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DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES 627 1. Âmbito de Criação das Agências Reguladoras no Brasil Nos últimos dez anos o Brasil vem adotando uma política econômica intervencionista na bus- ca do equilíbrio orçamentário ocasionado pela crise fiscal do Estado. Por outro lado, essa inter- venção gerou duas conseqüências notáveis para o Estado, sendo a primeira delas um crescimen- to desajustado do aparelho administrativo esta- tal, mais especificamente de empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiá- rias, aliada a uma segunda conseqüência que consiste no esgotamento da capacidade de in- vestimento do setor público, o que levou a um desgaste na prestação desses serviços. Diante dessa situação comprometedora, o Governo Federal se viu obrigado a adotar medi- das que incorressem na melhora dos serviços públicos. Criou-se, dessa forma, o Programa Na- cional de Desestatização, através da Lei nº 9.491/ 97, tendo este o objetivo de reajustar a posição do Estado na economia, passando à iniciativa privada todas as atividades que por ela possam ser executadas, de forma satisfatória, em nome da Administração Pública, mas no interesse de um melhor atendimento ao interesse coletivo. O programa de desestatização que o Brasil vem adotando consiste na privatização de bens públicos e na concessão de serviços públicos que vem sendo realizada por intermédio da cria- ção das chamadas Agências Reguladoras. 2. A Regulação Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti entende que “... à medida em que o Estado deixa de ser ele mesmo, por si, ou através de pessoa jurídica sob o seu controle, o responsável por uma atividade econômica ou social, cresce a necessidade do aperfeiçoamento do sistema re- gulador, do decorrente poder de polícia, inclusi- ve quanto à efetividade dessa regulação. Tal aper- feiçoamento do sistema regulador resultará, em proveito, ao final, dos próprios usuários dos ser- viços. Essa idéia norteadora da melhoria da qua- lidade do serviço vem se destacando até mesmo em relação aos próprios serviços que remanes- cem exercendo-se diretamente através do Esta- do, ou de suas empresas, ou de pessoas jurídi- cas administrativas” 1 . Em face do exposto pelo autor, verifica-se que a adoção de um sistema regulador traduz a regulação como instrumento de desestatização. Desta forma, um mercado regulado para a com- petição, um Estado intervencionista e a criação de Agências Reguladoras como garantia de sa- tisfação do interesse público são elementos es- AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL Márcia Walquiria Batista dos Santos Doutora em Direito pela USP e Amanda Brisola Fernandes Graduanda na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie 1. “A independência da função reguladora e os entes reguladores independentes”, in Revista de Direito Admi- nistrativo, Rio de Janeiro, Renovar, vol. 219, jan./mar. 2000, p. 254.

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DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES 627

1. Âmbito de Criação das Agências Reguladorasno Brasil

Nos últimos dez anos o Brasil vem adotandouma política econômica intervencionista na bus-ca do equilíbrio orçamentário ocasionado pelacrise fiscal do Estado. Por outro lado, essa inter-venção gerou duas conseqüências notáveis parao Estado, sendo a primeira delas um crescimen-to desajustado do aparelho administrativo esta-tal, mais especificamente de empresas públicas,sociedades de economia mista e suas subsidiá-rias, aliada a uma segunda conseqüência queconsiste no esgotamento da capacidade de in-vestimento do setor público, o que levou a umdesgaste na prestação desses serviços.

Diante dessa situação comprometedora, oGoverno Federal se viu obrigado a adotar medi-das que incorressem na melhora dos serviçospúblicos. Criou-se, dessa forma, o Programa Na-cional de Desestatização, através da Lei nº 9.491/97, tendo este o objetivo de reajustar a posiçãodo Estado na economia, passando à iniciativaprivada todas as atividades que por ela possamser executadas, de forma satisfatória, em nomeda Administração Pública, mas no interesse deum melhor atendimento ao interesse coletivo.

O programa de desestatização que o Brasilvem adotando consiste na privatização de benspúblicos e na concessão de serviços públicos

que vem sendo realizada por intermédio da cria-ção das chamadas Agências Reguladoras.

