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Relatorio Terra de Direitos 2013 - novo_Layout 1 27/08/13 13:44 Page 3 Ministério da Justiça Secretaria de Reforma do Judiciário Centro de Estudos sobre o Sistema de Justiça CASOS EMBLEMÁTICOS E EXPERIÊNCIAS DE MEDIAÇÃO Análise para uma cultura institucional de soluções alternativas de conflitos fundiários rurais Pesquisa elaborada em parceria estabelecida em acordo de cooperação internacional por meio de carta de acordo firmado entre a Secretaria de Reforma do Judiciário, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a organização Terra de Direitos (Projeto BRA/05/036). Brasília 2013

Soluções Alternativas para Conflitos Fundiários Agrários e Tradicionais

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Sob coordenação do Cejus, as pesquisas foram feitas pelo Instituto Pólis e Terra de Direitos. Os temas abordados são Atuação da Justiça nos Conflitos Fundiários Urbanos e Soluções Alternativas para Conflitos Fundiários Agrários e Tradicionais.

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Ministério da Justiça

Secretaria de Reforma do Judiciário

Centro de Estudos sobre o Sistema de Justiça

CASOS EMBLEMÁTICOS E EXPERIÊNCIAS DE MEDIAÇÃO

Análise para uma cultura institucional de soluções alternativas de conflitos fundiários rurais

Pesquisa elaborada em parceria estabelecida

em acordo de cooperação internacional por

meio de carta de acordo firmado entre a

Secretaria de Reforma do Judiciário, o

Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento e a organização Terra de

Direitos (Projeto BRA/05/036).

Brasília

2013

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Casos Emblemáticos e Experiências de MediaçãoAnálise para uma Cultura Institucional de Soluções Alternativas

de Conflitos Fundiários Rurais

Instituição Proponente:Terra de Direitos – Organização de Direitos Humanos

Endereço: Rua Des. Ermelino de Leão, 15, sl 72, centro, Curitiba, Paraná. CEP 80410-230. CNPJ: 05.145.844-0001.44

Telefone: (41) 3232-4660 // (61) 3327-2448E-mail: [email protected]

Responsável: Darci FrigoTelefone: (41) 3232-4660, (41) 9987-4660

Coordenadores da Pesquisa:Prof. Dr. CaRLos FREDERiCo MaRés

Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)Prof. Dr. séRgio saUER

Universidade de Brasília (UnB) – Faculdade da UnB de Planaltina

Cocoordenadores da Pesquisa:Ms. aNToNio EsCRivão FiLho – Terra de Direitos – Doutorando Unb

DaRCi FRigo – Terra de DireitosFERNaNDo gaLLaRDo viEiRa PRiosTE – Terra de Direitos

Equipe de Pesquisa – Terra de DireitosaNa CaRoLiNa BRoLo – Curitiba/PR

aNDRé BaRRETo – Recife/PE e santarém/PaéRiCa goMEs – santarém/Pa

Ms. JúLia ÁviLa FRaNzoNi – Curitiba/PRProf.ª Dr.ª KaTya isagUiRRE – Curitiba/PR - UFPR

NaiaRa BiTTENCoURT – Curitiba/PR – graduanda UFPRPaULa CozERo – Curitiba/PR – Mestranda UFPR

RaMoN saNTos – santarém/PaProf. Ms. RoBERTo EFREM FiLho – Recife/PE – UFPB

RóBsoN giL – Curitiba/PR – graduando UFPRTChENNa Mazo FERNaNDEs – Curitiba/PR

Thiago hoshiNo – Curitiba/PR – Mestrando UFPR

RevisãoaLExaNDRE L. CaRDoso

Diagramação e EditoraçãosK EDiToRa LTDa. – Curitiba/PR

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Ministério da Justiça

342.1251 C341

Casos emblemáticos e experiências de mediação: análise para uma cultura institucional de soluções alternativas de conflitos fundiários rurais / coordenadores: Sérgio Sauer, Carlos Frederico Marés. – Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de Reforma do Judiciário, 2013. 155 p. – (Diálogos sobre a Justiça) ISBN : Pesquisa elaborada em parceria entre a Secretaria de Reforma do Judiciário,

o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e a Organização Terra de Direitos.

1. Posse de terra, solução de conflito, Brasil. 2. Conflito social, Brasil. 3.

Direitos humanos. I. Sauer, Sérgio (coord.). II. Marés, Carlos Frederico (coord.). III. Brasil. Ministério da Justiça. III. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. IV. Organização Terra de Direitos.

CDD

978-85-85820-48-0

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Brasília/DF 2013

Casos Emblemáticos e Experiências de Mediação

Análise para uma Cultura Institucional de Soluções Alternativas de Conflitos Fundiários Rurais

Pesquisa realizada junto ao Ministério da Jus-tiça/secretaria da Reforma do Judiciário/Programa das Nações Unidas para o Desen-volvimento (PNUD).

Convocação 01/12/sRJ/ Projeto BRa/05/036

Área temática: Pesquisa sobre soluções alter-nativas para Conflitos Fundiários agrários eTradicionais.

Instituição Proponente: Terra de Direitos –organização de Direitos humanos.

Coordenadores: Prof. sérgio sauer e ProfessorCarlos Frederico Marés.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 10

CONTEXTO DA PESQUISA: O CENÁRIO DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS NOS ESTADOS DO PERNAMBUCO, PARANÁ E PARÁ 11

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS 15

Sobre os Estudos de Casos Emblemáticos 15Sobre a Análise das Experiências Público-Institucionais de Mediação 17

SEÇÃO I

ESTUDOS DE CASOS EMBLEMÁTICOS DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS AGRÁRIOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS 19

INTRODUÇÃO 19

Caso nº 1 Conflito Fundiário Camponês: Caso do Engenho Contra-Açude/Buscaú – Estado do Pernambuco 19

Caso nº 2 Conflito Fundiário Camponês: Caso da Fazenda Santa Filomena – Acampamento Elias de Meura – Estado do Paraná 35

Caso nº 3Conflito Fundiário Quilombola: Caso da Comunidade Quilombola Manoel Siriaco – Estado do Paraná 52

Caso nº 4Conflito Fundiário Indígena – Caso da Terra Indígena Maró – Gleba Nova Olinda I, Santarém - Estado do Pará 58

ANÁLISE E CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ESTUDOS DE CASOS EMBLEMÁTICOS 76

a. os elementos constitutivos do conflito 76b. o cenário e a implicação panorâmica da judicialização do conflito 79c. análise de resultados: os elementos constitutivos dos conflitos

fundiários em sede do cenário da sua judicialização 80i) sobre os quadros de agentes e instituições envolvidas nos conflitos 82ii) sobre os quadros de judicialização dos conflitos 83

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SEÇÃO II

ANÁLISE DE EXPERIÊNCIAS PÚBLICO-INSTITUCIONAIS DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS 89

INTRODUÇÃO 89

Experiências Público-Institucionais analisadas 891. ouvidoria agrária Nacional – Ministério do Desenvolvimento agrário 892. assessoria Especial de assuntos Fundiários – Estado do Paraná 953. vara agrária de Marabá – Poder Judiciário do Estado do Pará 1014. Promotoria de Justiça da Cidadania de Promoção e

Defesa da Função social da Propriedade Rural – Ministério Público do Estado de Pernambuco 106

Considerações Gerais acerca dos Estudos de Casos e Experiências de Mediação: Análise para uma Cultura Institucional de Mediação e Soluções Alternativas de Conflitos 113

SEÇÃO III

MANUAL PARA UMA CULTURA INSTITUCIONAL DE MEDIAÇÃO E SOLUÇÕES ALTERNATIVAS DE CONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS 115

INTRODUÇÃO 115

Parte I

IDENTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS DO CONFLITO FUNDIÁRIO RURAL 117

1º) Noção, Conceito e Características dos Conflitos Fundiários Rurais 1172º) Elementos Constitutivos dos Conflitos 1183º) Diferentes Categorias de sujeitos Coletivos de Direitos e Respectivos

Direitos e Políticas Públicas implicadas 1194º) Classes Processuais e Litigantes Frequentes: visão Panorâmica da

Judicialização do Conflito 121

Parte II A MEDIAÇÃO PARA SOLUÇÕES ALTERNATIVAS DO CONFLITO FUNDÁRIO RURAL 123

Para uma Cultura institucional de Mediação e soluções alternativas dos Conflitos 123Considerações Finais 125

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Parte III ARCABOUÇO NORMATIVO: REFERENCIAL PARA UMA HERMENÊUTICA DOS CONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS 126

INTRODUÇÃO 126

Âmbito Nacional 126Âmbito Internacional 138

DOCUMENTOS CONSULTADOS 144

BIBLIOGRAFIA 151

ANEXO 154

Roteiro de EntrevistaAnálise de Experiências Público-Institucionais de Mediação de Conflitos Fundiários Rurais 154

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o cenário dos conflitos fundiários rurais se apresenta de modo latente no coti-diano dos movimentos sociais e organizações de direitos humanos que atuam desde aperspectiva da assessoria jurídica e advocacia popular. De fato, a luta pela terra e ter-ritório no Brasil tem aliado a combinação do enfrentamento a velhas e novas estratégiasde violação de direitos de camponeses e camponesas, povos indígenas, comunidadesquilombolas e demais povos e comunidades que vivem no campo.

o estudo deste cenário – visando a construção de uma compreensão analíticacapaz de projetar sugestões, medidas e procedimentos aptos ao enfrentamento dascausas dos conflitos fundiários rurais, de modo a produzir soluções adequadas nas suasconsequências econômicas, sociais, étnicas e culturais – permite à Terra de Direitosapresentar o resultado final desta pesquisa, intitulada “Casos Emble-máticos eExperiências de Mediação: análise para uma Cultura institucional de soluçõesalternativas de Conflitos Fun-diários Rurais”.

observando, hoje, que tais conflitos encontram-se inseridos em um cenário maisamplo de expansão do protagonismo judicial, a pesquisa focou o olhar sobre a sua tra-dução enquanto tendência à judicialização dos conflitos fundiários rurais, de modo ainvestigá-los desde o referencial da sociologia do acesso à justiça, a fim de descobrir eapresentar elementos constitutivos, quer dos conflitos fundiários, quer da sua traduçãojudicializada, para, a partir disto, projetar elementos para a contribuição com uma cul-tura institucional voltada à mediação e solução alternativa dos conflitos fundiários ruraisno Brasil.

é nestes termos que a Terra de Direitos propõe um debate junto à sociedade e àsinstituições do sistema de justiça, com vistas a construir um caminho dialógico para ademocratização da justiça.

saudamos, por fim, o apoio da secretaria da Reforma do Judiciário, do Ministérioda Justiça, nesta importante iniciativa orientada para o aprimoramento do acesso àjustiça no Brasil.

Uma boa leitura a todas e todos.

Prof. Carlos Frederico Marése Prof. Sérgio Sauer

Coordenadores da Pesquisa

Equipe da Terra de Direitos

APRESENTAÇÃO

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a busca pela erradicação dapobreza extrema deve estar atrelada apolíticas de acesso à terra e desconcen-tração fundiária. Coube historicamenteaos movimentos sociais camponeses, aospovos indígenas e às comunidades tradi-cionais o papel de lutar pelo acesso àterra. apesar dos avanços conquistadosno processo histórico, no entanto, aindanão foi possível estruturar o Estado paraque realmente enfrente o problema agrá-rio em sua complexidade, sobretudo tra-tando-se dos novos conflitos referentes àscomunidades e povos tradicionais.

Como ressalta Carlos FredericoMarés, “a ideologia da propriedade pri-vada, individualista e absoluta, mesmocontra o texto da lei ainda impera no seiodo Estado, ou no seio da elite dominanteque dita a interpretação que lhe favorece”(MaRés, 2003, p. 13).

Num contexto de concentração fundiá-ria, de avanço do modelo do agronegócio, demobilizações populares de luta por direitossocioterritoriais, ausência de eficazes políti-cas públicas estruturantes de acesso à terra,a ocorrência de conflitos socioterritoriais sereitera no tempo e no espaço, sendo previsí-vel a ocorrência de novas situações. Em rela-ção à amazônia, por exemplo, afirmaMesquita (2011, p. 45):

Embora esse processo de expropria-ção não seja recente, a expansão doagronegócio e os investimentos espe-culativos a aprofundam e a generali-zam, abarcando inclusive comunidadestradicionais, como ribeirinhos, indíge-nas, extrativistas, resultando em cons-tante desterritorialização em umaregião rica em recursos territoriais.

Cientes, portanto, que conflitossocioterritoriais fazem parte do contextobrasileiro, torna-se indispensável desen-volver mecanismos eficazes para adevida mediação e solução pacífica des-tes conflitos.

o Brasil, hoje, é a 6ª maior economiado globo e o 84º país no ranking de desen-volvimento humano. Não por acaso, tam-bém possui um alto índice de concentraçãode terras: “Um por cento dos proprietáriosrurais controla 45% de todas as terras cul-tiváveis da nação, ao passo que 37% dosproprietários rurais possuem apenas 1% damesma área” (CaRTER, 2010).

segundo o Censo agropecuário de2006, do iBgE, à concentração fundiáriabrasileira, corresponde um índice gini de0,872, ocupando a segunda posição mun-dial na concentração de terras, perdendoapenas para o Paraguai1, com índice degini de 0,942. Ressalte-se que o índice de

CONTEXTO DA PESQUISA: O CENÁRIO DE CONFLITOS FUNDIÁRIOSRURAIS NOS ESTADOS DOPERNAMBUCO, PARANÁ E PARÁ

1 Destaque para o fato de que a concentração de terras no Paraguai advém da grande participação brasileira noagronegócio do país.

2 Dados do Banco Mundial, 2007.

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concentração fundiária de 2006 demons-trou uma tendência crescente ante aosapurados nos censos de 1985 (0,857) e1995 (0,856), confirmando, assim, umatendência ainda atual de concentraçãofundiária no Brasil, o que notadamentecontribui para o incremento dos conflitosfundiários rurais no país.

historicamente, as políticas fundiá-rias do Estado brasileiro não satisfizeramas demandas por democratização doacesso à terra, em que pese tenham sidoobtidos importantes avanços na criaçãode novos projetos de assentamentos dereforma agrária, criação de unidades deconservação, demarcação de terras indí-genas e titulação de territórios quilom-bolas.

De fato, foi somente a partir daslutas dos movimentos sociais que ocor-reu a criação de assentamentos dereforma agrária e unidades de conserva-ção de uso sustentável, demarcação deterras indígenas e titulação de territóriosquilombolas. através, portanto, da prá-xis social emancipatória, que se constituiem “expressões ou lutas sociais e políti-cas por um lugar e pelo direito de ser eexistir” (saUER, 2010). Não fosse aatuação destes novos sujeitos de direi-tos, a concentração fundiária teriaaumentado em índices ainda mais alar-mantes, com aumento da pobreza, desi-gualdade social e, consequentemente,dos conflitos fundiários. Como afirmasauer (2010, p. 37):

Mobilizações, lutas e conquistas desem terras, quilombolas, indígenas,ribeirinhos, quebradeiras, faxinalen-ses, extrativistas, agricultores fami-liares, camponeses e populaçõestradicionais são parte de um “pro-cesso social de ‘reinvenção” docampo no Brasil, sendo que a luta

pela terra materializa esta recriação,agregando novos elementos e pers-pectivas à vida no meio rural,criando uma nova ruralidade.

No plano internacional, a organi-zação das Nações Unidas para agriculturae alimentação (Fao) editou, no ano de2011, diretrizes voluntárias com o objetivode assegurar a governança da terra,entendendo que a democratização doacesso a terra é fundamental para superardesigualdades sociais. Nesse sentido,apontou a Fao:

El alivio del hambre y la pobreza yel uso sostenible del ambientedependen en gran medida de laforma en que las personas, lascomunidades y otros grupos consi-guen acceder a la tierra, la pesca ylos bosques. Los medios de vida demuchos individuos, en especial lapoblación rural pobre, están deter-minados por el acceso seguro yequitativo y el control de unosrecursos que son fuente de alimen-tos y refugio; constituyen el funda-mento de las prácticas sociales,culturales y religiosas, y represen-tan un elemento primordial del cre-cimiento económico. (Fao, 2011).

Da mesma forma, em 2010, o RelatorEspecial da oNU para o Direito àalimentação, oliver de shutter, tambémreconheceu explicitamente a necessidadede democratizar o acesso à terra comomedida indispensável para buscar reduzirdesigualdades sociais. Nesse sentido,apontou que:

acesso à terra e à segurança daposse são essenciais para garantir ogozo do direito à alimentação, mastambém outros direitos humanos,incluindo o direito ao trabalho (paraagricultores sem terra) e o direito à

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moradia. Este fato levou o ex-Relator Especial do Direito àMoradia adequada a concluir que oConselho de Direitos humanos daoNU deveria “garantir o reconheci-mento do direito a terra como umdireito humano na legislação inter-nacional sobre direitos humanos”. opresente relatório também confirmatal conclusão, tendo o direito à ali-mentação como ponto de partida.Este relatório descreve uma cres-cente pressão sobre a terra. assim,discute sobre o direito dos agricul-tores garantirem a posse da terra eo acesso a recursos naturais.Também argumenta em favor deuma distribuição mais equitativa daterra. (Fao, 2011).

as considerações acima transcritasreforçam o que, no plano nacional, asociedade brasileira tem afirmado háanos: a concentração fundiária contribuipara o aumento da desigualdade social eeclosão de conflitos socioterritoriais.

Nestes termos, é necessário desta-car que a pressão internacional por terras– seja devido à demanda crescente poralimentos, seja pelas preocupações emtorno das mudanças climáticas e seusimpactos sobre a produção agrícola –acirra as disputas territoriais, impactandogrupos sociais vulnerabilizados e poten-cializando a eclosão de conflitos socioter-ritoriais.

sabendo que a superação das cau-sas estruturais que geram conflitos fun-diários rurais é medida que não sealcançará no curto prazo, avançar nabusca por instrumentos eficazes demediação é medida indispensável paraevitar violações de direitos humanos.

ocorre, entretanto, que, apesar dos

esforços na busca pela superação dassituações de conflito, ainda há necessi-dade de aprimorar os instrumentos emeios utilizados. Prova disso é a intensadiscussão social feita quando da elabora-ção do 3º Programa Nacional de Direitoshumanos, onde se podem observar diver-sas propostas de busca de aperfeiçoa-mento dos instrumentos e medidas quedevem ser adotadas na mediação de con-flitos fundiários. observando este con-texto, buscou-se, através da presentepesquisa, aprofundar as reflexões sobre otema com vistas a apresentar uma pro-posta de incremento dos instrumentos emeios de mediação de conflitos fundiáriosrurais no Brasil.

Destaca-se que a Terra de Direitosconstitui-se em uma organização de direi-tos humanos que, há dez anos, se dedicaa estudar e atuar na mediação de confli-tos socioterritoriais através da advocaciapopular junto aos sujeitos coletivos dedireitos. Neste sentido, na presente pes-quisa, apresenta-se o estudo de quatrocasos emblemáticos de conflitos fundiá-rios distribuídos em três regiões degrande conflituosidade agrária do país(Regiões Norte, Nordeste e sul), consti-tuindo um objeto representativo da diver-sidade de casos em âmbito nacional.

o Estado de Pernambuco é conhe-cido pelos altos índices de conflitos fun-diários rurais. Conforme veiculado noúltimo Caderno de Conflitos no Campo,da Comissão Pastoral da Terra (CPT), oEstado de Pernambuco foi palco, em 2011,de 27 conflitos por terra (despejos, amea-ças de despejo forçado, pistolagem edesocupações em cumprimento deordem judicial) em face da realização de31 novas ocupações de imóveis rurais.atualmente, são cerca de vinte mil famí-lias acampadas em aproximadamente 163

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acampamentos de trabalhadores ruraissem terra.

importante destacar, também, comoelementos novos, no último ciclo histórico,a presença de grandes Projetos no estado– como a construção da Transnordestina,Porto de suape, construção de Barragenshidroelétricas, novos polos industriais eimobiliários, todos esses marcados porgrandes impactos socioambientais – e aretomada e modernização econômica doagronegócio, com destaque no sertão dosão Francisco para o setor hortifrutigran-jeiro. assim, tem-se um avanço de gran-des grupos econômicos agrícolas,industriais e empreendedores, principal-mente de capital estrangeiro, sobre as ter-ras camponesas e territórios tradicionais,o que vem retomando a tradição de con-flitos agrários do estado.

o Estado do Paraná, por seu turno,ao passo em que ostenta o quinto maiorPiB do Brasil, sendo considerado um dosmaiores produtores nacionais de com-modities agrícolas, também consiste noestado que apresenta grande quanti-dade de povos tradicionais3, contando,ainda, com 312 assentamentos de refor-ma agrária e com 72 áreas atualmenteocupadas por movimentos camponesesde luta pela terra. Esse cenário de proje-tos agrários antagônicos tem gerado, aolongo dos anos, muitos conflitos fundiá-rios no estado.

Conforme dados da Comissão Pas-toral da Terra de 1985 até 2006, o Estadodo Paraná apresentou alto nível de con-flituosidade no campo com o assassi-

nato de 16 trabalhadores rurais, 31 tenta-tivas de homicídio, 516 prisões arbitráriase 140 despejos forçados4. Foi no Paraná,que milícias privadas organizadas porentidades como a União DemocráticaRuralista geraram grande violência nomeio rural. Essa situação de violência,conjugada com a impunidade e a faltade políticas públicas eficazes de acessoà terra, fez com que o Estado Brasileirofosse condenado por duas vezes5 pelaCorte interamericana de Direitoshumanos, dada a incapacidade de solu-cionar os conflitos fundiários. outroscasos envolvendo conflitos socioterrito-riais ainda tramitam na Comissãointeramericana de Direitos humanos,como o caso “Tavares vs Brasil”, epodem render novas condenações aoestado.

Já o oeste do Pará desponta comouma região de fronteira na expansão defrentes de desenvolvimento em direção àamazônia. as recentes iniciativas de inte-gração dessa região ao “desenvolvimentonacional” ou à chamada “globalização”,mediante vultosas obras de infraestrutura,ao tomarem corpo no espaço geográfico,geram conflitos fundiários, na medida emque estes territórios já são historicamenteocupados por povos indígenas, comunida-des tradicionais e agricultores familiares.

Na região, existem, portanto, inten-sos conflitos socioterritoriais com comu-nidades de ribeirinhos, indígenas,extrativistas e outras comunidades tradi-cionais. os conflitos que envolvem aResex de Prainha, no Município de

3 Povos indígenas Xetá, Guaranis e Kaingangs, cerca de 227 comunidades tradicionais faxinalenses, 36 comunidadesquilombolas reconhecidas pela fundação cultural palmares entre outras comunidades como benzedores e benze-deiras, pescadores artesanais, caiçaras, cipozeiras, religiosos de matriz africana e ilhéus que se identificam comopovos tradicionais.

4 Dados obtidos nos cadernos Conflitos no Campo, da CPT, 2010.5 Condenações nos casos “Escher e outros vs Brasil” e “Garibaldi vs Brasil”, levados à CIDH pela Terra de Direitos e

outras organizações de direitos humanos.

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itaituba, a demarcação da Terra indígenaMaró, no curso do rio Maró, no Municípiode santarém, são paradigmáticos, aponto de lideranças indígenas da região

fundiários, conforme o que haguette(2001) identifica por método das homo-logias estruturais, realizando a compara-ção entre componentes estruturais doscasos analisados, no intuito de estabele-cer parentescos entre eles.

Desse modo, os diferentes estudosseguem um padrão metodológico quebusca identificar e apresentar qual a redesocial e institucional que participa do pro-cesso social, jurídico e político de consti-tuição dos conflitos fundiários, analisandoesta complexidade social e institucionaldesde uma perspectiva comparada entreos casos, com vistas a identificar elemen-tos replicados entre eles, e, assim, projetarum quadro social e institucional dos con-flitos, que possa servir à compreensão dasua complexidade econômica, social, cul-tural, política e institucional, e, assim,potencializar e capacitar os agentes públi-cos no processo de solução pacífica des-tes conflitos.

a fim de ilustrar a teia formada poruma característica complexidade social

estarem inseridas no Programa Nacionalde Proteção a Defensores de Direitoshumanos, da secretaria de Direitoshumanos da Presidência da República.

CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Sobre os Estudos de Casos Emblemáticos

os estudos de casos emblemáticosde conflitos fundiários rurais foram inseri-dos no âmbito da pesquisa a partir de umadupla perspectiva metodológica: em pri-meiro lugar, uma dimensão de apresenta-ção descritiva dos conflitos fundiárioscomo dado empírico, com vistas à revela-ção dos elementos concretos que com-põem um quadro característico, ciente deseus limites e da sua utilidade desde umaperspectiva comparada, aliado, emsegundo lugar, a uma dimensão analítica deorientação para a construção de propostasvoltadas à solução pacífica dos conflitosfundiários desde uma perspectiva voltadapara a efetivação dos direitos humanos.

Tendo em vista, portanto, a constru-ção de uma análise que projeta elementospara a solução dos conflitos fundiáriosrurais, os estudos de casos aqui apresen-tados foram construídos a partir de umaorientação metodológica voltada para acaptura empírica e projeção analítica dapresença e dos papéis políticos e sociaisexercidos pelos atores sociais e institui-ções públicas envolvidas nos conflitos

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e institucional que envolve os conflitosfundiários, será apresentado em cadaestudo de caso um Quadro de agentese instituições Envolvidas no Conflito.

identificados os atores sociais e ins-tituições públicas envolvidas nos confli-tos fundiários rurais, cumpre conhecerdescritivamente e analisar como se dá asua participação, buscando conhecer osseus padrões de atuação, instrumental eferramentas políticas e jurídicas usual-mente manejadas e, de um modo espe-cial, avaliar se a sua atuação contribuipara a solução pacífica ou não dos con-flitos analisados.

a partir daí, incorpora-se à análise aobservação de que os conflitos fundiáriosrurais estão inseridos no âmbito do fenô-meno da expansão do protagonismo judi-cial, traduzidos por uma complexa ereiterada judicialização, verificada e siste-matizada em quadros específicos, deforma a projetar elementos para a análisede uma cultura institucional disposta eapta à mediação e solução alternativa dosconflitos fundiários rurais.

De um modo geral, portanto, osestudos de caso apresentam informaçõesde caráter descritivo e objetivo acercados conflitos fundiários analisados, par-tindo de uma descrição dos achados atra-

vés do corpus empírico pesquisado, a par-tir de fontes primárias coletadas emcampo, como documentos de instituiçõespúblicas, entidades civis e movimentossociais, bem como informações dos pro-cessos administrativos e judiciais, comodespachos, decisões, atas de audiências edemais elementos que compõem o seuacervo documental.

Dessa forma, os estudos de casosseguem um padrão de apresentação eanálise orientado pelo seguinte roteirológico inspirado no referencial analítico dasociologia do acesso à justiça (CaPPEL-LETTi, 1988; soUsa JR., 2008; saNTos,2011; gaRaviTo & FRaNCo, 2010):

1. histórico do conflito;

2. Natureza dos direitos reivindicados;

3. agentes sociais;

4. instituições públicas envolvidas;

5. agentes privados;

6. Quadro de agentes e instituiçõesenvolvidas no conflito;

7. Quadro da judicialização do conflito;

8. Panorama atual do conflito.

Nos termos do Quadro 1, foram estu-dados quatro casos chamados de em-blemáticos, selecionados pelos critérios

Quadro 1 - Casos Estudados

NATUREZA DO CASOS POR ESTADOCONFLITO PERNAMBUCO PARANÁ PARÁCamponês Engenho Fazenda

Contra-açude/ santa Filomena –Buscaú acampamento

“Elias de Meura”Comunidades Comunidade TerraQuilombolas e – Quilombola indígena MaróPovos indígenas “Manoel Ciriaco”

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inspirados no modelo descrito por Pires(2008, p. 183): a) pertinência teórica como objeto da pesquisa; b) características equalidade intrínseca do caso; c) tipicidadeou emblematicidade; d) a possibilidade deaprender com o caso escolhido; seu inte-resse social; e) sua acessibilidade à investi-

gação. Desse modo, foram analisados qua-tro conflitos distribuídos por três regiõesdo país que apresentam altas taxas de con-flituosidade agrária, buscando abranger,ainda, a diversidade da natureza de sujeitosde direitos e conflitos existentes, distribuí-dos da seguinte maneira.

Sobre a Análise das Experiências Público-Institucionais de Mediação

Quadro 2 – Experiências Analisadas

PODER EXECUTIVO SISTEMA DE JUSTIÇAUNIÃO ESTADUAL JUDICIÁRIO MINISTÉRIO

PÚBLICOouvidoria agrária assessoria de vara agrária Promotoria deNacional – assuntos de Marabá – Justiça daMinistério do Fundiários – Tribunal de Cidadania deDesenvolvimento Estado do Justiça do Promoção eagrário Paraná Estado do Pará Defesa da Função

social daPropriedade Rural - Ministério Públicodo Estado de Pernambuco

Buscando incorporar uma diversi-dade institucional representativa da pró-pria complexidade institucional dosconflitos fundiários, a pesquisa analisa umquadro diversificado de experiências quepartem não somente de diferentes insti-tuições públicas diretamente envolvidasnos conflitos fundiários rurais, mas de ins-

tituições que possuem diferentes funçõese responsabilidades no que tange à solu-ção destes conflitos.

Desse modo, nos termos do Qua-dro 2, foi analisada uma experiêncialigada ao Poder Executivo da União, umavinculada a um Poder Executivo Esta-

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dual, uma inserida no âmbito do PoderJudiciário, e outra, por fim, realizadajunto ao Ministério Público:

Desse modo, foram selecionadaspara análise quatro experiências público-institucionais de mediação que se apre-sentaram como experiências positivas noscasos estudados acima, ou que se conso-lidaram em sua referência de atuação nosúltimos anos junto ao cenário dos confli-tos fundiários no Brasil.

Nestes termos, as análises das expe-riências foram divididas em dois blocosdiretamente vinculados à estrutura dequestões organizadas no roteiro semi-estruturado de entrevista, utilizado comouma das fontes que fundamentam as aná-lises, complementada, ainda, pela utiliza-ção de documentos oficiais dos órgãosanalisados, como atas de audiência e ofí-cios, por exemplo, complementados, porfim, pela análise do instrumento norma-tivo que dá origem e fundamento ao res-pectivo órgão estudado.

Desse modo, os estudos partiramdesta tríplice base de dados primários, afim de explorar as especificidades dosórgãos selecionados em sua dimensão deexperiências de referência na mediaçãode conflitos fundiários rurais, sobretudoem função de apresentarem elementos deuma cultura político-jurídica e capacidadeinstitucional mais adequadas à soluçãopacífica destes conflitos.

assim, o primeiro bloco da análisedetém-se em uma abordagem objetiva daestrutura normativa e institucional queconstitui o órgão analisado, focando-se naatuação do órgão e suas atribuições ecompetências específicas, além dos ins-trumentos utilizados para o cumprimentode tal escopo institucional. Já o segundobloco concentra-se na cultura institucio-nal de mediação de conflitos presentenaquele órgão, buscando informações ecompreensões de caráter também subje-tivo, com vistas a identificar e explorarelementos de potência nas experiênciasestudadas.

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Como dito acima, os diferentes estu-dos seguem um padrão metodológicoque busca identificar e apresentar a redesocial e institucional que participa do pro-cesso social, jurídico e político de consti-tuição dos conflitos fundiários, analisandoesta complexidade social e institucionaldesde uma perspectiva comparada, e,assim, apresenta um quadro dos elemen-tos constitutivos dos conflitos fundiáriosrurais que possa servir à compreensão dasua complexidade econômica, social, cul-tural, política e institucional, e, dessa

forma, potencializar e capacitar os agen-tes públicos no processo de solução pací-fica destes conflitos.

De um modo geral, portanto, osestudos de caso apresentam informaçõesde caráter objetivo acerca dos conflitosfundiários analisados, partindo de umadescrição dos achados através de fontesprimárias coletadas em campo, aquiseguindo um padrão de apresentação eanálise orientado pelo roteiro lógico des-crito acima.

SEÇÃO I ESTUDOS DE CASOS EMBLEMÁTICOS DECONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS

INTRODUÇÃO

Caso nº 1 Conflito fundiário agrário: Caso do Engenho Contra-Açude/Buscaú –Estado do Pernambuco

1. Histórico do conflito

o Engenho Contra-açude/ Buscaú

possui uma área total de 938,7132 hecta-res, situado no Município de Moreno (PE),onde moram cerca de 100 famílias esta-

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belecidas no local há quase cinquentaanos. os moradores dos engenhos foramvítimas do desemprego provocado pelofechamento de indústrias sucroalcooleirana zona da Mata de Pernambuco, queencerraram suas atividades sem quitar osdébitos trabalhistas. sem emprego, os tra-balhadores permaneceram vivendo napropriedade e fazendo da terra e do plan-tio meios para a sobrevivência6.

Em 1998, o iNCRa iniciou o processode desapropriação dos engenhos consi-derados improdutivos e aptos para desa-propriação para fins de Reforma agrária.Porém, após mais de dez anos, a áreaainda não foi desapropriada. adquiridaem 2001 por Fernando vieira de Miranda,da então falida Usina Laisa agropecuáriasa, desde então começaram as pressõessobre as famílias de trabalhadores ruraisposseiros – antigos empregados da usina,que ficaram nas terras a elas cedidas paralavouras de subsistência após a falênciada mesma – para que saíssem de suas ter-ras. visto o engenho já estar sendo alvode procedimento de desapropriação noincra, seu registro de inscrição de imóvelrural naquela autarquia estaria bloqueadopara qualquer forma de transação, deforma que não poderia ter sido alienadoa outro particular – à época foi instaladoinquérito na Polícia Federal para apurarsuposta fraude no cadastro do incra e ile-galidade da compra e venda. Tal investi-gação, porém, foi arquivada, visto aprincipal testemunha – o escrivão do car-tório que realizou a operação imobiliária –ter sido assassinada; e o servidor do incraque teria autorizado a mudança no cadas-tro não ter sido identificado7.

Enquanto o processo burocrático searrasta, as famílias de moradores do enge-nho estão submetidas a precárias condi-ções de vida, decorrentes da falta degarantia do direito à terra e atos de crimi-nalização. Destaque-se ser área bastanteconflituosa, conforme se descreveráabaixo, com constatação de trabalhoescravo, trabalho infantil e existência demilícias privadas, ao passo em que osmoradores denunciam inúmeras e suces-sivas violações de direitos humanos.

Quanto à situação de trabalhoescravo, constatada em operação de fis-calização do Ministério do Trabalho eEmprego, foi instaurado inquérito naPolícia Federal, que resultou na açãopenal que tramitou na 13ª vara Federal dePernambuco (0017720-86.2007.4.05.8300),na qual o proprietário foi condenado emsentença, encontrando-se, hoje, o pro-cesso no TRF 5ª região para apreciaçãode recurso de apelação. Já quanto à ocor-rência de danos ambientais, ao mesmoforam aplicadas multas administrativas,em 2009, por desmatamento de trechosde Mata atlântica, não respeito a áreas depreservação permanente em topos demorros e os limites de reserva legal, a par-tir de fiscalização da agência Estadual deMeio ambiente, por requisição daPromotoria agrária8. some-se, ainda, adestruição de lavouras de subsistência eviolações ao meio ambiente, causadaspelo plantio de cana-de-açúcar em áreade preservação ambiental. Entre asdenúncias de ameaças, por seu turno,além das referidas anteriormente, há aexistência de uma lista de pessoas “mar-cadas para morrer”.

6 Informações presentes no Terra de Direitos; NAJUP. Relatório de violações de direitos humanos no EngenhoContra-Açude/Buscaú. Recife: 2009, p. 04.

7 Ibidem, p. 06. 8 Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – CPRH. Relatório Técnico UGUC/SAUC n. 14/2009.

28.08.2009.

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Desse modo, tem-se instalado umconflito fundiário coletivo multidimensio-nal com o descumprimento da funçãosocial da terra rural, conforme disposto noart. 186 da Constituição Federal, em váriosde seus aspectos.

Como dito, desde 1998 o incra ini-ciou o procedimento administrativo dedesapropriação da área, o qual foi arqui-vado, sendo apenas retomado com novasprovocações da autarquia no ano de2005, sob o número 54.140000513/2005-68. Mesmo já sendo a área objeto dedesapropriação para fins de Reformaagrária, o proprietário ingressou com aação de Reintegração de Posse Nº 227-98.2007.8.17.0970 contra os moradoresda área.

segundo alegação do proprietário,teria havido esbulho no imóvel, visto aocorrência de uma ocupação do MsT nacasa-sede do Engenho, tendo sido has-teada bandeira do movimento. Mesmotendo sido realizado acordo em audiênciade conciliação em agosto de 2010, o pro-prietário seguiu com os atos de pressão ecriminalização contra os posseiros. Emoutubro de 2011, foi proferida sentençaem favor do proprietário, a qual não foiainda cumprida.

Com o intuito de retardar o proce-dimento administrativo de desapropria-ção no incra, o proprietário ingressou, na7ª vara de Justiça Federal, com duasações, uma de obrigação de Não-Fazer,para que o incra se abstivesse de conti-nuar com a desapropriação, cujo númeroé 2267-22.2005.4.05.8300; e outra, umaação Declaratória de Produtividade, denúmero 13431-81.2005.4.05.8300, quequestionava a classificação dada à pro-priedade na vistoria do incra.

ambas tramitam em dependência,estando os autos em apenso, de modo

que foi concedida nelas decisão liminarem tutela de urgência, suspendendo qual-quer andamento do procedimento admi-nistrativo expropriatório do incra. Nosautos da ação de nulidade, em dezembrode 2009, foi proferida sentença no sen-tido de dar procedência do pedido doautor, de modo que determinou a suspen-são de qualquer processo expropriatóriosobre a área pelo prazo de dois anos.após interposição de apelação pelo incrae pela Terra de Direitos, com pedido deassistência pela Terra de Direitos, sendoeste negado em sede de primeiro esegundo grau, o processo foi remetido aoTRF 5ª Região em novembro de 2010,encontrando-se até o presente momentoaguardando julgamento.

Já na ação declaratória de produti-vidade, correndo em apenso à ação denulidade, em dezembro de 2009, foi pro-ferida sentença declarando que o imóvelrural em questão era produtivo, sendoacolhida a perícia judicial realizada, emdetrimento do laudo de vistoria, fruto dotrabalho especializado antes feito pelostécnicos do incra.9 Desse modo, alémdessa problemática no aspecto da produ-tividade, foram também desconsideradosos outros requisitos para cumprimento dafunção social da propriedade, os quais,neste caso, são de notória violação (res-peito ao meio ambiente, existência detensões e conflitos locais e existência detrabalho escravo). Também neste pro-cesso, os autos encontraram-se conclusospara despacho a serem remetidos ao TRF5ª Região, ao longo do ano de 2010. apósser remetido ao Tribunal Regional, encon-tra-se até o presente momento aguar-dando julgamento.

Enquanto tal imbróglio no processode desapropriação não é solucionado, asituação do conflito e de ameaça às vidasdos posseiros moradores do engenho se

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agrava devido a “ações de intimidação”por parte dos “seguranças” do engenho,conforme abaixo será relatado.

2. Natureza dos direitos reivindicados

No conflito em tela, ao ser conside-rado como um conflito fundiário agrário,as famílias de camponeses, em sua lutasocial, reivindicam a efetivação do direitohumano à terra, meio de acesso funda-mental a outros direitos humanos, princi-palmente o direito ao trabalho, àalimentação adequada, à educação, àsaúde e à moradia. Tal conteúdo jurídicoda reivindicação dos posseiros pode serobservada por algumas manifestaçõesprocessuais de sua defesa e daPromotoria agrária nos autos da ação dereintegração de posse (Processo nº 227-98.2007.8.17.0970).

Em manifestação nos autos do pro-cesso referido, em 25.07.2008, aPromotoria agrária ofereceu petição dePromoção10 requerendo a realização deaudiência de conciliação, sob fundamen-tos que aclaram a natureza dos direitosem jogo naquele conflito. inicialmente,alega-se que, com o cumprimento dedecisão liminar, resultante na destruiçãode lavouras dos posseiros, caracteriza-ram-se graves e irreparáveis violações dedireitos humanos, principalmente o direitoà terra e à alimentação adequada.

Desse modo, em tal petição, apontaainda que a apreciação adequada dasituação para a necessária tutela de direi-tos envolvidos deveria levar em conside-

ração o cumprimento ou não da funçãosocial da terra rural, conforme o art. 186da Constituição Federal, pelo imóvel emquestão. afirma, ainda, que se deve ter emtela, no caso, o fato da política de reformaagrária ser um meio viável para pacifica-ção dos conflitos no campo, provocadospela desigualdade na estrutura fundiária.

Já os advogados dos posseiros, emsede de Memoriais, esclarecem que ocaso não envolve situação de ocupaçãode terras ou esbulho, conforme conside-rado na decisão liminar, mas o que se rei-vindica é a regularização fundiária daposse-trabalho e posse-moradia já exer-cida por essas famílias, considerando-se aterra como bem essencial aos meios deprodução de alimentos e na realização dadignidade humana dessas famílias.afirma-se, também, a necessidade sedemonstrar a comprovação do exercícioda posse segundo os limites da funçãosocial da terra rural pelo proprietário:

a função social da posse como prin-cípio constitucional positivado é aexigência de funcionalização dassituações patrimoniais, especifica-mente para atender as exigências demoradia, de aproveitamento do solo,bem como aos programas de erra-dicação da pobreza, elevando oconceito da dignidade da pessoahumana a um plano substancial enão meramente formal.11

Desse modo, coloca-se que o con-teúdo jurídico do pleito das famílias deposseiros está intrínseco ao direitohumano à terra, direito-meio de promo-ção da dignidade humana naquela situa-

9 Ressalte-se, portanto, que a justiça afasta um laudo produzido pelo órgão constitucionalmente competente, vali-dado através de um processo administrativo com fulcro no contraditório, para acatar um laudo produzido emjuízo, por um único profissional escolhido pelo próprio magistrado. Este fato, recorrente nos casos de conflitosfundiários agrários, deverá ser retomado no conjunto da análise de resultados no momento oportuno.

10 Processo nº 227-98.2007.8.17.0970. Promoção Ministerial. Fl. 361-4.11 Processo nº 227-98.2007.8.17.0970. Memoriais réus. Fl. 391.

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ção: “o desrespeito a tais preceitos ape-nas demonstra o descaso e sobressalên-cia dos interesses patrimoniais individuaisdo demandante em detrimento do bem-estar e dignidade dos trabalhadores”12.

Em manifestação da defesa do pro-prietário em sede de Memoriais13, tem-sealegações descaracterizando os argu-mentos e preocupações levantadas tantopela Promotoria agrária como pelosadvogados dos posseiros. afirma-selamentar as posições trazidas peloPromotor agrário em sua Promoção, vistoque “defende que a invasão de terra seja‘interpretada como instrumento da demo-cracia participativa’ e que ‘não constituiuma violação ao direito de propriedade’,fazendo crer que a ocupação é ‘um ato decidadania’”.

Em petição posterior14, afirma-se,ainda, que o posicionamento do Parquetmereceria repulsa, pois está na contramãoda Constituição Federal, dos princípiosnorteadores de um Estado Democráticode Direito. assim, seria afronta ao direitode propriedade dos autores a presençados moradores e posseiros, em vistas dasituação de esbulho possessório presenteno caso e que agrediria ao “sagradodireito de propriedade” – dentro de umaconcepção de que a proteção possessóriaobjetiva tutelar a propriedade e não aposse funcionalizada.

Tais argumentos apenas reiteram osjá presentes na petição inicial da ação, naqual expõem a concepção de prevalênciada tutela da propriedade privada emdetrimento dos direitos humanos funda-mentais dos posseiros, ao expor que areivindicação dos moradores seria “ativi-

dade à margem da lei, sem qualquer vin-culação ao sistema jurídico, visto sersituação revestida de tipicidade penal,caracterizando-se como ato criminoso”.seria, assim, inadmissível que, em umasociedade democrática, se admitisse a rei-teração de condutas inaceitáveis de vio-lência e de ilicitude como as que seapresentam nos autos do processo, atra-vés das reiteradas invasões e destruiçõespraticadas no imóvel do autor – haveria nocaso inadmissível desrespeito ao “impérioda Lei”: “o Poder Judiciário não podeceder às pressões de movimentos sociaisque se apresentam mascarados de legali-dade na tentativa de legitimar atos deextrema violência e desrespeito aosagrado direito de propriedade”15.

3. Atores sociais envolvidos

3.1. Sujeitos Coletivos de Direitos

Conforme acima exposto, enquantoator social de reivindicação do acesso àterra rural, estão cerca de 100 famílias detrabalhadores rurais, posseiros e morado-res da área do engenho, muitos antigosempregados deste. assim, estas famíliasde camponeses não estão organicamenteorganizadas em algum movimento socialcamponês, apesar de terem relações desolidariedade com o Movimento dosTrabalhadores e Trabalhadoras Ruraissem Terra (MsT). sua forma de organiza-ção mínima vem a se constituir no âmbitoda associação de agricultores Familiaresdo engenho, de modo que, através desta,as famílias se articulam com os órgãospúblicos agrários e com as organizaçõesda sociedade Civil parceiras.

12 Ibidem. Fl. 395. 13 Processo nº 227-98.2007.8.17.0970, Memoriais autores. Fl. 370.14 Ibidem. Petição autores. Fl. 422. 15 Processo nº 227-98.2007.8.17.0970. Petição inicial. Fl. 07.

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Desse modo, conforme será notórionos próximos itens, os trabalhadores ruraisposseiros, organizados em associação,foram e são sujeitos bastante ativos nestecaso ao manterem um diálogo intenso epermanente com os órgãos estatais res-ponsáveis pela mediação do conflito.várias das situações de violação de direi-tos humanos ocorridas frequentementeneste caso, e abaixo relatadas, foram apu-radas e comprovadas a partir de denún-cias realizadas por lideranças dosposseiros, bem como todas as situaçõesde descumprimento das várias dimensõesda função social da terra naquele imóvel.

Em vários de seus pronunciamentos,deixou-se sempre claro que o objeto dereivindicação na sua luta social por direitosera o acesso à terra, este encarado comomeio de realização de direitos humanos,econômicos, sociais e culturais, de formaque se efetive a política pública dereforma agrária e todo um pacote demedidas de desenvolvimento rural alter-nativo. No plano fático, conforme deba-tido acima, já se caracteriza o exercíciopleno da posse-moradia e posse-trabalho,aspectos da posse agrária, mais qualifi-cada e funcionalizada que a mera possecivil, pelos trabalhadores rurais, o que, nocaso em tela, vem resultando no conflitofundiário coletivo, visto as oposições etentativas em negar tal fato pelo proprie-tário. o que resta ainda ausente no pre-sente caso é a respectiva proteção desseexercício fático pela tutela jurídico-estatal,a qual inclusive foi negada em várias situa-ções por órgãos jurisdicionais e do sistemade justiça, conforme abaixo se relatará.

4. Instituições públicas envolvidas

No caso do conflito agrário havidono Engenho Contra-açude/Buscaú, o

Estado, através de alguns de seus órgãos,vem tendo uma postura de violação dedireitos através de seus agentes do sis-tema de segurança pública (polícia militare civil), conforme já exposto acima.Também se pode apontar como agenteviolador de direitos, neste conflito, algunsagentes públicos vinculados ao sistemade justiça: promotor de justiça local e juizde direito da comarca, ao atuarem nasações criminais e na ação possessória, emproteção absoluta da propriedade pri-vada em detrimento dos direitos huma-nos das famílias e na criminalização dasmesmas; e o juiz federal da vara agráriade Pernambuco, ao dar interpretação pre-judicial à realização da política de reformaagrária na área nas ações judiciais perti-nentes ao processo de desapropriação.Já como agente estatal mediador doconflito fundiário, pode-se apontar aPromotoria agrária do Ministério Públicode Pernambuco, e o Programa Estadualde Proteção de Defensores de Direitoshumanos, vinculada à secretaria Execu-tiva de Justiça e Direitos humanos dogoverno do Estado de Pernambuco, aoter incluído o caso do Engenho Contra-açude/Buscaú dentre os casos por esteacompanhados, e a ouvidoria agráriaRegional do incra, uma vez que todostambém vêm trabalhando em diálogocom a ouvidoria agrária Nacional nassituações de emergência e violação dedireitos pela mediação do conflito.

4.1. Sistema de Justiça Estadual –Judiciário e Ministério Público daComarca de Moreno

Em linhas gerais, a partir de análisedos autos do processo de reintegração deposse, bem como nas diversas açõespenais vinculadas à criminalização dostrabalhadores rurais posseiros, observou-se que, nas posturas do juiz de direito edo promotor de justiça da Comarca de

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Moreno (PE), em pouco se levou em con-sideração os instrumentos e mecanismosda mediação de conflitos coletivos pararesolução do caso em tela, apesar dediversas provocações e incidências reali-zadas pela Promotoria agrária e peloPEPDDh junto a tais órgãos do sistema dejustiça. verificou-se muito mais uma pos-tura de encarar e enfrentar tal caso atra-vés de seus processos judiciais de formaisolada, como se houvesse ali um meroconflito individual de direitos.

No processo de reintegração deposse, por exemplo, foi adotado estrita-mente o rito presente nos arts. 926/31 doCódigo de Processo Civil, como se indivi-dual fosse o litígio. apesar de, por duasvezes, se pronunciar aos autos aPromotoria agrária; e três vezes àsuperintendência do incra, esta última, apartir de despacho do juiz pedindo infor-mações, substancialmente não se adotouum rito processual que prezasse pelamediação do conflito, nos ditames doManual de Mediação de Conflitos daouvidoria agrária Nacional, em grandeapego ao formalismo. Cite-se, ilustrativa-mente, a concessão de decisão liminar16

de reintegração no início do processo,sem realização de audiência de concilia-ção e mediação prévia do conflito.

ao longo do processo, por diversasvezes, também os advogados do proprie-tário peticionaram aos autos alegandonovos atos de danos ao patrimônio doengenho e invasão da área do engenho, e,por diversas vezes, também se concedeudecisão interlocutória de reintegração deposse para despejo forçado das famílias,sem qualquer oitiva anterior dos réus oudos órgãos de mediação de conflito,mesmo estes já tido se pronunciado ante-

riormente nos autos. Em todos esses epi-sódios, apenas não se caracterizou umagrave lesão aos direitos fundamentais dasfamílias por incidência dos atores sociaise dos órgãos de mediação sobre a sus-pensão do cumprimento da decisão.

Constata-se, no caso em tela, o nãotrato adequado do conflito nos ditamesda mediação de conflitos fundiários cole-tivos não apenas pelo não exercício peloórgão jurisdicional de um papel mediador,papel de coordenador da mediação e diá-logo com outros órgãos estatais para aresolução do mesmo, ou seja, pelos atosprocessuais tomados, mas, também,materialmente pelos sentidos jurídicos fir-mados nas decisões judiciais proferidas.Cabe, ainda, ressaltar que em nenhummomento, aos autos, foram pedidas pelojuiz informações à Justiça Federal sobre oestado dos processos de desapropriaçãodo imóvel, mesmo sendo a existênciadesse processo informada várias vezespela Promotoria agrária e incra, como sefossem matérias totalmente alheias.

