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Agravo (art. 4º, §3º, da Lei 8.437/92) em Pedido de Suspensão de Liminar n. 2014.058424-8/0001.00, de Tijucas Relator: Des. Torres Marques AGRAVO REGIMENTAL EM SUSPENSÃO DE LIMINAR. MEDIDA EXCEPCIONAL, RESERVADA A SITUAÇÕES DE GRAVE LESÃO AOS VALORES TUTELADOS PELO ART. 4º DA LEI N. 8.437/92. ARGUMENTOS RELATIVOS AO MÉRITO DA CAUSA. ANÁLISE INVIÁVEL EM SEDE DE SUSPENSÃO. NÃO CONHECIMENTO. TESE DE GRAVE AMEAÇA À ECONOMIA PÚBLICA. ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBE AO RECORRENTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DANO ALEGADO E, INCLUSIVE, DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO NÃO PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo (art. 4º, § 3º, da Lei 8.437/92) em Pedido de Suspensão de Liminar n. 2014.058424-8/0001.00, da comarca de Tijucas (1ª Vara Cível), em que é agravante o Município de Tijucas e agravado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina: O Órgão Especial decidiu, por unanimidade, conhecer em parte do agravo, e negar-lhe provimento. Custas de lei. O julgamento, realizado em 4 de março de 2015, foi presidido pelo Exmo. Des. Nelson Schaefer Martins e dele participaram os Exmos. Des. Rui Fortes, Marcus Tulio Sartorato, Cesar Abreu, Ricardo Fontes, Jaime Ramos, Alexandre D'Ivanenko, Lédio Rosa de Andrade, Moacyr de Moraes Lima Filho, Jânio Machado, Ronei Danielli, Gaspar Rubick, Trindade dos Santos, Cláudio Barreto Dutra, Luiz César Medeiros, Eládio Torret Rocha e Fernando Carioni. Funcionou como representante do Ministério Público a Exma. Sra. Dra. Walkyria Ruicir Danielski. Florianópolis, 4 de março de 2015. Torres Marques RELATOR RELATÓRIO O Ministério Público do Estado de Santa Catarina intentou a Ação Civil Pública n. 0902377-63.2014.8.24.0072 em face do Município de Tijucas, tendo por

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Agravo (art. 4º, §3º, da Lei 8.437/92) em Pedido de Suspensão de Liminar n.2014.058424-8/0001.00, de TijucasRelator: Des. Torres Marques

AGRAVO REGIMENTAL EM SUSPENSÃO DE LIMINAR.MEDIDA EXCEPCIONAL, RESERVADA A SITUAÇÕES DEGRAVE LESÃO AOS VALORES TUTELADOS PELO ART. 4º DALEI N. 8.437/92. ARGUMENTOS RELATIVOS AO MÉRITO DACAUSA. ANÁLISE INVIÁVEL EM SEDE DE SUSPENSÃO. NÃOCONHECIMENTO.

TESE DE GRAVE AMEAÇA À ECONOMIA PÚBLICA. ÔNUSDA PROVA QUE INCUMBE AO RECORRENTE. AUSÊNCIA DECOMPROVAÇÃO DO DANO ALEGADO E, INCLUSIVE, DEIMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA AOS FUNDAMENTOS DADECISÃO AGRAVADA. RECURSO NÃO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo (art. 4º, § 3º, da Lei8.437/92) em Pedido de Suspensão de Liminar n. 2014.058424-8/0001.00, dacomarca de Tijucas (1ª Vara Cível), em que é agravante o Município de Tijucas eagravado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

O Órgão Especial decidiu, por unanimidade, conhecer em parte doagravo, e negar-lhe provimento. Custas de lei.

O julgamento, realizado em 4 de março de 2015, foi presidido peloExmo. Des. Nelson Schaefer Martins e dele participaram os Exmos. Des. Rui Fortes,Marcus Tulio Sartorato, Cesar Abreu, Ricardo Fontes, Jaime Ramos, AlexandreD'Ivanenko, Lédio Rosa de Andrade, Moacyr de Moraes Lima Filho, Jânio Machado,Ronei Danielli, Gaspar Rubick, Trindade dos Santos, Cláudio Barreto Dutra, LuizCésar Medeiros, Eládio Torret Rocha e Fernando Carioni.

Funcionou como representante do Ministério Público a Exma. Sra. Dra.Walkyria Ruicir Danielski.

