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1 ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE OS CRITÉRIOS DE ESCOLHA DO RECEPTOR NOS TRANSPLANTES DE FÍGADO NO BRASIL 1 Jamile Laís Schmidt RESUMO Os transplantes de fígado tornaram-se freqüentes, despertando diversos questionamentos bioéticos. O objetivo deste trabalho é analisar, com base em decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a tendência do reconhecimento judicial da gravidade do estado de saúde dos candidatos a receptor de fígado como fator determinante de sua posição na lista única, bem como seu reflexo na publicação da Portaria 1.160/06 do Ministério da Saúde, que adotou o índice MELD/PELD, o qual é um valor numérico com variação entre 6 e 40, que representa o índice de gravidade conforme a ordem crescente da escala. Partindo-se de uma introdução histórica, na qual se inclui a base conceitual da pesquisa, chega-se aos questionamentos acerca da insuficiência do critério cronológico, devido à alta mortalidade na lista de espera por transplante de fígado, o que estimulou a discussão e a adoção de critérios de gravidade para alocação de órgãos. Foram expostos e analisados estudos científicos e as posições ideológicas de setores da sociedade envolvidos, assim como dados fornecidos pelos órgãos oficiais responsáveis. Demonstrou-se que a mudança de critério no âmbito normativo não está isenta de críticas. Concluiu-se, porém, que a adoção da gravosidade é positiva, por reconhecer a insuficiência do critério anterior e a necessidade da busca por uma solução alternativa. Palavras-chave: Bioética. Transplante de fígado. Índice MELD/PELD. Portaria 1.160/06 do Ministério da Saúde. Critério cronológico. 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado, com grau máximo pela banca examinadora composta pela orientadora Profª. Me. Lívia Haygert Pithan, Profª. Maria Alice Costa Hofmeinster, e Profª. Me. Helenara Braga Avancini, em 26 de junho de 2007.

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ASPECTOS JURÍDICOS SOBRE OS CRITÉRIOS DE ESCOLHA DO RECEPTOR

NOS TRANSPLANTES DE FÍGADO NO BRASIL1

Jamile Laís Schmidt

RESUMO

Os transplantes de fígado tornaram-se freqüentes, despertando diversos

questionamentos bioéticos. O objetivo deste trabalho é analisar, com base em decisões do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a tendência do reconhecimento judicial da

gravidade do estado de saúde dos candidatos a receptor de fígado como fator determinante de

sua posição na lista única, bem como seu reflexo na publicação da Portaria 1.160/06 do

Ministério da Saúde, que adotou o índice MELD/PELD, o qual é um valor numérico com

variação entre 6 e 40, que representa o índice de gravidade conforme a ordem crescente da

escala. Partindo-se de uma introdução histórica, na qual se inclui a base conceitual da

pesquisa, chega-se aos questionamentos acerca da insuficiência do critério cronológico,

devido à alta mortalidade na lista de espera por transplante de fígado, o que estimulou a

discussão e a adoção de critérios de gravidade para alocação de órgãos. Foram expostos e

analisados estudos científicos e as posições ideológicas de setores da sociedade envolvidos,

assim como dados fornecidos pelos órgãos oficiais responsáveis. Demonstrou-se que a

mudança de critério no âmbito normativo não está isenta de críticas. Concluiu-se, porém, que

a adoção da gravosidade é positiva, por reconhecer a insuficiência do critério anterior e a

necessidade da busca por uma solução alternativa.

Palavras-chave: Bioética. Transplante de fígado. Índice MELD/PELD. Portaria 1.160/06 do

Ministério da Saúde. Critério cronológico.

1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado, com grau máximo pela banca examinadora composta pela orientadora Profª. Me. Lívia Haygert Pithan, Profª. Maria Alice Costa Hofmeinster, e Profª. Me. Helenara Braga Avancini, em 26 de junho de 2007.

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INTRODUÇÃO

A precária situação do sistema de transplantes no Brasil é responsável pelas elevadas

estatísticas de pacientes que morrem na lista de espera por um órgão. A burocracia, a

necessidade do consentimento do doador e da sua família, o diagnóstico de morte encefálica,

juntamente com a necessária rapidez com que se deve processar a retirada do órgão e o

conseqüente transplante são alguns dos fatores que contribuem para a disparidade entre o

número de órgãos disponíveis e o elevado número de pessoas na fila de espera.

Tal lista respeitava a ordem cronológica de inscrição do paciente, independentemente

do fato de seu estado de saúde ser melhor ou pior do que aquele que o antecede ou sucede.

Porém, as estatísticas de mortalidade na lista de espera questionam a eficácia do critério

cronológico, e levam pacientes em estágio terminal a procurar o Poder Judiciário para que,

através de uma ordem judicial, possam passar à frente das demais pessoas na lista, em razão

do iminente risco de morte2.

O presente trabalho, no momento inicial, investiga os aspectos jurídicos dos critérios

de escolha do receptor nos transplantes de fígado no Brasil. O segundo capítulo analisa

algumas das decisões judiciais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que concederam e

negaram tais transplantes, e seus argumentos, visto que não foram fundamentadas em

disposições legais, as quais vieram a surgir posteriormente. Entretanto, tais decisões podem

ser consideradas injustas para quem já estava na fila e seria o próximo a receber tal órgão e

que, devido à decisão judicial, estará fadado a prolongar sua angústia.

Tais decisões nos remetem a questionamentos acerca de quais pacientes devem

receber os órgãos disponibilizados: seriam os casos de iminente risco de morte, do paciente

que está há mais tempo na lista de espera ou o que possui mais chances de sucesso? Como

também: são os fundamentos utilizados nas decisões judiciais justos e suficientes para

autorizar a “burla” à lista de espera? A gravidade3 do estado de saúde do paciente deve

2 Optei pelo termo “risco de morte”, pois conforme Pasquale Cipro Neto, professor de português desde 1975, consultor de língua portuguesa, colunista dos jornais Folha de S. Paulo, O Globo, Diário do Grande ABC, observa que a expressão em linguagem escrita formal culta é “risco de morte”. Afirma que a expressão “risco de vida” seria derivada de “risco de perder a vida”, fenômeno vivo na língua portuguesa, no qual ocorre uma elipse, omitindo-se o termo. Ver: FOLHA ONLINE. São Paulo: Folha da Manhã. Diário. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2202200116.htm>. Acesso em: 13 maio 2007. 3 Utilizo indistintamente as expressões “gravidade” e “gravosidade” com o mesmo significado.

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integrar o rol de exceções à ordem cronológica, ou mesmo passar a ser o critério principal de

alocação?

Por fim, no terceiro capítulo apresentam-se estudos e opiniões sobre os diferentes

critérios de organização da lista. Também se analisa criticamente a Portaria 1.160/06, do

Ministério da Saúde, a qual implementou o critério da gravidade, baseada nos índices

MELD/PELD (Model For End-Stage Liver Disease e Pediatric End-Stage Liver Disease),

bem como se abordam a situação dos pacientes anteriormente inscritos na lista única frente ao

novo critério.

1 ASPECTOS GERAIS SOBRE TRANSPLANTE DE FÍGADO

O primeiro transplante de fígado no Brasil foi realizado em 5 de agosto de 1968 pela

equipe do Prof. Dr. Marcel C. C. Machado, no Hospital das Clinicas da Faculdade de

Medicina da Universidade de São Paulo. O paciente, que retomou a consciência após a

cirurgia, faleceu sete dias depois, entre outras razões pela rejeição de enxerto. O relatório

deste caso é importante para entender a evolução do transplante de fígado no Brasil onde este

procedimento é realizado habitualmente em muitos centros médicos. O primeiro transplante

hepático com sucesso foi realizado em São Paulo, pelo Prof. Dr. Silvano Raia, em 1985. A

partir da década de 1990, houve substancial aumento no número de Centros com capacidade

para realizar o procedimento4.

As definições de transplante, implante e enxerto se confundem, segundo Sgreccia, "é

chamada transplante ou enxerto a operação cirúrgica com a qual se insere no organismo

hospedeiro um órgão ou um tecido retirado de um doador. Fala-se mais propriamente em

implante ou inclusão quando se trata de tecidos mortos ou conservados". Segue o autor,

referindo que "por efeito do transplante, realizam-se entre os tecidos enxertados e o

organismo hospedeiro os fenômenos vitais que recebem o nome de sobrevivência, adaptação,

desenvolvimento” 5.

4 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TRANSPLANTADOS DE FÍGADO E PORTADORES DE DOENÇAS HEPÁTICAS. Transplantes: histórico. Disponível em: <http://www.transpatica.org.br/frame5.htm>. Acesso em: 28 de março de 2007. 5 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética: Fundamentos e Ética Médica. Vol. 1. Tradução: Orlando Soares Moreira. São Paulo: Loyola, 1996, p. 567.

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Maria Helena Diniz observa que a Lei n.º 9.434/97, a qual dispõe sobre a remoção de

órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, não diferencia

transplante de enxerto6:

Art. 2º A realização de transplante ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde.

Os órgãos, tecidos e partes do corpo a serem doados deverão ser saudáveis e preencher

requisitos clínicos específicos previstos na Portaria n.º 3.407/98 do Ministério da Saúde, que

Aprova o Regulamento Técnico sobre as atividades de transplantes e dispõe sobre a

Coordenação Nacional de Transplantes. Tais critérios de exclusão de órgãos para doação são

necessários para o sucesso do transplante e da qualidade de vida do receptor, entretanto,

restringem a quantidade de órgãos aptos a serem doados. Dessa forma, há maior número de

pessoas que necessitam de um transplante do que órgãos disponíveis.

Para os órgãos que são indispensáveis à manutenção da vida, o transplante é a última

alternativa para evitar a morte. Dentre todos os órgãos vitais, o fígado é o maior órgão interno

em todos os vertebrados, compõe o sistema endócrino e é o único órgão do corpo capaz de se

regenerar rapidamente, sendo possível perder 75% deste tecido (por doença ou intervenção

cirúrgica), sem que ele pare de funcionar7.

É possível dividir um fígado de doador cadáver e transplantá-lo em duas pessoas

distintas. Em geral, o lóbulo direito (maior) é transplantado num paciente adulto e o lóbulo

esquerdo (menor) é utilizado em uma criança. Conforme o tamanho do doador até dois

adultos podem ser beneficiados pelo mesmo órgão. Nos transplantes intervivos, há pequeno

risco de complicações para o doador, sendo que a sua recuperação total ocorre em poucas

semanas. Estima-se que as doações intervivos já representam 10% do total de transplantes no

Brasil8.

O transplante de fígado é o procedimento mais complexo da cirurgia moderna. Seu

sucesso depende de uma completa infra-estrutura hospitalar e de uma equipe multiprofissional 6 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aument. atual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 269-

270. 7 FÍGADO. In: Enciclopédia Microsoft Encarta, c1999, CD-ROM. 8 MARINHO, Alexandre; CARDOSO, Simone de Souza. Avaliação da eficiência técnica e da eficiência de escala do sistema nacional de transplantes. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1260.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2007.

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altamente treinada no procedimento e no acompanhamento de pacientes gravemente

debilitados e já imunodeprimidos pela doença causa do transplante. Com freqüência, o

transplante de fígado produz rejeição, que, para ser evitada, exige o correto uso de

mecanismos de imunossupressão. Esta é obrigatória em todos os casos, mesmo naqueles

pacientes que já estão com a imunidade gravemente comprometida pela doença hepática9.

1.1 LEGISLAÇÃO VIGENTE

Houve grande evolução das técnicas, resultados, variedade de órgãos transplantados e

número de procedimentos realizados do início dos transplantes aos dias atuais. Porém, apenas

havia regulamentações regionais, desenvolvidas informalmente quanto à inscrição de

receptores, ordem de transplante, retirada de órgãos e critérios de destinação e distribuição

dos órgãos captados. A Lei nº. 5.479, de 10 de agosto de 1968, posteriormente revogada pela

Lei nº. 8.489 de 18 de novembro de 1992, dispunha sobre a retirada e transplante de tecidos,

órgãos e partes de cadáver para finalidade terapêutica e científica, mas não havia, neste

período, uma legislação apropriada que regulamentasse a realização de transplante.

O entendimento de que os órgãos captados eram “bens públicos” levou à necessidade

lógica de regulamentar a atividade, criar uma coordenação nacional para um sistema de

transplantes e definir critérios claros, tecnicamente corretos, socialmente aceitáveis e justos,

de destinação dos órgãos.

Em 1997 foi criada a chamada Lei dos Transplantes (Lei nº. 9.434, de 4 de fevereiro

de 1997), cujo objetivo era dispor sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo

humano para fins de transplante, e o Decreto nº. 2.268, de 30 de junho de 1997 que a

regulamentou, na tentativa de minimizar as distorções e até mesmo injustiças na destinação

dos órgãos. Além disso, o referido decreto criou, no âmbito do Ministério da Saúde, o Sistema

Nacional de Transplantes – SNT tendo como atribuição desenvolver o processo de captação e

distribuição de tecidos, órgãos e partes retiradas do corpo humano para finalidades

terapêuticas e transplantes. Ocorreu, assim, uma mudança radical, pois se passou a vivenciar

9 Ver MIES, Sérgio. Transplante de fígado. Revista da Associação Médica Brasileira. São Paulo, v.44, n. 2, abr./jun., 1998. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42301998000200011&lng=es&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 29 de março de 2007.

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um período de transição entre a informalidade anterior e uma intensa regulamentação e

implementação de controles presentes10.

