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A menina e a maça

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Naquela manhã o céu estava sombrio, enquanto

esperávamosansiosamente. Todos os

homens, mulheres e crianças do gueto

judeu dePiotrkow na Polônia foram

arrebanhados em uma praça.

Espalhou-se a notícia de que estávamos sendo removidos. Meu pai haviafalecido recentemente de tifo, que se alastrara através do gueto

abarrotado. Meu maior medo era que nossa família fosse separada.

"O que quer que aconteça," Isidore, meu irmão mais velho, murmuroupara mim, "não lhes diga a sua idade. Diga que tem dezesseis anos".

Eu era bem alto, para um menino de 11 anos, e assim poderia serconfundido. Desse jeito eu poderia ser considerado valioso como um

trabalhador.Um homem da SS aproximou-se, botas estalando nas pedras grossas do

piso. Olhou-me de cima a baixo e perguntou minha idade.

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"Dezesseis", eu disse. Ele mandou-me ir à esquerda,

onde já estavammeus três irmãos e outros

jovens saudáveis.Minha mãe foi levada

para a direita com outras mulheres,

crianças,doentes e velhos.

Murmurei para Isidore, "Por quê?" Ele não respondeu. 

Corri para o lado da minha mãe e disse que queria ficar com ela. "Não," ela disse com firmeza. 

"Vá embora. Não me aborreça. Vá com seus irmãos".Ela nunca havia falado tão asperamente antes. Mas eu entendi: ela

estava me protegendo. Ela me amava tanto que, apenas esta única vez,ela fingiu não fazê-lo. Foi a última vez que a vi.

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Meus irmãos e eu fomos transportados em um vagão

de gado até aAlemanha.

Chegamos ao campo de concentração de Buchenwald numa noite, semanasapós, e fomos conduzidos a uma barraca lotada.No dia seguinterecebemos uniformes e números de identificação.

"Não me chamem mais de Herman", eu disse aos meus irmãos. "Chamem-me 94938".

Colocaram-me para trabalhar no crematório do campo, carregando osmortos em um elevador manual.

Eu também me sentia como morto. Insensibilizado, eu me tornara um número.

Logo meus irmãos e eu fomos mandados para Schlieben, um dossub-campos de Buchenwald, perto de Berlim.

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Numa manhã eu pensei que ouvi a voz de minha mãe. "Filho" ela disse suave mas claramente, "Vou mandar-lhe um anjo". Então eu acordei. Apenas um sonho! Um lindo sonho! Mas nesse lugar não poderia haver anjos. Havia apenas trabalho. E fome. E medo.

Poucos dias depois, estava caminhando pelo campo, pelas barracas,perto da cerca de arame farpado, onde os guardas não podiam enxergar

facilmente. Estava sozinho.Do outro lado da cerca, eu observei alguém: uma pequena menina com

suaves, quase luminosos cachinhos. Ela estava meio escondida atrás de uma bétula.

Dei uma olhada em volta, para certificar-me de que ninguém me viu.Chamei-a suavemente em Alemão. "Você tem algo para comer?"

Ela não entendeu.

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Aproximei-me mais da cerca e repeti a pergunta em Polonês. Ela seaproximou. Eu estava magro e raquítico, com farrapos envolvendo meuspés, mas a menina parecia não ter medo. Em seus olhos eu vi vida.

Ela sacou uma maçã do seu casaco de lã e a jogou sobre a cerca.

Agarrei a fruta e, assim que comecei a fugir, ouvi-a dizerdebilmente, "Virei vê-lo amanhã".

Voltei para o mesmo local, na cerca, na mesma hora, todos os dias.Ela estava sempre lá, com algo para eu comer - um naco de pão ou,

melhor ainda, uma maçã.Nós não ousávamos falar ou demorarmos. Sermos pegos significaria

morte para nós dois.Não sabia nada sobre ela, que parecia uma menina de fazenda, exceto

pelo fato dela entender Polonês. Qual era o seu nome? Por que elaestava arriscando sua vida por mim?"

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A esperança estava naquele pequeno suprimento, e essa menina do outrolado da cerca trouxe-me um pouco, como que nutrindo dessa forma, tal comoo pão e as maçãs.

Cerca de sete meses após, meus irmãos e eu fomos abarrotados numvagão de carvão e enviados para o campo de Theresiensatdt, na

Tchecoeslováquia.

"Não volte", eu disse para a menina naquele dia. "Estamos partindo".

Voltei-me em direção às barracas e não olhei para trás, nem mesmodisse adeus para a pequena menina, cujo nome eu nunca soube,

a menina das maçãs. 

Permanecemos em Theresienstadt por três meses. A guerra estavadiminuindo e as forças aliadas se aproximando, muito embora meu

destino parecesse estar selado.

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No dia 10 de maio de 1945 eu estava destinado a morrer na câmara degás, às 10:00 horas.

No silencioso crepúsculo, tentei me preparar. Tantas vezes a morteparecera pronta para me receber, mas de alguma forma eu havia

sobrevivido. Agora, tudo estava acabado. 

