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Tratado de saúde coletiva

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  • 1. TRATADO DE SADE COLETIVA GASTO WAGNER DE SOUSA CAMPOS MARIA CECLIA DE SOUZA MINAYO MARCO AKERMAN MARCOS DRUMOND JNIOR YARA MARIA DE CARVALHO ORGANIZADORES

2. S U M R I O PC. NOTA EDI TO RIAL.................................................................. ........ Parte I ABRINDO O CAMPO i ' SADE COLETIVA: UMA HISTRIA RECENTE DE UM PASSADO RE MOTO . . . . . . . . . . 19 Everardo Duarte Nunes 2. CLNICA E SADE COLETIVACOMPARTILHADAS:TEORIA PA1DIA E REFORMULAO AMPLIADA DO TRABALHO EM SADE . 41 Gasto Wagner de Sousa Campos 3. SADE E AMBIENTE: UMA RELAO NECESSRIA . . . 81 Maria Ceclia de Souza Minayo 4. SADEE DESENVOLVIMENTO:QUECONEXES? . . 1 1 1 Marco Akerman Liane Beatriz Righi Drio Frederico Pasche DamilaTrufelli Paula Ribeiro Lopes 5. FORMAO E EDUCAO EM SADE: APRENDIZADOS COM A SADE COLETIVA....................................................................137 Yara Maria de Carvalho Ricardo Burg Ceccim 6. ESTOU ME FORMANDO (OU EU ME FORMEI) E QUERO TRABA LHAR. QUE OPORTUNIDADES O SISTEMA DE SADE ME OFERE CE NA SADE COLETIVA? ONDE POSSO ATUAR E QUE COMPE TNCIAS PRECISO D ESEN V O LV ER ?.......................................171 Marco Akerman Laura Feuerwerker 3. 10 sum rio Pane li CINCIAS SOCIAIS E SADE 7. CO N TRIBUI ES DA ANTROPOLOGIA PARA PENSAR ASADE . M aria Ceclia de Souza M inayo S ) oESTUDO DAS POLTICAS DE SADE: IMPLICAES E FATOS . Amlia Cohn 9. SOBRE A ECONOMIA DA SADE: CAMPOS DE AVANO E SUA CONTRIBUIO PARAA GESTO DASADE PBLICA NO BRASIL quilas Mendes Rosa Mara Marques 10) SOCIOLOGIA DASADE: HISTRIA ETEMAS EverardoDuarteNunes Parte III EPIDEMIOLOGIA E SADE COLETIVA i It) CONTRIBUIO DAEPIDEMIOLOGIA..................................... Zlia Roquayrol 12. RISCO, VULNERABILIDADE E PRTICAS DE PREVENO E PRO MOO DA SADE .............................................. los Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres Gabriela Junqueira Calazans Haraldo CsarSaletti Filho Ivan Frana-Jnior 13. EPIDEMIOLOGIA EM SERVIOS DESADE . Marcos Drumond Jr. T$) DESIGUALDADESSOCIAIS ESADE . . . . Rita Barradas Barata 15. VIGILNCIACOMO PRTICADESADE PBLICA . Eliseu AlvesWaldman Parte IV POLTICA, GESTO EATENO EM SADE | ) O SISTEMA NICO DESA D E.............................. Cipriano Maia de Vasconcelos Drio Frederico Pasche 17. SISTEMASCOMPARADOS DESADE . EleonorMinho Conil 219 247 283 319 375 419 457 487 531 189 563 4. sum rio 11 08. SADE MENTAL ESADE COLETIVA . . . . . Antonio Lancelti Paulo Amarante 19. PROMOO DA SADE E PREVENO DE DOENAS Mareia Faria Westphal 20. CO-CONSTRUO DE AUTONOMIA; O SUJEITO EM QUESTO . Rosana T. Onocko Campos Casto Wagner de Sousa Campos 21. VIGILNCIASANITRIA NO BRASIL . . . . Gonzalo Vecina Neto Maria Cristina da Costa Marques Ana Maria Figueiredo 22. AVALIAO DE PROGRAMAS E SERVIOS . . . . Juarez Pereira Furtado 23. COMUNICAO E PARTICIPAO EM SADE Brani Rosemberg 24. PLANEJAMENTO EM SADE PARA NO ESPECIALISTAS Jairnilson Silva Paim 25. ATENO PRIMRIA SADE E ESTRATGIASADE DA FAMLIA Luiz Odorico Monteiro deAndrade Ivana Cristina de Holanda Cunha Bueno Roberto Cludio Bezerra 26. A GESTO DAATENO NASADE: ELEMENTOS PARASE PENSAR A MUDANA DAORGANIZAO NA SADE. Sergio Resende Carvalho Gustavo Tenrio Cunha 615 635 669 689 715 741 767 783 837 SOBRE OS AUTORES 869 5. Nota Editorial Tratado de Sade Coletiva: demarcando e ampliando horizontes Prezados Estudantes de Graduao e Ps-Graduao em Cincias da Sade, Residentes e Profissionais da Sade, Este tratado uma primeira tentativa de realizar um sonho de estu diosos e professores das diversas reas de Cincias da Sade de poder indicar uma obra de referncia em Sade Coletiva/Sade Pblica, des tinada a vocs. No raro, docentes das Cincias da Sade queixam-se de que, para lhes ensinar sobre Sade Coletiva/Sade Pblica sempre tiveram de adaptar os textos para adot-los nos cursos de formao. Geralmente os dedicados professores garimpam artigos ou captulos de livros que em seguida so xerocopiados para outros fins, nun ca pensados e orientados para vocs, jovens em busca de elementos e estmulos para aprofundar seus conhecimentos sobre o campo da sa de. Por isso, decidimos enfrentar o desafio de organizar um Tratado que expressasse a diversidade e a complexidade do campo e da carreira que vocs abraaram. esse o investimento desse livro: oferecer elementos informativos e compreensivos sobre Sade Coletiva/Sade Pblica, com o cuidado e a acuidade dos livros de formao em sade. O campo da Sade Coletiva no Brasil acumula uma rica produo cientfica representada por uma gama variada de publicaes em arti gos, livros, brochuras, teses, dissertaes, entre outras formas de veicu- lao de conhecimento. Entretanto, nossa proposta de lhes apresen tar, de forma suave, esse acervo da rea, sistematizando o estado desse conhecimento especfico e contemplando as catorze profisses que conformam as cincias de sade: biologia, biomedicina, cincias farma- i) 6. 14 nota editorial cuticas, educao fsica, enfermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, medicina, medicina veterinria, nutrio, odontologia, psicologia, ser vio social e terapia ocupacional. Este sonho que ora se toma realidade, foi primeiro concebido pela professora Maria Ceclia de Souza Minayo que tem dois textos nesse Tratado e durante muitos anos, desde 1994-1996, quando foi presi dente da Associao Brasileira de Sade Coletiva (Abrasco), vinha ten tando entusiasmar colegas com a proposta e buscando instituies para financi-la. Finalmente, mais de dez anos depois das primeiras tentati vas, os editores da I lucitec toparam o desafio e evidenciam nesta obra, parafraseando Fernando Pessoa, que tudo vale a pena quando o sonho no i pequeno. Sanitaristas e pesquisadores de renome se reuniram, e apresenta ram essa proposta inicial que, disponibilizada no mercado editorial e com a contribuio de vocs, oportunamente, poder ser ampliada. V rios meses foram necessrios para que pudssemos sistematizar, organi zar e desenvolver esse projeto que inclui autores espalhados pelos qua tro cantos do Pas. Vocs podero constatar que muito do entusiasmo e do rigor evidente dos estudiosos que escreveram e assinam esta obra dizem respeito, primeiramente, a seus compromissos com os temas que estudam. Mas observar tambm que suas posturas e intencionalidades vo mais alm: tm que ver com a vontade de contribuir para que vocs sejam cada vez mais bem informados, crticos e comprometidos com a transformao da realidade de sade de nosso Pas. A obra est organizada da seguinte forma: agrega quatro partes, com seus respectivos subtemas: I) A b r i n d o o C a m p o 1. Sade Co letiva: uma histria recente de um passado remoto, 2. Clnica e Sade Coletiva compartilhadas: teoria Paidia e reformulao ampliada do trabalho em sade, 3. Sade e Ambiente: uma relao necessria, 4. Sade e Desenvolvimento: que conexes?, 5. Formao e Educao em Sade, aprendizados com a Sade Coletiva, 6. Estou me formando (ou eu me formei) e quero trabalhar que oportunidades o sistema de sa de me oferece na Sade Coletiva? Onde posso atuar e que competn cias preciso desenvolver?; II) Cincias Sociais e Sade 7. Contri buio da Antropologia para pensar a sade, 8. O estudo das Polticas de Sade: implicaes e fatos, 9. Sobre a Economia da Sade: campos de avano e sua contribuio para a gesto da Sade Pblica no Brasil, 10. Sociologia da Sade: histria e temas; III) Epidem iolocia e Sade C o l e t i v a I I . Contribuio da Epidemiologia, 12. Risco, Vulnerabili dade e Prticas de preveno e promoo da sade, 13. Epidemiologia 7. nota editorial 15 em Servios de Sade, 14. Desigualdades sociais e sade, 15. Vigilncia como prtica de Sade Pblica; IV) P o l t i c a , G e s t o e A t e n o e m S a d e , 16. O Sistema nico de Sade, 17. Sistemas comparados de sade, 18. Sade Mental e Sade Coletiva, 19 Promoo da Sade e Preveno de Doenas, 20. Co-construo de autonomia: o sujeito em questo, 21. Vigilncia Sanitria no Brasil, 22. Avaliao de Programas e Servios, 23. Comunicao e Participao em Sade, 24. Planejamento em sade para no especialistas, 25. Ateno Primria sade e estrat gia Sade da Famlia, 26. A gesto da ateno na sade: elementos para se pensar a mudana da organizao na sade. E no final de quase todos os captulos h comentrios dos autores a respeito das princi pais referncias, as consideradas "bsicas" utilizadas nos textos, com intuito de enfatizar a base dos argumentos e fundamentos das idias. Por isso tudo, um trabalho coletivo que se diferencia do compndio convencional. No pretendemos esgotar a discusso relativa aos temas aqui tra tados e esses temas no constituem a totalidade dos assuntos que a Sade Coletiva recobre. Nem seria possvel, a curto prazo, reunir todos os colegas que fazem e so referncias no campo. Por isso, o presente projeto no tem fim programado porque pressupe permanente revi so e atualizao. Esse o sentido de um Tratado de Sade Coletiva, uma vez que traduz um campo dinmico, complexo, plural e exigente, porque vivo! Cabe a vocs, privilegiados interlocutores de nosso empreendi mento, a leitura, a crtica e a grandeza de transformar em conhecimento pessoal e social os subsdios que lhes oferecemos. Que o entusiasmo acompanhe a leitura de vocs que esto diante de um campo que care ce de aes responsveis e comprometidas com a vida de todos ns. G a s t o W a g n e r d e S o u s a C a m p o s M a r i a C e c l i a d e S o u z a M i n a y o M a r c o A k e r m a n M a r c o s D r u m o n d J r . Y a r a M a r i a d e C a r v a l h o 8. Parte I ABRINDO O CAMPO 9. SADE COLETIVA: UMA HISTRIA RECENTE DE UM PASSADO REMOTO Everardo Duarte Nunes R EF l e x o s o b r e a S a d e C o l e t i v a como um campo de conheci mentos e prticas tem estado presente em muitos trabalhos ao longo dos anos que medeiam a sua institucionalizao no final dos anos 1970 e sua trajetria at os dias atuais. No faremos uma reviso detalhada desses estudos, mas muitos deles permearo esta apresentao, que pretende no somente resgatar a histria, como, tambm, trabalhar conceituaimente as principais dimenses que configuram este campo. Como sabemos, a compreenso conceituai somente se estabelece medida que se verifica a sua construo como uma realidade histri- co-social. histria recente da Sade Coletiva subjaz um passado que ultra passa as fronteiras nacionais e que necessita ser explicitado a fim de se compreender o projeto nacional que redundou na criao da Sade Coletiva, tendo como cenrio geral as mudanas trazidas com a instala o de uma sociedade capitalista. Assim, faremos uma incurso s origens da medicina social/sade pblica; traaremos um panorama da Sade Coletiva no Brasil, com pletando com a sua conceituao. ANTECEDENTES Foucault (1979, p. 80) registra, em seu trabalho sobre as origens da medicina social, a sua procedncia vinculada polcia mdica, na Alemanha, medicina urbana, na Frana e medicina da fora de tra balho na Inglaterra. Essas trs formas ilustram a tese defendida pelo autor de que "com o capitalismo no se deu a passagem de uma medi cina coletiva para uma medicina privada, mas justamente o contrrio; que o capitalismo, desenvolvendo-se em fins do sculo XVIII e incio 19 10. 