Em análise da sentença17 proferidanesta ação possessória, materialmente,pode-se afirmar que foi firmado sentidojurídico sobre os institutos da posse e dapropriedade com orientação resultante naviolação aos direitos humanos econômi-cos, sociais e culturais dos trabalhadoresrurais, conforme em item anterior carac-terizado. afirma-se que a posse estariapressuposta com a existência do direitode propriedade, de modo que não cabe-ria, no caso, falar em se levar em conside-ração os aspectos da função social daterra, nem o exercício fático desempe-nhado pelas famílias. Cabe, ainda, relatarque, ao longo dos fundamentos da deci-são, observa-se que foram apenas levados

16 Processo nº 227-98.2007.8.17.0970. Decisão Liminar. Fl. 48. 17 Ibidem. Sentença. Fl. 581-3.

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em consideração, logo firmados comorelevantes, os argumentos trazidos aosautos pelo autor, não se fazendo qualquerremissão às alegações e argumentoslevantados pela Promotoria agrária oupela defesa dos réus.

Já o promotor de justiça local veioatuar também como um agente violadordos direitos humanos dos trabalhadoresrurais, uma vez que, ao longo do processode reintegração, também apresentoucomportamento semelhante ao do juiz.Constata-se, em realidade, quase uma ati-tude omissiva nos autos por parte desteagente estatal, visto que ele apenas veioa se manifestar no processo na audiênciaprévia, pugnando pelo despejo imediatodas famílias, e, ao final, em sede de pare-cer ministerial. Nesta peça, constata-seque se recepcionam, praticamente, todasas alegações levantadas nos autos pelosadvogados dos autores, alegando a exis-tência de esbulho possessório e de neces-sidade de uma tutela plena e absoluta dodireito de propriedade18.

Tal postura, de individualizar o con-flito na condução jurisdicional, também serepete nas ações penais relacionadas aocaso. Mesmo sendo cerca de 15 açõespenais, a maioria decorrentes de crimesde menor potencial lesivo, como lesõescorporais, ameaças e danos, e tanto o juizcomo o promotor de justiça serem osmesmos da ação possessória, observa-seque não se dá um trato integrado aos pro-cessos: seja das ações criminais com aação civil, seja as ações criminais entre si.Conforme já acima relatado, essas açõespenais são decorrentes de atos quasecotidianos de violência contra os traba-lhadores rurais e instrumento de crimi-nalização, porém, tais autoridades do

sistema de justiça, alheios ao fim institu-cional de resolução do conflito agráriopela mediação, constata-se, deram tratoatomizado a tais processos criminais, ins-truindo em audiência e decidindo um porum, em vez de uma solução estrutural,integrada e em consideração à complexi-dade social que envolve o caso.

4.2. Sistema de Justiça Federal – 7ª Vara Federal de Pernambuco(Vara Agrária)

o mesmo comportamento de nãoadoção do diálogo institucional foi cons-tatado nos autos das duas ações relacio-nadas à desapropriação do imóvel, quetramitaram na 7ª vara Federal de Per-nambuco. Mesmo sendo aquela uma varaagrária especializada, ou seja, para tratarde processos judiciais e conflitos dessanatureza, o juiz federal responsável pelavara pouco adotou de uma postura ade-quada para resolução do conflito pelamediação.

Em análise dos autos do processode ambas as ações (ação de nulidade deato administrativo n. 2267-22.2005.4.05.8300e ação declaratória de produtividade n. 13431-81.2005.4.05.8300), verifica-se que não háqualquer preocupação em instruir e deci-dir no processo, tendo em vistas o conflitotambém analisado no processo possessó-rio em trâmite na Justiça Estadual, corro-borando com antes afirmado de umapostura atomizada e formalista dos pro-cessos judiciais. Não se encontra nosautos qualquer requisição de informaçõesdo estado da ação possessória à JustiçaEstadual ou a outros órgãos estatais,como a ouvidoria agrária Nacional ou aPromotoria agrária, informações sobre oestado de conflituosidade existente na

18 Ibidem. Parecer ministerial. Fl. 579.

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área, apesar de tal fato ser trazido aosautos diversas vezes pelo incra.

Destaque-se, inclusive, que alega-ções de que tais matérias seriam alheiasaos processos em trâmite na JustiçaFederal seriam de difícil sustentação, vistoque o fundamento de uma das ações (ade nulidade de ato administrativo) é jus-tamente a suposta ocorrência de “inva-são/esbulho possessório” no imóvel,devendo o processo expropriatório sersuspenso com base no art. 2º, §6º, da Lei8.629/93. a preocupação com a ade-quada resolução do conflito agrário aliexistente, fim institucional, por exemplo,de uma “vara agrária”, passaria pela aten-ção das consequências e da eficáciasocial que teria as decisões proferidas poraquele juízo: se contribuiriam, ou seja, eleestaria em cooperação com outrosórgãos agraristas, para a pacificação doconflito ou se intensificariam a tensãosocial existente, como deveras verificou-se que aconteceu no presente caso, umavez que, após a sentença suspendendo adesapropriação, o clima de animosidadena área aumentou.

assim, a não preocupação em sicom a situação concreta de desamparo enão contemplação pelas políticas sociaisagrárias das famílias de trabalhadoresrurais, ou seja, a repercussão social dasdecisões proferidas, conforme se verificouna sentença, já se entende nesta pesquisacomo um elemento para uma atuaçãovisando a mediação do conflito fundiário,bem como a tutela dos direitos humanosvinculados ao direito à terra das mesmas.

4.3. Agentes estatais de mediaçãode conflitos fundiários rurais

Diferentemente dos órgãos estataisacima considerados, a partir da análisedos documentos e dados coletados na

pesquisa empírica, verificou-se que osórgãos neste item descritos atuaram nopresente caso prezando pela busca e rea-lização de diálogos institucionais e coo-peração dos órgãos competentes pelamediação do conflito. Desse modo, ana-lisa-se primeiro a atuação da Promotoriaagrária, vinculada ao Ministério Públicode Pernambuco.

Conforme se pode já verificar a par-tir do exposto acima, tal órgão teve e vemtendo uma atuação proativa pela media-ção do conflito fundiário, em que pese oteor de suas manifestações no processode reintegração de posse, pugnando sem-pre junto ao órgão jurisdicional a realiza-ção de audiências prévias de mediação econciliação antes do proferimento oumesmo cumprimento de decisões limina-res reintegratórias que pudessem resultarem grave e irreparável lesão às famílias deposseiros.

Nas situações em que não se podeevitar o cumprimento da decisão liminarreintegratória, importante registrar que seconstatou a atuação desta Promotoria nabusca da articulação com órgãos doExecutivo Estadual competentes a esteato (como as secretarias de Defesa sociale articulação social do governo doEstado), a fim de negociar-se que se con-cilie o cumprimento de uma decisão judi-cial com o respeito aos direitos humanosfundamentais das famílias. No levanta-mento de documentos para este estudo,constatou-se que, por diversas vezes, oPromotor agrário levou o caso do conflitono Engenho Contra-açude para reuniõesda Comissão de Prevenção, Conciliação eResolução de Conflitos agrários doEstado de Pernambuco, instância interins-titucional composta por diversos órgãosdo Executivo e sistema de Justiça fede-rais e estaduais, presidida pelo próprioPromotor.

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Cite-se, por exemplo, a apreciaçãodo caso feita na reunião do dia 16 desetembro de 201119, na qual se tratou dasdenúncias de novos danos ambientais (oplantio de duas mil mudas de eucaliptosem licença do órgão ambiental estadual)de modo que se consignou que talPromotoria oficiaria ao CPRh pedindoinformações sobre o projeto de reflores-tamento, e da necessidade de diálogocom o TRF 5ª Região para tratar do julga-mento do recurso de apelação relacio-nado aos processos de desapropriaçãodo engenho, diálogo esse que seria feitopela Promotoria, ouvidoria agrária nacio-nal e incra. Conforme já se trouxe exausti-vamente acima, constatou-se, também,uma plena abertura deste órgão para odiálogo com as lideranças dos posseiros,visto recebê-los por diversas vezes emaudiência e para tomada de depoimentopara registro de denúncias e tomada deprovidências, como requisição de infor-mações a outros órgãos estatais e insta-lação de diligências e fiscalizações naárea, enxergando-os, portanto, na suacondição de sujeitos coletivos de direitos.

Em uma atuação em forte sinergiacom a Promotoria agrária, deve-se desta-car o papel desempenhado pelo incra,coordenado pela sua ouvidoria agráriaRegional em Pernambuco. Conforme jáacima dito, por diversas vezes subsidia-ram e peticionaram aos processos judi-ciais relacionados aos conflitos, mesmoainda que sem pedido de pronuncia-mento dos respectivos juízes, com infor-mações sobre o conflito e as váriasconstatações de descumprimento da fun-ção social da terra.

Cite-se o ofício enviado a váriosórgãos competentes do conflito, bem comoaos autos do processo de reintegraçãoinformações de inspeção in loco feita portécnicos da autarquia, na qual constataramdanos ambientais (plantação de cana-de-açúcar em topo de morros), reclamaçãodos posseiros de atos de ameaça e a visua-lização de segurança do engenho armadocom espingarda e facão. Por diversas vezes,também, foram os próprios posseiros rece-bidos na sede da superintendência paraoitiva e registro de denúncias, bem como oseu encaminhamento à ouvidoria agráriaNacional e outros órgãos de mediação, nosditames próprios da cooperação e diálogoinstitucional20.

Por fim, relate-se uma atuaçãosemelhante desempenhada pelo Progra-ma Estadual de Proteção a Defensores deDireitos humanos, na articulação e coo-peração com outros órgãos estaduais efederais, para tratar de conflitos agráriosna busca por contribuir na mediação doconflito no Engenho Contra-açude.Conforme já dito acima, foram coletadasdiversas denúncias dos posseiros dosdescumprimentos da função social daterra e de violações de direitos humanos– cite-se audiência pública realizada nopróprio engenho com presença dos pos-seiros e representantes de entidades dasociedade Civil e órgãos estatais federaise estaduais, bem como o acompanha-mento de posseiros em audiências dedepoimento na Promotoria agrária eProcuradoria Regional do Trabalho. Nodesempenho da articulação, verifica-se oenvio de vários ofícios para requisição deinformações e diligências21.

19 Comissão de Prevenção, Conciliação e Resolução de Conflitos Agrários do Estado de Pernambuco. Ata de reunião– 16.09.2011.

20 INCRA. Relatório de Visitação, 03 de abril de 2007; Ofício n. 185/06, 16.02.2006; Relatório de Visitação, 15 demarço de 2007; Ofício n. 228/2007, 05.03.2007; ofício n. 197/2005, 07.03.2005.

21 PEPDDH. Termo de Declaração, dia 22.11.2010; Ofício PEPDDH n. 76/2010; oficio n. 75/2009; ofício n. 21/2011.

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5. Agentes privados

Como já exposto acima, para a ins-talação da situação de conflito fundiáriocoletivo, contrapõe-se ao pleito das famí-lias camponesas o atual proprietário doengenho, e, de forma imediata, o supostoadministrador do imóvel, conhecido naárea por “arrocha-o-nó”. Destaque-se arecente condenação, em sede de sen-tença em ação penal, do proprietário doimóvel por trabalho escravo e degradantede trabalhadores rurais do corte da cana-de-açúcar no Engenho Contra-açude/Buscaú, o que vem a reforçar a posturadesse polo na violação de direitos huma-nos fundamentais no conflito agrário ins-talado na área em questão, conforme seprocurará colocar neste item, come-çando-se pelas situações de violação dobem-estar social e dos trabalhadoresrurais.

apesar de serem situações recorren-tes as ameaças e atentados à integridadefísica dos moradores, alguns episódiostomaram maior destaque, sendo levadosa conhecimento para investigação e reso-lução por parte dos órgãos estatais demediação de conflitos agrários no Estadode Pernambuco. Cite-se, por exemplo, osrelatos presentes no termo de depoi-mento, tomados pelo Programa Estadualde Proteção de Defensores de Direitoshumanos (PEPDDh)no dia 22 de novem-bro de 201022.

Em ofício expedido pelo PEPDDh23,a coordenadora do programa informaque, ao fazer uma visita in loco no dia 11de agosto de 2010, um dos “capangas” doproprietário andava a cavalo, armado, e

observava as atividades da equipe doprograma de longe. situação semelhantetambém foi informada por técnicos doincra, ao fazerem visita in loco para levan-tamento topográfico da área do engenho,em 3 de abril de 2007: durante a visita foivisto, a poucos metros de distância daequipe, um segurança armado de “espin-garda 12” e facão, fato registrado, inclu-sive, em fotografia e encaminhado àsautoridades policiais24.

Em ofício expedido pelo delegadode polícia civil de Moreno, endereçado aoPromotor agrário25, prestam-se informa-ções sobre um dos inquéritos policiaisque investigaram tais episódios decorren-tes do conflito fundiário. Neste docu-mento, fala-se da existência na região deuma “lista de marcados para morrer”, naqual constaria o nome de alguns possei-ros do engenho, bem como se relata apostura omissiva de alguns agentes dapolícia civil e da polícia militar em prote-ção e conivência aos atos praticados peloproprietário do engenho e seus seguran-ças. apesar de atestar tais fatos, na con-clusão do relatório do inquérito,declara-se que a polícia não teria encon-trado elementos materiais suficientes daspráticas delitivas denunciadas.

Tais denúncias foram também leva-das à Promotoria agrária, vinculada aoMinistério Público Estadual, visto esta seapresentar no estado como principal ins-tância de mediação de conflitos agrários,como, por exemplo, o registro de depoi-mento26 de um dos trabalhadores ruraisposseiros em 30 de agosto de 2006, oqual apresentou um panorama geral dasviolações de direitos humanos havida na

22 Termo de Declaração, dia 22.11.2010, PEPDDH/Governo do Estado de Pernambuco. 23 Ofício PEPDDH n. 76/2010. 24 INCRA. Relatório de Visitação, 03 de abril de 2007. 25 Ofício DEPOL n. 01475/2010. 26 Ministério Público de Pernambuco. Termo de depoimento. 30.08.2006.

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área. Tais denúncias voltaram a seremexpostas em novo depoimento no dia 22de janeiro de 200727. Em ata de audiênciapública realizada nas dependências doengenho, no dia 5 de abril de 201128, pos-seiros do engenho tiveram a oportunidadede expor publicamente mais algumassituações de ameaça e intimidação.

Tais episódios de violência e crimi-nalização dos trabalhadores rurais possei-ros do engenho, por diversas vezes,também foram objeto de processos judi-ciais criminais, em grande parte das vezesrespondendo como agressores, visto aprática recorrente de o proprietário pres-tar queixa na delegacia de polícia desupostas ameaças e danos materiais pro-vocados pelos posseiros, em uma verda-deira inversão dos fatos. Do levantamentofeito de 2007 a 2012, por esta pesquisa,registrou-se cerca de 15 (quinze) proces-sos criminais, sendo que, em apenas doisdeles, os moradores constavam como víti-mas. a título de exemplo, cita-se algunsrelatos presentes em termo de depoi-mento registrado em ata de audiência deinstrução e Julgamento do processo n.1959-46.2009.8.17.0970, do dia 15 desetembro de 2010, no qual o posseiromorador do engenho protegido peloPEPDDh responde como parte ré de crimede ameaça e lesão corporal ao administra-dor do engenho, “arrocha-o-nó”.

No depoimento do administradordo engenho, este afirmou que o posseiromorador, réu no processo, estava danifi-cando a plantação de cana do engenho,ateando fogo, quando o mesmo abor-dou-o pedindo para parar, momento emque aquele correu atrás dele portandoum facão, fugindo de moto. afirma, ain-

da, que essa seria uma prática corri-queira do morador-réu, chegando a des-truir mais de 5 hectares de cana-de-açúcar. Testemunhou, também, o pro-prietário do engenho, quem declarouque logo após o fato o morador acusadoteria também ameaçado-o com umaestrovenga e o ofendido moralmente,confirmando também que o acusado ésempre visto por outras pessoas fazendotais práticas de dano ao patrimônio doengenho. Já na versão dos fatos presen-tes tanto no testemunho do acusado,como de outros posseiros moradoresque depuseram em juízo, o que teriaacontecido foi que o administrador doengenho foi de moto à casa do acusado,armado de revólver, e correu atrás delecom facão, de modo que o mesmo só foiimpedido de agredir o posseiro pelaintervenção de outros três moradores doengenho. outros trabalhadores ruraisque presenciaram o fato não puderamdepor em juízo nesta audiência, inclu-sive, porque sentiam-se ameaçados(uma estaria hospitalizada com suspeitade derrame após o administrador jogarveneno em sua lavoura; outra, porqueteve sua plantação danificada pelomesmo agente ao passar por cima delacom um trator).

Por fim, quanto às situações de vio-lência física e moral decorrentes do con-flito em análise, cabe dizer que as mesmastambém foram objeto de informe àRelatoria Especial da oNU sobre defenso-res de direitos humanos, por parte daorganização Terra de Direitos. Tal provo-cação intentou que o Estado Brasileiro,diante da omissão de vários de seusórgãos competentes para tratar do caso,

27 Ministério Público de Pernambuco. Ata de Audiência. 22.01.2007. 28 Juízo de Direito da Comarca de Moreno/PE. Processo n. 1959-46.2009.8.17.0970. Termo de Audiência de Instrução

e Julgamento.

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fosse constrangido por instância interna-cional a agir, principalmente para investi-gação e responsabilização da suspeita deformação de milícia privada na área.

o suposto proprietário, como dito,também é investigado pela existência detrabalho na área em condições análogasà escravidão. Em sede de sentença nosautos da ação penal n. 0017720-86.2007.4.05.8300, que tramitou na 13ª varaFederal de Pernambuco, estando atual-mente o processo no TRF 5ª Região paraapreciar recurso de apelação, este foicondenado ao crime constante no art.149 do Código Penal por submeter cercade 150 trabalhadores rurais do corte dacana a condições de labor degradantes,análogas à de trabalho escravo, vistoque lhes eram negados situações bási-cas de segurança e higiene no ambientede trabalho.

os fatos que resultaram na denún-cia do MPF e consequente condenaçãoforam apurados e constatados em ope-ração do grupo Especial de FiscalizaçãoMóvel do Ministério do Trabalho eEmprego, que resultou na lavratura de62 (sessenta e dois) autos de infração,além do resgate de 40 (quarenta) traba-lhadores do ambiente laboral, em agostode 2010. Tal situação apenas atesta maisuma das dimensões de violação da fun-ção social da terra rural na área emestudo e, consequentemente, do conflitofundiário coletivo.

importante destacar que a referidaoperação de fiscalização só foi defla-grada após diversas denúncias pelos tra-balhadores rurais posseiros do engenhojunto à Promotoria agrária e Procura-doria Regional do Trabalho. Conforme já

exposto acima, tal situação já tinha sidolevada a conhecimento da Promotoriaagrária em audiência e tomada dedepoimento em agosto de 2006 ejaneiro de 2007. Em 13 de agosto de2010, em audiência que contou com apresença de representante do PEPDDhe da organização Terra de Direitos, oproprietário firmou TaC para resoluçãodas violações de direitos humanos traba-lhistas no engenho29.

a situação de permanência do usode mão-de-obra em condições precáriase degradantes, porém, perdurou, deforma que os trabalhadores rurais possei-ros do engenho foram à Procuradoria doTrabalho em 26 de outubro de 201030

para, em audiência, depor e relatá-la.segundo depoimento de um deles, conti-nua a situação de não fornecimento deEPi’s (equipamentos de proteção indivi-dual) e que, após a operação de fiscaliza-ção, apenas foram feitos alguns retoquesnas casas e fornecimento de água potávelapenas por um período, perdurando asituação anterior.

além dos atores privados vincula-dos ao engenho, caracterizam-se tam-bém como agentes violadores dosdireitos das famílias de posseiros no pre-sente conflito em análise, alguns atoresestatais, dentre eles órgãos do sistemade justiça, do judiciário federal, estaduale do Ministério Público Estadual, os quaisatuaram nos processos judiciais relacio-nados ao conflito.

Conforme presente no relatório doinquérito do delegado da polícia civil,acima citado, e objeto de denúncias emaudiências na Promotoria agrária, foicomprovado a presença, por diversos epi-

29 Procuradoria Regional do Trabalho 6ª região. Ata de Audiência – Rep 07.2010. 13.09.2010.30 Idem. Ata de Audiência – Rep 07.2010. 26.10.2010.

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sódios, de policiais militares acompa-nhando o proprietário do engenho emsituações de intimidação e ameaça a pos-seiros, comprovando, inclusive, um episó-dio de ida de um membro da políciamilitar intimar um dos trabalhadoresrurais para depoimento em delegacia uti-lizando-se de carro do proprietário, acom-panhado por este. Nos depoimentos jáacima citados, prestados pelos trabalha-dores rurais em audiências na Promotoriaagrária, relatou-se, também, diversassituações de eles dirigirem-se à delegaciapara prestar queixas de ameaças e violên-cias físicas, não sendo, porém, os boletinsde ocorrências registrados por expressarecusa de agentes policiais. Tal fato tam-bém foi atestado por ofício do PEPDDh,também já citado acima.

6. Quadro de agentes e instituições envolvidas no conflito

o Quadro 3 é ilustrativo da comple-xidade social e institucional que envolve oconflito fundiário no Engenho Contra-açude/Buscaú, revelando uma teia deagentes e instituições que sugere, tam-bém, o sentido e o caráter da complexi-dade que uma adequada solução doreferido conflito reivindica.

7. Quadro da Judicialização do Conflito

Como foi possível observar, à com-plexidade social e institucional corres-

Quadro 3 - Agentes e Instituições Envolvidas no Conflito - Caso Contra Açude/Buscaú

SOCIEDADE CIVIL ESTADOsistema de Justiça Podersujeitos

Entidadesagentes PoderColetivos

sociedadePrivados

Poder Ministério DefensoriaExecutivo

LegislativodeCivil Judiciário Público PúblicaDireitos

Famílias Terra de Proprietário vara da Promotoria ouvidoria de Direitos Engenho comarca agrária agráriaposseiros de Moreno (MPPE) Nacional

(TJPE) MsT Funcionários 7ª vara Procuradoria ouvidoria

proprietário Federal Regional do Regional(vara Trabalho incra sR-23agrária 6ª RegiãoJFPE)

Promotoria Programa de Justiça Estadualcomarca de de ProteçãoMoreno a Defensores(MPPE) de Direitos

humanosPolícia Civil PEcircunscrição MorenoPolícia Militar

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ponde, também, uma intensa prática liti-gante envolvendo os respectivos sujeitos,

agentes e instituições, conforme oQuadro 4 demonstra:

Quadro 4 - Judicialização do Conflito Caso Engenho Contra-açude/Buscaú

CATEGORIAS DE CLASSE PROCESSUAL MANEJADA

LITIGANTES JUSTIÇA TIPO PENAL OBSERVAÇÃOCíVEL

advocacia Terra de Pedido de Na ação de declaração de produtividade Popular Direitos assistência - discussão da sentença - interposição de

recurso de apelação.Terra de Pedido de Na ação de nulidade de ato administrativoDireitos assistência - discussão da sentença - interposição

de recurso de apelação.Terra de ameaça vítimas: Lideranças da comunidade;Direitos Réu: capanga engenho

agentes Ministério Trabalhodo Estado Público Escravo

FederalPolícia Civil Pedido de Prisão Preventiva Contra liderança dos posseiros. Motivo

alegado: não comparecimento emdelegacia e Fórum para audiências dosTCos

agentes Proprietário ação de Manifestações da Promotoria de Justiça Privados do Engenho reintegração agrária pela mediação do conflito //

de posse atuação da Terra de Direitos na defesa processual dos posseiros

Proprietário ação objeto: decretar que o imóvel rural édo Engenho declaratória produtivo e houve falha na vistoria do incra.

de produtividade

Proprietário ação de objeto: decretar a nulidade dodo Engenho nulidade procedimento administrativo do incra

de ato de desapropriação do imóvel ruraladministrativo

Proprietário ação Penal Privada - Réu: Liderança da Comunidadedo Engenho Dano simples; abandono

de animal em Propriedade alheia

Proprietário ação Penal privada - Réu: Liderança da Comunidadedo Engenho ameaçaProprietário ação Penal privada - Réu: Liderança da Comunidadedo Engenho ameaça e Dano simplesProprietário ação Penal Privada - Réu: Liderança da Comunidadedo Engenho Dano simples) e abandono

de animal em Propriedade alheia

Proprietário ação Penal Privada - Réu: Liderança da Comunidadedo Engenho ameaçaProprietário ação Penal Privada - Réu: Liderança da Comunidade do Engenho ameaça Proprietário do Engenho ação Penal privada - Réu: Liderança da Comunidade

abandono de animal em Propriedade alheia

Total 4 5 10 Total Ações Judiciais 15

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8. Panorama atual do conflito

Por fim, coloque-se que a área aindase encontra em pleno conflito, comdenúncias quase cotidianas de atos deviolência e ameaça por parte dos capan-gas e pistoleiros do proprietário contra osmoradores e posseiros do engenho.Nessas situações, vem a ser de grandeimportância a atuação dos órgãos esta-tais, principalmente o PEPDDh e aPromotoria agrária, de mediação do con-flito, provocando a ação dos agentespúblicos do governo do estado na solu-ção desses atos atentatórios à vida e inte-gridade física das famílias.

No âmbito da judicialização do con-flito, o recurso de apelação interposto peloincra, que busca reverter a sentença quedeclarou o imóvel rural produtivo e proibiua tramitação do procedimento de desa-propriação por razão de suposto esbulhopossessório na área, ainda está pendentede julgamento na Primeira Turma doTribunal Regional Federal da 5ª Região. Jáa ação de reintegração de posse está tran-

sitada em julgado, de modo que há riscoiminente de despejo forçado e violento emface das famílias de posseiros, sendo fun-damental a atuação dos órgãos estataisde mediação do conflito.

a despeito da intensa atuação dosórgãos de mediação de conflitos fundiá-rios coletivos, em destaque a Promotoriaagrária e o PEPDDh, para a pacificaçãosocial com respeito e promoção dos direi-tos humanos fundamentais das famílias,verifica-se, no caso estudado, que tais atosnão foram ainda suficientes para a resolu-ção do conflito. sem a adoção dos instru-mentos processuais e de cooperaçãoinstitucional próprios da mediação deconflitos rurais por aqueles órgãos com-petentes pela coordenação de tal situaçãocomplexa, visto o conflito estar judiciali-zado, quais sejam, os órgãos jurisdicionaisestaduais e federais do sistema de justiça,o não sucesso na superação do presenteconflito com o devido respeito aos direitoshumanos das famílias de trabalhadoresrurais, entende-se, será ainda uma marcarecorrente neste caso estudado.

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1. Histórico do conflito

o caso da Fazenda santa Filomenase insere em um contexto de conflitosagrários acirrados no Estado do Paraná.as ocupações de terra, especialmente noperíodo entre o início dos anos 90 e mea-dos dos anos 2000, foram violentamentereprimidas, resultando em despejos força-dos e mortes. é um caso bastante com-plexo que envolve vários atores sociais,sendo que o litígio sobre a área é discu-tido em diversos processos judiciais.31

a área onde está localizada aFazenda santa Filomena passou a ter umaocupação humana mais intensiva nasdécadas de 60 e 70, com a derrubada dafloresta para extração de madeira. o des-matamento foi seguido pela ocupaçãodas terras com lavouras de café, pasta-gens para criação extensiva de gado elavouras de cana-de-açúcar. atualmente,a pecuária bovina e a monocultura decana dominam a produção agrícola naregião, com impactos negativos para o

meio ambiente e para a economia.32

a fazenda, situada entre os municí-pios de guaiçará e Planaltina do Paraná,no Estado do Paraná, foi objeto de umavistoria, realizada pelo instituto Nacionalda Colonização e Reforma agrária (incra),em outubro de 1997, que considerou aárea como grande propriedade improdu-tiva, uma vez que o imóvel rural apresen-tava grau de Eficiência na Exploração(gEE) de 81,99 %, taxa inferior à legal-mente exigida. segundo a ConstituiçãoBrasileira de 1988, o reconhecimento daimprodutividade implica na sua desapro-priação para fins de reforma agrária.33

Dessa forma, foi editado, em 17 de agostode 1998, Decreto Presidencial declarandoo imóvel rural de interesse social, para finsde reforma agrária, estabelecendo, assim,expressamente em seu artigo 3°, que oincra estava autorizado a promover adesapropriação na forma prevista na LeiComplementar n° 76/1993.

Diante das informações acerca da

Caso nº 2 Conflito fundiário agrário: Caso daFazenda Santa Filomena – AcampamentoElias de Meura – Estado do Paraná

31 Informações disponíveis em: <http://terradedireitos.org.br/biblioteca/acampamento-elias-de-meura-fazenda-santa-filomena/>. A discussão judicial do caso envolve cerca de 24 instrumentos processuais, dentre ações origi-nárias e recursos em diversas instâncias, além de um inquérito policial que investiga o assassinato do trabalhadorrural sem terra Elias de Meura por uma milícia privada na área.

32 Informações que constam no a laudo econômico e social sobre o Acampamento Elias de Meura, elaborado emmaio de 2012 (Autos da Ação de Desapropriação Judicial, Evento 1, Documento LAU7, páginas 1/33, Processo n°5002397-91.2012.404.7011/PR).

33 “Nem toda propriedade privada há de ser considerada direito fundamental e como tal protegida (...) quando a pro-priedade não se apresenta, concretamente, como uma garantia da liberdade humana, mas, bem ao contrário, servede instrumento ao exercício do poder sobre outrem, seria rematado absurdo que se lhe reconhecesse o estatutode direito humano, com todas as garantias inerentes a essa condição, notadamente a de uma indenização reforçadana hipótese de desapropriação.” COMPARATO, Fábio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de pro-priedade. In: STROZAKE, Juvelino José. (Org.). A Questão Agrária e a Justiça. São Paulo: RT, 2000. p. 139 -141.

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desapropriação, trabalhadores rurais sem-terra ocuparam a área declarada como deinteresse social em outubro de 1999. Estaprimeira ocupação durou apenas algunsmeses, vez que a Polícia Militar realizouuma operação de despejo forçado em 24de fevereiro de 2000 na fazenda.

Em 2004, como forma de denun-ciar a morosidade na concretização dareforma agrária, vez que depois de cercade seis anos da publicação do Decreto, adesapropriação ainda não havia ocorrido,o imóvel foi ocupado novamente porcerca de 400 famílias de trabalhadoresrurais ligados ao Movimento dosTrabalhadores Rurais sem-Terra (MsT). Nomomento da ocupação, jagunços dafazenda atacaram a tiros as famílias, pro-vocando a morte do trabalhador Eliasgonçalves de Meura, de 20 anos, e dei-xando outras seis pessoas feridas34.

Cabe aqui uma breve exposição sobrea grave situação de violência rural pela qualpassava o Estado do Paraná no período emquestão. Entre 1994 e 2002, foram assassi-nados 6 trabalhadores rurais no Estado,havendo 516 prisões arbitrárias. a ComissãoPastoral da Terra registrou ainda, noperíodo, 31 tentativas de homicídio, 49ameaças de morte, 7 casos de tortura e 325pessoas vítimas de lesões corporais emconsequência de conflitos por terra (TEL-LEs MELo, 2006). Nesta época, agiam noEstado grupos armados que promoviam asegurança privada e ilegal de propriedadesrurais, que, por serem improdutivas, eramobjetos de protestos e ocupações do MsT.Essas milícias privadas tinham relaçãodireta com a União Democrática Ruralista(UDR), conforme foi constatado após inves-tigações conjuntas da superintendência

Regional da Polícia Federal no Paraná e dasecretaria de segurança Pública do Paranána “operação Março Branco” e através dasinvestigações da Comissão ParlamentarMista de inquérito da Terra (CPMi da Terra)(TELLEs MELo, 2006).

o inquérito policial instaurado paraaveriguar o caso do assassinato de Eliasde Meura durante a ocupação da Fazendasanta Filomena foi arquivado peloMinistério Público do Estado do Paraná.Diante da gravidade da ocorrência e dainoperância da justiça brasileira parainvestigar e punir os responsáveis, a Terrade Direitos, o Programa de EducaçãoTutorial (PET) da Faculdade de Direito daUniversidade Federal do Paraná (UFPR),e o MsT enviaram, em maio de 2012, umadenúncia à Comissão interamericana deDireitos humanos da oEa, requerendoabertura do caso contra o EstadoBrasileiro, e que fosse dado prossegui-mento imediato aos trâmites cabíveis,com a investigação do crime, a puniçãodos responsáveis, a indenização à famíliada vítima e, ainda, a criação políticaspúblicas para o meio agrário.

Ressalte-se que este foi o quinto casode assassinato de um trabalhador rural semterra enviado para a CiDh/oEa só noEstado do Paraná, o que demonstra a situa-ção de violência no estado. o caso Elias deMeura ainda está sob exame de admissibi-lidade na Comissão interamericana, sendoque todos os outros cinco casos foramadmitidos e processados pela Comissão,sendo que, em dois casos, foram proferidasrecomendações ao Estado Brasileiro, aopasso que, em um outro caso, o Brasil foicondenado pela Corte interamericana deDireitos humanos (oEa)35.

34 Fonte: IP n. 49/2004 e 108/2004 da Delegacia de Polícia do Município de Terra Rica/PR.35 Cf. Caso Garibaldi x Brasil. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/pais.cfm?id_Pais=7>. Acesso em: 10 de janeiro

de 2013.

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após a ocupação, os proprietáriosingressam com ação de Reintegração dePosse na qual obtiveram o deferimento deliminar de reintegração de posse36. Depoisde apresentada a contestação pelos ocu-pantes da área, a ação passou a tramitarperante a Justiça Federal (autos n°2004.70.11.002001-3) e a liminar foi revo-gada, ficando por vários anos suspenso otrâmite da ação possessória.

o Juiz Federal retomou o anda-mento da ação de Reintegração de Posseem maio de 2012 e realizou audiência detentativa de conciliação entre as partes.Nesta audiência, realizada em julho de2012, o incra se dispôs, dadas as peculia-ridades do caso e a iminência de graveconflito social, a pagar à vista e emdinheiro aos proprietários o valor de mer-cado da área objeto de litígio, mas osfazendeiros recusaram a proposta.

Buscando outros mecanismos pro-cessuais para garantir o direito das famí-lias de viver na área do litígio, osocupantes do imóvel, com assessoria daTerra de Direitos, ajuizaram, em agosto de2012, na vara Federal de Paranavaí (PR) aação de Desapropriação Judicial (autosnº 5002397-91.2012.404.7011), com funda-mento no artigo 1.228, §§ 4º e 5º, doCódigo Civil.

No dia 6 de setembro de 2012, foramprolatadas sentenças na ação deDesapropriação Judicial e na ação deReintegração de Posse desfavoráveis aostrabalhadores rurais que ocupam a área.apesar dos recursos interpostos contra assentenças, na presente data a liminar dereintegração de posse está vigente epode ser cumprida a qualquer momento.

Nesses oito anos, as famílias de tra-balhadores rurais estiveram na posse do

bem em litígio com expressa autorizaçãodo Judiciário, construindo possibilidadesreais de vida digna e dando destinaçãosocial ao imóvel, o que os retira da situa-ção de miséria. o acampamento recebeuo nome de “Elias gonçalves de Meura”,em homenagem ao trabalhador assassi-nado durante a ocupação.

Na região em questão, a agriculturafamiliar é a maior responsável pela pro-dução de leite, ovos, mandioca, hortali-ças e derivados da carne, por exemplo.os cultivos do acampamento Elias deMeura servem não só para o autossus-tento dos moradores, mas abastecem ocomércio da região. Todas as famíliastêm, como atividade principal, o trabalhoagrícola e pecuário e aproximadamente70 pessoas são filiadas à Cooperativa deComércio e Reforma agrária avanteLtda. (CoaNa), com sede na cidade deQuerência do Norte (PR).

outra questão a ser ressaltada éque, por iniciativa própria, os moradoresdo acampamento Elias de Meura, desdeo ano de 2004, trabalharam para teracesso a processos formais de educaçãode crianças, jovens e adultos. Nessabusca, alcançaram o estabelecimento,dentro da área em litígio, de uma escolaformal que oferece turmas do 1º ao 9º anodo Ensino Fundamental, além de ofertartambém a Educação de Jovens e adultos(EJa) para tentar suprir a baixa escolari-dade entre os adultos da comunidade.

2. Natureza dos direitos reivindicados

o conflito fundiário ora analisado édecorrente, em um primeiro plano, dareivindicação do movimento social de

36 Fls. 83 da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.

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luta pela terra para a realização da polí-tica pública da reforma agrária no imóvelrural, pelo descumprimento da funçãosocial econômica e do bem-estar social,conforme a previsão do artigo 5º, incisoxxiii e artigo 186, incisos i e iv daConstituição Federal. Em um segundoplano, há vários outros direitos em jogo,que advêm da política de reforma agrá-ria: alimentação, educação, habitação,trabalho, dignidade etc.

Como já exposto, a propriedademencionada foi declarada de interessesocial para fins de reforma agrária, con-forme Decreto datado do ano de 1998,por ter sido considerada propriedadeimprodutiva. Nesse sentido, questiona-sea possibilidade de conceder-se proteçãopossessória a propriedades em condiçõescomo a da Fazenda santa Filomena,como o faz Eros Roberto grau:

sendo assim – isto é, não merecendoproteção jurídica, salvo a correspon-dente a uma indenização, na desa-propriação –, a propriedade ruralque não cumpra sua função socialnão goza da proteção possessóriaassegurada pelo Código Civil, vistoter ela como pressuposto o cumpri-mento da função social da proprie-dade. (gRaU, 2000, p. 145 e 146)

E, também, o prof. Edson LuizFachin:

o deferimento da proteção pos-sessória, a partir da ConstituiçãoFederal de 1988, passou pelaobservação do cumprimento dafunção social da propriedade, e,nessa perspectiva, afronta a CartaMagna o deferimento de reintegra-tória ao titular do domínio que,descumprindo a função social da

propriedade, deixando-a abando-nada e improdutiva, sem observân-cias das normas protetivas do meioambiente, quer proteger o que aConstituição não resguarda. a“constitucionalização” da soluçãodos conflitos emergentes das ocu-pações rurais em imóveis de exten-sões latifundiárias, improdutivas eque descumpram sua funçãosocial, impõe ao julgador uma novapostura, diversa do proceder clás-sico emergente da dicção estritado Código Civil. (FaChiN, 2000, p.290)

a intervenção dos sujeitos coletivosde direitos e da assessoria jurídica popularnesse caso foi pautada na prevalência dosdireitos humanos sobre o direito indivi-dual à propriedade privada, a ilegalidadede se conferir proteção judicial à proprie-dade que não cumpre sua função social ea necessidade de garantir a posse da terraaos trabalhadores – garantindo, assim,direitos à moradia, alimentação, educa-ção, trabalho etc.37

a Constituição Federal, no art. 6o,estabelece dentre os direitos sociais o tra-balho e a assistência aos desamparados.o despejo das famílias da área nega taisprerrogativas, uma vez que os trabalhado-res em questão, por se encontrarem pri-vados de quaisquer outros meios desobrevivência que não através da ocupa-ção da área, enquadram-se na classifica-ção de “desamparados”, posta pela LeiMaior. ademais, os acampados seriamdespojados do seu meio de trabalho – ocultivo das terras – necessário para a sub-sistência das famílias.

Está ainda qualificado como direitosocial a educação (que é dever do

37 PIVATO, op. cit., p. 231.

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Estado conforme o artigo 205 daConstituição Federal), a qual só é asse-gurado às crianças acampadas devido àocupação da área.

a responsabilidade pública pelasfamílias em questão fica ainda mais evi-dente ao ter-se em consideração oartigo 5o da Lei de introdução ao DireitoBrasileiro, que estabelece que o juiz deveatender aos fins sociais a que a lei sedirige e às exigências do bem comum naaplicação da norma. assim, o Estado-Jurisdição não pode ficar alheio às conse-quências de sua decisão, como aconteceu,por exemplo, na sentença da ação de rein-tegração de posse que determinou a saídaimediata das famílias que, há oito anos,constroem sua vida no local e não temoutro lugar para viver.

3. Agentes sociais

3.1. Sujeitos Coletivos de Direitos

o ator social que reivindica o acessoà terra é o conjunto das famílias que vivena área em litígio. Elas estão organizadasno Movimento dos Trabalhadores eTrabalhadoras Rurais sem Terra (MsT).

os movimentos sociais de luta pelaterra, no Brasil, possuem uma raiz histó-rica marcada pela expropriação e violên-cia contra os trabalhadores rurais. Com aConstituição Federal de 1988, que estabe-leceu o mandamento constitucional darealização da reforma agrária38, enquanto

objetivo fundamental da República, namedida em que age no sentido de “garan-tir o desenvolvimento nacional”, e da“erradicação da pobreza, marginalizaçãoe desigualdades sociais”39, estes movi-mentos sociais identificaram a legitimi-dade da ocupação de propriedadesdeclaradas improdutivas. Dessa forma,pressionam as autoridades para a realiza-ção da reforma agrária, numa tentativa deobter justiça e melhora das suas precáriascondições de vida.

Dessa forma, através das ocupaçõesde imóveis que não cumprem a sua fun-ção social e de outros atos políticos dereivindicação de políticas públicas para ocampo, o MsT, criado em 1984, se fortale-ceu, tendo um papel fundamental na lutahistórica pela democratização da terra noBrasil. E, se por um lado o movimentoganhou força e visibilidade, por outrosofreu um intenso processo de criminali-zação.40

a proposta de reforma agrária tra-zida pelo MsT é aquela que enfrenta oslatifundiários e seu modo de fazer agricul-tura – o agronegócio pautado na expor-tação de commodities – e pretendedisponibilizar as terras improdutivas paraproduzir alimentos saudáveis, possibilitarcondições de vida digna no campo e nacidade, assim como contribuir para aconstrução de uma sociedade igualitária.Dessa forma, o caso do acampamentoElias gonçalves de Meura é exemplar, poisa resistência das famílias na área, somada

38 Artigos 184 a 186 da Constituição Federal. 39 Artigo 3º, incisos II e III, respectivamente, da Constituição Federal.40 “A grande novidade são ações de diferentes aparelhos de Estado (Parlamento, Judiciário, Ministério Público,

Tribunal de Contas da União) para, utilizando mecanismos e instrumentos legais e/ou constitucionais, dar caráterde crime a ações e lideranças populares. Consequentemente, criminalizar não é utilizar a força policial para reprimirmanifestações (tratar como “caso de polícia”), mas é transformar (caracterizar ou tipificar) uma determinada açãoem um crime. Utilizando mecanismos legais, a intenção é fazer com que ações e pessoas sejam vistas e julgadas(pela opinião pública, pelo órgão estatal responsável) como atos criminosos e bandidos (iniciativas feitas à margemda lei).” SAUER, Sérgio. Processos recentes de criminalização dos movimentos sociais populares. Disponível em:<http://terradedireitos.org.br/wp-content/uploads/2008/10/Processos-recentes-de-criminaliza%C3%A7%C3%A3o-dos-movimentos-sociais-populares.pdf>. Acesso em: 25 jan. 2013.

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à importância da produção do acampa-mento para a movimentação da econo-mia local, à disponibilização de alimentossaudáveis para a população da região e àpromoção dos direitos sociais para deze-nas de famílias, demonstra como a demo-cratização da terra é caminho essencialpara a realização dos direitos humanos epara a construção de uma sociedade efe-tivamente democrática.

3.2. Entidades Parceiras

a Terra de Direitos acompanha ocaso desde a ocupação e é a responsá-vel pela assessoria jurídica aos ocupan-tes da área relativa aos processos queenvolvem a Fazenda santa Filomena,tendo acompanhado a ação de Reinte-gração de posse desde o início, e tendorecentemente, em 2012, realizado adenúncia à organização de Estadosamericanos sobre o descaso do EstadoBrasileiro em relação ao assassinato deElias gonçalves de Meura. Desta forma,a Terra de Direitos trabalha nesse casocomo organização afirmadora de direi-tos humanos por meio da assessoria jurí-dica popular41 em duas perspectivasprincipais: buscando impedir a impuni-dade dos responsáveis pela ação da milí-cia privada e visando garantir o direito àposse, evitando o despejo e efetivando

a desapropriação do imóvel para fins dereforma agrária.

as ações da Terra de Direitos partemdo entendimento de que a assessoria jurí-dica popular não se restringe à prestaçãode serviços de advocacia ou à litigânciajudicial, mas que deve ter uma perspec-tiva bem mais ampla. assim, a organiza-ção utiliza-se de outros meios deexigibilidade política e justiciabilidade dosdireitos humanos, tais como: missões inloco, informação e formação sobre direi-tos humanos; campanhas, monitoramentode processos administrativos, incidênciapolítica, mediação de conflitos e litigâncianas esferas nacional e internacional(PivaTo, 2010).

a complexidade de casos como oora tratado, especialmente no tocante aodistanciamento entre a real efetivação dedireitos e as soluções formais apontadaspelo Judiciário e outras instituições públi-cas, coloca a assessoria jurídica popularem um constante desafio de construçãode estratégias jurídicas e articulaçõespolíticas e sociais.42

além da Terra de Direitos, é possívelcitar outras parcerias do movimentosocial que têm influência sobre o conflito,como redes locais e estaduais de comuni-

41 Eliane Botelho Junqueira entende que a advocacia popular “está voltada para os segmentos subalternizados eenfatiza a transformação social a partir de uma atuação profissional que humaniza o indivíduo, politiza a demandajurídica e cria estratégias de luta e resistência, encorajando a organização coletiva”. (Apud GORSDORF, LeandroFranklin. Advocacia popular – novos sujeitos e novos paradigmas. Cadernos RENAP, n.º 6, 2005, p. 12).

42 Como exemplo dessa incidência no caso da Fazenda Santa Filomena, pode-se citar que: “Na esfera local, concen-tramos esforços para que o sistema de justiça criminal atuasse de forma eficiente na apuração das violações.Porém, conhecedora do histórico de parcialidade e comprometimento de autoridades locais com fazendeiros elatifundiários da região, a Terra de Direitos fez diversas interlocuções com a Procuradoria de Justiça do Estado doParaná e com a Secretaria de Segurança Pública do Estado, para que garantissem uma eficaz investigação da vio-lência cometida contra os trabalhadores. Ainda no âmbito do Ministério Público Estadual, incidimos junto ao Centrode Apoio Operacional Para Questões da Terra Rural. E, em âmbito nacional, foram feitas diligências junto àOuvidoria Agrária Nacional e Secretaria Especial de Direitos Humanos. Além da incidência voltada à investigaçãoe reparação das violações de direitos humanos, desde o início foi importante o diálogo junto ao Incra, pois a solu-ção do conflito só pode se dar, ao nosso ver, evitando-se o despejo e desapropriando-se definitivamente a áreapara reforma agrária. Portanto, ao Incra, diligenciamos por celeridade e eficiência na condução do processo dedesapropriação”. PIVATO. Luciana C. F. O acampamento Elias de Meura e uma experiência de assessoria jurídicapopular na defesa dos direitos humanos dos trabalhadores rurais sem terra. In: FRIGO, Darci; PRIOSTE, Fernando;ESCRIVÃO FILHO, Antonio Sergio. (Orgs.). Justiça e Direitos Humanos: experiências de assessoria jurídica popular.Curitiba: Terra de Direitos, 2010, p. 230.

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cadores populares, responsáveis reporta-gens e divulgação de campanhas, univer-sidades que mantêm laços com o-acampamento, se disponibilizando a tra-balhar no local ou a pesquisar o caso,43 ouassociações de produtores da região quecontribuem com a produção e comercia

a ouvidoria agrária Nacional tam-bém esteve presente no conflito. Já em 3de agosto de 2004, o ouvidor agrárioNacional, gercino José da silva Filho, vin-culado ao Ministério de Desenvolvimentoagrário e, ainda, presidente da ComissãoEspecial de Combate à violência noCampo, solicitou ao juiz da causa cópia dadecisão liminar de reintegração de possedo imóvel em questão aos proprietários.44

a ouvidoria agrária, mais recentemente,esteve presente nas negociações sobre ocumprimento das recomendações daComissão interamericana de Direitoshumanos sobre o caso de Elias de Meura,que envolve também a assessoriainternacional da secretaria de Direitoshumanos da Presidência da República e ogoverno do Estado do Paraná.

a Polícia Federal também teve atua-ção relevante no caso, como será melhorexplicitado no item sobre instituições liga-das à segurança pública.

4.2. Governo do Estado do Paraná:

Na época em que os conflitos agrá-rios estiveram mais intensos no Paraná, a

exemplo dos casos de assassinatos envia-dos à CiDh/oEa, ocupava o cargo degovernador do Estado, Jaime Lerner,conhecido por ter um caráter de combateaos movimentos sociais do campo. Dessaforma, ao invés de buscar uma conciliaçãoentre os interesses em jogo, o governotinha uma postura que prejudicava direta-mente os trabalhadores sem-terra.45 Des-sa forma, o Executivo Estadual foi um dosprincipais violadores de direitos no caso,coadunando e mantendo ligação diretacom a violência praticada contra os traba-lhadores que ocuparam a Fazenda santaFilomena.

Por outro lado, atualmente, o Estadodo Paraná conta com uma assessoria deassuntos Fundiários que vem tentandomediar os conflitos no campo. Na audiên-cia de tentativa de composição, realizadaem julho de 2012, o representante dogoverno do Estado desempenhou umpapel de conciliador, visando indicar quenão há interesse do Executivo em realizardespejos forçados no Estado, sendo quemuitos deles resultaram em graves violên-cias. a assessoria de assuntos Fundiáriosdo governo evidenciou, ainda, que osassentamentos dinamizam a economia daregião, trazendo benefícios sociais paratodos.46

Ressalte-se, ainda, que governo doEstado do Paraná é mantenedor, desdeo início de setembro de 2004, de umaEscola itinerante no acampamento Eliasde Meura. a escola está sob a Coorde-

43 O Acampamento Elias de Meura mantém relações com as diversas Universidades e Faculdades de Maringá e região(UEM, UNESPAR e FAFIPA), além da Universidade Federal do Paraná (UFPR), sendo que o Programa de EducaçãoTutorial (PET) da UFPR também foi um dos responsáveis pela denúncia à OEA sobre o descaso do EstadoBrasileiro com a morte de Elias de Meura (Notícias da imprensa local sobre a relação do Assentamento com asUniversidades constam às fls. 1824/1842 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3).

44 Fls. 116 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.45 Essas violências foram analisadas e julgadas pelo Tribunal Internacional dos Crimes do Latifúndio e da Política

Governamental de Violação dos Direitos Humanos no Paraná, realizado no ano de 2001, em Curitiba/PR. (Cf. Anaisdo Tribunal Internacional dos Crimes do Latifúndio e da Política Governamental de Violação dos DireitosHumanos no Paraná. Curitiba, 1° e 2 de maio de 2001)

46 Ata da audiência às fls. 1679/1681 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.

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nação da Educação do Campo dasecretaria de Educação Estadual.47 Estaescola funciona até os dias atuais eatende não só as crianças, jovens e adul-tos do Pré-assentamento Elias gonçalvesde Meura como também os assentamen-tos vizinhos.

o papel do Poder Executivo, dessaforma, é bastante ambivelente ante ao con-flito, tendo atuado como violador e afirma-dor de direitos, dependendo do momento,dos agentes públicos envolvidos e da pos-tura quanto à política fundiária.

4.3. Sistema de Justiça

o sistema de Justiça reage e inte-rage com as instituições públicas e atoresda sociedade Civil presentes no conflito.o Poder Judiciário é normalmente provo-cado quando o Executivo, responsávelpor realizar a política pública de reformaagrária, não cumpre seu papel – seja porações ou por omissões.

