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PREFEITURA DE PORTO ALEGRE- SECRETARIA MUNICIPAL DA CULTURA
CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE
apresentam
24 e 25 de outubro de 2006
Centro Cultural CEEE-Érico Veríssimo
Porto Alegre
Apoios:
FUNDACINE – Fundação Cinema RS
Ministério da Cultura - Representação Regional Sul
Centro Cultural CEEE - Érico Veríssimo
Produção: Débora Peters e Daniel Bender Ludwig
Transcrição: Jeferson Rasquim Araujo.
Revisão: Álvaro Santi e Bárbara Hoch (Observatório da Cultura)
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SEMINÁRIO MECENAS NA REPÚBLICA
O financiamento público à cultura
Painel 1. Mecanismos de financiamento à cultura no cenário
internacional.
Palestrante: Luís Carlos Prestes Filho – Pontifícia Universidade Católica-RJ.
Debatedor: Leandro Valiati – Faculdade de Ciências Econômicas -UFRGS.
Mediador: Álvaro Santi – Gerente do Fumproarte/SMC-PMPA.
Dia 24/10/2006 às 10h.
Luís Carlos Prestes Filho: [...]1Se o filme foi exibido 30, 40, 50 vezes, existe a parcela da
repetição daquela música que foi tantas vezes tocada por conta da exibição do filme, ela vai ter uma
arrecadação, que será recolhida para a sociedade onde o autor é filiado e que irá repassar para ele a
quantia. Nos Estados Unidos, isto é praticamente a gestão da indústria de copyright e que fica nas
mãos dos empresários. São tratamentos totalmente diferentes, e eu defendo muito o modelo,
acredito que o modelo brasileiro e o modelo europeu permitem uma distribuição de renda muito
maior, são muito mais interessantes e valeria à pena acompanhá-los e entender melhor como
funcionam e porque terminam beneficiando milhares e milhares de autores, compositores, músicos,
arranjadores e intérpretes no Brasil inteiro. Cabe ao Estado estar mais presente nesta participação
normativa do suporte, do apoio, do fomento de arrecadação de direitos autorais. Só o setor de
cultura no Estado [do Rio de Janeiro] movimenta R$ 5 bilhões. Uma ação imediata que poderia ser
feita e é um passo estratégico para podermos pensar qualquer política de fomento à cultura, seria
reunir as entidades que trabalham e que pensam a propriedade intelectual na sua cidade e no seu
Estado. Aqui vocês veem as associações brasileiras de Informática, de Empresas de Software, de
Defesa da Propriedade Intelectual, a Associação Comercial do Rio de Janeiro, a Associação de
Designers Gráficos, de Direitos Fonográficos, o Instituto Nacional de Belas Artes, o ECAD, a
1 O sinal “[...]” indicará, no texto, os trechos cujo áudio não foi registrado por problemas técnicos.
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Biblioteca Nacional... Na Ordem dos Advogados do Brasil há uma Comissão de Direitos Autorais,
dentro da OAB; há o Instituto Nacional de Propriedade Industrial, onde na verdade são feitos os
registros. Para vocês terem uma ideia, nós estamos agora fazendo um estudo sobre a Economia do
Carnaval e verificamos que no cenário da Economia do Carnaval do Rio de Janeiro, nossas escolas
de samba não têm acompanhamento do registro das suas marcas. Podemos chegar daqui a pouco na
Alemanha, na Inglaterra, no Japão ou Estados Unidos e ter que pagar royalties para usar a
denominação “Mangueira”, por exemplo. É um assunto que temos que trabalhar. E temos várias
empresas de indústria fonográficas, no Rio de Janeiro, que estão fazendo uso do decreto de 2003.
Ao contratar conteúdo autoral brasileiro, a empresa produtora do disco vai poder acumular um
crédito no limite de 70% do imposto devido, de circulação de mercadorias, o que vai poder ser
abatido na hora de pagar o imposto estadual. Isso tem permitido o fortalecimento deste segmento no
Rio de Janeiro, e nos ajudou com que as empresas não migrassem para o Estado de São Paulo, com
um resultado muito interessante. Para ter esse decreto tivemos que negociar com o Conselho
Nacional de Política Fazendária, com todos os secretários da Fazenda, mas imaginem o que
representa para uma gravadora, seja micro, pequena e média empresa, deixar de pagar 70% do
imposto devido. É um benefício extremamente interessante e, quem sabe, a leitura deste decreto,
seria interessante para aqueles que na Câmara Municipal de Porto Alegre querem promover e
fortalecer micro e pequenas produtoras fonográficas estabelecidas na capital. Nos últimos 20 anos,
por conta das pesquisas que realizamos, vimos que muitas empresas gráficas estavam migrando do
Rio de Janeiro para São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Como nas secretarias estaduais de fazenda,
dos municípios e Estado, nunca focamos a indústria gráfica, nós não tínhamos percebido que o
imposto do Rio de Janeiro era 19%, sendo que o imposto devido das empresas gráficas de São
Paulo era de 12%. Por isso muitas empresas acabavam saindo do Rio de Janeiro. No ano de 2004,
na lei 4.3442, conseguimos aprovar essa lei e, igualamos ao imposto de São Paulo. Nessa redução da
base de cálculo do ICMS, também criamos um Fundo de Desenvolvimento no Estado do Rio de
Janeiro, que é um financiamento para projetos de instalação, relocalização e modernização das
empresas do setor gráfico.
Vou dar para vocês o exemplo do impacto que acompanhei durante os últimos dois anos. Havia
uma empresa gráfica de embalagens que não tinha praticamente condições de sobrevivência na
cidade de Mendes, no interior do Estado e, com tais incentivos, a empresa conseguiu comprar novos
2 Lei Estadual 4.344, de 27/5/2004, que “INSTITUI O PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DO SETOR
GRÁFICO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - RIOGRAF”. Disponível em http://alerjln1.alerj.rj.gov.br
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equipamentos que custaram quase US$ 1 milhão. Desse valor, conseguiram abater tanto no projeto
de modernização de sua infraestrutura. Assim, a diferença de 19% para 12% permitiu a eles
compraram novos equipamentos. Muitas empresas do Estado têm usado essa diferença de recursos
financeiros para poder realizar uma revolução dentro das empresas como, por exemplo, a
requalificação dos seus funcionários. Estamos assistindo uma revolução tecnológico-científica nos
últimos anos e muitos trabalhadores serão demitidos porque não fizeram cursos, e assim entrarão
novos operários. E por que não trabalhar com aqueles que já estão nas empresas há 10, 15, 20 anos,
por que não oferecer cursos de requalificação e permitir que eles continuem no mercado de
trabalho? Claro que, com recursos disponíveis, fica muito mais fácil. Conseguimos criar no interior
do Estado do Rio de Janeiro, parcerias com universidades regionais e realizar esses cursos, para que
os trabalhadores dessas empresas que atravessarem verdadeiras mudanças tecnológicas consigam
conhecimento e continuem no mercado de trabalho. E a área da indústria gráfica, um segmento
importantíssimo que são livros, jornais e revistas. Nas televisões por assinatura, há um acordo
válido no país inteiro, e um convênio do ICMS aprovado pelo Conselho Nacional de Política
Fazendária onde existe uma redução da base de cálculo: as televisões por assinatura deveriam pagar
25% do imposto de circulação de mercadorias e pagam somente 10%. Por que a Câmara de
Vereadores ou uma Secretaria Municipal de Cultura não vai discutir com os proprietários de TVs a
cabo, o fato que estão pagando 10%, e entendemos que o investimento é muito caro, mas por que
não tentar contrapartidas? Quem sabe poderíamos buscar uma alternativa para poder, por exemplo,
valorizar a cultura regional, a cultura do município? É possível, mas, não está na pauta, muitas
vezes nós nem sabemos da existência. Então, esses são assuntos, que estão na pauta da
Superintendência da Economia da Cultura, onde uma TV a cabo que comece a veicular três ou
quatro filmes produzidos naquela cidade ou naquele Estado, mesmo que seja de madrugada, com
certeza iremos criar público que irá assistir filmes na madrugada. Muitas TVs a cabo gostariam de
estar inseridas, oferecer contrapartidas, mas ninguém vai até elas para discutir esses temas. O
Programa Pró-Música também é outra área da lei 4.175, criada em 20033, que é o financiamento
para os projetos de instalação, relocalização e modernização de empresas de distribuição de discos
fonográficos. As empresas produzem hoje os discos na Zona Franca de Manaus, mas precisam de
grandes centrais para provocar a distribuição desses produtos. Claro que hoje a música está
mudando o seu padrão de negócio: ela mudou, mas ainda no Brasil temos um problema bastante
3 Lei Estadual de 29/9/2003, que “INSTITUI O PROGRAMA DE FOMENTO À MÚSICA BRASILEIRA –
RIOMÚSICA, NO ÂMBITO DO FUNDO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – FUNDES”.
Disponível em http://alerjln1.alerj.rj.gov.br
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grave. Nós temos um custo de logística enorme, por exemplo, os aviões que trazem para São Paulo
e Rio de Janeiro os discos de final de ano do Roberto Carlos já há cópias piratas circulando no
Brasil inteiro. Então, a distribuição deve ser eficaz, rápida e estar urgentemente dentro das lojas,
para que ocorra a venda. Com isso, oferecemos uma redução do imposto para ajudar os empresários
e algumas atividades permanecem no Rio de Janeiro, apesar de muitas delas terem migrado para o
Estado de São Paulo antes de termos criado essa lei. Quero mostrar como funciona a nossa lei,
como funcionou durante muitos anos a da Lei do Benefício Fiscal da Música. Quero exemplificar
para que os presentes possam ter uma noção maior e, quem sabe reproduzir esses mecanismos para
as áreas do livro, da dança, do teatro e das artes plásticas. Agora, estamos fazendo um estudo da
Economia do Carnaval, no ano que vem faremos um estudo sobre a Economia do Audiovisual, para
entender melhor a cadeia produtiva dos museus, da música clássica e das artes plásticas no Brasil.
Estamos com uma pauta grande. Creio que já cumpri minha missão na área de Economia da
Cultura. Se há dez anos ninguém falava, hoje é um tema prioritário no desenvolvimento econômico
nacional e quem sabe chegou um momento em que podemos disponibilizar a nossa metodologia,
trocar mais e chegar a resultados concretos. Gosto muito da paixão de falar do que aconteceu em
Conservatória, que é a cidade das serenatas, mas a pauta hoje não é serenatas, não é
desenvolvimento local, são leis de incentivo, essas coisas chatas sobre políticas tributárias sobre as
quais nós temos que falar tanto sendo que seria melhor falar de outros temas. Mas aqui temos,
simulações em que poderíamos usar qualquer área da cultura em Porto Alegre ou Rio Grande do Sul
e trabalhar. Por exemplo, vemos ali a empresa fonográfica, a gravadora, está no centro. Esta
gravadora deve pagar o imposto de circulação de mercadoria. Sendo um micro empresário, deve
pagar imposto. E, claro, 50% das atividades da cultura sempre estarão fora do mercado formal.
Todas as pesquisas que eu fiz eu sempre busquei informações das atividades formais da cultura, ou
seja, aquelas que geram emprego e renda. No livro Economia da Música4 vocês irão encontrar
informações principalmente sobre o setor formal da cultura. Mas, não que eu desconsidere as
atividades informais da cultura. Nós vamos pagar, no caso da música, 30% hoje, no Estado do Rio
de Janeiro, por conta do imposto de circulação de mercadoria. Os outros 70% serão para contratar
as editoras musicais que vão pagar os autores, e quem é da música sabe, e assim gera-se autorização
do benefício fiscal da música brasileira. Quero dizer, as gravadoras vão produzir o conteúdo
fonográfico contratando músicos, arranjadores e intérpretes. E ali, naquela área laranja irão se
desenvolver atividades que muitas vezes nós não temos noção: vão ser feitos os CDs, que serão
4 Prestes Filho, Luiz Carlos. Cadeia produtiva da economia da música. Rio de Janeiro, PUC-RJ, 2005.
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comercializados, e muitos autores de renome vão ter pagamentos por conta da quantidade de CDs
ou DVDs vendidos, o autor terá pela segunda vez um ganho. Nem todos têm, somente grandes
estrelas. Acontece depois a execução pública do fonograma em TV aberta, na TV por assinatura,
nas rádios ou espetáculos. E é aí que ocorre a arrecadação do ECAD.Quando arrecada o direito
autoral o ECAD fará o pagamento para as sociedades, as quais irão pagar para os músicos,
arranjadores e intérpretes, ou seja, uma segunda entrada de dinheiro, além das gravadoras,
proprietárias do fonograma, para os autores que ganharão pela terceira vez, e para as editoras
musicais. Esses são desenhos e simulações ideais, pois os problemas existem e não conseguimos ter
gestão de bens intangíveis. Em qualquer área da cultura, quando pensamos em políticas de incentivo
fiscal e em políticas de incentivo à produção cultural nós, não podemos deixar fora uma visão sobre
o quadro das políticas tributárias. Hoje, as políticas tributárias de incentivo à cultura no Brasil para
as áreas de TV aberta, TV por assinatura, distribuição e exibição de filmes no país, sendo
americanos ou brasileiros, para a área da indústria gráfica de jornais, livros e revistas, para a área de
espetáculos, gravadoras musicais, produtoras de fonogramas, giram em torno de bilhões de dólares.
Temos que aperfeiçoar esses mecanismos, e colocar na nossa pauta a discussão desses temas do
mesmo modo que discutimos leis municipais, estaduais e federais de incentivo à cultura. A lei
relativa ao imposto sobre serviços, normalmente são as leis municipais, as leis do imposto de
circulação de mercadoria e a questão relativa ao imposto de renda, daí falando da Lei Rouanet5. É
um universo econômico muito pequeno onde estão essas leis. Do ponto de vista econômico elas irão
representar 1%, 2%, 3% em relação ao que circula em torno dos incentivos fiscais que são
direcionados para os grandes segmentos empresariais da cultura. Vamos avançar nessa situação e
essa é a visão internacional hoje, são assim que se realizam atividades de fomento à cultura nos
Estados Unidos, na Alemanha, no Japão, na França, na Inglaterra. O Estado do Rio de Janeiro, em
oito anos, deu esses passos tão tímidos, tão pequenos. Nós estamos conceituando e trouxemos isso
para dentro da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico. Estamos certo que
independente de qualquer resultado da eleição no Estado nós teremos continuidade para essas ações
porque queremos que a indústria do automóvel, a indústria pesada, a indústria poluente cada vez
mais fique em São Paulo porque queremos a indústria limpa, a indústria do conhecimento, a
indústria da cultura. E que ela cada vez mais seja o fator de desenvolvimento econômico do nosso
Estado, do Estado do Rio de Janeiro. Era isso que eu tinha para falar, muito obrigado.
5 Lei Federal 8.313/91
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Álvaro Santi: Obrigado, Luís Carlos Prestes Filho. Eu quero convidar então o debatedor desta
mesa que é o economista Leandro Valiati, que já está presente. Por favor, Leandro. O Leandro é
pesquisador de Economia da Cultura da CAPES e professor da Especialização de Economia da
Cultura no Programa de Pós-Graduação de Economia da UFRGS.
Leandro Valiati: Primeiramente, muito bom dia a todos e boas vindas ao professor Luís Carlos. Eu
me sinto muito honrado em participar desse tipo de discussão, pois, creio que é fundamentalmente
necessário garantir uma espécie de sofisticação das formas de incentivo à cultura. Basicamente, eu
gostaria de falar em três pontos importantes e dentre muitas outras coisas fundamentais acerca de
fatores de impacto, efeitos multiplicadores que são focos analíticos muito caros à ciência econômica
porque fornecem relatos reais, objetivos e efetivos dos efeitos das atividades culturais. São
atividades produtivas que geram emprego, renda e bem estar social na forma real, na forma
concreta. Porém eu gostaria de levantar três pontos importantes em perspectiva do que é feito lá
fora sobre financiamento à cultura, e o que é a tônica das leis atuais abaixo das quais estamos
submetidos no Brasil. Eu penso que um ponto importante é a questão do marketing cultural e as
relações dele com a forma de incentivo dadas no Brasil. Evidentemente, do ponto de vista do
investidor privado, é muito mais vantajoso vincular o seu nome a uma atividade cultural que lhe
garanta renúncia fiscal, ou seja, um benefício extra além do benefício do marketing, da exposição
midiática, como também, em obras culturais que lhe garantam alta exposição, do que naquelas
atividades com condição de formação inicial, uma pequena exposição ou por fazer parte de um
seleto grupo que poderíamos chamar de alta cultura. Não gosto muito dessa divisão, mas é o que se
observa. O que ocorre é que o marketing talvez seja um elemento primordial no direcionamento da
captação dos recursos e aí seja um ponto importante de participação do Estado, na medida em que
temos que garantir igualdade de acesso a recursos para obras que tenham um valor cultural
aproximado. E entramos em uma discussão importantíssima para a Economia e que particularmente
nos tira o sono, a nós economistas que trabalhamos com a Economia da Cultura, que apesar de estar
mais em evidência, ainda carece de muita discussão, de muita sofisticação e fundamentalmente
carece de uma definição de parâmetros em perspectiva do valor cultural. Porque o valor econômico
é tangível e a forma consagrada de valor econômico existe e aparece nos efeitos multiplicadores da
economia. Sabemos quantos empregos são gerados na economia da música, sabemos o que se
agrega ao PIB a partir da produção do carnaval e esse conhecimento é fundamental para que
possamos ampliar as políticas públicas de cultura e direcioná-las para o que realmente pode garantir
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mais emprego e maior renda. Entretanto, um componente do qual nós, economistas, carecemos de
certa forma é a análise do valor cultural, o que sociologicamente pode ser compreendido como valor
cultural. E isso é efetivamente uma discussão longa, que devemos ter bastante cuidado para que o
Estado não passe a tomar a frente da decisão do que é ou não é cultura. A discussão do componente
de valor cultural está intimamente ligada às necessidades de políticas culturais. Faço parte de um
grupo de estudo de estudo de Economia da Cultura na UFRGS e nós cotidianamente vivemos uma
crise existencial acerca da questão do valor cultural, o que podemos reputar como valor cultural. O
que nos parece mais tangível para discutir o que é intangível, ou seja, o valor cultural, é uma
perspectiva multidisciplinar, procurando além dos expedientes de análise econômica, e agregando
componentes de análise histórico-cultural, de análise de antropologia da cultura, sociologia da
cultura. Compreender uma característica que eu imputo como importantíssima: a questão do
pertencimento. E o sentimento de pertencimento de uma sociedade a partir de uma produção
particular de uma obra cultural eventualmente precede a constituição de um mercado. E esse é o
segundo ponto, de interrogação que colocamos, quer dizer, como podemos de uma forma
apropriada pensar o valor cultural em perspectiva das políticas tributárias de renúncia fiscal. E, em
que medida isso está vinculado à concepção de marketing no momento da captação dos recursos.
Bem, estamos diante de gestores culturais e que evidentemente sabem melhor que nós, economistas,
que olhamos isso sob a perspectiva da academia, que é o seguinte: o momento da captação dos
recursos me parece pouco regulado. É o momento em que, depois de aprovadas pelos conselhos de
cultura, as atividades computadas como integrantes da política cultural do governo, transfere a um
ambiente em que, para se conseguir o efetivo patrocínio, a partir de expedientes de renúncia fiscal,
existe pouca regulação acerca de onde vão os recursos que lhes foram permitidos. Talvez seja uma
interrogação importante para pensarmos e sofisticarmos as leis de incentivo à cultura. Porque, em
minha opinião, carece de um pouco de sofisticação. E até sendo um pouco iconoclástico, creio que
nesse momento de discussão, é importante ressaltarmos alguns componentes que podem ser
calibrados numa perspectiva de maior eficiência das leis. Quando eu falo da perspectiva do
investidor orientar seus recursos, ainda que já possuam renúncia fiscal de obras com maior valor
agregado, e é isso muito lógico, do ponto de vista de quem está no mercado cultural. Entretanto,
aqui está o terceiro ponto que eu gostaria de levantar, que é a questão dos bens públicos, ou seja, via
de regra os bens públicos na economia são aqueles bens para os quais, na maioria dos casos, não há
um mercado constituído. Enfim, e quando não há um mercado constituído? Qual o tratamento, a
partir dos expedientes de renúncia fiscal que pode ser dado a esses bens? É outra interrogação
9
importante. Porque o nosso papel, fundamentalmente, quando se olha a produção cultural a partir de
um ambiente que não é o da prática cultural, é olhar essas espécies de distorções e levantar esses
questionamentos. Não tenho resposta efetiva para a maioria desses questionamentos, mas é
importantíssimo levantá-los na medida em que pensamos a questão do marketing cultural e as
relações entre valor econômico, que vem dos efeitos multiplicadores, e valor cultural. Pensar
também como produzir bens públicos de uma maneira eficiente a partir dos mecanismos atuais de
financiamento à cultura. Então, o que eu deixo a título de comentário para iniciar o debate, e que
presumo que irá também contar com a participação do público, é exatamente isso: em que medida
podemos sofisticar as atuais formas de incentivo à cultura? Porque eu percebo claramente uma
espécie de distorção no momento da captação dos recursos. Pergunto: por que certas formas
culturais se consolidam ao longo dos tempos e outras não? Muitas acabam não se viabilizando por
falta de recursos, ainda que totalmente beneficiadas por expedientes de renúncia fiscal. Talvez
possamos começar por aí. Por que isso ocorre? O que seria adequado no sentido de garantir que
essas obras, sem haver uma distorção de recursos públicos, liberados para A ou B, que também
passam por cima de instâncias deliberativas tais como os conselhos estaduais de cultura? Quais os
mecanismos apropriados para que se permita um equilíbrio entre obras com um alto potencial de
marketing e obras com um pequeno potencial de marketing? O que fazer para que essa situação
possa ser corrigida, que possa se chegar a um equilíbrio entre fornecer os incentivos e internalizar
às leis o componente de ganhos mercadológicos a partir de expedientes de propaganda? Talvez esse
seja o grande motor, até acima dos mecanismos de renúncia fiscal, do valor em que o governo abre
mão, talvez a questão do marketing seja o grande motor dos investimentos a partir dos expedientes
de renúncia fiscal. Cabe-nos pensar sobre o equilíbrio, discutir tanto na instância acadêmica, quanto
nas instâncias práticas e em perspectiva de algumas experiências internacionais que possuímos.
Quais são? Existem alguns mecanismos de leilões de obras culturais. Como funcionam? As obras
que têm maior valor de marketing agregado recebem um incentivo fiscal proporcionalmente menor
do que as que possuem menor potencial de marketing. E como se mede isso? Quantitativamente.
Número de inserções em rede nacionais e locais de televisão, número de outdoors, propaganda em
geral. Isso é possivelmente captável, perfeitamente possível de se observar. Será que é uma maneira
de se adequar à nossa realidade? No entanto, faz parte de uma espécie de mecanismo de sofisticação
das leis. Deixo aqui esse primeiro ponto de interrogação e gostaria de ouvir o professor Prestes
acerca de como vê a questão do valor intangível, do marketing cultural, ou seja, essas questões mais
subjetivas associadas às leis de incentivo à cultura.
10
Luís Carlos Prestes Filho: Bem, não se vende um livro, um filme ou um espetáculo se não tiver
política de marketing em cima. Isso é uma regra de mercado, assim como não se vende um
automóvel, uma pasta de dentes, ou passagens aéreas. A área do marketing é fundamental para
qualquer segmento, quando vai se discutir mercado, quando vai se discutir economia. Na área da
cultura, nos nossos cálculos o segmento de marketing voltado para a área da cultura movimenta no
Brasil em torno de R$ 13 bilhões, isso com os dados de 2002. No Rio de Janeiro, a prefeitura e
Estado vão ter uma arrecadação fantástica, tanto de imposto sobre serviço como imposto sobre
circulação de mercadorias em cima das atividades voltadas para a área do marketing, publicidade e
propaganda, as quais fazem entrar nos cofres públicos uma média anual de 800 milhões de reais.
Assim, se não se pensar em marketing não se pode pensar a cultura. Mas, é um campo de
investigação que temos que trabalhar, não somente no foco de quando a empresa vai agregar valor a
seu produto por conta de estar patrocinando uma orquestra sinfônica, um corpo de baile, uma
exposição de artes plásticas, uma bolsa de estudos para algum segmento da área das artes ou algum
uma peça de teatro. Voltando para a questão do filme do Homem Aranha, ou qualquer filme
americano, a indústria cinematográfica americana não ganha dinheiro com a bilheteria. Hoje a
bilheteria vai pagar a manutenção das salas de cinema, vai pagar salários. Hoje a pipoca, a Coca-
Cola e o sanduíche faturam muito mais que o próprio filme. Por quê? O que está por trás? No
lançamento de um filme, o que há de mais importante são os licenciamentos que o filme traz.
Quando você assiste o lançamento dos filmes que serão colocados no mercado no Brasil, nos
próximos seis meses, nós vamos ver que, por exemplo: tal filme tem 300 cópias, durante três meses
vai ter páginas duplas na revista Veja, revista Isto É, revista Época, vai ter tantos outdoors
espalhados pelo país, vai ter tantas chamadas de televisão, vão ser inseridas imagens nos Sucrilhos,
no Nescau, no Toddinho, durante tanto tempo as mochilas irão aplicar essas imagens, vão ter tantas
camisetas, tênis, a trilha sonora vai fazer parte de 30 comerciais na área de bancos, na área que vai
vender sapatos, enfim... A política é feita de tal maneira que, inconscientemente, quando sentamos
para assistir o filme, é um momento de prazer enorme porque nem se sabe o porquê, mas de tudo
que está na tela já se viu algum fragmento, ou no seu café da manhã, ou na loja que você entrou, no
site de Internet que você entrou, a música tema que você nem sabe que aquela era a música tema,
mas você já viu, assistiu em tantas inserções comerciais onde essa música penetra de algum jeito.
Não se pode pensar em economia da cultura, na indústria cultural se não pensar em marketing. Isso
é correto. E, aí vem um projeto que temos discutido com algumas empresas de televisão no Rio de
Janeiro e quem sabe isso poderia entrar novamente na nossa pauta, dos nobres deputados estaduais e
11
federais: por que não pensar na produção de um filme ou de uma minissérie onde os produtos que
estarão no audiovisual sejam 100% fabricados no Rio Grande do Sul? Por exemplo, a cadeira, o
tapete, o lustre, o refrigerante, o vinho, a jóia ou as paisagens que podem ser negociadas com
agências de turismo. O americano não ganha dinheiro com o filme, ganha com os licenciamentos
que o produto cultural permite e a partir daí, há toda uma repercussão de política de marketing.
Quero concordar com o que foi colocado, mas esse é um campo de investigação teórica sem fim.
Agora, quero dizer que não vivo uma crise existencial: simplesmente resolvi para mim de uma
maneira muito simples. Nós temos uma tradição muito grande na universidade brasileira de estudos
em Cultura e Sociologia, Cultura e Antropologia, Cultura e História e temos grandes pensadores
nessa área. Mas, não vou discutir ética, estética e moral porque nós temos uma bibliografia
gigantesca neste campo e essa bibliografia nos permitiria até mesmo por conta da produção cultural
brasileira, realizar inserções, atividades, respostas para essas questões e não viver uma crise
existencial porque certamente a cultura tem um valor. E, nós podemos tentar entender esse valor,
por exemplo, ao estudar a economia do carnaval, foi muito curioso que a primeira escola de samba
do Rio de Janeiro que surgiu em 1920, a Deixa Falar do Ismael Silva, quando, em 1935, o prefeito
Pedro Ernesto legaliza pela primeira vez o carnaval e cria oficialmente os desfiles das escolas de
samba no Rio, a imprensa toda diz: o carnaval morreu. Porque o carnaval dos anos 10, dos anos 20
era um carnaval onde o povo estava na rua e, agora, as escolas foram colocadas oficialmente para
desfilar com legislação, com regras, com subsídios públicos, acabando com o carnaval lúdico do
povo. Quando em 1945, com o apoio do Partido Comunista Brasileiro é criada a primeira
Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, e começam a se organizar as agremiações,
criando realmente escolas de samba com registro em cartório. Novamente: não, acabaram os
desfiles lúdicos das escolas de samba. Em 35, mataram o carnaval, e morreu o carnaval pela
segunda vez. Imaginem nos anos 60, quando, pela primeira vez, foram colocadas arquibancadas e
começou a transmissão pela televisão, o Ismael Silva, que era o criador da primeira escola de
samba, em 1920, não teve dinheiro para comprar o ingresso para assistir o carnaval. Foi a terceira
morte anunciada. Quando o professor Darcy Ribeiro criou o sambódromo, novamente morreu o
carnaval. E foi muito curioso porque até a Rede Globo fez uma campanha contra, tanto que a TV
Globo não transmitia os carnavais do sambódromo, pois a exclusividade era da TV Manchete, que
apoiou. Morreu o carnaval, acabou. E hoje, o sambódromo foi reproduzido em São Paulo, em vários
Estados e agora na Inglaterra há uma cidade que faz carnaval, com 20 escolas de samba e querem
criar um sambódromo. Quando nós inauguramos, com o apoio da prefeitura e do prefeito César
12
Maia, a Cidade do Samba, foi mais uma vez a morte anunciada do carnaval do Rio de Janeiro. Nós
não podemos olhar a produção cultural hoje, em 2006, como era em 2000, em 1990, anos 20 ou em
1900. Ela acompanha o desenvolvimento científico e tecnológico. E vamos viver crises existenciais
permanentes se nós não acompanharmos a evolução científica e tecnológica. Agora, como criar
políticas públicas para fazer com que atividades que tem menos possam sobreviver? É tão difícil
saber até onde o Estado pode ir ou não, por isso mesmo escolhi estudar Economia da Cultura.
Acredito que nós não podemos escolher uma gravadora. Por exemplo, podemos incentivar qualquer
gravadora no Estado do Rio de Janeiro, Sony, BMG, Warner, Universal. Mas, apenas podemos
limitar ao favorecimento da área da cultura brasileira. Agora, se dizem que o grupo “Tchan” produz
música, ou que a “Éguinha Pocotó” é uma canção, não posso proibir a canção apenas pelo ponto de
vista estético. “Calça da Gang todo mundo quer, 50 reais para botar a bunda em pé”, se isso é
produção cultural, não cabe a mim, dentro da Secretaria de Fazenda dizer que o consumidor não
pode consumir tal música. Por exemplo, houve uma disputa judicial, porque uma banda se
apropriou da canção acima e gravou no seu disco. Os autores da música “Calça da Gang” entraram
com recurso na justiça para defender o seu direito sobre a música. Na hora em que a juíza entrou na
pauta, disse: não, vamos ouvir a obra que está em questão. No corredor, já havia pessoas cantando e
a juíza se dirigiu para aqueles que estavam reivindicando autoria e disse: “mas é isso, o senhor é
autor disso? Isto é uma obra musical?” O advogado que estava defendendo o direito daqueles que
não pagaram os direitos autorais, que usurparam o direito dos autores, falou: é isso mesmo, eles
estão dizendo que isso aí tem direitos, não tem direitos, não. Quer dizer, onde estão essas questões?
Creio que, para o Estado Brasileiro é muito difícil entrar na discussão estética, ética e moral. Nós
podemos, sim, em alguns aspectos criar situações para que o consumidor faça a sua escolha, criar
alternativas. Quando falei da TV por assinatura, ela deveria pagar vinte e cinco, mas paga quinze.
Por conta desse incentivo de pagar quinze, e como é o Estado que não está recebendo, ou seja, é um
dinheiro que não está entrando no poder público, ele pode dizer: queremos que divulguem as
paisagens do Rio Grande do Sul ou que divulguem a poesia do Rio Grande do Sul, ou que
divulguem as artes plásticas do Rio Grande do Sul. Isto está consolidado historicamente: o governo
do Amazonas reduziu de vinte e cinco para quinze, mas exigiu contrapartida. Ou seja, tais
contrapartidas podem ser colocadas como pontos de políticas tributárias. Terminando, no caso da
Economia da Música, que está no livro, há vários mapas e nós pegamos as informações de
infraestrutura de equipamentos culturais. O IBGE tem um estudo sobre indicadores municipais,
onde há Biblioteca Pública, lojas de DVDs, vídeolocadoras, emissoras de rádio, televisão, editoras,
13
livrarias, bancas de jornal, salas de espetáculos, teatros, salas de cinema. São 17 equipamentos
culturais que o IBGE levantou em todos os municípios brasileiros, e a média nacional de 17, fica
em 8,2, não chega nem a 10 dos 17. A maior parte dos municípios brasileiros só tem um
equipamento cultural que é o sinal da TV aberta. Ou seja, essa situação de infraestrutura é
gravíssima. Quando construímos o mapa do Brasil e fizemos o geo-referenciamento deste mapa, ele
se encheu de manchas brancas. Quando pegamos as informações de onde existem micros, pequena e
média empresas que atuam na área da cultura, o mapa ficou cheio de manchas brancas. Porque se há
micro, pequena e média empresa, e se essa infraestrutura de equipamentos culturais gerasse direito
autoral, construiríamos o mapa brasileiro de arrecadação de direitos autorais. Quem sabe as
políticas de leis de incentivo fiscais poderiam ser direcionadas para essas manchas brancas onde não
há infraestrutura, onde não há micro ou pequeno empresário da cultura, onde não se arrecada, onde
não há algum tipo de gestão de propriedade intelectual da área cultural. Porto Alegre, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Brasília, Cuiabá têm teatros, têm bibliotecas, têm salas de cinema,
têm infraestrutura razoável, assim como tem muitos empresários que o mercado regula. Vamos
direcionar o dinheiro público para esses municípios onde não há infraestrutura e qualificar
empreendedores para que surjam atividades econômicas da cultura nessas áreas. Essa frente de
trabalho poderia, de fato, modificar o cenário da produção cultural brasileira.
Álvaro Santi: A primeira pergunta é para o Luís Carlos, que diz: Para onde é destinado o dinheiro
arrecadado pelo ECAD? E, vou ler também a segunda e depois podem responder juntos, já que é
dirigida aos dois: Embora periférico ao tema do seminário, mas, aproveitando a presença da
representação do Ministério da Cultura, torna-se imperativo solicitar que volte para Porto Alegre o
escritório de direitos autorais, que era antigamente na Biblioteca Central da UFRGS, pois existem
três livros pendentes desde 2005. Essa pergunta é do Nadir Silveira Dias, escritor e editor.
Luís Carlos Prestes Filho: Acho bacana essa solicitação do retorno do registro. É fundamental, se
minha palestra provocou essa idéia: já valeu à pena vir a Porto Alegre. Sobre a questão do ECAD,
seria legal entrar em seu site, para ter uma visão do que é a empresa. O ECAD é uma empresa
privada, e faz gestão de direitos autorais. Os sócios do ECAD são os donos da música. Chico
Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso... Eles são sócios de associações de compositores, músicos,
arranjadores e intérpretes e também, produtores fonográficos e editores. Nós temos 11 sociedades
autorais no Brasil entre elas está a AMAR, SOCIMPRO, União Brasileira de Compositores,
ABRAMUS. Essas sociedades vão se encontrar regularmente, todo mês, em uma assembléia de
14
acionistas para administrar os bens privados dos seus titulares. O ECAD vai promover uma
arrecadação de direitos autorais, por exemplo, da TV aberta, da TV por assinatura, das rádios, das
salas de cinema, das salas de teatro, também de eventos e espetáculos. Os bens que circulam hoje,
na televisão, têm uma gestão interessante porque são apresentados relatórios detalhados: tal música
tocou tantos minutos na tal abertura de novela ou em tal programa. Esses relatórios diários são
fundamentais o ECAD tem acesso a eles. As rádios brasileiras possuem uma questão muito
negativa, pois, cerca de 60% das rádios do Brasil não pagam direitos autorais. Músicas de muitos
compositores no Maranhão que tocam em rádios pertencentes à família de um senador da região,
por exemplo, não pagam direitos autorais. E, muitos músicos falam: que suas músicas tocaram 300
vezes na rádio tal. Mas se a rádio não pagou, não tem como fazer o pagamento para o autor. É um
grave problema, a administração da música nas rádios do Brasil porque só opera com 40% das
rádios pagantes. E, quero aqui dar um destaque para a importância do acordo que existe do ECAD
com as rádios comunitárias, pois, tem um acompanhamento, muito sério sobre as responsabilidades
de gestão dos bens autorais, dos direitos autorais que serão veiculados nessas rádios. No caso de
espetáculos de música ao vivo, a legislação brasileira, assim como a internacional obriga o
recolhimento na execução pública da música, como, em shopping centers, som ambiente em
consultórios odontológicos. Ou seja, onde a música vai agregar valor à atividade econômica. Esse
dinheiro é recolhido pelo ECAD. Acompanhei uma aluna minha em visita ao ECAD, no Rio de
Janeiro, e foi muito interessante. Fazia pouco tempo, seu primeiro cd havia sido lançado, com
algumas execuções públicas, e ela estava com todos os registros em dia: músicos, arranjadores,
intérpretes, os números dos fonogramas, do disco e tal. Imediatamente, o ECAD levantou pelo
nome, dando quantas vezes a sua música tocou em rádio, em televisão, em espetáculos. Deu,
também, por seu nome como compositora e letrista, deu pelo nome dos músicos que tocaram junto e
dos intérpretes, mas, também deu pelo nome da gravadora, que era o produtor fonográfico, e pela
editora. E com a quantificação exata de todos os valores. Uma situação diferente eu vivi com o
Guilherme Bauer, que é meu amigo, compositor de música erudita, que também questionou ECAD
e, quando o ECAD abriu o seu nome e o nome da obra, não existia nada porque a sociedade que o
representa não tinha atualizado seus dados cadastrais dentro da instituição. Bem, o ECAD arrecada,
mas aí começa a complexidade da gestão porque o músico pode ser de uma sociedade, o arranjador
de outra sociedade, o compositor de outra sociedade e o produtor fonográfico de outra sociedade e,
nessa hora é quando vai ter a divisão técnica, para que sociedade. Mas, se não é sócio delas, o
dinheiro não vai chegar até o músico. O dinheiro arrecadado vai para as sociedades, que têm
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obrigação de repassar esse dinheiro para o compositor, músico, arranjador ou intérprete. Bem,
existem sociedades e sociedades. Existem sociedades hoje que não possuem nem um computador.
Imaginem fazer gestão dessa complexidade, com tal volume de informações na mão. È claro que os
recursos não chegam, claro que existe sonegação. Mas, ninguém pode impedir que o músico seja
sócio de uma sociedade que tecnicamente está desatualizada e que retém informações e sonega
dinheiro. Mas, pode ser sócio de outras sociedades que são exemplares na questão de gestão. Nós
temos a ABRAMUS bem estruturada, a União Brasileira de Compositores, a AMAR, a
SOCIMPRO, ou seja, são quatro sociedades que têm uma gestão com boa qualificação e são sócias
e participam das reuniões de diretoria do ECAD. Então o ECAD foi criado por lei, mas é uma
empresa privada que faz gestão de bens privados e que distribui esse dinheiro para as associações
dos quais os proprietários de bens privados são obrigados a acompanhar, a fazer uma gestão.
Luís Carlos Prestes Filho: Voltando para a questão da propriedade intelectual: se no Brasil temos
gestão razoável privada de direitos autorais de música, nós temos uma péssima gestão de direitos
autorais em qualquer outra área da cultura. Não temos acompanhamento das políticas de direitos
autorais da área de livros, de dança, de artes plásticas ou qualquer outra área. E o ECAD tem um
know how que poderia funcionar perfeitamente para poder fazer a gestão nacional de qualquer
questão da área da cultura. E, o que está acontecendo? Como a Espanha sabe que não pode mandar
um segundo Colombo para cá e ocupar terras, estão sendo assinados contratos com nossos artistas
através da Sociedade Geral do Autor da Espanha. Por exemplo, como Cuba não foi feito nenhum
tipo de gestão de direitos autorais, 100% de seus artistas são sócios, hoje, da Sociedade Espanhola.
Cerca de 20% de qualquer produto cultural cubano que hoje circula no mundo alimenta o sistema de
direitos autorais espanhol. Nós estamos assistindo uma invasão da Sociedade Espanhola assinando
contratos com artistas da área de dança, teatro, literatura. E onde nós podemos, se não acordarmos,
em curto prazo ver a cultura brasileira alimentar o sistema de gestão de direitos autorais da
Espanha. A Sociedade Geral do Autor da Espanha é uma sociedade que alimenta um segmento que
resolve questões previdenciárias dos artistas porque é tanto dinheiro que ela arrecada na América
Latina que possuem excesso de dinheiro. E é por isso que conseguiram comprar alguns artistas
brasileiros, entre eles Caetano Veloso. Quando se escuta uma música do Caetano no rádio, na TV,
em qualquer lugar, 20% do dinheiro ali arrecadado alimenta o sistema espanhol. Devemos trazer o
artista brasileiro, de todos os segmentos, e pensar em administrar os nossos bens intangíveis. É uma
questão estratégica e é como uma água que está vazando entre os dedos.
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Leandro Valiati: Não sei quem fez a pergunta do escritório que ficava na biblioteca da UFRGS. Eu
faço parte do Conselho de Cultura da Universidade e vou levar essa questão. Certo?
Paulo Leônidas: Casualmente esse ano estamos fazendo 20 anos da primeira lei de incentivo do
Brasil, a Lei Sarney6. E, 20 anos depois, o discurso do ministro Gilberto Gil, do governo Lula, - e
eu posso falar isso de uma maneira extremamente livre, pois pertenço ao governo Lula - também
usou as mesmas palavras do José Sarney, dizendo que a lei iria promover a desconcentração e
democratização dos recursos da cultura. Pertenço ao Sindicato da Indústria Audiovisual do Rio
Grande do Sul. E, tenho realmente pensado muito sobre o assunto: vejo que, nos últimos 20 anos o
que aconteceu foi uma transferência e uma pulverização aleatória do dinheiro e a responsabilidade
pública da cultura para as empresas. Na verdade, tanto o discurso do Sarney quanto o discurso do
ministro Gil sobre a desconcentração e democratização, aparentemente não aconteceu. O que
houve, nos últimos 20 anos, foi simplesmente uma transferência do dinheiro público, do nosso
dinheiro da cultura, a pulverização desse dinheiro, e a transferência imediata da política cultural
para o privado. Certo? Então, espero que eu tenha dado objetividade para isso, nesses 20 anos, uma
análise econômica, talvez a gente não a tenha, se realmente esses mecanismos se transformaram
adequadamente.
Munir Klamt: Na verdade eu coloco um ponto, a partir da interpretação que fiz da colocação do
Leandro, que também passa a ser uma extensão da colocação do Paulo Leônidas: o que se discute é
a capacidade de gestão principalmente da Lei Rouanet, na capacidade de julgar bens culturais. A
opinião colocada pelo Leandro, resumindo bastante a situação, obviamente uma empresa vai se
associar preferencialmente a uma peça de teatro que tenha um ator da Globo, do que uma peça ou
obra de arte plástica de um grupo de vanguarda ou de um grupo específico de região de folclore.
Creio que o Ministério da Cultura transfere a responsabilidade de curadoria para a iniciativa
privada, sendo que, muitas vezes, a mesma não tem a capacidade de fazer essa administração
cultural e ao mesmo tempo nem interesse porque o que ela prevê é basicamente a idéia de
marketing cultural da sua empresa. Logo, uma das perguntas é: não há um grande equívoco de
transferência de curadoria do bem público, com dinheiro público de isenção fiscal através dessa
metodologia? Segunda questão: eu vejo edital como o da Votorantim e da Petrobrás e,
principalmente, as diretrizes do Ministério da Cultura que estão no site, e que tem uma política de
divulgação cultural popular e de benefício de acesso cultural, benefício de valorização de culturas
6 Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986.
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mais independentes do que eu vejo sendo praticado na Lei Rouanet, dos projetos que acabam
conseguindo captação. Como corrigir essa possível distorção tecnicamente e praticamente falando?
Leandro Valiati: O Munir é nosso aluno do curso de Economia da Cultura, e o curso veio
justamente para responder tal tipo de colocação. Quando eu penso em recurso público que envolve
cultura não há como diferenciá-lo de um conceito econômico chamado custo de oportunidade, ou
seja, no recurso público existe um custo inerente a ele e bem objetivo: qualquer recurso público
investido para a cultura, se não investido com o objetivo máximo de formação de um bem cultural
público, ou bem cultural com um grau razoável de valor cultural, ele automaticamente tem agregado
a si um custo de não estar relacionado às necessidades imediatas da sociedade e que em um país
como o Brasil são necessidades fundamentais como educação, saúde, sistema de formação de
capital humano, sistema de captação público de bens culturais, sistema de incentivos à oferta. Não
simplesmente à oferta sem qualificação, mas de qualificação de oferta e fundamentalmente de
demanda de bens culturais qualificados. O que eu vejo no cenário das leis de incentivo à cultura é
justamente esse processo em que pára na renúncia fiscal. Quer dizer, o recurso público bem
aproveitado forma, sim, bens culturais relevantes, dinamiza segmentos culturais, amplia o mapa
estrutural de produção cultural. Entretanto, há que se cuidar justamente a questão do que é feito com
a renúncia fiscal. E esse mecanismo regulatório é um componente que muito precipuamente, de
uma maneira muito leve, se percebe nas leis de incentivo à cultura. E, evidentemente, há que se
calibrar a intervenção estatal, porém não pode deixar de se regular. Não pode deixar de perceber
que existe uma estratégia cultural que não pode deixar de ser cumprida. Essa estratégia tem que ser
prioritariamente fundada pelo setor público que a traçou. Talvez, exageradamente, o agente privado
passa a ter uma ingerência maior do que a conveniente no sentido de cumprir essa estratégia pública
de investimento à cultura a partir da decisão da alocação de recursos amparados por renúncia fiscal.
Então, eu penso que sofisticar as leis de incentivo à cultura é traçar estratégias culturais a serem
cumpridas e vincular o que é permitido em nível de renúncia fiscal a essas estratégias traçadas
previamente. Creio que esse é um componente, pensar custos de oportunidades no setor público. E,
com relação ao que Munir colocou, vejo que é extremamente saudável do ponto de vista
mercadológico que as empresas tenham liberdade, ninguém está aqui falando contra as regras de
mercado que geram produtos culturais, entretanto há que se diferenciar o que é mercadológico, o
que se auto-sustenta, atividades que se autoviabilizam a partir de expedientes de mercado e aquelas
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que carecem de atuação pública. Talvez esse seja o segundo ponto fundamental de sofisticação das
leis de incentivo.
