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Os ultimos dias de kennedy

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Este livro é dedicado aos meusantepassados,

os Kennedy de Yonkers, Nova York.Pessoas esforçadas, generosas e honestas.

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UMA NOTA AOS LEITORES

22 DE NOVEMBRO DE 1963MINEOLA, NOVA YORKPOR VOLTA DAS 14h

Os alunos do primeiro ano ficaram atônitosna aula de religião ministrada pelo padreCarmine Diodati. Pelo alto-falante, um in-forme da rádio invadiu a classe no Chamin-ade High School. O presidente John F.Kennedy havia sido baleado em Dallas, noTexas, e levado para o hospital. Pouco tempodepois, todos seriam informados de suamorte. Ninguém soube o que dizer.

A maioria dos americanos que nasceuantes de 1953 sabe exatamente onde estavaquando ouviu a notícia do assassinato deJFK. Os dias seguintes àquela terrível sexta-feira foram de muita tristeza e confusão. Por

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que aquilo aconteceu? Quem realmentematou o presidente? Afinal, em que tipo depaís nós vivíamos?

O assassinato de JFK foi um tanto pess-oal para mim. Minha avó materna sechamava Winifred Kennedy, e minha famíliacatólica irlandesa tinha profundos laçosemocionais com o jovem presidente e suafamília. Foi como se alguém da minha pró-pria casa tivesse morrido de forma violenta.Como a maioria das crianças de Long Island,eu não me importava muito com as questõesda política nacional. Ainda assim, lembro-meclaramente das fotos de JFK exibidas nas ca-sas dos meus parentes. Para eles, JFK era umsanto. Para mim, ele era uma figura distanteque sofreu uma morte terrível, com seucérebro esparramado em cima do porta-malas de um carro. A cena de sua esposa,Jacqueline, debruçada sobre a traseira dalimusine tentando pegar os restos do crânio

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despedaçado do presidente ficou marcadapara sempre na minha memória.

* * *

Martin Dugard e eu ficamos muito satis-feitos com o grande sucesso de Killing Lin-coln. Nosso objetivo sempre foi tornar ahistória acessível para todos. Quisemos con-tar aos leitores exatamente o que aconteceu,de forma divertida e informativa, e por queaconteceu. Depois de narrar os últimos diasde Abraham Lincoln, chegar a John Kennedyfoi um passo natural.

Muito já foi dito sobre as grandes simil-aridades entre esses dois homens. Na ver-dade, os paralelos são incríveis:

• Lincoln foi eleito pela primeira vezpresidente em 1860, e Kennedy, em1960.• Os dois foram assassinados em sextas-feiras na presença de suas esposas.

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• Seus sucessores foram ambos sulistasde nome Johnson, e ambos atuavam noSenado.• Andrew Johnson nasceu em 1808, eLyndon Johnson, em 1908.• Lincoln foi eleito para o Congresso em1846, enquanto Kennedy foi eleito paraa Casa dos Representantes em 1946.• Os dois perderam filhos enquantocumpriam seus mandatos.• Booth matou Lincoln em um teatro edepois fugiu para um depósito, en-quanto Oswald baleou Kennedy de umdepósito onde se escondia e fugiu paraum teatro.

Em 1963, poucos americanos com-preenderam o quanto o assassinato de JFKmudaria o país. E, em nossos dias, esclarecereventos históricos que envolvem questõespolíticas é complicado. Por isso, neste livro,tentaremos deixar tudo isso de lado emostrar apenas os fatos. Nem todos os fatos,

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pois alguns, infelizmente, ainda não vieram àtona. Na nossa narrativa, Martin Dugard eeu chegamos até onde as provas concretasnos levaram. Não somos afeitos a teoriasconspiratórias, por mais que tivéssemoschegado sim a levantar questões não respon-didas e pontos inconsistentes.

No entanto, antes de seguir adiante,saiba que este livro baseou-se em fatos e queparte do que você irá ler aqui nunca antes vi-era a público.

A verdade sobre o presidente Kennedytem alguns momentos heroicos e outros per-turbadores. A verdade sobre como e por queele foi assassinado é simplesmente cruel.Mesmo assim, essa é uma história que todosos americanos deveriam conhecer.

Está tudo aqui neste livro. É um grandeprivilégio para mim oferecê-lo a você.

Bill O’ReillyMaio de 2012

Long Island, Nova York

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29/05/1917 – 22/11/196313/741

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PRÓLOGO

20 DE JANEIRO DE 1961WASHINGTON D.C.12h51

O homem com menos de três anos para viverestá com a mão esquerda sobre a bíblia.

O chefe de Justiça dos Estados Unidos,Earl Warren, está de pé à sua frente e recitaas palavras do juramento presidencial. “Osenhor, John Fitzgerald Kennedy, jurasolenemente...”

“Eu, John Fitzgerald Kennedy, juro sole-nemente”, responde o novo presidente comseu sotaque de Boston. Seus olhos estão fixosno jurista cujo nome depois seria conhecidocomo sinônimo da morte do próprioKennedy.

O novo presidente, nascido em berço deouro, tem um estilo refinado ao falar que

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poderia distanciá-lo do eleitorado. Mas ele éum homem que sabe transmitir entusiasmo epara quem ser simpático é muito fácil. Elechegou a brincar abertamente sobre a vastafortuna de seu pai durante a campanha,neutralizando essa polêmica com muito hu-mor e candura para que o cidadão americanocomum confiasse no seu discurso que pro-metia fazer dos Estados Unidos um país mel-hor. “Homens humildes da Virgínia Ocident-al ouviram um homem de Boston dizer queprecisava de sua ajuda, e o ajudaram. Nosconfins de Nebraska, com o típico gesto in-cisivo da mão direita, ele explicou que osEstados Unidos poderiam ser uma naçãoainda mais grandiosa, e os agricultores en-tenderam o que ele queria dizer”, comentouum escritor sobre a imensa simpatia deKennedy.

Nem isso tornava JFK uma unanimid-ade. Ele venceu Richard Nixon em votaçãopopular por uma margem minúscula, com

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apenas 49 % dos votos. Aqueles agricultorespodiam entender o que Kennedy queriadizer, mas 62 % dos cidadãos de Nebraskahaviam votado em Nixon.

“Que executará fielmente o cargo depresidente dos Estados Unidos.”

“Que executarei fielmente o cargo depresidente dos Estados Unidos...”

Oitenta milhões de americanos estão as-sistindo à cerimônia de posse pela tevê.Vinte mil outros estão acompanhando oevento ao vivo. Vinte centímetros de neve seacumularam como uma camada grossa eúmida ao cair sobre Washington D.C. dur-ante a noite. O exército precisou usar lança-chamas para liberar as ruas. O sol agorabrilha sobre o Capitólio, mas um vento bru-tal açoita a multidão. Os espectadorestentam se proteger com sacos de dormir,cobertores, suéteres grossos e casacos de in-verno – qualquer coisa serve para esquentar.

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Mas John Kennedy ignora o frio. Ele atétirou o sobretudo. Aos 43 anos, JFK emanauma aura de bravura e vigor. O fato de ele es-tar sem casaco, cartola, cachecol ou luvas éum gesto ensaiado, estratégia cuja intenção éenfatizar sua imagem atlética. Ele está emforma e tem pouco mais de um metro e oit-enta de altura, olhos verde-acinzentados,sorriso encantador e um forte bronzeadograças a viagem recente à casa de sua famíliaem Palm Beach. Apesar de parecer tão cheiode saúde, o histórico médico de JFK é pre-ocupante. Kennedy já havia recebidoextrema-unção da Igreja Católica Romanaem duas ocasiões. Seus problemas de saúdecontinuarão a atrapalhá-lo nos anosseguintes.

“E dará o melhor de si...”“E darei o melhor de mim...”Entre o mar de dignitários e amigos em

torno dele, há três pessoas de importânciavital. A primeira é seu irmão mais jovem,

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Bobby, escolhido com relutância para ocargo de procurador-geral. O presidente orespeita mais pela sua honestidade comoconselheiro do que por suas habilidadesjurídicas. Ele sabe que Bobby sempre lhedirá a verdade, por mais cruel que ela possaser.

Atrás do presidente está o novo vice-presidente, Lyndon Johnson. Pode-se dizer,e o próprio Johnson também acredita nisso,que Kennedy foi eleito graças a esse texanoalto e durão. Sem Johnson em cena,Kennedy poderia nunca ter vencido no es-tado da estrela solitária, sob risco de ficar,portanto, sem os preciosos 24 votos eleito-rais. Ainda assim, a chapa Kennedy-Johnsonvenceu apenas pela parca margem de 46 milvotos no Texas – uma proeza que precisariaser repetida, caso Kennedy quisesse serreeleito.

Por fim, o novo presidente olha para suajovem esposa logo atrás do ombro esquerdo

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de Earl Warren. Jackie Kennedy está radi-ante em seu casacão cinza e chapéu combin-ando. Cabelos castanho-escuros e uma golade pele emolduram seu belo rosto. Seus ol-hos cor de âmbar brilham de empolgação; eela não mostra nenhum sinal de cansaço,apesar de ter ficado acordada até as quatroda manhã. Não faltou bebida nacomemoração pré-posse, que contou comnomes como Frank Sinatra e Leonard Bern-stein. Jackie foi para casa em Georgetownmuito antes da festa acabar, mas sem seumarido. Quando finalmente voltou, poucoantes das quatro da manhã, John encontrousua esposa ainda de pé, ansiosa demais paradormir. Enquanto a neve continuava a cairsobre motoristas parados e fogueiras impro-visadas nas ruas de Washington, o jovemcasal se sentou junto naquele fim de mad-rugada para conversar. Ele contou sobre ojantar organizado pelo seu pai, e con-versaram empolgados sobre a cerimônia de

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posse. Seria um dia extraordinário, com apromessa de muitos outros ainda por vir.

John F. Kennedy sabe muito bem que opúblico adora Jackie. Na noite anterior,quando a limusine dos Kennedy passou pelamultidão nas ruas nevadas de Washington, opresidente eleito pediu que as luzes dentrodo carro fossem acesas para que as pessoaspudessem ver sua esposa. O glamour, o estiloe a beleza de Jackie cativaram os EstadosUnidos. Ela fala fluentemente francês e es-panhol, fuma em segredo cigarros com filtroum após o outro e prefere espumante acoquetéis. Como seu marido, Jackie tem umsorriso estonteante, mas faz um contrapontotímido ao jeito extrovertido de John. Ela nãoconfia muito em estranhos.

Apesar de sua imagem glamorosa, Jack-ie Kennedy já enfrentou grandes tragédiasem seus sete anos de casamento. Ela perdeuo primeiro bebê do casal em um aborto es-pontâneo, e, na segunda gravidez, deu à luz

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uma menina natimorta. Mas também viveu aalegria de dois partos saudáveis, dando à luzCaroline e John Jr., e a impressionante as-censão de seu belo e jovem marido: depolítico de Massachusetts a presidente dosEstados Unidos.

Sua tristeza ficou para trás. O futuroparece promissor e sem limites. A presidên-cia Kennedy destina-se a ser, como no bor-dão de um novo sucesso no Majestic Theaterda Broadway, muito semelhante à míticaCamelot, onde “simplesmente não há lugarmelhor para um final feliz”.

* * *

“Preservar, proteger e defender a Con-stituição dos Estados Unidos...”

“Preservar, proteger e defender a Con-stituição dos Estados Unidos...”

O antecessor de Kennedy, Dwight Eisen-hower, está ao lado de Jackie. Atrás de

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Kennedy, estão Lyndon Johnson, RichardNixon e Harry Truman.

Normalmente, a presença de apenas umdesses dignitários em qualquer evento exi-giria um aparato de segurança maior. Ter to-dos eles presentes na cerimônia de posse,sentados tão perto uns dos outros, é um ver-dadeiro pesadelo para os seguranças.

O Serviço Secreto está em alerta total.Seu trabalho é proteger o presidente. Aos 55anos, o agente e diretor chefe U.E. Baugh-man está no comando do Serviço Secretodesde o mandato de Truman. Ele acreditaque o estilo atlético de Kennedy e seu gostopor se embrenhar em multidões transform-ará a tarefa de protegê-lo num desafio in-édito na história. O esguio Baughman, comseu característico corte de cabelo curto,quase evacuou o palanque principal trêsvezes hoje, preocupado com a segurança dopresidente. Em uma delas, quando uma fu-maça azul começou a subir do púlpito

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durante a oração inicial, surgiu a preocu-pação com a possibilidade de uma bomba.Agentes correram para investigar. Logodescobriram que a fumaça vinha do motorque erguia e abaixava o púlpito. Para resolv-er o problema, bastou desligar o motor.Agora, os agentes de Baughman estão deolho na multidão, ansiosos com a proximid-ade do imenso público. Um fanático bem tre-inado com uma pistola poderia matar o novopresidente, dois ex-presidentes e um par device-presidentes com cinco tiros certeiros.

Baughman tem plena consciência deoutro fato preocupante. Desde 1840, todosestes presidentes eleitos morreram em plenomandato após um ciclo de vinte anos: Har-rison, Lincoln, Garfield, McKinley, Harding eRoosevelt. Nenhum presidente havia sido as-sassinado nos quase sessenta anos anteri-ores, graças à eficiência do Serviço Secreto.No mês anterior, agentes haviam impedidoum ataque contra Kennedy. Um frustrado

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ex-funcionário dos correios planejava matá-lo usando dinamite. Baughman enfrenta umperturbador dilema: essa sequência de mor-tes presidenciais será quebrada, ou Kennedyserá o próximo?

JFK debocha da possibilidade de morrerno mandato. Só para provar que não acreditaem superstições, o novo presidente escolheudormir no Quarto Lincoln durante suasprimeiras noites na Casa Branca – aparente-mente sem se incomodar com o fantasma deAbe Lincoln.

“Que Deus o ajude.”“...que Deus me ajude.”Terminado o juramento, Kennedy

aperta a mão do chefe de Justiça Warren, ade Johnson e a de Nixon. Por fim, ele ficafrente a frente com Eisenhower. Os dois abr-em sorrisos cordiais, mas há frieza em seusolhos. O apelido condescendente que Eisen-hower deu a Kennedy é “Menino Azul”, emreferência à fábula infantil. Ele o vê como

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imaturo e incapaz de governar o país e achauma temeridade um homem que foi apenasum mero tenente na Segunda Guerra Mundi-al esteja substituindo na presidência o gener-al que comandou a invasão do Dia D. Por suavez, Kennedy enxerga o velho general comoum homem pouco interessado em corrigir osproblemas da sociedade americana – a maiorprioridade de JFK.

Kennedy é o presidente mais jovem jáeleito. Eisenhower, o mais velho. A grandediferença de idade entre eles também repres-enta duas gerações muito diferentes deamericanos – e duas visões muito diferentesdos Estados Unidos. Em alguns instantes,Kennedy irá fazer um discurso inaugural, eessas diferenças ficarão mais claras do quenunca.

O trigésimo quinto presidente dos Esta-dos Unidos solta a mão de Eisenhower. Vira-se lentamente para a esquerda e para emfrente ao púlpito sinalizado com o selo

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presidencial. Kennedy olha para as folhascom seu discurso, ergue a cabeça e vê os mil-hares de rostos gelados à sua frente. Sabeque a multidão está impaciente. A cerimôniacomeçou atrasada, a oração feita pelo cardealRichard foi extremamente longa e, devido aosol forte, o poeta Robert Frost, então com 86anos, não conseguiu ler os versos especiaisque havia preparado para a ocasião. Pelovisto, nada acontece como planejado. O queessas pessoas tremendo de frio desejam é ummomento de redenção. Algumas palavrasque apontem uma mudança nas estagnadaspolíticas de Washington. Palavras capazes derestaurar uma nação dividida pelo ma-carthismo, traumatizada pela Guerra Fria eque ainda enfrenta problemas de segregaçãoe discriminação raciais.

Kennedy é um historiador laureado como Pulitzer, tendo recebido o prêmio pelo seulivro Profiles in Courage. Ele sabe o valor deum bom discurso inaugural. Há meses,

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rumina as palavras que está prestes a recitar.Na noite passada mesmo, enquanto as luzesdentro do carro estavam acesas para tornarJackie visível aos olhos dos curiosos, ele re-leu o discurso inaugural de Thomas Jeffer-son – e achou o seu fraco. Na manhã de hoje,ele acordou após apenas quatro horas desono e, com um lápis, revisou seu discursovárias e várias vezes.

Suas palavras ressoam como um bál-samo. “Que não se restrinja a este momentonem a este lugar, e chegue igualmente a ami-gos e inimigos, a notícia de que a tocha foipassada a uma nova geração de americanos– nascidos neste século, endurecidos pelaguerra, disciplinados por uma dura e amargapaz, orgulhosos de nosso patrimônioancestral...”

Esse não é um discurso inauguralqualquer. É uma promessa. Kennedy estádizendo que os melhores dias dos EstadosUnidos ainda estão por vir, mas apenas caso

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todos se esforcem para fazer sua parte. “Nãoperguntem o que seu país pode fazer por vo-cês”, exige ele, erguendo a voz para soltar suafrase final, “mas sim o que vocês podemfazer pelo seu país.”

O discurso entrará para a história comoum clássico. Com menos de 1.400 palavras,John Fitzgerald Kennedy definiu sua visãode país. Ele agora deixa seu discurso de lado,sabendo que é chegada a hora de cumprir agrande promessa feita por ele ao povo amer-icano. Ele precisa gerenciar a crise en-volvendo Cuba e seu líder pró-soviético,Fidel Castro. Ele precisa enfrentar os prob-lemas em uma terra distante conhecidacomo Vietnã, onde um pequeno grupo deconsultores militares dos Estados Unidos es-tá tentando manter a estabilidade há muitotempo abalada pela guerra. E aqui, em suacasa, o poder dos sindicatos mafiosos e ascisões criadas pelo movimento dos direitoscivis são dois pontos cruciais que exigem

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atenção imediata. Além disso, em um planomuito mais pessoal, ele também precisa ne-gociar as diferenças entre o procurador-geralBobby Kennedy e seu vice-presidente, Lyn-don Johnson, que se detestam.

JFK analisa a multidão encantada comele, sabendo que tem muito trabalho pelafrente.

Nem todos os convidados à cerimôniacompareceram. Os famosos artistas, que est-iveram nas comemorações da noite anterior,tinham lugares garantidos neste ponto devirada da história dos Estados Unidos.Devido ao frio e à etílica celebração até altashoras, o cantor Frank Sinatra, o ator PeterLawford e o compositor Leonard Bernstein –e vários outros – optaram por dormir atémais tarde e acompanhar o evento pela tevê.“Não vou faltar ao segundo discurso de possedele” é a desculpa comum entre todos.

No entanto, não haverá um segundo dis-curso de posse, pois John Fitzgerald

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Kennedy está em rota de colisão com seu ter-rível destino.

* * *

A aproximadamente sete mil quilômet-ros dali, na cidade soviética de Minsk, umamericano que não votou em John F.Kennedy está irritado. Lee Harvey Oswald,um ex-atirador de elite dos fuzileiros navaisdos Estados Unidos, já está farto de sua vidanesta nação comunista.

Oswald é um desertor. Em 1959, aosdezenove anos, esse enigmático jovem er-rante de corpo forte, razoavelmente bonito,decidiu abandonar os Estados Unidos daAmérica, convencido de que suas crenças so-cialistas seriam bem-vindas na União Soviét-ica. No entanto, as coisas não aconteceramsegundo seu plano. Oswald queria estudar naUniversidade de Moscou, mesmo sem nuncater terminado o colégio. Em vez disso, o gov-erno soviético o despachou mais de

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seiscentos quilômetros a oeste, para Minsk,onde vem trabalhando em uma fábrica deeletrônicos.

Oswald gosta de viver na estrada, mas ossoviéticos restringiram fortemente suas via-gens. Até o momento, sua estada no país temsido caótica e nômade. O pai de Oswald mor-reu antes de seu filho nascer. Sua mãe se ca-sou novamente, mas logo se divorciou. Mar-guerite Oswald era pobre e se mudou muitasvezes enquanto Lee ainda era criança, pas-sando pelo Texas, Nova Orleans e Nova York.Quando abandonou o colégio para se alistarno exército, Oswald já havia tido 22 en-dereços diferentes e estudado em dozeescolas – incluindo um reformatório, ondeuma avaliação psiquiátrica institucional oqualificou como retraído e socialmente prob-lemático. Segundo o diagnóstico, ele teria“uma vida fantasiosa, girando em torno deilusões de onipotência e poder, com as quais

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tenta compensar suas atuais debilidades efrustrações”.

A União Soviética de 1961 não era exata-mente o melhor lugar para um homem à pro-cura de independência de poder. Pelaprimeira vez na vida, Lee Harvey Oswald seviu estagnado. Ele acorda toda manhã e searrasta até uma fábrica, onde trabalha horaapós hora operando um torno mecânico, cer-cado por colegas cuja língua ele mal com-preende. Sua deserção, em 1959, virou notí-cia nos jornais americanos por ser extrema-mente incomum: um fuzileiro naval dosEstados Unidos – mesmo um jovem tão pró-soviético que seus companheiros chegaram aapelidá-lo de “Oswaldskovich” – nunca violao juramento de fidelidade eterna (“SemperFi”) e muda para o lado do inimigo. Oswaldagora é apenas um anônimo, o que para ele éalgo completamente inaceitável. A ideia dedesertar de seu país já não lhe parece mais

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tão boa. Oswald confidencia em seu diárioque está totalmente desiludido.

Lee Harvey Oswald não tem nada contraJohn Fitzgerald Kennedy. Ele nem sabemuita coisa sobre o novo presidente, nemsobre suas posições políticas. E, por maisque Oswald tenha sido um excelente atiradorno exército, poucos detalhes em seu históricoindicam que ele possa ser uma ameaça aqualquer pessoa além de si mesmo.

Enquanto os Estados Unidoscomemoram a posse de Kennedy, o desertorescreve para a embaixada dos Estados Un-idos em Moscou. Sua missiva é curta edireta: Lee Harvey Oswald quer voltar paracasa.

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Lee Harvey Oswald em seu requerimento de cidadania soviética em

1959.

(Bettmann/Corbis/AP Images)

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PARTE I

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ENGANANDO A MORTE

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2 DE AGOSTO DE 1943ESTREITO DE BLACKETT, ILHASSALOMÃO2h

É fevereiro de 1961. O novo presidente temum coco em cima de sua mesa. Ele tem sortepor estar vivo, pois já driblou a morte trêsvezes durante sua curta vida, e esse in-comum peso de papel é um lembrete daprimeira vez que ele enfrentou a morte cara acara. Seus assistentes tomaram o cuidado deposicionar o coco em um lugar de destaqueao prepararem o escritório do novo presid-ente no Salão Oval. Eles sabem que seu chefequer esse coco muito especial bem à vista,porque ele o lembra de um incidente, agorafamoso, que testou sua coragem.

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* * *

Dezoito anos antes, em 1943, em umatranquila noite, três torpedeiros americanosem patrulha cruzam o Estreito de Blackett,no sul do Pacífico, caçando navios de guerrajaponeses perto de uma área altamente dis-putada conhecida como A Fenda. Com seusquase 25 metros de comprimento, cascos demogno com cinco centímetros de espessura emovidos cada um por três poderososmotores Packard, esses torpedeiros depatrulha (TP) são embarcações ágeis,capazes de cortar as águas perto o bastantepara afundar navios de guerra japoneses comuma bateria de torpedos Mark VIII.

O posto de capitão do barco de número109 é ocupado por um jovem segundo-ten-ente, que está acomodado em sua cabine equase dormindo. Ele desliga dois de seusmotores para esconder o TP-109 dos aviõesde patrulha japoneses. O terceiro motor con-tinua com um ronco suave, com sua hélice

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bem abaixo da superfície, não deixandoquase nenhum rastro em meio à água irides-cente. Ele olha para o mar sob a noite sem aluz da lua ou das estrelas, tentando encon-trar os outros dois TPs por perto. Mas elesestão invisíveis em meio à escuridão – comoo 109.

O capitão não vê nem ouve o destróierAmagiri até já ser quase tarde demais. O na-vio faz parte do Expresso de Tóquio, um ou-sado experimento japonês criado para trans-portar soldados e armas com furtivas entra-das e saídas das Ilhas Salomão em navios deguerra ultrarrápidos. O Expresso usa suaagilidade e o véu da noite para realizar essasmissões. O Amagiri acaba de deixar nove-centos soldados em Vila, na ilha Kolom-bangara perto dali, e está rasgando as águasde volta ao bastião japonês em Rabaul, NovaGuiné, antes que o amanhecer permita quebombardeiros americanos o encontrem e oafundem. A embarcação tem um

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comprimento maior do que um campo defutebol, mas apenas nove metros em suaparte mais larga, permitindo que o Amagiricorte o mar a incríveis setenta quilômetrospor hora.

Na proa do TP-109, o alferes George“Barney” Ross de Highland Park, Illinois,também está analisando a noite. Sua embar-cação anterior foi afundada recentementepor um bombardeiro americano poracidente, e ele se voluntariou para participardesta missão como observador. No instanteseguinte, Ross se espanta ao avistar atravésde seus binóculos o Amagiri a pouco mais deduzentos metros, avançando a toda velocid-ade contra o 109. Ele aponta para o breu. Ocapitão vê o navio e gira o leme com força,tentando manobrar na direção do destróierpara disparar seus torpedos à queima-roupa– essa é sua única opção, ou os americanosseriam esmagados.

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O TP-109 não consegue ser rápido obastante.

Em um aterrador instante, o Amagiriatravessa seu casco de mogno. O corte diag-onal começa pelo lado direito da embar-cação, por pouco não acertando a cabine. Ocapitão é quase esmagado enquanto pensa“Então essa é a sensação de ser morto”. Doismembros da tripulação de treze homensmorrem na hora. Dois outros são feridosquando o TP-109 explode e começa a pegarfogo. Os dois outros torpedeiros americanosna água, TP-162 e TP-169, sabem reconheceruma explosão fatal quando veem uma, e nãoesperam para procurar sobreviventes. Elesacionam seus motores e disparam noite ad-entro, temendo a presença de outros naviosde guerra japoneses na área. O Amagiri tam-bém não para, avançando rumo a Rabaul,mesmo enquanto sua tripulação vê opequeno torpedeiro americano em chamasficando para trás.

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Os homens do TP-109 estão sozinhos.O capitão, homem responsável por ter

permitido que um navio tão grande tenhapegado sua embarcação de surpresa, é o ten-ente John Fitzgerald Kennedy. Ele tem 26anos, é magro como uma vara e todobronzeado. Um jovem rico que estudou emHarvard e foi forçado pelo pai a abandonar ainteligência naval para assumir uma posiçãode combate quando ele soube que a amantedinamarquesa de seu filho poderia ser umaespiã nazista. Como o segundo filho de umafamília na qual o primogênito é alvo deenormes expectativas, Kennedy pôde dar-seao luxo de levar uma vida frívola. Ele foi umacriança de saúde frágil e um rapaz apaixon-ado por livros e garotas. Mesmo no comandode uma pequena embarcação como oTP-109, nunca mostrou qualquer interessepor uma posição de liderança na política –ambição exigida do seu irmão mais velho,Joe.

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Nada disso importa agora. Kennedy pre-cisa encontrar uma maneira de salvar a vidados seus homens. Tempos depois, quandopedirem a ele que descreva o eminente pontode virada dessa noite, ele responderá, comose não fosse nada: “Foi involuntário. Eles sóafundaram meu barco”.

Suas palavras camuflam o fato de queele poderia ser julgado em corte marcial pordeixar que seu barco fosse afundado e doisde seus homens fossem mortos. No entanto,o naufrágio do TP-109 mudará a vida deJohn F. Kennedy – não pelo que aconteceu,mas pelo que está prestes a ocorrer.

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Tenente John Fitzgerald Kennedy na cabine do TP-109.

(Fotógrafo desconhecido, documentos de John F. Kennedy, documentos

presidenciais, arquivo presidencial, Biblioteca e Museu Presidencial

John F. Kennedy, Boston)

A popa do TP-109 já está afundando naságuas do Blackett, a mais de 350 metrosabaixo da superfície. A seção dianteira docasco continua boiando, graças aos compar-timentos estanques. Kennedy reúne ossobreviventes de sua tripulação na proa paraesperar ajuda. O rastro do Amagiri empurraas chamas para longe dos destroços do 109,acalmando os temores de Kennedy de que ofogo possa detonar estoques remanescentesde munição ou seus tanques de combustível.No entanto, com o passar das horas – uma,depois duas e então três – fica óbvio que nin-guém virá ajudá-los, então Kennedy percebeque precisa de um novo plano. O Estreito deBlackett fica entre várias pequenas ilhas queagora abrigam milhares de soldados

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japoneses. Não há dúvidas de que alguém emterra tenha visto a explosão.

“O que vocês querem fazer se os ja-poneses aparecerem?”, pergunta Kennedy àtripulação. Como o maior responsável pelavida de seus homens, ele está perdido. Ocasco está começando a afundar, e as únicasarmas que ele e seus homens possuem sãouma metralhadora e sete pistolas. Entrar emum tiroteio seria suicídio.

Os homens podem ver claramente umacampamento japonês a menos de doisquilômetros de distância, na ilha de Gizo, esabem que existem duas outras bases degrande porte nas ilhas de Kolombangara e deVella Lavella, cada uma a apenas oito quilô-metros dali.

“Estamos às suas ordens, sr. Kennedy. Osenhor é o chefe”, responde um dostripulantes.

Kennedy não se sente muito confortávelnessa posição de chefe. Durante seus meses

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como capitão do 109, seu trabalho emgrande parte se resumiu a pilotar o tor-pedeiro. Seus homens reclamam que eleparecia estar mais interessado em procurargarotas do que comandar a embarcação.Kennedy se sente muito melhor em um papelde auxiliar. Ele cresceu atendendo as ordensde seu pai dominador e admirando seu caris-mático irmão mais velho. Seu pai, Joseph P.Kennedy, é um dos homens mais ricos e po-derosos dos Estados Unidos e ex-embaixadorda Grã-Bretanha. Seu irmão Joe, aos 28anos, é um belo aviador naval que em breveentrará em ação realizando missões contrasubmarinos nazistas na Europa.

A família Kennedy recebe todas as suasdiretrizes do seu patriarca. John Kennedyum dia ainda irá comparar essa relação a umtitereiro e suas marionetes. Joseph P.Kennedy decide como seus filhos devemviver suas vidas, monitora todas as suasações, tenta dormir com as amigas de seus

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filhos e filhas e inclusive chegou a ordenar alobotomia de uma de suas próprias filhas.Ele já escolheu Joe para ser o político dafamília. Aliás, ele cuidou de tudo para queseu primogênito fosse um delegado na Con-venção Democrática Nacional de 1940. En-quanto isso, antes da guerra, John passavaseus dias escrevendo e viajando. Muitos in-tegrantes da família ainda acreditam que eleum dia será escritor.

Mas agora, nesta trágica noite noPacífico, Joseph P. Kennedy não tem comodizer ao seu filho o que fazer. “Não há nadanos manuais sobre uma situação assim”, dizJFK à sua tripulação, tentando ganhartempo. “Parece que não estamos mais sobnenhum protocolo militar. Vamos só con-versar para decidir o que fazer.”

Seus homens foram treinados paraseguir ordens, não discutir estratégias. Elesrebatem a ideia, mas Kennedy se recusa afazer o papel de comandante. A tripulação

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estava à espera de um navio de resgate, oualgum avião de buscas. Conforme o diaamanhece, as horas passam e o TP-109afunda mais e mais na água. Continuar juntoaos destroços significa que eles com certezaem breve serão capturados por tropas ja-ponesas ou serão atacados por tubarões.

Por fim, John F. Kennedy assume ocomando.

“Vamos nadar”, ordena ele aos homens,apontando para um conjunto de ilhas verde-jantes quase cinco quilômetros a sudeste. Eleexplica que embora essas ilhotas possam es-tar mais longe do que a ilha de Gizo, queparece estar quase ao seu lado, é menor aprobabilidade de encontrá-las ocupadas porsoldados japoneses.

Os homens se agarram a um pedaço demadeira e o usam como boia para nadarrumo às ilhas distantes. Kennedy, um atletada equipe de natação de Harvard, leva con-sigo um tripulante que sofreu graves

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queimaduras, puxando-o por uma amarra deseu salva-vidas presa entre seus própriosdentes. Nas cinco horas até a ilha, Kennedyengole muita água do mar, mas suas habilid-ades como nadador permitem que chegue àpraia antes de sua tripulação. Ele deixa otripulante queimado na água rasa e cam-baleia pela margem para explorar seu novoambiente. A ilha não oferece grande coisa:areia, algumas palmeiras e um coral à suavolta. De uma ponta a outra, ela não chega acem metros. Mas é terra firme. Após quasequinze horas em alto-mar, isso é tudo o queeles poderiam querer.

O resto da tripulação por fim chega àpraia. Eles se escondem nas águas rasas en-quanto uma barca japonesa passa a poucascentenas de metros da margem. Kennedy es-tá caído à sombra de arbustos mais adiante,exausto pelo esforço e nauseado após engolirtanta água do mar. Ainda assim, apesar desua condição debilitada, algo nele está

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diferente. Aquele homem que antes fugia daliderança percebeu que é o único ali capaz desalvar sua tripulação.

JFK se levanta e parte para o trabalho.

* * *

Kennedy olha para a praia. A areia ébranca e desce inclinada até a água. Os ho-mens procuraram abrigo sob algumasárvores de copa baixa. Com uma sensação dealívio, ele vê que ali perto está um grande pa-cote enrolado em um colete salva-vidas depaina, algo que seus homens trouxeram doTP-109. Kennedy precisa desse pacote para oque está prestes a fazer.

Dentro do pacote está uma das lan-ternas do barco. Kennedy cambaleia até seushomens e explica seu plano: ele irá nadar atéoutra ilha próxima, situada mais perto de umcanal conhecido como passagem de Fer-guson, uma rota popular entre torpedeirosde patrulha, e usará a lanterna para atrair a

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atenção de alguma embarcação que poracaso esteja passando por ali à noite. Casoconsiga fazer contato, enviará sinais de luzpara a tripulação.

Kennedy se prepara para nadar. Eleainda está passando mal e agora está tam-bém tonto por desidratação e fome. Ele tira acamisa e as calças para aliviar o peso e am-arra uma pistola calibre .38 em um cordãoem volta do pescoço. Tirara os sapatos e tam-bém os amarrara em volta do pescoço antesdo longo trajeto do TP-109 até a praia, masagora ele os calça de novo para proteger ospés contra as afiadas pontas dos recifes. Porfim, Kennedy abraça o colete de paina comforça contra o corpo nu, sabendo que a lan-terna dentro do colete é crucial para que elessejam resgatados.

Kennedy volta para o mar. Ele pensa nasgigantescas barracudas que vivem nessaságuas. Segundo boatos, costumam surgir dasprofundezas e arrancar a dentadas os órgãos

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genitais de banhistas desavisados. Sem ascalças, ele com certeza seria um alvo fácil.

Kennedy nada sozinho noite afora atéseus pés voltarem a raspar em um coral. Elese arrasta pela superfície irregular, procur-ando o inevitável ponto onde o coral terminae a areia da praia começa. Mas o coral pareceinfinito. Pior ainda, o coral corta suas mãos esuas pernas várias e várias vezes. Sempreque Kennedy dá um passo em falso e afundana água dentro de um buraco escondido, suamente logo imagina uma barracuda.

Kennedy nunca encontra as areias dapraia. Então, depois de amarrar seus sapatosem seu cinto, ele toma uma atitude corajosae um tanto imprudente: nada em direção aomar aberto, com sua lanterna erguida, esper-ando chamar a atenção de algum torpedeiro.

No entanto, nesta noite, por mero acaso,nenhum torpedeiro dos Estados Unidoscruzará a passagem de Ferguson. Kennedynada mergulhado no breu absoluto,

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esperando em vão pelo som abafado dehélices sob a água.

Ele finalmente desiste. No entanto,quando tenta nadar de volta até seus ho-mens, acaba sendo traído pelas correntes.Ele é levado para bem longe pelo Estreito deBlackett, erguendo em desespero a lanternapara atrair a atenção de seus homens en-quanto flutua à deriva. Os membros da trip-ulação discutem entre si se as luzes que estãovendo não seriam uma miragem criada pelafome e pela desidratação, mesmo enquantoseu capitão é arrastado para ainda mais emais longe em meio à completa escuridão.

John Kennedy desamarra seus sapatospesados e os deixa afundar na água,pensando que reduzir seu peso poderáajudá-lo a nadar com mais facilidade. Masnão funciona. Ele é arrastado para aindamais e mais longe Pacífico afora. Por maisque ele se esforce, a corrente o leva para ooutro lado. Sozinho no escuro, com o corpo

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agora gelado e a mente tomada porpensamentos conflitantes, Kennedy apenasflutua ao sabor da maré. Ele é um homemenigmático. Apesar de sua reputação derapaz namorador, teve uma criação católicaromana. Sua fé vacilou nos últimos meses,mas agora volta com toda força. Por maisque tudo pareça perdido, Kennedy ainda temesperanças.

E ele não solta sua lanterna.

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A família Kennedy em seu complexo de Hyannis Port, em 1931.

(Foto de Richard Sears, Biblioteca e Museu Presidencial John F.

Kennedy, Boston)

* * *

Kennedy flutua pelo mar, mais sozinho eimpotente do que nunca, durante a noite

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toda. A pele de seus dedos está enrugada, eseu corpo fica ainda mais frio.

Mas sua hora de morrer não chegou.Ainda não. O sol nasce, e Kennedy fica per-plexo ao perceber que as mesmas correntesque antes o puxaram para o mar agoramudaram e o trouxeram de volta bem ao seuponto de partida.

Ele nada de volta em segurança até seushomens. Após horas sendo usada como umfarol no meio da escuridão, a lanterna porfim se apagou de uma vez por todas.

Dias se passam. Kennedy e seus homenssobrevivem engolindo lesmas vivas e lam-bendo o orvalho de folhas. Eles batizam anova casa de ilha Bird pela abundância deguano que cobre as folhas das árvores. Àsvezes, eles avistam aviões em combate nocéu, mas nunca um avião de resgate. Na ver-dade, mesmo enquanto eles ainda lutampara sobreviver, seus colegas torpedeirosrealizam uma cerimônia em sua memória.

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Após quatro dias, Kennedy convenceGeorge Ross, de Highland Park, Illinois, atentar a sorte no mar de novo com ele. Dessavez, eles partem rumo a uma ilha chamadaNaru, onde a probabilidade de encontrarsoldados japoneses é bem grande. A esta al-tura, com seus corpos já devastados pelafome e pela sede, ser capturado se tornou umdestino preferível à morte certa.

Eles nadam durante uma hora. EmNaru, encontram uma barca inimiga aban-donada e veem dois japoneses remando paralonge às pressas em uma canoa. Kennedy eRoss vasculham a barca à procura desuprimentos e encontram água, biscoitos etambém uma pequena canoa. Após passar odia escondido, Kennedy deixa Ross em Narue rema sozinho na canoa rumo à passagemde Ferguson. Sem uma lanterna ou qualquerforma de chamar a atenção de algum tor-pedeiro de passagem, JFK agora está deses-perado, disposto a fazer apostas ousadas.

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Ainda assim, apesar de suas parcas chances,ele consegue aguentar mais uma noite, re-mando de volta na canoa até seus homens.

Por fim, ele recebe uma boa notícia. Oshomens que ele viu e achou serem japonesesna verdade eram apenas habitantes locais.Eles haviam avistado Kennedy e Ross, e en-tão remaram até a tripulação do TP-109 paraavisá-los sobre a presença das forças japone-sas na área.

Kennedy encontra esses ilhéus na man-hã seguinte, quando sua canoa afunda nocaminho de volta a Naru. Esses homensmuito experientes no mar surgem do nadapara tirá-lo das águas e o levam em segur-ança até George Ross. Antes de se despedirdos ilhéus, Kennedy entalha uma mensagemna casca de um coco: “ILHA NAURO...COMANDANTE... UM NATIVO SABE APOSIÇÃO... ELE PODE PILOTAR... 11VIVOS... PRECISO DE UM PEQUENOBARCO... KENNEDY.”

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Com essa mensagem cifrada em mãos,os nativos seguem seu rumo.

* * *

A noite cai. Uma chuva desaba. Kennedye Ross dormem sob um arbusto. Seus braçose pernas estão inchados com picadas de inse-tos e cortados pelos recifes. Os ilhéusmostraram a eles onde outra canoa estáescondida em Naru, e Kennedy insiste comRoss que eles deveriam voltar ao mar abertomais uma vez à procura de um torpedeiro.

Só que agora o Pacífico não está tãocalmo. A chuva é torrencial. As ondaschegam a quase dois metros. Kennedy dá aordem de voltar, mas a canoa acaba virando.Os dois homens se agarram ao barco deponta-cabeça, batendo as pernas com todaforça para conseguir guiá-lo de volta à praia.Ondas imensas agora quebram contra o re-cife. Kennedy é separado da canoa. A forçado mar o puxa para baixo e o gira pelas

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águas. Mais uma vez, ele acredita estar pertoda morte. Mas bem quando tudo parece per-dido ele consegue voltar à superfície. Ele sedebate para chegar ao coral. Ross está pertoe vivo. Enquanto a chuva continua a desabar,eles abrem caminho em meio ao acidentadocoral e chegam à praia, cortando mais umavez seus pés e suas pernas.

Dessa vez, eles não pensam em barracu-das, apenas em sobreviver. Exaustos demaispara se importarem com serem vistos pelosjaponeses, eles desabam assim que chegam àareia e caem no sono.

John Kennedy está sem ideias. Ele já feztudo o que podia para salvar seus homens.Não há mais nada que ele possa fazer.

Como se estivesse vendo uma miragem,Kennedy acorda e vê quatro nativos sobreele. O sol está nascendo. Os membros deRoss estão terrivelmente desfiguradosdevido aos ferimentos causados pelos corais,um braço inchado como uma bola de futebol.

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O corpo de Kennedy também estácomeçando a sucumbir a uma infecção.

“Tenho uma carta para o senhor”, dizum dos nativos em um inglês perfeito.

Incrédulo, Kennedy se senta na areia elê o bilhete. Os nativos levaram o coco atéum destacamento de infantaria neozelandêsescondido ali perto. O bilhete é do oficial emcomando, dizendo que Kennedy deve deixarque os ilhéus os levem em um barco até umlugar seguro.

Em seguida, John F. Kennedy é colo-cado dentro de uma canoa, coberto com fol-has de palmeira para escondê-lo de aer-onaves japonesas e então levado para umlocal secreto na ilha de Nova Geórgia.Quando a canoa chega à praia, um jovemneozelandês emerge da mata. Kennedy sai deseu esconderijo e desce da canoa. “Como vo-cê está?”, pergunta o neozelandês, com umar formal. “Sou o tenente Wincote”, anunciaele com um sotaque britânico.

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“Olá. Meu nome é Kennedy.” Os doishomens apertam as mãos. Wincote acena acabeça na direção da mata. “Venha comigoaté minha barraca, vamos tomar um chá.”

Kennedy e seus homens logo são res-gatados pela Marinha dos Estados Unidos. E,assim, a saga do TP-109 chega ao seu final,justamente com o nascimento de sua lenda.

* * *

Outro incidente influenciou a jornada deJohn Kennedy até o Salão Oval. Seu irmãomais velho, Joe, não fora tão hábil paradriblar a morte. O bombardeiro experiment-al Liberator no qual ele voa explode sobre aInglaterra em 12 de agosto de 1944. Oacidente não deixa corpo para ser enterrado,nem qualquer lembrança da tragédia paraadornar a mesa de JFK. Essa explosão mar-cou o momento no qual John F. Kennedy setornou um político e começou a jornada para

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chegar ao posto de poder no qual se encontraagora.

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Joseph Kennedy com os filhos Joseph Kennedy Jr. e John F. Kennedy,

em Palm Beach, em 1931. Joseph Kennedy esperava que seu filho mais

velho fosse o político da família.

(Foto de E.F. Foley, Biblioteca e Museu Presidencial John F. Kennedy,

Boston)

* * *

Menos de seis meses após o fim daguerra, John Fitzgerald Kennedy já é um dosdez candidatos nas primárias democratas do11o Distrito Congressional de Boston. Para ospolíticos veteranos e líderes distritais dessacidade profundamente partidarizada, ele nãotem nenhuma chance de vitória. No entanto,JFK analisa cada um dos líderes distritais,aproveitando sua imagem de azarão. Ele re-cruta um bem-relacionado veterano da Se-gunda Guerra. Dave Powers deve ajudá-lo aadministrar a campanha. Powers, um nomeascendente na política pelos próprios méri-tos, a princípio reluta em ajudar esse jovemfranzino que se apresentou a ele dizendo

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“Meu nome é Jack Kennedy. Estou me can-didatando ao Congresso”.

Mas, em seguida, Powers assiste es-pantado enquanto Kennedy se apresenta di-ante de um salão lotado em uma gélida noitede sábado em janeiro de 1946 e faz um dis-curso impressionante para defender suacampanha. O evento é um encontro dasMães de Estrela de Ouro, mulheres que per-deram seus filhos da Segunda Guerra Mun-dial. Kennedy fala apenas dez minutos, ex-plicando às senhoras ali reunidas por quequer se candidatar. Elas não conseguem verque suas mãos estão trêmulas de tanta an-siedade. No entanto, todas ouvem suas pa-lavras bem escolhidas enquanto ele as fazlembrar do seu próprio histórico de guerra eexplica por que o sacrifício de seus filhos foitão importante, falando com toda honestid-ade e franqueza sobre a bravura dos ex-colegas.

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Em seguida, Kennedy faz uma pausaantes de se referir ao seu falecido irmão, Joe:“Acho que sei como as senhoras se sentem.Minha própria mãe também recebeu umaEstrela de Ouro”.

As mulheres se levantam ao fim do dis-curso. Com lágrimas nos olhos, elas avançampara tocar nesse jovem que lembra cada umadelas de seus filhos perdidos, dizendo aKennedy que ele pode contar com seu apoio.E, nesse momento, Dave Powers se con-vence. Ele começa a trabalhar com “Jack”Kennedy na mesma hora, formando o núcleodo grupo que virá a se tornar conhecidocomo a “Máfia Irlandesa” de Kennedy. ÉDave Powers quem elege a história doTP-109 como um elemento crucial de suacampanha, enviando aos eleitores um relatosobre aquela noite de agosto de 1943 querevela a bravura altruísta de um jovemabastado no qual eles até então talvez nuncativessem pensado em votar.

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Graças à insistência de Dave Powers emaproveitar ao máximo o incidente do TP-109,John F. Kennedy é eleito ao Congresso.

* * *

Em seus primeiros meses na presidên-cia, o coco no qual Kennedy entalhou seu pe-dido de resgate serve como uma lembrançado incidente que o pôs no caminho até aCasa Branca.

O coco também é um lembrete diário deque JFK deve a presidência, até certo ponto,à aguda intuição política de Dave Powers.Esse alto sujeito nascido em Boston, comcinco anos a mais que JFK, está na folha depagamentos de Kennedy desde aquela noitede janeiro de 1946. Como um assistente es-pecial do presidente, ele não é um meromembro do gabinete, ou mesmo um consel-heiro oficial – apenas um amigo muito próx-imo que sempre parece antecipar todas asnecessidades do presidente – , mas uma

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companhia que o sempre leal JFK apreciamuito. Powers já foi descrito como o “boboda corte oficial” do presidente, e é verdade:seu trabalho oficial na Casa Branca é emgrande parte o de intermediar questões soci-ais. Dave Powers está disposto a fazer detudo por John Kennedy.

Mesmo com seus notáveis poderes intu-itivos, nem Dave Powers seria capaz de sabero que esse “tudo” pode abranger – nem pre-ver que, após testemunhar o primeiro dis-curso político de Kennedy, ele um dia tam-bém presenciará o último.

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FEVEREIRO, 1961A CASA BRANCA13h

O presidente dos Estados Unidos está nu esegue sua rotina. Quase toda tarde, precis-amente às 13h, ele escapa até a piscina in-terna – sempre aquecida a terapêuticos 32graus – entre a Casa Branca e a Ala Oeste.John Kennedy faz isso para aliviar as doresnas costas, um problema que o aflige desdeos tempos de estudante em Harvard. Omartírio após o incidente com o Amagiri ex-acerbou as dores, fazendo-o a passar poruma cirurgia – que não o ajudou em nada. Ador é constante e tão intensa que Kennedymuitas vezes usa muletas ou uma bengalapara se movimentar, ainda que raramenteem público. Ele usa um corpete, dorme em

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um colchão extrafirme e recebe injeções reg-ulares de procaína para aliviar o sofrimento.Seus assistentes sabem identificar a tensãoem sua mandíbula como sinal de que as cost-as do presidente estão criando problemas. Ameia hora de nado peito e o calor da piscinasão parte da terapia receitada a Kennedy. Anudez nessas sessões de natação deve sercreditada ao conceito que ele tem de mas-culinidade. Homens de verdade nadam comovieram ao mundo e ponto final.

Os funcionários da Casa Branca jamaisconseguiriam imaginar o ex-presidenteDwight Eisenhower nadando nu emqualquer lugar em qualquer situação. Ovelho general e sua esposa, Mamie, erammuito conservadores. Houve poucas surpres-as na Casa Branca nos oito anos em que elafoi habitada pelos Eisenhower.

Mas agora tudo mudou. Os Kennedy sãomuito menos formais do que os Eisenhower.É permitido fumar na Casa Branca. As

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formalidades estão sendo abolidas, criandoaos funcionários um ambiente mais casual. Aprimeira-dama está coordenando a mont-agem de um palco no Salão Leste, para acol-her as performances de alguns dos músicosmais renomados dos Estados Unidos, como ovioloncelista e compositor Pablo Casals e acantora Grace Bumbry.

Ainda assim, a Casa Branca é um lugarsério. A rotina diária do presidente cumpreperíodos de intenso trabalho seguidos porintervalos de descanso. Ele acorda toda man-hã por volta das sete horas e começa imedi-atamente a ler as notícias do dia na cama, in-cluindo resumos do New York Times, Wash-ington Post e Wall Street Journal. Kennedyé um leitor rapidíssimo, capaz de absorver1.200 palavras por minuto. Lê os jornais emapenas quinze minutos quando parte para apilha de resumos sobre os eventos pelomundo todo.

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O presidente então toma o café na cama.É uma refeição substancial: suco de laranja,bacon, torrada com geleia, dois ovos cozidose café com creme. Em geral, ele não é decomer muito. Kennedy mantém seu pesometiculosamente aos (ou abaixo dos) oitentaquilos. É um homem de cultivar hábitos, porisso toma o mesmo café quase todos os diasda semana.

Pouco antes das oito, Kennedy toma umbanho rápido. Na banheira, enquanto re-passa seu dia, ele tem o hábito de tamborilaro tempo todo com sua mão direita, como seela fosse uma extensão de seus pensamentosativos.

O presidente chega ao Salão Oval àsnove em ponto. Ele se senta em sua cadeira eentão ouve o secretário, Ken O’Donnell re-passar os compromissos. Ao longo da man-hã, enquanto recebe ligações e escuta os rela-tos de seus conselheiros sobre o que estáacontecendo no resto do mundo, Kennedy é

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interrompido pela equipe, escolhida a dedo.Além do bobo da corte Dave Powers e dosagaz Kenny O’Donnell, filho do treinador defutebol americano do Colégio da Santa Cruz,há também o assistente especial e professorde história de Harvard Arthur Schlesinger,com seus óculos, Ted Sorensen, nascido emNebraska, conselheiro e consultor especial, ePierre Salinger, um ex-jovem prodígio dospianos que trabalha como secretário deimprensa.

Com a exceção da secretária pessoal dopresidente, Evelyn Lincoln, a Casa Branca dogoverno Kennedy lembra muito umafraternidade, em que cada homem é total-mente leal ao seu líder carismático. As con-versas muitas vezes descambam para im-propérios e confirmam o histórico naval dopresidente e a expressão “praguejar comoum marinheiro”. “Eu não chamei os exec-utivos de filhos da mãe”, reclamou Kennedyuma vez ao ver suas palavras mal

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interpretadas pelo New York Times. “Eudisse que eles eram babacas.”

Seu tom é mais cortês quando há mul-heres por perto. O presidente, por exemplo,nunca se refere à sua secretária de qualqueroutra forma que não “sra. Lincoln”. No ent-anto, ainda assim, gestos rudes podem serdisfarçados. Certa vez, na presença de suamulher, Kennedy utilizou uma versão do al-fabeto fonético militar para atacar ocolunista de um jornal, chamando-o de“Papa-Uniforme-Tango-Oscar”.

Quando a confusa primeira-dama per-guntou ao presidente o que isso significava,ele com habilidade logo mudou de assunto.

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O presidente e David Powers, seu fiel assistente e membro da “Máfia

Irlandesa” da Casa Branca de Kennedy, em 1961.

(Abbie Rowe, Fotos da Casa Branca, Biblioteca e Museu Presidencial

John F. Kennedy, Boston)

* * *

A meia hora de natação no começo datarde é um eficaz bálsamo para as dores dopresidente, mas às vezes ele também usaesses intervalos para trabalhar, convidandofuncionários e até membros da imprensa anadarem com ele. A pegadinha? Eles precis-am estar nus também. Dave Powers, um dosseus parceiros regulares de natação, já estábem acostumado com isso. Mas, para algunsdos funcionários da Casa Branca, presenciaressa cena é quase surreal.

Os hábitos aquáticos informais do pres-idente mascaram o fato que ele tem um estilocompletamente oposto ao do seu tranquilovice-presidente. Lyndon Johnson é con-hecido por apertar ombros e distribuir

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tapinhas nas costas, e Kennedy preferemanter uma distância física entre ele e out-ros homens. A não ser quando está em cam-panha, uma tarefa que ele adora, até umsimples aperto de mão é um fardo para opresidente.

Após nadar, Kennedy faz um rápidolanche na residência presidencial – um san-duíche ou talvez uma sopa. Em seguida, elevai para o seu quarto, veste um pijama ecochila por exatos 45 minutos. Outrasgrandes figuras históricas como WinstonChurchill também costumavam tirar sonecasdurante o dia. Para Kennedy, é uma formade rejuvenescimento.

A primeira-dama o acorda e fica ao seulado para conversar enquanto ele se veste denovo. Em seguida, ele volta para o Salão Ovale trabalha geralmente até as oito da noite.Seus assistentes sabem que, após o horáriocomercial, Kennedy costuma colocar os dois

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pés em cima da mesa e disparar casualmenteideias para eles. É a sua parte favorita do dia.

Depois que todos foram embora,Kennedy volta para a área particular no an-dar de cima da Casa Branca – chamada de“residência” ou “mansão” pelos funcionários– onde fuma um charuto Upmann, saboreiaum uísque Ballantine com água e sem gelo ese prepara para o jantar. Jackie Kennedygosta de organizar jantares sociais de últimahora, o que é tolerado pelo presidente.

Na verdade, JFK preferiria estar vendoum filme. O teatro da Casa Branca pode ex-ibir qualquer filme do mundo a qualquermomento a pedido do presidente. Entre osseus preferidos estão os de Segunda Guerra eos faroestes.

A obsessão cinematográfica de Kennedysó é páreo para outro passatempo favorito:sexo.

As dores nas costas do presidente não oimpedem de ter uma vida romântica ativa, o

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que é ótimo – afinal, como JFK uma vez ex-plicou a um amigo, ele precisa fazer sexopelo menos uma vez por dia ou fica com umaterrível dor de cabeça. Ele e Jackie dormemem quartos diferentes, interligados por umcloset compartilhado – o que não significaque John Kennedy limite suas relaçõessexuais à primeira-dama. Mesmo tendo umcasamento feliz, Kennedy não leva uma vidamonogâmica.

* * *

Afora o lado galanteador do presidente,a maior mudança entre as administrações deKennedy e de Eisenhower é sem dúvida amulher da casa. Jackie Kennedy, com 31anos, tem menos que a metade da idade deMamie Eisenhower. A ex-primeira-dama jáera avó quando chegou à Casa Branca, con-hecida por ser mão-fechada e passar seutempo livre vendo novelas na tevê. Em con-traste, Jackie gosta de ouvir discos de bossa

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nova e se exercita pulando em um trampolime erguendo pesos. Como o marido, Jackiemantém o peso, com rigor, em esguios 54quilos para o seu um metro e setenta dealtura.

Seu verdadeiro vício é fumar um maçode cigarros por dia – Salem ou L&Ms –, doqual ela não abriu mão nem mesmo quandoestava grávida. Como o marido faz com seusproblemas físicos, Jackie Kennedy é uma fu-mante em segredo – na recente campanhapresidencial, um assistente foi destacadopara ficar por perto com um cigarro acesopara que Jackie pudesse dar uma tragadasorrateira sempre que quisesse.

Os pais de Jackie se divorciaram antesdos seus doze anos, e ela foi criada em um larde riqueza e esplendor pela mãe, Janet.Estudou em internatos femininos caros e de-pois na Vassar College, antes de passar oprimeiro ano de faculdade em Paris. Quandovoltou para os Estados Unidos, Jackie

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conseguiu uma transferência para a GeorgeWashington University, em WashingtonD.C., onde recebeu diploma em 1951.

Nos anos de formação, a primeira-damafoi ensinada a ter um estilo extremamentereservado e a guardar apenas para si mesmasuas opiniões. Ela gosta de manter “certo quêde mistério sobre si”, comentou uma amigatempos depois. “As pessoas não sabiam oque ela estava pensando ou fazendo nosbastidores... E ela queria que tudo continu-asse assim.”

O fato é que Jacqueline BouvierKennedy nunca se revela por completo paraninguém – nem mesmo para o seu marido, opresidente.

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Jacqueline Bouvier Kennedy, mostrada aqui no baile de posse, em

1961, conferiu glamour ao seu papel de primeira-dama.

(Abbie Rowe, Fotos da Casa Branca, Biblioteca e Museu Presidencial

John F. Kennedy, Boston)

* * *

Na distante cidade de Minsk, Lee Har-vey Oswald está tendo o problema oposto. Amulher que ele ama simplesmente não parade falar.

No dia 17 de março, em um baile paratrabalhadores do sindicato, ele conhece umalinda garota de dezenove anos com umvestido vermelho e sapatos brancos, com umpenteado que para ela está “à modafrancesa”. Marina Prusakova reluta em sorrirdevido aos seus dentes feios, mas os doisdançam nessa noite, e depois ele a acom-panha de volta até a casa da moça – juntocom vários outros potenciais pretendentesarrebatados pela loquaz Marina.

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Mas Lee Harvey mantém sua posturadesafiadora, como sempre. Ele sabe que osoutros homens logo se tornarão apenasmemórias distantes.

E ele tem razão. “Nós gostamos um dooutro na mesma hora”, escreve o desertor emseu diário.

Após a morte de sua mãe dois anosantes, Marina, concebida na noite de núpciasde seus pais, foi mandada para morar comseu tio Ilya, um coronel do MinistérioSoviético de Assuntos Internos e respeitadomembro do Partido Comunista local. Ela re-cebeu educação para ser farmacêutica, masabandonou seu trabalho há algum tempo.

Oswald sabe de tudo isso e muito maissobre Marina, porque entre as noites dos di-as 18 e 30 de março eles passaram muitotempo juntos. “Saímos para andar”, escreveele. “Falei um pouco sobre mim, e ela faloumuito sobre ela.”

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A relação entre os dois tem uma guinadarepentina em 30 de março, quando Oswalddá entrada no Quarto Hospital Clínico parapassar por uma operação de adenoide. Mar-ina o visita várias vezes e, quando recebealta, Lee Harvey “sabe que precisa ficar comela”. No dia 30 de abril, eles se casam. Mar-ina engravida pouquíssimo tempo depois.

A vida fica cada vez mais complicadapara Lee Harvey Oswald.

* * *

No inverno de 1961, o mundo fora daCasa Branca é turbulento. A Guerra Fria es-tava a pleno vapor. Os americanos estão apa-vorados com a União Soviética e seu arsenalde armas nucleares. Quase 150 quilômetrosao sul da Flórida, Fidel Castro assumiu hápouco tempo o poder de Cuba e instalou umregime supostamente aliado aos soviéticos.

No extremo sul dos Estados Unidos, osconflitos raciais não param de crescer.

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No mercado, surge um novo contra-ceptivo conhecido apenas como “a pílula”.

No rádio, Chubby Checker incentiva osjovens americanos a dançar o twist, en-quanto Elvis Presley pergunta às mulherespor toda parte se estão “se sentindo solitáriasesta noite”.

Dentro da Casa Branca dos Kennedy, noentanto, Jackie faz de tudo para que nen-huma dessas turbulências políticas e sociaisatrapalhe a criação de um ambiente perfeitopara sua família. A rotina dela gira em tornodos filhos. Rompendo com o estilo tradicion-al das primeiras-damas, que deixavam ocuidado das crianças aos funcionários daCasa Branca, ela é totalmente envolvida navida de Caroline, de três anos, e de John,ainda bebê, e leva os dois consigo para re-uniões e outros compromissos.

Ao se acostumar melhor com a CasaBranca, não será incomum ver Jackie camu-flada com um cachecol e um casaco pesado

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com os filhos no circo ou no parque – dis-cretamente seguida pelo Serviço Secreto.

A cena da primeira-dama brincandocom os filhos no Jardim Sul também logo setornará comum, o que leva um observador acomentar que Jackie parece “uma garotinhaque nunca cresceu”. E, de fato, ela fala com amesma voz tímida, quase infantil, da atrizMarilyn Monroe.

A primeira-dama gosta de se ver comouma esposa tradicional e é apaixonada pelomarido. No entanto, ela também tem um es-tilo muito independente e rompe o protocoloda Casa Branca, recusando-se a marcarpresença nas miríades de chás e ocasiões so-ciais enfrentadas pelas outras primeiras-da-mas. Jackie prefere passar o tempo com osfilhos ou desenvolvendo planos para umadispendiosa reforma da Casa Branca, tarefaque não desperta interesse em seu marido,cujo senso estético não é muito apurado paraesses assuntos. Jackie Kennedy se refere à

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nova casa como “a casa do presidente” e seinspira na Casa Branca de Thomas Jefferson,decorada com grande esmero pelo ex-em-baixador da França.

A decoração atual é a mesma desde ogoverno Truman. Vários elementos damobília são reproduções em vez de peças an-tigas originais, dando à residência mais im-portante dos Estados Unidos um ar barato esimplório em vez de uma aura de grandeza.Jackie está montando uma equipe de col-ecionadores de primeira para aprimorar adecoração da Casa Branca em todos os sen-tidos possíveis.

Ela acredita ter anos para terminar otrabalho.

Pelo menos quatro. Talvez até oito.É o que ela acredita.

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Jackie foi uma mãe dedicada aos filhos, Caroline e John F. Kennedy

Jr., retratado aqui brincando com o colar da mãe no Quarto Oeste.

(Cecil Stoughton, Fotos da Casa Branca, Biblioteca e Museu Presidencial

John F. Kennedy, Bos

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17 DE ABRIL DE 1961WASHINGTON D.C./BAÍA DOS PORCOS,CUBA9h40

Distraído, John F. Kennedy abotoa opaletó. Ele está sentado a bordo do MarineOne, helicóptero presidencial dos fuzileirosnavais, enquanto a aeronave se prepara parapousar no Jardim Sul da Casa Branca. Eleacabou de passar um final de semana nadarelaxante em Glen Ora, a casa de campo 160hectares alugada pela família em Virgínia,que o Serviço Secreto apelidou de Castelo.

O presidente é meticuloso quanto à suaaparência e irá trocar de roupa totalmentepelo menos mais três vezes hoje, em cadaocasião vestindo outra camisa perfeitamenteengomada, uma nova gravata e um terno

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Brooks Brothers feito sob medida. Seus ter-nos são todos pretos ou azul-escuros. No ent-anto, não é a vaidade o que gera a obsessãode John Kennedy pelas roupas. Na verdade,isso vem de um peculiar traço de personalid-ade que o faz se sentir desconfortávelquando usa uma peça de roupa por tempodemais. Ele leva o criado de longa data, Ge-orge Thomas, à loucura com as constantestrocas de roupa.

No momento, Kennedy não estápensando em sua aparência, embora nãodeixe de mexer nos cabelos, como sempre,para se garantir de que cada fio esteja nodevido lugar. É difícil se livrar de velhoshábitos.

Kennedy está preocupado com Cuba.Quase dois mil quilômetros ao sul de Wash-ington D.C., um campo de batalha está seformando. Kennedy autorizou uma invasãosecreta nesta nação-ilha, enviando 1.400 ex-ilados anticastristas para realizar um

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trabalho que o exército dos Estados Unidos,segundo leis internacionais, não podia fazercom as próprias mãos. O objetivo dessessoldados da liberdade é nada menos do quederrubar o governo cubano. O plano vemsendo preparado desde muito antes daeleição de Kennedy. Tanto a CIA quanto aJunta dos Chefes de Estado Maiorgarantiram ao presidente que a missão seriabem-sucedida. No entanto, é Kennedy quemprecisa aprovar a operação – é ele quem seráresponsabilizado em caso de fracasso.

Assim que o helicóptero UH-34 pousaem apoios metálicos especialmente instala-dos no Jardim Sul para formar um helipon-to, JFK é o primeiro a sair, descendo até agrama recente da primavera. O presidenteparece tranquilo e calmo, mas seu estômagoestá se revirando, literalmente. O estresse dasemana, aliado ao planejamento de últimahora para o arriscado ataque em Cuba, cau-sou uma forte diarreia e uma violenta

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infecção no trato urinário do presidente. Seumédico receitou injeções de penicilina e umadieta de líquidos para tornar o sofrimentomais suportável. Ainda assim, ele estápéssimo. Por mais que as coisas não estejammuito bem agora, o presidente sabe que suasegunda-feira está prestes a ficar ainda pior.

Kennedy atravessa com determinação aserenidade o Jardim de Rosas da CasaBranca, mesmo que os exilados cubanos daBrigada 2506 estejam em grave perigo, acua-dos em uma faixa de areia em Cuba.

Essa área entrará para a história como ainfame Baía dos Porcos.

John F. Kennedy cruza a entrada doJardim de Rosas para o Salão Oval, com seucarpete cinza e paredes brancas. No inverno,quando as árvores estão desfolhadas, é pos-sível ver o National Mall pelas janelas altasatrás da mesa de Kennedy. Na ponta oposta,ocultado do campo de visão de JFK pelo an-tigo prédio do Executivo, desponta o

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Memorial de Lincoln. Kennedy não se senta,nem olha na direção da estátua de Lincoln.

Ele está ansioso demais com a situaçãoem Cuba para se sentar.

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A semana não foi boa para os EstadosUnidos. No dia 12 de abril, os soviéticosaturdiram o mundo lançando o primeirohomem ao espaço, provando a todos quepossuem foguetes capazes de carregar ogivasnucleares até os Estados Unidos. A GuerraFria entre as duas nações há mais de umadécada agora tem claramente os soviéticosna dianteira. Muitos em Washington acredit-am que derrubar o governo pró-soviético deCastro ajudará a reestabelecer o equilíbrio nadisputa.

Kennedy sabia que teria o apoio do povoamericano quando autorizou a invasão. Omedo da disseminação global do comunismoassola os Estados Unidos. Qualquer coisa

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que ele faça para deter essa ameaça seráaplaudida. E, embora invadir outro paístraga um imenso risco diplomático, o presid-ente goza de uma taxa de aprovação de 78 %após seus primeiros meses no cargo, um cap-ital político valioso. Jornais e revistas estãoveiculando artigos e mais artigos sobre ojovem presidente, chamando Kennedy de“onisciente” e “onipotente”.

No entanto, nenhum homem é capaz desaber de tudo, e mesmo o presidente dosEstados Unidos não é todo-poderoso.Kennedy está prestes a fazer poderosos in-imigos com um equívoco colossal. Ao fim doconflito na Baía dos Porcos, entre esses in-imigos ele terá não apenas Castro, mas tam-bém um dos oficiais de mais alta patente dogoverno dos Estados Unidos: o sagaz chefeda CIA, Allen Dulles.

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Kenny O’Donnell cumprimentaKennedy no Salão Oval e lhe faz um rápidoresumo da agenda do dia. O presidente entãosai por outra das quatro portas do Salão Ov-al. Em seu caminho, ele passa pela mesa daleal secretária particular, Evelyn Lincoln,para chegar à Sala do Gabinete, onde osecretário de Estado Dean Rusk o espera.

Homem brilhante, Rusk estudou em Ox-ford como bolsista de Rhodes e trabalhoucomo chefe de planejamento do exército noTeatro de China-Burma-Índia durante a Se-gunda Guerra Mundial, organizando missõessecretas muito similares à da Baía dos Por-cos. Nascido na Geórgia, Rusk participou doplanejamento das várias reuniões quelevaram à invasão desse final de semana.Ainda assim, ele não foi a primeira escolhade Kennedy para chefiar o Departamento deEstado, e, há apenas três meses em seu novocargo, o novo secretário de Estado continuatendo uma postura hesitante com seu chefe,

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temendo dar opiniões. Neste momentoKennedy precisa, mais do que nunca, de con-selhos bem fundamentados, mas Rusk se re-cusa a compartilhar suas ressalvas quanto àsituação da Baía dos Porcos, incluindo suaopinião de que “essa parca brigada de exila-dos cubanos tem tanta chance de sucessoquanto uma bola de neve teria de sobreviverno inferno”.

A relutância de Rusk em aconselhá-lo deforma aberta e sincera é o menor dos prob-lemas do presidente a esta altura. Ao queparece, ninguém ousará ser sincero comKennedy. Enquanto espera notícias do frontde batalha, JFK lamenta não ter a compan-hia de alguém que possa dizer a ele a verdadenua e crua.

Sentindo a iminência de uma crise, opresidente pega um telefone e começa adiscar.

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Cuba.Esse paraíso farto em rum tempos atrás

já foi um dos destinos favoritos entre amer-icanos abastados. As praias de areia brancado país são belíssimas, e seus cassinos sãolendários. Ernest Hemingway escreveu sobreos vários encantos de Cuba e se deliciavacom seu drinque favorito de rum, o daiquiri.Nos bastidores, chefões do crime organizadoamericano como Meyer Lansky e Lucky Lu-ciano se sentiam tão à vontade na capitalcubana, Havana, quanto na Cidade de NovaYork. E, há décadas, corporações americanastiraram proveito do clima de Cuba e de seugoverno completamente corrupto para lá in-stalar imensas plantações de cana-de-açúcar,campos de petróleo e fazendas de gado.

Na verdade, desde o épico 1898, quandoTeddy Roosevelt e seus Rough Riders in-vadiram San Juan Hill para libertar Cuba daEspanha, o relacionamento entre Cuba e

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Estados Unidos em geral foi pacífico, livre detensões e, em uma só palavra, tranquilo.

Isso até 1959.A corrupção no país chegou ao seu ápice

durante o regime pró-Estados Unidos dogeneral Fulgencio Batista, despertando umarevolta entre os cubanos. Após quatro anosde batalha, Fidel Castro, o filho bastardo de32 anos de um abastado fazendeiro cubano,avançou contra Havana liderando seu exér-cito de guerrilha e derrubou Batista. (Quemorreu de ataque cardíaco enquanto exiladoem Portugal, apenas dois dias antes que aequipe de assassinos comandada por Castropudesse completar sua missão.) Os EstadosUnidos responderam à derrubada de Batistareconhecendo oficialmente o novo governo.

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Castro é um homem de muitos segredos.Em seu talvez mais infame episódio, onze di-as após a derrubada do governo de Batista,

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em 1959, 75 prisioneiros políticos foramforçados a marchar no meio da noite nadireção de um campo aberto nas proximid-ades da cidade de Santiago, com as mãosamarradas atrás das costas. Não havia nen-hum caminho a ser seguido, e os queousavam desacelerar ou tropeçavam logosentiam a firme pontada da baioneta de umsoldado em suas costelas. De repente, umafileira de caminhões do exército acendeuseus faróis, revelando uma trincheira dequase dois metros de profundidade e cin-quenta de comprimento. Escavadeiras es-tavam paradas ao longo da trincheira, com aspás abaixadas e prontas para empurrar osmontes recém-escavados de terra de volta aoimenso buraco.

As execuções deveriam ser em segredo,mas as mulheres e namoradas dos pri-sioneiros descobriram o plano e ficaram devigília, seguindo a procissão ao longe. Fi-caram boquiabertas de horror quando

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aqueles faróis iluminaram o que logo se torn-aria um imenso túmulo coletivo. Enquantoos soluços e prantos das mulheres cortavama noite, os soldados de Castro enfileiraramseus maridos, filhos e namorados ombro aombro ao longo da borda da vala, pro-vocando as mulheres com zombarias e vaias.As mulheres choraram e rezaram até o inex-orável momento em que as metralhadorasforam disparadas, e os mortos tombaramvala abaixo.

E assim se iniciou o reinado de terror deFidel Castro. Pouco depois, um juiz cubanofoi baleado na cabeça por inocentar pilotosmilitares que haviam lutado contra as forçasde Castro durante seus ataques de guerrilha.Em seguida, Castro ordenou que os pilotosfossem condenados por genocídio. Quandoum novo juiz os sentenciou a trabalhos força-dos e não à pena de morte, ele também foiexecutado. O líder cubano, descrito em suaspróprias palavras, é “violento, propenso a

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ataques de raiva, maldoso, manipulador edado a desafiar todo o tipo de autoridade”.

