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FACULDADE DE MEDICINA DO ABC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM SAÚDE MENTAL PÓS-GRADUAÇÃO KÁTIA BERALDI REFLEXÕES SOBRE O ATENDIMENTO DE ADOLESCENTES AMEAÇADOS DE MORTE NOS EQUIPAMENTOS DE SAÚDE E SOCIOASSISTENCIAL SANTO ANDRÉ 2014

Reflexões sobre o atendimento de adolescentes ameaçados de morte nos equipamentos de saúde e socioassitencial

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FACULDADE DE MEDICINA DO ABC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM SAÚDE MENTAL

PÓS-GRADUAÇÃO

KÁTIA BERALDI

REFLEXÕES SOBRE O ATENDIMENTO DE ADOLESCENTES AMEAÇADOS DE MORTE NOS EQUIPAMENTOS DE SAÚDE E

SOCIOASSISTENCIAL

SANTO ANDRÉ

2014

FACULDADE DE MEDICINA DO ABC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO LATO SENSU EM SAÚDE MENTAL

PÓS-GRADUAÇÃO

KÁTIA BERALDI

REFLEXÕES SOBRE O ATENDIMENTO DE ADOLESCENTES AMEAÇADOS DE MORTE NOS EQUIPAMENTOS DE SAÚDE E

SOCIOASSISTENCIAL

SANTO ANDRÉ

2014

Kátia Beraldi

REFLEXÕES SOBRE O ATENDIMENTO DE ADOLESCENTES AMEAÇADOS DE MORTE NOS EQUIPAMENTOS DE SAÚDE E SOCIOASSISTENCIAL

Trabalho de conclusão de curso de pós-graduação, apresentado ao curso de Saúde Mental, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Saúde Mental. Orientador(a): Profª Drª Teresa Endo.

SANTO ANDRÉ

2014

Agradecimentos, À Secretária de Saúde e a Fundação Criança de São Bernardo do Campo, por

proporcionarem minha inclusão neste curso e total apoio institucional para a realização

deste estudo.

Aos adolescentes, companheiros de trabalho, minha admiração e gratidão pelos

ensinamentos profissionais.

Aos parceiros da Saúde Mental de SBC, na pessoa da Carolina Zaparoli por abrir o

convite para a realização do curso, na qual pude me capacitar na área com uma equipe de

professores inspiradores (a cada um deles dos eixos Álcool/Drogas e

Infância/Adolescência). A equipe do CAPS ADi III, seja na alegria ou na tristeza,

estamos unidos nos caminhos labirínticos, mas na expectativa de desvelar um oásis.

As Profs. Dras. Teresa Endo e Maria Inês, a monitora Renata que sempre estiveram

assiduamente presentes, desempenhando fundamental papel para a conclusão deste

trabalho.

Á Deus acima de tudo, minha mãe Madalena e filha Júlia, pelo incentivo e apoio. Á

sobrinha Giovana pela contribuição na revisão de texto.

Á Ângela Letícia, sempre disponível e colaborativa por este trabalho, meus sinceros

agradecimentos

“Por isso é que, na formação permanente dos

professores/educadores, o momento fundamental é o da reflexão

crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de

ontem que se pode melhorar a próxima prática”. (grifo meu).

(FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 33. ed. São Paulo:

Paz e Terra, 2006).

RESUMO

Introdução: Este trabalho visa explanar o funcionamento do serviço de atendimento a adolescentes usuários de substâncias psicoativas da Fundação Criança de SBC, que são encaminhados pelo CAPS ADi III, devido estes relatarem que estão ameaçados de morte. Tal estudo parte de uma realidade empírica, com o objetivo de verificar as incongruências dos equipamentos de saúde e socioassistencial, no atendimento desses adolescentes, nestes serviços. O ápice deste trabalho é a dificuldade de acesso ao atendimento desses adolescentes “ameaçados de morte”, pela rede de serviço do município, que não disponibiliza de um acolhimento temporário ou de um programa específico que promova a mudança da família do local da ameaça. Trago o perfil dos adolescentes atendidos no ano de 2012, com histórico de ameaça de morte o que mostra a ineficácia da intervenção realizada para esta demanda. Método: é composto por dados estatísticos dos atendimentos

realizados e histórico de um adolescente, do sexo masculino que ficou em situação de internação em Comunidade Terapêutica, devido à ameaça de morte, porém sem comprometimento abusivo com substâncias psicoativas. Os dados foram coletados através do prontuário do adolescente, plano de trabalho e relatório anual, da instituição socioassistencial. Resultado: Mostra uma dinâmica de trabalho complexa e contraditória devido a questões de não haver uma politica de atendimento aos adolescentes ameaçados de morte no município de São Bernardo do Campo, bem como os diferentes modos de ações do cuidado entre os equipamentos de saúde e socioassistencial, do que é medida protetiva e do que é tratamento por uso abusivo de substâncias psicoativas. Conclusão: Conclui-se que este cenário de “ameaçados

de morte”, camufla as reais necessidades biopsicossocial destes adolescentes, sendo necessárias intervenções multidisciplinares da rede de serviços que não é como primeira e única alternativa a internação em Comunidade Terapêutica, e pactuando a materialização da dinâmica de exclusão.

Palavras-chaves: saúde mental – terapia; saúde do adolescente; transtornos

relacionados ao uso de substâncias.

ABSTRACT

Introduction: This project aims to explain the functioning of teenagers psychoactive substances users’ reference center of Fundação Criança in São Bernardo do Campo city. These teenagers are directed to the reference center by CAPS ADi III after reporting death threats. The study starts from an empirical reality and it was conducted to verify the incongruities of health and social-assistance equipments in these teenagers care, in this service in question. The apex of this paper is the difficult access of these death threatened teens to the municipal social care, which does not provide a temporary accommodation or any specific program to promote the teenager family’s removal to a safe place. I will show you a profile description of the teenagers who were taken care on 2012 with death threats history, which demonstrates the ineffectiveness of the performed intervention to this demand. Method: it consists of statistical information of the services perfomed and a specific

male teenager record who was in an internment condition in the Therapeutical Community due to a death threat, however he is not compromised with abusive psychoactive substances. Information was collected through teenager’s chart and social-assistance institution work plan and annual report. Result: It shows a complex

and contradictory working dynamics as a result of not having a care policy to the teenagers threatened with death in the town of São Bernardo do Campo, as well as the different action modes of the health and social-assistance equipments from what is a measure of protection and what is an abusive psychoactive substances treatment. Conclusion: It concludes that this “death threatened” scenario hides the real byo psychosocial needs of these teenagers, and it is necessary a multidisciplinary intervention of the social care, which the internment in a Therapeutical Community is not the first and only alternative and going along with the materialization of the exclusion dynamic. Key-words: mental health; adolescent health; substance-related disorders.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIDS, HIV Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.

CT Comunidade Terapêutica.

CAD Centro de Atendimento à Drogadicção.

CAPS Centro de Atenção Psicossocial.

CAPS AD Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas.

CAPS ADi III Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas Infantil III.

CEBRID Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas.

CERSAM Centro de Referência em Saúde Mental.

COMENS Conselhos Municipais de Entorpecentes.

CONENS Conselhos Estaduais de Entorpecentes.

CONFEN Conselho Federal de Entorpecentes.

CREAS Centro de Referência Especializado da Assistência Social.

DSM Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders.

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente.

FEBEM Fundação Estadual do Bem Estar do Menor.

ICA Instituição Cláudio Amâncio.

NA Narcóticos Anônimos.

NAPS Núcleo de Atenção Psicossocial.

OMS Organização Mundial da Saúde.

PEAD Plano Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e

Prevenção em Álcool e outras Drogas.

PNAD Programa Nacional Antidrogas.

PPCAAM Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados

de Morte.

PRD Programa Redução de Danos.

RTA República Terapêutica Adolescentes.

SEDESC Secretária de Desenvolvimento Social e Cidadania.

SENAD Secretaria Nacional Antidrogas.

SGD Sistema de Garantia de Direitos.

SPA Substâncias Psicoativas.

SUAS Sistema Único de Assistência Social.

SUS Sistema Único de Saúde.

TAC Termo de Ajustamento de Conduta.

UDI Usuários de Drogas Injetáveis.

VIJ Vara da Infância e da Juventude.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÂO.....................................................................................................10

2 SERVIÇO DE ATENDIMENTO À DROGADICÇÃO............................................14

3 ADOLESCENTES EM SITUAÇÕES DE RISCO: AMEAÇA DE MORTE E USO

DE SUBSTÃNCIAS PSICOATIVAS.....................................................................21

3.1 Adolescentes ameaçados de morte...............................................................21

3.2 Adolescentes usuários de substâncias psicoativas........................................26

4 OS TRATAMENTO NA ADOLESCÊNCIA E O ACOMPANHAMENTO FAMILIAR

EM TEMPO INTEGRAL.......................................................................................30

5 AS POLITICAS PÚBLICAS AOS USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS

DROGAS..............................................................................................................36

6 A INCONGRUÊNCIA NOS SERVIÇOS DE ATENDIMENTO A ADOLESCENTES

NOS EQUIPAMENTOS DE SAÚDE E SOCIOASSITENCIAL.............................45

7 CONSIDEREÇÕES FINAIS..................................................................................49

REFERÊNCIAS..........................................................................................................53

ANEXOS....................................................................................................................56

COM A INCLUSÃO DA FICHA CATALOGRAFICA (ELABORADA PELA

BIBLIOTECA QUANDO O TRABALHO ESTIVER DE ACORDO COM O MANUAL)

E O ABSTRACT, A INTRODUÇÃO COMEÇARÁ NA PÁGINA 10. CORRIGIR

SUMÁRIO E CORPO DO TEXTO.

10

1 INTRODUÇÃO

Durante o percurso da especialização em Saúde Mental, tornou-se

relevante a elaboração de uma pesquisa que pudesse contextualizar as variáveis

circunscritas no trabalho por mim desenvolvido, há cerca de cinco anos na

Fundação Criança de São Bernardo do Campo, voltado ao atendimento de

crianças e adolescentes que fazem uso indevido de substâncias psicoativas

(SPA). Tal atendimento, conforme TAC – Termo de Ajustamento de Conduta, foi

normatizado em 2006 com a inauguração do “Centro de Atendimento à

Drogadicção (CAD)1”, bem como, pelo conveniamento de Comunidades

Terapêuticas pela Fundação Criança de São Bernardo do Campo2, específicas ao

atendimento de tais demandas (desde 2002).

Essas medidas consistem no afastamento temporário da criança e

adolescente usuário de substâncias psicoativas do convívio familiar e comunitário.

Destacadamente, tratam-se de adolescentes que estão sob “ameaça de morte”, e,

mediante esta condição, não recebem atendimento ambulatorial no Centro de

Atendimento Psicossocial Infantil – Álcool e Drogas III (CAPS AD Infanto-Juvenil

III)3, deste município, sendo avaliados e encaminhados pela equipe técnica deste

equipamento de saúde para a execução de medida de proteção contenciosa

(Comunidade Terapêutica). O acolhimento pelo Serviço à Drogadicção é realizado

visando garantir a “medida de proteção” ao ameaçado. Configuração dada

decorrente as necessidades emergidas no cotidiano dos equipamentos de saúde

e socioassistencial para os casos de ameaça de morte, equivocadamente.

Ainda partindo do pressuposto de que todas estas medidas, com a

interpretação sobre “proteção”, apontam para o mesmo objetivo: que se deduz em

“recuperar” um sujeito desviado do seu bom caminho, seja pelas sua própria

estrutura psicológica ou por um território que provoque “más influências”. As

medidas, a partir do termo “proteção”, usurpam uma série de intervenções que

conferem a Fundação Criança um poder de decisão sobre os rumos de vidas que

pode nem sempre visa, em uma primeira instância, a proteção da criança ou do

adolescente, mas a “proteção da sociedade(!?).”

