apresentados dados de opinião de formadores de professores sobre as vantagens e desvantagens deste modelo, obtidos de uma doutoranda que orientei na sua pesquisa de doutoramento. São esses dados, olhados à luz da grelha teórica e apresentada, que permitem tecer o conjunto de considerações gerais com que termina o texto.

DESAFIOS QUE SE COLOCAM AOS PROFESSORES NESTE SÉCULO XXI

Como tem sido amplamente reconhecido, as exigências profissionais que se colocam aos professores têm-se intensificado, ampliado e complexificado. Esta situação, bem sentida pelos professores nos seus quotidianos profissionais, tem sido também expressa quer nos discursos académicos (TARDIF; LESSARD, 2005; LEITE; FERNANDES, 2007, 2011), quer nos discursos políticos que apontam para a necessidade

12 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 10-18, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

de se repensar a formação inicial de professores de modo a proporcionar as bases para um adequado exercício profissional. Como foi expresso no Relatório da UNESCO da Educação para o século XXI, “[...] à educação cabe fornecer a cartografia de um mundo complexo constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que permita navegar através dele” (DELORS et al., 1996, p. 77). Por isso, espera-se que a formação de professores seja cada vez mais qualificada e qualificante, e assente em uma socialização com a profissão que permita vivenciar um amplo conjunto de experiências inerentes ao trabalho docen-te e às situações que esse quotidiano impõe quando se assume a educação escolar na sua dimensão social e no compromisso de contribuir para a construção de uma sociedade mais equitativa e mais justa (CONNELL, 1997; LEITE, 2002; LEITE; FERNANDES, 2007; SANTOMÉ, 2013).

É no âmbito dessas ideias que se situam os discursos que têm vindo a sustentar a necessidade da formação inicial e da formação continuada se afastarem de orientações tradicionais e tecnicistas para se aproxima-rem de perspectivas que permitam aprender a lidar com a complexidade das situações reais com que se confrontam diariamente os professores (PERRENOUD, 2000; LEITE, 2002, 2003; NÓVOA, 2009; LEITE; FERNANDES, 2011). De facto, a democratização da educação escolar, ao mesmo tempo em que transportou para o interior das escolas problemas sociais que lhe eram desconhecidos quando o acesso à escola era destinado apenas a alguns, trouxe-lhe também responsabilidades de positivamente lhes responder. Como nos lembrou Canário (2005, p. 122), a escola foi “invadida por problemas sociais que, antes, lhe eram exte-riores, colocando aos professores problemas novos e de difícil solução”, o que exige uma atenção acrescida aos processos de formação. Por isso, o discurso académico tem justificado as vantagens que decorrem de uma socialização precoce dos estudantes com a profissão e com a vivência de situações próximas das que terão de exercer no futuro, como professores (ALTET, 2000; BOYD, 2010; KORTAGHEN, 2010).

Em sentido idêntico, Nóvoa (2007) sugere ser preciso passar a formação de professores para dentro da profissão sustentando a ideia de que ela se deve estruturar em processos de reanálise das situações profissionais, sobretudo as que estão relacionadas com o insucesso escolar. Na verdade, é também neste nível que, cada vez mais, são feitas exigências aos professores. Reconhecendo-se a importância que os professores poderão ter nos processos de organização e desenvolvimento de um currículo que crie melhores condições de aprendizagem para a diversidade de alunos que passaram a estar presentes nas escolas, tem-lhes sido pedido que se envolvam em parcerias capazes de melhor responderem aos desafios específicos de cada situação. Ou seja, aos professores têm sido solicitadas tarefas que vão muito para além dos saberes tradicionais escolares. Como em outro momento enunciei (LEITE, 2006), entre as inúmeras exigências que são feitas aos professores, pode destacar-se: o envolvimento em projetos educativos e curriculares que deem sentido ao currículo nacional e proporcionem condições de suces-so a todos os alunos; a criação de situações que eduquem para a vivência e o exercício da cidadania e para os direitos humanos, para a promoção de uma vida saudável e para a defesa do meio ambiente; o desenvolvimento de situações que promovam uma comunicação intercultural; o desenvolvimento de um trabalho em redes de parcerias com as famílias, as comunidades locais e os seus agentes; a atenção a situações que se constituam elementos centrais na mudança educacional e na configuração de processos de inovação curricular (BOLÍVAR, 2007, 2012). Como refere Nóvoa (2009) a propósito das disposições que, em seu entender, podem configurar a ideia de “um bom professor”, o compromisso social com que hoje a realidade da escola convive, “obriga-nos a ir além da escola [...], intervir no espaço público da educação faz parte do ethos profissional docente“ (NÓVOA, 2009, p. 31).

Paralelamente a esse discurso fundado na dimensão social do acto educacional, o discurso da qualidade introduzido nas organizações escolares pelas políticas internacionais aponta para que a formação permita a obtenção de um conjunto de conhecimentos, aptidões e atitudes que, no caso dos professores, passam,

13Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 10-18, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

entre outros, pela consciência crítica do conhecimento existente e pela capacidade de resolução de pro-blemas e de gerir e transformar contextos de estudo imprevisíveis e que exigem abordagens estratégicas novas (ENQA, 2006). É no âmbito desta situação em que, ao mesmo tempo que se reconhece a educação escolar na sua dimensão social, complexidade e abrangência e se veicula um discurso que aponta para a importância de uma formação que qualifique os futuros professores para esse exercício profissional, que questiono as possibilidades que decorrem do modelo resultante da adequação ao Processo de Bolonha. Para isso, e para promover essa compreensão a quem não esteja envolvido no processo, sistematizo no ponto seguinte deste texto algumas das caraterísticas da formação inicial de professores introduzidas em Portugal pela adequação aos compromissos de Bolonha.

A FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES DECORRENTE DO PROCESSO DE BOLONHA

Em 2006, quando em Portugal se vivia o processo de adequação legal (Lei n. 74/2006) aos compromissos europeus decorrentes da assinatura da Declaração de Bolonha (1999), exprimi (LEITE, 2006) receios sobre os eventuais efeitos, na construção de uma identidade profissional, do modelo que estava a ser politica-mente determinado. Sustentei na altura que o cenário que estava a ser delineado para a formação inicial dos professores contrariava discursos políticos que apontavam a necessidade de se melhorar a formação de professores. Para questionar se o modelo de formação que estava a ser configurado era mais adequado do que o até então existente, recordei as palavras da Comissão Europeia (2002, p. 14) quando se referiu à necessidade de “melhorar a forma como os professores e formadores são preparados e apoiados no seu papel”. Neste momento, decorridos sete anos dessa posição, e estando já em curso o modelo então anunciado, as interrogações persistem e até de forma mais sustentada.

Contrariamente ao modelo que tinha vindo a ser instituído por algumas instituições de formação, e que procurava organizar-se na lógica da socialização gradual com a profissão, o modelo decorrente de Bolonha retrocedeu ao que Cunha (2003, p. 68) critica quando se refere a uma concepção que exige “que o aprendiz primeiro domine a teoria para depois entender a prática e a realidade”. De facto, no caso da formação inicial de professores, e contrariamente ao que até então acontecia, ela não se inicia desde a entrada no curso de ensino superior, ou seja, há uma formação de 1º ciclo (licenciatura), em que os estudantes têm uma formação geral e/ou fundada em conhecimentos disciplinares, a que se segue um 2º ciclo (mestrado), em que ocorre a formação para o exercício da docência. Essa estrutura da formação de professores, embora corresponda a uma formação de mais alto valor académico – trata-se de um mestrado – não tem uma duração muito mais longa do que a formação que estava em vigor antes da adequação ao Processo de Bolonha (em alguns casos pode ter mais um ano) e impede a organização de um currículo de formação em que se vá progressivamente ampliando o contacto com as situações profissionais docentes. É neste sentido que continua a justificar-se interrogar as possibilidades que esse modelo tem de conseguir me-lhorar a qualidade da formação de professores, tal como tem sido veiculado pelas directrizes europeias.

Refira-se que o discurso de qualidade que, de certo modo, acompanhou o Processo de Bolonha em Portugal, assim como em muitos outros países europeus, implicou que a organização dos cursos se fizesse em função do Quadro Europeu de Qualificações e que apresenta, para cada nível de qualificação, os conhecimentos, aptidões e atitudes que os futuros diplomados devem demonstrar. Sendo oito esses níveis, no caso da formação de professores, como a formação académica é de mestrado, o nível que lhe corresponde nesse Quadro Europeu é o 7, ou seja, e como já foi referido, pressupõe uma formação alta-mente qualificada. Apesar disso, as condições de formação existentes não oferecem grandes possibilidades para que essa formação seja qualificante, nomeadamente no domínio pedagógico-didático e curricular.

14 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 10-18, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Ainda no que ao discurso de qualidade diz respeito, é também importante realçar que em 2010 a Comissão Europeia, na agenda para a Melhoria da Qualidade dos Professores (Improving Teacher Quality: the EU Agenda1), definiu para a ação dos Ministérios de Educação dos vários Estados-membros dez eixos de ação prioritários, a saber: promoção dos valores e atitudes profissionais na profissão docente; melhoria das competências dos professores; recrutamento e seleção mais eficaz para promover a qualidade; me-lhoria da qualidade de formação inicial de professores; introdução de programas de indução para todos os novos professores; fornecimento de suporte de tutoria a todos os professores; melhoria da qualidade do desenvolvimento profissional contínuo dos professores; liderança escolar; garantia da qualidade dos formadores de professores; melhoria dos sistemas de formação de professores (European Comission, 2010). Ou seja, nesta directriz europeia foi reforçada a necessidade de ser dada uma atenção acrescida à qualidade da formação e à ação dos professores. Por isso, faz sentido interrogar se o modelo em vigor tem condições para assegurar o cumprimento desses eixos de ação.

É influenciada por estas ideias que teço um conjunto de considerações sobre o modelo em curso para a formação inicial de professores em Portugal. Essas considerações decorrem quer da experiência que possuo pelo envolvimento em situações de avaliação de cursos de formação inicial de professores, quer da minha experiência em actividades de formação de professores, quer ainda de dados recolhidos de professores envolvidos na formação de estudantes, futuros professores.

O QUE PENSAM DO MODELO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES OS FORMADORES

Debruçando-se este texto sobre a formação inicial de professores, em Portugal, decorrentes dos compro-missos de Bolonha, para a sua análise recorri quer ao conhecimento que possuo como investigadora e avaliadora destes cursos, quer a dados de uma investigação realizada no quadro de um doutoramento que orientei. Dessa investigação, que recorreu a fontes e a procedimentos diversos, apresento aqui apenas os que dizem respeito a dados de formadores de professores. Esses dados foram recolhidos através de uma pergunta aberta a um inquérito por questionário distribuído e recolhido em um evento académico, em que participaram 24 elementos de diferentes instituições de formação, e que teve como intenção debater o mo-delo em curso. A referida pergunta pretendeu conhecer o grau de satisfação dos inquiridos com as políticas decorrentes do Processo de Bolonha e com o modelo de formação de professores por elas configurado. Os discursos produzidos, interpretados pela técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 1994; KRIPPENDORF, 2003), permitiram saber que, de um modo geral, esses formadores aderem aos princípios do Processo de Bolonha, mas colocam reservas ao modelo que está a ser instituído para a formação de professores.

Como razões que justificam a adesão à política instituída por Bolonha, estão, entre outras, o facto de apontar para uma formação mais flexível, que permite a transição de cursos e de opções de formação, e que valoriza a acção e o envolvimento dos estudantes na construção das suas próprias aprendizagens, isto é, uma adesão ao paradigma de formação assente na aprendizagem e de rutura com a lógica tra-dicional de ensino (LEITE, 2012). No entanto, quanto ao modelo seguido, e principalmente quanto às consequências que pode vir a ter na construção de uma identidade profissional, os inquiridos, de um modo geral, consideram que o facto da formação para o exercício profissional ocorrer apenas no nível do 2º ciclo (mestrado), e ter uma duração curta, oferece poucas condições para o desenvolvimento de um perfil adequado às exigências que a profissão acarreta. Esta opinião é particularmente expressa no caso

1 Este documento sintetiza as prioridades definidas nas Conclusões do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados Membros de Novembro de 2007 (sobre Improving the Quality of Teacher Education), 2008 (sobre Preparing Young People for the 21st Century: an Agenda for European Cooperation on Schools) e 2009 (sobre Professional Development of Teachers and School Leaders).

15Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 10-18, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

da formação inicial que habilita os futuros diplomados, simultaneamente, para dois níveis de docência, como é o caso da formação para o exercício docente na educação pré-escolar e nos primeiros quatro anos de escolaridade ou para o exercício da docência nos quatro primeiros anos de escolaridade e em áreas específicas dos 5º e 6º anos. Ou seja, as dúvidas são especialmente associadas aos cursos que formando, simultaneamente, para o exercício em dois níveis de escolaridade diferentes, oferecem poucas possibilidades para, no tempo que lhes é destinado, aprofundar as especificidades inerentes a cada um dos níveis de ensino e sobre o que isso acarreta para o exercício profissional.

Refira-se, no entanto, que, em relação ao facto da formação de professores não seguir o modelo integra-do, e ser antecedida de uma formação de 1º ciclo (licenciatura) generalista, as posições são de alguma ambiguidade. Algumas opiniões expressam desacordo pelo facto de o modelo impedir uma preparação para o exercício da docência desde o 1º ano do curso; outras consideram que essa situação constitui uma mais-valia, por a formação do 1º ciclo, que antecede a formação para a docência, fornecer aos futuros professores uma visão ampla de questões educacionais gerais e por proporcionar uma escolha mais es-clarecida do nível de ensino em que os futuros diplomados poderão vir a exercer a docência. Exemplos desta ambiguidade são as seguintes afirmações:

Esta estrutura que se criou vinda de Bolonha não está a ter os frutos que se esperava, ou seja, comparando com a FP pré-Bolonha, eles (os estudantes) estabeleciam um paralelo entre a teoria e a prática, havia maior conhecimento e maior consciência do que estava subjacente a cada um daqueles níveis de ensino.

Por exemplo, no caso do curso de educação de infância e do 1º ciclo, que agora está compactado numa só curso fica pior. Eles nem são educadores de infância nem são professores do 1º ciclo. Eles acham que podem ser tudo e, na minha opinião, a curto e médio prazo, isto tem de ser alterado.

Acho que é difícil para os professores, eu acho que a profissão docente já é uma profissão suficientemente exigente… [...] Eu considero que o professor deve ter bons conhecimentos e aqui estou-me a referir [...] a conhecimento específico, conhecimento didático, conhecimento curricular. E se pensarmos no conhecimento de conteúdo específico, os futuros professores têm que ter bons conhecimentos de língua portuguesa, de história de geografia e de ciências [...] e, convenhamos, a não ser que estes estudantes sejam um génio, alguma destas áreas fica mais deficitária com uma formação tão curta.

Eu acho que pode constituir uma vantagem porque lhes permite fazer uma escolha mais cons-ciente. [...] há pessoas que sabem muito bem o que é que querem, há outros que não sabem bem o que é que querem, e portanto, isto poderia ser uma vantagem, porque eles às vezes iam para educadores de infância ou para professores do primeiro ciclo, mas nem sabiam muito bem por quê. Portanto, ao passarem por vários contextos, isso pode ajudar [...]. E mantém-lhes aberta várias possibilidades, tendo em conta que as coisas mudam tão rapidamente, também isso pode ser uma vantagem.

A minha perspetiva é que a escola vai ter benefícios se contratar um professor com este perfil (habilitação para lecionar no 1º e no 2º ciclo), pois poderá, sobretudo quando não tem horários completos para atribuir a um professor, ir jogando com duas áreas que são importantes [...] Agora, se este profissional vai ter as competências necessárias? ... Duvido.

16 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 10-18, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo este texto como objetivo debater as possibilidades que o modelo de formação inicial de profes-sores, em curso em Portugal, e decorrente das políticas europeias associadas ao Processo de Bolonha, tem de socializar os estudantes, futuros professores, para os desafios sociais e educacionais que terão de enfrentar no exercício profissional, o discurso que ao longo dele fui enunciando e os argumentos que apresentei permitem concluir ser necessário continuar a analisar efeitos do modelo seguido. Tendo este modelo de formação de professores sido iniciado em Portugal em 2007, ainda só agora estão a ser inseridos no sistema os professores que o vivenciaram na formação inicial. No entanto, é importante analisar as possibilidades que ele está a conferir de uma preparação qualificante, na linha do que tem sido veiculado pelos discursos académicos e pelos discursos políticos e que referenciei na primeira parte deste artigo. Como argumentei ao longo do texto, cada vez mais se faz sentir uma formação adequada à complexidade das situações que o exercício da profissão exige. Entendendo, com Estrela (2002, p. 18), por formação inicial de professores “o início, institucionalmente enquadrado e formal, de um processo de preparação e desenvolvimento da pessoa, em ordem ao desempenho e realização profissional numa escola ao serviço de uma sociedade historicamente situada”, interrogo a adequação de um modelo de formação de professores que proporciona um contacto tão restrito com as situações profissionais. Para além disso, constituindo objetivo da criação do Espaço Europeu de Ensino Superior aumentar a qualidade dos sistemas de formação, interrogo também a opção feita para a organização curricular que foi legislada para os cursos de formação inicial de professores.

Transpondo para esta análise o que tem sido concluído pelos estudos que mostram a importância da rela-ção teoria e prática, interrogo ainda as possibilidades de uma formação que ocorre só no nível do 2º ciclo (mestrado). Como argumentei, o discurso académico tem sustentado a importância de se promover uma formação que predisponha para a mudança (NÓVOA, 2009; LEITE, 2009) e que permita o desenvolvimento de competências de compreensão da educação escolar nas suas dimensões sociais e nas especificidades culturais dos alunos (LEITE, 2002; CANDAU, 2009). Por outro lado, tem sido reconhecido que a formação de professores deve ampliar-se ao desempenho de papéis na instituição escolar e ao conhecimento da organização curricular (BOLÍVAR, 2002, 2012). Por isso, e reconhecendo, quer a complexidade crescente que acompanha o exercício da docência, quer também que os professores são elementos importantes na institucionalização de mudanças educacionais e sociais, considero urgente estudar e ampliar o debate sobre os efeitos que poderá ter uma formação de professores organizada segundo o modelo em curso, em Portugal, instituído pelo Processo de Bolonha e analisar possibilidades e vantagens de o fazer convi-ver com lógicas de formação mais integradas e que ampliem o tempo de socialização com os contextos profissionais inerentes ao exercício da docência.

17Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 10-18, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

REFERÊNCIAS

ALTET, M. Análise das práticas dos professores e das situações pedagógicas. Porto: Porto, 2000.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: 70, 1994.

BOYD, P. Academic Induction for Professional Educators: Supporting the Workplace Learning of Newly Appointed Lecturers in Teacher and Nurse Education. International Journal for Academic Development, v. 15, n. 2, p. 155-165, 2010.

BOLÍVAR, A. Melhorar os processos e os resultados educativos. O que nos ensina a investigação. Porto: Fundação Manuel Leão, 2012.

BOLÍVAR, A. Um olhar actual sobre a mudança educativa: onde situar os esforços de melhoria? In: LEITE, C.; LOPES, A. (Org.). Currículo, escola e formação de identidades. Porto: ASA, p.15-50, 2007.

BOLÍVAR, A. (Org.). Profissão Professor: o itinerário profissional e a construção da escola. Bauru, SP: EDUSC, 2002.

CANDAU, V. (Org.). Didática: questões contemporâneas. Rio de Janeiro: Forma e ação, 2009.

CANÁRIO, R. O que é a escola? Um olhar sociológico. Porto: Porto, 2005.

Comissão Europeia. Improving Teacher Quality: The EU agenda. Bruxelas: European Commission, 2010. Disponível em: <http://www.mv.helsinki.fi/home/hmniemi/EN_Improve_Teacher_Quality_eu_agen-da_04_2010_EN.pdf>. Acesso em: mar. 2013.

CONNELL, R. W. Escuelas e justicia social. Madrid: Morata, 1997.

CORREIA, J. A. Para uma política educativa qualificante: a investigação entre a positividade e a crítica, doc. Policopiado, 1996.

CUNHA, M. I. Formação de professores e currículo no ensino superior: reflexões sobre o campo político--epistemológico. In: MORAES, M. C.; PACHECO, J. A.; EVANGELISTA, M. O. Formação de professores: perspectivas educacionais e curriculares. Porto: Porto, 2003. p. 67-81.

DELORS, J. et al. Educação um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o séc. XXI, UNESCO. Porto: ASA, 1996.

ENQA. Quality Assurance of Higher Education in Portugal: an Assessment of the Existing System and Recommendations for a Future System. Helsinki: ENQA, 2006. Disponível em: <http://www.mctes.pt/archive/doc/EPHEreport.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2011.

ESTRELA, M. T. Modelos de formação de professores e seus pressupostos conceptuais. Revista de Educação, v. XI, n. 1, p. 17-29, 2002.

EUROPEAN COMMISSION. Realizing the European Higher Education Area. Communiqué of the Conference of Ministers responsible for Higher education, Berlin, 2003. Disponível em: <http://www.bmbf.de/pub/communique_bologna-berlin_2003.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2011.

18 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 10-18, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

EUROPEAN COMMISSION. Improving Teacher Quality: The EU agenda. Bruxelas: European Commission. 2010. Ddisponível em: <http://www.mv.helsinki.fi/home/hmniemi/EN_Improve_Teacher_Quality_eu_agen-da_04_2010_EN.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2011.

KORTHAGEN, F. Teacher Education Can Make a Difference. Journal of Education for Teaching, v. 36, nº4, p. 407-423, 2010.

KRIPPENDORF, K. Content Analysis: An Introduction to Its Methodology. Beverly Hills: Sage, 2003.

LEITE, C. Qualidade da educação superior e formação de professores: uma análise a partir da situação em Portugal. In: BROILO, C.; CUNHA, M. (Orgs.). Qualidade da educação superior: grupos investigativos interna-cionais em diálogo. 2012, p. 99-117. Araraquara (São Paulo): Junqueira & Marin. URL. Disponível em: <http://sigarra.up.pt/fpceup/pt/publs_pesquisa.show_publ_file?pct_gdoc_id=39514>. Acesso em: 12 jan. 2013.

LEITE, C. Ser professor nos dias de hoje… formar professores num mundo em mudança. Educação, Revista do Centro de Educação da UFSM, v. 34, n. 2, p. 251-264, maio/ago. 2009.

LEITE, C. Entre velhos desafios e novos compromissos: que currículo para a formação de professores? In: SILVA, A. et al. (Orgs.). Novas subjetividades, currículo, docência e questões pedagógicas na perspectiva da inclusão social. Recife: Bagaço, 2006. p. 277-298.

LEITE, C. Formação de professores para a cidadania. In: FERREIRA, J.; ESTEVÃO, C. A construção de uma escola cidadã: público e privado em educação. Guimarães: Ex. Infante D. Henrique, 2003. p. 199-208.

LEITE, C. O currículo e o multiculturalismo no sistema educativo português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.

LEITE, C.; FERNANDES, P. Desafios aos professores na construção de mudanças educacionais e curriculares: que possibilidades e que constrangimentos. Revista Educação, v. 33, n. 3, p. 198-204, 2011.

LEITE, C.; FERNANDES, P. Desafios para um currículo escolar comprometido com a inclusão. Educação: Temas e Problemas, v. 3, p. 203-215, 2007.

NÓVOA, A. Para una formación de professores construída dentro de la profesión. Revista de Educación, v. 350, p. 203-218, 2009.

NÓVOA, A. O Regresso dos professores. In: Profissional de Professores para a Qualidade e para a Equidade da Aprendizagem ao longo da Vida. Lisboa: Ministério da Educação (Direcção-Geral dos Recursos Humanos da Educação) - Comissão Europeia (Direcção-Geral de Educação e Cultura), 2007. p. 21-28.

PERRENOUD, P. 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.

SANTOMÉ, J. Currículo escolar e justiça social: o Cavalo de Troia da Educação. Porto Alegre: Penso, 2013.

TARDIF, M. E LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

19Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ARTIGOS

Professores e pesquisa: da formação ao trabalho docente, uma tessitura possível

Luciana Aparecida de Araujo Penitente

RESUMO: O presente texto resulta de uma pesquisa intitulada A Pesquisa pedagógica nos cursos de Licenciatura em Pedagogia: aspectos do trabalho desenvolvido pelos professores, desenvolvida em nível de estágio pós-doutoral junto à Fundação Carlos Chagas. Propõe-se uma reflexão a respeito do conceito de pesquisa, que busca definir e explicitar suas características específicas e trazer algumas diferenças que marcam a pesquisa acadêmica, a pesquisa escolar e a pesquisa pedagógica, apontando esta última como relevante no processo formativo do professor. Ressalta-se a relação entre pesquisa e formação de professores, apontando também a necessidade de uma reestruturação curricular dos cursos de Pedagogia, de modo que a pesquisa possa ser pensada como eixo formativo da formação de professores. Ademais, discutem-se as contribuições da pesquisa na formação e prática docente, bem como o estudo do cotidiano escolar, enfocado como momento necessário para colocar em prática pressupostos subjacentes à prática do professor e vivenciar experiências de socialização entre alunos, professores e demais profissionais desse campo de saber.

PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa; Formação de professores; Prática docente.

Teachers and research: from the training to the teaching work. a possible textureABSTRACT: This paper is the result of a research called Pedagogic Research in Education Schools: Aspects of the Work Conducted by Teachers developed at the post-doctorate training level at Fundação Carlos Chagas. It proposes a reflection on the concept of research that seeks to define and clarify their specific features, and brings about some of the differences that define the university, the school and the pedagogic researches, indicating the relevance of the last one in the teachers’ training process. The relationship between research and teachers’ training is highlighted as well as the need of a curricular restructuring in Education courses , in order to think research as a forming axis in teachers’ formation. Furthermore, the contributions of research in the teaching formation and practice is addressed, along with the study of school daily activities, focused on the necessary moment to put the assumptions underlying teachers’ practices into practice and also to experience socialization among students, teachers and other professionals in this field of knowledge.

KEYWORDS: Research; Teachers’ training; Teaching practice.

20 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

INTRODUÇÃO

Pensar o papel da pesquisa na formação inicial e continuada de professores e a necessidade de preparação de profissionais conscientes de sua historicidade e de seu papel para uma práxis social é uma discussão que se faz urgente. Visando corroborar com essa discussão, este texto será dividido em três momentos.

Inicialmente, propõe-se uma reflexão a respeito do conceito de pesquisa, que busca definir e explicitar suas características específicas e trazer, ainda que de maneira aligeirada, algumas diferenças que marcam a pesquisa acadêmica, a pesquisa escolar e a pesquisa pedagógica, apontando esta última como relevante no processo formativo do professor.

Ressalta-se, num segundo momento, a relação entre pesquisa e formação de professores, apontando também a necessidade de uma reestruturação curricular dos cursos de Pedagogia, de modo que a pesquisa possa ser pensada como eixo formativo da formação de professores.

As contribuições da pesquisa na formação e prática docente compreendem o terceiro momento desta discussão, bem como o estudo do cotidiano escolar, enfocada como momento necessário para colocar em prática pressupostos subjacentes à prática do professor e vivenciar experiências de socialização entre alunos, professores e demais profissionais desse campo de saber. Conjugando esses três momentos com as considerações finais, encerramos o trabalho.

Desde a infância somos marcados pelo desejo de conhecer, na constante busca pelo saber. Segundo Mantoan (2008, p. 90), a origem do conhecer se dá no desejo de criar e “fortalecer vínculos que contextualizam, humanizam e criam laços entre o objeto e o sujeito do conhecimento”. Esses laços fazem com que o conhecimento se expanda, extrapole seu aspecto cognitivo para penetrar nas emoções e sensações que surgem do aprender com os outros. Nesse sentido, investigar, pesquisar, significa buscar respostas para alguma inquietação, fatos ou dúvidas através do emprego de processos científicos. Por meio da atividade de pesquisa, desenvolve-se a ciência, que é o caminho para se fazer avançar o conhecimento, portanto, assim como diria Rubem Alves (1991), “ciência é coisa boa”.

No entanto, a palavra pesquisa, com o passar do tempo, começou a ganhar uma popularidade muitas vezes preocupante, que pode comprometer até mesmo o seu sentido acadêmico. No contexto político, convivemos com um considerável número de pesquisas, que muitas vezes de forma intencional, procuram revelar as tendências eleitorais de determinados grupos sociais.

Também no campo de trabalho do ensino fundamental e médio, tem-se abusado do termo, fazendo uso de atividades ditas de pesquisa, de modo a comprometer o interesse dos estudantes dos cursos de Licenciatura em Pedagogia. No ensino superior, o professor pede aos alunos para fazerem uma pesquisa sobre um determinado assunto e o que eles fazem é apenas consultar uma única obra, como se fosse suficiente, ou então, com o recurso e facilidade da internet, criam uma colcha de retalhos. Existem casos em que o estudante apenas copia o conteúdo encontrado sem ao menos fazer dele uma leitura e reflexão antes de entregar ao professor. Embora esse tipo de atividade possa despertar a curiosidade dos alunos, ela significa apenas uma atividade de consulta, mas não representa o conceito de pesquisa, já que o termo é muito mais abrangente (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 1).

21Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Para Warde (1990 apud ALVES-MAZZOTTI, 2003, p. 35) em Impacto da pesquisa educacional sobre as práticas escolares, o conceito de pesquisa se ampliou tanto, que hoje nele tudo cabe, como os folclores, o senso comum, os relatos de experiência,. Alves-Mazzoti (2003) acredita que essa dificuldade de se definir o que pode ou não ser considerado como pesquisa “não constitui um problema circunscrito à produção acadêmica brasileira”. Para a autora, essa dificuldade está relacionada às mudanças que ocorreram no conceito de ciência e de método científico, provocadas pelas críticas ao positivismo, que definia rigorosamente a ciência da não ciência. Essa ausência de critérios de definições consensuais e o abandono das falsas certezas, assim como eram prometidas pelo positivismo, deixaram os pesquisadores, principalmente no campo das ciências humanas e sociais, desorientados. Essa desorientação levou ao que Alves-Mazzotti, (2003, p. 35) chamou de “vale tudo”. No entanto, a autora afirma que esse “relativismo que se alastra em nossa área não tem contribuído para a construção de conhecimentos relevantes e confiáveis para orientar políticas e práticas educacionais”.

Então, o que podemos considerar como pesquisa?

O CONCEITO DE PESQUISA

Sobre esse questionamento, Ludke e André (1986, p. 2) afirmam em Pesquisa em educação: abordagens qualitativas, que fazer pesquisa significa promover o confronto entre dados, evidências e informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico a respeito. Esse conhecimento, fruto da curiosidade, da inquietação, da inteligência e da atividade investigativa do sujeito a partir de leituras a respeito do tema, também representa a continuidade do que já foi elaborado e sistematizado por outras pessoas que estudam a temática.

Diniz-Pereira e Lacerda (2009) entendem a palavra pesquisa como polissêmica, podendo apresentar significados e aplicações bem diferentes, dependendo de quem a utiliza. Como atividade científica, a pesquisa delineia caminhos que a caracterizam como tal, dialogam com o paradigma no qual se inscrevem e buscam conhecer determinado objeto para posteriormente socializar o conhecimento adquirido.

Na mesma perspectiva, afirma Gatti (2002, p. 9-10):

Pesquisa é o ato pelo qual procuramos obter conhecimento sobre alguma coisa. [...] Contudo, num

sentido mais estrito, visando a criação de um corpo de conhecimentos sobre um certo assunto,

o ato de pesquisar deve apresentar certas características específicas. Não buscamos, com ele,

qualquer conhecimento, mas um conhecimento que ultrapasse nosso entendimento imediato na

explicação ou na compreensão da realidade que observamos [...].

Concordamos com Gatti (2002) ao dizer que o ato de pesquisar possui características específicas que devem ser definidas e explicitadas de modo que tenhamos claro o tipo de pesquisa ao qual estamos nos referindo. Assim, acreditando na importância da pesquisa tanto para a formação inicial como para a prática de professores, achamos por bem ressaltar, ainda que de uma maneira aligeirada, algumas diferenças que marcam a pesquisa acadêmica, a pesquisa pedagógica e a pesquisa escolar.

Segundo Beillerot (1991, p. 19) no contexto das pesquisas acadêmicas: “[....] o uso da palavra “pesquisa” no singular, e por vezes até mesmo sendo empregada com maiúscula, envolve um pressuposto pleno de sentidos, equívocos e conivências: para o bem ou para o mal, no âmbito da universidade, a pesquisa ou é científica ou não é pesquisa”.

22 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

A PESQUISA ACADÊMICA

As pesquisas acadêmicas baseiam-se em paradigmas pré-estabelecidos pela própria universidade para que sejam reconhecidas por esses meios. Reconhecemos a importância desses paradigmas, porém percebemos certo distanciamento entre o que se vive nas escolas e o que se pensa no contexto das universidades.

Entendemos que o predomínio de uma visão clássica de pesquisa coloca um distanciamento entre a academia e o professor da escola básica, o que restringe a possibilidade de realização de pesquisas por esses professores. Todavia, para que suas pesquisas sejam reconhecidas socialmente, é necessário que se amplie o conceito de pesquisa utilizado dentro da universidade.

Há que se ter, contudo, o cuidado, como advertiu Lüdke et al. (2009), para não reservar ao professor uma pesquisa de qualidade “menor”, menos exigente e restrita exclusivamente ao seu ambiente específico de trabalho.

Concordamos com Abreu e Almeida (2008) quando dizem que o ensino e a pesquisa devem caminhar juntos na atividade e na formação inicial e continuada de professores em todos os níveis de escolaridade, pois, caso contrário, corremos o risco de cair na dicotomia que separa teoria e prática, quem pensa e quem executa: o pesquisador descobre, pensa, sistematiza e conhece, aos demais fica a responsabilidade de fazer a intervenção na realidade, mas sem o embasamento necessário para uma efetiva tomada de decisão. Nesse sentido, adverte Freire (1999, p. 32):

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo

do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei,

porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, contatando intervenho, intervindo educo e

me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.

Segundo os pesquisadores americanos Cochran-Smith e Lytle (1999), Anderson e Herr (1999 apud LÜDKE, 2001), existem alguns critérios que podem dar conta de alguns tipos de pesquisa e se aproximar do trabalho que tem sido desenvolvido pelo professor da escola básica. Tais critérios se voltam para as formas de validação e de veiculação dos trabalhos de pesquisa que são realizados no contexto escolar, para as relações que se estabelecem entre os professores, a questão da oralidade, do diálogo, da conversação, da participação democrática, entre outras.

No entanto, conforme afirma Beillerot (1991), precisamos tomar cuidado para não considerar como “superiores” e “científicas” apenas as pesquisas realizadas na universidade, deixando de considerar a trajetória de pesquisas que os docentes de nível superior vivenciaram para chegarem até suas descobertas.

Segundo Lüdke (2001), a pesquisa acadêmica poderia ganhar muito com o reconhecimento de uma nova conceituação da pesquisa do professor. Uma conceituação que garantisse um estatuto epistemológico legítimo, trazendo temas e abordagens teóricas e metodológicas que pudessem garantir uma proximidade maior com as experiências vivenciadas por alunos e professores em sala de aula, contribuindo assim com o desenvolvimento do saber produzido pelos professores e para a construção de um novo conhecimento sobre a pesquisa por parte dos acadêmicos.

23Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Zeichner e Noffke (apud LÜDKE, 2001), em trabalho recente, após analisar as críticas voltadas para a questão da investigação do professor como legítima forma de pesquisa educacional, trazem uma discussão sobre a relação pesquisa e saber docente como um caminho para se gerar conhecimento. A aproximação entre professor e sala de aula garante insights únicos sobre o processo de produção do conhecimento, e por esse motivo, apresenta vantagem em relação à pesquisa acadêmica.

A PESQUISA ESCOLAR

No que diz respeito à pesquisa escolar, entendemos que ela pode servir como um elemento significativo na construção e apropriação do conhecimento. Todavia, com o crescimento acelerado da tecnologia, as informações chegam aos nossos estudantes de uma forma muito fácil e rápida, o que gera certo desconforto por parte das instituições de ensino, uma vez que elas não conseguem acompanhar o mesmo ritmo.

Segundo Abreu e Almeida (2008), essa realidade pode ser explicada, em um primeiro momento, pela compreensão equivocada que os professores do ensino superior têm do conceito de pesquisa e, consequentemente, da pesquisa escolar. Em seguida, pelo despreparo na orientação das pesquisas em sala de aula. O fato de esses professores terem uma visão questionável da pesquisa escolar e a dificuldade de encaminhar os estudantes para a pesquisa comprometem a efetivação da investigação e, consequentemente, da aprendizagem sobre o como fazer pesquisa.

A pesquisa deve ser entendida não como mera cópia de trechos de livros, artigos, entre outros, mas como atividade importante no processo de apropriação do conhecimento, já que é por meio dela que se pode apreender o conhecimento historicamente acumulado e avançar no conhecimento dos problemas que afligem o campo da educação. Ademais, ela favorece o trabalho pedagógico, uma vez que o professor pode trabalhar, ao mesmo tempo, com diversas áreas do conhecimento. No entanto, para que a pesquisa esteja presente no cotidiano da sala de aula, é imprescindível que o professor tenha clareza na elaboração do seu planejamento:

[...] se entendemos que as práticas de formação docente devem abandonar as posturas prescritivas, descendentes e impositivas que buscam dizer e impor a verdade (como se deve ensinar, como ter práticas eficazes, como ser um bom professor etc.), devemos mais do que nunca partir da prática efetiva que acontece cotidianamente nas salas de aula e não de uma ideia preconcebida daquilo que ela é ou deve ser. É somente pagando esse preço que a ação de formação terá influências sobre o agir do professor. A modelização das práticas – trabalho da pesquisa por excelência – parece-nos indispensável, incontornável, essencial para descrever e caracterizar as práticas docentes, para em consequência designar as intervenções de formação e elaborar diretrizes para a ação. Entretanto, é importante estar consciente de que, no diálogo estabelecido entre o pesquisador e o professor formador e entre este e o professor, toda a dinâmica das relações está sempre a ser (re)construída em função dos modelos construídos, o mais próximo da realidade, pois não é permitido confundir o agir singular e as particularizações que possibilitam a modelização. E este problema subsiste mesmo se – e talvez ainda mais em decorrência das dificuldades de distanciação – somos ao mesmo tempo pesquisadores e formadores (LENOIR, 2006, p.1319).

Para Abreu e Almeida (2008), o conceito de pesquisa deve ser desmistificado e repensado levando-se em conta a prática educativa. O processo de pesquisa requer um conjunto de atividades que devem ser orientadas pelo professor, visando buscar, descobrir e criar um determinado conhecimento acerca de um objeto investigado. Dessa forma, a curiosidade estimulada no aluno deve levá-lo a duvidar, a formular hipóteses, a confirmar suas certezas, tomando consciência de si mesmo enquanto pesquisador e do seu objeto de estudo.

24 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

A PESQUISA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Em relação à pesquisa da prática pedagógica, conforme adverte Oliveira (2000, p. 148) em A pesquisa em didática no Brasil – da tecnologia do ensino à pesquisa pedagógica, mais do que ensinar, planejar, orientar e avaliar a aprendizagem a partir de modelos que se constituem a priori, é preciso preocupar-se com a reflexão dos alunos, futuros professores, sobre a realidade do ensino, compreendendo-a e problematizando-a. Todavia, essa reflexão deve ser proporcionada nos cursos de Pedagogia, já que ele se constitui, em grande medida, o campo de conhecimento responsável por investigar a natureza e as finalidades da educação na sociedade.

Em Educação: Pedagogia e Didática – o campo investigativo da pedagogia e da didática, Libâneo (2000) reconhece a Pedagogia como uma ciência prática que explicita objetivos e formas de intervenção metodológica e organizativa que ocorrem no contexto da atividade educativa, preocupando-se com a transmissão e assimilação ativa dos conteúdos, ou seja, ela contribui com a investigação da própria prática educativa oferecendo os suportes teóricos advindos das demais ciências da educação.

Assim, acredita-se na importância de uma aprendizagem participativa, significativa e autonomizante, capaz de proporcionar ao aluno novos conhecimentos, novas ações e, portanto, condições de intervir e mudar o contexto em que vive e convive. É nesse sentido que em Contribuição da didática para a formação de professores – reflexões sobre o seu ensino, Alarcão (2000, p. 181) afirma que o aluno surge como pesquisador e o professor, como coordenador da aprendizagem na pesquisa.

Em sua prática pedagógica, o professor pode atuar em diferentes situações: na sala de aula em relação ao processo ensino e aprendizagem, nas questões relacionadas ao conteúdo e currículo, na relação professor-aluno, nas questões relacionadas à gestão escolar, enfim, em diferentes situações que podem gerar problemas na sua prática pedagógica Daí a necessidade do professor estar assegurado por atividades investigativas.

Para Libâneo (2005), está por traz do conceito de professor a ideia de alguém que ajuda os outros a desabrochar suas capacidades mediante atividades socialmente estabelecidas por um currículo. Desse modo, cabe ao professor, pela via da pesquisa, se revestir de uma ferramenta favorável ao desenvolvimento do educando. Afirma Alarcão (2000, p. 5) que todo o bom professor tem que ser também um pesquisador:

Realmente não posso conceber um professor que não se questione sobre as razões subjacentes às suas decisões educativas, que não se questione perante o insucesso de alguns alunos, que não faça dos seus planos de aula meras hipóteses de trabalho a confirmar ou informar no laboratório que é a sala de aula, que não leia criticamente os manuais ou as propostas didáticas que lhe são feitas, que não se questione sobre as funções da escola e sobre se elas estão a ser realizadas.

Na mesma perspectiva, Abreu e Almeida (2008) afirmam que a pesquisa sobre a prática pedagógica é um processo fundamental na construção do conhecimento sobre a própria prática, trazendo contribuições tanto para o desenvolvimento profissional dos professores como também para as instituições educativas a que eles pertencem. Segundo Imbernón (2002, p. 112-113), “[...] o conhecimento pedagógico gerado pelo professor é um conhecimento ligado à ação prática, não podendo estar desvinculado da relação teoria e prática”.

Há quatro grandes razões para que os professores façam pesquisa sobre a sua própria prática, a saber: para saber atuar efetivamente em relação às questões relacionadas ao currículo e à sua atuação profissional, buscando meios para enfrentar os problemas que podem emergir de sua prática; para contribuir na construção

25Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

de um patrimônio de cultura e conhecimento dos professores como grupo profissional; e para contribuir nas discussões em torno dos problemas educativos (ABREU; ALMEIDA, 2008).

Estamos de acordo com Ghedin e Almeida (2008) quando afirmam que, para avançar no campo da formação inicial de professores, é preciso aliar o processo e o produto da aprendizagem mediante um movimento dialético que considera e articula a “pesquisa como formação, a formação para a pesquisa, a prática da pesquisa na formação e a formação na prática articulada aos processos investigativos”.

Todavia, embora reconheçamos o papel da pesquisa na formação e na prática docente e a sua importância para a aproximação e o conhecimento da realidade educacional e da relação teoria e prática, concordamos com Diniz-Pereira e Lacerda (2009) quando afirmam que o desenvolvimento de pesquisas na prática docente é algo ainda polêmico no meio acadêmico.

Na concepção desses autores, a possibilidade ou não de haver pesquisas na prática pedagógica está relacionada a questões de poder, pois ainda há pesquisadores que encaram a pesquisa na prática docente como algo que possa competir com a pesquisa acadêmica e abalar sua legitimidade. Muitos acadêmicos consideram a pesquisa científica como modelo para a investigação do professor. Aí parece residir a razão da discórdia, pois, para alguns teóricos, essa investigação pode se configurar como qualquer outra coisa exceto como pesquisa científica.

Para Diniz-Pereira e Lacerda (2009), a pesquisa do professor da educação básica sobre a prática docente favorece a discussão permanente acerca do currículo escolar, da prática e da problemática social, possibilitando que os professores se firmem enquanto sujeitos responsáveis por sua própria formação, apoiados pelo conhecimento teórico e consigam refletir sobre seu cotidiano escolar.

Da mesma forma, a pesquisa pode favorecer a emancipação docente, trazendo autonomia aos professores, que deixam de ser meros executores de ideias pensadas por outros para atuarem e contribuírem na construção e sistematização do conhecimento produzido por eles, livres das pressões externas. Por conhecerem as teorias presentes na prática pedagógica, dialogam com o conhecimento teórico produzido fora do contexto escolar. Ademais, a prática das pesquisas docentes pode fortalecer na escola o trabalho coletivo entre professores, potencializando suas ações investigativas e contribuindo efetivamente para o seu desenvolvimento profissional.

É inegável a contribuição da pesquisa nos processos formativos, uma vez que a prática investigativa pressupõe a articulação de processos cognitivos, linguísticos, criativos, dialógicos e outros mais. A pesquisa, portanto, interfere positivamente na constituição dos saberes docentes e na compreensão de sua própria prática profissional. Favorece a tessitura de uma escola em que o conhecimento produzido passa a ser sistematizado, discutido, socializado – uma escola em que as proposições externas se misturam às proposições internas. Por fim, do ponto de vista político, a pesquisa na prática docente também pode ser vista como um movimento contra-hegemônico que contribui para a ruptura de uma determinada forma de saber e poder (DINIZ-PEREIRA, 2002). Socializando os saberes oriundos da prática, e tomando a teoria como texto cuja serventia é a interlocução com esses saberes, a prática investigativa na escola favorece o esfacelamento de uma relação endurecida, em que tradicionalmente a teoria era tomada como texto a ser transformado em método e aplicado na prática (DINIZ-PEREIRA; LACERDA, 2009, p. 1234).

26 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

A RELAÇÃO ENTRE PESQUISA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

A formação de professores tem sido atualmente objeto de estudos e pesquisas de inúmeros autores tanto no campo nacional como internacional, devido à preocupação com uma formação mais consistente em relação ao exercício da docência e com a complexidade da prática educativa. Os estudos e as pesquisas que discutem a formação docente intensificaram-se ao longo da década de 80 e coincidem com a afirmação da importância da pesquisa na formação e prática docente.

Com o intuito de superar a racionalidade técnica presente nas práticas pedagógicas e também na política educacional brasileira, e avançar para uma racionalidade comprometida com as práticas pedagógicas emancipadoras, a crítica ao tecnicismo e à racionalidade instrumental aguçou o debate entre os pesquisadores a favor da reflexividade e da necessidade da pesquisa no processo de formação do professor como possibilidade de desenvolvimento profissional e melhoria do ensino. Entre as muitas contribuições trazidas por esses autores, podemos destacar, no campo internacional, as reflexões de Schön sobre a formação de profissionais reflexivos; de Nóvoa (1992), que discute a possibilidade da diversificação dos modelos e das práticas de formação que valorizem os saberes do próprio professor como sujeito ativo na implementação das políticas educativas; de Giroux (1997), que rejeita a possibilidade de redução do trabalho do professor a meios técnicos, que favorecem a reprodução das ideias pensadas por outros.

Ainda que admitida a importância da pesquisa para a atuação docente, Zeichner (1992, 1998) aponta algumas limitações e possibilidades da realização de pesquisas pelos docentes que derivam da composição multicultural de estudantes, de burocracias da escola, entre outros impedimentos e dificuldades, e propõe o exercício de uma pesquisa próxima à realidade do professor que atua em sala de aula. Conforme afirma Lüdke (2001), o próprio Zeichner (1998) tem colocado sua preparação e experiência de pesquisador a serviço da pesquisa, deslocando suas atividades para as escolas e até mesmo para outros países, o que permite o autor afirmar que essa experiência tem correspondido melhor às necessidades de professores e alunos. Para Perrenoud (1999), a pesquisa docente possibilita o desenvolvimento de novas competências do educador a fim de que ofereça respostas rápidas e criativas para realidades complexas.

Embora haja algumas discordâncias entre os pesquisadores sobre a ideia do professor-pesquisador, essa questão tem sido muito enfatizada nos últimos tempos. Teve início com o trabalho pioneiro de Stenhouse (1975), que acreditava que cada professor devia fazer de sua sala de aula um laboratório e experimentar as diferentes maneiras de atingir seus alunos no processo de ensino/aprendizagem. Nessa mesma perspectiva, Elliot (1993) desenvolve a ideia de pesquisa-ação como uma proposta de trabalho docente colaborativo e de crescimento profissional dos professores; Carr e Kemmis (1986) trazem a importância da dimensão crítica no pensamento do professor. No entanto, foi com a obra de Schön, sobre o reflective practitioner (1983 e 1992), que se difundiu mais amplamente a ideia de “professor reflexivo”, apontando a reflexão como atividade inerente ao trabalho e formação docente (LÜDKE, 2001).

Esses estudos também se fortaleceram no contexto brasileiro, no qual podemos destacar as influências de Pedro Demo (1991, 1994), que insiste no caráter formador da atividade de pesquisa; de Corinta Geraldi (1996, 1998), enfocando o desenvolvimento da pesquisa-ação entre grupos de professores; de Marli André (1992, 1995), inspirando a prática da pesquisa docente por meio da colaboração entre pesquisadores da universidade e professores da rede pública, e de Menga Lüdke (1993, 1994, 2001, 2005), que, além de acompanhar sistematicamente os estudos referentes a essa temática, tem se dedicado à investigação sobre a prática de pesquisa no percurso da formação de professores da educação básica.

27Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Em Professor, seu saber e sua pesquisa, com o intuito de conhecer a concepção que professores e alunos tinham a respeito da contribuição dos cursos de Licenciatura e da escola normal para os saberes necessários a prática docente, Lüdke (2001) apresenta algumas constatações resultantes da pesquisa realizada na PUC-Rio, no período entre 1997 a 1998. Entre seus achados, Lüdke percebeu a ausência da dimensão pesquisa, do que resultou a construção de um novo processo investigativo, agora com professores do ensino médio na rede pública de ensino, também no Rio de Janeiro, com o intuito de esclarecer como e por que se dá ou não a relação entre a atividade de pesquisa e o que é considerado o domínio do saber docente:

[...] Quanto à formação para a pesquisa, nossos entrevistados apontaram maciçamente os cursos

de mestrado e doutorado como os caminhos mais adequados. Poucos apontaram os cursos de

graduação como responsáveis por essa formação (grifo nosso) e esses eram, em geral, os que

foram beneficiados com bolsas de Iniciação Científica [...] (LÜDKE, 2001, p. 86).

Em seu artigo “Aproximando universidade e escola de educação básica pela pesquisa”, Lüdke (2005) traz alguns dados obtidos em entrevistas realizadas com docentes, do curso de licenciatura de duas universidades públicas, também na cidade do Rio de Janeiro. Nesse estudo, a autora conclui que, embora os docentes reconheçam a importância da pesquisa na formação dos futuros professores, é preciso uma reorganização da grade curricular nos cursos de formação, pois não há muito espaço para a pesquisa.

Segundo Rosa, Cardieri e Taurino (2008), no nosso contexto, de um lado, está o crescente reconhecimento da importância da necessidade de formar profissionais no campo educacional capazes de levantar questões e buscar respostas tanto teóricas como práticas para os problemas, desafios e necessidades cada vez mais complexos e urgentes do cotidiano escolar. Do outro, os cursos de formação inicial dos profissionais da educação em nível superior nem sempre oferecem respostas adequadas, tanto no que diz respeito à sua organização curricular, como em termos de práticas pedagógicas que consigam desenvolver as capacidades e competências necessárias mediante atividades de pesquisa.

Todavia, está não é uma situação vivida apenas no contexto acadêmico brasileiro. Veyrunes, professor e pesquisador da Universidade de Toulouse, em artigo publicado em 2005, afirma que a dificuldade de articular os resultados da pesquisa em educação com as práticas de formação de professores também é enfrentada pelos Institutos Universitários de Formação de Professores (IUFMs) na França.

Nas IUFMs há dois tempos claramente distintos de formação: o primeiro tempo é organizado em função de aquisição de saberes acadêmicos relativos à disciplina e o segundo tempo, organizado em função da aquisição de saberes relativos à didática dessa disciplina (DURAN; SAURY; VEYRUNES, 2005, p. 42).

Segundo Tardif e Lessard (1999 apud DURAN; SAURY; VEYRUNES, 2005, p. 38), toda formação profissional que prepara o sujeito para o exercício de um ofício gera problemas, principalmente quando se trata de uma profissão voltada para a formação humana, como é o caso do ensino, que implica o domínio cognitivo de situações dinâmicas, gerenciamento de pessoas, autonomia, responsabilidade nas decisões e adequação a um contexto específico.

Perrenoud et al. (no prelo) também afirmam que as relações entre pesquisa e formação foram e continuam sendo objeto de debates e ilustram seu caráter problemático. Esses debates encontram-se centrados na natureza dos saberes que devem ser dominados, transmitidos e adquiridos no quadro da formação e do exercício profissional; concernem, sobretudo, à articulação entre saberes oriundos da prática e saberes científicos (DURAN; SAURY; VEYRUNES, 2005, p. 38).

