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1 UNIDADE I INTRODUÇÃO A FISIOLOGIA: FISIOLOGIA CELULAR E GERAL Organização Funcional do Corpo Humano e Controle do "Meio Interno" A Célula e seu Funcionamento Controle Genético da Síntese de Proteínas, do Funcionamento e da Reprodução Celular

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UNIDADE I

INTRODUÇÃO A FISIOLOGIA: FISIOLOGIACELULAR E GERAL

Ø Organização Funcional do Corpo Humano e Controle do "Meio Interno"

Ø A Célula e seu Funcionamento

Ø Controle Genético da Síntese de Proteínas, do Funcionamento e da

Reprodução Celular

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CAPÍTULO I

Organização Funcional do Corpo Humano eControle do "Meio Interno"

A fisiologia tenta explicar os fatores físicos e químicosresponsáveis pela origem, desenvolvimento e progressão davida. Cada tipo de vida, desde o mais simples vírus até a maiorárvore ou o complexo ser humano, possui característicasfuncionais próprias. Portanto, o vasto campo da fisiologia podeser dividido cm fisiologia virai, fisiologia bacteriana, fisiologiacelular, fisiologia vegetal, fisiologia humana, e em muitas outrasáreas.

Fisiologia humana. Na fisiologia humana, estamosinteressados nas características e mecanismos específicos do corpohumano que o tornam um ser vivo. O simples fato de quepermanecemos vivos está quase além de nosso controle, poisa fome nos faz procurar alimento e o medo, a buscar abrigo. Assensações de frio nos levam a produzir calor e outras forçasnos levam a procurar companhia e a reproduzir. Assim, o serhumano é, na verdade, um autômato, e o fato de sermos seresque sentem, que têm sentimentos e conhecimento c parte dessaseqüência automática da vida; esses atributos especiais nospermitem viver sob condições extremamente variáveis que, deoutra forma, impossibilitariam a vida.

AS CÉLULAS COMO AS UNIDADESVIVAS DO CORPO

A unidade viva fundamental do corpo é a célula e cadaórgão é um agregado de muitas células diferentes, mantidasunidas por estruturas intercelulares de sustentação. Cada tipode célula é especialmente adaptado para a execução de umafunção determinada. Por exemplo, os glóbulos vermelhos dosangue, um total de 25 trilhões de células, transportamoxigênio dos pulmões para os tecidos. Embora esse tipo decélula talvez seja o mais abundante, é possível que existamoutros 75 trilhões de células. Todo o corpo é formado, então, porcerca de 100 trilhões de células.

Embora as inúmeras células do corpo possam, muitas vezes,diferir acentuadamente entre si, todas apresentam determinadascaracterísticas básicas que são idênticas. Por exemplo, em todasas células, o oxigênio reage com carboidratos, gordura ouproteína para liberar a energia necessária ao funcionamentocelular. Ainda mais, os mecanismos gerais para a transformaçãodos nutrientes em energia são, em termos básicos, os mesmos emtodas as células e, igualmente, todas as células eliminam osprodutos finais de suas reações químicas para os líquidos onde ficamimersas.

Quase todas as células também têm capacidade de se repro-

duzir e, sempre que células de determinado tipo são destruídaspor qualquer causa, as células remanescentes do mesmo tiporegeneram, com muita freqüência, novas células até que sejarestabelecido seu número adequado.

O LÍQUIDO EXTRACELULAR - O MEIOINTERNOCerca de 56% do corpo humano são compostos de líquidos.

Embora a maior parte desse líquido fique no interior das células— e seja chamado de liquido intracelular —, cerca de um terçoocupa os espaços por fora das células e é chamado de liquidoextracelular. O líquido extracelular se movimenta continuamentepor todo o corpo. É transportado rapidamente no sanguecirculante e, em seguida, misturado entre o sangue e os líquidosteciduais por difusão através das paredes capilares. No líquidoextra-celular ficam os íons c os nutrientes necessários às células,para manutenção da vida celular. Por conseguinte, todas ascélulas partilham de um mesmo ambiente, o líquido extracelular,razão por que esse líquido extracelular é chamado de meiointerno do corpo, ou milieu intérieur, expressão criada, hápouco mais de 100 anos, pelo grande fisiologista francês doséculo XIX, Claude Bernard.

As células são capazes de viver, crescer e desempenhar suasfunções específicas enquanto estiverem disponíveis, nesseambiente interno, as concentrações adequadas de oxigênio,glicose, diversos íons, aminoácidos, substâncias gordurosas eoutros constituintes.

Diferenças entre os líquidos extra e intracelulares. O líquidoextracelular contém grandes quantidades de íons sódio, cloretoe bicarbonato, mais os nutrientes para as células, tais comooxigênio, glicose, ácidos graxos c aminoácidos. Também contémdióxido de carbono que está sendo transportado das célulasaté os pulmões para serem excretados, além de outros produtoscelulares que, igualmente, estão sendo transportados para orim, onde vão ser excretados.

O líquido intracelular difere, de forma significativa, dolíquido extracelular; em especial, contém grandes quantidadesde íons potássio, magnésio e fosfato, em lugar dos íons sódio ecloreto presentes no líquido extracelular. Essas diferenças sãomantidas por mecanismos especiais de transporte de íons atravésdas membranas celulares. Esses mecanismos são discutidos noCap. 4.

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MECANISMOS "HOMEOSTÁTICOS"DOS PRINCIPAIS SISTEMASFUNCIONAIS

HOMEOSTASIA

A palavra homeostasia é usada pelos fisiologistas parasignificar manutenção das condições constantes, ou estáticas, domeio interno. Em essência, todos os órgãos e tecidos do corpoexercem funções que ajudam a manter essas condiçõesconstantes. Por exemplo, os pulmões fornecem oxigênio para olíquido extracelular para repor o que está sendo consumidopelas células; os rins mantêm constantes as concentrações iônicase o sistema gastrintestinal fornece nutrientes. Grande parte destetexto está relacionado ao modo como cada órgão ou tecidocontribui para a homeostasia. Para iniciar esta discussão, serãodescritos, resumidamente, os diferentes sistemas funcionais docorpo e seus mecanismos homeostáticos; em seguida, seráapresentada a teoria básica dos sistemas de controle que atuamharmoniosamente entre si.

OS SISTEMAS DE TRANSPORTE DO LÍQUIDOEXTRACELULAR - O SISTEMA CIRCULATÓRIO

O líquido extracelular é transportado para todas as partesdo corpo em duas etapas distintas. A primeira depende domovimento do sangue ao longo do sistema circulatório, e asegunda, do movimento de líquido entre os capilares sanguíneose as células. A Fig. 1.1 mostra a circulação geral do sangue.Todo o sangue contido na circulação percorre todo o circuitoem cerca de um minuto em média, no repouso, e até seis vezespor minuto quando a pessoa está extremamente ativa.

Fig 1.1 Organização geral do sistema circulatório.

Conforme o sangue circula pelos capilares, ocorre trocacontínua de líquido extracelular entre a parte de plasma dosangue e o líquido intersticial que preenche os espaços entre ascélulas: os espaços intercelulares. Esse processo é mostrado naFig. 1.2. Note que os capilares são porosos, de modo que grandesquantidades de líquido e de seus constituintes em solução podemdifundir, nos dois sentidos, entre o sangue e os espaçosteciduais, como indicado pelas setas na figura. Esse processode difusão é causado pela movimentação cinética dasmoléculas, tanto no plasma como no líquido intersticial. Isto é, oliquido e as moléculas em solução estão continuamente emmovimento e saltando em todas as direções no interior dopróprio líquido e também através dos poros e pelos espaçosteciduais. Quase que nenhuma célula fica distante mais de 25 a50 m de um capilar, o que assegura a difusão de quase todas assubstâncias do capilar para a célula dentro de poucos segundos.Assim, o líquido extracelular, por todo o corpo, tanto o do plasmacomo o do líquido contido nos espaços intercelulares, está sendocontinuamente misturado, o que garante sua homogeneidadequase total.

ORIGEM DOS NUTRIENTES DO LÍQUIDOEXTRACELULAR

Sistema respiratório. A Fig. 1.1 mostra que, cada vez queo sangue circula pelo corpo, ele também flui pelos pulmões.Nos alvéolos, o sangue capta oxigênio, ganhando, dessa forma,o oxigênio necessitado pelas células. A membrana entre osalvéolos e o lúmen dos capilares pulmonares tem espessura deapenas 0,4 a 2,0 m e o oxigênio se difunde, através dessamembrana, para o sangue exatamente da mesma maneiracomo a água e os íons se difundem através dos capilaresteciduais.

Tubo gastrintestinal. Grande parte do sangue que ébombeada pelo coração também passa pelas paredes dos órgãosgastrintestinais. Aí, diversos nutrientes dissolvidos, incluindocarboidratos, ácidos graxos, aminoácidos e outros, sãoabsorvidos para O líquido extracelular.

Fígado e outros órgãos que desempenham funçõesprimariamente metabólicas. Nem todas as substâncias absorvidasdo tubo gastrintestinal podem ser usadas, na forma em que foramabsorvidas, pelas células. O fígado modifica as composiçõesquímicas dessas substâncias, transformando-as em formas maisutilizáveis, e outros tecidos do corpo — as células adiposas, amucosa gastrintestinal, os rins e as glândulas endócrinas —ajudam a modificar

Fig. 1.2 Difusão de líquido através das paredescapilares e pelos espaços intersticiais.

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as substâncias absorvidas ou as armazenam, até que sejamnecessárias no futuro.

Sistema musculoesquelético. Algumas vezes, é levantada aquestão: como é que o sistema musculoesquelético participa nasfunções homeostáticas do corpo? A resposta a ela é óbvia esimples. Se não fosse por esse sistema, o corpo não se poderiadeslocar para um local apropriado no tempo adequado, a fimde obter os alimentos necessários para sua nutrição. O sistemamusculoesquelético também gera a motilidade usada na proteçãocontra os ambientes adversos, sem o que todo o corpo, juntocom os demais mecanismos homeostáticos, poderia ser destruídoinstantaneamente.

REMOÇÃO DOS PRODUTOS FINAISDO METABOLISMO

Remoção do dióxido de carbono pelos pulmões. Ao mesmotempo que o sangue capta oxigênio nos pulmões, o dióxido decarbono está sendo liberado do sangue para os alvéolos, e omovimento respiratório do ar, para dentro e para fora dosalvéolos, transporta esse gás para a atmosfera. O dióxido decarbono é o mais abundante de todos os produtos finais dometabolismo.

Os rins. A passagem de sangue pelos rins remove a maioriadas substâncias que não são necessárias às células. De formaespecial, essas substâncias incluem os diferentes produtos finaisdo metabolismo celular, além do excesso de íons e de água quepodem ter-se acumulado no líquido extracelular. Os rins realizamsua função, primeiro, ao filtrarem grandes quantidades deplasma, pelos glomérulos, para os túbulos e, em seguida,reabsorverem para o sangue as substâncias que o corponecessita — como glicose, aminoácidos, quantidadesapropriadas de água e muitos íons. Contudo, a maior parte dassubstâncias que não são necessárias ao corpo, especialmente osprodutos finais do metabolismo, como a uréia, é poucoreabsorvida e, como resultado, elas passam pelos túbulos renaispara serem eliminadas na urina.

REGULAÇÃO DAS FUNÇÕES CORPORAIS

O sistema nervoso. O sistema nervoso é formado por trêsconstituintes principais: o componente sensorial, o sistemanervoso central (ou componente integrativo) e o componentemotor. Os receptores sensoriais detectam o estado do corpo ou oestado de seu ambiente. Por exemplo, os receptores, presentespor toda a pele, denotam cada e todas as vezes que um objetotoca a pessoa em qualquer ponto. Os olhos são órgãossensoriais que dá à pessoa uma imagem visual da área que acerca. O sistema nervoso central é formado pelo encéfalo e pelamedula espinhal. O encéfalo pode armazenar informações,gerar pensamentos, criar ambições e determinar quais as reaçõesque serão executadas pelo corpo em resposta às sensações. Ossinais apropriados são, em seguida, transmitidos, por meio docomponente motor do sistema nervoso, para a efetivação dosdesejos da pessoa.

Um grande componente do sistema nervoso é chamado desistema autonômico. Ele atua ao nível subconsciente e controlamuitas funções dos órgãos internos, inclusive o funcionamentodo coração, os movimentos do tubo gastrintestinal e a secreçãode diversas glândulas.

O sistema de regulação endócrina. Existem dispersas nocorpo oito glândulas endócrinas principais, secretoras desubstâncias químicas, os harmônios. Os hormônios sãotransportados pelo líquido extracelular até todas as partes docorpo, onde vão participar da regulação do funcionamentocelular. Por exemplo, os hormônios tireóideos aumentam avelocidade da maioria das reações químicas celulares. Dessaforma, o hormônio tiróideo deter mina a intensidade daatividade corporal.

A insulina controla o metabolismo da glicose, os hormônios docórtex supra-renal controlam o metabolismo iônico e protéico, eo hormônio paratiróideo controla o metabolismo ósseo. Assim,os hormônios formam um sistema de regulação que complementao sistema nervoso. O sistema nervoso, em termos gerais, regula,principalmente, as atividades motoras e secretoras do corpo,enquanto o sistema hormonal regula, de modo primário, asfunções metabólicas.

REPRODUÇÃO

Por vezes, a reprodução não é considerada como uma funçãohomeostática. Todavia, a reprodução participa da manutençãodas condições estáticas, por produzir novos indivíduos que vãotomar o lugar dos que morreram. Isso talvez pareça um usopermissivo do termo homeostasia, mas, na verdade, ilustra que,em última instância, todas as estruturas do corpo, em essência,são organizadas de forma a manter a automaticidade e acontinuidade da vida.

OS SISTEMAS DE CONTROLE DOCORPOO corpo humano contém literalmente milhares de sistemas

de controle. Os mais intricados deles são os sistemas genéticosde controle, atuantes em todas as células, para regular ofuncionamento intracelular e, também, todas as funçõesextracelulares. Este tópico é discutido no Cap. 3. Muitos outrossistemas de controle atuam ao nível dos órgãos, para regular ofuncionamento de partes distintas desses órgãos; outros atuamao nível de todo o corpo, para regular as inter-relações entre osórgãos. Por exemplo, o sistema respiratório, atuando emassociação com o sistema nervoso, regula a concentração dedióxido de carbono no líquido extracelular. O fígado e opâncreas regulam a concentração de glicose no líquidoextracelular. Os rins regulam a concentração dos íonshidrogênio, sódio, potássio, fosfato e muitos outros nolíquido extracelular.

EXEMPLOS DE MECANISMOS DE CONTROLE

Regulação das concentrações de oxigênio e de dióxido decarbono no líquido extracelular. Dado que o oxigênio é uma dasprincipais substâncias necessárias para as reações químicas nointerior das células, é muito importante que o corpo disponhade mecanismo especial de controle para manter umaconcentração de oxigênio constante e quase invariável no líquidoextra - celular. Esse mecanismo depende, principalmente, dascaracterísticas químicas da hemoglobina, presente em todos osglóbulos vermelhos do sangue. A hemoglobina se combina com ooxigênio enquanto o sangue circula pelos pulmões. Em seguida,conforme o sangue passa pelos capilares teciduais, a hemoglobinanão libera o oxigênio no líquido tecidual, caso ele já contenhateor elevado de oxigênio, mas, se a concentração de oxigênioestiver baixa, será liberado oxigênio em quantidade suficientepara restabelecer a concentração tecidual adequada deoxigênio. Dessa forma, a regulação da concentração deoxigênio nos tecidos depende, primariamente, das característicasquímicas da própria hemoglobina. Essa regulação recebe onome de função tamponadora de oxigênio da hemoglobina.

A concentração de dióxido de carbono no líquidoextracelular é regulada de forma bastante diferente. O dióxido decarbono é um dos principais produtos finais das reaçõesoxidativas das células. Se todo o dióxido de carbono formadonas células pudesse se acumular nos líquidos teciduais, aação de massa

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do próprio dióxido de carbono interromperia, em pouco tempo,todas as reações liberadoras de energia das células. Felizmente,um mecanismo nervoso controla a expiração do dióxido decarbono pelos pulmões e, dessa forma, mantém concentraçãoconstante e relativamente baixa de dióxido de carbono no líquidoextracelular. Em outras palavras, a concentração elevada dedióxido de carbono excita o centro respiratório, fazendo com quea pessoa respire mais freqüentemente e com maior amplitude.Isso aumenta a expiração de dióxido de carbono e, porconseguinte, acelera sua remoção do sangue e do líquidoextracelular, e esse processo continua até que sua concentraçãoretorne ao normal. Regulação da pressão arterial. Váriossistemas distintos contribuem para a regulação da pressão arterial.Um deles, o sistema barorreceptor, é exemplo excelente e muitosimples de um mecanismo de controle. Na parede da maioriadas grandes artérias da parte superior do corpo - e, de modoespecial, na bifurcação da artéria carótida comum e no arcoaórtico - existem numerosos receptores neurais que sãoestimulados pelo estiramento da parede arterial. Quando apressão arterial se eleva, esses barorreceptores são estimuladosde forma excessiva, quando, então, são transmitidos impulsospara o bulbo, no encéfalo. Aí, esses impulsos inibem o centrovasomotor, o que, por sua vez, reduz o número de impulsostransmitidos, pelo sistema nervoso simpático, para o coração epara os vasos. Essa diminuição dos impulsos provoca menoratividade de bombeamento pelo coração e maior facilidade parao fluxo de sangue pelos vasos periféricos; esses dois efeitosprovocam o abaixamento da pressão arterial até seu valornormal. De modo inverso, queda da pressão arterial relaxa osreceptores de estiramento, permitindo que o centro vasomotorfique mais ativo que o usual, o que provoca a elevação da pressãoarterial ate seu valor normal.

Faixas normais de variação dos constituintesimportantes do liquido extracelular

O Quadro 1,1 enumera os constituintes mais importantes- junto com suas características físicas - do líquido extracelular,alem de seus valores normais, faixas normais de variação e limitesmáximos que podem ser mantidos, sem morte, por curtosperíodos. Deve ser notado, de forma especial, como é estreita afaixa normal de variação para cada um desses constituintes.Valores fora dessa faixa são, em geral, causa ou resultado dedoença. Ainda mais importantes são os limites que, quandoultrapassados, podem levar à morte. Por exemplo, aumento datemperatura corporal de apenas 6 a 7°C acima da normal pode,muitas vezes, gerar um ciclo vicioso de aumento do metabolismocelular que, literalmente, destrói as células. Também deve sernotada a faixa muito estreita para o equilíbrio ácido-básico docorpo,

Quadro 1.1 Alguns constituintes importantes e as característicasfísicas do líquido extracelular, sua faixa normal de variação e seuslimites não letais aproximados

LimitesValor Faixa não-letais

normal normal aproximados UnidadesOxigênio 40 35-45 10-1.000 mm HgDióxido de carbono 40 35-45 5-80 mm HgÍon sódio 142 138-146 115-175 mmol/lÍon potássio 4,2 3,8-5,0 1,5-9,0 mmol'lÍon cálcio 1,2 1,0-1,4 0,5-2,0 mmoi'iÍon cloreto 108 103-112 70-130 mmol/lÍon bicarbonato 28 24-32 8-45 mmol/lGlicose 85 75-95 20-1.500 mmol/lTemperatura corporal 37,0 37,0 18,3-43,3 "CÁcido-básico 7,4 7,3-7,5 6,9-8,0 pH

com valor normal do pH de 7,4 e valores letais 0,5 abaixo eacima desse valor normal. Outro fator especialmente importanteé o íon potássio, pois, sempre que sua concentração cai até menosde um terço da normal, a pessoa tende a ficar paralisada, devidoà incapacidade dos nervos de transmitir os sinais nervosos e,caso chegue a aumentar até duas ou mais vezes a normal, émuito possível que o músculo cardíaco fique gravementedeprimido. Por outro lado, quando a concentração do íon cálciocai abaixo da metade da normal, a pessoa fica suscetível deapresentar contrações tetânicas nos músculos de todo o corpo,devido à geração espontânea de impulsos nervosos nos nervosperiféricos. Quando a concentração de glicose fica reduzida amenos da metade da normal, a pessoa, com muita freqüência,apresenta intensa irritabilidade mental e, por vezes, atéconvulsões.

Assim, a análise desses exemplos deve levar à apreciaçãoextrema da importância e, até mesmo, da necessidade de grandenúmero de sistemas de controle, mantenedores do corpofuncionando no estado de saúde; a ausência ou falta de umdesses controles pode resultar em doença grave e até em morte,

CARACTERÍSTICAS DOS SISTEMAS DE CONTROLE

Os exemplos antes apresentados de mecanismos de controlehomeostáticos são apenas uns poucos das muitas centenas amilhares existentes no corpo; todos eles possuem determinadascaracterísticas comuns. Essas características comuns serãoexplicadas nas páginas seguintes.

A natureza de feedback negativo da maioria dossistemas de controle

A maior parte dos sistemas de controle do corpo atua peloprocesso de feedback negativo, que pode ser melhor explicadopor revisão de alguns dos sistemas de controle homeostáticosapresentados acima. Na regulação da concentração de dióxidode carbono, uma concentração elevada de dióxido de carbonono líquido extracelular provoca aumento da ventilação pulmonare isso, por sua vez, produz redução da concentração de dióxidode carbono, dado que os pulmões conseguem excretar maiorquantidade de dióxido de carbono para fora do corpo. Em outraspalavras, a concentração elevada provoca redução dessaconcentração, o que é negativo em relação ao estímulo inicial. Demodo inverso, caso a concentração de dióxido de carbono caiaaté valores muito baixos, isso vai produzir aumento porfeedback dessa concentração. Essa resposta também é negativaem relação ao estímulo inicial.

Nos mecanismos reguladores da pressão arterial, a elevaçãoda pressão causa uma série de reações que resultam em reduçãoda pressão, ou a queda da pressão causa uma série de reaçõesque resultam em elevação da pressão. Nos dois casos, os efeitossão negativos em relação ao estímulo inicial.

Por conseguinte, em termos gerais, se algum fator aumentaou diminui muito, um sistema de controle ativa um feedbacknegativo, que consiste em uma série de alterações que fazemcom que esse fator retorne a determinado valor médio,mantendo, assim, a homeostasia.

O "ganho" de um sistema de controle. O grau de eficáciacom que um sistema de controle mantém as condições constantesé determinado pelo ganho do feedback negativo. Por exemplo,admita-se que grande volume de sangue foi transfundido empessoa cujo sistema de controle dos barorreceptores para apressão não esteja atuando, e que a pressão arterial se elevede seu valor normal de 100 mm Hg até 175 mm Hg. Em seguida,admita-se que esse mesmo volume de sangue seja transfundidona mesma pessoa, quando seu sistema barorreceptor estiver

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atuante e, nesse caso, a pressão só se eleva por 25 mm Hg.Assim, o sistema de controle por feedback produziu "correção"de -50 mm Hg, isto é, de 175 mm Hg para 125 mm Hg. Contudo,ainda persiste um aumento da pressão de +25 mm Hg, o queé chamado de "erro", e que significa que o sistema de controlenão é 100% eficaz em impedir a variação da pressão. O ganhodo sistema pode ser calculado pelo uso da seguinte relação:

Ganho =Correção

Erro

Assim, no exemplo acima, a correção é de -50 mm Hge o erro que persiste é de +25 mm Hg. Por conseguinte, oganho do sistema barorreceptor dessa pessoa, para controle desua pressão arterial é —50 dividido por +25, o que é igual a -2. Isso quer dizer que um fator extrínseco que tenda a aumentar oua diminuir a pressão arterial só exerce efeito de cerca de doisterços do que teria caso o sistema de controle não estivesseatuando.

Os ganhos de outros sistemas fisiológicos de controle sãomuito maiores que o do sistema barorreceptor. Por exemplo,o ganho do sistema regulador da temperatura corporal é de cercade -33. Por conseguinte, pode-se ver que o sistema de controleda temperatura corporal é muito mais eficaz que o sistemabarorreceptor.

O feedback positivo — os cicios viciosos e mortecausados por feedback positivo

Poderá ser feita a seguinte pergunta: Por que, em essência,todos os sistemas de controle do corpo atuam por mecanismode feedback negativo, e não por feedback positivo? Todavia,se for considerada a natureza do feedback positivo,imediatamente será visto que o feedback positivo nunca leva àestabilidade, mas, sim, à instabilidade e, muitas vezes, à morte.

A Fig. 1.3 apresenta um caso em que pode ocorrer mortepor feedback positivo. Essa figura apresenta a eficiência debombeamento do coração, mostrando que o coração de pessoanormal bombeia cerca de 5 litros de sangue por minuto.Contudo, se a pessoa perder, subitamente, 21 de sangue, aquantidade de sangue restante no corpo fica reduzida a níveltão baixo que chega a ser insuficiente para um bombeamentoeficaz pelo coração. Como resultado, a pressão arterial cai e ofluxo de sangue para o músculo cardíaco, por meio dos vasoscoronários, também diminui. Isso resulta em enfraquecimento docoração, com redução ainda maior do bombeamento, decréscimoadicional do fluxo sanguíneo coronário e enfraquecimento aindamaior do coração. Esse ciclo se repete indefinidamente até amorte. Deve ser notado que cada ciclo de feedback resulta emenfraquecimento adicional do coração. Em outras palavras, oestímulo inicial provoca seu próprio aumento, o que é umfeedback positivo.

O feedback positivo é melhor conhecido como "ciclovicioso", mas, na verdade, um grau moderado de feedbackpositivo pode ser compensado por mecanismos de controle porfeedback negativo do corpo, situação na qual não sedesenvolverá ciclo vicioso. Por exemplo, se a pessoa doexemplo acima só perdesse 11, e não 2 1, os mecanismosnormais de feedback negativo de controle do débito cardíacoe da pressão arterial poderiam anular o feedback positivo, ea pessoa poderia se recuperar, como mostrado pela curvatracejada da Fig. 1.3.

Fig. 1.3 Morte causada por feedback positivo quando 21 de sanguesão removidos da circulação.

do feedback positivo. Quando um vaso sanguíneo é rompidoe começa a formação do coágulo, diversas enzimas, chamadasde fatores de coagulação, são ativadas no interior do própriocoágulo. Algumas dessas enzimas atuam sobre outras enzimas,ainda inativas, presentes no sangue imediatamente adjacente aocoágulo, ativando-as e produzindo coagulação adicional. Esseprocesso persiste até que a rotura do vaso fique ocluída e nãomais ocorra sangramento. Infelizmente, por vezes, esse processopode ficar descontrolado e produzir coágulos indesejados. Naverdade, é isso que desencadeia a maioria dos ataques cardíacosagudos, causados por coágulo que se forma cm placaaterosclerótica em artéria coronária e que cresce até ocluircompletamente essa artéria.

O parto é outro exemplo de participação de feedbackpositivo. Quando as contrações uterinas ficam suficientementeintensas para empurrar a cabeça do feto contra a cérvix, oestiramento da cérvix emite sinais, por meio do própriomúsculo uterino, até o corpo do útero, que responde comcontrações ainda mais intensas. Assim, as contrações uterinasdistendem a cérvix e o estiramento da cérvix produz maiscontrações. Quando esse processo fica suficientemente intenso, ofeto nasce. Caso não sejam suficientemente intensas, essascontrações cessam, para reaparecer alguns dias depois.

Finalmente, outro importante uso do feedback positivo érepresentado pela geração de sinais neurais. Isto é, quando amembrana de uma fibra nervosa é estimulada, isso causa pequenoinfluxo de íons sódio, através dos canais de sódio da membrananeural, para o interior da fibra. Esses íons sódio que penetramna fibra modificam o potencial de membrana, o que causaabertura de mais canais, levando a maior variação do potencial,abertura de mais canais adicionais, e assim por diante. Assim,de um início bem pequeno, ocorre explosão do influxo desódio que gera o potencial de ação. Por sua vez, essepotencial de ação excita a fibra nervosa em ponto adiante, oque faz com que esse processo progrida ao longo de todo ocomprimento da fibra.

Contudo, vai-se aprender que, em cada um desses processosonde o feedback positivo é útil, o próprio feedback positivo fazparte de processo global de feedback negativo. Por exemplo,no caso da coagulação do sangue, o processo de coagulação porfeedback positivo é um processo de feedback negativo para amanutenção do volume normal de sangue. E o feedback positivoque gera os sinais neurais permite que os nervos participem emmuitos milhares de sistemas de controle por feedback negativo.

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Alguns tipos mais complexos de sistemas de controle - ossistemas adaptativos de controle

Adiante, quando se estudar o sistema nervoso, será vistoque esse sistema contém um emaranhado de sistemas de controleinterconectados. Alguns desses sistemas são sistemas de feedbacksimples, como os que foram discutidos até aqui. Contudo, muitosnão o são. Por exemplo, vários movimentos do corpo são tãorápidos que, simplesmente, não há tempo suficiente para queos sinais neurais trafeguem das partes periféricas do corpo atéo encéfalo e voltem para a periferia, para regular essesmovimentos. Por conseguinte, o encéfalo utiliza um princípio,chamado de controle por feed-forward, para produzir ascontrações musculares desejadas. Então, sinais nervosossensoriais, originados nas partes era movimento, informam oencéfalo de se o movimento apropriado, planejado peloencéfalo, foi ou não executado. Caso não tenha sido, oencéfalo corrige os sinais de feed-forward que envia para osmúsculos na próxima vez em que esse movimento vier a serexecutado. Então, mais uma vez, se for preciso correçãoadicional, ela será feita para os movimentos subseqüentes. Issoé chamado de controle adaptativo. Em determinado sentido, éóbvio que o controle adaptativo nada mais é que um feedbacknegativo retardado.

Assim, pode-se ver como são complexos alguns dos sistemasde controle por feedback encontrados no corpo. Em termosliterais, a vida da pessoa depende de todos eles. Por conseguinte,grande parte deste texto será dedicada à discussão dessesmecanismos protetores da vida.

RESUMO - A AUTOMATICIDADE DOCORPOO objetivo deste capítulo foi o de destacar, primeiro, a

organização geral do corpo e, segundo, os meios pelos quais asdiferentes partes do corpo funcionam em harmonia. Pararesumir, o corpo c, na verdade, uma ordem social com cerca de100 trilhões de células, organizada em diferentes estruturasfuncionais, algumas das quais são chamadas órgãos. Cadaestrutura funcional contribui com sua cota para a manutenção dascondições homeostáticas do líquido extracelular, que é chamadode ambiente interno. Enquanto as condições normais foremmantidas no ambiente interno, as células do corpo continuarão aviver e a funcionar adequadamente. Dessa forma, cada célula sebeneficia da homeostasia e, por sua vez, contribui com sua cotapara a manutenção dessa homeostasia. Essa interação recíprocaresulta em automaticidade contínua do corpo, que perduraráaté que um ou mais sistemas funcionais percam sua capacidadede contribuir com sua cota de funcionamento. Quando issoacontece, todas as células do corpo sofrem. A disfunção extremaleva à morte, enquanto a disfunção moderada causa doença.

REFERENCIAS

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CAPÍTULO 2

A Célula e seu Funcionamento

Cada uma das 75 a 100 trilhões de células do corpo humanoé uma estrutura viva que pode sobreviver indefinidamente e,em muitos casos, até se reproduzir, desde que os líquidos quea banham contenham os nutrientes adequados. Para acompreensão do funcionamento dos órgãos e das demaisestruturas que compõem o corpo humano, é essencial que,primeiro, se conheça a organização básica da célula e ofuncionamento de suas partes componentes.

ORGANIZAÇÃO DA CÉLULAUma célula típica, como vista ao microscópio óptico, é

apresentada na Fig. 2.1. Seus dois constituintes principais são onúcleo e o citoplasma. O núcleo é separado do citoplasma pelamembrana nuclear, enquanto o citoplasma é separado dosfluidos circundantes pela membrana celular.

As diferentes substâncias que compõem a célula sãochamadas, em conjunto, de protoplasma. Esse protoplasma éformado, em sua maior parte, por cinco substâncias básicas:água, eletrólitos, proteínas, lipídios e carboidratos.

Água. O principal meio líquido da célula é a água, presenteem concentrações que variam entre 75 e 85%. Muitas substânciasquímicas celulares estão dissolvidas na água, enquanto outrasficam em suspensão, sob forma particulada ou membranosa. Asreações químicas ocorrem entre as substâncias químicasdissolvidas ou nas superfícies limitantes entre as partículas oumembranas em suspensão e a água.

Eletrólitos. Os eletrólitos mais importantes da célula sãoo potássio, o magnésio, o fosfato, o sulfato, o bicarbonato, epequenas quantidades de sódio, cloreto e cálcio. Esses eletrólitosserão discutidos em maior detalhe no Cap. 4, onde serãoapresentadas as relações entre os líquidos intra e extracelular.

Os eletrólitos fornecem as substâncias químicas inorgânicaspara as reações celulares. Também são necessários para aoperação de diversos mecanismos celulares de controle. Porexemplo, os eletrólitos, atuando ao nível da membrana celular,permitem a transmissão dos impulsos eletroquímicos nasfibras nervosas e musculares, enquanto os eletrólitosintracelulares determinam a velocidade de numerosas reaçõescatalisadas por enzimas, imprescindíveis ao metabolismo celular.

Proteínas. Após a água, a substância mais abundante namaioria das células é a proteína que, normalmente, representade 10 a 20% da massa celular. Essa proteína pode ser divididaem duas classes distintas, as proteínas estruturais e as proteínasglobulares, que são, em sua maioria, enzimas.

Para se ter idéia do que se quer dizer por proteínas estruturais,apenas será preciso notar que o couro é formado, quase que

inteiramente, por proteína estrutural. As proteínas dessa classeexistem nas células sob forma de filamentos longos e finos quesão, em si mesmos, polímeros de muitas moléculas protéicas.O uso mais freqüente desses filamentos intracelulares é nomecanismo contrátil de todos os músculos. Contudo, outrosdesses filamentos também ocorrem organizados nosmicrotúbulos que formam os "citoesqueletos" de organetas comoos cílios e o fuso mitótico das células em mitose. No ambienteextracelular, as estruturas fibrilares aparecem nas fibras decolágeno e elásticas do tecido conjuntivo, dos vasos sanguíneos,dos tendões, ligamentos etc.

Por outro lado, as proteínas globulares formam classeinteiramente distinta de proteínas, compostas, em gerai, pormoléculas protéicas únicas ou, no máximo, por agregado depoucas moléculas, tendo forma globular, e não fibrilar. Essasproteínas são, em sua maioria, as enzimas celulares e, no quediferem das proteínas fibrilares, são, com muita freqüência,solúveis nos líquidos das células ou são parte ou aderem aestruturas membranosas no interior das células. As enzimasentram em contato direto com outras substâncias no interiorcelular, quando catalisam as reações químicas. Por exemplo, asreações químicas que degradam a glicose em seus componentes e,em seguida, os combinam com o oxigênio, para gerar dióxido decarbono e água, ao mesmo tempo que liberam energia para ofuncionamento celular, são catalisadas por várias enzimasprotéicas.

Lipídios. Os lipídios são formados por diversos tiposdiferentes de substâncias, consideradas como pertencentes a umamesma classe por terem a propriedade comum de serem solúveisem solventes de gorduras. Os tipos mais importantes doslipídios são os fosfolipídios e o colesterol, que representam cercade 2% da massa celular total. A importância especial dosfosfolipídios e do colesterol é a de que são quase insolúveis emágua e, portan-

Fig. 2.1 Estrutura de uma célula como é vista ao microscópioóptico.

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to, são usados na formação de barreiras membranosas,separadoras dos diversos compartimentos intracelulares.

Além dos fosfolipídios e do colesterol, algumas célulascontêm grandes quantidades de trigricerídeos, também chamadosde gordura neutra. Nas chamadas células adiposas, ostriglicerídios representam, muitas vezes, até 95% da massacelular. A gordura armazenada nessas células representa oprincipal depósito de nutriente armazenador de energia quepode ser mobilizado e utilizado como energia sempre que ocorpo necessitar.

Carboidratos. Em geral, os carboidratos têm pequenaparticipação no funcionamento estrutural da célula, exceto comoparte das moléculas de glicoproteínas, mas têm participaçãofundamental na nutrição celular. A maioria das células humanasnão mantém grandes depósitos de carboidratos que, em geral,representam cerca de 1% de sua massa total. Contudo, ocarboidrato, sob forma de glicose, sempre está presente no líquidoextracelular circundante, de modo a ser facilmente disponívelpara a célula. Na maioria das situações, a célula armazenapequena quantidade de carboidrato, sob forma de glicogênio, umpolímero insolúvel da glicose e que pode ser rapidamenteutilizado para suprir as necessidades energéticas da célula.

A ESTRUTURA FÍSICA DA CÉLULAA célula não é, simplesmente, um saco cheio de líquido,

enzimas e substâncias químicas; também contem estruturasfísicas, extremamente organizadas, muitas delas chamadasorganelas, e a natureza física de cada uma delas é tãoimportante para o funcionamento celular como o são seusconstituintes químicos.

Por exemplo, sem uma das organelas, as mitocôndrias, mais de95% do suprimento energético da célula cessaria imediatamente.Algumas das organelas principais são mostradas na Fig. 2.2,incluindo a membrana celular, a membrana nuclear, o retículoendoplasmático, o aparelho de Golgi, as mitocôndrias, oslisossomas e os centríolos.

AS ESTRUTURAS MEMBRANOSAS DAS CÉLULAS

Em essência, todas as organelas celulares são revestidas pormembranas, formadas, em sua maior parte, por lipídios e porproteínas. Essas membranas incluem a membrana celular, amembrana nuclear, a membrana do retículo endoplasmático e asmembranas das mitocôndrias, dos lisossomas e do aparelho deGolgi, além de várias outras. Os lipídios dessas membranasformam barreiras que impedem o livre deslocamento da água edas substâncias solúveis em água entre os diferentescompartimentos da célula. As moléculas de proteína, por suavez, penetram, com certa freqüência, através de toda aespessura dessas membranas, o que interrompe a continuidadeda barreira lipídica e, por conseguinte, forma pertuitos para apassagem de substâncias específicas através dessas membranas.Também, muitas das proteínas das membranas são enzimas quecatalisam muitas reações químicas diferentes, que serãodiscutidas adiante neste capítulo e nos subseqüentes.

A membrana celular

A membrana celular, que reveste inteiramente toda a célula,é uma estrutura muito delgada e elástica, com espessura entre

Fig. 2.2 Reconstrução de uma célula típica, mostrando asorganelas internas no citoplasma e no núcleo.

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7,5 e 10 nanômetros. É formada quase que exclusivamente porproteínas e lipídios. Sua composição aproximada é de 55% deproteínas, 25% de fosfolipídios, 13% de colesterol, 4% de outroslipídios c 3% de carboidratos.

A barreira lipídica da membrana celular. A Fig. 2.3apresenta a membrana celular. Sua estrutura básica é umabicamada lipídica, que é uma película delgada de lipídios, com aespessura de duas moléculas, contínua por sobre toda asuperfície celular. Dispersas nessa película lipídica, existemmoléculas de proteínas globulares.

A bicamada lipídica é formada quase que inteiramente porfosfolipídios e por colesterol. Parte das moléculas de fosfolipídiosc de colesterol é solúvel em água, isto é, hidrofílica, enquantooutra parte só é solúvel em gordura, isto é, hidrofóbica. O radicalfosfato dos fosfolipídios é hidrofílico e os ácidos graxos sãohidrofóbicos. O colesterol contém um radical hidroxila que éhidrossolúvel e um núcleo esteróide que ê solúvel em gordura.Como as partes hidrofóbicas dessas moléculas são repelidas pelaágua mas se atraem mutuamente, essas moléculas possuemtendência natural para se alinharem umas às outras, comomostrado na Fig. 2.3, com suas frações graxas ocupando aregião central da membrana e com suas regiões hidrofílicasvoltadas para sua superfície, em contato com a água que asbanha.

A bicamada lipídica da membrana representa importantebarreira, impermeável às substâncias comuns, hidrossolúveis, taiscomo íons, glicose, uréia e outras. Por outro lado, as substânciassolúveis em gordura, como o oxigênio, dióxido de carbono eálcool, podem atravessar facilmente essa região da membrana.

Característica especial da bicamada lipídica é a de ser umfluido, e não um sólido. Por conseguinte, partes dessa membranapodem, literalmente, fluir de um ponto a outro, ao longo dasuperfície dessa membrana. As proteínas e outras substânciasdissolvidas ou flutuando na bicamada lipídica tendem a se difundirpara todas as áreas da membrana celular.

As proteínas da membrana celular. A Fig. 2.3 apresentamassas globulares flutuando na bicamada lipídica. São proteínasda membrana, a maioria das quais é formada por glicoproteínas.São encontrados dois tipos de proteínas: as proteínas integrais,que atravessam toda a espessura da membrana, e as proteínasperiféricas, que ficam apenas presas à superfície da membrana.

sem atravessá-la.Muitas das proteínas integrais formam canais (ou poros)

estruturais, pelos quais podem difundir as substânciashidrossolúveis, especialmente os íons, entre os líquidos intra aextracelular. Contudo, essas proteínas apresentam propriedadesseletivas que produzem difusão diferencial de algumassubstâncias mais que de outras. Outras proteínas integrais atuamcomo proteínas carreadoras para o transporte de substâncias nadireção oposta à natural de sua difusão, o que é chamado de"transporte ativo". Outras, ainda, são enzimas.

As proteínas periféricas ocorrem quase inteiramente na faceinterna da membrana e, normalmente, ficam presas a uma dasproteínas integrais. Essas proteínas periféricas atuam quase queexclusivamente como enzimas.

Os carboidratos da membrana — o "glicocálise"celular. Os carboidratos da membrana aparecem, de modo quaseinvariável, em combinação com proteínas e lipídios, sob a formade glicoproteínas e de glicolipídios. Na verdade, a maioria dasproteínas integrais é composta de glicoproteínas e cerca de umdécimo das moléculas lipídicas é de glicolipídios. A fração "glico"dessas moléculas, quase que invariavelmente, proemina na faceexterna da célula, chegando a ficar pendurada para fora da célula.Muitos outros compostos carboidratos, chamados proteoglicanos,formados principalmente por carboidratos unidos entre si porpequenos núcleos protéicos, podem, por vezes, também ocorrerfrouxamente ligados à superfície externa da célula. Assim, toda asuperfície externa da célula é, muitas vezes, inteiramenterevestida por capa de carboidrato, chamada de glicocálice.

Os radicais carboidratos presos à superfície externa da céluladesempenham diversas funções importantes: (1) muitos delestêm carga negativa, o que dá, à maioria das células, uma cargaglobal negativa em sua superfície, o que repele qualquer coisaque também seja portadora de carga negativa; (2) o glicocálicede muitas células se fixa ao glicocálice de outras células, o queserve para fixar (ou unir) as células entre si; (3) muitos dessescarboidratos atuam como substâncias receptoras para a fixaçãode hormônios, como a insulina, e, ao fazê-lo, ativam proteínasintegrais que, por sua vez, ativam uma cascata de enzimasintracelulares; e (4) alguns participam de reações imunes, comodiscutido no Cap. 34.

Fig. 2.3 Estrutura da membrana celular, mostrando que é composta, principalmente, de bicamada lipídica, com grande número de moléculasde proteína protruindo através dessa bicamada. Também existem moléculas de carboidrato presas às moléculas de proteína na face externada membrana, além de moléculas adicionais de proteína em sua face interna. (De Lodish e Rothman: The assembly of cell membranes, Sei,Amer., 240:48, 1979. Copyright 1979 by Scientific American Inc. Todos os direitos reservados.)

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O CITOPLASMA E SUAS ORGANELAS

O citoplasma é cheio de partículas e organelas dispersas,com tamanhos que vão de poucos nanômetros até muitosmicrômetros. Aparte líquida clara do citoplasma, onde ficamdispersas essas partículas e organelas, é chamada de citosol; elecontém muitas proteínas, eletrólitos, glicose e quantidadesdiminutas de compostos lipídicos dissolvidos.

A região do citoplasma imediatamente abaixo da membranacelular contém, com muita freqüência, um emaranhado de micro-filamentos, formado, em sua maior parte, por fibrilas de actina.Essa estrutura forma um sistema de sustentação semi-sólido, coma consistência de gel, para a membrana celular. Essa região docitoplasma é chamada de córtex ou de ectoplasma. A parte docitoplasma que fica entre o córtex e a membrana nuclear é líquidae chamada de endoplasma.

Ocorrem, dispersos no citoplasma, gotículas de gorduraneutra, grânulos de glicogênio, ribossomas, grânulos secretóriose cinco organelas especialmente importantes: o retículoendoplasmático, o aparelho de Golgi, as mitocôndrias, oslisossomas e os peroxissomas.

O retículo endoplasmático

A Fig. 2.2 mostra, no citoplasma, uma rede de estruturastubulares e vesiculares achatadas, chamada de retículoendoplasmático. Os túbulos e as vesículas se intercomunicam.Por outro lado, suas paredes são formadas por membranas debicamada lipídica, contendo grande quantidade de proteínas,como ocorre na membrana celular. A área total da superfíciedessa estrutura em determinadas células — como, porexemplo, as hepáticas — pode chegar até a 30 ou 40 vezesmaior que a de toda a superfície celular.

Um detalhe da estrutura de pequena parte do retículoendoplasmático é mostrado na Fig. 2.4. O espaço no interiordos túbulos e das vesículas é cheio com a matrizendoplasmática, um meio líquido que difere do encontrado porfora do retículo endoplasmático. Micrografias eletrônicasmostram que o espaço no interior do retículo endoplasmáticoestá conectado ao espaço entre as duas membranas da duplamembrana nuclear.

As substâncias sintetizadas em outras regiões da célulapenetram nesse espaço do retículo endoplasmático e são levadasaté outras partes da célula. Por outro lado, a imensa área dasuperfície desse retículo, além dos múltiplos sistemas enzimáticospresentes em suas membranas, compõe o maquinário parafração importante das funções metabólicas da célula.

Ribossomas e o retículo endoplasmático granular.Existem, fixadas à superfície externa de muitos trechos doretículo endoplasmático, pequenas partículas granulares,denominadas ribossomas

Nas regiões do retículo endoplasmático onde isso ocorre, esseretículo é chamado de retículo endoplasmático granular. Osribossomas são formados por mistura de ácido ribonucléico(ARN) e de proteínas e atuam na síntese de proteínas pelascélulas, como discutido adiante neste capítulo e no seguinte.

O retículo endoplasmático agranular. Parte do retículoendoplasmático não tem ribossomas fixados a ele. Essa parte échamada de retículo endoplasmático agranular, ou liso. Oretículo agranular atua na síntese de substâncias lipídicas e demuitos outros processos enzimáticos das células.

O aparelho de Golgi

O aparelho de Golgi, mostrado na Fig. 2.5, é intimamenterelacionado ao retículo endoplasmático. Possui membranassemelhantes às do retículo endoplasmático agranular. Em geral,é formado por quatro a cinco camadas empilhadas de vesículasfechadas, delgadas e achatadas, situadas próximo ao núcleo. Esseaparelho é muito proeminente nas células secretoras; nelas ficasituado no lado da célula por onde são extrudadas as substânciassecretórias.

O aparelho de Golgi funciona associado ao retículoendoplasmático. Como mostrado na Fig. 2.5, pequenas "vesículasde transporte", também chamadas vesículas de retículoendoplasmático ou, simplesmente, vesículas RE, são formadas,de forma contínua, pelo retículo endoplasmático e, em seguida,se fundem com o aparelho de Golgi. Desse modo, as substânciassão transferidas do retículo endoplasmático para o aparelho deGolgi. As substâncias transferidas são, em seguida, processadasno aparelho de Golgi, para formar lisossomas, vesículassecretórias ou outros componentes citoplasmáticos, discutidosadiante neste capítulo.

Os lisossomas

Os lisossomas são organelas vesiculares, formadas peloaparelho de Golgi e que, em seguida, ficam dispersas por todo ocitoplasma. Os lisossomas formam um sistema digestivointracelular que permite que a célula digira e, por conseguinte,remova substâncias e estruturas indesejadas, em especialestruturas estranhas ou lesadas, tais como bactérias. Olisossoma, mostrado na Fig. 2.2, difere muito de uma célulapara outra, mas, em geral, tem diâmetro entre 250 e 750 nm. Élimitado por membrana de bicamada lipídica típica e seu interioré cheio de pequenos grânulos, com diâmetro entre 5 e 8 nm, quesão agregados protéicos de enzimas hidrolíticas (digestivas).Uma enzima hidrolítica

Fig. 2.4 Estrutura do retículo endoplasmático. (Modificado de De Ro-bertis, Saez e De Robertis: Cell Biology. 6. ed. Philadelphia, W.B.SaundersCo., 1975.)

Fig. 2.5 Um típico aparelho de Golgi e sua relação com o retículoendoplasmático e com o núcleo.

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é capaz de degradar um composto orgânico em dois ou maiscomponentes, por combinar um hidrogênio, derivado da água,com parte desse composto, e peia combinação da hidroxila damolécula de água com outra parte desse composto. Por exemplo,a proteína é hidrolisada para formar aminoácidos, enquanto oglicogênio é hidrolisado para formar glicose. Mais de 50 hidrolasesácidas já foram identificadas nos lisossomas, e as principaissubstâncias que essas organelas podem hidrolisar são asproteínas, os ácidos nucléicos, os mucopolissacarídeos, oslipídios e o glicogênio.

Comumente, a membrana que envolve o lisossoma impedeque as enzimas hidrolíticas de seu interior entrem em contatocom as outras substâncias no interior celular. Todavia, numerosase diversas condições celulares podem romper a membrana de,pelo menos, alguns lisossomas, o que produz a liberação dessasenzimas. Como resultado, essas enzimas degradam as substânciasorgânicas com que entram em contato, produzindo substânciasmuito difusíveis, como aminoácidos e glicose. Algumas dasfunções mais específicas dos lisossomas são discutidas adianteneste capítulo.

Os peroxissomas

Os peroxissomas são, cm termos físicos, semelhantes aoslisossomas, mas diferem deles por dois aspectos importantes:primeiro, admite-se que sejam formados pelo retículoendoplasmático liso, e não pelo aparelho de Golgi; segundo, asenzimas em seu interior são oxidases, e não hidrolases. Diversasdessas oxidases são capazes de combinar o oxigênio com o íonhidrogênio para formar peróxido de hidrogênio (H2O2). O peróxidode hidrogênio, por sua vez, é composto altamente oxidante e queatua associado à catalase, outra enzima oxidase presente em altaconcentração nos peroxissomas, na oxidação de muitassubstâncias que, de outra forma, intoxicariam a célula. Porexemplo, a maior parte do álcool ingerido por uma pessoa édetoxificado pelos peroxissomas das células hepáticas por essemecanismo. O mecanismo oxidativo peróxido de hidrogêniocatalase também é usado para finalidades funcionais específicasda célula, tais como a degradação de ácidos graxos a acetil-CoAque, em seguida, é utilizado como energia pela célula.

Vesículas secretárias

Uma das funções importantes de muitas células é a secreçãode substâncias especiais. Quase todas as substâncias secretóriasdesse tipo são formadas pelo sistema retículo endoplasmático-aparelho de Golgi e são, em seguida, liberadas pelo aparelhode Golgi no citoplasma no interior de vesículas dearmazenamento, chamadas vesículas secretórias ou grânulossecretários. A Fig. 2.6 mostra vesículas secretórias típicas nointerior de células acinares pancreáticas, armazenandoproenzimas protéicas (enzimas que ainda não foram ativadas);essas proenzimas vão ser, algum tempo depois, secretadasatravés de membrana celular externa para o dueto pancreático e,por meio dele, atingem o duodeno, onde vão ser ativadas edesempenhar suas funções digestivas.

As mitocôndrias

As mitocôndrias são chamadas de "usinas" celulares. Semelas, as células seriam incapazes de extrair quantidadessignificativas de energia dos nutrientes e do oxigênio, e, comoconseqüência, para todos os efeitos práticos, cessaria todo ofuncionamento celular. Como mostrado na Fig. 2.2, essasorganelas são encontradas disseminadas por quase todo ocitoplasma, mas seu número total varia desde menos de cematé vários milhares, dependendo da quantidade de energiaexigida pela célula.

Fíg. 2.6 Grânulos secretórios nas células acinares do pâncreas.

Ainda mais, as mitocôndrias ficam concentradas nas regiõescelulares que são responsáveis pela maior fração de seumetabolismo energético. Por outro lado, o tamanho dasmitocôndrias é muito variável, assim como sua forma; algumastêm diâmetro de apenas poucas centenas de nanômetros, comforma globular, enquanto outras podem ter até 1 m dediâmetro e comprimento de 7 m, com forma filamentosa ouramificada.

A estrutura básica da mitocôndria é mostrada na Fig. 2.7,onde aparece formada, em sua maior parte, por duas membranasde dupla camada lipídica: uma membrana externa e outramembrana interna. Muitas pregas da membrana interna formamas cristas, sobre as quais ficam presas enzimas oxidativas. Alémdisso, a cavidade interna de cada mitocôndria c cheia com matrizcontendo grande quantidade de enzimas dissolvidas, que sãonecessárias para a extração de energia dos nutrientes. Essasenzimas atuam associadas às enzimas oxidativas das cristas,para efetuar a oxidação dos nutrientes, do que resulta a formaçãode dióxido de carbono e água. A energia liberada c utilizadana síntese de substância com alta energia, chamada trifosfato deadenosina (ATP). Em seguida, o ATP é transportado para forada mitocôndria, difundindo-se por toda a célula e liberando suaenergia sempre e onde for necessário para a execução dasfunções celulares. Os detalhes da síntese do ATP pelasmitocôndrias são apresentados no Cap. 67 e algumas dasimportantes funções do ATP são apresentadas adiante nestecapítulo.

As mitocôndrias são auto-replicativas, o que significa queuma mitocôndria pode dar origem a uma segunda, a uma terceira,e assim por diante, sempre que houver necessidade celular de

Fig. 2.7 Estrutura da mitocôndria. (Modificado de De Robertis, Saeze De Robertis, Ceil Bivlogy. 6. ed. Philadelphia, W.B. Saunders Co.,1975.)

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quantidades aumentadas de ATP. Na verdade, as mitocôndriascontêm ácido desoxirribonucléico (ADN) semelhante aoencontrado no núcleo. No capítulo seguinte, será destacadoque o ADN é a substância básica do núcleo, controladora dareplicação celular. Essa substância desempenha funçãosemelhante na mitocôndria, porém não idêntica, visto que, noprocesso de replicação mitocondrial, muitas proteínas e lipídiosque já foram formados no citoplasma são incorporados àsmitocôndrias, quando estas aumentam de volume e produzembrotamentos, que são as novas mitocôndrias.

Estruturas filamentosas e tubulares das células

As proteínas fibrilares da célula estão, em geral, organizadasem filamentos ou túbulos. Tais estruturas têm origem comomoléculas protéicas precursoras, sintetizadas pelos ribossomas eque aparecem, inicialmente, dissolvidas no citoplasma. Aí, elaspolimerizam para formar filamentos. Já foi destacada a presençafreqüente de grande número de filamentos de actina na zonaexterna do citoplasma, a região chamada de ectoplasma, dandosustentação elástica à membrana celular. Também, nas célulasmusculares, os filamentos ocorrem organizados em mecanismocontrátil especializado que é a base da contração muscular emtodo o corpo, como discutido em detalhe no Cap. 6.

Um tipo especial de filamento, formado por moléculaspolimerizadas de tubulina, é usado por todas as células para aconstrução de estruturas tubulares, os microtúbulos. Quaseinvariavelmente, eles são formados por 13 protofilamentos detubulina, paralelos entre si, formando círculo, compondo longocilindro oco, com diâmetro de cerca de 25 nm e comprimentoque varia de 1 a muitos micrômetros. Tais cilindros aparecem,com freqüência, sob forma de feixes, o que lhes confere, emconjunto, considerável resistência estrutural. Contudo, osmicrotúbulos são estruturas rígidas, que quebram se foremdobradas em demasia. A Fig. 2.8 mostra microtúbulos típicos,extraídos do flagelo de um espermatozóide.

Outro exemplo de microtúbulo é a estrutura mecânicatubular dos cílios, que lhes confere resistência estrutural, que seirradiam desde o citoplasma celular até a ponta do cílio. Poroutro lado, os centríolos e o fuso mitótico das células em mitosesão formados por microtúbulos rígidos.

Dessa forma, uma função primária dos microtúbulos é ade atuar como um citoesqueleto, formando estruturas físicasrígidas para determinadas regiões celulares. Mas o citoplasma,com freqüência se escoa (flui) na vizinhança dosmicrotúbulos, o que poderia ser explicado pelo movimento dosbraços que se projetam para fora dos microtúbulos.

O NÚCLEO

O núcleo é o centro controlador da célula. De modoresumido, o núcleo contém grande quantidade de ADN, a que sechamou, por muitos anos, genes. Os genes determinam ascaracterísticas das enzimas protéicas do citoplasma e, por essemeio, regulam as atividades citoplasmáticas. Também controlama reprodução; os genes, primeiro, se reproduzem e, após isso,a célula se divide por processo especial, chamado mitose, paraformar duas células filhas, cada uma recebendo um dos doisconjuntos de genes. Todas essas atividades nucleares sãoapresentadas em detalhes no próximo capítulo.

A imagem microscópica do núcleo não dá muitos indíciossobre os mecanismos que usa para o desempenho de suasatividades. A Fig. 2.9 apresenta a imagem, por microscópioóptico, do núcleo na interfase (o período entre as mitoses), com omaterial que se cora intensamente, a cromatina, presente emtodo o nucleoplasma. Durante a mitose, a cromatina ficafacilmente identificável como os cromossomas extremamenteestruturados, que podem ser observados com facilidade pelomicroscópio óptico, como discutido no Cap. 3.

O envelope nuclear

O envelope nuclear é, com freqüência, denominadomembrana nuclear. Contudo é, na verdade, formado por duasmembranas distintas, uma por dentro da outra. A membranaexterna é contínua com o retículo endoplasmático, c o espaçoentre as duas membranas nucleares também é contínuo com ocompartimento no interior do retículo endoplasmático.

O envelope nuclear é atravessado por vários milhares deporos nucleares. Esses poros são muito grandes, com quase 10nm de diâmetro. Contudo, grandes complexos de proteínas ficampresos às bordas desses poros, de modo que seus orifícios centrais

Fig. 2.8 Microtúbulos dissecados do flagelo deespermatozóide. (De Porter: Ciba FoundationSymposium: Principies of Biomolecuhr Organizaiion.Boston, Little, Brown & Co, 1966)

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Fig. 2.9 Estrutura do núcleo.

têm, apenas, 9 nm de diâmetro. Mesmo assim, esses poros sãosuficientemente grandes para permitir a passagem de moléculascom peso molecular de até 44.000 com relativa facilidade;moléculas com peso molecular abaixo de 15.000 os atravessamcom extrema rapidez.

Nucléolos

Os núcleos da maioria das células contêm uma ou maisestruturas que se coram levemente, chamadas nucléolos. Onucléolo, ao contrário da maioria das organelas discutidas atéaqui, não apresenta membrana limitante. Pelo contrário, é,simplesmente, uma estrutura que contém grande quantidade deARN e de proteínas dos tipos encontradas nos ribossomas. Onucléolo fica muito aumentado quando a célula estásintetizando ativamente proteínas. Os genes de cincocromossomas distintos sintetizam o ARN e o armazenam nonucléolo, a partir de ARN fibrilar frouxo que, depois, secondensa para formar as "subunidades"granulares dos ribossomas. Estas, por sua vez, são transportadasatravés dos poros da membrana nuclear até o citoplasma, ondese agregam para formar os ribossomas "maduros" quedesempenham papel fundamental na formação de proteínas,tanto no citoplasma como em associação com o retículoendoplasmático, como será discutido em mais detalhes nocapítulo seguinte.

COMPARAÇÃO DA CÉLULA ANIMAL COMASFORMAS PRÉ-CELULARES DE VIDA

Muitos de nós imaginam que a célula seja a forma mais simplesde vida. Todavia, a célula é organismo muito complexo e que exigiumuitas centenas de milhões de anos para se desenvolver depois quea forma inicial da vida, um organismo semelhante aos vírus atuais,primeiro apareceu na terra. A Fig. 2.10 mostra as dimensões relativasdos menores vírus conhecidos, de um vírus grande, de uma rickettsia,de uma bactéria e de uma célula nucleada, esta célula tendo diâmetro1.000 vezes maior que o do menor vírus e, por conseguinte, comvolume 1 bilhão de vezes maior que o desse vírus. Como conseqüência, ofuncionamento e a organização anatômica da célula também sãomuitíssimo mais complexos que o do vírus.

O constituinte essencial do vírus, responsável por ele ser vivo, éo ácido nucléico, envolto por capa de proteína. Esse ácido nucléicoé formado pelos mesmos constituintes básicos (ADN e ARN)encontrados nas células de mamíferos e será capaz de se reproduzir casoexistam condições adequadas. Assim, um vírus é capaz de propagar sualinhagem, de geração a geração, e, portanto, é uma estrutura viva, domesmo modo como o são uma célula e um organismo humano.

Com a evolução da vida, outras substâncias químicas, além dosácidos nucléicos e simples proteínas, passaram a fazer integralmenteparte do organismo, e funções especializadas começaram a se desenvolverem diferentes partes do vírus. Surgiram, assim, uma membrana, formada

Fig. 2.10 Comparação entre as dimensões de organismos pré-celularese uma célula típica do corpo humano.

a seu redor, e uma matriz fluida, por dentro dessa membrana. No interiordessa matriz, desenvolveram-se substâncias químicas especializadas paraa execução de funções especiais; muitas enzimas protéicas surgiram,capazes de catalisar reações químicas e, como conseqüência, dedeterminar as atividades desse organismo.

Em estágios mais avançados, de modo especial, nos estágios derickettsia e de bactéria, organelas se desenvolveram no interior doorganismo, representadas por estruturas físicas de agregados químicos,capazes de executar funções de forma bem mais eficiente que assubstâncias químicas dispersas por toda a matriz fluida. Finalmente, nacélula nucleada, ocorreu o desenvolvimento de organelas ainda maiscomplexas, a mais importante delas sendo o próprio núcleo. O núcleodistingue esse tipo celular de todas as outras formas mais inferiores devida; essa estrutura estabelece um centro de controle de todas asatividades celulares e permite uma reprodução muito precisa de novascélulas, geração após geração, cada nova célula possuindo, emessência, a mesma estrutura de seu progenitor.

SISTEMAS FUNCIONAIS DA CÉLULANo restante deste capítulo, serão discutidos diversos sistemas

funcionais representativos da célula, que a tornam um organismovivo.

INGESTÃO PELA CÉLULA - ENDOCITOSE

Se a célula vai viver e crescer, ela deverá obter nutrientese outras substâncias dos líquidos que a banham. A maioria dassubstâncias atravessa a membrana por difusão e por transporteativo, discutidos em detalhe no Cap. 4. Contudo, grandespartículas atingem o interior da célula por meio de funçãoespecializada da membrana celular, chamada endocitose, As duasformas principais de endocitose são a pinocitose e a fagocitose.Pinocitose significa ingestão de vesículas extremamente pequenas,contendo líquido extracelular. Fagocitose significa ingestão degrandes partículas, tais como bactérias, células ou restos de tecidoem degeneração.

Pinocitose. A pinocitose ocorre continuamente na membranada maioria das células, mas de modo especialmente rápido emalgumas células. Por exemplo, nos macrófagos, ocorre de formatão rápida que cerca de 3% da membrana total dessas célulassão engolfados, sob forma de vesículas, a cada minuto. Mesmoassim, visto que as vesículas pinocíticas são muito pequenas,com diâmetros de 100 a 200 nm, elas só podem, em geral, servistas ao microscópio eletrônico.

A pinocitose representa o único meio pelo qual algumasmacromoléculas bastante grandes, tais como a maioria dasmoléculas;

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Fig. 2.11 Mecanismo da pinocitose

cuias de proteína podem entrar nas células. Na verdade, avelocidade de formação das vesículas pinocíticas fica aumentadaquando essas macro moléculas se fixam à membrana celular.

A Fig. 2.11 mostra as etapas sucessivas da pinocitose, apartir de três moléculas que se fixam à membrana celular.Geralmente, essas moléculas se prendem a receptores nasuperfície da membrana celular, que são específicos para os tiposde proteínas que vão ser absorvidas. Esses receptores, namaioria dos casos, ficam concentrados em pequenas depressõesda membrana celular, denominadas depressões espessadas. Naface interna da membrana celular, por baixo dessas depressões,existe uma malha de uma proteína fibrilar, chamada de clatrina,além de filamentos contrateis de actina e de miosina. Uma veztendo ocorrido a fixação das moléculas de proteína a seusreceptores, as propriedades da superfície da membrana sealteram, de modo que toda a depressão se invagina para dentroda célula e as proteínas contrateis fazem com que seus bordosse fechem, englobando as proteínas fixadas e pequena quantidadede líquido extracelular. Imediatamente após, a porção invaginadada membrana se solta da superfície celular, formando umavesícula pinocítica.

Permanece ainda como mistério o mecanismo que faz comque a membrana celular passe pelas contorções necessárias paraformar as vesículas pinocíticas. Contudo, esse processo necessitade energia, vinda do interior da célula; essa energia é supridapelo ATP, substância rica em energia, discutida adiante nestecapítulo. Por outro lado, também necessita da presença de íonscálcio no líquido extracelular, que, provavelmente, reagem comos filamentos contrateis, por baixo da depressão, para gerar aforça que leva à separação da vesícula da membrana celular.

Fagocitose. A fagocitose ocorre quase que do mesmo modoque a pinocitose, exceto que envolve grandes partículas, e nãomoléculas. Apenas determinados tipos celulares têm capacidadefagocítica, de forma mais acentuada os macrófagos teciduais ealguns glóbulos brancos.

A fagocitose tem início quando proteínas ou grandespolissacarídios da superfície da partícula que vai ser fagocitada— isto é, uma bactéria, uma célula morta ou qualquer outrodetrito tecidual — fixam-se a receptores na superfície dofagócito. No caso das bactérias, elas estão, geralmente, ligadas aanticorpos específicos, e são esses anticorpos que se prendem aosreceptores fagocíticos. Essa intermediação por anticorpos échamada de opsonizaçâo, e é discutida nos Caps. 33 e 34.A fagocitose ocorre nas seguintes etapas:

1. Os receptores da membrana celular fixam-se aos ligandossuperficiais da partícula.

2. As bordas da membrana em torno desses pontos defixação se evaginam, dentro de fração de segundo, cercando apartícula;

em seguida, de forma progressiva, mais e mais receptores damembrana se fixam aos ligandos das partículas, tudo issoocorrendo, de modo abrupto, como o fechamento de um zíper.

3. Filamentos de actina, além de outros, também contrateis,circundam a partícula engolfada e se contraem, em torno desua margem externa, o que empurra a partícula mais para dentro.

4. As proteínas contráteis, então, destacam a vesículafagocítica, deixando-a no interior celular, do mesmo modo peloqual são formadas as vesículas pinocíticas.

DIGESTÃO DE SUBSTÂNCIAS ESTRANHAS PELASCÉLULAS — A FUNÇÃO DOS LISOSSOMAS

Quase imediatamente após a chegada de vesícula pinocíticaou fagocítica no interior celular, um ou mais lisossomas seprendem a ela c despejam seu conteúdo de hidrolases ácidasem seu interior, como mostrado na Fig. 2.12. Dessa forma, éformada uma vesícula digestiva, onde as hidrolases iniciam ahidrólise das proteínas, do glicogênio, dos ácidos nucléicos, dosmucopo-lissacarídios e outras substâncias contidas na vesícula.Os produtos dessa digestão são moléculas pequenas deaminoácidos, glicose, fosfatos etc que, em seguida, difundem-seatravés da membrana, para o citoplasma. O que resta davesícula, chamado de corpo residual, representa as substânciasindigeríveis. Na maioria dos casos, eles são excretados, através damembrana celular, pelo processo denominado exocitose, que é, emessência, o oposto da endocitose.

É por isso que os lisossomas são chamados de órgãosdigestivos das células.

Regressão dos tecidos e autólise celular. Muitas vezes, ostecidos do corpo regridem de tamanho. Por exemplo, isso ocorreno útero, após o parto, nos músculos, durante períodos longosde inatividade, e nas glândulas mamarias, ao término do períodode amamentação. Os lisossomas são responsáveis por grandeparte dessa regressão. Contudo, o mecanismo pelo qual a faltade atividade de um tecido leva a aumento da atividade doslisossomas ainda é desconhecido.

Outro papel muito especial dos lisossomas é o da remoçãode células lesadas ou da parte do tecido onde existam célulaslesadas — células lesadas por calor, por frio, por trauma, poragentes químicos, ou por qualquer outro fator. A lesão celularcausa rotura dos lisossomas, e as hidrolases liberadas começamimediatamente a digerir as substâncias orgânicas das cercanias.Se a lesão for pequena, apenas uma parte da célula será removida,seguida por seu reparo. Todavia, se a lesão for grave, toda acélula será digerida, processo que é chamado de autólise. Dessemodo, toda a célula será removida e, comumente, uma nova

Fig. 2.12 Digestão das substâncias contidas nas vesículas pinocíticaspelas enzimas dos lisossomas.

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célula do mesmo tipo, formada por reprodução mitótica de célulavizinha, toma o lugar da que foi removida.

Os lisossomas também contêm agentes bactericidas, capazesde matar as bactérias antes que possam causar lesão à célula.Esses agentes incluem a lisozima, que dissolve a membrana dacélula bacteriana, a lisoferrina, que fixa ferro e outros metaisimprescindíveis para o crescimento bacteriano, e ácido, em pHde cerca de 5,0, que ativa as hidrolases e também inativa algunsdos sistemas metabólicos bacterianos.

Os lisossomas também armazenam enzimas que podeminiciar a digestão de agregados lipídicos e dos grânulos deglicogênio, tornando o lipídio c o glicogênio disponíveis para autilização em outras regiões da célula e, até mesmo, do corpo. Naausência dessas enzimas, o que resulta de distúrbios genéticosocasionais, ocorre, muitas vezes, acúmulo de quantidadesmuito grandes de lipídios ou de glicogênio nas células de muitosórgãos, especialmente nas do fígado, o que leva à morteprecoce.

SÍNTESE E FORMAÇÃO DE ESTRUTURASCELULARES PELO RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO EPELO APARELHO DE GOLGI

A grande extensão do retículo endoplasmático e do aparelhode Golgi, especialmente nas células secretoras, já foi destacada.Essas duas estruturas são formadas, principalmente, pormembranas de bicamada lipídica, e suas paredes são literalmentecravejadas de enzimas protéicas que catalisam a síntese demuitas das substâncias necessárias às células.

Em geral, a maior parte dessa síntese começa no retículoendoplasmático, mas a maioria dos produtos que são aí formadosé transferida para o aparelho de Golgi, onde passam porprocessamento adicional, antes de serem liberados nocitoplasma. Mas, primeiro, deve-se notar quais os produtos quesão sintetizados em regiões especiais do retículoendoplasmático e do aparelho de Golgi.

Formação de proteínas pelo retículo endoplasmáticogranular. O retículo plasmático granular é caracterizado pelapresença de grande número de ribossomas presos à face externada membrana do retículo. Como discutido no capítulo seguinte,as moléculas de proteína são sintetizadas no interior da estruturaribossômica. Ainda mais, os ribossomas extrudam muitas dasmoléculas de proteína sintetizadas, não para o citosol, mas, aocontrário, através da parede do retículo endoplasmático, para amatriz endoplasmática.

Quase tão rapidamente como as moléculas de proteínachegam à matriz endoplasmática, as enzimas da parede doretículo endoplasmático as modificam. Primeiro, quase todas asmoléculas são imediatamente glicosiladas, isto é, conjugadascom radicais de carboidratos, para formar glicoproteínas.Portanto, essencialmente, todas as proteínas endoplasmáticassão glicoproteínas, diferindo das proteínas formadas pelosribossomas no citosol, que são, em sua maioria, proteínas livres.Segundo, as proteínas são ligadas entre si e dobradas, para formarmoléculas mais compactas.

Síntese de lipídios pelo retículo endoplasmático, em especial,pelo retículo endoplasmático liso. O retículo endoplasmáticotambém sintetiza lipídios, especialmente, fosfolipídios ecolesterol. Eles são rapidamente incorporados à bicamada lipídicado próprio retículo endoplasmático, o que permite que esseretículo cresça continuamente. Isso ocorre, sobretudo na regiãolisa do retículo endoplasmático.

Para impedir que o retículo endoplasmático cresça além doslimites da célula, pequenas vesículas — denominadas vesículasdo retículo endoplasmático, ou vesículas transportadoras —desprendem-se continuamente do retículo liso; será vistoadiante que a maioria dessas vesículas migra, com muitarapidez, para o aparelho de Golgi.

Outras funções do retículo endoplasmático. Outras funçõesimportantes do retículo endoplasmático — e, de novo,especialmente do retículo liso — são:

1. Contém as enzimas que controlam a degradação doglicogênio, quando esse composto é usado para energia.

2. Contém número muito grande de enzimas que são capazesde detoxificar as substâncias que estão lesando as células, comoos medicamentos; esse resultado é obtido por coagulação,hidrólise, conjugação com ácido glicurônico e por outros meios.

Funções sintéticas do aparelho de Golgi. Embora a principalfunção do aparelho de Golgi seja a de processar substânciasjá formadas no retículo endoplasmático, essa estrutura tambémtem capacidade para sintetizar determinados carboidratos quenão podem ser formados no retículo endoplasmático. Isso éparticularmente verdadeiro para o ácido siálico e para agalactose. Além disso, o aparelho de Golgi pode formar polímerossacarídios muito grandes e fixados a quantidades muito pequenasde proteína; os mais importantes são o ácido hialurônico e ocondroiti-nossulfato. Entre as muitas funções desses doispolímeros no corpo merecem destaque: (1) são os principaiscomponentes dos proteoglicanos secretados no muco e em outrassecreções glandulares: (2) são os principais componentes dasubstância fundamental que preenche os espaços intersticiais,atuando como "recheio" entre as fibras de colágeno e ascélulas; e (3} são os principais componentes da matriz orgânicadas cartilagens e dos ossos.

Processamento das secreções endoplasmáticas pelo aparelhode Golgi — a formação de vesículas. A Fig. 2.13 resume asprincipais funções do retículo endoplasmático e de aparelho deGolgi. À medida que as substâncias vão sendo formadas noretículo endoplasmático — em especial, proteínas —, elas sãotransportadas pelos túbulos até as regiões do retículoendoplasmático liso situadas mais próximas ao aparelho deGolgi. Nesse ponto, pequenas vesículas de transporte sedestacam, de modo contínuo, e difundem para as partes maisprofundas do aparelho de Golgi. No interior dessas vesículasficam as proteínas e outros produtos sintetizados.Instantaneamente, essas vesículas se fundem com o aparelho deGolgi e despejam seu conteúdo nos espaços vesiculares dessaestrutura. Aí são adicionados radicais adicionais de carboidratoa essas secreções. Por outro lado, é função muito importante doaparelho de Golgi a de compactar as secreções do retículoendoplasmático em "pacotes" muito concentrados. Conforme assecreções migram para as camadas mais externas do aparelho deGolgi, essa compactação e o processamento continuam;finalmente, vesículas, tanto grandes como pequenas, se destacamcontinuamente do aparelho de Golgi, levando consigo

Fig. 2.13 Formação de proteínas, lipídios e vesículas celulares peloretículo endoplasmático e pelo aparelho de Golgi,

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as substâncias secretórias compactadas, e, em seguida,difundem-se para fora da célula.

Para se ter idéia do decurso temporal desses processos:quando uma célula glandular é imersa em solução comaminoácidos radioativos, moléculas de proteína radioativarecém-formadas podem ser detectadas no retículoendoplasmático após 3 a 5 minutos; dentro de 20 minutos, essasproteínas recém-formadas estão presentes no aparelho de Golgie, dentro de 1 a 2 horas, essas proteínas radioativas sãosecretadas da superfície celular.

Tipos de vesículas formadas pelo aparelho de Golgi —vesículas secretoras e lisossomas. Em célula intensamentesecretora, as vesículas formadas pelo aparelho de Golgi são, emsua grande maioria, vesículas secretárias, contendo especialmenteas substâncias protéicas que vão ser secretadas pela superfíciecelular. Essas vesículas se difundem para a superfície das células,onde se fundem com a membrana celular e esvaziam seuconteúdo no exterior, pelo processo chamado exocitose, que é,em essência, o oposto da endocitose. Na maioria dos casos, aexoeitose é estimulada pela entrada de íons cálcio na célula; essesíons cálcio interagem com a membrana vesicular — pormecanismo ainda não esclarecido — para provocar sua fusãocom a membrana.

Por outro lado, parte das vesículas é destinada à utilizaçãointracelular. Por exemplo, regiões especializadas do aparelho deGolgi formam os lisossomas, já discutidos. Acredita-se que asmembranas dessas regiões especializadas contenham receptoresquímicos que fazem com que as hidrolases ácidas se fixem aelas. Desse modo, essas enzimas são concentradas e, em seguida,liberadas do aparelho de Golgi sob forma de vesículaslisossômicas.

Outro tipo de vesícula, formado por mecanismo análogo,é o doperoxissoma. Contudo, acredita-se que este tipo de vesículaseja formado no retículo endoplasmático liso, junto com aformação das vesículas de transporte, e não pelo aparelho deGolgi. Aqui, de novo, receptores especiais na membrana doretículo endoplasmático, provavelmente, atraem e fixam asenzimas oxidativas que vão ser liberadas, sob forma concentrada,nos peroxissomas.

Utilização de vesículas intracelulares para recomposição dasmembranas celulares. Muitas das vesículas vão, finalmente,fundir-se com a membrana celular ou com as membranas dequaisquer outras estruturas intracelulares, como a mitocôndriaou o próprio retículo endoplasmático. Isso, obviamente, aumentaa extensão dessas membranas e as recompõe, à medida que vãosendo destruídas. Por exemplo, a membrana celular perde parteconsiderável de sua substância cada vez que forma vesículafagocítica ou pinocítica, e são as vesículas do aparelho de Golgique continuamente a recompõem.

Assim, em resumo, o sistema de membranas do retículoendoplasmático c do aparelho de Golgi representa órgãointensamente metabólico, capaz de formar tanto novas estruturascelulares como as substâncias secretórias que vão ser extrudadaspela célula.

