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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO RAQUEL BARIANI BERNARDINO JORNALISMO OPINATIVO NO RÁDIO BRASILEIRO: HERÓDOTO BARBEIRO x RICARDO BOECHAT SÃO PAULO 2009

Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

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Trabalho de conclusão de curso de Raquel Bariani

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Page 1: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO

RAQUEL BARIANI BERNARDINO

JORNALISMO OPINATIVO NO RÁDIO BRASILEIRO: HERÓDOTO BARBEIRO x RICARDO BOECHAT

SÃO PAULO

2009

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RAQUEL BARIANI BERNARDINO

JORNALISMO OPINATIVO NO RÁDIO BRASILEIRO: HERÓDOTO BARBEIRO x RICARDO BOECHAT

Trabalho de conclusão de curso apresentado como exigência parcial para a obtenção do título de Bacharel em Jornalismo da Universidade Cruzeiro do Sul, sob orientação da Prof.ª Ms. Flávia Silveira Serralvo.

SÃO PAULO

2009

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Dedico este trabalho a Deus e aos meus pais,

Silvio e Lázara, que me apoiaram na decisão de

cursar jornalismo.

À minha irmã Natália e aos meus amigos, que

nos momentos de maior dificuldade, durante o

desenvolvimento desta pesquisa, souberam me

respeitar.

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Agradeço aos professores, que desde o primeiro

ano já nos incentivaram a não desistirmos dos

sonhos e objetivos.

A meus pais, pelo incentivo e apoio.

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RESUMO

Este trabalho pretende analisar criticamente a maneira como os âncoras

Heródoto Barbeiro, da CBN, e Ricardo Boechat, da BandNews FM, transmitem as

informações e notícias ao público. Analisaremos como são aplicados os comentários

sobre os fatos, se são claramente distintos, ou se confundem o ouvinte.

Palavras-chave: Jornalismo Opinativo; Radiojornalismo; Análise de Discurso.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 6

1 JORNALISMO NO RÁDIO.............................................................................. 8

2 GÊNEROS JORNALÍSTICOS........................................................................ 13

3 NOTÍCIA VERSUS COMENTÁRIO................................................................ 21

4 O ÂNCORA NO JORNALISMO...................................................................... 26

4.1 HERÓDOTO BARBEIRO ......................................................................... 27

4.2 RICARDO BOECHAT............................................................................... 29

5 ESTUDO DE CASO ....................................................................................... 31

5.1 UNIVERSO .............................................................................................. 31

5.2 AMOSTRA .............................................................................................. 31

5.3 ANÁLISE ................................................................................................. 31

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 46

REFERÊNCIAS ............................................................................................. 48

ANEXOS ........................................................................................................ 51

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INTRODUÇÃO

Na faculdade, aprendemos que jornalismo é a arte de informar, e que não

devemos nos posicionar favorável ou contrariamente ao fato. Devemos transmitir a

informação de forma imparcial. Porém, na observância dos veículos de comunicação

de massa, notamos que não é assim que a informação nos é dada. O

posicionamento do jornalista ou da empresa, na forma do editorial, sempre se faz

presente. Neste trabalho, propomos analisar criticamente como se dá a expressão

da opinião em cinco edições de programas jornalísticos de rádios concorrentes,

apresentados por âncoras de destaque no radiojornalismo brasileiro.

Nosso interesse pelo rádio como veículo de informação deu origem ao tema

“jornalismo opinativo”. Buscamos, com esta pesquisa, esclarecer ao público leitor as

funções dos âncoras, analisando a maneira com que eles buscam contribuir com o

jornalismo.

Este trabalho tem como base principal a pesquisa bibliográfica e análise de

conteúdo, a partir de livros e gravações dos programas selecionados como corpus

de análise, entre outros materiais que se mostraram relevantes ao estudo.

Caracteriza-se ainda como analítica, tendo como finalidade observar, registrar,

comparar e analisar os fenômenos que fazem parte da obra.

Esta monografia foi dividida em cinco capítulos. O primeiro capítulo, intitulado

“Jornalismo no rádio”, traz um panorama histórico do jornalismo radiofônico no Brasil

e no mundo.

No segundo capítulo, intitulado “Gêneros jornalísticos”, fazemos uma breve

descrição dos gêneros mais comuns no jornalismo brasileiro, bem como as

classificações dos gêneros jornalísticos na França, Alemanha e América do Norte.

O terceiro capítulo, “Notícia versus comentário”, traz mais detalhadamente as

descrições destes dois gêneros, itens principais que compõem nosso corpus da

análise.

No quarto capítulo, “O âncora no jornalismo”, procuramos definir o termo

‘âncora’ no sentido de apresentador. Neste capítulo, há dois subitens, em que

contamos um pouco da trajetória dos âncoras analisados.

No quinto capítulo, “Estudo de caso”, há informações sobre os programas, o

universo e a amostra de nossa pesquisa, bem como a análise de conteúdo.

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Por fim, nas considerações finais, observamos que independentemente da

forma como é apresentada, a opinião está presente no jornalismo. O objetivo desta

pesquisa foi alcançado, visto que respondemos às questões levantadas, que serão

apresentadas no decorrer do trabalho.

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1 JORNALISMO NO RÁDIO

Para falarmos da história e do início do jornalismo radiofônico no Brasil, é

importante fazermos uma introdução com a história do rádio no Brasil e no mundo.

Em 1864, o físico escocês James Clerk Maxwell lançou a teoria de que uma

onda luminosa podia ser como uma perturbação eletromagnética que se prolongava

no espaço vazio atraída pelo éter, ou seja, ondas de natureza eletromagnética

povoavam o infinito em todas as direções e a luz e o calor radiante pertenciam a

este tipo de ondas. O físico morreu e deixou apenas a ideia desta teoria

matematicamente comprovada, sem poder levá-la para o campo experimental.

Em 1887, um jovem estudante alemão, Heinrich Rudolf Hertz, construiu um

aparelho que comprovava a teoria de Maxwell. O dispositivo produzia correntes

alternadas de período extremamente curto, que variavam muito rapidamente. As

ondas descobertas foram chamadas de “Ondas Hertzianas”.

Em 1895, o italiano Guglielmo Marconi, após assistir à repetição da

experiência de Hertz, teve a ideia de transmitir sinais à distância. Entregou-se ao

estudo das ondas Hertzianas e, dois anos mais tarde, descobriu o princípio de

funcionamento da antena. Em 1896, ele enviou mensagens em código morse a uma

distância de 32 milhas, à velocidade de 20 palavras por minuto. Em 1903, o inventor

conseguiu enviar uma mensagem ao outro lado do oceano.

A história do rádio no Brasil não teria sentido se não mencionássemos o

padre brasileiro Roberto Landell de Moura, que, de acordo com César (2002, p. 37)

iniciou os estudos na área científica na cidade do Rio de Janeiro, transferindo-se

para Roma, na Itália, para aprimorar seus conhecimentos, onde desenvolveu

estudos na área de ciências químicas e físicas, e onde começou a conceber as

primeiras ideias em torno de sua teoria sobre a unidade das forças físicas e a

harmonia do universo.

Em 1892 retornou ao Brasil, dedicando-se simultaneamente às atividades

científicas e sacerdotais, promovendo as primeiras experiências de radiodifusão no

mundo. Foi renegado, considerado herege e bruxo, devido às suas experiências

científicas, com isso, transferiu-se para Nova York, onde permaneceu por três anos.

Foi lá que recebeu as patentes de seus três equipamentos, para Transmissor de

Ondas, Telefone sem Fio e Telégrafo sem fio.

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De volta ao Brasil, pretendia doar seus inventos, com as respectivas patentes,

ao governo brasileiro, mas este recusou os dois navios da esquadra brasileira

solicitados para a demonstração na Baía de Guanabara. Conforme destaca César

(2002, p.38), se o padre Landell houvesse sido atendido, a história das transmissões

por rádio poderiam ter sido iniciadas em nosso país.

De acordo com Ortriwano (1985, p.13), a primeira transmissão radiofônica

oficial no Brasil foi o discurso do Presidente Epitácio Pessoa, no Rio de Janeiro, em

plena comemoração do centenário da Independência do Brasil, no dia 7 de setembro

de 1922. Porém, experiências já eram feitas por alguns amadores, existindo

documentos que provam que o rádio, no Brasil, nasceu em Recife, no dia 6 de abril

de 1919, quando, com um transmissor importado da França, foi inaugurada a Rádio

Clube de Pernambuco por Oscar Moreira Pinto, que depois se associou a Augusto

Pereira e João Cardoso Ayres.

A data de instalação da radiodifusão no Brasil foi 20 de abril de 1923, quando

começa a funcionar a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada por Edgard

Roquete Pinto e Henry Morize. No início, ouvia-se uma programação muito “seleta”,

apesar de Roquette Pinto estar convencido, desde o início, de que o rádio se

transformaria num meio de comunicação de massa (ORTRIWANO, 1985, p. 13). E,

devido a essa certeza e à vontade de divulgar a ciência pelas camadas populares,

muitas iniciativas foram tomadas no sentido da implantação efetiva da radiodifusão

no Brasil.

Com o início da Segunda Guerra Mundial, o interesse por notícias imediatas e

atualizadas aumentou, criando possibilidades para o desenvolvimento de noticiários

radiofônicos. Segundo Ortriwano (1985, p. 20), o “Repórter Esso”, teve sua primeira

transmissão às 12h45 do dia 28 de agosto de 1941, quando a voz de Romeu

Fernandez anunciou o ataque de aviões da Alemanha à Normandia, durante a 2ª

Guerra Mundial.

Em 1942 entrou no ar o primeiro jornal do rádio brasileiro, o “Grande Jornal

Falado Tupi”, criado por Coripheu de Azevedo Marques e Armando Bertoni, com

uma hora de duração diária. Ambos os jornais foram marcos importantes para que o

radiojornalismo brasileiro fosse encontrando sua definição, os caminhos de uma

linguagem própria para o meio, deixando de ser apenas a “leitura ao microfone” das

notícias dos jornais impressos.

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Em determinado momento, entendeu-se que jornalismo em rádio deveria ser feito apenas a partir do que as pessoas declaravam. Cabia ao jornalismo impresso a parte dita “nobre”, a da investigação, da interpretação, do bastidor, da informação não passada pela fonte durante a entrevista coletiva. E ficou para o repórter de rádio o trabalho “menor”, algo tipo relatório, ou o acompanhamento da “repercussão” de algum fato explorado pelos jornais. Resignar-se a cumprir este papel significa, ao longo do tempo, sucumbir. O bom rádio joga no ataque sempre, levantando temas e pautando os outros meios (PARADA, 2004, p. 33).

