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Terrorismo Islâmico e Multiculturalismo Inglaterra registra sequência de atentados em 2017. Os ataques terroristas islâmicos na Europa se tornam corriqueiros e ganham em perversidade num continente que vem perdendo suas referências culturais históricas. Rodrigo Belinaso Guimarães Uma coisa me chamou a atenção na cobertura dos recentes atentados na Inglaterra pela grande imprensa: a completa ausência dos termos jihad e islâmico para qualificar os ataques. Tenho a impressão de que há a atuação do pensamento politicamente correto que impede qualquer menção a relação entre ações de terror e religião islâmica, muito menos com a recente onda de imigração islâmica para a Europa que pode ter trazido milhares de jihadistas ao continente. O que se procura fazer crer é de que se trata de atos de “lobos solitários” (embora haja grupos no entorno deles): pessoas mentalmente doentes que não se adaptaram à vida multicultural e festiva pós-moderna e que foram influenciadas pelo grupo Estado Islâmico cuja zona de atuação efetiva se encontraria distante da Europa. A minha sensação é a de que se tornou difícil admitir aquilo que parece óbvio: se contarmos, fora os ataques em massa, os casos diários de esfaqueamentos e estupros, parece nítido que a Europa está passando por um levante jihadista. O islamismo não apenas pode se tornar a cultura dominante na Europa como resultado da imigração em massa e pela eficiência de sua propagação, mas pode fazer uso do terror como ponta de lança para implantar sua lei ao continente. Isso acontece ao mesmo tempo que se retiram da população europeia os meios culturais e políticos para enfrentar a islamização: culturas nacionais históricas que absorveriam o imigrante e governos que combatam militarmente os jihadistas espalhados pelo território. Na imprensa norte-americana que consultei é possível encontrar duas hipóteses totalmente opostas para os atentados na Inglaterra. A imprensa globalista ressalta que os ataques são realizados por indivíduos fanáticos contrários ao multiculturalismo híbrido pós-moderno. Do outro lado, a imprensa conservadora afirma que os ataques são possibilitados pela ideologia multiculturalista abraçada pela esquerda globalista ao redor do mundo. Para os globalistas, em termos gerais, o multiculturalismo é o ideal de vida civilizacional da atualidade, para eles, os indivíduos não deveriam adotar identidades históricas como o nacionalismo ou o cristianismo, mas comporem suas identidades criativamente no tempo presente através da hibridação de elementos culturais diversos. A ampliação das diferenças culturais em cada país enfraqueceria os laços culturais nacionais, sendo que qualquer aspecto identitário estrangeiro seria valorizado positivamente. O multiculturalismo adota um discurso ético abstrato contra o ódio, repleto de sentimentalismo, e tem na preservação do meio ambiente uma das suas principais preocupações metafísicas. Diferentemente, para os conservadores, o multiculturalismo é uma ideologia a serviço da criação de um governo mundial, de caráter burocrático e totalitário, que procura produzir

Resenha: Terrorismo Islâmico e Multiculturalismo

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Page 1: Resenha: Terrorismo Islâmico e Multiculturalismo

Terrorismo Islâmico e MulticulturalismoInglaterra registra sequência de atentados em 2017. Os ataques terroristas islâmicos na Europa se tornam

corriqueiros e ganham em perversidade num continente que vem perdendo suas referências culturais históricas.

Rodrigo Belinaso Guimarães

Uma coisa me chamou a atenção na cobertura dos recentes atentados na Inglaterra pela

grande imprensa: a completa ausência dos termos jihad e islâmico para qualificar os ataques.

Tenho a impressão de que há a atuação do pensamento politicamente correto que impede

qualquer menção a relação entre ações de terror e religião islâmica, muito menos com a recente

onda de imigração islâmica para a Europa que pode ter trazido milhares de jihadistas ao

continente. O que se procura fazer crer é de que se trata de atos de “lobos solitários” (embora haja

grupos no entorno deles): pessoas mentalmente doentes que não se adaptaram à vida

multicultural e festiva pós-moderna e que foram influenciadas pelo grupo Estado Islâmico cuja

zona de atuação efetiva se encontraria distante da Europa. A minha sensação é a de que se tornou

difícil admitir aquilo que parece óbvio: se contarmos, fora os ataques em massa, os casos diários

de esfaqueamentos e estupros, parece nítido que a Europa está passando por um levante jihadista.

