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Plural Música 2 [email protected] - HOJE EM DIA, BELO HORIZONTE, DOMINGO, 3/4/2005 BRUNO MORENO REPÓRTER D e las Montanhas é o último sobrenome de Susana Baca, sem uso há muito tempo. Entretanto, a peruana não perdeu seu apego às montanhas, sua li- gação com a natureza. Pelo contrário. Em entrevista ex- clusiva ao HOJE EM DIA, no 25º andar de um hotel no Centro de Belo Horizonte, Susana não tirava os olhos das montanhas que contor- nam e protegem a Região Metropolitana de Belo Hori- zonte, horas antes de se apre- sentar para uma multidão que lotou o Palácio das Artes (PA), na quinta-feira, 17 de março. Susana veio à cidade convidada para participar do restrito 5º Encontro Interna- cional de Performances, e en- cantou-se com a cultura e as artes brasileiras. Acompa- nhada da ótima e eclética banda - formada pelos músi- cos Sergio Valdeos/guitarra, Juan Medrano/cajon (caixa), Hugo Brabo/percussão; Da- vid Pinto/contrabaixo; Nilo Borges/violino -, levantou o público, que não se conteve às cadeiras, indo dançar nas laterais, direcionados, não só pela música, mas também pelo exemplo de Susana, que não parou quieta um segun- do no palco. Baca admitiu, no meio da apresentação, que elaborou um repertório muito femini- no. Mas os homens não acharam nada ruim. Um misto de surpresa, euforia e realização na platéia. Até mesmo o renomado cantor, compositor e músico Fer- nando Brant, que subiu ao placo para chamá-la, nunca tinha visto Baca ao vivo e não escondeu sua ansiedade. Mas quem conhece Susa- na Baca? No Brasil, poucos. Pouquíssimos. O mais im- pressionante é que a cantora, intérprete e compositora (além de exímia dançarina), é reconhecida mundialmente, e já ganhou um Prêmio Grammy em 2002, categoria World Music. Susana se equi- para, no mínimo, a Clarice Lispector (escritora), Nina Si- mone (cantora) e Elis Regina (cantora). Trabalhos e trajetórias di- ferentes, mas uma coisa em comum: não são usuais e sa- bem (ou souberam) emocio- nar muito quem teve acesso às suas obras. São mulheres que marcaram sua passagem pela Terra. Com uma mobili- zação política, mas sem “per- der a ternura”, Susana é, sem dúvida, uma expressão de ar- dor e amor, revolta e flores. Ela mora na pequena ci- dade costeira de Chorrilos, no norte do Peru, e viaja constantemente, mas garan- te ter tempo para a família e diz valorizar muito esses mo- mentos, principalmente quando encontra com seu mais novo neto, de dois me- ses de idade. Abaixo, um pou- co dessa mulher, que revela a idade, mas pede sigilo. ENTREVISTA SUSANA BACA Emoção e raízes latinas em estado puro Confesso que conheci a obra da senhora ontem e, sinceramente, fiquei impressionado com o tanto que estava perdendo. Perguntei a várias pessoas e ninguém a conhecia. Qual o problema com os brasileiros em relação à sua música? Isso é um problema, quase o mesmo que existe em toda a América Latina. Às vezes, mais facilmente conhecem nosso trabalho na Europa, nos Estados Unidos, do que em nosso país, ou nos países próximos. Penso que tenho muita ilusão cada vez que tenho que vir ao Brasil, por que penso que é mais perto de al- guma forma. Mas não é bem assim. Meus dis- cos não são encontrados nem ali no Conser- vatório (UFMG). Toninho Horta, um músico de Belo Hori- zonte, tem mais discos fora do Brasil. A senho- ra ganhou um prêmio em 1971, no Peru. Este prêmio ajudou a projetar seu trabalho inter- nacionalmente? Não, foi um prêmio muito bonito. Eu estava começando e também o Manduka estava lá, o filho de Thiago de Mello, que também estava lá. Tive a sorte de cantar para um festival de poesia, mas o prêmio não influenciou diretamente. A senhora foi professora? Sim, me formei como professora (magis- tério) e trabalhei como professora. Como foi mudar da escola para os palcos? Bem, o canto estava desde pequena, en- tão, teria que fazê-lo em algum momento de minha vida (risos). Era imperativo. Como seus alunos vêem suas músicas? Meus alunos são meus maiores ouvintes e os mais críticos. Eles cresceram muito e alguns são músicos também. É muito lindo mostrar-lhes algo. Em sua música há uma presença muito forte da cultura dos negros da América His- pânica. Com é seu processo de construção das músicas? Como funciona isso? Eu penso que a música me cativou