A Lei 9.434/97, alterada pela Lei 10.211/01, combinada com o Decreto 2.268/97,

regula os transplantes em seus diversos aspectos, destacando-se a adoção do critério cerebral

para se verificar a morte e a lista única de espera para os receptores, nela constando todas as

pessoas do país que aguardam qualquer tipo de transplante. Esses dois pontos são objeto de

inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais, havendo críticos e defensores tanto das

posições adotadas quanto de soluções diversas. Acerca do critério da morte cerebral para a

verificação do óbito, o qual não é objeto do presente trabalho, apenas registra-se que é

apontado como passível de falhas e não é tido como definitivo, havendo outros critérios

possíveis, dentre eles o da morte clínica.

Quanto à definição do receptor do órgão doado, conforme ensina Lucas Rister de

Sousa Lima, "o critério adotado, via de regra, é o da ordem cronológica de inscrição: aquele

que primeiro se inscreve, independentemente de seu estado de saúde ser melhor ou pior do

que o daquele que o precede ou sucede na lista, receberá antes a tão sonhada doação". Nesse

aspecto, evidencia-se a indiferença da lei de transplantes frente ao estado de saúde dos

pacientes mais graves que se encontram no final da fila única. Porém, os questionamentos

gerados por esse problema passam pelo campo da bioética, eis que se referem ao direito à vida

e, ao mesmo tempo, ao direito à igualdade de tratamento, ambos consagrados pela

Constituição Federal. A Lei 9.434/97 adotou como critério de igualdade um dado objetivo (a

antigüidade da inscrição na lista), mas a crítica sofrida aponta como outro critério que

respeitaria a igualdade a observação à gravidade do estado de saúde de cada paciente, segundo

a máxima "a cada um segundo suas necessidades"11.

1.2 ALOCAÇÃO DE ÓRGÃOS

A alocação de órgãos deve ser realizada de modo a tratar igualmente aos iguais e

desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam, segundo a clássica definição 10 SISTEMA NACIONAL DE TRANSPLANTES. Histórico. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/transplantes/integram.htm>. Acesso em: 22 de mar. 2007. 11 LIMA, Lucas Rister de Sousa. O direito à burla na fila para transplante de órgãos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1162, 6 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8892>. Acesso em: 6 de novembro de 2006.

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jurídica de Justiça. Os problemas surgem pelo fato de que a oferta de órgãos não supre as

necessidades do sistema, fazendo-se necessária a escolha de critérios capazes de tratar as

pessoas de maneira igualitária e garantir ao maior número possível de pacientes o direito à

vida. Dentre os possíveis critérios a serem adotados para a escolha do receptor, José Roberto

Goldim aponta o da ordem de inscrição, o de sorteio, o social e o de melhor prognóstico pós-

operatório12.

Os órgãos removidos de doadores cadáveres pertencem à comunidade, e não à equipe

de transplante. Assim, é a coletividade que delega a Instituições ou a Agências a forma de

distribuição para as equipes de transplantes, exigindo a observância de princípios justos e

verificáveis. Através da Legislação, das Normas Técnicas, das Resoluções das Câmaras

Técnicas, entre outros, devem ser seguidas as diretrizes da Justiça Social, do Melhor

Resultado Técnico, da Transparência e da Credibilidade. Mauricio Fernando de Almeida

Barros alerta que os "princípios de bioética podem, em certas circunstâncias, preconizar

princípios utilitários, ou seja, justificar o transplante nos menos graves por se conseguir, dessa

forma, melhores resultados"13.

O problema da alocação de órgãos é eminentemente ético, uma vez que pressupõe a

definição de um critério para a escolha dos receptores, ou seja, uma escolha com reflexos

sobre a vida e morte das pessoas. Quem deve tomar a decisão sobre a vida e morte de

humanos? Quem deve receber o órgão disponibilizado? O paciente mais urgente? O paciente

inscrito na lista há mais tempo? O paciente com maior chance de sucesso?

A existência desses diversos possíveis critérios de alocação faz com que sempre exista

uma pessoa que se considere prejudicada pela política adotada na escolha. Devido a isso,

muitas vezes, "aqueles que se vêem na iminência de ter sua vida ceifada pela moléstia que os

acomete não tiveram outra alternativa, senão buscar socorro e guarida no Poder Judiciário,

12 GOLDIM, José Roberto. Aspectos éticos e legais dos transplantes de órgãos. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: HCPA, 1996, p. 11. Noticia, ainda, o autor acerca da discussão entre médicos americanos sobre se pacientes alcoolistas devem concorrer em igualdade de condições com os demais em transplantes de fígado, dizendo que "Moss e Siegler sugerem que devem ser priorizados os pacientes não-alcoolistas. Outros, como Cohen e colaboradores, discordam dessa posição por ser injusta, por discriminar um paciente pelo fato de ser alcoolista". 13 BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As Controvérsias Sobre os Critérios de Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set/out. de 2005. Disponível em: <http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 de março de 2007.

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onde pugnam pela burla na famigerada fila de espera"14.

Com acerto, diz José Roberto Goldim que "os transplantes constituem um dos maiores

avanços para a assistência à saúde. A dificuldade é lidar, de forma eticamente adequada, com

a multiplicidade de pessoas e valores envolvidos, assim como as demandas pessoais, sociais e

políticas inerentes a esse tipo de procedimento"15. Cabe ressaltar, ainda, que a lei dos

transplantes rejeita a venda de órgãos, bem como considera injusta a realização de campanhas

individuais para a arrecadação de órgãos para determinado receptor.

No Brasil, para a realização do processo de captação e distribuição de órgãos e tecidos,

foi criado um complexo de aparatos administrativos, o Sistema Nacional de Transplantes

(SNT), integrado pelo Ministério da Saúde, Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito

Federal ou órgãos equivalentes, Secretarias de Saúde dos Municípios ou órgãos equivalentes,

os estabelecimentos hospitalares autorizados e rede de serviços auxiliares necessários à

realização de transplantes (art. 3º do Dec. 2.268/97).

De forma similar ao que aconteceu nos EUA, a alocação de órgãos no Brasil passou

por uma fase em que os critérios visavam a atender interesses pessoais e sem evidências

científicas. Em 1997, com a justificativa de inibir a perspectiva de fraude, a Resolução SS-091

(04-07-97), da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo estabeleceu o critério cronológico

para todos os transplantes, à exceção de dois dentre os órgãos críticos: coração e pulmão. Para

o fígado, a prioridade foi apenas concedida aos casos de hepatites fulminantes que

desenvolvessem edema cerebral e para os casos de retransplantes que ocorressem

precocemente após o procedimento inicial. Em 1998, o Ministério da Saúde publicou portaria,

reiterando o documento elaborado em São Paulo, em nível federal, apesar da oposição de

certos movimentos sociais e discussões no âmbito do Conselho Nacional de Medicina.

A ordem de inscrição pode deixar de ser observada devido à distância e condição de

transporte do órgão, tempo de deslocamento do receptor e urgência. A Portaria nº. 3.407/98,

em seu art. 40, inciso II, estabelece duas exceções à ordem cronológica, relativamente ao

14 LIMA, Lucas Rister de Sousa. O direito à burla na fila para transplante de órgãos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1162, 6 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8892>. Acesso em: 6 de novembro de 2006. 15 GOLDIM, José Roberto. Aspectos éticos da nova lei de transplantes do Brasil. In: Revista Médica da PUCRS. Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 7, n. 1, jan./mar, 1997, p. 6.

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fígado. Cabe ressaltar que, ocorrendo qualquer das condições clínicas de urgência para a

realização de transplantes, a CNCDO deve ser comunicada para a indicação da precedência

do paciente em relação à lista única, devendo essa comunicação ser reiterada e justificada,

decorridas setenta e duas horas da comunicação anterior.

Uma das situações que o Legislador considerou que não seria razoável exigir-se nova

inscrição na lista única do paciente que sofreu complicações resultantes da operação de

transplante é o retransplante, uma vez que tal sistemática, inevitavelmente, resultaria em

certeza de óbito. O retransplante, conforme o art.40, inciso II, alínea “b”, deve ser feito em até

48 horas.

Outra situação prevista na Portaria 3.407/98 do Ministério da Saúde, em seu art. 40,

inciso II, alínea “a”, como exceção à ordem cronológica é a hepatite fulminante. Qualquer

doença inflamatória do fígado é chamada, genericamente, de hepatite, seja virótica,

bacteriana, parasitária, tóxica ou alcoólica. Entre as diversas formas clínico-patológicas de

hepatites estão a hepatite aguda benigna (que pode ser ictérica ou anictérica); a hepatite

fulminante e; a hepatite crônica (das quais há aquelas de curso mais brando e outras mais

graves).

2 ANÁLISE DAS DECISÕES JUDICIAIS SOBRE DEMANDAS POR ÓRGÃOS PARA

FINS DE TRANSPLANTE DE FÍGADO

O presente capítulo pretende analisar as decisões judiciais pertinentes ao pedido de

quebra da ordem cronológica proferidas antes da publicação da Portaria n.º1.160/06. Em um

primeiro momento, relato as decisões que mantém o critério cronológico, bem como as

analiso ao final do item. No título subseqüente, examino as que adotam a gravidade, como

também, concluo e exponho as conseqüências extrajurídicas desses atos.

2.1 DECISÕES QUE ADOTAM O CRITÉRIO CRONOLÓGICO

Há casos em que pacientes inscritos na lista, devido ao seu grave estado clínico,

provocam o Poder Judiciário na esperança de conseguir um órgão à margem da fila única.

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Baseiam seus pedidos no princípio constitucional do direito à vida. Esse título analisa as

decisões que mantiveram a disposição legal, ou seja, o critério cronológico.

2.1.1 Apelação Cível n.º 70011591963 – Julgado em 07 de julho de 200516

Trata-se de apelação interposta por C. T. C. S. de sentença que indeferiu a petição

inicial, julgando extinto o processo, em ação cautelar, com pedido de liminar, ajuizada contra

o Secretário Estadual Da Saúde. Buscou o autor autorização judicial para que o Centro de

Transplantes da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre o incluísse na

categoria de urgência para avançar ao primeiro lugar da lista de espera de transplante de

fígado, por ser portador de hepatite C. Alegou que se encontrava na 28ª colocação na fila

geral de espera e 19º lugar entre os receptores do tipo sangüíneo "O". Visava garantir o seu

direito à vida através de provimento judicial, por se encontrar em situação de urgência,

correndo risco de morte.

Indicou como sujeito passivo da ação o Secretário de Saúde do Estado do Rio Grande

do Sul, suposto responsável pela coordenação da lista de transplantes, possuindo o poder de

permitir que o autor fosse o próximo a receber um fígado disponível e compatível,

independentemente da ordem cronológica estabelecida em fila, não podendo aguardar o

transplante de 18 pessoas que estão à sua frente na lista de espera.

O Relator, em seu voto, considerou que o caso em análise não apresentava forma e

figura de juízo, tendo sido o Judiciário procurado para resolver um “verdadeiro drama

humano, de difícil solução”. Ponderou que, por mais aguçada que fosse a sensibilidade do

julgador tal pedido não poderia ser acolhido. Além do vício formal apontado, razões de

natureza material o impedem, não bastando o simples aditamento da inicial (proposto pela

Procuradora de Justiça), eis que ausentes condições mínimas de procedibilidade.

No caso em análise, para fortalecer a sua posição contrária à desconsideração do

critério cronológico, o Julgador expôs irregularidades no campo procedimental, eis que a

16 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 3ª Câmara Cível. Direito público não especificado. Processual civil. Ação cautelar. Transplante de fígado. Antecipação em lista de espera de doador. Inépcia da inicial. Falta de condições da ação e impossibilidade jurídica do pedido. Processo extinto. Decisão que se impõe confirmada. Apelação desprovida. Apelação Cível Nº. 70011591963. Apelante: C. T. C. S. Apelado: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Luiz Ari Azambuja Ramos. Julgado em 7 de jul. 2005.

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petição inicial apontou como sujeito passivo o Secretário Estadual da Saúde, mas este só

poderia sê-lo em sede de mandado de segurança, caso fosse a autoridade coatora. No caso em

tela, o real sujeito passivo deveria ter sido o Estado do Rio Grande do Sul. Ainda, sendo a

medida de caráter satisfativo, equivocado o uso da ação cautelar, cuja finalidade que é a de

assegurar, apenas, a utilidade da provisão final perseguida.

Apesar dessas impropriedades formais, o Julgador analisou a questão material

envolvida, em nome do direito à vida, por ser um bem jurídico considerado maior do que

aquelas. Assim, o pedido de recolocação do paciente que aguardava em fila de espera de

transplante de fígado foi considerado juridicamente impossível, eis que não caberia ao Poder

Judiciário, que não tem qualquer base científica, determinar a não-observância da lista de

espera. O caso foi tido como "uma questão médica de alta indagação", e a avaliação de

prioridade foi confiada ao Centro de Transplantes da Irmandade Santa Casa de Misericórdia

de Porto Alegre.

Ponderou o Juiz que decisão em sentido contrário colocaria em risco a vida de outras

pessoas que aguardam, com a mesma aflição, a ordem cronológica estabelecida, segundo a

compatibilidade dos receptadores. De certa forma, essa decisão pode ser considerada, a

exemplo das demais que seguem tal entendimento, fria, por desconsiderar a possibilidade de

compor, de forma diversa da prevista pela legislação, os interesses do recorrente e dos demais

pacientes.

Por outro lado, não se pode desconsiderar o interesse dos pacientes inscritos em lista

única segundo o critério cronológico, e que não recorram ao Poder Judiciário, uma vez que

têm a legítima expectativa de que ações como a ora exposta serão julgadas como

improcedentes.