O povo cubano logo percebeu quepagaria um alto preço por apoiar a ascensãode Castro ao poder. No entanto, fora do país,a fachada popular de Castro como um heróirevolucionário se manteve firme. Um jornalbritânico chegou a escrever que “a figurajovem e barbada de Castro se tornou umsímbolo da negação latino-americana à bru-talidade e à corrupção. Todos os sinais apon-tam que ele rejeitará um governo ditatorial eviolento”. Em abril de 1959, Castro palestrouna faculdade de direito da Universidade deHarvard, em Cambridge, Massachusetts.Mesmo tendo usado seu conhecimento sobreo direito para revogar as leis do habeas cor-pus em Cuba, e por mais que o massacre de12 de janeiro tivesse sido relatado no NewYork Times, o discurso de Castro em Har-vard foi interrompido diversas vezes por gri-tos e aplausos empolgados.

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Nessa mesma viagem aos Estados Un-idos, o líder cubano se reuniu com o vice-presidente Richard Nixon, que ficou imedi-atamente impressionado com Castro. Na ver-dade, Nixon chegou a escrever um memor-ando confidencial de quatro páginas à Eisen-hower, dizendo que “uma coisa é certa, eletem todas aquelas qualidades inidentificáveisque o tornam um grande líder”.

John F. Kennedy, na época senador dosEstados Unidos, ainda a meses do início desua campanha à presidência, sabia queBatista havia sido um déspota cruel respon-sável pela morte de mais de vinte mil de seuspróprios cidadãos. Kennedy não via nada deerrado na ascensão de Castro ao poder. E,como Hemingway, ele também gostava deapreciar um daiquiri às vezes.

Em 1959, Kennedy e Castro estavamprestes a se tornar dois dos maiores rivais doséculo XX. Ambos eram jovens carismáticose idealistas adorados por seus fanáticos

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seguidores. Ambos gostam de um bomcharuto e passaram por longas séries devitórias políticas que levaram cada um aocomando de sua respectiva nação. No ent-anto, ambos também sofreram um revés aochegarem ao poder – Castro foi preso dur-ante os primeiros anos da revolução; e osgraves problemas nas costas de Kennedy euma condição potencialmente letal em suaglândula adrenal conhecida como doença deAddison quase o mataram. Talvez a semel-hança mais marcante entre os dois homensseja que Kennedy e Castro são daquele tipode macho alfa altamente competitivo quenunca aceita uma derrota, independente-mente de qualquer circunstância ou preço.

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Em Cuba, o preço da revolução foi muitoalto. Com sangue escorrendo pelas ruas deHavana, foi só uma questão de tempo até osEstados Unidos se darem conta da verdade.

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Em fevereiro de 1960, treze meses após a as-censão de Castro ao poder, um relatório daCIA para o Conselho de Segurança Nacionaljá alertava sobre o “apoio ativo” da UniãoSoviética a Castro, lamentando também a de-sorganização das forças anticastristas. O gov-erno Eisenhower começou em segredo a ar-quitetar planos para derrubar o regime deCastro, autorizando a CIA a dar início a tre-inamentos paramilitares de exilados cubanosem uma base secreta na Guatemala.

Castro se tornou um assunto sensível nacampanha presidencial de 1960. Kennedyatacou com vigor o governo Eisenhower,usando a situação em Cuba para ilustrar afraqueza de sua luta contra o comunismo.“Em 1952, os republicanos criaram um pro-grama para baixar a cortina de ferro no lesteeuropeu”, alertou Kennedy à nação. “Hoje, acortina de ferro fica a menos de 150 quilô-metros do litoral dos Estados Unidos.”

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Uma invasão a Cuba deixou de ser algodiscutível e passou a ser uma questão detempo. Em um discurso no dia 31 de dezem-bro de 1960, Castro alertou que no caso dequalquer tentativa nesse sentido os EstadosUnidos sofreriam baixas muito superiores àsdo Dia D. “Caso eles queiram invadir nossaterra e destruir nossa resistência, não irãoconseguir... pois enquanto restar um únicohomem ou uma única mulher de honra nestaterra haverá resistência”, declarou ele. Al-guns dias depois, em 3 de janeiro de 1961,Castro despertou os temores de todos osamericanos com a Guerra Fria ao anunciarque “Cuba tem o direito de encorajar a re-volução na América Latina”.

Enquanto John Kennedy se preparavapara assumir a presidência, praticamente umde cada dezenove cidadãos cubanos estavapreso por motivos políticos. Os Estados Un-idos haviam cortado relações diplomáticascom Havana. No dia 10 de janeiro, o New

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York Times publicou uma matéria deprimeira página com a manchete “EstadosUnidos auxiliam o treinamento de forças an-ticastristas em base aérea guatemalteca”,revelando que soldados estavam sendo tre-inados em táticas de guerrilha para um fu-turo ataque contra Cuba. O artigo do Timeschamou a atenção de Castro, que respondeuordenando a instalação de minas terrestresem áreas suscetíveis a uma potencialinvasão.

Em Washington, a CIA e seu velho dire-tor, Allen Dulles, desenvolveram uma ob-sessão pela derrubada de Castro. Estimativasposteriores calculariam quase seiscentos pla-nos criados por eles para assassiná-lo, in-cluindo métodos nada ortodoxos comoataques ao estilo da máfia e o uso decharutos explosivos. No dia 11 de março, umano após Dwight Eisenhower ter autorizadoo treinamento de forças rebeldes, o presid-ente Kennedy foi formalmente apresentado

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aos planos da CIA para uma invasão. Oataque seria realizado durante o dia, e seulocal seria uma praia sob o codinome deTrinidad.

A operação trouxe a Kennedy um grandedilema. Por um lado, ele havia baseado suacampanha pela presidência em uma plata-forma de mudanças, prometendo à nação umrecomeço após as políticas da Guerra Fria deDwight Eisenhower. Mas, por outro, elehavia ridicularizado a abordagem de Eisen-hower ao governo de Castro e sabia queaparentaria fraqueza perante o comunismose não fizesse nada para derrubar o brutalditador. No dia 17 de abril, o New YorkTimes publicou outra matéria de primeirapágina, que, dessa vez, falava que os rebeldescubanos estavam levantando acampamento ese preparando para a invasão, o que levouKennedy a dizer em particular que Castronão precisava de espiões nos Estados Unidos– ele só precisaria ler o jornal.

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No dia 12 de abril, o Partido Comunistana Guatemala relatou a Moscou que ossoldados de guerrilha anti-Castro treinadospelos Estados Unidos lançariam sua invasãonos próximos dias. Os soviéticos, no entanto,estavam incertos quanto às informações enão repassaram as notícias a Castro. Nessemesmo dia, o presidente Kennedy tentounegar qualquer envolvimento americano emuma invasão, dizendo: “Não haverá, em cir-cunstância alguma, qualquer intervenção emCuba por parte de forças americanas”.Kennedy, com todo cuidado, deixou de citarqualquer ajuda dos Estados Unidos quantoao financiamento, treinamento ou planeja-mento de um ataque rebelde.

O jovem presidente americano estava searriscando em uma ousada manobra dip-lomática, na esperança de confrontar umaameaça muito concreta ao não deixar quenenhum oficial militar dos Estados Unidosparticipasse de fato da operação. Seus

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comentários exageravam a verdade, mas amensagem nas entrelinhas não poderia tersido mais clara: a invasão havia se tornadouma questão pessoal. Aquilo não era maisum conflito entre Estados Unidos e Cuba, esim entre John F. Kennedy e Fidel Castro,dois homens extremamente competitivosdisputando o controle ideológico dohemisfério ocidental. Nos dias seguintes,ambos tomariam as atitudes um do outrocomo afrontas pessoais. E ambos continuari-am determinados a vencer a qualquer custo.

Em Moscou, outro brutal ditador, NikitaKhrushchev, que havia galgado suas posiçõesna política soviética à custa de muito sangue,estava confuso: “Por que um elefante teriamedo de um rato?”, perguntava-se ele. Suasconstantes afrontas aos Estados Unidos vin-ham garantindo a Castro uma altíssima pop-ularidade em Cuba. Khrushchev sabia que, sea invasão em Cuba fosse bem-sucedida, opovo cubano seria fortemente pressionado a

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aceitar um fantoche do governo americanocomo seu novo líder. Um possível conflitoguerrilheiro contra os Estados Unidos porparte dos apoiadores de Castro poderia bene-ficiar a União Soviética, permitindo a consol-idação de sua presença militar no hemisférioocidental para auxiliar o ditador cubano.

Para Khrushchev, tudo isso tinha muitopouco a ver com Castro ou Cuba, é claro. Seuverdadeiro objetivo era a dominação global.Qualquer coisa que pudesse distrair ou di-minuir o poder dos Estados Unidos seriaótimo para a União Soviética.

* * *

Nos dias que antecederam a invasão, opresidente Kennedy se opôs ao plano da CIA.A praia de Trinidad lembrava demais as zo-nas de desembarque na Normandia. O pres-idente queria que a invasão parecesse tersido gerada apenas pelos próprios exiladoscubanos, para disfarçar o envolvimento

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americano. Kennedy queria usar uma regiãoisolada onde homens e suprimentos poderi-am ser desembarcados em sigilo, para entãoentrar no país despercebidos.

A resposta da CIA foi oferecer um novolocal, conhecido como Bahia de Cochinos –ou “Baía dos Porcos”. O desembarqueaconteceria à noite. Ao contrário das vastaspraias de Trinidad ou mesmo da Normandia,a Baía dos Porcos era cercada por quilômet-ros de pântanos impenetráveis, e poucas es-tradas davam acesso para entrar ou sair daárea.

Ainda assim, embora os Estados Unidostenham um histórico de sucesso com in-vasões anfíbias de grande escala, poucasdelas aconteceram à noite. Há apenas duasformas de a operação ter sucesso. Primeiro, aforça de invasão terá que deixar a praia ime-diatamente e assumir o controle das estradasde acesso. Segundo, os aviões rebeldes pre-cisarão controlar o espaço aéreo, derrubar as

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aeronaves de Castro e então atacar seussoldados e tanques enquanto eles avançamcontra a Baía dos Porcos. Sem um potentereforço aéreo, a missão com certeza falhará.

Kennedy adora romances de espiões –James Bond é seu favorito – e se encantacom o mundo ardiloso dos agentes secretos.O diretor da CIA, Alan Dulles, um cavalheirocortês e rico, com seus quase setenta anos, éum ícone dessa aura de segredo e intriga. Elegarantiu a Kennedy que o plano dará certo.

A princípio, o presidente acreditou nele.No dia 14 de abril, apenas dois dias apósrealizar a conferência de imprensa na qualprometeu que não haveria qualquer inter-venção em Cuba por parte dos Estados Un-idos, Kennedy deu sua aprovação oficial àOperação Zapata, como na época foi cha-mada a invasão da Baía dos Porcos.

O dia 14 de abril era uma sexta-feira.Após aprovar a invasão, não havia mais nadaque o presidente pudesse fazer além de

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esperar. Ele então foi até Glen Ora para ficarcom Jackie e seus filhos, onde passou um fi-nal de semana angustiante à espera de notí-cias sobre Cuba. Quando elas por fimchegaram, quase nenhuma era boa.

Tudo começou na manhã de sábado,quando oito bombardeiros B-26 pilotadospor rebeldes cubanos atacaram três basesaéreas cubanas. O plano original pediadezesseis aviões, mas Kennedy ficou receosoe cortou esse número pela metade.

Como resultado, os bombardeios foramineficazes e mal chegaram a afetar a ForçaAérea cubana. Mas Fidel Castro ficoufurioso. Ele contra-atacou imediatamente ogoverno Kennedy com uma série de acus-ações públicas sobre o envolvimento dosEstados Unidos no ataque.

As coisas só pioraram depois disso. Umdesembarque paralelo no sábado deveriadeixar por volta de 160 rebeldes anti-Castronas praias perto da baía de Guantánamo,

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mas o plano foi cancelado devido a prob-lemas em um barco crucial para a operação.Em um incidente isolado, forças cubanasprenderam um pequeno grupo de rebeldesque já estavam na ilha com um vasto car-regamento de armas.

Na tarde de sábado, o embaixadorcubano nas Nações Unidas se pronuncioudurante a Assembleia Geral, denunciando osEstados Unidos pelo seu ataque – em res-posta a que Adlai Stevenson, o embaixadordos Estados Unidos na ONU, repetiu apromessa de JFK de que tropas americanasjamais atacariam Cuba.

Enquanto tudo isso acontecia, JohnKennedy se escondeu no interior. Todos oseventos até então haviam sido apenas umprelúdio da verdadeira invasão. No entanto,a pressão começou a pesar em Kennedy. Elecancelou uma segunda onda de bombarde-ios, mesmo estando ciente de que isso poder-ia arruinar a invasão.

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Na calada da noite, pouco após o domin-go se tornar segunda-feira, os 1.400 exiladoscubanos da brigada 2506 avançaram contraa Baía dos Porcos a bordo de uma pequenafrota de cargueiros e embarcações de desem-barque. Eles tinham grandes esperanças –seu sonho era recuperar o controle da terranatal.

Muito poucos deles eram soldados deverdade. Eles eram apenas homem de todo otipo de camada social, treinados por veter-anos americanos da Segunda Guerra Mundi-al e da Guerra da Coreia – e esses experi-entes soldados americanos ficaram impres-sionados com o que viram.

No entanto, quando desembarcaram,esses valentes defensores da liberdade nãotinham a menor ideia de que o presidentehavia cancelado uma segunda onda deataques aéreos. Agora, os homens da brigada2506 precisariam tomar as praias sozinhos –uma tarefa quase impossível.

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Na manhã de segunda-feira, enquantoesses soldados cubanos encontravam aprimeira onda da resistência castrista, opresidente embarcou no Marine One e voltoupara Washington, na esperança de que seusdefensores da liberdade conseguissem en-contrar uma maneira de fazer o impossível.

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O presidente Kennedy e seu irmão, o procurador-geral Robert F.

Kennedy, tinham uma relação contenciosa com o vice-presidente Lyn-

don B. Johnson.

(Abbie Rowe, Fotos da Casa Branca, Biblioteca e Museu Presidencial

John F. Kennedy, Boston)

Além de John Kennedy, apenas doisoutros homens têm permissão para adentraro Salão Oval pela porta do Jardim das Rosas:

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o vice-presidente Lyndon Johnson e oprocurador-geral Robert Kennedy. Esse priv-ilégio, aliado ao desdém mútuo entre eles, étudo o que esses dois homens têm emcomum.

O texano de um metro e 93 de altura éum homem batalhador e político de carreira,um ex-professor colegial cujo imponentefísico mascara uma personalidade frágil e àsvezes insegura. Aos 51 anos, LBJ, como éconhecido, talvez tenha sido o líder major-itário do Senado mais bem-sucedido e po-deroso da história dos Estados Unidos, ad-epto da construção de parcerias e da forti-ficação de seu partido, sendo fiel à missão decriar leis relevantes.

Bobby, com um pouco mais de ummetro e 75 de altura, fala com o mesmo fortesotaque de Boston de seu irmão. Ele é umhomem em plena forma física que nasceu emcondições privilegiadas e nunca ocupou umcargo eletivo no governo. LBJ sabe disso e se

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deleita com o fato de que, como líder do Sen-ado, ele está um nível acima da relativa-mente inexperiente máquina política deKennedy.

Os dois têm seus conflitos desde ooutono de 1959, quando Bobby Kennedy foivisitar Johnson em seu imenso rancho noTexas. Seu irmão o enviara ao Texas paraaveriguar se Johnson tentaria enfrentarKennedy pela indicação democrata em 1960.

LBJ tinha o hábito de levar convidadosimportantes para caçar cervos em sua vastapropriedade, e com Bobby não foi diferente.A princípio, Bobby e LBJ se deram muitobem – ou melhor, até Bobby acertar umcervo. O coice do rifle o jogou de costas nochão e abriu um corte sobre um de seus ol-hos. Enquanto se abaixava para ajudarBobby, Johnson não conseguiu resistir a dis-parar uma cutucada: “Filho”, disse ele aBobby, “você precisa aprender a atirar comoum homem”.

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Ninguém fala com Bobby Kennedy as-sim. E é de pequenos momentos assim quenascem grandes conflitos.

Com a chegada da eleição de 1960, foiBobby quem lutou com mais determinaçãocontra a escolha de Lyndon Johnson comovice-presidente. E também foi Bobby empessoa quem foi à suíte de hotel onde John-son estava hospedado durante a convençãodemocrata em Los Angeles para lhe ofereceresse posto – não antes de tentar convencê-loa recusar a proposta.

Agora, o caso da Baía dos Porcos mar-cará o momento em que suas carreiras ofi-cialmente tomarão direções radicalmenteopostas. A importância de Bobby logo cres-cerá muito; seu irmão em pouco tempochegará a se referir a ele como “o segundohomem mais poderoso do mundo”.

Johnson, que em particular se refere aBobby como “filho da mãe metido a besta”, jáestá começando a se arrepender por

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abandonar o Senado. LBJ é um homem emdeclínio. O presidente Kennedy não confianele e mal o tolera. O presidente nutretamanho desprezo por Johnson que chegaaté a comentar com Jackie: “Você consegueimaginar o que aconteceria com este país seLyndon tivesse sido eleito presidente?”.

Ser vice-presidente, certa vez comentouJohn Nance Garner, o primeiro vice deFranklin Delano Roosevelt, é como ser “umbalde de cuspe”. John Adams chegou adescrever seu cargo dizendo: “Eu não sounada”. Lyndon Johnson entende muito bema visão dos seus predecessores. Ele não temmais apoio eleitoral, nenhum poder políticoe nem uma gota sequer de autoridade.

Por exemplo, o vice-presidente não temseu próprio avião. Quando seu trabalho exigeuma viagem, Johnson precisa pedir permis-são a um dos assistentes de Kennedy parausar o avião presidencial. Mesmo sendo tec-nicamente o segundo homem no comando

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da nação, os pedidos de Johnson não têmmais peso do que os de qualquer outro mem-bro do gabinete. Às vezes, eles são recusados.Quando isso acontece, o vice-presidente dosEstados Unidos pode ser forçado a pegar umvoo comercial.

O pior, no entanto, não é o fato de John-son ter perdido sua força política em Wash-ington, e sim a perda de quase toda a sua in-fluência no Texas, seu estado natal. Apesardo papel crucial em garantir a vitória deKennedy no Texas na eleição, o senador Ral-ph Yarborough agora está aproveitando paraassumir o controle da política texana, e osecretário da Marinha John Connally já fazplanos de concorrer a governador. Um deles,ou talvez os dois, logo terão domínio políticosobre o estado da estrela solitária. Johnsonestá se tornando descartável. Caso Kennedyescolha outro vice quando se candidatar àreeleição, LBJ ficará fora da política parasempre.

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Mas, por enquanto, Johnson ainda temo raro privilégio de entrar no Salão Oval pelaporta do Jardim das Rosas. No entanto,quando Kennedy pega o telefone para pedirajuda na manhã do dia 17 de abril, ele nãoliga para Lyndon Johnson.

É Bobby Kennedy quem atende o tele-fone. Ele está na Virgínia, fazendo um dis-curso. “Acho que as coisas não estão indo tãobem quanto poderiam”, diz o presidente aoseu irmão mais novo. “Volte para cá.”

John Kennedy focou propositalmente otrabalho de seu irmão em questões de polít-ica interna, preferindo buscar outros paraaconselhá-lo sobre assuntos internacionais.Apesar de suas frequentes conversas portelefone, o presidente vê seu irmão maisnovo como um beneficiado do seu nepot-ismo, porque foi Joseph Kennedy quem in-sistiu para que JFK contratasse Bobby comoprocurador-geral. Mas agora, em um mo-mento de muita insegurança, John Kennedy

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compreende a sabedoria de seu pai. Por maisque Bobby não tenha recebido um relatórioda CIA sobre a ação em Cuba há três meses,ele é o único homem com quem o presidenteacredita que pode contar.

Enquanto isso, Lyndon Johnson seafasta cada vez mais do centro de seu poderpolítico.

* * *

John Kennedy está no Salão Oval, in-capaz de deter os acontecimentos aos quaisele mesmo deu início. O presidente poderiater cancelado a invasão até a noite de domin-go, enquanto os homens altamente treinadose os rapazes da brigada 2506 desciam dassuas embarcações de transporte e eramtransferidos para barcos que os levariam atéa praia.

No entanto, cancelar a missão exigiriauma bravura extraordinária. Kennedy per-deria o respeito de Allen Dulles, da CIA, de

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seus consultores particulares e da Junta deChefes de Estado.

Por outro lado, foi exatamente parafazer esse tipo de decisão impopular que elefoi eleito. E agora a relutância de Kennedyem bancar escolhas difíceis assim estáameaçando derrubar seu governo.

Muito tempo se passou desde seus diasde jovem comandante do TP-109. Ele aindaestá aprendendo, assim como Abraham Lin-coln aprendeu, que a decisão de utilizar aforça não deve ser determinada por homenscujas carreiras dependem do seu uso.

Mas não foi a CIA ou a Junta de Chefesde Estado quem ordenou essa invasão; foiJohn Kennedy.

Após voltar às pressas da Virgínia,Bobby entra no Salão Oval e encontra seuirmão mais velho com um ar pensativo. “Pre-firo ser taxado como um agressor a ummolenga”, lamenta JFK. As notícias vindasdas praias cubanas não são boas: os

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defensores da liberdade não conseguiram to-mar as estradas-chave e outros pontos es-tratégicos. Os homens da brigada 2506 nãotêm como abandonar a praia. As forçascubanas os acuaram. A invasão enfrenta umimpasse.

Confuso, JFK revela abertamente seustemores a Bobby. O presidente sabe que,quando fala com seu irmão, está livre dequalquer vazamento de segurança ou detentativas de minar sua autoridade. Masmesmo agora, com Bobby ao seu lado, JohnKennedy pode sentir a esmagadora solidãoque ser o presidente dos Estados Unidostraz. Foi ele quem criou essa confusão emCuba, e é ele quem deverá encontrar umasaída para transformar esse potencial fiascoem uma brilhante vitória.

* * *

Mas isso não irá acontecer.

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Na terça-feira, 18 de abril, o próprioCastro vai à praia em um tanque T-34 paraenfrentar os invasores. Dezenas de milharesde milicianos cubanos estão a postos paraconter o avanço dos rebeldes. Os cubanosagora controlam as três estradas principaisde acesso à Bahia de Cochinos. E mais im-portante ainda: graças ao fato de Kennedyter cancelado o apoio pelo ar, a Força Aéreacubana e seus jatos T-33 facilmente as-sumem o controle dos céus.

Ao meio-dia, o conselheiro de SegurançaNacional McGeorge Bundy relata timida-mente a JFK que “as forças armadas cubanassão mais fortes, a resposta popular foi maisfraca e nossa posição tática é mais frágil doque esperávamos. Os tanques já tomaramuma praia, e a situação está precária nasoutras”.

Naquela madrugada, em uma reuniãona Casa Branca logo após a meia-noite,Kennedy está de gravata branca enquanto

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ouve outro relatório sobre o fracasso da in-vasão. Horas antes, ele precisou abandonarum evento na Casa Branca e ir para o Con-gresso – as obrigações formais de um presid-ente continuam mesmo durante crises.

A Sala do Gabinete está adornada comum mapa do Caribe, no qual pequenos navi-os com ímãs mostram a localização das di-versas embarcações mobilizadas para apoiara invasão. E entre elas está o porta-aviõesEssex e seus navios de escolta.

“Não quero o envolvimento dos EstadosUnidos nisso”, esbraveja o incrédulo JFK en-quanto analisa o mapa.

O almirante Arleigh Burke, comandanteda Marinha dos Estados Unidos, respirafundo e diz a verdade: “Por favor, sr. presid-ente, os Estados Unidos estão envolvidosnisso”.

Em uma última tentativa de salvar a in-vasão, o presidente autoriza com relutânciauma hora de cobertura aérea – das seis e

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meia às sete e meia – por seis jatos sem iden-tificação saídos do Essex. Os jatos deverão sejuntar aos bombardeiros B-26 pilotadospelos defensores cubanos da liberdade paraconter os ataques aéreos cubanos. No ent-anto, os pilotos da Marinha americana nãodeverão atacar alvos em solo ou entrar emconflitos aéreos diretos – mais um sinal deque JFK estava com medo.

Após a reunião da meia-noite, o presid-ente sai pela porta do Salão Oval para oJardim das Rosas, com o peso de todo omundo livre e do destino de mais de mil ho-mens sobre seus ombros. Ele passa uma horacaminhando sozinho sobre a grama úmida.

Na manhã do dia 19 de abril, novas másnotícias chegam: por mais difícil que sejacrer, a CIA e o Pentágono não pensaram nadiferença de fuso entre Cuba e a base aéreados defensores da liberdade na Nicarágua.Os jatos do porta-aviões Essex e os bom-bardeiros B-26 da América Central chegam

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ao local determinado com uma hora de difer-ença, e os dois grupos de aeronaves não seencontram. Em decorrência disso, váriosB-26s e seus pilotos são derrubados pelaForça Aérea cubana. Pierre Salinger, o as-sessor de imprensa do presidente, descobreKennedy sozinho na residência da CasaBranca, chorando após ouvir as notícias.

Jackie nunca viu seu marido tão tran-stornado. Ela só havia visto JFK chorar duasvezes antes e fica surpresa ao vê-lo pôr acabeça entre as mãos e soluçar. Bobby pede àprimeira-dama para ficar por perto, pois opresidente precisa ser confortado. Nesse dia,Kennedy abandona até a preocupação comsua meticulosa aparência, chegando a rece-ber um senador para uma reunião no SalãoOval com o cabelo todo bagunçado e agravata torta.

Bobby Kennedy se apressa para defend-er seu irmão quando Lyndon Johnson re-clama por não ter participado do

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planejamento da operação. Bobby anda deum lado para o outro na Sala do Gabinete,disparando um olhar soturno de tempos emtempos para o mapa do Caribe e seus ímãsem formato de navios. “Temos que fazer al-guma coisa, temos que fazer alguma coisa”,repete ele várias e várias vezes. Perante osilêncio da CIA e dos líderes militares, ele sevira de repente para todos e diz: “Foram vo-cês os espertalhões que meteram o presid-ente nisso e, se não fizerem nada agora, meuirmão passará a ser visto como um fracopelos russos”.

Enquanto isso, o presidente passa oresto do dia mergulhado em sua angústia,sem esboçar qualquer tentativa de escondersua depressão de todos os funcionários daCasa Branca. “Como eu pude ser tão idiota?”,murmura ele para si mesmo, muitas vezesinterrompendo outras conversas sobre out-ros assuntos para repetir essas palavras.“Como eu pude ser tão idiota?”

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Por volta das 17h30, na noite de 19 deabril, as forças cubanas assumem total con-trole sobre a Baía dos Porcos. A invasãofalhou.

Além dos mortos e prisioneiros feitosem terra, as forças de Castro afundaramquase uma dúzia de navios de invasão, in-cluindo aqueles carregados de alimentos emunição, e derrubaram nove bombardeirosB-26.

Essa derrota é uma imensa humilhaçãopara os Estados Unidos. Kennedy é forçado adar uma coletiva de imprensa para assumirtoda a responsabilidade. “Há um velho dit-ado que diz ‘A vitória tem cem pais, e aderrota é órfã’. O que importa é que eu sou oresponsável no governo.”

Tempos depois, JFK irá se lembrardesse dia e especular que o fiasco da Baía dosPorcos poderia ter dado ao exército dos Esta-dos Unidos motivo para intervir no governo

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civil americano, alegando que o presidentenão era apto ao cargo.

No entanto, seis meses depois, foi odiretor da CIA, Allen Dulles, quem foi de-mitido. O líder da CIA fica extremamenteressentido. Esse é um golpe do qual o velhoespião e sua agência não irão esquecer tãofacilmente.

* * *

Uma semana após o fracasso na Baíados Porcos, Kennedy chama seus conselheir-os, incluindo Bobby, para a Sala do Gabinete.A presença de Bobby em uma reunião sobrepolítica externa é incomum, e a princípio, oirmão do presidente se mantém calado.

O presidente está inclinado para trás emsua poltrona, batendo levemente com umlápis em seus dentes, enquanto o sub-secretário de Estado Chester Bowles lê umalonga declaração que absolve o Departa-mento de Estado de qualquer

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responsabilidade sobre o caso da Baía dosPorcos.

JFK percebe que Bobby está irritado.Para os dois irmãos, Bowles é um chorãohipócrita.

Após a vida inteira ao lado do seu irmãomais novo, o presidente sabe que ele estáprestes a explodir. Ele também autorizouBobby a falar em seu nome. JFK espera, semmostrar qualquer tipo de emoção, apenasouvindo e batendo com o lápis nos dentes.

Por fim, Bobby Kennedy toma a palavra.Ele ataca brutalmente Chester Bowles comum discurso pensado para humilhá-lo.

“Essa é a coisa mais sem sentido e im-prestável que já ouvi. Vocês estão tão pre-ocupados em salvar o próprio couro que têmmedo de tomar qualquer atitude. Tudo o quevocês querem é jogar a bomba no colo dopresidente. Seria melhor se vocês pedissemdemissão logo e deixassem outras pessoascuidarem da nossa política externa”,

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esbraveja Bobby, elevando cada vez mais avoz. O presidente apenas observa, com umaexpressão vazia, ao leve som do lápis batu-cando em seus dentes brancos perfeitos.

“Percebi de repente”, escreverá o con-sultor presidencial Richard Goodwin temposdepois, “que as palavras agressivas de Bobbyrefletiam as opiniões pessoais do presidente,comunicadas um pouco antes, em uma con-versa particular com seu irmão. Mesmonaquela época, eu sabia que John Kennedyescondia uma dureza interior e um tempera-mento volátil por baixo da postura amigável,atenciosa e cuidadosamente controlada”.

Como algum dia será escrito, se LyndonJohnson é o vice-presidente, Bobby Kennedyem breve se tornará o presidente assistente –mas apenas após a Baía dos Porcos criar umlaço ainda mais forte entre os irmãosKennedy e transformar a forma como JFKtrabalha na Casa Branca. De agora em di-ante, quando o presidente Kennedy quiser

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expressar uma posição mais controversa aoseu gabinete, ele confiará essa tarefa aBobby, que falará pelo presidente, assum-indo qualquer tipo de crítica ou discussãoposterior para não enfraquecer a imagem deseu irmão mais velho.

* * *

Incrivelmente, o índice de aprovação deKennedy sobe para 83 % após a invasão,provando ao presidente que o povo amer-icano apoia com firmeza suas ações contraCastro. Nos bastidores, os planos americanospara derrubar o líder cubano continuamsendo feitos, e Castro assume uma posturaabertamente desafiadora contra Kennedy,tornando ainda mais clara a ideia dissemin-ada de que ambos querem a morte um dooutro.

Enquanto isso, embora a alta taxa deaprovação faça de Kennedy um dos presid-entes mais populares do século XX, ele sabe

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que algo precisa ser feito para restaurar oprestígio dos Estados Unidos na comunidadeinternacional. Em uma entrevista com JamesReston, do New York Times, Kennedy deixade lado a situação com Cuba e admite comtoda franqueza que, “estamos tendo prob-lemas para dar credibilidade ao nosso po-derio, e o Vietnã parece ser um lugar críticopara isso”.

Vietnã.Pequena, e até então quase totalmente

ignorada pelos Estados Unidos, essa naçãoasiática está passando pela sua própria re-volução comunista. Mas agora, o presidenteKennedy a vê como um lugar vital para a se-gurança dos Estados Unidos. Em maio de1961, JFK despacha Lyndon Johnson emuma viagem investigativa ao Vietnã,enviando-o para mais longe do Salão Oval doque nunca.

Os motivos por trás disso têm tanto aver com segurança nacional quanto com a

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noção do presidente do quanto está sendo di-fícil para o seu vice trabalhar com suasensação de impotência. “Não aguento maisver John tão cabisbaixo”, confidencia JFK aum senador. “Ele só vem para as reuniões efica lá com aquela cara fechada. Nunca diznada. Ele parece estar muito triste.”

Quando George Smathers, um velhoamigo de Kennedy e senador da Flórida, sug-ere que Johnson parta em uma viagem inter-nacional, JFK fica muito satisfeito, dizendoque é uma “excelente ideia”.

Apenas para reforçar a importância daviagem, o vice-presidente recebe permissãopara usar o avião presidencial.

* * *

Mais de 110 homens não teriam morridose JFK tivesse cancelado a invasão da Baíados Porcos. E mais de 1.200 defensores daliberdade não teriam sido presos e condena-dos a cumprir pena nas cruéis prisões de

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Castro. A Baía dos Porcos não apenas expôsas falhas da política internacional deKennedy como também minou o poder ce-dido a ele pelos eleitores – por mais que issonão tenha ficado claro na época. Kennedy foiindeciso em um momento em que deveria termostrado firmeza. Ele se deixou ser en-ganado. É impossível determinar o motivo.Mas não há dúvidas de que, no primeirogrande teste do seu governo, a liderança deKennedy falhou.

Esse desgastante mês de abril de 1961ensinou aos irmãos Kennedy uma lição in-delével: eles estavam sozinhos. Seus con-sultores não valiam as próprias calças. Pararestaurar a posição de poder dos EstadosUnidos, os irmãos Kennedy teriam que en-contrar uma forma para derrotar seus inimi-gos fora do país e, especialmente, em Wash-ington D.C.

* * *

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Enquanto isso, na União Soviética, o de-partamento de Estado dos Estados Unidosdecide devolver o passaporte americano deLee Harvey Oswald e permitir que ele voltepara casa. No entanto, embora esteja ansiosopara deixar a União Soviética, Oswald não émais aquele nômade sem raízes que desertouseu país dois anos antes. Ele adia sua partidaaté que Marina e seu filho ainda por nascerpossam viajar com ele.

Ele também espera para avisar Marinaque planeja levá-la para algum lugar.

Por fim, Oswald se abre. “Minha esposaficou um pouco espantada”, escreve ele emseu diário em 1º de junho, após finalmentecontar a Marina que eles irão deixar a UniãoSoviética, muito provavelmente para sempre,“mas depois me incentivou a fazer o que eubem quiser.”

Marina está prestes a deixar para trástudo o que conhece em troca de uma vida in-certa com um homem que ela mal conhece.

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No entanto, ela aceita essa dura realidadeporque, àquela altura, já aprendeu umagrande verdade sobre Lee Harvey Oswald:ele sempre faz o que quer, independente-mente de qualquer obstáculo que possa en-contrar em seu caminho.

Sempre.

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14 DE FEVEREIRO DE 1962WASHINGTON D.C.20h

A primeira-dama atravessa sozinha umcorredor, indo direto até a câmera de tevê deum metro e oitenta de altura marcada com ologotipo da CBS. Seu traje e seu batom sãode um tom vermelho forte, acentuando seuslábios carnudos e seus cabelos castanhos bu-fantes. A câmera transmitirá sua imagemapenas em preto e branco, então todos essesdetalhes serão perdidos pelos 46 milhões deamericanos sintonizados na NBC e na CBSpara acompanhar a sua apresentação televi-sionada da Casa Branca. Esse é o momentode Jackie nos holofotes da nação, umachance de mostrar seus esforços na reformade sua amada “Maison Blanche”.

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Jackie finge que a câmera não existe. Éassim que ela leva sua vida também, simu-lando um ar alheio e mantendo uma leve dis-tância de tudo e de todos, com a exceção dealguns poucos confidentes. Apesar do seuaparente desapego, Jackie sabe muito bem oque está fazendo, tendo escrito e editado elamesma o roteiro do programa, enchendo asmargens do texto com pequenas notas sobrea história de certas peças de mobília e osnomes dos ricos senhores que as doaram. Elaestá a par não apenas do estado da reformaem cada um dos 54 cômodos e dezesseis ban-heiros da Casa Branca, como também detoda a história da própria casa de 170 anosem si.

Ainda assim, como os Estados Unidosirão perceber ao longo da transmissão, aprimeira-dama não se comporta como umasabe-tudo pomposa. Na verdade, ela nemgosta de ser chamada de “primeira-dama”;para ela, parece o nome de um cavalo de

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corrida. Essa habilidade de rir de si mesmagarante a Jackie um precioso ar vulnerável etímido, em vez de indiferente, mesmo en-quanto ela fala com seu sotaque aristo-crático. Para muitos homens, ela é sensual, e,para várias mulheres, um ícone acessível. Aolongo do primeiro ano da presidência de seumarido, essa postura acessível de JackieKennedy conquistou os Estados Unidos e omundo.

O presidente Kennedy brincou com issoquando os dois foram a Paris, em junho de1961, em uma visita de Estado para se reunircom o presidente francês Charles de Gaulle.O incidente da Baía dos Porcos havia aconte-cido apenas seis semanas antes, e a imagemde JFK continuava muito abalada entre vári-os líderes europeus. Mas não a de Jackie.Quando o Air Force One pousou no Aero-porto de Orly, ela foi aclamada como umícone de glamour, postura e beleza. Para opresidente, foi impossível ignorar os flashes

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que acompanhavam os passos de sua esposa.Ao falar perante uma série de dignitários noPalais de Chaillot, JFK abriu seu discursocom tons melancólicos enquanto fazia umaprecisa descrição do seu estado perante osolhos de Paris e do mundo todo. “Acho quenão seria totalmente inadequado me ap-resentar a esta plateia”, disse ele com um arsério, “como o homem que está acompan-hando Jacqueline Kennedy em sua viagem àParis... e estou gostando.”

* * *

Após passar pela câmera da CBS, aprimeira-dama começa seu passeio televi-sionado narrando uma breve história daCasa Branca. Os telespectadores ouvem suavoz recatada enquanto desenhos e fotospreenchem a tela. Há um quê de drama emsuas palavras, ressaltando sua conexão emo-cional com o prédio. Ela fala com um tom deaprovação sobre a adição feita por Theodore

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Roosevelt na Ala Oeste, que levou os es-critórios do presidente e de seus funcionáriosdo abarrotado segundo andar da parte resid-encial da Casa Branca para um ambientemuito mais espaçoso e profissional.

Sua voz ganha um ar trágico ao descre-ver como a Casa Branca precisou ser esvazi-ada em 1948. O piso do escritório do presid-ente Truman começou a tremer como se est-ivesse prestes a desabar. Uma inspeção rev-elou que o prédio todo de fato estava à beirade implodir, pois não era reformado nempassava por reforços estruturais há décadas.“Tudo o que havia aqui dentro teve que sertirado. Só sobraram as paredes”, diz Jackiecom uma voz ofegante, enquanto fotografiasde escavadeiras derrubando pisos e tetos ori-ginais do prédio histórico surgem na tela.“Teria sido mais fácil e barato simplesmentedemolir tudo. Mas a Casa Branca é um sím-bolo tão grande para os americanos que asparedes externas foram mantidas.”

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A primeira-dama termina seu monólogorelembrando que estudou a fundo os detal-hes de todas as reformas, do passado e dopresente: “Pouco a pouco, o interior da casado presidente foi remontado. A fachada ex-terna continuou a mesma com a qual osamericanos se acostumaram ao longo doséculo, a não ser pela sacada no Pórtico Sul –adicionada pelo presidente Truman”.

Essas palavras memorizadas são umaleve cutucada. Truman foi muito criticadoem 1947 por mandar construir essa sacada,que foi vista como uma profanação dafachada externa da Casa Branca. A princípio,o presidente Kennedy ficou nervoso com areforma de Jackie, temendo que ela fosse seralvo de denúncias tão severas como Truman.Mas em vez de ceder ao marido, como elamuitas vezes faz, a primeira-dama se recusoua desistir. “Não vai ser como a sacada deTruman”, disse ela, garantindo ao seu mar-ido que seus esforços seriam bem recebidos.

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Seu foco seria no interior do prédio, termin-ando finalmente o trabalho que aquelas es-cavadeiras começaram em 1948. Seu objetivoera nada menos do que transformar a CasaBranca, que antes era uma enorme residên-cia de um burocrata, em um paláciopresidencial.

Mamie Eisenhower gostava de se referirà mobília e à Casa Branca em si como sefossem de sua propriedade particular –“minha casa” e “meus tapetes”. Ela tambémadorava tons de rosa. Jackie, que não se dámuito bem com sua predecessora, livrou-sede todos os móveis e tapetes baratos compra-dos por Mamie e pintou de outra cor todas asparedes rosa.

Como os americanos estão prestes a verpor si mesmos, a Casa Branca agora pertenceà Jacqueline Bouvier Kennedy.

A primeira-dama entra mais uma vezem frente à câmera para mostrar aostelespectadores sua nova casa, agora seguida

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pelo apresentador do programa, CharlesCollingwood, da CBS. Os toques pessoais deJackie estão por toda parte, desde novas cor-tinas, desenhadas por ela mesma, até o novolivro guia produzido por ela como uma formade levantar fundos para a reforma (quevendeu 350 mil cópias em apenas seismeses). Ela se livrou de várias bizarrices,como as fontes que faziam a Casa Brancaparecer mais um prédio comercial do que umtesouro histórico.

A primeira-dama vasculhou os depósitose a Galeria Nacional, recuperando tesourosde todos os tipos, como pinturas de Cézanne,as canecas de Teddy Roosevelt e os talheresde ouro franceses de James Monroe. A novamesa do presidente Kennedy foi outroachado de Jackie. A mesa Resolute, como éconhecida, foi entalhada com a madeira deum malfadado barco britânico e dada depresente pela rainha Vitória ao presidenteRutherford B. Hayes, em 1880. Jackie a

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encontrou esquecida na sala de transmissõesda Casa Branca, enterrada sob uma pilha deaparelhos eletrônicos, e prontamente atransferiu para o Salão Oval.

Ninguém além dos funcionários maisantigos da Casa Branca conhece seus segre-dos tão bem quanto Jackie. No entanto,apesar do seu vasto conhecimento, há muitascoisas das quais ela não quer saber.

Em primeiro lugar, os nomes das mul-heres com quem seu marido vem dormindo.E elas são muitas. Como Judith Campbell,amante e contato clandestino de Kennedycom o chefão da máfia de Chicago Sam Gian-cana – e que agora reclama pelo fato de JFKter se tornado um parceiro menos carinhosodesde que se tornou presidente. E a jovemdivorciada de 27 anos, Helen Chavchavadze,com quem JFK vem saindo desde antes desua posse. Há também as garotas trazidaspor Dave Powers. Entre as amantes do pres-idente, existem até algumas amigas e

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assistentes pessoais de Jackie. A primeira-dama costuma viajar quase todas as quintas-feiras para a casa do casal em Glen Ora, naVirgínia, para passar o final de semana an-dando a cavalo. Ela só volta na segunda-feira. O presidente fica sozinho na CasaBranca em sua ausência, e a lista de amantescresce dia após dia.

Jackie Kennedy não é boba. Ela sabesobre os casos de JFK desde quando ele erasenador. Isso a magoa muito, mas ela preferedeixar de lado as indiscrições do presidentepara manter as aparências e o prestígio deser a primeira-dama, e mais do que tudo,porque ama seu marido – e acredita que elea ama também.

A primeira-dama é fascinada pela aris-tocracia europeia e sabe que é comum, etalvez até natural, que homens poderosos naEuropa tenham casos amorosos. Seu queridopai, John “Black Jack” Bouvier, tambémcometia várias escapadas. E seu sogro,

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Joseph Kennedy, é famoso pelos seusgalanteios. A primeira-dama não tem nen-hum motivo para acreditar que o presidentedos Estados Unidos, o homem mais poder-oso do mundo, se comportará de outraforma. Além disso, é uma tradição dafamília. “Todos os Kennedy são assim”, elacomentou uma vez com Joan, a esposa doirmão mais novo de JFK, Teddy. “Você nãopode se incomodar. Não pode levar para olado pessoal.”

Certa vez, enquanto passava pelo es-critório de Evelyn Lincoln com um repórterfrancês, Jackie viu a assistente de Lincoln,Priscilla Wear, sentada em um canto dapequena sala. Falando em francês, Jackie in-formou ao repórter que “essa é a garota quedizem estar dormindo com meu marido”.

No entanto, apesar de sua aparente in-diferença, Jackie se magoa muito por dentrocom essas traições. De tempos em tempos,suas amigas notam sua silenciosa tristeza

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com o casamento. Até mesmo agentes doServiço Secreto, que nutrem apreço e re-speito genuínos por ela, podem ver que aprimeira-dama sofre.

No entanto, mesmo diante da dor, aprimeira-dama é pragmática. Ela faz questãode informar a Kenny O’Donnell exatamenteos horários em que irá sair ou voltar sempreque deixa a Casa Branca, só para se garantirde que não irá pegar o presidente em flag-rante delito com uma amante.

A primeira-dama já pensou em ter seupróprio amante. Ela muitas vezes janta soz-inha com o secretário de Defesa, RobertMcNamara. Eles flertam um com o outro eleem poesia juntos. E, quando está em NovaYork, Jackie visita o apartamento de AdlaiStevenson, o embaixador dos Estados Un-idos na ONU. Eles sempre se beijam quandose cumprimentam e saem para ver peças debalé e óperas juntos.

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Esses homens a intrigam, e Jackie sabeque há rumores de que ela teria um caso como ator William Holden, mas é o amor de seumarido o que ela deseja. Até pouco tempo,suas noites na cama não eram nada de es-petacular. Havia pouca preocupação com aspreliminares – na verdade, apesar do seulado sexual aventureiro, o presidente fazamor com Jackie como se fosse um trabalho.Ela muitas vezes até se perguntou por queele precisa dormir com outras mulheres ecomeçou a pensar que talvez ela fosse oproblema. Mesmo sendo adorada por mil-hões de homens no mundo inteiro, deviahaver algum motivo para a indiferença domarido aos seus encantos sexuais.

Até que na primavera de 1961, quandoJackie torceu o tornozelo praticando espor-tes em Hickory Hill, a casa de Bobby na Vir-ginia, Bobby pediu para que seu vizinho, odr. Frank Finnerty, cuidasse do ferimento.Finnerty era um cardiologista de 37 anos que

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lecionava medicina na Universidade de Ge-orgetown. Ele também era muito bonito ecarinhoso. Jackie o achou um bom ouvinte.Uma semana depois, com o tornozelo mel-hor, ela perguntou a Finnerty se poderia lig-ar para ele de vez em quando, só para con-versar. Surpreso, Finnerty ficou mais do quecontente em aceitar a ideia.

Jackie com certeza estava pensando emsexo quando fez essa proposta, mas não emsexo com o dr. Finnerty. Ao longo de váriasconversas, ela diz a Finnerty os nomes dasmulheres com quem seu marido se envolve eadmite o quanto está magoada com os casosde JFK. O casamento de Kennedy foipensado, nas palavras de Jackie, como “umarelação entre um homem e uma mulher, naqual o homem seria o líder e a mulher seriasua esposa e o admiraria como um homem”.Esse conceito se estendia ao quarto do casal,onde os prazeres de Kennedy se sobrepun-ham a tudo. Ela não entendia por que o

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presidente era tão rápido na cama, sem sepreocupar em nada com a satisfação da es-posa. Tudo girava em torno dele, e ela ficavade lado. “Ele vai rápido demais e depoisdorme”, reclamou ela.

O dr. Finnerty pensou em uma solução.Ele roteirizou uma discussão que Jackie po-deria ter com o presidente, sugerindo formaspara tornar as noites do casal mais equilibra-das. Finnerty treinou Jackie para falar aber-tamente com seu marido e usar descriçõesprecisas sobre o que ela queria e de como elatambém poderia dar mais prazer aopresidente.

Fortalecida e mais ainda nervosa, Jackieabordou o assunto com JFK certa noite dur-ante um jantar. Enquanto o presidente aouvia, espantado, sua esposa em geral tímidae sexualmente inibida detalhou ponto aponto o que queria dele na cama. Jackiementiu quando ele perguntou como ela haviaganhado tamanha desenvoltura tão de

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repente com o assunto, dizendo que haviaaprendido tudo com um padre, um ginecolo-gista e vários livros muito detalhados.

O presidente ficou impressionado. Ele“nunca pensou que ela se daria a tanto tra-balho para ter prazer no sexo”, como Fin-nerty relembraria depois.

Jackie voltou a falar com o médico, con-tando a ele sobre os avanços de JFK e quesuas ansiedades sobre seu próprio desem-penho na cama haviam se dissipado de umavez por todas.

Não que o presidente tenha abandonadoseus casos. Mas pelo menos Jackie agorasabe que ele está tendo prazer com sua pró-pria esposa.

* * *

“Obrigado, sr. presidente”, conclui orepórter Charles Collingwood. “E obrigado,sra. Kennedy, por nos mostrar essa

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magnífica casa e todas as coisas maravilho-sas que a senhora está trazendo para ela.”

John Kennedy se juntou à sua esposaem frente à câmera para os últimos minutosdessa transmissão especial, explicando a im-portância dos esforços de Jackie e da CasaBranca como um símbolo dos Estados Un-idos. A primeira-dama fica calada enquantoabre um caloroso sorriso para a câmera.Jackie parece estar totalmente inabalável en-quanto o programa chega ao fim, sem um fiode cabelo fora do lugar e com as pérolas doseu colar em volta do pescoço perfeitamentealinhadas.

Mas as aparências enganam. O passeiopela Casa Branca na verdade foi gravado ummês atrás, e o especial de uma hora de dur-ação exigiu sete horas de filmagem. Ansiosa,Jackie fumou seus L&Ms um após o outrosempre que as câmeras não estavamgravando e então relaxou após o

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encerramento soltando seu cabelo bufante eo penteando até ficar liso.

Ela também virou uma dose enorme deuísque.

* * *

O passeio pela Casa Branca de Jackie setorna um dos programas de maior audiênciada história da tevê. Na verdade, ele garanteaté um prêmio Emmy especial à primeira-dama. O país inteiro agora está totalmenteimpressionado. Jacqueline Kennedy é umasuperstar.

Enquanto isso, a reforma da CasaBranca continua. Bem no final da lista decoisas a fazer, estão as cortinas cinza doSalão Oval, que não serão trocadas até o finalde novembro de 1963.

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24 DE MARÇO DE 1962PALM SPRINGS, CALIFÓRNIA19h

John F. Kennedy está cansado, mas alerta.Ele está na cidade turística de Palm Springs,no pátio da casa de estilo espanhol da lendado show business Bing Crosby. Mas Crosbynão está presente esta noite, tendoemprestado sua confortável casa para JFK eseus acompanhantes por todo o final de sem-ana. Kennedy observa enquanto a festa sedesenrola em volta da piscina lotada nestamorna noite de primavera. O som de risos emergulhos toma o ar. Ao longe, o presidentevê montanhas rochosas despontando sobre apropriedade de quase meio hectare, form-ando um impressionante plano de fundodesértico.

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No dia anterior, Kennedy fez um intensodiscurso para 85 mil pessoas na Universid-ade da Califórnia, em Berkeley. Ele falousobre democracia e liberdade, temas-chaveao longo da Guerra Fria. Ele então partiurumo ao sul com o Air Force One até a baseaérea de Vandenberg, onde assistiu ao lança-mento de um míssil pela primeira vez. O es-guio foguete branco Atlas foi disparado semnenhum incidente, provando que os EstadosUnidos estavam avançando na corrida espa-cial, que continuava muito disputada, com aUnião Soviética tendo fechado um acordo namesma semana para colaborar em pesquisasespeciais com adversários dos Estados Un-idos na Guerra Fria.

Palm Springs, o retiro particular deCrosby, é um lugar perfeito para se passarum final de semana após a agitada viagempela Costa Oeste. Mais cedo, o presidenteteve um breve encontro oficial com DwightEisenhower para discutir política externa.

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Mas agora JFK finalmente pode relaxar comum charuto enquanto toma um ou doisdaiquiris.

Apesar do clima favorável, o presidentenão está totalmente tranquilo. Ele sabe queofendeu seu grande amigo e apoiador delonga data Frank Sinatra por ter canceladoos planos de passar o final de semana nacasa do cantor e ficado na casa de Crosby,um republicano, o que é pior – mas o presid-ente irá se preocupar com o significado dissodepois. Hoje, ele só quer se divertir.

E muito.É sábado, o que em geral significa que

Jackie e as crianças estão na casa da famíliaem Glen Ora para o final de semana. No ent-anto, hoje a primeira-dama, como o mundointeiro sabe graças a várias notícias da mídia,está do outro lado do mundo, em uma visitaoficial à Índia e ao Paquistão. O sucesso doseu programa na tevê confirmou o que omarido já sabia há anos: Jacqueline Bouvier

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Kennedy é o maior trunfo político de JohnFitzgerald Kennedy. Ele até já faz planospara alavancar a popularidade da esposapara a campanha pela reeleição em 1964.

E por mais que seja uma tolice minarseu casamento (e sua carreira) com um atoexplícito de infidelidade em público, há mo-mentos nos quais um homem costumeira-mente sensato age de maneira impensada eautodestrutiva.

Como agora.Entre os convidados presentes na casa

de Bing Crosby, está a mais glamorosa etalvez a mais perturbada mulher de Holly-wood. JFK vem cultivando uma relação comela há quase dois anos e está certo de queMarilyn Monroe finalmente cederá ao seucharme esta noite.

O presidente dos Estados Unidos dáoutra tragada em seu charuto e entra noquarto. Sua esposa está a mais de dez milquilômetros de distância. Ele pode fazer tudo

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o que bem quiser esta noite. Tudo. E não háa menor chance de que sua mulher o pegueem flagrante.

* * *

A primeira-dama em um passeio de barco no lago Pichola, no Ra-

jastão, durante visita oficial à Índia e ao Paquistão em 1962.

(Cecil Stoughton, Fotos da Casa Branca, Biblioteca e Museu Presidencial

John F. Kennedy, Boston)

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“Minha mulher acabou de andar pelaprimeira e última vez em um elefante!”, disseJFK com um ar casual à arena lotada daUniversidade da Califórnia no dia anterior. Aplateia vibra e gargalha.

É assim que JFK fala com os americanossobre sua Jackie: como eles estivessem ou-vindo uma conversa particular entre amigos.As pessoas se interessam até pelos menoresdetalhes sobre seu casamento. Por mais queele jamais admita em voz alta, os aguçadosinstintos políticos do presidente lhe dizemque os Kennedy não são apenas o casal maisglamoroso dos Estados Unidos – eles são ocasal mais glamoroso do mundo inteiro. Apaixão despojada do seu relacionamentoserve como inspiração para casais por todaparte.

Eis uma verdade: os Kennedy se amammuito. JFK é um pai coruja e um marido queadora sua família. Ele deixa Caroline e Johnbrincarem no Salão Oval enquanto trabalha,

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e a banheira presidencial costuma estarsempre cheia de patinhos e porquinhos deborracha, pois ele sabe que o jovem John sediverte com isso. Ele passa alguns minutosno quarto de Jackie toda manhã antes dedescer para o escritório e gosta quando suamulher faz o mesmo com ele todas as tardes– ao acordá-lo da soneca, os dois podemconversar sobre as novidades do dia en-quanto ele se veste.

A única reclamação do presidente sobresua esposa é que Jackie não tem qualquertipo de disciplina financeira. Ela gasta maisdinheiro com roupas do que JFK recebe dogoverno para ser presidente dos Estados Un-idos. (A fortuna estimada de JFK chega a dezmilhões de dólares. Ele dedica o salário pres-idencial de cem mil dólares anuais a organiz-ações de caridade, como os escoteiros e oUnited Negro College Fund.)

No entanto, mesmo parecendo um contode fadas, o casamento dos Kennedy tem uma

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enorme contradição. O voraz apetite sexualdo presidente é o elefante em cima do qualJFK anda todos os dias, mas cuja existênciafinge ignorar.

A primeira-dama não tem como saciá-lo. Ela está ocupada cuidando da família,pensando na reforma da Casa Branca e temuma agitada rotina social. Jackie precisariater poderes sobre-humanos para atender asnecessidades físicas do presidente. Alémdisso, ele nunca se satisfaria com apenasuma mulher. O imenso volume de garotas deprograma, socialites, jovens atrizes e aero-moças que são trazidas para dentro da CasaBranca sempre que Jackie e as crianças estãoem viagem está totalmente fora dos limitesmorais e físicos da maioria dos homens destemundo. A situação chegou a um ponto noqual o Serviço Secreto parou de checar onome e a nacionalidade das mulheres queDave Powers trazia para o presidente.

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Vários agentes federais acham essa situ-ação perigosa. O vasto número de mulheresque têm acesso ao presidente é uma clarafalha de segurança que poderia derrubarJFK, seja por meio de chantagens ou atélevando-o a ser assassinado em segredo comuma injeção letal, por exemplo. Esse tema éuma pauta constante nas discussões do Ser-viço Secreto, mas o trabalho dos agentes éproteger o presidente, não repreendê-lo. Elesfazem vista grossa para o comportamento deJFK, e alguns até ajudam a acobertar seuspassos. Para ser um funcionário da CasaBranca, você precisa se casar com o trabalho.A média de cinquenta a oitenta horas extrasa cada mês pode trazer um aumento dequase mil dólares por ano ao contrachequede um agente do Serviço Secreto. Seria umaidiotice para qualquer agente recusar essedinheiro por questões morais.

O departamento de imprensa da CasaBranca também ignora tudo. A vida

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particular do presidente não é da conta des-sas pessoas, nem do público. Os repórteresda Casa Branca sabem que o presidente val-oriza a lealdade e que ele poderia cortartotalmente o acesso ao seu trabalho caso eleso decepcionassem. Nenhuma palavra sobreseus casos extraconjugais é publicada outransmitida. Na verdade, o editor-chefe daNewsweek, Ben Bradlee, um amigo muitopróximo do presidente, nunca comentará ab-solutamente nada sobre os galanteios deJFK.

Enquanto isso, o presidente dorme coma cunhada de Bradlee.

Às vezes, as amantes de Kennedychegam a trabalhar na própria Casa Branca,como no caso da secretária de Jackie, PamelaTurnure, e da assistente de Evelyn Lincoln,Priscilla Wear. Isso facilita muito os flertespresidenciais em termos de logística e segur-ança, mas também acarreta alguns perigos.

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Por exemplo, o presidente adora nadarde vez em quando à tarde com as duassecretárias de vinte e poucos anos, PriscillaWear e Jill Cowen – apelidadas de Fiddle eFaddle (algo como “Conversa” e “Fiada”)pelo Serviço Secreto. Um agente do ServiçoSecreto sempre fica de guarda do lado defora da porta para garantir que ninguémentre.

No entanto, certo dia, a primeira-damaapareceu na porta da piscina, ansiosa paranadar um pouco. Isso nunca havia aconte-cido antes. Em pânico, o agente barrou suaentrada e tentou explicar que Jackie não po-deria usar a piscina da Casa Branca que elamesma vinha reformando com tanto amor ecarinho.

Do lado de dentro, JFK ouviu oalvoroço, vestiu seu roupão às pressas, e fu-giu da piscina pouco antes de ser pego. Tem-pos depois, alguns agentes comentariam quesuas grandes pegadas de água ao lado das

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menores de suas parceiras de natação deix-aram um rastro muito claro, e que Jackie nãoo viu apenas por ter ido embora irritada.

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Os filhos de Kennedy costumavam brincar no Salão Oval enquanto o

presidente trabalhava.

(Cecil Stoughton, Fotos da Casa Branca, Biblioteca e Museu Presidencial

John F. Kennedy, Boston)

* * *

Enquanto uma parte do cérebro do pres-idente planeja formas engenhosas de der-rubar Fidel Castro, Nikita Khrushchev eCharles de Gaulle, outra planeja como ficarcom o maior número possível de mulheressem que Jackie o pegue em flagrante. E, con-forme se ambienta cada vez mais à CasaBranca, os casos de Kennedy vão ficandocada vez mais estapafúrdios.

“Chegamos a um ponto que aquilo jánão era mais nenhuma novidade”, comentouum agente do Serviço Secreto certa vez.“Havia mulheres por toda parte. Muitasvezes, dependendo do turno, você as via su-bindo, ou então descendo pela manhã, en-quanto as faxineiras passavam o aspirador e

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outros funcionários estavam pela casa. Vári-as se tornaram visitantes regulares. Mas nãoquando Jackie estava em casa.”

Quando passa mais de alguns dias semnenhuma relação extraconjugal, Kennedy setorna outro homem – tanto que o ServiçoSecreto chega a suspirar aliviado sempre queJackie leva as crianças para passar o final desemana fora. “Quando ela estava em casa, ascoisas não eram nada divertidas”, admitiratempos depois um agente veterano.

“Ele vivia com dor de cabeça. Dava paraver que ele ficava mal de verdade por não es-tar dormindo com ninguém. Parecia um galodepois de um banho de mangueira.”

O sexo é o ponto fraco de Kennedy. Maspor que ele faria isso com Jackie? E o que eleestá fazendo com seu país nesse processo?

* * *

Apenas algumas poucas semanas apósser nomeado procurador-geral, Bobby

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Kennedy recebeu um arquivo especial dasmãos de J. Edgar Hoover, o chefe de narizachatado e estilo maquiavélico do FBI. Essedocumento continha provas dos casos ex-traconjugais do presidente. Ao que parecia,embora os jornais estivessem fazendo vistagrossa, o FBI vinha acompanhando os conta-tos de JFK desde o final dos anos 40, épocana qual estava saindo com uma mulher quesupostamente seria uma espiã da Alemanhanazista. O arquivo foi criado por Hoovercomo um recurso para garantir seu trabalho.Ele quer deixar claro a todos que o FBInunca ficará para trás – e que não há nadade ilícito acontecendo nos Estados Unidosque ele não saiba. Por questões de segurançanacional, nem mesmo o presidente dos Esta-dos Unidos está acima da vigilância do FBI.

No início de 1962, enquanto a visita dopresidente Kennedy a Palms Springs estásendo planejada, uma investigação do De-partamento de Justiça sobre crime

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organizado revela que o cantor Frank Sinatraestá profundamente envolvido com a máfia.Isso é um problema para os Kennedy – osamericanos sabem que Sinatra não apenasapoia o presidente como também é um dosseus amigos pessoais. Se isso já não bastassepara comprometer o procurador-geral e opresidente dos Estados Unidos, o marido desua irmã Patricia, o ator de cinema PeterLawford, é um membro do famoso conjuntoRat Pack de Sinatra.

Para tornar a situação ainda mais del-icada, um novo documento de Hoover foi en-tregue a Bobby algumas semanas antes daviagem a Palm Springs. Esse arquivo in-dicava que o presidente dos Estados Unidosestá dormindo com uma consorte de Sam Gi-ancana, não apenas um dos mais famososmafiosos do país como também um dosmaiores chefões da máfia que BobbyKennedy está tentando derrubar. O nomedessa mulher é Judith Campbell, e Hoover a

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descreve como um imenso risco de segur-ança. Patricia Kennedy Lawford nem descon-fia, mas seu marido conseguiu seu posto noRat Pack graças ao legado familiar de sua es-posa. Há muito tempo, Sinatra queria seaproximar do trono americano. Ao perceberque os Kennedy estavam prestes a se con-solidar como a família mais poderosa dosEstados Unidos, Sinatra permitiu que Law-ford entrasse em seu círculo íntimo. Alémdisso, foi Patricia Kennedy Lawford quembancou o roteiro de Onze homens e um se-gredo, presumindo que seu marido estrelariano filme ao lado de Sinatra. No entanto,Dean Martin acabou levando o papel. Sinatraenxerga Peter Lawford como um parasita esuspeita que Patricia Kennedy Lawford,como a maioria das pessoas fora da bolha deHollywood, faria qualquer coisa para apro-veitar um pouco do brilho emanado pelafama dos astros de cinema.

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E Sinatra tem razão. Apesar de seremconstantes alvos de desprezo, os Lawfordainda se mostram ávidos em fazer parte do“estilo de vida” do Rat Pack.

Assim sendo, a mulher que estendeu aJFK o convite de Sinatra para ficar em suacasa em Palm Springs durante sua visita àcidade foi ninguém menos que PatriciaKennedy Lawford.

Após ler o arquivo de Hoover sobreSinatra, Bobby Kennedy diz ao presidentepara ficar em alguma outra casa em PalmSprings. Bobby não se importa com a chancede que essa desfeita possa acabar rompendouma relação política de longa data comSinatra, que não apenas fez uma intensacampanha a favor de Kennedy em 1960como também trabalhou duro para organizarsua festa de posse.

A verdade é que Bobby não tem escolha.Sinatra vem mantendo repetidos contatoscom dez dos principais nomes do crime

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organizado. Os relatos do FBI detalham nãoapenas as datas e os horários nos quais ocantor ligou para os chefões da máfia de suacasa, como também revela que os mafiososestão ligando para o seu número particular.“Em certos casos, a natureza do trabalho deSinatra pode levá-lo a ter contato com figur-as do submundo”, afirma o relatório. “No en-tanto, isso não justifica sua amizade e/ou seuenvolvimento financeiro com pessoas comoJoe e Rocco Fischetti, primos de Al Capone,Paul Emilio D’Amato, John Formosa e SamGiancana – todos listados como grandesmafiosos.”

O FBI acompanha Sinatra desde o finaldos anos 40, registrando suas ligações comoutros gângsteres famosos como Lucky Lu-ciano e Mickey Cohen. Já em 1947, foram fei-tos registros de uma viagem sua paraHavana com Luciano e seus guarda-costas,onde o trio foi visto junto “em corridas decavalo, cassinos e festas particulares”. O

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problema nisso era o fato de que Lucianohavia acabado de ganhar liberdade condi-cional e ser deportado para a Sicília. Apare-cer de cara limpa assim em Havana foi umaforma de desafiar a justiça dos EstadosUnidos.

A lista de supostas ligações criminosas éimensa. No entanto, o que surpreende Bobbyde fato não são as conexões de Sinatra com amáfia, mas sim o fato de o FBI ter provas queligam a Casa Branca de Kennedy ao crimeorganizado por meio do cantor. Na verdade,Hoover tem anos e anos de arquivos quedocumentam laços estreitos entre Sinatra, osKennedy e grandes mafiosos, como Giancana– que usa um anel de safira no dedo mind-inho, um presente de ninguém menos queFrank Sinatra. Os trechos mais preocupantesdo relatório afirmam que Giancana visita acasa de Frank Sinatra em Palm Springs comfrequência. Agentes apuraram também di-versas ligações da grande amiga de

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Giancana, Judith Campbell, para Evelyn Lin-coln, a secretária do presidente, sugerindoum elo claro entre a Casa Branca de Kennedycom o crime organizado.

Frank Sinatra e John Kennedy já di-vidiram entre si vários momentos de alegria,muitos drinques e, como sugere o FBI, umaou duas mulheres. Em outra investigaçãofeita em fevereiro de 1960, o FBI encontrouJFK no Sands Hotel, em Las Vegas, com oRat Pack, registrando que “garotas de pro-grama da cidade toda não paravam de entrare sair do quarto do senador”. Sinatra e o RatPack cantaram o hino nacional na aberturada Convenção Democrata Nacional de 1960em Los Angeles. Sinatra já visitou a casa dafamília Kennedy, em Hyannis Port, e certavez até surpreendeu os convidados improvis-ando uma apresentação no piano da sala deestar. Sinatra chegou a reformular seu su-cesso “High Hopes”, de 1959, para

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transformá-lo em um hino da campanha deKennedy.

Há também rumores de que os Kennedyteriam usado a ajuda da máfia para influen-ciar os eleitores durante a eleição de 1960.

O documento é apenas um alerta:Hoover está avisando a Bobby que a conexãoentre os Kennedy e o crime organizado estáprestes a vir a público. E apenas Hooverpode impedir isso.

Apesar do significativo histórico entre osdois, JFK ouve o conselho de Bobby e seafasta de Sinatra sem pestanejar. O cantor setorna uma pedra que poderia derrubarKennedy e arruiná-lo – e nenhuma amizadevale o posto de presidente. Em geral, Bobbypoderia ser descrito como impiedoso, mas,de vez em quando, o presidente também écapaz de ter o mesmo sangue-frio.

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O presidente Kennedy chegou a ser um amigo próximo de Frank

Sinatra, como vemos aqui, na Califórnia.

(AFP/Getty Images)

* * *

Pelo telefone, Bobby avisa Peter Law-ford que o presidente não ficará mais na casade Sinatra. Lawford deve sua carreira ao can-tor. Ele tem medo de Sinatra e reluta emfazer a ligação para cancelar a estada dopresidente em sua casa pelo final de semana.

O próprio JFK liga então para Lawford.“Como presidente, não posso ficar na casa deSinatra e dormir na mesma cama que SamGiancana ou algum outro mafioso jádormiu”, disse ele ao seu cunhado. Emseguida, Kennedy exige dois favores.Primeiro, que ele escolha algum outro lugarpara que ele se encontre com Monroe no fi-nal de semana em Palm Springs. E o segundoé que ele dê a notícia a Frank Sinatra.

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Peter Lawford acaba sendo forçado afazer a ligação. Chris Dumphy, um repub-licano da Flórida, coloca Lawford em contatocom Bing Crosby, resolvendo o seu primeiroproblema. Os galanteios do presidente nãosão nenhum segredo. Crosby, que estáviajando, desconfia do que pode acontecerem sua casa, mas não se importa. Ele já estáem Hollywood há tempo o bastante parasaber que a infidelidade é algo tão comumquanto o nascer do sol.

No entanto, conversar com Sinatra não étão simples.

O cantor de 46 anos vem esperando essavisita há meses. Ele comprou um novo ter-reno ao lado de sua casa e construiu chaléspara o Serviço Secreto e também instaloufiações especiais de telefone de última ger-ação. Uma placa de ouro foi pendurada noquarto que o presidente iria usar, em umaeterna comemoração pela noite em que“John F. Kennedy Dormiu Aqui”. Fotos de

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JFK foram espalhadas por toda parte na casaprincipal. Um mastro foi erguido para que oestandarte presidencial pudesse tremularsobre a propriedade toda. Mais do que tudo,Sinatra construiu um novo heliponto espe-cial para o helicóptero do presidente. Sinatraestá muito empolgado com essa visita. Tãoempolgado, aliás, que não está nem se im-portando com o fato de que o presidente iráse encontrar com uma ex-namorada sua,Marilyn Monroe.

Na verdade, os Kennedy estão um poucoembaraçados com a ideia que Sinatra tem detransformar sua propriedade na Casa Brancada Costa Oeste. Não é que a família Kennedynão goste de Sinatra – embora Jackie o de-teste –, mas eles preferem manter uma dis-tância saudável do charmoso cantor.

Por fim, Lawford explica tudo pelo tele-fone. Sinatra o ouve, mas apenas por tempoo bastante para perceber que está sendo ex-pulso do círculo de amizade do presidente. O

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cantor bate o fone no gancho e arremessa oaparelho no chão. “Sabe onde ele vai ficar?”,grita Sinatra para o seu criado. “Na casa deBing Crosby! Veja só você. E ele é umrepublicano!”

Sinatra nunca se esquecerá desse dia.Ele usa todos os impropérios imagináveiscontra Bobby e em seguida liga de volta paraLawford e o exclui do seu próprio círculo deamizades. Sinatra sai correndo pela sua casa,arrancando as fotos de Kennedy da parede,depois pega uma marreta e sai para destruircom as próprias forças o novo heliponto deconcreto.

* * *

John Kennedy está ao lado da porta dos fun-dos, vendo as pessoas entrando e saindo dacasa de Bing Crosby. Agentes do ServiçoSecreto se esgueiram pelos cantos do jardim,sob as sombras das palmeiras e entre os ar-bustos que cercam a propriedade. Marilyn

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Monroe já está ao lado do presidente. Há umquê de intimidade em seus movimentos quenão deixa dúvidas de que os dois irão passara noite juntos.

Monroe andou bebendo. Bastante. Ouao menos é o que parece.

Aos 35 anos, a estrela do cinema não éuma mulher boba, por mais que às vezes façaesse papel dentro e fora das telas. “Penseique você era burra”, diz um homem ao seupersonagem no filme Os homens preferemas loiras. “Consigo ser inteligente quando éimportante”, responde ela, “mas a maioriados homens não gosta disso.”

Essa foi uma fala sugerida pela própriaNorma Jean Baker. Após passar grande partede sua juventude em lares adotivos, elacomeçou a trabalhar como modelo na ad-olescência e fechou contrato para fazer umfilme em 1946, quando mudou seu nomepara Marilyn Monroe. Morena de nascença,ela tingiu o cabelo e começou a cultivar a

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imagem de “loira burra” que se tornou seuestereótipo. Sua carreira a levou a fazer di-versos papéis em filmes importantes, desdeComo agarrar um milionário e O pecadomora ao lado até Quanto mais quente mel-hor. Ela já se casou e se divorciou três vezese é conhecida por abusar da bebida e de re-médios controlados. O abuso de drogas vemdestruindo pouco a pouco sua carreira. Masela ainda é voluptuosa, cheia de vida e sagazo bastante para que sua inteligência venha àtona em seus momentos de lucidez.

