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27/10/2016 :: Memória Roda Viva www.rodaviva.fapesp.br :: http://www.rodaviva.fapesp.br/imprimir.php?id=744 1/39 Ciro Gomes 7/1/1991 O governador cearense eleito fala dos problemas do seu estado e do Nordeste e em como fazer face ao coronelismo, à indústria da seca e à pobreza Jorge Escosteguy: Boa noite! Estamos começando mais um Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. O nosso convidado desta noite é o mais jovem governador eleito do Brasil. Ciro Gomes tem 33 anos, nasceu em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, mas vai governar o Ceará, estado para onde se mudou ainda criança. Começou na política como assessor do pai José Euclides Gomes [19181996], prefeito de Sobral [no Ceará, de 1977 a 1982]. Em 1988, elegeuse prefeito de Fortaleza pelo PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro]. Depois, mudou de partido, indo apoiar Mário Covas [(19302001), governador de São Paulo de 1995 a 2001], candidato a presidente da República pelo PSDB [Partido da SocialDemocracia Brasileira]. No centro do Roda Viva desta noite, Ciro Gomes vai poder nos contar, por exemplo, como se sente sendo o único governador eleito do PSDB, um partido que sempre larga como favorito nas pesquisas mas, em geral, acaba "morrendo na praia" na apuração dos votos. Lembramos que o Roda Viva é transmitido ao vivo pelas TVs Educativas de Porto Alegre, Minas Gerais, Espírito Santo, Piauí, TV Cultura de Curitiba e TV Cultura do Pará. É, ainda, retransmitido para mais 15 emissoras, que formam a Rede Brasil através da TVE do Rio de Janeiro. Para entrevistar o Ciro Gomes esta noite no Roda Viva, nós convidamos os seguintes jornalistas: Carlos Tramontina, editor e apresentador do telejornal Bom Dia São Paulo, da TV Globo; Carlos Alberto Sardenberg, diretor regional do Jornal do Brasil, sucursal São Paulo; Andrew Greenlees, editor adjunto de política da Folha de S. Paulo; José Nêumanne Pinto, comentarista político da TV Manchete e editoralista do jornal O Estado de S. Paulo; Hugo Studart, sub editor de Política da revista Veja; Jayme Martins, repórter da TV Cultura; e Juca Kfouri, diretor editorial de revistas masculinas da editora Abril. Lembramos aos telespectadores que quem quiser fazer perguntas por telefone pode chamar 2526525, que a Cristina, a Bernadete e a Iara estarão anotando as suas perguntas. Boa noite, governador! Ciro Gomes: Boa noite. Jorge Escosteguy: O seu partido é um partido notável pelas pessoas notáveis que fazem parte dele, mas, em geral, ele tem se mostrado, nas últimas eleições, um partido fraco de votos. Ou seja, nesta última eleição, por exemplo, houve alguns desastres políticos importantes, como Franco Montoro [(19161999), governador de 1983 a 1987] em São Paulo e Pimenta da Veiga [prefeito de Belo Horizonte de 1989 a 1990] em Minas Gerais. Com o distanciamento crítico da vitória que o senhor tem, a que o senhor atribui esse problema eleitoral, vamos dizer assim, do PSDB?

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Ciro Gomes

7/1/1991

O governador cearense eleito fala dos problemas do seu estado e do Nordeste e em como fazer face ao coronelismo, à indústria da seca e à pobreza

Jorge Escosteguy: Boa noite! Estamos começando mais um Roda Viva pela TV Cultura de São Paulo. O nosso convidado desta noite é omais jovem governador eleito do Brasil. Ciro Gomes tem 33 anos, nasceu em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, mas vaigovernar o Ceará, estado para onde se mudou ainda criança. Começou na política como assessor do pai José Euclides Gomes [19181996],prefeito de Sobral [no Ceará, de 1977 a 1982]. Em 1988, elegeuse prefeito de Fortaleza pelo PMDB [Partido do Movimento DemocráticoBrasileiro]. Depois, mudou de partido, indo apoiar Mário Covas [(19302001), governador de São Paulo de 1995 a 2001], candidato apresidente da República pelo PSDB [Partido da SocialDemocracia Brasileira]. No centro do Roda Viva desta noite, Ciro Gomes vai podernos contar, por exemplo, como se sente sendo o único governador eleito do PSDB, um partido que sempre larga como favorito naspesquisas mas, em geral, acaba "morrendo na praia" na apuração dos votos. Lembramos que o Roda Viva é transmitido ao vivo pelas TVsEducativas de Porto Alegre, Minas Gerais, Espírito Santo, Piauí, TV Cultura de Curitiba e TV Cultura do Pará. É, ainda, retransmitido paramais 15 emissoras, que formam a Rede Brasil através da TVE do Rio de Janeiro. Para entrevistar o Ciro Gomes esta noite no Roda Viva,nós convidamos os seguintes jornalistas: Carlos Tramontina, editor e apresentador do telejornal Bom Dia São Paulo, da TV Globo; CarlosAlberto Sardenberg, diretor regional do Jornal do Brasil, sucursal São Paulo; Andrew Greenlees, editor adjunto de política da Folha de S.Paulo; José Nêumanne Pinto, comentarista político da TV Manchete e editoralista do jornal O Estado de S. Paulo; Hugo Studart, subeditor de Política da revista Veja; Jayme Martins, repórter da TV Cultura; e Juca Kfouri, diretor editorial de revistas masculinas da editoraAbril. Lembramos aos telespectadores que quem quiser fazer perguntas por telefone pode chamar 2526525, que a Cristina, a Bernadete e aIara estarão anotando as suas perguntas. Boa noite, governador!

Ciro Gomes: Boa noite.

Jorge Escosteguy: O seu partido é um partido notável pelas pessoas notáveis que fazem parte dele, mas, em geral, ele tem se mostrado,nas últimas eleições, um partido fraco de votos. Ou seja, nesta última eleição, por exemplo, houve alguns desastres políticos importantes,como Franco Montoro [(19161999), governador de 1983 a 1987] em São Paulo e Pimenta da Veiga [prefeito de Belo Horizonte de 1989 a1990] em Minas Gerais. Com o distanciamento crítico da vitória que o senhor tem, a que o senhor atribui esse problema eleitoral, vamosdizer assim, do PSDB?

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Ciro Gomes: A questão do PSDB é complexa, ela não comporta uma explicação só. Mas uma delas, sem dúvida nenhuma, é que o partidotem apenas três anos aliás, menos de três anos de idade [o PSDB foi fundado em junho de 1988]. E é um partido que não se adensou, nãose enraizou na base da organização social brasileira, porque não teve nem tempo. Já no primeiro ano de organização do PSDB nós tivemosuma eleição municipal, que exige um estágio sofisticado de organização, que o partido não tinha e, por não ter, não chamou a atenção enós não tivemos um grande desempenho na eleição [municipal] de 1988. Em 1989, tivemos a eleição presidencial, em que uma série defatores a passionalização dos temas da campanha, a dominação pelo populismo e pelo maniqueísmo ideológico da campanha acabouesmaecendo a nossa proposta, que se situa na centroesquerda do espectro ideológico que é uma posição complexa de ser explicada emambientes assim, marcados pela visão maniqueísta, o preto e o branco, o mal, o bom, o ruim...

Jorge Escosteguy: O PRN [Partido da Reconstrução Nacional, depois Partido Trabalhista Cristão] é um partido quase tão novo quanto oPSDB e elegeu o presidente da República [Fernando Collor de Mello, presidente de 1990 a 1992].

Ciro Gomes: Esta questão é de personalismo. O PRN evidentemente não elegeu o presidente da República. O presidente da República noBrasil, mais uma vez, foi eleito pela característica personalíssima daquele intérprete de alguns valores epidérmicos de que a sociedadebrasileira se angustiava naquele momento, passando por um moralismo com fetiche do perseguidor de marajás etc. que correspondia a umaangústia muito grande da população profundamente empobrecida e profundamente chocada com a corrupção do Estado brasileiro. Isso é oque explica.

Juca Kfouri: Governador, pelo que o senhor está dizendo, a gente pode entender que, pelo menos no Ceará, o eleitor soube distinguir omaniqueísmo e acabou conduzindo a proposta tucana à vitória. Eu pergunto: será que o que faz com que o eleitor se afaste do PSDB não éexatamente a propalada indefinição do partido? Por exemplo, vou dar um caso concreto e gostaria de saber como é que o senhor acha que opartido deveria agir ou se agiu certo. Durante todo o período da montagem do ministério do presidente Collor falouse pelo menos, falouse muito de alguns tucanos notáveis sendo convidados, sendo sondados para a participar do ministério: José Serra [governador de SãoPaulo de 2007 a 2010], Franco Montoro, Fernando Henrique Cardoso [presidente da República de 1995 a 2002]. E a postura do partido foide absoluta rejeição a essa idéia. O senhor acha que o partido agiu bem? Ou será que, se tivesse aceito participar do governo Collor, terianão só se definido com mais clareza perante o eleitorado, mas, ao mesmo tempo, quem sabe, poderiam dar uma contribuição maior aoinício de gestão do presidente, afinal eleito pelo povo?

Ciro Gomes: Primeiro, uma colocação: a nossa experiência no Ceará é profundamente atípica para ser comparada com as outrasexperiências dos outros companheiros. No Ceará, nós temos estágios sofisticados de organização. Nós estamos no sindicato, estamos nomovimento universitário, estamos no movimento comunitário, estamos no movimento de estudantes, de mulheres, ecológicos e nósestamos organizados temos diretórios em todos municípios e temos um imenso êxito da administração do governador Tasso Jereissati[governador de 1987 a 1991 e também de 1995 a 2002], que é o nosso emblema para garantir que o que a gente fala é praticado. Portanto,

isso faz uma diferença fundamental. [Quanto] à outra questão, eu também concordo com você que nós temos um papel fundamental para

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isso faz uma diferença fundamental. [Quanto] à outra questão, eu também concordo com você que nós temos um papel fundamental paracumprir em relação ao governo Collor. Nós não devemos contribuir para o isolamento do presidente Collor do espectro da discussão dopaís e ficarmos confundidos, aí, com uma certa oposição sectária que pretende sempre manipular as bandeiras, os estágios ideais de comoas coisas deviam ser e não põe a mão na massa para colaborar, para fazer. Entretanto, uma questão tem que ser colocada: esse papel nossonão é participar do governo Collor. O governo Collor tem um discurso socialdemocrata, mas a prática do governo Collor não é socialdemocrata. A prática do governo não é consentânea com o programa do PSDB embora aqui e ali, por exemplo, na gestão da dívidaexterna, eu aplauda e gostaria de ser chamado a contribuir mais ativamente, até que... Estou com medo de que o governo já, já, vá recuardessa proposta, porque falta, realmente... No governo, há um ensimesmamento completo que exclui as pessoas de participar e, na oposição,há essa coisa, ainda, da ditadura no Brasil, que entrou na alma das pessoas.

José Nêumanne Pinto: Governador, eu gostaria de retomar um pouquinho antes do que o Juca falou. Talvez a coisa que mais explique aderrota do PSDB nesta eleição, na última eleição, tenha sido a decisão que o PSDB tomou, não de não participar do governo, mas de apoiaro [Luís Inácio] Lula [da Silva] [presidente da República de 2003 a 2010] no segundo turno da eleição presidencial.

Ciro Gomes: Aí, eu concordo. A forma de apoiar o Lula, especialmente em São Paulo, eu acho que foi um fator grave para contribuir paraa derrota.

Carlos Alberto Sardenberg: Como assim, a forma?

Ciro Gomes: Houve o seguinte. O nosso partido aqui em São Paulo, especialmente era um partido sedimentado na classe média, queestava e está, em boa parte ainda, chocada com a experiência da administração municipal do PT [Partido dos Trabalhadores]. Então, nóséramos a oposição ao PT, uma alternativa progressista, nãoreacionária de oposição ao PT. Como confundir a nossa posição, traindo aconfiança do eleitorado apoiando o Lula? Isso, nós vivemos também no Ceará. Eu, particularmente, votei no Lula, mas votei calado e disseclaramente para as pessoas que não me sentia estimulado em participar daquele quadro absolutamente falso, pelos dois pólos em que sedesenhou. Então, eu não tinha vontade de me coresponsabilizar politicamente por nenhuma das duas experiências. Não recomendava votoem branco e nulo, mas também não recomendava voto em ninguém. Excluíame como liderança do processo e ia votar como cidadãonaquele que entendesse o menos ruim ou o melhor para a aquela conjuntura.

Jorge Escosteguy: Governador só um minutinho, por favor, só um minutinho , eu gostaria de registrar a presença, também, do jornalistaKleber de Almeida, editor do Caderno de Sábado do Jornal da Tarde, que chegou e também vai fazer parte da nossa banca deentrevistadores. Por favor.

Hugo Studart: Governador, nesse processo todo de eleição presidencial, que eu saiba, a única liderança de peso do PSDB que subiu no

palanque do Lula foi o senador Mário Covas. Porque, por exemplo, o senador José Richa [(19342003), governador do Paraná de 1983 a

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palanque do Lula foi o senador Mário Covas. Porque, por exemplo, o senador José Richa [(19342003), governador do Paraná de 1983 a1987], do Paraná, foi pescar no Pantanal; o senador Fernando Henrique Cardoso, se não me engano, foi para o exterior. Então, o senhoratribui essa culpa pela derrota do PSDB na eleição aos governadores?