1 O Serviço de Atendimento à Drogadicção a partir deste momento será referido por Serviço à Drogadicção.

2 A Fundação Criança de São Bernardo do Campo a partir deste momento será referida por Fundação Criança.

3 O CAPS AD Infanto-Juvenil III a partir deste momento será referido por CAPS ADi III.

11

A partir de um levantamento inicial dos prontuários e relatórios estatísticos

anuais, do referido serviço, observamos que no ano de 20124, dos 27

atendimentos realizados, a ameaça de morte foi o principal motivo das

internações efetivadas. Porém, somente dez receberam alta terapêutica, pois,

cumpriram o período de seis meses, conforme convoca a CT. Os outros

dezessetes que não permaneceram em tratamento, apresentaram dificuldades de

vinculação ao tratamento proposto, marcadamente em função de que a

intervenção incide em deslocamento do seu meio social para uma CT, no interior

da Capital. As principais manifestações de abandono relatadas por adolescentes

submetidos a tal intervenção foram: não mais desejarem submeter-se a medida

de proteção e/ou o tratamento; sentimento de segurança e distanciamento da

circunstância de ameaça após certo período internado; abdicação da vida

pregressa; crença que é possível resolver a situação da ameaça por conta

própria; e/ou relacionamento afetivo ou filho, deixado no local de moradia de

origem (São Bernardo do Campo)

A prática de internação em CT é realizada em um contexto arbitrário, que

estabelece uma intervenção de negação do sujeito e do direito à convivência

familiar e comunitária, e uma violação do atendimento integral ao adolescente,

conforme preconiza o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), Lei Federal

8.069/1990. A Doutrina da Proteção Integral destacada na Carta Magna de 1988

reiterou um novo posicionamento do Estado, da família e da sociedade na

proteção...(art. 227). “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à

criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a

salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência,

crueldade e opressão”.

Siqueira e Dell’Aglio (2006) destacaram que a vivência institucional pode

trazer implicações tanto positivas, como negativas, tal decorrências depende da

história pregressa e dos motivos que levaram os adolescentes para a esta

situação.

4 Tabelas ver anexo II

12

O ECA é a diretriz fundamental, devendo ser respeitada em qualquer

projeto de atenção a esse público. A Lei reforçou os preceitos elencados na

Constituição Federal e trouxe elementos de extrema importância para a

construção de uma nova realidade para a infância e juventude, partindo da

descentralização, da municipalização das funções e da participação obrigatória da

família, da sociedade e do Estado no oferecimento dos direitos às crianças e

adolescentes, principalmente o direito à convivência familiar e comunitária. Tais

elementos são evidenciados no art. 4º do ECA e destacado no art. 195 da mesma

Lei.

O ECA “dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente” (art.

1º), constituiu uma aquisição legal essencial para a proteção dos direitos das

crianças e dos adolescentes como pessoas em desenvolvimento. Traz uma nova

visão desses sujeitos, considerando-os em uma "condição peculiar de pessoa em

desenvolvimento", o que lhes garante prioridade absoluta na elaboração e

aplicação de políticas que assegurem a efetivação dos direitos referentes à vida,

saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, etc. Institui o município como

espaço privilegiado para a construção da cidadania.

A Doutrina da Proteção Integral, ainda é um desafio e não uma realidade,

neste sentido, tal procedimento se dá por escutas “enviesadas”, feitas pelos

agentes sociais (família, técnico da saúde, assistência social, educação,

educadores sociais, etc.), envolvidos nestes atendimentos. Este panorama nos

coloca um questionamento: a incongruência entre os modos de operação entre os

equipamentos públicos e os princípios sobre os quais eles são regidos.

Objetivando propulsionar reflexões críticas acerca de tais assuntos, a

presente pesquisa traz, em seu primeiro capítulo, considerações sobre o cenário

do atendimento às crianças e adolescentes em situação de uso abusivo de álcool

e outras drogas, destacadamente a partir do ano 2002, ocasião em que foram

conveniadas as primeiras Comunidades Terapêuticas para atender tais

especificidades. Não obstante, o capítulo versa ainda sobre a inauguração do

Centro de Atendimento à Drogadicção em 2006, para cumprimento de Termo de

Ajustamento de Conduta instaurado pelo Ministério Público deste município.

5Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família

substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias psicoativas.

13

No segundo capítulo, trataremos de certas particularidades vivenciadas por

adolescentes em situação de ameaça de morte pareada ao uso de substâncias

psicoativas; em seguida, no capítulo terceiro, discorreremos sobre a importância

da participação da família, quer seja a família nuclear, quer seja a família

extensiva, para aumentar a eficácia/efetividade desta modalidade de atendimento.

O quarto e o quinto capítulo destinam-se consecutivamente, ao debate

sobre a eficácia/ineficácia das políticas públicas voltadas ao atendimento de

crianças e adolescentes usuários de álcool e outras drogas, problematizando a

incongruência entre teoria e prática, bem como, entre as legislações vigentes e as

distorções que marcam a efetivação das leis, distorções sob as quais padecem

nossas crianças e adolescentes que são equivocadamente submetidos a medidas

de atendimento que interferem negativamente em seus processos de

desenvolvimento biopsicossocial.

14

2 SERVIÇO DE ATENDIMENTO À DROGADICÇÃO

A Fundação Criança de São Bernardo do Campo, criada pela Lei Municipal

nº 4683 de 26/11/98, consolidada como órgão executor de políticas públicas e

projetos que contemplem o atendimento aos direitos definidos pelo SUAS e pelo

ECA. Tem por objetivo a implantação de projetos, programas e serviços de

proteção especial e socioeducativa às crianças e adolescentes, conforme as

diretrizes fixadas no ECA.

A consolidação da Lei Municipal proporcionou a inovação e a

transformação da FUBEM - Fundação do Bem Estar do Menor de São Bernardo

do Campo – , criada em 1974; esta transição foi marcante e significativa para o

sistema de atenção infanto-juvenil em São Bernardo do Campo, ampliando as

possibilidades para a realização de alterações de concepção, método e gestão,

previstas na Constituição Federal Brasileira (1988) e no Estatuto da Criança e do

Adolescente – ECA (1990).

Sua missão desde então é promover, defender e garantir os direitos de

crianças, adolescentes e jovens, envolvendo todos os integrantes do Sistema de

Garantia de Direitos6 (SGD), órgãos da administração pública, demais parceiros e

organizações representativas da sociedade.

Os princípios para realização do trabalho da Fundação Criança estão

contidos na doutrina de proteção integral, que implica em novos olhares e novas

modalidades de atendimento/atenção ao grupo etário em questão. Trata-se e um

modelo inovador de atendimento, largamente reconhecido na região do

ABCDMRR por ser único e específico. Logo a Fundação Criança referencia uma

prática difundida e reconhecida em nível do Estado e da Federação, tendo sido

suas experiências apreciadas também por organismos internacionais. Repercute

em outro desenho da política pública de atenção à criança e ao adolescente. No

plano individual, configura uma nova atitude na educação e preocupação social

6 O Sistema de Garantia de Direitos (SGD) foi regulamentado pela Resolução 113 do CONANDA, sendo definido como uma esfera de

“articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal” com o objetivo de efetivar a promoção, a defesa e o controle social dos direitos humanos e sociais de crianças e adolescentes, enfrentando as desigualdades e garantindo o seu reconhecimento como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, em conformidade com a Doutrina da Proteção Integral, prevista na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

15

com o público infanto juvenil e exige um novo modelo de gestão social que

envolve a modernização administrativa, a articulação e integração dos serviços da

área social e a participação dos funcionários e usuários na proposição e avaliação

desses serviços.

Desde 2002, a Fundação Criança mantém Termos de Convênios com

Comunidades Terapêuticas, onde são realizadas internações de adolescentes,

conforme encaminhamentos realizados pelos programas sociais da própria

Fundação e por outros do SGD de São Bernardo do Campo, predominantemente

em razão da falta de contingência familiar, em função do uso de substâncias

psicoativas e/ou da prévia existência de ameaça de morte. Não obstante, há

casos em que o adolescente apresenta estas três necessidades

simultaneamente.

Durante os anos de 2002 a 2006, os usuários de substâncias psicoativas

oriundos dos programas da Fundação Criança e da rede de serviços eram

encaminhados para as Comunidades Terapêuticas. A efetiva intervenção se dava

após a avaliação da situação de vulnerabilidade destes adolescentes e, visava

afastá-los da situação de rua, do meio infracional e/ou da ameaça de morte.

Alguns permaneciam até um ano em regime de internação, principalmente nos

casos de ameaça de morte, contudo, não era um número significativo de casos

atendidos neste período. No mesmo interim, técnicos de referência dos

programas da Fundação Criança, realizavam orientações e encaminhamentos

dos adolescentes às CTs e davam continuidade no acompanhamento destes e de

seus familiares durante o processo de tratamento por uso indevido de SPA, em

regime de internação. Inclusive, o próprio Ministério Público por meio de

Determinação Judicial requisitava à Fundação Criança que os técnicos do

Programa de Atendimento às Medidas Socioeducativas retirassem os

adolescentes da antiga FEBEM e os levassem diretamente para as CTs, visando

tratamento por uso abusivo de SPA.

Em 2006, através da articulação da Secretária de Saúde, a Fundação

Criança e o Ministério Público, houve a abertura do CAD, inaugurado pela

Fundação Criança de acordo com o referido TAC. Vislumbrava um programa

municipal de prevenção e tratamento à dependência química e, com base neste

documento, este serviço foi instituído no município.

16

Mesmo com a abertura deste programa, a Fundação Criança optou pela

manutenção do conveniamento com Comunidades Terapêuticas fora do município

de São Bernardo do Campo, predominantemente localizadas no interior do

Estado de São Paulo, objetivando a proteção de crianças e adolescentes que se

encontrassem sob risco de morte e/ou outros tipos de vulnerabilidade e que não

pudessem permanecer neste município.

O CAD possuía quinze vagas e visava o atendimento de crianças a partir

dos 9 anos a adolescentes até 18 anos de idade, de ambos os sexos e em regime

de acolhimento institucional diferenciado, por um período de até, no máximo, seis

meses. O critério de atendimento eram os usuários com diagnóstico de uso

abusivo de substâncias psicoativas, como retaguarda de atendimento ao CAPS

ADi, para situações de maior vulnerabilidade, com necessidade de tempo maior

de internação para tratamento. Esse é o mesmo critério utilizado para a

internação nas comunidades terapêuticas conveniadas à Fundação e localizadas

em outros municípios.

O Programa visava dar retaguarda ao CAPS ADi, baseando-se no artigo

101, das Medidas Específicas de Proteção7, que estabelece o direito a receber

atendimento. Esse artigo estabelece que toda criança ou adolescente usuário de

drogas deve "receber orientação, apoio e acompanhamento temporários;

requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime

hospitalar ou ambulatorial, ou inclusão em programa oficial ou comunitário de

auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos" (ECA, art. 101).

Uma das razões que justificava tal atendimento, neste período, incidia no fato de

o CAPS ADi, neste período, não dispor de atendimento 24horas para crianças ou

adolescentes que apresentavam resistência ao tratamento ambulatorial,

recorrendo situações de abandono de tratamento. O comprometimento clínico

e/ou psíquico e situação de vulnerabilidade social, familiar e legal eram

encaminhados do CAPS ADi, além de outros serviços da rede e até mesmo de

outros programas da própria Fundação, foram fatores preponderantes para a

instalação do Programa CAD.

7As Medidas de Proteção à criança e ao adolescente (artigo 98) são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem

ameaçados ou violados (ECA, 1994): I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III – em razão de sua conduta.

17

A metodologia de trabalho apontava para a integração com a família como

participante do processo de tratamento, além de uma abordagem terapêutica e

socioeducativa, contando com atendimento individual, grupos terapêuticos,

atividades pedagógicas, laborterápicas, artísticas e físicas, atendimento familiar e

visitas domiciliares.

Contudo, o CAD funcionou por três anos, e devido à reordenamento

institucional e da rede de serviços de saúde mental do município, foi fechado em

2009. Desta forma, os adolescentes em tratamento foram transferidos para as

Comunidades Terapêuticas conveniadas, sendo elas: a Instituição Claudio

Amâncio (ICA), com unidades no município de Suzano e Rio Grande da Serra e

para o Centro de Recuperação Recanto das Garças, no município de Bragança

Paulista, interior do Estado de São Paulo.

Todo este processo foi oficializado junto às respectivas famílias e à Vara da

Infância e da Juventude, do município de São Bernardo do Campo, inclusive para

as crianças e adolescentes que não tinham histórico de ameaça de morte.