28 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Para Tardif e Zourthal (2005, p. 30 apud DURAN; SAURY; VEYRUNES, 2005, p. 38), os programas de formação inicial de professores são muito pobres na formação dos professores para a leitura e decodificação dos discursos da pesquisa. Segundo eles, a formação em pesquisa tanto para os futuros professores como para os professores que já estão em serviço deveria ocupar mais espaço nos programas acadêmicos e também iniciá-los nas pesquisas contemporâneas sobre o ensino, e não apenas em questões metodológicas.

Em nosso país, podemos perceber que o impacto da pesquisa acadêmica no contexto da prática e do dia a dia escolar é muito pequeno. Além disso, conforme elucida Rosa, Cardieri e Taurino (2008), as investigações realizadas a partir do contexto escolar, bem como de suas necessidades reais são muitas vezes questionadas, no âmbito da academia no que diz respeito à sua relevância teórica e/ou seu rigor científico e metodológico.

A qualidade das pesquisas realizadas no contexto educacional pode, muitas vezes, ser questionada devido à banalização do conceito de pesquisa e o descaso com os aspectos teóricos e metodológicos da produção do conhecimento. Sobre esse assunto, Lüdke e André (2004) afirmam que há uma banalização do recurso das abordagens “qualitativas” de investigação que comprometem, em alguns casos, a produção científica de um campo epistemológico controverso por sua própria natureza complexa e multidisciplinar.

O CURRÍCULO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Conforme elucidam Lüdke e Cruz (2005, p. 85), os cursos de formação de professores têm sofrido de um defeito congênito no que diz respeito às limitações que cercam sua estruturação, a saber: a estrutura 3+1, que reforça o predomínio da formação dos conteúdos em relação à formação pedagógica; a separação entre teoria e prática; a supervalorização das áreas específicas.

Essa estruturação revela um modelo da racionalidade técnica ainda predominante na organização dos currículos de formação de professores, que se apresenta organizado da seguinte forma: uma ciência básica, uma ciência aplicada e um espaço de ensino prático. Com base nessa estruturação, espera-se que os alunos aprendam a aplicar o conhecimento adquirido aos problemas postos pela prática pedagógica (LÜDKE; CRUZ, 2005, p. 93).

Portanto, a forma pela qual os currículos dos cursos de Pedagogia encontram-se estruturados contribui muito pouco para a formação do professor no que diz respeito à sua identidade de pesquisador. A fragmentação e a falta de diálogo entre as disciplinas acabam dicotomizando o ensino e a pesquisa e fortalecendo o reprodutivismo presente na educação, transformando o aluno passivo em um professor reprodutivista. Daí a necessidade de se pensar em uma reformulação da grade curricular que leve tanto o professor como o aluno a fortalecerem pesquisa no contexto escolar.

Com esse modelo de estruturação, o espaço que tem sobrado para a pesquisa não é muito significativo. A forma pela qual ela tem ocorrido, isto é, quando tem ocorrido:

[...] tende a gerar nos professores representações sobre a pesquisa impregnadas pela conotação acadêmica, não deixando muito espaço, nem estofo, para o desenvolvimento de concepções paralelas mais amplas, que permitam abrigar o trabalho voltado para questões diárias das escolas, sem abrir mão, entretanto, dos cuidados que devem nortear toda forma de pesquisa (LÜDKE; CRUZ, 2005, p. 91).

Como medida paliativa e visando suprir as carências teórico-metodológicas evidenciadas pelo modelo de currículo vigente nos cursos de formação de professores, são oferecidos cursos de formação continuada,

29Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

que, de acordo com Pimenta (2005), dificilmente conseguem alcançar o resultado desejado, pois, na maioria das vezes, focalizam as atividades na discussão de conteúdos que já foram discutidos durante a graduação, desconsiderando as experiências vivenciadas no dia a dia desses professores (GHEDIN; ALMEIDA, 2008).

Conforme exposto, e a partir de práticas que ainda permanecem em algumas instituições de ensino superior, foi possível perceber que a formação de professores se preocupou por muito tempo com o domínio dos conteúdos e, assim, os futuros professores concluíam sua formação supostamente dominando os conteúdos das disciplinas que iriam ministrar. Contudo, esse processo de formação foi aos poucos revelando sua insuficiência, e os programas de formação profissional, baseados no modelo da racionalidade técnica, acabaram minimizando os conteúdos e intensificando os métodos e as técnicas de ensino.

Essa mudança, segundo Diniz-Pereira e Lacerda (2009, p. 1237), embora tenha proporcionado alterações na formação de professores, não conseguiu nenhuma transformação efetiva nesse campo. Os futuros professores continuavam sendo formados como profissionais que precisavam conhecer e dominar algo e “manter-se no extremo de um processo verticalizado, no lugar de quem recebe”. Isso não significa que os programas de formação devam deixar para segundo plano o ensino dos conteúdos, e que também não devam problematizar os métodos utilizados. A atividade de ensino precisa estar articulada a um currículo, a teorias e métodos que sejam problematizados permanentemente por profissionais que trabalham nas escolas.

Conforme elucidam Diniz-Pereira e Lacerda (2009), inserir a dimensão da pesquisa nos cursos de licenciatura não garante a formação do professor no que diz respeito à qualidade de pesquisadores. Tomada como eixo articulador dos cursos de licenciatura, a pesquisa na prática docente em diálogo com a prática de ensino e os estágios supervisionados pode trazer ressignificações das disciplinas de conteúdo, minimizando o enfoque anteriormente dado aos conteúdos e aos métodos e inserindo a pesquisa como eixo articulador da formação. As atividades práticas e a articulação entre pesquisa, prática de ensino e estágio também contribuem para que a pesquisa futuramente seja pensada como componente essencial aos programas de formação de professores.

Em se tratando da investigação como eixo formativo dos cursos de licenciatura, podemos perceber atualmente que os alunos, quando desenvolvem uma pesquisa, a desenvolvem com o intuito de que esse trabalho resulte na monografia, seu trabalho final de curso. Reconhecemos a importância desse trabalho no envolvimento do aluno da iniciação científica, porém, acreditamos que ainda é preciso avançar no campo da formação de professores no que diz respeito à sua formação para a pesquisa.

D’Ambrósio (1998), também discute a relevância da pesquisa na formação de professores como um elemento que interfere diretamente no desempenho do trabalho docente. Segundo ele, as disciplinas de metodologia devem ser repensadas de modo a formar o aluno tanto para ser professor quanto pesquisador e, nessa perspectiva, o aluno deve ser considerado objeto do conhecimento do professor como sujeito da pesquisa.

Todavia, não podemos esperar a reestruturação do currículo para assumir a pesquisa como parte de nossas atividades de ensino. Trazer a pesquisa para a formação inicial e continuada de professores é uma discussão e uma necessidade que se faz urgente. Ademais, é preciso pensar em como a pesquisa pode aproximar a relação teoria e prática, e favorecer a investigação da prática cotidiana dos professores de modo a identificar instrumentos de pesquisa que atendam tanto as necessidades dos professores quanto as necessidades das escolas em que atuam.

30 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Somente um professor que trabalha na pesquisa pode levar o aluno a se tornar um pesquisador, pois a pesquisa inserida na prática do aluno e na sua aprendizagem pelo professor poderá produzir os conhecimentos necessários para um saber mais consistente. Sendo assim, a formação de professores deve buscar alicerce na pesquisa, já que o aluno em formação inicial deve ser pensado enquanto cidadão reflexivo que deve fazer o conhecimento progredir. Nesse contexto, a formação do professor pela pesquisa possibilita em sua prática pedagógica que o aluno em parceria com o professor construa a sua teia do conhecimento (NASCIMENTO; BASTOS, 2008).

Canem (2008) entende a pesquisa na formação docente a partir de uma perspectiva multicultural entendida como possibilidade de envolver futuros professores em um processo de busca por ambientes de pesquisa que valorizam a pluralidade cultural, que considera o diálogo das diferenças e incentiva os paradigmas e vozes diversificados e desafiadores de visões uniformizadas do ato de ensinar e de pesquisar e de temas e referenciais teóricos de pesquisa que somente estão presentes em ambientes institucionais questionadores.

Segundo essa autora, a visão de pesquisa que, muitas vezes, está presente nos cursos de formação de professores limita-se à compreensão de modelos de construção de projetos de pesquisa na qual se enfatiza o aspecto instrumental em detrimento da discussão das finalidades, dos impactos e da dimensão cultural e política da pesquisa em educação. Além disso, também é preciso incorporar a pesquisa no próprio corpo da formação de professores, evitando falar sobre ela apenas em disciplinas específicas de Metodologia de Pesquisa ou na construção de monografias de conclusão de curso.

Nessa perspectiva, entende-se o pesquisador como portador de identidade cultural, étnica, racial, religiosa, de gênero, ou seja, como sujeito multicultural, que é influenciado por sua história de vida, seus pertencimentos identitários e pelas relações estabelecidas em seu campo de atuação e de pesquisa. A formação docente entendida como plural e construída por narrativas e pontos de vista diferentes pode contribuir com os futuros professores na produção do conhecimento, superando uma visão essencialista e universalizada do ensino e da pesquisa, entendendo-o como complexo, plural e plurivocalizado.

Na concepção de Fontana (2010), o professor que assume a pesquisa em sua prática traz para a sala de aula um conhecimento mais aprofundado e reavaliado devido às leituras e reflexões que faz ao longo de seu processo de investigação, aprimorando a prática pedagógica e promovendo a relação teoria e prática e a aprendizagem dos alunos. “Educar pela pesquisa tem como condição essencial primeira que o profissional da educação seja pesquisador, ou seja, maneje a pesquisa como princípio científico e educativo e a tenha como atitude cotidiana” (DEMO, 2003, p. 2).

Partilhamos da ideias de Fontana (2010) e Rosa, Cardieri e Taurino (2008), ao pensar a pesquisa como exercício didático no currículo de formação de professores e na construção da autonomia dos alunos. É nesse sentido de investigar a prática cotidiana dos professores para buscar instrumentos de pesquisa que atendam a necessidade das escolas, buscando refletir e aproximar teoria e prática que Fontana (2010) acredita estar o papel didático da pesquisa no currículo de formação de professores. Acreditamos que a existência da pesquisa no cotidiano do curso como realidade vivida ou a ser vivida por todos os alunos possibilita colocá-los diante de situações de conhecimento, como autores, sujeitos de um processo de investigação.

Para tanto, contribui o pensamento de Esteban e Zaccur (2002 apud FONTANA, 2010) quando afirmam que a prática põe em evidência as questões do cotidiano escolar, enquanto que a teoria orienta o olhar para interpretar e propor alternativas que se transformam em novas práticas. Portanto, esse processo reflexivo que alia teoria e prática amplia os conhecimentos construídos. Daí a importância de a pesquisa ter um papel significativo para o estabelecimento da relação teoria e prática, aproximação da realidade e construção do conhecimento.

31Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Nesse sentido, a formação teórica é imprescindível ao trabalho do pesquisador, uma vez que é ela que vai iluminar o olhar do pesquisador para perceber e interrogar os dados, compreender o contexto em que o problema está inserido e avançar o conhecimento sobre a temática investigada.

CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA NA FORMAÇÃO E PRÁTICA DOCENTE: A INVESTIGAÇÃO NO COTIDIANO ESCOLAR

Desde as experiências de Elliot na Inglaterra, tem-se defendido a ideia da pesquisa dos educadores como uma das formas mais eficientes para a formação profissional, pois os professores serão melhores naquilo que fazem mediante investigações sobre suas próprias práticas, assim como será melhor a qualidade da aprendizagem de seus alunos. Também se tem argumentado que a pesquisa dos educadores poderá trazer mudanças positivas na cultura e na produtividade das escolas, além de poder “aumentar o status da profissão de magistério na sociedade” (ZEICHNER; DINIZ-PEREIRA, 2005, p. 66).

Do ponto de vista profissional, a melhoria do trabalho do professor deve se fazer pela reflexão de sua própria prática pedagógica. Segundo Zeichner e Diniz-Pereira (2005, p. 66), os slogans “reflexão” e “pesquisa-ação” significam o reconhecimento de que o processo de aprendizagem de como se tornar um professor continua por toda a sua carreira, pois, independentemente do que fazemos e da qualidade do que fazemos em nossos programas de formação profissional, podemos no máximo formar profissionais para iniciarem suas práticas.

No processo de formação inicial e nos primeiros anos de sua prática, deve-se criar, nesses futuros profissionais a habilidade para investigar seu trabalho e se aperfeiçoar. Os cursos de formação deveriam assegurar ao futuro professor o domínio de conceitos-chave, dentro de quadros teóricos abrangentes, capazes de prepará-los para lidar com os problemas da prática educacional. Assim, esse docente sairia preparado para iniciar o trabalho, para enfrentar situações complexas em relação ao ensino e à aprendizagem e também no campo da pesquisa.

Na ótica de Demo (2004), a aprendizagem mais adequada é aquela que se efetiva dentro do processo de pesquisa em que tanto o professor como o aluno aprende ao mesmo tempo. Sendo assim, o profissional do ensino deixa de existir, pois esse tipo de atitude unidirecional é o que mais prejudica a aprendizagem, portanto, há apenas o profissional da aprendizagem, ou seja, o professor. Nesse sentido, a pesquisa se traduz no saber pensar e no saber aprender. Nas palavras de Demo (2004, p. 120): “[...] ser professor é substancialmente saber fazer o aluno aprender, partindo da noção de que ele é a comprovação da aprendizagem bem-sucedida. Somente faz o aluno aprender o professor que bem aprende. Pesquisa é, pois, sua razão acadêmica de ser”.

Para esse autor, o professor que trabalha com a pesquisa consegue fazer da sua prática uma trajetória de reconstrução do conhecimento, não separa a produção do conhecimento diante da realidade, mas, pelo contrário, a aprendizagem sempre começa com a prática, que logo é confrontada teoricamente.

Segundo André (2002), pensarmos o papel da pesquisa na formação docente implica considerar as diferentes possibilidades de se articular ensino e pesquisa no processo de formação e também as possibilidades de realização de investigações no cotidiano desses professores.

O COTIDIANO ESCOLAR

No entanto, a investigação no cotidiano escolar vem sendo vivenciada sem merecer a devida atenção, o que faz com que as pessoas que estão exercendo a sua prática pedagógica sempre tenham que partir do

32 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

zero em seus projetos de trabalho e ensino. Ademais, evidencia Fazenda (2007, p. 80-81) que a falta de formação para a pesquisa, a ausência de uma linguagem pedagógica própria, a falta de tempo para a reflexão e o estudo levam o professor ao isolamento, o que justifica tal fato, pois, por muito tempo, o professor foi considerado apenas objeto de pesquisa. Não há como nascer um pesquisador da noite para o dia; desenvolver um trabalho de pesquisa implica superar inúmeros obstáculos teóricos e metodológicos e seguir um rigor que se mostra tanto na postura do pesquisador quanto na problematização, coleta e análise de seus dados.

Esse problema de rigor, segundo a autora, já vem sendo superado nos cursos de pós-graduação em educação, já que as experiências que estão sendo acumuladas têm apresentado “a propriedade, a seriedade, a profundidade e o rigor das pesquisas desenvolvidas pelos professores pesquisadores”. Por meio da pesquisa, afirma Fazenda (2007, p. 81), o pesquisador pode recuperar sua dignidade e aquele que se desenvolve em pesquisa não consegue mais se prender simplesmente à atividade de sala de aula. Ele agora transforma e redimensiona a sala de aula, contagiando todos os que a frequentam.

Em seu artigo A pesquisa no cotidiano escolar (2006), André entende o estudo do cotidiano como fundamental à compreensão da escola no desempenho de seu papel socializador, tanto no que diz respeito à transmissão de conteúdos acadêmicos como na veiculação de crenças, valores presentes nas ações, interações, rotinas e relações sociais e, como elas lidam com as contradições sociais presentes no dia a dia escolar. Segundo a autora, a importância do estudo do cotidiano está justamente aí, no dia a dia escolar. Esse é o momento de pôr em prática pressupostos subjacentes à prática do professor e vivenciar experiências de socialização entre alunos, professores e demais profissionais desse campo de saber.

Os estudos do cotidiano envolvem três dimensões que se inter-relacionam, a saber, o clima institucional, o processo de interação de sala de aula e a história de cada sujeito. O clima institucional é responsável por mediar a práxis social e o que ocorre no interior da escola. Com base nas diferentes forças sociais (política educacional, diretrizes curriculares propostas para o trabalho docente e a cobrança dos pais), a práxis social acaba influenciando a práxis escolar. A sala de aula, espaço de trabalho entre professores e alunos, incorpora a dinâmica escolar em toda a sua totalidade e dimensão social, enquanto que a história de cada sujeito facilita a compreensão de como se concretizam, no dia a dia escolar, os valores, aos símbolos e os significados que são transmitidos pela escola. Essas três dimensões favorecem a compreensão das relações sociais presentes no cotidiano escolar a partir de um enfoque dialético entre homem-sociedade. Esse movimento permite perceber os caminhos assumidos no interior da escola sem, para tanto, desvincular-se da práxis social mais ampla. (ANDRÉ, 2006, p. 40).

Pesquisar o cotidiano escolar, na concepção dessa autora, significa estudar a escola naquilo que lhe é singular, compreendendo o cotidiano como momento singular do próprio movimento social, o que exige na análise teórica o uso de categorias sociais como classe, cultura, hegemonia, entre outras, para a compreensão do contexto. No campo metodológico, é preciso complementar as observações de campo com dados retirados de outras fontes como, por exemplo, a política educacional do país que exerce tanta influência no contexto escolar. Dessa forma, a pesquisa deve trabalhar nessa mediação entre o momento singular, presente no cotidiano escolar e o movimento social. Tal mediação pode ser efetivada mediante postura teórica consistente, a partir de uma concepção de escola clara e bem definida e de um rigoroso esforço analítico (ANDRÉ, 2006, p. 42).

Nesse sentido, entendemos que articular ensino e pesquisa no processo de formação de professores enfocando as possibilidades de realização de investigações no cotidiano desses professores não é um exercício tão simples, uma vez que ainda lidamos com algumas situações que dificultam o desenvolvimento

33Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

de pesquisas no cotidiano, a saber, desconhecimento do termo pesquisa, falta de interesse, de tempo ou de conhecimento sobre como desenvolver pesquisa, uma pesquisa em geral e no cotidiano, em particular no cotidiano escolar.

Ludke (2000) afirma que, no cotidiano das escolas, principalmente no ensino básico, é possível encontrar professores que reduzem suas atividades de pesquisa a mero planejamento de aulas, metodologias e materiais de ensino das disciplinas que ministram. Foi pensando nessa possibilidade que surgiu o interesse da autora em verificar, na rede pública de ensino da educação básica, se existem professores que desenvolvem trabalhos de pesquisa juntamente com suas atividades docentes e como tais atividades são desenvolvidas, ou seja, com que bases, quais são seus princípios norteadores, entre outros.

A partir dessas questões, a autora direcionou suas investigações para quatro escolas da rede pública de ensino, compreendendo o nível técnico fundamental e, também, o ensino médio. Seu intuito era investigar a atuação desses profissionais como pesquisadores que atuam em seu local de trabalho. Embora tenham ocorrido algumas dificuldades no decorrer do processo, o trabalho foi visto como uma possibilidade de autoconhecimento, trazendo resultados que poderiam evidenciar se realmente o professor estava cumprindo suas responsabilidades com a pesquisa.

34 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ressalta-se, nestas considerações finais, que as discussões ocorridas em torno do papel da pesquisa na formação e trabalho docente e dos aspectos didáticos, teórico-metodológicos do ensino e da pesquisa ocorrem no sentido de contribuir para pensarmos a formação de professores que não apenas saibam assimilar e criticar conhecimentos, mas, sobretudo, pensar por conta própria, investigar, pesquisar e aprimorar a ciência do homem. Nesse sentido, levar os alunos a pensarem a relevância social das pesquisas em educação implica também pensar nos problemas do cotidiano escolar, nas possibilidades de transformação social e na busca de parcerias entre a universidade e as demais instâncias interessadas.

Além disso, acreditamos ser importante evidenciar que entre as tendências atuais de pesquisa em educação se encontra uma constante preocupação com os problemas referentes ao ensino, à pesquisa, à formação de professores e saberes que orientam a prática docente. Daí a necessidade de a pesquisa prestar suas contribuições à educação e à formação de professores.

Entendemos, assim como Lüdke e Cruz (2005, p. 98), que a pesquisa pode oferecer ao professor ótima condição para o exercício de uma atividade autônoma, criativa e crítica, com questionamentos e indicações de possíveis soluções para os problemas investigados.

Como exercício didático, a pesquisa pode investigar a prática cotidiana dos professores para buscar instrumentos de investigação que atendam à necessidade das escolas, buscando refletir e compreender melhor a relação teoria e prática.

Com o conhecimento necessário e as “ferramentas nas mãos”, cabe ao professor envolver-se com as possibilidades de pesquisa e praticá-la. Nessa perspectiva, adverte Severino (2006, p. 185), “Só se aprende ciência, praticando a ciência; só se pratica a ciência, praticando a pesquisa e só se pratica a pesquisa, trabalhando o conhecimento a partir das fontes apropriadas a cada tipo de objeto”.

Sendo assim, só nos resta... “pôr mãos à obra”!

35Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

REFERÊNCIAS

ABREU, Roberta Melo de Andrade; ALMEIDA, Danilo Di Manno de. Refletindo sobre a pesquisa e sua importância na formação e na prática do professor do ensino fundamental. Revista Entreideias: Educação, Cultura e Sociedade, n. 14, p. 73-85, jul./dez. 2008.

ALARCÃO, Isabel. Contribuição da didática para a formação de professores: reflexões sobre o seu ensino. In: PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Didática e formação de professores: percurso e perspectivas no Brasil e em Portugal. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000. p. 159-190.

ALVES, Rubem. Ciência é coisa boa. In: MARCELLINO, Nelson Carvalho (Org.). Introdução às ciências sociais. 4. ed. Campinas: Papirus, 1991.

ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. Impacto da pesquisa educacional sobre as práticas escolares. In: ZAGO, Nadir; CARVALHO, Marília Pinto de; VILELA, Rita Amélia Teixeira. (Org.). Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em sociologia da educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 33-48.

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. A pesquisa no cotidiano escolar. In: FAZENDA, Ivani. Metodologia da pesquisa educacional. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2006. p. 35-45.

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Diferentes tipos de pesquisa qualitativa. In: Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995. p. 27-33.

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 2. ed. São Paulo: Papirus, 2002.

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Um projeto coletivo de investigação da prática pedagógica de professores da Escola Normal. In: FAZENDA, Ivani. (Org.). Novos enfoques da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1992. p. 51-59.

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Uma pesquisa com os professores para avaliar a formação de professores. In: ROMANOWSKI, Joana Paulin Romanowski; MARTINS, Pura Lucia Oliver; JUNQUEIRA, Sergio Rogério Azevedo. (Org.). Conhecimento local e conhecimento universal: pesquisa, didática e ação docente. Curitiba: Champagnat, 2004. v. 1, p. 205-217.

BEILLEROT, Jacques. La recherche, essai d’analyse. Recherche et Formation, n. 9, p. 17-31, 1991.

CANEN, Ana. A pesquisa multicultural como eixo na formação docente: potenciais para a discussão da diversidade e das diferenças. Ensaio, Aval. Pol. Públ. Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 59, p. 297-308, abr./jun. 2008.

CARR, Wilfred; KEMMIS, Stephen. Becoming Critical: Education, Knowledge And Action Research. London: Falmer Press, 1986.

D’AMBRÓSIO, Ubiratan. In: SERBINO, Raquel Volpato. Formação de professores. São Paulo: Unesp, 1998.

DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. São Paulo: Autores Associados, 1996.

DEMO, Pedro. Pesquisa e construção do conhecimento. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.

36 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez, 1991.

DEMO, Pedro. Professor do futuro e reconstrução do conhecimento. In: MACIEL, Lizete; NETO, Alexandre (Org.). Formação de Professores: passado, presente e futuro. São Paulo: Cortez, 2004, p.113-124.

DINIZ-PEREIRA, Julio Emílio; LACERDA, Mitsi Pinheiro de. Possíveis significados da pesquisa na prática docente: ideias para fomentar o debate. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 109, p. 1229-1242, set./dez. 2009.

DINIZ-PEREIRA, Julio Emílio; ZEICHNER, Keneth (Org.). A pesquisa na formação e no trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

DURAN, Marc; SAURY, Jacques; VEYRUNES, Philippe. Relações fecundas entre pesquisa e formação docente: elementos para um programa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 125, p. 37-62, maio/ago. 2005.

ELLIOTT, John. El cambio educativo desde la investigación-acción. Madrid: Morata, 1993.

FAZENDA, Ivani (Org.). A pesquisa como instrumentalização da prática pedagógica. In: SEVERINO, Antônio Joaquim et al. Novos enfoques da pesquisa educacional. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 75-84.

FONTANA, Maria Iolanda. A prática de pesquisa: relação teoria e prática no curso de Pedagogia. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reuniões/30 rc trabalhos / Gt 08 – 2858 pdf >. Acesso em: 18 set. 2010.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 12. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

GATTI, Bernadete Angelina. Construção da pesquisa em educação no Brasil. Brasília: Plano, 2002.

GERALDI, Corinta Maria Grisolia; DARIO, Fiorentini; PEREIRA, Elisabete Monteiro de Aguiar (Org.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado das Letras, 1998.

GERALDI, Corinta Maria Grisolia et al. Registrando a história vamos delineando (e complexificando) os significados que perpassam a constituição do professor pesquisador. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICAS DE ENSINO, 8., Florianópolis, maio 1996. Anais... Florianópolis, 1996.

GHEDIN, Evandro; ALMEIDA, Washington Aguiar de. Fundamentos epistemológicos do desenvolvimento do estágio com pesquisa. Poiésis Pedagógica, v. 5-6, p. 15-32, jan./dez. 2007/2008.

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002.

LENOIR, Yves. Pesquisar e formar: repensar o lugar e a função da prática de ensino. Educação e Sociedade, Campinas, v. 27, n. 97, p. 1299-1325, set./dez. 2006.

LIBÂNEO, José Carlos. Educação: pedagogia e didática: o campo investigativo da pedagogia e didática no Brasil: esboço histórico e buscas de identidade epistemológica e profissional. In: PIMENTA, Selma Garrido

37Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

(Org.). Didática e formação de professores: percurso e perspectivas no Brasil e em Portugal. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000. p. 77-129.

LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos para quê? 8. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

LÜDKE, Menga. A pesquisa na formação do professor. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICAS DE ENSINO, 7., Goiânia, 1994. Anais... Goiânia, 1994. p. 297-303.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Evolução da pesquisa em educação. In: LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. p. 1-10.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Combinando pesquisa e prática no trabalho e na formação de professores. Revista da Ande, v. 62, n. 2, p. 123-154, 1992.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de; CRUZ, Giseli Barreto da. Aproximando Universidade e escola de educação básica pela pesquisa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 125, p. 81-109, maio/ago. 2005.

LÜDKE, Menga et al. O professor e a pesquisa. 5. ed. Campinas: Papirus, 2001.

LÜDKE, Menga et al. Investigando sobre o professor e a pesquisa. In: ROMANOWSKI, Joana Paulin; MARTINS, Pura Lucia Oliver; JUNQUEIRA, Sergio Rogério Azevedo (Org.). Conhecimento local e conhecimento universal: pesquisa, didática e ação docente. Curitiba: Champagnat, 2004. v. 1, p. 181-191.

LÜDKE, Menga et al. O professor, seu saber e sua pesquisa. Educação & Sociedade, ano XXII, n. 74, abril/2001.

LÜDKE, Menga et al. O que conta como pesquisa? São Paulo: Cortez, 2009.

LÜDKE, Menga. Pesquisa e formação docente. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, maio/ago. 2005.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Produção de conhecimentos para a abertura das escolas às diferenças: a contribuição do LEPED/ Unicamp. In: GAIO, Roberta (Org.). Metodologia de pesquisa e produção de conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 88-104.

NASCIMENTO, Claudemiro Godoy do; BASTOS, Edivânia Pereira. Pesquisa na formação docente: notas introdutórias. Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 7, n. 1, jun. 2008.

NÓVOA, Antônio. Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

OLIVEIRA, Maria Rita de. A pesquisa em didática no Brasil: da tecnologia do ensino à teoria pedagógica. In: PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Didática e formação de professores: percurso e perspectivas no Brasil e em Portugal. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2000. p. 131-157.

PERRENOUD, Philippe. Formar professores em contextos sociais em mudança: prática reflexiva e participação crítica. Revista Brasileira de Educação, n. 12, p. 5-21, set./dez. 1999.

PIMENTA, Selma Garrido. Pesquisa-ação crítico-colaborativa: construindo seu significado a partir de experiências com a formação docente. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 521-539, set./dez. 2005.

38 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 19-38, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ROSA, Sanny Silva da; CARDIERI, Elsabete; TAURINO, Maria do Socorro. Pesquisa e formação de professores: reflexões sobre a iniciação à pesquisa no curso de pedagogia. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/31ra/1trabalho/GT08-4717>. Acesso em: 22 out. 2008.

SCHÖN, Donald. Formar professores como profissionais reflexivos; In: NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 77-92.

SCHÖN, Donald. The reflective practitioner. Londres: Temple Smith, 1983.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Questões epistemológicas da pesquisa sobre a prática docente. In: SILVA, Aida Maria M. et al. (Org.). Educação formal e não formal, processos formativos e saberes pedagógicos: desafios para a inclusão social. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO, 13., Recife, 2006. Anais... Recife, 2006.

STENHOUSE, Lawrence. An Introduction to Curriculum Research and Development. Londres: Heinemann, 1975.

ZEICHNER, Kenneth. Novos caminhos para o practicum: uma perspectiva para os anos 90. In: NÓVOA, A. Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. p. 115-138.

ZEICHNER, Kenneth.; DINIZ-PEREIRA, Julio Emílio. Pesquisa dos educadores e formação docente voltada para a transformação social. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 125, p. 63-80, maio/ago. 2005.

ZEICHNER, Kenneth. Para além da divisão entre professor-pesquisador e pesquisador acadêmico. In: GERALDI, Corinta Maria Grisolia; DARIO, Fiorentini; PEREIRA, Elisabete Monteiro de Aguiar (Org.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado das Letras, 1998. p. 207-236.

39Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 39-50, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ARTIGOS

Formação do professor pesquisador na perspectiva do professor formador

Marly Krüger de PesceMarli Elisa Dalmazo Afonso de André

RESUMO: A pesquisa representa um recurso significativo para o desenvolvimento profissional do professor e deve ser promovida no curso de graduação. Há, porém, diferentes concepções do que significa formar o professor pesquisador. Este artigo discute alguns resultados obtidos em uma pesquisa que teve como objetivo compreender como professores formadores têm desenvolvido a formação do professor pesquisador. Para isso, foram realizadas entrevistas com quatros professores e oito acadêmicos dos últimos anos de quatro cursos de licenciatura. Os dados foram analisados com base nos princípios da Análise Crítica do Discurso de Fairclough (1995). O estudo apontou que as professoras têm diferentes concepções do que é pesquisa. Reconhecem sua importância para a atividade docente como forma de atualizar os conteúdos específicos e de melhorar a prática pedagógica. Identifica-se uma sequência didática utilizada pelas professoras, que pode contribuir para a consolidação de um modelo de formação fundamentado na investigação.

PALAVRAS-CHAVE: Formação docente; Professor pesquisador; Procedimentos didáticos.

Training research professor in the perspective of teacher trainerABSTRACT: The research represents a significant resource for teacher professional development and it should be promoted at the undergraduate level. However there are different conceptions of what it means to educate teacher as researcher. This paper discusses some results from a research that aimed to understand how teacher educators have developed the education of teacher as researcher. To this end, interviews were conducted with four teachers and eight last year students of four courses. The data were analyzed based on the principles of Critical Discourse Analysis (FAIRCLOUGH, 1995). The study set up that the teachers have different conceptions of what is research. They recognize its importance to the teaching activity as a way to update specific content and improve teaching practice. It was identified a didactic sequence used by the teachers, which may contribute to the consolidation of a training model based on research.

KEYWORDS: Teacher education; Teacher as researcher; Didactic procedures.

40 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 39-50, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

INTRODUÇÃO

A docência é uma atividade complexa e desafiadora, o que exige do professor uma constante disposição para aprender, inovar, questionar e investigar sobre como e por que ensinar. Numa sociedade de constantes mudanças e infinitas incertezas, as exigências para o exercício da docência têm sido cada vez maiores, ocasionando a avaliação do modelo dos cursos de formação de professores e do perfil do profissional que se pretende formar. Uma das possibilidades tem sido a formação do professor reflexivo e pesquisador. Para Tardif (2002), a prática reflexiva pode ajudar o professor a responder às situações incertas e flutuantes, dando condições de criar soluções e novos modos de agir no mundo. Todavia, a reflexão por si significa pouco, o importante é sobre o que refletir e como ocorre esse processo. Nessa perspectiva, Zeichner (1992), defende que o professor deve sistematizar sua reflexão, tornando-a investigativa.

A formação inicial deve proporcionar ao professor conhecimentos para saber lidar com a complexidade da profissão, preparando-o para entender a realidade, dar respostas e projetar ações que favoreçam a aprendizagem. Nesse sentido, é necessário proporcionar ao professor em formação subsídios para que ele seja “capaz de analisar, criticar, refletir de uma forma sistemática sobre sua prática docente, com o objetivo de conseguir uma transformação escolar e social e uma melhora na qualidade do ensinar e de inovar” (IMBERNÓN, 1994, p. 50). Para esse autor, a formação inicial do professor precisa ajudá-lo a enfrentar os desafios que irá encontrar no seu campo de trabalho frente às frequentes mudanças da realidade. É necessário que o professor saiba entender as transformações que ocorrem na sociedade a fim de que possa atuar com responsabilidade e com compromisso com a educação dos seus alunos.

No Brasil, as propostas curriculares dos cursos de formação inicial têm apresentado poucos avanços com relação a favorecer sólidos conhecimentos teórico-práticos para atuar no campo de trabalho. Por essa razão, segundo Gatti (2010), deve haver uma revolução nas estruturas institucionais, nos currículos e nos conteúdos formativos para que a formação docente responda às demandas da educação básica. Para que essa revolução aconteça, é preciso que os cursos de formação de professores deixem de ter seu currículo fundamentado em uma concepção transmissiva de conhecimento. Entre as várias propostas que objetivam superar essa concepção, a de formação do professor pesquisador é uma das mais significativas.

PROFESSOR PESQUISADOR

A escola que foi pensada em outro momento histórico, com função clara de transmitir a cultura e o conhecimento construído pela humanidade às novas gerações, vê seu papel sendo questionado, já que

[...] era um espaço de transmissão cultural cuja cultura se distinguia claramente do afora e se sustentava numa aliança entre o Estado e as famílias, na atualidade a escola compete com outras agências culturais como os meios de comunicação de massas e a internet para a transmissão de saberes, a formação intelectual e a educação da sensibilidade das crianças e adolescentes. E compete em condições desvantajosas, já que, por suas características “duras”, por sua gramática estruturante, a escola se mostra menos permeável a essas novas configurações da fluidez e da incerteza (DUSSEL, 2009, p. 375).

Portanto, já não é suficiente uma formação docente cujo modelo está fundamentado na herança cultural moderna, estando pautada na lógica da racionalidade e na disciplinaridade, isto é, na fragmentação dos saberes em disciplinas, que é resultado de um conjunto de razões sociais e históricas. Nóvoa (1992)

41Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 39-50, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

lança o desafio para que se repense esse modelo numa tentativa de superar a visão dicotômica entre conhecimento específico e conhecimento aplicado, entre ciência e técnica, entre teoria e prática, entre saberes e métodos. Essa dicotomia está presente em muitos cursos de licenciatura, especialmente na separação que é feita entre as disciplinas específicas e as pedagógicas.

O modelo da racionalidade técnica, ao suscitar a separação entre a teoria e a prática, segundo Contreras (2002), entende a sala de aula como o local onde a teoria e os conhecimentos aprendidos devem ser aplicados pelo professor. Ou seja, a atuação docente é regulada por um sistema lógico e infalível de procedimentos, constituído a partir de um conjunto de premissas estabelecidas por agentes externos ao cotidiano da escola. Para o autor, essa lógica não permite que se considere o imprevisível e a incerteza, próprios da realidade de sala de aula. A superação desse modelo significa valorizar a prática do professor, considerando seu papel de “construtor de conhecimento”, e não mero instrutor que transmite os saberes produzidos por outros. Nessa perspectiva, a formação do professor pesquisador representa uma possibilidade para que o futuro professor tome consciência da necessidade de analisar sua prática, compreendendo suas inter-relações com as condições educacionais e sociais, e encontrando caminhos para desenvolver os saberes próprios da docência.

Segundo Gatti (2010), as propostas curriculares dos cursos de licenciatura têm demonstrado poucos avanços com relação a favorecer sólidos conhecimentos teórico-práticos para enfrentar o campo de trabalho. Para a pesquisadora, deve haver uma revolução nas estruturas institucionais, nos currículos e nos conteúdos formativos para que a formação docente realmente considere as demandas da educação básica.

A formação de professores não pode ser pensada a partir das ciências e seus diversos campos disciplinares, como adendo destas áreas, mas a partir da função social própria à escolarização – ensinar às novas gerações o conhecimento acumulado e consolidar valores e práticas coerentes com nossa vida civil (GATTI, 2010, p. 1375).

Atendendo ao apelo da autora, os cursos de formação de professores precisam implementar práticas formativas que preparem os docentes para atuar nessa realidade em constante movimento, de modo a propiciar uma educação de qualidade para as crianças e os jovens que frequentam a escola. Para André (2006a, p. 223), a formação do professor pesquisador pode ser uma das possibilidades, pois

A pesquisa pode tornar o sujeito-professor capaz de refletir sobre sua prática profissional e de buscar formas (conhecimentos, habilidades, atitudes, relações) que o ajudem a aperfeiçoar cada vez mais seu trabalho docente, de modo que possa participar efetivamente do processo de emancipação das pessoas. Ao utilizar as ferramentas que lhe possibilitem uma leitura crítica da prática docente e a identificação de caminhos para a superação de suas dificuldades, o professor se sentirá menos dependente do poder sociopolítico e econômico e mais livre para tomar suas próprias decisões.

Saber diagnosticar, levantar hipóteses, buscar fundamentação teórica e analisar dados são algumas das atividades que podem ajudar o trabalho do professor, quando se consideram as exigências da realidade atual e a complexidade da atividade da docência. Nessa perspectiva, é imprescindível que o preparo específico para a pesquisa já ocorra na formação inicial. Assim como Lüdke (2001, 2006), entende-se que o contato com a pesquisa na graduação não pode se restringir apenas aos alunos de iniciação científica, tampouco deve ser tarefa apenas dos cursos de pós-graduação stricto sensu; é necessário que os alunos da licenciatura tenham oportunidade de aprender a fazer pesquisa.

42 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 39-50, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Por outro lado, Zeichner (2008) chama a atenção para os desafios de se efetivar essa proposta de formação. Há inúmeras condições reais que devem ser consideradas para que ela possa ser implantada: montagem de uma estrutura institucional que favoreça o trabalho coletivo, proposta curricular adequada, definição de saberes básicos, disposição pessoal dos professores formadores, existência de recursos materiais, de tempo e de espaço.

A expressão professor pesquisador tem sido adotada por diferentes correntes teóricas, embora façam parte de um mesmo movimento de preocupação com a atuação profissional do professor como investigador, ou seja, aquele que assume a realidade escolar como um objeto a ser analisado/investigado. As pesquisadoras Cochran-Smith e Lytle (1999) distinguem três concepções proeminentes de aprendizado de professores, que consideram a investigação e a prática do professor como formas de aprender a desempenhar as atividades inerentes a profissão do magistério.

A primeira concepção é denominada de “conhecimento-para-a-prática” (knowledege for practice), que pressupõe que os professores devem usar o conhecimento formal e as teorias desenvolvidas por pesquisadores acadêmicos para melhorar a sua prática. Há uma base de conhecimento formal que estabelece como devem ser as práticas pedagógicas que são derivadas de teorias. Após aprender e dominar a base de conhecimento, o professor deve implementá-la e adaptá-la a fim de que o ensino ocorra com eficiência e controle. O professor não é visto como gerador de conhecimento nem capaz de teorizar sobre sua prática. Espera-se que ele resolva os problemas, usando os procedimentos aprendidos da base de conhecimento. A mudança que pode ocorrer a partir do novo aprendizado do professor é um processo individual.

A segunda concepção, “conhecimento-em-prática” (knowledege in practice), valoriza o conhecimento em ação. O conhecimento, que o professor desenvolve sobre sua prática ou nas reflexões que faz sobre ela, é considerado como uma oportunidade no aprendizado da docência. Um pressuposto básico desta concepção é que o ensino é, até certo ponto, um artesanato incerto e espontâneo, situado e construído a partir das particularidades da vida cotidiana nas escolas e salas de aula. A prática exemplar de professores mais experientes pode fornecer elementos para que os futuros professores possam ensinar bem. O papel do professor é o de refletir, investigar e gerar conhecimento na ação, a fim de resolver problemas existentes na sala de aula.

A terceira concepção, “conhecimento-da-prática” (knowledege of practice), entende que o professor aprende quando ele considera sua sala de aula um lócus de investigação. A produção de conhecimento é vista como um ato pedagógico, construída no contexto de uso, e intimamente ligada ao sujeito que conhece, sendo também um processo de teorização. O questionamento é feito sobre sua prática e sobre o conhecimento produzido por outros (teorias e pesquisas acadêmicas), sem negar a importância desse conhecimento. Ao contrário das duas concepções anteriores, o conhecimento-da-prática não faz distinção entre professor especialista e iniciante – ambos podem fazer um trabalho colaborativo de investigação. Também não diferencia em dois tipos distintos de conhecimento: um formal (produzido segundo as convenções da pesquisa social) e outro de ensino (produzido na atividade de ensino). O conhecimento produzido pelo professor surge da investigação sistemática do ensino, dos alunos e do aprendizado, assim como da matéria, do currículo e da escola. O papel do professor é de crítico na geração de conhecimento sobre a prática, conectado a grandes temas sociais, culturais e políticas.

43Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 39-50, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

É a partir dessa última concepção que Cochran-Smith e Lytle (1999) propõem um novo construto “investigação-como-postura” (inquiry as stance), baseado nas relações existentes entre pesquisa, conhecimento e prática profissional. Esse construto pode oferecer resultados promissores relacionados ao desenvolvimento profissional, à construção e reforma curricular e à mudança social e escolar. Na “investigação como postura”, os professores investigam em comunidade para gerar conhecimento local e teorizar sobre sua prática. Diferentemente de um projeto de pesquisa ou de uma atividade no curso de formação, que são limitados no tempo, a noção de “investigação-como-postura” concebe o professor como protagonista no percurso de investigar, de tal forma que possa compreender o que está sendo construído dentro e fora da sala de aula, o que o leva a questionar seu papel social. Nessa perspectiva, Lüdke (2006) concorda que a proposta curricular dos cursos de licenciatura deve criar uma ambiência para a investigação, acentuando que deve haver uma preocupação em se estabelecer os procedimentos didáticos próprios para que a proposta se efetive.

Para Nóvoa (1992), a concepção de professor pesquisador implica oferecer condições para o professor assumir a sua realidade escolar como um objeto de pesquisa, de reflexão e de análise, constituindo-se em um movimento contra-hegemônico frente ao processo de desprofissionalização do professor e de instrumentalização da sua prática. Da mesma forma, pode ser um estímulo à implementação de novas modalidades de formação e de uma área teórico-metodológica da pesquisa em educação, especialmente sobre a formação do professor e a prática pedagógica.

A formação do professor pesquisador também pode ser vista como uma forma de ajudar a melhorar o ensino, possibilitando que o docente exerça, com os alunos, um trabalho que vise à formulação de novos conhecimentos, ou o questionamento tanto da validade quanto da pertinência dos já existentes. É essencial que o professor deixe de ser um técnico, reprodutor das práticas convencionais que são internalizadas pela força da tradição, e passe a ser autor de sua ação educativa. Para Lüdke (2006), a prática da pesquisa dá mais recurso ao professor para questionar sua prática, levando-o a uma profissionalidade autônoma e responsável. A pesquisadora realça ser necessário que o futuro professor tenha acesso à formação e à prática da pesquisa. A formação inicial representa o lócus fundamental para que o profissional possa desenvolver uma postura investigativa. Ao formar-se (entender-se) professor pesquisador, seu pensamento e sua prática serão constitutivos desse saber.

O papel formador da pesquisa na graduação está colocado para além da sua função social de produção de conhecimento com vistas às demandas da sociedade, principalmente quando se compreende a formação numa dimensão reflexiva e permanente, que decorre do pensamento crítico, atingindo um sentido pedagógico. A pesquisa pode contribuir para operar as mudanças na visão de mundo dos estudantes iniciantes, já que é uma atividade problematizadora da realidade, o que pode levá-los a se engajarem em projetos de uma sociedade mais justa e menos desigual.

A concepção de professor pesquisador, relacionada ao movimento de formação docente, tem sido difundida no Brasil nas últimas duas décadas, especialmente com pesquisas realizadas por André (1997; 2006a) e Lüdke (2001; 2006). Essas investigações destacam a importância e a necessidade da pesquisa sobre a formação e o trabalho do professor, além de assinalarem os desafios a serem ultrapassados no processo de preparação do professor pesquisador e no desenvolvimento da pesquisa na Educação Básica.

Segundo André (2006b), é consensual, na área, a ideia de que a pesquisa é um elemento considerado essencial para a formação e atuação docente; é uma ideia que está presente na literatura e em textos

44 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 39-50, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

oficiais importantes. A autora adverte que o consenso não indica formas iguais de pensar a pesquisa do professor; pelo contrário, abriga diferentes visões de docência, de pesquisa, do trabalho docente e da função social da escola.

Lüdke (2001) também tem sido defensora da formação do professor pesquisador, vendo na formação inicial a oportunidade de apropriação de um recurso que irá possibilitar que o professor possa questionar sua prática e o contexto no qual ela está inserida; portanto, a pesquisa representa “um recurso de desenvolvimento profissional” (p. 51). Nessa perspectiva, o professor será autor de seu trabalho, fazendo opções teóricas, metodológicas e políticas e sendo propositor de mudanças.

Considerando as propostas de autores brasileiros e internacionais que defendem o lugar da pesquisa na formação do professor, este texto analisa concepções e práticas de professores formadores de uma universidade do Sul do país, cujo curso de licenciatura tem entre seus objetivos a formação do professor pesquisador.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta investigação de abordagem qualitativa favorece o enfoque interpretativo, pressupondo que os sujeitos envolvidos no processo investigativo constroem o conhecimento nas relações dialógicas estabelecidas nas práticas discursivas. Para Lüdke e André (1986), a abordagem qualitativa busca a interpretação e a descoberta, possibilitando ao pesquisador a elaboração de novas indagações no desenvolvimento da pesquisa.

Considerando essa proposição, foi adota a entrevista semiestruturada como técnica de coleta dos dados, a qual considera o sujeito convidado a participar da pesquisa como alguém que representa uma realidade única, multidimensional e historicamente situada. A entrevista é uma das técnicas mais utilizadas no âmbito das Ciências Sociais, já que oportuniza ao entrevistado se manifestar mais livremente. Ao desenvolver uma narrativa, o entrevistado pode deixar seu pensamento fluir de forma a permitir que o pesquisador identifique novas variáveis e compreenda mais profundamente a temática em investigação. A opção pela entrevista semiestruturada teve como objetivo ajudar no desenrolar da narrativa e priorizar a temática em investigação. As seguintes perguntas, portanto, foram formuladas: Qual é a sua experiência com a pesquisa? Como você vê o papel da pesquisa na formação do professor da educação básica? É possível ensinar alguém a ser um pesquisador? Que procedimentos didáticos ou metodológicos são/foram utilizados para formar o professor pesquisador?

Foram convidadas a participar da pesquisa quatro professoras orientadoras do Estágio Curricular Supervisionado nos cursos de licenciatura de Letras, Matemática, História e Geografia. Também foram entrevistados oito acadêmicos do último ano, sendo dois de cada um dos cursos mencionados.

Para se proceder à análise, foram transcritas as gravações das entrevistas. Na análise das falas das professoras foi desvelado o que elas entendiam como pesquisa do professor e como desenvolviam a formação do professor pesquisador, aspectos que foram relacionados com as falas dos estudantes.

Foi também utilizada a análise documental, considerando que, conforme Lüdke e André (1986), as informações obtidas em documentos escritos ajudam a compreender o contexto social no qual os sujeitos estão inseridos. Foram analisados documentos institucionais tais como os Projetos Pedagógicos dos Cursos,

45Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 39-50, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

o Regulamento de Estágio dos Cursos de Licenciatura e os Planejamentos de Ensino Aprendizagem do Estágio Curricular Supervisionado das quatro professoras participantes.

A análise dos dados foi fundamentada nos pressupostos teórico-metodológicos da Análise Crítica do Discurso de Fairclough (1995, 2001), que tem como foco de investigação os eventos comunicativos. O discurso contribui com todas as dimensões da estrutura social que diretamente o moldam e o restringem, ou seja, ele estabelece suas próprias normas e convenções, como também as relações entre as pessoas, as identidades sociais e individuais e as posições do sujeito. O discurso é parte integrante das várias dimensões da estrutura social.

Para Fairclough (2001, p. 91), “o discurso é uma prática não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significados”; portanto, o método de análise proposto pelo linguista considera a concepção tridimensional do discurso, que reúne três tradições analíticas: a análise textual e linguística (do texto), a análise da prática discursiva (da produção e interpretação textual) e a análise da prática social (das circunstâncias institucionais e organizacionais do evento comunicativo).

A Análise Crítica do Discurso pressupõe uma análise descritiva no momento de analisar o texto e uma análise interpretativa quando se considera a prática discursiva e social. A divisão dos tópicos analisados, porém, nunca é nítida, pois, ao se identificar marcas discursivas no texto, a análise das práticas sociais é incluída.

FORMAR O PROFESSOR PESQUISADOR: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DOS FORMADORES

As quatro professoras participantes da pesquisa têm curso de pós-graduação (três com doutorado e uma com mestrado) e atuam na instituição há mais de 18 anos. Todas atuaram na educação básica por mais de 15 anos, das quais apenas uma atuou nos primeiros anos do ensino fundamental. Além da orientação do Estágio Curricular Supervisionado, lecionam disciplinas específicas em seus cursos de formação e em outros cursos da instituição. Com relação à experiência com a pesquisa, todas orientaram alunos de iniciação à pesquisa e três desenvolvem projetos de pesquisa institucional, tendo mais de dez anos de experiência com pesquisa acadêmica.

As professoras, ao se referirem a sua relação com a pesquisa, apontaram a experiência que tiveram a partir de projetos institucionais que desenvolveram e dos projetos de dissertação e tese dos seus cursos de pós-graduação. Essa concepção de pesquisa está estreitamente relacionada à produção acadêmica/científica, que é resultado de um processo formal e sistemático.

Todavia, em outros momentos da entrevista, ressignificam a pesquisa como sendo um processo de aprendizagem ao se referirem a ela na atividade docente. Ou seja, é atribuído um potencial didático à pesquisa, uma forma de construir o conhecimento, de relacionar teoria e prática e de analisar criticamente a realidade. Para André (1997, p. 20), significa entendê-la “como metodologia que viabiliza a participação ativa do aluno em seu processo de aprendizagem; como uma mediação entre teoria e prática pedagógica, e como uma fonte de reflexão e análise crítica da própria prática docente”.

A pesquisa é vista pelas professoras entrevistadas como forma de aprender na prática, o que significa desenvolver o “conhecimento-em-prática” (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 1999). Nas palavras de uma das

46 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 39-50, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

professoras formadoras: “refletir sobre as aulas de regência é garantir que o aluno [estagiário] pesquise sobre a prática. É olhar para a sala e poder planejar novas metodologias que melhorem a aprendizagem de seus alunos”. A pesquisa é entendida como um recurso do futuro professor para resolver os problemas da sala de aula.

As professoras enfatizaram que a pesquisa é uma atividade inerente à docência, devendo ser ensinada no curso de graduação. Embora não tenham explicitado claramente como desenvolvem o ensino da pesquisa, deixam pistas em suas narrativas de alguns procedimentos que utilizam para ensinar os futuros professores a fazer pesquisa. Esses procedimentos fazem parte da sequência didática apresentada em seus Planejamentos de Ensino-Aprendizagem para a orientação do Estágio Curricular Supervisionado.