2.1.2 Agravo de Instrumento n.º 70013538715 – Julgado em 03 de maio de 200617

17 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 4ª Câmara Cível. Agravo de instrumento. Constitucional, administrativo e processual civil. Saúde pública. Portador de cirrose criptogênica porfiria. Necessidade de transplante de fígado. Inscrição no sistema nacional de transplante. Alegação de iminente risco de vida. Alteração da ordem de inscrição. Ausência de prova imprescindível. Ônus probatório do agravante. Liminar indeferida. A inobservância do critério cronológico da lista dos pacientes que estão à espera de um transplante de fígado só poderá ocorrer mediante respaldo oficial da autoridade competente, o que inexiste no caso. Agravo não provido. Agravo de Instrumento nº. 70013538715. Agravante: A. B. R. Agravado: Estado do Rio Grande do Sul Relator: Des. Wellington Pacheco Barros. Julgado em 3 de maio de 2006.

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A decisão em análise refere-se a agravo de instrumento interposto contra a decisão que

indeferiu o pedido de antecipação de tutela na declaratória ajuizada por A. B. R., contra o

Estado Do Rio Grande Do Sul, que pretendia a realização de transplante de fígado em

benefício do autor, assim que fosse disponibilizado um fígado compatível.

O agravante alegou freqüentes dores abdominais, por vezes muito fortes, devido ao

acúmulo de líquido causado por sua enfermidade, estando seu abdômen bastante

"distendido/alongado". Afirmou que, se não fosse posto com urgência no topo da lista de

transplantes hepáticos, correria grande risco de perder sua vida. Aduziu que o Poder Judiciário

deveria enfrentar diretamente a questão, pois havia determinado que cabia à equipe médica a

competência para definir qual o paciente ocuparia o primeiro lugar da fila de transplante.

O Estado, nas contra-razões, sustentou que a ordem de antigüidade estabelecida em

nível nacional tem por escopo garantir o princípio constitucional da igualdade, proteger a

todos os pacientes que se encontram na fila e evitar o uso de critérios subjetivos, que é o

objetivo da ação ora em análise. Ressaltou o problema da grande demanda por órgão, de um

lado, e da pouca quantidade de doadores, de outro. Aduziu que os registros de uma equipe de

acompanhamento de paciente receptor de órgão não são disponibilizados às demais,

impedindo, assim, que se opine sobre os diferentes graus de gravidade da Lista Única

Estadual.

O relator negou provimento ao recurso, pelas mesmas razões nas quais o

Desembargador Plantonista Henrique Osvaldo Poeta Roenick, baseou-se, no despacho inicial,

para decidir pela improcedência da pretensão do recorrente. O referido Desembargador

Plantonista indeferiu o efeito suspensivo, embora reconhecida a gravosidade do estado de

saúde alegado pelo autor. Ainda que em situações análogas à do caso em tela tenha havido

indicação de prioridade pela Equipe de Transplantes do Estado, e tendo isso sido demonstrado

por laudos médicos, o julgador filiou-se à posição de que cabe à equipe médica da Central de

Transplantes do Estado estabelecer as prioridades dos transplantes aos pacientes em espera

por órgãos no Estado.

Fundamentou a decisão no fato de ser “impossível” "ao Magistrado ter conhecimento

preciso se a situação do agravante é mais ou menos grave daqueles que se encontram nas

primeiras posições da lista de espera", devendo o caso ser avaliado por órgão habilitado a

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avaliar a condição médica do candidato a receptor do fígado disponibilizado, considerando,

também, os demais integrantes da lista única, podendo, se verificada a necessidade de

inobservância do critério cronológico estabelecido na Lei n.º 9.434/97, decidir acerca da

necessidade de realocação do recorrente. A reforma da decisão da Central de transplantes que

não acolhe a orientação dos médicos responsáveis pelos transplantes no Estado, pela via

judicial, exigiria imprescindível prova pericial médica, única forma de demonstrar eventual

equívoco na aplicação dos critérios por aquele Órgão, e somente assim, justificar-se-ia a

concessão da medida liminar.

Por fim, sugeriu o julgador a propositura de ação cautelar antecipatória de prova, para

que profissionais nomeados pelo Juízo pudessem garantir uma segurança ao Magistrado para

interferir na ordem da lista, pois sem os devidos elementos probatórios, seria impossível ao

juiz alterar a ordem da lista de espera para beneficiar o autor e decisão nesse sentido correria o

risco de causar prejuízo aos pacientes que se encontravam em colocação mais vantajosa que a

do agravante, e com quadro clínico até mais crítico.

O Relator adotou o argumento da falta de conhecimentos científicos ao juiz que

permitissem a tomada de uma decisão com tantos reflexos na vida de um grande número de

pessoas. O Magistrado, ao deparar-se com tal conflito entre valores, preferiu manter-se

atrelado à fórmula tradicional, a qual encontra correspondência normativa, do que inovar e

priorizar um critério não previsto.

2.2 CONCLUSÕES GERAIS E CONSEQÜÊNCIAS EXTRAJURÍDICAS DAS DECISÕES

QUE ADOTAM O CRITÉRIO CRONOLÓGICO

É objeto da bioética a conciliação racional entre interesses conflitantes, e que muitas

vezes contrapõem a Ética, a Moral e o Direito. Assim, percebe-se que as decisões nessa área

serão, muitas vezes, polêmicas e difíceis de serem tomadas. No estudo da Bioética, grandes

são as discussões acerca das formas de alocação de recursos escassos, além de ser uma

questão urgente, da qual depende a solução de grande parcela dos problemas relacionados à

matéria.

Recentemente, a forma de alocação adotada por essas decisões judiciais é considerada

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injusta, por demasiadamente simples, uma vez que não realiza um balanceamento entre

diversos critérios (por exemplo, merecimento, necessidade, efetividade) para a escolha do

receptor do órgão disponibilizado. Por essa razão, diversas foram as decisões judiciais que

concederam liminarmente a realização imediata de transplantes a pacientes que, face à

gravosidade de seu estado de saúde, apresentavam grande probabilidade de morte decorrente

da espera pela ordem estabelecida na lista única. Destaque-se que essa orientação dos

tribunais é minoritária, mas causou significativo impacto, inclusive no âmbito legislativo e

normativo.

Desse modo, pode-se perceber pelas decisões que o Poder Judiciário vem adotando o

critério cronológico, majoritariamente, de maneira formalista e inóspita, negando

constantemente tutela àqueles que buscam sua proteção nessas situações emergenciais,

geralmente com a justificativa de que não seria de sua competência, mas exclusivamente dos

centros de transplantes, decidir interferir em tal questão. Também é ponto comum nessas

decisões o entendimento de que não é possível aferir se existem outros pacientes em piores

condições que o postulante, o que poderia levar ao cometimento de injustiça com os demais

pacientes da fila, os quais aguardam, com a mesma apreensão, o recebimento de um órgão.

Em outras palavras, tais decisões deslocam a necessidade de discussão dos critérios de

alocação de órgãos aos demais poderes do Estado, como forma de reconhecer a existência do

problema, embora o indeferimento dos pedidos formulados nas ações18.

Como conseqüência da adoção do critério cronológico pela lei, e de sua manutenção

pelo Poder Judiciário, pode-se apontar o fato de que mais de 60% da lista de espera é

constituída por pessoas sem necessidade imediata, que foram incluídas na lista por precaução,

demonstrando que alguma providência deve ser tomada. De acordo com a lista atual, esse é o

critério, e chegando ao seu número de chamada, o paciente será transplantado, mesmo que os

médicos saibam que ele não vai sobreviver e que estará sendo desperdiçado um órgão

perfeito19.

Assim, é de conhecimento geral que muitas equipes médicas inscreveram pacientes de

18 Sobre o tema ver LIMA, Lucas Rister de Sousa. O direito à burla na fila para transplante de órgãos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1162, 6 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8892>. Acesso em: 6 de nov. de 2006. 19 GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 20 mar. 2007.

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forma a simplesmente guardar um lugar na fila. Aponta-se, inclusive, que ocorrem disputas

entre algumas equipes de transplantes e que também influenciam nessa questão interesses

econômicos de alguns hospitais. A lista única, em março de 2002 era composta de 2.600

pessoas e devido aos abusos chegou a mais de 6.000 inscritos20. Segundo informações

extraídas do site ABC da Saúde, em 2005:

(...) o Ministério da Saúde divulgou informações coletadas em diferentes centros que conferem nova feição ao problema. Mostram que 60% dos inscritos no País apresentam MELD menor do que 15, apenas 4,3% MELD maior do que 25 e 35% apresentam gravidade intermediária. Define-se assim uma distorção do critério cronológico, qual seja, a de estimular a inscrição de pacientes mais cedo na pressuposição que durante o tempo de espera a evolução da doença venha a conferir a gravidade que justifique a indicação. Além disso, merece atenção o fato que apenas 4,3% dos inscritos apresentam MELD maior do que 25, ou seja, de transplante com maior risco21.

Porém, caso fosse deslocada a discussão acerca da alocação dos fígados para que se

buscassem meios de aumentar a captação, poderia haver resultados mais satisfatórios. Um

sistema de captação eficiente faria desnecessário discutir os critérios de transplante, pois

haveria fígados para todos. Registra-se que o transplante é pago pelo Ministério da Saúde, e

passou a ser, por isso, um excelente negócio. A captação, porém, é muito mal remunerada,

não havendo um incentivo para aqueles que poderiam trabalhar no aumento da captação22.

2.3 DECISÕES QUE OBSERVAM O CRITÉRIO DA GRAVIDADE

O presente tópico analisará as decisões e apontará os fundamentos que o Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul utilizou para afastar a incidência do critério então consagrado no

plano normativo, ainda que os seguintes julgados reflitam o posicionamento minoritário da

jurisprudência.

20 GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 13 mar. 2007. 21 ABC DA SAÚDE. Prioridade para Transplante de Fígado. Disponível em: <http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?510>. Acesso em: 17 abr. 2007. 22 GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 13 mar. 2007.

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2.3.1 Agravo de Instrumento n.º 70011728524 – Julgado em 24 de agosto de 200523

A decisão em análise tem como objeto o agravo de instrumento interposto pelo Estado

Do Rio Grande Do Sul contra decisão do Juízo a quo, que concedeu a antecipação da tutela,

para a realização de retransplante de fígado no agravado, disponibilizando o primeiro fígado

compatível ao paciente, para imediato transplante.

Alegou, o agravante, que a desconsideração do critério cronológico pelo Juízo a quo

fere a ordem pública, como também é ilegal e inconstitucional, ofendendo o princípio

constitucional da igualdade. Aduziu que uma decisão judicial não pode quebrar as regras

estabelecidas pelo sistema nacional de transplantes. Afirmou que o agravado não se encontra

nas exceções para o critério cronológico previstas na Lei 9.434/97 e regulamentadas pelo

Decreto 2.268/97. Sustentou que tal decisão abala a credibilidade do Sistema de Saúde do

Estado, pois interfere nos critérios médicos estabelecidos, além de gerar outras ações desse

tipo. Afirmou a existência de outro processo que também obteve a concessão da liminar para

o transplante de fígado, possuindo o autor o mesmo tipo sangüíneo do agravado, portanto

alegou ser incerta a preferência, visto que ambos estão sob cuidados da mesma equipe

médica, a qual certificou serem os dois casos mais graves, no momento. Salientou também, os

limites da tutela de urgência na abrangência dos atos administrativos discricionários, alegando

que quando há dúvida sobre a validade do ato, há presunção de legitimidade a favor da

Administração.

O Desembargador plantonista concedeu efeito suspensivo ao recurso. Estabeleceu que

se obedecesse a ordem cronológica, fundamentando no fato de que as decisões judiciais não

podem se sobrepor aos critérios médicos para a ordem de realização de transplantes.

O Des. Luiz Felipe Silveira Difini, relator do processo, votou no sentido de dar

provimento ao agravo de instrumento, afastando a decisão que concedeu prioridade para a

realização de transplante de fígado ao agravado. Verificou o Magistrado, no presente caso, a

ocorrência de um conflito de princípios, no qual um deles deveria prevalecer. Considerou que, 23 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 1ª Câmara Cível. Agravo de instrumento. Direito à saúde. Transplante de órgão (fígado). Caso de retransplante. Não pode o judiciário, dentre os casos de urgência máxima, determinar que o primeiro órgão compatível seja transplantado neste ou naquele paciente. No entanto, pode, e deve, se houver prova técnica, classificar o caso como de urgência máxima, devendo como tal ser considerado pela equipe médica, porque em tal hipótese estará a ocorrer violação a direito subjetivo. exegese do art. 5. º, XXXV, DA CF. Agravo parcialmente provido por maioria. Voto vencido do relator. Agravo de Instrumento nº. 70011728524. Agravante: Estado do Rio Grande do Sul. Agravado: R. V. L. Relator: Des. Luiz Felipe Silveira Difini. Julgado em 24 de ago. de 2005.

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embora seja o direito à vida um princípio supremo, este está sujeito a relativização no caso

concreto. O agravado, paciente inscrito na lista única de transplantes, apoiou-se nesse

princípio para postular a realização da cirurgia em desacordo com o critério cronológico

estabelecido, diante da gravidade de seu estado de saúde. O Estado, atuando em nome dos

outros pacientes constantes da lista de espera e do respeito à ordem legal e médica

estabelecida pelo Sistema Nacional de Transplantes, interpôs o recurso ora em análise.

A Procuradora de Justiça salientou, no seu parecer, que o agravado já havia se

submetido a transplante de fígado, em 2003, o qual não apresentou resultado positivo,

necessitando de novo transplante em março de 2005. Constatou-se por laudos médicos, que a

não realização da cirurgia dentro do período de três meses, levaria a uma considerável

diminuição das chances de sobrevida.

As informações prestadas pela Coordenadoria da Central de Transplantes da Secretaria

Estadual da Saúde deram conta de que não se pode comparar a situação do agravado com a de

outros pacientes que esperam na lista pela realização do transplante, pois uma equipe médica

não possui acesso aos registros de outra.