Durante o mês de dezembro de 2009 estiveram sob a responsabilidade do

CAD, 21 adolescentes internados nas Comunidades Terapêuticas. Destes, 14

permaneceram nas Chácaras da Instituição Cláudio Amâncio, sete na Chácara

“Recanto das Garças”. Somente três adolescentes eram do sexo feminino, dentre

os 18 do sexo masculino. Neste período, o critério de transferência para o

município de Bragança Paulista, era somente àqueles que: a) não aderiram ao

tratamento proposto na Instituição Claudio Amâncio (ICA); b) reincidiam em

saídas não autorizadas da ICA e pediam nova internação; c) nos comunicava que

havia um “rival” internado na ICA; d) eram do sexo feminino; e) recebiam alta

administrativa da ICA. Ou seja, a primeira opção de Comunidade Terapêutica

para a internação era a Instituição Claudio Amâncio, devido o fácil acesso entre

os municípios de São Bernardo do Campo, Suzano e Rio Grande da Serra. O

Centro de Recuperação Recanto das Garças era utilizado como segunda opção,

de acordo com as especificidades de cada situação encaminhada.

Neste mesmo mês, a Fundação Criança reabriu uma nova casa no intuito

de transferi-los das Comunidades Terapêuticas. Contudo, após quatro meses de

reabertura o programa foi definitivamente extinto e os profissionais que o

compunham foram transferidos para outros programas da Fundação, excetuando

18

uma educadora social, que ficou como referência para dar continuidade ao

acompanhamento dos adolescentes internados nas comunidades terapêuticas

conveniadas, até meados de 2011. Neste mesmo ano, o atendimento de usuários

de SPA foi agregado ao Serviço de Acolhimento Inicial “Espaço Andança”, da

Fundação Criança que atua como casa de entrada e passagem do município. O

local acolhia provisoriamente crianças e adolescentes que tinham vínculos

familiares ou sociais rompidos e encontravam-se em situação de risco pessoal

e/ou social, de rua ou em trânsito. Para estes era realizado o recâmbio para a sua

cidade de origem.

Paralelamente, em outubro de 2010, o CAPS ADi, iniciou atender os

adolescentes integralmente e passou de CAPS AD Infanto-Juvenil II para III e foi

implantada a República Terapêutica Adolescente (RTA). Neste processo os e as

adolescentes que se encontravam na CT do município de Bragança Paulista,

vieram no desígnio de darem continuidade no tratamento, por meio da proposta

clínica da República Terapêutica. A partir deste momento, gradativamente

absorveram todas as demandas de usuários de SPA que procuravam este

equipamento de saúde.

Entretanto, foram surgindo novos casos de adolescentes usuários de SPA

com ameaça de morte. Estes eram encaminhados ao Conselho Tutelar8 que

obrigatoriamente deveriam acionar o serviço do Programa de Proteção a Crianças

e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM)9, conforme regido pelos

Decretos Estadual nº 58.238/12 e Federal nº 6.231/07 e, pela Lei nº 8.069/90

(ECA).

No entanto, este órgão encaminhador acima redirecionava os adolescentes

à Fundação Criança, por disponibilizar dos convênios com as CTs e, esta por sua

vez, os conduzia para estes espaços terapêuticos. Atualmente, o

encaminhamento é feito diretamente do CAPS ADi III à Fundação Criança que

8 O Estatuto da Criança e do Adolescente, que entrou em vigor no dia da criança do ano de 1990, define o Conselho

Tutelar como “o órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento

dos direitos da criança e do adolescente, definidos nessa lei.” 9 Esse princípio é expresso pelo Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à

Convivência Familiar e Comunitária, aprovado pelo Governo Federal em 2006, constituindo-se em um pacto de gestão que

envolveu diversos órgãos governamentais, não governamentais e os Conselhos Nacionais de Assistência Social (CNAS) e dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). O Plano traz um conjunto de diretrizes destinadas a fortalecer o paradigma da proteção integral e a preservação dos vínculos familiares. As estratégias, ali contidas, reconhecem a

centralidade do papel da família na vida de crianças e adolescentes e visam, fundamentalmente, prevenir a ruptura dos vínculos familiares, adotando o acolhimento institucional como última possibilidade e trabalhando, ainda, no sentido de qualificar esse atendimento.

19

executa a transferências desses adolescentes ameaçados de morte, para a

internação, sem qualquer mediação do Conselho Tutelar.

O Conselho Tutelar é uma instância criada na esfera jurídica, com a

condição de não ser jurisdicional, ou seja, sem o poder e a autoridade de aplicar

determinações judiciais, o que é restrito somente ao poder judiciário. É concedido

aos Conselhos Tutelares, como representantes da sociedade, a função de zelar

pelo cumprimento dos direitos estabelecidos em lei.

Entre suas principais atribuições destacam-se: “Atender as crianças e

adolescentes quando seus direitos não forem atendidos:

I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável e

III – em razão de sua própria conduta.”

Em tais casos, os conselheiros deverão aplicar uma ou mais das seguintes

medidas:

I – encaminhamento aos pais ou responsável;

II – orientação , apoio e acompanhamento temporários;

III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial

de ensino fundamental;

IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família,

à criança e ao adolescente;

V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em

regime hospitalar ou ambulatorial;

VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio,

orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII– abrigo em entidade;

VII – colocação em família substituta.

Outra atribuição dos Conselhos Tutelares que também se refere à prática

de atender e aconselhar os pais ou responsáveis que não cumpriram suas

funções básicas e que, portanto, estão passíveis de sofrer as seguintes medidas:

I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de promoção

à família;

20

II – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio,

orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

III – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;

IV – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;

V – obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua

frequência e aproveitamento escolar;

VI – obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento

especializado;

VII – advertência;

VIII – perda da guarda;

IX – destituição da tutela;

X – suspensão ou destituição do pátrio familiar.

Assim sendo, tanto quanto as crianças e adolescentes podem ser

protegidos pela medida de inclusão em programa oficial ou comunitário de auxilio,

orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos, seus pais ou responsáveis

também podem ter a inserção nos mesmos programas.

21

3 ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RISCO: AMEAÇA DE MORTE E USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

3.1 ADOLESCENTES AMEAÇADOS DE MORTE

Atualmente o acompanhamento dos adolescentes ameaçados de morte

internados na CT é feita por uma técnica de referência da área da educação,

locada no Programa Social da Fundação Criança denominado Centro POP –

Atendimento Especializado às Crianças e Adolescentes em Situação de Rua e

Trabalho Infantil. O fluxo incide na efetivação do encaminhamento realizado pelo

CAPS ADi III à Fundação Criança; no qual se estabelece com este procedimento

o rompimento dos vínculo com o serviço que o encaminhou, irrompendo o

atendimento previamente constituído, seja com o técnico de referência do

equipamento de saúde, ou qualquer outro técnico da rede. Tais encaminhamentos

são baseados nas ameaças circunscritas à existência de dívida com o movimento

do tráfico de drogas no próprio bairro ou em bairros nas imediações da sua

moradia. Entre outros motivos, o valor da dívida pode ser, uma informação

omitida, denúncia do ponto de tráfico, uma arma perdida e até mesmo o fato de

não ter avisado a tempo a invasão da polícia na comunidade.

Porém, os relatos de maior procedência são quanto a roubos pela

vizinhança, ou sobre fazer uso das drogas que estavam destinadas à venda para

terceiros, não conseguindo os adolescentes pagar por elas. Ocorre também que,

por eles serem aliciados, os pais ou responsáveis desejam que eles abandonem

essa condição. Nesse palco todos os reveses incidem sobre o adolescente, por

ser o mais indefeso do grupo, além de que muitas vezes pela própria simplicidade

e imaturidade, não conseguem cumprir com as atribuições que lhe são dadas

para trabalhar no narcotráfico. Independente do comprometimento ou da

veracidade do relato sobre a ameaça, todos os adolescentes que apresentam

qualquer informação de ameaça, são encaminhados para o Centro de

Recuperação “Recanto das Garças”, sem nenhum indicio comprobatório das

informações coletadas sobre a ameaça.

No ano de 2012, das dezoito internações na CT, houve adolescentes que

apresentaram ferimentos graves, como: fratura na perna, mãos, cortes na cabeça.

22

Constatamos que foram agredidos por pessoas do meio do tráfico e/ou policiais

(de acordo com seus relatos).

Dos 27 atendimentos realizados no referido ano desta pesquisa, nove eram

remanescentes do ano de 2011; 18 abandonaram o tratamento, o fator propulsor

foi: sair sem autorização (entende-se como fuga) e abandono voluntário do

tratamento (saída com autorização do responsável). Somente dez receberam alta

terapêutica, porém, três destes adolescentes solicitam nova internação, devido à

persistência da complexa situação de vulnerabilidade social: sem respaldo

familiar, uso abusivo de drogas, prostituição e consequentemente a ameaça de

morte, retornando-os para a CT. Do total, 19 apresentaram histórico de ameaça

de morte.

Todos os adolescentes ameaçados de morte, independente das condições

em que saíram da CT, voltaram para casa de seus familiares, logo para o mesmo

ambiente da referida ameaça. Com o encerramento do atendimento aos

adolescentes da CT, realiza-se orientação e encaminhamento, tanto para a

família como para o adolescente, a continuidade no tratamento por uso indevido

de SPA, em regime ambulatorial no CAPS ADi III. Também pleiteamos junto ao

CAPS ADi III a inserção deste adolescente na RTA, visando auferir tempo para a

reintegração na família e no ambiente da ameaça, mas é necessário uma pré-

avaliação deste equipamento, para inserção ou não na RTA.

Em meio aos adolescentes que não concluíram o tratamento no período

previamente determinado, retornaram ao município após terem permanecido na

CT por um período de 5 dias até três meses, tempo insignificante para dissolução

de uma situação de risco de morte. Entre os internados deste mesmo ano, para

apenas um caso de ameaça de morte o PPCAAM foi acionado. Contudo, em

função do período de espera para a efetivação de sua inserção no Programa, a

adolescente voluntariamente abandonou a CT passando a morar com familiares

em outro município. Assim, para dar continuidade ao atendimento familiar, o

PPCAAM somente os referenciou ao Centro de Referência Especializado da

Assistência Social (CREAS) do município, onde a adolescente já estava

hospedada.

23

O PPCAAM10 foi implantado em 2003 como estratégia do Governo Federal

de enfretamento ao alarmante crescimento de homicídios entre adolescentes e

crianças no Brasil. O Programa abrange a faixa etária entre 0 a 18 anos

completos. Ele é gerido em parceria estabelecida com a Subsecretaria de

Promoção dos Direitos da Infância e da Adolescência da Secretária Especial de

Direitos Humanos da Presidência da República. Tem atuação nos Estados do Rio

de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Pernambuco, Distrito

Federal, Pará e recentemente, foram incluídos Paraná, Bahia e Alagoas. Estes

estados foram selecionados devido aos altos índices de homicídios de crianças e

adolescentes, de acordo com pesquisas realizadas no âmbito nacional e

internacional. Neste sentido, o PPCAAM objetiva a garantia do direito à vida e se

insere em uma política mais ampla de garantia dos direitos humanos.

Contudo, o município de São Bernardo do Campo depara com a dificuldade

de não haver, uma definição clara em relação às atribuições do Conselho Tutelar

ou, então um serviço especifico como subterfúgio para situações de adolescentes

ameaçados de morte que articule de forma emergencial junto ao PPCAAM. Em

razão as condições estabelecidas pelo PPCAAM, que somente por mediação do

Conselho Tutelar, Poder Judiciário e Ministério Público podemos dar entrada na

10

O Sistema de Proteção a Pessoas Ameaçadas compreende três programas distintos: além do PPCAAM, existem, ainda,

o Programa de Proteção a Testemunhas e Vítimas Ameaçadas de Morte (PROVITA), instituído pela Lei 9.807/99 e o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, criado em 2004 e instituído por meio do Decreto Presidencial 6.044/2007. Atualmente, os três programas se articulam no âmbito da SDH, no Programa de Proteção a Pessoas

Ameaçadas. Está, também, em fase de elaboração o anteprojeto de lei para institucionalização do sistema, que inclui ainda os Centros de Apoio a Vítimas de Crimes (CEAVS). O sistema, no entanto, já se organiza em algumas UFs, que se responsabilizam pela proteção provisória.