EXTRAÇÃO DA ENERGIA DOS NUTRIENTES —A FUNÇÃO DAS MITOCÔNDRIAS

As principais substâncias de onde a célula extrai energiasão o oxigênio e um ou mais tipos de alimento — carboidrato,gordura e proteína. No corpo humano, em termos essenciais,os carboidratos são convertidos em glicose antes que atinjamas células, as proteínas são convertidas em aminoácidos, e asgorduras, em ácidos graxos. A Fig. 2.14 mostra o oxigênio eos nutrientes — glicose, aminoácidos e ácidos graxos — entrandotodos na célula. Uma vez no interior, esses nutrientes reagemquimicamente com o oxigênio, sob ação de diversas enzimas— controladoras da velocidade dessas reações — e direcionam

Fig. 2.14 Formação de trifosfato de adenosina (ATP) na célula,mostrando que a maior parte do ATP é formada nas mitocôndrias.

a energia liberada na direção adequada.Quase todas essas reações oxidativas ocorrem dentro das

mitocôndrias e a energia liberada é usada principalmente paraformar ATP. Em seguida, o ATP, e não os nutrientes originais,é usado em toda a célula para energizar quase todas as reaçõesmetabólicas intracelulares.

Características funcionais do ATP

A fórmula do ATP é a seguinte:

O ATP é um nucleotídio formado pela base nitrogenadaadenina, a pentose ribose e por três radicais fosfato. Os doisúltimos radicais fosfato são ligados ao resto da molécula porligações chamadas de ligações fosfato de alta energia. Cada umadessas ligações contém cerca de 12.000 calorias de energia pormole de ATP, nas condições físicas do corpo (nas condições-padrão, cerca de 7.300 cal, que é muito mais que a energiaarmazenada na ligação química média de outros compostosorgânicos, o que justifica a denominação "ligação de altaenergia". Ainda mais, a ligação fosfato de alta energia é muitolábil, de modo que pode ser rompida instantaneamente pordemanda, sempre que for necessária energia para a promoçãode outras reações celulares.

Quando o ATP libera sua energia, é liberado um radicalde ácido fosfórico e formado difosfato de adenosina (ADP). Em

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seguida, a energia liberada dos nutrientes celulares faz com queo ADP e o ácido fosfórico se recombinem, para gerar novoATP; esse processo se repete continuamente. Por essa razão,o ATP foi chamado de moeda energética da célula, pois podeser gasto e refeito repetitivamente, em geral, com tempo derenovação de apenas uns poucos minutos no máximo.

Processos químicos na formação do ATP — o papel dasmitocôndrias. Ao entrar nas células, a glicose é submetida àação de enzimas do citoplasma que a convertem em ácidopirúvico (é o processo chamado de glicólise). Pequenaquantidade de ADP é convertida em ATP pela energia liberadapor essa conversão, mas essa quantidade é responsável pormenos de 5% do metabolismo energético global da célula.

De longe, a maior parte do ATP formado na célula o énas mitocôndrias. Os ácidos pirúvico e graxo, além da maiorparte dos aminoácidos, são convertidos no composto acetil-CoAna matriz das mitocôndrias. Por sua vez, esse composto sofrea ação de outra série de enzimas da matriz mitocondrial, sendodecomposto em seqüência de reações químicas, chamadas, emconjunto, de ciclo do ácido cítrico ou ciclo de Krebs. Essas reaçõessão explicadas em detalhe no Cap. 67.

No ciclo do ácido cítrico, a acetil-CoA é degradada a seuscomponentes básicos, átomos de hidrogênio e dióxido de carbono.O dióxido de carbono, por sua vez, difunde-se para fora dasmitocôndrias e, eventualmente para fora da célula.

Mas, por outro lado, os átomos de hidrogênio sãoextremamente reativos e, por fim, vão combinar-se com ooxigênio que difundiu para as mitocôndrias. Essa reação liberaquantidade muito grande de energia, que é usada pelasmitocôndrias na conversão de grande quantidade de ADP emATP. Os processos dessas reações são muito complexos,exigindo a participação de grande número de enzimas protéicasque são parte integral das cristas membranosas que proeminampara a matriz mitocondrial. O evento inicial é a remoção de umelétron do átomo de hidrogênio, convertendo-o em íonhidrogênio. O evento final é o movimento desses íons atravésde grandes proteínas globulares, denominadas ATP sintetase,que fazem protrusão, como maçanetas, das membranas dascristas mitocondriais. A ATP sintetase é uma enzima que utiliza aenergia do movimento do íon hidrogênio para promover aconversão de ADP em ATP, enquanto, ao mesmo tempo, osíons hidrogênio reagem com o oxigênio para formar água.Finalmente, o recém-formado ATP é transportado para fora dasmitocôndrias, indo para todas as regiões do citoplasma e donucleoplasma, onde é usado para energizar o funcionamento dacélula.

Esse processo global de formação do ATP é chamado demecanismo quimiosmótico para a formação de ATP. Os detalhesquímicos e físicos desse mecanismo são apresentados no Cap.67, e muitas das funções metabólicas do ATP no corpo sãoapresentadas nos Caps. 67 a 71.

Uso do ATP no funcionamento celular. O ATP é usado parapromover três categorias principais do funcionamento celular;(1) transporte através de membranas, (2) síntese de compostosquímicos em toda a célula, e (3) trabalho mecânico. Esses trêstipos distintos de uso do ATP são mostrados nos exemplos daFig. 2.15: (1) fornecimento de energia para o transporte de sódioatravés da membrana celular, (2) promoção da síntese deproteínas pelos ribossomas, e (3) fornecimento da energianecessária para a contração muscular.

Além do transporte de sódio através de membranas, aenergia do ATP é necessária, direta ou indiretamente, para otransporte dos íons potássio, cálcio, magnésio, fosfato, cloreto,urato, hidrogênio e muitos outros íons e diversas substânciasorgânicas. O transporte através de membranas é tãoimportante para o funcionamento celular que algumas células —como, por exemplo, as células tubulares renais — utilizamaté 80% do ATP formado nelas exclusivamente para esse fim.

Fig. 2.15 Uso de trifosfato de adenosina para prover energia para trêsprocessos principais do funcionamento celular: (1) transporte atravésde membrana, (2) síntese de proteínas, e (3) contração muscular.Além de sintetizar proteínas, as células também produzemfosfolipídios, colesterol, purinas, pirimidinas e grande númerode outras substâncias. A síntese de quase todos os compostosquímicos exige energia. Por exemplo, uma só molécula deproteína pode conter vários milhares de aminoácidos, ligadosentre si por ligações peptídicas; a formação de cada uma dessasligações exige a rotura de quatro ligações de alta energia; dessaforma, muitos milhares de moléculas de ATP (ou do compostocomparável, trifosfato de guanosina [GTP]) devem liberar suaenergia para cada molécula de proteína formada. Na verdade,algumas células chegam a utilizar até 75% do ATP formadonelas na síntese de compostos químicos; isso é especialmenteválido durante a fase de crescimento celular.

A última utilização principal do ATP é o fornecimento deenergia para células especializadas, para produção de trabalhomecânico. Será visto no Cap. 6 que cada contração muscularexige o consumo de quantidades imensas de ATP. Outras célulasrealizam trabalho mecânico de outra forma, em especial osmovimentos ciliar e amebóide, descritos adiante neste capítulo.A fonte de energia para todos estes tipos de trabalhomecânico é o ATP.

Portanto, para resumir, o ATP está sempre disponível paraliberar sua energia, de forma rápida e quase explosiva, sempreque for necessário na célula. Para repor o ATP usado pela célula,numerosas reações químicas, distintas e mais lentas, degradamos carboidratos, gorduras e proteínas, e a energia nelas liberadaé usada na formação de novo ATP. Cerca de 95% desse ATPé formado nas mitocôndrias, o que explica a designação dasmitocôndrias como as "usinas" da célula.

LOCOMOÇÃO AMEBÓIDE DAS CÉLULAS

De longe, o tipo mais importante de movimento celular queocorre no corpo é o das células musculares especializadas queformam os músculos esquelético, cardíaco e liso que, emconjunto, representam quase 50% de toda a massa corporal. Ofuncionamento especializado dessas células é descrito nosCaps. 6 a 9. Todavia, existem dois outros tipos de movimento,encontrados em outras células: a locomoção amebóide e omovimento ciliar.Locomoção amebóide significa o movimento de toda a célulaem relação a seu substrato, como, por exemplo, o movimentodos glóbulos brancos através dos tecidos. Contudo, seu nomeadvém do fato de as amebas se deslocarem por esse mecanismo,representando excelente modelo para o estudo desse fenômeno.

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Fig. 2.16 Movimento amebóide por uma célula.Tipicamente, o movimento amebóide começa pela protrusão de umpseudópodo por uma das extremidades da célula. O pseudópodo seprojeta para longe da célula, fixando-se, então, sobre nova área dotecido, e. por fim, o restante da célula se desloca em direção dopseudópodo. A Fig. 2.16 mostra esse processo, apresentando uma célulaalongada, cuja extremidade direita é um pseudópodo. A membranadessa extremidade celular está continuamente se deslocando para afrente e a membrana da extremidade esquerda a está acompanhando,seguindo o movimento celular.

Mecanismo da locomoção amebóide. A Fig. 2.16 apresenta o princípiogeral do movimento amebóide. Basicamente, ele resulta de exocitosecontínua que forma nova membrana na extremidade anterior dopseudópodo e de endocitose, também contínua, nas regiões média eposterior da célula. Além disso, outro efeito é indispensável para omovimento para a frente da célula. Esse efeito é a fixação dopseudópodo aos tecidos circundantes, de modo que ele fica preso emsua posição de avanço, enquanto o restante da célula é (racionado emdireção a esse ponto de fixação. Essa fixação é efetuada pelasproteínas receptoras que revestem o interior das vesículas exocíticas.Quando essas vesículas passam a fazer parte da membrana dopseudópodo, elas se abrem, de modo que seu interior fica evertído parao exterior, contactando ligandos nos tecidos circundantes. Um dosimportantes ligandos é uma proteína, denominada fihrinectina, presa àsfibras colágenas dos tecidos.

Na outra extremidade da célula, a atividade endocítica afasta osreceptores de seus ligandos, para formar vesículas endocíticas. Emseguida, no interior da célula, essas vesículas fluem na direção dopseudópodo, onde são usadas para formar nova membrana para essepseudópodo.

O que ainda permanece obscuro no processo do movimentoamebóide é a fonte de energia, responsável pelo fluxo de vesículas, daextremidade endocítica para a ponta do pseudópodo. Parte dela poderiaresultar da contração dos filamentos de actina e de miosina noectoplasma das células, contraindo a célula em sua extremidadeposterior e, lateralmente, empurrando as vesículas e o citoplasma para aextremidade do pseudópodo.

Tipos de células que apresentam locomoção amebóide. No corpohumano, as células mais comuns que apresentam movimento amebóidesão os glóbulos brancos, que se deslocam do sangue para os tecidos,sob forma de macrófagos ou micrófagos teciduais. Contudo, muitos tiposde células podem apresentar locomoção amebóide em circunstânciasespecíficas. Por exemplo, os fibroblastos invadem qualquer área lesadapara participar de seu reparo, e até mesmo algumas das células germinaisda pele, embora, na maioria das situações, sejam células inteiramentesésseis, deslocam-se para uma área cortada para reparar a fenda.Finalmente, a locomoção celular é de importância especial nodesenvolvimento do feto, pois as células embrionárias podem migrar, porlongas distâncias, desde seus locais primordiais de origem até novas áreas,durante o desenvolvimento de estruturas especiais.

Controle da locomoção amebóide — "quimiotaxia". O fator maisimportante que, em geral, desencadeia a locomoção amebóide é oprocesso chamado de quimiotaxia. Ele resulta do aparecimento dedeterminadas substâncias químicas nos tecidos. O composto químicogerador da quimiotaxia é chamado de substância quimiotáxica. Amaioria das células que apresentam locomoção amebóide se desloca emdireção ã substância quimiotáxica — isto é, de área onde suaconcentração seja baixa, para outra onde seja alta —, o que échamado de quimiotaxia positiva.

Contudo, outras células se afastam da substância quimiotáxica, o que échamado de quimiotaxia negativa.

Mas, como é que a quimiotaxia controla a direção da locomoçãoamebóide? Embora ainda não exista resposta definitiva, é sabido queo lado da célula que fica mais exposto à substância quimiotáxica passapor modificações de sua membrana que influenciam a protrusão depseudópodos.

CÍLIOS E MOVIMENTOS CILIARES

O segundo tipo de movimento celular — o movimento ciliar —é semelhante ao de uma chicotada dos cílios que revestem a superfíciedas células. Isso só ocorre em duas regiões do corpo humano: nassuperfícies internas das vias respiratórias e das trompas uterinas(trompas de Falópio) no aparelho reprodutor. Na cavidade nasal e nasvias aéreas inferiores, o movimento em chicotada dos cílios promove omovimento da camada de muco, com velocidade de 1 cm/min, emdireção à faringe, removendo, assim, não apenas o muco dessas vias, mastodas as partículas que ficaram retidas nesse muco. Nas trompas uterinas,os cílios promovem o lento movimento de líquido do óstio para acavidade uterina; é esse movimento de líquido que leva o óvulo até oútero.

Como mostrado na Fig. 2.17, um cílio parece um pêlo curvado,com ponta aguda, que se projeta por 2 a 4 um da superfície celular.Muitos cílios se projetam de cada célula — por exemplo, cerca de 200cílios se projetam da superfície de cada célula epitelial das vias aéreasrespiratórias. O cílio é recoberto por expansão da membrana celulare é sustentado por 11 microtúbulos: nove túbulos duplos, situados emtomo da periferia, e dois túbulos simples, localizados em sua porçãocentral, como mostrado no corte transverso da figura. Cada cílio seorigina de estrutura situada imediatamente abaixo da membrana celular,chamada de corpo basal do cílio.

O flagelo do espermatozóide tem organização semelhante à do cílio;na verdade, tem quase que o mesmo tipo de estrutura e o mesmo tipode mecanismo contrátil. Todavia, o flagelo é bem mais longo e se moveem ondas quase sinusoidais, em vez de em movimentos de chicotada.

No detalhe da Fig. 2.17 é mostrado o movimento de um cílio. Ocílio se move para a frente de forma abrupta e rápida, 10 a 20 vezespor segundo, curvando-se acentuadamente em seu ponto de emergênciada superfície celular. Em seguida, move-se para trás, bem lentamentecomo em uma chicotada. O movimento rápido para frente empurra olíquido adjacente à célula na direção do movimento do cílio, e omovimento lento de chicotada, na direção oposta, pouco atua sobreo líquido. Como resultado, o líquido c continuamente propelido nadireção do movimento rápido para frente. Dado que a maioria das célulasciliadas apresenta grande número de cílios em sua superfície, e dadoque todas as células têm seus cílios orientados na mesma direção, issorepresenta meio muito eficaz para o deslocamento de líquido ao longode uma superfície.

Mecanismo do movimento ciliar. Embora nem todos os aspectosdo movimento ciliar já tenham sido esclarecidos, sabemos o que se segue.Primeiro, os nove túbulos duplos são interligados entre si por umcomplexo de pontes transversas protéicas; esse complexo total detúbulos e de pontes transversas é chamado de axonema. Segundo,mesmo após remoção da membrana e destruição dos outros elementosdo cílio, exceto o axonema, o cílio ainda pode mover-se emdeterminadas condições. Terceiro, existem duas condições essenciais paraa continuidade do batimento do axonema, após remoção das outrasestruturas do cílio: (1) presença de ATP, e (2) condições iônicasadequadas, incluindo, de modo especial, concentrações adequadas demagnésio e de cálcio. Quarto, durante o movimento rápido para frente,os túbulos da face anterior do cílio deslizam para diante, em direçãoà ponta do cílio, enquanto os túbulos da face posterior permanecemimóveis. Quinto, três braços, formados por uma proteína dotada deatividade ATPase, chamada dineí-na, unem cada conjunto de túbulosperiféricos ao seguinte.

A partir desta informação básica, foi postulado que a liberaçãode energia do ATP, ao entrar em contato com a ATPase dos braçosde dineína, faz com que esses braços "engatinhem" ao longo da superfíciedos pares de túbulos adjacentes. Se esse engatinhar ocorrer em direçãoã extremidade do cílio, nos túbulos anteriores, enquanto os posterioresficam estacionários, obviamente o resultado será uma curvatura.

Não é conhecido o mecanismo de controle da contração ciliar.Contudo, os cílios de determinadas células geneticamente anormais nãocontém os dois túbulos simples centrais, e esses cílios não se movem.Portanto.

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Fig. 2.17 Estrutura e funcionamento do cílio. (Modificado de Satir:Cilia; Sei. Amer., 204:108. 1961. Copyright 1961 by ScientificAmerican Inc. Todos os direitos reservados.)

é presumido que algum sinal, talvez eletroquímico, seja transmitido aolongo desses dois túbulos para ativar os braços de dineína.

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CAPÍTULO 3

Controle Genético da Síntese de Proteínas, do Funcionamentoe da Reprodução Celular

Virtualmente todas as pessoas sabem que os genes controlam ahereditariedade dos pais aos filhos, mas a maioria das pessoas nãocompreende que esses mesmos genes controlam a reprodução e ofuncionamento dia-a-dia das células. Os genes controlam ofuncionamento celular ao determinarem quais as substâncias que serãosintetizadas pela célula— que estruturas, quais enzimas, quais compostos químicos.

A Fig. 3.1 mostra um esquema geral do controle genético. Cadagene, que é um ácido nucléico, chamado de ácido desoxirribonucléico(ADN), controla, automaticamente, a formação de outro ácido nucléicoo ácido ribonucléico (ARN), que se difunde por toda a célula e controlaa formação de proteínas específicas.Algumas dessas proteínas são proteínas estruturais que, associadas adiversos lipídios e carboidratos, formam a estrutura de muitas dasorganelas discutidas no Cap. 2. Mas, de longe,as proteínas são, em sua maioria, enzimas que catalizam as diferentesreações químicas que ocorrem nas células. Por exemplo, as enzimaspromovem as reações oxidativas que fornecem energia para as célulase, também, promovem a síntese de diversos compostos químicos, taiscomo lipídios, glicogênio, trifosfato de adenosina (ATP) etc.

Para a formação de cada proteína celular, só existe, em geral, umpar de genes em cada célula. Tem sido estimado que as células humanasteriam mais de 100.000 desses pares de genes, o que significa que até100.000 proteínas diferentes podem ser formadas nas diferentes células,embora não todas por uma mesma célula, por razões que serão discutidasadiante neste capítulo.

OS GENES

Grande número de genes — ligados entre si, formando uma fileira— fica contido em moléculas de ADN, formadas por filamentos duploshelicoidais, cujo peso molecular é medido em bilhões. Um segmentomuito curto de uma dessas moléculas é mostrado na Fig. 3.2. Essa molé-cula é formada por vários compostos químicos simples, dispostos segundoum padrão regular que é explicado nos parágrafos seguintes.

As unidades básicas do ADN. A Fig. 3.3 mostra os compostosquímicos básicos que participam na formação do ADN. Esses compostosincluem (1) ácido fosfórico. (2) um açúcar, chamado desoxirribose, e (3)quatro bases nitrogenadas (duas purinas, adenina e guanina, e duaspirimidinas, timina e citosina). Os dois filamentos helicoidais sãoformados pelo ácido fosfórico e pela desoxirribose, representando oarcabouço da molécula do ADN, enquanto as bases ficam entre os doisfilamentos, ligando-os.Os nucleotídios. A primeira etapa na formação do ADN é a combinaçãode uma molécula de ácido fosfórico, uma molécula de desoxirribose e umamolécula de uma das quatro bases, para compor um nucleotídio. Dessaforma, são formados quatro nucleotídios, um para cada uma das bases:ácidos desoxiadenílico, desoxitimidílico, desoxiguanílico edesoxicitidílico.

Fig. 3.1 Esquema geral de como os genes controlam o funcionamento

celular.

A Fig. 3.4 apresenta a estrutura química do ácido adenílico, enquanto aFig. 3.5 mostra os símbolos simples que representam os quatronucleotídios básicos do ADN.

Organização dos nucleotídios para formar o ADN. A Fig. 3.6 mostrao modo pelo qual números múltiplos de nucleotídios se combinam paraformar o ADN. Note-se que essa combinação ocorre de modo tal queo ácido fosfórico e a desoxirribose ocupam posições alternadas nos doisfilamentos, e esses filamentos são unidos entre si por ligações fracasFig. 3.2 A estrutura helicoidal de dois filamentos do gene. Os filamentosexternos são formados por ácido fosfórico e pelo açúcar desoxirribose.As moléculas internas unindo os dois filamentos da hélice são basesde purina e de pirimidina; elas determinam o "código" do gene.

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Fig. 3.3 As unidades básicas do ácido desoxirribonucléico (ADN).

Fig 3.4 O ácido desoxiadenílico, um dos que compõem oADN.

Fig. 3.5 Combinações das unidades básicas do ADN, para formar osnucleotídios. ({P = ácido fosfórico; D = desoxirribose.) As quatrobases dos nucleotídios são A (adenina); T" (timina); G (guanina); eC(citosina). Esses quatro tipos de nucleotídios formam o ADN.

entre as bases de purina e de pirimidina. Mas deve sercuidadosamente notado que:1. a base purina adenina sempre se liga à base pirimidinatimina, e2. a base purina guanina sempre se liga à base pirimidinaciíosina.Assim, na Fig. 3.6, a seqüência dos pares complementares debases é CG, CG, GC, TA, CG, TA.GC, AT e AT.Contudo, essas bases são interligadas por pontes dehidrogênio muito fracas, representadas na figura por linhastracejadas. Devido à fraqueza dessas ligações, os doisfilamentos podem separar-se facilmente, e o fazem durante ocurso de seu funcionamento na célula.Agora, para colocar o ADN em sua perspectiva física

adequada, basta que as duas extremidades sejam apanhadas etorcidas, para formar uma hélice. Em cada volta completa dahélice da molécula de ADN existem 10 pares de nucleotídios,como mostrado na Fig. 3.2.

O CÓDIGO GENÉTICO

A importância do ADN reside em sua capacidade decontrolar a formação de outras substâncias pela célula. Isso érealizado por meio do chamado código genético. Quando os doisfilamentos da molécula de ADN são separadas, as bases de purina ede pirimidina ficam expostas.

pois se projetam lateralmente de cada filamento. São essas basesproeminentes que formam o código.

Estudos experimentais, realizados nos últimos anos, demonstraramque o código genético é composto de "trincas" (triptets) sucessivas debases — isto é, o grupo de três bases em seqüência forma uma palavrado código. As trincas sucessivas controlam, eventualmente, a seqüênciados aminoácidos de uma molécula de proteína, durante sua síntese nacélula. Note-se, na Fig. 3.6, que cada filamento da molécula de ADNtem seu próprio código genético. Por exemplo, o filamento superiortem, da esquerda para a direita, o código genético GGC, AGA e CTT,as trincas estando separadas por setas. Ao se acompanhar esse códigogenético nas Figs. 3.7 e 3.8 será notado que essas três trincas sãoresponsáveis pela colocação sucessiva dos três aminoácidos, prolina,serina e ácido glulâmico, na molécula de proteína.

ARN— O PROCESSO DE TRANSCRIÇÃO

Dado que quase todo o ADN fica no núcleo da célula e, todavia,a maior parte do funcionamento celular ocorre no citoplasma, deve existiralgum meio para que os genes do núcleo possam controlar as reações

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Químicas no citoplasma. Isso é realizado pela intermediação de outrotipo de ácido nucléico, o ARN, cuja formação é controlada pelo ADNdo núcleo. Nesse processo, o código ê transferido para o ARN, o queé chamado de transcrição. O ARN, então, difunde-se do núcleo, passandopelos poros nucleares, para o compartimento citoplasmático, ondecontrola a síntese de proteína.

Síntese de ARN

Durante a síntese do ARN, os dois filamentos do ADN se separamdurante certo tempo: em seguida, um dos filamentos é usado comomolde para a síntese das moléculas de ADN. As trincas do código doADN promovem a formação de trincas complementares do código noARN (chamadas códons); esses códons, por sua vez, controlam aseqüência dos aminoácidos de uma proteína que vai ser,subseqüentemente, sintetizada no citoplasma. Quando um filamento deADN é usado dessa maneira para a formação do ARN, o outro filamentopermanece inativo. Cada filamento de ADN em um cromossoma émolécula tão grande que pode conter o código para 4.000 genes emmédia.

As unidades básicas do ARN. As unidades básicas do ARN sãoas mesmas do ADN, exceto por duas diferenças. Primeiro, o açúcardesoxirribose não faz parte do ARN, Em seu lugar, existe outro açúcar,com composição ligeiramente diferente, a ribose. Segundo, a timinaé substituída por outra pirimidina, o uracit.

Formação dos nucleotídios do ARN. Inicialmente, as unidades básicasdo ARN formam nucleotídios de forma idêntica à descrita acima paraa síntese do ADN. Também aqui, quatro nucleotídios são usados naformação do ARN. Esses nucleotídios contêm as bases adenina, guanina,áiosina e uracii. Note-se que essas são as mesmas bases do ADN, excetopelo uracil substituir a timina.

Ativação dos nucleotídios. A etapa seguinte na síntese do ARNé a ativação dos nucleotídios. Isso ocorre pela incorporação de doisradicais fosfato a cada nucleotídio, do que resulta a formação detrifosfatos. Esses dois últimos radicais fosfato são unidos ao nucleotídiopor ligações fosfato de alia energia, derivadas do ATP da célula.

O resultado desse processo de ativação é que grandes quantidadesde energia ficam disponíveis para cada nucleotídio, e essa energia éusada para promover as reações químicas subseqüentes, do que resultaa formação da cadeia de ARN.

Montagem da molécula de ARN a partir de nucleotídiosativados, usando o filamento de ADN como molde — oprocesso de "transcrição".

A montagem da molécula de ARN é mostrada na Fig. 3.7, soba influência da enzima ARNpolimemse. Esta é uma enzima muito grandee apresenta muitas propriedades funcionais, necessárias para a formaçãoda molécula de ARN. Essas propriedades funcionais são as seguintes:

1. No filamento de ADN, imediatamente antes do gene inicial.existe uma seqüência de nucleotídeos, chamada de promotor. A ARNpolimerase contém uma estrutura complementar apropriada, quereconhece esse promotor e se liga a ele. Esta é a etapa essencialpara a formação da molécula de ARN.

2. Uma vez que a ARN polimerase tenha-se ligado ao promotor.

ela faz com que cerca de duas voltas da hélice de ADN se destorçame, em seguida, se separem.

3. Após isso, a ARN polimerase passa ao longo do filamento deADN, temporariamente destorcendo e separando os filamentos de ADNa cada estágio de sua passagem. Conforme passa, ela vai formandoa molécula de ARN pelas seguintes etapas;

4. Primeiro, provoca a formação de pontes de hidrogênio entreas bases sucessivas do filamento de ADN e as bases dos nucleotídioscomplementares presentes no nucleoplasma.

5. Em seguida, e um de cada vez, a ARN polimerase remove doisdos três radicais fosfato de cada um dos nucleotídios doARN, liberandograndes quantidades de energia das ligações fosfato de alta energia quesão rompidas; essa energia é usada na formação de ligações covalentesentre o radical fosfato restante no nucleotídio com a ribose daextremidade crescente da molécula de ARN.

6. Quando a ARN polimerase atinge o fim do gene ou grupo degenes, ela encontra nova seqüência de nucleotídios do ADN, chamadade seqüência de terminação da cadeia; isso faz com que a ARN polimerasese afaste do filamento de ADN. Em seguida, essa polimerase podeprender-se a outro trecho do mesmo ou de outro filamento de ADN,podendoser usada repetidamente na formação de novas moléculas de ARN.

7. Conforme o novo filamento de ARN é formado, suas pontesde hidrogênio com o molde de ADN são rompidas, porque o filamentocomplementar de ADN tem energia de ligação, o que força o afastamentodo novo filamento de ARN e promove a reunião dos dois filamentosde ADN. Como resultado, a molécula de ARN fica solta no núcleoplasma.

Deve ser lembrado que existem quatro tipos distintos de bases doADN e, também, quatro tipos distintos de bases nucleotídicas de ARN.Ainda mais, essas bases só interagem entre si por combinaçõesespecíficas. Portanto, o código presente no filamento de ADN étransmitido, sob forma complementar, para a molécula de ARN. As basesdos nucleotídios de ribose se combinam com as bases dos dedesoxirribose da seguinte forma:Base do ADN

guanina .............................................................................. citosinacitosina ............................................................................ guaninaadenina .............................................................................. uraciitimina ............................................................................ adenina

Após a liberação das moléculas de ARN no nucleoplasma, elasainda devem passar por processamento adicional, antes de ir para ocitoplasma. A razão disso é que o ARN recém-transcrito contém muitasseqüências indesejáveis de nucleotídios de ARN. Alguns deles ocorremnas duas extremidades do filamento de ARN e muitos outros ficamno meio do filamento; esse material indesejável constitui, provavelmente,mais de 9H% de todo o filamento. Felizmente, várias enzimas donucleoplasma apresentam a capacidade de remover essas seqüênciasindesejáveis e, em seguida, de juntar os segmentos que sobraram,processo chamado de recomposição do ARN (ARN-splicing). Após isso,o ARN fica pronto para ser usado na formação de proteína.

Existem três tipos distintos de ARN, cada um com papelindependente e completamente diferente na formação das proteínas.

Fig. 3.7 Combinação dos nucleotídios de ribose com umfilamento de ADN para formar uma molécula de ácidoribonucléico (ARN) que transfere o código do ADN do genepara o citoplasma. A ARN polimerase se desloca ao longo dofilamento de ADN e constrói a molécula de ARN.

Base do ARN

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Fig. 3.8 Parte da molécula de ácido ribonucléico,'mostrando trêspalavras do "código", CCG, UCU e GAA, que representam os trêsaminoácidos prolina, serina e ácido glutâmico.

Esses tipos são:1. ARN mensageiro, que transporta o código genético até o

citoplasma, para o controle da formação das proteínas;2. ARN transportador, que transforma os aminoácidos ativados até

os ribossomas, onde vão ser usados na montagem das moléculas deproteínas; e

3. ARN ribossômico, que, junto com cerca de 75 proteínasdiferentes, formam os ribossomas, as estruturas físicas e químicas ondeocorrerealmente a montagem das moléculas de proteína.

O ARN MENSAGEIRO — OS "CÓDONS"

As moléculas de ARN mensageiro são longos filamentos simplesde ARN que existem em suspensão no citoplasma. Essas moléculas sãoformadas por centenas a milhares de nucleotídios, dispostos em filamentoúnico, contendo os códons que são exatamente complementares às trincasdo código dos genes. A Fig. 3.8 mostra pequeno segmento da moléculade ARN mensageiro. Seus códons são CCG, UCU e GAA. Esses sãoos códons para os aminoácidos prolina, serina e ácido glutâmico. Atranscrição desses códons é mostrada na Fig. 3.7.

Os códons do ARN para os diferentes aminoácidos. O Quadro 3.1apresenta os códons do ARN para os 20 aminoácidos encontrados nasmoléculas de proteína. Note-se que a maioria desses aminoácidos érepresentada por mais de um códon; também, existe um códonsinalizando "comece a produzir uma molécula de proteína", e três códonssinalizando "pare de produzir a molécula de proteína". No Quadro 3.1,esses dois tipos de códons são designados como Cl (início da cadeia) eCT (término da cadeia).

O ARN TRANSPORTADOR — OS "ANTICÓDONS"Outro tipo de ARN com papel essencial na síntese de proteínas

é chamado ARN transportador, por transportar as moléculas deaminoácidos até as moléculas de proteína ã medida que essaproteína está

Quadro 3.1 Códons do ARN para os diferentes aminoácidose para o começo e fim

sendo sintetizada. Cada tipo de ARN transportador se combina,especificamente, com um dos 20 aminoácidos que podem serincorporados às proteínas. O ARN transportador atua, assim, como umcarreador para o transporte de tipo específico de aminoácido até osribossomas, onde estão sendo formadas as moléculas de proteína. Nosribossomas, cada tipo específico de ARN transportador reconhecedeterminado códon no ARN mensageiro, como descrito a seguir, e,portanto, entrega o aminoácido adequado no local apropriado da cadeiada molécula de proteína em formação.

O ARN transportador, contendo cerca de 80 nucleotídios, émolécula relativamente pequena, em comparação com o ARNmensageiro. Ele é uma cadeia dobrada em forma de folha de trevo,semelhante à mostrada na Fig. 3.9. Uma das extremidades damolécula sempre contém ácido adenílico; é nessa extremidade que oaminoácido transportado se fixa ao radical hidroxila da ribose do ácidoadenílico. Enzima específica provoca essa fixação para cada tipo deARN transportador; essa mesma enzima também determina que tipo deaminoácido vai fixar-se ao tipo respectivo de ARN transportador.

Como a função do ARN transportador c a de produzir a fixaçãode aminoácido específico à cadeia em formação da proteína, é essencialque cada tipo de ARN transportador também possua especificidade paraum códon determinado do ARN mensageiro. O código específico doARN transportador, que permite seu reconhecimento de um códonespecífico é, de novo, uma trinca de bases nucleotídicas, chamada deanticódon. Essa trinca fica localizada, aproximadamente, no meio damolécula do ARN transportador (na pane mais inferior da estruturaem forma de folha de trevo mostrada na Fig. 3.9). Durante a formaçãode uma molécula de proteína, as bases do anticódon se fixamfracamente, por meio de pontes de hidrogênio, com as bases dos códonsdo ARN mensageiro. Desse modo, os aminoácidos correspondentes sãoalinhados, um após outro, ao longo da cadeia de ARN mensageiro, oque estabelece a seqüência apropriada de aminoácidos da molécula deproteína.

O ARN RIBOSSÔMICO

O terceiro tipo de ARN na célula é ARN ribossômico; constituicerca de 60% dos ribossomos. O restante do ribossomo é formado porproteína, contendo cerca de 75 tipos diferentes de proteínas, tantoproteínas estruturais como enzimas necessárias para a produção demoléculas de proteína.

O ribossomo é a estrutura química do citoplasma onde vai, efetiva-mente, ocorrer à síntese de proteínas. Contudo, sempre atua emassociarão com os dois outros tipos de ARN: o ARN transportadorcarreia os aminoácidos até os ribossomos, para serem incorporados àmolécula de proteína em formação, enquanto o ARN mensageirofornece a informação necessária para o sequenciamento dosaminoácidos, na ordem correta para cada tipo de proteína que vai serformada.

Os ribossomas de células nucleadas são formados por duassubunidades físicas, denominadas subunidade pequena, contendo umamolécula de ARN e 33 proteínas, e a subunidade grande, com trêsARNs e mais de 40 proteínas.

Aminoácido Códons do ARN

Ácido aspártico GAU GACÁcido glutãmico GAA GAGAlanína GCU GCC GCA GCGArginina CGU CGC CGA CGG AGA AGGAsparagina AAU AACCisteína UGU UGCFenilalanina UUU UUCGlicina GGU GGC GGA GGGGlutamina CAA CAGHistidina CAU CACIsoleucina AUU AUC AUALeucina CUU CUC CUA CUG UUA UUGUsina AAA AAGMetionina AUGProlina CCU CCC CCA CCGSerina UCU UCC UCA UCG AGC AGUTirosina UAU UACTreonina ACU ACC ACA ACGTriptofano UGGValina GUU GUC GUA GUGComeço (Cl) AUGFim (CT) UAA UAG UGA

Fig. 3.9 Mecanismo de como uma molécula de proteína é formada nosribossomas, em associação com o ARN mensageiro e o ARNtransportador.

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Embora só se tenha conhecimento parcial do mecanismo da síntese deproteínas pelos ribossomas, é sabido que o ARN mensageiro e o ARNtransportador se complexam, inicialmente, com a subunidade pequena.Em seguida, a subunidade grande fornece a maioria das enzimas quepromovem a formação das ligações peptídicas entre os aminoácidossucessivos. Dessa forma, os ribossomas funcionam como uma fábrica,onde são produzidas as moléculas de proteína.

Formação dos ribossomas no nucléolo. Os genes do ADN para aformação de ribossomas ficam localizados em cinco pares diferentes decromossomas no núcleo e cada cromossoma contém muitas duplicatasdesses genes, devido à grande quantidade de ARN ribossômicoque é necessária para o funcionamento celular.

À medida que o ARN ribossômico é formado, ele se acumula nonucléolo, estrutura especializada situada ao lado dos cromossomas.Quando grandes quantidades de ARN ribossômico estão sendo formadas,o nucléolo aparece como uma grande estrutura, enquanto, nas célulasque sintetizam quantidades muito pequenas de proteína, o nucléolo podeser inaparente. O ARN ribossômico é especificamente processado nonucléolo e combinado a "proteínas ribossômicas" para formarcondensações granulares que são as subunidades primordiais dosribossomas. Essas subunidades são, então, liberadas pelo nucléolo etransportadas, através dos grandes poros do envelope nuclear, paraquase todas as partes do citoplasma. Só após essas subunidades teremchegado ao citoplasma é que são unidas para formar os ribossomasadultos e funcionais. Por conseguinte, as proteínas não são formadas nonúcleo, pois o núcleo não contém ribossomas maduros.

FORMAÇÃO DAS PROTEÍNAS NOS RIBOSSOMAS — OPROCESSO DE "TRADUÇÃO"

Quando uma molécula de ARN mensageiro entra em contato comum ribossoma, ele a percorre em toda sua extensão, a partir de extremi-dade predeterminada da molécula de ARN, que é especificada por umaseqüência apropriada de bases do ARN. Em seguida, como mostradona Fig. 3.9, enquanto o ARN mensageiro passa pelo ribossoma. é formadaa molécula de proteína — um processo chamado de tradução. Nele, oribossoma lê o código do ARN mensageiro, da mesma forma comouma fita é "lida11 ao passar pela cabeça de reprodução do toca-fitas.Então, quando é atingido o códon de término (ou de "término dacadeia"), é sinalizado o fim da molécula de proteína que é liberada nocitoplasma.

Polirribussomas. Uma só molécula de ARN mensageiro pode formarmoléculas de proteína em diversos e diferentes ribossomas ao mesmotempo, com o filamento de ARN passando ao ribossoma seguinte amedida que sai do anterior, como mostrado na Fig. 3.9. Obviamente,as moléculas de proteína estarão em etapas diferentes de formação emcada ribossoma. Como resultado, existem, freqüentemente, grupos deribossomas com cerca de 3 a 10 ribossomas presos ao mesmo tempoà mesma molécula de ARN mensageiro, Esses grupos de ribossomassão chamados de pofirribossomas.

Deve ser especialmente notado que um ARN mensageiro pode pro-mover a formação de molécula de proteína em qualquer ribossoma,por não existir qualquer especificidade do ribossoma para determinadotipo de proteína. O ribossoma é simplesmente, a estrutura onde ocorremàs reações químicas.

Fixação dos ribossomas ao retículo endoplasmático. Nocapítulo anterior, foi notado que muitos ribossomas ficam presos aoretículo endoplasmático.

Isso só ocorre após os ribossomas terem iniciado a formação dasmoléculas de proteína. Essa fixação acontece porque as extremidadesiniciais de algumas moléculas de proteína contêm seqüências deaminoácidos que se fixam, imediatamente, a sítios receptoresespecíficos do retículo endoplasmático; isso permite que essasmoléculas atravessem a parede do retículo, atingindo sua matriz. Issoocorre enquanto a molécula de proteína ainda está sendo formada noribossoma, o que puxa o ribossoma para o retículo endoplasmático, doque resulta a aparência "granular" desse retículo.

A Fig. 3.10 apresenta a relação funcional do ARN mensageiro como ribossoma e, também, o modo como esse ribossoma se fixa à membranado retículo endoplasmático. Note-se que o processo de tradução estáocorrendo em diversos ribossomas ao mesmo tempo, em resposta a umsó filamento de ARN mensageiro. E também deve ser notado que ascadeias polipeptídicas recém-formadas passa através da membrana doretículo endoplasmático para atingir sua matriz.

Todavia, também deve ser notado que, exceto em célulasglandulares, formadoras de grande número de vesículas secretóriascontendo proteínas, a maioria das proteínas formadas nos ribossomas éliberada diretamente no citosol. Essas são as enzimas e as proteínasestruturais da célula.

Etapas químicas da síntese de proteínas. Algumas das reaçõesquímicas que ocorrem durante a síntese de moléculas de proteína sãomostradas na Fig. 3.11. Essa figura mostra as reações representativaspara três aminoácidos distintos, AA2, AA2 e AA3. As etapas dessasreações são as seguintes: (1) cada aminoácido é ativado por umprocesso químico onde o ATP se combina com o aminoácido paraformar um complexo de monofosfato de adenostna com aminoácido,rompendo duas ligações fosfato de alta energia; (2) o aminoácidoativado, contendo excesso de energia, combina-se, então, com seu ARNtransportador especifico, para formar um complexo aminoácido-ARNt,liberando, ao mesmo tempo, o monofosfato de adenosina; (3) o ARNtransportador, carreando o aminoácido complexado, entra, em seguida,em contato com a molécula de ARN mensageiro no ribossoma, o que situaseu aminoácido na seqüência correta para a formação da molécula deproteína. Então, sob a influência da enzima peptidiltransferase, uma dasproteínas do ribossoma, são formadas ligações peptídicas entre osaminoácidos sucessivos, o que, progressivamente, alonga a cadeia daproteína. Essas etapas químicas exigem a energia de duas ligaçõesfosfato de alta energia, o que eleva para quatro o total de ligaçõesfosfato de alta energia necessárias à incorporação de um aminoácidona cadeia de proteína. Dessa forma, a síntese de proteína é um dosprocessos com maior consumo de energia da célula.

Ligação peptídica. Os aminoácidos sucessivos da cadeia de proteínassão unidos entre si segundo a reação típica:

Nesta reação química, um radical hidroxila é removido da COOHde um aminoácido, enquanto um hidrogênio é removido do radical NH;do outro. O que é removido forma água e os dois sítios reativos dos

Fig. 3.10 Concepção artística da estrutura dos ribosso-mas e de sua relação funcional com o ARN mensageiro,com o ARN transportador e com o retículo endoplas-mático, durante a formação de moléculas de proteína.(De Bloom e Fawcett: A Textbook of Histology. 10. ed.Philadelphia, W.B SaundeTS Co., 1975.)

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Fig. 3.11 Eventos químicos na formação de uma molécula de proteína.

dois aminoácidos sucessivos reagem entre si, do que resulta a formaçãode uma só molécula. Esse processo é chamado de ligação peptídica.

SÍNTESE DE OUTRAS SUBSTÂNCIAS PELA CÉLULA

Os muitos milhares de enzimas protéicas formadas pelo mecanismodescrito acima controlam, em essência, todas as demais reações químicasque ocorrem nas células. Essas enzimas promovem a síntese de lipídios,glicogênio, purinas, pirimidinas e centenas de outras substâncias. Muitosdesses processos sintéticos, relacionados ao metabolismo doscarboidratos, lipídios e proteínas, são discutidos nos Caps. 67 a 69.É por meio dessas diferentes substâncias que são realizadas muitas dasfunções celulares.

CONTROLE DA FUNÇÃO GENÉTICA E DA ATIVIDADEBIOQUÍMICA DAS CÉLULAS

Do que foi discutido até aqui, fica claro que os genes controlamtanto o funcionamento físico como o químico das células. Contudo,a ativação dos próprios genes também deve ser controlada; de outromodo, algumas partes da célula poderiam crescer excessivamente oualgumas reações químicas poderiam ocorrer de modo desmesurado,podendo matar a célula. Felizmente, cada célula é dotada de potentesmecanismos internos de controle por feedback que mantêm as diversasoperações funcionais da célula em ritmo e intensidade adequados entresi. Para cada gene ou para cada pequeno grupo de genes (100.000 nototal) existe, pelo menos, um desses mecanismos de feedback.

Os menores vírus têm contribuído imensamente para a nossacompreensão do funcionamento celular, por terem dimensõessuficientemente pequenas para permitir que os biólogos elucidem quaseque os detalhes mais precisos de seu funcionamento, molécula amolécula. Em um nível pouco mais alto, as bactérias também sãomuito valiosas, em especial a bactéria Escherichia coli, muitoabundante nas fezes. A maior parte do que vai ser discutido naspáginas que se seguem foi aprendida por experimentos com essasformas mais inferiores de vida. Infelizmente, contudo, a célula nucleada étão complexa que só agora se está começando a compreender osmecanismos especiais de controle que foram desenvolvidos por essaforma mais elevada de vida. Para exemplificar a diferença decomplexidade entre a célula nucleada (chamada de eucarioto) e acélula não-nucleada (chamada de procariota), basta mencionar que oeucarioto do ser humano contém 1.000 vezes mais ADN que a bactériaE. Coli.

Basicamente, existem dois métodos diferentes para o controle dasatividades bioquímicas da célula. Um deles é chamado de regulaçãogenética, responsável pelo controle das atividades dos próprios genes,

e o outro é chamado de regulação enzimática, responsável pelo controledo nível da atividade das enzimas na célula.

REGULAÇÃO GENÉTICA

O opéron do procariota e seu controle da síntese bioquímica— a função do "promotor". A síntese de produto bioquímico celularexige, geralmente, uma série de reações, e cada uma dessas reações écatalisada por enzima protéica especial. A formação de todas as enzimasnecessárias para os processos sintéticos é, muitas vezes, controlada poruma seqüência de genes, localizados em série, um após outro, nomesmo filamento de ADN cromossômico. Esse trecho do filamento deADN é denominado opéron, e os genes responsáveis pela formação daenzima respectiva são chamados de genes estruturais. Na Fig. 3.12,são mostrados três genes estruturais em um opéron e vê-se que elescontrolam a formação de três enzimas específicas, usadas emdeterminado processo de síntese bioquímica.

Agora, deve ser notado na figura o segmento do filamento de ADNdesignado promotor. É formado por uma série de nucleotídios que têmafinidade específica pela ARN polimerase, como já discutido. Apolimerase deve fixar-se a esse promotor antes que possa percorrer ofilamento de ADN para sintetizar o ARN. Portanto, o promotor é oelemento essencial na ativação do opéron.

Controle do opéron por "proteína repressora" - o "operadorrepressor". Também deve ser notada na Fig. 3.12 a faixa adicional denucleotídios situada no meio do promotor. Essa região é chamada deoperador repressor porque uma proteína repressora pode fixar-se a elae impedir a fixação da ARN polimerase ao promotor, o que impedea transcrição dos genes. Proteína reguladora desse tipo é chamada deproteína repressora. Contudo, cada proteína reguladora repressora existe,em geral, sob duas formas alostéricas, uma capaz de se prender aooperador e reprimir a transcrição e outra que não se fixa. Isto é, porexemplo, uma das formas pode ser uma proteína linear, enquanto aoutra pode ser dobrada no meio. Apenas uma dessas formas pode repri-mir o operador. Por sua vez, diversas substâncias não-protéicas da célula,como determinados metabólitos celulares, podem combinar-se com essaproteína repressora, alterando sua forma. A substância que ao secombinar com a proteína repressora modifica sua forma, fazendo-acapaz de se combinar com o operador e, assim, de interromper atranscrição, é chamada de substância repressora ou substância inibidora.Por outro lado, a substância que ao se combinar com a proteínarepressora altera sua forma, tornando-a incapaz 6e se fixar ao operador,é chamada de substância ativadora ou substância indutora, pois ela ativa— ou induz — o processo da transcrição pela remoção da proteínarepressora.

Para ilustrar o controle da transcrição gênica por proteína repressora,basta um exemplo, O sacarídio lactose não está, nas condições usuais,disponível para a bactéria E.coli, como substrato alimentar. Porconseguinte, geralmente a bactéria não vai sintetizar as enzimasnecessárias à degradação metabólica da lactose. Todavia, quando estádisponível, a lactose induz alteração conformacional alostérica emproteína repressora, fazendo com que ela abandone sua fixação emoperador repressor

Fig. 3.12 Funcionamento do opéron no controle da biossíntese. Notarque o produto sintetizado exerce feedback negativo; inibidor dofuncionamento do próprio opéron e, desse modo, controlandoautomaticamente a concentração do produto sintetizado.

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do opéron que transcreve para as enzimas metabólicas necessárias. Comoresultado, o opéron fica desreprimido e, dentro de poucos minutos,as enzimas adequadas estão presentes na bactéria para produzir adegradação da lactose. Em seguida, à medida que o teor de lactose nacélula começa a baixar, a intensidade da síntese enzimática começa adiminuir até retornar ao nível adequado à disponibilidade inicial delactose. Assim, fica evidente a lógica da existência de tais sistemasreguladores na célula.

Controle do opéron por uma "proteína ativadora" — o"operador ativador". Note, agora, na Fig. 3.12, outro operador, chamadode operador ativador, situado ao lado mas à frente do promotor. Quandouma proteína reguladora se fixa a esse operador, ela ajuda a atrair a ARNpolimerase para o promotor, ativando. assim, o promotor. Porconseguinte, uma proteína reguladora desse tipo é chamada de proteínaatiradora. O opéron pode ser ativado ou inibido, por meio dooperador ativador, por mecanismo exatamente oposto ao do controlepelo operador repressor.

Controle por feedback negativo do opéron. Finalmente, deve sernotado na Fig. 3.12 que a presença de quantidade crítica de um produtosintetizado na célula pode provocar inibição, por feedback negativo,do opéron responsável por sua síntese. Isso pode ocorrer por fazer comque proteína reguladora repressora se fixe ao operador repressor oupor fazer com que a proteína reguladora ativadora quebre sua ligaçãocom o operador ativador. Nos dois casos, o opéron fica inibido. Portanto,uma vez que o produto necessário que é sintetizado atinja qualidadesuficientemente abundante, o opéron fica inativado. Por outro lado.quando esse produto sintetizado é degradado na célula, com baixa desua concentração, o opéron volta a ficar ativo. Dessa forma, aconcentração desse produto é controlada automaticamente.

Outros mecanismos para o controle da transcrição pelo opéron.Foram identificadas, com muita rapidez, nos últimos anos diversasvariantes do mecanismo básico de controle do opéron. Sem entrar emdetalhes, podemos enumerar algumas delas:

1. Um opéron é, muitas vezes, controlado por gene reguladorlocalizado em outro ponto do complexo genético do núcleo. Isto é, ogene regulador causa a formação de proteína reguladora que, por suavez, atua como substância ativadora ou repressora, para controlar oopéron.

2. Ocasionalmente, muitos e diferentes opérons são controlados,ao mesmo tempo, pela mesma proteína reguladora. Em alguns casos,a mesma proteína reguladora atua como ativadora para um opéron erepressora para outro. Quando diversos opérons são controladossimultaneamente dessa maneira, todos os opérons que atuam emconjunto formam um reguton.

3. Alguns opérons são controlados não ao nível de seu ponto inicialde transcrição no filamento de ADN, mas, pelo contrário, em pontomais adiante desse filamento. Por vezes, esse controle não ocorre nopróprio filamento de ADN, mas, sim, durante o processamento dasmoléculas de ARN no núcleo, antes de serem liberadas no citoplasma;ou, raramente, o controle pode ocorrer ao nível da tradução do ARNpelos ribossomas.

4. Nos eucariotos, o ADN nuclear fica restrito a unidades estruturaisespecíficas, chamadas cromossomas. E, no interior de cada cromossoma,o ADN ocorre enrolado em torno de pequenas proteínas, chamadashistorias, que, por sua vez, são ainda mais compactadas por outrasproteínas. Enquanto o ADN está nesse estado compactado, ele nãopode atuar para formar ARN. Contudo, múltiplos mecanismos decontrole estão sendo identificados, capazes de fazer com que trechosselecionados do cromossoma sejam descompactados, região apósregião, de modo a permitir a transcrição do ARN. Assim, no eucarioto,são usadas ordens de controle ainda mais elevadas para o estabelecimentoda função celular adequada. Além disso, sinais vindos de fora dacélula, como alguns hormônios, podem ativar regiões cromossômicasdeterminadas, o que produz o maquinário químico necessário parafunções específicas.

Devido à existência de até 100.000 genes diferentes em cada célulahumana, o grande número de modos como a atividade genética podeser controlada não é surpreendente. Os sistemas de controle genéticosão especialmente importantes para a regulação das concentraçõesintracelulares de aminoácidos, de derivados de aminoácidos e ossubstratos intermediários do metabolismo dos carboidratos, lipídios eproteínas.

CONTROLE DA ATIVIDADE ENZIMÁTICA

Além de controlarem o sistema regulador genético, algumas dasenzimas intracelulares podem ser, por sua vez, controladas por ativadores

ou inibidores intracelulares. Isso representa, portanto, uma segundacategoria de mecanismos que permitem o controle das funçõesbioquímicas celulares.

Inibição enzimática. Algumas das substâncias químicas formadasnas células exercem efeito direto de feedback, ao inibirem os sistemasenzimáticos que as sintetizam. Quase sempre, o produto sintetizado atuasobre a primeira enzima da seqüência, e não nas enzimas subseqüentes,em geral se fixando diretamente a essa enzima e provocando alteraçãoconformacional alostérica que a inativa. Pode ser facilmente reconhecidaa importância da inativação da primeira enzima: isso impede o acúmulode produtos intermediários que não vão ser utilizados.

Esse processo de inibição enzimática é outro exemplo de controlepor feedback negativo: é responsável pelo controle das concentraçõesintracelulares de alguns aminoácidos, purinas, pirimidinas, vitaminas eoutras substâncias.

Ativação enzimática. As enzimas que normalmente estãoinativas ou que foram inativadas por alguma substância inibidorapodem ser, muitas vezes, ativadas. Exemplo disso é a ação domonofosfato de adenosina cíclico (AMPc) produzindo a clivagem doglicogênio, com liberação de moléculas de glicose, para formar ATP ricoem energia, como discutido no capítulo anterior. Quando a célula édepletada da maior parte de seu ATP, começa a ser formada grandequantidade de AMPc, como produto da degradação do ATP; apresença desse AMPc indica que as reservas celulares de ATPcaíram a níveis muito baixos. Todavia, o AMPc ativa imediatamentea enzima degradadora do glicogênio, a fosforilase, liberando moléculasde glicose que são metabolizadas com muita rapidez, e sua energia éusada para a restauração das reservas de ATP. Assim, nesse caso, oAMPc atua como ativador enzimático e, por conseguinte, ajuda aregular a concentração intracelular de ATP.

Outro exemplo interessante de ativação e de inibição enzimáticaocorre na formação das purinas e das pirimidinas. Essas substânciassão demandadas pela célula, em quantidades aproximadamente iguais,para a síntese de ADN e de ARN. Quando as purinas são formadas,elas inibem as enzimas necessárias à formação adicional de purinas.Todavia, elas ativam as enzimas que vão participar da formação de pirimi-dinas Inversamente, as pirimidinas inibem as enzimas necessárias à suaprópria formação, enquanto ativam as enzimas para formação de purinas.Desse modo, existe contínua interação cruzada entre os sistemas desíntese para essas duas substâncias, do que resultam quantidades quaseiguais das duas, a qualquer momento, nas células.

Para resumir, existem dois meios principais para a célula regularas proporções e concentrações adequadas dos diferentes constituintescelulares: (1) o mecanismo de regulação genética, e (2) o mecanismoda regulação enzimática Os genes tanto podem ser ativados como inibi-dos e, de igual modo, os sistemas enzimáticos também podem ser ativadosou inibidos. Com maior freqüência, esses sistemas reguladores atuampor meio de sistemas de controle por feedback que, continuamente,monitorizam a composição bioquímica das células, efetuando ascorreções que forem necessárias. Mas, por vezes, substâncias vindas defora da célula (em especial, alguns dos hormônios que serão discutidosadiante, neste texto) também podem controlar as reações bioquímicasintracelulares, por ativarem ou inibirem um ou mais sistemas de controleintracelular.

REPRODUÇÃO CELULAR

A reprodução celular é outro exemplo do papel difuso e ubíquoque o sistema genético do ADN desempenha em todos os processosvitais. Os genes e seus mecanismos reguladores determinam ascaracterísticas de crescimento de todas as células e, também, se e quandoessas células se dividirão para formar novas células. Desse modo, o todoimportante sistema genético controla cada etapa do desenvolvimentodo ser humano, desde a célula única do óvulo fertilizado até o corpototalmente funcionante. Assim, se é que existe um tema central para avida, ele é o sistema genético do ADN.

O ciclo vital da célula. O ciclo vital de uma célula é o períodode tempo que vai de uma reprodução celular até a seguinte. Quandoas células de mamíferos não estão inibidas e se reproduzindo tãorapidamente quanto podem, esse ciclo vital dura de 10 a 30 horas. Eterminado por uma série de eventos físicos distintivos, chamada mitose,do que resulta a divisão dessa célula em duas novas células filhas. Oseventos (ou etapas) da mitose estão representados na Fig. 3.13 e serãodescritos adiante.

A verdadeira fase de mitose, contudo, só dura 30 minutos,

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Fig. 3.13 Etapas da reprodução celular. A, B e C, prófase; D,prometáfase; E, metáfase; F, anáfase; Ge H, teldfase. (RedesenhadodeMazia: How celta divide. Sei. Amer., 205:102, 1961. Copyright byScientific American Inc. Todos os direitos reservados.)

de modo que mais de 95% do ciclo vital, mesmo de células comreprodução rápida, são representados pelo intervalo entre mitosessucessivas, e que é chamado de interfase. Na verdade, exceto emcondições especiais de reprodução celular acelerada, fatores inibitóriosinibem ou interrompem, quase sempre, o ciclo vital desinibido dacélula. Por conseguinte, os ciclos vitais das diferentes células do corpotêm durações que variam entre o mínimo de 10 horas, para as célulasestimuladas da medula óssea, até o máximo de toda a sobrevida docorpo humano, para as células nervosas e musculares estriadas.

REPLICAÇÃO DO ADN, A ETAPA INICIALDA REPRODUÇÃO CELULAR

Como ocorre para quase todos os eventos importantes da célula,a reprodução começa no próprio núcleo. A primeira etapa é a replicação(duplicação) de todo o ADN nos cromossomas. Só após isso ter ocorridoé que pode ter início a mitose.

O ADN começa a ser duplicado cerca de 5 a 10 horas antes damitose e termina dentro de 4 a 8 horas. O ADN só é duplicado umavez, de modo que o resultado final é a formação de duas réplicas precisasde todo o ADN. Essas réplicas, por sua vez, vão ser o ADN das duascélulas filhas que vão ser formadas na mitose. Após a replicação doADN, existe um período de 1 a 2 horas, antes que, abruptamente,comece a mitose. Contudo, mesmo durante esse breve período, jácomeçam a ocorrer alterações preliminares que vão levar à mitose.

Eventos químicos e físicos da replicação do ADN. O ADN éreplicado de modo quase análogo à transcrição do ARN, a partir doADN, exceto por algumas diferenças importantes:

1. Os dois filamentos de ADN de cada cromossoma são replicados,e não apenas um deles.

2. Os dois filamentos inteiros da hélice de ADN são replicadosde uma ponta a outra e não apenas pequenos trechos de cada umcomo ocorre na transcrição de ARN pelos genes.

3. As principais enzimas para a replicação do ADN são um complexoenzimático, chamado ADNpolimerase, que é comparável à ARN polime-

rase. Ele se fixa ao filamento molde de ADN e se desloca ao longodele, enquanto outra enzima, ADN ligase, produz ligação entre ossucessivos nucleotídios entre si, usando ligações fosfato de alta energiapara energizar essas ligações.

4. A formação de cada novo filamento de ADN ocorre, a um sótempo, em centenas de segmentos ao longo dos dois filamentos da héliceaté que todo o filamento seja replicado. Então, as extremidades dassubunidades são unidas entre si pela enzima ADN ligase.

5. Cada filamento recém-formado de ADN permanece fixado, porpontes de hidrogênio fracas, ao filamento original de ADN, que foiusado como molde. Por conseguinte, são formadas duas novas hélicesde ADN que são cópias exatas uma da outra e que ainda permanecemenroladas entre si.

6. Dado que as hélices de ADN em cada cromossoma têm cercade 6 cm de comprimento e apresentam milhões de voltas em cada hélice,seria impossível que as duas novas hélices de ADN que foram formadasse desenrolassem uma da outra, sem a assistência de mecanismo especial.Esse mecanismo depende de enzimas que, a determinados intervaloscortam a hélice longitudinalmente, produzem a rotação de cadasegmento, o suficiente para provocar a separação e, em seguida,reformama hélice. Desse modo, as duas novas hélices são desenroladas.

Reparo e "revisão" do ADN. Durante o período de 1 hora, oupouco mais, entre a replicação do ADN e o começo da mitose, ocorreperíodo muito ativo de reparo e "revisão" dos filamentos de ADN.Isto é, onde quer que nucleotídios inadequados tenham sido unidosa nucleotídios do filamento molde original, enzimas especiais removema área defeituosa e a substituem por nucleotídios complementarescorretos. Isso é efetuado pelas mesmas ADN polimerases e ADNligases que foram usadas no processo de replicação. Esse processode reparo é chamado de revisão do ADN.

Devido a esse reparo e revisão, o processo de transcrição quasenunca comete erros. Quando ocorre erro, ele é chamado de mutação;o que causará, por sua vez, a formação de proteína anormal pela célula,muitas vezes resultando em funcionamento irregular da célula e, porvezes, até em morte celular. Contudo, devido à precisão do processode transcrição, já foi calculado que cada gene humano sofre mutaçãouma vez a cada 200.000 anos de vida humana. Não obstante, quandose pensa que existem 100.000 ou mais genes no genoma humano e queo período entre duas gerações sucessivas é de cerca de 30 anos, aindapoderiam ser esperadas até 10 mutações na passagem do genoma dogenitor a seu filho. Felizmente, todavia, cada genoma humano é repre-sentado por dois conjuntos distintos de cromossomas com genes quaseidênticos, de modo que um gene funcional de cada par está, quase sempre,disponível para a criança, apesar das mutações.

OS CROMOSSOMAS E SUA REPLICAÇÃO

As hélices de ADN no núcleo ficam contidas nos cromossomas.A célula humana contém 46 cromossomas dispostos em 23 pares. Amaior parte dos genes nos dois cromossomas de cada par são idênticosou quase idênticos entre si, de modo que é dito que, em geral, osdiferentes genes também existem aos pares, embora, por vezes, isso nãoaconteça.

No cromossoma, além do ADN, também existe grande quantidadede proteínas, grande parte delas sendo historias, moléculas pequenascom carga positiva. As histonas se dispõem em grande número deestruturas, em forma de bobinas, na parte central do cromossoma. Ossegmentos sucessivos de cada hélice de ADN se enroscam,seqüencialmente, em torno dessas bobinas. Então, durante a mitose,essas bobinas sucessivas são empurradas, umas contra as outras, o quepermite que a molécula de ADN, extremamente longa — comcomprimento linear de 6 cm e peso molecular de cerca de 60 bilhões—, possa assumir a forma enrolada e dobrada do cromossoma mitótico,com comprimento de apenas alguns micrômetros, 1/10.000 docomprimento do ADN desenrolado.

Os núcleos de histona têm provavelmente papel importante naregulação da atividade do ADN, visto que, enquanto o ADN estiverdensamente enrolado, não pode funcionar como molde para a formaçãode ARN ou para a replicação de novo ADN. Ainda mais, algumas dasproteínas reguladoras são capazes de descondensar o enrolamento doADN nas histonas e permitir que pequenos segmentos formem, a cadavez, o ARN. Assim, essa é uma ordem mais superior de regulaçãodo que os tipos que foram discutidos antes.

Algumas proteínas não-histonas também são componentes impor-

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tantes dos cromossomas, funcionando como proteínas estruturaiscromossômicas e, em relação ao maquinário da regulação genética, comoativadoras, inibidoras e enzimas.

A replicação dos cromossomas, em sua totalidade, ocorre durantepoucos minutos, imediatamente após a replicação das hélices de ADN;as novas hélices de ADN captam novas moléculas de proteína, à medidaque forem necessárias. Nessa etapa, os dois cromossomas recémformados são chamados de cromátides. Eles permanecemtemporariamente unidos entre si (até o momento da mitose) no pontochamado de centro-mero, localizado próximo ao centro de cadacromátide.

MITOSE

O processo pelo qual a célula se divide em duas novas células échamado de micose. Desde que cada cromossoma tenha sido replicadopara formar dois cromátides, a mitose ocorre, automaticamente, emcerca de 1 ou 2 horas.

O aparelho mitótico. Um dos primeiros eventos da mitose ocorreno citoplasma, durante a fase final da interfase na fase inicial da prófase.nas ou perto das pequenas estruturas chamadas de centríolos. Comomostrado na Fig. 3.13, dois pares de centríolos ficam próximos um dooutro, perto de um dos pólos do núcleo. (Esses centríolos, como oADN e os cromossomas, foram replicados na interfase, em geral poucoantes da replicação do ADN.) Cada centríolo é estrutura cilíndrica epequena, com cerca de 0,4 fim de comprimento e diâmetro de 0,15fjm, formada principalmente por nove estruturas tubulares paralelas,dispostas em forma de cilindro. Em cada par, os centríolos ficam emângulo reto entre si.

Pouco antes do início da mitose, os dois pares de centríolos começama se afastar. Isso decorre da polimerização sucessiva da proteína dosmicrotúbulos, o que os faz crescer entre os dois pares de centríolos,do que resulta seu afastamento. Ao mesmo tempo, outros microtúbuloscrescem radialmente a partir de cada par de centríolos, formando umaestrela cheia de pontas, denominadas áster, em cada extremidade dacélula. Algumas dessas pontas, ou espinhas, penetram no núcleo eparticipam na separação dos dois conjuntos de cromátides durante amitose. O complexo de microtúbulos unindo os dois pares de centríolos échamado de fuso, e todo o conjunto de microtúbulos, mais os dois paresde centríolos, constitui o aparelho mitótico.

Prófase. A primeira etapa da mitose, denominada próftue, é mos-trada na Fig. 3.13.A, B e C. Enquanto o fuso esta se formando, oscromossomas do núcleo, que na interfase são compostos de filamentosfrouxamente enrolados, condensam-se em cromossomas bem-definidos.

Prometáfase. Durante essa etapa (Fig. 3.13D), o envelopenuclear se rompe. Ao mesmo tempo, um novo conjunto de microtúbuloscomeça a crescer para fora, a partir de pequena região condensada decada cromátide, chamada de cinetócoro, situada na face externa docentrômero, região de união dos dois cromátides. Esses novosmicrotúbulos, por sua vez, fixam-se ou interagem com os microtúbulosdos dois ásteres do aparelho mitótico, com um cromátide se fixandoao áster de uma das extremidades celulares, enquanto o outro se fixa aoáster da extremidade oposta.

Metáfase. Durante a metáfase (Fig. 3.13E), os dois ásteres doaparelho mitótico são ainda mais afastados pelo crescimento adicionaldo fuso mitótico. Simultaneamente, os cromátides são intensamentetracionados, pelos microtúbulos fixados a eles, para o centro preciso dacélula, onde se alinham para formar a placa equatorial do fuso mitótico.

Anáfase. Durante essa fase (Fig. 3.13F), os dois cromátides de cadacromossoma são afastados um do outro ao nível do centrômero. O modopreciso de como isso é realizado pelo sistema microtubular ainda nãoé conhecido; contudo, sabe-se que os microtúbulos contêm actina, alémde tubulina; a actina é uma das proteínas contrateis do músculo. Porconseguinte, foi presumido que os microtúbulos poderiam se contrairou que os túbulos cromossômicos poderiam interagir de forma deslizantecom os microtúbulos do áster, gerando a forma de tração.Independentemente do mecanismo, todos os 46 pares de cromátides sãoseparados, formando dois conjuntos distintos de 46 cromossomas filhos.Um desses conjuntos é tracionado em direção a um dos ásteresmitóticos e o outro em direção ao áster do pólo oposto da célula emdivisão.

Telófase. Na telófase (Fig. 3.13Ge H), os dois conjuntos de cromos-somas filhos já estão completamente separados. Em seguida, o aparelhomitótico se dissolve e nova membrana nuclear se forma em torno decada conjunto de cromossomas; essa membrana se origina de partes

do retículo endoplasmático já presentes no citoplasma. Poucodepois, a célula se divide em duas, na região entre os dois novosnúcleos. Isso é causado por um anel contrátil de microfilamentos(formados por actina e, provavelmente, por miosina, as duas proteínascontrateis do músculo) que se forma na junção das duas células emdesenvolvimento e as separa.

CONTROLE DO CRESCIMENTO E DAREPRODUÇÃO CELULARES

Todos sabemos que certas células crescem e se reproduzem, como,por exemplo, as células hemopoéticas da medula óssea, as células dascamadas germinativas da pele e do epitélio do intestino. Contudo, muitasoutras células, tais como as musculares lisas, podem não se reproduzirpor muitos anos. Algumas células, como os neurônios e a maioria dascélulas musculares estriadas, não se reproduzem durante toda a vidade uma pessoa.

Em determinados tecidos, a falta, ou número insuficiente, de algunstipos de células faz com que essas células cresçam c se reproduzammuito rapidamente até que seu número volte a ser o apropriado. Porexemplo, sete oitavos do fígado podem ser removidos cirurgicamente,e as células do oitavo remanescente irão crescer e se reproduzir atéque a massa hepática retorne praticamente ao normal. O mesmo acontececom quase todas as células glandulares, com o epitélio intestinal, célulasda medula óssea, tecido subcutâneo e quase que qualquer outro tecido,exceto para células muito diferenciadas, como as nervosas e musculares.

Sabe-se muito pouco sobre os mecanismos que mantêm númerosadequados dos diferentes tipos de células do corpo. Contudo,experimentos já demonstraram três modos como o crescimento pode sercontrolado. Primeiro, o crescimento, muitas vezes, é controlado porfatores de crescimento, produzidos em outras partes do corpo. Algunsdesses fatores circulam no sangue, mas outros se originam em tecidosadjacentes. Por exemplo, as células epiteliais de diversas glândulas,como as do pâncreas, não crescem quando falta um fator de crescimento,produzido pelo tecido conjuntivo subjacente da glândula. Segundo, amaior parte das células normais pára de crescer quando elas deixam deter espaço para tal. Isso ocorre quando as células são mantidas em culturade tecidos; as células crescem até entrarem em contato com objetosólido, quando cessa o crescimento. Terceiro, muitas vezes, as célulasmantidas em cultura de tecidos param de crescer quando quantidadesdiminutas de suas próprias secreções são deixadas acumular no seumeio de cultura. Isso também poderia representar mecanismo defeedback negativo para o controle do crescimento.

Regulação das dimensões celulares. As dimensões celulares sãoreguladas quase que inteiramente pela quantidade de ADN funcionalno núcleo. Se não ocorrer replicação do ADN, a célula cresce atédeterminado tamanho e, após esse tamanho, não mais se altera. Poroutro lado, é possível, pelo uso da substância colchicina, impedir aformação do fuso mitótico e, portanto, a mitose, embora continue areplicação do ADN. Nesse caso, o núcleo passa a conter maiorquantidade de ADN que a normal c a célula cresce ate dimensõesproporcionalmente maiores. Admite-se que isso resulte, simplesmente, daprodução aumentada de ARN e de proteínas celulares, o que, por suavez, faria com que a célula crescesse até maior tamanho.

DIFERENCIAÇÃO CELULAR

Característica especial do crescimento e da divisão celular é a dadiferenciação celular, o que implica alteração das propriedades físicase funcionais das células, à medida que proliferam no embrião, paraformar as diferentes estruturas corporais.

A primeira — e a mais simples — teoria que buscava explicar adiferenciação foi a de que a composição genética do núcleo sofreriamodificações, ao correr das gerações sucessivas de células, de tal modoque uma célula filha herdasse um conjunto distinto de genes do queo recebido pela outra célula filha.

Todavia, essa teoria mostrou-se errônea em muitos aspectos, mas,de forma especialmente ilustrativa, pelo simples experimento seguinte.O núcleo de célula da mucosa intestinal de rã, quando transplantadoem óvulo (também de rã) cujo núcleo original havia sido previamenteremovido, pode, muitas vezes, levar ã formação de rã inteiramentenormal.

Isso demonstra que até mesmo a célula da mucosa intestinal, queé célula relativamente bem-diferenciada, ainda contém toda a informação

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genética necessária para o desenvolvimento de todas as estruturasnecessárias do corpo da rã.

Por conseguinte, ficou claro que a diferenciação resulta não de perdade genes, mas, sim, da repressão seletiva de diferentes opérons genéticos.Na verdade, micrografias eletrônicas sugerem que alguns segmentos dashélices de ADN, enroladas em torno dos núcleos de histona, ficam tãocondensados que não mais podem desenroscar-se para formar moléculasde ARN. Uma sugestão para a causa desse efeito é a seguinte: suponha-seque um gene regulador no genoma comece, em determinado estágioda diferenciação celular, a produzir proteína reguladora que produzaativação por feedback positivo, desse mesmo gene regulador. Esse feed-back positivo causaria a produção continuada dessa proteína, que, daípara diante, seria produzida permanentemente; mas essa proteínareguladora reprimiria outro grupo selecionado de genes. Comoresultado, os genes reprimidos nunca voltariam a funcionar.Independentemente do mecanismo, a maioria das células adultas docorpo humano produz entre 8.000 e 10.000 proteínas, em vez das100.000 ou mais que, potencialmente, poderiam ser produzidas casotodos os genes estivessem ativos.

Experimentos embriológicos também demonstram quedeterminadas células do embrião controlam a diferenciação das célulasadjacentes. Por exemplo, o cordamesoderma primordial é chamado deorganizador primário do embrião, por representar um foco em torno doqual se desenvolve o resto do embrião, Ele se diferencia no eixomesodérmico, contendo os somitas, com disposição segmentar, e, comoresultado de induções nos tecidos circundantes, determina a formação depraticamente todos os órgãos do corpo.

Outro exemplo de indução ocorre quando as vesículas ópticas emdesenvolvimento entram em contato com o ectoderma da cabeça, fazendocom que se espesse — para formar a placa do cristalino — e se dobrepara dentro, dando origem ao cristalino do olho. Conseqüentemente,grande parte do embrião se desenvolve à custa dessas induções, umaparte do corpo agindo sobre outra e esta, por sua vez, aluando aindasobre outras.

Desse modo, embora nossa compreensão da diferenciação celularainda seja muito grosseira, conhecemos muitos mecanismos distintosde controle pelos quais essa diferenciação poderia ocorrer.

CÂNCER

O câncer é causado em todos (ou quase todos) os casos por mutaçãoou por ativação anormal de genes celulares que controlam o crescimentoe a mitose celular. Esses genes anormais são chamados de oncogenes.

Apenas fração diminuta das células do corpo que sofreram mutaçõesleva ao câncer. Existem diversas razões para isso. Primeiro, a maioriadas células mutantes tem menor capacidade de sobrevivência que ascélulas normais e, como resultado, simplesmente, elas morrem. Segundo,apenas algumas das células mutantes que sobreviveram perdem oscontroles normais de feedback que impedem o crescimento excessivo.Terceiro, as células que são potencialmente cancerígenas são, com grandefreqüência, destruídas pelo sistema imune do corpo, antes que possamformar um câncer. Isso ocorre do seguinte modo: a maioria das célulasmutantes produz proteínas anormais em seus corpos celulares, devido aseus genes alterados, e essas proteínas estimulam o sistema imune docorpo, fazendo com que ele produza anticorpos ou linfócitossensibilizados contra as células cancerígenas, e assim as destrua. Aconfirmação dessa explicação é dada pelo fato de que as pessoas cujosistema imune foi suprimido, como, por exemplo, as tratadas comimunossupressores, após transplante de rim ou de coração, têmprobabilidade várias vezes maior de desenvolver câncer.

Mas, o que causa os genes alterados? Quando se leva em contaque muitos trilhões de novas células são formadas anualmente, em cadacorpo humano, essa pergunta poderia ser melhor formulada do modoseguinte: Por que nós não desenvolvemos literalmente milhões ou bilhõesde células cancerígenas? A resposta é dada pela incrível precisão comque os filamentos de ADN cromossômico são replicados em cada célulaantes da mitose e, também, devido ao processo de "revisão" que cortae repara qualquer filamento anormal de ADN antes que o processomitótico seja deixado prosseguir. Contudo, apesar de todas essasprecauções, é provável que uma célula recém-formada em alguns poucosmilhões de células seja portadora de características mutantessignificativas.

Dessa forma, é necessário apenas o acaso para que ocorrammutações, de modo que se pode supor que grande número de cânceresseja simplesmente resultado de uma infeliz ocorrência.

Todavia, a probabilidade de ocorrência de mutações pode seraumentada de muitas vezes quando a pessoa é exposta a determinadosfatores químicos, físicos ou biológicos. Alguns deles são os seguintes:

1. E bem conhecido que a radiação ionizante, tal como raios X,raios gama e partículas irradiadas por substâncias radioativas, e atémesmo a radiação ultravioleta podem predispor ao câncer. Os íonsformados nas células teciduais, por efeito dessas radiações, são muitoreativos e podem romper os filamentos de ADN, causando, assim,muitas mutações.

2. Compostos químicos de certos tipos também apresentam muitapropensão para causar mutações. Historicamente, foi descoberto, hámuito tempo, que diversos derivados dos corantes de anilina apresentamelevada probabilidade de causar câncer, de modo que os operários daindústria química produtora desses compostos, caso não sejamprotegidos, têm predisposição especial para o câncer. As substânciasquímicas capazes de produzir mutações são denominadas carcinogênicas.Os carcinógenos que, de longe, causam o maior número de mortesem nossa sociedade atual são os presentes na fumaça dos cigarros.Eles causam cerca de um quarto de todas as mortes por câncer.

3. Os irritantes físicos também podem causar câncer, como, porexemplo, a abrasão continuada do revestimento do tubo digestivo poralguns tipos de alimento. A lesão dos tecidos provoca a rápidasubstituição mitótica das células. Quanto mais rápidas forem as mitoses,maiorserá a probabilidade de mutações.

4. Em muitas famílias ocorre forte tendência hereditária para ocâncer. Provavelmente, isso resulta do fato de que a maioria doscânceresdepende de mais de uma mutação, antes que o câncer se forme. Nasfamílias especialmente predispostas ao câncer, presume-se que um oumais genes do genoma herdado já sofreram mutações. Portanto, númerobem menor de mutações adicionais deve ocorrer nessas pessoas antesque um câncer comece a crescer.