20 everardo duarte nunes do sculo XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquan to fora de produo, fora de trabalho". Para Foucault, o investimento do capitalismo foi no biolgico, no somtico, no corporal, mas o corpo que trabalha, do operrio, somen te seria levantado como problema na segunda metade do sculo XIX. justamente a partir dos anos 40 do sculo XIX que se criam as condi es para a emergncia da medicina social. s vsperas de um movi- mentqjvolucionriq que se estenderia por toda a Europa, muitos mdicos, filsofos e pensadores assumiram o carter social da medici na e.da doena. "A cincia mdica intrnseca e essencialmente uma 1 cincia social e, at que isto no seja reconhecido na prtica, no sere- mos capazes de desfrutar seus benefcios e teremos que nos contentar ( com um vazio e uma mistificao", ou "se a medicina existe realmente , para realizar suas grandes tarefas, deve intervir na vida poltja e social; deve apontar para os obstculos que impedem o funcionamento nor mal do processo vital e efetuar o seu afastamento". So as idias de 1 Neumann e Virchow, voltadas para as reformas de sade (Rosen, 1963, ) pp. 35, 36). Essa foi uma poca propcia para o levantamento de muitas ques tes, como o fim da poltica da tradio, das monarquias, a regra da sucesso das dinastias como direito divino e para situar inmeros pro blemas, como o das precrias condies da classe operria, conforme escrito por Engels (1975), em brilhante trabalho. Data desse momento a fixao de alguns princpios bsicos que se tornariam parte integrante do discurso sanitarista: 1) a sade das pes soas como um assunto de interesse societrio e a obrigao da socieda- - de de proteger e assegurar a sade de seus membros; 2) que as condi- essociais eeconmicas tm um impacto crucial sobre a sade edoena e estas devem ser estudadas cientificamente; 3) que as medidas a serem tomadas para a proteo da sade so tanto sociais como mdicas. Sem dvida, este iderio centralizado na corporao mdica, como pregava Curin, ou marcado pelas relaes entre o homem e suas con dies de vida, como dizia Virchow, impulsionaram a formulao da medicina social da metade do sculo XIX. Tanto assim que Curin, afir mava em 1848: "Tnhamos tido j ocasio de indicar as numerosas rela es que existem entre a medicina e os assuntos pblicos j. . .). Apesar destas abordagens parciais e no coordenadas que tnhamos tentado incluir sob rubricas tais como polcia mdica, sade pblica, e medici na legal, com o tempo estas panes separadas vieram a se juntar em um lodo organizado e atingir seu mais alto potencial sob a designao de 11. sade coletiva: histria recente, passado antigo 21 medicina social, que melhor expressa seus propsitos. . (Curin, __ 1848, p. 183). Dentre as principais idias desse mdico e reformador social, destacam-se as que viam a prtica mdica como um todo, tanto assim que. ajriedicijia iociaLlraenglobar desde a fisiologia social at a terapia social, passando pela patologia social e higiene social. Todas essas vozes que na Europa defendiam a sade como ques to poltica e social viram-se sufocadas com a derrota das Revolues de 1848. Bloom (2002, p. 15) comenta sobre essa situao, afirmando que a ideologia do movimento da reforma mdica e "Sua ampla con-> cepo da reforma da sade como cincia social foi transformada em um programa mais limitado de reforma sanitria e a importncia dos | fatores sociais em sade rolou ladeira abaixo enquanto a nfase biom- dica esmagadoramente ganhou domnio a partir da revoluo cientifica I causada pelas descobertas bacteriolgicas de Robert Koch". O renasci- j mento da medicina social, especialmente na Alemanha, iria ocorrer so mente no incio do sculo XX, assim como aconteceu em outros pases..; Muitas anlises sociais, demogrficas e polticas percorreram a his tria da sade pblica e percebe-se que, desde as suas origens, ela este ve estreitamente vinculada s polticas de sade que se desenvolveram tanto nos pases europeus, como nas Amricas, e trouxeram em seus contedos as especificidades de cada contexto histrico e suas circuns tncias. As primeiras anlises mais gerais tratando da medicina social na Amrica Latina datam dos anos 1980 e 1990 (Nunes, 1985, 1986; Fran co, Nunes, Breilh & Laurell, 1991), cm forte nfase nas possibilida des trazidas pelas cincias-sociais na compreenso do processo sade- doena; assim como das. relaes CQm_Q_campo da epidemiologia, da organizao social da sade e das relaes sade e trabalho. Mais recen temente, Waitzkin, Iriart, Esuada_&Uinadiid_UQl).-tiaaraDLLum pa norama geral da medicina social em diversos pases latino-americanos. Em relao ao Brasil, a sua histria tem sido contada por muitos' autores. Um dos primeiros trabalhos foi publicado por Machado e co laboradores (1978), marco das pesquisas que, na perspectiva arqueo lgica de Foucault, reconstitui a construo da medicina social e da psiquiatria no Brasil. A este trabalho viria juntar-se o de Luz (1979), fundamental para a compreenso das instituies mdicas no Brasil como estratgia de poder. Outros estudos de historiadores e socilo gos so fundamentais para a compreenso da trajetria da sade p blica brasileira, destacando-se osde Castro-Santos (1985,1987),Tellaroli (1996), Hochman (1998), Chalhoub (1996) e muitos outros. 12. 22 everardo duarte nunes PARA ENTENDER A SADE COLETIVA A contextuaiizao acima procurou dar conta de uma histria ge- ' ral que est presente quando se pensa a sade no plano coletivo, social / e pblico. Em realidade, a sua abordagem neste trabalho garante-nosque para se estudar as origens e o desenvolvimento do campo da sa- / de, em especial em suas dimenses sociais, imprescindvel que o tema seja tomado em suas mltiplas relaes. No caso especfico do Brasil, toma-se essencial entender que as trajetrias de um pensamento social I resultou em diferentes aproximaes em diferentes momentos. Estas aproximaes retomam asorjgens da sade coletiva no pro- I jeto preventivista, que na segunda metade dos anos 50 do sculo XX foi I amplamente discutido, com o apoio da Organizao Pan-Americana j da Sade. Ele se associa crtica de uma determinada medicina que, na I teoria e na prtica, estava em crise. A crtica dirigia-se ao modelo biom- dico, vinculado muito mais ao projeto pedaggico, e no de forma direta s prticas mdicas. Tanto assim que o saldo deste momento a criao dos departamentos de medicina preventiva e social nas escolas ! mdicas e de disciplinas que ampliam a perspectiva clnica, como a rpidem iologia, as cincias da conduta, a administrao de servios de I sade, a bioestatstica. Instala-se a preocupao com uma perspectiva biopsicossocial do indivduo e a extenso da atuao pedaggica para l fora do hospital, criando trabalhos comunitrios. Este projeto alternativo era resultado das transformaes que se seguiram ao trmino da Segunda Grande Guerra (1939-1945) e que nos anos 1950 e 1960 preconizava que o desenvolvimento dos pases do chamado terceiro mundo passava necessariamente por um progra ma de substituio de importaes, que possibilitaria o surgimento de um setor industrial, produtor de manufaturados, permitindo a acu mulao de capital. Ampliava-se a participao estatal e o aumento da produtividade da fora de trabalho, num projeto desenvolvimentista no qual a seguridade social e o saneamento se fazem presentes. O con ceito de controle e a progressiva utilizao de antibiticos e tcnicas cirrgicas consolidam a confiana na ateno mdica individualizada. a fase urea das teorias desenvolvimentistas e da idia do crculo vicio so da pobreza, transformada em "causao circular" pelo economista sueco Gunnar Myrdal (1898-1987). Em meados dos anos 1960, o projeto preventivista torna-se uma realidade em muitas escolas mdicas, quando tambm se instaura na 13. sade coletiva: histria recente, passado antigo 23 Amrica Latina a questo do planejamento em sade, veiculada pela proposta Cendes/OPS, que, dentro de uma viso economicista, fixava como bsica a determinao custo-benefcio da ateno mdica. A-ievi- so do planejamento seria tarefa para uma dcada mais tarde. A dcada de 1960 uma poca de realizaes e de grandes mu-danas. Em 1960 inaugura-se Braslia; em 1961, Jnio Quadros renun-cia Presidncia da Repblica; Joo Goulart toma posse; instala-se o regime parlamentarde governo, vigente at 23 de janeiro de 1963, quan do h o retorno ao regime presidencialista; em l.de abril de 1964, o presidente Coulan deposto por um golpe militar e inicia-se um pero do de ditadura que ir durar mais de duas dcadas. Ainda nos anos ^960, destaquem-se: a aprovao da.Refotma Uni versitria, em 1968, no mesmo ano em que editado o Ato Institucional n. 5 e o Ato Complementar n." 38, que decreta o recesso do Congresso Nacional. Agora, o governo passa a ter poderes absolutos sobre a na o. Com o recesso, o Executivo fica autorizado a legislar, suspender os direitos polticos de qualquer cidado e cassar mandatos parlamenta res. Aproximava-se o fim da dcada de 1960, marcado por excessosT^J ditatoriais no Brasil e, no mundo, por apelos de liberdade, como no festival de Woodstock e emblematicamente por um vigoroso filme, Easy Rider (Sem Destino), no qual a sociedade americana criticada por sua_J intolerncia. Do ponto de vista do desenvolvimento econmico, os analistas apontam que os anos iniciais de 1970 so de crescimento "o milagre brasileiro", mas comea a diminuir em 1973, com um aumento da in flao, cuja taxa de 34,5%, em 1974. Ocorre um aumento da misria que pode ser constatado com o incremento da mortalidade infantil no estado mais rico da federao, So Paulo, da ordem de 10%; 30% dos municpios da federao no tinham abastecimento de gua e o Brasil com o nono PNB do mundo, mas em desnutrio perde apenas para ndia, Indonsia, Bangladesh, Paquisto e Filipinas. Para o campo da sade coletiva, os anos 1970 representam um I momento em que o campo inicia a sua estruturao formal, especial mente na formao de recursos humanos, no avano das cincias so- | ciais na sade e no papel da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) no fomento ao desenvolvimento tecnolgico e inovao. Do ponto de vista terico-acadmico, ressalte-se a divulgao de alguns trabalhos como os de Ceclia Donnangelo (1975), Arouca [1975|, (2003)> Luz (1979), Carca (1981), Rodrigues da Silva (1973) e a criao do primeiro curso de ps-graduao em Medicina Social, no Rio de 14. 