Resumo das principais ações judiciais que tratam do caso:

o conflito agrário da Fazenda santaFilomena é discutido em diversas açõesjudiciais. são quatro ações Principais, semcontar as diversas ações Cautelares erecursos interpostos: a ação de Desa-pro-priação proposta pelo incra (autos n°2001.70.11.001013-4), a ação Declaratóriade Produtividade ajuizada pelos proprietá-rios (autos n° 2001.70.11.000098-0), aação de Reintegração de Posse (autos n°

2004.70.11.002001-3) referente à ocu-pação de 2004 e a recente ação deDesapropriação Judicial (autos n°5002397-91.2012.404), todas elas trami-tam na Justiça Federal. afora as ações, éde se ressaltar a existência do inquéritopolicial que trata do assassinato de Eliasde Meura.

após a classificação da Fazendasanta Filomena como improdutiva peloDecreto Presidencial, o proprietário ajui-zou, em julho de 1998, a ação Cautelar(autos n° 2001.70.11.00100-18) que trami-tou na vara Federal de Paranavaí, na qualfoi concedida liminar para proibir o incrade ingressar com ação judicial de desa-propriação. Posteriormente, na açãoDeclaratória de Produtividade48, essa limi-nar foi revogada.

4.3.1. Justiça Estadual

a ação de Reintegração de Possereferente à ocupação ocorrida em 31 dejulho de 2004 foi proposta em 2 de agostode 2004 perante a Justiça Estadual. a 1ªvara Cível de Terra Rica recebeu a ação econcedeu a liminar de reintegração deposse aos proprietários sem maiores ave-riguações ou questionamentos49. houveuma tentativa de cumprimento da decisãono mesmo dia em que a decisão foi profe-rida, 2 de agosto de 2004. Mas, comoconsta no “auto de Resistência”50 lavradopor oficiais de justiça e juntado à ação deReintegração de Posse, os ocupantes daárea se opuseram à medida.

47 A implantação dessa escola foi autorizada pela Resolução nº 614/2004 da Secretaria de Educação do Estado,considerando o disposto na LDB nº 9.394/96, Resolução nº 01/02 – CNE/CEB e o Parecer nº 1012/03 do ConselhoEstadual de Educação. (Declaração da Secretaria do Estado da Educação às fls. 330 dos Autos da Ação deReintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3).

48 Ação Declaratória de Produtividade n° 2001.70.11.000098-049 Consta na decisão do Juiz Luiz Henrique Trompczunski, que concedeu a liminar em 2 de agosto de 2004:

“Determino, pois, a expedição de mandado de reintegração de posse, e desde já, defiro o reforço policial, se neces-sário, pois é inadmissível que as pessoas façam o que bem querem ofendendo a propriedade privada” (fls. 83 dosautos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3).

50 Fls. 85 dos Autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.

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antes que a liminar fosse cumprida,o processo passou a tramitar na JustiçaFederal, vez que foi apresentado nosautos incidente de Exceção de incom-petência51, pelos assessores jurídicos daTerra de Direitos, que atuam no processocomo procuradores das famílias acampa-das.

4.3.2. Justiça Federal

a postura do Judiciário em relaçãoao conflito da Fazenda santa Filomenapassou por diversas transformações,dependendo, especialmente, do juiz res-ponsável pelo ato. a liminar de reintegra-ção de posse, inicialmente deferida pelaJustiça Estadual, foi suspensa após inspe-ção judicial realizada pelo Juiz Federalanderson Furlan Freire da silva em 6 dedezembro de 2004 na fazenda. Depoisdesse acontecimento incomum, já quesão raras as vezes que juízes se dispõe averificar pessoalmente a realidade socialde famílias de trabalhadores rurais semterra, o Juízo Federal de Paranavaí revo-gou a liminar. seguem trechos da decisão:

o caso em análise mostra-se com-plexo, mormente considerando aexistência das ações acima mencio-nadas, em especial a ação declara-tória de produtividade que, apesarde julgada improcedente, aindaimpede a continuidade do processode desapropriação que permitiriaque o incra fosse imitido na possedo bem, promovendo, consequente-mente, o assentamento das famíliasselecionadas. (...)assim, em que pese a proteçãoconstitucional, o direito à proprie-dade não é absoluto e ilimitado, poisdeve ser apreciado em harmonia

com os demais direito ou garantiasconstitucionais. (...)Destarte, o interesse individual,quando não atende a sua funçãosocial, resta superado pelo interessecoletivo. se propriedade não cum-pre sua função social, fica sujeita aoinstituto da desapropriação, onde oexpropriado sofre a perda do exer-cício de qualquer dos poderes rela-tivos à propriedade, entre eles aposse. (...)Dessa forma, a desocupação doimóvel, antes de uma decisão defini-tiva, em especial, diante da possibi-lidade de imitir o incra na posse doimóvel, poderia ser demasiada-mente danosa, gerando riscos talvezdesnecessários.Ressalto que não se está a legitimara conduta daqueles que promove-ram a invasão, todavia, parecerazoável que tal medida deva serefetivada após a solução definitivadas questões abordadas. (...)Destarte, diante dos acontecimen-tos, mencionados na Certidão deConstatação de fls. 362-363, consi-derando, em especial, a situaçãoinstalada e a supremacia do inte-resse social, REvogo a LiMiNaRanteriormente concedida e, nostermos do artigo 265, iv, “a”, doCPC, sUsPENDo o PRoCEsso atéo julgamento da ação declaratóriade produtividade pela superior ins-tância.52

Este ponto merece atenção: o JuizFederal apenas suspendeu a liminardepois de visitar a área, conhecer as con-dições de vida dos ocupantes e o trabalhoque vinham desenvolvendo na fazenda,

51 Fls. 92/97 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.52 Decisão às fls. 432/439 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.

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tornando-a produtiva. isso possibilitou aomagistrado que sopesasse o prejuízo quecausaria às famílias se a liminar fossecumprida imediatamente.

outra decisão que merece atençãoespecial é a sentença da ação deReintegração de Posse, que julgou proce-dente a ação, estabeleceu uma multa R$200.000,00 aos trabalhadores ruraissem-terra caso não saíssem da proprie-dade em 30 dias, e, ainda, multa de maisR$ 10.000,00 por cada dia de atraso apartir do trigésimo. a mesma multa foiestabelecida ao Estado do Paraná, aoincra e à União caso não realizem o des-pejo forçado em cento e vinte (120) dias.Com tal medida, ficou mais dificultosanova negociação, com tentativa de solu-ção pacífica do conflito, tornando maisdifícil a possibilidade de o incra disponibi-lizar outra área para assentar as famílias,vez que se coloca um prazo exíguo paraa desocupação, sob pena de uma multaexorbitante tanto para os ocupantesquanto para o Estado.

Durante anos, as famílias acampa-das na Fazenda santa Filomena espera-ram a decisão do Poder Judiciário.Quando a decisão foi proferida, elaimpôs uma solução de certa forma sim-plista para um problema complexo e,ainda, uma solução de execução ime-diata (desocupação em trinta dias) paraum conflito que envolve oito anos deconstrução de habitações, condições detrabalho, plantações, escola etc.

Como demonstrado, a teia formadapelos atores sociais e instituições públicas

é bastante complexa, demonstrando quea resolução de conflitos como este não ésimples. Uma decisão terminativa demérito em uma ação de Reintegração dePosse não resolveu o conflito, pelo con-trário, em casos como este a sentençapode encerrar o processo, mas vir a ser acausa de novos conflitos sociais.

importante analisar, inclusive, o queos próprios atores envolvidos entendempor conflito. Na maioria dos momentos, épossível perceber que o Judiciário encaracomo problema maior a questão da ocu-pação da propriedade pelos sem-terra,quando o problema social que motiva efundamenta a ação dos outros órgãos é amá distribuição de terra país. Muitasvezes, ainda, fica evidente que essa raizdos problemas agrários – a estruturaagrária desigual – não é enfrentada peloEstado, e nem mesmo encarada pelosatores como um real problema.

outro ponto a ser ressaltado sobreo papel do Judiciário é o fato de os pro-prietários utilizarem de estratégias jurídi-cas para a paralisação da reforma agrária,sendo ilustrativo neste caso concreto oajuizamento pelos fazendeiros, na varaFederal de Paranavaí, da açãoDeclaratória de Produtividade, que sus-pendeu o trâmite da ação deDesapropriação proposta pelo incra. Estajudicialização da política pública dereforma agrária pelos latifundiários,levanta a questão sobre a responsabili-dade do Poder Judiciário decorrente daparalisação dos processos de desapro-priação judicializados53. a tática dosadvogados dos grandes proprietários

53 Em 2009, um levantamento preliminar da Procuradoria Federal Especializada do INCRA apontou “a existência depelo menos 220 processos de desapropriação obstruídos na Justiça. Eles estão parados em decorrência de açõesjudiciais contrárias dos mais variados tipos. Caso esses processos fossem concluídos, seria possível assentar maisde 11 mil famílias em todo o território nacional”. (INCRA. Relatório do Incra aponta mais de 200 processos de desa-propriação parados no Judiciário. 27 abr. 2009 16:55. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/noti-cias-sala-de-imprensa/noticias/8825-relatorio-do-incra-aponta-mais-de-200-processos-de-desapropriacao-parados-no-judiciario>. Acesso em: 25 jan. 2013.

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consiste no ajuizamento de ações queobstam a desapropriação, como açõesdeclaratórias de produtividade, açõesanulatórias de ato administrativo ou açõescautelares. E essa estratégia tem sidoaceita pelo Judiciário.54

4.3.3. Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

a 4ª Câmara Cível do TribunalRegional Federal da 4ª Região tornou-sepreventa para análise dos casos relaciona-dos ao conflito agrário da Fazenda santaFilomena. Logo que foi concedida a limi-nar de reintegração de posse, em 2004, adecisão foi agravada e o Tribunal RegionalFederal proferiu decisão em 7 de dezem-bro de 2004, deferindo o pedido de atri-buição de efeito suspensivo ao agravo deinstrumento, nos seguintes termos:

Em sede de cognição sumária, tendoem vista as peculiaridades que ocaso encerra, mormente no que serefere à dúvida sobre a produtivi-dade do imóvel o que se discute nofeito principal, bem como na açãodeclaratória (julgada improcedente)e na ação de desapropriação, nãoconsidero que esteja presente onecessário fumus boni iuris a autori-zar o deferimento do pedido liminar,ao contrário, a situação apresentaevidente polêmica, razão pela qualconsidero que um liminar pode acar-retar mais prejuízos do que benefí-cios ao feito, sem falar que consideroinegável que o periculum in morafavorece os ora recorrentes.55

Dessa forma, através dessa decisão,

o Judiciário negou a participação dosmoradores da área em uma ação quedecidiria o próprio destino deles. Contratal decisão, foram interpostos recursos,sendo que um deles ainda não foi julgadopelo superior Tribunal de Justiça e o outrofoi julgado improcedente, mantendo adecisão do TRF. o debate nos autos seesgota na consideração de produtividadee improdutividade (gUT e gEE), vez queo Poder Judiciário se exime de considerara presença das famílias no local. oingresso dos moradores da área comoassistentes seria importante, inclusive,para que o Judiciário fosse provocado ase manifestar sobre a matéria de direitoshumanos que está presente no conflito.56

4.3.4. Ministério Público

o Ministério Público intervém nasações que tratam do conflito agrário naFazenda santa Filomena, conforme disci-plina o artigo 82, inciso iii, do Código deProcesso Civil.57 os pareceres doMinistério Público Federal nos agravosinterpostos pelos proprietários contra adecisão que revogou a liminar de reinte-gração de posse foram favoráveis à manu-tenção da revogação e, assim, àmanutenção das famílias na área até o jul-gamento da ação Declaratória deProdutividade. Neste sentido, segue tre-cho de uma manifestação:

[...] os elementos carreados aosautos, embora logrem provar certaperda patrimonial, nada convencemacerca de permanente e irreversívelperda, muito menos demonstramofensa a direito indisponíveis ou pri-vação do essencial à subsistência.

54 PIVATO, op. cit., p. 224 e 244.55 Decisão do Relator Desembargador Federal Edgard Lippmann Junior às fls. 368/369 dos autos da Ação de

Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.56 PIVATO, op. cit., p. 246.57 “Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir: III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra

rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.”

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De modo diverso, a imediataretira[da] dos assentados acarreta-ria efeitos sociais indesejáveis e con-trários aos objetivos declarados pelaCarta Republicana de 1988, emespecial os relativos à construção deuma sociedade justa e solidária, àerradicação da pobreza e da margi-nalização, à redução das desigualda-des sociais e à promoção do bem detodos, tudo conforme o vigoroso eeloquente princípio da dignidadehumana.58

No ano de 2012, instado a se mani-festar novamente sobre o deferimento daliminar, o Ministério Público manifestou-seno sentido de aguardar até o desfecho daoutra ação que discutia a produtividadeda área, como se vê:

assim, seria temerário, antes dadecisão definitiva, e marcada parabreve audiência de conciliação entreas partes, deferir-se uma liminar dereintegração de posse ou declinar ofeito à Justiça Estadual, tendo emvista que tanto a reversão quanto oprovimento provisório concedidoseria de difícil concretização, incor-rendo em alto custo humano ematerial, trazendo prejuízos muitomaiores aos réus do que benefíciosaos autores, e possivelmente colo-cando em risco a segurança e a pazpública, e até a incolumidade físicados indivíduos. Tais providênciastambém teriam o efeito prático demuito provavelmente inviabilizarqualquer acordo que viesse even-tualmente a ser exarada na já desig-nada audiência de conciliação.59

Dessa forma, nas duas manifestações

acima, o Ministério Público teve uma pos-tura condizente com sua função de defesados interesses da sociedade. Entretanto, éde se frisar que, durante a audiência detentativa de conciliação realizada em julhode 2012, diante do fato de o representantedo incra esclarecer que havia dificuldadesem disponibilizar outra área no Estado doParaná para assentar as famílias, o repre-sentante do Ministério Público presente naaudiência perguntou ao incra se não haviaterras em Estados como goiás ou Matogrosso para assentá-las. assim, não mani-festou consideração quanto à origem dasfamílias e os vínculos sociais criados nolocal. Ressalte-se que, conforme consta nolaudo agronômico-social realizado em2012, que instrui a ação de DesapropriaçãoJudicial referida acima, a maioria dosmoradores da Fazenda santa Filomena énatural do Paraná, sendo que alguns vie-ram de outras regiões do Estado, masgrande parte é do próprio noroeste para-naense. Preservam, assim, vínculos com aregião e têm vontade de manter os laçossociais construídos.

Quanto ao papel da Polícia civil e doMinistério Público no tocante à questãocriminal, é importante ressaltar, ainda, asituação de morosidade ativa que acaboupor produzir um resultado de impunidadeno que diz respeito ao assassinato de Eliasde Meura. após seis anos de paralisaçãodo inquérito policial, o Ministério Públicodo Estado do Paraná promoveu o seuarquivamento. Para justificar o arquiva-mento, o representante do MinistérioPúblico alegou inexistirem indícios sufi-cientes de autoria delitiva e que, aindaque existissem esses indícios, os autoresda ação teriam praticado o homicídio emlegítima defesa da propriedade.60

58 Fls. 1376 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-359 Fls. 1649 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-360 Fls. 768/771 dos Autos do Inquérito Policial n° 49/2004.

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4.3.5. Segurança Pública

Em relação às instituições públicasligadas à segurança, como a Polícia Militar,é possível perceber que elas estiveram pre-sentes nos momentos em que houve con-flito físico mais direto entre os atores sociais,como no despejo das famílias que ocupa-ram a Fazenda santa Filomena em 2000.

o relatório de reintegração de posseda Polícia Militar do Paraná61 descreve aoperação de despejo que ocorreu em 24de fevereiro de 2000, deixando trinta (30)ocupantes da área feridos, entre eles crian-ças e adolescentes, além de três (3) poli-ciais. Na desocupação forçada, forampresas onze (11) pessoas, nove (9) delas soba justificativa de desobediência, uma porformação de quadrilha ou bando e uma porporte de arma. aqui, desponta a questãoda criminalização dos movimentos e mili-tantes sociais, quando atos políticos deprotesto e reivindicação de direitos, comoo caso da ocupação de terra são transfor-mados em crimes no discurso e na atuaçãodos agentes de justiça e segurança pública.

Fato relevante é o envolvimento daPolícia Militar na milícia privada queatuava ilegalmente contra o MsT, o que foidemonstrado na “operação MarçoBranco” da Polícia Federal. a operaçãodesvendou que a milícia era chefiada peloentão Coronel da Polícia Militar. Tais fatossão aprofundados no item a seguir, sobreos agentes violadores privados.

5. Agentes privados

Uma análise profunda sobre os agen-

tes violadores em um conflito agrário podeser bastante complicada, especialmentequando se entende que a própria estruturafundiária desigual, a má distribuição de ter-ras, pode ser considerada uma violação dedireitos. analisando sob esta ótica, o quegerou o ato político de ocupação dafazenda declarada improdutiva foi o pro-cesso de violação de direitos pelo qualpassaram as famílias, privadas de garantiasconstitucionais, de direitos fundamentais.Constitucionalmente, a reforma agráriaconstitui uma política pública (art. 184), eo acesso à terra um direito (art. 5º, caput),assim como a habitação e o exercício deum trabalho (art. 6º).

Toda propriedade deve cumprir suafunção social. Dessa forma, quando os pro-prietários de um imóvel rural mantêm oseu imóvel improdutivo, estão violando umdireito, cujo titular é a própria sociedade.Para além disso, a contratação de milíciasprivadas para “proteger” imóveis rurais deocupações constitui em si um crime, semfundamento de validade ou legitimidade.

Como se verifica em diversos docu-mentos levantados pela pesquisa decampo, como ofícios endereçados aospoderes públicos, denúncias às autorida-des e organismos internacionais, reco-mendações e condenações do sistemainteramericano de Direitos humanos daoEa, inquéritos policiais e processos judi-ciais, o uso dessas milícias pelos grandesproprietários do Paraná, sendo que, antesda morte de Elias de Meura, outros traba-lhadores rurais sem-terra do Estado foramassassinados em despejos ilegais ou ememboscadas e manifestações62. a maioria

61 O Relatório da PM consta às fls. 628/648 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.62 Como o caso de Sebastião Camargo Filho, morto em 7 de fevereiro de 1998 (com recomendações ao Estado

Brasileiro, algumas até hoje sem cumprimento); o Caso n. 12.478, sobre o assassinato de Sétimo Garibaldi, em 27de Novembro de 1998 (com sentença condenatória do Brasil exarada pela Corte Interamericana de DireitosHumanos); o Caso n. 11.517, sobre a execução de Diniz Bento da Silva, o Teixeirinha, cometida por policiais militaresem Campo Bonito, em 8 de Março de 1993 (igualmente com recomendação não cumpridas pelo Estado Brasileiro).

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dos crimes ocorreu com a participação oucom a conivência da Polícia Militar – atra-vés da formação de grupos armados, milícias privadas, contratadas pelos fazen-deiros63, como foi o caso do assassinatodo trabalhador Elias de Meura e do pró-prio Poder Judiciário nacional, que semostra omisso e, por vezes, protagonistadessas violações.64

Para explicitar melhor o contextodas milícias privadas especializadas emperseguir trabalhadores sem-terra noParaná, é bastante elucidativo descrevero contexto do assassinato de Eliasgonçalves de Meura e as investigaçõessobre o homicídio – ou a falta de investi-gações. Essa conjuntura evidencia o papelnão só dos proprietários e da milícia comovioladores de direitos, mas do próprioEstado com um agente que contribui paragerar e perpetuar conflitos agrários.

Depois do despejo ilegal e violentoe do assassinato de Elias de Meura, foi ins-taurado, na delegacia de Terra Rica, oinquérito Policial nº 46/04, pelo qual sebuscou investigar a ocorrência de delitose sua autoria. Contudo, após anos deinvestigação, o Ministério Público doEstado do Paraná opinou pelo arquiva-mento do inquérito policial.

as provas contidas nos autos doinquérito também apontam que a situa-ção ocorrida na Fazenda santa Filomenanão consistiu um fato isolado. a manuten-ção da milícia armada estava ligada à qua-drilha que fora investigada na “operação

Março Branco” da Polícia Federal. Tal ope-ração policial desarticulou uma quadrilhaarmada especializada no patrulhamentode fazendas ocupadas por membros doMsT e sua subsequente desocupação for-çada. a quadrilha também praticava ocrime de tráfico internacional de armas eviolações diversas aos direitos humanos.oito pessoas foram presas, incluindo umTenente-Coronel da Polícia Militar doEstado do Paraná. houve a apreensão dearmas de diversos calibres usadas pelosmembros da quadrilha.

6. Quadro de Agentes eInstituições Envolvidas noConflito

o Quadro 5 é ilustrativo da comple-xidade social e institucional que envolve oconflito fundiário na Fazenda santaFilomena, revelando uma teia de agentese instituições que sugere também o sen-tido e o caráter da complexidade que umaadequada solução do referido conflito rei-vindica.

7. Quadro da Judicialização do Conflito

Como foi possível observar, à com-plexidade social e institucional corres-ponde também uma intensa práticalitigante envolvendo os respectivos sujei-tos, agentes e instituições, conforme oQuadro 6 (página 50) demonstra.

63 Segundo declaração notória de Humberto Sá (representante do Primeiro Comando Rural, PCR), no dia 10 de marçono Jornal do Estado, da Rede Paranaense de Televisão, onde assume abertamente a formação desta quadrilha depistoleiros: “Será formada ou criada uma força tarefa, uma milícia, como quer que seja chamado, ou contrataçãode uma firma especializada para que tenhamos proteção fora dos padrões normais”. Ainda afirma: “Se formosagredidos, certamente nos defenderemos com as armas que tivemos disponíveis”. (Disponível em:<http://www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=14415>. Acesso em: 17 jan. 2012).

64 A Corte Interamericana de Direitos Humanos já reconheceu tais fatos, como no Caso n. 12.353 (Arley José Eschere Outros contra Brasil), entre outros.

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Quadro 5 - Agentes e Instituições Envolvidas no Conflito

SOCIEDADE CIVIL ESTADOsujeitos Entidades agentes sistema de JustiçaColetivos de sociedade Privados Poder Ministério Defensoria Poder PoderDireitos Civil Judiciário Público Pública Executivo LegislativoMsT Terra de Latifundiários vara Federal Ministério Presidência

Direitos de Público da Paranavaí Federal República

Universidades Milícias Tribunal Ministério ouvidoriaprivadas Regional Público do agrária

Federal da Estado do Nacional/4ª Região Paraná MDa

associações UDR 1ª vara Cível secretariade da Comarca de Direitos Produtores de Terra humanos Rurais Rica/PR Presidência

da RepúblicaColetivos de veículos assessoria comunicação Midiáticos de assuntos popular Fundiários

do governo do Estado do Paraná

assessoria incraJurídica Universitária

governo do Estado do ParanáPolícia Militaradvocacia geral da União

8. Panorama atual do conflito

Em setembro de 2012, quando foiconcedida a liminar de reintegração deposse em favor dos fazendeiros, mora-vam 76 famílias na Fazenda santaFilomena. inicialmente, em 2004, a ocu-pação foi realizada por cerca de 400famílias. segundo o Laudo agronômicoe social sobre o “Pré-assentamento Eliasde Meura”, elaborado em maio de 2012 afim de dar suporte à propositura daação de Desapropriação judicial, a redu-ção no número de famílias acampadas sedeu principalmente por dois motivos. o

primeiro deles é que parte das famíliasfoi contemplada por outros dois projetosde assentamentos na região (Pré-assen-tamento Milton santos em Planaltina doParaná e Pré-assentamento CompanheiraRoseli Nunes em amaporã). outro ele-mento que contribuiu para a diminuiçãodo número de famílias foi o fato de aárea da fazenda ser insuficiente para oassentamento de todas as 400 que aocuparam. assim, esse deslocamentose deu mediante consenso entre asfamílias, representantes do MsT e ogoverno Federal, através do incra. aárea da fazenda, conforme registrado

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pelo incra no Decreto de 1997, é de1.889,50 hectares.

Depois da decisão de reintegraçãode posse, as lideranças do acampamentoElias de Meura relataram que houve certadesmobilização das famílias, que foramtomadas, de alguma maneira, por umdesânimo diante da forma como oJudiciário tratou o caso.

Contra a decisão do Juízo Federalde Paranavaí, foram interpostos diversosrecursos pelos advogados da Terra deDireitos visando reverter a situação ou,ao menos, suspender o cumprimento daliminar – vez que, uma vez cumprida erealizado o despejo, a ação de Desa-propriação Judicial baseada na posse-

trabalho das famílias sem-terra perderiaseu principal fundamento. Entretanto,mesmo com a possibilidade jurídica dese suspender o cumprimento da liminarante o risco de lesão grave e de difícilreparação, a juiz competente decidiumanter sua posição.

Com o risco de despejo eminente, oMsT buscou negociar com o incra e ogoverno do Estado, através da assessoriade assuntos Fundiários do Paraná, umaárea para assentar essas famílias, evitandoo despejo forçado e garantindo que asfamílias tivessem minimamente um localpara morar. ou seja, o Poder Judiciário, naverdade, ao dar uma solução formal parao caso, acabou consolidando um pro-blema social que outros atores sociais

Quadro 6 – Judicialização do Conflito

Categorias Classe Processual Manejada de Justiça Justiça

Observação Litigantes Cível Criminaladvocacia sujeitos Pedido de assistência para Pedido negado sem aPopular Coletivos de figurar junto ao incra na ação apreciação do mérito

Direitos Declaratória de Produtividadeadvocacia sujeitos ação de Desapropriação objetivo: Desapropriação daPopular Coletivos de Judicial fazenda em favor das famílias

Direitos acampadas com fundamento no art. 1.228, §§ 4º e 5º do Código Civil.

agentes do Procuradoria ação de Desapropriação objetivo: Desapropriação porEstado do incra interesse social para Reforma

agrária com fundamento na improdutividade do imóvel.

agentes Proprietários da ação Cautelar objetivo: Concessão de liminar Privados fazenda para suspender o andamento do

processo administrativo de desapropriação.

Proprietários ação Cautelar objetivo: Produção antecipada deda fazenda provas para ingresso com ação

Declaratória de ProdutividadeProprietários ação Declaratória de objetivo: Declaração de que ada fazenda Produtividade Fazenda santa Filomena é

produtivaProprietários ação de Reintegração objetivo: Concessão deda fazenda de Posse reintegração da posse do imóvel

aos proprietáriosTotal 3 7 0 Total Ações Judiciais: 10

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envolvidos no processo tentaram solucio-nar de forma material, com garantia efe-tiva dos direitos das famílias envolvidas.

Dessa forma, depois de mais de oitoanos acampadas na região Noroeste doParaná, cerca de 60 famílias que moravamna Fazenda santa Filomena foram assen-tadas, em abril de 2013, no município deCarlópolis, região norte do Estado.

a criação do assentamento emCarlópolis foi reconhecida como umavitória para as famílias, que agora têmdefinitivamente um lugar para viver e tra-balhar. Por outro lado, a denúncia feitapelo MsT – quando da ocupação da área–, sobre a improdutividade da Fazendasanta Filomena e a necessidade de suadesapropriação, não teve o resultado

almejado. Da mesma forma, a impunidadesobre o assassinato do camponês Eliasgonçalves de Meura permanece.

Como se vê, um caso de complexi-dade como este coloca permanentementea necessidade de buscar ações estratégi-cas articuladas entre várias entidades, umaconstrução coletiva entre a sociedade Civile as instituições públicas. Entretanto, tantoa ação institucional quando a ação dasociedade Civil visando a efetivação dosdireitos dos trabalhadores sem-terra apre-sentaram limites, esbarrando na decisãojudicial de reintegração de posse. aFazenda santa Filomena, declarada áreade interesse social para fins de reformaagrária por Decreto Presidencial, ao final,não foi desapropriada.

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1. Histórico do conflito

a comunidade quilombola ManoelCiriaco dos santos está localizada na zonarural do Município de guaíra, Estado doParaná, na localidade conhecida comoMaracaju dos gaúchos. atualmente, cercade dez famílias quilombolas vivem nosdez alqueires de terras que foram com-prados por Manoel Ciriaco dos santos nadécada de 1950. a situação de conflitocoletivo pela posse da terra rural que acomunidade enfrenta hoje está intima-mente ligada à história de preconceitosraciais típicos de um Estado que se afirmade colonização europeia.

a história desta comunidade quilom-bola é singular quanto à ocupação territo-rial em guaíra. os integrantes dacomunidade descendem de negros enegras que foram escravizadas noMunicípio de itambé do serro, no Estadode Minas gerais. após o período escravo-crata, já na década de 1950, um grupo depessoas, lideradas por Manoel Ciriaco dossantos, migrou da região de itambé doserro, Minas gerais, para a região de guaíra,no Paraná. Com muito esforço e trabalho,os familiares de Manoel Ciriaco dos santoscompraram dois lotes de terras na locali-dade rural conhecida como Maracaju dosgaúchos e lá se estabeleceram.

a comunidade quilombola ManoelCiriaco dos santos é a única negra nalocalidade do Maracaju dos gaúchos. Essa

situação sociocultural colocou a comuni-dade em uma condição de exclusão sociale econômica que dificultou muito a suasobrevivência. Desde que chegaram àregião, coube a seus integrantes a realiza-ção dos trabalhos menos valorizadossocial e financeiramente, além da exclusãosociorracial que marca a comunidade.Essa situação conflituosa, entretanto,sempre foi mascarada, como é próprio daexpressão do preconceito racial no Brasil.

Porém, foi a partir do ano de 2007que a situação de conflito entre os qui-lombolas e os não quilombolas da regiãode Maracaju dos gaúchos tornou-se explí-cita e grave. Pois foi nesse ano de 2007que a comunidade quilombola passou deuma histórica situação de passividade nasrelações socioeconômicas que lhes eramdesfavoráveis, para passar a lutar pelatitulação do território quilombola nosmarcos do Decreto Federal 4887/03.

o início dos trabalhos do incra paraa titulação do território, o que com-preende uma ação do Estado para desti-nar mais terras aos quilombolas, foi oestopim da atual situação de conflito naregião. os proprietários rurais vizinhosdos quilombolas, com o apoio de proprie-tários rurais de outras regiões políticos eagentes de estado, iniciaram um processointenso de ações violentas contra a comu-nidade e contra os agentes públicos quetinham como missão dar andamento ao

Caso nº 3Conflito Tradicional – Caso daComunidade Quilombola Manoel Ciriaco –Guaíra - Estado do Paraná

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processo de titulação do território qui-lombola.

Com o objetivo de impedir que acomunidade tivesse êxito no seu pleitopela titulação do território os proprietá-rios rurais da região ameaçaram de mortea atual liderança da comunidade; impedi-ram que funcionários do incra fizessemestudos de campo; roubaram materiais emantiveram funcionários do incra em cár-cere privado; impediram que o incraentregasse cestas básicas na comunidade,entre outras tantas ações65.

Frise-se que os opositores dos qui-lombolas também buscaram sufocar eco-nomicamente a comunidade, para que,assim, desistissem do pleito pela titulaçãodo território, vendessem suas terras e seretirassem da região. Para tanto os pro-prietários rurais deixaram de contratarintegrantes da comunidade para trabalharna roça por diárias, como era de costume.Da mesma forma, passaram a coagircomerciantes da região a não empregarmembros da comunidade e a dificultarqualquer atividade econômica da comu-nidade na região66. Também com esseobjetivo, diziam inverdades aos quilom-bolas quanto ao direito de titulação.

Dado esse breve contexto, é possívelafirmar que a situação de conflito está ali-cerçada na ação violenta e racista queproprietários rurais engendraram nomomento em que observaram que acomunidade quilombola poderia vir a teralgum êxito no pleito pela titulação de seuterritório. o conflito, que, desde a décadade 1950, era mascarado e colocava os qui-lombolas sempre em posição desfavorá-

vel, intensificou-se e tornou-se expressoquando os quilombolas passaram a semobilizar por direitos e tiveram algumaresposta positiva por parte do Estado.

2. Natureza dos direitos reivindicados

os direitos reivindicados pela comu-nidade quilombola Manuel Ciriaco dossantos têm natureza fundamental, sãodireitos econômicos, sociais, culturais eambientais. a comunidade luta por políti-cas públicas para a produção no campo,luta para manter sua cultura viva e respei-tada na região, luta para ter acesso a ser-viços básicos de educação, entre outrosdireitos humanos.

Contudo, para fins deste trabalho,merece especial relevo a luta da comuni-dade pela titulação de seu território qui-lombola. após quase meio século dachegada dos primeiros integrantes dacomunidade à região, os atuais integran-tes do grupo têm dificuldades de se man-terem no campo em razão da pouca terraque possuem. apesar de nunca teremtido acesso a uma porção de terra quefosse necessária para manter o grupo semque fossem necessários trabalhos exter-nos, hoje a comunidade ocupa uma áreaque tem cerca da metade da área original.se acaso a comunidade não obtiver êxitona sua luta pela titulação do território, háuma grande possibilidade de desagrega-ção do grupo como comunidade rural.

assim, os direitos reivindicados têmnatureza fundamental e são essenciaispara a continuidade da existência do

65 Fonte: parecer Incra SR(09) F4/nº 003/2010 e termo de declarações de Joaquim dos Santos, Adir Rodrigues dosSantos ao Ministério Público Federal em 19 de outubro de 2009.

66 Termo de declarações de Joaquim dos Santos, Adir Rodrigues dos Santos ao Ministério Público Federal em 19 deoutubro de 2009, termo de declarações de Adir Rodrigues dos Santos à Polícia Federal em 24 de novembro de2009 e parecer Incra SR (09) F4/nº 003/2010.

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grupo como tal, nos termos do art. 68 doaDCT e da Convenção 169 da organi-zação internacional do Trabalho (oiT),sendo diretamente referidas a políticaspúblicas de titulação dos territórios qui-lombolas, vinculadas ao incra e sEPPiR.

3. Agentes sociais

o principal agente social envolvidono conflito, na qualidade de sujeito cole-tivo de direitos, é a própria comunidadequilombola Manoel Ciriaco dos santos.Também atua no conflito a Federação dasComunidades Quilombolas do Paraná(FECoQUi) e a Coordenação Nacionaldas Comunidades Negras Rurais Quilom-bolas (CoNaQ).

a Terra de Direitos é uma organiza-ção da sociedade que atua assessorandojuridicamente a comunidade, principal-mente no monitoramento do processoadministrativo de titulação e nas situa-ções de conflito explícito, tendo realizado,por exemplo, o pedido de ingresso dacomunidade e o acompanhamento docaso no Programa Nacional de Defen-sores de Direitos humanos.

4. Instituições públicas envolvidas

incra: órgão responsável pelo pro-cesso de titulação do território quilom-bola. é ao mesmo tempo violador egarantidor dos direitos da comunidade. Deum lado, tem buscado garantir os direitosda comunidade dando andamento ao pro-cesso de titulação e possibilitando o

acesso a outros serviços (como a entregade sextas básicas) e, de outro, tem violadodireitos da comunidade, seja pela grandelentidão do processo de titulação67, sejapelo erro cometido com a contratação daoNioEsTE para realização do Laudoantropológico68. Também atuou reali-zando reuniões com proprietários ruraisnão quilombolas para informar sobre osprocedimentos que seria adotados noprocesso administrativo de titulação.

Polícia Federal: atuou nas situaçõesem que o conflito físico envolveu proprie-tários rurais e os funcionários do incra. Deforma geral, atuou para garantir que oincra pudesse realizar suas atividadesante às ameaças advindas de proprietá-rios rurais.

Ministério Público Federal: atuou nassituações de conflito, ajuizando açõespenais contra os proprietários rurais queteriam praticado crimes contra os inte-grantes do incra69. Também monitora oprocesso de titulação do território qui-lombola no incra. ajuizou ação civil pú-blica para coagir o incra a realizar atitulação do território em doze meses70.

Justiça Federal: processou açõespenais contra os proprietários rurais nãoquilombolas e processa a ação civilpública ajuizada pelo Ministério PúblicoFederal.

sEPPiR: a sEPPiR teve uma atuaçãorelevante para assegurar direitos dacomunidade, seja através da realização dereuniões informativas com proprietáriosrurais não quilombolas, seja através domonitoramento do processo administra-tivo de titulação junto ao incra

67 Processos administrativos MEMO SR (09) F 519/2008.68 Parecer Incra SR (09) F4/nº 003/2010.69 Ação Penal nº 5000888-10.2012.404.70, Ação Penal nº 5000919-64.2011.404.70, Ação Penal nº 5000920-

49.2011.404.7017.70 Ação Civil Pública 5001103-83.2012.404.7017.

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UNioEsTE: teve uma atuação fla-grante contra as comunidades quilombo-las na medida em que dois professoresdesta instituição foram indicados pararealizar o laudo antropológico da comu-nidade. ao elaborarem o laudo, negaramà comunidade, explicitamente, a condiçãode quilombola e o direito ao território. olaudo não foi recebido oficialmente peloincra e os professores sofreram represen-tação ante à associação Brasileira deantropologia71.

supremo Tribunal Federal: pode serconsiderado um violador dos direitos dacomunidade na medida em que deixa dedeclarar a constitucionalidade formal dematerial do Decreto Federal 4887/03 nosautos da ação Declaratória de inconstitu-cionalidade 4887/03. Essa situação gerainsegurança para órgãos públicos, aexemplo do incra, e é utilizada por gruposcontrários ao interesse da comunidadepara deslegitimar o direito constitucionalde acesso ao território da comunidadequilombola.

Polícia Civil: teve uma atuação pou-co eficaz na investigação dos crimescometidos contra os integrantes da co-munidade quilombola, não contribuindopara refrear as ações ilegais contra acomunidade.

Programa Nacional de Proteção aDefensores de Direitos humanos: teveuma atuação positiva na medida em queincluiu uma das lideranças da comunidadeno programa72. a inclusão no programa eas visitas e monitoramentos à distânciafeitos pela equipe técnica do programa

ajudaram a fortalecer a comunidade, aotempo em que demonstrou aos opositoresdos direitos dos quilombolas que o estadotambém atua em defesa da comunidade.

grupo de trabalho Clóvis Moura:órgão do Estado do Paraná que realizouum levantamento sobre as comunidadesquilombolas do Estado. Foi um dos pri-meiros órgãos públicos a dialogar com acomunidade sobre a questão dos quilom-bolas. a iniciativa de contato com acomunidade foi muito importante paraque esta pudesse se reconhecer comoremanescente das comunidades dos qui-lombos. Contudo, ao dialogar com acomunidade sobre as políticas públicasque teriam direito, não os alertou sobre osconflitos que poderiam advir com a buscapor essas políticas, inclusive a territorial.Tal fato colocou a comunidade em umasituação de extrema vulnerabilidade.

Partido Democratas: partido políticoque ajuizou a aDi 3239 no sTF, gerandoinstabilidade no direito de titulação dosterritórios quilombolas, inclusive no casoem apreço.

Deputado Estadual élio Rusch: visi-tou a área de conflito em atuaçãoexpressa contra o direito da comunidadequilombola, chegando mesmo a afirmarque a comunidade não era quilombola73.

5. Agentes privados

Proprietários Rurais: grupo de pro-prietários rurais da região do conflito, quese opõe à titulação do território quilom-bola. o grupo é formado tanto por pro-

71 Representação realizadas pela Terra de Direitos à Associação Brasileira de Antropologia, fevereiro de 2011. 72 Fonte: <http://novoportal.sdh.gov.br/importacao/noticias/ultimas_noticias/2010/06/24-jun-2010-programa-de-

protecao-aos-defensores-de-direitos-humanos-vai-em-missao-a-comunidade-quilombola-em-guaira-pr>. Acessoem: 31 jul. 2013.

73 Fonte: <http://www.aquiagora.net/noticias/ver/4221/Para-Rusch-caso-de-Maracaju-dos-Gauchos-e-agressao-ao-estado-de-direito/>. Acesso em: 31 jul. 2013.

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prietários rurais, que podem vir a ser afe-tados em uma situação de desapropria-ção, como por pessoas que não serãoatingidas diretamente pelas desapropria-ções ou outras medidas do estado. atuamde forma a impedir que a comunidadetenha acesso a políticas públicas, princi-palmente a de titulação do território,agindo muitas das vezes de forma ilegal.há fundada suspeita de que estão envol-vidos nas ameaças a integrantes dacomunidade e funcionários do incra.

6. Quadro de agentes e instituições envolvidas no conflito

o Quadro 7 é ilustrativo da comple-xidade social e institucional que envolve oconflito fundiário na ComunidadeQuilombola Manoel siriaco, revelandouma teia de agentes e instituições quesugere também o sentido e o caráter dacomplexidade que uma adequada solu-ção do referido conflito reivindica.

Quadro 7 - Agentes e Instituições Envolvidas no Conflito

SOCIEDADE CIVIL ESTADOsujeitos Entidades

agentessistema de Justiça

Poder Poder Coletivos de sociedade

PrivadosPoder Ministério Defensoria

Executivo LegislativoDireitos Civil Judiciário Público PúblicaComunidade Terra de Proprietários supremo Ministério sEPPiR Dep. quilombola Direitos Rurais Tribunal Público Estadual Manuel Federal Federal élio RuschCiriaco dos santosFederação incra Partido quilombola Democratado Estado do ParanáCoNaQ Programa

Nacional de Defensores e Defensoras de Direitos humanosPolícia Federal grupo de trabalho Clóvis Moura - do Estado do PRPolícia CivilUniversidade do oeste do Paraná

7. Quadro da Judicialização do Conflito

Como foi possível observar, à com-plexidade social e institucional corres-

ponde, também, uma intensa prática liti-gante envolvendo os respectivos sujeitos,agentes e instituições, conforme oQuadro 8 demonstra:

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8. Panorama atual do conflito

No atual momento, a situação deconflito permanece, principalmente anteàs incertezas quanto ao desfecho final doprocesso administrativo de titulação doterritório quilombola. a fragilidade dapolítica pública de titulação de territóriosquilombolas é o principal entrave para asolução do conflito.

No atual momento, a situação nãoestá exacerbada quanto à dimensões vio-lentas do conflito. isso, porque a comuni-dade consegue, ainda que de formaprecária, sobreviver com políticas públicascomo o Bolsa Família, entrega esporádicade cestas básicas e programas como oCompra Direta. Por outro lado, a ausênciade capacidade do incra em dar andamentoao processo administrativo de titulação fazcom que os opositores da comunidadenão adotem medidas mais enérgicas paratentar inviabilizar a titulação do território.

a atuação da Polícia Federal e doMinistério Público Federal nas questõesrelacionadas aos crimes cometidos pelosfazendeiros também contribuiu para que asintimidações e violências praticadas contraa comunidade arrefecessem. Contudo, aabsolvição de todos os proprietários ruraisnos processos criminais abre caminhospara novas ações truculentas. Estima-seque, se o incra efetivamente voltar a traba-lhar pela titulação do território, as situaçõesde conflito podem se acirrar.

acredita-se que só há possibilidade realde resolução do conflito se for garantido odireito de acesso à terra para a comunidadequilombola Manoel Ciriaco dos santos. sema garantia desse direito a comunidade per-manecerá em situação de vulnerabilidadesocial e econômica. a continuidade da lutada comunidade pelo acesso à terra não dei-xará de gerar reações por parte de gruposopositores e o conflito dificilmente cessará.

Quadro 8 - Judicialização do Conflito

CASO COMUNIDADE QUILOMBOLA MANOEL SIRIACO

Categorias de Litigantes Classe Processual Manejada

Justiça Cível Tipo Penal observaçãoadvocacia Popular

agentes do Estado Ministério Público ação Civil Pública Busca-se a titulação do Federal território em 12 mesesMinistério Público injúria em razão de agentes privados Federal raça, cor, etnia, processados por ato contra

religião funcionários do iNCRa e contra a comunidade. absolvidos

Ministério Público ameaça agentes privados Federal processados por ato contra

funcionários do incra e contra a comunidade. absolvidos

Ministério Público sequestro e Cárcere agentes privados Federal Privado; auxílio à processados por ato contra

fuga de autoridade; funcionários do incra e contra a comunidade. absolvidos

agentes PrivadosTotal 1 1 3 Total ações Judiciais 5

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1. Histórico do casoa Terra indígena Maró compreende

as etnias Borari e arapium e está locali-zada na margem esquerda do rio Maró,município de santarém, oeste do Pará.Com uma população de 239 habitantes,distribuídos em 43 famílias, a Ti Maró éconstituída pelas aldeias Novo Lugar,Cachoeira do Maró e são José iii, em umaárea aproximada de 42.373 ha74.

a Terra indígena Maró está encra-vada numa vasta extensão de terras públi-cas devolutas75 sob a jurisdição do Estadodo Pará76 denominadas gleba Nova olindai, gleba Nova olinda ii, gleba Nova olindaiii, gleba Mamuru e gleba Curumucuri,sudoeste do Município de santarém e suldo município de Juruti, numa região mar-cada por um alto potencial de recursosnaturais e pela multiplicidade cultural eterritorialidades tradicionais, sendo resi-dentes comunidades indígenas, extrativis-tas, pescadores e ribeirinhos77.

a gleba Nova olinda i é a área naqual a Ti Maró está sobreposta e ondetem sido palco de conflitos que perdu-ram ao longo dos últimos anos, moti-vados pela disputa por terras, pelaexploração e uso de seus recursos natu-rais e pela indefinição fundiária. a luta dopovo indígena Borari-arapiun na conso-lidação e defesa de sua identidade e deseu território se identifica com a históriarecente da Nova olinda i.

Em 2000, o instituto de Terras doPará (iTERPa) iniciou os trabalhos para adestinação e a delimitação da área para apopulação tradicional local. Durante as reu-niões, “ficava claro que o governo do Parápretendia destinar o restante que sobrariapara outras atividades econômicas, comoos Planos de Manejo Florestais e planta-ções de soja78”. Nesse ínterim, “já se identi-ficava a presença e a movimentação depessoas estranhas” requerendo protocolosde posse na gleba79, alguns até em áreas

Caso nº 4 Conflito Tradicional – Caso da TerraIndígena Maró – Gleba Nova Olinda I,Santarém - Estado do Pará

74 Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação dos Limites da Terra Indígena “Maró” (Rio Maró), elabo-rado conforme a Portaria nº 14/MJ/1996, processo nº 086620.000294/2010-DV. A TI Maró ainda aguarda a demar-cação de seu território.

75 Portaria do ITERPA nº 798, de 22 de dezembro de 1999.76 O Decreto-Lei nº 2.375/87 revogou o Decreto-Lei nº 1.164/71, que havia federalizado grandes extensões de terras

dos Estados-membros, pois declarava indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais as terras devo-lutas situadas na faixa de cem quilômetros de largura em cada lado do eixo das rodovias na Amazônia Legal, jáconstruídas, em construção ou projetadas (art. 1º).

77 Relatório Ambiental da TI Maró, elaborado conforme portaria nº 14/MJ/96, Decreto 1775/96 e Portaria Funai nº775/08, fls. 586/639 do processo nº 086620.000294/2010-DV/Funai.

78 A lei estadual nº 6.745/05, a despeito do conflito entre madeireiras e comunidades tradicionais, instituiu a área daGleba Nova Olinda I como “zona destinada a consolidação de atividades produtivas”.

79 Em outubro de 2003, o Ibama constatou a existência de um grupo de 50 pessoas, notadamente madeireiros, quepretendiam montar uma Cooperativa do Oeste do Pará (COOEPA), cada um com uma área demarcada de 2.500ha, além de outras áreas que invadiram, com derrubadas ilegais, forjando documentos, alegando serem moradoresda região. O Ibama ainda constatou a abertura de mais de 109 km de estradas em meio à floresta nativa para con-cretizar a exploração ilegal na área.

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que sobrepunham às pretensões dascomunidades (BRiTo, 2010). Denúncias jádavam conta da situação conflituosa naregião.80

a partir da pressão de organizaçõese movimentos sociais, o ibama, em outu-bro de 2003, realizou fiscalizações na áreae recomendou no seu Relatório Técnicode vistoria e Fiscalização a necessidadeda presença efetiva dos órgãos responsá-veis na gleba Nova olinda i, a fim degarantir a efetivação dos direitos dosmoradores locais e a preservação dosrecursos naturais, tendo em vista a cons-tatação de grilagem de terras, desmata-mento e exploração ilegal de madeira81, asviolações dos direitos das comunidadeslocais e dos trabalhadores locais dasempresas madeireiras, a cooptação delideranças82, a presença de grupos arma-dos e a sobreposição de áreas estaduaise federais, entre outros.

sem uma atuação efetiva doiTERPa e da Funai e o aumento da pres-são madeireira e por terras, foi criadopor movimentos sociais e organizações,em 2004, o “grupo de Trabalho emDefesa da Nova olinda”, com o objetivode promover discussões orientadas aos

moradores acerca da ordenação de seusterritórios e acompanhar os trabalhos dademarcação na área83. Por outro lado,também foi fundada pelas comunidadesFé em Deus, Repartimento, sociedadedos Parentes e sempre serve aassociação das Comunidades dosTrabalhadores Rurais do Maró (aCo-TaRM), que passou também a realizarreuniões com o intuito de propagar asideias de promoção do desenvolvimentolocal, com o apoio da organização dosmadeireiros por meio da Cooperativa dooeste do Pará (CooEPa). a aCoTaRMapregoava que a oferta de empregospelos empresários do setor madeireiroseria a melhor saída para a gleba.acusava, ainda, que os contrários a essaproposta atrasavam o desenvolvimentoda região e que estavam a serviço deorganizações não governamentaisestrangeiras (BRiTo, 2010).

ao invés de viabilizar as reivindica-ções de regularização fundiária dascomunidades, coibir a presença de grilei-ros e a prática de crimes ambientais, oEstado do Pará resolve, em 2006, criaruma regularização fundiária provisória,concedendo na área 4 autorizações de

80 O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém expediu, desde 2002, uma série de ofícios aoMinistério da Justiça, à OAB/PA, à Delegacia do Ministério do Trabalho em Santarém, ao ITERPA, ao MPE-PA, aoMPF, ao Ibama, ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, ao Ouvidor Agrário Nacional, ao Incra, ao Ministério doMeio Ambiente e à Polícia Federal em Santarém relatando grilagens, trabalho escravo, pessoas portando armasde fogo, ameaças e violações de direitos e a tentativa de cooptação das lideranças comunitárias. A grande maioriados ofícios não teve respostas. Também foram realizados diversos convites para as mesmas autoridades se faze-rem presentes nas assembleias promovidas pelas comunidades da Gleba Nova Olinda I, sem sucesso.

81 Autos de Infração - Ibama nº 370444-D; nº 370445-D, nº 370446-D, nº 370447-D, nº 370448-D, nº 370449-D, nº370450-D, nº 012826 – D e nº 012828 – D, lavrados, em sua maioria, em face de gerentes de madeireiras da região,por conta de crimes ambientais (art. 50 e 51 da lei nº 9.605/98) e resultando em R$ 205.279,41 em multas. Entreos autuados, consta o deputado estadual Antonio Rocha (PMDB-PA).

82 Um morador da comunidade Sociedade dos Parentes, Rio Aruã, Gleba Nova Olinda I, registrou ocorrência naDelegacia de Polícia Federal relatando que um servidor do Ibama ofereceu-lhe R$ 15.000,00 a fim de que con-vencesse outras comunidades a não aceitarem a regularização coletiva na gleba. O informante teria sofrido diver-sas ameaças e foi inserido no programa de proteção às testemunhas, onde ficou por 5 anos. O inquérito policialtramita em segredo de justiça;

83 Integrava o GT: o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR/STM), Comissão Pastoralda Terra (CPT), Federação dos Trabalhadores na Agricultura dos Estados do Pará e Amapá (FETAGRI), ProjetoSaúde & Alegria (PSA), Colônia de Pescadores Z – 20, Associação Cooperativa dos Trabalhadores Agroextrativistasno Oeste do Pará (ACOSPER), Conselho Nacional dos Seringueiros (atual Conselho Nacional das PopulaçõesExtrativistas – CNS), Tapajoara, Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (CITA), Centro de Formação e Pesquisa dosTrabalhadores do Baixo Amazonas (CEFTBAM).