27 adolescentes atendidos em 2012

18 internações

9 remanescentes de 2011

18 desistentes

11 abandoram o tratamento espontâneamente antes de 3 meses de internação

3 receberam alta administrativa (expulsos)

3 saídas não autorizadas ( 2 B.O. de desaparecido)

10 receberam alta terapêutica

5 encaminhados à para República Terapêutica Adolescentes

5 retornaram à família

24

solicitação. Em média, perdura quatro meses, entre a nossa solicitação à Vara da

Infância e da Juventude até a inclusão, ou não, do adolescente no serviço.

FLUXOGRAMA DE PROCEDIMENTOS DO PPCAAM

Avaliação e Inclusão Proteção e Reinserção Social Desligamento

Pré-avaliação: porta de

entrada (conselho tutelar,

ministério público ou poder

judiciário)

Fases: adaptação,

reinserção social e

desligamento.

Avaliação para o desligamento:

razões e informe à Porta de

Entrada e autoridade judiciária

Avaliação: equipe PPCAAM

ou núcleo técnico federal

Elaboração e implentação:

do PIA (Plano Individual de

Atendimento)

Comunicação periódica ao

Conselho Gestor

Inclusão: com familiares ou

sem familiares

Acompanhamento e rede de

retaguarda

Acompanhamento pós-

desligamento: realizado

preferencialmente pelo CREAS

Situações: emergenciais:

buscar retaguarda da

segurança pública

Casos de permuta:

encaminhar à coordenação

nacional

Não Inclusão: retorno à

Porta de Entrada

Diante dos relatos trazidos pelos adolescentes ameaçados e seus

familiares durante as entrevistas, estes são orientados sobre o PPCAAM.

Contudo as famílias manifestam dificuldades em acompanhar o filho para outro

município ou Estado e questionam a existência de um local de acolhimento. No

entanto, tais espaços não podem assumir esta demanda, pois colocariam em

risco os demais acolhidos e seus funcionários (critério também utilizado pelo

CAPS ADi III). Assim, propomos o único recurso que nos é possível, embora não

figura como situação ideal: ofertar o serviço da CT.

Entendesse que a inclusão de usuários à CT pressupõe um grau de

comprometimento com o uso abusivo de SPA e as situações de risco que esse

comprometimento promove. Todavia, a ameaça de morte é a principal causa para

a inclusão do adolescente na CT, independente do grau de dependência da SPA.

25

Não obstante, instaurou-se um fluxo no qual somente os adolescentes

usuários de substâncias psicoativas quando estiver pareada a situação de

ameaça de morte são levados para outro município. Com isso pudemos observar

que houve um aumento considerado de pedidos de internação por ameaça de

morte, pelos próprios familiares e usuários, uma vez que, este procedimento é

divulgado entre eles em suas respectivas comunidades e até mesmo dentro dos

serviços da rede e do CAPS ADi III. Exemplo disso, e o que acontece durante um

atendimento familiar com o adolescente usuário de SPA quando “solicitam

internação para se tratar”, e o técnico informa que só há internação para

adolescentes ameaçados de morte. Aberto o mote, para tal procedimento, a partir

deste instante, emergem vários eventos circunstanciais de situação de risco de

morte em que o adolescente está submetido por estar envolvido com o

movimento do tráfico. De posse dessa informação, que somente ameaçados são

internados em comunidade terapêutica, difundiu uma “cultura” de internações por

ameaça de morte, visando garantir a medida protetiva, tanto entre os

adolescentes como pelos serviços da rede pública.

Destaca-se que, todos os casos de ameaça de morte, independente de ser

ou não, usuários abusivos de SPA, são encaminhados à Fundação Criança,

sobretudo pelo CAPS ADi III, que também recebem estes adolescentes

encaminhados dos próprios programas desta instituição e/ou outros serviços da

rede. Por outro lado, o CAPS ADi III, sob a alegação que a situação de ameaça

não é uma demanda do serviço da saúde, redireciona ao serviço

socioassistencial. Rodrigues e Carvalho (1998) também já apontavam para essa

falta de efetividade de uma rede desconexa. As autoras lembram que, apesar de

o ECA ser uma legislação avançada e de ter introduzido formas relevantes de

tratamento mais digno, ele não trouxe solução decisiva. Ressaltam que, apesar

da importância da proposta do ECA, ela ainda é insuficiente pela ausência de

ações que correspondam a ela.

Até mesmo adolescentes com hipótese de transtornos de conduta ou

personalidade, em que a família e a rede esgotam todas as possibilidades de

orientações e encaminhamentos, optam por indicar que o adolescente precisa sair

do contexto de conflito imediatamente e são encaminhados à CT.

26

Segundo Zamorra (2005)11, a sociedade brasileira tem uma forte raiz

autoritária, convive com a injustiça, a limitação da liberdade e a tortura e tem

"verdadeira mania de internar". Para a autora, apesar das novas políticas de

atendimento aos direitos das crianças e adolescentes instauradas pelo ECA, sua

efetivação fica comprometida pelo desinteresse dos governantes e pela ausência

de mecanismos eficazes para propor, subsidiar, cobrar e avaliar políticas sociais.

Tampouco conta-se com instrumentos para advertir o desvio dos dirigentes do

que deveria ser sua prioridade: a formulação e execução de política pública e a

destinação privilegiada de recursos às áreas relacionadas com a proteção da

infância e adolescência (art. 4º, ECA, 1990).

Nesse sentido, concordamos com a autora, quanto à compreensão de que

a medida de internação deveria ser a última a ser indicada, devendo sempre estar

fundamentada no interesse do adolescente e de sua reintegração familiar e

comunitária.

Até este ponto histórico de envolvimento, o adolescente encontra-se fora

da escola há um ano, pelo menos. Seus amigos estão restritos ao movimento do

tráfico ou ato infracional e os vínculos familiares estão prestes a se romper.

Evidenciamos a tenuidade de seus laços sociais e comunitários.

3.2 ADOLESCENTES USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

As questões relativas ao abuso de álcool e outras drogas são

consideradas, recentemente, um grave problema de saúde pública. O tratamento

de adolescente destaca-se como um dos grandes desafios, dada à alta

prevalência de uso, que vem ocorrendo cada vez mais precocemente

(Guimarães, Godinho, Cruz, Kappann, & Tosta Junior, 2004; Prata e Santos,

2007; Toscano, 2001), associado a altos índices de abandono e baixo sucesso

terapêutico (Kaminer & Szobot, 2004).

Para a OMS – Organização Mundial de Saúde – “droga é qualquer

substância que, não sendo produzida pelo organismo, tem a propriedade de atuar

sobre um ou mais de seus sistemas, produzindo alterações em seu

11

In http://www.social.org.br/relatorio2005/relatorio029.htm, acesso em 12/12/2005.

27

funcionamento”. A terminologia Droga refere-se às substâncias psicotrópicas ou

psicoativas, que afetam os processos mentais (pensamento, memória e

percepção).

Portanto, todas as drogas aditivas são ativadas no cérebro no circuito

do prazer. A adição de drogas é um processo biológico e patológico que altera o

funcionamento do centro do prazer, como também outras partes das funções do

cérebro. Quase todas as drogas que alteram o modo de trabalho do cérebro

afetam a química da neurotransmissão.

O uso de SPA altera o estado mental, afeta diretamente a cognição, a

capacidade de julgamento, o humor e as relações interpessoais; áreas que,

frequentemente, já estão comprometidas, mesmo na adolescência normal (Miller

et. al, 1992). As alterações das sensações, das percepções, dos sentimentos ou

o comportamento e é comum na fase inicial da adolescência: estudos

desenvolvidos em todo o mundo indicam que 50% a 80% das crianças em idade

escolar usam drogas licitas ou ilícitas com propósitos recreacionais (Scivoletto E

Giusti 2005).

Estudos realizados a partir de 1987, pelo Centro Brasileiro de Informações

sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), da Escola Paulista de Medicina, confirmam

o aumento do consumo de substâncias psicoativas entre crianças e adolescentes

no país. Segundo o referido estudo, o percentual de adolescentes do país que já

consumiram drogas entre 10 e 14 anos de idade é extremamente significativo:

52,2% já consumiram bebida alcoólica; 29% usaram tabaco; 16,3% solventes e

11,2% maconha.

O consumo de drogas, especialmente entre crianças e adolescentes em

situação de vulnerabilidade social, tem sido mais frequente e segundo o mesmo

estudo realizado com “meninos em situação de rua” de seis capitais brasileiras, foi

demonstrado que em média, 88,25% dessa população, já fez uso de substâncias

psicoativas. As drogas mais usadas, três delas consideradas lícitas, foram o

tabaco, os inalantes, a maconha, o álcool, a cocaína e derivados, aparecendo o

crescente uso de crack, a partir de 1989, na cidade de São Paulo.

No município de São Bernardo do Campo, a atenção ao usuário de

substâncias psicoativas teve, na década de 80, a implantação de um tratamento

especializado em regime hospitalar e a criação de um programa ambulatorial

28

voltado ao funcionário público municipal, extensivo aos munícipes e famílias. A

partir de então, ampliaram-se ações preventivas na comunidade.

A partir do ano de 1997, com o lançamento do Movimento Criança

Prioridade 1 e do Programa Juventude Cidadã, a infância e a juventude passou a

ser tratada como prioridade.

Mudanças estruturais foram realizadas nos órgãos gestores das políticas de

inclusão social. A Fundação Criança e a Secretaria de Desenvolvimento Social e

Cidadania – SEDESC foram implantadas, garantindo junto à rede de políticas

públicas básicas a proteção especial, voltadas à garantia de direitos fundamentais

e às situações de vulnerabilidade, estimulando as parcerias com a sociedade civil

e garantindo o protagonismo infanto-juvenil.

Preocupado com a necessidade de conhecer melhor o perfil do nosso

adolescente, entre 14 e 19 anos, na questão de drogas e sexualidade, o Programa

Juventude Cidadã realizou uma pesquisa para melhor defini-lo e balizar

professores e educadores com relação ao público alvo do programa.

A pesquisa realizada em 2003, com 2.807 jovens regularmente matriculados

de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental e Ensino Médio de Rede Estadual,

detectou que a droga mais utilizada em nosso Município é o álcool e o cigarro,

seguidos da maconha. Um dado interessante é que em percentual similar ao da

maconha, os jovens têm utilizado, inadvertidamente, remédios para emagrecer. O

dado alentador é que a grande maioria dos jovens não utiliza quaisquer drogas, o

que ressalta a importância de investirmos na prevenção primária na intenção de

postergar o contato destes com as drogas.

Foi verificado a necessidade da realização detalhada de uma estimativa

prévia, para fins de diagnóstico clínico e psiquiátrico, avaliação psicológica e

familiar.

Qualquer problema por uso de substâncias psicoativas deveria ser avaliado

a partir de um “contínuo de gravidade”, podendo haver a apresentação de

quadros de comprometimentos leves, moderados e graves. Segundo a versão

mais recente, a quarta edição do DSM (DSM – IV, Diagnostic and Statistical

Manual of Mental Disorders), o diagnóstico de distúrbio por uso de substâncias

psicoativas, seja o quadro de dependência ou abuso, implica um padrão de uso

mal adaptado da substância, que leva a disfunções e prejuízos, caracterizados

29

através de critérios que são definidos, separadamente, para dependência e

abuso.

Em maio de 2009, com a criação do Plano Emergencial de Ampliação do

Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas - PEAD, inicia-se

um esforço de suprir a ausência histórica de políticas de saúde integral ao

usuário de álcool e outras drogas.

Apesar da importância dessa questão, o contato com esse campo

igualmente evidenciou as dificuldades da rede pública de saúde e do serviço

social, em proporcionar projetos e programas capazes de dar conta da procura

por tratamento e de demonstrar resultados efetivos, dado o baixo índice de

resolutividade comum aos tratamentos de adolescentes (Kaminer E Szobot,

2004). A urgência e magnitude dessa questão vêm gerando uma demanda

crescente por lugares e abordagens capazes de contentar as necessidades

específicas desse público e fornecer novas escolhas de vida.