5. Em animais de experimentação, certos tipos de vírus podemcausar determinados tipos de câncer, inclusive leucemia.Ocasionalmente, isso pode ocorrer por um de dois modos. Primeiro,no caso dos vírus de ADN, o filamento de ADN no vírus podeinserir-se diretamente em um dos cromossomas e, assim, causar amutação que leva ao câncer. No caso dos vírus de ARN, alguns deles sãoportadores da enzima transcriptase reversa, que permite a transcriçãodo ADN a partir do ARN. Em seguida, o ADN transcrito se insere nogenoma das células do animal, levando ao câncer. Contudo, apesar dademonstração de que o câncer virótico pode ocorrer em animais,ainda não foi comprovado que o câncer se propaga por essemecanismo nos seres humanos, nem que o câncer seja contagioso,passando de uma pessoa a outra.

Característica invasiva da célula cancerosa. As três diferençasprincipais entre uma célula normal e outra cancerosa são: (1) A célulacancerosa não respeita os limites normais do crescimento celular; arazão disso é que as células cancerosas não necessitam dos fatores decrescimento, como ocorre para as células normais. (2) As célulascancerosas são muito menos aderentes entre si que as células normais.Como resultado, tendem a vagar através dos tecidos, a entrar na circulaçãoe a serem transportadas para todo o corpo, onde formam ninhos paranovos e numerosos crescimentos cancerosos. (3) Alguns cânceres sãocapazes de produzir fatores angiogênicos que produzem o crescimentode vasos sanguíneos para e no câncer, o que garante o fornecimento denutrientes necessários para o crescimento do câncer.

Por que as células cancerosas matam? A resposta a essapergunta é, em geral, muito simples. O tecido canceroso compete com ostecidos normais pelos nutrientes. Visto que as células cancerosascontinuam a proliferar indefinidamente, seu número se multiplicandodia após dia, pode ser facilmente compreendido que as célulascancerosas, dentro de pouco tempo, exigirão toda a nutrição disponívelpara o corpo. Como resultado, os tecidos normais, gradativamentesofrem morte nutricional.

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UNIDADE II

FISIOLOGIA DA MEMBRANA, DO NERVOE DO MÚSCULO

Ø Transporte de íons e de Moléculas Através da Membrana CelularØ Potenciais de Membrana e Potenciais de AçãoØ Contração do Músculo EsqueléticoØ Excitação da Contração do Músculo Esquelético:Ø Transmissão Neuromuscular e Acoplamento Excitação-ContraçãoØ Contração e Excitação do Músculo Liso

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CAPÍTULO 4

Transporte de Íons e de Moléculas Através da Membrana Celular

A Fig. 4.1 apresenta a composição aproximada do líquidoextracelular, situado por fora das membranas celulares, e dolíquido intracelular, que fica no interior das células. Note-seque o líquido extracelular contém grandes quantidades de sódio,mas apenas pequenas quantidades de potássio. Exatamente ooposto ocorre no líquido intracelular. Ao mesmo tempo, o líquidoextracelular contém grande quantidade de cloreto, enquanto olíquido intracelular só o tem em pequenas quantidades. Mas asconcentrações de fosfatos—em essência, todos são metabólitosintermediários orgânicos — e de proteínas no líquidointracelular são consideravelmente maiores que as do líquidoextracelular. Todas essas diferenças são extremamenteimportantes para a vida da célula. O objetivo deste capítulo é ode explicar como essas diferenças são produzidas pelosmecanismos de transporte das membranas celulares.

A barreira lipídica e as proteínas de transporte damembrana celular

A estrutura da membrana celular foi discutida no Cap. 2e apresentada na Fig. 2.3. Ela é composta, quase queinteiramente, da bicamada lipídica, com grande número demoléculas de proteína flutuando no lipídio, muitas delasatravessando toda a espessura dessa bicamada, como mostradona Fig. 4.2.

A bicamada lipídica não é miscível com os líquidos extrae intracelular. Por conseguinte, ela representa barreira aomovimento da maioria das moléculas de água e das substânciashidrossolúveis entre os compartimentos dos líquidos extra eintracelulares. Contudo, como indicado pela seta à esquerda daFig. 4.2, algumas substâncias conseguem atravessar essabicamada, entrando na célula ou saindo dela, passandodiretamente pela substância lipídica.

Por outro lado, as moléculas de proteína apresentampropriedades de transporte inteiramente diferentes. Suasestruturas moleculares interrompem a continuidade dabicamada lipídica e, portanto, formam via alternativa atravésda membrana celular. A maioria dessas proteínas penetrantes é,como resultado, formada por proteínas de transporte. Asdiferentes proteínas vão atuar por modos distintos. Algumascontêm espaços aquosos, ao longo de toda a sua molécula, epermitem o livre movimento de determinados íons e moléculas;são denominadas proteínas de canal.

Outras, chamadas de proteínas carreadoras, fixam-se àssubstâncias que vão ser transportadas, e alteraçõesconformacionais dessas moléculas de proteína movem assubstâncias, ao longo dos interstícios da molécula, até o outrolado da membrana.

Tanto as proteínas de canal como as proteínas carreadoras sãoextremamente seletivas quanto ao tipo (ou tipos) de moléculasou íons que podem atravessar a membrana.

Difusão versus transporte ativo. O transporte através damembrana celular, seja diretamente, pela bicamada lipídica, oupor meio de proteínas, ocorre por um dos dois processos básicos,a difusão (também chamada de "transporte passivo") e otransporte ativo. Embora existam numerosas variantes distintasdesses dois processos básicos, como veremos adiante nestecapítulo, a difusão implica movimento molecular aleatório damolécula da substância pelos espaços intermoleculares damembrana ou em combinação com proteína carreadora. Aenergia causadora da difusão é a energia do movimento cinéticonormal da matéria. Pelo contrário, o transporte ativo implica omovimento de íons ou outras substâncias, em combinação comproteína carreadora, mas, além disso, contra um gradiente deenergia, como, por exemplo, de um estado de baixaconcentração para outro de alta concentração, processo queexige outra fonte de energia além da cinética para que ocorra omovimento. Vamos explicar em maiores detalhes a física e afísico-química básicas desses dois processos distintos.

DIFUSÃOTodas as moléculas e íons dos líquidos corporais, inclusive

tanto as moléculas de água como as das substâncias em solução,estão continuamente em movimento, cada partícula seguindopercurso próprio. O movimento dessas partículas constitui o queos físicos chamam de calor — quanto mais intenso for essamovimentação, maior será a temperatura — e esse movimentonunca cessa, sob quaisquer condições, exceto na temperatura dozero absoluto. Quando uma molécula em movimento, A, seaproxima de outra molécula estacionária, B, as forçaseletrostáticas e internucleares da molécula A repelem amolécula B, transferindo parte da energia do movimento para amolécula B. Conseqüentemente, a molécula B ganha energiacinética de movimento, ao mesmo tempo em que a moléculaA tem seu movimento lentificado, pois perdeu parte de suaenergia cinética. Assim, como mostrado na Fig. 4.3, cadamolécula de uma solução pula por entre as outras moléculas,primeiro em determinada direção, em seguida em outra, e assimpor diante, aleatoriamente, bilhões de vezes a cada segundo.

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Fig. 4.1 Composição química dos líquidos extras eintracelulares.Esse contínuo movimento de moléculas por entre as

outras, nos líquidos e nos gases, é chamado difusão. Os íons sedifundem do mesmo modo como moléculas, e até mesmopartículas colóides em suspensão se difundem do mesmo modo,exceto por sua difusão ocorrer bem mais lentamente que assubstâncias moleculares, devido às suas grandes dimensões.

DIFUSÃO ATRAVÉS DA MEMBRANA CELULARA difusão através da membrana celular é dividida em dois

subtipos distintos, chamados de difusão simples e difusãofacilitada. A difusão simples é o movimento cinético molecularde moléculas ou íons através de pertuito da membrana ou dosespaços intermoleculares, sem necessidade de fixação aproteínas carreadoras da membrana. A velocidade dessa difusão édeterminada pela quantidade existente da substância, pelavelocidade do movimento cinético e pelo número de pertuitos damembrana através dos quais a molécula ou íon pode passar. Poroutro lado, a difusão facilitada implica a interação dasmoléculas ou íons com proteína carreadora que facilita suapassagem através da membrana, provavelmente por se fixarquimicamente a ela e se deslocar, através da membrana, nessaforma fixada.

A difusão simples pode ocorrer através da membrana pordois percursos: pelos interstícios da bicamada lipídica ou peloscanais aquosos de algumas proteínas de transporte, comomostrado à esquerda da Fig. 4.2.

Difusão simples através da bicamada lipídica

Difusão de substâncias lipossolúveis. Em estudosexperimentais, os lipídios das células foram separados dasproteínas e, em seguida, reconstituídos, formando membranasartificiais, constituídas por uma bicamada lipídica, sem qualquerdas proteínas de transporte. Por meio dessas membranasartificiais, foram determinadas as propriedades de transporte dasbicamadas lipídicas.

Um dos fatores mais importantes que determinam com querapidez uma substância irá atravessar essa bicamada lipídica éa lipossolubilidade da substância. Por exemplo, a lipossolubi-

Fig. 4.2 Vias de transporte através da membrana celular e osmecanismos básicos de transporte.

lidade do oxigênio, do nitrogênio, do dióxido de carbono e dosálcoois é muito alta, de modo que todos esses compostos sãocapazes de se dissolver diretamente na bicamada lipídica e sedifundir através da membrana celular, de modo idêntico ao dadifusão em solução aquosa. Por motivos óbvios, a velocidadede difusão dessas substâncias através da membrana é diretamenteproporcional às suas lipossolubilidades. Quantidadesextremamente grandes de oxigênio podem ser transportadas poresse modo; como resultado, o oxigênio chega ao interior dacélula como se a membrana celular não existisse.

Transporte de água e de outras moléculas insolúveis emlipídios. Embora a água seja extremamente insolúvel noslipídios da membrana, ela, não obstante, atravessa facilmente amembrana celular; em parte, ela passa, de modo direto, atravésda bicamada lipídica e, em sua maior parte, pelas proteínas decanal. A rapidez com que a água pode atravessar a membranacelular é, na verdade, surpreendente. Como exemplo, aquantidade total de água que se difunde, nas duas direções,através da membrana da hemácia, a cada segundo, é,aproximadamente, 100 vezes maior que o volume da hemácia.

A razão para a grande intensidade da difusão de água atravésda bicamada lipídica ainda não foi determinada, mas acredita-seque as moléculas de água sejam suficientemente pequenas e quesua energia cinética seja grande o bastante para que elas possam,simplesmente, penetrar como projéteis na parte lipídica damembrana, antes que sua característica "hidrofóbica" consigadetê-las.

Outras moléculas insolúveis em lipídios também podematravessar a bicamada lipídica do mesmo modo como a água,desde que sejam suficientemente pequenas.

Fig. 4.3 Difusão de uma molécula de um líquido, durante umbilionésimo de segundo.

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Todavia, à medida que suas dimensões aumentam, suacapacidade de penetração cai acentuadamente. Por exemplo, odiâmetro da molécula da uréia é apenas 20% maior que o da deágua. Contudo, sua penetração através da membrana celular écerca de mil vezes menor que a da água. Mesmo assim, tendo-se em mente a extraordinária velocidade de penetração da água,essa velocidade ainda permite o transporte rápido da uréiaatravés da membrana celular. A molécula de glicose, comdiâmetro três vezes maior que o da molécula de água, atravessa abicamada lipídica com velocidade 100 mil vezes menor que a daágua, o que demonstra que as únicas moléculas insolúveis emlipídios capazes de penetrar na bicamada lipídica são as demenores dimensões.Incapacidade de íons de se difundirem através da bicamadalipídica. Muito embora a água e outras moléculas muito pequenas,sem carga, possam difundir-se facilmente através da bicamadalipídica, os íons — mesmo os mais pequenos, como os íonshidrogênio, sódio, potássio e outros — só penetram na bicamadalipídica com velocidades cerca de 1 milhão de vezes menoresque a da água. Por conseguinte, qualquer transportesignificativo desses íons através da membrana celular deveocorrer pelos canais nas proteínas, como será discutido maisadiante. A razão para essa impenetrabilidade da bicamadalipídica aos íons é a carga elétrica dos íons; ela impede omovimento iônico por dois modos distintos: (1) a cargaelétrica dos íons faz com que várias moléculas de água seprendam a esses íons, formando íons hidratados. Isso aumenta,de muito, as dimensões dos íons, o que, por si só, impede apenetração da bicamada lipídica; (2) o que é ainda maisimportante à carga elétrica do íon interage com as cargas dabicamada lipídica do seguinte modo: deve ser lembrado quecada metade da bicamada é formada por lipídios "polares",portadores de excesso de cargas positivas, voltados para asuperfície da membrana; como resultado, quando um íon dotadode carga tenta penetrar na barreira elétrica positiva Ou negativa,ele é, instantaneamente, repelido. Para resumir, o Quadro 4.1apresenta as permeabilidades relativas da bicamada lipídica adiversos tipos de moléculas ou a íons de diferentes diâmetros.Deve ser especialmente notada a diminuta permeância dosíons, devida a suas cargas elétricas, e a fraca permeância daglicose, devida a seu diâmetro molecular. Também deve sernotado que o glicerol penetra na membrana com facilidadequase igual à da uréia, embora seu diâmetro seja quase o dobro.A razão disso é seu discreto grau de lipossolubilidade.

A difusão simples através dos canais das proteínas e as"comportas" desses canais.As proteínas de canais são consideradas como contendo pertuitosaquosos pelos interstícios dessas moléculas protéicas. Naverdade, a reconstrução tridimensional por computadores dealgumas dessas proteínas demonstrou a existência de canais,em forma de tubos, que se estendem entre as duasextremidades da molécula, nas faces extra e intracelular damembrana.

Quadro 4.1 Relações entre os diâmetros efetivos dasdiferentes substâncias para suas permeabilidades nas bicamadaslipídicas.

Substância Diâmetro PermeabilidadeRelativa

Molécula de água 0,3 1,0

Molécula de uréia 0,36 0,006

Íon cloreto hidratado 0,386 0,00000001

Íon potássio hidratado 0,396 0,0000000006Íon sódio hidratado 0,512 0,0000000002

Glicerol 0,62 0,0006

Glicerol 0,86 0,000009

Portanto, as substâncias podem difundir-se diretamente, poresses canais, de uma das faces da membrana até a outra.Todavia, esses canais protéicos são distinguidos por duascaracterísticas importantes: (1) muitas vezes, eles sãoseletivamente permeáveis a determinadas substâncias, e (2)muitos desses canais podem ser abertos ou fechados por meiode comportas.

Permeabilidade seletiva dos diferentes canais protéicos. Amaioria (mas não todos) dos canais protéicos é muito seletivapara o transporte de um ou mais íons ou moléculas. Isso resultadas características do próprio canal, tais como seu diâmetro,sua forma e a natureza das cargas elétricas nas suas superfíciesinternas. Como exemplo, um dos mais importantes canaisprotéicos , o chamado canal de sódio, com diâmetro calculado deapenas 0,3 por 0,5 nm, tem, em suas superfícies internas, fortescargas negativas, como representado pelos sinais de menos nointerior do canal protéico na parte superior da Fig. 4.4. Postula-se que essas fortes cargas negativas atraiam os íons sódio, commais intensidade do que outros íons fisiologicamente importantes,para o interior dos canais, devido ao menor diâmetro iônico dosódio não-hidratado. Uma vez no interior do canal, os íons sódiopodem difundir-se em qualquer direção, segundo as leis dadifusão. Por conseguinte, o canal de sódio 6 especificamenteseletivo para a passagem dos íons sódio.

Por outro lado, outro grupo de canais protéicos é seletivopara o transporte de potássio, como mostrado na parte inferiorda Fig. 4.4. Esses canais, com diâmetros calculados menoresque os dos canais de sódio, da ordem de 0,3 por 0,3 nm, nãocontêm cargas negativas. Como resultado, não existem forçasatrativas fortes que puxem os íons para o interior dos canais,e os íons não são retirados das moléculas de água que os hidratam.A forma hidratada do íon potássio é muito menor que a formahidratada do íon sódio porque o íon sódio tem todo um conjuntoorbital de elétrons a menos que o íon potássio, o que permite

Fig. 4.4 O transporte dos íons sódio e potássio pelos canais protéicos.Também são mostradas as alterações conformacionais dasmoléculas de proteína dos canais que abrem ou fecham as"comportas" desses canais.

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ao íon sódio atrair número bem maior de moléculas de águado que o potássio. Por conseguinte, os íons hidratados depotássio, menores, podem passar facilmente por esse canal maisestreito, ao passo que os íons sódio são rejeitados, o que, denovo, causa permeabilidade seletiva para um tipo de íon.

As comportas dos canais protéicos. A existência de comportasnos canais protéicos representa meio de controle dapermeabilidade desses canais. Isso é mostrado nas partessuperior e inferior da Fig. 4.4, para os íons sódio e potássio.Acredita-se que essas comportas sejam, efetivamente,projeções em forma de comporta da molécula da proteína detransporte, que podem ocluir a abertura do canal ou que podemser afastadas dessa abertura, como resultado de alteraçãoconformacional da forma da própria molécula protéica. Noscanais de sódio, essa comporta abre e fecha na face externa damembrana celular, enquanto, no canal de potássio, ela abre efecha na face interna.

A abertura e o fechamento das comportas são controladospor dois modos principais:

1. Comportas voltagem-dependentes. Nesse mecanismo, aconformação molecular da comporta depende do potencialelétrico através da membrana celular. Por exemplo, quandoexiste forte carga negativa no interior da membrana celular, oscanais de sódio permanecem fortemente fechados; por outro lado,quando o interior da membrana celular perde sua carganegativa, as comportas se abrem, permitindo a passagem dequantidades imensas de sódio para o interior da célula, pormeio dos poros de sódio (até que outro grupo de comportas,situadas nas extremidades citoplasmáticas dos canais, se feche,como é explicado no Cap. 5). Essa é a causa básica dospotenciais de ação dos nervos, responsáveis pelos sinais neurais.As comportas de potássio também abrem quando o interior damembrana celular fica carregado positivamente, mas essaresposta é bem mais lenta que a das comportas de sódio. Esseseventos são discutidos no capítulo seguinte.

2. Comportas ligando-dependentes. Algumas comportas doscanais protéicos são abertas quando outra molécula se fixa àproteína; isso produz alteração conformacional da molécula deproteína que abre ou fecha a comporta. Elas são chamadas decomportas ligando-dependentes, e a substância que se fixa à proteína é o ligando. Um dos exemplos mais importantes de comportas ligando-dependentes é o efeito da acetilcolina sobre ochamado canal de acetilcolina. Essa substância abre a comportadesse canal, criando um poro com diâmetro de cerca de 0,65nm que permite a passagem de todas as moléculas e íons positivoscom diâmetros menores que o do poro. Essa comporta é especialmente importante na transmissão de sinais de uma célula nervosaa outra (Cap. 45) e de uma célula nervosa à célula muscular(Cap. 7).

O estado-aberto e o estado-fechado dos canais comcomportas. A Fig. 4.5 apresenta uma característica especialmenteimportante dos canais com comportas voltagem-dependente.Essa figura apresenta dois registros da corrente elétrica queflui por canal de sódio isolado, quando existia gradiente depotencial — de aproximadamente 25 milivolts — através damembrana. Deve ser notado que o canal conduz a corrente demodo tudo-ou-nada. Isto é, a comporta do canal se abre oufecha abruptamente, cada abertura ou fechamento ocorrendoem poucos milionésimos de segundo. Isso demonstra a rapidezcom que podem ocorrer alterações conformacionais na formadas comportas dos canais protéicos. Em determinado valor dopotencial, o canal pode permanecer fechado todo o tempo, ouquase todo o tempo, enquanto em outro nível de voltagem elepode ficar aberto todo o tempo, ou quase todo o tempo.Contudo, nas voltagens intermediárias, as comportas tendem a seabrir e fechar intermitentemente, como mostrado no registrosuperior, o que permite fluxo médio de corrente, entre o mínimoe o máximo.

O método de fixação de placa para o registro do fluxo decorrente iônica através de canais isolados. Pode-se questionar como étecnicamente possível o registro do fluxo de corrente iônica por canaisisolados, como mostrado na Fig. 4.5. Isso é conseguido pelo método de"fixação de placas", representado na Fig. 4.5B. De modo muito simples,uma micro-pipela, cuja ponta tenha diâmetro da ordem de 1 a 2 txm éencostada na face externa da membrana celular. Em seguida, é feitasucção pelo interior da pipeta, de modo a puxar a membranaligeiramente para o interior da ponta da pipeta. Isso cria um anelde vedação na zona

Fig. 4.5 A, Registro do fluxo de corrente através de canal de sódiovoltagem-dependente, isolado, demonstrando o caráter de tudo-ou-nadade abertura do canal. B, O método de "fixação de placa" para o registrodo fluxo de corrente através de canal protéico isolado; à esquerda, oregistro é feito em "placa" de membrana, ainda na célula; à direita,o registro é feito em placa de membrana que foi removida da célula.

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onde as bordas da pipeta entram em contato com a membrana celular.O resultado é a formação de diminuta "placa" de membrana, atravésda qual pode ser registrado o fluxo de corrente.

De modo alternativo, como mostrado à direita da Fig. 4.5B, apequena placa de membrana, na ponta da pipeta, pode ser removida dacélula. A pipeta com sua placa é, então, introduzida em solução salina.Isso permite a alteração, conforme desejado, das concentrações tônicasno interior da pipeta e na solução externa. Por outro lado, avoltagem entre as duas faces da placa de membrana pode ser estabelecidae mantida em qualquer valor — isto é, ela pode ser "fixada" em umadeterminada voltagem.

Felizmente, tem sido possível a obtenção de placas suficientementepequenas para que nelas só exista canal protéico único. Ao se variaràs concentrações dos diferentes íons e a voltagem através da membranacelular, podem ser determinadas as características de transporte dessecanal, bem como as propriedades de suas comportas.

Difusão facilitada

A difusão facilitada também é chamada de difusão mediadapor carreador, porque uma substância transportada por essemodo não é capaz, na maioria das vezes, de atravessar amembrana, a não ser com a participação de proteína carreadoraespecífica. Isto é, o carreador facilita a difusão da substânciapara o outro lado.

A difusão facilitada difere da difusão simples por um canalaberto do seguinte modo, muito importante: embora a velocidadeda difusão por um canal aberto aumente na proporção diretada concentração da substância difusora, na difusão facilitada àvelocidade da difusão tende a um máximo, denominado Vmáxcom o aumento da concentração da substância. Essa diferençaentre a difusão simples e a difusão facilitada é ilustrada na Fig.4.6, mostrando que, à medida que a concentração da substânciaaumenta, a velocidade da difusão simples continua a aumentarproporcionalmente, mas também mostra a limitação da difusãofacilitada ao valor de Vmáx.

O que limita a velocidade da difusão facilitada? Umaprovável razão é o mecanismo representado na Fig. 4.7. Essafigura mostra uma proteína carreadora com canal suficientementelargo para transportar uma molécula específica até certo ponto,mas não através de toda a membrana.

Fig. 4.6 Efeito da concentração de uma substância sobre a intensidadede difusão, através de membrana, onde ocorre difusão simples, e atravésde membrana onde ocorre difusão facilitada. Isso demonstra que a difu-são facilitada tende a uma intensidade máxima, denominada VMÁX

Fig. 4.7 Um mecanismo proposto para a difusão facilitada.

Ela também mostra um "receptor" com capacidade fixadora nessaproteína carreadora. A molécula que vai ser transportada entrano canal e é fixada. Em seguida, dentro de fração de segundo,ocorre alteração conformacional na proteína carreadora, demodo que o canal passa a ficar aberto para o lado oposto damembrana. Porque a força fixadora do receptor é fraca, omovimento térmico da molécula fixada provoca sua liberação esua conseqüente liberação para o lado oposto. Obviamente, avelocidade com que as moléculas podem ser transportadas poresse mecanismo nunca pode ser maior que a velocidade comque a molécula da proteína carreadora pode alternar-se, em seusdois estados, por meio de alterações conformacionais. Note-se,especialmente, que esse mecanismos permite que a moléculatransportada se "difunda" em ambas as direções através damembrana.

Entre as mais importantes substâncias que atravessam amembrana por difusão facilitada devem ser citadas a glicose ea maioria dos aminoácidos. No caso da glicose, sabe-se que amolécula carreadora tem peso molecular de cerca de 45.000;ela é capaz de transportar vários outros monossacarídios comestruturas semelhantes à da glicose, inclusive a manose, agalactose, a xilose e a arabinose. Por outro lado, a insulina écapaz de aumentar a velocidade da difusão facilitada por até 10a 20 vezes. Esse é o principal mecanismo pelo qual a insulinacontrola a utilização de glicose pelo corpo, como discutiremosno Cap. 78.

FATORES QUE INFLUENCIAM A VELOCIDADEEFETIVA DA DIFUSÃONeste ponto, já está evidente que muitas substâncias

diferentes podem difundir-se tanto através da bicamada lipídicacomo por meio dos canais protéicos da membrana celular.Contudo, deve ser claramente entendido que as substâncias que sedifundem em uma direção também podem fazê-lo na direçãooposta. Em geral, o que é importante para a célula não é aquantidade total que se difunde nas duas direções, mas a diferençaentre as difusões nas duas direções, que é definida como avelocidade efetiva da difusão em uma direção.Os fatores que a influenciam são (1) a permeabilidade damembrana, (2) a diferença de concentração da substânciadifusora entre as duas faces da membrana, (3) a diferençade pressão através da membrana, e (4) no caso dos íons, adiferença de potencial elétrico entre as duas faces damembrana.

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Permeabilidade da membrana. A permeabilidade damembrana para determinada substância é expressa como aintensidade efetiva da difusão dessa substância, através de áreaunitária da membrana, em função de diferença unitária deconcentração (quando não existem diferenças elétricas ou depressão). Os diversos fatores que influenciam a permeabilidade damembrana celular são:

1. A espessura da membrana — quanto maior, mais lentaserá a difusão.

2. A lipossolubilidade — quanto maior for a solubilidadeda substância nos lipídios da membrana celular, maior será aquantidade de substância que pode dissolver-se nessa membranae, conseqüentemente, que vai atravessá-la.

3. O número de canais protéicos pelos quais a substânciapode passar — a velocidade da difusão é diretamenteproporcional ao número de canais por unidades de área.

4. A temperatura — quanto maior for a temperatura, maiorvai ser o movimento térmico das moléculas e dos íons em solução,de modo que a difusão aumenta na proporção direta com atemperatura.

5. O peso molecular da substância difusora — isso tem efeitocomplexo; a velocidade do movimento térmico de uma substânciadissolvida é proporcional à raiz quadrada de seu peso molecular.Por outro lado, à medida que o diâmetro molecular se aproximado diâmetro do canal, a resistência aumenta de forma muitoacentuada, de modo que, freqüentemente, uma membrana podeser centenas a milhões de vezes mais permeável às pequenasmoléculas que às grandes, como é evidente pelos valores relativosconstantes do Quadro 4.1.

O coeficiente de difusão. Outro fator que influencia avelocidade total da difusão é a área da membrana. Comoresultado, para a determinação da permeabilidade total de umamembrana celular, deve-se multiplicar sua permeabilidade (quemede o movimento da substância por área unitária damembrana) pela área total da membrana. Essa permeabilidadetotal define o coeficiente de difusão; sua relação com apermeabilidade é dada por:

D = P x A

onde D é o coeficiente de difusão, P é a permeabilidade e Aé a área total.

Efeito da diferença de concentração. A Fig. 4.8Aapresenta uma membrana celular, separando soluções de umasubstância em alta concentração na face externa e baixaconcentração na interna. A velocidade com que a substância sedifunde para o interior é proporcional à concentração de suasmoléculas no exterior, pois é essa a concentração que determinaquantas moléculas irão de encontro à abertura externa doscanais a cada segundo. Por outro lado, a velocidade com que asmoléculas se difundem para o exterior é proporcional à suaconcentração no interior da membrana. Por conseguinte, éóbvio que a difusão efetiva para o interior da célula éproporcional à concentração externa menos a concentraçãointerna, ou seja:

Difusão efetiva D (Ce - Ci)

onde Ce é a concentração externa, Q é a concentração internae D é o coeficiente de difusão da membrana para a substância.

Efeito de potencial elétrico sobre a difusão de íons.Caso seja aplicado um potencial elétrico através da membrana,como mostrado na Fig. 4.8B, os íons, devido à sua cargaelétrica, atravessarão a membrana, mesmo quando não existiremdiferenças de concentração para impulsioná-los. Assim, nopainel esquerdo da figura, a concentração de íons negativos éexatamente igual nos dois lados da membrana, mas foi aplicadacarga positiva no lado direito dessa membrana e carga negativano lado esquerdo, criando gradiente elétrico através dela.

Fig. 4.8 Efeito da diferença de concentração (A), da diferençade potencial elétrico (B) e da diferença de pressão (C) sobre a difusãoefetiva de moléculas e de tons, através de membrana celular.

A carga positiva atrai os íons negativos, ao mesmo tempo que acarga negativa os repele. Por conseguinte, ocorre difusãoefetiva da esquerda para a direita. Após muito tempo, grandequantidade de íons negativos terá passado para o lado direito(caso se despreze, momentaneamente, o efeito perturbador dosíons positivos da solução), criando a condição mostrada nopainel direito da Fig. 4.8B, onde se desenvolveu diferença deconcentração de direção oposta à da diferença de potencialelétrico. Obviamente, essa diferença de concentração tendeagora a mover os íons para a esquerda, enquanto a diferença depotencial elétrico tende a movê-los para a direita. Quando adiferença de concentração aumentar o suficiente, esses doisefeitos se contrabalançam exatamente. Na temperatura corporalnormal (37°C), a diferença elétrica capaz de contrabalançar comexatidão dada diferença de concentração de íons univalentes —como o sódio (Na+), o potássio (K+) ou cloreto (Cl) — pode serdeterminada pela seguinte relação, chamada de equação deNernst:

FEM (em milivolts) = ± 61 log C1

C2onde FEM é a força eletromotriz (a voltagem) entre as faces1 e 2 da membrana, C, é a concentração no lado 1 e Q é aconcentração no lado 2. A polaridade da voltagem na face 1,nesta equação, é + para os íons negativos e — para os íonspositivos. Essa relação é extremamente importante para acompreensão da transmissão dos impulsos nervosos, razão porque será discutida de modo muito mais detalhado no Cap. 5.

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Efeito de diferença de pressão. Por vezes, pode desenvolver-se diferença considerável de pressão entre as duas faces de umamembrana. Isso ocorre, por exemplo, na membrana capilar, ondeexiste pressão da ordem de 20 mm Hg maior no interior docapilar que em seu exterior. Por pressão se entende a soma dasforças de todas as diferentes moléculas que atingem uma áreade superfície em dado instante. Portanto, quando a pressão émaior em uma das faces de uma membrana que na outra,isso significa que a soma das forças das moléculas que atingemos canais dessa face da membrana é maior que a da outra face.Isso pode resultar de maior número de moléculas atingindo amembrana a cada segundo, ou de maior energia cinética damolécula média que atinge a membrana. Em qualquer doscasos, maiores quantidades de energia ficam disponíveis paracausar o movimento efetivo das moléculas da região demaior para a de menor pressão. Esse efeito é mostrado na Fig.4.8C, que mostra um pistão criando alta pressão em uma das facesde membrana celular, o que provoca difusão efetiva, através damembrana, para o outro lado.

OSMOSE ATRAVÉS DE MEMBRANASSELETIVAMENTE PERMEÁVEIS - ADIFUSÃO EFETIVA DE ÁGUA

A água é, de longe, a substância mais abundante que sedifunde através da membrana celular. Deve ser lembrado que,regra geral, a quantidade de água que se difunde, nas duasdireções, através da membrana da hemácia, a cada segundo,corresponde à cerca de 100 vezes o próprio volume da hemácia.Contudo, normalmente, a quantidade que se difunde nas duasdireções é tão precisamente balanceada que não ocorre qualquermovimento efetivo de água. Como resultado, o volume dessacélula permanece constante. Contudo, sob certas circunstâncias,pode desenvolver-se uma diferença de concentração para a águaatravés de uma membrana, exatamente do mesmo modo comoisso pode ocorrer para outras substâncias. Quando isso acontece,ocorre, realmente, movimento efetivo de água através damembrana celular, fazendo com que a célula murche ou inche,na dependência da direção desse movimento efetivo. Esseprocesso de movimento efetivo da água, causado por diferençade concentração da própria água, é chamado de osmose.

Para dar um exemplo de osmose, vamos admitir as condiçõesmostradas na Fig. 4.9, com água pura em um dos lados damembrana celular e solução de cloreto de sódio no outro.Consultando-se o Quadro 4.1, vê-se que as moléculas de águaatravessam facilmente a membrana, enquanto o sódio e o cloretosó a atravessam com grande dificuldade.

Portanto, a solução de cloreto de sódio é, na realidade, umamistura de moléculas permeantes de água e de íons não-permeantes de sódio e cloreto; a membrana é dita seletivamentepermeável (ou "semipermeável) à água, mas não aos íons sódioe cloreto. Todavia, a presença do sódio e do cloreto deslocouparte das moléculas de água e, portanto, reduziu aconcentração das moléculas de água a valor menor que naágua pura. Como resultado, no exemplo da Fig. 4.9, maiornúmero de moléculas de água atinge os canais da face esquerda,em contato com a água pura, que à direita, onde a concentraçãode água está diminuída. Assim, ocorre movimento efetivo deágua do lado esquerdo para o direito — isto é, há osmose daágua pura para a solução de cloreto de sódio.

Pressão osmótica

Se, na Fig. 4.9, fosse aplicada pressão à solução de cloretode sódio, a osmose da água para essa solução poderia serlentificada, interrompida ou invertida. A quantidade de pressãonecessária para interromper precisamente a osmose édenominada pressão osmótica da solução de cloreto de sódio.

O princípio da oposição à osmose por uma diferença depressão é mostrado na Fig. 4.10, onde uma membranaseletivamente permeável separa duas colunas de líquido, umacontendo água e a outra contendo solução aquosa de um solutoqualquer a que a membrana não é permeável. A osmose da águado compartimento B para o A faz com que os níveis das colunaslíquidas fiquem progressivamente mais afastados até que,eventualmente, se desenvolva diferença de pressãosuficientemente intensa para impedir o efeito osmótico. Nesseponto, a diferença de pressão entre as duas faces da membrana éa pressão osmótica da solução contendo o soluto não-difusível.

A importância do número de partículas osmóticas (ou daconcentração molar) para a determinação da pressão osmótica.A pressão osmótica exercida pelas partículas de uma soluçãosejam elas moléculas ou íons, é determinada pelo número departículas por unidade de volume do líquido, e não pela massadessas partículas. A razão disso é que cada partícula da solução,

Fig. 4.9 Osmose através de membrana celular quando é colocada umasolução de cloreto de sódio em um dos lados da membrana e águano lado oposto.

Fig. 4.10 Demonstração da pressão osmótica entre asduas faces de membrana semipermeável.

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independentemente de sua massa, exerce, em média, a mesmaquantidade de pressão sobre a membrana. Isto é, todas aspartículas estão se chocando entre si, em média com a mesmaenergia. Se algumas partículas apresentarem maior energiacinética de movimento que outras, seu impacto com aspartículas de menor energia transferirá parte de sua energia paraestas, o que diminui o teor de energia das partículas com muitaenergia, ao mesmo tempo que aumenta esse teor nas partículascom pouca energia, o que leva, ao longo do tempo, àequalização do teor de energia de todas as partículas. Porconseguinte, as partículas maiores, com mais massa (m) queas partículas menores, deslocam-se com menor velocidade (v),enquanto as partículas menores se movem com mais velocidade,de modo que suas energias cinéticas médias (k), definidas pelaequação

K= MV2

2

serão iguais para todas as partículas. Como resultado, em média,a energia cinética de cada molécula ou íon que atinge a membranavai ser aproximadamente a mesma, independente de suasdimensões moleculares. Como conseqüência, o fator quedetermina a pressão osmótica de uma solução é a concentraçãodessa solução em termos do número de suas partículas (oque é o mesmo que a concentração molar, no caso de moléculasnão-dissociadas), e não em termos da massa dosoluto."Osmolalidade" — O osmol. Como a quantidade depressão osmótica exercida por um soluto é proporcional àconcentração do soluto, expressa em número de moléculas oude íons, o uso da concentração do soluto em função de suamassa não tem qualquer valor na determinação da pressãoosmótica. Para expressar essa concentração em termos donúmero de partículas, é usada a unidade osmol, em lugar degramas.

Um osmol é o número de moléculas em uma molécula-gramade soluto não-dissociado. Assim, 180 g de glicose, quecorrespondem a uma molécula-grama dessa substância, sãoiguais a 1 osmol, porque a glicose não se dissocia. Por outrolado, caso o soluto se dissocie em dois íons, 1 molécula-gramadesse soluto equivale a 2 osmóis, visto que o número departículas osmoticamente ativas passa a ser o dobro daquele dosoluto não-dissociado. Por conseguinte, 1 molécula-grama decloreto de sódio, 58,5 g, é igual a 2 osmóis. Uma solução quecontenha / osmol de soluto dissolvido em 1 quilograma deágua tem osmolalidade de 1 osmol por quilograma e a solução quecontenha VIM» osmol dissolvido por quilograma tem osmolalidadede 1 miliosmol por quilograma (1 mOsm/ kg). A osmolalidadenormal dos líquidos extra e intracelular é de cerca de 300mOsm/kg. Relação entre a osmolalidade e a pressão osmótica. Natemperatura normal do corpo, 37ºC, a concentração de 1 osmolpor litro produzirá - pressão osmótica de 19.300 mm Hg nasolução. De igual modo, a concentração de 1 miliosmol por litro éequivalente à pressão osmótica de 19,3 mm Hg. Multiplicando-se esse valor pela concentração de 300 miliosmóis dos líquidoscorporais, obtém-se uma pressão osmótica total calculada paraesses líquidos de 5.790 mm Hg. O valor medido, no entanto,é, em média, de 5.500 mm Hg. A razão dessa diferença éque muitos dos íons nos líquidos celulares tais como os desódio e cloreto, são fortemente atraídos uns pelos outros;conseqüentemente, eles não conseguem deslocar-se livrementepor esses líquidos, criando todo o seu potencial osmótico. Comoresultado, em média, a verdadeira pressão osmótica doslíquidos corporais é de cerca de 0,93 do valor calculado.O termo "osmolaridade". Devido à dificuldade de se medir quilogramasde água em uma solução, o que é necessário para a determinação da os-

molalidade usa-se, geralmente, outro termo, "osmolaridade",quando a concentração osmolar é expressa como osmóis porlitro de solução, e não osmóis por quilograma de água.Embora, em sentido estrito, sejam os osmóis por quilograma deágua os determinantes da pressão osmótica, não obstante, parasoluções diluídas, como as encontradas no corpo, as diferençasquantitativas entre osmolaridade e osmolalidade são menoresque 1%. Visto que é muito mais fácil a medida daosmolaridade que a da osmolalidade, ela se tornou práticacomum em quase todos os experimentos fisiológicos.

TRANSPORTE ATIVODo que foi discutido até agora, é evidente que nenhuma

substância pode difundir-se contra um "gradiente eletroquímico"',que é a soma de todas as forças difusionais que agemsobre a membrana — as forças geradas pelas diferenças deconcentração, de potencial elétrico e de pressão. Isto é,muitas vezes é dito que as substâncias não podem difundir-se"ladeira acima".

Contudo, é por vezes necessária grande concentração deuma substância no líquido intracelular, embora o líquidoextracelular só contenha quantidade diminuta dela. Isso éverdade, por exemplo, para os íons potássio. De modo inverso,é importante a manutenção de outros íons muito baixa nointerior da célula, apesar de suas concentrações no líquidoextracelular serem muito altas. Isso é especialmente verdadepara os íons sódio. Obviamente, nenhum desses dois efeitospoderia ocorrer pelo processo da difusão simples, pois ela tendesempre a equilibrar as concentrações nas duas faces damembrana. Ao contrário, alguma fonte de energia deve provocaro movimento "ladeira acima" dos íons potássio, para o interiorda célula, e, também, o movimento dos íons sódio,igualmente "ladeira acima", mas para fora da célula. Quando amembrana celular transfere moléculas ou íons "ladeira acima"contra um gradiente de concentração (ou "ladeira acima"contra gradiente elétrico ou de pressão), o processo échamado de transporte ativo.

Entre as diferentes substâncias que são transportadas ativa-mente, através das membranas celulares, estão os íons sódio,potássio, cálcio, ferro, hidrogênio, cloreto, iodeto, urato,diversos e distintos açúcares e a maioria dos aminoácidos.

Transporte ativo primário e secundário. O transporte ativoé dividido em dois tipos, segundo a fonte de energia utilizadapara o transporte. São chamados de transporte ativo primárioe de transporte ativo secundário. No transporte ativo primário,a energia é derivada diretamente da degradação do trifosfatode adenosina (ATP) ou de qualquer outro composto de fosfatorico em energia. No transporte ativo secundário, a energia éderivada, secundariamente, de gradientes iônicos que foramcriados, em primeiro lugar, por transporte ativo primário. Nosdois casos, o transporte depende de proteínas carreadoras, queatravessam toda a espessura da membrana, como acontece nadifusão facilitada. Contudo, no transporte ativo, a proteínacarreadora funciona de modo distinto do carreador da difusãofacilitada, pois ela é capaz de transferir energia para asubstância transportadas, a fim de que possa mover-se contra ogradiente eletroquímico. Vamos apresentar alguns exemplos detransporte ativo primário e secundário e explicar, com maisdetalhes, os princípios de seu funcionamento.

Transporte ativo primário – A “bomba” de sódio-potássio

Entre as substâncias que são transportadas por transporte ativoprimário estão os íons sódio, potássio, cálcio, hidrogênio,cloreto e alguns outros. Todavia, nem todas essas substânciassão transportadas pelas membranas de todas as células. Aindamais, algumas das bombas funcionam em membranas intrace-

lulares em vez de (ou além de) nas membranas da superfície

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das células, como na membrana do retículo sarcoplasmático dascélulas musculares e em uma das duas membranas dasmitocôndrias. Não obstante, todas funcionam, essencialmente,com o mesmo mecanismo básico.

O mecanismo de transporte ativo que foi estudado maisdetalhadamente é a bomba de sódio-potássio, o processo detransporte que bombeia os íons sódio para fora, através damembrana celular, enquanto, ao mesmo tempo, bombeia osíons potássio de fora para dentro. Essa bomba está presente emtodas as células do corpo e é a responsável pela manutenção dasdiferenças de concentração de sódio e de potássio através damembrana celular, além de estabelecer um potencial elétriconegativo no interior das células. Na verdade, veremos nocapítulo seguinte que essa bomba é à base do funcionamentonervoso de transmissão de sinais nervosos por todo o sistemanervoso.

A Fig. 4.11 apresenta os componentes básicos da bombaNa+-K+. A proteína carreadora é um complexo de duas proteínasglobulares distintas, uma maior, com peso molecular de cercade 100.000, e outra menor, com peso molecular de 55.000.Embora não seja conhecida a função da proteína menor, a maiortem três características específicas que são importantes para ofuncionamento da bomba:

1. Apresenta três sítios de fixação para os íons sódio, situados na parte da molécula que protrui para o interior da célula.

2. Tem dois sítios de fixação para os íons potássio em suaface externa.

3. A parte interna dessa proteína, adjacente ou muitopróxima dos sítios de fixação de sódio, tem atividade deATPase.

Agora, para descrever o funcionamento da bomba: quandotrês íons sódio se fixam na parte interna da proteína carreadorae dois íons potássio se fixam à parte externa, a função ATPaseda proteína é ativada. Isso cliva uma molécula de ATP,transformando-a em difosfato de adenosina (ADP) e liberando aenergia de uma ligação fosfato rica em energia. Acredita-se queessa energia provoque alteração conformacional da molécula daproteína carreadora, o que expulsa o sódio para o exterior etrazendo o potássio para o interior. Infelizmente, o mecanismopreciso dessa alteração conformacional do carreador ainda nãofoi identificado.

Importância da bomba Na+-K+ para o controle do volumecelular. Uma das mais importantes funções da bomba Na+-K+ éa de controlar o volume das células. Sem essa função da bomba, amaioria das células iria inchar até estourar. O mecanismo para ocontrole do volume é o seguinte: no interior da célula existegrande número de proteínas e de outros compostos orgânicosque não podem sair dela. A maior parte desses compostos tem

Fig. 4.11 Mecanismo proposto para a bomba de sódio-potássio.

carga negativa e, como conseqüência, eles agregam ao seu redorgrande número de íons positivos. Todas essas substâncias atuam,então, no sentido de provocar osmose de água para o interiorda célula; se isso não fosse impedido, a célula iria inchar,indefinidamente, até estourar. Todavia, o mecanismo normal

para impedir que isso aconteça é a bomba Na+-K+. Note-se,de novo, que esse mecanismo bombeia dois íons Na+ para oexterior, enquanto bombeia dois íons J+ para o interior. Poroutro lado, a membrana é bem menos permeável ao sódio queao potássio, de modo que, quando os íons sódio estão noexterior, eles têm forte tendência a permanecer aí. Assim, issorepresenta perda contínua e efetiva de substâncias iônicaspara fora da célula, o que produz tendência osmótica opostapara deslocar a água para fora da célula. Ainda mais, quando acélula começa a inchar, isso ativa, automaticamente, a bombaNa+-K+, o que transfere mais íons para o exterior, levando águacom eles. Por conseguinte, a bomba Na+-K+, exerce papelpermanente de vigilância para a manutenção do volumenormal da célula.

A natureza eletrogênica da bomba Na+-K+. O fato de abomba Na+-K+, transportar três íons sódio para o exterior, emtroca de dois íons potássio transportados para o interior, implica aefetiva transferência de uma carga positiva para o exterior, a cadaciclo da bomba. Obviamente, isso gera positividade no exteriorda célula, mas cria déficit de íons positivos no interior celular;isto é, ela produz negatividade nesse interior. Como resultado, abomba Na+-K+ é dita eletrogênica, por criar um potencial elétricoatravés da membrana como conseqüência de seu bombeamento.

A bomba de cálcio

Outro mecanismo, igualmente muito importante, detransporte ativo primário é o da bomba de cálcio. Os íonscálcio são mantidos, normalmente, em concentraçõesextremamente baixas no citosol intracelular, de cerca de10.000 vezes menor que no líquido extracelular. Isso érealizado por duas bombas de cálcio. Uma delas fica namembrana celular e bombeia cálcio para fora da célula. A outrabombeia cálcio para o interior de uma ou mais das organelasvesiculares do interior celular, como o retículo sarcoplasmáticodas células musculares e as mitocôndrias de todas as células.Nos dois casos, a proteína carreadora atravessa toda aespessura da membrana e também funciona como ATPase,com a mesma capacidade de desdobrar o ATP, como tem aATPase das proteínas carreadoras de sódio. As duasproteínas carreadoras diferem pelo fato de esta proteínacarreadora ter sítio de fixação para o cálcio, e não para o sódio.

Saturação do transporte ativo

O transporte ativo fica saturado de modo idêntico ao dasaturação da difusão facilitada, como mostrado na Fig. 4.6.Quando a concentração da substância a ser transportada épequena, a intensidade do transporte aumenta, em proporçãodireta, com o aumento da concentração. Todavia, comconcentrações muito elevadas, o transporte tende a um valormáximo, chamado de Vmax, como ocorre na difusão facilitada. Asaturação é causada pela limitação da velocidade com que asreações químicas de fixação, liberação e alteraçõesconformacionais do carreador podem ocorrer.

Energética do transporte ativo

A quantidade de energia necessária para transportarativamente uma substância através de membrana (sem levar emconta a energia perdida com o calor nas reações químicas) édeterminada pelo grau a que a substância é concentrada duranteo transporte.

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Tomando como base a energia necessária para aumentar aconcentração da substância por 10 vezes, será necessárioconsumo de três vezes mais energia para aumentar suaconcentração por 100 vezes. Em outras palavras, a energianecessária é proporcional ao logaritmo do grau a que éconcentrada a substância, como definido pela relação seguinte:

C1Energia (em calorias por osmol) - 1.400 log —

C2

Isto é, em termos de calorias, a quantidade de energia necessáriapara concentrar por 10 vezes 1 osmol de uma substância é decerca de 1.400 calorias e, por 100 vezes, 2.800 calorias. Pode-sever que o consumo de energia para aumentar a concentraçãode substâncias no interior celular, ou para a remoção desubstâncias para o exterior, contra gradiente de concentração,pode ser muito grande. Algumas células, como as que revestemos túbulos renais e certas células glandulares, consomem até90% de sua energia nesse tipo de atividade.

Transporte ativo secundário — co-transporte econtratransporte

Quando os íons sódio são transportados para fora das célulaspor transporte ativo primário, forma-se, na maioria das vezes,um gradiente de concentração de sódio muito intenso —concentração muito elevada no exterior e muito baixa nointerior. Esse gradiente representa um reservatório de energia,visto que o excesso de sódio, no exterior da célula, tende semprea se difundir para o interior. Sob condições adequadas, essaenergia de difusão do sódio pode, literalmente, puxar outrassubstâncias, junto com o sódio, através da membrana. Essefenômeno é chamado de co-transporte; é uma das formas dotransporte ativo secundário.

Para que o sódio possa levar consigo outras substâncias, énecessário um mecanismo de acoplamento. Isso é realizado pormeio de outro tipo de proteína carreadora da membrana celular.Neste caso, o carreador atua como ponto de fixação para o íonsódio e para as substâncias que vão ser co-transportadas. Umavez tendo acontecido a fixação dos dois, ocorre alteraçãoconformacional da proteína carreadora e o gradiente de energiado sódio faz com que tanto o íon sódio como a substância co-transportada sejam transferidos juntos para o interior da célula.

No contratransporte, de novo, os íons sódio tendem a sedifundir para o interior da célula, devido a seu intenso gradientede concentração. Contudo, neste caso, a substância que vai sertransportada está no interior da célula e deve ser transportadapara o exterior. Por conseguinte, o íon sódio se fixa à proteínacarreadora em sua extremidade que se projeta para fora, naface externa da membrana, enquanto a substância que vai sercontratransportada se fixa à projeção interna da proteínacarreadora. Uma vez tendo acontecido a fixação dos dois, ocorrenova alteração conformacional, com a energia do íon sódio otransferindo para o interior e levando a outra substância a sedeslocar para o exterior.

Co-transporte do sódio com glicose ou com aminoácidos. Aglicose e muitos aminoácidos são transportados para o interiordas células contra gradientes muito intensos de concentração;o mecanismo disso é o sistema de co-transporte mostrado naFig. 4.12. Deve ser notado que a proteína carreadora para essetransporte tem dois sítios de fixação em sua extremidade externa,um para o sódio e outro para a glicose. Por outro lado, aconcentração de sódio é muito elevada no exterior e muito baixano interior, o que dá a energia para o transporte. É propriedadeespecial dessa proteína transportadora que a alteraçãoconformacional que permite a transferência do sódio para ointerior só pode ocorrer quando uma molécula de glicosetambém se fixa

Fig. 4.12 Mecanismo proposto para o co-transporte sódio-glicose.

a ela. Quando os dois estão fixados, a alteração conformacionalocorre de modo automático e tanto o sódio como a glicose sãotransportados, ao mesmo tempo, para o interior da célula. Esseé, portanto um mecanismo de co-transporte sódio-glicose.

O co-transporte de sódio com aminoácidos ocorre de modoidêntico ao da glicose, exceto pela utilização de conjunto diversode proteínas de transporte. Já foram identificados cinco tiposdistintos de proteínas de transporte para aminoácidos, cada umresponsável pelo transporte de um subtipo de aminoácidos comcaracterísticas moleculares específicas.

O co-transporte de sódio com glicose ou aminoácidos ocorre,de forma especial, nas células epiteliais do tubo intestinal e dostúbulos renais, participando na absorção dessas substâncias parao sangue, como discutiremos em outros capítulos.

Outros dois importantes mecanismos de co-transporte são(1) o co-transporte de sódio-potássio-dois cloretos, que possibilitaa transferência de dois íons cloreto, junto com um íon sódioe um íon potássio, para o interior da célula, todos se movendona mesma direção, e (2) co-transporte potássio-cloreto, quepossibilita a passagem de íons potássio e cloreto, juntos, dointerior para o exterior celular. Outros tipos de co-transporte,encontrados, pelo menos, em algumas células, incluem oscotrans-portes de íons iodeto, de íons ferro e de íons urato.

Contratransporte de sódio e íons cálcio e íons hidrogênio.Dois mecanismos especialmente importantes de contratransportesão os de contratransporte sódio-cálcio e contratransporte sódio-hidrogênio, O contratransporte de cálcio existe em todas — ouquase todas — as membranas celulares, com o íon sódio semovendo para o interior e os íons cálcio para o exterior, ambosfixados à mesma proteína transportadora, em sistema de contra-transporte. Isso acontece adicionalmente ao transporte primáriode cálcio, encontrado em alguns tipos celulares. Ocontratransporte sódio-hidrogênio existe em diversos tecidos.Exemplo especialmente importante ocorre no túbulo proximaldos rins, onde os íons sódio se movem do lúmen tubular parao interior das células tubulares, ao mesmo tempo que os íonshidrogênio são transferidos para o lúmen. Esse mecanismo écrucial para a regulação dos íons hidrogênio nos líquidoscorporais, como é discutido em maiores detalhes no Cap. 30.Outros mecanismos de contratransporte incluem as trocas decátions, de íons cálcio ou sódio, em uma das faces da membrana,por íons magnésio ou potássio, na outra, e as trocas de ânions,íons cloreto se movendo em uma direção, e íons bicarbonato ousulfato se movendo na direção oposta.

TRANSPORTE ATIVO ATRAVÉS DE LÂMINASCELULARES

Em muitas regiões do corpo, as substâncias devem sertransportadas através de toda a espessura de lâminasformadas por muitas células, e não, simplesmente, através deuma membrana celular.

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Fig. 4.13 Mecanismo básico para o transporte ativo através de todaa espessura de uma lâmina celular.

Esse tipo de transporte ocorre no epitélio intestinal, no epitéliodos túbulos renais, no epitélio de todas as glândulas exócrinas,no epitélio da vesícula biliar, na membrana do plexo coróidecerebral e em muitas outras membranas.

O mecanismo básico do transporte de substâncias atravésde lâminas celulares é o de (1) haver transporte ativo atravésda membrana celular, em uma das extremidades da célula e,em seguida, (2) haver difusão simples ou facilitada, através damembrana, na extremidade oposta da célula.

A Fig. 4.13 mostra o mecanismo para o transporte de íonssódio através do epitélio do intestino, da vesícula biliar e dostúbulos renais. Essa figura mostra que as células epiteliais sãounidas entre si, ao nível de seu pólo luminal, por meio de junçõesfechadas que bloqueiam, principalmente, a difusão dos íons sódiopelos espaços entre as células. Contudo, as superfícies luminaisdessas células são muito permeáveis aos íons sódio e à água.Por conseguinte, os íons sódio e a água se difundem com grandefacilidade para o interior dessas células. Então, nas membranasbasais e laterais das células, os íons sódio são ativamentetransportados para o líquido extracelular. Isso gera intensogradiente de concentração de sódio através dessas membranas, oque, por sua vez, provoca a osmose da água. Assim, otransporte ativo de sódio, através das superfícies basolaterais dascélulas epiteliais, provoca não apenas o transporte dos íonssódio, mas também, ao mesmo tempo, o de água.

Ainda mais, qualquer outra substância que esteja acopladapor co-transporte ao sódio pode ser também transportada. Porexemplo, as cargas positivas dos íons sódio puxam, em geral,os íons cloreto, com carga negativa, junto com o sódio. De igualmodo, quando a glicose (ou aminoácidos) é co-transportada como sódio, através da superfície luminal da célula, a concentraçãointracelular de glicose aumenta. Então, essa glicose étransportada, por difusão facilitada, através das membranasbasolaterais dessas células, atingindo, finalmente, o líquidoextracelular, junto com os íons sódio, os íons cloreto e a água.

Esses são os mecanismos pelos quais quase todos osnutrientes, os íons e outras substâncias são absorvidos dointestino para o sangue; também representam o meio como essasmesmas substâncias são reabsorvidas do filtrado glomerularpelos túbulos renais.

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CAPÍTULO 5

Potenciais de Membrana e Potenciais de Ação

Existem diferenças de potencial elétrico através das membranasde praticamente todas as células do corpo, e algumas células,como as nervosas e musculares, são "excitáveis isto é, capazes deautogerar impulsos eletroquímicos em suas membranas e, namaioria dos casos, utilizar esses impulsos para a transmissão desinais ao longo das membranas. Em outros tipos de células, taiscomo as glandulares, os macrófagos e as células ciliadas, outrasclasses de variação dos potenciais de membrana têm,provavelmente, participação ativa no controle de muitosaspectos do funcionamento celular. Todavia, o que será discutidoneste capítulo está relacionado aos potenciais de membranagerados, no repouso e durante a atividade, pelas célulasnervosas e musculares.

A FÍSICA BÁSICA DOS POTENCIAISDE MEMBRANA

OS POTENCIAIS DE MEMBRANA CAUSADOSPELA DIFUSÃO

A Fig. 5.1A e B apresenta uma fibra nervosa sob condiçõesem que não ocorre transporte ativo de sódio e de potássio. NaFig. 5. IA, a concentração de potássio é muito elevada no interiorda membrana, enquanto é muito baixa no exterior. Vamosadmitir que, nesse caso, a membrana seja muito permeável aosíons potássio, mas não seja permeável a qualquer outro íon.Devido ao grande gradiente de concentração de potássio,dirigido do interior para o exterior, existe forte tendência parao potássio se difundir para o lado de fora. À medida que issoacontece, esses íons transportam cargas positivas para oexterior, o que cria estado de eletropositividade por fora damembrana e de etetronegatividade em seu interior, causadopelos ânions negativos que aí permanecem e que não sedifundem para fora junto com o potássio. Essa nova diferença depotencial repele os íons positivos de potássio, na direção oposta,do exterior para o interior. Dentro de cerca de um milissegundo,essa variação do potencial fica suficientemente intensa parabloquear qualquer difusão adicional de íons de potássio para oexterior, apesar do elevado gradiente de concentração desse íon.Nas maiores fibras nervosas normais de mamíferos, a diferençade potencial necessária para esse efeito é da ordem de 94 mV,com a negatividade no interior da membrana da fibra.

A Fig. 5.1B apresenta o mesmo fenômeno que a Fig. 5. IA,mas, agora, com concentração elevada de íons sódio por forada membrana e muito baixa em seu interior. Esses íons tambémtêm carga positiva e, aqui, a membrana é extremamentepermeável aos íons sódio, mas impermeável a qualquer outroíon. A difusão dos íons sódio para o interior resulta em potencialde membrana com polaridade invertida, negatividade interna epositividade interna. De novo, o potencial de membranaaumenta o suficiente, em milissegundos, para bloquear acontinuação da difusão efetiva de íons sódio para o interior;todavia, neste caso, nas fibras nervosas de maior calibre demamíferos, a diferença de potencial necessária é de 61 mV, coma positividade no interior da fibra.

Assim, nos dois painéis da Fig. 5.1, vemos que a diferençade concentração de íons, através de membrana seletivamentepermeável, pode, em condições adequadas, ser causa de umpotencial de membrana. Em algumas seções adiante, veremosque muitas das alterações rápidas dos potenciais de membranaobservados durante o curso da transmissão de impulsos nonervo e no músculo resultam da ocorrência desse tipo depotenciais de difusão, de variação muito rápida.

Relação do potencial de difusão com a diferença deconcentração — a equação de Nernst. O nível do potencialatravés da membrana, capaz de impedir, com exatidão, a difusãoefetiva de um íon, em qualquer direção, é chamado depotencial de Nernst para esse íon. O valor desse potencial édeterminado pela proporção entre as concentrações do íonnos dois lados da membrana — quanto maior for essaproporção, maior será a tendência do íon a se difundir em umadireção e, como resultado, maior será o potencial de Nernst. Aseguinte equação, chamada de equação de Nernst, pode serusada para o cálculo do potencial de Nernst para qualquer íonmonovalente na temperatura normal do corpo de 37°C:

Concentração internaConcentração externa

Ao se usar esta relação, admite-se que o potencial por fora damembrana sempre permaneça exatamente em zero e o potencialde Nernst que é calculado é o que vigora no interior da membrana.Por outro lado, o sinal do potencial é positivo (+) quando oíon em questão é negativo e negativo (-) quando esse íon épositivo.

Por exemplo, quando a concentração de um íon positivo

FEM (em milivolts) = ± 61 log

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Fig. 5.1 A, Desenvolvimento de um potencial de difusão através demembrana celular, causado pela difusão de íons potássio, do interiorpara o exterior, através de membrana que só é" seletivamente permeávelaos íons potássio. B, Desenvolvimento de um potencial de difusão quandoa membrana só é permeável aos íons sódio. Notar que o potencial internoda membrana é negativo, pela difusão dos íons potássio, e positivoquando a difusão é de íons sódio, devido à direção oposta dosgradientes de concentração desses dois íons.

(digamos, o íon potássio) no interior for 10 vezes maior queno exterior, e como o logaritmo de 10 é 1, o valor calculadopara o potencial de Nernst será de -61 mV no interior damembrana.

Cálculo do potencial de difusão quando amembrana é permeável a vários íons diferentes

Quando a membrana é permeável a vários e diversos íons,o potencial de difusão que se desenvolve depende de três fatores:(1) a polaridade da carga elétrica de cada íon; (2) apermeabilidade da membrana (P) para cada íon; e (3) asconcentrações (C) dos íons respectivos, dentro (i) e fora (e) damembrana. Então, pela seguinte relação, chamada de equaçãode Goldman, ou de equação de Goldman-Hodgkin-Katz, pode-se calcular o valor do potencial de membrana vigente no interiorda membrana quando dois íons positivos monovalentes, sódio(Na+) e potássio (K+), e um íon negativo, também monovalente,o cloreto (Cl"), são participantes:

Vamos, agora, analisar a importância e o significado destaequação. Primeiro, os íons sódio, potássio e cloreto são os íonscom participação mais importante no desenvolvimento dospotenciais de membrana nas fibras nervosas e musculares, bemcomo nas células neuronais do sistema nervoso central. Ogradiente de concentração de cada um desses íons, através damembrana, ajuda na determinação da voltagem do potencial demembrana.

Segundo, o grau de importância de cada íon, nadeterminação da voltagem, é proporcional à permeabilidade damembrana para esse íon. Assim, caso a membrana sejaimpermeável aos íons potássio e cloreto, o potencial demembrana será totalmente dependente apenas do gradiente deconcentração dos íons sódio, e o potencial resultante seráexatamente igual ao potencial de Nernst para o sódio. O mesmoprincípio permanece válido para cada um dos outros dois íons,caso a membrana fique seletivamente permeável para apenas umdos dois.

Terceiro, um gradiente de concentração iônica, do interiorpara o exterior da membrana, vai produzir eletronegatividade

no interior dessa membrana. A razão disso é que os íons positivosse difundem para o exterior, quando sua concentração internaé maior que a externa. Isso carrega cargas positivas para fora,mas deixa os ânions negativos não-difusíveis no interior. O efeitoexatamente oposto ocorre quando existe gradiente de íonnegativo. Isto é, um gradiente do íon cloreto, do exterior parao interior, produz negatividade no interior da célula, porque osíons cloreto, com carga negativa, se difundem para o interior,ao mesmo tempo que os íons positivos ficam do lado de fora.

Quarto veremos adiante que as permeabilidades dos canaisde sódio e de potássio passam por variações muito rápidas,durante a condução do impulso nervoso, enquanto apermeabilidade dos canais de cloreto não se altera de muitonesse processo. Por conseguinte, as variações daspermeabilidades ao sódio e ao potássio são as principaisresponsáveis pela transmissão dos sinais pelos nervos, o que é oassunto do resto deste capítulo.

MEDIDA DO POTENCIAL DE MEMBRANAS

O método para a medida do potencial de membrana é simples emteoria, mas, muitas vezes, difícil na prática, devido às dimensões diminutasda maioria das fibras. A Fig. 5.2 mostra pequena pipeta, cheia de soluçãoeletrolítica concentrada (KC1), que é impalada, através da membranacelular, até o interior da fibra. Em seguida, outro eletródio, chamadode "eletródio indiferente", é colocado nos líquidos intersticiais, e adiferença de potencial entre o interior e o exterior da fibra é medidapor meio de voltímetro adequado. Esse voltímetro é, na realidade, umaparelho eletrônico muito sofisticado, capaz de medir voltagens bastantesreduzidas, apesar de haver resistência extremamente elevada ao fluxoelétrico pela ponta da micropipeta. que tem, em geral, diâmetroinferior a 1 µm e resistência que pode atingir um bilhão de ohms.Para o registro de variações rápidas do potencial de membrana,durante a transmissão de impulsos nervosos, o microeletródio é ligado aum osciloscópio, como explicado adiante, neste capítulo.

A MEMBRANA CELULAR COMO UMCAPACITADOR ELÉTRICO

Em cada uma das figuras usadas até agora, as cargas iônicas negativase positivas que geram o potencial de membrana foram mostradas comodispostas em contato com a membrana, e nada se falou da sua disposiçãoem outras partes dos líquidos, nem do interior da fibra nervosa, oufora dela, no líquido intersticial. Contudo, a Fig. 5.3 mostra isso,destacando que, exceto na região adjacente à própria membranacelular, as cargas negativas e positivas estão precisamente emigualdade. Isso é chamado de princípio da neutralidade elétrica; isto é,para cada íon positivo, existe, na vizinhança, outro íon, negativo, paraneutralizá-lo; de outra forma, seriam gerados potenciais elétricos debilhões de volts nesses líquidos.

Quando cargas positivas são bombeadas para fora da membrana,essas cargas positivas se alinham ao longo da face externa da membrana,enquanto em sua face interna se alinham os ânions que permaneceramno interior da fibra.

Fig. 5.2 Medida do potencial de membrana de fibra nervosa por meiode micropipeta.

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Fig. 5.3 Distribuição dos íons com cargas positivas e negativas no líquidointersticial que banha uma fibra nervosa e no líquido no interior dafibra; notar a disposição em dipolos das cargas negativas na superfícieinterna da membrana e das cargas positivas na face externa, No painelinferior são mostradas as variações abruptas do potencial de membrana,ao nível da membrana, nos dois lados da fibra.

Isso cria uma camada de dipolos, de cargas positivas e negativas, entre asfaces externa e interna da membrana, mas permanece igual número decargas positivas e negativas nas outras regiões dos líquidos. Esse é omesmo efeito observado quando as placas de capacitador (oucondensador) elétrico são eletricamente carregadas — isto é, oalinhamento de cargas negativas e positivas nos lados opostos damembrana dielétrica do capacitador. Por conseguinte, a bicamadalipídica da membrana celular funciona, na realidade, como o dielétricodo capacitador da membrana celular, do mesmo modo como mica papelou Mylar funcionam como dielétrico em capacitadores elétricos.

Por ser a membrana celular extremamente fina (de 7 a 10 nm),sua capacitância é imensa, em relação à sua área — cerca de 1 microfaradpor centímetro quadrado.

A parte inferior da Fig. 5.3 mostra o potencial elétrico que vaiser registrado em cada ponto na ou próximo da membrana de fibranervosa, começando do lado esquerdo da figura e progredindo paraa direita, Enquanto o eletródio estiver por fora da membrana neural,o potencial que vai ser registrado será zero, que é o potencial do líquidoextracelular. Em seguida, quando o eletródio atravessar a camada dodipolo elétrico na membrana celular, o potencial diminuirá,imediatamente, até -90 mV. De novo, o potencial de membranapermanece em valor estável enquanto o eletródio passa pelo interior dafibra, mas volta a zero, ao passar pela região oposta da membrana.

O fato de a membrana funcionar como um capacitor tem um pontode importância especial: para que seja criado um potencial negativono interior da membrana, basta o transporte de número de íons positivossuficientes para a produção da camada elétrica de dipolos do nível daprópria membrana. Todos os íons remanescentes no interior da fibraainda podem ser íons positivos e negativos. Como resultado, apenasum número extremamente reduzido de íons precisa ser transferido paraproduzir o potencial normal de —90 mV no interior da fibra nervosa— apenas cerca de 1/5.000,000 a 1/100.000.000 das cargas positivas totaisdo interior da fibra precisa ser transferido. Também, número igualmentediminuto de íons positivos se deslocando do exterior para o interiorpode inverter o potencial de —90 mV para até +35 mV dentro de intervalode tempo da ordem de 1/10. 000 de segundo. Esse rápido deslocamentode íons, dessa forma, gera os sinais nervosos que iremos discutir emseções subseqüentes deste capítulo.

O POTENCIAL DE MEMBRANA EMREPOUSO DOS NERVOSO potencial de membrana das fibras nervosas de grande

calibre, quando elas não estão transmitindo sinais nervosos, é

de cerca de -90 mV. Isto é, o potencial no interior da fibra é90 mV mais negativo que o potencial do líquido intersticial,por fora da fibra. Nos parágrafos seguintes, vamos explicar todosos fatores que determinam o valor desse potencial, mas, antesde fazê-lo, devemos descrever as propriedades de transporte damembrana neural em repouso para o sódio e o potássio.

Transporte ativo dos íons sódio e potássio através damembrana - a bomba sódio-potássio. Primeiro, devemos noslembrar do que foi discutido no capítulo precedente, que todasas membranas celulares do corpo apresentam uma potentebomba sódio-potássio e que essa bomba, continuamente,bombeia sódio para o exterior e potássio para o interior. Devemosnos lembrar, ainda, que essa é uma bomba eletrogênica, poismais cargas positivas são bombeadas para fora que paradentro (três íons Na+ para o exterior para cada dois íons K+

para o interior), deixando déficit efetivo de íons positivos nointerior; isso é o mesmo que criar carga negativa no interior damembrana celular.

Essa bomba sódio-potássio também é causa dos imensosgradientes de concentração para o sódio e o potássio atravésda membrana neural em repouso. Esses gradientes são osseguintes:

Na+ (externa):Na+ (interna):K+ (externo):K+ (interno):

As proporções entre esses doisíons, do interior para o exterior, são:

Na+ interior / Na +

exterior = 0,1

K+interior/ K+

exterior = 35,0

Vazamento de sódio e de potássio através da membrananeural. A direita na Fig. 5.4 é mostrada uma proteína decanal da membrana celular, pela qual os íons sódio e potássiopodem vazar, denominada canal de "vazamento" para sódio-potássio. Na verdade, existem diversos tipos distintos deproteínas desse tipo, com características diferentes devazamento. Contudo, a ênfase recai sobre o vazamento depotássio, porque, em média, os canais são muito maispermeáveis ao potássio que ao sódio, cerca de 100 vezes mais.Veremos adiante que essa permeabilidade diferencial éextremamente importante para a determinação do valor dopotencial de membrana normal em repouso.

Fig. 5.4 As características funcionais da bomba Na+-K+ e dos canaisde "vazamento" para o potássio.

142 mEqA14 mEq/14 mEq/1

140 mEq/1

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ORIGEM DO POTENCIAL DE MEMBRANAEM REPOUSO NORMAL

A Fig. 5.5 apresenta os fatores importantes para oestabelecimento do potencial de membrana em repouso normalde -90 mV. Eles são os seguintes:

Contribuição do potencial de difusão do potássio. Na Fig.5.5A, admitimos que o único movimento de íons através damembrana seja por difusão de íons potássio, como mostradopelos canais abertos para o potássio, entre o interior damembrana e o exterior. Devido à proporção muito alta entre asconcentrações interna e externa desse íon, da ordem de 35para 1, o potencial de Nernst correspondente a essaproporção é de -94 mV, dado que o logaritmo de 35 é 1,54 eesse valor multiplicado por -61 dá -94 mV. Por conseguinte, casoos íons potássio fossem o único fator causador do potencial derepouso, esse potencial de repouso também seria igual a -94mV, como mostrado na figura.

Contribuição da difusão do sódio através da membrananeural. A Fig. 5.5B mostra a adição da reduzidapermeabilidade

Fig, 5.5 Desenvolvimento do potencial de membrana em repouso, emfibras nervosas, sob três condições distintas: A, quando o potencial demembrana é causado apenas pela difusão de potássio; B quando opotencial de membrana é causado pela difusão de íons sódio e potássio;C, quando o potencial de membrana é causado pela difusão conjuntade íons sódio e potássio, mais o bombeamento desses dois íons pelabomba Na--K+.

da membrana neural aos íons sódio, causada pela diminutadifusão de íons sódio pelos canais de vazamento K+ -Na+. Aproporção entre os íons sódio do interior e do exterior é de0,1 e isso dá um valor calculado para o potencial de Nernstpara o interior da membrana de +61 mV. Mas também émostrado na Fig. 5.5B o potencial de Nernst para a difusão dopotássio de -94 mV. Como eles interagem entre si e qual vai ser opotencial resultante? Isso pode ser respondido por meio daequação de Goldman, descrita antes. Todavia, de modo intuitivo,pode-se ver que, se a membrana for muito permeável aopotássio, mas pouco permeável ao sódio, é lógico que a difusãode potássio terá contribuição muito maior para o potencial demembrana que a difusão do sódio. Na fibra nervosa normal, apermeabilidade da membrana ao potássio é cerca de 100 vezesmaior que para o sódio. Se for usado esse valor na equação deGoldman. obtém-se valor para o potencial interno da membranade -86 mV, como mostrado à direita da figura.

Contribuição da bomba Na+- K+ Finalmente, na Fig. 5.5C, émostrada a contribuição adicional da bomba Na+-K+. Nessafigura, ocorre bombeamento contínuo de três íons sódio parao exterior, e de dois íons potássio para o interior da membrana.O fato de serem bombeados mais íons sódio para o exteriorque de potássio para o interior resulta em perda continuadade cargas positivas pelo interior da membrana, o que causa grauadicional de negatividade (de cerca de - 4 mV) do interior, alémda que poderia ser explicada apenas por difusão. Por conseguinte,como mostrado na Fig. 5.5C, o potencial de membrana efetivo,com todos esses fatores atuando ao mesmo tempo, é de -90 mV.

Em resumo, apenas os potenciais de difusão, causados peladifusão de potássio e de sódio, produziriam um potencial demembrana da ordem de - 86 mV, quase que todo ele resultanteda difusão de potássio. Além disso, cerca de - 4 mV adicionaisrepresentam a contribuição para o potencial de membrana dabomba eletrogênica de Na + -K+, dando o potencial efetivo demembrana de -90 mV.

O potencial de membrana em repouso nas grandes fibrasmusculares esqueléticas é, aproximadamente, o mesmo que odas fibras nervosas mais calibrosas, em torno de -90 mV.Contudo, nas fibras nervosas mais delgadas c nas menores fibrasmusculares — por exemplo, as do músculo liso —, bem comoem muitos neurônios do sistema nervoso central, o potencial demembrana pode ser de apenas -40 a -60 mV, em vez de -90mV.

O POTENCIAL DE AÇÃO NEURALOs sinais neurais são transmitidos por meio de potenciais

de ação, que são variações muito rápidas do potencial demembrana. Cada potencial de ação começa por modificaçãoabrupta do potencial de repouso negativo normal para umpotencial positivo e, em seguida, termina com modificaçãoquase tão rápida para o potencial negativo. Para conduzir umsinal neural, o potencial de ação se desloca, ao longo da fibranervosa, até atingir seu término. O painel superior da Fig. 5.6apresenta as alterações que ocorrem na membrana durante opotencial de ação, com transferência de cargas positivas parao interior no seu início e retorno dessas cargas positivaspara o exterior ao seu fim. O painel inferior retratagraficamente as alterações sucessivas do potencial demembrana, durante alguns poucos décimos milésimos desegundo, mostrando o início explosivo do potencial de ação esua restauração em tempo quase tão rápido.As fases sucessivas do potencial de ação são as seguintes:Fase de repouso. É o potencial de membrana em repouso,antes que comece o potencial de ação. Diz-se que a membranaestá "polarizada" durante esta fase, devido ao elevado potencialde membrana presente.

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Fig. 5.6 Potencial de ação típico, registrado pelo métodomostrado no painel superior da figura.

Fase de despolarização. Em determinado momento, amembrana fica, abruptamente, muito permeável aos íonssódio, o que permite a entrada de grande número de íonssódio para o interior do axônio. O estado "polarizado" normalde - 90 mV é perdido, com o potencial variando rapidamentena direção da positividade. Isso é chamado de despolarização.Nas fibras nervosas mais calibrosas, o potencial de membrana"ultrapassa" (overshoots) o valor zero, e fica positivo, mas, nasfibras mais finas e em muitos neurônios do sistema nervosocentral, o potencial apenas fica próximo do valor zero, e não oultrapassa para ficar positivo.

Fase de repolarização. Dentro de poucos décimos milésimosde segundo após a membrana ter ficado extremamente permeávelaos íons sódio, os canais de sódio começam a se fechar, enquantoos canais de potássio se abrem mais que o normal. Então, arápida difusão dos íons potássio para o exterior restaura opotencial de membrana negativo normal do repouso. Isso échamado de repolarização da membrana.

Para explicar com mais detalhes os fatores responsáveis pelosprocessos de despolarização e de repolarização, precisamos,agora, explicar as características especiais de outros dois tiposde canais para o transporte através da membrana neural: oscanais de sódio e de potássio voltagem-dependentes.

OS CANAIS DE SÓDIO E DE POTÁSSIOVOLTAGEM DEPENDENTES

O agente necessário para a produção da despolarização eda repolarização da membrana neural, durante o potencial deação, é o canal de sódio voltagem-dependente. Contudo, o canalde potássio voltagem dependente também tem participaçãoimportante ao aumentar a rapidez da repolarização damembrana. Esses dois canais voltagem - dependentes existemjuntamente com a bomba Na+ -K+ e os canais de vazamento Na+ -K+.