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Detenção de imóvel Público84 (aDiP’s) e25 lotes da gleba a pessoas diversas dosantigos habitantes85, sobrepondo áreasocupadas pelas antigas populações e deuso dos Borari-arapiun, aumentando oconflito sobre a titularidade das áreas.Com áreas legalizadas, Planos de ManejoFlorestal sustentável foram autorizadospela secretaria de Meio ambiente do Pará(sEMa-Pa). Tal fato acirrou ainda mais osconflitos entre as populações tradicionaise indígenas e a exploração ilegal demadeira86. as denúncias aos órgãos ambi-entais e fundiários seguiam.

Em agosto de 2007, a partir de arti-culação realizada pelo MPE/Pa eMPF/Pa, ocorreu uma vistoria intergo-vernamental formada pelo ibama,iTERPa, incra e sEMa-Pa. o ibama iden-tificou diversos empresários tomandoposse de grandes lotes de 2.500 ha,explorando ilegalmente os recursosnaturais, a prática de grilagem de terras,a dependência das comunidades emrelação aos empresários e a desqualifi-

cação dos indígenas87e88. o órgão ambi-ental federal constatou, ainda, 47 falhasgraves na execução dos Planos deManejo Florestais e uma pista de pousoconstruída sem autorização no interiorda gleba. a sEMa-Pa lavrou autos deinfrações pela abertura de ramais paraexploração madeireira sem autorizaçãoe pela supressão de áreas de Preser-vação ambiental89. Durante a vistoria, foipossível ao iTERPa retomar as discus-sões sobre a regularização e ordena-mento territorial da área90, ondeprocedeu ao levantamento socioeconô-mico das comunidades tradicionais91 eainda se comprometeu a “não titular nin-guém na área indígena”.92

apesar de um aparente progressonas demandas pela regularização fundiá-ria, o governo do Pará não se dispôs aretirar os grileiros, os madeireiros e ospermutados que já ocupavam a área,inclusive aceitava suas propostas no pro-cesso de discussão da destinação daárea da Nova olinda i93. as ameaças de

84 A natureza jurídica das ADIP’s é questionável. Não há notícia de qual o instrumento normativo que subsidiou essaconcessão pelo Estado do Pará, através do ITERPA: BRITO, 2010, p. 42.

85 O Decreto do Estado do Pará nº 2.472, de 29 de setembro de 2006, permitiu a permuta de áreas da Nova OlindaI para particulares integrantes do Projeto Integrado do Trairão que tiveram suas terras interditadas por estaremdentro do território indígena da etnia Kaiapó, Município de São Félix do Xingu, Pará. Os permutados formalizarama Associação dos Proprietários de Terra do Projeto Integrado Trairão (ASPIT), que começou a atuar juntamentecom a COOEPA.

86 Em dezembro de 2006, o Ibama solicitou à SEMA-PA a suspensão da execução de 6 planos de manejo na GlebaNova Olinda I.

87 Folhas 24/25 do Relatório Técnico de Vistoria da Gleba Nova Olinda I – Ibama/PA – 2007.88 Em 2007, o cacique Odair José Alves de Souza, conhecido como Dadá Borari, recebeu o prêmio José Carlos Castro

de Direitos Humanos da OAB-PA, pela sua luta na defesa dos direitos humanos do povo indígena. Desde 2007,Dadá Borari, após violências físicas e ameaças, integra o Programa Estadual de Proteção aos Defensores deDireitos Humanos (PA).

89 Auto de Infração nº 0617 e 0618 – SEMA/PA.90 Como resultado da vistoria intergovernamental, em 2008, o Estado do Pará estabeleceu Área de Limitação

Administrativa Provisória nas áreas onde seriam demarcados os limites das comunidades. Para isso, proibiu nessasáreas (art. 2º do Decreto Estadual 1.149/08): I – atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente causa-dores de degradação ambiental; II – atividades que importem em exploração a corte raso da floresta e demaisformas de vegetação nativa; e III – atividades que impliquem no uso direto dos recursos naturais, excetuando-seo uso direto sustentável por parte das comunidades tradicionais.

91 Relatório Técnico – ITERPA – 2007.92 Ata de reunião, realizada em 19 de abril de 2007, na sede do ITERPA, Belém (PA), inclusa no PAD nº. 587/2009-

23, 23, volume I, fls. 30-34, oriundo do Procedimento Administrativo instaurado no Ministério Público Federal –Procuradoria da República no Município de Santarém (PA), sob o nº 1.23.002.000587/2009-23, para acompanhara demarcação da TI Maró.

93 Carta Aberta do Movimento em defesa da vida e da cultura do Arapiuns: Rio Arapiuns: conflitos sociais e ambien-tais na Gleba Nova Olinda”. Santarém, outubro de 2009.

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violência94, a exploração ilegal de madeirae a invasão do território indígena95 nãocessaram96 e 97. o processo de demarcaçãoda Terra indígena Maró não progredia98 e 99.o estopim se deu quando o iTERPa, final-mente, institui um dos assentamentosprometidos, o Projeto Estadual de assen-tamento agroextrativista vista alegre100,com uma área cinco vezes menor do quea proposta feita pela comunidade101, o quesignificaria a permanência das aDiP’s e daexploração madeireira que tanto atormen-tavam as comunidades.102

Nessa conjuntura, as organizaçõesse articularam e criaram o Movimentoem Defesa da vida e Cultura do Rioarapiuns,103 que passou a denunciar o

descaso das instituições públicas às rei-vindicações das populações tradicionaislocais, a lentidão dos processos dedemarcação da Ti Maró e a exploraçãoilegal de madeira e conflitos na região dagleba Nova olinda i. a fim de chamar aatenção da sociedade e exigir respostasaos seus anseios, integrantes do movi-mento ficaram acampados à beira do rioarapiuns, na praia Ponta do Pedrão,Resex Tapajós-arapiuns, de 14 de outu-bro a 14 de novembro de 2009, tempono qual interceptaram e impediram dedescer o rio duas balsas carregadas demadeira oriunda de Planos de Manejoprovenientes da Nova olinda i. semnenhuma reivindicação atendida pelasautoridades durante o período do mani-

94 A Relatoria do Direito Humano à Terra, Território e Alimentação, ligada à Plataforma de Direitos HumanosEconômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – Brasil, recomendou a presença urgente das instituições responsáveispelas questões agrárias, ambientais e indígenas na região. Solicitou ainda a inclusão de lideranças no programade proteção aos defensores de direitos humanos.

95 Com o processo de demarcação indígena Maró sem avanços, os Borari-Arapiun realizaram a autodemarcação doslimites de seu território em 2005. Em 2007, em parceria com a organização Projeto Saúde e Alegria, foi realizadoo georeferenciamento dos pontos identificados.

96 Por conta disso, os indígenas Borari-Arapiun e os comunitários encaminharam denúncias ao MPF/Procuradoriada República de Santarém e ao MPE/PA requerendo providências imediatas sobre a situação. Os ofícios encami-nhados à Funai e ao MPF pelo Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns, Grupo Consciência Indígena e STTR-STM dãoconta sobre a situação conflituosa e cobram providência para a demarcação da TI Maró e do ordenamento fundiáriodas comunidades tradicionais (fls. 17 a 32 e 103 a 108 do Procedimento Administrativo instaurado no MinistérioPúblico Federal – Procuradoria da República no município de Santarém/PA, sob o nº 1.23.002.000587/2009-23,para acompanhar a demarcação da TI Maró);

97 Em sentido contrário, uma equipe da SEMA-PA se deslocou à Gleba Nova Olinda I, em setembro de 2009, e con-cluiu não haver qualquer ilícito ambiental ou qualquer conflito na região e, inclusive, que os comunitários estãosatisfeitos com os benefícios sociais e econômicos que os Planos de Manejo Florestais proporcionam. Relatóriode Fiscalização nº 149/2009 – GEFLOR – SEMA/PA. A visita ocorrera a pedido dos detentores do Plano de Manejoe da Associação das Comunidades Unidas dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Maró (ACUTARM) nas comu-nidades Vista Alegre, Fé em Deus, Repartimento e Parintins, todas na Gleba Nova Olinda I. Tais comunidadesapoiam o setor florestal e estão entre as que solicitaram ao ITERPA a demarcação individual de suas terras.

98 Em 2001, foi constituído Grupo Técnico com o objetivo de realizar estudos e levantamentos preliminares sobre aocupação indígena no baixo Tapajós e Rio Arapiuns (Portaria/PRES 84, de 31 de janeiro de 2001), a fim de subsidiaros encaminhamentos administrativos cabíveis, amparados na legislação vigente. A TI Maró fora incluída no ProjetoIntegrado de Proteção às Populações e Terras Indígenas da Amazônia (PPTAL). Foi somente em abril de 2008,que a Funai lançou o edital para contratação de antropólogos e técnicos ambientais, com o objetivo de comporos GT’s de identificação e delimitação das Terras Indígenas do Rio Maró (Portarias – Funai nº 775/08 e 1155/10).

99 O MPF e o MPE/PA emitem em conjunto a Recomendação nº 08/2009 a fim de que a Funai conclua o procedi-mento demarcatório da TI Maró.

100 Decreto do Estado do Pará nº 1.740, de 17 de junho de 2009.101 Plano Participativo de Mosaico de Uso da Terra nas Glebas Nova Olinda I, II e III, Curumucuri e Mamuru, Plano de

Uso e de Utilização discutidos no STTR – STM.102 Ofícios 85/2009 e 103/2009 do STTR-STM questionando ao ITERPA sobre a demarcação do PEAEX Vista Alegre.

O MPE-PA emitiu a Recomendação nº 02/2010, alegando haver descumprimento da legislação por parte do ITERPAna demarcação dos assentamentos na Gleba Nova Olinda I, agindo em desfavor das populações tradicionais, soli-citando a retirada das ADIP’s sobrepostas aos assentamentos e a revisão das dimensões do PEAEX Vista Alegre.

103 O MDVCA era formado pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém (STTR/STM),Comissão Pastoral da Terra (CPT), Frente em Defesa da Amazônia, Federação dos Trabalhadores na Agriculturados Estados do Pará e Amapá (FETAGRI), Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (CITA), Grupo ConsciênciaIndígena, o povo indígena Borari-Arapin e a Associação das comunidades da região da Nova Olinda I, do rio Aruãe ao longo do Rio Arapiuns.

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festo e ausente a comprovação da ori-gem legal da madeira retida, o acampa-mento encerrou seus trabalhos, e amadeira acabou queimada.

a criminalização e a retaliação aomovimento se deram de inúmeras manei-ras e atingiu, sobretudo, as lideranças domovimento. Na Câmara dos Deputados,o deputado federal e integrante da ban-cada ruralista, Joaquim de Lira Maia(DEM-Pa), denunciou a presença de “fal-sos índios” na região da Nova olinda i,alegando interesses estrangeiros em “tra-var” o desenvolvimento regional, criando“reservas indígenas artificiais”, que enga-nam o povo e o Estado Brasileiro e promo-vem conflitos sociais entre comunidadesirmãs na área104. a imprensa local e nacio-nal reverberou as alegações do depu-tado105. além disso, os detentores dosplanos de manejo florestal oficiaram aoEstado do Pará, MPF, iTERPa, sEMa/Pa,Polícia Civil e Militar, MPE, ibama, Funai,Polícia Federal e o Ministério da Justiçarequerendo providências urgentes e aresponsabilização pelos crimes contra a

ordem pública. Pela via judicial, asempresas madeireiras moveram açõescivis para desobstrução do rio, pela res-tituição da madeira apreendida106, a proi-bição dos integrantes do movimento deentrarem nas áreas de manejo107 (inclu-sive os que se sobrepunham a Ti Maró) ea representação criminal pela prática desequestro, cárcere privado, formação dequadrilha armada, ameaça, falsidadeideológica, incitação ao crime, entreoutros.108 Por sua vez, sete associaçõesde comunidades favoráveis à presençade madeireiras na região impetraramação civil requerendo a anulação do pro-cesso administrativo da demarcação daTi Maró e a declaração de inexistência daetnia Borari-arapiun e da posse indí-gena.109

o Movimento em Defesa da vida eCultura do Rio arapiuns enviou uma sériede documentos requerendo providências,informações e manifestações dos órgãosresponsáveis110. seguiu também umaagenda de reuniões com o MPF, MPE/Pa,iTERPa, sEMa/Pa e Funai111. ameaças e

104 Pronunciamento proferido pelo Deputado Joaquim de Lira Maia na Sessão da Câmara dos Deputados de11/11/2009, fls. 157/165 do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação dos Limites da Terra Indígena“Maró” (Rio Maró), elaborado conforme a Portaria nº 14/MJ/1996, processo nº 086620.000294/2010-DV.

105 Em 5 de maio de 2010, a revista “VEJA”, na edição 2163, publicou uma matéria especial sob o título “A farra daantropologia oportunista”, onde corrobora com a versão de “índios inventados” na Gleba Nova Olinda I, apontandoque a “indústria da demarcação” acaba diminuindo o território dos brasileiros que querem “produzir”.

106 Ação Ordinária de desobstrução do rio, obrigação de fazer e restituição de bem, sob o nº 051.2009.1.007124-6,distribuído na 5ª Vara Cível da Comarca da Justiça do Estado do Pará em Santarém. Acabou arquivado com o fimda manifestação no rio Arapiuns e a queima da balsa.

107 Ações de Interdito Proibitório, sob os números 051.2009.1.007477-9 e 051.2009.1.007643-6, distribuídos na 5ª VaraCível da Comarca da Justiça do Estado do Pará em Santarém. Estas ações encontram-se arquivadas.

108 Ação Penal, sob o nº 051.2010.2.000500-0, distribuído na 4ª Vara Penal da Comarca da Justiça do Estado do Paráem Santarém. Ainda está em andamento.

109 Ação Ordinária de Anulação de processo administrativo de Demarcação de Terras Indígenas, sob o nº 2091-80.2010.4.01.3902, distribuído na Justiça Federal em Santarém. Ainda está em andamento.

110 Entre os principais documentos estão: abaixo-assinado elaborado durante a manifestação no rio Arapiuns solici-tando providências às autoridades quanto a situação da Nova Olinda; ofício TDD/STM nº 12/2010 da Terra deDireitos à Funai, solicitando urgência na demarcação da TI Maró; ofício TDD/STM nº 11/2011, solicitando intervençãodo MPF na suspensão de planos de manejo florestais dentro da área da TI Maró; convites às instituições para par-ticipar de assembleias dentro da TI Maró; Of. Nº 18/2010 de 09/04/10, solicitando apoio da Secretaria de Justiçae Direitos Humanos do Pará para reuniões com as instituições competentes em Belém/PA.

111 Uma nova vistoria intergovernamental foi realizada nos Planos de Manejo de onde a madeira apreendida pelosmanifestantes no Rio Arapiuns originava. A conclusão dos relatórios de fiscalização não apontou quaisquer irre-gularidades. Os indígenas e moradores da Nova Olinda I contestaram a metodologia utilizada e as conclusões dosórgãos ambientais na fiscalização na Representação ao MPE/PA contra a Secretaria de Meio Ambiente do Paráno MPE/PA em 30/10/09.

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violências às lideranças indígenas tam-bém foram registradas.112

Em resposta às pressões, o estadodo Pará publicou o Decreto 2.240/10 de07/04/10 impedindo a realização de com-pra e venda de áreas dentro da glebaNova olinda i e obrigando a sEMa eiTERPa a realizarem fiscalizações e aregularizarem os assentamentos combase nos processos iniciados em 2008.No entanto, permitiu a realização de con-cessão florestal dentro da gleba.113

a Funai publicou o Relatório da TiMaró em 10 de outubro de 2011 no Diáriooficial da União. Fora aberto o prazo paraas contestações. os Borari-arapiun conti-nuam aguardando a homologação de seuterritório pela Presidência da República.

2. Natureza dos direitos reivindicados

os indígenas Borari-arapiun, da TiMaró, reivindicam, precipuamente, o seudireito ao território. a demarcação do ter-ritório indígena se mostra como fator fun-damental para assegurar as condiçõesmateriais para a sobrevivência econômicae cultural desses povos, um direitohumano que gera outros direitos.

a Constituição Federal de 1988 e a

Convenção 169 da organização interna-cional do Trabalho (oiT) consagrou oentendimento de que os índios são osnaturais detentores da terra. Delimitá-la eestabelecer os limites físicos para a suademarcação constitui ato meramentedeclaratório do Estado Brasileiro. o artigo231 da Constituição define que terras tra-dicionalmente ocupadas são aquelas poreles habitadas em caráter permanente, asutilizadas para suas atividades produtivas,as imprescindíveis à preservação dosrecursos naturais necessários ao seu bemestar e as necessárias à sua reproduçãofísica, cultural, segundo seus usos, costu-mes e tradições. o direito à terra tradicio-nalmente ocupada pelo indígenas égarantida a partir de sua autoidentifica-ção. Esse autorreconhecimento dá auto-ridade e legitimidade às demandas porextensões de terra por parte dos indíge-nas, algo ainda a ser garantido pela União.

3. Atores sociais envolvidos

3.1. Sujeitos Coletivos de Direitos

os Borari-arapiun e os grupos indí-genas do Baixo Tapajós e do Rio arapiunsintegram o movimento denominado de“emergência étnica ou etnogênese”(BaRToLoMé, 2006), que abrange osprocessos de construção e afirmação de

112 Termo de declarações realizada pelo indígena Adenilson Alves de Sousa, conhecido como “Poró”, irmão do caciqueDadá Borari, por conta de agressões sofridas no interior da TI Maró (IPL 102/2010 – PF); Oficio TDD/STM nº15/2010, enviado pela Terra de Direitos à Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e à Comissão Estadualde Direitos Humanos da OAB/PA, relatando violências sofridas pelas lideranças indígenas do Maró; Of. SDDH/DIDHnº 118/10, 120/10, 122/10 e 123/10 enviados pela Terra de Direitos e Sociedade Paraense de Defesa dos DireitosHumanos ao Presidente do Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, ao Ouvidor doITERPA, ao Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/PA, ao Programa Estadual de Proteção aosDefensores de Direitos Humanos/PA relatando o processo de criminalização das lideranças do Movimento emDefesa da Vida e Cultura do Rio Arapiuns; Of. TDD/STM nº 60/2010 enviado à Coordenação do Programa Estadualde Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Estado do Pará pela Terra de Direitos com propostas deatuação do programa em relação a liderança indígena Dadá Borari; entrega de um dossiê dos conflitos em tornoda TI Maró à Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação dos Defensores de Direitos Humanos da ONU,em novembro de 2010, por representantes do povo Borari-Arapiun; Reunião na Ouvidoria Nacional da Funai em27/10/10, onde foi relatado a situação da TI Maró pelo cacique Dadá Borari, além de representantes da Terra deDireitos, CPT – Santarém e da SDDH/PA.

113 O ITERPA (portarias nº 786 e 788 de 20/04/10) criou o PEAEX Mariazinha-Aracati e o PEAS Repartimento, ambosna Gleba Nova Olinda I.

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identidades compartilhadas, baseadas empráticas e representações culturais pree-xistentes ou elaboradas, e operadas porsistemas simbólicos específicos que ilumi-nam sua experiência social e sustentamsua ação coletiva, diante de outros grupose do aparto institucional do Estado.

o movimento de reafirmação étnicanasceu da articulação política dos habi-tantes nativos para a defesa de um terri-tório que começava a ser apropriado eorganizado sob uma lógica totalmentedistinta daquela até então vigente.Coagidos dentro do seu próprio território,os grupos nativos passara a assumir suasidentidades étnicas como medida paramanter o modo de vida tradicional, emi-nentemente coletivista. o fenômeno re-cente de grupos sociais que recorrem àafirmação étnica para ter acesso a direitose recursos (materiais e simbólicos) deveser apreendido como uma estratégia legí-tima de sobrevivência física e cultural parafazer frente ao processo de confinamentoterritorial realizado, muitas vezes, com aanuência do Estado. as primeiras reivin-dicações fundiárias dos grupos indígenasdatam do final dos anos 1990.114e115

Neste sentido, no caso específico daTerra indígena Maró, estamos diante deum fenômeno em que uma coletividadecom uma história comum, ocupando tra-dicionalmente em mesmo território, sen-tiu a necessidade de expressar umaidentidade diferenciada, face às intensas

pressões exteriores que começou a sofrer.Esse movimento é caracterizado pela afir-mação de sua ancestralidade indígena e oresgate dos laços culturais e territoriaiscom o passado de ocupação de diversasetnias anteriormente consideradas dizi-madas e/ou miscigenadas durante a colo-nização no Pará. Neste sentido, assumeparticular importância o enfoque a res-peito da definição de suas territorialida-des, na medida em que são expressão deseus lugares de memória coletiva, espa-ços de sustentabilidade de suas práticassocioculturais e marcos físicos de suas rei-vindicações territoriais contemporâneas.116

Com efeito, em seu artigo 231, aConstituição Federal de 1988 reconheceaos indígenas sua organização social, cos-tumes, línguas, crenças e tradições, bemcomo os direitos originários sobre as ter-ras que tradicionalmente ocupam. Estassão definidas como aquelas habitadaspelos índios em caráter permanente, asutilizadas para suas atividades produtivas,as imprescindíveis à preservação dosrecursos naturais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reproduçãofísica e cultural, segundo seus usos, cos-tumes e tradições (§1º). Cabe lembrar,ainda, que o reconhecimento de umaterra tradicionalmente ocupada dá ensejoà anulação e à extinção dos atos quetenham por objeto sua ocupação, seudomínio e sua posse, cessando de produ-zir efeitos jurídicos (§ 6º).

114 Desde 1998, eram encaminhados à Fundação Nacional do Índio solicitações para demarcação de terras indígenas.Vale citar que, por ocasião do II Encontro dos Povos Indígenas do Baixo Tapajós e Arapiuns, realizado na comu-nidade de São Francisco, rio Arapiuns, em dezembro de 2000, representantes de diversas etnias, comunidades eorganizações solicitaram da Funai o início da agenda de processos de demarcação dos povos indígenas da região,considerando, ainda, que tais terras sofriam ameaças de invasores, madeireiros, pesca predatória e fazendeiros.

115 Em 2001, o MPF/PRM Santarém instaurou o Procedimento Administrativo nº 1.23.002.000013/2001-06 a fim deacompanhar a solicitação de apoio no processo de reconhecimento indígena ao longo do baixo Tapajós e Arapiuns.

116 Relatório da Viagem às Aldeias Indígenas Novo Lugar, Cachoeira do Maró e São José III, situadas no rio Maró, GlebaNova Olinda I, realizado pelo Analista Pericial em Antropologia do Ministério Público Federal, Raphael FredericoAcioli Moreira da Silva, como parte integrante do Procedimento Administrativo nº 1.23.002.000792/2005-65, ins-taurado no Ministério Público Federal – Procuradoria da República no Município de Santarém (PA), para acompanharos conflitos na Gleba Nova Olinda.

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Pelos termos da Convenção 169, daorganização internacional do Trabalho,ratificada pelo Estado Brasileiro por meiodo Decreto nº 5051 de 19/04/04, é reco-nhecido aos povos indígenas e tribais odireito de autorreconhecimento de suacondição cultural e social diferenciada,cabendo única e exclusivamente a eles opoder de elaborar critérios de pertenci-mento ao grupo.

Como a Ti Maró está encravada nagleba Nova olinda i, área que sofre cons-tantes pressões da indústria madeireira eda grilagem, os argumentos de ordena-mento fundiário, a reafirmação étnica indí-gena, a destinação das terras para osmoradores tradicionais locais e indígenase a presença do Estado Brasileiro paragarantir estes direitos foram as principaisbandeiras do movimento. Tal fato se fazpresente nas constantes denúncias, mani-festações e requerimentos de providênciasàs instituições responsáveis no conflitofundiário instalado na região, articuladoscom os moradores locais, organizaçõesrepresentativas e entidades parceiras.

3.2. Entidades da Sociedade Civil

Como demonstrado, o conflito emtorno da Ti Maró e Nova olinda i envolveudiversos agentes. ao lado do movimentoindígena, e na luta pelo ordenamento fun-diário destinado às comunidades tradicio-nais, algumas entidades tiveram atuaçõesimprescindíveis e em momentos importan-tes em mais de uma década de conflitos.

a primeira delas foi o sindicato dosTrabalhadores e Trabalhadoras Rurais desantarém (sTTR-sTM), que já realizavaatividades de formação técnica e políticacom os seus filiados na região desde adécada de 90, constituída essencialmentede comunidades de agricultores familia-res. além disso, foi a primeira organizaçãoa denunciar às instituições oficiais a viola-

ção de direitos, grilagens, exploração ile-gal de madeiras e o abandono governa-mental na Nova olinda i. o sTTR-sTMconstitui uma das maiores organizaçõesdo oeste paraense, e, com a sua influência,detém uma capacidade de mobilização earticulação notável, chegando a interme-diar os interesses das comunidades locaiscom o iTERPa, realizando audiências eassembleias públicas, além de apresentarpropostas e estudos ao ordenamento fun-diário em andamento. Foi um dos ideali-zadores do grupo de Trabalho em Defesada Nova olinda de 2004 e esteve à frentedo Movimento em Defesa da vida eCultura do Rio arapiuns.

Trabalho semelhante foi realizadopela Frente em Defesa da amazônia epela Comissão Pastoral da Terra emsantarém, com constantes atividades deformação no Maró sobre o processo dedemarcação do território indígena, direi-tos indígenas, nas denúncias de violaçõesdos direitos indígenas ao território e aosatentados às lideranças do movimento.

o Projeto saúde & alegria, além deintegrar os espaços de discussões e mobi-lizações, foi determinante no processo deautodemarcação do território indígenaMaró, em 2007, por dispor de tecnologiapara georeferenciar os pontos anterior-mente identificados pelos Borari-arapiuncomo seu território. a autodemarcaçãoreforçou o sentimento de pertença a umespaço comum, legitimando o processode reivindicação política territorial numaconstrução coletiva do território e na afir-mação indígena. Com o mapa de autode-marcação, se constitui como umareferência política, simbólica e, principal-mente, de reconhecimento dos espaçosde significação territorial dos indígenas,reforçando as denúncias de invasão deseus territórios por grileiros e planos demanejo florestal.

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o Conselho indígena Tapajós-arapiuns e o grupo Consciência indígenaconstituem as organização indígenas daregião, dando suporte ao movimento noMaró e integrando as atividades de for-mações e mobilizações políticas. Taisorganizações refletem o processo deetnogênese, difundindo a identidade indí-gena e intercedendo junto a Funai.

Por fim, a organização Terra deDireitos, presente na região desde 2009,acompanha todo o desenrolar da demar-cação da Ti Maró desde o bloqueio do rioarapiuns. Presta assessoria jurídica aomovimento indígena, realizando a defesajudicial das lideranças criminalizadas emações judiciais movidas pelas empresasmadeireiras, encaminhando diversospedidos de proteção aos defensores dedireitos humanos ameaçados, intervindojunto às instituições, alertando sobre asituação da Ti Maró e articulando asdemandas indígenas em diferentes níveisda federação, além das atividades de for-mação jurídica-política.

4. Instituições Públicas envolvidas

as instituições estiveram presentesde maneira conflituosa em torno da ques-tão da Terra indígena Maró: ora afirmandoos direitos dos indígenas, ora os negandoe até mesmo os violando. o impassegerado pela longa ausência dos órgãosresponsáveis, pelas decisões e atuaçõesunilaterais, pelo total desconhecimento da

complexidade do contexto e dinâmicaslocais e pela falta de diálogo entre as ins-tituições acabaram por acirrar ainda maisos conflitos.

4.1. Instituto de Terras do Pará

Em 2000, quando o governo doPará decidiu realizar o ordenamento fun-diário, as comunidades locais já tinhamacumulado o debate junto aos órgãos ofi-ciais no sentido de serem reconhecidospelo Estado como comunidades tradicio-nais, seja através da tentativa inicial defazer da Reserva Extrativista Tapajós-arapiuns (o que não ocorreu), seja pelacriação de um Projeto de assentamentoagroextrativista, ou ainda pela demarca-ção da Terra indígena reivindicada pelosBorari-arapiun. o oeste do Pará, conside-rado a mais nova fronteira de expansãodo capital na amazônia, vivia uma euforiaeconômica provocada pela expansão doagronegócio (a partir da monocultura desoja), pelas promessas da conclusão deobras de infraestrutura (como a conclusãodo asfaltamento da BR – 163, rodoviasantarém – Cuiabá), e pela retomada degrandes projetos na região (como a mine-ração em Juruti/Pa e hidrelétricas)117. apossibilidade de novas áreas florestaisserem destinadas à exploração empresa-rial animou o setor, até então carente deáreas legalizadas para a exploração flores-tal, aumentando a pressão sob o governoestadual para viabilizá-las118. Tais circuns-tâncias condicionaram as discussões doiTERPa com as comunidades tradicionais,delimitando suas áreas em 105.000 ha a

117 Cf. SAUER, Sérgio. Violação dos direitos humanos na Amazônia: conflito e violência na fronteira paraense. Goiânia:CPT; Rio de Janeiro: Justiça Global; Curitiba: Terra de Direitos, 2005.

118 A pressão madeireira junto às esferas governamentais também se deu junto ao Incra, com a criação de dezenas assen-tamentos na região, sem licença ambiental, sobrepondo áreas de Unidade de Conservação e zonas de amortecimento,com o objetivo de “legalizar” a exploração de madeira nos locais onde os assentamentos foram criados. Cf. SANTANA,Raimundo Rodrigues. Justiça Ambiental na Amazônia: análise de casos emblemáticos. Curitiba: Juruá, 2010. E oRelatório “Assentamentos de Papel, Madeiras de Lei”. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/Global/bra-sil/report/2007/8/greenpeacebr_070821_amazonia_relatrela_assentamentos_incra_port_v2.pdf>. Acesso em: 24 jan.2010.

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fim de que áreas “sobrassem” para as “ati-vidades produtivas” (MaTos, 2010 apudBRiTo, 2010, p. 37 e 39). a lei estadual demacrozoneamento ecológico-econômico(lei nº 6.745/05), que classificou a Novaolinda i como área de “consolidação deatividades produtivas”, não foi precedidade discussões ou negociações com ospovos indígenas e as comunidades tradi-cionais das glebas, a despeito de todo oaparato jurídico positivo que preceitua ocontrário, como a Convenção 169 da oiT.

o processo de ordenamento fundiá-rio das comunidades locais caminhou apassos lentos (o primeiro assentamentosó viria a ser criado nove anos depois),enquanto, no mesmo período, foram con-cedidos quatro autorizações de Detençãode imóvel Público (aDiP’s) e 25 lotes dagleba por meio de permutas a pessoasestranhas às comunidades. a reivindica-ção dos indígenas Borari-arapiun pelo seuterritório, bem como o reconhecimentode tal pretensão, não foi levada em consi-deração pelo iTERPa, que chegou a regu-larizar áreas sobrepondo ao territórioindígena, em discordância com a legisla-ção. outro fator a ser analisado é a ausên-cia de compromisso do iTERPa em coibira presença de grileiros na região, apesardas inúmeras denúncias.

4.2. Secretaria de Meio Ambientedo Estado do Pará

a conduta omissiva também ocor-reu com a secretaria de Meio ambientedo Estado do Pará, que, apesar dasdenúncias da presença de grileiros e daexploração ilegal de madeira e outros cri-mes ambientais encaminhados ao órgãoao longo da última década, pouco se fezpresente para verificar a situação outomar medidas eficazes para coibir o sta-tus quo de ilegalidade. Com a exceçãodas vezes em que foi notificada pelo

ibama a averiguar situações específicasnos Planos de Manejo ou em vistoriasintergovernamentais orientadas peloMPE/Pa e o MPF, a sEMa conduzia seustrabalhos na tentativa de negar qualquerconflito ou crime ambiental nas áreas deexploração florestal e a valorizar a pre-sença de empreendimentos dessa natu-reza na região, com a geração deemprego e renda na região. Para isso,visitava somente comunidades favoráveisa presença das empresas madeireiras.outro fato curioso é que as “ações de fis-calização” eram realizadas utilizandoavião e automóveis das próprias madei-reiras a serem fiscalizadas, por alegarfalta de recursos e infraestrutura. o escri-tório regional da sEMa/Pa, em santarém,ainda não possui setor de fiscalização.somente há servidores para viabilizarlicenciamentos ambientais.

4.3. Poder Judiciário do Estado doPará – Comarca de Santarém

o Poder Judiciário do Estado doPará foi instado a decidir sobre seis açõesjudiciais referentes ao conflito na Novaolinda i. Em todas as ações civis movidaspelas empresas madeireiras RoNDoBELindústria e Comércio de Madeiras LTDa,hP do Mojú indústria, Comércio eExportação de Madeiras LTDa e M2000Madeiras LTDa, as alegações jurídicas sefundaram em argumentos discriminató-rios e difamatórios contra o movimentoindígena Maró e os movimentos sociaislocais e as organizações que os apoiam,alertam para o perigo caso tais movimen-tos continuarem a por em risco a ordempública e as instituições e ressaltam osprejuízos econômicos e sociais causadospela paralisação/encerramento da explo-ração madeireira na região.

Nas ações de interdito Proibitório(processos nº números 051.2009.1.007477-

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9 e 051.2009.1.007643-6), a RoNDoBELindústria e Comércio de Madeiras LTDarequereu que as lideranças do movi-mento indígena não transitassem nasáreas de Planos de Manejo da empresa,mesmo parte delas estando sobrepostasao território indígena Maró. assim, osindígenas não deveriam mais permanecere transitar em seu próprio território. opedido da empresa madeireira foi apre-ciado e deferido em caráter liminar pelojuízo da 5ª vara Cível da Comarca desantarém em 17/12/2009, demonstrandoum desconhecimento dos direitos indíge-nas ao território.

o Poder Judiciário acabou por nãose posicionar definitivamente nas açõescivis119. Tais processos foram arquivados,seja pela perda de objeto, com o fim damanifestação e o bloqueio do rio, seja apedido das próprias empresas madeirei-ras, que, a partir de 2011, decidiram adqui-rir a certificação de sustentabilidadesocial e ambiental chamado FsC (Foreststewardship Council). Reconhecida inter-nacionalmente, tal certificação credenciaas empresas madeireiras a serem maisbem avaliadas no mercado internacionale um dos seus requisitos exige que a áreade exploração madeireira não seja palcode conflitos.

Na esfera penal, no entanto, o re-latório do inquérito Policial nº 302/2009.000187-5 – PC/Pa, instaurado por contada manifestação realizada no rio ara-piuns, imputou os crimes de ameaça (art.147 do CP), cárcere privado (art. 148, §1º,iii do CP), incêndio em embarcação (art.

250, §1º, ii, c), atentado contra a segu-rança de transporte marítimo (art. 261, §1ºdo CP), quadrilha armada (art. 288 doCP), desobediência (art. 330 do CP) eexercício arbitrário das próprias razões(art. 345 do CP) às lideranças, e a umcacique indígena foi além, imputando-lheo crime de falsidade ideológica (art. 299do CP, fls. 258/263 do Relatório do iP),indicando um processo de criminalizaçãodo movimento indígena120. o inquéritoPolicial transformou-se na ação Penal nº2010.2.0005000-0, promovida peloMinistério Público do Estado do Pará sem,contudo, imputar o crime de falsidadeideológica ao indígena. o processo aindaestá em andamento.

Um argumento sempre presente naspetições do movimento indígena, e nãoapreciado nas ações judiciais pelo PoderJudiciário do Estado do Pará, refere-se àquestão da competência da JustiçaFederal em julgar casos onde há disputapor interesses indígenas (Ti Maró), causasrelativas a direitos humanos decorrentesde tratados internacionais (Convenção169 oiT) e onde estiver interesse da União(Funai), em total descumprimento ao quedispõe a Constituição Federal no art. 109,incisos i, v - a e xi.

4.4. Ministério Público do Estadodo Pará

Da análise dos documentos, é possí-vel observar que o Ministério Público doEstado do Pará apenas passou a realizarmedidas consistentes a partir do agrava-mento do conflito. antes, porém, tomava

119 Além das ações judicias já citadas, a RONDOBEL Indústria e Comércio de Madeiras LTDA ainda ingressou com aAção Indenizatória por Danos Morais (processo nº 2010.1.007683-9) e com o Processo-Crime (nº 0287/2010) emface de Odair José Alves de Sousa, liderança indígena conhecida como Dadá Borari, e os professores Gilson Costae Gilberto Rodrigues por declarações referentes aos conflitos na Gleba Nova Olinda I e a demarcação da TerraIndígena Maró publicada na blogosfera.

120 O delegado ainda requereu a Prisão Preventiva das lideranças do movimento. Pedido esse negado pelo juízo (pro-cesso nº 2009.2.004092-6).

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medidas superficiais, sem resultados práti-cos e sem levar em consideração as reco-mendações que o ibama encaminhava aoórgão ao final de cada vistoria. os ofíciosenviados pelos movimentos sociais e orga-nizações alertando sobre o processo defi-ciente de ordenamento fundiário realizadopelo iTERPa não foram capazes de provo-car uma iniciativa mais enfática do Parquet.somente após a deflagração da manifes-tação no rio arapiuns, o MPE-Pa agiu deforma a mediar o conflito, realizandoaudiências e reuniões interinstitucionais,solicitando fiscalizações e requerendomedidas eficazes e não protelatórias dosórgãos responsáveis. ainda assim, o MPE-Pa é autor da ação penal movida contra aslideranças do movimento em defesa davida e cultura do arapiuns.

4.5. Fundação Nacional do índio(Funai)

a Funai vem sendo demandada pelopovo Borari-arapiun pelo menos há 13anos. apesar de alguns avanços imedia-tos, como a formação de grupo Técnico121

para conhecer as reivindicações étnicasnos rios arapiuns, Maró e no Lago grande,resultando no “Relatório do Levanta-mento Preliminar das Comunidades doRio arapiuns e Baixo Rio Tapajós (Pa)”, demarço de 2004122, somente em 4 de julhode 2008 foi criado o gT Terra indígenaMaró123, com o objetivo de realizar os estu-dos necessários à identificação e Delimi-tação da Ti Maró. o Relatório deste gT sóviria a ser publicado no Diário oficial daUnião em 11 de outubro de 2011.

Durante todo esse período, nenhumamedida foi tomada pela Funai a fim de

garantir a integridade do território indí-gena e de seus habitantes, mesmo com oagravamento do conflito na região daNova olinda i. a Funai também não inter-viu junto ao iTERPa a fim de representaros interesses indígenas no processo deordenamento fundiário daquela região, oque gerou sobreposições de áreas entremadeireiros e indígenas. Políticas públicasainda são deficientes e ainda não há pre-visão de instalação de um escritório daFunai na região.

4.6. Ibama

Com a ausência de equipe de fisca-lização da sEMa/Pa no oeste paraense, aproximidade da Resex Tapajós-arapiuns,a presença de empresas madeireiras e oalto valor comercial dos recursos madei-reiros na região, o ibama era constante-mente solicitado pelos moradores daNova olinda para averiguar as denúnciasde exploração ilegal e de danos ambien-tais. as suas ações de fiscalização e vis-torias aos Planos de Manejo resultavamnuma série de autuações, recomenda-ções às entidades competentes e notifi-cações à sEMa/Pa e ao iTERPa a fim dealertá-los sobre a grave situação fundiá-ria, social e ambiental presente na área.os Relatórios de Fiscalização do ibamaforam utilizados pelo movimento indí-gena para embasar as denúncias sobre oconflito.

4.7. Ministério Público Federal

Desde 2000, o MPF começou areceber demandas dos povos indígenasda região. única instituição constitucional-mente competente e presente na regiãopara tratar das questões indígenas, o MPF

121 Departamento de Assuntos Fundiários – Coordenação Geral de Identificação e Delimitação (GT/DAF-CGID),Instrução Executiva Funai nº 66, de 9 de maio de 2003.

122 FUNAI/08620.001528/2004-DV.123 Portaria Funai nº 775, de 4 de julho de 2008.

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é constantemente procurado pelos povosindígenas para encaminhar demandas,acompanhar a demarcação de terras indí-genas, a violação de seus direitos e aspolíticas públicas nos seus territórios.

Nesse sentido, foi instaurado umasérie de procedimentos administrativospara acompanhar as demandas indígenasna região, dentre os quais o Pa nº 1.23.002.000792/2005-65, que tinha comoobjeto o conflito fundiário na gleba Novaolinda i e acompanhamento da demarca-ção Ti Maró. Como resultado das diligên-cias e a demora nos trabalhos da Funai naregião, o MPF acabou por promover aação Civil Pública nº 2010.39.02.000249-0, no intuito de compelir a Funai a pros-seguir com a demarcação da Ti Maró, atéentão aguardando a publicação de seurelatório no DoU. o pedido liminar foideferido pela Justiça Federal em san-tarém. a ação está aguardando a sen-tença.

4.8. Vara Única da Justiça Federalem Santarém – TRF 1º Região

Duas ações judiciais transitam naJustiça Federal com o pano de fundo a TiMaró desde 2010. Na primeira, já citada, oMPF visava compelir a Funai a prosseguircom o processo de demarcação da TiMaró. a segunda, por sua vez, visava exa-tamente o contrário. sete associações demoradores – das comunidades de Prainha,vista alegre, são Luiz, são Francisco, sãoRaimundo, Novo Paraíso, Fé em Deus,sempre serve, Repartimento, vista alegreParintins e dos Parentes –, contrárias àdemarcação da Ti Maró, interpuseram aação de anulação de Processo adminis-trativo cumulada com ação Declaratóriade inexistência de etnia e posse indígenaem desfavor da Funai e do cacique daaldeia Novo Lugar (processo nº 2091-80.200.4.01.3902). a ação judicial visava

declarar a nulidade do processo dedemarcação da Ti Maró pela Funai, fun-dada em razão de “falsos índios”, requeriaque o juízo declarasse pela inexistência daetnia Borari-arapiun, bem como a possedo seu território, além da declaração deresguardo de todos os direitos patrimo-niais das comunidades sobre os recursosnaturais de seus territórios. as alegaçõesjurídicas, novamente, se fundaram emargumentos discriminatórios e difamató-rios contra o movimento indígena Maró;alertam para o perigo caso tais movimen-tos continuem a por em risco a ordempública, a enganar instituições como aFunai e ressaltam os prejuízos econômi-cos e sociais causados pela paralisação/encerramento da exploração madeireirana região.

o juízo federal, observando a trami-tação da ação Civil Pública do MPF emface da Funai na mesma vara, acabou pornão conceder a liminar, decidindo aguar-dar a apresentação do Relatório de iden-tificação e demarcação da Ti Maró. Emsetembro último, as autoras da ação pro-tocolaram petição de desistência da ação.

a Justiça Federal, assim como aEstadual, acabou por não se posicionarem definitivo nas ações judiciais movidaspelos interessados em torno do conflitona Nova olinda i.

5. Agentes privados

No desenrolar do conflito, observa-sea presença de diferentes agentes violado-res de direitos agindo de maneira articu-lada durante o processo de demarcaçãoda Ti Maró. Com o vazio institucionalcaracterístico da amazônia, o despreparodos agentes do Estado, contando com amorosidade da demarcação da Terraindígena e do ordenamento fundiário da

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Nova olinda i, a condição de pobreza dascomunidades tradicionais locais, a falta decomunicação entre os órgãos responsá-veis e até a conivência destes – comodemonstrado nos itens anteriores –, osagentes privados encontraram poucosobstáculos que pudessem impedi-los deoperar seus interesses e violações naqueleterritório.

Já em 2003, a Cooperativa do oestedo Pará (CooEPa), formada por, pelomenos, 50 madeireiros, já tencionava ostrabalhos de ordenamento fundiário paraa regularização de suas posses recentes.oferecendo empregos temporários aoscomunitários da região, distribuindobenesses às comunidades em troca daexploração madeireira e da construção deportos e estradas em suas áreas, aCooEPa ainda deu todo o apoio à cria-ção da associação das Comunidades dosTrabalhadores Rurais do Maró (aCo-TaRM), formada por comunitários quedefendiam essa visão de desenvolvimentopara a região, além de combater a demar-cação coletiva dos assentamentos aserem criados, inclusive judicialmente.

Em 2006, com a legalização de suasáreas pelo iTERPa, os permutados seorganizaram e criam a associação dosProprietários de Terra do Projeto integra-do Trairão (asPiT), atuando juntamentecom a CooEPa na defesa de suas pro-priedades e contra a presença dos indíge-nas naquela região. Para isso, reforçounas comunidades a ideia já diluída nosenso comum regional de que os índiosforam “criados por oNg’s internacionaisque querem internacionalizar a amazô-nia”. Todos os não-índios perderiam suasterras. os conflitos sociais denunciadoseram sumariamente desconsideradospelo órgão fundiário.

a partir do manifesto no rio ara-

piuns e do acirramento do conflito noMaró, políticos da região e setores empre-sariais ligados à exploração madeireiramanifestaram seu apoio em notas, ofícios,cartas e reivindicações aos órgãos res-ponsáveis. o discurso do deputado fede-ral Lira Maia apresentando uma pesquisacientífica realizado por seu assessor,inácio Régis, que comprovou uma “muta-ção genética induzida” aos comunitáriosdo Maró, “transformados” em indígenaspelas “oNgs”, reverberou em quase todosos meios de comunicação da cidade e daregião amazônica, chegando até a serpublicada na Revista veja.

Tal argumento também aportou naesfera judicial, gerando uma nova formade criminalização. Neste sentido, as em-presas Rondobel ind. e Com. de MadeirasLTDa, hP do Mojú indústria, Comércio eExportação de Madeiras LTDa, M2000Madeiras Ltda, detentores de Planos deManejo na Nova olinda, moveram diver-sas ações judiciais, fundamentadas emargumentos discriminatórios e difama-tórios apoiados pela mídia, aparente-mente com o intuito de intimidar aslideranças do movimento indígena. aPolícia Civil do Pará chegou a incriminara liderança indígena, cacique do NovoLugar, pela prática de falsidade ideoló-gica, pelo simples fato de se afirmarcomo indígena.

Mais emblemática ainda foi a açãoDeclaratória de inexistência de etnia eposse indígena proposta pelas comunida-des contrárias a demarcação da Ti Maró ecom o apoio de empresas madeireiras,que ofereceram seus advogados paraatuar na demanda.

Por fim, e a partir deste estudo decaso, verifica-se que um dos principaisagentes violadores dos direitos indígenas éo Estado Brasileiro, que, por meio de suas

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instituições, deveria garantir a consolidaçãodos direitos humanos dos grupos indíge-nas, mas, por atender a interesses econô-micos e políticos, acaba por postergar eviolar estes direitos. Como dito acima, oiTERPa não levou em consideração as pre-tensões indígenas sob a área de sua juris-dição, muito menos realizou consultasprévias sobre a legalização de proprieda-des estranhas às comunidades locais. asEMa legalizou planos de manejo sobre-postos a áreas de interesse indígena, semrealizar consultar prévias e sem capacidadede realizar operações de fiscalizações isen-tas. o Programa Estadual de Defensores deDireitos humanos, onde o cacique estáinserido desde 2007, funciona de formadeficiente e precária. a Funai viola os direi-tos devido à morosidade do processodemarcatório do território indígena Maró eà omissão durante o aprofundamento doconflito. a omissão também atinge emparte o Ministério Público do Estado doPará, que só viria a realizar medidas consis-tentes após o manifesto no rio arapiuns, eainda propôs a ação penal contra lideran-ças indígenas por falsidade ideológica.

6. Quadro de agentes e instituições envolvidas no conflito

o Quadro 9 é ilustrativo da complexi-dade social e institucional que envolve oconflito fundiário na Terra indígena Maró,revelando uma teia de agentes e instituiçõesque sugere, também, o sentido e o caráterda complexidade que uma adequada solu-ção do referido conflito reivindica.

7. Quadro da Judicialização doConflito

Como foi possível observar, à com-plexidade social e institucional corres-

ponde, também, uma intensa prática liti-gante envolvendo os respectivos sujeitos,agentes e instituições, conforme o Qua-dro 10 demonstra.

8. Panorama Atual do Conflito

a história do Território indígenaMaró expõe a situação de inoperância dasesferas governamentais em gerir proble-mas fundiários complexos, sobretudo naamazônia. os governos estadual e federalapenas responderam positivamente àsdemandas dos povos indígenas e comu-nidades tradicionais da Nova olinda iapós muita pressão social, em meio a umestado avançado de conflitos deflagra-dos, o que favorece os interesses privadose empresariais na aquisição, posse e titu-lação dessas áreas, em oposição e francaviolação aos direitos das comunidadesindígenas.

Todas as medidas tomadas pelas ins-tituições públicas, no sentido do enfrenta-mento do problema fundiário, visavamapenas soluções paliativas e urgentes, nãoos resolvendo em sua amplitude. De outrolado, diversas medidas efetivas foramtomadas no sentido de atender às deman-das de interesses privados de apropriaçãosobre o território indígena. De modo ana-lítico, afirma-se que o tratamento frag-mentado do conflito tendeu a agravá-lo. odiálogo interinstitucional é precário.através do estudo de caso, verifica-se queos agentes públicos pouco entendemsobre os direitos dos povos indígenas e osórgãos estatais não possuem em suasestruturas espaços para solução de confli-tos ambientais e fundiários.

o povo Borari-arapiun ainda a-guarda a homologação do seu território,enquanto que, ao lado, os Planos deManejo Florestais das empresas madei-

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Quadro 9 - Agentes e Instituições Envolvidas no Conflito

SOCIEDADE CIVIL ESTADOsujeitos Entidades

agentessistema de Justiça

Poder Poder Coletivos de sociedade

Privados Poder Ministério Defensoria

Executivo Legislativo Direitos Civil Judiciário Público Públicaindígenas sTTR-sTM Empresas Poder Promotoria Programa Dep. Fed. Borari- Madeireiras Judiciário do de Meio Estadual de Lira Maria arapiun Estado do ambiente em Proteção a (DEM-Pa)

Pará – santarém DefensoresComarca de (MPE/Pa) de Direitos santarém humanos

CPT - sTM imprensa Justiça Procuradoria FunaiFederal em da República santarém em santarém

Projeto CooEPa TRF 1ª Reg. Promotoria ibamasaúde & de Justiça alegria Criminal da

Comarca de santarém (MPE/Pa)

CiTa aCoTaRM iTERPaRelatoria de sEMasegurança alimentar/ Plataforma DhescaTerra de PC/PaDireitosgCi11 associações de Moradores das Comunidades Locais

Quadro 10 - Judicialização do Conflito

CASO – TERRA INDíGENA MARÓ

Categorias de Litigantes Classe Processual Manejada

Justiça Cível Tipo Penal observaçãoadvocacia Popular Terra de Direitos Defesa das ações civis e

criminais movidas pelas empresas madeireiras e o Ministério Público Estadual em face do movimento indígena

agentes do Estado Ministério Público ação Civil Pública objeto: compelir a FUNai aFederal prosseguir com a

demarcação da Ti Maró

Continua na página 74

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CASO – TERRA INDíGENA MARÓ

Categorias de Litigantes Classe Processual Manejada

Justiça Cível Tipo Penal observaçãoagentes do Estado Ministério Público ameaça; Cárcere Réus: lideranças do

Estadual Privado; incêndio em sTTR/sTM, da CPT, da Embarcação; FETagRi (Pa e aP), CiTa, atentado Contra a do povo indígena segurança de Borari-arapin e a associação Transporte das Comunidades da Região Marítimo; Quadrilha da Nova olinda i armada; Desobediência; Exercício arbitrário das Próprias Razões

Polícia Civil Pedido de Prisão Contra liderança do Preventiva movimento indígena Maró

agentes Privados Empresas ação de interdito objeto: impedir que as Madeireiras Proibitório lideranças do movimento

indígena não transitassem nas áreas de plano de manejoda empresa, mesmo parte delas estando sobrepostas ao território indígena Maró // atuação da Terra de Direitos na defesa processualdos indígenas

ação de indenização ações movidas empor Danos Morais decorrência de denúncias

contra a exploração madeireira realizadas pela liderança indígena e por

Calúnia professoresação de objeto: desobstruir o rio e Desobstrução do liberar as balsas que Rio arapiuns   transportavam madeira

provenientes de planos de manejo na gleba Nova olinda i

associações de ação de anulação objeto: a nulidade do Moradores de de Processo processo de demarcação da Comunidades Locais administrativo Ti Maró pela Funai e a

cumulada com ação declaração judicial da Declaratória de inexistência da etnia inexistência de etnia Borari-arapiun, bem como e posse indígena a posse do seu território,

além da declaração de resguardo de todos os direitos patrimoniais das comunidades não indígenas sobre os recursos naturais de seus territórios // atuação da Terra de Direitos na defesa processual dos indígenas

ToTaL 6 6 3 Total de ações Judiciais 9

Continuação na página 73 – Quadro 10

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reiras continuam em vigor. ainda hádenúncias de exploração madeireiradentro da terra indígena124. a sEMa nãorealizou mais fiscalizações na área, ape-

sar das solicitações dos indígenas. aspolíticas públicas, enfim, verificam-sequase inexistentes ou prestadas preca-riamente pelo Estado.