24 everardo duarte nunes Janeiro, em 1974. Iniciava-se um novo perodo de encaminhamento das questes de sade. No plano internacional, a Opas enfatiza que o projeto ambicioso de transformar as prticas de sade, em especial a ateno mdica, mediante a formao de um profissional capacitado para realizar essas mudanas, no se concretizou (OPS, 1976). A Orga nizao assume que a medicina social tem como objeto a anlise das prticas e dos conhecimentos da sade relacionados com a sociedadej (OPS, 1976). jj Idias, como as defendidas porArouca 11975), (2003, p. 149) pas sam a ser veiculadas pelos Departamentos de Medicina Preventiva e Social. Para ele, a Medicina Social era definida 'como o estudo da din mica do processo sade-doena nas populaes, suas relaes com a estrutura da ateno mdica, bem como das relaes de ambas com o / sistema social global, visando a transformao destas relaes para a / obteno dentro dos conhecimentos atuais, de nveis mximos poss-veis de sade e bem-estar das populaes'. Nas palavras de um pionei-ro da medicina preventiva e social no Brasil, Rodrigues da Silva (1973, apud Arouca, 2003, p. 149), "[.. .) alguns departamentos de Medicina Preventiva passaram a adotar, tendencialmente, uma posio poten- / cialmente mais inovadora, uma posio de crtica construtiva da reali- I dade mdico-social e da prtica da medicina, fundamentada bem mais no modelo de medicina social do que no modelo original de MedicinaPreventiva" r De forma mais detalhada, definia-se a Medicina social como "[.. .j uma tentativa de redefinir a posio e o lugar dos objetos dentro da medicina, de fazer demarcaes conceituais, colocar em questo qua- J dros tericos, enfim, trata-se de um movimento ao nvel da produo de conhecimentos que, reformulando as indagaes bsicas que possi bilitaram a emergncia da Medicina Preventiva, tenta definir um objeto / de estudos nas relaes entre o biolgico e o psicossocial. A Medicina Social, elegendo como campo de investigao estas relaes, tenta esta- | belecer uma disciplina que se situa nos limites das cincias atuais" j | (Arouca, 1975). Firmava-se, no desenvolvimento histrico que adotamos, o mo mento da medicina social propriamente dita. Em trabalhoanterior, aoanalisaresse momento, assinalei que "No se esquea, tambm, que, ao apontar a crise na gerao de conhecimen tos, o horizonte que se vislumbrava era o de instaurar novas prticas. Os estudiosos assinalam que a visibilidade social que a problemtica de sade~adqure nesse perodo deve-se em grande parte aos movi- 15. sade coletiva: histria recente, passado antigo 25 mentos sociais populares como o universitrio" (Nunes, 1994, p. 13). Recorde-se que, na metade dos anos 1970, a Opas publica um do cumento sob a denominao de Frmulacin de Polticas de Salud, ela borado pelo Centro Panamericano de Planificacin en Salud. Inicia-se a crtica ao modelo de planejamento dos anos 1960, rumo ao planeja mento estratgico dos anos 1980/Fato a se destacar no final dos anos-) 1970 e de grande repercusso para o campo da sade foi a Declarao I Alma-At, em 1978, que fundamentaria muitas das questes sobre a ( sade nos anos seguintes, especialmente a do direito sade, o papeldo Estado e a ateno primria como porta de entrada do sistema d ej sade/ Na construo da medicina social, a fase que se estende de 1974 a 1979, compreende um momento importante na construo terico- conceitual, com pesquisas sociais, epidemiolgicas sobre os determinan tes econmicos da doena e do sistema de sade, associada discusso jde propostas alternativas ao sistema de sade vigente. Somente na fase seguinte, como assinala Levcovitz (1997, apud Levcovitz et al 2002), de 1980-1986, denominada "poltico-ideolgica", que ocorrer 'a dis seminao das propostas de reforma e aglutinao da coalizo socio- poltica de sustentao", que se expressam em importantes eventos como a VII Conferncia Nacional de Sade (1979) e a VIU Conferncia Nacional de Sade (1986), quando se inicia o processo de reforma da sade pblica. As fases antes citadas completam-se ao longo do pero do at 2000: a de 1987-1990, denominada poltico-institucional, com a "consolidao jurdico-legal e social dos princpios e diretrizes do pro jeto de reforma setorial", tem como marcos trs ocorrncias: a criao do Suds (Sistema Unificado e Descentralizado de Sade), a Constitui o Federal (1988), e a promulgao das Leis Orgnicas de Sade (8.080 e 8.142), em 1990; a fase de 1991-1998, denominada poltico-adminis- trativa, com as definies especficas das atividades nas esferas governa mentais, perodo em que se realizam a IX e X Conferncia Nacional de Sade (1992 e 1996) e, finalmente, a quinta fase 1999/2000, chamada de "complementao jurdico-legal", de carter tcnico-operacional, re gulamentao legislativa e normativa do financiamento estvel e do mc pblico-privado (Assistncia Domiciliar), organizao dos modelos de gesto e de ateno da rede regionalizada de servios. Penso que a reproduo, mesmo sinttica, desses momentos mos tra que em trs dcadas o Pas realiza um intenso projeto de conheci mento da sade e de movimento em direo s reformas. O repensar da sade de maneira ampliada vai ser, portanto, a tarefa do final dos 16. 26 everardo duarte nunes anos 1970, one vinha sendo preparada ao longo dessa dcada, quando so criados os cursos de ps-graduao (mestrado e doutorado) em s a u d & iB t b lic a eTimedicina social e que posteriormente sero enquadra- ds~no campo das cincias da sade, rom a denominao de Sade Coletiva. Esta terceira fase a fase da sade coletiva que cronologica-N mente coincide com as origens da prpria instituio a Abrasco, em i 1979 marcada, nos primeiros anos da dcada de 1980, por ativida- I des que se voltam para a construo do prprio campo, recriando em j novos moldes (congressos, grupos de trabalho, pesquisas, ensino) umverdadeiro movimento sanitrio, e a partir de 1985, nos debates que / culminaram com a VIII Conferncia Nacional de Sade (1986), e, aps / o evento, participando ativamente da Comisso Nacional de Reforma Sanitria. Dessa forma, esta fase coincide com o grande momento de reestruturao das polticas sociais, ante sua universalizao, num mo- I mentoem queascondies econmicas para chegara um universalismo ..de fato se tornavam cada vez mais precrias (Mdici, 2006). Sem dvida, os anos 1980 representam um momento especial na histria da sade no Brasil, o da universalizao das polticas sociais, mas ao mesmo tempo sujeitava-se agenda internacional, comandada pelo Banco Mundial. Para Melo & Costa (1994), trata-se tambm do advento de um novo paradigma o da economia da sade, ao revelar a dimenso fiscal e financeira da ateno sade. A prxima dcada assistir reduo de alguns indicadores: entre 1992e 1999, amortalidade infantil caiude44,3 para 34,6 crianas mortas por mil nascidas vivas e o analfabetismo na populao de quinze anos ou mais de idade diminuiu de 17,2% para 13,3%. Infelizmente, os n-1 veis de desigualdade continuavam elevadssimos. Mdici (2006) apon- > ta que 'Dados de 1991 mostram que cerca de 30,7% das famlias brasi- leiras recebiam renda total inferioradois salrios mnimos. No Nordeste, essa proporo atingia 53%. Os 10% mais ricos no Brasil abarcavam I 51,7% da renda, enquanto os 10% mais pobres ficavam somente com0,7%. Cerca de 49,4% das pessoas ocupadas no contribuam para ne-) nhum instituto de previdncia social". MAS, AFINAL, 0 QUE A SADE COLETIVA? Ao longo da exposio, procuramos destacar que a medicina so cial, a sade pblica e a sade coletiva foram paulatinamente criando um territrio prprio e delimitando (e ampliando) as suas fronteiras. 17. No se pode reduzir a histria ao momento em que um grupo de intelectuais resolveu criar a sua associao de classe, mas, sem dvida, esta uma ocasio importante no processo de institucionalizao do campo. Recordando essa ocorrncia, sirvo-me dos detalhes contados por Belisrio (2002, p. 63), "A Abrasco foi criada por docentes, pesqui sadores e pessoal de servio presentes I Reunio sobre a Formao e Utilizao de Pessoal de Nvel Superior na rea de Sade Coletiva, rea lizada em Braslia, em 27 de setembro de 1979, promovida pelos Mi nistrios da Educao, Sade, Previdncia e Assistncia Social e Organi zao Pan-Americana da Sade". Assinada por 53 pessoas, a ata de fundao afirma que esse era um antigo anseio dos diferentes cursos de ps-graduao, cuja idia inicial data de 1978, na reunio realizada pela Alaesp (Associao Latino-Americana de Escolas de Sade Pbli ca), em Ribeiro Preto. Em 1982, so publicados os Princpios Bsicos, que orientam os objetivos da Associao: aprimoramento do ensino e da pesquisa, in tensificao do intercmbio entre as instituies, obteno de apoio financeiro e tcnico, cooperao entre instituies de ensino, valoriza o dos programas de ensino, qualificao do corpo docente, elevao dos padres de ensino, promoo e disseminao dos conhecimentos da sade coletiva. No se trata de uma perspectiva exclusiva de assun tos referentes ao ensino, mas de participao efetiva na definio e implementao de uma poltica de recursos humanos em sade cole- v, associada a uma anlise das condies de sade da populao e de incentivo pesquisa. Assume uma posio poltica e tcnica, ou seja, a necessidade de reformulao do setor sade e a concepo da sade como um direito do cidado e dever do Estado. Diante dessa histria e do fato de, diferente de outros campos do conhecimento em sade, ter sido organizada em uma associao con gregando o que havia sido produzido em medicina preventiva, medici na social, planejamento em sade, pesquisas epidemiolgicas, polti cas de sade, cincias sociais em sade, tomou-se difcil um consenso acerca da sua conceituao. Em realidade, a partir do momento em que se foram firmando as formas de tratar o coletivo, o social e o pblico cminhou-se para entender a sade coletiva como um campo estru- turado e estruturante de prticas e conhecimentos, tanto tericos como polticos. Muitas tm sido as tentativas de definir a Sade Coletiva. Em seu trabalho publicado em 1983, Donnangelo lembrava que a delimitao do campo, com uma multiplicidade de objetos e reas de saber, que sade coletiva: histria recente, passado antigo 27 18. JW J - n-tflM-lUuOuoUdO j(x> Ia Ji^ ci,cxJ> o . 