A “época de ouro” do rádio terminou com o surgimento da televisão, que

buscou no rádio seus primeiros profissionais, imitou quadros e levou consigo a

publicidade. Para enfrentar essa concorrência, o rádio procurou por uma linguagem

mais econômica, no início, com muita música e poucos programas produzidos. “O

rádio aprendeu a trocar os astros e estrelas por discos e fitas gravadas, as novelas

pelas notícias e as brincadeiras de auditório pelos serviços de utilidade pública”,

afirma Ortriwano (1989, p. 21). Começou, então, a especialização das emissoras,

procurando por um público específico.

Um novo tipo de programação noticiosa foi lançado pela Rádio Bandeirantes,

em 1954, impulsionando o radiojornalismo. A produção de um radiojornal mais

dinâmico, em que as notícias tinham um minuto de duração a cada 15 minutos; e

nas horas cheias, boletins de 3 minutos, influenciou a programação de outras

emissoras.

Para Ortriwano (1985, p. 78-81), a informação no rádio vai apresentar

características próprias, sem, contudo perder sua identificação com o conteúdo

informado. Características, como ela mesma diz, “intrínsecas”, e cita:

a) Linguagem oral: não há necessidade de alfabetização do público

ouvinte, pois este veículo trabalha com a fala, sendo que, para que a mensagem

seja recebida, é necessário apenas ouvir. Em relação à televisão, o espectador

também não precisa saber ler, apesar de, cada dia mais, os caracteres estarem

sendo utilizados para prestar informações importantes, que escaparão ao

analfabeto.

b) Penetração: geograficamente, o rádio é o mais abrangente dos meios

de comunicação de massa, sendo considerado de alcance nacional. Pode também

estar presente o regionalismo, pois, tendo menos complexidade tecnológica, permite

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a existência de emissoras locais, mesmo em cidades pequenas e/ou com poucos

recursos financeiros.

c) Mobilidade: sob dois aspectos:

1. Emissor: por ser menos complexo que a televisão, o rádio pode

estar presente com mais facilidade no local dos acontecimentos e

transmitir as informações mais rapidamente. Suas mensagens não

requerem preparo anterior, podendo ser elaboradas enquanto estão

sendo transmitidas.

2. Receptor: o rádio hoje está em todo lugar. Seu tamanho torna-o

facilmente transportável, permitindo, inclusive, recepção

individualizada nos lugares públicos.

d) Baixo custo: o aparelho receptor é o mais barato, se comparado à

televisão e veículos impressos. O preço que o cidadão paga para receber as

mensagens não está vinculado ao consumo que ele faça dessas mensagens, mas,

sim, ao consumo que ele faça dos produtos que fazem publicidade nos veículos. A

produção radiofônica é mais barata do que a televisiva, justamente por ser menos

complexa.

e) Imediatismo: os fatos podem ser transmitidos no instante em que

ocorrem.

f) Instantaneidade: a informação é recebida no momento em que é

emitida, não sendo possível, assim, que o receptor volte à mensagem, como pode

ocorrer com a mídia impressa.

g) Sensorialidade: a criação de sons (e imagens, no caso da televisão)

envolve o público de forma mais impactante do que as letras garrafais do impresso.

“’Uma imagem vale por mil palavras’ é um chavão sobejamente conhecido por todos.

E o rádio realmente usa as ‘mil palavras’ para criar cada imagem”, afirma Ortriwano.

h) Autonomia: o rádio deixou de ser meio de recepção coletiva para

tornar-se individualizado. Essa característica faz com que o emissor possa falar para

toda a sua audiência como se estivesse falando para cada um em particular.

Em função de suas características, o rádio ganhou campo frente aos veículos

impressos. Não morreu com o surgimento da televisão, especializou-se em sua

própria faixa de potencialidade. O rádio convive com a televisão: na hora do futebol,

por exemplo, muitos torcedores preferem unir a imagem da TV com a narração

radiofônica.

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O rádio está em condições de transmitir a informação mais rapidamente do

que qualquer outro meio de comunicação, pois é imediato, flexível, é mais regional,

possui maior mobilidade etc. A informação apresenta características próprias, sem

perder sua identificação com o conteúdo a ser informado, o que pode ocorrer é a

aparição eventual de acontecimentos que melhor se adaptam para serem

transmitidos por um ou outro meio.

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2 GÊNEROS JORNALÍSTICOS

“O dicionário define gênero como: ‘Classe cuja extensão se divide em outras

classes, as quais, em relação à primeira, são chamadas espécies [...]’” (BARBOSA

FILHO, 2003, p. 52). Há autores que não concordam com a divisão de gêneros no

jornalismo, como é o caso de Wolf, que afirma que a divisão dos conteúdos

televisivos – aplicável também ao rádio – em gêneros conduz a uma

estereotipização, pois definem a atitude do receptor (WOLF, 2003, p. 91).

Para Sousa (2001, p. 230), os gêneros jornalísticos não têm fronteiras rígidas,

sendo, às vezes, difícil classificar um determinado elemento, pois, estrategicamente

esses elementos são notícias, especialmente se apresentarem alguma informação

nova. “Os gêneros jornalísticos correspondem a determinados modelos de

interpretação e apropriação da realidade através de linguagens” (SOUSA, 2001, p.

231). Segundo o autor, “há, certamente, gêneros jornalísticos que ainda não viram a

luz do dia e outros que já não se praticam”. Todorov acredita que “ocupar-se dos

gêneros pode parecer atualmente um passatempo ocioso, quiçá anacrônico” (1980,

p. 43)

Barbosa Filho afirma que “falar em gêneros implica, invariavelmente,

incursões nos debates que o tema suscitou ao longo da história. [...] dimensionar

seu conceito tautológico é uma questão que vem atormentando os filólogos ao longo

dos tempos” (2003, p. 51). Para Luís Martinez Albertos, o jornalismo é “[...] um estilo

literário peculiar, um estilo caracterizado, basicamente, pelos fins informativos que

persegue – a transmissão de notícias – e a exigência ou expectativa do destinatário”

(ALBERTOS apud BARBOSA FILHO, 2003, p. 55).

Os gêneros são, ainda, unidades que se podem descrever sob dois pontos de vista diferentes: o da observação empírica e o da análise abstrata. O primeiro – o da observação empírica – refere-se às “propriedades discursivas” que tornam um texto diferente ou igual a outro; e o segundo – o da análise empírica – tem a ver com a conceituação dessas propriedades. Em jornalismo, a análise empírica corresponde ao fazer jornalístico diário; varia conforme o fato jornalístico ou o enfoque. Por exemplo, um crime policial pode ter um texto meramente de relato ou tornar-se uma crônica. A significação de um ou outro texto fica na esfera da análise abstrata desse fazer; é o saber do jornalismo, que nada mais é que as teorias de classificação do gênero (BARBOSA FILHO, 2003, p. 57).

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Pena nos traz modelos de classificações dos gêneros utilizadas na França,

Estados Unidos e Alemanha (2005, p. 67-68), como vemos:

a) Classificação Francesa (autor: Joseph Foliet)

Editorial;

Artigos de fundo;

Crônica geral (resenhas dos acontecimentos);

Despachos (reportagens e entrevistas);

Cobertura setorial;

Fait divers;

Crônica especializada (crítica);

Folhetim;

Fotos e legendas;

Caricaturas;

Comics (quadrinhos).

Segundo Marques de Melo (apud PENA, 2005, p. 68), há “erro na inclusão de

unidades redacionais que pertencem ao âmbito do imaginário (folhetins) e do

entretenimento (quadrinhos)”.

b) Classificação norte-americana (autor: Fraser Bond)

Noticiário:

Notícia;

Reportagem;

Entrevista;

História de interesse humano.

Página editorial:

Editorial;

Caricatura;

Coluna;

Crítica.

Para Marques de Melo (apud PENA, 2005, p. 68), essa classificação “não

reflete o dinamismo dos grandes jornais e revistas, nem das prósperas emissoras de

TV americanas na atividade noticiosa”.

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c) Classificação alemã (autor: Emil Dovifat)

Informativos:

Notícia (fact-story);

Report (act-story);

Entrevista (quote-story).

De opinião:

Editorial;

Artigos curtos;

Glosa (crônica).

Amenos1:

Folhetim (resenha cultural);

Crítica;

Recreio e espelho cultural (contos, versos etc.).

Marques de Melo (apud PENA, 2005, p. 68) considera errada essa divisão,

pois, para ele, a crítica deveria pertencer ao conjunto de matérias de opinião, de

acordo com o critério proposto, o estilo; e o folhetim, por se tratar de um panorama

da vida cultural, deveria estar inserido no gênero notícia.

A sistematização feita por Luiz Beltrão é da qual Marques de Melo (apud

PENA, 2005, p. 68) parte, porém, não integralmente, como veremos:

Jornalismo informativo

Nota

Notícia

Reportagem

Entrevista

Jornalismo opinativo

Editorial

Comentário

Artigo

Resenha

Coluna

Crônica

                                                            1 O termo ameno refere-se a algo “que se apresenta ou transcorre de modo suave, simples, agradável” (DICIONÁRIO HOUAISS, on-line).

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Caricatura

Carta

Para Marques de Melo, a distinção entre nota, notícia e reportagem está na progressão dos acontecimentos. “A nota corresponde ao relato de acontecimentos que estão em processo de configuração e por isso é mais frequente no rádio e TV. A notícia é o relato integral de um fato que já eclodiu no organismo social. A reportagem é o relato ampliado de um acontecimento que já repercutiu no organismo social” (MARQUES DE MELO apud PENA, 2005, p. 69).

Alguns autores dividem os gêneros jornalísticos em nota, notícia, boletim,

reportagem, entrevista, editorial e crônica, conforme veremos a seguir:

Nota: significa um informe sintético de um fato atual. Suas principais

características são o tempo de irradiação, sempre curto, com quarenta

segundos de duração, e as mensagens transmitidas são frases diretas, quase

telegráficas (BARBOSA FILHO, 2003, p. 90).

Notícia: para Luiz Amaral, “a notícia é a matéria-prima do jornalismo”

(AMARAL apud PENA, 2005, p. 70), é a expressão de um fato novo, que

desperta o interesse do público, é um relato dos fatos sem comentário nem

interpretação. “Para o professor Luís Amaral, a notícia é ‘a informação atual,

verdadeira, carregada de interesse humano e capaz de despertar a atenção e

curiosidade de um grande número de pessoas’” (TRAVANCAS, 1993, p. 33).

