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26º CONCURSO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE PROCURADOR DA REPÚBLICA GRUPO I I.1. Direito Constitucional e metodologia jurídica • Dra. Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira I.2. Proteção Internacional dos Direitos Humanos • Dr. Eugênio José Guilherme de Aragão I.3. Direito Eleitoral • Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos (suplente: Dr. Vitor Hugo Gomes da Cunha)

Concurso Procurador da República - Comentários das questões objetivas dos 26.º e 27.º concursos (2014)

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26º CONCURSO

PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE PROCURADOR DA REPÚBLICA

GRUPO I

� I.1. Direito Constitucional e metodologia jurídica • Dra. Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira

� I.2. Proteção Internacional dos Direitos Humanos • Dr. Eugênio José Guilherme de Aragão

� I.3. Direito Eleitoral • Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos

(suplente: Dr. Vitor Hugo Gomes da Cunha)

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26º coNcurSo – GruPo i i.1. Direito coNStitucioNaL e metoDoLoGia JurÍDica

� GRUPO I

I.1. DIREITO CONSTITUCIONAL E METODOLOGIA JURÍDICA

LUCAS DE MORAIS GUALTIERI

01. Assinale a alternativa incorreta:

a) Somente quando expressamente autorizado pela Constituição o legislador pode res-tringir ou regular algum direito fundamental.

b) No âmbito das relações especiais de sujeição, há um tratamento diferenciado com res-peito ao gozo dos direitos fundamentais.

c) De acordo com a jurisprudência do STF, a liberdade de expressão ocupa uma posição especial no sistema constitucional brasileiro, o que lhe atribui peso abstrato elevado em hipótese de colisão com outros direitos fundamentais ou interesses sociais.

d) Viola o principio da igualdade material qualquer prática empresarial, governamental ou semigovernamental, de natureza administrativa ou legislativa que embora conce-bida de forma neutra, gere, em consequência de sua aplicação, efeitos desproporcio-nais sobre certas categorias de pessoas.

Os direitos fundamentais possuem hierarquia constitucional. Em função disso, so-mente podem ser restringidos por expressa disposição constitucional (restrição direta) ou por previsão legal que possua fundamento de validade extraído da própria Constituição (restrição indireta).

A restrição direta ou imediata não oferece maiores problemas, eis que, de acordo com o princípio da unidade da Constituição, seus diversos dispositivos devem ser interpretados de forma sistemática e harmônica. A restrição indireta ou mediata, todavia, tem dado en-sejo à diferenciação entre “restrição legal simples” e “restrição legal qualificada”. A reserva legal simples se opera quando o legislador autoriza que o legislador restrinja determinado direito fundamental, sem condicionar tal restrição a exigências de finalidade ou conteúdo (por exemplo, o art. 5º, incisos VII, XXIV, XLV, da CR/88, dentre outros). A reserva legal

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qualificada, a seu turno, caracteriza-se por exigir que o legislador, ao restringir o direito fundamental com arrimo na Constituição, atinja determinado objetivo ou cumpra algum requisito elencado pelo próprio texto constitucional (o melhor exemplo é o art. 5º, incisos XII e LX, da CR/88).

Além disso, não se pode esquecer que a regulamentação de um direito, mais do que mera possibilidade atribuída ao legislador pela Constituição, é um verdadeiro dever, a fim de se evitar a omissão inconstitucional. Isso é válido principalmente nos casos de normas de eficácia contida, cujos efeitos, para serem produzidos, dependem da concreção legal.

Logo, a alternativa “a” está errada, uma vez que não menciona a possibilidade de o legislador restringir direito fundamental sem que haja expressa autorização constitucio-nal, mas com fundamento de validade em norma fundamental. Não é “somente quando expressamente autorizado pela Constituição” que o legislador pode regular algum direito fundamental, já que em certas situações a regulamentação legal se constitui verdadeiro dever atribuído ao legislador.

Quanto à alternativa “b”, as relações especiais de sujeição se caracterizam por situações jurídicas nas quais o indivíduo, por peculiaridades próprias de sua pessoa ou do contexto em que inserido, se encontra submetido a autoridade de outrem (notadamente do Estado). Isso acaba por lhe impor um regime diferenciado no que concerne ao gozo dos direitos fun-damentais. Encontram-se submetidos a tal regime, por exemplo, os funcionários públicos, militares, presos, estudantes e enfermos hospitalizados.