0nx- fr&lCCK J jx Cjdw o^CL.. 0 everardo duarte nunes28 iam da cincia natural cincia social, "No indiferente a permea[ bilidade aparentemente mais imediata desse campo a inflexes eco nmicas e poltico-ideolgicas. O compromisso, ainda que genrico e impreciso, com a noo de coletivo, implica a possibilidade de com promissos com manifestaes particulares, histrico-concretas desse mesmo coletivo, dos quais a medicina do indivduo tem tentado se resguardar atravs do especfico estatuto da cientificidade dos campos de conhecimento que a fundamentam" (Donnangelo, 1983, p. 21). A sua associao s cincias sociais foi vista por Teixeira (1985, p. 97), que tambm a analisou, dizendo que "a matriz terico-conceitual do Movimento Sanitrio pode ser encontrada na delimitao de sua rea de conhecimento, expressa na adoo do conceito de sade cole tiva, uma originalidade nacional face heterogeneidade de denomi naes habituais, tais como sade pblica, medicina social, medicina preventiva, sade comunitria' (Teixeira, 1988, p. 195). Como afirmamos, no h um consenso na definio do campo,A marcado, como lembra Stotz (1997, pp. 280-2), por tenses episte- molgicas, e apresentando caractersticas de interdisciplinaridade, no havendo possibilidade de uma teoria unificadora que explique o con- , junto dos objetos de estudo. Certamente, a sade coletiva no somente estabelece uma crticaao universalismo naturalista do saber mdico, mas rompe com a con- j cep-e-dc-sade pblica, negando o monoplio do discurso biolgico ^(Birman, 1991).^ ' Como podemos ver, estas idias que se conformam em uma traje tria histrica, apresentam uma tradio intelectual que, tendo um pas sado remoto, so recriadas ante as conjunturas da modernidade e de seus problemas. Campo multiparadigmtico, interdisciplinar, formado pela presena de tipos distintos de disciplinas que se distribuem em um largo espectro qu se estende das cincias naturais s sociais e hu manas, certamente possibilitar o aparecimento de novos tipos de dis ciplinas, que nascem nas fronteiras dos conhecimentos tradicionais, ou na confluncia entre cincias puras e aplicadas, mas que se caracteri za como um "paichworkcombinatrio, que visa a constituio de uma nova configurao disciplinar capaz de resolver um problema preciso" (Pombo, 2003, pp. 8, 9). Estas intercincias foram definidas em 1957 pelo economista ingls Kenneth E. Boulding (1910-1993) como con juntos disciplinares onde no h uma cincia que nasce nas fronteiras de duas disciplinas fundamentais ou do cruzamento de cincias puras e aplicadas, mas que se ligam de forma descentrada, assimtrica, irregu- 19. sade coletiva: histria recente, passado antigo 29 lar, como no caso das cincias cognitivas, das cincias da complexidade. ''Parece-me uma boa idia para se entender a Sade Coletiva, mas a imaA gem que associo ao entendimento do campo a de mosaico con-junto formado por panes separadas, mas que se aproximam quando a compreenso dos problemas ou a proposta de prticas se situam alm | dos limites de cada "campo disciplinar", exigindo arranjos interdiscipli- I nares. Alm disso, como veremos a seguir, quando discutirmos os prin- I cipais campos disciplinares que configuram a grande rea da Sade Co-1 letiva, observaremos que a sua composio est associada ou quelas I cincias de fronteira, muitas vezes j consolidadas (por exemplo, psico-$ logia social), ou s interdisciplinas (por exemplo, avaliao de servios / uj de sade, planejamento em sade), ou s intercincias (por exemplo, ecologia). Assim, entendemos que o campo no simplesmente um j territrio opaco, um compsito de conhecimentos, saberes e prticas, desarticulados, mas se compem de acordo com as necessidades em descrever, explicar e/ou interpretar a realidade de sade que se desejai estudar, avaliar ou transformar. Para isso, os conceitos, as categorias! analticas, as chaves interpretativas procedentes do ncleo duro das cincias o corpus terico lanam suas luzes para o entendimentodos objetos e sujeitos investigados pelos pesquisadores. Agora, o mo-saico se transforma em um vitral, no qual os problemas esto filtrados j L pela teoria. As idias desenvolvidas at este momento pautam o campo da Sade Coletiva como extenso e diversificado, refletindo a prpria con cepo ampliada de sade em suas inmeras interfaces. Assim, o pr prio campo vem se especializando em muitas direes e tratando de objetos os mais variados. A prpria concepo deste livro abriga essa idia e, ao mesmo tempo, conduz o leitor a entender que h ncleos disciplinares que apresentam conjuntos de conhecimentos construdos ao longo da histria da cincia. No por simples conveno, mas por- que se estabeleceram como parte do processo de constituio da rea, so citados trs grandes espaos e formaes disciplinares: as cincias sociais e humanas, a epidemiologia e a poltica e o planejamento. No desenvolveremos em detalhes esses conjuntos de disciplinas, pois os seus aspectos particulares sero objeto dos especialistas que compem o quadro dos autores deste livro; pontuaremos questes gerais, seguindo o esprito deste texto, que o de contribuir com uma viso histrica e conceituai da Sade Coletiva. Se retomarmos as idias iniciais postas neste trabalho, verificamos que as questes sociais, econmicas, polticas, culturais, de diferentes 20. 30 everardo duarte nunes formas, estiveram presentes no trato da medicina, da doena, do cui dado e da sade, variando de acordo com determinadas conjunturas s quais se associaram os progressos do conhecimento cientfico. Assim, I presena das cincias sociais e humanas (antropologia, sociologia, economia, poltiC histriat filosofia, tjca, esttica) foi se consolidando sendo consideradas como fundamentais para a compre- enso dos^rocessos da vida, do trabalho, do adpeimento.ejla morte, assim como dos cuidados aos doentes e pacientes e das relaes profis- sionais. Tais abordagens tornaram-se possveis porque essas disciplinas utilizaram um arsenal terico-conceitual orientando as investigaes e a busca de nexos de sentido entre qjiatural _(o corpo biolgico), o social, e o cultural. As prprias concepes de coletivo, sociedade e estrutura e seus respectivos pares, sujeitTrpresentao, ao, sero categorias fundantes para nTisd sade Mesmo o ncleo central d prtica m dica a relaao mdico^paciente inscreve-se como preocupao ini cial de estudiosos da sociologia (Henderson, 1935), historiadores (Sige- rist, 1929), socilogos (Parsons, 1951), filsofos (Gadamer, 1996) para citar alguns precursores, de um tema que atravessaria o campo das cin cias sociais em sade e se estenderia ao estudo da enfermagem e de ou tras profisses da sade. Acrescente-se o estudo sociopoltico das profis ses de sade; as dimenses socioculturais da doena e as questes das relaes estado-sociedade civil e o estudo das racionalidades mdicas. Em relao epidemiologia, como campo de investigao cient fica, desenvolve-se a partir do sculo XIX, quando, em 1854. o mdico ingls John Snow estabeleceu os fundamentos da moderna epidemio logia ao estudar o clera em LondrsTCm s sds d PastUr e ou-~'i tros pesquisadores, novos conhecimentos Foram trazidos para o cam- _ po da epidemiologia, na medida em que se estudam as relaes agente ( infeccioso, hospedeiro e ambiente, no sentido de entender as causas ) das doenas em grupos de pessoas. Uma aproximao histrico-concei- tual das eras da epidemiologia pode ser vista no trabalho de Susser & Susser (1996a); a era sanitria, no incio do sculo XIX, a era das doenas infecciosas, a era das doenas crnicas (a partir da segunda metade do sculo XX). Na seqncia deste artigo, publicaram outro texto no qual evidenciam que, lendo o paradigma das doenas crnicas atingido o seu clmax, j sepoderia pensar em outro paradigma, abrindo um novo perodo que denominam de era eco-epidemiolgica (Susser & Susser, 1996b). Portadora de complexas metodologias de investigao, espe cialmente quantitativas, epidemiologia viriam se associar outras meto dologias procedentes de diversas disciplinas do social, da demografia. 21. sade coletiva: histria recente, passado antigo 31 da geografia e outros conhecimentos. Lembramos que nas anlises crti cas epidemiologia mais convencional iriam se destacar as procedentes dos autores latino-americanos e que se tornariam referncia internacio nal. De outro lado, as relaes entre a epidemiologia e o planejamento tm trazido um crescimento recproco para as duas reas. Muitas so as questes que ainda atravessam as relaes epidemiologia e cincias so ciais e vice-versa, que certamente sero postas em outros momentos deste livro. Citaramos, como encaminhamento dessa questo, o artigo de Minayo, Assis, Deslandes & Souza (2003) cuja proposta discutir a apropriao dos conceitos e das categorias de uma disciplina pela outra. Tambm sobre poltica e planejamento estas so apenas algumas primeiras aproximaes, considerando-se que sero extensivamente ana lisados em diversos momentos deste livro. Lembramos que as ques tes do planejamento acentuam-se a partir do trmino da Segunda Guerra Mundial e chegam aos pases subdesenvolvidos nas dcadas de 1950 e 1960, com o objetivo de orientar a economia e promover o desenvolvimento. A sua efetividade ser contestada na dcada de 1970, diante dos graves problemas enfrentados pelas economias capitalistas. Salientamos que as estreitas relaes do planejamento com as ques tes polticas fazem com que, embora ele se constitua de aspectos tc- nico-operacionais, seja imprescindvel atentar para o seu carter polti co. Percebemos que, em sua trajetria, o planejamento tem incorporado um rico e extenso quadro conceituai procedente das cincias sociais e humanas; no VII Congresso da Abrasco (2003), o grupo Poltica, Pla nejamento e Gesto apresentou importantes questes sobre o tema, destacando algumas das suas principais formulaes na Amrica Lati na: o mtodo Cendes/OPS, que teve em Mrio Testa um destacado for- mulador; as revises dos anos 1980, enfatizando a vertente poltica e inaugurando a fase estratgica do planejamento; a crise do Estado, dos anos 1990 e suas repercusses sobre o planejamento e sua retrao e a necessidade de inovaes nesse campo. A exposio acima delineia o que consideramos os espaos e as formaes disciplinares mais consolidados. H, entretanto, uma idia que nos parece perfeitamente aplicvel sade coletiva. Inicialmente desenvolvida por Pombo (2003), aponta para a possibilidade de no vas configuraes disciplinares a partir dos recursos postos pela inter- disciplinaridade. Assim, h prdticas de importa^ entendjdas_omo as desenvolvidas "nos limites das disciplinas especializadas e no reconhe cimento da necessidade de transcender as suas fronteiras", cooptando metodologias e linguagens j comprovadas. 