O islamismo não apenas pode se tornar a cultura dominante na Europa como resultado da

imigração em massa e pela eficiência de sua propagação, mas pode fazer uso do terror como ponta

de lança para implantar sua lei ao continente. Isso acontece ao mesmo tempo que se retiram da

população europeia os meios culturais e políticos para enfrentar a islamização: culturas nacionais

históricas que absorveriam o imigrante e governos que combatam militarmente os jihadistas

espalhados pelo território.

Na imprensa norte-americana que consultei é possível encontrar duas hipóteses

totalmente opostas para os atentados na Inglaterra. A imprensa globalista ressalta que os ataques

são realizados por indivíduos fanáticos contrários ao multiculturalismo híbrido pós-moderno. Do

outro lado, a imprensa conservadora afirma que os ataques são possibilitados pela ideologia

multiculturalista abraçada pela esquerda globalista ao redor do mundo. Para os globalistas, em

termos gerais, o multiculturalismo é o ideal de vida civilizacional da atualidade, para eles, os

indivíduos não deveriam adotar identidades históricas como o nacionalismo ou o cristianismo,

mas comporem suas identidades criativamente no tempo presente através da hibridação de

elementos culturais diversos. A ampliação das diferenças culturais em cada país enfraqueceria os

laços culturais nacionais, sendo que qualquer aspecto identitário estrangeiro seria valorizado

positivamente. O multiculturalismo adota um discurso ético abstrato contra o ódio, repleto de

sentimentalismo, e tem na preservação do meio ambiente uma das suas principais preocupações

metafísicas.

Diferentemente, para os conservadores, o multiculturalismo é uma ideologia a serviço da

criação de um governo mundial, de caráter burocrático e totalitário, que procura produzir

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indivíduos atomizados com identidades abstratas, formais e universalistas; desse modo, eles

poderiam ser mais facilmente governados porque se perdem os pontos de referências culturais

tradicionais que contrabalanceariam o poder estatal: a família, a comunidade cristã, os

sentimentos de pertencimento local e nacional. Assim, a experiência histórica comum de um povo

deveria ser amplamente preservada, pois apenas com ela seria possível resistir tanto ao governo

mundial globalista quanto a islamização.

Na cobertura dos atentados na grande imprensa globalista, a celebração do

multiculturalismo é uma constante, criando uma oposição entre ataques de ódio e a experiência da

diferença cultural amorosa. Logo, o ódio poderia ser atribuído a uma quantidade significativa de

atores, ou seja, todos aqueles que não façam parte da atmosfera multicultural abstrata:

fundamentalistas islâmicos e cristãos. Assim, aproveita-se para colocar em circulação a visão de

uma sociedade idealizada pela perspectiva multicultural, como o faz o New York Times quando

relata o ataque em Manchester: “A área da Wilmslow Road que atravessa a vizinhança da

Rusholme, ao sul do centro da cidade, é conhecida como Curry Mile, graças aos restaurantes

indianos e paquistaneses que estão lá por décadas. Mas este rótulo parece não fazer justiça à

diversidade do local. Barbeiros curdos estão próximos de lojas que vendem trajes indianos

cintilantes. Na frente de uma livraria islâmica há um supermercado jamaicano. O ar carrega o

doce perfume da shisha que emana de cafés cujos nomes são antecedidos por Damasco e Dubai. A

comida é da Tunísia, Vietnã e de todos os lugares entre eles. Nestas poucas quadras há um mundo

inteiro.”

Uma sociedade idealizada, com valores culturais universalistas e híbridos, é o que busca

Stuart Hall no seu panfleto Identidade Cultural na Pós-Modernidade de 1992 que é uma espécie de