Tradicionalmente, em contextos históricos nos quais eram incipientes as teorizações e o respeito aos direitos fundamentais, as relações especiais de sujeição importavam em ver-dadeira impermeabilização dos vínculos entre indivíduos e Poder Público aos influxos dos direitos fundamentais. Mais recentemente, contudo, têm sido consideradas válidas restri-ções proporcionais aos direitos destes sujeitos, sem se descurar da proteção dos seus direitos fundamentais. Ademais, percebe-se uma preocupação cada vez maior na legitimação destas restrições, notadamente mediante o atendimento de finalidades coletivas e de interesse público.

Sobre o tema, a Procuradoria-Geral da República ajuizou a ADPF 181, questionando o art. 51, § 3º, da Lei nº 6.880/80 por condicionar o acesso ao Judiciário, pelos servidores militares, ao esgotamento das instâncias administrativas. Naquela oportunidade, assentou--se que “a situação dos militares é exemplo típico de relação especial de sujeição, que não importa em renúncia a direitos fundamentais, mas pode implicar na admissibilidade de restrições proporcionais a eles. É certo, porém, que tais restrições devem ser estritamente vinculadas às necessidades destas instituições, além de não poderem invadir o núcleo essen-cial do direito fundamental afetado”.

Logo, a alternativa “b” está correta. Apesar de reconhecer um tratamento diferenciado quanto aos direitos fundamentais daqueles submetidos a relações especiais de sujeição, a alternativa deixa implícita a necessidade de se respeitar os direitos fundamentais nesse tipo de relação.

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No tocante à alternativa “c”, a jurisprudência do STF, sobretudo em tempos mais recentes, tem dado extrema importância à liberdade de expressão, erigindo-a a um verda-deiro pilar do regime democrático e pressuposto do correto funcionamento das instituições públicas e privadas. É o que se verifica da análise de ao menos três importantes decisões tomadas pelo STF nos últimos anos: i) no RE 511961, a Corte Suprema considerou a exi-gência de diploma para o exercício da profissão de jornalista como restritiva da liberdade de expressão, pelo que dispensou tal exigência; ii) na ADI 4451, conhecida como “ADI do Humor”, o Supremo declarou inconstitucionais dispositivos da Lei de Eleições (Lei 9.504/97) que limitavam a atividade jornalística durante o período eleitoral; e iii) na ADPF 187, em que se reconheceu como lícita a realização da denominada “Marcha da Maconha”. Todas estas decisões foram tomadas com o fundamento de que a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa estão umbilicalmente ligadas à democracia. Como afirmou o Min. Ayres Britto na ADI 4451, “pelo seu reconhecido condão de vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes do papel, a imprensa mantém com a democracia a mais entranhada relação de interdependência ou retroalimentação.”

Logo, resta clara a relevância da liberdade de expressão como meta-direito, a partir de cujo exercício se aciona uma série de outros direitos, inclusive a democracia. Por isso, a alternativa “c” está correta ao destacar que a liberdade de expressão, em que pese não confi-gurar direito absoluto, é direito que possui maior carga valorativa prima facie, que pode vir a ser flexionada em face de outros valores constitucionais, mas exige, para tanto, um ônus argumentativo mais forte.

Por fim, a alternativa “d” versa, em termos diversos, sobre a conhecida “teoria do im-pacto desproporcional” (disparate impacte doutrine). De acordo com essa teoria, a igualdade material de todos perante a lei, ou em face de medidas administrativas, práticas e costumes, deve ser ponderada à luz dos efetivos impactos daquelas providências sobre certos grupos de indivíduos, notadamente minorias. Referida teoria serve de fundamento teórico para a adoção de ações afirmativas, exigindo-se não apenas neutralidade no momento da ela-boração da medida, mas também, e sobretudo, que o impacto destas na realidade não se caracterize como discriminação indireta, violadora do princípio da igualdade.

