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Natália Castilho MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS Esta publicação não pode ser comercializada. GRATUITO UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE - ensino a distância ® Este fascículo é parte integrante do Curso Cidadania Judiciária - Fundação Demócrito Rocha I Universidade Aberta do Nordeste I ISBN 978-85-7529-612-7 11

Fascículo 11: Movimentos Sociais Urbanos (Cidadania Judiciária)

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Curso de Extensão: Cidadania Judiciária. Realizada pela Universidade Aberta do Nordeste e Fundação Demócrito Rocha. Apoio cultural do jornal O Povo e Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. http://fdr.com.br/cidadaniajudiciaria

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Natália CastilhoMoviMentos sociais Urbanos

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OBJETIVOS Reconhecer os elementos que conformam a questão urbana e reproduzir as principais dinâmicas de formação do espaço urbano brasileiro;

Entender os conceitos de movimentos sociais, de movimentos sociais urbanos, de cidadania e de participação política, no sentido de inferir a importância da organização da sociedade civil nas cidades;

Atribuir os elementos que destacam e diferenciam os movimentos urbanos das demais formas de organização social;

Implementar os conceitos fornecidos para a leitura da realidade social brasileira, com foco nos últimos acontecimentos ligados aos movimentos sociais urbanos;

Checar em que medida a organização popular contribui para a afi rmação de direitos humanos;

Produzir ideias sobre as formas de efetivação dos direitos humanos na cidade, a partir da conexão entre movimentos sociais urbanos e o conceito de cidadania.

SUMÁRIO1. Introdução..................................................................................................................... 1632. Como se formaram as cidades no Brasil? Algumas considerações sobre o espaço urbano ...........................................1633. Movimentos sociais: um conceito em contínua construção ....................1664. Cidadania e a participação nos rumos da cidade: moradia digna e direito à cidade .........................................................................1705. Os movimentos sociais urbanos e a cidadania judiciária ...........................172Síntese do fascículo .........................................................................................................175Referências ..........................................................................................................................175Sobre a autora ....................................................................................................................175

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1.INTRODUÇÃOExistem diversas teorias, de variados campos de estudo, a respeito das ori-gens, fundamentos e principais objetivos dos movimentos sociais. A difícil tarefa de conceituar o que é um “movimento social” será encarada de forma a auxiliar a percepção acerca das formas de orga-nização sociais, políticas e culturais pos-síveis e existentes em nossa sociedade.

O desenvolvimento acelerado das cidades fez nascer diversos tipos de or-ganizações sociais, que para serem ana-lisadas, com o auxílio de um olhar inter-disciplinar, requerem o conhecimento do contexto histórico em que surgiram. Portanto, nosso estudo procura conec-tar algumas experiências do passado para ajudar a compreender o momento que vivemos hoje, em relação ao exercí-cio da cidadania de forma geral.

A construção da chamada “cidada-nia judiciária” requer a consciência de que todos somos sujeitos de direitos, o que resulta na possibilidade de cons-truir e reivindicar direitos no cotidiano. No contexto das cidades brasileiras, essa capacidade criativa, construtiva e reivindicatória dos sujeitos está se am-pliando, na medida em que as ruas vêm se tornando, em especial a partir de ju-nho de 2013, o espaço privilegiado de afi rmação e exercício da cidadania.

Diante dessa conjuntura complexa e dinâmica, vamos compreender a im-portância dos movimentos sociais urba-nos e as perspectivas para a ação co-letiva e participativa nas nossas cidades sob o viés jurídico, político e cultural.

2.COMO SE FORMARAM ASCIDADES NO BRASIL?ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESPAÇO URBANOAntes de adentrarmos o conceito de movimento social urbano, é preciso en-tender o contexto social, cultural e eco-nômico que marcou o surgimento das cidades no Brasil. Conforme o geógrafo Milton santos1 (1987), o espaço urbano pode ser considerado o conjunto indis-sociável dos objetos espaciais, ou seja, das formas materiais e estruturas das quais necessitamos para sobreviver, arti-culado às pessoas, modos de vida que movimentam tais objetos. De acordo com essa defi nição, o modelo de produ-ção de riquezas e de desenvolvimento econômico defi ne a confi guração espa-cial das cidades. Esse modelo também se refl ete nos modos de vida, costumes e culturas existentes no espaço urbano.

1 Geógrafo e livre pensador brasileiro, o professor doutor Milton Almeida dos Santos nasceu em Brotas de Macaúbas, no interior da Bahia, no dia 3 de maio de 1926. Doutor honoris causa em vários países, autor de cerca de 40 livros, ensinou em diversas universidades internacionais, por conta do exílio político nos idos de 1964, em decorrência da perseguição pela ditadura civil-militar brasileira. Milton Santos formou-se em Direito no ano de 1948, pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), doutorou-se em Geografi a e foi autor de obras e ideias originais e fundamentais para a compreensão do pensamento cultural, social e político brasileiro, tais como: O Povoamento da Bahia (1948), O Futuro da Geografi a (1953), Por Uma Outra Globalização e Território e Sociedade no Século XXI (editora Record). Foi o único brasileiro e receber o prêmio VautrinLud, considerado o prêmio Nobel da área de Geografi a.

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Neste sentido, a formação dos es-paços urbanos brasileiros foi marcada por um profundo processo de exclusão e segregação social e racial. A força de trabalho para as indústrias e empresas que começavam a se desenvolver nos centros urbanos foi formada com o processo de expulsão das populações pobres do campo para a cidade. Certos eventos históricos nos ajudam a com-preender como e por que, ainda nos dias de hoje, observamos cenários tão desiguais em nossas cidades.

A abolição da escravidão no Brasil, em 1888, libertou negros e negras dos trabalhos forçados nos grandes latifún-dios. Entretanto, não lhes foi permitido o acesso à terra e aos meios para nela produzir. De acordo com a Lei de terras de 18502, o poder de compra determi-nava a distribuição territorial. Como aos ex-escravos era impossível adquirir pro-priedades e pagar impostos, lhes cou-be procurar novas formas de subsistên-cia e muitos se deslocaram para mais perto dos centros de comércio. Esse deslocamento provocou muito mais do que o simples inchaço demográfi co das cidades. A precariedade das condições de vida, determinada pela condição so-cioeconômica, passou a delimitar – e segregar – os espaços urbanos. Assim também se deu com os pequenos pro-prietários e trabalhadores rurais nas dé-cadas seguintes, com a modernização e a mecanização da produção agrícola.

Ao chegarem às cidades, sem aces-so à educação e à qualifi cação profi s-sional, cambiam-lhes ocupar postos de trabalho braçais, geralmente, nas ativi-dades portuárias, mal remuneradas e que demandavam grande esforço físi-co. Com a modernização do campo e a substituição da mão de obra escrava por imigrantes europeus, aos poucos as oligarquias rurais foram voltando seus investimentos para a indústria e para os empreendimentos urbanísticos de infraestrutura e geração de energia, o

que exigia a aquisição de grandes par-celas da terra urbana.

