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Conceitos e base teórica para interpretação do ECG Eletrocardiograma (procedimento) obtém a eletrocardiografia (traçado) utilizando um eletrocardiógrafo (aparelho). Na eletrocardiografia (ECG) registra- se a atividade elétrica do coração a partir de diferentes “pontos de vista”. É importante saber que um paciente hígido pode ter um ECG alterado, assim como um paciente cardiopata pode ter um ECG normal, pois a atividade elétrica é apenas um dos aspectos que podem estar alterados em um coração doente. É ainda mais importante ressaltar que o ECG apenas deve ser valorizado quando acompanhado de contexto clínico, sendo inadequado avaliá- lo sem a colheita cuidadosa da história do paciente. O fato do ECG registrar a atividade elétrica do coração (e apenas isso) não limita sua funcionalidade, vez que a forma como se conduz (ou, às vezes, não se conduz) o estímulo elétrico depende de muitos fatores. Por exemplo: alterações nos eletrólitos, velocidade de condução do estímulo, zonas inativas, hipóxia e anóxia, posicionamento e tamanho do coração podem ser suspeitados valendo-se do princípio que a atividade elétrica alterada pode resultar de diversos desequilíbrios da homeostase. Por se tratar de texto de revisão, não aprofundaremos em princípios fisiológicos e fisiopatológicos. Os estudantes interessados em ampliar seu conhecimento podem buscar livros consagrados na literatura que já fazem isso muito bem. Concentrar-nos-emos a seguir em uma abordagem sumarizada da técnica do ECG e sua interpretação. Dúvidas podem ser esclarecidas nos supracitados livros, mediante pesquisa, ou com professores. Dentro de minhas limitações, também me coloco à disposição pelo meu e-mail [email protected]. Seguindo: a atividade elétrica do coração é resultado do fluxo de íons pela membrana da célula muscular estriada cardíaca, à qual nos referiremos como miócito. Os três íons que se destacam como responsáveis pela atividade elétrica são o Sódio iônico, o Potássio iônico e o Cálcio iônico. Inicialmente, a membrana está em repouso. Nessa situação, o potássio encontra-se predominantemente dentro da célula e o sódio e o cálcio no meio extracelular. Um adendo: ao dizer “dentro da célula”, referimo-nos especificamente ao citoplasma (você deve estar lembrado que o cálcio é encontrado dentro da célula em grandes quantidades armazenado nas organelas, porém não disponível para participar das reações – inclusive contração muscular – durante o período em que o miócito está em repouso). Figura 1: Segmento cardíaco em repouso.

Eletrocardiograma

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  • 1. Conceitos e base terica para interpretao do ECG Eletrocardiograma (procedimento) obtm a eletrocardiografia (traado) utilizando um eletrocardigrafo (aparelho). Na eletrocardiografia (ECG) registra- se a atividade eltrica do corao a partir de diferentes pontos de vista. importante saber que um paciente hgido pode ter um ECG alterado, assim como um paciente cardiopata pode ter um ECG normal, pois a atividade eltrica apenas um dos aspectos que podem estar alterados em um corao doente. ainda mais importante ressaltar que o ECG apenas deve ser valorizado quando acompanhado de contexto clnico, sendo inadequado avali- lo sem a colheita cuidadosa da histria do paciente. O fato do ECG registrar a atividade eltrica do corao (e apenas isso) no limita sua funcionalidade, vez que a forma como se conduz (ou, s vezes, no se conduz) o estmulo eltrico depende de muitos fatores. Por exemplo: alteraes nos eletrlitos, velocidade de conduo do estmulo, zonas inativas, hipxia e anxia, posicionamento e tamanho do corao podem ser suspeitados valendo-se do princpio que a atividade eltrica alterada pode resultar de diversos desequilbrios da homeostase. Por se tratar de texto de reviso, no aprofundaremos em princpios fisiolgicos e fisiopatolgicos. Os estudantes interessados em ampliar seu conhecimento podem buscar livros consagrados na literatura que j fazem isso muito bem. Concentrar-nos-emos a seguir em uma abordagem sumarizada da tcnica do ECG e sua interpretao. Dvidas podem ser esclarecidas nos supracitados livros, mediante pesquisa, ou com professores. Dentro de minhas limitaes, tambm me coloco disposio pelo meu e-mail [email protected]. Seguindo: a atividade eltrica do corao resultado do fluxo de ons pela membrana da clula muscular estriada cardaca, qual nos referiremos como micito. Os trs ons que se destacam como responsveis pela atividade eltrica so o Sdio inico, o Potssio inico e o Clcio inico. Inicialmente, a membrana est em repouso. Nessa situao, o potssio encontra-se predominantemente dentro da clula e o sdio e o clcio no meio extracelular. Um adendo: ao dizer dentro da clula, referimo-nos especificamente ao citoplasma (voc deve estar lembrado que o clcio encontrado dentro da clula em grandes quantidades armazenado nas organelas, porm no disponvel para participar das reaes inclusive contrao muscular durante o perodo em que o micito est em repouso). Figura 1: Segmento cardaco em repouso.
  • 2. Neste estado de repouso, a polaridade na superfcie da clula considerada positiva; no citoplasma, considerada negativa. Contudo, como o ECG registra apenas as foras eltrica externas ao micito (no h insero de eletrodo dentro do micito), quando a clula est em repouso, registra-se um trao isoeltrico no ECG. Essa linha isoeltrica a linha de base e significa que no h diferena de potencial na superfcie da clula, tampouco formao de vetor. O nico vetor resultante aquele da derivao, baseado na presena de um eletrodo positivo e outro negativo para registro do ECG, conforme exibido na figura 01. Quando h estmulo para despolarizao da clula, h gerao de um dipolo na superfcie da clula e, em razo disso, passa a existir um vetor (que sempre aponta para o positivo). Lembre-se que j havia o vetor da derivao que estamos considerando em nosso exemplo. Aquele segundo vetor passou a existir em razo do incio da despolarizao e ser somado ao vetor que j existe. Veja o exemplo: Figura 2: Incio da despolarizao e gerao de um vetor na superfcie do segmento cardaco. Figura 3: Despolarizao prosseguindo na superfcie de micitos, e conseqente vetor de despolarizao. Figura 4: A despolarizao ainda acontece e, em consequncia, ainda h vetor de despolarizao. Figura 5: A despolarizao est quase concluda e o vetor de despolarizao est desaparecendo.
  • 3. medida que prossegue a despolarizao e, mais importante que isso, enquanto houver existncia de dipolo na superfcie da clula, haver vetor que ser registrado pelo eletrocardigrafo. Tal vetor ser somado quele da derivao eletrocardiogrfica que estamos estudando. O progresso do estmulo de despolarizao (com gerao de dipolo na superfcie do micito) e o vetor resultante esto representados da figura 2 figura 5. Perceba que durante o perodo de despolarizao h formao de um dipolo na superfcie da clula e que este dipolo responsvel pela gerao de um vetor. Guarde esta informao. Preste ateno agora no que acontece na imagem a seguir, comparando-a com cuidado ltima imagem apresentada: Perceba que o dipolo que havia na superfcie da membrana deixou de existir. Por isso, deixou de existir tambm o vetor de despolarizao (que havia sido gerado pela presena do dipolo). Agora, o nico vetor presente na parte externa do micito aquele resultante da derivao do eletrocardigrafo. Nessa circunstncia, o traado eletrocardiogrfico retorna linha de base. Perceba agora o que acontece nos instantes seguintes: O leitor mais atento perceber que onde antes havia vetor resultante da despolarizao agora est escrito vetor resultante da repolarizao. Sim. Estamos agora analisando a outra parte do ciclo eltrico cardaco. Perceba que na repolarizao fisiolgica surge um vetor de mesmo sentido que aquele encontrado na despolarizao fisiolgica. Esta uma informao importante e que deve ser guardada, pois tambm auxiliar na interpretao de achados patolgicos no ECG. Vamos continuar acompanhando a repolarizao deste seguimento cardaco. Observe: Figura 6: Segmento cardaco completamente despolarizado. Figura 7: Incio da repolarizao. Figura 8: Prosseguimento da repolarizao, com aumento do dipolo na superfcie do segmento.
  • 4. A ltima imagem idntica primeira figura deste resumo: a distribuio dos ons retornou sua concentrao inicial no intracelular e extracelular. Por isso, a voltagem transmembrana tambm voltou a ser positiva na superfcie e negativa no interior do micito. Agora que conclumos a anlise de um segmento do miocrdio do ponto de vista da despolarizao e repolarizao, vamos analisar como isso representado no ECG. Aproveitaremos para uma breve descrio dos ons que atuam em cada fase. Para simplificar a anlise, consideraremos agora apenas os vetores, pois j sabemos qual a origem deles (um originrio do dipolo gerado entre dois eletrodos do eletrocardigrafo e outro do dipolo transitrio que existe na superfcie da clula, enquanto ela est se despolarizando ou repolarizando). Observe que o verbo foi usado o gerndio: o vetor apenas existe enquanto o processo est acontecendo, pois, conceitualmente, se o micito encontra-se despolarizado ou repolarizado, h apenas um tipo de carga na superfcie da clula e, assim, no se gera dipolo (nem vetor). Ento, quando a fibra cardaca est polarizada (em estado de repouso, pronta para receber estmulo eltrico), as cargas na superfcie da membrana so positivas e no h dipolo. O nico vetor o da derivao do ECG. Representaremos assim essa situao: O correspondente eletrocardiogrfico desta situao uma linha isoeltrica (linha reta e horizontal). Com o incio da despolarizao (resultado da abertura de canais de sdio), aparece aquele vetor que explicamos acima (resultante do dipolo na superfcie das clulas). O influxo de sdio ocorre de maneira passiva, atrado Figura 9: A repolarizao aproxima-se do fim. Figura 10: Repolarizao do segmento est completa. Figura 11: Representao do vetor da derivao.