Álvaro Santi: Permita-me uma provocação antes do Prestes falar? Juntando as coisas que vocês
dois falaram, a questão do valor cultural e a dificuldade que tu estás relatando aqui nesse grupo de
estudos e o que o Prestes falou, que o Estado enquanto gestor da economia, não se permite fazer a
escolha do que tem valor cultural e o que não tem, eu me pergunto: diante dessa condição, o
patrocinador, o empresário que está se beneficiando desse recurso que é público irá fazer essa opção
e essa escolha diante da omissão do Estado ou dos responsáveis? Porque ele tem essa possibilidade
efetiva de escolher, pelos mecanismos legais, onde ele vai investir o dinheiro. Quais são as
conseqüências disso do ponto de vista da boa gestão dos recursos públicos? [...]
Luís Carlos Prestes Filho: [...] hoje verdadeiros médicos que têm suas clínicas que, antes de tudo,
querem estabelecer uma relação econômica, o ser humano está em terceiro, quarto, quinto plano.
Raramente você terá acesso a uma clínica ou a um especialista que irá se colocar frente a um ser
humano. Se você não pagou o plano de saúde, nem entra. Isso irá se reproduzir nas universidades.
Como exemplo, as universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro, que são grandes
laboratórios científicos e tecnológicos, às vezes, parece que se está entrando numa lata de lixo. É
um caos total. Você se sente até mal do ponto de vista da autoestima. Dar aula na UFRJ é uma coisa
que faz você sentir-se mal, agredido. Pensar na gestão da vida, do que o professor público viveu nos
últimos 18 anos, 20 anos, um achatamento salarial, a falta de respeito. Então, na área da cultura não
será diferente. Por que seria diferente na área da cultura, se setores estratégicos como educação e
saúde são tratados dessa maneira? Mas, vejo que a cultura tem uma vertente que nós podemos
pensar: temos que pensar em arte de vanguarda, pensar em segmentos que estão fora do mercado,
mas também temos que pensar que, ou a gente ocupa o mercado, ou não temos saída. Também
temos que ter uma postura agressiva. A TV Globo não vai colocar na televisão um capítulo de uma
novela com custo de R$ 100 mil de produção se não existir os R$ 100 mil para produzir o capítulo.
Não tem saída. A novela vai acabar, então, é o relacionamento direto com o mercado. E, quando a
TV Globo vai definir o tema de uma novela, irá fazer pesquisas nacionais para saber o que a maior
parte da população está querendo ver na televisão. Se está querendo ver tal tema, será isso, irá se
trabalhar em cima deste tema, porque a novela tem que ser consumida. E, já que a maioria quer esse
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tema, juntamente com a novela vai ter que engolir o refrigerante, o sabonete, o automóvel. Essa
discussão se coloca no mercado. Agora, como é do outro lado o cinema brasileiro? “Ah, eu faço um
filme experimental”. Então, os US$ 80 milhões que investimos no cinema brasileiro, todos os anos
no país, através de recursos públicos... é uma coisa fantástica, no Brasil você consegue um
investimento de 125% de recursos públicos. E com autorização de retorno. Mas, nenhum filme dá
retorno. Não se tem nenhuma responsabilidade de devolver esse dinheiro para os cofres públicos.
Por que não trabalhar uma meta? Por exemplo, nos próximos 10 anos serão investidos os mesmos
80 milhões, mas terá que se devolver 40 milhões. Dentro de quinze anos terá que se devolver 75%.
Temos que ter produtos para disputar mercado. E o que acontece? Não sabemos quais filmes
teremos em 2007! Hoje temos no país em produção 250 filmes e em projetos para acontecer, 350
filmes. Chega uma hora que temos que colocar ordem na casa. É uma produção que permitiria que
tivéssemos uma política de longo prazo, de início de ocupação de mercado. E temos alguns
sucessos de bilheteria: Renato Aragão, Xuxa, Os Dois Filhos de Francisco, Olga. Ocuparam
alguma parcela, tiveram indicadores, mas ainda em quantidade não temos. Então, é necessário
também ocuparmos mercado com livros, com discos, com filmes, com teatro. Hoje queremos criar
os vales, vale cultura. Já há vale família, bolsa escola. Devemos discutir também as alternativas de
mercado e temos que ocupar mercado. A Marisa Monte investiu R$ 1 milhão para lançar seus dois
CDs, mas ela tem que ter de volta R$ 1 milhão, ela está disputando mercado. Nós temos cineastas
que levantam R$ 10 milhões e pronto, acabou. Produzem o filme, fazem uma cópia, duas cópias do
filme e pronto. Não se tem política. Eu não quero dizer que os produtores, os artistas são
irresponsáveis, quero dizer que temos que pensar seriamente em como a cultura brasileira vai
ocupar mercado. Assim como temos planejamento estratégico: o Brasil não vai chegar a lugar
algum se dentro de dez anos não tivermos um aumento de tantos por cento de geração de energia
elétrica e, para isso, precisamos construir tantas usinas hidrelétricas, termelétricas. O Brasil não vai
a lugar algum se não asfaltarmos tantos e tantos quilômetros de rodovias. O Brasil não vai a lugar
algum se não abastecermos a população com gás natural. O Brasil não vai a lugar algum se não
expandirmos nosso potencial em ferrovias e fortalecermos ainda mais nossa indústria naval e a
circulação de mercadorias em torno da costa brasileira através de embarcações. Por que não
planejamos a quantidade de autores que temos que ter para escrever livros, que irão garantir a
presença da cultura brasileira nas futuras livrarias do Brasil? Por que não pensar a quantidade de
músicas brasileiras que teremos que gerar para termos conteúdo novo entrando nas rádios e nas
TVs? Por que não pensar a quantidade de horas de imagens que temos que produzir para abastecer
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todo o espaço da grade de TV aberta, TV por assinatura e salas de cinema? Nós temos que pensar
como vamos produzir esse conteúdo para que ele vá chegar à população brasileira da mesma
maneira que chega à água mineral, que chegam as lâmpadas, como chegam os equipamentos de
som, como chegam os automóveis. Nós temos que saber o padrão deste consumidor e temos que
fazer com que esse consumidor consuma esses produtos. Essa é a minha visão.
Álvaro Santi: Nosso tempo está se esgotando, eu gostaria de fazer uma última pergunta que é do
Guilherme Carlin, da revista O Dilúvio. Ele pergunta: dentro da evolução da produção cultural,
como a mesa percebe as novas experiências de produção colaborativa baseadas em copyleft? Qual a
viabilidade econômica de um projeto que não reconhece como fundamentais os preceitos da
propriedade intelectual?
Luís Carlos Prestes Filho: Minha resposta vai ser curta. Na página 122 do livro7, há um gráfico
azul onde se desenha todo o fluxo de direitos autorais no Brasil. O direito de se oferecer de graça, o
direito autoral é do artista. O Gilberto Gil falou, no Jornal do Comércio há um ano atrás, que ele
não iria deixar para os filhos os direitos autorais de suas obras e iria liberá-las e, não deixaria nada
por herança. Mas, ele completou com algo totalmente infeliz: “não quero que meus filhos sejam
como funcionários públicos que ficam ‘mamando nas tetas’”. Como se todo funcionário público
mamasse nas tetas. Bem, eu acho que é direito constitucional e é um direito por conta dos acordos
internacionais de que o Brasil é signatário, junto à Organização Mundial de Propriedade Intelectual,
junto à Organização Mundial do Comércio, junto aos acordos que somos signatários do Mercosul,
junto a nossos relacionamentos com a Comunidade Européia, o respeito aos direitos autorais. Se o
autor quer abrir mão dos seus direitos e não ganhar mais nada da música, de quadros, é seu direito
exclusivo. Agora, isso não significa que esse gráfico que desenhamos aqui irá deixar de existir, vai
continuar existindo. Então, é uma interação extremamente positiva, que muitos artistas podem
disponibilizar seus conteúdos, seus livros, seus quadros de graça, instituições. Por exemplo, existe
um esforço da Organização Mundial da Saúde de investir milhões e milhões de dólares para
pesquisa sobre medicamentos da AIDS. Se a OMS, com esses recursos, conseguir criar o
medicamento da cura, as patentes desses medicamentos vão pertencer à Comunidade Internacional.
Vai ser direito de uso público, ninguém terá que pagar patente alguma porque são dezenas e
dezenas de países que investiram esse dinheiro. Esse é um modelo novo, é um modelo
extremamente interessante e tem muitas coisas curiosas que podem ser feitas nesse campo. É válido
7 Cit.
21
e positivo, mas isso não significa que o criador daquela música, daquele filme, daquele livro,
daquele roteiro, daquela coreografia, daquela cenografia, ter o direito de fazer a gestão e ganhar por
conta do que criou.
Leandro Valiati: É bastante apropriada essa colocação e creio que é exatamente isso, quer dizer, o
fato de abrir mão do direito autoral somente consolida a existência desse direito autoral. E o direito
de propriedade é um dos componentes fundamentais do incentivo à produção. Então, sob a
perspectiva do agente individual, abrir mão de um direito que existe intrinsecamente na criação da
obra é válido, é perfeito. Porém, o direito à propriedade intelectual é um componente fundamental
na formação das expectativas e um incentivo à produção cultural. Acho que brevemente é isso.
Luís Carlos Prestes Filho: Muito obrigado a todos vocês.
Leandro Valiati: Obrigado a todos e um bom final de evento.
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SEMINÁRIO MECENAS NA REPÚBLICA
O financiamento público à cultura
Painel 2. Financiamento público federal à cultura no Brasil.
Palestrantes: Adriana Moreira – MinC – Secretaria de Incentivo e Fomento à Cultura.
Cristiane Olivieri – Centro de Estudos Multidisciplinares da Cultura (CULT-SP).
Debatedor: Fernando Schüler – Fundação Iberê Camargo.
Mediador: Cícero Aragon – Fundação Cinema do RS.
Dia 24/10/2006 às 14h
Cícero Aragon: Quero agradecer a presença de todos nessa tarde e dar início ao painel
“Financiamento Público Federal à Cultura no Brasil”. Nossos convidados são: Cristiane Olivieri,
advogada, Mestre em Política Cultural pela USP e em Administração das Artes pela Universidade
de Boston, Especialista em Gestão de Processos Comunicacionais e Culturais pela USP,
pesquisadora do Centro de Estudos Multidisciplinares da Cultura (CULT-SP) e autora do livro
Cultura Neoliberal8 sobre leis de incentivo como políticas públicas; também está conosco Adriana
Moreira que representa a Secretaria de Incentivo e Fomento à Cultura do Ministério da Cultura,
Especialista em Gestão Pública e Políticas Governamentais e Economista pela Universidade Federal
de Pernambuco; e o nosso gaúcho, Fernando Schüler, Mestre em Ciências Políticas pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ex-Chefe de Gabinete do Ministro da Cultura
Francisco Weffort, em Brasília, foi Diretor da Secretaria Estadual da Cultura do Estado do Rio
Grande do Sul, é professor em Ciências Políticas pela Universidade Luterana do Brasil, professor de
Meios de Comunicação da PUC-RS, Cadeia e Indústrias Culturais do curso de Pós-Graduação em
Teoria de Comunicação, e atualmente é Diretor Executivo da Fundação Iberê Camargo. Queria
8 OLIVIERI, Cristiane Garcia. Cultura Neoliberal: Leis de incentivo como política pública de cultura. São Paulo,
Escrituras, 2004.
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saudar a mesa, saudar os presentes com destaque à Rosane que é a nossa Representante Regional do
MinC, nosso convidado da Ancine, Zeca Zimmerman, a nossa diretora do Instituto Estadual de
Cinema e demais autoridades presentes. Quero então iniciar passando a palavra para a Adriana.
Adriana Moreira: Olá, boa tarde a todos. Eu trouxe alguns números do Ministério que eu gostaria
de apresentar aqui e vou falar sobre as ações do Ministério atualmente e o que se pretende fazer no
Ministério da Cultura em termos de fomento e incentivo à cultura. Bem, sobre as leis de incentivo,
nós temos a lei de incentivo federal, a Lei Rouanet, que favorece o incentivo privado tanto de
pessoas físicas quanto jurídicas no fomento à cultura no Brasil. Existem certas diferenciações
quanto às questões culturais em relação a como a gente enquadra os projetos no Artigo 18, cujos
benefícios fiscais são maiores, ou no Artigo 26, com menos benefícios fiscais. Há diferenciação
também em relação à forma de incentivo, se é doação ou patrocínio, no caso do Artigo 26; e
também o tipo de pessoa que está incentivando, se for pessoa física, que tem um incentivo maior ou
pessoa jurídica. Também temos a Lei do Audiovisual9, que dá desconto no imposto de renda de
empresas que realizem investimento em produções cinematográficas, adquirindo cotas de
comercialização no mercado de capitais. Isso está mais no âmbito da Ancine, que desde que foi
criada tem cuidado mais da questão do audiovisual. Também as leis estaduais, cujos incentivos são
em relação ao ICMS. Muitos estados já possuem leis de incentivo estaduais, alguns ainda não. Além
das leis municipais, cujo incentivo é sobre o IPTU ou ISS. A Lei Rouanet instituiu o Pronac, e
existem três mecanismos de incentivo. [O primeiro é] o Fundo Nacional da Cultura, que é composto
principalmente de recursos do tesouro, subvenções, auxílios, loterias e emendas parlamentares.
Nesse caso, a decisão é do Ministério em relação à alocação desses recursos e o Ministério procura
incentivar aquelas áreas em que a iniciativa privada não tem tanto incentivo em atuar, como as
culturas populares, as culturas indígenas... Mas, no caso do Fundo Nacional de Cultura, para
projetos de qualquer pessoa, que sejam de natureza cultural, poderem entrar na MinC, existe uma
contrapartida. O Ministério aprova a liberação de recursos até 80% do valor do projeto e os outros
20% são de contrapartida do proponente. O [segundo é o] Mecenato, que é o incentivo fiscal para
investimentos em projetos culturais, será a iniciativa privada que irá fazer. Então, os incentivadores
é que vão escolher quais são os projetos que interessam a eles. No caso da pessoa jurídica também,
os projetos têm que ser previamente aprovados pelo MinC. E os Fundos de Investimento Cultural e
Artístico (Ficart), que são fundos condominiais, privados, orientados pela capitalização de
9 Lei Federal 8685/93.
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investimentos em projetos culturais de natureza eminentemente comercial. Mas o Ficart ainda não
foi implementado, somente regulamentado. Bem, essas são as etapas básicas do processo de
Mecenato via lei de incentivo federal. Então, como acontece? Os produtores e artistas levam ao
MinC um projeto de acordo com os formulários que são padronizados no Ministério e em seguida o
Ministério faz uma pré-análise desse projeto para ver se os documentos exigidos por lei foram
obedecidos e o enquadramento, no caso, se for Artigo 18 ou 26. Também há um parecer técnico, a
partir de uma avaliação mais especializada, vendo se aquele projeto atende as finalidades do
Pronac: a relevância do projeto, a clareza dos objetivos, a coerência interna e o orçamento, ou seja,
ver se o custo que está previsto no projeto condiz com os custos que são atualmente vigentes no
mercado. Em seguida, a aprovação é dada pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, a CNIC.
No caso, se o projeto não for aprovado, existe toda uma explicação dada ao proponente dos motivos
pelos quais o projeto não foi aprovado. Sendo o projeto aprovado, passa-se para a captação de
recursos. O produtor já está apto a receber o recurso dos incentivadores, tanto de pessoas físicas
quanto jurídicas, via depósito bancário em uma conta que é criada especificamente para isso.
Realiza-se o projeto e, ao final, na prestação de contas, é feito o acompanhamento pelo MinC e a
avaliação dos resultados. O que vai se observar é se os recursos estão sendo aplicados fielmente,
sem desvios e tal, ver se os objetivos e os resultados previstos foram alcançados, qual o impacto
daquele projeto na sociedade, e se ele atingiu a finalidade do Pronac. A partir daí o investidor
desconta o valor incentivado, de acordo com o benefício fiscal. Aqui nós temos algumas das
diretrizes gerais da política de fomento e incentivo à cultura. Muitas dessas diretrizes guiaram-nos
na formulação de um novo Decreto, o 5.761. Eu vou falar mais dessa parte no final, quando trago as
principais inovações do decreto. Então, essas diretrizes seriam: a democratização do acesso e dos
benefícios gerados pelos recursos públicos investidos em cultura; ampliação dos volumes de
recursos a serem investidos; diversificação das formas de financiamento e sua adequação ao perfil
dos demandantes; a profissionalização das atividades culturais; a alocação de recursos para setores
estruturantes das atividades culturais; processos seletivos transparentes e descentralizados;
desconcentração espacial dos perfis populacionais e de renda para os investimentos públicos em
cultura; estímulo à maestria e inovação criativa; valorização das tradições; integração com os
mecanismos estaduais e municipais; e a formulação de uma política de investimento público em
cultura com base no diálogo com setores representativos da sociedade e instrumentos de avaliação e
acompanhamento de investimentos. Bom, a partir de agora eu vou trazer alguns dados do Ministério
sobre a Lei Rouanet, principalmente. Então, esses daqui são em relação a 2005. Em 2005, nós
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tivemos recorde de captação nacional chegando a R$ 702,3 milhões, recorde de captação em 13
estados e em todas as regiões. Esses 13 estados são: Mato Grosso do Sul, Bahia, Ceará, Maranhão,
Pernambuco, Rio Grande do Norte, Acre, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo,
Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Mas se observamos os dados desde 2004, os dois anos, 2004 e
2005, 22 estados atingiram esse recorde de captação. E, verificamos também uma melhoria na
distribuição nacional de recursos desde o início da lei, considerando que São Paulo acaba captando
mais de 30% dos recursos que são destinados à cultura pela iniciativa privada. Bom, continuando,
tivemos recordes também no mesmo ano, em 2005, da participação das empresas patrocinadoras e,
desde 2002, em todos os anos esse número foi crescendo e, em 2005, chega a 1.970 empresas
patrocinadoras. Recordes também com o número de projetos com captação, porque na verdade
muitos projetos são apresentados, um número menor de projetos é aprovado, mas o número de
projetos com captação ou que conseguem captação parcial ou integral dos recursos realmente acaba
sendo um número bem menor. Isso depende da iniciativa dos investidores, dos incentivadores, em
apoiar aquele projeto e também, em parte, do esforço feito pelos proponentes para buscar esses
incentivadores. Tivemos recorde também de contribuição de pessoas físicas, onde há uma pequena
oscilação, mas há uma tendência de crescimento. Em 2005, acabamos tendo um recorde em 4.951.
Realmente, as pessoas físicas são o grupo de incentivadores mais especial. A proporção de pessoas
físicas que podem incentivar projetos é muito grande e, no ano de 2004, foram mais ou menos 15
milhões de pessoas que declararam imposto de renda como pessoa física.Esse é um potencial, mas,
quantas acabam realmente incentivando projetos culturais? Apenas uns três mil por ano. É um
número bem pequeno em relação ao potencial. Em 2005 há um recorde de captação, com cerca de
RS$ 700 milhões.Nas áreas de artes cênicas e artes integradas, há algumas pequenas oscilações,
mas também há uma tendência de crescimento no valor captado por elas, e o recorde batido foi em
2005, também. Nas artes plásticas e no audiovisual, há algumas oscilações, tendência de
crescimento e recorde nas duas áreas no ano de 2005, também, nas humanidades e música. Na área
de humanidades vemos também a tendência de crescimento, na música, com nos outros, o recorde
foi em 2005 com tendência de crescimento. No patrimônio, temos uma tendência de ascensão à
captação e recorde de captação em 2005. Na captação por região, houve algumas oscilações, mas
em todas elas há um crescimento no valor captado e houve melhoria, como já tinha dito antes, na
distribuição desses recursos. As regiões que conseguiam menos acabaram participando um pouco
mais em relação ao total de captação nacional. Na Região Sul, vemos uma tendência de ascensão e,
em 2005, também há um recorde de captação e vemos que houve uma evolução significativa em
26
relação ao volume de recursos captados. A grande parte desses recursos é realmente do Rio Grande
do Sul. Em 2005, vemos um recorde de RS$ 43,2 milhões e em todos os anos a captação aumentou.
E, se compararmos 2005 com 1998, veremos que o volume de recursos captados aumentou mais de
oito vezes. Isso é bastante significativo. E como havia falado antes, o Rio Grande do Sul é o estado
com maior captação no Sul e o quarto no Brasil, perdendo apenas para os estados de São Paulo, Rio
de Janeiro e Minas, no Sudeste. São estados que conseguem captações bem altas. Na evolução por
área, há oscilações em todas elas, já que o volume de recursos aumentou, mas variou. Mas, os
projetos no Brasil foram crescendo sempre e, se compararmos 2000 com 2005, o número de
projetos aprovados quase duplicou. A mesma coisa acontece com os projetos captados e, vemos que
o número de projetos captados realmente está bem abaixo do número de projetos aprovados, mas
isso também nos mostra que existe um potencial de incentivadores muito grande que pode ser
explorado. É o que estamos tentando nesta gestão: aumentar o número de incentivadores, aumentar
o volume de captação porque a percentagem de pessoas tanto físicas quanto jurídicas que
incentivam projetos culturais é muito baixa comparada ao potencial daqueles que realmente
poderiam incentivar. Pode-se ver que logo no início, em 1994, quase 100% dos incentivadores do
Sul eram apenas do Rio Grande do Sul. Com o tempo, a lei foi ficando mais popularizada, e tanto as
pessoas físicas quanto as jurídicas foram tomando conhecimento dela, então o número de
incentivadores foi aumentando. Mas, mesmo assim, se pegarmos essa soma de 1994 para 2006, o
número de pessoas jurídicas que incentivaram projetos culturais no sul, 54% foram para o Rio
Grande do Sul, mais da metade dos incentivadores, pessoas jurídicas, estão concentradas aqui. E das
pessoas físicas esse percentual é bem maior, 80% das que incentivam projetos culturais no Sul são
do Rio Grande do Sul.
Eu vou começar a falar mais das inovações do decreto 5.761, que é de 26 de abril de 2006. Ele
regulamenta a Lei Rouanet, trazendo algumas mudanças. O Artigo 3º trata do Plano Anual do
Pronac, que irá trazer as normas que devem ser seguidas. Ele é elaborado e publicado pelo MinC e
deve seguir o Plano Plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O Artigo 4º traz
algumas definições, no caso: a partir daqui, exige-se que seja o proponente pessoa com atuação na
área cultural e da produção cultural e educativa de caráter não comercial. Aqui, demos uma
definição do que seria: é aquela realizada por empresa de rádio ou televisão pública ou estatal. O
Artigo 5º fala sobre editais, e foram regulamentadas três formas: O primeiro, em que o Ministério
lança um edital chamando as empresas que estariam interessadas em determinadas áreas e
27
segmentos culturais. Essas empresas manifestam interesse, dizem quanto irão incentivar e, a partir
daí, são lançados editais em cada área ou segmento para que as pessoas possam mostrar os seus
projetos e, após, serem selecionados por meio de um concurso público. É uma forma de
democratização do processo, trazendo transparência na medida em que os critérios são definidos no
próprio edital e abrangendo maior número de pessoas. É um processo mais inclusivo. O segundo
tipo de edital seria aquele em que as empresas, de forma independente, lançam seus editais,
decidem escolher os projetos que vão incentivar por meio de concurso público, comunicando o
edital previamente ao MinC. A Petrobras e a Natura já fizeram isso. O terceiro tipo de edital seria
um mecanismo que integraria a União, os estados e os municípios. Teria então a integração de todas
as leis de incentivo. No Artigo 14, há a criação da Comissão Nacional da Cultura que tem a
competência de avaliar os projetos que são enviados para o FNC para serem analisados. E, no
Artigo 17, os programas e projetos de ações culturais de iniciativa própria do ministério a serem
financiados com recursos do FNC devem constar de seu plano anual, porque vai existir o plano
anual do FNC, e, até os projetos que são do MinC têm que constar do plano. As despesas de
captação dos recursos serão detalhadas em planilhas de custos, obedecendo aos limites definidos em
atas do Ministério da Cultura. Alguns limites foram impostos, por exemplo: despesas
administrativas, que são despesas na área-fim do projeto só podem comprometer 15% do orçamento
total. O Artigo 27 é um dos mais importantes em termos de inovação porque diz que os projetos que
usam recursos incentivados, ou seja, recursos provenientes do Mecenato, têm um plano de
democratização, porque seguimos a linha de que os recursos públicos devem gerar benefícios
públicos. Mesmo aqueles projetos que são incentivados com recursos da iniciativa privada devem
trazer um plano de democratização que mostre como tornarão os preços mais acessíveis, como
propiciar condições de acessibilidade a pessoas idosas, portadoras de deficiência, ou promover a
distribuição gratuita aos beneficiários previamente indicados, podendo ser estudantes ou artistas
daquela área que não tem condições de ter acesso ao produto cultural. Desenvolver estratégias de
difusão para ampliar o processo e outras formas de ampliação do acesso. Foi uma das principais
inovações realmente, pelo mérito, pela democratização e por explicitar os recursos que são públicos,
oriundos de renúncia fiscal, devem realmente gerar algum benefício para a sociedade. O artigo 31
dispõe que o patrocinador, que antigamente tinha direito a até 25% do produto cultural do projeto
que ele incentivasse e agora passa a ter direito de ter, no máximo, 10%. Outros 10%, o Ministério
irá definir, a seu critério, para ser distribuído pelo beneficiário. Esses 10% são os limites totais, ou
seja, se três patrocinadores incentivam aquele projeto, o que vai para os três, somados, será 10%. E
28
o que recebem é proporcional aos recursos que incentivaram no projeto. Alguns conceitos também
foram ampliados, no caso, o Artigo 40 regulamenta o Artigo 39, que fala sobre a composição da
CNIC. As Artes Visuais foram ampliadas para Arte Visual, Digital e Eletrônica; o Patrimônio
Cultural Material e Imaterial, inclusive museológico, de expressões da cultura negra, indígena e
cultura de populações mais tradicionais. O Artigo 44, que é o plano de distribuição que eu expliquei
anteriormente, 10% para o patrocinador e 10% a critério do MinC. E o Artigo 47, que torna
obrigatória a utilização da logomarca do Ministério nos produtos culturais e em qualquer ato de
difusão, divulgação ou promoção. Qualquer coisa que divulgue aquele projeto que recebeu
incentivo, camiseta, uma placa, tudo tem que ter a logomarca do Ministério. Existem alguns
elementos que têm que ser pactuados entre os três níveis de governo para fazer o edital, como as
diretrizes da política cultural; o uso compartilhado das leis de incentivo; a participação paritária no
financiamento; os editais públicos de seleção e o processo seletivo para habilitar a organização; e os
sistemas de informações. E aqui eu trago um “passo a passo”. Os estados e municípios definem as
prioridades junto à sociedade. Aí, estados e municípios apresentam um pré-projeto ao MinC junto
com o termo de cooperação, a organização que irá operar o edital e os documentos que são
exigidos. E o MinC, os estados e os municípios irão dialogar e aperfeiçoar no que for possível esse
projeto, que será apresentado à CNIC para aprovação. Os estados e municípios então informam
periodicamente como está o andamento do edital. Bom, essas aqui são algumas ações que estão
sendo implementadas no âmbito do financiamento e fomento à cultura. Primeiro, o ticket cultural10
,
que é uma idéia que surgiu da ampliação da visão que o Decreto traz, incluindo a Economia da
Cultura, com o objetivo de ampliar e facilitar o acesso das pessoas aos produtos e serviços de bens
culturais. Ele seria voltado para os trabalhadores e as empresas comprariam esses tickets,
funcionaria mais ou menos como um ticket alimentação. Você escolhe os serviços e bens culturais
que você quer: livros, DVDs, ingressos para cinema, teatro, e as empresas adquirem esses tickets,
doam aos seus funcionários e, juntamente como seus dependentes legais, podem escolher os bens e
serviços culturais que querem consumir. Do valor desses tickets, a empresa pode ter uma dedução
fiscal, enquadrando-se no Artigo 26 da Lei Rouanet, e não pode ser descontado do salário. E,
obrigatoriamente, dar preferência para trabalhadores que recebem até cinco salários mínimos.
Poderia abranger outros trabalhadores, mas de forma adicional. É uma forma de ampliar o consumo
real por pessoas que realmente não têm muitas condições. O financiamento reembolsável está
previsto no Decreto 5.761, porque o Fundo Nacional de Cultura pode ter financiamento a fundo
10 Posteriormente implantado com o nome de Vale-Cultura, por intermédio da Lei 12.761/2012.
29
perdido, em que o proponente recebe até 80% do valor do projeto sem ter que devolver para o
Ministério; ou então o financiamento reembolsável, que seria um empréstimo através de instituições
financeiras oficiais, credenciadas pelo MinC para produtores culturais de média e pequena renda.
Seria um empréstimo com taxas de juros subsidiadas, com condições facilitadas, com prazo de
carência menor, mas todo o recurso tem que ser devolvido. Outra coisa que está sendo feita é a
página do investidor cultural e do proponente, uma página na Internet, com melhores informações
para motivar os incentivadores culturais a investirem mais e, assim, ampliar esse número,
alcançando esse número potencial que existe e que não sabe que a lei existe. Outra coisa que está se
pensando são os fundos de investimentos para atividades culturais e artísticas, via bolsa de valores e
via sistema bancário. Bom, é isso.
Cícero Aragon: Quero passar a palavra para Cristiane Olivieri.
Cristiane Olivieri: Boa tarde a todos. Bom, eu vou tentar fazer um panorama do que foram esses
anos da Lei Rouanet, um pouco sobre que política cultural foi implantada. Estou partindo do
pressuposto de que é de conhecimento das pessoas tudo o que a Adriana falou: como funcionam as
leis e o que elas são, mas, depois podemos ir tirando dúvidas de detalhes que não ficam muito
claros. Eu sou advogada, trabalho nessa área de cultura e entretenimento há mais de 20 anos e na
verdade acompanhei a lei de incentivo fiscal desde a Lei Sarney, de 1986, como isso veio mudando
e se transformando em “o” instrumento de financiamento à cultura no Brasil. Eu gostaria de
começar com um número apresentado pelo secretário Juca Ferreira: de cada 10 reais investidos em
cultura nesse país pelo Ministério da Cultura ou via Ministério da Cultura, nove reais vem de
incentivo fiscal à cultura. Temos que ficar com esse número na cabeça, ou seja, 90% de todo o
dinheiro é via Lei Rouanet, via Lei do Audiovisual e incentivos fiscais federais que estão em vigor.
E aí, voltar um pouco antes e pensar o que se pretende com financiamento à cultura, e deve, em
princípio, cobrir o fomento da produção cultural, a própria produção, a distribuição e o acesso
público. Caberia ao Ministério da Cultura, como gestor, estar preocupado em disponibilizar
infraestrutura para que essa cultura aconteça e para que ela possa ser desfrutada, na formação e
capacitação, seja do profissional da cultura, seja do público, para que ele possa fruir melhor daquilo
que está assistindo, poder compreender, para poder gostar. Também criar mecanismos de
distribuição para a produção independente porque se hoje a produção das grandes gravadoras, dos
grandes espetáculos não consegue circular no país, o que dirá a produção dos DVDs, dos CDs
independentes, livros caseiros, etc. Caberia também a regulamentação do setor, que vem sendo feita
30
de alguma maneira. Creio que talvez seja o governo que mais esteja preocupado, sem fazer aqui
uma análise de mérito, mas foi tentando regulamentar para que as atividades sejam mais bem
resolvidas. Democratizar o acesso e afinal financiar a produção propriamente dita. Temos essa
política federal no país sendo executada pelo MinC e suas entidades vinculadas, bastante
concentrada no Rio de Janeiro, mas com alguma representatividade nacional. E aí voltamos à
questão inicial, que é: se o dinheiro todo ou quase todo vem do incentivo fiscal, que problemas isso
tem gerado nesse movimento? Temos em um primeiro lado uma crítica desenfreada e, de alguma
maneira, equivocada ao incentivo fiscal. O incentivo fiscal tem um formato, tem um objetivo, tem
um público para ser entendido, tem uma possibilidade, e o resto deve vir de outros lugares. Como o
país só tem essa possibilidade de financiamento, nós torturamos esse financiamento para ver, quem
sabe, ele pagar todas outras contas para as quais ele não foi criado. E, aí vem uma série de críticas,
claro, muitas delas pertinentes, mas muitas delas querendo que o incentivo fiscal financie, por
exemplo, o fomento. Não vai financiar. Que financie as produções pequenininhas. Não vai
financiar. Financie a vanguarda. Não vai financiar. Pela cara com que foi montado, como ele
envolve a sociedade civil representada pelos diretores de marketing que têm interesse na
comunicação, claro que ele vai financiar uma série de produções mais comerciais. É ruim? Não, é
maravilhoso. Nós temos que imaginar o seguinte: o Brasil não consegue viabilizar nem suas
produções midiáticas com a venda de ingressos ou de livros. Se virmos o modelo americano, a
produção das organizações não governamentais, e aí não estou falando de Broadway, ela se
viabiliza sozinha, mas essas produções de músicas eruditas, balé, etc, 50% do custo dessas
organizações vem da venda de ingresso direto. Eu pergunto: que espetáculo de balé, de orquestra
sinfônica, de música clássica se viabiliza em 50% com a venda de ingressos? Eu desconheço. Não
adianta dizermos que o incentivo fiscal viabiliza esses projetos de música erudita que acontecem
para 150 mil pessoas em praça pública ou no teatro municipal. Viabilizam-se sem algum tipo de
incentivo ou algum tipo de patrocínio, algum tipo de outro apoio financeiro? Não se viabilizam. O
incentivo tem um papel real e importante, agora, o que ele não consegue, porque não é do caráter da
formatação do incentivo fiscal, é cobrir outros pontos. Creio que tem uma segunda questão
importante que esse incentivo criou: tornar o próprio governo refém e dependente dos incentivos. O
que acontece com o Ministério da Cultura hoje? Ele não tem orçamento. Como não tem orçamento,
canaliza os incentivos para cobrir o seu próprio custo. Então, quem paga o custo das entidades
vinculadas são os incentivos fiscais primordialmente via estatal, mas às vezes, até via empresas
privadas, através da Associação dos Amigos da Funarte, Associação dos Amigos do Teatro e assim
31
vai... Eu não estou aqui fazendo uma crítica porque vejo que o Ministério usa o que é possível: se
ele não tem receita para manter esses organismos, usa a lei de incentivo fiscal, que é o que existe.
Com isso, fica dependente também, o que é complicado, de projeto a projeto: apresente o seu
projeto, aprove, patrocine. O “apresente o seu projeto, aprove, patrocine” em uma mão e, na outra
mão, ele é concorrente do produtor cultural porque ele também entra no mercado para captar um
dinheiro que teoricamente é da produção cultural. Com isso ficamos em uma situação real e que,
durante muito tempo o próprio discurso do Ministério da Cultura e a própria sociedade civil não
tinha conhecimento tão claro, acho que esse número colocado no jornal é esclarecedor, ou seja,
nove reais de dez reais é muito dinheiro que o incentivo está colocando e que o governo não está
colocando. Precisamos transformar, deixar de o incentivo ser “a” fonte de recursos, porque no ápice
de fazer esse dinheiro chegar ao produtor, o que o governo fez? Ele tem um Fundo Nacional de
Cultura que também foi criado pela Lei Rouanet, mas que nasce com um problema inicial, ele é
uma verba contingenciável. O que isso quer dizer? Que o dinheiro que está lá, não está lá. Se você
olhar a rubrica, no começo do ano, quanto tem no Fundo Nacional de Cultura, há uma série de
verbas que compõem esse Fundo, mas a qualquer estremecimento da economia ou se o presidente
precisar fazer superávit, ele passa a mão naquele dinheiro e ele vira caixa. Ele está congelado, como
verba do governo, mas ele não existe como uma verba real, é um dinheiro que não pode ser gasto.
Então, o Fundo Nacional de Cultura já tem um problema inicial: teria a verba para viabilizar todas
produções menores, que são de vanguarda, que tem um público mais restrito porque, do ponto de
vista de um patrocinador, ele prefere gastar R$ 1 milhão a gastar R$ 10 mil: ele quer que tenha
algum tipo de retorno de divulgação grande, e para que isso aconteça precisa de uma verba também
grande. Enquanto que, em projetos menores, o que você pode ter é um grande impacto para a
comunidade. Você tem empresas fazendo isso? Tem. Você tem empresas que vão pela
responsabilidade social, mas não podemos dizer que essa é uma prática generalizada. Então, caberia
ao Fundo Nacional de Cultura ou a um fundo público, cobrir esses pedaços, colocar dinheiro nesses
lugares. E, da maneira que está hoje, pouco importa quem é o dirigente do Ministério da Cultura,
ele não consegue fazer com que aquele dinheiro permaneça lá, esse dinheiro é contingenciado
sempre. E segundo, a verba não é grande, em geral é 1% da verba canalizada pelo Mecenato e ela
tem um processo de seleção que não é transparente ou não tão transparente quanto os fundos que
vemos fora do Brasil. O fundo americano que é o National Endowments for the Arts, através de uma
verba que é disponibilizada para o Fundo anualmente, essa verba está caindo, os artistas americanos
também estão chateados, o dinheiro é infinitamente maior do que temos por aqui, e a seleção entra
32
na análise do mérito dos projetos. Há uma comissão que é uma comissão não governamental, de
especialistas naquela área, abre-se um edital para que pessoas de Artes Plásticas entrem num
processo de seleção e quem faz essa seleção são seis artistas plásticos de renome nacional e
unanimidades na sua área. Durante uma semana, analisam os projetos apresentados, onde não há o
nome do seu autor e proponente e fazem uma análise estética e escolhem “x” número de projetos
que serão viabilizados. Pode ter desvio? Não há dúvida, se você é da área pode conhecer até alguns
projetos, mas como essa comissão não é permanente, mudando a cada seis meses, um desvio em um
semestre é rapidamente consertado em outra ação. Então, o que nós temos no Fundo Nacional de
Cultura: não temos a verba, a que existe é pouca, é contingenciada e os critérios de distribuição não
são tão claros. Embora o Ministério tenha feito nesse governo alguns editais públicos de
distribuição de verbas menores e tudo mais... Mas o país é muito grande proporcionalmente à verba
que está sendo distribuída. Porque o que acaba acontecendo é que o grande mecenas deixa de ser o
Ministério da Cultura e viram as estatais. Quem mais põe dinheiro na cultura, conforme os próprios
números do Ministério, é a Petrobras, que coloca em torno de R$ 90 milhões. E aí, ela tem edital
público? Tem. Mas são dos R$ 90 milhões? Não. A maior parte dos R$ 90 milhões não é distribuída
por edital público. A maior parte desse dinheiro não é distribuída em relação à qualidade estética, é
distribuída por um conceito provavelmente de comunicação, de relação, de interesses junto a
determinados públicos. A maneira como isso está montado, quer dizer, escapa do próprio
Ministério. Aí um novo decreto: como o Ministério não tem dinheiro, ele vai ao Ministério da
Fazenda e pede uma renúncia fiscal para a empresa colocar o dinheiro, e, como ele continua não
tendo dinheiro, vai à empresa e diz: sabe aquele dinheiro da renúncia fiscal? Agora, eu quero que
você aplique nos projetos que são de interesse da política cultural. O resultado final é bom? Creio
que será, porque o governo vai usar uma parte do dinheiro e distribuir democraticamente, quer
dizer, ele vai dar um acesso maior. Você não precisa conhecer o diretor de marketing da empresa
para poder viabilizar o seu projeto. Você precisa ter um projeto consistente do ponto de vista da
produção cultural e da produção estética. É maravilhoso. Mas precisa ser repensado um pouco o
processo, que vai ficando cada vez mais intrincado porque o Ministério continua não tendo verba.
Essas questões não ficam muito claras e a própria produção cultural fica pressionando o governo e a
mídia, no sentido de discutir resultados da Lei Rouanet, do Mecenato especificamente. Quem
patrocina, quem não patrocina... O dinheiro fica apenas no Sul do país, o que é um fato. Só 20% dos
projetos conseguem captação, e isso é um fato histórico, não é deste ano, acontece desde quando a
Lei começou. E temos que pensar, dentro desses 20% há uma série de projetos que já entram com o
33
seu patrocinador estabelecido. Quantos projetos realmente entram no Ministério da Cultura sem
nenhum vínculo, sem nenhum pré-relacionamento com a comunicação de uma empresa e que de
fato conseguem ser realizados? Colocado isso, creio que temos que pensar esse sistema para
propormos um sistema diferente: o Ministério da Cultura precisa pensar em uma solução de verba
de manutenção real para si mesmo. E, por outro lado propor um Fundo Nacional de Cultura... É
uma questão importante na história do país onde atravessamos um período muito grande em que a
economia e a teoria neoliberal deram todas as cartas. Não que ainda não seja verdade, mas a
produção cultural não pode se justificar o tempo todo pela sua cadeia econômica. Ela precisa se
justificar pela sua produção estética em si. Saber o número das pessoas que trabalham, saber o
impacto no PIB, etc, é relevante. O Ministério tem que ter importância suficiente dentro do governo
para ter uma verba sua, gerir as suas próprias entidades, ter um fundo cultural e a lei de incentivo
fiscal, seguir no seu caminho porque, se ela tivesse seguido no seu caminho originário, hoje nunca
teríamos 100% de incentivo para projeto algum. A parceria seria mantida junto com a empresa
privada que dá 100% de incentivo e ganha 100% de incentivo público. Por outro lado é um fato que
a lei de incentivo federal originou uma série de leis estaduais e municipais que conseguem distribuir
a verba de uma maneira mais localizada para a comunidade. O fazem na maior parte dando 70%,
80%, dificilmente uma lei de incentivo municipal ou estadual dá 100% de incentivo. Creio que a
Lei Rouanet tem esse mérito de transformar um incentivo fiscal em um modelo mais nacional. A
gestão da própria lei vem sendo especializada. O decreto que a Adriana cita, tem o grande mérito de
garantir que será solicitado aos proponentes uma distribuição democrática. Se você observar quais
são os objetivos do Pronac? Incentivar a produção, a distribuição e o acesso. Não é possível que não
se tenha no Ministério um controle de que acesso é esse, quem está presente nas produções
culturais, quem são as pessoas que assistem tudo que é viabilizado pelos incentivos fiscais e que se
façam produções com R$ 350 reais o ingresso, como foi o caso do Cirque du Soleil. O Cirque du
Soleil trouxe, empurrou essa discussão de uma maneira mais real, quer dizer, ela vinha sendo feita
nos bastidores por causa de outros milhares de espetáculos e o Cirque foi emblemático da falta de
coerência de se dar incentivo para um projeto que tem uma receita de bilheteria que o viabiliza
completamente. Tal discussão apressou a regulamentação do Decreto que já estava no bolso, mas
que saiu rapidamente, como uma resposta de que a sociedade não está interessada em um tipo de
produção assim, e que é o mesmo caso do Chatô. Quando o Chatô pegou os R$ 12 milhões e não
entregou o filme, todo o processo da Lei do Audiovisual foi revisto. Então, é um processo que vem
caminhando e se especializando, vem melhorando como processo de incentivo fiscal. Não é a toa
34
que há dois anos a ONU declarou o mecanismo de incentivo fiscal à indústria cultural brasileira
como o melhor modelo de incentivo. Então, é um modelo bom, o que precisamos, é saber qual a
política federal para o país, para a cultura. Ela não pode ser uma política que se concentra no
incentivo fiscal à cultura, porque o próprio governo fica refém de aprovar uma série de projetos e
sem conseguir obter uma proposta mais larga, que pense a médio e longo prazo como será a política
cultural. Com a mudança do Decreto, que traz um possível plano anual de cultura, pode ser que
comece a apontar um pouco para a idéia de que vamos ter uma política cultural para o país em que o
governo define quais são as prioridades, quais são as possibilidades, indo atrás para cumprir as
metas que ele próprio colocou. Agora, o próprio governo, a sociedade civil, as pessoas que
trabalham na área de produção cultural, os artistas, enfim, essas pessoas têm dificuldade de se
organizar. É diferente dos lobbies dos serviços do comércio que se organizam com muita facilidade.
Precisamos nos organizar para que o processo como um todo, seja de outra maneira. Porque senão a
discussão vai ser sobre os incentivos fiscais que não mudam e que há 15 anos somente 20% dos
projetos são captados. E o governo fica com esse Decreto e com outros que virão, cria editais
públicos, maneiras de facilitar o acesso, maneira das pessoas conseguirem financiamento e o que
me parece é que, para que a política seja estabelecida, precisa-se de outro dinheiro, de outro tipo de
fundo. É isso. Boa tarde.
Cícero Aragon: Agradeço à Cristiane e passo a palavra para o Fernando Schüler que também será o
nosso debatedor, mas que tem algumas considerações iniciais que ele gostaria de apresentar.
Fernando Schüler: Obrigado pelo convite, às entidades que promovem o encontro e farei alguns
comentários rápidos sobre o que foi colocado. Primeiro concordando totalmente com as minhas
colegas, principalmente com a Cristiane, eu creio que não vamos discutir política cultural, daria
vários seminários, várias tardes aqui no Centro Érico Veríssimo. Vamos discutir a Lei Federal de
incentivo à cultura e que é um braço da política cultural brasileira, criado inclusive por um governo
neoliberal que foi o governo Collor de Melo, a Lei Rouanet. É um braço, concordo totalmente com
ela, começamos a entender e é um problema, na medida em que há uma restrição orçamentária no
governo federal e, aliás, nos governos estaduais também, e em muitos governos municipais, onde o
governo tenta usar a lei de incentivo como a grande fonte, o grande tesouro de caixa de recursos
para fazer política cultural porque não há outra fonte. Trabalhei no Ministério da Cultura, quase
dois anos, 1995 e 1996, lá no início. O governo liberou R$ 84 milhões, atualizando hoje daria R$
140 milhões para o Ministério aplicar diretamente em projetos no país. Era um dinheiro de
35
orçamento. Eu me lembro que aqui, no Rio Grande do Sul, foi feita a recuperação do MARGS, um
pequeno exemplo do que foi feito em todo o Brasil. Lembro que o Ministro se reunia com os
secretários de cultura dos Estados, para discutir projetos prioritários e havia uma aplicação direta de
orçamento. Há outros tipos de políticas que poderiam ser citadas aqui, mas vamos discutir a lei
federal de incentivo à cultura. Primeiro, características da lei para fazer um pequeno quadro. A Lei
Rouanet é um caso de sucesso, e não é à toa que a Cristiane citou a ONU. Esse é o ponto inicial.