Pensei nos meus pais. Ao menos, pensei, nós estaremos nos reunindo.Mas, às 08:00 horas ocorreu uma comoção. Ouvi gritos, e vi pessoas

correndo em todas as direções através do campo. Juntei-me aos meus irmãos.

Tropas russas haviam liberado o campo! Os portões foram abertos.Todos estavam correndo, então eu corri também. Surpreendentemente,

todos os meus irmãos haviam sobrevivido.

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No local onde o mal parecia triunfante, a bondade de uma pessoasalvara a minha vida, dera-me esperança num lugar

onde ela não existia. 

Minha mãe havia prometido enviar-me um anjo, e o anjo apareceu. 

Eventualmente, encaminhei-me à Inglaterra, onde fui assistido pelaCaridade Judaica. Fui colocado numa hospedaria com outros meninos que sobreviveram ao Holocausto e treinado em Eletrônica. Depois fui para os Estados Unidos, para onde meu irmão Sam já havia se mudado. Servi no

Exército durante a Guerra da Coréia, e retornei a Nova Iorque,após dois anos.

Não tenho certeza como, mas sabia que aquela menina com as maçãstinha sido a chave da minha sobrevivência

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Por volta de agosto de 1957 abri minha própria loja de consertoseletrônicos. Estava começando a estabelecer-me. Um dia, meu amigo Sid, da Inglaterra,

me telefonou. "Tenho um encontro. Ela tem uma amiga polonesa. Vamos sair juntos". 

Um encontro às cegas? Não, isso não era para mim. Mas Sid continuou insistindo e, poucos dias após, nos dirigimos ao Bronx para buscar a pessoa do seu encontro

e a sua amiga Roma.

Tenho que admitir, para um encontro às cegas, não foi tão ruim. Roma era enfermeira em um hospital do Bronx. Ela era gentil e esperta. Bonita, também, com cabelos castanhos

cacheados e olhos verdes amendoados que faiscavam com vida. 

Nós quatro nos dirigimos até Coney Island. Roma era uma pessoa com quem era fácil falar e fácil de se estar junto.

 Descobri que ela era igualmente cautelosa com encontros às cegas.

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Nós dois estávamos apenas fazendo um favor aos nossos amigos. Demosum passeio na beira da praia, gozando da brisa salgada do Atlântico,

e depois jantamos perto da margem. Não poderia me lembrar de ter tidomomentos melhores. 

Voltamos ao carro do Sid, Roma e eu dividimos o assento traseiro. 

Como judeus europeus que haviam sobrevivido à guerra, sabíamos quemuita coisa fora deixada sem ser dita entre nós. Ela puxou o assunto,"Onde você estava", perguntou delicadamente, "durante a guerra?" 

"Nos campos de concentração", eu disse. As terríveis memórias aindavívidas, a irreparável perda. Tentei esquecer.

Mas jamais se pode esquecer.Ela concordou. "Minha família se escondeu numa fazenda na Alemanha,

não longe de Berlim", ela me disse. "Meu pai conhecia um padre, e ele nos deu papéis arianos."

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Imaginei como ela devia ter sofrido também, medo, uma constantecompanhia. Mesmo assim, aqui estávamos, ambos sobreviventes, nummundo novo. "Havia um campo perto da fazenda", Roma continuou. "Eu via um meninolá e lhe jogava maçãs todos os dias." Que extraordinária coincidência, que ela tivesse ajudado algum outromenino. "Como ele era?", perguntei. "Ele era alto, magro e faminto. Devo tê-lo visto a cada dia, durante seis meses." Meu coração estava aos pulos. Não podia acreditar. Isso não podia ser. "Ele lhe disse, um dia, para você não voltar porque ele estava saindode Schlieben?". Roma me olhou estupefata. "Sim!". "Era eu!". Eu estava para explodir de alegria e susto, inundado com emoções. Nãopodia acreditar! Meu anjo.

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"Não vou deixar você partir", disse a Roma. E, na trazeira do carro, nesse encontro às cegas, pedi-a em casamento. Não queria esperar.

"Você está louco!", ela disse. Mas convidou-me para conhecer seus pais no jantar do Shabbat da semana seguinte.

 Havia tanto que eu ansiava descobrir sobre Roma, mas as coisas mais

importantes eu sempre soube: sua firmeza, sua bondade. Por muitos meses, nas piores circunstâncias, ela veio até a cerca e me trouxe esperança. Não que

eu a tivesse encontrado de novo, pois na minha mente eu jamais a havia deixado partir. 

Naquele dia ela disse sim. E eu mantive a minha palavra. Após quase 50 anos de casamento, dois filhos e três netos,

eu jamais a deixara partir.

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Créditos:Créditos:Texto extraído do devocional Vida em Cristo

http://www.iluminalma.com Autor: Herman Rosenblat, de Miami Beach, Florida. 

Música: Tennessee Waltz - Billy VaughnFormatação: Ruth

Esta é uma história verdadeira que está sendo transformada num filme,chamado "A Flor da Cerca" (“Flower of the Fence” em inglês).