  • 5. pelas cargas negativas no interior da clula e devido maior concentrao no meio externo. A representao vetorial desta situao a seguinte: Observe que no exemplo acima o vetor da despolarizao possui o mesmo sentido que aquele da derivao. Nesse caso, a soma dos vetores (que o que o ECG apresenta) resulta em adio! Quando h adio de vetores, sua representao eletrocardiogrfica uma deflexo da linha do traado do ECG para cima! Guarde essa informao! Ela muito importante! Assim que a despolarizao concluda (com superfcie dos micitos completamente negativa e meio intracelular completamente positivo), no h mais dipolo na superfcie da clula. Ionicamente, nessa fase que cessa o influxo de sdio. tambm nessa fase que o influxo de clcio contnuo durante um perodo conhecido como plat. O influxo de clcio importante para prolongar o perodo despolarizado/perodo de contratilidade cardaca e porque componente essencial da contrao em si, por interagir com as protenas responsveis pelo encurtamento do micito (e propulso sangunea). A representao vetorial dessa situao a seguinte: Observe que com a concluso da despolarizao, o traado do ECG deve retornar linha de base descrita anteriormente, pois volta a existir apenas o vetor da derivao analisada. Logo aps, inicia-se a repolarizao. Nesta etapa, ganha importncia o efluxo de potssio, que antes estava sendo contrariado ionicamente pelo influxo de clcio. Este efluxo de potssio ocorre de forma passiva (devido ao citoplasma ter maior concentrao de potssio que o meio externo e tambm devido positividade do interior da clula que tende a colocar cargas positivas como o potssio para fora). Este processo passivo responsvel por grande parte da repolarizao da membrana. Observe a representao esquemtica dos vetores nessa fase do ciclo eltrico cardaco na imagem. Figura 12: Representao vetorial de uma derivao do ECG e de um seguimento do miocrdio em despolarizao. Figura 13: Representao vetorial do momento em que se conclui a despolarizao.
  • 6. Considerando que durante toda essa explicao inicial estamos nos referindo ao mesmo segmento do msculo cardaco e mesma derivao, o leitor que est acompanhando o raciocnio j deveria ter imaginado que esta seria a representao esquemtica. Se voc se distraiu, vamos reforar a elucidao: o vetor de determinada derivao no se altera, sempre o mesmo; contudo, o vetor de despolarizao e o vetor de repolarizao aparecem apenas enquanto o tecido cardaco est se despolarizando ou repolarizando (em outras palavras, enquanto h presena de dipolo na superfcie externa do micito). Como a despolarizao j havia se completado, seguiu-se a repolarizao que, em condies normais, tem o mesmo sentido vetorial que a despolarizao. Assim como na despolarizao, nesta derivao que estamos usando como exemplo, a representao da repolarizao ser uma deflexo para cima (a linha eletrocardiogrfica vai subir), pois somou-se ao vetor do eletrocardigrafo um vetor de mesmo sentido, resultando em adio. Contudo, dissemos que este processo passivo no suficiente para que as concentraes inicas intra e extra-celulares retornem sua configurao inicial. Para este fim, age uma estrutura conhecida como bomba de sdio e potssio. Tal bomba joga ativamente potssio para dentro da clula e sdio para fora. esta bomba que d o toque final da repolarizao e, sem ela, no desapareceria completamente o vetor na superfcie do miciocito, interferindo nas trocas inicas da prxima contrao. Esse um dos motivos pelo qual a onda T torna-se simtrica na isquemia miocrdica, pois a sua poro aps o pico dura mais tempo, assemelhando-se poro anterior ao pico. Compreendido esta situao mais simples, precisamos extrapolar o exemplo agora para outras situaes vetoriais que esto presentes no ECG. Embora em todos os exemplos acima tenhamos representado o vetor dos eletrodos do ECG e o vetor de despolarizao cardaca com mesma direo e sentido, na vida real, h diversas combinaes. No extremo oposto dos exemplos que estudamos acima, podemos ter o vetor do ECG com mesma direo que o vetor de despolarizao, contudo em sentido oposto. Nesta circunstncia, poderamos representar a situao esquematicamente da seguinte forma: Figura 10: Representao vetorial do perodo de repolarizao de um segmento cardaco.
  • 7. Nesse caso, o vetor resultante seria representado graficamente no ECG como uma deflexo para baixo. A explicao simples: temos dois vetores de sentidos opostos. Por isso, a soma deles resulta em subtrao! A representao no ECG de uma subtrao a deflexo para baixo no traado (a linha do ECG desce). H variao espectral entre esses dois extremos. Podemos considerar que h finitas, porm inumerveis possibilidades. Assim, a soma dos vetores (resultando em adio ou subtrao, a depender do sentido) pode gerar uma deflexo de maior ou menor amplitude, a depender de quo paralelos entre si so os vetores do ECG e o da despolarizao/repolarizao do segmento cardaco. Vamos explicar melhor este ltimo comentrio. Observe a imagem a seguir: Estamos agora observando o mesmo vetor de despolarizao da imagem anterior, sob o ponto de vista de OUTRA derivao. Posicionamos a derivao horizontalmente apenas para us-la como referncia (na verdade, se a derivao mudou e o segmento observado continua o mesmo, quem deveria estar na horizontal era o vetor resultante da despolarizao). Enfim... Observe que agora os dois vetores analisados no so mais paralelos entre si. Nesse caso, a soma dos vetores considera a projeo do vetor resultante da repolarizao no vetor da derivao. Na verdade, sempre considerada essa medida: a projeo do vetor resultante da despolarizao/repolarizao no vetor da derivao. Contudo, como nesse caso o vetor resultante da repolarizao no paralelo ao vetor da derivao, sua projeo ser menor que sua medida total. (Entenda projeo como a sombra desse vetor no vetor da derivao). Assim, embora os vetores da ltima figura e da antepenltima figura tenham o mesmo tamanho (pois representam o mesmo segmento do Figura 15: Representao esquemtica de outra situao vetorial bastante comum registrada no ECG. Figura 16: Exemplo de interao de vetores que pode ser registrada pelo ECG.
  • 8. miocrdio) sua projeo em vetores de diferentes derivaes analisadas tem tamanho diferente. Veja: O tamanho projetado do vetor determina a influncia desse vetor na soma (subtraindo ou somando amplitude ao vetor da derivao). Dessa forma, guarde esse conceito: a deflexo negativa mxima quando o vetor da atividade eltrica cardaca tem mesma direo e sentido oposto ao vetor da derivao (paralelos entre si com sentido oposto); a deflexo positiva mxima quando o vetor da atividade eltrica tem mesma direo e sentido que o vetor da derivao analisada (paralelos entre si com mesmo sentido). Compreendidos esses dois importantes conceitos, vale ainda fazer trs observaes a respeito dos vetores e a amplitude no traado eletrocardiogrfico. A primeira: dentre o espectro quase infinito de ngulos que podem ser formados entre o vetor da atividade eltrica cardaca e o vetor da derivao, alm de se destacar aquela situao em que o vetor paralelo derivao, destaca-se tambm aquela situao em que o vetor perpendicular derivao. Nesse caso, o traado eletrocardiogrfico permanece isoeltrico (sem alterao). A segunda observao importante a respeito dos vetores cardacos : no existe um vetor nico de despolarizao cardaca, tampouco um vetor nico de repolarizao. H diversos vetores muito bem estudados e com tempos bem definidos de ocorrncia em um miocrdio sadio durante cada ciclo eltrico cardaco fisiolgico1 . Do ponto de vista clnico relevante para o mdico generalista (e para aqueles aos quais se destina esse material iniciantes na interpretao do ECG), considere apenas quatro resultantes: o resultante de despolarizao atrial, o resultante de repolarizao atrial, o resultante de despolarizao ventricular e o resultante de repolarizao ventricular. Ainda, dentre todos esses, destaca-se como mais importante o resultante de despolarizao ventricular. Discutiremo-los mais tarde. A terceira e ltima observao sobre os vetores cardacos diz respeito aos demais fatores que tambm podem influenciar a magnitude do vetor. Destes, o mais importante e de grande relevncia clnica a quantidade de 1 Ciclo eltrico cardaco fisiolgico uma despolarizao seguida de completa repolarizao. Figura 17: Raciocnio de porque o mesmo vetor pode ser representado com uma deflexo de diferente tamanho em diferentes derivaes.
  • 9. msculo cardaco. Basta imaginar que a formao do dipolo pode ser mais intensa e com maior diferena de potencial (e consequentemente maior vetor) quanto maior for a massa cardaca funcional. Assim, em situaes onde h hipertrofia do msculo cardaco, as deflexes so amplificadas no ECG (no caso da hipertrofia de ventrculo esquerdo). A hipertrofia de ventrculo direito tem um raciocnio diferente e ser explicado mais adiante. Alm dos fatores que influenciam no tamanho do vetor, h tambm fatores que influenciam no tamanho do registro do vetor. Vamos explicar melhor com um exemplo: se o paciente tem corao com dipolo adequado (e conseqente formao de vetores fisiolgicos), mas tem um elemento que dificulta a conduo para registro do vetor (como derrame pericrdico ou enfisema, por exemplo), a amplitude do traado eletrocardiogrfico pode estar reduzida, sem, contudo, haver patologia primria do miocrdio que tenha gerado alterao dos vetores cardacos. Alm disso, alteraes de anatomia (como indivduos brevelneos, longilneos, ou mesmo dextrocardia) podem modificar bastante o posicionamento cardaco, interferir na relao de direo/sentido dos vetores e assim causar importantes alteraes no registro eletrocardiogrfico, sem significar, contudo, patologia primria do miocrdio. Sobre a conduo do impulso eltrico no corao h de se conhecer algumas particularidades. O miocrdio (clulas musculares/contrteis) plenamente capaz de conduzir o impulso eltrico. Entretanto, h uma estrutura nervosa no corao especializada nessa funo e que desempenha tal atividade melhor que o miocrdio. Entende-se por melhor desempenho a capacidade de conduo em maior velocidade. essa maior velocidade que permite contrao sincrnica crdica: o impulso eltrico chega por essas vias nervosas ao mesmo tempo em toda extenso dos trios e, posteriormente, ao mesmo tempo em toda extenso dos ventrculos. Ao atingir os micitos ao mesmo tempo todos contraem juntos e assim possvel haver melhor rendimento, com contratilidade sincrnica e maior efetividade na propulso do sangue. Destacaremos seis estruturas nervosas: N sinusal, feixes internodais, N trioventicular, feixe de Hiz, Ramo esquerdo e Ramo direito. O n sinusal o responsvel pelo ritmo e freqncia dos ciclos cardacos em condies fisiolgicas. Ele est localizado no trio direito. l que nasce o impulso eltrico responsvel pela despolarizao de todo o miocrdio. Isso acontece graas a um canal de sdio, denominado canal de sdio f. Tal canal permite um influxo constante de sdio para dentro de clulas nervosas a localizadas. Tal influxo constante de sdio vai alterando continuamente a voltagem que sobe sem parar. Em determinado momento, atinge-se uma voltagem responsvel por disparar o potencial de ao e ocorre abertura de mais canais de sdio. Esses canais de sdio adicionais geram um grande influxo do on e despolarizam a membrana de vez, dando incio ao ciclo eltrico cardaco. Depois de despolarizada, a clula repolariza-se.
