1
Nesta doente as reações sistémicas prévias foram sempre induzidas por múltiplas picadas (≥6 abelhas) pelo que a prova de provocação com abelha foi fundamental para o diagnóstico definitivo de alergia a veneno de abelha e para a indicação de imunoterapia específica A prova de provocação com picada de abelha acarreta o risco de anafilaxia, pelo que deve ser realizada em meio adequado e com pessoal treinado. De acordo com a doente, o facto de a reação ter sido reprodutível com apenas uma picada permitiu-lhe tomar consciência da necessidade de cumprimento das medidas de evicção e da imunoterapia, que iniciou em setembro de 2013 com boa tolerância. Provocação com picada de abelha Natacha Santos 1 , Alice Coimbra 1 , Teresa Vieira 1 , Carmen Botelho 2 , José Luís Plácido 1 1 Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar São João, E.P.E., Porto. 2 Consulta de Imunoalergologia, Hospital de Braga, Braga Uma das indicações para a realização de provocação com picada de abelha é a necessidade de confirmação diagnóstica da alergia a veneno de abelha em situações não completamente esclarecidas pela história clínica e exames complementares. Este procedimento não é realizado por rotina dado o risco de anafilaxia e as dificuldades inerentes à utilização de um himenóptero vivo. Descrevemos um caso clínico em que a prova de provocação com picada de abelha foi fundamental para o diagnóstico, e a metodologia utilizada. Assistente social, 40 anos, apicultora amadora. Em agosto de 2012 foi picada por 10-12 abelhas e 15 minutos depois iniciou um quadro de dor abdominal, náuseas, hipersudorese, angioedema da face, aperto orofaríngeo e dispneia (Mueller 3), tendo sido observada num serviço de urgência hospitalar. Episódio prévio de múltiplas picadas (6 abelhas) com início imediato de dor abdominal intensa. Sem reacções quando picada por 1 ou 2 abelhas. IgE específica para veneno de abelha = 2,23kU/L e triptase normal. Testes cutâneos por picada (0,1 e 1ug/mL) negativos e intradérmicos positivos com 0,01ug/mL.. Foram aconselhadas medidas de evicção/protecção e medicada com auto-injetor de adrenalina 0,3mg, corticóide e antihistamínico em caso de repicada. Dada a dúvida diagnóstica entre alergia a veneno de abelha e reacção tóxica, foi proposta uma prova de provocação com picada de abelha, realizada em meio hospitalar sob vigilância médica e com acesso a material de reanimação, após consentimento informado escrito. Foi aplicada uma caixa contendo uma abelha (Figura 1), na superfície volar do antebraço direito, da qual a tampa inferior foi retirada. A abelha foi irritada mecanicamente até picar. (Figuras 2 e 3) Após 10 minutos, a doente iniciou quadro de prurido palmoplantar, cólica abdominal/uterina intensa, prurido orofaríngeo, eritema facial e angioedema labial (Figura 4). Medicada com adrenalina IM e clemastina, hidrocortisona, butilescopolamina e ranitidina IV, com resolução completa do quadro em 50 minutos, e mantida 6 horas em vigilância sem reações. Figura 1. Caixa contendo uma abelha Figura 3. Local de picada, com ferrão Figura 2. Picada de abelha Figura 4. Anafilaxia após picada de abelha

Utilidade da provocação com picada no diagnóstico de alergia a veneno de abelha

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Utilidade da provocação com picada no diagnóstico de alergia a veneno de abelha

• Nesta doente as reações sistémicas prévias foram sempre induzidas por múltiplas picadas (≥6 abelhas) pelo que a prova de

provocação com abelha foi fundamental para o diagnóstico definitivo de alergia a veneno de abelha e para a indicação de

imunoterapia específica

• A prova de provocação com picada de abelha acarreta o risco de anafilaxia, pelo que deve ser realizada em meio adequado e com

pessoal treinado.

• De acordo com a doente, o facto de a reação ter sido reprodutível com apenas uma picada permitiu-lhe tomar consciência da

necessidade de cumprimento das medidas de evicção e da imunoterapia, que iniciou em setembro de 2013 com boa tolerância.

Provocação com picada de abelha

Natacha Santos1, Alice Coimbra1, Teresa Vieira1, Carmen Botelho 2, José Luís Plácido1

1Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar São João, E.P.E., Porto. 2Consulta de Imunoalergologia, Hospital de Braga, Braga

Uma das indicações para a realização de

provocação com picada de abelha é a necessidade

de confirmação diagnóstica da alergia a veneno de

abelha em situações não completamente

esclarecidas pela história clínica e exames

complementares.

Este procedimento não é realizado por rotina dado

o risco de anafilaxia e as dificuldades inerentes à

utilização de um himenóptero vivo.

Descrevemos um caso clínico em que a prova de

provocação com picada de abelha foi fundamental

para o diagnóstico, e a metodologia utilizada.

Assistente social, 40 anos, apicultora amadora.

Em agosto de 2012 foi picada por 10-12 abelhas e 15 minutos depois iniciou um quadro de dor

abdominal, náuseas, hipersudorese, angioedema da face, aperto orofaríngeo e dispneia (Mueller 3),

tendo sido observada num serviço de urgência hospitalar. Episódio prévio de múltiplas picadas (6 abelhas)

com início imediato de dor abdominal intensa. Sem reacções quando picada por 1 ou 2 abelhas.

IgE específica para veneno de abelha = 2,23kU/L e triptase normal. Testes cutâneos por picada (0,1 e

1ug/mL) negativos e intradérmicos positivos com 0,01ug/mL.. Foram aconselhadas medidas de

evicção/protecção e medicada com auto-injetor de adrenalina 0,3mg, corticóide e antihistamínico em

caso de repicada.

Dada a dúvida diagnóstica entre alergia a veneno de abelha e reacção tóxica, foi proposta uma prova de

provocação com picada de abelha, realizada em meio hospitalar sob vigilância médica e com acesso a

material de reanimação, após consentimento informado escrito.

Foi aplicada uma caixa contendo uma abelha (Figura

1), na superfície volar do antebraço direito, da qual a

tampa inferior foi retirada.

A abelha foi irritada mecanicamente até picar.

(Figuras 2 e 3)

Após 10 minutos, a doente iniciou quadro de prurido

palmoplantar, cólica abdominal/uterina intensa,

prurido orofaríngeo, eritema facial e angioedema

labial (Figura 4).

Medicada com adrenalina IM e clemastina,

hidrocortisona, butilescopolamina e ranitidina IV,

com resolução completa do quadro em 50 minutos, e

mantida 6 horas em vigilância sem reações.

Figura 1. Caixa contendo uma abelha

Figura 3. Local de picada, com ferrão

Figura 2. Picada de abelha

Figura 4. Anafilaxia após picada de abelha