Kennedy conheceu Monroe em umjantar, nos anos 50. A relação entre os doisdeu um passo adiante em 15 de julho de1960, na noite em que ele aceitou a indicaçãodemocrata para a campanha presidencial. Osdois flertaram naquela noite, para o deses-pero da equipe de Kennedy, que logo temeua possibilidade de que o casal fosse pegotendo um caso durante a campanha. PatriciaKennedy Lawford chegou até a puxar

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Marilyn de lado e pedir a ela para nãodormir com seu irmão.

Mas isso foi há quase dois anos – e,ironicamente, foi Patricia quem convidouMarilyn e JFK para um jantar em sua casa,em Nova York, no final de fevereiro de 1962.Marilyn chegou atrasada, como de costume.Ela havia bebido xerez. Seu vestido era umapequena peça de contas e lantejoulas. “Foi ovestido mais justo que já vi em uma mulher”,diria o legendário agente Milt Ebbins temposdepois sobre os preparativos de Monroe paraa festa – lembrando-se em especial de puxaro vestido por cima da cabeça de Monroe:“Não conseguimos fazer o vestido passarpela sua cintura. Claro, como era típico dela,Marilyn estava sem calcinha também. Então,eu fiquei lá, de joelhos na frente dela... pux-ando o vestido com toda a minha força,tentando fazê-lo passar por cima do seu tra-seiro enorme”.

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Ebbins por fim conseguiu vesti-la, e JFKse aproximou de Monroe assim que elachegou à festa. Um fotógrafo tentou tiraruma foto dos dois, mas o presidente se viroude costas para não ser capturado junto comela. Só para garantir, o Serviço Secreto tam-bém confiscou o filme.

Antes do fim dessa noite, JFK convidouMonroe casualmente para encontrá-lo emPalm Springs, em 24 de março. Para fechar oacordo, ele confidenciou a ela que “Jackienão estará lá”.

* * *

Agora, Marilyn Monroe está com um roupãosolto, enquanto a festa continua na casa deCrosby. Ela está “calma e relaxada”, na opin-ião de um dos convidados.

O presidente está hipnotizado pela saga-cidade e pelo intelecto da loira, e empolgadopara adicionar um símbolo sexual tãofamoso à sua lista de conquistas. Ele também

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a acha carinhosa. Depois de Kennedy re-clamar de suas dores crônicas nas costas,Monroe telefona para seu amigo, RalphRoberts, um ator e massagista especializadoem problemas nas costas. Quando ela colocaKennedy na linha, Roberts não sabe que estáfalando com o presidente, mas não conseguedeixar de perceber que o homem na outraponta da ligação tem uma voz muito pare-cida com a de John Fitzgerald Kennedy.Roberts oferece um rápido diagnóstico e des-liga após alguns minutos, com a clara ideiade que Marilyn está aprontando algumacoisa de novo.

Em certo sentido, ela não consegueevitar. Monroe já foi casada com dois ho-mens muito conhecidos e poderosos – ojogador de beisebol Joe DiMaggio, e o dram-aturgo Arthur Miller –, mas JFK está muitoacima de ambos. “Marilyn Monroe é umasoldada”, diria ela tempos depois ao seu tera-peuta, falando na terceira pessoa. “Seu

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comandante é o maior e mais poderosohomem do mundo. A principal obrigação deum soldado é obedecer ao seu comandante.Se ele diz ‘faça o seguinte’, você faz.” Oprocurador-geral também chamou suaatenção. “É mais ou menos como na Marinha– o presidente é o capitão, e Bobby é seusubcomandante”, também diria ela depois aoseu terapeuta. “Bobby faria qualquer coisapelo seu país, e eu também. Eu nunca o en-vergonharia. Enquanto eu tiver memória,terei John Fitzgerald Kennedy comigo.”

Apesar de sua paixão e beleza, MarilynMonroe é uma pessoa problemática. Seustrês casamentos não são algo socialmenteaceitável no mundo católico dos Kennedy,muito menos seu caso com Frank Sinatra.JFK sabe que ela arruinou o casamento an-terior de Arthur Miller para poder se casarcom o dramaturgo. Pior ainda, o presidentedesconfia de que Monroe tem planos dechegar à Casa Branca em breve. Ele chegou a

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se dar ao trabalho de dizer que “ela não dariauma boa primeira-dama”.

Não, Marilyn não irá substituir Jackie,independentemente do que venha a passarpela cabeça da atriz durante as duas noitesque ela passa com o presidente em PalmSprings. Marylin dá a JFK um isqueiro cro-mado Ronson Adonis de presente paralembrá-lo dos momentos especiais que elespassaram juntos, por mais que o presidentecom certeza não precise ser lembrado dotempo que passou com o maior símbolosexual do mundo.

* * *

Se o caso entre Kennedy e Monroe viesse apúblico, o resultado seria catastrófico. A per-gunta que ainda assola as mentes dos ho-mens do Serviço Secreto de Kennedy e dosseus bons amigos da Máfia Irlandesa é porque o presidente continua assumindo essetipo de risco. Alguns creem que isso seja um

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resquício irlandês de Kennedy, cultura naqual o líder de um clã em geral tem liberdadepara dormir com quantas mulheres quiserfora do seu casamento. Até sofrer seu recentederrame, o pai do presidente, JosephKennedy, também se comportava da mesmaforma.

Além disso, alguns acreditam que astragédias pessoais na vida de Kennedy – amorte de seu irmão e do seu filho recém-nas-cido, e suas próprias experiências quase le-tais – garantiram a ele uma postura fatalista.Essa ânsia por sexo seria sua forma de apro-veitar ao máximo cada dia de sua vida.

Há também a questão de suas dorescrônicas. John Kennedy pode ter umaaparência robusta, mas ele sofre de gastrite,dores nas costas e a doença de Addison. Suasatividades físicas se limitam a andar, velejare a uma ou outra partida de golfe. Ele malconsegue andar a cavalo. E os lendários jogos

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de futebol americano da família Kennedynão o incluem mais tanto quanto antes.

O sexo é a válvula de escape favorita dopresidente. Ele é viciado em adrenalina, esua psique exige emoções ilícitas. Como eledisse a um amigo da família: “A caça é maisdivertida do que o abate”.

* * *

“Parabéns a você, sr. presidente.”Dois meses após o final de semana em

Palm Springs, Marilyn Monroe está diantede uma encantada plateia no MadisonSquare Garden, em Nova York, cantandoParabéns a você da forma mais sensual pos-sível. Seu vestido justíssimo deixa poucamargem à imaginação, tanto na frentequanto nas costas, enquanto suas palavrassussurradas deixam milhares de perguntasno ar. Marilyn, ainda ressentida com o durocomentário feito por JFK de que ela nuncadaria uma boa primeira-dama, tenta em

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desespero reacender a chama das noites deromance com o presidente em Palm Springs.

“Parabéns a você”, ronrona ela nomicrofone.

A data é 19 de maio de 1962, dez diasantes do aniversário de JFK. Mais uma vez,Jackie não está presente, mas ela já sabetudo sobre Marilyn. Mais do que chateada,Jackie sente repulsa pelo caso, pressentindocom razão que o presidente está se aproveit-ando de uma mulher com problemas emo-cionais que poderia facilmente ser ludibriadapor um homem tão poderoso.

O presidente não chega a fazer contatocom a aparentemente ébria Marilyn en-quanto ela sobe ao palco do Madison SquareGarden. Mas ele dispara um olhar lupino,que um jornalista tempos depois descreveriacomo “uma cena incrível. Acho que nunca vimaior encanto nos olhos de um homem pelabeleza de uma mulher do que nos de John F.Kennedy naquele momento”.

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Marilyn Monroe se tornou tão obcecadapor JFK a ponto de telefonar para a CasaBranca o tempo todo sem ter sucesso. Opresidente a deixou para trás e se afasta deMarilyn tanto quanto se afastou de FrankSinatra.

Como Sinatra, Marilyn é uma armadilhaque poderia facilmente derrubar Kennedy esua presidência. Nesses momentos, o prag-matismo de JFK volta à tona, falando maisalto do que sua libido. Ele se dispõe agrandes riscos pessoais para satisfazer suasnecessidades sexuais, mas não brincaquando o assunto é continuar no poder. Émelhor ter Monroe, Sinatra e a máfia comoseus inimigos distantes do que como amigosque poderiam afundá-lo.

No palco, diante seus partidários na Cid-ade de Nova York, o presidente adota a pos-tura casta de um coroinha. “Depois de ouviresse ‘Parabéns a você’ cantado com tantadoçura e beleza, acho que posso me

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aposentar da vida política”, diz o presidenteno microfone, sugerindo com suas palavrasirônicas que está acima de qualquer insinu-ação sexual boba.

Mas o presidente não abandonou oscasos extraconjugais. Na verdade, ele acaboude começar um novo relacionamento comuma garota de dezenove anos, que ele desvir-ginou na própria cama de Jackie.

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"Parabéns a você, sr. presidente" cantou Marilyn Monroe para JFK em

seu evento de aniversário, em 1962.

(Getty Images)

* * *

O posto de presidente é desafiador esolitário. Momentos como essa festa noMadison Square Garden oferecem um bem-vindo alívio a toda a pressão. JFK aproveita acelebração do seu aniversário, que aconteceem meio a um discurso de campanha que ar-recada mais de um milhão de dólares para oPartido Democrata.

O presidente nem imagina que irá celeb-rar esse dia tão especial apenas mais uma vezna vida.

* * *

Na distante cidade soviética de Minsk, LeeHarvey Oswald finalmente conseguiu vencer

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todos os obstáculos burocráticos que o impe-diam de voltar para casa.

Agora, ele só precisa pegar um trem comMarina e June Lee, sua filha de cinco seman-as, até a embaixada dos Estados Unidos emMoscou e pegar seus documentos de viagem.

Em 18 de maio, Oswald é dispensado doseu emprego na fábrica de produtos eletrôni-cos Gorizont (Horizonte). Poucos ficamtristes com sua partida. Para o gerente dafábrica, Oswald é um sujeito descuidado,sensível demais e sem iniciativa. A própriaMarina acha seu novo marido preguiçoso esabe que ele odeia receber ordens.

Os Oswald chegam a Moscou em 24 demaio de 1962, no mesmo dia em que o pilotode testes da Marinha Scott Carpenter se tor-na o segundo astronauta americano a chegarà órbita da Terra. O presidente Kennedy con-decora Carpenter logo em seguida por suabravura e habilidade, enquanto debate com o

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Congresso formas de oferecer um sistema desaúde acessível em todo o país.

No dia 1o de junho, em Moscou, osOswald embarcam em um trem com destinoà Holanda. Lee Harvey leva consigo umanota promissória da embaixada americanano valor de 435,71 dólares para ajudá-lo a re-começar a vida nos Estados Unidos. Em 2 dejunho, enquanto o secretário da MarinhaJohn Connally vence uma disputa para setornar o indicado democrata nas eleições es-taduais do Texas, o trem de Oswald cruza asfronteiras soviéticas em Brest. Dois dias de-pois, eles embarcam a caminho dos EstadosUnidos no SS Maasdam, onde passam amaior parte do tempo em suas cabines.Oswald tem vergonha dos vestidos baratosde Marina e não quer que ela seja vista empúblico. Ele passa a viagem enclausurado,escrevendo textos indignados sobre sua cres-cente desilusão com o poder governamental.

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O Maasdam atraca em Hoboken, NovaJersey – a cidade natal de Frank Sinatra –em 13 de junho de 1962. Os Oswald passampela alfândega sem problemas e se hosped-am em um pequeno quarto no Times SquareHotel, na Cidade de Nova York. O plano éficar por lá até que eles consigam ir para oTexas, onde mora o irmão de Oswald,Robert, e eles finalmente poderão se instalare partir em busca de trabalho.

Na manhã seguinte, no distante Vietnã,soldados sul-vietnamitas são transportadospor helicópteros americanos para combaterum foco de resistência comunista. Talempreitada força o presidente Kennedy a re-cuar publicamente quanto a bancar um en-volvimento direto dos Estados Unidos noSudeste Asiático em uma guerra que eleenxerga como crucial para estancar o avançodo comunismo no mundo todo.

Enquanto isso, graças a um empréstimode seu irmão, Lee Harvey Oswald e sua

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família pegam um avião para Dallas. A cid-ade fervilha com um ódio que em vários sen-tidos é similar ao próprio descontentamentoatual de Oswald. O extremo sul pendeu a fa-vor do presidente Kennedy durante a eleição,mas ainda existem bolsões de revolta milit-ante. Há grupos contrários ao fato deKennedy ser o primeiro presidente católicoromano a mostrar desejo de estabelecerigualdade racial e também o que alguns en-tendem como aparentes tendências pró-comunistas.

É esse ambiente que recebe Oswald noTexas. Eles pousam em um aeroporto emDallas chamado Love Field, onde o presid-ente e a primeira-dama pousarão com o AirForce One meros dezessete meses maistarde.

Oswald fica chateado pelo seu retornoaos Estados Unidos não ter atraído grandeatenção da mídia – ou qualquer atenção, naverdade. Enquanto ele se irrita por não ver

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nenhum jornalista em sua volta, não fazideia de que está sendo observado em se-gredo – por olhos muito poderosos.

Marina e Lee Harvey Oswald com sua filha, June Lee, em 1962.

(Getty Images)

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23 DE AGOSTO DE 1962WASHINGTON D.C./BEIRUTE, LÍBANOMEIO-DIA

Kennedy é um impotente.Ou ao menos é o que pensa Nikita

Khrushchev, líder da União Soviética. Nãofisicamente, claro, mas sim na turbulentaarena global política. Khrushchev vem anal-isando Kennedy desde o episódio da Baía dosPorcos, à procura de novos sinais da mesmamistura de fraqueza e indecisão que marcouseu gerenciamento dessa crise. Aos 68 anos,Khrushchev, que chegou ao poder após umatruculenta batalha política para assumir oposto de Joseph Stalin, sabe bem comoavaliar as forças e fraquezas de um oponente.E ele não vê um adversário digno emKennedy. No próximo setembro, Khrushchev

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completará dez anos no poder. Ele planejamarcar essa data celebrando o domínio so-viético no mundo. E se ele puder humilharum presidente americano nesse processo,melhor ainda.

Os russos, como os soviéticos muitasvezes são chamados, ostentam a dianteira nacorrida espacial lançando não apenas uma,mas duas naves na órbita da Terra ao mesmotempo. Os cosmonautas no comando de cadafoguete em seguida se gabam da avançadatecnologia dos mísseis soviéticos, convers-ando um com o outro por um aparelho con-hecido como radiotelefone.

Como se isso não bastasse, Khrushcheve seu governo demonstram completo desdémpela proibição internacional de testes nucle-ares, detonando duas ogivas nucleares dequarenta megatons sobre o Ártico, comapenas uma semana de intervalo entre uma eoutra.

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Eles também estão erguendo um murode 140 quilômetros de comprimento bem nocoração de Berlim, na Alemanha. A muralhasepara o setor controlado pelos soviéticos doresto da cidade, que está sob o poder dos Ali-ados ocidentais. A barreira não foi pensadapara impedir a entrada de forasteiros, massim para aprisionar os cidadãos da Ale-manha Oriental comunista, para que elesnão fujam em busca da liberdade da Ale-manha Ocidental. Os resultados são ater-radores. Em 23 de agosto de 1962, os guar-das da fronteira alemã-oriental alvejam umpolicial ferroviário de dezenove anos quetentava escapar para o lado ocidental por umburaco no muro ainda inacabado. Os guar-das apenas observam enquanto o jovem seesforça para rastejar pelos últimos metrosem busca da liberdade e não fazem nadapara ajudá-lo quando ele por fim desaba emorre.

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O mesmo já havia acontecido uma sem-ana antes, quando outro jovem alemão foimorto enquanto tentava escapar da Ale-manha Oriental. Mais uma vez, os guardasda fronteira ficaram apenas assistindo en-quanto o homem sangrava lentamente atémorrer. Ninguém pôde fazer nada paraajudá-lo. Revoltas eclodiram na BerlimOcidental em um protesto contra o com-portamento soviético, mas seu resultado énulo.

Diante de tudo isso, o presidenteKennedy se absteve de qualquer ameaçapública ou mesmo crítica às atrocidades so-viéticas. Ainda assim, o povo americano con-tinua apoiando JFK com imenso fervor. Ele éo presidente mais popular na história amer-icana moderna, com uma aprovação médiade 70,1 % – quase seis pontos percentuais nafrente de Eisenhower e incríveis 25 pontos amais do que Harry Truman chegou a ter. Noentanto, o público não deixará passar em

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branco outro tropeço como o da Baía dosPorcos, forçando JFK a pisar em ovos nacomplexa arena da política internacional.

* * *

Lyndon Johnson não pisa em ovos quando oassunto é relações internacionais. O vice-presidente – que foi batizado com ocodinome de Voluntário pelo Serviço Secreto– agora está de pé no banco do carona de umconversível em Beirute, no Líbano. Essa“Paris do Oriente Médio” o ama. Ele acenapara a multidão que cerca as ruas enquanto élevado até o Hotel Phoenicia.

Independentemente do seu destino nomundo, o vice-presidente se embrenha entreo público, distribuindo canetas esferográficase isqueiros com suas iniciais, LBJ, estampa-das. Em seguida, começa a fazer seus dis-cursos. Seja com um leproso em Dakar ouum mendigo sem camisa em Karachi, o vice-presidente está sempre disposto a apertar

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mãos e dizer aos outros que o sonho amer-icano não é um mito – que há esperança,mesmo em meio à pobreza.

E o melhor é que LBJ acredita mesmonisso. O próprio Johnson nasceu em umafamília pobre. Ele pôde sentir na pele o sofri-mento de uma vida negligenciada em con-dições precárias. Em vários sentidos, o vice-presidente tem uma conexão emocionalmuito mais profunda com as multidões dedespossuídos nas calçadas do que com osabastados diplomatas que irão recebê-lo.

Johnson é um homem grandioso, umimponente dínamo com olheiras enormes emarcas de suor nas axilas. Em Washington,ele pode estar em baixa, lamentando suafalta de poder, mas fora do país ele é um as-tro. Suas proezas internacionais estão se tor-nando lendárias, em especial seu hábito im-pulsivo de parar carreatas para poder descerde sua limusine conversível particular e se

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embrenhar na multidão e fazer um corpo acorpo.

Em Beirute, não é diferente. Esta é aprimeira parada em uma viagem de dezen-ove dias que também passará por Irã, Grécia,Turquia, Chipre e Itália. A descida em sololibanês deveria ter sido apenas paraabastecer seu 707, mas, quando fica sabendoque ele é o oficial americano de maior pat-ente a visitar a Terra dos Cedros, Johnsonnão se contém. A parada para reabastecer derepente se transforma em uma visita oficial,e o vice-presidente logo é levado do aero-porto para o coração de Beirute.

Enquanto a carreata desacelera, John-son avista um grupo de crianças em umabanca de melões na calçada. Ele pede para oseu motorista parar. Tirando seus óculosescuros para poder olhar nos olhos das cri-anças espantadas, Johnson vai até elas e lhesfala sobre o poder do sonho americano. Al-gumas ficam confusas. Ele diz a um jovem

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usando um boné das velas de ignição Cham-pion que os Estados Unidos apoiam a “liber-dade e a integridade” do Líbano.

A voz de Johnson é retumbante, e elemexe os braços enquanto fala. Agentes doServiço Secreto correm para cercá-lo, irrita-dos mais uma vez pelo fato de o vice-presid-ente ignorar os protocolos de segurança. Emseguida, em um piscar de olhos, Johnson jáestá de volta ao seu carro, de pé, acenandopara a multidão com as duas mãos enquantocontinua o caminho até o centro de Beirute.

Lyndon Johnson é detalhista em suasviagens. Além da limusine, ele leva váriascaixas de uísque Cutty Sark e um chuveiroespecial com um tipo de jato forte e fino deágua que ele prefere. Ele exige colchões dedois metros e dez centímetros decomprimento em cada quarto de hotel paraacomodar sua figura corpulenta – mas não éque ele durma muito: mesmo um bom tempoapós sua equipe ir para a cama, LBJ continua

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firme no trabalho, fazendo ligações paraWashington e lendo memorandosdiplomáticos.

No início, Johnson foi contra JFK usá-locomo embaixador itinerante, mas agora eleacabou se apaixonando por essa parte do tra-balho. Em Washington, seu desejo por autor-idade fez com que vários na Casa Brancacomeçassem a chamá-lo de Seward, em umareferência ao secretário de Estado de Abra-ham Lincoln sedento por poder. Já na es-trada, no entanto, Johnson de fato tem seupoder. Ele fala pelo presidente, mas muitasvezes se desvia da mensagem central e pro-clama suas próprias ideias, em momentoscom os quais ele se deleita.

No entanto, os Kennedy, John e Bobby,estão irritados com Johnson, ainda maisquando ele fala de forma irresponsável. Emuma viagem à Ásia, ele elogiou o presidentesul-vietnamita, Ngo Dinh Diem, um homemresponsável por ter torturado e matado por

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volta de cinquenta mil supostos comunistas.Para surpresa geral, Johnson exalta Diemcomo o “Winston Churchill asiático”, umcomentário que gera questionamentos sobrea própria sanidade do vice-presidente.

Na Tailândia, LBJ realiza uma coletivade imprensa às três da manhã, vestido de pi-jamas. Durante essa mesma viagem, ele éalertado que o gesto de passar a mão nacabeça das pessoas é tido como uma ofensana cultura tailandesa – mas logo em seguidaele embarca em um ônibus local e esfregasuas mãos enormes na cabeça dospassageiros.

Johnson apronta uma ainda melhor emSaigon: enquanto dá uma coletiva de im-prensa em seu quatro de hotel sob uma né-voa de vapor de água, ele de repente surgepelado, enxuga o suor do corpo e então vesteum terno limpo – tudo isso enquanto re-sponde a perguntas dos repórteres.

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No entanto, não há por que tirar a roupaem Beirute. O Hotel Phoenicia fica a apenasdois quarteirões do azul Mediterrâneo. O cal-or de agosto é amenizado por uma suavebrisa que sopra do mar. Esta será uma dasviagens mais longas já feitas por Johnson,mas o vice-presidente está aproveitandocada minuto; afinal, em cada um dessesdezenove dias fora dos Estados Unidos, eleserá o homem mais poderoso e respeitado dasala.

* * *

Ao mesmo tempo, em casa, BobbyKennedy concentra-se em uma batalha porpoder muito diferente, situação que podemuito bem ser resumida por um incidenteocorrido há sete anos.

Mississippi, 1955. Um garoto negro decatorze anos chamado Emmett Louis “Bobo”Till está visitando seus parentes no delta doMississippi para conhecer a cidade de

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Money, onde sua mãe cresceu. Ele teve pólioquando ainda era pequeno, o que lhe deixoucomo sequela uma gagueira. Apesar do seuum metro e 62 de altura, Emmett tem um armaduro o bastante para ser confundidomuitas vezes com um adulto. Uma olhadamais detida em seu rosto liso é suficientepara se perceber que ele ainda é pratica-mente uma criança.

A mãe de Emmett o alertou que o Mis-sissippi é muito diferente de Chicago, e elanão está se referindo ao clima. Apenas umasemana antes da viagem de Emmett para oSul, um negro foi baleado na cabeça nafrente de um tribunal de justiça não muitolonge de Money. Seus assassinos logo serãoabsolvidos.

Emmett diz à sua mãe que entende aconjuntura racial do Sul e promete tomarcuidado. Essa é uma promessa que ele nãocumprirá.

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O adolescente chega à pequena casa dedois quatros do seu tio-avô Moses Wright,um senhor de 64 anos, em 21 de agosto de1955. Três dias depois, em uma quarta-feira,ele e alguns parentes seus da mesma idadevão até o Mercado e Açougue Bryant, geridopor um casal que tem nos moradores locais amaior parte de sua clientela. São sete e meiada noite. Aos 24 anos, Roy Bryant, um dosdonos e um ex-soldado, está de viagem, noTexas, para pescar camarão em uma rota quevai de Nova Orleans até San Antonio. Sua es-posa de 21 anos, Carolyn, uma jovempequena com cabelos e olhos escuros, ficouencarregada de tomar conta da loja nessemeio-tempo.

Emmett está entre oito jovens negrosque param em frente ao mercado em umFord 1946. Todos têm entre treze e dezenoveanos. Eles se encontram com outro grupo dejovens negros que já está jogando damas emmesas em frente à loja. Emmett, que está a

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centenas de quilômetros de casa e ainda seesforçando ao máximo para se encaixar,mostra ao grupo uma foto de uma garotabranca em sua carteira e então se gaba,dizendo que havia dormido com ela.

O grupo, que agora chega a quase vintegarotos e garotas, não acredita no que ouve.Esse tipo de interação entre raças diferentesé inédito no Mississippi. Banheiros públicos,bebedouros e restaurantes são todos se-gregados. Um negro jamais poderia sequersonhar em apertar a mão de um branco, amenos que o branco se prontifique ao gesto.Os negros abaixam os olhos enquanto falamcom um branco, sempre mostrando respeitoe usando palavras como “senhor”, “dona” ou“senhorita”, sem nunca usar seu primeironome. No entanto, Emmett Till está afirm-ando que não apenas falou com uma garotabranca como também tirou suas roupas e sedeitou com ela, o que causa um imenso es-panto entre todos.

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Eles então dizem para Emmett provarsua história. Eles o desafiam a entrar nomercado e falar com Carolyn Bryant.Sentindo o perigo, Emmett tenta recuar. Issoapenas atiça ainda mais o grupo, e elescomeçam a provocá-lo, chamando-o de cov-arde. Emmett se rende. Ele abre a porta detela verde e entra na loja. Ele vai até a cestade doces, onde pede dois centavos dechicletes. Quando Carolyn lhe entrega oproduto, Emmett coloca sua mão sobre adela e convida a jovem casada e mãe de doisfilhos para sair.

Em Chicago, o fato de um homem tocarna mão de uma mulher pode não ser grandecoisa. No entanto, no extremo sul, contatodesse tipo entre negros e brancos é proibido.Quando há uma negociação em uma loja, umnegro deve colocar seu dinheiro no balcãoem vez de entregá-lo nas mãos de umbranco. O mesmo acontece na hora do troco.

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E Emmett não apenas tocou na mão de umamulher casada, ele a convidou para sair.

Carolyn recua, chocada. Emmett es-tende a mão de novo, desta vez tentandopegá-la pela cintura. “Não precisa ter medode mim, menina”, garante Emmett a ela. “Jáfiquei com garotas brancas antes.”

Irritada, ela o empurra. Emmett por fimdeixa a loja. No entanto, a mulher enfurecidafaz o mesmo em seguida e corre na direçãode seu carro para pegar a pistola do marido.Está ficando tarde, e ela teme pela suasegurança.

Emmett Till não tinha más intenções.Ele tem o hábito de trocar palavras por asso-vios quando gagueja, como agora, e assoviapara Bryant. Carolyn Bryant fica chocadamais uma vez. Assim como os outros jovensnegros, que observam a cena. Eles “sabiamque o assovio causaria problemas”, afirmaráum relatório oficial do FBI. “Eles fugiram àspressas, levando Till com eles.” Quando volta

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para casa e fica sabendo do ocorrido, RoyBryant não perde tempo para realizar suaprópria investigação criminal. Em 28 deagosto, às duas e meia da manhã, ele bate naporta da casa do tio-avô de Emmett, MosesWright. Roy está acompanhado de seuamigo, J.W. “Big” Milam.

Big Milam é doze anos mais velho doque Roy Bryant. Ele é um imenso e expans-ivo homem do Mississippi que abandonou ocolégio antes de se formar e lutou contra osalemães na Segunda Guerra Mundial. Cadaum deles está com uma Colt .45 – Bryant es-tá com um revólver, e Milam com umaautomática. Os dois forçam Moses a levá-losao “negro que falou”.

Assustado, Moses leva os dois homensaté um pequeno quarto nos fundos, ondeEmmett e três primos dividem uma cama.Big Milam aponta uma lanterna para o rostodo garoto. “Você é o negro que falou?”

“Sou sim”, responde ele.

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“Não fale assim comigo. Vou arrebentarsua cabeça. Vista-se.”

Moses e sua esposa imploram para queos dois homens desistam, chegando a ofere-cer dinheiro a eles para deixar tudo de lado,mas Roy e Big não aceitam. Eles carregamEmmett até a picape de Big e o levam em-bora noite adentro.

O plano de Roy e Big é levar Emmett atéum penhasco às margens do rio Tallahatchiepara surrá-lo com coronhadas e assustar ogaroto, fingindo que irão jogá-lo desfiladeiroabaixo. Sob o breu da noite, Big não con-segue encontrar o lugar que queria. Após trêshoras de tentativas, Big volta com a picapepara sua própria casa, onde ele tem um bar-racão no quintal com dois cômodos paraguardar ferramentas. Eles levam Emmettpara dentro do lugar e o espancam comcoronhadas, acertando o rosto do garoto comforça. Mas, em vez de se acovardar, Emmettenfrenta os dois homens. “Seus canalhas.

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Não tenho medo de vocês. Sou tão bomquanto vocês”, afirma ele, com o rosto todomachucado, mas sem sangramento.

Isso deixa Big Milam enfurecido. “Nãosou violento”, Milam tentará explicar à rev-ista Look. “Nunca machuquei um negro navida. Gosto de negros... em seu devidolugar... sei como lidar com eles. Só decidi quejá era hora de ser mais direto com algumaspessoas. Enquanto eu estiver vivo e puderfazer alguma coisa, os negros vão ficar ondemerecem.”

Ao que parece, Emmett não sabe qual éo seu lugar, porque continua dizendo aosagressores que é igual a eles, e chega até a segabar por já ter feito sexo com mulheresbrancas. Essa crença na igualdade entrenegros e brancos, algo que para Emmett é re-lativamente comum na avançada Chicago,deixa Milam e Bryant furiosos. “Fiquei lá nobarracão, ouvindo as besteiras daquelenegro”, relembrará Milam. “E então me

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decidi. Eu disse: ‘Moleque de Chicago, jácansei de ver sua gente vindo para cá arru-mar confusão. Dane-se, vou transformar vo-cê em um exemplo... só para todo mundosaber o que nós aqui achamos disso’.”

Big e Roy não querem mais só assustarEmmett. Eles agora querem matá-lo.

Big se lembra de que uma companhia al-godoeira acabou de trocar o exaustor de umadas suas máquinas processadoras de al-godão. A peça trocada é perfeita para o queBig agora tem em mente. O exaustor éenorme – com um metro e meio de diâmetroe quase 35 quilos. Eles vão até a ProgressiveGinning Company, roubam o exaustordescartado e seguem até um ponto isolado àsmargens do Tallahatchie, onde Big gosta decaçar esquilos. Eles forçam Emmett a levar oexaustor até a beira do rio e então o mandamtirar a roupa.

“Você ainda se acha tão bom quantoeu?”, pergunta Big.

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“Sim.” Mesmo pelado, em frente a ho-mens duas décadas mais velhos do que ele,Emmett Till encontra forças para ser valente.Sangue escorre pelo seu rosto, com algunsossos quebrados. Um dos seus olhos estásaltado para fora.

“Ainda vai me dizer que ‘transou’ commulheres brancas?”

“Sim.”Big ergue sua pistola .45 e dispara à

queima roupa contra a cabeça de Emmett. Abala abre um pequeno buraco de entradaperto de sua orelha direita e mata o garotode catorze anos na hora. Big e Roy emseguida enrolam um fio de arame farpadoem volta do pescoço de Emmett e o amarramao exaustor. Eles empurram seu corpo amar-rado à enorme peça de metal para dentro dorio, e depois voltam para casa e limpam osangue empoçado na caçamba da picape.

Mesmo amarrado a um exaustorenorme, o corpo de Emmett flutua com a

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corrente do rio. Três dias depois, pescadoresencontram seu corpo inchado boiando naágua pouco mais de doze quilômetros rioabaixo. Sua cabeça está quase achatada apóstantas coronhadas.

Quando o corpo de Emmett é levado devolta para Chicago, sua mãe insiste em abriro caixão no velório, para que o mundo todopossa ver o crime que havia sido cometidocontra seu filho. Fotos da cabeça surrada edeformada de Emmett Till são publicadasem revistas no país inteiro. Dezenas de mil-hares comparece, ao velório, e uma revoltapública contra o assassinato se espalha pelanação.

Mas não no Mississippi. Mesmo tendosido presos pela polícia, Roy Bryant e BigMilam acabam sendo absolvidos do crimepor um júri de seus pares (brancos) trêsmeses depois. Graças ao conceito jurídico doprincípio de dupla tipicidade, usado para nãopermitir que um indivíduo seja julgado duas

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vezes pelo mesmo crime, os dois homens de-pois chegam a se gabar para um repórter darevista Look sobre o dia em que assassin-aram Emmett Till.

* * *

Até 1962, JFK não demonstrou grande in-teresse em liderar a luta pelos direitos civis,sabendo que assumir uma posição favorávelaos negros poderia prejudicá-lo dentro doPartido Democrata. Na verdade, o históricodo presidente quanto a questões raciais é nomáximo medíocre no Senado. Desde ohistórico caso de 1954, Brown contra o Con-selho de Educação, no qual a Suprema Cortedeterminou a integração entre os alunos nasescolas, a tensão entre brancos e negros noSul dos Estados Unidos havia chegado a umponto limite. Incidentes como o assassinatode Emmett Till deixaram de ser fora docomum. “O sangue de muitas pessoas podeser derramado em vários lugares do Sul

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graças a essa decisão”, profetizou correta-mente um editorial de um jornal do Missis-sippi, pouco após a decisão ser oficializada.

No entanto, a partir do seu discurso nodia 1º de maio de 1961, na Faculdade deDireito da Universidade da Georgia, BobbyKennedy deixou claro que usaria seu De-partamento de Justiça como uma ferramentapara garantir a aplicação dos direitos civisem todo o país e em especial no extremo sul.Ele está entrando em uma batalha cansativae sem fim, em uma luta que teve seu iníciono primeiro dia em que escravos africanosforam trazidos para os Estados Unidos em1619. Os irmãos Kennedy tomam essepartido sabendo que essa intensa disputalhes garantirá um novo grupo de perigosíssi-mos inimigos.

Bobby Kennedy foi crucial para ajudarativistas pró-direitos civis conhecidos comoCavaleiros da Liberdade a viajarem deônibus até o sul para lutar contra a

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segregação em 1961. A Greyhound Company,temendo que seus ônibus pudessem ser van-dalizados, havia negado a princípio transpor-tar os ativistas do norte. Kennedy pressionoua Greyhound, e a empresa recuou.

No entanto, JFK não pôde evitar o queaconteceu em seguida. Assim que tentaramdescer de alguns dos ônibus, os ativistas fo-ram espancados com canos e porretes pormultidões em fúria. Policiais locais não se es-forçaram muito para conter as cenas debrutalidade.

Apesar – ou talvez justamente por causa– dessa violência, o Movimento pelos Direit-os Civis continua a ganhar impulso, e RobertKennedy agora está acompanhando de pertoo trabalho de um dos seus líderes maisproeminentes, um pastor da Igreja BatistaCarismática de 33 anos chamado dr. MartinLuther King Jr.

O reverendo King é tão intenso e enig-mático quanto o próprio presidente

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Kennedy. Ele é um homem de profundosvalores religiosos que também corteja mul-heres fora de seu casamento. Seu tom de voze sua retórica são fortes e apaixonados, masele defende o mesmo tipo de tática não viol-enta utilizada por Gandhi na Índia para al-cançar seus objetivos. King também pareceser um simpatizante do comunismo. Issocoloca Bobby no inusitado papel de monitor-ar King para concluir se o reverendo é ou nãocomunista, mas também de garantir a segur-ança de King e que ele tenha liberdade de ex-pressão enquanto luta pela causa dos direitoscivis. King já sofreu uma tentativa de assas-sinato, quando uma mulher negra enlouque-cida o esfaqueou no peito, em 1958, e hátemores constantes de que um dia o rever-endo acabará sendo linchado durante umade suas viagens pelo extremo sul.

Na verdade, o Movimento pelos DireitosCivis é uma enorme dor de cabeça paraBobby Kennedy. Seu principal órgão de

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atuação, o FBI, tem pouco interesse nasquestões dos direitos civis e tampouco emprogredir em outra área de grande preocu-pação jurídica de Bobby, o crime organizado.Em vez disso, J. Edgar Hoover está total-mente concentrado em deter a disseminaçãodo comunismo. Ele se contenta com seu pa-pel de Pôncio Pilatos, lavando as mãos para oconflito racial em curso. Na verdade, em1962, o FBI tinha apenas um punhado deagentes negros trabalhando em suasrepartições.

Hoover está sim interessado no rever-endo King – mas apenas devido a uma noçãomuito disseminada entre o FBI que o Movi-mento pelos Direitos Civis faz parte de umplano comunista muito maior contra os Esta-dos Unidos. Um dos chefes de divisão doFBI, William C. Sullivan, chegará a caracter-izar King como “o negro mais perigoso parao futuro desta nação em se tratando do

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comunismo, dos negros e da segurançanacional”.

O diretor do FBI, J. Edgar Hoover, criou dossiês sobre vários líderes

dos direitos civis e chegou a preparar um documento sobre o

presidente.

(Abbie Rowe, Fotos da Casa Branca, Biblioteca e Museu Presidencial

John F. Kennedy, Boston)

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* * *

A verdade – e Bobby Kennedy sabe disso – éque, em grandes porções do sul, cidadãosnegros dos Estados Unidos têm pouca pro-teção contra o preconceito e a violência.

Embora a tradição dos Kennedy sejacolocar a política acima de preocupações so-ciais, os dois irmãos criados em um abastadoambiente liberal no norte do país desen-volvem um interesse cada vez maior em cor-rigir os erros da injustiça racial.

J. Edgar Hoover acha essa uma preocu-pação tola e pensa que as palavras do rever-endo King em breve serão esquecidas. ParaHoover, a luta pelos direitos civis é umamera tendência passageira. Por isso mesmo,ele pretende continuar concentrado no jogopolítico que vem disputando desde que en-trou para o departamento de Justiça naPrimeira Guerra Mundial. Ele irá suportar oestilo apaixonado de Bobby Kennedy, assimcomo continuará registrando, ainda que em

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silêncio, as indiscrições do presidente. Nempor isso ele perderá o cargo.

Isso não significa que o chefe do FBIprecisa gostar dos jovens Kennedy – e elenão gosta mesmo.

Bobby sabe que um dos primeiros atosoficiais de JFK após ser reeleito em 1964 serádemitir J. Edgard Hoover. Por isso mesmo,ele aguenta firme, investigando violações dedireitos civis sem o apoio do diretor do FBI.Não é fácil. Processos simples como con-seguir que o Senado aprove um juiz para umcargo na Corte Federal são atravancadosquando um senador responsável pelo sub-comitê ordena que o procedimento seja in-terrompido por tempo ilimitado. Não é nadasurpreendente que o juiz em questão, Thur-good Marshall, seja negro. Também não énenhuma surpresa que o senador respon-sável pelo adiamento do processo sejabranco.

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No entanto, Robert Kennedy é oprocurador-geral dos Estados Unidos, umhomem que jurou defender as leis da nação.E enquanto jovens como Emmett Till estiver-em sendo linchados apenas pela cor de suapele, Bobby não tem escolha a não ser en-campar essa batalha.

* * *

Faz um calor brutal em Fort Worth, noTexas, em 16 de agosto de 1962. Os agentesespeciais do FBI John Fain e Arnold J.Brown, soldados da guerra de J. EdgarHoover contra o comunismo, passaram o diatodo esperando para ver Lee Harvey Oswald.Eles estão sentados em uma viatura à pais-ana, estacionada em uma rua próxima aoapartamento duplex recém-alugado porOswald na Mercedes Street, bem na esquinada loja de departamentos MontgomeryWard.

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O agente especial Fain está a apenasdois meses de completar vinte anos no FBI.Ele irá se aposentar em Huston, onde viverácom sua pensão, enquanto trabalha ao ladode seu irmão, um cirurgião ortopédico. Essaserá mais uma grande mudança de carreirapara o veterano agente. Fain é um homemcomplicado de cinquenta e poucos anos, quejá deu aulas, disputou cargos na política e foiaprovado no teste de certificação de ad-vogados no Estado do Texas antes de entrarpara o FBI em 1942. O caso de Oswald não énenhuma novidade para ele. Tempos atrás,quando Oswald desertou para a UniãoSoviética, Fain ficou encarregado de umapequena investigação sobre a mãe deOswald, por ela ter enviado 25 dólares para ofilho na União Soviética. Quando o assunto éa caça aos comunistas, nenhum detalhe épequeno demais que deixe de chamar aatenção do FBI comandado por Hoover.

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Também foi John Fain quem falou caraa cara com Oswald oito semanas antes, em26 de junho de 1962. O caso de Oswald foiclassificado como uma investigação de “se-gurança interna”, com base na premissa deque sua deserção poderia transformá-lo emuma ameaça à segurança nacional. O tra-balho de Fain é descobrir se os russos trein-aram e equiparam Oswald para atacar osEstados Unidos. Pelo protocolo do FBI, asinvestigações de segurança interna devemcontar com a presença de dois agentes, paraque todas as declarações possam sercorroboradas.

Algo em sua entrevista inicial com odesertor, que durou duas horas, incomodaFain. Ele não gosta da postura de Oswald,que considera “presunçoso, arrogante... e in-solente”. E suas respostas à maioria das per-guntas parecem incompletas. Fain conhece afundo a batalha que Oswald enfrentou paravoltar aos Estados Unidos e sabe que os

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russos a princípio não deixaram que Marinae seu filho deixassem o país com ele. No ent-anto, Oswald se recusou a partir sem sua es-posa, e as autoridades soviéticas por fimaceitaram seus pedidos. A única perguntaque Oswald nunca respondeu de forma total-mente sincera foi se os russos exigiram ounão algo em troca por deixá-lo voltar para osEstados Unidos.

John Fain precisa de uma resposta paraessa pergunta. Ele é um homem muito minu-cioso e se encarrega de entrevistar Lee Har-vey Oswald mais uma vez.

Às cinco e meia da tarde, os dois agentesveem Oswald andando pela rua, a caminhode casa depois de sair do seu trabalho desoldador na Leslie Machine Shop. Oswaldmentiu em seu formulário para conseguiresse emprego, inventando que havia sido dis-pensado da Marinha com grandes honras.Oswald foi expulso da Marinha após cometeruma série de pequenas infrações. Ele

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também deixou de mencionar ao seuempregador que já havia morado na UniãoSoviética. E mesmo após apenas um mês detrabalho, Oswald já está cansado de suaposição subalterna. Ele quer pedir demissãoe encontrar um emprego melhor em Dallas.

Fain chega com seu carro ao lado deOswald. “Oi, Lee. Como está?”, pergunta elepela janela do carro. “Poderia falar conoscoum minutinho?”

“Vamos lá para casa”, responde Oswaldcom toda educação, lembrando-se de sua úl-tima entrevista com Fain. O rosto do agenteespecial Brown é novo para ele. Outro agenteestava com Fain em junho passado.

“Bom, podemos conversar aqui mesmo”,responde Fain. “Só nós mesmo, coisa in-formal, nada demais.”

Brown desce para deixar que Oswaldentre no banco de trás. Fain continua nobanco do motorista, mas Brown se senta aolado de Oswald. Fain se vira para explicar

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que eles não procuraram Oswald em seu tra-balho para não embaraçá-lo na frente de seunovo chefe. E que não querem conversar comele dentro de casa, temendo assustar Marina.Por isso, a breve reunião acontecerá dentrodo carro mesmo.

Os três homens conversam durante pou-co mais de uma hora. As janelas estão aber-tas apenas o bastante para aliviar um poucoo sufocante clima úmido. Mesmo assim, oshomens ainda transpiram muito – em espe-cial os agentes, com seus paletós e gravatas.Oswald acabou de enfrentar um duro dia detrabalho braçal, e o cheiro de seu suor in-unda o carro. Apesar do seu desconforto,Oswald é mais amistoso do que antes, menosdefensivo. Ele explica que entrou em contatocom a embaixada soviética, mas apenas porser exigido que cidadãos soviéticos comoMarina se apresentem à embaixada do lugaronde moram regularmente. Quando é pres-sionado a dizer se esse contato envolveu

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conversas com oficiais de inteligência so-viéticos, Oswald recua, perguntando-se emvoz alta por que alguém poderia se interessarem discutir espionagem com um sujeitocomo ele. “Ele não acreditava ter nenhumarelevância para os soviéticos”, relataria de-pois Fain. “Ele se comprometeu a cooperarconosco e nos repassar qualquer informaçãoque pudesse chegar ao seu conhecimento.”

Fain não fica satisfeito. Ele volta a ques-tionar Oswald repetidas vezes sobre por quea União Soviética foi para onde ele pensouem ir em primeiro lugar. Para o agente, issonão faz sentido. Os fuzileiros navais dosEstados Unidos são conhecidos pelo seulema, Semper Fidelis, “Sempre Fiel”. Por queum soldado renunciaria voluntariamente seupaís para ir morar em uma nação que se ap-resenta como a maior ameaça no mundo aosEstados Unidos?

Essa é uma pergunta que Oswald não re-sponde. Ele contorna o assunto, falando

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sobre “seus próprios motivos pessoais” e que“foi só uma coisa que eu fiz”.

Às 18h45, Oswald é liberado do carro eentra em sua casa. A conversa com osagentes na verdade veio como um alívio paraa tensão em seu próprio lar. Ele e Marinavêm tendo brigas, às vezes bastante viol-entas, há mais de seis meses. E as discussõesapenas pioraram após o casal ter vindo paraos Estados Unidos. No começo, elesbrigavam por Marina não poder conversarcom nenhuma outra pessoa nos Estados Un-idos além de Oswald, por ela não saber falaringlês. Mas agora ela fez novos amigos emuma pequena comunidade de expatriadosrussos. Entre eles, está um homem chamadoGeorge de Mohrenschildt, que não apenastem conexões com a CIA como também con-heceu Jackie Kennedy quando ela ainda eracriança. De Mohrenschildt foi um amigo datia de Jackie, Edith Bouvier Beale. Os novosamigos de Marina acham seu marido um

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sujeito grosso e tomam seu partido em suasbrigas conjugais.

E as brigas são muitas. Oswald gosta deser o “comandante” do seu casamento, dit-ando todos os detalhes da vida do casal e serecusando a deixar que Marina aprendainglês, por medo de perder seu controlesobre ela. Ela tem vergonha de seus dentestortos e quer se tratar com um dentista, masele veta a ideia. Oswald muitas vezes ex-acerba sua sede de poder batendo em suamulher quando se irrita.

Marina não é uma mulher indefesa. Elagrita com ele por não ganhar dinheiro obastante e reclama de sua indiferença comela. As relações sexuais são tão raras que elapassa a acusá-lo de não ser homem obastante. Ela implica com Oswald o tempotodo, e, quando ele se compara aos grandeshomens das biografias históricas que gostade ler, ela o ridiculariza com comentáriossarcásticos. Marina chega a escrever para um

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ex-namorado seu na União Soviética,dizendo a ele que cometeu um grande erroao se casar com Oswald. Para o azar de Mar-ina, sua carta é devolvida por não ter os selosnecessários. Oswald abre o envelope e lê acarta e depois bate em sua mulher. Por in-crível que pareça, Marina perdoa a violênciade Oswald. Mesmo com um foco totalmentedeturpado, essa fagulha de paixão é melhordo que o lado frio de seu marido que a frus-tra tanto.

Conflitos conjugais, combinados a uminterrogatório surpresa nas mãos do FBI, emgeral seriam o bastante para desencadear umdos discursos típicos de Oswald – nos quaisele é capaz de esbravejar por horas sobregovernos opressores. Mas, nesta noite, anova edição do periódico Trabalhador doPartido Socialista dos Trabalhadores dosEstados Unidos o espera em casa. Oswald seacomoda para lê-lo.

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É o agente especial Arnold J. Brown,não John Fain, quem prepara o relatório fi-nal sobre a conversa no carro. Os docu-mentos são enviados em 30 de agosto de1962. No entanto, é Fain, o veterano comvinte anos de carreira, quem decidirá se hárealmente algum motivo para crer que LeeHarvey Oswald é um agente secreto a serviçoda União Soviética infiltrado nos EstadosUnidos para atacar o próprio país.

Contente com as respostas oferecidaspor Oswald e ansioso para se aposentar, oagente especial John Fain requisita que a in-vestigação de segurança interna sobre LeeHarvey Oswald seja arquivada. Afinal,Oswald não possui nenhuma arma, nemparece oferecer qualquer tipo de ameaça.

O caso então é arquivado.Mas os caminhos de Lee Harvey Oswald

e do FBI em breve irão se cruzar novamente.

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16 DE OUTUBRO DE 1962CASA BRANCA8h45

O presidente dos Estados Unidos está ro-lando pelo chão do quarto com seus filhos.Na televisão, Jack LaLanne diz a JFK,Caroline e John para pôr as mãos nos dedosdos pés. Kennedy está só de camiseta ecueca. O carpete e a poltrona logo ao ladosão cor de creme, oferecendo um contrasteperfeito para os cobertores de estampa azulna cama com dossel do presidente.

O volume da tevê está “absurdamentealto”, nas palavras de Jackie, enquanto JFKbrinca com o filho e a filha – fazendobarulho o bastante para fazer com que Jackievenha de seu próprio quarto para ver o queestá acontecendo. Ela ama esse estilo

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despojado do marido e a forma como eleparece se sentir confortável em todo o tipode situação. Ela pode ver claramente que énas manhãs com os filhos que John Kennedyse sente mais à vontade do que nunca. Elemima as crianças, deixando que Jackie seja afigura disciplinadora, e adora passar tempocom eles. Jackie se preocupa com o com-portamento bagunceiro dos filhos. Já o pres-idente acha tudo fantástico. Ele apenas lam-enta que suas dores nas costas o impeçam dejogar o menino John para o alto e pegá-lodepois, uma brincadeira que o filho do pres-idente adora. Infelizmente, JFK depende dosassistentes ou mesmo de dignitários em vis-ita à Casa Branca para brincar assim com ofilho.

Como presidente, JFK não precisa maisfazer campanha ou passar horas e horas emseu escritório no Senado. Ele trabalha emcasa. O que antes era um solitário ritualmatutino hoje se tornou um momento em

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família. Ele se aproximou muito dos filhos eaproveita cada instante ao lado das crianças.Eles começam todas as manhãs no quarto deJFK, enquanto ele ainda toma banho,barbeia-se, alonga as costas e toma café.

O presidente acabou de tomar banho elogo irá se vestir. As crianças ficam no quartopara assistir desenhos na tevê. Jackie àsvezes volta para o seu quarto, ou então sesenta com JFK enquanto ele coloca seucolete corretivo antes de vestir a camisa feitasob medida que seu velho criado GeorgeThomas acabou de passar. Em seguida, elecalça os sapatos, contando com um salto or-topédico de meio centímetro no pé esquerdo.Ele então dá uma rápida olhada no espelhodo quarto sobre a cômoda para revisar suaaparência. A moldura do espelho é umamontoado de cartões-postais, fotos defamília e outras miudezas, como os horáriosdas missas de domingo nas catedrais de St.Stephen e St. Mathew. Kennedy frequenta a

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missa e comunga regularmente, mas se irritaquando fotógrafos tentam clicá-lo se confess-ando. O momento de perdão também deveser um momento de submissão eprivacidade.

Às vezes, durante o dia, John e Carolinevisitam o Salão Oval e ficam brincando nochão ou mesmo embaixo da mesa do presid-ente. Jackie protege a todo custo seus filhosda exposição pública. O presidente, poroutro lado, tem uma perspectiva mais amplae percebe que os Estados Unidos são fascina-dos por essa família presidencial tão jovem eclamam por qualquer migalha de informaçãosobre seu cotidiano. Caroline e John se torn-aram celebridades por si só, por mais quenem desconfiem disso. Ver fotógrafos, es-critores, revistas e jornais narrando suasjovens vidas é apenas parte do dia a dia.

John, prestes a completar dois anos,gosta de parar junto à máquina de escreverde Evelyn Lincoln no caminho até o Salão

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Oval para fingir que está datilografando umacarta. Caroline, que já tem quase seis anos,gosta de trazer um ou todos os três cães deestimação da família quando aparece paravisitar seu pai. Aliás, os filhos de Kennedytransformaram a Casa Branca em uma es-pécie de zoológico, com seus cães, hamsters,um gato e até um pônei chamado Macaroni.JFK é alérgico a pelo de cachorro, mas nuncareclama.

Às vezes, o presidente retribui o favorcom uma visita surpresa a Caroline e seuscolegas de escola em seu pequeno colégioparticular, no terceiro andar da Casa Branca.O colégio é diferente de qualquer outro, cri-ado por Jackie Kennedy para proteger ospróprios filhos e os de sua cunhada, EthelKennedy. A primeira-dama contratou doisprofessores para dar a melhor educação pos-sível às crianças.

À noite, o presidente é um grande conta-dor de histórias, inventando narrativas sobre

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o gigante “Bobo, o Lobo” e as criaturas de-voradoras de meias que habitam as profun-dezas de “O Tubarão Branco e o TubarãoNegro”.

As visitas ao Salão Oval, as aparições nasala de aula e as histórias de ninar não têmhora marcada, mas rolar pelo chão é umatradição matinal muito querida. Kennedy,como todos os seus antecessores desde queJohn Adams se tornou o primeiro presidentea morar na Casa Branca em 1800, logo per-cebeu que a vida nessa mansão é complicada.As manhãs oferecem os únicos momentosem que o presidente pode relaxar, agir deforma espontânea e, mais do que tudo, nãoser observado pelo curioso público.

No entanto, nesta manhã de terça, umabatida na porta do quarto do presidente in-terrompe seu divertimento particular com ascrianças. E essa batida irá mudar tudo.

* * *

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O consultor de Segurança Nacional McGe-orge Bundy adentra o quarto. As dobras per-feitas de suas calças e seus sapatos bem en-graxados dão a esse magro acadêmico deóculos uma imagem de total organização,que conflita com o completo caos que dom-ina suas emoções.

Bundy está prestes a dar más notícias.Ele já estava ciente de tudo desde a noite an-terior, mas decidiu esperar até este momentopara informar o presidente. John Kennedyestava em Nova York, fazendo um discurso, esó voltou à Casa Branca tarde da noite. Oconsultor de Segurança Nacional queria queKennedy dormisse bem antes de receber es-sas informações. Bundy sabe que de agoraaté o momento em que esse problema forsolucionado será muito difícil que o presid-ente consiga descansar. Afinal, o que Mc Ge-orge Bundy está prestes a relatar a JFK podemudar o rumo da história.

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“Sr. presidente”, diz Bundy, com seus 43anos e toda calma a Kennedy. “Temos provasfotográficas concretas, que o senhor verá embreve, mostrando que os russos instalarammísseis bélicos em Cuba.”

Aeronaves espiãs U-2 que sobrevoavamCuba confirmaram a existência de seis basesde lançamento para mísseis balísticos so-viéticos de médio alcance e 21 bombardeirosIL-28 de médio alcance a menos de 150quilômetros dos Estados Unidos. Cada umdesses aviões seria capaz de lançar bombasatômicas do alto do céu, assim como cadaum dos mísseis balísticos de médio alcance(MBMAs) poderia chegar até o Estado deMontana.

Se detonadas, as ogivas atômicas po-deriam matar oitenta milhões de americanosem questão de minutos. Outros milhõesmorreriam depois devido à radiação.

O presidente já enfrentou várias e váriascrises desde que assumiu a presidência 21

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meses atrás. Mas nada – nem o caso da Baíados Porcos, nem a luta pelos direitos civis oumesmo o Muro de Berlim – poderia sequerser comparado a isto.

* * *

A Baía dos Porcos, apesar de tudo, acaboumoldando a presidência de John Kennedy.Agora, ao ouvir as notícias do consultor deSegurança Nacional Bundy, JFK não ficanervoso, como ficou em abril de 1961. Elenão fica atônito. Em vez disso, ele se com-porta apenas como o presidente dos EstadosUnidos, um homem que há muito tempodeixou de se definir pela sua filiaçãopartidária.

Kennedy sabe que precisa ser cuidadoso.A Baía dos Porcos será para sempre umaferida aberta em sua história. Um segundotropeço em Cuba poderia ser devastador –não apenas para sua presidência, como tam-bém para os seus próprios filhos. A simples

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ideia de perder Caroline e John em umataque nuclear deixa Kennedy aterrorizado,pois a segurança dos filhos é levada em contasempre que ele lida com os soviéticos e aprobabilidade de uma guerra nuclear. Opresidente mobiliza um lobby para banir aprática de testes nucleares e se caracterizacomo “presidente das gerações futuras – enão apenas dos americanos de hoje”.

Certa vez, em uma visita a uma área detestes nucleares no Novo México, Kennedyficou surpreso com uma enorme cratera cri-ada por um teste subterrâneo recente. Eleficou ainda mais espantado com dois físicos,que explicaram, com largos sorrisos estam-pados em seus rostos, que estavam pro-jetando uma bomba ainda mais potente quecriaria uma cratera muito menor.

“Como eles podem ficar tão contentescom uma coisa assim?”, queixou-se o presid-ente a um jornalista tempos depois, em umgesto que em nada lhe era característico.

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Kennedy em geral demonstra uma posturaamigável, mas contida. Ele não costuma rev-elar nenhuma emoção interna. Portanto, ex-pressar seus sentimentos assim é um grit-ante sinal de preocupação. “Eles me dizemque se pudessem fazer mais testes con-seguiriam criar uma bomba ‘mais limpa’.Mas, se você vai matar cem milhões de pess-oas, que diferença faz usar uma bomba limpaou suja?”

* * *

JFK ordena que McGeorge Bundy agendeimediatamente uma reunião sigilosa com suaequipe de segurança nacional. Em seguida,ele liga para Bobby, dizendo que “temos séri-os problemas. Quero você aqui”. O presid-ente decide não abandonar seu cronogramanormal, para não deixar que as notíciassobre Cuba se espalhem, ao menos por en-quanto. Um dos motivos para isso é que elenão quer alarmar o público americano. Ele

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sabe muito pouco sobre a situação e aindanão tem nenhum plano de ação. Permitir umvazamento prematuro desse assunto em ummomento que ele não tem respostas paravárias perguntas da imprensa fará com queele pareça fraco e indeciso.

Outro motivo para manter esse “se-gundo incidente cubano” em sigilo tem a vercom os interesses políticos do próprio JFK.Há muito tempo, o presidente garantiu aopúblico americano que não permitiria que ossoviéticos criassem instalações bélicas emCuba. Khrushchev está pondo a palavra deKennedy à prova a poucas semanas daseleições de meio de mandato para o Con-gresso. O presidente não tem como saber seos soviéticos de fato planejam usar essesmísseis algum dia, mas sua mera existênciamostra que Khrushchev continua determ-inado a se manter no comando da relaçãoentre Estados Unidos e os países soviéticos.

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Isso não pode acontecer. Como em todasas eleições de meio de mandato, os votos queestão chegando às urnas no país inteiro ser-virão como um referendo sobre as políticasadotadas pelo governo Kennedy. Seu partidodetém a maioria na Câmara e no Senado, oque ajuda JFK a promover sua agenda pres-idencial. Perder essas maiorias complicariaseu trabalho – e poderia até lhe custar areeleição em 1964.

JFK tem outro motivo, esse ainda maispessoal, para querer que suas políticas sejambem vistas pelo público: seu irmão maisnovo, Teddy, está concorrendo ao Senado emMassachusetts. Uma catástrofe como umnovo tropeço em Cuba poderia arruinarqualquer chance de vitória para Teddy.

Apesar de seu orgulho pela empreitadapolítica do irmão de trinta anos, JFKpreferiu manter-se a uma boa distância. Adeclaração oficial sobre o tema foi sucinta:“Prefiro que esse assunto seja decidido pelo

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povo de Massachusetts e que o presidentenão se envolva nisso”. JFK se irrita com aampla cobertura midiática da campanha deTeddy, que chega a incluir uma coluna sar-cástica no New York Times sobre a relativainexperiência do irmão caçula de Kennedy eoutros artigos em jornais alertando sobre aconsolidação de uma dinastia Kennedy.

Pessoalmente, nada disso incomoda opresidente de fato. Mas ele sabe que umaderrota de Teddy no Estado natal dosKennedy trará um impacto para o próprioJFK e sua força política – ou falta de.

O último, e de longe o mais importante,motivo do presidente para manter em sigiloa Crise dos Mísseis em Cuba é que JFK nãoquerer que os líderes russos saibam que elejá está ciente do segredo. Dessa maneira, eleacredita poder recuperar parte do controlesobre essa preocupante reviravoltageopolítica.

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Pois na manhã de 16 de outubro, en-quanto Kennedy deixa seu quarto e marchaaté o Salão Oval para começar o dia, umacoisa está muito clara: caso os soviéticosusem esses mísseis, as eleições de meio demandato, a campanha de Teddy e até mesmoas opiniões do povo americano não impor-tarão mais, pois Washington D.C. poderádeixar de existir – assim como grande partedos Estados Unidos da América.

As decisões a serem tomadas agora nãotêm qualquer relação com posições demo-cratas ou republicanas, mas sim com o queserá melhor para o povo americano. Não hásinal mais forte do quanto JFK cresceu desdeque assumiu a presidência do que sua de-terminação neste momento.

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O presidente Kennedy com seus irmãos Robert e Teddy.

(Cecil Stoughton, Fotos da Casa Branca, Biblioteca e Museu Presidencial

John F. Kennedy, Boston)

* * *

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Às dez da manhã, o presidente sai de umabreve reunião no Salão Oval com WallySchirra, um astronauta do grupo Mercuryque passou nove horas no espaço duas sem-anas antes. JFK vai até a porta ao lado e en-tra no escritório de Kenny O’Donnell. Osecretário de compromissos chegou a de-clarar tempos atrás que os eleitores amer-icanos não se importam mais com Cuba. “Osenhor ainda acha que a questão de Cuba éirrelevante?”, pergunta Kennedy, com um arinocente.

“Claro. Os eleitores não dão a mínimapara Cuba.”

O presidente repassa com toda calma aO’Donnell as notícias que recebeu de McGe-orge Bundy há apenas uma hora.

“Não acredito.”“É melhor acreditar”, diz Kennedy a ele

antes de marchar de volta para o Salão Oval.Duas horas depois, JFK deixa sua mesa

mais uma vez. Ele vai até Caroline, na Sala

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do Gabinete logo ao lado, e então a leva emsilêncio até a parte residencial da CasaBranca antes de ir até a reunião altamentesecreta sobre os mísseis soviéticos. Ele seacomoda no meio da mesa, não na ponta.Bobby está sentado de frente para ele, assimcomo LBJ. Onze outros homens estãopresentes, todos escolhidos a dedo pela suaexperiência e lealdade ao presidente.

Fotos tiradas por aviões espiões U-2mostram que os mísseis soviéticos ainda es-tão sendo instalados, mas até o momentoprovavelmente não contêm as ogivas nucle-ares que os tornariam letais. A discussãochega às opções militares. Após ouvir as vári-as opiniões, o presidente elenca sua próprialista. A primeira opção seria um ataque aéreolimitado. A segunda, um ataque aéreo maisamplo, contra um maior número de alvos. Aterceira, um bloqueio naval em águascubanas, evitando que os navios soviéticos

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carregando as ogivas nucleares cheguem aosmísseis.

Bobby, que se manteve em silêncio dur-ante todos os setenta minutos da reunião,por fim se pronuncia, sugerindo que uma in-vasão completa à Cuba talvez seja necessária.Essa é a única forma de impedir que os mís-seis russos cheguem ao solo cubano.

Enquanto uma intervenção militar apar-enta ser a única saída para o impasse, JFKainda está confuso quanto aos motivos detudo isso. Por que Nikita Khrushchev tentar-ia provocar uma guerra contra os EstadosUnidos?

O presidente não sabe a resposta. Masduas coisas estão claras: esses mísseis precis-am ser tirados de lá e, mais importanteainda, as ogivas nucleares soviéticas não po-dem chegar a Cuba.

Nunca.

* * *

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É tarde de sábado, 20 de outubro. JohnFitzgerald Kennedy está passando o final desemana no centro de Chicago, discursandoem um evento do Partido Democrata para le-vantar recursos.

Dois dias atrás, ele se encontrara emparticular com o ministro do Exterior so-viético, Andrei Gromyko. Foi Gromyko quemrequisitou o encontro, sem saber que osamericanos já haviam descoberto a in-stalação de mísseis soviéticos em Cuba. Apauta da discussão foi sobre os acontecimen-tos em Berlim e a indefinida visita do lídersoviético Khrushchev aos Estados Unidos.Com toda habilidade, Kennedy direcionou aconversa até chegar ao tema das armas nuc-leares, ao que Gromyko então mentiudescaradamente para JFK, afirmando comtoda firmeza que “a União Soviética nunca seenvolveria no armamento de Cuba”.

É por isso que Kennedy agora chamaGromyko de “canalha mentiroso”.

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O clima em Chicago é muito diferente datensão de Washington. Quando o Air ForceOne pousa no aeroporto O’Hare, o presid-ente é recebido por uma tropa de tocadoresde gaita de fole e políticos locais, além doquase meio milhão de pessoas enfileiradasao longo da Northwest Expressway paraacompanhar a carreata do presidente. ApósJFK discursar em um jantar a cem dólarespor pessoa para a arrecadação de fundos emuma sexta-feira à noite, um show de fogos deartifício ilumina o céu sobre o lago Michigan.Como em um passe de mágica, os fogosdesenham o rosto do presidente de perfil.

A adulação do público contrasta e muitocom o caos que corrói John Kennedy pordentro naquele momento. Ele ainda não con-tou nem à sua esposa sobre a situação emCuba. O que virá a se tornar conhecido comoa Crise dos Mísseis de Cuba tem agora apen-as quatro dias, e a equipe do ExComm – ab-reviação em inglês para o Comitê Executivo

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do Conselho de Segurança Nacional – estámuito perto de formular uma estratégiaagressiva para evitar um ataque nuclear.Cento e oitenta embarcações estão a cam-inho do Caribe. A Primeira Divisão deBlindados do Exército está sendo realocadado Texas para a Georgia. O Comando AéreoEstratégico já transferiu mais de quinhentosaviões de caça e navios petroleiros para aFlórida e está tentando encontrar munição osuficiente para abastecer todos.

O lendário Comando Aéreo Estratégicotem esquadrões de bombardeiros B-47 eB-52 prontos para atacar, com seus pilotosaquartelados em complexos secretos de“Alerta”. A maioria dessas bases para bom-bardeiros de longa distância fica na regiãonorte dos Estados Unidos – Maine, NewHampshire e no norte de Michigan. O prin-cipal motivo disso é simples: essa é a rotamais curta para a União Soviética, que hámuito tempo todos imaginam ser o primeiro

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alvo assim que uma guerra começar. Os pilo-tos e navegadores conhecem bem as coorde-nadas da região e vêm treinando na área háanos. Descer até Havana os leva a um ter-ritório totalmente novo.

De seu quarto de hotel, o presidente ligapara a primeira-dama. Jackie e as criançasestão em sua casa de Glen Ora, na Virgínia.

“Vou voltar para Washington à tarde.Quer ir para lá?”, sugere ele. Jackie sente“algo de estranho” na voz de JFK.

“Por que você não vem para cá?”, re-sponde ela, brincando. Jackie e as criançasacabaram de chegar. O ar de outono estámorno, e Jackie está tomando um banho desol enquanto fala com o marido pelotelefone.

Mas alguma coisa no tom de JFK alertaJackie. Ele sabe o quanto os finais de semanana Virgínia são importantes para que elapossa deixar as pressões da Casa Branca umpouco de lado. Ele nunca havia pedido a

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Jackie para voltar mais cedo de uma dessasviagens antes.

“Por quê?”, pergunta a primeira-damade novo. Ela depois irá se lembrar do es-panto que sentiu ao perceber que, “quandovocê está casada, e seu marido lhe pede al-guma coisa... bom, é para isso que serve umcasamento... você precisa sentir a preocu-pação na voz do outro e não perguntar o por-quê de nada”.

Mas ela pergunta por que mesmo assim.“Bom, esqueça”, responde JFK, sem ex-

plicar a ela seus motivos. “Por que você sónão volta para Washington?”

Mas então, de repente, JFK muda deideia. Em um momento assim, o que ele maisquer é aliviar o estresse e ficar com a família.O presidente por fim revela a Jackie que ex-iste a possibilidade de uma guerra nuclear.

“Por favor, não me mande para CampDavid. Por favor, não me mande para lugaralgum”, responde Jackie. Ela agora pede

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para ficar com o marido, indiferente à suaprópria segurança. Jackie sabe que no casode um ataque a família será levada para acasa de campo presidencial em Maryland, oque afastará Jackie e as crianças de JFK –talvez para sempre. “Mesmo que não hajalugar para nós no abrigo antibombas da CasaBranca. Por favor, quero só ficar no gramadoquando tudo acontecer então. Quero ficarcom você, quero morrer com você e com ascrianças também.”

O presidente garante à esposa que ficarácom ela. Em seguida, após instruir PierreSalinger a dizer à imprensa que ficou resfri-ado, JFK volta de avião para WashingtonD.C. O New York Times divulgará que “umaleve infecção respiratória” é o motivo peloqual o presidente irá encurtar sua viagem detrês dias; o jornal ignora que o presidente es-tá voltando para Washington na intenção deevitar uma guerra nuclear mundial.

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Jackie e as crianças estão esperandoquando ele chega.

* * *

Não há diferença entre dia e noite na CasaBranca dos Kennedy enquanto avança o con-flito em Cuba. O presidente está com tantasdores nas costas que precisa andar de mu-leta, o que aumenta ainda mais a tensão. Eledorme apenas duas horas de cada vez, depoisse levanta e passa quatro horas falando aotelefone no Salão Oval, antes de voltar àcama para outra curta soneca. Jackie dormecom ele agora, de dia ou de noite. Às vezes,eles dormem na cama pequena de Kennedy;em outras, no quarto de Jackie, em suas duascamas de casal, que foram colocadas uma aolado da outra para formar uma cama kings-ize. Eles muitas vezes ficam conversando atétarde sobre a crise. Certa vez, Jackie acordoue viu Mac Bundy ao pé da cama, pronto paraacordar seu marido. Logo em seguida, JFK

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se levanta imediatamente e some para passarvárias horas fazendo ligações telefônicasaltamente sigilosas.

Jackie depois irá se lembrar desses diase noites como a época de maior proximidadecom seu marido. Ela passa pelo escritório dopresidente o tempo todo, tentando animá-locom visitas surpresa das crianças. Ela en-comenda um jantar preparado pelo restaur-ante favorito de Kennedy em Miami, comfrutos do mar que são trazidos de avião paraWashington. Em várias ocasiões, o presid-ente e a primeira-dama escapam para oJardim das Rosas, onde podem fazer umatranquila caminhada, enquanto ele confiden-cia a ela detalhes sobre a escalada de tensão.

Quando volta ao trabalho, o presidentenão fica sozinho – nem Jackie. EnquantoBobby Kennedy colabora de perto com seuirmão, sua esposa, Ethel, e seus três filhospassam um bom tempo na Casa Branca. ÉEthel quem entrega à babá da Casa Branca,

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Maud Shaw, um panfleto sobre como pre-parar as crianças para um ataque nuclear –um panfleto que Jackie pouco depois pega devolta e esconde. “Você não percebe que opânico está se alastrando? E que as criançassão sensíveis a isso?”, diz a primeira-damapara repreender Shaw.

Esse tipo de comportamento não é típicoda recatada Jackie frente ao público, massim de uma esposa e mãe altamente protet-ora assumindo o controle da casa.

Ao longo de dois dias, o presidente e suapequena equipe da Casa Branca debatemessa ameaça altamente secreta aos EstadosUnidos. Fotos tiradas pelas aeronaves espiãsU-2 mostram que os soviéticos estão trabal-hando dia e noite para terminar a montagemdas bases para mísseis, o que significa quesuas ogivas poderiam ser lançadas contra osEstados Unidos muito em breve. Ninguém“abre o bico”, nas palavras do próprio JFK,vazando a informação à imprensa, embora

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claramente alguns jornalistas já saibam detudo. Nem mesmo o Congresso é alertado.

Na noite de 22 de outubro, umasegunda-feira, tudo muda. O presidenteJohn Fitzgerald Kennedy aparece em redenacional na tevê para informar aos EstadosUnidos sobre a presença de mísseis poten-cialmente letais em Cuba – e o que eleplaneja fazer a respeito da situação. Em ummomento apocalíptico como esse, não seria ahora de esconder nada dos cidadãosamericanos.

* * *

“Boa noite, compatriotas americanos”, dizJohn Fitzgerald Kennedy à nação de seu es-critório na Casa Branca. Olheiras profundasmarcam seu rosto sob seus olhos verde-acin-zentados, dando a ele um ar exausto, em vezdo semblante jovem e cheio de vida ao qual anação está acostumada.

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O rosto de JFK está inchado devido aoseu hipotireoidismo crônico. Ele está usandoum terno azul impecável, gravata azul e umacamisa branca engomada, embora o públicosó possa vê-lo em preto e branco. São sete danoite em Washington D.C.