  • 10. Repolarizada, continua o influxo constante de sdio que outra vez atinge determinada voltagem (denominada limiar de despolarizao, pois o limiar para disparar novo estmulo eltrico que gerado a e conduzido para todo corao). E assim ocorre repetidas vezes ao longo da vida. Dessa forma, os canais de sdio f so os responsveis diretos pelo automatismo cardaco. Esses canais no esto presentes apenas no n sinusal. H mais desses canais em outros locais do miocrdio. Contudo, o n sinusal o responsvel pelo ritmo e freqncia cardacos porque ele dispara antes dos demais: sua freqncia de disparo maior! Assim, quando ele dispara um impulso (porque j atingiu o limiar) os outros ainda no dispararam (porque no haviam atingido o limiar). Todos despolarizam juntos e retornam voltagem padro da repolarizao. Reiniciam a corrida para ver quem atinge o limiar de disparo do potencial de ao primeiro e aquele que ganhar a corrida o responsvel pela freqncia e ritmo cardaco. Fisiologicamente, o n sinusal sempre ganha essa competio, pois sua atividade mais acelerada o faz disparar o ciclo antes que outro ponto do miocrdio faa isso. Com o disparo do estmulo pelo n sinusal, h contrao dos trios que empurram o sangue para os ventrculos ipsilaterais. Este impulso, disparado pelo n sinusal em condies fisiolgicas, conduzido pelas fibras internodais (que ligam o n atrial ao n trio ventricular). Como dito antes, a conduo pode ser feita pelo miocrdio (e feita), mas chega mais rpido por essas fibras. Quando o impulso atinge o N atrioventricular, h uma pausa na conduo durante um dcimo de segundo. Essa pausa essencial para que haja tempo do sangue preencher os ventrculos antes de se iniciar a contrao destas cmaras. Lembre-se: sem estmulo eltrico, no h despolarizao; sem despolarizao, no h contrao. Passado esse intervalo de tempo (suficiente para os ventrculos se encherem de sangue), o estmulo eltrico prossegue do N atrioventricular para o feixe de Hiz (um feixe nico que se divide em ramos direito e esquerdo). O ramo direito conduz o estmulo para o ventrculo direito e o ramo esquerdo para o esquerdo. Em seguida chegada do impulso eltrico, o miocrdio se contrai sincronicamente (pois o impulso chegou ao mesmo tempo em todos os locais) e o sangue propelido de forma adequada. Para encerrar os conhecimentos bsicos necessrios interpretao do ECG, vamos agora estudar um pouco do aparelho: o eletrocardigrafo. Tal aparelho usualmente registra a atividade eltrica cardaca em 12 pontos de vista. Cada um desses pontos de vista denominado derivao. Esse termo j foi usado acima no texto sem preocupao de conceitu-lo, pois este apenas um material de apoio de curso. Contudo, imaginando que outras pessoas que no assistiram ao curso possam l-lo (quanta pretenso!) ou mesmo que aqueles que assistiram ao curso no se lembram do conceito, vamos esclarecer a que se refere o termo derivao.
  • 11. Derivao um vetor gerado por dois eletrodos (um positivo e um negativo). Pronto. Essa a definio mais simples de derivao e, provavelmente, a mais til. til porque quando voc for interpretar um ECG, o raciocnio vetorial deve ser sempre aplicado para facilitar a correta interpretao. H muitos textos que se referem derivao como uma fotografia a partir de um ponto de vista. Vamos nos utilizar brevemente dessa analogia apenas para fazer uma observao: diferentes derivaes registram a mesma atividade eltrica de maneira diferente, assim como fotografias registram a mesma pessoa/objeto/paisagem de maneira diferente, embora o objeto registrado/fotografado seja o mesmo! O objetivo de registrar a atividade eltrica a partir de vrias derivaes (ou vrias fotografias) ter disposio vrios pontos de vista, imaginando que cada um deles favorece um aspecto a ser analisado. Exemplo: para descobrir a cor dos olhos de uma pessoa melhor ter a fotografia dela de frente; porm, para saber se ela tem uma mancha nas costas melhor uma fotografia posterior. Da mesma forma, cada caracterstica da atividade eltrica do miocrdio pode ser melhor observada em uma derivao especfica. Em um ECG padro h 12 derivaes, registradas a partir de 10 eletrodos. Desses 10 eletrodos, quatro esto nos membros (um em cada membro) e seis no precrdio. Aqueles quatro eletrodos localizados nos membros geram as derivaes perifricas (ou do plano frontal). So elas: DI, DII, DIII, aVr, aVl, aVf. As trs primeiras so bipolares (o vetor parte de um eletrodo a outro) e as trs ltimas unipolares (considera-se que o vetor parte do corao para o eletrodo). Em DI, o vetor parte do brao esquerdo para o brao direito; em DII, do brao esquerdo para a perna esquerda; em DIII, do brao direito para a perna esquerda; em aVr, para brao direito; em aVl para brao esquerdo; em aVf para perna esquerda. Disso tudo, o que importante memorizar o direcionamento bsico dessas seis derivaes. Memorize como na imagem a seguir: Figura 11: Representao da direo dos vetores das derivaes perifricas unipolares. Figura 12: Representao da direo dos vetores das derivaes perifricas bipolares.
  • 12. Quanto aos seis eletrodos posicionados no precrdio, estes obtm as derivaes precordiais (ou derivaes do plano horizontal) que, tradicionalmente, so 6 (uma para cada eletrodo) e so nomeadas de V1 a V6. Considera-se que seus vetores partem do corao para o eletrodo (ou seja: o eletrodo sempre positivo). Os eletrodos esto posicionados assim: V1 no quarto espao intercostal, junto ao esterno, direita; V2 tambm no quarto espao intercostal, junto ao esterno, esquerda; V3 entre V2 e V4; V4 no quinto espao intercostal, na direo da linha hemiclavicular esquerda; V5 no quinto espao intercostal, na direo da linha axilar anterior esquerda; V6 no quinto espao intercostal, na direo da linha axilar mdia esquerda. Dessas informaes, o mais importante para interpretao do ECG que V1 e V2 esto sobre o lado direito do corao, V5 e V6 sobre o lado esquerdo e V3 e V4 sobre o septo. Assim, so respectivamente chamadas derivaes direitas, esquerdas e septais. Demais detalhes do registro eletrocardiogrfico sero abordados nos tpicos a seguir, quando discutiremos cada um dos aspectos que devem ser avaliados no ECG. Existem diversas sequncias diferentes sugeridas de anlise do traado eletrocardiogrfico. Se voc j escolheu uma e est seguro com ela, leia o que segue e adapte sua estratgia. O princpio geral bsico que deve estar presente em qualquer estratgia elaborada ser sensvel s alteraes eletrocargiogrficas mais comuns e relevantes clinicamente. Abaixo est a nossa proposta, estruturando a discusso e anlise em freqncia, ritmo, eixo, bloqueio, sobrecarga, infarto e isquemia (FREBSII). Frequncia A frequncia cardaca (sob analise no ECG) o nmero de ciclos eltricos completos que ocorrem em determinado perodo de tempo. Um ciclo completo contado de um ponto de determinado sinal eletrocardiogrfico at o reaparecimento desse mesmo ponto no prximo ciclo. Alm de freqncia cardaca, tambm podemos aferir a freqncia de eventos isolados, como freqncia de ondas P e de extra-sistoles, por exemplo. Para medir isso precisamos nos familiarizar com o papel onde registrado o ECG. Figura 20: Papel milimetrado (fora de escala). Observe linhas delgadas delimitando quadradinhos e linhas grossas delimitando quadrades. O papel onde de registra o ECG designado milimetrado porque preenchido de pequenos quadrados, todos com 1mm de rea (1mm de altura e 1mm de comprimento). Acima h uma demonstrao ampliada para facilitar a
  • 13. discusso e anlise. Para determinarmos a freqncia, basta agora nos familiarizarmos com as ondas do ECG. Vejamos: Lembre-se: o ECG registra interao de vetores a partir de diferentes derivaes. Assim, normalmente, em diferentes derivaes, o traado eletrocardiogrfico se apresenta de maneiras diferentes. Nem sempre voc ver no ECG um traado como este acima. A primeira onda a aparecer em um ciclo cardaco dito fisiolgico a onda P. Ela representa o vetor de despolarizao atrial. Como o vetor resultante se dirige para baixo, para esquerda, a onda P geralmente positiva em todas as derivaes, pois a maioria das derivaes do ECG no plano frontal se dirige ou para baixo ou para esquerda. A nica exceo aVr: o vetor da derivao se dirige para cima e direita! Em virtude disso, a soma dos vetores (vetor de aVr com o vetor de despolarizao dos trios representado pela onda P) resulta em subtrao, e a onda P negativa nesta derivao). Outra exceo V1: nesta derivao a onda P pode ser bifsica (um pedao positiva e um pedao negativa). De qualquer modo, em nenhuma derivao a onda P pode ser igual ou maior a 3 milmetros (seja em largura ou altura) e sua fase negativa em V1 no pode ser maior que 1 milmetro de altura e largura. Certifique-se de que memorizou estas observaes antes de seguir no texto. Adiante da onda P, temos intervalo PR. E aqui cabe uma observao: a diferena entre intervalo e segmento. O termo intervalo refere-se a um perodo do ECG que inclui ondas. No caso do intervalo PR, este nome refere-se ao intervalo que inicia-se com o incio da onda P (incluindo esta onda) e termina assim que inicia-se o complexo QRS (excluindo as ondas do complexo). Um segmento, por sua vez, exclui ondas. Por exemplo: conheceremos logo mais o segmento ST (que inicia-se no ponto J final do complexo QRS e finaliza-se com o incio da onda T excluindo-a). Por no ter ondas, denomina-se segmento. Uma maneira fcil de recordar segmento = sem onda; intervalo = inclui onda. O intervalo PR , em grande parte, responsabilidade do n AV. Tal n atrasa a progresso do estmulo eltrico em 0,1 segundo. O intervalo PR no deve ser menor que 3 mm nem maior que 5 mm. Figura 21: Elementos frequentemente encontrados/analisados em ECG.