30

4 OS TRATAMENTOS NA ADOLESCÊNCIA POR USO ABUSIVO DE SPA E O ACOMPANHAMENTO FAMILIAR EM TEMPO INTEGRAL

De inicio, partimos do princípio de compreender como se estabelece o uso

indevido de SPA nos adolescentes, que possui suas particularidades e entraves.

Utilizando as análises de Stewart e Brown (1995) apud Scivoletto (2001), é

possível refletir que o quadro de abuso de SPA na adolescência deve ser

reconhecido em alguns níveis de consumo de álcool e outras drogas, que muitas

vezes são considerados normais durante a adolescência.

Scivoletto (2001, p.68) argumenta que a maioria dos estudos que procuram

validar os critérios de diagnósticos atuais é realizada com pacientes adultos.

Porém, são necessários estudos específicos sobre as características particulares

do uso de drogas na adolescência para validação dos critérios de diagnósticos

empregados nesta faixa etária.

A autora vai afirmar que uma das principais diferenças encontradas nestas

duas populações (adolescentes e adultos) é que os primeiros, da mesma maneira

que iniciam o consumo de substâncias mais cedo, tendem a iniciar o tratamento

com menor tempo de uso; desta forma, os jovens teriam menos tempo para

apresentar deterioração de suas funções físicas, psicológicas e sociais.

Outro fator que dificulta o diagnóstico entre adolescentes, é que estes

dificilmente apresentam sintomas físicos de dependência, na forma de tolerância

e sintomas de abstinência. Scivoletto volta a argumentar a respeito da

necessidade de programas de tratamento especialmente desenvolvidos para as

faixas etárias mais jovens, uma vez que as necessidades desta população são

diferentes das dos adultos.

Scivoletto (2001) ainda discute sobre a efetividade dos tratamentos para

adolescentes que requer uma intervenção ou tratamento para minimizar o nível de

disfunções causadas pelo uso abusivo de drogas, assim como prevenir

consequências prejudiciais futuras. Entretanto, apesar do conhecimento de que

qualquer modalidade de tratamento possa ajudar os pacientes usuários de SPA,

não se beneficiam de um tratamento padrão ou tradicional. Indivíduos diferentes

necessitam de tipos, intensidades e combinações diferentes de tratamento.

31

As principais dificuldades metodológicas citadas por Scivoletto (2001,

p.69), sobre efetividade no tratamento para adolescentes incluem uma avaliação

inicial que se trata de uma ponderação detalhada do padrão de consumo de

drogas pelo adolescente, fornecendo informações sobre o nível de envolvimento

com as drogas e a gravidade o quadro clínico. Esta avaliação é especialmente

importante na elaboração do plano terapêutico, para apontar, por exemplo, se o

tratamento se dará em regime de residencial ou ambulatorial.

Entre as dificuldades metodológicas citadas acima, também incluímos a

falta de uma definição clara do que é sucesso ou fracasso terapêutico. A

mensuração inadequada das variáveis durante o seguimento, falhas no

acompanhamento, incluindo a baixa aderência ao tratamento e insuficiente tempo

de continuidade.

Um dos problemas relacionados ao tratamento de adolescentes é que a

maioria dos tratamentos disponíveis na área de dependência de drogas foram

desenvolvida para a população adulta, como foram citado acima, incluindo

basicamente desintoxicação, programas ambulatoriais de psicoterapia e

internação farmacológica (Semlttz E Gold, 1986 Apud Scivoletto, 2001 P.69).

Quando é solicitado dos adolescentes que fiquem abstinentes ao álcool e

as drogas no inicio do tratamento, eles encontram dificuldades porque não

conseguem e, muitas vezes, não sabem preencher seu tempo com atividades não

relacionadas às drogas.

Diferentemente dos adultos, que já haviam desenvolvido seus papéis na

sociedade antes da disfunção causada pelo uso indevido de álcool e/ou drogas, o

adolescente ou pré-adolescente sabe, instintivamente e logicamente, que não

pode retornar aos 08 ou 10 anos de idade. Igualmente necessitam de abordagens

terapêuticas diferenciadas e articuladas, primam por um tratamento dinâmico,

singular e consistente.

Conforme Scivoletto (2001, p.78) uma das modalidades de tratamento é a

“Hospitalar em Regime de Internação”. Este tipo de abordagem permite que se

tenha total controle sobre o comportamento do jovem e que se possa oferecer-lhe

a certeza de que estará longe das drogas em uso e também de quaisquer outros

comportamentos impulsivos.

32

Mas para essa modalidade são reservadas algumas indicações, tais

como: comportamento suicida; risco de desenvolver síndrome de abstinência ou

outras complicações clínicas; necessidade de tratamento de outras comorbidades

psiquiátricas e falência na tentativa de tratamento ambulatorial. Igualmente, os

programas devem ser multidisciplinares, para que possam oferecer uma

abordagem biopsicossocial e também envolver a família no processo.

Kaminer e Szobot (2004) afirmam ainda que, no Brasil existem leis a

respeito da internação de crianças e adolescentes destacando-se a necessidade

de um ambiente propício a essa etapa de desenvolvimento. O ECA (artº12), indica

que os adolescentes sejam internados com acompanhamento de um familiar ou

responsável, em tempo integral. Os autores ainda observam que uma unidade

psiquiátrica designada para adultos não é ambiente recomendado para internação

de um adolescente usuário de SPA.

Outra modalidade de tratamento é a ambulatorial, esta forma de tratamento

é mais comum ultimamente, mais apresenta certas dificuldades quando há

negação do problema pelo jovem ou sua família, ausência do desejo de

abstinência, recusa em renunciar aos comportamentos praticados pelos

companheiros de grupo que usam drogas e falta de motivação.

O tratamento ambulatorial é o tipo mais acessível de tratamento, não só

pelo seu menor custo, como pelas vantagens que ele apresenta. Ao contrário do

que se imagina, o tratamento ambulatorial é mais efetivo do que a internação,

pois procura tratar a pessoa sem tirá-la do ambiente no qual ela vive e nem

afastá-la das tarefas do dia-a-dia. Também é possível desenvolver com o

paciente um tipo de atendimento mais longo que inclua reinserção social,

prevenção de recaída, etc. Quando o paciente é encaminhado para um serviço

ambulatorial, a família deve estar envolvida no tratamento sendo que o paciente

deve ter consciência da sua responsabilidade no processo.

Também existem as Comunidades Residenciais Terapêuticas, que tem

como proposta a abordagem terapêutica, visando à proibição do uso de drogas,

com uma rotina diária fortemente estruturada. O tratamento inclui rotinas diárias

intensivas envolvendo terapia de grupo e aconselhamento individual e

educacional. Cada indivíduo tem suas responsabilidades no trabalho diário na

comunidade, que faz parte do processo terapêutico.

33

A comunidade terapêutica mencionada neste trabalho, conveniada a

Fundação Criança vem efetivando a prestação de serviços ao município de São

Bernardo Campo, há aproximadamente 12 anos. É sabido que se trata de uma

instituição de atendimento ao dependente químico, não governamental, em

ambiente terapêutico não hospitalar, com orientação técnica e profissional, onde o

principal manejo terapêutico é a convivência entre os residentes. Atua na

dimensão do tratamento, recuperação e reintegração social, tendo como diretrizes

o internamento, indicação medicamentosa, a abstinência total do uso de SPA e

abordagens literárias dos Narcóticos Anônimos (NA) e Só por Hoje.

Mesmos antes de existirem qualquer política pública de atenção ao usuário

de álcool e outras drogas, da reforma da saúde mental e do movimento

antimanicomial iniciar neste município, os serviços socioassistenciais recorreram

aos serviços das Comunidades Terapêuticas. A atual e única CT conveniada vêm

desempenhando o papel de assegurar o acolhimento dos adolescentes em

situação de uso abusivo de SPA que apresentam impossibilidade de permanecer

no município em função de ameaça de morte.

Esta está garantindo a medida de proteção aos adolescentes ameaçados,

no município de Bragança Paulista, e os afastado da circunstância de risco e

vulnerabilidade. Nesse contexto e mediante os esforços dispensados pela

conveniada em atender de modo eficaz a população infanto-juvenil, cumpri o

papel de retaguarda da necessidade de Proteção Social Especial de Média

Complexidade aos adolescentes, conforme prevê a Política Nacional de

Assistência Social – PNAS e o Sistema Único de Assistência Social - SUAS.

Não obstante, trata-se de uma ação conjunta ao CAPS ADi III, na qual a

Fundação Criança também oferece retaguarda aos encaminhamentos da equipe

de saúde para os casos que demandam atendimento em regime de internação.

No decorrer destes anos, a CT apresentou diversas restruturações físicas e

alterações metodológicas em seu planejamento de trabalho, várias delas com o

intuito de qualificar o atendimento ao público adolescente, que demanda certas

especificidades. Inclusive, a CT recentemente estabeleceu um TAC junto a

Promotoria de Justiça daquele município, e passa sistematicamente por diversas

intervenções dos órgãos representantes do Sistema de Garantia de Direito e

ANVISA.

34

Atualmente, os serviços de posse da legislação específica no que se

refere à atenção ao uso abusivo de álcool e outras drogas, quando até pouco

tempo a demanda era tratada como “caso de polícia”. Da mesma maneira, esta

questão está presente em diferentes políticas sociais setoriais tais como a

educação, saúde e assistência social.

A respeito das CTs em geral, as propostas e formas de atendimento

terapêutico diferem de acordo com a visão de mundo e perspectiva política,

ideológica e religiosa dos diferentes grupos e instituições, governamentais e não

governamentais atuantes nesta área.

Entretanto, a abordagem desse tema na atual condição de politica pública

do município de SBC, é impossível ocorrer de forma parcial, como se houvesse

apenas uma alternativa ou forma eficiente no atendimento de adolescentes

ameaçados de morte e usuários de SPAs.

As ações de prevenção, tratamento, recuperação e reintegração social,

assim como, a redução dos danos sociais e a saúde, e a redução da oferta, são

dimensões amplamente consideradas na atual legislação e nas políticas voltadas

para esta questão. Por isso, todas são apropriadas e importantes na medida em

que contribuem não apenas para a compreensão desta problemática, mas

também para o seu enfrentamento.

A finalidade é despontar um dispositivo de contribuições das políticas

públicas com as comunidades terapêuticas no atendimento aos usuários de

substâncias psicoativas, evidenciando as respectivas competências de cada

instância.

Compreender de forma real e equilibrada o papel histórico dessas

organizações que têm ocupado no contexto contemporâneo e,

concomitantemente, as possíveis parcerias com as políticas públicas para a

efetivação de suas diretrizes e objetivos. Este texto não trata de posicionar a favor

ou contra os serviços da CT, lembrando que as reflexões aqui tratadas são

referentes à ação em serviço do atendimento aos adolescentes ameaçados de

morte no município.

Porém, tal assunto não se esgota nas reflexões presentes sobre as CT.

São várias as implicações e as perspectivas existentes, igualmente as formas de

enfrentamento desta problemática.

35

Para Kaminer e Szobot (2004) é importante que o este tipo de tratamento

seja específico para adolescentes. Sabe-se que o tempo de permanência dos

adolescentes é menor, e também que eles precisam de mais auxílio e supervisão

dos membros da equipe. Os adolescentes também possuem outras necessidades

que diferem das necessidades dos adultos, como mais ênfase no estudo e na

educação do que no trabalho e mais envolvimento da família. De acordo com os

autores o tratamento em Comunidades Terapêuticas é indicado para pacientes

com uso abusivo de drogas e que já fizeram tentativas sucessivas em outras

modalidades de tratamento. Também é indicada para aqueles pacientes com

fraco suporte familiar.

A família neste contexto é chamada a participar do tratamento.

Independente do caso, a abordagem familiar é parte integrante e indispensável no

tratamento de adolescentes com problemas relacionados ao uso de substâncias

psicoativas. Não só do tratamento do adolescente usuário, como em qualquer

caso de uso abusivo de SPA, seja na infância, juventude ou velhice.

Frequentemente, o problema acaba gerando fortes sentimentos de culpa e

frustrações em todos os membros da família. Torna-se necessário uma

comunicação clara, na busca de soluções satisfatórias para todos, é dessa forma

que se recuperam valores perdidos e se ajuda o adolescente.