Nós no Brasil somos muito críticos, gostamos de falar do governo, da lei, do mercado, etc. Lei de
incentivo no Brasil é um caso de sucesso, com reconhecimento internacional. É só irmos para a
Argentina, o Chile, os países da América Latina, todos têm inveja do sistema brasileiro. Nós temos
todos os defeitos do mundo, só que é melhor termos essa lei com alguns defeitos do que não tê-la.
Esse é o ponto de partida. Quando eu vejo algo como, “vamos fazer uma grande discussão no país
para mudar a lei” já começo a ter medo porque a chance de estragar é maior que a chance de
consertar. O crescimento que a Adriana mostrou é constante, desde que surgiu a Lei Rouanet.
Alguns problemas continuam e posso fazer um comentário rápido, mas todos os números sempre
crescem na Lei Rouanet. Esse centro cultural foi feito com a Lei Rouanet. Estamos construindo o
Museu Iberê Camargo, um projeto de 35 milhões de reais e sem Lei Rouanet não haveria projeto,
Então, vamos com calma. A Lei Rouanet é um sistema muito positivo, mas tem que melhorar de
maneira inteligente e muito cuidadosa. Eu não sei se a Adriana tem esse dado, mas quantos fóruns e
reuniões o Ministério da Cultura fez para discutir mudanças da Lei Rouanet?
Cristiane Olivieri: Foi um por capital, mais duas semanas fechadas dentro do Ministério da
Cultura.
Fernando Schüler: Exatamente. Participei de vários em diversos locais, Brasília, Rio de Janeiro,
aqui em Porto Alegre. Eu pergunto para muitas pessoas: o que mudou com esse decreto? Mudou,
aperfeiçoou, introduziram o vídeo eletrônico, conceitos, os percentuais se mantiveram... Lembro
que no início das discussões, poderia mudar os percentuais, iria regionalizar, iria criar os tetos por
região, A Lei Rouanet ia ser revolucionada. No fim, terminou em um Decreto que introduziu os
editais e eu não tenho certeza se já foi regulamentado. A Adriana pode me esclarecer.
Adriana Moreira: Não.
Fernando Schuler: Não foi regulamentada ainda. E, que eu saiba a única coisa nova são os editais,
logo, nada mudou. Talvez, ainda bem. Gastou-se muito dinheiro com esses fóruns todos, poderia ter
36
sido aplicado na produção cultural, mas o fato é que muito pouca coisa mudou e, em parte porque a
Lei é boa, em parte porque é uma lei de soma variável, vamos dizer assim, e todo mundo está
ganhando com a Lei. O número de produtores está crescendo, o número de patrocinadores está
crescendo, então não vamos mexer, até porque talvez ninguém tenha tido uma grande idéia para
melhorar de fato a Lei. Eu, modéstia à parte, tive uma e acabou não entrando, uma pequena idéia
que poderia ter melhorado, mas parece que bateu lá no Ministério da Fazenda. Em primeiro lugar, é
uma lei bem sucedida porque é uma lei técnica, que não entra em mérito de julgamento de projeto.
Nesse sentido é muito diferente da nossa lei daqui, a LIC. E aqui, eu não conheço nenhum produtor
cultural do Rio Grande do Sul que não tenha reclamado: porque aquele projeto não foi aprovado e
aquele outro projeto foi aprovado? Têm lá o critério de relevância, primeiro, e depois prioritário.
Ninguém sabe exatamente o que é relevância e o que é prioridade. São 25 pessoas que se reúnem e,
por alguma razão, decidem dizer que uma coisa é relevante e outra coisa é prioritária. A Lei
Rouanet não tem esse problema. O argumento da Lei é essencialmente o seguinte: existem “n”
ações que geram externalidades positivas, que geram uma quantidade de benefícios para a
sociedade e que um produtor privado não pode capturar privadamente, não pode converter em lucro.
Para simplificar, são positivas, mas que o mercado não financia porque não tem efeito catraca, não
pode cobrar, ou seja, restaura-se um patrimônio histórico, beneficia toda a cidade, mas não se
beneficia privadamente. Então, gera uma externalidade positiva. O mercado não compra, logo o
Estado tem que entrar. A Lei em parte faz isso, mas em parte ela não faz porque quando se julga um
projeto cultural não há como saber se o mercado iria ou não financiar esse projeto. É o caso do
Cirque Du Soleil, o típico caso. O Cirque Du Soleil funciona no mundo inteiro sem incentivo, mas
no Brasil deram R$ 8 milhões, eu não estou questionando se está certo ou errado, mas no mundo
inteiro não precisa, obviamente que aqui também não precisaria de incentivo fiscal. Imagina se
voltássemos para o sistema soviético, quando o burocrata do ministério administrasse o preço, ou
fosse fazer uma análise econômica do projeto para saber se ele é viável no mercado. Existe um
problema de princípio quando se monta uma lei de incentivo, que é o de operatividade. Vamos
pegar um exemplo de cinema, se o Cícero faz um filme e consegue 25 mil espectadores, mas diz
que não é viável no mercado. Mas ele faz um segundo longa e a bilheteria é de quatro milhões, é
viável no mercado, e o burocrata do ministério, pensa: se o sujeito conseguiu milhões de
espectadores, logo ele é viável no mercado, então não vamos dar incentivo fiscal. A Lei, se fizesse
isso, estaria punindo o sucesso. Ou seja, quando ele tinha 25 mil espectadores poderia receber
incentivo, mas agora, como ele fez um grande sucesso e conseguiu quatro milhões, então não pode
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mais ter incentivo. É melhor não termos quatro milhões, esconder o filme, senão não conseguimos
financiamento no próximo.
Cristiane Olivieri: Mas espera um pouco, Fernando. Creio que a discussão é muito anterior. O que
acontece no Cirque du Soleil e em outros, e que o Decreto vem tentar melhorar, que não vou dizer
se o Cirque tem ou não condições de se viabilizar sozinho, vou dizer para o Cirque du Soleil que, se
vai receber dinheiro incentivado,então você vai ter 10% da sua lotação de graça, vai dar ingressos
populares, vai dar um tanto de ingressos para os profissionais da área de circo, de dança e artística
para que possam assistir, para que possam se qualificar, vai ter workshops dentro do Cirque du
Soleil. Aí, ok. A discussão é que fizeram um faturamento monstruoso e esperado porque eles
sabiam que fariam esse faturamento. E, na verdade, o Cirque du Soleil não é o primeiro caso. Já fui
a vários espetáculos de teatro que não há platéia porque o cidadão acha que ele só vai convidar
bacanas e vai vender o resto dos ingressos a R$ 300. O que aconteceu com o Cirque du Soleil é
como ele vendeu tudo em 24 horas e foi capa do jornal, virou um problema; era só fazer conta e se
via que ele tinha faturado não sei quantos milhões de dólares. Então faltou o que chamamos de
distribuição democrática e de contrapartida para a sociedade.
Fernando Schüler: Concordo totalmente, exigir maior democratização, mais acesso, mais entrada
gratuita, aperfeiçoar os critérios de retorno público, acho importantíssimo. Só que há uma
dificuldade em gerar um padrão de julgamento de projetos que diferenciem projetos de mercado e
não-mercado. A lei de incentivo não é para projetos que se sustentem no mercado, daí criam
empréstimos, então, com condições de crédito. Ninguém conseguiu fazer isso direito ainda: dar
empréstimo, dar crédito. Mas como um conselho, uma CNIC, técnicos tão bem formados na INAP,
conseguirão distinguir o que tem e o que não tem mercado? Porque o mercado, em grande medida,
é o futuro, é incerteza. Estou apenas ressaltando, não há solução para isso. Mas ampliar os critérios
de democratização é sensacional. Para finalizar, a lei de incentivo, é uma operação de mercado de
três agentes: o governo, que estabelece parâmetros gerais, além dos agentes que propõem projetos e
os patrocinadores. Tenho uma visão um pouco liberal sobre a lei de incentivo. Nós não temos que
criar muita regulamentação, apertar demais. A lei de incentivo é um braço da política cultural de
mercado que serve para fomentar um certo tipo de projeto que não é nem o experimental, aquele
que não tem nenhum tipo de mercado, que precisa de um fundo, como o Fumproarte, e nem para
projetos que já tem mercado e precisam de crédito. É uma zona intermediária de projetos que tem
algum mercado. São os quase-mercados. Aí devemos, com bastante liberalidade e agilidade,
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conduzir a lei. Para terminar, Cícero, eu gostaria de dar as minhas três sugestões de modificações da
Lei Rouanet. Primeiro, a Lei tem um sério problema de concentração. A Lei é concentrada
regionalmente e não mudou, os dados mostram que o Sudeste continua na faixa de 70%, 75%, e as
outras regiões na faixa de 20%, 25%. Pelo menos nos últimos cinco anos não mudou. Claro, como
sou do Sul, eu poderia estar interessado em uma intervenção do Estado e dizer: deve-se investir no
Sul. Agora, uma empresa que está em São Paulo, o Bradesco, por exemplo, financia a exposição do
Picasso, coloca R$ 6 milhões. Poderia dizer ao Bradesco que só iria investir R$ 6 milhões na
exposição do Picasso se colocasse também, no mínimo, mais 30% desse valor em outra região. Ou
criar tetos por região: preencheu o teto do Sudeste, agora não pode aprovar mais projetos, agora vai
para o Sul. Teria que se discutir o que de fato queremos por lei, por uma ação objetiva do Estado,
descentralizar regionalmente, que não desestimulasse os incentivadores do centro do país, Rio e São
Paulo, para que continuassem investindo. Os gaúchos podem ensinar alguma coisa aos brasilienses:
é a concentração dos incentivadores. Eu tenho aqui a lista dos 100 maiores incentivadores do Brasil,
até o centésimo incentivador, que é a Monsanto, já vai a R$ 990 mil, ou seja, 100 incentivadores
dos 2.400, foram a mais de R$ 1 milhão. O resto começa a cair. Porque esses 4%, limitadores do
Imposto de Renda devido, são muito baixos para a média e pequena empresa. A Lei Rouanet é uma
lei para grandes empresas. A verdade é essa. Porque as pequenas e médias empresas não têm
volume para incentivo. No Sul, temos a experiência da reformulação que foi feita na LIC criando os
escalonamentos, que todos conhecem. Vou sugerir para a Adriana e para a Cristiane: é uma briga
com a Receita Federal, mas tem que criar um escalonamento. Empresas com um faturamento,
podem ver por imposto de renda devido, até uma certa faixa, vai nos 4%, outra faixa vai a 6%, outra
faixa a 8% e aí sim desconcentra. Desconcentração também é desconcentração de incentivadores.
Seria uma pequena revolução na Lei Rouanet. Criar os escalonamentos como temos na LIC, que
funciona porque desconcentra. A segunda mexida que sugiro é lei de incentivo deve ser uma lei de
parceria e a Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual em parte não são leis de parceria. É um tabu nas
leis de incentivo no Brasil. Eu sou totalmente contra esse Artigo 18, que criou um vício, um
problema de equidade. Ninguém me explicou porque um livro de artes é mais importante que um
museu de artes. Para fazer um livro de artes, se ganha 100%. Para um museu de artes se ganha 30%,
mais a despesa. Se faço um museu de arte de arquitetura nova eu coloco no Artigo 26, se eu faço
um livro de artes, ninguém explica. Tenho aqui um dado que diz o seguinte: nós investimos em
2005 exatamente R$ 71,8 milhões em edições de livros e R$ 71,2 milhões em patrimônio
arquitetônico. Patrimônio arquitetônico é mais caro, mas se investiu mais em livros, porque em
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livros de artes do que em patrimônio arquitetônico no país inteiro. Por quê? Porque as empresas
estão viciadas em Artigo 18. Numa empresa, apresento um projeto de Artigo 26 e um projeto de
Artigo 18, o que ela vai querer? A área de marketing até pode querer, mas a da contabilidade, nem
pensar. É uma razão metafísica em que alguns setores culturais entram e outros não entram. A Lei
do Audiovisual... É um absurdo planetário que o governo ponha 100% e dê ainda de brinde 25% à
empresa para patrocinar o filme. Não é para o produtor, é para a empresa. Só no Brasil... A ONU
creio que não leu essa parte do sistema brasileiro, senão teria tirado a medalha porque não há lógica.
Devemos discutir no Brasil, nos próximos anos, uma readequação do sistema que cria uma
ilogicidade absoluta. No Artigo 18, você põe 100% do valor apoiado, dentro dos 4% do imposto de
renda devido. Isso dá um certo valor. No Artigo 26, você põe só 30% do valor apoiado no projeto
dentro dos 4%, logo fica 2,6% ou 2,7% o valor que a empresa põe. Quase triplica o valor realmente
apoiado pela empresa desde que ela opte pelo Artigo 26. Ela põe a contrapartida de 36%, mas ela
quase triplica. Certo? Por isso muitas empresas como a Gerdau, por exemplo, o próprio Itaú, optam
pelo Artigo 26. O Artigo 18 é ineficiente para nós do setor cultural, daí o vício das empresas. E, por
último, a minha terceira e última recomendação para a mudança da Lei Rouanet: Ela estimula o
consumo cultural e não a poupança. O Ministro Gil concordou na época, de introduzir os fundos de
Endowment. Os grandes centros culturais norte-americanos vivem de Endowment, é uma grande
fonte. Uma fundação velada pelo Ministério Público quer apresentar um projeto de R$ 2 milhões,
R$ 3 milhões para captar recursos para formar um Endowment para o futuro, não pode porque tem
que apresentar uma planilha para gastar o dinheiro. Nós investimos no gasto cultural e não na
poupança para o futuro. Na contramão do que se fez historicamente no mundo anglo-saxônico. Por
isso eles têm instituições muito ricas e nós vivemos sempre captando no curto prazo. Obrigado.
Adriana Moreira: Vou tentar comentar de uma forma bem objetiva o que foi exposto aqui. Mas o
Decreto foi publicado e entrou em vigor dia 26 de abril de 2006. Ele trata de vários pontos e,
portanto, deve ser regulamentado, isso está previsto no Decreto. E existe um prazo para a
regulamentação, então, muitas coisas não foram implementadas porque estão sendo
regulamentadas. Por exemplo, o financiamento reembolsável. E, algumas coisas já estão em fase de
implementação, os próprios editais, por exemplo. Eu vejo várias reuniões lá, justamente para
regulamentar e precisa-se de discussões a respeito. Nós não vamos regulamentar de qualquer forma,
e aí gerar mais distorções ao invés de diminuí-las. O decreto foi pensado, junto com a sociedade.
Como foi falado houve fóruns para discussões, para levantamento do que seria importante, do que
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alterar, mas, como tudo, precisa-se de um tempo para se avaliar. Qual o impacto do decreto hoje?
Realmente, não se vê o impacto daqui a dois anos. Mostrei, por exemplo, o número de
incentivadores de 1994, após três anos de criação da Lei Rouanet. Eram números baixíssimos, por
exemplo, na Região Sul inteira você tinha apenas três empresas que patrocinavam. Hoje quantas há?
Mas por quê? Porque se necessita de tempo para as pessoas tomarem conhecimento, para que tudo
seja implementado. Eu não estou dizendo que o Decreto terminou com todos os problemas. Não
quero iludir ninguém, mas o decreto teve sim impacto. Muitas pessoas falam do Cirque du Soleil.
Realmente, as coisas devem ser debatidas, devem ser discutidas. É recurso público e por isso a
sociedade tem que se questionar se essa é a prioridade do interesse público. Mas o que pouco se fala
é que, após o decreto, o projeto do espetáculo do Cirque du Soleil foi vetado. E a partir do Decreto
5.761, o projeto que não apresentou um plano aceitável de democratização, foi rejeitado por não
atender os requisitos legais. Devemos olhar os dois lados. O que tem de bom, o que tem de ruim e
esperar um pouco porque tem muita coisa a ser regulamentada por instruções normativas que já
estão sendo trabalhadas e, daqui a alguns anos, após a regulamentação, analisar essas distorções. As
discussões no Ministério continuam principalmente em relação à concentração regional. O Norte é a
região que menos consegue captar recursos, até por uma questão do modelo de financiamento. Por
exemplo, através de recursos da iniciativa privada, só podem patrocinar, incentivar projetos
culturais, as empresas tributadas com base no lucro real, que são três tipos: o lucro real, o lucro
presumido e o lucro simples. As empresas que são tributadas no lucro real são as grandes empresas.
E onde estão as grandes empresas? Estão no Sudeste, estão no Sul. Não estão no Norte. Então, a
concentração faz parte da formulação de como são feitas as coisas, mas isso não significa que não
possa ser corrigido. Existem discussões internas a respeito e, a questão dos subtetos que o Fernando
citou, é discutido no Ministério. Há pouco fiz uma nota técnica para o Ministério do Planejamento,
ressaltando a questão do percentual mínimo de pessoas físicas e empresas que incentivam. Por
exemplo, apenas 1% das empresas com potencial de investir, ou seja, que são tributadas no lucro
real, incentivam projetos culturais. E as outras 99%? Ou seja, há um potencial gigantesco. Pessoas
físicas são a metade desse percentual. São 0,5% das pessoas físicas que declaram imposto de renda
e incentivam projetos culturais. Isso mostra que existe um potencial gigante. Mas por que isso
ocorre? Porque a Lei não é muito conhecida, porque o percentual limite de 4% para pessoa física é
um limite reduzido, enfim, existem várias explicações, vários debates. Tudo está sendo discutido no
Ministério. As coisas precisam de um certo tempo para serem feitas. Creio que o Decreto foi um
passo, importantíssimo e, depois que for regulamentado, vai se mostrar isso. Enfim, as correções
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continuam e talvez outros problemas surjam, mas vamos tentando corrigir as distorções do modelo
de incentivo.
Cícero Aragon: Vou passar para as perguntas. Pergunta do Jaime Lerner, e ele está dirigindo para a
mesa: “Vocês acham que as leis de incentivo realmente incentivam o apoio da iniciativa privada à
cultura, ou seja, se um dia tirarem o benefício fiscal das empresas, elas continuarão investindo?”
Cristiane Olivieri: Sou de uma geração que trabalhava com cultura quando não existia a lei de
incentivo à cultura. E, naquela época já havia uma série de empresas que financiavam a cultura.
Claro, creio que você depende da vocação da empresa, mas eu acho que o próprio conceito de
responsabilidade social hoje é muito forte dentro das empresas para que elas contribuam dentro da
comunidade nas suas ações sociais, culturais, artísticas, etc. Agora, o incentivo fiscal federal que
existe hoje está criando um vício na relação das empresas porque, se antes tinha um papel
formativo, ou seja, de formação das pessoas, em que elas colocavam o dinheiro de patrocínio,
experimentavam aquele mecanismo e viam que era bom para a comunicação e continuavam
investindo, hoje as empresas se posicionam, inclusive as estatais, ou principalmente as estatais, em
“ou você tem um projeto de 100% ou não lhe damos a verba”. Então, creio que isso cria um vício.
Eu concordo com o Fernando, é nefasto: se for para dar 100% de incentivo, que dê o dinheiro
direto, não tem que passar pela empresa, pela comunicação, pelo diretor, pela logomarca, etc. Mas
qualquer mudança, e essa foi uma discussão que foi feita com o Ministério, quando for feita e se for
feita deverá ser em médio prazo. A partir do ano que vem temos 100%, em 2007 só temos 95%, em
2008 só temos 90%. Porque existe hoje uma classe inteira de produção cultural que vive disso, que
é viciada nisso, e uma porção de empresas que hoje têm 10 anos que não conhecem o Brasil sem a
lei de incentivo fiscal, que não sabe fazer uma produção sem um apoio de um patrocinador. Então,
precisamos começar a educação ao contrário para poder mudar.
Fernando Schüler: Eu só ia propor inverter, em vez de ir de 100 para 90, para 80. Extinguir o
Artigo 18, trabalhar só no Artigo 26 e, em vez de 30%, ir para 60%, exatamente para não perder o
fator de multiplicação.
Adriana Moreira: Nesse ano foi feita uma pesquisa pela Articultura, que mostra que 75% dos
recursos aplicados em projetos culturais são por causa da lei de incentivo, somente. Então, o que
significa? Que 25% não usa, necessariamente. Algumas empresas vão além do limite da sua
dedução fiscal para incentivar projetos culturais porque, quando uma empresa procura um projeto
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cultural para incentivar, não está interessada somente na renúncia fiscal, obviamente, ela está
interessada no retorno de marketing, na valorização da sua marca. Até no produto cultural que ela
pode ter gratuitamente para distribuir entre seus funcionários, ou para quem ela quiser e, a partir daí
estabelecer relacionamento, melhorar a imagem da empresa perante dos seus funcionários, enfim,
existe uma série de motivos pelos quais as empresas incentivam projetos culturais. Então, por esses
motivos algumas continuariam incentivando, mas certamente, o volume de investimento seria muito
inferior e talvez até houvesse migração desses recursos para outras áreas cujo retorno de marketing
fosse mais imediato, mais visível. Talvez a área de esportes. A questão do Artigo 18 e do Artigo 26,
deve haver uma contrapartida das empresas, ou seja, não deve ser dado 100%, mas a discussão
tende a se acalorar porque outros setores, como o de esportes, o de meio ambiente, também têm
tentado conseguir leis de incentivo. Existem projetos de leis tramitando no Congresso Nacional para
tal. Então, provavelmente, futuramente ainda teremos esse complicador de uma competição, de uma
concorrência pelos recursos entre diversos setores como a cultura, meio ambiente, esportes, etc.
Temos que levar tudo isso em consideração quando formos mexer na lei.
Cícero Aragon: Bom, eu vou para as últimas duas perguntas, porque o tempo realmente está se
esgotando. Aqui, do Fernando voltando ao Cirque du Soleil, para evitar problemas e polêmicas
quanto ao incentivo a produtos culturais com fins lucrativos e auto-sustentáveis, não seria
interessante o governo criar um mecanismo de reembolso, um percentual dos lucros com limites até
o valor incentivado, lembrando que o governo é um parceiro acionista do bem cultural? O
Ministério poderia responder essa questão.
Cristiane Olivieri: O mundo real demonstra que a receita de bilheteria, de livros, etc, não são
formalmente declaradas. Então, até poderia se dizer: ok, 10% vai para o Ministério. Mas o que
muda muito mais é um controle de acesso, quer dizer, ser obrigado a disponibilizar “x” por cento da
sua bilheteria a preços populares, “x” ingressos gratuitos para ONGs ou comunidades
representativas de determinadas profissões, com isso, você já vai derrubar essa receita
imediatamente: vai mexer na ponta final e, em segundo lugar, vai dar acesso, o que é um dos
grandes objetivos. Vi uma declaração do próprio Juca que é interessante. Ele diz: se houvesse um
incentivo no Ministério da Saúde, seria para cuidar do doente, não seria para dar emprego ao
médico. Então, se há um incentivo à cultura é para dar acesso da população à cultura, não é só para
fazer a produção acontecer. O Ministério da Cultura não tem nenhum controle de quem freqüenta a
produção cultural incentivada. Eles não sabem, se o teatro estava lotado, se o teatro tinha 50% de
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pessoas ou se não havia ninguém lá dentro, ou seja, o Ministério deveria fazer uma campanha
nacional depois que implementarem o Decreto dizendo: você, público, quando abrir o jornal e na
divulgação tiver um logo do Ministério da Cultura dizendo que o projeto é incentivado, vá até a
bilheteria e procure preços populares, procure ingresso especial para o músico profissional, para o
dançarino profissional, para o artista profissional. Na hora que você conscientiza a população, faz
com que a regra seja cumprida, mas a verdade é que nacionalmente é impossível ter esse controle de
como esse acesso acontece.
Cícero Aragon: Tu queres responder também?
Adriana Moreira: Não, só gostaria de fazer um pequeno comentário. Temos que ter em mente que
a questão da renúncia fiscal passa pelo Ministério da Fazenda, é ele quem decide o teto, quem
permitiu que a lei fosse criada. Diminuir o percentual de dedução fiscal seria mais viável que um
retorno às vistas do Ministério da Fazenda, que estará deixando de arrecadar recursos das empresas,
das pessoas jurídicas, para elas incentivarem projetos culturais.
Cícero Aragon: Bom, vamos para a última pergunta, do Paulo Leônidas. “Qual a verdadeira
dimensão econômica do patrimônio cultural do Brasil e a participação percentual dos anabolizantes
fiscais?”
Adriana Moreira: Do quê?
Cícero Aragon: Dos anabolizantes fiscais.
Adriana Moreira: Existem poucos dados a respeito da cultura no Brasil. Atualmente o Ministério
está, em parceria com o IBGE e o IPEA, com o IBGE, para conseguir dados sobre cultura,
percentual de PIB e, com o IPEA, para fazer estudos em cima desses dados. Temos poucos dados a
respeito da cultura, até pela difícil mensuração, pelo conceito novo de Economia da Cultura, do
impacto que a cultura tem, não só diretamente na sociedade, nas pessoas que trabalham nos
projetos, mas também sobre o turismo. O impacto da cultura no turismo é fortíssimo. Temos
exemplos como Ouro Preto e Olinda. O impacto nas relações exteriores também é muito grande. Na
medida em que se expande a cultura no mundo, o aumento do consumo de produtos brasileiros
aumenta. Vimos isso no ano do Brasil na França em que a cultura brasileira foi mostrada
exaustivamente na França e o gasto dos franceses em produtos brasileiros quadruplicou. Enfim, são
diversos os efeitos da Cultura sobre a Economia, então, não se tem ainda dados concretos,
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confiáveis a respeito disso levando todas essas variáveis em consideração. Quanto à renúncia fiscal,
é muito baixa em relação ao que se arrecada, é baixíssima, até porque o limite para cada empresa é
de 4% do imposto devido. Esse imposto devido só considera os 15%, não considera os 10%
adicionais que ficam para a Receita. E, somente 1% das empresas que poderiam incentivar acabam
incentivando. Então, tem esses dois fatores, tendo a renúncia fiscal um valor muito baixo em
relação à arrecadação do governo federal.
Cícero Aragon: Antes de encerrar, quero lembrar que na seqüência temos o painel “Os 10 anos da
Lei de Incentivo à Cultura: Perspectivas para o Fundo de Apoio à Cultura do RS”, em que estará o
nosso secretário estadual da cultura Victor Hugo; Guilherme Castro, que é presidente do Conselho
Estadual de Cultura; e Paulo Fernandez, que é da Associação dos Produtores Culturais do RS, com
a mediação de Flora Leães. E, na sequência, nós temos o Zeca Zimmerman, que é ouvidor da
Ancine, a agência nacional de cinema e que vai estar aqui para falar sobre ela, trazendo números e
informações e, principalmente, ouvir sugestões que possam melhorar seu trabalho. Quero agradecer
a presença dos nossos colaboradores, começando pelo nosso gaúcho Fernando, agradecer a Adriana,
agradecer a Cristiane.
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SEMINÁRIO MECENAS NA REPÚBLICA
O financiamento público à cultura
Painel 3. Os 10 anos da Lei de Incentivo à Cultura. Perspectivas para
o Fundo de Apoio à Cultura do RS.
Debatedores: Victor Hugo – Secretário de Estado da Cultura.
Guilherme Castro – Presidente do Conselho Estadual de Cultura.
Paulo Fernandez – Assoc. Produtores. Culturais do RS.
Mediadora: Flora Leães – Presidente da Comissão de Avaliação e Seleção do Fumproarte
Dia 24/10/2006 às 16h.
Flora Leães: Nós passaremos ao painel “Os 10 anos da Lei de Incentivo à Cultura. Perspectivas
para o Fundo de Apoio à Cultura do RS”. Fazendo parte desse painel temos o Senhor Secretário de
Estado da Cultura, Victor Hugo; Presidente do Conselho Estadual da Cultura, Guilherme Castro; e
o representante da APCRS, Paulo Fernandez. Nós vamos iniciar. Com a palavra, o Senhor
Secretário da Cultura, Victor Hugo.
Victor Hugo: Quero cumprimentar a todos que participam desse encontro, saudar os promotores
dessa iniciativa, por proporem esses momentos de debate e reflexão que acontecem desde a manhã
de hoje, têm continuidade agora e ainda no transcorrer do dia de amanhã. Fazendo balanços do
ponto de vista conceitual e estabelecendo até mesmo metas, como é o caso da discussão muito
particular que terá amanhã nesse encontro, a possibilidade de que Porto Alegre venha a ter também
uma lei de incentivo a partir de renúncia fiscal, que é uma demanda bastante antiga da comunidade
da capital. Gostaria de dizer da minha satisfação de reencontrar particularmente a minha estimada
Flora Leães, pessoa que está no nascedouro da discussão teórica e da implementação da Lei de
Incentivo à Cultura do Estado. Fico a recordar aqui o período em que, na gestão em que a Secretaria
era comandada pelo secretário Carlos Appel e posteriormente pelo secretário Nelson Boeira. Somei-
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me àquela sendo diretor do Instituto Estadual de Música e lá vi os primeiros passos mesmo: qual era
a sala, qual era a assessoria, estagiários, estagiárias, enfim, todos os procedimentos iniciais de
implementação da Lei de Incentivo à Cultura, da Lei 10.846, que completou em agosto deste ano os
seus primeiros 10 anos de funcionamento. Então, a minha alegria, Flora, de te reencontrar e, por
dever de justiça, fazer o reconhecimento do quanto tu foste fundamental para os primeiros passos da
iniciativa. Saudação ao presidente do Conselho, o cineasta Guilherme Castro e cumprimentar os
demais integrantes do Conselho Estadual de Cultura. Dizer da nossa satisfação, Guilherme, de já
termos feito em agosto deste ano, de uma forma conjunta, unificada, paritária, eu diria, uma
discussão sobre a matéria específica da LIC que foi levada a efeito na Casa de Cultura Mário
Quintana e que assinalou, portanto, os 10 anos de funcionamento do sistema. Uma avaliação
conjunta de quem deve estar atuando de forma conjunta: o Conselho, como órgão de Estado, e está
expresso na nossa constituição, e a Secretaria, como órgão de governo e o órgão gestor
propriamente dito das linhas de financiamento que se abrem. A alegria de ver que esse assunto
continua na pauta dos noticiários, não só nas nossas vidas, mas na pauta da comunidade cultural.
Até mesmo a Assembléia Legislativa, na Comissão de Educação e Cultura, comandada pelo
deputado Adilson Troca, por proposição do deputado Kalil Sehbe discutiu essa matéria. A
Secretaria foi convidada e lá estivemos. Na ocasião, eu dizia que em boa hora via o parlamento
preocupado com os desdobramentos desses 10 anos da LIC, que é uma lei de iniciativa do Poder
Executivo. Antes mesmo da LIC, houve uma iniciativa de proposição que começou no mandato da
Deputada Jussara Cony e que depois agregou outros parlamentares à época, deputados Marcos
Rolim, Valdir Fraga, Francisco Turra, João Augusto Nardes, ainda na gestão do Governador Alceu
Collares. A iniciativa da Jussara foi a primeira a trazer essa discussão, amplamente discutida com a
comunidade cultural, resultando em uma lei que a Assembleia aprovou e que foi vetada pelo
governador Collares. A Assembleia promulgou a lei, mas ela não se efetivou porque matéria que
envolve os impostos tem o chamado vício de origem, é iniciativa exclusiva do governo, não da
Assembleia. A idéia maturou de tal forma que o secretário Appel, no governo Antônio Britto,
trabalhou os dois primeiros anos daquela gestão e maturou a ponto de termos a lei que, mandada
pelo Executivo, foi aprovada pela Assembleia. Foi positiva a discussão no âmbito da Comissão de
Educação e Cultura. Lá comparecemos também. E saudar o braço, eu diria, de representação da
sociedade civil e dos fazedores, os verdadeiros operadores desse sistema público, dessa cadeia
produtiva que é a Associação dos Produtores Culturais. E aqui também, em um exercício de
regressão, eu fico lembrando os primeiros passos, quando a Flora, naquela migração que houve na
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gestão de 1998 para 1999, no governo do Estado, recebia os apelos da comunidade cultural. Eu vejo
aqui o Henrique de Freitas Lima e lembro que também estive naquele contexto em que os
produtores culturais buscavam salvaguardar este modelo de lei de incentivo. Feitas essas
considerações, cumprimento a todos aqui. Saliento a presença da Andréia Guedes, coordenadora do
sistema LIC atualmente, que assumiu no período em que eu assumia a titularidade da Secretaria. E
vou fazer as primeiras considerações que, de certa forma, são convergentes com o Conselho, mas
que não podem faltar na fala de um Secretário de Estado com a representatividade do cargo que
possuo, a de que política cultural não é, necessariamente ou de forma reducionista, sinônimo de
LIC. Política cultural é algo mais amplo do que isso e da forma como trilhei meu caminho na vida
cultural aprendi que o ideal seria que tivéssemos um modelo conjugado de financiamento público e
paritário com renúncia fiscal e orçamento. É de uma distancia entre o ideal e a realidade que não só
o secretário Victor Hugo tem, os secretários que me antecederam e, provavelmente, aquele ou
aquela que me suceder a partir de janeiro também terá. Uma dificuldade do ponto de vista de
execução orçamentária para estabelecer uma linha de financiamento, seja para a própria Secretaria,
seja para a comunidade cultural. Mas o que quero dizer é hoje, de certa forma, a nossa política
pública de financiamento e a LIC, particularmente, reproduz uma brincadeira que todos nós
fazíamos no parquinho de diversões e hoje eu faço com os meus filhos: a brincadeira da gangorra,
quando senta um aqui, está tudo lá em cima, ou vem outro para cá e fica tudo alternado. E o melhor
seria que tudo fosse equilibrado. A política pública de financiamento antes da LIC era uma, depois
da LIC é outra, mas creio que ainda não é o ideal no momento em que temos R$ 28 milhões de LIC
e os recursos orçamentários da Secretaria minguados. Minguados a ponto de eu próprio, quando
assumi a titularidade, ter uma briga pesada, o pessoal do cinema e das artes cênicas sabe disso, e ir
junto ao setor de planejamento da Secretaria da Fazenda, a ponto de retomar o que deveria ter sido
permanente, que são os prêmios de curta metragem e os prêmios de artes cênicas. Porque de certa
forma, a velocidade com que andam as linhas de financiamento da LIC, parece que serve de
desculpa para amortecer o que deveria ser obrigação do Estado, da própria Secretaria. Sem dúvida
alguma, quando se está em um ambiente desses, há outra questão conceitual que antes de eu estar
secretário sempre ouvi dos meus iguais, dos agentes culturais, que é o Estado que, de certa forma,
fica reproduzindo dois papéis, o de quem concede e o de quem ganha o financiamento público.
Desde um bom tempo essa discussão está maturando, onde o próprio nascedouro da lei de incentivo
que previa que pudesse financiar as ações da Secretaria, veio se moldando para ir para a
comunidade cultural. Mais cedo ou mais tarde, a palavra de ordem do dia de qualquer secretário,
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será essa, pressionada legitimamente pela comunidade cultural que não consegue mais entender
como o mesmo Estado que dá, recebe. Agora, no ambiente da lei e no Estado democrático de direito
vale a lei, somente ela, e não é proibido. Digo aqui, sendo que esta é a primeira vez que encontro a
comunidade cultural passado o primeiro turno, embora estejamos aí a um passo da eleição do
segundo turno, mas me sinto autorizado para fazer um comentário muito superficial, uma vez que o
governo que integro e o partido que pertenço não estão mais participando do segundo turno, eu
estava com expectativa de aguardar o processo de sucessão do governador Germano Rigotto para
propor, por iniciativa minha, como Secretário, um conjunto de ações que vinham no foco de
discussões que tínhamos no ambiente do Conselho, da própria comunidade e do meu olhar
particular em relação a isso. Nunca fui refratário, ouvi muitas vezes essa discussão de que o Estado
que dá não pode também ganhar. É um tipo de circunstância que se mudar, se estiver na hora de
mudar, tem que mudar na Lei, não na avaliação do Conselho, porque da forma como está a Lei hoje,
ainda é possível. E uma vez possível de protocolar, a Secretaria tem que fazer a análise técnica e o
Conselho tem que se pronunciar. Eu diria que, do ponto de vista conceitual, ainda temos um sistema
que padece de ser conjugado, sendo conjugado que seja paritário: o mesmo percentual de recursos
para a política cultural através de renúncia seja o de recurso orçamentário. E, sendo paritário, que o
Estado não seja competidor com quem recebe pelas leis de renúncia fiscal. Isso deve ser moldado,
devendo ser da própria dinâmica do processo cultural e do processo da gestão pública. E, nas muitas
entrevistas que concedi, desde que fui honrado pelo Governador Rigotto para o cargo, as pessoas
me perguntavam o que faz um secretário da cultura, e eu dizia que, dentre as coisas que tivesse que
fazer, um Secretário serve para diminuir distâncias e fazer uma ponte entre dois mundos muito
desiguais, como diz a música, “mundo tão desigual” do Gilberto Gil, mundos tão distantes, que é o
mundo do terceiro sinal, o mundo do “vai estrear”, “vai ficar bonito”, “vai rodar” ou “vamos
preservar um prédio”, esse mundo e o mundo árido, mas não irreal, da gestão pública. Costumo
citar uma frase que li: a gestão pública se pensa por escrito. Gestão pública vale o que estiver no
Diário Oficial, vale o que fica. E aí, entra outra questão que, desde que assumi a Secretaria, tem me
preocupado muito, que é o controle que o governo, o Conselho e a própria sociedade tem sobre os
recursos que são disponibilizados através dessa modalidade de financiamento da LIC. Posso
assegurar, com a experiência que tenho por ter trabalhado na secretaria, que em 1996 foi criada uma
roda para injetar recursos no setor. Deve ser valorizado, mas ela funciona em uma velocidade,
muitos gostariam que fosse maior, mas ela tem uma velocidade. E, do outro lado, deveria ter sido
criada uma roda onde o Estado tivesse controle sobre a injeção de recursos no setor. Nunca
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aconteceu. Nem no governo que criou, nem no governo que sucedeu aquele, nem no governo que
integro e imagino que o próximo governo, a ser instalado em janeiro, também terá essa dificuldade
do ponto de vista estrutural. E só vai se revolver quando tivermos a mesma velocidade de injeção de
recursos que não pode retardar porque não tem controle... Deve haver uma velocidade de injeção de
recursos, mas deve haver controle. E a falta de controle dos recursos da LIC é como se fosse uma
bomba relógio que, a qualquer momento, vai explodir. O que tem se visto ocasionalmente na
imprensa, em determinados casos com maior ou menor repercussão, passa longe da totalidade dessa
dificuldade. Projetos que não entregaram a prestação de contas, que tiveram suas prestações de
contas vencidas e outros que foram entregues, mas a Secretaria não dispõe de funcionários
suficientes, da forma como está estruturada, para homologar ou rejeitar isso, e, curiosamente, a roda
continuava funcionando. Pessoas que não entregavam projetos continuavam tendo projetos
aprovados e recebendo recursos. Ou pessoas que entregavam a prestação de contas e não era
homologada. O poder público deve estabelecer recursos e, do ponto de vista do ideal, tem que fazê-
lo de forma a abrir concurso público, não vejo outra saída. Assumi a Secretaria em meio a uma
véspera de processo eleitoral, quando as verbas já coíbem essa lógica de fazer concurso público, em
período pré-eleitoral, período de último ano de gestão. E este governo foi o primeiro que teve quatro
anos sob a Lei de Responsabilidade Fiscal. A Lei de Responsabilidade Fiscal, quem tem pretensão
de assumir cargo público deve saber de cor e salteado. É um conselho que dou porque vejo muitos
aqui com capacidade para ocupar postos públicos, assim como hoje, sem falsa modéstia, estou
dando a minha contribuição. Há muitas pessoas aqui que, por competência, por representatividade
na sua área de ação artística, cultural, podem vir a estar no serviço público. Mas, tem que saber de
cor e salteado a tal da Lei de Responsabilidade Fiscal que restringe gastos no último ano, estabelece
regras em cima dos gestores. Uma das coisas que a Lei de Responsabilidade Fiscal diz é que a
dívida do Estado em 1º de abril do último ano não pode ser superior em 31 de dezembro. Então,
termina o seu potencial de comprometimento de receita no dia 1º de abril. Está é a conversa árida, à
qual estamos, os gestores, vinculados, e que temos que saber. Creio que a Secretaria só poderá dizer
que está madura quando tiver concurso público específico para o cargo de contador, diplomado. Um
parlamentar tinha um projeto de lei dizendo que, antes de uma apresentação artística no Rio Grande
do Sul, deveria ter sempre um artista amador. E eu discuti: artista é profissão. Então, esse controle
também deve ser feito por contadores. Da forma como está estruturado, hoje com ex-funcionários
da Caixa Estadual, alguns CCs, estagiários, creio que são medidas não do campo do ideal. A
Secretaria só vai ter um controle mais efetivo quando tiver estrutura. E é uma tarefa que está muito
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próxima dos futuros gestores. Por fim, gostaria de dizer que, preocupados com isso, acompanhado
pela Andréia Guedes estive visitando o Presidente do Tribunal de Contas do Estado, o conselheiro
Sandro Pires e o Doutor Cesar Miola, que é o Procurador do Ministério Público Especial e que vem
levantando a questão do controle ou falta de controle dos projetos da LIC. Falei que, apesar do rigor
ter que continuar entendia que o Secretário deve fazer a ponte, porque, quando conversamos com a
Contadoria Geral do Estado e com o Tribunal de Contas do Estado, sinto uma distância entre o
mundo que eles conhecem e o mundo que eles pensam. Não resolve falarem em cultura, têm que
pensar em nosso processo. Porque um controle de prestação é bem diferente daquele sistema de
prestação de contas da CAGE e do TCE. Mas, a CAGE e o TCE agem nas suas prerrogativas: Deve
haver pontes para diminuir essas distâncias. E dizia, no Tribunal, que um produtor bem
intencionado... sim, porque eu quero esgotar a possibilidade de acreditar que os produtores são
honestos e bem intencionados, do ponto de vista da minha gestão, pode fazer um projeto seis meses
antes, irá tramitar e, no dia que rodar o filme, surge um problema e ele vai ter que gastar diferente
do projeto... Não é uma coisa estanque, é uma dificuldade, um desafio que estamos tendo para
mostrar ao TCE e à CAGE. Para poder fazer a ponte entre esses dois mundos, quero dizer que
pretendo realizar ainda nesse período em que comando a Secretaria um curso com a Escola de
Gestão do TCE. Foi uma idéia que surgiu dentro do Tribunal, nas reuniões que tivemos e que são
rotineiras. Já que há rigor ou que deveria haver rigor, na prestação de contas, que o rigor venha
acompanhado da orientação. Um curso com a Escola de Gestão do TCE, endereçado aos produtores
culturais e aos contadores das empresas que se beneficiam do sistema LIC. Bom, então, feitas essas
considerações, eu passo a palavra novamente à nossa mediadora. Obrigado.
Flora Leães: Em seguida, vamos passar a palavra para o presidente do Conselho Estadual de
Cultura, Guilherme Castro.
Guilherme Castro: Muito obrigado. Boa tarde a todos, quero agradecer o convite para mais uma
vez conversarmos porque, neste ano, a gente tem conversado bastante, temos feito muitas
discussões sobre a LIC em diversos eventos e também internamente no Conselho. E apesar de que
às vezes parece que as coisas demoram muito mais do que gostaríamos, mas, ao mesmo tempo
conseguimos ter um distanciamento e vemos que vamos achando alguns caminhos, algumas
soluções e tentando apontar perspectivas melhores. Queria dar o testemunho que, neste ano, nós
tivemos na Secretaria uma boa parceria, no sentido de conversar abertamente, dialogar com clareza
sobre as questões da LIC, e algumas coisas conseguimos fazer juntos. Também conversamos
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bastante com os produtores culturais e tivemos várias oportunidades de colocar na mesa muitas
vezes problemas, mas pelo menos aumentando a transparência, aumentando o nível de diálogo que
às vezes é menor do que o necessário. E essa discussão da LIC, quando o Fumproarte começou a
propor essa discussão, conversamos sobre isso e entendemos que a LIC faz 10 anos este ano, então
vamos aproveitar para discutirmos também o processo da LIC. Na verdade, o que estamos fazendo
aqui nós já começamos em reuniões que tivemos internamente, com a Federação das Associações
de Municípios (Famurs), algumas vezes; em Pelotas, com Conferência Municipal de Cultura; nessas
audiências que temos feito no Conselho de Cultura, recebendo semanalmente a comunidade cultural
e na audiência pública que fizemos em agosto, nos 10 anos da LIC. Muitas coisas foram levantadas,
e conseguimos entender um pouco melhor, pelo menos entendemos alguma coisa do cenário e, em
algumas coisas, conseguimos avançar. Do que foi dito aqui, na boa discussão da mesa anterior, e há
um paralelo evidente, se falava anteriormente em lei de incentivo à cultura do governo federal e
muito daquelas discussões se repetem e se aplicam à lei de incentivo estadual, nós sabemos. E uma
das coisas que o debatedor anterior citou e, sou obrigado a concordar: “vamos com calma quando se
fala em mudança da lei". E eu, nesse tempo de discussão, também posso dizer: temos que ter
cautela e não sermos apressados em alteração da lei porque, às vezes, uma idéia que parece ser
excelente, se tomar a decisão com pressa, daqui a uma semana, a coisa amadurece e, de repente, não
era bem assim. Também aprendemos nesse tempo. Vamos avaliar com calma porque às vezes temos
que olhar um pouco mais profundamente, com mais tempo e é demorado mesmo. Bom, entrando no
nosso tema, o Conselho de Cultura é um diferencial e, às vezes, não entendemos, mas a existência
desse organismo, desse órgão de Estado, criado pela Constituição, com a função de estabelecer
diretrizes para a política cultural, para o desenvolvimento democrático da cultura, e é isso que está
escrito na Constituição do Estado, para fiscalizar a aplicação e a execução de projetos culturais no
âmbito dos recursos públicos do Estado, com a constituição de dois terços de representantes da
sociedade civil e um terço de indicações do governo, coloca-nos em um patamar. Em um sentido de
gestão da cultura mais democrática, tem o sentido de torná-la mais institucionalizada, de trazer em
primeiro plano o sentido de legalidade. Quer dizer, isso vem da tradição democrática do nosso
Estado e, na verdade, este é um mérito que temos. Discute-se em nível nacional a criação de
conselhos de cultura e se defende que os conselhos sejam paritários, entre sociedade civil e
governo. E aqui, no Estado, temos essa representação. Esses dois terços de conselheiros eleitos pela
comunidade cultural devem se articular para eleger conselheiros e ter um nível de articulação com
os conselheiros que são seus representantes. No sentido de dialogar, de saber o que está
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acontecendo, de entender quais são os processos que se dão dentro do Conselho. Quando a LIC é
criada, na Lei 10.846, também sabiamente é dado ao Conselho de Cultura a decisão final com
relação aos projetos culturais na avaliação de mérito e a decisão final. Isso evitou e rompeu com
uma tradição da cultura política brasileira que é o recurso público dado em gabinete, no “canetaço”,
para quem tem mais influência política. Então, a decisão é dada por um conselho que é um
colegiado de 24 conselheiros e que tem que emitir a decisão em pareceres escritos e justificados.