2. A Regulação

Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcantientende que “... à medida em que o Estado deixade ser ele mesmo, por si, ou através de pessoajurídica sob o seu controle, o responsável poruma atividade econômica ou social, cresce anecessidade do aperfeiçoamento do sistema re-gulador, do decorrente poder de polícia, inclusi-ve quanto à efetividade dessa regulação. Tal aper-feiçoamento do sistema regulador resultará, emproveito, ao final, dos próprios usuários dos ser-viços. Essa idéia norteadora da melhoria da qua-lidade do serviço vem se destacando até mesmoem relação aos próprios serviços que remanes-cem exercendo-se diretamente através do Esta-do, ou de suas empresas, ou de pessoas jurídi-cas administrativas”1.

Em face do exposto pelo autor, verifica-seque a adoção de um sistema regulador traduz aregulação como instrumento de desestatização.Desta forma, um mercado regulado para a com-petição, um Estado intervencionista e a criaçãode Agências Reguladoras como garantia de sa-tisfação do interesse público são elementos es-

AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASILAGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASILAGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASILAGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASILAGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL

Márcia Walquiria Batista dos SantosDoutora em Direito pela USP

e

Amanda Brisola FernandesGraduanda na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie

1. “A independência da função reguladora e os entesreguladores independentes”, in Revista de Direito Admi-nistrativo, Rio de Janeiro, Renovar, vol. 219, jan./mar. 2000,p. 254.

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senciais à política que o Estado vem adotando,qual seja dos chamados princípios da regulação.

“Os princípios da regulação exigem preo-cupação com monopólios naturais; os órgãosreguladores não devem formular políticas se-toriais, devendo ser dotados de independên-cia e autonomia. Sua função é regular seg-mentos do mercado e serviços públicos, pro-tegendo o consumidor, garantindo a livre es-colha, o abastecimento e preços acessíveis”2 .

Ainda com relação aos princípios da regula-ção, uma conduta direcionada deve ser adotadapelo órgão regulador para que este possa atuartanto na função reguladora como em uma fun-ção fiscalizadora. Para tal, há a necessidade deo órgão regulador possuir ampla autonomia téc-nica, administrativa e financeira, de maneira aficar, tanto quanto possível, imune aos entravesburocráticos, às tendências políticas e à falta deverbas orçamentárias, de tal sorte que, na buscadesse objetivo, necessita expedir normas opera-cionais e de serviço para um melhor acompa-nhamento das demandas populares.

3. A Regulação por Meio das Agências Regula-doras

3.1. Origem das Agências Reguladoras

A necessidade da regulação de atividades jáocorreu em muitos outros ordenamentos jurídi-cos antes do brasileiro, sendo o modelo norte-americano a principal fonte inspiradora para osdemais ordenamentos.

Hoje, as agências têm sido a base da Admi-nistração Pública nos EUA, pois é por meio delasque o Estado americano procura atender aos in-teresses da comunidade. “Verifica-se, no casonorte-americano, tendência de fortalecimento doEstado regulador, compreensível e compatívelcom o papel traçado para ele nos Estados Uni-dos, de regulador, disciplinador da iniciativa pri-vada, do exercício por ela de atividades econô-micas, culturais e sociais, postura imprescindívelnum país no qual as atividades empresariais sãoexercidas, basicamente, pela iniciativa privada.A proteção a valores e bens como a saúde, o

meio ambiente, o trabalho, o consumo, a concor-rência, têm sido objeto de adequada atividadereguladora e de eficiente exercício do decorrentepoder de polícia pelas agências reguladoras atra-vés do exercício de poderes como rule makingpower, licencig power, power over business. Éimportante observar que o rule making powerapresenta-se como bem mais amplo que o po-der de expedir normas secundárias por entesreguladores como os brasileiros e, por outro lado,não se deve olvidar que o controle judicial sobreos atos das Regulatory Agencies americanas nãotem a amplitude do controle judicial previsto naConstituição brasileira, sobre a AdministraçãoPública, inclusive, entes reguladores.”3

3.2. As Agências nos Demais Ordenamen-tos Jurídicos

O Reino Unido também adotou a estrutura dasAgências Reguladoras ou Executive Agency, po-pularmente conhecidas como Next Steps Agency.Tão importante foi a instauração dessas agências,que em 1993 já somavam 92 e utilizavam cerca de60% dos agentes públicos britânicos.

A combinação do modelo norte-americanoassociado ao modelo britânico e à desestatiza-ção por motivos diversos e conseqüente redu-ção do papel do Estado como agente de servi-ços públicos, serviu como a grande fonte inspi-radora dos atuais modelos adotados em paísesda América Latina, inclusive o Brasil.