Mckay e cols (1991) apud Scivoletto (2001, p.73) observaram que as

famílias dos usuários de SPA apresentavam disfunções principalmente nas áreas

envolvidas com expressão de afeto e de estabelecimento de limites e papeis na

estrutura familiar. É difícil para o adolescente aprender a lidar com seus

sentimentos quando vive num ambiente na quais as emoções não são expressas,

discutidas ou não toleradas.

Da mesma forma, em famílias nas quais os papeis de cada membro não

são claros e há ausência de limites precisos, torna-se difícil para o adolescente

acreditar que a família atenderá suas necessidades. Essa carência de apoio

familiar pode levar o adolescente usuário de drogas a aumentar o consumo, uma

vez que ele pode fazer o uso desta como alternativa para lidar com o stress

gerado nesse ambiente.

36

5 POLÍTICAS PÚBLICAS AOS USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS

Até recentemente, o álcool e outras droga não era prioridades nas ações

de saúde, principalmente na rede publica. Mas com o reconhecimento dos

prejuízos de aproximadamente 6% da população em geral por uso abusivo de

álcool, nos transtornos mentais e nas violências de acidentes de trânsitos e outros

danos, iniciaram grandes iniciativas e reformulações de serviços da saúde

pública. Transtornos graves associados ao consumo de álcool e outros drogas

(exceto tabaco) atingem pelo menos 12% da população acima de 12 anos, sendo

o impacto do álcool dez vezes maior que o do conjunto das drogas ilícitas. A

criminalização do consumo agrava a vulnerabilidade dos usuários de SPA,

exigindo uma articulação efetiva e criativa entre a rede de cuidados e outras

políticas setoriais, como justiça, segurança pública, trabalho, educação, ação

social e outros, sem esta articulação e colaboração muitos, ainda ficaram a mercê

da exclusão.

Veloso, Carvalho e Santiago (2004), em suas análises, vão levantar

questões importantes no âmbito das políticas públicas sociais em dependência

química, que contribuirão substancialmente na eficácia e na aderência das

práticas de tratamento e de prevenção.

Inicialmente, os autores irão colocar em debate o discurso discriminatório e

estratégias de culpabilização e condenação moral aos sujeitos que apresentam

problemas com drogas. Para Marlatt e Gordon (1993) Apud Baioco (1999, p.34)

esta é uma visão baseada na moralidade cristã, na qual associa o prazer com o

mal.

Boa parte dos programas preventivos e assistenciais possui caráter

repressivo que servem de reforço para a desqualificação moral existente em torno

dos usuários de drogas, que também refletem em suas famílias, produzindo muito

sofrimento, culpa e vergonha (Veloso, Carvalho E Santiago, 2004 p.166).

A propósito, Hygino e Garcia (2003 p. 37) afirmam que em sua grande

maioria os programas preventivos ainda pertencem ao domínio da moralidade, e

dificulta substancialmente a possibilidade de o usuário se identificar com a

mensagem contida (...) o que pode indicar que as campanhas, de certo modo,

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excluem o usuário e buscam se antecipar aos que ainda não utilizam à droga,

prevalecendo da construção de uma imagem negativa a respeito do usuário.

Desta maneira, Veloso, Carvalho e Santiago (2004 p.166) apontam para

uma forte tendência entre os profissionais em reforçar esta construção

moralizante nos âmbitos institucionais, que costumam denominar o usuário como

alguém que não merece confiança: "todo drogado é sedutor, mentiroso e

preguiçoso".

Observa-se que as pessoas costumam rotular o usuário de SPA como

marginal, perturbador, entre outros, sem verificar os fatores que levaram a pessoa

a fazer uso de drogas.

As políticas públicas, de fato, têm se utilizado de modalidades que possam

intervir nos comportamentos humanos na busca da correção de desvios de

padrões dos sujeitos. Em 1980, atendendo a Lei n° 6.368, são criados pelo

Decreto n° 85.110 os primeiros órgãos governamentais ligados à questão das

drogas no Brasil: o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN), os Conselhos

Estaduais de Entorpecentes (CONENS) e os Conselhos Municipais de

Entorpecentes (COMENS). Essa lei norteou a política de drogas no país, porém

reduzida à inibição somente das drogas ilícitas, conforme acordado em

convenções internacionais. Embora a formulação de uma Política Nacional sobre

Drogas estivesse em pauta desde os anos 80, somente se concretizou em 2001,

a partir da Política Nacional Antidroga (PNAD).

A Política Nacional Antidrogas propõe que se evite qualquer contato com a

droga, com ações de prevenção. Há uma preocupação com os usos não

dependentes, uma vez que, são considerados perigosos e que merecem atenção,

procurando não desenvolver um trabalho repressivo. "A criminalização tem

prejudicado totalmente as políticas de prevenção, pois afasta e estigmatiza o

usuário dependente, e diminui a probabilidade deste procurar tratamento em

instituições públicas de Saúde" (Veloso, Carvalho e Santiago, 2004 P.171).

Como proposta educativa de prevenção do uso abusivo ou indevido de

SPA criou-se o Programa de Redução de Danos (PRD), propondo àqueles que

não querem ou não conseguiram deixar de usar drogas, que se faça o uso com

maior segurança evitando assim outras doenças. Como por exemplo, a situação

de uso de drogas injetáveis, que é fornecido ao usuário um kit com materiais

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descartáveis, além da realização de um trabalho educativo acerca dos males das

drogas.

Sobre o programa os autores Veloso, Carvalho e Santiago (2004 p.191)

fazem as seguintes colocações: A estratégia da redução de danos envolve o

reconhecimento em cada usuário de suas singularidades, pela possibilidade de

traçar com ele estratégias que estão voltadas não para a abstinência um fim a ser

alcançado, mas para a defesa de sua vida, denominando esta abordagem de

clínica política.

O PRD é um modelo de tratamento e prevenção recente em pauta, que

divide opiniões e encontra-se em pleno processo de construção teórico-

metodológica.

De acordo com o Ministério da Saúde, a PRD surgiu na Inglaterra em 1926

com seis relatórios de Rolleston, o qual estabelecia um princípio de que poderia

um médico prescrever legalmente substâncias derivadas do ópio para os

dependentes dessa droga como forma de tratamento.

Nery Filho e Torres (2002 p.36) contextualizam esta prática discutindo

acerca do advento da AIDS, na década de 80, que fez com que diferentes setores

da sociedade se mobilizassem na elaboração de Política Pública de Saúde, que

exigiram reflexões sobre os conceitos de prevenção, promoção à saúde,

vulnerabilidade, direitos humanos, na interação de favorecer o surgimento de

ações que produzissem a adoção de comportamentos menos arriscados para a

saúde.

Os autores vão dizer ainda que as primeiras medidas de redução de danos

surgiram da Holanda, quando se resolveu disponibilizar seringas descartáveis

entre os usuários de drogas injetáveis (UDI) como forma de enfrentar uma

epidemia de hepatite entre esta população.

Malbergier (2001, p.88) pontua que no Brasil alguns estudos apontam para

a alta prevalência da infecção pelo HIV em usuários de drogas injetáveis. Esta

prevalência varia de 36 a 57% em grandes cidades da região do Sudeste do país

(São Paulo, Rio Janeiro e Santos) (Castel e Cols, 1989; Lima e Cols, 1991;

Mesquita e Cols, 1991 Apud Scivoletto, 2001 p.88).

Entende-se por redução de danos: uma política que visa diminuir ao

máximo os efeitos negativos ou lesivos do uso de drogas. Esta nova abordagem

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tem suas raízes em modelos de saúde pública com uma visão mais humanista e

sem preconceitos [...] (Newcombe, 1992 Apud Malbergier, 2001 P.91).

Nery Filho e Torres (2001, p.35) definem a redução de danos como um

conjunto de medidas de prevenção e redução das consequências negativas para

a saúde decorrentes ao uso de drogas, sem condicionar a sua oferta ao

abandono do uso de drogas.

O’Hare (1994) apud Malbergier (2001, p.94) afirma que, no caso de países

em desenvolvimento como o Brasil, deve-se atentar para alguns fatores

estruturais que podem inibir as iniciativas de redução de danos. Deve-se levar em

conta o lugar que tal substância ocupa e que propostas que implicam

simplesmente dizer não às drogas, tem se mostrado pouco eficazes para uma

boa parcela de usuários.

O Ministério da Saúde vai adotar três estratégias para o controle do uso de

drogas: A primeira visa à redução da oferta e se caracteriza pelo desenvolvimento

de ações de erradicação de plantações e destruição de princípios ativos de

repressão à produção, ao refino e ao tráfico de substâncias precursoras e de

drogas. A segunda tem por objetivos a redução da demanda, dirigindo ações,

esforços e recursos para desestimular ou diminuir o consumo e para tratar

usuários e dependentes. A terceira, de redução de danos, orienta a execução de

ações para a prevenção das consequências danosas à saúde que decorrem do

uso de drogas, sem necessariamente interferir na oferta ou no Consumo. (Manual

De Redução De Danos, 2001 P.11).

A proposta de redução de danos tenta compreender as normas culturais e

trabalhar em seu âmbito focalizando a alteração dos fatores que, de fato

permitirão mudanças de comportamentos. Mesmo, sustentada por propostas

transparentes, subsidiado por arcabouços teórico-metodológicos e técnico-

operativos sejam bem definidos, este modelo de tratamento e prevenção ainda

gera grandes debates acerca de sua eficácia.

Conforme Veloso, Carvalho e Santiago (2004) o diferencial da proposta de

redução de danos consiste na redução dos danos provocados pelo uso de

drogas, abrangendo a necessidade de modernização do discurso preventivo,

objetivando recuperar a participação e o pensamento autônomo dos sujeitos,

40

diferente de abordagens que priorizam a abstinência total de drogas, inscrita na

Política Nacional Antidrogas (PNAD).

O governo tem reconhecido que é necessário se posicionar frente à

dependência química e tem procurado desenvolver ações mais eficazes, não de

forma repressiva, reconhecendo a subjetividade de cada indivíduo e a

historicidade do fato. A Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) órgão que tem

propostas de enfrentamento da questão das drogas desenvolve atividades como

a prevenção do uso indevido, o tratamento, a recuperação e a reinserção social.

Porém, a denominação antidrogas denuncia o ideal de uma sociedade livre do

uso de drogas ilícitas e do abuso de drogas lícitas.

Em 07 de maio 2003, por ocasião do Seminário “Novos Cenários” para a

Política Nacional Antidrogas, o Ministério da Cultura firmou um Protocolo de

Intenções celebrado entre o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência

da República, os Ministérios da Assistência e Promoção social, das Cidades, da

Cultura, da Educação, do Esporte, da Saúde, do Trabalho e Emprego e do

Turismo e as Secretarias Especiais dos Direitos Humanos e de Políticas para

Mulheres. O objeto do Protocolo é integrar a implantação da Política Nacional

Antidrogas e das políticas públicas dos órgãos signatários, promovendo a ação

conjunta no campo da prevenção do uso indevido de drogas, assim como do

tratamento, recuperação e reinserção social de dependentes químicos.

Ao firmar o Protocolo de Intenções, o Ministério da Cultura, entre outros

compromissos, se prontificou a desenvolver estudos, programas e ações

conjuntas para a redução da demanda de drogas e a redução dos danos

decorrentes do seu uso.

Portanto, cabe agora a este Ministério propor ações e, conforme a proposta

feita naquele seminário, contribuir para a intensificação do debate sobre os

significados culturais do uso de drogas no Brasil e para o equacionamento de

problemas que certos indivíduos venham a desenvolver em relação ao uso de

psicoativos.

Reconhece-se que dentro do atual marco legal as opções que se

apresentam são limitadas, porém, acredita-se que muito ainda pode ser feito no

sentido de desmistificar uma série de ideias preconceituosas amplamente

difundidas sobre esse tema e conscientizar a população sobre as dificuldades e

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erros da contemporânea política. Dois eixos poderiam ser desenvolvidos nesse

sentido. Um abordaria a necessidade de combater o atual reducionismo

farmacológico, enfatizando a importância de se levar igualmente em conta os

aspectos psicológicos, sociais e culturais da questão.