Qual a decisão, porque recebeu recursos, porque não... São documentos públicos. Estamos partindo
desse nível e eu desconheço, não consigo imaginar um mecanismo melhor para decidir recursos
públicos, que é o caso da LIC, onde o Conselho se manifesta por pareceres e resoluções. Com
relação à LIC, é feita uma avaliação de mérito que observa qual é a densidade cultural que tem o
projeto: se é de natureza cultural ou se não é de natureza cultural, qual o benefício cultural que traz
para a sociedade. Quer dizer, se evita passar projetos como o de uma associação privada de classe,
por exemplo, que resolve editar um livro ou fazer um filme sobre a sua associação e que pede a lei
de incentivo. O Conselho de Cultura avalia e diz: não, isso não tem mérito cultural. A mesma coisa
é feita no Fumproarte. Projetos que chegam lá, e é muito semelhante o processo, o projeto é cultural
ou não, não é cultural. Esse é o sentido de ter a avaliação.Os critérios que o Conselho de Cultura usa
não são critérios estanques, e creio que não devem estar escritos detalhadamente, porque devem ser
dinâmicos: a realidade muda, os projetos culturais mudam. Daqui a pouco surgem novas demandas.
Impossível querer reduzir as iniciativas culturais em meia dúzia de disposições escritas, mas são
critérios, mais princípios, que estão dispostos na Constituição do Estado onde diz que deve haver
desenvolvimento democrático da cultura. Significa que o Estado deve atender às diversas regiões e
fomentar a cultura, através da LIC, na própria Lei que a criou, que também repete esses mesmos
princípios e em resoluções do próprio Conselho. Alguns critérios que são usados e que depois têm
que estar escritos no parecer: distribuição dos recursos para todas as regiões do Estado e para todos
os segmentos culturais, para não haver concentração, fomento, que a atividade cultural financiada
desenvolva a cultura; que não seja apenas um evento que acontece e não deixa raiz, sua importância
para aquela comunidade... Creio que é isso: se aquele evento tem realmente relevância para aquela
comunidade ou foi alguém que chegou ali com o projeto e vendeu para o prefeito dizendo: ah, com
isso nós vamos lá, pegamos a LIC e se faz esse evento, e, no final aquilo não tem importância para a
comunidade. Às vezes custamos a dar-nos conta do que está acontecendo e, lá pelas tantas,
percebemos que não, esse projeto não tem raiz naquele lugar e está sendo vendido como um caça-
níquel qualquer. O Conselho tem que observar: não, o projeto não tem importância para a
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comunidade. E significa mérito cultural. Outros critérios que são importantes também, como a
questão da participação de outros parceiros. Há muitos projetos do interior. Hoje, 70% dos projetos
que entram pedindo recursos da LIC são do interior do Estado, e em torno de 70% dos
contemplados são do interior. Há uma equivalência, não é? Observamos se aquela prefeitura está
participando do projeto, se está entrando com algum recurso, se a comunidade está participando, se
está envolvida no projeto. Exemplo: projeto de restauro da igreja tal, queremos saber se a
comunidade está fazendo campanha para arrecadar recursos, está vindo dinheiro de outra parte ou é
tudo via LIC? Também são critérios levados em conta. Além da questão evidente da qualidade
intrínseca do produto cultural, se é um projeto bem feito do ponto de vista da atividade artística que
vai desenvolver, se é criativo, inovador, se tem consistência cultural. Alguns dos critérios que
devem ser observados e colocados no parecer e podem ser questionados. Várias pessoas que estão
aqui já o fizeram, no Conselho ou em outros órgãos, e sempre é uma avaliação subjetiva, é uma
avaliação de risco. Sempre há erros e a questão é tentar acertar o máximo possível, porque a coisa é
complexa. Na audiência, nós começamos o processo de avaliação e nós, conselheiros,
representamos segmentos culturais, ou seja, agora eu estou no Conselho, mas antes já tive projeto
cultural avaliado. Quando começamos a participar da LIC, muda a perspectiva, porque, ao colocar
um projeto tu só enxergas o teu projeto, que parece que é o único no mundo. Mas, quando se está
em um conselho de cultura devemos avaliar o conjunto. É bem diferente. Mas, assim que
começamos a participar do Conselho, levantamos algumas coisas de maneira bem forte. Uma delas,
por exemplo, é a prestação de contas. O Conselho parou de conceder benefício se não havia
prestação de contas, se aquele proponente não estava em dia com ela. E havia problemas graves,
assim como há prestações de contas abertas e muitos recursos em que elas não foram feitas Esses
proponentes não estão mais recebendo. Não estão mais sendo aprovados projetos desses
proponentes. Foi uma decisão do Conselho. A Secretaria foi sensível, parceira, e houve uma
mudança nesse sentido. A primeira reunião que fui do CODIC, que é o Conselho de Dirigentes
Culturais da Famurs, o pessoal foi pronto... porque o Conselho não tinha muito por hábito dialogar,
estar presente, se abrir... E o pessoal foi pronto para atirar pedras. Levantei muitas críticas que
vínhamos fazendo ao próprio sistema LIC. Nós mesmos começamos a fomentar essa avaliação, e
levantamos os problemas. Convergimos às críticas, começamos a buscar juntos soluções e tentar
entender, pelo menos. Porque, às vezes, também não são tão sábias as críticas. Algumas questões
foram colocadas na audiência pública de agosto e nós estamos tratando no Conselho, e vão ficar
como uma resolução do Conselho, dando tratamento para cada uma das questões que foram
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levantadas. Só vou enumerar algumas, rapidamente, mas com certeza o problema mais premente é a
questão da limitação de recursos. Estamos sempre trabalhando com uma faixa de R$ 28 milhões por
ano, enquanto que a lei que cria a LIC fala em 0,5% da receita líquida do ICMS, que daria em torno
de R$ 50 milhões, ou seja, o recurso que vem sendo destinado é um recurso inferior ao que a lei
determina. No ano passado, por exemplo, chegaram projetos avaliados pelo SATED no Conselho de
Cultura, no valor de R$ 119 milhões de reais, com demanda para um recurso de R$ 28 milhões. O
Conselho vem aprovando R$ 28 milhões. Isso enseja outra discussão que é com relação à captação,
uma discussão que nós temos que fazer e que não estou convencido nesse momento... Ou melhor,
estou abrindo a discussão dentro do Conselho, se nós não temos que aprovar a mais em função da
captação ser inferior ao que é aprovado. Fizemos a avaliação coletiva em cima do que o secretário
dizia, o que estava disponível, os habilitados: R$ 25 milhões. Então ficamos ali nos R$ 2,3 milhões,
por avaliação coletiva. O que significa mais ou menos metade dos projetos que dizemos ter mérito
cultural. Problemas estruturais que vão ficar na pauta da LIC. A LIC é uma ferramenta da
comunidade cultural e as questões não serão resolvidas de uma hora para outra, mas nós temos que
ter em perspectiva porque vamos continuar esse processo. Um problema estrutural da falta de
fiscalização dos projetos, e cabe ao Conselho de Cultura a fiscalização, mas não há absolutamente
previsão de meios para isso. Então, ninguém hoje do sistema vai fiscalizar a execução do projeto
que foi contemplado, não sabemos exatamente como está acontecendo. Não é do dia para a noite
que se faz, deve haver uma coisa muita bem pensada, um meio de fazê-la com muita seriedade, com
pessoal e com recursos. Não é o conselheiro que vai estar disponível para ir a todos os eventos, mas
sempre deve ter um pessoal dentro do nosso atual quadro. É um problema que temos que trabalhar
porque não será fácil de resolvê-lo. Uma questão que ninguém falou aqui, mas há muitas denúncias
de que as empresas não estão dando a sua participação de 25%, quer dizer, toda hora alguém
comenta, mas, de fato, ninguém ataca. Nunca se consegue chegar nisso e seria uma questão de ter
na LIC um meio que obrigasse, que garantisse essa participação. Ou seja, isso então quer dizer que
está havendo fraude na prestação de contas, se é assim, porque de algum lugar está saindo esse
dinheiro. Outra questão importante que o secretário falou antes: a falta de recurso orçamentário para
a cultura fez com que o governo participasse com muitos projetos e, daí, para os produtores
culturais, é um absurdo. Mas eu gostaria de dizer que tem sido difícil o governo aprovar projetos na
LIC, no ano que entramos chegaram... Havia ainda um rito especial que privilegiava os projetos do
governo... Chegaram 25 projetos naquele ano e creio que só aprovamos dois dos indicados pelo
governo. Deve ter sido um baque para o gestor porque ficou difícil fazer os seus projetos, mas havia
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uma incompatibilidade. O rito especial acabou, mas acabamos de praticá-lo antes de ter sido tirado.
Há esse problema, essa confusão que existe entre política cultural e LIC, nós temos falado muito
disso, ou seja, tudo passou a ser LIC. Sente-se muito no interior do Estado. Temos recebido muitos
produtores e prefeituras, e a primeira coisa que falamos é: bom, então façam a parte de vocês. Há
exemplos bons no interior do Estado. Por que as prefeituras não têm lei de incentivo, porque não há
fundo de cultura, conselho de cultura? Quer dizer, façam política cultural. Essa tem sido a discussão
mais importante. O que pode trazer a maior novidade hoje são políticas culturais nos municípios.
Está começando um movimento de constituição de conselhos municipais de cultura e de leis, de
acordo com o que o município precisa. O município sabe o que ele precisa. Então, cada município
tem a sua realidade cultural. Nós falamos com o prefeito de Gramado, no gabinete do secretário, em
uma audiência que tivemos lá: por que a prefeitura não faz uma lei municipal de cultura para fazer o
seu Festival? É uma discussão que tem tido uma boa receptividade e vários produtores estão
reproduzindo-a nos municípios. Assim como alguns municípios já têm, evidentemente, fundo de
cultura, lei de incentivo, conselho municipal, secretaria... É política cultural, evidentemente. Bom,
perspectivas... Neste momento, estamos finalizando o site do Conselho de Cultura, que será
importante para a transparência. O secretário da SEDAC apoiou nos apoiou, pagando a empresa que
está fazendo o site. Por que é tão importante isso? Pela questão da transparência. Até o fim do ano,
teremos o site, porque o parecer é público. O produtor cultural, ao ver que seu projeto não foi
aprovado, saberá pelo site, onde terá o parecer com o motivo. O parecer do que foi aprovado, e é
semelhante ao seu, vai estar disponível para todos verem, aí está um argumento importante para o
recurso. Para o Conselho é uma saia justa enorme, porque vai obrigar os membros a dar pareceres
sempre bons, pois será público, estará no site do Conselho. Os pareceres devem ter coerência. E na
verdade será exigido do Conselho um nível de trabalho melhor. A questão que é da nossa pauta, da
comunidade cultural na qual eu me incluo, é o cumprimento da lei. Temos que estar sempre
colocando ao governante o aumento do recurso, o cumprimento da lei, dos 0,5% do ICMS, que é o
que está escrito. A questão da participação dos municípios também é muito importante, sobre a
implementação do FAC. Fizemos um movimento, participamos, colocamos abaixo-assinados na
Assembleia Legislativa e nos frustramos, porque não foi implantado neste ano. Este é papel do
governante, e o Secretário esteve conosco, mas, mais internamente no governo, o secretário e a
comunidade cultural não tiveram força. Quero dar o testemunho: tive uma audiência com o
Governador e com o Secretário e, naquele dia, vi que a coisa ficaria complicada porque ele não
estava sensibilizado com a implementação do FAC. Cheguei a dizer que a coisa será difícil, porque
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o Governador não está acreditando na importância. A comunidade cultural vai ter que continuar
trabalhando. Foi muito importante o que fizemos, mas foi insuficiente para implantarmos o FAC. E,
como já foi dito aqui, há uma série de projetos culturais que serão atendidos pelo FAC e não pela
LIC, porque a LIC não atende mesmo. E outra coisa que eu gostaria de colocar: havia um passivo
de projetos muito maior do que o limite que o governo deu para a LIC, e o Conselho foi parceiro da
Secretaria, aprovando no limite de R$ 28 milhões. Mas, na verdade, nós temos que aprofundar a
informação de qual é o percentual de captação, hoje. E o Conselho não vai ficar contra a
comunidade cultural, apertando a comunidade cultural, pelo contrário. Temos que avançar, saber o
percentual. Estamos atentos a isso, qual a realidade da LIC hoje, o que havia na rua para ser
captado, porque havia muito mais projetos aprovados do que recursos. A questão é essa, tivemos
prorrogações infinitas sendo dadas. Estava conversando sobre isso com o pessoal do Fumproarte
sobre a infinidade de projetos no interior, projetos de rodeios, CTGs, mas não só isso, projetos
evidentemente super-orçados. Quer dizer, não há projetos na LIC de menos de R$ 200 mil, para
qualquer evento no interior. O Conselho não tem aprovado projetos nesse valor, temos feito cortes,
mas é uma coisa que também não sei onde irá parar. Temos conversado abertamente sobre os
problemas da LIC e não dá para imaginar um CTG vir com um projeto de R$ 200 mil para fazer
uma festa, ou uma prefeitura super pequena com um projeto de R$ 300 mil, R$ 400 mil. Não faz
sentido isso. Sabemos que essa não é a realidade. Bom, para concluir, a LIC é uma ferramenta
nossa, da cultura. Ela é melhor ou pior conforme o que fizermos dela. O Conselho é uma
representação da comunidade cultural e têm que ser eleitos bons conselheiros. Tem que ter
participação da comunidade cultural nas eleições, se organizar. E evidentemente a LIC não esgota a
política cultural, é apenas uma ferramenta. É isso, obrigado.
Flora Leães: De fato, nos alongamos mais do que o indicado nesse tempo aqui, mas sempre temos
que aproveitar a oportunidade quando o diálogo é assim tão tranquilo com o Secretário e o
Presidente do Conselho. Agora vamos ouvir a representação dos produtores culturais, mas eu não
podia deixar de referir que há muito tempo não se tem uma mesa com tranquilidade de se apontar
todas as imensas dificuldades que sabemos que existem e são vivenciadas, mas realmente... Paulo
Fernandez, representante da APCRS.
Paulo Fernandez: Eu cumprimento meus colegas, produtores culturais, sócios do infortúnio. E eu
gostaria de dizer que nós tratamos aqui de três crianças. A lei de incentivo estadual, o Fumproarte e
a própria lei de incentivo à cultura do Ministério da Cultura. São crianças em nossas mãos. Creio
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que ninguém aqui tem menos de dez anos, todos nós somos mais velhos que essas crianças que
estamos criando. E essa orientação, essa criação é feita por nós, por nós que usamos essa lei. Então,
eu gostaria de dizer, primeiro que lei de incentivo à cultura do Estado do Rio Grande do Sul é uma
decisão de governo. Nós passamos os últimos três anos, os piores três anos da lei de incentivo, no
que diz respeito à produção cultural no Estado do Rio Grande do Sul, é inegável. É uma decisão de
governo. Não é uma crítica ao PMDB, ao PT ou seja lá quem for, mas isso é uma decisão de
governo e dessa decisão nós ficamos alijados e pagamos por isso. Critérios de prioridade, questões
práticas, o que é importante para o Estado. Essa política cultural trava no momento em que não
existem recursoa. Então, a prioridade se estabelece em critérios que, algumas vezes, são contra a
nossa vontade e que são a vontade do governo, como, por exemplo, financiar uma obra pública, o
Teatro São Pedro, por exemplo, que foi uma das brigas que tivemos ao longo desses anos. Então,
são prioridades, porque o recurso não existe para todos. E o que nos é de direito, os 0,5% e que, eu
os corrijo, hoje estaria em torno de R$ 47 milhões, isso seria suficiente para fomentar muitas coisas
que deixaram de ser fomentadas. E o papel do Conselho... Pela primeira vez eu ouço, nas palavras
do Guilherme que o Conselho deve fiscalizar o governo. Na verdade, essa fiscalização não existe
porque, se ela fosse efetiva, jamais teríamos uma situação em que temos R$ 28 milhões durante três
anos. Por quê? Porque a lei não foi cumprida e cabia também ao Conselho, dentro das suas
prioridades de fiscalização... E pela primeira vez, eu ouço essa mea culpa do Conselho Estadual de
Cultura. Deveria ter fiscalizado, deveria ser exigido por nós essa questão dos 0,5%. Critérios de
avaliação... Como existe um universo muito grande e a cultura abrange vários segmentos, a lei de
incentivo abrange vários segmentos, existem no mercado várias situações para um mesmo projeto.
Existe necessidade de se ter, em uma peça teatral, a contratação de som, de um aparato de teatro que
na capital não precisa, enfim, situações bem peculiares de cada projeto. E essa multiplicidade de
situações cria a figura do SATED como o primeiro empecilho. É onde o SATED coloca, por
critérios que eu não sei se são espirituais, determinados pesos para determinadas coisas. Quanto a
nós, vemos nitidamente que existe dentro do SATED uma necessidade de bloqueio de recursos,
embora nós produtores devêssemos saber exatamente o montante que é necessário para o nosso
produto. O SATED nos coloca em uma situação em que, muitas vezes, um projeto se torna
inoperante. E isso tem sido assim porque a aprovação dos últimos projetos que se tem notícia chega
a ter corte na casa dos 70%. Se o Conselho possui a representatividade do nosso segmento cultural,
ou seja, se lá tem alguém que conhece rodeio, tem que saber que em rodeios precisa-se de cavalos,
vacas e quanto tudo isso custa. Então, é um critério em que não precisaria se ter um prejuízo tão
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grande, mas a base continua sendo o montante de recursos e a decisão de governo. Quanto à
prestação de contas, vejo que nós aprendemos com o passar do tempo. E eu tenho insistido nisso aí.
O Ministério da Cultura tem uma receita que é muito prática para o andamento e avaliação dos
projetos culturais. Isso significa o quê? Avaliação por amostragem. A CAGE, que não serve em
nada além de simplesmente fiscalizar os tributos do governo federal, coisa que não é papel da
CAGE. E ela insiste que se faça uma avaliação documental. Ora bolas, são 500 projetos por ano que
entram lá e são 60 prestações de contas que podem ser apuradas com a estrutura atual da Secretaria.
Quando isso vai acabar? Vai acabar quando um promotor público entender que [...]
Paulo Fernandez: [...] As reivindicações legais, justas. Nós temos a regulamentação, e a dotação
orçamentária do FAC depende muito do atual governo, e a aplicação pelo mínimo, do montante
desse recurso de, pelo menos, três projetos para cada um. Ou seja, aprovar três projetos para cada
um que capta, quando no governo federal são cinco por um e não há problema. Ah bom, a eficiência
da lei de incentivo do Estado do RS é muito grande. Que bom, quando terminar o dinheiro, para de
aprovar, pronto. A questão dos 25%... Creio que, na situação atual, o produtor que devolve os 25%
para a empresa está morto. Ele se matou, ele se suicidou, deu um tiro na cabeça. Quer dizer, é
impossível em um orçamento super restrito que alguém possa tirar um quarto dos recursos para
executar um projeto e poder prestar conta dizendo aquilo que fez. Olha, na prática é um suicida, não
vai durar muito no mercado, infelizmente. Financiamento cultural versus LIC... Infelizmente essa é
a nossa criança. Nós contamos com ela, é ela que devemos aprimorar, embora devam existir outras
formas de fomentar e de levar dinheiro até a cultura, mas, no momento é essa pela qual nós
brigamos e, através da Associação dos Produtores Culturais, defendemos. Mas tem uma coisa que
eu gostaria de deixar, roubando as palavras do nosso poeta maior: os governos passarão, nós,
produtores culturais, passarinho. Muito obrigado.
Flora Leães: Pergunta do Paulo Guimarães para o secretário Victor Hugo: “Qual a situação do
Prêmio IEACEN para as artes? Como resolver a fiscalização para as Artes Cênicas, como resolver a
questão da fiscalização, prazo encerrado no último dia 20 de outubro?”
Victor Hugo: A situação do Prêmio IEACEN é reflexo do retardo que eu levei, do ponto de vista
administrativo, para conseguir esses recursos. Nós devemos homologar os vencedores e eu vou ter
que negociar com a comissão de transição do futuro governo. Por quê? Porque o pagamento é feito
em dois momentos: parte do primeiro pode ser paga por essa gestão, o repasse inicial de 60%, mas,
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para que os grupos tenham período suficiente para as montagens, invariavelmente nós vamos ter
que cruzar a gestão. Eu fiz referência que esse governo é o primeiro que está integralmente sujeito à
Lei de Responsabilidade Fiscal. Então, o gestor público não pode tomar decisões que comprometam
a gestão posterior. No caso, pretendo dialogar com a comissão de transição da futura equipe eleita,
seja a governadora ou o governador, não quero aqui expressar nenhum sentimento sobre a eleição
de domingo. Mas é o seguinte: elaborei a peça orçamentária, que já está na Assembleia, foi feita em
agosto. E o FAC, eu ouvi o relato do Presidente e vi a luta da comunidade cultural em uma emenda
que surgiu da APTC e de várias entidades para colocá-lo no orçamento. Porque, no orçamento de
2006, constavam somente R$ 23 mil, sendo que o orçamento não foi feito por mim, porque eu era o
secretário substituto. Aí participei daquela mobilização de negociação na Assembleia, que envolveu
vários parlamentares, e assumi um compromisso perante a comunidade cultural: vou fazer o
orçamento do ano que vem e me comprometo a colocar, pelo menos, no mesmo patamar. Está feito.
A proposta de orçamento elaborada pelo secretário Victor Hugo para ser executada em 2007, que
está na Assembleia para ser aprovada, eu espero, prevê os mesmos R$ 500 mil que conseguimos
negociar esse ano. Também me defrontei com um orçamento, quando assumi a titularidade da
Secretaria, que não previa recurso para a política de editais da Secretaria. Na peça orçamentária da
Secretaria não havia uma rubrica específica para isso. Creio que se perde por vontade política, por
previsão orçamentária porque sequer se materializam essas questões. Eu entendi que há uma capa
de guarda-chuva chamada de cultura, fazendo parte no orçamento de onde eu fui buscar recursos
para essa edição, mas não satisfeito com essa capa de guarda-chuva que cabe tudo, achei por bem,
lutei e, na peça orçamentária que encaminhei para ser executada ano que vem, está a política de
curta-metragem, a política de Artes Cênicas e a volta do Troféu Vitória, porque vejo que uma
política tem que ser feita assim. Então, o que quero dizer é que os projetos inscritos estão valendo.
Haverá uma avaliação e os contratos a serem celebrados dependem de uma negociação com a futura
equipe de governo, porque não existe tempo hábil para o repasse ser pago por essa gestão. Eu
pretendo fazer isso com responsabilidade, pretendo negociar com a comissão de transição
demonstrando que eu fiz minha parte, que o futuro Secretário ou a futura Secretária poderá utilizar
os recursos que eu previ em agosto para pagar a segunda parcela. A falta de continuidade crê que
está colocando sob um olhar mais atento a questão dos prazos do prêmio de Artes Cênicas. O
mesmo vale para o prêmio de curta-metragem. O contrato só poderá ser assinado na equipe que a
transição do futuro governo der a sua concordância expressa por escrito, porque a decisão
compromete o futuro exercício. Eu quero dizer que compromete, mas não há falta de previsão
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orçamentária. O Secretário de agora já tomou a responsabilidade para si de colocar ao futuro
Secretário que haverá recursos. É por isso que eu vou pedir que a equipe de transição autorize nosso
governo a firmar esse contrato. Porque, se eu firmo o contrato sem essa autorização, eu descumpro
a Lei de Responsabilidade Fiscal, e ela estabelece até cadeia. E não seria o caso.
Flora Leães: Não, não vamos a tanto. Aqui não está identificada a próxima pergunta, mas é para a
captação: “Por que foi cancelada a possibilidade de prorrogação dos projetos, já que é tão difícil um
projeto cumprir todas as instâncias para captação?”
Victor Hugo: Na verdade, a possibilidade de prorrogação não foi cancelada, foi cancelada a
excepcionalidade. E eu diria que tomei essa decisão ouvindo o próprio Conselho, mas vou falar por
mim. Estou convencido que houve uma banalização da excepcionalidade. A excepcionalidade,
como diz o termo, é algo excepcional, ela não pode se banalizar. E quem faz o estudo da vida
administrativa de determinados projetos vê que os mesmos se eternizavam na chamada
excepcionalidade. Isso ocorreu e contribuiu para o passivo. O Presidente do Conselho falou sobre
isso. Notem bem, aprova-se uma leva de projetos, dois milhões, daqui a pouco mais dois milhões.
Se nós dermos ressurreição eterna a um projeto que nunca morre, um dia explode o sistema. Eu me
deparei exatamente com essa circunstância quando assumi a titularidade da Secretaria e terminei
com essa frase que eu digo da Bíblia, “Lázaro, levanta-te e caminha”. Um negócio de 2002, ao
eterno, entrando na sala do Secretário: ele teve que ser excepcionalizado. Agora, fiz a mea culpa e
conversei com o Conselheiro. E aqui quero dizer, em um ambiente de profunda tranquilidade, que
agi, quando assumi a titularidade da Secretaria, ouvindo a preocupação que existia no Conselho e
eu, que me defrontei com isso, tomei atitudes extremas sim, rigorosas. E já revi uma, por exemplo,
a excepcionalidade. Creio que deve-se rever a política de eventos, porque eu faço uma distinção
entre evento e produto cultural. Eu assumi em abril e em maio havia pessoas me pedindo: dá para
excepcionalizar o prazo de captação do projeto de Carnaval do meu município? Um dia eu brinquei
e disse: olha, a fantasia da colombina, do Pierrot, já foram tiradas, a escola de samba já saiu, acabou
e eu, em maio, vou ter a atitude irresponsável de prorrogar? Então, creio que deve haver um
limitador para projetos que se refiram a eventos.
Paulo Fernandez: De datas fixas, isso está em uma normativa. Evento de data fixa.
Victor Hugo: Não, não, eu estou falando da excepcionalidade.
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Paulo Fernandez: Também serve aqui, não é, secretário? A excepcionalidade ou a prorrogação
também servem aqui. Evento de data fixa... Essa é uma preocupação que tivemos há três anos, em
uma Normativa que eu tenho pavor, mas colocamos: a data fixa.
Victor Hugo: Eu já fiz um aditivo nessa Instrução Normativa, porque quando começa um filme,
por exemplo, o que vai fazer? Já comprometeu recursos e o filme não está pronto. Quando começa a
restauração de um prédio, e acabou o prazo? Daí o secretário manda devolver, porque há que se ter
alguns pesos e medidas diferenciadas. Agora, o que motivou foi o sistema totalmente em
descompasso. Houve uma banalização desse expediente da excepcionalidade.
Flora Leães: Aqui também não está identificado, mas é uma questão: “Parceiros culturais
recomendáveis são públicos, privados, empresas, pessoas físicas, empresários? Qual o melhor
perfil? Dependerá da política municipal?” É uma questão para a mesa.
Guilherme Castro: Eu fiz uma referência a outros parceiros nos projetos, mas depende do tipo de
projeto. Estou me referindo a projetos municipais que tem uma importância para o Município e que
pedem 100% para a LIC e, aí pensamos: e a Prefeitura? E a comunidade do Município vai entrar
com o quê? É o que temos de levar em conta. Qual o envolvimento da comunidade? Pode ser
empresa, há vários casos... No projeto há outras fontes de financiamento e, nesse momento, o
Conselho tem observado, se há outros parceiros, pessoal comprometido com o projeto. Na verdade,
este é um indício de envolvimento da comunidade. O Paulo colocou duas questões que eu gostaria
de responder rapidamente. Pode ser? Antes assim, eu não sou muito político, me esqueço de fazer
algumas coisas, eu quero anunciar aqui a presença de dois colegas conselheiros meus: a Marley
Danckwardt, presidente do SATED-RS; o José Henrique Pires, conselheiro do Conselho Estadual
de Cultura e Presidente do Conselho de Cultura de Pelotas, um conselho que ficamos muito felizes
de ter sido criado, também com a proporcionalidade de dois terços para. Também gostaria de dizer
que quem tem sido parceiro do Conselho, sempre sensível em dialogar e ajudar, fazer esse contato
com os conselhos municipais, é o Ministério da Cultura. Queria dizer para o Paulo que o Conselho,
conversou várias vezes com o Governador e a Assembleia Legislativa, e fizemos várias reuniões
pedindo o cumprimento da lei. O Conselho tem sido muito chato em relação a isso. Quero dizer
que, na Presidência, não se consegue falar tanto o que tem que se dizer. Quando eu era conselheiro,
incomodava muito mais com relação a isso. Mas outros conselheiros continuam fazendo isso. O
Conselho tem sido parceiro e a figura de alguns conselheiros tem sido fortíssima, no sentido de ir à
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Assembleia, várias vezes, exigindo o cumprimento da lei. O Conselho tem feito a parte dele, mas
não tem conseguido, não está na nossa mão. O que mais tem no Conselho é conselheiro ligado a
rodeios, e eles têm feito cortes fortíssimos. E são os próprios conselheiros, o pessoal que entende e
diz que não se faz com tanto, está exagerado. E cortam mesmo. Nós dizemos que quem está falando
é o cara que conhece. É muito delicado e deve-se analisar caso a caso. Defendo a prestação de
contas por amostragem também, creio que a nossa prestação de contas é muito burocrática. O
Conselho é um colegiado, então as polêmicas são bem grandes lá e, quando começa a se exigir
coisas demais, tenho dado o exemplo de editais do Ministério da Cultura, como o DOCTV... O que
nos interessa é a produção cultural. E eu defendo por amostragem, também. Sobre a questão da
burocracia, vou dar dois exemplos internos do Conselho. São os projetos não recomendados que
ficavam esperando o lote, para depois serem devolvidos. Atrasavam um mês, dois meses. Mesmo
antes de estar na Presidência, eu já vinha dizendo: por que não fazemos? E vinha o burocrata: não
pode, tem que esperar. Até que eu questionei: Onde está que não pode? Então dei um “canetaço” e
estão voltando semanalmente. Não vão esperar. É a mesma coisa... Botamos uma resolução onde os
projetos não precisassem voltar, para daí ser publicado o recurso e então, voltar para o Conselho.
Não precisa, é burocracia, perda de tempo. Botamos a resolução e vem o burocrata: não pode, está
aqui na Instrução Normativa. E nós que fazemos?
Paulo Fernandez: A Instrução Normativa é burra!
Guilherme Castro: Não, não é nem a Instrução Normativa, é a burocracia. O exemplo que a gente
dá é o filme Dorival11
. Quem deu a ordem? Ah, foi um cara que, um dia, disse que não pode. E fica
a ordem, sabe? Até tu conseguires mudar é uma tristeza.
Paulo Fernandez: É, nós tivemos uma comissão grande, vejo alguns dos meus colegas presentes.
Reunimos toda a comunidade interessada na lei de incentivo: contadores, advogados, juristas,
pessoas de peso para fazer uma Instrução Normativa, mas não conseguimos fazê-la. Nós perdemos
três meses, cerca de 50 pessoas reunidas, às vezes duas vezes por semana, oriundas de todo o
Estado, para fazer uma Instrução Normativa, para mudar essa burrice, essa idiotice.
Guilherme Castro: E o relatório disso sumiu, viu?
11 O Dia em que Dorival encarou a guarda (1986), Curta-metragem de Jorge Furtado e José Pedro Goulart.
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Paulo Fernandez: É verdade, não aconteceu nada. E o meu recurso também, porque eu vinha pelas
minhas próprias pernas. A prestação de contas é burra. A Instrução Normativa é burra, é um ato
falho. É a única coisa que o Secretário pode contar, até para se proteger, mas é uma coisa assim...
burra, idiota. Quando tem muita lei, é sinal de que alguma coisa está errada, pois parte do
pressuposto que somos desonestos. Vão controlar o nosso produto, caramba! E o Ministério da
Cultura faz isso: tu prometeste que iria colocar um circo, um palco, então mostra a foto do circo, do
palco onde o circo estava em cima. Entendeu? Essa é uma questão inteligente. E a experiência deles
não é tão mais velha que a nossa. Tem quase a mesma idade, mas é uma racionalidade, embora
tenha suas imperfeições. É uma coisa que deve ser feita. E nós perdemos nosso tempo, a
comunidade cultural perdeu o seu tempo precioso, 90 dias. Pessoas que vinham de Pelotas, eu vinha
de Passo Fundo, vinham pessoas de todo o Estado. Para quem estava em casa era barato, mas para
quem vinha de outro lugar não era tão barato assim... e para acabar com o relatório engavetado. E
agora tu dizes que sumiu, piorou então. Era para mudar exatamente essas coisas. Por que eu falo da
CAGE? A CAGE é um mecanismo burro dentro do Estado. Ok, ela é necessária, mas ela não deve
dizer para nós como devemos prestar contas. No entanto, quando a CAGE foi consultada, sobre
mudar o critério de prestação de contas para que as coisas andassem mais rápidas, nós fomos
conversar com eles e eles disseram: não pode. Por que não pode? Ah, não pode, pronto. Então, as
coisas sempre foram assim. Creio que isso é uma contribuição que estamos dando. Nós, produtores
culturais, a categoria que represento, porque nós temos uma vivência de quem fica no sistema, e os
governos vão passar, e nós, passarinho. Nós continuamos aqui sofrendo essas conseqüências. São
atos de vontade política. Mudar uma Instrução Normativa, mudar um ato burro. Eu digo burro
porque é um instrumento jurídico de quinta categoria, embora seja a única coisa que se tenha em
mãos. Secretário, o senhor sabe disso. Mas vamos aprimorar. Depende de vontade política da
Secretaria de Cultura e facilitaria muito a vida do produtor cultural e daria uma transparência muito
grande ao que estamos fazendo. E quem realmente pisou na bola, no seu projeto, que vá pagar. Quer
dizer, o sistema, a lei de incentivo, os produtores culturais não podem pagar por um mau produtor.
Essa generalização não nos serve e não podemos aceitar isso.
Guilherme Castro: Não quero citar nomes, personalizar, mas deixar de conceder para quem não
tinha a prestação de contas em dia... estou falando de contas milionárias, sem nenhuma prestação de
contas. Estou falando de grandes projetos reincidentes, de grandes empresas que vinham faturando
sem prestar contas. Isso foi cortado. Mas temos que olhar caso a caso.
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Flora Leães: Bem, na seqüência temos uma inscrição, por favor, Paulo Leônidas.
Paulo Leônidas: Bom, antes da pergunta vou fazer duas observações. Uma é o seguinte, eu vou me
permitir discordar de ti, Guilherme. Eu não vejo o Conselho como gestão cultural. Creio que, se
existe alguma gestão cultural no Conselho de Cultura é pífia. Porque quem faz gestão cultural
realmente neste Estado são as empresas privadas, certo? A segunda coisa: é estarrecedor, eu dou um
conselho a todos nós, que não digam lá fora que R$ 28 milhões são colocados em uma janela sem
controle do poder público. Senão, nós seríamos massacrados na rua por gastar esses R$ 28 milhões
e não dar contas para ninguém. Então, vamos ficar entre nós por enquanto, até resolvermos. Senão,
seremos massacrados! Vou repetir a pergunta que fiz para o Ministério da Cultura, hoje pela manhã,
agora vou fazer para o Secretário. Qual o montante, a dimensão econômica do patrocínio cultural do
Estado e qual o percentual dele que a LIC faz parte? Qual o montante de grana que é colocada como
patrocínio cultural no RS e qual o percentual em que incide a LIC sobre esse montante? Quero
saber, por exemplo: patrocinaram R$ 100 milhões no RS, então R$ 28 milhões foram da LIC.
Quero saber o montante e qual o percentual que a LIC comparece no patrocínio cultural do RS.
Victor Hugo: Eu tenho uma postura muito franca em relação à falta de controle, mas eu não
costumo dizer que não há controle. Creio que não há controle da forma suficiente, sabe? A
Secretaria nunca foi dotada de estrutura suficiente, mas tem. E essas pessoas são heroicas: os
funcionários e os meus antecessores secretários, além dos próximos. Não há a possibilidade...
Porque há projetos que vão atravessando gestões. E essa é uma questão que não é só a prestação de
contas. O conselheiro falou que o Conselho deveria ter uma estrutura autônoma, pessoas em seus
cargos que pudessem ter automóveis, diárias de representação e ir in loco ver os eventos ou obras.
Esse acompanhamento, o julgamento, para eles fica muito difícil, porque é um processo que eles
têm que abrir, tomar uma decisão e imaginar que aquilo foi executado, e bem. A Secretaria está, em
alguns casos, fazendo acompanhamento in loco também. Nós começamos a fazer. Quer ter um
funcionário da Secretaria? Oficie-nos que o remetemos para lá, no evento, para acompanhar.
Quanto a patrocínio, eu não saberia mensurar o total do recurso. Está aqui a representante do
Ministério. Eu não sei quanto são os números do Ministério. Quanto tem de dinheiro bom, dinheiro
bom eu chamo aquele que não vem de lei de incentivo, dinheiro bom mesmo, investimento privado.
Agora, do modelo LIC é o seguinte, o Estado renuncia a R$ 28 milhões, isso é o que deixa de entrar
nos cofres do tesouro, R$ 28 milhões dos patrocínios LIC. E, disso, vai oscilar em torno de R$ 30,
31, 32 milhões, porque depende do percentual, do caráter das empresas. Se forem empresas estatais,
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elas botam mais 10%, se forem projetos para patrimônio, botam 5%. Então depende, vai oscilar,
mas a renúncia nos cofres do secretário da Fazenda, do Estado, são R$ 28 milhões.
Paulo Leônidas: Na verdade eu queria saber quanto o sistema LIC participa no processo de
patrocínio cultural... Se for 30 ou 40% do patrocínio todo que o...
Victor Hugo: Que o setor movimenta? É, não temos isso.
Paulo Leônidas: Porque esse dado é importante para podermos mensurar a participação e o caráter
do sistema LIC, entendeu?
Victor Hugo: É, não temos esse dado porque o Ministério não tem, nós não temos e depende, há
investimentos de recursos municipais e isso é o impacto da nossa cadeia produtiva como um todo.
Nós tentamos fazer o mapa da cultura, com a Famurs, para ver quanto de investimento tem,
inclusive, de nível municipal.
Flora Leães: Na seqüência, Henrique de Freitas Lima.
Henrique de Freitas Lima: Bom, eu vou falar daqui. Eu vou ser rápido, eu sei que ainda vem o
Zeca Zimerman, da Ancine depois. Eu queria, em primeiro lugar, concordar em número e grau com
o comentário que a Flora Leães fez na mesa, considerando esse evento e as outras possibilidades
que se teve para conversar sobre o sistema, nós amadurecemos muito. Parece-me que existem
grandes diferenças entre as opiniões, formas de atingir os resultados, entre os diversos agentes que
administram o sistema LIC. Queria aproveitar também, Victor Hugo, não sei se teremos outra
possibilidade, outro encontro desse tipo até acabar a tua gestão, então eu quero fazer um elogio em
público, tu aprendeste muito neste convívio, a gente convive, e foi realmente uma participação
marcante, uma questão pessoal.
Victor Hugo: Obrigado.
Paulo Fernandez: Eu estenderia ao Conselho também, Henrique.
Henrique de Freitas Lima: Bom, não é uma coisa laudatória... Mas, como o Victor, em função de
uma questão política, como o partido que ele participa não está mais na disputa, realmente o Victor
vai nos deixar em dezembro... Então é importante que a comunidade cultural se manifeste, embora
eu fale em nome próprio. Mas voltando ao tema que colocamos aqui, há coisas que saem, e que já
tinham saído daquela audiência pública, que são urgentes e que tem a ver com a pergunta que o
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Paulo Leônidas acabou de fazer. É fundamental fazermos um esforço do sistema para ter dados e
que apareçam no site, que está em fase final. A medida tomada para regulamentar a
excepcionalidade é uma medida bem vinda, até para podermos saber exatamente qual o volume de
autorizações ofertadas ao mercado, quer dizer, para poder balizar o Conselho. Porque realmente,
fazer estritamente o valor autorizado, e a gente sabe que é muito menos do que está previsto na lei,
R$ 28 milhões, igual à autorização, vai nos levar a uma morte lenta. Não se consegue aprovar
projetos novos, e aqueles que são aprovados estão tendo dois cortes sucessivos, o da própria
Comissão, da SAT, e depois um corte linear que não aparece nas rubricas e que vai nos gerar
problemas de prestação de contas depois, porque corte linear, como o que o Conselho está
fazendo... Cortou onde? Cortou usando como elemento de convencimento o contingenciamento de
recursos. Então, como vamos prestar contas depois? Há projetos, e eu tive a oportunidade de
vivenciar alguns recentes, de 70% entre o valor apresentado originalmente, lá no começo do sistema
e aquele que acaba saindo na ponta. Alguma coisa está mal nesse sentido. Realmente temos que ter
dados concretos, o volume, quanto é ofertado. Por outro lado, a mudança do sistema LIC que fez
com que a captação chegasse a esses níveis é uma mudança que hoje é exemplo para o Brasil, quer
dizer, eu tenho orgulho de estar naquela gestão da APCRS que propôs, e o deputado Bernardo de
Souza foi quem levou à Assembleia Legislativa, a Lei Bernardo, sobretudo, o fato de que 70% da
captação estejam fora da Capital. É por causa da Lei Bernardo. Então, ajustar é uma tarefa que nós
teremos que fazer. Agora, é muito grande a diferença do nível de discussão que nós estamos tendo e
o nível que se tinha. Isso há pouco tempo, eu diria, há dois anos. Embora eu ache que os problemas
sejam grandes, nós progredimos muito. É uma coisa fundamental. Por outro lado, a luta conjunta
para podermos avançar no cumprimento, sobretudo dos financiamentos da política cultural, é uma
luta que precisamos melhorar muito. Efetivamente, precisamos implementar o FAC, ele é de 2001.
Tem cinco anos e não conseguimos um mísero edital de R$ 100 mil. O FAC não existe na prática.
A questão orçamentária da Secretaria é a mesma coisa. E realmente, em que pese toda a
compreensão que se possa ter pelo difícil momento que o RS vive, em quatro anos, se
considerarmos o patamar de R$ 42 milhões ao ano, nós perdemos na economia da cultura cerca de
R$ 50 milhões, que deixaram de circular. Então, a única forma de mudar, no quadro de
necessidades múltiplas, é com mobilização. O que nós temos feito, enquanto entidade, é conversar,
como tínhamos conversado com os candidatos, e pelo menos os dois que estão no segundo turno,
eles afirmaram publicamente que vão cumprir a LIC. Nessa hora, afirma-se tudo. Então, nós
torcemos e temos que nos mobilizar para que isso efetivamente se coloque na prática. E agir dentro
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das nossas entidades, até para que as pessoas que tocam a gestão da cultura sejam pessoas
identificadas com os interesses da maioria. Agora, o mais importante é a ênfase na criação de outros
recursos. Então, é fundamental que realmente se cristalize em resolução do Conselho a questão dos
municípios. Já é um movimento que está acontecendo, temos ajudado muitas prefeituras via
Associação. Gostaria inclusive de dizer: a intervenção que a Associação vai fazer na discussão
sobre a lei de Porto Alegre, que será absolutamente objetiva, e vamos explicar para todos o porquê
ou vamos tentar entender juntos por que uma lei que existe desde 1992 não foi até agora
regulamentada. Vamos trazer números, mostrar o que significou para a comunidade cultural de
Porto Alegre o fato de não ter a lei funcionando, sem demérito nenhum desse instrumento
maravilhoso que é o Fumproarte. Então, concluindo, avançamos muito e ainda temos na secretaria
alguém com pelo menos o nível de disponibilidade para trabalhar que é o caso do Victor Hugo.
Victor Hugo: Muito obrigado. Eu quero agradecer a tua manifestação e o aplauso dos meus
colegas. Quem conhece lá o prédio da Secretaria sabe que temos uma escadinha que vai lá para o
gabinete do Secretário. Logo que eu assumi, chamei a minha assessoria e disse: estão vendo essa
escada? Por ela nós subimos e descemos. E um dia desceremos. Tratem bem as pessoas aqui porque
vai chegar um dia em que desceremos. Então me comove o teu testemunho, que é profundo
conhecedor da matéria, porque saio com frustrações, mas não saio envergonhado com decisões que
tomei ou decisões que eu tenha deixado de tomar. Aprendi, refiz, mas saio com uma grande
frustração, que é não ter tido tempo e oportunidade para implementar o FAC. Quem fizer o FAC,
sem falsa modéstia, coloca o seu nome na história. E eu tinha essa vontade e discuti
incansavelmente, mas não consegui passar isso. Vi o testemunho do Presidente. O Governador
espremido pela dificuldade de recurso orçamentário, mas, antes dessa questão conjuntural, para
mim a questão do FAC é conceitual. Se viesse a bola para mim eu jamais discutiria se o número da
LIC seria R$ 28, 30, 37 ou 47 milhões. Vamos discutir o número geral de LIC mais FAC, aí vamos,
sim, tomar uma posição. Esta seria a possibilidade que eu gostaria de negociar, com outro patamar.