  • 14. Segue ento o complexo QRS. Este formado pela unio das ondas Q, onda R e onda S. A onda Q a primeira deflexo negativa do complexo que no seja antecedida por deflexo positiva; onda R qualquer deflexo positiva; onda S toda deflexo negativa do complexo que suceda uma deflexo positiva. Considerando esses conceitos e o fato de que nem todos os complexos tem onda Q, onda R, ou onda S, entende-se porque alguns complexos so chamados RS, QS, QR... De acordo com esses conceitos, nomeio os seguintes complexos: Acima temos, na ordem, os complexos QR, RS, QS (ou Q) e R. H ainda mais variaes. Tente, por exemplo, imaginar um RR. Por hora, apenas imagine. Mais adiante neste texto voc o ver, quando tratarmos de determinadas patologias. Aps o segmento ST, h a onda T (que representa a repolarizao dos ventrculos). uma onda assimtrica de pico arredondado e que pode estar alterada em diversas circunstncias, algumas das quais sero estudadas adiante. O ltimo detalhe para determinarmos a freqncia cardaca sabermos que o ECG padro traado no papel milimetrado com base na seguinte escala: cada milmetro horizontal representa 0,04 segundos e cada milmetro vertical representa 0,1mV. Com base nisso, diversas formas de determinar a freqncia cardaca foram deduzidas. Escolhemos demonstrar trs. A primeira estratgia leva em considerao o seguinte fato: clinicamente, ao ECG, irrelevante (pois pouco ou nada modifica a conduta) saber se a freqncia de seu paciente 80 ciclos por minuto ou 90; se 130 ou 140; contudo, modifica muito saber se ela 80 ou 130. Perceberam? No necessrio saber exatamente a freqncia cardaca do paciente, mas a freqncia aproximada. Em algumas situaes necessrio maior rigor, mas, na emergncia, por exemplo, em geral interessa apenas saber se o paciente est bradicrdico (menos que 60 ciclos por minuto), taquicrdico (mais que 100 ciclos por minuto), com uma taquicardia to importante que pode comprometer o dbito cardaco (mais que 200 ciclos por minuto) ou com freqncia normal (entre 60 e 100 ciclos por minuto). Se voc aceita isto, leia e memorize as duas Figura 22: Alguns exemplos de registro de complexo QRS no ECG.
  • 15. primeiras tcnicas de determinao de freqncia; caso contrrio, v para a terceira. Tcnica 1: 300, 150, 100; 75, 60, 50. Essa tcnica fornece um valor aproximado da freqncia cardaca baseando-se nos intervalos: maior que 300; entre 300 e 150; entre 150 e 100; entre 100 e 75; entre 75 e 60; entre 60 e 50; menor que 50. Tudo o que voc precisa fazer memorizar os valores: 300, 150, 100; 75, 60, 50. O prximo passo encontrar uma onda que sirva de referncia para marcar o ciclo. Em geral, usa-se a onda R no DII longo. Veja: Selecionamos esse trecho do DII longo porque ele tem uma peculiaridade que nos ajuda bastante a determinar a frequncia cardaca: uma onda R coincide com uma linha vertical grossa. Algum calculou a frequncia cardaca nas situaes em que o prximo QRS ocorre sobre as linhas verticais grossas que se seguem a essa. Basta lembrarmos o resultado: 300 (para a primeira linha grossa que se segue); 150 (para a segunda linha grossa que se segue); 100 (para a terceira linha grossa); 75 (para a quarta linha); 60 (para a quinta) e 50 (para a sexta). So frequncias cardacas exatas, calculadas para as situaes em que o R coincide com essas linhas grossas. Como no precisamos da freqncia exata e observamos no exemplo acima que o prximo R est entre as linhas de freqncia 100 e 75, sabemos que a freqncia de ciclos por minuto do paciente est entre esses dois valores. Assim, podemos considerar que o ECG acima representa freqncia cardaca dentro da faixa de normalidade para paciente hgido em repouso. Lembre-se do nome das linhas como 300, 150, 100; 75, 60, 50. Isso basta para saber a freqncia cardaca aproximada de um paciente pelo ECG. Tcnica 2: pacientes extremamente bradicrdicos. Mas e se a freqncia cardaca for menor que 50? As linha grossas no ajudam muito, pois precisamos determinar com mais exatido a freqncia Figura 13: DII longo do ECG de um paciente hipottico. H representao apenas dos complexos QRS (demais ondas esto omitidas).
  • 16. (que pode ser perigosa a depender do valor). Para isso, podemos usar outra tcnica: o nmero de ciclos em 3 segundos vezes 20. O raciocnio simples: se em 60 segundos (1 minuto) h 20 grupos de 3 segundos, o nmero de ciclos em 3 segundos multiplicado por 20, corresponde ao nmero de ciclos em um minuto. Isso tambm uma tcnica interessante de ser usada no caso de pacientes com leves arritmias. Veja o exemplo: Figura 24: Exemplo de DII longo de um paciente hipottico. Mais uma vez, representamos apenas os complexos QRS (com omisso das demais ondas). Utilizando a tcnica anteriormente demonstrada, percebemos que a freqncia cardaca representada no ECG acima menor que 50 ciclos por minuto. Utilizamos ento a segunda tcnica: dentro de 3 segundos (que corresponde a 15 quadrades) quantos ciclos h? Resposta: a cada 3 segundos, h quase 2 ciclos completos. Assim, a freqncia um pouco menor que 2x20 (ou 2x2x10) que igual a 40. A freqncia menor que 40! Ateno: importante notar se o nmero de ciclos inteiro ou frao. Se houvesse 1,5 ciclos, por exemplo, a freqncia seria de 30, e no 40. Assim, cuidado: nessa tcnica deve-se contar o nmero de ciclos, e no o nmero de ondas dentro de 3 segundos. Tcnica 3: clculo direto. As duas outras tcnicas so apenas mtodos de evitar o clculo direto (que o o mais preciso para determinar a freqncia cardaca). Se voc quer ou mais que isso: precisa da frequncia cardaca exata em determinado traado de ECG, essa a melhor opo. No muito atrativa, pois trabalha com divises que podem ser incmodas para realizar mentalmente. O clculo a ser realizado : 1500 dividido pelo nmero de quadradinhos (milmetros) entre duas ondas idnticas (habitualmente se utiliza ondas R). Memorize isto, pois pode ser til em situaes especiais. Caso no consiga calcular de cabea a freqncia exata dos traados usados nos exemplos anteriores, aconselhvel memorizar as tcnicas 1 e 2, mais fceis quando se adquire prtica.
  • 17. Ritmo O conceito de ritmo pode ser comparado ao de regularidade: quo regular no tempo a atividade eltrica daquele miocrdio? Assim como uma banda de muitos msicos, o corao precisa de um maestro; um marcador. Esse marcador responsvel por ditar a velocidade e regularidade dos ciclos. Estamos falando, em situaes fisiolgicas, do N Sinusal. Um corao normal tem ritmo sinusal regular (sinusal porque se origina do n sinusal e regular porque o intervalo entre dois eventos similares idntico). O evento considerado na interpretao de um ECG para denomin- lo rtmico a despolarizao ventricular. Para saber se o ritmo regular, basta comparar o intervalo entre duas ondas idnticas (geralmente se usa a onda R). No ltimo traado que usamos nesse texto, o intervalo entre as ondas R mantm-se o mesmo. Podemos assim dizer que o ritmo cardaco regular. E como determinar se ele sinusal? Simples! Lembre-se mais uma vez dos eixos: um impulso eltrico que nasce no n sinusal para despolarizar ambos trios, deve gerar um vetor que se dirija para baixo e para esquerda! Tal vetor gera uma deflexo positiva em DI, DII e aVf. Pronto! Voc acabou de ler o conceito de ritmo regular sinusal: um traado eletrocardiogrfico cujo intervalo entre as despolarizaes ventriculares constante e o vetor de despolarizao atrial se dirige para baixo e para esquerda; para afirmar isso, devemos observar intervalo regular entre ondas idnticas (geralmente observa-se o intervalo entre ondas R) e se a onda P positiva em DI, DII e aVf. E quais as principais variaes de normalidade? As variaes de normalidade so denominadas em conjunto de arritmias. Tal conjunto possui 3 representantes principais: ritmo varivel, ritmo rpido e extra-sstoles. Os bloqueios tambm podem influenciar o ritmo, mas sero abordados em outro tpico. O ritmo varivel compreende aquelas doenas de ritmo irregularmente irregular. Vamos destrinchar este conceito: pode existir um ritmo regularmente irregular? Sim! o caso daquelas situaes em que o intervalo entre duas ondas no constante, mas segue um padro de variao, ou seja, varia com regularidade, de tal forma que voc pode prever onde vai aparecer a prxima onda; no caso do ritmo irregularmente irregular, assunto deste tpico, as ondas so completamente imprevisveis quanto sua ocorrncia, que no tem qualquer padro. H trs situaes que podem gerar este achado no ECG: arritmia sinusal, marca-passo migratrio e a fibrilao atrial. No caso da arritmia sinusal e do marca-passo migratrio, h ondas P precedendo cada complexo QRS, porm elas no tem intervalo bem
  • 18. estabelecido entre si. A diferena se d porque no marca-passo migratrio, h outras fontes de estmulo para o ciclo eltrico cardaco alm do n sinusal. A identificao destes outros focos feita pela observao de diferentes morfologias de onda P em uma mesma derivao (pois imagina-se que caso todos os impulso fossem provenientes do mesmo marcapasso, percorreriam o mesmo caminho e gerariam vetores idnticos e, consequentemente, traados idnticos em todas as ondas P de uma mesma derivao o que no ocorre no marca-passo migratrio). A outra entidade que pode gerar o ritmo irregularmente irregular a fibrilao atrial. A grande diferena que, neste caso, como a fibrilao ocorre em um contexto de atividade eltrica desorganizada e descoordenada, no h onda P identificvel e a linha de base (que deveria ser horizontal e reta) completamente irregular. O segundo grupo de arritmias cardacas so as extra-sstoles e pausas. Os nomes so bem sugestivos do que ocorre: extra sstoles so sstoles adicionais ao que seria esperado em um ECG normal; pausas so silncios eltricos em um momento em que esperada atividade eltrica. Analisemos primeiro as extra-sstoles. As extra-sstoles geralmente originam-se de foco ectpico (a descarga eltrica que inicia a sstole no vem do n sinusal). Em razo disso, as vias percorridas pelo impulso so diferentes daquelas percorridas pelo impulso originado em condies fisiolgicas. Ora, se estudamos que o ECG registra a atividade eltrica baseada nos vetores que surgem dos dipolos e estamos vendo agora que a atividade eltrica alterada nas extra-sstoles, podemos concluir que o registro de uma extra-sstole no ECG feito de forma diferente das sstoles fisiolgicas. Por exemplo: as extra-sstoles ventriculares (chamadas assim porque tem origem no ventrculo) em geral so bastante largas, porque no percorrem a via fisiolgica de conduo do impulso eltrico, mas o estmulo segue pelo msculo. Como no msculo a conduo mais lenta, h dipolo por mais tempo e a deflexo mais larga (pois na horizontal do ECG encontra-se a varivel tempo). Na figura 25 h um exemplo de extra- sstole para ajudar na fixao do conceito. Observe que aps o terceiro complexo QRS, h uma deflexo com morfologia diferente dos QRS habituais. Figura 14: DII longo de um paciente hipottico exibindo extra-sstole. Esto apresentados apenas os complexos QRS. (demais ondas e grade milimetrada foram omitidos).