O canal de sódio voltagem-dependente — "ativação"e "inativação" do canal

O painel superior da Fig. 5.7 apresenta o canal de sódiovoltagem-dependente em três estados distintos. Esse canal tem

Fig. 5.7 Características dos canais de sódio e potássio voltagem-dependentes, mostrando a ativação e a inativação dos canais de sódio,mas apenas a ativação dos canais de potássio, que só ocorre quando opotencial de membrana varia de seu valor negativo normal em repousopara um valor positivo.

duas comportas, uma próxima à extremidade externa do canal,chamada de comporta de ativação, e outra próxima à extremidadeinterna, chamada de comporta de inativação. A esquerda émostrado o estado dessas duas comportas no período normalde repouso, quando o potencial de membrana é de —90 mV.Nesse estágio, a comporta de ativação fica fechada, o queimpede o acesso de qualquer íon sódio ao interior da fibra pormeio desses canais. Por outro lado, as comportas de inativaçãoestão abertas, não constituindo, nesse estágio, qualquerimpedimento à passagem de íons sódio.

Ativação do canal de sódio. Quando o potencial de membranafica menos negativo que durante o período de repouso, passandode -90 mV para zero, ele passa por uma voltagem. em geralentre -70 e -50 mV, que provoca alteração conformacionalda comporta de ativação, fazendo com que ela se abra. Issoé chamado de estado ativado; durante ele, os íons sódio podemliteralmente jorrar por esses canais, aumentando apermeabilidade ao sódio da membrana por até 500 a 5.000vezes.

Inativação do canal de sódio. Na extrema direita do painelsuperior da Fig. 5.7 é mostrado o terceiro estado do canal desódio. O mesmo aumento da voltagem que abre a comportade ativação também fecha a comporta de inativação. Contudo,o fechamento da comporta de inativação só ocorre após algunsdécimos milésimos de segundo da abertura da comporta deativação. Isto é, a alteração conformacional que modifica ocanal de inativação para a posição fechada é um processo maislento, enquanto a alteração conformacional que abre a comportade ativação é muito rápida. Como resultado, após o canal desódio ter ficado aberto por alguns décimos milésimos desegundo, ele se fecha e os íons sódio não mais podem jorrarpara o interior da membrana. A partir desse momento, opotencial de membrana começa a variar em direção ao valorvigente no estado de repouso da membrana, o que constitui oprocesso de repolarização.

Característica muito importante do processo de inativação

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do canal de sódio é a de que a comporta de inativação não voltaráa se abrir até que o potencial de membrana retorne até (ou bastantepróximo) o valor do potencial de membrana de repouso inicial.Como conseqüência, não é possível nova abertura dos canaisde sódio até que a fibra nervosa se tenha repolarizado.

Os canais de potássio voltagem dependentes e suaativação

O painel inferior da Fig. 5.7 apresenta o canal de potássiovoltagem-dependente em dois estados distintos: durante o estadode repouso e próximo ao término do potencial de ação. Duranteo estado de repouso, o canal de potássio fica fechado, comomostrado à esquerda da figura, e os íons potássio são impedidosde passar por esse canal para o exterior. Quando o potencialde membrana começa a aumentar, a partir de -90 mV, emdireção ao zero, essa variação de voltagem provoca alteraçãoconformacional, abrindo o canal e permitindo aumento da difusãodo potássio por ele. Contudo, devido à lentidão com que essescanais de potássio se abrem, eles ficam abertos apenas a partirdo momento em que os canais de sódio começam a ser inativadose, portanto, se fechando. Assim, a diminuição do influxo desódio para a célula, com aumento simultâneo do efluxo depotássio, acelera de muito o processo da repolarização, levando,dentro de poucos décimos milésimos de segundo, à recuperaçãocompleta do potencial de membrana de repouso.

O método de estudo para a medida do efeito da voltagem sobre aabertura e fechamento dos canais voltagem-dependentes - a "fixaçãode voltagem". Os estudos originais que levaram à nossa compreensãoquantitativa dos canais de sódio e de potássio foram tão engenhosos quelevaram à outorga de Prêmios Nobel aos cientistas responsáveis, Hodgkine Hux-ley. A parte fundamental desses estudos é mostrada nas Figs.5.8 e 5.9.

A Fig. 5.8 mostra o equipamento usado nesses experimentos,chamado de fixador de voltagem, que foi usado para medir o fluxo deíons pelos diferentes canais. Ao se usar esse equipamento, doiseletródios são introduzidos na fibra nervosa. Um deles destina-se àmedida da voltagem do potencial de membrana. A outra é usada paraconduzir corrente elétrica, tanto para dentro, como para fora da fibranervosa. Esse equipamento é usado do seguinte modo: oexperimentador escolhe a voltagem que deseja produzir no interior dafibra nervosa. Em seguida, ajusta a parte eletrônica do equipamentopara a voltagem desejada, o que, automaticamente, faz com queocorra injeção de eletricidade positiva ou negativa, por meio do eletródiode corrente, na intensidade necessária para manter a corrente, comomedida pelo eletródio de voltagem, no valor escolhido peloexperimentador. Por exemplo, quando o potencial de membrana ésubitamente aumentado de -90 mV até zero, os canais de sódio epotássio voltagem-dependentes se abrem.

Fig. 5.8 O método de "fixação de voltagem" para o estudo do fluxode íons por seus canais específicos.

e os íons sódio e potássio começam a jorrar pelos canais. Paracontrabalançar o efeito desses movimentos iônicos sobre o potencialfixado, é injetada corrente elétrica, automaticamente, por meio doeletródio de corrente do fixador de voltagem, para manter a voltagemintracelular em zero. Para que isso possa ocorrer, a corrente injetadadeve ser exata-mente igual, mas com a polaridade inversa, ao fluxoefetivo de corrente através dos canais da membrana. Para a medida dequanto fluxo de corrente está ocorrendo a cada instante, o eletródio decorrente é ligado a um osciloscópio que registra o fluxo de corrente,como mostrado na tela do osciloscópio na figura. Finalmente, oexperimentador ajusta as concentrações dos íons aos valores desejados,tanto no interior como por fora da fibra, e repete a medida. Isso pode serfeito com bastante facilidade quando são usadas fibras nervosas muitocalibrosas, obtidas de crustáceos, em especial o axônio gigante dalula que, por vezes, chega a ter diâmetro de 1 mm. Quando o sódio é oúnico íon permeante nas soluções interna e externa que banham o axônioda lula, esse método de fixação de voltagem só mede o fluxo decorrente pelos canais de sódio. Quando o único íon permeante é opotássio, só é medido o fluxo de corrente pelos canais de potássio.

Outro método para estudo do fluxo de íons por canais comcaracterísticas específicas é por bloqueio de um tipo de canal decada vez. Por exemplo, os canais de sódio podem ser bloqueados pelatoxina tetro-dotoxina, quando aplicada à superfície externa da fibranervosa, onde ficam as comportas de ativação do sódio. Inversamente, otetraetilamônio bloqueia os poros de potássio, quando c aplicado ãsuperfície interna da fibra nervosa.

A Fig. 5.9 mostra as variações típicas da condutância dos canaisde sódio e potássio voltagem-dependentes, quando se faz o potencialde membrana variar subitamente, por meio do fixador de voltagem,de -90 mV para +10 mV e, 2 ms depois, de volta a -90 mV. Deveser notada a abertura abrupta dos canais de sódio (estágio de ativação)dentro de fração muito pequena de milissegundo após o potencial demembrana ter atingido o valor positivo. Contudo, duranteaproximadamente o milissegundo seguinte, os canais de sódio se fechamde forma automática (estágio de inativação).

Agora, note-se a abertura (ativação) dos canais de potássio. Elesse abrem lentamente e só atingem o estado de abertura total após ofechamento quase completo dos canais de sódio. Ademais, uma vezabertos os canais de potássio, eles permanecem abertos por toda aduração do potencial de membrana positivo c não se fecham até que opotencial de membrana tenha retornado a valor muito negativo.

Finalmente, devemos lembrar que os canais voltagem-dependentespassam muito rapidamente do estado aberto para o fechado, e vice-versa,como mostrado na Fig. 4.5, Então, como as curvas da Fig. 5.9 sãotão regulares? A resposta é que essas curvas representam o fluxo deíons sódio e potássio por literalmente milhares de canais ao mesmotempo. Alguns se abrem para determinada voltagem, outros em outrovalor, e assim por diante. De igual forma, alguns são inativados empontos distintos do ciclo que outros. Assim, as curvas mostradasrepresentam a soma algébrica dos fluxos iônicos por muitos canais.

Fig. 5.9 Variações típicas da condutância dos canais iônicos para o sódioe o potássio, quando o potencial de membrana é aumentado de seuvalor normal de repouso de —90 mV para um valor positivo de +10mV, durante 2 ms. Esta figura demonstra que os canais de sódio seabrem (ativação) e fecham (inativação) em tempo menor que 2 ms,enquanto, nesse período, os canais de potássio só se abrem (ativação).

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SUMÁRIO DOS EVENTOS QUE CAUSAMO POTENCIAL DE AÇÃO

A Fig. 5.10 apresenta, de modo sumário, os eventosseqüenciais que ocorrem durante e logo após o potencial deação. Eles são os seguintes:

Na parte inferior da figura são apresentadas as variaçõesda condutância da membrana aos íons sódio e potássio. Duranteo período de repouso, antes do início do potencial de ação,a condutância do potássio é mostrada como sendo de 50 a 100vezes maior que a do sódio. Isso é causado pelo maior vazamentode íons potássio que de íons sódio pelos canais de vazamento.Todavia, com o início do potencial de ação, os canais de sódioficam instantaneamente ativados, permitindo aumento de 5.000vezes da condutância do sódio. Em seguida, o processo deinativação fecha os canais de sódio dentro de fração demilissegundo. O início do potencial de ação também leva àativação, pela voltagem, dos canais de potássio, fazendo-os abrirem fração de milissegundo após a abertura dos canais desódio. E, ao término do potencial de ação, o retorno dopotencial de membrana a seu estado negativo faz com que oscanais de potássio se fechem, voltando a seu estado original, o quesó ocorre após breve retardo.

Na parte média da Fig. 5.10 c mostrada a proporção entreas condutâncias do sódio e do potássio, instante a instante, du-

Fig. 5.10 Variações da condutância para o sódio e o potássio, duranteum potencial de ação. Note-se que a condutância para o sódio aumentapor vários milhares de vezes, durante as fases iniciais do potencial deação, enquanto a do potássio só aumenta por cerca de 30 vezes, duranteas fases finais e por breve período após o término do potencial de ação.(Estas curvas foram traçadas a partir dos resultados experimentaispublicados de Hodgkin e Huxley, mas transpostos do axônio de lulapara os potenciais de fibras nervosas calibrosas.)

rante todo o potencial de ação e, acima disso, o próprio potencialde ação. Durante a fase inicial do potencial de ação, essaproporção aumenta por mais de 1.000 vezes. Por conseguinte,número muito maior de íons sódio está fluindo para o interiorda fibra que de íons potássio para o exterior. E isso que fazcom que o potencial de ação se torne positivo. Em seguida,os canais de sódio começam a ficar inativados, enquanto os canaisde potássio se abrem, de modo que a proporção entre ascondutâncias varia, passando a uma condutância muito maior dopotássio que do sódio. Isso permite perda muito rápida de íonspotássio para o exterior, enquanto, em essência, não há fluxode íons sódio para o interior. Como conseqüência, o potencialde ação retorna rapidamente a sua linha de base.

O pós-potencial "positivo"

Também deve ser notado na Fig. 5.10 que o potencial de membranafica ainda mais negativo que o potencial de membrana de repousooriginal, durante alguns milissegundos, após o término do potencial deação. Estranhamente, isso é chamado de pós-potencial "positivo", umadesignação errônea, pois o pós-potencial positivo é, na realidade, maisnegativo que o potencial de repouso. A razão para esse pós-potencial serchamado de "positivo" é que, historicamente, as primeiras medidas dopotencial foram feitas na superfície externa da membrana da fibra nervosa,e não em seu interior; quando medido dessa forma, esse pós-potencialcausa deflexão positiva no registro, e não uma deflexão negativa.

A causa do pós-potencial positivo é, em grande parte, que muitoscanais de potássio permanecem abertos após o processo de repolarizaçãoda membrana ter-se completado. Isso permite que excesso de íonspotássio se difunda para fora da fibra nervosa, deixando déficit extrade íons positivos no interior, o que implica negatividade.

PARTICIPAÇÃO DE OUTROS ÍONS NO POTENCIAL DEAÇÃO

Até agora, discutimos apenas a participação dos íons sódio e potássiona geração do potencial de ação. Contudo, pelo menos três outros tiposde íons devem ser levados em conta. Eles são:

Os íons impermeantes com carga negativa (ânions), no interiordo axônio. No interior do axônio existem muitos íons com carganegativa que não podem passar pelos canais. Eles incluem moléculas deproteína, muitos compostos orgânicos de fosfato, compostos sulfatados emuitos outros. Devido a não poderem sair da fibra, qualquer déficit deíons positivos no interior da membrana leva a excesso de íons negativosimpermeantes. Por conseguinte, esses íons negativos impermeantes sãoresponsáveis pelas cargas negativas no interior da fibra, sempre quehouver déficit de íons potássio com carga positiva ou de outros íonspositivos.

Íons cálcio. As membranas celulares de quase todas — se não detodas — as células do corpo contêm uma bomba de cálcio semelhanteà bomba de sódio. Como ocorre com a bomba de sódio, essa bombade cálcio bombeia os íons cálcio do interior para o exterior da membrana(ou para o retículo endoplasmático), criando gradiente de cálcio de cercade 10.000 vezes, deixando concentração interna de íons cálcio da ordemde 10-7 molar, contrastando com a concentração externa de cerca de10-3 molar. Além disso, também existem canais de cálcio voltagem-dependentes. Esses canais são pouco permeáveis aos íons sódio, além deserem permeáveis aos íons cálcio; quando abertos, tanto os íons cálciocomo os íons sódio fluem para o interior da fibra. Por isso, essescanais são, por vezes, chamados de canais Ca+ + -Na+. Os canais decálcio têm ativação muito lenta, necessitando de tempo 10 a 20 vezesmaior para serem ativados que os canais de sódio. Essa é a razão deserem, com muita freqüência, denominados canais lentos, para distingui-los dos canais de sódio, chamados de canais rápidos. Os canais decálcio são muito numerosos no músculo cardíaco e no músculo liso.Na verdade, em alguns tipos de músculo liso, os canais rápidos de sódiosão bastante raros, de modo que seu potencial de ação é causado quaseque totalmente pela ativação dos canais lentos de cálcio.

Aumento da permeabilidade dos canais de sódio quandoexiste déficit de íons cálcio. A concentração de íons cálcio nolíquido intersticial também exerce efeito intenso sobre o valor davoltagem em que os canais de sódio ficam ativados.

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. Quando existe déficit de íons cálcio, os canais de sódio são ativados(abertos) por aumento bastante pequeno do potencial de membrana,acima de seu nível normal de repouso. Como resultado, a fibra ficaextremamente excitável, por vezes disparando repetitivamente, semqualquer provocação, em vez de permanecer no estado de repouso. Naverdade, basta que a concentração de íons cálcio baixe por 30 a 5(1%abaixo da normal para que ocorra atividade espontânea em muitosnervos periféricos, causando, muitas vezes, a "telania" muscular que podechegar a ser fatal, devido à contração tetânica dos músculos respiratórios.

O modo provável de os íons cálcio influenciarem os canais de sódioé o seguinte. Esses íons parecem fixar-se às extremidades externas damolécula de proteína do canal de sódio. Por sua vez, as cargas positivasdesses íons cálcio alteram o estado elétrico da própria proteína do canale, dessa forma, aumentam o valor da voltagem necessária para abrira comporta.

Íons cloreto. Os íons cloreto vazam através da membrana em repousode modo idêntico ao do vazamento de pequenas quantidades de íonspotássio e íons sódio. Na fibra nervosa comum, a intensidade dovazamento de íons cloreto é apenas a metade da difusão de íonspotássio. Por conseguinte, deve ser feita a pergunta: por que nãoconsideramos os íons cloreto em nossa explicação do potencial deação? A resposta é que o íon cloreto funciona passivamente noprocesso. E, também, a permeabilidade dos canais de vazamento decloreto não se altera de forma significativa durante o potencial de ação.

No estado normal de repouso da fibra, os -90 mV no interiorda fibra repelem a maior parte dos íons cloreto que tendem a entrarnela. Como resultado, a concentração de íons cloreto no interior dafibra é de apenas 3 a 4 mEq/l, enquanto a concentração externa é daordem de 103 mEqA. O potencial de Nemst para essa proporção entreas concentrações do íon cloreto é exatamente igual ao potencial demembrana de -90 mV, que seria previsto para um íon que não ébombeado ativamente.

Durante o potencial de ação, pequenas quantidades de íon cloretochegam efetivamente a se difundir para o interior da fibra, devido aperda temporária da negatividade interna. Esse movimento do cloretoserve para alterar ligeiramente o momento de ocorrência das variaçõessucessivas de voltagem durante o potencial de ação, mas não modificao processo fundamental.

GERAÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO

Ate este ponto, explicamos a variação das permeabilidadesao sódio e ao potássio da membrana e o desenvolvimento dopróprio potencial de ação, mas ainda não explicamos o queproduz o potencial de ação. A resposta a isso, como se segue,é muito simples.

Um feedback positivo abre os canais de sódio. Primeiro,enquanto a membrana da fibra nervosa permanecer sem sofrerqualquer perturbação, nenhum potencial de ação ocorre no nervonormal. Contudo, se algum fator produzir uma elevação inicialsuficiente do potencial de membrana, a partir do valor de -90mV, em direção ao zero, essa elevação da voltagem irá fazercom que muitos canais de sódio voltagem-dependentes comecema se abrir. Isso permite o influxo rápido de íons sódio, o queproduz elevação ainda maior do potencial de membrana, abrindo,assim, número ainda maior de canais de sódio voltagem-dependentes e resultando em jorro mais intenso de íons sódiopara o interior da fibra. Obviamente, esse processo é um ciclovicioso de feedback positivo que, caso esse feedback sejasuficientemente intenso, irá prosseguir até que todos os canais desódio voltagem-dependentes fiquem ativados (abertos). Emseguida, dentro de fração de milissegundo, a elevação dopotencial de membrana produz o início da inativação dos canais desódio, além da abertura dos canais de potássio, e o potencial deação logo chega a seu fim.

Limiar para a geração do potencial de ação. Nãoocorrerá um potencial de ação até que a elevação do potencialde membrana seja suficientemente grande para criar o ciclovicioso descrito no parágrafo anterior.

Em geral, é necessária elevação abrupta da ordem de 15 a 30mV. Por conseguinte, aumento súbito do potencial demembrana., em fibra calibrosa, de - 90 mV até cerca de - 65mV será capaz, na maioria das vezes, de deflagrar odesenvolvimento explosivo do potencial de ação. Esse nível de -65 mV é, conseqüentemente, chamado de limiar para aestimulação.

Acomodação da membrana — falta de atividade apesar daelevação da voltagem. Se o potencial da membrana se elevar deforma muito lenta — durante vários milissegundos, em vez de em fraçãode milissegundo —, as comportas lentas de inativação dos canais desódio terão tempo suficiente para se fecharem ao mesmo tempo que ascomportas de ativação estiverem se abrindo. Como resultado, a aberturadas comportas de ativação não será tão eficaz para promover oaumento do fluxo de íons sódio, como ocorre normalmente. Portanto,o aumento lento do potencial interno de uma fibra nervosa vai exigirvoltagem limiar mais elevada ou impede, completamente, a geração depotencial de ação; por vezes, até mesmo com elevações da voltagematé zero ou com voltagem positiva. Esse fenômeno é chamado deacomodação da membrana ao estímulo.

PROPAGAÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO

Nos parágrafos precedentes, discutimos o potencial de açãocomo se ele ocorresse em ponto único da membrana celular.Contudo, um potencial de ação gerado em qualquer ponto deuma membrana excitável excita, geralmente, as regiõesadjacentes da membrana, resultando na propagação dessepotencial de ação. O mecanismo disso é mostrado na Fig. 5.11.A Fig. 5.11A mostra uma fibra nervosa normal cm repouso,enquanto a Fig. 5.11B mostra fibra que foi excitada em suaregião média — isto é, essa porção média, subitamente, passou aapresentar permeabilidade aumentada para o sódio. As setasindicam o "circuito local" do fluxo de corrente entre as regiõesdespolarizadas da membrana e as áreas adjacentes damembrana em

Fig. 5.11 Propagação dos potenciais de ação nas duas direções, emfibra condutora.

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repouso; cargas elétricas positivas, carreadas pelos íons sódioque se difundem para o interior, fluem para o interior da fibra,através da região despolarizada e, em seguida, por váriosmilímetros, ao longo da parte central do axônio. Essas cargaspositivas aumentam a voltagem, por distância de 1 a 3 mm nasfibras calibrosas, até valor acima do valor limiar da voltagempara geração do potencial de ação. Por conseguinte, os canaisde sódio nessas novas áreas ficam imediatamente ativados e,como mostrado na Fig. 5.11C e D, o explosivo potencial de açãose propaga. Em seguida, essas novas áreas despolarizadasproduzem novos circuitos locais de fluxo de corrente cm pontosmais distantes da membrana, causando mais e maisdespolarizações. Dessa forma, o processo da despolarizaçãotrafega ao longo de toda a extensão da fibra. A transmissão doprocesso de despolarização ao longo de fibra nervosa oumuscular é chamada de impulso nervoso ou muscular.

Direção da propagação. É óbvio, como mostrado na Fig.5.11, que uma membrana excitável não apresenta direção únicade propagação, o potencial de ação podendo passar nas duasdireções a partir do ponto estimulado — e até mesmo pelasramificações de uma fibra nervosa — até que toda a membranaseja despolarizada.

O princípio do tudo-ou-nada. É igualmente óbvio que,uma vez tendo sido produzido um potencial de ação, em algumponto da membrana de fibra normal, o processo dedespolarização irá se propagar, se as condições foremadequadas, por toda a membrana e, caso as condições nãosejam adequadas, poderá não se propagar. Isso é chamado deprincípio do tudo-ou-nada e é aplicável a todos os tecidosexcitáveis normais. Todavia, ocasionalmente, o potencial deação poderá atingir região da membrana onde não será capaz degerar voltagem suficiente para estimular a área seguinte damembrana. Quando isso ocorre, a propagação dadespolarização cessa. Por conseguinte, para que ocorra apropagação continuada de um impulso, a proporção entre opotencial de ação e o limiar deve ser sempre maior que 1. Issoé chamado de fator de segurança para a propagação.

RESTABELECIMENTO DOS GRADIENTES IÔNICOSDO SÓDIO E DO POTÁSSIO APÓS OS POTENCIAIS DEAÇÃO - A IMPORTÂNCIA DO METABOLISMOENERGÉTICO

A transmissão de cada impulso ao longo da fibra nervosareduz, por quantidade infinitesimal, as diferenças deconcentração do sódio e do potássio entre o interior e o exteriorda membrana, devido à difusão de sódio para dentro, durante adespolarização, e à difusão de potássio para fora, durante arepolarização.Para um só potencial de ação, esse efeito c tãodiminuto que não pode ser medido. Na verdade, de 100.000 a50.000.000 de impulsos podem ser transmitidos por uma fibranervosa — esse número depende do calibre da fibra e deoutros fatores — antes que as diferenças de concentraçãotenham diminuído a ponto de interromper a condução dospotenciais de ação. Contudo, mesmo assim, com o correr dotempo, passa a ser necessário o restabelecimento das diferençasde concentração de sódio e de potássio através da membrana.Isso é efetivado pela ação da bomba Na+ -K+, exatamente damesma maneira como foi descrita antes, neste capítulo, para oestabelecimento original do potencial de repouso. Isto é, os íonssódio que se difundiram para o interior da célula, durante opotencial de ação, e os íons potássio que se difundiram para oexterior são retornados a seus locais originais pela bomba Na+-K+. Visto que esta bomba exige energia para operar, esseprocesso de "recarga" da fibra nervosa é metabolicamente ativo,usando energia do sistema do trifosfato de adenosina da célula.

Fig. 5.12 Produção de calor por fibra nervosa, durante o repouso esob freqüência crescente de estimulação.

A Fig. 5.12 mostra que a fibra nervosa produz calor em excesso,o que representa medida de seu consumo de energia, quandoaumenta a freqüência dos impulsos.

Característica especial da ATPase da bomba sódio-potássioé que o grau de sua atividade fica fortemente estimulado quandoocorre acúmulo excessivo de íons sódio no interior da membranacelular.

Na verdade, a atividade de bombeamento aumenta,aproximadamente, em proporção ao cubo da concentração desódio. Isto é, conforme a concentração interna de sódioaumenta de 10 para 20 mEq/1, a atividade da bomba não fica,simplesmente, duplicada, mas, ao contrário, aumenta por cercade oito vezes.

Por conseguinte, pode ser facilmente compreendido como oprocesso de "recarga" da fibra nervosa pode entrarrapidamente em ação, sempre que as diferenças deconcentração dos íons sódio e potássio, através da membrana,começarem a "desaparecer".

O PLATÔ DE ALGUNS POTENCIAIS DE AÇÃO

Em alguns casos, a membrana excitável não se repolarizaimediatamente após a despolarização, mas, pelo contrário, opotencial permanece em platô, com valor próximo ao do potencialem ponta, durante muitos milissegundos antes do começo darepolarização. Um desses platôs é mostrado na Fig. 5.13; podeser facilmente notado que o platô prolonga de muito a duraçãodo período de despolarização. Esse tipo de potencial de açãoocorre nas fibras musculares do coração, onde o platô dura poraté dois ou três décimos de segundo e faz com que a contraçãodo músculo cardíaco dure por igual período de tempo.

A causa do platô é uma combinação de diversos fatoresdistintos.

Primeiro, no músculo cardíaco, dois tipos diferentes decanais participam do processo de despolarização: (1) os canais desódio voltagem-dependentes usuais, chamados de canais rápidos,e (2) canais de cálcio voltagem-dependentes, com ativação lenta,e, por isso, chamados de canais lentos — estes canais permitem,principalmente, a difusão de íons cálcio, mas também deixampassar pequena quantidade de íons sódio.

A ativação dos canais rápidos produz o potencial emponta do potencial de ação, enquanto a ativação lenta masprolongada dos canais lentos é responsável, principalmente,pelo platô do potencial de ação.

Um segundo fator, responsável, em parte, pelo platô, é queos canais de potássio voltagem-dependentes são, em diversoscasos, de ativação lenta, muitas vezes não se abrindo até o fim

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Fig. 5.13 Potencial de ação de fibra de Purkinje, mostrando o "platô"

do platô. Isso retarda o retorno do potencial de membrana aseu valor de repouso. Mas, então, essa abertura dos canais depotássio, ao mesmo tempo que os canais lentos começam a sefechar, provoca o retorno rápido do potencial de ação, de seuvalor do platô até o valor negativo de repouso, explicando adeflexão descendente rápida ao término do potencial de ação.

RITMICIDADE DE ALGUNS TECIDOSEXCITÁVEIS - A ATIVIDADE REPETITIVA

Atividade repetitiva autogerada, ou ritmicidade, ocorrenormalmente no coração, na maioria dos músculos lisos e emmuitos neurônios do sistema nervoso central. É essa atividaderítmica que produz o ritmo cardíaco, o peristaltismo e os eventosneuronais do tipo do controle rítmico da respiração.

Por outro lado, todos os outros tecidos excitáveis podemapresentar atividade repetitiva caso seus limiares paraestimulação fiquem suficientemente diminuídos. Por exemplo,até mesmo fibras nervosas e musculares esqueléticas, que são,normalmente, muito estáveis, podem apresentar atividaderepetitiva quando imersas em solução contendo veratrina ouquando a concentração de íons cálcio cai abaixo de um valorcrítico.

O processo de reexcitação necessário para a ritmicidade.Para que ocorra ritmicidade, a membrana, mesmo em seu estadonatural, já deve ser suficientemente permeável aos íons sódio(ou aos íons cálcio e sódio, pelos canais lentos de cálcio) parapermitir a despolarização automática da membrana. Assim, aFig. 5.14 mostra que o potencial de membrana "cm repouso" éde apenas - 60 a - 70 mV. Essa voltagem não é suficientepara manter os canais de sódio e de cálcio fechados. Emoutras palavras, (1) existe influxo de íons sódio e de íons cálcio;(2) isso aumenta, ainda mais, a permeabilidade da membrana; (3)quantidade ainda maior de íons flui para o interior; (4) apermeabilidade aumenta mais, e assim por diante, levando aoprocesso regenerativo da abertura dos canais de sódio e decálcio, até que seja gerado um potencial de ação. Em seguida,após o término do potencial de ação, a membrana se repolariza.Mas, pouco depois, recomeça o processo de despolarização, enovo potencial de ação ocorre espontaneamente. Esse ciclo serepete por várias vezes e resulta na excitação rítmica autogeradado tecido excitável.

Contudo, por que a membrana não se despolarizaimediatamente após se ter repolarizado, só o fazendo apósretardo de quase um segundo, antes da geração do potencial deação seguinte?

Fig. 5.14 Potenciais de ação rítmicos, semelhantes aos registrados nocentro de controle do ritmo cardíaco. Notar sua relação com acondutância para o potássio e com o estado de hiperpolarização.

A resposta a isto pode ser dada fazendo-se referência à Fig. 5.10,que mostra que, próximo ao término de todos os potenciais deação, e persistindo por breve período após esse término, amembrana fica excessivamente permeável ao potássio. Esseefluxo excessivo de íons potássio transfere númeroextremamente elevado de cargas positivas para fora damembrana, criando, no interior da fibra, negatividadeconsideravelmente maior que a que ocorreria, durante breveperíodo, após o potencial de ação precedente ter terminado,deslocando, assim, o potencial de membrana para valor maispróximo do potencial de Nernst para o potássio. Esse é o estadochamado de hiperpolarização, que é mostrado na Fig. 5.14.Enquanto esse estado persistir, não ocorrerá reexcitação; mas,gradativamente, a condutância excessiva do potássio (e o estadode hiperpolarização) diminui até desaparecer, como mostradonessa figura, o que permite que o potencial de membranaaumente até atingir o limiar para excitação; então, subitamente,aparece novo potencial de ação: esse ciclo ocorrerepetitivamente.

ASPECTOS ESPECIAIS DA TRANSMISSÃO DE SINAISEM TRONCOS NERVOSOS

Fibras nervosas mielínicas e amielínicas. A Fig. 5.15 apresentacorte transversal de um típico tronco nervoso pequeno, mostrandomuitas fibras nervosas calibrosas que ocupam a maior parte da áreadesse corte transverso Todavia, se essa figura for examinada comcuidado, poderão ser notadas muitas fibras, bem mais delgadas,intercaladas entre as mais calibrosas. Essas fibras mais calibrosas sãofibras mielínicas, enquanto as mais delgadas são amielínicas. Um tronconervoso típico contém cerca de duas vezes mais fibras amielínicas quemielínicas. A Fig 5.16 mostra uma fibra mielínica típica. A pane centraldessa fibra é o axônio, c a membrana desse axônio que representa averdadeira membrana condutora. O interior do axônio é ocupado peloaxoplasma, que é líquido intracelular bastante" viscoso. Circundando oaxônio existe a bainha de mielina que, muitas vezes, é bem maior queo próprio axônio e que, a intervalos de cerca de 1 a 3 mm, aolongo de toda a extensão do axônio, é interrompida pelos nodos deRanvier. A bainha de mielina é formada, em torno do axônio, pelascélulas de Schwann do seguinte modo: a membrana de uma célula deSchwann, inicialmente, circunda o axônio. Em seguida, essa célula giraem torno do axônio por muitas voltas, depositando múltiplas camadas desua membrana celular, que contém a substância lipídica esfingomielina.Essa substância é excelente isolante, capaz de diminuir o fluxoiônico através da membrana por cerca de 5.000 vezes, ao mesmotempo que reduz a capacitância da membrana por 50 vezes. Contudo,no ponto de junção entre duas células de Schwann sucessivas, ao longodo axônio, persiste pequena região não-isolada, com apenas cerca de 2 a3 µm de extensão, por onde os íons podem fluir, com facilidade, dolíquido extracelular para o interior do axônio. Essa região é o nodo deRanvier.Condução "saltatória", de nodo a nodo, nas fibras mielínicas.

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Fig. 5.15 Corte transverso de pequeno tronconervoso, contendo fibras mielínicas e amielínicas.

Muito embora os íons não possam fluir com intensidade significativaatravés das espessas bainhas de mielina dos nervos mielinizados, elespodem fluir com grande facilidade pelos nodos de Ranvier. Porconseguinte, os potenciais de ação só podem ocorrer nos nodos. Assim,os potenciais de ação são conduzidos de nodo para nodo, comomostrado na Fig. 5.17; esse processo é chamado de condução saltatória.Isto é, a corrente elétrica flui pelos líquidos extracelulares quecircundam a fibra, mas também pelo axaplasma, de nodo a nodo,excitando seqüencialmente os sucessivos nodos. Assim, o impulsonervoso salta ao longo da fibra, o que deu origem à designação de"saltatória".

A condução saltatória é importante por duas razões. Primeira, porfazer com que a despolarização salte por sobre longos trechos, ao longodo eixo da fibra nervosa; esse mecanismo aumenta de muito a velocidadeda transmissão neural nas fibras mielinizadas por até 5 a 50 vezes.Segundo, a condução saltatória conserva energia para o axônio, poisapenas os nodos despolarizam, permitindo perda de íons cerca de 100vezes menor do que a que seria necessária, caso não ocorresse conduçãosaltatória e, como resultado, exigindo pouca atividade metabólica para orestabelecimento das diferenças de concentração de sódio e potássio,através da membrana celular, após uma série de impulsos nervosos.

Outra característica da condução saltatória nas grandes fibras mielí-nicas é a seguinte: o excelente isolamento criado pela membrana demielina e a redução de 50 vezes da capacitância da membrana permitem

Flg. 5.16 Função da célula de Schwann no isolamento das fibrasnervosas. A, O enrolamento da membrana da célula de Schwann emtorno de axônio calibroso, para formar a bainha de mielina da fibranervosa mielínica. (Modificado de Leeson e Leeson: Hutohgy,Philadelphia, W.B. SaundersCo., 1919.) B, Evaginação da membrana edo citoplasma de célula de Schwann em torno de várias fibras nervosasamielínicas.

Fig. 5.17 Condução saltatória em axônio mielínico.

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que o processo de repolarização ocorra com transferência muito reduzidade íons. Assim, ao término do potencial de ação, quando os canaisde sódio começam a fechar, a repolarização ocorre de modo tão rápidoque, em geral, os canais de potássio ainda não estão abertos em númerosignificativo. Como resultado, a condução do impulso nervoso por fibranervosa mielínica é efetuada, quase que inteiramente, pelas variaçõesseqüenciais dos canais de sódio voltagem-dependentes, com contribuiçãomuito pequena dos canais de potássio.

VELOCIDADE DE CONDUÇÃO NAS FIBRAS NERVOSAS

A velocidade de condução nas fibras nervosas varia desde o mínimode 0,5 m/s, nas fibras amielínicas mais delgadas, até cerca de 100 m/s(o comprimento de um campo de futebol em um segundo), nas fibrasmielínicas mais calibrosas. Em termos aproximados, essa velocidade decondução aumenta em proporção direta com o diâmetro nas fibrasmielínicas e com a raiz quadrada do diâmetro da fibra nas amielínicas.

EXCITAÇÃO — O PROCESSO DE PRODUÇÃO DOPOTENCIAL DE AÇÃO

Basicamente, qualquer fator que faça com que os íons sódio possamfluir para o interior, através da membrana, em número significativo,irá deflagrar a abertura regenerativa, automática, dos canais de sódio.Isso pode resultar de perturbação mecânica da membrana, de efeitosquímicos sobre a membrana ou da passagem de eletricidade através damembrana. Todos esses processos ocorrem em diferentes territórios docorpo para a produção de potenciais de ação nos nervos e nos músculos:a pressão mecânica para a excitação de terminações nervosas sensoriaisda pele, os neurotransmissores químicos para a transmissão de sinaisde um neurônio para outro, no sistema nervoso central, c a correnteelétrica para a transmissão de sinais entre as células musculares docoração e do intestino. Com o objetivo de compreensão do processo daexcitação, vamos começar pela discussão dos princípios da estimulaçãoelétrica.

Excitação de fibra nervosa por eletródio metálico com carganegativa. O método mais comum para excitar um nervo ou músculo, nolaboratório, é o de aplicar eletricidade à superfície do nervo ou domúsculo por meio de dois pequenos eletródios, um dos quais temcarga negativa e o outro, carga positiva. Quando isso é feito, verifica-seque a membrana excitável é estimulada pelo eletródio negativo.

A causa desses efeitos é a seguinte. Deve ser lembrado que opotencial se inicia com a abertura dos canais de sódio voltagemdependentes. Ainda mais, esses canais são abertos pela diminuição davoltagem através da membrana. A corrente negativa que passa peloeletródio negativo reduz, imediatamente, a voltagem fora damembrana, reduzindo-a até bem próximo da voltagem negativa nointerior da fibra. Isso reduz a voltagem através da membrana,permitindo a ativação dos canais de sódio, disso resultando umpotencial de ação. Inversamente, no anódio a injeção de cargaspositivas, por fora da membrana neural, aumenta a diferença devoltagem através da membrana, e não a diminui. Isso causa estado de"hiperpolarização", que diminui a excitabilidade da fibra.

O limiar para excitação e os "potenciais locais agudos". Estímuloelétrico fraco pode não ser capaz de excitar uma fibra. Todavia, à medidaque o estímulo é progressivamente aumentado, é atingido um pontoonde vai ocorrer a excitação. A Fig. 5.18 mostra os efeitos de estímulossucessivos com intensidades crescentes. Estímulo muito fraco {(pontoA) faz com que o potencial de membrana varie de -90 para —85 mV,mas essa variação não é suficiente para que se desenvolva o processoregenerativo automático do potencial de ação. No ponto B, o estímuloé mais intenso, mas, de novo, ainda insuficiente. Não obstante, essesestímulos são capazes de alterar localmente o potencial de membranapor até um milissegundo ou mais, após cada um desses estímulos fracos.Essas variações locais do potencial são chamadas de potenciais locaisagudos, e, quando não são capazes de produzir potenciais de ação, sãoreferidos como potenciais subliminares agudos.

No ponto C da Fig. 5.18, o estímulo é ainda mais forte. Aí, opotencial local apenas atingiu o valor necessário para a produção depotencial de ação, que é chamado de valor limiar, mas o potencial deação só ocorre após certo tempo, que é chamado de "período latente".No ponto D, o estímulo é ainda mais forte, o potencial local é maior

Fig. 5.18 Efeito dos estímulos sobre o potencial de membranasexcitáveis, mostrando o desenvolvimento de "potenciais subliminaresagudos", quando os estímulos ficam abaixo do valor limiar necessário paraproduzir um potencial de ação.

e o potencial de ação ocorre a intervalo menor que o período latente.Assim, essa figura mostra que até mesmo um estímulo muito fracosempre causa variação locai de potencial na membrana, mas que aintensidade do potencial local deve atingir um valor limiar para que sejaproduzido um potencial de ação.

O "período retratário" durante o qual novos potenciais de açãonão podem ser produzidos

Um novo potencial de ação não pode ser produzido enquanto amembrana estiver despolarizada pelo potencial de ação precedente. Arazão disso é que, logo depois que se inicia um potencial de ação, oscanais de sódio (ou de cálcio, ou os dois) ficam inativados e qualquerquantidade de sinal excitatório que seja aplicada a esses canais nessafase não irá abrir as comportas de inativação. A única condição queas reabrirá é o retorno do potencial de ação ao valor (ou quase) dopotencial de membrana em repouso. Então, dentro de pequena fraçãode segundo, as comportas de inativação dos canais se abrem, e novopotencial de ação poderá ser produzido.

O intervalo de tempo durante o qual não pode ser produzido outropotencial de ação, mesmo com estímulo muito forte, é chamado deperíodo refratário absoluto. Esse período, para as grandes fibrasmielínicas, é da ordem de 1/2. 500 de segundo. Portanto, pode serfacilmente calculado que essa fibra poderá transmitir, no máximo, 2.500impulsos por segundo.

Após o período refratário absoluto, existe um período refratáriorelativo, com duração entre um quarto e um meio da do período absoluto.Durante ele, estímulos mais fortes que os normais são capazes de excitara fibra. Essa refratariedade relativa tem duas causas: (1) durante ela,alguns canais de sódio ainda não retornaram de seu estado de inativação,e (2) nela, os canais de potássio ainda estão, em geral, inteiramenteabertos, produzindo estado de hiperpolarização, que dificulta aestimulação da fibra.

INIBIÇÃO DA EXCITABILIDADE — "ESTABILIZADORES"E ANESTÉSICOS LOCAIS

Contrastando com os fatores que aumentam a excitabilidade neural,existem outros, chamados de fatores estabilizadores da membrana, quepodem diminuir a excitabilidade. Por exemplo, alta concentraçãoextracelular de íons cálcio diminui a permeabilidade da membrana, aomesmo tempo que também diminui sua excitabilidade. Por isso, os íonscálcio são ditos "estabilizadores". De igual modo, baixa concentração deíons potássio no líquido extracelular, por ter efeito direto de redução dapermeabilidade dos canais de potássio, também atua como estabilizadora,reduzindo a excitabilidade da membrana. Ainda mais, na doençahereditária designada como paralisia periódica familiar, a concentraçãoextracelular do íon potássio fica, muitas vezes, tão reduzida que a pessoachega, na verdade, a ficar paralisada, mas retorna ao normal,instantaneamente, após administração venosa de potássio.

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Anestésicos locais. Entre os mais importantes estabilizadores, sãoincluídas muitas substâncias usadas na clínica como anestésicos locais,como a procaína, a tetracaína e muitas outras. A maioria deles atuadiretamente sobre as comportas de ativação dos canais de sódio, fazendocom que sua abertura fique dificultada e, portanto, reduzindo aexcitabilidade da membrana. Quando a excitabilidade fica tão reduzidaa ponto da proporção entre a. força do potencial de ação e o limiar deexcitabilidade (chamada de "fator de segurança") ser menor que 1, 0, opotencial de ação não é capaz de atravessar a área anestesiada.

REGISTRO DOS POTENCIAIS DE MEMBRANA EDE AÇÃO

O osciloscópio de raios catódicos. Antes, neste capítulo, chamamosatenção para a rapidez com que o potencial de membrana varia nocurso do potencial de ação. Na verdade, todo o complexo do potencialde ação, nas fibras nervosas calibrosas, ocorre em menos de 1/1. 000de segundo. Em algumas figuras deste capítulo são mostrados medidoreselétricos para o registro dessas variações de potencial. Todavia, deveser entendido que qualquer sistema de medida capaz de registrar essasvariações de potencial deve ter respostas muito rápidas. Para os objetivospráticos, o único tipo comum de sistema de medida capaz de registrarcom precisão essas variações muito rápidas do potencial de membranaé o osciloscópio de raios catódicos.

A Fig. 5.19 apresenta os componentes básicos do osciloscópio deraios catódicos. O tubo de raios catódicos, em si, é composto basicamentepor um canhão de elétrons e por uma superfície fluorescente contra a qualsão lançados os elétrons. No ponto atingido pelos elétrons, a superfíciefluorescente brilha. Se o feixe de elétrons é movido através dasuperfície, o ponto brilhante também o faz, traçando linha fluorescenteao longo dela.

Além do canhão de elétrons e da superfície fluorescente, o tubode raios catódicos também dispõe de dois conjuntos de placaseletricamente carregadas, um desses conjuntos situado nos dois ladosdo feixe de elétrons e o outro acima e abaixo dele. Circuitos de controleeletrônico apropriados fazem variar a voltagem dessas placas, de modoque o feixe de elétrons possa ser deslocado para cima ou para baixo,em resposta aos sinais elétricos que vêm dos eletródios de registro nosnervos. Também, o feixe de elétrons pode ser passadohorizontalmente ao longo da superfície fluorescente ("varredura") comvelocidade constante. Esses dois efeitos dão origem ao registro mostradona face do tubo de raios catódicos, com uma linha de tempo horizontal ea variação de voltagem, nos eletródios dos nervos, no plano vertical. Deveser notado, na extremidade esquerda, o pequeno artefato do estímulo,causado pelo estímulo elétrico usado para produção do potencial deação; em seguida, aparece o próprio potencial de ação.

Registro do potencial de ação monofásico. Em todo este capítulo.

Fig. 5.19 O osciloscópio de raios catódicos, usado para o registro depotenciais de ação transientes,

Fig. 5.20 Registro de potenciais de ação bifásicos

as figuras apresentaram o potencial de ação "monofásico". Para o registrodesses potenciais, uma micropipeta com eletródio, mostrada no iníciodo capítulo, na Fig. 5.2, foi introduzida no interior da fibra. Em seguida,à medida que o potencial de ação se propaga ao longo da fibra, foramregistradas as variações de potencial no interior da fibra, como mostradonas Figs. 5.6, 5.10 e 5.13.

Registro do potencial de ação bifásico. Quando se deseja registraios impulsos em todo um tronco nervoso, não é possível a introduçãode eletródios no interior das fibras desse tronco. Portanto, o métodousual de registro é a colocação de dois eletródios por fora das fibras.Contudo, o registro que é obtido nessas condições é bifásico, pelasseguintes razoes: quando um potencial de ação que se propaga ao longodas fibras atinge o primeiro eletródio, este fica com carga negativa,enquanto o segundo ainda não é afetado. Isso faz com que o osciloscópioregistre deflexão negativa. Em seguida, com a continuação dapropagação do potencial de ação, ocorre um momento em que amembrana por sob o primeiro eletródio fica repolarizada, enquanto osegundo eletródio fica negativo e o osciloscópio registra deflexão nadireção oposta. Assim, um registro como o mostrado na Fig. 5.20, obtidopor osciloscópio, apresenta variação de potencial, primeiro em umadireção e, em seguida, na oposta.

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CAPÍTULO 6

Contração do Músculo Esquelético

Cerca de 40% do corpo são compostos por músculosesqueléticos e quase outros 10% são formados por músculos liso ecardíaco. Muitos dos princípios básicos da contração sãocomuns a todos esses tipos de músculos, mas, neste capítulo, serádiscutido principalmente o funcionamento do músculoesquelético; o funcionamento especializado do músculo liso édiscutido no Cap. 8 e o do músculo cardíaco, no Cap. 9.

ANATOMIA FUNCIONAL DO MÚSCULOESQUELÉTICO

A FIBRA MUSCULAR ESQUELÉTICA

A Fig. 6.1 apresenta a organização do músculo esquelético,mostrando que todos os músculos esqueléticos são compostospor numerosas fibras, com diâmetros variando entre 10 e 80µm. Por sua vez, cada uma dessas fibras é formada por diversassubunidades, cada uma menor que a outra, também mostradasna Fig. 6.1, que serão discutidas nos parágrafos subseqüentes.

Na maioria dos músculos, as fibras se estendem por todoo comprimento do músculo; exceto por cerca de 2% delas, sãoinervadas por terminação nervosa única, localizada perto do meioda fibra.

O sarcolema. O sarcolema é a membrana celular da fibramuscular. Contudo, o sarcolema é formado por uma verdadeiramembrana celular, chamada de membrana plasmática, e porrevestimento externo, composto de fina camada de materialpolissacarídico, contendo numerosas fibrilas finas de colágeno. Naextremidade da fibra muscular, esse revestimento superficial dosarcolema se funde com uma fibra tendinosa e essas fibrastendinosas se unem, formando feixes, até comporem um tendãomuscular que se insere no osso.

Miofíbrilas: os filamentos de actina e de miosina. Cadafibra muscular contém de muitas centenas a vários milhares demiofibrilas, representadas pelos numerosos círculos vazios navista em corte transverso da Fig. 6.1C. Cada miofibrila (Fig.6.1D e E), por sua vez, contém, lado a lado, cerca de 1.500filamentos de miosina e 3.000 filamentos de actina, que são grandesmoléculas poliméricas, responsáveis pela contração muscular.Esses filamentos são apresentados, em vista longitudinal, namicrofotografia eletrônica da Fig. 6.2 e são representados,esquematicamente, na Fig. 6.1 (partes E a L). Nesses esquemas,os filamentos grossos são os de miosina e os finos, os de actina.

Deve ser notado que os filamentos de actina e de miosinase interdigitam em parte, o que faz com que as miofibrilasapresentem faixas alternadas escuras e claras. As faixasclaras só contém filamentos de actina e são chamadas defaixas I, por serem isotrópicas à luz polarizada.

As faixas escuras contêm os filamentos de miosina além dasextremidades dos filamentos de actina e são chamadas defaixas A por serem anisotrópicas à luz polarizada. Tambémdevem ser notadas as pequenas projeções laterais dos filamentosde miosina. Elas são chamadas de pontes cruzadas: proeminamda superfície dos filamentos de miosina, por toda sua extensão,exceto na sua parte mais central. E a interação entre essaspontes cruzadas e os filamentos de actina que produz acontração.

A Fig. 6.1E também mostra que as extremidades dosfilamentos de actina estão presos ao chamado disco Z. Apartir desse disco, os filamentos se estendem, nas duasdireções, para se interdigitar com os filamentos de miosina.O disco Z, que é formado por proteínas filamentosas diferentesdas dos filamentos de actina e de miosina, passa de miofibrila amiofibrila, fixando-as entre si, ao longo de toda a espessura dafibra muscular. Por conseguinte, toda a fibra muscularapresenta faixas claras e escuras, como acontece com amiofibrila. Essas faixas dão ao músculo esquelético ecardíaco sua aparência "estriada".

A região de uma miofibrila (ou de toda uma fibra muscular)situada entre duas linhas Z consecutivas é chamada de sarcômero.Quando a fibra nervosa está em seu comprimento normal derepouso, completamente estirada, o sarcômero tem extensão decerca de 2 µm. Nesse comprimento, os filamentos de actina sesobrepõem totalmente aos filamentos de miosina e começama se sobrepor uns aos outros. Veremos adiante que, nessecomprimento, o sarcômero também é capaz de gerar sua forçamáxima de contração.

O sarcoplasma. As miofibrilas, no interior da fibra muscular,ficam suspensas em uma matriz, chamada de sarcoplasma,formada pelos constituintes intracelulares usuais. O líquido dosarcoplasma contém grandes quantidades de potássio e demagnésio, de fosfato e de enzimas protéicas. Também estápresente número imenso de mitocôndrias que ficam entre eparalelas as miofibrilas, situação indicativa da grande necessidadedas miofibrilas em contração de quantidade elevada de trifosfatode adenosina (ATP), formado nas mitocôndrias.

O retículo sarcoplasmático. Também existe no sarcoplasmaum extenso retículo endoplasmático, chamado, na fibra muscular,de retículo sarcoplasmático. Esse retículo apresenta organizaçãoespecial, muito importante para o controle da contraçãomuscular, o que é discutido no capítulo seguinte. Amicrofotografia eletrônica da Fig. 6.3 mostra a disposição desseretículo sarcoplasmático c indica como pode ser extenso. Ostipos de músculo de contração mais rápida possuem retículosarcoplasmático extremamente longo, indicando que essaestrutura é importante para a produção de contração muscularrápida, o que será também discutido adiante.

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Fig. 6.1 Organização do músculo esquelético, donível macroscópico ao molecular, f, G, He /sãocortes transversais nos níveis indicados. (Desenhode Sylvia Colard Keene; modificado de Fawcett:Bloom and Fawcett: A lextbook ofhistotogy.Philadelphia, W. B. Saunders Co., 1986).

O MECANISMO GERAL DA CONTRAÇÃO MUSCULAR

O desencadeamento e decurso de uma contração muscularocorre segundo as etapas sucessivas seguintes:

1. Um potencial de ação percorre um axônio motor atésuas terminações nas fibras musculares.

2. Em cada terminação, há secreção de pequena quantidadeda substância neurotransmissora, chamada acetilcolina.

3. A acetilcolina atua sobre área localizada da membranada fibra muscular, abrindo numerosos canais protéicosacetilcolina dependentes.

4. A abertura desses canais acetílcolina-dependentespermite o influxo de grande quantidade de íons sódio para ointerior da membrana da fibra muscular, no ponto da terminaçãonervosa. Isso produz um potencial de ação na fibra muscular.

5. O potencial de ação se propaga ao longo da membranada fibra muscular do mesmo modo como o faz nas membranasneurais.

6. O potencial de ação despolariza a membrana da fibra

muscular e também penetra profundamente no interior dessafibra. Aí, faz com que o retículo sarcoplasmático libere, paraas miofibrilas. grande quantidade de íons cálcio, que ficamarmazenadas em seu interior.

7. Os íons cálcio geram forças atrativas entre os filamentosde actina e de miosina, fazendo com que deslizem um em direçãoao outro, o que constitui o processo contrátil.

8. Após uma fração de segundo, os íons cálcio sãobombeados de volta para o retículo sarcoplasmático, ondepermanecemarmazenados até que ocorra novo potencial de ação muscular;termina a contração muscular.Vamos agora descrever omecanismo do processo contrátil, mas, no capítulo seguinte,retornaremos aos detalhes da excitação muscular.

MECANISMO MOLECULAR DA CONTRAÇÃOMUSCULAR

Mecanismo de deslizamento da contração. A Fig. 6.4apresenta o mecanismo básico da contração muscular. Na partede cima, mostra o estado relaxado de um sarcômero e, naparte de baixo, seu estado contraído. No estado relaxado, asextremidades dos filamentos de actina derivados de dois discos Zconsecutivos se superpõem apenas discretamente, enquanto, aomesmo tempo, se sobrepõem completamente aos filamentos demiosina.

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Fig. 6.2 Microfotografia eletrônica das miofibrilas de músculo, mostrando os detalhes da organização dos filamentos de actina e de miosina.Devem ser notadas as mitocôndrias, situadas entre as miofibrilas. (De Fawcett: The Cell. Philadelphia, W.B. Saunders Co., 1981.)

Por outro lado, no estado contraído, os filamentos de actinaforam tracionados para a parte média, de modo que ficam, nesseestado, bem mais sobrepostos que antes. Também, os discosZ foram puxados, pelos filamentos de actina, até as extremidadesdos filamentos de miosina. Na verdade, os filamentos de actinapodem ser tracionados tão intensamente que as extremidadesdos filamentos de miosina chegam a ficar dobradas durante ascontrações muito fortes. Assim, a contração muscular é causadapor mecanismo de deslizamento dos filamentos.

Mas, o que faz com que os filamentos de actinadeslizem, em direção central, por entre os filamentosde miosina? Isso é o resultado de forças mecânicasgeradas pela interação das pontes cruzadas dosfilamentos de miosina com os filamentos de actina, comodiscutiremos nas seções seguintes. Nas condições derepouso, essas forças estão inibidas, mas, quando opotencial de ação se propaga ao longo da membrana dafibra muscular, ele provoca a liberação de grandequantidade de íons cálcio no sarcoplasma que banha asmiofibrilas. Por sua vez, esses íon cálcio ativam as forças

Fig. 6.3. Retículo sarcoplasmático em torno dasmiofribrilas mostrandos, em corte transverso, os túbulosT ( setas). Que levam ao exterior da membrana da fibra eque contém líquido extracelular.

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Fig. 6.4 Os estados relaxado e contraído de unia miofibrila, mostrandoo deslizamento dos filamentos de actina (em preto) pelos espaços entreos filamentos de miosina (em vermelho).

Entre os filamentos, dando início à contração, mas também énecessária energia para que a contração possa seguir seucurso. Essa energia é derivada das ligações de alta energia doATP, que é degradado a difosfato de adenosina (ADP), paraliberar a energia necessária.

Nas seções seguintes, vamos descrever o que se sabe sobreos detalhes dos processos moleculares da contração. Para darinício a essa discussão, vamos, primeiro, caracterizar os detalhesdos filamentos de miosina e de actina.

CARACTERÍSTICAS MOLECULARES DOSFILAMENTOS CONTRÁTEIS

O filamento de miosina. O filamento de miosina é compostopor numerosas moléculas de miosina, cada uma com pesomolecular de cerca de 480.000. A Fig. 6.5A apresenta umadessas moléculas isolada; à parte B mostra o modo de organizaçãodessas moléculas para formar um filamento de miosina, bemcomo sua interação em um dos lados com as extremidades de doisfilamentos de actina.

A molécula de miosina é formada por seis cadeiaspolipeptídicas — duas cadeias pesadas, cada uma com pesomolecular de 200.000, e quatro cadeias leves, cada uma com pesomolecular de cerca de 20.000. As duas cadeias pesadas seenrolam, de modo espiralado, uma em torno da outra, paraformar uma dupla hélice. Contudo, uma das extremidades decada uma dessas cadeias se dobra para formar uma massa protéicaglobular, chamada de cabeça da miosina. Dessa forma, existemduas cabeças livres, situadas uma ao lado da outra, em uma dasextremidades da molécula em dupla hélice da miosina; a porçãoalongada dessa dupla hélice é chamada de cauda. As quatrocadeias leves também fazem parte das cabeças de miosina, duaspara cada cabeça. Essas cadeias leves participam do controledo funcionamento da cabeça, durante o processo de contração.

O filamento de miosina é formado por 200 ou mais moléculasindividuais de miosina. A parte central de um desses filamentosé mostrada na Fig. 6.5B, com as caudas das moléculas de miosinapresas entre si para formar o corpo do filamento, enquanto muitascabeças das moléculas pendem para fora e para os lados dessecorpo. Também, parte da porção helicoidal de cada moléculade miosina, junto com a cabeça, estende-se para o lado,formando, assim, um braço que afasta a cabeça do corpo, comomostrado na figura. Esses braços e a cabeça proeminentesformam, em seu conjunto, as pontes cruzadas. Acredita-se quecada ponte cruzada seja flexível em dois pontos, chamados dedobradiças;

Fig. 6.5 A, A molécula de miosina. B, A combinação de muitasmoléculas de miosina para formar um filamento de miosina. Também sãomostradas as pontes cruzadas e a interação entre as cabeças das pontescruzadas e os filamentos adjacentes de actina.

um fica localizado onde o braço se afasta do corpo do filamentode miosina e o outro, onde as duas cabeças se prendem ao braço.O braço dobrável permite que as cabeças sejam muito afastadasdo corpo do filamento de miosina ou que sejam trazidas paramuito próximo dele. As cabeças dobráveis são consideradas comotendo participação no próprio processo de contração, comodiscutiremos nas seções seguintes.

O comprimento total de cada filamento de miosina é muitouniforme, quase que exatamente 1,6 µm. Contudo, deve sernotado que não existem cabeças de pontes cruzadas no centroverdadeiro do filamento de miosina, em extensão de cerca de0,2µm, devido ao fato de os braços dobráveis se estenderempara as extremidades do filamento, a partir desse centro;conseqüentemente, só existem caudas das moléculas de miosinanesse centro, e não existem cabeças.

Agora, para completar esse quadro, o filamento de miosinaé, por sua vez, torcido, de modo que cada grupo consecutivode pontes cruzadas fica axialmente deslocado do grupei anteriorpor 120 graus. Isso assegura que as pontes cruzadas se estendamem todas as direções em torno do filamento.

Atividade de ATPase da cabeça de miosina. Outracaracterística da cabeça de miosina, essencial para a contraçãomuscular, é que ela atua como uma enzima do tipo ATPase.Como veremos adiante, essa propriedade permite que a cabeçaclive ATP e utilize a energia derivada das ligações fosfato dealta energia desse ATP para energizar o próprio processo dacontração.

O filamento de actina. O filamento de actina também écomplexo. É formado por três constituintes protéicos: actina,tropo-miosina e troponina.

O arcabouço do filamento de actina é uma molécula daproteína actina-F com dois filamentos, mostrada pelos doisfilamentos mais claros da Fig. 6.6. Esses dois filamentosformam hélice, do mesmo modo como acontece com a moléculade miosina, mas com uma volta completa a cada 70 nm.

Cada filamento da dupla hélice da actina-F é composto demoléculas polimerizadas de actina-G, cada uma com pesomolecular de cerca de 42.000. Existem aproximadamente 13dessas moléculas em cada revolução de um dos filamentos dahélice.

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Fig. 6.6 O filamento de actina, formado por dois filamentos helicoidaisde actina-F e por moléculas de tropomiosina que se encaixamfrouxamente nos sulcos entre os filamentos de actina. Preso a uma dasextremidades de cada molécula de tropomiosina existe um complexo detroponina que inicia a contração.

Em cada molécula de actina-G está fixada uma molécula deADP. Acredita-se que essas moléculas de ADP representem osítio ativo dos filamentos de actina, com que interagem osfilamentos de miosina para produzir a contração muscular. Ossítios ativos dos dois filamentos de actina-F ocorremescalonados, de modo que, ao longo de todo o filamento deactina, existe um sítio ativo a cada 2,7 nm.

Cada filamento de actina tem comprimento aproximado de1 µm. As bases desses filamentos são fortemente fixadas nosdiscos Z, enquanto as duas extremidades proeminam, nas duasdireções, para os sarcômeros adjacentes, situando-se nos espaçosentre as moléculas de miosina, como mostrado na Fig. 6.4.

As moléculas de tropomiosina. Os filamentos de actinacontêm outra proteína, a tropomiosina. Cada molécula detropomiosina tem peso molecular de 70.000 e comprimento de 40nm. Essas moléculas estão frouxamente fixadas aos filamentosde actina-F e enroladas, de forma espiralada, ao longo doslados da hélice de actina-F. No estado de repouso, acredita-seque as moléculas de tropomiosina fiquem sobrepostas aos sítiosativos dos filamentos de actina, de modo a impedir que ocorraatração entre os filamentos de actina c de miosina, paraprodução de contração. Cada molécula de tropomiosina recobrecerca de sete sítios ativos.

Troponina e sua participação na contração muscular. Aindaexiste outra molécula de proteína, chamada troponina, que ocorrefixada próximo da extremidade de cada molécula detropomiosina. Ela é, na verdade, um complexo de trêssubunidades protéicas, frouxamente interligadas, cada uma comparticipação específica no controle da contração muscular. Umadessas subunidades (troponina I) tem forte afinidade pelaactina, outra (troponina T) a tem pela tropomiosina e aterceira (troponina C), pelos íons cálcio. Acredita-se que essecomplexo fixe a tropomiosina a actina. Também é admitido quea forte afinidade da troponina pelos íons cálcio desencadeie oprocesso contrátil, como explicado na seção seguinte.

Interação da miosina, dos filamentos de actina edos íons cálcio para a produção da contração

Inibição do filamento de actina pelo complexotroponina-tropomiosina; ativação pelos íons cálcio. Umfilamento puro de actina, desprovido do complexo troponina-tropomiosina, fixa-se fortemente a moléculas de miosina, empresença de íons magnésio e ATP, ambos normalmenteabundantes na miofibrila. Contudo, se for adicionado ocomplexo troponina-tropomiosina, essa fixação não mais ocorre.Por conseguinte, acredita-se que os sítios ativos no filamentonormal de actina no músculo relaxado estejam inibidos oufisicamente recobertos pelo complexo troponina-tropomiosina.Conseqüentemente, esses sítios não podem fixar os filamentosde miosina para produzir a contração. Antes que a contraçãopossa ocorrer, o efeito inibitório do complexo troponina-tropomiosina deve ser, por sua vez, inibido.

Agora, vamos discutir o papel dos íons cálcio. Em presença degrandes quantidades de íons cálcio, o efeito inibitório datroponina-tropomiosina sobre os filamentos de actina ficainibido. Esse mecanismo ainda é desconhecido, mas umahipótese é a seguinte: quando os íons cálcio reagem com atroponina C — e cada uma dessas moléculas pode fixar-sefortemente a até quatro íons cálcio, mesmo quando estes estãopresentes em quantidades diminutas —, admite-se que o complexoda troponina sofra alteração conformacional que, de algummodo, traciona a molécula de tropomiosina e, supostamente, aempurra mais profundamente para o fundo do sulco entre osdois filamentos de actina. Isso "descobre" os sítios ativos daactina, o que permite o desenvolvimento da contração. Emboraesse seja um mecanismo hipotético, ele enfatiza, todavia, que arelação normal entre o complexo troponina-tropomiosina e aactina é modificada pelos íons cálcio, produzindo nova condiçãoque leva à contração.

Interação entre o filamento "ativado" de actina e as pontescruzadas da miosina — a teoria do "sempre em frente" dacontração. Tão logo o filamento de actina seja ativado pelos íonscálcio, as cabeças das pontes cruzadas imediatamente sãofixadas aos sítios ativos do filamento de actina e isso, dealguma maneira, faz com que aconteça a contração. Emboraainda seja desconhecido o modo preciso como essa interaçãoentre as pontes cruzadas e a actina produz a contração, foiproposta uma hipótese baseada em evidências consideráveis, quefoi chamada de teoria do "sempre em frente [walk-along] (outeoria da cremalheira) da construção.

A Fig. 6.7 apresenta o mecanismo postulado para o "sempreem frente". A figura mostra as cabeças de duas pontes cruzadasse fixando e se soltando dos sítios ativos do filamento de actina.Acredita-se que, quando uma cabeça se prende a um sítio ativo,essa fixação produz, ao mesmo tempo, profundas alterações nasforças intermoleculares entre a cabeça e o braço da ponte cruzada.O novo alinhamento de forças força a cabeça a se inclinar, emdireção do braço, trazendo junto o filamento de actina. Essainclinação da cabeça é chamada de movimento de tensão [powerstrake]. Em seguida, imediatamente após a inclinação, a cabeça,de modo automático, solta-se do sítio ativo, voltando à suaposição perpendicular normal. Nessa posição, ela se fixa anovo sítio ativo, localizado cm ponto mais adiante do filamentode actina; então, a cabeça se inclina de novo, para novomovimento de tensão, e o filamento de actina se desloca umpouco mais. Desse modo, as cabeças das pontes cruzadas seinclinam e se endireitam, seguindo sempre em frente ao longodo filamento de actina, em direção ao centro do filamento demiosina.

Acredita-se que cada ponte cruzada atueindependentemente de todas as outras, cada uma se fixando etracionando em ciclo contínuo, mas aleatório. Porconseguinte, quanto maior for o número de pontes cruzadasem contato com os filamentos de actina, em dado momento,maior será, teoricamente, a força da contração.

ATP como fonte de energia para a contração - as etapasquímicas do movimento das cabeças da miosina. Quando omús-

Fig. 6.7 O mecanismo "sempre em frente" para a contração do músculo

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culo se contrai sob o efeito de uma carga, é realizado trabalhoe é necessária energia. Grandes quantidades de ATP são clivadas,para formar ADP durante o processo da contração. Ainda mais,quanto mais trabalho for realizado pelo músculo, maior seráa quantidade clivada de ATP, o que é chamado de efeito Fenn.Embora ainda não seja conhecido de modo preciso como o ATPé utilizado para fornecer a energia para a contração, foi sugeridaa seqüência que se segue para o mecanismo desse processo:

1. Antes que comece a contração, as cabeças das pontescruzadas fixam ATP. A atividade de ATPase das cabeças damiosina cliva, imediatamente, o ATP, embora os produtos dessaclivagem — ADP e Pi — permaneçam presos à cabeça. Nesseestado, a conformação da cabeça é tal que ela se estendeperpendicularmente em direção ao filamento de actina,embora ainda não se fixe a ele.

2. Em seguida, quando o efeito inibitório do complexotroponina-tropomiosina for, por sua vez, inibido pelos íonscálcio, os sítios ativos do filamento de actina ficam descobertos,o que permite a fixação das cabeças de miosina a eles, comomostrado na Fig. 6.7.

3. A ligação entre a cabeça da ponte cruzada e o sítio ativodo filamento de actina provoca alteração conformacional dacabeça, fazendo com que ela se incline em direção ao braço dapontecruzada. Isso produz o movimento de tensão para tracionar ofilamento de actina. A energia que ativa o movimento de tensãoé a que já está armazenada, como uma mola "engatilhada",pela alteração conformacional da cabeça, quando a moléculade ATP foi clivada.

4. Uma vez tendo ocorrido a inclinação da cabeça, issopermite a liberação do ADP e do Pi que estavam, até então,presos à cabeça; no local de onde foi liberado o ADP, prende-seoutra molécula de ATP. Essa fixação, por sua vez, provoca odesprendimento da cabeça da actina.

5. Após a cabeça ter-se desprendido da actina, também éclivada a nova molécula de ATP, e a energia novamente"engatilha" a cabeça de volta a sua posição perpendicular,pronta para iniciar novo ciclo de movimento de tensão.

6. Então, quando a cabeça engatilhada, com sua energiaarmazenada derivada do ATP clivado, fixa-se a novo sítio ativono filamento de actina, ela torna-se desengatilhada, gerando novomovimento de tensão.

7. Dessa forma, o processo se repete por várias vezes, atéque os filamentos de actina puxem os discos Z até que pressionemas extremidades dos filamentos de miosina ou até que a cargaque atua sobre o músculo seja demasiadamente grande paraimpedir qualquer tracionamento adicional.

GRAU DE SUPERPOSIÇÃO DOS FILAMENTOS DEACTINA E DE MIOSINA - EFEITO SOBRE A TENSÃOQUE É DESENVOLVIDA PELO MÚSCULO EMCONTRAÇÃO

A Fig. 6.8 mostra o efeito do comprimento do sarcômeroe do grau de superposição dos filamentos de actina e de miosinasobre a tensão ativa que é desenvolvida durante a contraçãode uma fibra muscular. À direita são apresentados diferentesgraus de superposição dos filamentos de actina e de miosina,em diversos comprimentos do sarcômero. Nesse esquema, oponto D marca o afastamento do filamento de actina além daextremidade do filamento de miosina, sem qualquersuperposição. Nesse ponto, a tensão desenvolvida pelo músculoativado é zero. Em seguida, à medida que o sarcômero seencurta e os filamentos de actina começam a se sobrepor aos demiosina, começa o desenvolvimento de tensão, com aumentoprogressivo, até que o comprimento do sarcômero diminuapara cerca de 2,2 µm.

Fig. 6.8 Relação comprimento-tensão para um sarcômero isolado,mostrando a força máxima de contração ocorrendo quando osarcômero tem comprimento entre 2,0 e 2,2µm. No canto superior àdireita, são mostradas as posições relativas dos filamentos de actina e demiosina, para diferentes comprimentos do sarcômero, do ponto A aoponto D. (Modificado de Gordon, Huxley e Julian: The length-tensiondiagram of single vertebrate striated muscle fibers. J. Physiol., 77/.-28P,1964.)

Nesse ponto, o filamento de actina já se sobrepôs a todas aspontes cruzadas do filamento de miosina, mas ainda nãoatingiu o centro desse filamento. Com encurtamento aindamaior, o sarcômero mantém tensão máxima até o ponto B, comcomprimento desse sarcômero de cerca de 2,0 µm. Nesse ponto,as extremidades dos filamentos de actina começam a se sobreporumas às outras, além de estarem sobrepostas aos filamentos demiosina. Quando o comprimento do sarcômero cai de 2,0 µmpara cerca de 1,6 /ira, no ponto A, a força da contração diminui.É nesse ponto que os dois discos Z do sarcômero entram emcontato com as extremidades dos filamentos de miosina. Então,à medida que a contração prossegue, com comprimentos dosarcômero ainda menores, as extremidades dos filamentos demiosina são dobradas, como mostrado na figura, e a força dacontração diminui abrupta e aceleradamente.

Esse esquema demonstra que a contração máxima ocorrequando existe grau máximo de sobreposição entre os filamentosde actina e as pontes cruzadas dos filamentos de miosina, econfirma a hipótese de que, quanto maior for o número depontes cruzadas a puxar o filamento de actina, maior será a forçade contração.

Efeito do comprimento do músculo sobre a força de contraçãonos músculos íntegros. A curva superior da Fig. 6.9 é semelhanteà curva da Fig. 6.8, mas é obtida de músculos íntegros, em vezde fibra muscular isolada. O músculo íntegro contém grandequantidade de tecido conjuntivo; por outro lado, os sarcômeros,em diferentes partes do músculo, não se contraemnecessariamente de modo sinerônico. Como resultado, a curvatem dimensões algo diferentes das amostras para a fibramuscular isolada, mas, não obstante, sua forma é a mesma.

Deve ser notado, na Fig. 6.9, que, quando o músculo estáem seu comprimento normal de repouso, que corresponde acomprimento do sarcômero de cerca de 2 µm, sua contraçãotem força máxima. Caso o músculo seja estirado até comprimentomuito acima do normal antes da contração, esse músculo vaigerar elevada tensão de repouso, antes que ocorra a contração;essa tensão resulta das forças elásticas do tecido conjuntivo, dosarcolema, dos vasos sanguíneos, dos nervos etc. Contudo, oaumento da tensão durante a contração, chamado de tensão ativa,fica progressivamente menor, se o músculo for estirado além

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Fig. 6.9 Relação entre o comprimento do músculo e a força decontração.

de seu comprimento normal — isto é, até comprimento dosarcômero maior que cerca de 2,2µm. Na figura, isso émostrado pelo menor comprimento da seta.

RELAÇÃO ENTRE A VELOCIDADE DE CONTRAÇÃO E ACARGA

Um músculo se contrai de forma extremamente rápida quando suacontração não sofre oposição de qualquer carga - para um músculomédio, a contração máxima é atingida dentro de 0,1 s. Contudo, quandosão aplicadas cargas, a velocidade de contração diminui progressivamenteà medida que a carga for aumentada, como mostrado na Fig. 6.10.Quando a carga aumenta até igualar a força máxima que pode ser geradapelo músculo, a velocidade de contração é zero, e não ocorre contração,apesar da ativação das fibras musculares.

Essa velocidade decrescente em função do aumento da carga êcausada pelo fato de que a carga imposta a um músculo emcontração é uma força inversa que se opõe à força contrátil geradapela contração do músculo. Por conseguinte, a força efetivadisponível para produzir a velocidade de encurtamento fica diminuídaproporcionalmente.

Fig. 6.10 Relação entre a carga e a velocidade de contração em músculoesquelético com 8 cm de comprimento.

ENERGÉTICA DA CONTRAÇÃO MUSCULAR

Produção de trabalho durante a contração muscular

Quando um músculo se contrai, sob ação de carga, ele realizatrabalho. Isso significa que é transferida energia do músculo paraa carga externa, por exemplo, para elevar um objeto a umaaltura maior ou para sobrepujar resistência a movimento.

Em termos matemáticos, o trabalho é definido pela seguinterelação:

W = C x D

onde W é o trabalho produzido, C é a carga e D é a distânciapercorrida, sob ação da carga. A energia necessária para arealização do trabalho é derivada das reações químicas, nascélulas musculares, durante a contração, como descreveremos nasseções seguintes.

Fontes de energia para a contração muscular

Já vimos que a contração muscular depende da energiafornecida pelo ATP. A maior parte dessa energia é necessáriapara pôr em ação o mecanismo de "sempre em frente" por meiodo qual as pontes cruzadas puxam os filamentos de actina, maspequenas quantidades são necessárias para (1) bombear cálciodo sarcoplasma para o retículo sarcoplasmático, ao término dacontração, e (2) bombear íons sódio e potássio, através damembrana da fibra muscular, para manter o ambiente iônicoadequado para a propagação dos potenciais de ação.

Contudo, a concentração de ATP presente na fibra muscular,da ordem de 4 milimolar, só é suficiente para manter a contraçãopor, no máximo, 1 a 2 segundos. Felizmente, após o ATP tersido clivado a ADP, como descrito no Cap. 2, o ADP érefosforilado, para formar novo ATP, em fração de segundo.Existem várias fontes de energia para essa fosforilação.

A primeira fonte de energia que é utilizada para reconstituiro ATP é o composto fosfocreatina, que contém uma ligaçãofosfato de alta energia semelhante à do ATP. Essa ligação fosfatode alta energia da fosfocreatina contém quantidade pouco maiorde energia livre que a do ATP, como discutiremos em maioresdetalhes nos Caps. 67 a 72. Como resultado, a fosfocreatinaé clivada de imediato e a energia liberada provoca a ligaçãode novo íon fosfato ao ADP, para reconstituir o ATP. Todavia,o teor de fosfocreatina também é muito reduzido — apenas cincovezes maior que o do ATP. Como conseqüência, a energiacombinada do ATP e da fosfocreatina armazenados nomúsculo só c capaz de manter a contração máxima domúsculo por cerca de 7 a 8 segundos.

A mais importante fonte de energia a seguir, usada parareconstituir tanto o ATP como a fosfocreatina, é o glicogêniopreviamente armazenado nas células musculares. A rápidadegradação enzimática do glicogênio a ácido pirúvico e ácidolático libera energia que é utilizada para converter ADP emATP e esse ATP pode ser usado diretamente para energizar àcontração muscular ou para reconstituir a fosfocreatina. Aimportância desse mecanismo de "glicólise" é dupla. Primeiro, asreações glicolíticas podem ocorrer até mesmo na ausência deoxigênio, de modo que a contração muscular pode ser mantida,por breve período, na falta de oxigênio. Segundo, a velocidadecom que é formado o ATP, pelo processo glicolítico, é duasvezes e meia maior que a da formação de ATP pela reação dosnutrientes celulares com oxigênio. Todavia, infelizmente, ocorreacúmulo de muitos produtos finais da glicólise nas célulasmusculares, de modo que a glicólise, isoladamente, só podemanter a contração muscular máxima por cerca de 1 minuto.

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A última fonte de energia é o processo do metabolismooxidativo. Isso significa a combinação de oxigênio com os diversosnutrientes celulares para formar ATP. Mais de 95% de todaa energia utilizada pelos músculos em contrações continuadasde longa duração derivam dessa fonte. Os nutrientes que sãoconsumidos são os carboidratos, as gorduras e as proteínas. Paraa atividade muscular de duração extremamente longa — dealgumas horas —, a maior proporção da energia que éconsumida deriva, em sua maior parte, das gorduras.

Os detalhes dos mecanismos desses processos energéticossão discutidos nos Caps. 67 a 72. Além disso, a importânciados diversos mecanismos para liberação de energia em diferentesatividades esportivas é discutida no Cap. 81, que versa sobrea fisiologia do esporte.

Eficiência da contração muscular. A "eficiência" de uma máquinaou de um motor é calculada como a porcentagem da energia consumidaque é transformada em trabalho, e não em calor. A porcentagem daenergia consumida pelo músculo (a energia química dos nutrientes) quepode ser convertida em trabalho é de menos de 20 a 25%, o restantesendo transformado em calor. A razão para essa baixa eficiência é quecerca da metade da energia dos nutrientes é perdida na formação deATP e apenas cerca de 40 a 45% da energia do próprio ATP podemser, posteriormente, transformados em trabalho.