Se um dia tivesse a possibilidade de ser um secretário “começador” e não um secretário
“terminador”... Eu não disse “exterminador”, mas um secretário “começador”, talvez pudesse, no
âmago do seu próprio governo, discutir isso em outras bases. Eu não pude. Fui espremido por uma
premência de calendário eleitoral e da Lei de Responsabilidade Fiscal. Agora, eu defendo que a LIC
seja uma ferramenta de atração para outras políticas de financiamento. A União faz a sua parte, e
está aqui a representante da União. Ela sabe que, sempre que a vi, fiz referência ao trabalho que
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essa gestão faz no Ministério, que é profundamente séria. Eu aplaudo, como Secretário de Cultura
do Estado do RS, o trabalho feito pela atual gestão do Ministro Gilberto Gil, do Juca Ferreira e aqui
da Representação Regional. Aplaudo. Tenho muito sentimento de convergência e aplaudo o que
vocês fazem. Agora, a União faz a sua parte, o Estado faz a sua parte, mas os municípios fazem
muito pouco. Muito poucos têm feito também as suas partes. Eu defendo que a LIC deva ter uma
alíquota. Se o Conselho dá um tanto para um festival, um rodeio, um projeto de cinema, ele tem que
aplicar uma alíquota posterior à sua decisão de mérito, de forma que, se a ação financiada, se o
projeto tem execução em um município que tem lei própria de financiamento, incidindo no projeto,
ele dá mais 20% naquele crédito; se tiver secretaria de cultura local, não germinada, mais tanto; e se
tiver Conselho Municipal criado por lei e na mesma proporção, não aquele que o Prefeito indica os
seus amigos, mas aquele criado por lei, naquele patamar de dois terços, então deve ter mais. Vou
deixar por escrito na comissão de transição, se participasse de um governo que estivesse sendo
reconduzido, eu faria, eu me sentiria legitimado pela circunstância política para propor tal coisa.
Como isso não ocorreu, não quero passar na história para ser visto como um omisso e, assim que a
candidatura vitoriosa delegar quem é o interlocutor da minha área, farei por escrito e deixarei esse
testemunho para o futuro, para ver que o Secretário Victor Hugo propõe, entre as coisas, esta: que a
LIC tenha uma alíquota mais generosa para os municípios que fazem a sua lição de casa.
Flora Leães: Bem, acho que vamos encaminhar para o encerramento dos trabalhos, agradecendo a
participação do senhor Secretário, o Presidente do Conselho, o Paulo da APCRS. Dizer da imensa
satisfação de ter estado na companhia dos senhores, grande parte da tarde e dizer que nós galgamos
alguns degraus a mais hoje. Tomara que consigamos... Agora, também é importante e louvável que
fique por escrito essa proposta, que é inteligente, preocupada com a organização da cultura em todo
o Estado e com a profissionalização. Obrigado a todos, boa tarde!
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SEMINÁRIO MECENAS NA REPÚBLICA
O financiamento público à cultura
Palestra12 -
Palestrante: Zeca Zimmerman – Agência Nacional de Cinema (Ancine).
Mediador: Cícero Aragon – Fundação Cinema do RS.
Centro Cultural CEEE Érico Veríssimo, Porto Alegre RS.
Dia 24/10/2006 às 18h.
Transcrição: Jéferson Rasquim Araujo.
Mediador: Entendemos que é extremamente importante a vinda da Ancine, através do seu ouvidor,
Zeca Zimmerman, que não é a primeira vez que está em Porto Alegre e estando disponível e
disposto a escutar as críticas, a ouvir as considerações, a prestar uma satisfação do serviço público
que é realizado. A agência, que recentemente passou por várias modificações na sua estrutura, nas
suas superintendências...
Zeca Zimmerman: Muito obrigado. Eu gostaria de agradecer inicialmente o convite feito pela
Fundacine, e quero parabenizar as instituições que estão apoiando a realização deste evento, que é
de uma importância fundamental. Que ele sirva como semente para que outros Estados façam
eventos semelhantes porque apesar das leis de incentivo à cultura já existirem há alguns anos, eu
ainda me surpreendo com certas circunstâncias. Só para dar um exemplo, semana passada, fui
convidado por um dos maiores escritórios de advocacia empresarial do Rio de Janeiro, não sei se
isso significa muito hoje, com o esvaziamento do Rio de Janeiro, mas é um grande escritório que só
atende às grandes empresas, às questões empresariais, querendo saber quais os benefícios tanto da
12 Atividade não prevista no programa do evento.
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Lei Rouanet, quanto da Lei do Audiovisual. Portanto, esse evento deveria prosperar, deveria se
espalhar por esse país, em conjunto com as federações estaduais das indústrias dos estados que tem
mais capacidade de aglutinação com relação aos empresários. Falando um pouco da Ancine, é
fundamental que o gestor público preste contas. É uma obrigação. Eu já estive aqui no Rio Grande
do Sul há dois ou três anos, conversando também sobre essa questão da Agência Nacional de
Cinema e deveria ser constante. Devemos atenção e obrigações àqueles que nos mantém, àqueles
que nos sustentam com pagamentos dos impostos e, portanto, nós devemos explicação ao público e
aos agentes econômicos da área específica do cinema, que são vocês. A Agência Nacional de
Cinema completou no mês de setembro de 2006, cinco anos da sua existência e cinco anos, diria eu,
de uma existência bastante conturbada e que foi se adequando a cada um dos momentos históricos
que lhes apresentavam. Mas conseguindo se desenvolver, e chegando hoje em um estágio bastante
interessante do ponto de vista da relação com os nossos agentes econômicos. A Ancine não se
relaciona exclusivamente com os produtores cinematográficos de longa metragem, de
documentários ou o que nós costumamos chamar de obras não-publicitárias, mas se relaciona
também com o mercado publicitário, com uma série de regulamentações de mercado, como assim
estabeleceu a medida provisória (MP) 2.228, que criou a Ancine. A partir de dezembro, o atual
presidente da Ancine termina o seu mandato, ou seja, nós vamos entrar em outra fase da Ancine.
Nós vamos entrar em outro momento da Agência Nacional de Cinema, pois, com um novo governo
deverá ser indicado um novo presidente. Temos uma vacância no quadro de direção, pois o cineasta
que foi indicado pelo Ministério da Cultura e que foi sabatinado pela subcomissão de Educação e
Cinema do Senado, foi aprovado, mas por uma série de questões regimentais, o nome dele ainda
não foi submetido à apreciação do plenário do Senado, o que é obrigatório para a confirmação de
diretores de todas as agências reguladoras. A pauta do Congresso é bastante cheia e eu não sei se
haverá tempo para uma sessão regimental no Senado para a sabatina do diretor indicado. Ou seja, a
partir do dia 17 de dezembro, é capaz da Ancine ficar exclusivamente com dois diretores, o que vai
causar problemas do ponto de vista regimental da Agência, em função do quorum. Mas há
negociações que podem fazer com que não haja uma paralisação das atividades relacionadas
principalmente com a questão de aprovação de projetos e de uma série de instruções normativas que
estão para vir a público dentro dos próximos meses. Hoje em dia, a Ancine está desenvolvendo uma
série de projetos que costumamos chamar de fomento direto, por exemplo, participa do Ibermedia,
acordo de co-produção Brasil-Portugal, que esse ano terá o prêmio adicional de renda e instituiu o
71
Programa de Incentivo à Qualidade do Cinema Brasileiro, uma premiação de filmes que foram
indicados e premiados em festivais nacionais e internacionais. Estamos, como qualquer órgão de
governo, sujeitos a contingenciamento, portanto, nós não temos opções. Já questionaram a Agência
sobre por que não houve neste ano edital de finalização, mas a Agência entendeu que seria mais
importante, com os recursos disponíveis, criar o que chamamos internamente de Prêmio Adicional
de Qualidade, para que fosse mais um estímulo à qualidade, à criatividade do cinema brasileiro. Os
filmes que foram contemplados com esse Prêmio vão ter que obrigatoriamente utilizar o recurso
para desenvolvimento de projeto. E todos nós que fazemos cinema sabemos que esses são os
recursos mais difíceis de obter para poder dar o start no projeto. Provavelmente no ano que vem,
com uma nova diretoria, pode haver condições para além desses dois prêmios, que não vão deixar
de ser realizados, mas pode ser que se consiga recursos para a volta dos editais de desenvolvimento,
produção e finalização. A Ancine, hoje, com relação à questão da Condecine13
, está recolhendo da
Condecine-Título e da Condecine-Remessa algo em torno de R$ 40 a 45 milhões, que é a previsão
para esse ano. Esses recursos não ficam no caixa da Ancine, são alocados a uma conta especial do
Tesouro Nacional e farão parte do conjunto das receitas do governo. Anualmente, o Ministério do
Planejamento, através de uma análise junto ao ministério supervisor (MinC), da mesma forma como
fazem as demais agências, estabelece com o ministério supervisor qual é o orçamento que será
destinado às atividades-fim da Agência. Então, no ano de 2006, tivemos um orçamento na ordem de
R$ 20 a 25 milhões, aproximadamente. É o mesmo orçamento do ano passado e, propondo para o
ano de 2007, não deve haver alteração muito grande nesses valores. Creio que uma das ações de
fomento indireto mais importante que estamos desenvolvendo agora é a instrução normativa que
será publicada dentro de no máximo 30 dias, sobre a captação de recursos por intermédio do artigo
1º da Lei do Audiovisual e que contempla tanto a construção quanto a modernização de salas de
cinema. Foi uma instrução normativa que, por uma série de funções, teve que ser cancelada por
problemas de ordem legal, sendo revogada. Agora estamos fazendo uma exclusivamente para a
modernização de salas de exibição. Com relação à área de publicidade, a Ancine tem hoje um
sistema de fiscalização através de um convênio com a Anatel, a Agência Nacional de
Telecomunicações, que faz uma espécie de varredura por todo o espectro de sinais de televisão, seja
aberta ou fechada, pelos vários sistemas, televisão a cabo, televisão por satélite, MMDS, enfim,
13 Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional – CONDECINE, instituída pela Medida
Provisória 2.228-1/2001.
72
qualquer sistema que joga um sinal no Brasil hoje. A Ancine tem um acordo operacional com a
Embratel, que faz uma varredura aleatória, evidentemente, porque ela não pode ficar vendo 24
horas, nas dezenas e dezenas de canais de televisão, mas é bem feita e onde são fiscalizadas as obras
publicitárias e não-publicitárias exibidas em televisão e que recolheram, ou não, a Condecine. Hoje
em dia, dificilmente uma emissora de televisão exibe uma obra comercial, ou uma obra não-
comercial cuja Condecine não tenha sido recolhida porque, se houver alguma irregularidade, a
emissora é solidária no pagamento das multas e essas são bastante pesadas. Do ponto de vista
institucional, a Ancine tem agora o primeiro quadro de servidores públicos concursados que
trabalham exclusivamente para a indústria cinematográfica.Tivemos um concurso para servidores
de nível médio, outro concurso para servidores de nível superior e todos eles já estão trabalhando,
ajudando a montar, finalmente, os sistemas de operação da Agência. E, vamos ter também, até o dia
quatro de dezembro de 2006, a entradas dos servidores que fizeram concurso para a área-meio, ou
seja, a área administrativa. Finalmente o cinema brasileiro vai passar a ter um quadro estável de
funcionários que vão ter conhecimento do que representa a indústria do audiovisual, deixando de
acontecer que, a cada troca de governo ou a cada troca de diretoria, saiam funcionários e entrem
novos. Então, estamos deixando de ter funcionários terceirizados e completando nosso quadro
funcional, com autorização do Ministério do Planejamento. Nós passamos no mês de Setembro por
uma reestruturação interna, foram extintas algumas superintendências e foram criadas outras, um
estudo que demorou praticamente dois anos sendo feito internamente na Agência para atender, para
melhor atender as necessidades, tanto atuais quanto de desenvolvimento a médio e longo prazo.
Havia, por exemplo, a Superintendência de Comércio Exterior, que hoje virou Assessoria
Internacional. Havia uma Superintendência de Assuntos Estratégicos, cujas funções foram
incorporadas por uma nova chamada Superintendência de Controle e Acompanhamento de
Mercado. A Superintendência de Registro, Controle e Fiscalização foi dividida em três: a
Superintendência de Registro, a de Fiscalização e a de Controle. Essas ações foram feitas para
poder incorporar esses concursados, onde cada uma das áreas ficasse com um número de pessoas
preparadas através do planejamento estratégico. No futuro provavelmente, vai haver novas licenças
para novos concursos, e a Ancine vai atingir o número máximo de funcionários permitido por lei.
Trouxe comigo alguns números que são bastante interessantes e recentes e que têm a ver com este
seminário, sobre a questão dos recursos captados por cada um dos mecanismos fiscais hoje
vigentes, o quanto montam esses recursos que são destinados à atividade audiovisual pelo artigo 1º
da Lei do Audiovisual, pelo artigo 3º da mesma lei e pelo artigo 39 da Medida Provisória
73
2.228/2001. O artigo 39 diz respeito às programadoras estrangeiras que também têm uma renúncia
fiscal, à semelhança do artigo 3º com relação às majors, os projetos que podem ser apresentados às
programadoras estrangeiras e que elas também se beneficiam de um recurso, de um incentivo fiscal
para produzir ou coproduzir obras audiovisuais independentes brasileiras. Vou deixar o material
aqui, vou deixar com a Fundacine, que poderá distribuir para pessoas que estiverem interessadas.
Para termos uma ilustração, teve no 1º semestre de 2005 um único filme que atingiu mais de um
milhão de espectadores e no 1º semestre de 2006 foram dois. De 500 mil a um milhão, tivemos três
filmes e 1 no primeiro semestre de 2006. Entre 100 e 500 mil espectadores, tiveram três em 2005 e
1 em 2006. De 20 a 100 mil espectadores tivemos seis em 2005 e 7 em 2006. E até 20 mil
espectadores nós tivemos seis em 2005 e 25 em 2006. O market share do cinema nacional hoje está
em torno de 11%. Bom, os valores arrecadados da Condecine em 2005, ou seja, a Condecine-Título
e a Condecine-Remessa, em torno de R$ 19,5 milhões e, em 2006, a tendência é para ficar em torno
dos R$ 40 milhões. Valores captados por unidades da federação da empresa proponente, do 1º
semestre de 2006, os vários mecanismos fiscais, a Lei Rouanet, nós tivemos um total no Rio de
Janeiro de R$ 4,6 milhões; em São Paulo, de R$ 1,375 milhão; em Pernambuco, de R$ 200 mil; no
Rio Grande do Sul, de R$ 200 mil e no Paraná de R$ 58 mil. O Artigo 1º, no Rio de Janeiro, R$ 5,4
milhões; em São Paulo, R$ 1,146 milhão e no Rio Grande do Sul não tiveram nenhuma captação
pelo Artigo 1º. O Artigo 3º, que são as majors, teve algo em torno de R$ 7 milhões em São Paulo e
R$ 5 milhões no Rio. Enfim, pela Lei Rouanet, em 2006 nós tivemos R$ 6,5 milhões captados, o
Artigo 1º com 6,4 milhões e o Artigo 3º com R$ 12,9 milhões, quase R$ 13 milhões. Portanto, hoje
o maior investimento que se faz em incentivo fiscal no cinema brasileiro é oriundo do Artigo 3º,
que permite às majors investirem na produção, na coprodução e na distribuição de filmes
brasileiros. Uma relação interessante também, a dos maiores investidores pela Lei Rouanet e pelo
Artigo 1º: no 1º semestre de 2006, em 1º lugar, o BNDES, com R$ 960 mil, resultado do que restou
do concurso anterior, então destinou R$ 960 mil; a Tele Goiás Celular, com R$ 560 mil; a BV
Financeira S/A de Crédito e Financiamento, com R$ 510 mil; a C&A Modas, com R$ 500 mil reais;
a Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários do Banco do Brasil, com R$ 500 mil; o BNDES,
com mais R$ 470 mil; o Bradesco, com R$ 400 mil; a CEMIG, com R$ 350 mil; e aí vai até o 29º
colocado, que destinou R$ 500 pelo Artigo 1º para investimento em cinema e chama-se Gutierrez
Comércio de Combustíveis Ltda. Pela Lei Rouanet, o maior investidor foi a Petrobrás, com R$ 4,5
milhões; o 2º foi a Cia. Siderúrgica Nacional, com R$ 560 mil; depois, a Eletrobrás, com R$ 340
mil; a Petrobrás Distribuidora, com R$ 300 mil; a Johnson & Johnson, com R$ 288 mil; a Brasil
74
Telecom, com R$ 200 mil; o Banco Safra, com R$ 100 mil; a Eletrobrás, com mais R$ 80 mil - às
vezes tem essa divisão, porque é uma subdivisão da Eletrobrás que faz esse investimento; a Klabin,
com R$ 20 mil e a Unimetal, com R$ 11,5 mil; contabilizando um total de R$ 6,5 milhões,
aproximadamente. Já a Lei do Audiovisual, com R$ 6,6 milhões, ou seja, é praticamente o mesmo
volume captado pela Lei do Audiovisual e pela Lei Rouanet. Esses números, diante do que ouvimos
aqui hoje à tarde, são importantes para análise de vocês, tanto para saber quais são as empresas que
estão investindo realmente na atividade, para que haja uma possibilidade de abertura maior. Porque
realmente é uma concentração muito grande, os maiores investidores continuam sendo as empresas
estatais. As empresas privadas têm uma participação muito pequena dentro de um universo de
grandes empresas que nós temos no país. Mais uma coisa: pelo Artigo 39, a maior programadora
investidora foi a HBO, em 2º lugar a Turner (TBS), em 3º lugar a Discovery, em 4º a FOX Latin
America, em 5º a MTV, em 6º a Playboy TV, em 7º a Buena Vista, em 8º Direct TV Latin America,
mais uma outra divisão, em 9º a MGM e em 10º a MultiThématiques, que é uma empresa que
funciona junto com a TV5, o canal de língua francesa. No 1º semestre de 2005, os valores
recolhidos pelo Artigo 39 foram algo em torno de R$ 7,4 milhões e, no 1º semestre de 2006, foram
R$ 5,9 milhões, quase R$ 6 milhões, o que dá uma redução de 18,7%. Esses são os números para se
possa analisar a atual situação em que se encontra o mercado brasileiro de cinema e do audiovisual,
já que temos também recursos que são destinados à produção de obras nacionais que são exibidas
na televisão como, por exemplo, [as séries] Mandrake e Filhos do Carnaval. E, esse é um artigo
que está sendo muito pouco utilizado pelo produtor brasileiro. Tais recursos, inclusive, não
demandam captação, eles estão alocados numa conta do Banco do Brasil. A partir do momento que
a programadora decide investir em um projeto, ela faz uma carta para a Ancine dizendo que aquele
projeto terá o patrocínio dela no valor de “X”. A Ancine avalia o projeto do ponto de vista
burocrático para saber se a empresa está dentro das normas que a legislação exige e, no momento
que for considerado aprovado, imediatamente o recurso é transferido da conta bloqueada para a
conta de movimentação da produtora e ela poderá começar a fazer o projeto. Não há captação, não
há 10%. Tem que haver uma disponibilidade dos produtores em apresentar projetos pelo Artigo 39
para as programadoras estrangeiras. Posso mandar para a Fundacine a relação dessas programadoras
que devem ser procuradas para receber os projetos que vocês têm interesse. É claro que isso vai
depender da programadora aceitar ou não o projeto, é sua definição. Assim, há muitas coisas sendo
feitas e há espaço para serem feitas outras tantas. Coloco-me à disposição de vocês para qualquer
tipo de questão, sem censura, sem nenhum constrangimento, sem absolutamente qualquer tipo de
75
imaginação de retaliação por parta da Agência com relação a qualquer questão que vocês queiram
colocar. A ouvidoria é a representante do cidadão dentro de uma agência, e qualquer agência, por
lei, é obrigada a ter uma ouvidoria. Ela representa os cidadãos, então, eu represento vocês e todo o
segmento dentro da Agência. Estejam à vontade, para perguntar, criticar e sugerir o que vocês bem
entenderem.
Espectadora: Gostaria de parabenizar a Agência Nacional de Cinema porque, em todas as
solicitações, questionamentos e dúvidas que nós tivemos e recorremos a ela, sempre fomos
atendidos. Gostaria de fazer uma pergunta sobre o Artigo 39. Particularmente, acho bastante
interessante esse artigo e vejo que algumas programadoras que já tivemos contato carecem de um
pouco de informação. Bom, a instrução diz que a produtora deve se manifestar com uma carta de
interesse da programadora, mas parece que houve uma mudança, onde carta de interesse já não é
mais suficiente, deve haver um pré-contrato ou um contrato. Eu gostaria de saber se existe essa
mudança ou é só uma coisa que está sendo repensada. E outra coisa, essas relações que o senhor
estava colocando, inclusive a lista com os contatos, já estão no site da Ancine?
Zeca Zimmerman: Sim, a maioria. Algumas dessas informações aqui não estão disponíveis no site
por uma questão operacional, mas elas vão estar o mais rápido possível. Quanto a essa questão do
Artigo 39, iniciaram algumas negociações que as programadoras estavam tentando fazer com os
produtores, pedindo para que eles cedessem os direitos para exibição em qualquer lugar do mundo a
troca de um plus que não iria resolver a vida do produtor. Então, hoje a Ancine já está bastante
atenta a essa questão não deixando que haja um prejuízo para o produtor com relação a uma
possível tentativa de utilização, ao invés de ser somente no mercado interno. O que eles pagam é
pelo mercado interno, para que essa mesma quantia seja destinada também à exibição do produto no
mercado externo. Os contratos estão sendo vistos, mas isso não é uma norma de comportamento do
mercado. Com relação à carta de apresentação, não é a Ancine que dá a carta. O produtor, no
momento que consegue detectar a programadora que seria mais interessante para apresentar seu
projeto, e, quando a programadora o aceita e faz a sua análise do ponto de vista financeiro, a carta
para a Ancine concordando tanto com a questão orçamentária quanto com a questão do roteiro do
programa que vai ser feito. Essa é a norma de comportamento.
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SEMINÁRIO MECENAS NA REPÚBLICA
O financiamento público à cultura
Painel 4. Leis de incentivo à cultura em outros municípios: relatos.
Painelistas: Carla Prestes – Prefeitura de Belo Horizonte.
Humberto Gabbi Zanatta – Secretário de Cultura de Santa Maria (RS)
Luiz Carlos Moreira – Engenho Teatral (SP)
Selma Moreira Félix – Prefeitura de São Paulo.
Dia 24/10/2006 às 18h
Carla Prestes: [...] Não há nenhum tipo de intervenção, seja da Presidente da Fundação ou do
Prefeito na Comissão Municipal de Incentivo à Cultura (CMIC), que se reúne no prédio da
Fundação, três vezes por semana, usando a sala da assessoria da Lei para análise dos projetos,
leitura, sem intervenção externa. Os membros da Comissão não podem receber remuneração de
qualquer natureza. Por lei instituímos, desde 2002, o Grupo Técnico Assessor, que é formado por
oito especialistas, sendo que são dois para artes cênicas e dois para música, porque são áreas que
têm maior número de inscritos. Os membros são convidados pela Presidente da Fundação e são
pessoas inseridas no mercado, donos de produtoras, escritores, atores, diretores de teatro. Enfim,
pessoas que conhecem a fundo a área, e que emitem pareceres, mas não pontuam projetos. Trata-se
de uma análise técnica do projeto, se o orçamento está de acordo, se é um projeto superfaturado ou
subfaturado. Resumindo, é uma análise da planilha orçamentária e do cronograma do projeto, feita
por esse Grupo Técnico Assessor, cujos nomes não são divulgados durante a análise para que a
classe artística não interfira de nenhuma forma no decorrer dos trabalhos deles. A assessoria da Lei
de Incentivo trabalha com alguns núcleos: Núcleo de Atendimento, para atender, tirar dúvidas,
repassar informações aos empreendedores, onde pessoas interessadas podem agendar horário; o
Núcleo Administrativo, que assessora a CMIC no que ela precisar, também coordenar arquivos,
fazer as cartas que a CMIC manda para os empreendedores; e o Núcleo de Prestação de Contas faz
análise da prestação de contas dos projetos. Tratando-se de projetos que recebem um recurso
público, entendemos que a prestação de contas deve ser bem feita, comprovando a devida utilização
77
do recurso repassado ao empreendedor, naquela proposta que foi apresentada à Comissão. O Núcleo
de Acompanhamento de Projetos (NAP), que funciona para acompanhar mesmo os projetos: vamos
aos eventos, até as entidades que fizeram a proposta de projetos e que foram aprovados, sejam
grupos de teatro ou circo, vamos até o local. Quando há problemas, eles nos comunicam. Se não
conseguirmos resolver por telefone ou por e-mail, vamos até o local e buscamos uma saída para o
ocorrido. Na verdade, não é interesse nosso somente fiscalizar. Se aquele projeto foi aprovado,
temos o interesse que ele seja bem realizado, bem executado. Se o grupo precisa de um lugar para
ensaiar, por exemplo, e não está conseguindo, a gente consegue, procuramos o local para ensaio e
realização do espetáculo. E o Núcleo de Informação e Pesquisa, que realiza a pesquisa e os dados
estatísticos, gráficos, etc, da Lei Municipal de Incentivo, que estão à disposição de todos. Nós já
vínhamos fazendo o estudo da Economia da Cultura dentro da Assessoria da Lei, e há um início de
trabalho que é mostrar para o setor financeiro, que libera os recursos, que nós abrimos postos de
trabalho e envolvemos profissionais.
Álvaro Santi: Obrigado à Carla, Assessora da Lei de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte. Vou
apresentar a mesa: Humberto Zanatta, Secretário da Cultura de Santa Maria; Selma Félix,
Coordenadora da Lei de Incentivo à Cultura do Município de São Paulo; e Luiz Carlos Moreira,
produtor e diretor teatral do grupo Engenho Teatral, de São Paulo. Passando a palavra para o
Humberto.
Humberto Zanatta: Minha saudação à coordenação da mesa, meus colegas que estão participando
deste painel e ao público. Gostaria também de agradecer a oportunidade que nos dão para
dividirmos com todos vocês, especialmente com os colegas de São Paulo e Belo Horizonte, essa
experiência de leis de incentivo à cultura. Na verdade, sirvo-me da carona da Carla, que fez
belíssimos quadros e vou trabalhar também um pouco do que ela falou e nos projetou nos painéis.
Nós temos uma lei de incentivo à cultura municipal, que aprendemos com as leis de Belo Horizonte,
de Juiz de Fora, de Curitiba, de Caxias e com a de Porto Alegre. A nossa lei foi instituída em 1996 e
foi implementada somente em 1999. E semelhante a Belo Horizonte nós não temos o fundo de
incentivo à cultura, mas o incentivo através da renúncia fiscal, do ISSQN, do IPTU e do Imposto de
Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), podendo ser [a renúncia] não menos que 2% e não mais que
5% [ao ano]. Nós alcançamos em Santa Maria, uma renúncia fiscal em torno de R$ 1,1 milhão,
nesses 3 impostos. Temos na Secretaria de Cultura aproximadamente um orçamento de R$ 1
milhão, no máximo R$ 1,3 milhão, em um orçamento total do município que chega a R$ 120 a R$
78
125 milhões. Certamente bem aquém de São Paulo e Belo Horizonte. Quando nós implantamos a
Lei, em 31 de agosto de 1999, naquele final de semestre tivemos apenas dois projetos
encaminhados e aprovados. Coincidentemente, um deles de cinema e outro deles de uma produtora
que hoje tem nome nacional, a Cida Produtora de Eventos, que se consolidou a partir também deste
trabalho. No primeiro ano, nós aprovamos em torno de 47, que foram captados, e vem crescendo:
em 2000 nós tivemos R$ 81 mil captados; em 2001, R$ 358 mil captados; em 2002, R$ 555 mil
captados; em 2003, R$ 773 mil captados; em 2004, R$ 825 mil captados; em 2005, R$ 824 mil e
em 2006, até agora, já temos R$ 914 mil captados. Um dos problemas que ocorre, no caso do
ISSQN é que talvez ele seja o mais fácil de ser captado, o que às vezes nos dá problemas porque,
esse ano, por exemplo, em agosto tivemos que impedir que continuassem através dele. Mas ficou só
liberado o IPTU e o ITBI. Por que isso? Porque ultrapassaria a cota dos 5%. No caso, a nossa lei vai
até 5%, mas estava previsto esse ano até 3%, e iríamos ultrapassar esses valores. Nós temos ainda
um resto, até o final do ano, possível de ser captado, em torno de uns R$ 80 mil, mas apenas no
IPTU e no ITBI. Sobre a estrutura, temos semelhança com Belo Horizonte. Temos uma Comissão
de Incentivo da Lei, com 13 membros e com nove áreas. Nossas áreas hoje são áreas que atingem
música e dança; teatro, circo e ópera; cinema, fotografia e vídeo; literatura; artes plásticas e artes
gráficas; folclore e artesanato; acervo de patrimônio histórico; museologias e bibliotecas. São nove
áreas ao todo, que certamente poderão ser condensadas para talvez seis, sete ou oito áreas. Cada
área tem um representante que é eleito pelo segmento e a Secretaria de Cultura indica três membros
e mais o Secretário, que é membro nato nessa Comissão. A nossa previsão seria abrir três editais
por ano, mas a nossa realidade fez com que abríssemos apenas um edital por ano, até os grupos se
organizarem e se constituírem como possibilidade de renda e de trabalho. Hoje temos em Santa
Maria, mais de 10 grupos organizados que trabalham com a Lei de Incentivo à Cultura, as pessoas
que acrescem a sua renda, aquilo que fazem como incentivadores culturais ou como
empreendedores culturais. Mas tivemos que limitar e, em vez de fazer três editais por ano, estamos
fazendo um edital por ano. A partir do recebimento dos projetos, é realizada uma análise, pela
comissão da lei ou comissão normativa e, como o sistema de Belo Horizonte, cada conselheiro tem
completa autonomia. Após, vai para a votação e o parecer será aprovado ou não, e pode ser pedida
revisão. Nós ainda não limitamos, mas vou citar o exemplo: no ano passado tivemos em torno de 85
a 90 projetos que foram a um total de R$ 2,4 milhões, mais ou menos. Nós não tínhamos o recurso,
e o máximo que poderíamos aprovar era R$ 1 milhão, ou R$ 1,1 milhão. Discutimos na Comissão
se iríamos analisar todos os projetos ou se faríamos um corte de 50%. Optamos por analisar projeto
79
por projeto. Evidentemente, o representante de cada área tem autonomia para sugerir cortes no
projeto e nós da Comissão, integrantes da Comissão, conhecemos um pouco da realidade do
mercado de Santa Maria: os estúdios, as gráficas, conhecemos quem trabalha com teatro, com
música, literatura. Certamente, todo artista merece ser bem remunerado, mas temos um dado
concreto que é a realidade do orçamento. Então, como nos balizamos para remunerarmos os
oficineiros? Hoje, além da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), nós temos mais sete
instituições de ensino superior. Trabalhamos os valores das bolsas das universidades, seja de
iniciação à pesquisa, seja das bolsas da Orquestra Sinfônica. Assim, o trabalho do oficineiro não
ultrapassa, na nossa Lei, R$ 600 reais [mensais]. Pode ser que seja baixo, mas é uma realidade de
mercado que trabalhamos em Santa Maria, porque os oficineiros, o pessoal das artes em Santa
Maria trabalha com esse valor. A mesma coisa acontece com os músicos, aqueles que vivem em
Porto Alegre são muito melhor remunerados que os bons e talvez até melhores artistas que temos no
interior fazendo o mesmo trabalho. Mas nós temos que remunerar, às vezes, dentro da nossa
realidade, mesmo que a capital remunere mais e melhor. Nós também privilegiamos,
evidentemente, os artistas de Santa Maria, mas não impedimos que trabalhos com o perfil regional
possam ser contemplados na nossa Lei. Por que isso? Porque temos consciência que, bem ou mal,
Santa Maria é uma cidade pólo na região e muitos artistas às vezes que vão para lá são oriundos das
comunidades regionais, que vêm para a universidade cursar artes cênicas ou música, outros cursos
da universidade, e acabam também se integrando naquela efervescência cultural da cidade. Nós
facilitamos ou possibilitamos que um evento financiado ocorrer além de Santa Maria, também possa
ser apresentado pelo mesmo grupo em São Pedro do Sul, em São Sepé, Itaara, Júlio de Castilhos,
Tupanciretã, prestigiando os municípios da região. Uma outra questão que a lei incentiva, é a
questão da efervescência dos novos talentos. Como, por exemplo, pessoas com projetos financiados
pela Lei se tornam escritores. Neste ano, financiamos uma obra de uma pessoa que teve uma
experiência no garimpo na Amazônia. Quando o projeto entrou, houve dúvidas se deveríamos
financiar um projeto sobre garimpo na Amazônia. Ele lançou o livro na semana passada, uma
pessoa que teve uma experiência e havia cursado apenas a quarta série do Ensino Fundamental. A
Lei de Belo Horizonte coloca muito bem, não só os grandes, os consagrados, mas também ter a
visão de revelar talentos. Hoje, Santa Maria tem mais de 70 grupos de rock e alguns grupos de
artistas, que começaram com projetos de teatro incentivados pela nossa lei, como a Manoela do
Monte, que fez o trabalho “A casa das Sete Mulheres”. Ela continua trabalhando na TV Globo e
começou com um projeto de incentivo à cultura no teatro, em Santa Maria. Uma outra questão:
80
temos que usar o argumento para o Secretário de Finanças de que a Lei de Incentivo ou os
empreendedores ajudam a arrecadar. Por exemplo, cerca de 70 a 80 projetos sendo incentivados na
cidade, as pessoas vão atrás do IPTU, ISSQN ou ITBI, fazendo com que coloquem tais recursos em
um projeto. Diferentemente de Belo Horizonte, onde são colocados 20%, podem ser destinados para
um projeto cultural 30% do ISSQN ou IPTU, em Santa Maria. O cidadão pode divulgar seu nome
em um projeto cultural, e na verdade não é dinheiro seu, mas uma renúncia do imposto municipal,
Assim, ao invés de destinar 100% para pagar o IPTU, ele pode destinar 30% para um projeto
cultural. Vou dar um relato, temos em nossa lei quatro possibilidades: doação, que deduz 100%; o
apoio cultural, que deduz 90% e o empresário, renunciante, deve colocar 10%; o patrocínio que
deduz 80% e o empresário tem que colocar 20%; e o investimento, que deduz 40% e teria que entrar
com 60% para ter participações nos lucros. Tivemos até hoje, em sete ou oito anos da Lei, apenas
um projeto de apoio cultural. Os outros todos são de doação. Santa Maria é o município do interior
do Estado que tem maior poupança. Assim, não é o empresário que está investindo na cultura, é o
município que está deixando de investir em outras áreas, seja na infra-estrutura ou educação, para
oportunizar que as pessoas possam destinar 30% para um projeto cultural. E nós temos dificuldade
nisso. Não é apenas a questão de consciência dessa possibilidade, mas é também a idéia de que
possa se levar um pouco de vantagem nisso. Então, a questão que a Lei é boa deve ficar clara,
porque as pessoas alegam que não têm conhecimento da Lei ou que a Lei é pouco divulgada. Mas o
que ocorre? As pessoas querem uma vantagem da Lei, associar o nome da empresa ou de uma
pessoa à divulgação de um projeto cultural. Temos um Conselho Municipal de Cultura, talvez
diferentemente de outros municípios, e que trabalha em grau de recurso para avaliar projetos da Lei
de Incentivo à Cultura, diferente do Estado, onde os projetos são avaliados pelo Conselho Estadual
de Cultura. O Conselho Municipal de Cultura de Santa Maria faz a definição das políticas mais
amplas do ponto de vista da cultura do Município, e só atua na Lei de Incentivo à Cultura em grau
de recursos. Quem analisa todos os projetos, como em Belo Horizonte, é a Comissão Normativa, ou
comissão da LIC, com autonomia, e o primeiro recurso é para a Comissão e, em outra instância, é
para o Conselho Municipal de Cultura. Temos a assessoria de instituições, a própria Universidade,
para questões mais complexas. Mas a estrutura são duas pessoas que orientam, que falam com as
pessoas, que recebem todos os projetos. São permanentes, do quadro da prefeitura. E há um
contador, que faz a análise dos balanços da lei. E 11 ou 12 membros trabalham sem remuneração,
como em quase todos os conselhos públicos. Hoje podemos dizer que temos a Lei de Cultura em
Santa Maria com uma razoável liberação de R$ 1 milhão, R$ 1,1 milhão, o que não é pouco para
81
um cidade com orçamento de cento e poucos milhões de reais, e o orçamento da Secretaria, que não
chega a R$ 1,5 milhão. Muito obrigado.
Álvaro Santi: Obrigado ao Humberto Zanata, secretário municipal da cultura de Santa Maria. Vou
passar a palavra à Selma Félix, que é Coordenadora da Lei de Incentivo à Cultura do Município de
São Paulo.
Selma Felix: Creio que, das leis de incentivo, a de São Paulo é a mais antiga, Dezembro de 1990, e
vem no rastro da destruição que o Collor fez no sistema de cultura que existia. É o momento em que
ele acaba com todo o tipo de investimento à cultura na cidade de São Paulo. Na época da Luiza
Erundina, começa-se a pensar como poderia haver um movimento para volta da vida cultural. São
Paulo sofreu muito com a quebra do sistema, e foi feito um acordo com Marcos Mendonça,
vereador na época, e que apresentou um projeto de lei de incentivo que hoje é um balizador
inclusive da Lei Rouanet. Trata-se do primeiro projeto e da primeira lei. A Prefeita Luiza Erundina
aprovou, porque entendeu que era muito importante para a cidade. Temos uma história muito
interessante porque foi criada uma lei que acabou realizando projetos do Brasil e não só do
Município, pois permitia que se fizessem projetos de fora de São Paulo. A prioridade era para
produtos em São Paulo, mas autorizava projetos para fora do Município, porque trazia imposto para
a cidade. Por outro lado, com a evolução das leis de incentivo e da história do incentivo, vemos que
houve faltas. A Lei de Incentivo tinha inicialmente dois pilares: o incentivo fiscal, que era para criar
um mercado de patrocinadores, e o fundo de cultura, que visava incentivar projetos que não
tivessem apoio mercadológico. No entanto, o fundo de cultura foi instituído, mas nunca funcionou
como tal e a Lei de Incentivo cresceu ao ponto que, em alguns momentos, os recursos para a Lei de
Incentivo foram superiores ao recurso da própria Secretaria Municipal de Cultura, criando uma
distorção muito grande. Por outro lado, a Lei de Incentivo em São Paulo reflete o mesmo que a Lei
Rouanet: basicamente quem consegue incentivos são projetos de mercado. Por quê? Porque a idéia
é exatamente essa, que se criasse um mercado de patrocinadores forte que viesse a incentivar
projetos mercadológicos e no futuro, essa comunidade cultural não ficasse refém do poder público
como era antes da Era Collor. Assim, no momento em que se acaba a Lei de Incentivo se cria uma
crise absurda porque não havia outro mecanismo que suportasse a demanda cultural. E, ao mesmo
tempo, o poder público fazia política pública para aquele mercado cultural que não se inserisse no
apelo mercadológico de patrocinadores. A lei é de 1990, temos 16 anos de Lei e hoje discutimos se
esse mecanismo atingiu os objetivos. A pergunta é: atingiu os objetivos, deve permanecer e, se não
82
atingiu, por que não o fez? Qual seria a melhor forma de podermos incentivar? Na Lei de São
Paulo, os incentivadores do recurso que repassarem para o projeto poderão utilizar 70% para abater
os impostos de ISS e IPTU. Basicamente, temos o ISS, pois o IPTU não representa praticamente
nada de renúncia fiscal. O orçamento da cidade de São Paulo é de R$ 17.233.928.200. O orçamento
da Secretaria de Cultura é de R$ 171.702.895. E o da Lei de Incentivo, que deveria ser entre 2% a
5% do ISS e IPTU, caiu vertiginosamente nos últimos anos e nesse ano foram liberados R$
11.108.041. Na cidade de São Paulo, o incentivo fiscal não é renúncia, é benefício fiscal, é dotação
orçamentária, sujeita a contingenciamento da Secretaria de Finanças. E nós temos grande
dificuldade, porque a Secretaria de Finanças entende que não é um recurso necessário. A Lei
inicialmente começou com R$ 40 milhões, os quais não foram utilizados, e foi caindo no decorrer
dos anos. Hoje cremos que R$ 20 milhões seria um número baixo, mas razoável. Tal valor está
muito aquém das nossas necessidades, mas em função de toda essa discussão sobre o apoio à
cultura na cidade de São Paulo, a Lei tem sofrido muitas transformações na forma de
operacionalizar as questões da área. Um recado que o Secretário de Cultura de São Paulo passa a
todos os secretários de cultura deste país e, no caso, de Porto Alegre: deve haver política cultural e
não pode ser um mero repassador de verbas para os produtores culturais. Houve momentos em São
Paulo, em que a Lei de Incentivo à Cultura possuía mais recursos que a própria Secretaria de
Cultura. São Paulo, hoje, tem uma rede de 100 bibliotecas, considerando inclusive bibliotecas
menores. Temos mais de 20 centros culturais, temos teatros na periferia, ou seja, precisamos de
recursos, precisamos fazer política cultural. Fizemos oficinas e outros programas de incentivo. A
Lei, quando foi criada, na esteira de uma ditadura, dizia que os projetos deveriam ser analisados por
uma comissão formada por membros da sociedade civil, majoritariamente, e pelo poder público. E
cada projeto deveria ter um valor de incentivo. Durante anos, essa comissão só pode falar sobre o
processo orçamentário do projeto. Eis uma questão que vamos mudar, pois um projeto não pode ter
somente um aspecto orçamentário. O fato de analisá-lo sob o seu aspecto de conteúdo e de contexto,
não quer dizer que é um dirigismo cultural. Nesse ano, foi criado um grupo de trabalho dentro da
Secretaria para analisar todos os projetos antes do encaminhamento para a comissão que avalia a
questão orçamentária e o interesse público na realização do projeto. Ou seja, qual a pertinência
cultural do projeto, se atende às necessidades da cidade, das áreas de maior carência, sugerem um
valor de incentivo para o projeto... por exemplo, o projeto pode ser de R$ 20 bilhões e os grupos
acharem que vale R$ 1 mil. O limite máximo de incentivo público passou de R$ 1 milhão, que era
até o ano passado, para no máximo R$ 500 mil, porque os recursos diminuíram. Já tivemos R$ 40,
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passou a R$ 20 milhões e, este ano, começamos com R$ 8 milhões e chegamos a R$ 11 milhões. E
a idéia é mostrar para esse mercado que eles devem conseguir os recursos fora da Lei. Em São
Paulo, há muitos produtores culturais que dizem que já existe o mercado de incentivadores para esse
tipo de projeto e que, portanto, a lei pode mudar. Nós não sentimos isso, ou seja, a lei de incentivo
não vai terminar, mas estamos sentindo algumas coisas. A diminuição de incentivo para um projeto
acarreta a não realização deste projeto, ou ele vai se realizar com outro incentivo. Fizemos o
caminho oposto a Belo Horizonte, onde sempre incentivávamos o valor total do projeto e agora
temos incentivado uma parte, mas na aprovação do incentivo o empreendedor precisa comprovar de
onde virá o restante dos recursos, ainda que sejam recursos próprios, e garantir a realização integral
do projeto independente do valor de incentivo dado. É uma mudança muito grande e, com isso,
estamos começando a perceber qual é a realidade do mercado de incentivadores. Porque a lógica de
incentivo na cidade de São Paulo se mostra muito perversa: até o Jô Soares busca uma lei de
incentivo, porque o seu incentivador, como tem a possibilidade da lei de incentivo, orienta-o a ir
buscá-la. É claro, a cidade de São Paulo tem interesse que aconteça o Cirque du Soleil em São
Paulo, pois a cidade possui um turismo cultural muito importante para nós. Mas eles já tinham
patrocinadores fortes, tanto que aconteceu sem o patrocínio da cidade de São Paulo. Até analisou-se
o projeto, que era de mais de R$ 10 milhões e sugeriu-se R$ 30 mil, considerando que eles iam
fazer uma temporada popular, levando ONGs, porque queremos que haja uma contrapartida social.
Mas eles acharam que R$ 30 mil não eram suficientes e o projeto aconteceu de qualquer forma. Em
São Paulo a prestação de contas tem sido bastante cuidada por nós. Em 2001, havia um atraso na
análise de prestação de contas, mas hoje temos uma equipe que analisa e usamos em São Paulo o
sistema de adiantamento bancário: precisa ter dito que ia gastar R$ 10 e ter gasto esses R$ 10, não
pode ser R$ 11, não pode ser R$ 9,5. Creio que deveria haver uma análise do produto cultural e não
análise contábil: deveríamos analisar por amostragem a parte contábil. Às vezes, demora meses para
analisar a prestação de contas de um único projeto, pois é algo muito difícil, mas temos conseguido
que uma equipe faça todo esse trabalho. Em função de toda crise que aconteceu em São Paulo, a
Secretaria tem criado programas de fomentos que têm proporcionado bons resultados: O Programa
VAI14
, para projetos de jovens da periferia no valor de até R$ 17 mil. Temos os programas de
Fomento ao Teatro, Fomento à Dança e Fomento ao Cinema. Mas a grande discussão é: nós não
podemos apenas ficar repassando recursos aos produtores culturais. A palestra do Prestes foi muito
interessante e muito instigadora porque, se houver um mercado de cultura forte, se houver uma
14 Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais (VAI), instituído pela Lei Municipal 13.540/2003.