de al- guma forma. A música chegou para mim e moveu algo dentro de mim. Eu escutava desde pequena. Então, quando eu as canto, já não são as mesmas canções, felizmente. Seria ter- rível se fossem!! Eu me contaminei com outros sons de outras coisas para expressá-la. Um trabalho criativo que gosto muito é unir todas as coisas que me lembro. Sai do fundo do ou- vido e então posso fazer uma canção. Vamos fazer assim, arrumar assim. E qual é a influência em seu trabalho de músico(a)s peruano(a)s, como Yma Sumac? Eu tive a sorte de conhecê-la e de vê-la cantar, mas quase não há influência, pois ela foi embora do Peru muito cedo. Como todos os artistas que saem de seu país para buscar trabalho do outro lado. Aqui no Brasil não é bem assim. Aqui, os artistas têm sua gente que o segue, seu público que vai vê-lo, não? Que compra os discos. Nós não somos assim. Os peruanos estão olhando sempre os que vêm de fora. Agora há uma tendência para ver o que está passando dentro do país. Mas os grandes meios de difusão ainda estão muito comprometidos em difundir a música de fora. E Oxalá que seja uma música boa, é péssima, é a pior!! Meu Deus!! Mas qual é o problema, por que isso acon- tece? O problema é que vemos com muito entu- siasmo o de fora, desde pequenos. Pensamos que o nosso não vale o suficiente. Quando vai para fora faz sucesso dentro do país? Sim, então a coisa vem de fora. Poucas pessoas foram em minhas apresentações. Acreditaram em meu trabalho. Eu nunca gra- vei um disco em meu país. Tive que criar um selo alternativo para gravar minhas canções. Ninguém se interessou. Então temos que dizer (para as gravadoras): Escutem isso!!! É interes- sante!!! Agora se rompeu a barreira entre o que eles crêem que as pessoas gostam e o que que- rem vender. As pessoas estão aqui (gesticulan- do), e o artista está ali (do lado oposto). As gra- vadores ficam no meio. Não se pode chegar a eles. Me lembro de como foi difícil. Agora, pa- ra mim, a barreira sumiu. Pelejamos muito pa- ra chegar neste nível. Agora temos cinco músi- cos lançados pelo selo. O que a senhora acha dos músicos brasi- leiros? Eles aparecem em seu trabalho? Tenho escutado muito Gil, Caetano, Maria Bethânia, Gal Costa, João Bosco, Milton, Elis Regina e agora gosto muito de escutar sua filha (Maria Rita). Eu dividi o palco com Bebel Gil- berto em um festival de Jazz em Nice (França). Cantaram juntas? Não, foi em dias diferentes. Em seu disco Espirituvivo (2002) tem uma manifesto, que fala sobre o 11 de setembro, para partir uma reflexão sobre como o canto pode vencer a dor e a morte. Seria uma busca de entendimento entre os homens. É possível unir a arte com a manifestação política, ou o manifesto é apenas uma evocação para a vida? A música tem uma força em si. Às vezes pode curar, pode mobilizar também. E, às ve- zes, não é somente a música, é a trajetória do artista. Por exemplo, os produtos subsidiados, nos países de primeiro mundo estão matando de fome os camponeses. No Brasil, no México, no Peru, na Colômbia e há problemas muito sérios. Há vários artistas comprometidos ago- ra, em dizer que não se pode oprimir mais es- sa gente que já não tem do que viver. Meu país está em crise. E eu tenho a responsabilidade de sair, falar sobre isso, em respeito à minha trajetória como artista. Eu acredito que sim, a música mobiliza. E os artistas cada vez têm mais peso. Suas palavras, sua presença, sua atitude. A arte é assim. Por isso estamos neste encontros sobre performances (5º Encontro Internacional de Performances). Como a senhora viu os atentados de 11 de setembro? Eu vivi, estive em Nova Iorque à época do 11 de setembro e sofremos muito. Vimos as pessoas e suas dores. Tínhamos que fazer apresentações e nos ensaios era muito difícil. As pessoas sentiam que a música era um bál- samo para suas vidas. Entretanto, em pouco tempo, vimos os soldados americanos no Afe- ganistão. E era uma situação incompreensível. O estado mais alto do homem é compreender a vida e compreender que não se pode, em uma vingança, tomar a vida de inocentes!! Destruir um povo porque se pensa que os criminosos estão lá ??!!! Foi muito decepcionante. Tão de- cepcionante que em alguns momentos cheguei a pensar que a música não serve para nada. O lhe que aconteceu de proveitoso em Be- lo Horizonte? O povo