Só pode ser conseguida eficiência máxima quando o músculo secontrai com velocidade moderada. Se o músculo se contrair muitolentamente ou sem que ocorra algum movimento, são liberadas grandesquantidades de calor de manutenção durante o processo da contração,mesmo se estiver sendo realizado pouco ou nenhum trabalho, o quediminui a eficiência. Por outro lado, se a contração for muito rápida,grande parte da energia será consumida para vencer o atrito viscoso nointerior do próprio músculo, e isso também reduz a eficiência dacontração. Comumente, a eficiência máxima é obtida quando a velocidadeda contração é de cerca de 30% da velocidade máxima.

CARACTERÍSTICAS DA CONTRAÇÃO DE TODO OMÚSCULO

Muitas características da contração muscular podem serespecialmente demonstradas pela produção de abalos muscularesisolados. Isso pode ser conseguido por estimulação breve do nervo quevai para o músculo ou pela passagem de estímulo elétrico de curtaduração pelo próprio músculo, o que produz contração única e abruptado músculo, que dura fração de segundo.

Contrações isométrica e isotônica. Uma contração muscular é ditaisométrica quando o músculo não se encurta durante a contração e édita isotônica quando ele se encurta, com a tensão desenvolvida pelomúsculo permanecendo constante. Os métodos para o registro dessesdois tipos de contração muscular são mostrados na Fig. 6.11.

No método isométrico, o músculo se contrai contra um transdutor

Fig. 6.11 Sistemas para o registro de contrações isotônicas e isométricas.

de força, sem que varie seu comprimento, como mostrado à direitada Fig. 6.11. No método isotônico, o músculo se encurta sob ação deuma carga constante. Isso é mostrado à esquerda da figura, que apresentao músculo levantando um prato cheio de pesos. Obviamente, ascaracterísticas da contração isotônica dependem da carga contra a qual omúsculo vai contrair-se, bem como da inércia da carga. Por outro lado, ométodo isométrico só permite o registro, em sentido estrito, davariação da força da própria contração muscular. Como resultado, éusado com maior freqüência o método isométrico para a comparaçãoentre as características funcionais dos diversos tipos de músculo.

O componente elástico em série da contração muscular. Quando asfibras musculares se contraem sob ação de uma carga, as partes domúsculo que não se contraem — os tendões, as extremidades dosarcolema das fibras musculares por onde se fixam aos tendões e,talvez, os braços dobráveis das pontes cruzadas — são ligeiramenteestiradas, à medida que aumenta a tensão. Conseqüentemente, omúsculo vai encurtar-se por mais de 3 a 5% para compensar oestiramento desses elementos. Os elementos do músculo que sãoestirados durante a contração formam o componente elástico em sériedesse músculo.

CARACTERÍSTICAS DOS ABALOS ISOMÉTRICOSREGISTRADOS EM DIFERENTES MÚSCULOS

O corpo apresenta músculos esqueléticos de tamanho muito variado- desde o minúsculo músculo estapédio, no ouvido médio, com poucosmilímetros de comprimento e cerca de 1 mm de diâmetro, até o imensoquadríceps, meio milhão de vezes maior que o estapédio. Ademais,as fibras desses músculos podem ter diâmetro que varia do mínimo de10 µm até o máximo de 80 µm. Finalmente, a energética da contraçãomuscular varia consideravelmente de um músculo para outro. Porconseguinte, não surpreende que as características da contração musculardifiram entre todos esses músculos.

A Fig. 6.12 mostra as contrações isométricas de três tipos distintosde músculos esqueléticos: um músculo ocular, cuja contração dura menosque 1/40 de segundo; e o músculo gastrocnêmio, com contração durandocerca de1/15 de segundo; e o músculo solear com contração durando1/5 de segundo. É interessante que as durações de contração sejamadaptadas ao funcionamento dos músculos respectivos. Os movimentosoculares devem ser extremamente rápidos para manter a fixação dosolhos sobre objetos específicos, e o músculo gastrocnêmio devecontrair-se de forma moderadamente rápida para permitir velocidadesuficiente dos movimentos das pernas, do tipo correr ou pular,enquanto o músculo solear está relacionado, de modo prioritário, àcontração lenta para a sustentação contínua do corpo contra a ação dagravidade.

Fibras musculares rápidas e lentas. Como discutiremos em maiordetalhe no Cap. 84, sobre a fisiologia do esporte, cada músculo docorpo é formado por combinação das chamadas fibras musculares rápidase lentas, existindo outras fibras com características intermediárias entreesses dois extremos. Os músculos que reagem muito rapidamente são

Fig. 6.12 Duração das contrações isométricas de diferentes tipos demúsculos de mamíferos, mostrando o período latente da contraçãoentre o potencial de ação e a contração muscular.

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compostos por grande maioria de fibras rápidas, com número muitopequeno de fibras do tipo lento. Inversamente, os músculos querespondem de forma lenta, com contração longa, são compostos pormaioria de fibras lentas. As diferenças entre esses dois tipos de fibrassão as seguintes:

Fibras rápidas: (1) fibras muito maiores para uma maior força decontração; (2) retículo sarcoplasmático extenso, para a liberação rápidade íons cálcio, para desencadear a contração; (3) grande quantidadede enzimas glicolíticas para a liberação rápida de energia pelo processoglicolítico; (4) vascularização pouco extensa, pela importância secundáriado metabolismo oxidativo; (5) pequeno número de mitocôndrias,igualmente por ser o metabolismo oxidativo secundário.

Fibras lentas: (1) fibras menores; (2) também inervado por fibrasnervosas mais finas; (3) vascularização bem mais extensa, com muitoscapilares para fornecimento de quantidades adicionais de oxigênio; (4)número muito grande de mitocôndrias, permitindo a manutenção dealto nível do metabolismo oxidativo; (5) as fibras contêm grandequantidade de mioglobina, proteína contendo ferro, semelhante àhemoglobina das hemácias. A mioglobina se combina com o oxigênio,armazenando-o até que seja necessário, e acelera de muito otransporte de oxigênio para as mitocôndrias. A mioglobina dá aomúsculo lento uma coloração avermelhada, razão desses músculos seremchamados de músculos vermelhos, enquanto sua falta, nos músculosrápidos, os faz serem chamados de músculos brancos.

A partir dessas descrições, pode-se ver que as fibras rápidas sãoadaptadas para contrações musculares muito rápidas e fortes, como asque ocorrem nos saltos e na corrida curta. As fibras lentas são adaptadaspara a atividade muscular prolongada e contínua, como a de sustentaçãodo corpo contra a gravidade e atividades esportivas de longa duração,como a maratona.

MECÂNICA DA CONTRAÇÃO MUSCULARESQUELÉTICA

A unidade motora

Cada motoneurônio que emerge da medula espinhal inervanumerosas fibras musculares: esse número depende do tipo de músculo.Todas as fibras musculares inervadas por uma só fibra nervosa motoraformam a chamada unidade motora. Em geral, os músculos pequenos, quereagem rapidamente e cujo controle deve ser bastante precisa, têmunidades motoras com poucas fibras musculares (até apenas duas atrês fibras nos músculos laríngeos). Por outro lado, os músculos grandes,que não precisam de controle muito exato, como, por exemplo, o músculogastroenemio, podem ter unidades motoras com várias centenas de fibrasmusculares. Um valor médio para todos os músculos do corpo pode sertomado como sendo de cerca de 100 fibras musculares em cada unidademotora.

As fibras musculares de uma unidade motora não ficam todasgrupadas no músculo, mas, pelo contrário, ficam dispersas por todo omúsculo, em microfeixes de 3 a 15 fibras. Por conseguinte, essesmicrofeixes ocorrem intercalados com outros microfeixes de diversasunidades motoras. Essa interdigitação permite que as unidades motorasdistintas se contraiam em apoio umas às outras, e não de forma totalcomo se fossem segmentos isolados.

Ele é importante por permitir a gradação da força muscular, duranteuma contração fraca, em etapas pequenas; essas etapas ficamprogressivamente maiores quando são necessárias grandes imensidadesde força. A causa do princípio do tamanho é que as unidades motoraspequenas são ativadas por fibras nervosas motoras bastante delgadas e ospequenos motoneurônios da medula espinhal são, de longe, muito maisexcitáveis que os grandes, de modo que, naturalmente, eles são excitadosem primeiro lugar.

Outra característica importante da somação de fibras múltiplas éque as diferentes unidades motoras são ativadas de modo assincrônicopela medula espinhal, de modo que a contração se alterna entre diversasunidades motoras, umas se contraindo após outras, o que permite umacontração contínua e uniforme, mesmo sob baixas freqüências do sinalneural.

Somacão por freqüência e tetanização. A Fig. 6.13 apresenta osprincípios da somação por freqüência e da tetanização. À esquerda sãomostrados abalos isolados ocorrendo consecutivamente, produzidos porbaixas freqüências de estimulação. Em seguida, à medida que essafreqüência aumenta, é atingido um momento em que cada novacontração ocorre antes do término da precedente. Como resultado, asegunda contração é parcialmente somada à anterior, de forma que aforça total da contração aumenta progressivamente com a intensificaçãoda freqüência de estimulação. Quando essa freqüência atinge um nívelcrítico, as contrações sucessivas são tão rápidas que, verdadeiramente,se fundem entre si, e a contração aparece como uniforme e contínua,como mostrado na figura. Isso é chamado de tetanização. Comfreqüências ainda mais elevadas, a força da contração atinge seu máximo,de modo que qualquer aumento adicional da freqüência não produziráqualquer aumento da força contrátil. Isso decorre de que existemsuficientes íons cálcio no sarcoplasma, até mesmo no intervalo entre ospotenciais de ação, para manter o estado de contração máxima, sempermitir o relaxamento entre os potenciais de ação.

Força máxima de contração. A força máxima das contraçõestetânicas de músculo operando em seu comprimento normal 6, emmédia, de 3 a 4 kg/cm2 de músculo. Uma vez que o músculoquadríceps pode chegar a ter 40 centímetros quadrados em sua barriga,ele poderá exercer tensão, sobre o tendão patelar, de até 350 kg. Pode-se facilmente compreender como, por vezes, um músculo podedesinserir seu tendão do osso.

Variações da força muscular no início da contração — ofenômeno da escada (treppe). Quando um músculo começa a se contrairapós longo período de repouso, sua força inicial de contração pode serde apenas a metade da que será após os 10 a 50 abalos seguintes. Istoé, a força da contração aumenta até ser atingido um platô, um fenômenoconhecido como o efeito de escada ou treppe.

Embora ainda não sejam conhecidas» todas as causas possíveis parao efeito de escada, acredita-se que, primariamente, seja devido a aumentodo teor de íons cálcio no citosol, decorrente da liberação desses íonspelo retículo sarcoplasmático a cada potencial de ação e da incapacidadede recaptação imediata desses mesmos íons.

Contrações musculares com torça diferente — somação daforça

Somação significa a adição de todas as contrações individuais dosabalos para aumentar a intensidade da contração muscular global. Asomação pode ocorrer por dois modos distintos: (1) pelo aumento donúmero de unidades motoras que se contraem a um só tempo, o queé chamado de somação de fibras múltiplas, e (2) pelo aumento dafreqüência da contração, o que é chamado de somação por freqüência outetanização.

Somação de fibras múltiplas. Quando o sistema nervoso centralenvia um sinal fraco para contrair determinado músculo, as unidadesmotoras com fibras pequenas e em menor número são estimuladaspreferencialmente às maiores unidades motoras. Em seguida, à medidaque aumenta a intensidade do sinal neural, são estimuladas as unidadesmotoras progressivamente maiores, sendo que as unidades motoras muitograndes chegam a desenvolver, muitas vezes, mais de 50 vezes a forçacontrátil das unidades motoras menores. Isso é chamado de princípio dotamanho.

Fig. 6.13 Somação por freqüência e tetanização.

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Tônus do músculo esquelético

Mesmo quando os músculos estão em repouso, ainda persiste certograu de tensão. Isso é chamado de tônus muscular. Visto que as fibrasmusculares esqueléticas não se contraem sem que exista um verdadeiropotencial de ação para estimulá-las (exceto em algumas condiçõespatológicas), o tônus do músculo esquelético é totalmente dependente deimpulsos nervosos originados na medula espinhal. Esses impulsos, porsua vez, são, em parte, controlados por impulsos transmitidos doencéfalo para os motoneurônios anteriores correspondentes e, em parte,por impulsos que se originam dos fusos musculares localizados no própriomúsculo. Esses dois mecanismos são discutidos em relação aos fusosmusculares e ao funcionamento da medula espinhal no Cap. 54.

Fadiga muscular

Contrações fortes e prolongadas de um músculo levam ao estadobem conhecido de fadiga muscular. Estudos em atletas mostraram quea fadiga muscular aumenta quase em proporção direta com a intensidadeda depleção do glicogênio muscular. Por conseguinte, a maior parteda fadiga resulta, com muita probabilidade, simplesmente daincapacidade dos processos contrateis e metabólicos das fibrasmusculares de produzir, de modo contínuo, a mesma quantidade detrabalho. Todavia, experimentos demonstraram que a transmissão dosinal neural através da placa motora, que é discutida no capítuloseguinte, pode ficar diminuída após atividade muscular prolongada, oque diminuiria ainda mais a contração muscular.

A interrupção do fluxo sanguíneo para um músculo em contraçãoproduz fadiga muscular quase total em um minuto ou pouco mais, devidoà perda óbvia do fornecimento de nutrientes - em especial, a faltade oxigênio.

Os sistemas de alavanca do corpo

Obviamente, os músculos atuam pela aplicação de tensão a seuspontos de inserção nos ossos e, estes, por sua vez, formam vários tiposde sistemas de alavanca. A Fig. 6.14 apresenta o sistema de alavancaativado pelo músculo bíceps para elevar o antebraço. Se for admitidoque um músculo bíceps volumoso tenha área de seção transversa de15 cm2, ele seria capaz de desenvolver uma força máxima de contraçãoda ordem de 131 kg. Quando o antebraço forma precisamente um ânguloreto com o braço, a inserção do tendão do bíceps fica cerca de 5 cmadiante do fulcro do cotovelo, e o comprimento total da alavanca formadapelo antebraço é de 35 cm. Por conseguinte, a quantidade de potênciaelevatória que o bíceps poderá ter, ao nível da mão, seria apenas deum sétimo da força de 131 kg, ou seja, 19 kg. Quando o membro superiorestá em sua posição de extensão completa, a inserção do bíceps ficaabem menos que 5 cm anterior ao cotovelo, e a força com que o antebraçopode ser movido para a frente é bem menor que 19 kg.

Resumindo, a análise dos sistemas de alavanca do corpo dependede (1) conhecimento preciso do ponto de inserção muscular, (2) sua

Fig. 6.14 O sistema de alavanca ativado pelo músculo bíceps

distância do fulcro da alavanca, (3) o comprimento do braço da alavanca,e (4) a posição dessa alavanca. Obviamente, o corpo pode realizar muitose diferentes tipos de movimento, alguns exigindo grande força, outrosgrandes distâncias de deslocamento. Por essa razão, existem todas asvariedades de músculos; alguns são longos e se contraem por grandesdistâncias, outros são curtos, mas têm grandes áreas de seção transversa,e são capazes de desenvolver grandes forças contrateis durante pequenosencurtamentos. O estudo dos diferentes tipos de músculos, dos sistemasde alavancas e de seus movimentos é chamado de cinesiologia e é áreamuito importante da fisioanatomia humana.

"Posicionamento" de parte do corpo pela contração de músculosantagonistas nos lados opostos de uma articulação - "Co-ativação" dos músculos antagonistas

Virtualmente, todos os movimentos do corpo são causados pelacontração simultânea dos músculos antagonistas nos lados opostos dasarticulações. Isso é chamado de co-ativação dos músculos antagonistase é controlado pelos mecanismos motores do encéfalo e da medulaespinhal.

A posição de cada parte distinta do corpo, como, por exemplo,a de um membro, é determinada pelo grau relativo de contração dosgrupos de músculos antagonistas. Por exemplo, vamos admitir que ummembro seja colocado no ponto médio de sua faixa de movimento.Para que isso seja conseguido, os músculos antagonistas são excitadosaproximadamente com igual intensidade. Deve ser lembrado que ummúsculo estirado se contrai com mais força que um músculo retraído,como aparece na Fig. 6.9, que mostra a força máxima de contraçãopara o comprimento total do músculo, e quase nenhuma força paraa metade do comprimento normal do músculo. Por conseguinte, omúsculo antagonista mais longo se contrai com maior força que omúsculo mais curto. Conforme o membro se move para o ponto médio,a força do músculo mais longo diminui, ao mesmo tempo que a domúsculo mais curto aumenta, até que as duas forças fiquemperfeitamente iguala das. É nesse ponto que cessa o movimento domembro. Assim, ao variar a proporção entre os graus de ativação dosmúsculos antagonistas, o sistema nervoso direciona o posicionamentodo membro.

Veremos no Cap. 54 que o sistema nervoso motor também possuimecanismos adicionais muito importantes para compensar as diferentescargas impostas aos músculos durante esse processo de posicionamento.

REMODELAGEM DO MÚSCULO PARA ATENDER ASUA FUNÇÃO

Todos os músculos do corpo estão sob remodelamento contínuopara que melhor possam atender o que lhes é exigido. Seus diâmetrossão modificados, seus comprimentos são alterados, suas forças sãovariadas, suas vascularizações são modificadas e, até mesmo, os tiposde suas fibras são mudados, pelo menos, em pequeno grau. Esseprocesso de remodelagem é, muitas vezes, bastante rápido,ocorrendo dentro de poucas semanas. Na verdade, experimentos têmdemonstrado que, até mesmo em condições normais, as proteínascontráteis do músculo podem ser totalmente substituídas uma vez acada 2 semanas.

Hipertrofia e atrofia musculares

Quando a massa total de um músculo aumenta, ocorre a hipertrofiamuscular. Quando essa massa diminui, o processo é chamado de atrofiamuscular.

Virtualmente, toda hipertrofia muscular é resultado da hipertrofiadas fibras musculares isoladas, o que é chamado, simplesmente, dehipertrofia das fibras. Em geral, isso ocorre em resposta à contração domúsculo com força máxima ou quase máxima. Ocorre hipertrofiamuito mais acentuada quando o músculo é estirado durante o processocontrátil. Bastam apenas umas poucas dessas contrações, a cada dia,para que ocorra hipertrofia quase máxima dentro de 6 a 10 semanas.

Infelizmente, ainda é desconhecido o modo como as contraçõesfortes levam a hipertrofia. Todavia, é sabido que a velocidade da síntesedas proteínas contrateis do músculo é muito maior durante odesenvolvimento da hipertrofia que a velocidade de sua degradação,do que resulta aumento progressivamente maior do número defilamentos de actina e de miosina nas miofinrilas.

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Por sua vez, as miofibrilas se dividem no interior de cada fibra muscular,para formar novas miofibrilas. Dessa forma, é esse grande aumento donúmero de miofibrilas adicionais que produz a hipertrofia das fibrasmusculares.

Junto com o aumento do número de miofibrilas, os sistemasenzimáticos que fornecem energia também aumentam. Isso éespecialmente verdade para as enzimas da glicólise, permitindo umfornecimento rápido de energia durante as contrações» musculares fortes,durante breves períodos.

Quando um músculo permanece inativo por longos períodos, avelocidade de degradação das proteínas contrateis, bem como aredução do número de miofibrilas, é maior que a velocidade com que sãorepostas. Como resultado, ocorre atrofia muscular.

Ajuste do comprimento muscular. Ocorre outro tipo de hipertrofiaquando os músculos são estirados além de seu comprimento normal.Isso faz com que sejam adicionados novos sarcômeros nas extremidadesdas fibras musculares onde elas se fixam aos tendões. Na verdade, aadição desses novos sarcômeros pode ser bastante rápida, até de váriossarcômeros a cada minuto, demonstrando a grande rapidez desse tipode hipertrofia.

Inversamente, quando um músculo permanece retraído acomprimento menor que o seu normal por longos períodos, ossarcômeros nas extremidades das fibras desaparecem de modoigualmente rápido. É por esses processos que os músculos sãocontinuamente remodelados para terem o comprimento adequado parauma contração muscular apropriada.

Hiperplasia das Fibras musculares. Sob condições muito raras degeração de força muscular extrema, já foi observado aumento do númerode fibras musculares, mas de apenas uns poucos pontos percentuais,além da hipertrofia das fibras. Esse aumento do número de fibras échamado de hiperplasia das fibras. Quando ocorre, seu mecanismo éo da divisão longitudinal de fibras previamente hipertrofiadas.

Remodelagem das fibras "lentas" em corredores demaratona

Os músculos muito rápidos, de ação tipo mola, como o gastrocnêmio,só podem manter alto nível de força contrátil por períodos muito curtosde tempo de atividade contínua. Por conseguinte, os chamados músculoslentos, tais como o solear, são usados para as atividades prolongadas,tais como a corrida de maratona. Esses músculos não se hipertrofiamtanto como os músculos rápidos. Na verdade, eles são remodeladospor outro modo. A atividade prolongada, por períodos de muitas horasa cada dia, causa, além de hipertrofia das fibras, de discreta a moderada,as seguintes alterações que aumentam a capacidade das fibras deutilizarem os nutrientes:

1. Aumento da mioglobina em cada fibra, para o transporte deoxigênio para as mitocôndrias.

2. Número muito aumentado de mitocôndrias para formarquantidades muito maiores de ATP.

3. Quantidades aumentadas de enzimas oxidativas nessasmitocôndrias para provocar maior intensidade do metabolismooxidativo, o que aumenta ainda mais a produção de ATP.

4. Intenso crescimento de capilares no próprio músculo, resultandoem menor espaçamento desses capilares por entre as fibras musculares,de modo que o oxigênio e outros nutrientes possam ser rápida e facilmentefornecidos durante os períodos prolongados de atividade.

Efeitos da desnervação muscular

Quando um músculo fica privado de sua inervação, ele deixa dereceber os sinais contrateis necessários para manter suas dimensõesnormais. Como resultado, a atrofia começa quase imediatamente.Após cerca de 2 meses, começam a aparecer alterações degenerativasnas próprias fibras musculares. Se houver reinervação, ocorrerárestauração completa da função até, nas condições usuais, 3 meses; mas,após esse período, a capacidade de restauração funcional ficaprogressivamente menor, com perda definitiva de função após 1 a 2anos.

Nas etapas finais da atrofia de desnervação, a maior parte das fibrasmusculares já está destruída e substituída por tecido fibroso e gorduroso.As fibras remanescentes são formadas por longa membrana celular, comfileira de núcleos de células musculares, mas desprovidas de propriedades

contráteis e sem capacidade de regeneração de miofibrilas, caso ocorrareinervação.

Infelizmente, o tecido fibroso que toma o lugar das fibras muscularesdurante a atrofia de desnervação apresenta tendência a se retrair durantemuitos meses, o que é chamado de contratura. Por conseguinte, umdos mais importantes problemas na prática da fisioterapia é a de impedirque os músculos atróficos venham a desenvolver contraturas debilitantese desfigurantes. Isso é conseguido pelo estiramento diário dos músculosou pelo uso de aparelhos que mantenham os músculos estirados duranteo processo da atrofia.

Recuperação da contração muscular na poliomielite:desenvolvimento de unidades macromotoras. Quando algumas fibrasnervosas para um músculo são destruídas, com conservação de algumas,como ocorre freqüentemente na poliomielite, as, fibras remanescentesapresentam brotamentos de seus axônios que vão originar novos ramosaxônicos, que, por sua vez, vão formar muitas ramificações novas, que,em seguida, inervam muitas das fibras musculares paralisadas. Dissoresulta a formação de unidades motoras muito grandes, chamadas deunidades macromotoras, que chegam a conter número de fibrasmusculares cinco vezes maior que o número normal para cadamotoneurônio da medula espinhal. Isso, obviamente, reduz a precisãodo controle que deve existir sobre os músculos, mas, não obstante,permite que os músculos readquiram sua força.

RIGOR MORTIS

Várias horas após a morte, todos os músculos do corpo passampara um estado de contratura que é chamado de rigor mortis; isto é, omúsculo se contrai e fica rígido, mesmo sem potenciais de ação. Essarigidez é causada pela perda total de ATP, que é necessário para aseparação das pontes cruzadas dos filamentos de actina durante oprocesso de relaxamento. Os músculos permanecem em rigor até que asproteínas musculares sejam destruídas, o que, em geral, é causadopor autólise por enzimas liberadas dos lisossomas, cerca de 15 a 25horas após a morte; esse processo é mais rápido nas temperaturaselevadas.

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CAPÍTULO 7

Excitação da Contração do Músculo Esquelético: TransmissãoNeuromuscular e Acoplamento Excitação-Contração.

TRANSMISSÃO DOS IMPULSOS DOS NERVOSPARA AS FIBRAS MUSCULARES ESQUELÉTICAS:A PLACA MOTORA

As fibras musculares esqueléticas são inervadas por fibrasmielínicas grossas, originadas nos grandes motoneurônios da pontaanterior da medula espinhal. Como notado no capítulo anterior,cada uma dessas fibras nervosas em geral se ramificaextensamente e estimula de três a várias centenas de fibrasmusculares esqueléticas. A terminação nervosa forma umajunção, chamada de placa motora (ou junção neuromuscular),e o potencial de ação na fibra muscular se propaga nas duasdireções, dirigindo-se para as suas extremidades. Com exceçãode cerca de 2% das fibras musculares, só existe uma dessasjunções em cada fibra muscular.

Anatomia fisiológica da junção neuromuscular — a "placamotora". A Fig. 7.1 partes A e B, apresenta uma junçãoneuromuscular entre uma fibra mielínica calibrosa e uma fibramuscular esquelética. A fibra nervosa se ramifica, próximo de suaextremidade, formando numerosas terminações nervosas, que seinvaginam na fibra muscular, embora permaneçaminteiramente por fora da membrana plasmática dessa fibramuscular. Toda a estrutura resultante é revestida por uma oumais células de Schwann que a isolam dos líquidoscircundantes.

A Fig. 7.1 C mostra um esquema derivado demicrofotografias eletrônicas da junção entre terminaçãoaxônica única e a membrana da fibra muscular. Ainvaginação da membrana é chamada de goteira sináptica e oespaço entre a terminação axônica e a membrana da fibra é afenda sináptica. A fenda sináptica tem largura de 20 a 30 nm e érevestida por uma lâmina basal, formada por fina camada defibras reticulares esponjosas, através da qual se difunde o líquidoextracelular. No fundo dessa goteira existem dobras menores damembrana muscular, chamadas de pregas subneurais, queaumentam de muito a área da superfície sobre a qual vai atuar otransmissor sináptico.

Na terminação nervosa existem muitas mitocôndrias quefornecem energia, principalmente para a síntese do transmissorexcitatório acetileolina que, por sua vez, excita a fibramuscular. A acetileolina é sintetizada no citoplasma daterminação, sendo rapidamente absorvida para o interior denumerosas e pequenas vesículas sinápticas; nas condiçõesnormais, existem cerca de 300.000 dessas vesículas em cadaterminação axônica de placa motora.

Fixada à matriz da lâmina basal existe grande quantidade daenzima acetilcolinesterase, que é capaz de destruir a acetileolina,o que vai ser explicado adiante em maiores detalhes.

Secreção de acetileolina pelas terminações nervosas

Quando um impulso nervoso invade a junçãoneuromuscular, cerca de 300 vesículas de acetileolina sãoliberadas pelas terminações axônicas na goteira sináptica. A Fig.7.2 apresenta alguns detalhes desse mecanismo, mostrandoimagem ampliada de uma goteira sináptica com a membrananeural acima e a membrana muscular com suas fendassubneurais abaixo.

Existem na superfície interna da membrana neural barrasdensas lineares, mostradas em corte transverso na Fig. 7.2. Decada lado de uma barra densa existem partículas protéicas queatravessam toda a membrana, e que são consideradas comoformando canais de cálcio voltagem-dependentes. Quando opotencial de ação se propaga por toda a terminação, esses canaisse abrem, permitindo a difusão de grande quantidade decálcio para o interior da terminação. Os íons cálcio, por sua vez,exercem influência atrativa sobre as vesículas de acetileolina,puxando-as para a membrana neural adjacente às barras densas.Algumas dessas vesículas se fundem com a membrana neural eesvaziam seu conteúdo de acetileolina na goteira sináptica pelomecanismo de exoeitose.

Embora alguns dos detalhes descritos acima ainda sejamespeculativos, sabe-se que o estímulo efetivo para fazer comque a acetileolina seja liberada das vesículas é o influxo de íonscálcio. Ainda mais, o esvaziamento das vesículas ocorre namembrana adjacente às barras densas.

Efeito da acetilcolina para abrir os canais iônicos acetilcolina-dependentes. A Fig. 7.2 mostra muitos receptores paraacetilcolina na membrana muscular; na realidade, essesreceptores são canais iônicos acetilcolina-dependentes,localizados, em sua quase totalidade, próximo à entrada daspregas subneurais, situadas imediatamente abaixo da área dasbarras densas, onde a acetilcolina é liberada na fenda sináptica.

Cada receptor é um grande complexo protéico, com pesomolecular total de 275.000. O complexo é formado por cincosubunidades protéicas, que atravessam toda a espessura damembrana, uma ao lado da outra, formando um círculo quecircunda um canal tubular.

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Fig. 7.1 Diferentes aspectos da placa motora terminal.A, Seção longitudinal através da placa motora. B, Visãosuperficial da placa motora. C, Aspecto à micrografiaeletrônica dos pontos de contato entre uma dasterminações axonais e a membrana da fibra muscular,representando a área retangular mostrada em A. (DeBloom e Fawcett, como modificado de R. Couteaux: ATextbook of Histology. Philadelphia, W. B. SaundersCompany, 1975.)-

Esse canal permanece contraído até que a acetilcolina se fixe auma de suas subunidades. Isso provoca alteraçãoconformacional, abrindo o canal, como mostrado na Fig. 7.3;no painel superior, o canal está fechado, no inferior, aberto pelafixação de molécula de acetilcolina.

Quando aberto, o canal de acetilcolina tem diâmetro decerca de 0,65 nm, suficientemente grande para permitir apassagem de todos os íons positivos importantes — sódio (Na+),potássio (K+) e cálcio (Ca++) — com muita facilidade. Por outrolado, os íons negativos, como os íons cloreto, não passam porele, devido às fortes cargas negativas presentes em sua aberturaexterna.

Contudo, na prática, quantidade muito maior de íons sódiodo que de qualquer outro íon passa pelos canais de acetilcolina,por duas razões. Primeira, só existem dois íons positivos emconcentração suficientemente alta para terem importância: os

Fig. 7.2 Liberação de acetilcolina pelas vesículas sinápticas namembrana neural da placa motora. Notar a grande proximidade doslocais de liberação com os receptores para acetilcolina nas bocas daspregas subneurais.

Fig. 7.3 O canal da acetilcolina: acima, no estado fechado; abaixo, apôsfixação de acetilcolina, uma alteração conformacional abriu o canal,permitindo entrada de sódio em excesso na fibra muscular, excitandoa contração. Notar as cargas negativas na boca do canal que impedema entrada de íons negativos.

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íons sódio, no líquido extracelular, e os íons potássio, no líquidointracelular. Segunda, o potencial muito negativo vigente na faceinterna da membrana muscular, de cerca de - 80 a - 90 mV,puxa os íons sódio, com carga positiva, para o interior da fibra,ao mesmo tempo que impede o efluxo dos íons potássio, quandoestes tentam sair.

Por conseguinte, como mostrado no painel inferior da Fig.7.3, o resultado efetivo da abertura dos canais acetilcolina-dependentes é o de permitir a passagem de grande número deíons sódio para o interior da fibra, carregando com eles muitascargas positivas. Isso gera um potencial local no interior da fibra,chamado de potencial da placa, que leva a um potencial de açãona membrana muscular, produzindo, assim, a contraçãomuscular.

Destruição da acetilcolina liberada pela acetilcolineslerase.A acetilcolina, uma vez que tenha sido liberada na fendasináptica, continua a ativar os receptores para a acetilcolina,enquanto persistir na fenda. Contudo, ela é rapidamenteremovida por dois mecanismos. (1) A maior parte daacetilcolina é destruída pela enzima acetilcolinesterase, que, emsua maior parte, ocorre fixada à lâmina basal, a fina camadaesponjosa de tecido conjuntivo que enche a fenda sinápticaentre o terminal pré-sináptico e a membrana muscular pós-sináptica. (2) Pequena quantidade de acetilcolina se difundepara fora da fenda sináptica, não mais sendo disponível paraatuar sobre a membrana da fibra muscular.

Todavia, no intervalo de tempo extremamente breve emque a acetilcolina permanece na fenda sináptica — no máximode uns poucos milissegundos -, a acetilcolina é quase sempresuficiente para excitar a fibra muscular. Então, a rápida remoçãodessa acetilcolina impede a reexcitação muscular, após a fibrater-se recuperado do primeiro potencial de ação.

O "potencial da placa" e a excitação da fibra muscular esquelética.O influxo abrupto dos íons sódio para o interior da fibra muscular,conseqüente à abertura dos canais de acetilcolina, faz com que o potencialde membrana, na área localizada da placa motora, varie, em direçãoà positividade. por até 50 a 75 mV, gerando um potencial locai, chamadode potencial da placa. Deve ser lembrado do Cap. 5 que o aumentosúbito do potencial de membrana por mais de 15 a 30 mV é suficientepara desencadear o feedback positivo, efeito da ativação dos canais desódio, o que leva à compreensão de que o potencial de placa causadopela estimulação por acetilcolina é, em condições normais, mais quesuficiente para desencadear um potencial de ação na fibra muscular.

A Fig. 7.4 mostra como o potencial de placa pode produzir umpotencial de ação. Essa figura mostra três potenciais de placa distintos.Os potenciais da placa A e C são fracos demais para provocar umpotencial de ação, mas, não obstante, produzem os pequenos potenciaislocais mostrados na figura. Como contraste, o potencial da placa B ébem mais forte e provoca a ativação de canais de sódio em númerosuficiente para que o efeito auto-regenerativo do influxo crescente deíons sódio, para o interior da fibra, inicie um potencial de ação. Opequeno potencial da placa no ponto A foi produzido peloenvenenamento da fibra muscular com curare, substância que impede aação excitatória da acetilcolina sobre os canais de acetilcolina, aocompetir com a própria acetilcolina pela fixação ao seu receptor. Ooutro pequeno potencial da placa, no ponto C, resultou da aplicação detoxina botulínica, uma toxina bacteriana que reduz a liberação deacetilcolina pelas terminações nervosas.

O "fator de segurança" para a transmissão na placa motora -fadiga da junção. Comumente, cada impulso que chega à placa motoraprovoca um potencial de placa que é de três a quatro vezes maior queo necessário para estimular a fibra muscular. Por conseguinte, diz-seque a placa motora normal tem um fator de segurança muito alto.Todavia, a estimulação artificial da fibra nervosa, com freqüênciasacima de 100 por segundo, durante vários minutos, costuma diminuir onúmero de vesículas de acetilcolina liberadas a cada impulso, de modo quemuitos desses impulsos deixam de atingir a fibra muscular. Isso échamado de fadiga da placa motora, e é análoga à fadiga das sinapses nosistema nervoso central. Sob as condições normais de funcionamento, afadiga da placa motora só ocorreria raríssimas vezes e, assim mesmo, nosníveis mais extenuantes da atividade muscular.

Fig. 7.4 Potenciais de placa motora. A, Potencial de placa terminalreduzido, registrado num músculo curarizado, demasiado fraco paradeflagrar um potencial de ação. B, Potencial normal de placa motoraproduzindo um potencial de ação no músculo. C, Potencial de placamotora reduzido causado pela toxina botulínica que diminui a liberação deacetilcolina na placa, novamente muito fraco para deflagrar umpotencial de ação no músculo.

Biologia molecular da formação e da liberação deacetilcolina

Uma vez que a placa motora é suficientemente grande para serestudada com facilidade, ela é uma das poucas sinapses do sistemanervoso em que a maior parte dos detalhes da transmissão química jáfoi elucidada. Nessa junção, a formação e a liberação da acetilcolinaocorrem nas seguintes etapas;

1. Numerosas vesículas pequenas, com diâmetro de cerca de 40nm, são formadas no aparelho de Golgi, no corpo celular domotoneurônio da medula espinhal. Essas vesículas são, então,transportadas pela "torrente" do axoplasma pela parte central doaxônio, desde o corpo celular até a placa motora, na extremidade dafibra muscular. Cerca de 300.000 dessas vesículas são coletadas nasterminações nervosas de uma só placa terminal.

2. A acetilcolina é sintetizada no citosol das terminações das fibrasnervosas, mas é, em seguida, transportada através de suas membranaspara o interior das vesículas, onde fica armazenada de forma extremamente concentrada, com cerca de 1.000 moléculas de acetilcolina emcada vesícula.

3. Em condições de repouso, ocasionalmente uma vesícula se fundecom a membrana superficial da terminação nervosa, liberando seuconteúdo de acetilcolina na goteira sináptica. Quando isso ocorre,aparece um potencial miniatura de placa, com amplitude de 1 mV eduração de poucos milissegundos, restrito à área localizada da fibramuscular, devido à ação desse "pacote" de acetilcolina.

4. Quando um potencial de ação invade a terminação nervosa, eleinduz ã abertura de muitos canais de cálcio na membrana dessaterminação, visto que ela contém muitos canais.de cálcio voltagem-dependentes.Como resultado, a concentração de íons cálcio, no interior da terminação,aumenta por cerca de 100 vezes, o que, por sua vez, intensifica a fusãodas vesículas de acetilcolina com a membrana da terminação por cercade 10.000 vezes. Quando uma vesícula se funde, sua superfície externaatravessa a membrana celular, do que resulta a exoeitose da acetilcolinapara a goteira sináptica. Em geral, para cada potencial de ação, ocorrerotura de 200 a 300 vesículas. Em seguida, ainda na goteira sináptica,a acetilcolina é degradada, pela acetilcolinesterase, em íon acetato eem colina; essa colina é ativamente reabsorvida pela terminação neural,para ser reutilizada na síntese de acetilcolina. Toda essa seqüência levade 5 a 10 ms.

5. Após cada vesícula ter liberado seu conteúdo de acetilcolina,a membrana da vesícula passa a fazer parte da membrana celular.Contudo, o número de vesículas disponíveis na terminação neural ésuficiente para permitir a transmissão de apenas alguns milhares deimpulsos nervosos. Por conseguinte, para a continuidade dofuncionamento da placa motora, as vesículas devem ser recuperadas damembrana celular. Essa

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recuperação é realizada pelo processo de endocitose, que foi explicadono Cap. 2. Dentro de poucos segundos após o término do potencialde ação, "depressões revestidas" aparecem na superfície da membranada terminação neural, induzidas pelas proteínas contrateis do citosol,em especial pela proteína catrina, que fica fixada por baixo da membrananas áreas das vesículas originais. Dentro de 20 segundos, essas proteínasse contraem c fazem com que essas depressões passem para o interiorda terminação, formando novas vesículas. Dentro de mais poucossegundos, a acetílcolina é transportada para o interior dessas vesículas,que ficam, assim, prontas para novo ciclo de liberação de acetilcolina.

Substâncias que atuam sobre a transmissão na placamotora.

Substâncias que estimulam a fibra muscular por açãosemelhante à da acetilcolina. Muitos compostos distintos, incluindo ametacolina, o carbacol e a nicotina, têm o mesmo efeito sobre afibra muscular que a acetilcolina. A diferença entre esses compostose a acetilcolina é que eles não são degradados pela acetilcolinesterase,ou o são apenas muito lentamente, de modo que, quando aplicados àfibra muscular, sua ação persiste por muitos minutos, podendo durarvárias horas. Esses compostos atuam por produzir áreas localizadas dedespolarização na placa motora, onde ficam localizados os receptorespara a acetilcolina. Então, a cada vez que a fibra muscular ficarepolarizada em algum outro ponto, essas áreas despolarizadas, emvirtude de seu vazamento de íons, induzem novos potenciais de ação,o que leva a estado de espasmo.

Substâncias que bloqueiam a transmissão na placa motora.Um grupo de compostos, conhecidos como substâncias curare -miméticas, pode impedir a passagem dos impulsos da placa motora parao músculo. Assim, a D-tubocurarina atua sobre a membrana por competircom a acetilcolina pelos receptores da membrana, de modo que aacetilcolina não pode aumentar a permeabilidade dos canais deacetilcolina o suficiente para desencadear uma onda de despolarização.

Substâncias que estimulam a placa motora por inativação da acetilco-linesterase. Três compostos particularmente bem conhecidos, a neostig-mina, a fisostigmina e o diisopropil-fluorofosfato, inativam a acetilcoli-nesterase, de modo que a colinesterase presente normalmente nassinapses não hidrolisa a acetilcolina liberada na placa motora. Comoresultado, a quantidade de acetilcolina aumenta a cada impulso nervososucessivo, de forma que quantidades excessivas de acetilcolina podemficar acumuladas e, então, estimular repetitivamente a fibra muscular.Isso provoca espasmos musculares, até mesmo quando só uns poucosimpulsos atingem o músculo; isso pode levar à morte por espasmolaríngeo, que sufoca a pessoa.

A neostigmina e a fisostigmina se fixam à acetilcolinesterase,inativando-a por várias horas, após o que elas são deslocadas daacetilcolinesterase, que volta a ficar ativa. Por outro lado, o diisopropil-fluorofosfato, que tem uso militar potencial como um gás "dos nervos"muito potente produz inativação da acetilcolinesterase por váriassemanas, o que o torna um composto particularmente letal.

Miastenia gravis

A doença miastenia gravis, com incidência de uma entre cada 20.000pessoas, faz com que o paciente fique paralisado pela incapacidade dasplacas motoras de transmitir sinais da fibra nervosa para as fibrasmusculares. Em situações patológicas, foram demonstrados anticorposcontra as proteínas carreadoras acetileolina-dependentes na maioria dospacientes. Por conseguinte, acredita-se que a miastenia gravis é, namaior parte dos casos, doença auto-imune em que os pacientesdesenvolveram anticorpos contra seus próprios canais iônicosacetileolina-dependentes.

Independentemente da causa, os potenciais de placa que aparecemnas fibras musculares são por demais fracos para estimular comintensidade adequada as fibras musculares. Se a doença forsuficientemente grave, o paciente morre de paralisia — de modoespecial por paralisia dos músculos respiratórios. Contudo, a doençapode ser controlada pelo uso de neostigmina ou de qualquer outrocomposto com ação anticolines-terasica. Isso permite o acúmulo demaiores quantidades de acetilcolina na fenda sináptica. Dentro deminutos, algumas dessas pessoas paralisadas podem começar a atuar deforma quase normal.

O POTENCIAL DE AÇÃO MUSCULAR

Quase tudo o que foi discutido no Cap. 5 sobre odesencadeamento e a propagação de potenciais de ação nasfibras nervosas também é inteiramente aplicável às fibrasmusculares esqueléticas, exceto por diferenças quantitativas.Alguns dos aspectos quantitativos característicos dos potenciaismusculares são os seguintes:

1. Potencial de repouso da membrana: aproximadamente,- 80 a - 90 mV nas fibras esqueléticas - o mesmo que nasfibras mielínicas mais calibrosas.

2. Duração do potencial de ação: de 1 a 5 ms no músculoesquelético — cerca de cinco vezes maior que nas fibras nervosasmielínicas mais calibrosas.

3. Velocidade de condução: de 3 a 5 m/s — cerca de 1/18da medida nas grossas fibras nervosas mielínicas que inervamo músculo esquelético.

Propagação do potencial de ação para o interior dafibra muscular por meio do sistema de túbulostransversos

A fibra muscular esquelética é tão grossa que os potenciaisde ação que se propagam por sua membrana superficial produzemfluxo de corrente quase nulo na profundidade dessas fibras.Contudo, para que ocorra contração, essas correntes elétricasdevem penetrar ate a vizinhança imediata de todas asmiofibrilas. Isso é conseguido pela transmissão dos potenciais deação pelos túbulos transversos (túbulos T) que atravessam toda aespessura da fibra muscular, de um lado a outro. Os potenciaisde ação nos túbulos T, por sua vez, fazem com que o retículosarcoplasmático libere íons cálcio na vizinhança imediata detodas as miofibrilas, e esses íons cálcio, então, induzem àcontração. Esse processo global é chamado de acoplamentoexcitação-contração. Vamos, agora, descrevê-lo com muitomais detalhe.

ACOPLAMENTO EXCITAÇÃO-CONTRAÇÃO

O sistema túbulo transverso-retículo sarcoplasmático

A Fig. 7.5 mostra diversas miofibrilas envoltas pelo sistematúbulo T-retículo sarcoplasmático. Os túbulos transversos sãomuito delgados e seu percurso é transversal as miofibrilas.Começam na membrana celular e atravessam, de um lado aoutro, toda a espessura da fibra muscular, até sua faceoposta. Não é mostrado na figura que esses túbulos se ramificame se interconectam, para formar verdadeiros planos de túbulos T,interligados por entre todas as diferentes miofibrilas. Também,deve ser notado que, onde os túbulos T se originam damembrana celular, eles ficam abertos para o exterior.Conseqüentemente, eles se comunicam com o líquido que banhaa fibra muscular, contendo líquido extracelular em seus lumens.Em outras palavras, os túbulos T são extensões internas damembrana celular. Por conseguinte, quando um potencial deação se propaga pela membrana de uma fibra muscular, eletambém se propaga, por meio dos túbulos T, para aprofundidade interior da fibra muscular. As correntes dopotencial de ação, em torno desses túbulos T, induzem acontração muscular.

A Fig. 7.5 também mostra o retículo sarcoplasmático,representado em vermelho. Ele é composto por duas estruturas:(1) os longos túbulos longitudinais, com percurso paralelo aodas miofibrilas e que terminam em (2) grandes câmaras,chamadas de cisternas terminais, acopladas aos túbulostransversos. Quando

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Fig. 7.5 Sistema retículo sarcoplasmático-túbulotransverso. Observem-se lúbuhs longitudinais queterminam em grandes cisternas. As cisternas, porsua vez, entram em contato com os túbulostransversos. Observe-se também que os túbulostransversos se comunicam com o exterior damembrana celular. Esta ilustração foi desenhada apartir do músculo de rã. que apresenta um túbulotransverso por sarcômero, localizado na linha Z. Umarranjo semelhante é encontrado em músculocardíaco de mamífero, sendo que o músculoesquelético de mamífero, no entanto, apresenta doistúbulos transversos por sarcômero localizados nasjunções A-I. (De Bloom e Fawcett: A Textbook ofHistology. Philadelphia. W. B. Saunders Company.1986. Modificado de Pea-chey: J. Cell BioL,25:209, 1965. Desenhado por Sylvia ColardKeene.)

a fibra muscular é cortada longitudinalmente, paramicrofotografias eletrônicas, a imagem resultante mostra esseacoplamento das cisternas aos túbulos transversos, o que dá aoconjunto a aparência de uma tríade, com um pequeno túbulocentral e uma grande cisterna de cada lado. Isso é mostrado naFig. 7.5 e também aparece na microfotografia eletrônica da Fig.6.3.

Nos músculos de animais inferiores, como a rã, existe redeúnica de túbulos T para cada sarcômero localizada ao níveldo disco Z, como mostrado na Fig, 7.5. O músculo cardíacotambém apresenta esse tipo de sistema de túbulos T. Contudo,no músculo esquelético de mamíferos, existem duas redes detúbulos T para cada sarcômero, localizados próximo das duasextremidades dos filamentos de miosina, que são os locais ondesão geradas as forças mecânicas efetivas da contração muscular.Dessa forma, o músculo esquelético de mamífero é otimamenteorganizado para a excitação rápida da contração muscular.

LIBERAÇÃO DE ÍONS CÁLCIO PELO RETÍCULOSARCOPLASMÁTICO

Uma das características especiais do retículo sarcoplasmáticoé que ele contém íons cálcio em concentrações muito elevadas,e muitos desses íons são liberados quando o túbulo T adjacenteé excitado.

A Fig. 7.6 mostra que o potencial de ação do túbulo Tproduz fluxo de corrente através das pontas das cisternas acopla-

das a esse túbulo T. Nesses pontos, cada cisterna projeta pésde juntura que se prendem à membrana do túbulo T,presumivelmente facilitando a passagem de algum sinal dotúbulo T para a cisterna. É possível que esse sinal seja acorrente elétrica do próprio potencial de ação. Contudo,também existem razões para se acreditar que esse sinal poderiaser químico ou mecânico. Qualquer que seja a natureza dessesinal, ele provoca a abertura rápida de muitos canais de cálcionas membranas das cisternas e nos túbulos longitudinais doretículo sarcoplasmático que as continuam. Esses canaispermanecem abertos por poucos milissegundos; durante esseperíodo, os íons cálcio, responsáveis pela contração muscular,são liberados no sarcoplasma que banha as miofibrilas. Os íonscálcio que são, assim, liberados pelo retículo sarcoplasmático sedifundem até as miofibrilas adjacentes, onde vão se fixarfortemente a troponina C, como descrito no capítulo anterior, eisso induz à contração muscular.

A bomba de cálcio para a remoção dos tons cálcio do líquidosarcoplasmático. Uma vez tendo ocorrido a liberação de íonscálcio pelo retículo sarcoplasmático e sua difusão até asmiofibrilas, a contração muscular vai ocorrer enquanto os íonscálcio permanecerem em concentração elevada no líquidosarcoplasmático. Todavia, uma bomba de cálcio continuamenteativa situada nas paredes do retículo sarcoplasmático bombeia osíons cálcio do líquido sarcoplasmático para o interior dos túbulossarcoplas-máticos. Essa bomba é capaz de concentrar os íonscálcio no interior do retículo sarcoplasmático por cerca de10.000 vezes.

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Fig. 7.6 Acoplamento excitação-contraçáo no músculo,mostrando um potencial de ação que causa a liberação deíons cálcio do retículo sarcoplasmático e a sua recaptação poruma bomba de cálcio.

Além disso, existe no interior desse retículo uma proteína,chamada 3e calsequestrina, que pode fixar quantidade decálcio 40 vezes maior que a existente no estado iônico, o quegera aumento da capacidade de armazenamento do cálcio de 40vezes. Assim, essa transferência maciça de cálcio para o retículosarcoplasmático produz depleção quase total dos íons cálcio nolíquido que banha as miofibrilas. Por conseguinte, excetoimediatamente após um potencial de ação, a concentração deíons cálcio nas miofibrilas é mantida em valor extremamentebaixo.

O "pulso" excitatório de íons cálcio. A concentração normal(de menos de 10- 7 molar) dos íons cálcio no citosol que banhaas miofibrilas é pequena demais para induzir à contração. Porconseguinte, no estado de repouso, o complexo troponina-tropo-miosina mantém os filamentos de actina inativos, mantendo oestado relaxado do músculo.

Por outro lado, a excitação completa do sistema túbulo T-retículo sarcoplasmático provoca liberação de quantidadesuficiente de íons cálcio para aumentar sua concentração nolíquido miofibrilar até 2 x 10-4 molar, que é cerca de 10vezes maior que o teor necessário para induzir a contraçãomáxima do músculo (aproximadamente, 2 X 10-5 molar).

Imediatamente após, a bomba de cálcio volta a depletar osíons cálcio. Esse "pulso" de cálcio na fibra muscularesquelética típica dura cerca de 1/20 de segundo, embora suaduração possa ser várias vezes maior em certos tipos de fibrasmusculares esqueléticas e também várias vezes menor em outros(no músculo cardíaco, esse pulso de cálcio dura até 1/3 desegundo, devido à longa duração do potencial de açãocardíaco). É durante esse pulso de cálcio que ocorre acontração. Caso a contração deva continuar por período maisprolongado, deve ser desencadeada uma série desses pulsos, porseqüência continuada de potenciais de ação repetidos, comodiscutido no capítulo anterior.

REFERÊNCIAS

Ver referências dos Caps. 5 e 6.

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CAPÍTULO 8

Contração e Excitação do Músculo Liso

CONTRAÇÃO DO MÚSCULO LISO

Nos dois capítulos anteriores, a discussão versou sobre omúsculo esquelético. Vamos, agora, passar para o músculo liso,formado por fibras bem menores — em geral, com diâmetrode 2 a 5 µm e comprimento de apenas 20 a 500 µm — emrelação ao músculo esquelético, com fibras de diâmetro 20 vezesmaior e comprimento milhares de vezes maior. Não obstante,muitos dos princípios básicos da contração se aplicam tanto aomúsculo liso como ao músculo esquelético. O que é maisimportante, essencialmente as mesmas forças atrativas entre osfilamentos de miosina e de actina geram a contração no músculoliso, como fazem no músculo esquelético, mas a organizaçãofísica interna das fibras do músculo liso é inteiramente diferente,como será mostrado adiante.

TIPOS DE MÚSCULO LISO

O músculo liso encontrado em um órgão é diferente dopresente nos demais por vários aspectos: dimensões físicas,organização em feixes ou camadas, resposta a diversos tipos deestímulos, características de inervação e de função. Todavia, parasimplificar, o músculo liso é geralmente dividido em dois tiposprincipais, mostrados na Fig. 8.1: o músculo liso multiunitário eo músculo liso de uma só unidade.

Músculo liso multiunitário. Esse tipo de músculo liso éformado por fibras independentes de músculo liso. Cada fibraatua de modo completamente independente das demais e, muitasvezes, é inervada por terminação nervosa única, como acontececom as fibras musculares esqueléticas. Ademais, as superfíciesexternas dessas fibras, como as das fibras musculares esqueléticasé revestida por fina camada de uma substância "semelhante àmembrana basal", uma mistura de fibrilas de colágeno e deproteoglicanos que participa do isolamento da fibra de suasvizinhas.

A característica mais importante das fibras do músculo lisomultiunitário é que cada fibra pode contrair-seindependentemente das outras, e elas são controladas, emgrande parte, por sinais neurais. Isso contrasta com o controlepredominante nos músculos lisos viscerais, por estímulos não-neurais. Característica adicional é a de que só muito raramenteesses músculos apresentam contrações espontâneas.

Alguns exemplos de músculo liso multiunitário são as fibrasmusculares lisas do músculo ciliar do olho, a íris do olho, amembrana nictitante que recobre o olho em alguns animaisinferiores e os músculos piloeretores que produzem a ereçãodos pêlos, quando estimulados pelo sistema nervoso simpático.

Músculo liso de uma só unidade. A expressão "de uma só

unidade" gera confusão por não significar fibras muscularesúnicas. Ao contrário, ela define grande massa de centenas amilhões de fibras musculares que se contraem juntas, como umasó unidade. Essas fibras ocorrem em geral em feixes ou camadase suas membranas celulares são aderentes entre si, em diversospontos, de modo que a força gerada por uma fibra muscular podeser transmitida à seguinte. Além disso, as membranas celularessão unidas por muitas junções abertas, o que permite o fluxode íons de uma célula a outra, de modo que o potencial deação se propaga de uma fibra para a seguinte, fazendo com quetodas as fibras musculares se contraiam a um só tempo. Essetipo de músculo liso também é chamado de músculo lisosincicial, devido as interconexões entre suas fibras. Dado queesse tipo de músculo é encontrado na parede da maioria dasvísceras do corpo - inclusive no intestino, vias biliares, ureteres,útero e muitos vasos sanguíneos —, ele também é, muitas vezes,referido como músculo liso visceral.

O PROCESSO CONTRÁTIL NO MÚSCULO LISO

A base química para a contração do músculo liso

O músculo liso contém tanto filamentos de actina como demiosina, ambos com características químicas semelhantes às dosfilamentos de actina e de miosina do músculo esquelético.Todavia, ele não contém troponina, de modo que o mecanismopara o controle da contração é inteiramente diferente. Isso serádiscutido em detalhe em seção subseqüente deste capítulo.

Estudos químicos mostraram que a actina e a miosinaextraídas do músculo liso interagem entre si de modo quaseidêntico ao da actina e miosina extraídas do músculoesquelético. Ainda mais, o processo contrátil é ativado pelos íonscálcio e o trifosfato de adenosina (ATP) é degradado a difosfatode adenosina (ADP) para o fornecimento de energia para acontração.

Por outro lado, existem diferenças importantes entre aorganização física do músculo liso e a do músculo esquelético,bem como diferenças no acoplamento excitação-contração, nocontrole do processo da contração pelos íons cálcio, naduração da contração e na quantidade de energia necessáriapara o processo contrátil.

A base física da contração do músculo liso

O músculo liso não apresenta a disposição estriada dosfilamentos de actina e de miosina encontrada nos músculosesqueléticos. Durante muito tempo foi impossível identificar,mesmo em microfotografias eletrônicas, qualquer organizaçãoespecífica na célula muscular lisa que pudesse explicar suacontração.

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Fig. 8.1 O músculo liso multiunitário e o de uma só unidade.

Contudo, usando-se métodos especiais de preparação paramicroscopia eletrônica, foi possível a sugestão da organizaçãofísica mostrada na Fig. 8.2. Ela mostra grande número defilamentos de actina presos aos chamados corpos densos. Algunsdesses corpos densos estão fixados à membrana celular. Outrosocorrem dispersos no interior da célula e são mantidos emseus lugares por malha de proteínas estruturais que osinterconecta. Deve ser notado na Fig. 8.2 que alguns doscorpos densos fixados à membrana de células adjacentes estãointerligados por pontes de proteínas intracelulares. Éprincipalmente por meio dessas interligações que a força dacontração é transmitida de uma célula para a seguinte.

Espalhados entre os numerosos filamentos de actina existemalguns filamentos de miosina. Esses filamentos de miosina têmdiâmetro mais de duas vezes maior que o dos filamentos deactina. Quando vistos em corte transverso, em microfotografiaseletrônicas, podem ser contados até 15 vezes mais filamentosde actina que de miosina. Parte dessa diferença é causada pelofato de que a proporção entre os comprimentos dos filamentosde actina e de miosina, no músculo liso, é bem maior que aencontrada no músculo esquelético. Por conseguinte, aprobabilidade de se ver um excesso de filamentos de actina é bemmaior. Não obstante, fica-se impressionado com a raridade dosfilamentos de miosina em relação aos de actina.

A direita da Fig. 8.2 é mostrada a estrutura sugerida dasunidades contrateis isoladas das células musculares lisas, comgrande número de filamentos de actina se irradiando de doiscorpos densos; esses filamentos se sobrepõem a filamento únicode miosina, situado a meia distância entre os dois corpos densos.É óbvio que essa unidade contrátil é semelhante à unidadecontrátil do músculo esquelético, sem, contudo, apresentar aregularidade estrutural característica deste último; na verdade,os corpos densos do músculo liso desempenham o mesmo papeldos discos z do músculo esquelético

Comparação entre as contrações do músculo liso e domúsculo esquelético

Embora o músculo esquelético se contraia com muitarapidez, a maioria das contrações do músculo liso resulta emcontrações tônicas prolongadas, algumas vezes perdurando porhoras e até por dias. Por conseguinte, pode ser previsto que ascaracterísticas tanto físicas como químicas das contrações dosmúsculos.

Fig. 8.2 A estrutura física do músculo liso. A fibra na parte superioresquerda da figura mostra filamentos de actina irradiando de "corposdensos". O detalhe à direita da fibra inferior apresenta as inter-relaçõesentre os filamentos de miosina e os de actina.

lisos difiram das contrações dos músculos esqueléticos. Algumasdessas diferenças são as seguintes:

Ciclos lentos das pontes cruzadas. A duração dos ciclos daspontes cruzadas no músculo liso — isto é, sua fixação a actina,em seguida seu desligamento dessa actina, e nova fixação paraoutro ciclo — é muito, mas muito maior no músculo liso queno músculo esquelético; na verdade, a freqüência desses ciclosno músculo liso é, no máximo, de 1/100 a 1/300 da do músculoesquelético. Contudo, admite-se que a fração de tempo em queas pontes cruzadas permanecem presas aos filamentos de actina,que é o principal fator determinante da força de contração, émuito maior no músculo liso. Uma razão possível para esseslentos ciclos é a de que as cabeças de miosina conteriam menosatividade de ATPase que no músculo esquelético, de modo quea degradação do ATP, energizadora dos movimentos das cabeças,ficaria muito reduzida, com diminuição correspondente dafreqüência dos ciclos.

Energia necessária para manter a contração do músculo liso.Apenas de 1/10 a 1/300 da energia consumida na manutenção

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de uma mesma tensão de contração é necessária no músculoliso, em relação ao músculo esquelético. Também isso éconsiderado como resultando da longa fixação de cada ciclo e deapenas uma molécula de ATP ser necessária para cada ciclo,independente de sua duração.

Essa economia na utilização de energia pelo músculo lisoé extremamente importante para a economia global de energiado corpo, dado que órgãos como os intestinos, a bexiga urináriae outras vísceras devem manter sua contração muscular tônicadurante todo o dia.

Lentidão do desenvolvimento da contração e do relaxamentodo músculo liso. Um tecido muscular liso típico começa a secontrair dentro de 50 a 100 ms após ter ficado excitado, atingesua contração máxima após 1/2 s e começa a apresentar declíniode sua força de contração decorridos outros 1 a 2 s, o que dáum tempo total de contração de 1 a 3 s. Isso corresponde àduração cerca de 30 vezes maior que a medida para um músculoesquelético médio. Contudo, devido à multiplicidade de tiposde músculos lisos, a contração de alguns pode durar apenas 0,2s, enquanto a de outros pode ser de até 30 s.

O lento início da contração do músculo liso c sua prolongadacontração são, provavelmente, causados pela lentidão da fixaçãoe do desligamento das pontes cruzadas. Além disso, o inícioda contração, em resposta aos íons cálcio, chamado de mecanismode acoplamento excitação-contração, é muito mais lento que nomúsculo esquelético, como será discutido adiante.

Força da contração muscular. Apesar do númerorelativamente pequeno de filamentos de miosina no músculo lisoe da duração prolongada dos ciclos das pontes cruzadas, a forçamáxima de contração que pode ser desenvolvida pelo músculoliso é, muitas vezes, bem maior que a do músculo esquelético -chegando até a 4 a 6 kg/cm2 da área da seção transversa domúsculo liso, em comparação a 3 a 4 kg para o músculoesquelético. Postula-se que essa grande força atrativa sejaresultante do prolongado período de fixação das pontes cruzadasda miosina aos filamentos de actina.

Encurtamento percentual do músculo liso durante acontração. Característica do músculo liso, que muito o distinguedo músculo esquelético, é a capacidade de se encurtar porporcentagem muito maior de seu comprimento que o músculoesquelético, enquanto mantém quase que a força total dacontração. O músculo esquelético tem comprimento utilizávelpara encurtamento de cerca de um terço de seu comprimentoestirado, enquanto o músculo liso pode, muitas vezes, encurtar-se efetiva-mente por mais de dois terços de seu comprimentoestirado. Isso permite ao músculo Uso o desempenho de funçõesespecialmente importantes nas vísceras ocas, permitindo que ointestino, a bexiga, os vasos sanguíneos e outras estruturasinternas do corpo variem seus diâmetros luminais desde valoresmuito grandes até quase zero.

Por que essa diferença entre o músculo liso e o músculoesquelético? A resposta a esta pergunta não é conhecida emsua totalidade, mas parecem existir duas razões prováveis.Primeira, é possível que algumas unidades contrateis do músculoliso apresentem superposição ótima entre os filamentos deactina e de miosina para determinados comprimentos domúsculo, enquanto outras unidades a teriam em comprimentosdiferentes desse músculo, não existindo sincronia entre todas asunidades contrateis, como acontece normalmente no músculoesquelético. Como resultado, pode ser atingido alto grau deencurtamento. Segunda, os filamentos de actina são muito maislongos no músculo liso que no esquelético. Como resultado,esses filamentos podem ser puxados por sobre os filamentos deactina por distância muito maior, no caso do músculo Uso emcontração, do que pode ser durante a contração do músculoesquelético.

O mecanismo de “tranca” para a manutenção de contrações

muito prolongadas do músculo liso. Uma vez que se tenhadesenvolvido uma contração total no músculo liso, o grau deativação desse músculo pode ser, em geral, reduzido a nívelbem abaixo do inicial sem que, todavia, o músculo perca suaforça total de contração. Ainda mais, a energia consumidapara manter essa contração é, freqüentemente, minúscula -algumas vezes, de apenas 1/300 da energia necessária paramanter uma contração contínua comparável no músculoesquelético. Isso é chamado de mecanismo de “tranca”. Essemesmo efeito ocorre em grau mínimo no músculo esquelético,muitíssimo menor que no músculo liso.

A importância do mecanismo de tranca é a de que ele permitea manutenção de contração tônica prolongada, no músculo liso,por horas e horas, com consumo mínimo de energia. Por outrolado, quase nenhum sinal excitário, de fontes neurais ouhormonais, é necessário.

A causa do fenômeno de tranca é, fora de qualquer dúvida,relacionada ao prolongado período de fixação das pontes cruzadasde miosina aos filamentos de actina. Entretanto, desconhece-sepor que esse mecanismo é mais evidente em certos tipos demúsculo liso que em outros, bem como por que sua intensidadepode variar.

Relaxamento por estresse do másculo liso. Outracaracterística muito importante do músculo liso, em especial dotipo visceral de músculo liso encontrado em muitos órgãosocos, é sua capacidade de retornar quase que a sua força originalde contração segundos ou minutos após ter sido alongado ouencurtado. Por exemplo, aumento súbito do volume de líquidocontido na bexiga urinária provoca aumento substancial eimediato da pressão vesical. Contudo, durante os 15 s seguintes,apesar do contínuo estiramento da parede da bexiga, a pressãoretorna quase que a seu valor inicial. Se, em seguida, o volumefor novamente aumentado, o mesmo efeito torna a ocorrer.Quando o volume é abruptamente diminuído, a pressão cai,de início, a valores muito baixos, retornando após algunssegundos a seu valor original. Esse fenômeno é chamado derelaxamento por estresse. Sua importância óbvia é a de permitirque órgãos ocos mantenham aproximadamente a mesma pressãono interior de seus lumens, independentemente do comprimentode suas fibras musculares.

O fenômeno do relaxamento por estresse está,provavelmente, relacionado ao fenômeno da tranca. Quando omúsculo é inicialmente estirado, o fenômeno da tranca resiste àalteração do comprimento. Todavia, com os ciclos sucessivos dascabeças de miosina, durante os segundos a minutossubseqüentes, as cabeças se desligam é voltam a se prender empontos mais afastados dos filamentos de actina. Por conseguinte,em função do tempo, o comprimento do músculo se modifica,embora a tensão do músculo retorne até quase seu valor inicial,visto que o número das pontes cruzadas de miosina, causadorasda força contrátil, permanece muito próximo do que haviaantes.

REGULAÇÃO DA CONTRAÇÃO PELOS ÍONS CÁLCIO

Como é válido para o músculo esquelético, o fatordesencadeante na maioria das contrações do músculo liso é umaumento da concentração intracelular de íons cálcio. Esseaumento pode ser causado por estimulação da fibra nervosa para afibra muscular lisa, por estimulação hormonal, por estiramentoda fibra e, até mesmo, por alteração do ambiente químico dafibra.

Todavia, o músculo liso não contém troponina, a proteínareguladora que é ativada pelos íons cálcio para promover acontração do músculo esquelético. Pelo contrário, a contração domúsculo liso é ativada por mecanismo inteiramente diferente,que é o seguinte:

Combinação dos íons cálcio com a "calmodulina" — ativação

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da miosina quinase e fosforilação da cabeça da miosina. Emlugar da troponina, as células do músculo liso contêm grandequantidade de outra proteína reguladora, denominadacalmodulina. Embora essa proteína seja semelhante àtroponina, por reagir com quatro íons cálcio, ela difere nomodo como desencadeia a contração. A calmodulina faz issopor ativar as pontes cruzadas de miosina. Essa ativação e acontração subseqüente ocorrem nas seguintes etapas:

1. Os íons cálcio se fixam a calmodulina.2. A combinação calmodulina-cálcio se fixa, então, e ativa

a miosina quinase, uma enzima fosforilativa.3. Uma das cadeias leves de cada cabeça de miosina, chama

da de cadeia regulatória, fica fosforilada, em resposta à miosinaquinase. Quando essa cadeia não está fosforilada, não ocorreo ciclo de fixação-desligamento da cabeça. Mas quando a cadeiaregulatória está fosforilada, a cabeça adquire a capacidade dese fixar ao filamento de actina e seguir por todo o processodo ciclo, o que resulta em contração muscular.

Término da contração — o papel da "miosina fosfatase".Quando a concentração de cálcio cai abaixo de seu nível crítico,todas as etapas descritas acima se invertem de modo automático,exceto pela fosforilação da cabeça de miosina. Essa inversãoexige ação de outra enzima, a miosina fosfatase, que removeo fosfato da cadeia leve regulatória. Então, o ciclo é interrompidoe cessa a contração. O tempo necessário para o relaxamentoda contração muscular é, portanto, determinado, em grande parte,pela quantidade de miosina fosfatase ativa na célula.

Um possível mecanismo para a regulação dofenômeno de tranca

Devido à importância do fenômeno de tranca no músculoliso e por ser esse fenômeno o determinante da manutençãoa longo prazo do tônus de muitos órgãos contendo músculo liso,muitas tentativas já foram feitas para explicar o fenômeno datranca. Entre os muitos mecanismos propostos, um dos maissimples é o que se segue.

Quando a miosina quinase e a miosina fosfatase são muitointensamente ativadas, a freqüência dos ciclos das cabeças demiosina fica muito aumentada, e também aumenta a velocidadeda contração. Em seguida, à medida que a ativação das enzimasdeclina, a freqüência dos ciclos diminui, mas, ao mesmo tempo,a menor ativação também faz com que as cabeças de miosinafiquem fixadas aos filamentos de actina por proporçãocrescentemente maior da duração do ciclo. Por conseguinte, onúmero de cabeças fixadas ao filamento de actina, emdeterminado instante, permanece muito grande. Visto que é onúmero de cabeças fixadas à actina o determinante da força decontração, a tensão é mantida, ou "trancada"; contudo, muitopouca energia é usada, porque o ATP não é degradado a ADP,exceto nas raras ocasiões em que uma cabeça é desligada.

CONTROLE NEURAL E HORMONAL DACONTRAÇÃO DO MÚSCULO LISO

Embora o músculo esquelético seja ativado exclusivamentepelo sistema nervoso, o músculo liso pode ser estimulado a secontrair por múltiplos tipos de sinais: por sinais neurais, porestimulação hormonal, e por vários outros meios. A razãoprincipal para essa diferença é que a membrana do músculoliso contém muitos tipos distintos de proteínas receptoras,capazes de desencadear o processo contrátil. Outras proteínasreceptoras são capazes de inibir a contração do músculo liso, o querepresenta outra diferença do músculo esquelético. Portanto,nesta seção.

abordaremos, primeiro, o controle neural da contração domúsculo liso, seguido pelo controle hormonal e pelos outrosmeios de controle.

AS JUNÇÕES NEUROMUSCULARES DOMÚSCULO LISO

Anatomia fisiológica das junções neuromusculares domúsculo liso. As junções neuromusculares do tipo encontradonas fibras do músculo esquelético não são encontradas nomúsculo liso. Em seu lugar, fibras nervosas autonômicas, queinervam o músculo liso, em geral se ramificam difusamentepor sobre uma lâmina de fibras musculares, como mostrado naFig. 8.3. Na maioria dos casos, essas fibras não fazem contatodireto com as fibras musculares lisas, mas formam junções difusasque secretam seus transmissores no líquido intersticial, a algunsnanômetros e até a alguns micrômetros de distância das célulasmusculares; então a substância transmissora se difunde para ascélulas. Ademais, onde existem muitas camadas de célulasmusculares, as fibras nervosas, muitas vezes, só inervam acamada mais externa, e a excitação muscular passa dessacamada mais externa até as mais internas pela propagação dopotencial de ação pela massa muscular ou por difusãosubseqüente da substância transmissoras.

Os axônios que inervam as fibras musculares lisas tambémnão têm os botões terminais do tipo encontrado nas placasmotoras das fibras musculares esqueléticas. Em seu lugar, amaioria dos finos terminais axônicos apresenta múltiplasvaricosidades ao longo de sua extensão. Nesses pontos, ascélulas de Schwann são interrompidas, de modo que a substânciatransmissora pode ser secretada através da parede dessasvaricosidades. Nessas varicosidades existem vesículas,semelhantes às da placa motora dos músculos esqueléticos,contendo a substância transmissora. Contudo, contrastando comas vesículas das junções dos músculos esqueléticos, que sócontêm acetileolina, as vesículas das terminações das fibrasnervosas autonômicas contêm acetileolina em algumas e, emoutras, norepinefrina.

Em alguns casos, e de forma particular no tipo multiunitáriode músculo liso, as varicosidades jazem diretamente sobre amembrana da fibra muscular, com separação dessa membranade apenas 20 a 30 nm — a mesma distância da fendasináptica das junções do músculo esquelético. Essas junções porcontato atuam de modo idêntico ao das junçõesneuromusculares do músculo esquelético, e o período latenteda contração dessas fibras musculares lisas éconsideravelmente menor que o das fibras estimuladas pelasjunções difusas.

Fig. 8.3 Inervação do músculo liso.

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Substâncias transmissoras excitatórias e inibitórias na junçãoneuromuscular do músculo liso. A acetilcolina e a norepinefrinasão duas substâncias distintas sabidamente secretadas pelosnervos autonômicos que inervam o músculo liso. A acetilcolinaé uma substância transmissora excitatória para os músculoslisos de determinados órgãos, embora também seja substânciainibitória para as fibras musculares lisas de outros órgãos.Quando a acetilcolina excita uma fibra muscular, a norepinefrinaem geral a inibe. Inversamente, quando a acetilcolina inibeuma fibra, a norepinefrina em geral a excita.

Por que essas respostas diferentes? A resposta é que tantoa acetilcolina como a norepinefrina excitam ou inibem o músculoliso por primeiro se fixarem a uma proteína receptora na superfícieda membrana da célula muscular. Por sua vez, esse receptorcontrola a abertura ou fechamento de canais iônicos ou controlaqualquer outro meio para a ativação ou inibição da fibra muscularlisa. Além disso, algumas dessas proteínas receptoras sãoreceptores excitatórios, enquanto outras são receptoresinibitórios. Assim, é o tipo de receptor que determina se omúsculo liso será excitado ou inibido e também determina qualdos dois transmissores, a acetilcolina ou a norepinefrina, seráeficaz na produção da excitação ou da inibição. Esses receptoressão discutidos em mais detalhes no Cap. 60, em relação aofuncionamento do sistema nervoso autonômico.

POTENCIAIS DE MEMBRANA E POTENCIAISDE AÇÃO NO MÚSCULO LISO

Potenciais de membrana do músculo liso. O valor, em termosquantitativos, do potencial de membrana do músculo liso évariável de um tipo de músculo liso para outro, além de tambémdepender das condições momentâneas do músculo. Contudo,no estado normal de repouso, o potencial de membrana é, emgeral, de - 50 a - 60 mV, isto é, cerca de 30 mV menos negativoque no músculo esquelético.

Potenciais de ação no músculo liso de uma só unidade. Nomúsculo liso de uma só unidade, os potenciais de ação ocorrempelo mesmo modo como no músculo esquelético. Contudo, namaioria, se não em todos os tipos de músculo liso multiunitário,não ocorrem, normalmente, potenciais de ação, como discutidoem seção subseqüente.

Os potenciais de ação do músculo liso visceral ocorrem sobduas formas: (1) potenciais em ponta [spikes] e (2) potenciaisde ação com platôs.

Potenciais em ponta. Potenciais de ação em ponta típicos,semelhantes aos registrados no músculo esquelético, ocorremna maioria dos tipos de músculo liso de uma só unidade. Aduração desse tipo de potencial de ação é de cerca de 10 a 50ms, como mostrado na Fig. 8.4A e B. Tais potenciais de açãopodem ser induzidos por muitos modos, como, por exemplo,por estimulação elétrica, pela ação de hormônios sobre o músculoliso, pela ação de substâncias transmissoras das fibras nervosasou pela geração espontânea da própria fibra muscular, comodescrito adiante.

Potenciais de ação com platôs. A Fig. 8.4C apresenta umpotencial de ação com platô. O início desse potencial de açãoé semelhante ao de típico potencial de ação em ponta. Contudo,em vez da rápida repolarização da membrana da fibra muscular,essa repolarização é retardada por várias centenas a váriosmilhares de milissegundos. A importância do platô é que elepode ser o responsável por contrações por períodos prolongadosque ocorrem em alguns tipos de músculo liso, como o doureter, do útero, sob certas condições, e de alguns tipos demúsculo liso vascular. (Também, esse tipo de potencial de açãoé encontrado nas fibras do músculo cardíaco que apresentaperíodo prolongado de contração, como será discutido nos doispróximos capítulos.)

Fig. 8.4 A, Um típico potencial de ação (potencial em agulha) de ummúsculo liso deflagrado por um estímulo externo. B, Uma série depotenciais de ação em agulha produzidos por ondas elétricas rítmicaslentas que ocorrem espontaneamente nos músculos lisos da paredeintestinal. C, Potencial de ação com platô em uma fibra muscular lisado útero.

A importância dos canais de cálcio na geração do potencialde ação do músculo liso. A membrana da célula muscular lisacontém número muito maior de canais de cálcio voltagem-de-pendentes do que a fibra muscular esquelética, mas númeromuitíssimo menor de canais de sódio voltagem-dependentes.Como resultado, o sódio tem participação mínima, se é quea tem, na geração do potencial de ação na maioria dosmúsculos lisos. Em seu lugar, o fluxo de cálcio para o interiorda fibra é o principal responsável pelo potencial de ação. Issoocorre do mesmo modo auto-regenerativo dos canais de sódiodas fibras nervosas e das fibras musculares esqueléticas.Contudo, os canais de cálcio abrem com lentidão muito maior doque o fazem os canais de sódio. Isso explica, em grande parte,os lentos potenciais de ação das fibras musculares lisas.

Outra característica importante da entrada de cálcio parao interior da célula, durante o potencial de ação, é que essemesmo cálcio atua diretamente sobre o mecanismo contrátil domúsculo liso, para desencadear a contração, como discutidoacima. Dessa forma, o cálcio desempenha duas funções a um sótempo.Potenciais ondulatórios lentos no músculo liso de uma só unidadee a geração espontânea de potenciais de ação. Alguns músculoslisos são auto-excitatórios. Isto é, surgem os potenciais de açãono próprio músculo liso, sem que atue um estímulo extrínseco.Em geral, isso está associado a um ritmo ondulatório lento básicodo potencial de membrana. Processo ondulatório lento típicodesse tipo no músculo liso visceral do intestino é mostrado naFig. 8.4B. A própria onda lenta não é um potencial de ação. Nãoé um processo auto-regenerativo que se propagaprogressivamente ao longo das membranas das fibrasmusculares. É, todavia, uma propriedade local das fibras domúsculo liso que compõem a massa muscular.