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indústria gráfica grande, se houver uma produção importante nessa área, vai haver incentivo à
cultura. Se houver empresas fonográficas importantes em uma cidade, vai ter mais espaço para
gravar CDs. Não só com as prefeituras repassando recursos para os produtores culturais, o que é
muito importante, mas também propiciar que essa produção cultural possa surgir independente
disso, já que nem sempre o poder público vai ter recursos para repasse. Até porque ele tem outras
prioridades e, muitas vezes, essa acaba se perdendo.
Álvaro Santi: Vou passar a palavra para o Luiz Carlos Moreira que é diretor e produtor teatral do
grupo Engenho Teatral, de São Paulo.
Luiz Carlos Moreira: Minha fala provavelmente vai ser um pouco dissonante do que estamos
ouvindo na mesa: a Selma falou fundamentalmente da Lei de Incentivo em São Paulo e citou outros
programas, entre os quais o Programa de Fomento ao Teatro15
. Para me situar, participei da redação
do Programa de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo; da redação de um projeto de lei que
cria um Fundo Estadual de Arte e Cultura no Estado de São Paulo; de um projeto de lei para o teatro
brasileiro e de um projeto de lei que muda o Fundo Nacional de Cultura. Esses dois últimos estão
engavetados. Bom, vou particularizar minha fala a partir da experiência do teatro e a partir da
experiência de São Paulo. Quando digo que a voz será um pouco dissonante, vou começar dando
um histórico para situar o Programa de Fomento ao Teatro, o qual tem um outro recorte, um outro
olhar e outras perspectivas que o tal incentivo. Diria que há um certo consenso que o teatro
moderno, em São Paulo, surge com o Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, uma iniciativa de um
industrial chamado Franco Zampari. Ele contrata diretores técnicos, cenógrafos fundamentalmente
italianos, mas técnicos e atores brasileiros e, da mesma forma que cria o TBC, cria o Estúdio Vera
Cruz de Cinema. No início dos anos 1960, o TBC estava falido e quebrado e o governo do Estado
ainda assumiu por um período essa massa falida, que continuou assim. No final da década, não só o
TBC, mas outras iniciativas empresariais, a maior parte delas tocadas pelos próprios artistas como
Paulo Autran, Tônia Carrero, Adolfo Celi, Sérgio Cardoso, Lídia Nícia, Maria Della Costa, Sandro
Polônio, uma série de outros e pequenos produtores empresariais também estavam todos, não diria
quebrados e falidos do ponto de vista financeiro, mas haviam sumido do mapa. Houve um
momento, em São Paulo, que tínhamos um único espetáculo em cartaz. No início dos anos 1970,
por conta da total falência do mercado, através da ACET, Associação Carioca de Empresas
Teatrais, e tendo como um dos principais ideólogos o Paulo Pontes, a classe teatral vai ao Governo
15 Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, instituído pela Lei Municipal 13.279/2002.
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Federal reivindicar o incentivo e o financiamento da produção teatral. O SNT, Serviço Nacional de
Teatro, é reestruturado e assume o órgão Orlando Miranda, que era presidente da ACET. A
perspectiva está colocada em textos com toda fundamentação ideológica e conceitual, ou seja, o
teatro precisava de financiamento para a produção empresarial. Orlando Miranda desenvolve uma
série de projetos e, no centro, o chamado “Teatro Brasileiro” que era um financiamento a juros
subsidiados, através da Caixa Econômica Federal, que de alguma forma persistiu até os anos 1990.
Costumo dizer que em 1979 acende a luz vermelha, pois o mercado não estava funcionando. Em
São Paulo, surge uma entidade chamada Cooperativa Paulista de Teatro, que hoje congrega mais de
três mil sócios e tem mais de 800 grupos. O que quero dizer com sinal vermelho? Como o mercado
“não funcionava”, os artistas continuavam desempregados e, sem ter quem os contratasse, passaram
a se juntar, produzir e fazer teatro. É lógico que existem outros ingredientes ideológicos, mas
chegamos numa situação, no teatro brasileiro, extremamente estranha: parte significativa da
produção teatral era controlada por coletivos de artistas profissionais e não pelo empresário
produtor. E eu diria mais: não apenas em quantidade, mas também em qualidade estética, estava nas
mãos desses coletivos teatrais. Então, este é um sintoma que o mercado e o incentivo ao mercado
não estavam funcionando já em 1979. Como essa política de financiar os empresários e o mercado a
juros subsidiados não deu certo, entramos no que eu costumo chamar de ópera bufa ou no samba do
crioulo doido: as leis de incentivo. Qual é o conceito de lei de incentivo? O Estado não vai mais
financiar o empresário e o mercado, o Estado vai dar dinheiro público para que banqueiros,
industriais, comerciantes, ou seja, empresários de outras áreas, peguem o dinheiro público para
investir no chamado marketing cultural. Então, não se trata mais de dinamizar o mercado
financiando a empresa e o produtor, trata-se de dar dinheiro público para que outros empresários
usem-no em seu marketing cultural. Detalhe, o substantivo é marketing, cultural é adjetivo.
Nenhum marqueteiro de nenhum Bradesco vai investir em cultura. Ele vai investir no marketing do
Bradesco, usando a cultura como valor agregado para ele. A cultura entra como um supérfluo, como
uma imagem, como um valor agregado. E o dinheiro público passa a ser administrado de uma forma
privada. Ou seja, quando a Selma coloca a questão da política pública, o Estado nesse momento se
omite enquanto administrador dos recursos públicos e passa a peteca para um gerente de marketing.
Esse é o conceito do tal incentivo, acreditando que, com isso, irá gostar e irá colocar dinheiro do
próprio bolso em cultura. Mas porque ele vai colocar dinheiro do bolso se ele pode usar dinheiro
público? Então, o incentivo, mesmo que já seja louco conceitualmente enquanto incentivo ao
mercado, ele é mais louco ainda porque desincentiva o mercado e aqui tivemos exemplos na fala do
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secretário de Santa Maria, onde os empresários preferem usar a doação porque não colocam um
tostão do bolso. Só para dar um exemplo, o Cirque du Soleil foi trazido a São Paulo pela CIE, que é
uma empresa de capital mexicano, e que trabalha associada à Editora Abril, em São Paulo. Ela
produz os espetáculos da Broadway no Brasil, mas na Broadway londrina e na norte-americana há
um empresário investindo, correndo risco de mercado para auferir lucros com o seu produto e com a
sua mercadoria. No caso brasileiro, a CIE usa recursos públicos para produzir fantasmas e
miseráveis. E, no caso do Cirque du Soleil, foram mais de R$ 9 milhões dos cofres públicos para o
Bradesco dizer que ele está trazendo o Cirque du Soleil. Quem trouxe foi o Governo Federal, com
R$ 9 milhões. Na ponta do lápis, a maior parte da grana não é da Petrobras. E olha que ela é uma
empresa pública. A maior parte da verba é do Imposto de Renda. Então, do ponto de vista
conceitual, já houve um deslocamento: não se trata mais de financiar o empresário ou mercado, mas
dar dinheiro público para empresários de outras áreas investirem em cultura. Esse deslocamento, na
prática, ao invés dele incentivar o mercado, ele desincentiva. O Fantasma da Ópera, por exemplo,
levou mais de R$ 3 milhões dos cofres públicos. Bom, frente a isso, o que eu gostaria de situar é
que, quando pensamos em política pública, pensamos logo em ações do governo. E, nos últimos
anos, no Brasil, o único programa público de cultura que tivemos foram as leis de incentivo. Então,
na verdade a lei de incentivo se apresenta como uma forma autoritária, porque se transforma no
único programa público, e pauta e baliza o pensamento da questão pública. Ela baliza em que
termos? A relação entre cultura, Estado e sociedade é apenas uma questão mercadológica? E ela
tem que ser enquadrada em “custo x benefício”, mercado de trabalho, geração de emprego? A
função de um espetáculo teatral é gerar emprego? É gerar valor? É fabricar dinheiro? Em São
Paulo, ouvimos de movimentos de artistas, de poetas, que o comum quando se fala em política de
cultura é o incentivo às editoras e, portanto, à indústria do livro, não é ao poeta e ao escritor, é
fundamentalmente à indústria do livro. Bom, essa ditadura de uma lei única ou de um programa
único e o desvio conceitual de que política pública é o que o governo faz nos levou a um
movimento em São Paulo chamado Arte Contra a Barbárie. Não estou falando em nome do
movimento, apesar de participar do movimento, mas dentro dele lançou-se um determinado
manifesto pautando algumas questões. Primeiro, que cultura não pode se reduzir a mercado,
conceitos, valores e metodologias mercadológicas. Segundo, que cultura, e dentro da cultura as
manifestações artísticas, são necessidades e eu não vou entrar agora na discussão desses conceitos.
Vou ter que ser categórico e fazer algumas afirmações, mas cultura e arte é necessidade e direito. E
está, inclusive, na Constituição Federal, Constituição de Estado de São Paulo e Lei Orgânica de
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Município de São Paulo. E é dever de Estado, até pelo poder legal. Dentro do conceito de república
e dentro do conceito de democracia representativa, a cultura, em tese, é vista dessa forma. Mas isso
que em tese se colocou e legalmente se constituiu nas constituições foi derrubado pelo conceito de
que cultura é mercadoria ou conceitos como auto-sustentabilidade e tudo mais. Bom, a partir do
Arte Contra a Barbárie, passamos a pensar política pública de cultura centrada em 3 pilares. De um
lado, ação de governo, que em tese é eleito com base em um programa, ou seja, em tese o programa
foi escolhido pela maioria e vai executar o programa eleitoral. Em tese, porque sabemos que
programa eleitoral não significa coisa nenhuma e muito menos programa de cultura. E, como o
governo tem a caneta na mão e vai estabelecer junto ao legislativo o orçamento, põe o que quer. Se
ele diz que não há dinheiro é porque está colocando o dinheiro em algum outro lugar. Política e
orçamento é questão de escolha e a escolha não está sendo para a cultura. Só para dar um exemplo,
o governo Lula deu 500 e tantos bilhões de reais para o capital financeiro. Então, o governo tem a
caneta na mão, em tese tem um programa eleitoral e tem a escolha, para isso foi eleito, de alocar
recursos e desenvolver as ações governamentais. Mas entendemos que política pública não pode ser
apenas ação de governo: defendemos a necessidade de uma política de Estado. Entramos, então com
o conceito de programas públicos que sejam independentes da vontade do governo de plantão. É um
programa de Estado e o governo é obrigado a executar. O governo é Poder Executivo, e ele não é
tutor da sociedade, não é mandante, é nosso funcionário e nosso servidor público. Ou seja, cabe ao
governo executar e não mandar. Não é proprietário do patrimônio público, ele é um mero
administrador de plantão. Quando dizemos programas públicos, entendemos que a lei de incentivo é
um programa, ele jamais vai dar conta da realidade cultural. Os programas deveriam existir tantos
quantos nós, sociedade, partidos, poder Executivo, Legislativo, conseguimos construir. E mesmo
que se tenha a capacidade política para construir historicamente programas de Estado que obriguem
o executivo a executar, sabemos que esses programas também não vão dar conta da realidade, até
porque a realidade, principalmente na área cultural é muito mais rápida que a instituição. Então,
surge a terceira questão, que são os fundos. Enquanto o programa para nós tem um caráter estrutural
e estruturante, o que não quer dizer dirigismo do Estado, os fundos teriam um caráter mais
conjuntural. E, para eles existirem, devem ter orçamento próprio. Se estamos em uma república, a
sociedade tem que estabelecer, através dos poderes, o que ela vai gastar nesses programas com
cultura. E não é nenhum burocrata economista, com suas pretensas leis econômicas e sua pretensa
racionalidade de um mercado irracional que não funciona, que vai dizer ou que vai contingenciar,
para usar um termo técnico, uma receita estabelecida pelos poderes. Assim, para nós, programas e
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fundos só existiriam através de leis com recursos próprios para serem executadas quer o governo
goste, quer o governo não goste porque foi estabelecido por uma república e por um Estado, que
está lá para executar. É óbvio que entendemos que esses programas e esses fundos devem ter caráter
de edital público. Eis a particularidade de cada programa, de cada fundo. Entendemos que política
pública se constitui com ação de governo, com programas estabelecidos em lei, com caráter
estrutural e estruturante e com fundos que funcionariam através de editais e que cobririam os vazios
não preenchidos pelos programas, ou até mesmo pela inexistência desses, na medida em que nossa
articulação nesse sentido não está nem engatinhando. O fundo cobre a ausência do programa, a
lacuna do programa ou situações emergenciais ou conjunturais, com editais que constantemente
estão sendo refeitos através de um processo democrático. O Programa Municipal de Fomento ao
Teatro de SP surgiu como um exemplo pontual desses conceitos. Ele não é incentivo ao mercado, é
um programa municipal de fomento ao teatro para a cidade de SP e não é para a classe teatral, é
para a cidade. E uma situação difícil, porque a própria classe teatral de SP entende que democracia
dá um pouquinho para cada um. Então, vamos distribuir o dinheiro público de forma igualitária,
para que todos ganhem e tudo continue na mesma, porque não se estrutura nada com uma
distribuição de dinheiro. É um conceito de distribuição de renda, de bolsa família, de fome zero,
assistência social. Nada contra a distribuição de renda, nada contra os direitos de qualquer
corporação de ofício disputar o bolo público, ou melhor, as migalhas do bolo público, porque o
grande sabemos para quem vai. Mas não estamos falando em política de distribuição de renda,
estamos falando de política pública de cultura. Nesse sentido, o fomento não se dirige ao mercado,
não se dirige ao produtor, dirige-se ao grupo de teatro, por entender que a organização da produção
na forma coletiva do grupo, é uma forma de produção mais avançada que a produção empresarial.
Sinteticamente, em uma produção empresarial você tem um produtor que arregimenta profissionais
para produzir uma determinada obra. Acabou essa obra, teve lucro ou prejuízo e vai novamente
repetir de uma forma descontínua onde o objetivo deve ser necessariamente o lucro porque ele não
sobrevive e essa é a função do mercado empresário. No caso do grupo, tal não acontece pela própria
organização da produção. No caso do empresário contratar, ele define que vai montar este texto e
não aquele, porque a escolha é dele, o dinheiro é dele, em tese. E quando ele define que vai ser este
diretor e não aquele diretor, obviamente já definiu qual a obra. Ela não vai ser uma criação do
artista, vai ser uma linha de montagem, em modos empresariais “fordistas”, já ultrapassados
inclusive pelo sistema capitalista. Há um sistema vertical, hierarquizado, de produção, onde cada
um a partir de uma organização e de um planejamento chamado ensaio de mesa divide suas funções
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e irá executar o mais rápido possível, em um, dois ou três meses, porque deve estrear e porque há
custos. No caso da organização de uma produção de grupo, normalmente é um processo que leva
um, dois anos ou mais. Há uma participação do coletivo. É essa forma de produção onde todos
participam e onde a obra nasce a partir dos artistas e o artista não é contratado, ou seja, contrata-se
mão de obra para executar o produto. No caso do grupo é o contrário. O fenômeno artístico surge a
partir da característica daqueles artistas, da vontade daqueles artistas. O fomento acredita que isso é
mais rico, é mais democrático e tem gerado obras muito mais significativas. Agora, um processo
desses não é eficiente, não é produtivo, não é competitivo e jamais poderá ser auto-sustentável. Dez
malucos que ficam um ano pesquisando para estrear um espetáculo, não há bilheteria que pague
isso. Para dar um exemplo, domingo passado assisti ao Teatro Oficina, em São Paulo, um
espetáculo em que havia mais de 50 pessoas mobilizadas no esquema de trabalho, não há bilheteria
que pague isso, ou seja, não cabe no mercado. Não só na organização da produção ou com o
público. Principalmente porque a obra e a criação que surge desse tipo de processo, normalmente,
não é uma obra estética nos moldes conservadores hegemônicos. Conservadores no sentido que
conserva e reproduz aquilo que é hegemônico, que a sociedade reconhece naquele momento como
reflexo de sua identidade que é o mercado. Normalmente, esse tipo de produção vai na contra-mão.
Mas o fomento não é uma criação do governo, é uma criação que a sociedade colocou no
Legislativo e o Executivo sancionou. E há uma série de outros conceitos, diria até técnicos. Por
exemplo, é uma lei regulamentada, onde nós regulamentamos o Executivo, com procedimentos que
é obrigado a cumprir, pois há prazos e valores. E quem julga é uma comissão, mas com voto de
Minerva do Governo, e não cria nenhuma burocracia dentro da Secretaria. Enfim, o fomento se
destina a projetos continuados e não a produtos ou eventuais ajuntamentos provisórios. Os recursos
foram quase da ordem de R$ 8,5 milhões, e ano que vem devem bater na casa dos R$ 9 milhões.
Para cada projeto, esse ano, o limite era de R$ 529 mil, e o projeto pode ter até dois anos de
duração. E mais, o executivo está proibido pela lei até de estabelecer formulário porque, através
dele, pode-se dizer o que pode e o que não pode se colocar no orçamento. Ou seja, quem apresenta a
proposta é o artista. O Estado e o poder público vão julgar o interesse público dessa proposta, mas
não vai dizer para o artista como enquadrar o seu projeto. E também não há prestação de contas do
dinheiro, mas sim do serviço. E só para provocar: ninguém pergunta para uma construtora que fez
um viaduto onde o dono da construtora colocou o lucro que teve. O que deve dar conta é do
viaduto. No caso do teatro, se deve dar conta é do projeto e de seu plano de trabalho. Mesmo
90
porque, é maquiagem pura. Cria-se um monstro de burocracia para brincar de faz de conta que
estamos sendo sérios. [...]
Plateia: [...] Gostaria de destacar um ponto: a Selma falou sobre não haver uma consciência dos
produtos advindos das leis de incentivo, e fazer uma ponte com a fala de ontem do professor [Luís
Carlos] Prestes [Filho]. Estou no Ministério da Cultura há uns cinco anos. No final da gestão
passada, foi solicitada uma proposta para avaliação de desempenho da atuação do Ministério.
Minha proposta foi simples e casou com a ideia do ministro de fazer um relatório do já realizado
naqueles anos. O Ministério da Cultura separou-se do Ministério da Educação, e outras secretarias
foram criadas. E bem ou mal, com todas estas distorções que estamos vendo, esses mecanismos de
financiamento já estão em andamento durante anos e foram gerenciados por governos que se
opunham a ele. A atual gestão se opunha ou criticava a Lei Rouanet e o incentivo cultural, passou a
gestão e estão firmes. O Fumproarte, em Porto Alegre, também é um mecanismo que se opunha
ideologicamente ao incentivo fiscal e está perdurando, por quê? Porque ele atende a certos
interesses, exatamente aqueles interesses daqueles interlocutores da política que sustentam a
existência do Ministério, secretarias: os artistas, os produtores e também novos atores. Temos
produtores especializados em projetos culturais e temos os institutos culturais de grandes empresas.
E estes atores novos têm muito interesse na manutenção do que foi construído. Quando olhamos
esta plateia, vemos que há interesses muito diversificados, dependendo do mecanismo, se é uma lei
federal ou uma lei de projetos que envolvam muito dinheiro e o interesse vem do próprio
departamento de marketing cultural, ou então algumas leis de incentivo, principalmente quanto
menor for o valor, como o caso de Santa Maria ou aqui de Porto Alegre... Agora, estes mecanismos
estão relativamente estáveis e temos que pensar isso como um dado. Não há hoje, do ponto de vista
da alternância de poder, ameaça à continuidade desses mecanismos, mas há disputa da equipe
econômica que quer cortar e nós teremos interesses em serem mantidos ou até expandidos. Então, o
que vejo é que devemos ter noção de como o dinheiro público está sendo gasto. E hoje, não temos
tal noção. A primeira coisa, em minha opinião, e que defendi junto ao Ministério, é termos
consciência para onde vai o dinheiro. E com a ideia de produtor, podermos discutir com nossos
órgãos de controle formas que não nos transformem todos em contadores. E fazendo uma rápida
ponte com a questão de ontem, podemos pensar em alargar esses interlocutores da polít ica cultural a
ponto de também atendermos uma demanda mais geral de cada setor. Vimos ontem muito
claramente, e vemos quando estudamos sobre capitalismo no Brasil, que esta história do dinheiro de
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graça, sem risco ou com bônus não é privilégio negativo da área cultural. Então, ontem foi colocado
muito claramente que, se deixarmos de ter incentivo aqui, talvez não tenhamos música de conteúdo
nacional. E não podemos deixar de olhar nossas distorções e, principalmente, saber onde estamos
gastando, saber aonde vai nosso dinheiro, para podermos nos planejar também.
Álvaro Santi: O próximo inscrito é o Munir Klant
Munir Klant: Inicialmente, farei perguntas menos retóricas e mais práticas. Eu não entendi, em
Porto Alegre não se usa o IPTU, como se dá? O artista vai direto a uma pessoa ou empresa e
recolhe esse dinheiro? Pergunta número um. A pergunta número dois é sobre a questão da “Arte
Contra a Barbárie”. Há um site onde podemos ler mais material sobre isso? E a regulamentação
dessa política, aqui comentada, mais direcionada para grupos e também a legislação para
entendermos melhor como se deu o financiamento? Entrando em um terreno um pouco mais
retórico, ontem, enquanto se falava do Museu Iberê Camargo, alguns números impressionam a
classe cultural, como “o Museu custou 35 milhões de reais”, que não se discuta o valor do Iberê
Camargo nem o valor que uma obra dessas vai ter no Estado, mas começamos a notar, quem é
produtor cultural ou quem gerencia cultura, é que acaba havendo uma distorção uma tanto esquisita,
para quem vê de fora... Há uma série de prédios e instituições, por exemplo, o Iberê Camargo, o
Gasômetro, o Centro Vida, lá na Zona Norte, a Casa de Cultura Mário Quintana, que são prédios
estatais, com custo estatal altíssimo, que tiveram uma construção caríssima, manutenção e reforma,
mas, ao mesmo tempo, é estranha a falta de política de manutenção de grupos. Existe
direcionamento de projetos, mas não existe a manutenção. Vejo como a criação de um laboratório
de tecnologia sem investimento para cientistas, então, se importam cientistas ou tecnologia e o
laboratório se torna uma redundância política. Ou seja, é bonito esse monumento ou essa
construção, mas ele não se efetiva enquanto relação social entre a classe artística e a funcionalidade.
Essa foi uma pergunta em aberto, daquelas cheias de pontos de interrogação no meio dos
parágrafos.
Zeca Zimmerman: Eu tenho impressão que a digressão que eu queria fazer é um pouco mais
longa, mas sou obrigado, do ponto de vista existencial. Eu fui produtor de teatro em São Paulo.
Produzi Ponto de Partida, que foi um dos espetáculos mais premiados da história do teatro
brasileiro, e foi com dinheiro do meu bolso, junto com Othon Bastos e Arthur Werneck, pois havia
a Comissão Estadual de Teatro, que destinava poucos recursos. Tenho impressão de que o que
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mudou foi a ousadia, foi a forma mais fácil de fazer teatro. Hoje eu trabalho na Ancine. Depois do
teatro, fui ser produtor de cinema, e tenho a experiência de que a essência da criação mudou,
inclusive a forma de se obter recursos para a produção teatral. O Teatro Oficina não tinha
subvenção de ninguém, e fui produtor e diretor do Teatro Oficina. Nós fazíamos teatro com o
dinheiro que o teatro gerava. O Teatro de Arena fazia teatro com o dinheiro que gerava. As sessões
começavam às terças-feiras e terminavam domingo, e hoje temos sessões três dias por semana. É
muito mais fácil hoje trabalhar na TV Globo e usar sua estampa e procurar um patrocinador para
trabalhar três dias por semana no teatro. Isso não é forma de teatro. Teatro é muito diferente disso.
A Cia. Vera Cruz não foi à falência por uma questão de capacidade de administração. Seu sonho
simplesmente se esboroou em razão de uma distribuidora americana chamada Columbia Pictures,
que pegou um filme chamado O Cangaceiro e jogou na lama. O filme dava para construir duas
Vera Cruz. O Teatro Brasileiro de Comédia de Franco Zampari tinha apoio da colônia italiana e
conseguiu manter o teatro até um determinado momento, de Maria Stuart a todos os espetáculos
históricos brasileiros que não vemos mais hoje, a semente foi criada no Teatro Brasileiro de
Comédia. Um espetáculo de esquerda, escrito pelo Francesco Guarnieri e dirigido por Flávio
Rangel, foi encenado no Teatro Brasileiro de Comédia. As pessoas ousavam. Se o Teatro Brasileiro
de Comédia faliu, não foi pela incapacidade de administração, mas sim porque o modelo de teatro
mudou e ele não teve condições de acompanhar. Então, creio que precisamos analisar que, a partir
de um determinado momento, houve a transposição daquilo que se considerava uma certa condição
de realização teatral que não tinha medo de experimentar. Um espetáculo chamado O Balcão, em
São Paulo, que não tinha patrocínio, que não tinha Lei Rouanet, não tinha lei municipal, não tinha
nada e era um espetáculo em que havia mais de 50 pessoas trabalhando na parte técnica. Desculpa
por eu estar fazendo uma remissão histórica, mas é importante. Foi um espetáculo que teve uma
construção de cenário que até hoje ninguém fez no mundo... A Ruth Escobar teve a coragem de
trazer o Victor Garcia para dirigir e o espetáculo ficou em cartaz durante dois anos. Hair foi feito
sem um incentivo fiscal, e o público ia assistir. Mudou o modelo de produção, mudou o produtor
cultural, mudou a intenção do ator em relação ao teatro. Naquela época, não havia televisão e todos
viviam de teatro. Algumas pessoas faziam TV Tupi ou TV Excelsior, mas a essência do seu salário
era o trabalho teatral. Então, tenho a impressão que, se hoje, de alguma maneira, o incentivo
cultural é utilizado de forma a levantar a cortina e achar que o teatro não precisa da bilheteria e, se
as pessoas quiserem fazer com que os espetáculos de teatro voltem a ter público, elas vão ter que
conquistá-lo de novo, porque da forma como está é muito complicado.
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Selma Félix: Vou começar respondendo à questão de qual o resultado do conhecimento da lei de
incentivo à cultura em SP. Não é que não conhecemos o produto, é que a lei foi feita para criar um
mercado de patrocinadores. O que aconteceria se nós não estivéssemos incentivando o
patrocinador? Acabaria o patrocínio? Essa é a pergunta que se faz em São Paulo. Se a Embratel não
tivesse a Lei Rouanet, a Lei Mendonça, a de Belo Horizonte ou outras leis, se estaria colocando seu
dinheiro em projetos culturais. Porque hoje isso está no marketing e não no produto cultural. E aí eu
tenho alguns questionamentos, na produção de teatro, por exemplo, sabemos qual é o resultado:
muita produção e pouquíssimo tempo de apresentação. Temos curtas temporadas, porque o produtor
cultural ganha na realização do projeto. Não precisa, inclusive, ter bilheteria, ou seja, nenhum de
nós precisa assistir, está tudo pago. Hoje, incentivamos em São Paulo galerias de arte que vendem a
obra do seu artista. Ele paga em torno de 60% para poder expor naquela galeria e nós pagamos por
isso. Outro dia, o diretor do Museu de Arte Moderna relatou que foi procurar um patrocínio junto a
uma operadora de cartão de crédito para uma exposição e a diretora de marketing disse: “Adoramos
incentivar o Museu de Arte Moderna, nós queremos que você faça uma exposição com o logo da
nossa empresa". O diretor: “Vocês querem pautar o Museu de Arte Moderna de SP?” E é isso que
nós temos que discutir, ninguém é contra patrocinar as leis de incentivo a cultura. Elas existem, têm
que existir e sempre existirão, o que nós estamos discutindo em São Paulo é se a lei de incentivo
fiscal ao patrocínio deve permanecer da forma que existe. Creio que deve continuar, mas temos que
criar outro mecanismo, criar o fomento ao teatro que a “Arte Contra a Barbárie” tirou do Executivo.
E tem que haver uma política pública de incentivo: não podemos simplesmente dar dinheiro para o
produtor cultural. Não sei como é na Lei Rouanet, mas em São Paulo é assim que funciona. Noutro
dia, conseguimos barrar, e nem sempre conseguimos, um livro sobre um grande grupo empresarial
para contar a sua história. Não desvalorizo a história do grupo empresarial, mas com o dinheiro
público? E, na verdade, eu não vou dizer dinheiro público, mas vou falar no meu dinheiro, eu pago
impostos na cidade de São Paulo. Ou seja, o meu dinheiro não é para fazer propaganda de bancos,
nem de empresas. Não me incomodo que o meu dinheiro vá para a realização de um produto
cultural, agora, fazer livro para vender a imagem institucional de empresas não é possível. Estamos
impedindo, dentro do possível, o patrocínio privado, quer dizer, o Instituto Itaú [Cultural] não vai
receber incentivo do Banco Itaú pela lei de São Paulo. Nada contra o Instituto Itaú, nada contra um
livro sobre um hospital da cidade de São Paulo que vai ser distribuído para os clientes da cidade de
São Paulo, mas com dinheiro público, com o meu dinheiro, não.
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Luiz Carlos Moreira: Na França, por exemplo, no caso de Artes Cênicas, teatro, dança, como se
entende que é uma produção intermitente, ou seja, quando o profissional trabalha um certo período
do ano e o demonstra, o outro período do ano em que, pela própria natureza sazonal, ele não
trabalhou, o Estado o banca, pois há um seguro social, recebendo um salário no período em que não
está trabalhando. Aí, estamos falando de seguridade social, aqui estamos discutindo política pública
de cultura. Tentando rapidamente colocar algumas questões: A primeira com relação a incentivo, e
só tenho uma pergunta a fazer: Por que o Estado, ou seja, o município, os governos estadual e
federal, não usam renúncia fiscal e impostos, e administram para a cultura de forma pública,
democrática e transparente? Por que repassar esse dinheiro para o marketing privado? É somente
essa a pergunta que faço. O dinheiro é para o marketing ou para cultura? Torno a dizer, marketing é
substantivo, cultura é adjetivo. Se 2 a 4% do IPTU ou do ISS são para a cultura, que a Prefeitura
administre publicamente o dinheiro, através de formas democráticas e não apenas repasse para a
iniciativa privada. Com relação a site do Arte [Contra a Barbárie] e do Fomento [ao Teatro de SP],
podemos enviar para algum site todos os projetos de lei que saíram lá e já algumas discussões que o
processo do fomento gerou em São Paulo. Sobre a questão dos espaços, eu maldosamente costumo
dizer que, às vezes, o governo confunde política pública com zeladoria, ou seja, a cultura pública se
restringe à administração do patrimônio público, portanto não está voltado para a produção cultural
da sociedade. Não que esteja desprezando a estrutura do Estado, não se trata disso, mas temos nos
pautado em tentar voltar mais para a sociedade, quando a gente diz política pública de cultura, do
que para o patrimônio estatal. Zeca, creio que tudo que você falou é perfeito e não contradiz. Não é
uma questão de incompetência. Até quando você fala do exemplo do TBC em luta contra a
Columbia, só está dizendo uma coisa característica, ou seja, o mercado não funciona. O mercado
significa centralização de verbas na mão de poucos, e estou falando em escala global, e exclusão da
maioria. Agora, na ponta do lápis, se pegarmos empreendimentos da natureza que citei e
colocarmos oito dias de bilheteria lotada, não se pagam os custos. E se você tirar o aluguel do
teatro, não paga sequer a mídia, pois, ela custa mais caro que a própria produção e manutenção. E o
teatro é uma produção artesanal. E hoje, querendo ou não, teatro é entretenimento. Não é nem
diversão, é distração. Se for realizado um teatro combativo, irá falir, porque o público já foi
formatado pela indústria cultural e quer distração, e o teatro combativo não vai oferecer distração.
Não é uma mercadoria vendável, está na contramão daquilo que a indústria cultural e o mercado
formataram. Não defendo tal coisa, só estou dizendo que, pela lógica do mercado, não é uma
questão de competência ou não, mas a conta não fecha mais. Um dia talvez ela tenha fechado, aliás,
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nos anos 1960, que foram os exemplos que você deu, e que no final dos anos 1960, quebraram e
faliram. O Roberto Schwarz diz que houve um tempo que o Brasil estava irreconhecivelmente
inteligente, pois havia um público que se reconhecia naqueles espetáculos. Hoje, para se reconhecer
nele o público é muito pequeno. Ele quer ver o ator da Globo, e mesmo isso já não funciona mais,
por conta do incentivo. É muito mais vantajoso produzir uma peça com a lei de incentivo: são feitas
meia dúzia de apresentações nas capitais, cobrando um absurdo de bilheteria e depois se joga na
gaveta e é produzida outra, porque na estréia já se enriquece com o dinheiro de incentivo. Enquanto
política cultural, também nesse sentido, é extremamente maléfica. E também não está funcionando
mais como lei de incentivo, o que estou querendo dizer é que, se pensarmos a cultura a partir da
lógica do mercado, vamos cair em entretenimento, em mercadoria e distração. E se formos pensar
no audiovisual, não há como concorrer com a indústria americana, nem a Europa consegue. As
regras são da mercadoria e não regras da cultura. Temos que ter política pública de Estado e ela não
pode ser balcão de negócios nem gerência de mercado, porque senão vamos dizer que alfabetização
tem que ser auto-sustentável. Porque a universidade privada hoje o que é? Quem não estiver em dia
não entra, ou seja, o direito à educação foi substituído pelo direito do empresário cobrar por um
serviço que está vendendo. O direito à educação hoje, se pensarmos em termos de universidade
pública, é isso. Para a cultura é a mesma regra. Cultura não pode ser, não é e não vai ser auto-
sustentável no mercado. Ela não se paga, ela é direito, necessidade e cabe ao Estado bancar. O que é
interessante definir é politicamente uma escolha. Qual é o papel do Estado: tem ou não que alocar
recursos? Publicamente como vamos fazer isso? Estamos sugerindo ação de governo, programas
estabelecidos em lei e fundos.
Álvaro Santi: Obrigado. Vamos a outra rodada de perguntas, começa com o Plínio Marcos
Rodrigues, do Depósito de Teatro e Movimento dos Grupos de Investigação Cênica de Porto
Alegre.
Plínio Marcos: Ontem o professor [Luís Carlos] Prestes falou da necessidade de se atacar com
violência o mercado. Os grupos de trabalho continuado e investigação cênica aqui em Porto Alegre
fazem isso diariamente no seu cotidiano de investigação, nas oficinas, circulação de espetáculos
pelos bairros e na manutenção da sedes próprias, onde a pauta são as relações humanas. Nós
atacamos de frente o mercado, mas em uma batalha desigual e diária. Fica claro para nós do
movimento que as leis de incentivo são em primeiro lugar muito boas para ao empresário, para
quem trata a arte como um produto cultural que dá visibilidade, que é vendável. Qual é, então, o
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retorno para a população? Se essas leis de incentivo trazem artistas consagrados, artistas de grande
mídia, através de grandes produtoras e cobram ingressos caríssimos, qual a parcela da população
que consegue acessar esses espetáculos incentivados? É pela democratização da arte que o
movimento propõe uma lei de fomento municipal nos moldes das leis de fomento de São Paulo. Por
isso brigamos tanto para que o Moreira viesse aqui fazer o relato da lei de fomento em São Paulo.
Queria que tu falasses da mudança no panorama da relação do teatro com a população depois da
vitória do “Arte Contra a Barbárie”.
Álvaro Santi: Outra pergunta é para o Secretário de Cultura de Santa Maria: “Restringir um valor
de cachê ao artista local não é uma maneira de afastá-lo da sua cidade natal, principalmente os
artistas mais especializados?”
Beto Rodrigues: O seminário é bom até pelo fomento que ele provoca, o arejamento, troca de
idéias, mas ele não é essencialmente um espaço de trabalho. Evidentemente, o desdobramento de
um seminário, principalmente no caso da lei municipal de Porto Alegre vai ter que resultar numa
comissão, um grupo de trabalho representativo da sociedade civil e do poder público. Mas é
interessante que as coisas surjam de maneira fragmentada e algumas em absoluta contradição.
Gostaria de falar sobre duas ou três coisas. Primeiro, que é difícil dizer que a arte é essencialmente
um valor simbólico. Desde as comunidades primitivas, quando uma pessoa era liberada do trabalho
na terra para ser sacerdote, político ou artista, a comunidade tinha que sustentá-lo. Então, a arte não
é só um valor simbólico, é também uma troca, uma relação econômica, uma cumplicidade, mesmo
em uma sociedade global ou local. Então, primeiro, isso é um mito, entende? Se pensarmos
estrategicamente o que vem sendo a história da relação poder público, arte, cultura, no Brasil,
veremos que existe uma descontinuidade política absoluta, em cada era, em cada nova etapa, não
vou dizer em cada governo, mas por ciclos políticos, ciclos históricos. E creio que uma das coisas
mais perigosas é a tentação que temos, que faz parte da nossa formação, e uma boa referência seria
o Sérgio Buarque de Hollanda, para entender a trajetória do país, que é a necessidade constante de
reinventar a roda, ou seja, nós criamos um patamar de políticas públicas, mas está tudo errado e
temos que reinventar tudo. Entendo, evidentemente, como qualquer pessoa sensata, que as leis de
incentivo, isso que o Moreira denuncia como sendo “a” política, se referindo como única política
pública... Essa preocupação de que o mercado como intermediário... que estamos cansados de ouvir
em todos os debates, e que gera uma simplificação e aponta para uma solução canhestra que é
simplesmente questionar a existência das leis de incentivo, isso é pobre. Se vemos o que aconteceu
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no Brasil de alguns anos para cá, se não houvessem as leis de incentivo, o que temos precariamente
intitulado “mercado cultural” no Brasil não existiria. Pelo menos, as leis deram uma base para
socializar um pouco os recursos públicos culturais. E lembro que a política de fundos, que muitas
pessoas apontam como democrática, em oposição às leis de incentivo, já gerou algumas distorções
monstruosas como a Embrafilme. Ela não passava para empresa privada alguma, a não ser a própria
empresa, que era a Embrafilme. Era recurso público que, teoricamente, deveria ser distribuído de
forma democrática através de análise de projetos, concursos, etc, mas, como todos os fundos são
vulneráveis porque tem seres humanos julgando os projetos, não se evita que existam influências de
relação de trabalho, de amizade, etc. Dizer que os fundos são a democracia absoluta é uma falácia,
como não foi. Com o tempo, a Embrafilme foi se tornando um clube de amigos e um grupo de
produtores, especialmente do Rio de Janeiro, que passou a ter 80% dos recursos da Embrafilme. Foi
simploriamente uma das razões da crise do cinema brasileiro no final dos anos 1980, com a queda
da qualidade dos filmes, afastamento do público das salas, mais os mandados de segurança dos
donos de cinema que não queriam cumprir a cota de tela. Isto formou um arcabouço político que
deu legitimidade para ao [Presidente Fernando] Collor, no primeiro dia de governo, terminar com a
Embrafilme e outros mecanismos. Isso se deveu a uma política que, teoricamente, era o ente público
que deveria assumir essa responsabilidade. Ou seja, nada é infalível, nada deixa de ser passível de
ser burlado. Creio que seria inteligente preservar e aperfeiçoar o que existe, que é o mecanismo das
leis de incentivo. E combinar num sistema híbrido, inteligente, com os fundos públicos. O caso
Fundo Nacional de Cultura precisa ser repensado. O Fundo Estadual de Cultura do Rio Grande do
Sul sequer foi implantado ainda, e o Fumproarte, que é um exemplo bem sucedido, mas que
também é passível de ser repensado em alguns aspectos... Creio que a recombinação dessas
políticas, como a lei que foi criada em São Paulo e que a sociedade decide sobre o poder público, é
pensar de maneira multilateral e não exclusiva. E para fechar, diria que a provocação que foi feita
aqui, me perdoem, ela é pobre, especialmente o que foi feito sobre um filme não precisar de
bilheteria, mas os produtores se remuneram... Existe esse pensamento em um percentual muito
pequeno de velhos produtores brasileiros, que ainda são herdeiros da época da Embrafilme, mas eu
vejo a esmagadora maioria de produtores de cinema do Brasil hoje preocupados sim com a carreira
do filme, ou seja, com a inserção do filme no mercado, com a rentabilidade que ele possa ter, dessa
capacidade dele não ficar restrita a uma mídia, mas atingir o mercado de DVDs, conseguir entrar na
televisão. Eis aí um problema muito maior: o Brasil deu liberdade da concessão e a televisão pensar
o que ela quiser e colocar no ar independente do que a sociedade quer ver, entende? Mas o produtor
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brasileiro está preocupado, sim, com a carreira dos filmes. Tanto que, para provar que o que foi dito
aqui não é correto é que, ao mesmo tempo em que temos filmes que não se pagam, com 20, 30 mil
espectadores, temos blockbusters brasileiros que chegam a quatro milhões, três milhões, e que são
voltados puramente para o entretenimento, como os filmes da Xuxa e algumas exceções como o
caso de Olga, do Jayme Monjardim. Então, é muito mais complexa essa discussão do que
simplesmente ficar ironizando que, hoje, os produtores estão apenas interessados em pegar a grana
da lei e tampouco estão preocupados com o resultado do seu produto. Isso não é verdade, é
simplificar a discussão.
Álvaro Santi: Obrigado Beto, voltamos à mesa.
Selma Felix: Desculpa, eu não quis ironizar, na verdade era uma tentativa de repensar um pouco a
lei de incentivo em São Paulo, na área de cinema é um pouco diferente, mas a história do
incentivo...
Luiz Carlos Moreira: Então eu vou ironizar mais ainda, tá?
Selma Félix: Bem, no cinema não sei, mas na área de Artes Cênicas, em São Paulo, os projetos
culturais que têm sido apresentados na sua grande maioria são para curtas temporadas. E nós
sentimos que o empreendedor, como o chamamos, faz três, quatro projetos por ano, com um tempo
de um mês na cidade e depois faz um excursão, volta e pede para fazer de novo o mesmo
espetáculo. Creio que empobrece a história cultural. Ser dado R$ 500 mil para montagem de um
espetáculo que vai acontecer em uma cidade como São Paulo oito vezes durante um mês, sem uma
contrapartida social, ou seja, o público não tem tempo suficiente para assistir o espetáculo... Para
fazer essa reflexão, na área de cinema eu sei que é um pouco diferente. Até pelos valores, em São
Paulo damos uma pequena parte, mas na área de teatro isso tem sido muito questionado, não há uma
contrapartida. O espetáculo ficou pouco tempo e, quando fica um mês, é bastante. Então,
incentivamos a produção, mas não incentivamos o tempo dessa produção na cidade. Para nós,
parece ser importante.
Luiz Carlos Moreira: Eu falei que iria ironizar mais, e aqui há uma discussão para constituir um
programa qualquer no Município. É isso que estou entendendo. Primeiro, disse em minha fala que
os programas, por melhores que sejam, jamais vão dar conta da realidade cultural. A minha
proposta eram ações de governo e programas, e disse que a lei de incentivo é um programa, só que
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ele foi transformado em “o” programa. É voz única, e isso para mim é totalitarismo. E fundo, para
mim, é um terceiro pé da política pública. Eu não acredito no Estado, porque nada mais é que a
forma de organização máxima do mercado. Se o Estado está quebrado e falido é porque o mercado
está quebrado e falido, porque não consegue mais pagar o seu custo de reprodução da mercadoria. O
mercado já não gera valor para pagar custos, por isso o Estado quebra. Esse falso conflito entre
Estado e mercado para mim é bobagem: só estou cobrando aquilo que, ideologicamente, este
sistema coloca. Ou seja, coloca que eu sou cidadão e que eu tenho direitos, está na Constituição. Eu
estou cobrando. Não acredito no Estado, mas eu estou puxando a corda sim. Estou cobrando aquilo
que me prometeram. Pergunto para a cidade de Porto Alegre: qual a escolha de vocês? Vocês vão
dar dinheiro público para gerentes de marketing de empresas dizerem qual o projeto que irá apoiar
ou vocês vão quebrar a cara entre vocês mesmos, discutindo publicamente, através de editais, de
fundos, através de programas, como o dinheiro vai ser aplicado? Aí é o samba do criolo doido, é
disputa política, e nem sempre isso também dá certo. Foi citado o exemplo da Embrafilme, e não
conheço a história dela, mas sei que era uma empresa pública, ainda assim uma empresa, e não um
fundo. Não sei se havia editais ou concorrência pública. Agora, o cinema não vai enfrentar as
majors. Como público, vejo que o cinema que eu assistia quando era jovem no Brasil não era o
cinema que eu assistia de Hollywood. Hoje o cinema brasileiro, em grande parte, é o cinema de
Hollywood. Central do Brasil para mim é melodrama, e aí estou falando com conhecimento de
causa. Desculpas, mas é melodrama. O cinema americano faz isso há cem anos e melhor que nós.
Então, o nosso cinema, em parte, foi formatado pelo mercado. Estou falando como público, não
como especialista, e o que estou colocando é que devem ser feitas escolhas. Vocês darão o dinheiro
público para ser administrado por um marqueteiro de plantão ou vão se olhar na cara, e quebrar pau
através de cada edital, através de cada formulação para que seja administrado de forma democrática
e aberta? Não é fácil essa construção. Fui questionado sobre a experiência de São Paulo, com
relação ao fomento dos grupos, e sinteticamente o que posso dizer é que o fomento tem quatro anos,
na prática ele não tem, nem meia década de experiência, mas sentimos que a qualidade de reflexão
dos grupos, como eles se posicionavam perante o teatro, perante a obra, perante o público, mudou
significativamente. O grau de preocupação e realização desse teatro com o público vai muito além
do circuito tradicional, hoje você tem um movimento articulado que vai muito além disso e que
conseguiu se espraiar pela cidade de São Paulo. Não foi só pelo fomento, mas o fomento de certa
forma estruturou trabalhos com continuidade e que sem esses recursos não teriam a mínima
possibilidade, nem de lei de incentivo. E volto a fizer, fomento não dá conta da dimensão teatral,
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não pode ser entendido como um programa único nem para teatro. Por exemplo, hoje o governo
federal discute um plano nacional de cultura. Eu tremo nas bases, é camisa de força. Se for um
plano nacional para governo executar, perfeito, mas ele não pode ser o único plano do Estado.