brasileiro é muito aberto, com vi- da. E tem muito de arte, dança, teatro, foto- grafia, música. Tudo o que fazem é maravilho- so. Eu gostaria de conhecer Lavras Novas (uma antiga comunidade quilombola, próxi- ma a Ouro Perto, distante 120 quilômetros de Belo Horizonte). Para mim, a história dos Afro-Americanos - somos todos Afro-Ameri- canos, não apenas os da América do Norte - é fundamental. Tenho a intenção de conhecer tudo isso. Qual era o país em que mais chega- vam negros? Cuba e Brasil. Gostaria de conhe- cer Ouro Preto também. Como disse Eduardo Galeano (historiador uruguaio, autor de As Veias Abertas da América Latina), os lugares mais ricos da América eram uma desgraça pa- ra as pessoas. Porque ali o conquistador foi se apoderar de todas as riquezas que havia. Co- mo em Potosí (cidade Boliviana de onde, reza a lenda, foi retirada tanta prata que podería-se construir uma ponte de lá até Madri, na Espa- nha), uma das cidades mais pobres que co- nheço. É possível um equilíbrio entre as culturas tradicionais e sociedade de hoje? Dos indígenas foi retirada a terra. Os Afro- Americanos foram desnaturalizados. Não res- peitaram os indígenas, queriam ocupar a terra deles. Aí quando o mundo inteiro começou a falar na proteção do meio ambiente percebe- ram que era importante proteger os indígenas também. Dia oito de março foi o Dia Internacional da Mulher. Quando estudava sua história e ouvia suas músicas, pensei que, se existissem mais mulheres como a senhora, não seria ne- cessário um dia para lembrarmos da impor- tância delas. Eu tenho uma grande admiração pelas mulheres dos povos, por exemplo, no Peru, os povos mais pobres, que criaram um sistema de sobrevivência, o restaurante popular. Essa mulheres, eu as sinto tão importantes. São co- mo um glória para mim. São as mais lutadoras? Não só isso. Organizaram um sistema de sobrevivência, foram ao Parlamento e conse- guiram leis a favor dos restaurantes populares. O governo havia ignorado, mas elas não desis- tiram. Eu fui aos restaurantes populares can- tar, e elas dançavam. Elas são admiráveis. Eu não conheço as mulheres do Brasil, mas ima- gino que as lutas sejam parecidas. Existem tantas cantoras excelentes no mundo. Como é disputar com tantas assim? É bonito, porque às vezes juntamos as vo- zes. Me lembro de Margareth Menezes. Nunca cantamos juntas, mas o que cantamos se jun- ta para algo bom. A Virgínia Rodrigues, me en- contrei com ela na Itália, cantamos músicas religiosas, porque é nossa crença. Há muito também para aprender de outras mulheres, como Violeta Parla, Mercedes Sousa. Já cantou com alguma brasileira? Não cantei com brasileiras. Aconteceu de aparecermos no mesmo programa, um dia antes, um dia depois. Com Margareth (Mene- zes), em Londres. Há algum plano de cantar com algum brasileiro? SB: Me encantaria gravar um disco do que aconteceu em outubro (de 2004), quando Gil- berto Gil nos convidou a participar dos Quatro Cantos, com uma artista portuguesa, que não me lembro o nome, e um artista angolano, cha- mado Flores. Nós três e Gilberto cantamos mú- sicas nossas e depois, juntos, cantamos Estrela. Há algum plano de cantar novamente no Brasil? Sim, vou a Corumbá (Mato Grosso), no Festival Latino Americano de Música., no final de maio. Quem escuta sua música? Eu gostaria que fossem todos. Mas so- bretudo os músicos escutam meu trabalho. E as pessoas vão e se emocionam. Uma vez, depois de uma apresentação, quando a Guerra do Iraque (2002) havia acabado de ser declarada, eu estava na Europa, tinha que me apresentar, e fiz o concerto. Um ami- go, que ficou na porta, durante a saída do público, me disse que todos saíram com um sorriso nos lábios. Gostaria de deixar um recado para os bra- sileiros? Quero voltar, quero voltar. E gostaria de organizar um encontro em uma terra dos es- cravos no Peru e quero levar Gilberto Gil para participar. “ÀS VEZES, MAIS FACILMENTE CONHECEM NOSSO TRABALHO NA EUROPA, NOS ESTADOS UNIDOS, DO QUE EM NOSSO PAÍS, OU NOS PAÍSES PRÓXIMOS” “TENHO ESCUTADO MUITO GIL, CAETANO, MARIA BETHÂNIA, GAL COSTA, JOÃO BOSCO, MILTON, ELIS REGINA E AGORA GOSTO MUITO SUA FILHA (MARIA RITA)” “QUERO VOLTAR, QUERO VOLTAR. E GOSTARIA DE ORGANIZAR UM ENCONTRO EM UMA TERRA DOS ESCRAVOS NO PERU E QUERO LEVAR GILBERTO GIL PARA PARTICIPAR” RENATO COBUCCI

Susana Baca

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Page 1: Susana Baca

Plural Música2 [email protected] - HOJE EM DIA, BELO HORIZONTE, DOMINGO, 3/4/2005

BRUNO MORENOREPÓRTER

De las Montanhas é oúltimo sobrenome deSusana Baca, sem uso

há muito tempo. Entretanto,a peruana não perdeu seuapego às montanhas, sua li-gação com a natureza. Pelocontrário. Em entrevista ex-clusiva ao HOJE EM DIA, no25º andar de um hotel noCentro de Belo Horizonte,Susana não tirava os olhosdas montanhas que contor-nam e protegem a RegiãoMetropolitana de Belo Hori-zonte, horas antes de se apre-sentar para uma multidãoque lotou o Palácio das Artes(PA), na quinta-feira, 17 demarço.

Susana veio à cidadeconvidada para participar dorestrito 5º Encontro Interna-cional de Performances, e en-cantou-se com a cultura e asartes brasileiras. Acompa-nhada da ótima e ecléticabanda - formada pelos músi-cos Sergio Valdeos/guitarra,Juan Medrano/cajon (caixa),Hugo Brabo/percussão; Da-vid Pinto/contrabaixo; NiloBorges/violino -, levantou opúblico, que não se conteveàs cadeiras, indo dançar naslaterais, direcionados, não sópela música, mas tambémpelo exemplo de Susana, quenão parou quieta um segun-do no palco.

Baca admitiu, no meio daapresentação, que elaborouum repertório muito femini-no. Mas os homens não

acharam nada ruim. Ummisto de surpresa, euforia erealização na platéia. Atémesmo o renomado cantor,compositor e músico Fer-nando Brant, que subiu aoplaco para chamá-la, nuncatinha visto Baca ao vivo e nãoescondeu sua ansiedade.

Mas quem conhece Susa-na Baca? No Brasil, poucos.Pouquíssimos. O mais im-pressionante é que a cantora,intérprete e compositora(além de exímia dançarina), éreconhecida mundialmente,e já ganhou um PrêmioGrammy em 2002, categoriaWorld Music. Susana se equi-para, no mínimo, a ClariceLispector (escritora), Nina Si-mone (cantora) e Elis Regina(cantora).