3.3. As Agências Reguladoras como Autar-quias Especiais

A figura da autarquia foi utilizada pelo gover-no na criação das Agências Reguladoras; no en-tanto, essas agências não são simples autar-quias, são autarquias de regime especial, poispossuem maiores privilégios em relação à autar-quia comum, pela necessidade de maior inde-pendência.

Hely Lopes Meirelles esclarece em seusensinamentos o conceito de autarquia de regimeespecial: “É toda aquela que a lei instituidora con-ferir privilégios específicos e aumentar sua auto-nomia comparativamente com as autarquias co-muns, sem infringir os preceitos constitucionais

2. Marcos Juruena Villela Souto, “Agências Regulado-ras”, in Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro,Renovar, vol. 216, abr./jun. 1999, p. 130.

3. Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, in ob. cit.,p. 258.

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pertinentes a essas entidades de personalidadepública”4 .

Dentre os privilégios inerentes às autarquiasde regime especial estão o da estabilidade de seusdirigentes, autonomia financeira e o poder nor-mativo. A outorga desses amplos poderes que lhesfoi concedida tem como objetivo primordial a exe-cução satisfatória dos serviços públicos, dada agrande importância apresentada por esses no de-senvolvimento do País.

As autarquias especiais, apesar de todas essasregalias, não gozam de plena independência e au-tonomia, sendo, portanto, relativamente dependen-tes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.Diogo de Figueiredo Moreira Neto entende queessa relativa independência se dá em relação aquatro aspectos básicos:

“– independência política dos gestores,investidos de mandatos e com estabilidadenos cargos durante um tempo fixo;

– independência técnica decisional, pre-dominando as motivações apolíticas paraseus atos, preferentemente em recursos hie-rárquicos impróprios;

– independência normativa, necessáriapara o exercício de competência reguladorados setores de atividade do interesse públi-co a seu cargo; e

– independência gerencial orçamentáriae financeira ampliada, inclusive com a atri-buição legal de fonte de recursos próprios,como, por exemplo, as impropriamente de-nominadas taxas de fiscalização das entida-des privadas executoras de serviços públi-cos sob contrato”5 .

Com relação à eficiência de uma AgênciaReguladora, destaca-se que será medida pelofuncionamento harmônico de suas atribuições epela verificação do estrito cumprimento das re-gras legais que lhe disciplinam.

4. Agência Reguladora e Agência Executiva

A atual Reforma Administrativa que vem sen-do implantada não cria apenas as Agências Re-guladoras, até então tratadas no presente artigo:Agências Executivas também vêm sendo cria-das, e estas também são autarquias, no entantodiferem das primeiras em alguns pontos.

“As Agências Reguladoras possuemmaior grau de autonomia que as AgênciasExecutivas, pois se pretende assegurar suamaior independência em relação ao PoderExecutivo, atribuindo-lhes receitas própriase mandato por prazo certo aos seus dirigen-tes, os quais não serão demissíveis a qual-quer momento. As Agências Reguladorasdevem executar atividades permanentes, aolongo de vários mandatos governamentais,de planejamento, incentivo, regulação, fisca-lização e controle sobre serviço público,mediante a lei com vistas a assegurar e pro-mover a competição entre os agentes priva-dos atuantes no setor e o acesso universalaos serviços sujeitos à sua jurisdição ad-ministrativa. As Agências Reguladoras desti-nam-se precipuamente à regulação de mer-cados determinados, usualmente caracteri-zados como serviços públicos monopoliza-dos, como, exemplificativamente, os de ener-gia elétrica, telecomunicações, saneamentobásico, transportes e até o de petróleo,tradicionalmente considerado uma atividadeeconômica monopolizada pelo Estado (...) AsAgências Executivas são apenas uma quali-ficação a ser reconhecida, mediante decre-to, a uma autarquia ou fundação responsá-vel por serviço ou atividade exclusiva do Es-tado, sendo seus dirigentes de livre nomea-ção e exoneração pelo Presidente da Repú-blica. A Lei nº 9.649, de 27.5.98, nos arts. 51e 52, dispõe que a qualificação de uma insti-tuição como Agência exige que ela tenha umplano estratégico de reestruturação e desen-volvimento institucional em andamento e umcontrato de gestão com Ministério superior”6 .