Essa transmissão tem um clima dia-metralmente oposto ao do passeio de Jackiepela Casa Branca apenas dez meses antes.John Fitzgerald Kennedy precisa fazer o dis-curso mais poderoso de toda a sua vida. Elenão sorri. Seu rosto está sério. Há um quê deameaça em seus olhos. Ele não está otimista,nem sequer esperançoso quanto ao que estápor vir. Suas palavras saem cheias de ira,com uma veemência que choca alguns deseus espectadores. Kennedy se pronunciacomo um homem que foi levado até o máx-imo dos seus limites. E agora ele irá reagir.

“Ao longo da semana passada, provasinequívocas evidenciaram que uma série debases para mísseis de ataque estão sendo

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preparadas na ilha de Cuba. O objetivo des-sas bases não pode ser outro exceto garantira estrutura para um ataque nuclear contra ohemisfério ocidental.”

Neste ponto, o presidente faz uma pausapara suas palavras serem assimiladas. Eleentão recapitula a visita do ministro do Ex-terior soviético Andrei Gromyko ao seu es-critório na quinta-feira anterior, citando asdeclarações de Gromyko sobre os mísseis emCuba – e em seguida lhe chama de mentirosoperante o mundo inteiro.

“Os eventos dos anos 30 nos ensinaramuma clara lição: quando permitimos que atosde hostilidade escalem de forma incontro-lada, isso fatalmente leva à guerra. Estanação é contra a guerra. Mas também hon-ramos nossa palavra. Assim sendo, é nossoobjetivo inabalável evitar o uso desses mís-seis contra este ou qualquer outro país egarantir que eles sejam removidos ou elim-inados do hemisfério ocidental.”

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A cadência na fala do presidente é maisrápida agora, enquanto ele demonstra cadavez mais e mais irritação. Ele confunde a pa-lavra Cuba com Cuber.

Após o fim do seu discurso, o presidentejantará em silêncio com Jackie, Ethel, Bobbye alguns convidados. Ao assistirem ao dis-curso, os convidados do presidente – dentreos quais estão o designer Oleg Cassini e airmã de Jackie, Lee Radziwill – ficam es-pantados ao saberem que seu jantar não seráapenas mais uma típica reunião tranquila naCasa Branca. Eles ainda irão beber vinhofrancês no recém-redecorado Salão Oval, nosegundo andar da Casa Branca, e JFK, comseu estilo ameno, fará o papel do gentil an-fitrião. A tensão na mesa de jantar será algode que todos irão se lembrar pelo resto desuas vidas.

* * *

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A dois mil quilômetros dali, em Dallas,no Texas, Lee Harvey Oswald está ouvindo odiscurso de Kennedy. Ao contrário da maior-ia dos seus compatriotas, Oswald acreditaque os soviéticos têm todo o direito de se in-stalar em Cuba. Para ele, os russos devemproteger o povo de Castro contra a posturaterrorista dos Estados Unidos. Oswald templena convicção de que o presidenteKennedy estará colocando o mundo em riscode uma guerra nuclear ao assumir uma abor-dagem agressiva contra os soviéticos. ParaOswald, JFK é o vilão da história.

Oswald terminou sua mudança de ForthWorth para Dallas no início do mês e alugouuma caixa postal de número 2915 em umaagência dos correios localizada na esquina daBryan com a North Ervay Street. Algumassemanas antes, Oswald conseguiu arrumarum emprego na empresa de Jaggars-Chiles-Stovall como estagiário fotográfico. Sur-preendentemente, essa empresa presta

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serviços para o departamento de mapas doexército dos Estados Unidos que envolvem ouso de fotografias altamente sigilosas tiradaspelas aeronaves espiãs U-2 sobre Cuba. Foi oamigo de Marina Oswald, George deMohrenschildt, quem fez os contatos paraque Oswald conseguisse o emprego. Se oFBI, em todo o seu esforço para deter a dis-seminação do comunismo, preocupa-se como fato de um desertor soviético ter acesso adados altamente sigilosos como fotos tiradaspor aviões U-2 no ápice da Guerra Fria, elenão o demonstrou nesse caso.

* * *

Na tevê, o presidente está prestes a com-prar uma briga. “Assim sendo, buscando de-fender nossa própria segurança e de todo ohemisfério ocidental, sob a autoridade con-ferida a mim pela Constituição conforme en-dossada pela resolução do Congresso,

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ordenei que as seguintes medidas iniciais se-jam tomadas imediatamente.”

Em seguida, após meses de esforços dip-lomáticos e demonstrações de fraqueza aosolhos dos soviéticos, o presidente mostra seuverdadeiro brio. JFK promete deixar Cubaem quarentena, usando a potência da Mar-inha dos Estados Unidos para evitar quequalquer embarcação soviética chegue aáguas cubanas. Ele declara que está prontopara tomar ações militares em uma invasão àilha, caso necessário. Ele afirma sem titubearque o lançamento de qualquer míssil porcubanos ou soviéticos será encarado comoum ato de guerra e que os Estados Unidosirão retaliar usando seus próprios mísseis.Em seguida, o presidente joga toda a re-sponsabilidade nos ombros de seu arqui-in-imigo. Todo o discurso foi pensado para cul-minar neste momento. “E, por fim, peço paraque o presidente Khrushchev cesse e elimineessa ameaça clandestina e irresponsável à

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paz mundial e estabilize as relações entrenossos dois países. Apelo para que ele aban-done essa sua busca pela dominação global ecoopere conosco em um esforço históricopara encerrar essa perigosa corrida arma-mentista, transformando assim o rumo dahumanidade.”

O impacto do discurso do presidente eas terríveis notícias reveladas por JFK aopúblico gravarão esse momento para semprenas mentes de todos os seus espectadores.Kennedy chegou a dizer certa vez que “as ún-icas datas das quais as pessoas se lembramdo que estavam fazendo na época são as doataque de Pearl Harbor e a da morte do pres-idente Roosevelt”.

Sua Crise dos Mísseis cubanos agora en-trará para essa lista.

Pelo resto de suas vidas, homens e mul-heres irão se lembrar de onde estavam e oque estavam fazendo quando receberam es-sas aterradoras notícias. Eles irão descrever

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as pessoas que estavam ao seu lado e suasreações. Eles falarão sobre as manchetes nodia seguinte e como suas vidas foram trans-formadas pelas traumáticas revelações. Derepente, todos passarão a apreciar mais cadapôr do sol, cada sorriso no rosto de umacriança.

Tragicamente, outro evento na curtavida de JFK também logo entrará para essalista de momentos inesquecíveis. O choque eo horror dessa data eclipsarão as notíciassobre Cuba, seus mísseis e as mentiras so-viéticas. John Kennedy, por sua vez, nuncaterá consciência disso.

Esse evento ocorrerá em exatamentetreze meses. Mas, por enquanto, a Crise dosMísseis de Cuba já está sendo dramática osuficiente.

John Kennedy, carismático comosempre, é incapaz de encerrar um discursosem um momento de impacto para reanimarseus ouvintes. Seja em sua fala para as Mães

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da Estrela de Ouro em Boston na primeiracampanha ao Congresso, no discurso deposse em 1961 ou agora na apresentação emrede nacional, JFK sabe como agarrar os ou-vintes pelo coração – ou pelos “colhões”,como ele muitas vezes gosta de dizer – egarantir apoio emocional.

“Nosso objetivo não é a vitória pelaforça, mas a defesa do que é certo. Nãoqueremos a paz a custo da liberdade, mas apaz e a liberdade – aqui, neste hemisfério, e,esperamos nós, no mundo todo. Se Deusquiser, esse objetivo será alcançado.”

As luzes no escritório da Casa Branca seapagam.

* * *

Tropas americanas espalhadas pelomundo todo se preparam imediatamentepara a guerra. Todos os soldados da Marinhae os fuzileiros estão prestes a ter seu tempode serviço estendido por um período

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indefinido. Porta-aviões e submarinos amer-icanos formam um perímetro defensivo emvolta de Cuba, preparando-se para deter evasculhar as 25 embarcações soviéticas queestão a caminho da ilha rebelde.

Na base aérea de Torrejon, na Espanha,os homens do 509o esquadrão bombardeirode B-47s ouvem as palavras do presidentepor alto-falantes em seus quartos, nessealerta global para todos os militares dosEstados Unidos. O capitão Alan Dugard, umjovem piloto de bombardeiro, estava fazendoas malas para passar uma semana de folgana Alemanha. Quando a condição de pron-tidão de defesa (Defcon) é atualizada paraDefcon 2 – abaixo apenas da Defcon 1, querepresenta uma guerra nuclear eminente –, ocapitão Dugard percebe na mesma hora quenão poderá mais aproveitar sua viagem.

Os bombardeiros da Força Aérea Amer-icana já estão no ar em tempo integral. Os pi-lotos irão circular pelos céus europeus e

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americanos, indo e vindo, apenas à espera deuma ordem para abandonar seus planos devoo e atacar o coração da União Soviética.Seus rastros de fumaça são um lembretevisível de tudo o que está em jogo.

O esforço incessante dessa brigada aéreasignifica apenas uma coisa: os Estados Un-idos estão prontos para retaliar e destruir aURSS.

* * *

A oito mil quilômetros dali, em Moscou,Nikita Khrushchev, enfurecido, prepara suaresposta à mensagem televisionada de JFK.

O líder soviético é o completo oposto aJFK em termos de aparência e compostura.Ele tem apenas um metro e sessenta, pesaquase noventa quilos e é careca como umpalhaço de circo. Khrushchev tem uma ver-ruga enorme sob seu olho direito, uma largafenda entre os dentes da frente e um hábitonada digno de um estadista de encarar as

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câmeras. Quando ele desceu de seu aviãodurante visita aos Estados Unidos em 1959,uma mulher em meio à multidão deu umabreve olhada para ele e exclamou: “Mas quehomenzinho engraçado!”.

Só que não há nada de engraçado emNikita Khrushchev. Ele acredita na diploma-cia do “medo”. A decisão de instalar mísseisem Cuba é calculada e mal-intencionada.“Cheguei à conclusão de que se fizéssemostudo em segredo e os Estados Unidos só fi-cassem sabendo após os mísseis já estarem apostos e prontos para serem lançados, osamericanos teriam que parar e pensar muitobem antes de se arriscarem a tentar destruirnossos mísseis com medidas militares”, es-creveria Khrushchev.

No entanto, ao começar sua resposta aodiscurso de Kennedy agora, o ditador so-viético é astuto e escolhe suas palavras comcuidado. “Você, sr. presidente, não está de-clarando uma quarentena”, dita Khrushchev

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para um secretário, “mas sim fazendo um ul-timato e uma ameaça de que, se não ceder-mos às suas exigências, usará a força contranós. Pense no que está dizendo!”

“O governo soviético entende a violaçãodo livre trânsito pelas águas e pelo espaçoaéreo internacionais ser um ato de hostilid-ade que forçará a humanidade na direção doabismo de uma guerra mundial nuclear”, dis-para Khrushchev contra JFK.“Naturalmente, não deixaremos passar embranco os atos de pirataria praticados pornavios americanos em alto-mar. Seremos,portanto, forçados a tomar as medidas queconsiderarmos necessárias e adequadas paraproteger nossos direitos. E temos todos osmeios necessários para isso.”

Foi Khrushchev quem criou o plano deinstalar mísseis em Cuba. Ele apresentou aideia ao Comitê Central do governo soviético,e depois para Fidel Castro, apenas três mesesantes. Para ele, a presença dos mísseis

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poderia passar despercebida pelos EstadosUnidos e, ainda que eles fossem descobertos,Kennedy não tomaria nenhuma atitude.

Khrushchev também afirma que sua de-cisão foi tomada para a segurança do povocubano caso os americanos tentassem outrainvasão, como a da Baía dos Porcos. Pela suaprópria experiência com a Segunda GuerraMundial, o líder soviético tem consciência deque a logística necessária para sustentar umaguerra em outro hemisfério é praticamenteimpossível. Portanto, ele quer seu arsenal omais próximo possível dos Estados Unidos, eCuba lhe oferece justamente essa possibilid-ade. As armas que ele convenceu Castro aaceitar em seu território são soviéticas, ad-ministradas por soldados e técnicos soviéti-cos, armadas com ogivas nucleares soviéticas– e chegaram a Cuba a bordo de naviossoviéticos.

Como um ex-comissário político doExército Vermelho, Khrushchev conhece

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muito bem o poder das palavras. Ele declaraao mundo que a União Soviética tem “umajustificativa moral e legítima” para instalarmísseis em Cuba, portanto os navios soviéti-cos teriam todo o direito de entrar em águascubanas para despachar qualquer tipo decarga que bem entendessem; a atitude dosEstados Unidos ao impor quarentena – umeufemismo para “bloqueio”, ou seja, um atode guerra – é irresponsável. Khrushchev sediz perseguido pelos americanos. Ele vêcomo um avilte o fato de a União Soviéticater passado por duas guerras mundiais emsuas terras, enquanto os Estados Unidos so-freram uma ínfima devastação em seu ter-ritório. Khrushchev também sabe muito bemque a bomba atômica lançada em Hiroshimatinha a potência equivalente a vinte mil tone-ladas de dinamite. Isso traz um sorriso aorosto do ditador soviético: suas ogivas nucle-ares equivalem a um milhão de toneladas deexplosivos.

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Nikita Khrushchev também está famili-arizado com matanças em massa. Ele serviuna Batalha de Stalingrado durante a SegundaGuerra Mundial, onde mais de um milhão dehomens morreram – incluindo vários solda-dos alemães que Khrushchev interrogoupessoalmente. Mas essas mortes nem secomparam aos métodos sádicos empregadospelo Khrushchev ainda jovem para escalar ahierarquia do Partido Comunista no iníciodos anos 30.

Quando Joseph Stalin, o assassino demilhões que governou a União Soviética dur-ante trinta anos, ordenou uma “grandepurga” de seus inimigos em 1934, NikitaKhrushchev foi um dos mais empolgadosparticipantes de seu plano. Milhões de sus-peitos traidores do regime foram executadosou enviados para prisões na Sibéria.Khrushchev pessoalmente deu ordem paramilhares de assassinatos e autorizou a mortede alguns dos seus próprios amigos e

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colegas. Em 1936, ele fez um discurso declar-ando que essas execuções serviram apenaspara livrar a União Soviética de dissidentesque vinham tentando minar o grandioso su-cesso do governo. No ano seguinte, Stalinnomeou Khrushchev como líder do PartidoComunista na Ucrânia. Quando a SegundaGuerra Mundial encerrou seu comando nopaís em 1939, Khrushchev já havia ordenadoa prisão e o assassinato de quase todos osmembros da liderança do partido local. Cen-tenas de ucranianos foram executados. Pou-cos políticos sobreviveram.

Um problema persiste: Khrushchev ficasurpreso ao ver que seu adversário, JohnKennedy, está disposto a defender seu país aqualquer custo. Ainda assim, Khrushchevafirma aos seus associados que não irá re-cuar. Ele acredita piamente no velho adágiorusso: “Quando estiver em uma briga, nãopoupe energias. Dê tudo de si”.

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John Kennedy não tinha conhecimentodesse adágio dezoito meses atrás na invasãoà Baía dos Porcos. Agora, Nikita Khrushchevestá apostando que o presidente dos EstadosUnidos cometerá o mesmo erro.

Na noite de 24 de outubro, Khrushchevordena que sua carta seja enviada aKennedy. No texto, o líder comunista declaracom toda calma e firmeza que o bloqueionaval proposto pelo presidente é um “ato depirataria” e que os navios soviéticos estãosendo instruídos a ignorá-lo.

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De seu distante posto no governo soviético, o primeiro-ministro so-

viético Nikita Khrushchev colaborou com o primeiro-ministro cubano

Fidel Castro para desafiar o presidente Kennedy no hemisfério

ocidental.

(Associated Press)

* * *

O presidente Kennedy recebe a carta doprimeiro-ministro Khrushchev pouco antesdas onze horas da noite em 24 de outubro.

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Ele responde menos de três horas depois, de-clarando com frieza que seu bloqueio é ne-cessário. Culpa Khrushchev e os soviéticospor toda a crise.

Está ficando claro que Kennedy não irárecuar. Pouco depois, soldados da Marinhados Estados Unidos embarcam em um car-gueiro com destino a Cuba. Por coincidência,um destróier com o nome de USS JosephKennedy Jr., batizado em homenagem aoirmão falecido do presidente, é o navio en-carregado de garantir a ousada quarentena àilha.

“Foi você quem preparou isso?”, per-gunta Jackie, referindo-se ao navio, quandosoube da coincidência.

“Não”, responde o presidente. “Não éestranho?”

* * *

Enquanto a liderança soviética espera opresidente americano ceder, JFK parte para

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a ofensiva. Ele passa a sexta-feira, 26 de out-ubro, planejando uma invasão a Cuba. Nen-hum detalhe é pequeno demais. Ele pedeuma lista de todos os médicos cubanos emMiami, apenas caso eles precisem ser leva-dos de emergência para Cuba. Ele ordenaque um navio de guerra americano carregadocom equipamentos de radar se afaste do lit-oral da ilha, para ficar menos vulnerável aataques. Kennedy sabe onde cada navio seencontrará para a invasão e chega a analisaraté os panfletos que serão lançados poraviões para o povo cubano. Durante tudoisso, o maior medo do presidente é que“quando as hostilidades militares começar-em, aqueles mísseis sejam disparados contranós”.

JFK diz aos seus assistentes que agora oque há é um confronto entre ele eKhrushchev, “dois homens sentados em la-dos opostos do mundo”, decidindo “o fim dacivilização”.

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É um duelo. Quem piscar primeiro,perde.

No entanto, John Kennedy já viu NikitaKhrushchev piscar. Nos primeiros dias deKennedy na presidência, pouco após o incid-ente na Baía dos Porcos, os dois tiveram umencontro em Viena. Khrushchev tentou in-timidar seu jovem adversário na questão deBerlim Ocidental, na esperança de assumir ocontrole sobre a cidade toda porque maiscidadãos da porção oriental controlada pelossoviéticos estavam arriscando suas vidas emnome da liberdade, fugindo para o territórioadjacente controlado pelos Estados Unidos eseus aliados da Segunda Guerra Mundial.Kennedy se recusou a recuar, e Khrushchev,subjugado, começou a construir o Muro deBerlim para não perder tanto espaço.

Desta vez, Khrushchev está um passo àfrente. A construção das bases para o lança-mento de mísseis em Cuba está quaseterminada.

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Então, enquanto o resto do mundo seprepara para um cataclismo iminente, NikitaKhrushchev aproveita a noite de 26 de out-ubro no Balé Bolshoi. “O nosso povo e os es-trangeiros verão isso, o que lhes deixarátranquilos”, declara ele aos seus camaradasda liderança soviética. “Se Khrushchev e out-ros líderes estão se divertindo no teatro emum momento assim, é porque podemosdormir em paz.”

Nikita Khrushchev, no entanto, é ohomem mais ansioso de Moscou, e nuncaconseguiria relaxar naquele momento. Pelomenos uma dúzia de embarcações soviéticasjá foi interceptada por navios de guerraamericanos ou deu meia-volta por decisãoprópria. Os navios russos com seu parcoarmamento não são páreo para o poder defogo americano.

Após o balé, Khrushchev passa a noiteinteira no Kremlin – só para o caso de quealgum imprevisto aconteça. O líder soviético

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está mais pensativo do que nunca. Algo o in-comoda. Pouco após a meia-noite, ele se sen-ta e dita uma nova mensagem para o presid-ente Kennedy.

* * *

São seis da tarde em Washington e duasda manhã em Moscou quando a mensagem éentregue. JFK passou o dia afinando suaiminente invasão a Cuba. Ele está exausto,usando suas últimas reservas de energia. Seucorpo dolorido está à beira de um colapso. Opresidente sofre há tempos de poliendo-crinopatia autoimune de tipo 2, que causounão apenas hipotireoidismo (insuficiência dohormônio da tireoide), mas também doençade Addison, que precisa ser monitorada deperto o tempo todo. A doença de Addison fazcom que seu corpo não consiga produzirhormônios como o cortisol, que regula apressão sanguínea, as funções cardiovascu-lares e o nível de açúcar no sangue. Caso não

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seja controlada, a doença de Addison podecausar exaustão, perda de peso, fraqueza eaté mesmo a morte. Em 1946, antes de essacondição ser diagnosticada, Kennedy des-abou em um evento e ficou com o rosto tãoazul e amarelo que chegou a pensar que es-tava tendo um infarto. Isso não pode aconte-cer agora.

Portanto, JFK está recebendo injeçõesde hidrocortisona e testosterona para com-bater sua doença de Addison. Ele tambémestá tomando medicamentos antiespasmódi-cos para enfrentar a diarreia e sua colitecrônica. E o presidente está sofrendo comoutra dolorosa infecção no trato urinário,que exige antibióticos. A tudo isso soma-se aimplacável e torturante dor nas costas. Umhomem menos determinado teria ficado decama há muito tempo, mas John Kennedy serecusa a deixar que as constantes dores e an-gústias pessoais interfiram em seus deveres.

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Jackie há tempos decidiu não se preocu-par com a fadiga de John, por já tê-lo vistoem maratonas de campanha, indo a jantaresoficiais tarde da noite e depois acordandoantes de o sol nascer para cumprimentar tra-balhadores chegando para o turno em umafábrica. A situação agora é diferente, e elanão sabe mais quanto tempo ele irá aguent-ar. Ela percebe o jeito estranho com o qualele se acomoda em sua cadeira de balanço fa-vorita para aplacar as dores nas costas.

Pior ainda, Jackie sabe tudo sobre a vezem que a doença de Addison quase matou omarido há quinze anos. Ela também se lem-bra de que, em 1954, uma placa de metal foicolocada na espinha de JFK (para combateruma condição degenerativa), e uma infecçãopós-operatória o deixou em coma. Mais umavez, John Kennedy chegou a receber aextrema-unção da Igreja Católica Romana.E, mais uma vez, ele lutou e sobreviveu.

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Até agora, JFK já derrotou a morte trêsvezes – no caso do TP-109, com a doença deAddison e após a cirurgia nas costas. JackieKennedy sabe que o marido, o presidentedos Estados Unidos, é um homem muitoforte. Ele irá perseverar. Como sempre.

É com os homens do ExComm que aprimeira-dama está preocupada. Jackie vemencostando o ouvido na porta da sala paraouvir as reuniões. Ela pôde sentir todo o es-forço em suas vozes. Ela acredita que esseshomens estão trabalhando no “limite da tol-erância humana”, para ser eufêmica.

McGeorge Bundy também acha que oshomens do ExComm estão todos prestes acolapsar. Eles estão acordados dia e noite háquase duas semanas. Esses homens semprecontidos agora estão emotivos devido à ex-trema exaustão e criaram opiniões e disputaspessoais que irão definir seus relacionamen-tos pelos anos seguintes. Uma das vozes maiscontundentes entre todo o grupo é o do

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general da Força Aérea, que não vê nada deerrado em simplesmente dizimar Cuba.

* * *

Em seguida, chega a mensagem deKhrushchev. O teor dessa carta é pessoal, emum apelo de um líder para outro para fazer acoisa certa. O líder soviético insiste que nãoestá tentando incitar um conflito atômico:“Apenas um lunático ou um suicida, quer-endo sua própria morte e a destruição domundo todo antes de seu fim, poderia fazeralgo assim”, escreve ele. O ditador soviéticoainda se prolonga, questionando os motivosde Kennedy.

Khrushchev encerra sua carta tentandonegociar com Kennedy de uma maneira umtanto confusa. O parágrafo que mais sedestaca diz: “Caso não tenha perdido suatemperança e entenda ao que essa situaçãopode levar, sr. presidente, seria melhor quenem nós, nem o senhor puxasse nossas

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pontas dessa corda à qual o senhor deu o nóda guerra, pois se ambos os lados a puxaremmais forte esse nó ficará. E podemos chegara um momento no qual esse nó estará tãoapertado que nem aquele que o deu teráforças para desatá-lo e será necessário cortá-lo.”

A equipe do ExComm não acredita que amensagem de Khrushchev seja um sinal decapitulação direta. Mas todos concordamque é um começo.

Pela primeira vez em mais de uma sem-ana, John F. Kennedy sente um quê de es-perança. Entretanto, ele não recua quanto aobloqueio. Ainda há quase uma dúzia de navi-os soviéticos a caminho da linha de quaren-tena – e todas essas embarcações nãodemonstram qualquer sinal de que preten-dem dar meia-volta.

A tensão cresce na tarde seguinte,quando JFK recebe a informação de quemísseis terra-ar cubanos derrubaram uma

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aeronave espiã U-2 americana. O piloto, omajor Rudolf Anderson Jr., acabou morto.

Em retaliação, a Junta de Chefes deEstado-Maior exige que o presidente utilizeaviões americanos para lançar um bom-bardeio maciço contra Cuba dentro de 48horas que será seguido por uma invasãodireta.

Pior ainda, fotografias tiradas por umaaeronave espiã agora confirmam que algu-mas das bases de mísseis soviéticos já estãoprontas. Vinte e quatro plataformas delançamento de mísseis balísticos de médioalcance já estão instaladas, com 42 mísseisbalísticos de médio alcance (MBMAs). Assimque tiverem ogivas nucleares, esses MBMAspoderão ser lançados, tendo cada um delesum alcance de mais de 1.600 quilômetros – osuficiente para chegar a Washington. Diplo-matas soviéticos em Washington D.C. estãotão convencidos de que a guerra é iminente

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que começam a queimar seus documentossecretos.

A crise não acabou. A probabilidade deum conflito nuclear nunca foi tão grande. OsEstados Unidos estão tão próximos de umainvasão a Cuba que uma piada infame nasinfinitas reuniões do ExComm é que BobbyKennedy em breve será o prefeito de Havana.

O secretário de Compromissos da CasaBranca Kenny O’Donnell é quem mais bemresume o clima de todos, descrevendo a re-união do ExComm na noite de sábado, 27 deoutubro, como “as horas mais deprimentesque qualquer um de nós já passou na CasaBranca durante esse mandato”.

O presidente Kennedy envia Bobby parase reunir em segredo com oficiais soviéticosem Washington, comprometendo-se a nãoinvadir Cuba caso os mísseis sejam retirados.Também acena em atender uma exigência deKhrushchev, retirando os mísseis da Tur-quia, que têm alcance à União Soviética. Os

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turcos não gostarão disso, e os mísseis tec-nicamente estão sob comando da Organiza-ção do Tratado do Atlântico Norte (OTAN),mas o presidente está disposto a fazer essaconcessão para evitar uma guerra.

Uma guerra que poderia começar empoucas horas.

* * *

Em seguida, Khrushchev pisca.O líder comunista tem tanta certeza de

que Kennedy está blefando que não chega apôr o exército soviético em alerta geral. Noentanto, o Departamento de Inteligência deKhrushchev agora mostra que os EstadosUnidos estão levando sua invasão a Cubamuito a sério. Caso isso aconteça, os russosserão forçados a disparar mísseis nucleares.Se recuarem, Khrushchev e a União Soviéticairão se tornar motivo de chacota na arenaglobal. Pior ainda: o mundo inteiro irá

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pensar que John Kennedy é mais poderosodo que Nikita Khrushchev.

O governo e o povo soviéticos jamaissuportariam tamanha humilhação.Khrushchev será derrubado do poder.

Apesar dessa possibilidade, o líder so-viético acalma a belicosidade. O “homen-zinho engraçado” tem uma postura intro-spectiva quando o assunto é guerra. Suamulher morreu de tifo na Primeira GuerraMundial. Khrushchev pode estar pensandoem sua amada, Yefrosinia, quando diz que aguerra “devastou cidades e vilarejos, espal-hando morte e destruição por toda parte”. Oditador russo percebe que o presidenteamericano está disposto a partir para umaguerra nuclear caso seja forçado aos seuslimites. Sim, os Estados Unidos serão dizi-mados. Mas a União Soviética também.

No domingo, às nove horas da manhã, aRádio Moscou informa ao povo da UniãoSoviética que o presidente Khrushchev

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salvou o mundo da total destruição. Essaspalavras também têm como alvo direto JFKquando o radialista declara que os soviéticosdecidiram “desmontar as bases que o presid-ente americano descreveu como ofensivas,para trazer seus mísseis de volta à Rússia so-viética”. Após treze longos dias, a Crise dosMísseis de Cuba chega ao fim.

* * *

Em Dallas, Lee Harvey Oswald segueesses desdobramentos de perto. Sua reação éa de mostrar solidariedade aos russos ecubanos, filiando-se ao Partido Socialista dosTrabalhadores.

Oswald está sozinho no apartamento doprédio de dois andares com fachada de tijo-los que alugou na Elsbeth Street e ansiosopara que Marina volte para casa. Ela e suafilha, June, estão morando com amigos emFort Worth, enquanto ele está solitário,apesar da história de conflitos familiares.

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Quando Marina por fim chega a Dallas, em 3de novembro, as brigas domésticas re-começam. Ela chama o esquálido novoapartamento alugado por ele de “chiqueiro”.Eles trocam gritos durante dois longos dias.Oswald jura que vai “surrá-la até aprender” evai ainda mais longe, ameaçando espancá-laaté a morte.

Marina está farta disso. Ela o abandonade novo e se muda para a casa de alguns deseus amigos russos. A separação é tão radicalque ela sequer dá seu novo endereço aOswald. Os membros da comunidade russaem Dallas, que nunca gostaram de Oswald,recusam-se a ajudá-lo quando ele tenta pro-curar a esposa.

Como um pária, mal compreendido esolitário, Lee Harvey Oswald, que se consid-era um grande homem, destinado a realizargrandes feitos, cultiva seu ódio em silêncio.

Ele agora está em desespero.

* * *

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Em 6 de novembro de 1962, TeddyKennedy é um dos primeiros a se beneficiarcom o fim da crise ao eleger-se senador deMassachusetts. Agora, haverá três Kennedyem Washington. Embora a Crise dos Mísseisde Cuba tenha feito a taxa de aprovação deJFK disparar para 79 %, nem todos estãocontentes com a crescente influência deKennedy. Os membros da Junta dos Chefesde Estado-Maior estão irritados por JFK nãoter invadido e não estar mais disposto a in-vadir Cuba. Fidel Castro se sente traído pelossoviéticos e já está vendo sua influência de-sabar na América Latina por ter sido expostocomo um fantoche dos russos. Enfurecido,ele culpa Kennedy.

E com bons motivos. A Crise dos Mísseisde Cuba não marcou o fim dos esforços parase livrar de Castro. Ainda que o presidentetenha prometido a Khrushchev não se en-volver em Cuba, isso não significa que aOperação Mangusto da CIA tenha chegado

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ao seu fim. Criada por JFK, a Operação Man-gusto visava infiltrar equipes de exiladoscubanos em Cuba para fomentar revoltascontra Castro. O presidente nunca usou a pa-lavra assassinato para descrever o objetivofinal da operação. Porém, a máfia não é umaorganização militar; ademais, o bem docu-mentado envolvimento dela no projeto fezcom que a Operação Mangusto, que buscavaa princípio derrubar o poder com a ajuda deexilados, passasse para o âmbito de um as-sassinato político cuidadosamenteplanejado.

* * *

Os laços entre John e Bobby Kennedy seestreitaram mais do que nunca durante aCrise dos Mísseis de Cuba, enquanto LyndonJohnson tropeçou mais uma vez. O vice-presidente cometeu o erro crasso de semostrar desleal ao presidente Kennedy, ad-erindo a princípio à posição dos generais

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linha-dura que defendiam uma invasão totalà ilha. Enquanto isso, Bobby defendeu umponto de vista diferente. Para ele, um ataquea Cuba poderia lembrar o mundo de PearlHarbor – uma opinião com a qual JFKconcordava.

Agora, com a crise apaziguada, JohnFitzgerald Kennedy está em êxtase. Ele vêuma comparação entre o resultado positivoda Crise dos Mísseis em Cuba com a firmeliderança de Lincoln que pôs fim à GuerraCivil. “Talvez seja a minha vez de ir ao teatroesta noite”, brinca JFK com Bobby,lembrando-se de que Lincoln foi assistir auma peça quando a guerra acabou – e entãofoi assassinado.

Foi uma piada ousada, uma brincadeiracom a morte de um colega ex-presidente,quase que uma provocação ao destino, o quenão é nada característico de John Kennedy,um homem que parece refletir Lincoln emvários detalhes de sua vida: desde ter

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dormido no quarto de Lincoln na noite desua posse, até ter uma secretária com osobrenome Lincoln, ou mesmo andar emuma limusine conversível Lincoln Continent-al. Após a tensão da crise, John Kennedy sesente no direito de usar certo humor negro.Até uma piada tão mórbida parece engraçadaapós o caso pelo qual ele passou nos últimostreze dias e noites.

O presidente e o procurador-geral riemjuntos.

“Se você for ao teatro”, responde Bobby,“eu quero ir junto!”

Mal sabem eles que as palavras contêmum macabro prenúncio.

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PARTE II

CAI A CORTINA

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8 DE JANEIRO DE 1963WASHINGTON D.C.21h30

Os ombros nus e bronzeados de JackieKennedy acentuam o tom rosado de seuvestido Oleg Cassini sem alças. Ela está combrincos de diamantes desenhados pelolendário joalheiro Harry Winston. Longasluvas brancas sobem até a metade de seubraço. Ela papeia com um homem que adora,André Malraux, o escritor de 61 anos e min-istro da Cultura francês. Os olhos daprimeira-dama brilham após uma relaxanteviagem de Natal com a família a Palm Beach,na Flórida.

Nesta noite, a primeira-dama está abso-lutamente linda.

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E, embora apenas uma pessoa entre osmil convidados que lotam o Salão Oeste deEsculturas da Galeria Nacional de Arte saibadisso, ela também está grávida.

O presidente está a menos de um metrodela sem dar a menor atenção à esposa. Eleestá olhando para uma estonteante jovem decabelos escuros com metade de sua idadechamada Lisa Gherardini. Seus lábios car-nudos e vermelhos contrastam sedutora-mente com a aveludada pele cor de oliva. Osorriso é tímido. O belo decote do vestidosugere um farto par de seios. Ela guarda umalevíssima semelhança com a primeira-dama.

O lugar está cheio de câmeras de tevê,repórteres de jornais e os mil convidados.Cada gesto do presidente é analisado, masele não se acanha e continua a encarar essasedutora jovem. Ele é o presidente dos Esta-dos Unidos, o homem que acabou de salvar omundo de uma guerra termonuclear global.Tudo corre ao seu favor. É claro que John

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Kennedy pode se dar ao luxo de cometeruma pequena indiscrição e admirar essa belagarota de vinte e poucos anos.

Em uma brincadeira com os possíveisobservadores, JFK sorri para a jovem Lisa.Mas ele se tornou outro homem desde aCrise dos Mísseis de Cuba, muito mais en-cantado por Jackie do que por qualqueroutra mulher – pelo menos por enquanto. Aexperiência de uma catástrofe tão iminente olembrou do tanto de amor que sente pelamulher e filhos.

O novo Congresso começará os trabal-hos amanhã, e falta menos de uma semanapara o discurso do Estado da União do pres-idente. Kennedy batalhará por “uma sub-stancial redução e revisão do imposto derenda federal” como “um passo essencialacima de todos” para tornar os Estados Un-idos mais competitivos na economia global.No entanto, esse corte de impostos será con-troverso, um verdadeiro desafio no novo

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Congresso democrata. Hoje, o fardo dapresidência dos Estados Unidos é muitomais urgente do que a diversão com LisaGherardini.

O presidente segue adiante.

* * *

Jackie fica para trás, deixando Malrauxde lado para observar essa mesma jovem tãobela. Na verdade, Lisa Gherardini não estáaqui em pessoa, mas sim em um quadro naparede da galeria. Ela também é conhecidacomo La Gioconda, ou a Mona Lisa, umamulher-esposa e mãe de cinco filhos que po-sou para esse retrato no início do século XVI.

Jackie se deleita perante a Mona Lisa,inundada por uma profunda sensação de tri-unfo, já que sempre foi seu sonho trazer apintura mais famosa do mundo para a Galer-ia Nacional de Arte, em Washington. Quaseum ano atrás, ela fez um discreto pedido aMalraux, que então coordenou o empréstimo

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da obra – para o escândalo dos parisienses,muitos dos quais consideram os Estados Un-idos um deserto cultural.

Não é a primeira vez que a Mona Lisadeixa sua casa. Napoleão já chegou apendurá-la em seu próprio quarto, paraadmirá-la a cada manhã. Em 1911, o quadrofoi roubado do Louvre e só devolvido aomuseu parisiense dois anos depois. Ela foitransferida em várias ocasiões durante a Se-gunda Guerra Mundial para não cair nasmãos dos nazistas. E agora, Jackie trouxe aobra-prima de Leonardo da Vinci para osEstados Unidos, onde a “Mona Mania” estáprestes a se alastrar. Milhões de americanosfarão fila para admirar a pintura antes queseja devolvida à França em março – e tudograças a Jackie Kennedy.

John Walker, o diretor da Galeria Na-cional, foi contra o empréstimo, temendoque sua carreira pudesse ser arruinada casonão conseguisse proteger a Mona Lisa de

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qualquer dano ou tentativa de roubo duranteo transporte da frágil pintura de 460 anos naviagem transoceânica no meio do inverno.Na verdade, em 17 de outubro, enquanto JFKe sua equipe começavam a enfrentar a Crisedos Mísseis soviéticos em Cuba, Walker ligoupara a primeira-dama e sugeriu gentilmentea ela que trazer a pintura aos Estados Unidosera uma má ideia. O plano o fazia tremer demedo só de pensar.

Mas depois, como o resto dos EstadosUnidos, Walker logo se distraiu com a enxur-rada de notícias no rádio e na tevê sobre aCrise dos Mísseis em Cuba. Ele ficou pro-fundamente tocado com a natureza maternalde Jackie e com o fato de ela ter insistido emcontinuar na Casa Branca para ficar ao ladodo marido. Walker percebeu que a primeira-dama era uma mulher de brio, não apenasuma jovem rica apaixonada pela culturafrancesa.

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Isso o fez mudar de ideia. Muito antesde a Crise dos Mísseis chegar ao fim, elecomeçou a preparar a viagem da Mona Lisapara os Estados Unidos.

O trabalho de Walker ficou muito maisfácil quando JFK ordenou que os guarda-costas mais bem-treinados do mundo vigi-assem a preciosa obra de arte – ninguémmenos do que os mesmos homens dispostosa levar uma bala para proteger a vida dopresidente: o Serviço Secreto.

* * *

O codinome do presidente para o Ser-viço Secreto é Lancer. O da primeira-dama éLace. Caroline e John são chamados de Lyrice Lark, respectivamente. Quase tudo e todosos envolvidos na vida da família presidencialtêm seu próprio codinome: o de LBJ é Vo-lunteer, o do carro presidencial é SS-100-X,o de Dean Rusk é Freedom e o da própriaCasa Branca é Castle. Até elementos que

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existem apenas temporariamente têm seuscodinomes, como Charcoal, residência dopresidente quando ele não está na CasaBranca. A maioria dos subconjuntos denomes e lugares tem a mesma inicial: L paraa família do presidente, W para a equipe daCasa Branca, D para os agentes do ServiçoSecreto e assim por diante.

A proteção do Serviço Secreto oferecidaao presidente é constante, um acentuadocontraste com Abraham Lincoln cem anosantes. Na época, o Serviço Secreto não exis-tia. A agência só foi fundada três meses apóso assassinato de Lincoln. E, ainda assim, seupapel mais importante era investigar a falsi-ficação de moeda, não proteger o presidente.

Nos tempos de Lincoln, civis podiam en-trar na Casa Branca sempre que quisessem.Não eram raros os casos de vandalismo, en-quanto visitantes pouco educados roubavamcoisas da casa do presidente para levar comolembrança. O Departamento do Interior

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reagiu a isso contratando um grupo seleto deoficiais da polícia metropolitana de Wash-ington para proteger a mansão. No entanto,com o crescente número de ameaças demorte contra Abraham Lincoln nos últimosdias da Guerra Civil, esses policiaiscomeçaram a focar seu trabalho na proteçãodo presidente. Dois oficiais ficam ao seu ladodas oito da manhã até às quatro da tarde.Outro ficava com Lincoln até a meia-noite, eum quarto homem cobria o turno da mad-rugada. Cada oficial carregava consigo umapistola calibre 38.

Mesmo guarnecido, o presidente Lin-coln nunca esteve realmente a salvo, comoseu assassinato comprovou. Na noite em queLincoln foi baleado na cabeça, John Parker,o oficial que deveria proteger-lhe, tomavacerveja em uma taverna próxima ao teatro.Por mais que o presidente dos Estados Un-idos tenha sido morto após Parker ter aban-donado o posto, esse oficial nunca foi

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condenado por displicência no cumprimentodo seu dever – e o mais incrível é que elecontinuou trabalhando na polícia.

Antes do assassinato de Lincoln, muitos(inclusive o próprio Lincoln) acreditavamque os americanos não eram o tipo de pessoacapaz de matar seus líderes políticos. No ent-anto, o tiro disparado por John Wilkes Boothrefutou definitivamente essa teoria. Aindaassim, algumas pessoas continuaram acred-itando no mito da segurança presidencial. Amorte de Lincoln foi vista como uma anom-alia – mesmo diante do assassinato do se-gundo presidente, James Garfield, dezesseisanos depois. A proteção compulsória do vice-presidente só foi oficializada em 1962, re-forçando a noção de que a vice-presidência éum trabalho ingrato.

* * *

Os guarda-costas de John Kennedy an-dam com o volume característico de seus

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revólveres .38 por baixo de seus ternos. Noentanto, todos os outros aspectos de seu tra-balho são furtivos. O lema do Serviço Secretoé ser “Digno de confiança e segurança”, eseus agentes reforçam essa mensagem compostura e profissionalismo. Eles são homensatléticos, muitos com diplomas universitári-os e históricos militares. Tomar cerveja emserviço é impensável. Há oito agentes de ser-viço em cada um dos três turnos de oito hor-as do dia, e cada agente é treinado para sercapaz de manusear várias armas letais. Oquartel general do Serviço Secreto fica naCasa Branca, em um pequeno escritório semjanelas na entrada norte da Ala Oeste, ondehá uma armaria com equipamentos para ocontrole de multidões e metralhadorasThompson que lhes garante um maior poderde fogo. São muitas as camadas de segurançaentre JFK e um potencial assassino, desdeagentes nos portões da Casa Branca até nocorredor de piso preto e branco em frente ao

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Salão Oval, onde um agente fica de vigiasempre que o presidente está trabalhando.Caso Kennedy precise chamar esse agenteem uma emergência, bastaria ao presidenteapertar um botão especial sob sua mesa.

O presidente se torna muito mais vul-nerável fora da Casa Branca. Para comprovarisso, o Serviço Secreto só precisaria analisaros recentes eventos na França. O presidenteCharles de Gaulle é praticamente intocáveldentro do Palácio do Eliseu, onde vive e tra-balha. Mas, em 22 de agosto de 1962, ter-roristas abriram fogo contra sua carreata nosubúrbio francês de Petit Clamart. Cento ecinquenta tiros foram disparados. Catorzebalas atingiram o carro, furando dois pneusdo Citroën de De Gaulle, mas seu motoristaconseguiu escapar com toda habilidade paraum local seguro. Enquanto a Mona Lisachega aos Estados Unidos, o líder por trás doplano para assassinar o presidente estásendo julgado. Jean Bastien-Thiry, um

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insatisfeito ex-tenente coronel da ForçaAérea, acabará recebendo o veredito deculpado, tornando-se o último homem dahistória da França a ser executado por umpelotão de fuzilamento.

Para evitar que alguém como Bastien-Thiry chegue ao presidente Kennedy, oitoagentes do Serviço Secreto saem antes pararevistar o destino do presidente sempre queele deixa a Casa Branca. Assim que põe o pépara fora da Casa Branca, oito agentes form-am um escudo humano em volta do presid-ente enquanto ele anda.

Para os guarda-costas do presidente,acompanhar o estilo hiperativo de JFK é aparte mais difícil do trabalho.

John Kennedy gosta de passar uma im-agem vigorosa em público e muitas vezes ar-risca sua vida embrenhando-se em multidõespara cumprimentar as pessoas. Isso aterror-iza a equipe de segurança. Qualquer lunáticocom uma arma e alguma motivação obscura

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pode atacá-lo em momentos assim. Caso issovenha a acontecer, cada agente está pre-parado para usar o corpo como um escudo eproteger o presidente, sacrificando a própriavida pelo bem do país.

Ajuda o fato de que os agentes real-mente gostam de JFK. Ele os conhece pelonome e gosta de gracejar com eles. Apesardessa familiaridade, os homens do ServiçoSecreto nunca esquecem que John Kennedyé o presidente dos Estados Unidos. Seusenso de decoro fica visível no modo re-speitoso com que se dirigem a Kennedy, umhomem cuja vida íntima eles conhecem bem.Cara a cara, eles o chamam de “sr. presid-ente”. Quando dois agentes falam sobre ele,ele é conhecido como “o chefe”. E ao falarcom visitantes ou convidados, seu segurançapessoal se refere a ele como “presidenteKennedy”.

Esses agentes do Serviço Secreto tam-bém gostam muito de Jackie. O agente a

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cargo de sua segurança pessoal, Clint Hill(um metro e 83 de altura, codinome Dazzle),virou seu amigo e confidente.

Por isso é quase natural que a proteçãodo Serviço Secreto se estenda à Mona Lisa.As multidões eufóricas que rodearão a pin-tura de Da Vinci são similares às que gritampor JFK e Jackie em suas viagens pelomundo.

A Mona Lisa viaja à América em suacabine de primeira classe a bordo do SSFrance, onde agentes franceses a vigiam 24horas por dia. Viaja de navio em vez de aviãopara evitar o risco de uma queda, que destru-iria a obra para sempre. Se o transatlânticode luxo naufragar, a caixa especial de metalque abriga a Mona Lisa foi projetada paraflutuar. Só o capitão do SS France sabe que aMona Lisa está a bordo, e a segurança é tãoestrita que os hóspedes especulam se a caixade metal contém uma arma nuclear secreta.Mas, quando finalmente vaza a informação

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sobre o verdadeiro conteúdo da caixa, ospassageiros transformam o navio em umafesta ininterrupta, com tortas especiais e jo-gos etílicos.

Ao desembarcar em Nova York, a MonaLisa é levada a Washington D.C. por umcomboio especial do Serviço Secreto que nãose detém por motivo algum. Mais uma vez,escolhe-se uma viagem de carro de quatrohoras de duração em vez de um simples voo,por medo de acidentes. Os franco-atiradoresdo Serviço Secreto estão posicionados emtelhados ao longo do caminho, e o agenteJohn Campion viaja pessoalmente ao lado daMona Lisa no furgão preto da Galeria Na-cional de Arte. O veículo é equipado commolas resistentes para amortecer os impac-tos da estrada que poderiam fazer partículaspigmento se desprenderem da tela.

Quando chega a Washington, a MonaLisa é trancada atrás de portas de aço emuma caixa-forte climatizada que mantém a

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temperatura constante a exatos 16,7 graus.Se houver uma falha na eletricidade, umgerador reserva é automaticamente acion-ado. Mesmo na caixa-forte, o Serviço Secretomantém a vigilância, monitorando-a pelocircuito interno de televisão.

A proteção que a obra-prima de DaVinci recebe é extraordinária. Mas há umagrande diferença entre proteger o presidentee proteger esta carga valiosa: a Mona Lisa ésó uma pintura. Cidadãos irritados a danifi-caram pelo menos em três ocasiões – umvândalo certa vez tentou pichá-la, outro aatacou com uma faca e um terceiro atirouuma caneca de cerâmica contra ela – e, éclaro, ela foi roubada uma vez. Mas a LisaGherardini propriamente dita está notúmulo há quase cinco séculos. Não há formade ser assassinada com um tiro.

Não se pode dizer o mesmo dopresidente.

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É por isso que o Serviço Secreto nuncabaixa a guarda. Pelo menos, não ainda.

* * *

“A política e a arte, a vida da ação e avida do pensamento, o mundo dos aconteci-mentos e o mundo da imaginação são umsó”, John Kennedy diz a uma multidãonotável presente na inauguração da MonaLisa. Em seu acentuado sotaque de Boston,as palavras saem como “Moner Liser”.

O presidente e a primeira-dama nuncaforam mais populares do que agora, e nuncatão sinônimos de Estados Unidos daAmérica. Além disso, eles estão mais próxi-mos do que nunca como casal. Kennedyparece menos interessado em outras mul-heres. Os amigos viram a relação dos dois seafastar da formalidade profissional que mar-cou os dois primeiros anos de JFK no poder.Há uma nova ternura no tempo que passamjuntos e, no modo como eles falam um com o

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outro, uma transformação que os tornou oprimeiro-casal mais poderoso da história. OsEstados Unidos são “a nação mais poderosado mundo”, nas palavras do designer demoda Oleg Cassini, “representada pelo casalmais estonteante que se possa imaginar”.

Basta correr os olhos pelo salão lotadopara comprovar as palavras de Cassini.Juízes da Suprema Corte, senadores, diplo-matas abastados e executivos do ramo dopetróleo, estão todos aqui para prestigiá-los.Em seu discurso, o presidente associa, combrilhantismo, a Mona Lisa e a política daGuerra Fria, mas é Jackie quem orquestracada detalhe desta noite tão especial. AMona Lisa pode ser deslumbrante – mesmoescondida atrás do vidro à prova de balas –,mas, em média, os convidados ficam apenasquinze segundos observando a pintura, en-quanto alguns passam a noite toda olhandopara Jackie. Sua beleza, desenvoltura, graçae glamour são inigualáveis.

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Esta noite, é a primeira-dama, e não aMona Lisa, que domina a cena.

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Jackie passou a pensar na Casa Brancados Kennedy como um lugar mítico – que elamais tarde descreverá como a “Camelotamericana”. A primeira-dama está se refer-indo ao musical da Broadway, com RichardBurton no papel do lendário rei Arthur, a ad-orável Julie Andrews como a rainha Guinev-ere e Robert Goulet como Sir Lancelot. Napeça, Camelot representa um oásis de felicid-ade idílica em um mundo frio e árduo. Umnúmero cada vez maior de americanos con-corda com Jackie que a Casa Branca dosKennedy é um lugar igualmente mítico e umbaluarte de idealismo em meio à Guerra Fria.

Até mesmo o presidente é inspirado porCamelot. Muitas noites, como Jackie virá aadmitir, ele escuta a trilha sonora da peça da

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Broadway em seu toca-discos antes dedormir.

Mas Camelot tem um lado obscuro que aequipe de segurança pessoal de JFK conhecemuito bem.

As pesquisas de popularidade do presid-ente têm seu lado B: 70 % da nação podemamar JFK, mas outros 30 % o odeiam. FidelCastro definitivamente o quer morto. EmMiami, muitos na comunidade de exiladoscubanos estão ressentidos com o desastre naBaía dos Porcos e querem revanche. No Ex-tremo Sul, a raiva diante da pressão do pres-idente por igualdade racial é tão disseminadaque os democratas do Sul dizem que sua ún-ica escolha política inteligente – se quiserempermanecer no poder – é se manter firm-emente contra as políticas internas de JFK.

Bem aqui em Washington, a CIA não es-tá nem um pouco feliz com os rumores deque JFK teria intenção de submeter a agên-cia a uma supervisão presidencial mais

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estrita, colocando-a a cargo de BobbyKennedy. Além disso, não são poucos oslíderes militares no Pentágono que não con-fiam no discernimento de Kennedy. O pres-idente afirmou, com todas as letras, queacredita que os generais são capazes dederrubá-lo.

Finalmente, a máfia, de quem Kennedyjá foi tão próximo que o gângster Sam Gian-cana se referia a ele como Jack em vez de “sr.presidente”, está furiosa porque JFK re-solveu retribuir seus anos de amizade per-mitindo que Bobby e o Departamento deJustiça realizem uma caça às bruxas contra amáfia. “Nós demos o sangue por ele”, Gian-cana reclama, “e ele põe o irmão para nosperseguir até a morte.”

JFK está ciente de seus inimigos. E sabeque a ameaça não irá desaparecer, por maisque à noite ele silencie o mundo lá foracolocando a agulha sobre o disco e escutandoCamelot.

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Se o Serviço Secreto sabe algo a respeitode Lee Harvey Oswald, não há registros.

Essa ignorância não é equívoca. Por queo poderoso Serviço Secreto estaria observ-ando um ex-fuzileiro naval de baixa patentemorando em Dallas, no Texas?

Oswald e Marina estão juntos nova-mente. Há sempre uma chama quando elesreatam, e a última vez não foi diferente. Mar-ina Oswald está grávida de novo.

Apesar de terem vidas muito diferentes,Jackie Kennedy e Marina Oswald estão con-ectadas, afinal são jovens mulheres des-frutando dos primeiros dias de gravidez. Obebê de Jackie é esperado para setembro. Ode Marina, para outubro. E há mais umacoisa que as une: como Jackie, Marina con-sidera JFK um homem muito bonito. O quedeixa seu marido instável ainda mais ci-umento do que já é.

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A vida de Lee Harvey Oswald continuadefinida por uma combinação de paixão eódio. Em 27 de janeiro de 1963, quando asmultidões enchem as ruas de Washingtonpara ver a Mona Lisa, Oswald encomendaum revólver especial calibre 38 por correio.Custa-lhe 29,95 dólares. Oswald enfia umanota de dez dólares no envelope, e o restanteserá pago no ato da entrega. Ele mantém acompra em segredo; para que Marina nãodescubra, ele solicita que a arma seja en-tregue em sua caixa postal e até usa opseudônimo “A.J. Hidell”.

Oswald não tem nenhum plano especialpara sua nova pistola. Ninguém o vemameaçando de morte e no momento ele nãotem intenção de matar alguém. Ele apenasgosta da ideia de ter uma arma – só por viadas dúvidas.

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Janeiro chega ao fim, e com ele a tem-porada da Mona Lisa em Washington. Em 4de fevereiro, outro comboio de segurançamáxima leva a pintura a Nova York, onde a“Mona Mania” é ainda maior.

Janeiro foi um mês incrível para o pres-idente e a sra. Kennedy. O glamour em tornoda Mona Lisa encobriu temporariamente otemor da Guerra Fria. Depois de dois anos demandato de Kennedy, está claro para omundo que John e Jackie estão no comandodo destino da América.

Portanto, Jackie Kennedy talvez tenharazão: a Casa Branca poderia ser Camelot –ou pelo menos parte dela. Para ela, a histórianão tem um lado obscuro – mas, definitiva-mente, tem.

Quando Jackie pensa em Camelot, ela seconcentra no ato final da peça, no qual o reiArthur recupera seu fascínio e esperança.Mas ela ignora o resto da história. Camelotestá cheia de tragédia, rivalidade e traição.

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Há perigo e morte. Mais de metade dos ca-valeiros da Távola Redonda são assassinadosantes de a cortina fechar pela última vez.

E a rainha Guinevere, a heroína comquem Jackie tanto se identifica, terminasozinha.

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11 DE MARÇO DE 1963ST. AUGUSTINE, FLÓRIDA20h

O homem mais solitário em Camelot querser presidente dos Estados Unidos.

Lyndon Baines Johnson está sob osholofotes. O discurso datilografado está à suafrente no atril, mas ele não presta atenção àspalavras. Está mais interessado nas duas me-sas de eleitores em algum lugar da plateia eque poderiam simplesmente fazer com queesse sonho impossível de ser presidente umdia se torne realidade.

O que Lyndon Johnson quer, mais doque tudo, é voltar ao poder. Ele adora opoder. E fará qualquer coisa para ter aquelasensação revigorante novamente.

Qualquer coisa.

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O vice-presidente vasculha a sala embusca das “mesas de negros”, desesperadopara saber se sua aposta política daráresultado.

* * *

Robert Francis Kennedy também querser presidente dos Estados Unidos.

A cinco anos das eleições de 1968, umartigo de Gore Vidal na edição de março darevista Esquire prevê que será ele, e não Lyn-don Johnson, o candidato escolhido peloPartido Democrata.

Bobby Kennedy se tornou uma forçapolítica tão importante que até mesmo ovice-presidente teme ser incapaz de impedi-lo de ganhar as eleições em 1968.

Tudo parece tão fácil: JFK até 1968, en-tão Bobby assume a Casa Branca, ganha denovo em 1972, e talvez até mesmo Teddy em1976 e 1980. A dinastia Kennedy está prontapara controlar a presidência dos Estados

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Unidos pelos próximos vinte anos. É quaseuma certeza.

Mas não existem certezas na política. ELBJ mal sabe que forças insidiosas possivel-mente têm Bobby na mira neste momento –tramando a queda não só do procurador-ger-al, como de toda a dinastia política da famíliaKennedy.

* * *

Cinco de agosto de 1962. Marilyn Mon-roe, nua, jaz de bruços na cama. Ela estámorta. Os investigadores policiais não en-contram sinais de traumatismo. O médico-legista de Los Angeles mais tarde concluiráque a atriz morreu de uma overdose de bar-bitúricos. Mas seu estômago está quasevazio, sem resíduo algum de comprimidos.

O público imediatamente atribui amorte de Marilyn a uma vida de excessos. Ostabloides confirmam que ela era viciada emdrogas. Por isso há pouco ruído por uma

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investigação mais detalhada sobre o queaconteceu à encantadora atriz.

Mas há uma teoria mais obscura circu-lando nos circuitos do crime organizado. Ashistórias da máfia insinuam que a antigaconexão entre a CIA e Sam Giancana,datando da época da Operação Mangusto,continua secretamente ativa. Segundo talteoria, Giancana conspirou para que Marilynfosse assassinada por uma equipe de quatrosicários, que entraram em sua casa, lacraramsua boca com fita adesiva e injetaram umsupositório letal de barbitúricos e hidrato decloral em seu ânus. Isso foi feito para evitar ovômito que muitas vezes acompanha umaoverdose de drogas por via oral. A fita foi re-movida da boca da atriz quando ela já estavamorta, e seu corpo foi limpo.

A motivação de Giancana era vingar asinvestigações sobre as atividades do crimeorganizado que o Departamento de Justiçavinha realizando por ordens de Bobby

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Kennedy. A intenção dos assassinos, deacordo com a mesma lenda da máfia, era im-plicar Bobby no crime. Mas seus planos fo-ram por água abaixo quando Bobby foi infor-mado por fontes anônimas de que MarilynMonroe havia morrido de uma hora paraoutra. O procurador-geral, então, ordenouque Peter Lawford conseguisse que um de-tetive particular chamado Fred Otash fosseaté a casa de Marilyn e passasse um pente-fino para garantir que não houvesse abso-lutamente nenhum indício de seu envolvi-mento com o presidente ou com a famíliaKennedy. Os dois homens limparam tudo, le-vando até mesmo o diário de Marilyn.

Também havia, no entanto, a questãodas gravações telefônicas de Marilyn, querevelariam com quem ela conversou em suasúltimas 48 horas de vida. A história con-tinua, afirmando que Bobby Kennedy recor-reu a J. Edgar Hoover e ao FBI para quedestruíssem essas gravações. Diz a lenda

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que, não querendo perder a chance de usar amorte de Marilyn para obter vantagens polít-icas, o chefe de polícia de Los Angeles, Willi-am Parker, obteve uma cópia das gravações ea manteve em sua garagem durante anos,como um instrumento de chantagem. Asfitas magnéticas, diria Parker, são “minhachave para conseguir o emprego de Hooverquando Bobby Kennedy se tornarpresidente”.

Peter Lawford mais tarde afirmará queBobby esteve na casa de Marilyn naquelanoite, tendo tomado um avião para regressarda baía de São Francisco, onde estava comEthel e quatro de seus filhos. A história deLawford, não confirmada por ninguém, alegaque Marilyn estava prestes a revelar à im-prensa sua relação anterior com JFK e queBobby estava em Los Angeles tentando im-pedir que a história vazasse.

Tanto a versão de Lawford quanto a dosmembros da máfia foram esmiuçadas.

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Nenhuma delas foi comprovada. Tampoucoos rumores de que Bobby e Marilyn estavamtendo um caso.

O fato é que Marilyn Monroe telefonou aBobby várias vezes no verão de 1962. Ela es-tava transtornada com o fim de sua relaçãocom JFK e falava abertamente sobre isso emHollywood. A imprensa havia começado afazer perguntas sobre o suposto romance, e oassunto poderia vir à tona na eleição de1964. Mas a fazenda no norte da Califórniaonde Bobby estava com a família na noite damorte de Marilyn ficava a uma hora do aero-porto mais próximo, e a cinco horas de carrode Los Angeles. Sendo assim, é extrema-mente improvável que ele tivesse conseguidosair sem ser notado.

Até hoje, qualquer envolvimento deBobby Kennedy na morte de Marilyn Mon-roe, quer tenha sido suicídio ou assassinato,é uma teoria da conspiração semfundamento.

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Mas não há dúvida de que, se Marilyntivesse ido a público, isso teria sido sufi-ciente para afundar uma campanha presid-encial. JFK era visto como um homem dedic-ado à família. Detalhes de um caso sórdidocom uma mulher ostentosa como Marilynteriam arruinado a imagem de Camelot.

Com tamanho caos em sua bagagem fa-miliar, Bobby Kennedy sabe que sua candid-atura à presidência está longe de ser umacerteza. Isso significa que ele deve trabalharmuito mais para desacreditar seu rival, Lyn-don Johnson, antes que LBJ faça o mesmocom ele.

Enquanto isso, Bobby Kennedy está si-lenciosamente retrocedendo em suas invest-igações contra a máfia.

Não faz sentido irritar velhos amigossem necessidade.

* * *

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LBJ está fazendo novos amigos. Ele estávibrando com a presença de eleitores negrosem seu discurso no jantar em St. Augustine.É segunda-feira à noite, e a ocasião é oaniversário de quinhentos anos de fundaçãoda cidade, um evento com o qual LBJ poucose importa. O que importa são os motivossimbólicos pelos quais ele tomou um voopara a Flórida: conquistar eleitores negros.

Os olhos castanhos de LBJ observam aaudiência majoritariamente branca no salãodo hotel Ponce de Léon. Finalmente, ele loc-aliza as mesas ocupadas por negros. O vice-presidente insistiu nesse ato de integraçãoquando aceitou fazer o discurso.

Johnson vê as duas mesas bem emfrente, um punhado de rostos negros em ummar de sulistas brancos. As pessoas sentadaslá acenam sobriamente com a cabeça en-quanto ele fala, gratos só por estar na sala.Esta noite marca a primeira vez que negrossão autorizados a jantar neste hotel fabuloso,

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tudo isso graças a LBJ. Duas mesas não sãomuito, e a mudança é só por esta noite, maspelo menos Johnson pode voltar para Wash-ington se gabando de que está na linha defrente da batalha por igualdade racial.

É uma sensação de poder. Mas, de voltaa Washington, LBJ quase não se lembra decomo é se sentir poderoso. Na estrada, ele éimportante. As pessoas se submetem a ele.Ele se reúne com líderes locais. É citado nosjornais da região. As pessoas querem tocá-loou desfrutar de um de seus característicosapertos de mão cheios de energia, do tipo emque Johnson envolve com sua mão corpu-lenta a mão de outro homem e a segura dur-ante todo o tempo em que eles conversam,simulando amizade e, nos velhos tempos doSenado, conquistando um voto.

Ele é invisível em Washington. ParaJohnson, a Casa Branca dos Kennedy não éCamelot. Ele compara a experiência comoutra palavra com c: castração. LBJ se refere

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a si mesmo como um “novilho” ou “cão cas-trado”. O presidente o exclui deliberada-mente de reuniões importantes, faz piadassobre ele pelas costas e o ignora em jantaresna Casa Branca – se é que ao menos se dá aotrabalho de convidá-lo.

O presidente não é o único que trataJohnson com descaso. Bobby Kennedy con-sidera LBJ um político charlatão. JackieKennedy se mantém à distância. E os fun-cionários da Casa Branca mal conseguemdissimular seu desdém. “Os Harvard”, comoJohnson os chama, zombam de seus ternoscom mau caimento, de seu cabelo preto lam-bido e de seu sotaque fanhoso do interior doTexas. Quando Johnson comete a gafe depronunciar hors d’oeuvres (“petiscos”) como“whore doves” (algo como “pombas promís-cuas”) em uma festa, ele instantaneamentese torna o alvo das piadas de Washingtonsobre seus modos campesinos.

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Um apelido depreciativo para Johnson é“Uncle Cornpone” (“Tio Jeca”), como se elefosse um caipira irrelevante, e não o homemque fez Kennedy se eleger em 1960 ao levarconsigo o Extremo Sul. Alguns se referem aele como “juiz Crater”, por causa do oficialda cidade de Nova York que desapareceu ab-ruptamente nos anos 20 e nunca mais foivisto. Um funcionário da Casa Branca foiouvido gracejando em um jantar: “Lyndon?Que Lyndon?”.

Mas Johnson está longe de ter sido su-perado e longe de ser um caipira. Quandolíder da maioria no Senado, ele foi mestre emaprovar leis difíceis. Seu verso bíblico fa-vorito, Isaías 1:18, exemplifica sua paixãopor construir coalizões: “Venham cá, vamosdiscutir este assunto”.

Verdade seja dita, o vice-presidente éum homem complexo, cujos gostos vão delinguiça de cerdo apimentada a valsas vien-enses, passando por uísque Cutty Sark. E ele

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tem uma vida sexual quase tão ativa quantoa do presidente – só que muito mais discreta.

Sua discrição é levada à política. OJohnson sociável reprimiu a própriapersonalidade, disciplinando-se para ficarem silêncio absoluto durante as reuniões, afim de evitar ofender o presidente. Ter detolerar um bombardeio ininterrupto de in-sultos está matando-o. O vice-presidente setornou ansioso, deprimido e excessivamentepreocupado em agradar. Ele mal se alimenta.Perdeu tanto peso que seus ternos semprelargos agora ficam enormes nele. Até mesmoo nariz e as orelhas do vice-presidente estãomaiores em relação ao rosto – como um car-tunista político possivelmente o desenhariaem uma caricatura.

LBJ não tem quase nada a fazer. O tele-fone quase nunca toca. De seu escritório noedifício do Gabinete Executivo, ele pode ol-har pela janela e observar o vai e vem na ruaem frente à Casa Branca. Às vezes o vice-

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presidente se levanta e meandra pelos corre-dores da Ala Oeste, desejando uma reunião àqual comparecer ou uma decisão a tomar.Outras vezes, ele se senta à porta do SalãoOval, na esperança de chamar a atenção deJohn Kennedy e ser convidado para entrar.

Mas essas ocasiões são cada vez maisraras. O presidente e o vice-presidente pas-sarão menos de duas horas a sós no ano de1963.

Ainda assim, Johnson tolera o abuso.Porque, sem a vice-presidência, ele não temnada. Não há nenhuma vaga ao Senado noTexas à qual ele possa concorrer. E o ex-braço direito de Kennedy, John Connally,ocupou a cadeira de governador há apenasquatro meses. Mas, ao final de outros quatroanos, Johnson pode concorrer ao cargo maisimportante da América.

E por que LBJ não deveria ser presid-ente? Ele serviu por doze anos na Câmarados Representantes, mais doze no Senado,

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sendo que por seis anos foi líder da maioriademocrata. Ele é versado em política externae em legislação nacional, e pode dar umcurso sobre as sutilezas das manobras nosbastidores da política. Não há um políticomais qualificado no país.

LBJ está lutando por sua carreira polít-ica quando localiza as duas mesas emblemát-icas da integração racial naquele salão dehotel em St. Augustine. E, embora a ocasiãopossa ser oficialmente o aniversário defundação da cidade, também marca o dia emque Lyndon Johnson assume uma posturapública em favor dos direitos civis.

Os irmãos Kennedy o mantiveram defora de sua batalha cada vez maior porigualdade racial. Eles sabem que Johnson,sendo um político do Sul, poderia usar aquestão para ganhar poder.

Johnson compreende isso muito bem. Efaz tudo o que pode para estar à frente dacampanha por direitos civis de JFK.

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Para Johnson, direitos civis não têmnada que ver com certo ou errado. Abraçaressa causa simplesmente faz sentido doponto de vista político.

E assim LBJ espera, castrado e maci-lento, que tudo isso valha a pena.

* * *

Em 4 de março, apenas uma semanaantes do discurso de Lyndon Johnson em St.Augustine, o procurador-geral RobertKennedy responde à história da Esquiredizendo à imprensa: “Eu não tenho planosde me candidatar desta vez” – o que a mídiasabe que significa “Eu vou me candidatar”.

Mas ele é qualificado? Bobby Kennedy éum advogado que nunca julgou um caso nostribunais e um procurador-geral que obteveo cargo graças ao pai e ao irmão. Desde en-tão, ele frequentemente ignorou suasobrigações no Departamento de Justiça paraservir como porta-voz e termômetro de JFK.

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E a CIA certamente não aprova seu desem-penho no cargo. Um adesivo de para-choquepopular no centro de operações da agênciaem Langley, Virginia, diz: “Primeiro Ethel,agora nós”.

Mas o mundo está mudando drastica-mente, e Bobby Kennedy reflete a juventudee a vitalidade de Camelot em vez dos valoresortodoxos da Guerra Fria associados a John-son. A cultura americana está sob novasinfluências.

Uma banda de rock and roll britânicachamada Beatles lança seu primeiro álbum.

Um novo personagem de história emquadrinhos chamado Homem de Ferro fazsua estreia.

A escritora Betty Friedan provoca umanova onda de movimento feminista com seulivro A mística feminina.

A cruel penitenciária federal na ilha deAlcatraz está fechada para sempre. Comoque para marcar o evento, a CIA expande

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ainda mais seus poderes sobre o mundo de J.Edgar Hoover, criando uma divisão de oper-ações internas.

Bobby Kennedy está ciente de sua in-fluência cultural; ele entende muito bem oencanto de Camelot. Mas continua obcecadopor sua rivalidade com Lyndon Johnson. Defato, ele o odeia. Bobby dissimula tão malseu ódio que os amigos certa vez o presen-tearam com um boneco de vodu de LyndonJohnson, com alfinetes e tudo.

A única coisa que Bobby é incapaz desuportar é um mentiroso, e ele acha queJohnson mente o tempo todo. Ainda assim,há algo em Johnson que inspira respeito emBobby. Em uma ocasião, ele disse a um fun-cionário da Casa Branca: “Eu não suporto ocanalha, mas ele é o homem mais formidávelque eu conheço”.

E assim dois políticos intensos e im-placáveis se voltam um contra o outro. Mas

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nenhum dos dois faz ideia da calamidade queestá a apenas oito meses de acontecer.

* * *

Lee Harvey Oswald está ficando cadavez mais isolado. Ele transformou um quartopequeno em sua casa em escritório. Lá, eleescreve diatribes furiosas sobre o mundo queo cerca. Oswald está cada vez mais agitado, eas pessoas estão começando a temê-lo.

Em 12 de março em Dallas, apenas umdia depois do discurso de Lyndon Johnsonem St. Augustine, Oswald decide compraruma segunda arma para acompanhar a pis-tola que ele mantém escondida em casa.Desta vez é um fuzil, comprado através daedição de fevereiro de 1963 da revista Amer-ican Rifleman. O italiano Mannlicher-Car-cano, modelo 91/38, foi fabricado em 1940 eoriginalmente desenhado para a infantariaitaliana durante a Segunda Guerra Mundial.Não é uma arma concebida para caçar

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animais, e sim para atirar em homens. Tendosido um exímio atirador no Corpo de Fuz-ileiros Navais, Oswald sabe a diferença, as-sim como limpar, manter, carregar, apontare disparar uma arma dessas com precisão.

De todas as coisas incríveis acontecendono mundo em março de 1963, este simplespedido de compra por catálogo pareceria terpouca importância. Na verdade, nada terámaior impacto nos acontecimentos mundiaisdo que esse fuzil italiano de ferrolho quecustou dezenove dólares.

A arma é entregue em 25 de março.Marina reclama que eles poderiam ter usadoo dinheiro para comprar comida. MasOswald está feliz com a compra e adquire ohábito de tomar um ônibus até o leito de umrio seco para praticar tiro ao alvo contra abarragem.

Em 31 de março, enquanto Marina estápendurando fraldas no varal para secar,Oswald aparece no quintal dos fundos todo

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vestido de preto. Sua nova pistola está enfi-ada na cintura. Ele agita o fuzil em uma mãoe segura exemplares de dois jornaiscomunistas na outra. Exige que Marina tirefotos dele, o que ela faz achando graça. Seuplano é enviá-las para o Worker e o Militante assim mostrar que está preparado parafazer qualquer coisa em nome da luta declasses.

Em 6 de abril de 1963, Lee HarveyOswald é demitido de seu emprego naJaggars-Chiles-Stovall. Suas arengascomunistas se tornaram ofensivas para oscolegas de trabalho, e os chefes alegam quejá não se pode confiar nele.

Em 10 de abril de 1963, Oswald decideque é hora de matar alguém.

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9 DE ABRIL DE 1963WASHINGTON D.C.MEIO-DIA

O homem com sete meses restantes de vidaestá conversando com Winston Churchill.

John Fitzgerald Kennedy está no Jardimdas Rosas da Casa Branca diante de umagrande multidão calorosa. Aos 92 anos de id-ade, Churchill, o ex-primeiro-ministro cujacoragem inspiradora ajudou a salvar a Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundi-al, assiste ao vivo por satélite em sua casa emLondres. O propósito da reunião no Jardimdas Rosas é tornar Winston Churchill umcidadão americano – o único líder es-trangeiro desde Lafayette a receber talhonra.