A formação de uma burguesia na-cional industrial deu-se a partir do capi-tal gerado na agricultura, em especial na região sul e sudeste, a partir da indústria cafeeira. A produção do espaço urbano obedeceu, portanto, a lógica de precari-zação do trabalho, enfrentada pelos tra-balhadores rurais migrantes, e à intensa circulação de capital gerada a partir das coalizões formadas entre elites agrárias e nascente burguesia industrial, que por sua vez necessitava da exploração de mão de obra barata para sua expansão.

As políticas de urbanização e mo-dernização refl etiram o crescimento das cidades, que foi acompanhado e constituído pela formação de espaços periféricos, devido a uma distribuição desigual dos bens necessários à sobre-vivência das pessoas no espaço urbano. moradia adequada, saneamento básico e acesso aos meios de transporte, por exemplo, existiam somente para aque-les em condições de custeá-los. Os cor-tiços, e logo depois as favelas3, demos-travam, desde o início do século XX, o padrão de desenvolvimento das cida-des e a difi culdade de sua alteração.

Neste período, o contexto em que ocorreu a sublevação popular conhecida por Revolta da Vacina ajuda-nos a com-preender esse padrão. O governo fede-ral, no início dos anos 1900, iniciava um processo de higienização e moderniza-ção das cidades, do qual a capital federal deveria servir de exemplo. Iniciou-se uma urbanização no centro do Rio de Janeiro, pautada pelos modelos europeus de ci-dades, tendo como principal modelo Pa-ris. O alargamento das ruas e a instalação de bondes elétricos exigiu uma grande “limpeza social”, e disso resultaram di-versos despejos e demolições chamadas popularmente de “bota-abaixo”.

A destruição de vários cortiços, áreas de habitação precária da imensa maioria dos trabalhadores urbanos, so-

2 A Lei n° 601, de 1850, caracterizou-se por normatizar a propriedade privada

da terra, que se tornou um bem de consumo, passível de ser negociado,

com os impostos devidos à Coroa. Essa condição de repasse e aquisição

da terra, somente por meio de um negócio de compra e venda, impediu

que ex-escravos pudessem adquirir legalmente suas propriedades de

terra (incapazes de arcar com a carga tributária), forçando-os, sendo assim, a deixar o campo décadas mais tarde,

com a abolição da escravatura. Essa lei consolidou a concentração de

terras e a continuidade ‒ e expansão ‒ das tradicionais oligarquias rurais.

3 A origem do termo “favela” remete à Guerra de Canudos, travada entre

tropas republicanas e seguidores de Antônio Conselheiro, no sertão baiano. O local que serviu de base

e acampamento dos soldados republicanos era chamado “Morro da Favela”, assim denominado devido à planta típica da região, o faveleiro. O Governo havia prometido aos cerca

de 10 mil combatentes que,em troca do alistamento na campanha militar,

receberiam casas na então capital federal. Ao desembarcarem no Rio, em 1897, coube-lhes aguardar pelo

cumprimento da promessa, que nunca se deu. Sem lugar para morar, os soldados e suas famílias ocuparam as encostas de um morro, localizado

atrás da Central do Brasil. O local foi batizado como Morro da Favela, devido à origem de seus primeiros

moradores. Favela, portanto, passou a denominar diversos outros conjuntos

de habitações precárias, situadas comumente nas encostas de morros

do Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras.

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mou-se à política sanitarista encabeça-da pelo então diretor do Departamento Federal de Saúde Pública, o médico sa-nitarista Oswaldo Cruz. Com o objetivo de eliminar os focos e a propagação de varíola e febre amarela, foi aprovada no Congresso a Lei da Vacina Obrigatória.

As políticas sanitaristas foram acom-panhadas de pouco ou nenhum esclare-cimento à população pobre, que cotidia-namente tinha suas residências invadidas pelas chamadas “Brigadas mata-mos-quito”. Já desconfi ada e ameaçada pela política de destruição dos cortiços, a vacina obrigatória foi interpretada pela população como uma forma de extermí-nio dos pobres da cidade. A resistência à vacinação obrigatória espalhou-se de forma rápida, e diversos motins passa-ram a ser organizados.

Inconformados com a política de expulsão da pobreza e com o trata-mento violento que recebiam do poder público, milhares de pessoas foram às ruas. O governo federal e do estado do Rio de Janeiro responderam de forma repressiva, o que resultou em dezenas de mortos e feridos. muitos dos mani-festantes detidos foram enviados para o estado do Acre, de forma autoritária e sem direito de defesa. O exemplo da Revolta da Vacina ilustra um pouco do

que foi a formação das cidades brasilei-ras, e tem semelhanças com processos que ocorrem ainda hoje.

Observa-se que, logo nos primeiros anos de República no Brasil, a política pública de distribuição do solo urbano obedecia aos interesses do crescimen-to econômico e industrial. Tal dinâmica tornou-se um refl exo da modernização não inclusiva, desorganizada e ambien-talmente irresponsável da qual foram palco as cidades brasileiras, da década de 1940 em diante. O crescimento rá-pido e intenso das cidades resultou na ocupação desordenada do solo. Nesse processo, as situações de extralegalida-de, seja em relação às normas urbanís-ticas ou mesmo de proteção ambiental, não foram exceção no cotidiano urbano. Entretanto, a condição de ilegalidade4 acompanhou com maior intensidade a vida dos mais pobres, como se pôde ob-servar no exemplo da Revolta da Vacina.

As condições que geraram o histó-rico levante popular agravaram-se com o crescimento demográfi co e o inten-so fl uxo migratório advindo do campo. Conforme Raquel Rolnik (2008), entre as décadas de 1940 e 2000 a população brasileira passou de predominantemen-te rural para majoritariamente urbana5, como mostra o gráfi co 1.

4 Conforme Raquel Rolnik (1999), essa condição foi se defi nindo como “a alta densidade e subdivisão de casas e terrenos, confi guração urbanística considerada promíscua, indisciplinada e desregrada, ou seja, como espaço sem lei, marginal. O lugar e a condição passam a constituir assim uma só zona de opacidade no tecido social. Esta correspondeu, em um primeiro momento, ao território negro na cidade e depois, pouco a pouco, foi incorporando os bairros populares de imigrantes até se identifi car plenamente na década de 30, como território estrangeiro numa cidade cujo projeto cultural era francamente nacionalista”.

5 Entre 1950 e 1970, quase 39 milhões de pessoas migraram do mundo rural e se transformaram em trabalhadores urbanos vulneráveis, em razão do processo incompleto do assalariamento e da precária propriedade da moradia autoconstruída (RIBEIRO; JÚNIOR, 2011).

Fonte: Tendências Demográfi cas, 2000, IBGE, 2001.

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Entretanto, as políticas públicas de acesso a direitos econômicos e sociais, como o direito ao trabalho, à moradia, à educação e à saúde não acompanharam o rápido e intenso processo de urbaniza-ção. mesmo com a expansão de postos de trabalho e o aumento da diversidade e capacidade produtiva de empresas e indústrias, o salário da maioria dos tra-balhadores não conseguiu proporcio-nar o mínimo de qualidade de vida nas grandes cidades. Enquanto isso, os es-paços urbanos foram sendo ocupados, divididos e operacionalizados a partir dos interesses econômicos e da acumu-lação de riquezas.