De forma simples, Marcos Juruena VillelaSouto distingue Agências Reguladoras de Agên-cias Executivas expondo o que determina a Cons-4. In Direito Administrativo Brasileiro, 23ª ed., São Pau-

lo, Malheiros, 1998, p. 305.

5. In Mutações do Direito Administrativo, Rio de Janei-ro, Renovar, 2000, p. 148.

6. Toshio Mukai, in Manual de Iniciação ao Direito, SãoPaulo, Pioneira, 1999, p. 500.

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tituição no seu art. 37, § 8º, de acordo com aredação da Emenda Constitucional nº 19, afir-mando que é necessário um contrato de gestãocom alguns elementos específicos para que aentidade ou órgão se transforme em AgênciaExecutiva. Esses elementos são: objetivos estra-tégicos, metas, indicadores de desempenho, con-dições de execução, gestão de recursos huma-nos, gestão de orçamento, gestão de compras econtratos. Para o autor, Agência Executiva é umtítulo jurídico atribuído a um órgão ou entidade,que depende de adesão voluntária, com metasnegociadas, compatíveis com os recursos, e nãoimpostas, obedecendo a algumas etapas7 .

5. Criação, Extinção das Agências Reguladorase sua relação com a Administração Direta

O art. 37, XIX, da Constituição Federal dis-põe a respeito da criação da autarquia, criaçãoesta, por lei, assim como sua extinção, ambasvisando ao interesse público. Tendo em vista quea criação de uma Agência Reguladora represen-ta uma forma discricionária de desestatização deuma função regulatória, a lei que dispõe a res-peito da criação das Agências deve ser de inicia-tiva privativa de quem detém a direção superiorda Administração (CF, arts. 84, II, c/c 61, § 1º, e).

Oportuno se torna ressaltar que o poder hie-rárquico do administrador direto apenas é relati-vo à estruturação das funções executivas daAgência, o que significa que não se pode invocaro poder de direção superior da Administraçãopara interferir nas decisões dos agentes regula-dores, que devem apenas pautar-se pela inde-pendência em relação ao Poder Público.

Quanto à extinção, esta deve ser motivadapor um interesse público relevante, e não pelaimpossibilidade de o poder concedente interferirnos julgamentos do regulador independente.

6. As Agências Reguladoras existentes no Bra-sil e sua respectiva legislação

No âmbito federal, o Brasil possui, hoje, seisAgências Reguladoras, criadas por lei cada umadelas. No entanto, interessante é ressaltar quenão há lei específica disciplinando a matéria emquestão, mas todas seguem praticamente o mes-mo padrão.

As Agências Reguladoras brasileiras são:ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica),ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações),ANP (Agência Nacional do Petróleo), ANVS (Agên-cia Nacional de Vigilância Sanitária), ANS (Agên-cia Nacional de Saúde Suplementar) e ANA (Agên-cia Nacional de Águas). Analisar-se-á cada umano decorrer deste artigo.

Outrossim, algumas outras Agências estãosendo criadas, como é o caso da ANT (AgênciaNacional dos Transportes). Consiste em hipóteseinteressante a criação da ANC (Agência Nacio-nal de Defesa do Consumidor e da Concorrência)e também da ANAPOST (Agência Nacional deServiços Postais), ANAC (Agência Nacional daAviação) e ANR (Agência Nacional de Resse-guros).

Alguns Estados do Brasil também estão ado-tando as Agências Reguladoras, no entanto dife-rem das Agências criadas pela União no que dizrespeito à especialização: as Agências criadasnos Estados não têm especialização, sendo co-nhecidas como “Agências Multissetoriais”.

Pode-se citar no Estado de São Paulo a CSPE(Comissão de Serviços Públicos de Energia), noEstado do Rio de Janeiro a ASEP (Agência Regu-ladora de Serviços Públicos), no Ceará a ARCE(Agência Reguladora de Serviços Públicos do Es-tado do Ceará) e no Rio Grande do Sul a ACERGS(Agência Estadual de Regulação dos Serviços Pú-blicos Delegados do Rio Grande do Sul).

Oportuno se torna lembrar que já existiam noBrasil outras espécies de Agências Reguladoras,como o BACEN (Banco Central do Brasil), o CADE(Conselho Administrativo de Defesa Econômica),o CMN (Conselho Monetário Nacional) e ainda aCVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Em seguida abordar-se-ão os principais as-pectos de cada uma das Agências Nacionais esua respectiva legislação.