22. 32 everardo duarte nunes Em outras situaes, h prticas de cruzamento, em que "no tera mos uma disciplina central que vai buscar elementos |em outras, que a favoream), mas problemas que, tendo a sua origem numa disciplina, irradiam para outras'. Nas chamadas prdticas de convergncia realizam-se anlises que se situam em um terreno comum, que envolvem convergncia das pers pectivas nas quais h objetos dotados de uma certa unidade. De outro lado, h prdticas de descentrao, quando as disciplinas tradicionais no conseguem tratar de problemas altamente complexos, exigindo um policentrismo de disciplinas ao servio do crescimento do conhecimento. H, ainda, as prdticas de comprometimento, "aquelas que dizem res peito a questes vastas demais, problemas que tm resistido ao longo dos sculos a todos os esforos, mas que requerem solues urgentes". So citados: a origem da vida ou a natureza dos smbolos. Para essas prticas, a sugesto a de uma interdisciplinaridade envolvente, circu lar, de polinizao cruzada. CONSIDERAES FINAIS 0 presente trabalho procurou situar os principais momentos da trajetria da sade coletiva, caracterizando-o como um campo amplo de prticas. Salientamos que, apesar da sua recente constituio, me nos de quatro dcadas, considerando-se a sua institucionalizao em cursos, congressos e produo cientfica, tem uma histria mais antiga, visto que seus pressupostos inscrevem-se em momentos anteriores, quando se inicia um pensar sobre a sade, que transcende a questo da doena em si mesma. Essa transcendncia que acompanha o enfoque sobre a sade tem, entre ns, a marca dos movimentos preventivistas e de medicina social, que culminariam com revises sobre as questes da preveno e do acercamento de uma dimenso ampliada das prprias polticas de sade em direo promoo da sade. De outro lado, procuramos destacar a importante contribuio terica trazida pelos mais diferentes campos disciplinares para entendimento das questes e problemas das coletividades expostas a riscos e agravos. Desde sua ins titucionalizao, a sade coletiva vem se fortalecendo como um movi mento que se expressa de vrias formas, alm da sua permanente aten o s questes polticas da assistncia sade. Trs so essas formas: 1 Cursos: hoje a sade coletiva faz parte do ensino de graduao, especializao, residncia, ps-graduao. Na graduao, foi inserida 23. sade coletiva: histria recente, passado antigo 33 em cursos que se distribuem em rubricas diversas: ateno sade no Brasil, sade e sociedade, cincias sociais e sade, epidemiologia, pla nejamento, avaliao de servios, sade comunitria. Na ps-gradua o, encontra-se consolidada em 29 programas de mestrado e doutora do, tambm em dois mestrados profissionalizantes. 2. Congressos: prestes a realizar o oitavo congresso, teve em seu VII Congresso, realizado em 2003, a possibilidade de comprovar a sua extenso, profundidade e vitalidade. Denominado o "congresso da di versidade, da incluso e da criatividade", nele foram apresentados qua se cinco mil trabalhos na modalidade de pster (92 deles receberam menes honrosas), desenvolvidas 159 comunicaes coordenadas, 127 painis, 29 palestras, 13 colquios, nove grandes debates e trs confe rncias magnas. Nesse conjunto de apresentaes orais, foram apre sentados 1.085 trabalhos cientficos, envolvendo profissionais de ser vios, professores e pesquisadores nacionais e internacionais. 3. Publicaes: a literatura da rea na atualidade extensa e diver sificada, exigindo para a sua reviso um captulo especial. Citaramos as principais revistas especializadas nas temticas desenvolvidas pela rea: Cincia e Sade Coletiva; Revista de Sade Pblica, Cadernos de Sade P blica, Physis Revista deSade Coletiva, Revista Brasileira de Epidemiologia. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS Belisrio, S. A. Associativismo em sade coletiva: um estudo da Associao Brasileira de Ps-Graduao em Sade Coletiva Abrasco. Doutora do). Campinas: Faculdade de Cincias Mdicas, Unicamp, 2002. Benchimol, laime Larry & Luiz Antonio Teixeira. Cobras, lagartos e ou tros bichos: uma historia comparada dos Institutos Oswaldo Cruz e Bu- tantan. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993, 228 pp. Bloom, S. W. The Word as a Scapel: a History of Medicai Sociology. 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Cria dor de disciplinas mdicas como a patologia celular, a patalogia comparada, desenvolveu estudos antropolgicos, sendo um dos fun dadores da "medicina social, popularizou a noo "toda clula origina-se de outra clula* 28. 38 everardo duarte nunes F r ie d r i c h E n c e l s (1 8 2 0 - 1 8 9 5 ), filsofo e p o ltico alemo, companheiro de Marx, viveu na Inglaterra e participou da Revoluo de 1 8 4 8 ; em 1848, junto com Marx, escreveu o Manifes to do Partido Comunista; autor de um clssico A Situao da Classe Operdria na Inglaterra, publi cado em 1845. I u l e s R e n Gurin (1 0 8 1 -1 8 8 6 ), mdico or topedista francs, fundador da Gazette Mdicale de Paris, tornou-se um propagador da medici na social. A Constituinte de 1988 no captulo V III da Ordem social e na seco II referente a Sade define no artigo 196 que: "A sade direito de todos e dever do estado, garantindo mediante polticas sociais e econmicas que visem a reduo do risco de doena e de outtos agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao". 0 SUS definido pelo artigo 198 do seguinte modo: "As aes e servios pblicos de sade integram uma rede regionalizada e hierarquizada, e constituem um sistema nico, organizado de acor do com as seguintes diretrizes: 1 Descentralizao, com direo nica em cada esfera de go verno; II Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuzo dos servios assistenciais; III Participao da comunidade 29. sade coletiva: histria recente, passado antigo 39 Pargrafo nico o sistema nico de sade ser financiado, com recursos do oramento da seguridade social, da Unio, dos Es tados, do Distrito Federal e dos Municpios, alm de outras fontes.* Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, define: "A sade tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentao, a moradia, o saneamento bsico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educao, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e servios essenciais: os nveis de sade da popula o expressam a organizao social e econmica do pas. 30. h 31. CLNICA E SADE COLETIVA COMPARTILHADAS: TEORIA PAIDIA E REFORMULAO AMPLIADA DO TRABALHO EM SADE Gasto Wagner de Sousa Campos TEORIA PAIDIA E A CO-PRODUO SINGULAR DO PROCESSO SADE E DOENA P a r a a t e o r i a P a i d i a as mudanas so inevitveis, ainda que ocor ram imersas em expressivos movimentos de resistncia ao novo. H uma tendncia repetio do mesmo em praticamente todas as socie dades. Parto da concepo de devir, que reconhece a transitoriedade de tudo e de todos, conforme teorizava o filsofo Herdito ainda duran te o perodo pr-socrtico (Schler, 2001). Os fenmenos sociais, entre eles a sade e a doena das pessoas, resultarrTda interao de uma multiplicidade de fatores. Alguns so agenciados por sujeitos localizados em instncias externas pessoa ou coletividade em foco. Outros fatores atuam a partir do interno da pes soa ou agrupamento em anlise. Venho realizando um esforo siste mtico para-librar uma livre traduo para o campo da sade das teorias da produo social dos fatos histricos (Cramsci, 1978), da complexi dade (Morin, 1994) e das concepes de vrios autores que estudaram a subjetividade, destacando-se Freud entre eles (Freud (1933], 1969). Este movimento me obrigou a compor uma rede de conceitos que for maram uma espcie de amlgama entre essas trs vertentes tericas. Suponho haver como que uma co-produo dialtica 'multifato- rial" na gnese dos acontecimentos e do modo de ser e de funcionar dos sujeitos e de suas organizaes. Conservo o conceito dialtico* porque reconheo que estes fatores (agenciados por sujeitos) produ zem efeitos contraditrios, com sentido e significados paradoxais, quan do interagem para produzir uma determinada situao ou contexto singular. Na realidade, estes fatores/sujeitos atuam tanto de maneira complementar, quanto em linhas conflitantes. Paia esta viso no ha- 32. 