O julgador considerou que o laudo médico firmado pelo Dr. Ajacio Bandeira de Mello

Brandão, noticiando a gravidade da situação do autor, não era suficiente para que fosse

determinada a quebra da ordem da lista de espera. Ponderou o juiz que o referido médico

havia atestado, também, a grave situação de outro paciente, o qual obteve o deferimento da

liminar em ação por ele proposta, concluindo não haver possibilidade de um médico atestar

que seu paciente possui quadro clínico mais grave do que os outros de outras equipes

médicas. Ainda, observou-se que o fato de o agravado correr perigo de vida não o

diferenciava dos demais pacientes que se encontravam na mesma lista de espera.

Referiu o juiz que o artigo 24, §4º e §5º do Decreto n. 2.268/97, que regulamenta a Lei

n. 9.434/97 dispõe que:

Art. 24. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só será autorizada após a realização, no doador, de todos os testes para diagnóstico de infecções e afecções, principalmente em relação ao sangue, observando-se, quanto a este, inclusive os exigidos na triagem para doação, segundo dispõem a Lei nº. 7.649, de 25 de janeiro de 1988, e regulamentos do Poder Executivo. §4º. A CNCDO, em face das informações que lhe serão passadas pela equipe de retirada, indicará a destinação dos tecidos, órgãos e partes removidos, em estrita

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observância à ordem de receptores inscritos, com compatibilidade para recebê-los. §5º. A ordem de inscrição, prevista no parágrafo anterior, poderá deixar de ser observada, se, em razão da distância e das condições de transporte, o tempo estimado de deslocamento do receptor selecionado tornar inviável o transplante de tecidos, órgãos ou partes retirados ou se deles necessitar quem se encontre em iminência de óbito, segundo avaliação da CNCDO, observados os critérios estabelecidos pelo órgão central do SNT.

O agravado não se encontrava na hipótese de hepatite fulminante ou retransplante num

prazo de 48 horas após falha do primeiro transplante, e seu cadastro de receptor de fígado do

Sistema Nacional de Transplantes, não foi realizado como necessitando de “Urgência

Máxima”. Dessa forma, não caberia ao Poder Judiciário decidir acerca da prioridade médica

dos pacientes que aguardam transplantes, cabendo à equipe médica da Central de Transplantes

do Estado, de acordo com as regras do Sistema Nacional de Transplantes, decidir qual

paciente deverá ser transplantado, pois este órgão detém os conhecimentos científicos

necessários para tanto.

O Des. Irineu Mariani, presidente e redator, ao contrário do voto do relator,

manifestou-se pelo parcial provimento ao agravo de instrumento, mantendo em parte a

decisão recorrida. Inicialmente, ressaltou que casos envolvendo questões de saúde são

delicados, sendo o presente caso uma situação extrema. Referiu o magistrado sua experiência

durante um Plantão Judiciário, em que pôde

(...) notar de perto a profunda angústia do paciente e dos familiares, casualmente também num caso de transplante de fígado. Foi uma tensão que atravessou a noite. Enquanto o órgão era transportado, durante a noite, do interior do Estado para a Capital, aqui acontecia uma guerra no Judiciário quanto a quem devia ser o receptor (...).

Baseando-se no que fora decidido no Agravo de Instrumento nº. 70009039637,

apontou que cabe ao Judiciário, com base em prova técnica, corrigir um erro de classificação

de paciente considerado sem urgência para enquadrá-lo como tendo urgência, pois então

estaria ocorrendo lesão a direito subjetivo. O limite à atuação do Judiciário, nos termos do

artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, nos casos semelhantes ao ora em análise seria a

apreciação da existência ou não de urgência do estado de saúde do paciente, não sendo

possível ao juiz, determinar, dentre os casos urgentes, qual será o beneficiado.

No campo da escolha médica, a interferência do Judiciário somente caberia havendo

evidência da não adoção de critério técnico, mas sim subjetivo, na escolha do paciente,

ensejando favorecimento, não sendo essa a hipótese do processo em exame. O desembargador

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acolheu a existência de prova técnica apta a classificar o agravado como merecedor de

urgência máxima, destacando, ainda, tratar-se de retransplante. Destacou-se que o receptor

não pode ser enviado para o final da lista de espera, se houver ocorrido algum problema, o

órgão transplantado, independentemente do motivo, registrando que é bastante curto o prazo

legal, uma vez que não abrangeria sequer o período de internação hospitalar. Adotou, assim, o

magistrado, o critério da gravidade, e não do tempo decorrido após o transplante sem sucesso.

Registrou que, infelizmente, não caberia ao Judiciário determinar que o primeiro órgão

compatível seja transplantado no agravado, cabendo tal escolha, dentre os casos de urgência

máxima, à equipe médica. Manteve a classificação de urgência máxima, porém, reformou a

decisão recorrida, ao entender que vai além daquilo que compete ao Judiciário determinar seja

o recorrido o primeiro da lista, pois dentre os casos com tal classificação todos os pacientes

estariam sujeitos aos mesmos riscos, tendo, portanto, o mesmo direito. O Des. Carlos Roberto

Lofego Caníbal acompanhou integralmente o voto do presidente.

2.3.2 Agravo de Instrumento n.º 70013676044 – Julgado em 26 de janeiro de 200624

O agravo de instrumento em análise refere-se à decisão que acolheu o pedido de

reconsideração interposto pelo Estado Do Rio Grande Do Sul, ora agravado, revogando a

tutela antecipada concedida em parte, a qual estabeleceu prioridade na lista de receptores de

fígado para a agravante. Alegou ser grave o seu estado de saúde, comprovando-se pelos

documentos juntados. Salientou que há maior aplicação do critério cronológico pela

jurisprudência, ao invés da avaliação médica acerca da gravidade do estado de saúde do

paciente. Requereu a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, e o seu provimento, cassando

a decisão agrava, argumentando que a sua manutenção implicaria na morte da agravante.

Recebido o recurso, não foi concedido o efeito suspensivo ao mesmo. A agravante

24 ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 3ª Câmara Cível. Direito público não especificado. Paciente portadora de cirrose hepática que necessita realizar transplante. Prioridade. Critério híbrido adotado. A agravante encontra-se na lista única de transplante de fígado, buscando afastar o critério cronológico em virtude do risco iminente de morte. A análise clínica da agravante, assim como dos demais pacientes classificados como de prioridade máxima da lista única, procedida por médico da secretaria estadual da saúde, deverá ser adotada para, se necessário, abandonar o critério cronológico legalmente previsto. Agravo parcialmente provido, por maioria. Agravo de Instrumento nº. 70013676044. Agravante: M. M. P. D. F. Agravado: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco. Julgado em 26 de jan. de 2006.

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teve indeferido o seu pedido de reconsideração. Reiterado, foi reconsiderado parcialmente

pelo Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco e, reconhecendo a urgência máxima do caso da

agravante.

O agravado, em resposta, alegou que a pretensão da agravante era de caráter ilegal e

inconstitucional, bem como, exprimia grave lesão à ordem pública, afrontando, dessa forma, o

princípio constitucional da igualdade. Sustentou que as regras vigentes para a realização de

transplante de fígado deveriam ser respeitadas, considerando-se que todos os pacientes que

estão inscritos na lista única se encontram em grave estado de saúde, portanto, não poderia a

autora desconsiderar a lei. Suscitou, também, o princípio da legalidade, no que tange a

justificativa aferida a casos semelhantes e com risco de morte, que são apresentados junto à

Central de Transplantes, a fim de se determinar a preferência para receber o órgão, aduziu ser

tal critério inseguro. Referiu-se também, aos limites da tutela antecipada no tocante ao

controle dos atos administrativos, os quais gozam de presunção de legitimidade. Por fim,

pediu o improvimento do recurso.

A agravante requereu a concessão da tutela antecipada pleiteada, como também,

informou que a Central de Transplantes descumpriu a determinação judicial que nomeou

como árbitro o Dr. Carlos Francesconi.

O Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco, relator do processo, votou no sentido de

dar parcial provimento ao agravo de instrumento. Reiterou que a agravante possuía cirrose,

contraída pelo vírus da Hepatite C, diagnosticada em 2004, desenvolvendo infecções nos

membros inferiores comprometendo as funções hepática e renal. Devido a isso pleiteia a

preferência para receber o órgão, e a antecipação da tutela. Ressalta que a mesma foi

revogada, pois o agravado postulou pedido de reconsideração, situação que o recurso em

análise pretendia modificar.

O relator adotou um “critério híbrido”, ao reconsiderar parcialmente o pedido da

agravante. Na sua opinião, em alguns casos, esse critério, deveria prevalecer em detrimento

do cronológico. Como também, para o magistrado, "a aplicação do direito fundamental à vida

no caso concreto se sobrepõe a qualquer outro, podendo em determinadas situações afastar o

critério legal ou cronológico estabelecido pelo administrador". Quanto ao elevado risco de

óbito, acreditou ser necessário o enquadramento da agravante na hipótese de urgência

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21

máxima, rebatendo o argumento de que tal característica é inerente aos pacientes inscritos na

lista de espera.

Criticou o método adotado pelo administrador, quanto a sua viabilidade, segundo o

magistrado, tal critério além de não ser justo, divide o julgador entre a "pretensão de

resguardar o direito à vida buscado pelo jurisdicionado e as dificuldades técnicas do sistema

de transplantes adotado pela Secretaria Estadual da Saúde, estas últimas mascaradas por

estudos de que eticamente o critério cronológico é o mais adequado". Citou, ainda, outras

insuficiências como a falta de recursos humanos e técnicos, que impossibilita a interligação

entre os cinco centros gaúchos de transplante hepático. Contudo, tal situação não poderia

procrastinar pacientes em estado mais grave, até a ocorrência de seus óbitos, em detrimento

dos demais inscritos, os quais possuem menor risco de morte, e que estão prioritariamente

colocados na lista de espera, em conformidade com o critério cronológico. Tais deficiências

técnicas são percebidas quando ocorre necessidade de comparar o estado clínico de pacientes

de diferentes centros, pois, não há integração das informações entre os centros, o que impede

que o médico de um centro possa avaliar a condição de um paciente de outro.

O relator, ao se referir às dificuldades médicas e burocráticas, expostas pelo agravado

e pelas equipes médicas explanou que

(...) estão longe de ser resolvidos pela Secretaria Estadual da Saúde, enquanto que chegam ao Poder Judiciário a pretensão de pacientes que se encontram em risco iminente de morte e são classificados como de máxima urgência pelos próprios médicos responsáveis pelas equipes de transplantes, especialmente o da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Aliás, em recente debate interdisciplinar promovido pela AJURIS – Escola Superior da Magistratura no dia 16DEZ05 devido à polêmica estabelecida em torno do fornecimento de medicamentos, vagas em hospitais e realização de exames e transplantes pelo SUS após artigo de autoria do Dr. Eliseu Paglioli Neto publicado no dia 16NOV05, no jornal Zero Hora, que contou com a presença de representantes da Secretaria da Saúde, da PGE, do MP e do Poder Judiciário, o Dr. Carlos Francescone, médico debatedor, afirmou categoricamente que os resultados de exames médicos realizados em pacientes com doenças hepáticas podem ser manipulados através de medicação, pondo em cheque a credibilidade dos diagnósticos desses pacientes e os critérios de gravidade estabelecidos por comparativo.

Apontou, também, que os pacientes que se utilizam do Poder Judiciário recebem

tratamento diferenciado, devido aos diferentes entendimentos das Câmaras. Citou o Agravo

de Instrumento nº. 70011725561, dessa Câmara, no qual foi deferido o efeito suspensivo em

favor do Estado, observando o critério cronológico. Como também, a Primeira Câmara Cível

reconheceu a urgência máxima pleiteada por R. V. L., que faleceu após o provimento parcial

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22

do Agravo de Instrumento nº. 70011728524, anteriormente analisado no item 2.3.1, deste

trabalho. Concluiu o relator que

(...) não há, portanto, a certeza de que o paciente que alcança o provimento judicial não venha a falecer antes mesmo de ser efetivada a medida judicial e realizado o transplante, assim como aquele que não obtenha decisão favorável consiga manter-se vivo aguardando a lista única (...).

O magistrado defendeu a implementação de um sistema híbrido, que busca um

equilíbrio entre a ordem cronológica imposta pela lista única e a avaliação médica. Acredita

ser a melhor solução para afastar a mortalidade dos pacientes que esperam por um órgão.

Levou em consideração a instabilidade do quadro clínico apresentado pelos pacientes, e a

incerteza na indicação de urgência que, nos casos com grande probabilidade de óbito, se

socorrem do Poder Judiciário. Nesse sistema, há troca de informações entre as equipes

médicas, bem como, atualização da lista de pacientes com prioridade máxima para que se

possa saber quem deverá receber o próximo órgão a ser doado.

Visando à comunicação entre os chefes das cinco equipes médicas, o relator nomeou o

Dr. Paulo Dornelles Picon, médico integrante da Secretaria Estadual da Saúde, para realizar a

comunicação entre os órgãos receptores de fígado do Estado. Com essa medida pretendeu

evitar que um paciente com grave estado de saúde e entre os primeiros lugares da lista

deixasse de receber o fígado já em mesa de cirurgia, como afirmou já ter acontecido,

conforme relatado por médico cirurgião, em prejuízo de paciente cuja prioridade máxima fora

reconhecida judicialmente.

O Poder Judiciário, conforme aludido pelo magistrado, seria desprovido de condições

para proceder à classificação dos pacientes que pleiteiam urgência na realização do

transplante. Além disso, o Poder Executivo, composto de equipes médicas e unidades

receptoras de órgãos, submetidas à lista única e vinculadas à Secretaria Estadual da Saúde,

não poderia deixar de assistir os casos mais urgentes, determinando que o Dr. Paulo Dornelles

Picon avaliasse a agravante, bem como a sua prioridade dentre os demais pacientes inscritos

na lista única, reconhecendo, desde logo, a sua prioridade.