124 Cf. o “Relatório da Missão ao Território Indígena Maró: violações de direitos humanos aos povos da terra indígena Maró,no oeste do Estado do Pará”, produzido pela Relatoria do Direito Humano à Terra, Território e Alimentação em visitaao Território Indígena Maró, com a relatoria de Sérgio Sauer e Assessoria de Gladstone Leonel da Silva Júnior. Setembrode 2011. Disponível em: <http://www.dhescbrasil.org.br/attachments/500_Relatorio%20da%20miss%C3%A3o%20-%20Mar%C3%B3%20-%202011.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2013.

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a. Os elementos constitutivos do conflito

a análise dos quatro Casos Emble-máticos de conflitos fundiários rurais nospermite identificar os elementos quecompõem a complexidade histórica,social, econômica, cultural, política, jurí-dica e institucional característica dosconflitos fundiários. De um lado, umadimensão histórica, social, econômica ecultural que caracteriza os sujeitos envol-vidos, e, de outro, uma dimensão política,jurídica e institucional diretamente impli-cada nas responsabilidades, compromis-sos e deveres do Estado Democrático deDireito em relação àqueles sujeitos.

Desde uma perspectiva dos sujeitos,o referencial da sociologia rural – indispen-sável para uma análise que se pretendaadequada para uma eficaz compreensão esolução dos conflitos fundiários – nosindica que os conflitos fundiários apresen-tam-se, hoje, como reiteração ou reação aum modelo histórico de exclusão, expro-priação e violência contra os sujeitos quealiam de forma intrínseca e indissociável aposse da terra ao trabalho e aos seusmodos de vida, em oposição à expansãodo agronegócio, dos empreendimentos deinfraestrutura e mineração sobre suas ter-ras e territórios.125

os estudos de casos revelam, nestesentido, o “primeiro elemento constituintedos conflitos fundiários rurais: o envolvi-mento de sujeitos coletivos de direitos”126,que possuem os seus modos de vida atre-lados à terra, às águas, às florestas e aoterritório, de onde emanam e são amea-çadas diferentes categorias de direitosfundamentais econômicos, sociais, étni-cos e culturais resguardados e garantidospela Constituição de 1988. são sujeitosque assumem diversas manifestaçõessociais, étnicas e culturais na realidadeagrária brasileira, dentre elas as de cam-poneses, indígenas, quilombolas, como sepercebem nos quatro estudos de casos,além de comunidades tradicionais diver-sas, como as babaçueiras, ribeirinhos,pescadores, açaizeiras, comunidades defundo de pasto, faxinalenses, dentre ou-tras manifestações regionais.

atrelados a estes sujeitos coletivosde direitos, pode-se observar dois elemen-tos correlatos e também constitutivos dosconflitos fundiários: de uma lado, os direi-tos fundamentais que emanam da suacondição histórica de vida junto à terra eao território, e, de outro, as políticas públi-cas diretamente referidas e implicadas aestes direitos fundamentais, ao menos naforma constituída pelo Estado Democrá-tico de Direito instaurado nos termos da

ANÁLISE E CONSIDERAÇÕES SOBRE OSESTUDOS DE CASOS E A SOLUÇÃO DECONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS

125 Cf. SAUER, op. cit, 2010; ALMEIDA, Alfredo Wagner. Terras tradicionalmente ocupadas: terras de quilombo, terrasindígenas, babaçuais livres, castanhais do povo, faxinais e fundos de pasto. 2. ed. Manaus: Universidade doAmazonas, 2008.

126 Cf. SOUSA JUNIOR, José Geraldo. Movimentos Sociais – Emergência de Novos Sujeitos: O Sujeito Coletivo deDireito. In: SOUTO, Cláudio; FALCÃO, Joaquim. (Org.). Sociologia e direito. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1999.

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Constituição de 1988. Eis, portanto, osegundo e terceiro elementos constitutivosdos conflitos fundiários rurais, agora já dire-tamente emanados do Estado Democrá-tico de Direito pelo qual eles são garantidos:direitos fundamentais vinculados aos mo-dos de vida junto à terra e ao território, e aspolíticas públicas que lhes são correlatas noEstado Democrático de Direito.

De modo complementar e intrinse-camente vinculado a estes três primeiroselementos constitutivos dos conflitos fun-diários, encontramos as instituições eórgãos públicos diretamente implicados,quer na promoção e defesa dos direitosdaqueles sujeitos coletivos – compreendi-dos em sua situação de vulnerabilidadeeconômica e social –, quer na realizaçãodas políticas públicas fundiárias e correla-tas que constituem parte da estruturaorganizacional, econômica, social, étnica ecultural da República Federativa do Brasil.Neste sentido, apresentam-se no cenáriocomo quarto elemento constitutivo dosconflitos fundiários os órgãos públicosfundiários e correlatos (de políticas sociais,econômicas, étnicas e culturais).

Em oposição aos quatro primeiroselementos constitutivos dos conflitos fun-diários, pode ser identificado, finalmente,um quinto elemento constitutivo que pos-sui, por seu turno, uma distinção e formamista na sua constituição interna: ora seapresenta como agentes privados, oracomo órgãos públicos, ora confundem-sena figura de consórcios ou concessioná-rias voltados à realização de grandesempreendimentos.

se os sujeitos coletivos de direitos

assumem formas distintas de manifesta-ção fundadas sobre matrizes sociais,étnicas e culturais, verifica-se que osagentes privados também assumemdiferentes categorias de apresentação,geralmente representativas de setores einteresses econômicos. Neste sentido, pu-deram ser observados nos quatros casosestudados, por exemplo, o envolvimentodas categorias: proprietário de engenho decana-de-açúcar e jagunços empregados127;proprietários de terras128 e milícia armada129;e empresas madeireiras130.

Nestes termos, é possível apresentarum quadro exemplificativo com os cincoelementos constitutivos mínimos caracte-rísticos dos conflitos fundiários rurais,com vistas à análise e projeção de medi-das para a mediação e soluções alternati-vas de conflitos. Quadro 11 (página 78).

De fato, compreende-se que a iden-tificação dos elementos constitutivos, nocaso concreto, é condição de possibilidadepara uma adequada estratégia de media-ção para a solução pacífica do conflito.

a título de validação do Quadro 11,apresenta-se, no Quadro 12 (página 78), arelação entre os elementos constitutivosdos conflitos fundiários rurais e os casosestudados acima:

Desse modo, evidencia-se a implica-ção da identificação dos elementos cons-titutivos dos conflitos fundiários ruraissobre uma projeção voltada para a media-ção e solução alternativa dos conflitos.Neste sentido, compreende-se que aidentificação destes cinco elementosconstitutivos dos conflitos fundiários

127 Caso nº 1 – Contra-Açude/Buscaú – Pernambuco.128 Caso nº 2 – Fazenda Santa Filomena – Acampamento “Elias de Meura” – Paraná e Caso nº 3 – Comunidade

Quilombola Manoel Siriaco – Paraná.129 Caso nº 2 – Fazenda Santa Filomena – Acampamento “Elias de Meura” – Paraná.130 Caso nº 4 – Terra Indígena Maró.

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Quadro 12 - Elementos Constitutivos e os Casos Estudados

Elementos Constitutivos Caso nº 1 Caso nº 2 Caso nº 3 Caso nº 41 sujeitos Coletivos Camponeses Camponeses Comunidade Povo

de Direitos Posseiros sem Terra Quilombola indígena2 Direitos acesso à Terra, ao acesso à Terra, ao Reconhecimento da Reconhecimento da

Fundamentais Trabalho, à Trabalho, à Propriedade organização social, Correlatos alimentação, à alimentação, à Definitiva sobre o Costumes, Língua,

Moradia, à Educação, Moradia, à Educação, Território e a Crença, Tradição e à saúde e ao Lazer à saúde e ao Lazer Proteção das suas os Direitos

Manifestações originários sobre asCulturais Terras que ocupam

3 Políticas Públicas Reforma agrária Reforma agrária Titulação do Demarcação da Correlatas Território Terra indígena

4 instituições Públicas instituto de instituto de instituto de Fundação Nacional implicadas Colonização e Colonização e Colonização e do Índio (Funai)

Reforma agrária – Reforma agrária – Reforma agrária (incra) (incra) (incra); Fundação

Cultural Palmares; seppir

5 agentes Privados Proprietário de Proprietário Rural Proprietários Rurais Empresas Engenho e e Milícia armada Madeireiras

Funcionários

Quadro 11 - Cinco Elementos Mínimos Constitutivos do Conflito Fundiário Rural

1 Sujeitos Coletivos Emanam das Manifestações sociais,de Direitos étnicas e Culturais

2 Direitos Fundamentais Emanam do Reconhecimento dosCorrelatos Modos de vida atrelado à Terra,

às Águas, às Florestas ou ao Território no Estado Democrático de Direito

3 Políticas Públicas Emanam da organização social, Correlatas Econômica e Cultural do Estado

Brasileiro

4 Instituições Públicas Emanam da organização Política doImplicadas Estado Brasileiro

5 5.1 Agentes Privados Motivados por interesses econômicos privados

5.2 Órgãos Públicos Motivados pelo interesse Público

5.3 Consórcios/ Motivados pela Forma Mista deConcessionárias interesses Econômicos Privados

e interesse Público

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apresenta-se como condição de possibi-lidade para uma adequada e eficazmediação e solução pacífica do conflito,na medida em que permite a compreen-são acerca da sua complexidade constitu-tiva, e, desse modo, fornece as condiçõespara a produção de uma resposta capazde solucioná-lo a partir das suas diversasdimensões.

Cumpre ressaltar, por fim, a com-preensão de que esta proposição doscinco elementos constitutivos dos confli-tos fundiários representa um esforço ana-lítico que, no entanto, está longe deesgotar as diversas manifestações con-cretas dos conflitos fundiários em suavariação no tempo e no espaço, de modoque, a estes cinco elementos, certamentedevem ser somados outros tantos com-ponentes necessários à compreensãopara a adequada solução dos conflitosfundiários rurais no caso concreto.

b. O cenário e a implicaçãopanorâmica da judicialização do conflitoUm fator de especial relevância no

que diz respeito à análise para a contribui-ção a uma cultura institucional de media-ção e soluções alternativas dos conflitosfundiários rurais é o fato da sua inserção nocenário e fenômeno da expansão do pro-tagonismo judicial, o que gera uma tendên-cia à judicialização dos conflitos sociais.

Nestes termos, é necessário com-preender três elementos: de um lado, quea judicialização dos conflitos fundiáriosnão é fenômeno isolado, específico ouintencional, mas está inserido em umatendência maior que afeta todo o mundoocidental de maneira variada, na medidadas diferentes estruturas políticas e eco-nômicas dos estados.

Para Boaventura de sousa santos, atendência de expansão do protagonismojudicial é observada junto ao desenvolvi-mento e crise do Estado de Bem-Estar(2009, p. 95). Neste sentido, será anali-sada aqui a judicialização dos conflitosfundiários no Brasil.

isto importa, passando ao segundoelemento, na medida em que este pro-cesso de expansão judicial carrega con-sigo a ampliação e desenvolvimento dasfunções sociopolíticas do sistema de jus-tiça. Em países como Brasil, onde as insti-tuições não passaram por processoshistóricos de transformações políticas emrelação à cultura jurídica (saNTos, 2009,p. 104), nem reformas institucionais inse-ridas no debate sobre a justiça de transi-ção (saNTos, 2009, p. 107; siLva FiLho,2011, p. 282 e 289), este fenômeno confi-gura um quadro em que se amplia a inter-ferência das instituições de justiça emtemas econômicos, políticos e sociais,sem que estas instituições tenham sidocapacitadas e seus agentes (trans)forma-dos em sua cultura jurídica, a fim deabsorver demandas que não mais dizemrespeito à solução de problemas patrimo-niais e contratuais entre indivíduos, masagora dizem respeito a litígios sobrecasos estruturais (gaRaviTo; FRaNCo,2010), envolvendo, de um lado, as garan-tias e direitos fundamentais de sujeitoscoletivos de direitos, aliados à realizaçãode políticas públicas inseridas no bojo doestado democrático de direito, implicadana atuação de instituições públicas, e emoposição, de outro lado, a interesses pri-vados de forte cunho e influência políticae econômica. Eis o cenário em que seinsere a judicialização dos conflitos fun-diários.

o terceiro elemento, enfim, res-ponde a uma questão mais pragmática:

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no cenário da judicialização dos conflitosfundiários, torna-se praticamente inevitá-vel que o conflito fundiário não seja cana-lizado para a via judicial. Neste ponto,inserem-se as categorias analíticas dasociologia da justiça para uma compreen-são dos elementos constitutivos da judi-cialização dos conflitos fundiários, a fimde se projetar medidas voltadas à media-ção e solução alternativas destes confli-tos. Como dito anteriormente, semignorar a importância da construção her-menêutica da solução do conflito judicia-lizado, portanto, a presente pesquisaorientou-se e aposta no aprofundamentoda análise e ferramentas da sociologiajurídica como elementos potenciais parauma mudança na cultura institucional ejurídica de soluções de conflitos fundiá-rios no Brasil.

Desse modo, ao invés de desenvol-ver uma discussão acerca da eficácia dosdireitos envolvidos nos conflitos fundiá-rios rurais, optou-se por mirar a análisepara a orientação metodológica deCappelletti & garth (1988), identificandoquem são, investigando quais os papéisdesempenhados e quais as disparidadesde condições socioeconômicas observa-das entre as partes litigantes. alia-se,neste ponto, a proposta analítica desantos (2007), no que diz respeito aoolhar sobre a hipótese de serem reprodu-zidos certos padrões judiciais entre cate-gorias de litigantes que frequentementese enfrentam na justiça, e as classes pro-cessuais usualmente manejadas por eles.

Na esteira deste referencial concei-tual e orientação metodológica, foi possí-vel identificar, por exemplo, em que poloprocessual usualmente se situam os dife-rentes litigantes. Neste sentido, verificartambém quem são os “responsáveis” pelajudicialização do conflito, o que pode indi-

car, como alerta santos (2007), quedeterminada categoria de atores talvezpossuam maior confiança no sistema dejustiça para a defesa dos seus interesses,o que certamente se produz na medidade uma via de mão dupla, onde a maiorconfiança no acionamento da justiça tam-bém significa uma melhor experiência nocontato com a justiça.

Este referencial analítico permitiu, aocabo dos estudos de casos, identificardiversos elementos que indicam os fatoresque caracterizam o cenário da judicializa-ção dos conflitos fundiários rurais no Brasil,de modo compreender o fenômeno emsua complexidade para, enfim, construir ascondições para uma adequada projeçãode uma cultura institucional voltada àmediação e soluções alternativas destesconflitos. é o que se passa a apresentar.

c. Análise de resultados: oselementos constitutivosdos conflitos fundiáriosem sede do cenário dasua judicializaçãoa compreensão e análise dos cinco

elementos constitutivos dos conflitos fun-diários rurais (quadro 12) produzem umefeito imediato sobre a análise do cenárioda judicialização destes conflitos. De fato,ao identificar-se que tais conflitos produ-zem litígios intrinsecamente ligados asujeitos coletivos, direitos fundamentais,políticas públicas e órgãos públicos cor-relatos, coloca-se em questão o dilemaacerca da capacidade institucional do sis-tema de justiça em lidar com umademanda desta natureza e complexidadeeconômica, social, étnica, cultural, política,jurídica e institucional.

Em um conflito fundiário rural, o sis-tema de justiça vê-se diante de um caso

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estrutural, portanto, deve compreenderque precisa, necessariamente, produzirrespostas estruturais. Para garavito &Franco (2010, p. 16 e 41), os casos estru-turais são caracterizados por: 1) afetar umnúmero amplo de pessoas que alegamviolações a seus direitos; 2) envolvervárias entidades estatais como demanda-

das sobre a realização ou falhas de políti-cas públicas; 3) implicar ordens judiciaisde execução complexa, as quais determi-nam a realização de ações coordenadaspara proteger a população afetada.

No Quadro 13, é possível identificaros elementos que compõem a natureza

Quadro 13 - Componentes da Natureza Estrutural dos Conflitos Fundiários Rurais

Sujeitos Direitos Proteção Política Pública Órgãos Públicos Coletivos Implicados Constitucional Correlata Implicados

Camponeses acesso à terra,

trabalho, moradia, art. 1º, iii e iv; Reforma agrária instituto de Colonização

alimentação, art. 3º, i iii; art. 5º, e Reforma agrária -

educação, saúde caput e xxiii; iNCRa/MDa; institutos de

e lazer art. 170, iii e vii; Terras Estaduais

arts. 184 e 186;

indígenas Reconhecimento art. 1º, iii e iv; Demarcação do Fundação Nacional do

da organização art. 3º, i, iii e iv; Território Índio - FUNai/MJ

social, costumes, art. 170, vi e vii;

línguas, crenças e art. 215, §1º;

tradições, e os art. 216, ii;

direitos originários art. 231;

sobre as terras que art. 232;

tradicionalmente

ocupam

Quilombolas Reconhecimento da art. 1º,iii e iv; Titulação do instituto de Colonização e

propriedade art. 3º, i, iii e iv; Território Reforma agrária - iNCRa/MDa;

definitiva sobre o art. 170, vii; , Fundação Cultural

território e a art. 215 §1º; Palmares/MinC; secretaria

proteção das suas ` art. 216, ii e §5º; Especial de Promoção da

manifstações igualdade Racial - sEPiR

culturais

Povos e Reconhecimento, art. 1º, iii e iv; Regularização dos Comissão Nacional de

Comunidades fortalecimento e art. 3º, i, iii e iv; Direitos Territoriais, Desenvolvimento

Tradicionais garantia dos seus art. 170, iii, vi e vii; sociais, ambientais, sustentável

direitos territoriais, art. 186, ii e iv; Econômicos, dos Povos e

sociais, ambientais, art. 215, §1º; Culturais Comunidades

econômicos e art. 216, ii; Tradicionais

culturais por analogia

art. 231;

art. 68 do aDCT

(cf. Dec.

Nº 6.040/07)

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estrutural dos diferentes conflitos fundiá-rios rurais:

Desse modo, ao deparar-se comum caso estrutural, é necessária a reali-zação de um procedimento de identifi-cação dos elementos que compõem estanatureza estrutural dos conflitos fundiá-rios rurais, de modo a projetar estraté-gias e ações voltadas à satisfação ecoordenação de direitos e deveres fun-cionais que compõem o caso em ques-tão. Para garavito & Franco (2010, p. 41),a natureza estrutural de um caso deman-da uma postura e cultura institucionaldialógica por parte do poder judiciário,compreendendo-se a tendência à judi-cialização na qual estão inseridos osconflitos fundiários no Brasil.

i) Sobre os quadros de agentese instituições envolvidas nosconflitos

Da análise dos quadros sobre atorese instituições envolvidas nos casos estu-dados (Quadros 4, 6, 8 e 10), aliado aoQuadro 12, que indica os elementos cons-

titutivos dos conflitos fundiários em suaapresentação característica, e Quadro 13,que faz a sua aplicação aos 4 casos estu-dados, é possível verificar esta naturezade complexidade social e institucional quecaracteriza os conflitos fundiários ruraiscomo casos estruturais.131

De fato, nos termos do Quadro 14(abaixo), foi possível observar o envolvi-mento de, no mínimo, cinco, e, nomáximo, nove instituições do PoderExecutivo da União e dos Estados noscasos analisados, ao passo em que não seobservou, por seu turno, a inserção de ins-tituições municipais no âmbito dos confli-tos estudados, o que se apresenta, desdelogo, como um achado de pesquisa queindica a omissão dos Poderes ExecutivosMunicipais no sentido da assistência oumediação para a solução dos conflitos.

ainda no que tange ao envolvimentoe complexidade institucional nos conflitosfundiários rurais, outro fator que chamou aatenção nos casos estudados foi a interven-ção do Poder Legislativo. verifica-se que

131 Compreende-se que, ainda que alguns casos concretos não mais envolvam uma escala de milhares de pessoas, amanifestação estrutural dos conflitos fundiários por todo o Brasil, sem uma ligação direta entre eles, mas certa-mente eclodindo de situações motivadas pelas mesmas raízes históricas, econômicas, sociais, étnicas e culturais,aliada aos outros fatores constitutivos dos conflitos fundiários rurais, confere-lhe o caráter os casos estruturais.

Quadro 14 - Síntese dos Agentes e Instituições Envolvidas nos Casos Estudados

sociedade Civil Estado

Casosujeitos Entidades

agentes sistema de Justiça

Poder Poder Coletivos sociedade

PrivadosPoder

Ministério DefensoriaExecutivo Legislativo

de Direitos CivilJudiciário

Público PúblicaNº 1 - agrário/PE

1 2 1 2 3 _ 5 _

Nº 2 - agrário/PR

1 4 4 3 2 _ 9 _

Nº 3 - Quilombo- 3 1 1 2 1 _ 7 2la/PRNº 4 - indígena 1 18 8 3 3 _ 7 1/Pa

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somente os casos referentes aos conflitosde natureza quilombola e indígena (Casosnº 3 e nº 4, respectivamente) acusaramalgum envolvimento de agentes do PoderLegislativo Estadual e Federal (Casos nº 3 enº 4, respectivamente), com um elementopreocupante, porém revelador: em ambosos casos, os agentes do Poder Legislativointerviram para manifestar a sua oposiçãoàs reivindicações dos sujeitos coletivosenvolvidos. some-se a isso, ainda, uma ter-ceira intervenção, esta de caráter nacional:a propositura no supremo Tribunal Federalde uma ação Direta de inconstitucionali-dade contra o instrumento normativo queregulamenta o acesso aos direitos quilom-bolas (Cf. Caso nº 3). Por fim, uma últimoachado: todas as três incidências dizem res-peito a um mesmo partido político, oPartido dos Democratas.

No que diz respeito ao sistema dejustiça, por seu turno, observa-se a inter-venção do Poder Judiciário e do MinistérioPúblico em todos os casos estudados,quer em sua dimensão federal ou estadual,observando-se até mesmo a incidência dosupremo Tribunal Federal no casoQuilombola (nº 3), em sede de controle deconstitucionalidade. Já a DefensoriaPública, por seu turno, não foi observadaem nenhum dos casos estudados.

Por fim, vale ressaltar que, para alémdas instituições de âmbito nacional envol-vidas e inseridas nos quadros, também severificou, nos casos estudados, o aciona-mento de órgãos internacionais, como aRelatoria Especial da oNU sobre a situação

dos Defensores de Direitos humanos(Casos nº 1 e 4), bem como a Comissãointeramericana de Direitos humanos daorganização dos Estados americanos/oEa(Caso nº 2), o que confere, ainda, maiorcomplexidade institucional aos conflitosfundiários rurais em nosso país.132

ii) Sobre os quadros dejudicialização dos conflitos

os Quadros 5, 7, 9 e 11 indicam ocenário panorâmico da judicialização dosconflitos fundiários estudados. De ummodo geral, estes quadros revelaraminformações e elementos importantespara a análise no termos das categoriasanalíticas da sociologia do acesso à jus-tiça, como demonstrado a seguir.

Desde uma primeira perspectivaquantitativa, foi observada uma incidênciamínima de cinco e máxima de quinze pro-cessos judiciais por caso, dentre os quatroestudados. No que se refere às partes liti-gantes, verifica-se que os agentes privadossão a categoria que mais possui disposiçãopara acionar o judiciário, correspondendoà autoria de 20 de um total de 35 açõesjudiciais manejadas nos quatro casos estu-dados. Destas 20 ações, seis possuem oobjetivo de suspender, paralisar ou anularos procedimentos da política pública fun-diária, ajuizados contra o incra133 e Funai,enquanto as outras quatorze foram ajuiza-das contra os sujeitos coletivos de direitos,mais especificamente as suas lideranças,defensores de direitos humanos134. Res-

132 Para um debate sobre a questão da justiciabilidade internacional enquanto estratégia de direitos humanos inseridano instrumental das entidades de assessoria jurídica e advocacia popular, cf. a pesquisa realizada pela Terra deDireitos sobre o tema (GEDIEL, GORSDORF, ESCRIVÃO FILHO et al, 2012).

133 Ressalte-se que o Incra ajuizou apenas uma ação judicial de desapropriação para fins de reforma agrária, mas res-pondeu juridicamente em outras seis ações que visavam sustar o andamento de processos administrativos e judi-ciais, e uma ação em que o Ministério Público o demanda a realizar a titulação do território quilombola.

134 Vale mencionar que o Programa de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, da Secretaria deDireitos Humanos da Presidência da República, atuou nos casos quilombola e indígena, ao passo que o ProgramaEstadual de Proteção atuou no caso dos posseiros de Pernambuco.

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salte-se que, no Caso nº 3, referente aoconflito envolvendo a comunidade quilom-bola, não foi verificada nenhuma ação judi-cial interposta pelos agentes privados.

Por outro lado, verifica-se que, nas35 ações judiciais manejadas nos quatrocasos analisados, ao passo em que ossujeitos coletivos de direitos são proces-sados em quatorze ações ajuizadas pelosagentes privados, e três ações criminaismanejadas pelo Ministério Público ePolícia Civil (pedidos de prisão temporá-ria), em apenas quatro ações judiciais,eles, sujeitos coletivos de direitos, apre-sentam-se como autores, mediatizadospela advocacia popular135. Ressalte-se quetodas estas quatro ações judiciais sãoreferentes aos conflitos agrários envol-vendo camponeses posseiros e sem ter-ras, nos termos dos Casos nº 1 e nº 2,respectivamente. Em ambos os casosestudados, as ações foram ajuizadas dire-tamente em representação das famíliascamponesas, e diziam respeito, todas elas,a processos judiciais de natureza fundiá-ria, ou seja, ações que discutem os direitosreferentes à propriedade do imóvel ruralem litígio. Em todos os casos, ressalte-se,os pedidos dos camponeses sequer foramadmitidos pela justiça, ou seja, sequerchegaram a ser julgados, pois foramnegados sem a análise do que se buscavadiscutir, no caso, os direitos fundamentaisde acesso à terra e correlatos.

Neste ponto emana uma importante

informação sobre o cenário da judicializa-ção dos conflitos fundiários e o acesso àjustiça para os sujeitos coletivos de direi-tos ligados à terra e ao território no Brasil.ao passo em que eles pouco acionam ajustiça, são, por outro lado, acionados emmetade das ações judiciais presentes àpesquisa. isto demonstra, de certa forma,que, no cenário da judicialização dos con-flitos fundiários, os sujeitos coletivos dedireitos não vêm constituindo-se enquan-to sujeitos da judicialização, quer dizer,não buscam ou acionam a justiça para adefesa de seus direitos, mas são chama-dos à justiça de maneira involuntária,portanto. isto fornece indícios de que ocenário de judicialização dos conflitosfundiários não aponta para um ambientede acesso ou busca voluntária da justiçapelos sujeitos coletivos de direitos.

Esta informação sobre a disposiçãodos litigantes para o acionamento da jus-tiça indica, conforme o alerta de Boaven-tura de sousa santos, que os agentesprivados possuem maior confiança e expe-riências exitosas na utilização da justiçapara a defesa e realização de seus interes-ses, em oposição aos interesses, direitosfundamentais e a realização das políticaspúblicas referidas aos sujeitos coletivos dedireitos, em sede dos conflitos fundiáriosrurais. Esta é uma informação empírica deextrema relevância no cenário da políticapública de acesso e debate sobre a demo-cratização da justiça no Brasil.

135 Sobre o papel da assessoria jurídica e advocacia popular no trabalho de tradução, e mediação jurídica das demandaspolíticas dos movimentos sociais de lutas por direitos, vide: GEDIEL, J.; GORSDORF, L.; ESCRIVÃO FILHO, Antonio et al.et al. Mapa territorial, temático e instrumental da assessoria jurídica e advocacia popular no Brasil. Observatório daJustiça Brasileira. Belo Horizonte: FAFICH-CES/AL, 2012; SÁ E SILVA, Fábio. ‘É possível, mas agora não’: a democratizaçãoda justiça no cotidiano dos advogados populares. In: SÁ E SILVA, Fábio; LOPEZ, F. G.; PIRES, R. R. C. Estado, Instituiçõese Democracia: Democracia. Série Eixos Estratégicos do Desenvolvimento Brasileiro; Fortalecimento do Estado, dasInstituições e da Democracia; Livro 9, Volume 2. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2010.Disponível em: <http://www.redeopbrasil.com.br/html/biblioteca/docs_2011/Livro_estadoinstituicoes_vol2.pdf>. Acessoem: 25 jan. 2012; SANTOS, Boaventura de Sousa; CARLET, Flávia. The Landless Rural Workers’ Movement and its Legaland Political Strategies for Gaining Access to Law and Justice in Brazil. Preliminary Draft, Prepared for World JusticeForum. Vienna, 2008. 41p. Disponível em: <http://www.lexisnexis.com/documents/pdf/20080924043058_large.pdf>.Acesso em: 23 nov. 2011.

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Já o Ministério Público se apresentacom sete ações de natureza cível e crimi-nal, estadual e federal, ajuizadas. oMinistério Público Federal também lançoumão de ação Civil Pública para movimen-tar o incra no sentido da titulação do ter-ritório quilombola. aqui, novamente, seapresenta um achado de pesquisa refe-rente aos conflitos envolvendo sujeitos edireitos de natureza étnica e cultural: tam-bém no caso da Terra indígena Maró, oMinistério Público Federal ajuizou açãoCivil Pública com vistas a compelir a Funaia prosseguir com o processo administra-tivo de demarcação da terra indígena.

o que se verifica, nestes dois casos,é o órgão ministerial federal buscando, aí,algo similar ao que garavito & Franco(2010, p. 49) chamariam de efeito de des-bloqueio institucional, caracterizado pelajudicialização de uma medida de políticapública com a finalidade de movimentaro órgão público competente que seencontra bloqueado em sua função por

inércia, burocracia ou captura por gruposde interesses, em detrimento de gruposcom menos força, no caso, as comunida-des quilombola e indígena dos estudosrealizados.

o Quadro 15 apresenta, enfim, ocenário da judicialização dos conflitosestudados:

vêm à evidência, desse modo, duasquestões de relevância para o estudo,compreensão, e mediação para a soluçãopacífica dos conflitos fundiários rurais: deum lado, o cenário de uma judicializaçãodo conflito imposta aos sujeitos coletivosde direitos e presente em todos os casosestudados136; de outro, a presença com-plexa, variada e coordenada de classesprocessuais usualmente manejadas pelasmesmas categorias de litigantes, emcasos distintos, conforme o Quadro 16(página 86), meramente ilustrativo, pro-duzido a partir de informações que ultra-passam os limites da presente pesquisa137:

Quadro 15 - Síntese da Judicialização dos Casos Estudados

CategoriasCaso nº 1 Caso nº 2 Caso nº 3 Caso nº 4 Total

de LitigantesPolo Polo Polo Polo Polo Polo Polo Polo Polo Polo ativo Passivo ativo Passivo ativo Passivo ativo Passivo atovo Passivo

sujeitos Coletivos de 2 10 2 1 – – – 7 4 18DireitosMinistério Público

1 – – – 4 – 2 – 7 –

órgãos Públicos de

– 2 1 3 – 1 – 1 1 7Regularização Fundiáriaagentes Privados

10 1 4 2 – 3 6 – 20 7

Polícia Civil 1 – – – – – 1 – 2 –Total 15 7 4 9 35

136 No mesmo sentido, Boaventura alerta para o fato de que o contato das classes populares com a justiça constitui-se na história, usualmente, pela via repressiva, raras vezes observando-as como mobilizadores ativos da justiça:SANTOS, 2011, p. 28.

137 Base de dados processuais da Terra de Direitos.

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Quadro 16 - Panorama da Judicialização do Conflito Fundiário Rural

Classe Processual Litigantes instituição Natureza do Polo ativo Polo Passivo de Justiça Conflito

ação Civil Pública Ministério Público órgão Público de Justiça Federal Tradicional, étnica, Federal Regularização Cultural

Fundiáriaação Judicial de órgão Público de agentes Privados Justiça Federal Reforma agráriaRegularização Fundiária Regularização

Fundiáriaação anulatória de agentes Privados órgão Público de Justiça Federal Reforma agráriaato administrativo Regularização

Fundiáriaação Cautelar/ Declaratória agentes Privados órgão Público de Justiça Federal Reforma agráriade Produtividade Regularização

Fundiáriaação Possessória agentes Privados sujeitos Coletivos Justiça Estadual ambos

de Direitos CívelRepresentação Criminal agentes Privados sujeitos Coletivos Justiça Estadual ambos

de Direitos Criminalação Penal Ministério Público sujeitos Coletivos Justiça Estadual ambos

Estadual de Direitos CriminalRepresentação Criminal sujeitos Coletivos agentes Privados Justiça Estadual ambos

de Direitos CriminalPedido de assistência sujeitos Coletivos agentes Privados Justiça federal Reforma agráriaem ação de Discussão de DireitosFundiária

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Nos termos do Quadro 16, verificam-se as seguintes informações sobre o pa-norama de judicialização dos conflitosfundiários rurais:

i) Litigantes: observam-se cincocategorias de litigantes usuais quese enfrentam de modo coordenado,na medida de determinadas classesprocessuais;

ii) Classes Processuais: observam-seoito classes processuais sempremanejadas por categorias específi-cas de litigantes, o que significa que,à categoria de litigante, correspondeuma ou mais classes processuaisusualmente manejadas somente porela, com exceção à representaçãocriminal, que é manejada por Agen-tes Privados e Sujeitos Coletivos de

Direitos, a partir de motivaçõesespecíficas;

iii) Enfrentamento frequente: obser-va-se que, entre as cinco categoriasde litigantes e as oito classes pro-cessuais manejadas, é produzidauma relação padrão de quatro en-frentamentos frequentes e seis tiposde enfrentamento, variando-se ospolos entre os mesmos litigantes;

iv) Dentre as categorias de litigan-tes, os Agentes Privados apresen-tam-se como os mais frequentes,caracterizando-se, assim, como oslitigantes habituais138 dos conflitosfundiários rurais.

Este achado, que indica os AgentesPrivados como os litigantes habituados econfiantes na judicialização do conflito

138 Cf. CAPPELLETTI, op. cit, 1988; SANTOS, 2011, p. 45.

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fundiário, coloca para um debate maisaprofundado a demanda por uma análisesobre as questões da i) disparidade dearmas; ii) da tensão entre o formalismojurídico e a diversidade étnica, econômica,social e cultural dos sujeitos coletivos; iii)da cultura jurídica e capacidade institucio-nal do sistema de justiça em produzir res-postas eficazes às novas categorias desujeitos de coletivos e seus respectivosdireitos em um cenário de expansão doprotagonismo judicial.

No que diz respeito à cultura jurídicado sistema de justiça brasileiro, a títuloapenas de contribuição, porém sem con-dições de aprofundar o debate nesteespaço, valem duas considerações a fimde projetar elementos para uma culturainstitucional de mediação e soluçõesalternativas destes conflitos.

segundo santos, a cultura jurídicaestá inserida, de maneira indissociável, noâmbito maior da cultura política de umasociedade, devendo ser compreendidacomo “o conjunto de orientações sobrevalores e interesses que configuram umpadrão de atitudes frente ao direito e aosdireitos, e frente às instituições do Estadoque produzem, aplicam, garantem ou vio-lam o direito e os direitos” (2009, p. 116).Dessa forma, a questão da cultura jurídicados agentes do sistema de justiça, e a suareprodução no tempo na forma de umacultura institucional, dizem muito a res-peito do cenário de judicialização dosconflitos fundiários rurais no Brasil.

Neste sentido, o poder judiciário

brasileiro apresenta-se como um exemplovigoroso de um processo de transiçãocontrolada (aBRão; ToRELLy, 2011, p.232), ausente de rupturas e marcadopelos paradigmas políticos e institucionaisdo esquecimento e da negação de justiçaque caracterizou a Justiça de Transiçãobrasileira até um período recente. De fato,a literatura crítica indica, em diversas pas-sagens, que a postura de envolvimentoinstitucional e cultural do poder judiciáriobrasileiro com o regime militar (siLvaFiLho, 2011, p. 282 e 289) de um lado,aliado à ausência de rupturas, depuraçãoe reforma institucional adequada permitiuque, ali, se mantivesse viva uma mentali-dade elitista e autoritária, legitimadora daimpunidade dos detentores de poderpolítico e econômico (aBRão & ToRE-LLy, 2009; BoavENTURa, 2009).

De maneira indissociada, este cená-rio de transição política controlada e con-tinuada, e de curto-circuito histórico(saNTos, 2009, p. 104) sem rupturas ereformas institucionais voltadas à supera-ção de uma cultura jurídica de cunho téc-nico-formalista e autoritária no sistema dejustiça, também se comunicou para baixacapacidade institucional, em sentido téc-nico e operacional, da justiça brasileirapara lidar de forma adequada com asnovas demandas de direitos fundamentaise casos estruturais, gerando um efeitobloqueio institucional diferente do discu-tido por garavito & Franco, na medida emque, no Brasil, é o próprio Poder Judiciárioque responde, em grande medida, peladimensão de bloqueio institucional noscasos e litígios estruturais.139

139 Cf. neste sentido, levantamento realizado pela Procuradoria Federal do Incra, apontando a existência de cerca de200 ações judiciais de desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, paralisadas na justiça federalno ano de 2009. Segundo levantamento realizado pela PFE em parceria com a Terra de Direitos em 2011, a estenúmero ainda somavam-se cerca de 250 ações judiciais de retomada de terras públicas também paralisadas na jus-tiça. Fonte: INCRA. Relatório do Incra aponta mais de 200 processos de desapropriação parados no Judiciário. 27abr. 2009 16:55. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/noticias-sala-de-imprensa/noticias/8825-rela-torio-do-incra-aponta-mais-de-200-processos-de-desapropriacao-parados-no-judiciario>. Acesso em: 25 jan. 2013.

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a questão da capacidade institucio-nal e judicial para lidar com estas deman-das é forjada, portanto, sobre processoshistóricos referentes à formação da cul-tura jurídica dominante, e diz respeito aodebate acerca do resultado possível, emoposição ao resultado adequado emdemandas de alta intensidade política ejurídica como os conflitos fundiários rurais(saNTos, 2009, p. 84). Neste sentido,apresenta-se para o debate o problema,de um lado, de uma cultura jurídica essen-cialmente legalista e formalista, aliada ecoordenada, de outro lado, com umaestrutura e cultura institucional auto-engessada na via judicial em uma com-preensão estritamente adversativa, não

acostumada ou sequer ciente da possibi-lidade de utilização de novos e diversosinstrumentais mais aptos para a com-preensão e o diálogo com os elementosconstitutivos do conflito fundiário rural, demodo a produzir resultados adequadospara o problema trazido à apreciaçãojurisdicional.

Eis que surge no horizonte da pes-quisa a análise das experiências público-institucionais de mediação, com vistas aanalisar modernas formas e culturas insti-tucionais projetadas para a superação dasituação de incapacidade e bloqueio ins-titucional e judicial em relação aos confli-tos fundiários rurais.

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Como referido anteriormente, asanálises das experiências modelo foramdivididas em dois blocos diretamente vin-culados à estrutura de questões organiza-das no roteiro semi-estruturado deentrevista, roteiro utilizado como uma dasfontes primárias que fundamentam asanálises, complementadas, ainda, pela uti-lização de documentos oficiais dosórgãos analisados, como atas de audiên-cia e ofícios, por exemplo, complementa-dos, por fim, pela análise do instrumentonormativo que dá origem e fundamentoao respectivo órgão estudado.

Nestes termos, o primeiro bloco daanálise detém-se em uma abordagem daestrutura normativa e institucional queconstitui o órgão analisado, focando-se naatuação do órgão e suas atribuições ecompetências específicas, além dos instru-mentos utilizados para o cumprimento detal escopo institucional. Já o segundo blococoncentra-se na cultura institucional demediação de conflitos presente naqueleórgão, buscando informações e compreen-sões de caráter também subjetivo, com vis-tas a identificar e explorar elementos depotência nas experiências estudadas.

SEÇÃO II ANÁLISE DE EXPERIÊNCIAS PÚBLICO-INSTITUCIONAIS DE MEDIAÇÃO DECONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS

INTRODUÇÃO

Experiências Público-institucionaisAnalisadas

1. Ouvidoria Agrária Nacional –Ministério doDesenvolvimento Agrário

Bloco A Sobre a Estrutura e Atribuições para aMediação de Conflitos Fundiários Rurais

a ouvidoria agrária Nacional foiregulamentada pelo Decreto nº 7.255, de4 de agosto de 2010. Como órgão inte-grante da secretaria-Executiva do Minis-tério do Desenvolvimento agrário, aouvidoria tem competência normativavoltada para a prevenção, mediação e

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resolução de tensões e conflitos sociaisno campo, através das estratégias: i)promover gestões junto a representantesdo sistema de Justiça, Poder Executivoe Legislativo; ii) estabelecer interlocuçãocom governos estaduais e municipais,além de movimentos sociais rurais, pro-dutores rurais e sociedade Civil; iii) diag-nosticar tensões e conflitos sociais nocampo, a fim de propor soluções pacífi-cas; iv) consolidar informações sobreconflitos, a fim de subsidiar a tomada dedecisão pelas autoridades; v) garantir osdireitos humanos e sociais das pessoasenvolvidas em tensões e conflitos sociaisno campo.140

Estando voltada para a prevenção,mediação e resolução de tensões e con-flitos sociais no campo, observa-se que aouvidoria atua junto às temáticas agráriasem sentido amplo, abrangendo a questãocamponesa e das comunidades tradicio-nais a partir do critério de tratar-se deconflitos coletivos pela posse da terra141.

Em relação à temática indígena, porseu turno, observa-se a existência deórgão de ouvidoria próprio no âmbito daFundação Nacional do Índio (Funai), demodo que a ouvidoria agrária atuesomente em casos em que, aliado à ques-tão indígena, também haja o envolvi-mento de camponeses e comunidadestradicionais.

Neste sentido, uma informação sefaz relevante no âmbito de atuação daouvidoria agrária: o fato de agir não ape-nas mediante provocação formal dos

sujeitos coletivos, atores sociais, privadose instituições públicas, mas possuir capa-cidade de agir ofício, a partir da tomadade conhecimento da existência da tensãoou conflito.142 De fato, tratando-se de umproblema de tamanho dinamismo epotencial lesivo como as tensões e confli-tos sociais, tal capacidade institucionalaparece como importante elemento parauma ação de prevenção, mediação e reso-lução do conflito.

No que se refere ao desenho institu-cional, verifica-se que o órgão é coman-dado pelo ouvidor agrário Nacional143,possuindo, ainda, quatro assessores e seisassistentes para a realização do seu tra-balho em âmbito nacional.144 No sentidodo complemento deste desenho institu-cional, foi instituída, no ano de 2006, daComissão Nacional de Combate àviolência no Campo (CNvC)145, compostapor representantes dos Ministérios daJustiça (inclusive das Polícias Federal eRodoviária Federal), do Desenvolvimentoagrário, do Meio ambiente, da secretariade Direitos humanos e do instituto deColonização e Reforma agrária (incra).

além disso, a capilaridade daouvidoria agrária Nacional é alcançadade forma indireta pela parceria com umaespécie de rede de ouvidorias e outrasinstituições agrárias especializadas, con-forme mapa anexo146, contando com 27ouvidorias agrárias regionais, criadas noâmbito das superintendências regionaisdo incra em todos os estados da federa-ção. Esta rede é constituída por oito tipos

140 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto nº 7.255, de 4 de Agosto de 2010, Anexo I, art. 7º.141 Fonte: Entrevista realizada dia 10/06/2013.142 Idem.143 O cargo é desempenhado pelo Desembargador Gercino José da Silva Filho.144 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto nº 7.255, de 4 de Agosto de 2010, Anexo II.145 BRASIL. Portaria Interministerial nº 1.053, de 14 de Julho de 2006.146 BRASIL. OUVIDORIA AGRÁRIA NACIONAL (OAN). Medidas em Execução para Combater a Violência no Campo.

Material impresso, dossiê fornecido pela Ouvidoria Agrária Nacional por ocasião da presente pesquisa.

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de instituições, distribuídas por diferentesPoderes da República e entes da federa-ção:

i) varas agrárias federais;

ii) varas agrárias estaduais;

iii) Promotorias agrárias estaduais;

iv) Delegacias de polícia civil agráriasestaduais;

v) ouvidorias agrárias estaduais;

vi) ouvidorias agrárias regionais;

vii) Defensorias públicas agrárias esta-duais;

viii) Polícias militares agrárias;

No que diz respeito aos instrumentosnormativos que dão fundamento e subsí-dio à atuação da ouvidoria, identifica-se ainspiração em Normas internacionais deDireitos humanos147, normas constitucio-nais como os princípios fundamentaisinsertos nos arts. 1º, 3º e 4º148, e o art. 5º,incisos xxii e xxiii (referentes ao direito depropriedade e à função social da proprie-dade, respectivamente)149. Também seencontra referência, em sua atuação, aoCódigo de Processo Civil, sobretudo em setratando de manifestação exarada pelaouvidoria em sede de processo judicial,bem como a referência a jurisprudência deTribunais superiores150.

Desde uma perspectiva operacional,a ouvidoria sustenta suas ações naPortaria interministerial nº 1.053/2006

(que institui e define os objetivos e com-petência da CNvC – vide supra).

Em relação ao instrumental utilizadopara a realização das suas atividades ealcance dos objetivos de prevenção,mediação e resolução de tensões e con-flitos sociais no campo, a ouvidoriaagrária Nacional dispõe de um amploleque de ferramentas. Neste sentido,observa-se a:

n Realização de reuniões de mediaçãoda CNvC com o convite à participa-ção das autoridades e representan-tes de instituições e atores sociaisque possuam interesse, competên-cia ou responsabilidade sobre o con-flito151;

n Participação em audiências judiciaise extra-judiciais de mediação;

n visitas in loco para a mediação dassituações de tensão e conflito;

n atendimento e processamento dedenúncias;

n Participação e realização de audiên-cias públicas;

n Participação da Reunião da Coor-denação Nacional do Programa deProteção aos Defensores e Defen-soras de Direitos humanos da Pre-sidência da República;

n Peticionamento judicial: apresen-tação de pedido de preferência dejulgamento em ações judiciais.

147 Cf. Considerandos da Portaria Interministerial nº 1.053/2006.148 Constituição da República: art. 1º; art. 3º; e art. 4º.149 BRASIL. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO (MDA). Manual de Diretrizes Nacionais para a Execução

de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva. Material impresso. Sem data.150 Fonte: Entrevista 10/06/2013.151 Fonte: BRASIL. OAN. Ata da 385ª Reunião da CNVC. Brasília. 08 de outubro de 2012. Reunião realizada com a

participação de representantes de diversas Secretarias de Governo e autarquias do Distrito Federal, representantesdo Incra, do Min. do Meio Ambiente, do Min. do Planejamento, Orçamento e Gestão, do Ministério Público Federal,da Polícia Militar Agrária/DF, assessores parlamentares, representantes do Movimento dos Trabalhadores RuraisSem Terra (MST), e o advogado do alegado proprietário do imóvel rural objeto da reunião.

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Pedido de suspensão de reintegra-ção de posse em caso de audiênciajudicial com a ouvidoria agráriaNacional agendada;

n Envio de ofícios aos órgãos jurisdi-cionais, ministeriais, policiais e degoverno envolvidos no processa-mento ou cumprimento de açõesjudiciais referentes a conflitos fun-diários coletivos152;

n Celebração de acordos deCooperação Técnica com órgãospúblicos, em especial do sistema deJustiça153;

n Celebração de Comodato comórgãos públicos, em especial dosistema de segurança PúblicaFederal e Estadual154;

n garantia de assistência social àsfamílias acampadas155;

n Estudos e sistematização de infor-mações sobre conflitos.

além disso, conforme as informa-ções disponíveis e apresentadas pelaouvidoria agrária Nacional, estão emandamento, no âmbito de sua atuação eparcerias, os seguintes mutirões voltadosà agilização dos respectivos procedimen-tos envolvendo temas que constituemseus objetos:

1. Criminal policial - inquéritos policiaisque investigam homicídios decor-rentes de conflitos fundiários;

2. Criminal judicial - processos judiciaisque julgam homicídios decorrentesde conflitos fundiários;

3. agrário – demarcação e construçãode estradas, moradias, escolas epostos de saúde nos projetos deassentamento do incra;

4. Regularização fundiária – demarca-ção (georreferenciamento) das ter-ras públicas federais e ações emcurso do Programa Terra Legal;

5. Retomada de lotes em projetos deassentamento do incra e áreas públi-cas.

Em sua atuação, a ouvidoria chamapara participar da mediação os órgãos dosistema de justiça envolvidos no conflito,como o juiz e promotor de justiça compe-tente, além da defensoria pública. Domesmo modo, chama à mediação osrepresentantes dos órgãos de polícia, dosgovernos federal e estaduais, órgãosambientais e fundiários, além dos movi-mentos sociais e organizações dasociedade Civil organizada, e os agentesprivados diretamente interessados, geral-mente os que estão na posse dos imóveisrurais objeto dos conflitos.156

152 Cf. Processo nº 2012.01.1.109728-2 – Tribunal de Justiça do Distrito Federal.153 Cf. v.g., Termo de Acordo de Cooperação Técnica nº 042/2009, celebrado junto ao Conselho Nacional de Justiça

– CNJ, objetivando implementar ações conjuntas para a resolução de conflitos fundiários, como o intercâmbio dasinformações, troca de subsídios técnicos, especialização e capacitação de servidores, implementação de unidadesjudiciais e ouvidorias especializadas.

154 Cf. v.g., “Modelo de Termo de Comodato”, material impresso, fornecido pela Ouvidoria Agrária Nacional por ocasiãoda presente pesquisa. Conforme informações apresentadas em entrevista, os termos de comodato geralmentesão celebrados para a transferência de equipamentos de infraestrutura, como veículos, por exemplo, para a garan-tia da realização das atividades dos órgãos agrários especializados, geralmente os que compõem a rede mencio-nada acima. Vide mapa anexo.

155 Cf. “Programa Paz no Campo” – Ouvidoria Agrária Nacional. In: Dossiê, op. cit. Garantia de assistência social con-siste na promoção e articulação de atendimento social junto às diferentes esferas governamentais e não-gover-namentais.

156 Informação fornecida em entrevista realizada na data de 10/06/2013, e sistematizada também a partir dos mate-riais empíricos coletados, como atas de audiência da CNVC.