A redação da alternativa repete trecho de livro do Ministro Joaquim Barbosa sobre o tema, citado pela Procuradoria-Geral da República na petição inicial da ADI 4424 (Lei Maria da Penha), nos seguintes termos: “Não se pode certamente afirmar que a interpre-tação que ora se contesta seja, em si mesma, intencional e diretamente discriminatória em relação à mulher. Sem embargo, apesar de aparentemente neutra, ela produz, como já visto, impactos nefastos e desproporcionais para as mulheres, sendo, por isso, incompatível com o princípio constitucional da igualdade. A doutrina e a jurisprudência alienígena designam tal situação como de discriminação indireta, correlata com a teoria do impacto despropor-cional. Segundo Joaquim Barbosa, tal teoria consiste na ideia de que toda e qualquer prática empresarial, política governamental ou semigovernamental, de cunho legislativo ou administra-tivo, ainda que não provida de intenção discriminatória no momento de sua concepção, deve ser condenada por violação do princípio constitucional da igualdade material se, em consequência

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de sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente desproporcional sobre certas categorias de pessoas.” Sendo assim, a alternativa “d” está correta.

� Referências: ADPF 130 (“Lei de Imprensa”); ADPF 181 (Militares e acesso à justiça); RE 511961 (diploma de jornalista); ADI 4451 (“ADI do Humor”); ADPF 187 e ADI 4274 (“Marcha da maconha”); ADI 4424 (“Lei Maria da Penha”); Lei 12.711/2012 (Lei de cotas em universidades públicas)

� Dicas: 1) Sobre a alternativa “a”, cf. questão 7 do 25º concurso. Para a alternativa “d”, cf. questões 5 e 8 daquele certame; 2) as petições inicial da ADPF 181, da ADPF 4424, da ADPF 187 e da ADI 4274 foram elaboradas pela Procuradoria-Geral da República, versando sobre temas diretamente abordados na questão. A sustentação oral realizada pela PGR na ADPF 187 (“Marcha da Maco-nha”) repetiu de forma expressa o entendimento expressado no item 'c'.

� Para aprofundar: 1) sobre o tema “restrições a direitos fundamentais”, cf. CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 377 e ss; 2) sobre o tema “teoria do impacto desproporcional, cf. SARMENTO. Daniel. A igualda-de étnico-racial no direito constitucional brasileiro: discriminação "de facto", Teoria do Impacto Desproporcional e Ação Afirmativa. In: Direito Constitucional: Leituras Complementares/Marcelo Novelino (organizador). Salvador: JusPODIVM, 2006, p.130.

� Indexação: Direitos fundamentais – liberdade de expressão – princípio da igualdade – relações especiais de sujeição – teoria do impacto desproporcional.

� Gabarito: A

02. Dentre os enunciados abaixo:

I. Não é possível o uso do mecanismo da interpretação conforme a Constituição em re-lação a dispositivo legal que reproduz norma estabelecida pelo legislador constituinte originário.

II. A interpretação constitucional caracteriza-se como um ato descritivo de um significa-do previamente dado.

III. Muito embora seja possível o controle de constitucionalidade de emendas constitu-cionais, este, no que diz respeito ao aspecto material, fica restrito à compatibilidade ou não da reforma constitucional às chamadas "cláusulas pétreas".

IV. O poder de revisão constitucional deve respeitar o núcleo essencial dos principais va-lores constitucionais, não convindo ao intérprete afastar-se de uma visão prospectiva, que permita às gerações vindouras decidir sobre o seu destino coletivo.

São corretas as assertivas:

a) I e III.

b) I, II e III.

c) II e III.

d) III e IV.

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O controle de constitucionalidade das leis e normas é mecanismo que garante a su-premacia da Constituição como norma fundamental de um ordenamento jurídico. Pelo controle, é possível verificar se determinada norma possui ou não fundamento de validade extraído da Constituição, para, a partir daí, expurgar do ordenamento aquelas que estejam em desacordo com a lei maior.

Uma das técnicas de decisão em controle de constitucionalidade cada vez mais re-correntes nos tribunais é a “interpretação conforme a Constituição”. Essa modalidade de decisão pressupõe a existência de uma norma que permita ao intérprete mais de uma inter-pretação (norma polissêmica). Dentre as possíveis interpretações, apenas uma ou algumas delas é constitucional, o que implica considerar as demais inconstitucionais. Assim, o juiz ou tribunal, estando diante de uma norma polissêmica, declara que tal norma somente será compatível com a Constituição caso interpretada de determinada maneira, excluindo-se as demais interpretações em virtude da sua inconstitucionalidade.