Esses Planejamentos de Ensino-Aprendizagem pressupõem uma abordagem investigativa por parte do estudante estagiário, pois ele precisa elaborar um projeto para desenvolver as aulas de regência, norteado por uma pergunta investigativa, que é respondida após as aulas ministradas. Os itens abaixo expressam a sequência didática utilizada:

1. Apresentação do Regulamento de Estágio2. Seleção das turmas de Regência após observação de aulas3. Delimitação do tema e elaboração da problematização com base na realidade observada4. Leitura de textos para fundamentação teórica5. Definição da metodologia de ensino e da técnica de coleta dos dados6. Elaboração e entrega da 1ª versão do projeto de ensino 7. Reescrita do projeto de ensino e entrega da 2ª versão8. Planejamento das aulas9. Aplicação das aulas com base no projeto e na coleta dos dados10. Análise da prática pedagógica com base na proposta de intervenção11. Elaboração da 1ª versão do Trabalho de Conclusão de Estágio12. Reescrita da 2ª versão do Trabalho de Conclusão de Estágio

13. Comunicação oral em seminário

A sequência didática apresentada se inspira nos itens de um projeto de pesquisa. Também se aproxima dos procedimentos didáticos relatados por André (1997, 2006b) com base em duas experiências com alunos de graduação e de pós-graduação, que tinha como objetivo proporcionar a formação para o trabalho de pesquisa. Os relatos possibilitaram a elaboração de uma sequência: 1º- apresentação da proposta, 2º- leitura e discussão de textos sobre a temática escolhida, 3º- leitura e análise das características do gênero textual científico, 4º- identificação de um problema ou questão, 5º- definição dos objetivos, sujeitos e cenário da pesquisa, 6°- ampliação do repertório para fundamentação teórico-metodológica, 7º- definição dos procedimentos e das técnicas de coleta de dados, 8º- elaboração e teste dos instrumentos de pesquisa, 9°- coleta dos dados, 10º- organização e sistematização dos dados para análise, 11º- análise dos dados, 12º- elaboração do texto (relatório ou artigo) coletiva e/ou individualmente, 13º- reescrita e revisão, 14º- comunicação oral dos resultados.

Os itens são semelhantes aos da sequência didática que consta do Planejamento de Ensino e Aprendizagem do Estágio Curricular Supervisionado das professoras entrevistadas, porém o oitavo item, “elaboração e teste dos instrumentos de pesquisa”, não é contemplado nos Planejamentos. Nestes também não são indicadas, na bibliografia, obras ou artigos sobre pesquisa em educação. A leitura de artigos científicos sobre pesquisas relacionadas à prática docente é imprescindível para formar o professor pesquisador,

47Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 39-50, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

assim como a leitura de textos que abordem os métodos de pesquisa mais utilizados no campo da educação. Por exemplo, a leitura e a discussão de textos sobre pesquisa-ação e pesquisa colaborativa poderiam ajudar o acadêmico a compreender o princípio da investigação que pretende intervir em uma dada realidade.

Já nas entrevistas, foram mencionados apenas alguns itens da sequência didática relatada acima. Para Fairclough (1995), os sujeitos sociais são moldados pelas práticas discursivas, mas também são capazes de remodelar e reestruturar essas práticas, neste caso, mencionando apenas os itens que os entrevistados consideravam mais significativos ou marcantes para a formação do professor pesquisador, como: leitura de textos teóricos, identificação do problema, reescrita e revisão textual e definição do método.

Há evidência de que o projeto deve orientar a prática do estagiário e de que os planos de aula devem estar em consonância com o projeto; o conteúdo e as atividades a serem desenvolvidas durante o período de regência devem possibilitar a reflexão e a análise da prática com vistas a responder à pergunta investigativa. As técnicas de coleta de dados adotadas são os registros das observações do próprio acadêmico estagiário, a produção dos alunos da educação básica na escola e a opinião deles, considerando os pressupostos teóricos indicados no projeto para a regência.

Há uma clara preocupação com a qualidade do texto escrito. O domínio do gênero acadêmico é garantido pela possibilidade do estudante estagiário apresentar uma segunda versão dos textos que compõem o Trabalho de Conclusão de Estágio. Nas entrevistas, as professoras salientaram a importância da reescrita como forma de discutir a prática e melhorar a escrita, que é entendida como uma das etapas necessárias para que o estudante se constitua como professor pesquisador, o que pode ser percebido na fala de uma das professoras formadoras: “Saber colocar com clareza no papel é um dos requisitos de um pesquisador”. A reescrita também foi vista como a oportunidade de relatar e discutir a prática à luz de uma teoria, sendo para uma das professoras o momento “quando vão reescrevendo e conseguem relacionar o que fizeram [nas aulas de regência] com a teoria”. Também os estudantes fizeram referência à possibilidade de entregar uma segunda versão dos textos, considerando um dos momentos de efetiva aprendizagem para ser professor e pesquisador.

No que se refere às estratégias, as professoras apontaram a orientação individual e o incentivo como sendo as mais significativas. A necessidade de orientar individualmente o estagiário caracteriza-se pela especificidade do trabalho a ser desenvolvido tanto no campo de estágio como na elaboração do projeto, considerando as experiências e o estilo de aprendizagem de cada um, além das peculiaridades de cada escola onde ocorre o estágio. Já o incentivo é uma estratégia não especifica do estágio, mas, como ele é desenvolvido individualmente e fora da universidade, o estagiário busca no professor formador o apoio para restabelecer sua confiança e discutir suas inquietações e dúvidas. As outras estratégias mais mencionadas foram o questionamento e a discussão com os colegas, as quais caracterizam a oportunidade de refletir coletivamente sobre as escolhas teórico-metodológicas a serem adotadas, assim como sobre os eventos da realidade da escola que não puderam ser previstos. Nesse momento, há um reconhecimento de que o trabalho colaborativo representa um avanço na maneira de se aprender a ser professor.

Na fala dos acadêmicos entrevistados, há indicação clara de que a pesquisa pode representar o instrumento que auxilia o professor a conquistar autonomia. Essa autonomia ainda é considerada no nível técnico, pois está relacionada à decisão de como irá ensinar, sendo uma ação individual, considerando os sujeitos

48 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 39-50, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

envolvidos no processo de aprendizagem. Porém não há indícios, nas entrevistas, de que a pesquisa possa ajudar o professor a conquistar a autonomia política e emancipatória, a fim de que esteja menos sujeito à manipulação das políticas advindas do discurso hegemônico de quem detém o poder. Já as professoras formadoras entendem que nesse nível de autonomia, o professor se torna menos alienado e mais crítico em relação a si e aos outros, de tal maneira que questiona as condições impostas pelo sistema e busca novas formas de se desenvolver profissionalmente; considerando a fala de uma das entrevistadas: “pesquisar vai fazer com que os professores [da educação básica] possam começar a ter consciência do seu papel e deixar de ser manipulados”. Para Fairclough (2001), a conscientização da condição opressiva representa o primeiro passo para a emancipação do sujeito em suas práticas discursivas, o que ainda parece não ser evidente para os estudantes entrevistados.

Diferentemente das professoras formadoras, para os estudantes, o termo “pesquisa”, quando relacionado ao trabalho docente, associa-se apenas à ideia de atualização dos conteúdos da disciplina e das questões didático-pedagógicas, ou seja, fazer pesquisa representa a possibilidade de trazer novas informações e estratégias para a sala de aula. Não parece claro que a pesquisa do professor possa fazer parte do desenvolvimento profissional; apenas dois estudantes mencionaram que a pesquisa pode representar a conquista de uma autonomia mais ampla para o docente.

A visão da pesquisa como simples acesso a novas informações para manter-se atualizado é o significado de senso comum que ainda está presente no discurso dos estudantes entrevistados, talvez oriunda da experiência vivida na educação básica, que, na maioria das vezes, tem esse propósito. Já entender a pesquisa como uma forma de ajudar o professor a entender o que faz, por que faz e a descobrir novas formas de fazer à luz da teoria ou a produzir conhecimento, teorizando a prática, são aspectos que não foram mencionados na fala dos estagiários.

Tanto para as professoras como para os estudantes entrevistados, a pesquisa é vista como uma iniciativa individual do professor. Esse entendimento está distante do que apregoa a concepção do “conhecimento-da-prática”, segundo Cochran-Smith e Lytle (1999), em que o desenvolvimento da investigação acontece de forma colaborativa, em grupo ou em redes de trabalho. Já as professoras formadoras acentuaram que o professor pode ser produtor de conhecimento sobre sua prática e afirmaram que a formação de um professor pesquisador representa uma qualificação profissional.

49Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 39-50, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa é compreendida pelas professoras formadoras como um recurso indispensável ao trabalho do professor, para investigar tanto questões relacionadas à área específica como questões da prática pedagógica. Entendem que a pesquisa acadêmica e a pesquisa do professor precisam ser desenvolvidas com rigor, garantindo o princípio da validade para a construção de novos conhecimentos sobre determinada questão. O desenvolvimento da pesquisa implica o uso de métodos específicos para que se possa ultrapassar o entendimento imediato de uma pergunta problematizadora, proporcionando um novo conhecimento à luz da teoria.

Para as professoras, a formação do professor pesquisador significa proporcionar a construção de uma forma de pensar curiosa, observadora, reflexiva e analítica. Ou seja, há um entendimento de que os futuros professores devam saber como investigar os conteúdos do campo disciplinar e da docência; tendo a capacidade de elaborar questões, de formular hipóteses, de selecionar e articular dados, levando à construção de um pensamento reflexivo e investigativo.

Há preocupação em estabelecer uma sequência didática a fim de levar o estudante a desenvolver-se como professor pesquisador, que é relatada nos Planejamentos de Ensino Aprendizagem que orientam o Estágio Curricular Supervisionado. Apenas alguns itens dessa sequência didática foram mencionados pelas professoras e pelos estudantes, o que pode indicar certa automatização dos procedimentos didáticos utilizados. Também foram apontadas algumas estratégias, que, no entendimento dos participantes, são significativas para se aprender a fazer pesquisa.

A análise dos dados sugere que a formação do professor pesquisador é uma proposta em construção, exigindo dos professores formadores a mesma competência delineada para o perfil do professor da educação básica: uma postura investigativa, que, ao conhecer a realidade, possa agir de forma consciente e crítica para transformá-la e se transformar. Nesse sentido, a pesquisa pode ser entendida como um instrumento que poderá ajudar o professor no seu desenvolvimento profissional e na construção da uma autonomia emancipatória. Todavia também é necessário responsabilizar a instituição formadora no sentido de oferecer as condições para que os professores formadores possam desenvolver-se. A instituição formadora precisa ter uma política de formação continuada para seu corpo docente, uma proposta que tenha como base o trabalho em equipe, sustentada por um conhecimento teórico-metodológico que leve a refletir e a pesquisar sobre como e por que formar o professor pesquisador.

50 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 39-50, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, Marli. O papel mediador da pesquisa no ensino da didática. In: ANDRÉ, M.; OLIVEIRA, M. R. (Orgs.). Alternativas do ensino da didática. Campinas/SP: Papirus, 1997. p. 19-36.

ANDRÉ, Marli. Pesquisa, formação e prática docente. In: ANDRÉ, Marli. (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 5. ed. Campinas: Papirus, 2006a. p. 55-69.

ANDRÉ, Marli. Ensinar a pesquisar... Como e para quê? In: ENDIPE. Recife, 2006b. p. 221-234.

COCHRAN-SMITH, Marilyn; LYTLE, L. Susan. Relationships of knowledge and practice: teacher learning in communities Sage Journals online - Review of Research in Education, Jan. 1999. Disponível em: <http://rre.sagepub.com/content/24/1/249.full.pdf+html>. Acesso em: 15 jul. 2011.

CONTRERAS, José. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.

DUSSEL, Inés. A transmissão cultural assediada: metamorfoses da cultura comum na escola. In: Caderno de Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 137, p. 351-365, maio/ago. 2009.

FAIRCLOUGH, N. Critical discourse analysis. London: Longman, 1995.

FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: UnB, 2001.

GATTI, Bernadete. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 113, p. 1355-1379, out.-dez. 2010.

IMBERNÒN, Francisco. La Formación y el desarrollo profesional del profesorado: Hacia una nueva cultura profesional. Barcelona: Graó, 1994.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

LÜDKE, Menga. O professor, seu saber e sua pesquisa. Educação & Sociedade, Campinas: Unicamp, v. 22, n. 74, p. 77-96, abr. 2001.

LÜDKE, Menga. A complexa relação entre o professor e a pesquisa. In: ANDRÉ, Marli. (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 5. ed. Campinas: Papirus, 2006. p. 27-54.

NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (Org.). Os Professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

ZEICHNER, K. Novos caminhos para o practicum: uma perspectiva para os anos 90. In: NÓVOA, A. (Org.). Os Professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

ZEICHNER, K. Uma análise crítica sobre a “reflexão” como conceito estruturante na formação docente. Educação e Sociedade, Campinas: Unicamp, v. 29, n. 103, p. 535-554, maio/ago. 2008.. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 09 maio 2011.

51Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 51-64, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ARTIGOS

A pesquisa ação-formação como instrumento de formação em serviço para integração das TIC na prática pedagógica do professor Dilmeire Sant’Anna Ramos VOSGERAU

RESUMO: As propostas de formação de professores para a integração das tecnologias à pratica pedagógica escolar têm crescido significativamente desde a criação do PROINFO no final da década de 1990. Este artigo aborda o relato dos resultados de uma pesquisa-ação-formação tendo por objetivo analisar a evolução da formação, construída ao longo do processo e adaptada em decorrência das experiências vivenciadas e aprendizagens compartilhadas entre pesquisadores, formadores e professores participantes. Para análise desse processo de formação experimentado pelos professores, formadores e pesquisadores, foram utilizados os pressupostos da pesquisa-ação-formação definidos por Vosgerau (2005). Nos três anos de realização da pesquisa-ação-formação participaram alunos voluntários do Curso de Pedagogia, bolsistas de iniciação científica, alunos do curso de Pedagogia, mestrandos em Educação, professores pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Educação, professores do ensino fundamental, considerados como alunos no processo. Entre os principais resultados da análise desse processo, destacamos a necessidade de não sobrecarregar o professor-aluno com atividades a serem realizadas a distância; outro ponto a refletir é a relação entre o esforço-tempo empreendido e o retorno na carreira funcional do professor. Estas e outras observações nos levam a inferir que, para que ocorra um processo de formação em serviço, grande mudanças políticos-administrativas no plano de carreira docente ainda se fazem necessárias.

PALAVRAS-CHAVE: Formação em Serviço; Pesquisa-ação-formação; Tecnologias Educacionais; Educação Básica

Action-training research as an in service training tool for the integration of ICT in teaching practiceABSTRACT: Proposals for training teachers to integrate technology at school pedagogical practices have grown significantly since the creation of PROINFO in the late 1990s. This article addresses the reporting of the results of an action-research-training, analyzing the evolution of training, built along the process and adapted according to the experiences and learning shared by the participating researchers, trainers and teachers. To analyze this process of training experienced by teachers, trainers and researchers, the assumptions of the action-research-training defined by Vosgerau (2005) were used. In the three-year-implementation of the action-research-training, student volunteers of the School of Education, undergraduate research college students of the School of Education, students attending the Master’s degree in Education, research professors at the Post-Graduate Education School, and elementary school teachers participated in the process. Amongst the main results of the analysis, we highlight the need not to overburden the teacher-student with activities to be performed at a distance. Another point to ponder over is the relationship between the effort-time undertaken and the feedback in the functional career of the teacher. These and other observations lead us to infer that in order to a pre-service teacher formation take place there is the need of major political–administrative changes in the teachers’ career plan.

KEYWORDS: In-Service Training; Action-research-training; Educational Technologies; Basic Education.

52 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 51-64, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

INTRODUÇÃO

As Tecnologias da Informação e Comunicação, mesmo com outras denominações, já se faziam presentes nas diretrizes de base dos documentos oficiais da educação brasileira desde a década de 1960.

Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 4.024/61 já previa a necessidade de “preparar o indivíduo para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos” (BRASIL, 2008, p. 132). Nessa época, subentende-se que os recursos tecnológicos citados eram a televisão e o rádio, uma vez que, no Brasil, os computadores ainda eram de grande porte, destinados exclusivamente ao processa-mento eletrônico de dados (UEM, 2009).

Na reforma da educação, o movimento em prol da tecnologia não é contínuo. Dez anos mais tarde, quando instituída a Lei 5.692/71, que fixava as diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2º graus, fazia-se referência apenas ao investimento científico e tecnológico que seria assegurado.

Em 1996, na LDB 9394/96, retoma-se como compreensão da tecnologia. Em seu artigo 32, esta lei, que ainda vigora, salienta que “o aluno de ensino fundamental deve possuir compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que fundamentam a sociedade” (BRASIL, 2008, p. 25). Este sentido de compreensão e domínio da tecnologia se estende também ao ensino médio.

As ações efetivas nas escolas iniciam-se na década de 1980, por meio de convênios firmados entre uni-versidades e escolas públicas do ensino fundamental, para realização de projetos-piloto de utilização da linguagem de programação LOGO, para o ensino da Matemática.

No âmbito da formação continuada de professores, no início dos anos 90 foi criado um consórcio das universidades públicas com o MEC, coordenado pela UNB, que tinha por objetivo oferecer novas oportu-nidades de capacitação aos professores da rede pública de ensino.

Em 1997, tendo como finalidade promover o uso pedagógico da informática na rede pública de ensino fundamental e médio, o Ministério de Educação do Brasil (MEC) criou o Programa Nacional de Tecnologia Educacional (PROINFO) (BRASIL, 2007). Este programa visa estabelecer parcerias entre o Governo Federal e as Secretarias de Educação Estaduais e Municipais, no fornecimento de verbas para a aquisição de laboratórios de informática pelas escolas públicas. Entre os diversos municípios beneficiados com esse incentivo, está a cidade de Curitiba, cuja Secretaria Municipal da Educação (SME), consolidou o projeto denominado Digitando o Futuro, no ano 1998.

CONTEXTO E PROBLEMATIZAÇÃO DA PESQUISA

Este projeto “aconteceu dentro de um contexto do Programa de Descentralização da Secretaria Municipal da Educação e sua implementação possibilitou que a escola escolhesse a proposta [...]” de tecnologia “[...] que mais se adequasse às suas necessidades” (CURITIBA, 2006, p. 65). Cabia a cada escola admi-nistrar o processo de aquisição e de capacitação para utilização dos recursos adquiridos. Nesse contexto, grande parte das 173 escolas da rede municipal criou seu parque tecnológico.

Com a expansão do número de escolas que solicitavam a aquisição de recursos e a necessidade de contínua atualização, no ano 2002, a SME viu a necessidade de remodelar a sua organização interna;

53Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 51-64, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

para isso, criou um novo setor de serviço interno que atendesse à utilização pedagógica desses recur-sos tecnológicos disponíveis nas escolas, dentro de uma perspectiva de gestão moderna, a Gerência de Tecnologias Digitais. Essa gerência tem por objetivo coordenar o processo de capacitação na utilização de recursos tecnológicos de todos os profissionais da educação, avaliar e redistribuir as solicitações de aquisição de novos artefatos tecnológicos, bem como manter o parque tecnológico das escolas atualizado.

O parque tecnológico das 173 escolas da rede municipal comporta laboratório com aproximadamente 20 máquinas conectadas à internet, além de kits tecnológicos Lego e Robótica, como recursos a serem utilizados no processo ensino-aprendizagem.

Até 2005, já haviam sido capacitados em média sete mil profissionais no uso dos recursos tecnológicos. Entretanto, o que levou a SME a buscar parceria com a IES, em busca de uma nova proposta de formação, foi a constatação, por meio de levantamento realizado pela própria rede (CURITIBA, 2004, 2005), de que, mesmo após a participação nos cursos, ao retornar às escolas, os professores ainda sentiam-se inseguros para trabalhar com seus alunos no laboratório, voltando às suas práticas habituais.

Os resultados apontados pela SME, sobre a integração das TIC nas escolas se assemelham aos de outras pesquisas internacionais (VOSGERAU, 2005):

1) quando as TIC são impostas, elas não são integradas (CUBAN, 2001; THOMPSON; SCHMIDT; HADIJIANNI, 1995);

2) o modelo de aprendizagem vivenciado pelo professor, quando aluno, influencia sua prática (MORGAN, 1999);

3) considerar experiências e conhecimentos individuais é fundamental tanto na formação inicial quanto continuada de professores (LAFERRIÈRE; BREULEUX; BAKER, 1999);

4) as capacitações para utilização das TIC não provocam uma integração imediata; elas necessitam de um acompanhamento contínuo, a longo prazo (CLIFT; MULLEN; LARSON, 2001; THOMPSON; SCHMIDT; HADIJIANNI, 1995).

A necessidade de mudança no processo de formação, também constatada na literatura científica da área, estimulou e amparou o estabelecimento da parceria entre a SME e a PUCPR na criação do projeto iniciado no ano 2006. A pesquisa passou então a comportar diversos objetivos de investigação e formação, que vêm sendo respondidos e se transformando ao longo dos anos.

Neste artigo, abordamos um dos objetivos do projeto de pesquisa, a análise da evolução da formação, construída ao longo do processo e adaptada em decorrência das experiências vivenciadas e aprendizagens compartilhadas entre pesquisadores, formadores e professores participantes.

Experimentamos e confirmamos neste projeto que a pesquisa-ação não pode ser um simples “[...] levanta-mento de dados ou de relatórios a serem arquivados. Com a pesquisa-ação, os pesquisadores pretendem desempenhar um papel ativo na própria realidade dos fatos a serem observados” (THIOLLENT, 2004, p. 16). Para que isso se concretize, analisar a evolução do processo de formação e pesquisa é fundamental.

54 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 51-64, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

PRINCÍPIOS TEÓRICOS PARA ELABORAÇÃO E ANÁLISE DA PROPOSTA DE PESQUISA-AÇÃO-FORMAÇÃO

No estudo realizado por Vosgerau (2005) em uma universidade canadense como pesquisa de seu dou-torado, foi desenvolvido um projeto de formação inicial de professores, que sofreu mudanças para sua adaptação para a formação continuada em serviço e ao contexto brasileiro, apoiando-se em referencial teórico de autores brasileiros. Tais adequações estão incorporadas na apresentação sintética do projeto.

A estrutura da proposta de formação se inspira nos estudos de Vosgerau (2005) realizados em um curso de formação inicial de professores de uma universidade canadense, que se fundamenta em seis princí-pios fundamentais:

1) oferecimento gradual de oficinas de aperfeiçoamento técnico, pois muitos professores ainda desconhecem o uso operacional dos recursos tecnológicos e necessitam do desenvolvimento de competências técnicas;

2) suporte à participação à formação, que deve ser oferecido de forma bimodal, ou seja, acompanha-mento à distância e encontros presenciais, que permitem uma flexibilidade na realização das atividades propostas ao professor;

3) incentivo aos professores na participação em comunidades de aprendizagem, para que possam se sentir apoiados pelos seus pares;

4) estímulo à reflexão sobre a utilização e integração das TIC, pois ela poderá auxiliar o professor a usar a tecnologia quando esta realmente tiver um valor a agregar ao processo de ensino-aprendizagem;

5) elaboração de material pedagógico integrando as TIC, para permitir ao professor o desenvolvimento de competências técnicas para o uso da TIC. Este princípio complementa o primeiro;

6) proposição de componente de planejamento, aplicação e reflexão de cenários pedagógicos que inte-grem as TIC; o processo de planejar a integração das TIC permite ao professor refletir antes, durante e depois sobre sua prática - este princípio complementa o quarto.

Estes princípios foram introduzidos através de três categorias de ação: Atividades de Formação, Atividades de Avaliação e Atividades de Suporte.

ATIVIDADES DEFINIDAS PARA A FORMAÇÃO

Dentro desta categoria, as atividades devem contemplar três momentos de aprendizagem: Mobilização, Integração e Teorização.

No momento definido como mobilização, as atividades devem permitir a emersão das experiências e conhecimentos existentes por parte do aluno-futuro-professor1. Por exemplo, podem-se prever ativida-des que permitam ao aluno-professor revisar os conhecimentos pedagógicos ou técnicos adquiridos em

1 Termo utilizado na pesquisa de Vosgerau (2005), por se tratar da formação inicial de professores. Dentro de nosso projeto, os professores da rede municipal de Curitiba são denominados professores-mentores ou professor-mentor.

55Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 51-64, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

sua formação inicial ou adquiridos em outras formações desenvolvidas ao longo de sua vida profissional. Também podem ser oferecidas oficinas com novos conteúdos que serão úteis para as etapas seguintes da formação, como, por exemplo, a realização de oficina para trabalhar com o ambiente virtual que será utilizado nas atividades a serem executadas a distância.

No momento definido como Integração, sugerem-se duas fases: Avaliação e Desenvolvimento. A Avaliação antecede o desenvolvimento dos cenários pedagógicos (planejamento e aplicação). A avaliação de ce-nários já desenvolvidos permite que o aluno-futuro-professor possa vislumbrar onde se espera que ele chegue e tenha contato com exemplos de planejamentos integrando tecnologias. Para fundamentar a proposta de planejamento na concepção dos cenários pedagógicos, utilizamos o trabalho de Pinto (2007), que apresenta os critérios necessários para elaboração de um planejamento, os quais são extraídos das proposições de pesquisadores presentes na bibliografia utilizada na formação inicial de professores no Brasil, tais como: Martins (1989), Gandin (1993), Molina-Bogantes (1997), Vasconcellos (2000). Estes nomes aparecem em um questionário exploratório preenchido pelos professores participantes do projeto no 1º ano e se repetem no 2º e 3º anos.

A fase de Teorização corresponde à promoção de atividades que levem o aluno-futuro-professor a associar o exercício prático realizado com a teoria já estudada durante sua vida acadêmica ou profissional. Além disso, é um momento de objetivação, ou seja, de buscar compreender como as aprendizagens aconte-ceram. Este momento pode ser iniciado virtualmente; no entanto, as atividades presenciais associadas a dinâmicas de grupo estimulam os alunos-futuros-professores a exporem seu percurso, facilidades e dificuldades no processo de aprendizagem.

Nos três momentos, orienta-se que o processo de ensino-aprendizagem ocorra pela associação de en-contros presenciais em grande grupo ou individuais, oficinas e, ainda, por meio da aprendizagem virtual, buscando atender às diferentes preferências, facilidades e dificuldades de cada participante.

ATIVIDADES DEFINIDAS PARA A AVALIAÇÃO

Na categoria Avaliação, devem ser previstos instrumentos e atividades para avaliações formativas e somativas.

As atividades previstas para avaliação formativa podem ser realizadas em presença ou virtualmente, em grupo ou individualmente. Elas correspondem às orientações dadas pelo formador, após a análise individual do cenário pedagógico produzido pelo professor antes da sua aplicação, ou ainda no final do processo, pela análise do relatório final de aplicação produzido pelo aluno-professor.

Para a avaliação somativa, inserimos na proposta os sete níveis de integração das TIC definidos por Moersch (1998, 2002), a saber: Nível 0 – Não utilização: existe sempre um problema que impede a uti-lização das TIC; Nível 1 – Tomada de consciência: não existe uma ligação fortemente estabelecida com o programa de aprendizagem; Nível 2 – Exploração: a tecnologia é utilizada como um complemento do programa de aprendizagem; Nível 3 – Infusão: a utilização de diversas ferramentas para atividades de desenvolvimento de raciocínio, mas ainda dispersas no programa de aprendizagem; Nível 4a – Integração Mecânica: a tecnologia é integrada mecanicamente para enriquecer o contexto de aprendizagem; Nível 4b – Integração Rotineira: ligação entre o programa de aprendizagem e a utilização da tecnologia; Nível 5 – Expansão: a tecnologia vai além da sala de aula; Nível 6 – Refinamento: a tecnologia é percebida como um processo e um produto.

56 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 51-64, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ATIVIDADES DEFINIDAS PARA APOIO AO PROCESSO DE FORMAÇÃO

As atividades de apoio podem ser realizadas: presencialmente, pelo agendamento individual com formadores; em grupo, para discussão das dificuldades encontradas no processo de concepção e aplicação do cenário pedagógico; e, ainda, por meio de discussões virtuais no fórum, correio eletrônico e/ou consulta ao portfólio dos colegas. As atividades descritas nesta categoria perpassam todo o processo de Formação e Avaliação.

ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO DA PESQUISA

Thiollent (2004, p. 14) define a pesquisa-ação como

[...] um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada com estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo, no qual os pesquisa-dores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo e participativo.

No entanto, a “participação não é o único determinante do tipo de projeto de pesquisa-ação que se está executando: existe uma dialética entre escolha do tópico e participação, variações que dão origem a diferentes modalidades de pesquisa-ação” (TRIPP, 2005, p. 456).

Nesta pesquisa, optou-se por utilizar a modalidade de pesquisa-ação-formação (CHARLIER; DAELE; DESCHRYVER, 2002). Esta modalidade visa à aproximação entre estes dois polos, por meio de um projeto de formação integrador. Segundo Charlier, Daele e Deschryver (2002, p. 350),

[...] este tipo de pesquisa [é] caracterizada por um projeto de ação em grupo, onde no encami-nhamento de pesquisa são associados professores em formação e seus formadores. A origina-lidade desta modalidade está na complementaridade dos encaminhamentos postos em prática simultaneamente. A pesquisa ajuda a regular a formação e ela mesma a suporta.

Um projeto de pesquisa-ação-formação se propõe a mobilizar três vértices: a pesquisa, a ação e a forma-ção (CHARLIER; CHARLIER, 1998):

1) A formação ocorreu pela atuação da gerência de tecnologias da SME com o apoio técnico-científico dos pesquisadores da IES parceira, no acompanhamento ao professor-mentor no planejamento e aplicação dos cenários pedagógicos de integração das TIC no laboratório.

2) A ação correspondeu à atuação do professor-mentor com seus pares dentro de seu contexto escolar, tendo o apoio técnico-pedagógico da gerência de tecnologias e apoio científico da IES parceira.

3) A pesquisa ocorreu em consonância com os quatro grupos de participantes: gerência de tecnologias, professores da rede pública municipal, alunos do curso de graduação em Pedagogia e pesquisadores da IES parceira (Alunos do programa de pós-graduação e bolsistas graduandos do programa de iniciação científica da IES parceira – PIBIC).

Durante os três anos de execução do projeto (2006-2008), descritos neste trabalho, os 13 professores--formadores eram funcionários da SME, vinculados à Gerência de Tecnologia Digital. Estes profissionais atuavam como regentes em sala de aula e, por seu envolvimento em projetos ligados à tecnologia, quando da implantação dos laboratórios, foram selecionados para atuar na Gerência, criada em 1998. Durante o ano 2007, dois formadores foram deslocados para outras atividades na SME, o que levou a Gerência de

57Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 51-64, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Tecnologias a selecionar outros dois profissionais que se destacaram no projeto em 2006 para atuarem como formadores e assessores de tecnologias na Gerência.

O grupo de pesquisadores da IES parceira é rotativo, em função das defesas dos alunos de pós-graduação, das finalizações dos Trabalhos de Conclusão de Curso dos alunos de Pedagogia e da seleção anual de alunos de graduação bolsistas do PIBIC, conforme ilustra a Tab. 1.

Tabela 1 – Participantes da PUCPR

Pesquisadores PUCPR 2006 2007 2008

Alunos Voluntários do Curso de Pedagogia 10 5 3

Bolsistas PIBIC 4 3 3

Alunos com Trabalho de Conclusão de Curso (Pedagogia)

1 - 2

Mestrandos em Educação 4 4 4

Professores-pesquisadores do Programa de Pós-Graduação

3 2 1

Em 2006, o projeto foi aberto para os professores que atuavam no laboratório de informática, pois, em diversas das 173 escolas da rede, havia um professor-regente responsável pelo laboratório. Percebe-se (Tab. 2), pelo número de professores que iniciaram o projeto em 2006 (145 professores), que 83% das escolas estavam sendo atendidas. Estes professores foram denominados professores-mentores, pois atuariam como motivadores e incentivadores (sentido muito parecido; eu deixaria só um, à sua escolha) dos seus colegas para o uso do laboratório e era pressuposto que pudesse ocorrer uma formação gradativa dos seus pares. Para isso, incentivou-se que cada professor-mentor convidasse outro professor de sua escola, que foi denominado professor-colaborador, para juntos planejarem as atividades realizadas no laboratório, integrando-as às atividades desenvolvidas em sala de aula.

Tabela 2 – Professores inscritos no período de 2006 a 2008

Tipo de Participação

2006 2007 2008

I C I C I C

Iniciantes 145 109 108 73 72 47

Continuidade 0 0 46 31 59 42

Professores-colaboradores

101 49 38

Legenda: I: Iniciaram o projeto / C: Concluíram o projeto Iniciantes: tiveram a sua primeira participação no projeto naquele ano;

Continuidade: continuaram no projeto no ano seguinte.

Com o intuito de romper com a cultura de professor de laboratório e estimular a participação de outros professores regentes e dos pedagogos, em 2007, ampliou-se o convite para participação no projeto a estes profissionais.

58 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 51-64, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Apesar da abertura da proposta a outros profissionais, percebe-se uma queda no número de participantes. Pelas mensagens queixosas enviadas nos fóruns, acreditamos que as tarefas exigidas e a longa proposta de formação assustem os professores. Eles não estão habituados a cursos de aperfeiçoamentos a longo prazo e com tarefas que vão além do espaço escolar; tais atividades dão ao curso características de uma especialização lato sensu, embora tenha pontuação para crescimento no quadro funcional de uma capaci-tação de curta duração. Além disso, devido à pouca divulgação do curso nas escolas, alguns professores acreditam tratar-se de uma formação especial para aqueles que já utilizam a tecnologia, intimidando a participação dos que desconhecem completamente as possibilidades das TIC.

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DO PROCESSO DE FORMAÇÃO

O movimento de construção colaborativa necessário à pesquisa-ação-formação é exemplificado no pro-cesso dialético de inclusão, exclusão e reinserção das atividades presenciais (Tab. 3) e a distância (Tab. 4), modificadas na busca de levar ao professor uma proposta que pudesse estar próxima da sua realidade.

ATIVIDADES PRESENCIAIS

Observa-se (Tab. 3, L 2) que em 2007 foi inserida uma nova atividade para os iniciantes. Esta inserção ocorreu devido às dificuldades apresentadas pelos professores na elaboração do planejamento, conforme relatado por Pinto (2007). Durante os encontros de orientação de planejamento, os formadores utilizavam a maior de parte do tempo revisando e reformulando a estrutura do planejamento (coerência entre conteúdo, objetivos de aprendizagem, atividades de ensino-aprendizagem, atividades de avaliação e critérios de avaliação), restando pouco tempo para propor um encaminhamento que pudesse promover a integração das atividades do laboratório com as realizadas em sala de aula.

Nesta atividade inserida (Tab. 3, L. 2), utilizando os planos desenvolvidos em 2006, em grande grupo, levantavam-se com os professores-mentores dificuldades ou problemas conceituais apresentados nos cenários pedagógicos e buscavam-se alternativas para que ocorresse a evolução de nível de integração das TIC no plano avaliado.

Tabela 3 – Relação das atividades presenciais no período de 2006 a 2008

L Atividades

2006 2007 2008

I I C I/C

Q H Q H Q H Q H

1 Encontro inicial 1 4 1 4 - - - -

2Workshop das Áreas / Avaliação de Planos

de Aula (cenários pedagógicos)- - 1 4 - - 1 4

3 Encontro de Orientação do Planejamento 2 8 2 8 2 8 2 8

4Encontros Mensais (Oficinas/Objetivação/

Participação da Mostra de Tecnologias)4 16 5 20 5 20 4 16

5Encontro Final (Apresentação e Discussão

dos Trabalhos)1 4 - - - - - -

Total 8 32 9 36 7 28 7 28

Legenda: L - Linha / I – Iniciantes / C – ContinuidadeQ – Quantidade / H – Carga Horária

59Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 51-64, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Em 2007, para os professores continuidade, o encontro inicial foi retirado, pois a apresentação do ambiente utilizado e da proposta de formação não era mais necessária. Estes já eram considerados autônomos para que compreendessem as explicações apenas pelo Guia do Curso. Pelo mesmo motivo, em 2008, um dos encontros mensais também deixou de ser realizado.

O Encontro Final (Tab. 3, L.5) foi retirado em 2007 por ter sido incorporado como uma atividade na Mostra de Tecnologias, que se ampliou e se tornou um evento fora do escopo da escola e do projeto.

Paralelamente às atividades presencias, ocorriam aproximadamente 20 oficinas de formação técnica e pedagógica de utilização e integração de novas tecnologias à proposta pedagógica do professor, tais como o Blog, ambiente virtual do Jornal Extra-Extra, Lego-Robótica, WebQuest, ambiente KidSmart, Mesas pedagógicas, etc. Para os professores iniciantes, dois dos encontros mensais deveriam ser a participação em oficinas.

Em 2007, após serem constatadas, na análise do Relatório Final de 2006, as dificuldades do professor em teorizar a sua prática e em virtude da importância de compartilharem e fundamentarem teoricamente a experiência que tinham vivenciado em sala de aula, a equipe de pesquisa ofereceu, com a colaboração dos mestrandos, uma oficina presencial de elaboração de artigos científicos, da qual participaram 20 professores, predominantemente continuidade. O número era pequeno diante da quantidade de participantes no projeto; no entanto, foi uma semente que frutificou, pois, em 2008, seis professores da rede municipal apresentaram trabalhos, em parceria com os mestrandos, no VIII EDUCERE – Congresso Nacional de Educação.

60 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 51-64, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ATIVIDADES REALIZADAS A DISTÂNCIA

As atividades a distância aconteceram por meio do acesso ao Ambiente Virtual de Aprendizagem Teleduc.

Na 1ª coluna da Tab. 4 (G), os números de 1 a 6 correspondem aos tipos de atividades propostas a distância, que se modificaram no decorrer dos anos.

Tabela 4 – Relação das atividades realizadas a distância no período de 2006 a 2008.

G Atividades

2006 2007 2008

I I/C I C

Q H Q H Q H Q H

1Questionário inicial 1 - - - - - - -

Questionário inicial reduzido - - 1 4 1 4 1 4

2

Postagem do Planejamento 2 8 2 8 - - - -

Postagem do Planejamento com o parecer da Equipe Pedagógica – EPA

- - - - 2 24 2 24

3

Relatório bimestral das atividades realizadas com os alunos

4 56 - - - - - -

Relatório semestral das atividades realizadas com os alunos

- - 2 32 - - - -

Relatório semestral com o parecer da EPA 1 16 1 16

4

Diários de Bordo (pequenos textos reflexivos como resposta a uma questão postada pela equipe de formação - comunicação entre o

professor tutor e a equipe de formação)

6 24 - - - - - -

Fórum com no mínimo 2 intervenções - - 6 24 2 16 2 16

5

Depoimento de pelo menos 5 alunos 2 8 - - - - - -

Produções de pelo menos 10 alunos 1 32 - - - - - -

Registro das atividades: (7 produções de alunos, 2 depoimentos de alunos e 1

depoimento de pai)- - 3 16 - - - -

6

Apresentação na Escola / Relatório da Apresentação

- - 2 20 2 16 - -

Apresentação na Escola / Blog relatando a apresentação e trabalhos dos alunos

2 16

Total 16 122 16 128 8 76 8 76

Legenda: G – Grupos de Atividades (nas outras tabelas as legendas vinham em itálico, com formatação diferente. I – Iniciantes / C – Continuidade / Q – Quantidade / H – Carga Horária

61Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 51-64, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

No Grupo 1, estão duas variações do questionário, devido ao pouco retorno no ano 2006. Por não ter um valor de carga horária atribuída a ele, em 2006 foi valorado e houve redução no número de questões.

No Grupo 2, na postagem do Planejamento, a inclusão do parecer da equipe pedagógica no ano 2007 foi necessária devido às constatações quanto às dificuldades na elaboração de um planejamento, apresen-tadas anteriormente.

No Grupo 3, os relatórios mensais foram gradativamente sendo reduzidos; em 2008, foi solicitado apenas um, com o parecer da Equipe Pedagógica da Escola (EPA), buscando envolvê-la nas atividades desenvol-vidas pelo professor para que essa equipe pudesse ser agente de propagação das TIC, quando auxiliasse outros professores.

No Grupo 4, a importância da colaboração e partilha descrita por Vosgerau (2005) é resgatada apenas após o primeiro ano de projeto, com substituição do Diário de Bordo individual por participação em um Fórum de Discussão. No primeiro ano, a equipe de pesquisa e formação ainda não tinha certeza da receptividade dos professores em expor suas ideias neste tipo de atividade. No entanto, em 2008, ocorre uma redução do número de intervenções solicitadas no fórum aos professores, para minimizar o esforço empreendido por eles na realização das atividades a distância.

As atividades do Grupo 5 foram gradativamente inseridas nas atividades do Grupo 6. Primeiramente, em 2007, com a inserção de uma apresentação para escola e comunidade das atividades desenvolvidas no laboratório. Nesse ano, Iniciantes e Continuidade relatavam para a equipe de pesquisa e de formação o resultado desta apresentação. No entanto, no ano 2008, os professores continuidade deveriam postar seu relatório em forma de Blog (http://blog.aprendebrasil.com.br/blogtec). Novamente, a equipe de pesquisa e formação buscou expandir o alcance da formação para as tecnologias utilizando a própria tecnologia.

62 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 51-64, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

CONSIDERAÇÕES FINAIS: O QUE A EQUIPE DE PESQUISA E FORMAÇÃO APRENDEU

Ao se ter certo afastamento do processo, concluiu-se que há, ainda, uma longa caminhada, com muitas questões a serem respondidas.

Muitas das atividades a distância, que sobrecarregaram o professor durante os três anos de execução do projeto, poderiam ser substituídas por acompanhamentos presenciais e visitas às escolas da equipe de formação e pesquisa. Entretanto, o custo do pessoal de formação tornaria o projeto inviável, devido ao grande número de professores – aproximadamente 8.000 – que compõe a rede municipal de ensino. Como então utilizar a tecnologia para realmente aproximar a escola e não apenas um professor da equipe de formação, criando pequenas comunidades que se auxiliam e se apoiam na integração das TIC?

Daí percebe-se a necessidade de revisão de conceitos de administradores, no que tange à formação continuada em serviço e uso de ambientes virtuais para apoiar este processo. Para uma formação a longo prazo, o professor precisa de tempo para o investimento profissional e esse tempo nem sempre pode ser distribuído entre as atividades pedagógicas já realizadas por ele. A carga horária para atividades a distância também deve ser mensurada em relação ao esforço empreendido pelo professor em realizá-las: um professor no nível de integração 5 empreende um esforço menor que um professor de nível de integração 1. Como então poderia haver uma formação que considerasse o esforço empreendido?

Outro ponto a refletir é a carga horária elevada de uma formação continuada em serviço a longo prazo, com um retorno mínimo na carreira funcional do professor. Esta situação leva a conjeturar a possibilidade de transformação deste projeto em uma parceria efetiva da Academia (Universidade?) com a escola, promovendo uma especialização que não discuta as tecnologias tendo como ponto de partida a teoria discutida na Academia (Universidade?), mas sim o contexto individual do professor, para que, com base em sua experiência e necessidade, ele consiga buscar a teoria necessária para a construção ou revisão de sua prática. Não estaria dessa forma a Universidade cumprindo a sua função social?

63Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 51-64, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 6.300, de 12/12/07. Dispõe sobre o Programa Nacional de Tecnologia Educacional – ProInfo. Brasília: 2007. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6300.htm>. Acesso em: 30 set. 2008.

BRASIL. Lei n. 4024, de 20/12/61. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: 1961. Leis e decretos federais. Secretaria do Estado da Educação. Conselho Estadual de Educação. Org. FARIA, José Roberto; SOUZA, Vilma. 2008.

BRASIL. Lei n. 9394, de 20/12/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L9394.htm>. Acesso em: 15 set. 2008.

CHARLIER, B.; DAELE, A.; DESCHRYVER, N. Intégration pédagogique des TIC: recherches et formation. Revue des sciences de l’éducation, v. 28, n. 2, p. 345-365, 2002. Disponível em: <http://www.erudit.org/revue/rse/2002/v28/n2/007358ar.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2006.

CHARLIER, É. ; CHARLIER, B. La formation au coeur de la pratique: Analyse d’une formation continue d’enseignants. Bruxelles: De Boeck, 1998.

CLIFT, R.T.; MULLEN, L.; LEVIN, J.; LARSON, A. Technologies in Contexts: Implications for Teacher Education. Teaching and Teacher Education, 17, p. 33-50, 2001.

CUBAN, L. Why Are Most Teachers Infrequent and Restrained Users of Computers in Their Classrooms? In: WOODWARD, J.; CUBAN, L. (Ed.). Technology Curriculum and Professional Development. Thousand Oaks: Corwin, 2001. p. 121-137.

CURITIBA. Diretrizes Curriculares para a Educação Municipal de Curitiba, v. 1 – Princípios e fundamentos, 2006. Disponível em: <http://www.cidadedoconhecimento.org.br/cidadedoconhecimento/downloads/arquivos/3008/download3008.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2009.

CURITIBA. Secretaria Municipal da Educação, Gerência de Tecnologias Digitais. Projeto TEIA: relatório de atividades. SME: Curitiba, 2004.

Secretaria Municipal da Educação, Gerência de Tecnologias Digitais. Trabalhando com o recurso LEGO e as Revistas ZOOM nas Escolas Municipais de Curitiba – 2004/2005. SME: Curitiba, 2005.

FERREIRA, F. W. Planejamento sim ou não: um modo de agir num mundo em permanente mudança. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

GANDIN, D. Planejamento como prática educativa. São Paulo: Loyola, 1993.

LAFERRIÈRE, T.; BREULEUX, A.; BAKER P.; FITZSIMONS, R. (Collab.). Working Group on Professional development – In-Service Teachers Professional Development Modes in the Use of Information and Communication Technologies (A Report to the SchoolNet National Advisory Board), 1999. Disponível em: http://www.tact.fse.ulaval.ca/pdmodels.html. Acesso em: 25 set. 2001.

64 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 51-64, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

MARTINS, P. L. O. Didática teórica, didática prática: para além do confronto. São Paulo: Loyola, 1989.

Beyond Hardware - Using Exising Technology to Promote Higher-Level Thinking. Washington, DC: International Society in Education, 2002.

MOERSCH, C. Computer Efficiency: Measuring the Instructional Use of Technology. Learning and Leading With Technology, Dec./Jan. 1996-1997. ISTE – International Society for Technology in Education, 1998. Disponível em: <http://www.learning-quest.com/software/LoTiFrameworkNov95.pdf>. Acesso em: 01 out. 2002.

MOLINA-BOGANTES, Z. Planeamiento didáctico: fundamentos, principios, estrategias y procedimientos para su desarrollo. San José: EUNED, 1997.

MORGAN, B. M. Research-Based Instructional Strategies: Preservice Teachers’ Observations of Inservice Teachers’ Use. National FORUM Journals Home Page, 1999. Disponível em: <http://www.nationalforum.com/Morgante8e3.html>. Acesso em: 26 set. 2000.

PESSOA, M. C. F. Computadores na educação projetos baseados na internet. 2002. Disponível em: <http://www.abed.org.br/congresso2002/trabalhos/texto19.htm> Acesso em: 10 jan. 2008.

PINTO, A. S. M. A formação continuada do professor: uma proposta de ambiente virtual colaborativo de planejamento do processo ensino-aprendizagem. 2007. 160 f. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2007. Disponível em: <http://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=742>. Acesso em: 15 fev. 2007.

THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2004.

THOMPSON, A.; SCHMIDT, D.; HADIJIANNI, E. A Three-Year Program to Infuse Technology Through a Teacher Education Program. Journal of Technology and Teacher Education, v. 3, n. 1, p. 13-24, 1995.

TRIPP, D. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ep/v31n3/a09v31n3.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2009.

UEM. Museu do Computador. História dos computadores no Brasil. Disponível em: <http://www.din.uem.br/museu/hist_nobrasil.htm>. Acesso em: 26 jan. 2009.

VASCONCELLOS, C. dos S. Planejamento: projeto de ensino-aprendizagem e projeto político-pedagógico. 8. ed. São Paulo: Libertad, 2000.

VOSGERAU, D. S. A. R. Reconception d’une formation à l’intégration des TIC à l’enseignement à partir de l’ analyse d’une pratique, de ses fonctionnalités et de ses dysfonctions. Thèse présentée à la Faculté des études Supérieures en vue de l’obtention du grade de Philosophie Docteur – Option Technologie Educationnelle. Université de Montréal, 2005.

VOSGERAU, D. S. A. R. A utilização de recursos tecnológicos na formação de professores. 1999. 124 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 1999.

65Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ARTIGOS

Professores de Educação Física e seus saberes docentes: a gestão do conteúdo de ensino em questão

José Ângelo Gariglio

RESUMO: Este trabalho trata-se de um relato dos achados de uma pesquisa de doutorado que teve como objeto central de estudo analisar os saberes docentes relacionados ao conjunto das operações de que o mestre lança mão para levar os alunos a aprenderem o conteúdo da Educação Física (EF). Tratamos dessa questão sob o ângulo dos objetivos almejados, dos conteúdos e das atividades de aprendizagem, das estratégias de ensino e do planejamento das variáveis referentes ao ambiente educativo no qual os professores pesquisados estavam inseridos. Para isso, levamos em conta a natureza da disciplina escolar lecionada (EF), os ambientes físicos onde o ensino da EF se desenvolve, o material didático que lhe é próprio, os objetivos de ensino específicos a ser alcançados e o tipo de interação estabelecida entre alunos e entre alunos e professores. Para isso, realizamos uma pesquisa qualitativa em uma escola profissionalizante de nível médio e que envolveu três docentes experientes no ensino dessa disciplina na escola (dois homens e uma mulher), diretores, especialistas (pedagogas, psicólogas, assistente social, médico) e alunos de ensino médio profissionalizante. Para efetuar uma descrição densa do trabalho dos professores e da relação desse trabalho docente com as dinâmicas educativas locais, fez-se uso de técnicas de coleta de dados: observação do cotidiano escolar, entrevistas e análise documental.

PALAVRAS-CHAVE: Formação de Professores; Saberes Docentes; Educação Física

Teachers of Physical Education and their teacher knowledge: the management of the content of teaching in issueABSTRACT: This is a report of the findings of a doctoral research that had as the central object of study to analyze the teachers knowledge related to the set of operations that the master launches hand to lead the students to learn the content of Physical Education (PE). We have dealt with the issue under angle of objectives, content and activities of learning, teaching strategies and planning of variables related to the educational environment in which the teachers surveyed were inserted. For this reason, we take into account the nature of school discipline instructed (PE), the physical environments where the teaching of the PE develops, the didactic material proper to him, the teaching objectives specific to be achieved and the type of interaction between students, between students and teachers. For this reason, we conducted a qualitative research in a vocational school for middle level and involved three professors experienced in teaching of this discipline in the school (two men and a woman), directors, specialists (educators, psychologists, social worker, doctor) and students of the middle school professional. To make a thick description of the work of teachers and the relationship of teachers’ work with the dynamic educational sites, was made use of various techniques of data collection: observation of daily school, interviews and documentary analysis.

KEYWORDS: Teacher; Teacher Knowledge; Physical Education.

66 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

INTRODUÇÃO

Os estudos sobre o saber docente ganham força no início dos anos 1980 e certo prestígio na década de 1990, principalmente nos EUA. Essa produção teórica cresce em importância, entre outros motivos, pela constatação da dificuldade da escola em lidar com as novas exigências socioculturais advindas da concorrência internacional decorrente da globalização dos mercados e da crise do papel social da escola, bem como da dificuldade dos sistemas nacionais de ensino em lidar com uma escola de massa. A crise da escola é atribuída, entre outras causas, à fragilidade da profissão docente, especialmente à pouca importância dada à formação dos professores e à dificuldade destes em lidar com as novas e complexas exigências sociais, pedagógicas e culturais. Assim, o que se apresenta como um remédio para os males evidenciados pelos fatores precedentes é o discurso que defende a necessidade de profissionalizar o magistério. (TARDIF et al., 1991, 2000; GAUTHIER et al., 1998)

As pesquisas sobre os saberes docentes surgem como que ligadas à questão da profissionalização do ensino e aos esforços feitos pelos pesquisadores em definir a natureza dos conhecimentos profissionais que servem de base para o magistério. Essa base de conhecimentos para o ensino é definida por Shulman (1986, 1887) como a agregação codificada ou codificável de conhecimentos, habilidades, compreensão e tecnologia, de ética e disposição, de responsabilidade coletiva – assim como um meio para representá-la e comunicá-la. Seria, portanto, preciso que as ciências da educação procurassem compreender mais de perto e, eventualmente, agissem sobre um aspecto que durante muito tempo foi negligenciado pelas pesquisas em educação: a materialidade do trabalho docente na escola.

Gauthier et al. (1998) buscam aprofundar essa discussão apontando para o fato de que o saber necessá-rio para ensinar não pode ser reduzido ao conhecimento do conteúdo da disciplina. Quem ensina sabe muito bem que, para ensinar, é preciso muito mais do que simplesmente conhecer a matéria, mesmo reconhecendo que esse conhecimento seja fundamental. Nesse sentido, confundiu-se por muito tempo que as habilidades necessárias à docência podiam ser resumidas no talento natural dos professores, ou seja, no seu bom-senso, na sua intuição, na sua experiência ou mesmo na sua cultura. Essas ideias preconcebidas prejudicavam o processo de profissionalização do ensino, impedindo o desabrochar de um saber desse ofício sobre si mesmo. É o que os autores denominam de um “ofício sem saberes”. Isso porque esses saberes permaneceram por muito tempo confinados em sala de aula, resistindo à sua própria conceitualização, mal conseguindo expressar-se.