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Bloco BSobre a Cultura Institucional deMediação de Conflitos Fundiários Rurais

a percepção que o ouvidor agrárioNacional imprime à instituição sobre anatureza, dimensão, os sujeitos e os direi-tos envolvidos nos conflitos fundiáriospode ser identificada na compreensão daoaN acerca das causas destes conflitos:grilagem de terras, despejo sem ordemjudicial, impunidade, extração ilegal demadeira, reconcentração de lotes em pro-jetos de assentamento, porte ilegal dearma de fogo, presença de pistoleiros,ocupação de terras públicas e particula-res.157

De fato, observa-se que a percepçãodo ouvidor e da instituição é permeadapela identificação das diversas dimensõesda complexidade do conflito fundiário, nosentido do envolvimento: i) de diversasinstituições públicas do sistema político ede justiça; ii) de sujeitos coletivos de direi-tos; iii) de violações a direitos fundamen-tais de natureza econômica, social,cultural e ambiental; de políticas públicas;iv) de agentes privados que dão causaaos conflitos fundiários. Pode-se afirmar,portanto, que esta compreensão e esteselementos constitutivos do conflito agrá-rio permeiam todo o material empíricocoletado para a presente análise158. istofica evidente ao observar a utilização rei-terada, em diversas matérias institucionaise na ocasião da entrevista, de termoscomo movimentos sociais, direitos huma-nos e reforma agrária, por exemplo159.

acerca da melhor forma de atuar emprol da prevenção, mediação e resoluçãodo conflito, verifica-se a prática e incen-tivo de uma cultura dialógica entre asdiversas instituições e atores sociais e pri-vados envolvidos, buscando solucionar oconflito sem a realização de despejos for-çados que envolvam a utilização de forçapolicial. Para isso, a oaN lança mão doseu instrumental de atuação, manejandoas diversas ferramentas de forma combi-nada, ou seja, oficiando as autoridades eórgãos envolvidos para tomar providên-cias, realizando audiências com o juízocompetente, e realizando visita in loco,por exemplo.160 Neste sentido, a questãoda capacidade de agir e se movimentarsem rigidez de procedimentos e formalis-mos, porém observando os princípiosconstitucionais da administração pública,constitui um elemento ressaltado nacapacidade institucional de atuação daoaN, sobretudo no que diz respeito aotiming da ação, importante elemento emsituações dinâmicas e de tensão como asque caracterizam os conflitos fundiários.161

observa-se que, no caso da ouvido-ria agrária Nacional, a compreensão dacomplexidade econômica, social, cultural,jurídica e institucional que constituem oconflito agrário orienta e fundamenta umacultura institucional voltada para o enfren-tamento das causas e consequências dosconflitos. Neste sentido, verifica-se a atua-ção integrada em ao menos duas diferen-tes dimensões do conflito162: i) mediaçãojunto aos atores sociais, privados e insti-tuições do sistema justiça e segurançapública nos processos judiciais que envol-

157 BRASIL, OAN, dossiê (impresso).158 Cf., BRASIL, OAN, Dossiê; BRASIL, MDA, Manual; BRASIL. Portaria Interministerial nº 1.053/2006; BRASIL. OAN.

Ata da 385ª Reunião da CNVC. 159 Cf. BRASIL, OAN, Dossiê; BRASIL. MDA, Manual.160 Fonte: Entrevista, 10/06/2013.161 Fonte: Entrevista, 10/06/2013.162 Cf. BRASIL. OAN. Ata da 385ª Reunião da CNVC, 2012.

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vam pedidos de reintegração de posse; ii)mediação junto aos órgãos ambientais efundiários de um lado, e do sistema dejustiça, de outro, no sentido de buscarresolver a situação fundiária do imóvelrural reivindicado pelos sujeitos coletivosde direitos envolvidos.

Quando, por outro lado, a mediaçãonão atinge o resultado voltado para amanutenção das famílias na área reivindi-cada, a ouvidoria se posiciona pela indi-cação, pelos órgãos fundiários, de outraárea para o assentamento das famílias.Neste sentido, passa a orientar as famíliassobre a saída da área em litígio, atuandotambém junto às autoridades policiaiscom vistas a conferir transparência eregularidade ao despejo forçado, nos ter-mos do “Manual de Diretrizes Nacionaispara a Execução de Mandados Judiciaisde Manutenção e Reintegração de PosseColetiva”, elaborado pela própriaouvidoria agrária Nacional em parceriacom a Comissão Nacional de Combate àviolência no Campo, “para evitar embatesfundiários decorrentes do cumprimentode ordens judiciais e para auxiliar as auto-ridades públicas encarregadas da aplica-ção da lei nas ações coletivas decididaspelo Poder Judiciário”.

Desse modo, os procedimentos queenvolvem a desocupação de imóveisrurais por determinação judicial devemser realizados, segundo a oaN, obser-vando-se163:

1. apoio estrito da Polícia Militar ouPolícia Federal no que diz respeitoao eventual uso de força;

2. ampla divulgação e convocação deórgãos públicos para tomaremmedidas cabíveis;

3. Estrita execução da ordem judicial,sem poder a força policial realizaratos além do determinado;

4. Documentação audiovisual da rein-tegração e respectiva publicização;

5. Planejamento prévio da operação ecomunicação da sua realização paraos ocupantes e ouvidoria agráriaNacional;

6. Comunicação aos ocupantes comantecedência mínima de 48 horas darealização do despejo, que deveocorrer no dias úteis, entre as 6 e 18horas;

7. vedação da utilização de mão deobra privada para quaisquer fins;

8. identificação do armamento e poli-ciais, além da orientação à tropasobre o interesse social e garantiados direitos fundamentais quedevem orientar a operação;

9. Transparência das informações;

10. orientação do efetivo policial sobrea conotação social, política e econô-mica da ação, com a necessidade dodevido respeito aos direitos huma-nos e sociais dos ocupantes, além daorientação sobre os limites do poderde polícia;

11. Envio pelo comandante da opera-ção aos órgãos fundiários e do sis-tema de justiça, de relatóriocircunstanciado sobre a execuçãoda operação.

Uma diretriz geral que a oaN indicanos procedimentos relacionados aos con-flitos fundiários é a oitiva prévia doMinistério Público, incra e institutos de

163 BRASIL, MDA. Manual (sem data).

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Terras, em ações possessórias coletivas, afim de empreender esforços no sentidoda mediação e solução pacífica do con-flito, na medida do amplo envolvimento ediálogo com os órgãos públicos degoverno e do sistema de justiça respon-sáveis pelas diversas dimensões do pro-blema. Desse modo, a concepção é a deque a solução pacífica do conflito passapelo enfrentamento tanto das suas cau-sas, quanto do cuidado na realização deuma eventual ação de despejo.

No que tange a uma concepção dedesenho institucional adequado para amediação e solução pacífica dos conflitosfundiários, a oaN se mostra entusiasta daimplementação das instituições públicasagrárias especializadas, no sentido daampliação e consolidação da rede apre-sentada acima. Desse modo, consta do“Plano Nacional de Combate à violênciano Campo”164 a indicação das ações decriação e implantação das varas, procura-dorias e promotorias, defensorias, ouvido-rias, delegacias e polícias agrárias federaise estaduais.

Em relação ao desenho normativoadequado, por seu turno, observam-senos materiais institucionais, sobretudo no“Plano Nacional de Combate à violênciado Campo”, manifestações no sentido daalteração do rito das ações possessóriasno Código de Processo Civil, a fim de queseja observado cumprimento da funçãosocial da propriedade como requisito parao deferimento da liminar de reintegraçãode posse, além da inserção da oitiva préviado Ministério Público, incra e institutos deTerras nestas ações. De modo comple-mentar, em entrevista, também foi mani-festada a indicação da necessidade de

uma inovação normativa no sentido deconferir capacidade postulatória e legiti-midade ativa à ouvidoria agrária Nacionalpara ingresso e participação nas açõesjudiciais referentes aos conflitos fundiários.

2. Assessoria de AssuntosFundiários – Estado doParaná

Bloco A Sobre a Atuação e Atribuições para aMediação de Conflitos Fundiários Rurais

a atuação da assessoria de assun-tos Fundiários do governo do Estado doParaná é tomada como referência para apresente pesquisa, fundamentalmente,pelos avanços consideráveis que temalcançado no sentido de pacificação dosconflitos existentes e de uma atuação pre-ventiva em relação a possíveis futurosconflitos fundiários.

o Estado do Paraná passou por umperíodo de violência intensa no campo,especialmente entre meados da décadade 1990 e início da década de 2000. Eramcomuns os despejos ilegais, realizadospor milícias privadas, além da própria vio-lência institucional, realizada especial-mente pela Polícia Militar. Neste período,aconteceram diversas mortes de trabalha-dores rurais ligados ao Movimento dosTrabalhadores Rurais sem-Terra (MsT) noEstado.

apesar de ainda latentes os confli-tos, nos últimos anos, tem sido observadauma diminuição de despejos violentos ou

164 BRASIL, OAN, Dossiê.

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ilegais. Entre diversos fatores – inclusive adesarticulação de milícias armadas orga-nizadas por latifundiários – a instalação daassessoria de assuntos Fundiários dogoverno do Estado do Paraná é apontadacomo um elemento importante para amelhoria deste quadro. 165

a entrevista realizada com oassessor de assuntos Fundiários em 11 demarço de 2013166 é a fonte principal deinformações para a realização desteestudo sobre a atuação do órgão e sobresua cultura institucional.

Criada recentemente, no início doano de 2011, a assessoria Especial deassuntos Fundiários é diretamente vincu-lada à Casa Civil, mantendo relação comdiversas secretarias do governo doEstado, sobretudo a de segurançaPública, além de sustentar um contatodireto com a Procuradoria do Estado.

Um fator fundamental, a ser desta-cado inicialmente, é que a assessoria émarcada por certa informalidade e peladesburocratização, tanto na sua criaçãoquanto na sua atuação. a instauraçãodesta assessoria Especial tem, comomarco, o Decreto nº 286 do governadordo Estado do Paraná, nomeando o atualassessor, hamilton serighelli, para “res-ponder por assuntos Fundiários”167. NoDecreto, não constam as atribuiçõesespecíficas do cargo nem informaçõessobre sua instalação e organização.

o órgão analisado raramente age deofício. suas ações normalmente decorremda provocação dos movimentos sociais e,algumas vezes, da Polícia. Normalmente,a provação vem do MsT e, na grandemaioria dos casos, tratam-se de questõesagrárias e não de conflitos sobre territó-rios tradicionais, entretanto, recente-mente, a questão indígena tem estadomais presente.168

a assessoria, segundo serighelli, temcomo tarefa primordial a realização daintermediação dos diversos atores sociais,instituições e órgãos públicos envolvidosna contenda. Na maior parte dos casos,seu papel é de fazer a negociação dacompra de terras dos proprietários dasáreas de conflitos.169 assim, é preciso umcontato direto com os fazendeiros e comentidades de representação dos latifun-diários, como a Federação da agriculturado Estado do Paraná (FaEP).

Para realizar a mediação, prioriza-sesempre a realização de reuniões, que sãorealizadas, sempre que possível, antes doconflito se acirrar. a reunião é o principalinstrumento institucional utilizado.170 oassessor afirma que “foge do papel”, evi-tando a burocratização do processo demediação, e que utiliza ofícios somentequando é estritamente necessário.

o órgão conta com 7 (sete) funcio-nários, sendo a maioria de cargos emcomissão. vários deles são pessoas que

165 AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DO PARANÁ. Governo federal indica Paraná como exemplo na solução de conflitosagrários. 10 jun. 2012. Disponível em: <http://www.aen.pr.gov.br/modules/noticias/article.php? storyid=69375>.Acesso em: 10 mai. 2013.

166 Entrevista 11 mar. 2013. Arquivo da Terra de Direitos.167 Decreto n° 286 – Diário Oficial do Paraná – Executivo: “O GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ Resolve

nomear, de acordo com o art. 24, inciso III, da Lei n° 6.174, de 16 de novembro de 1970, HAMILTON SERIGHELLI,RG nº 1.306.579-9, para exercer, em comissão, o cargo de Assessor – Símbolo DAS-4, da Casa Civil, a partir de 17de janeiro de 2011, ficando designado para responder por Assuntos Fundiários. Publicado em Curitiba, Quinta-feira, 20 de Janeiro de 2011”.

168 Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 1, Bloco A.169 Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 2, Bloco A.170 Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 4, Bloco A.

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tiveram envolvimento direto com os pró-prios movimentos sociais ou tiveram con-tato próximo, o que faz com queconheçam a concretude dos conflitos. Umdos profissionais que integra o desenhoinstitucional é uma assistente social querealiza laudos sobre as condições de vidanas áreas em litígio.171 a atuação conjuntacom a PM faz com que haja um esforçopara que os policiais tenham mais infor-mações e formações sobre os conflitos deterra. hamilton serighelli entende que,muitas vezes, os policiais estariam usandode violência contra os movimentos sociaispor desconhecimento de suas reivindica-ções e de sua organização.

além das lideranças dos acampa-mentos ou comunidades envolvidas e dosproprietários de terra, estão entre osórgãos que geralmente são chamados àmediação o incra, a Polícia Militar, asecretaria de segurança Pública, o Minis-tério Público e a Procuradoria do Estadoe a Funai.172 a assessoria também faz con-tatos pontuais com as secretarias deEstado, como a de saúde e de Educação,quando se faz preciso. E, ainda, é neces-sário um contato constante com organi-zações que agem em parceria com osmovimentos sociais e comunidades tradi-cionais, como a Terra de Direitos e, tam-bém, oNgs e Universidades que realizamatividades com comunidades indígenas equilombolas e com movimentos de lutapor reforma agrária.

o entrevistado aponta que a criaçãoda assessoria específica para este fim, deatuar na mediação de conflitos fundiários,foi realizada devido a pedidos dos movi-mentos sociais, especialmente do MsT.indica, ainda, que a ligação direta com o

governador é um fator fundamental paraa atuação eficaz do órgão, que precisatomar decisões rapidamente e agir deforma instantânea para dirimir conflitoslatentes.

Depois da instalação da assessoria,a primeira ação do órgão foi a realizaçãode um levantamento dos conflitos fundiá-rios no Estado, identificando-se a quanti-dade, a localidade e a gravidade. Diantedo panorama geral, foi possível estabele-cer quais seriam os casos prioritários, quetinham maior probabilidade de conflitosgraves. atualmente, a assessoria Especialidentifica 110 (cento e dez) áreas de con-flito no Paraná, sendo que 72 (setenta eduas) dessas áreas têm mandado de rein-tegração de posse já expedido peloJudiciário. Em 59 (cinquenta e nove) casosa assessoria está trabalhando diretamentena negociação. o levantamento foi feitocom base em dados dos movimentossociais e da Polícia Militar e demorouquase 6 (seis) meses para ser finalizado. oassessor de assuntos Fundiários afirmaque o contato direto com movimentossociais é fundamental porque permiteuma ação antes de o conflito mais diretoestar instalado.

o órgão ora analisado atua em con-flitos fundiários de toda a natureza. alémdos agrários e tradicionais, atua em con-flitos fundiários urbanos, especialmenteos que dizem respeito aos “sem-teto”. oassessor do governo Estadual entrevis-tado afirma que há diferenças de atuaçãoconforme a natureza do conflito e queaqueles relacionados a comunidades tra-dicionais são os que apresentam maiordificuldade na mediação. haveria, assim,uma maior facilidade de se trabalhar com

171 Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 5, Bloco A.172 Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 6, Bloco A.

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o MsT, porque é uma organização que per-mite uma melhor troca de informações edirecionamento das ações – há coordena-dores regionais, estaduais, lideranças emcada acampamento. segundo o assessor,os quilombolas “são mais desorganiza-dos”. Cada “quilombo é uma negociação”diferente. os conflitos relacionados aosindígenas também exigem negociaçõesespecíficas para cada área, devido à faltade centralidade na organização.173

Para garantir uma atuação efetiva, aassessoria Especial mantém contatodireto, especialmente, com a Procuradoriado Estado e com a Polícia Militar. aProcuradoria do Estado é informada detodas as áreas que são objeto de media-ção pela assessoria Especial e, nos casosem que já existe processo judicial, notificaas instâncias do Judiciário e do MinistérioPúblico responsáveis pelos processos quediscutem cada uma delas. Dessa forma, aPgE faz a interlocução com outros órgãosdo sistema de Justiça, visando cientificá-los de que o Executivo também estáagindo e buscando soluções para as áreasem litígio.174

Da mesma forma, quando a PolíciaMilitar é notificada do mandado de rein-tegração de posse em qualquer região doEstado, ela comunica a secretariaRegional da PM, que entra em contatocom a secretaria geral na capital doEstado. a secretaria geral da PM e asecretaria de segurança Pública infor-mam a assessoria Especial para assuntosFundiários sobre o mandado, aguardandoinformações sobre possíveis tentativas denegociação acerca da área em conflitoantes de realizar o despejo. Quando aassessoria informa que está em processo

de negociação, busca estipular um prazopara uma resposta sobre a mediação. apartir daí, a Procuradoria do Estadoinforma o Juízo competente sobre anegociação, visando evitar reintegraçõesde posse enquanto o conflito sobre a áreaestá em processo de mediação.175

Como é possível observar, a atuaçãoda assessoria Especial é marcada pelaarticulação entre vários órgãos. a troca deinformações entre eles torna a ação maisefetiva e garante atuação nos diferentesconflitos.

Bloco B Sobre a Cultura Institucional deMediação de Conflitos Fundiários Rurais

a percepção do entrevistado sobreos conflitos em que a assessoria Especialde assuntos Fundiários do Estado doParaná atua e sobre a própria atuação doórgão coloca elementos importantes paraa presente análise. Para além de seraquele que coordena os trabalhos da refe-rida assessoria, é possível observar que aausência de diretrizes específicas para aatuação do órgão faz com que a sua açãoesteja bastante vinculada ao perfil e àvontade política do assessor.

hamilton serighelli entende que énecessário buscar desfazer o preconceitoque existe hoje contra os movimentos deluta pela terra, como o MsT, para que hajaavanços no processo de resolução deconflitos agrários. o entrevistado colocaque as diversas mortes de trabalhadoressem-terra e a violência no campo noEstado do Paraná, há alguns anos, foram

173 Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 7, Bloco A.174 Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 6, Bloco A.175 Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 6, Bloco A.

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frutos da ausência de diálogo políticoentre Estado e sociedade Civil. aponta,também, que a interlocução com os movi-mentos tem sido no sentido de resolver osconflitos já instalados e que o governobusca atuar para que não sejam criadosnovos conflitos. Ele indica que compreen-der o acesso à terra como o começo e nãocomo o final do processo é importante,por isso é preciso trabalhar para que sejaoferecida assistência técnica e infraestru-tura aos assentamentos.176

avaliando as capacidades institucio-nais de solução dos conflitos dos órgãospúblicos geralmente envolvidos ou res-ponsáveis pela mediação, serighellicoloca que Judiciário, o Ministério Público(Estadual e Federal) e o Executivo devem“sair mais dos gabinetes” para conhecer arealidade e estar mais perto dos conflitos.os órgãos públicos deveriam, destaforma, sair da burocracia e estabelecerdiálogos com os sujeitos envolvidos nosconflitos.177 há juízes que mudam de posi-cionamento sobre uma liminar de reinte-gração de posse depois de conhecerpessoalmente a área em litígio. o excessode burocracia e a falta de proximidadecom a concretude dos conflitos faz comque alguns agentes públicos “esqueçam-se” que existem pessoas envolvidas noprocesso. Entende, assim, que o principalprocedimento para uma mediação deconflitos efetiva é “ir até o conflito”,conhecê-lo de perto, e, também, ouvir osdois lados envolvidos.178

Em relação à Funai, a percepção é ade que há falta de contato desse órgãocom os proprietários, o que faz com queo processo de mediação seja mais dificul-

toso. Na questão indígena, algumasosCiPs (osCiP guarany, por exemplo) eoNgs – além de sindicatos e associações– têm tido um papel importante na inter-mediação. as conversas têm sido feitasmais diretamente com lideranças indíge-nas e conselhos de caciques do que pro-priamente com a Funai – que é acessadaquando é necessário um respaldo institu-cional.179

sobre a questão quilombola, afirmaque a Fundação Cultural Palmares nãoestá muito presente na mediação dosconflitos, atuando apenas no reconheci-mento das áreas. E, quanto ao incra, con-sidera que esta autarquia deveriaapresentar mais agilidade no processo dedesapropriação de terras. a avaliação dosimóveis, normalmente, é demorada e,apesar de o instituto “fazer o seu papel”,ao que parece, faltam funcionários, instru-mentos e estrutura para a desapropriaçãode terras de forma mais eficaz.

Perguntado sobre o desenho institu-cional que avalia ser o mais adequado eeficaz para a mediação e solução dosconflitos fundiários rurais e tradicionais, oassessor indica que as pessoas que tra-balham nos órgãos devem entender dequestão fundiária e ter conhecimentosobre os movimentos. além disso, énecessário que haja capacidade para umdiálogo constante com os movimentossociais, com os proprietários e com oEstado, buscando um contato com ossujeitos “de forma verdadeira”, com omesmo discurso com todos os atores. E,ainda, adverte sobre a necessidade de seseparar os conflitos de questões políticaspartidárias ou eleitorais. é importante,

176 Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 1, Bloco B177 Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 3, Bloco B178 Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 2, Bloco B179 Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 2, Bloco B.

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também, que o órgão tenha meios delocomoção para estar nos conflitos – aassessoria dispõe, hoje, de um automóvele um motorista para tanto.180

o assessor entende que um dese-nho normativo adequado para a media-ção e solução de conflitos deve apontarapara a necessidade de o Judiciárioconhecer melhor o conflito antes de expe-dir decisões sobre reintegração de posse.Em relação à criação de uma política uni-ficada de mediação e solução de conflitosfundiários no âmbito das instituições doPoder Executivo e do sistema de Justiçae segurança Pública, o assessor mostrapreocupação de que haja engessamentodos órgãos, entretanto, aponta que a obri-gatoriedade de uma audiência pública naqual todos os interessados possam semanifestar sobre o assunto, antes de qual-quer decisão sobre o conflito, seria idealpara garantir uma solução mais eficaz.Para finalizar, avalia também que é neces-sário que esta assessoria Especial, que foicriada recentemente no Paraná, sejareproduzida em outros Estados do país.181

a partir da entrevista concedidapelo assessor, e da conjuntura geral damediação de conflitos no Estado, é possí-vel observar que o fato de a assessoria deassuntos Fundiários do Paraná ser mar-cada pela informalidade apresenta pontospositivos e negativos. se, por um lado, areferida informalidade garante que oórgão não esteja engessado pela burocra-cia, por uma agenda institucional rígidaou por limites de atuação inflexíveis, esti-pulados por um ato normativo quepodem “imobilizá-lo”, por outro, a ação daassessoria acaba por depender bastanteda vontade política dos agentes estatais

que nela trabalham, vez que os mecanis-mos, para exigir a atuação da assessoria,são limitados, não sendo possível apontarexatamente quais são suas funções ou osinstrumentos que pode utilizar.

De forma geral, o papel do Estado namediação de conflitos é marcado pelaambiguidade. ao mesmo tempo em que ainterferência estatal implica na possibili-dade de a mediação acontecer de forma arespeitar marcos regulatórios sobre oassunto, balizada por normas de respeitoaos direitos humanos, há, também, um ten-dência de conservadorismo na atuação doEstado – que é reconhecidamente uma ins-tituição que tende à manutenção do statusquo. a clareza política dos agentes envol-vidos, no sentido de não tolher a atuaçãoda sociedade Civil organizada, é funda-mental para que o processo de mediaçãoseja realmente democrático. Por ser o entedotado da legitimidade social para reco-nhecer, formalizar e efetivar acordos, oEstado é um ator necessário, mas sua atua-ção deve ser a todo o momento questio-nada, buscando-se, sempre, enfrentar ofato de que os conflitos fundiários são umproblema estrutural, cuja raiz está na pró-pria forma como a sociedade está organi-zada, sendo que o próprio Estadodesempenha o papel de mantenedor doconflito – é também responsável pela faltade acesso a direitos, tanto por suas ações,quanto por suas omissões.

Não é raro observar casos em que aatuação do Estado na mediação se dá nosentido de buscar soluções para problemascriados pelo ele próprio, como no caso doconflito relacionado ao caso do Pré-assentamento da Fazenda santa Filomena,que ilustra bem essa ambiguidade na ação

180 Entrevista 11 mar. 2013. Pergunta 4, Bloco B.181 Entrevista 11 mar. 2013. Perguntas 5, 6 e 7, Bloco B.

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estatal – mostrando os limites da atuaçãodo Estado e, ao mesmo tempo, o papelfundamental que teve na garantia de direi-tos às famílias afetadas. ante a decisãodesfavorável do Judiciário (mesmo comuma ação de desapropriação judicial emtrâmite) e da expedição de mandado dereintegração de posse, a assessoria deassuntos Fundiários atuou junto ao incrabuscando outra área para assentar as famí-lias. o Poder Executivo atuou, dessa forma,como um reparador de um problema socialcriado pelo Poder Judiciário, problema que,por sua vez, se fundamenta na falta de polí-tica pública de reforma agrária no país,competência do Executivo Federal. atravésda mediação, as famílias deixaram a regiãoonde construíram suas vidas por 8 (oito)anos, e foram assentadas em outro local.Não é difícil perceber que a desapropria-ção, com o pagamento de indenização aoproprietário e o assentamento das famíliasna área onde já moravam, seria a soluçãomais adequada. Entretanto, neste caso,ante a decisão do Judiciário, poucas eramas soluções possíveis. o Poder Judiciário secolocou como mantenedor do conflito aoconceder a reintegração de posse. Casoscomo este também evidenciam a necessi-dade de problematização de se entender omecanismo de mediação apenas comouma reparação – e não como um instru-mento de efetivação de direitos e de solu-ções realmente democráticas.

Neste sentido, compreender a organi-zação dos movimentos é algo basilar paraque a mediação seja feita de forma a nãoprejudicar o elo mais fraco do processo denegociação. a dificuldade que o Estadoapresenta ao lidar com as comunidades tra-dicionais, por não terem uma centralidadeorganizativa, como afirmou o assessor

Especial para assuntos Fundiários em suaentrevista, revela um despreparo do Estadoem lidar com as diferentes formas de orga-nização social. é papel do Estado buscaradequar seus mecanismos de atuação aocontexto do conflito, lidando com a con-tenda tal como ela é e não exigindo dosujeito social coletivo que se adeque àorganização do Estado para que a media-ção aconteça de forma mais fácil ou daforma como costuma se dar com outrosatores. apesar de apresentar característicascomuns, os atores sociais que reivindicamdiretos têm suas especificidades, que pre-cisam ser reconhecidas e respeitadas peloEstado no processo de mediação.

3. Vara Agrária de Marabá –Tribunal de Justiça do Estadodo Pará

Bloco ASobre a Atuação e Atribuições para aMediação de Conflitos Fundiários Rurais

a vara agrária de Marabá, vinculadaà Comarca daquele município no Estadodo Pará, foi criada no ano de 2002 e temseu fundamental legal, assim como todaestrutura de organização judiciária natemática agrária no estado do Pará, a par-tir de algumas mudanças legislativas rea-lizadas, estas, em grande parte, motivadaspor episódios de conflitos agrários ocor-ridos naquele Estado de repercussãonacional e internacional, como o Massacrede Eldorado dos Carajás. a criação dasvaras agrárias neste estado tem sua pri-meira previsão legislativa na LeiComplementar nº 14, de 1993182, a qual

182 Assembleia Legislativa do Estado do Pará. Lei Complementar n. 13, de 17 de novembro de 1993.

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modificou o Código de organização Judi-ciária no Estado, criando as varas privati-vas na área de direito agrário, minerário eambiental. segundo o seu art. 1º, as sedesdessas varas, de entrância com naturezaespecial, serão definidas mediante resolu-ção do Tribunal de Justiça.

outra previsão destas varas está naConstituição do Estado do Pará, a qualpassou a ter constando em seu art. 167, apartir da EC n.30 de 2005183, a necessi-dade de sua criação a fim de dirimir con-flitos fundiários, tendo competênciaexclusiva para questões agrárias. NaResolução n. 21/2006, do Tribunal deJustiça do Pará, modificando o dispostona Res. N. 21/2003, ficou estabelecida aexistência de 5 Regiões agrárias naqueleestado: Castanhal, santarém, Marabá,altamira e Redenção, de modo que cadaum desses municípios seria a sede da 1ºvara agrária a qual teria competênciajurisdicional sobre a respectiva regiãoagrária184. Em relação à Região agrária deMarabá, esta engloba 23 municípios.185

Quanto à competência material des-tas varas agrárias, elas ficam restritas àsquestões agrárias, na qualidade de varasespeciais, de modo que tal previsão asrestringe ao conhecimento e julgamentode ações judiciais que envolvam litígios denatureza coletiva pela posse e proprie-dade da terra em área rural, conforme dis-posto no art. 1º da Resolução n. 18/2005do Tribunal de Justiça186. há a previsãotambém, no parágrafo único deste artigo,

que estas varas apreciem as ações indivi-duais no tocante a terras rurais, desde quehaja interesse público evidenciado pelanatureza da lide ou qualidade da parte, aser definido por ato da Presidência doTribunal de ofício ou por requerimentodas partes, do juiz, Ministério Público, ouórgão fundiário da união ou estadual, emqualquer fase do processo.

No art. 2º da referida resolução,consta, também, a competência no queconcerne a registros públicos de imóveisrurais, tanto administrativos como judiciais.Consta, ainda, a previsão e competênciasobre ações de desapropriação e constitui-ção de servidões administrativas em áreasrurais, ressalvada as matérias da JustiçaFederal. Tais matérias e resolução tambémforam referidas na entrevista realizada187.

importante destacar que, atravésde tal ato, se restringiu devidamente asmatérias de apreciação desta vara àssituações direta ou indiretamente rela-cionadas a conflitos fundiários coletivosrurais, uma vez que a previsão anterior,conforme constava no art. 3º da LC n. 14,de 1993, era mais ampla, englobandotodas as causas relativas ao Estatuto daTerra, Código Florestal, Águas, Caça ePesca; políticas agricolas, agrárias, fun-diária, minerárias e ambiental; registrospúblicos rurais; crédito, tributação e pre-vidência rural; e delitos motivados pelasmatérias anteriores. Tal previsão tambémse fazia constar no art. 167 da Constitui-ção Estadual por via da EC. 30/2005.

183 Assembleia Legislativa do Estado do Pará. Emenda Constitucional n. 30, de 20 de abril de 2005. 184 Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Resolução n. 21/2006-GP. Diário de Justiça n. 3.742, de 05 de outubro de

2006. 185 Abel Figueiredo; Água Azul do Norte; Bom Jesus do Tocantins; Brejo Grande do Araguaia; Breu Branco; Canaã

dos Carajás; Curionópolis; Dom Eliseu; Eldorado dos Carajás; Goianésia do Pará; Itupiranga; Jacundá; Marabá; NovaIpixuna; Novo Repartimento; Palestina do Pará; Parauapebas; Rondon do Pará; São Domingos do Araguaia; SãoGeraldo do Araguaia; São João do Araguaia; Tucuruí; e Ulianópolis.

186 Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Resolução n. 18/2005-GP. Diário de Justiça n. 3.515, de 27 de outubro de2005.

187 Entrevista 2013. Perguntas 02 e 03, p. 01.

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Quanto à estrutura, a vara agráriade Marabá é presidida por um juiz dedireito, de 2ª entrância na carreira demagistrado estadual, com especializaçãoem direito agrário, cargo hoje ocupadopelo Dr. Jonas de Conceição silva. alémdele, tal órgão conta também com umaservidora pública, bacharel em direito,que atua na assessoria jurídica da vara;e, na secretaria, local em que se dá oandamento dos processos em trâmitesna respectiva vara, tem-se a diretora desecretaria, também bacharel em direito,que tem a função de organizar os pro-cessos e dar cumprimento aos despa-chos e decisões proferidos pelo Juiz.sob sua coordenação, estão dois técni-cos judiciários e um estagiário. é perti-nente destacar que tal organizaçãointerna da vara é exigida no art. 6º da LCn. 14/93 acima referida.

segundo dados presentes em pes-quisa realizada por Quitans (2011), emagosto de 2008, havia cerca de 213 pro-cessos nesta vara. Desse total, 162 seriamações de natureza possessória, das quais90 seriam apenas de reintegrações deposse, 34 de manutenção de posse e 32de interdito proibitório. Nesta, se reafirmainformação, também presente na entre-vista, de que tais ações são, em sua maio-ria casos de conflitos fundiários de carátercoletivos, de forma que não são julgadosoutros temas agrários como arrendamen-tos e contratos e que os processos judi-ciais possessórios que não sejam dessafeição coletiva são encaminhados para asvaras cíveis comuns.

sobre a forma de atuação do órgãona mediação dos conflitos agrários, prin-cipalmente em ações possessórias, ficoudestacado o uso amplo da realização de

audiências de justificação prévia, antes daanálise do pleito liminar requerido peloautor, sendo este o principal instrumentoinstitucional para tais mediações. Naentrevista realizada junto a este órgão,este esclareceu que, no despacho desig-nando à respectiva audiência, é determi-nada a notificação também dos órgãosfundiários como o incra e o iTERPa, paraparticipação desta audiência onde se rea-lizará a mediação na busca da soluçãopacífica do conflito. Ele ainda esclareceuque, caso não haja a conciliação, a audiên-cia de justificação prévia se revela de fun-damental importância, também, para queo magistrado obtenha dos depoimentosdas testemunhas e demais provas colhi-das na audiência, o subsídio para a análisedo pedido liminar da ação possessória.aponta-se, ainda, como prática usual domagistrado para uma melhor compreen-são da complexidade fática envolvida noscasos de conflitos agrários, a realizaçãode inspeção judicial188.

analisando a efetiva participaçãodesses órgãos fundiários, o entrevistadocolocou que o incra é bem participativo,pois sua presença é constante nas audiên-cias, cooperando efetivamente nos casosem que é convidado a participar da reso-lução e mediação do conflito – sua atua-ção, segundo responde, parece serfundamental na viabilização de acordosentre as partes e resolver pacificamente oconflito, seja por meio de desapropriaçãoda área ou indicação de outra área ruralpara o assentamento dos ocupantes oumembros do movimento campesino. amesma postura cooperativa, na percep-ção do entrevistado, não se pode afirmarquanto ao iTERPa, órgão fundiário esta-dual, uma vez que este dificilmente parti-

188 Entrevista 2013. Perguntas 06, p. 02.

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cipa das audiências e apresenta informa-ções tardias quando lhe é solicitado, oque, muitas vezes, retardaria o anda-mento processual189.

Tais posturas durante o processo demediação e essa forma de atuação dojuízo agrário, diante de sua missão institu-cional de pacificação dos conflitos nocampo, são condizentes com a verificadaem outras varas estaduais agrárias doEstado do Pará e de outras regiões do país,conforme atesta Quintans (2011, p. 131).Neste processo de mediação e resoluçãode conflitos agrários, esclareceu, ainda, omagistrado entrevistado que sua atuaçãoe decisões são motivadas e orientadas apartir de textos normativos que tratam damatéria de posse e propriedade, principal-mente encontrada nos Código deProcesso Civil e Código Civil, além de legis-lações específicas tal como o Estatuto daTerra, sendo interpretados segundo o prin-cípio da função social da terra rural cons-tante no art. 186 da Constituição Federal190.

Pode-se verificar o descrito tambémna prática cotidiana do órgão, a partir deata em que se assentou os termos de umadessas audiências de justificação em quese trabalhou com a mediação do con-flito191. sendo o caso uma ação de reinte-gração de posse, na busca da pacificaçãodo conflito com respeito aos direitoshumanos envolvidos, chama a atenção aampla participação de vários órgãos queatuam institucionalmente nesta perspec-tiva, a sua maioria membros da ComissãoNacional de violência no Campo – em ver-dadeiro exercício de aplicação da teoriados diálogos institucionais na prática damediação de conflitos coletivos.

assim, neste caso tomado como

exemplo, contou-se na audiência com aparticipação da ouvidoria agrárioNacional, da Coordenação de Mediação eConflitos agrários da ouvidoria Nacionalde Direitos humanos, representantes dapolícia militar e federal e as partes comseus advogados. Quanto ao papel desem-penhado pelo juízo agrário no processode mediação, neste caso exemplar, vis-lumbra-se uma atuação em perspectivamais preventiva, buscando evitar maioresdanos e lesões aos direitos envolvidos.Dentre as deliberações registradas nestaata, destaca-se a decisão judicial de sus-pensão do cumprimento de medida dereintegração de posse até que o iTERPaexpeça manifestação conclusiva quanto àregularidade do título de propriedade daárea rural, palco do conflito agrário, des-tacando já a presença de fortes indíciosde que se trata de área pública estadual.

Esse perfil de atuação do atualmagistrado da vara agrária de Marabá éaproximado aos dos que ocuparamaquele juízo anteriormente, se coloca-dos em comparação com as conclusõesrealizadas na pesquisa acima referida.segundo Quitans, que, durante sua pes-quisa, entrevistou todos os magistradosque tinham ocupado aquela vara agrá-ria, é perceptível que há uma tendênciamaior dos juízes a apenas decidir sobrea liminar possessória após a realizaçãoda audiência. Destaca a autora, porém,que alguns atores entrevistados desta-caram que esta prática começou a seradotada como rotina apenas após a pas-sagem de um juiz progressista pela varaagrária de Marabá – somente após esteque também se passou a adotar comodiretriz para investigar a caracterização

189 Entrevista 2013. Perguntas 07, p. 02.190 Entrevista 2013. Perguntas 08, p. 02.191 Termo de Audiência. Processo 8055-48.2007.814.0028 – Fazenda Água Branca. 12.06.2013.

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da posse o princípio da função social daterra rural (QUiTaNs, 2011, p. 215).

Na referida pesquisa, aponta-setambém outro importante instrumento napacificação de conflitos agrários com odevido respeito aos direitos humanos emquestão: a realização de audiência judicialpara discutir como será cumprida a deci-são liminar possessória, em caso de pro-vimento deste pedido. Esta medida é umadas orientações previstas no Manual deDiretrizes Nacionais para o cumprimentodas medidas de manutenção e reintegra-ção de posse coletiva, que compõe oPlano Nacional de Combate à violênciano Campo, elaborado pela ouvidoriaagrária Nacional, na qual se estabelecemvárias cautelas que devem ser seguidaspara o cumprimento das medidas limina-res com os menores impactos possíveis àsfamílias de trabalhadores rurais, comoforma de reduzir os índices de violência.assim, vê-se como o problema agráriodeixa de ser tratado como um problemapolicial e passa ser resolvido no âmbito doJudiciário com mais diálogo e menosrepressão policial (QUiTaNs, 2011, p. 248).

Bloco B Sobre a Cultura Institucional deMediação de Conflitos Fundiários Rurais

Com intuito de se observar as per-cepções tidas a partir da prática institu-cional da mediação de conflitos poraquele órgão, além das análises já presen-tes difusamente no subitem anterior, pri-meiro buscou-se descrever como talagente público encara o conflito fundiárioe os atores sociais envolvidos. Neste

ponto, afirma o atual ocupante da varaagrária de Marabá (Pa) que, em grandemedida, não seria necessária a criação deum sistema judiciário especializado emconflitos agrários se os órgãos fundiáriosdo Poder Executivo (incra e iTERPa) nãoatuassem de forma deficitária nessassituações em que se instala a mediaçãodo conflito coletivo. Em suas palavras:

Entendo que se os órgãos fundiáriosrealizassem a fiscalização e distribui-ção de terra que lhe compete, coma retomada das áreas que não esti-vessem cumprindo a função socialda terra ou cujo título fosse manifes-tamente falso e, por conseguinte,realizasse o assentamento de famí-lias nessas áreas, evidentemente quenão haveria conflito agrário. Mas,observa-se que as medidas perti-nentes são tomadas pelos referidosórgãos, após intervenção judicial noconflito e, mesmo assim, com atua-ção lenta e deficitária.192

Estaria, pois, neste perfil deficitário naatuação desses órgãos fundiários doExecutivo Federal e Estadual, grande partedas dificuldades e obstáculos para a devidaimplementação de uma cultura institucio-nal de mediação de conflitos coletivos nosórgãos responsáveis pelas políticas agrá-rias. somada a tal ausência de cultura insti-tucional, ter-se-iam leis inapropriadas paramediar e solucionar os conflitos agrárioscom dimensões complexas e pluralidadessociológicas, econômicas culturais, res-tando para o desempenhar de seu ofício –“as normas em vigor não contemplam asespecificidades que circundam os conflitosfundiários e, tampouco, são eficazes para asolução definitiva dos litígios agrários”193.

192 Entrevista 2013. Pergunta 09, p. 02-3.193 Entrevista 2013. Pergunta 14, p. 03.

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a título de aperfeiçoamento dosprocedimentos de mediação de conflitosfundiários, sugere o entrevistado queseriam necessárias alterações normativaspara a concretização de uma política efi-caz de mediação de conflitos, principal-mente editando-se normas de âmbitocível e processual específicas, que versemsobre tais conflitos sobre a posse e pro-priedade da área rural, com ênfase nosprincípios constitucionais, principalmenteo princípio da dignidade da pessoahumana e o princípio da função social 194.

4. Promotoria de Justiça daCidadania de Promoção eDefesa da Função Social daPropriedade Rural -Ministério Público do Estadode Pernambuco

Bloco A Sobre a Atuação e Atribuições para aMediação de Conflitos Fundiários Rurais

a Promotoria de Justiça da Cidada-nia de Promoção e Defesa da Funçãosocial da Propriedade Rural, mais comu-mente chamada de Promotoria agrária,foi criada pela Resolução nº 001/2004 doColégio de Procuradores do MinistérioPúblico de Pernambuco, publicada noDiário oficial do Estado em 27 de marçode 2004. Prevê tal resolução que oâmbito de atuação da promotoria é sobretodo o estado de Pernambuco, apesar deo promotor que venha a ser seu titulardeva estar lotado na capital – neste caso,foi criado o cargo do 31º Promotor de

Justiça de Defesa da Cidadania com talatribuição específica.

Conforme disposto no art. 2º daREs-CPJ nº 001/04, o promotor de justiçaque estiver no exercício desta não poderáatuar nos processos judiciais cíveis ou cri-minais relativos ao conflito agrário,podendo apenas agir em conjunto comdevido promotor de justiça competente.Nos termos do texto mencionado, tal pro-motor de justiça “poderá atuar conjunta-mente com outro Promotor de Justiça,Cível, Criminal ou de Defesa da Cidadania,sempre que essa medida, em razão damatéria, se torne necessária para a garan-tia de maior eficiência na atuação doMinistério Público”195.

segundo presente em respostadada pelo atual ocupante do cargo daPromotoria agrária, Dr. Edson Joséguerra, o órgão, atualmente, não contacom uma estrutura ou desenho institucio-nal muito complexo, visto que não contacom profissionais técnicos especializados,nem com câmara técnica especializadapara tratar de conflitos fundiários. oórgão é composto apenas pelo próprioPromotor de Justiça, assessorado por umestagiário de Direito, um analista ministe-rial de nível superior e um técnico minis-terial de nível médio, além de ter apossibilidade de requisição de um veículocom motorista para a realização de dili-gências externas196.

Nas palavras do atual Promotoragrário: “a mesma atua sempre nos con-flitos coletivos pela posse da terra rural,destinados a reivindicar as políticas públi-cas de acesso à terra (Reforma agrária).visa também combater a violência no

194 Ibidem. 195 Ministério Público de Pernambuco – Procuradoria Geral de Justiça. Resolução RES-CPJ n.001/2004. 27.03.2004.196 Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 5, p. 02.

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campo e promover direitos humanos dostrabalhadores rurais assentados nos Pas”.Ele também fala que a promotoria agetanto com a provocação dos sujeitos dedireito vinculados a essas atribuiçõesespecíficas, como também age de ofício,sem provocação, desde que se deparecom uma situação enquadrada dentre asacima, seja colhendo informações ouregistrando fatos para apreciação197.

No anexo i, ao qual o art. 1º da Reso-lução de criação da Promotoria faz refe-rência, consta-se um rol exauriente dasatribuições especificas e exclusivas daPromotoria agrária, reforçando sua atua-ção especial no âmbito dos conflitosagrários do estado. Dentre essas atribui-ções especificas, é pertinente destacarque cabe como competência do promo-tor de justiça agrário: 1- fiscalizar, nasáreas de conflito agrário, o cumprimentosimultâneo dos requisitos relativos à fun-ção social da propriedade rural em ques-tão; 2- intervir judicialmente nas açõesque envolvam litígios fundiários e coleti-vos pela posse da terra rural, zelando pelaobservância dos direitos humanos dostrabalhadores rurais e de suas famílias; 3-atuar no favorecimento da reforma agrá-ria, principalmente em situações de des-cumprimento da legislação trabalhista ede defesa do meio ambiente; 4- fiscalizara implantação e execução dos projetosde assentamento de trabalhadores ruraisdesenvolvidos por instituições estaduais;5- atuar preventivamente na garantia dapaz social, com fim de evitar a violênciano campo, adotando e acompanhando aexecução de medidas extrajudiciais ejudiciais cabíveis; 6- mediar os conflitosagrários existentes, buscando a soluçãoconciliatória entre os envolvidos; 7- ado-

tar medidas que assegurem o direitohumano à terra rural e o direito humanoà alimentação adequada, bem como pro-mover e defender os direitos humanosdas pessoas acampadas e assentadas; e8- desenvolver ações conjuntas comórgãos públicos e entidades da socie-dade Civil, visando à prevenção dos con-flitos agrários.

Detendo a presente análise noobjeto desta pesquisa, observa-se queresta delimitada no instrumento norma-tivo acima referido as atribuições especí-ficas da promotoria agrária quanto àmediação de conflitos fundiários coletivosrurais, principalmente nos itens 2, 5, 6, 7 e8. Desse modo, pode-se perceber que opromotor agrário atua na mediação dosconflitos agrários, buscando, como fim eescopo geral de sua atuação, a promoçãoe garantia dos direitos humanos das famí-lias de trabalhadores rurais sem terra,principalmente os direitos relativos aoacesso à terra (o direito à terra rural e odireito à alimentação adequada).

Explica o Promotor, que, na prática,tais atribuições se apresentam, principal-mente, em situações de conflito envol-vendo famílias de trabalhadores ruraismobilizadas na luta pela reforma agrária einfrações penais praticadas durante amobilização ou decorrentes do conflito,logo vem a ter competência jurídica tantocível como criminal198. Frisa o mesmo, tam-bém, que, no caso de processos judiciais,ou seja, no âmbito contencioso, tal promo-toria não atua enquanto único membro doMinistério Público no processo, nãopodendo litigar e instruir processos.apenas colabora, geralmente, agindo emconjunto com o promotor local, conforme

197 Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 1, p. 01.198 Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 2, p. 01.

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previsto no art. 2º da Resolução supraci-tada. Desse modo, comumente, mani-festa-se nos autos por meio de “promoçãoministerial”, na qualidade de custo legis,opinando qual seu entendimento sobre olitígio objeto da contenda.

Esclarece, ainda, que a atuação dapromotoria tem muito a ver com a repar-tição constitucional e infraconstitucionaldas competências entre os órgãos fede-rais, estaduais e municipais, empregando,porém, a promotoria em suas atividadesa perspectiva da integração, articulação eatuação compartilhada, de modo a seenfrentar as demandas sociais e institu-cionais de forma cooperativa199 – verda-deira aplicação da teoria dos diálogosinstitucionais na prática da mediação deconflitos coletivos.

Tal atuação fica evidenciada na prá-tica cotidiana do órgão, por exemplo, nocaso da Comissão Estadual de Prevenção,Conciliação e Resolução de Conflitosagrários, tendo seus trabalhos presididospelo Promotor agrário. Essa instância vema ter uma perspectiva mais preventiva, emcaso de instalado o conflito buscar evitarmaiores danos e lesões aos direitos envol-vidos; de resolução mais estrutural, vistoatuar pela pacificação do conflito com ocumprimento das políticas públicas rela-cionadas à reforma agrária e o direito àterra; ou mesmo investigativa, em caso darealização de denúncias de situações deviolação a direitos em reunião pelos atoressociais que costumam participar.

Tendo reuniões mensais, como pre-paração para a mesma, é acordada entreos participantes previamente a pauta de

casos que serão tratados nesta, bemcomo as informações já necessárias paraos encaminhamentos devidos200. Nestasreuniões, geralmente, participam aouvidoria agrária regional do incra, repre-sentante da Polícia Militar, representanteda secretaria de articulação social dogoverno Estadual, representante dasecretaria de agricultura do governoEstadual, além de atores sociais envolvi-dos nos conflitos como movimentossociais (p. ex. CPT, MsT, Fetraf etc.) eorganizações da sociedade Civil (p. ex.Terra de Direitos). Relata o promotor dejustiça em sua entrevista, no entanto, que,além dessas entidades, são convidadostambém representantes da Procuradoriado Estado e do incra, autoridades munici-pais e do sistema de justiça, como outrospromotores e magistrados, mas que difi-cilmente participam desse espaço media-ção e diálogo institucional201.

importante, também, relatar quetanto a Promotoria agrária como a própriaComissão estadual buscam atuar em siner-gia com, respectivamente, a ouvidoriaagrária Nacional e a Comissão Nacional deCombate à violência no Campo. Fica fla-grante tal prática, compulsando-se as atasdas reuniões desta comissão, realizadas noEstado de Pernambuco, muitas vezes emconjunto com a Estadual, além de que oscasos, muitas vezes, são coincidentes, demodo que, ao serem levados para aComissão Nacional, intenta-se diálogosinstitucionais que envolvam órgãos fede-rais ou representações nacionais localiza-das em Brasília para a devida mediação doconflito e efetivação da política de acessoà terra202.

199 Ibidem. Pergunta 3, p. 02. 200 Ministério Público de Pernambuco/ Promotoria Agrária. Ofício n. 918/2011. 08.09.2011. 201 Entrevista. Pergunta 7. P. 03. 202 Ministério do Desenvolvimento Agrário/Ouvidoria Agrária Nacional. Ata da 221ª Reunião da Comissão Nacional

de Combate à Violência no Campo. 06.07.2011; Ata da 270ª Reunião da Comissão Nacional de Combate à Violênciano Campo. 13.12.2011.

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Na busca por diálogo e cooperaçãoinstitucional entre a própria Promotoria ea ouvidoria Nacional, tem-se, comoexemplo, ofício daquela enviado paraesta em fevereiro de 2010, solicitando oapoio institucional para a adoção de pro-vidências administrativas indispensáveisà solução de vários conflitos agráriosdeflagrados no estado, colocando, emanexo, a pauta de casos que envolveriamtal atuação sinérgica, estado do conflitoe medidas mais adequadas a seremtomadas para sua resolução. Neste,aponta-se como principal instrumentoinstitucional da Promotoria utilizado paraa mediação as audiências extrajudiciaisde tentativa de conciliação203.

Em tais audiências, fórmula reco-mendada pelo Plano Nacional de Direitoshumanos 3 (PNDh-3), relata-se, no ofício,que se busca a resolução do conflito coma persuasão dos trabalhadores ruraisenvolvidos nas ocupações reivindicatóriasa desocuparem o imóvel rural, evitando-se a violência própria dos despejos força-dos. Em contrapartida, aguarda-se amanifestação do incra sobre a viabilidadeda desapropriação do imóvel reivindicadoe sua destinação para a reforma agráriaou, alternativamente, a indicação de outroimóvel para tal fim. aponta o mesmo, que,neste ponto, reside o principal obstáculoà solução dos litígios agrários204.