Caracteriza-se por uma linguagem clara, impessoal, concisa e adequada ao

veículo. Nela, encontramos a essência do texto, o lead, que consiste num

parágrafo que apresenta um relato dos aspectos da informação.

No rádio, a notícia apresenta características diversas das que se observam em outros meios. Faus Belau classifica a notícia radiofônica de acordo com sua forma de divulgação, seja por meio do “flash” – modelo extemporâneo de intervenção informativa e que “[...] interessa unicamente dar a conhecer o fato com a maior rapidez possível [...]” – ou das notícias explicadas, que são as que aparecem nos boletins e/ou radiojornais e enfocam o fato em si e tudo o que acompanha e seja fundamental para seu entendimento (BARBOSA FILHO, 2003, p. 90).

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Para Barbosa Filho, as notícias de opinião estão próximas do comentário, a

notícia ambientada utiliza de fundos e efeitos sonoros para ambientar a notícia. A

notícia documentada é o que conhecemos como a base de programas jornalísticos,

sem a presença de opinião, esclarece os fatos (2003, p. 91).

Encontramos, ainda, o informe, que se aproxima do programa de variedades,

conforme Belau: “[...] trata de dar uma visão completa dos acontecimentos no

desenvolvimento de uma determinada notícia não somente quanto a seus dados

estritos – presentes e passados – e sim buscando o porquê dos mesmos [...]”

(BELAU apud BARBOSA FILHO, 2003, p. 91).

Boletim: são pequenos programas jornalísticos, que, segundo Prado (2006, p.

9), não ultrapassam três minutos, inseridos na programação, por meio de

notas, notícias, pequenas entrevistas ou reportagens.

Reportagem: é uma narrativa que engloba, ao máximo, as diversas variáveis

do acontecimento, proporcionando maior aprofundamento a respeito do fato

narrado. A reportagem, segundo Marques de Melo, “[...] é o relato ampliado

de um acontecimento que já repercutiu no organismo social e produziu

alterações que são percebidas pela instituição jornalística [...]” (MARQUES

DE MELO apud BARBOSA FILHO, 2003, p. 92). Porchat define a reportagem

como “conjunto de providências necessárias à elaboração de uma matéria.

Engloba pesquisa, entrevista e seleção de dados relacionados à mensagem a

ser vinculada” (1989, p. 196).

Entrevista: representa uma das principais fontes de informação de uma

notícia, presente direta ou indiretamente na maioria das matérias jornalísticas.

“A entrevista é formalmente um diálogo que representa uma das fórmulas

mais atraentes da comunicação humana” (PRADO apud BARBOSA FILHO,

2003, p. 94). A interação existente entre o entrevistado e o entrevistador,

exerce um efeito de aproximação do ouvinte.

[...] é acontecimentos jornalístico eventual e normalmente se apresenta inserida no corpo da notícia. A não ser em episódios circunstanciais, como desastres, incêndios, manifestações, onde o repórter parte em busca de informações suplementares daquele

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acontecimento e ali tenta apurá-las, em “som ambiental”, a entrevista geralmente é “montada” na sequência de uma narrativa fundamentalmente noticiosa [...] (SAMPAIO apud BARBOSA FILHO, 2003, p. 93).

A diferença entre entrevista e reportagem, segundo Prado, é que a primeira é

direta, realizada “ao vivo”, enquanto a segunda, pode ser montada antes de sua

veiculação, e nos elucida, também, quanto às entrevistas de caráter, que visam a

personalidade do entrevistado, e às entrevistas noticiosas, que, como o próprio

nome diz, visam a informação (PRADO apud BARBOSA FILHO, 2003, p. 94).

Entre as entrevistas noticiosas, Prado destaca as de “informação escrita” – as mais verificadas no rádio, visto que garantem agilidade à programação em virtude da brevidade – e as de “informação em profundidade” – que oferecem ao ouvinte informações adicionais ao fato, com o objetivo de provocar a reflexão. As peças da informação em profundidade possuem, obviamente, maior duração. (BARBOSA FILHO, 2003, p. 95).

Editorial: esta peça jornalística, pouco utilizada no rádio, tem como

característica principal o anúncio de opinião não-personalizada e retrata o

ponto de vista da instituição radiofônica. Porchat define editorial como “texto

opinativo, escrito de maneira impessoal, sem identificação do redator, sobre

assunto nacional ou internacional, que define e expressa a opinião da Jovem

Pan” (PORCHAT apud BARBOSA FILHO, 2003, p. 97).

Crônica: surge no rádio acompanhando as características conhecidas no

jornalismo impresso. Para Beltrão a crônica é “a forma de expressão do

jornalista/escritor para transmitir ao leitor seu juízo sobre fatos, ideias e

estados psicológicos pessoais e coletivos. [...] O comentário é leve, concreto,

incisivo; as conclusões oferecem normas e julgamentos específicos e diretos.

[...] está visceralmente ligada à atualidade” (1980, p. 66). Muito presente nos

jornais brasileiros, é considerada o formato que transita nas fronteiras do

jornalismo e da literatura. Segundo Marques de Melo (apud BARBOSA

FILHO, 2003, p. 99), “a crônica estrutura-se de modo temporalmente mais

defasado; vincula-se diretamente aos fatos que estão acontecendo, mas

segue-lhe o rastro, ou melhor, não coincide com seu momento eclosivo”.

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O gênero comentário, que não faz parte da classificação proposta por

Barbosa Filho, é definido por Ferraretto (2001, p. 283) como “um texto opinativo em

que um jornalista ou um especialista em determinada área analisa a fundo um

assunto, explicando-o e/ou posicionando-se a respeito”.

Charaudeau (2005, p. 175) afirma que comentar constitui uma atividade

discursiva, complementar ao relato:

Relato (narrativa) e comentário estão intrinsecamente ligados, a ponto de os teóricos da linguagem se dividirem, ainda hoje, entre duas opiniões extremas: os que sustentam que “tudo é narrativa” e aqueles que afirmam que “tudo é argumentação”. Na verdade, essa dupla atividade discursiva empreende a mesma busca: conhecer o porquê dos fatos, dos seres e das coisas, e, com essa finalidade, comenta-se contando ou conta-se comentando. Apesar dessa convergência, essas duas atividades apelam para diferentes faculdades da mente e para diferentes processos de discursivização (CHARAUDEAU, 2009, p. 175).

Segundo Charaudeau (2009, p. 176), a discussão entre relato e comentário

no mundo profissional das mídias vem como uma indagação sobre o papel social

das mídias, em que escolas de jornalismo e grupos de jornalistas questionam o que

deve ser fornecido pelas mídias: fatos ou comentários. Para o autor, não é possível

informar se não puder, ao mesmo tempo, garantir a veracidade das informações

transmitidas comentando-as, “o comentário jornalístico é uma atividade

estreitamente ligada à descrição do acontecimento para produzir um ‘acontecimento

comentado’ (AC)”.

A principal função do comentário reside, apropriadamente, no seu conteúdo

opinativo, que sugere conhecimento especializado. Na verdade, trata-se de um

formato jornalístico que se aproxima do editorial. A diferença entre aquele

(comentário) e este (editorial) é que o primeiro corresponde à opinião do autor, e o

segundo à da instituição, do veículo. Pode aparecer como peça independente da

programação, geralmente apresentada pelo autor, ou narrada por um locutor,

acompanhado da menção explícita de sua autoria ou ainda dentro de formatos

genéricos como o esportivo, o policial e o radiojornal. O comentário, nesses

formatos, não deve ser veiculado como notícia, mas após a informação, na voz do

comentarista.

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Por ser um dos itens principais que compõem o corpus de análise deste

trabalho, o gênero comentário será abordado mais detalhadamente no capítulo a

seguir.

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3 NOTÍCIA VERSUS COMENTÁRIO

As definições de notícia são muitas. Para Sodré (apud Travancas, 1992, p.

33), notícia é “todo fato social destacado em função de sua atualidade, interesse e

comunicabilidade”. Mac Neil (apud Travancas, 1992, p. 33) define notícia como “uma

compilação de fatos e eventos de interesse ou importância para os leitores do jornal

que a publica”. Luís Amaral (apud Travancas, 1992, p. 33) acredita que “a

informação atual, verdadeira, carregada de interesse humano e capaz de despertar

a atenção e curiosidade de grande número de pessoas” seja a melhor definição para

o tema.

A melhor definição de notícia é “aquilo que é novidade, interessante e verdadeiro”. “Novidade” à medida que é um relato de eventos que o ouvinte ainda não conhece – ou uma atualização de uma história que lhe é familiar. “Interessante” no sentido de que é um material que lhe diz respeito ou que o afeta de alguma maneira. “Verdadeiro” porque a história, como foi contada, é factualmente correta (MCLEISH, 1999, P. 71).

Para Secanella (apud PRADO, 1985, p. 47), somente uma definição

permanece após todas as mudanças nos conceitos e divisões dos gêneros

informativos, de que “é notícia o que os jornais escrevem em suas colunas e o que

as emissoras de rádio e televisão emitem em seus programas informativos. Ou seja,

os tipos de notícia são infinitos”.

Prado (1985, p. 48) afirma que a instantaneidade e simultaneidade permitidas

pelo rádio implicam em rapidez, principal vantagem da distribuição de informação.

Isso permite aos jornalistas radiofônicos pensarem nas notícias do momento, e não

do dia, como fazem os profissionais que trabalham para os veículos impressos. A

notícia radiofônica obriga o ouvinte a realizar um exercício de transformação das

ideias transmitidas pelo som em visuais, aumentando o sentido de participação nos

fatos relatados, o que resulta em maior credibilidade. Porém, a não permanência das

mensagens radiofônicas obriga o jornalista a escrever de forma clara, que possa ser

entendida na primeira vez. Em consequência disso, surge a brevidade, característica

mais importante das notícias radiofônicas.

Page 23: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

22 

 

“A verdade de uma notícia, baluarte de um neoliberalismo (mercado livre de

ideias) contemporâneo, se remete à fundamentação teórica do acontecimento”

(MEDINA, 1988, p. 20).

Propomos chamar “notícia” a um conjunto de informações que se relaciona a um mesmo espaço temático, tendo um caráter de novidade, proveniente de uma determinada fonte e podendo ser diversamente tratado. Um mesmo espaço temático: significa que o acontecimento, de algum modo, é um fato que se inscreve num certo domínio do espaço público, e que pode ser reportado sob a forma de um minirrelato [...] há elementos de informação que podem dar origem a um novo espaço temático, mas podem também se ligar a um espaço temático já circunscrito e conhecido, como no caso de um conflito que se prolonga e do qual as mídias se ocupam cotidianamente [...] no mesmo instante em que se dá a notícia, ela é tratada sob uma forma discursiva que consiste grosso modo em: descrever o que passou, reportar reações, analisar os fatos (CHARAUDEAU, 2009, p. 132).