Simultaneamente, o ideal de criar uma pedagogia científica, de redigir um código do saber-ensinar, contribui para desprofissionalizar a atividade docente, visto que esse ideal de cientificidade demonstrou dificuldades de passar no teste da prática. Isso se deve ao fato de que esses códigos, construídos dentro dos moldes da racionalidade técnica, tinham a limitação de não levar suficientemente em conta a complexidade e as inúme-ras dimensões concretas da situação pedagógica. Assim como as ideias preconcebidas de um ofício sem saberes bloqueavam a constituição de saber pedagógico, essa versão universitária, científica e reducionista dos saberes negava a complexidade do contexto de ensino, impedindo o surgimento de um saber profissional.

É como se, fugindo de um mal (de um ofício sem saberes) para cair num outro, tivéssemos passado de um ofício sem saberes a saberes sem ofício. Saberes esses capazes de colocá-los em prática, que podem ser pertinentes em si, mas que nunca são reexaminados à luz do contexto real e complexo da sala de aula. É como se o saber científico sobre o ensino tivesse sido amputado de seu objeto real: um professor, numa sala de aula, diante de um grupo de alunos que ele deve instruir e educar de acordo com determinados valores (GAUTHIER et al., 1998).

67Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

O reconhecimento de que nos fenômenos práticos, entre eles o ato pedagógico, existe uma reflexão na ação (SCHON, 1992), componente inteligente que orienta toda a atividade humana e se manifesta no saber-fazer, motivou a produção de pesquisas que pudessem identificar e verificar como e quais são os conhecimentos dos professores produzidos no contexto das práticas docentes no interior das salas de aula.

Nessa direção, começam a desenvolver-se estudos sobre o trabalho docente que visam delimitar um novo campo investigativo: a epistemologia da prática profissional. Esse campo de estudo tem como objeto cen-tral de análise o conjunto dos saberes realmente utilizados pelos profissionais de ensino em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas práticas profissionais, buscando compreender de perto como os saberes profissionais são integrados concretamente nas tarefas dos professores, e como e por que estes os incorporam, produzem, utilizam, aplicam, validam, transformam, ressignificam ou aban-donam, em função dos limites, das contingências e dos recursos inerentes às atividades educativas. Esses conhecimentos, por ser engendrados na complexidade, na contextualidade e na singularidade da prática profissional, apresentam-se como conhecimentos de tipo sui generis. Os professores não seriam, com base na concepção teórico-metodológica da epistemologia da prática profissional, produtores de conhecimentos do tipo científico nem meros aplicadores de saberes, mas sim produtores de “saberes” de variada latitude.

Nessa caracterização, aparece como central a importância da prática profissional dos professores no in-terior do contexto escolar como referência fundamental para a seleção, a lapidação e a produção de seus saberes pedagógicos. Esse contexto informa e forma, contundentemente, os professores, de maneira a organizar seu trabalho e os processos de constituição de seus saberes, suas rotinas e suas estratégias de ensino. Para Tardif (2000, p. 11),

[...] os saberes profissionais são saberes trabalhados, lapidados e incorporados no processo de trabalho docente e que só têm sentido em relação às situações de trabalho concretas, em seus contextos singulares e que é nessas situações que são construídos, modelados e utilizados de maneira significativa pelos trabalhadores do ensino.

Tendo como referência o foco investigativo desses estudos, a pesquisa por nós realizada buscou investigar os processos de construção dos saberes da base profissional de professores de Educação Física (EF) mediante as ações pedagógicas laboradas por esses docentes em meio a práticas de ensino demarcadas pelo trabalho com um componente disciplinar específico: a Educação Física. Interessou-nos investigar em que medida a prática de ensino desse e nesse campo disciplinar tem relação com o processo de edificação dos saberes pedagógicos dos professores de EF.

Mesmo compartilhando a ideia de que os saberes profissionais desses professores não estão resumidos ao domínio dos conteúdos de ensino, ou seja, que a esses professores não basta dominar nem conhecer profundamente os saberes de referência de sua disciplina curricular para dar conta das múltiplas e contradi-tórias contingências do ambiente de ensino na escola, e que os conhecimentos disciplinares, proposicionais, constituem falsa representação dos saberes docentes e a respeito de sua prática, porque não dão conta das sincrasias que envolvem a forma como conhecem, pensam e agem os professores em situações de ensino, entendemos que seria significativo investigar de que forma os professores de EF desenvolvem sua cultura docente ante os processos de socialização profissional demarcados pelo ensino desse componente disciplinar.

Compreendemos que os saberes docentes são laborados dentro de um contexto situado de trabalho, ou seja, são construídos em função de situações particulares e singulares. Nessa relação específica com os

68 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

conhecimentos disciplinares é que os saberes da base da ação profissional ganhariam sentido e validade e seriam, portanto, saberes intimamente relacionados à situação de trabalho à qual devem atender.

Assim, duas questões se apresentaram como fundamentais na organização da nossa reflexão: a primeira é que cada disciplina escolar ostenta o seu princípio de inteligibilidade, seu paradigma – sua matriz disciplinar que organiza a totalidade dos conteúdos num conjunto coerente. O paradigma disciplinar é fundamental porque ele determina as tarefas que serão desenvolvidas com os alunos, os conhecimentos declarativos a ensinar e os conhecimentos procedimentais correspondentes (DEVALY, 1995; SHULMAN, 1986, 1987).

A segunda é que as disciplinas escolares são entidades culturais dotadas de características sui generis, que, longe de ser mero reflexo de disciplinas científicas e acadêmicas, se constituem em campos de ação fortemente marcados pelas contingências de tempo e espaço escolar, pelas cláusulas explícitas dos contratos pedagógicos e didáticos, pelas estratégias de ensino voltadas aos alunos, pelas exigências dos colegas, pelas necessidades imediatas da vida institucional e pelos sistemas de avaliação e seleção. Nesse sentido, uma disciplina escolar se apresenta como um conjunto de saberes e práticas que trazem as marcas da forma escolar (PERRENOUD, 2000; CHERVELL, 1998).

Nessa linha reflexiva, algumas questões emergiram como centrais para a condução do nosso percurso investigativo, a ver: as disciplinas escolares haveriam de se constituir em elemento informador e organi-zador do processo de construção dos saberes profissionais dos professores? Se elas se definem como entidade cultural destinada não somente à instrução, mas também à socialização dos alunos, elas não o seriam também para os professores? De que forma elas contribuem para calçar o processo de constituição dos saberes da prática profissional desses docentes?

Nessa direção, pareceu-nos significativo produzir uma investigação que se debruçasse mais detidamente sobre as complexas relações entre a especificidade da matriz disciplinar da EF, a forma particular como essa disciplina se reconstrói e ressignifica no interior da trama escolar e o processo de edificação dos saberes da base profissional de professores de EF.

Enfim, nosso objeto de estudo visou compreender os modelos ou os tipos de ação desenvolvidos pelos professores de EF em função de uma inserção profissional na escola, que, a priori, nos parecia detentora de um conjunto de particularidades. Estamos entendendo aqui como modelos de ação as representações elaboradas e veiculadas pelos professores de EF a respeito da natureza de sua prática, representações essas que servem para defini-la, estruturá-la e orientá-la em situações de ação (TARDIF, 2002).

É importante dizer que estamos tomando como referência dois dos principais modelos teóricos que orientam hoje as pesquisas sobre os saberes docentes que servem de base para o ensino (Knowloge Base). Aquele desenvolvido por Tardif et al. (2000), que defendem que o processo de edificação dos sa-beres docentes deve ser analisado numa perspectiva mais ampla, ou seja, de que esses saberes provêm de fontes diversas (formação inicial e contínua dos professores, do currículo e da socialização escolar, da formação pré-profissional, da experiência profissional, da relação com os pares, etc.); e aquele num sentido mais restrito, que designa os saberes mobilizados pelos “professores eficientes” durante a sua ação pedagógica em sala de aula (na gestão da matéria e na gestão de classe), linha essa representada por autores como Gauthier et al. (1998) e Shulman (1986; 1987). Entendemos que o nosso objeto de pes-quisa exige e demanda o aproveitamento do aporte teórico produzido nessas duas orientações teóricas, naquilo que elas podem oferecer de contribuições à nossa investigação.

69Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Neste artigo, vamos priorizar a análise sobre o que, a nosso ver, se apresenta como fundamental para melhor explicitação do processo de constituição dos saberes da base profissional dos professores da educação básica e, consequentemente, dos professores de EF: a prática de ensino na sala de aula. Ao nos debruçarmos sobre as práticas de ensino dos nossos professores de EF em sala de aula, tentaremos indicar facetas importantes do processo de construção das habilidades pedagógicas desses profissionais. A necessidade de escrutinar os meandros dessa prática de ensino faz-se necessária porque entendemos que porção considerável dos saberes pedagógicos dos docentes é oriunda do exercício de suas ativi-dades em sala. Sendo assim, entendemos que, para estudar o repertório das habilidades profissionais dos professores da educação básica, questões como a gestão do conteúdo de ensino e sua organização temporal do trabalho precisam ser analisadas mais de perto.

Esse enfoque considera que o profissional, sua prática e seus saberes não são entidades separadas, mas copertencem a uma situação de trabalho na qual coevoluem e se transformam. Querer estudar os saberes profissionais sem associá-los a uma situação de ensino seria um absurdo. É o mesmo que querer estudar uma situação real de trabalho, uma situação real de ensino sem levar em consideração a atividade do professor e os saberes por ele mobilizados (Tardif, 2002f).

Assim, ao analisarmos os processos de constituição dos saberes profissionais de nossos professores de EF, ou melhor, a sua pedagogia, estamos entendendo, por conseguinte, que não podemos separar essa análise do ambiente de trabalho específico no qual esses docentes estão mergulhados cotidianamente. Melhor dizendo, para se analisar de forma clara os seus saberes pedagógicos, é preciso levar em conta a natureza da disciplina escolar lecionada, os ambientes físicos onde o ensino da EF se desenvolve, o material didático que lhe é próprio, os objetivos de ensino específicos a ser alcançados e o tipo de inte-ração estabelecida entre alunos e entre alunos e professores, que tornam o ensino na EF uma prática docente dotada de singularidades.

No intuito de descrever e analisar alguns dos modelos de ação profissional de professores de EF, reali-zamos uma pesquisa em uma escola profissionalizante da rede federal de ensino (CET)1 e que envolveu três docentes experientes (dois homens e uma mulher, com mais de 10 anos de experiência no ensino da EF), diretores, especialistas (pedagogas, psicólogas, assistente social, médico) e alunos de ensino médio profissionalizante, com vistas à construção de uma descrição densa das regras e normas da vida institu-cional, do regime de verdades e símbolos representativos da missão educativa da escola que impactam o trabalho de professores de EF. Para isso, fez-se necessária a utilização de várias técnicas de coleta de dados, de observação e análise da realidade. Associadas às técnicas de observação direta do cotidiano escolar e das aulas de EF, realizamos entrevistas com professores de EF, diretores, alunos e especialistas e a análise de documentos produzidos pelos professores e pela escola. Com tais estratégias, buscamos comparar relatos distintos, confrontar posições de diferentes sujeitos sobre o mesmo tema e verificar contradições entre práticas e discursos.

OS PROFESSORES DE EF E A GESTÃO DE CONTEÚDOS

Ao levantarmos a literatura referente aos estudos sobre a base de conhecimentos pedagógicos necessários aos professores em suas práticas de ensino em sala de aula, pudemos verificar que existe um ponto central de concordância entre os diversos autores estudiosos sobre o tema: o professor, ao atuar profissionalmente na escola, necessita de repertório rico de habilidades de gestão de classe e gestão da matéria ensinada.

1 Atribuímos um nome fictício a essa instituição. Vamos denominá-la no texto de CET – Centro de Educação Tecnológica.

70 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

A gestão de classe diz respeito a todas as estratégias de ensino, regras e disposições necessárias para criar e manter um ambiente ordenado, favorável tanto ao ensino quanto à aprendizagem. Ela, portanto, constitui-se na variável individual que mais determina a aprendizagem dos alunos. Ela consiste num trabalho de preparação e de planejamento do professor, que conduz a um conjunto de decisões que o levam a conseguir manter determinada organização e ordem necessárias tanto à instrução quanto aos processos de socialização e educação dos discentes (GAUTHIER et al., 1998).

Imbricada aos procedimentos de gestão da classe, a habilidade de gestão da matéria ensinada contribui para definir melhor um esboço do conjunto dos saberes da base profissional dos professores. Como lembra Shulman (1987, 1986), o docente tem responsabilidades especiais em relação ao conhecimento do conteúdo de ensino, operando como uma das fontes mais importantes à compreensão da matéria pelos estudantes. A maneira pela qual ela é comunicada e transmitida aos discentes e a seleção efetuada pelo professor do que seja essencial ou periférico para ser abordado deveriam ter maior atenção e ser mais recorrentes nas pesquisas do campo da educação.

A função pedagógica de gestão da matéria remete, por fim, a todos os enunciados relativos ao planeja-mento, ao ensino e à avaliação de uma aula ou de parte de uma aula. Ela engloba o conjunto das operações de que o mestre lança mão para levar os alunos a aprender o conteúdo.

Mesmo reconhecendo que existam grandes princípios ordenadores dos processos de gestão de classe e da gestão da matéria que podem ser aplicados de maneira mais geral a todos os professores da escola, sublinhamos, igualmente, que há outros que preservam marcas e expressões próprias de um contexto de ensino situado.

Nos parágrafos posteriores, vamos nos debruçar sobre as práticas de ensino dos nossos professores de EF, a fim de tentarmos desvendar os caminhos percorridos por esses profissionais na elaboração e na lapidação de suas habilidades pedagógicas.

Isso posto, entendemos ser importante analisar como os professores pensam a organização do seu planejamento de ensino, na medida em que a explicitação dessa organização pode nos mostrar parte importante de suas habilidades pedagógicas. Isso porque o trabalho de planejamento exerce influência positiva na aprendizagem dos alunos. A organização do planejamento visa, entre outras funções, determinar os objetivos de aprendizagem, bem como priorizar e transformar os conteúdos em correspondência com os objetivos. Vamos nos ater mais especificamente ao tema da organização temporal do planejamento operada pelos nossos professores.

O que nos chamou a atenção, ao tentarmos analisar a forma como esses professores lidam com o pla-nejamento, foi a inexistência de um programa escolar pelo qual os professores deveriam orientar-se. Quando indagados sobre o planejamento de ensino que eles seguiam, os três professores se referiam a um construído pela própria coordenação de EF, ainda no ano de 2000, que servia de base apenas para organizar minimamente o seu trabalho.2 Havia, assim, grande margem de manobra para uma atualização mais personalizada da organização do planejamento.

Observamos que os professores demonstravam certa despreocupação com a organização de um planejamento mais minucioso e detalhado. Percebíamos o pouco tempo destinado a essa importante atividade do professor

2 Tivemos acesso a esse planejamento, e o que pudemos verificar é que nele existe basicamente a definição de objetivos gerais e de objetivos específicos a serem alcançados em cada um dos conteúdos de ensino selecionados: ginástica, dança e esportes individuais e coletivos.

71Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

na escola. Parte da explicação pode estar relacionada ao fato de que os professores experientes geralmente dedicam menos tempo à tarefa do planejamento. Eles parecem planejar com base em “panos de fundo” incom-pletos de imagens de aulas baseadas nas experiências anteriores. (GAUTHIER, 1998; GAUTHIER et al., 2003)

Ao analisarmos o planejamento construído pelos professores, chamou-nos também a atenção a forma como eram organizados, durante o ano letivo, o fluxo temporal das atividades e o encadeamento dos temas de ensino. Intuímos que os motivos que levavam os nossos professores a operar a organização do planejamento de forma mais personalizada e flexível não podiam ser explicados somente pela experiência desses docentes no âmbito do ensino. Partimos, então, para questionar os professores sobre os porquês dessa conduta.

Encontramos dois comportamentos diferenciados: um da docente Márcia, que fez a opção por um crono-grama de atividades organizado de forma semanal, e outro dos docentes Mauro e Leandro, que fizeram a opção por planejamentos bimestrais.

Buscamos, então, saber primeiramente as razões da Profª. Márcia e o porquê da organização temporal de forma semanal. Na primeira aula com uma de suas turmas de 1º ano do ensino médio, essa docente entregou aos alunos o cronograma de atividades para o semestre. Segue abaixo a transcrição de nosso diário de campo:

São no total 24 aulas com 12 encontros, já que as aulas são geminadas. As sequências das aulas

são: apresentação e definição da metodologia de trabalho (distribuição dos conteúdos); voleibol

(frequência cardíaca); basquetebol (aquecimento); futsal (gênero); handebol (alongamento e

flexibilidade); voleibol (trabalhos em equipe); basquetebol (recreação); futsal (regras oficiais,

regras propostas e recreação); handebol (regras oficiais, regras propostas e recreação); voleibol

(regras oficiais, regras propostas e recreação); basquetebol (regras oficiais, regras propostas e

recreação); ginástica (visita a academia).

É interessante percebermos nesse planejamento que não há sequência lógica entre os conteúdos, tam-pouco um sistema somatório ou de pré-requisitos, de forma a encadear e articular os temas de ensino selecionados em cada uma das aulas. Cada unidade de ensino se constitui como única, não tendo neces-sariamente nenhuma ligação umas com as outras. Não há, portanto, aparentemente, sequência linear. Ao ser questionada sobre o motivo de tal organização do planejamento, Márcia nos responde:

O meu objetivo não é, e eu já deixei isso bem claro para os meus alunos, que eles saiam daqui

atletas desse ou daquele esporte. Como eu disse, a nossa maior ênfase na escola é dentro do

esporte. Então eu estou usando o esporte sim, e não vou deixar de ensinar. Pode ser que um

aluno que nunca nadou, como já aconteceu, após três aulas saia nadando. Eu acho lindo, fico

hipercontente, eles saem muito satisfeitos. Mas o meu objetivo ali é muito mais que ele vivencie

aquele espaço na piscina, as possibilidades que tem a natação, que ele conheça outro mundo

a que nem todos têm acesso (esta cidade tem um único clube), do que propriamente ensinar

a nadar. Vou ensinar a nadar, sim, vou usar dessas atividades que levem alguém a aprender

a nadar. Mas não é meu principal objetivo, como também dentro de quadra. Então, por isso,

essa distribuição aleatória dos conteúdos. Se o meu aluno, ao final de um ano letivo, entender o

que a Educação Física faz, para que ela contribui na vida dele, que ela está muito além daquele

aprendizado do esporte, mesmo sendo aprendizado do esporte também, mas que a EF pode

oferecer mais em termos de trabalho em grupo... Eu gosto de lidar com isso, com essa coisa

da afetividade dos alunos, gosto de observar e procuro interferir nisso.

72 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Mesmo reconhecendo a necessidade de fazer com que os alunos aprendam as técnicas e as regras esportivas, e que essa função seria da EF, essa docente busca colocar os conteúdos de ensino a serviço de outro objetivo, que, segundo ela, parece ser maior ou mais importante do que “mera” perspectiva transmissiva dos conteúdos disciplinares, ou seja, do ensino das técnicas dos movimentos utilizados no esporte, de suas regras e normas, de sua história ou das implicações fisiológicas presentes no ato de praticar algum esporte.

Ao dizer isso, ela procura nos mostrar que o ensino desse conteúdo possibilitaria aos alunos a oportuni-dade de experimentar vivências de aprendizagem humana que transcendem ao simples aprendizado do conteúdo. O esporte aparece como meio, e não como fim em si mesmo. O concatenamento dos temas e das aulas só pode ser percebido e entendido, segundo o ponto de vista dessa professora, a partir da conquista de objetivos mais amplos e centrais para o seu trabalho: a formação geral, a constituição de valores, de comportamentos, a melhoria da relação intersubjetiva e do trabalho coletivo, da autodesco-berta, entre outros. A forma como ela organiza o seu planejamento reflete o seu objetivo maior. Podemos perceber isso na própria descrição do seu planejamento: ao lado do esporte a ser ensinado, encontramos dentro de parênteses o que realmente a professora pretende trabalhar com os alunos, ou seja, as relações de gênero, a construção de regras, o trabalho em equipe.

No entanto, percebemos a docente Márcia envolta na velha tensão entre educar e instruir, entre ser do-cente, ser professor ou ser educador. Essa tensão nos parece falsa, uma vez que, em todas as práticas de transmissão de conteúdos, em todas as disciplinas escolares, manifestam-se mecanismos sutis de formação humana, que contribuem para formatar gostos, hábitos e representações. Essa tensão está presente na própria organização do planejamento: ao lado de temas como formação de equipes, discussão de regras, aparecem outros relacionados ao ensino especificamente do esporte e alguns relacionados à fisiologia do movimento humano. No entanto, a docente parece hierarquizar essas duas metas, colocando os aspectos educativos num patamar superior.

Paralelamente, a opção de organizar o planejamento dessa forma explica-se, primeiro, por uma questão individual. Após a aula na qual apresenta o cronograma para os seus alunos, questionamos o motivo de aulas semanais, ao que ela nos responde “que com essa forma ela se sente mais motivada e o trabalho fica menos repetitivo”. Isso demonstra que a organização do planejamento visa atender, também, às necessidades e aos interesses pessoais imediatos dos próprios professores.

Ao ser questionada se há alguma sequência em seu planejamento, ela confirma, dizendo que isso pode ser explicado em função das diferentes fases do ano letivo. Vejamos seu depoimento:

Tem uma sequência. Eu vou ligar isso à questão do calendário escolar. Quando os alunos che-gam aqui na escola... Este ano eu peguei muita turma de 2º. Quando os alunos chegam aqui, eles querem conhecer as possibilidades da escola, da área de Educação Física e tudo. Querem ser apresentados ao que é possível e conhecer os alunos, se adaptar ao ambiente. Quando os alunos não estão em época de prova, eu acho que eu lido de uma forma mais rigorosa com o conteúdo. Então algumas vezes eu já solicitei trabalhos escritos, comentários, e que eles fizessem pesquisas em jornais, revistas. Uma aluna uma vez trouxe um artigo sobre frequência cardíaca, que eu uso até hoje nas minhas aulas. Então eu intensifico mais nesse sentido de busca. Quando eles chegam em período de provas, eu sei que eles vão estabelecer prioridades, e que a EF não está entre essas disciplinas. Então eu relaxo também um pouco mais. E eles vêm para a aula, e eu uso aquele espaço de aula para relaxamento mesmo, descaradamente.

73Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

É interessante notar que essa professora, ao mostrar as razões de existir uma sequência no planejamento, relaciona as aulas à organização temporal da vida acadêmica da escola. Ela faz um nexo do seu planejamento à trama temporal do ano letivo, que, segundo o seu olhar, se apresenta dividida em dois momentos centrais: no início do ano, há a necessidade de produzir espaços de integração para os alunos e de ambientação ao universo escolar para que eles possam adaptar-se mais rapidamente à dinâmica da vida escolar. Ao final do ano, em função do desgaste dos alunos, proveniente do cansaço do ano letivo e do peso das cobranças por desempenho nas provas finais, deve-se priorizar atividades mais livres e ricas em descontração.

Novamente vêm à tona certas representações acerca do papel da EF na escola e, consequentemente, de seus professores. É de se questionar se seria apenas seu papel o de possibilitar melhor ambientação dos alunos na escola. Como é de se questionar se a EF seria a única disciplina que educa para o trabalho coletivo, que trabalha a afetividade. Nessa mesma direção, há que se perguntar, também, se seria uma das funções da EF oferecer aos alunos vivências de catarse, de alívio e de “esquecimento” das tensões escolares. Essa relação binária entre a EF e as demais disciplinas escolares parece, a nosso ver, ingênua e dotada de margem restrita de reflexão sobre o papel da EF.

No entanto, há que se considerar que essas representações construídas ao redor da EF e nutridas pela Profª. Márcia organizam sua intervenção pedagógica na escola. Essas representações possibilitam-lhe vislumbrar uma ligação entre o seu trabalho e a realidade escolar como um todo. Essa docente demonstra sensibilidade para questões muito pouco abordadas pelas discussões relacionadas às questões de ensino no interior da escola. Demonstra atenção para o fato de que a escola é um mundo social, um lugar de vida imediata, onde os alunos vivem tensões, experimentam o desgaste físico e emocional provenientes do trabalho es-colar, constituindo-se num lugar aberto a vivências de relações sociais, de momentos de alegria, tristeza, sucessos e fracassos e um lugar onde as pessoas precisam se sentir à vontade e ambientadas para poder experimentar a sensação de segurança e acolhimento. Ela procura pensar a sua prática valendo-se de uma escola dentro de outra escola. Mostra, portanto, sensibilidade de saber-ensinar ao nível do estabelecimento de ensino. A aprendizagem dos conteúdos, portanto, não constitui a única preocupação dos professores, uma vez que eles buscam alcançar fins e objetivos que não aqueles relativos aos resultados escolares.

Ao analisarmos o planejamento construído pelos professores Mauro e Leandro, podemos encontrar si-militudes e diferenças com o planejamento operado pela docente Márcia. A primeira e mais importante diferença é que esses professores organizam seu planejamento por temporadas bimestrais. Cada bimestre seria destinado a determinado esporte: futsal, vôlei, basquete e handebol. O Prof. Mauro, ao ser questio-nado sobre a organização temporal de seu cronograma de trabalho, assim se justifica:

É uma questão muito minha, eu preciso, tenho uma necessidade muito grande de concluir, eu pre-ciso iniciar sabendo até onde eu posso ir, onde aquela turma consegue chegar com aquilo que eu estou fazendo. E aí continuo insistindo. Eu acho importante você dar ao aluno a percepção de que você está concluindo alguma coisa. Concluindo alguma coisa não quer dizer que esteja resolvendo tudo, mas que aquilo a que você se propôs, minimamente, você teve condição de chegar ou não e por que não teve. Então essa organização bimestral me dá essa possibilidade de iniciar e conseguir concluí-la de uma forma que o aluno perceba que foi bem concluído ou mal concluído. É iniciar uma proposta e conseguir fechar. Os dois meses não estão condicionados à possibilidade de se alcan-çar resultados práticos em termos de aula, de você jogar voleibol. É de você ter tempo de fechar uma proposta, de iniciar e concluir. E a organização dos dois meses me abre essa possibilidade concreta. A variação de hoje com um esporte, outro amanhã, outro depois de amanhã, pelo menos nas turmas que eu já trabalhei, nunca foi uma situação que os alunos viam com bons olhos. Eu já usei essa forma durante um ano, e não percebi vantagens nisso; até para mim, eu não conseguia me localizar, eu acho que eu contribuo muito pouco, não sei se é um problema pessoal, talvez seja.

74 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Apesar de mostrar que existe uma sequência, ela não fica clara. Os conteúdos selecionados para cada semestre não se articulam aparentemente. Não se sabe por que se começa com futebol, depois se passa para o basquete e depois para o vôlei. Cada esporte tem uma organização de jogo totalmente diferente, regras peculiares, objetos de jogos singulares e técnicas de movimento muito próprias. Não há, portanto, assim como com a Profª. Márcia, relação somativa de conteúdo organizado por meio de um sistema de prerrequisitos.

O professor Mauro tem como um dos seus objetivos “melhorar o gesto motor do aluno, a ação de participação dele na aula em função de problemas que ele tenha de execução de fundamento, de minimizar essa exclusão dele na prática”. Ele mostra preocupação com o ensino das regras e com os movimentos técnicos e táticos do esporte. Nesse ponto, pudemos verificar uma sequência. Mauro precisa de tempo para poder fazer com que os alunos entendam e compreendam a dinâmica de jogo de cada esporte. Dentro de uma mesma temporada é que se manifesta o encadeamento de discussões, atividades e práticas. Ele pretende com isso aumentar o patamar do que ele denomina de “cultura esportiva dos alunos”. Pudemos também verificar que existe, em função disso, relação de continuidade entre as aulas de uma mesma unidade de ensino.

Paralelamente, encontramos outros objetivos mais “subterrâneos” que, de alguma forma, dão sentido mais orgânico ao que aparentemente se mostra pulverizado. Para o docente Mauro, o esporte possibilita “trabalhar outros temas que eu acho importantes na formação desses alunos, na minha interferência junto a eles. Essas relações entre eles e mim, e entre eles próprios, propiciam a possibilidade de desen-volvimento do senso crítico deles”. Existem, assim como no caso da professora Márcia, objetivos mais amplos a ser alcançados. Em todos os esportes, o docente Mauro consegue imprimir experiências que seriam ricas para a formação humana dos alunos. A fim de atingir os objetivos de formação geral dos alunos, contribuir para a modificação de comportamento, de atitudes e da relação intersubjetiva deles, não teria sentido organizar um planejamento rígido e linear. A atenção aqui parece estar mais voltada para a necessidade de formação dos discentes do que para o conteúdo propriamente dito.

Sobre esse fato, Gauthier et al. (1998) nos mostram que geralmente o planejamento minucioso, rígido e por demais detalhado mostra-se mais concentrado nos conteúdos, e não o bastante nos alunos. Talvez a preocupação central manifestada pelos nossos depoentes com a formação geral dos estudantes acabe por imprimir uma relação muito particular com as formas de tratamento sequencial dos conteúdos. A postura tomada pelos nossos professores de EF de operar uma organização do planejamento de ensino menos preocupado com o encadeamento dos conteúdos leva-nos a questionar o seguinte: para se atingir metas de formação específicas da educação, seria necessário um planejamento encadeado com os conteúdos de ensino numa lógica sequencial amarrada? Como pensar uma organização de um planejamento que tenha como foco central as necessidades educativas dos estudantes?

No entanto, pudemos perceber que o docente Mauro não consegue explicar claramente por que ele se sente mais seguro com um planejamento bimestral. Intuímos que parte desse sentimento parece ter forte relação com a sua formação acadêmica e com sua intensa experiência como atleta esportivo na ado-lescência. Em ambas, os modelos de ensino e as experiências com o esporte trazem marcas de práticas e metodologias muito próximas do esporte de alto rendimento. Nelas as dimensões da aprendizagem e do rendimento meramente técnico dos movimentos do jogo são centrais. São conhecimentos que se apresentam como salvo-conduto diante da imprevisibilidade e da complexidade inerentes ao cotidiano de trabalho. São crenças e rotinas incorporadas que o ajudam a organizar e a dar sentido a sua ação profissional na escola. O próprio docente reconhece em suas justificativas que existe nessa forma de

75Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

condução do planejamento algo de nebuloso, dotado de uma prática não reflexiva, mas que reatualizada e reutilizada no contexto de trabalho é fonte de convicção, apresentada como certeza relacionada com os diversos aspectos do ofício de professor de EF.

Paralelamente, entendemos que a justificativa dada pelo Prof. Mauro para a temporada bimestral tem íntima relação com a necessidade desse professor de participar do cronograma escolar. Na escola, os períodos são divididos em quatro bimestres e, em cada final de bimestre, há uma avaliação. Os bimes-tres são divididos para fins de avaliação dos alunos nas demais disciplinas. No entanto, não há nenhuma relação da EF com esses momentos de avaliação. Na EF não existem provas e nenhuma avaliação mais formal do trabalho da disciplina em cada bimestre. Por que então dividir a temporada em bimestres? Por que os bimestres letivos se tornam uma referência temporal para a organização do planejamento dos pro-fessores de EF? É como se os professores dessa disciplina tentassem dizer à escola que eles compõem a vida acadêmica da instituição e desejam estabelecer a mesma forma de diálogo, mesmo que este seja fluido. Como quase não havia espaços de comunicação entre o projeto pedagógico levado pela escola, pelas demais disciplinas escolares e o trabalho desenvolvido pelos professores de EF, a busca de uma proximidade se dava pela via do planejamento bimestral.

Assim como o Prof. Mauro, o Prof. Leandro organiza o seu trabalho em bimestres. Isso é decidido pelo professor em comum acordo com os alunos ao final de cada bimestre. Portanto, não há uma definição a priori de quais esportes serão trabalhados durante o ano. Esse fato revela o alto grau de autonomia do professor em relação à organização do seu trabalho. Não há por parte dos seus pares, nem do setor pedagógico da escola, nenhuma prestação de contas, avaliação ou acompanhamento do trabalho desses professores. Consequentemente, não há necessidade de esses professores cumprirem determinado cro-nograma de transmissão de conteúdos em função de datas fechadas em que os alunos deveriam ter tido acesso por causa do início de um período de provas ou avaliações que valem nota. Sobre essa questão, é importante atentar-nos para algumas reflexões desenvolvidas por Durand (1996).

Esse autor, ao discorrer sobre as diferenças existentes entre as disciplinas maiores e menores, afirma que aquelas tidas como “menores” (Educação Física e Educação Artística) possuem maior margem para inter-pretações pessoais dos professores. Já os professores de disciplinas tidas como “maiores” (Matemática, Física, Português) disporiam de manuais, programas, que são, no final das contas, memórias externas que nutrem seus conteúdos em classe. Professores das disciplinas “menores”, por não possuírem guias didáticos ou programas escolares prescritos, são incitados a propor conteúdos mais personalizados, segundo a confiança que eles têm em sua própria capacidade.

Não obstante esse grau de autonomia, vimos o docente Leandro organizar a divisão temporal do seu trabalho referenciado na adotada pela escola, ou seja, em bimestres. Ao ser questionado sobre o motivo que o leva a isso, ele nos responde:

A formação acadêmica é a seguinte: na didática, você trabalha com bimestre, semestre, você tem que ter isso aí, se é uma ou duas unidades, essas coisas todas da didática. Então eu tinha isso, tenho até hoje um pouco arraigado, em função da minha formação. E outra que, quando eu cheguei na escola... se você for olhar o nosso planejamento, em toda notificação que eu tenho ele está assim estabelecido. Não quer dizer também que ele é inflexível, ele é flexível,

mas nosso planejamento é bimestral. Então, eu apropriei disso e fui fazendo.

76 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Esse docente demonstra que a opção por temporadas bimestrais tem relação direta com os modelos de organização didática incorporados na formação inicial. Além disso, ele consegue operar uma crítica a essa formação e reconhece nela a sua impropriedade ante o contexto real de trabalho na escola. Apesar dos limites e da precariedade dessa formação, ele também reconhece que esses conhecimentos da didática representaram um “salvo-conduto” perante o impacto causado pelo choque da realidade.

Ademais, esse modelo didático é de alguma forma reproduzido e perpetuado na escola, desde sua en-trada, o que o leva a dar certa continuidade ao que ela já havia visto também na universidade. A própria dinâmica escolar ofereceu ao Prof. Leandro condutas e práticas pedagógicas que ajudaram a diminuir ainda mais o choque da realidade. Há certa imersão numa rotina de trabalho já colocada e definida como a possível para determinado momento.

A essa leitura feita pelo docente Leandro acrescentamos aquela feita quando da análise do planejamento do Prof. Mauro. A organização do planejamento guarda em parte a necessidade de os professores de EF se sentirem engajados na construção temporal do cronograma escolar. Parece haver por parte de Leandro a precisão de participar da vida escolar, de se manter em sintonia com a vida institucional ante um contexto que o coloca à margem da vida acadêmica na escola.

No entanto, o que pudemos perceber é que, na prática, o Prof. Leandro não leva a ferro e fogo a tempo-ralidade bimestral. Em vários momentos, ele introduz temas e aulas diferentes do que estava proposto para o bimestre. Em uma de suas turmas, após negociação com os alunos, ele dividiu um dos bimestres: num mês, a atividade que os alunos mais queriam; no outro, uma atividade proposta por ele.

Além disso, os conteúdos para os bimestres seguintes eram definidos juntamente com os alunos. Não havia, portanto, a preocupação do docente Leandro em escolher antecipadamente determinado esporte em detrimento de outro.

Primeiramente eu levo em consideração a turma. Então eu vejo as possibilidades de como pode acontecer isso, e de repente as dificuldades que a gente pode ter. Então conhecendo a turma é tranquilo. Eu proponho as atividades de acordo com os interesses dos alunos, coisa e tal. E de repente o programa também deixa até aquele objetivo, aí eu passo também a ter outro objetivo. Ou então continuo com o mesmo, mas com estratégia diferente. É divisão meramente didática. As coisas acontecem, vão acontecendo (Prof. Leandro).

Nessa fala, o docente revela abertura e sensibilidade para o contexto, para as relações, para as demandas que vão surgindo no transcorrer do trabalho, para a negociação com os alunos. Essa maleabilidade dos planos de ação desloca maior atenção para os alunos e para os momentos imediatos das aulas do que propriamente para os conteúdos de ensino. Ao dizer que as temporadas bimestrais constituem-se em divisões meramente didáticas, o Prof. Leandro demonstra sua autonomia ante a força estandardizadora do trabalho escolar. O que aparentemente se mostra repetitivo e previsível, na realidade, é retraduzido em função dos interesses e das necessidades dos alunos e do professor.

No entanto, pudemos constatar que, em vários momentos, Leandro viu-se refém do seu próprio dis-curso. Ao defender que seu trabalho é referenciado nos alunos ou que tem como norte o atendimento aos desejos deles, ele abdicou em diversas situações de colocar em prática o que havia programado e que se mostrava potencialmente interessante para a formação deles, em função das pressões que eles

77Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

exerciam, reivindicando alguma atividade mais afinada aos seus interesses e desejos. Essa extrema aber-tura ao contexto e aos alunos algumas vezes resultava em aulas vazias de significado e num laissez-faire desprovido de conteúdos formativos.

Entendemos que a maior autonomia dada pela escola ao trabalho dos professores de EF lhes possibilita também maior margem de manobra na confecção e na normatização de seus planos de ação. Mais do que isso, as características intrínsecas do conhecimento tratado pela EF possibilitam prática personalizada no trato da organização do conhecimento dentro da escola. No relato seguinte, temos noção clara dessa questão, quando o docente comenta a maneira como ele divide o seu planejamento na prática:

No final do ano, a coisa é mais light, é mais leve. E eu tenho comigo que o último mês, principalmente as duas, três semanas finais, eu só vou gerenciar atividades recreativas, deixo muito à vontade. Livre. Primeiro, por acreditar na questão, aí volta aquela questão do lazer, do prazeroso e de ser facilitador. Por quê? O aluno está com uma carga muito grande de provas, recuperação, vestibular, cobrança em casa, aquelas coisas, então é o momento de eu facilitar. Mas não é simplesmente chegar lá, ou não chegar, rolar a bola. Aí eu chego: “moçada, hoje é assim e assim, por isso, isso e isso, quem estiver de dar uma estudada pode também, aproveita esse momento aí...”. Ela pode e deve ajudar. Porque a gente não é sozinho, e eu não me sinto nem um pouco desprestigiado, “deixando de vender um produto”, entendeu? Tipo de vender um kit meu de Educação Física. Eu prefiro deixar de vender esse

kit, abrir aquela coisa ali e dar uma coisa mais à vontade e ajudar (Prof. Leandro).

Assim como o Prof. Mauro, o Prof. Leandro mostra que parte de suas decisões de como intervir, interrom-per ou dar continuidade a determinado conteúdo ou ao tratamento dele leva em conta o seu olhar sobre a divisão temporal do cronograma escolar. Basicamente, nesse cronograma, o final do ano é visto como a fase do ano letivo na qual os alunos estariam vivendo momentos mais agudos de tensão, questões que afetariam a qualidade da vida escolar deles. Essa sensibilidade, demonstrada pelo professor ao colocar a EF a serviço da melhoria das condições de permanência dos alunos na escola, revela importante quali-dade docente, já demonstrada também pela Profª. Márcia: o de pensar sua prática e sua intervenção no âmbito do estabelecimento de ensino e de enxergar a existência de uma escola dentro de outra escola. A escola é vista aqui como meio de vida social. O período de escolaridade não é apenas uma passagem, uma preparação para vida, mas um momento próprio da vida.

Os professores parecem agir intencionalmente na direção contrária ao padrão de comportamento dos agentes escolares, sobretudo no ensino médio. Sobre esse fato Perrenoud (1995) aponta que a escola, em muitos momentos, desconsidera parte da escolarização de crianças e adolescentes que escapam, por momentos longos ou curtos, das intenções pedagógicas explícitas. Quando seus membros reinterpretam as situações imediatas em função das suas necessidades imediatas, ela tende a fechar os olhos ou a re-primir essa manifestação da vida relacional e afetiva no seio de uma estrutura orientada, em princípio, para finalidades racionais, ou ainda a tentar utilizar as dinâmicas relacionais para melhor atingir os seus objetivos.

Vemos aqui, mais uma vez, que as preocupações com a aprendizagem dos conteúdos em si não consti-tuem a única apreensão dos professores de EF ao organizarem o seu planejamento. Eles buscam alcançar outras finalidades e objetivos que, na maioria das vezes, não são vistos no rol dos programas escolares da escola, nem mesmo no dos professores de EF.

No entanto, há no seu discurso certa visão instrumentalista e utilitária da Educação Física. Essa disciplina teria como objetivo, entre outros, dar apoio para que os alunos pudessem render melhor nas atividades

78 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

tidas como “sérias” da escola. Mesmo reconhecendo a importância da capacidade de abertura às neces-sidades e aos interesses dos alunos e ao contexto imediato, é no mínimo questionável se seria seu papel na escola o de oferecer espaço de relaxamento das tensões provenientes das cobranças por desempenho escolar. Não seria papel de toda a escola o de pensar a questão da qualidade de vida dos alunos dentro do próprio ambiente institucional?

Por outro lado, também é questionável pensar a EF como contraponto ao que acontece nas demais disciplinas escolares. A EF não seria do mesmo modo uma disciplina voltada para a vivência do desconforto, do conflito e de aprendizagem de conhecimentos necessários à elevação do patamar reflexivo e intelectual dos alunos, a fim de se tentar conseguir uma inserção cultural mais qualificada na vida em sociedade por parte dos discentes?

O que fica de mais importante na forma como esses professores conduzem a organização do seu plane-jamento para um ano letivo é a sua relação diferenciada com o tempo. De acordo com Hargreaves (1994), para o professor, o tempo não é apenas um constrangimento objetivo e opressivo: é também um horizonte, subjetivamente definido, de possibilidade e de limitação. O tempo é, pois, um elemento muito importante da organização do seu trabalho. Ele estrutura o ensino e é, por sua vez, estruturado por ele. Para esse autor, nos horários, nos prazos e nos constrangimentos de natureza temporal, o tempo pode parecer algo exterior ao professor, como se possuísse uma existência totalmente própria. Contudo, esse tempo também tem im-portante dimensão subjetiva. Os horários que eventualmente possamos experimentar como sendo externos, constrangedores e inalteráveis constituem o produto das definições e de tomadas de decisão subjetivas. Ele chama essa tomada de decisão subjetiva de dimensão fenomenológica do tempo. Trata-se de uma dimensão na qual ele tem uma duração interior, variando de pessoa para pessoa.

Nas justificativas levantadas pelos professores, encontramos um tipo de relação com o tempo mais próxima do que Hargreaves (1994) chama de “policrônico” em contraste com a relação temporal “monocrônica”. Segundo ele, no âmbito do tempo monocrônico, existe pouca sensibilidade para com as particularidades do contexto ou as necessidades do momento. Nesse quadro temporal, a prioridade é dada aos prazos, à conclusão das tarefas, às atividades programadas e aos procedimentos que predominam sobre o cultivo das relações entre as pessoas. No âmbito do tempo policrônico, ao contrário, as pessoas concentram-se na feitura de várias coisas simultaneamente, por processo de combinação. Existe uma sensibilidade extrema para o contexto, para as implicações das circunstâncias e dos envolvimentos imediatos. No quadro temporal policrônico, mais do que as coisas, são as relações que predominam. O tempo policrônico orienta-se mais para as pessoas do que para as tarefas.

Em contraste com o que aponta Hargreaves (1994) quando afirma que o mundo dos professores do en-sino fundamental tem caráter predominante policrônico, os dados aqui apresentados apontam para certa relativização dessa afirmação. Entendemos que, além da influência dos níveis de ensino, devemos levar em conta as peculiaridades de cada uma das disciplinas escolares, a sua função no currículo escolar, as particularidades de seu conhecimento e a forma como os seus professores organizam o seu trabalho em função do tempo fenomenológico.

O que foi demonstrado é que os professores de EF, em função da grande margem de autonomia dada pela escola ao ato de organização do planejamento, da não participação da EF no cronograma de avaliações da escola, pelo reconhecimento da escola de que a EF deva cumprir o papel de apoiar as atividades de ensino, acabam por pensar o seu planejamento tendo como referência o sentido do imediato. Mais do que os prazos a cumprir, são as pessoas (as necessidades e os interesses dos alunos e dos próprios professores de EF), as peculiaridades do contexto imediato (as necessidades internas da vida escolar) e o cumprimento de deter-minados objetivos prioritários (a formação de valores, a melhoria das relações interpessoais) que contribuem para organizar a intervenção dos professores durante o ano letivo.

79Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisarmos as propriedades internas dos saberes dos professores de EF pesquisados, pudemos confirmar, de forma inicial, o que os docentes da educação básica vêm dizendo, em outras pesquisas, acerca do perfil de seus saberes profissionais. Apesar de reconhecerem a importância de se compreen-der e dominar os conteúdos disciplinares, eles consideram que só esse conhecimento não é suficiente para dar conta da difícil tarefa de ensinar. No esforço de tornar os conhecimentos disciplinares acessíveis aos seus alunos e compreensíveis aos demais atores escolares, tais docentes edificam outros saberes pedagógicos que se mostraram centrais ao reconhecimento – pessoal e público – como profissionais da educação dotados de saberes de variada latitude.

As ricas e originais sincrasias que amalgamavam os conteúdos de ensino e a pedagogia, organizados e atualizados de forma a atender aos diversos interesses e necessidades dos aprendizes, da instituição e dos próprios docentes, não podem ser descoladas do tipo de conteúdo ensinado pela Educação Física (jogos, esportes, ginástica), das condições ambientais da sala de aula, do lugar da Educação Física nas hierarquias dos sabres escolares, do conjunto de representações pedagógicas construídas sobre essa disciplina escolar no interior da escola pesquisada e das necessidades e demandas imediatas da vida social desta instituição. Os saberes pedagógicos modelados pelos nossos sujeitos de pesquisas trazem consigo as marcas de um contexto de trabalho situado. Ficou evidenciado nas práticas dos professores que é quase impossível separar o conteúdo de ensino da pedagogia empregada ou o que é sabido de como ensiná-lo, ou seja, conteúdo e pedagogia revelaram serem partes de um corpo indistinto de com-preensão (SHULMAN, 1986).

Nessa linha, é importante ressaltar que o processo de constituição da cultura dos profissionais de EF analisados mostrou ter íntima relação com a forma de acomodação dessa disciplina no currículo. As fun-ções e atribuições pedagógicas dessa disciplina na escola e, consequentemente, de seus professores mostraram-se também muito específicas. Entre alguns exemplos dessa relação, parece-nos importante colocar em relevo o déficit de legitimidade acadêmica da EF no currículo escolar. Na pesquisa esse dado aparece como gerador de certezas particulares acerca da capacidade de ensinar identificada pelos próprios docentes e pela instituição. Como resultado desse lugar ocupado pela EF no currículo, os professores de EF veem-se envoltos em contingências institucionais que os informam cotidianamente que a sua função pedagógica precípua seria aquela de interferir mais diretamente no processo de socialização dos alunos. O território de intervenção desses docentes estaria mais vinculado à ação de educar do que à de instruir.

Apesar de sabermos que esse contexto de atuação profissional coloca sérios obstáculos ao reconheci-mento da legitimidade pedagógica da EF no currículo escolar e à valorização profissional dos docentes da área, nosso trabalho revela também que essa realidade não os torna vítimas. Foram raros os momen-tos em que eles se mostraram incomodados ou desmobilizados em função do déficit de legitimidade acadêmica da EF. Ao contrário, eles demonstraram ter a capacidade de ressignificar esse contexto pro-fissional, pretensamente desigual, edificando práticas e discursos para e sobre a prática pedagógica em EF, suficientemente capaz de produzir um ambiente propício à legitimação da sua atuação profissional na escola. Tais práticas e discursos mostraram-se capazes de legitimá-los profissionalmente, porque estão articulados às demandas imediatas dos alunos, às necessidades colocadas pela vida social da escola e à missão institucional propalada pelo CET.

80 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Para isso, eles se revelaram hábeis para intercambiar certos conteúdos educativos atrelados à história de enraizamento curricular da EF – seu pretenso caráter terapêutico; sua relação com o campo da saúde; seu reconhecimento público conquanto disciplina promotora de práticas educativas voltadas à formação do trabalhador liberal/burguês, por meio da educação do corpo, viabilizando a formatação de trabalhadores biologicamente fortes e moralmente disciplinados; sua vinculação com o universo do lazer – às neces-sidades e possibilidades pedagógicas colocadas por uma instituição de educação profissional, de nível médio e de tempo integral como o CET.

O que se pôde perceber, portanto, é que não há como separar o processo de construção dos saberes da base profissional desses docentes da escola como totalidade. O efeito estabelecimento de ensino se mostrou importante não apenas no processo de formação dos alunos, mas também no de formação dos professores. Os fatores endógenos que caracterizam o efeito estabelecimento no CET, onde se processam estilos particulares de organização pedagógica, modos de regulação sociais específicos e de mobilização de seus atores de utilizar recursos próprios, são significativos ao processo de constituição de identida-de profissional desses docentes. Entre as características que constituem essa identidade profissional, chamou-nos a atenção o fato de os professores pesquisados possuírem uma visão bastante positiva do magistério em EF, diferentemente do que tem sido apontado por pesquisas desenvolvidas nesse campo.3

Assim, as reflexões contidas no nosso trabalho apontam para a consideração da escola como objeto de estudo, ao permitir outra “visibilidade” da dimensão formativa presente na diversidade dos contextos educacionais e nas situações de trabalho que neles emergem. Essa visão do estabelecimento de ensino (EE) como um contexto “globalmente formativo” para o conjunto dos seus habitantes abre a possibilidade de superar teoricamente a dissociação, tendencial, entre a educação das crianças e a educação dos adul-tos. Os processos de formação de adultos (professores) e crianças (alunos) aparecem referidos, no caso do estabelecimento de ensino, a um mesmo espaço organizacional, a um mesmo tempo (aprendizagens por interações recíprocas), aos mesmos princípios (CANÁRIO, 1996).

Atrelada a essa problemática, pudemos constatar certa incongruência entre o que a nossa pesquisa apon-ta e o que a teoria anuncia como características do que seja o modus operandi da atuação de docentes do ensino médio. Alguns estudos vêm apontando a existência de uma cultura docente particular desses profissionais, imputam a eles o desinteresse pelas questões “extramuros” da sala de aula e do campo disciplinar ao qual pertencem. Nossa pesquisa vem relativizar essa afirmação. Os professores de EF pesquisados, em que pese a eles trabalharem numa escola de nível médio, buscam outras referências para organizar sua intervenção pedagógica. Entre elas, podemos citar a trama temporal da vida escolar, o que eles entendem ser as demandas imediatas dos alunos no cotidiano de vida da instituição e o apoio às atividades de ensino. Buscam promover aprendizagens não formalizadas no currículo real, a saber: a integração entre os alunos, a cooperação e a produção de um sentimento de “corpo institucional” no interior da escola.

Essa sensibilidade demonstrada pelos professores de EF de pensar sua prática articulada à totalidade da escola pode ser atribuída, em parte, à especificidade pedagógica do objeto de ensino da EF e aos múltiplos sentidos e significados mobilizados pela escola, pelos alunos e pelos próprios professores de EF no cotidiano sociocultural da escola.

3 A visão negativa do magistério em EF está relacionada, invariavelmente, ao déficit acadêmico ostentado por essa disciplina no interior do currículo escolar.

81Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Os conteúdos de ensino da EF (jogos, esporte, ginástica) e as representações pedagógicas decorrentes construídas ao redor dessa disciplina parecem ter a capacidade de projetar e ligar o ensino da EF e os seus professores na direção de proposições e problemas mais diretamente relacionados ao mundo co-tidiano da escola, à sua cultura ou a uma escola que existe dentro de outra escola. Estsa “outra escola”, entendida não como instituição que apenas transmite conhecimentos disciplinares, mas como meio de vida social. Tem-se aqui a compreensão de que a escola não é apenas um espaço de transmissão de co-nhecimento formal ou erudito. Como lugar de vida imediata e não adiada, vivem-se momentos de dor, de sofrimento, de cansaço, de alegria, de violência, de descoberta e vivência da sexualidade, de controle do tempo e do espaço, de construção de grupos sociais, entre outras experiências genuinamente humanas. A EF no CET, por imprimir uma ação didática marcada pela transmissão de saberes ricos em vivências estéticas, coletivas, relacionais, conseguia se projetar no interior da instituição como disciplina talhada a intervir mais diretamente na cultura da escola. Nessa ordem, os professores de EF pesquisados eram reconhecidos pelos seus pares e se autorreconheciam como docentes que tinham como uma de suas funções pedagógicas específicas “apoiar as atividades de ensino”, facilitar a inserção dos alunos na vida escolar (os processos de socialização escolar) e na construção de um ambiente social mais harmonioso. No contato com o trabalho dos professores de EF, pudemos verificar que, em vários momentos, houve preocupação em organizar e adaptar as atividades de ensino de acordo com o tempo da vida escolar (o início do ano, tempo da inserção dos discentes à vida institucional; as vésperas das provas bimestrais e finais das demais disciplinas e a busca de tranquilização dos alunos; o final do ano e a preocupação com o estresse dos discentes). Apesar de reconhecermos os vieses das leituras da realidade escolar produzidas pelos nossos sujeitos de pesquisa, entendemos que os nossos sujeitos mostram possuir um saber fun-damental ao exercício da docência: habilidade para pensar e agir ao nível do estabelecimento de ensino.