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“Um filho da América, ainda que umsúdito da Grã-Bretanha”, Kennedy inicia seudiscurso, referindo-se ao fato de que a mãede Churchill, Jenny Jerome, havia nascidonos Estados Unidos, “um amigo firme e lealdo povo americano e da nação americana.”

O filho de Churchill, Randolph, de 51anos, está ao lado de JFK. Jackie Kennedyestá bem atrás do marido. O Jardim das Ro-sas está cheio de diplomatas e pessoas próxi-mas dos governantes dos Estados Unidos eda Inglaterra. O pai do presidente, Joseph,que foi embaixador na Grã-Bretanha logoantes da Segunda Guerra Mundial, assiste aoato dentro da Casa Branca em uma cadeirade rodas, consequência de um AVC dois anosantes.

Mas nem mesmo enquanto JohnKennedy está diante dessa reunião idílica,vendo o afeto e os sorrisos inspirados pelahonra concedida a um líder mundial tãoilustre e famoso, seus pensamentos se

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afastam de outro “Churchill” – e de outraguerra que vem ganhando força.

* * *

Foi Dwight Eisenhower quem, pelaprimeira vez, enviou soldados americanos aoVietnã para conter o comunismo no sudesteda Ásia. Mas foi John Kennedy quem orden-ou um aumento gradativo no número de tro-pas desde que assumiu a presidência, esper-ando garantir que o Vietnã não sucumbisseao comunismo e, com isso, começasse umefeito dominó, levando outras nações asiátic-as a darem as costas à democracia.

Mas as boas intenções de Kennedy de-ram errado. O punhado de “conselheiros”americanos no Vietnã agora aumentou paraquase dezesseis mil pilotos e soldados. Pilo-tos americanos estão jogando bombas denapalm para aniquilar os soldados viet-congues que combatem o regime de Saigon,apoiado pelos EUA. Milhares de vietcongues

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foram mortos – e também milhares de cam-poneses vietnamitas inocentes. “Os corposcarbonizados de crianças e bebês formampilhas deploráveis no que restou do mer-cado”, relatou a Associated Press após umdesses bombardeios.

Os pilotos americanos realizam centenasde missões no Vietnã todos os meses. Teveinício um processo sistemático de desfol-hação, com aviões americanos pulverizandosubstâncias químicas sobre a selva paramatar toda vegetação que pudesse escondersoldados inimigos. É claro que as plantaçõesde muitos agricultores inocentes são destruí-das no processo. Essa política de “terra ar-rasada” acabará voltando para assombrar osEstados Unidos de várias maneiras.

A CIA se uniu à luta no Vietnã, con-duzindo missões secretas de busca e destru-ição no Norte comunista. Artilheiros de popaa bordo de helicópteros americanos têmcarta branca para abrir fogo sobre os

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camponeses, que fogem quando veem osHueys se lançarem sobre as copas dasárvores. A suposição é que os agricultores fo-gem porque são inimigos, e não porquetalvez sejam supersticiosos e estejam as-sustados com as aeronaves que invadiram derepente os céus de seus vilarejos primitivos.

John Kennedy acredita que a Américaprecisa pôr um fim ao conflito no Vietnã –mas não está pronto para divulgar isso. “Nósnão temos a menor chance de ficar no Viet-nã”, ele dirá extraoficialmente ao jornalistaCharles Bartlett, ganhador do Pulitzer.“Aquelas pessoas nos odeiam. Eles vão nosexpulsar de lá a qualquer momento. Mas nãoposso abrir mão desse território para oscomunistas e esperar que o povo americanome reeleja.”

Para garantir suas chances de reeleição,o presidente não pode, e não vai, tirar as tro-pas americanas do Vietnã antes da eleição de1964. A guerra ainda é popular entre os

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eleitores. Enquanto isso, ele espera frear oenvolvimento americano, lendo seus in-formes todas as manhãs e rezando para queo presidente sul-vietnamita Ngo Dinh Diemnão faça nada estúpido ou irresponsável parainflamar a situação.

Diem é católico, assim como a famíliaKennedy. Mas sua fé é quase fanática, o queo faz perder o foco no combate ao comun-ismo. Ele agora está travando uma guerra emduas frentes. A primeira é contra os viet-congues; a segunda é uma guerra sagradacontra a população majoritariamente budistado Vietnã.

Mas é Diem quem o vice-presidenteJohnson certa vez elogiou como “o WinstonChurchill da Ásia”. Os irmãos Kennedyodeiam esse exagero grosseiro. Ao contráriodo Winston Churchill real, Diem não é umamigo firme e leal do povo americano nemda nação americana. Ele é um assassino em

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massa, preocupado unicamente com sua pró-pria glorificação.

Esse narcisismo logo o condenará.

* * *

No Jardim das Rosas, Kennedy terminasua declaração. Ele agora escuta enquantoRandolph Churchill lê um discurso que o paipreparou. “O nosso passado é a chave para onosso futuro”, diz Churchill, em palavras quefazem Kennedy e o ícone britânico soaremcomo dois estadistas muito similares. “Nãopodemos permitir que ninguém subestimenossas energias, nossas potencialidades enossa capacidade permanente para o bem.”

* * *

Nem todos os homens acreditam emuma capacidade permanente para o bem.

John Kennedy dificilmente é um homemviolento. Ele não gosta de armas e inclusive

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abomina a caça de animais. Não se podedizer o mesmo de Lee Harvey Oswald. Agora,em uma noite quente de abril, Oswald seesconde nas sombras de um beco em Dallas.Seu novo fuzil está apontado para o major-general Ted Walker, um anticomunistadeclarado.

Walker está sentado no escritório de suacasa em Dallas, compenetrado em sua de-claração de imposto de renda de 1962. Aos53 anos, o general formado pela AcademiaMilitar de West Point é um homossexual nãoassumido e um famoso oponente do comun-ismo. A data é 10 de abril, e ele está em casasozinho nesta noite de quarta-feira, tendoacabado de voltar de uma viagem controver-sa pelo país. A luminária de mesa é a únicaluz no ambiente. Uma pequena janela dápara a escuridão. Normalmente, Walker ab-riria a janela para deixar entrar o ar doce daprimavera, mas hoje a temperatura superouos 37 graus. Mesmo às nove horas da noite,

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continua fazendo calor. Walker está com oar-condicionado ligado.

O esconderijo de Lee Harvey no becofica a menos de quarenta metros. Ele observacada movimento de Walker pela miratelescópica de seu fuzil italiano Mannlicher-Carcano. O zunido do ar-condicionado abafao som dos movimentos cuidadosamente co-reografados de Oswald. Ele agora está escon-dido atrás da cerca dos fundos de Walker, ocano de seu fuzil atravessando as ripas demadeira. Há uma igreja perto da casa deWalker, onde os fiéis se reuniram para umamissa de meio de semana nesta noite dequarta-feira.

A opressão da classe trabalhadora correpelas veias de Lee Harvey Oswald. Ele en-contra força nos ideais do comunismo e dosocialismo. Quase um ano depois de tervoltado à América, ele está ainda mais irrit-ado com esta que, a seus olhos, é a grande in-justiça do sistema capitalista. Está furioso o

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bastante para matar qualquer homem que semanifeste contra o comunismo.

E é por isso que ele está apontando seunovo fuzil para a cabeça de Ted Walker comintenção de assassiná-lo. O ex-general estábem no alto da lista de pessoas que Oswalddespreza. Há dezoito meses, Walker foi con-vidado a se retirar do exército depois dedizer a um repórter que Harry Truman eEleanor Roosevelt provavelmente eramcomunistas. Ele renunciou ao posto em vezde se aposentar, um gesto simbólico de desa-cato que lhe custou a pensão. Desde então, oveterano da Segunda Guerra Mundial e daGuerra da Coreia se dedica a causas políticas.Ele concorreu ao governo do Texas peloPartido Democrata – um posicionamento es-tranho para um direitista como ele, aindamais morando em Dallas, uma cidade viol-enta onde os democratas são uma minoriatão ínfima que muitos deles têm medo de ex-pressar abertamente suas crenças.

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Depois de ter ficado em último lugarnaquela eleição – em que John Connally saiuvitorioso –,Walker viajou ao Mississippi paratentar impedir que um aluno negro fosse ad-mitido na Universidade de Mississippi. Duaspessoas foram mortas e seis agentes federaisficaram feridos no tumulto que se seguiu;como consequência, Walker foi temporaria-mente enviado a um hospital psiquiátrico eteve de responder a uma acusação federalpor sedição. Foi o próprio Bobby Kennedyque ordenou que Walker fosse acusado deatos de violência contra os direitos civis deum cidadão americano.

Oswald não se importa com direitoscivis. Ele veio à casa de Walker porque oWorker, o jornal comunista que ele assina,se referia ao general como uma ameaça aseus ideais. E por causa da recente parti-cipação de Walker na Operação CavalgadaNoturna, uma turnê pelas áreas rurais dopaís para alertar os americanos sobre a

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ameaça do comunismo, similar à empreen-dida por Paul Revere na época da Guerra deIndependência dos Estados Unidos paraalertar sobre a presença das tropas britân-icas. A decisão do grande júri do Mississippide não fazer acusações formais contra Walk-er foi a motivação de Oswald para comprarum fuzil. Desde que recebeu o Mannlicher-Carcano, Oswald viajou de ônibus váriasvezes à área perto da casa de Walker. Elepercorreu as ruas e vielas, estudando e anot-ando e reconhecendo o terreno, memoriz-ando rotas de fuga e os horários da igreja.Oswald tirou várias fotos da área e as revelouno trabalho antes de ser despedido, em 6 deabril. Todas as informações foramarmazenadas em um fichário azul especial.

Oswald sabe que Walker passa quase to-das as noites em seu escritório. Dada a curtadistância entre o beco e esse cômodo, é im-possível errar o alvo.

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Oswald não disse a Marina aonde ia estanoite. Mas, antes de sair do apartamento, es-creveu um bilhete detalhando o que eladeveria fazer se ele fosse preso. O bilhetecontém informações sobre as contas que elepagou, quanto dinheiro deixou para ela eonde fica a prisão de Dallas. Oswald escreveuem russo, para ter certeza de que Marina en-tenderia cada palavra. Ele deixou o bilhetesobre a escrivaninha, em um quarto pequenoque ele converteu em escritório. Ela sabe quenão deve entrar lá, mas Oswald tem certezade que, se ficar desaparecido por muitotempo, ela acabará entrando.

* * *

De volta ao beco, Oswald se posiciona si-lenciosamente. Walker está de perfil, visto deseu lado esquerdo. O general usa o cabeloescuro escovado rente ao couro cabeludo.Oswald pode ver cada fio através do telescó-pio. Ele nunca atirou em um homem antes;

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nem sequer disparou a arma em um mo-mento de fúria. Mas passava horas nopolígono de tiro em sua época de fuzileironaval e, nestas últimas semanas, praticoucom diligência no leito seco do rio Trinity,usando a barragem como escudo. É quasecômico que um homem tramando um assas-sinato tome o ônibus para ir e voltar de suaprática e para ir e voltar da própria cena docrime. Mas Lee Harvey Oswald não temescolha. Ele não tem carro.

Walker está sentado, atônito diante dosnúmeros na declaração do imposto de renda.Oswald inspira profundamente e solta o ardevagar. Ele sabe exalar antes de atirar e co-ordenar o aperto do gatilho com o fim da ex-alação. Ele também sabe aumentar aos pou-cos a pressão no gatilho, apertando-o sempressa.

Quando era fuzileiro naval, ele quasenunca levava a sério a prática no polígono detiro, rindo abertamente da bandeira

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vermelha que era erguida cada vez que eleerrava um tiro. Mas é capaz de atirar muitobem quando quer, como comprova sua quali-ficação de “atirador de elite” no Corpo deFuzileiros Navais.

Agora ele quer.Oswald aperta o gatilho. Ele dá apenas

um tiro. Então vira as costas e corre paralonge, o mais rápido que pode.

* * *

– Eu atirei em Walker – Oswald diz aMarina, ofegante. São onze e meia da noite.Ela já leu o bilhete e está preocupadíssima.

– Você o matou? – ela pergunta.– Não sei – ele responde em russo.– Meu Deus, a polícia vai chegar a

qualquer momento – ela grita. É um medoirracional, pois a polícia não faz a menorideia de quem atirou em Walker. – O que vo-cê fez com o fuzil?

– Enterrei.

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Oswald liga o rádio para saber se virounotícia. Marina, enquanto isso, está as-sustada e aflita. Ela anda de um lado paraoutro, enquanto o marido, exausto, final-mente deita na cama e cai num sonoprofundo.

* * *

Na manhã seguinte, o atentado contraWalker está nos jornais e no rádio. Oswald sedetém em cada palavra, embora esteja cho-cado por saber que errou o alvo. Testemun-has oculares afirmam que viram dois ho-mens fugindo do local do crime em um carro,e a polícia de Dallas está à procura de umaarma com um tipo de munição totalmentediferente da que Oswald usou. Oswald estádesapontado. Ele atirou em Walker porquequeria ser um herói aos olhos do PartidoComunista; ele queria ser especial. Agoranão só ele errou o tiro mais fácil da históriacomo a polícia está procurando um homem

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totalmente diferente. A polícia, mais tarde,irá supor que a bala ricochetou após bater navidraça, passando a menos de oito centímet-ros da cabeça de Walker. A mira telescópicado fuzil, projetada para longas distâncias,possivelmente obscureceu a vidraça paraOswald, o que significa que ele nem sequersabia que ela estava no caminho quandomirou e atirou.

Mas nada disso importa para Lee Har-vey Oswald agora. Ele é pior do que um fra-casso; ele é anônimo.

* * *

Três dias depois, Lee Harvey Oswaldqueima seu fichário azul. A casa de Walkerestá sendo vigiada 24 horas por dia, e um se-gundo atentado contra ele seria quase im-possível. Ainda assim, Marina sabe que omarido é instável e obstinado. Seu ódio poraqueles que se opõem ao comunismo é in-tenso e real.

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Assustadíssima, ela propõe algodrástico: mudar-se com a família para NovaOrleans. Ela acredita que a polícia baterá àporta a qualquer momento. Tendo crescidosob o Estado repressor soviético, ela vivecom medo de ser levada para a prisão nomeio da noite e desaparecer para sempre.

Em 21 de abril, Marina vê Oswald se ap-rontando para sair de casa com uma pistolaenfiada na cintura. É domingo. Ele está deterno. Furiosa, Marina exige saber aonde elevai.

– Nixon está chegando – Oswald lhe diz.– Eu vou averiguar.

O ex-vice-presidente acabou de virarmanchete ao exigir a remoção de todos oscomunistas de Cuba. Como o general Walk-er, Richard Nixon vem adquirindo notor-iedade política por denunciar comunistas.

– Eu sei como você averigua – diz Mar-ina. Ela sabe que, para o marido, averiguaruma situação significa dar um tiro num ser

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humano. Está bem claro que Lee HarveyOswald precisa ser protegido de si mesmo.

Então, mostrando como ela consegueser forte quando é levada ao limite, Marinaempurra o marido para dentro do banheirominúsculo e o obriga a permanecer ali. Omarido é feito prisioneiro durante o resto dodia. Quando ela o liberta, está claro que, parao seu próprio bem, Lee Harvey Oswald pre-cisa ir embora de Dallas.

* * *

Cinco dias depois do discurso de JohnKennedy no Jardim das Rosas, o presidentee a primeira-dama anunciam formalmenteque ela está grávida. Isso marca a primeiravez que a esposa de um presidente terá umbebê durante o mandato do marido desdeque a esposa de Grover Cleveland deu à luzem 1893.

Os americanos reagem com afeto eentusiasmo – e com grande surpresa. Pois

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embora tenha completado o quarto mês degestação, Jackie ainda não mostra o menorsinal de estar grávida. O bebê dormirá nomesmo berço branco que John Jr. usou aonascer. Um pequeno aposento na residênciareceberá cortinas e um novo tapete,transformando-se no quarto do bebê.

A cada momento que passa, os Kennedyparecem estar vivendo uma vida idílica, ondetudo dá certo e cada dia é mais glamorosoque o anterior. Ao contrário de AbrahamLincoln, cujos ombros caíram e cujo rostoficou marcado e cansado devido às tensõesde ser presidente, John Kennedy realmentegosta do trabalho – e demonstra isso. Osamigos notam o quanto ele cresceu comolíder desde que tomou posse e o vigor comque ele encara as tarefas.

Mas a América está mudando depressa.John Kennedy logo será forçado a usar cadauma dessas habilidades presidenciais, ad-quiridas com tanto esforço, para enfrentar

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épocas turbulentas. Os tensos desafios queatormentaram seu mandato – Cuba, Vietnã,o poder da máfia, os direitos civis e atémesmo sua vida pessoal – nãodesapareceram.

Por enquanto, esses problemas estãoapenas cozinhando em fogo brando – e,quando a primavera virar verão em 1963,eles explodirão.

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3 DE MAIO DE 1963BIRMINGHAM, ALABAMA13h

“Nós vamos caminhar, caminhar, camin-har. Liberdade… Liberdade… Liberdade”,entoam os manifestantes enquanto saempelas grandes portas de carvalho da IgrejaBatista da Sixteenth Street. É sexta-feira, eesses jovens estudantes negros deveriam es-tar na escola. Em vez disso, eles se reunirampara protestar pelos direitos civis. Algunstêm menos de dez anos de idade. A maioria éadolescente. São jogadores de futebol, rain-has de baile, célebres corredores e animador-as de torcida. Quase todos estão bem-vestidos, os meninos usam camisas conven-cionais e calças limpas, as meninas usamvestidos e laços.

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Os manifestantes são mais de mil. Todoscabularam aula para estar aqui. Alguns delesaté saltaram portões. Seu objetivo é viveralgo que seus pais jamais conheceram: umaBirmingham integrada, onde lanchonetes,lojas de departamentos, banheiros públicos ebebedouros estão abertos a todos.

A Cruzada das Crianças, como será bat-izada pela revista Newsweek, se espalha emarcha pelo extenso parque Kelly Ingram.“Nós vamos caminhar, caminhar, caminhar”,continuam entoando. Eles são pacíficos,quase espirituais. Mas a eletricidade correpelo grupo, pois o que estão fazendo é ilegal.“Liberdade… Liberdade… Liberdade.”

Os manifestantes planejam marchar atéo distrito comercial dos brancos e entrar pa-cificamente em lojas e restaurantes. Mais deseiscentos estudantes foram presos fazendo amesma coisa ontem. O mais jovem tinhaapenas oito anos de idade. Isso fez a Cruzadadas Crianças ganhar notoriedade nacional. A

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cerca de 1.600 quilômetros dali, oprocurador-geral Bobby Kennedyrepreendeu os líderes dos direitos civis dosnegros que haviam organizado a marcha dascrianças, declarando que “estudantes parti-cipando de protestos de rua é uma atividadeperigosa. Uma criança ferida, mutilada oumorta é um preço que nenhum de nós querpagar”.

Até mesmo Malcolm X, um dos líderesnegros mais exaltados da América, criticou aCruzada das Crianças, afirmando que “ho-mens de verdade não colocam suas criançasna linha de fogo”.

Mas essas crianças querem estar aqui.Muitas vieram contra a vontade dos pais.Nada pode detê-las. Elas sabem que, se mãese pais fossem ao protesto, eles seriam presose poderiam perder o emprego, ou dias e sem-anas de salário.

Eles sabem que essa marcha não se deveapenas a banheiros públicos; essa marcha é

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um ato de desacato. Alguns dias antes de as-sumir o cargo, há apenas quatro meses, ogovernador do Alabama, George Wallace,deixou uma coisa muito clara: “Eu vou fazera raça ser a base da política neste estado, evou fazer com que seja a base da política nopaís”. Mais tarde, em seu discurso inaugural,ele proclamou: “Eu estive onde JeffersonDavis um dia esteve, e fiz um juramento aomeu povo. É, portanto, muito apropriadoque deste berço da Confederação, do coraçãodesta Grande Pátria Anglo-Saxônica do Sul,rufemos hoje o tambor por liberdade (…)Devemos atender ao chamado do sangueamante de liberdade que há dentro de nós(…) Em nome do maior povo que já pisou es-ta terra, eu risco uma linha no chão e desafioa tirania. E digo: Segregação hoje!Segregação amanhã! Segregação sempre!”

Aquelas palavras são um chamado àsarmas para negros e brancos que discordamde Wallace. O reverendo Martin Luther King

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Jr. viajou a Birmingham no começo daprimavera para lutar pela integração racial.Os líderes negros locais, temendo a retali-ação dos credores brancos, disseram a Kingque não o queriam na cidade. O líder do Mo-vimento pelos Direitos Civis ridicularizoutais temores, insinuando que eles eram cov-ardes, fazendo que se sentissem envergonha-dos e se unissem à luta.

Mas apesar de todos os esforços de Kinge de seu grande amigo Ralph Abernathy, aluta por Birmingham está paralisada há umasemana. Após meses de protestos e prisões, amídia nacional perdeu o interesse. Já nãohavia dinheiro para pagar a fiança pelas cen-tenas de pessoas presas. E os protestos di-minuíram de tamanho. Os segregacionistas,liderados pelo encarregado de segurançapública de Birmingham, Eugene “Bull” Con-nor, estavam prestes a ganhar. Aos 65 anosde idade, Connor, um ex-membro do KuKlux Klan, aprecia muitíssimo essa batalha e

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se deleita com a ideia de manter os negros“em seu lugar”.

A primeira marcha das crianças, em 2 demaio, alterou os planos de Connor. Quandoesta termina, milhares se reúnem na IgrejaBatista da Sexta Avenida para escutar o rev-erendo Martin Luther King Jr. falar sobre acoragem das crianças. E King jura que osprotestos vão continuar. “Estamos prontospara negociar”, ele diz à imprensa. “Mas pre-tendemos negociar resistindo.”

Mas Bull Connor tem outros planos.

* * *

“Vamos caminhar, caminhar, caminhar.Liberdade… Liberdade… Liberdade.” A Cruz-ada das Crianças agora chegou às sombrasdos olmeiros do parque Kelly Ingram. A tem-peratura atingiu úmidos 27 graus. À frente,os protestantes veem barricadas e fileiras decarros de bombeiro. Pastores alemães, tre-inados pela polícia para atacar, latem e

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rosnam com a aproximação dos jovensestudantes, e uma enorme multidão de es-pectadores brancos e negros contorna o ladoleste do parque, para ver o que acontecerádepois. Os adultos negros provocam a polí-cia, enquanto os protestantes começam acantar “We Shall Overcome” [Nós vamossuperar].

Martin Luther King Jr. falou aos prot-estantes antes de eles saírem da igreja,lembrando-os que a prisão era um preçopequeno a pagar por uma boa causa. Elessabem que não devem revidar à polícia nemprovocar o confronto se provocados. Seus es-forços serão em vão se a marcha se trans-formar em uma baderna.

Bull Connor não pode permitir que essascrianças entrem no distrito de compras dosbrancos. Ele deu ordens para que osbombeiros de Birmingham acoplem suasmangueiras a hidrantes e estejam prontospara abrir os esguichos e jogar água sobre os

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manifestantes a toda força – uma potênciatão grande que é capaz de remover a casca deuma árvore ou o cimento de um edifício. Seos manifestantes chegarem ao distrito decompras, o uso das mangueiras poderiadanificar as fachadas caras das lojas. Osmanifestantes devem ser detidosimediatamente.

As primeiras crianças no grupo se de-param com um jato de mangueira a meiapotência. Ainda é força suficiente para pararmuitos deles no caminho. Algumas das cri-anças simplesmente se sentam e deixam aágua atingi-las, seguindo as ordens de nãoser violentas – e de não recuar.

Connor, percebendo que medidas parci-ais não funcionarão com essas crianças de-terminadas, dá ordem de esguichar compotência total. Cada um dos manifestantes éderrubado. Muitas crianças são levadas pelasruas e calçadas, os corpos raspando contra agrama e o concreto. Suas roupas se rasgam.

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Aquelas que cometem o erro de pressionar ocorpo contra um edifício para se esquivar dasmangueiras logo se tornam alvos perfeitos.“A água açoitava como um chicote e golpeavacomo um canhão”, uma criança recordarámais tarde. “A força era tanta que nos der-rubava como se pesássemos só dez quilos,empurrando as pessoas como se fossembonecas de pano. Nós tentamos nos segurarno prédio, mas não funcionou.”

Então Connor solta os cães policiais.A mandíbula de um pastor alemão

morde com 145 quilos de pressão – metadeda força de um grande tubarão branco ou deum leão. Mas o pastor alemão é muito menorque esses predadores. Proporcionalmente, oscães policiais de Birmingham são incom-paráveis quanto à força de sua mordida.

Bull Connor observa com alegria en-quanto os pastores alemães arremetem con-tra as crianças, arrancando suas roupas erasgando sua carne. Connor, um homem

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calvo, de óculos e em forma de pera, pareceser uma pessoa afável. Mas, na verdade, ele éum sulista branco cruel cujas crenças sãoainda mais racistas do que as do governadorWallace. O encarregado de segurança públicaentra com os dois pés na ação, encorajandoos policiais a abrirem as barricadas para queos cidadãos brancos de Birmingham possamver melhor os cães policiais fazendo seutrabalho.

Às três horas da tarde, tudo parece estarterminado. As crianças que não foram presasvoltam mancando para casa em suas roupasensopadas e rasgadas, o corpo machucadopor incontáveis jatos à queima-roupa doscanhões de água. Já não ousadas nem desafi-antes, são agora apenas um punhado de cri-anças que precisam explicar aos pais,furiosos, sobre as roupas destruídas e um diade aula perdido.

Mais uma vez, Bull Connor ganhou. Oupelo menos é o que parece.

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Mas entre os presentes em Birminghamesta tarde estava um fotógrafo da AssociatedPress chamado Bill Hudson. Ele é consid-erado um dos melhores no ramo, disposto acorrer todo tipo de perigo para obter umaboa foto. Ele desviou de balas durante aGuerra da Coreia e se esquivou de tijolos en-quanto cobria o Movimento pelos DireitosCivis.

Nesse dia em Birmingham, Bill Hudsontira a melhor foto de sua vida. Como vem acalhar, a foto é em preto e branco. Ele a tira aapenas um metro e meio de distância.Retrata um policial de Birmingham – comares de autoridade, de camisa bem passada,gravata e óculos escuros – encorajando seupastor alemão a tirar um pedaço do es-tômago de Walter Gadsden, um estudantecolegial negro.

Na manhã seguinte, a fotografia aparecena primeira página do New York Times, ocu-pando três colunas, na metade superior.

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E é assim que John Kennedy,começando a manhã, como sempre faz,lendo os jornais, vê essa imagem de Birming-ham. Nauseado com o que vê, Kennedy fazquestão de dizer aos repórteres que a foto é“repugnante” e “deplorável”.

Basta uma olhada e JFK instintivamentesabe que a América e o mundo ficarão hor-rorizados com a imagem de Hudson. Osdireitos civis certamente serão uma questãocrucial na eleição para presidente em 1964. EKennedy agora entende que já não pode serum observador passivo do movimento pelaintegração racial. Ele precisa tomar umaposição – não importa quantos votos issopossa lhe custar no Sul.

Enquanto isso, a reputação de MartinLuther King Jr. está em alta. Ele logo verá asituação em Birmingham ser solucionada aseu favor, graças à Cruzada das Crianças.Após a “vitória” inicial de Bull Connor, apressão pública contra as autoridades do

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Alabama se torna tão intensa que a mudançaé inevitável.

Apesar do triunfo, Martin Luther KingJr. e John Fitzgerald Kennedy não estão emsintonia. De fato, eles estão em rota decolisão.

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Esta fotografia de um manifestante não violento pelos direitos civis

sendo atacado por cães policiais trouxe à atenção nacional a brutalid-

ade da força policial de Bull Connor.

(Bill Hudson/Associated Press)

* * *

A desobediência civil não está limitadaao Movimento pelos Direitos Civis nos Esta-dos Unidos.

Cinco dias depois de as crianças deBirmingham marcharem pacificamenterumo àquela parede de canhões de água ecães policiais e dois dias depois de um ten-ente do exército americano ser morto pelosvietcongues nas proximidades de Saigon,uma multidão de budistas se reúne na cidadesul-vietnamita de Hué. É 8 de maio de 1963,o 2.527o aniversário de Buda.

Os manifestantes vieram para protestarcontra uma nova lei implementada pelopresidente Ngo Dinh Diem que torna obudismo ilegal no Vietnã. O grande desejo de

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Diem é converter o país ao catolicismo e éfundamental para esse esforço a subjugaçãosistemática da maioria budista da nação.Diem – cujo regime o presidente Kennedyapoia há tempos, mas cuja postura anti-budista é contrária à política externa americ-ana – nega promoções a funcionários sabida-mente budistas e faz vista grossa quandopadres católicos organizam exércitos particu-lares que saqueiam e demolem os templosonde os budistas cultuam suas crenças. Paradar credibilidade à sua cruzada aos olhos dogoverno americano, Diem insiste que obudismo e o comunismo são uma coisa só –uma afirmação similar à crença silenciosa deJ. Edgar Hoover de que os direitos civis e ocomunismo são sinônimos.

Agora, quando três mil manifestantesbudistas desarmados se reúnem perto do rioPerfume para expressar suas frustrações, astropas e a polícia do governo atiram na mul-tidão. Balas e granadas dispersam os

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manifestantes, matando uma mulher e oitocrianças.

Na indignação pública que se segue,Diem culpa seus oponentes vietconguespelas mortes – mas a polícia e o exércitoeram claramente sul-vietnamitas. A cha-mada crise budista se agrava quando Diemse recusa a punir os homens responsáveispelo tiroteio.

As tensões crescem em todo o Vietnã emmaio. Diem, como Bull Connor em Birming-ham, parece estar em vantagem. Nada podeser feito para pôr fim a seu reinado de terror.Em 3 de junho, as tropas do governo voltama atacar budistas em Hué, usando gás lacri-mogêneo e cães policiais para dispersar osmanifestantes. Mas a multidão não desiste evolta a se reunir. Agora os budistas ficam vi-olentos, gritando impropérios contra osagressores do governo. Finalmente, as tropassul-vietnamitas derramam um líquido ver-melho não identificado na cabeça dos

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budistas que estão sentados nas ruas rez-ando. Sessenta e sete desses homens e mul-heres são levados a hospitais comqueimaduras no couro cabeludo e nosombros.

Incapazes de controlar os manifestantespor mais tempo, os soldados de Diemcolocam toda a cidade de Hué sob leimarcial.

Apesar disso, assim como o movimentopela integração racial em Birmingham estavaperdendo força quando a Cruzada das Cri-anças lhe deu nova vida, a crise budistacomeçou a cansar os membros da imprensainternacional. A perseguição aos budistasempreendida por Diem virou notícia velha.

Mas em 11 de junho de 1963 um mongebudista de 73 anos dará àqueles repórteresalgo sobre o que escrever.

* * *

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São quase dez horas da manhã quandoThich Quang Duc se senta em uma rua movi-mentada de Saigon. Ele está usando ummanto laranja. Duc é um membro do clerobudista, um monástico que vive uma vidameditativa de pobreza. Esta manhã, eleescolheu protestar contra a repressão dogoverno às suas crenças ateando fogo em simesmo.

Esta não é uma decisão impulsiva. Mui-tos na comunidade budista procuraram al-guém que sacrificasse a própria vida parachamar a atenção para sua causa. Tal gestoimpressionante inevitavelmente atrairia acobertura da mídia em todo o mundo. Defato, no dia anterior, membros da imprensainternacional foram avisados para estar emfrente à sede da missão diplomática cam-bojana no dia seguinte se quisessem ver algoespecial.

Não muitos jornalistas aceitam o con-vite, de modo que poucos estão por perto

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para testemunhar o sedã Austin cinza diri-gindo lentamente rumo ao cruzamento doBulevar Phan Dinh Phung e da Rua Le VanDuyet. Trezentos e cinquenta manifestantesbudistas, carregando faixas em vietnamita eem inglês que denunciam o regime de Diem,seguem logo atrás.

O Austin para no cruzamento. ThichQuang Duc desce do carro, recolhendo omanto para junto do corpo. Uma almofada écolocada na rua, e o velho monge se senta.Ele assume a postura de lótus e começa a re-citar as palavras “Retorno à eterna moradaem Buda” repetidas vezes.

Duc escolheu estar ali, mas nada o pre-parou para o momento em que um compan-heiro despeja gasolina sobre sua cabeçacareca. O combustível empapa seu manto eescorre pelas costas até encharcar a almo-fada em que ele está sentado.

Os manifestantes formam um círculoem torno de Duc para evitar que a polícia

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interfira. Em uma mão, o monge segura umcordão de contas de carvalho. Na outra, elesegura um fósforo.

Duc acende o fósforo.Não é preciso encostar a chama em seu

corpo, porque os vapores são suficientes parafazê-lo pegar fogo. Seu rosto, visto atravésdas chamas, é uma máscara de pura agonia.Mas Duc não grita e não emite nenhum som.Sua pele fica preta. Suas pálpebras se fun-dem. Um minuto se passa, e mais um, e eleainda não morre.

A polícia não pode chegar até ele, impe-dida pelo círculo protetor de manifestantes.Quando um carro de bombeiro tenta seaproximar o suficiente para jogar água sobreele, outros monges se atiram sob as rodas doveículo para detê-lo.

Finalmente, após dez minutos agoniz-antes, Thich Quang Duc cai para a frente,morto.

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Seus companheiros erguem o corpo car-bonizado e o colocam no caixão que troux-eram para este momento. O corpo destruídonão entra, e um dos braços de Duc fica parafora enquanto eles o carregam de volta aotemplo Xa Loi. Como descobrem mais tarde,seu coração, apesar da intensidade daschamas, quase não foi danificado. Os mongeso retiram da cavidade torácica de Duc e ocolocam à mostra em um cálice de vidro.

Nos meses seguintes, outros mongestambém se tornarão mártires. E um oficialsul-vietnamita cometerá o erro de dizer a umrepórter: “Deixe eles queimarem, que nósaplaudimos”.

Como em Birmingham, este momento éo começo do fim para os que detêm o poderem Saigon. E, mais uma vez, uma fotografiada Associated Press fará a diferença.

Malcolm Browne, o editor-chefe da As-sociated Press em Saigon, foi um dos poucosjornalistas a testemunharem a autoimolação

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de Thich Quang Duc. Sua foto do monge emchamas horroriza pessoas no mundo inteiro.Assim como a foto de Bill Hudson retratoucães policiais atacando manifestantes ino-centes, esta se tornará uma das imagensmais emblemáticas dos anos 60.

Mais uma vez, John F. Kennedy lerá osjornais matinais horrorizado com a foto-grafia. No mesmo instante, o presidente sabeque seu problema no Vietnã acabou de seagravar. Ele já não pode apoiar o presidenteDiem. O mundo se voltará contra o líder viet-namita ao ver uma imagem tão terrível.

Diem precisa sair.A questão diante de John Kennedy, seu

colega católico, é: como?

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Esta foto chocante de um monge budista praticando autoimolação é

uma das mais emblemáticas imagens de protesto contra a Guerra do

Vietnã.

(Malcolm Browne/ Associated Press)

* * *

São 17h45 do dia 29 de maio em Wash-ington D.C. O presidente John Kennedy teveum dia ocupado com reuniões consecutivasno Salão Oval. Mas sua gravata vinho está

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bem ajustada em volta do pescoço e seupaletó azul-marinho feito sob medida con-tinua tão impecável quanto quando ele o ves-tiu depois da soneca da uma da tarde. Nesteexato momento, JFK é solicitado no restaur-ante da Marinha, no andar de baixo da CasaBranca. Ele se levanta lentamente de suamesa, alonga as costas e então começa abreve caminhada até o andar de baixo.

O presidente não tem ilusões sobre oque está prestes a acontecer. Hoje é seu 46oaniversário. Seus funcionários desapare-ceram de repente, o que o leva a acreditarque eles já se dirigiram ao restaurante daMarinha para aquela que deveria ser umafesta surpresa.

As preocupações do mundo nunca estãolonge dos ombros de Kennedy, mesmo dur-ante um momento de celebração. Assim, en-quanto ele caminha para uma festa em suahomenagem, há uma terceira situação in-cendiária pairando sobre seu governo. Esse

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problema não tem nada que ver com raça oureligião ou guerra. Tem que ver com o maisprimitivo de todos os anseios humanos: sexo.E tem muito mais potencial para pôr um fimao seu mandato do que Birmingham ou atémesmo o Vietnã.

JFK há muito está ciente de que as rev-elações sobre seus casos extraconjugais arru-inariam não só sua imagem cuidadosamentelustrada de homem de família como tambémseu futuro político. Agora basta ele olharpara a Grã-Bretanha para ver exatamentecomo seria essa derrocada. John Profumo,um elegante político e herói de guerrabritânico de 48 anos, foi pego tendo um casocom uma garota de programa de 21 anoschamada Christine Keeler. Profumo é cas-ado, e sua esposa, a ex-atriz de cinema Valer-ie Hobson, escolheu perdoá-lo. Se Profumofosse qualquer outro homem, é bem possívelque a história embaraçosa terminaria aí.

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Mas John Profumo é também ministrode Guerra da Grã-Bretanha e um dos ho-mens mais poderosos no governo doprimeiro-ministro Harold Macmillan. EChristine Keeler não só está dormindo emsua cama, como também está fazendo sexocom um adido naval soviético. Na primeiraocasião em que foi questionado sobre seucaso na Câmara dos Comuns, Profumo ne-gou. Em 5 de junho, ele será obrigado a ad-mitir que mentiu. Desacreditado, seráevitado pelos colegas e forçado a renunciar.

Profumo desaparecerá do governo e daalta sociedade. Sua humilhação será tão ab-soluta que ele tomará medidas extraordinári-as em busca de redenção. Ele se oferecerápara limpar banheiros em um abrigo parapobres em Londres – uma penitência quecontinuará a pagar até muito depois de arainha Elizabeth restituir seu status socialem 1975 nomeando-o comandante do Im-pério Britânico.

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O primeiro-ministro Macmillan não éculpado de uma indiscrição sequer, mas é,em última análise, o homem responsável porqualquer segredo que Profumo possa terdeixado vazar para a amante. Entre osbritânicos, 71 % estão a favor da renúncia deMacmillan ou da oportunidade de escolherum novo primeiro-ministro através de umaeleição geral imediata.

John Kennedy fica hipnotizado pelo es-cândalo. As similaridades entre ele e Pro-fumo são muitas para serem ignoradas: am-bos têm quase a mesma idade, ambos têmesposas glamorosas, ambos são veteranoscondecorados da Segunda Guerra Mundial eambos atendem pelo apelido de Jack.

Mas não há comparação em seuadultério. As indiscrições de JFK vão muitomais longe que as de Profumo. JohnKennedy tem muita sorte de que até agoranenhuma mulher veio à luz para se gabar deter dormido com o presidente. E ele não tem

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nenhum motivo para pensar que alguma dasmulheres que passaram a noite na CasaBranca fosse uma espiã. Mas, como alertaseu irmão Bobby, basta uma mulher ir aostabloides para arruiná-lo. O dano iria muitoalém das insinuações que Marilyn Monroeespalhou em Hollywood antes de sua morteprematura.

A ironia é que, com a gravidez de Jackie,John Kennedy está mais dedicado à famíliado que nunca. Os funcionários continuam aver o presidente e a primeira-dama de mãosdadas e passando muito mais tempo juntos –embora Jackie seja a única a testemunhar opresidente de joelhos fazendo suas precesnoturnas. Em março, os agentes do ServiçoSecreto ficaram impressionados quando JFKapareceu no aeroporto para receber Jackie,Caroline e John quando eles voltavam deviagem. “Era visível que o presidente sentiafalta da família e estava louco para vê-los”,mais tarde escreveria o agente Clint Hill.

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À medida que a gravidez de Jackie setorna mais visível, os Kennedy estão pas-sando mais fins de semana juntos em CampDavid, o retiro presidencial em Marylandque Dwight Eisenhower assim batizou emhomenagem ao neto. Distribuído em cin-quenta hectares nas montanhas Catoctin, oretiro com densa vegetação tem quilômetrosde trilhas para caminhada, uma grandecabana principal conhecida como AspenLodge, instalações para a prática de golfe,uma área para a prática de tiro ao pato, cava-lariças e uma piscina aquecida ao ar livre.Cercas de arame patrulhadas por guardas doCorpo de Fuzileiros Navais circundam todasas instalações. E o que é melhor de tudo paraa família Kennedy, Camp David é o únicolugar no mundo onde um agente do ServiçoSecreto não está por perto a cada minuto dodia. Os fuzileiros navais são suficientementetemidos para proteger a família dopresidente.

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Agora, no restaurante da Marinha, éJackie quem lidera o coro do “parabéns” noinstante em que o marido entra na sala. Elefinge surpresa enquanto uma taça de cham-panhe é enfiada em sua mão e os funcionári-os o rodeiam para entregar uma porção depresentes divertidos.

Mas Jackie Kennedy tem mais surpresasna manga. Pois a festa, mais tarde, étrasladada do restaurante da Marinha aoSequoia, o iate presidencial. Somente afamília e alguns poucos amigos íntimos sãoconvidados. À medida que o Sequoia navegalentamente pelo rio Potomac, a reunião tran-quila se transforma em uma grande festa.Dom Perignon 1955 corre solto, e no salão dapopa retumba o som de um trio musical. Otwist saiu de moda, mas é o ritmo favorito dopresidente e por isso a banda toca ChubbyChecker sem parar. O agente do ServiçoSecreto Clint Hill mais tarde dirá que nuncaviu John e Jackie Kennedy se divertindo

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tanto juntos, “dançando twist, chá-chá-chá eo que viesse”.

O cruzeiro está programado para ter-minar às dez e meia da noite, mas JFK estáse divertindo tanto que pede ao comandanteque prossiga por mais uma hora. E maisuma. E mais uma, o tempo todo ignorandoos relâmpagos e a chuva que mantêm Bobby,Ethel, Teddy e o resto da festa do lado dedentro.

São uma e vinte da manhã quando oSequoia finalmente atraca. Washington estádormindo. John e Jackie Kennedy estãoimersos no romance de uma noite muito es-pecial. Os Birminghams e Vietnãs e Pro-fumos voltarão a confrontar o presidente namanhã seguinte, mas agora esses problemasestão muito distantes.

O homem com seis meses restantes devida não vê isso, mas os mais próximos delese lembrarão de sua última festa de aniver-sário como a melhor de todas.

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Apesar de suas infidelidades, o presidente Kennedy era dedicado à

família, como registra esta foto no domingo de Páscoa de 1963.

(Cecil Stoughton, Fotografias da Casa Branca, Museu e Biblioteca Pres-

idencial John F. Kennedy, Boston)

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22 DE JUNHO DE 1963WASHINGTON D.C.FIM DA MANHÃ

–Você leu sobre Profumo? – JohnKennedy pergunta a seu convidado.

O presidente e Martin Luther King Jr.caminham a sós pelo Jardim das Rosas naCasa Branca. Esta é a primeira vez em queeles se encontram. Kennedy eleva-se sobre olíder dos direitos civis de um metro e 68 dealtura. Hoje é sábado e marca o início deuma série de encontros cuidadosamente or-questrados entre a Casa Branca e algunsgrupos de negócios poderosos a fim de mo-bilizar apoio ao movimento pelos direitoscivis. Em poucas horas, o presidente estará abordo do Air Force One para uma viagem àEuropa, deixando temporariamente para trás

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o inferno racial. Com isso, as atividades naCasa Branca estarão a cargo de LyndonJohnson e Bobby Kennedy, cujas hostilid-ades nunca estiveram tão acirradas.

Antes de ir, JFK tem uma observaçãoimportante a fazer ao reverendo King. Opresidente tem sólidos indícios, fornecidospor J. Edgar Hoover, de que o líder do Movi-mento pelos Direitos Civis tem algo emcomum com o desonrado político britânicoJohn Profumo.

Em poucas palavras, o presidente estáalertando King para ser esperto e controlarsua libido.

Para o bem de ambos.John Kennedy depositou o poder de seu

mandato no movimento pelos direitos civis,mas não sem relutar. O presidente não temamigos negros. O mais perto que ele chegade reverenciar a cultura negra é quandodança ao som de Chubby Checker. Nomundo de John Kennedy, os negros são

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primordialmente criados, cozinheiros,garçons e arrumadeiras. Seus antepassadosforam imigrantes pobres irlandeses que logoaproveitaram as liberdades da América paraalcançar a prosperidade. Para JFK, as liber-dades são algo natural, enquanto gerações egerações de crianças descendentes de escra-vos jamais conheceram tais oportunidades.

Bobby Kennedy é a força propulsora portrás da nova postura do irmão. Bobby setornou tão entusiasta dos direitos civis queseu primeiro nome é considerado um insultono Sul. O fato de que John Kennedy final-mente tenha decidido defender os negrostambém é uma vitória para Bobby.

Maio de 1963 foi um mês difícil, mar-cado por uma sucessão de confrontos emBirmingham incitados por George Wallace, ogovernador racista do Alabama. As batalhascontinuam. Em 11 de junho, depois de con-seguir que a Universidade do Alabama pas-sasse a admitir alunos negros, JFK falou

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sobre direitos civis em cadeia nacional. Emum discurso escrito às pressas e parcial-mente improvisado que um dia seria consid-erado um de seus melhores, o presidenteprometeu que seu governo faria todo o pos-sível para acabar com a segregação. Ele in-stou o Congresso a “promulgar uma leidando a todos os americanos o direito de seratendidos em instalações abertas aopúblico”.

No dia seguinte, o ativista dos direitoscivis Medgar Evers é morto com um tiro naentrada da garagem de sua casa noMississippi.

A integração racial, no entanto, não é sóuma questão de fazer a coisa certa. O com-prometimento de JFK tem grandes im-plicações. Por exemplo, alguns americanosassociam direitos civis ao comunismo. A úl-tima coisa de que Kennedy precisa no augeda Guerra Fria é ser rotulado de comunista esimpatizante dos negros – mas ele sabe que

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muitos no Extremo Sul imediatamente farãoessa associação improvável.

E há também a vida adúltera de MartinLuther King Jr. Esse fato é bem conhecidoem todo o Movimento pelos Direitos Civis.King passa a maior parte dos dias longe decasa e da esposa, Coretta, que sabe que nãodeve confrontá-lo sobre suas infidelidades.Segundo o FBI inspecionou e seu bom amigoRalph Abernathy admite, King tem relaçõessexuais com prostitutas, oportunistas e atémesmo mulheres casadas. Quando pression-ado pelos amigos, ele não nega as indis-crições, explicando que precisa de sexo paraaliviar a ansiedade em momentos intensos,quando ele quase sempre está muito sozinho.(Quase uma década depois de Martin LutherKing Jr. ser assassinado em 1968, os arqui-vos do FBI sobre sua vida pessoal serão lac-rados até 2027.)

O diretor Hoover acredita que King écomunista, e por isso o FBI vem grampeando

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telefones de King em quartos de motel há umano e meio. Hoover está obcecado em der-rubar King. O chefe do FBI descreve o líderdos direitos civis como um “garanhão comdesejos sexuais degenerados”. Hoover ficafurioso quando King é escolhido pela revistaTime o Homem do Ano em 1963. (Kennedyfoi escolhido em 1961; Johnson será em1964.) J. Edgar Hoover passa horas escut-ando as gravações secretas dos encontrosamorosos de King. Tanto o presidentequanto o procurador-geral são informadosdo que está sendo gravado. Mais tarde, Jack-ie Kennedy, para quem King é um impostor,lembrará de quando o marido lhe confiou oconteúdo de uma gravação em que King “es-tava telefonando para todas essas garotas ecombinando uma festa com homens e mul-heres, ou seja, uma espécie de orgia no hotele tudo o mais”.

A gravação mais infame de King aconte-cerá em 6 de janeiro de 1964 no hotel

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Willard, em Washington. Conforme relatadoem Pillar of Fire, de Taylor Branch, escuta-se King dizendo: “Estou [fazendo sexo] porDeus. Não sou um negro esta noite!”.

Normalmente, nenhuma dessas peripé-cias interessaria a John F. Kennedy. O queKing faz entre quatro paredes só diz respeitoao reverendo. Mas o presidente se uniu aoMovimento pelos Direitos Civis. Kennedy eKing, sua voz mais proeminente, estão polit-icamente algemados um ao outro – gostemou não.

E o presidente não gosta nem um pouco.Sua aliança com King vai contra cada fibracautelosa de seu DNA político. Há grandesparalelos entre os dois homens. Kennedypode ser impulsivo em alguns aspectos desua vida, mas ele é preciso e cuidadosoquando se trata de se preparar para umaeleição. As infidelidades de King, sua supostasimpatia pelo comunismo e sua luta in-cansável pelos direitos civis fazem com que a

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associação pública entre os dois seja umenorme risco político. Até mesmo estar aquina relativa privacidade do Jardim das Rosascom Martin Luther King faz Kennedy suar.“King é tão explosivo”, segredou a Bobby umJFK exasperado antes da chegada do rever-endo, “que é como se [Karl] Marx viesse àCasa Branca.”

Martin Luther King Jr. não dá a mínimapara o desconforto do presidente. De fato,ele está tornando as coisas ainda mais explo-sivas. O reverendo está planejando umamanifestação massiva para agosto, no Pas-seio Nacional de Washington. Com isso, abatalha pelos movimentos é trasladada doExtremo Sul para bem diante da vista doSalão Oval. “E se eles urinarem no Monu-mento de Washington?”, diz Kennedy hor-rorizado ao ouvir a notícia.

As palavras do presidente revelam umaverdade dolorosa: ao contrário da Crise dosMísseis em Cuba ou mesmo da invasão

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fracassada à Baía dos Porcos, a situação dosdireitos civis é um problema sobre o qualJohn Kennedy tem pouco controle direto.Martin Luther King Jr. está na linha defrente nessa batalha. Depois de sua vitóriaem Birmingham, é King quem está nocomando – e os dois homens sabem disso.

Agora JFK quer parte daquele poder devolta.

– Eu presumo que você saiba que estásob vigilância estrita – ele alerta o líder doMovimento pelos Direitos Civis.

King não sabe. Mas ele não se abala fa-cilmente. O reverendo é gordo perto da es-belteza de Kennedy, além de baixo para a es-tatura elevada do presidente. A educação quereceberam não poderia ter sido mais difer-ente. Mas Martin Luther King Jr. é tãoinstruído, bem-informado e politicamenteastuto quanto JFK. Ele não chegou até aquifazendo concessões a homens brancos.

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King ri da advertência. Kennedy ficaainda mais preocupado.

Mas o Air Force One o espera. Esta seráa primeira visita do presidente à Europadesde a Crise dos Mísseis em Cuba. A situ-ação da Guerra Fria ainda é muito tensa. JFKestará saindo de um atoleiro político e en-trando em outro.

Antes de partir, JFK precisa saber seKing entende o problema. Kennedy enfrentaa postura evasiva do reverendo. Ele usa ocaso de Profumo para explicar a relação po-tencialmente volátil entre sua presidência e acruzada de King.

JFK pode ser vago ao falar, permitindo,com diplomacia, que os ouvintes tirem suaspróprias conclusões. Mas agora ele é inco-modamente direto. Não pode haver mal-en-tendidos: King deve cortar seus laços com oscomunistas e ser cuidadoso quanto às suasinfidelidades.

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– Você deve tomar cuidado para nãoperder sua causa – alerta o presidente. A ad-vertência não poderia ser mais clara. – Seeles o derrubarem, também nos derrubam.Portanto, tenha cuidado.

O presidente dos Estados Unidos deuseu recado. Não há mais tempo. JFK inter-rompe a conversa e corre para tomar o avião.Martin Luther King Jr. tem mais cinco anosde vida pela frente. John Fitzgerald Kennedytem precisamente cinco meses.

* * *

Nesse meio-tempo, tem início a batalhapelo controle da Casa Branca. Enquantocomeça a reunião vespertina na Sala doGabinete, o presidente Kennedy já está acaminho da Europa, levando consigo a maiorparte de seus altos funcionários. Cabe a Lyn-don Johnson e a Bobby Kennedy concluir apauta dos direitos civis de 22 de junho.

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Lyndon Johnson é o centro dasatenções. Na última hora, o presidente ocolocou no comando, temendo um confrontocaso não o fizesse. O vice-presidente estásentado na cadeira presidencial no centro damesa elíptica na Sala do Gabinete. Notávelpor seu apoio para cabeça em meio a um marde cadeiras com encosto alto, essa cadeira é oreconhecido centro de poder. BobbyKennedy está sentado do lado oposto. Vinte enove líderes do Movimento pelos DireitosCivis enchem a pequena sala. Não há cadeir-as suficientes. Muitos são obrigados a ficarem pé junto das paredes. Resta dizer quenunca houve tantos rostos negros na Sala doGabinete.

Para Bobby Kennedy e Lyndon Johnson,esta é a oportunidade ideal para mostrar aospresentes quem é o chefe.

O vice-presidente faz isso por meio deseus discursos, provando para os líderes doMovimento pelos Direitos Civis que ele é um

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aliado. Lyndon Johnson mantém a bocafechada sempre que possível quando o pres-idente conduz uma reunião. É sua forma decontrolar sua paixão por grandes discursos.Mas, agora que está no comando, Johnsonfala sem parar sobre direitos civis, um as-sunto pelo qual se tornou entusiasta desdeseu discurso em St. Augustine. Ele descobriuisso durante outro discurso, sobre o Memori-al Day, no campo de batalha de Gettysburgna Pensilvânia.

Aquele discurso eloquente foi um tri-unfo. Ocorrido no fim de maio, teve o efeitode colocar Johnson em competição com osKennedy pela liderança da questão dosdireitos civis. Ao regressar a Washington,Johnson havia implorado por “quinzeminutos a sós com o presidente”, a fim detirar proveito daquele sucesso. Kennedy con-cedeu. Johnson usou esse tempo para se em-brenhar ainda mais na batalha pelos direitoscivis.

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O discurso prolixo de Lyndon Johnsonna Sala do Gabinete não agrada BobbyKennedy. Os direitos civis são um assuntoseu, e foi, em grande parte, por incentivo seuque JFK se uniu à causa. Bobby quer Lyndonnão só fora dos direitos civis, como fora daCasa Branca. Com o poder político de John-son caindo rapidamente no Sul, os Kennedytalvez não precisem dele na chapa em 1964.Há uma boa chance de eles ganharem naCalifórnia, que, com seus 32 votos eleitorais,mais do que compensa a perda dos 25 votosque Johnson poderia obter com o Texas.Além do mais, há cada vez mais indícios deque Johnson se tornou tão fraco em seu es-tado natal que o Texas estará perdido,mesmo se LBJ permanecer na chapa.

Fala-se inclusive em uma chapaKennedy-Kennedy em 1964.

Portanto, Bobby, sentado de frente paraJohnson na Sala do Gabinete, é destemido –destemido o suficiente para ser rude.

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O procurador-geral faz um sinal com odedo, chamando Louis Martin, o editor deum jornal para negros.

– Tenho um compromisso – ele sus-surra quando Martin se aproxima. – Podepedir ao vice-presidente para ser breve?

Martin fica apavorado. Ele sabe que osdois homens são capazes de grande fúria.Com diplomacia, Martin volta ao seu lugarperto da parede.

Bobby não perde tempo. Ele chamaMartin de novo.

– Eu não falei para você dizer ao vice-presidente calar a boca?

Agora Martin não tem escolha. Ele devea Bobby Kennedy um favor – um grande fa-vor. Quando seu amigo Martin Luther KingJr. foi preso por manifestações em prol dosdireitos civis em 1960, Bobby obteve apoio àcausa de King fazendo um telefonemasolidário à esposa do reverendo, Coretta. Éclaro que aquele telefonema também ajudou

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os Kennedy politicamente, influenciando osnegros a apoiarem JFK.

A sala não é grande o suficiente paraesconder o desconforto de Martin. É óbviopara todos ao redor da mesa que algumacoisa está acontecendo. Lyndon Johnson es-tá falando de seu púlpito na cadeira com oapoio para cabeça, enquanto Bobby chamouMartin duas vezes para o seu lado.

Martin, aos cinquenta anos, inspiratanto respeito e admiração que um dia seráconhecido como “o padrinho da política dosnegros”. Portanto, este que Bobby intimounão é um mero subordinado. É um homemconhecido por todos. E, claramente, oprocurador-geral sussurrou algumas palav-ras ásperas no ouvido de Louis Martin.

Martin manobra com cuidado entre osmuitos corpos e cadeiras. Lyndon Johnsonfinge não perceber – embora seja um homemque percebe tudo.

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Martin é cuidadoso. Seu avanço ao redorda mesa não é rápido, e ninguém tira os ol-hos dele.

Lyndon Johnson está falando como senada de estranho estivesse acontecendo. Éverdade que todos os olhos estão sobre ele –mas só porque Louis Martin finalmente estáde pé atrás dele.

Martin se inclina para a frente e colocaos lábios perto da orelha de Johnson. Emnenhum momento o vice-presidente para defalar.

– Bobby precisa ir embora e quer encer-rar – sussurra Martin.

Johnson vira a cabeça e olha direta-mente nos olhos de Louis Martin. O vice-presidente o encara com frieza, mas não parade falar nem por um instante.

De fato, para irritação de BobbyKennedy, Lyndon Johnson continua falandopor outros quinze minutos.

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Essa batalha pelo controle da CasaBranca não tem relação com os dez dias emque JFK estará na Europa, e sim com o lugarcrucial na chapa para as eleições de 1964. E,embora Lyndon Johnson tenha terminadoseu discurso, a atitude de Bobby fez com quetodos soubessem quem realmente tinha opoder na sala.

Bobby Kennedy está ganhando essaguerra. Quanto mais Lyndon Johnson per-cebe isso, mais doente e deprimido ele fica.Invertendo sua perda de peso anterior, LBJficará obeso no decorrer do verão, em vir-tude de seu abatimento. Seu rosto ficarácheio de manchas, levando alguns a pensar-em que ele começou a beber.

Os irmãos Kennedy destruíram ohomem que um dia se considerou o grandemediador político de Washington D.C.

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Bobby Kennedy foi a força propulsora por trás da nova postura do

presidente com relação aos direitos civis. Aqui, Martin Luther King Jr.

e outros líderes do Movimento pelos Direitos Civis são retratados com

Bobby e o vice-presidente em uma visita oficial à Casa Branca em

1963.

(Cecil Stoughton, Fotografias da Casa Branca, Museu e Biblioteca Pres-

idencial de John F. Kennedy, Boston)

* * *

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Lee Harvey Oswald tem duas paixões noverão de 1963: ler e mentir.

Ele passa o mês de junho trabalhandocomo técnico de manutenção para a ReilyCoffee Company, em Nova Orleans. Oswaldrecebe o auxílio-desemprego mesmo estandoempregado. Ele escreve para a comissão FairPlay for Cuba em Nova York contando o queestá fazendo por eles. Ele imprime cartões devisita com o nome fictício A.J. Hidell em queele consta como presidente da comissão, eaté tenta obter um passaporte falso. Lee Har-vey Oswald se tornou um comunista fervor-oso, com a intenção de cometer mais um atoousado para promover essa causa política.

Os empregadores de Oswald não estãosatisfeitos com seu desempenho no trabalho,reclamando que ele passa muitas horaslendo revistas sobre armas.

Marina vive com ele em outro aparta-mento que ela não suporta. A família dormeem colchões de palha, e todas as noites ela

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borrifa um círculo de repelente no chão paramanter as baratas afastadas. Ela sabe que omarido está tentando obter um visto que lhespermitiria voltar para a União Soviética, em-bora ela não queira ir. De fato, como ele estátentando obter seu próprio visto separada-mente, pareceria que sua intenção é mandarMarina, grávida, e a filha, June, de volta àRússia sem ele.

Lee Harvey Oswald está longe de ser ogrande homem que ele acredita que será umdia. Neste exato momento, ele é um vag-abundo que passa o tempo livre tentandofazer vinho com amoras silvestres, mal semantendo no emprego e tratando a famíliacomo se fosse uma moléstia.

A leitura alimenta sua raiva. Ele devoravários livros por semana. Os assuntos variamde uma biografia do presidente Mao Tse-Tung a romances de James Bond. Então,quando o verão de 1963 chega ao fim dasprimeiras semanas, Oswald escolhe ler sobre

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um assunto que nunca havia exploradoantes: John F. Kennedy.

De fato, Lee Harvey Oswald está tão en-cantado com o best-seller Portrait of a Pres-ident, de William Manchester, que depois dedevolvê-lo à Biblioteca Pública de Nova Or-leans resolve dar uma olhada em Profiles inCourage, de Kennedy.

A coleção de ensaios, que rendeu a JohnKennedy o prêmio Pulitzer em 1957, é sobrea vida e as ações de oito grandes homens.

Mesmo em meio à esqualidez e à de-pressão que definem o verão dos Oswald emNova Orleans, Lee Harvey Oswald lê as pa-lavras cuidadosamente escolhidas de JFK e éinspirado a ter esperanças de que, um dia,ele também mostrará esse tipo de coragem.

* * *

No sétimo dia de sua viagem à Europa,John Kennedy anda em um conversível ao arlivre pelas ruas estreitas e tortuosas de

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Galway, na Irlanda. A multidão está alucin-ada e se amontoa em direção ao Cadillac. Asmuitas curvas fechadas forçam o motoristado presidente a desacelerar o carro e avançarlentamente. Alguns agentes do ServiçoSecreto acreditam que cidades portuáriascomo Galway são ambientes mais perigososdo que as cidades do interior por causa desua numerosa população de imigrantes, mas,como sempre acontece quando o itineráriodo comboio obriga o carro do presidente adesacelerar para uma curva, o cruzamentofoi inspecionado previamente por umaequipe de agentes.

Mas as curvas fechadas não são o únicoperigo: os edifícios ao longo do caminho sãoquase todos de dois andares. A distânciaentre suas janelas superiores e o comboiopresidencial é um terço da distância entre ogeneral Ted Walker e o beco onde Lee Har-vey Oswald se escondeu na noite de 10 de ab-ril de 1963.

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De fato, John F. Kennedy está passandopela zona ideal para um assassinato. Umhomem com uma arma poderia disparar umtiro e fugir em meio à multidão em umaquestão de segundos. E, nitidamente, o pres-idente tem consciência de que algo desse tipopoderia acontecer. Ele vem pensando muitoem mártires nos últimos tempos e passou agostar de citar um verso do poeta irlandêsThomas Davis:

Nós pensamos que você não mor-reria – tínhamos certeza de que vo-cê não partiria; e nos deixa, quandomais precisamos, para o golpe cruelde Cromwell – rebanho sem pastorquando a neve encobre o céu – Ah,por que você nos deixou, Eoghan?Por que você morreu?

Mas hoje o espectro da morte nãoparece importar. É sábado, 29 de junho de1963. Estima-se que cem mil cidadãos

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irlandeses tomam as ruas dessa turbulentacidade portuária na costa Oeste da Irlanda.Seiscentos guardas estão lá para conter asmultidões eufóricas.

Por seu histórico de gestações conturba-das, Jackie Kennedy não acompanhou JFKna viagem à Europa, como havia feito doisanos antes de forma tão memorável. Destavez, John Kennedy tem a adulação das mul-tidões só para si.

Muitos questionaram por que o presid-ente iria à Europa em um momento tão del-icado. O título de um editorial na edição doúltimo domingo do New York Times pergun-tava: “Esta viagem é necessária?”.

“Diante de tantas opiniões contrárias eboas razões para não ir”, continuou o editori-al, “o presidente Kennedy prossegue com suaviagem à Europa no momento maisinapropriado.”

Mas John Kennedy conhece a força deuma boa oportunidade política, e a viagem é

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um tremendo sucesso. Num momento emque a controvérsia em torno dos direitoscivis ameaçou prejudicar seu mandato, aviagem à Europa prova que ele é, semdúvida, o homem mais popular e carismáticodo mundo. Mais de um milhão de alemãessaiu às ruas para acompanhar o comboiopresidencial em Cologne quando JFK chegouà cidade, uma semana atrás. Outros vintemilhões de europeus o assistiram pela tele-visão. E mais um milhão o recebeu em Ber-lim Ocidental. Lá, aos gritos de “Ken-ne-DEE”, ele conquistou a multidão com umdiscurso marcante pró-democracia. “Todosos homens livres, onde quer que vivam, sãocidadãos de Berlim”, disse o presidente. “Eportanto, sendo um homem livre, eu tenhoorgulho de dizer: ‘Ich bin ein Berliner’.”

A multidão foi ao delírio.O discurso de JFK em Berlim foi um

pesadelo para o Serviço Secreto. O presid-ente ficou sozinho e desprotegido em um

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palanque enquanto milhares o observavam.A multidão não foi inspecionada em busca dearmas, e muitos assistiram do alto de um tel-hado ou de uma janela aberta. JohnKennedy, nas palavras de um agente, era um“alvo fácil”. Ou, nas palavras de outroagente: “Tudo o que é preciso é um tirofortuito”.

* * *

Em Moscou, o primeiro-ministro so-viético Nikita Khrushchev, temendo que apopularidade de Kennedy desgastasse oapoio em Berlim Oriental, logo tomou umvoo para a cidade dividida para reafirmar asdemandas do seu país. Ele e Kennedy não seencontraram. De fato, a presença deKhrushchev na cidade mal foi notada por umpúblico ínfimo em comparação com os quereceberam Kennedy, salientando a incrívelpopularidade de JFK e enviando uma

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mensagem clara de que o poder deKhrushchev estava em decadência.

A presença de John F. Kennedy naEuropa afeta até mesmo o arrogante presid-ente francês, Charles de Gaulle. De seupoleiro em Paris, De Gaulle se tornou o man-dachuva da política da Europa Ocidental,mas ele encontrou um páreo duro em JFK,levando um redator do New York Times a seadmirar de que, “pela primeira vez, o presid-ente De Gaulle foi confrontado por um líderocidental cujas ideias sobre o futuro são tãofirmes quanto as suas, cuja confiança no tri-unfo definitivo de suas ideias é igualmentegrande, e alguém que, finalmente, fala emnome da nação mais poderosa nacomunidade”.

Kennedy e De Gaulle não se encon-traram nessa viagem, mas o líder francês ob-serva cada passo do presidente.

* * *

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E então vem a Irlanda.– Se você for à Irlanda – observa o as-

sessor especial Kenny O’Donnell quandoKennedy acrescenta o país em seu itineráriopela Europa – as pessoas dirão que é umaviagem recreativa.

– É exatamente o que eu quero – re-sponde o presidente. – Uma viagem recre-ativa à Irlanda.

Ele foi aclamado em todos os lugarespor onde passou nesta pequena nação insu-lar, recebido como um filho vitoriosovoltando à casa.

A visita a Galway ocorre em seu quartodia no país e, por seu sorriso tranquilo e pelomodo brincalhão com que ele interage comos locais, está claro que as pressões dos as-suntos internos, os problemas internacionaise o nascimento iminente de seu terceiro filhoparecem estar a quilômetros de distância.

Trezentas e vinte crianças do conventode St. Mercy saúdam o helicóptero do

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presidente quando este pousa em um campogramado perto do mar às onze e meia damanhã. Cada uma das crianças está vestidade laranja, verde ou branco e, juntas, elasformam a bandeira irlandesa.

Então ele entra em uma limusine con-versível para o breve percurso até a EyreSquare, no centro da cidade. Em uma casa,Kennedy ordena que o motorista pare, paraque ele possa passar alguns minutos con-versando com a mulher à porta.

O discurso que JFK faz na Eyre Square éo mais pessoal e afetuoso de todo o seu man-dato, remetendo à emotividade do começode sua carreira política em Boston. O presid-ente está completamente à vontade enquantoolha para os milhares que enchem a praça,que um dia será rebatizada em sua hom-enagem. Esta visita não é uma parada decampanha, um jantar para angariar fundosou mesmo uma dessas importantes ocasiõeshistóricas que ele possivelmente marcaria

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com um discurso cheio de seriedade e palav-ras sóbrias.

Esta é a visita de um homem cujo cor-ação foi tocado pelas pessoas de sua terranatal num momento em que ele precisavamuito disso e que espera que suas palavraspossam fazer o mesmo por elas. “Se o dia est-ivesse limpo, e vocês fossem até a baía e ol-hassem para o oeste, se tivessem boa visão,veriam Boston, em Massachusetts”, ele diz àmultidão fascinada.

“E, se pudessem”, continua, “vocês veri-am lá, trabalhando nas docas, algunsDougherty e Flaherty e Ryan e primos seusque foram para Boston e prosperaram.”

E então o presidente pede às pessoasque levantem a mão, perguntando se elastêm algum parente na América. A praça in-stantaneamente se enche de mãos erguidaspara o céu. Sentindo-se identificada, a mul-tidão vibra de alegria e irrompe em aplausos.O presidente é mesmo um deles.

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O impacto é avassalador. As palavras deKennedy atestam a crença no sonho amer-icano. Mas aquelas palavras são mais do queum sonho para essas pessoas. Nenhum filhode imigrante na história do mundo regressouà sua terra natal e desfrutou desse tipo deadulação. Olhar para Kennedy enquanto elecontempla a multidão é uma prova de queuma família pode vir à América sem nada ealgum dia chegar ao nível mais alto. John F.Kennedy, um filho da Irlanda, é hoje ohomem mais poderoso do mundo.

* * *

O que não foi dito é que os imigrantesnegros na América ainda não têm essa opor-tunidade. Mas Kennedy está trabalhandopara isso.

“Se algum dia vocês vierem à América”,encerra o presidente, depois de falar sobre osdias felizes que passou na Irlanda, “venhama Washington. E, quando chegarem, se

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perguntarem quem vocês são, digam quevêm de Galway. Todos saberão e, ao dizerisso, vocês terão ‘Cead Mile Failte’– Cem milboas-vindas”.

“Obrigado e adeus.”Kennedy é conduzido de volta pela cid-

ade até seu helicóptero, apenas 45 minutosdepois de chegar. O amor à terra natal correpor suas veias. No comboio, o presidente nãotem nada a temer dessas pessoas.

Nesse dia, tiram-se milhares de fotos deJFK. Muitas delas continuam penduradasnos bares e lares de Galway.

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7 DE AGOSTO DE 1963OSTERVILLE, MASSACHUSETTSMANHÃ

Desfrutando do verão da Nova Inglaterra,Jackie Kennedy, gravidíssima, reclina sobreuma cerca à altura do peito para assistir aCaroline, de cinco anos, em sua aula deequitação. A primeira-dama e as crianças es-tão passando o verão em uma casa de campoalugada chamada Brambletyde, não muitolonge do complexo residencial da famíliaKennedy em Hyannis Port. Normalmente, afamília do presidente ficaria em sua própriacasa, adjacente à casa principal.

Bobby Kennedy possui uma casa bem aolado da do pai. Há tempos, esse enclave é ooásis da família para planejar campanhas,celebrar casamentos ou simplesmente jogar

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uma partida animada de futebol americanorecreativo. A presença de Kennedy colocouCape Cod, Massachusetts, no mapa.

Tanto que as hordas de turistas agorainvadem a área todo verão. As multidõesruidosas adquiriram o hábito de pisotear ar-bustos e tumultuar o trânsito nas ruas es-treitas em frente à praia em seu desejo deconseguir pôr o olho em JFK e Jackie. A se-gurança da propriedade em Hyannis Porttambém é um pesadelo para o ServiçoSecreto, e é por isso que a família do presid-ente alugou uma residência mais isoladapara o verão de 1963. Jackie e as crianças es-tão lá o tempo todo, e o presidente vem deWashington nos fins de semana.

Brambletyde está escondida por bosquesdensos e só é acessível de carro por uma es-treita estrada de pedra. Tanto por privacid-ade quanto por segurança, alugar a casa fazmuito sentido.

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Há outra razão pela qual Jackie escolheuBrambletyde: ela não quer ninguém da im-prensa tirando fotos de sua gravidez. Aprimeira-dama nem sequer vai à cidade,cabendo a Clint Hill, o encarregado de suasegurança pessoal, trazer os tabloides que elasecretamente ama ler.

Hoje é quarta-feira. Hill tomou o dia defolga. O agente veterano está sempre alertaem sua tarefa de proteger a primeira-dama.Ele trabalha seis dias por semana, às vezesdezesseis horas por dia. Mas agora o agenteespecial Paul Landis está em seu lugar.Landis está perto da pista de equitação,mantendo um olho treinado na primeira-dama, enquanto o agente especial LynnMeredith, encarregado da segurança pessoaldas crianças, está por perto para protegerCaroline.

De repente, Jackie sente uma dor agudano abdômen. E mais uma. Logo, a dor seráconstante.

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– Sr. Landis, eu não me sinto bem – eladiz, pressentindo uma crise. – Acho que émelhor me levar de volta para casa.

– É claro, sra. Kennedy. – Mas não hánenhuma urgência nos movimentos deLandis.

– Já, sr. Landis – Jackie ordena. Hácerta aspereza em sua voz ofegante.