Para Charaudeau (2009, p. 133), “a contemporaneidade midiática está no fato

de a aparição do acontecimento ser o mais consubstancial possível ao ato de

transmissão da notícia e a seu consumo”. Uma notícia é tão efêmera quanto um

relâmpago, no instante de sua aparição. Nas mídias, pode, por exemplo, ser

repetida, guardando certo frescor, mas sob a condição de que permaneça no quadro

de uma atualidade imediata.

As mídias têm por tarefa reportar os acontecimentos do mundo que ocorreram em locais próximos ou afastados daquele em que se encontra a instância de recepção. O afastamento espacial do acontecimento obriga a instância midiática a se dotar de meios para descobri-lo e alcançá-lo. Ela o faz utilizando as indústrias dos serviços de informação (agências), mantendo pelo mundo uma rede de colaboradores (correspondentes), solicitando informações da parte de diversas instituições ou de grupos sociais (fontes oficiais ou oficiosas), apelando para todo tipo de testemunha (CHARAUDEAU, 2009, p. 135).

Segundo Charaudeau (2009, p. 137), as mídias estão presas a dois tipos de

imprensa: a regional, que se ocupa somente dos fatos que envolvem pessoas do

local (política e costumes locais), e a nacional, que se ocupa com a política de modo

geral e acontecimentos sociais. O autor sugere que, para atingir simultaneamente

esses dois públicos, seja feita uma simulação de participação cidadã, mais fácil de

ser aplicado ao rádio e televisão.

Page 24: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

23 

 

O acontecimento midiático constrói-se segundo três tipos de critério, conforme

nos mostra Charaudeau (2009, p. 150):

Atualidade: dar conta do que ocorre numa temporalidade co-extensiva

à do sujeito-informador-informado (princípio de modificação);

Expectativa: captar o interesse-atenção do sujeito alvo, logo deve jogar

com seu sistema de expectativa, de previsão e de imprevisão (princípio

da saliência);

Socialidade: tratar daquilo que surge no espaço público, cujo

compartilhamento e visibilidade devem ser assegurados (princípio de

pregnância).

Não há palavra que não seja proferida de um determinado lugar e não convoque o interlocutor a ocupar um lugar correlativo; seja porque essa palavra pressupõe simplesmente que a relação de lugares está em vigor, seja porque o locutor espera do outro o reconhecimento do lugar que lhe é próprio, ou porque obriga o interlocutor a se inscrever na relação (FLAHAULT apud MAINGUENEAU, 2005, p. 34).

Para Charaudeau (2009, p. 151), o universo da informação midiática é

efetivamente um universo construído, o resultado de uma construção. Os

acontecimentos não são transmitidos em seu estado bruto, pois se tornam objeto de

racionalização. “Assim, a instância midiática impõe ao cidadão uma visão de mundo

previamente articulada, sendo que tal visão é apresentada como se fosse a visão

natural do mundo”.

Maingueneau (2005, p. 53) afirma que “falar é uma forma de ação sobre o

outro e não apenas uma representação do mundo” e que toda enunciação constitui

um ato que visa a modificar uma situação.

Orlandi (1999, p. 86) distingue os diferentes modos de funcionamento do

discurso, tomando como referência elementos constitutivos de suas condições de

produção e sua relação com o modo de produção de sentidos, com seus efeitos,

como segue:

Page 25: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

24 

 

a. Discurso autoritário: aquele em que a polissemia2 é contida, o referente

está apagado pela relação de linguagem que se estabelece e o locutor se

coloca como agente exclusivo, apagando também sua relação com o

interlocutor;

b. Discurso polêmico: aquele em que a polissemia é controlada, o referente é

disputado pelos interlocutores, e estes se mantêm em presença, numa

relação tensa de disputa pelos sentidos;

c. Discurso lúdico: aquele em que a polissemia está aberta, o referente está

presente como tal, sendo que os interlocutores se expõem aos efeitos

dessa presença inteiramente não regulando sua relação com os sentidos.

Para a autora, não há nunca um discurso puramente autoritário, polêmico ou

lúdico, mas sim misturas, articulações de modo que podemos dizer que um discurso

tem um funcionamento dominante autoritário, ou tende para o autoritário etc.

(ORLANDI, 1999, p. 87). Afirma ainda que um modo de se evitarem essas

categorizações é dizer que o discurso em análise tende para a paráfrase, ou para a

monossemia (quando autoritário), tende para a polissemia (quando lúdico) e se

divide entre polissemia e paráfrase (quando polêmico).

Maingueneau (20005, p. 55) afirma que “o discurso só é discurso enquanto

remete a um sujeito, um EU, que se coloca como fonte de referências pessoais,

temporais, espaciais e, ao mesmo tempo, indica que atitude está tomando em

relação àquilo que diz e ao seu co-enunciador”.

Para Charaudeau (2009, p. 175), “comentar o mundo constitui uma atividade

discursiva, complementar ao relato, que consiste em exercer suas faculdades de

raciocínio para analisar o porquê e o como dos seres que se acham no mundo e dos

fatos que aí se produzem”. No mundo profissional das mídias, a relação entre relato

(a que também podemos chamar notícia) e comentário é “espinhosa”, conforme

afirma o autor (p. 176). Não raramente, é colocada em termos opostos,

questionando se as mídias devem fornecer fato ou comentário, e se os jornalistas

devem descrever ou comentar.

                                                            2 De acordo com a autora, “podemos tomar a polissemia enquanto processo que representa a tensão constante estabelecida pela relação homem/mundo, pela intromissão da prática e do referente enquanto tal, na linguagem” (1996, p.15). 

Page 26: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

25 

 

Não é possível informar se não se pode, ao mesmo tempo, dar garantias sobre a veracidade das informações transmitidas, logo, fazer saber implica, necessariamente, um “explicar”: o comentário jornalístico é uma atividade estreitamente ligada à descrição do acontecimento para produzir um “acontecimento comentado” (CHARAUDEAU, 2009, p. 177).

Charaudeau (2009, p. 180) nos diz que “o comentador sabe que precisa ser

credível, mas também sabe que nenhuma análise ou argumentação terá impacto se

não despertar o interesse do consumidor de informação e se não tocar sua

afetividade”. Porém, o posicionamento do comentarista e seus modos de raciocínio

pode ser um dos problemas que o comentário coloca para as mídias.

O comentário midiático corre o risco constante de produzir efeitos perversos de dramatização abusiva, de amálgama, de reação paranóica. Assim, a instância midiática procura, para compensar tais efeitos, multiplicar os pontos de vista e colocar num plano de igualdade os argumentos contrários. Talvez esteja aí a especificidade do comentário jornalístico: uma argumentação que, certamente, bloqueia a análise crítica, mas que, pela sua própria fragmentação, sua própria multiplicidade de pontos de vista, fornece elementos para que se construa uma verdade mediana. É uma atitude discursiva que aposta na responsabilidade do sujeito interpretante (CHARAUDEAU, 2009, p. 187).

Todas essas definições de comentário e notícia, bem como a homogeneidade

na apresentação de ambos serão consideradas para fazermos o estudo de caso da

análise proposta nesta monografia, como veremos no capítulo 5.

Page 27: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

26 

 

4 O ÂNCORA NO JORNALISMO

O termo âncora (anchorman) no jornalismo começou a ser utilizado nos

Estados Unidos na década de 50, e representava a pessoa melhor informada, onde

todas as linhas de comunicação deveriam terminar, o estúdio onde ele estivesse

deveria ser o coração e o cérebro da cobertura (SQUIRRA, 1993, p.65).

Hoje, os âncoras dos tele e radiojornais americanos não são somente os

apresentadores do noticiário, mas os editores-chefes. O programa é a sua própria

imagem e tem a sua marca. Basicamente, é a sua ‘propriedade’ (SQUIRRA, 1993,

p.67).

A figura do âncora é recente na história do jornalismo brasileiro. Segundo

Mello e Souza (apud SQUIRRA, 1993, p. 118), a primeira referência a um jornalista

que supostamente teria atuado como âncora em um telejornal brasileiro foi nos

preparativos para a cobertura das eleições municipais de novembro de 1976. Nessa

ocasião, foi preparado um plano especial de trabalho na Rede Globo, que sugeria a

utilização do repórter Costa Manso como uma espécie de ‘anchorman’. No entanto,

para Cruz (apud SQUIRRA, 1993, p. 118), o primeiro âncora brasileiro foi Carlos

Monforte.

Mello e Souza (apud SQUIRRA, 1993, p. 119) propõe uma definição do papel

do âncora, como vemos a seguir:

Basicamente, é um jornalista com a paciência e a curiosidade de ler, com a maior isenção possível, os jornais impressos do dia; esse jornalista deve ter uma visão de mundo, dispor de uma cultura humanística e histórica que lhe permita descobrir, mesmo em uma pequena anedota, a sua importância trágica ou sua terrível comicidade; alguém em condições de estar permanentemente chocado pela realidade, mas com o poder de se apresentar diante dos telespectadores sem que olhos e músculos reflitam qualquer tipo de comoção indesejável; alguém que acompanhe, na redação, o nascimento e o desenvolvimento da notícia; uma pessoa capaz de sofrer, durante dez minutos, para escrever um bom texto de duas linhas e, ao mesmo tempo, improvisar com naturalidade e conhecimento de causa uma locução de dois minutos sobre algum acontecimento de última hora; alguém com ar de serenidade e respeito pelos outros; traços corretos, boa voz, um ritmo dialogal de leitura e – exigência suprema! – um ar inteligente (MELO E SOUZA apud SQUIRRA, 1993, p. 119).

Page 28: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

27 

 

Segundo Squirra (1993, p. 179) a característica que difere o âncora brasileiro

dos demais, é o fato de emitirem opinião na forma de comentários. Como controlam

de forma extremamente cuidadosa tudo o que vai ao ar, exercem de alguma forma,

atuação opinativa, direcionando editorialmente os telejornais.

4.1 HERÓDOTO BARBEIRO

Heródoto Barbeiro nasceu em São Paulo, em 1946. Foi office boy, mecânico,

borracheiro e professor de inglês. É graduado e mestre em História pela

Universidade de São Paulo, onde lecionou por 12 anos. Também se formou em

Direito e passou pelo curso de Japonês, na USP. Cerca de 20 anos mais tarde,

decidiu trocar o corpo docente pelo discente, cedendo ao desejo de se tornar

jornalista, “deixei de falar e escrever no passado e aprendi a falar e escrever com os

verbos no presente. Deixei a história e passei para o jornalismo” (BARBEIRO, on-

line). Atualmente é gerente de jornalismo da Rádio CBN e apresentador do

programa Roda Viva, na TV Cultura.