Em tal manifestação, a Promotoriaagrária identificaria, na carência de pes-soal e de verbas orçamentárias, além dosentraves administrativos e judiciais, acausa de uma quantidade razoável deconflitos fundiários rurais no estado per-sistir sem perspectiva de solução defini-

tiva – o que geraria na perda de credibili-dade e confiança dos trabalhadores ruraise organizações camponesas em tal instru-mento de mediação, visto a ausência derespostas efetivas às reivindicações e,consequentemente, ausência de expecta-tivas de inclusão social ao programanacional de reforma agrária205. Essa ava-liação de não cumprimento dos acordosfirmados nas audiências extrajudiciaispelo incra também é reafirmada peloatual membro da Promotoria agrária emsua entrevista, o que só vem a destacar acentralidade desta autarquia federal naresolução dos conflitos fundiários206.

além dos obstáculos encontrados apartir da atuação do incra, o atual mem-bro deste órgão também aponta comoentrave à pacificação dos conflitos fundiá-rios a ausência de cooperação institucio-nal com outros órgãos do próprio sistemade justiça. vem a ser concretização dissoa resistência muitas vezes encontrada noJudiciário de levar em consideração asinvestigações do cumprimento da funçãosocial da terra, mesmo ainda que sejaapós o proferimento de decisão liminar dereintegração de posse207.

aliados às audiências extrajudiciais,são também instrumentos institucionaisutilizados na mediação dos conflitos fun-diários pela Promotoria agrária a partici-pação em audiências judiciais para fins decomposição do conflito, a assinatura deTermos de ajustamento de Conduta eaudiências públicas com adoção de medi-das administrativas conciliatórias. Emtodas, busca-se, como finalidade, a desa-propriação das propriedades ruraisimprodutivas e sua destinação para pro-

203 Ministério Público de Pernambuco/ Promotoria Agrária. Ofício n. 116/2010. 05.02.2010. 204 Ibidem. 205 Ibidem. 206 Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 6, p. 03. 207 Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 6, p. 03.

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moção da política pública de reformaagrária, através de propostas de notifica-ção prévia para investigar a função socialda terra rural no imóvel em discussão208.

Nesta investigação do cumprimentoda função social da terra, conforme o art.186 da Constituição Federal, verifica-se,também, que, em vários casos, aPromotoria agrária, ao instalar procedi-mento investigativo preliminar, tambémrealiza ela própria tal investigação emdeterminado imóvel rural, palco de umcaso de conflito fundiário. Cite-se a ativi-dade oficiante deste órgão ao, por exem-plo, tomar depoimento de trabalhadoresrurais envolvidos em determinado con-flito, de modo que emergem várias situa-ções de violação de direitos humanos209.

Também observa-se, dentro de talinstrumento de mediação, a atividade ofi-ciante para apuração prévia de descum-primento da função social, a requisiçãode informações aos órgãos administrati-vos e de fiscalização de tais aspectos:sobre a produtividade do imóvel peloincra210, bem-estar social junto aos órgãosdo sistema de segurança pública211 ou ocumprimento das leis de proteçãoambiental junto ao órgão estadual demeio ambiente212.

ainda dentro deste escopo, ter-se-iatambém atuação no mesmo sentido,porém em casos particulares (que, noto-riamente, não são poucos) de criminaliza-ção dos trabalhadores rurais, seja emações criminais, seja em atos atentatóriose de ameaça à vida e integridade física

destes defensores de direitos humanos,em decorrência do conflito agrário. assim,a atuação da Promotoria agrária,enquanto órgão do Ministério Público,seria pela apuração dos fatos para res-ponsabilização dos ofensores e preven-ção dos atos de violência e conflito, tãoainda marcantes nessas situações – nestecaso, em claro trabalho integrado com osórgãos de segurança pública.

Por fim, destaca-se, também, comoimportante instrumento institucional demediação a intervenção judicial daPromotoria agrária nos processos judiciaisdecorrentes de conflitos fundiários coleti-vos rurais, principalmente em ações pos-sessórias. Manifestando-se por meio de“Promoção ministerial”, busca-se pelatutela jurisdicional dos direitos fundamen-tais dos trabalhadores rurais e a composi-ção dos conflitos – na realização desta, emgeral, provocando a realização de audiên-cia prévia de conciliação, a fim de evitardespejos forçados e violentos dos traba-lhadores acampados, quando do cumpri-mento da decisão liminar possessória213.

a fim de ilustrar, em uma primeiramanifestação processual analisada, omembro da Promotoria agrária requereuao juízo a designação de audiência deconciliação a fim de se encontrar umasolução negociada e pacífica para com-por caso de conflito possessório, sob fun-damento de que a adoção de tal medidaseria útil para construção de um ambientedemocrático e legítimo para negociar asocupações de forma pacífica, com a pre-

208 Idem.209 Ministério Público de Pernambuco/ Promotoria Agrária. Ata de audiência. 22.01.2007; Termo de depoimento.

30.08.2006. 210 INCRA. Ofício n. 185/2006 (remetido à Promotoria Agrária).211 Polícia Civil de Pernambuco. Ofício n. 01475/2020 (remetido à Promotoria Agrária).212 Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – CPRH. Ofício n. 390/2010 (remetido à Promotoria

Agrária). 213 Ministério Público de Pernambuco/ Promotoria Agrária. Processo n. 224.2007.000227-4. Promoção Ministerial;

Processo n. 222.2006.001315-8. Promoção Ministerial.

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servação do patrimônio e da integridadefísica das partes envolvidas no processo.isto, ao mesmo tempo em que se conso-lide no sistema de justiça o entendimentode ser a ocupação de terras um ato decidadania exercido para exigir do Estadoa implementação de políticas indispensá-veis ao combate à pobreza e desigualda-des sociais, não constituindo umaviolação automática ao direito de proprie-dade. assim, seria, desse modo, forma deconvocação para o Estado, administraçãoe juiz investigar a função social da pro-priedade rural. Em segunda manifestaçãoprocessual analisada, sob os mesmos fun-damentos, juntam-se diversos documen-tos informativos que demonstram oestado de cumprimento da função socialpor determinado imóvel rural.

Bloco B Sobre a Cultura Institucional deMediação de Conflitos Fundiários Rurais

a fim de se observar as percepçõestidas a partir da prática institucional damediação de conflitos por aquele órgão,além das análises já presentes difusa-mente no subitem anterior, primeiro bus-cou-se descrever como tal agente públicoencara o conflito fundiário e os atoressociais envolvidos. Neste ponto, afirma oatual membro da Promotoria agrária, ementrevista com ele realizada, que “os valo-res, bens e interesses protegidos nas nor-mas e princípios constitucionais garantema mobilização social dos trabalhadoresrurais e dos povos tradicionais, em buscade cidadania plena e garantia de digni-dade da pessoa”.214

Figurariam, assim, como legítimas, aluta pela terra ou contra a injustiça social, afalta de política pública eficiente para desa-propriar terras improdutivas ou produtivas,má condução dos conflitos agrários poralgumas autoridades administrativas, judi-ciárias, membros do Ministério Público e afalta de recursos e de estrutura institucionaladequada215. Desse modo, entende-se querestariam, na sua percepção, os movimen-tos sociais de reivindicação pelo acesso àterra como sujeitos de direitos e para par-ticipação ativa no processo de medicaçãode conflito.

Já sobre as dificuldades e obstácu-los para a devida consolidação de umacultura institucional de mediação de con-flitos coletivos nos órgãos responsáveispelas políticas agrárias, o mesmo afirmaque falta a muitos órgãos públicos noEstado de Pernambuco “incorporarem, nagestão administrativa, câmaras multidis-ciplinares de mediação e resolução deconflitos agrários para articularem-se einteragirem de forma coordenada e coo-perativa com os movimentos sociais deluta pela terra e com o sistema dejustiça”.216 Dentre tais órgãos, enumera oincra, instituto Estadual de Terras (iterpe)e gerência de Patrimônio do Estado, vin-culado à Procuradoria geral do Estado.

sobre a relação com o incra, omesmo voltou a reafirmar o papel desteno descumprimento de acordos firmadosem audiências extrajudiciais de mediaçãoe conciliação. Relata que, assim como estaautarquia federal, grande parte dosdemais órgãos que participam dessasaudiências extrajudiciais de cumprimentode medida liminar e de proposta de inves-tigação da função social da terra encami-

214 Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 8, p. 3. 215 Idem. 216 Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 9, p. 4.

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nham para mediar os conflitos funcioná-rios sem poder de decisão administrativa,gerando grande insatisfação e descon-fiança nos trabalhadores rurais – o mesmoreiterou quanto à ponderação de priorida-des de tutela presentes nas decisões jurí-dicas. Desse modo, ele avaliou comobaixíssima a capacidade de resolutividadedos órgãos administrativos e do sistemade justiça envolvidos na resolução dosconflitos agrários217.

somada a tal ausência de cultura ins-titucional, ter-se-iam leis inapropriadaspara mediarem e solucionarem os confli-tos agrários com dimensões complexas epluralidades sociológicas, econômicas eculturais, restando, para o desempenharde seu ofício, as normas jurídicas presen-tes no art. 181 e 82, 926-8, todos do Códigode Processo Civil e nos arts. 1.210 e 1.228do Código Civil, para os casos específicosde ações possessórias. assim, grandeparte do trabalho da Promotoria agrária,substantivamente, teria suas teses ancora-das em princípios, valores e normas cons-titucionais protetores e promovedores dosprincípios da cidadania, democracia parti-cipativa, dignidade da pessoa humana,função social da terra rural, direitos sociais,fundamentos e objetivos da República,princípios e normas da ordem econômicae social – todos tendo que ser interpreta-dos em adaptação à situação concretasegundo os contornos sociais, econômi-cos e culturais das dimensões dos confli-tos agrários, não havendo tutela específicapara tal realidade complexa.

a título de aperfeiçoamento dosprocedimentos de mediação de conflitos

fundiários, sugere, em sua entrevista, ainstalação de Câmaras multidisciplinaresno âmbito interno de cada órgão adminis-trativo, a fim de desenvolver um processode decisão coletiva segundo ponderaçõesentre as prioridades orçamentárias e asdemandas emergentes. Daí, a instituiçãode um desenho institucional pautado pelagestão democrática, coordenada, partici-pativa e tomadas de decisões envolvendointeração social e institucional, bem comoa criação de ouvidorias especializadaspara o desempenhar adequado da capa-cidade de interação demandas sociais –políticas públicas institucionais. o mesmoainda reitera a necessidade de formulaçãode propostas de regulamentação norma-tiva inovadoras, balizadas no escopo deconcretização das políticas públicas pre-vistas no PNDh-3218.

Por conseguinte, a partir de toda aanálise acima exposta, entende-se que aPromotoria agrária, enquanto órgão comfim institucional específico de mediaçãode conflitos agrários, busca, a partir deseus procedimentos e protocolos internosde operação, alargar a competência dotrato de tais conflitos, de forma a não serestringir às autoridades competentes dosistema de justiça, mas envolver, também,os agentes público-administrativos perti-nentes e adequados para a efetivação daspolíticas públicas de acesso à terra. Dessemodo, a solução do conflito não seria oencerramento do processo judicial pos-sessório, por exemplo, mas a promoçãode direitos humanos vinculados à posseagrária e ao cumprimento da funçãosocial da terra rural.

217 Idem. 218 Entrevista. 21.01.2013. Pergunta 10, 11, 12. p. 4-5.

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a análise das experiências público-institucionais de mediação de conflitos foiinserida na pesquisa a partir de uma cons-tatação de duas ordens: em primeirolugar, a observação de que os conflitosfundiários estão inseridos em um cenáriomais amplo de expansão da função judi-cial, produzindo uma tendência quase ine-vitável que tende à sua judicialização. Emsegundo lugar, a observação sobre osproblemas de cultura jurídica e capaci-dade judicial que geram o bloqueio insti-tucional do sistema de justiça, em especialo Poder Judiciário, na lida com demandasde caráter estrutural, como os conflitosfundiários rurais.

Diante deste verdadeiro dilema, queapresenta um cenário da tendência à judi-cialização dos conflitos fundiários rurais,em oposição à perspectiva de bloqueioinstitucional do Poder Judiciário no quediz respeito à solução adequada destesconflitos, a apresentação e análise destasexperiências buscaram contribuir com aprodução de um efeito de desbloqueioinstitucional do Poder Judiciário, namedida do incentivo à incorporação à suacultura judicial e institucional, de mecanis-mos, procedimentos e manejo de instru-mentais extra ou não estritamentejudiciais, quando se encontra diante deum conflito fundiário rural judicializado.

Com vistas à sistematização dosachados de pesquisa que apontam paraeste efeito de desbloqueio institucional doPoder Judiciário, em sua cultura judicial e

institucional, podem ser identificados, namedida da interação dos estudos decasos com as experiências modelo, osseguintes elementos:

1. Quanto à capacitação e formaçãoespecializada: um processo de me-diação eficaz se produz na medidada compreensão da complexidadeestrutural do conflito, conhecendo ereconhecendo as suas múltiplasdimensões de sujeitos, agentes einteresses públicos e privados, direi-tos fundamentais, órgãos e políticaspúblicas implicadas. Neste sentido,aparece como primordial o fator daformação e capacitação especiali-zada dos agentes responsáveis pelasolução dos conflitos;

2. Quanto ao manejo instrumental:uma cultura de mediação e soluçãoalternativa de conflitos aponta,necessariamente, para a renovaçãodo instrumental tipicamente utili-zado na solução dos conflitos. Dessemodo, se faz necessária a incorpora-ção de procedimentos e ferramen-tas com baixo grau de formalismo,sem ignorar os princípios da admi-nistração pública e as regras dosprocessos judiciais. Neste sentido, sefazem indispensáveis o uso de ferra-mentas dialógicas e comunicativas,bem como a realização de procedi-mentos extra gabinetes, como a ins-peção judicial e a realização deaudiências de mediação e públicas,

Análise e Considerações acerca dasExperiências Público-Institucionais deMediação de Conflitos Fundiários

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supra partes processuais. Um de-bate mais avançado neste sentido jáse observa nas experiências de jus-tiça distributiva, e cumpre agora seradaptado à mediação e solução dosconflitos fundiários;

3. Quanto ao tratamento panorâmicodo caso: os conflitos fundiáriosrurais produzem um complexo cená-rio de judicialização que demandado judiciário um tratamento coorde-nado e integrado em suas diferentesclasses e ações judiciais, compreen-dendo a complexidade judicial namedida da complexidade dos ele-mentos constitutivos do conflitofundiário rural, aliado ao reconheci-mento da ação coordenada das suascategorias de litigantes em relaçãoao manejo combinado de diferentesclasses processuais. Compreende-seque este tratamento panorâmico dajudicialização do conflito constituicondição de possibilidade para suamediação e adequada solução, epode ser estrategicamente plane-jado e desenhado na medida dasfunções normativas no âmbito daadministração da justiça.

4. Quanto ao diálogo institucional e osefeitos correlatos: por fim, namedida da incorporação das trêsanálises descritas acima, e da conse-quente observação e compreensãoda complexidade dos elementosconstitutivos dos conflitos fundiáriosrurais, ressalvando o caráter estrutu-ral da demanda e a implicação diretade políticas e órgãos públicos corre-

latos, é possível destacar uma últimaobservação que se configura emuma espécie de síntese para a eficá-cia de uma cultura institucional demediação: em sede da judicializaçãodo conflito fundiário, a abertura ins-titucional do poder judiciário para odiálogo deliberativo com os atoressociais e instituições públicas apre-senta-se como a essência de umprocedimento apto a produzir solu-ções adequadas, alternativas e pací-ficas para o conflito.

De fato, em acordo com garavito &Franco, apenas uma jurisdição dialógica écapaz tanto de compreender como deconstruir e apresentar soluções adequa-das para a natureza estrutural do conflito,coordenando de forma deliberativa,desde uma visão panorâmica, os atores einstituições diretamente implicados noconflito, desbloqueando a execução depolíticas públicas (efeitos coordenador,deliberativo, de desbloqueio e de políticaspúblicas), traduzindo, desse modo, para asociedade, a sua natureza de direitoshumanos (efeito criador), e, enfim, garan-tindo os direitos fundamentais dos sujei-tos coletivos de direitos (efeito social).

Ressalte-se, por fim, a convicção deque esta saída dialógica junto às institui-ções públicas e sociais em problemasreferidos aos direitos humanos econômi-cos, sociais e culturais é caminho que for-talece, em sua essência, a legitimidade,autonomia, independência e eficácia dajurisdição, ao contrário do que um dis-curso enviesado, superficial ou mera-mente corporativo possa denunciar.

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o cenário dos conflitos fundiários noBrasil ainda revela-se preocupante.segundo dados da ouvidoria agráriaNacional, entre os anos de 2001 e 2012,foram registrados 189 assassinatos decor-rentes, diretamente, de conflitos fundiá-rios rurais. Para a Comissão Pastoral daTerra (CPT), este número sobe para a cifrade 370 assassinatos, somente entre osanos de 2003 e 2012219. De fato, são cons-tantes as notícias de conflitos fundiáriosrurais, e crescentes, por seu turno, aquelasreferentes aos povos indígenas e comuni-dades tradicionais.

Tratando-se de conflitos referidos aoenvolvimento de sujeitos coletivos dedireitos, e reivindicações diretamente vin-culadas, de um lado, à proteção e garantiade direitos fundamentais, e de outro, àcorrelata implementação ou consolidaçãode políticas públicas fundiárias, a questãoda mediação e solução pacífica dos con-flitos fundiários assume contornos quedizem respeito a toda uma população de

grupos vulneráveis, distribuídos por umadiversidade social, econômica, étnica ecultural que desafiam as instituições doEstado Brasileiro em sua função, poder-dever, de garantia e proteção dos direitosfundamentais e erradicação das desigual-dades sociais enquanto núcleos da ativi-dade estatal e existência social.

Diante deste cenário, e compreen-dendo que os conflitos fundiários estãoinseridos em uma tendência geral deexpansão do protagonismo judicial – quese traduz na judicialização de conflitos dediversas matizes, canalizando a suamediação, via de regra, para as institui-ções de Justiça – o presente “Manual parauma Cultura institucional de Mediação esoluções alternativas de ConflitosFundiários Rurais” vem apresentar umdebate sobre propostas e medidas quetendem à resolução eficaz e pacífica dosconflitos fundiários. acredita-se que talsolução se realiza através de procedimen-tos focados na compreensão do pro-

SEÇÃO IIIMANUAL PARA UMA CULTURA INSTITU-CIONAL DE MEDIAÇÃO E SOLUÇÕESALTERNATIVAS DE CONFLITOS FUNDIÁ-RIOS RURAIS

INTRODUÇÃO

219 A diferença de números entre as entidades se deve ao referencial de coleta: a Ouvidoria Agrária Nacional se baseiaem números referidos a Inquéritos Policiais, ao passo em que a Comissão Pastoral da Terra incorpora os assassi-natos que chegam ao seu conhecimento, muitos dos quais, alega, não chegam sequer a gerar Inquéritos Policiaisou acabam por não serem considerados, em sede de Inquéritos Policiais, como decorrentes de conflitos fundiáriosrurais.

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blema e projeção de ações coordenadas,voltadas ao enfrentamento das causas eprevenção das consequências historica-mente vinculadas a estes conflitos, comvistas à construção de uma cultura jurisdi-cional e institucional dialógica, aberta auma cultura jurídica compreensiva dacomplexidade estrutural que compõe ocenário de judicialização dos conflitos fun-diários rurais. Uma cultura apta e disposta,enfim, ao manejamento de instrumentaise procedimentos extra-processuais dialó-gicos, e que enfrente, de modo adequado,a complexidade social, institucional e jurí-dica destes conflitos para, a partir daí, ofe-recer-lhes uma resposta eficaz, na medida

desta mesma complexidade social e insti-tucional coordenada em prol da supera-ção do estado de tensão social decorrentedo conflito fundiário.

aliado à perspectiva desta nova cul-tura institucional, e integrado ao instru-mental dialógico, cumpre identificar,também, qual o arcabouço normativodiretamente referido a esta cultura demediação para soluções alternativas dosconflitos, a fim de fornecer os elementospara uma espécie de hermenêutica dosconflitos fundiários rurais no Brasil.

Eis o que se apresenta nas páginasa seguir:

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1º) Noção, Conceito eCaracterísticas dosConflitos

os conflitos fundiários são caracteri-zados por disputas pela posse de imóveisrurais ou territórios indígenas, extrativistasou de comunidades tradicionais. Envol-vem uma complexidade característica,composta de uma agregação de dois blo-cos de elementos complementares: de umlado, uma dimensão histórica, social, eco-nômica, étnica e cultural; de outro, umadimensão política e institucional.

a dimensão histórica, social, econô-mica, étnica e cultural se manifesta nafigura dos atores sociais geralmenteenvolvidos. Eles fazem dos conflitos fun-diários, na medida de sua especificidadeem cada caso concreto, uma reiteração ereação da história agrária brasileira, carac-terizada pela disputas de terras e ausên-cia de regularização fundiária realizadapelo Estado.

Neste sentido, serão sempre en-contrados em conflitos fundiários campo-neses, indígenas, quilombolas ou diversasmanifestações de culturais comunitáriasque assumem a condição de sujeitoscoletivos de direitos e disputam historica-mente a posse-trabalho e posse-existên-cia de um determinado imóvel ou território.De outro lado, em conflito com os sujeitoscoletivos de direitos, serão encontradosagentes privados, individualizados ou em

associação, movidos por interesses par-ticulares de natureza eminentementeeconômica.

a dimensão política e institucional,por sua vez, emana dos objetivos egarantias fundamentais da RepúblicaFederativa do Brasil no EstadoDemocrático de Direito, na medida emque, aos conflitos fundiários rurais, sãosempre referidos uma fórmula de prote-ção a direitos e garantias fundamentais,aliada de maneira indissociável à realiza-ção de políticas públicas fundiárias ecorrelatas. Diretamente vinculadas àdimensão política, serão encontradosórgãos públicos competentes incumbi-dos da garantia de proteção destes direi-tos ou realização das políticas públicasrespectivas.

Desse modo, os conflitos fun-diários são, geralmente e dire-tamente, referidos a umatríade de elementos intrínse-cos e correlatos, que devemser identificados a fim de pro-duzir uma mediação e soluçãoadequada:

i) sujeitos coletivos de direitosem situação de vulnerabilidadeeconômica, social, étnica e cul-tural, em oposição a agentesprivados mobilizados por inte-resses econômicos, associadosou não com órgãos públicos;

PARTE I IDENTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS DOCONFLITO FUNDIÁRIO RURAL

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ii) garantia e proteção e direi-tos fundamentais em oposiçãoa direitos patrimoniais;

iii) realização de políticaspúblicas fundiárias e correlatasem oposição à não intervençãodo Estado na propriedade pri-vada.

vale ressaltar que, de modo comple-mentar, os conflitos fundiários decorren-tes da implementação de grandes obrase projetos de infraestrutura possuem umavariação estrutural no que diz respeito aesta tríade, em especial no que se refereà atuação dos órgãos públicos, que pas-sam a desempenhar o papel aqui caracte-rizado pelos agentes privados, ao passoem que a realização de políticas públicasfundiárias e correlatas passam a se aliar ànão remoção dos sujeitos coletivos dedireito de seus territórios.

2º) Os ElementosConstitutivos do Conflito

a análise dos conflitos fundiáriosrurais nos permite, portanto, identificar oselementos que compõem a complexidadehistórica, social, econômica, cultural, polí-tica, jurídica e institucional característicados conflitos fundiários. De um lado, umadimensão histórica, social, econômica ecultural que caracteriza os sujeitos envol-vidos, e, de outro, uma dimensão política,jurídica e institucional diretamente impli-cada nas responsabilidades, compromis-sos e deveres do Estado Democrático deDireito em relação àqueles sujeitos.

Primeiro elemento constituinte dos

conflitos fundiários rurais: o envolvimentode sujeitos coletivos de direitos que pos-suem os seus modos de vida atrelados àterra, às águas, às florestas e ao território,de onde emanam e são ameaçadas dife-rentes categorias de direitos fundamen-tais econômicos, sociais, étnicos eculturais resguardados e garantidos pelaConstituição de 1988. são sujeitos queassumem diversas manifestações sociais,étnicas e culturais na realidade agráriabrasileira, dentre elas as de camponeses,indígenas e quilombolas, como se perce-bem nos quatro estudos de casos, alémde comunidades tradicionais diversas,como as babaçueiras, ribeirinhos, pesca-dores, açaizeiras, comunidades de fundode pasto, faxinalenses, dentre outrasmanifestações regionais.

atrelados a estes sujeitos coletivos dedireitos, pode-se observar dois elementoscorrelatos e, também, constitutivos dosconflitos fundiários: de uma lado, os direitosfundamentais que emanam da sua condi-ção histórica de vida junto à terra e ao ter-ritório, e, de outro, as políticas públicasdiretamente referidas e implicadas a estesdireitos fundamentais, ao menos na formaconstituída pelo Estado Democrático deDireito instaurado nos termos da Constitui-ção de 1988. Eis portanto, o segundo e ter-ceiro elementos constitutivos dos conflitosfundiários rurais, agora já diretamente ema-nados do Estado Democrático de Direitopelo qual eles são garantidos: direitos fun-damentais vinculados aos modos de vidajunto à terra e ao território; e as políticaspúblicas que lhes são correlatas no EstadoDemocrático de Direito.

De modo complementar e intrinse-camente vinculado a estes três primeiroselementos constitutivos dos conflitos fun-diários, encontramos as instituições eórgãos públicos diretamente implicados,quer na promoção e defesa dos direitos

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daqueles sujeitos coletivos – compreendi-dos em sua situação de vulnerabilidadeeconômica e social –, quer na realizaçãodas políticas públicas fundiárias e correla-tas que constituem parte da estruturaorganizacional, econômica, social, étnica ecultural da República Federativa do Brasil.Neste sentido, apresentam-se no cenáriocomo quarto elemento constitutivo dosconflitos fundiários os órgãos públicosfundiários e correlatos (de políticas sociais,econômicas, étnicas e culturais).

Em oposição aos quatro primeiros ele-mentos constitutivos dos conflitos fundiá-rios, pode ser identificado, finalmente, umquinto elemento constitutivo, que possui,por seu turno, uma distinção e forma mistana sua constituição interna:ora se apresenta

como agentes privados, ora como órgãospúblicos, ora confundem-se na figura deconsórcios ou concessionárias voltados àrealização de grandes empreendimentos. seos sujeitos coletivos de direitos assumemformas distintas de manifestação fundadassobre matrizes sociais, étnicas e culturais,verifica-se que os agentes privados tambémassumem diferentes categorias de apresen-tação, geralmente representativas de seto-res e interesses econômicos.

Nestes termos, é possível apresentarum quadro exemplificativo com os cincoelementos constitutivos mínimos caracte-rísticos dos conflitos fundiários rurais,com vistas à análise e projeção de medi-das para a mediação e soluções alternati-vas de conflitos em casos concretos:

Quadro 17 - Cinco Elementos Mínimos Constitutivos do Conflito Fundiário Rural

1 Sujeitos Coletivos Emanam das Manifestações sociais,de Direitos étnicas e Culturais

2 Direitos Fundamentais Emanam do Reconhecimento dosCorrelatos Modos de vida atrelado à Terra,

às Águas, às Florestas ou ao Território no Estado Democrático de Direito

3 Políticas Públicas Emanam da organização social, Correlatas Econômica e Cultural do Estado

Brasileiro

4 Instituições Públicas Emanam da organização Política doImplicadas Estado Brasileiro

5 5.1 Agentes Privados Motivados por interesses econômicos privados

5.2 Órgãos Públicos Motivados pelo interesse Público

5.3 Consórcios/ Motivados pela Forma Mista deConcessionárias interesses Econômicos Privados

e interesse Público

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3º) Diferentes Categorias deSujeitos Coletivos deDireitos e RespectivosDireitos e PolíticasPúblicas Implicadas:

Como um dos elementos caracterís-ticos dos conflitos fundiários, os sujeitos

Quadro 18 - Componentes da Natureza Estrutural dos Conflitos Fundiários Rurais

Sujeitos Direitos Proteção Política Pública Órgãos Públicos Coletivos Implicados Constitucional Correlata Implicados

Camponeses acesso à terra,

trabalho, moradia, art. 1º, iii e iv; Reforma agrária instituto de Colonização

alimentação, art. 3º, i iii; art. 5º, e Reforma agrária -

educação, saúde caput e xxiii; iNCRa/MDa; institutos de

e lazer art. 170, iii e vii; Terras Estaduais

arts. 184 e 186;

indígenas Reconhecimento art. 1º, iii e iv; Demarcação do Fundação Nacional do

da organização art. 3º, i, iii e iv; Território Índio - FUNai/MJ

social, costumes, art. 170, vi e vii;

línguas, crenças e art. 215, §1º;

tradições, e os art. 216, ii;

direitos originários art. 231;

sobre as terras que art. 232;

tradicionalmente

ocupam

Quilombolas Reconhecimento da art. 1º,iii e iv; Titulação do instituto de Colonização e

propriedade art. 3º, i, iii e iv; Território Reforma agrária - iNCRa/MDa;

definitiva sobre o art. 170, vii; , Fundação Cultural

território e a art. 215 §1º; Palmares/MinC; secretaria

proteção das suas ` art. 216, ii e §5º; Especial de Promoção da

manifstações igualdade Racial - sEPiR

culturais

Povos e Reconhecimento, art. 1º, iii e iv; Regularização dos Comissão Nacional de

Comunidades fortalecimento e art. 3º, i, iii e iv; Direitos Territoriais, Desenvolvimento

Tradicionais garantia dos seus art. 170, iii, vi e vii; sociais, ambientais, sustentável

direitos territoriais, art. 186, ii e iv; Econômicos, dos Povos e

sociais, ambientais, art. 215, §1º; Culturais Comunidades

econômicos e art. 216, ii; Tradicionais

culturais por analogia

art. 231;

art. 68 do aDCT

(cf. Dec.

Nº 6.040/07)

coletivos de direitos presentes na reali-dade agrária brasileira são diversos, assu-mindo características regionais e culturaispróprias nas diferentes regiões do país.No entanto, é possível e necessário iden-tificar ao menos quatro categorias encon-tradas ao longo de todo o territórionacional, e os respectivos direitos e polí-ticas públicas correlatas que compõem os

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caso concreto, e o fazem de maneiracombinada em diversos casos judiciais ediversas classes processuais.

Nestes termos, em sede de um con-flito fundiário, é necessário investigar quaisas classes processuais manejadas a fim deidentificar as relações processuais frequen-tes. o Quadro 19 (página 122) apresentaum cenário comumente observado dejudicialização do conflito fundiário a títuloexemplificativo, mas indicando metodolo-gicamente um procedimento de formaçãodo cenário da judicialização, como condi-ção de eficácia da compreensão do con-flito e, consequentemente, da mediaçãopara uma solução adequada:

Diante de um conflito fundiário rural,portanto, tal relação deve ser identificada,a fim produzir, ao menos, dois resultados:de um lado, montar o cenário da judiciali-zação do conflito fundiário, a fim deenxergá-lo desde uma perspectiva judicialpanorâmica, integrada e coordenada; deoutro, desde esta perspectiva coordenada,identificar a complexidade jurídica, política,social e institucional do conflito, e, dessemodo, produzir as condições de possibili-dade para o enfrentamento adequado dascausas e consequências do conflito.

Desse modo, à complexidade estru-tural, social, política e institucional do con-flito fundiário rural, passa a corresponderuma jurisdição informada para enfrentaro problema com uma visão, técnicas e ins-trumentos capazes de produzir soluçõescomplexas tendentes à mediação em prolda resolução pacífica do conflito, con-forme seção ii infra.

elementos característicos dos conflitosfundiários rurais no Brasil, Quadro 18.

Desse modo, ao deparar-se comum caso estrutural, é necessária a reali-zação de um procedimento de identifi-cação dos elementos que compõem estanatureza estrutural dos conflitos fundiá-rios rurais, de modo a projetar estraté-gias e ações voltadas à satisfação ecoordenação de direitos e deveres fun-cionais que compõem o caso em ques-tão. Para garavito & Franco (2010, p. 41),a natureza estrutural de um casodemanda uma postura e cultura institu-cional dialógica por parte do poder judi-ciário, compreendendo-se a tendência àjudicialização na qual estão inseridos osconflitos fundiários no Brasil.

4º) Classes Processuais eLitigantes Frequentes:Visão Panorâmica daJudicialização doConflito

Conforme estudos de sociologia doacesso à justiça revelam, geralmentepode ser identificado um padrão domanejo de certas classes processuais emrelação a determinados atores que, fre-quentemente, se encontram em litígiosjudiciais. Neste sentido, litigantes fre-quentes, ou habituais, manejam determi-nadas classes processuais de formaestratégica, supra lide, para além do

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Quadro 19 - Panorama da Judicialização do Conflito Fundiário Rural

Classe Processual Litigantes instituição Natureza do Polo ativo Polo Passivo de Justiça Conflito

ação Civil Pública advocacia Popular / órgão Público de Justiça Federal Tradicional, étnica Ministério Público RegularizaçãoFederal Fundiária ou

Licenciamento ambiental

ação Judicial de órgão Público de agentes Privados Justiça Federal Reforma agráriaRegularização Fundiária Regularização

Fundiáriaação anulatória de agentes Privados órgão Público de Justiça Federal Reforma agráriaato administrativo Regularização

Fundiáriaação Cautelar/ agentes Privados órgão Público de Justiça Federal Reforma agráriaDeclaratória de Regularização Produtividade Fundiáriaação Possessória agentes Privados sujeitos Coletivos Justiça Estadual ambos

de Direitos CívelRepresentação Criminal agentes Privados sujeitos Coletivos Justiça Estadual ambos

de Direitos Criminalação Penal Ministério Público sujeitos Coletivos Justiça Estadual ambos

Estadual de Direitos CriminalRepresentação e sujeitos Coletivos agentes Privados Justiça Estadual ambosassistência de acusação de Direitos CriminalCriminalassistência em ação de sujeitos Coletivos agentes Privados Justiça federal Reforma agráriaDiscussão Fundiária de Direitos

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nal, quando se encontra diante de umconflito fundiário rural judicializado.

Deste modo, uma cultura institucio-nal voltada à mediação para soluçõesalternativas dos conflitos fundiários ruraisé composta e se realiza na medida dosseguintes elementos e procedimentos:

1. Quanto à capacitação e for-mação especializada: umprocesso de mediação efi-caz se produz na medida dacompreensão da complexi-dade estrutural do conflito,conhecendo e reconhe-cendo as suas múltiplasdimensões de sujeitos,agentes e interesses públi-cos e privados, direitos fun-damentais, órgãos epolíticas públicas implica-das. Neste sentido, aparececomo primordial o fator daformação e capacitaçãoespecializada dos agentesresponsáveis pela soluçãodos conflitos.

2. Quanto ao manejo instru-mental: uma cultura demediação e solução alterna-

PARTE II A MEDIAÇÃO E SOLUÇÕES ALTERNATIVAS DO CONFLITO FUNDÁRIO RURAL

Para uma CulturaInstitucional de Mediação eSoluções Alternativas dosConflitos

a necessidade de novos procedi-mentos e manejamento de novos instru-mentais de mediação de conflitos foiinserida neste manual a partir de umaconstatação de duas ordens: em primeirolugar, a observação de que os conflitosfundiários estão inseridos em um cenáriomais amplo de expansão da função judi-cial, produzindo uma tendência quase ine-vitável que tende à sua judicialização. Emsegundo lugar, a observação sobre osproblemas de cultura jurídica e capaci-dade judicial que geram o bloqueio insti-tucional do sistema de justiça, em especialo Poder Judiciário, na lida com demandasde caráter estrutural, como os conflitosfundiários rurais.

Diante do cenário da tendência àjudicialização dos conflitos fundiáriosrurais, em oposição à perspectiva de blo-queio institucional do Poder Judiciário noque diz respeito à solução adequada des-tes conflitos, este manual busca contribuircom a produção de um efeito de desblo-queio institucional do Poder Judiciário, namedida do incentivo à incorporação deprocedimentos dialógicos e manejo deinstrumentais extra ou não estritamentejudiciais à sua cultura judicial e institucio-

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tiva de conflitos aponta,necessariamente, para arenovação do instrumentaltipicamente utilizado nasolução dos conflitos. Dessemodo, se faz necessária aincorporação de procedi-mentos e ferramentas combaixo grau de formalismo,sem ignorar os princípios daadministração pública e asregras dos processos judi-ciais. Neste sentido, sefazem indispensáveis o usode ferramentas dialógicas ecomunicativas, bem como arealização de procedimen-tos extra-gabinetes, como ainspeção judicial e a realiza-ção de audiências demediação e públicas, suprapartes processuais. Umdebate mais avançado nestesentido já se observa nasexperiências de justiça dis-tributiva, e cumpre agoraser adaptado à mediação esolução dos conflitos fun-diários.

3. Quanto ao tratamentopanorâmico do conflito: osconflitos fundiários ruraisproduzem um complexocenário de judicialização,que demanda do judiciárioum tratamento coordenadoe integrado em suas diferen-tes classes e ações judiciais,compreendendo a comple-xidade judicial na medida dacomplexidade dos elemen-tos constitutivos do conflito

fundiário rural, aliado aoreconhecimento da açãocoordenada das suas cate-gorias de litigantes em rela-ção ao manejo combinadode diferentes classes pro-cessuais. Compreende-seque este tratamento pano-râmico da judicialização doconflito constitui condiçãode possibilidade para suamediação e adequada solu-ção, e pode ser estrategica-mente planejado edesenhado na medida dasfunções normativas noâmbito da administração dajustiça.

4. Quanto ao diálogo institu-cional e os efeitos correla-tos: por fim, na medida daincorporação das três análi-ses descritas acima, e daconsequente observação ecompreensão da complexi-dade dos elementos consti-tutivos dos conflitosfundiários rurais, ressal-vando o caráter estruturalda demanda e a implicaçãodireta de políticas e órgãospúblicos correlatos, é possí-vel destacar uma últimaobservação, que se confi-gura em uma espécie desíntese para a eficácia deuma cultura institucional demediação: em sede da judi-cialização do conflito fun-diário, a aberturainstitucional do poder judi-ciário para o diálogo delibe-

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rativo com os atores sociaise instituições públicas apre-senta-se como a essênciade um procedimento apto aproduzir soluções adequa-das, alternativas e pacíficaspara o conflito.

Considerações Finais

inspirado em análises clássicas emodernas sobre o cenário do acesso à jus-tiça, este manual busca apresentar ele-mentos para uma cultura institucionalvoltada à solução pacífica dos conflitosfundiários rurais, em oposição a uma cul-tura institucional direcionada para a celeri-dade e encerramento do processo judicial.

Neste sentido, verifica-se que ape-

nas uma jurisdição dialógica é capaz decompreender, construir e apresentar solu-ções adequadas para a natureza estruturaldo conflito fundiário rural, coordenando,de forma deliberativa, desde uma visãopanorâmica, os atores e instituições dire-tamente implicados no conflito, desblo-queando a execução de políticas públicas,traduzindo, desse modo, para a sociedadea natureza de direitos humanos intrínsecaa estes conflitos, e, enfim, garantindo osdireitos fundamentais dos sujeitos coleti-vos de direitos.

Ressalte-se, por fim, a convicção deque esta saída dialógica junto às institui-ções públicas e sociais – em problemasreferidos aos direitos humanos econômi-cos, sociais e culturais – é caminho quefortalece, em sua essência, a legitimi-dade, autonomia, independência e eficá-cia da jurisdição, ao contrário do que umdiscurso apressado e superficial possadenunciar.

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a uma nova cultura judicial e institu-cional de mediação de conflitos fundiáriosrurais, compreensiva da sua complexi-dade estrutural; disposta à coordenaçãodialógica e deliberativa dos diversos ato-res e instituições públicas envolvidos; eapta ao manejamento de instrumentaisnão-estritamente judiciais, correspondeuma nova compreensão hermenêuticasobre a dimensão jurídica, social e políticados conflitos fundiários.

Neste sentido, aliado à compreensãodos elementos constitutivos dos conflitos

fundiários rurais na realidade social, e àincorporação de instrumentais e procedi-mentos institucionais dialógicos, cumpre,enfim, identificar o arcabouço normativonacional e internacional adequado à cons-trução de uma nova cultura judicial vol-tada para a mediação e soluçãoalternativa destes conflitos.

Diante disso, apresenta-se, nestaParte iii, o que se compreende constituirum arcabouço normativo referencial parauma hermenêutica dos conflitos fundiá-rios rurais.

PARTE III ARCABOUÇO NORMATIVO: REFEREN-CIAL PARA UMA HERMENÊUTICA DOSCONFLITOS FUNDIÁRIOS RURAIS

INTRODUÇÃO

Âmbito Nacional

1. Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil de 1988

- Art. 1º - a República Federativa do Brasil,formada pela união indissolúvel dosEstados e Municípios e do Distrito Federal,constitui-se em Estado Democrático deDireito e tem como fundamentos:

ii - a cidadania;

iii - a dignidade da pessoa humana;

iv - os valores sociais do trabalho e dalivre iniciativa;

Parágrafo único. Todo o poder emana dopovo, que o exerce por meio de represen-tantes eleitos ou diretamente, nos termosdesta Constituição.

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- Art. 3º - Constituem objetivos funda-mentais da República Federativa doBrasil:

i - construir uma sociedade livre, justa esolidária;

iii - erradicar a pobreza e a marginalizaçãoe reduzir as desigualdades sociais e regio-nais;

iv - promover o bem de todos, sem pre-conceitos de origem, raça, sexo, cor,idade e quaisquer outras formas de dis-criminação.

- Art. 4º - a República Federativa do Brasilrege-se nas suas relações internacionaispelos seguintes princípios:

ii - prevalência dos direitos humanos;

vii - solução pacífica dos conflitos;

- Art. 5º - Todos são iguais perante a lei,sem distinção de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estran-geiros residentes no País a inviolabilidadedo direito à vida, à liberdade, à igualdade,à segurança e à propriedade, nos termosseguintes:

xxiii - a propriedade atenderá a sua fun-ção social;

- Art. 109 - aos juízes federais competeprocessar e julgar:

i - as causas em que a União, entidadeautárquica ou empresa pública federalforem interessadas na condição de auto-ras, rés, assistentes ou oponentes, excetoas de falência, as de acidentes de trabalhoe as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiçado Trabalho;

v-a as causas relativas a direitos humanosa que se refere o § 5º deste artigo;(incluído pela Emenda Constitucional nº45, de 2004)

xi - a disputa sobre direitos indígenas.

- Art. 127 - o Ministério Público é institui-ção permanente, essencial à função juris-dicional do Estado, incumbindo-lhe adefesa da ordem jurídica, do regimedemocrático e dos interesses sociais eindividuais indisponíveis.

- Art. 170 - a ordem econômica, fundadana valorização do trabalho humano e nalivre iniciativa, tem por fim assegurar atodos existência digna, conforme os dita-mes da justiça social, observados osseguintes princípios:

iii - função social da propriedade;

vi - defesa do meio ambiente, inclusivemediante tratamento diferenciado con-forme o impacto ambiental dos produtose serviços e de seus processos de elabo-ração e prestação; (Redação dada pelaEmenda Constitucional nº 42, de19.12.2003)

vii - redução das desigualdades regionaise sociais;

- Art. 184 - Compete à União desapro-priar por interesse social, para fins dereforma agrária, o imóvel rural que nãoesteja cumprindo sua função social,mediante prévia e justa indenização emtítulos da dívida agrária, com cláusula depreservação do valor real, resgatáveis noprazo de até vinte anos, a partir dosegundo ano de sua emissão, e cuja uti-lização será definida em lei.

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- Art. 185 - são insuscetíveis de desapro-priação para fins de reforma agrária:

i - a pequena e média propriedade rural,assim definida em lei, desde que seu pro-prietário não possua outra;

ii - a propriedade produtiva.

Parágrafo único. a lei garantirá trata-mento especial à propriedade produtiva efixará normas para o cumprimento dosrequisitos relativos a sua função social.

- Art. 186 - a função social é cumpridaquando a propriedade rural atende, simul-taneamente, segundo critérios e graus deexigência estabelecidos em lei, aosseguintes requisitos:

i - aproveitamento racional e adequado;

ii - utilização adequada dos recursosnaturais disponíveis e preservação domeio ambiente;

iii - observância das disposições queregulam as relações de trabalho;

iv - exploração que favoreça o bem-estardos proprietários e dos trabalhadores.

- Art. 188 - a destinação de terras públicase devolutas será compatibilizada com apolítica agrícola e com o plano nacionalde reforma agrária.

§ 1º - a alienação ou a concessão, a qual-quer título, de terras públicas com áreasuperior a dois mil e quinhentos hectaresa pessoa física ou jurídica, ainda que porinterposta pessoa, dependerá de préviaaprovação do Congresso Nacional.

§ 2º - Excetuam-se do disposto no pará-grafo anterior as alienações ou as conces-sões de terras públicas para fins dereforma agrária.

- Art. 189 - os beneficiários da distribui-ção de imóveis rurais pela reforma agráriareceberão títulos de domínio ou de con-cessão de uso, inegociáveis pelo prazo dedez anos.

Parágrafo único. o título de domínio e aconcessão de uso serão conferidos aohomem ou à mulher, ou a ambos, inde-pendentemente do estado civil, nos ter-mos e condições previstos em lei.

- Art. 190 - a lei regulará e limitará a aquisi-ção ou o arrendamento de propriedaderural por pessoa física ou jurídica estran-geira e estabelecerá os casos que depende-rão de autorização do Congresso Nacional.

- Art. 191 - aquele que, não sendo proprie-tário de imóvel rural ou urbano, possuacomo seu, por cinco anos ininterruptos,sem oposição, área de terra, em zonarural, não superior a cinquenta hectares,tornando-a produtiva por seu trabalho oude sua família, tendo nela sua moradia,adquirir-lhe-á a propriedade.

Parágrafo único. os imóveis públicos nãoserão adquiridos por usucapião.

- Art. 215 - o Estado garantirá a todos opleno exercício dos direitos culturais eacesso às fontes da cultura nacional, eapoiará e incentivará a valorização e adifusão das manifestações culturais.

§ 1º - o Estado protegerá as manifesta-ções das culturas populares, indígenas eafro-brasileiras, e das de outros gruposparticipantes do processo civilizatórionacional.

- Art. 216 - Constituem patrimônio cultural

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brasileiro os bens de natureza material eimaterial, tomados individualmente ou emconjunto, portadores de referência à iden-tidade, à ação, à memória dos diferentesgrupos formadores da sociedade brasi-leira, nos quais se incluem:

ii - os modos de criar, fazer e viver;

§ 5º - Ficam tombados todos os docu-mentos e os sítios detentores de reminis-cências históricas dos antigos quilombos.

- Art. 231 - são reconhecidos aos índiossua organização social, costumes, línguas,crenças e tradições, e os direitos originá-rios sobre as terras que tradicionalmenteocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos osseus bens.

§ 1º - são terras tradicionalmente ocupa-das pelos índios as por eles habitadas emcaráter permanente, as utilizadas parasuas atividades produtivas, as imprescin-díveis à preservação dos recursos ambi-entais necessários a seu bem-estar e asnecessárias a sua reprodução física e cul-tural, segundo seus usos, costumes e tra-dições.

§ 2º - as terras tradicionalmente ocupa-das pelos índios destinam-se a sua possepermanente, cabendo-lhes o usufrutoexclusivo das riquezas do solo, dos rios edos lagos nelas existentes.

§ 3º - o aproveitamento dos recursoshídricos, incluídos os potenciais energéti-cos, a pesquisa e a lavra das riquezasminerais em terras indígenas só podemser efetivados com autorização doCongresso Nacional, ouvidas as comuni-dades afetadas, ficando-lhes asseguradaparticipação nos resultados da lavra, naforma da lei.

§ 4º - as terras de que trata este artigo

são inalienáveis e indisponíveis, e os direi-tos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º - é vedada a remoção dos gruposindígenas de suas terras, salvo, “ad refe-rendum” do Congresso Nacional, em casode catástrofe ou epidemia que ponha emrisco sua população, ou no interesse dasoberania do País, após deliberação doCongresso Nacional, garantido, em qual-quer hipótese, o retorno imediato logoque cesse o risco.

§ 6º - são nulos e extintos, não produ-zindo efeitos jurídicos, os atos quetenham por objeto a ocupação, o domínioe a posse das terras a que se refere esteartigo, ou a exploração das riquezas natu-rais do solo, dos rios e dos lagos nelasexistentes, ressalvado relevante interessepúblico da União, segundo o que dispuserlei complementar, não gerando a nulidadee a extinção direito a indenização ou aações contra a União, salvo, na forma dalei, quanto às benfeitorias derivadas daocupação de boa fé.

§ 7º - Não se aplica às terras indígenas odisposto no art. 174, § 3º e § 4º.

- Art. 232 - os índios, suas comunidadese organizações são partes legítimas paraingressar em juízo em defesa de seusdireitos e interesses, intervindo o Minis-tério Público em todos os atos do pro-cesso;

ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS

- Art. 68 - aos remanescentes das comu-nidades dos quilombos que estejam ocu-pando suas terras é reconhecida apropriedade definitiva, devendo o Estadoemitir-lhes os títulos respectivos.

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2. Lei Complementar nº 76, de06 de Julho de 1993

- Preâmbulo: Dispõe sobre o procedi-mento contraditório especial, de ritosumário, para o processo de desapropria-ção de imóvel rural, por interesse social,para fins de reforma agrária.

- Art. 1º - o procedimento judicial da desa-propriação de imóvel rural, por interessesocial, para fins de reforma agrária, obe-decerá ao contraditório especial, de ritosumário, previsto nesta lei Complementar.

- Art. 6º - o juiz, ao despachar a petiçãoinicial, de plano ou no prazo máximo dequarenta e oito horas:

i - mandará imitir o autor na posse doimóvel; (Redação dada pela LeiComplementar nº 88, de 1996).

- art. 18. as ações concernentes à desa-propriação de imóvel rural, por interessesocial, para fins de reforma agrária, têmcaráter preferencial e prejudicial em rela-ção a outras ações referentes ao imóvelexpropriando, e independem do paga-mento de preparo ou de emolumentos.

- § 1º Qualquer ação que tenha por objetoo bem expropriando será distribuída, pordependência, à vara Federal onde tivercurso a ação de desapropriação, determi-nando-se a pronta intervenção da União.

3. Estatuto da Terra – Lei nº4.504 de 30 de Novembro de 1964

- Art. 2° - é assegurada a todos a oportu-nidade de acesso à propriedade da terra,

condicionada pela sua função social, naforma prevista nesta Lei.

§ 1° a propriedade da terra desempenhaintegralmente a sua função social quando,simultaneamente:

a) favorece o bem-estar dos proprietáriose dos trabalhadores que nela labutam,assim como de suas famílias;

b) mantém níveis satisfatórios de produ-tividade;

c) assegura a conservação dos recursosnaturais;

d) observa as disposições legais queregulam as justas relações de trabalhoentre os que a possuem e a cultivem.

§ 2° é dever do Poder Público:

a) promover e criar as condições deacesso do trabalhador rural à propriedadeda terra economicamente útil, de prefe-rência nas regiões onde habita, ou,quando as circunstâncias regionais, oaconselhem em zonas previamente ajus-tadas na forma do disposto na regula-mentação desta Lei;

b) zelar para que a propriedade da terradesempenhe sua função social, estimu-lando planos para a sua racional utiliza-ção, promovendo a justa remuneração eo acesso do trabalhador aos benefícios doaumento da produtividade e ao bem-estar coletivo.

§ 3º a todo agricultor assiste o direito depermanecer na terra que cultive, dentrodos termos e limitações desta Lei, obser-vadas sempre que for o caso, as normasdos contratos de trabalho.