Trabalhos e trajetórias di-ferentes, mas uma coisa emcomum: não são usuais e sa-bem (ou souberam) emocio-nar muito quem teve acessoàs suas obras. São mulheresque marcaram sua passagempela Terra. Com uma mobili-zação política, mas sem “per-der a ternura”, Susana é, semdúvida, uma expressão de ar-dor e amor, revolta e flores.

Ela mora na pequena ci-dade costeira de Chorrilos,no norte do Peru, e viajaconstantemente, mas garan-te ter tempo para a família ediz valorizar muito esses mo-mentos, principalmentequando encontra com seumais novo neto, de dois me-ses de idade. Abaixo, um pou-co dessa mulher, que revela aidade, mas pede sigilo.

ENTREVISTA SUSANA BACA

Emoção e raízes latinas em estado puro

Confesso que conheci a obra da senhoraontem e, sinceramente, fiquei impressionadocom o tanto que estava perdendo. Perguntei avárias pessoas e ninguém a conhecia. Qual oproblema com os brasileiros em relação à suamúsica? Isso é um problema, quase o mesmoque existe em toda a América Latina. Às vezes,mais facilmente conhecem nosso trabalho naEuropa, nos Estados Unidos, do que em nossopaís, ou nos países próximos. Penso que tenhomuita ilusão cada vez que tenho que vir aoBrasil, por que penso que é mais perto de al-guma forma. Mas não é bem assim. Meus dis-cos não são encontrados nem ali no Conser-vatório (UFMG).

Toninho Horta, um músico de Belo Hori-zonte, tem mais discos fora do Brasil. A senho-ra ganhou um prêmio em 1971, no Peru. Esteprêmio ajudou a projetar seu trabalho inter-nacionalmente? Não, foi um prêmio muitobonito. Eu estava começando e também oManduka estava lá, o filho de Thiago de Mello,que também estava lá. Tive a sorte de cantarpara um festival de poesia, mas o prêmio nãoinfluenciou diretamente.

A senhora foi professora?Sim, me formei como professora (magis-

tério) e trabalhei como professora.Como foi mudar da escola para os palcos?Bem, o canto estava desde pequena, en-

tão, teria que fazê-lo em algum momento deminha vida (risos). Era imperativo.

Como seus alunos vêem suas músicas?Meus alunos são meus maiores ouvintes e os

mais críticos. Eles cresceram muito e alguns sãomúsicos também. É muito lindo mostrar-lhes algo.

Em sua música há uma presença muitoforte da cultura dos negros da América His-pânica. Com é seu processo de construçãodas músicas? Como funciona isso?

Eu penso que a música me cativou de al-guma forma. A música chegou para mim emoveu algo dentro de mim. Eu escutava desdepequena. Então, quando eu as canto, já nãosão as mesmas canções, felizmente. Seria ter-rível se fossem!! Eu me contaminei com outrossons de outras coisas para expressá-la. Umtrabalho criativo que gosto muito é unir todasas coisas que me lembro. Sai do fundo do ou-vido e então posso fazer uma canção. Vamosfazer assim, arrumar assim.

E qual é a influência em seu trabalho demúsico(a)s peruano(a)s, como Yma Sumac?

Eu tive a sorte de conhecê-la e de vê-lacantar, mas quase não há influência, pois elafoi embora do Peru muito cedo. Como todosos artistas que saem de seu país para buscartrabalho do outro lado. Aqui no Brasil não ébem assim. Aqui, os artistas têm sua gente queo segue, seu público que vai vê-lo, não? Quecompra os discos. Nós não somos assim. Osperuanos estão olhando sempre os que vêm

de fora. Agora há uma tendência para ver oque está passando dentro do país. Mas osgrandes meios de difusão ainda estão muitocomprometidos em difundir a música de fora.E Oxalá que seja uma música boa, é péssima,é a pior!! Meu Deus!!

Mas qual é o problema,por que isso acon-tece?

O problema é que vemos com muito entu-siasmo o de fora, desde pequenos. Pensamosque o nosso não vale o suficiente.

Quando vai para fora faz sucesso dentrodo país?

Sim, então a coisa vem de fora. Poucaspessoas foram em minhas apresentações.Acreditaram em meu trabalho. Eu nunca gra-vei um disco em meu país. Tive que criar umselo alternativo para gravar minhas canções.Ninguém se interessou. Então temos que dizer(para as gravadoras): Escutem isso!!! É interes-sante!!! Agora se rompeu a barreira entre o queeles crêem que as pessoas gostam e o que que-rem vender. As pessoas estão aqui (gesticulan-do), e o artista está ali (do lado oposto). As gra-vadores ficam no meio. Não se pode chegar aeles. Me lembro de como foi difícil. Agora, pa-ra mim, a barreira sumiu. Pelejamos muito pa-ra chegar neste nível. Agora temos cinco músi-cos lançados pelo selo.

O que a senhora acha dos músicos brasi-leiros? Eles aparecem em seu trabalho?

Tenho escutado muito Gil, Caetano, MariaBethânia, Gal Costa, João Bosco, Milton, ElisRegina e agora gosto muito de escutar sua filha(Maria Rita). Eu dividi o palco com Bebel Gil-berto em um festival de Jazz em Nice (França).

Cantaram juntas?Não, foi em dias diferentes.Em seu disco Espirituvivo (2002) tem uma

manifesto, que fala sobre o 11 de setembro,para partir uma reflexão sobre como o cantopode vencer a dor e a morte. Seria uma buscade entendimento entre os homens. É possívelunir a arte com a manifestação política, ou omanifesto é apenas uma evocação para a vida?

A música tem uma força em si. Às vezespode curar, pode mobilizar também. E, às ve-zes, não é somente a música, é a trajetória doartista. Por exemplo, os produtos subsidiados,nos países de primeiro mundo estão matandode fome os camponeses. No Brasil, no México,no Peru, na Colômbia e há problemas muitosérios. Há vários artistas comprometidos ago-ra, em dizer que não se pode oprimir mais es-sa gente que já não tem do que viver. Meu paísestá em crise. E eu tenho a responsabilidadede sair, falar sobre isso, em respeito à minhatrajetória como artista. Eu acredito que sim, amúsica mobiliza. E os artistas cada vez têmmais peso. Suas palavras, sua presença, suaatitude. A arte é assim. Por isso estamos neste

encontros sobre performances (5º EncontroInternacional de Performances).

Como a senhora viu os atentados de 11 desetembro?

Eu vivi, estive em Nova Iorque à época do11 de setembro e sofremos muito. Vimos aspessoas e suas dores. Tínhamos que fazerapresentações e nos ensaios era muito difícil.As pessoas sentiam que a música era um bál-samo para suas vidas. Entretanto, em poucotempo, vimos os soldados americanos no Afe-ganistão. E era uma situação incompreensível.O estado mais alto do homem é compreender avida e compreender que não se pode, em umavingança, tomar a vida de inocentes!! Destruirum povo porque se pensa que os criminososestão lá ??!!! Foi muito decepcionante. Tão de-cepcionante que em alguns momentos chegueia pensar que a música não serve para nada.

O lhe que aconteceu de proveitoso em Be-lo Horizonte?

O povo brasileiro é muito aberto, com vi-da. E tem muito de arte, dança, teatro, foto-grafia, música. Tudo o que fazem é maravilho-so. Eu gostaria de conhecer Lavras Novas(uma antiga comunidade quilombola, próxi-ma a Ouro Perto, distante 120 quilômetros deBelo Horizonte). Para mim, a história dosAfro-Americanos - somos todos Afro-Ameri-canos, não apenas os da América do Norte - éfundamental. Tenho a intenção de conhecertudo isso. Qual era o país em que mais chega-vam negros? Cuba e Brasil. Gostaria de conhe-cer Ouro Preto também. Como disse EduardoGaleano (historiador uruguaio, autor de AsVeias Abertas da América Latina), os lugaresmais ricos da América eram uma desgraça pa-ra as pessoas. Porque ali o conquistador foi seapoderar de todas as riquezas que havia. Co-mo em Potosí (cidade Boliviana de onde, rezaa lenda, foi retirada tanta prata que podería-seconstruir uma ponte de lá até Madri, na Espa-nha), uma das cidades mais pobres que co-nheço.