  • 19. Trata-se de uma extra-sstole. Apenas para explorar outro conceito, veja outro exemplo de extra-sstole na prxima imagem. Ambas extra-sstoles so provavelmente ventriculares, pois tem morfologia diferente do QRS normal (se fossem supra-ventriculares, ao chegar ao n AV seguiriam circuito de conduo fisiolgico e descreveriam um QRS idntico aos demais). A primeira extra-sstole da figura 26 uma tpica extra- sstole ventricular. Guarde bem aquela imagem. Observe ainda que neste exemplo temos duas extra-sstoles com morfologia diferente entre si. A partir desse achado, dizemos que h no ECG extra-sstoles polimrficas; se fossem vrias de mesma morfologia, extra- sstoles monomrficas. Na figura 25, havia uma extra-sstole isolada. As designaes bigeminismo, trigeminismo e quadrigeminismo so aplicadas, respectivamente, quando se tem o acoplamento de 1 ciclo normal com 1 extra-sstole, 1 ciclo normal com 2 extra-sstoles e um ciclo normal com 3 extra-sstoles (que j pode ser chamada de Taquicardia Ventricular No Sustentada). A Taquicardia Ventricular passa a ser considerada sustentada caso sua durao seja maior que 30 segundos ou caso o paciente exiba sinais de instabilidade hemodinmica. As pausas, por sua vez, so momentos de inatividade eltrica. Como exemplo, observe que nos dois traados acima as pausa que seguem as extra- sstoles so maiores que aquelas que seguem os batimentos normais. Pode haver pausas tambm sem extra-sstoles e o batimento que se segue a uma pausa denominado batimento de escape. Pode ser que o batimento de escape se origine de um foco ectpico: como se uma rea impaciente disparasse para retomar a atividade cardaca. Os princpios gerais aplicveis s extra-sstoles (e batimentos de escape) so: 1. Aqueles de origem atrial tem onda P (que diferente das demais, pois no se origina no foco habitual) e tem QRS de morfologia padro (pois ao chegar ao n AV conduzido pelo sistema de conduo eltrico habitual); Figura 15: ECG de paciente hipottico. So exibidos apenas complexos QRS e extra-sstoles (demais ondas e grade milimetrada esto omitidos).
  • 20. 2. Aqueles de origem no n AV no tem onda P (ou tem, mas esta engolida pelo complexo QRS e no registrada) e o QRS morfologicamente idntico aos demais; 3. Se de origem ventricular, no h onda P (pois o estmulo no segue para trios) e a morfologia do complexo QRS pode muitas vezes nem lembrar um complexo de to bizarra que . O ltimo grupo de arritmias denominado ritmos rpidos e inclui a taquicardia, flutter e fibrilao. Esta taquicardia em questo difere da fisiolgica, pois ocorre em situaes onde no h aumento da demanda metablica, mas a freqncia cardaca est acima de 100 ciclos por minuto. Para diferenci-la da taquicardia fisiolgica denominamos esta como taquicardia paroxstica onde, sem motivo aparente, a freqncia cardaca maior que 150 ciclos por minuto. Em geral, sua origem um foco ectpico e tem incio sbito. Freqncias maiores que 200 ciclos por minuto de origem ventricular na maioria das vezes tem indicao de cardioverso eltrica! Trata-se de emergncia mdica que deve ser diagnosticada rapidamente, pois alm de poder evoluir para fibrilao, a elevadssima freqncia impede o enchimento adequado dos ventrculos (pois no h tempo suficiente de distole) e o dbito cardaco prejudicado. Vejamos dois exemplos de taquicardia ventricular sustentada. Observe como as ondas so largas, irregulares e vez ou outra pode haver algo que lembra um QRS normal. Esse o aspecto de um traado de ECG que representa taquicardia ventricular sustentada. Caso a taquicardia fosse atrial, o QRS seria estreito e de morfologia normal, com ondas P Figura 16: Exemplo de taquicardia ventricular sustentada multifocal no DII longo de um paciente hipottico. Figura 28: Exemplo de taquicardia ventricular monofocal sustentada no DII longo de um paciente hipottico.
  • 21. precedendo o QRS; caso nodal (em outras palavras, originada no n AV), haveria conformao habitual de QRS, sem ondas P. Nos exemplos acima, a taquicardia sustentada era ventricular, por isso o aspecto difere de um QRS padro. Na figura 27, como focos ectpicos diferentes despolarizam o ventrculo a cada ciclo, cada ciclo gera um vetor de despolarizao diferente (pois o caminho percorrido sempre diferente para cada batimento); na figura 28, como o foco ectpico nico (monofocal), embora o vetor de despolarizao seja atpico, ele sempre o mesmo, o que gera este registro repetitivo e bizarro no traado do ECG. Perceba como em ambos exemplo a frequncia maior que 300 (h mais que dois ciclos entre 2 linhas grossas). J o flutter uma espcie de taquicardia atrial, onde h uma sucesso extremamente rpida de disparos despolarizadores atriais (geralmente entre 250 e 350 por minuto) e apenas alguns desses impulsos so conduzidos para o ventrculo. Assim, surgem as designaes flutter com conduo 2:1 ou 3:1, por exemplo, quando para cada duas despolarizaes atriais h uma ventricular ou quando para cada 3 despolarizaes atriais h 1 ventricular, respectivamente. Diferencia-se da taquicardia atrial porque no h linha de base (que tem aspecto ondulatrio no flutter). Geralmente originrio de foco ectpico. Veja exemplo: Neste exemplo temos um flutter de conduo 3:1. O limite de reposta ventricular dado pelo perodo refratrio que se segue a uma despolarizao. Neste perodo refratrio (dividido em absoluto e relativo) a clula no est completamente pronta para receber (e conduzir) um novo estmulo, pois no capaz de disparar um potencial de ao com o estmulo habitual. Caso tenha dvidas sobre este conceito, consulte um livro de fisiologia. Por fim, a fibrilao ventricular: uma importante entidade clnica que representa risco imediato vida. No tem um padro ao ECG bem estabelecido. Apresenta um traado repleto de achados bizarros. Sua falta de padro justamente resultado do que est acontecendo no miocrdio: uma atividade eltrica completamente anrquica, descoordenada e sem estmulo efetivo capaz de despolarizar o miocrdio por completo. Assim, No h contraes efetivas capazes de propelir o sangue. Lembre-se: no h padro! Figura 17: exemplo de flutter atrial com conduo 3:1.
  • 22. O exemplo a seguir meramente ilustrativo! A atividade eltrica descoordenada e os vetores so completamente atpicos, resultando em traado bizarro! Eixo Eixo o vetor eltrico resultante de determinado momento do ciclo cardaco. Podemos analisar o eixo (em outras palavras, direo do vetor) de qualquer momento do ciclo cardaco. O mais relevante para o clnico geral o vetor resultante da despolarizao ventricular. Para analisar tal eixo, devemos observar no ECG o segmento do traado que representa este evento: o complexo QRS. Vamos aprender a encontr-lo. Para isso, precisamos retomar o conceito das derivaes. Sabemos que h seis no plano frontal: DI, DII, DIII, aVr, aVf e aVl. Caso representemos em um centro comum os seus vetores, obtemos a chamada rosa dos ventos: combinao dos seis vetores do plano frontal, com eixos a cada 30. Veja: Agora que conhecemos a rosa dos ventos, precisamos nos familiarizar com outro conceito: complexo QRS positivo e complexo QRS negativo. Figura 32: Exemplos de morfologias de QRS que podem ser encontrados em ECG. Figura 18: Exemplo hipottico de fibrilao ventricular registrada em um DII longo. Figura 19: Rosa dos ventos composta pelos vetores das derivaes do plano frontal, tambm chamadas derivaes perifricas.