42 gasto wagner de sousa cam pos veria apenas fator/sujeito-tese e faior/sujeito-anitese, seguidos de uma inevitvel e previsvel sntese, porm o cruzamento da influncia de mltiplos fatores, que, ao interagirem, modificam no somente o re sultado desses processos, mas tambm os prprios fatores/sujeitos envolvidos nessa mistura que a vida. Observe-se que freqentemente estes 'fatores' somente funcionam mediante o agenciamento de sujei tos que os operam. o caso do Estado, por exemplo. O Estado inerte quando abandonado prpria sorte, uma casca vazia. So os agentes de govemo e da burocracia, sujeitos, portanto, que operam as estrutu ras estatais, enquadrados pelos limites de suas regras e normas. O mtodo Paidia (Campos, 2000) um recurso elaborado para ampliar o coeficiente~3 intencionalidade dos sujeitos viventes nesse cal deiro de mudanas contnuas. H evidncias indicando a existncia de vuma co-produo de acontecimentos e uma co-constituio de sujeitos e de suas organizaes. As pessoas sofrem a influncia, mas tambm rea gem aos fatores/sujeitos com que/quem interagem. Havendo, portan to, uma co-responsabilidade pela constituio de contextos singulares. O mtodo Paidia busca ampliar a capacidade de as pessoas com preenderem e interferirem de modo deliberado nesta dinmica. j s Em relao ao processo sade e doena a lgica no diferente. A / Figura 1 tenta representar a complexidade de percursos possveis na / / constituio dos estados de sade de indivduos e coletividades. Figura I . Co-produo do processo sade/doena/interveno cam pus d l cu-rionuAi) MODOS l)C INTKKVENCAO FATOKUS l)E CO -PKO M IAO Particular Imanncia ao sujeito Biolgicos Subjetivos: desejo e interesse Singular Movimento reflexivo: compreenso do mundo e de si mesmo Poltica Cestio Trabalho Prticas cotidianas Dominao/eliminao do outro Espaos di,ilgicos com formao de compromisso e construo de contratos. Dominao/eliminao do agente " Universal Transcendente ao sujeilo Necessidades sociais Instituies e organizaes Contexto econmico, cultural e social Ambiente 33. clnica e sade coletiva com partilhadas 43 A SNTESE SINGULAR: A INTERFERNCIA DOS SUJEITOS NA CO-PRODUO DO MUNDO E DE SI MESMO Comearei a explicar a Figura 1 pelo Campo Singular (localizado ao meio da primeira coluna). Este campo refere-se capacidade de re flexo e de interveno dos sujeitos humanos sobre a dinmica da sa de e da doena e sobre a co-constituio de si mesmos e de suas orga nizaes. O singular o resultado sinttico da influncia do contexto sobre os sujeitos e, ao mesmo tempo, resulta da interveno destes sujeitos sobre o contexto e sobre si mesmos; co-produo, ponanto. O sujeito interfere no mundo por meio da poltica, da gesto, do trabalho e de prticas cotidianas. Com esta Finalidade busca conhecer ou pelo menos compreender a si mesmo e ao mundo da vida. Para isso os sujeitos interagem com outros sujeitos, constituindo espaos dial- gicos em que h mltiplos resultantes conforme a capacidade e poder de cada um. Para a perspectiva Paidia h uma co-responsabilidade do indivduo e dos sujeitos coletivos sobre o processo sade e doena. O ser humano caracteriza-se por no se conformar aos ditames da estrutura social ou da natureza, buscando interferir sobre eles de forma reflexiva e deliberada. Esta interveno poder dirigir-se tanto para fa tores particulares aos sujeitos quanto para fatores sociais ou ambientais. Para agir sobre o mundo o sujeito busca compreend-lo. Esta com preenso pode ocorrer de maneira espontnea (vida cotidiana) ou sis temtica (pensamento cientfico). Entre estes dois extremos h in meras maneiras intermedirias, mais ou menos elaboradas, para que os sujeitos reflitam sobre sua prtica, elaborando conhecimentos pragm ticos com base na experincia, na comparao e em sua prpria refle xo. O professor Mario Testa (1997) elaborou o conceito de sujeito epistmico" para indicar a possibilidade de as pessoas integrarem teo ria e prtica. A teoria seria uma forma elaborada de saber, a ponto de compor um paradigma; isto , o "sujeito epistmico" lidar com um conjunto de conceitos que lhe permitam uma viso critica dos espaos e estruturas onde atua. O mtodo Paidia no sugere a necessidade ou a possibilidade de transformar todas as pessoas em "sujeitos epistmi- cos", uma espcie de filsofo no sentido forte da palavra, isto , pes soas dotadas de capacidade de analisar os acontecimentos a partir de um referencial cultural e terico muito amplo. E de realizar algumas opera es ainda mais complexas ao desenvolverem uma habilidade especial 34. 44 gasto wagner de sousa cam pos para 'controlar' ou, at mesmo, para evitar a contaminao de suas anlises por ideologias, valores e outros bloqueios inconscientes. O que a teoria Paidia enfatiza a necessidade de que, mediante a adoo de alguma metodologia de apoio, as pessoas consigam desen volver maior capacidade reflexiva e, em conseqncia, adquiram maior capacidade de interferir sobre os fatores estruturados que as condicio nam. Sgjam fatores externos (como a cultura, a organizao e a famlia) ou internos ao sujeito (no caso a constituio bsica da personalidade e do carter). Seria como que uma educao que se realiza ao longo da vida, uma terapia permanente, uma constante preocupao com a cons truo Paidia das pessoas, isto enquanto freqentam a escola, ou tra balham, ou fazem poltica ou se tratam em algum servio de sade. O mtodo Paidia de apoio tem, ponanto, como objetivo a constituio de 'sujeitos reflexivos', tendo como possibilidade-limite at mesmo a constituio do "sujeito epistmico". Ou talvez de mestres, professo res, filsofos e sbis que teriam um papel prtico especfico de apoiar as pessoas com quem convivem para que consigam a ampliao da capacidade de anlise de si mesmo e do mundo. No basta, contudo, entender o mundo e a si mesmo, os sujeitos necessitam de atuar sobre as coisas. Teoria e prtica: "sujeito da refle xo e da ao A teoria e o mtodo Paidia tm como finalidade reali zar um trabalho sistemtico para aumentar a capacidade das pessoas de agirem sobre o mundo, favorecendo a constituio de "sujeitos re flexivos e operativos'. lim dos meios para incrementar a capacidade de ao dos sujeitos ^ a poltica. Em um estudo sobre determinao e protagonismo do 1 'sfeiicrhistrico', a professora Ceclia Minayo (2001) apontou a exis tncia de vises muito variadas sobre este lema entre vrias correntes das cincias sociais e da sade coletiva. Estudiosos filiados sociologia compreensiva, a algumas linhas do marxismo e existencialismo e mes mo ao estruturalismo tm sugerido o conceito de "ator social" ou de "sujeito histrico' em uma tentativa de compreender o modo como se | daria a complicada relao entre "estrutura e sujeitos". A autora indaga- 1 se em que medida o movimento sanitrio brasileiro, ao longo das trs j ltimas dcadas no haveria se constitudo em um "sujeito epistmico" ao construir, difundir e transformar, em poltica pblica oficial, o Siste- ma nico de Sade. De fato, as polticas sociais ou de sade, a constituio de siste mas e articulao de servios especficos de sade, bem como-a prprio trabalho clnico ou sanitrio, todos so meios ,pnr meio dos quais os 35. clinica e sade coletiva com partilhadas 45 humanos procuram interferir de modo deliberado no processo de sa de e doena. O conceito de "ator social" ou de "sujeito histrico" pressupe) um grau de estruturao nem sempre verificada entre grupos de inte- i resse e mesmo pessoas com capacidade para interferir nos aconteci mentos. Resumindo: os "sujeitos histricos* existem, mas as pessoal tambm pensam e agem sobre o mundo sem estarem necessariamente integradas a algum "ator coletivo". Os conceitos de "ator social* ou de "sujeito histrico" pressupem a existncia ou a construo de um "projeto" de organizao social que nem sempre encontramos entre as pessoas que participam da poltica e da gesto e que trabalham com alguma finalidade. Particularmente a partir da elaborao terca cTe Michel Foucault (1979) admite-se a existncia de uma "microfsica do poder*. O exerccio do poder e da dominao no se daria apenas por meio da ocupao das funes de govemo do Estado ou das organiza es da sociedade civil, mas tambm por meio de redes descentraliza das de poder, advindas da organizao hierarquizada destas estruturas, mas tambm do controle social exercido por instituies que modelam o comportamento humano ao produzirem episimes (discursos estrutu rados). Igrejas, escolas, imprensa, mdia, hospitais, famlia, em todas estas instituies ou organizaes h redes de poder, produzindo do minao e resistncia. Com base nesta concepo, poder-se-ia deduzir que categorias analticas originrias das cincias polticas so teis para a vida cotidia na. As noes de dominao, controle social, conflito, contrato social, grupos de interesse, entre outras, so necessrias para ampliar a capaci dade de anlise e de ao de pessoas que no so polticos profissio nais. Trabalhar em equipe, conviver em movimentos sociais, integrar organizaes como trabalhador, usurio ou aluno, todas so situaes em que se estar obrigado a fazer poltica. A ampliao da capacidade de anlise e de interveno dos sujeitos aumenta quanto conseguem lidar com redes de poder, com conflitos, com alianas e composio de interesse. O conceito de "ator social" ou de "suieito coletivo", confor- me tem sido trabalhado, parece nn dar conta desse fenmeno em toda sua extenso. Isso porque o espao da poltica maU_arngliado d que imaginava o pensamento clssico. A transposio direta da ra- cinldide macrossocial para estes espaos micropolticos tem sido desastrosa, produzindo situaes de grande sectarismo, tendentes degradao dos ambientes em que este tipo de "politizao" da vida cotidiana ocorre. Refiro-me desastrosa experincia da revoluo cul 36. 