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Temor Desvendado

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Page 1: Temor Desvendado

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Ciência EEddiittoorraa:: Ana Paula Macedo [email protected]

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22 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Uma pesquisa do Laboratório de Neuroanatomia Quí-mica do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) daUniversidade de São Paulo (USP) fez descobertas queajudam a entender melhor um dos sentimentos mais

primitivos do ser humano: o medo. O estudo, feito em camun-dongos, confirmou que existem mesmo dois tipos de medo e,ao contrário do que se imaginava, eles trilham caminhos dife-rentes no cérebro dos animais.

De acordo com os pesquisadores, as situações que causammedo podem ser inatas ou apreendidas ao longo do tempo. Oprimeiro tipo existe independentemente das experiências vivi-das. Assim, mesmo sem nunca ter entrado em contato com umpredador, um animal nasce “sabendo” que ele é perigoso. Ou,então, mesmo sem nunca termos despencado de uma grandealtura, sentimos receio quando estamos em lugares muito altos.

Já o medo apreendido, ou adquirido, ocorre de outra for-ma. Ele só existe quando passamos por uma situação traumá-tica. É o sentimento que se manifesta quando, após sermosassaltados, passamos a sentir receio de andar sozinhos, ouquando um animal se sente acuado na presença de seu dono,depois de ter sido vítima de violência por parte dele. Esse tipode medo é variável de indivíduo para indivíduo e dependedas experiências de vida.

Até agora, a ciência acre-ditava que esses dois tipos demedo percorriam caminhosiguais no cérebro. Entretanto,depois de estudar o cérebro eanalisar o comportamentode ratos expostos a diversostipos de situações, os pesqui-sadores concluíram que asáreas do cérebro ativadas pe-las diferentes modalidadesde medo são diferentes. Ape-sar de o hipotálamo ser ati-vado nos dois casos, os pes-quisadores viram que há re-giões específicas ativadas emdiferentes situações.

Para isso, eles submeteram os animais a situações em queo medo inato — no caso, a presença de gatos — e o adquirido— camundongos maiores e violentos — se manifestariam. Otemor aprendido é percebido numa área cerebral chamadaamígdala, que envia o estímulo para o hipotálamo, mais es-pecificamente para uma região conhecida como porção ven-tral do núcleo premamilar. Após lesionarem essa área e repe-tirem o experimento, a sensação de medo nos animais desa-pareceu, comprovando que a ativação da região é essencialpara o sentimento (ver arte).

Quando expostas à situação de medo inato, as cobaias tive-ram outra área do hipotálamo ativada: a região dorsal do núcleopremamilar. Da mesma forma, quando tiveram essa parte docérebro desativada, os camundongos pararam de sentir medo.“Diante de uma situação de perigo iminente, o animal normal-mente se mantém imóvel para se proteger. Com a lesão cere-bral, os ratos perderam o medo e exploraram normalmente oambiente em que estavam inseridos, perdendo o componenteque chamamos de defesa passiva”, explica o coordenador doprojeto, Newton Canteras.

O próximo passo da pesquisa é estudar como a sensação ageno cérebro de humanos. Atualmente, o grupo está estudando amatéria cinzenta periaquedutal, região que fica no mesencéfa-lo, entre os dois lados do cérebro, e o início da coluna verte-bral.“Quando essa estrutura está muito mobilizada, a pessoa re-lata sensação de pânico, medo iminente”, conta o cientista.

Os pesquisadores do Laboratório de Neuroanatomia Quími-ca do ICB acreditam que os caminhos percorridos pelo medono cérebro humano sejam diferentes dos descobertos nos ca-mundongos, já que nosso cérebro é bem mais complexo. Entre-tanto, a descoberta pode, no futuro, ajudar no tratamento desíndromes relacionadas ao medo. “Uma aplicação direta queesse tipo de estudo pode gerar, ainda que a longo prazo, é acompreensão das causas do estresse pós-traumático, por exem-plo”, conta o coordena-dor da pesquisa.

ProteçãoDe acordo com a

psicóloga Neuza Co-rassa, do Centro de Psi-cologia Especializado em Medos, em Curitiba, o medo, den-tro de certos limites, é essencial para o sucesso das ativida-des que executamos no dia a dia. “Ele funciona como umaespécie de alerta, que nos obriga a fazer as coisas com maisatenção. É o medo de bater o carro, por exemplo, que nos fazter atenção no trânsito”, explica.

A sensação passa a ser prejudicial quando, ao invés deajudar, ela nos imobiliza. “Um bom exemplo é o medo de fa-lar em público. Quando ele nos paralisa ao ponto de nãoconseguirmos agir, é preciso atenção, pois pode se tratar deuma fobia”, explica.

Quando o medo se torna desmedido, é hora de procurar aju-da. “Muitas vezes, o próprio paciente pode se conscientizar doproblema e controlá-lo”, conta Neuza. Entretanto, se isso nãofor possível, é preciso procurar ajuda psicológica.

Pesquisa da USP com camundongos descobre que o medo inato e o adquirido ao longo da vidapercorrem caminhos diferentes no cérebro. Estudo pode ajudar na compreensão de problemas como o estresse pós-traumático

Temor desvendado

MetabolismoreguladoO hipotálamo é uma região docérebro dos mamíferos, dotamanho aproximado de umaamêndoa, localizado sob otálamo, na região central docérebro. Sua função é regular ometabolismo e as atividadesinvoluntárias do organismo,como a respiração, a circulaçãodo sangue, o controle detemperatura e a digestão.

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