A celeuma surge, todavia, nos casos em que norma constitucional originária de con-teúdo polissêmico é repetida literalmente pelo legislador, em dispositivo que passa a ser questionado, por comportar uma interpretação inconstitucional. Como se sabe, o STF rejeita expressamente a possibilidade de existirem normas constitucionais (originárias) inconstitucionais (ADI 812, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 10/05/96, p. 15.131). Por consequência, passa a ser impossível o uso do mecanismo da interpretação conforme a Constituição em relação a dispositivo legal que reproduz norma estabelecida pelo legislador constituinte originário, pois isso pressuporia considerar que a norma constitucional origi-nária possui ao menos uma das possíveis interpretações inconstitucionais. Logo, o item I está errado.

Em relação ao item II, é importante discutir se a interpretação é um ato meramente descritivo ou se, ao contrário, constitui ato criativo do intérprete. Por muito tempo, des-de os idos da Revolução Francesa, passando pelo auge do Positivismo Jurídico de Hans Kelsen e sua Escola de Viena, prevaleceu o entendimento de que o juiz seria a mera “boca da lei”, limitando sua interpretação a descrever um significado previamente construído e pretendido pelo legislador. Mais recentemente, todavia, atendendo-se aos influxos do neoconstitucionalismo, em superação ao positivismo, tem-se entendido que a atividade interpretativa é eminentemente criativa. Cabe ao intérprete fundir o texto ao seu contexto e às suas pré-compreensões para, a partir deste exercício, extrair a norma.

Logo, a moderna filosofia da linguagem, aplicável tranquilamente à interpretação constitucional, parte da distinção entre texto e norma, não concebendo que a interpretação resulte em um significado previamente dado, já que este significado será resultado da ativi-dade criativa e construtiva do intérprete. Por isso, o item II também está errado.

Quanto ao item III, sabe-se que o controle de constitucionalidade pode se fundamen-tar em aspectos meramente formais da norma controlada (pressupostos ou procedimentos), quando se diz haver inconstitucionalidade formal, ou, ao contrário, pode dizer respeito ao próprio conteúdo do ato analisado, oportunidade em que se estará diante de uma incons-titucionalidade material.

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Esse juízo de inconstitucionalidade pode ter por objeto, nos termos do art. 102, I, 'a', CR/88, leis ou atos normativos federais (ADI ou ADC) e estaduais (apenas na ADI), o que inclui as emendas constitucionais (STF, HC 18.178, j. em 27/09/1926). Referidas emendas, quando cotejadas com a Constituição, serão consideradas constitucionais se ob-servarem, quanto ao aspecto formal, o disposto no art. 60, incisos I a III e §§ 1º a 3º, da CR/88. Já em relação ao aspecto material, os limites ao poder constituinte reformador são postos exatamente pelas “cláusulas pétreas”, previstas no art. 60, § 4º, da CR/88, por se tratar das únicas matérias constitucionais indenes a reformas que tendam a aboli-las. Por esses motivos, está correto o item III.

Por fim, o item IV versa sobre os já referidos limites materiais ao poder constituinte reformador, notadamente em relação ao alcance que se deve atribuir às “cláusulas pétreas”.

Como mencionado, a aferição da constitucionalidade material das emendas constitu-cionais fica restrita à compatibilidade ou não da reforma às chamadas "cláusulas pétreas". Essa é a solução encontrada “para, de um lado, salvaguardar determinados valores funda-mentais, que não podem ficar expostos às flutuações de uma maioria, ainda que qualifica-da, e, de outro, permitir, quanto a tudo mais, que as gerações futuras tenham o direito de deliberar sobre as soluções constitucionais que lhes convenham”1.

Logo, ainda que se reconheça a legitimidade das limitações impostas pelas cláusu-las pétreas, deve-se evitar o seu superdimensionamento, o que levaria à “fossilização da Constituição”. O melhor entendimento é no sentido de que “o limite ao poder de revisão constitucional, consubstanciado nas cláusulas pétreas, diz respeito ao núcleo essencial dos principais valores constitucionais, não devendo o intérprete afastar-se de uma visão pros-pectiva, que permita às gerações vindouras decidir sobre o seu destino coletivo”2.