Livros e capítulos publicados: Meu velho centro, histórias do coração de São Paulo. Boitempo, 2007;

Fora do ar. Ediouro, 2007;

A história do consumo no Brasil – do mercantilismo à era do foco no cliente.

Campus, 2007;

CBN mundo corporativo. Futura, 2006;

Manual do jornalismo esportivo. Contexto, 2006;

O relatório da CIA – como será o mundo em 2020. Ediouro, 2006;

Buda: o mito e a realidade. Madras, 2005;

Falar para liderar. Futura, 2003;

Manual de telejornalismo. Elsevier, 2005;

Você na telinha. Futura, 2002;

Liberdade de expressão. Futura, 2003;

Liberdade de expressão 2. Futura, 2004;

Doutor Bolinha, In AMATO NETO, V. & PASTERNAK, J. Do parto ao Infarto –

coletânea de contos médico-policiais. Segmento, 2008;

Page 29: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

28 

 

Os caminhos do jornalismo, In TABACOF, D. 60 dias que mudaram o Oriente

Médio. Kadimah, 2007;

Somos milhares, In GOMES, A. L. Z. Na boca do rádio – o radialista e as

políticas públicas. Hucitec, 2007;

Paz Interior, In MENDES, J. Bolinha Muletas. Vozes, 2006;

Esportes (Celeiro de Craques), In PINSKY, J. (org.) O Brasil no contexto

1987-2007. Contexto, 2007;

No Lombo do Burro, In VOLPI. A. História do comércio no Brasil - do

mercantilismo à era do Foco no Cliente. Campus, 2007;

Panorama de História, com Bruna Cantele e Carlos A. Schneeberger. IBEP,

2006;

O desafio da ancoragem In CBN – a rádio que toca notícia. Senac, 2006;

Ancoragem, In RODRIGUES, E. (org) No próximo bloco. PUC, 2005;

História de olho no mundo do trabalho. com Bruna Cantele e Carlos A.

Schneeberger. Scipione, 2005, 3vols;

História de olho no mundo do trabalho. com Bruna Cantele e Carlos A.

Schneeberger. Scipione, 2005, 3vols;

Jornalismo In GOYZUETA, V. e OGIER, T. Guerra e jornalismo. Summus,

2003;

Os Ambiciosos. Ed. Brasil, 2003;

Prefácio, In GOYZUETA, V e OGIER, T. Guerra e Imprensa. Summus, 2003;

Os Ambiciosos. Ed. Brasil, 2003;

Ensaio Geral - Brasil 500 Anos. Nacional, 2000;

Curso de História Geral, S.Paulo, 1985;

Curso de História da América. Harbra, 1984;

Curso de História do Brasil. Harbra, 1984;

Curso de História da América. Harbra, 1984;

Curso de História do Brasil. Harbra, 1984;

História da América. Moderna, 1982;

História do Brasil. Moderna, 1981;

História Geral. Moderna, 1980;

O Diário de Viagem do Tenente G.H. Preeble. R. de História, 1975.

Prêmios:

Page 30: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

29 

 

1992 - Libero Badaró - Destaque do Ano;

1999 - APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) – Âncora de rádio;

2000 - Prêmio Unesco de Jornalismo;

2000 - Ateneu Rotário;

2001 - Ayrton Senna - Grande Prêmio de Jornalismo;

2001 - Ateneu Rotário;

2002 - APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) – Âncora de rádio;

2002 - PNBE - Destaque Jornalístico do Ano;

2003 - Comunique-se – Categoria Âncora de rádio;

2005 - Comunique-se – Categoria Âncora de rádio;

2005 - Troféu Keiko Ogura Buralli;

2006 - Troféu Dia da Imprensa;

2007- Prêmio Keiko Ogura de Jornalismo;

2007 - Prêmio Comunique-se – Categoria Âncora de rádio;

2007 - Prêmio Comunique-se – Mestre de Jornalismo;

2008 - 13º Prêmio Nacional de Seguridade Social – Comunicação;

2008 - Prêmio Comunique-se 2008 - Melhor âncora de televisão;

2009 - Prêmio Economista do Ano – Jornalismo econômico;

Membro do Conselho Editorial do Le Monde Diplomatique –Brasil.

4.2 RICARDO BOECHAT

Ricardo Eugênio Boechat nasceu em Buenos Aires em 13 de julho de 1952.

Começou sua carreira em 1970 como repórter do extinto jornal Diário de Notícias, na

cidade do Rio de Janeiro. Também na década de 70, iniciou-se como colunista,

colaborando com a equipe de Ibrahim Sued. Em 1987 foi para o jornal O Globo, do

qual foi demitido após trinta anos de trabalho, depois de uma matéria publicada na

revista Veja3 o acusar de revelar o conteúdo das matérias que seriam publicadas a

um jornalista do jornal concorrente, o Jornal do Brasil, no qual assumiu a “Coluna

Boechat”.

                                                            3 A matéria está disponível em http://veja.abril.com.br/270601/p_038.html. Acesso dia 23/10/2009 

Page 31: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

30 

 

Atualmente apresenta o Jornal da Band, ancora um jornal matutino na rede

BandNews FM, assina uma coluna diária no jornal O Dia desde 2006 e escreve,

semanalmente, para a revista IstoÉ. Foi diretor de jornalismo da TV Bandeirantes do

Rio de Janeiro e trabalhou para o SBT carioca.

Livros: Copacabana Palace: Um hotel e sua história. DBA, 1998.

Prêmios:

1989 – Prêmio Esso de Jornalismo. Categoria Reportagem;

1992 – Prêmio Esso de Jornalismo. Categoria Informação Política;

2001 – Prêmio Esso de Jornalismo. Categoria Informação Econômica;

2006 – Prêmio Comunique-se. Categoria Âncora de rádio;

2007 – Prêmio Comunique-se. Categoria Apresentador de TV;

2008 – Prêmio Comunique-se. Categorias Âncora de rádio e Colunista

de notícias;

Prêmio White Martins de Imprensa.

Page 32: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

31 

 

5 ESTUDO DE CASO

O presente trabalho configura-se como uma pesquisa descritiva, sendo o

corpus de análise composto por cinco edições dos programas Jornal da Band

(transmitido pela BandNews FM de segunda a sexta das 7h às 9h, apresentado por

Ricardo Boechat) e Jornal da CBN (transmitido pela Rádio CBN FM de segunda a

sábado das 6h às 9h30m, apresentado por Heródoto Barbeiro).

Optamos por não estudar a edição de sábado do programa Jornal da CBN,

pois o objetivo deste trabalho é fazer uma análise comparativa entre os âncoras com

base nas notícias em comum apresentadas na mesma data.

5.1 UNIVERSO

Mensalmente são veiculados em média 25 programas apresentados por

Heródoto Barbeiro na CBN e 21 programas apresentados por Ricardo Boechat na

BandNews FM.

5.2 AMOSTRA

Neste trabalho foram analisadas cinco edições de cada um dos programas

selecionados, o que corresponde a 20% dos programas veiculados pela CBN e

23,8% dos programas veiculados pela BandNews FM.

A análise dos programas será feita a partir das notícias em comum

apresentadas por ambos os âncoras. Para tanto, realizamos a gravação dos

radiojornais nos dias 27, 28, 29 e 30 de outubro e 3 de novembro. As manchetes

que foram encontradas em ambos os programas estão elencadas no quadro do

subitem 5.3, assim como a transcrição das falas de Heródoto e Boechat, analisadas

com base nas teorias apresentadas anteriormente neste trabalho.

5.3 ANÁLISE

A análise dos conteúdos será feita a partir das notícias em comum

apresentadas por ambos os âncoras. Para tanto, gravamos e expusemos no quadro

a seguir as manchetes do período de 27 de outubro a 3 de novembro encontradas

Page 33: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

32 

 

em ambos os programas. Posteriormente, transcrevemos as falas de Heródoto e

Boechat, e as analisamos com base nas teorias utilizadas anteriormente neste

trabalho.

Pautas Jornal da CBN4 Jornal da Band5

1. Câncer de mama masculino 28/10 28/10

2. Conselho Nacional de Justiça quer pôr

fim ao regime semi-aberto (tornozeleiras

eletrônicas)

28/10 –

somente

introdução à

notícia

29/11 –

entrevista sobre

o tema

28/10

3. Aluna da Uniban hostilizada pelos

colegas 30/10 30/10

Pauta 1: Câncer de mama masculino (dia 28/10/09) Transcrição

Jornal da CBN:

- Heródoto Barbeiro: “A Associação Brasileira de gays e lésbicas divulgou uma nota

criticando a difamação do governador do Paraná, Roberto Requião. Durante o

evento, que reuniu integrantes do governo, ontem, ao apresentar o secretário da

saúde, Requião fez o seguinte comentário, ouça aí: ‘Eu chamaria o Gilberto Martins,

que vai, num espaço reduzido de tempo, anunciar a implementação de ações

estratégicas para o controle do câncer. A ação do governo não é só em defesa do

interesse público, é da saúde da mulher também. Embora hoje, câncer de mama

seja uma doença masculina também. Deve ser consequência dessas passeatas

                                                            4 Apresentado por Heródoto Barbeiro, transmitido pela rádio CBN de segunda a sexta das 6h às 9h30, sábados e domingos das 6h às 9h.

5 Apresentado por Ricardo Boechat, transmitido pela rádio BandNews FM de segunda a sexta das 7h às 9h.

Page 34: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

33 

 

gay’. A Associação Brasileira de gays e lésbicas afirmou que piadinhas desse tipo

reforçam o preconceito e a discriminação. A entidade lembrou que muitas pessoas

foram assassinadas no ano passado, 19 no Paraná, e que nos últimos 15 anos

foram 160 pessoas mortas”.

Jornal da Band:

- Repórter Luiz Megale: “A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays e Bissexuais

pede uma audiência com o governador do Paraná Roberto Requião. O grupo quer

explicações sobre a declaração feita por ele na TV Educativa do Estado, associando

o câncer de mama às passeatas gays. ‘A ação do governo não é só em defesa do

interesse público, é da saúde da mulher também. Embora hoje, câncer de mama

seja uma doença masculina também. Deve ser consequência dessas passeatas

gay’”.