A Desembargadora Matilde Chabar Maia votou no sentido de negar provimento ao

agravo de instrumento. Observou que a situação da autora era muito grave, mas destacou que

era incontroverso o seu não-enquadramento nos critérios do SNT para a priorização de

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23

pacientes em lista de espera para transplante de fígado determinados. Considerou que todos

aqueles que ingressam na lista de espera para transplante têm estado de saúde grave, com

iminente risco de óbito. Sustentou que a melhor maneira de se garantir a isonomia diante da

grande demanda por órgãos e pequena quantidade de doadores foi a adoção do critério único e

legal que é a ordem cronológica de inscrição na lista de espera.

Não teria o Poder Judiciário bases científicas para determinar a não observância da

lista de espera. Utilizou-se das ponderações do médico Dr. Carlos Francesconi, professor

adjunto do Departamento de Medicina Interna da UFRGS e PUCRS, coordenador do

Programa de Atenção aos Problemas de Bioética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre,

indicado pelo Relator para servir de árbitro no reconhecimento da urgência máxima para o

caso da agravante. Somente assim, poderia ter a certeza de que o quadro clínico da agravante

é mais grave que os demais pacientes da lista das cinco equipes credenciadas para transplantes

de fígado no Estado do Rio Grande do Sul.

Devido a esse fato que a Lei nº. 9.434/97, o Decreto nº. 2.268/97 e a Portaria nº.

3.407/98 do SNT estabeleceram critérios para a priorização de pacientes em lista de espera

para transplante de fígado e determinados pelo Sistema Nacional de Transplantes: situações

de hepatite fulminantes ou a necessidade de um retransplante por não funcionamento primário

de enxerto, em um período de até 48 horas após a realização do primeiro transplante, não

sendo nenhuma desses o caso da agravante.

A Desembargadora fundamentou sua decisão optando pelo critério cronológico,

seguindo os argumentos referidos pelo agravado, defendendo que:

(...) presentemente, inexiste melhor critério de avaliação no sistema vigente, dentro das circunstâncias dadas a conhecer e a violação desses critérios estabelecidos atingirá os princípios de organização do próprio sistema jurídico vigente, em especial, os previstos nos artigos 196 e 198 da CF, bem como da Lei 8.080/90, incisos II, IX, ‘a’ e ‘b’, e XIII (...).

Entendeu, na senda do parecer do Ministério Público, que a discussão jurídica não se

trata de simples conflito entre o direito fundamental à vida e o direito à igualdade de

tratamento, mas sim um conflito entre direitos fundamentais da mesma ordem e grandeza: o

direito à vida da recorrente e o dos demais pacientes que também aguardam na lista única de

espera por um fígado compatível para transplante, pelo que negou provimento ao recurso.

Page 24: 2007 aspectos jurídicos sobre os critérios de escolha do receptor nos transplantes de fígado no brasil jamile laís schmidt

24

O Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, presidente, apontou, inicialmente que se trata de

“questão tormentosa e aflitiva”, por colocar em conflito o direito à vida e o direito à

igualdade. Seguindo o voto do relator, expressou sua opção pelo primeiro, embora temperado

pelo segundo, de modo a não desprezá-lo por completo. Ponderou que, mesmo diante da

impossibilidade de o Judiciário estabelecer uma prioridade no plano apenas jurídico, por falta

de conhecimentos científicos, não se pode seguir somente o critério objetivo da ordem

numérica de inscrição ao transplante, devendo a preferência, nos limites do possível, ter como

primazia a absoluta necessidade.

Considerou que a adoção de uma alternativa intermediária é a melhor solução, não

desprezando o paciente que recorre ao Poder Judiciário, mas também não o priorizando em

detrimento dos demais necessitados inscritos na lista. Aumenta-se o risco de morte da

paciente, caso seja negado o reconhecimento da urgência, ou se lhe conferir imediatamente o

direito almejado, de maneira temerária, diante dos demais enfermos, pelo que decide prover

parcialmente o agravo de instrumento. Por maioria, o agravo de instrumento foi parcialmente

provido.

2.4 CONCLUSÕES GERAIS E CONSEQÜÊNCIAS EXTRAJURÍDICAS DAS DECISÕES

QUE ADOTAM O CRITÉRIO DA GRAVOSIDADE.

Aqueles que defendem a utilização do critério cronológico apontam a possível

influência de análises predominantemente subjetivas na avaliação da gravidade e no pior

resultado previsto nos transplantes em pacientes mais graves. Alegam que, sendo dever do

médico defender os interesses de seu paciente em qualquer circunstância, podem ocorrer

distorções subjetivas de difícil identificação, uma vez que, no Brasil, pacientes inscritos na

mesma lista de espera podem ser operados por várias equipes de transplantes, que apenas têm

em comum o credenciamento no Ministério da Saúde. Assim, tendo cada equipe sua própria

interpretação sobre a gravidade dos seus pacientes, o risco de subjetividade é muito elevado.

Tais decisões podem ser vistas como atentatórias à segurança jurídica e ordem pública,

afrontando, dessa forma, o princípio constitucional da igualdade. Aqueles que defendem não

poder-se desconsiderar o interesse dos pacientes inscritos em lista única segundo o critério

cronológico que não recorrem ao Poder Judiciário, apontam que estes teriam a legítima

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25

expectativa de tais ações como fossem julgadas improcedentes.

Desse modo, não se pode deixar de considerar o conflito gerado entre o interesse

coletivo e o interesse individual por decisões que deferem a burla à lista única. Isso porque há

um paciente com expectativa alimentada durante muito tempo de ser o próximo receptor do

órgão necessitado, ao passo que outro indivíduo, com estado clínico de maior urgência,

reconhecida judicialmente, impede que a operação se realize. Nessa situação, o paciente que

teria direito ao órgão pelo critério cronológico representa o interesse coletivo, social, de todos

aqueles que aguardam um transplante na lista única cronológica. Questiona-se se o precedente

gerado por decisão nesse sentido poderia levar a uma desorganização generalizada na ordem

de realização dos transplantes, buscando todos os pacientes necessitados garantir a sua

operação pela via judicial.

Portanto, poder-se-ia gerar grave violação à segurança jurídica, o que desestabilizaria

completamente o sistema. Segurança relaciona-se com estabilidade, no sentido da não

sujeição a quaisquer riscos, perigos, aproximando-se, também, da noção de seguridade. Na

definição de De Plácido e Silva, segurança do direito é “o estado de seguridade, ou de

garantia legal, que se atribui a um direito, para que possa o respectivo titular exercitá-lo, ou se

utilizar das ações respectivas, quando seja molestado nele”25.

Se, por um lado, a falta de informações atualizadas sobre a estrutura do SNT dificulta

uma análise mais aprofundada da gestão dos transplantes no país, por outro, sabe-se que 60%

das pessoas presentes na lista única não precisam com urgência da intervenção cirúrgica26,

sendo este um dado que comprova a ineficiência da sistemática então vigente. A importância

das decisões jurisprudenciais que negaram a aplicação do critério cronológico reside no fato

de terem reconhecido a necessidade de ser adotada uma alternativa a fim de garantir ao maior

número de pacientes o pleno exercício do direito à vida.

As decisões judiciais que reconheceram o critério da gravosidade, a exemplo das aqui

expostas no âmbito do Tribunal de Justiça de nosso estado, estimularam a publicação da

Portaria 1.160/06 do Ministério da Saúde, que representa o reconhecimento normativo do

25 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 25. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 1267. 26 RESK, Sucena Shkrada. A vida que segue. Desafios do desenvolvimento. São Paulo: Gráfica, n.32, p. 30-37, mar. 2007.

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26

critério da gravosidade para transplantes de fígado. Isso pode levar a uma ampla reflexão

sobre o tema dos critérios para a escolha de receptores dos demais órgãos e, a longo prazo, à

consagração da gravidade do estado de saúde do doente como fator determinante da sua

posição na lista.

3 PORTARIA 1.160/06 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE: A ADOÇÃO DO CRITÉRIO

DA GRAVIDADE COMO REFLEXO DAS TENDÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS

EXPOSTAS

A Portaria 1.160, publicada pelo Ministério da Saúde em 29 de maio de 2006,

modificou os critérios de distribuição de fígado de doadores cadáveres, implantando o critério

da gravidade de estado clínico do paciente.

3.1 A INSUFICIÊNCIA DO CRITÉRIO CRONOLÓGICO

A adoção, pelo Ministério da Saúde, do critério cronológico para a realização de

transplantes elevou o índice de mortalidade em lista de espera, que já atingia a altíssima

marca de 40% na população de candidatos a receptores, e que passou a ter crescimento

exponencial, condenando sumariamente ao óbito todo paciente portador de doença hepática

subaguda ou crônica em fase avançada de qualquer etiologia que necessitasse de um órgão

para sobreviver. Dados oficiais da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo entre 1997 e

2001 revelaram que mais de 80% dos pacientes que morrem na lista o fazem antes mesmo de

completar um ano de sua inscrição27.

Criou-se uma injustiça social absurda, inédita no país, ferindo a ética médica, a justiça

distributiva e os direitos humanos, pois se negou qualquer chance de vida aos pacientes mais

graves. Nos termos anteriormente expostos, há uma idéia de que os órgãos humanos

pertencem à sociedade, e cabe a ela, baseada em princípios altruísticos e segundo a justiça

distributiva e eqüidade, nortear e fiscalizar os critérios de sua alocação, promovendo a doação

27 RESK, Sucena Shkrada. A vida que segue. Desafios do desenvolvimento. São Paulo: Gráfica, n.32, p. 30-37,

mar. 2007.

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27

e estimulando a captação28.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e

econômicas que visem à redução do risco de doença, de outros agravos e ao acesso universal e

igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, conforme o

disposto no artigo 196 da Constituição Federal. A igualdade distributiva ou eqüidade leva a

concluir que todo brasileiro deveria, em tese, ter o mesmo direito em qualquer parte do

território nacional, e, na prática, esse critério permite que quem tenha recursos para se

estabelecer temporariamente numa cidade distante pode procurar centros menores, onde

conseguirá ser transplantado em menor prazo29.

A Igreja Católica manifestou-se sobre o tema, sustentando que, a alocação de órgãos

doados não deve, sob qualquer pretexto, ter caráter discriminador ou utilitário, mas sim

fundar-se em fatores clínicos e imunológicos. Agindo-se de outro modo, o critério seria

arbitrário e subjetivo, e fracassaria ao não reconhecer o valor intrínseco de cada pessoa como

tal, um valor que é independente de circunstâncias externas30.

Hoel Sette Júnior e outros autores, em estudo dedicado ao tema, referem que a adoção

do critério exclusivamente cronológico, em detrimento da gravidade do estado clínico do

paciente, leva a altos índices de mortalidade nas listas de espera. Além disso, com o decorrer

do tempo, passou-se a transplantar muitos pacientes sem elevada gravidade, e não aqueles que

necessitavam urgentemente do órgão para sobreviver. Esse fato é agravado, ainda mais, pela

inexistência de critérios mínimos para a listagem dos pacientes no sistema anterior. Naquele

sistema, não existindo critério mínimo para inscrição na lista, havia tendência e, mesmo,

estímulo, para que pacientes ainda sem indicação, se inscrevessem, na esperança de que,

quando seu estado de saúde se agravasse, estivessem próximos da realização do transplante.

Ainda, previa-se o critério de urgência médica para transplante hepático somente nos casos de

hepatites fulminantes, que representam pouquíssimos dos casos de transplantes hepáticos, e o

retransplante nas primeiras 48 horas. 28 BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As Controvérsias Sobre os Critérios de Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set./out. de 2005. Disponível em: <http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. 29 BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de fígado: as controvérsias sobre os critérios de alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set./out., 2005. Disponível em: <http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. 30 BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As Controvérsias Sobre os Critérios de

Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set./out. de 2005. Disponível em: <http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 mar. 2007.

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28

Seguem os autores expondo que, na prática, pacientes graves que fossem incluídos em

lista não teriam qualquer chance de receber o órgão. O sistema anterior ignorava a opinião do

médico em decisões que são, por sua natureza, exclusivamente médicas. Não eram

beneficiados os doentes graves, que, em última análise, são os que mais urgentemente

precisavam do transplante. Somente os menos graves suportavam o longo tempo de fila. Os

mais graves morriam na espera, eximindo-se o serviço de transplante da responsabilidade pela

não realização ou insucesso do procedimento, já que tal responsabilidade poderia ser atribuída

à lei.

Ainda, constatam que, no período em que a distribuição de fígados para transplante no

estado de São Paulo era feita por rodízio entre as equipes médicas, a mortalidade na lista de

espera era significativamente menor, pois as diversas equipes podiam adotar medida própria

para a prioridade, sendo que diversas delas utilizavam o critério médico da gravidade do

estado de saúde do receptor31. Defende-se, então, um critério que confira prioridade a

pacientes mais graves, conforme avaliação pela equipe responsável, pois com menos tempo

de sobrevida, correm maior risco de não serem transplantados em tempo32.

É necessário que se adote um critério em conformidade com a ética e com o princípio

constitucional de igualdade entre os pacientes. Registre-se que o critério da gravidade, por

vezes criticado pelo fato de não respeitar uma igualdade objetiva, visa a alcançar uma

igualdade baseada na comparação entre os estados de saúde dos pacientes, frisando-se que o

tempo de espera em lista, ainda que mais objetivo, não é o único critério possível para se

chegar à igualdade.