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A causa desse ritmo ondulatório lento é desconhecida; umadas propostas já formuladas é a de que as ondas lentas seriamcausadas por aumento e diminuição do bombeamento de sódioatravés da membrana, para fora da célula; o potencial demembrana ficaria mais negativo quando o sódio fosse bombeadorapidamente e menos negativo quando a bomba de sódioficasse menos ativa. Outra proposta é a de que ascondutâncias dos canais iônicos aumentariam e diminuiriamritmicamente.

A importância das ondas lentas repousa no fato de quepodem desencadear potenciais de ação. Por si mesmas, as ondaslentas são incapazes de provocar contrações musculares, masquando o potencial da onda lenta se eleva acima do nível deaproximadamente - 35 mV (o limiar aproximado para a induçãode potenciais de ação na maioria dos músculos lisos viscerais),aparece um potencial de ação que se propaga pela massamuscular, quando, então, ocorre contração. A Fig. 8.4B mostraesse efeito, apresentando um ou mais potenciais de ação nopico de cada onda lenta. Esse efeito, obviamente, podepromover uma serie de contrações rítmicas da massa de músculoliso. Por conseguinte, as ondas lentas são, muitas vezes, referidascomo ondas marcapasso. No Cap. 62 será mostrado que esse tipode atividade controla as contrações rítmicas do intestino.

Excitação do músculo liso visceral pelo estiramento. Quandoo músculo liso visceral (de uma só unidade) é suficientementeestirado, na maioria das vezes podem ser gerados potenciais deação espontâneos. Isso resulta de combinação dos potenciais dasondas lentas normais com uma redução da negatividade dopotencial de membrana, causada pelo próprio estiramento. Essaresposta ao estiramento permite que um órgão oco que sejaexcessivamente distendido se contraia de modo automático e,como resultado, possa resistir ao estiramento. Por exemplo,quando o intestino é hiperdistendido por seu conteúdo, umacontração local automática muitas vezes provoca ondaperistáltica que desloca o conteúdo da área de intestinohiperdistendida.

Despolarização do músculo liso multiunitário sem potenciaisde ação. As fibras musculares lisas do músculo liso multiunitárionormalmente só se contraem, na maior parte das vezes, emresposta a estímulos neurais. As terminações nervosas secretamacetileolina para alguns tipos de músculos lisos multiunitáriose norepinefrina para outros. Nos dois casos, essas substânciastransmissoras causam despolarização da membrana da célulamuscular lisa e essa resposta causa, por sua vez, a contração.Contudo, com muita freqüência, não são gerados potenciais deação. A razão disso é que as fibras são por demais pequenaspara gerarem um potencial de ação. (Quando potenciais de açãosão induzidos no músculo liso visceral de uma só unidade, cercade 30 a 40 fibras musculares lisas devem despolarizar-se ao mesmotempo antes que seja gerado um potencial de ação propagado.)Todavia, mesmo sem um potencial de ação nas fibras musculareslisas multiunitárias, a despolarização local, chamada de"potencial de junção", causada pela substância neuraltransmissora, propaga-se "eletrotonicamente" por toda a fibra, oque é necessário para desencadear a contração muscular.

CONTRAÇÃO DO MÚSCULO LISO SEM POTENCIAISDE AÇÃO - O EFEITO DOS FATORES TECIDUAISLOCAIS E DOS HORMONIOS

Provavelmente, 50% ou mais de todas as contraçõesmusculares lisas são induzidos, não por potenciais de ação,mas por fatores estimulatórios atuando diretamente sobre omecanismo contrátil do músculo liso.

Os dois tipos de fatores não-neurais e não-dependentes depotenciais de ação estimulatórios ativos mais freqüentementeenvolvidos são (1) fatores teciduais locais c (2) diversoshormônios.

Contração do músculo liso em resposta a fatores teciduaislocais. No Cap. 17 será discutido o controle da contração dasarteríolas, metarteríolas e esfíncteres pré-capilares. Nessasestruturas, as menores quase não possuem inervação. Todavia,seu músculo liso é extremamente contrátil, respondendorapidamente a variações das condições locais do líquidointersticial que as banha. Desse modo, um potente sistema decontrole por feedback regula o fluxo sanguíneo para essa árealocalizada de tecido. Alguns dos fatores controladoresespecíficos são os seguintes:

1. Falta de oxigênio nos tecidos locais provoca o relaxamento do músculo liso e produz, conseqüentemente,vasodilatação.

2. Excesso de dióxido de carbono provoca vasodilatação.3. Aumento da concentração do íon hidrogênio também

provoca aumento da vasodilatação.Outros fatores, como a adenosina, o ácido lático, aumento

dos íons potássio, redução da concentração de íons cálcio eredução da temperatura corporal, também produzemvasodilatação local.

Efeitos de hormônios sobre a contração do músculo liso. Amaioria dos hormônios circulantes influencia a contração domúsculo liso pelo menos em algum grau, e alguns exercemefeitos muito potentes. Entre os hormônios circulantes maisimportantes com influência sobre a contração, entãonorepinefrina, epinefrina, acetileolina, angioíensina, vasopressina,ocitocina, serotonina e histamina,

Um hormônio provoca contração do músculo liso quandoa membrana de suas células contém receptores excitatórioshormônio-dependentes para esse hormônio. Contudo, caso ohormônio produza inibição, em lugar da contração, os receptoresda membrana da célula muscular lisa serão receptoresinibitórios, e não excitatórios.

Excitação ou inibição do músculo liso causada por hormôniosou por fatores teciduais locais. Alguns receptores para hormônios,na membrana da célula muscular lisa, abrem canais de sódioou de cálcio, despolarizando a membrana pelo mesmo mecanismoda estimulação neural. Ocasionalmente, mas não sempre, podemser produzidos potenciais de ação, ou os potenciais rítmicospreexistentes podem ser acentuados. Contudo, em muitos casosocorre despolarização sem potenciais de ação; não obstante, atémesmo essa despolarização está associada a influxo de íonscálcio para o desencadeamento da contração.

A ativação de outros receptores da membrana inibe acontração. Isso é efetivado pelo fechamento dos canais desódio ou de cálcio, o que impede a entrada desses íonspositivos, ou pela abertura de canais de potássio, o que permite asaída dos íons positivos de potássio para o exterior; nos doiscasos, ocorre aumento da negatividade no interior da célulamuscular, um estado chamado de hiperpolarização.

Algumas vezes, a contração ou a inibição é desencadeadapor hormônios sem que ocorra qualquer alteração do potencialde membrana. Nesses casos, o hormônio em geral ativa umreceptor da membrana que não abre qualquer canal iônico, mas,ao invés, promove uma alteração interna na fibra muscular, talcomo a liberação de íons cálcio retículo sarcoplasmático, o queinduz a contração. Ou, para inibir a contração, são conhecidosoutros mecanismos receptores que ativam a enzima adenilciclase ou a guanil ciclase na membrana celular; parte dessaenzima proemina para o interior da célula e causa formação deAMP cíclico ou de GMP cíclico, que são chamados de segundosmensageiros. Por sua vez, o AMP cíclico ou GMP cíclicoexercem muitos efeitos, um dos quais é o de alterar o grau defosforilação de diversas enzimas que, indiretamente, inibem acontração.

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De modo especial, são afetadas a bomba que transporta osíons cálcio do sarcoplasma para o retículo sarcoplasmático e abomba da membrana celular que transporta os íons cálciopara fora da célula; esses efeitos reduzem a concentraçãointracelular de íons cálcio, inibindo, assim, a contração.

Infelizmente, não se sabe como a maior parte dos fatoresteciduais locais que não são hormônios, como, por exemplo,a falta de oxigênio, o excesso de dióxido de carbono, ou variaçõesda concentração de íons hidrogênio, excitam ou inibem acontração do músculo liso. Contudo, os mecanismos possíveisincluem variações do potencial de membrana da célula, variaçõesda permeabilidade da membrana celular, alterações domecanismo contrátil intracelular ou alguma combinação dessesmecanismos.

FONTE DOS ÍONS CÁLCIO QUE CAUSAM ACONTRAÇÃO, TANTO ATRAVÉS DA MEMBRANACELULAR QUANTO POR LIBERAÇÃO PELORETÍCULO SARCOPLASMÁTICO

Embora o processo contrátil do músculo liso, como nomúsculo esquelético, seja ativado pelos íons cálcio, a fonte dosíons cálcio difere, pelo menos parcialmente, no músculo liso; adiferença é que o retículo sarcoplasmático, de onde évirtualmente derivado todo o íon cálcio para a contração domúsculo esquelético, é, muitas vezes, apenas rudimentar namaior parte do músculo liso. Assim, na maioria dos tipos demúsculo liso, quase todos os íons cálcio responsáveis pelacontração entram para o interior da célula muscular, vindos dolíquido extracelular, durante o potencial de ação. Existeconcentração relativamente alta de íons cálcio no líquidoextracelular, maior que 10-3M, em comparação com a menorque 10-7 M no sarcoplasma da célula, e, como foi destacadoantes, o potencial de ação do músculo liso é causado, em suamaior parte, pelo influxo de íons cálcio para o interior da célulamuscular. Visto que as fibras musculares lisas sãoextremamente diminutas (em comparação com as dimensões dasfibras musculares esqueléticas), esses íons cálcio podemdifundir-se para todas as regiões do músculo liso e induzir oprocesso contrátil. O tempo necessário para essa difusão é, emgeral, de 200 a 300 ms e é chamado de período latente, antesque se inicie a contração; esse período latente é cerca de 50vezes maior que o da contração do músculo esquelético.

Todavia, ainda pode entrar cálcio adicional para o interiorda fibra muscular lisa, por meio dos canais de cálcio ativadospor hormônio, e esse cálcio também induz a contração. Em geral,a abertura desses canais não causa um potencial de ação e, porvezes, quase nenhuma alteração do potencial de repouso damembrana, visto que a bomba de sódio, na membrana celular,transporta quantidade suficiente de íons sódio para manter umpotencial de membrana quase normal. Mesmo assim, a contraçãocontinua enquanto esses canais de cálcio estiverem abertos, dadoque são os íons cálcio, e não a variação do potencial demembrana, que causam a contração. Esse é um meio pelo qualocorre à contração do músculo liso, sem alteração significativado potencial de membrana da célula.

Papel do retículo sarcoplasmático. Algumas célulasmusculares lisas contêm retículo sarcoplasmáticomoderadamente desenvolvido. A Fig. 8.5 mostra um exemploapresentando diversos túbulos sarcoplasmáticos situados próximoà membrana celular. Pequenas invaginações da membrana,chamadas de cavéolos, entram em contato com as superfíciesdesses túbulos. Admite-se que os cavéolos representem análogorudimentar do sistema de túbulos T do músculo esquelético.Quando um potencial atinge as invaginações dos cavéolos, issoparece excitar a liberação de íons cálcio pelos túbulossarcoplasmáticos, do mesmo modo como os potenciais de ação,nos túbulos T do músculo esquelético, também produzemliberação de íons cálcio.

Fig. 8.5 Túbulos sarcoplasmáticos de fibra muscular lisa, mostrando suasinter-relações com as invaginações da membrana celular, denominadascavéolos.

Em geral, quanto mais extenso for o retículo sarcoplasmáticona fibra do músculo liso, maior será a rapidez com que ela secontrai, presumivelmente porque o influxo de cálcio, atravésda membrana celular, é muito mais lento que a liberação internade íons cálcio pelo retículo sarcoplasmático.

Efeito da concentração extracelular de íons cálcio sobre acontração do músculo liso. Embora a concentração de íons cálciono líquido extracelular tenha efeito quase nulo sobre a forçade contração do músculo esquelético, isso não é verdade paraa maioria dos músculos lisos. Quando a concentração de íonscálcio no líquido extracelular cai até valor baixo, a contraçãodo músculo liso, em geral, quase cessa. Na verdade, após váriosminutos de imersão em meio com baixo cálcio, até mesmo oretículo sarcoplasmático das fibras musculares lisas perde seuconteúdo de cálcio. Por conseguinte, a força de contração domúsculo liso é muito dependente da concentração de íons cálciono líquido extracelular. Será mostrado no capítulo seguinte queisso também é válido para o músculo cardíaco.

A bomba de cálcio. Para que ocorra o relaxamento doselementos contrateis do músculo liso, é necessário que sejamremovidos os íons cálcio. Essa remoção é realizada por bombasde cálcio que transportam os íons cálcio para fora da fibramuscular lisa, lançando-os de volta para o líquido extracelular outransportando-os para o interior do retículo sarcoplasmático.Contudo, essas bombas têm funcionamento muito lento, emcomparação com a bomba de ação rápida do retículosarcoplasmático do músculo esquelético. Por conseguinte, aduração da contração do músculo liso é, muitas vezes, daordem de segundos, e não de centésimos a décimos de segundo,como ocorre no músculo esquelético.

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(Ver também Caps. 5 e 6.)

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UNIDADE III

O CORAÇÃO

Ø O Músculo Cardíaco; O Coração como BombaØ Excitação Rítmica do CoraçãoØ O Eletrocardiograma NormalØ Interpretação Eletrocardiográfica das AnormalidadesØ Coronárias e do Músculo Cardíaco: Análise VetorialØ Arritmias Cardíacas e sua InterpretaçãoØ Eletrocardiográfica

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CAPÍTULO 9

O Músculo Cardíaco; O Coração como Bomba

Neste capítulo, iniciamos a discussão do coração e do sistemacirculatório. O coração, ilustrado na Fig. 9.L, é constituído, narealidade, por duas bombas distintas: o coração direito, quebombeia o sangue pelos pulmões, e o coração esquerdo, quebombeia o sangue pelos órgãos periféricos. Cada um dessescorações distintos, por sua vez, é uma bomba pulsátil de duascâmaras composta de um átrio e um ventrículo. O átrio funcionaprincipalmente como reservatório de sangue e como via deentrada para o ventrículo, mas, também, bombeia fracamentepara ajudar a levar o sangue até o ventrículo. O ventrículo, porsua vez, é a principal fonte da força que impulsiona o sangue pelacirculação pulmonar ou pela periférica.

Mecanismos especiais no coração mantêm a ritimicidade car-

díaca e transmitem potenciais de ação para todo o músculocardíaco, de modo a produzir o batimento rítmico do coração.Esse sistema de controle rítmico é explicado no Cap. 10. Nopresente capítulo, explicamos como o coração opera comobomba, começando pelas características especiais do própriocoração.

FISIOLOGIA DO MÚSCULO CARDÍACO

O coração é constituído de três tipos principais de músculocardíaco: músculo atrial, músculo ventricular e fibras muscularescondutoras e excitatórias especializadas. Os tipos atrial eventricular de músculo contraem-se da mesma maneira que omúsculo esquelético, exceto que a duração da contração émuito maior. Por outro lado, as fibras condutoras e excitatóriasespecializadas contraem-se apenas fracamente, por conterempoucas fibrilas contrateis; em vez disso, elas apresentamritmicidade e velocidades variáveis de condução, proporcionandoum sistema excitatório para o coração e um sistema detransmissão para a condução controlada do sinal excitatóriocardíaco por todo o coração.

ANATOMIA FISIOLÓGICA DO MÚSCULO CARDÍACO

A Fig. 9.2 ilustra imagem histológica típica do músculo cardíaco,mostrando as fibras musculares cardíacas dispostas em retículo,recombinando-se a seguir e, depois, dispersando-se novamente. Nota-seimediatamente, por essa figura, que o músculo cardíaco é estriado, damesma

Fig. 9.1 Estrutura do coração e trajeto do fluxo sanguíneo pelas câmarascardíacas.

Fig. 9.2 A natureza interligada, "sincicial", do músculo cardíaco.

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forma que o músculo esquelético típico. Além disso, o músculo cardíacotem miofibrilas típicas, que contêm filamentos de actina e miasma quaseidênticos aos encontrados no músculo esquelético, e esses filamentosinterdigitam-se e deslizam uns sobre os outros durante o processo decontração da mesma maneira como ocorre nos músculos esqueléticos(ver Cap. 6).

Músculo cardíaco como um sincício. As áreas escuras anguladas quecruzam as fibras musculares cardíacas na Fig. 9.2 são denominadasdiscos intercalados; elas são, na realidade, membranas celulares queseparam células musculares cardíacas individuais umas das outras. Istoé, as fibras musculares cardíacas são constituídas por muitas célulasindividuais ligadas em série umas às outras. Entretanto, a resistênciaelétrica através dos discos intercalados é apenas 1/400 da resistênciaatravés da membrana externa da fibra muscular cardíaca, porque asmembranas celulares fundem-se umas às outras e formam junções“comunicantes” (junções abertas) muito permeáveis, que possibilitamdifusão relativamente livre dos íons. De um ponto de vista funcional,portanto, os íons movem-se com facilidade ao longo dos eixos das fibrasmusculares cardíacas, de modo que os potenciais de ação vão de umacélula muscular cardíaca para outra, passando pelos discos intercaladoscom apenas ligeira dificuldade. Por essa razão, o músculo cardíaco é umsincício de muitas células musculares cardíacas, as quais se encontramtão interligadas que, quando uma dessas células é excitada, o potencial deação dissemina-se para todas elas, passando de uma célula para outra epor todas as interligações do retículo.

O coração é constituído por dois sincícios distintos: o sincício atrial,que constitui as paredes dos dois átrios, e o sincício ventricular, queas paredes dos dois ventrículos . Os átrios são separados dos ventrículospor um tecido fibroso que circunda as aberturas valvulares entre osátrios e os ventrículos. Normalmente, os potenciais de ação só podemser conduzidos do sincício atrial para o ventricular por meio do sistemade condução especializado, o feixe A-V, que é discutido com detalhesno capítulo seguinte. Essa divisão da massa muscular do coração emdois sincícios funcionais distintos possibilita que os átrios se contraiamum pouco antes da contração ventricular, o que é importante para aeficácia do bombeamento cardíaco.

POTENCIAIS DE AÇÃO NO MÚSCULOCARDÍACO

O potencial de membrana em repouso do músculo cardíaconormal é de aproximadamente -85 a -95 milivolts (mV) e decerca de -90 a —100 mV nas fibras de condução especializadas,as fibras de Purkinje, que são discutidas no capítulo seguinte.

O potencial de ação registrado no músculo ventricular,mostrado pelo traçado inferior da Fig. 9.3, é de 105 mV, oque quer dizer que o potencial de membrana se eleva de seuvalor normalmente muito negativo para um valor ligeiramentepositivo, de +20 mV. A parte positiva é designada comopotencial de ultrapassagem. Em seguida, após a ponta inicial, amembrana permanece despolarizada por cerca de 0,2 s. nomúsculo atrial, e 0,3 s, no músculo ventricular, formando oplatô, conforme ilustrado na Fig. 9.3, seguido por repolarizaçãoabrupta ao final do platô. A presença desse platô no potencialde ação faz a contração muscular durar 3 a 15 vezes mais nomúsculo cardíaco que no músculo esquelético.

Neste ponto, devemos fazer as perguntas: Por que opotencial de ação do músculo cardíaco é tão demorado, e porque ele tem um platô, enquanto o do músculo esquelético nãotem? As respostas biofísicas básicas a estas questões foramapresentadas no Cap. 5, mas merecem ser novamenteresumidas. Pelo menos duas diferenças importantes entre aspropriedades da membrana do músculo cardíaco e do músculoesquelético são responsáveis pelo prolongado potencial de ação epelo platô do músculo cardíaco.

Em primeiro lugar, o potencial de ação do músculoesquelético é causado quase que integralmente pela súbitaabertura de um grande número de canais rápidos de sódio, quepermitem a entrada, na fibra muscular esquelética, de umnúmero enorme de íons sódio. Esses canais são denominadoscanais "rápidos"

Fig. 9.3 Potenciais de ação rítmicos de uma fibra de Purkinje e de umafibra muscular ventricular, registrados por meio de microeletródios.

porque permanecem abertos apenas por alguns décimosmilésimos de segundo, fechando-se, então, abruptamente. Aotérmino deste fechamento, há o processo de repolarização, e opotencial de ação termina dentro de outro décimo milésimo desegundo, aproximadamente. No músculo cardíaco, por outro lado,o potencial de ação é causado pela abertura de dois tipos decanais: (1) os mesmos canais rápidos de sódio do músculoesquelético e (2) outra população inteira dos chamados canaislentos de cálcio, também denominados canais de cálcio-sódio.Essa segunda população de canais difere dos canais rápidos desódio por abrir-se lentamente; porém, o que é mais importante,eles permanecem abertos por alguns décimos de segundo.Durante esse período, grande quantidade tanto de íons sódiocomo de íons cálcio flui por esses canais para o interior dafibra muscular cardíaca e isso mantém a despolarização porperíodo prolongado, ocasionando o platô do potencial de ação.Além disso, os íons cálcio que penetram no músculo duranteesse potencial de ação têm um papel importante ajudando aexcitar o processo de contração muscular, o que é outradiferença entre os músculos cardíaco e esquelético, comodiscutiremos mais adiante neste capítulo.

A segunda diferença funcional importante entre o músculocardíaco e o músculo esquelético, que ajuda a explicar tantoo prolongado potencial de ação como seu platô, é esta:imediatamente após o início do potencial de ação, apermeabilidade da membrana do músculo cardíaco ao potássiodiminui por cerca de cinco vezes, efeito que não ocorre nomúsculo esquelético. É possível que essa menor permeabilidadeao potássio seja causada, de alguma forma, pelo influxo excessivode cálcio pelos canais de cálcio, que acabamos de mencionar.Entretanto, independentemente da causa, a menorpermeabilidade ao potássio diminui muito a saída de íonspotássio, durante o platô do potencial de ação, impedindo,portanto, a recuperação precoce. Quando os canais lentos decálcio-sódio se fecham ao fim de 0,2 a 0,3 s, cessando o influxode íons cálcio e sódio, a permeabilidade da membrana aopotássio aumenta bem rapidamente, e a rápida perda depotássio pela fibra faz o potencial de membrana retornar a seunível de repouso, terminando, assim, o potencial de ação.

Velocidade de condução no músculo cardíaco. A velocidadede condução do potencial de ação, tanto nas fibras muscularesatriais como nas ventriculares, é de cerca de 0,3 a 0,5 m/s, oucerca de 1/250 da velocidade em fibras nervosas muito grossas ecerca de 1/10 da velocidade em fibras musculares esqueléticas. Avelocidade da condução no sistema de condução especializadovaria de 0,02 a 4 m/s em diferentes partes do sistema, como

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é explicado no capítulo seguinte.Período refratário do músculo cardíaco. O músculo

cardíaco, como todos os tecidos excitáveis, é refratário areestimulação durante o potencial de ação. Por esta razão, operíodo refratário do coração é o intervalo de tempo, como émostrado à esquerda na Fig. 9.4, durante o qual um impulsocardíaco normal não pode reexcitar uma área já excitada domúsculo cardíaco. O período refratário normal do ventrículoé de 0,25 a 0,3 s, que é aproximadamente a duração dopotencial de ação. Há um período refratário relativo adicionalde cerca de 0,5 s, durante o qual o músculo é mais difícil deexcitar que o normal mas, ainda assim, pode ser excitado,conforme ilustra a contração prematura inicial no segundoexemplo da Fig. 9.4.

O período refratário do músculo atrial é muito mais curtoque o dos ventrículos (cerca de 0,15 s) e o período refratáriorelativo tem mais de 0,03 s. Assim sendo, a freqüência rítmicade contração dos átrios pode ser muito mais rápida que a dosventrículos.

CONTRAÇÃO DO MÚSCULO CARDÍACO

Acoplamento excitação-contração — função dos íons cálcioe dos túbulos T. O termo "acoplamento excitação-contração"indica o mecanismo pelo qual o potencial de ação fazcontraírem-se as miofibrilas musculares. Isso é discutido noCap. 7, em relação ao músculo esquelético. Entretanto,novamente, há diferenças quanto a este mecanismo no músculocardíaco, que tem efeitos importantes sobre as características dacontração muscular cardíaca.

Como ocorre com os músculos esqueléticos, ao se propagarpela membrana do músculo cardíaco, o potencial de ação tambémse dissemina para o interior da fibra muscular cardíaca, pelasmembranas dos túbulos T. Os potenciais de ação dos túbulosT, por sua vez, atuam sobre as membranas dos túbulossarcoplasmáticos longitudinais, causando a liberação instantâneade quantidade muito grande de íons cálcio do retículosarcoplasmático para o sarcoplasma muscular. Em mais algunsmilésimos de segundo , esses íons cálcio difundem-se até asmiofibrilas e catalisam as reações químicas que promovem odeslizamento dos filamentos de actina e miosina uns pelosoutros; isso produz, por sua vez, a contração muscular.

Até aqui, este mecanismo de acoplamento excitação-contração é o mesmo que para o músculo esquelético, mas há umsegundo efeito que é bem diferente. Além dos íons cálcio libera-

Fig. 9.4 Contração do coração, mostrando a duração dos períodosrefratário e refratário relativo, efeito de contração prematura precoce eefeito de contração prematura mais tardia. Observe que as contraçõesprematuras não causam a somação das contrações, como ocorre nosmúsculos esqueléticos.

dos no sarcoplasma pelas cisternas do retículo sarcoplasmático,grande quantidade de íons cálcio extra também se difunde dostúbulos T para o sarcoplasma por ocasião do potencial de ação.Na verdade, sem esse cálcio extra dos túbulos T, a força decontração do músculo cardíaco seria consideravelmente reduzida,porque o retículo sarcoplasmático do músculo cardíaco não étão desenvolvido quanto o dos músculos esqueléticos e nãoarmazena cálcio suficiente para proporcionar contração completa.Por outro lado, os túbulos T do músculo cardíaco têm diâmetro5 vezes maior que o dos túbulos dos músculos esqueléticos evolume 25 vezes maior; da mesma forma, há no interior dostúbulos T grande quantidade de mucopolissacarídeoseletronegativamente carregados que fixam abundante reserva deíons cálcio, mantendo-os sempre disponíveis para a difusãopara dentro da fibra muscular cardíaca ao ocorrer o potencial deação dos túbulos T.

A força de contração do músculo cardíaco depende, emgrande parte, da concentração de íons cálcio nos líquidosextracelulares. A razão disto é que as extremidades dos túbulos Tabrem-se diretamente no exterior das fibras musculares cardíacas,possibilitando ao mesmo líquido extracelular do interstício domúsculo cardíaco também fluir pelos túbulos T. Porconseguinte, tanto a quantidade de íons cálcio no sistema detúbulos T como a disponibilidade de íons cálcio para causar acontração do músculo cardíaco dependem diretamente daconcentração de íons cálcio no líquido extracelular.

A título de contraste, a força de contração do músculoesquelético dificilmente é afetada pela concentração extracelularde íons cálcio, porque sua contração é causada quase queinteiramente pelos íons cálcio liberados pelo retículosarcoplasmático no interior da própria fibra muscularesquelética.

Ao final do platô do potencial de ação, o influxo de íonscálcio para o interior das fibras musculares é interrompidosubitamente e os íons cálcio presentes no sarcoplasma sãorapidamente bombeados de volta tanto para o retículosarcoplasmático como para os túbulos T. Em conseqüência, acontração cessa até que ocorra novo potencial de ação.

Duração da contração. O músculo cardíaco começa a se contrairalguns milissegundos após o início de um potencial de ação, continuandoa contrair-se por alguns milissegundos após o término desse potencial.Por esta razão, a duração de contração do músculo cardíaco é funçãoprincipalmente da duração do potencial de ação — cerca de 0,2 s nomúsculo atrial e 0,3 s no músculo ventricular.

Efeito da freqüência cardíaca sobre a duração dascontrações. Quando a freqüência cardíaca aumenta, a duraçãode cada fase do ciclo cardíaco, incluindo tanto a fase decontração como a de relaxamento, obviamente diminui. Aduração do potencial de ação e do período de contração(sístole) também diminui, mas não tanto quanto a fase derelaxamento (diástole). Na freqüência cardíaca normal de 72batimentos por minuto, o período de contração é cerca de 0,40 detodo o ciclo. Numa freqüência cardíaca três vezes maior, esseperíodo compreende 0,65 de todo o ciclo, o que quer dizer que ocoração batendo a um ritmo muito rápido não fica relaxado portempo suficientemente longo para possibilitar o enchimentocompleto das câmaras cardíacas antes da próxima contração.

O CICLO CARDÍACO

O período do início de um batimento cardíaco até o iníciodo batimento seguinte é denominado ciclo cardíaco. Cada cicloé iniciado pela geração espontânea de um potencial de açãono nodo sinusal, ou sinoatrial, como é explicado no próximocapítulo. Esse nodo está localizado na parede superior lateraldo átrio direito, próximo à abertura de veia cava superior, eo potencial de ação passa rapidamente por ambos os átrios e,daí, pelo feixe A-V até os ventrículos. Contudo, devido ao arranjoespecial do sistema de condução dos átrios para os ventrículos,

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há um retardo de mais de 1/10 de segundo na passagem do impulsocardíaco dos átrios para os ventrículos. Isso possibilita aos átrioscontraírem-se antes dos ventrículos, bombeando o sangue paraos ventrículos antes das muito potentes contrações ventriculares.Os átrios atuam, portanto, como bombas de reforço para osventrículos e eles proporcionam, então, a principal fonte de forçapara o movimento do sangue ao longo do sistema vascular.

SÍSTOLE E DIÁSTOLE

O ciclo cardíaco consiste em um período de relaxamento,denominado diástole, durante o qual o coração se enche desangue, seguido por um período de contração, denominadosístole.

A Fig. 9.5 ilustra os diferentes eventos durante o ciclocardíaco. As três curvas superiores mostram as alterações dapressão na aorta, no ventrículo esquerdo e no átrio esquerdo,respectivamente. A quarta curva mostra as alterações do volumeventricular, a quinta, o eletrocardiograma, e a sexta umfenocardiograma , que é um registro dos sons produzidospelo coração — principalmente pelas válvulas cardíacasenquanto bombeia. É particularmente importante que o leitorestude de forma detalhada o diagrama desta figura e fiqueconhecendo as causas de todos os eventos ilustrados. Eles sãoexplicados adiante.

RELAÇÃO DO ELETROCARDIOGRAMA COM OCICLO CARDÍACO

O eletrocardiograma da Fig. 9.5 mostra as ondas P, Q, R,S e T, que são discutidas nos Caps. 11, 12 e 13. Elas sãovoltagens elétricas geradas pelo coração e registradas peloeletrocardiógrafo a partir da superfície corporal. A onda P écausada pela despolarização que se difunde pelos átrios, sendoisso seguido pela contração atrial que ocasiona ligeira elevação nacurva da pressão atrial imediatamente após a onda P.Aproximadamente 0,16 s após o início da onda P, aparecemàs ondas QRS, em conseqüência da despolarização dosventrículos, que iniciam a contração dos ventrículos e fazem apressão ventricular começar a subir, o que também é ilustradona figura

O complexo ORS começa, portanto, pouco antes do início dasístole ventricular.

Finalmente, observa-se no eletrocardiograma a onda Tventricular. Ela representa a fase de repolarização dosventrículos, ocasião em que as fibras musculares dosventrículos começam a se relaxar. A onda T ocorre, pois,pouco antes do fim da contração ventricular.

Função dos átrios como bombas. Normalmente, o sangueflui de modo contínuo das grandes veias para os átrios; cercade 75% do sangue fluem diretamente através dos átrios paraos ventrículos antes mesmo que os átrios se contraiam. Aí, então,a contração atrial causa enchimento adicional dos ventrículosda ordem de 25%. Assim sendo, os átrios funcionamsimplesmente como bombas de reforço que aumentam ematé 25% a eficácia do bombeamento ventricular. Entretanto, ocoração pode continuar a operar de modo bastante satisfatório,em condições normais de repouso, mesmo sem esses 25% deeficácia extra, por já ter normalmente a capacidade debombear 300 a 400% mais sangue do que o corpo necessita. Poressa razão, quando os átrios funcionam de forma insuficiente, adiferença tem pouca probabilidade de ser notada, a não serque a pessoa se exercite; nessas condições, surgem,ocasionalmente, sinais agudos de insuficiência cardíaca.

Alterações de pressão nos átrios — as ondas a, c e v. Na curvade pressão atrial da Fig. 9.5 podem ser notadas três elevações principaisda pressão, denominadas ondas de pressão atrial a, c, e v.

A onda a é causada pela contração atrial. Normalmente, a pressãoatrial direita eleva-se 4 a 6 mm Hg durante a contração atrial. enquantoa pressão atrial esquerda eleva-se cerca de 7 a 8 mm Hg.

A onda c ocorre quando os ventrículos começam a se contrair;ela é causada, em parte, pelo pequeno refluxo de sangue para os átriosao início da contração ventricular, mas, provavelmente, em sua maiorparte, pela protrusão das válvulas A-V em direção aos átrios, devidoao aumento da pressão nos ventrículos.

Fig. 9.5 Os eventos do ciclo cardíaco,mostrando alterações da pressão atrialesquerda, pressão ventricular esquerda,pressão aórtica, volume ventricular, oeletrocardiograma e o fonocardiograma.

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A onda v ocorre ao final da contração ventricular; ela decorre dolento acúmulo de sangue nos átrios enquanto as válvulas A-V estãofechadas durante a contração ventricular. Ao término dessa contração,as válvulas A-V se abrem, possibilitando que o sangue flua rapidamentepara os ventrículos e fazendo desaparecer a onda v.

FUNÇÃO DOS VENTRÍCULOS COMO BOMBAS

Enchimento dos ventrículos. Durante a sístole ventricular,grande quantidade de sangue acumula-se nos átrios, por estaremfechadas às válvulas A-V. Por esta razão, logo que termina asístole c as pressões ventriculares caem novamente para seusbaixos valores diastólicos, as válvulas A-V abrem-se epossibilitam ao sangue fluir rapidamente para os ventrículos,como é mostrado pela elevação da curva do volume ventricularna Fig. 9.5. Este é denominado período de enchimento rápido dosventrículos. As pressões atriais caem até uma fração demilímetro das pressões ventriculares, porque os orifícios normaisdas válvulas A-V são tão grandes que não oferecem praticamentequalquer resistência ao fluxo sanguíneo.

O período de enchimento rápido dura aproximadamenteo primeiro terço da diástole. Durante o terço médio da diástole,apenas pequena quantidade de sangue flui normalmente paraos ventrículos; este sangue continua a chegar das veias para osátrios e a passar através deles para os ventrículos.

Durante o último terço da diástole, os átrios se contraeme dão um impulso adicional ao influxo de sangue para osventrículos; isto responde por cerca de 25% do enchimento dosventrículos durante cada ciclo cardíaco.

Esvaziamento dos ventrículos durante a sístole. Período decontração isovolúmica (isométrica). Imediatamente após o inícioda contração ventricular, a pressão ventricular eleva-seabruptamente, como é mostrado na Fig. 9.5. fazendo fecharem-se as válvulas A-V. Um período adicional de 0,02 a 0,03 s é,então, necessário para o ventrículo acumular pressão suficientepara forçar as válvulas semilunares (aórtica e pulmonar) a seabrirem contra as pressões na aorta e na artéria pulmonar.Durante este período há, portanto, contração dos ventrículos,mas não há qualquer esvaziamento. Este período é denominadoperíodo de contração isovolúmica ou isométrica, indicando-secom estes termos que a tensão está aumentando no músculo masnão há encurtamento das fibras musculares. (Isto não é totalmenteverdadeiro, porque há encurtamento do ápice para a base ealongamento circunferencial)

Período de ejeção. Quando a pressão no ventrículo esquerdose eleva ligeiramente acima de 80 mm Hg (e a pressão ventriculardireita, ligeiramente acima de 8 mm Hg), as pressões ventricularesforçam, então, as válvulas semilunares a se abrirem.Imediatamente, o sangue começa a jorrar para fora dosventrículos, com cerca de 70% do esvaziamento ocorrendodurante o primeiro terço do período de ejeção e os 30%restantes, durante os dois terços seguintes. Assim, o primeiroterço é denominado período de ejeção rápida e os dois terçosfinais, período de ejeção lenta.

Por uma razão bem peculiar, a pressão ventricular cai paraum valor ligeiramente abaixo da pressão na aorta durante operíodo de ejeção lenta, apesar do fato de ainda haver sanguesaindo do ventrículo esquerdo. A razão é que o sangue queflui para fora do ventrículo gera um momento [momentum]. Àmedida que este momento diminui, durante a última parte dasístole, sua energia cinética é convertida em pressão na aorta,o que torna a pressão arterial ligeiramente maior que a pressãono interior do ventrículo.

Período de relaxamento isovolúmico (ísométrico). Ao final dasístole, o relaxamento ventricular se inicia subitamente,possibilitando a rápida diminuição das pressõesintraventriculares. Imediatamente, as elevadas pressões nasgrandes artérias distendidas fazem o sangue refluir para osventrículos, o que força as válvulas aórtica e pulmonar a sefecharem.

Por mais 0,03 a 0,06 s, o músculo ventricular continua a serelaxar, mesmo que o volume ventricular não se altere,ocasionando o período de relaxamento isovolúmico ouisométrico. Durante este período, as pressões intraventricularescaem rapidamente de volta a seus valores diastólicos, muitobaixos. Então, as válvulas A-V se abrem para iniciar novociclo de bombeamento ventricular.

Volume diastólico final, volume sistólico final e débitosistólico. Durante a diástole, o enchimento dos ventrículosaumenta normalmente ate cerca de 110 a 120 ml o volume decada ventrículo. Esse volume é conhecido como volumediastólico final. Em seguida, com o esvaziamento dosventrículos durante a sístole, seu volume cai por cerca de 70ml, que c designado como o débito sistólico. O volumerestante em cada ventrículo, cerca de 40 a 50 ml, édenominado volume sistólico final. A fração do volumediastólico final que é ejetada e designada como fração de ejeção -geralmente igual à aproximadamente 60%.

Quando o coração se contrai vigorosamente, o volumesistólico final pode cair para até 10 a 20 ml. Por outro lado,quando grande quantidade de sangue flui para os ventrículosdurante a diástole, seus volumes diastólicos finais podem tomar-se grandes, até 150 a 180 ml em corações normais- F. o débitosistólico pode, por vezes, aumentar até aproximadamente odobro do normal, tanto pelo aumento do volume diastólicofinal como pela diminuição do volume sistólico final.

FUNÇÃO DAS VÁLVULAS

As válvulas atrioventriculares. As válvulas A-V (tricúspide emitral) impedem o refluxo de sangue dos ventrículos para osátrios durante a sístole e as válvulas semilunares (as válvulasaórtica e pulmonar) impedem o refluxo das artérias aorta epulmonar para os ventrículos durante a diástole. Todas essasválvulas, que são ilustradas na Fig. 9.6, fecham-se e abrem-sepassivamente. Isso quer dizer que elas se fecham quando umgradiente retrógrado de pressão empurra o sangue para trás eabrem-se quando um gradiente de pressão anterógrado força osangue a seguir avante. Por razões anatômicas óbvias, ofechamento das delgadas e tênues válvulas A-V não requer quasenenhum refluxo, enquanto o das muito mais pesadas válvulassemilunares requer um refluxo bastante forte por algunsmilissegundos.

Função dos músculos papilares. A Fig. 9.6 também ilustra osmúsculos papilares que se fixam aos folhetos das válvulas

Fig. 9.6 Válvulas mitral e aórtica

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A-V pelas cordas tendíneas. Os músculos papilares se contraemquando as paredes ventriculares o fazem, mas, contrariamenteao que seria de esperar, eles não ajudam as válvulas a se fecharem.Em vez disso, eles puxam os folhetos das válvulas para dentro,em direção aos ventrículos, para impedir que eles façamdemasiada protrusão para trás, em direção aos átrios, durante acontração ventricular. Quando uma corda tendínea se rompeou um dos músculos papilares fica paralisado, a válvula fazprotrusão bem para trás, por vezes de forma tão excessiva quevaza muito e causa incapacidade cardíaca grave ou até mesmoletal.

As válvulas aórtica e pulmonar. Há diferenças entre aoperação das válvulas aórtica e pulmonar e a das válvulas A-V.Em primeiro lugar, as elevadas pressões nas artérias ao final dasístole forçam as válvulas semilunares a se fecharem, emcomparação com o fechamento muito mais suave das válvulas A-V. Segundo, devido à sua menor abertura, a velocidade deejeção do sangue pelas válvulas aórtica e pulmonar é bemmaior do que pelas válvulas A-V, muito maiores. Assim,também devido ao fechamento súbito e à rápida ejeção, as bordasdas válvulas semilunares estão sujeitas a desgaste mecânicomuito maior que as válvulas A-V, que também são sustentadaspor cordas tendíneas. Pela anatomia das válvulas aórtica epulmonar, como é ilustrado na Fig. 9.6, fica evidente que elasestão adaptadas para suportar esse trauma físico extra.

A CURVA DE PRESSÃO AÓRTICA. Quando o ventrículoesquerdo se contrai, a pressão ventricular eleva-se rapidamenteaté que a válvula aórtica se abra. Depois disso, a pressão noventrículo eleva-se muito menos, como ilustra a Fig. 9.5, pois osangue flui imediatamente para fora do ventrículo e para aaorta.

A entrada de sangue nas artérias faz com que a parededessas artérias se distenda e a pressão se eleve. Ao final dasístole, então, após o ventrículo esquerdo parar de ejetar sanguee a válvula aórtica se fechar, a retração elástica das artériasmantém pressão elevada nas artérias até mesmo durante adiástole. A chamada incisura ocorre na curva de pressãoaórtica ao se fechar à válvula aórtica. Ela é causada por umcurto período de refluxo de sangue imediatamente antes dofechamento da válvula, seguido, então, pela cessação súbita dorefluxo. Depois do fechamento da válvula aórtica, a pressão naaorta cai lentamente durante toda a diástole, porque o sanguearmazenado nas artérias elásticas distendidas flui continuamentede volta para as veias por meio dos vasos periféricos. Antes dosventrículos se contraírem novamente, a pressão aórticageralmente cai para cerca de 80 mm Hg (pressão diastólica), oque constitui dois terços da pressão máxima de 120 mm Hg(pressão sistólica), ocorrendo na aorta durante a contraçãoventricular. A curva de pressão na artéria pulmonar ésemelhante à da aorta, exceto pelo fato das pressões seremapenas cerca de um sexto das aórticas, como é discutido noCap. 14.

RELAÇÃO ENTRE OS SONS CARDÍACOS E OBOMBEAMENTO CARDÍACO

Ao se auscultar o coração com estetoscópio, não se ouve aabertura das válvulas, pois esse é um processo dedesenvolvimento relativamente lento e que não produzqualquer ruído. Entretanto, ao se fecharem às válvulas, seusfolhetos e os líquidos circundantes vibram sob a influência dassúbitas diferenças de pressão que ocorrem, produzindo sons quese propagam pelo tórax em todas as direções.Quando os ventrículos começam a se contrair, ouve-se umsom que é causado pelo fechamento das válvulas A-V. Avibração é de tom baixo e mantém-se por período relativamentelongo, sendo conhecida como primeira bulha cardíaca. Quandoas válvulas aórtica e pulmonar se fecham, ouve-se um estalidorelativamente rápido, pois essas válvulas se fecham com extremarapidez e as regiões circunvizinhas vibram apenas por curtoperíodo.

Esse som é conhecido como segunda bulha cardíaca.Ocasionalmente, pode-se ouvir um som atrial quando os átriosbatem devido a vibrações associadas ao fluxo de sangue para osventrículos. Assim, também uma terceira bulha cardíaca ocorre,por vezes, aproximadamente ao final do primeiro terço dadiástole, supostamente causada pelo sangue fluindo emturbilhão para os ventrículos já quase cheios. As causas exatasdos sons cardíacos são discutidas de modo mais completo no Cap.23. em relação à ausculta.

PRODUÇÃO DE TRABALHO PELO CORAÇÃO

O trabalho sistólico e o trabalho-minuto. O trabalhosistólico do coração ê a quantidade de energia que o coraçãoconverte em trabalho durante cada batimento cardíaco enquantobombeia sangue para as artérias. O trabalho-minuto é aquantidade total de energia convertida no período de 1 minuto;obviamente, isso equivale ao trabalho sistólico multiplicado pelafreqüência cardíaca. O trabalho do coração é de dois tipos. Emprimeiro lugar, a maior parte é empregada para mover osangue das veias de baixa pressão para as artérias de altapressão. Isto é denominado trabalho externo ou trabalho devolume-pressão. Segundo, menor proporção da energia cempregada para acelerar o sangue até sua velocidade de ejeçãoatravés das válvula aórtica e pulmonar. Este é o componente deenergia cinética do fluxo sanguíneo do trabalho cardíaco.Trabalho externo (trabalho de volume-pressão). O trabalhorealizado pelo ventrículo esquerdo para elevar a pressão dosangue durante cada batimento cardíaco (o trabalho externosistólico do ventrículo esquerdo, é igual ao débito sistólicomultiplicado pela pressão média de ejeção do ventrículoesquerdo, a menos pressão média de entrada do ventrículoesquerdo, durante o enchimento ventricular). Quando a pressão éexpressa em dinas por centímetro quadrado e o débitosistólico em mililitros, o trabalho externo é expresso em ergs.

O trabalho externo do ventrículo direito é normalmentecerca de um sexto do trabalho do ventrículo esquerdo, devido ãdiferença na pressão sistólica contra a qual os dois ventrículostêm de bombear.

A energia cinética do fluxo sanguíneo. O trabalho adicionalde cada ventrículo necessário para criar a energia cinética dofluxo sanguíneo é proporcional à massa de sangue ejetada,multiplicada pelo quadrado da velocidade de ejeção. Isto é,

mv2

Energia cinética = ------2

Ouando a massa é expressa em gramas de sangue ejetados ea velocidade, em centímetros por segundo, o trabalho o é emergs.

Comumente, o trabalho ventricular esquerdo necessáriopara criar a energia cinética do fluxo sanguíneo é apenas cercade 1% do trabalho total do ventrículo, sendo, pois, ignorado nocálculo do trabalho sistólico total. Em certas condiçõesanormais, como a estenose aórtica, em que o sangue flui comgrande velocidade pela válvula estenosada, mais de 50% dotrabalho total podem ser necessários para criar a energia cinéticado fluxo sanguíneo.

Análise gráfica do bombeamento ventricular

A Fig. 9.7 apresenta um diagrama que é particularmente útilpara explicar à mecânica de bombeamento do ventrículoesquerdo. Os dois componentes mais importantes do diagramasão as duas curvas pretas contínuas designadas como "pressãodiastólica" e "pressão sistólica". Essas duas curvas são curvas devolume-pressão. A curva da pressão diastólica é determinadaenchendo-se o coração com quantidades cada vez maiores desangue e medindo-se, então, a pressão diastólica imediatamenteantes que ocorra a contração ventricular, que é a pressãodiastólica final do ventrículo. A curva de pressão sistólica édeterminada impedindo-se qualquer descarga de sangue docoração e medindo-se a pressão sistólica máxima que é obtidadurante a contração ventricular para cada volume de enchimento.

Fica muito claro que a pressão diastólica não aumentamuito ate que o volume ventricular se eleve acima de 150 ml,aproximadamente. Até este volume, portanto, o sangue podefluir facilmente do átrio para o ventrículo.

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Fig. 9.7 Relação entre o volume ventricular esquerdo e a pressãointraventricular durante a diástole e a sístole. Também c mostrado,pelas linhas vermelhas fortes, o "diagrama de volume-pressão" queilustra as alterações do volume e pressão intraventriculares durante ociclo cardíaco.

Acima de 150 ml, a pressão diastólica passa a aumentar rapidamente, emparte porque o tecido fibroso do coração não se distende mais e, em parte,porque o pericárdio que circunda o coração fica distendido praticamenteaté o seu limite. Durante a contração ventricular, a pressão sistólicaaumenta rapidamente com volumes ventriculares crescentes, atingindoseu máximo com o volume ventricular de 150 a 170 ml. Em seguida,quando o volume aumenta ainda mais, a pressão sistólica em algumascondições até diminui, conforme ilustra a curva da pressão sistólicadescendente, porque nesses volumes muito grandes os filamentos deactina e miosina das fibras musculares cardíacas encontram-se de fatoseparados o suficiente para que a força de contração das fibras fiquemenos que ótima.

Observe especialmente na figura que a pressão sistólica máximapara o ventrículo esquerdo normal não estimulado está entre 250 e 300mm Hg, mas isso varia muito com a força do coração. Para o ventrículodireito normal, ela fica entre 60 e 80 mm Hg.

O diagrama de volume-pressão durante o ciclo cardíaco;trabalho cardíaco. As curvas vermelhas na Fig. 9.7 formam uma alçadenominada diagrama de volume-pressão do ciclo cardíaco para oventrículo esquerdo. Ele é dividido em quatro fases distintas:

Fase I: Período de enchimento. Esta fase do diagrama de volume-pressão inicia-se com volume ventricular de cerca de 45 ml e pressãodiastólica muito próxima de 0 mm Hg. Quarenta e cinco mililitros sãoa quantidade de sangue que permanece no ventrículo após o batimentocardíaco anterior, sendo designada como volume sistólico final. Quandoo sangue venoso pulmonar flui do átrio para o ventrículo, o volumeaumenta normalmente para cerca de 115 ml, designados como volumediastólico final, um aumento de 70 ml. Por esta razão, o diagrama devolume-pressão durante a fase I estende-se ao longo da linha marcada"I", aumentando o volume para 115 ml e elevando a pressão diastólicapara cerca de 5 mm Hg.

Fase II: Período de contração isovolúmica. Durante a contraçãoisovolúmica, o volume do ventrículo não se altera. Contudo, a pressãono interior do ventrículo se eleva até se igualar à pressão na aorta,um valor de pressão de cerca de 80 mm Hg. como é mostrado pelalinha "II".

Fase III: Período de ejeção. Durante a ejeção, a pressão sistólicaeleva-se ainda mais, devido à contração ainda maior do coração. Aomesmo tempo, o volume do ventrículo diminui porque o sangue agoraflui para fora do ventrículo e para a aorta. Em vista disso, a curvamarcada "III" registra as alterações no volume e na pressão sistólicadurante este período de ejeção.

Fase IV: Período de relaxamento isovolumétrico. Ao final doperíodo de ejeção, as válvulas semilunares dos ventrículos fecham-see a pressão ventricular cai novamente até o nível da pressão diastólica,A linha marcada "IV" registra esta diminuição da pressãointraventricular sem qualquer alteração do volume.

Assim, o ventrículo retorna a seu ponto de partida, com cerca de 45 mlde sangue residuais no ventrículo e pressão atrial de fato muitopróxima de 0 mm Hg.

Trabalho calculado a partir do diagrama de volume-pressão.Os leitores bem treinados nos princípios básicos da física devemreconhecer que a área subtendida por este diagrama de volume-pressão, a parte direita da área sombreada designada como TE,equivale ao trabalho externo efetivo do ventrículo, durante seu ciclo decontração- Em estudos experimentais da contração cardíaca, estediagrama é, portanto, empregado para o cálculo do trabalho cardíaco.

Quando o coração bombeia grande quantidade de sangue, odiagrama de trabalho passa a ter área muito maior. Isto quer dizerque ele se estende bem para a direita, porque o ventrículo agora seenche mais de sangue durante a diástole, eleva-se muito mais porque oventrículo se contrai com pressão maior e, geralmente, estende-se maispara a esquerda porque o ventrículo se contrai até um volume menor -especificamente , quando o ventrículo é estimulado a maior atividade pelosistema nervoso simpático.

Os conceitos de "pré-carga" e "pós-carga". Ao se avaliar aspropriedades contrateis do músculo, é importante especificar o grau detensão sobre o músculo quando ele começa a se contrair, o que édesignado como pré-carga, e também se especificar a carga contra a qualo músculo exerce sua força contrátil. que é designada como pós-carga.

Para a contração cardíaca, a pré-carga é geralmente consideradacomo sendo o volume de sangue no ventrículo ao final da diástole,ou seja, o volume diastólico final. Entretanto, por vezes, essa pré-cargaé expressa como a pressão diastólica final quando o ventrículo fica cheiode sangue.

A pós-carga do ventrículo é a pressão na artéria que sai do mesmo.Na Fig. 9.7, ela corresponde à pressão sistólica descrita pela curva FaseIII do diagrama de volume-pressão. (Por vezes, a pós-carga é consideradamuito livremente como sendo a resistência na circulação, e não a pressão.)

A importância dos conceitos de pré-carga e pós-carga é que, emmuitos estados funcionais anormais do coração ou da circulação, o graude enchimento do ventrículo (a pré-carga), a pressão arterial contraa qual o ventrículo tem de se contrair (a pós-carga), ou ambos, alteram-semuito em relação ao normal.

A ENERGIA QUÍMICA PARA A CONTRAÇÃO CARDÍACA:UTILIZAÇÃO DE OXIGÉNIO PELO CORAÇÃO

O músculo cardíaco, assim como os músculos esqueléticos, utilizaenergia química para gerar o trabalho da contração. Essa energia derivaprincipalmente do metabolismo oxidativo dos ácidos graxos e, em menorgrau, de outros nutrientes, especialmente ácido lático e glicose. Comoconseqüência, a intensidade do consumo de oxigênio é uma excelentemedida da energia química liberada enquanto o coração realiza seutrabalho. As diferentes reações liberadoras dessa energia são discutidasnos Caps. 67 e 68.

Estudos experimentais em corações isolados mostraram que oconsumo de oxigênio pelo coração e. portanto, a energia químicadespendida durante a contração estão diretamente relacionados à áreasombreada total da Fig. 9.7. Essa parte sombreada consiste no trabalhoexterno.TE, conforme explicado antes, e numa outra parte, chamada deenergia potencial, designada como EP. A energia potencial constitui otrabalho adicional que poderia ser realizado pela contração doventrículo, se este se esvaziasse de todo o sangue em sua câmara a cadacontração.

Infelizmente, é impossível medir-se a área sombreada total da Fig..7 em animais ou seres humanos vivos. Em vez disto, também se verificouexperimentalmente que o consumo de oxigênio c praticamenteproporcional à tensão que ocorre no músculo cardíaco durante acontração multiplicada pelo período de tempo que a contração persiste,denominado o índice tensão-tempo. Como a tensão é muito alta, quandoa pressão sistólica é elevada, é utilizada uma quantidadecorrespondente maior de oxigênio. Da mesma forma, quantidade muitomaior de energia química é despendida mesmo com pressão sistólicanormal quando o ventrículo está anormalmente dilatado, porque a tensãodo músculo cardíaco durante a contração é proporcional à pressão vezeso diâmetro do ventrículo. Isto é particularmente importante nainsuficiência cardíaca, pois o ventrículo encontra-se, então, dilatado e,paradoxalmente, a quantidade de energia química necessária paradada quantidade de trabalho tem de ser maior do que nunca, ainda que ocoração já esteja insuficiente.

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Eficiência da contração cardíaca. Durante a contração muscular, amaior parte da energia química é convertida em calor, e parte muitomenor, em trabalho. A proporção entre o trabalho e o gasto de energiaquímica é denominada eficiência da contração cardíaca ou, simplesmente,eficiência do coração, A eficiência máxima do coração normal está entre20 e 25%. Na insuficiência cardíaca, isto pode cair até para 5 a 10%.

REGULAÇÃO DO BOMBEAMENTO CARDÍACO

Quando a pessoa está em repouso, o coração bombeia apenas4 a 6 I de sangue a cada minuto. Entretanto, durante exercíciointenso, o coração pode ser solicitado a bombear até quatroa sete vezes essa qualidade. A presente seção discute os meiospelos quais o coração pode adaptar-se a aumentos tão extremosdo débito cardíaco.

Os dois meios básicos pelos quais o volume bombeado pelocoração é regulado são (1) a regulação intrínseca dobombeamento pelo coração em resposta a alterações do volumede sangue que flui até o coração e (2) o controle do coração pelosistema nervoso autonômico.

REGULAÇÃO INTRÍNSECA DO BOMBEAMENTOCARDÍACO — O MECANISMO DE FRANK-STARUNG

No Cap. 20, vemos que a quantidade de sangue bombeadapelo coração a cada minuto é determinada pela intensidade dofluxo sanguíneo das veias para o coração, o que é denominadoretorno venoso. Isso quer dizer que cada tecido periférico docorpo controla seu próprio fluxo sanguíneo, e a soma de todosos fluxos sanguíneos locais por todos os tecidos periféricos voltaao átrio direito por meio das veias. O coração, por sua vez,bombeia, automaticamente, esse sangue que chega para asartérias sistêmicas, de modo que ele possa fluir novamente pelocircuito.

Essa capacidade intrínseca de adaptação do coração àalteração no volume de sangue que entra é denominadamecanismo de Frank-Starling do coração, em homenagem aFrank e Starling, dois grandes fisiologistas de quase 100 anosatrás. Basicamente, o mecanismo de Frank-Starling indica quequanto mais o coração se enche, durante a diástole, maior vai sera quantidade de sangue bombeada para a aorta. Outra forma deexpressar isto é: Dentro dos limites fisiológicos, o coraçãobombeia todo o sangue que chega até ele, sem permitir acúmuloexcessivo de sangue nas veias.

Qual é a explicação do mecanismo de Frank-Starling?Quando quantidade extra de sangue flui para os ventrículos, omúsculo cardíaco propriamente dito c distendido até maiorcomprimento. Isso, por sua vez, faz o músculo contrair-se commais força, porque os filamentos de actina e miosina são entãotrazidos a grau de superposição mais próximo do ótimo paraa geração de força. Assim sendo, devido ao aumento de suaação de bombear, o ventrículo bombeia automaticamente osangue extra para as; artérias. Essa capacidade do músculodistendido até seu comprimindo ótimo de contrair-se com maiorforça é característica de todos os músculos estriados,conforme explicado no Cap. 6, e não somente do músculocardíaco.

Além do importante efeito de distensão do músculo cardíaco,ainda outro fator aumenta o bombeamento cardíaco quando seuvolume está aumentado. A distensão da parede atrial direitaaumenta diretamente a freqüência cardíaca por até 10 a 20%;isso também ajuda a aumentar a quantidade de sangue bombeadaa cada minuto, embora sua contribuição seja muito menor quea do mecanismo de Frank-Starling.

Ausência de efeito de alterações da carga da pressão arterial

Fig. 9,8 Constância do débito cardíaco mesmo face a amplas alteraçõesda pressão arterial. É somente quando a pressão arterial se eleva acimada faixa operacional normal da pressão que a carga de pressão faz ocoração começar a falhar.

sobre o débito cardíaco. Uma das conseqüências mais importantesdo mecanismo de Frank-Starling do coração é que, dentro delimites razoáveis, as alterações da pressão arterial contra a qualo coração bombeia quase não têm efeito sobre a intensidadecom que o sangue é bombeado a cada minuto (o débito cardíaco).Esse efeito é ilustrado na Fig. 9.8, que é uma curva extrapoladapara seres humanos a partir de dados obtidos em cães nos quaisa pressão foi alterada progressivamente pela constrição da aorta,sendo o débito cardíaco medido simultaneamente. O significadodeste efeito é o seguinte: independentemente da carga de pressãoarterial até um limite razoável, o fator importante para adeterminação da quantidade de sangue bombeada pelocoração ainda é a intensidade da entrada de sangue no coração.

Curvas de função ventricular

Uma das melhores maneiras de expressar a capacidadefuncional de bombear sangue dos ventrículos é por curvas defunção ventricular, como é mostrado nas Figs. 9.9 e 9.10. AFig. 9.9 ilustra um tipo de curva de função ventriculardenominada curva do trabalho sistólico. Observe que, à medidaque a pressão atrial aumenta, o trabalho sistólico tambémaumenta, até atingir o limite da capacidade cardíaca.

A Fig. 9.10 apresenta outro tipo de curva de funçãoventricular denominada curva do débito-minuto ventricular. Essasduas curvas representam a função dos dois ventrículos docoração humano, com base em dados extrapolados de animaisinferiores. Ao se elevar à pressão atrial, o respectivo débitopor minuto do volume ventricular também aumenta.

Fig. 9.9 Curvas de função ventricular esquerda e direita em um cão,mostrando o trabalho sistólico ventricular em função das pressões atriaismédias esquerda e direita. (Curvas reconstruídas a partir de dados emSarnoff: Physiol. Rev. 35:101, 1955.)

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Fig. 9.10 Curvas aproximadas do débito ventricular esquerdo e direitopara o coração humano, conforme extrapolado a partir de dados obtidosem cães.

Assim, as curvas de função ventricular são outra maneirade expressar o mecanismo de Frank-Starling do coração. Istoé, quando os ventrículos se enchem sob pressões atriais maiselevadas, o volume ventricular e a força da contração cardíacaaumentam, fazendo o coração bombear maior quantidade desangue para as artérias.

CONTROLE DO CORAÇÃO PELOS NERVOSSIMPÁTICOS E PARASSIMPÁTICOS

A capacidade de bombeamento do coração é muitocontrolada pelos nervos simpáticos e parassimpáticos (vago),que suprem abundantemente o coração, como ilustra a Fig. 9.11.A quantidade de sangue bombeada pelo coração a cadaminuto, o débito cardíaco, pode muitas vezes ser aumentadaem mais de 100% pela estimulação simpática. Em contraste,ela pode ser reduzida a zero ou a quase isto pela estimulaçãovagal (parassimpática).

Excitação do coração pelos nervos simpáticos. Uma forteestimulação simpática pode aumentar a freqüência cardíaca deseres humanos para 200 e, em raros casos, até mesmo 250batimentos por minuto, em pessoas jovens. A estimulaçãosimpática aumenta igualmente a força com que o coração secontrai, aumen-

Fig. 9.11 Os nervos cardíacos

tando também, como conseqüência, tanto o volume de sanguebombeado como a pressão de ejeção. Assim, a estimulaçãosimpática pode freqüentemente aumentar o débito cardíaco poraté duas a três vezes.

A inibição do sistema nervoso simpático pode ser utilizadapara diminuir, em grau moderado, o bombeamento cardíaco,da seguinte maneira: em condições normais, as fibras nervosassimpáticas para o coração descarregam, continuamente, a baixafreqüência, que mantém o bombeamento em cerca de 30% doque é observado sem qualquer estimulação simpática. Por estarazão, quando a atividade do sistema nervoso simpático éreduzida a um nível abaixo do normal, isso diminui tanto afreqüência cardíaca como a força de contração ventricular,diminuindo, assim, o nível de bombeamento cardíaco até 30%abaixo do normal.

Estimulação parassimpática (vagal) do coração. Uma forteestimulação vagal do coração pode, de fato, fazer cessar poralguns segundos os batimentos cardíacos, mas depois o coraçãogeralmente "escapa", batendo, daí em diante, com freqüênciade 20 a 30 batimentos por minuto. Além disso, a forte estimulaçãoparassimpática diminui em até 20 a 30% a força de contraçãodo coração. Esta não é uma grande diminuição, porque as fibrasvagais distribuem-se principalmente para os átrios e pouco paraos ventrículos onde ocorre à contração motriz do coração. Apesardisso, a grande diminuição da freqüência cardíaca, associada àligeira diminuição da contração cardíaca, pode reduzir em até50% ou mais o bombeamento ventricular — especialmentequando o coração está operando sob grande carga de trabalho.

Efeito da estimulação simpática ou parassimpática sobre acurva de função cardíaca. A Fig. 9.12 apresenta quatro curvasdistintas de função cardíaca. Elas são iguais às curvas de funçãoventricular das Figs. 9.9 e 9.10, exceto por representarem a funçãode todo o coração, e não de um ventrículo individual; elasmostram a relação entre a pressão atrial direita na entrada docoração e o debito cardíaco para a aorta.

As curvas da Fig. 9.12 demonstram que, a qualquer pressãoatrial direita, o débito cardíaco aumenta com o aumento daestimulação simpática e diminui com o aumento da estimulaçãoparassimpática. Deve-se recordar que as alterações do débitocardíaco ocasionadas pela estimulação nervosa são causadastanto por alterações da freqüência cardíaca como por alteraçõesda força contrátil do coração, pois ambas afetam o débitocardíaco.

Fig. 9.12 Efeito sobre a curva do débito cardíaco de graus diferentesde estimulação simpática e parassimpática.

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EFEITO DA FREQUÊNCIA CARDÍACA SOBRE AFUNÇÃO DO CORAÇÃO COMO UMA BOMBA

Em geral, quanto mais vezes o coração bate por minuto,mais sangue ele pode bombear, mas há importantes limitaçõesa este efeito. Após a freqüência cardíaca elevar-se acima deum nível crítico, por exemplo, a força do próprio coração diminui,presumivelmente devido ao uso excessivo de substratosmetabólicos pelo músculo cardíaco. Além disso, o período dediástole entre as contrações fica tão reduzido que o sangue nãotem tempo para fluir adequadamente dos átrios para osventrículos. Por estas razões, quando a freqüência cardíaca éaumentada artificialmente pela estimulação elétrica, o coraçãotem sua capacidade máxima de bombear grande quantidade desangue na freqüência cardíaca entre 100 e 150 batimentos porminuto. Por outro lado, quando sua freqüência é aumentada porestimulação simpática, ele atinge sua capacidade máxima debombear sangue nas freqüências entre 170 e 220 batimentos porminuto. A razão para essa diferença é que a estimulaçãosimpática aumenta não só a freqüência como também a forçacardíaca. Ao mesmo tempo, ela diminui a duração da contraçãosistólica e possibilita mais tempo para o enchimento durante adiástole.

AVALIAÇÃO DA CONTRATILIDADE CARDÍACA

Embora seja muito fácil determinar-se a freqüência cardíacasimplesmente pela contagem do pulso, sempre foi difícil determinar-seà força de contração cardíaca, comumente designada como contratilidadecardíaca. Muito freqüentemente, a alteração da contratilidade éexatamente o oposto da alteração da freqüência cardíaca. Na verdade,esse efeito ocorre quase que invariavelmente nas cardiopatias e doençasdebilitantes.

Uma das maneiras pelas quais a contratilidade cardíaca pode serdeterminada com grande precisão é o registro de uma ou mais curvasde função cardíaca. Entretanto, isto so pode ser feito com facilidadeem animais experimentais. Por essa razão, muitos fisiologistas clínicostêm procurado métodos de avaliação da contratilidade cardíaca demaneira simples. Um desses métodos é a determinação da chamadadP/dt.

dP/dt como medida da contratilidade. A dP/dt significa velocidadeda alteração da pressão ventricular em função do tempo. O registrode dP/dt é gerado por um computador que diferencia a onda da pressãoventricular, dando, portanto, um registro da velocidade da alteraçãoda pressão ventricular. A Fig. 9.13 mostra dois registros distintos daonda de pressão ventricular, assim como registros simultâneos (em cor)

Fig. 9.13 Registros simultâneos da pressão ventricular e da dP/dt. Amostra resultados obtidos em coração normal e B mostra resultadosde um coração estimulado por isoproterenol. (Modificado de Masonet ai., in Sodcman e Sodeman [eds.j. Pathologic Physiology 6. ed. Philadelphia, W.B. Saunders Co., 1979.)

da dP/dt. Na parte superior da figura, o coração estava batendonormalmente e na parte inferior o coração havia sido estimulado peloisoproterenol, um composto que tem basicamente o mesmo efeito sobre ocoração que tem a estimulação simpática.

Observe no registro superior que, ao mesmo tempo que a pressãoventricular está aumentando com maior velocidade, o registro da dP/dttambém atinge seu valor mais alto. Por outro lado, no momento emque a pressão ventricular está caindo mais rapidamente, o registro dadP/dt atinge seu nível mais baixo. Quando a pressão ventricular nãoestá nem se elevando nem caindo, o registro da dP/dt está no valorzero.

Estudos experimentais mostraram que a velocidade da elevação dapressão ventricular, a dP/dt, correlaciona-se em geral muito bem coma força de contração do ventrículo. Este efeito é ilustrado pelacomparação do registro da dP/dt da parte superior da Fig. 9.13 com aparte inferior. Assim, a dP/dt máxima é freqüentemente utilizada comomeio de comparação da contratilidade do coração em diferentes estadosfuncionais.

Infelizmente, o valor quantitativo da dP/dt máxima também éafetado por outros fatores que não estão relacionados à contratilidadecardíaca. Esse valor fica aumentado, por exemplo, tanto pela maiorpressão de entrada para o ventrículo esquerdo (a pressão diastólica finalventricular), que é a pré-carga do ventrículo, como pela pressãocontra a qual o coração está bombeando sangue, denominado pós-carga.Portanto, muitas vezes é difícil utilizar-se a dP/dt como medida decontratilidade ao se comparar o coração de uma pessoa ao de outra,pois um desses fatores pode diferir. Por essa razão, outras medidasquantitativas também têm sido empregadas em tentativas de avaliação dacontratilidade cardíaca. Uma delas tem sido a utilização da dP/dt divididapela pressão instantânea no ventrículo, ou (dP/dt)/P.

EFEITO DOS ÍONS POTÁSSIO E CÁLCIO SOBRE AFUNÇÃO CARDÍACA

Na discussão dos potenciais de membrana no Cap. 5 foi ressaltadoque os íons potássio têm efeito acentuado sobre os potenciais demembrana e os potenciais de ação, e no Cap. 6 observou-se que osíons cálcio têm papel particularmente importante no desencadeamentodo processo contrátil muscular. Deve-se esperar, portanto, que asconcentrações desses dois íons nos líquidos extracelulares tambémtenham efeitos importantes sobre o bombeamento cardíaco.

Efeito dos íons potássio. O excesso de potássio no líquido extracelularfaz o coração ficar extremamente dilatado e flácido e lentifica a freqüênciacardíaca. Quantidades muito grandes também podem bloquear acondução do impulso cardíaco dos átrios para os ventrículos pelo feixeA-V. A elevação da concentração de potássio até apenas 9 a 12m.Eq/1 - duas a três vezes o valor normal - pode causar umenfraquecimento tal do coração e um ritmo tão anormal que isso podecausar a morte.

Esses efeitos são causados parcialmente pelo fato de que umaconcentração elevada de potássio no líquido extracelular causadiminuição do potencial de membrana em repouso nas fibras muscularescardíacas, conforme explicado no Cap. 5. Quando o potencial demembrana diminui, a intensidade do potencial de ação também diminui,o que torna progressivamente mais fraca a contração do coração.

Efeito dos íons cálcio. O excesso de íons cálcio causa efeitos quaseque exatamente opostos aos dos íons potássio, fazendo o coração entrarem contração espástica. Isso é causado pelo efeito direto dos íons cálciona excitação do processo contrátil cardíaco, conforme explicado antes.Inversamente, deficiência de íons cálcio causa flacidez cardíaca, de modosemelhante ao efeito do potássio. Entretanto, com os níveis normalmenteregulados dentro de limites estreitos, é raro que esses efeitos cardíacosdas concentrações anormais de cálcio causem problemas clínicos.

EFEITO DA TEMPERATURA SOBRE O CORAÇÃO

O aumento da temperatura, que ocorre quando se tem febre- causagrande aumento da freqüência cardíaca, por vezes até o dobro do normal.A diminuição da temperatura causa grande redução da freqüênciacardíaca, caindo até alguns batimentos por minuto quando a pessoa estápróxima da morte por hipotermia, na faixa de 15,5 a 21°C. Essesefeitos decorrem, presumivelmente, do calor causando maiorpermeabilidade da membrana muscular aos íons, ocasionando aaceleração do processo de auto-excitação.

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Muitas vezes, a força contrátil do coração é aumentadatemporariamente por aumento moderado da temperatura, mas a elevaçãoprolongada da temperatura exaure os sistemas metabólicos do coração ecausa fraqueza.

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(Ver também Cap. 10.)

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CAPÍTULO 10

Excitação Rítmica do Coração

O coração é provido de um sistema especializado (1) paraa geração de impulsos rítmicos, para causar a contração rítmicado músculo cardíaco, e (2} para a condução rápida desses impulsospor todo o coração. Quando esse sistema funciona normalmente,os átrios se contraem cerca de um sexto de segundo antes dacontração ventricular, o que possibilita maior enchimento dosventrículos antes que eles bombeiem o sangue pelos pulmõese pela circulação periférica. Outra importância especial dosistema é que ele possibilita que todas as partes dos ventrículos secontraiam simultaneamente, o que é essencial para a geraçãoefetiva de pressão nas câmaras ventriculares.

Infelizmente, porém, este sistema rítmico e condutor docoração é muito suscetível a danos por doenças cardíacas,especialmente a isquemia dos tecidos cardíacos decorrente dofluxo sanguíneo coronário insuficiente. A conseqüência é,muitas vezes, um ritmo cardíaco muito bizarro ou uma seqüênciaanormal da contração das câmaras cardíacas, e a eficácia dobombeamento cardíaco muitas vezes fica gravemente afetada, aponto de causar a morte do paciente. O SISTEMA ESPECIALIZADO DE EXCITAÇÃO

E ONDUÇÃO DO CORAÇÃO

A Fig. 10.1 apresenta o sistema especializado de excitaçãoe condução do coração que controla as contrações cardíacas.A figura mostra (A) o nodo sinusal (também denominado nodosinoatrial ou S – A) , no qual é gerado o impulso rítmico normal;(B) as vias internodais que conduzem o impulso do nodo sinusalpara o nodo A-V; (C) o nodo A-V (também denominado nodoatrioventricular), no qual o impulso dos átrios sofre retardo antesde passar para os ventrículos; (D) o feixe A-V, que conduz oimpulso dos átrios para os ventrículos; e (E) os feixes esquerdoe direito das fibras de Purkinje, que conduzem o impulso cardíacoa todas as partes dos ventrículos.

O NODO SINUSAL

O nodo sinusal é uma pequena tira achatada e elíptica demúsculo especializado, com aproximadamente 3 mm de largura,15 mm de comprimento e 1 mm de espessura; está localizadona parede superior lateral do átrio direito, imediatamente abaixoe lateral à abertura da veia cava superior. As fibras deste nodoquase não têm filamentos contrateis e têm 3 a 5 µm de diâmetro,em contraste com o diâmetro de 10 a 15 µm fibras muscularesatriais circunvizinhas. No entanto, as fibras sinusais sãocontínuas com as fibras atriais, de modo que qualquer potencialde ação que se inicia no nodo sinusal espalha-se imediatamentepara os átrios.

Fig. 10.1 O nodo sinusal e o sistema de Purkinje do coração, mostrandotambém o nodo A-V, as vias internodais atriais e os ramos ventriculares.

Ritmicidade automática das fibras sinusais

Muitas fibras cardíacas têm a capacidade de auto-excitação,um processo que pode ocasionar contrações rítmicas automáticas.Isto é particularmente verdadeiro para as fibras do sistemaespecializado de condução do coração; a parte desse sistema queapresenta o maior grau de auto-excitação são as fibras do nodosinusal. Em vista disso, o nodo sinusal controla normalmentea freqüência de batimento de todo o coração, como é discutidocom detalhes mais adiante neste capítulo. Primeiramente, porém,vamos descrever essa ritmicidade automática.

Mecanismos da ritmicidade do nodo sinusal. A Fig. 10.2apresenta potenciais de ação registrados em fibra do nodo sinusalpor três batimentos cardíacos e. para fins de comparação, umpotencial de ação de fibra muscular ventricular, mostrado àdireita. Observe que o potencial da fibra nodal sinusal entre asdescargas tem negatividade de apenas -55 a -60 mV, emcomparação com -85 a -90 mV para a fibra ventricular. A causadessa negatividade reduzida é que as membranas celulares dasfibras sinusais são naturalmente permeáveis a íons sódio.

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Antes de tentar explicar a ritmicidade das fibras do nodosinusal, recordemos primeiro, das discussões dos Caps. 5 e 9,que, no músculo cardíaco, três tipos diferentes de canais iônicosna membrana contribuem de forma importante para ocasionaras alterações de voltagem do potencial de ação. São eles (1) oscanais rápidos de sódio; (2) os canais lentos de cálcio-sódio, e(3) os canais de potássio. A abertura dos canais rápidos desódio por alguns décimos milésimos de segundo é responsávelpelo início muito rápido e semelhante a uma ponta do potencialde ação observado no músculo ventricular devido ao rápidoinfluxo de íons sódio positivos para o interior da fibra. Emseguida, o platô do potencial de ação ventricular é causadoprincipalmente pela abertura mais lenta dos canais lentos decálcio-sódio, que dura alguns décimos de segundo. Finalmente,a crescente abertura de canais de potássio e a difusão de umagrande quantidade de íons de potássio positivos para fora da fibrafazem o potencial de membrana voltar a seu nível de repouso.

Contudo, há uma diferença na função desses canais na fibrado nodo sinusal devido à negatividade muito menor do potencial"de repouso" -apenas -55 mV. Nesse nível de negatividade, oscanais rápidos de sódio ficam em grande parte "inativados", oque significa que eles foram bloqueados. A causa disto é que, emqualquer ocasião em que o potencial de membrana permanecemenos negativo que cerca de -60 mV por mais de algunsmilissegundos, as comportas de inativação no interior damembrana celular que fecham esses canais fecham-se epermanecem fechadas. Por esta razão, somente os canais lentosde cálcio-sódio podem abrir-se (ou seja, podem ficar"ativados") e, portanto, causar o potencial de ação. O potencialde ação tem, pois, desenvolvimento mais lento que o domúsculo ventricular e também se recupera por diminuição lentado potencial, em vez da recuperação abrupta que ocorre no casoda fibra ventricular.

Auto-excitação das fibras do nodo sinusal. Os íons sódiotendem naturalmente a vazar para dentro das fibras do nodosinusal por múltiplos canais na membrana, e esse influxo decargas positivas também causa elevação do potencial demembrana. Assim, como é ilustrado na Fig. 10.2, o potencial "derepouso" eleva-se gradualmente entre cada dois batimentoscardíacos. Ao atingirem a voltagem limiar, de cerca de -40 mV,os canais de cálcio-sódio são ativados, levando à entrada muitorápida tanto de íons cálcio como sódio e causando, assim, opotencial de ação. Assim sendo, é basicamente a permeabilidadeintrínseca das fibras do nodo sinusal aos íons sódio que causasua auto-excitação.

Fig. 10.2 Descarga rítmica de uma fibra do nodo sinusal e comparaçãodo potencial de ação do nodo sinusal com o de uma fibra muscularventricular.