6.1. ANEEL

A Agência Nacional de Energia Elétrica foicriada pela Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de1996, como uma autarquia sob regime especial,vinculada ao Ministério das Minas e Energia, comsede e foro no Distrito Federal, e com a finalida-de de regular e fiscalizar a produção, transmis-7. In ob. cit., p. 127.

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são e comercialização de energia elétrica, emconformidade com as políticas e diretrizes do Go-verno Federal. Instituída a Agência, com publica-ção de seu Regimento Interno, extinguiu-se oDNAEE (Departamento Nacional de Águas eEnergia Elétrica). Foi a primeira autarquia sobregime especial criada no País pelo Governo Fe-deral na fase de privatização de serviços públi-cos, privatização esta atendendo ao sentido detransferência de execução dos serviços públicospara o setor privado; no entanto, ressalta-se queo serviço continua sendo de caráter público enão privado, pois, embora o concessionário ex-plore o serviço em nome do Poder Público, porsua conta e risco, a titularidade deste continuasendo do Poder Público, podendo este retomar aexecução a qualquer tempo, se houver interessecoletivo e atendidos os requisitos legais.

A ANEEL tem o objetivo de proporcionar con-dições favoráveis para o desenvolvimento domercado de energia elétrica em benefício da so-ciedade.

Seguem algumas das principais competên-cias da ANEEL:

– implementar as políticas e diretrizes doGoverno Federal para a exploração de energiaelétrica e o aproveitamento dos potenciais deenergia elétrica;

– incentivar a competição e supervisioná-laem todos os segmentos do setor de energia elé-trica;

– regular e fiscalizar a conservação e o apro-veitamento dos potenciais de energia hidráulica,bem como a utilização dos reservatórios de usi-nas hidrelétricas;

– incentivar o combate ao desperdício de ener-gia no que diz respeito a todas as formas de produ-ção, transmissão, distribuição, comercialização euso de energia elétrica;

– atuar, na forma da lei e do contrato, nosprocessos de definição e controle dos preços etarifas, homologando seus valores iniciais, rea-justes e revisões, e criar mecanismos de acom-panhamento de preços;

– articular-se com órgão regulador do setorde combustíveis fósseis e gás natural para a ela-boração de critérios de fixação dos preços detransporte desses combustíveis;

– estimular a melhoria do serviço prestado ezelar, direta e indiretamente, pela sua boa quali-dade; observado, no que couber, o disposto nalegislação vigente de proteção e defesa do con-sumidor;

– dirimir, no âmbito administrativo, as diver-gências entre concessionários, permissionários,autorizados, produtores independentes e auto-produtores, entre esses agentes e seus consu-midores, bem como entre usuários dos reserva-tórios de usinas hidrelétricas;

– promover a articulação com os Estados eDistrito Federal para o aproveitamento energéticodos recursos de água e a compatibilização coma Política Nacional dos Recursos Hídricos;

– estimular e participar das atividades depesquisa e desenvolvimento tecnológico neces-sárias ao setor de energia elétrica; determinar oaproveitamento ótimo do potencial de energiahidráulica, em conformidade com os §§ 2º e 3ºdo art. 5º da Lei nº 9.074/95;

– elaborar editais e promover licitações des-tinadas à contratação de concessionários paraaproveitamento de potenciais de energia hidráu-lica e para a produção, transmissão e distribui-ção de energia elétrica;

– celebrar, gerir, rescindir e anular os contra-tos de concessão ou de permissão de serviçosde energia elétrica e de concessão de uso dobem público relativos a potenciais de energia hi-dráulica, bem como de suas prorrogações; de-clarar utilidade pública, para fins de desapropria-ção ou de instituição de servidão administrativa,dos bens necessários à execução de serviço ouinstalação de energia elétrica, nos termos da le-gislação específica;

– celebrar convênios de cooperação, em es-pecial com os Estados e o Distrito Federal, vi-sando à descentralização das atividades com-plementares de regulação, controle e fiscaliza-ção, mantendo o acompanhamento e avaliaçãopermanente da sua condução.

De acordo com o art. 7º da Lei nº 9.427/96, aadministração da ANEEL será objeto de contratode gestão negociado e celebrado entre a Direto-ria e o Poder Executivo no prazo máximo de no-

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venta dias após a nomeação do Diretor-Geral,devendo uma cópia do instrumento ser encami-nhada para registro no Tribunal de Contas daUnião, onde servirá de peça de referência numaeventual auditoria operacional.