É possível um equilíbrio entre as culturastradicionais e sociedade de hoje?

Dos indígenas foi retirada a terra. Os Afro-Americanos foram desnaturalizados. Não res-peitaram os indígenas, queriam ocupar a terradeles. Aí quando o mundo inteiro começou afalar na proteção do meio ambiente percebe-ram que era importante proteger os indígenastambém.

Dia oito de março foi o Dia Internacionalda Mulher. Quando estudava sua história eouvia suas músicas, pensei que, se existissemmais mulheres como a senhora, não seria ne-cessário um dia para lembrarmos da impor-tância delas.

Eu tenho uma grande admiração pelasmulheres dos povos, por exemplo, no Peru, ospovos mais pobres, que criaram um sistema

de sobrevivência, o restaurante popular. Essamulheres, eu as sinto tão importantes. São co-mo um glória para mim.

São as mais lutadoras?Não só isso. Organizaram um sistema de

sobrevivência, foram ao Parlamento e conse-guiram leis a favor dos restaurantes populares.O governo havia ignorado, mas elas não desis-tiram. Eu fui aos restaurantes populares can-tar, e elas dançavam. Elas são admiráveis. Eunão conheço as mulheres do Brasil, mas ima-gino que as lutas sejam parecidas.

Existem tantas cantoras excelentes nomundo. Como é disputar com tantas assim?

É bonito, porque às vezes juntamos as vo-zes. Me lembro de Margareth Menezes. Nuncacantamos juntas, mas o que cantamos se jun-ta para algo bom. A Virgínia Rodrigues, me en-contrei com ela na Itália, cantamos músicasreligiosas, porque é nossa crença. Há muitotambém para aprender de outras mulheres,como Violeta Parla, Mercedes Sousa.

Já cantou com alguma brasileira?Não cantei com brasileiras. Aconteceu de

aparecermos no mesmo programa, um diaantes, um dia depois. Com Margareth (Mene-zes), em Londres.

Há algum plano de cantar com algumbrasileiro?

SB: Me encantaria gravar um disco do queaconteceu em outubro (de 2004), quando Gil-berto Gil nos convidou a participar dos QuatroCantos, com uma artista portuguesa, que nãome lembro o nome, e um artista angolano, cha-mado Flores. Nós três e Gilberto cantamos mú-sicas nossas e depois, juntos, cantamos Estrela.

Há algum plano de cantar novamente noBrasil?

Sim, vou a Corumbá (Mato Grosso), noFestival Latino Americano de Música., no finalde maio.

Quem escuta sua música?Eu gostaria que fossem todos. Mas so-

bretudo os músicos escutam meu trabalho.E as pessoas vão e se emocionam. Uma vez,depois de uma apresentação, quando aGuerra do Iraque (2002) havia acabado deser declarada, eu estava na Europa, tinhaque me apresentar, e fiz o concerto. Um ami-go, que ficou na porta, durante a saída dopúblico, me disse que todos saíram com umsorriso nos lábios.

Gostaria de deixar um recado para os bra-sileiros?

Quero voltar, quero voltar. E gostaria deorganizar um encontro em uma terra dos es-cravos no Peru e quero levar Gilberto Gil paraparticipar.

“ÀS VEZES, MAIS FACILMENTE CONHECEM NOSSOTRABALHO NA EUROPA, NOS ESTADOS UNIDOS,

DO QUE EM NOSSO PAÍS, OU NOS PAÍSES PRÓXIMOS”

“TENHO ESCUTADO MUITO GIL, CAETANO, MARIABETHÂNIA, GAL COSTA, JOÃO BOSCO, MILTON, ELIS

REGINA E AGORA GOSTO MUITO SUA FILHA (MARIA RITA)”

“QUERO VOLTAR, QUERO VOLTAR. E GOSTARIA DEORGANIZAR UM ENCONTRO EM UMA TERRA DOS

ESCRAVOS NO PERU E QUERO LEVAR GILBERTO GIL PARA PARTICIPAR”

RENATO COBUCCI