Sobre esse ponto, Perrenoud (2000) lembra que a noção de práticas sociais de referência (práticas pro-fissionais, práticas de comunicação e de sociabilidade) permitiria às disciplinas como a EF, a educação artística e a educação das línguas denominar que aquilo a que elas se referem não é redutível aos savoir savants. Para o referido autor, todas as disciplinas podem contribuir para a formação geral dos estudantes, mas algumas são orientadas explicitamente para esse objetivo.

Ligadas a essa questão, as análises anunciadas em nosso estudo, de certa forma, relativizam conclusões de outras pesquisas que apontam que o caráter “maternal” ou afetivo do ensino estaria mais presente em escolas de ensino fundamental ou restrito ao universo de atuação docente feminina. Nossos dados revelaram que, em função do tipo de representação produzida na escola ao redor da EF, da especifici-dade do seu objeto de ensino e das condições ambientais nas quais o ensino se materializa, a cultura do cuidado não se apresenta em contraposição às dimensões da instrução. Ao contrário, ela é um com-ponente importante no processo de elaboração das práticas de instrução dos professores. A noção de profissionalismo não aparece descolada dos aspectos afetivos do exercício da docência, mas colocada numa posição de relevo em relação aos aspectos técnicos. Mais do que isso, a cultura do cuidado surge como um componente positivo que harmoniza a identidade profissional desses docentes.

Dessa forma, as habilidades pedagógicas demonstradas pelos nossos professores e colocadas em prática ao enfrentamento dos desafios de seu trabalho não podem ser desvinculadas do conhecimento que eles têm da disciplina que ensinam na escola. Seus saberes pedagógicos têm íntima relação com tudo o que envolve esse contexto de ensino situado. Esses saberes são laborados na relação pedagógica que os professores estabelecem com o conteúdo de ensino e o que o ensino com e nesse componente curricular possibilita de medições com os alunos, a escola e a educação em geral. São saberes que se edificam em meio a esse contexto de ensino, mas que não se restringem aos conhecimentos disciplinares.

82 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

A nossa pesquisa mostrou a compreensão dos processos de constituição das diferentes culturas docentes deve levar em conta as dimensões constitutivas daquilo que chamamos de disciplina escolar: um conjunto de saberes, de posturas físicas e/ou intelectuais, de atitudes, de valores, de códigos e de práticas. Nesta linha, refletir sobre a ação docente no interior dos diferentes campos disciplinares é pensar, também, a potencia formativa contida na totalidade dos sentidos e significados produzidos pela lógica interna de cada disciplina escolar.

Essas considerações apontam para a necessidade de avançarmos ainda mais na produção de pesquisas sobre as fontes e a natureza dos saberes dos professores da educação básica em todos os seus níveis e modalidades. No transcorrer da nossa pesquisa, verificou-se na bibliografia no campo da formação de professores uma visão por demais generalista acerca do perfil dos saberes profissionais dos professores. Não obstante reconhecermos a existência de saberes comuns, já que todos pertencemos ao campo da educação e lidamos com a prática do ensino na escola, existe nesse complexo universo profissional uma gama diferenciada de profissionais, que não permite mais à pesquisa educacional tratá-los como se todos fossem do sexo feminino do ensino fundamental, militantes de uma escola de ensino regular, que lecionam disciplinas escolares advindas de conhecimentos acadêmico-científicos e que ensinam em condições ambientais semelhantes, ou seja, numa sala de aula organizada e padronizada de forma secular. Sustentados pelos dados deste trabalho, podemos dizer que ensinar Educação Física e Matemática, por exemplo, não é fazer a mesma coisa, ou melhor, não é objeto de igual consideração. As pesquisas sobre os saberes docentes precisam desfazer certa noção de equidade no campo da profissionalidade docente. Este, por sua vez, comporta uma dimensão social fundamental e se insere em relações sociais marcadas pela negociação com um tipo de trabalho específico, com seus conteúdos, com suas exigências próprias, com suas finalidades situadas e com suas estratégias de controle e autonomia (LESSARD et al., 2003).

Concluímos afirmando a necessidade de avançarmos ainda mais em pesquisas que visem dar visibilidade à pluralidade dos conhecimentos próprios da diversidade de culturas profissionais que coexistem no siste-ma educativo. Os professores de Educação Física pesquisados demonstraram possuir saberes docentes que trazem as marcas do seu trabalho. Em seu “quintal”, buscam dar sentido ao seu agir profissional, valendo-se de um lugar muito bem situado dentro da escola. Enfim, cabe a eles, à escola e à universidade o papel de revelar e publicizar a potencia educativa desses saberes profissionais, tirando-os do seu gueto, a fim de que possam contribuir mais efetivamente para a melhoria das ações educativas no meio escolar.

83Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANÁRIO, Rui. O estudo sobre a escola: problemas e perspectivas. In: BARROSO, João (Org.). O estudo da escola. Porto: Porto Editora, 1996.

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Educação e Realidade, Porto Alegre, n. 2, p. 177-229, 1998.

DEVALY, M. Savoirs scolaires et didatique dês discipline: une encyclopédie pour aujourd’hui. Paris: ESF Editeur, 1995.

DURAND, Marc. L’enseignement em milieu scolaire. Paris: PUF, 1996.

GAUTHIER, Clemont. Por uma teoria da Pedagogia. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1998.

GAUTHIER, Clemont; DESBIENS, Jean-François; MARTINEAU, Stéphane. Mots de passe pour mieux en-seigner. Quebec: Lês Presses de L’Univsersité Laval, 2003.

GAUTHIER, Clemont; JEFFREY, Denis. Enseignar et séduire. Quebec: Lês presses de L’Université Laval. 1993.

HARGREAVES, Andy. Os professores em tempos de mudança: o trabalho e a cultura dos professores na idade pós-moderna. Lisboa, 1994. [s.n.].

LESSARD, Claude; TARDIF, Maurice. Les identities enseignantes: analyse de facteurs de différenciation du corps enseignant québécois 1960-1990. Editions du CRP, Université de Sherbrooke. 2003.

PERRENOUD, P. O ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Portugal: Porto, 1995, p. 238.

PERRENOUD, P. Lê role de la formation à l’enseignement dans la construcion des disciplines scolaires. Revue Educacion e Francophonie, v. XXVIII, n. 2, automne-hiver, 2000. Revue Virtuelle: Disponível em: <http://www.acelf.ca/revue> . Acesso em: 30, março, 2000.

SCHON, Donald. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1992.

SHULMAN, L. L. Those who understand: knowledge growth in teaching. Educacional Researcher, W ashing-ton, v. 15, n. 2, Feb. 1986. p. 4-14.

SHULMAN, L. L. Paradigms and research programs in the study of teaching: a contemporary perspective. In: WITTROCK, Merlin. C. (Dir.). Handbook of research on teaching. New York: MacMillan. 1986b. p. 3-36.

SHULMAN, L. L. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harvard Educational Review, v. 57, n. 1, Feb. 1987. p. 1-22.

TARDIF, M; LESSARD, C; LAHAYE, L. Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente. Teoria & Educação, n. 4, 1991.

84 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 65-84, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

TARDIF, M; LESSARD, C. Le travail enseignant au quotidien. Experience, infractions humaines et dilemes professionnels. Europe: DeBoeck, 1999.

TARDIF, M. Os professores enquanto sujeitos do conhecimento: subjetividade, prática e saberes no magis-tério. CANDAU, Vera (Org). Didática, currículo e saberes escolares. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

TARDIF, M. Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério. In: Revista Brasileira de Educação, n. 13, jan./abr. 2000.

TARDIF, M; LESSARD, C; GAUTHIER, C. Formation des maîtres e contextes sociaux. Canadá: PUF, 1998.

TARDIF, Maurice; RAYMOND, Danielle. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educ. Soc., v. 21. n. 73. dez. 2000.

TARDIF, M; LESSARD, C; LAHAYE, L. Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente. Teoria & Educação, n. 4, 1991.

85Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ARTIGOS

A formação inicial de professor: considerações sobre o programa de licenciaturas internacionais

Marielda Ferreira Pryjma

RESUMO: A formação de professores e as políticas de incentivo à formação docente têm sido recorrentes no contexto brasileiro. O Programa de Licenciaturas Internacionais (PLI) ampliou as ações voltadas para a formação do professor. Este estudo relata o processo de acompanhamento de estudantes inseridos nesse programa e buscou analisar as condições de inserção ao PLI e quais foram as oportunidades de aprendizagem para a docência dos estudantes brasileiros. A pesquisa qualitativa e a análise de conteúdo permitiram a sistematização dos dados. Os resultados indicam que: a maior dificuldade para a inserção ao programa foi o domínio dos conteúdos da área específica; as metodologias de ensino solicitaram a participação dos alunos na construção do conhecimento; a rotina de estudo foi intensa; o ensino com pesquisa é uma realidade; viver “sozinho” oportunizou um crescimento pessoal; a adaptação à cultura portuguesa foi lenta e difícil; e o curso requer dedicação em tempo integral. A aprendizagem profissional significou a aquisição de uma postura de aprimoramento constante em busca de novos conhecimentos e habilidades para a atuação docente.

PALAVRAS-CHAVE: Formação Inicial; Inserção Profissional; PLI.

Initial teacher training: considerations for the international undergraduate programABSTRACT: Recently in Brazil, professor formation and incentives for teacher formation have been a recurrent subject. The International Program for Teaching Degrees (Programa de Licenciaturas Internacionais, PLI) has broadened the actions focused on teacher formation. This study reports the follow-up process of the students participating in the program and sought to analyze the insertion conditions to PLI and what were the learning opportunities for the teaching of Brazilian students. The qualitative research and content analysis allowed the systematization of data. The results indicate that: the major difficulty to implement the program was handling the contents of the specific areas; the teaching methodologies required the participation of students in the construction of knowledge; the study routine was intense; teaching with research is a reality; living “alone” created the opportunity for personal growth; the adaptation to the Portuguese culture was slow and difficult; and the course requires a full-time dedication. The professional learning resulted in obtaining a constant improvement attitude when seeking new knowledge and abilities to become a teacher.

KEYWORDS: Initial formation; Integration into Work/Employability; International Program for Teaching Degrees.

86 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

INTRODUÇÃO

A formação de professores para a educação básica vem se configurando como um dos principais temas de investigação na área de educação. As pesquisas (FORMOSINHO, 2009; MARCELO, 2009; TARDIF; LESSARD, 2009; VEIGA, 2009), além de analisarem os processos formativos, têm contribuído para a implementação de políticas públicas de incentivo à formação inicial do professor. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) tem subsidiado um conjunto de programas desti-nado a esse fim: o Programa de Consolidação das Licenciaturas (PRODOCÊNCIA), Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), Programa de Licenciaturas Internacionais (PLI), Programa de Apoio a Laboratórios Interdisciplinares de Formação de Educadores (LIFE).

O PLI ampliou as ações voltadas para a formação inicial do professor que irá atuar na educação básica, bus-cando elevar a qualidade da graduação, tendo como prioridade a melhoria do ensino dos cursos de licenciatura e a formação de professores, por meio da ampliação e da dinamização das ações voltadas à formação inicial e à implementação de novas diretrizes curriculares para a formação de professores. Esse programa prevê, entre outros resultados, uma dupla certificação a ser emitida pela instituição brasileira e pela portuguesa.

Este estudo relata o processo de acompanhamento dos bolsistas inseridos no PLI, bem como os resulta-dos parciais dessa formação, e tem como objetivo analisar as condições de inserção ao PLI e quais foram as oportunidades de aprendizagem profissional ocorridas em contextos escolares, culturais e sociais dos estudantes brasileiros. Metodologicamente, a investigação teve apoio nos pressupostos da pesquisa com abordagem qualitativa por três motivos expressivos: (a) pela flexibilidade de adequação ocorrida durante o seu desenvolvimento para a construção do objeto de estudo; (b) pela complexidade do objeto de estudo; (c) por permitir a heterogeneidade dos dados; e (d) pela possibilidade de descrever, em profundidade, os diferentes aspectos da experiência dos professores (PIRES, 2008, p. 90).

Participaram do estudo sete estudantes do PLI, e os dados foram coletados nos documentos oficiais da CAPES (proposta do programa, editais, planos de trabalho e resultados) e dois questionários foram respondidos pelos bolsistas durante o primeiro ano do programa (2012). Esses questionários foram com-postos por perguntas abertas enviadas por meio eletrônico aos bolsistas. Os itens apresentados buscaram responder às questões da pesquisa, permitindo relatar as percepções dos bolsistas acerca dos desafios, aprendizagens, percursos, e os impactos da formação.

A análise documental buscou entender os dados contidos no material pesquisado, organizando os ele-mentos de informação por classificação em palavras-chave e ideias (categorias) para conhecer o sentido das mensagens apresentadas pelos sujeitos. Assim, a categorização dos elementos de significados afins contidos nas respostas foi distribuída segundo o objetivo deste estudo, considerando a incidência de informações (análise quantitativa da frequência na totalidade do material), analisando o detalhadamente do sentido das palavras e das ideias (análise qualitativa dos elementos de significação).

A leitura detalhada dos documentos permitiu agrupar as ideias iniciais e elaborou-se um plano flexível de análise para a criação de indicadores que possibilitassem a interpretação final. O processo de avaliação buscou dar um sentido significativo e válido ao resultado, confrontando-os ordenadamente com o material e articulando-os com as dimensões teóricas que sustentaram o estudo. A organização e a classificação das ideias ocorreram pelo agrupamento e equivalência dos elementos comuns entre si, condicionando qual elemento seria considerado em uma única divisão.

87Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

O acompanhamento dos alunos em Portugal ocorreu por meio de um programa criado para esse fim e batizado de Grupo de Orientação ao Licenciando (GOL), que visou ao assessoramento do bolsista no ensino universitário (processo de formação inicial aos conteúdos específicos para atuação na docência) e assistência à inserção profissional docente, no que se refere a como se aprende a ensinar. Esse grupo constitui uma unidade de trabalho colaborativo que buscou analisar o processo de formação, bem como a tomada de decisões que auxiliaram ou solucionaram possíveis problemas (CAPES, 2012). Com apoio de uma equipe de professores da área de educação e das áreas específicas dos cursos de Física e Matemática denominados “professores tutores”, a equipe assumiu a incumbência de organizar, colaborativamente, a proposta de integração curricular do conjunto de disciplinas do curso para cada um dos estudantes bol-sistas em consonância com os dispositivos estabelecidos para a atribuição da dupla diplomação e para acompanhar os seus desempenhos acadêmicos.

As estratégias de acompanhamento ocorreram por meio de ambientes virtuais, redes sociais e autoa-valiação a partir de instrumentos investigativos e avaliação do professor tutor. Além dessas, as missões de trabalho previstas pelo programa em Portugal, realizadas no início de cada semestre, permitiram uma aproximação com os os bolsistas para o acompanhamento do projeto.

UMA BREVE APRESENTAÇÃO SOBRE A ESTRUTURA DAS PROPOSTAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL E EM PORTUGAL

A formação de professores tem sido objeto de estudos de inúmeros investigadores da área de educação e, em geral, tem revelado muitas fragilidades e insatisfações, quer no âmbito das políticas de formação, quer na atuação dos professores das instituições formadoras. Tanto no Brasil como em Portugal, as exigências para a formação de professores tem vínculo com as expectativas da sociedade contemporâ-nea; entretanto, as concepções dessa formação pouco têm avançado para atender a esses anseios. “As exigências atribuídas à instituição escolar e aos profissionais que nela trabalham têm acompanhado os discursos sociais e políticos que reconhecem a sua importância na procura da concretização da igualda-de de oportunidades de sucesso para todos os que a frequentam e a quem ela se destina” (ALMEIDA; LEITE; SANTIAGO, 2013, p. 122).

As políticas educativas e de formação no Brasil iniciam os anos 90 marcadas pelo contexto da globaliza-ção e despontam um cenário em que as relações de mercado e a competitividade apoiada pelas novas tecnologias colocaram as metas da educação nas exigências do contexto global, visando atender as demandas de mercado.

Nessa lógica, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores de Educação Básica (BRASIL, 2002) instituídas pelo Conselho Nacional de Educação, no Brasil, definiram que os cursos de formação de professores tivessem uma estrutura que atendesse às características contemporâneas da atividade profissional docente, assegurando, além de uma formação específica em determinada área do conhecimento e a formação pedagógica para a docência, o “compromisso com o sucesso da aprendizagem dos seus alunos; o respeito à diversidade dos estudantes; o desenvolvimento de práticas investigativas voltadas ao bom ensino; a capacidade de assumir tarefas que extrapolam a sala de aula” (SCHEIBE, 2011, p. 11). Assim, essa estrutura propôs que a aprendizagem profissional ocorresse de forma integrada, articulando a aprendizagem dos conteúdos específicos de diferentes áreas do conhecimento com os conteúdos pedagógicos necessários aos professores, bem como a necessidade de uma carga horária mínima para a aprendizagem da prática profissional necessária para a formação do futuro docente.

88 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Cabe ressaltar que os cursos de licenciatura no Brasil estão em permanente análise do seu propósito em função de inúmeros questionamentos que cercam a sua intencionalidade e efetividade. A relação entre teoria e prática tem sido alvo de estudos e busca por uma formação menos fragmentada e mais vinculada à reflexão e análise da prática docente, considerada referência no processo formativo (MASSABNI, 2011).

As propostas de formação de professores em Portugal tiveram uma significativa alteração a partir da promul-gação do Decreto-Lei nº 43 de 22 de fevereiro de 2007 (PORTUGAL, 2007), que considerou que a qualificação profissional do cidadão português dependeria da qualidade do ensino e, por consequência, da qualidade do corpo docente que atua nas instituições de ensino portuguesas. Esse decreto definiu as condições para a aquisição da habilitação profissional para a docência e instituiu que a posse do título seria condição essencial para a atuação do professor quer no ensino público, quer no ensino particular. Dessa forma, essa habilitação contribuiria, direta e indiretamente, para a melhoria da qualidade do ensino como um todo.

As condições exigidas para a qualificação não foram alteradas, permanecendo o princípio de formação pro-posto na Lei de Bases do Sistema Educativo promulgada em 1997 (PORTUGAL, 2007). Todavia, ressalta-se que em nível superior atende o Processo de Bolonha1, e a formação para a docência passou a ocorrer no segundo ciclo da educação superior, elevando essa qualificação para nível de mestrado e demonstrando que as políticas públicas daquele país buscam a melhoria da qualidade do ensino e valorizam o estatuto socioprofissional da categoria. Assim sendo, a habilitação profissional é conferida ao professor quando este possuir um curso de primeiro ciclo de caráter generalista (área de Línguas, Matemática, Física, Química, entre outras) e um mestrado em Ensino (segundo ciclo) com aquisição de créditos acadêmicos na área de ensino abrangida pela legislação portuguesa.

Em ambos os sistemas de ensino, é de comum entendimento que “a formação de professores e edu-cadores tem de abarcar campos que vão para além da aquisição de conhecimentos do domínio das disciplinas clássicas, e tem de não repetir modelos que se impuseram quando a função da escola era apenas a de transmitir conhecimentos” (LEITE, 2006, p. 281). Discutir os pressupostos da formação de professores significa debater e entender como garantir um domínio adequado da ciência, da técnica e da arte da profissão docente, isto é, a profissionalização docente (ALMEIDA, 2008).

O Programa de Licenciaturas Internacionais foi proposto nesse contexto e a formação do professor depende de um sistema estruturado para apoiar essa formação de maneira a assegurar o êxito do projeto e a melhoria da qualificação profissional dos envolvidos com o PLI. Para que o programa pro-mova uma formação efetiva, é fundamental conhecer os propósitos formativos dos dois sistemas de ensino, bem como as necessidades dos futuros professores brasileiros envolvidos nesse processo, para promover a integração progressiva e efetiva à cultura profissional, por meio do intercâmbio das experiências, interação entre os pares, desenvolvimento de atitudes investigativas e reflexivas essenciais para a prática docente. O apoio, orientação e acompanhamento são essenciais para que a formação se efetive com qualidade, buscando, a partir deste, atender a todas as necessidades e e expectativas dos futuros professores envolvidos com o programa, na tentativa de priorizar a formação docente e o desenvolvimento profissional.

1 A proposta do Processo de Bolonha visa à convergência e harmonização dos sistemas educativos dos diferentes países da Europa, com o intuito de proporcionar um alinhamento desses para que ocorra uma formação com qualidade e competitividade, que permita a mobilidade estudantil entre sistemas que passam a ser comparáveis e legítimos (FERREIRA, 2011).

89Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

O PROGRAMA DE LICENCIATURAS INTERNACIONAIS

O Programa de Licenciaturas Internacionais é uma iniciativa da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que teve sua primeira versão no ano 2010. O apoio do Grupo de Coimbra de Universidades Brasileiras (GCUB) foi determinante para a criação desse programa e os principais obje-tivos priorizaram a melhoria do ensino nos cursos de licenciatura e a formação de professores, bem como:

[...] ampliar a formação de docentes para o ensino básico no contexto nacional; ampliar e dinamizar as ações voltadas à formação de professores, priorizando a formação inicial desenvolvida nos cursos de licenciatura; apoiar a formulação e implementação de novas diretrizes curriculares para a formação

de professores, com ênfase no Ensino Fundamental e no Ensino Médio (BRASIL, 2010, 2011, 2012).

A participação no programa ocorre por meio de uma seleção de projetos elaborados por professores vin-culados aos cursos de licenciatura no país e que tenham convênio de cooperação com uma universidade portuguesa. Tais projetos assumem o compromisso com a formação com qualidade do futuro professor e as estratégias para esse fim dependem do objetivo de cada proposta. A dupla diplomação, objetivo central do PLI, está vinculada ao bom desenvolvimento dos projetos escolhidos.

A seleção dos estudantes que participarão do programa é de responsabilidade da instituição proponente do projeto e todos os bolsistas que participarem do PLI obterão o duplo diploma (graduação “sanduíche”), reconhecido pela legislação educacional brasileira e portuguesa. Para tal, eles devem cursar quatro semestres letivos em uma universidade portuguesa previamente definida e um período similar em sua instituição de origem, bem como obter um número mínimo de créditos acadêmicos nas universidades estrangeiras (mínimo 48 ECTS2 para o primeiro ano e 120 ECTS para a obtenção do duplo diploma), permitindo uma dupla formação a partir da convalidação dessas disciplinas. Os editais são bastante exigentes em relação à arquitetura curri-cular dos bolsistas e estabelecem que ambas as instituições assumam compromissos com a elas, e exige também que o colegiado do curso de origem analise as duas grades curriculares (universidade brasileira e universidade portuguesa), proponha e aprove o plano de estudos para cada bolsista. Além do colegiado, a Pró-Reitoria de Graduação ou órgão similar e o Reitor ou Dirigente da IES também assumem compromisso formal com as convalidações no momento em que assinam os Termos de Cooperação Internacional e os Termos Aditivos específicos ao PLI. Todos esses cuidados visam preservar a boa formação dos bolsistas, bem como evitar que eles venham a ter dificuldades, no retorno ao Brasil, para a convalidação das disciplinas cursadas no exterior, situação já ocorrida em outras situações de intercâmbio em nível superior3.

O PLI tem um cunho social e solicita, por meio de edital, que a participação no programa ocorra somente para alunos advindos de escolas públicas de educação básica brasileira. Para isso, todo o candidato à bolsa deve comprovar que cursou a totalidade do ensino médio e pelo menos dois anos do ensino fun-damental em instituições públicas. As exceções se voltam para os alunos que foram bolsistas integrais em instituições privadas que comprovarem a baixa renda familiar.

O número de projetos contemplados no PLI teve um aumento significativo desde a sua primeira versão em 2010, como pode ser visto na Tab. 1.

2 European Credit Transfer and Accumulation System / Sistema Europeu de Acumulação e Transferência de Créditos. É um sistema que mede as horas que o estudante tem que trabalhar para alcançar os objetivos do programa de estudos. Estes objetivos são especificados em termos de competências a adquirir e resultados de aprendizagem. As horas de trabalho do estudante incluem as horas letivas (aulas teóricas, aulas práticas/laboratoriais, aulas teórico-práticas, seminários), as eventuais horas de estágio, as horas dedicadas ao estudo e à realização de trabalhos, assim como as horas de realização da avaliação (testes, exames escritos/orais e apresentações de trabalhos) (UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA).

3 O relato sobre a dificuldade de convalidação em cursos superiores foi relatada durante a Reunião Anual dos Coordenadores do PLI ocorrida na Universidade do Porto em setembro de 2012.

90 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Tabela 1 – Número de Projetos Participantes dos Projetos do PLI

Ano Número de Projetos

PLI 2010 – 2012 27

PLI 2011 – 2013 38

PLI 2012 – 2014 64

Total 129

Fontes: BRASIL, 2010, 2011, 2012

Ressalta-se que a Universidade de Coimbra acolheu, exclusivamente, todos os projetos selecionados nas duas primeiras edições do PLI (Tab. 2). As demais universidades participantes se inseriram na proposta em 2012, terceiro edital, e permitiram uma expansão expressiva de projetos e bolsistas.

Tabela 2 – Relação dos Projetos do PLI e Universidades Portuguesas

PLI 2010 – 2012 PLI 2011 – 2013 PLI 2012 – 2014

Universidade da Beira Interior - - 1

Universidade de Aveiro - - 4

Universidade de Coimbra 27 38 32

Universidade de Évora - - 3

Universidade de Lisboa - - 4

Universidade do Minho - - 3

Universidade do Porto - - 11

Universidade Técnica de Lisboa - - 5

Universidade Trás-Os-Montes - - 1

Total 27 38 64

Fontes: BRASIL, 2010, 2011, 2012

Juntamente com a expansão dos projetos, veio o crescimento do número de acadêmicos brasileiros contemplados pelo programa de dupla diplomação. O aumento de 155% dos bolsistas da terceira edição em relação à primeira demonstra a ampliação do programa e que a política de incentivo à formação de professores, objetivo central do PLI, tem sido considerada como prioridade pelos proponentes deste.

Tabela 3 – Número de Alunos Participantes dos Projetos do PLI

Ano Número de Alunos

PLI 2010 – 2012 172

PLI 2011 – 2013 240

PLI 2012 – 2014 440

Total 852

Fontes: BRASIL, 2010, 2011, 2012

91Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Desde a primeira versão do PLI, as universidades federais são presença majoritária na participação do programa (Tab. 4), ficando as demais instituições com uma menor representatividade. Uma das razões pode estar vinculada à expansão das licenciaturas nas universidades públicas no país, incentivada por uma política do governo federal que propôs uma série de ações que permitissem a retomada do crescimento da educação superior, como o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), contribuindo para a ampliação da rede federal de educação superior (MEC). A outra razão pode estar articulada ao princípio social do PLI, que busca incorporar a dimensão social, cultural e coletiva sobre o processo formativo do futuro professor, buscando assegurar uma ressignificação da profissão de professor a partir de uma nova referência teórico-metodológica profissional, donde as universidades públicas buscam se aproximar desse princípio, pela natureza da sua própria função social.

Tabela 4 – Relação dos Projetos do PLI e Categorias Administrativas das Instituições de Ensino

Categoria Administrativa PLI 2010 – 2012 PLI 2011 – 2013 PLI 2012 – 2014

Instituições Federais 21 28 46

Instituições Estaduais 3 7 8

Instituições Privadas 3 3 10

Total 27 38 64

Fontes: BRASIL, 2010, 2011, 2012

As áreas atendidas pelo PLI são as mais diversas, apesar de os editais privilegiarem os estudos de Física, Matemática, Química e Biologia, setores nos quais existem as maiores defasagens de professores no país.

Tabela 5 – Relação dos Projetos do PLI e Áreas Contempladas

Áreas PLI 2010 – 2012 PLI 2011 – 2013 PLI 2012 – 2014

Artes 1 4 8

Biologia 4 7 5

Ciências - 5 -

Educação 7 2 -

Educação Física 3 4 15

Ensino 3 - -

Física 2 3 5

Interdisciplinar 2 4 17

Letras 3 7 7

Matemática 1 1 2

Química 2 1 5

Total 27 38 64

Fontes: BRASIL, 2010, 2011, 2012

92 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

A explicação para o pouco número de docentes nessas áreas abrange diferentes fatores, mas a desis-tência ou abandono do curso, em nível de graduação, esclarece o baixo índice de profissionais formados para a atuação, como professor, na área de ciências exatas. Os alunos das graduações não querem ser professores, isto é uma realidade.

Tabela 6 – Número de Alunos Matriculados e Concluintes nos Cursos de Licenciatura em 2011 no Brasil

Curso Matrículas Concluintes

Pública Privada Total Pública Privada Total

Física 24.071 1.873 25.944 1.466 515 1.981

Matemática 58.946 23.493 82.439 6.449 4.682 11.331

Fonte: BRASIL, 2012

Dados do INEP (BRASIL, 2012) confirmam que as áreas de Física e Matemática apresentam a maior defasagem entre matrículas iniciais e concluintes nesses cursos (Tab. 6)4. Para além das dificuldades acadêmicas relacionadas à aprovação dos alunos que estão devidamente matriculados, estudos indicam que uma das razões direciona o problema para a baixa procura pelos cursos de licenciatura, que está relacionada com a questão do status social do magistério, tendo esta estreita afinidade com a questão salarial e reconhecimento social (LUNKES; ROCHA FILHO, 2011).

Os alunos da educação básica, ao reconhecerem antecipadamente que há problemas com a questão do status social do magistério (IBID), confirmam um sentimento existente entre os professores que revela a perda de prestígio e deterioração da sua imagem social, situação que se evidencia em muitos países (MARCELO; VAILLANT, 2009). As situações mais críticas decorrentes da perda de prestígio envolvem: o número crescente de bons formandos que não optam pelo magistério, os baixos níveis de exigência de universidade e institutos de formação docente para o ingresso na carreira, e a percepção generalizada da sociedade para as más condições da educação básica, associada à baixa qualificação dos professores (IBID).

A situação das licenciaturas em física e matemática no Brasil (INEP, 2012) é bastante grave, com a oferta de vagas muito superior ao número de concluintes dos cursos, demonstrando uma relação desigual entre os formandos e as necessidades de professores para a educação básica. Esse índice diminui se for conside-rada a hipótese dos licenciados, após formados, atuarem em áreas de pesquisa, indústria, entre outras. As vagas ociosas dos cursos, relação entre matrículas e concluintes, demonstra que as licenciaturas dessas duas áreas necessitam rever as suas propostas curriculares e de formação para diminuir essa distância.

Comparando às estatísticas portuguesas relacionadas aos cursos dessa mesma área, os números de-monstram uma distância significativa aos dos brasileiros. Ao observar a Tab. 6 e a Tab. 7, ponderando-se a diferença populacional luso-brasileira, os dados são preocupantes para a realidade do Brasil.

Tabela 7 – Número de Alunos Inscritos e Concluintes nos Cursos de Ciências, Matemática e Informática em 2011 em Portugal5

4 Em 2005 o curso de Matemática liderou a lista daqueles com as maiores taxas de evasão com 44% dos alunos matriculados e no período entre 2001 e 2005 essa taxa apresentava 30%. O curso de Física ficou na quinta colocação na taxa de evasão com 34% (SILVA FILHO; MOTEJUNAS; HIPÓLITO; LOBO, 2007)

5 Os dados apresentados não estão com a mesma nomenclatura dos dados brasileiros porque as estatísticas portuguesas utilizam outros critérios de avaliação para a educação superior. No entanto, os cursos apresentados são equivalentes entre si.

93Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Curso Inscritos Vagas Concluintes

Pública Privada Total Pública Privada Total Total

Ciências, Matemática e Informática

26.312 2.345 28.657 4.954 1.647 6.601 5.155

Fonte: PORTUGAL, 2012

Investigações portuguesas revelam que muito se avançou em termos educacionais no país; contudo, há evidências de muitos processos formativos inadequados, embasados em princípios e práticas muitos tradicionais, distantes das propostas integradoras dos avanços científicos (planos de ensino, estratégias de ensino e aprendizagem e avaliação da formação) poderiam ser aprimorados, indicando que todo o processo formativo deve permanecer em constante avaliação e análise (ESTEVES, 2011).

Já um estudo realizado sobre a baixa procura da Licenciatura em Física revela que os poucos interessados pelo curso foram influenciados pela experimentação didática ocorrida nas aulas do ensino médio e pela aplicação dos conhecimentos físicos no cotidiano em que estavam inseridos, demonstrando que a apro-ximação com a área está associada à atuação profissional do professor da educação básica, confirmando que a formação do professor deve aproximar a teoria e a prática (LUNKES; ROCHA FILHO, 2011). Zabalza (2006, p. 195) explica que o estudante aprende muito mais que os conteúdos com os seus professores. Eles aprendem a se interessar pelo campo científico, o rigor do trabalho, como se estrutura e organiza a profissão de professor, como ter uma visão de mundo, sendo esse é um dos contextos formativos que pode estimular a escolha pela carreira docente.

Em ambos os sistemas de ensino, brasileiro e português, os dados indicam uma realidade que necessita ser permanentemente analisada e refletida em busca de aprimoramento do processo formativo.

Assim, a oportunidade de intercâmbio para os alunos das licenciaturas brasileiras permite que os bol-sistas e os professores responsáveis pelos projetos tenham uma visão mais ampla e uma aquisição de experiências do processo formativo português, possibilitando utilizá-las na análise e na avalição das suas próprias propostas de formação de professores em nível de licenciatura. Os dados manifestam que as licenciaturas no Brasil necessitam avaliação detalhada da sua intencionalidade e uma retomada das pro-postas indicadas nos projetos de curso. Conceber e praticar uma formação docente na perspectiva de uma formação contínua que assegure o desenvolvimento profissional do professor, a partir do entendimento de como se aprende a ensinar, pode responder aos problemas encontrados nesses cursos.

AS PERCEPÇÕES DOS BOLSISTAS SOBRE O PLI

A análise dos documentos produzidos pelos sete bolsistas analisados possibilitou entender as suas per-cepções sobre o PLI e analisar como cada um compreendeu sua participação no projeto. Um dos objetivos dessa análise é saber como a participação no PLI contribuiu para a formação do futuro professor e, para isso, foi considerado que “é no movimento dialético entre passado, presente e futuro que os sujeitos se apropriam da vida como processo formativo e tomam a responsabilidade pela atribuição de sentido e pela ressignificação da trajetória pessoal e profissional” (BRAGANÇA, 2012, p. 584).

94 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

As análises iniciais demonstram que a experiência acadêmica vivenciada em Portugal permitiu a construção de conhecimentos profissionais, com aspectos individuais, em que as histórias pessoais constituíram conhecimentos práticos que estão auxiliando na constituição desse profissional dos futuros professores. Dessa forma, a análise dos documentos utilizados para a coleta de dados resultou em duas categorias, a saber: (a) inserção no programa; (b) aprendizagem pessoal e profissional.

Na questão inserção no programa, foram encontradas subcategorias que se aproximaram muito e foram consideradas no todo para análise, visto que em alguns casos a dificuldade para um era indicada como sucesso para o outro. São elas: a) sucesso com o processo de inserção no programa; b) dificuldades no processo de inserção no programa. A inserção no programa surgiu do pressuposto de que os bolsistas tiveram experiências, vivências, histórias de vida, considerando, dessa forma, as diferentes oportunidades de inserção, o reconhecimento das limitações dessa e a avaliação e reavaliação dos propósitos iniciais para a participação no programa.

Da categoria aprendizagem pessoal e profissional também resultaram duas subcategorias semelhantes à da primeira, sendo elas: a) sucesso na aprendizagem pessoal e profissional; b) dificuldades na apren-dizagem pessoal e profissional. A base que sustenta a aprendizagem pessoal e profissional está na for-mação de um profissional que tenha domínio de conhecimentos e habilidades para a atuação docente, mas, principalmente, que tenha entendimento necessário sobre o fazer docente que permita que o futuro professor tenha competência de aliar a sensibilidade, para entender a complexidade dos fatos empíricos, à reflexão (MARQUES, 2006).

Em todo o texto dos documentos analisados, as questões que envolveram sucesso e dificuldades es-tiveram vinculadas à ideia de que uma experiência de intercâmbio apresenta dois lados antagônicos e complementares entre si necessários ao processo de formação; no entanto, são ressaltadas constante-mente as conquistas e as dificuldades em nível pessoal de toda essa experiência.

Em relação ao sucesso com o processo de inserção no programa, a percepção dos bolsistas revela que a adaptação à universidade e ao idioma falado foram consideradas as principais conquistas dos envolvi-dos. Eles argumentaram que a rotina universitária portuguesa é bastante diferente da realidade brasileira e isso, no princípio do programa, foi uma grande dificuldade para todos. A adaptação às metodologias de ensino e aprendizagem, o entendimento do sistema de ensino português e a criação de estratégias próprias para se adaptarem a toda essa novidade foi considerada pelos bolsistas o principal “sucesso” nesse primeiro ano de intercâmbio.

A língua portuguesa falada é muito distinta da língua brasileira e a dificuldade de compreensão dessa fala nas aulas dificultou o entendimento dos conteúdos no início do PLI. Os bolsistas demoraram alguns meses para entender com clareza a língua portuguesa falada e isso se tornou um grande desafio para todos eles. Quando passaram a compreender melhor a linguagem, demonstraram plena satisfação com o desafio vencido, o que ficou claro para os professores tutores, visto que os bolsistas passaram a interagir com os colegas portugueses.

Já as dificuldades com o processo de inserção são apresentadas em número maior do que o sucesso. A principal dificuldade apontada pelos envolvidos está na ausência de obtenção de pré-requisitos para acompa-nhar as disciplinas curriculares portuguesas. Tanto os bolsistas do curso de Física quanto os de Matemática indicam a falta de domínio de alguns conteúdos escolares para compreenderem com mais facilidade as aulas

95Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ministradas pelos professores portugueses, pois alguns desses conteúdos foram ministrados nas escolas de nível secundário em Portugal, gerando dificuldades para a compreensão dos temas abordados pela falta de pré-requisitos, levando-os à busca por aulas de reforço nos serviços da universidade. Outra solução foi procurar por aulas particulares com professores de Matemática de nível médio para preencher a lacuna encontrada. Isso gerou, em um primeiro momento, preocupação e críticas ao sistema de ensino brasileiro, o que foi superado com a aquisição desses conteúdos e o entendimento da nova realidade.

Relacionadas às questões culturais e hábitos portugueses (linguagem, vestimentas, alimentação, com-portamento, postura) houve também dificuldades que foram superadas e plenamente resolvidas.

Nos relatos dos bolsistas, houve uma insatisfação sobre a postura dos estudantes portugueses. De acordo com o ponto de vista dos brasileiros, eles se apresentam muito “fechados” aos estrangeiros, dificultando o processo de adaptação. Durante o primeiro semestre, as atividades em grupo eram realizadas pelos grupos de brasileiros e os grupos de portugueses, não havendo uma interação entre eles. As questões culturais incomo-daram ambas as partes. Essa situação foi superada tardiamente durante o transcorrer do segundo semestre.

Outra dificuldade indicada nessa categoria está atrelada à adaptação com a língua falada, que ora é apre-sentada pelos bolsistas como uma das maiores dificuldades encontradas no início, ora é apresentada como uma conquista obtida.

A categoria aprendizagem pessoal e profissional é analisada sob duas óticas: o sucesso com a apren-dizagem pessoal e profissional e as dificuldades com a aprendizagem pessoal e profissional, como foi mencionado anteriormente.

O sucesso com a aprendizagem pessoal e profissional é revelado pelos bolsistas como o processo de superação de todas as dificuldades encontradas no programa. Para eles, perceber que são capazes, po-dem conseguir e superar as dificuldades foi a maior aprendizagem das suas vidas até o momento. Esse sucesso está relacionado desde as questões básicas de compartilhamento de uma residência, como a convivência com estranhos no espaço privado. Os bolsistas são jovens, com idade entre 19 e 23 anos (exceto um deles, que tem mais do que 30 anos), e os desafios de administrar seus próprios recursos, organizar o seu espaço de moradia (arrumação, limpeza, alimentação, despesas), estudar, conviver com a saudade da família e amigos distantes demonstraram que o PLI é uma excelente oportunidade de aprendizagem pessoal e profissional.

Outro sucesso apresentado está vinculado ao estudo. Os bolsistas indicam que aprender a estudar foi um dos grandes sucessos da aprendizagem pessoal profissional. Eles tinham o hábito de estudar na véspera dos exames e a metodologia de ensino em Portugal exige que o estudo seja diário, tornando possível assim o acompanhamento das disciplinas ministradas. Além disso, a sistemática de trabalho dos professores portugueses pede que os estudantes tenham contato com os temas de estudo antes das aulas, por meio de leituras, situação bastante diferente da realidade de ensino brasileira.

O estudo colaborativo passou a ser uma das estratégias para a aprendizagem e as trocas e a convivência com os pares, brasileiros – estrangeiros – portugueses foi considerada outra grande conquista pelos envolvidos.

Outras diferenças apresentadas pelos bolsistas foram as aulas práticas, vinculadas às disciplinas teóri-cas, que eles precisaram cursar. O entendimento teórico a partir da experimentação é percebido como

96 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

essencial para a aprendizagem; todavia, eles ultrapassaram esse princípio e conseguiram articular a teoria com a prática e isso foi apresentado como um dos sucessos da aprendizagem pessoal e profissional.

Sobre as dificuldades com a aprendizagem pessoal e profissional, foi relatado que a criação de uma nova rotina de estudo foi bastante complicada. Os bolsistas brasileiros indicaram que não era rotina estudar diariamente no Brasil e bastavam algumas horas de dedicação antes dos exames para alcançarem os objetivos propostos. Isso não ocorreu em Portugal e o prejuízo foi grande. Alguns deles não obtiveram êxito e foram reprovados em uma disciplina pelo menos, gerando sensação de incompetência e falta de dedicação. O programa exige um número mínimo de créditos para a permanência no segundo ano do projeto. A aprovação em somente uma disciplina no primeiro semestre do PLI, por três alunos avaliados, gerou a necessidade de uma reavaliação das metodologias de estudo, das condições de aprendizagem, da análise dos planos de estudo (disciplinas a serem cursadas por eles) e do projeto como um todo. Estratégias de acompanhamento a distância foram alteradas para assegurar que os bolsistas viessem a ter condições de obter aprovação no segundo semestre. Eles relataram que a modificação do acom-panhamento dos professores tutores melhorou e permitiu que tivessem uma rotina mais organizada de estudo. O desempenho acadêmico foi apresentado como a maior dificuldade encontrada no PLI.

Por último, a distância da família e dos amigos brasileiros interferiu na vida cotidiana, o que foi exposto como uma aprendizagem “de vida”, mas que permanece sendo difícil para todos eles.

97Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises revelam que a maior dificuldade dos bolsistas está na aquisição dos conteúdos específicos da área de formação. Essa situação sugere, como em diversos estudos, que os cursos de licenciatura no Brasil necessitam rever o seu processo formativo e as suas estratégias de ensino e aprendizagem. As metodologias de ensino requerem uma maior participação dos alunos na construção do conhecimento e isso não é novidade no meio acadêmico, mas tem se tornado o principal desafio da educação superior.

A rotina de estudo que se faz necessária nesse intercâmbio nada se assemelha com a experiência que os estudantes tinham nas escolas brasileiras. A avaliação final deveria buscar saber sobre o aluno ter realmente aprendido e não o que ele memorizou. A participação no PLI tem revelado que as metodologias de estudo e aprendizagem passaram a ser a prioridade nas instituições de ensino portuguesas e o ensino perde o seu sentido se o aluno não aprende efetivamente. O aprendizado com pesquisa é uma prática cotidiana na escola portuguesa, e demonstrou que é totalmente viável na educação superior. As metodologias de trabalho dos colegas lusitanos merecem ser analisadas e, se possível, adaptadas à realidade brasileira, pois resultam em aprendizagens significativas para os estudantes que a recebem.

Viver “sozinho” oportunizou um crescimento pessoal significativo, apesar de a adaptação a cultura portu-guesa ter sido lenta e difícil. Possivelmente, se essa experiência tivesse ocorrido em outra região brasileira, situações semelhantes seriam encontradas. Os bolsistas são jovens e a aprendizagem pessoal foi intensa, desencadeando a constituição de um sujeito totalmente diferente daquele que foi para o programa em 2012, e essa pode ser considerada uma das grandes experiências das suas vidas, sem dúvida alguma.

Por fim, a aprendizagem pessoal e profissional está sendo ofertada pelo PL, significando que os bolsistas estão adquirindo uma postura profissional de aprendizagem constante em busca de novos conhecimentos e das habilidades para a atuação docente.

Os relatos também indicam que as experiências de formação realizadas ao longo do primeiro ano do programa favoreceu a reflexão sobre essa trajetória, constituindo em um novo rumo para suas vidas, visto ser um processo significativo de aprendizagem e conhecimento sobre o trabalho docente, além de que as experiências vivenciadas auxiliaram na constituição profissional desses futuros professores, dando à docência um valor real nessa nova caminhada.

98 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, L.; LEITE, C.; SANTIAGO, E. Um olhar sobre as políticas curriculares para formação de pro-fessores no Brasil e em Portugal na transição do século XX para o XXI. Revista Lusófina de Educação, p. 119-135, 2013.

ALMEIDA, M. I. Ensino com pesquisa na licenciatura como base da formação docente. In: TRAVERSINI, C.; EGGERT, E; PERES, E; BONIN, I. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: práticas e didáticas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

BRAGANÇA, I. F. A formação como “tessitura da intriga”: diálogos entre Brasil e Portugal. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, p. 579 593, set./dez. 2012.

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica. Brasília, Distrito Federal, Brasil. 18 fev. 2002.

BRASIL. Edital nº 135 - Programa de Licenciaturas Internacionais.17 jun. 2010. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/cooperacao-internacional/multinacional/licenciaturas-internacionais/portugal>. Acesso em: 15 maio 2013.

BRASIL. Edital nº 8 - Programa de Licenciaturas Internacionais. 7 mar. 2012. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/cooperacao-internacional/multinacional/licenciaturas-internacionais/portugal>. Acesso em: 15 maio 2013.

BRASIL. Edital Nº 8 - Programa de Licenciaturas Internacionais. 16 mar. 2011. Acesso em: 15 maio 2013. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/cooperacao-internacional/multinacional/licenciaturas-interna-cionais/portugal>. Acesso em: 15 maio 2013.

BRASIL. Resultado do Edital 008/2011 - Programa de Licenciaturas Internacionais CAPES/UC. 11 jul. 2011. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/cooperacao-internacional/multinacional/licenciaturas--internacionais/portugal>.Acesso em: 25 jul. 2013.

BRASIL. Resultado do Edital 008/2012 - Programa Licenciaturas Internacionais. 14 jul. 2012. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/cooperacao-internacional/multinacional/licenciaturas-internacionais/portugal>. Acesso em: 25 jul. 2013.

BRASIL. Resultado do Edital 035/2010 - Programa Licenciaturas Internacionais. 19 ago. 2010. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/cooperacao-internacional/multinacional/licenciaturas-internacionais/por-tugal>. Acesso em: 25 jul. 2013.

BRASIL. Sinopse da Educação Superior. 2012. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/>. Acesso em: 15 maio 2013.

CAPES. Projeto PLI 99/2012: Da formação inicial à inserção profissional docente: um programa de acom-panhamento, orientação e desenvolvimento do processo formativo nas áreas de física e matemática.., Brasília, DF, 2012.

99Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 85-99, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ESTEVES, M. Formar professores à altura dos desafios curriculares do nosso tempo. In: TORRIGLIA, P. L.; STEMMER, M. R.; CISNE, M.F.; ORTIGARA, V. Livro de Conferências do IV Colóquio Luso-Brasileiro sobre Questões Curriculares. Florianópolis: UFSC, 2011.

FERREIRA, J. B. Desafios curriculares e educação superior: algumas interrogações e reflexões. In: TORRIGLIA, P. L.; STEMMER, M. R.; CISNE, M.F.; ORTIGARA, V. Livro de Conferências do IV Colóquio Luso-Brasileiro sobre Questões Curriculares. Florianópolis: UFSC, 2011. FORMOSINHO, J. Formação de professores: aprendizagem profissional e acção docente. Porto, Portugal: Porto, 2011.

LEITE, C. Entre velhos desafios e novos compromissos, que currículo para a formação de professores? In: SILVA, A. M.; MACHADO, L. B.; MELO, M. M.; AGUIAR, M. Novas subjetividades, currículo, docência e questões pedagógicas na perspectiva da inclusão social. Recife: Endipe, 2006.

LUNKES, M. J.; ROCHA FILHO, J. B. A baixa procura pela Licenciatura em Física, com base em depoi-mentos de estudantes do Ensino Médio público do oeste catarinense. Ciência e Educação, 2011.

LUNKES, M. J.; ROCHA FILHO, J. B. A baixa procura pela licenciatura em físicacom base em depoimentos de estudantes do ensino médio público do oeste catarinense. Ciência e Educação, p. 21-34, 2011.

MARCELO, C. El professorado principiante. Barcelona, España: Octaedro, 2009.

MARCELO, C.; VAILLANT, D. Desarrollo profesional docente. Madrid, España: Narcea, 2009.

MARQUES, M. O. A formação do profissional da educação. Ijuí, RS; Brasília, DF: Ed. Unijuí; INEP; Ministério da Educação, 2006.

MASSABNI, V. G. Os conflitos de licenciados e o desenvolvimento profissional docente. Educação e Pesquisa, p. 793–808, dez. 2011.

PORTUGAL. Alunos matriculados do ensino superior. Base de Dados Portugal Contemporâneo; Fundação Manuel dos Santos. . Disponível em: <http://www.pordata.pt/>. Acesso em: 13 maio 2013.

PORTUGAL. Decreto-Lei nº 43/2007. Aprova o regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básicos e secundário. Diário da República. Lisboa, Portugal. 22 fev. 2007.

SCHEIBE, L. Currículo e formação de docentes para a educação básica: as atuais determinações legais. In: TORRIGLIA, P. L.; STREMMER, M. R.; M. F. CISNE, M. F.; ORTIGARA, V. Livro de Conferências do IV Colóquio Luso-Brasileiro sobre Questões Curriculares. Florianópolis: UFSC, 2011.

TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

VEIGA, I. P. A aventura de formar professores. Campinas, SP: Papirus, 2009.

ZABALZA, M. Competencias docentes del profesorado universitario. Calidad y desarrollo professional. Madrid, España: Narcea, 2006.

100 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ARTIGOS

Crenças e concepções dos licenciandos em Matemática sobre a profissão docente

Marli Amélia Lucas PereiraMarli Eliza Dalmazo Afonso de André

Francine de Paulo Martins Ana Maria Gimenes Corrêa Calil

RESUMO: O objetivo deste artigo é discutir a opinião de um grupo de sete licenciandos em matemática sobre os motivos de escolha da profissão docente, sobre suas crenças e concepções sobre a docência e sobre como avaliam os conhecimentos e as práticas vivenciadas no curso de licenciatura. O instrumento utilizado para coleta de dados é a entrevista. Os dados foram analisados pelo grupo de pesquisa, que, após várias leituras e discussões coletivas, organizou quadros com os pré-indicadores ou os aspectos mais significativos do conteúdo das entrevistas. Em uma fase posterior, os dados foram reorganizados em três grandes categorias: Relação com o saber: escolha profissional; Saberes da formação profissional; e Crenças e concepções sobre a profissão. As falas dos licenciandos em Matemática deixam evidente o relevante papel do professor formador e das práticas vividas no curso de formação inicial, bem como sinalizam a necessidade de proposições para o redimensionamento dos currículos de licenciatura.

PALAVRAS-CHAVE: Professores iniciantes; Grupos de discussão; Licenciatura em Matemática

Beliefs and conceptions of prospective teachers in Mathematics on de teaching professionABSTRACT: The aim of this paper was to listen to a math teacher education group of seven students about their motives to choose the teaching profession, their beliefs and conceptions about teaching and how they appraised knowledge and practices they have experienced in their teacher education course. The data gathering procedure was the interview with the students-teachers. The material was analyzed by a research group who after reading the transcriptions several times first developed a chart containing pre-indicators or the meaningful topics of the interviews content. Secondly the data were organized in three categories: relation with knowledge: the choice of teaching profession; professional knowledge; and beliefs and conceptions about the profession. The prospective teachers discourse disclosed how relevant was both the role of the teacher educator as well as the teaching practices experienced during the teacher education course. The data pointed out that propositions should be developed to improve the teacher education curriculum.

KEY-WORDS: Beginning teachers; Discussion groups; Math prospective teachers.

101Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

INTRODUÇÃO

A formação do professor tem sido foco de interesse de muitos pesquisadores, como pode ser verificado no mapeamento das pesquisas desenvolvidas por pós-graduandos da área de educação, realizado por André (2010). A autora afirma que, nos últimos vinte anos, houve um aumento significativo no número de dissertações e teses sobre o tema formação de professores: se, na década de 1990, a produção acadêmica sobre formação docente não ultrapassava 7%, nos anos 2000 cresceu substantivamente, atingindo 22% em 2007.

O volume de pesquisas revela a importância do tema, seja para melhor compreender o papel do professor na aprendizagem dos estudantes, seja para colher subsídios que auxiliem a redimensionar os processos de formação e aperfeiçoamento docente. Amparadas em estudos e pesquisas, as discussões sobre for-mação docente deixam cada vez mais evidente que a formação se desenvolve ao longo de um processo, integrado ao dia a dia dos professores e da escola. Muitas aprendizagens vão ocorrendo neste fazer co-tidiano, ao mesmo tempo em que o docente vai constituindo sua identidade profissional, fruto das suas interações, práticas, vivências, em uma dinâmica de diferenciação e de identificação.

Entende-se, assim, que a formação do professor não começa nem termina no curso de licenciatura, mas tem suas primeiras marcas quando o professor frequenta os bancos escolares como aluno, e se prolonga por toda a sua vida profissional. Esse longo caminhar constitui o desenvolvimento profissional docente, que Marcelo (2009a) caracteriza como processo que pode ser individual ou coletivo, de longo prazo e contextualizado no local de trabalho do professor – na escola. Admitir que o desenvolvimento profissio-nal do professor é processo e que se constrói ao longo do tempo exige uma especial compreensão do papel que a identidade profissional tem nesse processo e o que isso implica nos processos de mudança e melhoria da profissão docente. Nas palavras de Marcelo (2009a, p. 11-12),

[...] a identidade profissional é a forma como os professores se definem a si mesmos e aos outros. É uma construção do seu eu profissional, que evolui ao longo de sua carreira docente e que pode ser influenciada pela escola, pelas reformas e contextos políticos, que integra o compromisso pessoal, a disponibilidade para aprender, as crenças, os valores, o conhecimento sobre as matérias que ensinam e como as ensinam, as experiências passadas, assim como a própria vulnerabilidade profissional. As identidades profissionais configuram um complexo

emaranhado de histórias, conhecimentos, processos e rituais.

A constituição da identidade profissional se faz na ação, no exercício da docência e nas relações que o professor estabelece no seu local de trabalho. No agir profissional, o docente adquire muitos conheci-mentos: sobre si mesmo, sobre a matéria que ensina, sobre sua prática, sobre os alunos, sobre os seus pares e sobre os modelos, as normas, os valores da profissão.

Ao discutir o desenvolvimento profissional docente, Marcelo (2009a) reforça que o conhecimento dos professores acerca da sua profissão é um dos elementos fundantes da ação docente. Para o autor, a pro-fissão docente é uma “profissão do conhecimento” e, portanto, requer continuamente a renovação dos conhecimentos, de modo a convertê-los em aprendizagem para o aluno. Essa, sem dúvida, não é uma tarefa fácil. Carlos Marcelo ressalta que, antes de qualquer coisa, é necessário que os professores “se convençam da necessidade de ampliar, aprofundar, melhorar a sua competência profissional e pessoal”

102 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

(p. 8), já que tanto os conhecimentos quanto os alunos, principalmente no século XXI, transformam-se numa velocidade acelerada.

Pensando nos processos usados pelos professores para aprender e adquirir novos conhecimentos, Carlos Marcelo discute o conceito de “desenvolvimento profissional”, com o argumento de que essa expressão sugere movimento, rompendo com a separação entre formação inicial e continuada, e confere relevo ao professor na condição de profissional do ensino. O autor, ao enfatizar os processos pelos quais os professores adquirem conhecimento, destaca a estreita relação do desenvolvimento profissional com a constituição da identidade profissional, entendida como “a forma com que os profissionais se definem a si mesmos e aos outros” (Marcelo, 2009a, p. 11).

Para Marcelo (2009a), a identidade “é uma construção do eu profissional, que evolui ao longo da carreia docente e que pode ser influenciada pela escola, pelas reformas e contextos políticos e que integra o com-promisso pessoal” (p. 11). Pode-se dizer que desenvolvimento profissional e identidade profissional andam lado a lado, complementando-se e imbricando-se, pois, em se tratando de aperfeiçoamento, tem-se como referência a promoção de mudanças, de modo que os professores possam crescer como profissionais.

Admitindo-se a existência de ligação entre desenvolvimento profissional e a constituição da identidade docente, torna-se necessário considerar as crenças dos professores acerca da profissão e seu peso no processo de desenvolvimento profissional. Segundo o autor, as crenças influenciam diretamente na forma como os professores aprendem e nos processos de mudança que possam realizar.

Baseando-se em pesquisas realizadas acerca do ensinar e aprender, Marcelo (2009a) destaca três cate-gorias que influem nas crenças e conhecimentos que os professores têm sobre o ensino: experiências pessoais, associadas à visão de mundo, crenças em relação a si próprio e aos outros; experiências basea-das em conhecimento formal, associado aos conhecimentos trabalhados na escola; e experiência escolar e de sala de aula, associada a todas as experiências vividas enquanto estudante, as quais permitem a constituição do pensamento acerca do ser professor e sobre o que é ensinar. De acordo com o autor, as crenças e concepções sobre o ensino afetam diretamente as atividades de desenvolvimento profissional, pois as interpretações e valorações que os docentes fazem acerca das experiências de formação estão diretamente atreladas a tais crenças.

Para Marcelo (2009a) o desenvolvimento profissional pretende provocar mudanças nos conhecimentos e crenças dos professores e, consequentemente, reorganizar e redirecionar as práticas dos docentes em sala de aula, a fim de que tais mudanças possam resultar em avanços na qualidade das aprendizagens do aluno.

É certo que a mudança de crenças não se dá de um dia para o outro, mas, sim, em um longo processo de desenvolvimento profissional, o que exige submeter tais crenças a um rigoroso processo de análise e crítica, considerando o sujeito da aprendizagem, os diferentes processos formativos e o contexto em que ele está inserido.

Um momento importante para revisão e análise crítica das crenças e concepções dos docentes, tendo em vista a busca de uma aprendizagem significativa dos alunos, é a formação inicial dos professores, fase em que ele deve adquirir um preparo formal para o exercício profissional.

103Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

De acordo com Imbernón (2004, p. 60), na formação inicial devem ser fornecidas as bases para a construção de um conhecimento pedagógico especializado, dotando os futuros professores de uma sólida bagagem nos âmbitos científico, cultural, contextual, psicopedagógico e pessoal. A formação inicial deve propiciar situações que levem o futuro professor a refletir, a fundamentar suas ações, a valorizar a necessidade de constante atualização em vista das mudanças, a “criar estratégias e métodos de intervenção, coope-ração, análise, reflexão; a construir um estilo rigoroso e investigativo” (IMBERNÓN, 2004, p. 61). Além dos conhecimentos profissionais, também cabe à formação inicial criar oportunidade para uma análise da realidade social, um entendimento da educação no âmbito mais global das práticas sociopolíticas e do desenvolvimento humano.

Embora seja uma fase importante na formação profissional, os cursos de licenciatura têm recebido muitas críticas pelas lacunas deixadas no preparo dos futuros docentes. Na análise de programas de licenciatura do Brasil, a equipe coordenada por Gatti (2009, p. 95) nos alerta que há muito o que aperfeiçoar na orga-nização dos cursos de licenciatura:

A estrutura e o desenvolvimento curricular das licenciaturas [...] não têm mostrado inovações e avanços que permitam ao licenciando enfrentar o início de uma carreira docente com uma base consistente de conhecimentos, sejam os disciplinares, sejam os de contextos socioeducacionais,

sejam os das práticas possíveis, em seus fundamentos e técnicas.

Para a autora, é preciso levar em conta os processos formativos, de um lado, e a carreira do professor, de outro. Os professores desenvolvem sua profissionalidade tanto na sua formação inicial quanto nas suas experiências docentes, em um processo que envolve:

[...] uma integração de modos de agir e pensar; implicando num saber que inclui a mobilização de conhecimentos e métodos de trabalho, como também a mobilização de intenções, valores individuais e grupais, da cultura da escola que inclui confrontar ideias, crenças, práticas, no contexto do agir cotidiano, com seus alunos colegas e gestores na busca de melhor formar as

crianças e jovens e a si mesmos (GATTI, 2009, p. 98).

É certo que a formação para a docência não se esgota na formação inicial, e como o próprio nome diz, trata-se de uma formação que garante ao licenciando condições para iniciar a docência, a qual, neces-sariamente, deve articular-se a um processo de formação permanente, que favoreça a reflexão sobre a prática e seu aperfeiçoamento docente.

Imbernón (2009) vai mais além e propõe um novo desenvolvimento profissional, que envolve:

[...] um processo de formação que capacite o professorado em conhecimentos, destrezas e atitudes para desenvolver profissionais reflexivos ou investigadores [...] e cuja meta é aprender a interpretar, compreender e refletir sobre o ensino e a realidade social de forma comunitária.

Adquire relevância também o carácter ético da atividade educativa (IMBERNÓN, 2009, p. 38-39).

Na perspectiva do autor, a docência requer não apenas domínio dos conhecimentos específicos da pro-fissão, mas também capacidade de reflexão e crítica frente à realidade social da qual o docente faz parte.

O futuro professor deve ser levado a entender que tem capacidade de gerar conhecimento pedagógi-co por meio de suas práticas educativas e que deve, igualmente, aumentar a comunicação com seus

104 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

pares já que o isolamento promove uma limitação de poder e ineficácia. A formação inicial deve ajudá--lo a aprender continuamente de forma colaborativa, a ligar conhecimentos com novas informações, a aprender mediante reflexão individual e coletiva em ambiente de colaboração e de interação que gere um conhecimento profissional ativo.

Apesar de a educação e o ensino serem reconhecidos como importantes na sociedade, a profissão do-cente não é devidamente valorizada socialmente. De acordo com a pesquisa desenvolvida pela Fundação Carlos Chagas (2009) sobre a atratividade da carreira do magistério, tornar se professor parece não ser a opção de muitos jovens e adolescentes na atualidade. A pesquisa aponta que, apesar de os jovens reco-nhecerem a importância da profissão docente, consideram que é desvalorizada social e financeiramente, e reconhecem que embora gratificante e nobre, é um trabalho desgastante, que exige do profissional muita paciência e dedicação. É o que revela o relatório da pesquisa:

Mesmo valorizando o professor e seu trabalho, os alunos que participaram dos grupos de dis-cussão mostram-se apreensivos em ocupar suas vidas futuras com esta atividade: ela parece árdua demais se contraposta às suas ambições, necessidades e desejos. Árdua porque, apesar de transformadora e respeitável, exige uma forma de dedicação e um saber-fazer que ocupam completamente aquele que a ela se dedica, de modo a exigir demais e retribuir de menos. O exercício do magistério aparece como nobre e desejável, há reconhecimento e gratificação, por parte dos alunos, por esse ofício; mas tal sentimento de satisfação se mostra excessivamente intermitente e incontrolável para tornar-se um desejo/realidade por todos almejado ou mesmo suportado (FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 2009, p. 66-67).

Entendendo que a formação dos professores se desenvolve ao longo de um continuum, que tem na formação inicial um dos momentos relevantes, e reconhecendo que os cursos responsáveis por essa formação precisam responder a muitos desafios do momento atual, o objetivo deste artigo é ouvir a opinião de um grupo de licenciandos em matemática sobre os motivos de escolha da profissão docente, sobre suas crenças e concepções sobre a docência e sobre como avaliam os conhecimentos e as práticas vivenciadas no curso de licenciatura.

METODOLOGIA

O instrumento utilizado para coleta de dados foi a entrevista, constituída de 16 questões distribuídas em três eixos estruturantes: a escolha da profissão e a expectativa sobre o curso; os saberes necessários à docência; e a trajetória do estudante no curso de licenciatura. Os dados foram analisados pelo grupo de pesquisa, que após várias leituras e discussões coletivas organizou quadros com os pré-indicadores, ou os aspectos mais significativos do conteúdo das entrevistas. Em seguida, esses dados foram reorganizados pelas suas semelhanças, distinções ou contradições e reunidos em indicadores. Numa fase posterior os dados foram reorganizados em três grandes categorias: Relação com o saber: escolha profissional; Saberes da formação profissional; e crenças e concepções sobre a profissão.

A entrevista foi realizada com sete estudantes do último semestre do curso de licenciatura em Matemática, sendo seis do sexo feminino e um do sexo masculino, distribuídos nas seguintes faixas etárias: quatro, de 20 a 29 anos; dois, de 30 a 49 anos e um, acima de 60 anos.

Dois estudantes tinham formação pedagógica: um deles em Magistério e o outro em Pedagogia. Os demais cursavam sua primeira graduação. Três já exerciam a docência e os demais, outras atividades profissionais, conforme mostrado no quadro:

105Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Estudante Atividade Profissional

E1, E3 e E4 Docência

E2 Não exerce atividade

E5 Assistente administrativo

E6 Vendedor

E7 Analista de comunicações

RELAÇÃO COM O SABER: ESCOLHA PROFISSIONAL

A análise da escolha profissional nos reporta ao conceito de desenvolvimento profissional que ocorre ao longo da vida do sujeito, incluindo suas experiências como estudante, seu processo de socialização na família, na escola e no curso de formação. Essas experiências iniciais influenciam a escolha da profissão.

As verbalizações dos sete entrevistados a respeito da escolha profissional podem ser analisadas levando em conta o que os mobiliza para fazer essa escolha. Charlot (2000) explica que mobilizar-se é colocar-se em movimento. Nas palavras do autor “[...] eu me mobilizo para alcançar um objetivo que me motiva [...]” (p. 55).

Os depoimentos abaixo ilustram os motivos da escolha do curso de Licenciatura em Matemática:

Eu me apaixonei pelas aulas porque eu gostava do jeito que os professores me ensinavam. Escolhi por isso. (E 1)

Eu tinha medo da Matemática, eu odiava Matemática, medo do desconhecido. É como se en-trasse numa sala e entrasse num escuro. Eu resolvi enfrentar o medo. (E 4)

Sou apaixonada por Matemática, desde a 6ª série eu dizia que ia ser professora de Matemática. (E 5)

Pelo fato de eu gostar de Matemática, pelo fato de eu gostar de trabalhar com pessoas. Como

eu tenho facilidade em Matemática, eu quero Matemática. (E 7)

As falas expressam grande carga afetiva na escolha da profissão, tais como: a paixão decorrente de ex-periência escolar anterior; enfrentamento de um desafio, o de superar o medo da Matemática; e o gosto ou a identificação com a Matemática.

É por meio das relações estabelecidas com a disciplina e com os professores que a identidade profissional vai se constituindo. Charlot (2000) explica que “[...] não há saber sem relação com o saber [...]” (p. 60). Dessa forma “o processo que leva a adotar uma relação de saber com o mundo é que deve ser o objeto de uma educação intelectual e, não, a acumulação de conteúdos intelectuais [...]” (p. 64).

Alguns entrevistados atribuem a escolha profissional ao sonho de ser professor de Matemática:

Repetiria, faria novamente Matemática. Eu acabei me apaixonando mais e descobri que é fas-cinante. Para mim é o máximo (E 6).

[...] faria novamente, eu poderia, por exemplo, se eu tivesse oportunidade, faria Matemática na Unicamp em 4 anos [...] Se eu fizesse novamente eu teria um conhecimento melhor e me aprofundaria bem mais [...] (E 7).

106 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Também surge em um dos depoimentos a alusão ao tempo de duração do curso, que poderia ser esten-dido, para propiciar maior aprofundamento.

Para Charlot (2000, p. 73), a relação social com o saber tem incluída a representação do outro. Explica que “[...] não há relação com o saber senão a de um sujeito. Não há sujeito senão em um mundo e em uma relação com o outro [...] A relação com o saber não deixa de ser uma relação social, embora sendo de um sujeito” . Ser apaixonado por Matemática tem a representação da relação social com o saber, entre outros fatores.

SABERES DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Além de conhecer como os estudantes escolhem a profissão, também buscamos investigar quais os saberes e conhecimentos que julgam mais importantes na profissão.

Os saberes da formação profissional são o conjunto de saberes transmitido pelas instituições de formação de professores, saberes estes, destinados à formação científica e erudita dos professores. É no decorrer de sua formação que os professores entram em contato com as ciências da educação e, para Tardif (2010), a prática docente não é apenas um objeto de saber das ciências da educação, ela também é atividade que mobiliza diversos saberes chamados de pedagógicos que são doutrinas ou concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa. Os saberes pedagógicos articulam-se com as ciências da educação quando tentam legitimar cientificamente os resultados das pesquisas.

Tardif e Lessard (1999, apud BORGES, 2004) destacam cinco fontes de saberes: os “conhecimentos pessoais”, os “conhecimentos escolares”, os “conhecimentos provenientes da formação profissional”, os “conhecimentos provenientes de programas e manuais escolares” e os “conhecimentos oriundos da experiência de trabalho”. Quanto a sua natureza, constatam que os saberes são plurais, heterogêneos, compostos e relacionais.

Considerando a origem social e a natureza dos saberes, Borges (2004) afirma que os saberes da experiência têm papel fundamental, pois “[...] servem de substrato de base em relação aos outros conhecimentos, isto é, a partir dos saberes da experiência os outros conhecimentos são avaliados, julgados e utilizados no trabalho [...]” (p. 69).

A valorização dos saberes da experiência pode ser evidenciada na fala de um dos licenciandos quando comenta o papel do professor e do ensino em sala de aula:

Sabe o professor Z aqui eu o acho importantíssimo porque ele sabe muito – e trabalha pela conscientização da Matemática, para nós como futuros professores. Ele dá muitos exemplos

para a gente ter consciência que estamos formando gerações. (E1)

O conhecimento do conteúdo a ser ensinado é um dos aspectos centrais na obra de Shulman. O autor argumenta que no exercício da docência o professor vai incorporando novos conhecimentos sobre a disci-plina que ensina. Shulman destaca três perspectivas de conhecimento: “conhecimento proposicional”, que envolve a apresentação de fatos, princípios e máximas; “conhecimento de caso específico”, constituído de evento bem documentado e ricamente descrito; e “conhecimento estratégico”, que se manifesta nas situações práticas de aula.

107Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Nas entrevistas realizadas, quando perguntados a respeito das experiências de aprendizagem, os licen-ciandos apontaram conhecimentos específicos adquiridos nas disciplinas, assim como experiências significativas de aprendizagem:

Física – Aplicação da Matemática dentro da Física. Era uma coisa que eu achava que era só fórmula. Eu vi que não é só fórmula. Tinha até um valor matemático também. Gostei também de Cálculo e Geometria que é minha paixão. (E 1)

Geometria, Cálculo fui melhorando desde o começo e Física agora estou melhor. [...] Geometria, Cálculo, Análise e Homem e Sociedade. Foram as melhores. (E 2)

Eu gostei das aulas de Prática de Ensino que é fundamental para atuação como professor. Tinha que ir à frente, isso foi importante. Todo semestre tinha que montar uma aula e ir à frente falar. (E 5)

Didática [...] em si que é o essencial para dar aula. (E 6)

Acho que foi o Cálculo que contribuiu muito para a formação, porque tinha muitas matérias que eu nunca tinha visto na minha vida. Então isso deu um conhecimento maior. Também Geometria

a gente resgatou bem no trabalho com Geometria. (E 7)

A formação inicial é marcada por diferentes fatores que constituem o processo de formação dos licencian-dos: disciplinas e conteúdos estudados; interação com os colegas de turma e professores; experiências vividas no estágio; e o contato com a realidade escolar.

Para grande parte dos licenciandos, o desempenho do professor tem grande importância no seu preparo para o exercício da docência. Isso pôde ser evidenciado nos depoimentos sobre suas melhores experi-ências de aprendizagem durante o curso:

Um deles é o professor X. Eu o acho o professor nota 10. É a experiência dos outros alunos que começaram comigo e já tinham experiência. (E 1)

Acho que foram as aulas práticas – principalmente pratica de ensino, foi o momento que a gente pôde expor uma aula, preparar uma aula, ver os colegas dar aula, aprender com o professor. (E 3)

A aula de um professor que nós temos aqui que é maravilhosa, a forma que ele trata, para mim ele é um espelho é o Z, ele trabalha com Cálculo. Eu falo que quando eu crescer eu quero ser

igual a ele. (E 6)

Para os licenciandos a importância do professor e seu significado estão articulados não só com o domínio do conteúdo, mas também com as estratégias utilizadas e as interações de sala de aula.

A mobilização de conhecimentos e estratégias utilizadas pelo professor é o que Shulman (1994, p. 11) denomina de conhecimento pedagógico do conteúdo, o qual está associado à forma com que os con-teúdos e “assuntos são organizados e adaptados aos interesses e habilidades diversas dos aprendizes e apresentados para instrução”, ou seja, são as estratégias selecionadas pelo professor para tornar o conteúdo acessível aos alunos. Para Shulman (1989), à medida que o professor realiza a articulação entre o conhecimento da matéria e o modo como irá ensiná-la, ele mobiliza um novo conhecimento, pois, ao

108 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

utilizar estratégias para fazer com que seus alunos aprendam, ele lança mão de outros tipos de conheci-mento. Isso supõe uma elaboração pessoal do professor ao se deparar com a necessidade de transformar o conteúdo de modo que seja acessível e compreensível aos alunos, considerando:

[...] os aspectos do conteúdo mais relevantes para serem ensinados. Dentro da categoria conhe-cimento pedagógico do conteúdo, incluo, para a maioria dos tópicos regularmente ensinados de uma área específica do conhecimento, as representações mais úteis de tais ideias, as analogias mais poderosas, ilustrações, exemplos, explanações e demonstrações – em outras palavras, os modos de representar e formular o conteúdo que o tornam compreensível para os outros – incluo também uma compreensão do que torna a aprendizagem de tópicos específicos fácil ou difícil; as concepções e preconcepções que estudantes de diferentes idades e repertórios

trazem para as situações de aprendizagem. (SHULMAN, 1986, p. 9)

Segundo Borges (2004, p. 72), esse conhecimento envolve ainda o entendimento de como proceder para ensinar, considerando-se as especificidades dos conteúdos, suas facilidades e suas dificuldades, e o entendimento “da forma como intervir frente às preconcepções e ou concepções equivocadas que os estudantes, de diferentes idades e repertórios, trazem com eles em relação aos conteúdos ensinados”.

Para Shulman (1994), o processo utilizado, pelo professor, para transformar o conhecimento em ensino pode ser denominado de raciocínio pedagógico, o qual abrange seis aspectos comuns ao ato de ensinar: compreensão; transformação; instrução; avaliação; reflexão; e nova compreensão. O primeiro aspecto – a compreensão – pode ser entendido como toda a parte inicial do ensino, estruturas e objeto de ensino e ideias relacionadas a eles. Já o segundo aspecto – a transformação – envolve a combinação de quatro subaspectos que, juntos, permitem a elaboração de um plano e de uma unidade de ensino: preparação – análise dos textos a serem utilizados; representação – interpretação crítica do conteúdo a ser ensinado; seleção – definição de como o processo de ensino e de aprendizagem será definido; adaptação e ajustes às características dos alunos. O terceiro aspecto – a instrução – representa a conduta, apresentação, inte-rações, trabalho em grupo e as diferentes formas de ensino em sala de aula. O quarto aspecto – avaliação – refere-se à avaliação do desempenho dos alunos e seu entendimento ao longo do processo de ensino e de aprendizagem e das unidades estudadas. Com relação ao quinto aspecto – reflexão – entende-se que este é um momento de rever, reconstruir, reapresentar e analisar criticamente seu próprio trabalho e o desempenho da classe. Por fim, o sexto aspecto refere-se à nova compreensão, entendida como a consolidação de novas compreensões da matéria, do ensino, do aluno e de si mesmo, considerando ainda os aprendizados a partir de experiências.

É importante destacar, também, na fala dos licenciandos, a valorização atribuída aos fatores que extra-polam o conhecimento pedagógico e que se referem à relação professor e aluno, à preocupação do pro-fessor com a aprendizagem do grupo, à paciência com a aprendizagem do outro e o cuidado em utilizar estratégias que obedeçam à sequência lógica do processo de ensino-aprendizagem, sem pular etapas. Assim, há valorização por parte dos licenciados, do modo de ser professor, associado ao modo de ensinar.

[...] gostei muito do professor X e do professor Y. Amei. Eles conseguiram explicar (do modo) que facilita o aprendizado. É o passo a passo, detalhado, a paciência deles de responder e não

pular etapas. (E 5)

Ao mobilizar diferentes tipos de conhecimentos para o ensino, o professor pode exercer o seu papel de mediador, levando o aluno a mobilizar-se para aprender e a estabelecer uma relação positiva com o saber, no sentido em que é discutido por Charlot (2000). Há que se esperar que o professor mediador seja,

109Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

também, um agente propulsor do sentimento de querer saber e da mobilização para o querer saber. Trata-se de uma perspectiva que atribui destacado peso ao fator que considera o envolvimento que o aluno, como sujeito singular, tem para com o sucesso da aprendizagem quando há mobilização para o saber.

CRENÇAS E CONCEPÇÕES SOBRE A PROFISSÃO

As crenças são construções processadas tanto pelo sujeito na sua individualidade ao interagir com as diver-sas situações do cotidiano, quanto ao compartilhá-las com os membros de um dado grupo social. A crença se fortalece nas vivências práticas e dialeticamente as explicam, constituindo um processo naturalizador dessas mesmas vivências. Assim, as situações que compõem determinadas práticas ganham no incons-ciente do sujeito explicações suficientes para a sua aceitação. Portanto, “a crença apresenta um [...] caráter não racional – constitui [...] uma base na qual esse conhecimento se apoia” (GUIMARÃES, 1992, p. 251).

A crença pode ser entendida como:

[...] as proposições, premissas que as pessoas têm sobre aquilo que consideram verdadeiro. As crenças, ao contrário do conhecimento proposicional, não necessitam da condição de verdade refutável e cumprem duas funções no processo de aprender a ensinar. Em primeiro lugar, as crenças influenciam a forma como os professores aprendem e, em segundo lugar, influenciam os processos de mudança que os professores possam encetar (RICHARDSON, 1996 apud

MARCELO, 2009, p. 15).

Crenças e concepções são construídas com e na aprendizagem da profissão docente, e vão aos poucos moldando as representações utilizadas por estes profissionais ao longo de sua trajetória.

Ao analisar algumas crenças e concepções de professores de Matemática, Manrique (2003, p. 68), in-dicou que:

O trabalho do professor iniciante está impregnado de conflitos e tensões que precisam ser solu-cionados rapidamente [...] são das crenças mais estáveis que fazem uso para resolver problemas.

Tais crenças acompanham esses professores iniciantes e muitas vezes têm origem em seu passado escolar, mesmo que este seja mais recente, como a graduação, por exemplo. Segundo Tardif e Raymond (2000, p. 217):

[...] na América do Norte, percebe-se que a maioria dos dispositivos de formação inicial dos professores não consegue mudá-los, nem abalá-los. Os alunos passam através da formação inicial para o magistério sem modificar substancialmente suas crenças anteriores sobre o en-sino. E, tão logo começam a trabalhar como professores, sobretudo no contexto da urgência e de adaptação intensa, que vivem quando começam a ensinar, são essas mesmas crenças e

maneiras de fazer que reativam para solucionar seus problemas profissionais.

Isso geralmente acontece quando os professores iniciantes – como é o caso de alguns estudantes de licenciatura – remetem-se a experiências anteriores e também às crenças para ajudá-los a compor um padrão de atuação que pode ou não ser bem sucedido, mas que influencia sobremaneira seu modo de aprender a ensinar.

110 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Segundo Marcelo (2009, p. 15) a literatura sobre o assunto identificou a “experiência pessoal”, a “experi-ência baseada em conhecimentos formais” e a “experiência escolar e de sala de aula” como categorias de experiências que influem nas crenças e conhecimentos que os professores têm sobre o ensino. Nesse sentido, a visão de mundo, a identidade para si, sua origem social, econômica, cultural, étnica, sua reli-gião, seu gênero, os conhecimentos disciplinares e o modo como são trabalhados na escola, bem como sua trajetória como estudantes – vivendo experiências diversas na relação com o ensino e o trabalho do professor – são, para esse autor, condições importantes na constituição de crenças sobre a profissão docente dos professores-estudantes e professores em início de carreira.

Cabe ressaltar que essas experiências foram submetidas aos filtros pessoais constituídos sob a origem social, histórica e cultural de cada sujeito, determinando seu modo particular de analisar e compreender a realidade. Possivelmente, essas experiências legitimarão crenças latentes (que estavam dispersas no imaginário) e auxiliarão na constituição de outras.

Os licenciados, ao relatarem a forma como pensam em se relacionar com a prática, ao descreverem o que é ser professor hoje, o modo como imaginam o dia a dia na sala de aula e na escola, a perspectiva de futuro na profissão docente e a relação com colegas, pais e alunos, revelaram crenças relacionadas ao papel do professor, à relação teoria prática e aos futuros alunos.

Ao falarem sobre o papel do professor, os licenciandos revelaram a crença em um modelo compreensivo na relação professor-aluno, que valoriza a relação, a amizade, a aproximação. As falas, a seguir, ilustra essa situação:

O professor deve estar a cada dia com os alunos para que eles consigam compreender, crescer pessoalmente e profissionalmente. Acho que o professor tem que ser de tudo um pouco. (E 3)

No meu ponto de vista tem que ser muito amigo, companheiro com os alunos para que possam

trabalhar suas aulas. (E7)

Essa visão sobre a importância da compreensão, manifestada pelo licenciando, encontra suporte em considerações de Shulman (1994). Para esse autor, entre as categorias do “conhecimento de base do professor”, há um conhecimento que deve ter o professor sobre seus alunos. Um bom ensino depende de o professor reunir um razoável conjunto de informações sobre os alunos. Os licenciandos, a partir de suas vivências escolares anteriores e das experiências adquiridas no decorrer do curso de formação, revelam estar constituindo e reforçando a crença de que, o futuro trabalho pode ser encaminhado muito bem se houver interação, compreensão e entendimento das necessidades de seus futuros alunos.

Os licenciandos revelaram crenças positivas em relação ao futuro trabalho, em suas falas, no cumprimento de suas funções, o “bom professor” precisa estar atento às responsabilidades que terá na condução das situações de ensino. As falas destacam ainda a preocupação com a futura responsabilidade para com a docência, com o comportamento profissional frente aos alunos, os demais atores sociais e a si mesmos.

[...] o professor tem que mostrar o seu papel, mostrar porque ele está lá. Ele tem que ser firme e maleável ao mesmo tempo. (E 7)

Acho que o dia a dia de um professor não foge do que eu imaginava, é ele demonstrar o carinho que ele tem pela matéria, mostrar para os alunos, mas é bem corrido o dia a dia. (E 7)

111Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Não é só saber – tem que ser apaixonado pelo que faz se não você não vai ficar dentro da sala de aula. (E 3)

Ainda sobre o papel do professor, um dos sujeitos revelou a crença na questão da vocação como uma das características possivelmente necessárias ao desempenho da função:

Em minha opinião tem gente que nasceu para ser, ela tem paciência, estuda, pesquisa faz de

tudo para o aluno aprender. (E5)

A vocação, como aspecto facilitador da aprendizagem da docência e do desempenho das funções de pro-fessor, é entendida por Fanfani e Tedesco (1999) como uma das características pessoais que compõem o corolário de aspectos identificadores de um bom profissional docente. O estudante de licenciatura explica a vocação como o comprometimento com a aprendizagem do aluno e com a profissão.

Dois entrevistados, ao pensarem sobre o futuro ingresso na profissão e a relação com os alunos, revelaram acreditar que o controle de classe e a percepção de certas necessidades dos alunos são conhecimentos que só são aprendidos na prática:

[...] entrar numa sala, alunos do Estado que bagunçam, você tem que ter um controle na sala, você conseguir controlar os alunos, só a prática. (E4)

Na prática você sente tudo ali, é uma coisa de pele, você ver o aluno, de olhar no olho e saber

realmente o que ele sabe. (E1)

As falas sugerem que os licenciandos acreditam que a aprendizagem do controle de classe se dá, ex-clusivamente, na própria interatividade com os alunos, não sendo esse conhecimento, ou parte dele, construído fora desse contexto. A supervalorização da prática e um certo desprezo pela teoria tem sido constante nas falas dos estudantes de licenciatura. As falas a seguir são ilustrativas:

Eu acho que aprendi mais na prática mesmo (a nível) de dar aula e também de fazer exercícios porque eu só aprendo se eu fizer, na teoria é fácil. (E3)

Ser bom professor só se aprende na prática. Só teoricamente não, você tem que saber ensinar.

Tem gente que sabe muito a teoria e chega lá e não consegue passar. (E5)

Essa crença de que se aprende a profissão na prática constitui um fator de desprofissionalização, pois nega a necessidade de conhecimentos específicos ao exercício do trabalho docente e reforça a crença muito difundida de que qualquer um pode se professor, tenha ou não formação específica. Esse é um alerta que merece séria discussão nos cursos de formação inicial.

112 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste texto foi conhecer as razões que levaram estudantes de um curso de licenciatura em Matemática a escolher a profissão docente, como avaliam a formação profissional recebida e as razões que os levaram a escolher a profissão docente. O estudo mostrou que os licenciandos, no que se refere à escolha da profissão, foram mobilizados ao longo da educação básica, considerando as relações esta-belecidas com a área de conhecimento e com os professores. O vínculo afetivo e o domínio do conteúdo, por parte dos professores formadores aparecem como fatores fundamentais para a escolha profissional na visão dos licenciandos.

A organização do ensino e o papel do professor, bem como as estratégias de transformação e tratamento dos conteúdos, foram evidenciados como conhecimentos/saberes importantes para o exercício da do-cência. O professor e seu papel formador ganharam destaque na constituição da identidade profissional dos licenciandos, o que nos remete, consequentemente, a destacar sua importância na trajetória de escolarização e formação de estudantes.

A aprendizagem da profissão também sofre a influência de crenças que o licenciando traz consigo e de outras que constitui ao longo da formação. Essas crenças dizem respeito à forma como compreende e representa o conhecimento pedagógico, a articulação teoria-prática, a relação professor aluno e o que constitui um bom profissional. A análise da escolha da profissão, a visão sobre os conhecimentos/sa-beres docentes e, as crenças e concepções dos licenciandos em Matemática reforçam a importância de ouvir os estudantes dos cursos de licenciatura sobre a formação recebida. Deixam evidente o relevante papel do professor formador e das práticas vividas no curso de formação inicial. Sinalizam a necessidade de proposições para o redimensionamento dos currículos de licenciatura.

113Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ANDRÉ, Marli. Formação de Professores: a constituição de um campo estudos. Educação, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 14-181, set/dez, 2010.

BORGES, Cecília M. F. O Professor da Educação Básica e Seus Saberes Profissionais. Araraquara: JM Editora, 2004.

CHARLOT, Bernard. Da Relação Com O Saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS. Relatório de Pesquisa: Atratividade da carreira docente no Brasil. 2009. Disponível em: <http://www.fvc.org.br/estudos-e-pesquisas/>. Acesso em: 05/05/2011.

GATTI, Bernadete. Formação de professores: condições e problemas atuais, Revista Brasileira De Formação De Professores – RBFP, Vol. 1, n. 1, p. 90-102, Maio/2009

GARCIA, Carlos Marcelo, Formação de Professores: para uma mudança educativa. Portugal: Porto Editora, 1999.

GROSSMAN, Pámela L., WILSON, Suzzane M. e SHULMAN, Lee S. Profesores de Sustancia: El Conocimiento de la Materia para la Enseñanza. Revista de Curiculum y Formación del Profesorado, 9, 2, p. 1-25, 2005. Disponível em: <http://www.ugr.es/~recfpro/Rev92.html>. Acesso em: 12/05/2011.

GUIMARÃES, Henrique Manuel. Concepções, Práticas e Formação de Professores. In BROWN, Margaret et al (Orgs.). Educação Matemática. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1992, p. 249-255.

IMBERNÓN, F. La Profesión Docente Desde El Punto de Vista Internacional. Que Dicen los Informes? Revista de Educación, 340, p. 19-86, mayo-agosto, 2006.

IMBERNÓN, F. Um Nueva Formación Permanente Del Profesorado Para Um Nuevo Desarrollo Professional Y Coletivo, Revista Brasileira de Formação de Professores- RBFP, v.1, n.1, p. 31-42, maio, 2009.

MANRIQUE, Ana Lúcia. Processo de Formação de Professores em Geometria: Mudanças em Concepções e Práticas. Tese (Doutorado em Educação: Psicologia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paul, São Paulo, 2003.

MARCELO, Carlos. Desenvolvimento profissional docente: passado e futuro, Sísifo Revista de Ciências da Educação, n. 8, p. 7-22, jan./abr., 2009a.

MARCELO, Carlos. A Identidade Docente: Constantes e desafios. Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação Docente. Belo Horizonte, v. 01, n. 01, p. 109-131, ago. / dez., 2009b. Disponível em <http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br/artigo/exibir/1/4/1>. Acesso em 14/04/2011.

SHULMAN, L. S. Knowledge and teaching: foundations of the New Reform. SHULMAN, L. S. The Wisdom of Practice: essays on teaching, learning, and learning to teach. San Francisco: Jossey-bass, 1994.

114 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 100-114, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

SHULMAN, L. S. Those who understand: knowledge growth in teaching. Education Research, Washington D.C., v. 15, n. 2, p. 4-14, 1986.

TEDESCO, Juan Carlos e FANFANI, Emilio Tenti. Nuevos maestros para nuevos estudiantes. Maestros em América Latina: Nuevas Perspectivas sobre su Formación y Desempeño. San José, Costa Rica, 1999, p. 67-96.

TARDIF, M.; RAYMOND, D. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação & Sociedade, Campinas, SP, v. 21, n. 73, p. 209-244, dez. 2000.

TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

115Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 115-125, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ARTIGOS

Os processos de construção identitária docente: a dimensão criativa e formadora das crises

Ecleide Cunico Furlanetto

RESUMO: Em um mundo acometido por crises que se infiltram nas mais diversas instituições e, entre elas, a escola, torna-se de fundamental importância compreender como os professores enfrentam essas situações e como são afetados por elas. Nessa perspectiva, foi realizada a pesquisa “Desenvolvimento profissional docente: a dimensão criativa e formadora das crises”, que assumiu, como objetivo principal, investigar as crises que emergem no exercício da docência e quais os recursos que os professores disponibilizam para enfrentá-las.

PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores; Processos de construção identitária docente; Crise.

The processes of building teacher’s identity: the creative and crisis formation dimensionABSTRACT: In a world full of crises getting inside various institutions, including the school, it becomes critical to understand how professors face those situations and how they are affected by them. From that perspective the following research was conducted: “Teacher’s professional development: crises creative and former dimension” that took as its main goal to investigate crises that arise in the teaching profession and which resources professors offer to face them.

KEYWORDS: Teacher education, Teacher identity construction processes; Crisis.

116 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 115-125, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

O presente artigo referenda-se na pesquisa “Desenvolvimento profissional docente: a dimensão criativa e formadora das crises”, que, por sua vez, insere-se no projeto “La adversidad como emergência de po-tenciales creativos latentes: em busca de claves transformadoras”, coordenado pelo Prof. Saturnino de La Torre, professor da Universidade de Barcelona, que congrega pesquisadores de diferentes universidades da Europa e da América.

O DELINEAMENTO DA PESQUISA

A idade adulta, que durante muito tempo foi considerada um estágio de maturidade a ser alcançado nas sociedades pós-industriais, tem sido deslocada desse patamar de estabilidade e considerada um problema a ser enfrentado (BOUTINET, 1999). Assim, os adultos estão sendo cada vez mais requisitados a apren-der, bem como a desaprender. O campo de investigação e análise da idade adulta vem sendo ampliado, e pesquisas explicitam (STAUDE, 1981; DANIS; SOLAR, 2001; JOSSO, 2004; PINEAU, 2004; PLACCO, 2006; TORRE, 2011) que os adultos crescem e se desenvolvem quando são deslocados de suas zonas de conforto e se veem obrigados a ampliar seus recursos para se localizar e enfrentar novas situações.

Dessa forma, também os profissionais da educação, ao exercerem a profissão em cenários incertos em meio a desafios e conflitos, são deslocados de territórios conhecidos, o que faz com que muitos se afastem das salas de aula por não encontraram respostas para as dificuldades enfrentadas no dia a dia. No entanto, também existem aqueles que estão construindo saídas criativas para os desafios propostos pela docência, sem que sejam percebidos. As dimensões sombrias da docência têm sido investigadas (ESTEVE, 1999; GASPARINI; BARRETO; ASSUNÇÃO, 2006; NEVES; SILVA, 2006; SANTOS, 2006; NORONHA; ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2008; ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2009), mas as saídas criativas construídas pelos docentes têm sido pouco exploradas. Torre (2009; 2011) salienta que situações-limite podem se apresentar como muros que impedem avanços, ou como uma possibilidade de criar bifurcações. Elas podem paralisar ou estimular a capacidade criadora do indivíduo. Nessa perspectiva, as situações-limite cumprem papel importante no processo de desenvolvimento de adultos, na medida em que elas obrigam que se faça uma revisão das situações, das experiências, das ideias e dos pressupostos.

Em um mundo acometido por crises que se infiltram nas mais diversas instituições, entre elas, a escola, torna-se de fundamental importância compreender como os professores enfrentam essas situações e como são afetados por elas. Nessa perspectiva, a pesquisa “Desenvolvimento profissional docente: a dimensão criativa e formadora das crises” assumiu, como objetivo principal, investigar as crises que emer-gem no exercício da docência e quais os recursos que os professores disponibilizam para enfrentá-las.

A pesquisa foi realizada com profissionais da educação pertencentes à Rede Municipal de Ensino de São Paulo. Segundo publicação da Secretaria Municipal da Educação (2012), a cidade de São Paulo tem a maior rede de ensino municipal do país. Atualmente, atende por volta de 920.000 (novecentos e vinte mil) alunos, cerca de 8% da população da cidade, sendo que esses alunos frequentam escolas de Educação Infantil, de Ensino Fundamental e uma parcela menor frequenta escolas de Ensino Médio.

Para atender a esses alunos, a Secretaria conta com 82.000 (oitenta e dois mil) funcionários entre edu-cadores e pessoal de apoio. A estrutura física da rede é composta por 1.428 (mil quatrocentos e vinte e oito) escolas administradas diretamente pela Secretaria Municipal de Educação (SMESP), além de 1.315 (mil trezentas e quinze) unidades, entre centros de educação infantil de administração indireta, creches particulares conveniadas, unidades de alfabetização de jovens e adultos (EJA), centros de convivência infantil e uma escola técnica.

117Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 115-125, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Os sujeitos de pesquisa foram seis profissionais da educação pertencentes a uma escola pública municipal localizada na Zona Leste da cidade de São Paulo. A escola atende, em média, 1.200 (mil e duzentos) alunos do Ensino Fundamental I e II, nas modalidades regular e EJA. Todos os sujeitos da pesquisa ingressaram na rede como professores, sendo que três deles são professores e três exercem atualmente outros cargos: um é supervisor de ensino, um é diretor e outro coordenador pedagógico da referida escola.

O procedimento de coleta de dados utilizado foi uma entrevista narrativa (JOVCHELOVITCH; BAUER, 2005), considerada uma forma de entrevista não estruturada que visa estimular os sujeitos a narrar histórias sobre acontecimentos importantes de suas vidas ou dos contextos sociais no qual estiveram ou estão inseridos. Esse tipo de entrevista procura obter um depoimento mais profundo e próximo da perspectiva do colaborador, que tende a se revelar mais facilmente em situações nas quais pode utilizar a própria linguagem para narrar.

As entrevistas duraram em média duas horas e foram transcritas na integra, fornecendo vasto material para análise. Com base na leitura exaustiva do material, foram elencados alguns eixos de análise. Neste artigo optamos por analisar o depoimento de dois sujeitos por consideramos que são emblemáticos e por apresentam questões também presentes nos outros depoimentos coletados.

O primeiro depoimento é de um professor que chamaremos de Antônio, nascido na região Nordeste do Brasil, filho de trabalhadores rurais. Veio para São Paulo em busca de melhores condições de estudo e de trabalho. Antes de se tornar professor, trabalhou como operário em fábricas e morou em cortiços. Apesar das condições adversas, entrou na universidade, cursou a graduação em Letras na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e fez mestrado e doutorado em Educação na Universidade de São Paulo. Prestou concurso para professor na Rede Municipal de Ensino de São Paulo, onde atuou como professor, diretor de escola e, atualmente, exerce o cargo de Supervisor de Ensino.

O outro depoimento é de uma professora que chamaremos de Lúcia. Ela nasceu em São Paulo, filha de um pedreiro e de uma dona de casa. Optou por ser professora porque considerou que essa profissão lhe permitiria trabalhar e cuidar da família. Fez o curso de Magistério, prestou concurso para professora de Educação Infantil e, após os filhos terem crescido, cursou Pedagogia. Atuou como professora, coordena-dora pedagógica, fez mestrado em Educação em uma universidade particular de São Paulo e, atualmente, exerce o cargo de diretora de escola.

A CRISE COMO OPORTUNIDADE

Foi possível observar que a trajetória desses professores é constituída por inúmeros acontecimentos que provocaram rupturas e descontinuidades, consideradas por eles momentos de crise. Para Dubar (2009), a crise é uma fase difícil atravessada por grupos ou indivíduos, pressupondo uma ruptura de equilíbrio entre diversos componentes, sendo que as crises identitárias podem ser pensadas como perturbações de relações relativamente estabilizadas entre elementos que estruturam a vida dos sujeitos. Boutinet (1999) complementa, considerando a crise uma incerteza existencial por introduzir no tempo vivido uma descontinuidade, consequência de acontecimentos internos e externos provocados por um contexto desestabilizador. O relato de Lúcia nos aproxima de um desses momentos:

118 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 115-125, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Enquanto minha mãe era viva eu tinha referências, estava claro o que podia fazer e o que não podia fazer. Eu conhecia o pensamento de minha mãe e contrariar minha mãe era muito difícil. Quando perdi minha mãe, perdi minhas referências. Eu passei a ter outras referências e muito diferentes daquelas que eu tinha. Comecei a fazer leituras que me apontavam que o mundo não

era sim ou não, existia a possibilidade de ser sim e não.

É possível perceber que a morte da mãe de Lúcia, além da dor provocada pela perda da presença física da mãe, ocasionou outra ordem de perda: a de referentes que de certa forma proporcionavam a ela estabilidade. Frente a essa situação, diz ter procurado nos livros possibilidades de construção de novas referências. Buscar novos conhecimentos é um recurso recorrente no depoimento de Lúcia, que diante de situações difíceis sente necessidade de ampliar seus quadros de referência.

Antônio também relata um momento que considerou divisor de águas em sua vida: sua casa sofreu um incêndio, e ele teve queimaduras graves que afetaram suas cordas vocais.

Acho que existem muitas histórias, a gente vai falando e as crises vão aparecendo. Uma coisa muito pesada foi o incêndio. Acho que ele mudou muito minha vida. Meu médico fala que o incêndio foi bom para eu falar menos, ele diz que eu falava demais e fiquei com problema de voz para falar menos. Esse médico foi outra pessoa muito importante. O incêndio foi um divisor de águas, fez repensar muito minha vida, as relações e a importância das pessoas, afinal de contas eu fiquei 32 dias na UTI. Eu pensava que quando eu saísse da UTI, se sobrevivesse, ia ficar 10 dias em algum lugar, sozinho, para decidir o que fazer da minha vida desse momento

em diante, mas isso não aconteceu, sempre tinha um amigo por perto.

Enquanto Lúcia destaca a busca de conhecimentos como recurso para enfrentar crises, Antônio menciona as relações interpessoais como fatores importantes nos momentos de crise. Num determinado momento da entrevista diz: “Vou te dizer uma coisa: eu fiz questão de dizer na minha banca de doutorado que eu era produto das pessoas que passaram na minha vida”.

Para Dubar (2009), as crises se multiplicam em todas as existências, desde as idades mais precoces. Na idade adulta, elas são ocasionadas por separações, mudanças forçadas, doenças, perdas de emprego, abandono de crenças, perda de entes queridos, aposentadorias e outros motivos mais. Essas rupturas constituem experiências vitais e existenciais que se chocam com os antigos modelos de instalação e de estabilidade, perturbando a antiga crença de aprendizagem definitiva.

Para os chineses, o ideograma que representa crise também representa oportunidade. As crises, por romperem com a ordem estabelecida, provocam a construção de novas ordens e, dessa forma, se trans-formam em oportunidades para que o novo surja. A perda da mãe, relatada pela entrevistada, proporcionou a ela oportunidade de ampliar seus quadros de referência.

Em outro depoimento, Antônio mostra que a perda de emprego, ao mesmo tempo que ocasionou a difi-culdade de pagar a Universidade, colocou-o em contato com a realidade do operariado, e essa experiência, ao ser registrada e analisada, abriu novas possibilidades.

Quando entrei na PUC dava para pagar, eu era escriturário. Chegou um tempo que eu não conseguia mais pagar, porque tinha perdido o emprego. Eu estava seis meses atrasado. Na ocasião eu e um grupo de amigos fazíamos um trabalho em Cajamar, com operários que, como eu, trabalhavam na fábrica. Nós gravávamos os encontros e transcrevíamos. Eu resolvi mostrar o material para uma professora, ela olhou os textos transcritos e perguntou: “Você é operário,

119Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 115-125, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

como está pagando a PUC?”. Eu disse que estava seis meses atrasado. Ela falou: “Isso é um absurdo! A PUC dá bolsa para qualquer um, e uma pessoa como você não tem”. Ela telefonou para o reitor e exigiu que ele desse uma bolsa para mim. O reitor me chamou e disse: “Porque ela me ligou tão brava assim?”. Eu contei o caso, daí ele me deu uma bolsa para todo o curso

na PUC. Eu acho que essa foi uma situação importante na minha vida.

Segundo Hillman (1998), para os gregos a palavra “oportunidade” deriva, provavelmente, de porta, portus, passagem, entrada. Opportunus descreveria uma abertura, uma brecha no tempo, e o principal termo grego para oportunidade seria Kairós, representado como um corredor de pés alados, com o corpo nu e com um topete na cabeça. Ele carrega uma navalha na mão direita para cortar, abrir brechas e criar interrupções no tempo cronológico e linear e na ordem estabelecida.

Khrónos e Kairós se referem, na cultura grega, ao tempo, o primeiro ao tempo sequencial, que pode ser medido, enquanto o segundo faz alusão a um tempo indeterminado, o tempo da experiência em que algo acontece. No entanto, vale lembrar que as oportunidades nem sempre são presentes embrulhados com papéis coloridos, elas provocam e desorganizam. A crise – oportunidade –, como Kairós, interrompe o tempo cronológico, obrigando o sujeito a traçar novas rotas.

O INDIVÍDUO-TRAJETÓRIA EM BUSCA DE RECONHECIMENTO E DE PERTENCIMENTO

Para os humanos que nos antecederam, talvez o tempo tenha se apresentado de forma mais estável e linear; no entanto, aqueles que participam das sociedades contemporâneas sentem que o tempo tem passado de forma mais rápida. Para Baumann (2007), vivemos em uma “Sociedade Líquida” em que as condições sob as quais agimos mudam de forma acelerada. Frente a esse novo cenário, muitos de nos-sos contemporâneos, em algum momento de suas vidas ou até de maneira crônica, entram em contato com um sentimento de insuficiência, uma sensação de não estar à altura, que se traduze em sintomas de ansiedade, angústia e sofrimento.

A idade adulta, que durante muito tempo foi considerada um estágio de maturidade a ser alcançado, nas sociedades pós-industriais foi deslocada desse patamar de estabilidade e transformada em um problema a ser enfrentado (BOUTINET, 1999). Homens e mulheres tentam construir suas vidas sem contar com as referências fornecidas pelas sociedades anteriores. O indivíduo conformado com as normas de sua cultura, de sua classe social e identificado com modelos sociais disponíveis está sendo substituído pelo indivíduo-trajetória, pressionado a construir uma identidade pessoal.

Tinha uma coisa que era engraçada: eu era um na faculdade, era outro na fábrica e era outro onde morava. Eu morava num cortiço cheio de trabalhadores. Tinha aqueles que gostavam de mim porque eu escrevia bem e escrevia cartas para as namoradas deles lá do norte, umas cartas apaixonadas! Outros não gostavam porque achavam que o fato de eu estudar era uma ameaça.

Eu era um em cada lugar, isso foi uma experiência importante (Antônio).

Antônio deixou sua terra natal e o grupo social a que pertencia e, ao chegar em São Paulo, passou a conviver com diferentes grupos sociais Em seu relato expõe uma das questões que mais afeta o homem contemporâneo: a construção de uma identidade em meio a uma sociedade que obriga os sujeitos a se deslocaram constantemente em busca de melhores condições de vida. Em meio a essas transições, os sujeitos necessitam manter certa unidade que lhes permita saber quem são.

120 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 115-125, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Para Dubar (2005; 2009), existem várias maneiras de construir subjetividade, assim como diferentes modos de construção identitária. O autor salienta que o indivíduo, para garantir alguma coerência e certa continuidade e, principalmente, para ser reconhecido pelos demais, organiza-se em torno de formas identitárias para os outros e para si. A primeira delas, a forma biográfica para o outro do tipo comunitário, deriva da inscrição do indivíduo em uma linhagem que se traduz pelo seu nome e confere a pertença a um grupo local e a uma cultura herdada, traduzida em língua, crenças e tradições. É uma forma muito antiga de construção identitária, mas que permanece ainda hoje se apoiando na predominância do Nós sobre o Eu. Antônio, ao vir para São Paulo, distanciou-se de seu grupo social, e suas pertenças de origem não lhe garantiam a introdução nem o reconhecimento nos novos grupos sociais dos quais passou a fazer parte.

Dubar (2005; 2009) faz referência também a outra forma de construção identitária denominada de relacio-nal para o outro do tipo societário, que se define por interações em sistemas instituídos: família, escola, grupos profissionais, estado. Implica um Ego socializado, caracteriza-se pela assunção de papéis. Em São Paulo, Antônio passou a fazer parte de diferentes grupos instituídos, o dos operários, o dos estudantes da PUC, o dos nordestinos que migraram para São Paulo. Frente à sensação de divisão, ele sentiu ne-cessidade de buscar um novo lugar de pertença que permitisse a ele refletir sobre sua situação e, dessa forma, reorganizar seus processos de identificação:

Quando entrei na PUC eu passei a participar do movimento comunitário de que um professor e também sua esposa participavam. Eu contei essa situação para a esposa do professor, e ela disse que era importante a gente manter uma unidade, que o bom da comunidade é que nela eu podia ser uma pessoa, daquele lugar eu podia olhar para outras dimensões de minha vida e que aquele lugar legitimava qualquer coisa que eu fizesse. Eu gostei muito dessa ideia de que a gente não deve se dividir e para isso é preciso estar em um lugar de onde se possa olhar para os outros lugares, de onde a gente atue. As coisas que eu fazia ganharam sentido, eu as fazia

a partir daquele lugar (Antônio).

Antônio, ao fazer parte de uma comunidade, encontrou alguns recursos para construir uma forma identitária que Dubar (2005; 2009) descreve como relacional para si do tipo societário, fruto de uma consciência refle-xiva capaz de construir um projeto subjetivo em associação como pares que têm projetos semelhantes e lhe fornecem recursos para identificação. Esse Nós, composto de pessoas próximas, corresponde à faceta do Eu que ele gostaria que fosse reconhecida pelos outros significativos. O que se busca é a unidade do Eu com base em uma capacidade discursiva capaz de construir uma identidade unificada e reivindicada.

Lúcia também contou com um grupo de referência que lhe possibilitou refletir sobre questões profissio-nais e pessoais.

Quando conheci esse grupo de pessoas – nós somos cinco mais próximos, apesar de distantes agora. Na época nós estávamos com muita dificuldade na escola. E a opção foi estudar. Eu era coordenadora, e o Júlio diretor. À medida que a gente se reuniu para discutir a escola, aconteceu uma outra coisa: começamos a discutir a gente e criamos vínculos afetivos entre o grupo. A gente conversava sobre o trabalho, mas também sobre outras coisas. Aí a gente começou a ser convidado para falar em outros lugares, para falar ou mesmo incentivar a criação de outros grupos. Fomos

mostrando que aquilo que estávamos fazendo poderia acontecer também em outros lugares.

Lúcia, ao descrever sua luta em busca de construir uma identidade, fala de duas Lúcias, uma comprometida com a identidade que construiu na infância a partir de seus grupos iniciais de pertença (família, escola e igreja) e outra fruto de processos de socialização que ocorreram na idade adulta.

121Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 115-125, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Eu gosto muito de escrever diários! Outro dia li uma coisa que me identifiquei: o João Ubaldo Ribeiro dizia que dentro dele havia o grande João e o pequeno João, e quando ele estava no auge, o pequeno João jogava ele para baixo. Eu também tenho a grande Lúcia e a pequena Lúcia, eu transito entre as duas sempre no processo de ampliar o conhecimento a meu respeito. Tem momentos que eu me vejo aquela Lúcia fazendo o que a mãe dizia, depois eu me vejo fazendo coisas diferentes e a pequena Lúcia fica guardada, mas têm horas que ela volta. Nos momentos de crise tenho que tomar uma decisão, mas já descobri que a decisão é sempre momentânea. Com o tempo descobri que é possível mudar as decisões. Estou em movimento. Eu acho que o que está fazendo diferença é registrar o que acontece comigo, mas também retomar o que

registro e pensar sobre isso.

No entanto, Lúcia, além de contar com o grupo como referência, sente necessidade de criar um espaço no qual possa se diferenciar do grupo, e os diários cumprem essa função. Dubar (2007; 2009) descreve outra forma de construção identitária, a biográfica para si, que implica um questionamento das identidades atribuídas. O Eu narrativo tem necessidade de ser reconhecido não só pelos outros significativos, mas pelos outros em geral. Consiste na busca da autenticidade de um olhar ético que dê sentido a uma exis-tência inteira. Com base em Ricoeur, Dubar (2007; 2009) chama essa identidade de identidade narrativa.

AMPLIANDO A COMPREENSÃO

No início do século XX, Jung (1981) percebeu que o que Dubar descreve como formas identitárias para o outro estavam em crise. Ao homem contemporâneo não bastavam as identificações para o outro para permanecer uno. A vida parecia cada vez colocar os indivíduos em movimento, instigando deslocamentos, transições que obrigavam reinvenções constantes. Para Jung, o homem que vive nas sociedades atuais era chamado a se diferenciar de um todo uniforme.

Ele observou, no entanto, que frente a esses novos desafios, alguns eram capazes de aceitá-los, eram capazes de abandonar portos seguros e traçar novas rotas, enquanto outros permaneciam estagnados, ape-gados ao seu passado, sem coragem de fazer travessias. Lúcia conta que, ao assumir o cargo de diretora, enfrentou uma grande crise e, para enfrentá-la, sentiu necessidade de novamente aprender e procurou um novo grupo que lhe desse apoio e lhe fornecesse recursos para pensar sobre o que estava vivendo.

Um outro momento que eu acho que influenciou muito na minha formação foi me tornar dire-tora. Eu tinha uma idealização: diretora era uma pessoa que tinha autoridade, que as pessoas respeitavam, o que ela fazia era reconhecido – eu tenho problema com o reconhecimento dos outros. No dia a dia não foi bem isso que encontrei. Você enfrenta muitas dificuldades, reconhe-cimento nem sempre você tem no espaço em que você está. As cobranças burocráticas são muito grandes. Se você não tomar cuidado – e eu não tomei –, passa a se achar responsável por tudo o que está acontecendo.

Eu fui tentar entender o que estava acontecendo e, para isso, fui para o mestrado. Passei o mestrado inteiro tentando entender aquilo que eu fazia e faço, procurando sentido para o que estava passando; foi um momento de crise horrorosa. Conversava com minha orientadora, lia os artigos, conversava com os colegas que me apoiam e acreditam em mim e tentava, e ainda tento, compreender essa relação que existe no cargo com a pessoa e a pessoa com o cargo.

Acabei fazendo as pazes no mestrado com algumas coisas.

122 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 115-125, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Jung considerava que talvez essa possibilidade de se colocar em movimento representasse a saúde, enquanto a estagnação e a fixação significasse a doença. O que fazem alguns para viver um processo libertador? Vivem e deixam que as coisas aconteçam. O novo vem a eles do campo obscuro das possibi-lidades de fora e de dentro, e eles o reconhecem e acolhem e, dessa forma, entregam-se ao futuro e às suas possibilidades. Antônio descreve uma experiência que considerou importante:

A crise da divisão de vez em quando volta. Em 2012, eu estava com muita dificuldade de escrever porque eu estava dividido, não tinha um lugar de onde escrever, já não era mais diretor e ainda não tinha um lugar definido na supervisão. Um dia eu compreendi isso. Cheguei na DREI e propus um grupo de trabalho de avaliação e um de convivência, e agora ficou mais tranquilo ter esse lugar. Eu era diretor de escola e escrevia, quando virei supervisor de onde eu escreveria? Continuava falando do lugar da direção; numa ocasião passei muito mal com isso. Eu descobri

que era preciso falar de outro lugar que legitimasse aquilo que eu escrevia.

A obra de Jung tenta explicitar a capacidade que os seres humanos têm de trilhar seu caminho, mesmo que para isso seja necessário traçar rotas tortuosas. Ele inventou inúmeras maneiras de falar disso, da capacidade do homem de fazer travessias, de ir para além de si mesmo e de renascer tal como Fênix (MARONI, 2008). Nomeou essa capacidade de Processo de Individuação, construto central de sua obra.

O Processo de Individuação pode ser considerado como o processo contínuo de transformação, ao qual são atribuídas características criativas e trágicas, porque a criatividade da individuação pressupõe avanços e recuos, evolução e involução, construção e destruição, e nessa perspectiva torna-se trágica, distanciando-se de um processo evolutivo e assumindo as características de um movimento que articula diferenciação e integração.

O adulto contemporâneo tornou-se um peregrino, obrigado a se recriar em cada parada, algo permanece, não sofre metamorfose por estar profundamente arraigado à imagem que tem de si, e isso ele leva com ele. No entanto, grande parte de sua bagagem necessita ser constantemente revisada e descartada.

123Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 115-125, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Os depoimentos desses professores estimulam a pensar a articulação entre a formação e os processos de construção identitária docente. É importante destacar que no início de suas vidas, os dois professores entrevistados receberam um nome, pertencerem a uma família, a uma igreja ou a um grupo local que ofe-receram referências para que fossem quem são, aparentemente, nesse estágio da vida o Nós predominou sobre o Eu. No entanto, a vida, ao cumprir seu papel desestabilizador, introduziu-os em outros coletivos que nem sempre referendaram as crenças, as ideias e os valores assumidos pelos grupos de referência anteriores, provocando, dessa forma, tensões e conflitos que os desestabilizaram e obrigaram a refletir e construir sínteses próprias. Essas vivências parecem ter fortalecido a construção de uma identidade para si.

À medida que os processos reflexivos se instalaram com mais frequência, é possível dizer que os dois docentes passaram a buscar grupos de referência que não oferecessem verdades, mas possibilidades de reflexão e troca. Esse movimento dos entrevistados nos leva a pensar sobre a importância de gru-pos de formação que favoreçam capacidade dos participantes de refletir, ter suas próprias ideias, poder expressá-las e defendê-las.

Cumpre destacar, também, o papel da escrita na trajetória formativa desses professores. Lúcia começou fazendo um diário que a tem acompanhado e possibilitado que ela acompanhe sua trajetória. Procurou o mestrado, um grupo de referência que a acolheu e favoreceu que ela investigasse e escrevesse sobre a gestão escolar. Antônio, por sua vez, também buscou o mestrado e o doutorado, os quais propiciaram a ele espaços para registrar, organizar e refletir sobre sua experiência na gestão. Antônio continua sentindo necessidade de escrever e cada vez mais tem certeza que a escrita tem sentido quando emerge do seu lugar de pertença.

A escrita parece surgir para os dois entrevistados como possibilidade de um encontro mais profundo com si mesmo. Em uma sociedade complexa em constante mutação, cada vez se torna mais importante cada um contar sua história, pois a partir da história que contamos sobre nós, podemos saber quem somos.

Para finalizar é preciso destacar que os docentes colaboradores da pesquisa estão a caminho, são pere-grinos que buscam compreender e atribuir sentidos para o que lhes acontece. Foi possível perceber que as crises que os acometem são fruto, na maioria das vezes, de acontecimentos que fragilizam suas per-tenças e os obrigam a fazer revisões identitárias, e esses parecem ser os momentos mais ameaçadores. Se essas vivências, por um lado, desorganizam, por outro, provocam reflexões. E, para isso, o homem contemporâneo, além de contar com grupos de referência, está sendo impelido cada vez mais a contar com seus próprios recursos para saber quem é e qual é o sentido que busca para a vida.

124 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 115-125, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

REFERÊNCIAS

ASSUNÇÃO, A. A.; OLIVEIRA, D. A. Intensificação do trabalho e saúde dos Professores. Educação e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 107, p. 349-372, maio/ago. 2009.

BAUMANN, Z. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

BOUTINET, J. P. L’immaturité de la vie adulte. Paris: Universitaires de France, 1999.

DANIS, C.; SOLAR, C. (Coord.). Aprendizagem e desenvolvimento dos adultos. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.

DUBAR, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

DUBAR, C. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.

ESTEVE, J. M. Mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. São Paulo: Edusc, 1999.

FURLANETTO, E. C. Como nasce um professor? Uma reflexão sobre o processo de individuação e for-mação. 4. ed. São Paulo: Paulus, 2007.

GASPARINI, S. M.; BARRETO, S. M.; ASSUNÇÃO, A. A. Prevalência de transtornos mentais comuns em professores da rede municipal de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cadernos de Saúde Publica, Rio de Janeiro, v. 22, n, 12, dec. 2006.

HILLMAN, J. O livro do puer. São Paulo: Paulus, 1998.

JOSSO, M. C. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez Editora, 2004.

JOVCHELOVITCH, S.; BAUER, M. Entrevista narrativa. In: (Orgs.) BAUER, M.; GASKELL. Pesquisa quali-tativa com texto imagem e som. Petrópolis: Vozes, 2002.

JUNG, C. G. O desenvolvimento da personalidade. Petrópolis: Vozes, 1981.

MARONI, A. Jung o poeta da alma. São Paulo: Summus, 1998.

NEVES, M. Y. R.; SILVA, E. S. A dor e a delícia de ser (estar) professora: trabalho docente e saúde mental. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 63-75, 2006.

NORONHA, M. M. B.; ASSUNÇÃO, A. A.; OLIVEIRA, D. A. O sofrimento no trabalho docente: o caso das professoras da rede pública de Montes Claros, MG. Trabalho, Educação & Saúde, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 65-86, 2008.

PLACCO, V. M. S; SOUZA, V. L. T. (Org). Aprendizagem do Adulto Professor. São Paulo: Loyola, 2006.

PINEAU, G. Temporalidades na formação. São Paulo: Trion, 2004.

125Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 115-125, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

SANTOS, G. B. As estratégias de fuga e enfrentamento frente às adversidades do trabalho docente. Estudos e Pesquisa em Psicologia, v. 6, n. 1, Rio de Janeiro, jun. 2006.

SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação. Parâmetros e perspectivas: Rede Municipal de Ensino de SP – 2012. São Paulo: Secretária Municipal de São Paulo, 2012. Disponível em: <http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Projetos/BibliPed/>. Acesso em: 12 maio 2012.

STAUDE, J. R. O desenvolvimento adulto: C. G. Jung. São Paulo: Cultrix, 1981.

TORRE, S. Adversidad creadora: teoria e prática del rescate de potencialidades latentes. Encuentros Multidisciplinares, v. XI, n. 31, p. 6-20, 2009.

TORRE, S. La adversidad esconde um tesoro; otra manera de ver La adversidad y la vida. El Ejido (Espanha): Círculo Rojo, 2011.

126 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ARTIGOS

Encontros e desencontros nos processos de formação continuada de professores em escolas públicas de educação básica1

Maria Eliza GamaEduardo A. Terrazzan

RESUMO: Este artigo originou-se de uma pesquisa desenvolvida nos anos 2006 e 2007 em quatro Escolas de Educação Básica de Santa Maria – RS. Nosso objetivo foi compreender como os papéis assumidos e desempenhados pelos profissionais que organizam, realizam e participam da Formação Continuada em EEB podem representar possibilidades ou limitações para que esses processos se articulem ao desenvolvimento institucional das escolas. Utilizamos informações coletadas com grupos focais com professores participantes dos processos formativos e entrevistas individuais com os profissionais responsáveis pela organização e realização da formação continuada dos professores em serviço e com os profissionais convidados para realizarem os encontros formativos no papel de formadores. Como aportes teórico-conceituais para esta pesquisa, utilizamos os estudos de autores como Canário (1995), Barroso (1997), Candau (2004), Pereira (2000), Gama (2007), Terrazzan (2007), qu, apesar de suas diferenças conceituais, se aproximam da ideia de que a formação de professores, em especial a formação continuada, centra-se na escola.

PALAVRAS-CHAVE: Formação Continuada de Professores; Escolas Públicas; Professores; Formadores.

Agreements and disagreements in the process of continued teacher training in public elementary schoolsABSTRACT: This article originated from a research carried in the years 2006 and 2007 in four schools of Basic Education of Santa Maria- RS. Our purpose was understand how the roles assumed and performed by professionals who organize, perform and participate of Continued Formation in EEB may represent possibilities or limitations for these processes are linked to the institutional development of schools. We use collected information focus groups with teachers participating in the formative processes and individual interviews with the responsible professionals for organization and conduction of the continued formation of teachers in service and with professionals guests to conduct meetings in the formative role of professional formers. As theoretical and conceptual contributions to this research, we used studies of authors such as Canário (1995), Barroso (1997), Candau (2004), Pereira (2000), Gama (2007), Terrazzan (2007), that despite their conceptual differences, approach the idea that teacher education, especially the continued formation, focuses on school.

KEYWORDS: In-Service Teacher Education; Public Schools; Teachers; Teacher Educators.

1 Agência Financiadora: CAPES; CNPq; UFSM.

127Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

INTRODUÇÃO

Do ponto de vista teórico, é difícil imaginar, hoje, propostas que sustentem a formação continuada de professores em serviço desvinculadas dos ambientes de trabalho, no caso de educação escolar, da unidade escolar. Esta perspectiva pauta-se na ideia de que todo o processo de formação continuada de professores em serviço deve partir de um estudo prévio sobre o espaço real de trabalho desses mesmos professores, da identificação de seus principais problemas e do estabelecimento das mudanças necessárias, para, então, proceder à definição de objetivos e metas alcançáveis ao longo de um tempo determinado, bem como de um processo planejado para tanto.

É importante esclarecer que, centrar e vincular a formação de professores à escola não significa desen-volver ações exclusivamente “dentro do espaço escolar” do ponto de vista específico utilizado, mas sim desenvolver ações sempre ancoradas na unidade escolar, a partir de um plano de ação que pretenda efetivar mudanças, tanto nas práticas individuais como nas práticas coletivas institucionais.

Nesta perspectiva, Canário (1995, p. 14) sinaliza o quanto é importante para a elaboração e realização da formação continuada considerar os professores como profissionais que se formam num trabalho coletivo que tenha como foco refletir sobre seus próprios processos de trabalho e também reconhecer a escola como um lugar onde os professores, ao mesmo tempo que aprendem com o desenvolvimento de suas rotinas diárias, produzem novos conhecimentos pedagógicos.

Este viés que concebe a formação continuada em serviço como um processo centrado nos espaços ins-titucionais é relativamente recente, apresenta-se em diferentes áreas profissionais e está relacionado a uma nova concepção de trabalho. O trabalho, neste sentido, é um processo em constante transformação; aberto e flexível às demandas sociais emergentes.

A visão essencialmente técnica e mecanicista do trabalho resultou em práticas formativas individualizadas com seus objetivos centrados nas tarefas específicas de cada posto de trabalho, desconsiderando as ques-tões subjetivas de cada sujeito, assim como os problemas de cada instituição e seus contextos de trabalho.

Essa visão utilitarista da formação resultou em modelos centrados na transmissão de conhecimentos e marcados por dois grandes princípios, ou seja, a “Separação rígida das estruturas, dos programas, dos conteúdos e dos formandos, de acordo com a divisão do trabalho” e a

[...] distinção clara entre decisores-conceptores (dirigentes da empresa e especialista da for-mação) e destinatários da formação, quer no nível das políticas e da sua concretização, quer no nível do projeto pedagógico (BARROSO, 1997, p. 65).

O distanciamento das práticas de formação continuada com os contextos de trabalho foi muito questio-nado na medida em que avançaram as “teorias das organizações” e emergiu a necessidade de “pensar ao mesmo tempo o indivíduo e a organização” e os princípios e práticas de funcionamento do trabalho institucional. Neste sentido, a formação continuada é valorizada como um mecanismo para mudanças nas formas de inserção e de interação das instituições com a sociedade:

Assiste-se, assim, cada vez mais, a uma interação entre o campo da formação e o campo da organização, o que leva a uma articulação (ou mesmo simbiose) das situações de formação com as situações de trabalho (BARROSO, 1995, p. 73).

128 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

No campo educacional, essas ideias tomam vulto, na medida em que

[...] o estabelecimento de ensino, entendido durante muito tempo como unidade administrativa que prolongava a administração, passou a ser encarada como uma organização social, inserida num contexto local singular, com identidade e cultura próprios, produzindo modos de funciona-mento e resultados diferenciados (CANÁRIO, 1995, p. 7).

Esta nova visão sobre a instituição escolar implica a necessidade de outras formas de elaboração e di-fusão de políticas públicas, outras formas de viabilização e distribuição de recursos e de organização do sistema educacional, assim como aponta para novas formas de organização e de desenvolvimento do trabalho escolar.

Ressaltamos que não podemos afirmar que já não existem inovações nas formas de organização e de-senvolvimento da escola e do trabalho escolar. Contudo, estas ainda se encontram presentes com muito mais ênfase na dimensão teórica do que na dimensão prática. Mas devem ser consideradas como pontos de partida para a proposição de outras inovações e consequentes mudanças nas escolas.

A tradição, contudo, nos mostra que as inovações vêm sendo motivadas, na sua maioria, por fatores externos às escolas. Ou seja, as redes de ensino buscando mecanismos para a melhoria da educação acabaram por adotar e/ou reformular, de outros contextos, inovações sem uma maior interlocução com as escolas e suas diferentes realidades. Também, podemos dizer que as inovações surgem por iniciativa dos próprios professores que, visando à melhoria de seu trabalho, introduzem novas práticas, sem que estas tenham partido de uma necessidade institucional, normalmente satisfazendo um desejo e uma realização profissional individualizada.

Tanto de uma forma como de outra, o contexto escolar, suas demandas e as necessidades dos profes-sores não chegam a representar as principais motivações para as mudanças, contrariando o fato de que estas não podem ser vistas de forma isolada e distanciadas das necessidades que emergem de um determinado ambiente de trabalho. As mudanças dependem diretamente das práticas individuais, da mesma forma que do coletivo institucional.

Entendemos que cada professor aprende na sua individualidade, a seu tempo e de acordo com suas necessidades. Cabe, sim, promover, dentro dos processos de formação continuada, diferentes e variadas situações que possam atender às especificidades de aprendizagem de cada um.

A formação continuada de professores deve tomar como foco de seu planejamento tanto as necessidades individuais identificadas no trabalho de cada professor como as coletivas, que produzem reflexos nos resultados do trabalho realizado pela instituição escolar como um todo.

Para isso, a formação continuada de professores em serviço fundamenta-se em três teses: (1) o local da formação a ser privilegiado é a própria escola; (2) todo o processo de formação continuada deve ter como referência os saberes dos professores; (3) a necessidade de reconhecer, nos processos formativos, as diferentes etapas de desenvolvimento docente, aceitando, por exemplo, que um professor iniciante não pode ser tratado do mesmo jeito que um professor com larga experiência profissional (CANDAU, 2004, p. 143). Ou seja, as modalidades de desenvolvimento profissional têm de ser entendidas e diferenciadas, de acordo com as etapas em que se encontram os professores de um determinado grupo.

129Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Os processos que visam promover mudanças institucionais têm, necessariamente, uma dimensão indi-vidual e uma dimensão coletiva e interativa. Na dimensão individual os indivíduos aprendem por meio da organização, assim como as organizações são capazes de aprender por meio do coletivo de seus pares (CANÁRIO, 1997, p. 12). Esta capacidade é que determina a autonomia da organização frente às neces-sidades de mudanças. O exercício da autonomia na efetivação de mudanças nas práticas escolares está associado tanto ao trabalho e o desenvolvimento do professor como ao trabalho e ao desenvolvimento escolar.

Acreditamos que um dos desafios para a melhoria da educação escolar, em que pese a formação continuada dos professores, está na criação de dispositivos formativos inovadores que viabilizem tanto a formação individualizada como os coletivos de formação a partir das experiências vividas no cotidiano escolar.

Diferentes fatores estão presentes e condicionam as formas como as escolas organizam e desenvolvem os processos de formação continuada para os professores. Neste trabalho, tomamos como foco de aná-lise a participação dos profissionais diretamente envolvidos na organização, no desenvolvimento e na participação nos processos de formação continuada.

Evidenciam-se como principais atores da formação continuada nos espaços escolares três tipos de profis-sionais, que são: (1) aqueles responsáveis pela organização da formação continuada nas EEB; (2) aqueles convidados para realizarem os encontros formativos; (3) os professores em formação.

Entendemos que a compreensão dos que participam desse conjunto de atores sobre a formação conti-nuada, sobre o desenvolvimento profissional dos professores e sobre o desenvolvimento da escola e as formas como atuam nesses processos condicionam e podem estar reproduzindo o modelo vigente. Neste sentido, objetivamos, com este trabalho, compreender como os papéis assumidos e desempenhados pelos profissionais que organizam, realizam e participam dos processos de formação continuada em escolas públicas podem representar possibilidades ou limitações para que esses processos se articulem ao desenvolvimento institucional das escolas.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este trabalho é parte de uma Dissertação de Mestrado, que se desenvolveu nos anos 2006 e 2007. O espaço de pesquisa ficou delimitado por quatro Escolas de Educação Básica de Santa Maria – RS.

Para este trabalho, utilizamos uma parte das informações coletadas com grupos focais com professores de educação básica participantes dos processos formativos e entrevistas individuais com os profissionais responsáveis pela organização e realização da formação continuada dos professores em serviço e com os profissionais convidados para realizarem os encontros formativos no papel de formadores.

Os grupos focais foram mediados por um roteiro de questões previamente elaborado e dividido em dois blocos. O primeiro, com questões sobre as concepções e as expectativas dos professores sobre a for-mação continuada na escola e o segundo, sobre o funcionamento dos encontros formativos.

A técnica para a coleta de informações foi utilizada em quatro grupos, cada qual constituído por professores de uma mesma escola que aceitaram o convite para participar. Em todas as escolas, a realização do grupo focal foi marcada no horário destinado às reuniões pedagógicas e/ou à formação continuada de professores.

130 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

A realização dos grupos focais seguiu duas orientações básicas: primeiro, queríamos ter acesso ao maior número possível de professores que participaram dos encontros e, em segundo lugar, tínhamos que organizar o momento de discussão de forma que conseguíssemos falas que representassem o coletivo existente naquele grupo e naquele espaço de trabalho.

Para isso, organizamos uma sequência de procedimentos visando garantir que os professores tivessem a oportunidade de expressar suas ideias, discuti-las e assim chegarem a um consenso em que todos se considerassem representados. Além disso, procuramos garantir que aqueles que não concordassem, ou que tivessem ideias diferentes da maioria também tivessem o direito de se expressar. A forma como esse instrumento foi utilizado permitiu alcançar, em muitos momentos a ideia consensuada ou representante do coletivo dos professores.

O roteiro utilizado para realizarmos as entrevistas com os profissionais responsáveis pela formação conti-nuada na escola continha blocos referentes à: identificação do profissional dos professores entrevistados; às escolas, seus turnos de funcionamento, número de alunos, número de professores e níveis de ensino que atendem; concepções destes profissionais sobre a formação continuada em serviço e as formas de organização dos PFCPS na escola. Entrevistamos um profissional de cada escola.

Já o roteiro utilizado para realizarmos as entrevistas com os profissionais convidados para realizarem os encontros formativos, por sua vez, continha itens para identificação do profissional, para levantarmos informações sobre suas concepções e expectativas acerca dos PFCPS nas EEB, e para levantarmos in-formações sobre o funcionamento dos encontros formativos. Entrevistamos oito profissionais.

Para a organização e a análise das informações obtidas com os grupos focais e com as entrevistas, re-alizamos, em primeiro lugar, a transcrição de todas as falas. A seguir, elaboramos quadros específicos onde registramos e agrupamos as respostas dadas a cada uma das questões.

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

Em estudos recentes (SANTOS, 2007), concluiu-se que existe uma preponderância de programas de formação continuada elaborados pelos Sistemas de Ensino, assim como uma valorização de processos que aconteçam no próprio ambiente escolar.

Normalmente denominados de Encontros de Formação, eles ocorrem com frequências diversas, de acor-do com as possibilidades de cada grupo de professores e com a carga horária garantida nos tempos das Reuniões Pedagógicas. Apesar da constatação de que houve um deslocamento das ações formativas que antes aconteciam prioritariamente fora das escolas em eventos promovidos por outras instituições, para dentro do espaço escolar, afirmamos que esses Processos de Formação Continuada de Professores em Serviço ainda privilegiam uma formação individualizada, mediante a qual o professor procura, de forma isolada, melhorar suas práticas de sala de aula sem uma interação com a proposta pedagógica da escola ou com um plano de desenvolvimento institucional, por mais que a formação se dê na escola.

Outra característica marcante desses processos é o fato de não existir um projeto institucional de forma-ção de professores em serviço. Normalmente, os “encontros de formação” acontecem de forma regular

131Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

(semanais, quinzenais ou mensais), podendo os professores serem convidados ou convocados a participar e, de maneira geral, são vistos como uma oportunidade de atualização pedagógica.

Os modelos pautavam-se na ideia de que a formação continuada deveria garantir, quase que unicamente, acesso aos conhecimentos teóricos produzidos fora dos espaços escolares e/ou a temas relacionados às práticas sociais mais gerais dos indivíduos (motivação para a vida, saúde, religião, entre outros), não estando, necessariamente, relacionados às questões pedagógicas.

Os encontros com professores destinados à formação continuada acontecem, na maioria das escolas, nos horários destinados às reuniões pedagógicas. A estratégia utilizada pelas escolas para não causar prejuízo a nenhuma dessas ações vinha sendo alternar os encontros com as reuniões pedagógicas. Contudo, na medida em que fomos articulando e cruzando algumas informações, percebemos que não existia um calendário que garantisse regularidade aos encontros. Eram organizados muito mais de acordo com a disponibilidade dos profissionais convidados para realizar os encontros (formadores) do que com a efetiva participação de um número representativo dos professores.

A organização dos encontros de formação continuada estava sob a responsabilidade de um dos membros da equipe diretiva, normalmente o coordenador pedagógico. Essa responsabilidade era assumida na to-talidade, ou seja, o responsável poderia decidir como, onde e com quem a formação iria acontecer, sem maiores discussões com seus pares. Em alguns casos, a própria iniciativa pela formação continuada era isolada de um profissional que tomou para a si a responsabilidade por valorizar esses processos como inerentes à qualidade da educação.

Os formadores são profissionais externos às escolas, normalmente convidados a realizarem os encontros após todas as decisões sobre a organização e o funcionamento dos encontros terem sido tomadas. Na sua maioria, esses profissionais não tiveram contatos anteriores com as escolas e com os professores. Podemos sistematizar as informações sobre esses processos da seguinte maneira:

Quadro 1 - Condicionantes para a participação dos professores nos encontros formativos nos espaços escolares

POSSIBILIDADES DIFICULDADES

A maioria das escolas prevê horários para a realização de encontros formativos.

Há falta de horários próprios para a realização dos encontros de formação continuada, pois os horários existentes não são disponibilizados apenas para a formação continuada; as escolas intercalam reuniões pedagógicas e encontros formativos.

Há falta de um calendário fixo para a realização dos encontros formativos, em função de marca-rem os encontros de acordo com a disponibili-dade dos professores e dos formadores.

132 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Algumas escolas ofertam os encontros de for-mação continuada em dois ou três turnos, o que pode garantir que todos os professores consigam acompanhar as ações formativas de-senvolvidas nessas escolas.

A oferta de apenas um turno para a realização dos encontros formativos pode privilegiar apenas um pequeno grupo de professores da escola, tendo em vista que não é tradição, por parte dos professores, retornar à escola no turno oposto em que estão em salas de aula e ainda que mui-tos professores completam suas cargas horárias em outras escolas.

Neste caso, a formação continuada, de maneira geral, é organizada privilegiando aqueles profes-sores que estão na escola durante o turno de realização do encontro.

A seguir, apresentaremos os resultados construídos a partir das informações coletadas, de acordo com cada grupo de sujeitos envolvidos na pesquisa..

OBJETIVOS DOS PROCESSOS DE FCPS NA ESCOLA NA VISÃO DOS ORGANIZADORES DAS AÇÕES FORMATIVAS

A seguir, apresentaremos as informações relativas à formação acadêmica e à experiência profissional dos profissionais responsáveis pela organização e desenvolvimento das ações de formação continuada nas escolas investigadas.

Quadro 3 - Características da formação profissional dos responsáveis pelas ações de formação continuada nas escolas investigadas.

Nº CÓDIGOFORMAÇÃO

INICIALPÓS-GRADUAÇÃO

FUNÇÃO NA ESCOLA

EXPERIÊNCIA NO

MAGISTÉRIO

1 E01Licenciatura em

CiênciasEspecialização em Pedagogia

GestoraCoordenadora

Pedagógica21 anos

2 E02

Estudos Sociais Licenciatura Curta

História

Licenciatura Plena

Especialização em História da América Latina

Especialização em Orientação Educacional

Mestrado em Educação

Orientadora Educacional

15 anos

3 E03

Letras

Licenciatura

Plena

Especialização em Literatura

Cursos na área de Supervisão Escolar

Coordenadora Pedagógica

+ de 10 anos

4 E04

Magistério Ensino Médio

História

Licenciatura Plena

Especialização em Gestão Escolar

Coordenadora pedagógica

15 Anos

133Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Ao questionarmos os profissionais responsáveis pela organização e desenvolvimento destes processos nas escolas, percebemos que a formação continuada de professores era programada dentro da escola, pela facilidade gerada para as equipes de gestão e para os professores. Esta situação pareceu existir como uma “manobra operacional” e não como uma mudança intencional sustentada pela ideia de uma formação entre os pares, próxima da realidade e das dificuldades existentes, ou ainda por representar uma oportunidade de compor um espaço de planejamento e revisão das práticas vigentes na escola.

Constatamos também que se atribui aos processos formativos a possibilidade de introdução de mudanças nas práticas educativas, independente do modelo ou das ações formativas vivenciadas nestes processos.

Para esses profissionais, a oferta da FCP aos professores está centrada na ideia de garantir a certificação de 40h para que possam “pontuar” nas avaliações para a progressão na carreira (grifo nosso) (PR02). Este nos pareceu ser o principal estímulo para a consolidação e efetivação dos processos formativos, que, pela facilidade, escassez de recursos e disponibilidade dos professores, acabaram por acontecer na escola.

FUNÇÕES DOS PROCESSOS DE FCP “NA ESCOLA” NA VISÃO DOS PROFESSORES

A seguir, apresentaremos as informações relativas à formação acadêmica e ao trabalho escolar dos professores que participaram dos grupos focais nas escolas.

Formação inicial do professores:

• 1 em Licenciatura em Química

• 1 em Magistério

• 2 em Licenciatura em Física

• 2 em Licenciatura em Geografia

• 2 em Licenciatura em Pedagogia

• 3 em Licenciatura em Educação Física

• 4 em Ciência Biológicas

• 4 em Licenciatura em Artes

• 4 em Licenciatura em História

• 7 em Licenciatura em Matemática

• 8 em Licenciatura em Letras

Tempo de atuação na escola

• 12 professores de1 a 2 anos

• 6 professores de 3 a 5 anos

134 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

• 8 professores de 6 a 10 anos

• 6 professores de 10 a 15 anos

• 2 professores com mais de 15 anos

• 6 não responderam

Carga horária de trabalho na escola:

• 1 professor com10 horas na escola

• 23 professores com 20 horas na escola

• 9 professores com 40 horas na escola

• 1 professor com 60 horas na escola

• 4 não responderam

Os professores participam desses processos na escola, por considerarem cômodo o fato de as reuniões serem em seu próprio local de trabalho e pela gratuidade dos processos. Os professores também não demonstraram perceber relações entre o modelo de formação, na escola e entre os pares, com possibi-lidades maiores de melhoria do trabalho escolar. O que, verdadeiramente, os motivava a participar era a facilidade e a garantia de serem certificados para a progressão na carreira. Ou seja, não fazia diferença estarem ou não na escola e com seus pares.

Identificamos, nas falas desses profissionais, três funções atribuídas aos processos de formação conti-nuada de professores. Um grupo entende esses processos como a oportunidade para atualização profis-sional, em que poderão adquirir os novos conhecimentos produzidos no campo educacional. Para esses professores, estar atualizado é o sentido básico da formação continuada. Deixam transparecer que seus interesses estão mais focados em ter acesso aos discursos atuais e a conhecimentos que os ajude a enfrentar os desafios impostos pelas mudanças atuais (sociais, econômicas, ambientais, culturais, etc.) que, de alguma maneira, alteram o trabalho realizado pelas instituições escolares, em especial a prática docente. A solução dos problemas vivenciados nos contextos escolares está sendo planejada e/ou in-ventada fora da escola, por especialistas externos.

Logo, podemos dizer que os professores entendem que, participando de processos de formação con-tinuada, com acesso aos conhecimentos produzidos fora da escola, adquirem conhecimentos que lhes permitem compreender melhor as situações sociais e profissionais colocadas pelas mudanças atuais. Essas falas aparecem sempre muito descoladas das práticas e da produção de cada professor na escola. O professor não se vê como produtor de conhecimentos, logo não consegue ver em seus pares parte ou a totalidade da solução para os problemas que enfrenta.

É interessante observar que os professores não fazem referência ao grupo, ao coletivo, aos pares, mesmo estando em grupo enquanto discutem as questões propostas para o grupo focal.

135Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Também identificamos uma segunda ideia, na qual os professores dizem acreditar que a formação con-tinuada permite uma evolução profissional e pessoal.

A falta de referências sobre as práticas docentes nos deixa a sensação de que os professores buscam, nos processos de formação continuada, conhecimentos para um trabalho ou para uma ação futura, e não para o uso, concomitantemente com as situações de trabalho vivenciadas no presente, ou então que eles não enfrentam dificuldades em suas práticas. Prevalece a ideia que de que os conhecimentos são apren-didos e colocados em prática posteriormente na medida em que as situações de trabalho assim exigem.

A FUNÇÃO DOS PROCESSOS DE FORMAÇÃO CONTINUADA “NA ESCOLA” NA VISÃO DOS FORMADORES

Quadro 4 - Características profissionais dos formadores convidados para realizarem os encontros formativos

º. CÓD. FORMAÇÃO INICIAL PÓS-GRADUAÇÃOINSTITUIÇÃO

QUE TRABALHATEMPO DE

EXPERIÊNCIA COM fp

01 F01

Ciências Licenciatura Curta/PUCPelotas

Biologia Licenciatura plena/UFSM

Mestrado em Extensão Rural/UFSM

Doutorado em Educação/

UNICAMP

UFSM 10 anos de experiência

02 F02Graduação em

Física Bacharelado e Licenciatura/USP

Mestrado em Ensino de Ciências/USP

Doutorado em Educação/USP

Pós-Doutorado em Educação/UNICAMP

UFSM 24 anos de experiência

03 F03 Pedagogia

Mestrado em Educação/UNICAMP

Doutorado em Educação/USP

PUC/SP 25 anos de experiência

04 F04Licenciatura em

Educação Especial/UFSM

Aluna de Especialização em Gestão Educacional

Não trabalha no momento

Foi à primeira experiência

Com formação de professores

05 F05 Pedagogia/UFSM

Mestrado em educação/UFRGS

Doutorado em Educação/UFRGS

UFSM 10 Anos de experiência

136 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

06 F06

Pedagogia

com Habilitação em Educação de Excepcionais/UPF

Especialização em Educação para

Excepcionais/UPF

Especialização em Ontopsicologia/SIUB

Especialização em Psicologia com abordagem em

Ontopsicologia/Univ. Saint Petersburg

Mestrado em Educação/UFRGS

Doutorado Educação/UNICAMP

UFSM 16 Anos de experiência

07 F07 Filosofia ______ UFSM20 Anos de experiência

08 F08Licenciatura Plena em

História

Especialização em Orientação Educacional

Mestrado em Educação/UFSM

Escola Estadual de Ensino Médio

Profª Maria Rocha

10 Anos de Experiência

Em contrapartida às funções declaradas pelos profissionais responsáveis pelos processos de formação continuada de professores nas escolas e pelos professores, os formadores atribuem outras funções acerca dos processos formativos nas escolas. De maneira geral, podemos dizer que:

• são vistos pelos formadores como atividades que passam a ter validade se elas auxiliarem na superação de uma dificuldade específica que a escola já tenha detectado e que esteja buscando auxílio externo de um profissional com experiência na questão;

• tem a função de propiciar o desenvolvimento nas dimensões pessoal, profissional e institucional, evidenciando-se que é um processo que deve ser assumido pelo coletivo dos professores, das equipes diretivas e dos profissionais chamados a colaborar;

• devem gerar reflexões sobre as práticas docentes relacionando-as com o papel da escola no contexto atual.

Também percebemos que os formadores organizam suas intervenções baseados no pressuposto de que os professores têm clareza de suas necessidades e dos problemas existentes nas práticas e na escola de uma maneira geral.

PAPÉIS ATRIBUÍDOS AOS FORMADORES PELOS PROFESSORES

Observamos três ideias centrais sobre o papel atribuído pelos professores aos formadores, que parecem estar sendo decisivas nas atitudes e no modo como os professores participam dos encontros formativos.

137Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

A primeira ideia que os professores têm do formador é que esse profissional é alguém que vai trazer para a escola e, particularmente, para cada professor, a solução para seus problemas e suas dificuldades. É chamado literalmente de “o salvador da pátria”.

Para os professores, o formador é uma referência do “conhecimento correto” ou do “bom conhecimento” sobre a educação. Consideram como referências os conhecimentos dos formadores para que possam avaliar seus próprios conhecimentos, pois o formador “[...] é aquela pessoa que tem conhecimento bem maior. É muito bom quando tu percebes que o teu conhecimento é o mesmo, que as ideias são as mes-mas, que alívio que dá na gente.”(E01/I)

A segunda ideia é que a os formadores devem levar professores a refletir sobre suas práticas de forma que os desafiem a encontrar solução para os seus problemas por meios próprios.

E a terceira ideia, contrária às anteriores, e que emerge de um pequeno grupo de professores, defende que a escola pode encontrar superação para seus problemas na própria escola e com seus profissionais.

PAPÉIS ATRIBUÍDOS AOS PROFESSORES PELOS FORMADORES

Para os formadores, os professores das Escolas de Educação Básica são os mandatários de suas práticas e, consequentemente, da formação continuada nas escolas. É a partir de suas solicitações, de suas neces-sidades e dos problemas que enfrentam que a formação continuada deve ser organizada e desenvolvida.

O professor deve ser reconhecido como um profissional que produz e que possui conhecimentos pró-prios adquiridos em suas atuações docentes. No entanto, isso não tem valor se o próprio professor não se enxergar desta maneira; é fundamental que ele, antes de qualquer outro sujeito, se coloque nessa condição e se perceba tanto como aprendiz como formador nesses processos formativos.

Para os formadores, o professor tem que se perceber em formação - “tem que estar na dianteira deste processo”, no sentido de identificar suas necessidades e buscar reforços para superá-las.

138 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De maneira geral, os processos de formação continuada de professores em serviço são vistos como ações que devem promover o desenvolvimento da escola e dos profissionais envolvidos. Logo, podemos concluir que a problemática não está nas funções atribuídas, mas na forma como os profissionais envol-vidos acreditam que esses processos devem acontecer.

O primeiro ponto que destacamos é o fato e das ideias mais tradicionais encontrarem-se na escola, sendo essas instituições, no papel de seus profissionais, as responsáveis pela elaboração das propostas forma-tivas. Podemos afirmar que existe uma forte tendência da escola em manter os processos da maneira que estão, pois seus profissionais não percebem a necessidade de mudanças sobre eles.

Evidencia-se um forte desencontro entre o que pensam os professores sobre os formadores e o que es-peram os formadores dos professores. Os formadores têm uma ideia um tanto otimista dos professores, para os quais preparam os encontros e acabam por desconsiderar o momento atual dos professores e suas reais necessidades e ainda fortalecem práticas que devem ser superadas, nos processos formativos.

O fato de esses profissionais desconhecerem as expectativas dos professores e as ações escolares no que tange a formação continuada cria uma espécie de escudo protetor que separa professores de for-madores e que impede que as ideias de uns sejam confrontadas com as ideias dos outros. O resultado disso é que, mesmo os formadores tendo conhecimentos que poderiam contribuir para difundir outras formas de realização dos processos de formação continuada nos espaços escolares, no momento em que não se inserem na elaboração desses processos, acabam por reforçar as ideias dos professores de que a formação continuada tem a função de promover o acesso a conhecimentos elaborados e validados por profissionais externos às escolas.

É possível afirmar que, a partir do momento em que os formadores esperam dos professores atitudes mais autônomas e críticas sobre suas formações, eles preparam seus encontros acreditando que os professores e as escolas tenham estratégias e planejamentos para dar continuidade às situações vividas nos encontros formativos. No entanto, isso ainda não se configura como uma prática escolar. Não existe uma cultura de reflexão coletiva sobre as práticas cotidianas, tampouco sobre o compartilhamento dos conteúdos tratados em processos formativos. Os conhecimentos se e quando construídos ficam restritos ao sujeito e às suas práticas, reforçando o caráter individualizado dos processos formativos.

Dessa forma, prevalece a lógica da aceitação passiva dos conhecimentos que chegam até os professores trazidos pelos formadores e não dos conhecimentos que eles (professores) percebem como necessários e importantes para o seu momento atual, para as suas práticas atuais e para os seus problemas atuais.

Fica claro que os modelos formativos mais significativos são aqueles que possibilitam a participação em cursos, congressos, palestras e eventos promovidos por outras instituições. Isto nos leva a constatar que a formação existente na escola ainda não apresenta características de uma formação centrada na escola e construída a partir de uma identidade grupal, coletiva e institucional.

Com base nessa constatação, podemos afirmar que estudos, reflexões e/ou discussões relativas à for-mação continuada nos espaços escolares entre os professores e entre eles e os demais profissionais da escola são inexistentes. Ou seja, fica evidente que as decisões sobre esses processos são exclusivamente

139Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

dos profissionais responsáveis e/ou das equipes de gestão e ainda que estas decisões são tomadas com base em conhecimentos de um “senso comum” profissional e do modelo majoritariamente desenvolvido pelos sistemas de ensino. Esta situação se contrapõe a um clima de mudanças, a partir do momento em que as condutas e decisões sobre esses processos são prescritas e não construídas a partir das solicitações do meio.

A participação dos profissionais e suas atitudes e decisões frente aos processos de formação continuada de professores em serviço em Escolas Públicas têm representado fator de reprodução das práticas vigentes

Ou seja, os profissionais envolvidos nestes processos parecem condicionados por um ritualismo já in-teriorizado, no qual os papéis já se encontram definidos e aceitos sem qualquer questionamento sobre eles. Os processos formativos acabam por se constituir em espaços de inúmeros desencontros de ideias, concepções e práticas.

140 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 126-140, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

REFERÊNCIAS

BARROSO, João. Formação, projecto e desenvolvimento organizacional. In: CANÁRIO, Rui. (Org.). Formação e situações de trabalho. Porto/POR: Porto, 1997. p. 61-78. (Coleção “Ciências da Educação”, 25). ISBN 972-0-34125-4.

CANÁRIO, Rui. Gestão da escola: como elaborar o plano de formação?. In: Cadernos de organização e gestão escolar, v. 3. Portugal/POR: Instituto de Inovação Educacional, 1995. ISBN 972-9380-83-X.

GAMA, Maria Eliza; TERRAZZAN, Eduardo Adolfo. Características da Formação Continuada nas Diferentes Regiões do País. In: REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO - ANPED, 30, 07 a 10 de outubro de 2007, Caxambu, MG, Brasil. Atas... 18p. (CD-Rom, arq <GT08-3846--Int.pdf>. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT08-3846--Int.pdf>. Acesso em: 4 fev. 2009)

GARRETT, Annette. A entrevista, seus princípios e métodos. Rio de Janeiro/BRA: AGIR, 1967. ISBN 8522000433

GATTI, B. A. Grupo focal na pesquisa em Ciências Sociais e Humanas. Brasília/BRA: Líber, 2005. (Série “Pesquisa”, 10). ISBN 85-98843-11-3.

HUBERMAN, A. M. Como se realizam as mudanças em educação: subsídios para o estudo do problema de inovação. Tradução de Jamir Martins. São Paulo/BRA: Cultrix, 1973.

PEREIRA, Júlio Emílio D. Formação de Professores: pesquisas, representações e poder. Belo Horizonte/BRA: Autêntica, 2000. ISBN 85.86583.72.3.

SANTOS, Maria Eliza G.; TERRAZZAN, Eduardo A. Formação continuada de professores: algumas sinali-zações metodológicas. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA E PRÁTICA DE ENSINO – ENDIPE, 13, 23 a 26 Abr. de 2006, UFPE, Recife, PE, Brasil. MONTEIRO SILVA, Aida Maria (Org.). Conhecimento Local e Conhecimento Universal. Anais... 9p. (CD-ROM, arq. <2464-1.doc>). ISBN 85-0068-3.

SANTOS, Maria Eliza Gama: (2007). Formação continuada de professores e desenvolvimento institucio-nal de escolas públicas: articulações, possibilidades e limitações. Santa Maria/BR: UFSM. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Educação, Universidade Federal de Santa Maria. (Orientação de Prof. Dr. Eduardo A. Terrazzan).

TERRAZZAN, Eduardo A.; SANTOS, Maria Eliza G.; LISOVSKI, Lisandra A. Desigualdades nas relações universidade-escola em ações de formação inicial e continuada de professores. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 28., 16 a 19 de Out. de 2005, Caxambu, MG, Brasil.

CALDAS, Alessandra; RIBEIRO, Luciene; CARNEIRO, Tarsila M. (Org.). Quarenta anos de Pós-Graduação em Educação no Brasil: produção de conhecimentos, poderes e práticas’. Atas... 21p. (CD-ROM, arq. <t0814798.pdf>). ISBN 85-86392-15-4.

141Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

ARTIGOS

Modalidades de ações desenvolvidas por estagiários e professores supervisores1 de estágio da escola básica

Maria da Assunção Calderano

RESUMO: Qual o papel desenvolvido pelo estagiário das licenciaturas e pelo professor da escola básica que supervisiona o estagiário na escola? As respostas foram resgatadas junto aos graduandos e professores da escola básica. Foram também inquiridos os professores da universidade que orientam o estágio, coordenadores pedagógicos e diretores das escolas que participam desse processo formativo. A análise do conteúdo das respostas apresentadas foi feita com o suporte metodológico oferecido por Bardin e foi sustentada também pelas reflexões teóricas advindas de estudiosos do tema, incluindo teses de doutorado, além de livros e textos publicados em periódicos. Supondo a interconexão entre as ações dos professores da rede de ensino e estagiários – manifestadas e refletidas no interior de cada conjunto de participantes –, evidencia-se a necessidade de que o professor da escola básica seja reconhecido mais efetivamente como corresponsável pela formação inicial do graduando, sendo constituídas as condições para que tais ações atinjam uma perspectiva de docência compartilhada.

PALAVRAS-CHAVE: Estágio curricular; Formação docente; Docência compartilhada.

Modes of actions developed by trainees and internship supervising teachers of elementary schoolsABSTRACT: What is the role played by the undergraduate intern and teacher at primary school who oversees the intern in school? The answers were rescued along with undergraduates and primary education teachers. Respondents were also teachers who guide the university stage, coordinators and principals participating in this training process. The content analysis of their responses was made with the methodological support offered by Bardin and was also supported by theoretical reflections arising from specialist subject, including doctoral dissertations, and books and articles published in journals. Assuming the interconnection between the actions of the primary school teachers of the school and college student – expressed and reflected within each group of participants – highlights the need for the primary school teacher is recognized more effectively as co-responsible for the initial training of the undergraduates, being established conditions for such actions to achieve a perspective of shared teaching.

KEYWORDS: Stage curriculum; Teacher training; Teaching shared.

1 O termo “supervisor de estágio”, relacionado ao professor da escola básica, se dá por adequação à Lei de Estágio n. 11.788, de 25 de setembro de 2008, na qual é indicado, no seu Art. 3º, inciso III, & 1º que “O estágio, como ato educativo escolar supervisionado, deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e por supervisor da parte concedente”. Disponível em: <http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2011.788-2008?OpenDocument>.

142 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

INTRODUÇÃO

O estágio curricular é notoriamente um tema importante dentro da formação docente, ainda que pesem a ausência e/ou opacidade de informações institucionais acerca de seu desenvolvimento (GATTI; BARRETO, 2009, p. 12; GATTI, 2011, p. 316-317) e os escassos estudos a seu respeito. Num montante de 201 teses de doutorado defendidas no Brasil entre 1998 a 2009, encontradas no portal CAPES a partir dos descri-tores “formação docente”, “trabalho docente” e “educação profissional”, somente 11 tratam do estágio curricular no âmbito das licenciaturas.

Entre as publicações em livros e periódicos, destacam-se as de Freitas (1996), Freire (2001), Pimenta (2002), Pimenta e Lima (2004), Felício e Oliveira (2008), Pinto Neto, Queiroz e Zanon (2009), Silvestre e Placco (2011), Calderano (2012a, 2012b) e Milanesi (2012), cujas contribuições serão apresentadas mais à frente junto aos dados analisados acerca do estágio curricular.