Então, querem ter incentivo? Tenham, mas entendam que não pode ser o único. Quer um fomento?
Tenham, mas também não vai dar conta.
Humberto Zanatta: Cada um olha do ponto de vista do local que está, mas não é possível misturar,
dizendo que todas as leis de incentivo são iguais, pois nem todas tem a fortuna que tem São Paulo
ou outras capitais. Praticamente em 100% dos nossos projetos não aparece quem doou, pois é
apenas como lei de incentivo à cultura. Então, não existe o marketing, porque ele vem no jogo do
mercado. A outra questão que foi perguntada sobre o IPTU... É o empreendedor quem vai buscar o
recurso diretamente com quem financia, ou através das imobiliárias. E a outra questão sobre se
restringe ou não o mercado... Nós não temos dinheiro para pagar o preço de Porto Alegre para um
artista. Temos que nos adequar, pois há R$ 1 milhão para projetos. Temos que pagar dentro de uma
realidade de mercado ou dentro de uma realidade dos artistas de Santa Maria. Alguém com mais
currículo, com mais qualidade, certamente será melhor avaliado. São alguns critérios. Agora, a lei
de incentivo à cultura de Santa Maria evidentemente não financia nenhuma grande empresa,
também não temos grandes empresas. Elas estão na lei de incentivo do Estado. A CEEE, a AES-
SUL, a Corsan não vão entrar para financiar a lei de incentivo à cultura de Santa Maria. Creio
também que o fundo não é a melhor questão. Nós abrimos editais para as pessoas concorrerem, para
os empreendedores concorrerem, talvez sejam mais democráticos que o fundo. Agora, há questões
que levariam seminários e mais seminários para discuti-las: formação de público, de como a escola,
as famílias e os meios de comunicação incentivam ou fomentam a cultura...
Rosa Campos Velho: Vou procurar ser o mais objetiva possível. Sou da área de teatro e trabalho
com dança também. Temos essa preocupação e pergunto: o que é feito para após o incentivo,
colocar meu espetáculo em cena? Eu também sou síndica de um espaço público e naturalmente a
grande maioria dos nossos teatros são públicos. Nós temos os nossos teatros sucateatos e não temos
plateia. O que deve ser feito em relação a isso?
Luís Carlos Prestes Filho: Eu queria parabenizar o Zeca pela sua colocação, porque creio que não
há problema algum em o artista plástico ganhar dinheiro vendendo os seus quadros, assim como não
há problema em um grupo de rock ganhar dinheiro vendendo seus shows. Existe uma certa mania
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de achar que ganhar dinheiro com cultura é vergonhoso. Vejo que é importante colocar como tarefa,
entre várias outras questões, a luta pelo mercado. E quero lembrar que temos dezenas e dezenas de
jovens hoje que estão atuando no funk carioca, na periferia do RJ e que ganham dinheiro com a sua
batalha diária Estão ali vendendo shows, CDs, fonogramas, interagindo no mercado e inclusive
acompanhando firmemente as suas políticas de direito autoral, vendo quais os direitos que eles têm
na área de música. Não há vergonha em viver vendendo o seu produto, o que você batalha, pelo que
você cria. E eu quero apenas deixar uma mensagem, lutem pela bilheteria sim. É importante lutar
pela bilheteria. Lutem para vender seus CDs, DVDs, seus livros. Não é vergonhoso vender o
produto cultural e não apenas esperar um dinheiro público que irá cair nas suas mãos. Zeca, eu
apenas gostaria de agradecer pelo seu depoimento e, na verdade, você demonstrou o quanto cada
vez mais estamos nos acovardando frente ao mercado e não lutamos pelo mercado. Nós devemos
lutar pelo mercado. Estamos dentro de um país capitalista, eu creio que não existe capitalismo
bonzinho, melhorzinho, mais selvagem ou menos, capitalismo é capitalismo. Então, é uma falta de
responsabilidade querer dizer que você vai lutar pela cidadania que está incluída na Constituição e
aí vai criar, vai buscar soluções para tal. É uma falta de responsabilidade. Nós temos que procurar
entender como funciona a cultura dentro da Economia do mercado. E essa é a minha luta dentro do
Núcleo de Estudos de Pesquisa da Economia da Cultura da PUC-RJ, estudar como é esta estrutura,
como funcionam as cadeias produtivas da economia da música, do audiovisual, do carnaval, para
que os jovens empreendedores que estão entrando no mercado entendam onde estão inseridos nessa
cadeia produtiva, para que busquem soluções. Estão aqui lançando propostas socialistas,
revolucionárias, como se dentro do capitalismo pudesse se ter solução para isso. Mas a solução não
existe. O capitalismo está aí mesmo para massacrar, para humilhar, para explorar. E é normal, é
inerente ao sistema. E nós vemos grandes artistas que se beneficiam com o dinheiro público e
acham justo porque produzem um trabalho bacana, de vanguarda, porque são muito especiais. Creio
que temos que entender como funcionam as engrenagens do capitalismo dentro da cultura.
Nós temos que entender qual a contribuição da cultura para a formação do nosso Produto Interno
Bruto, temos que comparar as leis de incentivo fiscais, sejam elas municipais, através do ISS, sejam
estaduais, através do ICMS, sejam elas federais, através do imposto de renda, temos que comparar
com as leis que autorizam reduções fiscais e imunidades tributárias para o agro business, para a
indústria metalúrgica, para o transporte, para os setores moveleiros, têxteis. Em todos os setores
existem benefícios. Dois bilhões de dólares estão sendo investidos na construção de uma
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siderúrgica, no Rio de Janeiro, e vamos ter incentivos estaduais para a implantação dessa
siderúrgica em torno de US$ 1 bilhão. Por que a indústria metalúrgica pode ter esse incentivo? Eles
são inteligentes e vão fazer incentivos através de imunidades tributárias e ICMS ao longo de 10 ou
15 anos, depois vão ter as compensações. Então, nós temos que entender como funcionam as
engrenagens, entender qual o valor da cultura para o PIB, comparar essas leis de incentivo com
todas as estruturas de incentivo que existem para os outros segmentos econômicos. E vou mais
adiante, se pensarmos em mercado, vamos construir planos de negócios. Vamos criar as
incubadoras de empresas culturais nas universidades. O Brasil é um país reconhecido
mundialmente, que conseguiu desenvolver incubadoras em empresas, então, criar as incubadoras
para as empresas culturais. Vamos construir planos de negócios, vamos realizar planejamentos
estratégicos anuais para os nossos negócios. O mercado está aí mesmo para nos destruir. As
empresas americanas dominam o mundo hoje porque elas só querem saber de retorno financeiro.
Eles não estão discutindo estética, ética, moral. Não estou dizendo que não tem que ter essa
discussão da antropologia, da sociologia, da estética, da ética, da moral, mas temos que incluir em
nossa pauta esse viés econômico. Temos que entender como a máquina funciona. Não dá para
pensar que, porque está na Constituição, já está resolvido. A constituição diz: TV por assinatura,
indústria gráfica, editorial de livros, jornais e revistas, produtores fonográficos, de espetáculos estão
inseridos no meio da cultura. Mas a Constituição não cobra das empresas de televisão se estão
trabalhando com a língua portuguesa, se estão valorizando o conteúdo brasileiro e, isso também é
cultura. Os realizadores do seminário estão de parabéns, creio que foi muito legal o conteúdo. Mas
creio que devemos entender como funciona o sistema, e somente através do entendimento e da
certeza que nós vamos avançar. Onde estão os números, os dados concretos e as pesquisas que
apontam os caminhos? Do jeito que estão os segmentos de audiovisual e o projeto da TV digital no
Brasil, nós corremos o risco de daqui a pouco ter produto audiovisual que não tem mais a língua
portuguesa.Temos que entender porque isso está acontecendo. Por favor, realizem um estudo aqui
no Rio Grande do Sul sobre o que representa a cultura para a formação do Produto Interno Bruto
gaúcho. Pesquisem, comparem com outras áreas, entendam a economia da cadeia produtiva do
teatro, da dança, do audiovisual. Avancem, tentem entender para andar com olhos abertos e não
como cegos. Isso é fundamental.
Álvaro Santi: Voltamos à mesa para o encerramento
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Luiz Carlos Moreira: Eu gostaria de comentar duas coisas. Primeiro: você deu o exemplo da
indústria siderúrgica. Uma coisa é você dar recursos para a produção cultural. Outra coisa é você
dar dinheiro para um banco e ele diz que vai fazer produção cultural. É diferente. Lei de incentivo
não está dando dinheiro para a produção cultural, está dando dinheiro para intermediários
investirem no seu marketing. É diferente. Essa é a primeira coisa que eu queria colocar. Não estou
falando de TV Globo, ela é uma produtora. O Banco Itaú não é produtor, a General Motors não é
produtora, a Volkswagen não é produtora, Philip Morris não são produtores de cultura. Só estou
dizendo para não dar o dinheiro para o Banco Itaú, mas para o diretor de cinema. Se for o caso dá
para a Rede Globo. Você não foi dar dinheiro para um produtor de teatro emprestar o dinheiro para
a siderúrgica. Por que você vai dar dinheiro para uma siderúrgica emprestar dinheiro para teatro?
Que dois pesos e duas medidas são essas? Use o dinheiro público para financiar, subsidiar a fundo
perdido ou não a produção cultural, não o intermediário, não o marketing. A cultura e não o
marketing. É essa a diferença. Não estou dizendo para acabar com lei de incentivo e não estou
dizendo que um programa ou um fundo irá resolver. Vocês têm uma escolha: darão dinheiro para
intermediário ou irão colocá-lo na cultura? Essa é a escolha, em minha opinião, que deve ser feita.
Com relação à discussão maior, você já deu o veredicto: o mercado está aí para nos destruir. E você
quer que eu entenda isso. Tenho 30 anos de experiência profissional, e em São Paulo já discutimos
e fizemos contas na ponta do lápis, inclusive com o pequeno produtor. O teatro não se paga na
bilheteria e não é uma questão de competência. A conta não fecha, o mercado não funciona, a
bilheteria não paga o custo de produção. O custo da mercadoria teatro não é determinado pelo
teatro, sim por um mercado muito maior, o teatro como produção artesanal não pode concorrer com
a indústria que fabrica em série. O custo da bilheteria de um teatro não é estabelecido por ele, é
estabelecido pela indústria cultural. O teatro, como produção artesanal, não tem como concorrer
com isso e exceções só vão confirmar a regra.
Álvaro Santi: Alguém mais quer falar na mesa?
Selma Félix: Só para terminar, São Paulo não pretende acabar com a lei de incentivo ao
patrocinador. Ela vai continuar, mas está sendo repensada porque vem de um reflexo da sociedade
cultural. Qual é o interesse? Vai continuar, mas com certeza cada vez irá aumentar os outros
mecanismos de incentivo à cultura. Vou levar a mensagem do Prestes para São Paulo, que nós
também podemos incentivar o parque cultural, quer dizer, as indústrias gráfica e fonográfica,
enfim... Isso também leva ao mercado cultural. A iniciativa cultural cresce, porque hoje temos
104
certeza que não serve um único instrumento. O Governo Federal tem apenas um único instrumento,
ou seja, de cada R$ 10 que são colocados para a cultura, R$ 9 são através da lei de incentivo fiscal
ao patrocínio. Em São Paulo não queremos mais. Nós vamos mudar e criaremos mais estudos da
possibilidade de incentivar a cultura de outras formas. Creio que incentivo ao patrocínio é uma
forma sim, mas ela não pode ser a única. É isso. Gostaria de agradecer a todos, obrigado.
Carla Prestes: Uma pessoa fez uma colocação com relação à questão de bilheteria e eu não queria
deixá-la sem um comentário. Em Belo Horizonte, existe uma campanha de popularização do teatro
e da dança que, no início, funcionou muito bem para tentar formar um público para o teatro. Hoje,
avalio como não sendo mais um mecanismo ideal de fomento à formação de público ao teatro,
porque as pessoas concentram apenas em janeiro e fevereiro a ida ao teatro, assistir peças a preços
populares. Vejo que tenha que se fazer uma parceria entre a classe artística e o poder público para
ver uma forma de fomento à formação de público. Não se conseguiu formar um público para assistir
às peças em Belo Horizonte, e não só de artistas globais que lotam teatros a preços caros. Não há
platéia para as peças locais. Quanto ao que disse o Prestes, entendo quando fala da tentativa de
entender como funciona o sistema, para que tenhamos propostas consistentes para reavaliar não só o
incentivo em qualquer âmbito. Creio que este estudo da Economia da Cultura nos fará rever os
mecanismos do setor artístico, investimento artístico cultural no município, para que tenhamos
propostas mais consistentes de outras formas de viabilizar as nossas produções artísticas.
Luiz Carlos Moreira: Queria agradecer também e pedir desculpas por ser tão incisivo. Fico
empolgado nesses processos de discussão. Fiz muitas provocações que podemos discutir até o resto
da vida, mas não daria tempo para desenvolver o raciocínio para todas essas afirmações, não teria
tempo. Espero ter ajudado na escolha de vocês.
Álvaro Santi: Obrigado, quero agradecer as contribuições muito valiosas de todos os palestrantes:
Humberto, a Selma, Carla e Luiz Carlos.
105
SEMINÁRIO MECENAS NA REPÚBLICA
O financiamento público à cultura
Painel 5. Os 12 anos do Fumproarte em Porto Alegre: um balanço.
Palestrante: Álvaro Santi – Fumproarte/SMC - PMPA
Debatedores: Marley Danckwardt – SATED-RS.
André Venzon – Assoc. Rio-grandense Art. Plást. Chico Lisboa.
Ana Luiza Azevedo e Jaime Lerner – Assoc. Profissionais Técnicos
Cinematográficos do RS.
Dia 25/10/06 às 14h.
Álvaro Santi: Inicialmente pedimos desculpas pelo atraso, em parte devido pelo prolongamento da
mesa da manhã, que estava bastante interessante. Daremos prosseguimento ao seminário com essa
mesa que irá tratar do Fumproarte, que é o Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e
Cultural de Porto Alegre, do qual atualmente sou Gerente. Irão debater comigo, aqui na mesa, a
Marley Danckwardt, presidente do SATED - Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e
Diversões do RS; André Venzon, presidente da Associação Rio-grandense de Artes Plásticas
Francisco Lisboa, vulgo Chico Lisboa; Ana Azevedo e Jaime Lerner, representando a APTC -
Associação dos Profissionais Cinematográficos do RS. Vou apresentar imagens, com alguns dados
sobre os 12, quase 13 anos do Fumproarte. Esta apresentação foi pensada como uma divulgação do
modelo do Fumproarte para outras prefeituras. Vamos explicar o funcionamento e, talvez para
alguns de vocês que já tiveram projetos financiados ou já participaram da comissão, não seja
nenhuma novidade. Vou inicialmente dar uma rápida noção deste funcionamento. O Fumproarte é o
Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre e tem como finalidade
prestar apoio financeiro para projetos. Tal finalidade foi definida na Lei 7.328/1993 e
regulamentada através de decreto, num momento em que o Collor havia desmontado os
mecanismos que existiam. Vários municípios e Estados procuraram soluções e a decisão de Porto
106
Alegre basicamente foi de não implantar uma lei de incentivo, mas, criar um fundo, o qual tem
operado até hoje. O fundo se caracteriza por ter uma dotação orçamentária própria, proposta pelo
executivo e decidida pelo legislativo anualmente. Hoje, em 2006, esta dotação está em torno de R$
1,5 milhão. Nós distribuímos esses recursos através de concurso público, e fazemos dois editais por
ano desde 1994, ano em que iniciou a operação. Só podemos financiar 80% do custo total do
projeto, e os demais 20% devem ser buscados em outra fonte, ou o proponente tira do seu bolso.
Não podemos aplicar os recursos em algumas coisas, como reformas e conservação de imóveis, ou
seja, a área de patrimônio edificado não pode usar o Fumproarte, mas existem outros fundos que
podem fazê-lo. Tratam-se de despesas de custeio, não sendo um fundo de investimento, e ele não
pode ser usado pelo próprio poder público, o que é muito importante. Esta é uma diferença bastante
importante, em minha opinião e de outras pessoas que falaram aqui: o município não vai usar o
Fumproarte, pois é proibido por lei. Assim, podem concorrer ao Fumproarte qualquer pessoa física
e entidades privadas com ou sem fins lucrativos, indistintamente. Não podem propor projetos nos
nossos editais os funcionários públicos municipais, membros da Comissão de Avaliação e Seleção
(CAS), que irá julgar os projetos - depois vou explicar como ela é formada - além de cônjuges,
companheiros e parentes em primeiro grau. O processo de seleção do edital passa por duas
instâncias: o Comitê Assessor e a CAS, já citada aqui. O Comitê Assessor é um órgão interno da
secretaria, formado por cinco servidores que não tem necessariamente uma formação especializada
em arte, em cultura. Gosto de dizer que eles não entendem nada de cultura, não é sua função. Eles
fazem uma análise técnica, do ponto de vista da adequação do projeto ao que é exigido no edital,
sem entrar no mérito: vão ver se o formulário foi corretamente preenchido, se contempla todos os
itens, se há os anexos que são pedidos pelo edital, se foi protocolado no prazo, se não há erros de
cálculo, enfim, se tem condições de ser avaliado por seu mérito. Esse Comitê também analisa uma
parte da prestação de contas, depois dos projetos executados. A análise de mérito é feita pela CAS,
que tem 18 integrantes, em sua maioria membros da comunidade eleitos e uma minoria do Poder
Executivo. São nove titulares, mais nove suplentes. Então, dois terços, ou 12 entre titulares e
suplentes, são eleitos em um mandato de um ano, que é prorrogável por mais um ano. Para fazer a
seleção, abrimos um edital para que as entidades existentes há mais de um ano se cadastrem, para
terem direito a um assento no colégio eleitoral que elege estes 12, o que é feito normalmente no
meio do ano. Na última eleição (2006), eram 20 as entidades habilitadas a votar nesse conselho.
Essas 20 chegam a um acordo, da maneira que acharem melhor, se necessário votam, para eleger os
12 a que têm direito. Normalmente o trabalho de análise de projetos necessita que haja pelo menos
107
um especialista em cada uma das áreas. Então, elas se agrupam por área e fazem com que tenha
pelo menos uma pessoa do cinema, das artes plásticas, da literatura e assim por diante. O outro um
terço dessa comissão inclui o Presidente - o Presidente nato é o Secretário Municipal da Cultura - e
funcionários da SMC, que são nomeados pelo Secretário. A lei não obriga que sejam funcionários,
mas a prática tem sido assim. Antes de assumir a Gerência do Fumproarte, no início de 2004,
durante quatro anos fiz parte dessa Comissão, como funcionário indicado pelo Secretário. Outro
grande diferencial que eu destaco e que temos recebido elogios, e as pessoas se surpreendem
quando ouvem falar, é que as reuniões dessa comissão são públicas. A Lei, na verdade, obriga - ou
o Decreto, agora não lembro - que pelo menos duas reuniões sejam públicas, as reuniões finais,
antes da divulgação do resultado, mas a Comissão se reúne no mínimo umas 30 vezes por ano, em
média, são umas 15 a 18 por semestre. Cada semestre tem um edital, as reuniões são semanais num
período de três a quatro meses por semestre, e as reuniões são públicas. Então, qualquer pessoa,
mesmo que não esteja concorrendo, pode assistir. E os relatores, membros da Comissão, apresentam
os seus pareceres, que são lidos em voz alta, analisando critérios que estão no edital: clareza e
coerência, previsão de custos, o retorno de interesse público - que seria a contrapartida e item
específico da apresentação do projeto - além do mérito, compreendendo aquelas questões mais
discutíveis, com maior parcela de subjetividade, que são criatividade, abrangência e importância
para Porto Alegre. A CAS analisa em duas etapas o mérito: na primeira, os pareceres são lidos e
todo projeto é submetido a três relatores, ou seja, recebe três pareceres. Em todos os projetos, no
mínimo um relator é da área do próprio projeto, o especialista, os outros dois são por sorteio, que
podem ser de outras áreas. O parecer sempre termina dizendo “recomendo” ou “não recomendo” o
projeto. Os projetos com dois ou três pareceres desfavoráveis saem do concurso. Caso tenha dois ou
três favoráveis, passa para a última etapa chamada Seleção Final, que é onde será feita a análise
comparativa dos vários projetos que chegaram naquele estágio, compatibilizando com a verba
disponível naquele edital. Assim, aprovam-se os projetos que são possíveis de serem viabilizados.
Normalmente cerca de um em cada três ou quatro dos projetos que chegaram à seleção final
recebem o financiamento. Na seleção final, a votação é acompanhada em um telão, e nós
projetamos uma planilha computando esses votos, o que é acompanhado com a maior transparência
possível por todos os interessados que ali estão. Em uma reunião aconteceu uma coisa engraçada: o
operador errou uma digitação, e a pessoa que votou não percebeu, o membro da comissão, mas a
produtora do projeto percebeu. Se ela não estivesse ali, se a reunião fosse feito a portas fechadas,
provavelmente seu projeto teria sido prejudicado, eis como é importante essa transparência. Essa
108
comissão apenas julga o mérito dos projetos, e tem toda uma estrutura que não é muito grande, mas
que dá o suporte para a realização deste concurso e a execução posterior dos projetos, o que também
dá bastante trabalho. A Gerência, que eu comando desde 2004, cuida da execução do concurso
propriamente dito, atende os proponentes, e ainda cuidamos do relacionamento com os outros
setores da secretaria. Temos uma informatização ainda bastante aquém do que gostaríamos: o
projeto é todo em papel, não é como na Lei Rouanet, quer dizer, ainda pretendemos chegar lá, em
médio prazo. Há outros setores que não estão vinculados ao setor e a Gerência trabalha somente
com duas funcionárias e uma estagiária. A Assessoria Jurídica e a de Planejamento, que cuidam dos
pagamentos, estão envolvidas, ou seja, outros setores que também trabalham na execução dos
projetos. Então, seria isso sobre o funcionamento. Basicamente, me preocupei ao assumir a
Gerência com duas coisas: uma, que é divulgação do modelo do Fumproarte para outras esferas e
que considero importante porque ganhamos destaque em alguns prêmios nacionais. É um modelo
bastante importante que precisa ser conhecido, porque em qualquer município de médio porte é
viável a sua realização. É um sistema transparente, democrático, e bastante eficaz na relação do
custo operacional da Gerência do Fundo com o recurso que ele injeta na cultura local. E a outra é
sobre algo que já foi falado em outras mesas e destacada pelo Prestes, que é a falta de dados, falta
de números. Trabalhei para ter algumas coisas: é pouco, mas em relação ao que temos normalmente
em matéria de política cultural creio que já relevante. Nós tivemos um aumento de mais de 400% na
demanda dos projetos. Um aumento bastante grande, nos 12 anos do Fundo. Num determinado
período, houve uma queda em função de um problema conjuntural em uma troca de governo, mas o
Executivo tem uma proposta orçamentária que é de R$ 1,8 milhão para o ano de 2007. Também
fazemos uma análise de divisão por áreas sendo o teatro e a música as áreas que mais recebem
recursos. Até o final de 2005, estávamos chegando perto dos R$ 10 milhões e, no meio de 2006,
investiu-se mais R$ 600 mil reais, então passamos dos R$ 10 milhões. O teatro leva um pouco mais
de recursos, depois a música e o audiovisual, cujos projetos geralmente são mais caros e em menor
número. Depois vêm as outras áreas. A música tem um número maior de projetos aprovados,
embora ganhe um pouco menos de recursos. O restante não muda muito. Até 2005, foram 477
projetos e completamos 500 exatamente na metade do ano. Lembrei de falar sobre um dado porque
a Carla se referiu em relação à lei de Belo Horizonte. Fiz uma estimativa também do número de
pessoas envolvidas nos projetos. Temos uma estimativa de no mínimo 20 pessoas, seria a média de
pessoas que trabalham em cada um desses 500 projetos, o que dá 10 mil pessoas e, em 12 anos, dá
cerca de mil por ano, ou quase isso. Esse é um dado só do ano de 2005, e aí temos uma vantagem
109
maior para o teatro e para o audiovisual em comparação com a música. Aumentaram os projetos de
vídeo nos últimos anos, talvez porque é bem mais barato que o cinema. Cinema e vídeo estão
[classificados] como audiovisual. Fiz um exercício com as duas áreas mais contempladas no sentido
de ver a evolução do valor médio do projeto: nos últimos editais gira em torno de R$ 30 mil, esse é
o patamar. Financiamos projetos de R$ 5 mil, até menos, geralmente são edições de livros, e vamos
até R$ 70 mil, que são filmes de curta-metragem, e alguns espetáculos de teatro ou dança também
chegam perto. Observamos que existe um aumento bastante expressivo nos projetos de teatro nos
últimos editais, mas não interpretei esse dado. Os projetos de música têm um achatamento. Somente
em duas áreas é que eu consegui quantificar a participação do Fumproarte na produção total da
cidade, algo importante a se fazer, ou seja, em que medida o Fumproarte participa, ou se não
houvesse [o Fumproarte], quantas peças, quantas músicas ou quantos CDs haveria a menos em
Porto Alegre. Uma delas é o cinema e a outra é o teatro, que irei falar depois. A do teatro é a própria
Secretaria Municipal da Cultura que faz, através da sua Coordenação de Artes Cênicas um Anuário
de Artes Cênicas, estão ali catalogados todos os espetáculos de dança, peças, teatro de rua, tudo está
ali. A Fundacine faz o catálogo onde nós podemos constatar, eu confesso que fiquei até surpreso
com a participação do Fundo... não financiamos totalmente os projetos, mas participamos com
algum valor em 26 filmes de [um total de] 91, quer dizer, perto de 30%. Esse valor passa de 30%
em se tratando de curtas-metragem. Isso em um período em cinco anos, de 2000 a 2004. E
participamos ainda de dois longas que foram o Woodstock16
, que está em cartaz agora, e O Cárcere
e a Rua17
, é uma participação em longas metragens bastante importante. E, na participação do
teatro, temos uma média, no período de 1997, que é quando começou a ser publicado o anuário, até
2004, com participação de 18%. Precisamos interpretar com cuidado os dados, não temos
conseguido com nossos recursos acompanhar o aumento da produção. Ficamos sempre no mesmo
número de projetos que conseguimos apoiar por ano. Na área de música, não tenho os dados da
produção geral de CDs em Porto Alegre, tenho apenas o número de CDs que financiamos. E vemos
quase um disco por mês, em 12 anos, mais do que o que algumas gravadoras pequenas conseguem
fazer. Fiz uma divisão que não sei se é válida, entre música erudita ou instrumental e música
popular, mas a evolução discográfica é um pouco preocupante, porque temos financiado menos
CDs do que já financiamos. Temos um dado um pouco menos atualizado, mas visa responder a um
questionamento que existia em relação à concentração dos recursos nas mãos de alguns que sempre
16 Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock'n'Roll, filme de animação de Otto Guerra (2006). 17 Documentário de Liliana Sulzbach (2004).
110
ganham o financiamento. Nesse levantamento, de 2003, tínhamos 358 projetos aprovados e se
constatou que 229, ou seja, quase dois terços dos projetos aprovados eram o único projeto aprovado
pela pessoa; com um ou dois projetos aprovados chegamos a 80%, e nos outros 20%, havia pessoas
com três ou quatro projetos aprovados. Sem dúvida, pode ser questionado se é válido uma pessoa
ter seis projetos aprovados, agora diante do número total de projetos aprovados, é pouco
significativo. Existe uma distorção que é difícil captar nesses dados que é o trabalho de grupos de
teatro e dança e que podem ter vários projetos aprovados, mas o proponente pode ser diferente.
Deveríamos fazer um levantamento mais analítico. Outra preocupação é o grande número de
projetos inabilitados: há uma porcentagem em torno de 40% dos projetos que se inscrevem e não
conseguem chegar a ter o mérito avaliado. Isso é um dado grave. Diante dessa circunstância,
detectada há bastante tempo, procuramos dar orientação através de oficinas, palestras onde se
explica isso, funcionamento, detalhamos o preenchimento do formulário, o que deve ser anexado
na tentativa de reverter esse quadro. Gostaríamos que 90% dos projetos que fossem apresentados
tivessem o seu mérito avaliado, mas na verdade ainda não temos solução. Podemos interpretar como
falta de treinamento para essa atividade de produção, e de planejamento, porque às vezes são coisas
bastante simples. Com relação ao número de projetos financiados, em relação aos habilitados,
quando habilitado o projeto, em torno de 25% dos projetos são aprovados, quer dizer, já é um
grande passo [a habilitação], sendo uma relação mais ou menos de um para quatro. Também houve
um momento de demanda muito grande de projetos, que depois sofreu uma queda. Posteriormente,
temos uma retomada mais gradual. Queria destacar as duas premiações que talvez muitos não
conheçam e que são resultados da minha divulgação [do Fumproarte] como um modelo de
financiamento. Nós participamos do Prêmio Cultura Viva, na primeira edição, um prêmio do
Ministério da Cultura e que tinha uma categoria específica para gestão pública de cultura. Foram
inscritos 115 programas e nós estivemos entre os cinco finalistas. O programa tem por objetivo
“estimular e dar visibilidade às iniciativas culturais com caráter de continuidade e com a
participação da comunidade”. O outro é de 2005, que na verdade recebemos apenas este ano e é ele
que está financiando o valor deste seminário, que é o Prêmio Gestão Pública e Cidadania da
Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, que é um prêmio destinado a promover práticas inovadoras
de governos municipais e estaduais, além de organizações próprias de povos indígenas. Esse prêmio
que já existe há 10 anos e é um prêmio consolidado. Ele não é um prêmio de cultura, é um prêmio
de gestão pública. Eram 721 inscritos na edição do ano passado e nós chegamos aos 20 finalistas.
Só existiam dois projetos de cultura entre estes 20 finalistas, e o outro era de Recife. Tivemos um
111
orgulho muito grande por ter um reconhecimento fora da área de cultura e que, ao mesmo tempo
está chamando a atenção para a existência da gestão pública de cultura no mundo da gestão pública.
Após o prêmio, fui convidado a dar uma entrevista na TV Web da Escola de Administração da
UFRGS, que passou a saber, da existência de nosso Fundo, que já tem 12 anos. Esses trabalhos
foram reunidos numa publicação chamada Histórias de um Brasil que Funciona: Governos Locais
Ajudando a Construir um País Mais Justo18
. Esse prêmio também recebeu apoio do BNDEs e da
Fundação Ford. Obviamente estas não são coisas que serão instituídas amanhã, mas são apenas
algumas idéias para começarmos a refletir. Já temos as bases de um projeto de informatizar o
concurso: com um formulário que seria preenchido na Internet e a possibilidade de acompanhar o
concurso pela Internet. Estamos cansados de carregar caixas com processos. Os membros da CAS
aqui presentes sabem bem o que custa isso, e seria uma comodidade em função dos recursos de
pessoal, que são limitados. É uma coisa pré-histórica ainda, damos muita informação por telefone.
Já discutimos internamente esta questão do mérito cultural, é algo que precisa ser aprofundada
porque às vezes a análise é muito superficial e isso deve ser conversado com os membros da CAS.
Existe uma proposta do atual Secretário Sergius [Gonzaga], que é um edital como o das bolsas [da
Fundação] Vitae, por exemplo, uma bolsa de estudo para formação e aperfeiçoamento, que não
seria para produção. É algo que não teria um produto. Então, estamos estudando isso como uma
possibilidade. Já coloquei em discussão, quando era membro da CAS, mas ainda não conseguimos
implementar, o que seria um parecer sobre o produto. Hoje temos prestação de contas, que não é
feita por amostragem, ela é minuciosa. Temos em torno de 50 projetos por ano e eles estão
rigorosamente em dia. Eventualmente, alguns têm problemas e tal, mas é um número muito
pequeno. A idéia seria avaliar o produto, mas nós nunca fizemos e, na minha opinião deveria ser
feita. Uma pessoa iria assistir o espetáculo, ler o livro ou ouvir o disco e um dos relatores faria a
avaliação, porque não consta no projeto este tipo de avaliação. Às vezes, assistimos ao espetáculo
ou lemos o livro, ouvimos a música, e após ter aprovado o projeto, o resultado não é aquilo que
estava prometido, em qualidade estética. E há outra questão que já ouvi em várias discussões: uma
pessoa não pode ter outro projeto aprovado enquanto estiver executando um. Ela estaria tirando o
recurso de outra que poderia estar concorrendo.
Marley Dankwardt: Sou presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos do Teatro, Cinema,
Dança, Circo e da Ópera. São cinco terminalidades. Muito bem, eu fiz algumas considerações
18 Disponível em http://ceapg.fgv.br/colecao-historias-brasil-que-funciona
112
iniciais, que creio que temos de fazer antes de falar propriamente do Fumproarte. Esse Fundo,
nestes 12 anos de existência, tem realmente provado que é uma das mais eficientes formas de
fomento municipal para a cultura. Temos recebido, através do Sindicato, inúmeras solicitações para
envio de documentação e material para a implantação desse sistema Brasil afora, mais para o Norte
e Centro-Oeste do que para a região sudeste e nordeste. Talvez o sucesso do Fumproarte se deva
principalmente por não estar atrelado à participação da iniciativa privada, que desfigura os projetos
culturais. O que se diz basicamente é que os projetos culturais com as leis de renúncia fiscal não
têm a cara do Brasil, tem a cara da iniciativa privada. Então, talvez por isso, essa fidelidade
fisionômica que os projetos deste Fundo apresentam: têm uma fisionomia de concepção, e
raramente eles são transfigurados por agentes externos. Através da renúncia fiscal, a produção
nacional transforma a cara da cultura. Também estamos “carecas” de saber e falar sobre isso, mas é
importante se afirmar a necessidade que temos de uma política cultural mais eficiente,
contemplando as leis de fomento específicas para o teatro, dança, para as artes, mais ou menos a
exemplo do que nós conseguimos em novembro de 2005 na Comissão de Educação e Cultura no
Senado. Lá conseguimos implementar uma lei específica para o teatro e dança de R$ 30 milhões
que, evidentemente, foi contingenciada pelo orçamento de 2006, mas que hoje, 25 de outubro de
2006, celebra em São Paulo com o ministro Gil a glorificação, se é que podemos dizer isso, da
liberação de R$ 15 milhões. Só para saber, essa foi uma conquista da Câmara Setorial de Teatro e a
proposta inicial era de R$ 100 milhões. Nós estamos aprovando hoje R$ 15 milhões e conseguimos
R$ 15 milhões para teatro e dança, para este ano. Então, um programa de ações públicas que se faz
necessário e que contribua para a criação de redes de produção e circulação cultural, a exemplo
dessa emenda, é algo que temos que ficar bastante atentos, pois uma política desse porte será
alicerçada com leis e fundos orçamentários. E aí poderemos começar a pensar a formação de um
desenvolvimento continuado no setor cultural, longe dos casuísmos e oportunismos, mas
consolidado nacionalmente. Essa combinação poderia alimentar uma cadeia produtiva tão forte e
continuada que a informalidade em que vivem os artistas atualmente poderia ser substituída por
contratos estáveis de remuneração constante, com a promoção da ascensão social e da Previdência
Social. Também é sempre bom lembrar que esta cadeia produtiva que movimenta a economia,
criando postos de trabalho e produtos, impostos e consumo de bens culturais, a chamada Economia
da Cultura, amplia a democratização dos meios de produção e o acesso ao universo cultural,
elemento fundamental da formação da cidadania. Bom, então voltamos ao Fumproarte. Vamos falar
sob a ótica das Artes Cênicas, que é o universo em que transitamos, e qualquer desvio de parâmetro
113
deve ser considerado porque esse é o universo em que transitamos. Já falamos que a fama do Fundo
percorre o Brasil e, através dos SATEDs e das entidades de Artes Cênicas, temos passado a
formatação deste projeto Brasil afora. E realmente, ele é muito apreciado. Ele é também muito
apreciado aqui pelos profissionais das artes cênicas e, claro, como todo projeto tem os seus contras.
Eu não sei se este seria o fórum para estarmos discutindo os contras do Fumproarte, talvez
devêssemos ter um fórum específico, como a LIC trabalhou. Depois de 10 anos, então, vamos
rediscutir a LIC. É uma proposta: ter um fórum específico para discutirmos o Fundo, talvez até mais
interno. O que tem ficado especificamente sobre o Fumproarte são algumas questões que ficam
penduradas e que vou elencar. A prestação é minuciosa, detalhada. As pessoas se queixam muito da
prestação de contas do Fundo, porque exige um comportamento que o artista não conhece. Tem que
ser assessorado e leva “cambão” de muita gente que se diz expert na área e é expert em dar
“lambada” nos outros. Há muitos que levaram pernada de assessoria contábil. Enfim, não queremos
ser ETs, mas são profissões diferenciadas e não tem como negarmos. Eu também faço Economia da
Cultura. Mas o artista é diferenciado e, por isso, é muito difícil a prestação de contas ficar um
assunto fácil no momento do projeto. Outra coisa é a necessidade da captação dos tais 20%. A
planilha é falsa. Os 20% são embutidos em outras rubricas mentirosas porque nós não temos essa
captação dos 20%. São 20% sem incentivo e, depois da implantação das leis de renúncia, ninguém
apoia sem ela. Esses 20% são embutidos no projeto sob outras formas falsas, mas vai. O que
acontece na LIC também. Não tenho resposta para isso, só estou apresentando o que nos apresentam
enquanto entidade e, se tivesse resposta, estaria na frente de um birô de assessoria. Mas os projetos
são julgados e são cortados, às vezes, pela metade ou mais da metade, e isso inviabiliza os projetos,
então é uma dificuldade. Como resolvê-la? Não sabemos, mas existe essa dificuldade. Distorce o
projeto, transfigura o projeto e as explicações não são indicativas de algum recurso, enfim, são
cortes aleatórios. São verbas muito pequenas para projetos muito pequenos. Na área, se diz que o
Fundo é raso, e há uma insuficiência de fundos para viabilização completa dos projetos. O que nós
queremos deixar marcado é uma necessidade de intenção de política cultural eficaz dos nossos
governantes. Esperamos também no âmbito estadual, que isso se demonstre mais claramente, já que
nenhum dos 10 candidatos tocou no item cultura, apesar de os termos convidado a uma conversa
com 18 entidades da área. Não havia pauta. Depois, no segundo turno, no primeiro dia, nós
convidamos os dois candidatos e também não conseguimos pauta. Então, vamos fazer um manifesto
na imprensa, a partir de sexta-feira, com as nossas reivindicações colocadas. São cinco entidades
114
que estiveram presentes, destas cinco terminalidades: cinema, teatro, dança, ópera e circo. Há uma
necessidade de se ter uma vontade política para resolver essas questões. Obrigado.
Álvaro Santi: Obrigado Marley.
Ana Luiza Azevedo: Gostaria de parabenizar a Prefeitura, Câmara e Fundacine por estarem
promovendo este debate por sua grande pertinência. Primeiro, porque se discute uma lei municipal
de cultura e é sempre bom discutirmos a lei antes dela ser implementada e não depois do fato
consumado. Segundo, porque discutimos em parâmetros muito diferentes do que já discutimos
outras vezes. Se temos 12 anos de experiência de Fumproarte, não sei quantos anos de experiência
de Lei Rouanet, 10 anos de LIC, então partimos de uma experiência já havida. Diferente da
discussão que se fez na criação do Fumproarte, há 13 anos, quando se tinha a proposta de uma lei de
incentivo fiscal à cultura municipal e quando todos estávamos perplexos com o desmantelamento da
estrutura de cultura do governo Collor, e que parecia que as únicas saídas eram as leis de [incentivo
à] cultura. As leis de [incentivo à] cultura tomavam conta, substituíam as políticas culturais. Foi
quando a Prefeitura tomou a iniciativa de propor um fundo que ia na contramão, naquele momento,
de várias tendências que se mostravam, e ficamos mais de um ano discutindo o que seria este fundo.
É interessante fazermos hoje essa discussão sobre lei de [incentivo à] cultura, quando parece que a
tendência é o contrário. O Governo Federal, que vinha num fortalecimento das leis, discute hoje
fundos de cultura e possibilidades de editais de cultura que fujam da lei do mercado, que são as leis
de incentivo. E outra coisa interessante também é discutir no momento em que parece não haver
dúvidas que o Estado tem que estar presente na implementação das políticas públicas. O governo
Collor jogou a cultura para o mercado, ele que decida e o governo lavava as mãos sobre decidir
qualquer coisa. A Prefeitura, naquele momento, fez exatamente o inverso e não abriu mão de estar
junto, de uma forma participativa como foi o Fundo, da discussão da implementação de uma
política cultural. Por isso é bastante pertinente esta discussão. Como o Álvaro já levantou todas as
características do Fundo, gostaria de trazer alguns aspectos que para a gente é fundamental no
Fumproarte. Primeiro, a transparência do Fumproarte na análise dos projetos, de fazê-lo de forma
pública: é fundamental porque isso qualifica a discussão e os pareceres. Todos os representantes
daquele colegiado estão se expondo ao fazer uma justificativa pública. Outra característica do
Fundo que não foi ressaltada pelo Álvaro e que vejo importante é que o proponente pode
questionar, ainda no processo em andamento, diferente de outros processos, como a própria LIC,
onde podemos questionar sim, mas depois do veredito já ter sido dado. Então, há um momento no
115
Fumproarte em que essa participação do proponente pode ser relevante e pode, inclusive, alterar o
resultado dos pareceres. Bom, há possibilidade de se disputar com todas as categorias. Não é uma
disputa por categorias estanques, são todos disputando conjuntamente, e projetos que não têm
qualquer possibilidade de disputar verbas no mercado ali tem possibilidade de ganhar esses
recursos. Isso é fundamental. Quando estava falando dos pareceres, é claro que tem sempre aquela
questão da subjetividade dos critérios, sobre relevância, retorno de interesse público, enfim, alguns
critérios que são bastante subjetivos, mas o que não podemos esquecer é que o colegiado da CAS
muda a cada ano. É fundamental que continue havendo uma renovação, até porque um projeto que
foi negado em um ano pode ser reapresentado e ter possibilidade de ser aprovado por um colegiado
diferente. Diferente do que a Marley falou, é fundamental o Fumproarte ter uma prestação de contas
criteriosa e detalhista, temos que nos obrigar a fazer assim. Não sei se no cinema já estamos tão
treinados porque as leis de incentivo fiscal fazem com que façamos isso. Estamos falando de
dinheiro público e temos que ter uma responsabilidade enorme com relação a isso. O projeto
aprovado foi aprovado em detrimento de outro. Então, essa prestação de contas deve ser detalhista,
ela tem que ser muito criteriosa. E acho que já conseguimos algumas modificações no Fumproarte
que não existiam antes e que foi um avanço, que são as mudanças de rubrica. Inicialmente
ficávamos engessados nas rubricas e isso sim era um problema. Acho que todos os projetos
culturais, ao serem desenvolvidos, vão mudando a sua característica, o que às vezes nos força a
mudar o investimento de uma rubrica para outra. Então, essa possibilidade de troca de rubrica é
bastante importante. Já conquistamos isso dentro do Fumproarte e, claro, burocraticamente há um
trabalho a fazer, mas não sei se teria outra forma diferente de se fazê-lo. Já que estou falando das
qualidades, a equipe técnica da CAS se qualificou muito, desde o início, e como teríamos que fazer
uma avaliação do Fumproarte fiquei um pouco como ouvidora, buscando informações e o retorno
que temos da área de cinema e que tem tido uma recepção muito tranqüila de troca de informações.
Creio que o processo do Fumproarte nestes 12 anos foi muito interessante porque aprendemos
muito com o Fundo, não só os produtores culturais como a própria equipe técnica. Lembro, no
início, de discutir com a Elizabete Tomasi e com a Maria Ângela [Aguiar], que estavam lá
presentes, sobre as características de um projeto de cinema. Creio que aprendemos muito sobre esse
compromisso com o dinheiro público, do que temos que prestar conta, do quanto temos que ser
responsáveis e de quanto temos que ser como um cidadão qualquer que deve prestar contas daquele
dinheiro, porque é de toda da população e não somente nosso. Como também temos a possibilidade
de discutir outras formas de financiamento, como a lei de incentivo municipal, e não temos que
116
esquecer nunca que uma lei municipal, se vier, não pode vir sozinha e não pode de maneira alguma
substituir as formas de financiamento existem hoje, como o Fumproarte. Creio que a comunidade
cultural de Porto Alegre não permitiria que tal acontecesse, e que todos esses mecanismos têm que
se multiplicar, somar e não viver em detrimento de outro. Outra coisa importante de avaliarmos
quando discutirmos uma possibilidade de lei de incentivo e em todas as leis de incentivo: o real
aumento do investimento. Ontem vimos aqui na mesa números bastante positivos da Lei Rouanet e
do próprio Fernando Schüler, que falava sobre o aumento do investimento. Agora, um número que
ninguém citou e, creio que o Ministério da Cultura poderia buscar: qual foi o aumento? Não o
aumento de investimento através da lei, mas se houve ou não a troca do investimento privado pelo
público, ou seja, empresas que antes financiavam a cultura por dinheiro próprio e que transferiram
esse investimento para um investimento público através das leis. Ouvimos muito, quando batemos
na porta de alguém: vocês têm a lei ou não tem a lei? Se não tem lei, não há financiamento. Creio
que um bom exemplo disso são eventos que são mais antigos que as leis de incentivo, como o
Festival de Gramado, Feira do Livro e Jornada da Literatura, que sobreviviam e eram feitos sem leis
de incentivo e, hoje, se acabassem essas leis, esses eventos acabariam. Ou seja, essa é uma
demonstração clara de que houve uma transferência do investimento privado para o investimento
público e a dependência das leis de incentivo. Então, temos que ter muito cuidado ao discutir uma
lei municipal, para ver qual a real possibilidade de investimento, quem seriam os possíveis
investidores dentro dos recursos de alguns impostos, que são pequenos, e se este investidor já não
aplica na cultura. Dou um exemplo rápido: restaurantes e hotelaria que se beneficiariam
provavelmente de uma lei de ISSQN e IPTU e que são investidores que já fazem através de apoio. É
bem possível que, a partir da lei eles digam: vocês têm a lei? Se não têm, não apoiamos. É muito
mais uma questão do que uma colocação. Apenas mais esta reflexão, que é a diferença de um fundo
para uma lei de incentivo. O fundo é um dinheiro que existe e está lá. Se o Fumproarte determinar
que será R$ 1,5 milhão para este ano, será este valor integralmente aplicado na cultura, enquanto
que a lei de incentivo é uma possibilidade. O município pode dizer que terá 5% de isenção de IPTU,
ISSQN, e chegue a R$ 15 milhões no ano, mas isso é apenas uma possibilidade. É uma questão que
temos que avaliar e não esquecer quando estamos discutindo as diversas formas de financiamento
de cultura. Passo a palavra ao Jaime.