Outro poderia ser o questionamento da utilização do código penal para

tentar dar conta da situação. Em substituição propor-se-ia a aplicação do código

civil, diminuindo o estigma atribuído aos envolvidos com o uso de drogas ilícitas.

Nas discussões sobre a política nacional de drogas, tem defendido uma

maior descentralização dessa política, criticando o termo unificador "drogas" como

sendo demasiadamente amplo e mistificador, colocando num mesmo balaio,

substâncias, usuários, práticas e contextos de uso muito diversos. Tem também

propugnado constantemente a adoção de abordagens menos punitivas e mais

construtivas como as que priorizam a redução de danos mais do que uma

abstinência difícil de conseguir. Nesses posicionamentos, tem encontrado

considerável respaldo por parte do Ministério da Saúde, que já vem adotando

políticas de redução de danos frente a problemas como a AIDS, as Hepatites, a

dependência de drogas e o consumo abusivo de bebidas alcoólicas.

De acordo com o Ministério da Saúde, o primeiro CAPS do Brasil foi

inaugurado em março de 1986, na cidade de São Paulo: Centro de Atenção

Psicossocial Professor Luiz da Rocha Cerqueira, conhecido como CAPS da Rua

Itapeva. A criação desses CAPS’ s e de tantos outros, com outros nomes e

lugares, fez parte de um intenso movimento social, inicialmente de trabalhadores

de saúde mental, que buscavam a melhoria da assistência no Brasil e

denunciavam a situação precária dos hospitais psiquiátricos, que ainda eram o

único recurso destinado aos usuários portadores de transtornos mentais.

Nesse contexto, os serviços de saúde mental surgem em vários municípios

do país e vão se consolidando como dispositivos eficazes na diminuição de

internações e na mudança do modelo assistencial. Os NAPS/CAPS foram criados

oficialmente a partir da Portaria GM 224/92 e eram definidos como "unidades de

saúde local-regionalizadas que contam com uma população organizada definida

pelo nível local e que oferecem atendimento de cuidados intermediários entre o

regime ambulatorial e a internação hospitalar, em um ou dois turnos de quatro

horas, por equipe multiprofissional".

42

Os CAPSs, os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPSs) e os Centros de

Referência em Saúde Mental (CERSAMs) e tantos outros de serviços

substitutivos que têm surgido no país, são regulamentados pela Portaria nº.

336/GM, de 19 de fevereiro de 2002 e integra a rede do Sistema Único de Saúde

- SUS. Essa portaria reconheceu e ampliou o funcionamento e a complexidade

dos CAPS, que têm a missão de dar um atendimento diurno às pessoas que

sofrem com transtornos mentais severos e persistentes, num dado território,

oferecendo cuidados clínicos e de reabilitação psicossocial, com o objetivo de

substituir o modelo hospitalocêntrico, evitando as internações e favorecendo o

exercício da cidadania e da inclusão social dos usuários e de suas famílias.

Oliveira (2004 p.186) explana que a política do Ministério da Saúde para a

Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas, publicada em março de

2003, mostrou-se avançada, e muito bem elaborada, expondo suas diretrizes

aleatórias com os princípios da política de saúde mental vigente, em

conformidade com a Lei Federal 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os

direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, redireciona o modelo

assistencial em saúde mental, e as propostas e pressupostos da Organização

Mundial da Saúde (OMS).

De acordo com Oliveira (2004 p.186) uma delas, é a portaria GM/816/2002,

responsável pela instituição do Programa Nacional de Atenção Comunitária

Integrada aos Usuários de Álcool e outras Drogas, no Sistema Único de Saúde,

que considerou entre outras, a multiplicidade das características populacionais

existentes no país e as diferenciações acerca da incidência de transtornos

causados pelo uso abusivo e/ou dependência de álcool e outras drogas, para

propor a criação de 250 Centros de Atendimentos Psicossociais - Álcool e Drogas

– CAPSs AD.

De acordo com o Ministério da Saúde, para definir as suas estratégias de

atuação, um CAPSs AD deve considerar obrigatoriamente que a atenção

psicossocial a pacientes que apresentam uso abusivo/dependência de álcool e

outras drogas deve ocorrer em ambiente comunitário, de forma integrada à cultura

local, e articulada com o restante das redes de cuidados em álcool e drogas e

saúde mental; o mesmo deve ocorrer em relação a iniciativas relativas à rede de

suporte social.

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Desta forma, poderá organizar em seu território de atuação os serviços e

iniciativas que possam atender às múltiplas necessidades dos usuários de

serviços, com ênfase na reabilitação e reinserção social dos mesmos.

A vulnerabilidade para o uso indevido de álcool e drogas é maior em

indivíduos que estão insatisfeitos com a sua qualidade de vida, possuem saúde

deficiente, não detêm informações minimamente adequadas sobre a questão de

álcool e drogas, possuem fácil acesso às substâncias e integração comunitária

deficiente.

Também vale a pena ressaltar que, se existem fatores de risco –

características ou atributos de um indivíduo, grupo ou ambiente de convívios

sociais, que contribuem para aumentar a ocorrência do uso indevido de álcool e

outras drogas, também existem fatores específicos de proteção para este mesmo

uso. Fatores de risco de proteção podem ser identificados em todos os domínios

da vida: nos próprios indivíduos, em suas famílias, em seus pares, em suas

escolas e nas comunidades, e em qualquer outro nível de convivência

socioambiental; estando interligados de forma consistente.

O CAPS AD deve oferecer atendimento diário, sendo capazes de oferecer

atendimento nas modalidades intensiva, semi-intensiva ou não-intensiva,

permitindo o planejamento terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada

de evolução contínua. Possibilita ainda intervenções precoces, limitando o

estigma associado ao tratamento. Assim, a rede proposta se baseia nestes

serviços comunitários, apoiados por leitos psiquiátricos em hospital geral e outras

práticas de atenção comunitária (internação domiciliar, discussão comunitária de

serviços), de acordo com as necessidades da população-alvo dos trabalhos.

Entre as modalidades de atendimento, o CAPS AD oferece atenção

ambulatorial diária aos usuários de SPA, desenvolvendo uma gama de atividades

que vão desde o atendimento individual, medicamentoso, psicoterápico, de

orientação, entre outros, até atendimentos em grupo ou oficinas terapêuticas e

visitas domiciliares, entre outros.

Também devem oferecer condições para o repouso dos usuários de

serviços, bem como para a desintoxicação ambulatorial de pacientes que

necessitem deste tipo de cuidados, e que não demandem por atenção clínica

hospitalar.

44

Em todo o mundo, a abordagem terapêutica dentro de uma lógica de

redução de danos tem apresentado resultados positivos, e vem assumindo

importância considerável no tratamento de usuários de drogas. Desta forma, o

CAPS AD devem utilizar os recursos terapêuticos disponíveis para promover, o

mais amplamente possível, a reabilitação psicossocial e a reinserção social de

seus usuários.

Propõe-se, portanto que o CAPS AD configura-se como: redes flexíveis de

cuidados, que possam responder por um determinado território populacional, e

que se remodelem de forma dinâmica, mediante a necessidade de

inclusão/exclusão de novos serviços e formas de cuidado, de forma pareada pela

demanda assistencial (BRASIL, 2003 p.37).

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6 A INCONGRUÊNCIA NOS SERVIÇOS DE ATENDIMENTO A ADOLESCENTES USUÁRIOS DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS

Destaca-se, entre tantos, um adolescente protagonista que fez parte dessa

história, o adolescente Leandro12, que teve sua primeira entrada no Serviço de

Atendimento à Drogadicção em 2010. Teve mais três internações e somente em

2012 teve sua quarta e última internação em CT, por ter completado 18 anos.

Neste período, Leandro, apresentou evolução terapêutica nos tratamentos

ofertados e não apresentava comprometimento abusivo de SPA. Contudo, a única

opção ofertada eram as (re)internações, mesmo não apresentando característica

para tal intervenção. Em decorrência de ameaça de morte, o adolescente

permaneceu seis meses interno, e mesmo com a gravidade da ameaça o

adolescente voltou para o convívio familiar e comunitário. Para se promover a

mudança dessa família do local da ameaça, a Fundação Criança precisaria

recorrer ao PPCAAM. Porém, a família não manifestou o desejo de mudar de

residência, devido aos vínculos estabelecidos no município, como também, os

pais empregados e irmãos em idade escolar. Este mesmo adolescente, no ano de

2010, deu entrevista ao Jornal “O Globo”, sob o titulo de “Ameaças do tráfico

segregam mais de 2.500”. (anexo I)

A inclusão de Leandro na CT configurou um espaço para o cumprimento da

medida protetiva, uma vez que não havia possibilidades para mudança de bairro,

inserção no programa PPCAAM em caráter de emergência e/ou transferência

para casa de parentes em outros municípios.

Casos como estes tendem a se tornar um imbróglio, por não haver uma

política pública ou uma relação dialógica coerente entre os equipamentos de

atendimento a infância e juventude situadas na secretaria de assistência social,

secretaria de saúde e outras, afetas. Também não há espaço especializado que

possa acolher estes adolescentes provisoriamente, até que sua família

providenciem o pagamento da dívida ou um novo local de moradia, sendo esta

última, improvável.

As reflexões no presente trabalho referem-se ao posicionamento entre a

Fundação Criança e a Saúde Pública de São Bernardo do Campo, que desde

2009 vem implantando uma nova perspectiva de atendimento de saúde no 12

Leandro ver anexo I

46

município. Preconiza inclusive o funcionamento do atendimento III no CAPS ADi

e da República Terapêutica para adolescentes; sendo também ávida no

movimento antimanicomial, fomentando com isso, novas ações de saúde

voltadas a tratar usuários de álcool e outras drogas, inclusive por meio dos

serviços do Consultório de Rua.

Inversamente, o CAPS ADi III tem um posicionamento ambíguo ao lidar

com os adolescentes ameaçados de morte. Apesar da política antimanicomial da

qual tem sido exemplo, os usuários de SPA ainda são tratados de forma

ultrapassada, pois são direcionados à CT e tirados de seus contextos de forma

normatizada. Afinal, este direcionamento de adolescentes ameaçados de morte à

CT, que em princípio é uma questão social, culmina num encaminhamento de

fluxo marcado pela “prescrição médica”.

O Serviço de Drogadicção e o CAPS ADi III compartilham princípios de

atenção aos usuários de SPA que visam à melhoria da qualidade de vida a partir

da redução dos riscos e danos associados ao uso de drogas. Os problemas, no

entanto, se encontram no modo de ação destes equipamentos de serviços, que

estão “amarrados” a modos de operação normatizados e acabam por optar pelas

instituições de privação de liberdade, espaços estes que se situam fora da rede

de serviços do SUS e negam o cuidado de saúde integral, universal e equânime.

Ferem, portanto, os princípios do ECA, como vimos anteriormente. Infelizmente,

distanciam-se de ações direcionadas de integração e reintegração na rede de

serviços.

Tudo isso compromete inclusive os gastos públicos que são sempre

escassos. Apesar de não ter sido abordada previamente ao longo deste trabalho

as questões econômicas, podemos inferir que tais condutas tem contribuído para

um gasto excessivo e desnecessário do executivo municipal. Considerando

somente o ano de 2012, no qual 27 adolescentes foram internados em função de

ameaça de morte, foram gastos aproximadamente R$ 125.000,00, dado que o

custo per capita foi de R$ 770,00 mensais e cada adolescente passa em média

seis meses em regime de internação.

Em uma perspectiva mais ampla, a política de saúde de São Bernardo do

Campo vem implantando diretrizes da Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira,

contribuindo para melhora de infraestrutura e possibilitando o devido investimento

47

em tratamentos e intervenções efetivas, como por exemplo, os CAPSs e a Rede

de Atenção a Saúde Mental Pública (Hospitais Gerais, Casas de Passagem,

Residências Terapêuticas, UBSs, Consultório de Rua e entre outros), que

oferecem tratamento voluntário, atendimento especializado, interação com a rede

intersetorial, família e comunidade, atenção integral e respeito aos direitos

humanos.

Diante deste panorama otimista, são urgentes reformas direcionadas aos

modos de ação e/ou operação dos profissionais destes dois equipamentos,

possibilitando integração e efetivação dos princípios que ambos compartilham:

política inclusiva, humanizada, não discriminatória, que garanta o respeito à

diferença, singularidade e integridade dos sujeitos.