46 gasto wagner de sousa campos tural chinesa durante os anos 1960 e 1970, e a uma srie de outros casos de mudana institucional em que se transferiu, sem mediaes, conflitos e alinhamentos automticos do geral para o particular. No obstante este tipo de risco, importante considerar a possi bilidade de se construir em espaos locais (equipe de trabalho, organi zao, movimento ou gesto de sistemas pblicos) dinmicas polticas singulares. Isso implica manter aberta a possibilidade de inveno de projetos, contratos sociais e redes de compromisso e de aliana singu lares ao 'nvel local" Essa possibilidade de recomposio do modo de funcionamento dos sujeitos coletivos nos espaos microssociais um dos caminhos mais seguros para garantir mudanas macrossociais est veis e com o menor grau de derramamento de sangue possvel. No so apenas 'atores sociais que agem sobre o mundo. No cotidiano, sujeitos com algum grau de autonomia em relao sua filiao a este ou aquele "ator social" (classe, categoria profissional, li nha religiosa ou ideolgica), fazem poltica em funo de problemas e de objetivos locais. Alm disso, parece ser tambm conveniente conse guir-se trabalhar e realizar prticas cotidianas comuns vida (relaes afetivas, amorosas, lazer, etc.) com algum grau de independncia em relao s filiaes macrossociais de cada um. O trabalho e as prticas cotidianos so tambm espaos dialgicos em que o mtodo Paidia pode se aplicar. De modo direto ou indireto, essas aes humanas criam vnculos entre sujeitos, havendo, portanto, necessidadede instituir-secapacidade reflexiva e operativa para os agen tes dessas prticas. A constituio de resultados singulares ocorre no somente pela ao poltica, mas tambm pelo trabalho e pelas prticas cotidianas. uma finalidade central para a teoria Paidia organizar es paos e difundir mtodos que permitam aos sujeitos distanciar-se de si mesmos e de suas estruturas, para refletir sobre sua atuao e corrigir procedimentos, rumos e valores. Alm dessas formas de interveno h ainda o cuidado de si mes mo (Foucault, 2004), em que comunidades e pessoas procuram defen der a prpria vida, mediante aes sobre si mesmos e sobre a rede de relaes sociais de cada um. No entanto, esta busca pela sade no ocorre em um mundo com pletamente flexvel vontade humana. Ao contrrio, o conceito de co- produo indica que sempre h uma interferncia (determinao ou condicionamento) de fatores imanentes e transcendentes aos sujeitos. H fatores intervenientes que atuam de maneira externa aos indiv duos e coletividades, ainda que no com total independncia da ao 37. clinica e sade coletiva compartilhadas 47 dos sujeitos, j que o contexto social e econmico bem como as pr prias organizaes so tambm co-constitudas. H vrios resultados possveis como produto da interao entre todos estes fatores e destes com os sujeitos. Por meio da reflexo, e depois da prtica poltica, ou de gesto, do trabalho ou da vida cotidia na os sujeitos podem modificar as estruturas ou alterar o modo de vida de outros sujeitos estabelecendo novas "formaes de compromisso" ou novos "contratos sociais". Utiliza-se a expresso formao de compromisso para indicar quan do h deslocamento de posio dos sujeitos individuais, coletivos, de suas instituies e organizaes realizadas de maneira informal e com baixo grau de explicitao do novo acordo (movimento de composi o inconsciente ou pouco consciente). A expresso contrato social est sendo utilizado em seu sentido sociolgico tradicional e indica o estabelecimento de novas relaes que alteram regras, leis e comportamentos segundo um acordo bem explicitado. Observe-se que estes no so os nicos resultados possveis de um processo singular de co-produo. Os sujeitos da ao podem fa- zer poltica, gesto e trabalhar para a "dominao ou destruio do/ outro" considerado antagonista ou adversrio. O sujeito que oferta oi mtodo poder tambm ser dominado ou eliminado. O mtodo Paidia funciona tentando diminuir a possibilidade de ocorrncia destes dois j resultados. Q que nem sempre possvel. FATORES UNIVERSAIS INTERVENIENTES NO PROCESSO SADE/DOENA A sade e a doena dependem das condies socioeonmicas, aindTque no somente delas. H um conjunto de escolas que estudaram o que foi denomina do de "determinao social do processo de sade e doena". A mediei- / J na social latino-americana fFranco et al., 1991), a sade coletiva no.Biff- j / s (Nunes, 1998) e o movimento de promoo sade no Canad l /(Carvalho, 2005), ainda que com diferena de nfase, todos resaliai_ / I ram a importncia da organizao social na resultante sanitana em um. I dado territrio e em uma poca especfica. Assim, fatores S.onjT>osi j / como renda, emprego e organizao da produo interferem positiya- otr negativamente na sade dos agrupamentos populacionais. Os am- j bientes de convivncia e de trabalho podem ter efeitos mais ou menos 38. lesivos sade das pessoas. A cultura e valores tm tambm grande influncia sobre a sade: o valor que se atribui a vida, o reconhecimen to de direitos de cidadania a portadores de deficincias, a concepo sobre sade, sexualidade, a forma como cada povo lida com diferenas de gnero, de etnia ou mesmo econmicas, tudo isto amplia ou res tringe as possibilidades de sade das pessoas. A medicina social e a sade coletiva latino-americana adotaram uma perspectiva mais crtica do que a promoo sade originada no mundo ango^sxT rnedicina social e a sade coletiva advgam a necessidade de transformaes estruturais na organizao social, ob- ietivando reduzir a desigualdade social e de acesso ao poder. Estes movimentos foram constitudos na Amrica Latina durante os ltimos quarenta anos, em geral, muito articulados luta poltica contra as di taduras militares, bem como contra a injustia social e o imperialismo. Seus principais referenciais tericos foram algumas vertentes do mar xismo, o estruturalismo e ps-estruturalismo francs. A epidemiologia social, uma das escolas dessa corrente, apoiou-se diretamente em uma interpretao clssica de Mane, enfatizando a importncia da luta entre as classes sociais na constituio do perfil sanitrio de uma populao (Breilh | Granda, 1985). Concentrou a maior parte de seus esforos na produo de uma nova epidemiologia que superasse a tradicional fun dada em mtodos matemticos. No apresentou grande contribuio I discusso de polticas de sade, quando muito enfatizou a necessida de de revoluo social. Para tanto sugeria a politizao e conscientizao do povo e dos trabalhadores, tarefa de partidos e movimentos sociais para o que o setor sade poderia dar uma contribuio importante por meio da educao em sade e do apoio a iniciativas revolucionrias de comunidades (Laurell, 1977). Os marxistas alinhados a uma perspectiva reformista de transfor mao progressiva da sociedade, em grande medida influenciados pela concepo de Antonio Gramsci, estudaram principalmente as institui es e as polcas pblicas, derivando parte de sua produo para a refle xo sobre gesto e organizao de sistemas de sade (Campos, 1997). Os estruturalistas e ps-estruturalistas, em geral, priorizaram a cr tica e a desconstruo do paradigma mdico e da poltica de sade de recorte liberal, dominante no Brasil e em outros pases capitalistas. Res saltaram o peso do complexo mdico-industrial e de suas conexes com o Estado burgus (Donnangelo, 1976) na conformao de polti cas e de prticas em sade. Enfatizaram tambm o papel de controle social da clnica e da sade pblica tradicional, gerando importante 48 gasto wagner de sousa campos 39. clnica e sade coletiva compartilhadas 49 produo no campo da epistemologia ao realizarem cuidadosa anlise do paradigma denominado de biomdico (Luz, 1988). Parte dessa es cola cuidou de repensar o processo de sade e doena e os modelos de ateno, contribuindo para os projetos de reforma sanitria, como tem sido o caso da sade mental, da ateno primria e da aids. A promoo sade baseia-se em teorias sistmicas e na sociolo gia funcionalista tendentes a subestimar a importncia de conflitos so ciais e dos fatores macropolticos na genealogia dos estados sanitrios. Ainda que privilegiem a explicao social na gnese da sade e da doen a, trata-se de um movimento voltado para sugerir modificaes focais, dentro do statu quo. Com certa dose de caricatura, poder-se-ia afirmar que se trata de uma reduo da perspectiva revolucionria ou reformis ta de interveno sobre a estrutura para modalidades, mais ou menos amplas, de assistncia social e da busca de eficcia gerencial por meio de integrao intersetorial ou de alterao do estilo de vida' das pes soas. Houve uma confluncia desta corrente sanitria com a produo pragmtica da Organizao Mundial da Sade e sua congnere america na, Opas. A doutrina sanitria desses organismos internacionais tem se fundado em trs grandes diretrizes: a defesa genrica do direito sa de, em que a campanha 'sade para todos no ano 2000' foi um marco importante (OMS, 1977); na constituio de polticas nacionais desade com nfase em medidas de promoo e de preveno; e uma preocu pao com a gesto de servios e de programas de sade com base territorial (OPS/OMS, 1990). Observa-se que estas duas escolas no tm necessariamente explicitado a importncia estratgica de sistemas pblicos de sade. Ainda quando grande pane de suas recomendaes tenha origem na doutrina dos sistemas pblicos, como tem sido os sistemas locais de sade, distrito sanitrio, promoo sade, agente comunitrio, entre outras diretrizes bastante difundidas por agentes influenciados por este referencial (Mendes, 1996). Cada uma dessas correntes elegeu alguns conceitos considerados estratgicos para fundamentarsua compreensc^da sade: a medicina social elegeu com centralidade o conceito de classe social; a sade cole tiva priorizou a noo de "coletivo', bem como algumas outras sempre tendentes a abarcar a totalidade dos fenmenos sociais. Assim valori- zou-se a "universalidade" e a "integralidade", como diretrizes quase mgicas, com base nas quais se poderiam criticar todas as outras postu ras. Pensamento lgico, ainda que um tanto tautolgico e simplista, j que integral significa tudo, e comparando qualquer projeto, programa ou diretriz com essa totalidade sempre faltar muita coisa em todos os 40. 