  • 23. Como queremos estudar o vetor resultante, precisamos atentar para qual vetor predomina: um vetor de mesmo sentido que o da derivao ou um vetor de sentido oposto. No caso do primeiro exemplo (rS), verificamos um complexo QRS com maior predomnio da deflexo negativa. Dizemos assim que temos um QRS negativo, o que significa que, nesta derivao, o vetor resultante da despolarizao ventricular (pois estamos analisando o complexo QRS) tem mesmo sentido que o vetor da derivao. No segundo exemplo (R), temos uma deflexo puramente o positiva. Neste caso, dizemos que o QRS positivo, pois o vetor de despolarizao teve predominantemente (ou melhor, exclusivamente) sentido idntico ao da derivao. Por raciocnio semelhante, o terceiro complexo exibido e o quarto so, respectivamente, negativo e positivo. Agora vamos aplicar este conhecimento para determinar o vetor. A saber: o eixo normal de despolarizao dos ventrculos situa-se entre 0e 90 (aceitando-se valores at -30 e 120). Encontre este intervalo na imagem: Imagine que esta Rosa dos Ventos est posicionada sobre o trax do paciente, com o corao no centro da Rosa. Faz sentido que o vetor resultante se dirija para esquerda e para baixo, uma vez que a massa do ventrculo esquerdo maior que a massa do ventrculo direito, concorda? Para encontrar o eixo baseado no ECG, devemos observar tal Rosa dos Ventos e o vetor da despolarizao ventricular em algumas derivaes. Como sabemos que o normal que o vetor resultante aponte para baixo e para esquerda, procuramos as derivaes que tambm tem este sentido. So elas aVf e DI, que se dirigem, respectivamente para baixo (90) e para esquerda (0). Agora tome como exemplo os seguintes complexo s QRS vistos na penltima figura: o segundo complexo QRS exibido (R) e o terceiro complexo QRS exibido (Rs). Imagine que o complexo R esteja presente em aVf. Trata-se de um complexo QRS predominantemente positivo. O que isso significa? Que a despolarizao ventricular est se dirigindo para baixo. Imagine agora que o terceiro complexo (Rs) est presente em DI. O que isto significa? Que o vetor de despolarizao ventricular est se dirigindo para esquerda. Agora junte as duas informaes e ver que, nesse caso hipottico, o vetor est se dirigindo Figura 33: Outra forma de representar a Rosa dos Ventos formada pelos vetores cardacos. Dessa vez, so exibidos os valores dos eixos.
  • 24. para esquerda e para baixo (o que significa entre 0e 90), ou seja, dentro dos limites fisiolgicos. E ainda possvel tirar mais concluses: como o QRS de aVf mais positivo que o QRS de DI, sabemos que o eixo da despolarizao ventricular est mais paralelo, ou seja, com angulao mais prxima de 90 que de 0. Assim, podemos ainda afirmar que o eixo de despolarizao de nosso paciente hipottico encontra-se entre 45e 9 0. Quer outro exemplo? Imagine agora que observando as duas derivaes que sempre devem ser analisadas para determinar eixo (DI e aVf) encontramos em DI o complexo rS exibido na penltima figura e que observando aVf encontramos o complexo Rs exibido tambm na penltima figura. (Vale ressaltar que voc no precisa decorar essa nomenclatura. Estamos usando apenas para explicar a voc os eventos eletrocardiogrficos.) O que significa encontrar aquele Rs em aVf? Que o eixo de despolarizao dos ventrculos est se dirigindo para baixo. E o que significa encontrar rS em DI? Que o eixo de despolarizao dos ventrculos est se dirigindo para a direita. Juntando as duas informaes, vemos que o eixo de despolarizao desse nosso segundo paciente hipottico se dirige para baixo e para direita, ou seja, entre 180e 90. Uma das causas disso , por exemplo, sobrecarga de ventrculo direito. Nessa situao, a massa do ventrculo direito aumenta e desvia o eixo para seu lado. Se voc no entendeu como chegamos concluso de que um vetor se dirige para esquerda ou direita a partir da positividade ou negatividade de um QRS, seremos mais explcitos no nosso terceiro exemplo. Acompanhe. Um terceiro paciente apresenta em aVf o SQ exibido na penltima figura. Lembre-se que aVf um vetor que se dirige para baixo; lembre-se que SQ um registro eletrocardiogrfico de uma deflexo negativa. E quando que o ECG registra uma deflexo negativa? Quando o vetor do dipolo (neste caso o vetor da despolarizao ventricular, pois estamos estudando o QRS) tem sentido oposto ao vetor da derivao. No caso, o sentido oposto ao vetor da derivao para cima. Assim, sabemos que o vetor de despolarizao se dirige para cima. Observando agora DI, vemos o R exibido na penltima figura. O que isto significa? Se R uma deflexo positiva e o ECG registra uma deflexo positiva sempre que o vetor do dipolo na superfcie do corao se dirige no mesmo sentido que o da derivao, ento o vetor de despolarizao est se dirigindo no mesmo sentido que o vetor da derivao (esquerda). E juntando as duas informaes: o vetor da despolarizao do paciente em questo est entre -90e 0, ou seja, para esquerd a e para cima. Isto comum em crianas, brevelneos e pacientes com sobrecarga de ventrculo esquerdo. Voc pode ser mais preciso ao citar o intervalo em que determinado vetor se encontra, o que nem sempre necessrio. Basta aplicar o mesmo conceito s demais derivaes e voc ter o registro do vetor em um intervalo
  • 25. de 30. Em uma situao, contudo, possvel determ inar com exatido o vetor. Observe a imagem: Colocamos este QRS no papel milimerado para facilitar observar um detalhe interessante: o tamanho de R e o tamanho de S so idnticos, concorda? Caso passando o olho em um ECG voc encontre este complexo (fase negativa do complexo QRS com mesmo tamanho que a fase positiva do complexo QRS), significa que o eixo de despolarizao do ventrculo perpendicular ao daquela derivao. Se estivermos, por exemplo, observando DII, que se situa a 60, podemos dizer que o eixo d e despolarizao deste corao encontra-se sobre aVl (derivao perpendicular a DII). Para concluir se a derivao tem mesmo sentido ou sentido oposto a aVl, basta apenas olhar se o QRS positivo ou negativo nesta derivao. Se positivo em aVl, temos o eixo a -30 graus; se negativo, a 150 graus. Sobrecarga O ECG no demonstra sobrecarga: demonstra hipertrofia. A hipertrofia um achado que est relacionado sobrecarga. Esta informao importante para que se entenda o traado presente nesta circunstncia. A sobrecarga (e conseqente hipertrofia) pode acometer qualquer das quatro cmaras cardacas. Vamos comear estudando os achados no ECG da hipertrofia de trios. Quando queremos analisar a atividade eltrica dos trios, devemos observar a onda P. Voc deve lembrar que as dimenses de normalidade da onda P citadas neste texto foram 3x3 quadradinhos, ou seja, menos que 0,12 segundos de durao e menos que 0,3 mV. Para que se diga que h hipertrofia, um dos dois parmetros deve estar afetado. A outra informao necessria de se recordar neste momento que, em condies fisiolgicas, o impulso eltrico que despolariza os trios tem origem no trio direito e se dirige para o trio esquerdo. Assim, compreende-se que o incio da onda P represente a despolarizao do trio direito e o final da onda P a despolarizao do trio esquerdo; no meio, representativa de ambas. A onda Figura 34: Exemplo de QRS registrado em um ECG de paciente hipottico. Demais ondas foram omitidas.
  • 26. P pode aparecer no ECG de diferentes maneiras. Assim como os complexos QRS, a representao eletrocardiogrfica da onda P depende da derivao analisada e da forma como se d a despolarizao ventricular naquele paciente, mas sempre deve ser menor que 3mm de altura e durao! No se esquea de buscar ondas P fora de medida em todo ECG que analisar. A segunda onda P representada acima deve ser encontrada em DI, DII e aVf; sua imagem em espelho em aVr (onda P negativa): estes achados significam que o ritmo sinusal. E quanto primeira onda P? Aquela que positiva e negativa? Esta pode ser tipicamente encontrada em V1. Esses dois exemplos de onda P so normais! Observe que em nenhuma das duas a altura ou durao maior ou igual a 3mm. Agora observe o terceiro exemplo: uma onda P que dura exatamente 0,12 segundos. Lembre-se do que dissemos no incio: os achados eletrocardiogrficos devem ser valorizados em um contexto clnico. Alm disso, 3 quadradinhos j um valor patolgico (lembre-se que o valor de normalidade para durao menor que 3 mm e no menor ou igual). Caso este paciente tenha, por exemplo, suspeita de estenose mitral, podemos inferir pelo ECG que h sobrecarga de trio esquerdo, com conseqente hipertrofia. Mas como saber se o trio afetado o direito ou o esquerdo? Lembre-se que dissemos que o impulso segue do trio direito para o esquerdo e que o final da onda P representa o esquerdo. Assim, se a onda P dura mais, pense como se isso fosse conseqncia da maior massa esquerda, que demanda mais tempo para despolarizar, desenhando uma onda P de maior durao. No quarto exemplo de onda P, temos a altura aumentada. Que isto significa? Hipertrofia de trio direito. E como saber que dessa vez o direito e no o esquerdo? Porque o que aumentou foi a altura, e no a durao. O trio direito, primeiro a se despolarizar, agora tem muita massa! Em razo disso, Figura 35: Exemplos de possveis variaes do registro de onda P que pode ser encontrado no ECG.
  • 27. demora mais para despolarizar e enquanto ainda est despolarizando, o esquerdo tambm est. Os dois somam seus vetores e nasce uma onda P gigante, maior ou igual a 3mm. E a penltima onda P? O que representa? Hipertrofia de trio esquerdo. , na verdade, um sinal clssico. Na prtica, basta lembrar: aumentou durao, trio esquerdo; aumentou altura, trio direito. Quanto hipertrofia de ventrculos, iniciemos a discusso pelo direito. H vrias pistas para suspeitar da hipertrofia de ventrculo direito. Alm da hipertrofia de trio direito e do desvio de eixo para direita, o desvio de eixo para frente (porque o ventrculo direito situa-se adiante do esquerdo) so evidncias de hipertrofia de ventrculo direito. Se voc no entendeu a razo dos desvios de eixo, deve retornar no texto para o tpico eixo. Uma dica: a hipertrofia aumenta a massa do ventrculo direito. O supracitado desvio do eixo para frente provoca um fenmeno interessante nas derivaes precordiais. Compare estes dois exemplos: Figura 37: Exemplo de registro de QRS em precordiais de um paciente para comparao com exemplo anterior. Figura 36: Exemplo de registros de QRS de um paciente nas derivaes precordiais.