É sabido pela literatura que os usuários de SPA estão inseridos em um

contexto de risco de vida a todo instante, o que invalida o esforço da medida

protetiva somente daqueles que foram ameaçados de morte. Entre os diversos

danos secundários associados ao consumo abusivo de drogas, destacam-se os

acidentes de trânsito, as overdoses, as doenças cardiorrespiratórias, os prejuízos

escolares e ocupacionais, assim como a violência decorrente da ação

farmacológica dessas substâncias, à qual se associa, muitas vezes, à ocorrência

de brigas, homicídios e à prática de atos ilícitos entre os jovens (Bastos e Cotrim,

1998).

Tal internação não deixa de ser involuntária, pois os agentes

encaminhadores utilizam o medo como manejo de convencimento para que o

adolescente aceite a internação; "contenções medicamentosas", mesmo com

avaliação e prescrição médica, porém, não do médico de referência do serviço

que o encaminhou. Estas situações ferem frontalmente o disposto na Lei nº

10.216/01, a Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira, no que diz respeito a práticas

manicomiais e de segregação. Todos estes pontos contrariam, inclusive, o

próprio Edital nº 001/2010 do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e

outras drogas.

De acordo com Mendéz (2002, p.33) à "esquizofrenia jurídica" que faz com

que coexistam na atualidade as doutrinas da Proteção Integral e da Situação

Irregular, o que corresponde uma miscelânea de concepções e práticas no

entendimento da questão da droga.

48

Em consequência o atendimento ofertado pelo Serviço à Drogadicção é um

equívoco. Desviasse do seu principal objetivo, assistir às crianças e adolescentes

em situação de uso abusivo de álcool e outras drogas. Contudo, são das

dificuldades inerentes à implantação de uma política pública a ameaçados de

morte que se podem produzir elementos para a sua construção efetiva, a fim de

que possa garantir às crianças e aos adolescentes deste município mais do que

um regime garantista.

Isto requer a elaboração de estudos que propiciem “... a identificação

sistemática e contínua de áreas críticas e de necessidades” (Baptista, 2000, p.

41), visualizando demandas de trabalho. Portanto, as hipóteses ilustradas a partir

do diagnóstico municipal devem explicitar clara e objetivamente: prioridades,

objetivos, ações, metas, recursos, estratégias e procedimentos de monitoramento

e avaliações das ações prestadas pela rede.

49

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o exposto até o momento, referente aos modos

operacionais dos serviços da rede em relação aos adolescentes ameaçados de

morte deste município, descortinamos as incoerências do sistema de proteção e

garantia de diretos. Contudo, não se pode deixar de ressalvar que tais

incoerências não são apenas de natureza objetiva e prática, mas também

acarretam a sustentação de uma cultura do absenteísmo de politicas públicas que

sustentam e favorecem as relações familiares e sociais violentas e desiguais.

Compreende-se que qualquer ação ou inação tem em si o poder de promover

mudanças ou a manutenção de uma burocracia vigente. É oportuno afirmar que a

história desses adolescentes revelam a violência a que estão submetidos, neste

sentido, autenticam a naturalização dessa condição de vida e resvalando a

descrença nas instituições.

Como se pode notar, as medidas protetivas elencadas no ECA podem ser

observadas como recursos ofertados às pessoas para a superação de

dificuldades sociais, econômicas, de saúde, educação -, contribuindo para a

interrupção de um quadro de violação de direitos das crianças e dos

adolescentes. Se estes são legalmente oferecidos, porque não são realizados? O

descumprimento delas tornam-se letra vazia, fracassando o seu principal objetivo

de promover e garantir os direitos reconhecidos na própria Lei.

Todo criança e adolescente inseridos em um núcleo territorial onde existe

violência por parte de facções criminosas, sempre serão de alguma forma,

atingidos. Mesmo que não diretamente, na forma física, mas o fato de presenciar

situações iminente de ameaças cotidianamente faz com que os mesmos sejam

vitimizados, gerando efeitos convergentes para o seu desenvolvimento, presente

na hipótese do artigo 98, II, do ECA.

Se o ECA visa à proteção integral da criança e do adolescente que convive

com a situação de violência em seu ambiente de moradia, o atendimento deve ser

feito de modo a abranger todos os membros da família, visando o tratamento

sistêmico do núcleo familiar.

É sabido que nesse campo não há técnicas infalíveis, que a produção de

conhecimento específico é relativamente pequena e o índice de efetividade dos

50

programas é baixo (Kaminer e Szobot, 2004). Porém, apontado o tocante dos

equipamentos de apoio socioassistencial e saúde são fundamentais para o

planejamento de qualquer programa de atenção a crianças e adolescentes.

Partimos do entendimento de que a adolescência é uma fase crucial do sujeito na

cultura e, devido a todas as crises que atravessam essa fase, qualquer

modalidade de atenção deve estar preparada para auxiliá-los nesse processo,

atendendo às suas especificidades e à singularidade de cada sujeito. O ECA

avalia que o público adolescente experiencia uma "condição peculiar de pessoa

em desenvolvimento".

O resultado dessa pesquisa marca a existência de um desencontro entre o

que é preconizado pelas políticas públicas e as ações que são realizadas.

Enquanto as primeiras prescrevem as práticas dos serviços de atendimento, as

quais se mostram múltiplas, as ações sobre elas se realizam de forma

contraditória, dificultando o estabelecimento de um direcionamento estratégico

com resultados previsíveis e metas passíveis de ser alcançadas a atender essa

demanda "peculiar".

Compreendemos que as diretrizes do ECA e do SUS continuarão no

campo da teoria enquanto as práticas de atenção a esse público não receberem a

prioridade devida. E enquanto não houver propostas de capacidade dos

profissionais que trabalham com esse público de forma a qualificá-los a atender

as especificidades do processo adolescente no contexto atual.

De acordo com Mager e Silvestre (2004) no que concerne à lógica das

causas fundamentais da violência que vitimiza os adolescentes e a nossa

sociedade só poderão ser alteradas com políticas sociais preventivas, capazes de

minimizar a situação de extrema exclusão social na qual os nossos jovens estão

submetidos. E impedir que entrem em contato com pessoas, situações ou

circunstâncias que coloquem em risco sua integridade.

Em suma, implicar ações em conjunto e pautados na multidisciplinaridade,

com todos os membros da família onde exista esse contexto de ameaça, valendo-

se das medidas previstas no ECA (arts. 102 e 129), desde a constituição do

problema, é o que se pode buscar para a solução do caso com efetivo respeito

aos direitos das crianças e adolescentes envolvidos, objetivando um

51

desenvolvimento sadio e harmonioso, com condições dignas de existência (art. 7º,

ECA).

Diante disso, uma das possibilidades de mudança desta realidade

pesquisada é embasar no que preconiza o SGD, Sistema de Proteção a Pessoas

Ameaçadas e o ECA, a indicação de um fluxo de atendimento coerente. Iniciando

por uma articulação intersetorial visando reformular e ajustar internamente os

serviços para inserção deste atendimento.

Partindo do pressuposto que a demanda referida é adolescentes

ameaçados de morte, o fluxo estabelecido pelo PPCAAM é um indicativo do

caminho a ser seguido. Todo atendimento de adolescentes ameaçados devem

ser encaminhados ao Conselho Tutelar, e este tomar as devidas providencias,

tais como: identificado o risco iminente da ameaça de morte e concomitantemente

com uso abusivo de SPA, o adolescente deve ser encaminhado ao CAPS Adi III,

para avaliação e inserção na Republica Terapêutica, por tempo previamente

determinado até sua inclusão no PPCAAM.

A articulação do Conselho Tutelar junto ao Poder Judiciário deve ser em

caráter de urgência. A urgência se estabelece no intuito de promover a segurança

tanto do adolescente quanto dos trabalhadores dos equipamentos de saúde e

socioassistencial.

No ínterim de avaliação do PPCAAM ao caso, a RTA estabelece o PTS do

adolescente e família para efetivar o tratamento por uso abusivo de SPA, para

quando se efetivar sua inclusão ao serviço da medida protetiva ele esteja em

processo de tratamento.

Para os casos de não haver histórico de uso abusivo de SPA, o fluxo

também deve ser iniciado pelo Conselho Tutelar, o qual deve ser avaliado a

circunstância e encaminhar para os serviços de acolhimento institucional do

município, visando os mesmos propósitos estabelecido com a saúde.

Com a inclusão dos adolescentes no PPCAAM, hipoteticamente a situação

de risco foi suprida. Contudo, com a negativa do PPCAAM para os casos

encaminhados, estes devem seguir o fluxo de atendimento de cada serviço no

qual foi inserido na própria rede de serviços do município. Com prazos rápidos de

acolhimento tanto pela saúde como pelo acolhimento e proceder com a

reintegração ao convívio familiar e comunitário.

52

Quanto a manter, ou não, o convênio com as CTs, deve ser rediscutido

entre os parceiros intersetoriais, e hipoteticamente o CREAS seria o mantenedor.

E primar pela utilização desse serviço somente com indicação criteriosa do

serviço de saúde. Os adolescentes encaminhados para a CT deverão ser

acompanhados tanto pela equipe do serviço que o encaminhou como pela equipe

do serviço da saúde mental. O mesmo principio se enquadraria se a Fundação

continuasse sendo a mantenedora do convênio.

O processo desse fluxo sugerido traz à tona a veracidade e a gravidade da

ameaça de morte que o adolescente esteja submetido e novos encaminhamentos

entrarão em uma cultura onde serão reestabelecidos ações coerentes e o retorno

ao convívio familiar e comunitário será o resultado almejado.

Para se fundar uma nova cultura de atendimento a ameaçados de morte

deve se basear na relação dialógica entre os parceiros da rede serviços,

deliberação dos gestores nas ações de trabalho e na capacitação dos agentes

sociais envolvidos. A consecução dos resultados vai depender da competência no

enfrentamento dos desafios, na superação das dificuldades e dos obstáculos. Não

se toma uma decisão, sem investimento em recursos materiais e humanos.

53

REFERÊNCIAS

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ZAMORRA,M. H. Aos Quinze: O Estatuto da Criança e do Adolescente em tempos neoliberais.http://www.social.org.br/relatório2005/relatório029.htm

ANEXO I

ANEXO II

PERFIL DOS 27 ADOLESCENTES ATENDIDOS EM 2012

19

8

Adolescentes

Ameaçados

Não ameaçados

3

23

1

Sexo

Fem

Mas

Homo

4

16

7

Idade

12 a 14 anos

15 a 17 anos

18 anos

2

24

1

Escolaridade

1º ao 4º EF

5º ao 9º EF

EMI

EMC

11

17

Cumprimento de Medida Socioeducativa

Com MSE

Sem MSE

6

22

Transtornos Psiquiátricos/Neurológicos

Com Comorbidade

Sem Comorbidade

CF – Conflito Familiar; AM – Ameaça de Morte; DQ – Dependência Química

6

9

9

1 1 1

Situação da Internação

CF

AM

CF + AM

Fundação Casa

Situação de Rua

DQ

10

2

11

4

Efetividades

Alta Terapêutica

Alta Administrativa

Abandono

Saída não Autorizada

18

5

1 1

2

Encaminhamento Pós Internação

Família

Rep. Terapêutica

PPCAAM

Mudança de Endereço

B.O. Desaparecido

Região 1 – Independência, Taboão, Rudge Ramos, Pauliceia, Jordanópolis, Anchieta e Centro. Região 2 – Planalto, Assunção, Alves Dias e Cooperativa. Região 3 – Baeta Neves, Santa Terezinha, Nova Petrópolis, Ferrazópolis, Silvina. Região 4 – Dos Casas, Alvarenga, Batistini, Demarchi e Botujuru. Região 5 – Riacho Grande, Areião e Santa Cruz. Região 6 – Montanhão. Outro Município – Santo André.

9

6

10

1 1

Tempo de Permanência

até 30 dias

até 3 meses

até 6 meses

até 9 meses

até 10 meses

24

3

Reinternações em 2012

1ª Internação

2ª Internação

2

5

4

5

7

3 1

Bairro de Procedência

Região 1

Região 2

Região 3

Região 4

Região 5

Região 6

Outro Município