Vale lembrar a teoria tridimensional do Direito, pela qual o fenômeno jurídico

compreende três elementos em constante interação: um aspecto fático, que pode ser um fato

econômico, geográfico, demográfico, técnico, etc.; um valor, que confere determinada

significação ao fato e indica a finalidade atrelada; e, a norma, que representa a medida de

integração entre fato e valor. Miguel Reale observa ser incabível compreender “norma

31 SETTE JÚNIOR, Hoel et al. Transplante hepático: política de captação, alocação e distribuição de órgãos no Brasil. GED, vol. 19, n.º 1, jan./fev., 2000. Disponível em: <http://www.fbg.org.br/publicacoes/ged.php3# >. Acesso em: 27 de abr. de 2007. 32 SCHIFF, E.R.; SORREL, M.F.; MADDREY, W.C. (eds.). Diseases of the liver. Philadelphia: Lippincott-Raven, 1999, vol. 2, p. 1589-1615 apud SETTE JÚNIOR, Hoel et al. Transplante hepático: política de captação, alocação e distribuição de órgãos no Brasil. GED, vol. 19, n.º1, jan./fev., 2000. Disponível em: <http://www.fbg.org.br/publicacoes/ged.php3# >. Acesso em: 27 de abr. de 2007.

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29

desligada da realidade social, visto como norma jurídica é sempre uma abstração que

corresponde a uma realidade concreta, ou, mais precisamente, a norma jurídica não tem

sentido desligada das exigências fáticas, que ela supera e integra em dimensão axiológica

necessária”33.

Assim, o ato de julgar não obedece a meras exigências lógico-formais, implicando

sempre apreciações valorativas dos fatos, e, não raro, um processo de interpretação da lei.

Destaque-se que os fatos, normas e valores que integram o Direito inserem-se num

ordenamento historicamente posicionado, reclamando uma interpretação condigna com

relação ao espaço e tempo respectivos. Não raro a valoração realizada pelo Judiciário

influencia a elaboração de normas jurídicas. Isso se deve ao fato de ser a jurisprudência mais

dinâmica que a elaboração das normas, e, no caso da mudança do critério para a fila dos

transplantes de fígado, aquela reconheceu antes da existência de previsão normativa a

insuficiência do critério cronológico.

3.2 ASPECTOS DO CRITÉRIO DA GRAVIDADE INTITUÍDO PELA PORTARIA

1.160/06 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE

Baseada no modelo da United Network for Organ Sharing (UNOS), entidade norte-

americana cujo papel é semelhante ao do nosso Sistema Nacional de Transplante (SNT),

publicou-se a Portaria 1.160/06 do Ministério da Saúde que estabelece dois índices para se

apurar a gravosidade. Através de exames realizados periodicamente são obtidos os dados para

se calcular o Model for End-stage Liver Disease (MELD) e o Pediatric End-stage Liver

Disease (PELD), que passamos a analisar a seguir34.

O Model for End-stage Liver Disease (MELD) se caracteriza por ser um valor

numérico com variação entre 6 e 40, que representa o índice de gravidade conforme a ordem

crescente da escala. É utilizado para transformar em números a urgência de transplante de

fígado em candidatos com idade a partir de 12 anos, inclusive. O índice estima o risco de

33 REALE, Miguel. Fundamentos do direito. 3 ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 155. 34 Ver GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. No referido endereço, refere-se que, nos EUA, a utilização dos índices MELD/PELD para mesurar o critério da gravidade é vigente desde fevereiro de 2002.

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30

óbito se o paciente não realizar o transplante nos próximos três meses. Para se apurar o valor

MELD é necessário o resultado de três exames laboratoriais de rotina: bilirrubina total, que

mede a eficiência do fígado em excretar bile; dosagens séricas de creatinina, uma medida da

função renal; e determinação do RNI (Relação Normalizada Internacional), que é uma medida

da atividade da protombina, a qual mede a função do fígado de produção de fatores de

coagulação35.

O Pediatric End-stage Liver Disease (PELD) é similar ao MELD, entretanto aplica-se

para crianças com idade inferior a 12 anos, e utiliza exames laboratoriais, como: valor de

bilirrubina, que mede a eficiência do fígado em excretar bile; valor de albumina, o qual mede

a habilidade do fígado em manter a nutrição; e valor de RNI, que visa medir a atividade da

protombina, e consequentemente a função hepática de fatores responsáveis pela coagulação36.

3.3 A FORMAÇÃO DA LISTA ÚNICA PELO CRITÉRIO DA GRAVIDADE A PARTIR

DOS ÍNDICES MELD E PELD

Para se efetivar a inscrição do paciente na lista única é necessário que este possua

valor mínimo de MELD 6. Para o índice PELD, não há pontuação mínima, todavia, os valores

inferiores a 1 serão arredondados para PELD equivalente a 1. Calcula-se que, em novembro

de 2004, aproximadamente 61 % dos pacientes inscritos não deveriam estar na lista, pois

possuíam MELD inferior a 15 e, não tinham necessidade de um transplante. No Rio de

Janeiro, 74% dos pacientes estavam inscritos desnecessariamente na lista37.

Conforme o Anexo I da Portaria 1.160/06, a distribuição de fígados de doadores

cadáveres para transplante deverá considerar três critérios: compatibilidade/identidade

35 O anexo II da Portaria 1.160/06 estabelece a fórmula do MELD = 10 x [0,957 x Loge (creatinina mg/dl) + 0,378 x Loge (bilirrubina mg/dl) + 1,120 x Loge (INR) + 0,643] arredonda-se o valor obtido para o número inteiro mais próximo. Caso os valores de laboratório sejam menores que 1, arredonda-se para 1,0; a creatinina poderá ter valor máximo de 4,0, caso seja maior que 4,0 considera-se 4,0; se o paciente realizar diálise mais de duas vezes por semana, o valor da creatinina considera-se, também, igual a 4,0. 36 Fórmula de cálculo do PELD = 10 x [0,480 x Loge (bilirrubina mg/dl) + 1,857 x Loge (INR) - 0,687 x Loge (albumina mg/dl) + 0,436 se o paciente tiver até 24 meses de vida + 0,667 se o paciente tiver déficit de crescimento menor - 2]. Se os valores de laboratório forem menores que 1, arredonda-se para 1,0; o cálculo do valor do déficit de crescimento baseia-se no gênero, peso e altura do paciente; ajusta-se o PELD para harmonização com o MELD multiplicando-se por 3 e arredondando o resultado para valor inteiro. 37Sobre o tema, ver a tabela: GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Situação do Transplante Hepático no Brasil. Disponível em <http://www.hepato.com/materias/Meld_classificação_dos_pacientes_Brasil.pdf>. Acesso em: 20 de abr. de 2007.

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31

sangüínea, compatibilidade anatômica e por faixa etária e urgência. Exclui-se à

compatibilidade/identidade ABO, entre doador e receptor, os casos de receptores do grupo

sangüíneo B com índice MELD igual ou maior que 30, os quais concorrerão, também, aos

órgãos de doadores do grupo O.

Ocorre a priorização de pacientes nos casos de urgência, gravidade clínica

(MELD/PELD) e em algumas situações especiais elencadas no Anexo I da referida Portaria.

Consideram-se critérios de urgência a insuficiência hepática aguda grave, o não-

funcionamento primário do enxerto notificado à CNCDO em até 7 dias, após a data do

transplante38; trombose de artéria hepática notificada à CNCDO em até sete dias, após a data

do transplante, podendo prorrogar-se a classificação por mais sete dias39; pacientes anepáticos

por trauma; e pacientes anepáticos por não funcionamento primário do enxerto.

Os casos classificados como de gravidade clínica utilizam os índices MELD/PELD,

priorizam os pacientes com maior pontuação e levam em consideração o tempo de espera na

lista40.

As situações especiais para pacientes adultos (assim considerados os doentes maiores

de 12 anos), listadas no ponto 2.2, do Anexo II, da Portaria, recebem valor MELD igual a 20.

Caso o paciente cujo diagnóstico se enquadre nessas situações não seja transplantado em 3

meses, a sua pontuação passará, automaticamente, para MELD 24, e, se decorrer o prazo de 6

meses, tal índice passará a ter o valor de 29. No caso de crianças (até 12 anos) o PELD

passará a ter o valor correspondente a 30, nas situações descritas no ponto 3.2, do Anexo II,

da Portaria. Caso não ocorra o transplante em 30 dias, a pontuação do paciente será ajustada

para PELD equivalente a 35.

O critério da gravidade, assim como qualquer outro, poderá ser auditado pela Câmara

Técnica Nacional de Transplante de Fígado que poderá ser convocada em qualquer momento 38 Essa classificação poderá ser prorrogada por mais 7 dias. Caso não ocorra o transplante dentro desses prazos, o paciente perde a condição de urgência e permanece com o último valor de MELD, observando-se a periodicidade do exame. 39 Se não ocorrer o transplante dentro desses prazos, o paciente perde a condição de urgência e assume um MELD equivalente a 40. 40 A Portaria objeto deste capítulo considera para candidatos a receptor com idade igual ou superior a 12 anos (MELD) a pontuação a ser considerada = (cálculo do MELD x 1.000) + (0,33 x número de dias em lista de espera (data atual - data de inscrição em lista, em dias)); Para candidatos a receptor com idade menor de 12 anos (PELD) a pontuação a ser considerada = (cálculo do PELD x 1.000) + (0,33 x número de dias em lista de espera data atual - data de inscrição em lista, em dias). O valor do PELD será multiplicado por três para efeito de harmonização com os valores MELD, pois a lista é única, tanto para crianças quanto para adultos. Este valor de PELD se chamará "PELD ajustado".

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32

pela Coordenação Geral do Sistema Nacional de Transplantes para que se proceda à alteração

a fim de que um paciente possa ocupar uma posição privilegiada em lista de espera.

3.4 A MUDANÇA DO CRITÉRIO CRONOLÓGICO PARA A GRAVIDADE E A NOVA

SITUAÇÃO DOS PACIENTES ANTERIORMENTE INSCRITOS

Estão sujeitos ao novo critério de alocação de fígado para transplante todos os

pacientes inscritos na vigência do critério cronológico, assim como os que vierem a se

inscrever após a implantação do sistema da gravidade. O Ministério da Saúde estipulou o

prazo de dois meses para que a mudança de critério da lista entre em vigor.

A realocação dos pacientes anteriormente inscritos em posições menos benéficas é

vista por estes como precipitada e até inconstitucional, pois haveria um "direito adquirido" de

quem já estava na fila e prestes a serem contemplados pelo critério antigo. Assim como ocorre

hoje com os pacientes que recorrem ao Judiciário para obter a realização do transplante

devido à gravidade, a alteração do critério no âmbito normativo pode levar à propositura de

inúmeras ações judiciais, buscando medidas cautelares para garantir aos pacientes já inscritos

o seu lugar na fila. O argumento seria o fato de uma portaria ou decreto não poder retroagir e

atentar contra os direitos adquiridos por esses pacientes41.

O tempo de espera na lista utilizar-se-á, contudo, como critério de desempate entre

duas ou mais pessoas com mesmo valor de MELD/PELD e igualmente, compatíveis com um

potencial doador. Porém para realização de tal cálculo diferenciam-se os candidatos adultos,

com idade igual ou superior a 12 anos42, dos menores de 12 anos43.

3.5 ESTUDOS SOBRE A EFICIÊNCIA DO NOVO CRITÉRIO E ANÁLISE CRÍTICA DA

PORTARIA 1.160/06

41 GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. 42 Pontuação = MELD x 1.000 + 0,33 x ND 43 Pontuação = PELD x 1.000 + 0,33 x ND, onde ND corresponde ao número de dias inscrito em lista de espera. Deve-se multiplicar o valor do PELD por três, para efeito de harmonização com os valores MELD, pois a lista é única, tanto para crianças quanto para adultos.

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33

Na Espanha, onde a captação de órgãos chegou a uma média de 40 fígados por milhão

de habitantes por ano, pôde-se estabelecer um sistema de rodízio entre os serviços, os quais

definiam seus próprios critérios. Dessa forma, em países com farta captação de órgãos, a

cronologia cumulada com a gravidade dos pacientes é funcional, permitindo uma maior

eficiência do sistema. Tal fato permitiu a utilização do critério cronológico para os portadores

de doença hepática crônica, pois a média de espera na lista era inferior a seis meses e a taxa

de mortalidade desprezível. Já nos países cuja captação de órgãos é inferior à demanda,

geralmente se recorre à aplicação de outros critérios de alocação, tal como a gravidade, de

forma a diminuir a mortalidade na lista de espera44.

No Brasil, o avanço na realização de transplantes é notório desde 1990. O Ministério

da Saúde revela que, em 1995, foram realizados 4.134 transplantes de órgãos. Em 2003, esse

número dobrou, totalizando 8.554 cirurgias realizadas, dentre esses, 609 transplantes

hepáticos, sendo 39 retransplantes45.

Foi realizada interessante pesquisa que questiona a aplicação do índice MELD no

Brasil, por alunos da Faculdade de Medicina da USP, sob a coordenação dos professores

Paulo Massarollo e Sérgio Mies. A pesquisa teve como objeto de análise 237 transplantados,

no período de 1º de novembro de 1995 a 30 de julho de 2001, no Hospital das Clínicas de São

Paulo. O estudo pretendia relacionar o índice MELD anterior ao transplante com o resultado

da cirurgia. Para tanto, dividiu-se os transplantados em dois grupos: um, composto por 126

pacientes com MELD médio de 9,4 (menos graves), e outro, contendo 111 pacientes com

MELD médio de 20,1 (mais graves)46.