  • 28. Observou a diferena? No primeiro exemplo, que um traado de ECG normal, h uma tendncia do QRS tornar-se mais positivo medida que se avana de V1 a V6. Isso ocorre porque essas seis derivaes, nessa ordem, se aproximam cada vez mais da extremidade positiva do eixo de despolarizao dos ventrculos, sendo cada vez mais paralelo a ele e, em razo disso, sendo sua projeo mxima em V5 ou V6 e mnima em V1 ou V2. J no segundo exemplo, que representa o traado de ECG de um corao com hipertrofia de ventrculo direito, chama ateno o fato de que o QRS j positivo em V1! Aquela tendncia observada no exemplo anterior (mudana progressiva de rS para Rs) abandonada. Isso ocorre em razo do desvio de eixo anteriormente (diz-se rotao anterior do eixo), influenciando na projeo do vetor de despolarizao ventricular nas derivaes precordiais. Mas e no caso da hipertrofia de ventrculo esquerdo? Ele j predominante, ento nem sempre desvia o eixo que j fisiologicamente direcionado para esquerda. Como se pode perceber sua hipertrofia? Simples: o dipolo ser mais intenso (porque haver mais massa) e em razo disso, como se o ECG fisiolgico fosse amplificado, com ondas enormes. Veja: Figura 20: Exemplo de registro de QRS de outro paciente, tambm nas derivaes precordiais.
  • 29. Observe como esses QRS esto enormes! Eles, porm, continuam seguindo a tendncia das derivaes precordiais de positivar-se medida que se avana de V1 a V6. Esses QRS enormes sugerem a presena de hipertrofia de ventrculo esquerdo, porque h uma intensificao dos achados normais. E qual o valor de normalidade para QRS? Ele deve ser menor que 20mm em derivaes do plano frontal (perifricas) e menor que 30mm naquelas derivaes do plano horizontal (precordiais). No exemplo acima, o QRS de V4 tem 31mm, mas essa no a forma certa de se calcular. Lembre-se: no vale somar a amplitude de R com a de S! Deve-se apenas considerar a maior onda e analisar se ela preenche o critrio. No nosso exemplo, a maior onda nas derivaes precordiais um R de 27 mm em V5 (que, a rigor, ainda no seria suficiente para fechar este critrio de sobrecarga de Ventrculo Esquerdo). Voc, todavia, analisando o contexto do ECG, deve valorizar ou no uma onda R dessa amplitude. Outro achado comum em sobrecarga de ventrculo esquerdo: observe a ltima onda P exibida na figura 34. uma onda P bifsica (uma parte positiva e uma parte negativa). Observe que o seu desenho tem a parte negativa maior que um quadradinho (1mm de rea). Isto um sinal direto de hipertrofia de trio esquerdo e denominado sinal de Morris. O aumento de durao da onda P (maior que 3mm) tambm sinal de hipertrofia de trio esquerdo. Esses dois sinais de hipertrofia atrial esquerda tambm contam como critrios de suspeita para hipertrofia de ventrculo esquerdo. Quer ver outro sinal que sempre deve ser procurado na suspeita de hipertrofia de ventrculo esquerdo? Observe este traado: Figura 21: Exemplo de combinao de QRS e onda P que pode ser encontrado em ECG. Demais ondas foram omitidas.
  • 30. Veja que na imagem da pgina anterior est representado o QRS e tambm a onda T. Isso tem uma razo especial. Voc deve estar lembrado de que quando discutimos vetores foi dito que o vetor de repolarizao tem o mesmo sentido que o vetor da despolarizao; em conseqncia disso, QRS e onda T deveriam ser ambos positivos ou ambos negativos. Contudo, o que voc v na figura 39? Um QRS predominantemente positivo, porm uma onda T negativa. Isso um sinal de hipertrofia de ventrculo esquerdo observado nas derivaes precordiais (exceto V1 e V2) denominado padro Strain. E porque isso acontece? Algumas teorias atribuem esse fenmeno quantidade de massa do ventrculo esquerdo aumentada que impede que a repolarizao se d no sentido fisiolgico (do endocrdio para o epicrdio), mas acontea ao contrrio, porque a poro miocrdica prxima ao endocrdio tem baixo fluxo sanguneo, o que prejudica a repolarizao, atrasando-a, e o epicrdio, melhor perfundido, inicia-a, invertendo o vetor de repolarizao. Na prtica, apenas memorize este padro e sempre pesquise ele de V3 a V6. Tudo isso deve ser pesquisado e faz suspeitar de hipertrofia de ventrculo esquerdo. O que que confirma? A confirmao eletrocardiogrfica feita quando se alcana 5 pontos nos critrios de Romhilt. Se voc encontrar qualquer um dos trs sinais anteriormente citados, deve investigar os demais, e sua respectiva pontuao. Veja a tabela completa a seguir. Vale ainda acrescentar que existem outros critrios clssicos para suspeio de hipertrofia de ventrculo esquerdo. Todavia, o mais utilizado hoje em dia (principalmente devido sua elevada especificidade) este que estamos expondo. Nenhum deles tem sensibilidade excelente. Critrios de Romhilt QRS maior que 20mm (ou 30mm em precordiais) 3 pontos Padro Strain 3 pontos (ou apenas 1 ponto, se em uso de digital) Sobrecarga atrial esquerda 3 pontos Desvio do eixo acima de -30 2 pontos Deflexo intrinsecide 1 ponto Durao de QRS maior que 100ms 1 ponto Bloqueios Em um conceito estendido, podemos nos referir a bloqueio como qualquer interrupo na conduo do estmulo eltrico cardaco. Na prtica, o termo utilizado para fazer referncia maior dificuldade (ou mesmo completo impedimento) do estmulo eltrico passar por 3 pontos da rede nervosa especializada de conduo do impulso: o n AV, o Ramo Esquerdo e o Ramo direito. Existem diversos outros tipos de bloqueio, mas vamos estudar aqui apenas os 5 mais relevantes clinicamente.
  • 31. Voc se lembra do conceito de intervalo PR? o segmento do traado do ECG que inicia-se com o incio da onda P (incluindo esta onda) e termina com o incio do complexo QRS (excluindo as ondas do complexo). Este intervalo deve ser maior que 3mm e menor que 5mm. Se for menor que 3mm, estamos lidando com uma sndrome de pr-excitao ventricular (uma entidade clnica com elevado risco de morte sbita e que deve ser acompanhada/tratada por especialista). Como este texto destinado reviso para o clnico geral, basta saber que um ECG com esse achado merece ateno e o paciente deve ser encaminhado para avaliao com cardiologista. Caso o intervalo PR seja maior que 5mm, isto significa que o impulso eltrico est tendo dificuldade de prosseguir nas vias nervosas de conduo (no caso, o n AV). Isto um tipo de bloqueio: o bloqueio atrioventricular de primeiro grau. Esta uma condio considerada benigna e merece acompanhamento, mas no tratamento. Veja um exemplo. importante que voc observe com carinho este traado de ECG (no apenas porque deu bastante trabalho de fazer), mas porque h detalhes que comumente confundem a pessoa que est interpretando o ECG. Primeiro detalhe: isto um DII longo (uma apresentao da derivao DII em que o ECG fica por um perodo maior representando apenas aquela derivao). Essa a derivao ideal para anlise de ritmo e bloqueios. Segundo detalhe: observe que todo complexo QRS precedido por uma onda P e que as ondas P so equidistantes entre si e que a distncia da onda P ao complexo QRS se mantm a mesma a cada ciclo. Terceiro detalhe: o intervalo PR de 9,5mm (muito maior que 5mm). Por esses trs motivos, este o ECG de um paciente com bloqueio de primeiro grau. Certifique-se de que identificou corretamente cada onda no traado acima. Em ordem, so apresentadas: P SR (ou complexo QRS) T P SR (ou complexo QRS) T P SR (ou complexo QRS). Analise o ECG da prxima pgina. O que voc v? Figura 220: DII longo de um paciente hipottico.
  • 32. Se voc no encontrou nada de errado, talvez seja bom descansar um pouco antes de prosseguir. Se voc imagina ter encontrado um bloqueio tpico de primeiro grau, olhe de novo com mais cuidado. Se voc diagnosticou um bloqueio de segundo grau, parabns! Pode pular para o prximo bloqueio! Se voc no pulou, deve estar inseguro ou no sabe o que um bloqueio de segundo grau, certo? Bom... Vamos l: como estamos pesquisando bloqueios, devemos olhar o DII longo (que este traado representado acima). O primeiro passo observar o tamanho do intervalo PR (neste caso, de exatamente 0,2 segundos. No se preocupe em saber se o valor exato ou no critrio para bloqueio trio-ventricular de primeiro grau, pois o paciente tem uma condio bem mais grave! O bloqueio atrioventricular de segundo grau, inclusive de um tipo que merece tratamento. Observe que na segunda metade do ECG, aps uma onda P, no h complexo QRS! O ventrculo no respondeu ao estmulo atrial! Ento: se o intervalo entre cada onda P e cada complexo QRS constante, porm, em determinado momento, h uma onda P e no h complexo QRS (ou seja, h despolarizao atrial, mas no h resposta ventricular e conseqentemente no h vetor ventricular) temos uma condio grave chamada de bloqueio trio ventricular de segundo grau, tipo Mobitz II. No lugar do complexo QRS, h uma linha isoeltrica (ou, em alguns casos, uma deflexo incomum que representa o vetor de repolarizao atrial (invisvel no ECG normal porque ela some dentro de um vetor bem maior que est presente enquanto o trio se repolariza: o vetor de despolarizao ventricular, que gera o QRS). Figura 23: DII longo hipottico. Para visualiz-lo melhor, ele est dividido em duas partes. A parte superior e a inferior so continuao direta uma da outra (como se fosse cortado com tesoura e colado a primeira metade em cima e a segunda embaixo).
  • 33. E se existe o Mobitz II, deve existir o Mobitz I, correto? Sim, mas ateno: Mobitz I no a mesma coisa que bloqueio trio ventricular de primeiro grau, embora tambm seja considerado uma condio benigna. O Mobitz I um tipo de bloqueio de segundo grau, associado ao fenmeno de Wenckebach. Observe o exemplo a seguir para fixar melhor este conceito. Certifique-se de que identificou corretamente as ondas. Na imagem, temos P QRS T P QRS T P QRS T P QRS T P (nesse momento falta um QRS e um T) P QRS T P QRS T P. Observe com ateno esta imagem mais uma vez para perceber que embora o intervalo entre duas ondas P seja sempre o mesmo, o intervalo entre a onda P e o complexo QRS aumenta progressivamente at que, na quinta onda P, falta um complexo QRS. Esse fenmeno (de aumento progressivo da latncia de resposta ventricular em relao ao estmulo atrial) denominado fenmeno de Wenckebach e caracteriza o Mobitz tipo I, que um dos tipos de bloqueio de segundo grau. O ltimo grau de bloqueio do n AV (e o mais grave) o bloqueio de terceiro grau. Observe a imagem abaixo e raciocine. Tente achar o que h de estranho neste DII longo: Voc capaz de identificar o momento em que ocorre a despolarizao atrial? Ela est indicada por setas na imagem a seguir: Voc consegue perceber que a contrao atrial tem um ritmo bem estabelecido? Consegue perceber tambm que os ventrculos tem um ritmo bem estavelecido? Consegue perceber ainda que o ritmo de ambos diferente? Se sim, voc acabou de identificar uma grave condio: o bloqueio trio ventricular de terceiro grau. Observe que o ritmo ventricular Figura 42: Exemplo de DII longo de um paciente hipottico. Figura 24: Exemplo de DII longo de paciente hipottico. Figura 44: Exemplo de DII longo de paciente hipottico. Os momentos de ocorrncia de despolarizao atrial esto destacados por setas.