Florianópolis, 4 de março de 2015.

Torres MarquesRELATOR

RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina intentou a Ação CivilPública n. 0902377-63.2014.8.24.0072 em face do Município de Tijucas, tendo por

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objeto a concessão de vagas em creches municipais às 193 (cento e noventa e três)crianças que, à época, não contavam com o acesso à rede pública de educaçãoinfantil.

No bojo do referido processo, o magistrado a quo, antecipando osefeitos da tutela, determinou (fl. 215): a) a matrícula, no prazo de 90 (noventa) dias,das crianças constantes na lista de espera; b) em caso de descumprimento do itemanterior, o custeio, em até 30 (trinta) dias, das mensalidades escolares em unidadesparticulares de ensino para os mesmos infantes; c) decorridos ambos os prazos semqualquer providência, a incidência de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais) paracada criança que permanecer sem atendimento.

Em face do comando judicial supramencionado, o ente municipaldeduziu pedido de suspensão da liminar, que foi indeferido (fls. 254/259).

Inconformado, o requerente interpôs agravo regimental (fls. 262/267).Em suas razões, sustentou que a decisão objurgada violou o disposto no

art. 1º, § 3º, da Lei n. 8.437/92, pois a identidade entre a tutela antecipada e apretensão final da causa esgotou o objeto da ação originária.

Invocou a existência de grave lesão à economia pública, consistente nodesequilíbrio das contas municipais e na violação às normas que tratam de finanças,orçamento e responsabilidade fiscal.

Sustentou que, para o cumprimento da obrigação, apenas no que tangeao pagamento de pessoal, seria necessário despender anualmente R$ 1.403.893,44(um milhão quatrocentos e três mil oitocentos e noventa e três reais e quarenta equatro centavos).

Asseverou que sua conjuntura econômica é delicada, porquanto, noterceiro bimestre de 2014, contava com um déficit de R$ 6.487.178,92 (seis milhõesquatrocentos e oitenta e sete mil cento e setenta e oito reais e noventa e doiscentavos), razão pela qual o Decreto Municipal n. 937/14 limitou o empenho doorçamento naquele exercício financeiro.

Com base nesses fundamentos, requereu a suspensão da decisão queantecipou os efeitos da tutela na origem.

Para combater o referido provimento judicial, também interpôs o Agravode Instrumento n. 2014.064326-7, que teve negado o efeito suspensivo e aguarda ojulgamento do mérito pela 4ª Câmara de Direito Público deste Tribunal de Justiça.

Oportunizado o contraditório, o Ministério Público de Santa Catarinaofereceu contrarrazões (fls. 281/291).

A decisão agravada foi mantida (fl. 295).É o relatório.

Gabinete Des. Torres Marques

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VOTO

Trata-se de agravo regimental interposto pelo Município de Tijucascontra a decisão monocrática que indeferiu a suspensão da tutela antecipadaconcedida pela Juíza de Direito da 1ª Vara Cível daquela comarca, nos autos da AçãoCivil Pública n. 0902377-63.2014.8.24.0072 (fls. 254/259).

O pedido de suspensão de decisão liminar ou de sentença proferida emface do Poder Público encontra-se delineado no art. 4º da Lei n. 8.437/92 e visaapenas retirar da decisão, momentaneamente, sua executoriedade, em caso de riscode grave lesão à ordem, à economia, à saúde ou à segurança pública, mantendo,todavia, incólume a sua existência.

Consiste em instrumento de contracautela, que não possui naturezajurídica de recurso ou mesmo de sucedâneo recursal, em virtude da ausência dequalquer efeito modificativo ou substitutivo da decisão anterior.

É dotado, pois, de caráter excepcional, uma vez que subtrai a eficáciade ordem emanada do juízo constitucionalmente competente para o feito, que tem,em regra, melhores condições de examinar a questão, porquanto mais próximo seencontra dos fatos.

Por tal razão, se não configurada situação extrema, absolutamentepeculiar, apta a ensejar prejuízo grave e irreparável à coletividade, impõe-se aprevalência do comando atacado, relegando-se o debate e o julgamento da quaestioàs instâncias originalmente competentes para tanto, sob pena de violação ao princípiodo juiz natural.

Daí reside a importância de delimitar, com clareza, o campo deincidência do pedido de suspensão, distanciando-o da matéria reservada ao remédiorecursal próprio, visto que refoge à sua análise eventual error in procedendo ou in

Gabinete Des. Torres Marques

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judicando do provimento originário.Por conseguinte, deve ficar adstrito tão somente à apreciação da

potencialidade lesiva do comando judicial aos valores tutelados pela legislação deregência, com o destaque de que incumbe ao ente público o ônus de provar oalegado dano à ordem, à saúde, à segurança ou à economia pública.

Paralelamente, o critério de avaliação quanto à verificação da ameaçaao interesse público, no caso concreto, deve ser eminentemente técnico e rigoroso,não se podendo curvar a argumentos alicerçados, abstratamente, no potencial abaloorçamentário decorrente da determinação combatida.

Nesse prisma, conquanto as decisões proferidas em desfavor dos entesda Administração Pública sejam, em regra, capazes de lhes impor novos encargosfinanceiros, não é possível obstar, pela via do pedido excepcional, o cumprimento detodas elas, mas apenas daquelas aptas a gerar impactos de vultosas proporções emdetrimento da coletividade.

Sobre a excepcionalidade do incidente e a imprescindibilidade de seestabelecer limites precisos quanto à matéria passível de discussão, assentou oSupremo Tribunal Federal:

A jurisprudência desta Corte consignou o entendimento segundo o qual apotencialidade danosa da decisão deve ser comprovada de forma inequívoca pelorequerente, em razão do caráter excepcional do pedido de suspensão. (SS3.449-AgR e SS 3.458-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 17/9/2009).

Na Suspensão de Liminar n. 701, asseverou o então Presidente daSuprema Corte, Min. Joaquim Barbosa:

A suspensão de liminar é medida gravíssima, de profunda invasividade, namedida em que dispensa ampla cognição, bem como contraditório completo.Ademais, as contracautelas extraordinárias estão disponíveis apenas ao PoderPúblico, que não as pode utilizar como sucedâneo recursal, nem como imunização àobservância de decisões judiciais proferidas segundo o devido processo judicialregular. Portanto, a interpretação dos requisitos para deferimento da medida deveser rigorosa, de forma a não trivializar o exercício jurisdicional realizado pelos juízese pelos Tribunais submetidos a essa contracautela excepcionalíssima. (j. 8/8/2013).

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça não destoa:

Não é possível, em suspensão de liminar e sentença, suspender decisãojudicial na hipótese em que o requerente apenas alega lesão à ordem pública noaspecto jurídico e não comprova o dano apontado. Isso porque, consoante ajurisprudência do STF e a do STJ, não há que se analisar, no pedido extremo desuspensão, a legalidade ou ilegalidade das decisões impugnadas. (AgRg na SLS1880, Rel. Min. Felix Fischer, Corte Especial, j. 21/5/2014).

Portanto, incumbe a este Tribunal de Justiça realizar análise inflexívelquanto aos requisitos da suspensão, para desestimular a proliferação trivial desse tipode incidente, reservado apenas a casos extremos.

Nessa perspectiva, ao analisar os fundamentos do presente recurso,tem-se que a insurgência não deve ser conhecida no ponto em que invoca a tese deviolação ao disposto no art. 1º, § 3º, da Lei n. 8.437/92 (vedação de medida liminarque esgote o objeto da ação), porquanto se trata de matéria atinente à legalidade da

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decisão e que refoge ao âmbito do instituto da suspensão.De outro tanto, sustentou o agravante a existência de grave lesão à

economia pública, consistente no desequilíbrio das contas municipais, sobretudo emvirtude do déficit financeiro verificado no terceiro bimestre de 2014 (de R$6.487.178,92) e do montante estipulado para o cumprimento da ordem judicial (R$1.403.893,44 anuais, apenas para o pagamento de pessoal).

Não obstante, compulsando os autos, verifica-se que, meses antes daantecipação dos efeitos da tutela na ação principal, o Município de Tijucas já haviacelebrado contrato para a construção e ampliação de alguns de seus centros deeducação infantil (fls. 222/233).

A Creche Bem-Te-Vi, por exemplo, com capacidade para 240 (duzentase quarenta) novas vagas e prazo de conclusão para o mês de junho de 2014, seriasuficiente, por si só, para absorver toda a demanda existente à época em que foiproferida a decisão a quo (193 crianças – fls. 62 e 205). Não é demais detalhar quea construção da unidade ficou a cargo da empresa Macen Construtora eIncorporadora Ltda., cujo contrato, celebrado em 29 de julho de 2013, estabeleceu oprazo de 270 (duzentos e setenta) dias para execução da obra (fls. 229/233).