Landis corre para o carro e abre a portatraseira. O rosto de Jackie tem um olhar as-sustado quando ela desaba no banco de trás.A dor vem do útero. O pânico cada vez maioré causado pelas memórias dolorosas de suasduas gestações difíceis que terminaram coma perda dos bebês. Jackie teve um aborto em1955. Sua segunda gravidez resultou, em 23de agosto de 1956, em uma bebezinhanatimorta, a quem ela e o marido batizaramArabella. A perda de um filho é desconcer-tante. A perda de dois, ainda mais. Mas per-der um terceiro bebê, particularmente após

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dar à luz duas crianças saudáveis, seria in-suportável para Jackie.

Assim, embora a primeira-dama esteja aapenas algumas semanas do fim da gestação,ela não descuida de nada quando se trata dobem-estar de seu bebê não nascido.

Caroline fica com o agente Meredith en-quanto Landis dirige a 130 quilômetros porhora pela estrada estreita, ao mesmo tempoem que se comunica por rádio para ter ummédico e um helicóptero de prontidão.

A ansiedade da primeira-dama aumentaquando fica claro que ela está entrando emtrabalho de parto.

– Por favor, vá mais depressa – elapede.

Chegou a hora de ir para o hospital –imediatamente. Se Landis não conseguirchegar a tempo, é bem provável que o agentedo Serviço Secreto seja forçado a encostar ocarro na beira da estrada e ele próprio auxili-ar no parto do bebê do presidente, no banco

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de trás de um sedã do governo. O agenteLandis pisa fundo no acelerador.

* * *

Em Washington, o presidente JohnFitzgerald Kennedy enfrenta outro tipo deproblema. As pesquisas de opinião mostramque sua popularidade no Texas, um estadocrucial, atingiu o menor índice de todos ostempos – e continua a cair. O estado está setornando cada vez mais conservador e re-publicano. Lyndon Johnson perdeu todo opoder político na região. Isso afeta não só oseleitores em potencial, como também o orça-mento. Há tempos, o Texas é uma import-ante fonte de recursos para o financiamentodas campanhas do Partido Democrata,graças aos bolsos cheios dos homens do pet-róleo e de outros grandes empresários. Eantes era possível contar com LBJ para obteresse dinheiro. Mas agora o governador doTexas, John Connally, um democrata

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conservador, é quem controla o dinheiro –nos bastidores, ele não é um grande fã deKennedy.

Aí reside o problema: JFK começou apressionar Johnson para organizar umaviagem ao Texas com o objetivo de levantarfundos. Mas Johnson sabe que uma viagemcomo essa revelará sua falta de influência,tornando óbvio para o presidente que seráConnally quem trará os grandes doadorespara a campanha de Kennedy. Isso deve cor-roer ainda mais qualquer chance de Johnsonpermanecer na chapa.

Para complicar ainda mais as coisas, nãosó LBJ evitou deliberadamente organizaruma viagem do presidente ao Texas como ogovernador Connally também está tentandoevitar que Kennedy vá ao estado. Ambos sãodemocratas, mas o governador sabe quequalquer aparição pública que ele faça comKennedy lhe custará caro com os eleitores doTexas.

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Mas John Kennedy precisa do Texas ede seu dinheiro. Ele está determinado a con-cretizar a viagem.

Este é o problema pairando sobre acabeça do presidente na manhã de 7 deagosto. Em um instante, será esquecidoquase por completo.

* * *

O agente do Serviço Secreto Jerry Behnvai até a mesa de Evelyn Lincoln. São 11h37da manhã.

Discretamente, o agente especial Behninforma à secretária do presidente que Jack-ie está sendo levada de avião ao hospital nabase aérea de Otis, perto de Falmouth, Mas-sachusetts, no limite ocidental de Cape Cod.O agente também diz a Evelyn que aprimeira-dama não quer que o marido sejaincomodado caso as dores do trabalho departo sejam um alarme falso.

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Evelyn Lincoln, sabendo do profundoenvolvimento emocional do presidente nagravidez de Jackie, entra no Salão Ovalmesmo assim.

– Jerry me disse que a sra. Kennedy estáa caminho de Otis – ela diz num tom calmo,repassando a mensagem sem intenção depreocupar o presidente ou os convidadossem necessidade.

Não funciona. A reunião é imediata-mente adiada. Uma série apressada de tele-fonemas confirma que Jackie está sendosedada e prestes a dar à luz o novo filho deKennedy por uma operação cesariana. Opresidente convoca o Air Force One. Masnenhum dos quatro aviões presidenciais estádisponível hoje.

JFK não se importa. Ele exige um avião,qualquer avião, agora mesmo.

* * *

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Uma hora depois, quando o presidentedos Estados Unidos, sua equipe de segurançapessoal e funcionários seletos correm para abase aérea de Otis apinhados dentro de umapequena aeronave JetStar para seis pas-sageiros, Patrick Bouvier Kennedy dá seuprimeiro suspiro. O segundo filho homem dopresidente pesa apenas 2,11 quilos.

Há grande preocupação quanto à respir-ação do bebê. Parece rasa e difícil. O bebêronca ao exalar. Sua pele é azulada, e suaparede torácica é retraída. O recém-nascido éimediatamente colocado em umaincubadora.

O bebê Patrick é designado a um agentedo Serviço Secreto, embora esteja claro que aúnica ameaça direta à vida do recém-nascidovem de seu próprio corpo. Os pulmões estãoentre os últimos órgãos a se desenvolveremno útero, e o jovem Patrick está sofrendo deuma doença da membrana hialina, a forma

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mais comum de morte entre bebêsprematuros.

A primeira-dama ainda está sedadadevido à cesariana e não sabe do problema.Assim que o presidente chega, ele assume ocomando. Ele se reúne com o dr. John Walshpara discutir a situação do filho. O doutor ex-plica que Patrick corre risco de morte. Nomesmo instante, Kennedy chama o capelãoda base para batizar Patrick e assim garantirque seu filho vá para o céu, conforme os en-sinamentos da Igreja Católica.

Então, o dr. Walsh sugere que Patrickseja levado ao Hospital das Crianças em Bo-ston, que tem instalações de última geraçãopara tratar a doença da membrana hialina. Opresidente concorda sem titubear.

Às 5h55 da tarde, enquanto Jackie aindaestá se recuperando da moleza provocadapela sedação, Patrick Bouvier Kennedy écolocado em uma ambulância para a viagemde uma hora até Boston.

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Essa criança é uma carga preciosa.Muito mais do que a Mona Lisa. Como ocor-reu com a obra famosa, Patrick faz o per-curso escoltado por uma equipe de policiaisde Massachusetts. As sirenes apitam quandoa ambulância sai do hospital da Força Aérea.A caravana não para. É preciso salvar a vidado bebê.

* * *

Agora vem a espera. Jackie Kennedypermanece na suíte da maternidade, se recu-perando. Assim, é o presidente quem vai aBoston para ficar de vigília no Hospital dasCrianças. Este é um homem muito diferentedaquele que, em 1956, esperou três diasantes de voltar da Europa para ver a esposadepois que ela abortou. Agora ele olha im-potente para a câmara experimental de altapressão, com menos de dez metros decomprimento, onde o pequeno corpo de seufilho arfa em busca de ar. Patrick pode ser

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visto claramente através das pequenasjanelas da câmara. A unidade de terapia in-tensiva é esvaziada de visitantes sempre queJFK está no andar, o que só aumenta asolidão do presidente.

– Como vão as coisas com o pequenoPatrick? – Evelyn Lincoln pergunta num tomamável. Ela viajou a Boston para ajudar opresidente a administrar os muitos detalhesde seu ofício que ainda precisam de suaatenção.

– Ele tem 50 % de chance – respondeJFK.

– Isso é tudo de que um Kennedy pre-cisa – ela assegura, sabendo que seu chefe delonga data apreciará esse tipo de alento.

Líderes mundiais e bons amigos bom-bardeiam Kennedy com telefonemas emensagens, mas ele nunca deixa de prestaratenção ao filho recém-nascido. O presidentenutre um amor profundo por crianças. Estebebê, concebido logo após a Crise dos

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Mísseis cubana, tem um significado especial.Esta é a criança que nunca teria vindo aomundo se a crise tivesse acabado em umaguerra termonuclear global. Patrick BouvierKennedy, batizado em homenagem ao avôpaterno de JFK e ao pai de Jackie, tem sidouma fonte de orgulho e preocupação desde odia em que a primeira-dama anunciou queestava grávida.

O presidente tem um quarto no Ritz-Carlton com vista para o parque BostonCommon, onde ele se hospeda durante aprimeira noite da vida de Patrick e, inquieto,passa as horas devorando os documentospara um Tratado de Proibição de Testes Nuc-leares. Mas, na segunda noite, ele prefereficar mais perto do filho doente e se muda doluxo do Ritz-Carlton para um quarto vaziono hospital.

Às duas horas da manhã de 9 de agosto,o agente do Serviço Secreto Larry Newman odesperta gentilmente. JFK se levanta em um

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instante e toma o elevador do hospital até aunidade pediátrica no quinto andar, acom-panhado do dr. Walsh e do agente especialNewman. O veterano do Serviço Secreto jáviu muita coisa como parte da equipe de se-gurança pessoal na Casa Branca e conhecemuito bem o temperamento e as questõespessoais do presidente. Newman, que admitenão chorar com facilidade, se viu à beira daslágrimas durante essa provação dolorosa.

Agora o agente especial Newman vê aangústia pesando nos ombros do presidente.O dr. Walsh está informando a JFK que Pat-rick está em estado grave e é improvável quesobreviva até a manhã seguinte. Os pulmõessubdesenvolvidos do bebê não estão funcion-ando de maneira adequada. Ele começou asofrer períodos prolongados de apneia, emque seu corpo se recusa a respirar.

A porta do elevador se abre. O corredoré escuro e vazio a essa hora da manhã. JohnKennedy começa a lenta caminhada até a

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unidade de terapia intensiva para ver o filhomoribundo.

Então o presidente ouve o som de risadade crianças. Curioso, JFK enfia a cabeça nasala de onde vem o som. Duas garotinhas es-tão sentadas na cama. Elas são pequenas,apenas três ou quatro anos de idade. Ambastêm bandagens cobrindo grandes partes docorpo.

– O que elas têm? – ele pergunta ao dr.Walsh.

– São vítimas de queimadura – explica omédico, e acrescenta que uma das meninastalvez perca a capacidade de usar as mãos.

O presidente vasculha os bolsos à pro-cura de uma caneta, mas não encontra. Issonão é atípico. A única coisa que ele carreganos bolsos é um lenço.

O agente especial Newman e o dr. Walshlhe oferecem uma caneta. Uma enfermeira,percebendo que o presidente não tem nen-hum papel, encontra uma folha na sala de

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enfermagem. Então JFK escreve um bilheteàs crianças, dizendo a elas para que sejamcorajosas, deixando que saibam que o pres-idente dos Estados Unidos se importa comseu bem-estar. A enfermeira lhe garante queentregará o bilhete aos pais. “Nada jamais foidito sobre isso”, Newman se lembrará maistarde. “Ele simplesmente continuou a fazer oque tinha de fazer – ver o filho. Isso era parteda dicotomia do homem – o diamantebruto.”

Patrick Bouvier Kennedy morre apenasduas horas depois.

– Era um bebê tão bonito – lamenta opresidente para seu assistente Dave Powers.– Ele enfrentou uma tremenda batalha.

Kennedy está segurando a mão dopequeno Patrick quando o bebê dá seu úl-timo suspiro. Quando o presidente assimilaesse momento terrível, ele está bem ciente deque seu luto não é mantido na intimidade. Asenfermeiras, os médicos e seus próprios

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funcionários estão observando para vercomo ele lida com essa situação dolorosa.Lentamente, JFK deixa a sala e caminha pelocorredor do hospital, guardando sua dorpara si mesmo.

* * *

No mundo lá fora, há tantas coisasacontecendo. Um filme sobre o velho barcode Kennedy, o TP-109, é um grande sucessono verão, lustrando ainda mais a imagemheroica do presidente. A situação política noTexas é uma confusão cada vez maior que opróprio presidente tentará solucionar visit-ando o estado daqui a alguns meses. Em Ch-icago, o gângster Sam Giancana jura re-vanche contra os irmãos Kennedy poraumentarem a vigilância sobre seu supostocomportamento criminoso. A 150 quilômet-ros da Flórida, Fidel Castro está furioso comas atividades secretas americanas em Cuba.Na capital do país, Martin Luther King Jr.

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está prestes a conduzir centenas de milharesde manifestantes em prol dos direitos civisao Passeio de Washington. No Vietnã, odéspota católico Diem, fumando um cigarroapós o outro, está fora de controle. E, final-mente, em Nova Orleans, um imprestávelchamado Lee Harvey Oswald está preso pordistribuir literatura comunista, levando oFBI a reabrir as investigações sobre sua con-duta. Mas, agora, nada disso importa paraJohn Fitzgerald Kennedy.

O filho do presidente morreu. Ele viveuapenas 39 horas. A tristeza é tanta que équase insuportável.

JFK toma o elevador de volta ao quartoem que estava dormindo. Lá, ele se senta nacama, abaixa a cabeça e chora. “Ele só chor-ou e chorou e chorou”, Dave Powers re-cordará mais tarde.

* * *

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Cem quilômetros ao sul, Jackie tambémé tomada por uma tristeza agonizante. A im-prensa pulula do lado de fora do hospital nabase aérea de Otis. Algumas horas depois, opresidente chega para ficar com a esposa.

Mesmo em meio a sua dor incrível, aprimeira-dama é capaz de perceber o quantoo marido também está sofrendo. Amavel-mente, ela lembra-o que eles ainda têm umao outro, e também a John e Caroline.

– O único golpe que eu não poderiasuportar – Jackie diz a JFK – seria perdervocê.

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28 DE AGOSTO DE 1963WASHINGTON D.C.TARDE

“Há cem anos, um grande americano, cujasombra simbólica hoje paira sobre nós,assinou a Proclamação da Emancipação”,começa Martin Luther King Jr. Suas palavrasseguem um roteiro. Seus maneirismos sãoatipicamente formais, como condiz com umhomem falando diante de uma audiência tãogrande pela primeira vez.

A icônica estátua de mármore branco deAbraham Lincoln, esculpida por DanielChester French, agiganta-se sobre o ombrode King. Um dos punhos de Lincoln forma osinal da letra A; o outro exibe a letra L. Osombros do Emancipador estão curvados, esua cabeça está um pouco abaixada, como se

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ele ainda carregasse o grande fardo de serpresidente. Passaram-se cem anos desde queLincoln libertou os escravos, e agora King es-tá dizendo a uma multidão de centenas demilhares que os negros americanos aindanão são livres.

A multidão está em silêncio quando elecomeça a falar. Ele pode ouvir sua in-quietação. Os aplausos – quando há – sãodiscretos e educados. King recorda que aAmérica continua sendo uma nação se-gregada, cem anos depois de os escravos ter-em sido libertados. É uma ideia poderosa,mas o tom prosaico com que ele diz isso fazas palavras perderem seu verdadeiroimpacto.

King continua falando, o sistema de somcarregando sua voz pelo Passeio Nacional eas câmeras de televisão transportando voz eimagem aos lares de todo o país.

John Kennedy é considerado um grandeorador, em virtude das palavras e frases

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cuidadosamente escolhidas de seus dis-cursos, assim como Martin Luther King.Mas, em seus melhores dias, o reverendoKing leva sua oração a um patamar aindamais elevado que Kennedy, usando as téc-nicas que aprendeu nas incontáveis manhãsde domingo falando do púlpito: trovoada esussurro conforme sua voz sobe e desce, oritmo inconstante conforme o reverendoacelera e desacelera para manter o ouvinteatento a cada palavra, o prolongamento ou oencurtamento de sílabas para chamar aatenção para um certo ponto. King, em par-ticular, gosta de acentuar a letra t quandodeseja enfatizar algo.

Normalmente, a fala de King édestemida e segura, transformando palavrasde extrema fúria em uma prece cheia deesperança.

Mas hoje seu discurso é morno. As síla-bas longas e as palavras preparadas nãosoam diferentes das de nenhum dos outros

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oradores do dia. Martin Luther King Jr., ver-dade seja dita, é maçante.

Ele fala sobre pobreza e sobre o fato deque a América separa os negros dos brancos.Hoje faz oito anos que Emmett Till foi assas-sinado. As palavras de King atestam quepouco mudou desde então.

Muitos na multidão viajaram centenasde quilômetros para estar aqui hoje. Negrose brancos. O dia foi longo, horas e horas dediscursos – muitos dos quais foram abso-lutamente entediantes.

Mas Martin Luther King Jr. é o homemque eles esperavam ouvir. E a fadiga e o calore a claustrofobia, tudo isso é esquecido à me-dida que essas 250 mil pessoas se esforçampara ouvir cada uma de suas palavras. Elasvieram pela causa dos direitos civis, mastambém para ouvir o grande orador definireste dia. Enquanto escutam o discurso, a vozmelíflua de King se propagando por sobre osespelhos d’água entre o Memorial de Lincoln

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e o Monumento de Washington, os ouvintessabem, lá no fundo, que King os conduzirá àgrandeza.

Esta é sua expectativa: que antes de odiscurso terminar, Martin Luther King Jr.diga alguma coisa tão marcante que este diajamais será esquecido. A multidão escuta at-entamente, mas o discurso de King já passados nove minutos e ele não disse quase nadaque os entusiasmasse.

Dois minutos depois, tudo isso muda.

* * *

Enquanto isso, na Casa Branca, JohnKennedy assiste ao discurso de King pelatelevisão. Faz exatamente três semanasdesde que Jackie entrou em trabalho departo com o bebê Patrick. Ela vive sua dorem reclusão em Cape Cod, seu sorriso fácilsubstituído por um olhar solene de tristeza,seus olhos escondidos detrás de grandes ócu-los escuros. O presidente tem ficado atento e

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sai de Washington sempre que possível paraestar com ela.

Mas hoje, uma quarta-feira, é um dia emque ele realmente precisa estar em Washing-ton. Bobby Kennedy e seu irmão Teddy, onovo senador por Massachusetts, unem-se aJFK quando King começa a falar.

O procurador-geral é um grande de-fensor do Movimento pelos Direitos Civis,mas sua relação com o reverendo King étensa. Isso se deve, em parte, ao fato de queele escutou as gravações telefônicas de Kingobtidas por J. Edgar Hoover, e em parteporque Bobby está tentando proteger opresidente.

Desde que King anunciou a Marchasobre Washington há três meses, foi Bobbyquem, relutante, passou a organizador doevento. Ele sabe que a incursão de JFK pelosdireitos civis irá fracassar se o comício noMemorial de Lincoln se tornar hostil ou at-rair pouca participação. Portanto, o

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procurador-geral, trabalhando em conjuntocom seus funcionários no Departamento deJustiça, tratou de dar forma à marcha paraque se pudesse controlá-la facilmente. Eleprovidenciou para que o Memorial de Lin-coln fosse o lugar onde King faria o discurso,porque está delimitado de um lado pelo rioPotomac e do outro pela Tidal Basin. Issotornaria mais fácil controlar a multidão nocaso de um tumulto, e também manteria osmanifestantes longe do Capitólio e da CasaBranca.

Bobby também se assegurou de que oscães policiais de Washington não estariampresentes, porque isso faria as pessoas selembrarem de Bull Connor e de Birmingham.Ele cuidou para que todos os bares e lojas debebidas estivessem fechados no dia, quehouvesse banheiros químicos disponíveis demodo a evitar o temor do irmão de as pess-oas urinarem em lugares públicos, e de quehouvesse tropas de prontidão nas bases

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militares próximas para o caso de a multidãose revoltar. Para não dar a impressão de queo Movimento pelos Direitos Civis era apoi-ado unicamente por negros, Bobby trabalhoucom o Sindicato de Trabalhadores daIndústria Automotiva para encorajar a parti-cipação de seus membros brancos. E ele atéprovidenciou que um assistente se posi-cionasse abaixo da plataforma do oradorcom uma cópia de “He’s Got the WholeWorld (in His Hands)”, na voz de MahaliaJackson, e a colocasse para tocar no sistemade som no instante em que um dos oradoresdo dia dissesse algo incitante ouantiamericano.

Não se pode fazer nada que prejudique aimagem da Casa Branca ou seu apoio tardioaos direitos civis.

E tudo isso para apoiar Martin LutherKing Jr., a respeito de quem Bobby fez oácido comentário na noite anterior: “Ele nãoé uma pessoa séria. Se o país soubesse o que

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sabemos sobre as atitudes de King, ele estar-ia acabado.”

Assim como os Kennedy estariamacabados se o país soubesse das atitudes dopresidente.

Tanto é que o presidente e seus irmãosassistem ao discurso de King com muito in-teresse, rezando para que seu improvável ali-ado político cumpra a promessa de umagrande Marcha sobre Washington.

* * *

“Não podemos estar satisfeitos en-quanto um negro no Mississippi não pudervotar e um negro em Nova York acreditarque não tem motivos para votar”, pregaMartin Luther King Jr. – e isso é exatamenteo que ele está fazendo agora, prestes a seafastar de seu discurso preparado para citaruma passagem do livro de Amós, do VelhoTestamento.

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A ansiedade de King é tanta que, muitasvezes, ele tem fortes dores de estômago antesde um grande evento. Mas agora essenervosismo se foi. Sua voz começa a se elev-ar. Suas sílabas longas se tornam staccato.Ele enfatiza a letra t da palavra gueto.

Olhando para o Passeio Nacional, Kingpode ver que o cansaço daquelas centenas demilhares de pessoas escutando seu discursodesapareceu. Sua voz se eleva. Até agora, elefalou em parágrafos, mas, à medida que aspalavras começam a fluir, aqueles parágrafosse transformam em frases simples eimpactantes.

Martin Luther King Jr. encontrou seuritmo.

A monotonia se foi. O tom prosaico emsua fala também. Ele agora está de pé no púl-pito, um pastor exortando seu rebanho. Avoz de King resplandece.

E então, pela primeira vez, ele profere afrase que virá a definir este dia para sempre:

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“Eu tenho um sonho!”, King proclama.Agora Martin Luther King é dono da

multidão. Todo o Passeio Nacional vai aodelírio.

E então ele lhes conta sobre esse sonho.King descreve um paraíso terreno em quenegros e brancos não estão divididos. Elesonha que até mesmo um estado sulista hos-til como o Mississippi conhecerá taismaravilhas.

Nesse momento, o sonho de King é umagrande fantasia na América. Mas ele estácolocando em palavras o objetivo final doMovimento pelos Direitos Civis. E, para aspessoas na multidão, ouvir isso sendo afirm-ado de maneira tão clara e poderosa os enchede emoção e orgulho. Negros e brancos, to-dos prestam atenção a cada palavra de King.Em um discurso que dura apenas dezesseisminutos, King provou que hoje é, como eleesperava, o grande dia para os direitos civisna história americana.

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Quando King se aproxima do grande fi-nal, ele está gritando no microfone, e gotasde saliva espirram de sua boca. A imagem deLincoln olhando por cima de seu ombro éprofundamente comovedora quando King in-voca o espírito da Proclamação da Eman-cipação. Está claro para todos os que per-manecem no Passeio Nacional que Kingplaneja terminar o que Lincoln começou hátanto tempo, e que os dois homens – di-vididos por um século de injustiça racial –estarão, desse dia em diante, unidos parasempre na história.

“‘Liberdade, finalmente! Liberdade, fi-nalmente!’”, ele cita um canto religiosonegro, “‘Agradeço a Deus, Todo Poderoso,nós finalmente somos livres’.”

Enquanto a multidão no Passeio Na-cional irrompe em aplausos, sabendo queacabou de presenciar um momento signific-ativo na história da nação, John Kennedyvira para Bobby e avalia o que acabou de ver:

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– Ele é impressionante!

* * *

Uma hora depois, Martin Luther KingJr., exultante, encontra John Kennedy noSalão Oval. Há outras onze pessoaspresentes, entre as quais Lyndon Johnson,de modo que a visita não é uma reunião decúpula entre o presidente dos Estados Un-idos e o homem mais influente do Movi-mento pelos Direitos Civis. Mas Kennedytrata de fazer com que King saiba que ele es-tá prestando atenção aos acontecimentos dodia.

– Eu tenho um sonho – ele diz a King,com um aceno de cabeça para mostrar queaprovou o discurso e que, por enquanto,deixou de lado seus temores com relação aKing.

* * *

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Mas a Marcha sobre Washington nãomuda a batalha racial acontecendo no Sul dopaís. Às 10h22 da manhã do dia 15 de setem-bro de 1963, menos de três semanas depoisde os americanos terem escutado o sonho deMartin Luther King Jr. sobre meninas emeninos negros de mãos dadas com meninase meninos brancos no Alabama, 26 criançasnegras são levadas ao porão da Igreja Batistada Sixteenth Street para a missa da manhãde domingo. Elas estão prestes a ouvir umsermão infantil sobre “o amor que perdoa”.

A Igreja Batista da Sixteenth Street é amesma congregação que lançou a Cruzadadas Crianças em Birmingham em maio de1963. Fica bem em frente o parque onde oscães policiais de Bull Connor atacaram cri-anças e adolescentes negros inocentes, e at-raiu um ódio especial dos grupos defensoresda supremacia branca que continuam lut-ando para impedir a integração racial emBirmingham.

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As crianças presentes na igreja nessamanhã de domingo não têm como saber quequatro membros do Ku Klux Klan colocaramuma caixa de dinamite perto do porão. Port-anto, a explosão que destrói a calma espiritu-al da missa é totalmente inesperada. A forçada dinamite é tão grande que não só destróio porão, como também explode a parede dosfundos da igreja e estilhaça todos os vitraisda edificação – exceto um. Esse único vitralsobrevivente contém uma imagem de JesusCristo pregando para um grupo decriancinhas.

A janela é simbólica em certo sentido,porque quase todas as crianças no porãonessa manhã de domingo sobrevivem à ter-rível tragédia. Quatro delas – Addie MaeCollins, Cynthia Wesley, Carole Robertson eDenise McNair – morrem.

O sonho delas chegou ao fim.

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2 DE SETEMBRO DE 1963HYANNIS PORT, MASSACHUSETTSMEIO-DIA

“Ó, Deus”, diz uma pequena placa dada aopresidente, “o mar é tão grande e meu barcoé tão pequeno” .

Neste Dia do Trabalho, John Kennedyvê um pequeno barco balançando à distânciaquando tira seus óculos escuros AmericanOptical Saratoga e se acomoda em uma ca-deira de vime na grama do pátio de frentepara a praia em Brambletyde. Sentado bemna frente do presidente, o jornalista da CBSWalter Cronkite faz o mesmo, preparando-separa uma das maiores entrevistas para TV dasua vida. Hoje, o assunto são as águas turbu-lentas em que o presidente dos Estados Un-idos navega. Ambos usam ternos escuros,

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mesmo com o sol de setembro batendo emcheio sobre eles. Cronkite cruza as pernas, eas de Kennedy estão esticadas à frente. Ovento bagunça o cabelo cuidadosamentepenteado de JFK, obrigando-o, de temposem tempos, a levantar a mão distraído paraarrumá-lo. Cronkite, encalvecendo, não temesse problema.

Aos 46 anos, quase a mesma idade deKennedy, Walter Cronkite é considerado omais importante jornalista de televisão dopaís. Ele e o presidente têm uma boa relação,e JFK está tão confortável que reclina na ca-deira almofadada durante partes da entrev-ista, como faz quando está pensando em umproblema difícil no Salão Oval.

Os dois homens fazem brincadeiras oca-sionais enquanto os microfones são instala-dos em suas roupas, e então se sentamcalmamente um de frente para o outro dur-ante a contagem regressiva de dez segundos

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para a filmagem. Cronkite identifica um sinalfora da câmera, e a entrevista começa.

O locutor dirige suas perguntas a JFKalternando entre um tom elevado debarítono e uma fala arrastada e suave. Seuestilo de entrevistar é afável e até mesmocálido, não importa o quão ásperas sejam asindagações. Em virtude disso, Kennedy con-tinua completamente à vontade. A entrevistaparece uma conversa entre dois amigos beminformados sobre a política americana. E,verdade seja dita, isso não dista muito damentalidade de Cronkite. Ele é um demo-crata devoto, embora consiga ocultar essefato dos espectadores.

– Você acha que vai perder algum es-tado no Sul em 1964? – Cronkite pergunta.

– Bem, eu perdi alguns em 1960, entãosuponho que vá perder algum, talvez mais deum, em 1964 – Kennedy sorri tristemente,forçado a revelar uma dolorosa debilidadepolítica. Cronkite está contando aos

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americanos um segredo só conhecido pelospesquisadores de opinião pública e porpolíticos veteranos. – Eu não sei. É cedo de-mais para dizer, mas eu diria que... bem, nãotenho certeza de que sou a figura mais popu-lar no Sul hoje em dia. Mas está tudo certo.Acho que vamos ter de esperar para ver da-qui a um ano e meio...

Agora, há um espírito competitivo nosolhos do presidente. Só de falar sobre a próx-ima eleição ele fica entusiasmado. JFK ama aemoção da batalha política. E ama ser pres-idente. Ele é viciado em adrenalina,saboreando a euforia de disputar o poder.

Cronkite pressiona o presidente.– Quais você acredita que seriam as di-

ficuldades em 1964?– Bem, é claro, no exterior seria a segur-

ança dos Estados Unidos. Nosso esforço paramanter essa segurança. Preservar a causa daliberdade. Em casa, acho que é a economia.

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Empregos. Oportunidade para todos osamericanos.

O presidente, sem consultar anotações,declama uma longa lista de estatísticas. Eledefende a redução de impostos, para evitaruma recessão, diz, e corrobora isso com es-pecificações financeiras detalhadas sobrecomo reduzir a carga tributária poderia es-timular a economia.

Cronkite finalmente aborda o assuntodelicado do Vietnã. A cada dia que passa, osamericanos ficam mais preocupados com oenvolvimento dos Estados Unidos nessanação conturbada. A tão noticiada opressãoaos budistas fez alguns americanos esquecer-em que o comunismo é a principal razão pelaqual as tropas estão no Vietnã. Há cada vezmais clamores para que a América saia dosudeste asiático e deixe os vietnamitas trav-arem sua própria guerra.

– Todos disseram que o governo usariaa diplomacia no Vietnã – começa Cronkite,

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enfatizando o ã da segunda sílaba –, o quepresumi que vínhamos tentando o tempo to-do. O que podemos fazer nessa situação queparece ser similar a outras tentativas fracas-sadas de lidar com governos impopulares?

Cronkite tem uma presença reconfort-ante diante da câmera que costuma inspirara confiança dos espectadores. O presidentesabe que convencer esse jornalista de suasvisões sobre o Vietnã é o mesmo que conven-cer os eleitores assistindo em casa.

– A guerra está indo melhor – começaJFK. – Mas isso não significa que os aconte-cimentos dos dois últimos meses não sejamnefastos. Eu não acredito que se não houvermais esforço por parte do governo seja pos-sível ganhar essa guerra. No fim das contas,a guerra é deles. São eles que têm de ganharou perder.

O presidente se abstém de dizer que astropas americanas devem ser removidas,apesar do fato de que dezenas de americanos

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já foram mortos travando as batalhas deoutro país. Ele expressa sua preocupação deque, se o Vietnã sucumbir aos comunistas, oresto da Ásia também o fará. JFK lista ospaíses que serão abatidos, começando com aTailândia e seguindo até a Índia.

– Estamos em uma luta desesperadacontra o comunismo – ele insiste –, e nãoquero que a Ásia passe para o controle doschineses.

A voz de Kennedy se intensifica,mostrando seu desprezo por Diem, o presid-ente do Vietnã, e pelos inimigos que espal-hariam o comunismo pelo mundo. Este não éo John Kennedy que alguns consideram umjovem agradável que foi eleito graças à boaaparência e ao dinheiro do pai. JFK se trans-formou em um verdadeiro líder mundial. Elecombina disciplina com uma poderosa éticado trabalho, conhecimento, coragem ecompaixão.

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A entrevista termina depois de vinteminutos. Em seguida, o presidente tira osóculos escuros do bolso do paletó e os colocade volta. Ele e Cronkite trocam algumas pa-lavras sobre o custo de produzir um pro-grama de TV de meia hora, mas sua atençãologo se volta para um pequeno veleiro quedesliza preguiçosamente pela água. É umponto num oceano que se estende pelo hori-zonte até o infinito. Ambos os homens sãovelejadores, fascinados pela água.

O clima na baía é calmo. A turbulêncianão está muito longe. A entrevista fluiu demaneira impecável. O presidente agora poderelaxar com a família durante o resto datarde, desfrutando de um momento de pazem meio a toda a tristeza e comoção do mêsanterior.

Kennedy e Cronkite mudam a conversapara veleiros, até que é hora de retirar os mi-crofones. Em Brambletyde, a apenas algunsmetros dali, Jackie Kennedy, de luto, se

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esconde das câmeras – e do mundo. O pres-idente vem passando mais tempo não só comJackie, mas também com Caroline e John,nadando no mar, permitindo que eles viajemno helicóptero presidencial e assistindo àsaulas de equitação de Caroline. Ele encorajaa esposa a fingir para a mídia que está tudobem, mas ela simplesmente não está pronta.

Jackie logo interromperá a reclusão queimpôs a si mesma. Ela decidiu passar algu-mas semanas na Grécia com a irmã, LeeRadziwill, para aliviar a dor. A mera per-spectiva dessa viagem, que só ocorrerá daquia um mês, traz um raro sorriso ao rosto daprimeira-dama.

* * *

Walter Cronkite e John Kennedy se des-pedem. E nesta tarde perfeita de Dia do Tra-balho, com o vento soprando do Atlântico e osol aquecendo seus rostos, nenhum dos doishomens pode saber que será Cronkite quem

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aparecerá em cadeia nacional daqui a apenasdoze semanas para fazer uma declaração quechocará o mundo.

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25 DE SETEMBRO DE 1963BILLINGS, MONTANAFIM DA TARDE

Os dias 21 e 22 de novembro estão seaproximando.

Essas datas estão na memória de JohnF. Kennedy quando ele está na pista de rode-io no centro de exposições do condado deYellowstone, dirigindo-se a uma grande mul-tidão. Billings, Montana, tem apenas 53 milhabitantes, e a impressão é de que cada umde seus cidadãos veio receber o presidente.Uma banda marcial confere ainda maispompa ao evento.

“O potencial deste país é ilimitado”,Kennedy começa, e é quase como se ele est-ivesse falando sobre si mesmo. Só nos últi-mos cinco dias, ele ajudou os agricultores de

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Montana, aprovando uma grande venda detrigo para a União Soviética, intermediouuma proibição global ao teste de armas nuc-leares, reduziu as alíquotas do imposto derenda e até esteve diante da assembleia geraldas Nações Unidas prometendo enviar ho-mens à Lua. O discurso de JFK naquele diafoi tão marcante que até os soviéticosaplaudiram. Agora, em Billings, a luz do solestá diminuindo, mas ainda aquece en-quanto o presidente fala na arena de terra aoar livre, as Rocky Mountains grandiosas aofundo. O dia tem cheiro de outono. O casacoe a gravata de Kennedy parecem excessiva-mente formais em comparação com os jeanse as botas de vaqueiro que a maioria dopúblico está vestindo, e seu sotaque de Bo-ston é quase dissonante neste icônico cenáriono Oeste do país. E quando Kennedy falasobre as maravilhas do Oeste americano, elecita Henry David Thoreau – um homem de

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Massachusetts que nunca atravessou oMississippi.

Mas os bons cidadãos de Montana nãose importam nem um pouco. Eles prestamatenção a cada palavra do presidente, emo-cionados que John Fitzgerald Kennedy tenhavindo à sua cidade como parte de sua turnêpor onze estados do Oeste. O objetivo dopresidente é conseguir apoio para sua próx-ima campanha. Em 1960, Nevada foi o únicoestado do Oeste onde Kennedy ganhou. Elenão só perdeu Montana e seus quatro votoseleitorais, como o condado de Yellowstonevotou contra JFK em uma proporção de 60% para 38 %.

Mas isso foi há três anos.Hoje, o presidente foi cercado pela mul-

tidão quando o Air Force One aterrissou noaeroporto de Billings. Homens e mulheres detodas as idades se aglomeravam para apertarsua mão. Kennedy, para desespero dosguarda-costas do Serviço Secreto, colocou a

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vida em risco ao se embrenhar na multidãocom entusiasmo. Ele sabia que nada faria es-sas pessoas mais felizes do que ir para casaesta noite e dizer que haviam tocado o pres-idente. Milhares seguiram o comboio até ocentro de exposições, incluindo homens acavalo.

Parecia que JFK poderia ganharMontana se a eleição acontecesse amanhã. Eo sucesso no Oeste é uma parte fundamentalda estratégia de reeleição de Kennedy. Umavitória no Texas, por exemplo, quasegarantiria sua vitória em 1964.

E, por isso, o assessor especial KennyO’Donnell escolheu os dias 21 e 22 denovembro como as datas prováveis da tão es-perada viagem de Kennedy ao Texas para le-vantar fundos para a campanha.

O presidente prevê uma grande turnêpelo estado, com paradas em cinco cidadesimportantes: San Antonio, Fort Worth, Dal-las, Houston e Austin. O governador do

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Texas, John Connally, o democrata conser-vador que vem mantendo uma discreta dis-tância política do presidente, é secretamentea favor de um itinerário menos ambicioso.Dallas, por exemplo, não é território deKennedy. É uma cidade onde se veem ad-esivos de para-choque com a frase “K.O. theKennedys” [Fora os Kennedy]. E jogos sobre“qual dos Kennedy você mais odeia?” sãolugar-comum. As crianças vaiam o nome dopresidente nas salas de aula, e um cartaz deKennedy popular na região, concebido paraparecer uma ficha policial, contém osdizeres: “Procurado por traição. Este homemé procurado por atividades desleais contra osEstados Unidos”.

Ainda mais nefastas são as piadas pró-assassinato – uma situação ainda maisproblemática considerando-se o elevado ín-dice de homicídio em Dallas. Mais assassin-atos são cometidos no Texas do que emqualquer outro estado, e ocorrem mais

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homicídios em Dallas do que em qualqueroutra cidade do Texas. O estado não regulanem registra as armas de fogo, e 72 % dos as-sassinatos são por tiros.

Não há dúvida de que a visita de John F.Kennedy à “capital do ódio”, como Dallas erachamada, é cheia de complicações.

Na próxima semana, o presidente dis-cutirá com John Connally, na Casa Branca,essa questão e outros detalhes da viagem.Em mais uma confirmação de que LyndonJohnson não tem lugar nos planos futuros deJohn Kennedy, o vice-presidente não foi con-vidado para a reunião e nem sequer inform-ado a respeito.

Uma estatística sobre a viagem ao Texasé a mais gritante de todas: mais de 62 % doseleitores de Dallas rejeitaram John Kennedyem 1960.

Mas JFK adora um desafio. Se Billings,Montana, pode ser conquistada, por que nãoDallas?

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* * *

Enquanto isso, no exato momento emque o presidente Kennedy está falando emMontana, Lee Harvey Oswald já está a cam-inho do Texas – e além. Vestindo uma calçacasual e uma jaqueta com zíper, Oswald viajano ônibus 5121 da Continental Trailways comdestino a Houston. De lá, ele tomará outroônibus para a Cidade do México, ao sul. Aocontrário das forças americanas (que in-cluíam o jovem Ulysses S. Grant e Robert E.Lee), que levaram um ano para concluir opercurso em 1846 durante a guerra entre oMéxico e os Estados Unidos, Oswald fará aviagem em apenas um dia.

Oswald está viajando como alguém quejamais voltará. Ele não tem casa, porqueacabou de abandonar seu esquálido aparta-mento em Nova Orleans. Quando a propri-etária veio cobrar os dezessete dólares dealuguel atrasado, Oswald a dispensou com

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uma mentira e logo depois desapareceu nacalada da noite.

A soma de todas as posses de Oswaldagora está dividida entre sua carteira e asduas malas de roupas armazenadas no ba-gageiro do ônibus.

Quanto à família, Oswald já não temmais. Há dois dias, ele mandou Marina,grávida de oito meses, e June, sua filha dedezenove meses, para morar com RuthPaine, uma amiga de Marina, nos arredoresde Dallas. Marina, sem saber, foi um títerenas mãos de Oswald durante os últimosmeses; sua cidadania soviética era funda-mental para o objetivo do marido de retornarà União Soviética. Não está claro se ela sabeque ele está viajando para o México – ou queele teve de deixar o país.

Mas Oswald bolou um novo plano bril-hante – que não requer Marina. Então, assimcomo abandonou o apartamento, agora eletambém abandona a família. Cada

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quilômetro que o ônibus percorre pelosbosques de pinheiros e pelas terras pantano-sas da via costeira do Texas coloca Lee Har-vey Oswald um quilômetro mais longe dasalgemas de seu casamento tumultuoso eamargo.

Por enquanto, Oswald abandonou seuplano de voltar à União Soviética. Em vezdisso, ele sonha em viver em Cuba, o paraísotropical dos trabalhadores. Mas, nos EstadosUnidos, é impossível obter um visto para ir aCuba porque os dois países cortaram re-lações diplomáticas. Por isso, Oswald está to-mando o ônibus para a Cidade do México, afim de visitar a embaixada cubana lá.

Lee Harvey Oswald nunca se encaixa,não importa aonde vá. Ele não é um páriaporque isso significaria ser aceito em umgrupo para então ser rejeitado. Em vez disso,ele é algo muito mais imprevisível – e maisperigoso: é um membro paralelo da so-ciedade, um lobo solitário extremamente

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suscetível, atuando no seu próprio ritmo esegundo suas próprias regras, sempre à pro-cura daquele lugar onde ele possa se ent-rincheirar, daquela identidade que lhe per-mita ser o grande homem que ele tantodeseja ser. Oswald acredita que Cuba é olugar. E, em sua cabeça, ele fez muitas coisaspara impressionar o ditador cubano, FidelCastro. A época de Oswald em Nova Orleansdistribuindo panfletos para a comissão Fair-play for Cuba foi sua maneira de demonstrarlealdade a Fidel. Marina Oswald mais tardedirá que Lee Harvey planejou até mesmo se-questrar um avião que o levaria direto aHavana.

Às duas da manhã de 26 de setembro,Lee Harvey Oswald troca de ônibus em Hou-ston, passando ao 5133 da Continental Trail-ways. Um dia depois, ele chega à Cidade doMéxico. Durante toda a jornada ele é conver-sador – prepotente, até –, desesperado paraimpressionar os demais passageiros. Ele os

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entretém com histórias de sua época na Un-ião Soviética e seu trabalho com a comissãoFairplay for Cuba. Ele inclusive faz questãode lhes mostrar os carimbos soviéticos emseu passaporte. Sempre que o ônibus fazuma parada para uma refeição, Oswald,magérrimo, devora pratos da cozinha mexic-ana. Ele não fala espanhol, que precisaráaprender para sua nova vida em Cuba.Então, por enquanto, escolhe a comidacolocando um dedo aleatoriamente sobre umitem do cardápio e esperando ter sorte.

Na carteira, Oswald carrega quaseduzentos dólares, um visto de turismo mex-icano que lhe permite uma viagem de quinzedias ao país e dois passaportes – um da épo-ca em que vivia na União Soviética e o outronovo, recém-emitido pelo governo dos Esta-dos Unidos. Em sua bolsa esportiva azul,Oswald enfiou um dicionário inglês-espan-hol, notícias recortadas de jornal que provamque ele foi preso enquanto atuava como

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agitador político em nome de Cuba, sua per-missão de trabalho em russo, de sua épocaem Minsk, e prova de seu casamento comuma cidadã soviética. Ele também carregaum caderno contendo anotações nas quaisexplica que fala russo e que é um amigo de-voto do Partido Comunista.

Como todos os verdadeiros comunistas,Lee Harvey Oswald é um ateu declarado, eportanto não reza para que sua viagem sejaum sucesso. Em vez disso, ele deposita sua féno calhamaço de documentos que carrega.

Oswald sabe que a jornada é umaaposta. Pode ser que ele faça todo o percursoaté a Cidade do México e tenha seu visto re-cusado. Se isso acontecer, os dólares pre-ciosos gastos em viagem, comida e aloja-mento terão sido desperdiçados. É um riscoque ele precisa correr.

O ônibus chega à Cidade do México àsdez horas da manhã. Em seguida, Oswald sesepara de seus novos conhecidos e está outra

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vez à deriva. Ele faz o check-in no Hotel deComercio, a apenas quatro quadras do ter-minal de ônibus, pagando 1,28 dólar pornoite. E, embora esteja exausto após as cans-ativas 24 horas de viagem, ele caminha ime-diatamente até a embaixada cubana.

* * *

John Kennedy está viajando para ooeste. Lee Harvey Oswald está viajando parao sul. E Jackie Kennedy está viajando para oleste. Ela e a irmã, Lee, estão a caminho daGrécia. Elas passarão duas semanas a bordodo iate Christina, pertencente ao misteriosomulherengo Aristóteles Onassis, um homemque vem sendo investigado pelo FBI háquase vinte anos por suas práticas de negó-cio inescrupulosas. Entre outras coisas,Onassis foi investigado por fraude contra ogoverno americano e por violação das leisamericanas de navegação em meados dosanos 50. Não é de admirar que, em 1961,

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quando a primeira-dama foi sozinha ao ex-terior em uma viagem beneficente, o presid-ente Kennedy deu instruções muito claras aoencarregado da segurança pessoal de Jackie:“O que quer que aconteça na Grécia, não per-mita que os caminhos da sra. Kennedy e deAristóteles Onassis se cruzem”.

O magnata grego, um grandeempresário da marinha mercante, é moreno,mais de vinte anos mais velho que Jackie equase oito centímetros mais baixo. Ele tam-bém é um dos homens mais ricos do mundo.Seu iate tem sido palco de muitas funções so-ciais, e homens como JFK e WinstonChurchill estiveram a bordo dele. A últimavez em que a primeira-dama esteve a bordodo Christina – que, com seus cem metros decomprimento, é famoso pela opulência comotorneiras de ouro maciço – foi há quase dezanos, como convidada com JFK. Na época,Jackie Kennedy achou o barco vulgar e con-siderou particularmente de mau gosto os

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assentos dos bancos do bar, feitos de bolsaescrotal de baleia. Mas agora sua irmã estáinteressada em Onassis, embora o grego im-ponente esteja tendo um caso com a estrelade ópera Maria Callas. Entendendo a situ-ação, Jackie acompanha a irmã para darapoio emocional.

A primeira-dama jamais se atreveria aser fotografada de biquíni em solo amer-icano. Uma imagem sua em um traje debanho revelador seria um escândalo, talvezaté politicamente nociva para o marido. Masa Grécia fica a meio mundo de distância dasrestrições e dos cuidados de ser umaprimeira-dama.

Jackie precisa de um tempo de tudoaquilo. Durante as próximas duas semanas,tudo que ela quer é ser mimada e agir deforma espontânea. A primeira-dama perdeutodo o peso que ganhou durante a gravidez.Seria uma pena não exibir a nova silhueta es-guia na privacidade de seu ambiente

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opulento. Portanto, ela pede à equipe quecoloque um biquíni em sua mala antes deembarcar no TWA 707 rumo à Grécia em 1ode outubro.

Faz exatamente 52 dias desde que elapadeceu a tragédia da morte de seu bebê Pat-rick. Faltam exatamente 52 dias para ela pa-decer outra tragédia inominável.

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6 DE OUTUBRO DE 1963CAMP DAVID, MARYLAND10h27

O presidente dos Estados Unidos estáfurioso. John Kennedy dirige um carro degolfe até o restaurante militar de CampDavid para a missa de domingo. O caminhopavimentado atravessa um bosque denso,fazendo-o passar pelas cabanas de hóspedes,Hawthorn, Laurel, Sycamore e Linden, emseu percurso de três minutos. Com ele, estãoCaroline, de cinco anos, e John Jr., que com-pletará três no mês que vem. Mas não é apolítica que ocupa os pensamentos do pres-idente – sua viagem para o Texas está plane-jada. (Após uma reunião com o governadorJohn Connally há dois dias, a tão necessáriaincursão política é um negócio fechado.)

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Tampouco as pressões do Gabinete. E certa-mente não foram as crianças que perturbar-am JFK – o presidente está entusiasmadopor estar passando um fim de semana a sóscom Caroline e John. Ele até pediu aofamoso fotógrafo da revista Look, StanleyTretick, que tirasse algumas fotos informaisdos três se divertindo.

Não, o que está deixando o presidentetão irritado é a primeira-dama. Ela nãoatende o telefone.

Como se não bastasse Jackie Kennedyestar se divertindo pelo Mediterrâneo comAristóteles Onassis, um homem em quem opresidente não confia, as fotos de suas aven-turas na Grécia são notícias de primeira pá-gina do mundo inteiro, levando muitos aperguntarem por que o presidente está per-mitindo que a esposa esteja em companhiade um homem investigado por fraude contrao governo americano. Mas possivelmente o

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pior de tudo é que Aristóteles Onassis é umfamoso galanteador.

Uma simples conversa telefônica comJackie poderia aliviar a tensão de Jack. Masagora a primeira-dama está inalcançável.Mesmo planejando um horário e levando emconta a diferença de fuso, o homem mais po-deroso do mundo não consegue falar com aesposa. JFK não sabe se ela o está evitandoou se o Christina realmente não conta comtecnologias de comunicação modernas.

A situação está deixando Kennedy nãosó irritado como também com ciúme.

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Apesar das objeções do marido, a primeira-dama passou duas seman-

as como hóspede no iate Christina, do magnata grego Aristóteles Onas-

sis, em 1963.

(Associated Press)

* * *

Quatro meses. Quatro longos meses. É otempo que Lee Harvey Oswald terá de esper-ar para obter um visto soviético, o que semostrou necessário para que as autoridades

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cubanas lhe concedam os documentos deviagem.

Oswald não tem dinheiro suficiente paraesperar quatro meses. Ele precisa ir paraCuba agora.

E então ele fica cara a cara com o cônsulEusebio Azcue no consulado cubano na Cid-ade do México, discutindo com ele sobre ovisto soviético. A conversa há muito deixoude ser civilizada. Oswald está “extremamenteagitado e furioso”, aos olhos de um fun-cionário do consulado cubano. Em vez de serrespeitoso para com o homem que controlasua entrada no país comunista, Oswald estágritando com ele.

Finalmente, Azcue perde a paciência. Odiplomata que há nele desapareceu, e ele sedirige ao americano com toda a franqueza:

– Uma pessoa como você – Azcue diz aOswald em inglês macarrônico –, em lugarde ajudar a Revolução Cubana, estáprejudicando.

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Azcue conclui dizendo a Oswald que elenunca obterá a permissão de trabalho paraentrar em Cuba.

O cônsul vira as costas e retorna ao seuescritório, deixando Oswald arrasado: seusonho de escapar para Cuba chegou ao fim.Uma funcionária consular entrega a Oswaldum pedaço de papel com seu nome e as in-formações de contato da embaixada, para ocaso de ele querer tentar novamente.

Desanimado, Oswald passa o fim de se-mana na Cidade do México, empanturrando-se da comida local e indo a uma tourada.Mas seu desespero é cada vez maior.

Então, ele toma o ônibus de volta a Dal-las, onde aluga um quarto no YMCA e pro-cura trabalho. Envergonhado, telefona paraMarina, que continua morando com a amigaRuth Paine e está prestes a dar à luz o se-gundo bebê. Paine é uma dona de casaquacre que foi apresentada aos Oswald porGeorge de Mohrenschildt, o russo bem-

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educado com possíveis conexões com a CIAque Oswald conheceu no verão de 1962.

Ruth Paine fala um pouco de russo, oque ajuda a fazer Marina se sentir mais emcasa. Todos os bens de Marina estão guarda-dos na garagem de Ruth. Entre eles, há umcobertor verde e marrom enrolado, no qualestá escondido o fuzil de Lee Harvey Oswald.Ruth Paine, sendo uma quacre pacifista, ja-mais permitiria uma arma em sua garagem,mas ela não faz ideia de que o fuzil está lá.

Oswald diverte Marina com históriassobre o México, mas também admite que aviagem foi um fracasso. Marina escuta eacredita que o marido tem chance de mel-horar. Mas ela se recusa a morar com ele.Então, enquanto procura emprego, Oswaldtelefona à esposa sempre que pode, e àsvezes pega carona de Dallas até a residênciados Paine para vê-la.

Finalmente, graças a uma re-comendação gentil de Ruth Paine, ele

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encontra um emprego. É um trabalho servilpara um homem como Oswald, com um QIrelativamente alto (118), e consiste apenasem encaixotar livros para remessa. Mas ele eMarina estão felizes. Talvez seja o sinal deum novo começo.

Às oito horas da manhã do dia 16 de ou-tubro, uma quarta-feira, Lee Harvey Oswaldse apresenta para o seu primeiro dia deemprego no Texas School Book Depository,um depósito de livros escolares. O edifício detijolos vermelhos de sete andares fica na es-quina da Elm Street com a North Houston etem vista para a Dealey Plaza, assim batizadaem homenagem a um ex-editor do DallasMorning News. Por sorte, o Hospital Park-land Memorial fica a apenas seis quilômetrose meio dali, para o caso de Marina entrar emtrabalho de parto durante o turno de Oswald.

No dia 18 de outubro, Oswald recebeuma surpresa de aniversário: inexplicavel-mente, a embaixada cubana na Cidade do

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México voltou atrás e lhe concedeu um vistode viagem. Mas é tarde demais. Ele partiupara outra.

Em 20 de outubro, Audrey MarinaRachel Oswald nasce no Parkland Memorial.Lee Harvey não vai ver a esposa e a filhaimediatamente, temendo que o hospital opresenteie com uma conta que ele não po-deria pagar.

Essa ausência da vida da filha recém-nascida é algo com que Marina e a bebê terãode se acostumar. Porque Lee Harvey não es-tará por perto para ver a jovem Audrey Mar-ina Rachel Oswald crescer.

* * *

Jackie Kennedy está de volta a Washing-ton. Entre seu verão em Cape Cod, duas sem-anas de setembro em Newport, Rhode Is-land, e as duas semanas na Grécia, ela esteveausente da Casa Branca por quase quatromeses. A data é 21 de outubro, e é hora da

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ceia na Casa Branca. A primeira-dama con-vidou o correspondente da Newsweek, BenBradlee, e sua esposa, Tony, para cear comeles. A refeição será servida na residência dafamília no segundo andar da Casa Branca,que Jackie remodelou em 1961, tendo escol-hido a dedo o papel de parede antigo comcenas que retratam a Revolução Americana.

E, embora a refeição desta noite sejaleve e a conversa animada, este cômodo temfantasmas. O presidente William Henry Har-rison morreu aqui, em seu leito, de pneumo-nia em 1841. Aos onze anos de idade, o filhode Abraham Lincoln, Willie, adoeceu e mor-reu aqui em 1862. E o próprio Lincoln foiembalsamado neste recinto depois de tersido assassinado. E, logo antes da virada doséculo, este aposento com pé direito alto ser-viu como o quarto de William McKinley, quetambém foi morto pela bala de um assassino.

Este jantar de improviso é o tipo de re-união que a primeira-dama tanto apreciava

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antes da morte do bebê Patrick. Faz tempoque os Kennedy não recebem amigos só pordiversão. E, embora Jackie tenha canceladotodas as obrigações sociais formais atéjaneiro de 1964, este jantar simples é umatentativa de recomeçar uma vida normal. Elaesperou até o fim da tarde para confirmarque a agenda do presidente estava livre. OsBradlee só receberam o convite às sete horasda noite, mas ficaram muito felizes em deix-ar tudo e vir.

O presidente teve um dia terrível. O con-flito racial ocorrendo em Birmingham e asdisputas ferrenhas em torno da legislaçãosobre direitos civis em Washington o deix-aram de péssimo humor. Mas os Bradleepossivelmente são os amigos mais próximosdos Kennedy em Washington, e o presidentesabe que, com eles, suas palavras ficam entrequatro paredes. Sendo assim, Jackie fez bemem convidar Ben e Tony. JFK, sentado àmesa em manga de camisa, toma um drinque

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e alivia as tensões falando de política.Grande parte da conversa gira em torno doque ele planeja fazer se for reeleito. “Talvezdepois de 1964”, Kennedy diz repetidasvezes. “Talvez depois de 1964.”

Mas 1964 talvez não seja um ano devitória, e John Kennedy sabe disso. As coisasestão se tornando obscuras em Camelot. Atéas férias recentes de Jackie acabaram se rev-elando um inconveniente. Sua adoração pelacultura e pela moda europeia há muito con-trastam com as sensibilidades mais pragmát-icas do público americano. A popularidadeextraordinária da primeira-dama um dia atornara imune a ataques políticos. Este jánão é o caso.

Menos de dois meses depois de ela tersofrido a dor brutal de perder um filho, osrepublicanos no Congresso decidiram queela é um alvo legítimo. Eles a atacam pub-licamente por sua viagem à Grécia, acusandoa primeira-dama de não passar de uma

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hedonista. “Por que a primeira-dama nãovisita mais o seu próprio país em vez de per-ambular pela Europa?”, pergunta o membrodo Congresso Oliver Bolton, de Ohio.

A imprensa também está escrevendohistórias longas sobre as festas frequentes noiate de Onassis. Alguns repórteres estão pint-ando a primeira-dama como alguém sempreem busca de prazeres. “Esse tipo de com-portamento parece adequado para uma mul-her de luto?”, pergunta o Boston Globe. Umafotografia publicada mostra Jackie contentesendo auxiliada a embarcar no Christina porum membro da tripulação – um rapaz jovem,sem camisa, forte e bronzeado. Outra im-agem, de Jackie tomando sol de biquíni, foiestampada nas primeiras páginas do mundointeiro. Pela primeira vez, a família do pres-idente está sob o cerco da mídia.

A agência de notícias United Press In-ternational está questionando inclusive amoral da primeira-dama, insinuando que seu

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banho de sol é excessivamente sensual. “Asra. Kennedy se permite ser fotografada emposições e poses que jamais se permitiria nosEstados Unidos”, diz a matéria. O repórterprossegue, acrescentando, com malícia, queseria amável da parte do presidente e daprimeira-dama retribuir a hospitalidade con-vidando Aristóteles Onassis à Casa Branca dapróxima vez em que ele vier aos EstadosUnidos.

Agora, na mesa de jantar da CasaBranca, o bronzeado intenso da primeira-dama é o lembrete mais óbvio da fragilidadepolítica de seu marido. Mas ela parece nãoperceber a dor que está causando. Jackie de-fende Onassis para o marido e os Bradlee,dizendo a eles que o grego é uma pessoa “at-enta e cheia de vida” – o que, é claro, sódeixa o presidente com mais raiva.

John Kennedy não sabe tudo o queaconteceu, ou não, a bordo do Christina. Elesabe sobre as massagens, os jantares com

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caviar e os tragos de vodca. Ele também en-tende que a esposa esteja atraída pela op-ulência do Christina e pela grande riqueza deAristóteles Onassis. O que o presidente nãosabe é se sua esposa foi infiel, embora sejabem provável que não, sobretudo estandoacompanhada da irmã, que tinha planos comrelação a Onassis. Mas o presidente senteque algo está perturbando a primeira-dama ejá confidenciou a Ben Bradlee os “sentimen-tos de culpa de Jackie”.

Agora ele usa essa culpa em vantagemprópria.

– Quem sabe agora você vem ao Texasconosco no próximo mês – o presidente dizcom um sorriso circunspecto.

Ele está obstinado com que Jackie façaessa viagem. E não só para responder asacusações de que ela visitou mais a Europado que a América. A primeira-dama é muitomais popular no Sul do que ele, principal-mente entre as eleitoras. Jackie não faz uma

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aparição em campanha desde 1960, mas suapresença no Texas poderia dissipar parte daanimosidade em torno da visita do presid-ente. “Jackie ensinará àquelas moças doTexas uma ou duas coisinhas sobre moda”,diz JFK.

O fato é que Jackie quer estar ao ladodele – aconteça o que acontecer. Ela estácansada de estar distante do marido.

Foi nesse espírito que Jackie revelouseus sentimentos mais profundos a JFK emuma carta escrita à mão em 5 de outubro,logo depois que o Christina levantou âncora.

“Se eu não tivesse me casado com você,minha vida teria sido trágica, porque a defin-ição de trágico é desperdício”, ela escreve naprivacidade de sua cabine pessoal, batizadacom o nome da ilha grega Chios. Como é seucostume, Jackie substitui a pontuação nor-mal por hífens. A primeira-dama prossegue,admitindo que lamenta pela filha, Caroline,

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pois será impossível para ela se casar comum homem tão maravilhoso quanto o pai.

O casamento dos Kennedy pode sercomedido, às vezes; muitas coisas não sãoditas. Mas, em outras ocasiões, a paixãofervilhando é tão palpável que o povo amer-icano a sente só de ver JFK e Jackie lado alado. O amor entre o presidente e a primeira-dama é inegável, e esse sentimento flui pelaspalavras que ela escreve. Nesse dia, noChristina, Jackie escreve uma linha após aoutra, até que o simples bilhete de amor setransforma em uma carta de sete páginas.

“Eu te amei desde o primeiro dia em quete vi”, confessa a carta de Jackie. Seu aniver-sário de dez anos de casamento havia sidoem 12 de setembro. “Dez anos depois, eu teamo ainda mais.”

Agora, duas semanas depois, na CasaBranca, esse homem que ela tanto ama aquer em uma viagem ao Texas. Como ela po-deria dizer não?

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– É claro, Jack, eu vou. Nós faremoscampanha – a primeira-dama responde. Oque quer que tenha acontecido no Christinaficou no passado. O futuro está olhando in-tensamente para ela com aqueles belos olhosverde-acinzentados que ele tem. – Eu fareicampanha com você onde você quiser.

Então, a primeira-dama pega suaagenda vermelha e anota a palavra Texas nosdias 21, 22 e 23 de novembro.

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PARTE III

O MAL VENCE

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24 DE OUTUBRO DE 1963DALLAS, TEXASNOITE

Jacqueline Kennedy não faz nem ideia. Seela pudesse ver o inferno que seu amigo Ad-lai Stevenson está passando em Dallas nestanoite agradável, ela talvez não estivesse tãootimista quanto a viajar ao Texas com omarido.

Conhecida como “Big D”, Dallas é umacidade seca e poeirenta, insuportavelmentequente no verão e incomodamente fria no in-verno. É cercada por algumas das paisagensmenos notáveis da América. É uma cidadedura, sustentada pelo comércio e pelo pet-róleo, e motivada por uma única coisa: din-heiro. A série de televisão Dallas um dia serávista como uma caricatura dessa fixação por

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riqueza extravagante, mas a Dallas real não édiferente.

Em cinquenta anos, Dallas será umametrópole cosmopolita, lar de uma popu-lação diversa e de uma ampla gama de cor-porações multinacionais. Mas em 1963 seus747 mil habitantes são predominantementebrancos, 97 % protestantes, e a cada dia maisnumerosos e conservadores, à medida queabundam migrantes do Texas rural e daLouisiana.

Dallas é uma cidade da lei e da ordem.Ou quase. Multas pesadas sobre os delitosfazem as prostitutas migrarem a Fort Worth,perto dali, onde os assassinatos estãoaumentando. Dallas está cheia de igrejasbatistas e metodistas, mas também é o lar doCarousel Club, um bar de strip-tease nocentro da cidade pertencente a um mafiosode 52 anos chamado Jacob Rubinstein –também conhecido como Jack Ruby. Neste

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lugar, tiras e jornalistas costumam beberlado a lado.

Acima de tudo, Dallas é uma cidade quenão confia nos forasteiros ou em suas visõespolíticas – principalmente as dos ianquesliberais. E os cidadãos locais não disfarçam omenosprezo. As lojas de judeus às vezes sãodesfiguradas por suásticas.

Nesta noite em particular, Adlai Steven-son está vivenciando na própria pele o quealguns chamam de “atmosfera de ódio” deDallas. Ele é um democrata convicto queconcorreu duas vezes com Dwight Eisen-hower, tendo sido derrotado em ambas.Definitivamente, o Texas não é território deStevenson, mesmo que uma grande multidãoesteja agora sentada no auditório do Me-morial. A ocasião é o Dia das Nações Unidas.Na noite passada, o general Ted Walker, umfanático direitista, falou no mesmo local,fazendo um discurso violento contra asNações Unidas. O homem que certa vez

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tentou matá-lo estava presente: Lee HarveyOswald.

Agora, quando Stevenson tenta falar, elemal é ouvido. Repetidas vezes é importunadoe vaiado por um grupo extremista conhecidocomo National Indignation Convention. Depropósito, eles pronunciam mal o nome donobre diplomata, chamando-o “Addle-Eye”(algo como “Olho Estragado”).

Stevenson tolera pacientemente oabuso, permanecendo quieto no púlpito, es-perando que a calma se restabeleça. Mas issoparece impossível. Então, ele por fim encaraum dos importunadores:

– Sem dúvida, meu caro, eu não precisovir de Illinois até aqui para ensinar bonsmodos aos texanos, preciso?

É quando as coisas pioram.Robert Edward Hatfield, de 22 anos,

corre até o palanque e dá um grande cuspeno rosto de Stevenson. Quando os policiaiscapturam Hatfield, ele cospe neles também.

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Adlai Stevenson já viu o suficiente.Enxugando o rosto, ele sai do auditório. Maso caos não termina. Aguardando do lado defora, uma multidão de manifestantes contraas Nações Unidas o enfrenta. Em vez dedeixar Stevenson caminhar de volta ao hotelpacificamente, os manifestantes bloqueiam apassagem e caçoam dele. Uma agitadora,Cora Frederickson, de 47 anos, golpeia o em-baixador na cabeça com seu cartaz deprotesto.

Ainda assim, Stevenson tenta ser dip-lomático. O político de 63 anos de idade dis-pensa a polícia de Dallas, que corria parafazer a segunda detenção da noite.

– Qual o problema? – Stevenson per-gunta à mulher que o golpeou. – Possoajudá-la em algo?

– Se você não sabe qual o problema, eunão sei por quê. Todo mundo sabe – ela gritafuriosa, com seu fanhoso sotaque texano.

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John Kennedy não gosta de AdlaiStevenson. Mas o presidente se abala quandofica sabendo dos ataques cruéis. Agora, asmuitas notícias negativas que ele ouviu sobreDallas estão sendo confirmadas. Amigos deconfiança persuadiam-no a cancelar essetrecho da viagem ao Texas. Já em 3 de out-ubro, o senador William Fulbright, doArkansas, havia confidenciado a JohnKennedy que estava com medo de entrar emDallas, referindo-se à cidade como “um lugarperigoso”. “Eu não iria até lá”, ele disse aJFK. “Não vá.”

O evangelista Billy Graham também estárecomendando ao presidente que fique longede Dallas. Henry Brandon, do SundayTimes, de Londres, tem tanta certeza de quea visita de Kennedy será explosiva que elepróprio está fazendo a viagem. Quer relatar atensão. Os dois irmãos do congressista RalphYarborough, do Texas, moram e trabalhamem Dallas, e ambos insistem em dizer a ele

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que a cidade odeia Kennedy. E, no início denovembro, Byron Skelton, membro doComitê Nacional Democrata pelo Texas, teráuma premonição de que JFK pode estar secolocando em grave perigo ao ir a Dallas. Emvárias ocasiões, Skelton alertará o presidentepara não ir.

Mas John Kennedy é o presidente dosEstados Unidos da América – de todos eles.Não deveria haver um só lugar neste vastopaís que ele devesse temer visitar.

Como ele gosta de dizer antes de tentaruma tacada difícil no golfe: “Sem perfis, sócoragem”. JFK decidiu visitar a Big D. Nãohá volta.

* * *

A meio mundo dali, é Dia de Finados emSaigon. Esta é uma época de reza na IgrejaCatólica, de modo que Ngo Dinh Diem, pres-idente do Vietnã, recebe a comunhão ao ladodo irmão, Ngo Dinh Nhu.

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Mas há outro motivo para os irmãos rez-arem juntos, e John Kennedy deveria saberpor quê. Um golpe apoiado pelos EstadosUnidos derrubou o governo de Diem. En-quanto a ação militar acontecia, JFK se re-uniu com seus conselheiros especiais paradiscutir o futuro do Vietnã – e o destino deDiem e do irmão. A reunião se arrastou portanto tempo que Kennedy até escapou nametade para ir à missa, regressando antes dofinal.

De maneira muito mais frenética, opresidente Diem e o irmão escaparam dopalácio presidencial durante o golpe, literal-mente correndo para preservar a própriavida. Como JFK, eles foram à missa: agora osirmãos estão se refugiando dentro do san-tuário da Igreja Católica de São FranciscoXavier, em Saigon.

Logo após as dez horas da manhã, elessão reconhecidos, e o presidente e o irmão sepreparam para ser presos e deportados do

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país. Diem se preparou para este momentoenchendo uma maleta com cédulasamericanas.

O general Mai Huu Xuan, do Exército daRepública do Vietnã (ARVN), lidera um com-boio, consistindo de um veículo blindado detransporte pessoal e dois jipes, até o pátio daigreja. Diem se rende, pedindo apenas que ocomboio pare no palácio antes de levar ele eo irmão ao aeroporto. O general Xuan re-cusa, e ordena que os prisioneiros sejamlevados imediatamente aos quartéis do exér-cito. Então, os soldados atam as mãos dopresidente e do irmão, e os dois são coloca-dos dentro de um veículo blindado de trans-porte pessoal – aparentemente para sua pró-pria proteção. Dois oficiais do ARVN se jun-tam a eles na parte de trás do veículo antesde a pesada porta de aço se fechar.

O comboio para em um cruzamento daestrada de ferro. Então, calmamente, um dosoficiais do ARVN coloca o dedo no gatilho de

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sua semiautomática e dispara na parte detrás do crânio do presidente Diem.

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1o DE NOVEMBRO DE 1963IRVING, TEXAS14h30

É tarde de sexta-feira, e James Hosty Jr.,exausto, toca a campainha na casa de RuthPaine. Aos 35 anos de idade, o robustoagente do FBI passou o dia investigandocasos em Fort Worth, ali perto. Neste mo-mento, ele está lidando com quase quarentainvestigações, reunindo pequenos fragmen-tos de cada uma delas. Mas todo caso en-volvendo a batalha de J. Edgar Hoover con-tra o comunismo tem prioridade, e é por issoque Hosty parou à porta da sra. Paine em vezde voltar direto para Dallas para começar seufim de semana. O agente está à procura deLee Harvey Oswald. A agência recebeu umapista da CIA sobre a visita de Oswald à

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embaixada cubana na Cidade do México nomês passado, e agora os federais estão ansio-sos para encontrá-lo.

A sra. Paine abre a porta. Hosty mostraseu distintivo, explicando que é uma agenteespecial do FBI, e pergunta se eles podemconversar.

Esta é uma fase difícil para Ruth Paine.Depois de cinco anos de casados, o marido adeixou e está pedindo o divórcio. Talvez paraaliviar a solidão, Ruth convidou MarinaOswald para morar com ela, apesar de saberque a jovem mãe não tem como ajudar comas despesas. Mas o pequeno ônus financeironão é nada comparado com o comporta-mento estranho do marido de Marina, LeeHarvey, que vem visitá-la nos fins de sem-ana. Ruth Paine se recusa a deixá-lo morarna casa. Ela não confia nele.

Mas a sra. Paine é muito amável comJames Hosty. Ela o convida a entrar e

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comenta, entusiasmada, que é a primeira vezque conhece um agente do FBI.

Mas Hosty não é um agente qualquer. Éum ex-bancário graduado pela Universidadede Notre Dame e trabalha na sucursal do FBIem Dallas há quase dez anos. Portanto, estáfamiliarizado com a cidade e seus subúrbiosem expansão. Ele também é um investigadordiligente e não se incomoda de sair de seucaminho para ir até a casa de Ruth Paine,embora sua jornada de trabalho nesta sexta-feira esteja terminando.

Mas, acima de tudo, o agente especialHosty é o especialista do FBI em Lee Harveye Marina Oswald. Em março, ele haviaaberto um inquérito sobre Marina a fim devigiar a cidadã soviética. Mais tarde naquelemesmo mês, Hosty solicitou a abertura dosarquivos de Lee Harvey em virtude da sim-patia que Oswald nutre pelo comunismo. Oagente rastreou os Oswald de apartamentoem apartamento, de Dallas a Nova Orleans e

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de volta a Dallas. A sucursal do FBI em NovaOrleans manteve Hosty informado da prisãode Oswald e de seu comportamento pró-Cuba. Mas agora o rastro de Oswald seperdeu.

Hosty pergunta a Ruth Paine se ela sabeonde encontrá-lo. Paine admite que Marina eas duas filhas dela moram em sua casa. Apóshesitar por um instante, ela declara que nãosabe onde Oswald mora, mas sabe que eletrabalha no Texas School Book Depository,no centro de Dallas. Paine pega uma listatelefônica e procura o endereço: Elm Street,número 411.

Hosty toma nota de tudo.Marina entra na sala, recém-desperta de

uma soneca.Falando em russo, Ruth Paine lhe in-

forma que Hosty é um agente do FBI. Orosto de Marina adquire uma expressão des-olada, temerosa. Hosty costuma ver esse tipode comportamento em pessoas criadas em

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países comunistas e sabe que a sra. Oswaldacha que ele é alguma espécie de policialsecreto que veio para levá-la. No mesmo in-stante, ele instrui Paine a dizer a Marina quenão está lá com o propósito de “machucá-lanem maltratá-la, e que o trabalho do FBI nãoé fazer mal às pessoas. Nosso trabalho é pro-teger as pessoas”. Ruth Paine traduz. Marinasorri e se acalma.