Conforme esse apanhado inicial é possível caracterizar dois elementos im-portantes para a questão urbana no Bra-sil. O primeiro relaciona-se ao modelo de desenvolvimento e a forte concentra-ção de renda que marca o crescimento das cidades em nosso país. A dinâmica de formação, crescimento e transforma-ção das nossas cidades refl ete o controle excludente do acesso à riqueza, à renda e às oportunidades geradas e pelo uso e ocupação do solo urbano. O segundo consiste na ausência ou existência inex-pressiva e não efi caz dos mecanismos de participação implementados pelo Poder Público. O exercício do direito à participação, manifestação e organiza-ção nas cidades encontra sérias barrei-ras para ser efetivado. Uma das causas para esse quadro consiste na defi ciência do Estado no tratamento concedido a profundas problemáticas sociais, como o défi cit habitacional6, por exemplo.

Observamos que a divisão da ci-dade retrata a divisão das pessoas de acordo com o papel que desempenham no processo geral de produção e repro-dução da economia. As famílias moram onde podem pagar, e pagam de acor-do com o que conseguem produzir. E quem não trabalha ou não recebe o su-fi ciente para custear uma moradia mini-mamente adequada? Essa é a situação

de grande parte das famílias brasileiras, conforme se depreende dos índices de défi cit habitacional.

Conforme analisamos até aqui, o desenvolvimento das cidades combi-nou-se com novas práticas de acumu-lação de riquezas, que foram incapazes de promover a distribuição democrática dos bens e serviços necessários à sobre-vivência no espaço urbano. A questão urbana, portanto, confi gurou-se em tor-no da desigual distribuição de recursos e de bens necessários à vida nas cidades. Ainda, caracterizou-se pela histórica ex-clusão de grande parcela da população das discussões e decisões institucionais acerca do conteúdo das políticas públi-cas para as cidades. No próximo tópico, vamos analisar o conceito de movimen-tos sociais e de participação, suas nuan-ces e sua importância em relação às pro-blemáticas da questão urbana no país.

3.MOVIMENTOS SOCIAIS: UM CONCEITO EM CONTÍNUA CONSTRUÇÃOAs possibilidades jurídicas e políticas de participação e exercício da cidadania, que atualmente encontramos consubs-tanciadas na Constituição Federal de 1988 e, em diversos dispositivos legais que tratam da questão urbana, estão profundamente conectadas à história dos movimentos sociais urbanos e rurais e à capacidade de intervenção e mobili-zação dos brasileiros.

No entanto, o que são movimentos sociais? Como conceituá-los? Cientistas

6 Tem-se que o conceito de défi cit habitacional “[...] está ligado diretamente às defi ciências do estoque de moradias. Engloba aquelas

sem condições de serem habitadas devido à precariedade das construções ou em virtude de desgaste da estrutura física. Elas devem ser repostas. Inclui ainda a necessidade de

incremento do estoque, devido à coabitação familiar forçada (famílias que pretendem constituir um domicílio unifamiliar), aos

moradores de baixa renda sem condições de suportar o pagamento de aluguel e aos que

vivem em casas e apartamentos alugados com grande densidade de pessoas. Inclui-se ainda nessa rubrica a moradia em imóveis e locais

com fi ns não residenciais.” O défi cit habitacional pode ser quantitativo ou qualitativo. O primeiro

consiste na quantidade de moradias que já existem, mas que necessitam de reforma, de melhorias no seu entorno ou regularização

da posse. O segundo é composto pela quantidade de novas moradias que precisam

ser construída. O défi cit total estimado em 2010 foi de 6 milhões e 940 mil habitações. Deste total, 85% estavam em áreas urbanas e 15%

em áreas rurais. No período avaliado, o défi cit habitacional relativo do país, que dimensiona a carência em relação ao total de domicílios

da região e permite a comparação de regiões de tamanhos diferentes, era de 12,1%. Ao se

considerar os municípios brasileiros, os maiores défi cits habitacionais estavam em São Paulo - SP (474 mil unidades), Rio de Janeiro - RJ (220 mil),

Brasília - DF (126 mil), Salvador - BA (106 mil), Manaus - AM (105 mil); Fortaleza - CE (95 mil), Belo Horizonte - MG (78 mil), Belém - PA (72

mil), Recife - PE (62 mil) e Goiânia - GO (62 mil). Segundo o estudo, a carência de infraestrutura urbana foi o componente de inadequação que

mais afetou os domicílios urbanos brasileiros. No total, 13 milhões de habitações (26,4%) careciam de pelo menos um item de infraestrutura básica:

água, energia elétrica, esgotamento sanitário ou coleta de lixo. Dados retirados do Relatório

da Fundação João Pinheiro sobre o défi cit habitacional do Brasil em 2010.

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Para RefletirÉ possível encontrar exemplos recen-tes que se assemelham à postura de higienização social promovida pelo Estado brasileiro no contexto da Revolta da Vacina?

políticos e sociais, antropólogos, juristas etc., apresentam diversas visões e no-ções do que seja um movimento. Apesar disso, é possível afi rmar uma análise que perpassa as diversas teorias: a percepção de que não é possível analisar os movi-mentos sociais de forma isolada, distan-te do contexto histórico e social em que surgem, ampliam-se e transformam-se.

Alguns elementos que nos apro-ximam de uma caracterização do que sejam os movimentos sociais são: o po-tencial de ação e organização coletiva, a necessidade de participação na vida po-lítica e de construção de mecanismos de democracia direta, a criação de diferentes espaços de poder, a capacidade de auto-gestão e a luta por mudanças específi cas e/ou estruturais no bairro, na cidade, no campo ou na sociedade como um todo.

No contexto latino-americano e bra-sileiro, é possível identifi car que o surgi-mento e a organização dos movimentos sociais encontram-se conectados às rei-vindicações por melhores condições de vida, por novos direitos e por mudanças radicais nos processos de participação política e de abertura democrática.

Assim como os partidos políticos, associações de bairro e de moradores, grêmios estudantis e centros acadêmi-cos ou sindicatos os movimentos sociais compreendem um tipo de organização da sociedade civil. Eles apresentam dife-renças entre si, tanto em relação às con-junturas sociais e políticas dos períodos em que emergem quanto às suas pautas de reivindicação e formas de organiza-ção. Nos partidos políticos, por exem-plo, encontramos uma gama de debates e disposições sobre a questão nacional e internacional, sobre o melhor projeto econômico, cultural e social para a reali-dade brasileira ou mundial e, na grande maioria deles, desponta-se a necessida-de de atuação no âmbito institucional (Poderes Executivo e Legislativo).

Ao contrário, no âmbito dos movi-mentos sociais, verifi ca-se muitas vezes a emergência de questões específi cas, que podem ou não estar relacionadas a refl exões mais amplas e totais sobre a política e o poder na sociedade. muitos desses grupos elencam uma única ne-cessidade ou discussão que reúna os as-pectos necessários à construção de uma unidade ou uma identidade, como a questão racial, étnica, de gênero e diver-sidade, ambiental, pacifi sta etc. Também é possível considerar, nessa perspectiva, a organização dos sem-terra, sem-teto, dos atingidos por barragens, dos de-sempregados, entres outros. Trata-se de grupos de pessoas que se organizam em torno de uma ou mais pautas específi cas, atuam predominantemente fora da insti-tucionalidade7, e buscam infl uenciar os governos e garantir direitos.

As reivindicações dos movimentos sociais reforçam a necessidade da auto-nomia dos cidadãos para o alcance de um nível de democracia concreto, em que o povo atue como poder efetivador das próprias normas. Quando o reco-nhecimento dos direitos básicos da po-pulação não ocorre ou mesmo quando os meios reconhecidos ou instituciona-lizados não se mostram sufi cientes para a sua concretização, as formas de ação política dos movimentos sociais repre-sentam uma expressão democrática da soberania popular.

No entanto, na própria dinâmica social e política, existem movimentos que, em torno de demandas por direi-tos ou questões específi cas, contestam os processos mais amplos e as estrutu-ras históricas desiguais da sociedade, propondo transformações amplas e profundas. Em que pesem as inúmeras diferenças, os movimentos sociais cor-respondem às formas de organização dinâmicas e legítimas, no contexto de uma sociedade democrática.

7 Institucionalidade, aqui, deve remeter o leitor ao ambiente institucional-formal, concebido por meio dos espaços de organização formal e administrativa dos poderes do Estado. De acordo com a divisão das funções estatais em Executiva, Legislativa e Judiciária, é possível apontar a existência de uma série de instituições (órgãos do Estado) que garantem o funcionamento dessa estrutura organizativa. Especialmente para o campo da ação política institucionalizada, esse espaço corresponde ao âmbito Legislativo (Parlamento), em que se exerce, por meio do procedimento de escolha de representantes, a defi nição das matérias legislativas e o controle social do funcionamento do Estado, em especial no processo de implementação de políticas públicas, por meio da atividade parlamentar.

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De acordo com a cientista política Andreia Galvão (2008), as intervenções dos movimentos sociais denunciam dois elementos importantes, caracte-rísticos do atual sistema político: os li-mites à participação popular e o enfra-quecimento e a perda de legitimidade das instituições políticas tradicionais. As instituições tradicionais passaram a representar, nesse contexto de crise, práticas corruptas e autoritárias que, no caso brasileiro, por exemplo, demar-cam o sentido pejorativo e negativo da expressão “fazer política”.

Diante dessa crítica, novas formas de participação são criadas pelos mo-vimentos sociais, em especial os movi-mentos sociais urbanos. Um exemplo claro pode ser visto quando se analisam os movimentos sociais de luta pelo di-reito à moradia adequada e o direito à cidade8. São as assembleias de bairro e assembleias comunitárias que defi nem as principais políticas e ações, com a participação de todas as pessoas e fa-mílias envolvidas. As autoridades não são os participantes da cúpula do movi-mento, mas todos os envolvidos. Trata--se de experiências de democracia di-reta, vivenciadas também por ações de solidariedade e autogestão.

Assim, os movimentos sociais con-tribuem para promover a ação política no campo e nas cidades, politizando a sociedade civil como um todo e pro-movendo novas práticas e novas formas de participação. Esse caráter político é considerado por Andreia Galvão como um elemento comum aos diferentes movimentos sociais9.

Diante da grande diversidade de pautas e reivindicações, é possível afi r-mar que os movimentos sociais buscam transformar as relações tradicionais entre indivíduos e entre esses e o Estado. Para compreendermos melhor o que são os movimentos, podemos elencar algumas características e diferenças dos movimen-tos sociais urbanos e rurais na sociedade

brasileira. Suas principais diferenças po-dem ser identifi cadas de acordo com as origens, as demandas e reivindicações e as formas de organização.

A questão agrária no Brasil, em especial a problemática da desigual-dade na sua divisão de terras e a sua concentração, desenvolve-se com mais intensidade a partir do século XIX, com dois eventos importantes, como vimos, infl uenciaram também no surgimento das desigualdades nas cidades: a pro-mulgação da primeira Lei de Terras do país, em 1850, e a abolição da escravi-dão, em 1888. Desde esse período até o surgimento de movimentos sociais organizados no campo, é fundamental sistematizar as diversas revoltas popu-lares e sublevações que, em que pese não se intitulassem como movimentos sociais à época, podem ser considera-das precursoras das organizações mais recentes. A organização de comuni-dades rurais e urbanas chamadas qui-lombos10, a Guerra de Canudos (1896) e do Contestado (1916), o movimento do Cangaço (1840).

A organização um pouco mais sis-tematizada de trabalhadores rurais, em torno de reivindicações específi cas que envolvessem processos de ação coleti-va e formação política, inicia-se de for-ma pontual na década de 1950, com a formação das chamadas Ligas Campo-nesas. Até o Golpe militar de 1964, as Ligas Camponesas consistiam no prin-cipal movimento social camponês do Brasil e seu principal objetivo era de lutar por melhores condições de vida para os trabalhadores do campo. Du-rante a ditadura civil-militar, há um pe-ríodo de refl uxo dessas reivindicações, que voltam a representar mais força e liberdade de ação a partir da segunda metade da década de 1970.

A partir desse período, tem-se o surgimento do movimento dos Traba-lhadores Rurais Sem-Terra (mST), que há 30 anos é composto por campone-

8 O autor David Harvey (2013) apresenta a defi nição dessa

expressão: “Saber que tipo de cidade queremos é uma questão que não

pode ser dissociada de saber que tipo de vínculos sociais, relacionamentos

com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos nós

desejamos. O direito à cidade é muito mais que a liberdade individual de ter acesso aos recursos urbanos: é

um direito de mudar a nós mesmos, mudando a cidade. Além disso, é um

direito coletivo, e não individual, já que essa transformação depende do exercício de um poder coletivo

para remodelar os processos de urbanização. A liberdade de fazer

e refazer as nossas cidades, e a nós mesmos, é, a meu ver, um dos nossos direitos humanos mais preciosos e ao mesmo tempo mais negligenciados.”.

9 Os movimentos sociais emergem num contexto determinado, no qual

há uma difi culdade de apreender a esfera política (as difi culdades de se exprimir através das instituições

disponíveis, dos canais de representação tradicionais). Ou seja,

eles não exprimem uma rejeição à política, tampouco se dirigem

somente ao Estado. Eles têm projetos próprios, alternativos, expressam

uma tentativa de transformação da sociedade. Não demandam apenas

uma reorientação da política de Estado, uma intervenção, uma política

pública, eles tentam fazer política de outro modo, são portadores de

concepções distintas do que deve ser a política de Estado”

(GALVÃO, 2008, p. 13).

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ses expulsos de suas terras, pequenos agricultores, meeiros, parceiros, de-sempregados urbanos e trabalhadores informais. Também são movimentos so-ciais do campo, no Brasil, o movimento dos Atingidos por Barragens (mAB), o movimento de Pequenos Agricultores (mPA), o movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (mPP), o Con-selho Pastoral dos Pescadores (CPP), a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

No campo dos confl itos fundiários do campo, também a partir desse pe-ríodo ganha destaque as ações do mo-vimento indígena e as diversas organi-zações (mais de 48611) que lutam pela reapropriação dos territórios tradicio-nais, tais como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e o Conselho Indigenista missionário (CImI). O movi-mento quilombola e de comunidades tradicionais também compõe o quadro das questões sociais e territoriais no campo brasileiro, e tem denotado um expressivo crescimento em especial a partir da Constituição de 1988 e a refe-rência, ainda que tímida, aos territórios tradicionais de comunidades remanes-centes de quilombos.

As origens dos movimentos so-ciais urbanos12 no Brasil remontam às revoltas populares por melhores con-dições de vida, habitabilidade e de trabalho no espaço urbano. Assim, o movimento sindical representou, desde o início do século xx13, maior expres-sividade no cenário das lutas urbanas. As grandes greves operárias ocorridas na região do ABC paulista, no período da ditadura civil-militar, envolviam rei-vindicações por melhores salários, con-dições do ambiente de trabalho, vanta-gens materiais e o reconhecimento ou aplicação prática de alguns direitos. Os grevistas foram reprimidos pelo Estado, mas as greves gerais representaram um marco na história da organização autô-noma do operariado brasileiro.

Nesse período, diversas organiza-ções urbanas forjaram-se, unindo forças para combater a repressão militar, den-tre as quais podemos citar o movimen-to estudantil e as Comunidades Ecle-siais de Base (CEB). Esses movimentos urbanos responderam pelos principais embates e lutas pela democracia, liber-dade de expressão e de organização. Ainda que não se referissem às ques-tões estruturais do desenvolvimento das cidades, esses movimentos, em es-pecial o movimento sindical e estudan-til, trouxeram experiências importantes para a organização popular e para a discussão dos aspectos materiais que envolvem a problemática urbana.

As CEB, nesse sentido, desempe-nharam um papel muito importante para o estímulo à organização popular em torno de demandas por serviços básicos nas cidades, em especial na luta por moradia digna. A capacidade de articulação entre os diferentes mo-vimentos e organizações – e a possibi-lidade de formação de redes de apoio e solidariedade – consiste em uma ca-racterística importante no histórico dos movimentos sociais urbanos. Desde meados da década de 1970, a organi-zação dos movimentos de luta por mo-radia digna, por exemplo, em muito foi potencializada pela atuação das CEB e de setores do movimento estudantil nos bairros pobres das grandes cidades brasileiras, por exemplo.

Em torno de demandas por mo-radia, regularização fundiária, saúde e saneamento, educação, trabalho e cul-tura, os movimentos sociais passaram a ganhar força nas cidades, com des-taque para sua atuação no período de redemocratização do país, na década de 80. Nesse contexto, os movimentos de moradia se articularam com outras organizações da sociedade (sindicatos, universidades, organizações não gover-namentais) e ampliaram a luta do direito

10 De acordo com o antropólogo José Maurício Arruti (2006), o quilombo é uma categoria social relativamente recente, representando uma força social relevante no meio rural brasileiro, capaz de oferecer uma nova tradução antes conhecido como comunidade negra rural (mais ao centro, sul e sudeste do país) e terra de preto (mais ao norte e nordeste).Elementos que também começam a penetrar o meio urbano, dando nova tradução a um conjunto distinto de situações que vão desde antigas comunidades negras rurais atingidas pela expansão dos perímetros urbanos até bairros no entorno de terreiros de candomblé. As comunidades quilombolas se caracterizam pela prática do sistema de uso comum de terras, concebidas como um espaço coletivo e indivisível. O território é ocupado e explorado por meio de regras consensuais entre os diversos grupos familiares que compõem as comunidades, cujas relações são orientadas pela solidariedade e ajuda mútua.11 De acordo com pesquisa realizada em 2009, pela Universidade de Brasília (UNB). Disponível em <http://www.unbciencia.unb.br/index.php?option=com_content&view=article&id=65:pesquisa-recupera-historia-do-movimento-indigena-no-brasil&catid=16:historia>12 Por movimento social urbano, entendemos um sistema de práticas que resulta da articulação de uma conjuntura defi nida, ao mesmo tempo, pela inserção dos agentes de apoio na estrutura urbana e na estrutura social, e de tal modo que seu desenvolvimento tenda objetivamente para a transformação estrutural do sistema urbano ou para uma modifi cação substancial da relação de força na luta de classes, quer dizer, em última instância, no poder do Estado” (CASTELLS, 1983, p. 461).

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à moradia, constituindo uma importan-te rede em busca por reforma urbana, como veremos a seguir.

Os movimentos urbanos articulam, em maior ou menor medida, em seu surgimento, a relação entre a qualida-de de vida nas cidades e o trabalho, bem como conseguem estabelecer discussões importantes, relacionando os diferentes problemas urbanos. Nes-se sentido, de acordo com a forma de organização e as ligações entre os di-versos movimentos, é possível apontar para um processo de politização cada vez maior e mais intenso, que se afi rma a partir do potencial de crítica às estru-turas sociais e econômicas que determi-nam a vida nas cidades.

Esse grau de politização pôde ser evidenciado com a ampliação das lutas políticas pelo direito à cidade, na déca-da de 80, bem como a partir das mobi-lizações urbanas do século XXI. No pró-ximo tópico vamos identifi car o papel dos movimentos sociais urbanos para a evolução dos mecanismos legais de ga-rantia de direitos, com destaque para a Constituição de 1988 e o Estatuto das Cidades (Lei Federal nº 10.257/2001).

4.CIDADANIA E A PARTICIPAÇÃO NOS RUMOS DA CIDADE: MORADIA DIGNA E DIREITO À CIDADEAs questões relativas ao modelo de de-senvolvimento predominante nas cida-des afl oraram a partir da articulação de diversas demandas: moradia e regula-rização fundiária, trabalho e emprego, educação, cultura, transporte público de qualidade, meio ambiente saudável e adequado, dentre outras. Nesse senti-do, o envolvimento político dos distintos movimentos e organizações sociais re-sultou em uma atuação importante em torno da bandeira da Reforma Urbana e do Direito à Cidade.

A expressão “direito à cidade” pas-sou a signifi car, na prática, a necessida-de de problematizar e ampliar a partici-pação popular na defi nição nos rumos da política urbana de forma geral. No âmbito teórico, essa foi uma expres-são cunhada por henri Lefebvre14, em 1968, na obra “O Direito à Cidade”. De acordo com a expressão, a vida nas ci-dades envolveria não somente o direito ao trabalho, à instrução, à educação, à saúde, à habitação, ao lazer, mas tam-bém o direito à criação, à atividade po-lítica participante, capaz de apropriar-se dos rumos da cidade.

De acordo com a urbanista Regina Fátima Ferreira (2012), a partir da de-manda por habitação constituem-se, na década de 1980, os dois principais mo-vimentos de moradia organizados na-cionalmente no Brasil: a União Nacional

13 A greve geral de junho de 1917 foi o primeiro grande movimento

paredista brasileiro. Consistiu em uma onda de greves que se iniciaram no

estado de São Paulo, em duas fábricas têxteis, que em seguida obtiveram a adesão dos servidores públicos e

demais trabalhadores da indústria e do comércio. De forma rápida, o movimento

se espalhou para o Rio de Janeiro e para o Rio Grande do Sul. Os imigrantes italianos e espanhóis que participavam dos sindicatos, ligas e uniões operárias auxiliaram na concepção e nas pautas do movimento, compostas por ideias

e táticas anarquistas e socialistas. Considerada uma manifestação

explosiva e espontânea do operariado brasileiro, o movimento denunciava

a situação de vida e de trabalho insustentável dos trabalhadores.

Por isso mesmo, a greve alcançou grandes proporções e, por meio dela,

o movimento operário conquistou legitimidade e reconhecimento no Brasil, apesar da dura repressão e

perseguição que sofreram seus principais participantes.

14 Sociólogo francês, Henri Lefebvre nasceu em junho de 1901, em Hagetmau, França, e faleceu a 29 de junho de 1991.

Lefebvre foi um estudioso da vivência das cidades e da sociologia rural. Ressaltou a importância do carácter histórico das ideias de Marx acerca da infl uência do

fator econômico na história. H. Lefebvre propôs uma crítica da vida quotidiana.

Realizou importantes estudos referentes ao espaço urbano, escrevendo obras

como O direito à cidade, em 1969, e A revolução urbana, em 1970, nas quais

analisa a infl uência do sistema econômico capitalista no espaço urbano, com base

na necessidade do poder industrial de “modelar” a cidade de acordo com os seus interesses, mas sem excluir a infl uência de outros agentes sociais.

Para RefletirQuais são as principais característi-cas dos movimentos sociais e como a existência dessas organizações pode estimular a participação das pessoas na vida política das cidades?

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CURSO CIDADANIA JUDICIÁRIA 171

por moradia Popular (UNmP) e o mo-vimento Nacional de Luta por moradia (mNLm). O processo de elaboração da Constituição de 1988 previa a possibili-dade – conquistada pelos movimentos sociais – de apresentação de emendas populares, o que provocou a articula-ção de entidades e organizações para discutir uma proposta de Emenda Po-pular de Reforma Urbana, que acabou por resultar na organização do movi-mento Nacional de Reforma Urbana (mNRU), posteriormente denominado Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU). Desde então, o FNRU reúne movimentos populares, organizações não governamentais, associações de classe e instituições acadêmicas e de pesquisa, organizados numa coorde-nação nacional e em diversos fóruns re-gionais, estaduais e locais, autônomos entre si (FERREIRA, 2012).

Os marcos legais inscritos no texto da Constituição de 1988 (Título IV, Capí-tulo II – Da política urbana – artigos 182, 183) foram levantados, defendidos e garantidos a partir da pressão da Fren-te e dos demais movimentos. Apesar de a Constituição ter incorporado pou-cas propostas da Emenda Popular de Reforma Urbana, elas foram referência para que o movimento incidisse sobre as constituições estaduais e municipais elaboradas em seguida, infl uenciando as políticas urbanas que seriam imple-mentadas nestes âmbitos na década de 1990 (FERREIRA, 2012).

A atuação social permaneceu forte mesmo após a promulgação da Consti-tuição, dado que a inclusão do direito à moradia como um direito social funda-mental deu-se no ano 2000, e a regula-mentação do Capítulo referente à Políti-ca Urbana ocorreu apenas em 2001, com a aprovação do estatuto da cidade15. Também é importante considerar a Lei n° 11.124/2005, que dispõe sobre a utiliza-ção prioritária de terrenos de proprieda-de do Poder Público para a implantação

de projetos habitacionais de interesse social, criando o Sistema e Fundo Nacio-nal de habitação de Interesse Social.

Interessante notar que a alteração da Lei n° 11.124/2005 (viabilizando o acesso aos fundos públicos para coo-perativas e associações) e a criação da Ação de Produção Social da moradia ocorreram somente após a Jornada de Lutas pela Reforma Urbana e Direito à Cidade de 2007, organizada pelo FNRU e diversas outras organizações da socie-dade civil. Em 2007, tem-se a aprovação da lei que estabelece a Política Nacio-nal de Saneamento Ambiental (Lei nº 11.445/2007). Em tempos mais recen-tes, no ano de 2012, estabeleceu-se a Política Nacional de mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012).

É possível identifi car que a im-plementação desses marcos legais se mostrou possível a partir do poder de articulação e atuação dos movimen-tos sociais urbanos. Apesar de ainda bastante frágeis em sua concretização, são elementos importantes para com-preender a importância da organização popular para a conquista e o exercício de direitos fundamentais. O direito à moradia digna também se expressa no ordenamento jurídico brasileiro por meio da outros instrumentos internacio-nais de proteção aos direitos humanos: a Declaração Universal dos Direitos hu-manos da ONU (art. XXV, item I); o Pacto Internacional pelos Direitos Econômi-cos, Sociais e Culturais (PIDESC), que estabelece em seu artigo 11 o direito à moradia adequada, à disponibilidade de serviços e infraestrutura, ao custo da moradia acessível, e à habitabilidade, acessibilidade, localização e adequa-ção cultural da habitação; o Comentário Geral nº. 4 da Organização das Nações Unidas, que faz menção à segurança ju-rídica da posse e prevê expressamente a proteção do cidadão das remoções forçadas e ameaças.

15 O Estatuto da Cidade é uma lei federal que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição brasileira de 1988. Essa lei reúne um conjunto de mecanismos legais inovadores (ações legais que permitem ao poder público intervir nos espaços urbanos), somados à previsão de políticas públicas, para auxiliar o município a garantir as funções sociais da propriedade e da cidade. Observe que a concepção de desenvolvimento urbano que norteia a legislação refere-se ao conceito de direito à cidade, o que refl ete a importância da atuação dos movimentos sociais urbanos: “A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I ‒ garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.” Ainda, o Estatuto institucionaliza instrumentos para a gestão democrática das cidades: órgãos colegiados representativos, debates, audiências públicas, consultas públicas e conferências. A participação popular passa a ser considerada, mais diretamente e a partir de uma previsão legal expressa, um requisito essencial para a formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano, bem como para a aprovação de qualquer projeto, pelas Câmaras Municipais, sobre propostas que interfi ram nos planos plurianuais, nas leis de diretrizes orçamentárias e nos orçamentos anuais (ANCOP, 2012, p. 51).

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Apesar do avanço na legislação in-terna e internacional e de sua importân-cia para a ação dos movimentos sociais urbanos, que lutam cotidianamente por sua efetivação e ampliação, os altos índices de défi cit habitacional e a se-gregação sócio espacial ainda marcan-te nas cidades denunciam a pouca ou nenhuma transformação estrutural no quadro brasileiro. Nos últimos dez anos, apesar do crescimento econômico mé-dio de 3,6% ao ano (IBGE, 2000-2010), a população nas favelas cresceu 75%, en-quanto a população brasileira como um todo apenas 12,3% (IBGE, 2010).

O caráter político dos movimentos sociais urbanos no Brasil passa a se des-tacar no processo de discussão de refor-ma urbana e na busca pela realização de processos autogestionários16 nas cida-des, que permitiam a participação social mais intensa e direta. Assim, somam-se aos movimentos de moradia e de refor-ma urbana os movimentos de juventu-de, como o do hip-hop, que discute o direito à cultura e ao lazer como formas de apropriação política nas cidades; os movimentos dos trabalhadores desem-pregados; os movimentos ambientalis-tas; os movimentos pela mobilidade ur-bana e pelo passe livre; os movimentos de rádios comunitárias; entre outros.

5.OS MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS E A CIDADANIA JUDICIÁRIAO ativismo dos movimentos sociais ur-banos refl ete-se não somente na esfera legislativa e executiva, mas também no âmbito do Poder Judiciário. Com a pro-mulgação da Constituição Brasileira de 1988, a divisão de papeis entre os que legislam e os destinatários do direito vi-gente teve de ser reconsiderada, para que um não prejudicasse o outro e, sen-do assim, fosse ampliada a concretização dos direitos fundamentais garantidos constitucionalmente. A discussão acerca do tipo de cidade que se deseja construir se expressa também por meio de ações judiciais e estratégias jurídicas, que se tornaram cada vez mais frequentes no co-tidiano dos movimentos sociais urbanos.

Essa situação também se explica porque a situação de extralegalida-de se tornou a tônica no que tange ao crescimento das cidades. A grilagem17 de terras e a especulação imobiliária

16 Signifi ca que os próprios grupos envolvidos são os atores e responsáveis pela gestão dos processos e das decisões mais importantes. Esta ideia implica

um aprofundamento da prática democrática.

17 Grilagem consiste no ato de falsifi cação de documentos para, ilegalmente, se tomar posse de

terras devolutas ou de terceiros. A venda de terras pertencentes ao

poder público ou de propriedade particular mediante falsifi cação de

documentos de propriedade da área também constitui grilagem. O termo “grilagem” provém da

técnica utilizada para se conseguir o efeito envelhecido de escrituras de

propriedade, que consiste em colocar as escrituras falsas dentro de uma caixa com grilos, de modo a deixar

os documentos amarelados e roídos, dando-lhes uma aparência antiga.

Para RefletirComo a organização dos movimen-tos sociais ajudou na constituciona-lização do direito social à moradia?

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constituem-se como práticas comuns no mercado imobiliário e contribuem para a concentração de renda e a segrega-ção social e cultural do espaço urbano. Apesar de serem práticas proibidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, o senti-mento comum de ilegalidade perpassa os setores mais pobres da sociedade, com destaque para as pessoas sem--teto, desempregadas e/ou em situação de défi cit habitacional. Nesse âmbito, muitas vezes as reivindicações dos movi-mentos e suas formas de atuação ou são ignoradas pela sociedade em geral, ou são recebidas de forma repressiva.

No entanto, os movimentos sociais urbanos pautam cada vez mais e de for-ma mais direta o Poder Judiciário, seja em casos de confl itos fundiários, seja no oferecimento de denúncias de violações de direitos humanos de forma geral. O tratamento judicial nos casos de confl i-tos fundiários, ocupações irregulares ou mesmo de protestos de rua não recebem o tratamento constitucional adequado.

A proteção que deveria ser con-cebida ao exercício da cidadania no Brasil ainda encontra sérias limitações de cunho social, econômico e cultural, que se expressam muitas vezes devido à existência do preconceito racial, de classe e também de gênero nas institui-ções brasileiras. Em que pesem as difi -culdades e contradições, é possível afi r-mar que o acesso à justiça, apesar de ainda defi citário, tem denotado algum crescimento, especialmente a partir da ampliação das defensorias públicas da União e dos estados.

O exercício da cidadania pelos mo-vimentos sociais põe em questão os li-mites da democracia vigente, questiona os níveis de democratização alcançados na perspectiva daqueles que sofrem com os efeitos negativos da falta de participação e das condições desiguais de acesso aos bens materiais básicos. Como elemento fundamental na orga-

nização da resistência às condições pre-cárias de vida ou às situações de violên-cia e opressão, os movimentos sociais urbanos possuem papel importante na concretização de uma cidade diferen-te, mais justa e democrática. Em diver-sos casos, é só a ação dos movimentos que consegue dar efetividade a direitos constitucionais, signifi cados a partir da participação e da mobilização políticas desencadeadas mediante sua atuação.

A atuação dos movimentos sociais urbanos pretende substituir as ingerên-cias e ilegalidades forjadas pelo pro-cesso de acumulação urbana recente (o chamado modelo cidade-mercadoria18), por um regime capaz de assegurar a todos o de participar e decidir sobre o espaço onde se vive. As possibilidades de invenção e construção da política nas ruas, a partir da atuação e participação de todos de forma autônoma encontra respaldo na Constituição Federal, em es-pecial em seu artigo 5º, § 2º:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a in-violabilidade do direito à vida, à li-berdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] §2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princí-pios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

A afi rmação de novos direitos e garantias são bem-vindas se em con-formidade com o modelo federativo de Estado e com o exercício democrático do governo no Estado. A partir deste entendimento, tem-se que o ordena-mento jurídico constitucional garante o exercício de atos pacífi cos, organizados pelos cidadãos com o objetivo de con-cretizar demandas materiais que se rela-

18 Trata-se de uma expressão cunhada por Carlos Vainer (2012). Segundo o autor, essa é uma expressão que refl ete a coalizão mercantil da acumulação urbana, representada pelas empreiteiras de obras públicas, concessionárias dos serviços públicos, entre elas o poderoso setor de transportes coletivos, e os do mercado imobiliário. O empresariado urbano articulado aos interesses de conglomerados internacionais acaba por transformar as cidades em verdadeiros projetos especulativos fundados na parceria público-privado. Segundo os professores e coordenadores do Observatório das Metrópoles, Luiz César Queiroz Ribeiro e Orlando Alves Santos Junior, nesse contexto verifi ca-se a formação de uma nova elite urbana, constituída por empresas de consultoria em projetos, pesquisas, arquitetura, de produção e consumo dos serviços turísticos, empresas bancárias e fi nanceiras especializadas no crédito imobiliário, empresas de promoção de eventos, entre outras. Segundo os autores, por meio de técnicas do marketing urbano: “[...] a política urbana passa a orientar-se pela realização de médios e megaeventos e pela realização de investimentos de renovação de áreas urbanas degradadas, prioridades que permitem legitimar a ação das elites e construir as alianças com os interesses do complexo internacional empreendedorista. Na maioria dos casos, essa orientação se materializa na constituição de bolsões de gerência técnica, diretamente vinculados aos chefes do executivo e compostos por pessoas recrutadas fora do setor público. A lógica do empresariamento urbano, que se pretende mais efi ciente, implica no abandono e mesmo desvalorização da organização burocrática. Essa lógica do empresariamento urbano lidera e hegemoniza a nova coalizão urbana integrada também pelas lógicas do clientelismo, do patrimonialismo e do corporativismo. O resultado é um padrão de governança urbana bastante peculiar, onde o planejamento, a regulação e a rotina das ações são substituídos por um padrão de intervenção que se funda na exceção, com os órgãos da administração pública e canais institucionais de participação crescentemente fragilizados.”. (RIBEIRO;JÚNIOR, 2011).