“Manifesto Comunista” da ideologia multicultural, com forte impacto na acadêmia, na educação e

na imprensa brasileira. Este livro precisa ser lido para quem quer começar a entender a

perspectiva ideológica do multiculturalismo e suas intenções políticas. Nele, se discute

brevemente o fundamentalismo islâmico como um obstáculo a este mundo ideal, questionando o

porquê dos muçulmanos insistirem em adotar a lei do Corão. Pode-se perguntar, a partir desse

pensamento, sobre o porquê do islamismo não se constituir numa religião de valores abstratos e

de rituais exotéricos como se quer para o cristianismo. Porém, neste panfleto, se os muçulmanos

caem no fundamentalismo é por culpa exclusiva do Ocidente, estabelecendo assim as linhas gerais

da forma como a jihad deve ser interpretada: como uma reação ao caráter “forçado” da

modernização ocidental, ou seja, do capitalismo; como uma reação ao caráter “forçado” dos

modelos e valores culturais ocidentais, ou seja, do cristianismo; como uma reação ao terceiro-

mundismo, por terem sido excluídos dos ganhos da globalização; ou como uma reação à pobreza

dos muçulmanos.

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Assim, eu tenho uma hipótese que precisa ser melhor investigada: tal como as ideologias

racistas e classistas do século XIX desarmaram culturalmente as populações, as impedindo de

resistirem aos regimes totalitários do século XX; a ideologia multiculturalista, de alguma forma, ao

desarmá-las de suas identidades históricas permite a expansão da jihad no Ocidente e a

concentração de poder nas estruturas burocráticas da União Europeia. É preciso levar em

consideração que tanto as ideologias racistas e classistas prometiam entregar ao mundo

sociedades melhores, felizes e ricas. Assim, é preciso avaliar uma ideologia não por aquilo que ela

almeja abstratamente, mas pelos mecanismos de engenharia social que engendra. Dessa forma, em

linhas gerais, o multiculturalismo impede que ao imigrante seja cobrada a sua absorção aos

princípios e valores da sociedade que lhe acolheu. Pelo contrário, são os residentes históricos

dessas sociedades que precisariam se adaptar ao estilo de vida do imigrante. Isso sempre foi visto

como ocupação estrangeira. É claro que o multiculturalismo tem o seu inimigo cultural a quem

dirige seus ataques políticos: a cultura judaico-cristã, que se traduz nos homens masculinos,

brancos, cristãos, racionais e pais de família; estes seriam os principais inimigos da paz e do bem-

estar mundial.

A meu ver, há uma pergunta que o multiculturalismo impede de ser feita: se existem

jihadistas não seria porque há no Corão um sistema de ideias que sustentam essa existência?

Robert Spencer em recente artigo na FrontPage Mag conta toda a sua dificuldade em colocar tal

questão em três universidades norte-americanas e numa palestra que proferiu na Islândia: “as três

universidades e a imprensa da Islândia trataram minha presença como se Josef Goebbels tivesse

dado uma passadinha para uma visita. Uma petição queria que minha apresentação na Trumam

State fosse cancelada, chamando-me de 'agitador, conferencista inflamado e islamofóbico

descarado,' afirmam que eu tinha 'uma agenda de ódio e violência.' Além disso, alegava-se que

'permitir a presença de Spencer neste campus é prejudicial à segurança e ao bem-estar da

comunidade acadêmica.' Outros incitavam que eu fosse atacado fisicamente.”

Então, qualquer tentativa de colocar o problema do terrorismo nos termos encontrados no

Corão esbarra no politicamente correto que impera e que chama de islamofóbico todo aquele que

parece contestar os ideias multiculturais. Esta cegueira é bem explicada pelo autor: Claramente os

britânicos, (…), acreditam que a “ameaça da jihad” é imaginária e a ameaça da “islamofobia” é real.

A contagem dos corpos diz o contrário. E caso os estudantes que protestaram por causa da minha

presença, o governo da Islândia e a mídia não acordarem para esse fato rapidamente, eles

descobrirão isto por experiência própria. A estratégia da esquerda em relação a “islamofobia”

conduz diretamente para Manchester (local do ataque jihadista que o ensaio analisa). Uma vez que

todo inimigo do terror jihadista é demonizado e silenciado, quem falará em resistência? Ninguém,

e então a jihad avançará livremente e sem oposição, enquanto que aqueles que poderiam falar

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permanecem silenciados pelo medo de serem acusados de “islamofóbicos.”

Portanto, sem uma profunda revisão da ideologia multiculturalista cada vez se tornará

mais difícil ouvir vozes de resistência à jihad. Entender e acompanhar a evolução das relações

entre esses três elementos: jihad, multiculturalismo e resistência a islamização pode ser essencial

para se começar a entender o que se passa pelos nossos olhos.