Observou-se que as curvas de sobrevida de cada grupo são estatisticamente diferentes

44 BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As Controvérsias Sobre os Critérios de Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set./out., 2005. Disponível em: <http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. 45 MARINHO, Alexandre; CARDOSO, Simone de Souza. Avaliação da eficiência técnica e da eficiência de escala do sistema nacional de transplantes. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1260.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2007. O estudo aponta que o Brasil é o segundo país do mundo em número de transplantes. Em primeiro lugar está os Estados Unidos, no qual 300 pessoas são acrescentadas nas listas de transplantes diariamente, e são realizados 70 transplantes diários. Nesse país, conforme dados da Organ Procurement and Transplantation Network, as listas somam 96.440 inscritos, desse total, 16.879 aguardam por um fígado (dados atualizados até as 10h e 09 min do dia 16 de maio de 2007 em http://www.optn.org/data/). 46 FOLHA ONLINE. São Paulo: Folha da Manhã. Diário. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0711200210.htm>. Acesso em: 16 abr. 2007. O estudo foi o vencedor do prêmio anual Oswaldo Cruz, concedido no 21º Congresso Médico Universitário ao melhor trabalho dos estudantes na área de cirurgia.

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entre si. Os pacientes menos graves apresentaram, nos primeiros seis meses após o

transplante, uma taxa de mortalidade de 15%, enquanto que, os que possuem índice MELD

mais elevado, o percentual foi de 26%. Contatou-se que a mortalidade dobra a cada 15 pontos

na escala MELD. Calcula-se que nos pacientes com índice MELD igual ou superior a 40, a

mortalidade após o transplante ultrapasse 50%.

Evidencia-se que nesse sistema, os pacientes mais graves serão os primeiros a ser

transplantados, aumentando-se a mortalidade pós-transplante. O estudo concluiu que a adoção

desse critério no Brasil seria inapropriada, pois a falta de enxertos contribui para a baixa

quantidade de transplantes realizados, e após um tempo de espera médio de 24 meses, apenas

10% dos inscritos na lista única são transplantados a cada ano.

Porém, com a adoção do critério MELD/PELD, desprezam-se os pacientes com

maiores chances de obter um bom resultado pós-operatório, somente podendo ser operados

quando apresentarem índice MELD suficientemente alto para lhes conferir prioridade na lista.

Por conseguinte a mortalidade na lista de espera seria substituída pela mortalidade pós-

operatória precoce.

Sergio Mies, representante da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos,

aponta que, no estado de São Paulo, o qual realiza cerca de 50% dos transplantes de fígado do

país, foram transplantados em 2004, apenas 8% dos pacientes inscritos na lista sendo que,

desse percentual, 35% não tiveram sobrevida maior que um ano. Ressalta também, que

pacientes mais graves apresentam maior tempo de internação, maior quantidade de

complicações, maior necessidade de transfusão de sangue, entre outros cuidados, e,

conseqüentemente, maiores chances de mortalidade operatória. Logo, com um critério

exclusivamente baseado na gravidade, ocorrerão apenas os transplantes dos 8% mais graves.

Assim, só ocorrerá o transplante dos clinicamente melhores quando estivessem debilitados

pelo avanço da doença47.

Nos países com um eficiente sistema de captação de órgãos (com período máximo de

seis meses), é realizável o transplante de todos os inscritos, sendo que apenas nessas

47 Dados da Secretaria Estadual de Saúde do Estado de São Paulo. Ver: GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007.

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condições, é factível priorizar os casos de maior gravidade. Assim, nos Estados Unidos, onde

se utiliza o sistema MELD, a sobrevida dos pacientes após 1 ano da cirurgia corresponde a

85% dos transplantados48.

A pesquisa mostra que, no Brasil, o critério que pode assegurar o melhor

aproveitamento e a justa distribuição dos escassos recursos disponíveis seria o cronológico.

Recomenda-se a adoção desse método até que se aperfeiçoe a captação de órgãos de modo

que se possa transplantar a maioria dos inscritos na lista.

Porém, estudos demonstram que pacientes com valor de MELD até 15, possuem

maiores riscos de morte pelo próprio procedimento do transplante do que pela doença. Assim,

nesses pacientes, o transplante pode ser postergado. Mauricio Fernando de Almeida Barros

afirma que quando aplicamos o critério da gravidade, durante um período determinado, ter-se-

ia o dobro de vivos, porém, utilizando a ordem cronológica, estar-se-iam realizando

transplantes em pacientes com baixo nível de MELD e deixando de lado os casos mais graves.

Nessa hipótese, a sobrevida dos transplantados poderá ser discretamente maior49.

A Associação Brasileira dos Transplantados de Fígado e Portadores de Doenças

Hepáticas (Transpática) recebeu positivamente a nova portaria do Ministério da Saúde. No

“site” da referida entidade, foi dito que a mudança de critério para gravidade configura:

uma importante etapa no avanço normativo e estrutural, após algumas medidas antecedentes tais como a que igualou a remuneração por transplantes em hospitais universitários e não universitários; impulsionou o crescimento horizontal no país da disponibilização de centros transplantadores; percepção de que a falta de órgãos não decorre unicamente da propagada “falta de doadores”, mas sim da ma estrutura de captação e fatores correlatos, o que tem determinado esforços visando à instalação das COMISSÕES INTRA-HOSPITALARES DE TRANSPLANTES – CIHT’s; etc.50.

Estatísticas publicadas pela Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo

mostram que 54,5% dos inscritos na lista morreram na espera por um fígado. A sobrevida dos

48 TRANSPÁTICA. Presidido por Ervin Moretti. Disponível em: <http://transpatica.org.br/5.htm>. Acesso em: 24 abr. 2007. 49 MERION, R. M. When is a patient too well and when is a patient too sick for a liver transplant? Liver Transplant, vol. 2, 2004, p. 69-73 apud BARROS, Mauricio Fernando de Almeida. Transplante de Fígado: As Controvérsias Sobre os Critérios de Alocação. Revista Prática Hospitalar, ano VII, n. 41, set/out., 2005. Disponível em: <http://www.praticahospitalar.com.br/pratica%2041/pgs/materia%2012-41.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. 50 TRANSPÁTICA. Presidido por Ervin Moretti. Disponível em: <http://www.transpatica.org.br/noticia.asp?cod_noticia=517>. Acesso em: 24 abr. 2007. A qual foi fundada em julho de 1999, e constituída por voluntários que se dedicam à orientação e apoio na prevenção e tratamento dos portadores de doenças hepáticas e daqueles que aguardam em lista de espera para o transplante de fígado.

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transplantados, nos seis primeiros meses, indica uma mortalidade de 28%. A Associação

Brasileira dos Transplantados de Fígado Portadores de Doenças Hepáticas (Transpática),

afirma que tal panorama indica a inadequada evolução da captação de órgãos, que tende ao

aumento do número de inscritos. Dados que assustam, comparando-os com outros países

como os Estados Unidos, onde a mortalidade na fila é de 7%. Já no ano de 2006, a taxa de

mortalidade na lista baixou para 20,74% no estado de São Paulo51.

Sérgio Mies afirma que para evitar o desperdício de órgãos em pacientes com mínimas

probabilidades de sobrevivência, alguns países europeus não transplantam pacientes maiores

de 60 ou 65 anos por possuírem um risco pós-operatório maior (Itália, Espanha). A proposta

encaminhada ao Ministério da Saúde pretende incluir apenas pacientes com nível mínimo de

gravidade, onde os pacientes seriam transplantados por ordem de inscrição. Se o falecimento

ocorrer antes da cirurgia, evidencia-se a urgência na sua realização, tornando fútil o

transplante.

Sobre a situação dos que necessitam urgentemente do transplante após a adoção do

índice MELD, segundo aponta Lucas Rister de Sousa Lima,

com a criação do referido índice, o drama dessas pessoas, no entanto, apesar de parecer ter sido resolvido prima facie, ainda está longe de um final feliz. Isto porque as centrais estaduais de transplantes ainda não têm condições técnicas nem financeiras de efetuar todos os exames necessários para o estabelecimento da ordem de gravidade dos pacientes segundo tal critério, e, menos ainda, na periodicidade exigida. Ademais, tal sistemática – ainda que estivesse funcionando a contento - restringe-se tão-somente aos receptores de fígados, que representam irrisórios 10% do número total de pessoas aguardando por um transplante52.

Cabe referir que, em 1988, para fins pediátricos, empregou-se como enxerto parte do

lobo esquerdo do fígado de um doador vivo, com risco de mortalidade ao redor de 0,2 a 0,3%.

Com as fortes críticas da comunidade internacional tal procedimento foi interrompido. Tal

técnica foi retomada progressivamente devido à pressão exercida pelas extensas listas de

receptores infantis, totalizando mais de três mil crianças operadas em dezembro de 2002.

Inspirados nos resultados positivos, em 1995, japoneses iniciaram o uso do lobo direito como

51 SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Saúde do Estado de São Paulo. Taxa de mortalidade em lista de espera. Disponível em: <http://www.saude.sp.gov.br/resources/central_de_transplantes/pdf/mortalidade_figado_2006.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2007. Ver também: TRANSPÁTICA. Presidido por Ervin Moretti. Disponível em: <http://www.transpatica.org.br/noticia.asp?cod_noticia=39>. Acesso em: 10 mar. 2007. 52 LIMA, Lucas Rister de Sousa. O direito à burla na fila para transplante de órgãos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1162, 6 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8892>. Acesso em: 6 de nov. de 2006.

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enxerto em pacientes adultos. Estima-se que tenham sido realizados cerca de 1500

transplantes intervivos em adultos53.

Pequenas melhorias na oferta de órgãos podem reduzir significativamente os prazos de

espera. O órgão como um bem público, deve ser utilizado de forma a obter o maior

aproveitamento possível para o maior número de pacientes. Conforme estudo realizado pelo

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que simulou o aumento da demanda por

transplantes, mesmo que em pequena proporção, concluiu que os tempos de espera na fila

sofrerão elevações dramáticas. Tal estudo indicou que a falta de recursos não é o principal

óbice na realização de transplantes, mas aspectos como a extensão e os longos tempos de

espera nas filas, como também, o empenho das autoridades no incremento do processo de

doação e captação de órgãos contribuem para agravar a situação atual do SNT54.

O “Grupo Unidos Venceremos” aponta para algumas falhas do sistema, tais como a

falta de comunicação entre hospitais, de transporte para o órgão chegar ao seu destino nas

melhores condições possíveis, de exames pré-operatórios, antes da entrega do órgão, que

indiquem a compatibilidade entre doador e receptor evitando o desperdício de órgãos. Expõe

que algumas medidas poderiam melhorar a captação e aproveitamento de órgãos, como

campanhas, orientação aos hospitais evitando a perda de órgãos doados, comunicação

constante entre os hospitais, multidisciplinariedade e honestidade das equipes e juntas

médicas nos diversos Estados, as quais devem avaliar a compatibilidade entre doador e

receptor, a necessidade e estimar a sobrevida do doador55.

Uma solução normativa seria o estabelecimento de normas de fiscalização que

permitissem responsabilizar o médico do paciente, bem como os membros da equipe

alocadora de fígados quando ocorrer suspeitas de irregularidades ou venham a ser efetuadas

denúncias de favorecimento. Para tanto, seria conveniente que a Central de Transplantes

Estadual arquivasse os resultados dos exames de sangue, como também, as amostras

53 MARINHO, Alexandre; CARDOSO, Simone de Souza. Avaliação da eficiência técnica e da eficiência de escala do sistema nacional de transplantes. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1260.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2007. 54 MARINHO, Alexandre; CARDOSO, Simone de Souza. Avaliação da eficiência técnica e da eficiência de escala do sistema nacional de transplantes. Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1260.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2007. 55 GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007.

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congeladas do fígado retirado. Assim, caso sejam necessários novos exames, uma perícia

poderia ser realizada para se perquirir acerca da lisura do processo questionado. Tal medida,

que poderia implicar a perda do registro profissional dos envolvidos, inibiria a prática de

favorecimentos56.

A conclusão a que se chega é a de que a discussão volta-se para a alocação dos

fígados, porém pouco se fala no aumento da captação. Se o sistema de captação fosse

eficiente, desnecessário seria discutir sobre os critérios de transplante, pois, existiriam fígados

para todos. Conforme aponta Carlos Varaldo, diretor do “Grupo Otimismo”57, o problema se

encontra no fato da captação ser mal remunerada, desencorajando o trabalho dos profissionais

da área. Se a contraprestação fosse digna, o número de transplantes poderia ser aumentado em

alguns meses. Porém, maior captação representa acréscimo maior despesa na realização de

transplantes, bem como na manutenção dos transplantados. Questiona se não teria o governo

interesse em manter o reduzido número de transplantados para não aumentar os gastos,

controlando o orçamento58. Registre-se que consideramos demasiadamente radical tal

posicionamento, o que possivelmente decorre do drama enfrentado diariamente por Varaldo,

na condição de diretor de um grupo de apoio a pacientes59.

Sustenta que o critério cronológico da lista de espera é totalmente democrático,

impossibilitando fraudes, pois é aberto aos pacientes, que funcionam como auditores. A

cronologia desconsidera qualquer característica racial, econômica, social, igualando todos

perante a lei. No novo sistema, cada estado forma uma comissão avaliadora, composta por

médicos, com capacidade de determinar os pacientes que receberão o órgão. Carlos Varaldo

os compara com " ’juizes’ ocupando o lugar de Deus, para determinar quem deverá

sobreviver e quem deverá aguardar pacientemente seu agravamento ou até a morte” 60.

56 GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. 57 O Grupo Otimismo é uma organização não governamental de apoio aos portadores de hepatite, formado por voluntários em 1998 e legalizado em 1999, sob o Registro n°. 176.655 - RCPJ-RJ (11/08/1999) e CNPJ: 06.294.240/0001-22. 58 GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007. 59 Embora não seja médico, Carlos Varaldo, que lutou contra a hepatite C, conquistou um reconhecimento ímpar, entre leigos e médicos, e hoje é uma autoridade na doença, assunto que conhece em profundidade, tendo escrito dois livros sobre o tema. 60 GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007.