- Ricardo Boechat: “Bom, câncer de mama de fato acontece em homens, claro.

Homens têm mama, e têm o câncer de mama também, numa incidência menor que

a das mulheres, mas não desprezível. Aliás, numa entrevista que eu fiz com uma

cancerologista no Rio [de Janeiro] sobre o câncer de mama, ela diz que prevenção,

o auto-exame é exatamente o mesmo, apalpar, ver se tem nódulo, se tem dores

localizadas, eu estou até fazendo este movimento aqui agora, porque não faço há

muito tempo, tem que fazer. E aí o detalhe é o seguinte: associar isso, fazer uma

caricatura disso ou tentar fazer uma piada em cima disso é típico de uma cabeça de

jerico, não há mais o que dizer”.

- Ricardo Boechat, 49 minutos depois: “O Fernando Vieira de Melo, nosso

companheiro aqui do Primeiro Jornal, me mandou uma informação curiosa a

propósito das declarações do governador Requião, fazendo uma associação com o

câncer de mama masculino às paradas gays. Uma brincadeira, uma ironia, está

sendo alvo de críticas lá no Paraná, de grupos homossexuais, lésbicas e tudo mais.

‘Seguem’, diz Fernando Vieira de Melo, ‘algumas informações que me foram

passadas pelo médico A. C. Camargo, que é meu amigo, sobre a sábia declaração

do governador Requião’. Quer botar aí, vamos botar? Bota aí, olha o que o Requião

falou: ‘A ação do governo não é só em defesa do interesse público, é da saúde da

mulher também. Embora hoje, câncer de mama seja uma doença masculina

também. Deve ser consequência dessas passeatas gay’. Bom, o câncer de mama

sempre foi também uma doença masculina. O que disse o médico A. C. Camargo,

Page 35: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

34 

 

aqui de São Paulo? Duzentos casos de câncer de mama entre homens desde 1953

foram registrados no Hospital do Câncer A. C. Camargo, perdão, o médico é do A.

C. Camargo, e não o médico A. C. Camargo, desculpe, falei uma besteira aqui. Um

médico amigo do Fernando Vieira de Melo, do Hospital do Câncer A. C. Camargo,

então, 200 casos de câncer masculino foram registrados neste hospital desde 1953.

Entre os 200 casos de câncer masculino, Barão, não havia um único homossexual,

nenhum dos homens com essa patologia usou qualquer hormônio feminino ou

anabolizante. De cada 100 mulheres que têm câncer de mama, um homem poderá

ter câncer de mama. As informações, agora sim, são do médico Mário Mourão,

diretor do departamento de mastologia do Hospital do Câncer A. C. Camargo de São

Paulo”.

Análise

Notamos que algumas informações estatísticas apresentadas no programa

Jornal da CBN não são encontradas no Jornal da Band. Porém, a ausência de tais

informações não interfere diretamente no conteúdo informativo. Os trechos

mostrados nos programas remetem a um teor informativo maior, quando transmitido

por Heródoto, pois contextualiza o ouvinte quanto à situação em que a declaração

foi feita, diferentemente de Boechat, que somente comunica o fato sem

contextualizá-lo.

Charaudeau (2009, p. 175) afirma que “comentar o mundo constitui uma

atividade discursiva, complementar ao relato, que consiste em exercer suas

faculdades de raciocínio para analisar o porquê e o como dos seres que se acham

no mundo e dos fatos que aí se produzem”. Essa complementação a que o autor se

refere é claramente observada no programa da BandNews FM, enquanto no outro,

somente encontramos a transmissão da notícia.

Notamos em Boechat um certo sarcasmo no trecho em que ele fala da

informação passada por Luiz Vieira de Melo, em que diz “sobre a sábia declaração

do governador Requião”, ironizando a palavra “sábia”.

Pauta 2: Uso de tornozeleiras eletrônicas (28/10/09)

Page 36: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

35 

 

Transcrição

Jornal da CBN: No dia 28/10, Heródoto fez uma introdução à notícia. No dia 29/10

conduziu uma entrevista com o professor de direito penal da Universidade Federal

do Rio de Janeiro e conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária, Doutor Carlos Eduardo Adriano Japiassú6 sobre o tema.

28/10

- Heródoto Barbeiro: “Com a notícia que o Conselho Nacional de Justiça estuda

propor mudança aqui na lei penal. Entre as novidades estaria o monitoramento

eletrônico dos presos em regime aberto, e a concessão de incentivos a empresas

que contratassem detentos ou ex-detentos”.

- Repórter Liziane Cardoso: “O Conselho Nacional de Justiça pretende avaliar na

semana que vem propostas de mudanças na legislação penal. Se aprovadas, elas

serão enviadas para votação no Congresso Nacional. Um dos projetos modifica o

regime aberto de prisão. Hoje o preso pode trabalhar de dia, mas precisa dormir nas

chamadas casas de albergados. Como isso pode aumentar a criminalidade, a

sugestão é que o preso vá para casa desde que concorde em ser monitorado

eletronicamente, com tornozeleiras ou pulseiras, por exemplo. O CNJ também

sugere que as empresas que oferecem emprego para detentos ou ex-detentos

tenham incentivos fiscais. Já os presidiários que trabalharem deverão receber algum

tipo de remuneração. O conselheiro do CNJ, Valter Nunes, afirma que isso contribui

para reintegração do detento na sociedade. ‘Ninguém pode ser obrigado a trabalhar

sem receber nenhuma remuneração, mesmo o preso. As formas de se buscar a

recuperação de alguém, grande parte das pessoas que ingressam no sistema

criminal, são pessoas ou que não estejam no mercado de trabalho, ou mesmo que

estejam no mercado de trabalho, mas estão com problemas comportamentais. Uma

das formas de recuperar alguém necessariamente passa pela inserção dele,

reinserção dele no mercado de trabalho. Então isso é uma questão de dignificação

profissional’. O CNJ quer que a justiça eleitoral providencie meios para que os

presos provisórios votem. O pacote também prevê que as visitas ou ligações

telefônicas recebidas por presos no regime disciplinar diferenciado sejam gravadas,

                                                            6 Nota da autora: Currículo disponível em http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4774685Y8 Acessado dia 07/11/09 

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36 

 

para evitar novos crimes ou a circulação de informações entre membros de grupos

criminosos. Uma resolução do CNJ, que não precisa de aprovação no Congresso,

cria um sistema de proteção e assistência a juízes em situação de risco, e o

conselho também estuda disponibilizar o sistema de videoconferência para

depoimentos em todo o país”.

29/10

- Heródoto: “Bom dia, doutor Japiassú”.

- Dr. Japiassú: “Bom dia, Heródoto”.

- Heródoto: “Doutor Japiassú, o Conselho Nacional de Justiça analisa aqui na

próxima semana uma proposta para alterar o regime aberto para regime domiciliar, e

com essa mudança adotada, aqui também se cria o monitoramento eletrônico. Esse

monitoramento eletrônico seria aquela tornozeleira que se comentou há algum

tempo?”

- Dr. Japiassú: “Exatamente, a ideia do monitoramento é essa. Eu até, eu confesso

que não li a proposta do CNJ, o que eu sei é pela imprensa, e chega a se comentar

que poderia ser bracelete, essas coisas, o modelo normal, tradicional que se

encontra pelo mundo é uma tornozeleira e mais um transmissor que fica na cintura,

em geral, como um celular”.

- Heródoto: “Como um celular. Isso impediria que aquelas pessoas que estão no

chamado regime semi-aberto, por exemplo, fugissem, ou aquelas que ganham a

possibilidade de passar um feriado com a sua família também desaparecessem, não

voltassem nunca mais?”

- Dr. Japiassú: “Não impede porque as pessoas, o que acontece é o seguinte, a

tornozeleira não pode ser retirada, ela só pode ser rompida. Então, a pessoa fica

sendo monitorada, impedir que ela desapareça não, meramente ela cria uma forma

de controle sobre onde ela está localizada e como vai. Se ela rompeu a tornozeleira

ou se ela descumprir a área onde ela tem que estar, fica sendo informado

automaticamente. O que o CNJ está mencionando é que o regime semi-aberto, a

pessoa sai da prisão-albergue, e a partir daí só tem controle quando ela retornar.

Assim haveria alguma forma de controle. De qualquer maneira, muitos países

adotam o sistema de monitoramento, tem uma pesquisa específica na Inglaterra que

foi feita com pessoas que utilizavam, e outros presos disseram que usar a

tornozeleira fazia com que eles se lembrassem o tempo todo da obrigação, e isso

teria gerado resultados positivos”.

Page 38: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

37 

 

- Heródoto: “Esse é o sistema britânico? Nos Estados Unidos é a mesma coisa ou

não?”

- Dr. Japiassú: “Na realidade o modelo é mais ou menos parecido. Ele começa nos

Estados Unidos depois se expande pelo mundo. Ele começou em 83 nos Estados

Unidos. Em todos os lugares, geral, ele é tornozeleira, porque fica escondido

debaixo da calça, pra pessoa não ser identificada longe que está com a tornozeleira,

e o modelo basicamente são dois, ou é por telefone, que fica mandando sinais pra

indicar que a pessoa está perto a cada meia hora, ou um sistema mais caro que é o

sistema por GPS, como se fosse um celular mesmo”.

- Heródoto: “Entendo, agora se a pessoa se recusar a receber isso ela perde a

progressividade da pena? Ela perde o benefício?”

- Dr. Japiassú: “Na realidade, o monitoramento no mundo inteiro só pode ser

implementado com o consentimento da pessoa. A pessoa tem que aceitar ingressar

num programa de...”

- Heródoto: “Mas ela não aceitando, ela pode perder o benefício ou não?”

- Dr. Japiassú: “Na realidade, em geral você escolhe, ou você ingressa no

monitoramento ou você permanece preso. O monitoramento é no mundo inteiro uma

medida pra desencarcerar. Não é justamente como está se propondo aqui, que é pra

controlar quem já vai estar fora”.

- Heródoto: “É uma maneira, então, de colocar ou de facilitar a reintegração do

cidadão na sociedade, é isso?”

- Dr. Japiassú: “Exatamente, na realidade no mundo inteiro o monitoramento é

entendido, pelo menos essa é a principal bandeira, como instrumento pra reduzir

superlotação carcerária, um problema grave no Brasil. Aqui está se propondo pra

controlar quem vai estar em regime aberto, não é exatamente essa a proposta de

quem defende no mundo o monitoramento, em geral eles preferem... o problema de

superlotação, que é um problema mundial, e que no Brasil é muito grave”.