§ 4º é assegurado às populações indíge-nas o direito à posse das terras que ocu-pam ou que lhes sejam atribuídas deacordo com a legislação especial que dis-

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ciplina o regime tutelar a que estão sujei-tas.

- Art. 9º - Dentre as terras públicas, terãoprioridade, subordinando-se aos itensprevistos nesta Lei, as seguintes:

i - as de propriedade da União, que nãotenham outra destinação específica;

ii - as reservadas pelo Poder Público paraserviços ou obras de qualquer natureza,ressalvadas as pertinentes à segurançanacional, desde que o órgão competenteconsidere sua utilização econômica com-patível com a atividade principal, sob aforma de exploração agrícola;

iii - as devolutas da União, dos Estados edos Municípios.

- Art. 12 - À propriedade privada da terracabe intrinsecamente uma função social eseu uso é condicionado ao bem-estarcoletivo previsto na Constituição Federale caracterizado nesta Lei.

- Art. 13 - o Poder Público promoverá agradativa extinção das formas de ocupa-ção e de exploração da terra que contra-riem sua função social.

- Art. 15 - a implantação da Reformaagrária em terras particulares será feitaem caráter prioritário, quando se tratar dezonas críticas ou de tensão social.

- Art. 16 - a Reforma agrária visa a esta-belecer um sistema de relações entre ohomem, a propriedade rural e o uso daterra, capaz de promover a justiça social,o progresso e o bem-estar do trabalhador

rural e o desenvolvimento econômico dopaís, com a gradual extinção do minifún-dio e do latifúndio.

- Art. 18 - À desapropriação por interessesocial tem por fim:

a) condicionar o uso da terra à sua funçãosocial;

b) promover a justa e adequada distribui-ção da propriedade;

c) obrigar a exploração racional da terra;

d) permitir a recuperação social e econô-mica de regiões;

e) estimular pesquisas pioneiras, experi-mentação, demonstração e assistênciatécnica;

f) efetuar obras de renovação, melhoria evalorização dos recursos naturais;

g) incrementar a eletrificação e a indus-trialização no meio rural;

h) facultar a criação de áreas de proteçãoà fauna, à flora ou a outros recursos natu-rais, a fim de preservá-los de atividadespredatórias.

4. Código de Processo Civil –Lei nº 5.869, 11 de janeiro de1973

- Art. 82 - Compete ao Ministério Públicointervir:

iii - nas ações que envolvam litígios cole-tivos pela posse da terra rural e nasdemais causas em que há interessepúblico evidenciado pela natureza da lideou qualidade da parte. (Redação dadapela Lei nº 9.415, de 1996)

- Art. 924 - Regem o procedimento de

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manutenção e de reintegração de posseas normas da seção seguinte, quandointentado dentro de ano e dia da turbaçãoou do esbulho; passado esse prazo, seráordinário, não perdendo, contudo, o cará-ter possessório.

- Art. 926 - o possuidor tem direito a sermantido na posse em caso de turbação ereintegrado no de esbulho.

- Art. 927 - incumbe ao autor provar:

i - a sua posse;

ii - a turbação ou o esbulho praticado peloréu;

iii - a data da turbação ou do esbulho;

iv - a continuação da posse, embora tur-bada, na ação de manutenção; a perda daposse, na ação de reintegração.

- Art. 928 - Estando a petição inicial devi-damente instruída, o juiz deferirá, semouvir o réu, a expedição do mandado limi-nar de manutenção ou de reintegração;no caso contrário, determinará que oautor justifique previamente o alegado,citando-se o réu para comparecer àaudiência que for designada.

5. Estatuto do índio – Lei nº 6.001, de 19 deDezembro de 1973

- Art. 2° - Cumpre à União, aos Estados eaos Municípios, bem como aos órgãos dasrespectivas administrações indiretas, noslimites de sua competência, para a prote-ção das comunidades indígenas e a pre-servação dos seus direitos:

v - garantir aos índios a permanênciavoluntária no seu habitat, proporcio-nando-lhes ali recursos para seu desen-volvimento e progresso;

vi - respeitar, no processo de integraçãodo índio à comunhão nacional, a coesãodas comunidades indígenas, os seus valo-res culturais, tradições, usos e costumes;

ix - garantir aos índios e comunidadesindígenas, nos termos da Constituição, aposse permanente das terras que habi-tam, reconhecendo-lhes o direito ao usu-fruto exclusivo das riquezas naturais e detodas as utilidades naquelas terras exis-tentes;

- Art. 23 - Considera-se posse do índio ousilvícola a ocupação efetiva da terra que,de acordo com os usos, costumes e tradi-ções tribais, detém e onde habita ouexerce atividade indispensável à sua sub-sistência ou economicamente útil.

6. Lei Federal nº 8.629, de 25 deFevereiro de 1993

- Art. 2º - a propriedade rural que nãocumprir a função social prevista no art. 9ºé passível de desapropriação, nos termosdesta lei, respeitados os dispositivosconstitucionais. (Regulamento)

§ 1º Compete à União desapropriar porinteresse social, para fins de reforma agrá-ria, o imóvel rural que não esteja cum-prindo sua função social.

§ 6o o imóvel rural de domínio público ouparticular objeto de esbulho possessórioou invasão motivada por conflito agrárioou fundiário de caráter coletivo não serávistoriado, avaliado ou desapropriado nosdois anos seguintes à sua desocupação,ou no dobro desse prazo, em caso de

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reincidência; e deverá ser apurada a res-ponsabilidade civil e administrativa dequem concorra com qualquer ato omis-sivo ou comissivo que propicie o descum-primento dessas vedações. (incluído pelaMedida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

- Art. 6º - Considera-se propriedade pro-dutiva aquela que, explorada econômicae racionalmente, atinge, simultaneamente,graus de utilização da terra e de eficiênciana exploração, segundo índices fixadospelo órgão federal competente.

- Art. 9º - a função social é cumpridaquando a propriedade rural atende, simul-taneamente, segundo graus e critériosestabelecidos nesta lei, os seguintesrequisitos:

i - aproveitamento racional e adequado;

ii - utilização adequada dos recursosnaturais disponíveis e preservação domeio ambiente;

iii - observância das disposições queregulam as relações de trabalho;

iv - exploração que favoreça o bem-estardos proprietários e dos trabalhadores.

§ 1º Considera-se racional e adequado oaproveitamento que atinja os graus de uti-lização da terra e de eficiência na explo-ração especificados nos §§ 1º a 7º do art.6º desta lei.

§ 2º Considera-se adequada a utilizaçãodos recursos naturais disponíveis quandoa exploração se faz respeitando a vocaçãonatural da terra, de modo a manter opotencial produtivo da propriedade.

§ 3º Considera-se preservação do meioambiente a manutenção das característi-cas próprias do meio natural e da quali-

dade dos recursos ambientais, na medidaadequada à manutenção do equilíbrioecológico da propriedade e da saúde equalidade de vida das comunidades vizi-nhas.

§ 4º a observância das disposições queregulam as relações de trabalho implicatanto o respeito às leis trabalhistas e aoscontratos coletivos de trabalho, como àsdisposições que disciplinam os contratosde arrendamento e parceria rurais.

§ 5º a exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadoresrurais é a que objetiva o atendimento dasnecessidades básicas dos que trabalhama terra, observa as normas de segurançado trabalho e não provoca conflitos e ten-sões sociais no imóvel.

- Art. 13 - as terras rurais de domínio daUnião, dos Estados e dos Municípios ficamdestinadas, preferencialmente, à execu-ção de planos de reforma agrária.

Parágrafo único. Excetuando-se as reser-vas indígenas e os parques, somente seadmitirá a existência de imóveis rurais depropriedade pública, com objetivos diver-sos dos previstos neste artigo, se o poderpúblico os explorar direta ou indireta-mente para pesquisa, experimentação,demonstração e fomento de atividadesrelativas ao desenvolvimento da agricul-tura, pecuária, preservação ecológica,áreas de segurança, treinamento militar,educação de todo tipo, readequaçãosocial e defesa nacional.

7. Código Civil – Lei 10.406 de10 de Janeiro de 2002

- Art. 1.228 -

§ 1º o direito de propriedade deve ser

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exercido em consonância com as suasfinalidades econômicas e sociais e demodo que sejam preservados, de confor-midade com o estabelecido em lei espe-cial, à flora, a fauna, as belezas naturais, oequilíbrio ecológico e o patrimônio histó-rico e artístico, bem como evitada a polui-ção do ar e das águas;

§4º o proprietário também pode ser pri-vado da coisa se o imóvel reivindicandoconsistir em extensa área, na posse inin-terrupta e de boa-fé, por mais de 5(cinco)anos, de considerável número de pessoas,e estas nela houverem realizado, em con-junto ou separadamente, obras e serviçosconsiderados pelo juiz de interesse sociale econômico relevante.

§5º No caso do parágrafo antecedente, ojuiz fixará a justa indenização devida aoproprietário; pago o preço, valerá a sen-tença como título para o registro do imó-vel em nome dos possuidores.

8. Lei de Introdução às Normasdo Direito Brasileiro – Lei nº 12.376, de 30 deDezembro de 2010

- Art. 5º - Na aplicação da lei, o juiz aten-derá aos fins sociais a que ela se dirige eàs exigências do bem comum;

9. Titulação de TerritóriosQuilombolas - Decreto nº 4.887, de 20 de Novembrode 2003

- Art. 2º - Consideram-se remanescentesdas comunidades dos quilombos, para osfins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribui-ção, com trajetória histórica própria,dotados de relações territoriais específi-

cas, com presunção de ancestralidadenegra relacionada com a resistência àopressão histórica sofrida.

§ 1o Para os fins deste Decreto, a caracte-rização dos remanescentes das comuni-dades dos quilombos será atestadamediante autodefinição da própria comu-nidade.

§ 2º são terras ocupadas por remanes-centes das comunidades dos quilombosas utilizadas para a garantia de sua repro-dução física, social, econômica e cultural.

- Art.  3º - Compete ao Ministério doDesenvolvimento agrário, por meio doinstituto Nacional de Colonização eReforma agrária - iNCRa, a identificação,reconhecimento, delimitação, demarca-ção e titulação das terras ocupadas pelosremanescentes das comunidades dos qui-lombos, sem prejuízo da competênciaconcorrente dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios.

§ 4º a autodefinição de que trata o § 1ºdo art. 2º deste Decreto será inscrita noCadastro geral junto à Fundação CulturalPalmares, que expedirá certidão respec-tiva na forma do regulamento.

- Art. 4º - Compete à secretaria Especialde Políticas de Promoção da igualdadeRacial, da Presidência da República, assis-tir e acompanhar o Ministério do Desen-volvimento agrário e o iNCRa nas açõesde regularização fundiária, para garantiros direitos étnicos e territoriais dos rema-nescentes das comunidades dos quilom-bos, nos termos de sua competêncialegalmente fixada.

- Art.  5º - Compete ao Ministério da

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Cultura, por meio da Fundação CulturalPalmares, assistir e acompanhar oMinistério do Desenvolvimento agrário eo iNCRa nas ações de regularização fun-diária, para garantir a preservação daidentidade cultural dos remanescentesdas comunidades dos quilombos, bemcomo para subsidiar os trabalhos técnicosquando houver contestação ao procedi-mento de identificação e reconhecimentoprevisto neste Decreto.

- Art. 10 - Quando as terras ocupadas porremanescentes das comunidades dos qui-lombos incidirem em terrenos de marinha,marginais de rios, ilhas e lagos, o iNCRa ea secretaria do Patrimônio da Uniãotomarão as medidas cabíveis para a expe-dição do título.

- Art. 12 - Em sendo constatado que asterras ocupadas por remanescentes dascomunidades dos quilombos incidemsobre terras de propriedade dos Estados,do Distrito Federal ou dos Municípios, oiNCRa encaminhará os autos para osentes responsáveis pela titulação.

- Art. 13 - incidindo nos territórios ocupa-dos por remanescentes das comunidadesdos quilombos título de domínio particu-lar não invalidado por nulidade, prescriçãoou comisso, e nem tornado ineficaz poroutros fundamentos, será realizada visto-ria e avaliação do imóvel, objetivando aadoção dos atos necessários à sua desa-propriação, quando couber.

§ 1º Para os fins deste Decreto, o iNCRaestará autorizado a ingressar no imóvel depropriedade particular, operando as publi-cações editalícias do art. 7º efeitos decomunicação prévia.

§ 2º o iNCRa regulamentará as hipóte-ses suscetíveis de desapropriação, comobrigatória disposição de prévio estudosobre a autenticidade e legitimidade dotítulo de propriedade, mediante levanta-mento da cadeia dominial do imóvel atéa sua origem.

- Art. 14 - verificada a presença de ocu-pantes nas terras dos remanescentes dascomunidades dos quilombos, o iNCRaacionará os dispositivos administrativos elegais para o reassentamento das famíliasde agricultores pertencentes à clientelada reforma agrária ou a indenização dasbenfeitorias de boa-fé, quando couber.

- Art. 15 - Durante o processo de titulação,o iNCRa garantirá a defesa dos interessesdos remanescentes das comunidades dosquilombos nas questões surgidas emdecorrência da titulação das suas terras.

- Art. 16 - após a expedição do título dereconhecimento de domínio, a FundaçãoCultural Palmares garantirá assistênciajurídica, em todos os graus, aos remanes-centes das comunidades dos quilombospara defesa da posse contra esbulhos eturbações, para a proteção da integridadeterritorial da área delimitada e sua utiliza-ção por terceiros, podendo firmar convê-nios com outras entidades ou órgãos queprestem esta assistência.

- Art.  17 - a titulação prevista nesteDecreto será reconhecida e registradamediante outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades a que se refere oart. 2º, caput, com obrigatória inserção decláusula de inalienabilidade, imprescritibi-lidade e de impenhorabilidade.

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Parágrafo único.  as comunidades serãorepresentadas por suas associações legal-mente constituídas.

10. Decreto dos Povos eComunidades Tradicionais -Decreto nº 6.040, de 07 defevereiro de 2007.

- Preâmbulo: institui a Política Nacional deDesenvolvimento sustentável dos Povose Comunidades Tradicionais.

- Art. 3º - Para os fins deste Decreto e doseu anexo compreende-se por:

i  -  Povos e Comunidades Tradicionais:grupos culturalmente diferenciados e quese reconhecem como tais, que possuemformas próprias de organização social,que ocupam e usam territórios e recursosnaturais como condição para sua repro-dução cultural, social, religiosa, ancestrale econômica, utilizando conhecimentos,inovações e práticas gerados e transmiti-dos pela tradição;

ii  - Territórios Tradicionais: os espaçosnecessários a reprodução cultural, sociale econômica dos povos e comunidadestradicionais, sejam eles utilizados deforma permanente ou temporária, obser-vado, no que diz respeito aos povos indí-genas e quilombolas, respectivamente, oque dispõem os arts. 231 da Constituiçãoe 68 do ato das Disposições Constitu-cionais Transitórias e demais regulamen-tações; e

iii - Desenvolvimento sustentável: o usoequilibrado dos recursos naturais, vol-tado para a melhoria da qualidade devida da presente geração, garantindo asmesmas possibilidades para as geraçõesfuturas. 

11. Programa Nacional deDireitos Humanos - PNDH-3(Decreto nº 7.037, de 21 deDezembro de 2009)

- Diretriz 4: Efetivação de modelo dedesenvolvimento sustentável, com inclu-são social e econômica, ambientalmenteequilibrado e tecnologicamente responsá-vel, cultural e regionalmente diverso, par-ticipativo e não discriminatório.

objetivo estratégico i: implementação depolíticas públicas de desenvolvimentocom inclusão social.

ações programáticas:

d) avançar na implantação da reformaagrária, como forma de inclusão social eacesso aos direitos básicos, de forma arti-culada com as políticas de saúde, educa-ção, meio ambiente e fomento àprodução alimentar.

g) Fomentar o debate sobre a expansãode plantios de monoculturas que geramimpacto no meio ambiente e na culturados povos e comunidades tradicionais,tais como eucalipto, cana-de-açúcar, soja,e sobre o manejo florestal, a grandepecuária, mineração, turismo e pesca.

i) garantir que os grandes empreendi-mentos e projetos de infraestrutura res-guardem os direitos dos povos indígenase de comunidades quilombolas e tradicio-nais, conforme previsto na Constituição enos tratados e convenções internacionais.

- Diretriz 7: garantia dos Direitos humanosde forma universal, indivisível e interdepen-dente, assegurando a cidadania plena.

objetivo estratégico iii: garantia doacesso à terra e à moradia para a popula-ção de baixa renda e grupos sociais vul-nerabilizados.

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ações programáticas:

d) garantir demarcação, homologação,regularização e desintrusão das terrasindígenas, em harmonia com os projetosde futuro de cada povo indígena, assegu-rando seu etnodesenvolvimento e suaautonomia produtiva.

e) assegurar às comunidades quilombo-las a posse dos seus territórios, acele-rando a identificação, o reconhecimento,a demarcação e a titulação desses territó-rios, respeitando e preservando os sítiosde valor simbólico e histórico.

f) garantir o acesso a terra às populaçõesribeirinhas, varzanteiras e pescadoras,assegurando acesso aos recursos naturaisque tradicionalmente utilizam para suareprodução física, cultural e econômica.

- Diretriz 9: Combate às desigualdadesestruturais.

objetivo estratégico i: igualdade e prote-ção dos direitos das populações negras,historicamente afetadas pela discrimina-ção e outras formas de intolerância.

ações programáticas:

f) Fortalecer a integração das políticaspúblicas em todas as comunidades rema-nescentes de quilombos localizadas noterritório brasileiro.

g) Fortalecer os mecanismos existentesde reconhecimento das comunidades qui-lombolas como garantia dos seus direitosespecíficos.

objetivo estratégico ii: garantia aos povosindígenas da manutenção e resgate dascondições de reprodução, assegurandoseus modos de vida.

ações programáticas:

a) assegurar a integridade das terras indí-genas para proteger e promover o modo

de vida dos povos indígenas.

- Diretriz 17: Promoção de sistema de jus-tiça mais acessível, ágil e efetivo, para oconhecimento, a garantia e a defesa dosdireitos.

objetivo estratégico iii: Utilização demodelos alternativos de solução de con-flitos.

ações programáticas:

a) Fomentar iniciativas de mediação econciliação, estimulando a resolução deconflitos por meios autocompositivos,voltados à maior pacificação social emenor judicialização.

objetivo estratégico vi: acesso à Justiçano campo e na cidade.

ações programáticas:

c) Promover o diálogo com o PoderJudiciário para a elaboração de procedi-mento para o enfrentamento de casos deconflitos fundiários coletivos urbanos erurais.

d) Propor projeto de lei para institucionalizara utilização da mediação nas demandas deconflitos coletivos agrários e urbanos, prio-rizando a oitiva do iNCRa, institutos de ter-ras estaduais, Ministério Público e outrosórgãos públicos especializados, sem pre-juízo de outros meios institucionais parasolução de conflitos.  (Redação dada peloDecreto nº 7.177, de 2010)

12. Código de Ética MagistraturaNacional - Aprovado na 68ªSessão Ordinária doConselho Nacional de Justiça,do dia 06 de agosto de 2008

- Art. 3º - a atividade judicial deve desen-

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volver-se de modo a garantir e fomentara dignidade da pessoa humana, objeti-vando assegurar e promover a solidarie-dade e a justiça na relação entre aspessoas;

- Art. 24 - Especialmente ao proferir deci-sões, incumbe ao magistrado atuar deforma cautelosa, atento às consequências

que pode provocar;

- Art. 32 - o conhecimento e a capacita-ção dos magistrados adquirem umaintensidade especial no que se relacionacom as matérias, as técnicas e as atitudesque levem à máxima proteção dos direi-tos humanos e ao desenvolvimento dosvalores constitucionais;

Âmbito Internacional

Normativas Internacionais emvigor no Brasil:

1. Pacto Internacional deDireitos Econômicos, Sociaise Culturais (PIDESC)(Promulgado pelo Decreto nº591 - de 6 de julho de 1992)

Artigo 11º:

1. os Estados Partes no presente Pactoreconhecem o direito de todas as pessoasa um nível de vida suficiente para si e paraas suas famílias, incluindo alimentação,vestuário e alojamento suficientes, bemcomo a um melhoramento constante dassuas condições de existência. os EstadosPartes tomarão medidas apropriadas des-tinadas a assegurar a realização destedireito reconhecendo para este efeito aimportância essencial de uma cooperaçãointernacional livremente consentida.

2. os Estados Partes do presente Pacto,reconhecendo o direito fundamental detodas as pessoas de estarem ao abrigo da

fome, adotarão individualmente e pormeio da cooperação internacional asmedidas necessárias, incluindo programasconcretos:

a) Para melhorar os métodos de produ-ção, de conservação e de distribuição dosprodutos alimentares pela plena utilizaçãodos conhecimentos técnicos e científicos,pela difusão de princípios de educaçãonutricional e pelo desenvolvimento ou areforma dos regimes agrários, de maneiraa assegurar da melhor forma a valoriza-ção e a utilização dos recursos naturais;

2. Convenção Americana deDireitos Humanos – Pacto deSan José da Costa Rica(Promulgada pelo Decreto No 678, de 06 de Novembrode 1992)

Artigo 5.1

Toda pessoa tem direito a que se respeitesua integridade física, psíquica e moral;

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- artigo 26: os Estados Partes compro-metem-se a adotar providências, tanto noâmbito interno como mediante coopera-ção internacional, especialmente econô-mica e técnica, a fim de conseguirprogressivamente a plena efetividade dosdireitos que decorrem das normas econô-micas, sociais e sobre educação, ciência ecultura, constantes da Carta daorganização dos Estados americanos,reformada pelo Protocolo de Buenosaires, na medida dos recursos disponíveis,por via legislativa ou por outros meiosapropriados;

3. Comentário Geral nº 7:Despejos Forçados - Comitêde Direitos Econômicos,Sociais e Culturais dasNações Unidas (Adotado no16ª Período de Seções doComitê DESC/ONU no ano de 1997):

- Parágrafo 15. ainda que a proteção pro-cessual adequada e o devido processosejam aspectos essenciais de todos osdireitos humanos, eles são especialmentepertinentes à questão dos despejos força-dos, que está diretamente relacionado amuitos dos direitos reconhecidos nos pac-tos internacionais de direitos humanos. oComitê considera que as garantias pro-cessuais que se aplicam no contexto dedespejos forçados incluem: a) uma opor-tunidade para a consulta genuína das pes-soas afetadas; b) aviso adequado erazoável para todas as pessoas afetadasantes da data prevista para o despejo; c)prestar a todos os interessados numprazo razoável, as informações sobre osdespejos previstos, e, se for o caso, a fina-lidade para a qual será destinado o ter-

reno ou habitação; d) a presença de fun-cionários do governo ou seus represen-tantes no despejo, especialmente quandoafeta grupos de pessoas, e) a identifica-ção precisa de todas as pessoas que exer-cem o despejo; f) não realizar despejosquando houver mau tempo ou à noite, amenos que haja o consentimento das pes-soas afetadas; g) oferecimento de recur-sos recursos, e h) oferecimento deassistência jurídica sempre que possível,para as pessoas que precisam buscarreparação dos tribunais.

- Parágrafo 16. as expulsões não devemresultar em situações de indivíduos desa-brigadas ou vulneráveis à violação deoutros direitos humanos. Quando os afeta-dos não disponham de recursos, o EstadoParte deve tomar todas as medidas ade-quadas, na medida em que os recursospermitirem, para garantir uma alternativahabitacional, reassentamento ou acesso aterra produtiva, conforme o caso.

4. Convenção nº 169 daOrganização Internacional doTrabalho - OIT sobre PovosIndígenas e Tribais (promul-gada pelo Decreto n.5.051/2004)

PARTE l - POLÍTICA GERAL

Artigo 1º

1. a presente convenção aplica-se:

a) aos povos tribais em países indepen-dentes, cujas condições sociais, culturaise econômicas os distingam de outrossetores da coletividade nacional, e queestejam regidos, total ou parcialmente,por seus próprios costumes ou tradições

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ou por legislação especial;

b) aos povos em países independentes,considerados indígenas pelo fato de des-cenderem de populações que habitavamo país ou uma região geográfica perten-cente ao país na época da conquista ouda colonização ou do estabelecimentodas atuais fronteiras estatais e que, sejaqual for sua situação jurídica, conservamtodas as suas próprias instituiçõessociais, econômicas, culturais e políticas,ou parte delas.

2. a consciência de sua identidade indí-gena ou tribal deverá ser consideradacomo critério fundamental para determi-nar os grupos aos que se aplicam as dis-posições da presente Convenção.

3. a utilização do termo “povos” na pre-sente Convenção não deverá ser interpre-tada no sentido de ter implicação algumano que se refere aos direitos que possamser conferidos a esse termo no direitointernacional.

Artigo 6º

1. ao aplicar as disposições da presenteConvenção, os governos deverão:

a)  consultar os povos interessados,mediante procedimentos apropriados e,particularmente, através de suas institui-ções representativas, cada vez que sejamprevistas medidas legislativas ou adminis-trativas suscetíveis de afetá-los direta-mente;

b) estabelecer os meios através dos quaisos povos interessados possam participarlivremente, pelo menos na mesma medidaque outros setores da população e emtodos os níveis, na adoção de decisõesem instituições efetivas ou organismosadministrativos e de outra natureza res-ponsáveis pelas políticas e programas que

lhes sejam concernentes;

c)  estabelecer os meios para o plenodesenvolvimento das instituições e inicia-tivas dos povos e, nos casos apropriados,fornecer os recursos necessários paraesse fim.

2.  as consultas realizadas na aplicaçãodesta Convenção deverão ser efetuadascom boa fé e de maneira apropriada àscircunstâncias, com o objetivo de se che-gar a um acordo e conseguir o consenti-mento acerca das medidas propostas.

PARTE II - TERRAS

Artigo 13.

1. ao aplicarem as disposições desta parteda Convenção, os governos deverão res-peitar a importância especial que para asculturas e valores espirituais dos povosinteressados possui a sua relação com asterras ou territórios, ou com ambos,segundo os casos, que eles ocupam ouutilizam de alguma maneira e, particular-mente, os aspectos coletivos dessa rela-ção.

2.  a utilização do termo “terras” nosartigos 15 e 16 deverá incluir o conceito deterritórios, o que abrange a totalidade dohabitat das regiões que os povos interes-sados ocupam ou utilizam de algumaoutra forma.

Artigo 14

1. Dever-se-á reconhecer aos povos inte-ressados os direitos de propriedade e deposse sobre as terras que tradicional-mente ocupam.  além disso, nos casosapropriados, deverão ser adotadas medi-das para salvaguardar o direito dos povosinteressados de utilizar terras que não

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estejam exclusivamente ocupadas poreles, mas às quais, tradicionalmente,tenham tido acesso para suas atividadestradicionais e de subsistência. Nesse par-ticular, deverá ser dada especial atençãoà situação dos povos nômades e dos agri-cultores itinerantes.

2. os governos deverão adotar as medi-das que sejam necessárias para determi-nar as terras que os povos interessadosocupam tradicionalmente e garantir aproteção efetiva dos seus direitos de pro-priedade e posse.

3. Deverão ser instituídos procedimentosadequados no âmbito do sistema jurídiconacional para solucionar as reivindicaçõesde terras formuladas pelos povos interes-sados.

Artigo 15

1. os direitos dos povos interessados aosrecursos naturais existentes nas suas ter-ras deverão ser especialmente protegi-dos.  Esses direitos abrangem o direitodesses povos a participarem da utilização,administração e conservação dos recur-sos mencionados.

2. Em caso de pertencer ao Estado a pro-priedade dos minérios ou dos recursos dosubsolo, ou de ter direitos sobre outrosrecursos, existentes na terras, os governosdeverão estabelecer ou manter procedi-mentos com vistas a consultar os povosinteressados, a fim de se determinar se osinteresses desses povos seriam prejudica-dos, e em que medida, antes de seempreender ou autorizar qualquer pro-grama de prospecção ou exploração dosrecursos existentes nas suas terras.  ospovos interessados deverão participarsempre que for possível dos benefíciosque essas atividades produzam, e receberindenização equitativa por qualquer dano

que possam sofrer como resultado dessasatividades.

Artigo 16

1. Com reserva do disposto nos parágrafosa seguir do presente artigo, os povosinteressados não deverão ser translada-dos das terras que ocupam.

2. Quando, excepcionalmente, o transladoe o reassentamento desses povos sejamconsiderados necessários, só poderão serefetuados com o consentimento dos mes-mos, concedido livremente e com plenoconhecimento de causa. Quando não forpossível obter o seu consentimento, otranslado e o reassentamento só poderãoser realizados após a conclusão de proce-dimentos adequados estabelecidos pelalegislação nacional, inclusive enquetespúblicas, quando for apropriado, nasquais os povos interessados tenham apossibilidade de estar efetivamente repre-sentados.

3. sempre que for possível, esses povosdeverão ter o direito de voltar a suas ter-ras tradicionais assim que deixarem deexistir as causas que motivaram seu trans-lado e reassentamento.

4. Quando o retorno não for possível, con-forme for determinado por acordo ou, naausência de tais acordos, mediante pro-cedimento adequado, esses povos deve-rão receber, em todos os casos em que forpossível, terras cuja qualidade e cujo esta-tuto jurídico sejam pelo menos iguaisaqueles das terras que ocupavam ante-riormente, e que lhes permitam cobrirsuas necessidades e garantir seu desen-volvimento futuro. Quando os povos inte-ressados prefiram receber indenizaçãoem dinheiro ou em bens, essa indenizaçãodeverá ser concedida com as garantiasapropriadas.

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5. Deverão ser indenizadas plenamente aspessoas transladadas e reassentadas porqualquer perda ou dano que tenhamsofrido como consequência do seu deslo-camento.

Artigo 17

1. Deverão ser respeitadas as modalidadesde transmissão dos direitos sobre a terraentre os membros dos povos interessadosestabelecidas por esses povos.

2. os povos interessados deverão ser con-sultados sempre que for considerada suacapacidade para alienarem suas terras outransmitirem de outra forma os seus direi-tos sobre essas terras para fora de suacomunidade.

3. Dever-se-á impedir que pessoas alheias aesses povos possam se aproveitar dos cos-tumes dos mesmos ou do desconheci-mento das leis por parte dos seus membrospara se arrogarem a propriedade, a posseou o uso das terras a eles pertencentes.

Artigo 18

a lei deverá prever sanções apropriadascontra toda intrusão não autorizada nasterras dos povos interessados ou contratodo uso não autorizado das mesmas porpessoas alheias a eles, e os governosdeverão adotar medidas para impediremtais infrações.

Artigo 19

os programas agrários nacionais deverãogarantir aos povos interessados condi-ções equivalentes às desfrutadas poroutros setores da população, para fins de:

a) a alocação de terras para esses povos

quando as terras das que dispunhamsejam insuficientes para lhes garantir oselementos de uma existência normal oupara enfrentarem o seu possível cresci-mento numérico;

b)  a concessão dos meios necessáriospara o desenvolvimento das terras queesses povos já possuam.

5. Declaração das NaçõesUnidas sobre Direitos dosPovos Indígenas (aprovadopela Assembleia Geral em 07de setembro de 2007): 

Artigo 8º

1. os povos e as pessoas indígenas têmdireito a não sofrer a assimilação forçadaou a destruição de sua cultura.

2. os Estados estabeleceram mecanismoseficazes para a prevenção e o ressarci-mento de:

a) Todo ato que tenha por objeto ou con-sequência privar aos povos e as pessoasindígenas de sua integridade como povosdistintos ou de seus valores culturais ou suaidentidade étnica;

b) Todo ato que tenha por objeto ou con-sequência alhear-lhes suas terras, territóriosou recursos;

Artigo 10

os povos indígenas não serão despreza-dos pela força de suas terras ou territó-rios. Não se procederá a nenhumamudança de local sem o consentimentolivre, prévio e informado dos povos indí-genas interessados, nem sem um acordoprévio sobre uma indenização justa e

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equitativa e, sempre que seja possível, aopção de regresso.

Artigo 11

1. os povos indígenas têm direito a prati-car e revitalizar suas tradições e costumesculturais. isto inclui o direito a manter, pro-teger e desenvolver as manifestaçõespassadas, presentes e futuras de suas cul-turas, como lugares arqueológicos e his-tóricos, utensílios, desenhos, cerimônias,tecnologias, artes visuais e interpretaçõese literaturas.

Artigo 25

os povos indígenas têm direito a manter efortalecer sua própria relação espiritual comas terras, territórios, águas, mares costeirose outros recursos que tradicionalmente tempossuído ou ocupado e utilizado de outraforma e a assumir as responsabilidades quea esse respeito os incumbem para com asgerações vindouras.

Artigo 26

1. os povos indígenas têm direito as terras,territórios e recursos que tradicional-mente tem possuído, ocupado ou deoutra forma utilizado ou adquirido.

2. os povos indígenas têm direito de pos-

suir, utilizar, desenvolver e controlar as ter-ras, territórios e recursos que possuem emrazão da propriedade tradicional ou outraforma tradicional de ocupação ou utiliza-ção, assim como aqueles que haviamadquirido de outra forma.

3. os Estados assegurarão o reconheci-mento e proteção jurídica dessas terras,territórios e recursos. Este reconheci-mento respeitará devidamente os costu-mes, as tradições e os sistemas de posseda terra dos povos indígenas de que setrate.

Artigo 28

1. os povos indígenas têm direito a repa-ração, por meios que possam incluir a res-tituição ou, quando isto não seja possível,uma indenização justa, imparcial e equita-tiva, pelas terras, os territórios e os recur-sos que tradicionalmente haviampossuído ou ocupado ou utilizado deoutra forma e que haviam sido confisca-dos, tomados, ocupados, utilizados oudanificados sem seu consentimento livre,prévio e informado.

2. salvo que os povos interessadostenham concordado livremente em outracoisa, a indenização consistirá em terras,territórios e recursos de igual qualidade,extensão e condição jurídica ou em umaindenização monetária ou outra repara-ção adequada.

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SEÇÃO I

Estudos de Casos Emblemáticosde Conflitos Fundiários Rurais

Caso nº 1

Conflito fundiário agrário: Casodo Engenho Contra-Açude/Buscaú – Estado doPernambuco

1. Terra de Direitos; NaJUP. Relatóriode violações de direitos humanosno Engenho Contra-açude/Buscaú.Recife: 2009.

2. agência Estadual de Meioambiente e Recursos hídricos –CPRh. Relatório TécnicoUgUC/saUC n. 14/2009.28.08.2009.

3. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970.Promoção Ministerial.

4. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970.Memoriais réus.

5. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970.Memoriais autores.

6. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970.Petição autores.

7. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970.Petição inicial.

8. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970.Decisão Liminar.

9. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970.sentença.

10. Processo nº 227-98.2007.8.17.0970.Parecer ministerial.

11. Comissão de Prevenção,Conciliação e Resolução deConflitos agrários do Estado dePernambuco. ata de reunião –16.09.2011.

12. iNCRa. Relatório de visitação, 03de abril de 2007.

13. iNCRa. ofício n. 185/06,16.02.2006.

14. iNCRa. Relatório de visitação, 15de março de 2007.

15. iNCRa. ofício n. 228/2007,05.03.2007.

16. iNCRa. ofício n. 197/2005,07.03.2005.

17. PEPDDh. Termo de Declaração, dia22.11.2010.

18. ofício PEPDDh n. 76/2010.

19. ofício PEPDDh n. 75/2009.

20. ofício PEPDDh n. 21/2011.

21. Termo de Declaração, dia22.11.2010, PEPDDh/ governo doEstado de Pernambuco.

22. sR-iNCRa. Relatório de visitação,03 de abril de 2007.

23. secretária de Defesa social,governo do Estado dePernambuco. ofício DEPoL n.01475/2010.

24. Ministério Público de Pernambuco.Termo de depoimento. 30.08.2006.

25. Ministério Público de Pernambuco.ata de audiência. 22.01.2007.

DOCUMENTOS CONSULTADOS

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26. Juízo de Direito da Comarca deMoreno/PE. Processo n. 1959-46.2009.8.17.0970. Termo deaudiência de instrução eJulgamento.

27. Procuradoria Regional do Trabalho6ª região. ata de audiência – Rep07.2010. 13.09.2010.

28. Procuradoria Regional do Trabalho6ª região. ata de audiência – Rep07.2010. 26.10.2010.

Caso nº 2

Conflito fundiário agrário: Casoda Fazenda Santa Filomena –Acampamento Elias de Meura –Estado do Paraná

1. autos da ação de DesapropriaçãoJudicial, Evento 1, DocumentoLaU7, páginas 1/33, Processo n°5002397-91.2012.404.7011/PR.

2. iP n. 49/2004 e 108/2004 daDelegacia de Polícia do Municípiode Terra Rica/PR.

3. ação de Reintegração de Posse nº2004.70.11.002001-3, Fls. 83.

4. Notícias da imprensa local sobre arelação do assentamento com asUniversidades. autos da ação deReintegração de Posse nº2004.70.11.002001-3. fls. 1824/1842.

5. ação de Reintegração de Posse nº2004.70.11.002001-3, Fls. 116.

6. anais do Tribunal internacional dosCrimes do Latifúndio e da Políticagovernamental de violação dosDireitos humanos no Paraná.Curitiba, 1° e 2 de maio de 2001.

7. ação de Reintegração de Posse nº2004.70.11.002001-3. ata daaudiência, fls. 1679/1681.

8. ação de Reintegração de Posse nº2004.70.11.002001-3. Declaraçãoda secretaria do Estado daEducação. Fls. 330.

9. ação Declaratória de Produtividaden° 2001.70.11.000098-0.

10. ação de Reintegração de Posse nº2004.70.11.002001-3. Decisão limi-nar. Fls. 83.

11. autos da ação de Reintegração dePosse nº 2004.70.11.002001-3. autode resistência. Fls. 85.

12. ação de Reintegração de Posse nº2004.70.11.002001-3. incidenteExceção de incompetência. Fls.92/97.

13. ação de Reintegração de Posse nº2004.70.11.002001-3. Decisão. Fls.432/439.

14. ação de Reintegração de Posse nº2004.70.11.002001-3. Decisão doRelator Desembargador FederalEdgard Lippmann Junior. Fls.368/369.

15. ação de Reintegração de Posse nº2004.70.11.002001-3. Parecer MP.Fls. 1376.

16. ação de Reintegração de Posse nº2004.70.11.002001-3. ParecerMP.Fls. 1649.

17. inquérito Policial n° 49/2004. Fls.768/771.

18. ação de Reintegração de Posse nº2004.70.11.002001-3. Relatório daPM-PR. Fls. 628/648.

19. iNCRa. Relatório do incra aponta

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mais de 200 processos de desapro-priação parados no Judiciário. 27abr. 2009. 16:55. Disponível em:<http://www.incra.gov.br/index.php/noticias-sala-de-imprensa/noti-cias/8825-relatorio-do-incra-aponta-mais-de-200-processos-de-desapropriacao-parados-no-judi-ciario>. acesso em: 25 jan. 2013.

Caso nº 3

Conflito Tradicional – Caso daComunidade Quilombola ManoelCiriaco – Guaíra - Estado do Paraná

1. ação Direta deinconstitucionalidade 3239 –supremo Tribunal Federal;

2. Penal nº 5000888-10.2012.404.70,ação Penal nº 5000919-64.2011.404.70, ação Penal nº5000920-49.2011.404.7017 – JFPR;

3. ação Civil Pública 5001103-83.2012.404.7017 – JFPR;

4. Parecer incra sR (09) F4/nº003/2010;

5. Processo administrativo MEMo sR(09) F 519/2008;

6. Representação realizada pela Terrade Direitos à associação Brasileirade antropologia, fevereiro de 2011;

7. Termo de declarações de Joaquimdos santos, adir Rodrigues dossantos ao Ministério PúblicoFederal em 19 de outubro de 2009;

8. Termo de declarações de adirRodrigues dos santos à PolíciaFederal em 24 de novembro de

2009 e parecer incra sR (09) F4/nº003/2010;

9. <http://novoportal.sdh.gov.br/importacao/noticias/ultimas_noti-cias/2010/06/24-jun-2010-pro-grama-de-protecao-aos-defensores-de-direitos-humanos-vai-em-mis-sao-a-comunidade-quilombola-em-guaira-pr>;

10. <http://www.aquiagora.net/noti-cias/ver/4221/Para-Rusch-caso-de-Maracaju-dos-gauchos-e-agressao-ao-estado-de-direito/>;

Caso nº 4 –

Conflito Tradicional – Caso da TerraIndígena Maró – Gleba Nova OlindaI, Santarém - Estado do Pará

1. FUNai. Processo nº086620.000294/2010-Dv.Relatório Circunstanciado deidentificação e Delimitação dosLimites da Terra indígena “Maró”(Rio Maró).

2. BRasiL. Portaria nº 14/MJ/1996.

3. governo do Estado do Pará.Portaria iTERPa nº 798, de 22 dedezembro de 1999.

4. FUNai. Processo nº086620.000294/2010-Dv.Relatório ambiental da Ti Maró.

5. FUNai. Processo nº086620.000294/2010-Dv. PortariaFunai nº 775/08, fls. 586/639.

6. iBaMa. autos de infração nº370444-D; nº 370445-D, nº370446-D, nº 370447-D, nº

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19. 5ª vara Cível da Comarca daJustiça do Estado do Pará emsantarém. ação ordinária dedesobstrução do rio, obrigação defazer e restituição de bem, sob o nº051.2009.1.007124-6.

20. 5ª vara Cível da Comarca daJustiça do Estado do Pará emsantarém. ações de interditoProibitório, sob os números051.2009.1.007477-9 e051.2009.1.007643-6.

21. 4ª vara Penal da Comarca daJustiça do Estado do Pará emsantarém. ação Penal nº051.2010.2.000500-0.

22. Justiça Federal em santarém. açãoordinária de anulação de processoadministrativo de Demarcação deTerras indígenas nº 2091-80.2010.4.01.3902.

23. Ministério Público Federal –Procuradoria da República nomunicípio de santarém/Pa.Procedimento administrativo nº1.23.002.000013/2001-06.

24. Ministério Público Federal –Procuradoria da República nomunicípio de santarém/Pa.Procedimento administrativo nº1.23.002.000792/2005-65.Relatório da viagem às aldeiasindígenas Novo Lugar, Cachoeirado Maró e são José iii, situadas norio Maró, gleba Nova olinda i.

25. Relatório “assentamentos de Papel,Madeiras de Lei”, disponível em: <http://www.greenpeace.org/bra-sil/global/brasil/report/2007/8/greenpeacebr_070821_amazonia_rela-trela_assentamentos_incra_port_v2.pdf>. acesso em 24 jan. 2013.

370448-D, nº 370449-D, nº370450-D, nº 012826 – D e nº012828 – D.

7. iBaMa. Relatório Técnico devistoria da gleba Nova olinda i2007. Fls. 24/25.

8. sEMa/Pa. auto de infração nº 0617e 0618.

9. iTERPa. ata de reunião. 19 de abrilde 2007. PaD nº. 587/2009-23, 23,volume i, fls. 30-34.

10. Carta aberta do Movimento emdefesa da vida e da cultura doarapiuns: Rio arapiuns: conflitossociais e ambientais na gleba Novaolinda. santarém, outubro de2009.

11. Ministério Público Federal –Procuradoria da República noMunicípio de santarém/Pa.Procedimento administrativo nº1.23.002.000587/2009-23.

12. sEMa/Pa. gEFLoR. Relatório deFiscalização nº 149/2009.

13. FUNai. Portaria/PREs 84, de 31 dejaneiro de 2001.

14. FUNai. Portarias nº 775/08 e1155/10.

15. MPF-PRM/Pa e MPE/Pa.Recomendação nº 08/2009.

16. Decreto do Estado do Pará nº 1.740,de 17 de junho de 2009.

17. Plano Participativo de Mosaico deUso da Terra nas glebas Novaolinda i, ii e iii, Curumucuri eMamuru, Plano de Uso e deUtilização discutidos no sTTR –sTM.

18. sTTR-sTM. ofícios 85/2009 e103/2009.

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26. FUNai. Portaria nº 775, de 4 dejulho de 2008.

27. Relatório da Missão ao Territórioindígena Maró: violações de direi-tos humanos aos povos da terraindígena Maró, no oeste do Estadodo Pará” produzido pela Relatoriado Direito humano à Terra,Território e alimentação em visitaao Território indígena Maró, com arelatoria de sérgio sauer eassessoria de gladstone Leonel dasilva Júnior. setembro de 2011.Disponível em: <http://www.dhes-cbrasil.org.br/attachments/500_Relatorio%20da%20miss%C3%a3o%20-%20Mar%C3%B3%20-%202011.pdf>. acesso em: 20 jan.2013.

28. FUNai. Departamento de assuntosFundiários – Coordenação geral deidentificação e Delimitação(gT/DaF-CgiD), instruçãoExecutiva nº 66, de 9 de maio de2003.

29. oficio TDD/sTM nº 15/2010,enviado pela Terra de Direitos àComissão Nacional de Direitoshumanos da oaB e à ComissãoEstadual de Direitos humanos daoaB/Pa.

30. of. sDDh/DiDh nº 118/10, 120/10,122/10 e 123/10 enviados pela Terrade Direitos e sociedade Paraensede Defesa dos Direitos humanos aoPresidente do Programa Nacionalde Proteção aos Defensores dosDireitos humanos, ao ouvidor doiTERPa, ao Presidente da Comissãode Direitos humanos da oaB/Pa,ao Programa Estadual de Proteçãoaos Defensores de Direitoshumanos/Pa.

SEÇÃO II

Análise de Experiências deMediação de Conflitos FundiáriosRurais

2.1 Análise de Experiência:Ouvidoria Agrária Nacional

1. Brasil. Presidência da República.Decreto nº 7.255, de 4 de agostode 2010.

2. Brasil. Portaria interministerial nº1.053, de 14 de Julho de 2006.

3. Brasil. oaN - ouvidoria agráriaNacional. Medidas em Execuçãopara Combater a violência noCampo. Material impresso. Dossiê.

4. Brasil. MDa - Ministério doDesenvolvimento agrário. Manualde Diretrizes Nacionais para aExecução de Mandados Judiciaisde Manutenção e Reintegração dePosse Coletiva. Material impresso.sem data.

5. Brasil. oaN. ata da 385ª Reuniãoda CNvC. Brasília. 08 de outubrode 2012.

6. Processo nº 2012.01.1.109728-2 –Tribunal de Justiça do DistritoFederal.

7. Brasil. oaN. Termo de acordo deCooperação Técnica nº 042/2009,celebrado junto ao ConselhoNacional de Justiça – CNJ.

8. Brasil. oaN. “Programa Paz noCampo”. Material impresso. Dossiê.

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2.2 Análise de Experiência:Assessoria Especial deAssuntos Fundiários – Paraná

1. Decreto n° 286. Diário oficial doParaná. governo do Estado doParaná. 20 de Janeiro de 2011.

2. agência de notícias do Paraná.governo federal indica Paranácomo exemplo na solução de con-flitos agrários. 10 jun. 2012.Disponível em:<http://www.aen.pr.gov.br/modu-les/noticias/article.php? sto-ryid=69375>. acesso em: 10 mai.2013.

2.3 Análise de Experiência: VaraAgrária de Marabá – Pará

1. assembleia Legislativa do Estadodo Pará. Lei Complementar n. 13 de17 de novembro de 1993.

2. assembleia Legislativa do Estadodo Pará. Emenda Constitucional n.30 de 20 de abril de 2005.

3. Tribunal de Justiça do Estado doPará. Resolução n. 21/2006-gP.Diário de Justiça n. 3.742 de 05 deoutubro de 2006.

4. Tribunal de Justiça do Estado doPará. Resolução n. 18/2005-gP.Diário de Justiça n. 3.515 de 27 deoutubro de 2005.

5. Termo de audiência. Processo8055-48.2007.814.0028 – FazendaÁgua Branca. 12.06.2013.

2.4 Análise de Experiência:Promotoria Agrária doEstado do Pernambuco

1. Ministério Público de Pernambuco –Procuradoria geral de Justiça.Resolução REs-CPJ n.001/2004.27.03.2004.

2. Ministério Público de Pernambuco/Promotoria agrária. ofício n.918/2011. 08.09.2011.

3. Ministério do Desenvolvimentoagrário/ ouvidoria agráriaNacional. ata da 221ª Reunião daComissão Nacional de Combate àviolência no Campo. 06.07.2011.

4. Ministério do Desenvolvimentoagrário/ ouvidoria agráriaNacional. ata da 270ª Reunião daComissão Nacional de Combate àviolência no Campo. 13.12.2011.

5. Ministério Público de Pernambuco/Promotoria agrária. ofício n.116/2010. 05.02.2010.

6. Ministério Público de Pernambuco/Promotoria agrária. ata de audiên-cia. 22.01.2007.

7. Ministério Público de Pernambuco/Promotoria agrária. Termo dedepoimento. 30.08.2006.

8. iNCRa. ofício n. 185/2006 (reme-tido à Promotoria agrária).

9. Polícia Civil de Pernambuco. ofícion. 01475/2020 (remetido àPromotoria agrária).

10. agência Estadual de Meioambiente e Recursos hídricos –CPRh. ofício n. 390/2010 (reme-tido à Promotoria agrária).

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11. Ministério Público de Pernambuco/Promotoria agrária. Processo n.224.2007.000227-4. PromoçãoMinisterial.

12. Ministério Público de Pernambuco/Promotoria agrária. Processo n.222.2006.001315-8. PromoçãoMinisterial.

13 Processo n. 224.2007.000227-4.ata audiência preliminar.

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Roteiro de Entrevista

Análise de Experiências Público-Institucionais de Mediação deConflitos Fundiários Rurais

Bloco A

Sobre a Estrutura e Atribuiçõespara a Mediação de ConflitosFundiários Rurais

1. Quem provoca/acessa a ação doórgão? age de ofício?

2. Quais situações (em que é provo-cado a agir)? Que tipo de conflito?

3. Trabalha com a mediação de confli-tos de qual natureza? agrário?Tradicionais? há diferença na atua-ção conforme a variação da natu-reza do conflito?

4. Quais os instrumentos normativosutilizados na mediação? (previsõeslegais reclamados para atuar? CPC,CCB?)

5. Qual o desenho institucional doórgão? o órgão tem algum profis-sional especializado ou câmara téc-nica para tratar do conflito?

6. Quais os instrumentos institucionaisque utiliza na mediação? Quais asfinalidades buscadas através deles?Dê exemplos.

7. Quais os órgãos geralmente chama-dos à mediação? Quais costumamcomparecer? Qual é a análise sobrea participação?

Bloco B

Sobre a Cultura Institucional deMediação de Conflitos FundiáriosRurais

8. Qual a percepção sobre os conflitosfundiários rurais?

9. Qual a avaliação sobre as capacida-des institucionais de solução dosconflitos dos órgãos públicos geral-mente envolvidos ou responsáveispela mediação/solução de conflitosfundiários rurais?

10. Quais os procedimentos que julgaadequados para a mediação de con-flitos fundiários?

11. Qual o desenho institucional que ava-lia ser o mais adequado e eficaz paraa mediação e solução dos conflitosfundiários rurais e tradicionais? odesenho se encaixa em uma institui-ção, ou no modelo do diálogo entrediferentes instituições públicas?

12. Qual o desenho normativo que ava-lia ser o mais adequado e eficaz paraa mediação e solução dos conflitosfundiários rurais e tradicionais?

13. Qual a opinião sobre a possibilidadeou necessidade de criação de umapolítica unificada de mediação esolução de conflitos fundiários noâmbito das instituições do poderexecutivo e do sistema de justiça esegurança pública? Qual seria odesenho dessa política e as funçõesque desempenhariam cada órgãoou instituição?

ANEXO

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