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Não há resultados consistentes do sistema MELD/PELD, devido ao seu pouco tempo

de vigência, no Brasil, e em outros países. Segundo dados do SNT, em 2004, foram

notificados às Centrais de Transplantes cerca de 5.070 casos de morte encefálica, requisito

essencial para a doação de órgãos. Tal número é muito inferior ao estimado para a população

brasileira. A não instalação das Comissões Intra-Hospitalares de Transplantes determinadas

pela Portaria Federal nº. 905, de 16 de agosto de 2000, bem como a falta de estrutura para

completar o diagnóstico de morte encefálica na maioria dos hospitais, demonstram, na opinião

de Francisco Neto de Assis, que a prioridade deveria ser a concentração de esforços para

implementar a captação de órgãos61.

CONCLUSÃO

Partindo-se da idéia de que os órgãos captados seriam “bens públicos”, surgiu a

necessidade de se adotar uma extensa regulamentação sobre a atividade de transplantes,

inexistente quando da realização das primeiras cirurgias, em meados do século XX. A

definição de critérios claros, tecnicamente corretos, socialmente aceitáveis e justos, de

destinação dos órgãos é fundamental para garantir à sociedade a segurança que o tema exige.

Visando a atingir tal objetivo, foi publicada a Lei nº. 9.434/97 (Lei dos Transplantes), e o

Decreto nº. 2.268/97, que se opuseram à informalidade que vigia anteriormente. Porém, tais

diplomas tratavam com indiferença os pacientes com estado de saúde mais grave e que se

inscreviam tardiamente para a realização do transplante.

A escolha do critério para inscrição na fila dos transplantes envolve princípios

constitucionais como o direito à vida e, ao mesmo tempo, o direito à igualdade de tratamento.

A referida lei adotou como critério de igualdade a ordem de inscrição na lista, mas a crítica

sofrida aponta como outro critério possível, e que respeitaria a igualdade, a observação à

gravidade do estado de saúde de cada paciente, segundo a máxima "a cada um segundo suas

necessidades". Dado que comprova a necessidade da tomada de alguma providência é o fato

de que, como conseqüência do estabelecimento da cronologia pela lei, mais de 60% dos

inscritos na lista de espera não possui necessidade imediata do transplante, tendo sido

61 GRUPO OTIMISMO (Rio de Janeiro). Página dedicada a artigos relacionados contra o absurdo da pretensa mudança do critério da lista de alocação de fígados para transplante. Disponível em: <http://www.hepato.com/materias/absurdo.html>. Acesso em: 25 mar. 2007.

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incluídos na lista por precaução dos médicos62.

O Poder Judiciário, majoritariamente, negava tutela àqueles em grave estado de saúde

que buscavam sua proteção, geralmente com a justificativa de que não seria de sua

competência, mas exclusivamente dos centros de transplantes, decidirem interferir em tal

questão. No entanto, passaram a ser proferidas decisões divergentes desse entendimento,

consagrando a gravidade, as quais, por sua vez, podiam ser vistas como atentatórias à

segurança jurídica e ordem pública, afrontando o princípio constitucional da igualdade.

Questiona-se a existência de uma legítima expectativa dos pacientes inscritos em lista única

segundo o critério cronológico de que tais ações fossem julgadas improcedentes.

Respondendo aos questionamentos que refletiram nas decisões judiciais reconhecendo

o direito ao transplante por parte dos pacientes com grave estado de saúde, o Ministério da

Saúde editou a Portaria 1.160/06, a qual representa a consagração, no âmbito normativo, do

critério da gravosidade para transplantes de fígado. A adoção do critério cronológico para a

realização de transplantes havia elevado o índice de mortalidade em lista de espera, que

passou a ter crescimento exponencial, pois não havia qualquer esperança aos pacientes

portadores de doença hepática em fase avançada de qualquer etiologia que necessitasse de um

transplante de fígado para sobreviver.

Sabe-se que a saúde é direito de todos e dever do Estado, e que deve ser garantido

mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros

agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação, conforme o disposto no artigo 196 da Constituição Federal. Assim, considerando

que a adoção do critério exclusivamente cronológico em detrimento da gravidade leva a altos

índices de mortalidade nas listas de espera, conclui-se pela sua insuficiência na política de

transplantes pátria. Utilizando-se esse critério, com o decorrer do tempo, verificou-se o

aumento da realização de transplantes em pacientes sem elevada gravidade, e não naqueles

com maior urgência, uma vez que não havia critérios mínimos para a listagem dos pacientes

no sistema anterior.

O Poder Judiciário deixou de ignorar tal situação, na qual pacientes graves incluídos

62 RESK, Sucena Shkrada. A vida que segue. Desafios do desenvolvimento. São Paulo: Gráfica, n.32, p. 30-37, mar. 2007.

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em lista não teriam qualquer possibilidade de receber o órgão. O critério cronológico, em

nome da igualdade formal e da segurança, desconsiderava a opinião do médico em decisões

que, inicialmente, seriam exclusivamente médicas. Eram prejudicados justamente os doentes

graves, que, em última análise, eram os que mais urgentemente precisavam do transplante,

pois somente os menos graves suportavam o longo tempo de fila.

A Portaria 1.160/06 consagrou o critério MELD/PELD, o qual é utilizado para

transformar em números o risco de óbito se o paciente não realizar o transplante nos próximos

três meses. Representa significativo avanço não somente a mudança de critério, mas também

a exigência, para se efetivar a inscrição na lista única, do valor mínimo de MELD equivalente

a 6, não havendo, para o índice PELD, pontuação mínima para inscrição. Considerando-se

que também estarão sujeitos ao novo critério de alocação de fígado os pacientes inscritos na

vigência da portaria anterior, tal disposição excluiria, de plano, cerca de 60 % dos pacientes

inscritos, por não terem necessidade urgente do transplante63.

Cabe registrar que há, por parte de alguns grupos ligados à questão dos transplantes,

severas críticas e restrições quanto à adoção do critério MELD/PELD. Aponta-se que, pela

nova sistemática, desprezam-se os pacientes com maiores chances de obter uma boa

recuperação após a cirurgia, levando a uma mortalidade pós-operatória precoce, a qual não

ocorria na vigência do critério cronológico. Ademais, não seria difícil burlar o novo índice, o

que poderia ser feito através de uma desnecessária internação do paciente em UTI, ou pelo

uso de medicamentos e diuréticos, capazes de alterar os resultados de exames, aumentando os

pontos na escala MELD do paciente.

Embora não tenham sido apurados resultados consistentes acerca da eficiência do

critério MELD/PELD para a elaboração da lista de receptores de fígado segundo a gravidade

do estado de saúde dos pacientes, devido ao seu pouco tempo de vigência no Brasil, a sua

adoção pela Portaria 1.160/06, representa uma evolução. Inicialmente, porque reconhece a

insuficiência do critério anterior e a necessidade da busca por uma solução alternativa. Além

disso, porque pode levar a uma ampla reflexão sobre o tema dos critérios para a escolha de

receptores também dos demais órgãos e, a longo prazo, à consagração da gravidade do estado

de saúde do doente como fator determinante da sua posição na lista de espera.

63 RESK, Sucena Shkrada. A vida que segue. Desafios do desenvolvimento. São Paulo: Gráfica, n.32, p. 30-37,

mar. 2007.

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REFERÊNCIAS

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DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. aument. atual. São Paulo: Saraiva, 2002. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 1ª Câmara Cível. Agravo de instrumento. Direito à saúde. Transplante de órgão (fígado). Caso de retransplante. Não pode o judiciário, dentre os casos de urgência máxima, determinar que o primeiro órgão compatível seja transplantado neste ou naquele paciente. No entanto, pode, e deve, se houver prova técnica, classificar o caso como de urgência máxima, devendo como tal ser considerado pela equipe médica, porque em tal hipótese estará a ocorrer violação a direito subjetivo. exegese do art. 5. º, XXXV, DA CF. Agravo parcialmente provido por maioria. Voto vencido do relator. Agravo de Instrumento nº. 70011728524. Agravante: Estado do Rio Grande do Sul. Agravado: R. V. L. Relator: Des. Luiz Felipe Silveira Difini. Julgado em 24 ago. 2005. _____. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 1ª Câmara Cível. Agravo de instrumento. Direito público não especificado. Direito à saúde. Transplante de órgão (fígado). Caso de retransplante. Classificação como de urgência máxima. 1. Não pode o judiciário, dentre os casos de urgência máxima, determinar que o primeiro órgão compatível seja transplantado neste ou naquele paciente. No entanto, pode, e deve, se houver prova técnica, classificar o caso como de urgência máxima, devendo como tal ser considerado pela equipe médica, porque em tal hipótese estará a ocorrer violação a direito subjetivo. exegese do art. 5.º, XXXV, da CF, e do art. 24, § 5.º, do decreto 2.268/97, que regulamentou a lei 9.434/97. 2. Agravo provido em parte. Agravo de Instrumento nº. 70012715108. Agravante: G. S. F. Agravado: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Irineu Mariani. Julgado em 17 maio 2003. _____. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 3ª Câmara Cível. Direito público não especificado. Paciente portadora de cirrose hepática que necessita realizar transplante. Prioridade. Critério híbrido adotado. A agravante encontra-se na lista única de transplante de fígado, buscando afastar o critério cronológico em virtude do risco iminente de morte. A análise clínica da agravante, assim como dos demais pacientes classificados como de prioridade máxima da lista única, procedida por médico da secretaria estadual da saúde, deverá ser adotada para, se necessário, abandonar o critério cronológico legalmente previsto. Agravo parcialmente provido, por maioria. Agravo de Instrumento nº. 70013676044. Agravante: M. M. P. D. F. Agravado: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco. Julgado em 26 jan. 2006. _____. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 3ª Câmara Cível. Direito público não especificado. Processual civil. Ação cautelar. Transplante de fígado. Antecipação em lista de espera de doador. Inépcia da inicial. Falta de condições da ação e impossibilidade jurídica do pedido. Processo extinto. Decisão que se impõe confirmada. Apelação desprovida. Apelação Cível Nº. 70011591963. Apelante: C. T. C. S. Apelado: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Luiz Ari Azambuja Ramos. Julgado em 7 jul. 2005. _____. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 4ª Câmara Cível. Agravo de instrumento. Constitucional, administrativo e processual civil. Saúde pública. Portador de cirrose álcool + chc. Necessidade de transplante de fígado. Inscrição no sistema nacional de transplante. Alegação de iminente risco de vida. Alteração da ordem de inscrição. Ausência de prova imprescindível. Ônus probatório do agravante. Liminar indeferida. A inobservância do critério cronológico da lista dos pacientes que estão a espera de um transplante de fígado só poderá

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ocorrer mediante respaldo oficial da autoridade competente, o que inexiste no caso. Agravo não provido. Agravo de Instrumento nº. 70008701203. Agravante: J. R. G. P. L. Agravado: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Wellington Pacheco Barros. Julgado em 30 jun. 2004. _____. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 4ª Câmara Cível. Agravo de instrumento. Constitucional, administrativo e processual civil. Saúde pública. Portador de cirrose álcool hemocromatose. Necessidade de transplante de fígado. Inscrição no sistema nacional de transplante. Alegação de iminente risco de vida. Alteração da ordem de inscrição. Ausência de prova imprescindível. Ônus probatório do agravante. Tutela antecipada indeferida. Efeito suspensivo indeferido. A inobservância do critério cronológico da lista dos pacientes que estão à espera de um transplante de fígado só poderá ocorrer mediante respaldo oficial da autoridade competente, o que inexiste no caso. Agravo não provido. Agravo de Instrumento nº. 70013139274. Agravante: D. B. Agravado: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Wellington Pacheco Barros. Julgado em 25 jan. 2006. _____. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 4ª Câmara Cível. Agravo de instrumento. Constitucional, administrativo e processual civil. Saúde pública. Portador de cirrose criptogênica porfiria. Necessidade de transplante de fígado. Inscrição no sistema nacional de transplante. Alegação de iminente risco de vida. Alteração da ordem de inscrição. Ausência de prova imprescindível. Ônus probatório do agravante. Liminar indeferida. A inobservância do critério cronológico da lista dos pacientes que estão à espera de um transplante de fígado só poderá ocorrer mediante respaldo oficial da autoridade competente, o que inexiste no caso. Agravo não provido. Agravo de Instrumento nº. 70013538715. Agravante: A. B. R. Agravado: Estado do Rio Grande do Sul Relator: Des. Wellington Pacheco Barros. Julgado em 3 maio 2006. _____. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 4ª Câmara Cível. Agravo de instrumento. Constitucional. Administrativo. Saúde pública. Central de transplantes do RS. Transplante hepático. Alegado índice máximo de gravidade. Lista de espera. Ação ordinária. Tutela antecipada. Indeferimento na origem em regime de plantão. Contato com médico coordenador dando conta da inexistência da urgência alegada. Não-conhecimento. Indeferimento liminar da inicial e extinção do recurso. Agravo de Instrumento nº. 70006225247. Agravante: J. F. Z. Agravado: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Des. Wellington Pacheco Barros. Julgado em 23 abr. 2003. FARIA, Maria Paula Bonifácio Ribeiro de. Aspectos jurídicos-penais dos transplantes. Porto: Universidade Católica Potuguesa, 1995. FÍGADO. In: Enciclopédia Microsoft Encarta, c1999, CD-ROM. FOLHA ONLINE. São Paulo: Folha da Manhã. Diário. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0711200210.htm>. Acesso em: 16 abr. 2007. GARCIA, Valter Duro. A política de transplantes no Brasil. Porto Alegre: Revista da AMRIGS, out./dez. 2006. Disponível em: <http://www.amrigs.com.br/revista/50-04/aesp01.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2007. GARDNER, Weston D.; OSBURN, William A. Anatomia do corpo humano, p. 19-20 apud GOGLIANO, Daisy. O direito ao transplante de órgãos e tecidos humanos, cit., p. 200-1 apud

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