Destarte, procurou o Governo Federal, coma criação da ANEEL, uma melhor execução dosserviços públicos, dando ampla independênciacom relação ao Poder Público, para que os obje-tivos e finalidades sejam atendidos em prol dacomunidade.

6.2. ANATEL

A globalização da economia juntamente coma evolução tecnológica acarretaram mudançasno mercado das telecomunicações, não somen-te no Brasil, mas no mundo todo. Isso evidencia-se pois a matéria foi objeto de acordo específicona Organização Mundial de Comércio, por forçada qual cada um dos Estados-membros obrigou-se a assegurar aos prestadores de serviço dequalquer outro Estado-membro acesso às suasredes públicas de transporte, o que resultou naconexão de circuitos privados.

Nesse âmbito, a Emenda Constitucional nº8, de 1995, flexibilizou o monopólio das teleco-municações, pois determinou a instituição deAgência Reguladora para este fim. Assim, com aLei nº 9.472/97, criou-se a ANATEL, com estru-tura organizacional semelhante aos órgãos re-guladores americanos e colombianos. Vale lem-brar que, antes da criação dessa lei, a Lei nº9.295/96 determinou que a função regulatóriaseria do Ministro das Comunicações, em caráterprovisório, até que fosse criado órgão regulador.

Algumas das características inerentes a essaAgência se traduzem em ser ela administrativa-mente independente, financeiramente autônoma,não se subordinar a nenhum órgão do Governo(suas decisões só podem ser contestadas judi-cialmente) e seus dirigentes terem mandato fixoe estabilidade.

Ressalta-se que todas as normas elabora-das pela ANATEL são, antes de serem promul-gadas, submetidas a consulta pública.

A ANATEL possui diversas atribuições, den-tre as quais destacam-se:

– implementar a política nacional de teleco-municações;

– propor a instituição ou eliminação na pres-tação de serviço no regime público;

– propor o Plano Geral de Outorgas; proporo Plano Geral de Metas para a universalizaçãodos serviços de telecomunicações;

– administrar o espectro de radiofreqüênciase o uso de órbitas;

– compor administrativamente conflitos deinteresses entre prestadoras de serviços de tele-comunicações; atuar na defesa e proteção dosdireitos dos usuários;

– atuar no controle, prevenção e infração deordem econômica no âmbito das telecomunica-ções, ressalvadas as competências legais doCADE;

– estabelecer restrições, limites ou condiçõesa grupos empresariais para a obtenção e trans-ferência de concessões, permissões e autoriza-ções, de forma a garantir a competição e impedira concentração econômica no mercado;

– estabelecer estrutura tarifária de cada mo-dalidade de serviço prestado em regime público.

Em suma, a ANATEL tem como objetivo pri-mordial promover o desenvolvimento das teleco-municações no País, através de uma eficienteinfra-estrutura, com a finalidade de oferecer àsociedade serviços adequados, diversificados ea preços justos para a população, a fim de satis-fazer os interesses públicos, possibilitando oacesso de todos os cidadãos e de instituições aoserviço de telecomunicações, de modo que esseacesso chegue a pessoas das mais diversas con-dições econômicas.

6.3. ANP

A Agência Nacional do Petróleo é uma au-tarquia vinculada ao Ministério das Minas e Ener-gia e foi criada com a finalidade de administrar,em nome da União, o monopólio sobre a pesqui-sa e a lavra do petróleo e do gás natural em todoo território nacional. A esta Agência compete pro-mover a regulação, a contratação e a fiscaliza-ção das atividades inerentes à indústria petrolífe-ra. Irá também regular e fiscalizar a distribuiçãoe a revenda de combustíveis, zelando sempre

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pela prevalência do interesse público, pela pre-servação do meio ambiente e da livre concorrên-cia, em benefício do desenvolvimento natural.