Por que essa permeabilidade aos íons sódio não faz as fibrasdo nodo sinusal ficarem despolarizadas todo o tempo? A respostaé que ocorrem dois eventos durante o potencial de ação. Emprimeiro lugar, os canais de cálcio-sódio são inativados (ou seja,eles se fecham) dentro de cerca de 100 a 150 ms após sua aberturae, segundo, mais ou menos ao mesmo tempo, abre-se um númeromuito maior de canais de potássio. Por esta razão, agora o influxode íons cálcio e sódio pelos canais de cálcio-sódio cessasimultaneamente, enquanto uma grande quantidade de íonspotássio positivos difunde-se para fora da célula, pondo fim,portanto, ao potencial de ação. Além disso, os canais de potássiopermanecem abertos por mais alguns décimos de segundo,levando um grande excesso de cargas positivas de potássio parafora da célula, o que causa, temporariamente, considerávelexcesso de negatividade dentro da fibra, isto é denominadohiperpolarização. Essa hiperpolarização provoca inicialmenteredução do potencial de membrana em "repouso" para cerca de-55 a -60 mV ao final do potencial de ação.

Por fim, temos de explicar por que o estado dehiperpolarização também não é mantido indefinidamente. Arazão é que, durante os décimos de segundo subseqüentes ao fimdo potencial de ação, um número cada vez maior dos canais depotássio começa a se fechar. Então, os íons sódio que vazampara o interior superam novamente o fluxo para fora dos íonspotássio, o que faz o potencial "de repouso" elevar-se,atingindo, finalmente, o nível limiar de descarga, em potencialde cerca de -40 mV. Então, todo o processo tem início de novo:auto-excitação, recuperação do potencial de ação,hiperpolarização após o fim do potencial de ação, elevação dopotencial "de repouso" e, depois, mais uma vez, reexcitação, parainiciar outro ciclo. Este processo continua indefinidamente portoda a vida da pessoa.

VIAS INTERNODAIS E TRANSMISSÃO DOIMPULSO CARDÍACO PELOS ÁTRIOS

As extremidades das fibras do nodo sinusal fundem-se àsfibras musculares atriais circundantes e os potenciais de açãoque se originam no nodo sinusal dirigem-se para adiante, pormeio dessas fibras. Desse modo, o potencial de ação se propagapor toda a massa muscular atrial, e acaba por chegar tambémao nodo A-V. A velocidade de condução no músculo atrial éde aproximadamente 0,3 m/s. A condução é, porém, mais rápidaem vários pequenos feixes de fibras musculares atriais. Um deles,denominado feixe interatrial anterior, passa para o átrio esquerdopelas paredes anteriores dos átrios e conduz o impulso cardíacocom velocidade de aproximadamente 1 m/s. Além disso, trêsoutros pequenos feixes atravessam as paredes atriais e terminamno nodo A-V, também conduzindo o impulso cardíaco com essavelocidade rápida. Esses três pequenos feixes, ilustrados na Fig.10.1, são denominados, respectivamente, vias internodaisanterior, média e posterior. A causa da velocidade de conduçãomais rápida nesses feixes é a presença de certo número de fibrasde condução especializadas misturadas ao músculo atrial. Essasfibras são semelhantes às fibras de Purkinje dos ventrículos, decondução muito rápida, que são discutidas a seguir.

O NODO A -V E O RETARDO NA CONDUÇÃO DEIMPULSOS

Felizmente, o sistema de condução é organizado de tal formaque o impulso cardíaco não passa dos átrios para os ventrículosde modo demasiado rápido; isso dá tempo para os átrios lançaremseu conteúdo nos ventrículos antes que se inicie a contraçãoventricular. São principalmente o nodo A-V e suas fibras decondução associadas que retardam essa transmissão do impulsocardíaco dos átrios para os ventrículos.

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O nodo A-V está localizado na parede septal posterior doátrio direito, imediatamente atrás da válvula tricúspide eadjacente à abertura do seio coronário, como c mostrado naFig. 10.1. A Fig. 10.3 mostra esquematicamente as diferentespartes desse nodo e suas conexões com as fibras da viainternodal atrial e o feixe A-V. A figura também mostra osintervalos aproximados em frações de segundo entre a gênese doimpulso cardíaco no nodo sinusal e seu aparecimento emdiferentes pontos do sistema nodal A-V. Note que o impulso,após passar pela via internodal, chega ao nodo A-Vaproximadamente 0,03 após sua origem no nodo sinusal. Há,então, um retardo adicional de 0,09 no nodo A-V propriamentedito, antes do impulso passar à parte penetrante do feixe A-V. Umretardo final, de mais de 0,04 s, ocorre principalmente neste feixeA-V penetrante que é composto por múltiplos pequenosfascículos que atravessam o tecido fibroso que separa os átriosdos ventrículos.

Portanto, o retardo total no sistema nodal A-V e do feixeA-V é de aproximadamente 0,13 s. Cerca de um quarto dessetempo ocorre nas fibras de transição, fibras muito delgadas queligam as fibras das vias internodais atriais ao nodo A-V (verFig. 103). A velocidade de condução nessas fibras é tão pequenaquanto 0,02 a 0,05 m/s (cerca de 1/12 da velocidade no músculocardíaco normal), o que retarda muito a entrada do impulsono nodo A-V. Após entrar no nodo propriamente dito, avelocidade de condução nas fibras nodais ainda é bastante baixa,apenas 0,05 m/s, cerca de um oitavo da velocidade de conduçãono músculo cardíaco normal. Essa baixa velocidade de conduçãotambém é aproximadamente a mesma da parte penetrante dofeixe A-V.

Causa da condução lenta. A causa da conduçãoextremamente lenta tanto nas fibras de transição como nasfibras nodais e nas fibras do feixe A-V penetrante é. em parte,que seu tamanho é consideravelmente menor do que o das fibrasmusculares atriais normais. Entretanto, a maior parte dacondução lenta é provavelmente causada por dois fatorestotalmente diferentes. Em primeiro lugar, todas essas fibras têmpotenciais de membrana em repouso que são muito menosnegativos que o potencial de repouso normal do restante domúsculo cardíaco.

Fig. 10.3 Organização do nodo A-V. Os números representam ointervalo de tempo a partir da origem do impulso no nodo sinusal. Osvalores foram extrapolados para os seres humanos.

Segundo, muito poucas junções abertas unem as fibrassucessivas na via, de modo que há grande resistência àcondução de íons excitatórios de uma fibra para outra. Assim,havendo tanto baixa voltagem impulsionando os íons comogrande resistência ao seu movimento, é fácil ver-se por quecada fibra sucessiva demora a ser excitada.

TRANSMISSÃO NO SISTEMA DE PURKINJE

As fibras de Purkinje saem do nodo A-V para os ventrículospelo feixe A-V. Exceto pela parte inicial dessas fibras, no pontoonde elas penetram na barreira fibrosa atrioventricular, elas têmcaracterísticas funcionais bem opostas às das fibras do nodo A-V;são fibras muito grandes, maiores ainda que as fibras muscularesnormais dos ventrículos, e transmitem potenciais de ação comvelocidade de 1,5 a 4,0 m/s., velocidade cerca de 6 vezes averificada no músculo cardíaco habitual e 150 vezes a medidaem algumas fibras de transição. Isso possibilita a transmissãoquase que imediata do impulso cardíaco por todo o sistemaventricular.

A transmissão muito rápida dos potenciais de ação pelasfibras de Purkinje é considerada como sendo causada pela maiorpermeabilidade das junções abertas nos discos intercalados entreas sucessivas células cardíacas que constituem as fibras dePurkinje. Nesses discos, os íons são facilmente transmitidos deuma célula para a seguinte, aumentando, assim, a velocidade detransmissão. As fibras de Purkinje também têm muito poucasmiofibrilas, o que quer dizer que elas mal se contraem durante atransmissão de impulsos.

Condução em sentido único pelo feixe A-V. Umacaracterística especial do feixe A-V é a incapacidade dospotenciais de ação, exceto em estados anormais, fazerem otrajeto retrógrado no feixe dos ventrículos para os átrios. Issoimpede a reentrada de impulsos cardíacos dos ventrículos paraos átrios por essa via, possibilitando apenas a conduçãoanterógrado dos átrios para os ventrículos.

Além disso, deve-se recordar que o músculo atrial c separadodo músculo ventricular por barreira fibrosa contínua, parte daqual é ilustrada na Fig. 10.3. Essa barreira atua normalmentecomo isolante, impedindo a passagem de impulsos cardíacos entreos átrios e os ventrículos por qualquer outra via que não acondução anterógrada pelo próprio feixe A-V. (Entretanto, emraros casos, uma ponte muscular anormal atravessa, de fato, abarreira fibrosa em outro ponto que não o feixe A-V. Nessascondições, os impulsos cardíacos podem, então, reentrar nosátrios a partir dos ventrículos e causar arritmia cardíaca grave.)

Distribuição das fibras de Purkinje nos ventrículos. Apóspassar através do tecido fibroso atrioventricular, à parte distaido feixe A-V desce pelo septo ventricular, em direção ao ápicecardíaco, por 5 a 15 mm, como é mostrado nas Figs. 10.1 e10.3. O feixe se divide, então, nos ramos esquerdo e direito,situados por sob o endocárdio dos dois lados respectivos do septo.Cada ramo desce até o ápice do ventrículo, dividindo-se emramos menores que circundam cada câmara ventricular e voltamem direção à base do coração. As fibras de Purkinje terminaispenetram cerca de um terço do trajeto pela massa musculare depois, tornam-se contínuas com as fibras muscularescardíacas.

Do momento em que o impulso cardíaco chega aos ramosaté atingir as terminações das fibras de Purkinje, o tempo totaltranscorrido é de apenas 0,03 s; assim sendo, uma vez tendoentrado no sistema de Purkinje, o impulso cardíaco dissemina-sequase que imediatamente para toda a superfície endocárdica domúsculo ventricular.

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TRANSMISSÃO DOS IMPULSOS CARDÍACOSNO MÚSCULO VENTRICULAR

Após alcançar as extremidades das fibras de Purkinje, oimpulso é, então, transmitido, através da massa muscular doventrículo, pelas próprias fibras musculares ventriculares. Avelocidade de transmissão é agora de apenas 0,3 a 0,5 m/s, umsexto da verificada nas fibras de Purkinje.

O músculo cardíaco envolve o coração numa espiral dupla,com septos fibrosos entre as camadas espirais; por esta razão,o impulso cardíaco não segue necessariamente direto para fora,rumo à superfície do coração, mas faz um ângulo em direçãoà superfície segundo as direções das espirais. Devido a isto, atransmissão da superfície endocárdica para a superfície epicárdicado ventrículo requer até mais 0,03 s, tempo aproximadamenteigual ao necessário para a transmissão por todo o sistema dePurkinje. Assim, o tempo total para a transmissão do impulsocardíaco dos remos iniciais até a última das fibras muscularesventriculares no coração normal é de cerca de 0,06 s.

RESUMO DA DIFUSÃO DO IMPULSO CARDÍACOPELO CORAÇÃO

A Fig. 10.4 mostra, de forma resumida, a transmissão doimpulso cardíaco pelo coração humano. Os números na figurarepresentam os intervalos de tempo, em centésimos de segundo,transcorridos entre a origem do impulso cardíaco no nodo sinusale seu aparecimento em cada ponto respectivo do coração.Observe que o impulso difunde-se com velocidade moderadapelos átrios, mas é retardado em mais de 0,1 na região do nodoA-V, antes de aparecer no feixe A-V do septo ventricular. Apóster atingido esse feixe, ele se difunde rapidamente para toda asuperfície endocárdica dos ventrículos pelas fibras de Purkinje.Daí, o impulso novamente se difunde lentamente através domúsculo ventricular até as superfícies epicárdicas.

É extremamente importante que o leitor aprenda em detalhe

Fig. 10.4 Transmissão do impulso cardíaco pelo coração, mostrandoo tempo de aparecimento (cm frações de segundo) do impulso emdiferentes partes do coração.

O trajeto do impulso cardíaco pelo coração e o tempo de seuaparecimento em cada parte distinta do coração, pois oconhecimento quantitativo desse processo é essencial para acompreensão da eletrofisiologia, que é discutida nos três capítulossubseqüentes.

CONTROLE DA EXCITAÇÃO E CONDUÇÃO NOCORAÇÃO

O NODO SINUSAL COMO MARCAPASSO DOCORAÇÃO

Na discussão anterior sobre a gênese e transmissão doimpulso cardíaco pelo coração, notamos que o impulso se originanormalmente no nodo sinusal. Entretanto, isso muitas vezes nãoocorre, em condições anormais, pois outras partes do coraçãopodem apresentar contrações rítmicas da mesma forma que asfibras do nodo sinusal; isto é particularmente verdadeiro paraas fibras de Purkinje do nodo A-V.

As fibras nodais A-V, quando não estimuladas por algumafonte externa, descarregam com freqüência rítmica intrínsecade 40 a 60 vezes por minuto, e as fibras de Purkinje descarregamcom freqüência entre 15 e 40 vezes por minuto. Essas freqüênciascontrastam com a freqüência normal de 70 a 80 vezes por minutodo nodo sinusal.

Portanto, a pergunta que temos de fazer é; por que é onodo sinusal que controla a ritmicidade do coração, e não onodo A-V ou as fibras de Purkinje? A resposta a isto decorredo fato de que a freqüência de descarga do nodo sinusal éconsideravelmente maior que a do nodo A-V ou das fibras dePurkinje. A cada descarga do nodo sinusal, seu impulso éconduzido tanto para o nodo A-V como para as fibras dePurkinje, descarregando suas membranas excitáveis. Em seguida,tanto esses tecidos como o nodo sinusal recuperam-se do potencialde ação e ficam hiperpolarizados. Contudo, o nodo sinusal perdesua hiperpolarização muito mais rapidamente do que qualquerum dos outros dois, emitindo novo impulso antes que qualquerum deles possa atingir seu próprio limiar de auto-excitação. Onovo impulso descarrega novamente tanto o nodo A-V como asfibras de Purkinje. Esse processo continua indefinidamente, como nodo sinusal sempre excitando esses tecidos potencialmenteauto-excitáveis antes que sua auto-excitação possa de fatoocorrer.

O nodo sinusal controla, portanto, o batimento do coraçãoporque sua freqüência de descarga rítmica é maior do que ade qualquer outra parte do coração. Portanto, o nodo sinusalé o marcapasso normal do coração.

Marcapassos anormais - o marcapasso ectópico.Ocasionalmente, alguma outra parte do coração apresentafreqüência de descarga rítmica que é mais rápida que a do nodosinusal. Isso ocorre muitas vezes, por exemplo, no nodo A-Vou nas fibras de Purkinje. Em qualquer desses casos, omarcapasso cardíaco passa do nodo sinusal para o nodo A-V oupara as fibras excitáveis de Purkinje. Em condições mais raras,um ponto no músculo atrial ou ventricular desenvolveexcitabilidade excessiva e torna-se o marcapasso.

Um marcapasso em outro local que não o nodo sinusal édenominado marcapasso ectópico. Obviamente, o marcapassoectópico ocasiona uma seqüência anormal de contrações nasdiferentes partes do coração.

Outra causa da mudança do marcapasso é o bloqueio datransmissão de impulsos do nodo sinusal para outras partes docoração, que ocorre mais freqüentemente no nodo A-V ou naparte penetrante do feixe A-V a caminho dos ventrículos. Quandoocorre bloqueio A-V, os átrios continuam a bater na freqüêncianormal do ritmo do nodo sinusal, enquanto um novo marcapasso

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se instala no sistema de Purkinje dos ventrículos e impulsionao músculo ventricular com nova freqüência entre 15 e 40batimentos por minuto. Entretanto, após bloqueio súbito, osistema de Purkinje só começa a emitir seus impulsos rítmicos15 a 30 s depois, porque até esse ponto ele estava"hiperestimulado" pelos rápidos impulsos sinusais, encontrando-se, por conseguinte, em estado de supressão. Durante esses 5 a30 s, os ventrículos não bombeiam sangue algum e a pessoadesmaia após os primeiros 4 a 5 segundos, devido à falta defluxo sanguíneo para o cérebro. Esse retardo da seqüência dosbatimentos cardíacos é denominado síndrome de Stokes-Adams.Quando demasiado longo, esse intervalo pode levar à morte.

PAPEL DO SISTEMA DE PURKINJE NA CAUSADA CONTRAÇÃO SINCRÔNICA DO MÚSCULOVENTRICULAR

Ficou claro pela descrição anterior do sistema de Purkinjeque o impulso cardíaco chega a quase todas as partes dosventrículos em intervalo de tempo muito curto, excitando aprimeira fibra muscular ventricular apenas 0,06 s antes daexcitação da última fibra muscular ventricular. Isso faz com quetodas as partes do músculo ventricular de ambos os ventrículoscomecem a se contrair quase que exatamente ao mesmo tempo.O bombeamento efetivo pelas duas câmaras requer esse tiposinerônico de contração. Se o impulso cardíaco trafegasse muitolentamente pelo músculo ventricular, grande parte da massaventricular iria contrair-se antes da contração do resto, caso emque o efeito global de bombeamento ficaria bastante reduzido.De fato, em certos tipos de cardiopatias, algumas das quais sãodiscutidas nos Caps. 12 e 13, há transmissão lenta e a eficácia dobombeamento ventricular diminui, talvez. 20 a 30%.

CONTROLE DA RITMICIDADE E CONDUÇÃOCARDÍACAS PELOS NERVOS SIMPÁTICOS EPARASSIMPÁTICOS

O coração é suprido tanto de nervos simpáticos comoparassimpáticos, conforme ilustrado na Fig. 9.11 do capítuloanterior. Os nervos parassimpáticos (os vagos) distribuem-seprincipalmente para os nodos sinusal e A-V, em menor escalapara o músculo dos dois átrios e menos ainda para o músculoventricular. Os nervos simpáticos, por outro lado, distribuem-se atodas as partes do coração, com forte representação para omúsculo ventricular, assim como para todas as outras áreas.

Efeito da estimulação parassimpática (vagal) sobre o ritmocardíaco e a condução cardíaca - escape ventricular. Aestimulação dos nervos parassimpáticos para o coração (osvagos) faz com que o hormônio acetileolinu seja liberado nasterminações vagais. Esse hormônio tem dois efeitos principaissobre o coração. Em primeiro lugar, ele diminui a freqüência doritmo do nodo sinusal e, segundo, ele diminui a excitabilidade dasfibras juncionais A-V entre a musculatura atrial e o nodo A-V,lentificando, assim, a transmissão do impulso cardíaco para osventrículos. Uma estimulação vagal muito forte pode fazercessar totalmente a contração rítmica do nodo sinusal oubloquear por completo a transmissão do impulso cardíaco pelajunção A-V. Em qualquer dos casos, não são mais transmitidosimpulsos rítmicos para os ventrículos. Estes param de bater por4 a 10 segundos, mas, então, algum ponto das fibras dePurkinje, geralmente na parte septal ventricular do feixe A-V,desenvolve um ritmo próprio e produz contrações ventricularescom freqüência de 15 a 40 batimentos por minuto. Essefenômeno é denominado escape ventricular.

Mecanismos dos efeitos vagais. A acetileolina liberada nasterminações nervosas vagais aumenta muito a permeabilidade

da membrana das fibras ao potássio, o que possibilita o vazamentorápido de potássio para o exterior. Isso causa negatividadeaumentada no interior das fibras, um efeito denominadohiperpolarização, que torna o tecido excitável muito menosexcitável, como foi explicado no Cap. 5.

No nodo sinusal, o estado de hiperpolarização diminui opotencial de membrana "em repouso" das fibras do nodo sinusalpara um nível de negatividade consideravelmente inferior ao valornormal, um nível de até - 65 a -75 mV, em vez do nível normalde - 55 a - 60 mV. Como conseqüência, a elevação do potencial demembrana em repouso, ocasionada pelo vazamento de sódio,requer um intervalo muito maior até atingir o potencial limiarde excitação. Evidentemente, isto torna bem mais lenta afreqüência da ritmicidade dessas fibras nodais. Assim também,quando a estimulação vagal é suficientemente forte, é possívelfazer cessar totalmente a auto-excitação rítmica desse nodo.

No nodo A-V, o estado de hiperpolarização torna difícilàs diminutas fibras juncionais excitar as fibras nodais, pois elassó podem gerar pequena quantidade de corrente durante opotencial de ação. Por essa razão, o fator de segurança para atransmissão dos impulsos cardíacos pelas fibras juncionais e atépara as fibras nodais diminui. Uma redução moderada dessefator simplesmente retarda a condução dos impulsos, mas umadiminuição do fator de segurança abaixo da unidade (o quesignifica um nível tão baixo que o potencial de ação de umafibra não pode causar potencial de ação na parte subseqüente dafibra) bloqueia totalmente a condução.

Efeito da estimulação simpática sobre o ritmo cardíacoe a condução cardíaca. A estimulação simpática produz efeitosbasicamente opostos dos ocasionados pela estimulação vagal,da seguinte maneira: em primeiro lugar, ela aumenta a freqüênciade descarga do nodo sinusal; depois ela aumenta a velocidadeda condução e, também, o nível de excitabilidade em todas aspartes do coração; por fim, ela aumenta muito a força decontração de toda a musculatura cardíaca, tanto atrial comoventricular, conforme discutido no capítulo anterior.

Em suma, a estimulação simpática aumenta a atividadeglobal do coração. A estimulação máxima pode quase triplicar afreqüência dos batimentos cardíacos e até duplicar a força decontração do coração.

Mecanismo do efeito simpático. A estimulação dos nervossimpáticos libera o hormônio norepinefrina nas terminaçõesnervosas simpáticas. O mecanismo exato pelo qual essehormônio atua sobre as fibras musculares cardíacas ainda é algoduvidoso, mas a opinião atual é a de que ele aumenta apermeabilidade da membrana das fibras ao sódio e ao cálcio.No nodo sinusal, um aumento da permeabilidade ao sódioocasiona um potencial de repouso mais positivo e uma elevaçãomais rápida do potencial de membrana até o nível limiar de auto-excitação. ambos, evidentemente, capazes de acelerar o início daauto-excitação, aumentando, portanto, a freqüência cardíaca.

No nodo A-V, a maior permeabilidade ao sódio torna maisfácil ao potencial de ação excitar a parte subseqüente da fibrade condução, diminuindo, assim, o tempo de condução dos átriospara os ventrículos.

O aumento da permeabilidade aos íons cálcio é. pelo menos,parcialmente responsável pelo aumento da força contrátil domúsculo cardíaco sob influência da estimulação simpática,porque os íons cálcio têm papel muito importante nodesencadeamento do processo contrátil das miofibrilas.

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(Ver também o Cap. 9.)

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CAPÍTULO 11

O Eletrocardiograma Normal

À medida que o impulso cardíaco se propaga pelo coração, correnteselétricas se difundem para os tecidos que circundam o coração e umapequena proporção delas percorre todo o trajeto até a superfície docorpo. Quando são colocados eletródios na pele em lados opostos docoração, os potenciais elétricos gerados por essas correntes podem serregistrados; o registro é conhecido como eletrocardiograma. Umeletrocardiograma normal com dois batimentos cardíacos é ilustrado naFig. 11.1.

CARACTERÍSTICAS DO ELETROCARDIOGRAMANORMAL

O eletrocardiograma normal (Fig. 11.1) é composto pela onda P,pelo "complexo QRS" e pela onda T. O complexo QRS é com freqüênciaconstituído por três ondas distintas, a onda Q, a onda R e a onda S.

A onda P é causada por potenciais elétricos gerados quando osátrios se despolarizam antes da contração. O complexo QRS é causadopor potenciais gerados quando os ventrículos se despolarizam antes dacontração, ou seja, quando a onda de despolarização se difunde pelosventrículos. Tanto a onda P como os componentes do complexo QRS.portanto, são ondas de despolarização.

A onda T é causada por potenciais gerados enquanto os ventrículosse recuperam do estado de despolarização. Esse processo no músculoventricular ocorre 0,25 a 0,35 s após a despolarização, sendo esta ondaconhecida como onda de repolarização.

O eletrocardiograma é, pois, constituído tanto por ondas dedespolarização como de repolarização. Os princípios da despolarização eda repolarização são discutidos no Cap. 5. Entretanto, a distinçãoentre as ondas de despolarização e as ondas de repolarização é tãoimportante que precisa ser melhor esclarecida, da maneira que se segue.

ONDAS DE DESPOLARIZAÇÃO VERSUS ONDAS DEREPOLARIZAÇÃO

A Fig. 11.2 apresenta uma fibra muscular em quatro diferentesestágios de despolarização e repolarização. Durante o processo dedespolarização, o potencial negativo normal no interior da fibra éperdido e o potencial de membrana até se inverte; ou seja, ele ficaligeiramente positivo internamente e negativo externamente.

Na Fig. 11.2A, o processo de despolarização, representado pelascargas vermelhas positivas do lado interno e as negativas do lado defora, está indo da esquerda para a direita e a primeira metade da fibrajá se despolarizou, enquanto a metade restante ainda está polarizada.Por esta razão, o eletródio esquerdo sobre a fibra ainda está em áreade negatividade, enquanto o eletródio direito encontra-se numa áreade positividade; isto faz o medidor ter um registro positivo. À direitada fibra muscular é mostrado o registro do potencial entre os eletródios.captado por um aparelho de registro de alta velocidade nesse estágioespecífico da despolarização. Note que, quando a despolarização chegaà marca da metade do caminho, o registro se eleva ao valor máximo.

Na Fig. 11.2B, a despolarização já se estendeu por toda a fibramuscular c o registro da direita já retornou ao valor basal zero, porque

Fig. 11. 1 O eletrocardiograma normal.

ambos os eletródios encontram-se agora em áreas com igual negatividade.A onda completa é uma onda de despolarização porque decorre dapropagação da despolarização por toda a extensão da fibra muscular.

A Fig. 11.2C mostra o processo de repolarização na fibra muscular,que já chegou à metade da fibra, da esquerda para a direita. Nesse

Fig. 11.2 Registro da onda de despolarização e da onda de repolarizaçãode uma fibra muscular cardíaca.

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ponto, o eletródio da esquerda encontra-se em área de positividade,enquanto o da direita está em área de negatividade. Isto é o contrárioda polaridade na Fig. 11.2A. Por conseguinte, o registro, conforme émostrado à direita, fica negativo.

Na Fig. 11.2D, a fibra muscular já se repolarizou inteiramente eambos os eletródios encontram-se em áreas de positividade, de modoque não é registrado qualquer potencial entre eles. Assim sendo, noregistro à direita, o potencial volta novamente ao nível zero. Esta ondanegativa completada é uma onda de repolarização porque decorre dapropagação do processo de repolarização pela fibra muscular.

Relação do potencial de ação monofásico do músculo cardíacopara com as ondas QRS e T. O potencial de ação monofásico domúsculo ventricular, discutido no capítulo anterior, dura normalmenteentre 0,25 e 0,35 s. A parte superior da Fig. 11.3 mostra um potencialde ação monofásico registrado por um microeletródio inserido dentro defibra muscular ventricular única. A deflexão para cima deste potencialde ação é ocasionada pela despolarização, e seu retorno ao nívelbasal é causado pela repolarização.

Note, na parte inferior da figura, o registro simultâneo doeletrocardiograma desse mesmo ventrículo, que mostra a onda QRSaparecendo ao início do potencial de ação monofásico e a onda Taparecendo ao final do mesmo. Observe, em especial, que absolutamentenenhum potencial é registrado no eletrocardiograma quando o músculoventricular está inteiramente polarizado ou totalmente despolarizado.Somente quando o músculo está parcialmente polarizado ouparcialmente despolarizado é que correntes fluem de uma para outraparte dos ventrículos e, portanto, também para a superfície do corpo paraproduzir o eletrocardiograma.

RELAÇÃO ENTRE A CONTRAÇÃO ATRIAL EVENTRICULAR E AS ONDAS DO ELETROCARDIOGRAMA

Antes que possa ocorrer a contração muscular, a despolarizaçãotem de se propagar pelo músculo para dar início aos processos químicosda contração. A onda P ocorre, portanto, imediatamente antes do inícioda contração dos átrios e a onda QRS imediatamente antes do inícioda contração dos ventrículos. Os ventrículos permanecem contraídos poraté alguns milissegundos após ter havido a repolarização, ou seja, atédepois do final da onda T.

A onda de repolarização ventricular é a onda T do eletrocardiogramanormal. Comumente, o músculo ventricular começa a repolarizar-se emalgumas fibras aproximadamente 0,20 s após o início da onda dedespolarização, mas, em muitas outras, somente após 0,35 s. O processode repolarização estende-se, pois, por longo período, cerca de 0,15 s.Por esta razão, a onda T no eletrocardiograma normal é comfreqüência uma onda prolongada, mas sua voltagem éconsideravelmente menor que a do complexo QRS, em parte devido àsua longa duração.

Fig 11.3 Acima: Potencial de ação monofásico de uma fibra muscularventricular durante a função cardíaca normal, mostrando adespolarização rápida e, depois, a repolarização ocorrendolentamente durante o estágio de platô, porém muito rapidamentepróximo do final. Abaixo: Eletrocardiograma registradosimultaneamente.

Os átrios se repolarizam aproximadamente 0,15 a 0,20 s após aonda P. Entretanto, isso ocorre exatamente no momento em que a ondaQRS está sendo registrada no eletrocardiograma. Em vista disso, a ondade repolarização atrial. conhecida como onda T atrial, é em geraltotalmente obscurecida pela onda QRS, muito maior. Por esta razão, aonda T atrial só muito raramente é observada ao eletrocardiograma.

CALIBRAÇÃO DA VOLTAGEM E DO TEMPONO ELETROCARDIOGRAMATodos os registros eletrocardiográficos são feitos com as linhas

apropriadas de calibragem no papel de registro. Essas linhas ou já sãomarcadas no papel, como ocorre quando é utilizado um aparelho deregistro a tinta, ou são registradas no papel ao mesmo tempo que oeletrocardiograma é registrado, como é o caso dos tipos fotográficos deeletrocardiógrafos.

Como é mostrado no Fig. 11.1, as linhas horizontais de calibraçãosão dispostas de tal forma que 10 pequenas divisões para cima ou parabaixo, no eletrocardiograma-padrão, representam 1 milivolt (mV), coma positividade na direção ascendente e a negatividade na direçãodescendente.

As linhas verticais no eletrocardiograma são linhas para a calibraçãodo tempo. Cada 2,5 cm na direção horizontal equivalem a 1 segundo,sendo este segmento, por sua vez, dividido geralmente em cinco partespor linhas verticais escuras; os intervalos entre essas linhas representam0,20 s. Esses intervalos são. então, divididos em cinco intervalos menorespor linhas finas, e cada um deles representa 0,04 s.

Voltagens normais no eletrocardiograma. A voltagem das ondas noeletrocardiograma normal depende da maneira pela qual os eletródiossão aplicados à superfície do corpo. Quando um eletródio é colocadodiretamente sobre o coração e o segundo sobre outra parte do corpo,a voltagem do complexo QRS pode ser de até 3 a 4 mV. Até mesmoesta voltagem é muito pequena, em comparação com o potencial deação monofásico de 110 mV, registrado diretamente na membrana domúsculo cardíaco. Ao serem registrados eletrocardiogramas, a partirde eletródios nos dois braços ou em um braço e numa perna, a voltagemdo complexo QRS 6 geralmente de aproximadamente 1 mV da partesuperior da onda R até a parte inferior da onda S; a voltagem da ondaP fica entre 0,1 e 0,3 mV; e a da onda T, entre 0,2 e 0,3 mV.

O intervalo P-Q ou P-R. O tempo que transcorre do início daonda P ao início da onda QRS é o intervalo entre o início da contraçãodo átrio e o início da contração ventricular. Esse período é denominadointervalo P-Q. O intervalo P-Q normal é de aproximadamente 0,16 s.Este intervalo é ocasionalmente também designado como intervalo P-R,porque a onda Q muitas vezes está ausente.

O intervalo Q-T. A contração do ventrículo dura quase do inícioda onda Q ao fim da onda T. Este intervalo é denominado intervaloQ-T, sendo habitualmente de 0,35 s.

A freqüência do coração determinada eletrocardiograficamente. Afreqüência dos batimentos cardíacos pode ser facilmente determinadaeletrocardiograficamente, porque o intervalo temporal entre doisbatimentos sucessivos é a recíproca da freqüência cardíaca. Quando ointervalo entre dois batimentos, determinado pelas linhas de calibragemdo tempo, é de 1 s, a freqüência cardíaca é de 60 batimentos porminuto. O intervalo normal entre dois complexos QRS sucessivos é deaproximadamente 0,83 s. Isto corresponde a uma freqüência cardíaca de60/0,83 vezes por minuto, ou 72 batimentos por minuto.

MÉTODOS PARA O REGISTRO DEELETROCARDIOGRAMAS

As correntes elétricas geradas pelo músculo cardíaco, durante cadabatimento cardíaco, por vezes apresentam alterações de potenciais epolaridade em menos de 0,01 s. É essencial, portanto, que qualqueraparelho para registro de eletrocardiogramas seja capaz de responderrapidamente a essas alterações dos potenciais elétricos. Em geral, doistipos diferentes de aparelhos de registro são utilizados para este fim,da seguinte forma:

O APARELHO DE PENA

Muitos aparelhos eletrocardiográficos clínicos modernos empregamregistrador de inscrição direta que faz o registro escrito doeletrocardiograma diretamente por pena inscritora em folha de papelmóvel.

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A pena é freqüentemente um tubo fino ligado a um tinteiro em umade suas extremidades, com sua extremidade de registro ligada a umpotente sistema eletromagnético que é capaz de mover a pena paracima e para baixo com alta velocidade. À medida que o papel se movepara a frente, a pena registra o eletrocardiograma. O movimento dapena é, por sua vez, controlado por meio de amplificadores eletrônicosapropriados, ligados aos eletródios eletrocardiográficos no paciente.

Outros sistemas de registradores inscritores utilizam um papelespecial que não requer tinta no estilete de registro. Um desses papéisfica negro ao ser exposto ao calor; o estilete propriamente dito é muitoaquecido pelas correntes elétricas que fluem por sua extremidade. Outrotipo enegrece quando correntes elétricas fluem da extremidade da penae através do papel para um eletródio atrás do mesmo. Isso produz umalinha preta em todos os pontos do papel tocados pela agulha.

FLUXO DE CORRENTE EM TORNO DOCORAÇÃO DURANTE 0 CICLO CARDÍACO

REGISTRO DE POTENCIAIS ELÉTRICOS A PARTIR DE UMAMASSA DE MÚSCULO CARDÍACO SINCICIALPARCIALMENTE DESPOLARIZADO

A Fig. 11.4 mostra uma massa sincicial de músculo cardíaco quefoi estimulada em seu ponto mais central. Antes da estimulação, aspartes externas de todas as células musculares estavam positivas e asinternas, negativas. Entretanto, por razões apresentadas no Cap. 5, nadiscussão dos potenciais de membrana, logo que uma área do sincíciocardíaco fica despolarizada, cargas negativas vazam para a parte externadas fibras musculares despolarizadas, tornando eletronegativa estasuperfície representada pelos sinais negativos na figura, relativamente àsuperfície restante do coração que ainda se encontra polarizada damaneira normal, representada pelos sinais positivos. Por esta razão, ummedidor ligado por seu terminal negativo à área de despolarização epor seu terminal positivo a uma das áreas ainda polarizadas, ilustradas àdireita da figura, registra positivamente.

Duas outras possíveis colocações de eletródios e leituras do medidorsão também mostrados na Fig. 11.4. Elas devem ser estudadascuidadosamente e o leitor deve ser capaz de explicar as causas dasrespectivas leituras do medidor. Obviamente, como o processo dedespolarização espalha-se em todas as direções pelo coração, asdiferenças de potencial mostradas na figura duram apenas algunsmilissegundos e as medidas da voltagem real só podem ser feitas porum aparelho de registro com alta velocidade.

FLUXO DE CORRENTES ELÉTRICAS EM TORNO DOCORAÇÃO NO TÓRAX

A Fig. 11.5 mostra o músculo ventricular no interior do tórax. Atémesmo os pulmões, embora cheios principalmente de ar, conduzemeletricidade em grau surpreendente e os líquidos de outros tecidoscircundando o coração conduzem eletricidade com facilidade aindamaior.

Fig. 11.4 Potenciais instantâneos desenvolvidos na superfíciede uma massa muscular cardíaca que foi despolarizada em seucentro

Fig. 11.5 Fluxo de corrente no tórax em torno de um coraçãoparcialmente despolarizado.

O coração encontra-se, pois, suspenso de fato em meio condutor. Quandouma parte dos ventrículos fica eletronegativa relativamente ao restante,uma corrente elétrica flui da área despolarizada para a polarizada porgrandes vias, como é mostrado na figura.

Deve-se recordar da discussão do sistema de Purkinje no Cap. 10que o impulso cardíaco chega inicialmente aos ventrículos pelo septoe, logo depois, atinge as superfícies endocárdicas do resto dos ventrículos,como é mostrado pelas áreas coloridas e os sinais negativos na Fig.11.5. Isto gera uma eletronegatividade no interior dos ventrículos e eletro-positividade nas paredes externas dos ventrículos e a corrente flui atravésdos líquidos que circundam os ventrículos seguindo trajetórias elípticas,como é mostrado na figura. Caso se faça uma média algébrica de todasas linhas de fluxo de corrente (as linhas elípticas), verifica-se que ofluxo médio de corrente, na direção do negativo para o positivo, é dabase para o ápice do coração. Durante a maior parte do restante doprocesso de despolarização, a corrente continua a fluir nesta direção.enquanto a despolarização se propaga da superfície endocárdica parafora através da massa ventricular. Contudo, imediatamente antes dadespolarização ter completado seu trajeto pelos ventrículos, a direçãodo fluxo de corrente se inverte por cerca de 1/100 segundo, fluindo,então, do ápice para a base, porque a última parte do coração a sedespolarizar são as paredes externas dos ventrículos próximas à basedo coração.

Assim, no coração normal, acorrente flui principalmente na direçãoda base para o ápice durante quase todo o ciclo de despolarização,exceto bem ao fim deste. Quando um medidor é ligado à superfíciedo corpo, portanto, como é mostrado na Fig. 11.5, o eletródio maispróximo da base vai ser positivo e o registrador vai apresentar ondapositiva no eletrocardiograma.

DERIVAÇÕES ELETROCARDIOGRÁFICAS

AS TRÊS DERIVAÇÕES BIPOLARES DOS MEMBROS

A Fig. 11.6 mostra as conexões elétricas entre os membros e oeletrocardiógrafo para o registro de eletrocardiogramas pelas chamadasderivações bipolares-padrão dos membros. O termo "bipolar" significaque o eletrocardiograma é registrado a partir de dois eletródiosespecíficos sobre o corpo, neste caso, nos membros. Assim, uma“derivação” não é um fio individual ligado ao corpo, mas umacombinação de dois fios e seus eletródios, formando um circuitocompleto com o eletrocardiógrafo. O eletrocardiógrafo, em cada caso, éilustrado por medidores mecânicos no diagrama, embora o aparelho seja,de fato, um registrador de alta velocidade em papel móvel.

Derivação I. No registro da derivação I dos membros o terminalnegativo do eletrocardiógrafo é ligado ao braço direito e o terminalpositivo, ao braço esquerdo. Assim, quando o ponto no tórax em que obraço direito se fixa ao tórax apresenta-se eletronegativorelativamente ao ponto de união do braço esquerdo, o eletrocardiógraforegistra positivamente - ou seja, acima da linha de voltagem zero noeletrocardiograma. Quando ocorre o contrário, o eletrocardiogramaregistra abaixo da linha.

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Fig. 11.6 Arranjo convencional dos eletródios para o registro dasderivações eletrocardiográficas-padrão. O triângulo de Einthoven estásuperposto ao tórax.

Derivação II. No registro da derivação II dos membros, o terminalnegativo do eletrocardiógrafo está ligado ao braço direito e o terminalpositivo, à perna esquerda. Assim, quando o braço direito apresenta-senegativo em relação à perna esquerda, o eletrocardiógrafo registrapositivamente.

Derivação III. No registro da derivação III dos membros, o terminalnegativo do eletrocardiógrafo está ligado ao braço esquerdo, e o terminalpositivo, à perna esquerda. Isto quer dizer que o eletrocardiógrafo registrapositivamente quando o braço esquerdo encontra-se negativorelativamente à perna esquerda.

Triângulo de Einthoven. Na Fig. 11.6, um triângulo denominadotriângulo de Einthoven está desenhado em torno da área do coração.Este é um meio esquemático de mostrar que os dois braços e a pernaformam os vértices de um triângulo circundando o coração. Os doisvértices na parte superior do triângulo representam os pontos em queos dois braços se ligam eletricamente aos líquidos em volta do coraçãoc o vértice inferior é o ponto em que a perna se liga aos líquidos.

Lei de Einthoven. A lei de Eintohoven diz, simplesmente, que,se a qualquer instante forem conhecidos os potenciais elétricos de duasquaisquer das três derivações eletrocardiográficas bipolares dosmembros, a terceira poderá ser determinada matematicamente a partirdas duas conhecidas pela simples soma das mesmas (note, porém, queos sinais negativos e positivos das diferentes derivações têm de serobservados ao se fazer essa soma).

Suponhamos, por exemplo, conforme mostra a Fig. 11.6, que,momentaneamente, o braço direito é 0,2 mV negativo em relação aopotencial médio do corpo, o braço esquerdo é 0,3 mV positivo e aperna esquerda é 1,0 mV positiva. Observando-se os medidores nafigura, pode-se ver que a derivação I registra diferença de potencialde 0,5 mV, porque esta é a diferença entre os - 0,2 mV no braçodireito e os + 0,3 mV no braço esquerdo. Da mesma forma, aderivação III registra potencial positivo de 0,7 mV e a derivação IIregistra potencial

Fig. 11.7 Eletrocardiogramas normais registrados a partir das trêsderivações eletrocardiográficas-padrão.

positivo de 1,2 mV, porque essas são as diferenças de potencialinstantâneas entre os respectivos pares de membros.

Note. agora, que a soma das voltagens nas derivações I e III equivaleà voltagem da derivação II. Ou seja, 0,5 mais 0,7 é igual a 1.2.Matematicamente, este princípio, denominado Lei de Binthoven, éverdadeiro para qualquer instante em que o eletrocardiograma estejasendo registrado.

Eletrocardiogramas normais registrados a partir das três derivaçõesbipolares dos membros. A Fig. 11.7 mostra registros simultâneos doeletrocardiograma nas derivações I, II e III. Essa figura deixa claroque os eletrocardiogramas nessas três derivações são muito semelhantesentre si, pois todos eles registram ondas P positivas e ondas T positivase a parte principal do complexo QRS também é positiva em cadaeletrocardiograma.

Pela análise dos três eletrocardiogramas pode-se mostrar, commedidas cuidadosas, que, a qualquer instante, a soma dos potenciaisnas derivações I e III é igual ao potencial na derivação II, ilustrando,assim, a validade da lei de Einthoven.

Como os registros de todas as derivações bipolares são semelhantesuns aos outros, não importa muito qual é a derivação registrada quandose quer diagnosticar as diferentes arritmias cardíacas, pois o diagnósticodas arritmias depende principalmente das relações temporais entre asdiferentes ondas do ciclo cardíaco. Por outro lado, quando se desejadiagnosticar lesões do músculo ventricular ou atrial ou do sistema decondução, é de fato muito importante quais são as derivações registradas,pois as anormalidades do músculo cardíaco alteram acentuadamente ospadrões eletrocardiográficos em algumas derivações e podem, apesardisto, não afetar outras derivações.

A interpretação eletrocardiográfica desses dois tipos de condições- miopatias cardíacas e arritmias cardíacas - é discutida separadamente nosdois capítulos que se seguem.

DERIVAÇÕES TORÁCICAS (DERIVAÇÕES PRECORDIAIS)

Muitas vezes, os eletrocardiogramas são registrados com umeletródio colocado na superfície anterior do tórax por sobre ocoração em um dos seis pontos vermelhos distintos da Fig. 11 .S. Esseeletródio liga-se ao terminal positivo do eletrocardiógrafo, enquanto oeletródio negativo, denominado eletródio indiferente, é normalmenteligado, por resistências elétricas. ao braço direito, braço esquerdo eperna esquerda, todos ao mesmo tempo, como também é mostrado nafigura. Geralmente, seis derivações torácicas - padrão diferentes sãoregistradas a partir da parede anterior do tórax, sendo o eletródiotorácico colocado, respectivamente, nos seis pontos ilustrados nodiagrama. Os diferentes registros obtidos pelo método ilustrado na Fig.11.8 são conhecidos como derivações V2+ V3+ V4+ V5+ , e V6+

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Fig. 11.10 Eletrocardiogramas normais registrados a partir das trêsderivações unipolares aumentadas dos membros

Fig. 11.8 Conexões do corpo ao eletrocardiógrafo para o registro dasderivações precordiais.

Fig. 11.9 Eletrocardiogramas normais registrados a partir das seisderivações precordiais.

A Fig. 11.9 apresenta os eletrocardiogramas do coração normalregistrados a partir dessas seis derivações torácicas-padrão. Como assuperfícies cardíacas estão próximas à parede torácica, cada derivaçãoprecordial! registra principalmente o potencial elétrico da musculaturacardíaca imediatamente abaixo do eletródio. Por conseguinte,anormalidades relativamente pequenas dos ventrículos, sobretudo naparede ventricular anterior, causam muitas vezes alterações acentuadasnos eletrocardiogramas registrados a partir das derivações torácicas.

Nas derivações V, e V2, os registros de QRS do coração normalsão em grande parte negativos porque, como é mostrado na Fig. 11.8,o eletródio torácico nessas derivações está mais próximo da base quedo ápice do coração, que é a direção da eletronegatividade durantea maior parte do processo de despolarização. Por outro lado, oscomplexos QRS nas derivações V4, V, r Vft são, em grande parte,positivos, porque o eletródio torácico nessas derivações está maispróximo do ápice, que é a direção da eletropositividade durante a maiorparte da despolarização.

DERIVAÇÕES UNIPOLARES AUMENTADASDOS MEMBROS

Outro sistema de derivações em uso geral é o da derivação unipolaraumentada dos membros. Nesse tipo de registro, dois dos membrossão ligados, por resistências elétricas, ao terminal negativo doeletrocardiógrafo, enquanto o terceiro membro está ligado ao terminalpositivo. Quando o terminal positivo está no braço direito, a derivação éconhecida como a derivação AvR ; quando no braço esquerdo, derivaçãoAvL; e quando na perna esquerda, derivação aVF.

Registros normais das derivações unipolares aumentadas dosmembros são mostrados na Fig. 11.10. Eles são todos semelhantes aosregistros das derivações-padrão dos membros, exceto que o registro daderivação aVR está invertido.

REFERÊNCIAS

Ver referências do Cap. 13.

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CAPÍTULO 12

Interpretação Eletrocardiográfica das AnormalidadesCoronárias e do Músculo Cardíaco: Análise Vetorial

A discussão da transmissão de impulsos pelo coração, no Cap. 10,deixou claro que qualquer alteração do padrão dessa transmissão podecausar potenciais elétricos anormais em torno do coração, e, porconseguinte, alterar a forma das ondas do eletrocardiograma. Por estarazão, quase todas as anormalidades graves do músculo cardíaco podemser detectadas pela análise do contorno das diferentes ondas nasdiferentes derivações eletrocardiográficas. Este é o tema deste capítulo.

PRINCÍPIOS DA ANÁLISE VETORIAL DOSELETROCARDIOGRAMAS

USO DE VETORES PARA REPRESENTAR POTENCIAISELÉTRICOS

Antes que se possa saber como as anormalidades cardíacas afetamo contorno das ondas no eletrocardiograma, devemos, inicialmente,familiarizar-nos com o conceito de vetores e a análise vetorialaplicados aos potenciais elétricos do coração e em seu redor.

Em diversas ocasiões, no capítulo anterior, foi ressaltado que ascorrentes fluem no coração numa direção específica em determinadomomento do ciclo cardíaco. Um vetor é uma seta apontada para a direçãodo potencial elétrico gerado pelo fluxo de corrente, com a ponta da setavoltada para a direção positiva. Assim também, por convenção, aseta é desenhada em tamanho proporcional à voltagem do potencial.

O vetor "resultante" no coração em um momento qualquer. A Fig.12.1 mostra, através da área sombreada e dos sinais negativos, adespolarização do septo ventricular e de partes das paredes endocárdicaslaterais dos dois ventrículos. As correntes elétricas fluem entre essas áreasdespolarizadas, no interior do coração, para as áreas não-despolarizadas, no lado externo do coração, como indicam as setaselípticas. As correntes também fluem pelo interior das câmarascardíacas, diretamente das áreas despolarizadas para as áreaspolarizadas. Embora pequena quantidade de corrente flua para cimadentro do coração, uma quantidade consideravelmente maior flui parabaixo, por fora dos ventrículos, em direção ao ápice. Por esta razão, ovetor somado do potencial gerado nesse momento específico,denominado vetor instantâneo médio, é representando como passandopelo centro dos ventrículos, na direção da base para o ápice docoração. Além disso, como essas correntes são quantitativamenteconsideráveis, o potencial é grande, de modo que o vetor é relativamentelongo.

DENOTANDO A DIREÇÃO DE UM VETOR EMTERMOS DE GRAUS

Quando um vetor é horizontal e dirigido para o lado esquerdo doindivíduo, diz-se que ele se estende na direção de 0 grau, como é mostrado

na Fig. 12.2. A partir deste ponto de referência zero, a escala de vetoresgira no sentido horário; quando se estende de cima para baixo, o vetortem direção de 90°; quando vai da esquerda para a direita do indivíduo,o vetor Tem direção de 180° e quando se estende para cima, tem direçãode -90 ou +270°.

No coração normal, a direção média do vetor do coração durantea difusão da onda de despolarização pelos ventrículos, denominado vetormédio do QRS, é de aproximadamente 59°, o que é ilustrado pelo vetorA, que passa pelo centro da Fig. 12.2, na direção de 59º. Isto indicaque, durante a maior parte da onda de despolarização, o ápice do coraçãopermanece positivo relativamente à base, como é discutido mais adianteno capítulo.

“EIXO” DE CADA UMA DAS DERIVAÇÕES BIPOLARESE UNIPOLARES DOS MEMBROS

No capítulo anterior foram descritas as três derivações bipolarese as três derivações unipolares dos membros. Cada derivação é, naverdade, um par de eletródios ligados ao corpo, nos lados opostos docoração, e a direção do eletródio negativo para o positivo édenominada eixo da derivação. A derivação I é registrada a partir de doiseletródios colocados, respectivamente, nos dois braços. Como oseletródios estão na direção horizontal, com o eletródio positivo paraa esquerda, o eixo da derivação I é de 0".

Ao registrar-se a derivação II, os eletródios são colocados no braçodireito e na perna esquerda. O braço direito liga-se ao tronco no cantosuperior direito e a perna esquerda, ao canto inferior esquerdo. Poresta razão, a direção desta derivação é de aproximadamente 60º.

Por uma análise semelhante, pode-se ver que a derivação III temseu eixo com aproximadamente 120º; a derivação AvR, 210°; AvF, 90°; eaVL, -30º. A direção do eixo de todas essas diferentes derivações émostrada no diagrama da Fig. 12.3, que é conhecido como sistemahexagonal de referência. As polaridades dos eletródios são representadaspelos sinais de mais e menos. O leitor tem de aprender esses eixos esuas polaridades, especialmente no que concerne às derivações bipolaresdos membros I, II e III, para compreender o restante deste capítulo.

ANÁLISE VETORIAL DOS POTENCIAIS REGISTRADOSNAS DIFERENTES DERIVAÇÕES

Agora que já discutimos as convenções para a representação depotenciais no coração por meio de vetores e segundo os eixos dasderivações, torna-se possível reunir-se os dois para determinar opotencial que vai ser registrado em cada derivação para um dado vetorno coração.

A Fig. 12.4 mostra um coração parcialmente despolarizado; o vetor

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Fig. 12.1 Um vetor médio através do coração parcialmentedespolarizado. Fig. 12.3 Eixos das três derivações bipolares e das três derivações

unipolares.

A representa a direção instantânea média do fluxo de corrente no coração eseu potencial. Neste caso, a direção do potencial é de 55º e a voltagem dopotencial vai ser considerada como sendo de 2 mV. Pela base do vetorA é traçado o eixo da derivação I na direção 0". Para determinar-se àparte da voltagem do vetor A que vai ser registrada na derivação I,traça-se uma perpendicular do ponto do vetor A até o eixo da derivação I, eo chamado vetor projetado (B) é traçado ao longo do eixo. A ponta destevetor aponta para a extremidade positiva do eixo da derivação I, o queindica que o registro que está sendo momentaneamente obtido naderivação I do eletrocardiograma vai ser positivo. A voltagem registradavai ser igual ao comprimento de B dividido pelo de A vezes 2 mV, ouaproximadamente 1 mV.

A Fig. 12.5 apresenta outro exemplo de análise vetorial. Nesteexemplo, o vetor A representa o potencial elétrico em determinadomomento da despolarização ventricular em outro coração, no qual o ladoesquerdo fica despolarizado pouco mais rapidamente que o direito.Neste caso, o vetor tem a direção de 100" e a voltagem é novamentede 2 mV. Para determinar o potencial registrado de fato na derivação I,traçamos uma perpendicular ate o eixo da derivação I e encontramos ovetor projetado B. O vetor B é muito curto e, desta vez, está nadireção negativa, indicando que, nesse momento específico, o registro naderivação I vai ser negativo (abaixo da linha zero) e a voltagemregistrada vai ser pequena. Esta figura mostra que, quando o vetor docoração está em direção quase perpendicular ao eixo da derivação, avoltagem

Fig. 12.2 Vetores traçados para representar as direções de potenciaisem vários corações diferentes.

registrada no eletrocardiograma nessa derivação é muito baixa. Por outrolado, quando o vetor do coração tem quase que o mesmo eixo da derivação,praticamente toda a voltagem do vetor vai ser registrada.

Análise vetorial de potenciais nas três derivações bipolares - padrãodos membros. Na Fig. 12.6, o vetor A representa o potencial elétricoinstantâneo de um ventrículo parcialmente despolarizado. Para sedeterminar o potencial registrado nesse momento no eletrocardiogramade cada uma das três derivações bipolares-padrão dos membros, sãotraçadas perpendiculares até todas as linhas que representam as diferentesderivações, como é mostrado na figura. O vetor projetado B mostra opotencial registrado, naquele momento, na derivação I; o vetor projetadoC mostra o potencial na derivação II; e o vetor projetado D mostra opotencial na derivação III. Em cada um deles, o registroeletrocardiográfico é positivo - ou seja, acima da linha zero - porque osvetores projetados apontam para direções positivas ao longo do eixo detodas as derivações. O potencial na derivação I é aproximadamentemetade do potencial real no coração, representado pelo vetor A; naderivação II, ele é quase exatamente igual ao potencial no coração; e naderivação III ele é cerca de um terço do potencial no coração.

Pode-se fazer uma análise idêntica para determinar os potenciaisnas derivações aumentadas dos membros, exceto que os eixos respectivosdessas derivações (ver Fig. 12.3) são utilizados em lugar dos eixos dasderivações bipolares-padrão dos membros usadas na Fig. 12.6.

ANÁLISE VETORÍAL DO ELETROCARDIOGRAMANORMAL

VETORES QUE OCORREM DURANTE ADESPOLARIZAÇÃO DOS VENTRÍCULOS - O COMPLEXOQRS

Quando o impulso cardíaco penetra nos ventrículos pelo feixe A-V,a primeira parte dos ventrículos a se despolarizar é a superfícieendocárdica esquerda do septo. Essa despolarização se difunderapidamente.

Fig. 12.4 Determinação de um vetor projetado B ao longo do eixo daderivação I quando o vetor A representa o potencial instantâneo nosventrículos.

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Fig. 12.5 Determinação do vetor projetado B ao longo do eixo daderivação I quando o vetor A representa o potencial instantâneo nosventrículos.

envolvendo ambas as superfícies endocárdicas do septo, o que é ilustradopela parte sombreada do ventrículo na Fig. 12.7A. Em seguida, adespolarização se difunde ao longo das superfícies endocárdicas dos doisventrículos, como e mostrado na Fig. 12.7B e C. Finalmente, ela sedifunde pelo músculo ventricular até a parte externa do coração, como émostrado progressivamente na Fig. 12.7 C, D e E.

A cada estágio da despolarização dos ventrículos na Fig. 12.7, partesA e E, o potencial elétrico instantâneo é representado por um vetorsuperposto ao ventrículo em cada figura. Cada um desses vetores éanalisado pelo método descrito na seção anterior, para a determinaçãodas voltagens que vão ser registradas a cada momento em cada umadas três derivações-padrão do eletrocardiograma. Em cada etapa dafigura é mostrado, à direita, o desenvolvimento progressivo do complexoQRS. Lembre-se que um vetor positivo em uma derivação faz com queo registro no eletrocardiograma fique acima da Unha zero, enquanto umvetor negativo vai fazer o registro ficar abaixo da linha.

Antes de passar a outras considerações da análise vetorial, ê essencialque esta análise dos sucessivos vetores normais apresentada na Fig. 12,7seja compreendida. Cada uma dessas análises deve ser estudada comdetalhe pelo procedimento anteriormente apresentado. Segue-se umresumo sucinto desta seqüência.

Na Fig. 12.7A, o músculo ventricular apenas começou a sedespolarizar, representando um instante cerca de 0,01 segundo após oinício da despolarização. Nesse momento, o vetor é curto porque apenaspequena parte dos ventrículos - o septo - está despolarizada. Todas asvoltagens eletrocardiográficas apresentam-se portanto baixas, como éregistrado ã direita do músculo ventricular para cada uma das derivações.A voltagem na derivação II é maior que a das derivações I e III , porqueo vetor do coração estende-se, em grande parte, na mesma direçãodo eixo da derivação II.

Na Fig. 12.7B, que representa aproximadamente 0,02 s após o inícioda despolarização, o vetor do coração é longo porque grande parte

Fig. 12.6 Determinação dos vetores projetados nas derivações I, II eIII, quando o vetor A representa o potencial instantâneo nos ventrículos.

dos ventrículos já se despolarizou. A voltagem aumentou, pois, em todasas derivações eletrocardiográficas.

Na Fig. 12.7C, cerca de 0,035 s após o início da despolarização,o vetor do coração está ficando mais curto e as voltagenseletrocardiográficas registradas são menores porque a parte externa doápice do coração está agora eletronegativa, neutralizando grande parteda negatividade das superfícies endocárdicas do coração. Da mesmaforma, o eixo do vetor está se deslocando para o lado esquerdo docoração, porque o ventrículo esquerdo demora um pouco mais adespolarizar-se que o direito. A proporção entre a voltagem naderivação I e na derivação III está aumentando.

Na Fig. 12.7D, cerca de 0,05 s após o início da despolarização,o vetor do coração aponta para a base do ventrículo esquerdo e é curtoporque apenas parte diminuta do músculo ventricular ainda estápolarizada. Devido ã direção do vetor nesse momento, as voltagensregistradas nas derivações II e III são ambas negativas - ou seja, abaixoda linha.

Na Fig. 12.7E, cerca de 0,06 s após o início da despolarização,toda a massa muscular do ventrículo está despolarizada, de modo quenão há absolutamente qualquer corrente fluindo em torno do coraçãoe não é gerado potencial elétrico, O vetor torna-se zero e a voltagemde todas as derivações torna-se zero.

Assim, os complexos QRS completam-se nas três derivaçõesbipolares - padrão dos membros, O complexo QRS tem, por vezes,ligeira depressão negativa em seu início em uma ou mais de suasderivações, o que não é mostrado na Fig. 12.7; essa é a onda Q.Quando ocorre, ela é causada pela despolarização inicial do ladoesquerdo do septo, antes do lado direito, o que cria um vetor fraco daesquerda para a direita por uma fração de segundo, antes que ocorrao vetor habitual do ápice para a base. A grande deflexão positivamostrada na Fig. 12.7 é a onda R e a deflexão negativa final é a onda S.

O ELETROCARDIOGRAMA DURANTE A REPOLARIZAÇÃO- A ONDA T

Após o músculo ventricular se despolarizar, decorreaproximadamente 0,15 s antes que se inicie repolarização suficiente paraser observada no eletrocardiograma; a repolarização prossegue, então,por todo o músculo ventricular até completar-se acerca de 0,35 s apóso início do complexo ORS. É este processo de repolarização quecausa a onda T no eletrocardiograma.

Como o septo e outras áreas endocárdicas do músculo ventriculardespolarizam-se primeiro, parece lógico que essas áreas tambémdeveriam repolarizar-se primeiro, mas isto não ocorre habitualmente,porque o septo e outras áreas endocárdicas têm período mais longo decontração, repolarizando-se, pois, mais lentamente que as superfíciesexternas do coração. Assim sendo, a maior parte do músculo ventricular ase repolarizar primeiro é a situada sobre toda a superfície externa docoração, em especial próximo ao ápice. As áreas endocárdicas, por outrolado, normalmente repolarizam-se por último. A razão desta seqüênciaanormal de repolarização é considerada como sendo que a pressãoelevada nos ventrículos durante a contração reduz muito o fluxosanguíneo coronário para o endocárdio, lentificando, assim, o processode despolarização nas áreas endocárdicas.

Como as superfícies externa e apical dos ventrículos se repolarizamantes das superfícies interna e basal, a extremidade positiva do vetorcardíaco durante a repolarização se dirige para o ápice do coração.Portanto, a direção predominante do vetor através do coração durante arepolarização ventricular ê da base para o ápice, que também é a direçãopredominante do vetor durante a despolarização. Como conseqüência,a onda T nas derivações bipolares normais dos membros é positiva, oque é também a polaridade da maior parte dos complexos QRS normais.

Na Fig. 12.8, cinco etapas na repolarização ventricular são denotadaspelo aumento progressivo das áreas brancas — as áreas repolarizadas.Hm cada etapa, o vetor se estende da base para o ápice, até desaparecerna última etapa. Inicialmente, o vetor é relativamente pequeno, porquea área de repolarização é pequena. Posteriormente, o vetor torna-semais e mais forte, devido ao maior grau de repolarização. Finalmente,o vetor volta a ser fraco, porque as áreas de despolarização que aindapersistem tornam-se tão pequenas que o fluxo de corrente total começaa diminuir. Essas alterações mostram que o vetor é maior quandoaproximadamente metade do coração está no estado polarizado e orestante ainda está despolarizado.

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Fig. 12.7 A, os vetores ventriculares e os complexos QRS 0,01 s após o início da despolarização ventricular. B. 0,02 s após o início da despolarização.C, 0,035 segundo após o início da despolarização. D, 0,05 s após o início da despolarização. E, Após completar-se a despolarização dos ventrículos0,06 s após o inicio.

As alterações nos eletrocardiogramas das três derivações-padrãodos membros durante o processo de despolarização estão anotadas sobcada um dos ventrículos, mostrando os estágios progressivos daTepolarização. A onda T do eletrocardiograma é gerada poraproximadamente 0,15 s, o tempo necessário para que todo o processoocorra.

DESPOLARIZAÇÃO DOS ÁTRIOS — A ONDA P

A despolarização dos átrios começa pelo nodo sinusal e se difundeem todas as direções pelos átrios. O ponto de eletronegatividade originalnos átrios, portanto, é aproximadamente no ponto de entrada da veiacava superior, onde se encontra o nodo sinusal, e a direção do potencialelétrico no átrio, ao início da despolarização, é na direção mostradana Fig. 12.9. Além disso, o vetor geralmente permanece nesta direçãodurante todo o processo de despolarização.

Assim, o vetor do fluxo de corrente durante a despolarização dosátrios aponta quase que na mesma direção que nos ventrículos. E, comoessa direção é quase a mesma dos eixos das derivações bípolares-padrãodos membros 1, 11 e III, os eletrocardiogramas registrados a partir dosátrios durante o processo de despolarização são geralmente positivosem todas essas três derivações, como ilustra a Fig. 12.9. O registroda despolarização atrial é conhecida como a onda P.

Repolarização dos átrios — a onda T atrial. A difusão daonda de despolarização pelo músculo atrial é muito mais lenta que nosventrículos. A musculatura em torno do nodo sinusal, portanto,despolariza-se muito antes da musculatura nas partes distais dos átrios.Devido a isso, a área que se repolariza primeiro nos átrios ê a regiãodo nodo sinusal, a área que originalmente se despolarizou em primeirolugar, uma situação totalmente diferente da verificada nos ventrículos.Assim, quando se inicia a repolarização, a região em torno do nodosinusal torna-se positiva

relativamente ao restante dos átrios. O vetor da repolarização atrial,portanto, tem direção inversa relativamente ao vetor de despolarização.(Veja novamente que este é o contrário do efeito que ocorre nosventrículos.) Assim sendo, como é notado à direita da Fig. 12.9, achamada

Fig. 12.8 Geração da onda T durante a repolarização dos ventrículos,mostrando a análise vetorial da primeira etapa da repolarização. O tempototal do início da onda T até seu final é de cerca de 0,15 s.

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Fig. 12.9 Despolarização dos átrios e geração da onda P.mostrando o vetor pelos átrios e os vetores resultantes nas trêsderivações-padrão. À direita estão as ondas P e T atriais.

onda T atrial aparece cerca de 0,15 s após a onda P atrial, mas essaonda T está do lado oposto da linha de referência zero em relaçãoà onda P — ou seja, ela é normalmente negativa, e não positiva nastrês derivações bipolares-padrão dos membros. No eletrocardiogramanormal, essa onda T aparece aproximadamente ao mesmo tempo queo complexo QRS ventricular. Por esta razão, ela c quase sempretotalmente obscurecida pelo maior complexo QRS, embora, em algunsestados anormais, realmente participe do eletrocardiograma registrado.

O VETORCARDIOGRAMA

Observou-se nas discussões anteriores que o vetor do fluxo de correntepelo coração se altera rapidamente à medida que o impulso se difundepelo miocárdio. Ele se altera em dois aspectos: primeiro, o vetor aumentae diminui de comprimento devido ao aumento e diminuição da voltagemdo vetor. Segundo, o vetor muda de direção devido a alterações nadireção média do potencial elétrico do coração. O chamadovetorcardiagrama mostra essas alterações nos vetores em diferentesmomentos durante o ciclo cardíaco, como é mostrado na Fig. 12.10.

No vetor cardiograma da Fig. 12.10, o ponto 5 é o ponto de referênciazero, sendo este ponto a extremidade negativa de todos os vetores.Enquanto o coração está em repouso, a extremidade positiva do vetortambém permanece no ponto zero. porque não há qualquer potencialelétrico. Entretanto, logo que a corrente começa a fluir pelo coração,a extremidade positiva do vetor sai do ponto de referência zero.

Quando o septo começa a se despolarizar, o vetor se estende parabaixo em direção ao ápice do coração.-mas é relativamente fraco, geran-

do, assim, a primeira parte do vetorcardiograma, como é mostrado pelaextremidade positiva do vetor 1. Quando uma parte maior do coraçãose despolariza, o vetor fica cada vez mais forte, em geral oscilandoligeiramente para um dos lados. Assim, o vetor 2 da Fig. 12.10 representao estado de despolarização do coração cerca de 0,02 s após o vetor1. Após mais 0,02 s o vetor 3 representa o potencial do coração, eo vetor 4 ocorre após ainda outro 0,01 s. Finalmente, o coração sedespolariza totalmente e o vetor volta novamente a zero, como émostrado no ponto 5.

A figura elíptica produzida pelas extremidades positivas dos vetoresé denominada vetorcardiograma do QRS.

Os vetorcardiogramas podem ser registrados instantaneamente numosciloscópio, ligando-se eletródios acima e abaixo do coração às placasverticais do osciloscópio e ligando-se eletródios de cada lado do coraçãoas placas horizontais. Quando o vetor se altera, o ponto de luz noosciloscópio segue a trajetória da extremidade positiva do vetor emalteração, inscrevendo, assim, o vetorcardiograma na tela doosciloscópio.

O vetorcardiograma “T” A mudança dos vetores no coração nãoocorre apenas durante o processo de despolarização, pois os vetoresque representam o fluxo de corrente em torno dos ventrículos tambémreaparecem durante a repolarização. Por esta razão, um segundo e menorvetorcardiograma - o vetorcardiograma T - é inscrito durante arepolarização da massa muscular; ele é representado à direita na Fig.12.10. Assim, também, um vetorcardiograma P, menor ainda, é inscritodurante a despolarização atrial.

O EIXO ELÉTRICO MÉDIO DO QRS VENTRICULAR

O vetorcardiograma da onda de despolarização ventricular(vetorcardiograma do QRS) mostrado na Fig. 12.10 é o de um coraçãonormal. Observe por esse vetorcardiograma que a direçãopreponderante dos vetores ventriculares é normalmente para o ápicedo coração — ou seja, durante a maior parte do ciclo dedespolarização ventricular, a direção de potencial elétrico é da basepara o ápice dos ventrículos. Essa direção preponderante do potencialdurante a despolarização é denominada eixo elétrico médio dosventrículos, ou vetor médio do QRS. O eixo elétrico médio dosventrículos normais é de 59º. Entretanto, em certas condiçõespatológicas do coração, essa direção se altera — acentuadamente — porvezes, até mesmo para o pólo oposto do coração.

DETERMINAÇÃO DO EIXO ELÉTRICO A PARTIRDE ELETROCARDIOGRAMAS DE DERIVAÇÕES-PADRÃO

Clinicamente, o eixo elétrico do coração é em geral determinadoa partir dos eletrocardiogramas das derivações bipolares-padrão dosmembros, e não do vetorcardiograma. A Fig. 12.11 mostra um métodopara se fazer isto. Após o registro das derivaçÕes-padrão, determina-seo potencial máximo e a polaridade do registro em duas das derivações.Na derivação 1 da figura, o registro é positivo, e, na derivação III,o registro é em grande parte positivo, mas é negativo durante outraparte do ciclo. Quando qualquer parte do registro é negativa, o potencialnegativo ê subtraído do potencial positivo para a determinação do poten-

Fig. 12.10 Os vetorcardiograma QRS e T. Fig. 12.11 Representação do eixo elétrico médio do coração a partirde duas derivações eletrocardiográficas.

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cial efetivo para essa derivação, ilustrado pelas setas à direita doscomplexos QRS das derivações I e III. (Para serem ainda mais precisos,alguns cardiologistas subtraem a área da onda negativa da área da ondapositiva.) Após subtrair-se a parte negativa da onda QRS naderivação III da parte positiva, cada potencial efetivo é representadograficamente nos eixos das derivações respectivas, com a base dopotencial no ponto de interseção dos eixos, como é mostrado na Fig.12.11.

Quando o potencial efetivo da derivação I é positivo, ele érepresentado graficamente na direção positiva, ao longo da linha querepresenta a derivação I. Por outro lado, quando negativo, érepresentado na direção negativa. Assim, também para a derivação III,o potencial efetivo é colocado com sua base no ponto de interseção e,quando positivo, é representado na direção positiva ao longo da linhaque representa a derivação III. Quando negativo, ele é representado nadireção negativa.

Para se determinar o vetor real do potencial elétrico médioventricular, traçam-se linhas perpendiculares a partir das pontas dos doispotenciais efetivos das derivações I e III, respectivamente. O ponto deintersecção dessas duas linhas perpendiculares representa, por análisevetorial, a ponta do vetor médio do QRS real nos ventrículos; e oponto de interseção dos eixos das duas derivações representa aextremidade negativa do vetor real. Assim sendo, o vetor médio doQRS é traçado entre esses dois pontos. O potencial médio aproximadogerado pelos ventrículos durante a despolarização é representado pelocomprimento do vetor, e o eixo elétrico médio é representado peladireção do vetor. Assim, a orientação do eixo elétrico médio dosventrículos normais, conforme determinado na Fig. 12.11, é de 59°.

CONDIÇÕES VENTRICULARES ANORMAIS CAUSANDODESVIOS DO EIXO

Embora o eixo elétrico médio dos ventrículos seja em média decerca de 59°, esse eixo pode deslocar-se para a esquerda, mesmo emcoração normal, até aproximadamente 20º. ou para a direita, atéaproximadamente 100°. As causas das variações anormais sãoprincipalmente diferenças anatômicas na distribuição do sistema dePurkinje ou na própria musculatura dos diferentes corações. Contudo,algumas condições podem ocasionar desvios do eixo até mesmo alémdesses limites normais, da seguinte forma:

Alterações na posição do coração. Evidentemente, se o própriocoração estiver posicionado em ângulo para a esquerda, o eixo elétricomédio do coração também vai desviar-se para a esquerda. Esse desvioocorre (1) durante a expiração, (2) quando a pessoa está deitada,porque o conteúdo abdominal empurra o diafragma para cima, e (3),com muita freqüência, em pessoas obesas e de compleição avantajada,cujo diafragma normalmente faz pressão para cima sobre o coraçãotodo o tempo.

Da mesma forma, o desvio do coração em ângulo para a direitafaz o eixo elétrico ventricular médio desviar-se para a direita. Estacondição ocorre (1) durante a inspiração, (2) quando a pessoa ficade pé, e (3) normalmente em pessoas altas e magras, cujo coração pendepara baixo.

Hipertrofia de um ventrículo. Quando um dos ventrículos sehipertrofia muito, o eixo do coração se desvia em direção ao ventrículohipertrofiado, por duas razões. Em primeiro lugar, há quantidade muitomaior de músculo do lado hipertrofiado, c isto possibilita excessivageração de potencial elétrico nesse lado. Segundo, é necessário maistempo para a onda de despolarização passar pelo ventrículohipertrofiado que pelo ventrículo normal. Por conseguinte, o ventrículonormal se despolariza - ou seja, torna-se negativo - consideravelmenteantes do ventrículo hipertrofiado, e isso causa forte vetor do ladonormal do coração para o lado hipertrofiado, que ainda permanecepositivamente carregado. Assim, o eixo desvia-se em direção aoventrículo hipertrofiado.

Análise vetorial do desvio do eixo para a esquerda emconseqüência da hipertrofia do ventrículo esquerdo. A Fig. 12.12mostra as três derivações bipolares-padrão dos membros de umeletrocardiograma no qual a análise da direção do eixo revela desviodesse eixo para a esquerda, com o eixo elétrico médio apontando nadireção de -15°. Este é um típico eletrocardiograma decorrente doaumento da massa muscular do ventrículo esquerdo. Nesse caso, odesvio do eixo foi causado por hipertensão (pressão arterial elevada), quefez o ventrículo esquerdo hipertrofiar-se para bombear sangue contra aelevada pressão arterial sistêmica.

Fig. 12.12 Desvio do eixo para a esquerda nas cardiopatiashipertensivas. Note, também, o ligeiro alargamento do complexo QRS.

Entretanto, um quadro semelhante de desvio para a esquerdaocorre quando o ventrículo esquerdo se hipertrofia como conseqüênciade estenose da válvula aórtica regurgitação valvular aórtica ou qualquerdas várias cardiopatias congênitas em que o ventrículo esquerdoaumenta de tamanho enquanto o lado direito do coração permanecerelativamente normal.

Análise vetorial dos desvios do eixo para a direita, emconseqüência da hipertrofia do ventrículo direito. O eletrocardiogramada Fig. 12.13 mostra um grande desvio do eixo para a direita, com eixoelétrico de aproximadamente 170°, o que é 111º para a direita do eixoelétrico médio normal de 59º dos ventrículos. O desvio para a direita doeixo ilustrado nessa figura foi provocado pela hipertrofia do ventrículodireito devido a estenose pulmonar. Contudo, desvios do eixo para adireita também podem ocorrer em outras cardiopatias congênitas quecausam a hipertrofia do ventrículo direito, tais como a tetralogia deFallot ou o defeito do septo interventricular. Também a hipertrofia doventrículo direito, em conseqüência do aumento da resistência vascularpulmonar, pode causar desvio do eixo para a direita.

Bloqueio de ramo. Normalmente, as duas paredes laterais dosventrículos se despolarizam quase ao mesmo tempo, porque os doisramos do sistema de Purkinje, o direito e o esquerdo, transmitem oimpulso cardíaco para as superfícies endocárdicas das duas paredesventriculares quase ao mesmo tempo. Como conseqüência, os potenciaisgerados pelos dois ventrículos praticamente neutralizam um ao outro.No entanto, quando um dos ramos maiores é bloqueado, o impulsocardíaco difunde-se pelo ventrículo normal muito antes de difundir-sepelo outro. Por esta razão, a despolarização dos dois ventrículos não énem mesmo próxima uma da outra e os potenciais de despolarizaçãonão se neutralizam uns aos outros. Nessas condições, há desvios do eixo,da seguinte maneira:

Análise vetorial do desvio do eixo para a esquerda nos bloqueios doramo esquerdo. Quando o ramo esquerdo é bloqueado, a despolarizaçãocardíaca se difunde pelo ventrículo direito duas a três vezes mais rápidoque pelo esquerdo. Como conseqüência, grande parte do ventrículoesquerdo permanece polarizada muito tempo após o ventrículo direitoter-se despolarizado totalmente. Assim, o ventrículo direito ficaeletronegativo, enquanto o ventrículo esquerdo permanece eletropositivodurante a maior parte do processo de despolarização, e um vetor muitoforte projeta-se do ventrículo direito para o esquerdo. Em outraspalavras, há grande desvio para a esquerda porque a extremidadepositiva do vetor aponta para o ventrículo esquerdo. Isso é mostrado naFig. 12.14, na qual se vê um desvio típico para a esquerda do eixo,conseqüência de bloqueio do ramo esquerdo. Note que o eixo é deaproximadamente -50º.

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Fig. 12.13 Eletrocardiograma de alta voltagem na estenose pulmonarcom hipertrofia do ventrículo direito. Também é visto intenso desviodo eixo para a direita, assim como ligeiro alargamento do complexoQRS.

Devido à lentidão da condução de impulsos quando o sistema dePurkinje está bloqueado, os desvios decorrentes do bloqueio de ramotambém aumentam muito a duração do complexo QRS, o que se podever observando a excessiva largura das ondas ORS na Fig. 12.14. Essealargamento do complexo QRS diferencia essa condição dos desviosdo eixo causados por hipertrofia.