Ciro Gomes: Não, eu disse que são vários os fatos que explicam. O primeiro, o mais grave para mim, é que nós somos um partido queainda não se enraizou nos movimentos sociais. Isso, não se pode perder de vista. E, evidentemente, há um toque aí, uma causa adicional emSão Paulo e em Minas, onde eu percebo com clareza que, nesse problema do apoio ao Lula e na forma como foi feito, houve uma certavacilação no princípio, para, depois, amadurecer o apoio na contradição do que as consultas realizadas indicavam. Quer dizer, houve umprocesso, não houve um apoio imediato; então, admitiuse a discussão. Com essa discussão, todos os atores que tinham interesse em olharo PSDB como referência para o país se manifestaram. Por ampla e esmagadora maioria, a nossa base eleitoral em São Paulo, em Minas, noParaná, no Ceará era contra o Lula embora não fosse necessariamente próCollor, como foi no Paraná. Em outros estados, não foi próCollor, mas não [foram]Lula, também. E isso acabou contribuindo como uma causa a mais.

Andrew Greenlees: Governador, será que outra causa não foi uma excessiva confiança, digamos, das estrelas partidárias? Desde o início, oPSDB, com uma proposta socialdemocrata, tinha pouquíssima base, por exemplo, operária, que é fundamental para o sucesso de qualquerexperiência socialdemocrata, que nem na Alemanha. Será que não confiaram um pouco demais nas estrelas e, na hora H, viram que nãotinha volta?

Ciro Gomes: A política do Brasil é, com muita clareza especialmente nesta conjuntura, mas eu confio que nós vamos nos libertandodisso na proporção dos estágios mais avançados de organizações da nossa sociedade , é muito marcada pelo personalismo, é muitomarcada pela personalidade dos atores da cena eleitoral. E nossos atores realmente foram para esse embate sem uma raiz nos movimentossociais como um todo. Não só a base trabalhista, porque aqui, especialmente, nós temos uma base mais de classe média o que é natural,também: a primeira compreensão vem por aquelas classes mais esclarecidas, que tiveram melhor sorte na vida; e, logo em seguida, vai seenraizando. Mas isso exige militância e nós não tivemos, ainda não temos um estágio necessário de militantes.

Kleber de Almeida: O senhor, de certa forma, desejaria, numa eleição, que o PSDB não participasse da eleição no segundo turno?

Ciro Gomes: No segundo turno presidencial, sim. Defendi essa posição numa reunião em Brasília.

Kleber de Almeida: Mas o segundo turno existe realmente para isso. É uma segunda eleição...

Ciro Gomes: Não, não...

Kleber de Almeida: ...onde é natural, normal que os outros partidos se alinhem aos outros candidatos.

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Kleber de Almeida: ...onde é natural, normal que os outros partidos se alinhem aos outros candidatos.

Ciro Gomes: É natural, normal que haja aliança, mas não é imposição e, no quadro brasileiro, essas alianças... No mundo todo, onde háesse sistema eleitoral de dois escrutínios, as aproximações são por frentes ideológicas, por similitudes ideológicas. No caso brasileiro, nosnão temos, ainda, a identificação desses agrupamentos ideológicos, não temos isso. O que nós temos são grupos de militância corporativa,por assim dizer, que se arremedam em partidos; e isso não permite e nem recomenda para nós... Agora mesmo, São Paulo descobriu isso. OPSDB de São Paulo fez na hora errada, descobriu que não é obrigado a... Você pode votar, até deve, eu não recomendo voto nulo e branco,eu votei para a presidente; mas, quando você vai ao palanque, você assume uma coresponsabilidade por aquilo que está sendo construídoem perspectiva. E todos nós sabíamos, evidentemente, que a corelação de forças, ou o despreparo, ou o sectarismo ou a federação deinteresses que o PT representa não estava habilitada para a governar o Brasil, com a complexidade que o Brasil impõe aos seusgovernantes. O presidente Collor também, ao nosso juízo, não tinha a densidade necessária, os instrumentos de controle social necessáriospara ser um instrumento da promoção do bemestar coletivo, como estamos vendo. Por que nos responsabilizarmos por um ou outro?

Jorge Escosteguy: Governador, nenhum dos dois estava habilitado a governar o país; agora, um dos dois, seguramente, iria governar opaís. Isso não dá aos políticos uma responsabilidade?

Ciro Gomes: Mas sem a nossa responsabilidade de influir naquela escolha. A nossa posição foi claramente colocada no Ceará, ante acompreensão generalizada das pessoas.

Jorge Escosteguy: Quer dizer, não vale a pena nem o "dos males o menor"?

Ciro Gomes: Para votar, sim. Eu não sou a favor de voto em branco nem voto nulo. Para votar.

[...]: O senhor votou em quem?

Ciro Gomes: Eu votei no Lula.

Juca Kfouri: [Sobre] a questão da distância entre o discurso socialdemocrata do presidente Collor e a prática, que não é socialdemocrata:será que [não é] exatamente pelo fato de que não existem aqueles quadros que possam pôr em prática esse discurso? E não seria este opapel do PSDB?

Ciro Gomes: Em evolução, eu até admitiria. Se o presidente... Porque foi ele quem ganhou a eleição e é ele quem tem a responsabilidadede liderar o processo de governo, não é o processo de monopólio das opiniões da nação, como aqui e ali parece ser. Mas o processo de

governar é iniciativa dele. A ele cabe a liderança, por origem legítima do seu mandato. Nós não vamos, não devemos ir lá e nos oferecer

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governar é iniciativa dele. A ele cabe a liderança, por origem legítima do seu mandato. Nós não vamos, não devemos ir lá e nos oferecerpara dizer como as coisas deveriam ser. Eu defendo que o PSDB deve urgentemente vamos até fazer uma reunião esta semana, isso estáse generalizando na compreensão do partido formular um projeto alternativo para o Brasil e discutir isso em praça pública. Aí se esgota anossa responsabilidade. Se o presidente pega esse projeto, ou um dos itens, ou alguns dos itens e os pratica, o PSDB deve, corajosamente,apoiálo, sem participar do governo. Se ele negaceia, se ele faz errado, se faz diferente a nosso juízo, aí está uma razão objetiva, construtivapara nós dizemos "não" a eventuais pontos do governo.

Juca Kfouri: Eu só não consigo entender o porquê dessa postura sistemática de um partido com o perfil do PSDB, que não é o PT naesquerda, o PT faz esse papel, eu acho que cumpre esse papel fielmente , essa negação da hipótese da participação.

Ciro Gomes: Não, mas você só deve participar de um projeto de governo se for a sua cara. Você não pode participar de um projeto degoverno que não tem a sua cara.

Juca Kfouri: Mas, na hipótese de o presidente chamar o PSDB...

Ciro Gomes: Para um projeto que nós vamos discutir com o país na luz do dia, de forma transparente, vamos discutir esse sacrifício quevai importar no ajuste fiscal que é necessário fazer, vamos discutir a austeridade monetária que nós, do PSDB, defendemos...

Jose Nêumanne Pinto: Tudo bem, mas por que não participar do governo? Eu estou com esta pergunta: por que não?

Ciro Gomes: Podemos participar! [Mas,] deste governo que aí está, não podemos participar por duas razões. Uma, de origem: nósperdemos a eleição para as forças que estão aí. A segunda é de processo: a cara política que este governo está assumindo não dá paranegar é uma cara absolutamente atrasada, é uma cara fisiológica, é uma cara atrasada, é uma cara conservadora, é uma cara...

Juca Kfouri: Em relação à equipe econômica, também?

Ciro Gomes: Não, a equipe econômica ainda é um núcleo muito bom.

Carlos Tramontina: O senhor acha que, dentro do PSDB, há gente que gostaria de participar do governo?

Ciro Gomes: Admito; a vocação fisiológica da política brasileira, infelizmente, é um fato. Mas eu não conheço, não é ninguém de proa.

Carlos Tramontina: Aqui em São Paulo... Essa questão da clareza do perfil do partido é uma coisa muito importante. Aqui em São Paulo,

a gente tem um fato muito recente [sobre] o comportamento da bancada do PSDB na Câmara Municipal, que faz oposição forte e

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a gente tem um fato muito recente [sobre] o comportamento da bancada do PSDB na Câmara Municipal, que faz oposição forte esistemática à administração do PT e que, para a vencer a eleição da Mesa Diretora da Câmara uniuse aos grupos mais conservadores inclusive, a vários políticos e parlamentares acusados de corrupção e de uma série de irregularidades administrativas. Isso não serve para acomplicar e botar mais lenha nessa fervura e tornar o PSDB alguma coisa como aquele balaio de gatos...?

Ciro Gomes: Olha, eu não vou, por gosto e amor ao meu partido, afirmar que o partido é um núcleo de anjos. Evidentemente, não é.Entretanto e para a reforçar o que eu estou falando , eu tenho uma visão muito prática da política, mesmo em relação a essa caraconservadora que vai assumindo o governo do presidente Collor essa cara mais do que conservadora; é uma cara com os mesmos atores,com a mesma carteira de identidade daqueles que fizeram a orgia fisiológica que desmoralizou o Brasil e que acabou municiando o seudiscurso moralista para a ganhar a eleição. Essas pessoas podem até ser usadas taticamente, compreendo, porque a emergência dosproblemas, o momento de resolver os problemas era aquele, o de assumir o governo, não tinha outro. As energias potenciais de início degoverno têm que ser aproveitas, a hiperinflação não admitia adiamentos de providências; portanto, usar essas pessoas que estão aí afinalde contas, são os atores da política para financiar um projeto sério de atendimento ao interesse público é ato de esperteza legítimo oulegitimada pelo interesse público. Não sei se é o caso, eu não conheço detalhes da eleição da Mesa da Câmara de São Paulo, mas me pareceque foram os conservadores ou os eventuais corruptos a que você alude eu não conheço, quero insistir em afirmar que votaram numnome que é bem respeitado em São Paulo, o presidente da Câmara [Antônio Paes de Andrade]. Portanto, se você tem conservadores,reacionários ou fisiológicos admitindo, por razões as mais variadas, apoiar um projeto correto, eu acho que é uma ética lamentável, mas é oque se pode fazer concretamente por imposição da realpolitik, da "política real". E eu admito que o presidente Collor, durante este ano aí eaté que o novo Congresso assuma, tenha que transar com estes atores que estão aí sem problemas. Não pode é tomar gosto.

Jayme Martins: Governador, partindo um pouco para o administrativo, um acontecimento que foi, tanto em 1986 como na sua vitória deagora, em 1990, sobretudo na imprensa do sul... Essas duas vitórias no Ceará foram a ruptura do Ceará com o coronelismo. Agora, alémdas medidas de saneamento moral e financeiro, que outras medidas em matéria de benefícios sociais poderiam ser apontadas, queassinalassem os resultados da ruptura do Ceará com o coronelismo?

Ciro Gomes: Olha, nós temos nosso...

Jorge Escosteguy: Governador, desculpe interrompêlo, só pegar uma carona na pergunta do Jayme, os seus conterrâneos de Fortalezaestão telefonando. Carlos Alberto, de Fortaleza, por telefone, quer saber se é verdade que o senhor vai demitir 38 mil funcionários públicos.

Ciro Gomes: Bom, nós tomamos o estado quando esse grupo, liderado pelo governador Tasso Jereissati, assumiu com todas as receitascorrentes do estado só suficientes para a pagar 70% de uma folha de pessoal do mês. E os funcionários, havia três meses que estavamatrasados os seus vencimentos; e havia um colapso completo em todos os serviços. Eu lembro, por ridículo aqui, só para a não me estender

muito além da conta, que a Polícia Civil tinha sete veículos; três deles estavam montados em cepos de madeira, porque não tinha dinheiro

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muito além da conta, que a Polícia Civil tinha sete veículos; três deles estavam montados em cepos de madeira, porque não tinha dinheiropara comprar pneu para trocar, e os policiais revoltados, porque saíam com duas balas no revólver e, se [as] deflagrassem, era descontadodo salário. Eu acho que por aqui basta para mostrar o colapso em que se estava. Hoje, o estado do Ceará paga a sua folha pessoal com 65%da sua arrecadação e 35% estão disponíveis para financiar um projeto de mudanças que nós chamamos, lá, basicamente, de "nossa infraestrutura social e econômica". Na área de infraestrutura social, nó temos alguns indicadores importantes: construímos vinte mil casas,vinte mil unidades. Esse número, talvez, para São Paulo não seja muito expressivo, mas isso significa a metade de tudo o que foi feito noCeará durante toda a vida. A metade de tudo o que foi feito por todos governos do Ceará foi feito em menos de dois anos porque doisanos nós gastamos consertando as coisas. Nós duplicamos a área irrigada do estado do Ceará. Nós tínhamos lá 4000 hectares; hoje, temosmais de 8000 hectares irrigados com recursos diretos do estado do Ceará. Em projetos de assentamento, temos grandes indicadores nessaárea de reforma agrária, referidos pela própria Contag [Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura] como o melhor exemplode afirmação de um projeto de reforma agrária conseqüente. É no Ceará, esse exemplo. As escolas estavam todas destruídas; hoje, doisterços delas estão totalmente recuperadas. As estradas inteiras estavam destruídas; 70% delas foram recuperadas. E esse saldo [restante] é aminha tarefa.

Carlos Alberto Sardenberg: Governador...

Jorge Escosteguy: Desculpe, desculpe, só um pouquinho desculpe Carlos Alberto...

Ciro Gomes: Ah, sim, eu preciso responder ao...

Jorge Escosteguy: ...o outro Carlos Alberto, de Fortaleza, quer saber se o senhor vai demitir 38 mil funcionários públicos.

Ciro Gomes: É, eu preciso responder. Eu não tenho o número de demissões nem intenção de demitir, porque, infelizmente, a Constituiçãofederal e a estadual estenderam o estatuto da estabilidade a todos os servidores que foram contratados na orgia, clientelistas dos governos edos coronéis durante muito tempo em que... Houve uma noite que se contrataram quarenta mil pessoas no estado do Ceará. Numa noite,apenas. Para a financiar uma eleição, foi feito esse absurdo e, hoje, a Constituição engessou isso. Agora, todos ficam. Portanto, eu nãoposso fazer a quantidade de demissões que necessitaríamos fazer para definitivamente resolver.

Jorge Escosteguy: Mas vai demitir?

Ciro Gomes: Agora nós vamos demitir rotineiramente todos os servidores que não cumpram rigorosamente seus deveres de assiduidade,de seriedade, de tratar bem o contribuinte. Vai ser demitido...

Juca Kfouri: O governador Jereissati já não...

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Juca Kfouri: O governador Jereissati já não...

Ciro Gomes: Ele já fez, tirou 43 mil cheques da folha de pessoal. E nós vamos continuar fazendo.

Carlos Alberto Sardenberg: Governador, aproveitando esse embalo da questão do Ceará, eu gostaria que o senhor me explicasse o que ésocialdemocracia no Ceará. Porque a socialdemocracia, pela tradição, pela história, é uma formação política que nasceu e se desenvolveu formouse a sua teoria em países capitalistas avançados, basicamente na Europa; e a mensagem dessa idéia socialdemocrata está bemligada com país capitalista avançado, com a classe operária, com a aristocracia operária, essas coisas todas. O Ceará é um estado pobre, umestado com muito daquela coisa brasileira de conflito muito nítido entre gente muito rica e gente muito pobre. O que significa socialdemocracia lá? Claro que havia um sentido por detrás, que é o seguinte: as pessoas dizem que, se o senhor e o governador Tasso tivessementrado no Partido Democrata Cristão teriam ganho a eleição; se tivessem entrado no PRN, o PRN teria ganho a eleição, não importa qualfosse a mensagem.

José Nêumanne Pinto: Aliás, só complementando isso que o Carlos Alberto falou, o deputado Florestan Fernandes [(19201995)sociólogo e político, autor de A integração do negro na sociedade de classes (1964)] escreveu um artigo dizendo que num país pobre comoo Brasil a socialdemocracia é uma bobagem, uma ilusão; isso seria uma coisa de países ricos.

Ciro Gomes: Isso é complicado, especialmente dito por ele, porque [Karl] Marx [(18181883), fundador do marxismo, autor de O capital]também prescrevia a revolução proletária onde poderia haver proletariado. E prescreveu, inclusive, que seria na Inglaterra, onde aRevolução Industrial aconteceu. E foi acontecer na União Soviética, rompendo uma sociedade rural, feudal...

[...]: E na China...

Ciro Gomes: ...enfim, essa coisa é absolutamente secundária. Não se esqueça do "B": "pêessedêbê". Nós somos socialdemocraciabrasileira. Isso não quer dizer que é peru à brasileira, como o inesquecível Sobral Pinto [(18931991), jurista, defensor dos direitoshumanos] quer afirmar. O que tem que se fazer é o seguinte. É uma compreensão básica. Qual é a compreensão básica? É que o Estado nãopode se demitir de uma responsabilidade central: de promover o bemestar das pessoas, não só como Estado prestador de serviços Estadopolícia, Estadoposto médico, Estadoeducação , mas Estado interventor na economia, para dirimir, ou para diminuir, ou para eliminar este é o objetivo ideal as desigualdades entre as pessoas. No Ceará, isso é uma coisa eloqüente, é um vasto campo para se praticar isso.Como fazer isso? O Estado é um Estado que, ao longo do tempo, foi apropriado por corporações e por uma visão patrimonial das elitespolíticas que tomaram conta dele e passaram a se servir reciprocamente com o parco recurso do Estado. O que é a socialdemocracia noCeará? É dar um "chega para lá" nessas elites e repartir o que sobrar desse esforço de sacrifícios, de lutas permanentes, de brigas, deconfrontos com todos os setores aparentemente muito poderosos mas, no fim, fragílimos, desde que você consiga a emergência da

população para lhe apoiar e pegar esses recursos e repartir com as pessoas, na direção de mudar a condição de vida delas na habitação,

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população para lhe apoiar e pegar esses recursos e repartir com as pessoas, na direção de mudar a condição de vida delas na habitação,acabei de falar aqui das escolas, acabei de falar das estradas, acabei de falar da irrigação. Nós temos, lá, financiamentos de atividadesprodutivas. Nós manipulamos, por exemplo... Veja o que é socialdemocracia no Ceará: todas as encomendas do poder público cearenseque possam ser induzidas a gerar empregos em microempresas, em pequenas unidades, no interior e na capital, de produção comunitária,assim são feitas. Quando nós assumimos, as carteiras escolares, o material mobiliário escolar, eu comprava no Paraná; hoje, todas são feitasem microunidades de produção.

Jose Nêumanne Pinto: Quer dizer que pobre também pode ser socialdemocrata?

Ciro Gomes: Mas claro que pode. Deve ser, mais do que ninguém. Mais do que ninguém, deve ser o pobre. O que não está certo é esteneoliberalismo hoje, que pretende demitir o Estado da sua responsabilidade de interventor na economia não de burocratizar a economia,de engessar a economia, de fazer "socialismo de direita" como o período autoritário no Brasil fez [referência ao regime militar de 1964 a1985], mas liberando as forças da economia, agindo como um indutor do desenvolvimento e agindo como um promotor da justiça socialvia tributos, via repartição de rendas, via distribuição de serviços de boa qualidade.

Carlos Tramontina: O senhor falou, agora há pouco, lembrou da estabilidade garantida aos funcionários públicos através da Constituição.Sobre isso, também falou o presidente do Banco Central, Ibrahim Eris. Esse foi um dos motivos que ele usou para a afirmar no final que aatual Constituição brasileira é responsável pela crise. O senhor concorda com essa afirmação?

Ciro Gomes: Não, a Constituição brasileira não é responsável pela crise. A crise no Estado brasileiro é conceitual ao nosso "modelo",entre aspas, de desenvolvimento. Nós temos um modelo de desenvolvimento que hiper concentrou renda na dimensão pessoal, na dimensãosetorial e na dimensão regional para a gente colocar a questão aqui bem sob o ponto de vista nacional; não sou daqueles chorões doNordeste para chorar em cima. O problema, o vício fundamental do Estado brasileiro é o vício do aleijão do nosso modelo dedesenvolvimento. A hiper concentração de renda ao nível pessoal, ao nível setorial e, mais gravemente, ao nível regional é que é a base dosnossos problemas. Há outros problemas: a exaustão fiscal do modelo do Estado brasileiro é verdadeira, também. O Estado brasileiro hojegasta uma fábula, que arrecada dos contribuintes, com bobagens ou autoconsumindo esses recursos, ou financiando a incompetência, aineficiência de um aparato estatal que é absolutamente...

Carlos Alberto Sardenberg: E, se a Constituição consagrou isso tudo, ela não é culpada?

Ciro Gomes: Não é a Constituição que consagrou. Isso foi a cultura política brasileira que consagrou. Não adianta colocar... Isso é umvício que o PMDB [Partido do Movimento Democrático Brasileiro] resgatou da UDN [União Democrática Nacional] e insiste em colocar,é um vício institucional. Nós temos pequenos defeitos na Constituição que precisam ser corrigidos. Eu acho que ela concedeu demais ao

corporativismo. Sem dúvida, fez isso. Eu acho que ela equivocouse quando legitimou pelo voto da população um modelo tributário hiper

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corporativismo. Sem dúvida, fez isso. Eu acho que ela equivocouse quando legitimou pelo voto da população um modelo tributário hiperconcentrador de renda sob o ponto de vista espacial. Há muitos defeitos. Eu acho que ela errou gravemente na engenharia básicainstitucional brasileira quando não optou claramente pelo parlamentarismo. Sem problemas. Mas dizer que a inflação que nós temos hoje éculpa da Constituição é procurar bode expiatório.

[sobreposição de vozes]

Ciro Gomes: Mas não é a causa básica.

Andrew Greenlees: Sobre a questão administrativa, de que o senhor estava falando há pouco, até com um tom otimista de construção decasas etc... Mas o senhor, quando tomar posse, vai enfrentar, como no resto do país, uma economia em recessão. Isso aí vai trazer queda dearrecadação, além de eventuais gastos que tenham sido feitos antes das eleições para a ajudar a sua eleição não sei se é o caso, o senhorpode me responder. Então, como é que vai ser? Esse tom otimista de agora antes da posse vai continuar depois da posse?

Ciro Gomes: Olha, eu não sou otimista e se algum otimismo fictício deve haver é antes da eleição. Eu estou eleito desde 3 de outubro, noprimeiro turno; portanto, se eu fosse assim, eu já deveria estar aqui puxando o trem de aterrissagem, já dizendo que não é bem assim, que arecessão mudou meus planos. Entretanto, eu não tenho razão objetiva para recuar de nenhum dos compromissos que eu assumi em praçapública. Só completando, porque esta é uma questão importante, a recessão é um fato. Ela está aí, insidiosa, mas ela não é do tamanho quea propaganda está colocando. Não é mesmo. O estado do Ceará já pagou seu décimoterceiro salário, já pagou o salário de todo mundo nomês de dezembro aliás, antecipando o pagamento da folha , continua pagando religiosamente a sua dívida um dos únicos estadosadimplentes com o Banco do Brasil e com o Banco Central é o estado do Ceará , está financiando sozinho, com recursos próprios dotesouro estadual, um programa de emergência... Porque desde março está instalada uma seca e, pela primeira vez na história do país, ogoverno central não se abala. Milhares de pessoas perderam toda a sua produção. É responsabilidade constitucional do governo centralacudir a calamidade da seca e não apareceu lá um cruzeiro [moeda brasileira vigente de 1990 a 1993] que fosse para isso; e nós estamos,com recurso do povo do Ceará, com 150 mil pais de famílias trabalhando e recebendo uma diária quase meio salário mínimo, também,para a meia jornada de trabalho , é com isso que as pessoas não estão morrendo de fome. E está sobrando um dinheirinho para ainvestimento.

José Nêumanne Pinto: Mas ficou no ar, aí, faltou o senhor responder a respeito do investimento que foi feito pelo estado para a suaeleição.

Ciro Gomes: Não, eu penso que neguei, porque a evidência... Enquanto São Paulo, o mega estado de São Paulo está desdobrando décimoterceiro, atrasando folha de pessoal, nós já pagamos tudo, pagamos dívidas, estamos enfrentado obrigações do governo federal aliás,

estamos pagando o Sine, que o governo federal abandonou faz muito tempo, que é esse Serviço [na verdade, Sistema] Nacional de

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estamos pagando o Sine, que o governo federal abandonou faz muito tempo, que é esse Serviço [na verdade, Sistema] Nacional deEmprego, estamos pagando o combustível da Sucam [Superintendência de Campanhas de Saúde Pública] até há bem pouco tempo, quefazia tempo que o governo federal abandonou, e estamos trabalhando lá sem problemas.

José Nêumanne Pinto: Quer dizer, estado que não investe em candidato consegue pagar as contas?

Ciro Gomes: Estado que investe com o povo consegue eleger o candidato.

Carlos Alberto Sardenberg: Quantos funcionários o senhor tem lá? Quantos funcionários tem o governo?

Ciro Gomes: 108 mil.

Carlos Alberto Sardemberg: Quanto?

Ciro Gomes: 108 mil.

Jorge Escosteguy: Fora os 38 mil que estão...?

Ciro Gomes: Fora 43 mil que foram eliminados. 43 mil cheques, não necessariamente pessoas, porque, no Ceará, quando nós assumimos,tinha gente com seis empregos, sete, morando em Brasília, em Paris, em São Paulo...

Carlos Alberto Sardenberg: Agora, tem...

Ciro Gomes: ...108 mil e ainda tem um bocado de gente sem trabalhar.

Jorge Escosguy: Governador, o senhor falou na importância do papel do Estado e há vários telespectadores aqui preocupados com umaquestão, que é da migração cearense e de nordestinos em geral para o Sul do país. A Maria Luiza Veiga, do [bairro paulistano] Sumaré,pergunta se o senhor tem algum projeto para a evitar a emigração. O Marcelo Morgado, de São José dos Campos, e o Mauro Carvalho, deJales, ambos no interior de São Paulo, perguntam se não é o caso... se o senhor defende o sistema de planejamento familiar. E o LourençoLagoa, de Campinas, pergunta se os políticos do Ceará ainda continuam oferecendo passagens só de ida para o sul, durante as suascampanhas, em troca de votos.

Ciro Gomes: É bom a gente tratar essa questão pela sua raiz porque há muito preconceito e é uma coisa odienta que as pessoas imaginem

que brasileiro que nasce lá embaixo ou brasileiro que nasce lá em cima pode ou deve ser tratado de forma indigna. Para mim, isso é

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que brasileiro que nasce lá embaixo ou brasileiro que nasce lá em cima pode ou deve ser tratado de forma indigna. Para mim, isso éintolerável. Eu não acho, como muitos aqui em São Paulo, que há uma conspirata contra os pobrezinhos do Nordeste; nem acho que oNordeste é um mar de rosas nas suas elites acho o contrário, que boa parte dos nossos problemas nós devemos ao mau comportamento, aocomportamento marginal da maioria das nossas elites políticas, econômicas e culturais. Mas uma coisa é certa: no Brasil, hoje... Onde é queestá a câmera, para a eu falar assim, olhando para as pessoas? [olhando alternadamente para a câmera e para os entrevistados à suaesquerda] No Brasil, hoje, nós temos quarenta milhões de pessoas vivendo numa região em que há metade da renda per capita do resto dopaís. Enquanto, no Brasil, um cidadão ganha, em média, 2000 dólares por ano na média já aviltada pelo indicador do Nordeste , na minhaterra, um cidadão passa um ano inteiro e ganha 800 dólares. E essa estatística por ano também é uma falsidade, porque Fortaleza é umcentro de riqueza como ele registrou aqui; tem muita distorção, muita concentração de renda e, também, interiormente, no Nordeste , demaneira que a gente sabe que tem gente ganhando 70 ou 80 dólares por ano para viver. Quando vem uma seca, é um colapso total naprodução. E a seca já foi resolvida no Uzbequistão, na União Soviética, que é comunista; já foi resolvida na Califórnia, no Arizona, lá nosEstados Unidos que são capitalistas; já foi resolvida, enfim, em todos lugares do mundo e nós temos a região semiárida com o maiorindicador de pluviosidade do mundo com possibilidades concretas não de pena, de esmola, porque ninguém quer lá esmola e nem pena deninguém, mas de fazer de lá um lugar para as pessoas trabalharem, produzirem e não precisarem estender a mão para a ninguém. Isso sóvai mudar quando o país inteiro tomar consciência desse problema. É preciso, inclusive, passar por cima de alguns maus políticos, a amplamaioria, até, dos políticos nordestinos, e a opinião pública brasileira tomar conhecimento disso. Porque não adianta, não adianta vocêestimular as pessoas a ficarem lá se a TV Globo vende um padrão de consumo ilusório de São Paulo e do Rio e as pessoas estão morrendode fome lá. Elas vêm aqui para escapar, para sobreviver, mas elas gostam mesmo é de viver lá. Portanto, o que nós queremos é que a naçãofaça pelos miseráveis do país, da periferia do Rio, da periferia de São Paulo. E, se fizer seriamente pelos miseráveis do país, estará fazendotambém pela região Nordeste.

[sobreposição de vozes]

[...]: Eu queria também acrescentar uma coisa. o senhor...

Ciro Gomes: Ó, [eu falei da] Globo porque ela tem liderança e audiência; eu não tenho nenhum preconceito contra a Globo, não.

Juca Kfouri: Eu queria só fazer uma pergunta, porque eu acho que o senhor já deu esse exemplo ao inverso. Quer dizer, o senhor saiu dePindamonhangaba [SP] para o Ceará, em vez de ser um cearense que veio para o sul. Há um carioca que se fez nas Alagoas no Planalto [opresidente Fernando Collor de Mello]. Este paulista de Pindamonhangaba pensa em parar onde?

Ciro Gomes: Eu penso em parar fazendo um bom governo no Ceará. É o meu sonho.

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Juca Kfouri: Aos 37 anos?

Ciro Gomes: 33.

Juca Kfouri: Não, aos 37 o senhor parará o seu governo...

Ciro Gomes: Não, eu sou professor da universidade, sou advogado e gosto dessas profissões, também.

Kleber de Almeida: Governador, o senhor falou que o estado do Ceará está tentando resolver o problema da seca que assola todo o estadoatualmente.

Ciro Gomes: É todo o Nordeste.

Kleber de Almeida: Pois é, o senhor falou também nos vícios brasileiros, nessas gastanças que há no Brasil e também no maucomportamento das elites. E aqui e no país todo se fala muito de um dos grandes vícios brasileiros, que seria justamente a indústria da seca.Esse dinheiro... No caso do Ceará, não chegou nenhum neste ano, mas [isso] não é o que ocorre todos anos, vaise muito dinheiro e essedinheiro acaba não beneficiando justamente aquele que sofre mais com a seca. O senhor concorda com isso?

Ciro Gomes: É evidente que não. O círculo vicioso perverso da miséria é o seguinte. Começa assim: o poder central brasileiro não sesensibiliza. Desde Juscelino Kubitschek [presidente de 1956 a 1961], que foi o último presidente que encarou esse problema de formaconseqüente, o poder central brasileiro, ditador, eleito, civil, militar, ninguém depois de Juscelino olhou para a questão regional com aseriedade devida. Não tomou providência. Então, tem lá um ano de chuva, outro ano de chuva, as pessoas vão produzindo, produz o milho,produz o feijão de subsistência, vão vivendo, vão se arrumando, vão fazendo, isso acontecendo, aquela vidinha, ninguém tomaconhecimento do problema e a elite, o poder central brasileiro, não toma conta. Aí, vem uma seca. Quando vem uma seca, não tem jeito. Aseca é um colapso de 100% da produção, 100%. Você imagina um pai de família... E eu sou a favor do planejamento familiar feito pelafamília, não feito por posição de niguém; mas deve ser educada, a família, e ela deve optar por quantos filhos devem ter. Este é oplanejamento familiar que eu sustento e nós, lá no Ceará, estimulamos essa discussão nos postos de saúde. É outra providência de costumescom a qual nós estamos trabalhando lá. Mas, normalmente, famílias grandes têm 100% da sua produção perdida. As pessoas, naqueles diasseguintes, não têm para comer e algumas pessoas em alguns pontos específicos não têm para beber, como acontece hoje nós estamosmandando carro, caminhão com tanque em cima levar água para algumas pessoas beberem. Nessa hora, não tem outro jeito, tem queacudir. Tem que acudir mesmo, com comida, tem que acudir com água e nós estamos procurando inovar um pouco para conseguir umganho político na organização dessas pessoas, primeiro falando para elas todo dia, pondo nas suas cabeças que o problema não é danatureza, é do homem, é da irresponsabilidade do homem, o que está sendo ensinado todo dia no Ceará. Nós queremos ensinar isso onde

pudermos, para a as pessoas tomarem consciência dos seus problemas. Assim, um dia vai, realmente, acontecer uma verdadeira mudança.

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pudermos, para a as pessoas tomarem consciência dos seus problemas. Assim, um dia vai, realmente, acontecer uma verdadeira mudança.

Hugo Studart: Os senhores a ensinam a fazer o que, na prática?

Ciro Gomes: Não, a inovação é o seguinte: ao invés de dar, nós estamos comprando a força de trabalho dessas pessoas para obras deimpacto comunitário de ação permanente num programa, que é permanente, de ação da seca. Por exemplo, naquelas áreas onde falta água,onde hoje está passando o caminhão, nós estamos construindo cisternas, grandes caixas d’água no chão para captação de água da chuva.

José Nêumanne Pinto: Mas as frentes de trabalhos não são já uma tradição na seca nordestina?

Ciro Gomes: As frentes de trabalho que são essa indústria da seca que eu denuncio, também são o seguinte: fingese pagar uma ninhariae as pessoas fingem trabalhar. Fingem trabalhar. Como regra, era dado aos cabos eleitorais e afilhados de coronel o direito de recrutar aspessoas; então, isso gerava uma cadeia de dependência. Hoje, é diferente. Hoje, nós temos o que chamamos “Grupo de Ação Comunitária”:a Igreja, o sindicato rural, o clube de serviço, uma representação política municipal, os órgãos estaduais envolvidos etc são agrupados,discutem que obras vão fazer, discutem quem são as populações que vão ser recrutadas, discutem a prioridade, selecionam as pessoas quevão entrar e pagam.

José Nêumanne Pinto: Quer dizer que a indústria da seca passou a ser o sindicato da seca?

Ciro Gomes: Você não vai querer que deixem seus conterrâneos morrerem de fome. Na Paraíba, tem muita gente sofrendo.

Hugo Studart: Governador, eu queria entender uma coisa do senhor. O senhor foi eleito como candidato o anticoronelismo no Ceará.Aliás, o seu antecessor, o governador Tasso Jereissati, também foi eleito como candidato do anticoronelismo. Só que, desde o governadorTasso Jereissati, praticamente, os grandes coronéis sumiram: Virgílio Távora [(19191988), governador do Ceará de 1963 a 1966 e de 1979a 1982] morreu, César Cals [(19261991), governador do Ceará de 1971 a 1975] não foi eleito nem mais síndico, [José] Adauto Bezerra[governador do Ceará de 1975 a 1978] também... bom, ele tem lá um emprego na Sudene [Superintendência do Desenvolvimento doNordeste], não é? Eu queria saber o seguinte...

Ciro Gomes: A Sudene é o órgão gestor da política de desenvolvimento da região do Nordeste, que concentra 29% da população do Brasil.

Hugo Studart: Certo, certo. Agora, eu queria saber o seguinte: na prática, no que o senhor e o governador Tasso Jereissati são diferentesdos coronéis? O senhor falou agora, por exemplo, das frentes de trabalho. Antigamente, os coronéis iam lá, recrutavam as frentes detrabalho, davam um salário simbólico de meio salário mínimo, o cara fingia que estava trabalhando, ganhava um pouco de comida, um

pouco de água e ficava tudo como está. Hoje, o senhor disse que as pessoas vão lá, também ganham meio salário mínimo; a diferença é que

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pouco de água e ficava tudo como está. Hoje, o senhor disse que as pessoas vão lá, também ganham meio salário mínimo; a diferença é quehá uma certa conscientização política, ou seja, vamos votar nos... quem sabe até no PSDB antes, era no PDS [Partido DemocráticoSocial]...

Ciro Gomes: Não, em absoluto. A diferença fundamental... Eu estou entendendo. A diferença, é interessante que a gente faça. A diferençafundamental é a seguinte. O coronelismo é um fenômeno que não acabou, está longe de acabar, porque ele viceja em ambientes de grandemiséria. E o ciclo vicioso da miséria funciona assim: quando as pessoas não têm para comer, não tem para vestir, não tem para morar, elasestão muito vulneráveis. A hierarquia do coronelismo, que tem suas representações locais etc. não é nem por maldade, isto é umfenômeno sociológico , acham que o bom de ser feito é dar o que puder ser dado. Dar para as pessoas o que puder ser dado, quase semprefazendo chegar para as pessoas o que é dever do Estado promover como se fosse um favor e pedindo em troca a alma das pessoas. Isso é ocoronelismo, que ainda esta vivíssimo aí, no Nordeste. Está sofisticado, tem computador, conhece contabilidade financeira, mas ainda estávivo e forte. A nossa atitude, qual é? Nós procuramos passar para as pessoas que aqueles deveres básicos do Estado correspondem adireitos inerentes à cidadania das pessoas e que elas têm direito de exigir; e, recebendo, nada estão devendo em troca a ninguém, senão aoseu direito de cidadania. Não se fala em voto, porque essa coisa é feita para amarrar: a Igreja é envolvida, o sindicato dos trabalhadores éenvolvido, o sindicato patronal é envolvido; o Rotary Club, onde tem; o Lions Club, onde tem. Porque nós queremos, com isso, neutralizaresses agentes...

Hugo Studart: Mas não são quarenta milhões de miseráveis?

Ciro Gomes: É lógico.

Hugo Studart: E como é que com o governador do Ceará, por exemplo...

Ciro Gomes: O recurso, o recurso para a subverter essa estrutura perversa não está nas nossas fronteiras, mas podemos cumprir a nossaparte. Hoje, o estado do Ceará está cumprindo a sua parte. Nenhum estado do Brasil olhe o que eu estou lhe dizendo nenhum estado doBrasil é até ousadia falar isso em São Paulo tem a relação financeira, a saúde financeira relativa que o estado do Ceará tem hoje.Nenhum estado...

José Nêumanne Pinto: Nem o Paraná?

Ciro Gomes: Nenhum estado.

José Nêumanne Pinto: Nem o Paraná?

Ciro Gomes: A relativa, nenhum. O Paraná também está com suas contas em dia, mas a capacidade de investimento do Paraná, em

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Ciro Gomes: A relativa, nenhum. O Paraná também está com suas contas em dia, mas a capacidade de investimento do Paraná, emproporção, é menor do que a nossa...

Jayme Martins: E os grandes projetos do Ceará, como a refinaria da Petrobras, a siderúrgica do Nordeste, a exploração de urânio da[jazida da] Itataia, quais as perspectivas desses empreendimentos durante a sua gestão?

Ciro Gomes: É o que eu estou dizendo. É complementar à resposta dele. O estado tem, hoje, recursos para a cumprir suas obrigaçõescorrentes. Mas a alteração da nossa infraestrutura econômica hostil, a modernização do perfil da produção do Ceará libertandonos daprodução primária de subsistência, que é milho e feijão, que só dá para a pessoa comer até novembro, dezembro e, depois, ela começa aolhar lá para o céu, rezar para a São Pedro para a chover e, depois, esse ciclo, de novo , para isso, não temos os recursos. O que nósfizemos? Nós conseguimos mapear as oportunidades do Ceará isto também é um papel do estado mapear as oportunidades deinvestimentos do Ceará, avançamos até a construção de projetos, procuramos parceiros financeiros, procuramos agenciar recursos externose federais para o financiamento dessas obras. E, infelizmente, até aqueles que nós conquistamos com o nosso esforço isolado, sem apoio deninguém... Como, por exemplo, um financiamento do ExIm Bank do chamado Fundo Nakasone que é, verdadeiramente, o fundo dereciclagem do saldo da balança comercial japonesa , para financiar um trem de superfície em Fortaleza; hoje, tem um cidadão não possodizer o que eu penso o mesmo , um cidadão querendo transportar esse recurso para os metrôs de São Paulo e do Rio.

Juca Kfouri: O senhor pode dizer...

Ciro Gomes: O nome dele? É o secretário nacional de Transportes. Chamase d'Amorin, [José] Henrique d'Amorin [de Figueiredo]. Fez oseguinte. É uma pérola que nós temos lá. Diz lá o seguinte: que não é mais missão da União contratar sistema de transporte de massa, apartir da nova Constituição; por isso, se o Ceará quiser, que ele contrate com o Japão o empréstimo, ponto. Caso o Ceará não queiracontratar, a União deve contratar e levar para São Paulo e para o Rio, para o metrô e tal. Está lá.

José Nêumanne Pinto: Se eu entendi bem o raciocínio do Hugo, ele quis, pelo menos insinuou, ele perguntou se não havia um"neocoronelismo", quer dizer, se não havia um novo tipo de coronelismo nessa atitude desse grupo...

Ciro Gomes: É um risco, eu acho que o poder é perverso por definição, vale a pena ser vigiado, vale a pena ser vigiado sempre. Essenegócio de a gente estar no poder deve ser sempre uma coisa muito transitória. Mas quem está no poder não tem essa consciência plena;então, quem deve ter esta consciência é a população.

Carlos Alberto Sardenberg: [sorrindo] Se, de repente, o senhor começar a dar uma de coronel, o senhor quer que a gente avise.

Ciro Gomes: Tem que fazer, tem que criticar e as pessoas... Mas não vai mais acontecer no Ceará nenhuma vez.

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Ciro Gomes: Tem que fazer, tem que criticar e as pessoas... Mas não vai mais acontecer no Ceará nenhuma vez.

Jorge Escosteguy: Governador, vamos ter que fazer um rápido intervalo. O Roda Viva volta daqui a pouco, entrevistando hoje ogovernador eleito do Ceará, Ciro Gomes. Até já.

[intervalo]

Jorge Escosteguy: Voltamos com o Roda Viva, que hoje está entrevistando o governador eleito do Ceará, Ciro Gomes. Governador, temum conterrâneo seu aqui, o Ricardo Sérgio de Araújo; ele ligou lá de Fortaleza bravo porque o senhor chamou o governo Collor da coisamais atrasada que existe na política brasileira, fisiológica etc.

Ciro Gomes: Não, não é. Se eu falei, quero pedir desculpas, porque não é. É só atrasado.

Jorge Escosteguy: Ele pergunta, então, como o senhor explica a sua trajetória política partidária, passando do PDS, onde o senhorcomeçou, para o PMDB e agora para o PSDB?

Ciro Gomes: A minha trajetória é a seguinte: o meu pai era prefeito de Sobral e eu era militante do movimento estudantil na universidadeem Fortaleza.

[...]: PC do B [Partido Comunista do Brasil]?

Ciro Gomes: Não, PCB [Partido Comunista Brasileiro]. Vinculado; nunca tive carteirinha, não. A aproximação era mais com a esquerdacatólica, um grupo...

Jorge Escosteguy: O senhor nuca foi um comunista de carteirinha?

Ciro Gomes: Não, nunca tive disciplina para a isso, embora tenha sonhado. Quando vieram as eleições de 1982 [para governador, senadore deputado federal], estava em marcha a sucessão do meu pai na prefeitura de Sobral. Em Sobral não havia o MDB [MovimentoDemocrático Brasileiro], as forças estavam subdivididas em sublegendas. Então, em função da vinculação de votos a que se obrigavanaquele tempo e para não ficar contra o meu pai, eu me filiei na véspera do prazo se extinguir. Fui candidato; em seguida, passei para aoposição, que era o PMDB. Na sucessão presidencial, não concordei com o encaminhamento da convenção democrática legítima queencaminhou a candidatura do dr. Ulisses Guimarães [19161992], como discrepei da orientação do partido à orientação central, e fui para oPSDB. É assim que eu explico.

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Juca Kfouri: Governador, o senhor sabe que ser do PCB pode não dar nenhum futuro, mas dá um baita passado. Aproveitando um poucoessas siglas em extinção na nossa esquerda, o que o futuro pode reservar ao PSDB, agora que ele está na encruzilhada de se definir de vezcomo um partido, com sonhos de...

Ciro Gomes: O que eu penso sobre isso é que nós devemos já porque isso deve ser já, mesmo, em função de um certo vácuo político queeu estou vendo insidiosamente aumentar no país , nós devemos formular um projeto alternativo para o Brasil que tenha a coragem de falarobjetivamente em relação aos problemas objetivos da população brasileira, [contendo] o que nós faríamos, se estivéssemos no governo,sobre a dívida externa, sobre a política fiscal, sobre a política monetária, sobre a política de rendas, sobre a ciência e tecnologia, sobre a

[sobreposição de vozes]

Ciro Gomes: Deixa eu... isso é um raciocínio encadeado. Feito isso, nós devemos arregaçar as mangas e militar. Militar de manhã, de tardee de noite em cima de tamborete, em cima de caixa de cerveja, em cima de banco, em cima de palanque, mostrando ao país que háalternativas para nós sairmos desta crise interminável, sem demagogia, sem populismo, sem promessas messiânicas, sem necessariamentetermos que apelar por uma liderança carismática, personalista, que seja o nosso "paizão", mas que passe por para o povo a virtude de umasociedade consciente dos seus problemas, que saiba que não tem saída sem sacrifício. E vamos conhecer bem esse sacrifício e vamosrepartir de forma socialmente justa esse sacrifício. Essa é a saída do PSDB. Se nós fizermos isso com a disciplina...

Juca Kfouri: Quem carrega essa bandeira com o presidente do PSDB? Alguém do grupo Covas ou do grupo Jereissati?

Ciro Gomes: Nós vamos começar a discutir esse problema. O grupo Jereissati, primeiro, não existe. Nós temos uma certa aversão a essacoisa que corresponde muito a essa tradição negativa do Ceará. O Tasso é uma liderança que hoje não se confina mais às fronteiras doestado do Ceará, pelo seu exemplo, pelo que ele significa concretamente, pelo que ele pode fazer ou pelo Ceará, ou pelo Nordeste, oupelo Brasil, não importa. Ele, até, não deseja fazer nada; alugou um apartamento e vai lecionar nas universidades de Nova Iorque nospróximos três meses, quando sair. Essa é a intenção dele: voltar para as empresas. Nós é que achamos que ele não tem o direito de fazerisso. Mas o que nós devemos fazer? O PSDB é pequeno demais para ter desavenças entre pessoas, desavenças conceituais; devemos dirimilas com uma discussão franca.

José Nêumanne Pinto: Agora, é pequeno, mas já foi um pouco maior. Eu queria justamente fazer essa observação. O PSDB tinha a quartamaior bancada na Câmara e hoje tem a sétima, só tem um deputado a mais do que o PT. Não está na hora de o PSDB ser um pouquinhomais humilde, ouvir mais e entrar na cena política com menos da arrogância das estrelas do PSDB?

Ciro Gomes: Eu não vejo essa arrogância, não. Eu vejo...

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Ciro Gomes: Eu não vejo essa arrogância, não. Eu vejo...

José Nêumanne Pinto: O PSDB não está na hora de largar esta esquizofrenia?

Ciro Gomes: Eu não vejo isso. Eu não vejo esquizofrenia nem arrogância. Eu vejo é um sonho, um ideal muito forte de pessoas que nãoestão dispostas a abrir mão, a deixar por menos.

Juca Kfouri: Tem uma esquerda velha no PSDB, governador?

Ciro Gomes: Não, tem alguns ranços de opinião, ainda, e é natural. Pessoas que sofreram que não é meu caso, eu não sou herói daresistência, eu posso analisar a ditadura e as suas mazelas como um fato da história, um fato negativo , gente que foi cassada, gente que foiperseguida, gente que viu companheiros serem exilados ou torturados naturalmente vão morrer com seqüelas e vão ter sempre essa visão respeitável, mas equivocada, de certa forma do espectro político.

Carlos Alberto Sardenberg: Governador, eu queria voltar à pergunta daquele seu conterrâneo; se o senhor pudesse esclarecer a suaposição em relação ao governo Collor, porque o seu conterrâneo reclamou que o senhor falou que era todo fisiológico e o senhor disse quenão...

Ciro Gomes: Não foi assim, também; não sei se eu me apaixonei aqui pela tese. O que eu penso do governo Collor é o seguinte. Nóstemos um presidente voluntarioso, com coragem política, porque teve coragem de seqüestrar ativos financeiros, tem coragem de fazer tudoo que for possível e nós precisamos de gente assim. Um presidente que é obstinado e isso também é virtude, é qualidade , um presidenteque tem um discurso socialdemocrata e isso também é muito interessante , um presidente que tem uma equipe econômica funcionandode forma coerente, de forma articulada, de forma séria, de forma corajosa também é uma virtude desse governo. Mas no que eu estoupreocupado, especialmente em direção ao meu conterrâneo, é com o seguinte: o governo Collor, para operar, um governo que promete um"Brasil Novo" [esse era o nome do primeiro plano econômico de Collor, ou Plano Collor], um governo que promete moralização, umgoverno que promete acabar com a mordomia, um governo que promete acabar com o tráfego de influência, é nesse governo que eu tenhopreocupação. É um governo que nós todos desejamos desejaríamos. O que aconteceu? Quando ele assumiu, encontrou um Congresso ealguns atores da política nacional muito antigos, muito conhecidos na sua prática viciada. As pessoas conhecem quem são. Quando eu falo"carteira de identidade", é porque são os mesmos que estavam no governo [José] Sarney [19851990], no governo Figueiredo [(19181999), presidente de 1979 a 1985] etc, que tomaram conta do Estado brasileiro, tomaram conta para nomear afilhado, para tomar conta,para fazer falcatrua em Banco, para acobertar...

José Nêumanne Pinto: Mas, se o PSDB não quis conversar com o presidente, o que que ele podia fazer?

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Ciro Gomes: Não, o PSDB quis conversar, o PSDB quis conversar com o Brasil e ofereceu o seu melhor quadro para ser o presidente doBrasil. Quando perdeu, seria arrogante que o PSDB agora fosse ensinar o presidente Collor como fazer. Nós temos é ter a humildade, aí,sim...

José Nêumanne Pinto: [fala junto com Ciro] [...] conversar com o PSDB e não conseguiu.

Ciro Gomes: Nunca, nunca! Ele mande me chamar, [já que] eu sou do PSDB, para conversar sobre qualquer assunto, que eu, de graça,digo que apóio, por exemplo, a austeridade monetária; disse aí, claramente...

Juca Kfouri: Governador, ele chamou publicamente...

Ciro Gomes: Não é assim que se faz política.

Juca Kfouri: ...o então presidente do PSDB, Franco Montoro, para conversar.

Ciro Gomes: Ele foi lá, o presidente foi lá e conversou...!

Juca Kfouri: Pois é, a pergunta que recoloca um pouco do que eu comecei a perguntar...

Ciro Gomes: Ir lá e conversar, tudo bem. Agora, o problema é esse: nós estamos precisamos é de conversa?

[...]: O senhor subiria a rampa [do Palácio do Planalto]?

Ciro Gomes: Mas é claro! Aliás, eu subi uma vez, assumindo o governo do estado, tendo uma pauta para discutir com o presidente. Eu,como lhe disse, tenho admiração por várias qualidades do presidente.

[sobreposição de vozes]

Carlos Alberto Sardenberg: O que está errado e o que que está certo nesse governo aí? O que está errado e o que está certo?

Ciro Gomes: Isso, eu vou concluir; o que me incomoda, o que me incomoda é o que está se cristalizando como face política do governo.Quem são os homens que dão o tom da face política do governo. Isso é o que me incomoda.

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José Nêumanne Pinto: Quem são?

Ciro Gomes: Quem são os partidos que dão o tom.

José Nêumanne Pinto: Eu lhe pergunto quem são?

Ciro Gomes: Você conhece. Eu não quero ser indelicado, mas é o PDS, o PFL [Partido da Frente Liberal, depois DEM, Democratas], oPTB [Partido Trabalhista Brasileiro]...

José Nêumanne Pinto: [tenta interromper Ciro]

Ciro Gomes: ...que são partidos respeitados no aspecto político, mas, evidentemente, não representam mais o novo...

José Nêumanne Pinto: Governador, num país em crise econômica como o Brasil, o importante é a economia. Na atual situação, aimportância fundamental é da economia. Então, o senhor diz o seguinte...

Ciro Gomes: Mas tem equívocos...

José Nêumanne Pinto: ...o governo Collor tem uma excelente equipe econômica, mas o governo é outro...

Ciro Gomes: Mas tem equívocos também na economia e na gestão política. Você não tem departamentos para administrar um país; aadministração é uma coisa absolutamente interconectada e é dever de um governante democrático legitimar seus atos de forma rotineira,cotidiana. A legitimidade original do seu mandato só lhe garante a nobreza de um mandato originário da vontade popular, mas não dá aninguém, numa democracia sadia, o direito de governar solitariamente, dizer e fazer...

[sobreposição de vozes]

Carlos Alberto Sardenberg: Eles mandam embora esse pessoal e pegam quem?

Ciro Gomes: Esse é um problema de quem está liderando.

[...]: Par um presidente eleito pelo povo...

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Ciro Gomes: Só um minuto. O que é que eu defendo, também, para esta questão? O que eu defendo é um grande entendimento nacional.Defendo assim: entendimento nacional não é juntar interesses episódicos da CUT [Central Única dos Trabalhadores] e da Fiesp [Federaçãodas Indústrias do Estado de São Paulo] e concordarmos que tem que reindexar salário e preço.

[...]: Claro...

Ciro Gomes: Isso não é entendimento nacional. O que é que eu defendo? Chamar todos os atores da sociedade brasileira: o presidente porque cabe a ele liderar este processo , os governadores, os deputados, os sindicatos, as centrais sindicais, as centrais patronais, enfim,sentar e discutir: "O Brasil quebrou, faliu; esta crise não é episódica, é uma crise definitiva, ela é genética a este modelo de Estadobrasileiro. Somos nós, aqui, os brasileiros, que temos que resolver este problema. Isso só vai ser feito, na minha opinião, se se fizer isso,isso e isso. Vocês concordam?" Não, não concordam; bota isso, tira aquilo, faz isso discutese e, aí, fazse um pacto nacional. Isso é o queeu defendo.

Juca Kfouri: Governador, eu só queria que o senhor se imaginasse um pouco na pele do presidente, eleito com 35 milhões de votos; umano, um ano, um ano e meio antes tendo como candidato [...] dele o senador Mário Covas [antes de candidatarse à presidência, Collorpropôs a Covas uma chapa com Covas presidente e Collor vice]; por circunstâncias conhecidas, sai a sua candidatura, o senhor [imaginadona pele de Collor] acena para isso que nós, que a elite, a vanguarda intelectual brasileira considera o que há de mais bempensante no país nomes como José Serra, Fernando Henrique, Mário Covas e há de volta apenas xingamentos.

Ciro Gomes: Eu não concordo; eu acho que o PSDB não deve ser confundido com o PT nem com o PDT. Eu acho que eu não estouconseguindo me expressar bem. O que eu acho...

Juca Kfouri: [tenta interromper Ciro]

Ciro Gomes: Só um minutinho, agora eu vou tentar me explicar bem. Vou tentar me explicar bem. O que eu acho é que o PSDB deveafirmar a sua identidade. Como? Formulando um projeto para o Brasil itemizado: saúde, educação, dívida externa, ciência e tecnologia,ecologia, política monetária, política fiscal para ficar aqui em alguns temas que estão na minha cabeça. O PSDB devia fazer assim. Comisso, nós temos um referencial para afirmar a nossa identidade e para estabelecer balizas para a nossa relação com os outros atores da cenasocial, entre eles o presidente. Suponha que, concluído este projeto, o presidente diga: "Era isso que eu queria fazer" e passa a fazer. Nósestamos obrigados moralmente a bater palmas, a apoiar, a colaborar, a contribuir como for necessário.

Juca Kfouri: E dar a cara para bater?

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Ciro Gomes: Como for necessário. Mas o que não pode é o PSDB, chamado por notinha de jornal, que a gente não sabe se é verdade... Eufrancamente digo nas reuniões que é mentira, porque, quando alguém diz "o presidente está doido para botar não sei quem não sei onde noministério", eu digo "estão trabalhando todos em equívoco; ele não quer, nunca quis isso, não parece querer, nunca desejou."

Jorge Escosteguy: É culpa da imprensa?

Ciro Gomes: Não, culpa da imprensa, é evidente que não; é culpa talvez dos interessados que colocam.

Jorge Escosteguy: Não é a imprensa.

Ciro Gomes: Não, a imprensa, não; a imprensa repercute o que ouve.

Andrew Greenlees: O senhor falou da necessidade de o PSDB formular um projeto, dar identidade ao PSDB. Agora, não há uma certacrise de identidade no partido com pessoas?

Ciro Gomes: [interrompendo] Lógico. Tem.

Andrew Greenlees: O senhor aqui está defendendo um diálogo com o governo federal e, ao mesmo tempo, pessoas estão conversandocom o governador Leonel Brizola [(19222004), governador do Rio Grande do Sul de 1959 a 1963 e do Rio de Janeiro de 1983 a 1987 e de1991 a 1994] e falando até em aliança e possivelmente até em fusão. Quer dizer, como é, qual é a crise, como é que se resolve essa crise deidentidade?

Ciro Gomes: Esse é um problema que nós temos. Eu acho que, no nosso calendário, é um dos primeiros problemas. A propósito, vamosestar reunidos depois de amanhã...

Andrew Greenlees: O que o senhor acha das conversas com o governador Brizola?

Ciro Gomes: O meu vice [Lúcio Alcântara, governador do Ceará de 2003 a 2007] é do PDT [Partido Democrático Trabalhista]. Eu achoque conversar não faz mal. O que eu vejo é o seguinte: o Brasil tem uma cultura de pirilampo na política. Onde tem a luz, gravitam ospirilampos. Então, nós temos três grandes luzes, três grandes focos de luz hoje, na opinião pública: o governador Quércia [governou SãoPaulo de 1987 a 1991], o governador Brizola e o presidente Collor; e nós somos os pirilampos. Agora, nós não somos obrigados a gravitarem torno de uma lâmpada só.

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Jorge Escosteguy: O senhor pirilampa em qual deles?

[risos]

Ciro Gomes: Eu vou dizer. Nós não somos obrigados a ficar gravitando em torno de uma luz só. É um pirilampo metido a besta, que quervirar luz que, na verdade, não é um pirilampo, é um vagalume.

José Nêumanne Pinto: Está sem cacife, está sem cacife...

Ciro Gomes: Mas cacife se constrói na luta.

José Nêumanne Pinto: Sétimo na bancada...

Ciro Gomes: Qual é o problema, qual é o problema? Nós não estamos querendo aderir a ninguém.

José Nêumanne Pinto: ...e continua se comportando de uma forma que não condiz com aquilo que o senhor falou, que o senhor é umhomem prático na política. Então, eu vou lhe dizer uma coisa: que o PSDB não é um partido prático na política, que é um partido que écomandado por pessoas que perdem a eleição e que as pessoas que ganham a eleição dentro do partido são obrigadas a obedecer os ditamesdos que perdem seguidamente eleições. Eu não vejo onde está a pragmática desse partido.

Ciro Gomes: Um minutinho, Nêumanne. Você é um excelente jornalista, eu sei que, evidentemente, está só provocando aqui o neopolíticoque está ensaiando seus primeiros passos na capital do país.

[risos]

Ciro gomes: O governador Quércia, hoje, é desenhado pela grande mídia nacional como o grande vitorioso. Acabou de perder as eleiçõespara a prefeitura de São Paulo. Então, um partido se faz com serenidade. Temos que ter uma fixação do que nós desejamos, que é organizara sociedade brasileira.

Juca Kfouri: Mas a questão...

Ciro Gomes: Deixa eu só dizer... Nós queremos isso. Então, tenha paciência; se nós vamos conquistar isso com o poder ou na oposição,

isso é um problema nosso, que nós vamos ter que resolver.

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isso é um problema nosso, que nós vamos ter que resolver.

[sobreposição de vozes]

Ciro Gomes: Isso é uma questão verdadeira, o que você falou; nós temos uma crise de identidade que, taticamente, é a primeira coisa quetem que se resolver.

Juca Kfouri: Mas a questão, às vezes... Pareceme que o político que vem lá de cima ainda tem uma noção que, me parece, a própriaeleição do presidente Collor jogou por terra. Será que, pelo fato de um ser governador do Rio e o outro ser um governador que acaba defazer um sucesso estrondoso nas eleições de São Paulo, necessariamente significam duas grandes luzes?

Ciro Gomes: Luzes, são; não significam necessariamente nada...

Juca Kfouri: Luz que ilumina a treva ou luz que vem no sentido contrário?

Ciro Gomes: Luz, luz que chama a atenção, luz que chama a atenção, que pode queimar facilmente...

Andrew Greenlees: O senhor prefere a luz do Quércia ou a luz do Brizola?

Ciro Gomes: Vale preferir a luz do PSDB?

Andrew Greenlees: Vale.

Jayme Martins: Governador, insistindo um pouco no administrativo, o senhor disse, no bloco anterior, que...

Ciro Gomes: Entenda bem, o que eu chamo de "luz" é o seguinte: são pólos de atração da opinião. Todos dizem isso, que são os grandespólos de poder. Amanhã, pode não valer nada; num país complexo como o Brasil, pode não ser nada.

[...]: Já foi o Ulisses...

Ciro Gomes: Apenas confirmo.

José Nêumanne Pinto: Não se esqueça de que o Quércia ganhou a eleição para governo do estado, mas está enfrentando um grande

problema de imagem nacional, porque a administração dele não está conseguindo pagar os vencimentos dos funcionários do maior estado,

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problema de imagem nacional, porque a administração dele não está conseguindo pagar os vencimentos dos funcionários do maior estado,São Paulo. Então, a luz não está brilhando de forma tão ofuscante assim.

Ciro Gomes: Quem sabe é porque a treva é tão grave que uma mera tinta fosforescente parece luz.

Jayme Martins: O senhor disse que o governo Tasso conseguiu dobrar a área da agricultura irrigada durante os últimos quatro anos.

Ciro Gomes: Isso.

Jayme Martins: O que significa agricultura irrigada no Ceará, em termos de iniciativa pública, privada, coletiva, cooperativizada?

Ciro Gomes: Olha, no plano federal, foram as primeiras grandes tentativas. Inclusive, é um crime que a imprensa nacional devia nosajudar a desvendar. As melhores terras, contíguas aos maiores reservatórios de água no Ceará, são hoje terras públicas, pertencentes aogoverno federal. Criminosamente fora da produção. Algumas porque se tentou moldar ali um kibutz de cima pra baixo, sem dizer para aspessoas como era, com funcionários corruptos etc.; outras, porque tentaram moldar um modelo cooperativado em que não eram oscooperativados que geriam a sua cooperativa, mas também funcionários mal interessados em ganhar eficiência, em ganhar lucratividade para ficar no menor dos problemas, enfim ou, criminosamente, simplesmente fora da produção, totalmente. Como está [a chapada do]Apodi [na fronteira com o Rio Grande do Norte], onde se construiu até um aeroporto maior do que o aeroporto Pinto Martins, de Fortaleza,para decolar boeing nos sonhos mirabolantes dos tecnocratas.

Jose Nêumanne Pinto: [sorrindo] É maior do que o de Mombaça [CE]?

Ciro Gomes: Em Mombaça não tem aeroporto, não.

José Nêumanne Pinto: Não?

Ciro Gomes: Não, não tem, não.

[risos]

Ciro Gomes: Tem campo de pouso de terra.

Jayme Martins: Mas como entram na irrigação as iniciativas pública, privada e coletiva?

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Ciro Gomes: Em função da desmoralização desses grandes modelos concentrados, nós imaginamos esse é um projeto que nós estamostocando que é melhor disseminar muitas pequenas unidades de produção agrícola irrigada. Então, nós chamamos lá de "kit de irrigação".Um kit de irrigação é responsável por uma produção de três hectares e meio. Três hectares e meio é uma relação que dá para a sustentarbem, capitalizar bem, fazer crescer a renda de uma família.

Jayme Martins: E esse kit é privado ou é público?

Ciro Gomes: É privado. É privado para as pessoas, mas apenas fazemos o seguinte: exigimos, eventualmente, do proprietário da terra queele faça uma carta de anuência não cobrando renda daquele semterra que está produzindo naquele setor. E financiamos; não é dado, é pagodepois com a produção de grãos. Agora, tem kits flutuantes. É uma idéia, também: você bota, em cima de um barquinho de fibra de vidro,uma bomba de aspersão e este kit flutuante circula todo em torno dos grandes açudes, irrigando duzentos ou trezentos metros de margemdos grandes reservatórios. Isso dá para atender muitos produtores e é comunitário, não pertence a um ou a outro. E temos um modelointeressante que está dando uma grande rentabilidade, que é o pivô central. Aí, nós já conseguimos um estágio mais sofisticado. Nósdesapropriamos a terra e organizamos um condomínio, que é uma préempresa, é uma estrutura préempresarial não é empresarial, não écooperativa, é uma coisa que tem que se respeitar para ir vencendo pouco a pouco o individualismo que é próprio da cultura nordestina; eeles vão vencendo as desconfianças entre si na quantidade de trabalho que cada um põe naquilo que é demarcada pelas suas áreas, emboraas estruturas comuns sejam comunitárias. E isso está dando boa rentabilidade, já em escala econômica.

Juca Kfouri: Pelo que eu estou entendendo...

Hugo Studart: Desapropria dos proprietários grandes? Os pequenos...

Ciro Gomes: Só pode desapropriar dos grandes. Os pequenos, nem o Estatuto da Terra permite.

Juca Kfouri: Pelo que eu estou entendendo, esse modelo é muito parecido com o que o governador Montoro tem em São Paulo:descentralização, pequenas obras. O senhor deu, inicialmente, o exemplo de que as carteiras escolares do Ceará eram feitas no Paraná ehoje são feitas na própria comunidade. Isso talvez explique a afinidade que existe entre o governador Montoro e o governador Jereissatinessa...?

Ciro Gomes: Nós admiramos o governador Franco Montoro pelo seu governo, pela sua experiência, pelo seu discurso, enfim, por todas asrazões. Não é o nosso guia na experiência do Ceará, que é uma experiência muito produzida lá, neste feedback constante de estimulação daorganização da nossa população.

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Juca Kfouri: Governador, mas dá sentido a essa união dentro do partido entre o governador Jereissati e o governador Montoro nadireção...

Ciro Gomes: Nós estamos todos unidos no PSDB. Vocês vão ver claramente isso, proximamente. Pode esperar.

Jorge Escosteguy: Governador, por favor, o senhor respondeu, já, as perguntas de Francisco Freitas de Iracema, do Ceará, e de Jarlei deAraújo, de Juazeiro. Mas o pessoal do Ceará continua telefonando e há algumas pessoas aqui meio irritadas com o senhor; e o professorHaroldo, de Sobral, sua terra de adoção, telefonou para perguntar se a política educacional do seu governo vai continuar sendo como a dogoverno atual ou seja, de total desprezo ao profissional de escola pública. A Maria das Graças Leite, de Juazeiro, também pergunta se osenhor vai rever a situação do professorado. O Rômulo Araújo, que é vereador na cidade de Barbalha, ao sul do Ceará, pergunta se osenhor pretende tratar a educação como o governador Leonel Brizola, construindo Cieps [Centros Integrados de Educação Pública]. E amesma questão é feita também pela Edite Terra, de Itapetininga, no interior de São Paulo: o que o senhor vai fazer pelos professores?

Ciro Gomes: Um dos nossos compromissos básicos é com a educação. Isso foi explicitamente tratado na nossa campanha, porque aí está aúnica porta definitiva, realmente, para a libertação definitiva e a instauração de uma sociedade cidadã no nosso estado, na nossa região e nonosso país. Isso não necessariamente significa essa coisa epidérmica e levada à frente pelo corporativismo, que é passar salário parasalários ideais do dia para a noite, porque não vai acontecer, como sempre se afirmou. Já fui prefeito de Fortaleza, sabese o que eu fiznessa área; o governador Tasso Jereissati, todo mundo sabe o que fez nessa área, que certamente não foi abandonar, recuperou dois terçosdas escolas, restaurou a dignidade dos salários estavam atrasados três meses, não tinham nem crédito no comércio para comprar; estãopagando rigorosamente em dia, com calendário, pagando o décimoterceiro do salário pela primeira vez na história da administraçãopública do Ceará e melhorou também o salário na proporção da evolução das nossas receitas. Isso deve permanecer. Na proporção exata...

Jorge Escosteguy: O professor Haroldo disse que o professorado é maltratado lá...

Ciro Gomes: Isso eu imagino, um professor tem que dizer isso com razão. Se eu fosse professor também diria, porque os salários não sãobons evidentemente, não são bons salários. Mas são os maiores salários que se pagam no Nordeste, por exemplo. Não sei se isso é umavantagem...

Juca Kfouri: O que significa, governador, 18 mil cruzeiros, 20 mil cruzeiros?

Ciro Gomes: Por aí, para um ensino básico de terceiro normal, por aí, 14, 18...

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Carlos Tramontina: O senhor é favorável à formação dessa falada "Frente de Governadores contra a Recessão"?

Ciro Gomes: Isso não existe. Não existe nem proposta, isso é mero jogo de cena dos jornais...

Carlos Tramontina: De quem?

Ciro Gomes: Das pessoas que animam essa tese. Não tem isso, não. Nunca fui convidado, nem ninguém convidou ninguém para a formarfrente nenhuma, nem pró, nem contra, nem a favor disso, nem daquilo.

Jorge Escosteguy: Será que não estão achando o senhor muito "collorido"? ["collorido", na época, era gíria para "seguidor de Collor"]

Ciro Gomes: É possível. Já um [outro], lá, achou que eu estava sendo muito hostil ao presidente. Esse problema, eu tenho desde omovimento estudantil. A direita me dizia comunista e os comunistas me diziam reacionário. O que eu quero é procurar a verdade.

José Nêumanne Pinto: Talvez o mais grave problema do governo Tasso Jereissati, o problema mais sério que o Tasso teve que enfrentardurante os quatros anos do seu governo, tenha sido a sua relação com a Assembléia Legislativa. O Tasso teve uma relação muito difícilcom a Assembléia e as assembléias legislativas em geral, no Brasil e no Nordeste em particular, são muito caudatárias do "velho Brasil",quer dizer, são muito ligadas ao coronelismo, aos vícios do Brasil velho. O senhor vai ter esse problema? E como o senhor vai enfrentaresse problema? Vai fazer como o Tasso, que o enfrentou na Justiça, no diaadia, ali?

Ciro Gomes: É precisando... Eu, entretanto, imagino que menos. Eu fui líder do governo nessa fase mais dura...

José Nêumanne Pinto: Pois é, com a sua experiência...

Ciro Gomes: ...e a Assembléia também sofreu uma censura grande da população do Ceará. Por isso que não tem coronelismo novo, lá. Aspessoas acabaram escolhendo o governador, o senador, a maioria da Câmara Federal, uma maioria da Assembléia Legislativa esmagadorada nossa aliança. E derrotaram, ainda, para a completar, aqueles mais empedernidos adversários que tínhamos lá, mesquinhos, naAssembléia. O que eu vejo hoje é uma imensa boa vontade no Ceará inteiro. Podia até não dizer isso, mas é o que eu sinto, uma imensa boavontade. Todo mundo quer ajudar, até o PT não tem se negado a conversar, a discutir, enfim, o PC do B, todo mundo quer discutir; não é serender, nem se oferecer a...

José Nêumanne Pinto: Mas o PT e o PC do B adoram discutir... [risos]

Ciro Gomes: Não, mas discutir positivamente.

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Ciro Gomes: Não, mas discutir positivamente.

Kleber de Almeida: Governador...

Ciro Gomes: O PC do B não foi, não; o PT que...

Kleber de Almeida: Governador, mas restou, como foi dito aqui, um grande coronel no comando da Sudene. Como é que está a Sudene?Ela está funcionado mesmo bem para o Nordeste ou virou mais um órgão burocrático e não tem uma ação positiva para os estados?

Ciro Gomes: Olha, permitame fazer uma apreciação, para que a minha opinião, que é antiga... Eu tenho um primeiro mandato dedeputado estadual com 23 anos de idade; na primeira fala que tive na Assembléia, falei sobre isso; portanto, não desejaria ser confundidoaqui com qualquer questiúncula de natureza pessoal ou animosidade partidária com o coronel Adauto Bezerra, que hoje é o superintendenteda Sudene e que é nosso adversário no Ceará. Não é isso. Portanto, o que eu posso falar é que a Sudene sofreu um processo gradual, masseguro, definitivo, permanente eu não sei se definitivo, mas permanente de esvaziamento, de desmoralização, até de corrupção. E aSudene acabou sendo presa de meia dúzia de pessoas que já são ricas no Nordeste, que defendem, com o apoio de ampla maioria das elitespolíticas, essa política que, no fim, é uma grande mesquinharia, de coisinha, de subsídio, de incentivo fiscal para tocar ali meia dúzia deempresas e não resolver o problema estrutural do país e não fazer retornar o recurso público para ciclicamente continuar financiando oNordeste. Então, eu tenho uma opinião muito azeda sobre esse assunto. Independentemente de estar lá o coronel Adauto Bezerra, a minhaopinião é muito azeda. O Nordeste, trinta anos atrás, representava 13,4% do PIB [produto interno bruto] nacional. De toda a rendanacional, da riqueza nacional, o Nordeste era 13,4%. Hoje, trinta anos depois, 15 bilhões de dólares depois, o Nordeste representa 14,8%do PIB nacional. Cresceu 1%, nestes trinta anos, a participação relativa. Ora, se nesse tempo nasceu Camaçari, que é um sofisticado pólopetroquímico na Bahia; se nasceu o complexo portuário industrial de Recife o Suape etc; se nasceu o complexo de açúcar em Alagoas,se nasceu o complexo cloroquímico de Sergipe, se nasceu indústria em Fortaleza e se isso tudo, evidentemente, representa muito mais que1% do PIB nacional, temse como evidência que, ao longos dos últimos trinta anos o que eu vi acontecer , o Nordeste inteiroempobreceu. O que, evidentemente, faz absolutamente inviável a manutenção dos atuais mecanismos conservadores de tentativa deeliminação dos desníveis regionais. A Sudene, portanto, ou volta às suas origens de ser um fórum técnico de elaboração de um projetoconseqüente de economia ágil, produtiva, eficiente no Nordeste e também uma instância de agregação da força política atomizada doNordeste para que possamos representar alguma coisa frente ao poder central, ou eu lá não piso. É o que eu tenho dito sistematicamente

José Nêumanne Pinto: A Sudene é presa e caudatária dessas elites nordestinas?

Ciro Gomes: Total, totalmente.

José Nêumanne Pinto: E é esse pessoal da indústria da seca que suga...

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José Nêumanne Pinto: E é esse pessoal da indústria da seca que suga...

Ciro Gomes: A indústria da seca, não; isso é coisa urbana, é urbano, hoje é urbano. Aliás, tem também projetos agropecuários que sãoverdadeiros escândalos. Toda fazendola de 10, de 2, de 10 hectares do Ceará dá lucro. Um pouquinho ou não, dá para tirar um bezerro, umavaca, um carneiro, todos os projetos agropecuários. Salvo algumas exceções as pessoas dizem que eu tenho mania de generalizar; salvo ashonrosas exceções , quase todos os projetos agropecuários da Sudene dão imenso prejuízo de propósito, porque dão dinheiro público, aspessoas botam logo dez empregados da família própria ganhando elevados salários, forçam o balanço com prejuízos e, em seguida, vãocomprar as ações, aviltadas na bolsa, do seu próprio patrimônio o que tem que acabar.

Jayme Martins: Qual é a perspectiva da economia do caju durante seu governo: fruto, suco, óleo, e castanha?

Ciro Gomes: Nós temos um problema muito grave. Nós temos hoje uma floresta de cajueiros no Ceará que já foi responsável pela maiorprodução relativa no Brasil. Entretanto, está sofrendo um processo tanto de parasitas é uma traquinosa, o nome como de degradaçãogenética da semente por equívoco na própria disseminação dessa semente, que não foi feita com os cuidados necessários. O que seimpunha tecnicamente seria a erradicação dessa floresta e a sua substituição por uma mata geneticamente melhorada. Nós, já hoje, temosdescoberto lá um cajueiro anão precoce que dá uma grande produtividade, chega a produzir 1500 quilos por hectare de castanha, seis vezes,sete vezes mais do que o cajueiro convencional. Entretanto, nós também não temos o capital necessário para a fazer isso de uma vez só. Apolítica do nosso governo vai ser estabelecer gradualmente um avanço nessa direção.

Carlos Tramontina: O que o senhor pensa, governador, da possibilidade de se fazer a antecipação da revisão constitucional e do plebiscitoprevisto para 1993 para decidir a forma e o sistema de governo? [o plebiscito decidiu pela República presidencialista]

Ciro Gomes: Eu sou a favor da antecipação da reforma da Constituição, desde que não seja para financiar golpe de ninguém. Nem golpepolítico, nem golpe administrativo.

Jorge Escosteguy: O senhor poderia explicar um pouquinho isso, governador?

[...]: O que é isso?

Ciro Gomes: Há algumas pessoas que querem antecipar a reforma constitucional para cercear atribuições do presidente que acabou de sereleito. Eu não posso concordar com isso. O presidente, ou algum dos setores de sua administração, deseja antecipar para, num ambiente dediscussão passional, eliminar alguns pontos da Constituição que entende como antimodernidade ou anti eficiência do Estado. Eu tambémconcordo que tem muitos itens, mas a motivação não pode ser essa, porque eu acho que nós deveríamos amadurecer essa revisão agora por

uma razão tática: é que, em 1992, nós temos eleições; em 1993, de novo; quer dizer, 1994...

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uma razão tática: é que, em 1992, nós temos eleições; em 1993, de novo; quer dizer, 1994...

Hugo Studard: E a reeleição do presidente da República e dos governadores do estado?

Ciro Gomes: Não, agora não posso mais ser, sendo governador eleito não posso mais ser...

Carlos Tramontina: Mas essa revisão poderia ser feita quando, então, na opinião do senhor?

Ciro Gomes: Acho que podíamos fazer no fim de 1991 ou no princípio de 1992. Seria uma data boa.

Andrew Greenlees: Governador, queria voltar à questão do relacionamento dos governadores com o governo federal. O senhor faloumuito aqui do combate à seca etc e, para isso, o senhor vai precisar de dinheiro federal. O senhor prevê um relacionamento do tipo "tomalá, da cá", ou seja, o governo federal manda o dinheiro e, em troca, o senhor influencia a bancada do Ceará de alguma forma a votar com ogoverno? Isso vai acontecer?

Ciro Gomes: Não, de maneira nenhuma. Eu pretendo buscar e contribuir no que esteja ao meu alcance para, nessa dimensão na nossaresponsabilidade como governantes eu lá do pequeno Ceará, ele como governante do Brasil , uma relação mutuamente respeitosa em quenós possamos tratar criteriosamente todas as questões. Eu digo "criteriosamente" porque eu não quero ser tratado excepcionalmente, nempor privilégios, nem por discriminação, o que eu não toleraria em nenhuma forma, em nome do povo do Ceará. Portanto, é o que eu vouprocurar fazer. E também a minha opinião... O que eu puder, eventualmente, influir nos companheiros que estejam lá não é bem a minhavocação, mas a gente sempre faz as coisas discutindo , é para a apoiar o que for certo. Por exemplo, hoje, a essa história de frente antirecessão, eu não somo meu nome, porque quem disser que tem que montar uma frente contra recessão tem que dizer onde é que vaiafrouxar. É na política fiscal? Nós estamos defendendo a volta do déficit público, que gera inflação, que é o pior de todos os males, porquetira de quem não tem e concentra em quem tem? Nós vamos afrouxar a política monetária e vamos desmoralizar a moeda do país mais umavez e de novo fazer hiperinflação, que viria em apenas um mês? Onde é que é contra a recessão? Vamos afrouxar onde? Então, quem dizerque é contra... Eu, eventualmente, não gosto, é um remédio amargo eventualmente, não: não gosto da recessão, é um remédio muitoamargo , mas eu sou obrigado a dizer o que é da minha consciência: não há, na doutrina, não há, na história, na experiência de nenhumpovo, ajuste fiscal, ajuste monetário em ambiente de hiperinflação sem algum abalo no nível de atividade econômica, que pode ser maior,menor, pode ser socialmente mais justamente administrado o que não está acontecendo, mas recessão é fatal que aconteça como remédio,como custo. O que nós deveríamos era compreender melhor isso, discutir, politizar essa discussão para o povo ter consciência e colaborar enão ficar esperando milagre que não vai acontecer.

Hugo Studart: Voltando à seca, governador, o senhor disse há pouco que resolver o problema estrutural da seca e da miséria do Nordeste

extrapola as funções do governador e é uma coisa do presidente da República e do país inteiro. Só para a entender essa conta que todos nós

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extrapola as funções do governador e é uma coisa do presidente da República e do país inteiro. Só para a entender essa conta que todos nósbrasileiros precisamos pagar, quanto é que custa tirar um nordestino, tirar um flagelado da miséria e transformálo pelo menos numtrabalhador pobre, mas digno? Ou seja, o que é preciso fazer, quanto tempo demoraria e quanto custa cada um desses...

Ciro Gomes: A questão é a seguinte. A minha defesa não é regionalista. Eu acho que regionalismo é um dos cânceres políticos dessecomportamento malsão ou alienado de boa parte dos políticos do Nordeste. Não se trata de regionalismo, não tem essa coisa deregionalismo. O que nós deveríamos querer e exigir, e lutar por isso politicamente, é que a questão do impacto regional ou do impactoespacial das providências do planejamento global brasileiro e do planejamento setorial fossem sempre avaliada. Vou dar um exemplo doque seja isso. Hoje, para tudo o que se faz por imposição da opinião pública internacional em boa hora, também da opinião públicanacional , exigese avaliação do impacto ecológico. Não é assim? Quer dizer, tem que ver o Rima, Relatório de Impacto no MeioAmbiente. Pois o que eu defendo é isso: tudo o que for feito de planejamento global e setorial no Brasil, avaliese isso sob o ponto de vistado impacto espacial. Doulhe um exemplo aqui, só para você ver como não adianta esse regionalismo, ficar reclamando migalhas para aSudene, não sei o quê, frente de trabalho... Não funciona, não vai funcionar nunca. Ainda agora, o governo federal, nesse viés neoliberal,resolveu desregulamentar a economia. Baixou, um funcionário de terceiro escalão, a portaria acabando com o preço CIF ["Cost, Insuranceand Freight" ou "Custo, Seguro e Frete", preço do produto importado por via aquática no porto de destino, em contraposição ao preço FOB "Free on Board" , que é o no porto de origem; o preço CIF é o preço FOB mais frete, seguro etc] do aço. É uma complicação, mas é umbom exemplo do que eu estou falando. Preço CIF do aço é assim: como se decidiu politicamente, no passado, botar no Sudeste a indústriade base do aço, de chapa de aço, conseguiuse, num mecanismo criativo, dizer o seguinte: "Tudo bem, a gente bota em São Paulo e no Rioa indústria de base, o aço, mas, para não impedir que o Rio Grande do Sul, o Amazonas e o Ceará possam também produzir bensmanufaturados que tenham o aço como matériaprima, vamos estabelecer um fundo que refinancie esse preço." De maneira que a chapachega em Fortaleza, em Porto Alegre e em Manaus pelo mesmo preço, que é o preço CIF uniforme do aço. O que aconteceu? Em funçãodessa providência e por uma coisa linda que tem no Ceará que ninguém explica , gerouse um pólo metalmecânico no Ceará que, hoje,tem dez mil empregos industriais de alta qualificação, todos de produtos manufaturados nessa área, como fogão, geladeira etc., [vendidos]em São Paulo de forma competitiva no mercado. Botijão de gás, geladeira, fogão etc. produzidos no Ceará, são vendidos aqui [em SãoPaulo] de forma competitiva. O cidadão, lá, revogou: "Tem que acabar com isso! Isso é uma pérola da burocracia etc, porque o aço tem queter um preço normal, tem que ter preço de mercado e pague quem quiser." Pois bem, essa providência sozinha aniquila dez mil empregosindustriais e a Sudene não seria capaz de gerar, em vinte anos, [empregos] dessa natureza: empregos estáveis, sem subsídios, sem coisanenhuma. Uma providência dessa natureza... De que adianta você reclamar do incremento do orçamento do filó e estar demitido doplanejamento e das formulações centrais? Uma política séria no Brasil de erradicação do analfabetismo, sendo séria, vai acabar com oanalfabetismo no Nordeste. É e lá que está: 43% do povo do Nordeste não sabe ler, nunca teve oportunidade de saber ler e escrever. Temalgum brasileiro que seja a favor disso? Que seja contra uma política séria que acabe com isso? De cada mil crianças que nascem, 112morrem antes de completar o primeiro ano de vida. O dobro do que morre em São Paulo. Tem algum cristão nesse país que seja a favordisso? Então, o que eu defendo é uma política central de planejamento global e setorial que contemple o impacto espacial para a Amazônia,

para o Rio Grande do Sul, porque a velocidade da moeda é diferente, porque o impacto da recessão é diferente, porque o nível de

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para o Rio Grande do Sul, porque a velocidade da moeda é diferente, porque o impacto da recessão é diferente, porque o nível desofisticação tecnológica é diferente [e aí] nós temos que planejar de forma diferente. Aliás, os Estados Unidos viram isso com clareza,fizeram TVA, o Tennessee Valley Authority, que é um projeto de intervenção econômica importante feita num país capitalista. NaCalifórnia, no Arizona, a União Soviética fez, a França fez, todo mundo faz, só o Brasil não.

José Nêumanne Pinto: Mas a política sistemática da mendicância continua tendo muito apelo no Nordeste.

Ciro Gomes: Tem...!

José Nêumanne Pinto: Você ouve a Voz do Brasil, você ouve a sessão do Congresso, só ouve deputado nordestino chorando,especificamente.

Ciro Gomes: Essa é a lógica! Essa é a lógica perversa da miséria. Que é verdade que lá tem um submundo econômico social, é. As reaçõesdos atores políticos sobre isso são de diversas naturezas. A maioria prefere fazer isso. Porque é verdade, você vai no Congresso Nacional, ocaboclo vai ouvir você no rádio, ele dizendo que precisa mandar pelo menos um fubazinho o que aconteceu agora. Ridículo! Ridículo!Mandaram uma cesta de fubá, farinha e não sei o quê para distribuir na frente da [...] e eu vi na televisão e não consegui conter o choro, aspessoas batendo palmas, certamente animadas por algum camera man mais interessado em produzir uma imagem bonita. Isso é um crime!Tem que acabar, neste país.

Jorge Escosteguy: Governador, o senhor tem sido bastante objetivo e incisivo nas questões administrativas, nós as discutimos há pouco;mas, na área política, alguns telespectadores têm telefonado e a Sueli Carvalho, aqui [do bairro] da Vila Mariana, pergunta ao senhor seficar em cima do muro é condição para se manter filiado ao PSDB. Ela acha que suas respostas estão muito parecidas com as do senadorMário Covas.

Ciro Gomes: Olha, o problema é o seguinte. A gente até tem que enfrentar uma certa incompreensão, porque o povo brasileiro estáexasperado e as pessoas exasperadas desejam soluções simplistas, respostas simplistas para fatos complexos. Entretanto, eu prefiro terpaciência e deixar que todos os simplistas se desmoralizem e, como eu tenho 33 anos, eu vou vir e dizer: "Olha, aquela questão não eraassim tão simples, mesmo, [tal e qual] eu tinha lhe dito, é muito complicada." E é como eu me comporto politicamente. Eu não acho que oCollor seja um demônio nem um deus, acho que tem qualidades e defeitos e estou procurando dizer nessa qualidade. O que eu quero dizer éque eu não sou alinhado; nem contra, totalmente, ao sistema, porque acho burro; nem a favor totalmente, porque acho desonesto. Então, é aminha posição.

Jorge Escosteguy: O José Roberto Nápoli, aqui [do bairro] da Vila Mazzei, aproveitando a deixa do Juca perguntando se o senhor talvez

fosse um pouco "collorido", ele quer saber qual é o seu esporte favorito.

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fosse um pouco "collorido", ele quer saber qual é o seu esporte favorito.

Ciro Gomes: [risos] Bom, eu já joguei muito futebol. Cheguei a jogar num time de Sobral, o Guarani, de uma certa feita, num timeprofissional não como profissional, mas para dar uma canja...

José Nêumanne Pinto: Qual era sua posição?

Ciro Gomes: Eu era centroavante. Mas eu gosto muito de voleibol e natação.

Juca Kfouri: E, evidentemente, como paulista, o senhor torce para o campeão brasileiro de 1990 [o Corinthians]

[risos]

Ciro Gomes: Eu torço para o Corinthians. E para o Flamengo.

[risos]

Jorge Escosteguy: E, por falar nisso, o que o senhor acha dessa postura, desse comportamento do presidente da República de sair quaseque todo dia andando de jet ski...

Ciro Gomes: Olha, conceitualmente não é mal lá vai outra resposta complicada , conceitualmente não é mal; agora, como imagem, jáestá parecendo uma agressão às pessoas. Como imagem. Quer dizer conceitualmente, qual é o problema? O cidadão... Quer dizer, o que euacho é que ele deveria fazer isso sem avisar para as pessoas irem lá tirar fotografia.

Jorge Escosteguy: Mas, se não avisar, ninguém vai lá fotografar.

Ciro Gomes: Mas é isso que eu estou dizendo. Fazer não faz mal...

Carlos Alberto Sardenberg: Eu li aqui, num jornal de São Paulo acho que foi no Jornal da Tarde , que o senhor ficou tomando contadas crianças enquanto sua mulher viajou.

Ciro Gomes: [risos] Saiu no jornal? É verdade.

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[risos]

Carlos Alberto Sardenberg: É verdade?

Ciro Gomes: Ela foi fazer um curso na América, nos Estados Unidos.

Juca Kfouri: Quer dizer que não são só os coronéis que acabaram lá, mas cabras machos também não tem mais?

[risos]

Ciro Gomes: Não, acho que não se perde a masculinidade por isso, não; e sei que você sabe disso.

José Nêumanne Pinto: Isso é um bom exemplo, um bom exemplo.

Ciro Gomes: Vai representar para o sindicato, não é?

[risos]

José Nêumanne Pinto: O governador [do Paraná] Álvaro Dias [19871991] disse, recentemente, que, hoje, governar, na situação em queestá o Brasil, em que estão os estados brasileiros, não é mais tocar obras como no tempo do Washington Luiz [presidente da República de1926 a 1930] aquela história de "governar é construir estradas" [seu lema] , mas, sobretudo, sanear as finanças do Estado e cuidar commuito cuidado dos desperdícios, das contas do Estado. Como é que o senhor vê isso?

Ciro Gomes: É verdade, embora isso seja um momento tático. Porque o problema é o seguinte: nós vivemos um período em que todos nósassistimos a CUT assistiu, o [sindicalista Jair] Meneguelli [presidente da CUT de 1984 a 1994] assistiu, o [Paulo] Maluf [governador deSão Paulo de 1979 a 1982] assistiu, todo mundo assistiu o Estado brasileiro sendo gradualmente apropriado por castas e corporações eexaurirse completamente das suas funções básicas. Hoje, a escola pública brasileira quebrou, faliu, é uma mentira caríssima; a educação, asaúde pública no país é uma calamidade, as universidades hoje são uma calamidade; o problema das estradas é muito sério; no Nordeste,nós vivemos um problema dramático sob o ponto de vista da estratégia econômica de modernização, que é um colapso de energia iminentese não se completarem já as defasagens de cronograma [das usinas hidrelétricas] de Xingó, de Tucuruí, do Ramal do Tucuruí; tudo issosignifica só uma coisa, que eu estou tentando falar aqui desde o começo: o Estado brasileiro exauriuse, não detém hoje a menorcapacidade de poupança nem, portanto, de investimento...

[...]: Quebrou?

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[...]: Quebrou?

Ciro Gomes: Quebrou. O que se sucede daí é que quem deseja consertar esta coisa não pode começar do teto, tem que começar doalicerce. Então, tem que fazer uma reforma fiscal profunda, austera, que vai importar em grandes sacrifícios; tem que restaurar o poder decompra da moeda e o próprio valor político da moeda como instrumento de referência, de troca, de fator de unidade nacional e issoimporta numa política monetária austera. Eis aí as grandes virtudes deste governo embora eu ache que os juros já passaram da conta; hojejá são custos, já estão contribuindo... Porque demorouse demais e foram altos demais e quebraram a demanda agregada é um termotécnico ; já não são mais... Hoje, são um alimentador de custos. É uma opinião de quem não é escolado no assunto, só curioso. E acho quefalta uma política de renda que reparta este sacrifício de forma mais justa socialmente, porque o cartel, o oligopólio, esses sabemperfeitamente se protegerem ou repatriando grandes volumes de dinheiro no estrangeiro que colocaram lá; ou diminuindo o volume deprodução e aumentando a margem de lucro e ganhando o mesmo dinheiro, empregando menos gente, produzindo menos coisas. Mas amédia empresa e a pequena empresa, que estão tendo o mesmo tratamento, ou as regiões ou as pessoas de baixíssima renda, não suportamfazer essa coisa espontaneamente como um pacote de cima para baixo. Isso é do que eu estou falando.

Jorge Escosteguy: Governador, nosso tempo já está se esgotando. Eu faria uma última pergunta. O senhor, há pouco, falou em subir arampa do Palácio do Planalto como governador...

Ciro Gomes: Não, eles que falaram.

Jorge Escosteguy: Não, o senhor disse: "eu subo a rampa". Então, várias pessoas telefonaram. Djalma Irineu da Cunha, [do bairro] daAclimação, aqui de São Paulo; Jorge de Adamantina; Carlos Siciliano, de São Bernardo...

Ciro Gomes: Adamantina, eu morei lá.

Jorge Escosteguy: Então já tem um eleitor lá em Adamantina. Cássia Soares, de Santo André; e Marisa Silva, de Porto Alegre, perguntamse o senhor vai ser presidente da República, se o senhor vai se candidatar.

Ciro Gomes: Não...

Jorge Escosteguy: A Marisa, inclusive, aparentemente ou claramente é sua eleitora: disse que "é extremamente gratificante, comobrasileira, ver que o Nordeste tão marginalizado produz uma pessoa com o pensamento tão moderno como o seu." Ela espera vêlo napresidência da República em 1995. Quando esteve aqui no Roda Viva, o exsenador Paulo Brossard disse que o brasileiro principalmenteo político que dissesse que não queria ou não sonhava em ser presidente da República estaria mentindo. O senhor está mentindo ou não

sonha mesmo em ser presidente da República?

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sonha mesmo em ser presidente da República?

Ciro Gomes: Não, talvez, num sonho desses mais desavisados, eu possa até sonhar; mas acordado, não penso.

[risos]

Jorge Escosteguy: Nós agradecemos, então, a presença aqui no Roda Viva, esta noite, do governador eleito do Ceará, Ciro Gomes.Agradecemos também aos companheiros jornalistas que ajudaram na entrevista. Avisamos aos telespectadores que as perguntas que nãopuderam ser feitas serão entregues ao governador para que ele possa tomar conhecimento. E o Roda Viva volta, então, na próximasegundafeira às nove e meia da noite. Até lá e uma boa noite a todos.

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