117
Jaime Lerner: Bom, primeiro eu gostaria de corrigir uma informação do Álvaro que falou dos dois
longas que o Fumproarte tem participação. Não é O Cárcere e a Rua, é o Harmonia19
que foi o
primeiro documentário de longa-metragem. Falou-se quase tudo sobre o Fumproarte, as suas
qualidades e coisas que ainda devem se resolver, além dessa comparação entre um fundo municipal
e a participação do Estado através da renúncia fiscal, mas há algumas coisas que eu queria falar de
tudo que se falou ontem e se ouviu hoje. Vou retomar a história do Fumproarte do ponto de vista de
um produtor cultural que já participou dos dois lados do balcão. Já fiz parte da CAS durante dois
anos, em dois períodos diferentes de um ano, em duas administrações diferentes, e já participei
também como proponente. Uma coisa interessante sobre o Fumproarte é aquilo que a Ana e a
Marley falaram: ele veio no momento em que a moda era a lei de incentivo, e parecia que a única
salvação que existia era ela. Foi criada na Câmara de Vereadores uma lei de incentivo fiscal
municipal e a Prefeitura não queria executá-la, porque em princípio era contra que o dinheiro
público, uma renúncia fiscal, financiasse um projeto com o nome da Coca-Cola, por exemplo.
Então, que leve o nome da Prefeitura, já que é quem está fazendo essa renúncia. Nós, produtores
culturais, dissemos: qual será a solução? Veio o Fumproarte, então, que é um fundo que realmente
coloca o nome da Prefeitura. É um caso de sucesso e, como todos os casos de sucesso, tem vários
pais e várias mães, ao contrário dos fracassos que são todos órfãos, mas vale ressaltar um dos
mentores dessa lei que é o Arno Augustin, Secretario Municipal da Fazenda na época. E vale
ressaltar isso porque o Victor Hugo falou ontem daquela ponte que ele tem que fazer entre o pessoal
das áreas áridas da contabilidade, do cofre, e o pessoal que faz cultura. E um dos mentores da lei do
Fumproarte é um dos que tinha a chave do cofre. Ele não bolou sozinho, teve muita discussão, mas
foi uma iniciativa da Secretaria da Fazenda. Significa que às vezes, na gestão pública, encontramos
mesmo nas áreas áridas pessoas que não são tão áridas assim, e isso é importante. No começo vimos
com alguma estranheza coisas como reuniões abertas, pareceres... Em princípio, nos parecia que
seria uma fragilidade de quem está lá julgando e hoje sabemos que não é uma fragilidade, mas sim
uma das forças do Fumproarte. Outro princípio importante da lei é a CAS, não está escolhendo
projetos, está criando a política de investimento cultural da Prefeitura para aquele semestre ou
aquele ano. É muito importante que a CAS mentalize tal coisa. Cada um é eleito por uma entidade,
mas no momento em que é eleito não é mais representante da entidade, ele é representante da
comunidade cultural e não deve pensar que tem que agradar o pessoal de sua área. Deve pensar no
conjunto de projetos que foram colocados e qual o impacto que eles podem ter. São projetos, não
19 Harmonia (2000), documentário em longa metragem de Jaime Lerner, também teve apoio do Fumproarte.
118
podem ter certeza disso, mas que impacto estes projetos podem ter na vida cultural da cidade...
Creio que, a partir de um certo momento, o Fumproarte atingiu seu ápice e começou a cair. Creio
que houve uma estagnação, e talvez hoje seja o momento desta administração pensar em recriar o
Fumproarte. Não recriar o modelo, que é bom, mas são três coisas importantes. Primeiro, ter uma
injeção muito grande de verbas para atrair projetos com vulto maior e que tenham outro tipo de
impacto. Não que sejam projetos melhores ou piores, mas, o próprio Álvaro fala, numa média de R$
20 mil a 25 mil, um projeto que pede mais de R$ 70 mil raramente será contemplado. Creio que
realmente deve-se mostrar que o Fumproarte é toda essa vitrine que vem representando Porto
Alegre nos prêmios mencionados. Houve o Prêmio Estadão de Cultura, em que foi finalista, em
2002, e passar de ser uma vitrine da comunidade cultural apenas e ser uma vitrine para o público.
Gostaria muito que alguém olhasse o jornal e dissesse: essa peça ganhou Fumproarte, eu quero vê-
la, ou seja, que o Fumproarte virasse um selo de qualidade para o público e extrapolasse a
importância que tem dentro da nossa comunidade cultural. Tal não aconteceu e é uma meta
importante nesta recriação do Fundo. Outra coisa: é uma preocupação permanente a qualificação da
CAS, que decide os projetos. E não será apenas um seminário de estética que vai resolver, mas é
muito importante. Quando as pessoas novas entram na CAS, deveriam ter um curso para conhecer o
edital, os procedimentos de escrever um parecer e sobre a seleção final que é muito importante. E
ter sempre nas reuniões uma discussão sobre os pareceres, depois da reunião pública para ir
qualificando, para ir realmente aprendendo. Isso acontece, mas não como uma regra, não como uma
norma. A última coisa que queria falar não é em relação ao Fumproarte, mas de uma maneira geral
em relação a todas estas leis de incentivo ou de fundos. Nós da comunidade cultural temos uma
parcela importante na questão das leis, que estão cada vez mais difíceis e burocráticas. Temos que
fazer essa mea culpa. A Marley acabou de dizer que no financiamento de 80% as pessoas embutem
falsamente estes 20%, e não podemos reclamar que a CAS esteja cortando os projetos quando
identifica algo assim. Lembro que para podermos nos beneficiar da lei Sarney, tínhamos que fazer
um cadastro como produtor cultural, não eram os projetos que deveriam ser cadastrados. Essa era
uma facilidade enorme, mas teve tanta picaretagem em função dessa facilidade que o Collor usou-a
para acabar com a Lei Sarney. Depois veio a Lei Rouanet, por uma pressão muito forte da
comunidade, cheia das prestações de contas e das burocracias. Não podemos dizer que é a maioria
das pessoas, mas sendo uma minoria barulhenta e que chama a atenção, isso já cria esse ônus para
todos os outros. Realmente temos que ter esta prestação de contas, fazer tudo direitinho para lidar
com o dinheiro público.
119
Álvaro Santi: Obrigado, Jaime e Ana, que falaram pela APTC. Vou passar a palavra para o André
Venzon, presidente da Associação Chico Lisboa de Artes Plásticas.
André Venzon: Boa tarde a todos. Eu queria em primeiro lugar agradecer pelo convite, em nome
da Associação Rio-grandense de Artes Plásticas Francisco Lisboa que eu presido desde abril deste
ano. O meu envolvimento com o Fumproarte antes era como um membro da CAS, por dois anos,
como suplente e titular, e fui sempre indicado pela associação. Bom, eu preparei uma apresentação
que talvez chova um pouco no molhado depois de tudo que já foi dito, mas com a preocupação de
ver a questão da divulgação do Fumproarte na comunidade cultural mais em relação aos artistas
plásticos. Eu concordo com a apresentação do Álvaro, que o Fumproarte é uma marca na política
cultural da cidade por todos os méritos aqui já comentados e concordo também com o que foi dito,
que apesar disso. [...]
120
SEMINÁRIO MECENAS NA REPÚBLICA
O financiamento público à cultura
Painel 6. Diretrizes para uma lei de incentivo à cultura de Porto
Alegre.
Painelistas: Ana Fagundes – Secretária Adjunta da Cultura de Porto Alegre
Manuela D´Ávila – Vereadora e Deputada Federal eleita - Comissão de Educação,
Cultura e Esportes da CMPA.
Luiz Alberto Rodrigues – Sind. da Indústria Audiovisual do RS.
Mediadora: Flora Leães – Presidente da Comissão de Avaliação e Seleção do Fumproarte
Dia 24/10/2006 às 10h.
Manuela D´Ávila: [...]20
R$ 5,89 milhões, isso significa 10% da possibilidade, com 3% e não com
5%, eram entre 3% e 5%. Significam 10%, o investimento no Fumproarte significa 10% do total
que a lei de incentivo fiscal permitiria arrecadar. Podemos nos perguntar: perdemos tudo isso de
dinheiro para a cultura? Nós perdemos 90% do que poderíamos ter feito por não ter executado a lei
de incentivo fiscal? Mas quem teria sido viabilizado com estes R$ 59 milhões? Quantos artistas que
foram contemplados pelo Fumproarte teriam as suas obras viabilizadas com a lei de incentivo fiscal
ou com a legislação de renúncia fiscal? Quantos grupos de teatro independente teriam sido
beneficiados, quantos artistas plásticos que foram contemplados nestes anos de Fumproarte teriam
sido contemplados com a lei de incentivo fiscal, nos moldes em que ela foi feita? Acho que vocês
conhecem a resposta melhor do que eu, quase nenhum dos que passaram pelo Fumproarte teriam
sido contemplados pela legislação de incentivo fiscal. Então, eu quero fazer com vocês essa
reflexão: se for verdade que a isenção não sai do orçamento da cultura, o orçamento sai da
arrecadação total do município, também é verdade que a isenção tem um impacto real na
arrecadação do município. Não é um dinheiro que não existe, é um dinheiro que iria para os cofres
20 Por problemas técnicos, foi perdido o conteúdo da parte inicial deste painel.
121
públicos. Então, na verdade, tem aquelas bolinhas de intersecção. Arrecadação está entre os dois,
entre o orçamento da cultura e a arrecadação total do município de Porto Alegre. Então, podemos
fazer a opção: qual é a vontade que temos de comprar briga política, e neste momento não estou
responsabilizando nem o Sergius [Gonzaga] nem a Ana [Fagundes], porque eu conheço os dois,
mas qual a disposição que temos, independente dos governos, de comprar briga para a ampliação do
orçamento da cultura, da Secretaria Municipal de Cultura? Eu debati, tentei ampliar o orçamento
durante o meu mandato, para colocarem um pouco mais para o [Festival Porto Alegre] Em Cena,
por exemplo. Qual a viabilidade disso, de comprarmos a briga para que a Secretaria Municipal de
Cultura tenha mais recursos com um orçamento maior? Porque o dinheiro é o mesmo, o dinheiro
que se paga imposto é o dinheiro que vai para o orçamento da Secretaria. Qual a disposição que
temos para isso? Se for um dinheiro público, que o poder público administre esse dinheiro a partir
da Secretaria Municipal de Cultura e da criação, da ampliação do Fumproarte e da possível criação
de outros fundos que contemplem a pesquisa e criação. Eu acho que o nosso debate aqui é sobre
financiamento público de cultura, nós podemos frisar o público, não é? É dinheiro público,
administrado pelo poder público, envolvendo a sociedade nesta discussão de para onde ele vai.
Então, esta é uma discussão que acredito que devemos fazer. Eu conheço algumas experiências, só
para não falarem ou pensarem que eu sou uma radical contra a lei de incentivo. Eu não sou uma
radical contra a lei de incentivo, eu sou uma radical com relação à não participação do poder
público nas políticas públicas. Público não é privado, público é público. E o nosso país é o único
exemplo do mundo onde as empresas fazem de conta que estão sendo boazinhas investindo em
cultura. Pensamos: que empresa boazinha essa! Eu cansei de pensar isso: que legal essa empresa é
consciente, investe! E não era, era o meu dinheiro do imposto que pago e que estava deixando de ir
para a cultura, para o poder público. Creio que o que temos que pensar é se a idéia são leis que
pressupõem a isenção fiscal, pensamos na administração pública dessa isenção. Existem municípios
que têm legislação de isenção fiscal com relação a políticas que envolvam crianças e adolescentes e
que é o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente que decide para onde vai. Tudo bem, quer
pagar menos imposto, quer investir? O investimento é só para ampliar. Sei como é difícil ampliar
orçamento de secretaria, como é difícil ampliar orçamento de educação. A idéia é ampliar
orçamento indiretamente? Porque é muito difícil no nosso País, Município e nosso Estado, que tem
outros problemas gigantescos e é mais fácil fazer o debate de outros problemas gigantescos do que
da cultura, então vamos fazer isso. Faz isenção fiscal e que o Conselho Municipal de Cultura ou
qualquer órgão, que a Prefeitura, junto com a Câmara, junto com os artistas, decidam qual o órgão
122
adequado e façam as seleções. Não é uma ideia interessante? Existem municípios que trabalham
com a questão da criança e do adolescente e é assim: a empresa faz a isenção fiscal, abate no seu
pagamento de imposto, vou dar um número absurdo, mas... até R$ 1 mil. Esse valor vai para uma
espécie de fundo. Não seria uma lei de fundo, não é o fundo municipal do teatro, dança, não é o
Fumproarte. É o fundo da isenção fiscal relativo à cultura. E aí, quem administra é o poder público,
é a sociedade. Não são os empresários. Os empresários já deixaram de pagar o seu imposto, essa foi
a contribuição que eles deram. Eu acho que temos que refletir nesse sentido. Eu termino essa
primeira parte por aqui. Dinheiro público tem a mesma origem: arrecadação. Arrecadação significa
o nosso dinheiro. Gostam muito de falar: chega de impostos. Eu não tenho problema com imposto,
eu tenho problema para onde o imposto vai. Esse é o meu problema. Se o dinheiro público for para
aquilo que a sociedade quer que ele vá, correto, beleza, pago quanto tiver que pagar. Então, vamos
pensar isso. É fundo, investimento? Queremos que os artistas possam pesquisar, possam criar e
depois façam suas obras circularem? Sejam as obras que forem e não as da vontade de um ou de
outro. Se for isso, então temos que pensar em fundos. Só está errando quem está tentando. O
Fumproarte pode ter eventuais limites para serem melhorados. Vi aqui a questão do cachê. Eu não
sou muito entendida, mas sei que no movimento estudantil acontece a mesma coisa. Militamos e
ganhar dinheiro sempre é pecado. Então, deve haver cachê, temos que conseguir discutir essas
questões. Vão ter novos fundos, como a lei que apresentamos na Câmara? Vamos ampliar para que
seja ampliado o orçamento. E se houver isenção fiscal, para comer o mingau pelas beiradas e
conseguir ampliar indiretamente o orçamento, vamos fazer com que esta isenção seja discutida por
aqueles que entendem de arte, por aqueles que querem ver a cultura e tudo que envolve a produção
cultural. Que querem ver isso crescer, que querem ver isso ser independente de favores,
independente de clientelismos, de vontades eventuais, esporádicas. Então vamos fazer com que
esses administrem este fundo da isenção fiscal porque deixar de pagar imposto e ainda ganhar
publicidade às vezes é complicado. Essa é a minha reflexão e depois seguimos conversando.
Flora Leães: Luiz Alberto Rodrigues, do Sindicato da Indústria Audiovisual do Rio Grande do Sul.
Luiz Alberto Rodrigues: É interessante que esta mesa está concluindo um processo de dois dias.
Eu não pude participar de todos os debates, mas consegui captar trechos. Creio que de uma maneira
geral houve várias reflexões que coincidiram e que inclusive corroboram o que a Manuela expôs,
que é exatamente esta preocupação em redirecionar as políticas públicas no Brasil de maneira que
elas sejam efetivamente políticas públicas e não políticas simplesmente intermediadas pela
123
iniciativa privada. Creio que esta preocupação é consensual entre todos. Caí numa tautologia, mas
digamos que essa preocupação é consensual. Há nuances, não vou dizer que tenho percebido
divergências claras aqui, mas há nuances. E para isso temos que entender a cadeia produtiva da
cultura. A Economia da Cultura precisa entrar fundo nessa questão. E não será em um âmbito de um
seminário que irá se fazer. Mas gostaria de dar alguns "pitacos" dentro dessa preocupação. Em
primeiro lugar, creio que existe, da parte das pessoas que trabalham com cultura no país, que
lançam mão das leis de incentivo, uma certa culpabilidade. Já vi muita gente trabalhar e
psicologicamente é um estado de desconforto. Estamos usando dinheiro público. E muitas vezes a
obra não tem a repercussão social que se esperava. Aliás, deixei de dizer que presido o Sindicato da
Indústria Audiovisual Rio Grande do Sul, e que congrega todas as produtoras de áudio, audiovisual
e cinema. Inclusive, fizemos uma discussão sobre a lei municipal, antecedendo este seminário. De
certa forma, vivemos na área de cinema a situação de que alguns filmes financiados com recursos
públicos às vezes têm um resultado de salas de cinema e mesmo em outras mídias, outras janelas do
mercado como chamamos, como o caso do home video ou do DVD. Não vamos falar em televisão,
porque amplia muito a janela, mas os resultados deles são muito modestos comparados a um
investimento que um filme exige. Um filme de orçamento médio no Brasil gira por volta de R$ 2
milhões, e isso fica muito superlativo se pensarmos numa pequena obra de teatro. Hoje tu podes
montar um monólogo teatral com R$ 20 mil. Com isso, tu montas um espetáculo e dependendo da
situação tu consegues mantê-lo por algumas temporadas, se ele obtiver êxito de público, e ter lucro
inclusive em relação ao custo em si do espetáculo. Isso, no cinema, é muito diferente. O que
acontece é que as pessoas sentem uma certa culpabilidade de estar usando dinheiro público nessa
dimensão de R$ 2, 3 ou 4 milhões. É chamado de baixo orçamento, no cinema, até R$ 1 milhão, R$
1,2 milhão, e o resultado de público é muito modesto. Eu contraponho a isso um outro raciocínio.
Esse dinheiro, como ostensivamente a Revista Veja, que fez uma campanha contra o cinema
brasileiro, entre 1999 e 2001, a Veja publicou quase sem exceção todos os meses alguma matéria
onde ela batia no cinema brasileiro, falava sobre o volume de recursos públicos que a Lei do
Audiovisual consumia, o resultado precário, não lembro o nome, tinha um articulista na Veja que
era o nosso inimigo número um. Segundo ela, na primeira fase da chamada retomada do cinema
brasileiro foram jogados na lata do lixo, na visão dela, mais ou menos R$ 200 milhões, investidos
em filmes que não se pagaram, que não disseram a que vieram. Eu digo que esse raciocínio é tão
primário, é tão estúpido que ele não leva em consideração a irrigação de recursos que uma produção
promove dentro da cadeia produtiva como um todo. Eu vou fazer um raciocínio de forma muito
124
simplificada, primeiro porque eu não sou economista e em segundo lugar porque creio que esse
raciocínio pode ser compreendido bastando a nossa observação empírica da situação. Estou
tomando o exemplo do cinema porque eu tenho familiaridade com ele, estou envolvido em várias
produções. Terminei um longa-metragem, uma série de TV que fizemos sem recursos públicos.
Foram 60 capítulos, aqui no Rio Grande do Sul, para a TV Portuguesa, a RTB. Então, há muitas
instâncias nesta nossa área. O dinheiro veio todo de Portugal, nesse caso investido aqui no Rio
Grande do Sul. Um mês depois de termos terminado de produzir um longa de época que é o Diário
de um Novo Mundo21
, uma produção bastante grande... Mas quando pensamos na construção de um
filme, logo visualizamos a fotografia, direção de arte, som, enfim, tudo aquilo que compõe a obra
audiovisual, mas o que existe por trás disso é uma equipe numerosa de pessoas trabalhando em
vários ofícios. Para fazer o figurino do filme, consumimos tecidos, aviamentos, a mão-de-obra das
costureiras e às vezes até uma produção industrial porque nos associamos a uma fábrica de tecidos,
ou vai diretamente para o chamado Prêt-à-Porter, ou seja, vai fazer pesquisa de figurinos em lojas,
grifes, etc, acaba fazendo uma parceria ou simplesmente comprando isso. Esse dinheiro, que no
cofre do filme está como dinheiro público incentivado de renúncia fiscal volta para a cadeia
produtiva na forma da aquisição de bens e serviços. E ele gera novos impostos e postos de trabalho.
Ele irriga a economia. A mesma coisa em relação aos cenários. Não se faz um cenário sem ter
pregos, martelos, madeira, gesso, tinta, etc. Outras formas, como os diretores de arte compõem um
cenário com a tecnologia atual, criam uma ilusão de realidade, se faz cenários com elementos muito
mais baratos do que aqueles que custaria construir uma casa real, no entanto aquilo ali foi comprado
em algum lugar e empregou uma certa mão-de-obra, gerou uma certa cadeia de impostos que vai
chegar na Federação, no Estado e Município, e assim por diante. Todo aquele dinheiro, aqueles R$
2 milhões, que a Revista Veja dizia que ia para a lata do lixo, na verdade voltavam para a sociedade
em forma da aquisição de bens e serviços. Um filme, assim como outros segmentos da área artística
e cultural, quando faz uso de um incentivo fiscal, na verdade está reproduzindo dentro da sociedade.
Não só está contribuindo para construir um bem simbólico, um bem fundamental à nossa identidade
como Nação, falando um pouco da nossa razão de existir, como também ele está criando uma
função econômica. Ele está inserido dentro de uma função econômica. Gostaria de colocar isso de
forma muito simplificado, porque acredito que esses raciocínios, quando se pensa - “Bom, o
dinheiro está sendo desperdiçado porque as empresas estão intermediando, porque o Estado está
21 Diário de um Novo Mundo, longa metragem de ficção de Paulo Nascimento (2006), baseado em romance de Assis
Brasil.
125
abrindo mão” - isso é verdade, mas é uma verdade relativa, entende? Porque esse comprometimento
das empresas, teoricamente, que as leis promoveriam e com o tempo criariam a cultura do
marketing cultural de tal maneira que as leis poderiam sair de cena e as empresas poderiam
continuar investindo, tanto que quando foi criado a Lei do Audiovisual existia uma data para expirar
no ano de 2003 e ela foi postergada para 2006 e agora está na Câmara dos Deputados e, acredito
que a Manuela já vai participar, se for votada esse ano, sobre a extensão da lei até 2014. Por quê?
Porque aquela famosa sustentabilidade, aquela substituição do financiamento público pelo
financiamento puramente privado não ocorreu. E não ocorreu porque não ocorre em nenhum lugar
do mundo. Vou citar um caso, não é da minha geração, mas de uma geração anterior a minha, a
geração da inteligência brasileira era muito francófila até os anos 1950, 1960. A França era a nossa
referência cultural, a nossa intelectualidade. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi uma
das pessoas mais representativas da francofilia no Brasil. Curiosamente, de uns anos para cá,
deixou-se de falar do que é a política cultural francesa. Eu acho que mais do que nunca este é o
momento de se buscar referência na França, mais do que nas décadas anteriores em que o país era
francófilo, porque a França conseguiu estruturar um sistema de Economia da Cultura. Com
contradições e que evidentemente está sempre em ebulição. Há pouco tempo, saiu uma matéria no
Cahiers du Cinema discutindo ao mesmo tempo o volume de dinheiro que o Estado francês investia
no cinema e a precariedade estrutural das empresas, dos agentes econômicos do cinema francês, os
produtores, mas apesar dessa precariedade é um sistema muito parecido com o nosso. É um sistema
híbrido, que combina em partes investimentos públicos, através de fundos. O Instituto do Cinema
Francês que tem um fundo de fomento e tem umas coisas que chamam de soficás, que são
certificados de investimentos que envolvem dinheiro das empresas e implicam depois em
desgravamento fiscal, em renúncia fiscal. No entanto, o cinema francês não é e não será
autossustentável, nem nesta nem na próxima década, e é o único cinema, tirando a especificidade do
cinema indiano, não quero entrar nisso, ou da Nigéria, que tem um sistema completamente outsider
de produção cinematográfica, mas falando dos países ocidentais, na grande economia, na indústria
cultural, a França é o único país que tem no seu mercado interno uma produção na área audiovisual
de peso com capacidade de, digamos assim, pelo menos parcialmente, enfrentar a concorrência da
hegemonia do cinema norte-americano. Mesmo na França, esta indústria cinematográfica não vai
ser autossustentável. O Estado continua investindo nela através de mecanismos públicos
combinados com investimentos privados. Bom, também não estou querendo com isso avalizar essa
percepção, dizendo que na França funciona, que temos que então chegar à conclusão que é bom
126
para o Brasil. É bom no Brasil, será ou continuará se nós efetivamente conseguirmos fazer com que
isso seja eficiente aos interesses públicos e seja um processo transparente, capaz de ser controlado
pela própria sociedade. Gostaria de fazer uma apologia a um sistema híbrido, ou seja, já falei aqui
pela manhã, não quero me repetir, mas não vamos jogar a criança fora com a água do banho. Existe
um sistema de incentivo fiscal no Brasil que possui várias contradições e mau uso de recurso
público, como em todos os segmentos da economia brasileira e da política brasileira. Estamos
acompanhando toda esta celeuma que antecedeu o primeiro turno e agora o segundo turno das
eleições. O Brasil vive constantemente o enfrentamento interno com a corrupção endêmica, enfim, a
precariedade das estruturas públicas, etc. Vivemos brigando para que o poder público tenha uma
ótica republicana e federativa, que distribua os recursos entre todas as regiões. Falo isso porque
inclusive nós, do audiovisual, em função dos editais públicos da Petrobras, Eletrobras, BNDEs, que
têm editais voltados para o cinema e para outras áreas das artes, e estamos constantemente
protestando pela concentração de recursos em São Paulo e Rio de Janeiro. Agora São Paulo passou
a protestar no edital da Petrobras que concentrou os recursos, teoricamente, no Rio de Janeiro.
Enfim, essa discussão é permanente, mas de fato o que importa é o seguinte: preservar esse sistema
que existe, [que] pelo menos está mantendo o mercado cultural mais ou menos ativo. Redistribuir
estes recursos que eu falei. Aperfeiçoá-lo, fazendo a crítica constante, a autocrítica constante deste
sistema. Temos que discutir e “interlocutar”, se é que existe esse vocábulo, com o poder público, as
entidades, associações, a sociedade civil organizada e a desorganizada também. E associar isso a
uma política de fundos. Fundos que sejam geridos com processos bastante transparentes como é o
Fumproarte. Fazia muito tempo que eu não participava, este ano participei do Fumproarte e
participei do julgamento final e fiquei bastante impressionado porque acredito que os métodos
foram mudando, foram sendo aperfeiçoados ao longo dos anos. O fato de o júri estar discutindo os
projetos, emitindo as suas notas e elas sendo projetadas na tela e os interessados estarem todos lá ao
vivo, vendo a opinião dos jurados, podendo perceber como estavam se formatando as opiniões...
Creio que inclusive um aperfeiçoamento maior ainda seria dar oportunidade, pelo menos uma vez,
de dar a palavra e não só por escrito para os projetos concorrentes. Mas de qualquer forma é um
processo bastante transparente e democrático. Creio que se os fundos se orientarem com esta linha
que tem o Fumproarte, com os aperfeiçoamentos necessários combinados com a manutenção e
aperfeiçoamento das leis de incentivo e a manutenção dos editais públicos, principalmente das
empresas estatais direcionando de forma transparente os recursos, evitando o balcão de negócios...
Vou citar um caso particular [em] que participei quando era ainda Vice-Presidente do Sindicato. Em
127
2004. houve uma negociação com a diretoria da CEEE, que é pública, todos sabem disso, mas estou
fazendo questão de especificar porque tem pessoas que não são do Rio Grande do Sul. A CEEE foi
privatizada há cerca de dez anos e foi repartida entre três empresas: a AES-SUL, a RGE e a
[própria] CEEE. E essa CEEE, esta parte que foi mantida como CEEE, pertence ao Governo do
Estado. É uma empresa pública, e é uma empresa pública que paga muito ICMS, portanto ela tem
um potencial de investir em projetos culturais, através da lei estadual, muito grande. E esse
investimento, as entidades vêm reivindicando há muito tempo que ele seja feito de forma
transparente, para evitar o balcão de negócios. Pois em 2004, o senhor Fábio Barreto, que é um
cineasta ainda relativamente influente, porque ele fez O Quatrilho22
aqui no Rio Grande do Sul,
conseguiu fazer o filme seguinte com recursos captados aqui. Em uma negociação direta com o
Palácio [Piratini], conseguiu que a CEEE aplicasse no seu filme, o filme Caravaggio23
, R$ 440 mil.
Isso foi noticiado em uma coluna da Zero Hora. Isso causou perplexidade em todos os produtores
de cinema estabelecidos no Rio Grande do Sul, porque todos eles vinham tentando, através do
sindicato, negociar com a CEEE uma política de incentivos públicos para o cinema e daqui a pouco
alguém fez o balcão de negócios, chegou por trás do biombo e foi lá e conseguiu quase R$ 500 mil
no filme. Então, no dia seguinte já saiu uma nota no mesmo jornal dizendo que os produtores
estavam indignados e isso desencadeou uma celeuma, o Palácio nos chamou para dialogar e a
conseqüência disso foi que a CEEE acabou fazendo, nos próximos meses, investimentos em todos
os longa-metragens que estavam em fase de captação de recursos com produção aqui no Rio Grande
do Sul. Isso abriu um precedente para discutirmos com profundidade o questionamento do balcão
de negócios nas empresas estatais que investem em cultura. E não é só para a área de cinema, é para
todas as áreas. Se conseguirmos fazer com que estes editais vinguem, de certa forma vai haver um
controle mais democrático da sociedade sobre esses que são recursos públicos. Então, isto que estou
dizendo, a combinação destes três elementos com permanente vigilância e controle podem permitir
que em médio prazo tenhamos um sistema invejável no mundo todo. E para finalizar, vou dizer que
o nosso sistema é tão ruim, estou fazendo uma brincadeira irônica aqui, que pelo menos três países
com quem eu tenho contato frequente com produtores - Portugal, Espanha e Argentina - estão
estudando as leis de incentivo brasileiras e estão adotando leis similares em seus países. Já existe
uma lei em Portugal, está se discutindo uma lei na Argentina semelhante à Lei do Audiovisual
brasileira. Então é bom que cheguem até lá as nossas críticas, como as nossas leis funcionam, para
22 O Quatrilho (1995), longa de ficção de Fábio Barreto, baseado no livro homônimo de José Clemente Pozenato. 23 Nossa Senhora do Caravaggio (2007), longa de ficção de Fábio Barreto.
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ajudar os nossos coirmãos. Que façam leis que já evitem aqueles vícios que identificamos aqui. Mas
de certa forma este sistema de incentivo é uma novidade no mundo ocidental, e é visto com bons
olhos fora do país. Para finalizar mesmo, gostaria de falar muito rapidamente qual é a posição do
Sindicato. O Sindicato é a favor da lei, da regulamentação da lei que já existe. Nós queremos que
ela seja separada do Esporte. Como o Esporte já tem a lei dele, achamos que realisticamente se nós
conseguirmos a faixa de 3% já seria maravilhoso, nem vamos ambicionar os 5%. Segundo, não
concordamos com o que está no texto da lei, que o incentivo só vale depois que o projeto já foi
executado e aí que o doador poderá abater do seu imposto. Não, o abatimento tem que ser
automático, a partir do momento que o projeto é referendado pelo Conselho Municipal de Cultura
ou órgão similar, a empresa que investiu já tenha direito de abater isso no imposto a pagar.
Flora Leães: Beto, na Lei da Cultura não está colocado isso. Isso está na do Esporte.
Luiz Alberto Rodrigues: Mas na Lei de 1992 estava isso, não?
Flora Leães: Não.
Luiz Alberto Rodrigues: Ah, na Lei do Esporte. Então, já querendo prevenir, já dizendo que se ela
copiar a Lei do Esporte, nesse sentido, não vai funcionar. E a terceira e última coisa é que a mesma
administração que hoje gerencia o Fumproarte que fique com o gerenciamento e a direção da lei
também. Que seja uma administração única, o Fumproarte e a Lei Municipal de Incentivo à Cultura,
de modo que esse processo seja efetivamente público e democrático.
Ana Fagundes: Em seguida, já vamos passar a palavra para vocês, mas tem pessoas queridas e
importantes que estou vendo aqui, neste contexto cultural da cidade, e que não estavam aqui no
início, quando falei. Eu e a Manuela temos um pouco de divergência nas opiniões. Somos muito
amigas, mas sou totalmente a favor do fundo e da lei de incentivo porque eu sou produtora cultural.
Como eu disse no início, quanto mais coisa melhor. Já trabalhei com todos os incentivos possíveis e
cabíveis, mas parece que sempre é pouco para fazermos coisas. Então, só para falar o que está na
Câmara e que a Manoela expôs. Ela fez um paralelo de que se fosse aprovado em 1992 a lei de
incentivo à cultura, se estivesse valendo de 1992 para cá e ainda com o Fumproarte... Ele nasceu na
hora certa e no lugar certo. Na nossa opinião, agora é qualificá-lo e aumentá-lo, trazer mais meios
de fazer cultura. Só para o pessoal que chegou, em 2006 foi R$ 1,319 milhão e agora está na
Câmara para ser aprovado R$ 2,318 milhões. Gente, é o seguinte, já foi aprovado na Câmara, eu
inclusive estava fazendo algumas perguntas para a Manoela sobre isso, o nosso Plano Plurianual.
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Então, a verba da Cultura já está aprovada pelos quatro anos com essa previsão. Claro que conforme
a arrecadação do município.
Manuela D´Ávila: Teoricamente, pela primeira vez não foi, são para os quatro anos, mas há 15 dias
aprovamos uma mensagem retificativa do Plano Plurianual deste tamanho.
Ana Fagundes: Sim, mas tenho que tirar de outro lugar, quer dizer, tenho que mexer no Plano.
Todos os anos se mexe alguma coisinha, mas dentro daquela verba que foi aprovada no Plano
Plurianual para a Secretaria da Cultura, com as correções. Se a Prefeitura tem arrecadação, mais
arrecadação ou menos arrecadação, então aumenta um pouco, diminui um pouco. E o aumento do
Fumproarte até ocorreu porque a receita aumentou um pouco de 2006 para 2007. Nós não vamos
mexer em nada, porque ela já está aprovada pela Câmara. Ela já existe. Já é prevista a lei municipal
de incentivo à cultura. Nós não vamos mexer no Plano Plurianual para aprová-la, nem a Secretaria
da Cultura nem o Prefeito [José] Fogaça quer regulamentar qualquer coisa que não passe por essa
discussão aqui. E passando a palavra para vocês... Eu sou a favor, como produtora cultural, como
Secretária-Adjunta eu não posso me manifestar. Assim como sou a favor de outros fomentos, outras
leis. Antes de passar a palavra para vocês, eu sugiro que se nós não conseguirmos finalizar aqui, se
nós conseguirmos tirar deste seminário uma comissão que não fosse muito grande, uma pessoa de
cada área para continuar o debate disso e depois nós chamarmos outro encontro, outro dia, para
trazer o que resultou. Fica minha sugestão, mas vou deixar a palavra com vocês.
[Pergunta inaudível da plateia]
Ana Fagundes: Não, não, como ela não foi regulamentada pelo prefeito, ainda ela precisa passar
por estas discussões todas. Se ela tiver modificações, aí tem que voltar para a Câmara.
Manuela D´Ávila: Ela está disponível no site da Câmara. Vai ter que procurar por 1992, não tenho
o número da lei aqui, mas posso conseguir.
Flora Leães: É a Lei Complementar 283.
Manuela D´Ávila: 283/1992.
Flora Leães: De 23 de outubro de 1992.
Ana Fagundes: E também pode fazer o pedido lá, não é Manuela?
Manuela D´Ávila: Lá no site tu tens que saber que é lei complementar 283 e o ano que é 1992. São
as três informações que ele te pede. Tipo de lei, o número e o ano.
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Cícero Aragon: Quero começar parabenizando o trabalho que vem sendo feito pela Manuela,
também a Secretaria de Cultura aqui de Porto Alegre que vem fazendo um excelente trabalho de
forma extremamente transparente, de forma aberta e onde temos sempre tido a oportunidade,
principalmente o cinema, de trocar idéias, colaborar, sendo sempre muito bem atendido. Gostaria de
agradecer o carinho que esta gestão tem dado ao cinema. Quanto ao assunto em questão: creio que
algumas reflexões se fazem importantes em relação ao fundo e algumas delas com dados. No
sentido de contribuir com a idéia do fundo, se sabe que o fator alavancador, o Beto [Rodrigues]
mais ou menos falou disso, mas indo à linha da Manuela, dos números, o fator alavancador da
economia que é aceito no Rio Grande do Sul é 2,8. O que é fator alavancador? Todo recurso
injetado na economia, ele é reto-alimentado no sentido de geração de impostos em cadeia fazendo
com que este recurso se multiplique. Então, no caso, se pensarmos em R$ 5 milhões que sejam
injetados em um fundo de cultura, temos que entender que esses R$ 5 milhões vão gerar R$ 12
milhões de reais de circulação dentro da cadeia econômica do Estado. Pensando em uma taxa de
imposto de 37%, que é a média, esses R$ 5 milhões voltam para os cofres públicos. Então, esse é
um número muito importante de se ter na cabeça. Estamos fazendo um estudo, via Film Comission,
esse estudo tem embasamento técnico e é a linha que a FIERGS segue, linha também utilizada para
calcular o impacto da vinda da [fábrica da] GM aqui para o Rio Grande do Sul. A questão do fundo
só me preocupa pela questão política perante a sociedade de, por exemplo, como vamos dispor para
a cultura R$ 5 milhões, quer dizer, como sustentamos politicamente isso. Creio que talvez por esse
motivo uma lei de incentivo, que é o que está sendo proposto, foi a ferramenta cultural realizada,
pensando-se muito na questão política. Por mais que nós da cultura entendamos que cultura gera
emprego e renda, por mais que consigamos entender que a cultura tem muito por trás de si, o
entretenimento, mas ela tem toda uma formação cultural, ela tem toda uma questão de identidade,
os nossos próprios valores, das nossas próprias referências, quer dizer, o cinema americano há 100
anos se tocou disso e vendeu para o Brasil inteiro, vendeu os seus sonhos, seus produtos e formas
de consumo. Hoje muitas das nossas referências pessoais são advindas desse cinema. Estamos numa
reflexão, quero jogar isso de novo para a mesa, quer dizer, como sustentamos este fundo para a
sociedade onde faltam recursos para a saúde, faltam recursos para a educação, quer dizer, como
politicamente sustentamos que a partir do próximo ano teremos R$ 5 milhões que serão dirigidos
para a questão da cultura. Apesar de que na prática é igual, na verdade o dinheiro, o recurso é o
mesmo, mas a imagem que é passada, a imagem que as pessoas compreendem é diferente. Eu como
produtor cultural prefiro ficar penando de empresa em empresa, de reunião em reunião. Todo o
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produtor cultural tem que se transformar em um captador de recursos. Prefiro que exista um fundo.
E acredito que existam fundos que sejam possíveis e viáveis, acredito... Agora, como se sustenta
tudo isso? A última questão que gostaria de colocar é que se a nossa lei estabelece 100% de teto,
essa é uma realidade, agora se ela estabelecesse 80% de teto em renúncia fiscal nós teríamos um
aumento de injeção financeira dentro, ou seja, se é R$ 100 mil, mas eu tenho apenas 80% de
renúncia, tem que colocar 20% de dinheiro bom, que é o que acontece com a LIC.
Flora Leães: Pelo texto da lei, a aprovação pode ser integral. Não funciona como o Fundo, com
contrapartida.
Cícero Aragon: Pode ter contrapartida, é isso?
Flora Leães: Não precisa ter.
Cícero Aragon: Mas pode?
Flora Leães: Pode, evidente! Todo mecanismo de incentivo prevê a existência de outras fontes.
Mas haveria a possibilidade do projeto ser aprovado em até 100%, a dedução não...
Ana Fagundes: Aí depende da comissão que avalia.
Flora Leães: Quem sabe...
Cícero Aragon: O limite de incentivo fiscal é de 100%. Então, essa é outra questão a ser
considerada. Se for 100% tu não tens o aumento sendo lei. Agora, se for 80%, a lei faz como a lei
estadual de cultura, faça que haja um aporte de mais de 25% em cima de renúncia fiscal.
Flora Leães: Não, creio que não fui bem clara. Em 100% pode ser aprovado o projeto. Se tu
entrares com um projeto na lei, nos moldes que está aqui a lei...
Cícero Aragon: A dedução...
Flora Leães: Não, a dedução não.
Cícero Aragon: Mas qual é o valor de dedução?
Flora Leães: O valor de dedução vai depender, se for doação, patrocínio ou investimento. A lei
possui 3 modalidades.
Ana Fagundes: Até 75%, não é?
Flora Leães: Não é 75%. Aqui tu estás vendo que 75% ela traz. Ela traz este texto. Vou falar um
pouquinho sobre o texto antes de continuarmos a discussão.
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Cícero Aragon: É, porque a realidade muda.
Flora Leães: Muda completamente. É uma lei que institui benefícios fiscais aos contribuintes do
ISSQN e do IPTU, é o Imposto Predial Territorial Urbano e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza. Para quem investir? Pessoa física ou jurídica. Investir por doação, patrocínio ou por
investimento a projetos culturais aprovados nos moldes da lei. Os projetos para serem aprovados,
pelo texto legal, que não está regulamentado. Estou dizendo o que está no papel, que depende de
regulamentação e que poderá vir a ser ou não. Tem algumas recomendações para o projeto ser
aprovado. A primeira delas, e que eu acho extremamente importante e agora estou dando a minha
opinião: o projeto tem que contar com 75% da equipe integrante envolvida na execução do projeto,
tem que obrigatoriamente ser de pessoal domicialido no município de Porto Alegre, sejam técnicos,
artistas...
Ana Fagundes: Ah, isso que eu estava vendo 75%.
Flora Leães: Esses são os 75% que tu falastes. Bom, a renúncia fiscal que traz o texto legal está na
ordem de 3 a 5% da receita do Município, proveniente de ISSQN e IPTU. Os projetos culturais
poderão ser das diversas áreas e segmentos culturais e que são exatamente nove, na lei. Senão me
engano são nove áreas: música, artes cênicas e circenses, artes plásticas, gráficas e fotografia,
cinema e vídeo, tradição e folclore, artesanato e cultura popular, literatura, patrimônio histórico e
cultural, pinacotecas, museus, bibliotecas, centros culturais, arquivos e demais acervos. Essas são as
áreas. Os projetos poderão ser de cada uma dessas áreas. A aprovação destes projetos, diz o texto
legal, deverá acontecer através de comissões específicas de cada uma das áreas a serem criadas pela
Secretaria Municipal de Cultura. Então, teriam que ser criadas nove comissões de cinco integrantes
cada, de pessoas representativas das respectivas áreas. O responsável pelo projeto, tendo os seus
projetos apoiados nos moldes da lei, receberia um certificado do Poder Executivo municipal que o
autorizaria a receber os valores a título de doação, patrocínio ou investimento para o projeto, e
conseqüentemente poder executar esse projeto. Os investidores, que poderão ser pessoas físicas ou
jurídicas, que vierem aportar recursos no projeto, terão o seguinte desconto: 25% do valor
concedido nos projetos no caso de patrocínio e 50% nos casos de investimento. Ou seja, no caso do
investimento a conta do projeto está sendo paga metade a metade. No caso do patrocínio, o poder
municipal é o maior pagador do projeto e o contribuinte pagará parte disso. Bom, o projeto
aprovado, por exemplo, no valor de R$ 50 mil, se nós tivermos um investidor de R$ 10 mil e se ele
for por patrocínio, o certificado que o produtor terá habilitará ele a deduzir o imposto de R$ 2,5 mil,
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25% de R$ 10 mil. Aí ele vai deduzir os R$ 2,5 mil do imposto que ele tiver a pagar e que ele já vai
canalizar. No momento que ele disser que quer investir no projeto, ele já vai canalizar qual será o...
Poderá ser o ISSQN ou IPTU. E com relação à doação, o texto é omisso. Ele traz as três
modalidades, mas não diz a doação. É, por isso a regulamentação tem que ser debatida.
Cícero Aragon: Então, só concluindo... Pelo que eu entendi, seria o seguinte, se uma empresa
colocar R$ 100 mil reais em um projeto cultural, ela só pode descontar R$ 25 mil de imposto.
Flora Leães: Exatamente, ou 50% se for investidor.
Cícero Aragon: Eu já quero deixar aqui um registro de que isso não vai pegar. Não vai funcionar.
Então eu já sugiro de imediato volte à Câmara para que essas alíquotas sejam alteradas, porque hoje
com a Lei Estadual de Cultura, que é de 75%, já é bastante difícil. Se pegarmos a Lei Rouanet, que
tem Artigo 18 e Artigo 25, as empresas preferem...
Flora Leães: O 18 que é a integralidade...
Cícero Aragon: Exatamente. Agora, se tiver 25% só de incentivo...
Flora Leães: E a regra geral de incentivo que se tem por aí trabalha na faixa de 75 a 80%.
Manuela D´Ávila: Tu colocaste uma coisa que é correta. A regulamentação de uma lei, gente, só
para não criar ilusões aqui, a regulamentação cria regras que não estão previstas. Ela não muda a lei,
senão o prefeito seria um ditador. Vocês estariam pagando o nosso salário para ficarmos lá de
enfeite. Então, na realidade, essa natureza de alteração, se ocorrer, é uma reformulação da lei. Tem
várias distorções.
Ana Fagundes: Ela tem que ser reformulada, ela é antiga.
Manuela D´Ávila: Ela tem que ser reformulada, não é regulamentação. Ela tem que ser uma nova
lei, enviada pelo Executivo. Uma nova lei para a Câmara de Vereadores votar, sujeita aos riscos de
todos as naturezas de emendas. Aí são os riscos que vocês correm. Cada vereador acha que entende
mais o outro de cultura e quer emendar o projeto. É assim que funciona lá, gente.
Manuela D´Ávila: Então é isso, deve ser uma nova lei.
FIM