50 gasto wagner de sousa campos outros discursos ou posturas. A promoo sade tem como concei tos fortes as noes de 'estilo de vida' e de 'ao intersetorial" De qualquer modo, todas essas correntes tenderam a reduzir a importncia dos demais fatores na determinao do processo sade e doena. Desvalorizando, particularmente, o papel da clnica na produ o de sade. Apsrdesse discurso com grande abertura para o social, h tambm uma reduo da complexidade do processo sade e doena quando se imagina que esta linha de produo a determinao a par tir do social daria conta de toda a complexidade destes processos. Em realidade, a organizao de sistemas pblicos de sade que assegurem acesso universal e ateno eficaz, costuma ter grande impac to na expectativa e na qualidade de vida das pessoas. Comparaes recentes entre pases com condies socioeconmicas semelhantes, mas com sistemas de sade diferentes, apontam grande vantagem para as populaes dos pases com sistemas pblicos. Comparao entre o Viet n e pases latino-americanos e africanos com riqueza e padres de ren da semelhantes atestam a vantagem do primeiro, que desenvolveu uma ampla rede de servios com ateno integral s pessoas (WHO, 2006). Recentemente, Naomar de Almeida Filho (2004), ainda que se posicionando dentro da vertente que pensa a 'determinao social', elaborou uma etnoepidemiolgica que tem como conceito forte o "mo do de vida e sade', aproximando-se bastante do modelo interpretativo Paidia apresentado neste texto. O autor apoiou-se em construes do professor Mario Testa (1997) sobre 'modos de vida' e sobre o 'sujeito*. As vrias correntes englobadas sob o rtulo de 'determinao so cial' do processo sade/doena tm e no tm razo, sua capacidade explicativa tem limites e potncia: potente quando ressalta a impor tncia dos fatores de ordem universal na gnese da sade e da doena; entretanto, reduz sua capacidade explicativa quando subestima o peso dos sistemas de sade e dos fatores subjetivos nesse processo. FATORES PARTICULARES QUE PARTICIPAM DA C0-PR0DU0 DA SADE a) A sade e a doena dependem de fatores da ordem do orgnico { ou da ordem do biolgico, ainda que no somente deles: A clnica e a epidemiologia acumularam evidncias sobre a impor- / tncia dos fatores orgnicos na produo de riscos e de problemas de sade. Fatores genticos, por exemplo, ter ou no sndrome de Down,modificam a vulnerabilidade da pessoa; a idade, viver com oitenta ou 41. clinica e sade coletiva compartilhadas 51 vinte anos implica vulnerabilidades distintas; caractersticas orgnicas especficas de cada gnero, o estado de gravidez, por exemplo, alteram o risco da pessoa; modos de funcionamento corporal, como na hiper tenso arterial, no diabetes, restringem ou ampliam a expectativa e a qualidade de vida das pessoas. A principal corrente epistemolgica que tende a reduzir o proces so sade, doena e ateno a fatores biolgicos tem sido a medicina. Particularmente com a medicina baseadaemevidncias (Maynard, 1978) houve uma retomada desta perspectiva, ressaltando-se a centralidade da gentica e dos distrbios orgnicos na genealogia dasdoenas. Houve como que uma fuso entre uma prtica clnica reduzida esua legitimao promovida por meio de evidncias matemticas, consideradas relevan tes mediante anlises estatsticas (Samaja, 1998). Em decorrncia desta linha explicativa reducionista, tende a haver uma reduo nas formas de interveno recomendados pelos sujeitos adeptos deste paradigma. A poltica de sade elaboradacom base neste paradigma prioriza a oferta de servios assistenciais, em geral voltados para ateno doena em sua dimenso corporal. A clnica e a sade pblica deconentes dessa alternativa recomendam intervenes especializadas, cada vez mais re duzidas ao uso de frmacos e de procedimentos cirrgicos (Camargo )r., 2003). O diagnstico centra-se na avaliao do risco biolgico. Se a corrente que enfatiza a "determinao social hipervalorizava f a poltica como meio para produzir sade, esta desconsidera o papel j das polticas pblicas e do ambiente socioeconmico na gnesede sade J ou doena. Esta corrente que prioriza os fatores biolgicos tem e no tem razo, sua capacidade explicativa tem potncia e limites. E potente quan do ressalta a importncia das variaes biolgicas ou orgnicas na g nese da sade e da doena; reduzida quando subestima a importn cia dos fatores polticos, sociais e subjetivos neste processo. b) A subjetividade como fator particular que influencia a co-pro- duo da sade; A subjetividade toda e qualquer manifestao dos sujeitos vi ventes. Por isso, tratar da subjetividade impossvel sem o apoio em certa teoria do sujeito. O mtodo Paidia adota a concepo de que o sujeito individual e coletivo, bem como sua prxis, so sempre "co- produzidos", estando sempre envolvidos os fatores apresentados na Figura 1. Nesse sentido, impossvel pensar em subjetividade sem uma base material, biolgica, sobre a qual se constitui o sujeito real. Por 42. 52 gasto w agner de sousa cam pos outro lado, fatores externos ao sujeito interferem no modo de vida e de funcionamento das pessoas. Na Figura 1 a subjetividade est sendo posta no campo de produ o particular porque ela uma expresso especfica de cada pessoa ou de cada agrupamento coletivo. A teoria Paidia reconhece a atuao simultnea de dois fatores bsicos quando da constituio de situaes ou de sujeitos singulares: o interesse" e o desejo*. O interesse" um conceito originado em escolas de recorte racionalista, que admitem a capacidade de clculo do sujeito em funo de resguardar a prpria sobrevivncia fsica e social. Esta sobrevivncia pode referir-se ao sujeito individual, espcie ou a grupos de interesse (classes sociais, corporaes, movimentos, organi zaes, etc.). Correntes da psicologia e pedagogia cognitiva ou sistmica (Vasconcellos, 2002), e da sociologia funcionalista ou pragmtica que lidam com este conceito imaginam maneiras distintas para educar o sujeito cidado. Em um vertente iluminista, sugere-se que a educao, o conhecimento sobre o mundo cotidiano e a delegao de respon sabilidade e de poder s pessoas, as capacitariam a fazer sempre as melhores escolhas. Um precursor deste pensamento foi Scrates, para quem o conhecimento evitava o mal (Stone, 2005). O iluminismo, o positivismo brasileiro, a neurocincia (Gardner, 2003) e mesmo o mar xismo em sua aplicao prtica, em larga medida, apostaram na ilus trao do povo como um caminho seguro para a construo do Estado de bem-estar. H outra vertente que aposta em distintas formas de controle so cial, complementado mediante o apelo racionalidade das pessoas. Fundamenta-se na idia de que, em ltima instncia, as pessoas defen dero o prprio interesse, fazendo escolhas racionais, ainda quando obrigadas a eleger o mal menor. A propaganda, a intimidao social por leis e regras, o aprendizado pela concorrncia e punio aos transgresso res, todos so estilos de pensar a subjetividade com base em algum tipo de aprendizado e de conseqente escolha racional. Boa parte do pensamento gerencial contemporneo, da qualidade total ao taylorismo, trabalha com essa concepo de modelagem" do sujeito a partir de controle e do estmulo concorrncia. Desde Freud (Onocko Campos, 2003) admite-se o sujeito huma no como um ser paradoxal, cindido entre o princpio de realidade, a dinmica do desejo e a introjeo de normas do contexto (superego). A histria do sculo XX, quando povos considerados civilizados, com alto padro de educao formal, tradio poltica e relativo bem-estar 43. clnica e sade coletiva com partilhadas 53 social, produziram genocdios inimaginveis, desmoralizou a noo socrtica de que o conhecimento evitaria o mal. Para o mtodo Paidia importante agregar noo de 'interes se' uma outra de 'desejo', que a modifica ainda que no a substitua completamente. O desejo seria uma tendncia psquica do sujeito hu mano de buscar o prazer, o gozo, com certo grau de independncia de sua prpria sobrevivncia; ou seja, a busca do prazer no se subordina completamente racionalidade do interesse, ainda que a considere em diferentes graus conforme o sujeito e o contexto especfico. Note-se que o 'desejo' pode voltar-se tambm para finalidades perversas, destru tivas, tanto em relao a si mesmo, quanto aos outros ou ao contexto. Em sade o uso destas duas noes de grande utilidade para a construo de intervenes concretas, seja no campo da sade pblica ou da clnica. Em geral os servios de sade tendem a operar central mente com a noo de 'interesse', ignorando ou subestimando a in fluncia do fator 'desejo*. Isso permite aos servios de sade atuar com a suposio de que o objetivo central de todos seria viver uma quanti dade de anos sempre maior. H dificuldade de se incorporar no saber e na prtica sanitria a noo de 'desejo, sempre referida qualidade e intensidade da vida, e tambm ao seu sentido e ao seu significado. As correntes que pensam o processo sade/doena muito centradas na subjetividade tm e no tm razo. Tm razo quando enfatizam a influncia do subjetivo nos estados de sade de indivduos e coletivi dades; mas sua racionalidade tem limites importantes quando pensam modelos explicativos ou de ateno invariavelmente centrados em vari veis subjetivas, seja da ordem do interesse pragmtico, seja da ordem do desejo subversivo. A CO-PRODUO DO SINGULAR A interao entre fatores universais e particulares que constitui as snteses especficas: situaes de sade de cada pessoa ou de cada coletividade. A confluncia entre fatores biolgicos, subjetivos, sociais e a presena ou no de sistemas de sade, tudo isto conformar pa dres sanitrios especficos. O singular o situacional, o caso clnico ou sanitrio concreto, o sujeito em certo tempo, a organizao em sua concretude. A sntese singular sempre um produto do encontro entre sujeitos em um dado contexto organizacional, cultural, poltico e social. o campo real da co-produo, em que se toma possvel a reflexo, a construo de uma 44. 54 gasto wagner de sousa campos compreenso do processo e, at mesmo, a abertura de possibilidades para interveno do sujeito sobre o mundo da vida. Observe-se que a Figura I representa um mapa de possibilidades. Em cada situao especfica a intensidade de influncia dos fatores ser distinta; no havendo possibilidade de prever com antecedncia a so- bredeterminao deste ou daquele fator. Este um esquema analtico aberto, que nega a determinao social, ou biolgica, ou subjetiva, ou da ao dos sujeitos, sobre o resultado destes processos. Ainda que re conhea que todos estes fatores estaro sempre influenciando na cons tituio dos modos de vida dos sujeitos, e tambm em seus estados de sade e de doena. O que varia o grau com que atuam em cada situa o singular. O desafio da poltica, da gesto, da sade coletiva e da clnica exatamente o de captar esta variabilidade, conseguir compreend-la, para propor projetos singulares adequados a cada situao. Na polti ca o desafio estar em traduzirdiretrizes genricas e totalizadoras, como o so as de "universalidade" e a de "integralidade" para projetos sin gulares que construam a eqidade. Isto , consigam construir justi a social e bem-estar mediante o apoio situacional a cada caso. A me todologia operacional da clnica e da sade coletiva no poder ter outra lgica. O mtodo clnico consisteem reconhecero risco e a vulnerabilidade de cada caso singular, e de compor um conjunto de elementos terapu ticos variveis conforme o sujeito-enfermo, o contexto (possibilidades e limites de recursos) e a anlise do risco implicado. Argumentar sobre a necessidade de que em toda situao o cuidado deveriam ser integral, olvidar-se deste percurso. A integralidade deve ser buscada no siste ma de sade, como uma disponibilidade potencial de recursos prticos e de saber, que podero ser ou no mobilizados em dependncia do caso. Nunc