  • 34. independente das ondas P, tanto que, s vezes, a despolarizao atrial acontece ao mesmo tempo que a ventricular (e nesse caso o que seria onda P junta-se ao que seria um QRS e forma uma imagem diferente dos demais QRS, como observado na sexta seta) e outras vezes a despolarizao atrial ocorre em um momento que o ventrculo est se repolarizando (e neste caso o que seria uma onda P coincide com o que seria uma onda T e aparece uma onda diferente das demais, como se observa na quarta seta). Essas ondas atpicas so resultado da interao de vetores que no deveriam ocorrer no mesmo instante. O bloqueio trio ventricular de terceiro grau perigoso por vrios motivos, dentre eles: (1) a frequncia de escape geralmente baixa e pode gerar dbito cardaco insuficiente e (2) a contrao ventricular est dependendo de um foco ectpico (que pode falhar a qualquer momento). No nosso exemplo, o escape ocorreu na juno trio ventricular e, por isso, a frequncia mantm-se relativamente normal. E como saber se um escape juncional ou ventricular? Basta olhar o traado do QRS: neste caso, como o QRS tpico, provavelmente o impulso est seguindo as vias de conduo tpicas abaixo do N AV. Ento guarde o conceito de Bloqueio trio Ventricular de Terceiro grau (ou BAV Total): quando o impulso de despolarizao atrial no transmitido para o ventrculo, que assume um ritmo independente (e geralmente de menor frequncia) que o das cmaras atriais. Passemos agora aos bloqueios de Ramo Direito e esquerdo. Observe os seguintes QRS: Figura 25: Exemplos de QRS que devem ser procurados nas derivaes precordiais.
  • 35. Os complexos QRS exibidos na pgina anterior so assinaturas diferentes da mesma patologia e sempre devem ser pesquisadas no ECG. Embora os QRS apresentados sejam diferentes entre si, todos tem duas caractersticas em comum: observe que nos trs casos a durao do QRS maior que 0,12 segundos (ou 3 quadradinhos); observe tambm que h duas deflexes positivas (ao contrrio do que se espera que haja apenas uma deflexo positiva no QRS). A durao maior que 0,12 segundos e os dois R (tambm chamado RR) caracterizam bloqueio de ramo. Essas alteraes eletrocardiogrficas ocorrem porque o dipolo passa a existir por mais tempo (porque o impulso despolarizador segue de micito em micito, lentamente, ao invs de ir bem rpido pelas vias nervosas especializadas de conduo). E como saber se o bloqueio de ramo esquerdo ou direito? Simples! Lembre-se que V1 e V2 so derivaes precordiais direitas; V5 e V6 so derivaes precordiais esquerdas. Assim, se a assinatura de bloqueio de ramo estiver em V1 ou V2, Bloqueio de Ramo Direito; se em V5 ou V6, Bloqueio de Ramo Esquerdo. Todavia, nem sempre haver este sinal clssico para nos ajudar. Na possibilidade de no o encontrarmos, ainda devemos insistir em pesquisar o bloqueio de ramo, sempre que o paciente tiver um alargamento de QRS. Assim, virtualmente, alargamento de QRS igual a bloqueio de ramo. Se em V1 o QRS for positivo, temos um bloqueio de ramo direito; se negativo, o bloqueio de ramo esquerdo. E porque isso? Simples! A derivao V1 tem um vetor que se dirige para a frente. Quando h bloqueio de ramo, o vetor de despolarizao desviado no sentido do ventrculo ipsitateral ao bloqueio (no caso do ventrculo direito, anteriormente). Isquemia, infarto e necrose Estamos chegando ao fim de nosso resumo. Falaremos agora apenas dessas trs entidades. Antes de comear, bom dizer que importante praticar o ECG: apenas a prtica vai consolidar seus conhecimentos. Voc est prestes a concluir um resumo de quase 40 pginas! No deixe esse conhecimento se perder... Procure sites na internet para treinar suas habilidades! H bastante deles, inclusive alguns que disponibilizam material gratuito de aprofundamento. Um adendo: vamos estudar isquemia, infarto e necrose separadamente porque os achados sugestivos de cada um deles so distintos. A onda T invertida o sinal clssico da isquemia do miocrdio que pode evoluir a infarto. A justificativa similar quela apresentada para o padro Strain. Na verdade, o traado tambm bastante similar, embora a onda T da
  • 36. isquemia seja pontiaguda e simtrica, enquanto a do padro Strain tem pico arredondado e assimtrica. Essas ondas T invertidas sugestivas de isquemia devem sempre ser buscadas em todas as derivaes. Uma leso aguda (recente) representada no ECG pelo supra ou infra desnivelamento do segmento ST. Obviamente, isto no patognomnico e deve ser sempre levada em considerao a histria do paciente. Por exemplo: a pericardite tambm causa o supradesnivelamento de ST e dor torcica, embora uma histria clnica bem colhida possa diferenciar a dor da pericardite daquela tpica anginosa. Alm disso, no ECG tpico de pericardite, alm do supra de ST que bastante difuso h um infra de PR. J o infradesnivelamento de ST pode ocorrer na intoxicao por digitlicos e infarto subendocrdico. Observe exemplos de supradesnivelmento de ST representativos de infarto (que so mais graves que os infartos com infra, pois aqueles com supra representam leso do miocrdio adjacente ao epicrdio uma rea mais vascularizada). d A As leses (ou infartos antigos) so representados pela onda Q. Os nicos locais em que a onda Q pode ocorrer sem significado clnico em DI, DII, V5 e V6 e, mesmo assim, apenas devem ser consideradas irrelevantes caso sejam muito pequenas. Porque no tem significado clnico, so denominadas ondas Q insignificantes ou no-patolgicas. As ondas Q patolgicas,por sua vez, apresentam durao maior que 0,04 segundos (1 quadradinho) ou tamanho maior que 1/3 do QRS. Outra observao importante Figura 26: Exemplos de supradesnivelamentos de ST, todos maiores que 1mm. O ltimo o menor.
  • 37. que no se avalia onda Q em aVr. Por fim, lembre-se: necessrio que os achados estejam presentes em duas derivaes contguas (de mesma parede). A depender da distribuio dos achados isqumicos, fala-se de infarto anterior, lateral, inferior ou posterior. O infarto anterior assinalado nas derivaes V1, V2, V3 e V4; o infarto lateral traduzido por alterao em D1 e aVl; o infarto inferior cursa com alteraes eletrocardiogrficas em DII, DIII e aVf (e tambm chamado de infarto diafragmtico). Agora respire fundo para entender o infarto de parede posterior: o infarto antigo de parede anterior representado em V1 e V2 com uma onda Q, correto? No nos aprofundamos no motivo disto, mas raciocinando vetorialmente voc capaz de deduzir que h gerao de um vetor de sentido oposto ao da derivao (que se dirige do epicrdio para o endocrdio). No caso da parede posterior, quando h infarto, esse mesmo vetor passa a existir (do epicrdio para o encocrdio), contudo, como a parede posterior imagem em espelho da anterior, este vetor agora tem mesmo sentido que o da derivao. Por isso, ao invs de uma onda Q, passa a existir uma grande onda R (que no esperada em V1 e V2). Diagnstico diferencial de onda R grande em V1 e V2? Hipertrofia de Ventrculo Direito. Lembre-se: sempre valorize a histria do paciente! Um raciocnio similar capaz de explicar porque um infra de V1 e V2 pode ser grave, representando na verdade um supra em parede posterior. Assim, se infra de ST em V1 e V2 acompanhado de onda R, trata-se de infarto agudo posterior; se supra de ST em V1 e V2 acompanhado de onda Q, infarto agudo anterior. Alm disso, pode haver onda Q patolgica em V6 em decorrncia do infarto posterior. Sempre que suspeitar de infarto posterior, pea as derivaes V7 e V8 (em que so posicionados eletrodos em situao que permite melhor visualizao desta parede). Caso no tenha entendido, no deixe de procurar um professor ou livro! Lembre-se que infarto de miocrdio grave e voc deve ser habilidoso para reconhec-lo. Por fim, um detalhe que pode mudar a sua conduta e o prognstico do paciente: devido a questes anatmicas, o infarto de parede inferior comumente associado a infarto de ventrculo direito. Por isso, sempre que voc encontrar um infarto naquela parede, solicite as derivaes V3r e V4r (o r significa right ou reverso, porque os eletrodos esto posicionados no hemitrax direito). Voc chegou ao fim deste resumo. Lembre-se: isto um resumo! As alteraes de eletrlitos que geram padres anormais no ECG, por exemplo, no foram abordadas. Isto porque optamos em exibir apenas o mais importante (e cremos que seja mais adequado analisar eletrlitos por dosagem especfica). Porm, importante conhecer estas alteraes para que voc tenha sensibilidade de reconhecer os casos clssicos e dar o encaminhamento devido. Patologias sistmicas e de outros rgos e hormnios que influenciam o ECG tambm no foram estudadas. At mesmo os tpicos abordados no
  • 38. foram esgotados. Sendo assim, a mensagem que fica : no pare! Estude por outras fontes e pratique! Pratique muito! Espero ter ajudado voc na interpretao do ECG. E no esquea: entre em contato comigo caso surja dvidas na interpretao do texto, trechos confusos ou mesmo errados. Isso ser til para elaborao de demais materiais futuros. Saudaes (quase) mdicas, Lzaro Lima Duarte.