Sua criação foi determinada pela Lei nº9.478/97 e regulamentada pelo Dec. nº 2.455/98, como uma autarquia de regime especial. Comrelação à ANP, Eurico de Andrade Azevedo ex-põe seus ensinamentos: “A situação da AgênciaNacional do Petróleo é diferente das demaisquanto ao seu objeto. Ela não regula, nem con-trola ou fiscaliza um serviço público. A pesquisa,lavra e refinação do petróleo não constituem ser-viços públicos, mas atividades econômicas mo-nopolizadas pela União. Antes da Emenda Cons-titucional nº 9, de 1995, não podia a União cederou conceder nenhum tipo de participação, emespécie ou em valor, na exploração das jazidasde petróleo ou gás natural. A partir daquela emen-da foi facultado à União contratar com empresasestatais ou privadas a realização das atividadesprevistas nos incs. I a IV do art. 177 da CF. Paraesse fim, foi editada a Lei nº 9.478, de 1997,estabelecendo as diretrizes gerais da políticaenergética nacional e criando a Agência Nacio-nal do Petróleo, isto porque, embora não consti-tuindo serviço público, a exploração da indústriado petróleo é absolutamente essencial à econo-mia da sociedade. (...) Por essa razão, a ANP foicriada também sob a forma autárquica especial,com todas as características de independênciadas outras duas Agências já referidas, mas coma finalidade básica de promover a regulação,contratação e fiscalização das atividades econô-micas integrantes da indústria do petróleo. Em-bora não constituindo função típica do Estadopor tratar de atividade econômica, o legisladorentendeu instituir uma Agência Reguladora po-derosa, para poder controlar uma atividade que,por sua relevância econômica, a Constituiçãoreservou ao Estado”8 .

Nota-se que a ANP consiste em um órgãocolegiado composto por uma Diretoria que deve-rá compor-se por quadros técnicos capacitadosna área da regulação, mas especificamente vol-tada aos objetivos da regulação da ANP.

Destarte, à ANP compete a implantação efi-ciente de uma política nacional de petróleo e gás,política esta capaz de atuar positivamente nodesenvolvimento econômico do País.

6.4. ANVISA

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária émais uma iniciativa do Governo Federal nestanova fase de Estado regulador, decorrente dadiluição do papel da Administração Pública comofornecedor exclusivo ou principal dos serviçospúblicos.

A Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999,criou a ANVISA como uma autarquia sob regimeespecial vinculada ao Ministério da Saúde.

De forma geral, a ANVISA tem como objeti-vo promover a proteção da saúde da populaçãobrasileira por meio de um controle sanitário daprodução e comercialização de produtos e servi-ços submetidos à vigilância sanitária, inclusivedos ambientes, dos processos e das tecnologiasa eles relacionados. Outrossim, a Agência exer-ce o controle dos portos, aeroportos e fronteiras,estando associada ao Ministério das RelaçõesExteriores e instituições estrangeiras para tratarde assuntos internacionais na área de vigilânciasanitária.

Em rápidas pinceladas, compete à ANVISA:

– coordenar o Sistema Nacional de Vigilân-cia Sanitária;

– estabelecer normas, propor, acompanhare executar as políticas, as diretrizes e as açõesde vigilância sanitária;

– estabelecer normas e padrões sobre limi-tes de contaminantes, resíduos tóxicos, desinfe-tantes, metais pesados e outros que envolvamrisco à saúde;

– exigir, mediante regulamentação específica,o credenciamento ou a certificação de conformi-dade no âmbito do Sistema Nacional de Metro-logia, Normalização e Qualidade Industrial –SINMETRO –, de instituições, produtos e servi-ços sob regime de vigilância sanitária, segundoa sua classe de risco;

– interditar, como medida de vigilância sanitá-ria, os locais de fabricação, controle, importa-ção, armazenamento, distribuição e venda de pro-dutos e insumos, em caso de violação de legis-lação pertinente ou de risco iminente à saúde;

– coordenar as ações de vigilância sanitáriarealizadas por todos os laboratórios que com-8. In ob. cit., p. 145.

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põem a rede oficial de laboratórios de controlede qualidade em saúde;

– monitorar e auditar os órgãos e entidadesestaduais, distritais e municipais que integram oSistema Nacional de Vigilância Sanitária;

– monitorar a evolução dos preços de medi-camentos, equipamentos, componentes, insu-mos e serviços de saúde;

– a Agência poderá assessorar, complemen-tar ou suplementar ações estaduais, do DistritoFederal e municipais para exercício do controlesanitário;

– as atividades de controle epidemiológico ede vetores relativas a portos, aeroportos e fron-teiras serão executadas pela ANVISA sob orien-tação técnica e normativa da área de vigilânciaepidemiológica e ambiental do Ministério daSaúde.

Nesse passo, concluímos que a finalidadeda ANVISA é proteger e promover a saúde, ga-rantindo a segurança sanitária de produtos e deserviços.