Qual o papel desenvolvido pelo estagiário das licenciaturas e pelo professor da rede de ensino que o super-visiona no interior da escola básica? Tendo interesse em descortinar essa questão, perguntas foram feitas aos estagiários e professores da escola básica. Foram também inquiridos os professores da universidade que orientam o estágio, coordenadores pedagógicos e diretores das escolas que participam, mesmo que indiretamente, desse processo formativo, complementando o panorama das ações relativas aos estágios.

O presente texto pretende analisar o conteúdo dos papéis destacados pelos diferentes conjuntos de participantes desse processo formativo, tendo como suporte metodológico as orientações de Bardin (1977). As análises também foram sustentadas pelas reflexões teóricas advindas de estudiosos do tema estágio, incluindo autores de livros, artigos de periódicos e teses de doutorado.

Serão apresentados a seguir os dados empíricos em que se apoia o presente trabalho, os objetivos e as questões que conduziram as análises. Estas serão tecidas de forma a elucidar alguns pontos de aproxi-mação e de estrangulamentos visualizados entre os papéis desenvolvidos pelos participantes no processo de estágio, desvelando concepções de formação distintas que sustentam tais papéis.

Supondo a interconexão entre as ações dos professores da rede e estagiários – manifestadas e refleti-das em cada grupo de participantes –, pomos em evidência a necessidade de que o professor da escola básica seja reconhecido como corresponsável pela formação inicial do graduando, sendo necessárias a constituição e a consolidação das condições para que tais ações atinjam uma perspectiva de docência compartilhada. Referimo-nos aqui a medidas institucionais locais, traduzidas em ações conjuntas a partir de uma concepção de estágio assumida coletivamente, bem como a políticas educacionais que orientem e deem sustentação a este esforço coletivo.

QUE DADOS SÃO ESSES E DE ONDE VEEM?

Os dados – matéria prima deste trabalho – advêm de uma enquete realizada com professores da facul-dade de educação de uma universidade federal mineira e seus alunos das licenciaturas em período de estágio curricular. Também participaram da enquete 65 escolas pertencentes a diferentes redes de ensino: municipal (29), estadual (18), particular (16) e federal (02).

143Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Participaram da enquete 4492 pessoas, sendo 19 professores da universidade, 274 estagiários de 12 licen-ciaturas3 e 156 profissionais da escola básica; destes, 95 professores, 37 coordenadores pedagógicos e/ou chefes de departamento e 20 diretores (entre estes profissionais, 4 não indicaram o cargo).

Dentre o conjunto de questões apresentadas a todos eles, aqui serão destacadas duas: 1) Qual o papel desenvolvido pelo professor na escola básica como supervisor de estágio? 2) Qual o papel desenvolvido pelo estagiário na escola básica?

Interessou-nos mapear tais papéis tendo como objetivo não somente conhecê-los e identificá-los, mas também compreender como eles são vistos pelos diferentes conjuntos de participantes do processo formativo: estudantes e professores da universidade e profissionais da escola básica. Julgamos adequa-do perguntar sobre o papel desenvolvido pelos diferentes participantes pela possibilidade avistada de atingir – com tal indagação – maior aproximação entre a resposta e o dado de realidade vivida, evitando possíveis predições, idealizações e intenções não materializadas, alcançadas com perguntas do tipo: “O que você pensa sobre estágio?” ou “Como ele deveria ser?”.

A partir desse mapeamento buscamos possíveis relações entre o papel desenvolvido pelo professor da rede como supervisor de estágio e o papel dos licenciandos estagiários, objetivando também antever possíveis nexos entre a visão apresentada pela universidade e a apresentada pela escola básica acerca desses papéis. Há também uma suposição clara de que a definição de tais papéis acaba por revelar a concepção de estágio que se encontra em desenvolvimento prático nas escolas.

O estudo seguiu orientado pelas seguintes questões que foram se constituindo, transformando-se e solidificando-se no próprio processo analítico: a) Há sintonia ou distanciamento entre a visão apresentada pela universidade e a apresentada pela escola básica quanto ao estágio curricular e, em escala maior, quanto ao processo de formação docente? b) É possível identificar uma concepção de estágio a partir dos papéis desenvolvidos por professores da escola básica – supervisores do estágio – e por estagiários? Em caso positivo, qual a concepção de estágio curricular que prepondera entre os grupos participantes da enquete? c) Há uma associação entre os papéis desenvolvidos pelos professores da escola básica e os desenvolvidos pelos alunos estagiários? d) Há indícios de docência compartilhada manifestada pela visão dos discentes e dos docentes da escola básica e da universidade?

Na pré-análise dos dados, fazendo a leitura flutuante, como nos orienta Bardin (1977, p. 96), ao dar início ao mapeamento dos papéis desenvolvidos por estagiários e seus supervisores na escola básica, relata-dos pelos diferentes agrupamentos de participantes do processo formativo, sentimos a necessidade de distinguir, na análise das respostas advindas da escola básica, as visões dos professores, coordenadores e gestores da escola básica. Isso foi possível porque a declaração do cargo ocupado por eles fora solici-tado na enquete.

O interesse por essa especificação interna dos profissionais que atuam na escola básica se deu por entendermos que, dependendo da dinâmica da escola, a transitoriedade dos cargos pode ser maior ou menor. Um diretor, por exemplo, que ocupa atualmente este cargo, pode ter sido supervisor de estágio e

2 Algumas pessoas não responderam às questões, focos de atenção neste texto. Outras não indicaram o cargo ocupado na escola, sendo, por isso, contabilizado um número menor de respostas nas análises apresentadas a partir dos cruzamentos feitos.

3 As doze licenciaturas a que se refere são: Artes, Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Educação Física, Enfermagem, Filosofia, Física, Geografia, História, Letras, Pedagogia e Química.

144 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

vice-versa. Além do que, dependendo ainda da dinâmica institucional, mesmo em cargos distintos, esses professores-gestores acabam assumindo alguma parcela de responsabilidade perante o estágio, seja definindo a sala de aula em que os estagiários vão se inserir, seja orientando a conduta do estagiário na escola, seja, ainda, avaliando-o. Admitimos também que o lugar institucional ocupado por cada um pode influenciar a visão sobre o estágio, podendo esta interferir em sua condução e seu desenvolvimento prático.

A busca pela especificação das visões apresentadas no interior da escola se deu também por entender que, sendo a docência base do trabalho docente, o olhar sobre o processo de formação inicial – identi-ficado pelo desenvolvimento do estágio no campo – mereceria atenção de todos os envolvidos na ins-tituição educacional. Com isso, foi possível identificar a visão daqueles que participam diretamente do processo – professor em sala de aula – e daqueles que, numa espécie de visão externa – coordenadores pedagógicos e diretores da instituição – veem-no um pouco mais distante, facilitando a compreensão do fenômeno pelo entrecruzamento de olhares e perspectivas.

COMO FORAM PROCESSADOS OS DADOS SOBRE O ESTÁGIO?

Seguindo as orientações de Bardin (1977, p. 95-141), procedemos à organização da análise, passando pela pré-análise – marcada por leitura flutuante, formulação das hipóteses, elaboração dos indicadores e preparação do material –, pela exploração do material – aqui foram tomadas as decisões emergentes da fase anterior – e pelo tratamento dos resultados. Constituímos o processo de codificação, categorização e inferências – desenvolvido em meio à análise –, cujos aspectos centrais serão aqui destacados.

Compartilhando com Bardin (1977, p. 38) a ideia de que “o interesse não reside na descrição dos conteúdos, mas sim no que estes nos poderão ensinar após serem tratados [...] relativamente a outras coisas”, cuida-mos de observar as respostas colocando em evidência o local a partir do qual o interlocutor se apresenta, distinguindo, portanto, os registros apresentados por cada grupo participante do processo. Suspeitamos também que as informações apresentadas pelos respondentes da enquete não somente guardam relação com a posição ocupada pelo emissário, mas também são demarcadas pelo conhecimento do destinatário da enquete. Todos foram informados que o levantamento feito partiu da coordenação de estágio da instituição, com o objetivo claro de mapear ações desenvolvidas, as condições de sua realização e seu aprimoramento. Isso justifica, por exemplo, o grande número de professores, coordenadores e diretores das escolas que responderam à enquete, revelando a importância de maior aproximação entre a universidade e a escola. Parece justificar também uma avaliação mais positiva por parte da escola – envolvendo os três subconjun-tos: diretores, coordenadores e professores – frente à avaliação apresentada pela universidade – alunos estagiários e professores da faculdade de educação. É como se houvesse o reconhecimento do empenho na busca de aproximação, e, portanto, a avaliação deveria, pelo menos a princípio, não ser tão “dura”.

Através da leitura flutuante observamos que por detrás dos papéis indicados pelos participantes da en-quete, desenvolvidos respectivamente pelo professor da escola básica e pelo estagiário, emergiam con-cepções diferenciadas de estágio curricular. Tais concepções foram se evidenciando a partir do processo de codificação que, de acordo com Bardin (1977, p. 103),

[...] corresponde a uma transformação – efetuada segundo regras precisas – dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, agregação e enumeração, permite atingir uma representação de conteúdo, ou da sua expressão, suscetível de esclarecer o analista acerca das características do texto, que podem servir de índices.

145Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Esse processo de codificação fora desenvolvido a partir das unidades de registro e de contexto, tendo por base os temas apresentados, classificando-os e agregando-os do ponto de vista qualitativo e quantitativo. O tema “é a unidade de significação que se liberta, naturalmente de um texto analisado segundo certos critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura”. Assim, o exercício da análise temática “consiste em descobrir os ‘núcleos de sentido’ que compõem a comunicação e cuja presença ou frequência de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido” (BARDIN, 1977, p. 105).

ALGUMAS CONCEPÇÕES SOBRE ESTÁGIO CURRICULAR – GUIAS DAS LEITURAS SUBSEQUENTES

Pimenta e Lima (2004, p. 33-57) apresentam o estágio como campo de conhecimento, em busca de superar sua “tradicional redução à atividade prática instrumental”, e tratam das diferentes concepções que o sustentam. Discutem a prática como “imitação de modelos”, como “instrumentalização técnica” e, ao verem o estágio como uma possiblidade de superação da separação entre a teoria e prática, indicam a possibilidade de ele ser concebido como “aproximação da realidade e atividade e atividade teórica”, defendendo também a pesquisa como “método na formação dos estagiários”. Acabam focalizando a dimensão coletiva do processo formativo propiciado pelo estágio:

O estágio prepara para um trabalho coletivo, uma vez que o ensino não é um assunto individual

do professor, pois a tarefa escolar é resultado das ações coletivas dos professores e das práticas

institucionais, situadas em contextos sociais, históricos e culturais (p. 56).

Freire (2001) apresenta em seu texto três concepções de estágio pedagógico: aplicação da teoria, prá-tica profissional e emancipação profissional – que decorrem, naturalmente, de diferentes concepções que sustentam os processos de formação inicial dos docentes. A autora ressalta que as concepções de estágio por ela discutidas

[...] coexistem na literatura educacional e na prática profissional, não são mutuamente exclusivas, não existindo uma demarcação clara entre elas, embora tenham implicações distintas no modo de conceber e justificar as acções de formação. As diferenças entre as concepções de estágio pedagógico não residem nos métodos usados para promover a aprendizagem do ensino (por exemplo, a reflexão é considerada em todas as concepções, embora com finalidades distintas, dependente dos interesses que estão em jogo), mas sim nos pressupostos que lhe estão sub-jacentes quanto ao conhecimento profissional, ao papel da reflexão nas práticas de formação e

à imagem do professor (FREIRE, 2001, p. 3).

Ela apresenta em um quadro, uma “estrutura conceitual” que explicita as questões, cujas respostas revelarão as distintas concepções de estágio pedagógico.

Quadro 1 - Estrutura conceptual para caracterização das concepções de estágio pedagógico

Dimensões da concepção de estágio pedagógico Questões orientadoras da análise

Conhecimento profissional• Qual é a natureza do conhecimento profissional?

•Quem cria esse conhecimento?

Papel da reflexão nas práticas de formação• Quais são as finalidades da reflexão nas práticas de

formação?

Imagem do professor • Qual é a imagem de professor a valorizar?

Fonte: FREIRE, 2001, p. 3.

146 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Freire ressalta a importância de se criarem as condições para que os estagiários se envolvam em práticas reflexivas, “com finalidades investigativas, ajudando-os na construção de conhecimentos pedagógicos de conteúdo”. A dimensão investigativa é justificada por três aspectos:

Em primeiro lugar, tornar o estagiário investigador da sua prática significa promover a reflexão em acção e sobre a acção o que pode contribuir para a aquisição de conhecimento sobre como ensinar, para a consciencialização de crenças relativas ao ensino e para promover o desenvol-vimento pessoal e profissional. Em segundo lugar, proporciona um questionamento sobre as condições em que desenvolve o seu trabalho e sobre as consequências das suas acções para os alunos, o que pode contribuir para melhorar as condições em que trabalha e possibilitar uma melhoria na qualidade do ensino. Em terceiro lugar, pode permitir uma maior consciencialização sobre a influência da sociedade na vida escolar e o reconhecimento das diferentes culturas em

que se inserem os seus alunos (FREIRE, 2001, p. 19).

Numa perspectiva alinhada à superação do estágio baseado em concepções pautadas na racionalidade técnica e racionalidade prática, Silvestre e Placco (2011) afirmam que é preciso desenvolvê-lo e concebê--lo a partir da racionalidade crítica, sendo “compreendido à luz das relações sociais estabelecidas pela estrutura social na qual se insere o processo educativo possuindo a ciência como referencial”.

Essas autoras ressaltam que os estágios curriculares

[...] precisariam ser reconhecidos, valorizados e planejados como uma etapa da formação em que, além da observação e coleta de dados para análise da realidade em que são desenvolvidos, os futuros professores tivessem a oportunidade de exercer o ofício docente, por meio de práticas supervisionadas, por um longo tempo, previstas em um projeto elaborado com corresponsabi-

lidade entre instância formadora e escola-campo (SILVESTRE; PLACCO, 2011).

Milanese (2012), a partir de seu estudo, identificou cinco classes de respostas à pergunta sobre o que é o estágio curricular: a) momento de colocar em prática as teorias aprendidas ou da relação teoria e prática; b) período de aprendizagem da realidade escolar; c) período de exercício da prática pedagógica; d) período de aquisição de experiência; e) período de identificação ou não com a profissão.

A análise das respostas que geraram essa classificação feita por Milanese indica concepções distintas sobre o estágio, sempre marcadas por uma temporalidade que, se não impede, pelo menos dificulta ver o estágio em relação orgânica com outras atividades do próprio curso de formação e/ou com a própria realidade escolar/campo profissional.

Nos trabalhos de Calderano (2012a, b), é avistada uma concepção – que emerge de algumas práticas edu-cacionais – marcada pela organicidade entre escola e universidade, entre teoria e prática, entre formação e trabalho docente. Os estudos sobre tais práticas indicam a possibilidade do estágio enquanto “docência compartilhada” e partem do pressuposto que tanto a formação quanto o trabalho docente são desenvol-vidos pelos professores da universidade e da escola e que ao estagiário cabe participar ativamente desse processo, entendendo que seu processo de formação se dá nos dois campos ligados dialeticamente.

Ainda focalizando concepções de estágio curricular, 5 (cinco) teses de doutorado são aqui destacadas. Ranghetti (2005), em sua tese, propõe a perspectiva interdisciplinar para o desenvolvimento de projetos de formação docente, neles contido e relacionado o estágio curricular. Expressa que esta perspectiva tem

147Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

como ponto de partida e de chegada a prática docente, num movimento espiral, tornando-a enriquecida pelas reflexões geradas no processo. Mendes (2005) propõe que o estágio seja concebido de forma a trans-cender a prática enquanto imitação ou instrumentalização técnica, e que se constitua numa relação dialética entre teoria e prática demarcada pelos princípios da reflexão crítica. Compreende o estágio como espaço de aprendizagem profissional e argumenta a favor da constituição de projetos de estágios que viabilizem a produção de conhecimento sobre a realidade escolar, favorecendo a construção do ser professor e de uma vivência significativa do ciclo docente. Aroeira (2009) defende o ambiente de colaboração como forma de superar práticas conservadoras relacionadas à produção de saberes pedagógicos. A autora ressalta que os saberes produzidos nessa perspectiva de colaboração são processuais, sofrendo contínuas transformações durante o processo de estágio. Amantéa (2004) ressalta que o estágio deve se constituir como espaço de investigação e produção de saberes pela Instituição do Ensino Superior, e que esta deve promover políticas de formação contínua de desenvolvimento profissional e qualificação do seu corpo docente.

Campos (2006), em sua tese, observa que boas iniciativas estão sendo desenvolvidas no sentido de superar a visão do estágio supervisionado sustentado pela racionalidade técnica. Contudo, alerta para o fato de que iniciativas demarcadas pela prática reflexiva coexistem com a falta de clareza e compreen-são frente à natureza dessa prática. Campos ainda constata que a articulação entre a prática e a teoria tem sido promovida apenas em algumas disciplinas isoladas, não se constituindo, tal articulação, parte integrante do eixo curricular.

Outras quatro teses – Silva (2005); Azevedo (2007); Bastião (2009); Silveira (2008) – trazem elementos que, apresentando indiretamente concepções de estágio, anunciam a importância dos diferentes papéis desen-volvidos no estágio curricular, seja pelos professores orientadores de estágio das IES, pelos professores da escola básica, supervisores de estágio, seja pelos estagiários. De modos distintos, valorizam os diferentes saberes apresentados e construídos em contextos diversos de aprendizagem e, com maior ou menor evidên-cia, apontam a influencia do professor – seja ele da universidade, seja da escola básica – sobre o estagiário.

Silva (2005), em sua tese baseada em um trabalho desenvolvido junto a alunos do curso de Pedagogia estagiários em uma escola municipal de educação fundamental, identificou sentidos e significados de prática de ensino e de formação que delas [situações de ensino-aprendizagem] foram emergindo, constituindo-se em ricas oportunidades de formação inicial e em continuidade. Azevedo (2007) propôs--se a investigar como os estagiários de música desenvolvem sua ação pedagógica a partir dos saberes docentes mobilizados e socializados na atividade de estágio. Argumenta a favor da relação entre os dife-rentes tipos de saberes como condição para se estabelecer e efetivar a ação pedagógica. Bastião (2009), enfatizando em sua tese o papel do professor da Instituição do Ensino Superior, atesta que esse professor contribuiu não somente para o desenvolvimento profissional do(a) estagiário(a), mas também para o do próprio(a) professor(a) orientador(a), e ainda contribuiu para a aprendizagem dos alunos no contexto da escola regular. Silveira (2008) focaliza em sua tese os professores da escola básica que supervisionam os estagiários. Afirma que eles percebem-se como formadores, partilhando com os futuros professores seus saberes, e creditam à escola um espaço importante de formação docente.

De formas e com nuances diferentes, os estudos e pesquisas relacionados ao estágio descrevem a co-existência de concepções distintas e defendem a superação de uma visão do estágio curricular marcada pela racionalidade técnica e/ou racionalidade prática. Todos reconhecem sua importância no processo de formação e afirmam a necessidade de maior articulação entre os campos de trabalho – universidade e escola – e entre os saberes, deixando clara a perspectiva interdisciplinar como condição de superação dos isolacionismos encontrados.

148 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

FOCALIZANDO O CONTEÚDO DOS PAPÉIS DESENVOLVIDOS POR PROFESSORES DA ESCOLA BÁSICA E ESTAGIÁRIOS

Analisando, pois, as respostas obtidas dos diferentes participantes da enquete, no que se refere ao papel desenvolvido tanto pelo professor da escola quanto pelo estagiário, identificamos temas que se aproximam e se distanciam de diferentes concepções de estágio, conforme antes apontado. A leitura e a análise atentas nos permitiu identificar pontos comuns entre as declarações apresentadas pelos dife-rentes conjuntos de pessoas. As descrições, por sua vez, nos ajudaram a mapear concepções distintas relacionadas ao estágio e, por conseguinte, ao processo de formação.

A organização da análise sofreu diversas modificações em seu processo de construção marcado pelo vai vem a que nos fala Bardin, num movimento contínuo entre os dados empíricos e a teoria que lhes serve de suporte de leitura:

Há muitas vezes uma passagem incessante do corpo teórico (hipóteses, resultados) que se enriquece e se transforma progressivamente, às técnicas que se aperfeiçoam pouco a pouco (lista de categorias, grelhas de análise, matrizes, modelos). Este vai vem contínuo, possibilita facilmente a compreensão da frequente impressão de dificuldade no começo da análise, pois que nunca se sabe exatamente “por que ponta começar” (BARDIN, 1977, p. 30).

O esforço em buscar a compreensão dos papéis distintos – professor da escola básica, supervisor de estágio e estagiário –, indicados por diferentes participantes, se deu também no sentido de possibilitar uma categorização que abrigasse as diferentes concepções extraídas dos diversos papéis desenvolvidos.

Assim chegamos a sete maneiras de classificar as respostas dadas, de modo a traduzir as práticas. Essa classificação assim se mostra:

1. Docência compartilhada – aqui são observados indícios de práxis. O supervisor do estagiário (professor da escola básica) propicia espaço para a atuação do estagiário dentro de um processo de iniciação à docência, cooperando com ele, atuando com ele nas questões didático-pedagógicas, dentro e fora da sala de aula. O estagiário, por sua vez, se vê como parte do processo como um todo e participa ativamente das diversas atividades dentro e fora da sala de aula numa interação com o professor da escola e da universidade.

2. Aproximação entre teoria e prática – o supervisor do estagiário (professor da escola básica) conversa com o estagiário sobre a docência, sobre a escola, sobre os alunos, sobre os procedimentos pedagógicos utilizados, contribuindo efetivamente com seu processo de formação. É visto pelo estagiário como mestre, modelo, exemplo a ser seguido. Por sua vez, o estagiário participa das atividades escolares, pontualmente, sob a supervisão do professor da escola, e atua dentro dos limites estabelecidos no processo.

3. Contato inicial com a prática pedagógica – supervisor do estágio (professor da escola básica) acompanha o estagiário; orienta pontualmente suas atividades circunscritas ao tempo e ao espaço regulamentar do estágio. O estagiário desenvolve alguma atividade pontual, solicitada, indicada ou permitida pelo super-visor – professor da escola básica.

4. Espaço para avaliação da escola/professor – o professor da escola básica se sente ameaçado com a presença do estagiário. Há questionamentos sobre sua presença. Por sua vez, o estagiário registra os acontecimentos para depois descrever e denunciar os “problemas” observados em relação ao professor ou à escola, de modo geral.

149Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

5. Observação passiva – o professor da escola atua sem considerar ou explicitar o reconhecimento da presença do estagiário em sala de aula. O estagiário não interage com o professor da escola em momento algum; apenas observa e registra os acontecimentos, para depois relatar o que foi observado.

6. Atuação burocrática – cumprimento de regras burocráticas. Estagiário e professor da rede cumprem papéis puramente burocráticos quanto a formulários e assinaturas, revelando ausência de intenções pedagógicas.

7. Atividade dispensável – considerações são feitas sobre a ausência de contribuição para todos os envolvidos.

8. Mais de uma alternativa – apresenta-se mais de uma modalidade de prática de estágio.

As 5 (cinco) primeiras classificações denotam uma concepção de estágio que validam sua realização – ainda que apresentem críticas a seu desenvolvimento. As categorias de números 6 e 7 revelam uma concepção de estágio marcado por sua desvalorização, seja pela mera formalidade – atuação burocrática –, seja pela ausência de sentido – atividade dispensável. Na última categoria – 7 –, reunimos as respostas que apre-sentaram mais de uma concepção advinda de práticas distintas vivenciadas pelos mesmos respondentes.

A partir de tal classificação, serão apresentadas as tabelas-sínteses que indicam diferentes visões acerca dos papéis desenvolvidos pelos supervisores de estágio (professores da escola básica) e por estagiários. Em seguida serão focalizados alguns depoimentos.

Tendo por base os registros sobre o papel desenvolvido pelos professores da escola básica (supervisores de estágio), fizemos agrupamentos de respostas, cujas frequências são visualizadas na Tabela 1:

Tabela 1 - Papel desenvolvido pelo professor da escola (supervisor de estágio) na visão dos diferentes participantes do processo

Descrições relativas ao estágioProfessor Fac. Educ.

Estagiário DireçãoEscola

Coord. Escola

Professor Escola

Docência compartilhada 11% 3% - 5% 8%

Aproximação entre teoria e prática

16% 28% 89% 66% 61%

Contato inicial com a prática pedagógica

32% 53% 11% 20% 29%

Espaço para avaliação da escola/professor

0% 2% - 3% -

Observação passiva 5% 4% - 3% -

Atuação burocrática 5% 3% - - 2%

Atividade dispensável 5% 3% - 3% -

Mais de uma alternativa 26% 4% - - -

TOTAL 19 (100%) 271 (100%) 18 (100%)35

(100%)86 (100%)

150 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Observamos que entre os profissionais da escola há certa afinidade de visão quanto ao papel do pro-fessor da escola como supervisor de estágio, destoando da visão apresentada pelos estagiários e pelos professores da universidade. Enquanto que no grupo de profissionais da escola há preponderância do estágio sinalizado por indícios de aproximação entre teoria e prática – sobressaindo-se aí a avaliação da direção da escola (89%). Entre os estagiários, esse percentual cai para 28%, e entre os professores da universidade cai ainda mais: 16%. Para os professores da universidade e estagiários, o papel dos profes-sores da escola básica (supervisores de estágios) é visto, majoritariamente, como possibilidade de um contato inicial com a prática pedagógica (53% dos estagiários e 32% dos professores da universidade).

Apesar de se notar uma diferença entre a visão apresentada pelos profissionais da escola e pela univer-sidade quanto ao papel desenvolvido pelo professor da escola (supervisor de estágio), nota-se que os grandes percentuais de respostas se concentram nas duas classificações: aproximação entre teoria e prática e contato inicial com a prática pedagógica.

Indícios de docência compartilhada são encontrados com percentual pequeno por todos os subgrupos e nulo pelos diretores da escola. Ainda que com percentual baixo, são também observadas concepções que comprometem a valorização do estágio e dificultam o reconhecimento de sua contribuição no processo de formação: observação passiva, atuação burocrática, atividade dispensável.

Um percentual de 26% de professores da universidade, ao retratar o papel do professor da escola básica, apresentou-o dentro da denominação mais de uma alternativa. Isso revela o lugar em que se encontram os respondentes. Ou seja, os professores da universidade, como orientadores de estágio, reconhecem que há uma multiplicidade de papéis desenvolvidos pelos professores da escola básica (supervisores de estágio). Isso revela a ausência ou a fluidez de uma orientação institucional quanto a esse papel e, ao mesmo tempo explicita a fragilidade do diálogo interinstitucional quanto ao tema.

A partir das mesmas classificações, ao focalizar qual o papel desenvolvido pelos estagiários, obtivemos a Tabela 2:

Tabela 2 - Papel desenvolvido pelo estagiário na visão dos diferentes participantes do processo

Descrições relativas ao estágioProfessor Fac. Educ.

Estagiário DireçãoEscola

Coord. Escola

Professor Escola

Docência compartilhada 11% 1% - 6% 3%

Aproximação entre teoria e prática 21% 17% 42% 48% 49%

Contato inicial com a prática pedagógica 42% 43% 21% 26% 36%

Espaço para avaliação da escola/professor

5% 2% - - -

Observação passiva - 25% 27% 14% 7%

Atuação burocrática - 6% 5% - -

Atividade dispensável - 1% - - -

Mais de uma alternativa 21% 5% 5% 6% 5%

TOTAL 19 (100%)269

(100%)19

(100%)35

(100%)86

(100%)

151Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Notam-se respostas com uma distribuição maior entre as categorias relativas ao papel desenvolvido pelo estagiário. Similar à Tabela 1, aparece uma aproximação maior entre as respostas obtidas entre os profissio-nais da escola, que, por sua vez, ficam mais distantes da visão apresentada pelos professores e alunos da universidade. Identifica-se também, como na Tabela 1, uma visão mais otimista da escola quanto ao papel desenvolvido pelos estagiários, identificando-os principalmente na classificação de indícios de aproxima-ção entre teoria e prática, sendo que o maior percentual nessa categoria foi apresentado pelo professor da escola básica: 49%. Os professores e alunos da universidade, por sua vez, entram com 42% e 43%, respectivamente, no papel que se enquadra dentro do objetivo de realizar um contato inicial com a prática.

Em ambas as tabelas observa-se certa simetria de resultados. Duas categorias apresentaram-se com os maiores percentuais: aproximação entre teoria e prática e contato inicial com a prática. Por outro lado, nota--se uma diferença instigante entre as duas tabelas. No primeiro, ao focalizar o papel do professor da escola como supervisor de estágio, verifica-se que nessas duas categorias as respostas se apresentam de modo bem concentrado, enquanto que na segunda tabela – papel do estagiário – as respostas se dispersam pelas diferentes denominações. Os estagiários, além de desempenharem papéis relativos à aproximação entre teoria e prática e ao contato inicial com a prática pedagógica, se reconhecem numa observação passiva em 25% das respostas. A direção da escola o confirma com 27%, e o coordenador pedagógico com 14%.

Os professores da universidade também identificam multiplicidade de papéis desenvolvidos pelos estagi-ários, reforçando a interpretação anterior da ausência de uma orientação clara que parametrize as ações dos estagiários dentro de uma determinada concepção de estágio.

Chama-nos ainda a atenção a forma como se apresenta a visão dos professores da escola básica. A positividade com que são vistos os papéis desenvolvidos pelos estagiários se faz notar. O maior percen-tual apresentado na tabela refere-se à categoria indícios de aproximação entre teoria e prática, fruto da apreciação do professor supervisor de estágio. Embora esse percentual, nessa mesma categoria, seja menor (49%), se comparado à resposta dada pelo mesmo profissional quanto ao papel por ele próprio desenvolvido (tabela anterior – 61%), esses dados nos encorajam a olhar de perto a questão antes enun-ciada quanto à relação entre os papéis desenvolvidos.

Passemos então a entrecruzar as informações de modo a identificar a frequência interna entre as res-postas obtidas pelos diferentes agrupamentos de participantes, tendo como variável principal o papel desenvolvido pelo professor da escola como supervisor de estágio e a variável correlata – papel desen-volvido pelo estagiário.

ENTRELAÇANDO PAPÉIS DESENVOLVIDOS NO CAMPO DO ESTÁGIO

Tendo em vista a identidade de categorias que ficaram com percentuais mais altos nas respostas do conjunto de atores participantes do processo de estágio curricular das licenciaturas e a proximidade entre os percentuais apresentados pelos profissionais da escola nas duas categorias mais assinaladas, fizemos a junção das respostas obtidas entre os diretores, coordenadores e professores da escola básica para as próximas análises. Assim, trabalharemos com três conjuntos: profissionais da escola básica, estagiários e professores da universidade, buscando identificar como se distribuem os papéis dos estagiários, ten-do como referência o papel do professor da escola básica como supervisor de estágio. Ou seja, vamos analisar entrecruzamentos.4

4 Os quadros com os dados de cruzamentos são extensos e por isso não os fizemos constar aqui.

152 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Considerando o conjunto dos profissionais da escola que descreveram o papel do professor da escola como supervisor de estágio, identificado na categoria aproximação entre teoria e prática, 57% relatam papéis dos estagiários nessa mesma categoria.

Um profissional da escola básica diz que o papel do professor regente da escola básica (orientador de estágio) é “auxiliar no processo de formação do professor e do aluno como cidadão participativo e cons-ciente da sociedade na qual estão inseridos”. Esse mesmo profissional diz o seguinte sobre o papel do estagiário: “além de observação, dá sugestões de atividades e metodologias modernizadas a serem aplicadas e desenvolvidas”.

Curiosamente, os profissionais da escola básica que definiram o papel do professor da escola como supervisor de estágio enquanto atuação burocrática – “assinar documentos” – são os mesmos que des-creveram o papel do estagiário como observação passiva – “observar as aulas”.

Neste grupo dos profissionais da escola alguns apresentaram o papel do professor da escola (supervisor de estágio) dentro da categoria docência compartilhada. Entre estes, nenhum respondente caracterizou o papel do estagiário como burocracia ou observação passiva e/ou atividade dispensável. Esse dado indica que a ação demarcada pela docência compartilhada por parte do professor da escola (supervisor do es-tágio) não se relaciona com uma postura burocrática ou passiva por parte do aluno, tampouco caracteriza o desenvolvimento do estágio como algo dispensável.

Ao contrário, a docência compartilhada desenvolvida pelo professor da escola básica se viu relacionada a três papéis desempenhados pelos licenciandos onde a interação se faz presente, a saber: a) docência compartilhada; b) aproximação entre teoria e pratica e c) contato inicial com a prática. Depoimentos indi-cativos de tais papéis podem ser visualizados no Quadro 2:

Quadro 2 – Cruzamento de papéis desenvolvidos no estágio curricular na visão dos profissionais da escola

Papel do professor da escola básica como supervisor de estágio

Papel do estagiário

Atualmente, mostram-se preocupados em integrar o estagiário à rotina da docência e

da vida escolar como um todo, proporcionando uma rica troca.

a) Observar a rotina escolar e agregar pontos nos diálogos entre docentes estabelecidos nos

aspectos relativos a interdisciplinaridade.

Colaborar para a execução do plano de estágio, trabalhando em parceria com os professores

da graduação e com o estagiário.

b) Colaborar para a execução do plano de estágio, enquanto vivencia a prática docente. Inserir na prática do professor que o recebe

novas possibilidades metodológicas.

É ótimo receber o estagiário, porque novamente sinto motivação através do sonho dele.

É enriquecedor, e fico sempre disposta a contribuir para sua formação.

c) Observação, participação e apoio.

No conjunto dos estagiários, focalizamos aqueles que indicaram o papel do professor da escola (supervi-sor de estágio) como demarcado por algo que se encaixa na perspectiva do contato inicial com a prática.

153Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Entre esses, 46% entendem que seu papel enquanto estagiário tem se constituído dentro dessa mesma categoria.

O estagiário que aponta como papel do professor da escola básica (supervisor de estágio) “orientar o estágio na prática realizada” é o mesmo que indica seu papel de estagiário como “observar o funciona-mento das aulas e escolas com um olhar critico e desempenhar uma demanda”.

Não houve caso algum em que algum estagiário que considerou o papel do professor da escola (supervi-sor de estágio) como atividade dispensável ou atuação burocrática tivesse apresentado seu próprio papel de estagiário como algo encaixado na docência compartilhada ou na aproximação entre teoria e prática. Tal observação reforça a ideia da sintonia entre papéis desenvolvidos por professores da escola básica (supervisores de estágio) e licenciandos estagiários.

Entre os estagiários que apontaram os papéis dos professores da escola (supervisores de estágio) de-marcados pela atuação burocrática, identificamos quatro subconjuntos de associações: a) 33% deles indicaram suas ações de estagiários caracterizadas como contato inicial com a prática; b) outros 33% apontaram o papel do estágio ligado à observação passiva; c) 17% indicaram a atuação burocrática e d) 17% revelaram ações dos estagiários classificadas como atividade dispensável. Os depoimentos que retratam tais papéis podem ser observados no Quadro 3.

Quadro 3 – Cruzamento de papéis desenvolvidos no estágio curricular na visão dos estagiários

Papel do professor da escola básica como supervisor de estágio

Papel do estagiário

Autoriza assistir a suas aulas e propor atividades.

a) Conhecer o ambiente escolar, discutir problemas e propor aulas.

Acredito que eles aceitam por aceitar, porque depois eles não nos [estagiários] deixam ter

uma maior participação.

b) Observar, pois os professores não têm nos [estagiários] deixado ter uma maior participação.

Assinar a folha de frequência.c) Ajudar os professores a corrigir trabalhos e

ocupar mais uma carteira.

Muito pouco receptivo.d) De auxílio durante as aulas, não desenvolve

nada de muito relevante.

Entre os estagiários que indicaram papéis dos professores supervisores alinhados à categoria atividade dispensável, 72% apontaram suas próprias ações como observação passiva. Frente a tal situação, críticas veementes são apresentadas.

Quanto ao papel do professor da escola básica (supervisor de estágio), destacamos na categoria atividade dispensável estas respostas apresentadas pelos estagiários: “o professor que recebe o estagiário quase nunca está orientado em relação ao estágio escolar, e não sabe como agir nessa situação”; “nas séries iniciais os professores nos veem como um auxiliar, muitas vezes isso nos impede de ver o processo com um distanciamento necessário”; “O professor se porta indiferentemente em relação às práticas que deveriam ser desempenhadas pelos estagiários”.

154 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

Respectivamente, esses mesmos estagiários, ao se referirem ao próprio papel desenvolvido como ali-nhado com a observação passiva, assim expressaram suas respostas: “o estagiário tem observado muito na sala de aula (como é feito na prática escolar), e as intervenções são mínimas e não significativas”; “papel de um observador do processo educacional”; “na maioria dos casos o papel desempenhado é de observação, com poucas práticas docentes”.

No conjunto dos professores da Faculdade de Educação (orientadores de estágio da IES), metade dos que apontaram o papel do professor da escola situado na categoria docência compartilhada também conferiu essa mesma classificação ao graduando. Uma professora da universidade, ao falar do papel do professor da escola (supervisor de estágio), diz:

É importante esclarecer que o trabalho desenvolvido baseou-se numa perspectiva do estágio como momento de investigação e pesquisa, buscando superar a visão da imitação de modelos, na qual o professor da escola-campo tinha o papel de fornecedor de modelos prontos, e cami-nhar no sentido da construção do estágio como momento articulador da relação entre teoria e prática. Desse modo, o papel abordado com os professores da escola-campo foi de participante numa pesquisa sobre a prática pedagógica da Educação Física na escola básica. O professor, juntamente com os estagiários, participou do levantamento dos principais aspectos que preci-sariam ser abordados de certo conteúdo para determinada turma; os problemas e dificuldades encontrados para o desenvolvimento desse trabalho – envolvendo dificuldades materiais, de domínio e transposição didática do conteúdo, de envolvimento da turma, entre outras –, bem como as possibilidades de trabalho e soluções para os problemas encontrados (Profa. IES).

Essa mesma professora, ao definir o papel do estagiário aponta que “dentro dessa mesma perspectiva, o estagiário assume o papel de pesquisador da prática pedagógica, dentro de uma visão de pesquisa-ação”.

Entre os docentes da universidade que indicaram o papel do professor da escola (supervisor de estágio) dentro da categoria contato inicial com a prática, 100% colocaram nessa mesma rubrica o papel desen-volvido pelos estagiários. A professora que diz que “o professor que recebe o estagiário na escola atua como orientador, estabelecendo relações e permitindo a intervenção pedagógica dos licenciandos”, é a mesma que diz que “O estagiário atua principalmente através de três perspectivas: observação, partici-pação e regência de aulas”.

Esses dados reforçam a possibilidade da relação entre o papel do professor da escola básica (supervisor de estágio) e o papel desenvolvido pelo estagiário. Tal relação apresenta-se sustentada empiricamente através destes três cruzamentos das duas variáveis – papel do professor da escola básica e papel do estagiário –, antes apresentados e analisados a partir dos três subconjuntos de participantes da enquete – profissionais da escola básica, estagiários e professores da universidade.

Essa associação também tem respaldo teórico nas teses anteriormente citadas. As teses de Silva (2005), Azevedo (2007), Bastião (2009) e Silveira (2008) também trazem elementos que fortalecem a importância e a interligação dos papéis destacados. Algumas ressaltam o papel desenvolvido pelo professor da escola básica que supervisiona o estágio, sendo inclusive apontada, com maior ou menor evidência, a influência deste sobre o estagiário. Mendes (2005), Amantéa (2004) e Aroeira (2009) apontaram distintamente con-cepções de estágio marcadas respectivamente pela relação dialética entre teoria e prática, pelo espaço de investigação e produção de saberes e pelo ambiente de colaboração, ressaltando, de formas diversas, que as ações ocorridas em meio ao processo de estágio não são aleatórias e que produzem efeitos sobre a formação do estagiário.

155Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

De diferentes modos podemos identificar, através dos dados empíricos e teóricos, a emergência de se prestar mais atenção às relações estabelecidas entre universidade e escola e desenvolver um olhar mais atento ao professor da escola básica como supervisor de estágio, reconhecendo nele seu poder de for-mação, constituindo o necessário estabelecimento de condições para que seu papel seja desenvolvido de forma a contribuir efetivamente com a formação do licenciando, futuro docente.

ENSAIANDO ALGUMAS SÍNTESES

O papel do professor da escola básica como participante do processo de formação docente nem sempre é reconhecido pelos próprios professores da escola e demais profissionais que aí atuam e, prin-cipalmente pelos professores das IES, que, em grande parte, negligenciam e/ou criticam duramente suas ações e suas práticas, ainda que de modo disfarçado. Neutralizam ou desconsideram, por exemplo, as iniciativas práticas de parceria interinstitucional, como se a preparação acadêmico-profissional do aluno estagiário fosse efetivada exclusivamente pela universidade.

As diferentes visões encontradas acerca dos papéis desenvolvidos, próprias aos lugares ocupados pelos interlocutores em destaque, devem servir não de rupturas no diálogo, mas sim de aproximação daque-les que têm um interesse comum em contribuir com o processo de formação docente. O processo é complexo e exige múltiplos olhares. As medidas a serem tomadas precisam ser combinadas para que logrem efeitos favoráveis ao alcance dos objetivos demarcados pela aproximação entre teoria e prática e docência compartilhada.

O trabalho interdisciplinar e interinstitucional precisa ser ampliado e solidificado. Um projeto institucional de estágio precisa ser dinamicamente desenvolvido, contando com a participação e a colaboração efetivas de todos os envolvidos. Fica também evidenciada a adequação e a viabilidade da pesquisa enquanto parte integrante do estágio e o estágio marcado pela pesquisa (PIMENTA; LIMA, 2004, p. 46-57). A postura investigativa propicia a elaboração de um diagnóstico que, por sua vez, permite a tomada de posição perante o fenômeno observado. Um projeto de estágio entremeado com a postura investigativa poderia trazer benefícios a todos os envolvidos, pela possibilidade de esclarecer questões pendentes e, ao lançar luz a ela, buscar efetivamente saídas coletivas.

Isso remete à clara necessidade de uma ação afirmativa perante o estágio e que vai além dos debates pontuais. Os dados apontam a premência de um esforço contínuo no sentido de ampliar o diálogo entre escola e universidade para além dos convênios formais realizados. Urgente se faz o estabelecimento de parcerias interinstitucionais com objetivos claros e conjuntamente constituídos, a partir de uma definição de responsabilidades assumida pelos diferentes participantes do processo de formação.

Embora existam experiências bem-sucedidas nessas inter-relações, também não se pode negar a fra-gilidade de outras. Para elucidar tal ponto específico, trazemos à tona o depoimento de um gestor da escola básica (supervisor de estágio). Ao descrever o papel desenvolvido pelo estagiário, ele afirma que o graduando tem atuado como mero ouvinte. E continua: “A responsabilidade, nesse caso, é total da ins-tituição formadora, a universidade. O estágio passivo cria um profissional desqualificado para a prática” (Gestor, Escola 14).

Tal declaração deixa pistas sobre a ausência de diálogo entre os campos da formação e do trabalho docente e sobre a visão segundo a qual prevalece a responsabilidade do professor da universidade (orientador do

156 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

estágio) sobre o estagiário. Embora não se possa negar a responsabilidade conjunta – entre o professor da universidade e o da escola básica frente ao estagiário –, não se pode menosprezar o peso da influência do professor da universidade, até porque é ele (orientador de estágio) quem dará as primeiras instruções, podendo até mesmo sugerir em que escola o estagiário desenvolverá suas atividades, guardando maior ou menos proximidade entre os princípios supostamente defendidos no trabalho pedagógico.

Por outro lado, a ideia de desconhecimento do poder de ação do professor da escola básica (supervisor de estágio) não se sustenta, até porque o estágio docente real/concreto5 não se efetiva sem a participação ativa deste. Não se trata de colocar no professor da escola básica a responsabilidade de atuação do gra-duando, mas de entender que sua ação guarda uma relação com o papel desenvolvido pelos licenciandos, tendo por base uma lógica simples: é o professor da escola básica, dentro da sala de aula, que dá o tom às atividades ali desenvolvidas. Ele, com certeza, não é o único responsável, mas interfere no processo de formação do estagiário, pois que sua postura é, no mínimo, observada e, em alguns casos, criticada ou incorporada e/ou compartilhada.

A partir das questões orientadoras deste estudo, antes explicitadas, e tendo por base os dados empíricos e reflexões teóricas, podemos dizer que:

a) Quanto à possível proximidade ou ao possível distanciamento entre a visão apresentada pelos diferentes grupos que compuseram a enquete, identificamos um distanciamento entre a visão apresentada pela uni-versidade e a apresentada pela escola básica e, em escala maior, identificamos uma diferenciação quanto ao processo de formação docente. Notamos certo otimismo por parte dos profissionais da escola tanto em relação ao papel do professor da escola básica (supervisor de estágio) quanto ao papel do estagiário. Comparando a visão desse grupo de profissionais da escola com o grupo dos professores da universidade e estagiários, a que poderia ser atribuído esse otimismo, que significado ele representa? Essa é uma questão que emerge deste estudo e exige cuidado maior na avaliação, sugerindo seu aprofundamento. No entanto, podemos dizer que essa diferença de visão quanto aos papéis desenvolvidos no estágio revela, ainda que de modo indicial, diferentes esboços e/ou projetos de formação docente talhados distintamente por professores da universidade, estagiários e professores e gestores da escola básica.

b) Quanto à concepção de estágio, tornou-se possível identificar distintas representações a partir da análise dos papéis descritos pelos diferentes participantes da enquete. Para a maioria dos professores da universidade (orientadores de estágio) e para a maioria dos estagiários, o estágio é demarcado por uma concepção identificada pelo “contato inicial com a prática pedagógica”. Já para a maioria dos profissionais da escola básica – diretores, coordenadores e professores supervisores de estágio –, o estágio representa uma “aproximação entre teoria e prática”.

c) Pudemos observar uma associação entre os papéis desenvolvidos pelos professores da escola básica e os desenvolvidos pelos alunos estagiários. Tal associação é percebida a partir do reconhecimento de uma hierarquia entre as categorias representantes desses papéis, em que no nível mais qualificado tem-se a docência compartilhada e no nível mais baixo tem-se a atividade dispensável. Entre as respostas obtidas pelas mesmas pessoas quanto aos papéis desenvolvidos, não se encontrou nenhum caso em que alguém indicasse um papel do professor da escola básica nas duas categorias mais altas e o papel do estagiário delineado dentro das duas categorias mais baixas. O cruzamento de papéis indicou certa semelhança

5 Há denúncias quanto à veracidade de alguns estágios curriculares, demarcados por simulação. Alguns depoimentos ilustram tais situações.

157Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

entre o desenvolvido pelo professor da escola básica (supervisor de estágio) e aquele desempenhado pelo estagiário – papéis identificados a partir da experiência de cada um.

d) Apesar dos desafios destacados, revelados pelo desenvolvimento de papéis delineados, por exem-plo, como observação passiva, atuação burocrática e até mesmo como atividade dispensável, podemos dizer que há indícios de docência compartilhada manifestada tanto pela visão dos discentes quanto dos docentes da escola básica e da universidade.

Temos, ainda, muito o que decifrar sobre o estágio curricular, porém uma constatação se faz evidente: a urgência de se estabelecer mecanismos institucionais para que o processo de formação possa se dar modo mais orgânico entre a universidade e a escola, compreendidas como instituições simultaneamente propícias ao processo de formação e ao desenvolvimento do trabalho docente.

158 Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

REFERÊNCIAS

AMANTÉA, Mara Lucia. Competências do professor no estágio curricular do curso de graduação de Enfermagem segundo a percepção dos próprios docentes. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Universidade de São Paulo, 2004. 1v. 101 p.

AROEIRA, Kalline Pereira. O estágio como prática dialética e colaborativa: a produção de saberes por futuros professores. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, 2009. 1v. 253p.

AZEVEDO, Maria Cristina de Carvalho Cascelli de. Os saberes docentes na ação pedagógica dos estagiá-rios de música: dois estudos de caso. Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007. 1v. 448p.

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

BASTIÃO, Zuraida Abud. A Abordagem Ame – Apreciação Musical Expressiva – como elemento de mediação entre teoria e prática na formação de professores de música. Tese (Doutorado em Música) – Universidade Federal da Bahia, 2009. 1v. 292p.

CALDERANO, M. Assunção (Coord). A formação, o trabalho dos docentes que atuam no ensino funda-mental e a avaliação sistêmica das escolas mineiras: um estudo comparado. Relatório Final de Pesquisa. Juiz de Fora: UFJF/ FAPEMIG, 2010a (885p).

CALDERANO, M. Assunção. O estágio curricular e os cursos de formação de professores: desafios de uma proposta orgânica. In: CALDERANO, M. Assunção. (Org.). Estágio curricular: concepções, reflexões teórico-práticas e proposições. Juiz de Fora: UFJF, 2012a, p. 237-260.

CALDERANO, M. Assunção. O estágio supervisionado para além de uma atividade curricular: avaliação e proposições. Estudos em Avaliação Educacional, v. 23, n. 53, p. 250- 278, set./dez. 2012b.

CALDERANO, M. Assunção. Tipificação da Postura Docente: do emprego temporário ao intelectual en-gajado. CALDERANO, M. Assunção. et al. (Orgs.). Formação continuada e pesquisa colaborativa. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2013.

CAMPOS, Márcia Zendron de. A prática nos cursos de licenciatura: reestruturação curricular da formação inicial. Tese (Doutorado em Educação/Currículo) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006. 1v. 131p.

FELICIO, Helena Maria dos Santos; OLIVEIRA, Ronaldo Alexandre de. A formação prática de professo-res no estágio curricular. Educ. rev., Curitiba, n. 32, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40602008000200015&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 18 out. 2010.

FREIRE, Ana Maria. Concepções orientadoras do processo de aprendizagem do ensino nos estágios pedagógicos. Colóquio: modelos e práticas de formação inicial de professores, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. Anais... Universidade de Lisboa. Lisboa, Portugal, 2001. Disponível em: <http://www.educ.fc.ul.pt/recentes/ mpfip/pdfs/afreire.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2003.

FREITAS, H. C. L. O trabalho como princípio articulador na prática de ensino e nos estágios. São Paulo: Papirus, 1996.

GATTI, Bernardete A. O professor e a avaliação em sala de aula. Estudos em Avaliação Educacional, n. 27, p. 97-113, jan./jun. 2003.

159Form. Doc., Belo Horizonte, v. 04, n. 07, p. 141-159, jul./dez. 2012.Disponível em http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br

GATTI, Bernardete A. Questão docente: formação, profissionalização, carreira e decisão política. In: CUNHA, Célio da; SOUSA, José Vieira; SILVA, Maria Abádia da (Orgs.). Políticas públicas de educação na América Latina: lições aprendidas e desafios. Campinas: Autores Associados, 2011. p. 303-345.

GATTI, Bernardete A.; BARRETO, Elba. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília: UNESCO, 2009.

LIMA, Maria Divina Ferreira. Formação de docentes em serviço: o processo formativo da experiência de Estagio Supervisionado. Tese (Doutorado em Educação) –Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2005. 1v. 341 p.

MENDES, Bárbara Maria Macedo. A prática de ensino e o estágio supervisionado na construção de sabe-res e competências didático-pedagógicas: o caso da UFPI. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, 2005. 2v. 310p.

MILANESI, Irton. Estágio supervisionado: concepções e práticas em ambientes escolares. Educar em Revista, n. 46, p. 209-227, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40602012000400015&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 08 abr. 2013.

PINTO NETO, Pedro da Cunha; QUEIROZ, Salete Linhares; ZANON, Dulcimeire Ap. Volante. As disciplinas pedagógicas na formação e na construção de representações sobre o trabalho docente: visões de alunos de licenciatura em Química e Física. Educar em Revista, n. 34, p. 75-94, 2009. Curitiba: Editora UFPR. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40602009000200005&lng=e&tlng=>. Acesso em: 11 nov. 2011.

PIMENTA, Selma Garrido. O estágio na formação de professores: unidade teria e prática? São Paulo: Cortez, 2002.

PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004.

RANGHETTI, Diva Spezia. Uma lógica curricular interdisciplinar para a formação de professores – a es-tampa de um design. Tese (Doutorado em Educação/Currículo) –Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005. 1v. 231p.

SILVA, Rosa Maria Alves da. E o caminho se fez assim... análise de experiência de formação docente inicial e continuada. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Metodista de Piracicaba, 2005. 1v. 200p.

SILVEIRA, Denise Nascimento. O estágio curricular supervisonado na escola de educação básica: diálogo com professores que acolhem estagiários. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2008. 1v. 183p.

SILVESTRE, Magali Aparecida; PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza. Modelos de formação e estágios cur-riculares. Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação Docente, v. 05, n. 05, ago.-dez. 2011. Disponível em: <http://formacaodocente.autenticaeditora.com.br/artigo/exibir/10/36/1>. Acesso em: 11 mar. 2013.