- Heródoto: “Perfeitamente. Professor Japiassú, muito obrigado. Professor Carlos

Eduardo Adriano Japiassú, professor de direito penal da Universidade Federal do

Rio de Janeiro. Olha que interessante. Então isso não é pra monitorar quem já está

fora, mas sim para permitir que pessoas que estão presas possam ficar nesse

regime progressivo. Eu acho que isso é interessantíssimo, essa observação feita

aqui pelo professor Japiassú”.

Page 39: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

38 

 

Jornal da Band:

- Ricardo Boechat: “Estou lendo a matéria da Mariana Garuti, n’O Estado de

S.Paulo, que o Conselho Nacional de Justiça quer pôr fim ao regime aberto. Esse

regime aberto, semi-aberto, enfim, tem várias modalidades, que pressupõem-se

previstas no regime de progressão de penas, o criminoso é condenado a um x de

tempo na cadeia, e dependendo da forma como cumpra essa pena, sem

transgressões disciplinares, sem tentativa de fuga, ele consegue sair em um sexto

da pena. Então o cara é condenado a 30 anos, ele sai em cinco anos, é isso? Cinco

vezes seis, 30, exatamente. O cara condenado a 20, ele sai em um sexto da pena, e

por aí vai. Isso vai progredindo, primeiro o cara consegue sair de manhã e voltar à

noite, depois ele tem direito a ficar o tempo que... isso se ele conseguir emprego, se

conseguir algum trabalho, alguma ocupação; ele tem direito a sair nas datas

festivas, Dia dos Pais, Dia das Mães, Natal, coisa do gênero, com o compromisso:

sair de manhã, voltar à noite. Depois ele pode ficar fora, mas ele tem que ficar um

período numa quarentena, sem cometer nenhum delito, lálálálá... O que acontece?

Dezessete por cento dos presos beneficiados com esse tipo de indulto, de benefício,

de progressão de pena, não voltam. Não voltam e são exatamente dos dezessete

por cento que acabam voltando pra bandidagem mais pesada. A reincidência entre

oriundos do sistema penal também é muito grande, e o Conselho Nacional de

Justiça agora começa a discutir a possibilidade de criar regras mais rigorosas para

esses benefícios. Uma dessas regras, que está em discussão aí, muito preliminar, é

colocar algum tipo de monitoramento eletrônico no preso beneficiado com a saída

provisória. Você bota lá uma pulseira eletrônica, bota lá um chip na canela do cara

preso a uma espécie de sei lá o quê, uma argola, uma coisinha e tal, e ele passa a

ser monitorado, onde ele estiver ele estará sendo monitorado. Já existem

equipamentos pra isso, já há experiências fora do Brasil, desse tipo, presos que têm

benefícios dessa forma e saem com... olha lembrem-se que os bispos da Igreja

Renascer usaram esse tipo de coleira eletrônica, sei lá que nome tem, pra poder

serem monitorados e não saírem do país, dos Estados Unidos, com o qual foram

condenados por entrar com dinheiro na Bíblia, dinheiro não declarado, então, existe

esse tipo de coisa, aqui no Brasil tem uma visão, de criminalistas, de juristas que

acham que isso bestializa o direito à liberdade, enfim, por aí vai. Agora, que a

sociedade quer que essas coisas mudem, e mudem pra mais vigor,

indiscutivelmente quer”.

Page 40: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

39 

 

- Repórter Thiago Rogério (13 minutos depois): “Boechat, mais cedo você falava

sobre a implantação do uso de tornozeleiras eletrônicas aqui no Brasil, em Minas foi

firmado um termo de cooperação entre o governo, o Tribunal de Justiça e o

Ministério Público, a expectativa é de que até o fim do ano o uso das tornozeleiras já

seja implantado em alguns presídios da região metropolitana de Belo Horizonte”.

- Ricardo Boechat: “As tornozeleiras de que falamos agora, você ouviu aí o Thiago

Rogério, são tornozeleiras eletrônicas, pra monitorar a saída de presos beneficiados

com aquelas saídas temporárias, pra Dia dos Pais, Natal, ou mesmo por regime

semi-aberto, eles saem com as tornozeleiras, ficam sendo eletronicamente

monitorados pra que se possam vigiar seus passos”.

Análise

Durante a introdução feita por Heródoto à notícia, que ocorreu no dia 28/10,

não encontramos qualquer forma de expressão de opinião, que é claramente

exposta por Boechat. Porém, durante a entrevista conduzida pelo âncora da CBN,

no dia 29/10, notamos que Barbeiro tenta conduzir o convidado a dizer o que

interessa aos ouvintes do Jornal da CBN.

Ao final da entrevista, notamos que Heródoto faz uma síntese do que foi dito

pelo doutor Japiassú, e usa da hipérbole para chamar a atenção do ouvinte em

“interessante (...) interessantíssimo”. Ele também mostra que, no Brasil, o uso das

tornozeleiras, como está sendo proposto fazer, se dá de forma errônea, pois “isso

não é pra monitorar quem já está fora, mas sim para permitir que pessoas que estão

presas possam ficar nesse regime progressivo”.

Boechat relembra fatos anteriores no comentário dele, como vemos em

“lembrem-se que os bispos da Igreja Renascer usaram esse tipo de coleira

eletrônica, sei lá que nome tem, pra poder serem monitorados e não saírem do país,

dos Estados Unidos”. Ele não fala se é bom ou ruim, mascara sua opinião,

transferindo-a para a sociedade no trecho “agora, que a sociedade quer que essas

coisas mudem, e mudem pra mais vigor, indiscutivelmente quer”. Usa uma

linguagem mais informal, facilitando o entendimento do ouvinte, chamando sua

atenção como em “você bota lá uma pulseira eletrônica, bota lá um chip na canela

do cara preso a uma espécie de sei lá o quê, uma argola, uma coisinha e tal”.

No programa Jornal da CBN encontramos uma linguagem mais formal.

Page 41: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

40 

 

Pauta 3: Aluna da Uniban hostilizada pelos colegas (dia 30/10/09)

Transcrição

Jornal da CBN:

- Heródoto Barbeiro: “Bem, cerca de 700 alunos numa faculdade em São Paulo,

chamada Uniban, Universidade Bandeirante, campus de São Bernardo, na região do

ABC, pararam as aulas do noturno para perseguir, xingar, tocar, fotografar, ameaçar

de estupro, cuspir, tudo isso contra uma aluna do primeiro ano do curso de turismo

que compareceu à escola com um micro-vestido rosa-choque, maquiagem de

balada, na quinta-feira da semana passada. Ela só conseguiu sair da escola sob

escolta de cinco policiais militares, duas mulheres inclusive, que tiveram que usar

spray de pimenta para conter os estudantes mais exaltados e abrir caminho entre a

massa. Vídeos de ataque circulam pela rede [internet], uns ofendendo a dignidade

da estudante. Estou aqui com o médico, doutor João Augusto Figueiró7, que é

psicoterapeuta do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP,

presidente do Instituto Zero a Seis, dedicado à criança da primeira infância. Bom dia,

doutor João Augusto”.

- Dr. João Augusto: “Bom dia, Heródoto, é um prazer falar com você e com seus

ouvintes”.

- Heródoto: “Doutor João Augusto, como se pode entender uma manifestação

coletiva como essa de se perseguir uma pessoa dentro de uma universidade, aqui,

no caso, chamada Uniban, e ameaçar de quase linchamento porque uma pessoa

estava vestida de maneira não convencional para uma escola?”

- Dr. João Augusto: “Esse fenômeno já foi bastante estudado na psicologia e na

psiquiatria, e principalmente na área da psicologia das massas, e isso decorre

principalmente dos fenômenos que ocorreram durante o período do Nazismo, que

começou a ser estudado em profundidade pela Hannah Arendt, que é o seguinte

fenômeno: as pessoas normais, que têm uma vida normal, não têm uma história

                                                            7 Nota da autora: Currículo disponível em http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4775849H6 Acessado dia 07/11/09 

Page 42: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

41 

 

prévia de crimes, elas, mobilizadas por uma ou mais pessoas que têm

características psicopáticas, ou são psicopatas, ou têm personalidade deserta,

essas pessoas, elas sofrem aquilo que a gente chama de um contágio psíquico e

são mobilizadas num fenômeno que a gente poderia chamar, um fenômeno de

prótons, um fenômeno de massa, são mobilizadas em direção a um determinado

objetivo. Isso é uma coisa bastante visível e infelizmente nós tivemos várias

experiências, e é rapidamente esse contágio que faz essa contaminação

comportamental se faz rapidamente, por exemplo, nas torcidas de futebol, pessoas

habitualmente normais que são capazes de cometer atos de vandalismo, de

criminalidade, de transgressão, de agressão, com violência”.

- Heródoto: “Professor João Augusto, quando a gente diz fenômeno de massa então

ele pode ocorrer tanto num campo de futebol quanto numa universidade?”

- Dr. João Augusto: “Sim, sim. Pode ocorrer. São informações que percorrem

rapidamente um conjunto ou um grupo e essas informações são lideradas por uma

ou mais pessoas com características mais perversas e que são induzidas, elas

servem à sua capacidade de auto-controle e abandonam seus valores, e adquirem

aquele valor do guia, da coordenação, do líder. Então, esse é um fenômeno que foi,

infelizmente, depois testado nos Estados Unidos, foram feitas algumas experiências,

com pessoas que foram submetidas a processos de testes artificiais, e essas

experiências, basicamente duas delas pelo menos, tiveram que ser interrompidas

dado a gravidade do contágio e da violência que se criava com essas pessoas.

Talvez você conheça uma das experiências, é aquela em que se colocou pessoas

no papel de prisioneiros, que não eram prisioneiros, eram alunos universitários

normais, e outras pessoas no papel de policiais, fardados, com píndulos, com

palavras de ordem, pra verificar como que essa relação se estabelecia ao longo do

prazo, a havia um tempo previsto pra que essa experiência fosse feita. A surpresa

era que foi interrompida rapidamente depois de poucos dias, dado o grau de

violência que se instaurava entre esses dois grupos. Um segundo processo

interessante de abordar nesse aspecto em particular que você está trazendo, do

grupo da Uniban, é a questão do bullying, o bullying é exatamente isso, um grupo de

alunos numa escola que reúne, liderados frequentemente por uma, duas ou mais

pessoas, um grupo menor, e atacam sistematicamente, com violência progressiva,

um determinado indivíduo que é escolhido por alguma característica que o diferencia

dos outros. Ou ele é mais gordo, mais magro, mais alto, mais baixo, mais bonito,

Page 43: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

42 

 

mais inteligente, ou mais bobo, enfim, alguma característica que o distingue, e a

turma o elege”.