Hosty se levanta para ir embora. A en-trevista durou quase 25 minutos. Hosty temmais alguns casos para averiguar antes devoltar para Dallas. Mas enquanto anota seunome e número de telefone para Paine, parao caso de ela ter alguma informação sobre oparadeiro de Oswald, o agente especial Hostymentalmente classifica a investigação sobreOswald como de baixa prioridade. Ele con-clui que Lee Harvey Oswald é apenas umjovem com problemas conjugais, uma quedapelo comunismo e um hábito de mudar deemprego a toda hora.

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Não há necessidade de urgência. LeeHarvey Oswald aparecerá mais cedo ou maistarde. O agente especial Hosty tem certezadisso.

* * *

No dia 11 de novembro, a segunda-feiraapós a visita de Hosty à casa de Ruth Paine,o agente especial Winston G. Lawson, daequipe de segurança da Casa Branca, é infor-mado da viagem que o presidente fará aDallas.

Lawson, um veterano da Guerra da Cor-eia em seus trinta e poucos anos, é especial-izado em planejar as viagens oficiais deKennedy. Como em todas as visitas dessetipo, suas principais responsabilidades sãoidentificar os indivíduos que poderiam seruma ameaça ao presidente, tomar medidascontra qualquer um que possa ameaçar eplanejar a segurança para o itinerário docomboio e para os discursos do presidente.

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Ainda está sendo discutido se haverá umcomboio pelo centro de Dallas, o que seriaum pesadelo para o encarregado de segur-ança, por causa das mais de vinte mil janelasao longo das principais vias de trânsito dacidade. Quanto mais janelas, mais lugarespara um franco-atirador almejar a limusinedo presidente.

Mas, por enquanto, Lawson deixa essaquestão de lado. Ele começa a investigar aspossíveis ameaças passando um pente-finonos arquivos do Serviço Secreto. Esses arqui-vos listam todos os indivíduos queameaçaram o presidente ou possam ser po-tencialmente perigosos para ele. Uma in-speção feita por Lawson em 8 de novembromostra que não existe ninguém com essascaracterísticas na área de Dallas.

Lawson, então, viaja de Washington aoTexas e entrevista órgãos de segurançapública e outras agências federais da região,continuando sua busca por indivíduos que

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poderiam ser uma ameaça à vida de John F.Kennedy. De particular interesse são osmanifestantes envolvidos no incidente deAdlai Stevenson há poucas semanas. Lawsonobtém fotografias dessas pessoas, que serãodistribuídas ao Serviço Secreto e à polícia deDallas no dia da visita do presidente. Os in-divíduos de aparência semelhante a essesserão revistados caso se aproximem dopresidente.

A diligência de Lawson logo é recom-pensada quando o FBI aparece com o nomede um residente da área de Dallas que poder-ia ser uma séria ameaça à vida de JohnFitzgerald Kennedy.

O agente especial James Hosty Jr., noentanto, não fornece esse nome, mas se sabeque não é o de Lee Harvey Oswald. Em vezdisso, é de um conhecido encrenqueiro localque não tem absolutamente plano algum dematar o presidente dos Estados Unidos.

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De volta à capital do país, 11 de novem-bro é um dia fresco, marcado por raios de solpálidos e um vento que estica as muitasbandeiras hasteadas no Cemitério Nacionalde Arlington, do outro lado do rio Potomac,em frente o distrito de Columbia. Uma mul-tidão de centenas de soldados e civis assisteao presidente dos Estados Unidos na celeb-ração do Dia dos Veteranos colocando umacoroa de flores no Túmulo do SoldadoDesconhecido. John Kennedy, ele próprioum veterano de guerra condecorado, fica emposição de sentido quando o corneteiro dá otoque de silêncio, o tradicional movimentosonoro que encerra as cerimônias militares.O nome do corneteiro é sargento Keith Clark.Ele é o principal trompetista da banda dasForças Armadas dos Estados Unidos e con-hece muito bem essa triste canção. Clark ex-ecuta o solo com maestria, as notas solitáriasecoando dolorosamente por sobre o mar delápides brancas e grama verde.

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O presidente Kennedy fica comovidocom a história e o drama que o cenário com-põe. Arlington já foi o berço da família deRobert E. Lee e foi transformado emcemitério por tropas da União durante aGuerra Civil, para que o general dos confed-erados jamais fosse tentado a morar namansão da família que ainda domina a re-gião. Kennedy consegue entender por queisso foi uma perda tão grande para Lee, poisos montes permitem avistar Washington dooutro lado do rio, onde o ritmo acelerado eos acordos de bastidores são um drásticocontraste com a quietude e paz do cemitério.

“Este é um dos lugares realmente boni-tos no mundo”, o presidente diz mais tardeao congressista Hale Boggs. “Eu poderia ficaraqui para sempre.”

Não é um pensamento fugaz. Kennedyrepete o sentimento do ministro de Defesa,Robert McNamara. “Acho que, algum diatalvez, aqui é onde eu gostaria de estar”.

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13 DE NOVEMBRO DE 1963CASA BRANCATARDE DA NOITE

O homem com nove dias restantes de vidaadmira Greta Garbo enquanto ela tira os sap-atos e deita sobre o colchão no Quarto deLincoln. Há um jantar em Camelot estanoite, e a atriz sueca famosamente reclusa éa convidada de honra. Jackie Kennedy, comoela mesma admite, está “obcecada” porGarbo, por quem sente afinidade. Mas foi opresidente quem se ofereceu para guiar abeldade de 58 anos por uma visita àquelaque seus funcionários chamam simples-mente de “Mansão”.

Durante o jantar, Greta Garbo, nervosa,bebeu de um só trago um copo de vodca at-rás de outro. Mas o presidente foi a imagem

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da abstinência, não fumando um únicocharuto nem tomando uma gota de álcool.“Eu me senti uma condenada quando acendium cigarro”, Greta Garbo recordará maistarde.

John F. Kennedy está encantado porGreta Garbo, e ela por ele. Em vez de escaparda festa logo após o jantar para desfrutar dealguns momentos de tranquila solidão antesde ir para a cama, como é seu hábito, JFKfica por “mais tempo do que já fiquei desdeque me tornei presidente”.

O presidente e a atriz nunca haviam seencontrado antes desta noite, mas eles logose tornaram grandes amigos, graças a umapeça que JFK pregou em Lem Billings. Naadolescência, os dois foram colegas dequarto na escola preparatória Choate, e atéhoje Billings é o melhor amigo do presidente.Eles são como irmãos, e Billings passa anoite na Casa Branca com tanta frequênciaque mantém algumas roupas em um quarto

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no terceiro andar. Em 1960, o publicitário de44 anos voluntariamente se afastou por umano de sua carreira profissional para ajudarKennedy a concorrer à presidência, sempedir nada em troca. JFK lhe ofereceu umemprego como chefe do recém-criado Corpoda Paz. Billings recusou, temendo que issomudasse a amizade entre os dois.

Billings conheceu Greta Garbo durante overão, enquanto passava férias no Sul daFrança. De volta aos Estados Unidos,Billings, um homem solteiro, se gabava comtanta frequência de como ele e Greta Garbose deram bem que até Jackie disse para eleparar de falar na atriz de cinema.

O presidente não resistiu. Pregar umapeça em Billings só aumentaria a emoção davisita de Greta Garbo. Ele telefonou para aatriz, fazendo-lhe uma proposta: “Meuamigo Lem está sempre se vangloriando doquanto vocês se conhecem. Então, quandoele chegar, finja que jamais se viram antes”.

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JFK persuadiu Greta Garbo a chegar cedo aojantar na Casa Branca a fim de ensaiar suasfalas para o truque.

“Cedo” em Camelot normalmente signi-fica algo em torno de oito e meia. Esta noitenão foi nenhuma exceção.

Isso porque o presidente teve mais umdia tipicamente exaustivo de trabalho. A jor-nada começou com uma reunião às quinzepara as dez da manhã com a colunista AnnLanders sobre a campanha de Selos de Natalde 1963 e terminou com uma reunião às seise meia da tarde com John A. Hannah, líderda Comissão Americana pelos Direitos Civis.Entre uma e outra, houve uma reunião com opresidente da Checoslováquia; uma ap-resentação de gaita de fole e tambores daGuarda Negra (o regimento real escocês) nosjardins da Casa Branca; uma reunião dequinze pessoas sobre a pobreza no leste deKentucky; e uma reunião menor sobre polít-ica externa com Dean Rusk, McGeorge

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Bundy e o ex-secretário de Estado ChristianHerter, no fim da tarde.

Como de costume, o presidente nadou àuma e dez e almoçou à uma e quarenta datarde, mas fora isso o ritmo nunca abrandou.Foi uma reunião atrás da outra, em queKennedy deveria não só estar presente, comotambém bem informado e capaz de tomardecisões sobre cada um dos muitos assuntosque lhe eram apresentados. Em nenhum in-stante saiu de seus pensamentos a viagem dapróxima semana ao Texas.

Quando JFK chegou à piscina para seusegundo nado diário, eram sete e quinze danoite. Enxuguou-se e subiu ao quartoquando eram 20h03. Greta Garbo já haviachegado. Kennedy teve seu tempo para to-mar banho e se trocar, sabendo que Jackieexplicaria à atriz que ele havia se atrasado.

Lem Billings ficou em êxtase quando viuGreta Garbo.

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– O quê? Greta! Ah, meu Deus. Comovocê está? – ele exclamou.

Greta Garbo olhou para ele com uma ex-pressão vazia no rosto, e então voltou os ol-hos para Jackie.

– Você deve estar enganado. Eu não melembro de tê-lo visto antes – ela falou.

Quando o presidente chegou, GretaGarbo repetiu que não conhecia Billings. Ovelho amigo do presidente estava cada vezmais consternado e, ignorando JFK, não secansava de recordar a atriz de onde eleshaviam se conhecido e dos amigos que tin-ham em comum. Quanto mais Billings fa-lava, mais parecia que Greta nunca o haviavisto. Nesse meio-tempo, JFK relaxou, deix-ando de lado as preocupações do Gabineteenquanto se divertia com as conversas anim-adas do jantar e a brincadeira inventada porele. Lem Billings não perceberá que lhepregaram uma peça até a manhã seguinte.

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Logo depois que o jantar terminou, JFKlevou todo o grupo a um passeio pela CasaBranca. Agora, Greta Garbo, embriagada,não quer sujar a colcha no Quarto de Lin-coln, e por isso tira os sapatos antes de sedeitar no colchão. O passeio termina noSalão Oval. Algo que a maioria dos amer-icanos não sabe é que JFK tem o hábito decolecionar arte em marfim. Não raramente,de forma anônima, oferta lances por essaspeças de dente de baleia com inscrições. Elasestão expostas em um estojo em seu gabine-te. Quando Greta Garbo admira a coleção, opresidente abre o estojo e lhe oferece umapeça de presente. Ela aceita de bom grado.

Assim é a vida em Camelot: um dia in-teiro resolvendo os problemas do mundo,duas sessões de nado terapêutico sem roupa,celebridades à mesa para a ceia e um passeiopela residência mais famosa da América comuma glamorosa ex-atriz de cinema. Em que

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outro lugar no mundo acontece algo dessetipo?

Mas a noite termina de maneiraabrupta.

– Preciso ir para casa. Estou ficandobêbada – declara Greta Garbo antes de desa-parecer para o hotel.

Assim acaba o último jantar oferecidoem Camelot.

A memória desta noite mágica irá per-durar, e nem mesmo uma pessoa tão famosacomo Greta Garbo está imune aos encantosde Camelot: “Foi uma noite extremamenteatípica que passei com vocês na CasaBranca”, ela escreve em seu bilhete deagradecimento a Jackie Kennedy. “Foi real-mente fascinante e encantadora. Eu pensariaque foi um sonho se não tivesse o ‘dente’ dopresidente diante de mim.”

Mas Camelot não é um sonho. É realid-ade – e essa realidade está prestes a tomar

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um rumo que transformará a América parasempre.

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16 DE NOVEMBRO DE 1963DALLAS, TEXAS13h50

Sterling Wood, um garoto de treze anos,aponta seu fuzil Winchester para a silhuetada cabeça de um homem. Ele expira e apertao gatilho, e então olha para o alvo ao longe. Éum sábado. Sterling e o pai, Homer, vieramao polígono de tiro Sports Drome RifleRange treinar a pontaria para a temporadade cervos.

O jovem Sterling observa um homemjovem parado na cabine de tiro ao lado dele.O homem está apontando para uma silhuetasimilar. O adolescente lê uma porção de liv-ros sobre armas e tem certeza de que o rapazestá disparando uma carabina italiana.Parece que o cano do fuzil foi serrado para

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ficar mais curto, ainda assim é alguns centí-metros mais comprido que o Winchester deSterling. A julgar pelo número de arranhõesna coronha, o adolescente precoce de Dallassuspeita que a arma seja sobra do exército.Tem até uma tira para que um soldado de in-fantaria possa carregá-la mais facilmente, euma mira telescópica com 4x de aumentopara fazer o alvo parecer mais próximo emais fácil de ser atingido com precisãomilimétrica.

– Papai – Sterling sussurra para o pai. –Parece uma carabina italiana 6,5.

O homem atira. Saltam chispas da pontada arma por causa do cano encurtado. Ster-ling pode sentir o calor da explosão. Oatirador retira o cartucho gasto e o coloca nobolso, como se não quisesse deixar indíciosde que esteve ali. Sterling acha estranho oatirador fazer isso depois de cada disparo.

O adolescente fica impressionado com ofato de que quase todos os buracos de bala

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do atirador estão agrupados ao redor do queseria o olho se o alvo de papel fosse umhomem de verdade.

– Senhor, essa é uma carabina italiana6,5? – Sterling pergunta ao estranho.

– Sim – o homem responde.– E essa aí é uma mira telescópica com

4x de aumento?– É, sim.O atirador fica apenas o tempo ne-

cessário para disparar “oito ou dez” tiros, naestimativa de Sterling – só o suficiente paraqueimar sua munição e ter certeza de que ofuzil e a mira são precisos. Sterling maistarde confirmará que esse homem é Lee Har-vey Oswald.

* * *

Neste sábado de novembro, a primeirapágina do Dallas Morning News traz umamatéria sobre a visita do presidente Kennedya Dallas, que será daqui a seis dias. O jornal

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especula sobre o trajeto que o comboio deKennedy percorrerá pelo centro da cidade. OAir Force One pousará em Love Field. De lá opresidente será conduzido a um grandecentro comercial conhecido como TradeMart, onde fará o discurso. No caminho, elepassará pelo Texas School Book Depository,o local onde Lee Harvey Oswald trabalha.

Oswald é um ávido leitor de jornais e jáhá algum tempo sabe que John Kennedy viráa Dallas. Neste dia, Oswald decidiu passar ofim de semana na cidade em vez de ir ao sub-úrbio para ver Marina e as filhas. Oswald fez24 anos há apenas um mês. Ele tem pouco amostrar por sua passagem pela terra. Estáperdendo a esposa e as filhas. Tem umemprego sem importância. E, apesar de seuintelecto brilhante, não tem educação superi-or. Não sabe se quer ser americano, cubanoou russo.

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Ainda assim, ele espera ser um grandehomem. Um homem importante. Umhomem cujo nome jamais seja esquecido.

John Wilkes Booth, antes de atirar emAbraham Lincoln, também queria ser umhomem importante. E, assim como Boothpraticou tiro ao alvo nos dias que ante-cederam o assassinato, Lee Harvey Oswaldtambém pratica.

Sterling Wood é a primeira pessoa emmuito tempo a ficar impressionada comOswald. Hoje, Oswald foi realmente bril-hante – brilhante ao disparar vários tiros nasilhueta da cabeça de um homem.

* * *

A destruição de Camelot poderia tercomeçado com a Baía dos Porcos, quandoJohn F. Kennedy fez de Fidel Castro um in-imigo permanente e enfureceu a própria CIA.

Ou poderia ter começado naquela noitede outubro de 1962 quando JFK cortou

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relações com Sam Giancana, Frank Sinatra ea máfia, e não fez nada quando seu irmãoBobby combateu diligentemente o crimeorganizado.

O fim de Camelot poderia ter se ori-ginado na Crise dos Mísseis em Cuba,quando JFK obteve uma vitória diplomáticadecisiva sobre Nikita Khrushchev e o Im-pério Soviético. Ao mesmo tempo, frustrouseus generais superiores e aquele que DwightEisenhower chamava de “complexo militar-industrial” por se recusar a iniciar umaguerra. A destruição de Camelot poderia tercomeçado de várias maneiras. De fato,começa em 18 de novembro, quando oagente especial Winston G. Lawson, daequipe de reconhecimento do ServiçoSecreto, Forrest V. Sorrels, da sucursal doServiço Secreto em Dallas, e Jesse Curry,chefe da polícia de Dallas, dirigem por dezes-seis quilômetros cuidadosamente selecion-ados de Love Field ao Trade Mart. “Inferno”,

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diz o agente especial Sorrels, olhando para asmilhares de janelas acima deles, “seríamosum alvo fácil.”

Entretanto, os agentes decidem que esteserá o itinerário do comboio presidencial.

Toda vez que o presidente dos EstadosUnidos percorre uma cidade movimentada,há um cuidadoso equilíbrio entre protegersua vida e garantir o espetáculo, reservandoespaço para ele se misturar com o povoamericano. A segurança consiste em fazercom que ele atravesse a multidão com vida, oque é difícil nos dias em que seu conversívelestá sem o teto transparente. Um trajeto per-feito para o comboio é livre de janelas altaspara que um franco-atirador possa apontaruma arma e ter rotas alternativas para o casode algo sair errado. Além disso, ruas amplasque mantêm as multidões afastadas doveículo e poucas curvas fechadas – de prefer-ência, nenhuma – ajudam a proteger o pres-idente. O trajeto do comboio em Dallas viola

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cada um desses princípios. Para fazer umacurva com o veículo presidencial, WilliamGreer, o agente do Serviço Secreto que quasesempre é o motorista de JFK, é obrigado adesacelerar a limusine consideravelmente.Isso torna o presidente um alvo fácil para umatirador. O protocolo do Serviço Secreto es-tipula que, sempre que um comboio precisardesacelerar para uma curva, os agentes de-vem fazer uma verificação prévia de todo ocruzamento. Algo simples como uma curvade noventa graus, que o comboio de Dallasencontra na esquina da Main Street com aHouston, pode levar Greer a pisar fundo nosfreios. Uma curva fechada de 120 graus,como na esquina da Houston Street com aElm, pode fazer a limusine de Kennedy re-duzir a velocidade para poucos quilômetrospor hora.

Esse é o ritmo de uma caminhada revig-orante e, através da mira potente do fuzil deum assassino, uma velocidade tão baixa pode

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tornar o corpo do presidente um alvo muitofácil. Quando isso ocorre, os agentes do Ser-viço Secreto devem se posicionar entre opresidente e a multidão, atuando como es-cudos humanos, como manda o protocolo e aprática exaustiva do treino. Ao fazê-lo, elesestudam a paisagem e olham para as janelasdos edifícios à procura de sinais de umatirador ou de um cano de fuzil. A limusinetem estribos de ambos os lados, que per-mitem que os agentes protejam o presidenteenquanto realizam a busca. Eles se seguramàs hastes metálicas para se equilibrar. No en-tanto, JFK não gosta que os agentes fiquemde pé nos estribos porque isso impede que asmultidões o vejam. Por esse motivo, eles cos-tumam dirigir outro carro logo atrás.

Mas toda essa proteção pode ser burladaquando um atirador conhece o percurso ex-ato do comboio. Assim, quando os agentesespeciais do Serviço Secreto, Sorrels eLawson, escolhem o itinerário do presidente

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em 18 de novembro e divulgam essa inform-ação para o público, qualquer um que queiracausar dano ao presidente pode começar aplanejar o lugar e a hora do ataque. Dito deoutra forma: muitas pessoas gostariam dever John F. Kennedy morto. Mas antes dasegunda-feira, 18 de novembro, não existianenhuma área em Dallas que fosse especial-mente vulnerável a armas de fogo. Agoraexiste.

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21 DE NOVEMBRO DE 1963A BORDO DO AIR FORCE ONE14h

Em suas últimas horas de vida, o presid-ente John F. Kennedy está voando com estiloa bordo do Air Force One. Ele examina osdocumentos confidenciais da inteligênciaque transbordam de sua velha pasta exec-utiva preta de pele de crocodilo. JFK fazleitura dinâmica à velocidade habitual de1.200 palavras por minuto, os óculos equilib-rados na ponta do nariz, concentrado em seuestudo. No sofá encostado na parede opostaao escritório de bordo de JFK, JackieKennedy fala suavemente em espanhol, prat-icando um discurso que fará esta noite emHouston para um grupo de mulheres latino-americanas.

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O rom-rom em castelhano da primeira-dama é um acréscimo bem-vindo ao san-tuário particular do presidente a bordo doavião. John Kennedy está tão feliz que Jackieesteja viajando ao Texas com ele que até teveo gesto pouco usual de ajudá-la a escolher asroupas que vestirá em suas muitas apariçõespúblicas. Um dos trajes, um tailleur de lãrosa da Chanel combinando com umpequeno chapéu redondo sem aba, é o fa-vorito da primeira-dama. A moda normal-mente não interessa a JFK, mas o design e adecoração do Air Force One receberamgrande parte de sua atenção. Havia trêsaviões presidenciais disponíveis quando eleassumiu o Gabinete. Qualquer um deles po-deria ser batizado de “Air Force One” sempreque o presidente estivesse a bordo. Mas essesaviões pareciam mais da Força Aérea do quepresidenciais. De fato, as palavras MilitaryAir Transport Service [Serviço Militar deTransporte Aéreo] estavam gravadas nas

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laterais. A característica predominante era afuselagem de metal não pintado.

Mas a aeronave número 26000, em queJohn Kennedy viaja agora, apresentaevolução notável. Essa nova versão presiden-cial do Boeing 707 foi entregue em outubrode 1962. E, assim como Jackie supervisionoua reforma da Casa Branca – mais um detalheestá sendo aprimorado enquanto os Kennedyvoam para o Texas: ao regressar, JFK terácortinas novas no Salão Oval –, JohnKennedy também supervisionou a reformado Air Force One. A fuselagem e as asas, porexemplo, apresentam uma ousada novapaleta de cores em azul-claro e branco, comas palavras Estados Unidos da América or-gulhosamente exibidas acima da fileira de 45janelas ovais de passageiros. Dentro, o car-pete é exuberante e os confortos materiaissão muitos, incluindo um escritório particu-lar, uma área de conferência e um quartoonde a pintura de uma casa de campo

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francesa pende sobre o colchão extrafirme dopresidente. O selo presidencial parece adorn-ar cada detalhe. JFK gosta tanto do novoavião que voou 120 mil quilômetros a bordodo 26000 em apenas treze meses.

A jornada de hoje começou às nove equinze da manhã, quando John Kennedy sedespediu de Caroline antes de ela ir para aescola no terceiro andar da Casa Branca.John Jr., que fará três anos na próxima sem-ana, teve o privilégio de viajar no helicópterocom os pais quando eles foram levados daCasa Branca até o Air Force One. O pequenousava um casaco London Fog para se pro-teger do frio de novembro e adorou opasseio.

Mas, quando o Marine One pousou napista perto do avião presidencial, o pequenoJohn implorou para seguir viagem.

– Eu quero ir – ele disse ao pai.– Você não pode – respondeu o presid-

ente em um tom amável.

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– São só alguns dias – disse a primeira-dama à criança, que chorava. – E, quandovoltarmos, será o seu aniversário.

John Jr. começou a soluçar.– John, como a mamãe disse, em pou-

cos dias estamos de volta – o presidente ex-plicou. JFK então beijou o filho e virou parao agente do Serviço Secreto a cargo da pro-teção do menino: – Tome conta de John pormim, sr. Foster – ele ordenou gentilmente.

Bob Foster achou isso pouco usual. Opresidente Kennedy nunca fazia isso, nãoimportava o quanto o seu filho chorasse àhora de se despedir.

Às onze horas da manhã, o presidentedeu um último abraço em John Jr. e pisou napista de decolagem antes de subir as escadasrumo ao Air Force One. A primeira-dama es-tava ao lado dele. Cinco minutos depois, oavião decolou de Andrews para o voo de trêshoras e meia até o Texas. John Kennedy Jr.

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observou o grande jato subir ao céu e desa-parecer na distância.

O Air Force One pousará primeiro emSan Antonio. Então, partirá para Houston edepois para Fort Worth, onde o presidente ea primeira-dama passarão a noite. Dallasvirá amanhã. O piloto pessoal de JFK, o cor-onel Jim Swindal, levará os Kennedy de FortWorth até Love Field, em Dallas. O voo serácurto, apenas treze minutos. Mas a imagemsimbólica do Air Force One descendo doscéus para pousar nessa cidade conturbadaterá muito mais impacto do que se JohnKennedy atravessasse os 56 quilômetros depradaria em uma limusine.

Agora o presidente faz uma pausa emsua leitura para acender um charuto. Jackiefoi à sua cabine particular para trocar deroupa. JFK fuma pensativo. A visita ao Texasserá politicamente delicada. Não há comosaber se as multidões serão hostis ou re-ceptivas, e ele quer que Jackie desfrute da

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viagem. Este poderia ser um grande testepara saber se ela estará disposta a fazer cam-panha com ele em 1964. JFK se levanta evolta ao aposento da família presidencial. Elebate de leve na porta e enfia a cabeça.

– Você está bem? – ele pergunta a Jack-ie. Eles logo estarão aterrissando. A esposaestá usando um vestido branco impecável.

– Estou – a primeira-dama responde,olhando-se no espelho para arrumar a boinaque acompanha o vestido e seu cinto preto.

– Eu só queria ter certeza – ele diz,fechando a porta. O presidente sente umaleve inclinação quando o Air Force Onecomeça a descer. Ele olha pela janela. Oitoquilômetros abaixo, a paisagem plana e áridado Texas ergue-se lentamente para recebê-lo.

* * *

No solo, em Dallas, Lee Harvey Oswald en-che caixas de papelão com livros enquantopreenche pedidos no Texas School Book

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Depository. Mas hoje ele está distraído, e ummapa do itinerário do comboio presidencialimpresso na primeira página da edição ves-pertina do Dallas Times Herald chama suaatenção. Oswald só precisa olhar pela janelamais próxima para ver precisamente onde alimusine do presidente fará uma lenta curvapara a direita, da Main Street para a Hous-ton, e então uma curva ainda mais lenta paraa esquerda para entrar na Elm Street, ondepassará quase debaixo das janelas do de-pósito. Dar uma boa olhada no presidenteserá tão simples quanto olhar para a rua logoabaixo.

Mas Lee Harvey Oswald está planejandofazer muito mais do que dar uma olhada. Defato, ele está tramando atirar no presidente.Há apenas um mês, poucos dias antes donascimento de sua segunda filha, Marinapercebeu sua fascinação pelos filmes Meuofício é matar e Resgate de sangue. Ambostratam do assassinato de uma autoridade do

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governo – no caso de Meu ofício é matar, dopresidente dos Estados Unidos. O casal as-sistiu aos filmes junto, e Oswald inclusivedisse a Marina que o filme parecia autêntico.Ela achou a observação estranha.

Oswald não odeia o presidente. Ele nãotem nenhum motivo para querer JFK morto.No entanto, ele se ressente do fato de que umhomem como John Kennedy tenha tantasvantagens na vida. Oswald entende bem queé mais fácil para homens que nascem comprivilégios se distinguirem. Mas além decerta dose de inveja, ele não fala mal do pres-idente. De fato, Oswald gostaria muito deimitar JFK. Acima de tudo, ele quer ser umgrande homem.

* * *

– Pode me dar uma carona até a suacasa esta tarde? – Oswald pergunta casual-mente a seu colega de trabalho WesleyFrazier.

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A casa do jovem de dezenove anos fica ameia quadra de onde Marina Oswald moracom Ruth Paine. Oswald costuma pegar car-ona até o subúrbio de Irving no Chevroletpreto quatro portas de Frazier na sexta-feirae voltar para Dallas com ele na segunda.

– Claro – responde Wesley. Eles estãono primeiro andar do Texas School Book De-pository, perto de uma mesa grande. – Vocêsabe, como eu falei, pode ir para casa comigosempre que quiser, quero dizer, sempre quequiser ver sua esposa, por mim tudo bem.

Mas então Frazier percebe que hoje nãoé sexta-feira. É quinta – e Oswald nunca vaia Irving às quintas-feiras.

– Por que você vai para casa hoje? –Frazier pergunta.

– Vou buscar uns varões para cortina –Oswald responde.

Oswald, então, rouba um pedaço de pa-pel de embrulho marrom do departamentode remessas do depósito. Ele passa o resto do

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dia criando uma bolsa onde esconder seus“varões para cortina”.

O tempo todo, enquanto dobra o papelpara formar o melhor estojo possível ondeesconder seu fuzil, Lee Harvey Oswald nãotem certeza de que matará o presidenteKennedy. O que ele quer mesmo é reatar deuma vez por todas com Marina e as meninas.Esta noite, ele vai implorar para que a esposao aceite de volta. Mas, se ela não aceitar,Oswald não terá escolha.

Tal é o nível de delírio a que chegou omundo de Lee Harvey Oswald. Ele agora sólida com absolutos: ou viver feliz parasempre – ou matar o presidente dos EstadosUnidos.

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22 DE NOVEMBRO DE 1963IRVING, TEXAS6h30

Os Oswald brigaram. De novo. Mas destavez é diferente. Desta vez acabou. Lee Har-vey está ao pé da cama no quarto apertadona casa de Ruth Paine, vestido para trabal-har, de calça cinza e camisa velha. Ele tira aaliança da mão esquerda e a joga dentro daxícara de porcelana em cima da cômoda. Umdia a aliança foi o símbolo de seu amor porMarina, mas agora é só mais uma confirm-ação do fracasso que o acompanha.

Hoje Oswald fará alguma coisa paramudar tudo isso. Hoje ele provará que não éum fracasso, mesmo que isso signifique per-der a própria vida.

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Ele deixa sobre a cômoda 187 dólaresem dinheiro como um presente de despedidapara a esposa e as filhas. Afinal, não tem ex-atamente um futuro pela frente.

Marina está deitada na cama, meioacordada. A noite passada com o marido nãofoi romântica. Oswald virou de um lado parao outro enquanto Marina se levantou duasvezes por causa do bebê. Eles não fizeramamor, embora Marina tenha arriscado umcarinho nele às três horas da manhã. Elerespondeu afastando-a com raiva.

O motivo da viagem de Oswald foi prin-cipalmente buscar o fuzil. Mas ele estava dis-posto a deixar de lado seu plano obscuro seMarina concordasse em morar com ele. Anoite inteira ele implorou à esposa uma re-conciliação. Falou do quanto sentia falta dasmeninas e até prometeu comprar uma má-quina de lavar roupas, porque sabia o quantoMarina queria uma.

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Mas Marina estava furiosa por ele tervindo visitá-la numa quinta-feira, o que eracontra as regras da casa de Ruth Paine. Porisso, as súplicas de Oswald se transformaramem mais uma briga. Ainda assim, ele nãodesistiu.

Marina, no entanto, não parece querer omarido de volta. Eles passaram a noite dolado de fora, brincando com June e Audreyna grama rala de outono do pátio de RuthPaine. Oswald implorou para que Marinavoltasse a ser sua esposa. Ela hesitou, porqueLee Harvey Oswald um dia foi o amor de suavida. Mas não cedeu.

Oswald foi para a cama cedo. Ficou ládeitado, pensando. Mesmo quando Marinase deitou, o corpo morno e cheirando a sa-bonete do banho recém-tomado, ele fingiuestar dormindo. As horas se passaram. Como tempo, ele criou coragem. Já não lherestava nada no mundo. Ele levaria o planoadiante.

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Agora, ao amanhecer, depois de se vestirpara o trabalho e deixar suas coisas sobre acômoda, Lee Harvey Oswald escuta Marinase mexer atrás dele.

– Não se levante – ele diz. – Eu mesmopreparo o café.

Ela está exausta e não tem a menor in-tenção de se levantar. Audrey se agita, e Mar-ina a acomoda para amamentá-la. Oswaldsai do quarto de mansinho, sem se despedir.

O assassino prepara uma xícara de cafésolúvel na cozinha e então vai até a garagemabarrotada de Ruth Paine para recuperar seufuzil. Ele desenrola o cobertor que está aolado de seu saco verde-oliva do Corpo deFuzileiros, deixando à mostra a carabina deinfantaria Mannlicher-Carcano de 6,5 milí-metros. Envolve a arma no papel de em-brulho marrom que havia furtado dotrabalho.

Segurando pelo cano os “varões paracortina”, ele sai da garagem, abandonando

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sua antiga vida de uma vez por todas. Às oitohoras da manhã, Oswald e Wesley Frazier es-tão chegando ao trabalho no Texas SchoolBook Depository. Oswald sai do carro semesperar Frazier desligar o motor. Ele pega opacote marrom e corre para dentro do edifí-cio antes de Frazier conseguir alcançá-lo eperguntar por que ele está com tanta pressa.

* * *

– Está chovendo – diz George Thomas,entrando na suíte de John Kennedy no hotelem Fort Worth. O mordomo do presidente odesperta precisamente às sete e meia damanhã. Uma multidão já está reunida no es-tacionamento oito andares abaixo, esper-ando ouvir Kennedy falar do alto de umcaminhão-plataforma. O público de quasecinco mil pessoas é predominantementemasculino, a maioria trabalhadores sindical-izados. Muitos estão esperando na chuva háhoras.

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– Isso é péssimo – Kennedy responde aomordomo. Ele se levanta e corre para o chu-veiro. Chuva significa que o teto transpar-ente estará instalado na limusine durante otrajeto em Dallas. Não são simples cidadãoslocais que ficarão decepcionados pelas horasde espera no frio e na chuva até o comboiopassar, impossibilitados de ver o presidentee a primeira-dama dentro do carro, maseleitores não muito influenciados a mudar ovoto nas próximas eleições.

O presidente coloca sua faixa para acoluna em volta do corpo, ajustando bem astiras. Em seguida, veste um terno azul comdois botões, uma gravata azul-escura e umacamisa branca com listras cinza, da Cardinde Paris. Ele lê os informes da CIA, prest-ando atenção ao número de baixas no Viet-nã. Depois disso, lê rapidamente vários jor-nais. O Chicago Sun-Times informa queJackie poderia ser o fator crucial para areeleição em 1964. Esta é a melhor notícia da

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viagem até agora: todos amam a primeira-dama. Visivelmente, o alvoroço sobre suasfotos de biquíni foi esquecido.

O povo do Texas grita e vibra por JFKno primeiro dia de viagem pelo estado. Mas,por mais que a ovação seja grande e que aaudiência preste atenção a cada palavra deseus discursos, a recepção não é nada cal-orosa em comparação com o modo como aesposa é acolhida. No Texas só se fala emJackie, e trazê-la com ele possivelmente foi aatitude política mais acertada que o presid-ente já tomou.

Às nove horas da manhã, John Kennedyestá de pé na parte de trás do caminhão-plataforma. Parece otimista e triunfante.

– Não há fracos em Forth Worth – elediz à multidão, em tom de aprovação. Eletem a merecida fama de não sucumbir às in-tempéries. Os trabalhadores sindicalizadossabiam que sua espera na chuva seria

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recompensada e que o discurso não seriacancelado.

– Onde está Jackie? – alguém grita.– Onde está Jackie? – escuta-se outra

voz.John Kennedy sorri e aponta para o

quarto do hotel.– A sra. Kennedy está se organizando –

ele brinca.No oitavo andar, sentada diante da pen-

teadeira, Jackie pode ouvir o discurso vindodo estacionamento. Ela gosta de escutar seunome e a facilidade com que o marido brincacom a multidão.

– Ela demora um pouquinho mais – opresidente acrescenta. – Mas, é claro, ficaum pouquinho mais apresentável do que nósquando faz isso.

A multidão cai na risada, como se opresidente fosse um grande companheiro debebida e estivesse compartilhando algum de-talhe suculento de sua vida pessoal.

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Mas a verdade é que, hoje, Jackie nãoprecisa de um pouquinho mais de tempopara se arrumar – ela precisa de muito maistempo. A primeira-dama está visivelmenteexausta ao se enfeitar diante do espelho.Fazer campanha é trabalho duro. Mas ela es-tá determinada a seguir em frente. Haveráoutra turnê pela Califórnia daqui a duas se-manas, e ela quer fazer essa viagem também.De fato, Jackie Kennedy está decidida a estarao lado do marido a partir de agora até eleser reeleito daqui a um ano.

Tudo isso é futuro. O que importa agoraé que a viagem ao Texas já está meio cam-inho andado. Tudo que Jackie tem de fazer éenfrentar o dia de hoje e depois poderá re-laxar. “Ah, Deus”, ela diz, olhando para suaimagem cansada no espelho. “Um dia decampanha pode fazer uma pessoa envelhecertrinta anos.”

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A primeira-dama não faz ideia de quehoje envelhecerá como em nenhum outro diade sua jovem vida.

* * *

A energia no estacionamento em FortWorth alimenta o presidente, que faz um dis-curso intenso e apaixonado. “Estamosavançando!”, ele exclama ao encerrar, lem-brando o público de que está cumprindo aspromessas que fez em seu discurso inauguralhá menos de três anos. A Guerra Fria estápara trás, ele diz, o tempo todo insinuandoque o futuro é uma Camelot para todos osamericanos.

Os gritos ensurdecedores de aprovaçãodaqueles milhares de trabalhadores sindical-izados e calejados é toda a prova que JohnKennedy precisa de que o Texas não é ummau lugar, afinal.

Sob uma onda de adrenalina, o presid-ente sai do palco e retorna ao hotel. Fazer

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campanha o revitaliza, mesmo em umcomeço de manhã chuvoso no Texas.

Mas, por melhor que se sinta, o presid-ente sabe que o resto da sexta-feira 22 denovembro não será fácil. Tanto do ponto devista político quanto do pessoal, ele deve es-tar em sua melhor forma se quiser convencero povo durão de Dallas.

Ou, como o presidente adverte a Jackie:“Hoje estamos indo para uma terra demalucos”.

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22 DE NOVEMBRO DE 1963TEXAS SCHOOL BOOK DEPOSITORY,DALLAS9h45

Em Dallas, a multidão de ansiosos cidadãosestá na beira da calçada em frente ao TexasSchool Book Depository. O presidente nãopassará nas próximas três horas, mas eleschegaram cedo para conseguir um bomlugar. O melhor de tudo é que parece que osol vai sair. Talvez eles consigam ver John F.Kennedy e Jackie, afinal.

Lee Harvey Oswald espreita por umajanela no primeiro andar do edifício do de-pósito, estudando a rota do presidente ondeo público o aguarda. Ele pode ver claramentea esquina da Elm Street com a Houston,onde a limusine de John Kennedy fará uma

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lenta curva para a esquerda. Isso é import-ante para Oswald. Ele escolheu um lugar nosexto andar do depósito como seu posto defranco-atirador. O andar é fracamente ilu-minado por poucas lâmpadas de sessentawatts e está vazio por causa de uma reforma.Pilhas de caixas de livros perto da janela quedá para a Elm e a Houston formarão umesconderijo natural, possibilitando queOswald coloque o fuzil para fora e aviste ocomboio na curva esperada. O atirador quehá em Lee Harvey Oswald sabe que terátempo para dois tiros, talvez até três se forrápido o bastante ao manipular o ferrolho.

Mas um disparo deve ser tudo o que eleprecisa.

* * *

O Air Force One encara o vento cruzadoquando o coronel Jim Swindal o acomoda napista de aterrissagem de Love Field, em Dal-las. John Kennedy está em êxtase.

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Observando das janelas do avião, ele vê queo tempo ficou ensolarado e quente e queoutra grande multidão texana espera pararecebê-lo. “Esta viagem está se revelando ex-traordinária”, ele confidencia alegrementepara Kenny O’Donnell. “Aqui estamos, emDallas, e parece que tudo no Texas estará anosso favor!”

Carros de polícia circundam o campo.Há policiais até nos telhados. Mas essas sãoas únicas visões sinistras no aeroporto. Poisas cerca de duas mil pessoas presentes nafesta de boas-vindas estão radiantes ao ver oAir Force One tocar o solo, na primeira vezque um presidente visita Dallas desde 1948.Homens altos ficam na ponta dos pés paraver por sobre a multidão à frente. Os fun-cionários do aeroporto abandonam suas me-sas dentro do terminal e se acotovelam pertoda cerca de arame que separa a pista de ater-rissagem do estacionamento. O U.S. AirForce C-130, que carrega a limusine blindada

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do presidente, pousa e abre sua rampa decarga. O teto transparente permanece abordo do avião. O teto conversível está com-pletamente abaixado. Um repórter de umaemissora de TV local, que está cobrindo o es-petáculo ao vivo, relata com entusiasmo quenão há nem sinal do teto transparente e queas pessoas conseguirão ver o presidente e aprimeira-dama “em carne e osso”. O repórtertambém lembra aos telespectadores que opresidente regressará a Love Field entre“duas e quinze e duas e meia da tarde” paraseguir viagem para Austin.

Lyndon Johnson e a esposa, Lady Bird,esperam o presidente na pista, como fizeramem cada etapa da viagem pelo Texas. O tra-balho do vice-presidente é ficar ao pé darampa e receber o presidente. Johnson nãoestá feliz com essa designação, mas elecoloca um sorriso no rosto quando Jackiesurge da porta traseira do avião, radiante notailleur rosa da Chanel com o chapéu

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combinando. Dois passos atrás, e visto empessoa pela primeira vez pelo povo de Dallas,vem John Kennedy. “Vejo o bronzeado deledaqui!”, solta o repórter da TV local.

O plano oficial é que JFK vá direto parasua limusine e se una ao comboio, mas emvez disso ele para e se dirige ao povo. Nãosatisfeito com distribuir alguns apertos demão, o presidente se mete na multidão, ar-rastando Jackie consigo. Os dois per-manecem cercados por esse muro de pessoaspor mais de um minuto, para delírio geral.Então, o presidente e a primeira-dama res-surgem, só para se embrenhar em outraparte do público.

“Uau, isso não se vê todo dia”,entusiasma-se o repórter. “É um bônus paraas pessoas que esperaram aqui!”

O presidente e a primeira-damaprosseguem com os apertos de mão duranteo que parece uma eternidade para sua equipede segurança pessoal, nervosíssima.

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“Kennedy está mostrando que não temmedo”, anota em seu caderno Ronnie Dug-ger, do Texas Observer.

Finalmente, John e Jackie Kennedy abr-em caminho até a limusine presidencial.Esperando por eles estão o governador JohnConnally e a esposa, Nellie. Há três fileirasde assentos no veículo. Na da frente está omotorista, Bill Greer, de 55 anos. À suadireita senta-se Roy Kellerman, que, comoGreer, é um agente do Serviço Secreto delonga data. O agente especial Kellerman tra-balha na equipe de segurança da CasaBranca desde os primeiros dias da SegundaGuerra Mundial. Protegeu os presidentesRoosevelt, Truman, Eisenhower e agoraKennedy.

JFK está no banco de trás, do ladodireito, ajeitando o cabelo depois de sua in-cursão pelo público. Jackie está à sua es-querda. A primeira-dama recebeu um buquêde rosas vermelhas ao desembarcar em

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Dallas, que agora estão sobre o assento entreela e o presidente.

O governador Connally senta-se logo defrente ao presidente, na fileira do meio, comassentos removíveis. Connally tira seuchapéu de vaqueiro para que as multidõespossam vê-lo. Nellie senta-se de frente paraJackie e, logo atrás do motorista, o agenteespecial Greer.

Quando o comboio sai de Love Field às11h55 da manhã, a limusine presidencial –codinome SS-100-X – é o segundo carro nafila, escoltado de cada um dos lados porquatro motocicletas.

À frente está um carro cheio de agentesdo Serviço Secreto e policiais da região, entreos quais o chefe de polícia de Dallas, JesseCurry, e o agente especial do Serviço Secreto,Winston Lawson.

Atrás do veículo de John Kennedy estáum conversível de codinome Halfback. Osdois principais homens de Kennedy na Máfia

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Irlandesa, Dave Powers e Kenny O’Donnell,estão lá, cercados por agentes do ServiçoSecreto, armados com revólveres e pistolasautomáticas. Clint Hill, encarregado da se-gurança pessoal da primeira-dama, está depé no estribo esquerdo do Halfback. Osagentes especiais Bill McIntyre, John Readye Paul Landis também estão apoiados nosestribos.

O quarto carro é uma limusine conver-sível que foi alugada na cidade para o vice-presidente. Quando os veículos se afastam deLove Field, é visível que LBJ está irritado ede cara feia. Enquanto todos os outros políti-cos no comboio estão acenando para as mul-tidões, ele olha para a frente e não sorri. Naretaguarda está o quinto carro, de codinomeVarsity, cheio de policiais do estado do Texase quatro agentes do Serviço Secreto.

Bem à frente do comboio, a vários car-ros de distância do SS-100-X, o chefe depolícia de Dallas, Jesse Curry, tem o

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compromisso de fazer com que a visita dopresidente tenha o mínimo de incidentespossível. Curry, hoje com cinquenta anos,sempre trabalhou em segurança pública.Além de fazer carreira na polícia de Dallas,ampliou seus conhecimentos entrando paraa Academia do FBI. Ele participou de quasetodos os passos e detalhes do planejamentoda visita de John Kennedy e designou 350policiais – um terço de seus homens – paraacompanhar o trajeto do comboio, cuidar dasegurança na chegada do presidente ao aero-porto e policiar a multidão durante o dis-curso em Trade Mart.

No entanto, Curry escolheu não posi-cionar nenhum homem nos arredores daDealey Plaza, acreditando que as principaisdificuldades no controle da multidão aconte-cerão antes desse destino. Depois que o com-boio sair da Houston Street e entrar na Elm,passa debaixo de um viaduto, vira à direitana Stemmons Freeway e atravessa uma área

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relativamente calma até chegar a TradeMart. Melhor concentrar seus oficiais nas vi-as mais movimentadas ao longo do percurso,em vez de desperdiçá-los em um lugar ondehaverá poucas pessoas.

Curry também ordenou que seus ho-mens ficassem voltados para a rua, em vez depara a multidão, pensando que não seriauma má ideia eles verem o homem que estãoprotegendo, como uma recompensa pelaslongas horas que ficarão de pé. Isso ignora oexemplo da cidade de Nova York, onde ospoliciais ficam de costas para a rua, pois as-sim podem ajudar o Serviço Secreto a pro-teger o presidente examinando as muitasjanelas da cidade à procura de sinais dapresença de um franco-atirador.

Mas isso não importa durante osprimeiros quilômetros do comboio, que sãotranquilos. Há tão pouco a fazer e tão poucaspessoas para ver que Jackie, aborrecida,coloca os óculos escuros e começa a acenar

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para os cartazes, só por diversão. Os fun-cionários administrativos da Lemmon Aven-ue são poucos e não demonstram entusi-asmo. Preferem desfrutar do intervalo do al-moço antes de voltar à fábrica da IBM.

* * *

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Exatamente no mesmo instante é horado almoço no Texas School Book Depository.A maioria dos colegas de trabalho de LeeHarvey Oswald saiu do edifício, na esperançade conseguir ver o presidente.

A poucos metros dali, o agente especialdo FBI James Hosty se esqueceu completa-mente de investigar Lee Harvey Oswald e sóestá tratando de pôr o olho em seu herói, opresidente Kennedy.

Lee Harvey Oswald não trouxe comidapara o trabalho hoje. E não planeja almoçar.Em vez disso, ele move uma pilha de caixasno sexto andar imundo do edifício do de-pósito, dando forma a um posto de tiro bemescondido.

Às 12h24, quase trinta minutos depoisque o comboio saiu, o carro do presidentepassa pelo agente especial James Hosty naesquina da Main Street com a Field. O agentedo FBI realiza seu desejo de ver Kennedy em

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pessoa, antes de dar meia-volta e caminharaté o Alamo Grill para almoçar.

Às 12h28, o comboio entra em umbairro pobre do centro. Logo em frente, abela grama verde da Dealey Plaza é clara-mente visível. Os agentes do Serviço Secretoestão impressionados com a recepção que opresidente está tendo: as pessoas festejam eaplaudem em toda parte.

Às 12h29, o comboio faz a fatídica curvafechada para a direita, entrando na HoustonStreet. Do alto, em sua toca de franco-atirador no sexto andar, Lee Harvey Oswaldvê John F. Kennedy pessoalmente pelaprimeira vez. Depressa, ele aponta oMannlicher-Carcano, mirando pelo telescó-pio enquanto o comboio contorna a DealeyPlaza.

As multidões aqui ainda são numerosase entusiásticas, apesar da previsão de Curryde que teriam diminuído nesse ponto. Aspessoas gritam para que Jackie e o

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presidente apareçam. Como se houvessemcombinado, JFK acena para as pessoas àfrente dos edifícios do lado direito da rua,enquanto Jackie acena para as que estão naDealey Plaza, à esquerda. Isso garante quenenhum eleitor vá embora sem um aceno. Ocomboio está a apenas cinco minutos deTrade Mart, onde Kennedy fará seu discurso.Quase lá.

Dentro da limusine presidencial, NellieConnally para de acenar a tempo de olharpor sobre o ombro direito e sorrir para JohnKennedy.

– O senhor certamente não pode dizerque Dallas não o ama, sr. presidente.

Ironicamente, no mesmo instante, seJFK tivesse olhado para o sexto andar doTexas School Book Depository, ele teria vistoum cano de fuzil saindo por uma janelaaberta, apontado direto para sua cabeça. MasKennedy não olha para cima. Nem o ServiçoSecreto.

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São 12h30. Chegou a hora de o agenteespecial Bill Greer conduzir o SS-100-X pelacurva de 120 graus para a esquerda, saindoda Houston e entrando na Elm.

* * *

A maioria das pessoas vive a vida comose o fim estivesse sempre longe. Elas medemos dias em amor, risadas, conquistas e per-das. Há momentos de sol e de tempestade.Há compromissos, ligações telefônicas, an-siedades na carreira, alegrias, viagens exótic-as, comidas preferidas, romance, vergonha efome. Uma pessoa pode ser definida por suaroupa, pelo cheiro de seu hálito, pelo modocomo penteia o cabelo, pela forma do torsoou mesmo pelas companhias que mantém.

No mundo inteiro, as crianças amamseus pais e esperam amor em troca. Elasficam felizes quando sentem uma carícia ma-terna ou paterna no rosto. E, mesmo nospiores dias, cada pessoa tem sonhos sobre o

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futuro – sonhos que às vezes se tornamrealidade.

Assim é a vida.Mas a vida pode terminar em um piscar

de olhos.

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22 DE NOVEMBRO DE 1963DEALEY PLAZA, DALLAS, TEXAS12h14

Antecipando a chegada do presidente dosEstados Unidos, um estudante de ensino mé-dio chamado Aaron Rowland e sua esposa,Barbara, aguardam na Dealey Plaza. Ao ol-har para o Texas School Book Depository, elevê a silhueta de um homem contra umajanela de esquina no sexto andar. Umcaçador aficionado, Rowland percebe que ohomem está segurando um fuzil na posiçãode cruzar armas – em diagonal à frente docorpo, com uma mão na coronha e a outra nocano. É assim que um fuzileiro naval segur-aria a arma enquanto espera para dispararno polígono de tiro.

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Rowland está fascinado, mas pelosmotivos errados.

– Quer ver um agente do ServiçoSecreto? – ele pergunta à esposa.

– Onde?– Naquele prédio, ali – ele responde,

apontando.Seis minutos depois, e dez minutos

antes de o comboio chegar à Dealey Plaza,Ronald Fischer e Robert Edwards, que tra-balham no escritório de auditoria docondado, perto dali, olham para cima e veemum homem parado na janela do sexto andar.“Ele nunca se moveu”, Fischer lembrarámais tarde. “Ele nem piscava os olhos.Estava só olhando, feito uma estátua.”

No mesmo instante, Howard L. Bren-nan, um encanador da região, usa a mangade sua camisa cáqui para secar o suor datesta. Isso o faz pensar em como o dia estáquente. E então ele olha para o painel daHertz no alto do telhado do Texas School

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Book Depository, que mostra a hora e a tem-peratura. Ao fazer isso, ele identifica umhomem misterioso completamente imóvel,posicionado na janela superior para atirar.

Mas logo vem o som de euforia à medidaque o comboio se aproxima. Na Main Street,as multidões ocupam faixas de três a seismetros de largura, e seu barulho ecoa pelasruas estreitas ladeadas de janelas do centrode Dallas. Em meio a toda a empolgação, avisão de um homem parado em uma janelaempunhando um fuzil é esquecida. O presid-ente está perto. Nada mais importa.

* * *

Lee Harvey Oswald teria preferido atirardeitado, com a barriga no chão. É a posiçãoideal para um atirador. Quando o corpo estánessa posição, o fuzil não é sustentado pelomúsculo, que pode se cansar ou se contrair;em vez disso, o chão duro e os ossos dos

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antebraços direito e esquerdo formam umtriângulo perfeito e estável.

Mas Oswald não tem opção. Ele terá queatirar de pé. Mas, sendo um atirador veter-ano, ele sabe manter o corpo o mais quietopossível. Agora ele se apoia firmemente con-tra o batente esquerdo da janela e pressionaa parte de trás da carabina italiana contra oombro direito. A madeira arranhada dacoronha está contra seu queixo, como estevedurante tantas horas no polígono de tiro como fuzil M-1 em sua época no Corpo de Fuz-ileiros. Seu dedo indicador direito estácurvado ao redor do gatilho de 33 anos.

Lee Harvey Oswald espreita a miratelescópica com 4x de aumento, que faz acabeça de John Kennedy aparecer como seestivesse a pouco mais de meio metro de dis-tância. Oswald sabe que o tempo é curto. Eleconseguirá dar dois tiros com certeza. Três,se for rápido. Ele provavelmente tem novesegundos.

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Vendo o alvo com nitidez, Oswald exala,aperta o gatilho e, quando sente o fortetranco do fuzil contra seu ombro, puxacalmamente o ferrolho para carregar maisuma bala. Ele não sabe dizer se o primeirotiro causou grande estrago. Mas isso não im-porta. Oswald precisa atirar outra vezimediatamente.

O assassino é um homem impulsivo etalvez ainda menos capaz de evitar o fluxo deadrenalina que correria pelo corpo dequalquer homem depois de disparar um fuzilde alta potência contra o presidente dosEstados Unidos. No instante em que umhomem comete um ato como esse, sua vida étransformada para sempre. Não há comovoltar atrás. Daquele segundo em diante, eleserá caçado até os confins da terra. Talvezpasse o resto da vida na prisão. Talvez sejaexecutado.

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A coisa sensata a fazer depois de dis-parar um tiro no presidente é jogar o fuzil nochão e correr.

Mas se o primeiro tiro falhou, comoaquele disparado contra o general Walker emabril, e o presidente continuar vivo, Oswaldparecerá um idiota. E essa é a última coisaque ele quer. Não, seu plano é matar JohnFitzgerald Kennedy. E Lee Harvey Oswaldexecutará esse plano. Ele não pensa duasvezes. Oswald atira de novo.

O som do segundo tiro não é abafadopela multidão lá embaixo. É tão alto que ar-ranca pedaços do teto de gesso dentro doTexas School Book Depository, e estilhaça asvidraças das janelas ao lado das quais LeeHarvey Oswald se encontra.

Aproximadamente 8,4 segundos depoisde disparar o primeiro tiro, Lee HarveyOswald aperta o gatilho pela terceira vez. Eentão vai embora. Derruba a carabina itali-ana, agora desnecessária, e sai de trás da

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torre de caixas de livros onde se escondia.Ele corre para dar o fora do depósito.

Marrion L. Baker, um policial de Dallas,corre para o prédio e sobe as escadas. Apont-ando a arma para Oswald, o policial o detémno segundo andar, mas o libera quando ficaclaro que Lee Harvey é funcionário do TexasSchool Book Depository.

Sessenta segundos depois, Lee HarveyOswald sai do edifício do depósito e ganha asruas ensolaradas desta tarde de dezoitograus em Dallas. Contrariando todas asprobabilidades, o assassino está escapando.

* * *

Testemunhas auriculares na DealeyPlaza mais tarde confirmarão que os trêstiros foram disparados do depósito. Um dostiros erra totalmente o carro do presidente.Décadas depois ainda se especula se foi oprimeiro ou o terceiro. Mas permanece o fatode que dois dos tiros acertaram o alvo.

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O primeiro impacto atinge o presidentena parte debaixo da nuca. Viajando a 580metros por segundo, a bala de 6,5 milímetrosde diâmetro atravessa a traqueia do presid-ente e sai de seu corpo pelo nó apertado desua gravata azul-escura. Nenhum osso équebrado e, embora seu pulmão direito es-teja ferido, o coração e os pulmões ainda fun-cionam perfeitamente.

O presidente está muito ferido, mas con-tinua vivo. Ele tem dificuldade de respirar,pois o sangue inunda sua traqueia. Não fossepor isso, o tiro do fuzil provavelmente não oteria matado.

Não se pode dizer o mesmo do gover-nador do Texas, John Connally. Seu assentoremovível, logo em frente o do presidente, équase oito centímetros mais baixo que obanco onde JFK está sentado. A balísticamostra que a bala que atravessou Kennedydepois atingiu as costas de Connally.

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O governador havia virado o corpo justoantes de Oswald disparar. Ele estava tent-ando falar com o presidente cara a cara.Assim, a chamada “bala mágica” (que viajavaa pouco mais de 520 metros por segundo)consegue perfurar a pele de Connally e at-ravessar seu corpo, saindo abaixo do ladodireito de seu peito. Mas a bala mágica aindanão terminou. Perfura o pulso do governadore, ao atingir o osso, desvia e penetra sua coxaesquerda, onde finalmente se aloja.

O impacto derruba o governador Con-nally para a frente, dobrando-o ao meio. Seupeito se banha de sangue. “Não, não, não,não”, ele grita, “eles vão matar nós dois.”

Roy Kellerman tem a impressão de ouviro presidente gritar “Meu Deus, fui atingido”e, ao virar, vê por sobre o ombro esquerdo ohomem cujo sotaque de Boston ele conhecetão bem. Kellerman vê, com toda a certeza,que JFK foi atingido. O presidente Kennedye o governador Connally estão a apenas seis

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quilômetros e meio do hospital Parkland. Lá,uma equipe de cirurgiões de emergênciapode salvar a vida deles. Cabe ao motoristado Serviço Secreto, Bill Greer, levá-los até lá.Mas o motorista do SS-100-X também olhoupara trás para verificar o estado do presid-ente. Essa distração significa que a limusineoscila de um lado para outro em vez de acel-erar rumo à sala de emergência. QuandoGreer retorna ao volante, ainda há tempo desalvar o presidente. Tudo que ele precisafazer é acelerar.

Mas o choque do que aconteceu aindanão foi assimilado. Não por Greer. Nem porKellerman. Nem mesmo por Jackie, que sevolta para JFK. E a limusine presidencialcontinua andando muito devagar pela ElmStreet.

* * *

O agente especial do Serviço SecretoClint Hill, a cargo da equipe de segurança

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pessoal da primeira-dama, escuta o tiro eparte para a ação. Saltando do estribo noHalfback, o veículo logo atrás da limusine dopresidente, Hill avança correndo em umatentativa de pular na pequena plataformaque sai da parte de trás do carro dopresidente.

Enquanto isso, JFK está inclinado paraa esquerda, mas ainda de pé. Em um gestoamoroso, Jackie envolve o rosto do maridoem suas mãos. A primeira-dama olha dentrodos olhos do presidente para entender o quehá de errado com ele. A distância entre seurosto bonito e sem marcas de expressão e orosto bronzeado e atônito de John Kennedy éde uns quinze centímetros.

O torso de um homem normal teria sidolançado ainda mais para a frente pela forçade uma bala em seu corpo a uma velocidadeque é quase duas vezes à do som. Isso é pre-cisamente o que aconteceu com o gover-nador Connally. Se John F. Kennedy

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houvesse sido empurrado para a frente, elepoderia ter vivido por muitos anos.

Mas agora a longa e dolorosa batalha dopresidente com os problemas de coluna otorturam uma última vez.

A faixa que ele usa para as costasmantém seu corpo ereto. O presidente atornou mais rígida esta manhã, envolvendonão só a faixa, mas também suas coxas, comuma densa camada de ligaduras.

Não fosse pela faixa, a bala seguinte,menos de cinco segundos depois, teria pas-sado sobre sua cabeça. Mas não. A balaseguinte explode seu crânio.

* * *

O diâmetro da ferida provocada pelo se-gundo impacto é só um pouco maior que ode um lápis número dois. A alta velocidadefaz com que a bala atravesse o cérebro dopresidente e saia pela frente do crânio, emvez de se alojar lá dentro como a bala mais

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lenta que matou Abraham Lincoln. QuandoLincoln foi assassinado, os médicos inseri-ram algo chamado sonda de Nélaton em seucérebro. Essa vareta fina e flexível com pontade porcelana seguiu o caminho do ferimentoaté que a ponta encontrou a bala sólida demetal disparada pela pistola de John WilkesBooth. O caminho da bala foi extremamentelinear.

Mas a bala de 6,5 milímetros disparadapor Lee Harvey Oswald é um pedaço dechumbo muito mais cruel. Uma bala tão finapode parecer insignificante, mas é capaz deabater um veado a 180 metros de distância.

Esse míssil revestido de cobre põe fim àvida de John F. Kennedy em um instante.Mal desacelera enquanto atravessa a ternamassa cinzenta do cérebro antes de explodira fina parede óssea ao sair pela frente de seucrânio.

Os braços de Jackie continuam em voltado marido quando a frente de sua cabeça

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explode. Cérebro, sangue e fragmentos deosso banham o rosto da primeira-dama e seutailleur rosa da Chanel; salpicam até mesmoos quebra-sóis do para-brisa da limusine.

Como é seu costume quando algumacoisa bagunça seu cabelo, John Kennedy,num ato reflexo, tenta ajeitar a parte de cimada cabeça com a mão. Mas agora a parte decima de sua cabeça já não está lá.

* * *

Não há nenhuma chance de ressuscitá-lo com uma respiração boca a boca, como setentou quando Lincoln jazia moribundo nochão do camarote do Teatro Ford. Nãohaverá vigília noturna, como com Lincoln,para que os amigos e os entes queridos pos-sam acompanhar JFK em seus momentosfinais, assimilando aos poucos a dor daperda iminente, e talvez pronunciando algu-mas palavras sinceras sobre o quanto amamJohn Fitzgerald Kennedy. O homem que

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nadou quilômetros para salvar os homens doTP-109, que apertou as mãos de reis e rain-has e primeiros-ministros, que inspirou omundo inteiro com seus discursos ousados esua profunda crença no poder da democraciae da liberdade, que acariciou as bochechas deseus filhos, que suportou a perda de tantosfamiliares queridos e que enfrentou cara acara homens que, não fosse por isso, poderi-am ter destruído o mundo, teve mortecerebral.

* * *

Mal sabem os espectadores, horroriza-dos, mas historiadores e teóricos da conspir-ação, e também cidadãos comuns nascidosanos depois desse dia, questionarão se LeeHarvey Oswald agiu sozinho ou se teve ajudade outros. As autoridades federais examin-arão a balística e usarão um cronômetro paramedir com que rapidez um homem é capazde mirar e recarregar um Mannlicher-

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Carcano 6,5 milímetros. As pessoas maisvariadas se autonomearão especialistas emvídeos caseiros do assassinato em baixa res-olução, em colinas gramadas, e nos muitosmalfeitores que ansiavam para ver John F.Kennedy afastado do poder.

Os argumentos conspiratórios se torn-arão tão convincentes e tão intricados queum dia ameaçarão sobrepujar a tragédia de22 de novembro de 1963.

Então, que fique registrado, de uma vezpor todas, que às 12h30 de uma tarde ensol-arada de sexta-feira em Dallas, Texas, JohnFitzgerald Kennedy é morto a tiros num pis-car de olhos. Deixa uma bela viúva. Deixaduas crianças adoráveis. Deixa uma naçãoque o ama.

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22 DE NOVEMBRO DE 1963DALLAS, TEXAS12h31

Dentro da limusine presidencial, é o caos.“Ah, não, não, não. Ah, meu Deus. Eles

atiraram no meu marido. Eu te amo, Jack”,chora Jackie Kennedy.

A primeira-dama não se lembrará doque faz nos segundos depois que o marido ébaleado. Ela está em choque. No futuro, elase verá nos vídeos e sentirá como se estivesseassistindo outra mulher. Os filhos a pro-tegerão arrancando dos livros as imagens doassassinato antes que ela as veja.

“Eles mataram meu marido”, Jackie dizpara cada uma das pessoas. À frente, o mo-torista Bill Greer e o agente especial RoyKellerman estão informando por rádio que o

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presidente foi atingido. O governador Con-nally ainda está consciente, mas desfale-cendo depressa. Sua esposa, Nellie, jogou ocorpo sobre o dele. Com isso, Jackie está soz-inha no banco de trás, o corpo sem vida dopresidente apoiado contra o dela. “Há ped-aços de cérebro na minha mão”, ela grita. Eentão Jackie se levanta e sai do banco. Elaestá em uma missão.

O agente especial do Serviço SecretoClint Hill sabe exatamente o que a primeira-dama está fazendo. Em vez de permanecersentada junto ao corpo do marido, ela está searrastando para o porta-malas da limusinepresidencial em movimento a fim de recolherpedaços de crânio e de cérebro que cobrem ometal azul escuro. Alguns fragmentos têmcor de carne, com a pele ainda grudada.Atrás dela, o corpo do presidente continuaereto, embora pendendo para a esquerda. Doferimento em sua cabeça, jorram torrentesde sangue, encharcando suas roupas e as

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rosas sobre o banco e derramando no chãodo veículo.

“Meu Deus, ela vai voar pelo fundo docarro”, Hill pensa enquanto pula na pequenaplataforma presa à parte de trás do Lincoln.Para o agente especial Hill, o tiro que matouo presidente fez o barulho de um “melão ex-plodindo no cimento”. Respingos da cabeçado presidente cobrem o rosto e as roupas deHill, já que ele e a bala fatal foram simul-taneamente ao encontro de Kennedy.

Os olhos da primeira-dama se enchemde pavor. Seu rosto está coberto de sangue emassa cinzenta. Esta é uma mudança brutalpara uma mulher tantas vezes consumidapela preocupação de se apresentar sempreelegante. Mas Jackie não se importa nem umpouco. “Meu Deus, eles explodiram a cabeçadele”, ela grita.

Hill está a poucos centímetros de JackieKennedy quando Bill Greer acelera rumo aohospital Parkland. O SS-100-X é um veículo

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gigantesco, especialmente modificado paraser usado pelo presidente. Além dos assentosremovíveis no meio do veículo – que exigemque a distância entre os eixos seja 3,86 met-ros, em vez dos 3,38 metros de um Lincolnde fábrica –, o carro pesa quase quatro tone-ladas. O motor de 350 cavalos é seu pontofraco, impossibilitando-o de acelerar rápido.Mas, quando o veículo alcança velocidade,corre pela autopista com uma forçaimbatível.

Que é precisamente o que está fazendoagora. Dispersando as motocicletas daescolta policial, Bill Greer pisa fundo no acel-erador. Clint Hill, tratando de evitar queJackie Kennedy caia do veículo, quase voa dopara-choque ele mesmo. Sua mão alcançauma haste no porta-malas, colocada ali espe-cialmente para servir de apoio para osagentes do Serviço Secreto. Agora ele seagarra com toda a força usando apenas umamão, e com a outra tenta alcançar Jackie,

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enquanto a limusine vai como um foguetepela Elm Street. Hill agarra o cotovelo deJackie, o que enfim lhe permite se equilibrarsobre o porta-malas da limusinepresidencial.

A principal função de Hill é protegerJackie Kennedy. Enquanto pressiona o corpocom força contra o porta-malas e segurafirme, ele a empurra de volta ao banco detrás. O corpo do presidente cai no colo dela.Ela segura a cabeça dele com suas mãosvestidas em luvas brancas, ninando-o comose ele simplesmente tivesse caído no sono.“Jack, Jack. O que fizeram com você?”

À frente, o motorista Bill Greer dependedo chefe Curry para conduzir a limusine dopresidente ao hospital Parkland, que fica aseis quilômetros e meio dali.

Ainda agarrado ao porta-malas, ClintHill vira para trás e olha para o Halfback,onde os agentes do Serviço Secreto con-tinuam em pé nos estribos. Ele faz contato

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visual com o agente especial Paul Landis, eentão balança a cabeça e estende a mão como polegar para baixo.

O agente especial Emory Roberts vê ogesto de Hill e no mesmo instante se comu-nica por rádio com os agentes que protegemLyndon Johnson. Com um polegar parabaixo, Clint Hill confirmou que LyndonBaines Johnson é agora o presidente dosEstados Unidos. Proteger a vida dele passa aser a prioridade número um do ServiçoSecreto.

No banco de trás do Lincoln, JackieKennedy segura a cabeça do presidente echora em silêncio. “Ele está morto. Eles omataram. Ah, Jack, ah, Jack, eu te amo.”

* * *

Lee Harvey Oswald está fazendo tudocerto. Ele está caminhando pela Elm Streetem direção ao leste para tomar um ônibus. Opânico e o caos que agora definem a Dealey

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Plaza se perdem na distância. Ninguémparou Oswald. Neste momento, ninguémnem sequer suspeita dele.

Enquanto isso, seu plano de fuga poucoa pouco ganha forma. Por enquanto, o assas-sino está a caminho da pensão onde morapara pegar sua pistola – só por via dasdúvidas.

* * *

A chamada de rádio de “Código 3” signi-fica uma emergência da maior importânciapara os hospitais de Dallas. O termo quasenunca é usado. Então, quando a atendenteAnne Ferguson, do hospital Parkland, pedemais detalhes, eles informam simplesmente:“O presidente foi baleado”. São 12h33.

Três minutos depois, a limusine presid-encial entra acelerando no hospital Parklande passa voando pela placa que diz “Somentecasos de emergência”. Bill Greer estaciona nomeio de três vagas de ambulâncias.

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Mas não há nenhuma maca esperando,nenhuma equipe de emergência correndopara socorrer o presidente. Por incrível quepareça, o hospital não estava preparado paraum atendimento imediato em virtude deuma pane no sistema de comunicação. Aequipe de traumatologia mal foi notificada.Portanto, as pessoas dentro da limusinepresidencial apenas esperam. Nellie Con-nally está deitada sobre o marido, enquantoJackie, gemendo, segura a cabeça de JohnKennedy.

O Halfback estaciona logo atrás doSS-100-X. Dave Powers e Kenny O’Donnell,homens que estiveram nas trincheiras polít-icas com JFK desde a campanha para o Con-gresso em 1946, correm para o Lincoln, es-perando o melhor. O presidente ainda temum pulso débil – que continua a bombeargota após gota de sangue pelo ferimento emsua cabeça.

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– Levante-se – o agente especial do Ser-viço Secreto Emory Roberts ordena a JackieKennedy.

Jackie não se mexe. Ela posicionou osbraços e o casaco para que ninguém possaver o rosto ou a cabeça de JFK. A primeira-dama não quer que o marido seja lembradodessa maneira.

Roberts delicadamente ergue o braço deJackie para poder ver por si mesmo se opresidente está morto. Um olhar é tudo deque ele precisa. Roberts recua.

Dave Powers vê as pupilas fixas fitandosem vida a distância e irrompe em lágrimas.O’Donnell, que serviu no Corpo Aéreo doExército durante a Segunda Guerra Mundial,relembra seus dias de soldado e assume aposição de sentido, em um entorpecido sinalde respeito.

Mesmo se Jackie tentasse se mexeragora, ela não teria para onde ir. O corpocaído de John Connally bloqueia a porta do

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carro, o que significa que o governador doTexas precisa ser deslocado antes que o pres-idente dos Estados Unidos possa ser retiradodo veículo. É Dave Powers, e não os fun-cionários do hospital, quem finalmenteenxuga as lágrimas, ergue Connally pelaspernas e o coloca em uma maca. O gover-nador está consciente, embora só um pouco.Seus ferimentos representam risco de vida, eos médicos da emergência em Parkland es-tarão muito ocupados hoje tentando salvar avida de Connally. (Eles conseguirão – aomenos uma notícia boa neste dia tão brutal.)

Connally foi levado para a Sala de Trau-matologia no 2 e já não está obstruindo aporta do carro, mas Jackie Kennedy ainda serecusa a deixar o marido. Ao deixá-lo ir, elasabe que é para sempre. Esta será a últimavez que ela o abraça. A primeira-dama curvao corpo para a frente, apoiando o peito con-tra o rosto empapado de sangue do presid-ente. Ela chora em silêncio, apertando o

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corpo contra o do marido com cada vez maisforça.

– Sra. Kennedy – diz o agente especialClint Hill –, por favor, deixe-nos ajudar opresidente.

Jackie não responde. Mas ela conheceaquela voz. É o comando suave de umhomem que a protegeu do perigo dia e noite.

A voz de Clint Hill é a única voz queJackie escuta em seu doloroso momento dechoque.