6.5. ANS

A Agência Nacional de Saúde Suplementarfoi criada pela Lei nº 9.961, de 28 de janeiro de2000, também como autarquia sob regime espe-cial, vinculada esta ao Ministério da Saúde, como objetivo de promover a defesa do interessepúblico na assistência suplementar à saúde, re-gulando as operadoras setoriais, inclusive quan-to às suas relações com prestadoras e consumi-dores, para, de forma eficaz, propiciar o desen-volvimento das ações de saúde no Brasil.

Para que a ANS atinja seus objetivos, deverápropor políticas e diretrizes gerais ao Conselhode Saúde Suplementar, possibilitando, assim, aregulação do setor de saúde suplementar.

Deve, ainda, estabelecer normas relativas àadoção e utilização, pelas operadoras de planose assistência à saúde, de mecanismos de regula-ção dos usos de saúde, estabelecendo tambémnormas para que haja um ressarcimento ao Sis-tema Único de Saúde através da integração deinformações com os bancos de dados do SUS.

Compete também à ANS autorizar o registrodos planos privados de assistência à saúde emonitorar a evolução dos preços de planos deassistência à saúde, bem como fazer a defesada concorrência relativa a esse setor.

Por último, cabe à ANS adotar medidas ne-cessárias para estimular a competição no setorde planos privados de assistência à saúde e,ainda, podendo esta articular-se com órgãos dedefesa do consumidor relativos a serviços priva-dos de assistência à saúde, sempre observandoo disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de1990.

6.6. ANA

A Agência Nacional de Águas é a mais recen-te Agência Reguladora criada pelo Governo doBrasil. Instituída pela Lei nº 9.984/00, vincula-sediretamente à Política Nacional de RecursosHídricos – PNRH –, obedecendo a seus funda-mentos, objetivos e instrumentos, juntamentecom órgãos e entidades públicas e privadas. AAgência em questão passou a integrar o Siste-ma Nacional de Gerenciamento de RecursosHídricos, incumbindo-lhe a responsabilidade deorganizar, implantar e gerir o Sistema Nacionalde Informações sobre Recursos Hídricos. Admi-nistrativamente, vincula-se ao Ministério do MeioAmbiente.

A Agência teria função reguladora para asbacias e rios federais; desta forma, sua criaçãotraria mudanças significativas para os Comitêsde Bacias Hidrográficas. Muitos divergem naquestão pois acreditam que a transferência detitularidade à ANA promoveu a quebra no siste-ma de gerenciamento de recursos, tornando maisburocrática e lenta a sua aplicação. O que ocorreé que, de acordo com a Lei de Política Nacionalde Recursos Hídricos, caberia aos Comitês deBacia Hidrográfica, responsáveis pela totalidadede uma bacia, estabelecer mecanismos de co-branças pelo uso dos recursos e sugerir os valo-res a serem cobrados. No entanto, as Agênciasde Água exerceriam a função de secretaria exe-cutiva dos Comitês de Bacias Hidrográficas, ca-bendo a estas, por delegação dos comitês, efe-tuar a cobrança pelo uso da água. Com basenisso, discute-se, se com a redução das respon-sabilidades dos comitês, o recurso financeiro ar-recadado passaria por uma série de entraves

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burocráticos desnecessários e a incerteza do lo-cal de aplicação desses recursos. Desta manei-ra, aqueles que assim pensam, acreditam ser acriação da ANA um peso na máquina adminis-trativa governamental.

7. Conclusão

Pelo exposto, pode-se perceber que há, hoje,o interesse do Estado na concessão de servi-ços públicos e privatização, com o objetivo detransformar o presente Estado em um Estado re-gulador. Para tal, a criação de Agências Regula-doras e Agências Executivas tem sido de sumaimportância.

Busca-se com isso uma melhora na execu-ção dos serviços públicos dos quais o Estadonão tem dado conta, ou seja, não tem realizadouma execução satisfatória. Assim, na busca dasatisfação do interesse público, a melhora daprestação de serviço tornou-se essencial e baseda Reforma Administrativa de redução dos gas-tos públicos que o governo vem realizando. Emoutras palavras, busca o Estado regulador trans-ferir as funções competentes a esse Estado aconcessionários que executem um serviço demelhor qualidade e eficiência, simplesmente como objetivo de garantir ao consumidor que seusdireitos não serão lesados.