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cionam, em última análise, com os pró-prios objetivos do estado brasileiro19.

O conceito de cidadania incorpora, além do papel político dos sujeitos em relação à coisa pública e aos direitos e deveres em relação ao Estado, a noção de que são os indivíduos sujeitos de di-reitos, e que os direitos constitucional-mente garantidos ganham efetividade somente a partir de sua atuação prática, ou seja, da signifi cação que dão ao di-reito postulado. O exercício dos direitos de cidadania só consegue ser realizado em um regime democrático, e depen-de das oscilações da luta sociopolítica contra a opressão e os abusos de po-der. Não se materializam os mecanis-mos de democracia e de participação popular se grande parte da população vive em níveis de pobreza graves e/ou com medo da repressão policial no mo-mento de participar de manifestações ou atos políticos.

Um exemplo atual da capacida-de de atuação e incidência dos movi-mentos sociais urbanos consistiu nas manifestações de junho/julho de 2013. Segundo Raquel Rolnik (2013), o au-mento da capacidade de consumo dos brasileiros não solucionou o problema da falta de urbanidade, da precarieda-de dos serviços públicos de educação e saúde e da inefi ciência e dos sistemas de transportes acessíveis. As manifesta-ções de junho não surgiram do nada20.

Para muitos dos movimentos sociais urbanos, o momento recente represen-ta a reocupação do espaço urbano, na medida em que a cidade é usada como arma para sua própria retomada21. A necessidade de assumir coletivamente os rumos da cidade se expressou de for-ma radical e intensa nos últimos meses em nosso país. Várias discussões que também envolviam a falta de representa-tividade e legitimidade das instituições tradicionais apontavam para uma urgên-cia de participação, de autogestão, de novas maneiras e métodos de fazer polí-

19 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento

nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,

cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

20 “[...] foram anos de constituição de uma nova geração de movimentos

urbanos ‒ o MPL, a resistência urbana, os movimentos sem-teto, os movimentos estudantis ‒, que,

entre ‘catracaços’, ocupações e manifestações foram se articulando

em redes mais amplas, como os Comitês Populares da Copa e sua

articulação nacional, a Ancop.” (ROLNIK, 2013, p. 13).

21 Na cidade de Fortaleza verifi camos diversos exemplos de movimentos

que apresentam em sua constituição a urgência de se retomar a cidade.

O #ocupeococó, movimento iniciado a partir da resistência da população à construção de um

viaduto que atravessaria o interior do Parque do Cocó, principal

área verde da cidade, resultou no envolvimento de diversas pessoas em atividades de ação e formação política acerca da necessidade de se pensar os rumos da cidade de

forma mais ampla, na busca de um espaço urbano ambientalmente

equilibrado e saudável. Da mesma forma, os movimentos dos ciclistas

representam outras formas de se relacionar com o entorno,

apresentando a necessidade de que a cidade seja construída menos para o consumo e para os veículos, e mais

para as pessoas que nela vivem.

Para RefletirVocê acha que nas manifestações de junho de 2013 foi possível evidenciar que os cidadãos exigiam a efetiva-ção do direito à cidade?

tica, que colocaram em cheque o papel dos movimentos sociais urbanos e das organizações sociais de forma geral.

Experimentamos um momento so-cial e político de ebulição nas cidades. O contexto de aprofundamento da mer-cantilização da cidade contemporânea vem sendo desafi ado por mobilizações e processos de retomada de um senti-mento geral de que a cidadania tam-bém se constrói por meio da ação dire-ta dos cidadãos. Diante desse quadro, a discussão acerca do direito à cidade e dos movimentos sociais urbanos mos-tra-se atual e necessária para entender o tipo de cidadania que vivenciamos no Brasil. A dinâmica dos movimentos sociais urbanos, nesse contexto, coloca em pauta a construção de novos pa-drões de sociabilidade nas cidades, a formação de identidades e as maneiras de se atuar coletivamente em prol de direitos sociais e interesses coletivos.

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CURSO CIDADANIA JUDICIÁRIA 175

SÍNTESE DO FASCÍCULO

Em nosso estudo acerca dos movimentos sociais urbanos foi possível reconhecer, em primeiro lugar, que processo histórico de formação das cidades infl uenciou de forma decisiva a necessidade de orga-nização da sociedade civil em busca de melhores condições de vida. A partir dos conceitos de movimentos sociais verifi -caram-se os elementos que caracterizam esse tipo de organização e suas diferen-ças em relação aos outros tipos de ações coletivas existentes em nossa sociedade. A diferenciação entre movimentos sociais urbanos e rurais, ainda que para fi ns didá-ticos, auxiliou para entender o histórico e as principais origens dos movimentos so-ciais urbanos. A articulação e politização proporcionada e promovida pelos mo-vimentos sociais urbanos elevou o nível de conscientização geral, com evidência para a ampliação da demanda por direito à cidade. Esse movimento infl uenciou de forma decisiva na positivação de direitos fundamentais e na elaboração e efetiva-ção de políticas públicas no cenário ur-bano, em especial às políticas relativas ao direito à moradia digna. A atuação coletiva desses movimentos promoveu, em âmbito interno e internacional, pro-fundas transformações jurídico-políticas, fundamentais para a ampliação demo-crática, social e institucional. No entanto, evidenciou-se que tais avanços não mo-difi caram de maneira estrutural o modelo de desenvolvimento urbano e, nos dias de hoje, o exercício da participação po-lítica se faz necessário e urgente para se pensar os rumos das cidades.

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SOBRE A AUTORAnatália castilho é professora do curso de graduação em Direito da Faculdade Integrada Grande Fortaleza (FGF). Gra-duada em Direito pela Universidade Fe-deral do Ceará (UFC), é mestre em Di-reito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Atualmente, participa do Núcleo de Direitos huma-nos (Unisinos) e do Instituto de Pesquisa Direitos e movimentos Sociais (IPDmS).

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expediente FUNDAçãO DEmóCRITO ROChA Presidência João dummar neto | Direção Geral Marcos tardinUNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE Coordenação Pedagógico-Administrativa ana paula costa salminCURSO CIDADANIA JUDICIáRIA | Concepção e Coordenação Geral cliff villar | Coordenação de Conteúdo Gustavo Feitosa | Coordenação de Edição raymundo netto | Gerência de Produção sérgio Falcão | Edição de Design amaurício cortez | Revisão de Texto charles ribeiro pinheiro | Editoração Eletrônica cristiane Frota | Ilustrações Karlson Gracie | Catalogação na Fonte Kelly pereira

Este fascículo é parte integrante do curso cidadania Judiciária da Fundação Demócrito Rocha (FDR) / Universidade Aberta do Nordeste (Uane) isbn 978-85-7529-612-7

FUndação deMócrito rochaAv. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora Cep 60.055-402 - Fortaleza-CearáTel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 Fax: (85) 3255.6271

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