Com delicadeza, Hill coloca a mão noombro dela. A primeira-dama treme,sofrendo.

A aglomeração silenciosa de agentes doServiço Secreto e funcionários dos Kennedyao redor do Lincoln não pronuncia uma pa-lavra. Os segundos passam.

– Por favor, sra. Kennedy. Deixe-noslevá-lo ao hospital – Hill implora.

– Eu não o deixarei ir, sr. Hill – dizJackie.

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– Nós precisamos levá-lo para dentro,sra. Kennedy.

– Não, sr. Hill. Você sabe que ele estámorto. Deixe-me sozinha.

Jackie chora. Seu corpo sacode, atraves-sado pela dor.

Hill percebe uma coisa. Já é terrível queela esteja vendo o homem que ama com acabeça estourada, mas ela não quer que nin-guém mais o veja assim. E quando a mídiachega ao hospital Parkland em meio àPiedade solitária de Jackie, não há nada nomundo que a faça permitir que John Fitzger-ald Kennedy seja fotografado nesse estado.Clint Hill está exausto. Ele trabalhou horasseguidas nesta viagem e passou com poucacomida e ainda menos horas de sono. Masnão há nada que ele não faça por JackieKennedy. Sabendo no mesmo instante queesta é a coisa certa a fazer, o agente especialHill tira seu paletó e o coloca gentilmentesobre o corpo do presidente.

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Jackie Kennedy, o tailleur rosa e asluvas brancas agora cobertos com o sangueabundante do presidente, envolve a cabeça eo torso do marido com o paletó de Clint Hill.

Então, pela última vez, JacquelineBouvier Kennedy solta o homem que ama. Opresidente é colocado em uma maca e levadoàs pressas para a Sala de Traumatologia no 1;os que estão empurrando a maca seguem alinha vermelha no piso. As paredes sãoazulejadas de bege, e sobre o peito do presid-ente está o buquê de rosas ensanguentadas,que grudaram em seu corpo.

* * *

A cerca de seis quilômetros e meio dacena sangrenta do hospital, Lee HarveyOswald toma um ônibus na esquina da ElmStreet com a Murphy e conclui sua fuga.

* * *

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O assassinato de Abraham Lincoln emabril de 1865 foi uma rede de conspirações.Na mesma noite em que Lincoln foi mortono Teatro Ford, também havia planos dematar o vice-presidente e o secretário deEstado. Se aqueles planos houvessem se con-cretizado, o alto escalão do governo amer-icano teria sido decapitado.

Assim que o primeiro tiro é disparadoem Dallas, aqueles acontecimentos longín-quos logo vêm à memória. Tomam-se medi-das imediatas para garantir que uma possívelconspiração não seja consumada. Váriosmembros do Gabinete estão a oeste doHavaí, a caminho do Japão. Uma chamadade rádio ordena que eles deem meia-volta eregressem ao país.

O vice-presidente Lyndon Johnson estásob observação constante desde o instanteem que sua limusine alugada chega ao hos-pital Parkland. Ele é levado às pressas a umapequena baia branca na área de atendimento

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ambulatorial de Parkland com a esposa,Lady Bird. Uma equipe de segurança pessoalprotege sua vida. Um paciente e uma enfer-meira são expulsos para dar espaço a eles.Ainda não há nenhuma palavra sobre o des-tino do presidente, embora todos saibam quesobreviver a um ferimento desse tipo é quaseimpossível. O Serviço Secreto quer que LBJseja levado imediatamente de volta a Wash-ington e esteja fora de perigo. Se isso não forpossível, que ele pelo menos seja trasladadoà zona de maior segurança em Dallas: o AirForce One.

Mas o vice-presidente se recusa a deixaro hospital. Ele continua esperando algumapalavra sobre o destino do presidenteKennedy. O Serviço Secreto o pressiona re-petidas vezes para ir embora, mas LBJ nãovai. Johnson está planejando seus próximospassos. Enquanto a sucessão não for oficial,ele não dará ordem alguma. O juramento deposse não é necessário para torná-lo

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oficialmente presidente. A sucessão aconte-cerá no instante em que JFK for declaradomorto. De modo que LBJ fica lá na pequenabaia no hospital Parkland, encostado contraa parede e tomando café em silêncio abso-luto, esperando o pronunciamento oficial damorte do presidente Kennedy.

Na Sala de Traumatologia no 1, o corpodo presidente está nu, exceto por sua roupaíntima. Seu relógio de ouro é retirado de seupulso. Ele já não tem uma pulsação regular,mas ainda respira, em intervalos curtos. Osangue continua a jorrar do ferimento emsua cabeça e do orifício em sua garganta; oresto de seu corpo está ileso. Uma lâmpadafluorescente ilumina o pequeno exército demédicos trabalhando na sala de traumatolo-gia. O primeiro médico em cena é Charles J.Carrico, que, em seu segundo ano deresidência, sabe o que fazer e age rápido. Umtubo é inserido na garganta de JohnKennedy para abrir sua via respiratória, e

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uma solução salina é bombeada em seucorpo através de sua veia femoral direita.

Aos poucos, a sala se enche de cirur-giões, até que há catorze médicos ao redor dopresidente. Fora da sala de traumatologia,Jackie Kennedy está de vigília sentada emuma cadeira dobrável.

O dr. Mac Perry, um cirurgião de 34anos, agora assume a liderança da equipe.Ele usa um bisturi para abrir a garganta dopresidente e realizar uma traqueotomia, en-quanto alguém acopla um tubo a um res-pirador para induzir uma respiração regular.

Jackie agora se levanta da cadeira, de-terminada a entrar na sala de traumatologia.Ela escutou conversas sobre fluidos e ressus-citação e está começando a ter esperanças deque o marido possa sobreviver. Uma enfer-meira a impede de entrar, mas a recatadaprimeira-dama pode apresentar uma vont-ade de ferro quando quer.

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– Eu vou entrar nesta sala – ela repetevárias vezes enquanto disputa com a enfer-meira Doris Nelson, que não mostra nen-huma intenção de ceder. – Eu vou entrarnesta sala.

– Sra. Kennedy, você precisa de um sed-ativo – um médico lhe diz.

Mas a primeira-dama não quer sersedada. Ela quer sentir cada um dos últimosinstantes com o marido.

– Eu quero estar lá quando ele morrer –ela diz, com firmeza.

* * *

Bobby Kennedy recebe a má notícia deJ. Edgar Hoover.

Como chefe do principal órgão de segur-ança dos Estados Unidos, Hoover é inform-ado do assassinato quase imediatamente. Odiretor do FBI é um homem desapaixonado,mas nunca como agora. Ele está sentado emsua mesa no quinto andar do edifício do

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Departamento de Justiça quando pega o tele-fone e liga para Bobby Kennedy. Passaram-se quinze minutos desde que Lee HarveyOswald puxou o gatilho pela primeira vez. Aequipe de traumatologia cirúrgica em Park-land está lutando para que o presidentesobreviva.

Bobby está prestes a comer um san-duíche de atum no pátio de sua casa na Vir-gínia quando sua esposa, Ethel, diz que háum telefonema para ele.

– É J. Edgar Hoover – ela diz a Bobby.O procurador-geral sabe que isso deve

ser importante. O diretor do FBI sabe que émelhor não ligar para Bobby em sua residên-cia. Ele solta o sanduíche e vai até o telefone.É uma linha especial de comunicação diretado governo conhecida como Extensão 163.

– Tenho uma notícia para você – dizHoover. – O presidente foi baleado.

Bobby desliga. Sua primeira reação é degrande agonia, e seu corpo parece desfalecer.

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Mas seu pensamento seguinte, como sempre,é proteger o irmão mais velho. Ele telefonapara a Casa Branca e solicita que as chavesde todos os arquivos de JFK sejam trocadaspara que Lyndon Johnson não possa acessá-los. Os arquivos mais delicados são com-pletamente removidos da Casa Branca ecolocados sob vigilância 24 horas.

Então, Bobby atende telefonema atrásde telefonema, de amigos e familiares. Elesegura as lágrimas, mas Ethel sabe que omarido está com os nervos à flor da pele elhe entrega um par de óculos escuros paraesconder os olhos avermelhados.

As ligações não cessam. Em meio a tudoisso, Bobby percebe que a mesa virou. E sabeque logo receberá um telefonema de umhomem que ele despreza.

* * *

Jackie Kennedy recebe a má notícia dodr. William Kemp Clark.

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Chega poucos instantes depois que, con-trariando a tudo e a todos, a primeira-damafinalmente consegue entrar na sala de trau-matologia. Ela espera em um canto, fora docaminho, só querendo estar perto do marido.

A visão é tipicamente médica, com tubossaindo da boca, do nariz e do peito do presid-ente. Sua pele é branquíssima. Seu corpo es-tá recebendo transfusão de sangue. O dr.Mac Perry pressiona o externo do presidentepara reanimar o coração, enquanto oaparelho de eletrocardiograma mostra umalinha reta. O dr. William Kemp Clark,neurocirurgião-chefe em Parkland, auxiliaPerry monitorando o eletrocardiograma naexpectativa de uma variação, por menor queseja.

Finalmente, Clark sabe que eles já nãopodem fazer nada. Um lençol é estendidosobre o rosto de JFK. O dr. Clark se voltapara Jackie Kennedy.

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– Seu marido sofreu um ferimento fatal– o cirurgião experiente diz à primeira-dama.

– Eu sei – ela responde. – O presidenteestá morto.

Jackie se inclina e pressiona a bochechacontra a do dr. Clark. É uma expressão deagradecimento. Kemp Clark, um homemvalente que serviu no Pacífico durante a Se-gunda Guerra Mundial, não se contém. Eledesaba a chorar.

* * *

A maioria das pessoas nos Estados Un-idos recebe a má notícia da morte do presid-ente pelo jornalista da CBS Walter Cronkite.

O homem de maior confiança nos Esta-dos Unidos aparece no meio da telenovela Asthe World Turns apenas oito minutos depoisdo tiroteio, dizendo que um assassino dis-parou três tiros contra o presidente. Apesarde a maioria dos americanos estar no

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trabalho ou na escola, e não em casa as-sistindo televisão durante o dia, mais de 75milhões de pessoas já sabem do incidente àuma hora da tarde.

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Lyndon Baines Johnson recebe a mánotícia por Kenny O’Donnell.

Logo após a uma da tarde, o assessor es-pecial de John F. Kennedy entra na pequenabaia branca no ambulatório do hospital e sedetém diante de Lyndon Johnson. O’Donnellestá nitidamente perturbado. Ele não é o tipode homem que chora em uma calamidade,mas o olhar devastado em seu rosto é visívela todos.

Mesmo antes de O’Donnell abrir a boca,LBJ sabe que é oficial: Lyndon Baines John-son é o 36o presidente dos Estados Unidos.

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Jack Ruby recebe a má notícia pela tele-visão, como a maioria dos americanos.

O dono da boate está no segundo andardo edifício do Dallas Morning News, a apen-as quatro quadras da Dealey Plaza. Ele veiocolocar um anúncio para seu negócio, oCarousel Club – “um antro puta classudo”,em suas próprias palavras. Ele paga em din-heiro porque o Morning News cancelou seucrédito depois que ele atrasou os pagamentosinúmeras vezes. O anúncio divulga os prin-cipais artistas que se apresentarão no próx-imo fim de semana, e não é diferente de seusoutros anúncios que decoram o jornal todasas semanas.

Ruby mede um metro e 75 e pesa oitentaquilos, e gosta de carregar um grande maçode dinheiro. Ele tem amigos na máfia e napolícia. É conhecido por gostar de comidasaudável e ter o pavio curto. Mas, acima detudo, Jack Ruby se considera um democratae um patriota.

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As primeiras reportagens afirmam queum homem do Serviço Secreto foi morto,mas, quando Ruby e a equipe de publicidadedo Morning News se reúnem ao redor deuma pequena televisão preto e branco paramais informações, a dura verdade éanunciada.

Desanimado, Jack Ruby se afasta e sen-ta sozinho em uma mesa. Depois de umtempo, ele levanta e anuncia que está can-celando o anúncio da casa noturna. Elecoloca outro anúncio no lugar. Este diz aosbons cidadãos de Dallas que o Carousel Clubestará fechado durante todo o fim de sem-ana, em respeito ao presidente Kennedy.

Nos próximos dias, Jack Ruby não seocupará dos negócios. Ele se ocupará deoutra coisa.

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Lee Harvey Oswald está em movimento.Quando o ônibus fica preso no tráfego

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pesado pós-assassinato, ele desce e caminhaum pouco antes de encontrar um táxi, que oleva mais perto de sua pensão no número1026 da North Beckley. Ao chegar lá, elecorre para o quarto, pega sua pistola calibre38 e a enfia na cintura. Ele vai emboradepressa.

Oswald não sabe de nada, mastestemunhas na cena do crime o descre-veram para a polícia. Agora os tiras estão àprocura de um “homem branco, de aproxim-adamente trinta anos, magro, um metro e 78de altura, 75 quilos”.

À uma e quinze da tarde, o oficial J.D.Tippit, do Departamento de Polícia de Dal-las, está dirigindo pela Tenth Street emdireção ao leste. Logo após o cruzamento daTenth com a Patton, ele vê um homem quecorresponde à descrição do suspeito an-dando sozinho, usando uma jaqueta de corclara.

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Tippit é casado e pai de três filhos. Eletem 39 anos, foi condecorado com umaEstrela de Bronze como soldadoparaquedista na Segunda Guerra Mundial,concluiu até o décimo ano de estudo e ganhapouco mais de cinco mil dólares por ano. Asiniciais “J.D.” não significam nada.

Tippit tem onze anos de experiência noDepartamento de Polícia de Dallas quandopara o carro ao lado de Lee Harvey Oswald.Ele sabe ser cauteloso. Ele também sabe sereficiente em seu interrogatório.

Oswald se inclina e fala com Tippit pelaabertura da janela dianteira do lado direito.Ele é hostil.

Tippit abre a porta e sai da viatura. Elecontorna a frente do carro, pretendendofazer mais algumas perguntas a Oswald. Combase nas respostas, Tippit decidirá se devealgemá-lo. Mas o policial não vai além daroda dianteira esquerda. Lee Harvey Oswaldsaca sua 38 e dispara quatro balas em rápida

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sucessão. Tippit morre no mesmo instante.Oswald, o homem que, num momento denervosismo, errou o general Walker há tan-tos anos, agora matou o presidente dos Esta-dos Unidos e um policial de Dallas a sanguefrio num intervalo de apenas 45 minutos.

Mas Oswald está ficando sem opções.Ele não tem dinheiro, quase não tem mu-nição, e a polícia de Dallas sabe como ele é.Ele terá de ser muito esperto nos próximosminutos se quiser continuar fugindo.

O assassino recarrega a arma sem de-mora e continua sua jornada, virando na Pat-ton Avenue. Mas desta vez ele não caminha;ele corre. Não há dúvida: Oswald está sendocaçado. A polícia está se aproximando. Eleprecisa ser rápido. São 13h16.

* * *

Às 13h26, o Serviço Secreto leva LyndonJohnson para o Air Force One, onde ele ime-diatamente sobe a escada que dá para a

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porta traseira do avião. Lá, ele se muda parao quarto pessoal do presidente Kennedy, tirao casaco e se esparrama na cama enquantoespera o regresso de Jackie Kennedy aoavião. Ela ficou para trás em Parkland,recusando-se a ir embora enquanto o corpodo marido não for com ela.

E assim LBJ espera. Enquanto saboreiaseus primeiros momentos de poder, fora doquarto, mecânicos estão removendo váriosdos assentos de primeira-classe na parte tra-seira do Air Force One para abrir espaçopara o caixão de John Kennedy.

LBJ escolheu o quarto porque quer pri-vacidade. Ele pega o telefone presidencial deJohn Kennedy ao lado da cama e faz umachamada para um homem que ele odeia.

Do outro lado da linha, Bobby Kennedyatende o telefone e diz um “oi” profissional aseu novo chefe.

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Lee Harvey Oswald ouve as sirenes esabe que estão atrás dele.

Ele corre em direção ao esconderijomais rápido que consegue encontrar, umcinema chamado Teatro Texas. Oswald at-ravessou oito quadras nos 25 minutos desdeque matou o oficial Tippit. Ele se livrou dajaqueta logo depois de atirar em Tippit, es-perando confundir seus perseguidores. Cor-rendo, ele passa pelo Templo Bethel, ondeuma placa aconselha: “Prepara-te para en-contrar teu Deus”. Mas Lee Harvey Oswaldnão mostra medo.

Numa atitude estúpida, ele passa cor-rendo pela bilheteria. No escuro do teatro,encontra um assento, tentando ficar in-visível. Seu assento fica no andar principal,junto do corredor central direito. O filme damatinê é War Is Hell, um nome irônico paraum dia que definitivamente é um inferno cri-ado por Oswald.

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Ao ver o homem correr para dentro sempagar, e ao mesmo tempo ouvir sirenesquando os carros de polícia correm para acena do assassinato do oficial Tippit, a bil-heteira Julia Postal liga os pontos. Per-cebendo que o homem que acabou de ver es-tá “fugindo deles por algum motivo”, elapega o telefone e liga para a polícia.

Viaturas chegam à cena do crime quaseimediatamente. A polícia fecha as saídas docinema. As luzes se acendem. O guarda M.N.McDonald se aproxima de Oswald, que desúbito se levanta e dá um soco no rosto dopolicial, enquanto tenta sacar a pistola quetraz na cintura. McDonald não se machuca erevida. Outros policiais se somam à briga.Assim, protestando contra a brutalidadepolicial, Lee Harvey Oswald é arrastado parafora do teatro e levado para a prisão.

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O agente funerário Vernon Oneal recebeo telefonema de Clint Hill, solicitando queele traga seu melhor caixão ao hospital Park-land. Oneal é especializado em cuidar dosmortos, administrando uma frota de setecarros fúnebres brancos equipados com rá-dio que conduzem o recém-falecido à suacasa funerária, onde os parentes podem be-ber na cafeteria antes de prestar a últimahomenagem na sala de velório.

O caixão que Oneal escolhe para JohnKennedy é o modelo “Britannia” da ElginCasket Company. Tem parede dupla e é debronze sólido. O forro é de cetim.

Ao chegar ao hospital Parkland, Oneal éinformado de que Jackie Kennedy quer umúltimo momento com o marido. Isso é tudo.Ela tira a aliança de seu dedo e a enfia nodedo mínimo de Jack com a ajuda de um ser-vente, para que não caia durante o embal-samamento. Em seguida, fuma um cigarro.Jackie está exausta e com o coração partido.

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O clima em Parkland é de luto, mas aos pou-cos retorna à rotina normal de um hospital.À medida que os médicos e as enfermeirascomeçam a atender outros casos, JackieKennedy se sente cada vez mais fora delugar.

– Você poderia voltar para o avião – al-guém lhe diz.

– Eu não vou voltar sem o Jack – elaresponde.

Enquanto isso, Vernon Oneal forra complástico o interior do caixão. Depois, comcuidado, ele enfaixa o corpo de JohnKennedy em sete camadas de sacos de bor-racha e mais uma de plástico. Finalmente, ocorpo do presidente é acomodado dentro docaixão. Oneal teme que o sangue do presid-ente manche o forro de cetim.

Quase uma hora depois de ser declaradomorto, John Kennedy agora está pronto parasair do hospital Parkland e regressar aWashington.

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Mas, por ironia do destino, a cidade deDallas, que um dia quis que JFK mantivessedistância, agora não o deixará partir.

* * *

É um fato pouco conhecido que matar opresidente dos Estados Unidos não é umcrime federal. É contra a lei federal iniciaruma conspiração para matar o presidente, eé por isso que J. Edgar Hoover está agora in-sistindo que o assassinato de JFK foi o ato demuitos, e não de um só. Hoover quer juris-dição sobre o caso. Mas, neste momento, elenão consegue. A jurisdição cabe ao estado doTexas e à municipalidade de Dallas.

Assim, os oficiais de Dallas não deixarãoo corpo de John Kennedy sair do estado doTexas até que seja realizada uma autópsiaoficial. O médico-legista de Dallas, que acabade chegar a Parkland, não fará concessões aesse respeito.

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O agente especial do Serviço SecretoRoy Kellerman, que agora assumiu ocomando, está perplexo.

– Meu caro – Kellerman esclarece parao médico-legista, o dr. Earl Rose –, este é ocorpo do presidente dos Estados Unidos, enós vamos levá-lo de volta a Washington.

– Não. Não é assim que as coisas são –Rose responde. – Onde há um homicídio,precisa haver uma autópsia.

– Ele vai conosco – Kellerman diz aRose.

– O corpo fica – insiste o médico-legista,um homem correto que gosta de enfiar odedo no nariz das pessoas.

Enquanto isso, Lyndon Johnson e o AirForce One estão emperrados no chão porcausa dessa disputa legal. Jackie Kennedynão irá embora sem o corpo de JFK, e LBJnão irá embora sem Jackie, temendo que sefizesse isso seria considerado insensível.

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A discussão agora se torna um anti-quado impasse texano – um confronto físicoentre o Serviço Secreto, o dr. Rose e mem-bros do Departamento de Polícia de Dallas.Há quarenta homens presentes. Começa umcabo de guerra. O Serviço Secreto está de-terminado a conseguir o que quer, mas apolícia de Dallas não irá ceder. Finalmente,os grandes amigos de Kennedy, KennyO’Donnell e Dave Powers, ordenam que osagentes do Serviço Secreto peguem o caixãode JFK e passem à força pela polícia.

– Nós vamos sair daqui – grita O’Don-nell, enquanto a maca do agente funerárioonde está o caixão é empurrada em direção àporta de saída. – Não damos a mínima parao que essas leis dizem. Estamos indo emborajá!

O corpo do presidente é carregado noCadillac branco de 1964 de Vernon Oneal.Jackie Kennedy se senta no assento re-movível traseiro, ao lado do corpo do

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marido. Clint Hill e outros agentes se apin-ham no banco da frente. Bill Greer continuadentro do hospital, mas Roy Kellerman nãoespera por ele. O agente especial do ServiçoSecreto Andy Berger assume o volante ecorre a toda velocidade para Love Field. En-quanto observa o carro fúnebre se afastar,Vernon Oneal se pergunta, em voz alta, comoe quando receberá o pagamento.

Nada os detém quando o Cadillac chegaao aeroporto. Cantando pneus, o agente es-pecial Berger acelera o carro fúnebre pelapista de decolagem, ignorando as placas quedizem “Área restrita” e “Devagar – Camin-hões perigosos.” Ele passa correndo peloshangares da Braniff e da American Airlines,indiferente a todos os perigos, até que ocarro breca ruidosamente ao pé da escadaque leva à parte traseira do Air Force One.Então, os amigos e os guarda-costas deKennedy carregam sozinhos os mais de 270quilos do caixão com o presidente, batendo-o

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ao sair da escada que conduz ao avião einclinando-o em ângulos difíceis. Eles car-regam o corpo no Air Force One pela mesmaporta traseira de onde John Kennedy saiu,três horas antes. Aquele momento foi ceri-monial e presidencial. Este momento ététrico e funesto.

Jackie Kennedy espera que o corpo domarido esteja a bordo para subir a escada. Ointerior do Air Force One é um inferno; o ar-condicionado está desligado há horas. Aspersianas estão fechadas, e a cabine está coma luz apagada por medo de que houvessemais assassinos à solta que poderiam atirarcontra as janelas do avião. Mas LyndonJohnson insiste em prestar juramento antesde o Air Force One deixar o solo. De modoque os funcionários de Kennedy e os deJohnson estão desconfortavelmente lado alado quando a juíza federal Sarah Hughes,que foi nomeada ao tribunal por LBJ e agoraconvocada às pressas ao jato presidencial de

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que John F. Kennedy tanto gostava, conduz ojuramento.

– Você, Lyndon Baines Johnson, jurasolenemente...

– Eu, Lyndon Baines Johnson, jurosolenemente...

No Air Force One, LBJ tem a cabeça er-guida. À sua esquerda, ainda usando o tail-leur rosa manchado de sangue, está Jac-queline Bouvier Kennedy. A ex-primeira-dama não trocou de roupa. Ela insiste que omundo tenha uma lembrança visual do queaconteceu com seu marido. Diante de John-son está a juíza. Vários centímetros atrásdeles, no fundo do avião, jaz o corpo de JohnF. Kennedy.

Após a cerimônia de posse, Jackie ocupaum assento perto do caixão enquanto tem in-ício a longa viagem para casa.

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O presidente Lyndon B. Johnson, com Jackie ao seu lado, faz o jura-

mento de posse no Air Force One após o assassinato do presidente

John F. Kennedy.

(Cecil Stoughton, Fotografias da Casa Branca, Museu e Biblioteca Pres-

idencial John F. Kennedy, Boston)

* * *

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É domingo de manhã, 24 de novembro.A nação está desconsolada pelo assassinatode John F. Kennedy e, com uma fascinaçãodeprimida, permanece grudada à televisãoenquanto os eventos são revelados. JackieKennedy está longe das câmeras, chorando amorte do marido. E assim os olhos daAmérica se voltam para Lee Harvey Oswald.O assassino se tornou infame desde a sexta-feira, sobretudo depois de dizer a uma mul-tidão de repórteres: “Sou só um otário”.

Aquela conferência de imprensa impro-visada no meio da noite na sede da polícia deDallas foi surreal. Os repórteres foram autor-izados a se aglomerar ao redor de um Oswaldalgemado. Muitos em Dallas, e em toda aAmérica, estão tão exasperados com a mortede JFK que ficariam felizes com umavingança. E a polícia de Dallas faz poucopara proteger Oswald.

Um desses exasperados é Jack Ruby,que abriu caminho pela conferência de

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imprensa sem ser perturbado, com uma Co-bra calibre 38 carregada no bolso do paletó.

A falta de segurança em torno deOswald continuou durante toda a conferên-cia de imprensa. Ele disse aos repórteres quea polícia só estava atrás dele porque ele haviamorado na União Soviética. Negou teratirado no presidente. Suas palavras intrig-antes, “Sou só um otário”, pairaram no ar,insinuando que ele foi alguma espécie debode expiatório.

Para alguns, essas palavras trouxeram àcabeça outro incidente, ocorrido trinta anosantes.

Em 15 de fevereiro de 1933, em Miami,na Flórida, Giuseppe “Joe” Zangara descar-regou uma pistola calibre 32 no presidenteFranklin Delano Roosevelt. Zangara errou oalvo, atingindo e matando o prefeito de Ch-icago Anton Cermak. O julgamento foi in-crivelmente rápido, e Zangara foi executado

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na cadeira elétrica apenas cinco semanasdepois.

Alguns insistem que Roosevelt não era oalvo pretendido. Acreditam que, em vezdisso, o tempo todo o objetivo era matar Cer-mak, como parte de uma conspiração damáfia.

Na gíria popular, Zangara era um“otário” – alguém cuja culpa foi arquitetadapara promover um crime coordenado nosbastidores.

A afirmação pública de Lee HarveyOswald de que ele é um otário acende achama de que a morte de John Kennedy éparte de uma conspiração maior.

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Lee Harvey Oswald, não arrependido.

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(Associated Press)

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Ainda hoje há americanos que acredit-am que Lee Harvey Oswald não agiu sozinhoao matar John F. Kennedy. Alguns vieram aacreditar nisso graças aos comentários deOswald e à insistência de J. Edgar Hoover deque havia uma conspiração. Até BobbyKennedy acreditava que Oswald não agirasozinho. O mundo nunca saberá a resposta.

Depois de dizer algumas poucas palav-ras à imprensa no domingo de manhã, LeeHarvey Oswald é conduzido pelo porão doDepartamento de Polícia de Dallas a umcarro blindado que o está esperando, ondeserá transferido à prisão do condado. Na ver-dade, o carro blindado é um chamariz – pormedidas de segurança, Oswald será levado auma viatura.

Uma multidão de jornalistas observaOswald algemado e sorrindo enquanto

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caminha pelo corredor, seu braço direitoalgemado ao esquerdo do detetive J. R.Leavelle.

Entre quarenta e cinquenta jornalistas emais de setenta policiais estão esperandoquando Oswald é trazido. Três câmeras detelevisão estão filmando.

“Aí vem ele!”, alguém grita quandoOswald surge da delegacia. Os jornalistasavançam. Eles enfiam microfones na cara deOswald e berram perguntas. Flashes são dis-parados quando os fotógrafos capturam omomento para a posteridade.

Oswald caminha três metros fora da del-egacia, a caminho da rampa onde a viatura oestá esperando.

De repente, Jack Ruby surge da mul-tidão à esquerda de Oswald. Ele voltou paraver Oswald pela segunda vez e traz consigosua pistola. Conhecido pelos policiais erepórteres, Ruby não teve dificuldade em seaproximar do criminoso, embora não haja

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absolutamente motivo algum para ele estarlá. Ruby deixou o cachorro esperando nocarro. Mas ele é um homem impulsivo, quegosta de bater em bêbados que dão em cimadas strippers no clube. Ele ficou tão arrasadocom o assassinato de Kennedy que os amigoso viram chorando. Agora, furioso com apresença sorridente de Oswald, Jacob Ru-binstein se assegura de que nunca voltará aver seu cachorro. Ele age rápido, apontandoa arma para o abdômen de Oswald, e disparaum tiro. São 11h21 da manhã.

Jack Ruby é agredido pela polícia. LeeHarvey Oswald desaba e é levado imediata-mente ao hospital Parkland. Ao chegar, ele écolocado na Sala de Traumatologia no 2, logodo outro lado do corredor em frente à sala deemergência onde John Kennedy passou osúltimos minutos de vida. Às 13h07, 48 horase 7 minutos após a morte de JFK, Lee HarveyOswald também morre. Mas, ao contrário da

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de Kennedy, a morte de Oswald não é lam-entada. Por ninguém.

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14 DE JANEIRO DE 1964GABINETE DO PROCURADOR-GERAL,WASHINGTON D.C.

Jackie Kennedy está sentada em uma pol-trona simples de couro diante do fogo crepit-ante de uma lareira. Sobre seu ombroesquerdo, pode-se ver a bandeira dos Esta-dos Unidos. Seus olhos, um dia tão bril-hantes e alegres, são apáticos. Ela estávestida de preto. De frente para ela quandoas câmeras começam a filmar, estão Bobby eTeddy Kennedy, para oferecer apoio moral.Bobby, em particular, tornou-se um pai sub-stituto para Caroline e John, e uma compan-hia constante para Jackie.

Quando seu marido morreu, há oito se-manas, Jackie Kennedy não tinha para ondeir – o protocolo determinava que ela se

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mudasse da Casa Branca imediatamente, oque também significava o fim da educaçãoespecial de Caroline e dos passeios de Johnno helicóptero Marine One. Jackie estavalonge de ser pobre, mas na verdade tinhapouco dinheiro em seu nome, circunstânciaque continuaria até o testamento de JFK serresolvido.

Toda a vida de Jackie era John Kennedy.Mesmo agora ela às vezes esquece que ele es-tá morto. Está filmando este cinejornal, queserá exibido nos cinemas de todo o país,porque quer agradecer as numerosas

demonstrações de afeto do povo amer-icano. Ela recebeu mais de oitocentas milcartas de condolências. “Saber da afeição quetodos vocês tinham por meu marido me deuforça”, Jackie diz firmemente para a câmera,“e o carinho desses tributos é algo que jamaisesqueceremos.”

As palavras de Jackie estão escritas emfichas, que ela lê. Mas são palavras suas,

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escolhidas para evocar emoção sincera. Omesmo povo americano que elevou o presid-ente e sua esposa ao status de celebridadesde cinema não abandonou Jackie quando elaprecisou. E, embora já não seja a primeira-dama, Jackie Kennedy carrega todo o pesodesse título como nunca antes carregara.

Mas as aparências enganam: em seu ín-timo, ela sofre, fumando compulsivamenteum Newport atrás do outro e roendo as un-has até os dedos ficarem em carne viva. Seusolhos estão o tempo todo vermelhos dechoro.

Jackie pausa várias vezes durante a fil-magem para tomar fôlego ou mexer os olhospara afastar as lágrimas. “Todos vocês queescreveram para mim sabem o quanto nós oamávamos, e que ele retribuiu esse amor detodo o coração”, ela diz ao mundo.

E então Jackie Kennedy assume omesmo tom visionário do marido. Ela fala deconstruir uma Biblioteca Presidencial John

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F. Kennedy em Boston, para que pessoas domundo inteiro conheçam o legado do ex-presidente.

É um discurso corajoso e pungente. Emmenos de dois minutos, Jackie Kennedy fazum agradecimento comovedor ao povoamericano. Sua dor é evidente, assim como aelegância. Ela simboliza a grandeza de Cam-elot, que já desperta nostalgia nosamericanos.

Uma das últimas ocasiões em que JackieKennedy viu o rosto do marido foi naquelatarde no hospital Parkland, pouco antes de areverência silenciosa da Sala de Traumatolo-gia no 1 se transformar em uma briga feiaentre os agentes do Serviço Secreto e a polí-cia de Dallas. Foi naquele momento silen-cioso antes de ela colocar sua aliança nodedo de Jack. Ela lembra daquele instantecomo se fosse ontem, mas prefere se con-centrar apenas nos momentos maravilhosos.

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Todas as indiscrições e controvérsias do pas-sado são esquecidas.

Irá lembrar-se de Jack calmo e nocomando. E é como ela quer que a história selembre dele. “Para Jack, a história estavacheia de heróis”, ela disse a Theodore White,da revista Life, uma semana após o assas-sinato. “Ele era um homem tão simples, mastambém muito complexo. Jack tinha seulado heroico, sua visão idealista, mas tam-bém tinha aquele outro lado, o lado prag-mático. Seus amigos eram seus velhos ami-gos, ele amava sua Máfia Irlandesa.”

Foi nessa entrevista, que saiu na ediçãode 6 de dezembro da Life, que ela contou aomundo pela primeira vez que o presidenteescutava a trilha sonora de Camelot antes dedormir e do quanto ele amava a última fala:“Não deixe que esqueçam que um dia houveum lugar, por um breve momento de esplen-dor, conhecido como Camelot”.

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Quando White ditou a história a seuseditores em Nova York, Jackie ficou porperto, escutando. Ela insistia que o tema deCamelot fosse predominante. É assim queela quer a presidência do marido lembrada.

Quando Jackie Kennedy acaba de filmaro cinejornal e se levanta da poltrona nogabinete de Bobby Kennedy – ele conservaráo cargo de procurador-geral por mais novemeses –, ela entende que tudo isso é parte desua obrigação de dar forma ao legado domarido. Mas também sabe que é hora departir para uma vida mais normal – muitomenos mágica do que a que ela quer que omundo recorde. Esse projeto chegou a seradmitido em um tom triste a TheodoreWhite da Life: “Nunca haverá outraCamelot”.

E, até hoje, a afirmação permaneceverdadeira.

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O fim de Camelot. Bobby, Jackie, Patricia, irmã do presidente

Kennedy, e seus filhos, Caroline e John Jr., de luto.

(Abbie Rowe, National Park Service, Museu e Biblioteca Presidencial

John F. Kennedy, Boston)

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POSFÁCIO

O imenso sofrimento de Jackie Kennedy, ea graça com que ela se protegeu após o assas-sinato, só aumentaram a admiração públicaque ela conquistou na presidência do mar-ido. Em 1968, Jackie se casou comAristóteles Onassis, o magnata grego em cujoiate ela se recuperou da morte do filho Pat-rick. Os paparazzi a apelidaram de “JackieO” e a perseguiram constantemente, umaprática que cultivaram pelo resto da vidadela. Lamentavelmente, Onassis morreu deuma parada respiratória aos 69 anos, apenassete anos depois de seu casamento, fazendode Jackie uma jovem viúva pela segunda vez,aos 46. Após a morte de Onassis, Jackie seretirou dos olhos do público e conseguiu umemprego como editora da Viking Press emNova York. Ela saiu do emprego três anos

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depois, irritada e constrangida porque aempresa havia publicado uma obra de ficçãoem que Ted Kennedy era o presidente dosEstados Unidos e havia uma conspiração deassassinato contra a vida dele. Depois disso,Jackie trabalhou para a Doubleday duranteas quase duas décadas restantes de sua vida,editando livros de pessoas tão diversasquanto Michael Jackson, Carly Simon e o ro-mancista egípcio Naguib Mahfouz, vencedordo prêmio Nobel. No início dos anos 90, seuhábito vitalício de fumar finalmente a at-ingiu. Ela morreu em 19 de maio de 1994, delinfoma não Hodgkin, aos 64 anos.Caroline Kennedy estudou no Radcliffe Col-lege e mais tarde obteve seu Juris Doctor naUniversidade de Columbia. Ela se casou comEdwin Schlossberg, teve três filhos, e em ger-al se mantém longe dos olhos do público. Emdezembro de 2011, o cantor Neil Diamondadmitiu que Caroline foi a inspiração para

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sua música “Sweet Caroline”, um sucesso devendas multimilionário.John F. Kennedy Jr. se tornou um símbolopara a história trágica da família Kennedy. Aimagem de John Jr. em seu terceiro aniver-sário saudando o caixão do pai partiu cor-ações no mundo inteiro. John Jr. – cujoapelido, “John-John”, foi, na verdade, fabric-ado pela imprensa – frequentou a escola pre-paratória em Brown e em seguida a Escola deDireito da Universidade de Nova York, quefinalmente o levou a um breve período naProcuradoria-Geral do distrito de Manhat-tan. Em 1988, a revista People o nomeou “Ohomem mais sexy vivo”. Como a mãe, JohnJr. foi objeto de intensa vigilância da mídia.Em 16 de julho de 1999, ele estava pilotandoum pequeno avião quando caiu no oceanoAtlântico perto da costa da ilha Martha’sVineyard. O acidente matou John KennedyJr., sua esposa, Carolyn Bessette Kennedy, esua cunhada, Lauren. Ele tinha 38 anos.

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Suas cinzas e as da esposa foram jogadas nomar.Quanto a Lyndon Johnson, não foram pou-cas as atividades inacabadas que ele herdouda administração Kennedy, em especial aGuerra do Vietnã. Habilmente, ele logo for-mou coalizões com o Congresso para ajudara aprovar a histórica Lei dos Direitos Civis de1964. Johnson, trabalhando em sólida par-ceria com Martin Luther King Jr., ap-resentou a questão como parte do legado deJFK a fim de conseguir apoio para a lei. Noentanto, o Vietnã foi uma enxaqueca herdadae, ao mesmo tempo, sua ruína. O assassinatode Diem foi o caminho sem volta do envolvi-mento dos Estados Unidos, e, embora sejammuitos os que questionam se o governoamericano teve algo que ver com sua morte,não há dúvida de que a situação só pioroudepois disso. Depois de ganhar a eleição de1964 em uma vitória esmagadora sobreBarry Goldwater, do Arizona (derrota

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republicana, como JFK havia previsto),Johnson começou a administrar mal aguerra no Sudeste Asiático. Uma vez que omovimento antiguerra ganhou força, LBJ,temendo a derrota, escolheu não concorrernovamente em 1968. Ao deixar Washington,Lyndon Baines Johnson regressou à suafazenda no Texas, onde morreu de umataque cardíaco aos 64 anos, em 22 dejaneiro de 1973.Da mesma forma que a morte de JohnKennedy, foi Walter Cronkite quem deu anotícia da morte de LBJ à nação. O próprioCronkite continuou sendo repórter da CBSaté 1980. Ele morreu em 2009, aos 92 anosde idade, ainda ressentido por ter sido sub-stituído por Dan Rather como o âncora doCBS Evening News.O homem que mais se beneficiou da decisãode Lyndon Johnson de não concorrer àpresidência em 1968 foi Bobby Kennedy. Oex-procurador-geral ficara arrasado com o

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assassinato do irmão, mas superou seu sofri-mento para preparar uma campanha de su-cesso. No entanto, como o irmão, BobbyKennedy foi assassinado por um atiradorsolitário e perturbado, Sirhan Sirhan, queatirou em Bobby em um hotel de Los Angelespoucos instantes depois de ele ter declaradovitória nas eleições primárias da Califórnia.Ele viveu por 26 horas antes de morrer em 6de junho de 1968, aos 42 anos.Lee Harvey Oswald foi enterrado noCemitério Shannon Rose Hill em FortWorth, no Texas, em 25 de novembro de1963, o mesmo dia em que John F. Kennedyfoi enterrado em Arlington. Em 1967, noquarto aniversário da morte de Oswald, sualápide foi furtada por vândalos da região.Embora tenha sido devolvida, sua mãe,temendo que o túmulo fosse roubado nova-mente, substituiu a lápide por uma muitomais barata e escondeu a original no vão de-baixo de sua casa em Fort Worth. Depois que

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Marguerite Oswald morreu em 1981, aos 73anos, a casa foi vendida. Quando os novosproprietários descobriram a placa de quasesessenta quilos debaixo da casa, eles avenderam secretamente ao Museu Históricode Atrações Automotivas em Roscoe, Illinois,por menos de dez mil dólares. O museu tam-bém abriga a ambulância que transportouOswald ao hospital Parkland e o táxi daChecker que ele tomou logo depois de atirarem JFK.

Os proprietários do museu, no entanto,se recusaram a comprar o caixão de pinhooriginal de Oswald, substituído depois queseu corpo foi exumado em 1981, dizendo queera muito macabro.

Outro anônimo não viu nada de errado ecomprou o caixão em leilão por 87.468dólares em dezembro de 2010.Jack Ruby, apelido de Jacob Rubinstein, ar-gumentou que atirou em Lee Harvey Oswaldpara redimir a cidade de Dallas pelo

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assassinato. O famoso advogado de SãoFrancisco, Melvin Belli, defendeu Ruby gra-tuitamente durante o julgamento, mas seuargumento de que Ruby estava insano nomomento do assassinato não influenciou ojúri. Jack Ruby foi declarado culpado dehomicídio doloso e condenado à morte. De-pois disso, Ruby testemunhou sobre o assas-sinato de Kennedy diante da Comissão War-ren e acabou tendo direito a um novo julga-mento pelo Tribunal de Apelação do Texas,pois o juiz comprou o argumento de queRuby não poderia ter recebido um julga-mento justo em Dallas devido à enorme pub-licidade em torno do caso. Mas, antes que oprocesso judicial pudesse ser realizado, Rubydeu entrada no hoje lendário hospital Park-land com sintomas de gripe. Seu diagnóstico,no entanto, foi câncer no fígado, nos pul-mões e no cérebro. Morreu de embolia pul-monar em 3 de janeiro de 1967, aos 55 anos.Jack Ruby está enterrado ao lado dos pais no

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cemitério Westlawn, em Norridge, Illinois. Édigno de nota que Ruby pudesse saber de seucâncer agressivo antes de atirar em Oswald.Martin Luther King Jr. continuou a cruzadapelos direitos civis e se tornou um dos ho-mens mais admirados do mundo. Em 4 deabril, King foi morto a tiro em Memphis,Tennessee, por um assassino chamadoJames Earl Ray, racista que fugiu para oCanadá e depois para a Inglaterra antes deser preso pelo crime. Ray foi condenado a 99anos de prisão, sentença prolongada paramais cem anos como punição depois que eleescapou novamente, desta vez da Peniten-ciária Estatal de Brushy Mountain. Ele foipego três dias depois. Alguns acreditam queRay teve ajuda ao assassinar King, mas issonunca foi provado. Os assassinos de MartinLuther King Jr. e de Robert Kennedy, com-binados com o prolongado envolvimentoamericano no Vietnã, levaram a umasensação nacional de desilusão que era

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diametralmente oposta ao otimismo e à es-perança de Camelot.J. Edgar Hoover sobreviveu às tentativas devários presidentes de substituí-lo como dire-tor do FBI. Houve muitos rumores de queHoover era homossexual, com base em suarelação próxima com Clyde Tolson, diretorda agência de investigação. Bem depois damorte de JFK, Hoover continuava forne-cendo aos presidentes arquivos sigilosos comas indiscrições pessoais de indivíduos influ-entes e de alto posto. Lyndon Johnson tirougrande proveito dessa prática. Assim que as-sumiu a presidência, ele solicitou dossiêspessoais detalhados sobre cada um dos “Har-vard”: os membros da administraçãoKennedy que um dia tiveram tanto prazerem ridicularizá-lo. Em uma escala aindamaior, Johnson pediu a Hoover para con-seguir informações sobre cerca de 1.200 ad-versários reais ou imaginados. J. EdgarHoover, que, assim como LBJ, havia se

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sentido pessoalmente humilhado pelosKennedy durante o mandato de JFK, teveenorme prazer em atendê-lo. Lyndon John-son devolveu o favor aprovando um decreto-lei que isentava Hoover da aposentadoriaobrigatória, o que permitiu que o diretor per-manecesse no FBI até sua morte em 1972,aos 77 anos.John Connally sobreviveu aos ferimentos emDallas e foi duas vezes governador do Texasantes de regressar a Washington para sersecretário do Tesouro de Richard Nixon. Elemudou do Partido Democrata para o Repub-licano e concorreu à presidência em 1980.No entanto, sua campanha não deu res-ultado, e ele foi forçado a se retirar depois deconseguir apenas um delegado. John Con-nally morreu de fibrose pulmonar em 15 dejunho de 1993. Ele tinha 76 anos.Marina Oswald nunca voltou à União Soviét-ica. Continua viva e mora em Dallas há mui-tos anos. Ela se casou novamente e teve um

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filho do segundo casamento, que logo ter-minou em divórcio. Como às filhas, June eAudrey (que agora atende pelo nome deRachel Porter), o estigma de Lee HarveyOswald a perseguiu desde 22 de novembrode 1963. As garotas até adotaram o nome dopadrasto, Porter, para evitar ainda mais ex-posição pública. De tempos em tempos, afamília de Lee Harvey Oswald faz apariçõesna televisão, mas fora isso sua vida éreservada.Em março de 1977, um jovem repórter detelevisão do canal WFAA, em Dallas,começou a investigar o assassinato deKennedy. Como parte de sua reportagem, eletentou uma entrevista com o misterioso pro-fessor russo que havia feito amizade com osOswald quando eles chegaram a Dallas em1962. O repórter rastreou George deMohrenschildt até Palm Beach, na Flórida, eviajou até lá para encontrá-lo. Na época, DeMohrenschildt havia sido convocado a depor

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em uma comissão no Congresso que invest-igava os acontecimentos de novembro de1963. Quando o repórter bateu à porta dacasa da filha de De Mohrenschildt, ele escut-ou o barulho do tiro que marcou o suicídiodo russo, determinando que sua relação comLee Harvey Oswald jamais seria totalmentecompreendida.

A propósito, o nome do repórter é BillO’Reilly.

Uma nota de rodapé: um ano antes, DeMohrenschildt enviou uma carta a GeorgeH.W. Bush, então diretor da CIA. Na carta, orusso pedia proteção contra pessoas que oestavam “seguindo”. Aquela correspondênciacom o sr. Bush levou a especulações de queDe Mohrenschildt tinha relações com a CIA– e também conhecimentos não reveladossobre o assassinato de Kennedy.Outro ex-diretor da CIA, Allen Dulles, mor-reu de um caso severo de gripe em 1969, aos65 anos. Até hoje, os adeptos de teorias da

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conspiração acreditam que Dulles estava en-volvido no assassinato de Kennedy comovingança por sua demissão em consequênciada invasão fracassada à Baía dos Porcos.Dulles também participou da Comissão War-ren, que investigou o assassinato de JFK.O gângster de Chicago Sam Giancana, se-gundo os teóricos da conspiração, tambémera suspeito de estar ligado ao assassinato deKennedy. Giancana estava prestes a deporem uma comissão do Senado que investigavase a CIA e a máfia tiveram algum vínculocom o assassinato. Antes que pudesse depor,o próprio Giancana foi assassinado em suacasa em 19 de junho de 1975. O assassinoatirou na parte de trás de sua cabeça, virou ocorpo e descarregou o resto do pente norosto de Giancana. O assassino nunca foipego.Frank Sinatra se tornou republicano nosanos que sucederam a afronta de JohnKennedy em Palm Springs e apoiou

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abertamente o presidente Ronald Reagan.Mas o cantor permaneceu em silêncioquanto a seus sentimentos com relação aJFK. Não é o caso de Peter Lawford, ohomem que John Kennedy obrigou a telefon-ar para Sinatra e informar que o presidenteficaria em outro lugar durante sua visita aPalm Springs. Em 1966, Lawford se divor-ciou de Patricia, a irmã de JFK, e começou afazer acusações sórdidas contra a famíliaKennedy. Entre elas estava que MarilynMonroe havia tido um caso com BobbyKennedy e também com JFK, e de que Bobbyera cúmplice na morte de Monroe. Essasacusações surgiram em um momento em queLawford havia destruído sua carreira de atorem virtude de uma vida de sexo, drogas e be-bidas – e nunca foram comprovadas. PeterLawford morreu em 1984 de uma paradacardíaca provocada por uma falência nofígado. Ele tinha 61 anos.

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Greta Garbo viveu até os 84 anos; morreuem 15 de abril de 1990 na cidade de NovaYork. Ela foi uma pessoa reclusa até o fim davida; nunca se casou nem teve filhos. Sempremorou sozinha. A famosa atriz, no entanto,gostava de fazer longas caminhadas pelas ru-as de Nova York, quase sempre usando umpar de óculos escuros gigantes – um hábitoque sua admiradora, Jackie Kennedy, tam-bém adotaria. Greta Garbo administravamuito bem seu dinheiro e, embora estivesseaposentada há quase quarenta anos quandomorreu, deixou para a sobrinha uma pro-priedade que valia mais de 32 milhões dedólares.Argumenta-se que Camelot foi um mito cri-ado por Jackie Kennedy para dar brilho aolegado do marido. Se as comparações comCamelot eram ou não discutidas na CasaBranca dos Kennedy durante a vida do pres-idente não está claro. Mas as comparaçõessão apropriadas e, como Jackie havia

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esperado, a história de Camelot definiu omodo como a presidência do marido é lem-brada até hoje.John Fitzgerald Kennedy está enterrado emum declive perto da ex-casa de Robert E.Lee, no Cemitério Nacional de Arlington, olugar que ele tanto admirou poucas semanasantes de sua morte. Ele é um dos dois únicospresidentes enterrados lá – o outro é WilliamHoward Taft, que morreu em 1930.

Jackie Kennedy insistiu que o funeral domarido fosse o mais parecido possível com ode Abraham Lincoln. O professor JamesRobertson Jr., diretor da Comissão do Cen-tenário da Guerra Civil Americana, e DavidMearns, da Biblioteca do Congresso, foramdesignados para pesquisar o funeral de Lin-coln no breve período entre o assassinato deJFK e seu enterro. O Salão Leste da CasaBranca foi transformado para que ficassequase exatamente igual ao que era quandorecebeu o corpo de Lincoln em 1865. Além

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disso, a carreta e o cortejo fúnebre porWashington foram copiados da jornada finalde Lincoln.

O enterro de John Kennedy em Arling-ton é iluminado por uma chama eterna, porsugestão de Jackie Kennedy. Queima nocentro de uma placa circular de granito deCape Cod, com um metro e meio de diâ-metro. Jackie jaz ao lado dele, bem comoseus dois bebês falecidos, Arabella e Patrick.A cobertura televisiva do funeral de JohnKennedy transformou Arlington de um lugarde enterro de soldados e marinheiros a umpopular destino turístico. Até hoje, nenhumlocal em Arlington é mais popular do que otúmulo de John Fitzgerald Kennedy. Mesmouma geração após o seu assassinato, otúmulo atrai mais de quatro milhões de pess-oas por ano a Arlington. São pessoas dispos-tas a prestar homenagem ao presidentemorto.

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E também ao grande sonho americanoque ele representou.

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EPÍLOGO

Nós começamos este livro associando JohnF. Kennedy com Abraham Lincoln. E assimtambém o concluímos.

Em 10 de fevereiro de 1962, JFK escre-veu uma carta ao advogado de Washington,Ralph E. Becker. A carta seria lida como umacelebração do centésimo aniversário da Pro-clamação da Emancipação. Durante todo oseu mandato, John Kennedy fez referênciasfrequentes a Abraham Lincoln. Havia umaforte conexão entre os dois homens. A carta aseguir é o melhor indício de que JohnFitzgerald Kennedy e Abraham Lincoln tin-ham, de fato, laços estreitos de afinidade.

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A CASA BRANCA

WASHINGTON

PARA: Ralph E. Becker, mestre de cerimônias

Tenho grande prazer em me dirigir a todos vocês que estão

comemorando o centésimo aniversário da Proclamação da

Emancipação esta noite. Eu gostaria de poder estar com

vocês.

Sobre a Declaração de Independência, Lincoln disse que

“não só proporcionou liberdade às pessoas deste país, mas

esperança ao mundo inteiro”. Entregou “a promessa de que,

no devido tempo, esse peso será tirado do ombro de todos

os homens, e de que todos devem ter igual oportunidade”.

A Proclamação da Emancipação é ainda mais bem descrita

por suas palavras. Sua importância nunca foi maior do que

hoje – o peso da escravidão, eliminado deste país há cem

anos, agora foi eliminado em quase todos os lugares do

mundo. Mas esta é uma marcha longa e lenta rumo a um

mundo que reconhece a liberdade e a igualdade como direit-

os básicos da vida humana.

Nosso progresso é notável, mas não está completo. A clareza

do propósito e das ideias de Lincoln pode servir para forta-

lecer todos nós para as tarefas que temos pela frente.

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John F. Kennedy

10 de fevereiro de 1962

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REFERÊNCIAS

Este livro demandou pesquisa em fontesprimárias e secundárias. Grande parte domaterial de primeira mão veio de entrevistase reportagens que Bill O’Reilly fez ao longodos anos. De fato, ele foi premiado pelo Dal-las Press Club por sua reportagem sobre oassassinato de JFK enquanto trabalhavapara o canal de televisão WFAA. Um volumeconsiderável de informações novas foi forne-cido por vários oficiais, em particularRichard Wiehl, o agente do FBI designadopara investigar e interrogar Marina Oswaldapós o assassinato. Somos gratos ao sr.Wiehl, que pela primeira vez divulgou suasdescobertas.

A vida e a morte de John Kennedy nãoprecisam de embelezamento. É um dos per-íodos mais fascinantes da história. Mas como

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muitos dos eventos relatados neste livro sãotão fantásticos e também tão terríveis, assimcomo muitos dos detalhes são um tanto ínti-mos, é importante lembrar o leitor de que Osúltimos dias de John F. Kennedy não é umaobra de ficção. É tudo verdade. As ações decada indivíduo e os episódios descritos real-mente aconteceram. As citações são palavrasque as pessoas realmente falaram. Esses de-talhes foram possíveis, em grande medida,porque JFK é uma figura histórica contem-porânea, cujo mandato foi documentado pelamídia em todos os aspectos.

Esse volume impressionante de ma-terial disponível sobre a vida e a morte deJohn F. Kennedy proporcionou surpresasagradáveis ao ser compilado. Não só haviauma série de manuscritos em primeira pess-oa que forneciam detalhes específicos sobrereuniões, conversas e acontecimentos, comotambém há vários vídeos na internet dos dis-cursos de Kennedy e de suas aparições na

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televisão. Tais documentos deram vida àssuas palavras e à sua voz durante cada dia deescrita. Para os leitores, dedicar tempo a en-contrar e assistir a esses vídeos contribuiráimensamente para aprender mais sobre JohnKennedy. É indicado ao leitor, em especial, odiscurso de Galway em 1963 como um exem-plo da sabedoria, ternura e presença dopresidente.

Para ouvir da própria Jackie a vidadentro da Casa Branca dos Kennedy, escuteJacqueline Kennedy: Historic Conversationson Life with John F. Kennedy, uma série degravações que ela fez não muito depois doassassinato. É notável ouvir a candura comque a ex-primeira-dama fala, sobretudoquando ela faz revelações sobre tantas dasfiguras mais famosas e poderosas do mundona época. Assim como ocorria com o marido,a sabedoria, ternura e presença de Jackie sãopalpáveis.

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Os autores têm uma dívida especialcom a equipe de Laurie Austin e StaceyChandler, da Biblioteca Kennedy. Nenhumasolicitação de pesquisa era grande oupequena demais. Basta dizer que foi umagrande emoção receber, por exemplo, cópiasda agenda diária de John Kennedy,mostrando sua localização precisa, o nomede diferentes pessoas em várias reuniões, e ahora em que ele escapava para a piscina oupara a “Mansão” à tarde. Ler a agenda decompromissos foi ver o dia do presidenteganhar cor e proporcionou uma sensaçãonítida de como era a vida na Casa Branca.Estando em Boston, a Biblioteca Kennedy éuma visita obrigatória.

Um agradecimento especial tambémdeve ir para Death of a President, de WilliamManchester, escrito logo após o assassinato econstruído com base em entrevistas emprimeira mão com quase todos os que est-iveram com JFK em Dallas no dia 22 de

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novembro de 1963. A obra de Manchester foiescrita com a cooperação absoluta de Jackiee da família Kennedy. O nível de detal-hamento é fantástico e se mostrou de valorinestimável como a resposta decisiva paramuitas perguntas quando outras fontes eramconflitantes entre si.

A espinha dorsal desta obra são livros,artigos de revistas, vídeos, o tão sinistro esempre fascinante Relatório da ComissãoWarren, além de visitas a lugares como Dal-las, Washington, Galway e a região de TexasHill Country. Os autores têm uma dívida degratidão com os muitos pesquisadores bril-hantes que se embrenharam na vida de JohnFitzgerald Kennedy. A seguir, uma referênciadetalhada às fontes. Esta lista, no entanto,não é exaustiva, e só inclui as obras consulta-das para a laboriosa tarefa de escreverhistória.

Prólogo: A Thousand Days, de ArthurSchlesinger; The Fitzgeralds and the

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Kennedys, de Doris Kearns Goodwin; JohnF. Kennedy’s Inaugural Speech, de KarenPrice Hossell; e Ask Not: The Inaugurationof John F. Kennedy and the Speech ThatChanged America, de Thurston Clarke. Oartigo de Todd S. Purdum sobre a posse ofi-cial de JFK, publicado na Vanity Fair defevereiro de 2011, também foi muito útil, as-sim como o banco de dados dos ArquivosNacionais e o Relatório da Comissão Warren.

Capítulo 1: A história de John Herseyna New Yorker sobre o TP-109, de 1944,forneceu o melhor relato dessa dolorosa ex-periência. The Best Years of Their Lives, deLance Morrow, uma leitura rápida e fascin-ante, contrabalança muito bem a versão deHersey, às vezes aduladora. Detalhes sobre odiscurso às Mães de Estrela de Ouro e o nas-cimento da Máfia Irlandesa podem ser en-contrados em One Brief Shining Moment, deWilliam Manchester.

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Capítulo 2: O website do Museu daCasa Branca oferece um excelente mapa detodo o edifício, junto com sua história em pa-lavras e imagens. Além disso, o relato deRobert Dallek sobre as várias afecçõesmédicas de JFK foi bastante útil para com-preendermos os muitos medicamentos que opresidente precisava tomar. O website daBiblioteca Kennedy é uma grande fonte dedetalhes sobre a vida na Casa Branca. As in-formações sobre Jackie são cortesia de SallyBedell Smith em Grace and Power.

Capítulo 3: Marines and Helicopters,de William R. Fails, detalha a evolução dotransporte presidencial, enquanto An Unfin-ished Life, de Dallek, e Fidel: Hollywood’sFavorite Tyrant, de Humberto Fontova,fornecem detalhes sobre as atrocidades deFidel Castro. As informações sobre o climasão cortesia do Farmers’ Almanac, ao passoque Brief Shining Moment, de Manchester,acrescenta comentários de bastidores aos

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pensamentos do presidente sobre a Baía dosPorcos. Outras fontes dignas de nota: As ISaw It, de Dean Rusk; Presidents and For-eign Policy, de Edward R. Drachman; JohnF. Kennedy: A Biography, de Michael O’Bri-en; Kennedy’s Quest for Victory, de ThomasG. Paterson; The Brilliant Disaster, de JimRasenberger; Robert Kennedy, de JamesHilty; Sons and Brothers, de RichardMahoney; e o excelente RememberingAmerica, de Richard Goodwin.

Capítulo 4: O leitor é levado a acessara internet e assistir ao excelente passeio pelaCasa Branca, em particular a linguagem cor-poral entre o presidente e a primeira-damano final. O lado negro de Camelot, de Sey-mour Hersh, tem enorme prazer em revelaros segredos das infidelidades da CasaBranca, enquanto Grace and Power, de SallyBedell Smith, Jack and Jackie, de Christoph-er Andersen, The Kennedy Women, deLaurence Leamer, e A Woman Named

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Jackie, de C. David Heymann, parecem maisinteressados em entender os porquês.

Capítulo 5: A Biblioteca de JFK e aspróprias palavras de Jackie em Historic Con-versations on Life with John F. Kennedyabordam o assunto de Camelot, bem como oartigo de Sally Bedell Smith, “Private Cam-elot”, publicado na Vanity Fair de maio de2004. The Secret Life of Marilyn Monroe, deRandy J. Taraborrelli; The Sinatra Files, deTom e Phil Kuntz; e o dossiê do FBI sobreSinatra acrescentam detalhes convincentessobre o que aconteceu em Palm Springs.Robert Kennedy, de Evan Thomas, permitesaber mais sobre RFK. Dark Side of Cam-elot, de Hersh, também foi valiosíssimo. Oscomentários de JFK sobre o assunto vieramda entrevista com Sally Bedell Smith em U.S.News and World Report (9 de maio de2004). O website da Gallup Poll forneceu in-formações sobre os índices de aprovação, aopasso que Double Cross, de Sam e Chuck

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Giancana, proporcionaram o pano de fundopara as várias possíveis tramas da máfia con-tra Marilyn e os irmãos Kennedy.

Capítulo 6: O website da BibliotecaKennedy tem uma função que permite nave-gar pelo New York Times por data. Issofornece grande parte das informações con-textuais sobre as viagens do presidente, asatrocidades em Berlim Oriental e o interessedo mundo em questões como os cosmo-nautas soviéticos e o revolucionário telefonepor rádio. Passage of Power, de RobertCaro, foi um grande achado, com inform-ações sobre os hábitos de Lyndon Johnson,em particular suas angústias como vice-pres-idente. Os detalhes sobre a vida no ExtremoSul vêm de relatórios do FBI documentandoesse período, enquanto a história de EmmettTill veio diretamente do depoimento de seusassassinos à revista Look, junto com outrasfontes que lhe dão magnitude, e da fotografiada revista Ebony mostrando sua cabeça

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espancada. O artigo de Dave Garrow naedição de julho/agosto de 2002 do AtlanticMonthly documenta a fascinação do FBI porMartin Luther King Jr. As lembranças deFain, agente especial do FBI, sobre Lee Har-vey Oswald vêm do depoimento de Fain naComissão Warren.

Capítulo 7: Fotografias do quarto deJFK podem ser vistas no site www.white-housemuseum.org, e mais detalhes podemser encontrados em Brief Shining Moment,de Manchester. Mais histórias sobre a CasaBranca podem ser encontradas emwww.whitehouse.gov; Jackie Kennedy falamuito sobre a vida na Casa Branca em His-toric Conversations on Life with John F.Kennedy. Conversas específicas sobre a Crisedos Mísseis em Cuba podem ser encontradasem The Kennedy Tapes, de Ernest May ePhilip Zelikow, e em True Compass, de TedKennedy. Também são dignos de nota: TheWeek the World Stood Still, de Stern; os

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documentos de arquivo da reunião de DeanRusk com Gromyko, o ministro de RelaçõesExteriores da União Soviética; The CubanMissile Crisis, de Charles Tustin Kamps;Jackie, Ethel, and Joan, de Randy J. Tara-borrelli; The Mind of Oswald, de Diane Hol-loway; Khrushchev, de William Taubman; eThe Memoirs of Nikita Khrushchev, do fale-cido ditador soviético. A história de RobertDallek na Atlantic sobre as afecções médicasde Kennedy (dezembro de 2002) também foimuito útil.

Capítulo 8: Acredite ou não, a inaug-uração da Mona Lisa pode ser encontrada noYouTube. Fascinante. Mona Lisa in Camelot,de Margaret Leslie Davis, lança luz sobreesse capítulo improvável da história do país.O glossário de Death of a President, deManchester, fornece os codinomes do Ser-viço Secreto, enquanto o Relatório da Comis-são Warren inclui um sumário consistentesobre a história de assassinatos presidenciais

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e a necessidade de um Serviço Secreto. Opróprio website do Serviço Secreto tambémmostra isso. Grande parte das informaçõesde bastidores sobre os vários agentes e se-guranças pessoais dos Kennedy pode ser en-contrada em Mrs. Kennedy and Me, de ClintHill, e em The Kennedy Detail, de GeraldBlaine. All Too Human, de Edward Klein,também foi muito útil.

Capítulo 9: Passage to Power, deCaro, fornece mais detalhes valiosos sobreLBJ. Double Cross, dos Giancana, detalha asconspirações da máfia. Essas conspiraçõesnão são apresentadas como fatos neste livro,e sim como teorias – e Double Cross esboçaessas possibilidades muito bem. Tambémsão dignos de nota neste capítulo: BobbyKennedy, de Evan Thomas; Bobby and J.Edgar, de Burton Hersh; All Too Human, deEdward Klein; Crossfire, de Jim Marrs; e owebsite da Biblioteca de LBJ.

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Capítulo 10: O website de WinstonChurchill tem uma excelente visão geraldesse dia especial, ao passo que RethinkingCamelot, de Noam Chomsky, trata dosprimeiros dias no Vietnã com riqueza dedetalhes.

Capítulo 11: Muitos detalhes sobre osmanifestantes vieram da cobertura do Wash-ington Post no dia seguinte. But for Birm-ingham, de Glenn Eskew, e Carry Me Home,de Diane McWhorter, trazem informaçõesadicionais impressionantes. Birmingham1963, de Shelley Tougas, fala de como umúnico fotógrafo mudou tantas mentes. ColdWar Mandarin, de Seth Jacobs, fornece de-talhes terríveis sobre a queima de monges e oregime de Diem. E, mais uma vez,Manchester permite vislumbrar osbastidores da Casa Branca dos Kennedy.

Capítulo 12: Parting the Waters, deTaylor Branch; Everything Martin LutherKing, Jr. Book, de Jessica McElrath; Martin

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Luther King, Jr.: A Life, de Marshall Frady;Conversations, de Jackie Kennedy; e a in-fame edição da Newsweek de 19 de janeirode 1998 foram todas fontes valiosas, bemcomo Robert Kennedy, de Evan Thomas;Passage to Power, de Robert Caro e TheMind of Oswald, de Dianne Holloway. Mrs.Kennedy and Me, de Clint Hill, que permitevislumbrar a relação entre o segurança pess-oal e a primeira-dama, é uma fontevaliosíssima e extremamente útil.

Capítulo 13: Manchester, mais umavez. E também são úteis All Too Human, deHill. Klein, e The Kennedy Men, de Leamer.

Capítulo 14: Unfinished Life, deDallek; e Robert Kennedy, de Thomas. O dis-curso inteiro de King pode ser ouvido onlineem www.americanrhetoric.com.

Capítulo 15: Esta entrevista entreCronkite e JFK é outra joia da internet e valeassistir para ver a facilidade com queKennedy demonstra dominar os muitos

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assuntos com que Cronkite aborda e o modocomo os dois homens relaxam tão nitida-mente quando a filmagem formal éconcluída.

Capítulo 16: Informações da Bibli-oteca de JFK, Death of a President, Passageof Power e do Relatório da Comissão Warrenformam o núcleo deste capítulo. The Road toDallas, de David Kaiser, é minucioso e in-formativo, e os arquivos do FBI sobreAristóteles Onassis fornecem detalhesfascinantes.

Capítulo 17: Há uma série de websitesdedicados a Camp David. Vale a penaconsultá-los para conhecer um pouco dessecomplexo tão privado e exclusivo. As inform-ações sobre Oswald vêm da Comissão War-ren, enquanto A Woman Named Jackie, deHeymann, e o website do Museu da CasaBranca acrescentam detalhes valiosos sobrea sala de jantar da residência da família.Conversations with Kennedy, de Ben

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Bradlee, documenta esse jantar especial.JBKO, de Donald Spoto, detalha a data da úl-tima aparição de Jackie em campanha;Manchester forneceu detalhes sobre a pontu-ação da então primeira-dama; e Heymann eLeamer documentam a carta enviada do iateChristina.

Capítulo 18: A maior parte destecapítulo vem de relatos de jornal e deManchester. As Conversations de Bradleefornecem a declaração “Sem perfis”.

Capítulo 19: O depoimento do agenteespecial Hosty na Comissão Warren forneceos detalhes sobre sua visita a Ruth Paine.The Kennedy White House: Family Life andPictures, 1961–1963, de Carl SferrazzaAnthony, fornece as declarações sobre Ar-lington. Vale observar que o sargento Clarktambém deu o toque de silêncio no funeralde JFK.

Capítulo 20: Garbo, de Barry Paris, eJack and Lem, de David Pitts, falam dessa

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noite esquecida na história da Casa Branca.Agradecemos a Camille Reisfield, de Ross,Califórnia, por escrever perguntando se oepisódio estaria no livro, tornando os autorescientes deste último jantar em Camelot.

Capítulo 21: A Comissão Warren eRoad to Dallas, de Kaiser, proporcionam es-clarecimentos excepcionais sobre os dias queantecederam o assassinato. Ainda há dúvidassobre se Oswald foi de fato o atirador queSterling Wood testemunhou ter visto, já queo dono do polígono de tiro jurou que viuOswald lá em uma data completamentediferente. O fato de que um homem solitáriofoi visto disparando um fuzil italiano peculi-ar, entretanto, está fora de discussão.

Capítulo 22: Hill, Manchester, depoi-mentos na Comissão Warren e o website doMuseu da Casa Branca.

Capítulos 23 a 26: Uma ampla gamade websites e livros foram usados para exam-inar o vasto número de fatos em torno do

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assassinato de John F. Kennedy. Os horários,as descrições da multidão, a cena da chegadae todos os outros aspectos do momento emque ele toma o tiro e é levado ao hospitalParkland são fatos consumados. No entanto,as fontes principais para conversas es-pecíficas, momentos íntimos e outros detal-hes particulares são Death of a President, aComissão Warren, o fascinante Mrs.Kennedy and Me, de Clint Hill, ReclaimingHistory, de Vincent Bugliosi, os escritos deDallek sobre as afecções médicas de JFK esobre o próprio assassinato e, é claro, a fil-magem de Zapruder. Nós a assistimos re-petidas vezes para entender a sequência dosacontecimentos e nunca ficou menos terrível– e o desfecho também não mudou.

Capítulo 27: O cinejornal filmado porJackie pode ser encontrado online. Suatristeza continua sendo muitíssimo dolorosade se assistir. Uma série de biógrafos deJackie menciona brevemente essa gravação.

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Mas ela está longe de ser irrelevante. Assimcomo a noite com Greta Garbo, ou aquelacom a Mona Lisa, este evento foi único ememorável, tendo sido negligenciado comdemasiada facilidade.

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AGRADECIMENTOS

Meu superagente Eric Simonoff continua aser incrivelmente perspicaz em empreendi-mentos comerciais e criativos.

Makeda Wubneh, minha assistente hámais de vinte anos, mantém todos os meusnegócios funcionando sem percalços, umatarefa nada fácil.

Também sou muito grato a meu editorStephen Rubin, o melhor no ramo, e a meuchefe na Fox News, Roger Ailes, um guer-reiro brilhante e destemido.

– Bill O’ReillyEu gostaria de estender uma dívida degratidão a todos aqueles que tornaram estelivro possível, incluindo Steve Rubin, o con-fiável Gillian Blake e Eric Simonoff. E, éclaro, o meu mais sincero amor e obrigado aCalene Dugard – musa, alma gêmea e secretahistoriadora.

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– Martin Dugard735/741

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Texto de acordo com a nova ortografia.Título original: Killing Kennedy: The End ofCamelotCapa: Ivan Pinheiro Machado. Foto da capa:John F. Kennedy © Wayne Miller/MagnumPhotosTradução: Otavio Albuquerque e JanaínaMarcoantonioPreparação: Bianca PasqualiniRevisão: Patrícia Yurgel

Cip-Brasil. Catalogação na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros,

RJ

O77uO’Reilly, Bill, 1949-Os últimos dias de John F. Kennedy / BillO’Reilly, Martin Dugard; tradução Otavio Al-buquerque e Janaína Marcoantonio. – [1.ed.] – Porto Alegre, RS: L&PM, 2013.Tradução de: Killing Kennedy: The End ofCamelot

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ISBN 978.85.254.3076-21. Kennedy, John F. (John Fitzgerald),1917-1963. 2. Presidentes - Estados Unidos -Biografia. 3. Estados Unidos - Política e gov-erno. 4. Kennedy, John F. (John Fitzgerald) -Assassinato. I. Dugard, Martin. II. Título13-05313 CDD: 923.173CDU: 929:32(73)

Copyright © 2012 by Bill O’Reilly andMartin DugardPublished by arrangement with Henry Holtand Company, LLC, New York. All RightsReserved.Todos os direitos desta edição reservados aL&PM EditoresRua Comendador Coruja, 314, loja 9 –Floresta – 90220-180Porto Alegre – RS – Brasil / Fone:51.3225.5777Pedidos & Depto. comercial: [email protected]

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