Análise vetorial dos desvios do eixo para a direita no bloqueiodo ramo direito. Quando o ramo direito está bloqueado, o ventrículoesquerdo despolariza-se bem mais rapidamente que o direito, de modoque o esquerdo fica eletronegativo enquanto o direito permaneceeletropositivo. Por esta razão surge um vetor muito forte, com suaextremidade negativa para o ventrículo esquerdo e a positiva para oventrículo direito. Em outras palavras, há grande desvio para a direita.

O desvio do eixo para a direita,'causado pelo bloqueio do ramodireito, é mostrado e seu vetor é analisado na Fig. 12.15, que apresentaeixo de aproximadamente 115º e alargamento do complexo QRS devidoao bloqueio da condução. Note também o grande alargamento docomplexo ORS.

CONDIÇÕES QUE CAUSAM VOLTAGENS ANORMAISDO COMPLEXO QRS

AUMENTO DA VOLTAGEM NAS DERIVAÇÕESBIPOLARES-PADRÃO DOS MEMBROS

Normalmente, as voltagens das três derivações bipolares-padrão dosmembros, medidas do pico da onda R à parte inferior da onda S, variamentre 0,5 e 2,0 mV, com a derivação III registrando, geralmente, avoltagem mais baixa, e a derivação II, a mais alia. Entretanto, essasrelações não são invariavelmente verdadeiras, nem mesmo no coraçãonormal. Em geral, quando a soma das voltagens de todos os complexosQRS das três derivações-padrão é superior a 4 mV, considera-se queo paciente tem um eletrocardiograma de alta voltagem.

A causa dos complexos QRS de alta voltagem é mais comumente

Fig. 12.14 Desvio do eixo para a esquerda devido a um bloqueio doramo esquerdo. Note o grande alargamento do complexo QRS.

o aumento da massa muscular do coração, que decorre normalmenteda hipertrofia do músculo em resposta a uma carga excessiva sobre umaou outra parte do coração. Como exemplo, o ventrículo direito sehipertrofia quando tem de bombear sangue por uma válvula pulmonarestenosada e o ventrículo esquerdo se hipertrofia quando a pessoa tempressão arterial elevada. A maior quantidade de músculo possibilitageração de maior quantidade de eletricidade em torno do coração.Como conseqüência, os potenciais elétricos registrados nas derivaçõeseletrocardiográficas são consideravelmente maiores que o normal, comoé mostrado nas Figs. 12.12 e 12.13.

DIMINUIÇÃO DA VOLTAGEM DOELETROCARDIOGRAMA

Há três causas principais de diminuição de voltagem doeletrocardiograma. São elas, em primeiro lugar, anormalidades dopróprio músculo cardíaco, que impedem a geração de grande quantidadede corrente; segundo, condições anormais em torno do coração, detal modo que a corrente não pode ser conduzida com facilidade docoração até a superfície do corpo; e terceiro, a rotação do ápice docoração de modo a apontar para a parede anterior do tórax, de talforma que a corrente elétrica do coração flui ântero-posteriormente notórax, e não nu plano frontal do corpo, o que diminui a voltagem nasderivações dos membros.

Fig. 12.15 Desvio do eixo para a direita devido a um bloqueio do ramodireito. Note o grande alargamento do complexo QRS.

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Diminuição da voltagem causada por miopatias cardíacas. Umadas

causas mais comuns de diminuição da voltagem do complexo QRS éuma série de infartos do miocárdio antigos, com conseqüente diminuiçãoda massa muscular. Isso também faz com que a onda de despolarizaçãoatravesse lentamente os ventrículos e impeça que grandes partes docoração fiquem maciçamente despolarizadas de uma só vez. Porconseguinte, essa condição causa alargamento moderado do complexoQRS, juntamente com a diminuição da voltagem. A Fig. 12.16 mostra otípico eletrocardiograma de baixa voltagem com alargamento docomplexo QRS que se encontra com freqüência após múltiplospequenos infartos do coração que ocasionaram bloqueios locais e perdade massa muscular por todo o ventrículo.

Diminuição da voltagem causada por condições circundando ocoração. Uma das causas mais importantes da diminuição da voltagemnas derivações eletrocardiográficas é a presença de liquido nopericárdio. Como o líquido extracelular conduz correntes elétricas comgrande facilidade, grande parte da eletricidade que flui para fora docoração é conduzida de uma parte do coração para outra pela efusãopericárdica. Assim, essa efusão provoca efetivamente um "curto-circuito" dos potenciais elétricos gerados no coração. A efusão pleuralem menor grau, também pode "colocar em curto" a eletricidade emtorno do coração, de modo que as voltagens na superfície do corpo enos eletrocardiogramas diminuem.

O enfisema pulmonar pode reduzir os potenciaiseletrocardiográficos, mas por processo diferente do da efusãopericárdica. No enfisema pulmonar, a condução de correntes elétricaspelos pulmões fica consideravelmente reduzida, devido à excessivaquantidade de ar nos pulmões. Ocorre, igualmente, que a cavidadetorácica aumenta de volume e os pulmões tendem a envolver o coraçãoem grau maior do que o normal. Por esta razão, os pulmões atuam comoum isolante, impedindo a difusão da voltagem elétrica do coração para asuperfície do corpo, e isso causa diminuição dos potenciaiseletrocardiográficos nas diversas derivações.

PADRÕES PROLONGADOS E BIZARROS DOCOMPLEXO QRS

ALARGAMENTO DO COMPLEXO QRS EMCONSEQUÊNCIA DE HIPERTROFIA OU DILATAÇÃODO CORAÇÃO

O complexo QRS dura enquanto o processo de despolarizaçãocontinua a se difundir pelos ventrículos — ou seja, enquanto parte dosventrículos está despolarizada e parte polarizada. Assim, a causa doalargamento do complexo QRS é sempre um prolongamento dacondução do impulso pelos ventrículos. Tal prolongamento ocorre comfreqüência quando um dos ventrículos ou ambos estão hipertrofiados oudilatados, devido à via mais longa que o impulso tem, então, depercorrer. O complexo QRS normal dura 0,06 a 0,09 s, enquanto nahipertrofia ou dilatação do ventrículo esquerdo ou direito o complexoQRS pode estar alargado até 0,10 a 0,12 s.

Fig. 12.16 Eletrocardiograma de baixa voltagem, com evidência de lesõeslocalizadas em todo o ventrículo, causadas por infarto do miocárdio antigo.

ALARGAMENTO DO COMPLEXO QRS RESULTANTE DEBLOQUEIOS AO SISTEMA DE PURKINJE

Quando as fibras de Purkinje são bloqueadas, o impulso cardíacotem de ser conduzido pelo próprio músculo ventricular, diminuindo avelocidade de condução de impulsos para aproximadamente um terçoa um quarto do normal. Por esta razão, quando ocorre bloqueio completode um dos ramos, a duração do complexo QRS fica geralmenteaumentada para 0,14 s ou mais.

Em geral, considera-se o complexo QRS como anormalmente longoquando dura mais de 0,09 s, e, quando dura mais de 0,12 s, o alargamentoé quase que certamente causado pelo bloqueio patológico do sistemade condução em algum ponto dos ventrículos, como é mostrado peloseletrocardiogramas para o bloqueio de ramo nas Figs. 12.14 e 12.15.

CONDIÇÕES CAUSADORAS DE COMPLEXOS QRSBIZARROS

Os padrões bizarros do complexo QRS são causados maisfreqüentemente por duas condições: primeiro, a destruição do músculocardíaco em diversas áreas por todo o sistema ventricular, comsubstituição desse músculo por tecido cicatricial, e. segundo, bloqueioslocais da condução de impulsos pelo sistema de Purkinje.

Por vezes, podem ocorrer bloqueios locais em múltiplos pontos dosventrículos. Como conseqüência, a condução dos impulsos cardíacosfica muito irregular, causando rápidas alternâncias, entre os desvios doeixo para a esquerda e para a direita. Isso causa picos duplos ou atémesmo triplos em algumas das derivações eletrocardiográficas, tais comoas apresentadas na Fig. 12.14.

CORRENTE DE LESÃO

Muitas anormalidades cardíacas diferentes, especialmente as quelesam o próprio músculo cardíaco, fazem muitas vezes com que partedo coração permaneça parcial ou totalmente despolarizada iodo o tempo.Quando isso ocorre, a corrente flui entre as áreas patologicamentedespolarizadas e as normalmente polarizadas. Isto é denominadocorrente de lesão. Note, especialmente, que à parte lesada do coração ficanegativa porque é essa parte que está despolarizada e emite cargasnegativas para os líquidos circundantes, enquanto o restante do coraçãoestá positivo.

Algumas das anormalidades que podem causar corrente de lesãosão: (1) traumas mecânicos, que fazem as membranas ficarem tãopermeáveis que a repolarização total não pode ocorrer; (2) processosinfecciosos que lesam as membranas musculares; e (3) a isquemia deáreas locais do músculo, causada pela oclusão coronária, que é, delonge, a causa mais comum de correntes de lesão no coração. Duranteuma isquemia, não há simplesmente quantidade suficiente de nutrientesdo suprimento sanguíneo coronário disponíveis para o músculo cardíacopara a manutenção da função cardíaca.

EFEITO DA CORRENTE DE LESÃO SOBRE OCOMPLEXO QRS

Na Fig. 12.17, a área sombreada na base do ventrículo esquerdoapresenta um infarto recente. Por esta razão, durante o intervalo T-P— ou seja, quando o músculo ventricular normal está polarizado —uma corrente negativa flui da base do ventrículo esquerdo para o restodos ventrículos. O vetor do potencial dessa "corrente de lesão", ilustradono primeiro e último corações da figura, tem direção de aproximadamente125°, com sua base, a extremidade negativa, apontando para o músculolesado. Como é mostrado nas partes inferiores da figura, antes mesmoque o complexo QRS se inicie, este vetar causa deflexão inicial naderivação í abaixo de linha de potencial zero, porque o vetor projetadoda corrente de lesão na derivação 1 aponta para a extremidadenegativa do eixo da derivação I. Na derivação II, o registro está acimada linha, porque o vetor projetado aponta para o terminal positivo daderivação II. Na derivação III, o vetor projetado do fluxo decorrente também é na mesma direção que a polaridade da derivaçãoIII, de modo que o registro é positivo. Além disso, como o vetor dacorrente de lesão encontra-se quase que exatamente ao longo do eixoda derivação III. o potencial da corrente de lesão na derivação III émuito maior do que em qualquer um dos dois registros.

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Fig. 12.17 Efeito de uma corrente de lesão sobre o eletrocardiograma.

Como o coração passa, então, por seu processo normal dedespolarização, o septu é o primeiro a se despolarizar, e adespolarização se difunde por ele até o ápice e de volta em direção àsbases dos ventrículos. A última parte dos ventrículos a se despolarizartotalmente é à base do ventrículo direito, pois a base do ventrículoesquerdo já está total e permanentemente despolarizada. Por análisevetorial, como é mostrado na figura, o eletrocardiograma gerado pelapassagem da onda de despolarização pelos ventrículos pode sergraficamente construído, como é mostrado na Fig. 12.17.

Quando o coração se encontra totalmente despolarizado ao finaldo processo de despolarização, como é mostrado pelo penúltimo estágioda Fig. 12.17, todo o músculo ventricular está no estado negativo. POResta razão, nesse instante, não aparece no eletrocardiogramaabsolutamente nenhuma corrente fluindo em torno da musculatura dosventrículos, porque agora tanto o músculo cardíaco lesado como omúsculo em contração estão totalmente despolarizados.

Em seguida, quando ocorre a repolarização, todo o coração acabapor se repolarizar, exceto a área de despolarização permanente na baselesada do ventrículo esquerdo. Assim, a repolarização causa retornoda corrente de lesão em cada derivação, como se nota bem à direitada Fig. 12.17.

O PONTO J — O POTENCIAL DE REFERÊNCIA ZEROPARA A ANÁLISE DE CORRENTES DE LESÃO

Seria de se esperar que os aparelhos para o registro deeletrocardiogramas pudessem determinar quando- não há correntefluindo em torno do coração. Contudo, há muitas correntes errantes nocorpo, tais como as correntes resultantes de "potenciais cutâneos" e dediferenças nas concentrações iônicas nas distintas partes do corpo. Emvista disso, quando dois eletródios estão ligados entre os braços ouentre um braço e uma perna, essas correntes errantes tornamimpossível determinar-se o nível referência zero exato noeletrocardiograma. Por essas razões, o seguinte procedimento tem deser empregado para a determinação do nível potencial zero: primeiro,nota-se o ponto exato em que a onda de despolarização acaba decompletar sua passagem pelo coração, que ocorre bem ao final docomplexo QRS. Exatamente nesse ponto todas as partes dosventrículos estão despolarizadas, de modo que nenhuma corrente flui emtorno do coração. Até mesmo a corrente de lesão desaparece nesse ponto.Por este motivo, o potencial do eletrocardiograma, nesse instante, estáexatamente na voltagem zero. Esse ponto é conhecido como o "ponto J"no eletrocardiograma, como é mostrado nas Figs. 12.17 e 12.18.

Para a análise do eixo elétrico do potencial de lesão causado poruma corrente de lesão, é traçada uma linha horizontal através doeletrocardiograma ao nível do ponto J, sendo essa linha horizontal alinha de potencial zero no eletrocardiograma a partir da qual devem sermedidos todos os potenciais causados por correntes de lesão.

Fig. 12.18 O ponto "J" como a voltagem de referência zero doeletrocardiograma. Também é mostrado um método para a representaçãográfica do eixo de uma corrente de lesão (abaixo).

Uso do ponto J para representar graficamente o eixo de um potencialde lesão. A Fig. 12.18 ilustra os eletrocardiogramas registrados a partirdas derivações I e III, ambos mostrando correntes de lesão. Em outraspalavras, o ponto J de cada um desses dois eletrocardiogramas não estána mesma linha que o segmento T-P. Uma linha horizontal foi traçadaatravés do ponto J, representando o nível de potencial zero em cadaum dos dois registros. O potencial da corrente de lesão em cada derivaçãoé a diferença entre o nível do segmento T-P do eletrocardiograma (queé registrado entre batimentos cardíacos quando existe corrente de lesão)e a linha de potencial zero, como é mostrado pelas setas. Na derivaçãoI, o potencial registrado causado pela corrente de lesão está acima dalinha de potencial zero, sendo, portanto, positivo. Por outro lado, naderivação III, o segmento T-P está abaixo do da linha potencial zero;por esta razão, o potencial da corrente de lesão na derivação III énegativo.

Na parte inferior da Fig. 12.18, os potenciais da corrente de lesãonas derivações 1 e III são representados graficamente, nas coordenadasdessas derivações e o vetor resultante do potencial de lesão para toda amassa ventricular é determinado pelo método já descrito. Neste caso, ovetor da corrente de lesão estende-se do lado direito dos ventrículos paraa esquerda e ligeiramente para cima, com eixo de aproximadamente -30º.

Caso se coloque o vetor da corrente de lesão diretamente sobre osventrículos, a extremidade negativa do vetor aponta para a área lesada ,permanentemente despolarizada, dos ventrículos. No caso ilustrado naFig. 12.18, a área lesada seria na parede lateral do ventrículo direito.

O fenômeno do desvio do segmento S-T. À parte doeletrocardiograma que ocorre entre o final do complexo QRS e oinício da onda T é denominada segmento S-T. O ponto J encontra-sebem no inicio desse segmento. Portanto, cada vez que ocorre umacorrente de lesão numa das derivações eletrocardiográficas, verifica-setambém que o segmento S-T e o segmento T-P do eletrocardiograma nãoestão nos mesmos níveis de potencial no registro. Na verdade, é osegmento T-P, e não o segmento S-T, que é deslocado do eixo zero.Entretanto, muitas pessoas estão condicionadas a considerar o segmentoT-P do eletrocardiograma como o nível potencial de referência, e não oponto J. Por esta razão, quando se evidencia uma corrente de lesão noeletrocardiograma, parece que o segmento S-T está desviado de seu nívelnormal no eletrocardiograma, e isto é denominado desvio do segmento S-T. Obviamente, quando se vê um desvio do segmento S-T noeletrocardiograma, sabe-se imediata-

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mente que ele apresenta as características de uma corrente de lesão.De fato, muitos eletrocardiografistas não falam absolutamente decorrentes de lesão mas, simplesmente, de desvios do segmento S-T, oque significa a mesma coisa.

ISQUEMIA CORONÁRIA COMO CAUSA DECORRENTES DE LESÃO

O fluxo sanguíneo insuficiente para o músculo cardíaco diminuio metabolismo do músculo por três razões diferentes: falta de oxigênio,acúmulo excessivo de dióxido de carbono e falta de nutrientes suficientes.Por conseguinte, a repolarização das membranas não pode ocorrer emáreas de isquemia miocárdica grave. Com freqüência, o músculo cardíaconão morre porque o fluxo sanguíneo é suficiente para manter a vidado músculo, ainda que não seja adequado para causar a repolarizaçãodas membranas. Enquanto existir esse estado, continua a fluir correntede lesão durante a diástole.

Isquemia extrema do músculo cardíaco ocorre após oclusãocoronária, e forte corrente de lesão flui, a partir da área infartada dosventrículos, durante a intervalo T-P entre os batimentos cardíacos, comoé mostrado nas Figs. 12.19 e 12.20. Por esta razão, uma das maisimportantes características diagnosticas dos eletrocardiogramasregistrados após trombose coronária aguda é a corrente de lesão.

Infarto agudo da parede anterior. A Fig. 12.19 mostra oeletrocardiograma nas três derivações bipolares-padrão dos membros eem derivação torácica, registrada em paciente com infarto agudo da paredecardíaca anterior. A característica diagnostica mais importante desseeletrocardiograma é a intensa corrente de lesão na derivação torácica. Setraçarmos uma linha de potencial zero pelo ponto J desseeletrocardiograma, será encontrado um forte potencial de lesãonegativo durante o intervalo T-P, o que indica que o eletródiotorácico sobre a frente do coração está em área de potencialfortemente negativo. Em outras palavras, a extremidade negativa dovetor do potencial de lesão está contra a parede torácica. Isto quer dizerque a corrente de lesão está se originando da parede anterior dosventrículos, o que diagnostica essa condição como um infarto da paredeanterior.Analisando-se as correntes de lesão nas derivações I e III, encontra-seum potencial negativo, causado pela corrente de lesão, na derivação I, eum potencial positivo para a corrente de lesão na derivação III. Istoque dizer que o vetor resultante para a corrente de lesão no coração é deaproximadamente +150°, com a extremidade negativa do vetorapontando para o ventrículo esquerdo e a extremidade positiva parao ventrículo direito. Assim, nesse eletrocardiograma específico,acorrente de lesão parece estar vindo principalmente do ventrículoesquerdo, assim como da parede anterior do coração. Seria de sesuspeitar, pois, que esse infarto da parede anterior fosse provavelmentecausado por trombose do ramo descendente anterior da artéria coronáriaesquerda. Infarto da parede posterior. A Fig. 12.20 mostra as trêsderivações bipolares-padrão dos membros e uma derivação torácica deum paciente com infarto da parede posterior. A principal característicadiagnostica desse eletrocardiograma também é a derivação torácica.Se se traçar à linha de referência de potencial zero através do ponto Jdessa derivação, ficará logo claro que, durante o intervalo T-P, opotencial da corrente de lesão é positivo. Isto quer dizer que aextremidade positiva do vetor está na parede torácica e a extremidadenegativa (lesada) dirige-se para longe da mesma parede. Em outraspalavras, a corrente de lesão está vindo do lado oposto do coraçãorelativamente à parte adjacente à parede torácica, sendo esta a razãopela qual esse tipo de eletrocardiograma é à base do diagnóstico dosinfartos da parede posterior.

Analisando-se as correntes de lesão nas derivações I e III da Fig.12.20, fica imediatamente claro que o potencial de lesão é negativoem ambas as derivações. Por análise vetorial, como é mostrado na figura,verifica-se que o vetor do potencial de lesão é de aproximadamente -95º, com a extremidade negativa do vetor apontando para baixo ea extremidade positiva, para cima. Assim, como o infarto é na paredeposterior do coração, como indica a derivação torácica, e na parte apicaldo coração, como indicam as correntes de lesão nas derivações II eIII, seria de se suspeitar que esse infarto esteja próximo do ápice, naparede posterior do ventrículo esquerdo.

Infartos em outras partes do coração. Utilizando-se os mesmosprocedimentos ilustrados nas duas discussões anteriores de infartos daparede anterior e posterior, c possível determinar-se a localização dequalquer área infartada que emita corrente de lesão independentemente

Fig. 12.19 Corrente de lesão em infarto agudo da parede anterior. Notea intensa corrente de lesão na derivação V2

da parte do coração que está afetada. Ao se fazer essas análises vetoriais,deve-se recordar sempre que a extremidade positiva do vetor dopotencial de lesão aponta para o músculo cardíaco normal e aextremidade negativa aponta para a parte anormal do coração que estáemitindo a corrente de lesão.

Recuperação de trombose coronária aguda. A Fig. 12.21 mostrauma derivação torácica V3 de um paciente com infarto posterior agudo,mostrando a alteração no eletrocardiograma dessa derivação do dia doataque até 1 semana depois, a seguir 3 semanas depois e, finalmente.1 ano após. Por esse eletrocardiograma pode-se ver que a corrente de

Fig. 12.20 Corrente de lesão em infarto agudo da parede apicalposterior.

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Fig. 12.21 Recuperação do miocárdio após um infarto moderado daparede posterior, ilustrando o desaparecimento da corrente de lesão(derivação V3).

lesão é forte imediatamente após o ataque agudo (segmento T-Pdeslocado positivamente do ponto J e do segmento S-T). mas,aproximadamente 1 semana, a corrente de lesão diminuiconsideravelmente e após 3 semanas desapareceu totalmente. Depoisdisso, o eletrocardiograma não se alterou muito durante o ano que sesegue. Este é o padrão habitual de recuperação após infarto cardíacoagudo moderado, quando o fluxo sanguíneo colateral coronário ésuficiente para restabelecer a nutrição apropriada a maior parte daárea infartada.

Por outro lado, quando todos os vasos coronários de todo o coraçãoestão bastante esclerosados, pode não ser possível aos vasos coronáriosadjacentes suprir a área infartada com sangue suficiente para arecuperação. Por esta razão, em alguns pacientes com infartocoronário, a área infartada nunca volta a desenvolver suprimentosanguíneo coronário adequado, parte do músculo cardíaco morre epersiste insuficiência coronária relativa indefinidamente nessa área docoração. Caso não morra c não seja substituído por tecido cicatricial, omúsculo emite continuamente uma corrente de lesão, enquanto existir aisquemia relativa, especialmente em períodos de exercício quando ocoração fica sobrecarregado.

infarto do miocárdio antigo recuperado. A Fig. 12.22 mostra asderivações I e III após infarto anterior e infarto posterior, conformeaparecem nessas derivações aproximadamente 1 ano após o episódioagudo. Estas são o que se poderia chamar as configurações "ideais"do complexo QRS nesses tipos de infarto do miocárdio recuperado.Geralmente surge uma onda O no início do complexo QRS, na derivação1 no infarto anterior, devido à perda de massa muscular na parede anteriordo ventrículo esquerdo, enquanto no infarto posterior a onda Q surgeno início do complexo QRS na derivação III, devido à perda do músculona parte apical posterior do ventrículo.

Essas configurações não são certamente as encontradas em todosos casos de infarto cardíaco antigo anterior e posterior. A perda localde músculo e as áreas locais de bloqueio da condução podem causaras seguintes anormalidades do complexo QRS: padrões bizarros (as ondasQ proeminentes, por exemplo), diminuição da voltagem e alargamento.

Correntes de lesão na angina do peito. "Angina do peito" significa,simplesmente, dor nas regiões peitorais da parte superior do tórax,irradiando-se geralmente para o pescoço e ao longo do braçoesquerdo.

I

Fig. 12.22 Eletrocardiogramas de antigos infartos da parede anteriore da parede posterior, mostrando a onda Q na derivação I no infartoantigo da parede anterior, e a onda Q na derivação III no infarto antigoda parede posterior.

Ela é causada por isquemia relativa do coração. Não é sentida qualquerdor enquanto a pessoa está totalmente imóvel, mas logo que o pacientesobrecarrega o coração a dor aparece.

Ocorre freqüentemente corrente de lesão durante um ataque deangina de peito grave, pois, por vezes a insuficiência coronária relativatoma-se aí intensa o suficiente para impedir a repolarização adequadadas membranas em algumas áreas do coração durante a diástole.

ANORMALIDADES DA ONDA T

Antes neste capítulo foi ressaltado que a onda T é normalmentepositiva em todas as derivações bipolares-padrão dos membros e queisso é causado pela repolarização do ápice e das superfícies externasdos ventrículos antes das superfícies endocárdicas. Essa direção segundoa qual a repolarização se difunde por sobre o coração é o inverso dadireção em que ocorre a despolarização. (Se os princípios básicos daonda T ascendente nas derivações-padrão ainda não são conhecidos,o leitor deve familiarizar-se com a discussão anterior, mais detalhada,sobre isto antes de passar às seções seguintes.)

A onda T torna-se anormal quando a seqüência normal darepolarização não ocorre. Vários fatores podem alterar esta seqüência derepolarização, como se segue.

EFEITO DA CONDUÇÃO LENTA DA ONDA DEDESPOLARIZAÇÃO SOBRE A ONDA T

Voltando à Fig. 12.14, observe que o complexo QRS estáconsideravelmente alargado. A razão desse alargamento é o retardo dacondução no ventrículo esquerdo, como conseqüência de bloqueio doramo esquerdo. O ventrículo esquerdo se despolariza aproximadamente0,08 s após a despolarização do ventrículo direito, o que produz fortevetor médio do QRS para a esquerda. O período refratário das massasmusculares ventriculares esquerda e direita não difere muito um dooutro. Por esta razão, o ventrículo direito começa a se repolarizar muitoantes do esquerdo; isso causa positividade no ventrículo direito enegatividade no esquerdo. Em outras palavras, o eixo médio da onda Tapresenta um desvio para a direita, o que é o contrário do eixo elétricomédio do complexo QRS nesse mesmo eletrocardiograma. Assim,quando a condução do impulso pelos ventrículos sofre grande retardo, aonda T é quase sempre de polaridade oposta à do complexo QRS.

Na Fig. 12.15 e em várias figuras do capítulo seguinte, a conduçãotambém não ocorre pelo sistema de Purkinje. Como conseqüência, avelocidade da condução fica muito identificada e, em cada caso, aonda T é de polaridade oposta à do complexo QRS, quer seja acondição que cause esse retardo da condução um bloqueio do ramoesquerdo, um bloqueio do ramo direito, uma contração ventricularprematura ou outra coisa.

DESPOLARIZAÇÃO PROLONGADA EM PARTES DOMÚSCULO VENTRICULAR COMO CAUSA DEANORMALIDADES DA ONDA T

Se o ápice dos ventrículos tivesse um período de despolarizaçãoanormalmente longo, ou seja, um potencial de ação prolongado, arepolarização dos ventrículos não se iniciaria no ápice como o faznormalmente. Em vez disso, a base dos ventrículos iria repolarizar-seantes do ápice e o vetor da repolarização apontaria do ápice para abase do coração, o contrário do vetor de repolarização habitual.Como conseqüência, a onda T em todas as três derivações-padrão serianegativa, e não positiva como de hábito. Assim, o simples fato de que omúsculo apical do coração apresenta um prolongado período dedespolarização seria suficiente para causar alterações acentuadas naonda T, até mesmo a ponto de alterar toda sua polaridade, como émostrado na Fig. 12.23.

Uma isquemia leve é certamente a mais comum das causas de maiorduração da despolarização do músculo cardíaco, e, quando a isquemiaocorre em apenas uma área do coração, o período de despolarizaçãodessa área ocorre desproporcionalmente ao de outras partes. Comoconseqüência, pode haver alterações nítidas na onda T. A isquemiapode ser conseqüente à oclusão coronária crônica e progressiva, àoclusão coronária aguda ou à insuficiência coronária relativa, ocorrendodurante o exercício.

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Fig. 12.24 Onda T bifásica causada por toxicidade digitálica

Fig. 12.23 Onda T invertida resultante de isquemia leve do ápice dosventrículos.

Um meio de se detectar uma leve insuficiência coronária é fazero paciente exercitar-se e, então, registrar-se o eletrocardiogramaimediatamente depois, observando-se se ocorrem ou não alterações nasondas T. As alterações da onda T não precisam ser específicas, poisqualquer alteração na onda T em qualquer derivação - inversão, porexemplo, ou onda bifásica - é freqüentemente evidência suficiente deque alguma parte do músculo ventricular aumentou seu período dedespolarização desproporcionalmente ao resto do coração, e isso éprovavelmente causado por insuficiência coronária relativa.

Todas as outras condições que podem causar correntes de lesão,incluindo pericardites, miocardites e traumas mecânicos do coração,também podem causar alterações de onda T. Ocorre corrente de lesãoquando o período de despolarização de algum músculo é tão longo que omúsculo não se repolariza totalmente antes que o próximo ciclo cardíacose inicie. Assim sendo, uma corrente de lesão é, de fato, uma formaexacerbada de onda T anormal, pois ambas decorrem do aumento doperíodo de despolarização de uma ou mais partes do músculo cardíaco,sendo a diferença apenas de grau.

Efeito do digital sobre a onda T. Como é discutido no Cap. 22,o digital é um medicamento que pode ser usado durante a insuficiênciacoronária relativa para aumentar a força de contração do músculocardíaco. Entretanto, o digital também aumenta o período dedespolarização

do músculo cardíaco. Ele geralmente aumenta esse período quase namesma proporção em todo o músculo ventricular ou na maior parte*dele, mas, quando são administradas doses excessivas de digital, operíodo de despolarização de uma parte do coração pode aumentardesproporcionalmente ao de outras partes. Como conseqüência, podemocorrer alterações inespecíficas, tais como a inversão da onda T ouondas T bifásicas, em uma ou mais das derivaçõeseletrocardiográficas. Uma onda T bifásica causada pela administraçãoexcessiva de digital é apresentada na Fig. 12.24. Também há pequenaquantidade de corrente de lesão. Isso decorre, provavelmente, dadespolarização contínua de parte do músculo ventricular.

As alterações de onda T durante a administração de digitálicos sãoos primeiros sinais da toxicidade digitálica. Caso se administre ao pacientequantidade ainda maior do medicamento, podem surgir fortes correntesde lesão. Da mesma forma, o digital pode bloquear a condução dosimpulsos cardíacos para diversas partes do coração, de modo que podemresultar daí várias arritmias. É clinicamente desejável impedir-se osefeitos do digital de ir além do estágio de leves anormalidades daonda T. Por esta razão, o eletrocardiógrafo é utilizado de rotina noacompanhamento dos pacientes digitalizados.

REFERÊNCIAS

Ver as referências do Cap. 13.

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CAPÍTULO 13

Arritmias Cardíacas e Sua InterpretaçãoEletrocardiográfica

Alguns dos tipos mais perturbadores de disfunção cardíaca não ocorremcomo conseqüência de anormalidade do músculo cardíaco, mas, sim.de um ritmo cardíaco anormal. Por vezes, a freqüência cardíaca édemasiado rápida ou lenta para bombear quantidade de sangueadequada; por vezes, o intervalo entre os batimentos cardíacos édemasiado curto para que os ventrículos se encham; e por vezes obatimento dos átrios é totalmente descoordenado em relação ao dosventrículos, de modo que os átrios não funcionam mais comopreparadores dos ventrículos,

O objetivo do presente capítulo é o de discutir as arritmias cardíacasmais comuns e seu efeito sobre o bombeamento cardíaco, assim comoseu diagnóstico pela eletrocardiografia. As causas das arritmias cardíacassão geralmente uma das seguintes anormalidades no sistema deritmicidade — condução do coração ou de suas combinações:

1. Ritmicidade anormal do marcapasso.2. Deslocamento do marcapasso do nodo sinusal para outras partes

do coração.3. Bloqueios em diferentes pontos da transmissão de impulsos

através do coração.4. Vias anormais de transmissão de impulsos pelo coração.5. Geração espontânea de impulsos anormais em praticamente toda

e qualquer parte do coração.

RITMO SINUSAL ANORMAL

TAQUICARDIA

O termo “taquicardia” significa freqüência cardíaca elevada,definida geralmente como acima de 100 batimentos por minuto. Oeletrocardiograma registrado em paciente com taquicardia é apresentadona Fig. 13.1. Esse eletrocardiograma é normal, exceto que a freqüênciados batimentos cardíacos, determinada pelo intervalo de tempo entre oscomplexos GRS, é de aproximadamente 150 por minuto, em vez dos72 por minuto normais.

As três causas gerais de taquicardia são o aumento da temperaturacorporal, a estimulação do coração pelos nervos simpáticos econdições tóxicas do coração.

A freqüência cardíaca aumenta aproximadamente 15 batimentospor minuto para cada centígrado de aumento da temperatura corporalaté a temperatura corporal de cerca de 41ºC; acima disto, a freqüênciacardíaca reduz-se de fato devido ao progressivo enfraquecimento domúsculo cardíaco produzido pela febre. A febre causa taquicardia porquea elevação da temperatura aumenta o metabolismo do nodo sinusal,o que, por sua vez, aumenta diretamente sua excitabilidade e freqüênciarítmicas.

Muitos fatores podem fazer o sistema nervoso simpático excitaro coração como discutimos em múltiplos pontos deste texto. Quando

um paciente perde sangue e entra em estado de choque ou semichoque,por exemplo, a estimulação reflexa do coração aumenta sua freqüênciaaté 150 a 180 batimentos por minuto. Assim, também o simplesenfraquecimento do miocárdio aumenta geralmente a freqüênciacardíaca, porque o coração enfraquecido não bombeia sangue para aárvore arterial de maneira normal, e isso evoca reflexos que aumentam afreqüência do coração.

BRADICARDIA

O termo "bradicardia" significa uma freqüência cardíaca baixadefinida geralmente como abaixo de 60 batimentos por minuto. Abradicardia é mostrada no eletrocardiograma na Fig. 13.2.

Bradicardia em atletas. O coração de um atleta é consideravelmentemais forte que o da pessoa normal, fato que lhe possibilita bombearmaior débito sistólico por batimento. A excessiva quantidade de sanguebombeada para a árvore arterial a cada batimento desencadeia reflexoscirculatórios ou outros efeitos que ocasionam a bradicardia.

Estimulação vagal como causa de bradicardia. Qualquer reflexocirculatório que estimule o nervo vago pode fazer a freqüência cardíacadiminuir consideravelmente. devido ao efeito inibitório que os sinaisnervosos parassimpáticos têm sobre a função cardíaca. Talvez o exemplomais notável disto ocorra em pacientes com a síndrome do seio carotídio.Nesses pacientes, um processo artenosclerótico na região do seiocarotídeo na artéria carótida causa sensibilidade excessiva dosreceptores da pressão (barorreceptores) localizados na parede arterial;como conseqüência, uma leve pressão no pescoço evoca forte reflexobarorreceptor, causando intensa estimulação vagal do coração ebradicardia extrema. De fato, por vezes este reflexo é tão potente queaté faz parar o coração.

ARRITMIA SINUSAL

A Fig. 13.3 apresenta um registro cardiotacométrico da freqüênciacardíaca durante a respiração normal e a respiração profunda. Ocardiotacômetro é um instrumento que registra, pela altura dospotenciais em ponta sucessivos, a duração do intervalo entre cada doiscomplexos QRS no eletrocardiograma. Note. por esse registro, que afreqüência cardíaca aumenta e diminui aproximadamente 5% durante asdiversas fases do ciclo respiratório em repouso. Entretanto, durante arespiração profunda, como é mostrado à direita da Fig. 13.3, afreqüência cardíaca, ainda que normalmente, aumenta e diminui poraté 30% a cada ciclo respiratória.

A arritmia sinusal pode ocorrer como conseqüência de, qualquerum dos muitos reflexos circulatórios ou outros efeitos nervosos queafetam a potência dos sinais nervosos simpáticos e parassimpáticospara o nodo sinusal. No tipo respiratório de arritmia sinusal mostradona Fig. 13.3, isto decorre principalmente do "derrame" de sinais docentro respiratório bulbar para o centro vasomotor durante os ciclosinspiratório e expiratório da respiração.

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Fig. 13.1 Taquicardia sinusal (derivação I). Fig. 13.3 Arritmia sinusal conforme detectada por cardiotacômetro. Àesquerda está o traçado obtido enquanto o indivíduo estava respirandonormalmente; à direita, enquanto ele respirava profundamente.

Os sinais de derrame causam aumentos e reduções alternados donúmero de impulsos transmitidos para o coração pelos nervos simpáticose pelo nervo vago.

RITMOS ANORMAIS CONSEQUENTES AO BLOQUEIODA CONDUÇÃO DE IMPULSOS

BLOQUEIO SINOATRIAL

Em raros casos, o impulso do nodo sinusal é bloqueado antes dechegar ao músculo atrial. Este fenômeno é mostrado na Fig. 13.4, quemostra a súbita cessação das ondas P, com conseqüente parada do átrio.Entretanto, o ventrículo adquire um novo ritmo, geralmente originadono nodo A-V, de modo que o complexo QRS-T ventricular não se altera.

BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR

O único meio pelo qual os impulsos podem passar normalmentedos átrios para os ventrículos é pelo feixe A-V, também conhecido comofeixe de His. As diferentes condições que podem diminuir a conduçãode impulsos por este feixe ou bloqueá-la totalmente são; O A isquemia das fibras do nodo A-V ou do feixe A-Vfreqüentemente retarda ou bloqueia a condução dos átrios para osventrículos.A insuficiência coronária pode causar a isquemia do nodo e do feixeA-V, da mesma maneira como pode causar a isquemia do miocárdio.

2. A compressão do feixe A-V por um tecido cicatricial ou porpartes calcificadas do coração pode deprimir ou bloquear a conduçãodos átrios para os ventrículos.

3. A inflamação do nodo A-V ou do feixe A-V pode diminuir acondutividade entre os átrios e os ventrículos. A inflamação ocorrefreqüentemente devido a diferentes tipos de miocardite, tais como osque ocorrem na difteria e na febre reumática.

4. A estimulação extrema do coração pelos nervos vagos bloqueiaem raros casos a condução dos impulsos através do nodo A-V. Essaexcitação vagal ocorre ocasionalmente como conseqüência da forteestimulação dos barorreceptores em pessoas portadoras da síndromedo seio carotídeo, que foi discutida anteriormente em relação abradicardia.

Bloqueio cardíaco incompleto. Prolongamento do intervalo P-R ( ouP-Q)— “bloqueio de primeiro grau”. O período de tempo que transcorrenormalmente entre o início da onda P e o início do complexo QRSé de aproximadamente 0,16 s quando o coração está batendo com suafreqüência normal. Esse intervalo P-R em geral diminui com batimentoscardíacos mais rápidos e aumenta com batimentos mais lentos. Em geral,quando o intervalo P-R aumenta acima do valor de cerca de 0.20 s emcoração batendo na freqüência normal, diz-se que ele está prolongadoe diz-se do paciente que ele tem um bloqueio cardíaco incompleto doprimeiro grau. A Fig. 13.5 mostra um eletrocardiograma comprolongamento do intervalo P-R, sendo esse intervalo, neste caso, deaproximadamente 0,30 s. Portanto, o bloqueio de primeiro grau édefinido como um retardo da condução dos átrios para os ventrículos,mas não como um bloqueio real da condução.

O intervalo P-R raramente aumenta acima de 0,35 a 0,45 s, pois.

quando a condução pelo nodo e feixe A-V diminui nessa escala, acondução cessa totalmente. Assim, quando o intervalo P-R de umpaciente está se aproximando desses limites, um pequeno aumentoadicional na gravidade da condição vai bloquear a condução deimpulsos em vez de simplesmente retardar mais a condução.

Um dos meios para a determinação da gravidade de algumascardiopatias —febre reumática aguda, por exemplo — é a medida dointervalo P-R.

Bloqueio de segundo grau. Quando a condução pela junção A-V é lentificada até o intervalo P-R estender-se por 0,25 a 0,45 s, ospotenciais de ação que passam pelo nodo A-V são por vezessuficientemente fortes para passar pelo nodo A-V e, em outrasocasiões, não o são. Muitas vezes, o impulso passa para osventrículos após a contração atrial e deixa de fazê-lo na primeira ousegunda contrações subseqüentes, alternando, pois, entre a condução e anão-condução. Neste caso, os átrios batem com freqüênciaconsideravelmente maior que a dos ventrículos e diz-se que há "falhados batimentos" ventriculares. Essa condição é denominada bloqueiocardíaco de segundo grau incompleto.

A Fig. 13.6 mostra intervalos P-R de 0,30 s, ilustrando tambémuma falha do batimento como conseqüência da ausência de conduçãodos átrios para os ventrículos.

Por vezes, a falha atinge os batimentos cardíacos alternados deforma constante, de modo que se estabelece um ritmo 2:1 no coração,batendo os átrios duas vezes para cada batimento dos ventrículos. Porvezes, também ocorrem outros ritmos, tais como 3:2 ou 3:1.

Bloqueio A-V completo (bloqueio de terceiro grau). Quando acondição que causa a condução deficiente no nodo ou feixe A-V se tornaextremamente grave, há um bloqueio do impulso dos átrios para osventrículos. Nesse caso, as ondas P se dissociam totalmente doscomplexos QRS-T, como é mostrado na Fig. 13.7. Note que afreqüência rítmica atrial nesse eletrocardiograma é deaproximadamente 100 batimentos por minuto, enquanto a freqüênciados batimentos ventriculares é de menos de 40 por minuto. Alémdisso, não há qualquer relação entre o ritmo dos átrios e o dosventrículos, pois os ventrículos “escaparam” ao controle dos átrios e estãobatendo com seu ritmo próprio e natural.

Síndrome de Stokes-Adams escape ventricular. Em algunspacientes com bloqueio A-V, o bloqueio total vai e volta — ou seja,são conduzidos impulsos dos átrios para os ventrículos por um dadoperíodo e, então, de súbito, não é transmitido absolutamente qualquerimpulso. A duração do bloqueio total pode ser de alguns segundos, algunsminutos ou algumas horas ou podem passar semanas ou até maistempo antes que a condução retorne. Essa condição ocorreparticularmente em corações com isquemia fronteiriça (borderline).

Imediatamente apôs o início do bloqueio da condução A-V, osventrículos param totalmente de se contrair por 5 a 30 s, devido aofenômeno denominado supressão por estimulação excessiva, o que querdizer que a excitabilidade dos ventrículos foi suprimida por terem sidoestimulados pelos átrios com freqüência maior que seu ritmo natural.Finalmente, alguma parte do sistema de Purkinje além do bloqueio —geralmente na parte distai do nodo A-V, além do ponto bloqueadoneste nodo ou no feixe A-V — começa a descarregar ritmicamentecom freqüência de 15 a 40 vezes por minuto e a agir comomarcapasso ventricular. Isto é denominado escape ventricular.

Fig. 13.2 Bradicardia sinusal (derivação III). Fig. 13.4 Bloqueio do nodo S-A com ritmo nodal A-V(derivação I I I ) .

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Fig. 13.5 Prolongamento do intervalo P-R(der ivação I I ) .

Fig. 13.7 Bloqueio atrioventricular completo (derivação II).

Como o cérebro não pode permanecer ativo por mais de 3 a 5s sem suprimento sanguíneo, os pacientes geralmente desmaiam poralguns segundos após ocorrer um bloqueio completo, porque o coração,nessas condições, não bombeia sangue algum por 5 a 30 s até osventrículos "escaparem". Após o escape, até mesmo ventrículos batendolentamente em geral bombeiam sangue suficiente para possibilitar arecuperação rápida do desmaio e, em seguida, para manter a pessoa.Esses episódios periódicos de desfalecimento são conhecidos comosíndrome de Stokes-Adams.

Ocasionalmente, o intervalo de parada ventricular ao início de umbloqueio completo é tão longo que se torna prejudicial à saúde do pacienteou causa a sua morte. Por conseguinte, muitos são agora providos deum marcapasso artificial, que é um pequeno estimulador elétrico abateria, implantado sob a pele, cujos eletródios são ligados geralmente aoventrículo direito. Esse marcapasso proporciona impulsos rítmicoscontínuos que assumem o controle dos ventrículos. As baterias sãosubstituídas mais ou menos uma vez a cada 5 anos.

BLOQUEIO INTRAVENTRICULAR INCOMPLETO -ALTERNÂNCIA ELÉTRICA

Muitos dos mesmos fatores que podem causar o bloqueio A-Vtambém podem bloquear a condução de impulsos nas partesperiféricas do sistema de Purkinje. Em certos casos, há bloqueioincompleto, de modo que algumas vezes os impulsos são transmitidos eoutras não, causando bloqueio dos impulsos durante alguns cicloscardíacos e não durante outros. O complexo QRS pode apresentar-seconsideravelmente anormal, durante os ciclos em que os impulsos sãobloqueados. A Fig. 13.8 mostra a condição conhecida como alternânciaelétrica, que decorre de bloqueio intraventricular parcial cm batimentosalternados. Esse eletrocardiograma também mostra uma taquicardia,que é provavelmente a razão pela qual ocorreu o bloqueio, pois, quandoa freqüência cardíaca é muito rápida, pode ser impossível a partes dosistema de Purkinje recuperar-se do período refratário de modosuficientemente rápido para responder a cada batimento cardíacosucessivo. Assim, também, muitas condições que deprimem o coração,tais como isquemia, miocardite e toxicidade digitálica, podem causarbloqueio intraventricular, com a conseqüente alternância elétrica.

CONTRAÇÕES PREMATURAS

A contração prematura é uma contração do coração antes domomento em que seria esperada a contração normal. Esta condiçãotambém é freqüentemente denominada extra-sístole, batimento prematuroou batimento ectópico.

Causas das contrações prematuras. Muitas contrações prematurasdecorrem de focos ectópicos no coração, que emitem impulsos anormaisem ocasiões irregulares durante o ritmo cardíaco. Entre as possíveiscausas de foco ectópico estão (1) áreas locais de isquemia; (2) pequenasplacas calcificadas em diferentes pontos do coração, que comprimemo músculo cardíaco adjacente de tal modo que algumas das fibras são

Fig. 13.6 Bloqueio atrioventricular incompleto de segundo grau(derivação V3).

irritadas; e (3) irritações tóxicas do nodo A-V. sistema de Purkinje oumiocárdio causadas por medicamentos, nicotina ou cafeína. Odesencadeamento mecânico das contrações prematuras também éfreqüente durante o cateterismo cardíaco, ocorrendo muitas vezesgrande número de contrações prematuras quando o cateter penetra noventrículo direito e comprime o endocárdio.

Em pessoas com cardiopatia isquêmica, o ritmo ectópico éocasionalmente considerado como sendo causado por um sinalreentrante, da maneira que se segue. O batimento cardíaco normalexcita uma área de tecido isquêmico pela qual o impulso cardíaco passacom extrema lentidão Em seguida, após terminar a contração domúsculo cardíaco normal, o sinal lento do tecido isquêmico escapanovamente para o músculo cardíaco normal, causando, deste modo, umasegunda contração numa etapa posterior do batimento cardíaco.

CONTRAÇÕES ATRIAIS PREMATURAS

A Fig. 13.9 é um eletrocardiograrna onde aparece uma só contraçãoatrial prematura. A onda P deste batimento ocorre demasiado cedono ciclo cardíaco, e o intervalo P-R está mais curto, indicando quea origem ectópica do batimento é próxima do nodo A-V. Além disso,o intervalo entre a contração prematura e a primeira contraçãosubseqüente está ligeiramente prolongado, o que é denominado pausacompensatória. A razão disso é que a contração prematura origina-seno átrio, a alguma distância do nodo sinusal, e o impulso teve de passarpor quantidade considerável do músculo atrial antes de se descarregarno nodo sinusal. Por conseguinte, o nodo sinusal descarregou-se muitotardiamente no ciclo prematuro, e isso faz com que o batimento cardíacosubseqüente também tenha aparecimento tardio.

As contrações atriais prematuras ocorrem freqüentemente empessoas sadias, sendo de fato encontradas muitas vezes em atletas ououtros indivíduos cujo coração certamente está em condições saudáveis.No entanto, leves condições tóxicas conseqüentes a fatores tais comofumar em excesso, ingestão de café em demasia, alcoolismo e o uso dediversos medicamentos também podem provocar essas contrações.

Déficit de pulso. Quando o coração se contrai antes da hora, osventrículos ainda não se encheram normalmente de sangue e o débitosistólico durante essa contração fica diminuído ou, por vezes, quaseausente. Por esta razão, a onda de pulso que vai até a periferia apósuma contração prematura pode ser tão fraca que o pulso não podeser sentido na artéria radial. Assim, há um déficit no número de pulsaçõessentidas no pulso radial relativamente ao número de contrações do coração.

Pulso bigeminado. Por vezes, cada batimento alternado do coraçãopode ser uma contração prematura. Isto faz o paciente ter um pulsobigeminado, ou seja, duas pulsações bem próximas, depois um intervalodiastólico mais longo, depois novamente duas pulsações, e assim por diante.

CONTRAÇÕES PREMATURAS DO NÓDO A-V OU DO FEIXEA-V

A Fig. 13.10 mostra uma contração prematura originando-se donodo A-V ou do feixe A-V. A onda P está ausente do registro da contra-

Fig. 13.8 Bloqueio intraventricular parcial alternância elétrica ( derivação III)

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Fig. 13.9 Contração atrial prematura (derivação I).

ção prematura. Em vez disso, ela está superposta ao complexo QRS-Tda contração prematura, porque o impulso cardíaco vai de volta atéos átrios, ao mesmo tempo que segue adiante até os ventrículos; essaonda P distorce o complexo, mas ela própria não pode ser distinguidacomo tal.

Em geral, as contrações prematuras do nodo A-V têm o mesmosignificado e as mesmas causas das contrações atriais prematuras.

CONTRAÇÕES PREMATURAS VENTRICULARES

O eletrocardiograma da Fig. 13.11 mostra uma série de contraçõesprematuras ventriculares (CPVs) alternando-se com contrações normais.A maioria das CPVs desse tipo decorre provavelmente de um sinalreentrante de área isquêmica do músculo ventricular, como foi descritoantes. Isso causa vários efeitos no eletrocardiograma, da seguintemaneira:

1. O complexo QRS está em geral consideravelmente alargado.A razão é que o impulso é conduzido em sua maior parte pelo músculode condução lenta do ventrículo, e não pelo sistema de Purkinje.

2. O complexo QRS tem voltagem muito alta, pela seguinte razão:ao atravessar o coração, o impulso normal passa por ambos os ventrículosquase simultaneamente; como conseqüência, os dois lados do coraçãose neutralizam parcialmente. Entretanto, quando ocorre a CPV, oimpulso segue apenas em uma direção, de modo que não há esseefeito de neutralização, e todo um lado do coração se despolarizaenquanto o outro ainda está inteiramente polarizado; isso ocasionaintensos potenciais elétricos.

3. Após quase todas as CPVs, a onda T tem potencial oposto aodo complexo QRS, porque a condução lenta do impulso faz com quea área que se despolarizou primeiro também se repolarize primeiro.Em conseqüência, a direção do fluxo de corrente no coração, durantea repolarização, é oposta àquela durante a despolarização, e o potencialda onda T é o inverso daquele do complexo QRS. Isso não ocorrecora a onda T normal, como explicado no Cap. 11.

Algumas CPVs têm origem relativamente benigna e decorrem defatores simples como cigarros, café, falta de sono, diversos estados tóxicosleves e, até mesmo, de irritabilidade emocional. Por outro lado, grandeproporção das CPVs decorre de impulsos errantes ou sinais reentrantesoriginados em torno das margens de áreas infartadas ou isquêmicas docoração. Assim sendo, a presença dessas CPVs não deve ser deixadade lado. As estatísticas mostram que as pessoas com número significativode CPVs, têm chance muito acima do normal de vir a apresentar fibrilaçãoventricular espontânea letal, presumivelmente iniciada por uma daspróprias CPVs. Isto é particularmente verdadeiro quando as CPVsocorrem durante o período vulnerável de ocorrência da fibrilação,imediatamente ao final da onda T, quando os ventrículos estão saindo doestado refratário, como é explicado mais adiante no capítulo.

Análise vetorial da origem da contração prematura ventricularectópica. No Cap. 12 foram explicados os princípios da análisevetorial. Aplicando-se esses princípios, pode-se determinar, peloeletrocardiograma aa Fig. 13.11, o ponto de origem das CPVs como sesegue. Note que os potenciais das contrações prematuras nasderivações II e III

Fig. 13.10 Contração nodal A-V prematura (derivação III).

Fig. 13.11 Contrações prematuras ventriculares (CPVs) ilustradas pelosgrandes complexos QRS-T anormais (derivações II e III). O eixo dascontrações prematuras é representado graficamente de acordo com osprincípios de análise vetorial explicados no Cap. 12.

são ambos fortemente positivos. Representando-se graficamente essespotenciais sobre os eixos das derivações II e III e resolvendo-se poranálise vetorial para o vetor médio do QRS no coração, verifica-se queesse vetor da contração prematura tem sua extremidade negativa(origem) na base do coração e sua extremidade positiva voltada parao ápice. Portanto, a primeira parte do coração a se despolarizardurante a contração prematura encontra-se próximo à base do coração,que é, pois, a localização do foco ectópico.

TAQUICARDIA PAROXÍSTICA

Anormalidades de qualquer parte do coração, incluindo os átrios,o sistema de Purkinje e os ventrículos, podem, ocasionalmente, causaruma descarga rítmica de impulsos que se difunde em todas as direçõespelo coração. Isto é supostamente causado com mais freqüência porvias reentrantes que estabelecem auto-reexcitação local repetida. Devidoao ritmo rápido do foco irritável, este foco torna-se o marcapasso docoração. O termo “paroxística” significa que a freqüência cardíacatorna-se em geral muito rápida em paroxismos, que se iniciamsubitamente c duram alguns segundos, alguns minutos, algumas horasou, por vezes, muito mais tempo. Os paroxismos terminam, então, emgeral tão subitamente quanto haviam se iniciado, e o marcapasso volta a sero nodo sinusal. A taquicardia paroxística pode cessar freqüentemente aoser evocado um reflexo vagal. Um tipo estranho de reflexo vagal porvezes evocado com esta finalidade é o que ocorre quando é aplicadapressão dolorosa sobre os olhos. Também a pressão sobre os seioscarotídeos pode ocasionalmente evocar um reflexo vagal suficiente parafazer cessar a taquicardia. Diversos medicamentos também podem serusados, entre os quais estão com freqüência a quinidina e a lidocaína, quedeprimem o aumento normal na permeabilidade da membrana domúsculo cardíaco ao sódio durante a geração do potencial de ação,bloqueando, assim, freqüentemente, a descarga rítmica da região focalque está causando o ataque paroxístico.

TAQUICARDIA PAROXÍSTICA ATRIAL

A Fig. 13.12 mostra, no meio do registro, um súbito aumento dafreqüência dos batimentos cardíacos, de aproximadamente 95 para cercade 150 batimentos por minuto. A observação cuidadosa doeletrocardiograma evidencia uma onda P invertida antes de cada um doscomplexos QRS-T durante o paroxismo de batimentos cardíacosrápidos, e essa onda P está parcialmente superposta ã onda T normaldo batimento anterior.

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Fig. 13.12 Taquicardia paroxística atrial — início na metade do traçado(derivação I).

Isso indica que a origem dessa taquicardia paroxística é no átrio, mas,como a onda P é anormal, a origem não é próxima do nodo sinusal.

Taquicardia paroxística nodal A-V. A taquicardia paroxísticadecorre muito freqüentemente de um ritmo aberrante que envolve onodo A-V. Uma das causas postuladas desse tipo de taquicardia é umsinal reentrante local que chega ao nodo A-V como se segue. Acredita-seque algumas das fibras do nodo A-V conduzem muito mais que outras.Então, após o impulso cardíaco ter chegado aos ventrículos, um sinalreentrante volta pelas fibras anteriormente não excitadas, iniciando,assim, um novo impulso do nodo A-V. Desse modo, há nova contraçãoventricular, seguida pela reentrada, mais uma vez. por meio dasfibras do nodo A-V de recuperação rápida e a continuação do ciclorepetitivo.Independentemente da causa, a taquicardia do nodo A-V geralmentecausa complexos QRS-T praticamente normais, mas ondas P ausentesou obscurecidas.

A taquicardia paroxística atrial ou a do A-V, ambas denominadastaquicardia supraventriculares, ocorrem geralmente em pessoas jovens esadias em todos os demais aspectos, e essas pessoas em geral perdem apredisposição à taquicardia após a adolescência. Em geral, a taquicardiasupraventricular assusta muito o indivíduo e pode causar fraquezadurante os paroxismos, mas só raramente provoca danos permanentespelos ataques.

TAQUICARDIA PAROXÍSTICA VENTRICULAR

A Fig. 13.13 mostra um paroxismo típico e curto de taquicardiaventricular. O eletrocardiograma da taquicardia paroxística ventriculartem a aparência de uma série de batimentos ventriculares prematuros,ocorrendo um após o outro sem qualquer batimento normal entre eles.

A taquicardia paroxística ventricular é geralmente uma condiçãograve, por duas razões. Em primeiro lugar, esse tipo de taquicardianão costuma ocorrer, a não ser que consideráveis lesões isquêmicasestejam presentes nos ventrículos. Segundo, a taquicardia ventricularinicia muito freqüentemente a fibrilação ventricular, devido àestimulação rápida e repetida do músculo ventricular, como discutimos naseção seguinte.

acontece, muitas pequenas partes do músculo ventricular se contraemao mesmo tempo, enquanto número igual de outras partes se relaxa.Assim, nunca ocorre contração coordenada de todo o músculo cardíacode uma só vez, o que é necessário para o ciclo de bombeamento docoração. Por esta razão, apesar do fluxo maciço de sinais estimulatóriospor todos os ventrículos, a câmara ventricular não se dilata nem secontrai, permanecendo cm estágio intermediário de contração parcial,não bombeando absolutamente qualquer sangue, nem em quantidadedesprezível. Assim sendo, após iniciada a fibrilação, a perda deconsciência ocorre dentro de 4 a 5 segundos por ausência de fluxosanguíneo para o cérebro, ocorrendo a morte irreversível dostecidos em todo o corpo dentro de alguns minutos.

Múltiplos fatores podem desencadear fibrilação ventricular - comum batimento cardíaco normal em um segundo e, um segundo após,os ventrículos em fibrilação. São particularmente capazes de desencadeara fibrilação (1) choque elétrico súbito ao coração ou (2) isquemia domúsculo cardíaco, seu sistema especializado de condução, ou ambos.Em qualquer desses casos, pode ser estabelecido um padrão instantâneode sinais de reentrada, de modo que os impulsos contrateis circulamrepetidamente pelo músculo cardíaco. Esse fenômeno também éfreqüentemente denominado movimento circular.

O FENÔMENO DE “REENTRADA” - MOVIMENTOSCIRCULARES COMO BASE DA FIBRILAÇÃOVENTRICULAR

Após ter passado por toda a extensão dos ventrículos, o impulsocardíaco normal não tem, então, qualquer outro lugar para ir, porquetodo o músculo ventricular está, nesse momento, refratário e não podeconduzir os impulsos para adiante. Portanto, esse impulso se desvanecee o coração aguarda novo sinal de início do nodo sinusal.

Entretanto, em algumas circunstâncias essa seqüência normal deeventos não ocorre. Vamos, pois, explicar de modo mais completo ascondições básicas que podem desencadear a reentrada e levar aosmovimentos circulares da fibrilação ventricular.

A Fig. 13.14 mostra várias pequenas liras de músculo cardíacocortadas em forma de círculos. Quando uma dessas tiras é estimuladana posição das 12 horas, de modo que o impulso segue apenas umadireção. o impulso difunde-se progressivamente em torno do círculoaté voltar para a posição das 12 horas. Quando as fibras muscularesoriginalmente estimuladas ainda estão no estado refratário, o impulsocessa, pois o músculo refratário não pode transmitir um segundoimpulso. Contudo, há três condições diferentes que podem fazer esseimpulso continuar seu percurso em torno do círculo, ou seja, causar a"reentrada" do impulso no músculo que já havia sido excitado.

Em primeiro lugar, quando a via em torno do círculo é longa, atéo impulso retornar ã posição de 12 horas, o músculo originalmenteestimulado não vai mais estar refratário, e o impulso vai continuar emtorno do círculo mais e mais vezes.

Segundo, quando a extensão da via permanece constante mas avelocidade de condução diminui o suficiente, vai transcorrer maiorintervalo antes que o impulso retorne á posição de 12 horas.

FIBRILAÇÃO VENTRICULAR

A mais grave de todas as arritmias cardíacas é a fibrilação ventricular.quase que invariavelmente fatal quando não tratada de pronto.

A fibrilação ventricular é conseqüente a impulsos cardíacos, queficaram descontrolados no interior da massa ventricular, estimulando,primeiro, uma parte do músculo ventricular, depois outra parte, depoisoutra e, finalmente, outra, e voltando por elas para reexcitar o mesmomúsculo ventricular mais e mais vezes, sem cessar jamais. Quando isso

Fig. 13.13 Taquicardia ventricular paroxística (derivação III).Fig. 13.14 O movimento circular, mostrando a anulação dos impulsosna via curta e a propagação contínua dos impulsos na via longa.

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A esta altura, o músculo originalmente estimulado pode ter saído doestado refratário e o impulso pode continuar em torno do círculonovamente.

Terceiro, o período refratário do músculo pode ficar muito encurtado.Nesse caso, o impulso também poderia continuar a fazer a volta nocírculo.

Todas essas três condições ocorrem em diferentes estadospatológicos do coração humano, da seguinte forma: (1) uma via longaocorre freqüentemente, em corações dilatados; (2) a redução davelocidade de condução ocorre freqüentemente em conseqüência dobloqueio do sistema de Purkinje, isquemia do músculo, potássiosanguíneo elevado e muitos outros fatores; (3) período refratário maiscurto ocorre freqüentemente em resposta a vários medicamentos,como a epinefrina, ou após estimulação elétrica repetida. Assim, emmuitos distúrbios cardíacos, a reentrada pode causar padrões anormaisde contração cardíaca ou ritmos cardíacos anormais que ignoramcompletamente os efeitos de marcapasso do nodo sinusal.

O mecanismo de “reação em cadeia” da fibrilação

Na fibrilação ventricular são vistas muitas ondas contrateis,pequenas e distintas, difundindo-se ao mesmo tempo em direçõesdiferentes pelo músculo cardíaco. É evidente, então, que os impulsosreentrantes na fibrilação não são simplesmente um só impulso movendo-se em círculo, como é mostrado na Fig. 13.14. Em vez disso, elesdegeneraram a uma série de múltiplas frentes de onda que têm aaparência de uma "reação em cadeia". Uma das melhores maneiras deexplicar esse processo na fibrilação é descrever o desencadeamento dafibrilação por um choque elétrico ocasionado por corrente elétricaalternada de 60 ciclos.

Fibrilação causada por corrente alternada de 60 ciclos. Numponto central dos ventrículos do coração A na Fig. 13.15, umestímulo de 60 ciclos c aplicado por meio de um eletródio estimulador.O primeiro ciclo do estímulo elétrico faz com que uma onda dedespolarização se difunda em todas as direções, deixando todo omúsculo por sob o eletródio no estado refratário. Após cerca de 0,25s, este músculo começa a sair do estado refratário. Entretanto, algumaspartes do músculo saem desse estado antes das outras. Esse estado decoisas é mostrado no coração A por muitas manchas claras, querepresentam o músculo cardíaco excitável, e manchas escuras, querepresentam o músculo ainda refratário. Novos estímulos pelo eletródiopodem agora fazer com que os impulsos sigam em algumas direçõespelo coração, mas não em todas elas. Assim, no coração A, algunsimpulsos percorrem uma curta distância até chegarem a uma árearefratária e serem bloqueados. Outros impulsos, porém, passam porentre as áreas refratárias e continuam seu trajeto por áreas excitáveisdo músculo. Vários eventos transcorrem, então, em rápida sucessão,todos eles ocorrendo simultaneamente e acabando por levar ao estado defibrilação. São eles os seguintes:

Em primeiro lugar, o bloqueio dos impulsos numa direção, coma transmissão efetiva em outras direções, cria uma das condiçõesnecessárias ao desenvolvimento de um sinal reentrante - ou seja, atransmissão

Fig. 13.15 A.Desencadeamento de fibrilação num coração quandoestão presentes áreas esparsas de musculatura refratária. B, Propagaçãocontínua de impulsos fibrilatórios no ventrículo em fibrilação.

de algumas das ondas de despolarização em torno do coração em apenasuma direção. Como conseqüência, essas ondas não se encontram comoutras ondas seguindo na direção oposta, e, portanto, não se anulamno lado oposto do coração, podendo continuar cm torno dos ventrículos.

Segundo, a estimulação rápida do coração produz duas alteraçõesno músculo cardíaco propriamente dito, ambas as quais predispõem aomovimento circular: (1) a velocidade de condução pelo coração diminui,o que possibilita um tempo maior para os impulsos fazerem o percursoem torno do coração. (2) O período refratário do músculo é reduzido,permitindo a reentrada do impulso no músculo cardíaco antes excitadonum intervalo muito mais curto que o normal.

Terceiro, uma das características mais importantes da fibrilação éa divisão de impulsos, como é mostrado no coração A. Ao chegar auma área refratária no coração, as ondas de despolarização passam emtorno da área nas duas direções. Assim, um só impulso transforma-seem dois. Quando cada um deles chega à outra área refratária, tambémse divide para formar dois outros impulsos. Desse modo, muitas novase diferentes ondas estão sendo continuamente formadas no coração poruma reação em cadeia progressiva, até que, por fim, existem muitaspequenas ondas de despolarização seguindo em muitas direçõesdiferentes ao mesmo tempo. Além disso, esse padrão irregular dotrajeto dos impulsos gera uma via circular para o percurso dessesimpulsos, aumentando de muito a extensão da via condutiva, que é uma dascondições que mantêm a fibrilação. Isso também ocasiona um padrãoirregular contínuo de áreas refratárias esparsas no coração. Pode-se verprontamente que foi iniciado um círculo vicioso. Mais e mais impulsossão formados, esses ocasionam mais e mais regiões esparsas do músculorefratário e as áreas refratárias esparsas causam a divisão adicional dosimpulsos. Portanto, cada vez que uma área individual do músculo cardíacosai do estado refratário, há sempre um impulso por perto para reentrarnela.

O coração B na Fig. 13.15 mostra o estado final na fibrilação. Podemser vistos aí muitos impulsos seguindo em todas as direções, algunsdividindo-se e aumentando o número dos impulsos, enquanto outrossão totalmente bloqueados pelas áreas refratárias.

Período vulnerável para o surgimento da fibrilaçãoventricular. O período do ciclo cardíaco durante o qual é provável quehaja áreas simultâneas do músculo cardíaco em estado refratário e emestado não-refratário é exatamente quando o coração se recupera dociclo cardíaco anterior — ou seja, justamente ao final da contraçãocardíaca. Esse momento do ciclo é, portanto, considerado como sendo operíodo vulnerável dos ventrículos no que concerne a fibrilação. De fato,um só choque elétrico durante esse período vulnerável pode levarfreqüentemente ao bizarro padrão de impulsos difundindo-seunidirecionalmente em torno das áreas refratárias do músculo,desencadeando, pois, a fibrilação.

O eletrocardiograma na fibrilação ventricular

Na fibrilação ventricular o eletrocardiograma é extremamentebizarro, como se vê na Fig. 13.16, e, normalmente, não apresentatendência a qualquer tipo de ritmo regular. Nas fases iniciais dafibrilação ventricular, massas musculares relativamente grandescontraem-se ao mesmo tempo, e isso causa ondas fortes, porémirregulares, no eletrocardiograma. Contudo, após apenas algunssegundos, as grandes contrações dos ventrículos desaparecem e oeletrocardiograma passa a um padrão de ondas muito irregulares debaixa voltagem. Assim, não há um padrão eletrocardiográfico repetidoque possa ser atribuído a fibrilação ventricular, exceto que os potenciaiselétricos se alteram constante e espasmodicamente porque as correntes nocoração fluem primeiro em uma direção e depois em outra, raramenterepetindo qualquer ciclo específico.

A voltagem das ondas no eletrocardiograma, na fibrilaçãoventricular, é geralmente de cerca de 0,5 mV ao início dacondição, mas

Fig. 13.16 Fibrilação ventricular (derivação II).

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diminui rapidamente, de tal forma que após 20 a 30 s ela é de apenas0,2 a 0,3 mV. Pequenas voltagens de 0,1 mV ou menos podem serregistradas por 10 minutos ou mais após o início da fibrilação ventricular.Como já foi dito. a fibrilação ventricular é letal se não for interrompidapor alguma terapia heróica, como eletrochoque imediato no coração,como é explicado na seção que se segue.

Desfibrilação dos ventrículos por eletrochoque

Embora a corrente alternada fraca, quase que invariavelmente, façaos ventrículos entrarem em fibrilação, a corrente elétrica muito fortepassando pelos ventrículos por curto período pode interromper afibrilação, fazendo com que todo o músculo ventricular passe ao estadorefratário a um só tempo. Isso é feito pela aplicação de correnteintensa por eletródios colocados dos dois lados do coração. A correntepenetra em muitas das fibras dos ventrículos, estimulando, portanto, aomesmo tempo praticamente todas as partes dos ventrículos e tornando-asrefratárias. Todos os impulsos cessam e o coração permanece, então, emrepouso por 3 a 5 s, após o que ele começa a bater novamente, emgeral com o nodo sinusal ou alguma outra parte do coração passando aser o marca-passo. Ocasionalmente, porém, o mesmo foco reentranteque originou a fibrilação dos ventrículos ainda está presente e afibrilação imediatamente começa de novo.

Ao serem aplicados os eletródios diretamente nos dois lados docoração, a fibrilação pode ser em geral interrompida com 110 V decorrente alternada de 60 ciclos aplicados por 0,1 s ou 1.000 V de correntedireta aplicados por alguns milésimos de segundo. Quando aplicadoatravés da parede torácica, como é mostrado na Fig. 13.17, oprocedimento habitual é o de carregar-se um grande capacitor elétricocom até vários milhares de volts e depois fazer-se esse capacitordescarregar em alguns milésimos de segundo através dos eletródios e docoração. Em nosso laboratório, o coração de um cão anestesiado foidesfibrilado 130 vezes através da parede torácica, e o animal permaneceuem condições perfeitamente normais.

Bombeamento manual do coração (ressuscitarãocardiopulmonar) como método auxiliar para adesfibrilação

A não ser quando desfibrilado dentro de 1 minuto do início dafibrilação, o coração fica em geral demasiado fraco para ser revividoapenas por desfibrilação, devido à falta de nutrição pelo fluxo sanguíneocoronário. No entanto, ainda é possível reviver-se o coração porbombeamento manual preliminar e posterior a desfibrilação. Dessemodo, há aporte de pequena quantidade de sangue à aorta c renovação dosuprimento sanguíneo coronário. Apôs. alguns minutos, então, é possívelfreqüentemente a desfibrilação elétrica. De fato, corações em fibrilação jáforam bombeados manualmente por até 90 minutos antes da desfibrilação.

A técnica de bombear o coração sem abrir o tórax consiste empressões intermitentes muito fortes sobre a parede torácica, juntamentecom a respiração artificial. Isso é denominado ressuscitarãocardiopulmonar, ou simplesmente RCP.

A falta de fluxo sanguíneo para o cérebro por mais de 5 a 10 minutoscausa em geral distúrbios mentais permanentes ou até mesmo a destruiçãototal do cérebro. Ainda que o coração seja revivido, a pessoa podemorrer pelos efeitos das lesões cerebrais ou viver com distúrbios mentaispermanentes.

FIBRILAÇÃO ATRIAL

Lembre-se que, exceto pela conexão pelo feixe A-V, a massamuscular atrial é totalmente separada da dos ventrículos, isolados um daoutra por tecido fibroso. Assim sendo, a fibrilação ventricular ocorreamiúde de forma totalmente independente da fibrilação atrial. Também,a fibrilação ocorre com freqüência nos átrios independentemente dafibrilação ventricular, sendo denominada fibrilação atrial; isto émostrado à direita na Fig. 13.18.

O mecanismo da fibrilação atrial é idêntico ao da fibrilaçãoventricular, exceto que o processo ocorre na massa muscular atrial, enão na ventricular. Uma causa muito freqüente de fibrilação atrial é adilatação atrial conseqüente de lesões das valvas cardíacas, que impedeos átrios de se esvaziarem adequadamente nos ventrículos, ou ainsuficiência ventricular, com acúmulo excessivo de sangue nos átrios.As paredes atriais dilatadas proporcionam as condições ideais de viacondutiva longa e também uma condução lenta, ambas predisponentes afibrilação atrial.

Características do bombeamento atrial durante a fibrilaçãoatrial. Pelas mesmas razões pelas quais os ventrículos não bombeiamsangue durante a fibrilação ventricular, os átrios também não bombeiamsangue na fibrilação atrial. Como conseqüência, eles se tornam inúteiscomo bombas preparatórias dos ventrículos. Ainda assim, o sangue fluipassivamente pelos átrios é para dentro dos ventrículos, e a eficácia dobombeamento ventricular diminui por apenas 20 a 30%. Por esta razão,em contraste com o caráter letal da fibrilação ventricular, uma pessoapode viver meses ou mesmo anos com fibrilação atrial, embora comreduzida eficiência do bombeamento cardíaco global.O eletrocardiograma na fibrilação atrial. A Fig. 13.19 mostra oeletrocardiograma durante a fibrilação atrial. Inúmeras pequenas ondase despolarização difundem-se em todas as direções pelos átrios durantefibrilação atrial. Como as ondas são fracas e por serem muitas delas,qualquer momento, de polaridade oposta, elas em geral neutralizam-seumas às outras quase totalmente. Por esta razão, não se pode ver noeletrocardiograma as ondas P dos átrios, nem registro nítido deondas de alta freqüência e voltagem muito baixa. Por outro lado, oscomplexos QRS-T são inteiramente normais, a não ser que haja algumapatologia ventricular, mas sua ocorrência é muito irregular pelas razõesque se seguem.

Irregularidade do ritmo ventricular durante a fibrilação atrial.Quando os átrios estão fibrilando, os impulsos chegam ao nodo A-Vrapidamente mas também irregularmente. Como o nodo A -V não deixapassar um segundo impulso por cerca de 0,35 s após o impulso anterior,pelo menos 0,35 s têm de transcorrer entre uma e outra contraçãoventricular, havendo um intervalo adicional porém variável de 0 a 0,6 santes que um dos impulsos fibrilantes irregulares chegue ao nodo A-V. Assim, o intervalo entre as contrações ventriculares sucessivas variado mínimo de 0.35 s ao máximo de cerca de 0,95 s, ocasionandobatimentos cardíacos muito irregulares. De fato, esta irregularidade,ilustrada pelo espaçamento muito variável dos batimentos cardíacosno eletrocardiograma da Fig. 13.18, é um dos achados clínicosutilizados para o diagnóstico

Fig. 13.17 Aplicação de corrente elétrica ao tórax para fazer cessar afibrilação ventricular.

Fig. 13.18 Trajeto dos impulsos no flutter atrial e na fibrilação atrial.

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Fig. 13.19 Fibrilação atrial ( derivação I)

da condição. Assim também, devido à rápida freqüência dos impulsosfibrilatórios nos átrios, o ventrículo é em geral estimulado a manterfreqüência cardíaca rápida, geralmente entre 125 e 150 batimentospor minuto.

Tratamento da fibrilação atrial por eletro choque. Da mesma maneiraque a fibrilação ventricular pode ser reconvertida ao ritmo normal porum choque elétrico, assim também a fibrilação atrial pode serconvertida. O procedimento é basicamente o mesmo da conversãoventricular, ou seja, a passagem de único e intenso choque elétricopelos átrios que faz todo o coração passar ao estado refratário poralguns segundos; em geral vai sobrevir, então, ritmo normal, se ocoração for capaz disso.

FLUTTER ATRIAL

O flutter atrial é outra condição causada por movimentos circularesnos átrios. Ele difere, porém, da fibrilação atrial porque o sinalelétrico segue como uma só e grande onda, sempre na mesma direçãoem torno da massa muscular atrial. Como é mostrado à esquerda naFig. 13.18, essa onda vai geralmente de cima para baixo em torno daabertura das veias cava superior e inferior.

O flutter atrial causa contração muito rápida dos átrios, geralmenteentre 250 e 300 batimentos por minuto. Contudo, como um lado dosátrios se contrai enquanto o outro se relaxa, a quantidade de sanguebombeada pelos átrios é muito pequena. Além disso, os sinaischegam ao nodo A-V de forma demasiado rápida para que todospassem aos ventrículos, pois o período refratário do nodo A-V e dofeixe A-V é muito longo para deixar passar mais que uma fração dossinais atriais. Por esta razão, há em geral dois a três batimentos atriaispara cada batimento ventricular.

A Fig. 13.20 mostra o eletrocardiograma típico do flutter atrial. Asondas P são fortes por causa da contração de massas muscularessemicoordenadas. Entretanto, veja no traçado que um complexoQRS-T segue-se a uma onda P atrial uma vez a cada dois a trêsbatimentos atriais, dando ritmo 2:1 e 3:1.

PARADA CARDÍACA

A última anormalidade grave do sistema cardíaco de ritmicidadecondução é a parada cardíaca. Ela decorre da cessação de todos osimpulsos rítmicos para o coração. Ou seja, não resta absolutamentenenhum ritmo espontâneo.

A parada cardíaca tende particularmente a ocorrer durante a anestesiaprofunda, quando os pacientes apresentam com freqüência hipóxiagrave, devido à respiração inadequada. A hipóxia impede as fibrasmusculares e as fibras condutoras de manter diferenciais normais deconcentração de eletrólitos através de sua membrana e suaexcitabilidade pode ser tão afetada que a ritmicidade automáticadesaparece.

Fig. 13.20 Fluter atrial – ritmos 2:1 e 3:1 ( derivação I)

Após parada cardíaca temporária, a ressuscitarão cardiopulmonargeralmente é bastante eficaz no restabelecimento do ritmo cardíaconormal. Em alguns pacientes, porém, uma miocardiopatia grave levaa parada cardíaca permanente ou semipermanente, que pode,obviamente, causar a morte imediata do indivíduo. Em muitos casos,todavia, impulsos elétricos rítmicos de marcapasso cardíacoeletrônico implantado têm sido eficazmente utilizados para mantervivos os pacientes por muitos anos.

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