- Heródoto: “Isso é o quê? É a ressurreição da ação medieval do bode espiatório?”

- Dr. João Augusto: “É, é. Ele serve como bode espiatório, nele são colocadas

qualidades que o tornam... o Chico Buarque acho que refletiu isso muito bem em

“Geni”. A Geni foi escolhida porque era uma pessoa que não era aceita pelo grupo, e

aí joga-se tudo na Geni, não é mesmo? Então, é fenômeno. E uma outra

modernização do bullying é o que hoje nós nos convencionamos chamar de cyber

bullying, que é o uso do bullying na internet pra promover esses ataques à honra,

dignidade do alunos. Isso é muito comum hoje, você faz circular com uma certa

velocidade fotos, informação, acusações falsas em relação a um determinado aluno

e isso incide com uma frequência bastante elevada em depressão grave e inclusive

suicídio”.

- Heródoto: “Muito obrigado aqui ao médico, doutor João Augusto Figueiró, que é do

Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, da USP, conversando um pouco

conosco a respeito dessa ação coletiva de alunos que barraram, interromperam a

aula do curso noturno, perseguiram, xingaram, tocaram, fotografaram, ameaçaram

de estupro e cuspiram numa aluna que havia chegado na escola, do primeiro ano do

curso de turismo, com roupas não convencionais para a faculdade”.

Jornal da Band:

- Ricardo Boechat: “Uma luta entre o faminto e o poeta em torno da sereia na areia,

acabam dilacerando a sereia, cada qual pelo seu motivo de amor, de afeto, o

faminto querendo comer a sereia literalmente, e o poeta querendo contemplá-la,

contemplar sua beleza, e tal. Por isso ontem essa moça de minissaia fez com que

talvez quatro mil... olha, gente, é uma multidão, vocês não acreditam, as imagens

serão exibidas hoje novamente no Jornal da Band [na TV Bandeirantes], que a gente

vai tentar entender um pouco, e eu estou contando essa história pra vocês pra dizer

o seguinte: há mais ou menos dois anos, um professor da Universidade Federal da

Bahia, disse, a propósito da degradação, da perda de qualidade do aluno brasileiro,

e ele referia-se especificamente a um aluno baiano, ele usou uma piada, uma

caricatura que vivem fazendo pra provocar os baianos, dizendo que ‘por que’, ele

falou ‘por que o berimbau tem uma corda só?’, disse o professor lá daquela

Universidade Federal da Bahia, ‘porque se tivesse duas o baiano não tocava’. E

Page 44: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

43 

 

houve uma reação natural, compreensiva, é só uma caricatura absurda feita ainda

mais por um professor da Universidade Federal da Bahia, deu uma comoção

enorme, foi afastado, foi objeto de muitas discussões, e tal, e na verdade a frase

dele foi infeliz, mas ela pretendia expressar um sentimento que precisa ser discutido

entre nós, e bastante. No que se transformou a tal juventude brasileira? Ou no que

boa parte dela está se transformando? Não será nem melhor, talvez, nem pior do

que a juventude em outras gerações, especialmente a minha, mas cá entre nós, a

gente não vê na rua quatro mil estudantes pra protestar contra rigorosamente nada

do grande elenco de barbaridades com que somos afrontados todos os dias. Eu não

os vejo na rua com frequência praticamente alguma, fazendo protestos significativos,

sequer quando cancelam a prova do ENEM, que afetou a quatro milhões deles.

Agora, pra juntar cinco mil, pra chamar de prostituta, ofender, gritar, acuar,

perseguir, quase linchar uma moça que estava com uma minissaia. E uma menina lá

disse para o Jornal da Band ‘ela estava vestida como uma prostituta’. E se fosse

uma prostituta? Não poderia frequentar uma universidade e dali sair para o seu

trabalho? Qual é o problema? E mais: diante do que se viu ali ontem, o crime maior

é a prostituição?”

- No dia 03/11, diante da notícia que a estudante voltaria às aulas, mas de calça

comprida, blusa e salto alto, conforme noticiou Luiz Megale, Boechat proferiu o

seguinte:

- Ricardo Boechat: “É lamentável. Deveria voltar com o mesmo vestido. Não é ela

quem tem que mudar de atitude, não é ela quem tem que mudar de atitude. Quem

tem que mudar de atitude são aqueles bobalhões lá, filhinhos de papai, e

professores daquela... Uniban, né? Uniban que chama? Até disseram aí, fizeram

uma piada que não é Uniban, é Talibã. Um negócio horroroso que fizeram com essa

moça, e a atitude dela, é claro, pra se proteger, mas eu queria ver qual seria hoje a

reação daquele bando de paspalhões diante da mesma moça com o mesmo

vestido”.

Análise

Nessa pauta, o que mais nos chama a atenção é o uso da hipérbole, por

Boechat, ao dizer a quantidade de alunos envolvidos no caso, bem como a

Page 45: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

44 

 

incerteza, com o uso da palavra “talvez” dentro da notícia, e não do comentário. A

fala de Heródoto - “cerca de 700 alunos” - nos faz acreditar que houve uma

apuração da informação antes de transmiti-la a seus ouvintes.

Boechat inicia a notícia fazendo uma intertextualidade com a música “A

Novidade”, de Gilberto Gil:

A novidade veio dar à praia, na qualidade rara de sereia Metade o busto de uma deusa Maia, metade um grande rabo de baleia A novidade era o máximo, do paradoxo estendido na areia Alguns a desejar seus beijos de deusa Outros a desejar seu rabo pra ceia Ó mundo tão desigual, tudo é tão desigual, ô ô ô ô ô De um lado este carnaval, de outro a fome total, ô E a novidade que seria um sonho, o milagre risonho da sereia Virava um pesadelo tão medonho, ali naquela praia, ali na areia A novidade era a guerra entre o feliz poeta e o esfomeado Estraçalhando uma sereia bonita, despedaçando o sonho pra cada lado

O âncora do Jornal da Band usa da pergunta retórica para manifestar sua

opinião, seus comentários, como vemos em “no que se transformou a tal juventude

brasileira? Ou no que boa parte dela está se transformando?”, em que ele critica a

juventude com o uso da palavra “tal”, que transmite ideia de negativismo.

Posteriormente ele ameniza a generalização (“boa parte”), no entanto ele utiliza a

conjunção adversiativa “mas”, e nos faz pensar que, na opinião dele, “essa tal

juventude” é pior sim, quando diz que não saem às ruas para protestar, o que nos

remete ao movimento dos caras-pintadas, que protestaram na década de 90 contra

o então presidente Fernando Collor de Mello.

Boechat termina sua reflexão em 30/10 com uma pergunta retórica, em “e se

fosse uma prostituta? Não poderia frequentar uma universidade e dali sair para o

seu trabalho? Qual é o problema? E mais: diante do que se viu ali ontem, o crime

maior é a prostituição?”, que finaliza a notícia estimulando uma reflexão do ouvinte.

Diferentemente das outras duas pautas analisadas, Boechat usa adjetivos,

como “bobalhões”, “filhinhos de papai” e “paspalhões”, no trecho transmitido em

03/11, deixando claro que esta é a sua opinião, e não da sociedade, como vimos

nas análises anteriores. Além disso, reproduz um termo que foi usado, segundo ele,

pela sociedade em “até disseram aí, fizeram uma piada que não é Uniban, é Talibã”.

Page 46: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

45 

 

Charaudeau (2009, p. 176) diz que no mundo profissional há um

questionamento se os jornalistas devem ou não comentar. Em contrapartida,

analisando Charaudeau (2009, p. 180), ao dizer que “o comentador sabe que

precisa ser credível, mas também sabe que nenhuma análise ou argumentação terá

impacto se não despertar o interesse do consumidor de informação e se não tocar

sua afetividade”, nos leva a crer que Boechat busca chamar a atenção do público

para um fato que, segundo a entrevista do doutor João Augusto ao Jornal da CBN,

tem tomado proporções absurdas ultimamente.

Page 47: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

46 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, contamos um pouco a história do rádio, como veículo de

comunicação, bem como o início do radiojornalismo no Brasil. Em seguida,

estudamos os diversos gêneros jornalísticos, utilizados em todas as mídias, não

somente no rádio. Por serem peças-chave desta monografia, estudamos com mais

cautela e detalhes os gêneros “notícia” e “comentário”, por serem fundamentais para

a análise proposta. Vimos, também, qual a função do âncora, encontrado no tele e

radiojornalismo, bem como um pouco da história dos profissionais estudados e

analisados nesta pesquisa.

O problema, que gerou esta análise, é a presença do comentário no

radiojornalismo. Há expressão de opinião por parte dos âncoras? Os âncoras do

radiojornalismo têm como função informar, sem induzir o ouvinte a concordar com

seus princípios. Isso realmente ocorre?

Ao analisar os programas Jornal da Band, apresentado por Ricardo Boechat,

e Jornal da CBN, apresentado por Heródoto Barbeiro, notamos que o primeiro

expressa sua opinião na maior parte das notícias, muitas vezes conduzindo o

ouvinte a seguir pelo mesmo pensamento, em alguns casos, expressa seus

sentimentos, de raiva, indignação etc., enquanto Heródoto busca noticiar, informar

sem comentar, leva ao ouvinte a opinião de um profissional da área, não sua opinião

de jornalista, formador de opinião.

Com isso, podemos concluir que os profissionais analisados têm maneiras

distintas de transmitir a notícia ao público, conforme sua formação acadêmica.

Existe, sim, a expressão de opinião dos âncoras, mas não se pode generalizar, pois,

conforme vimos, cada profissional tem sua maneira de fazê-lo, seja durante a

programação, através da preparação do radiojornal, ou durante a transmissão das

informações.

Este trabalho nos mostrou que a imparcialidade total não existe - seja de

forma sutil ou não, a opinião é expressa pelo profissional, mesmo que não seja

transmitida, pois, conforme vimos com Squirra (1993, p. 179), o âncora brasileiro

exerce atuação opinativa, seja na forma de comentários ou controlando de forma

extremamente cuidadosa tudo o que vai ao ar.

Page 48: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

47 

 

Sabemos que ainda há muito a ser estudado sobre o tema, porém, devido ao

curto espaço de tempo para desenvolver esta monografia, propomos dar

continuidade à pesquisa posteriormente, durante a pós-graduação, em que

pretendemos desenvolver um trabalho mais amplo e detalhado sobre a opinião no

radiojornalismo brasileiro.

Page 49: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

48 

 

REFERÊNCIAS

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Page 50: Jornalismo opinativo no rádio brasileiro

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