Não bastasse isso, em 18 de novembro do último ano, o requerentetambém celebrou contrato para ampliação do Centro de Educação Infantil MarcoAurélio de Oliveira, com previsão de ser concluída em 5 (cinco) meses (fls. 225/228).

Nesse ponto, convém frisar que, previamente à abertura de edital delicitação, a Administração Pública deve realizar estudos de estimativa do impactofinanceiro e orçamentário, de sorte que a deflagração do certame depende daconclusão pela viabilidade da consecução das despesas dele decorrentes, emobservância ao disposto nos arts. 16 e 17 da Lei Complementar n. 101/00.

A propósito, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello:Para ser instaurado o procedimento licitatório destinado à contratação de obras

ou serviços é necessário que exista ao menos, sob pena de nulidade dos atospraticados e responsabilidade de quem lhes deu causa:

(I) um projeto básico, isto é, o conjunto de elementos definidores do objetosuficientes para a estimativa de seu custo final e prazo de execução;

(II) orçamento que lhe detalhe a composição de custos unitários;(III) recursos orçamentários previstos, que assegurem o pagamento das

obrigações a serem saldadas no exercício; e(IV) quando for o caso, estar contemplado o produto da obra nas metas do

Plano Plurianual de que trata o art. 165 da Constituição. (grifos no original) (Curso deDireito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 31 ed., 2013, p. 587).

Diante disso, no caso, partindo-se do pressuposto de que o agravanteagiu em conformidade com os ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal, é forçosoconcluir que a determinação de primeiro grau, que se restringiu à determinação damatrícula de 193 (cento e noventa e três) crianças, é incapaz de provocar lesãosignificativa ao erário, visto que os gastos já haviam sido previamente estimados pelamunicipalidade e a demanda é passível de ser absorvida pelas novas unidadesconstruídas ou ampliadas.

Ressalte-se que tais circunstâncias, invocadas para embasar a decisãoagravada, nem sequer foram impugnadas pelo agravante, que não trouxe aos autosnovos documentos acerca do andamento das obras das referidas creches e tampouco

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mencionou, em suas razões, ter ocorrido qualquer alteração fática capaz deimpossibilitar a matrícula das crianças nos respectivos centros de educação infantil.

Dessa forma, inexistindo notícia, no presente caderno processual, deeventual rescisão ou inadimplemento por parte das empresas executantes, é forçosoconcluir que as unidades já se encontram prontas, a considerar os prazos previstosnos respectivos contratos administrativos.

No que tange ao ônus da prova no pleito suspensivo, já se manifestoueste Órgão Especial:

AGRAVO EM PEDIDO DE SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. ART. 4º,§ 3º, DA LEI 8.437/92. GRAVE LESÃO À ORD EM E À ECONOMIA PÚBLICAS NÃODEMONSTRADAS. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE APROFUNDADA DO MÉRITODA DEMANDA PRINCIPAL. DECISÃO CORRETA. RECURSO DESPROVIDO. [...]"A suspensão de liminar, decisão de cunho político, deve cingir-se à observância delesão aos valores tutelados pela norma de regência. Não há espaço, aqui, paraquestões afetas ao mérito da ação principal, passíveis de deslinde, apenas, noâmbito de cognição plena inerente às instâncias ordinárias. A existência de situaçãode grave risco ao interesse público, trazida como justificativa da pretensão, há deresultar concretamente demonstrada, não bastando, para tanto, a mera e unilateraldeclaração de que da decisão impugnada resultarão comprometidos os valoressociais protegidos pela medida excepcional. Tratando, a demanda, de questãosituada no âmbito do litígio entre as partes, não se reconhece afetado qualquer dosinteresses envolvidos no juízo excepcional da suspensão" (AgRg na Suspensão deLiminar e de Sentença n. 127-BA, rel. Min. Edson Vidigal, j. em 20.3.06, disponívelem acesso em 17 abr. 2013). (AgRg na STA n. 2012.090553-2, da Capital, Rel.Sérgio Paladino, j. 17/4/2013).

Dessarte, não restando demonstrada nos autos a alegada ameaça àeconomia pública, inviável a concessão da medida excepcional.

Ante o exposto, conhece-se em parte do agravo e nega-se-lheprovimento.

Gabinete Des. Torres Marques