Em conclusão, estão corretos os itens III e IV e, por conseguinte, a alternativa “d” corresponde ao gabarito.

� Referências: ADI 4078 (inclusive o parecer da PGR); ADI 4357; ADI 3105.

� Dicas: 1) o tema da interpretação como ato criativo tem correlação com a abertura constitucio-nal proposta por Peter Häberle, assim como com o multiculturalismo e a defesa das minorias, vis-to que legitima que estes indivíduos se apresentem como intérpretes constitucionais, cotejando a Constituição a partir de seus modos de vida e forma de linguagem; 2) desde o julgamento do MS 20.257 o STF tem admitido o controle de constitucionalidade sobre emendas constitucionais antes mesmo da respectiva aprovação e promulgação, em típico e escasso exemplo de controle judicial de constitucionalidade preventivo. Recentemente o tema tem sido revolvido, à vista da Medida Cautelar em MS 32.033 (STF, Rel., Min. Gilmar Mendes, DJe de 05/05/2013), que determi-nou a suspensão da tramitação da polêmica EC 33, que sujeita ao Congresso a análise e aprova-ção de decisões do STF.

1 Parecer da Procuradoria-Geral da República na ADI 4357 (“Emenda dos Precatórios”), item 39.

2 Parecer da Procuradoria-Geral da República na ADI 4357 (“Emenda dos Precatórios”), item 43.

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� Para aprofundar: cf. DUPRAT, Deborah. Pareceres Jurídicos – Direito dos Povos e das Comunidades Tradicionais. Manaus: UBA, 2007.

� Indexação: Controle de constitucionalidade – interpretação conforme a Constituição – cláusulas

pétreas – núcleo essencial.

� Gabarito: D

03. Dentre os enunciados abaixo, aponte o único incorreto:

a) Reserva do possível significa insindicabilidade jurisdicional das opções legislativas quanto à densificação legislativa das normas constitucionais reconhecedoras de direi-tos sociais.

b) A proibição de retrocesso resulta, ao menos implicitamente, do sistema internacional de direitos humanos, que impõe a progressiva implementação efetiva da proteção so-cial por parte dos Estados.

c) Não há Estado de Direito sem a consagração dos direitos à ação e à jurisdição, espe-cialmente quando voltados à responsabilização civil do Estado.

d) O caráter contramajoritário da jurisdição constitucional, segundo o entendimento do-minante, possibilita ao Poder Judiciário atuar ativamente em defesa de direitos funda-mentais, desde que se paute por argumentos racionais e controláveis.

A cláusula da reserva do possível constitui construção dogmática que assegura que a implementação dos direitos fundamentais, notadamente aqueles vinculados a uma pres-tação material (diretos sociais, econômicos e culturais), deve ser sempre condicionada às disponibilidades econômicas e orçamentárias do Estado, sabidamente limitadas e, no mais das vezes, insuficientes. A tese é recorrentemente utilizada pelo Poder Público para justi-ficar omissões inconstitucionais relacionadas a direitos fundamentais, servindo de justifi-cativa para a inação estatal. Segundo o argumento, sendo limitados e escassos os recursos públicos, caberia exclusivamente ao Administrador a decisão quanto à alocação das verbas, segundo uma suposta discricionariedade administrativa, impedindo-se ao Judiciário o con-trole dessas opções.

Certo é, todavia, que esse livre espaço de conformação atribuído ao Executivo e ao Legislativo, quanto às políticas públicas que visem à efetivação de direitos sociais, não se afigura absoluto e insindicável, como sugerido pela alternativa “a”. Sobre o tema, o Min. Celso de Mello, ao analisar a medida cautelar na ADPF 45 (DJ 04/05/2004, p. 12), as-sentou que a invocação da cláusula da reserva do possível deve se dar sempre com base em “justo motivo objetivamente aferível”, bem como à vista da razoabilidade da pretensão oposta ao Poder Público, não se legitimando, todavia, a alusão à cláusula como mero recur-so retórico.3 Cabe ao Judiciário, de forma legítima, a sindicabilidade quanto à presença de

3 “Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida ma-nipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar