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1 REVISTA PAULISTA DE CULTURA E POLÍTICA Nº 3 Março/2014 MARÇO DE 2014

N3 março 2014

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Revista de cultura e politica. Neste número: moedas sociais, arte e ideologia, e desproporção no sistema eleitoral.

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REVISTA PAULISTA DE CULTURA E POLÍTICA

Nº 3 Março/2014

MARÇO DE 2014

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REVISTA PAULISTA DE CULTURA E POLITICA

Editorial ....................................................................................................................... 03 Moedas Sociais...............................................................................................................04 Roberto Tonin Arte Moderna e Ideologia – Parte I: Picasso e Dali.........................................................08 Roberto Tonin A Desproporcionalidade na representação política no Brasil ........................................20 Roberto Tonin

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Editorial Neste ano de 2014 a temática da Autonomia volta a ter destaque nos meios de

comunicações. Na Europa estão agendadas referendum na Escócia em 18 de

setembro e Catalunha em 9 de novembro, além do referendum realizado na Criméia

em 16 de março que garantiu a liberdade de seu povo, e da consulta também já

realizada entre 16 e 21 de março no Veneto, que será base para um referendum em

breve. Além destas regiões, a Valonia, Bretanha, Regiões Bascas, Galicia, Corsega

reforçam seu ativismo contra sua submissão a Estados Nacionais obsoletos e

incoerentes diante da Federação Européia em formação. Alguns questionam mesmo a

necessidade de um Estado Continental, cada vez mais centralizado e normatizador

que esta se tornando a União Europeia. Os povos temem a transformação da Europa

com sua diversidade cultural e étnica, numa cópia dos Estados Unidos, com sua

pasteurização cultural e crescente centralismo politico e administrativo, que gera uma

polarização entre o extremo coletivismo e o extremo individualismo. Os povos

europeus querem assegurar a existência da vida comunitária, sem coletivismos ou

individualismos, e garantir a humanidade de suas relações, livres de artificialismos

ideológicos que impregnam a politica americana, e que agora contaminam a politica

europeia, mostrando a subjugação dos Estados Nacionais obsoletos da Europa as

vontades de estrangeiros.

Outras regiões do mundo também estão se mobilizando neste ano para obterem

a tão almejada autonomia e liberdade para seus povos, a Nova Caledônia,

Bougainville, Groelândia, Quebéc e Região Camba, são nossos outros estimulos para

pensar e agir em prol das reais necessidades de nosso povo.

Na presente edição vamos abordar a existência das chamadas moedas sociais,

o dinheiro local usado pelas comunidades para dinamizar a economia regional. Uma

estratégia muito acertada que possui ótimos precedentes em outros países. O dinheiro

local estimula a cooperação, reforça a identidade e permite o surgimento do

sentimento de poder local. Removendo as correntes da submissão e dependência

imposta pelas praticas politicas corruptas dos governos e partidos centralistas.

Na sequencia iremos tratar da relação da ideologia politica esquerdista com a

chamada Arte Moderna. Neste artigo, o primeiro de uma série que irá analisar a lógica

por trás da chamada Arte Moderna, irá focar no antagonismo entre Pablo Picasso e

Salvador Dalí. O primeiro tornou-se o garoto propaganda da Arte Moderna e do

movimento esquerdista internacional, valendo-se da fraude e oportunismo mesquinho.

O segundo a despeito de sua superioridade técnica e empenho acadêmico, ou talvez

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por causa dela como ressaltado pelo próprio Dalí, foi expulso de ambos os

movimentos devido a sua independência individual e, sobretudo devido a sua defesa

intransigente dos valores morais essenciais, O que valeu a Dalí o epíteto de fascista,

imposto pela mídia esquerdista a todos os que os contrariam. Abordando os dois

artistas mais significativos, semelhantes, contraditórios e que tomaram rumos

completamente diferentes, esperamos buscar um pouco de esclarecimento tanto do

uso da arte, como do uso da ideologia sobre as vidas e destinos das pessoas.

O artigo final abordará uma questão bem técnica, e sumamente importante para

nosso povo. A questão da desproporcionalidade no sistema eleitoral, que gera uma

divergência gritante entre a quantidade de votos e o numero de políticos eleitos entre

os estados do Brasil. Vamos abordar seus efeitos sobre os partidos políticos e fazer

uma reflexão sobre a legitimidade das ações dos políticos eleitos sob a

desproporcionalidade, contrariando as vontades majoritárias da população e

eleitorado.

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Moedas Sociais

Roberto Tonin

Existem no país 103 moedas alternativas ao real circulando livremente com a anuência do

banco central. O propósito do dinheiro local é fortalecer a comunidade, evitando que as

pessoas gastem seu dinheiro fora de sua região. Isso porque existe um circulo vicioso na

pobreza, quando um grupo de pessoas obtém recursos por meio de trabalho fora de sua

localidade, acaba gastando esse dinheiro no comércio e serviço também fora de sua

localidade, seja por não haver tais ofertas em sua região ou por simples comodidade. Desta

forma a moeda social tem como propósito romper esse obstáculo de forma dupla. Por um

lado através de empréstimos de pequenas somas, se viabiliza a empreendedores locais a

criação de comércio e serviços. Uma vez existindo a oferta, o dinheiro é estimulado a

permanecer no local ao utilizar a moeda social como parte de pagamento de empregados na

comunidade. Desta forma o dinheiro passa a circular na região proporcionando o estímulo

necessário para novos empreendimentos.

Geralmente as moedas sociais são associadas a bancos comunitários para permitir

empréstimos de micro-crédito. Única alternativa para pessoas de baixa renda que não

tinham possibilidades junto a bancos comerciais.

Foi constatado que o uso de moedas sociais eleva a autoestima da população de locais

carentes. Por se tratar de um dinheiro exclusivo da comunidade, e o seu uso implicar uma

rede de solidariedade e confiança, a moeda social incrementa um valor cultural á

comunidade.

O interessante é que não há marco regulatório para as moedas sociais. Fato chocante num

pais onde tudo, absolutamente tudo é regulamentado ou em vias de regulamentação. Existe

atualmente apenas um procedimento administrativo do banco central para autorizar a

emissão do dinheiro local, mediante o depósito em reais. E isso ainda é instável, já que até

2003 o Banco Central proibia a circulação de tais moedas paralelas ao real, e em 2011 o

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Ministério Público, sempre ele, instaurou um processo exigindo explicações quanto a

legalidade da moeda em circulação.

A experiência possui o precedente na Suíça. O Wirtschaftsring-Genossenschaft, conhecido

como Círculo Econômico Suíço, foi criado em 1934 e é a experiência mais bem sucedida de

moeda local. Essa estratégia foi um dos responsáveis por proteger a Suíça da recessão

europeia, e a moeda local convive com o franco suíço, superando 1 bilhão de Euros em

circulação.

Em São Paulo temos várias moedas sociais em circulação, criadas por associações e apoiadas

por universidades locais.

Vida é o dinheiro local no bairro de Jardim Gonzaga em

São Carlos, embora possa circular em bairros vizinhos. A

moeda foi criada pelo Banco Comunitário Nascente com o

apoio da Igreja Católica que arrecadou o montante

necessário para o lastro em quermesses, e o apoio

técnico do núcleo de economia solidária da Universidade

Federal de São Carlos.

O Sampaio é o dinheiro local no bairro de Jardim Maria Sampaio na zona sul da capital

paulista. Já na zona norte existe o Apuanã, em circulação nos arredores do bairro Jardim

Filho da Terra. Também na zona sul há o ‘Moradia em Ação’ que circula no Jardim São Luís.

Na zona oeste tem o ‘Vista Linda’ no Jardim Donária. Na

zona leste existe o ‘Freire’ no bairro de Inácio

Monteiro. Estas moedas são emitidas por bancos

comunitários. apoiados pela Incubadora Tecnológica de

Cooperativas Populares da USP. Os bancos emprestam

dinheiro para consumo sem taxas de juros, e para

empreendimentos com juros irrisórios. As pequenas taxas servem apenas para sustentar as

pequenas despesas de gerenciamento. Não há lucro, apenas solidariedade. Algo bem

distinto dos bancos comerciais, que são 6 das 10 empresas que mais lucram no Brasil.

A lógica da retenção do dinheiro recebido pelos moradores para ser utilizado na própria

localidade pode gerar uma série de reflexões: a pobreza não é a ausência de dinheiro e sim

a ausência de oportunidade; doações de bens e comida com o intuito de amenizar a miséria,

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apenas a perpetua, pois não rompe o fator de estagnação produtiva, aqui podemos recordar

a lição religiosa ‘não de o peixe, ensine a pescar’; ser capaz de controlar alguns aspectos de

suas vidas, no caso a disponibilização de crédito circulante, aumenta a sensação de poder da

comunidade, permitindo a redução da alienação e elevando o nível de solidariedade e

autonomia comunitária; uma vez percebido que a permanência do dinheiro ganho na própria

comunidade é altamente benéfica para o bem-estar e progresso desta, começa a questionar

as transferências obrigatórias de dinheiro para o governo por meio de impostos, que não

são reaplicados na comunidade, ou então voltam como um ‘favor’ de algum político. Haverá o

momento em que o povo perceberá a armadilha fiscal em que é vítima?

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Arte Moderna e Ideologia – Parte I: Picasso e Dali

Roberto Tonin

Dalí foi além da imaginação de sua época ao desconstruir

imagens clássicas e remonta-la através do imaginário

simbólico do subconsciente. Os modernistas, incluindo mais

tarde Picasso, desconstruíram o imaginário tradicional, mas

não deixaram nada no lugar, apenas o caos. Há

notavelmente uma enorme distancia entre as obras

modernista-surreais de Dalí e as obras modernista-abstratas

de Picasso. O que levou os dois amigos, conterrâneos a desenvolverem um confronto de

estilos?

Contexto.

O modernismo surge como um engajamento de artistas num combate iconoclasta contra uma

civilização não tão civilizada. “O culto do feio”, tal como o escritor Emile Zola cunhou o

movimento, era a reação dos artistas e escritores ao perceberem que a sociedade era feia,

sobretudo quanto aos seus sentimentos. Eles procuraram ser apenas fieis a realidade, dizendo

que é preferível uma verdade horrorosa a uma mentira bela.

Psicanálise – A psicanálise tornou-se no inicio do século XX um movimento importante na

busca da compreensão do como a mente é composta e o que motiva as ações do homem. O

mundo da mente subconsciente começou a ser estudada pela mente consciente.

Física – A teoria da relatividade e a teoria quântica, desenvolvidas também em princípios do

século XX, levaram a uma mudança brusca da compreensão da natureza, sobretudo após a

fissão atômica, quando a própria ciência perdeu o caráter aventureiro e meio que fantasioso. A

bomba nuclear gerou um cisma do antes e o depois da ciência se comprometer com o poder.

Guerra – A mortandade sem sentido provocada pela Primeira Guerra Mundial, deixando

também milhões de mutilados e milhões com traumas psíquicos que os hospitais militares não

conseguiam tratar. A “Chuva de Aço” destruiu também a ingenuidade romântica da civilização

ocidental. A beleza do idealismo morreu asfixiada com gás mostarda numa trincheira

pestilenta. Jovens intelectuais irritados com a destruição física e emocional causada pela

guerra revisitaram a afirmação do filósofo Rousseau de que ‘a civilização, ciência e arte eram

apenas um simulacro para ocultar a podridão das emoções humanas’.

A Burguesia – industriais e empresários, alvos dos ataques modernistas, acabaram abraçando

a nova arte, porque estavam em busca de sua própria cultura, uma vez que o classicismo era

associado a nobreza. E a nobreza estava quase toda enterrada em Flandres e Verdun. Grande

parcela da aristocracia europeia morreu na primeira guerra mundial. A burguesia, desprezada

pela nobreza, surge como a elite sobrevivente e ansiosa para criar uma identidade própria.

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A revolução modernista.

A burguesia dirige seus olhares para obras modernistas, Van Gogh, Cézanne e Gauguin, havia

se tornado percussores da revolução modernista, a burguesia percebe que a sociedade já

produzia sua própria arte. Mas a burguesia não precisava do artista como um pintor

profissional, uma vez que poderia usar a fotografia para sua crônica histórica, retratos e

publicidade. Entretanto, eles perceberam que a arte poderia ser um bom negócio se fosse

produzido em grande escala.

A principio a arte acadêmica estava nas mãos da nobreza, que não receberam os percussores

modernistas. Cézane (1839-1906), Van Gogh (1853-1890) e Gauguin (1848-1903) tinham muito

pouca instrução formal. Eles não buscaram ‘aprender a pintar’ porque não desejam inibir a sua

espontaneidade. Os artistas, rejeitados pelas escolas artísticas formais, alegaram que não

queriam apreender o aspecto físico de seus modelos, mas seu caráter e emoção. Passaram a

se engajar numa luta contra as impressões sensoriais.

Cezanne decidiu que o conteúdo de sua arte estava no que seus olhos percebiam. Suas

pinturas devias ser percepções da natureza, mas não fieis a ela. O artista deveria se voltar para

a natureza, mas não para servi-la ou imita-la. Emile Zola, o escritor, apesar de apoiar o

movimento artístico contra a nobreza recusou-se a escrever sobre a obra de Cezanne, pois ele

sentia que ele ‘pintou mal’ só porque não poderia pintar melhor. Um aspecto que foi

levantado décadas depois por Dali.

Desde a Renascença, com o resgate da arte greco-romana, os artistas tinham aprendido que as

formas naturais são basicamente geométricas. Tudo pode ser reduzido a circulo, triangulo,

quadrado e retângulo. Cezanne disse que a forma geométrica tinha sua própria postura e

deveria ser mantido pelo artista em sua pureza. O artista deve abandonar a posição de

ilustradora da literatura, ganhando sua própria liberdade.

Gauguin foi o primeiro artista a se isolar da civilização, buscando novas fontes para sua

inspiração artística. Viajou para o Peru e Tahiti. Van Gogh buscou junto com Gauguin um

rompimento com a pintura ilusionista, evitando o tridimensional. Eles buscavam apresentar

uma vibração espiritual mais elevada com a cor, o que eles sentiam que seria impossível se o

artista ficasse preocupado com a técnica.

Van Gogh queria pintar com a simplicidade tal como o pensamento de uma criança. Para voltar

á natureza deveria ver o mundo como uma criança, agir como criança, sentir como criança. É

por isso que acreditava que a cor deveria ser aplicada da forma pura, com um senso de

urgência na tela. A sensação de emoção só poderia ser alcançada sem exatidão. Voltar-se ao

naturalismo deve ser feita através da forma espontânea e das cores variadas.

Em 1905 foi realizada a primeira exposição fauvista em Paris. Na Alemanha a nova tendência

foi chamada de expressionista, de acordo com este novo movimento a arte não era um

pensamento, mas um fato. A pintura não podia se apegar a pensamentos ou cores. Maurice

de Vlaminck (1876-1958), gabava-se de nunca ter pisado no Louvre, que ao invés preferia

passar o tempo no Trocadero, local de exposição de arte Africana. Vlaminck como os fauvistas

e expressionistas revoltavam-se contra a academia formal, acusando-os de defenderem

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formas decadentes de arte, a serviço da nobreza aristocrática. Edward Munck (1863-1944) e

Vassily Kandinsky (1866-1944) clamavam contra a civilização, afirmando que o que se precisa

são bárbaros.

Em 1907, após a morte de Cezanne, foi aberta uma galeria em Paris para promover o cubismo.

Picasso e Braque são os grandes nomes da nova tendência. Que mais tarde influencio Dalí.

Picasso afirmou que não tinha intenção de inventar o cubismo, ele surgiu como um fato

pictórico. Intencional ou não, a velha academia não apenas cedeu a pressão do modernismo,

como tornou-se ela própria a academia da anti-arte, com suas regras e estilos próprios.

Em 1917 surge o Dada Magazine, editado por Tristan Tzara. A publicação visava dar

continuidade ao movimento revolucionário contra a arte convencional. Sua arte subversiva

buscava afirmar o inconsciente contra o chamado de lucidez da consciência. Buscando mostrar

a estupidez a que a sociedade estava reduzida. No mesmo ano Marcel Duchamp envia suas

‘criações artisticas’ para uma exposição em Nova York, o famoso urinol invertido. Os dadaístas

o consideraram o seu precursor artístico. Mais tarde uma dissidência do movimento dadaísta

resultou no grupo surrealista, liderado pelo escritor André Breton (1896-1966), que definia o

surrealismo como um ‘automatismo psíquico puro, pelo qual se propõe exprimir, tanto

verbalmente, tanto pela escrita, tanto por qualquer outra maneira, o funcionamento real do

pensamento. Ditação do pensamento, na ausência de todo controle exercido pela razão, fora

de toda preocupação estética ou moral’ (Manifesto Surrealista, André Breton).

Picasso e Dali.

Picasso chegara a Paris na virada do século, vindo da Andaluzia/Espanha.

A cidade fervilhava com a revolução modernista, todas as regras da

pintura, literatura, música e escultura estavam sendo quebradas. E

Picasso não queria ficar alheio a este acontecimento. E, sobretudo sabia

o que não queria em relação à arte, a velha pantomima dos poderosos. A

arte moderna se considerava moderna porque repudiava as ‘grandes

histórias’ pintadas para aristocratas e reis. O quadro ao lado representa

este engajamento de Picasso, ‘Menino conduzindo um cavalo - 1906’. O

menino nu, desprovido de quaisquer elementos heroicos, num ambiente

vazio, sem qualquer história, assunto ou mensagem. Apenas o moderno

surgindo do arcaico. Porém se a inspiração mostra-se inovadora, ele mantem a técnica

acadêmica, com a ideia de profundidade, com a textura dos personagens, numa disposição

sobre o cenário, que apesar de árido, ainda mantem a necessidade de um local discernível

para o evento narrado.

Uma vez desprezando a história e os atos gloriosos, Picasso buscou

destruir a beleza, elemento essencial do ideal clássico da arte. O que na

pintura é representado frequentemente através da sensualidade feminina.

Os modernistas projetaram suas novas visões estéticas como Gauguim:

1 11'Reo Mã´ohi', 1897, Paul Gauguim.

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Mas nada se compara ao ataque feroz de Picasso a estética clássica

com o seu “Les Demoiseiles D’ Avignon, 1907”, nele fortemente

influenciado pelo primitivismo, Picasso retrata cinco prostitutas de

forma levemente cubista. A obra é qualificada como pré-cubista, mas

esta presente em um modo insipiente. Aniquila tudo que antes era

associado a mulher retratada pela pintura, beleza, sensualidade,

graciosidade. Em sua obra, só há a brutalidade de um bordel. Nesta

obra Picasso define a supressão da profundidade, e torna irrelevante a necessidade de cenário.

É uma marca da adesão de Picasso ao abstrato. (figura a esquerda).

Em seguida Picasso ataca a de vez a ideia de semelhança, constante da

arte tradicional, nos quadros sempre implicou uma representação bi ou tri

dimensional de personagens, objetos ou paisagens. Transmitindo ou não

idéias ou valores, a representação sempre visou atingiu uma grau de

semelhança. Mas Picasso queria demolir essa constante. E apresentou

‘Retrato de Ambroise Vollard – 1910’ (figura a direita), obra que marca a

completa adesão de Picasso ao cubismo e a inspiração abstrata. Na obra

não há formas, qualquer indicio de um personagem físico, apenas uma

ideia de um personagem. O sentimento que é transmitido pela obra não é claro. Mas Picasso

busca criar impacto com sua obra, não tem preocupação em agradar o seu público, e

rapidamente torna-se um ícone da inovação dentro do movimento modernista.

Nos anos 1920 Picasso foi convidado para integrar o

movimento surrealista, mas ele não aderiu,

entretanto participou de várias exposições

surrealistas entre 1925 e 1936, com obras como

‘Minotauromaquia - 1935’ (figura a esquerda), obras

marcadas com grande originalidade, envoltas em

espaços opressivos e distorcidos de anatomias, que

parecem remetidas a um mundo onírico e cheio de

sugestões, ele flerta com o surrealismo mas mantem

seu próprio estilo. Ele próprio declarou: “Eu estou interessado na semelhança mais profunda,

mais real do que o real, que chega ao surreal”.

Em 1926 o jovem Dali, recém-expulso da Escola de Belas Artes de São

Fernando, se mudou para Paris, e foi imediatamente conhecer seu

conterrâneo Pablo Picasso, a quem admirava desde a juventude. As

obras pré-surrealistas de Dali possuíam uma influencia do cubismo de

Picasso, vide figura ao lado a obra ‘Cabaret Scene’ - 1922. Entretanto

rapidamente Dali se inseriu no movimento surrealista, na medida em

que sua capacidade técnica crescia, fazendo crescer também sua

repulsa pela abstração.

Dali concebeu aquilo que definiu como método atividade paranoico-

critico. Este método envolve entrar em um estado alterado de

consciência, como sonhando ou meditando, e em seguida, uma vez

2 Cabaret Scene, 1922. Salvador Dalí.

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fora do estado alterado, ser capaz de lembrar e reproduzir as imagens criadas pela mente

subconsciente. Dali disse que todos os seres humanos envolvem nisso de alguma forma, tal

como o processo que usamos ao olhar para nuvens e percebemos figuras e imagens nelas.

Na obra ao lado, ‘Cesta de pão - 1926’, Dali demonstra um alto grau do

domínio da técnica. E passa a se afastar do abstracionismo, preferindo

buscar combinar o clássico ao moderno, e encontrou no surrealismo a

forma de expressão ideal para suas concepções.

Por meio de seu trabalho Dali percebeu o aspecto obscuro do

subconsciente e aquilo que se designou como ‘misticismo atômico’. A

ciência chegou a uma encruzilhada onde suas descobertas

poderiam por destruir a humanidade no duplo sentido da

expressão. Dalí passou a pintar sua obra de arte mística visionária

após a segunda Guerra Mundial, para ele o caos provocado pela

ciência moderna iria gerar um mundo ironicamente parecido com

uma pintura de Jackson Pollock, ou seja, uma ‘indigestão que se

tem, com sopa de peixe’. “A descoberta mais transcendente da

nossa época é que a constituição da matéria feita pela física

nuclear... a pintura moderna pode e deve prosseguir, mas apenas

a partir de uma única ideia: a descontinuidade da matéria”. (Libelo contra a arte moderna,

Salvador Dalí). Dalí concebeu seus relógios derretidos, ao mesmo tempo em que se referia aos

críticos de arte moderna como ‘os críticos ditirâmbicos de arte moderna antiquada’ que

odiavam o classicismo como um ‘arrogante rato de esgoto’.

O desejo modernista de manter a percepção de criança dentro de si implicava uma mente

aberta para a vida adulta. No entanto, a rejeição do ensino acadêmico era uma rejeição não

apenas da técnica convencional, técnica necessária para pintar três dimensões em uma tela

bidimensional, mas também uma rejeição da razão, razão marcada pela harmonia de formas e

pensamentos. O modernismo se fundou na rejeição ao conservadorismo, á técnica e razão, e

disso resultou no culto ao feio, no desejo egoísta de satisfação, no anseio pela destruição. Foi

contra esta ameaça que Dalí se manifestou, e é a razão pela qual se posicionou contra Picasso

e a anti-arte representada pelos modernistas.

Dali fazendo uso da ironia afirma: “A fim de permanecer em

sintonia com os críticos ditirâmbicos, pintores se dedicaram

ao feio. Quanto mais ele se viu, ou mais modernos que

fosse. Picasso, que tem medo de tudo, foi para o feio,

porque ele estava com medo de Bourguereau”

(Bourguereau foi um artista famoso que morreu em 1905 e

de cujas pinturas eram consideradas o auge do

conservadorismo). As pinturas de arte moderna eram

tremendamente feias e Picasso explorava isso ao máximo,

Dali proclamou que Picasso “depois de ter esfaqueado

Bourguereau quase até a morte, deveria dar o puntilla e

terminar a arte moderna de um só golpe sozinho, em um

“Em pintura, sou um idealista. Na arte só

vejo o belo, e para mim arte é o belo. Por

que repreduzir o que a natureza tem de

feio? Não vejo o porque disso ser necessario.

Pintar exatamente o que vemos – não! – ou

pelo menos não para aqueles que não sejam

extremamente talentosos. O talento redime

tudo e tudo desculpa. Hoje em dia os

pintores vão longe demais, assim como vão

os escritores e novelistas. Não se pode saber

onde eles vão parar”.

William-Adolphe Bouguereau.

3 Persistência da Memória – 1931. Salvador Dalí.

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único dia produziu um feio mais repulsivo do que todos os outros em vários anos juntos”.

(Libelo contra a Arte Moderna – Salvador Dalí)

A guerra civil espanhola entre Dalí e Picasso.

Após um período conturbado entre 1923 e 1931, o governo monárquico organizou eleições

municipais em 12 de abril de 1931. A coalizão de esquerda venceu em 40 das 50 grandes

cidades, embora não tenha obtido expressão na área rural, os esquerdistas passaram a

apresentar o resultado eleitoral como uma espécie de Plebiscito anti-monarquia e

promoveram um golpe. Forçando a família real ao exílio. Ao compor o governo

majoritariamente, a recém criada ‘Republica’, adotou políticas radicais e contraditórias, devido

a heterogeneidade da coalização de esquerda. Em 1933 uma das facções do partido comunista

tentou um golpe de Estado para impor uma ditadura de estilo marxista-leninista. A oposição,

de direita, também heterogênea (monarquistas, unitaristas, católicos, militaristas, fascistas,

etc) se organizaram para fazer frente ao governo central. A Espanha atingiu o clímax do

dualismo politico nas eleições de 1935, obtendo 4,645 milhões de votos contra 4,503 milhões

de votos dos direitistas e 0,5 milhão dos liberais. Pelas regras eleitorais o vencedor – a

coalização de esquerda com 45% dos votos, obteve 80% das cadeiras parlamentares, gerando

enorme tensão.

Grupos regionais buscavam a independência de suas regiões, anarquistas causavam ataques

de vandalismo (só nos quatro meses que precederam a guerra civil, 159 igrejas foram

incendiadas) e o Partido Comunista financiado pelo URSS visava obter o controle total do

governo espanhol. A direita passou a receber apoio de Portugal e Itália, ambos fascistas. E nas

colônias africanas, um forte movimento de oposição toma forma, com apoio do exército

colonial. O choque era iminente.

Picasso, a despeito de se autodeclarar apolítico, na verdade era membro ativo do Partido

Comunista espanhol e francês. Em 1936 Picasso assumiu o cargo de Diretor do Museu do

Prado, embora não tenha exercido a função. Picasso pintou a série tauromaquia (exemplares

abaixo) representando o choque, a violência e fúria das touradas, que foi associada ao

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ambiente socialmente turbulento da Espanha. Picasso associava a sociedade tradicional,

católica e rural a uma ‘Espanha negra’, sombria, talvez representada pela figura do minotauro,

ser obscuro. Enquanto a sociedade urbana, burguesa, era associava a vitalidade e progresso,

talvez representada pela luz, em lamparinas ou velas, presentes em diversos quadros da série.

Haveria um choque entre estas duas visões, como a que ocorre numa tourada. Não era mera

disputa politica entre partidos, mas uma verdadeira guerra ideológica. O novo governo exigia a

obediência a suas reformas, inclusive quanto a vida familiar e intima. Mudando a maneira de

viver. Alegando que o ‘conservadorismo’ havia realizado isso no passado ao impor sua ‘visão

de mundo’ a toda a sociedade. Cada lado via o outro como a perdição da Espanha, e exigia sua

erradicação.

Dali representou com maestria essa dualidade fratricida em que a

sociedade espanhola esta vivenciando. Seu quadro ‘Construção

Mole com Feijões Cozidos (Premonição da Guerra Civil)’ – 1936

(obra a direita), mostra a luta intransigente dos dois polos sob um

frágil equilíbrio. Concluída e exposta meses antes do inicio da

guerra, sua arte expressava sua aversão a luta que estava por vir.

No quadro fica evidente que o desfecho violento é inevitável, e

que o resultado, qualquer que seja, será prejudicial a ambos os

contendores. Os dois seres em luta formam o contorno do mapa

do pais, os feijões espalhados no chão representam o desperdício e a inconsequência da luta,

reforçada pela representação ferocidade dos seres digladiando-se, rasgando-se e se

destruindo-se.

Mas a obra mais famosa retratando a guerra civil espanhola é sem dúvida Guernica – 1937, de

Pablo Picasso.

Exposta na exposição internacional de 1937 de Paris, com o fito de atrair apoio a causa do

governo espanhol (coalização de partidos esquerdistas) contra os rebeldes fascistas de Franco.

Guernica foi produzida com um propósito claro, criar comoção e mobilização. E de fato o mural

se tornou o símbolo da guerra civil espanhola, e um alegado apelo contra a guerra. Também

tornou-se um panfleto contra os fascismos. Mas antes de Guernica, Picasso produziu

literalmente uma série de panfletos, intitulados ‘Sonho e Mentira de Franco’. (exemplos

abaixo) Tais panfletos, como outros materiais produzidos por artistas convidados pelo governo

espanhol, era ridicularizar os rebeldes liderados por pelo General Franco, associando-o ora a

uma espécie de Dom Quixote de cômicas pretensões, ora a uma fera monstruosa e

sanguinária, ora a um verme. Esse era o retrato desumanizador que o governo oficial espanhol

produzia para seus adversários, antes rival politico, agora um inimigo numa guerra fratricida.

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Picasso declarou durante a exposição: “Não, a pintura não é feita para decorar as habitações. É

um instrumento de guerra ofensiva e defensiva contra o inimigo.”

Entretanto a obra prima de Picasso, Guernica não possui nenhuma referencia concreta a um

ataque aéreo, do qual se alega a origem da obra, nem mesmo a Guerra civil espanhola é

evidenciada. Porem ele não é um quadro narrativo, mas simbólico. É pintado em branco, preto

e muitos tons de cinza.

Picasso começou a pintar sua obra em 18 de abril, sob encomenda para o pavilhão espanhol da

feira mundial. Mas o dito bombardeio de Guernica foi alegadamente realizado em 26 de abril,

sendo noticiado apenas no dia 28. De fato no inicio de 1937, Picasso recebeu uma comitiva do

governo espanhol que lhe encomendou a produção de panfletos artísticos contra Franco e

seus rebeldes, a serem distribuídos durante a feira mundial. E também se encomendou um

mural de 11 por 4 metros com a mesma finalidade. Picasso aparentemente pensou em

produzir uma versão de suas famosas Tauromarquias, dada a grande similaridade da obra

Guernica com as séries Tauromarquias (veja a comparação abaixo). Para a realização da obra

Picasso obteve a cessão de uma grande sala em Paris, na Rue des Grandes Augustins, nº 7,

local utilizado por Balzac e no momento era a sede de um grupo politico esquerdista ‘Contra-

Ataque’, do qual pertencia o surrealista Georges Bataille e Dora Maar, amante de Bataille e

Picasso. Curiosamente Picasso recebeu do governo espanhol o equivalente a 15% da verba

destinada a todo o pavilhão espanhol, e cuja nota de pagamento foi utilizada posteriormente

pelo governo espanhol para reclamar a posse da obra, atualmente pertencente ao Museu

Nacional Rainha Sofia em Madrid.

Guernica, Tauromarquia e panfleto ‘sonho e mentira de franco’, contem semelhanças nítidas,

vide acima. A expressão de desespero de pessoas, o touro feroz, cavalos se retorcendo de dor,

a luz de vela/lâmpada se impondo contra a ‘Espanha negra’ associada ao conservadorismo da

sociedade espanhola. Elementos que jogam a dúvida sobre a vinculação de Guernica ao

episódio ocorrido na cidade Basca. Aliás, o próprio bombardeio é questionado por

investigações históricas, que se supõe que tenha sido forjado, após uma explosão acidental ou

intencional, do paiol de munição guardado na cidade. A divulgação do episódio seguiu a linha

de muitos ‘fatos’ forjados pela máquina de propaganda do partido bolchevique da União

Soviética, tal como os alegados massacres de São Petersburgo de 1917. Picasso como membro

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16

do partido comunista talvez tenha aceitado a divulgação de sua obra como referencia ao

fictício bombardeio para servir como peça de propaganda contra os rebeldes franquistas que

odiava.

Caso interessante e jamais exposto foi a perseguição anticatólica durante a Guerra Civil, que

apenas continuou um padrão já existente: nos só quatro meses que precederam a guerra civil

já 159 igrejas teriam sido incendiadas. Durante a Guerra, pela repressão republicana (governo

esquerdista), segundo o historiador Hugh Thomas, foram mortos 6861 religiosos católicos (12

bispos, 4.184 padres, 302 freiras, 2.363 monges). Foram destruídas por volta de 20.000 igrejas,

com perdas culturais incalculáveis pela destruição concomitante de retábulos, imagens e

arquivos. Uma selvageria muito superior a fictícia Guernica, e que jamais foi mencionada por

qualquer artista, muito menos Picasso.

Dali por seu turno passou a reavivar seu catolicismo latente, manifestou através de suas telas e

seus sonhos uma apreensão com a crise social que estava deformando o pais, transformando a

disputa politica numa luta de ódio crescente.

A tela ‘Espanha’ – 1938 (imagem a direita), foi pintada como a visão

da guerra por Dali. Nela o artista representa vários personagens,

visíveis sob perspectivas distintas. Trata-se de um simulacro de corpo

de mulher, aparentando uma grande quantidade de braços e pernas

esmagando-se mutuamente. Observa-se um grupo de soldados

combatendo e que formam a face da mulher. Pode ser interpretado

como o esfacelamento da nação espanhola, representado pela

mulher, cuja face esta sendo mutilada pela guerra, e que

permanecerá marcada, seja qual for o vitorioso.

Em 1939 Salvador Dalí foi expulso do movimento surrealista

por André Breton, por razões não esclarecidas. Entretanto o

fato coincidiu com a vitória dos rebeldes franquistas contra o

governo esquerdista na Espanha. E como a maioria dos

membros do movimento surrealista, tal como os modernistas

em modo geral, possuem inclinações esquerdistas, e tendo

Dalí declarado abertamente ser um defensor da restauração

da monarquia, acabou por ser associado ao fascismo.

Questão que o perseguiu por toda a vida, reforçado pelos fatos de que em 1940, quando se

mudou para os Estados Unidos, retomou a prática do catolicismo, que marcou profundamente

suas obras subsequentes, e em 1947 quando se mudou definitivamente para a Espanha, para

sua amada Catalunha, ainda sob governo de Franco, fatos não aceitos por colegas ateus e

marxistas.

Curiosamente quem bancou a viagem de Dali para os Estados Unidos foi Pablo Picasso.

Algumas semanas antes da entrada dos alemães em Paris, Picasso auxiliou Dali a se mudar

para a América, entretanto, ele próprio permaneceu na Paris ocupada.

4 Espanha – 1938 – Salvador Dalí.

5 A última ceia – 1955. Salvador Dalí.

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17

Dalí e a denuncia do desvirtuamento da Arte Moderna.

Em 1940, a despeito de sua exclusão do movimento surrealista, Dalí sugeriu a André Breton

uma nova abordagem para o surrealismo, aproximando-a de uma espécie de movimento

místico. Dalí acreditava que o homem poderia superar sua maldade inata através do estimulo

de seu aspecto angelical também inata a natureza humana. E o caminho para isso era através

da beleza do classicismo. Seu trabalho no pós guerra enfoca esse surrealismo visionário, onde

encontra o arquétipo da unidade, marcada pela simbologia universal. Onde a criação se opõe a

destruição. Ele chamou isso de Método místico critico paranoico. Conceito como memória cuja

decifração ainda esta longe de ocorrer, produziu ideias interessantes, como a memória

biológica que persiste geração após geração, e pode aflorar através de estímulos certos. Dessa

concepção deriva a ideia de que o nível subconsciente tende a operar através de um

automatismo psíquico puro. (Além do Homo Sapiens, Mariu). As ideias de Mariu levaram Dali a

buscar ir além de entender a psique, passou a aspirar a explorar a consciência individual onde

as interpretações falsas da realidade rompem o arquétipo, tornando-se uma sombra, no

vocabulário Junguiano. Dessa forma Dali força o reconhecimento de sombras do subconsciente

em suas pinturas. A imagem de um guerreiro heroico, bastante presente nas representações

do classicismo é um arquétipo sombra da necessidade universal de agir através de julgamentos

morais, enfrentando as contrariedades que nossos sentidos captam como ameaças.

Habitualmente a imagem simbólica universal para esse tipo de luta é o culto da guerra e da

destruição.

Dali prega que o artista deve, como um ser paranoico, permitir que as imagens de seu

subconsciente venham a tona. O trabalho dessa nova geração de surrealistas busca mostrar

que as imagens do subconsciente são símbolos. Isso implica que cada artista representa um

arquétipo simbólico diferente, embora se possa despir a representação individual e

reconhecer a universalidade presente.

Dali entende que a rejeição pregada pelos modernistas não

seria capaz de transformar a compreensão do subconsciente,

já que eles tendiam a depreciar o papel do intelecto na

compreensão da verdade. O modernismo seria uma farsa

para Dalí. E essa farsa era uma espécie de acordo entre uma

elite da qual gerava o que ele chamava de ‘criticos

ditirambicos’ que consiste em segmentos que promoviam a

arte moderna, através da mídia, galerias e escolas de arte,

moda, etc. A expressão apela para a ironia porque esses

segmentos agiam como críticos de arte, definindo o bom e o

mau gosto, sobretudo buscando renovar a própria arte,

porém, obviamente esses críticos tinham interesses

concretos e agiam como um coro dionísico, que no teatro

grego exaltavam em grande estardalhaço a figura de seu

deus, que no caso consiste na Arte Moderna.

Dali ressalta que a farsa da arte moderna consiste em 4 aspectos em que ele enganou os seus

próprios defensores, esses aspectos são:

Sonho causado pelo vôo de uma

abelha em volta de uma romã um

segundo antes de despertar.

Salvador Dali.

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18

1 - a enganação da feiura - segundo Dalí a introdução da feiura na arte moderna começou com

Rimbaud1 que afirmou “A beleza sentou-se em meus joelhos e estou fatigado dela”. Foi o

estopim para que os negativistas e aqueles que odiavam o classicismo, os quais Dali chamava

de ‘ratos de esgoto’, encontrassem na feiura um atrativo, uma ‘beleza não-convencional’. Mas

não se limitava a estética, a feiura também se afirmava através de uma espécie de

imoralidade, tais como os apelos aos pecados e a atitudes consideradas como desprezíveis,

tais como a obscenidade, a tortura, a imundice, etc.

2 – a enganação pelo moderno – a própria ideia de moderno é falsa. A farsa ideia de atual,

contemporâneo que foi embutido no conceito é contraditório. “De fato, nada envelheceu mais

depressa e pior do que aquilo tudo que num momento eles qualificaram de ‘moderno’”.

3 - a enganação pela técnica – para Dalí o estilo moderno passou a trair a sua finalidade

original, passando de um ‘decorativismo psíquico’ para um ‘decorativismo antidecorativo’.

Enquanto o modern style prosperou com a Bauhaus, associando o estilo decorativo a uma

funcionalidade, ele rapidamente decaiu gerando uma forma nada funcional, como urbanismo

e arquitetura de Le Corbusier, que Dalí acertadamente definiu como “inventor da arquitetura

da autopunição” por suas habitações desconfortáveis, além de severamente dispendiosas. E

em cuja estrutura, notavelmente não é capaz de se sustentar corretamente, devido a busca

pelo assimetrismo e linhas curvas. Causa obvia da pouca durabilidade e falhas estruturais de

construções modern style, que o diga as obras de Niemayer.

Na escultura o moderno significa nada mais do que histeria erótica, o bizarro com total falta de

significados. A modernidade, na arquitetura e escultura tiveram o ultimo gênio com Gaudí e

após ele ninguém produziu nada além de grotesca, bizarra e sádica arquitetura. Com Gaudí

houve a excelência, após Gaudí só surgem excrescência.

“Gaudí construiu uma casa segundo as formas do mar, ‘representando as ondas num dia de

tempestade’. (...) Trata-se de construções reais, verdadeira escultura dos reflexos das nuvens

crepusculares na agua, possibilitada pelo recurso a um imenso e insensato mosaico

multicolorido e rutilante. (...) Trata-se aqui, portanto, de fazer uma construção habitável, com

os reflexos das nuvens crepusculares nas águas de um lago, a obra devendo comportar, além

disso, o máximo de rigor naturalista. Proclamo que isso é um progresso gigantesco”. (Libelo

contra a arte moderna, p. 59-60)

1 Arthur Rimbaud, 1854-1891, poeta francês. Conhecido por uma fama de libertino e uma alma

inquieta. Sua obra principal é ‘Uma temporada no inferno’.

Nu couché. Picasso. La Mujer desnuda. Goya.

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19

Dalí identifica na excessiva sexualização a ruína da arte moderna. O sensualismo sutil de Gaudí

e a sensualidade burguesa de Ingress deu lugar ao erótico obsceno de Matisse e a erotização

repulsiva em Picasso. “O desejo erótico é a ruina da estética intelectualista”, assim fulmina

Dalí, ao identificar que os exageros do abstracionismo moderno converteu o pictórico, que já

existia em Rafael, Giuseppe Arcimboldo, Goya e tantos outros, para um “automatismo

ornamental” e “uma arte pseudodecorativa” que condicionou o mau em bom gosto através do

academismo abstrato do modern style.

“Nossos modernos, cujos cabelos se eriçam de horror à ideia de uma matéria que não fosse

asséptica e pré-fabricada, não tiveram que esperar o fim de sua vida para ver a apoteose do

folclore mais ingênuo, a ressurreição de todos os plágios, de todos os

arqueilogismos de todos os tempos, com a única condição de que

sejam enlameados e malfeitos. Cada quadro, cada cerâmica, ca

tapete moderno que se respeita deve parecer sair de uma escavação

e simular os acidentes da pátina e da decrepitude truculenta. (...)

Partidários do ultranovo, esnobados pelos novos-ricos do

pseudovelho-velho, os críticos ditirâmbicos foram ludibriados pela

técnica; com o Impressionismo, a decadência da arte pictórica

tornou-se ... impressionante.” (Libelo contra a arte moderna, p. 65-

69). Dalí expõe de forma crua a inabilidade dos artistas modernos,

afirmando que eles só produzem o bizarro e o abstrato por serem

incapazes tecnicamente de reproduzir o belo e a semelhança. Os

adeptos modernos de Cézane apenas reproduzem a inabilidade do mestre, e sobretudo sua

intolerância com tudo o que for perfeito, simétrico, belo e harmônico. Não restando a eles

senão impor ditatorialmente suas deficiências, imperícias e inabilidades catastróficas, como

mero ‘estilo’. Dalí afirma fulminantemente que “diante dessa derrocada total dos meios de

expressão, acreditou-se ter dado um passo adiante rumo á liberação da técnica pictórica. Cada

fracasso foi batizado de economia, intensidade, plasticidade – e, quando pronunciam esta

horrível palavra ‘plasticidade’, é que os vermes estão aí!”. (Idem, p. 71).

4 – a enganação pelo abstrato – O cubismo inaugurou o conceito de arte abstrata, o que Dali

identifica como uma conscientização da descontinuidade da matéria. Sendo louvável, por um

lado a busca da compreensão e representação das reais formas arranjadas em aparente

anarquia no nível subatômico. Entretanto as obras de inspiração abstrata não tem sentido

algum, ou mensagem alguma. São apenas produtos de consumo e nada mais. E os próprios

críticos assim o desejam, Dali informa que Picasso lhe dissera que seus compradores jamais lhe

perguntaram o que seus quadros representavam. “Todos os valores concretos da pintura

moderna serão sempre traduzíveis, no plano material, nesta coisa que eu pessoalmente

sempre amei: o dinheiro! Em troca, que se tranquilizem os críticos puros que sempre

desprezaram o dinheiro e tiveram medo de sujar-se tocando-o: os valores abstratos que eles

defendem na pintura moderna se converterão inelutavelmente em dinheiro inteiramente

limpo, totalmente inofensivo e imaterial. Será o dinheiro puramente abstrato.” (Idem, p. 85.)

6 A Mulher com chapéu peixe - Pablo Picasso.

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20

Considerações finais.

A beleza não reside na técnica ou na perfeição da representação, mas

no sentimento. Assim o neoclássico é uma farsa por copiar a técnica e

uma falsa beleza idealizada. Já o moderno é a farsa da farsa ao negar

contrariar a alegada beleza e técnica neoclássica.

Assim o moderno por ser a antítese de uma farsa, torna-se pior que a

farsa, a deturpação da arte, suprimindo o sentido do artístico.

A perfeição da reprodução não é arte, os que alegam que a fotografia

enterrou a arte clássica e por isso buscam ‘novas’’ técnicas de

representação, simplesmente desconhecem o sentido artístico do

classicismo, como bem ressalta Dalí.

O grotesco e o feio não são novas formas de representação do artístico, se opondo ao clássico.

O sentimento, percepção, moral, ideias e a própria ‘beleza harmônica’ faz parte de uma “ideia

geral”. Sua negação é realizada pela aparência, ignorando a essência do classicismo. Dalí

enfatiza a necessidade de preservação do ideal na reprodução artística, sem ele não resta nada

além de fraude e mediocridade. O ideal artístico possui para Dalí alguns significados: o apuro

técnico, ou seja o domínio dos conceitos e técnicas artísticas, e a capacidade de reproduzir

com perfeição, se assim o desejar; a criatividade associada a genialidade, que implica na

capacidade do artista de produzir uma inovação em suas produções; e harmonia estética

traduzida pela apuro do artista em respeitar os ditames da razão na sua criação; e sobretudo

possuir a capacidade de transmitir o sublime através de sua criação, mensagens reproduzidas

em formas, contornos, tintas, pedra.

A arte como vimos não é imune a ideologia, muito pelo contrario é totalmente dependente

dela. A arte como contemplação é uma arte ideologicamente burguesa, arte moderna,

‘asséptica pré-fabricada’, para ser produzida em escala e consumida, não significa nada, não

quer significar nada. A arte clássica, por assim dizer, é a arte com a finalidade de

representação, seja ele de um poder politico, religioso, ou simplesmente um pensamento, que

para Dali significa conceber uma cosmogonia apolínea, e especialmente para ele implicava a

utilização de seu método de produção artística - atividade irracional sistemática paranoica.

Este método resumia uma atividade paranoica espontânea e irracional, baseado na associação

interpretativa e crítica dos fenômenos delirantes – dionisíacos. O trabalho de Dalí foi uma

conjunção do instigante, a mística clássica, dos valores culturais e a influencia das descobertas

cientificas traduzidas numa nova perspectiva artística.

7 Toureiro alucinógeno - 1967-70

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21

A Questão da desproporcionalidade no sistema representativo-

eleitoral e seus efeitos na legitimidade política no Brasil.

O sistema de representação proporcional no

Brasil apresenta um grave desequilíbrio. A maioria dos

distritos eleitorais possui uma forte distorção entre seus

respectivos eleitorados e vagas parlamentares.

Como o Brasil é um Estado Federal, cada

unidade federada converte-se em distrito eleitoral, cada

qual se fazendo representar por um número fixo de três

senadores e um número de deputados relativos à sua população.

Naturalmente deve haver uma desigualdade de representação parlamentar

(deputados) entre os estados, devido a diferença de população. Dado que uns estados

são mais populosos e outros o são menos. No entanto essa regra não é seguida, porque

as leis eleitorais brasileiras alteram essa composição equilibrada, fazendo ressalvas ao

estabelecer números mínimos e máximos de representantes por estado. Essa medida

corrompe o caráter de representação para vários estados. De modo que o maior distrito

eleitoral – São Paulo, tem apenas 60% dos representantes cabíveis, enquanto o menor

distrito - Roraima, tem 975% de representação a que teria direito.

Outra peculiaridade da legislação eleitoral brasileira é tomar como base a

população para avaliar a magnitude do distrito, isso provoca três problemas:

1- o primeiro é que o uso da população e não dos eleitores gera uma distorção

muito grave, porque o cadastro do eleitorado é automático, baseando-se nos

dados dos tribunais eleitorais, enquanto que a população é fundada numa

analise parcial, onde até recém nascidos entram na contabilização, ao passo

que falecidos muitas vezes não o são, além do fato de que migrantes

continuam nos dados demográficos, e consequentemente eleitorais, mesmo

não residindo em seu estado de origem a décadas. Existe eleitorados

„fantasmas‟ em virtude deste critério absurdo adotado no Brasil;

2- o segundo fator é que a contagem da população é feita a cada dez anos, e só

isso já deixaria um lapso, em que variações da população não seriam

consideradas para as eleições dentro desse período. Mas a dificuldade, talvez

intencional, dos cartórios em comunicarem o falecimento de habitantes,

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inclusive de recém-nascidos, que foram contabilizados eleitoralmente, e assim

o é por décadas, inflando artificialmente o eleitorado de certos estados;

3- o terceiro e mais evidente problema é a não revisão da magnitude eleitoral para

os distritos; essa não equivalência do percentual de população e o percentual

do eleitorado dos distritos, resulta em uma defasagem eleitoral gravíssima,

pois há duas medidas diferentes: 1- a magnitude distrital baseada na

população; 2 – o quociente eleitoral nos votos dos eleitores. Nessa situação,

dois distritos com idêntica população, terá igual número de cadeiras

parlamentares, mas um deles com maior número de eleitores do que o outro

resultará em quocientes eleitorais diferentes, dado o tamanho de eleitorados

diferentes para uma mesma magnitude. Isso resultará em pesos distintos para

os votos desses eleitores.

Essa situação causa um impacto nos partidos. Uma situação hipotética exemplifica

bem isso: no distrito „oeste‟ o partido A tem 40% dos votos, considerando que os

distritos têm a mesma magnitude, e o distrito „norte‟ apesar de ter a mesma população

tem um eleitorado maior. Isso significa que o partido A terá maior número de votos que

o partido B, no entanto devido a esse sistema, eles terão o mesmo número de

parlamentares, contrariando assim a justa representação do eleitorado.

Na Tabela 1, reuni alguns distritos pelo tamanho do eleitorado para visualizar bem

esse problema da magnitude distrital, resultando na desproporção da representação. O

distrito de São Paulo, o mais subrepresentado, apresenta uma redução de 39% de suas

cadeiras (significando 44 deputados a menos) diante de uma representação proporcional

perante o eleitorado, e para comparar com ele eu reuni vários distritos sobre-

representados até equivalerem em número de eleitores, esse é o „bloco sobre‟, reunindo

16 distritos eleitorais, onde o seu conjunto apresenta um acréscimo de 34% de cadeiras

(significando 39 deputados a mais) nas mesmas circunstancias. Em comparação direta

há uma distorção gravíssima entre os votos dos eleitores paulistas e os eleitores do

bloco sobrerepresentado. Apesar dos paulistas serem em maior número, possuem 83

deputados a menos, 219% de diferença. Ou seja, o voto no norte do Brasil vale 219% a

mais do que o voto do paulista. Sendo o conceito de um cidadão um voto um dos pilares

da democracia, como se pode explicar esta distorção brutal?

Se apenas considerando esses dois blocos podemos perceber que há uma

discrepância severa entre os votos majoritários e representativos. Se um partido tivesse

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23

60% dos votos em ambos os pleitos, e por causa da desproporcionalidade existente na

representação no Brasil, o partido „vencedor‟ certamente não teria maioria no

congresso, ou seja, mesmo vencendo as eleições não ganharia a maioria parlamentar.

Porque as „cartas marcadas‟ da lei eleitoral brasileira impede a competição justa.

Tabela 1. Dados TSE de 2010.

eleitorado % Representantes

( A )

% Representação

proporcional (

B )

Diferença

A - B

Bloco

“Sobre”

30.187.108 153 114 + 39

São

Paulo

30.290.443 70 114 - 44

Total no

Brasil

135.804.084 100% 513 100% 513 n/a

Bloco “sobre-representado” – Estados da Região Norte e Centro-Oeste, Maranhão, Sergipe, Alagoas e Paraíba.

A = número de deputados federais efetivos.

B = número de deputados federais teórico, de acordo com uma proporcionalidade estrica em relação ao eleitorado.

* mantendo o número total de 513 deputados.

Efeitos sobre os partidos.

Essa alteração da magnitude de certos distritos, sobrerepresentando-os ou

subrepresentando-os, afeta o quociente eleitoral, causa um desequilíbrio entre os

partidos políticos. Como os partidos estão distribuídos de forma desigual pelas regiões

brasileiras, e no caso tratado, com o PMDB, PP e DEM com grande influencia sobre o

bloco sobre-representado (Distritos eleitorais nas regiões norte, nordeste e centro oeste).

Enquanto que o PSDB e o PT com grande influencia sobre o distrito subrepresentado,

são severamente prejudicados. Notamos também que o PV, é notavelmente prejudicado

em ambos as regiões devido às regras eleitorais, tendo uma bancada bem inferior ao seu

conjunto de votos e preferencia do eleitorado. Já o PP, possui um relativo equilíbrio

entre perdas e ganhos, mas perde inegavelmente em qualidade de seus representantes.

Essa corrosão da representação proporcional cria uma defasagem entre as

correntes de opinião presentes de forma diversa pelos distritos, e sua representação no

parlamento. Isso porque sendo as regiões desigualmente representadas, isso reflete nos

captadores de opinião e vontade pública que, deveriam ser os partidos políticos.

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24

Dessa forma o bloco sobrerepresentado, que corresponde as regiões

subdesenvolvidas, refletem estruturas políticas tradicionais, fortemente influenciadas

por lideranças locais de caráter oligárquico, e a influencia destes partidos são ampliadas

no cenário nacional pelo concurso da desproporcionalidade, fazendo-os terem 45% mais

representantes do que o correto.

Do outro lado o distrito subrepresentado faz parte da região mais desenvolvida do

pais onde as forças políticas operam por bases sociais bastante diferenciadas, e

proporciona uma pluralidade de correntes de opiniões em geral de caráter progressista.

Tem pelo mesmo sistema, sua influencia sobre o cenário político nacional reduzido com

a subrepresentação de sua base geográfica. Desta forma surge um

superdimencionamento dos partidos grandes nos distritos menos populosos, rurais e

subdesenvolvidos, refletindo uma postura mais atrasada no parlamento. E surge um

subdimencionamento dos partidos grandes nos distritos mais populosos, urbanos e

desenvolvidos, que reflete uma postura menos progressista no parlamento. Logo, a

formação do Congresso Nacional não corresponde integralmente ás vontades e

disposições do eleitorado, constituindo um enfraquecimento da legitimidade do corpo

legislativo. Embora não chegue a comprometer a governabilidade, cobra um pesado

tributo para a funcionalidade do sistema, como a dificuldade de implementação de

reformas sociais, desejadas pela maioria do eleitorado.

Assim a desproporção de numero de votos e cadeiras entre estados repercute sobre

a força relativa dos partidos, dada a desigual distribuição deste no espaço geográfico,

favorecendo uns, prejudicando outros.

A Tabela 2 exemplifica a distorção secundaria da representação pela diferença

existente entre população e eleitorado. Quando a lei eleitoral brasileira estabelece que a

população e não o eleitorado são bases para magnitude eleitoral, ao contrario da maioria

dos países, gera um desnível claro na representação dos cidadãos como vemos a seguir:

Tabela 2 – Relação População x Eleitorado

Habitantes Eleitores Deputados Senadores

Bloco “São

Paulo”

40 milhões 33 milhões 70 3

Bloco “Sobre

representado”

60 milhões 33 milhões 153 42

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O resultado é mais uma aberração brasileira. Isso porque é senso comum usar o

eleitor como referencia para a criação de distritos eleitorais e definir a quantidade de

vagas parlamentares. Afinal eleitor é o cidadão por excelência. Porém a legislação

brasileira usa referencias diferentes para avaliar o mesmo objeto. Usa-se população para

definir a magnitude eleitoral (vagas parlamentares) e eleitores para definir o quociente

eleitoral (a quantidade de votos para cada vaga parlamentar).

Se o quociente eleitoral é avaliado pelo numero de eleitores, para efeito de

distribuição de vagas aos partidos, a diferença do numero total de vagas é definido

absurdamente pelo numero de habitantes, provocando distorções tanto na distribuição

de cadeiras legislativas aos partidos, como provoca distorção na representação dos

cidadãos de cada estado.

O ideal clássico de „um cidadão, um voto‟, é claramente violado pela legislação

brasileira, e torna-se uma afronta aos cidadãos prejudicados e uma ofensa ao princípio

da isonomia politica.

Na tabela 2 vemos claramente que os cidadãos do bloco sobrerepresentado são

privilegiados com um maior numero de cadeiras legislativas, enquanto o bloco

subreprentado (o Estado de São Paulo) tem seus cidadãos lamentavelmente

prejudicados com uma menor distribuição de cadeiras. Apesar de votarem na mesma

eleição, as leis eleitorais brasileiras impõe pesos diferentes para o voto de seus cidadãos.

Entre a cidadania e o curral eleitoral.

A desculpa de que o número mínimo de oito deputados deve garantir

representação para o estado, para seu eleitorado. Mas isso não é correto. Dentro desses

estados uma força política obtém muito mais representação do que seus votos o

permitiriam, enquanto outra força política com menos votos ficaria excluída da

representação. Digamos dois partidos com 10% do eleitorado cada, ficam com 0% de

cadeiras, apesar de que a opinião que eles canalizam devesse corresponder a 20% dos

deputados do distrito, ou 1 ou 2 deputados num distrito com 8 cadeiras. Ou seja, o

estabelecimento de mínimos de representantes, não beneficia as pequenas populações

do Norte, centro-oeste e nordeste frente a federação, porque parte considerável de seu

eleitorado, o mais progressista, não obtém a justa representação, devido ao alto custo de

obtenção de cadeiras (12,5% do total de votos para 10 deles). Já que são forças políticas

em ascensão nesses estados eles tem seu crescimento obstruído. Logo a

sobrerepresentação favorece não o pequeno eleitorado das regiões subdesenvolvidas,

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26

mas os grandes partidos tradicionais, ou melhor, as lideranças políticas locais, que

mantendo pequena maioria do eleitorado garantem sua eleição, e devido ao sistema

eleitoral conseguem transferir para si parte das cadeiras residuais, devido à exclusão dos

partidos pequenos que não atingiram o quociente eleitoral.

Por outro lado o estabelecimento de um número máximo de representantes para os

distritos, que reduz brutalmente a representatividade da opinião pública estabelecida em

São Paulo, faz com que o equivalente a 38% do eleitorado do distrito (8,86 milhões de

eleitores) sejam privados de participar dos destinos da federação. Dessa forma, em são

Paulo, estado líder da região mais desenvolvida do país, onde os partidos progressistas

estão fortemente estabelecidos, têm suas forças limitadas, já que o estabelecimento de

limite de representação elevou drasticamente o quociente eleitoral, reduzindo, desta

forma, o potencial político desses partidos no tocante à composição do Congresso

Nacional. Ou seja, reduz-se a influencia dos partidos progressistas na condução da

política nacional. Outra consequência da alocação defasada do quociente eleitoral é que

isso constitui, tal como no caso anterior, num obstáculo ao surgimento e ascensão de

novas forças políticas, neste caso de uma representação mais próximo das disposições e

opiniões do eleitorado.

Tabela 3 – Distrito eleitoral sub-representado – São Paulo

Numero de

deputados

(A)

Parlamentares em

relação à câmara

federal

Votação em

relação ao total de

votos nacionais

Representação

proporcional (

B )

Defasagem (A

- B)

PT 15 2,92 4,17 24,2 - 9,2

PSDB 13 2,53 4,10 21 - 8

PSB 7 1,37 2,07 10,7 - 3,7

PDT 3 0,58 0,87 4,6 - 1,6

PR 4 0,78 1,9 9,74 - 5,5

PMDB 1 0,19 0,45 2,33 - 1,3

PP 4 0,78 1,39 7,1 - 3,1

PV 5 0,97 1,7 8,7 - 3,7

PPS 3 0,59 0,71 3,7 - 0,7

DEM 6 1,7 1,49 7,64 - 1,64

A – número de parlamentares eleitos sob a regra da desproporção eleitoral brasileira.

B – número de parlamenteares em distritos eleitorais sob uma justa representação proporcional.de acordo com os votos

válidos em cada distrito.

Obs. Dados obtidos da eleição 2010/TSE.

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Tabela 4 – Distrito eleitoral sobre-representado*

Numero de

deputados (A)

Parlamentares em

relação à câmara

federal

Votação em

relação ao total de

votos nacionais

Representação

proporcional ( B )

Defasagem (A - B)

PT 19 3,71 3,07 17,7 + 1,3

PSDB 18 3,51 2,51 12,9 + 5,1

PSB 7 1,37 0,88 4,5 + 2,5

PDT 7 1,37 1,20 6,2 + 0,8

PR 13 2,54 1,62 8,3 + 4,7

PMDB 34 6,63 4,42 22,7 + 11,3

PP 13 2,54 1,49 7,6 + 5,4

PV 2 0,39 0,42 2,1 - 0,1

PPS 3 0,59 0,4 2,1 + 0,9

DEM 14 2,73 1,49 7,7 + 6,3

A – número de parlamentares eleitos sob a regra da desproporção eleitoral brasileira.

B – número de parlamenteares em distritos eleitorais sob uma justa representação proporcional.

* – Estados da Região Norte e Centro-Oeste, Maranhão, Sergipe, Alagoa e Paraíba.

Obs. Dados obtidos da eleição 2010/TSE.

Tabela 5 – Desproporcionalidade na composição dos partidos no Congresso.

Número de cadeiras

„perdidas‟ com a sub-

representação em São

Paulo

A

Número de cadeiras

„ganhas‟ com a sobre-

representação no “bloco

sobre”

B

( A – B )

Alteração na composição

dos partidos *¹.

Em %

PT - 9,2 + 1,3 - 7,9 - 23,23

PSDB - 8 + 5,1 - 2,9 - 9,35

PSB - 3,7 + 2,5 - 1,2 - 8,57

PDT - 1,6 + 0,8 - 0,8 - 8

PR - 5,5 + 4,7 - 0,8 - 4,7

PMDB - 1,3 + 11,3 + 10 + 28,6

PP - 3,1 + 5,4 + 2,3 + 13,5

PV - 3,7 - 0,1 - 3,8 - 54,3

PPS - 0,7 + 0,9 + 0,2 + 3,33

DEM - 1,6 + 6,3 + 4,7 + 23,5

*¹ - Efeito distorsivo provocado nos distritos sobre e sub representados em relação a cada partido.

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A tabela 4 com o „bloco sobre representado‟ mostra como os grandes partidos

fisiológicos são beneficiados, no caso o PMDB, PP. PR e DEM „ganhando‟ 28

deputados, mas também o PSDB e o PT „ganhando‟ 6 deputados, isso resulta da

influencia obtida com o controle da Presidência da Republica, onde tradicionalmente

parte dos votos do candidato favorito na eleição é canalizado para o pleito legislativo

afim de beneficiar seu próprio partido, com isso o PSDB e PT obtiveram visibilidade

em regiões „controladas‟ pelo PMDB, PP, PR e DEM, conseguindo dessa forma eleger

o primeiro representante e concorrer com sobras, já que em 10 desses distritos o

quociente eleitoral de 12,5%, tendia a excluir as legendas progressistas.

Na tabela 3 vê-se claramente o prejuízo da bancada de todos os partidos,

principalmente do PT e PSDB. A tabela 5 mostra o resultado dessa desproporção dos

dois blocos, na composição do parlamento para nítido benefício do PMDB, PP e DEM.

Como a composição da Presidência e do Congresso fica distorcida, uma coligação

progressista com a maioria dos votos, grande parte obtida no centro sul, teria minoria na

câmara, e com isso o projeto desejado pela maioria do eleitorado seria obstruído por

uma maioria „forjada‟ (bolchevique) de parlamentares que vetariam propostas

modernizantes, e condicionariam seu apoio a outras medidas e à verbas para projetos

particulares em seus nichos eleitorais ou a alocação de cargos na administração, isso

tornará a estabilidade governamental extremamente cara em termos políticos e sob o

aspecto de seu projeto de modernização em parte ineficaz.

O exemplo disto esta na observação das tabelas 3 e 4, onde se verifica que em

conjunto o PSDB, PT e PV, teriam 15,97 dos votos, e 14,03% das cadeiras, enquanto o

PMDB, PP, PR e DEM teriam juntos 14,79% dos votos e 17,89% das cadeiras. Isso

significa que uma aliança progressista apesar de ter a possibilidade de vencer o pleito

presidencial unido, não teria o mesmo resultado no legislativo, se obrigando a

estabelecer concessões para as agremiações ditas atrasadas, pondo em risco o próprio

projeto junto aos eleitores.

O PT em 2002, 2006 e 2010 seguiu o mesmo caminho usado pelo PSDB em 1994

e 1998 para consolidar-se como grande partido em número de parlamentares e não

apenas em número de votos. Ou seja, canalizou as intenções de voto no candidato à

presidência para o partido no campo legislativo, e dessa forma obteve um crescimento

significativo da legenda nas regiões sobrerepresentadas, onde tendia a ficar excluída

devido ao quociente eleitoral. Mas o crescimento petista obteve outro resultado: reduziu

ligeiramente a presença do PMDB, PP, PR e DEM nessas regiões, tal como o PSDB o

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havia feito nos 2 pleitos anteriores. Somando a um pequeno crescimento compensatório

do PMDB, DEM, PP e PR na região centro-sul, a desproporcionalidade entre os grandes

partidos, causado pela desproporcionalidade entre os distritos, foi atenuada, mas não

eliminada, como fica claro na tabela 5.

Consequências politicas da desproporcionalidade da representação.

Se essa tendência persistir pode haver três consequências distintas:

A) mascarar de vez a „dimensão federativa da alocação desproporcional‟, com

todos os grandes partidos se acomodando com essa situação, compensando no nos

distritos sobre-representados o que perdem no distrito sub-representado;

B) o partido vencedor nas eleições majoritárias apesar de ter mais votos ele elege

muito menos congressistas do que seria justo, buscará compensar a

desproporcionalidade eleitoral, ou seja, se acomodará com a situação e se aliará a

partidos fisiológicos que possuem mais parlamentares do que votos;

C) os partidos „progressistas‟ promovem uma aliança com as bancadas

subrepresentadas dos partidos „tradicionais‟, que nessa nova situação não teriam tantos

motivos para apoiar a manutenção da desproporcionalidade, podendo hipoteticamente

aprovar uma medida para corrigir essa distorção de representação.

Na hipotética situação „A‟ a imposição de leis para limitar a criação de partidos,

elevar cociente eleitoral, dificultar o funcionamento e existência de partido pequenos,

irá aumenta a distorção da representatividade dos cidadãos, embora a percepção deste

problema gravíssimo seja mascarada pelo arcabouço legal. Tal situação facilitará a

imposição de governos autoritários e a instalação de um regime de exceção, tendo em

vista que as minorias não-representadas e parcelas significativas da população

prejudicadas com a sub-representação, não terão representantes suficientes para vetar

leis, projetos ou ações governamentais contrários aos seus valores e interesses.

A situação „B‟ reforçará o esquema de corrupção sistemático implementado pela

coalizão esquerdista capitaneada pelo PT, no processo judicial conhecido como

“Mensalão”. Porém se essa prática de corrupção se tornará tão corriqueiro que será

aceito institucionalmente, fazendo parte da cultura politica brasileira. E diante de tal

quadro, não será possível haver medidas legais para coibir tão repulsivas práticas.

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A situação „C‟ vislumbra uma alteração da legislação eleitoral para um sistema

verdadeiramente representativo, estabelecendo um cociente nacional, com o mesmo

peso do voto para cada cidadão. Isso implicaria a alteração das bancadas para um

numero justo de deputados para cada estado. E talvez a criação de um senado

proporcional, como o existente na maioria dos países desenvolvidos. Alternativamente

poderia reunir alguns pequenos estados em macrorregiões, de modo a otimizar a gestão

administrativa e a organização politica, melhorando também a representatividade

parlamentar dentro deles.

Pela experiência observada na história de outras sociedades, a situação C é a única

opção satisfatória, enquanto as situações A e B, já em curso na prática politica

brasileira, se forem agravadas poderão resultar num acirramento do radicalismo politico,

devido a exclusão de enorme parcela da população do processo decisório.

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A Revista Paulista de Cultura e Política é uma publicação da

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Neste número participaram:

Roberto Tonin