1
negócios Ilustração Ágatha Kretli A presença física do empregado, isola- damente, não garante absolutamente nada em termos de produtividade e comprome- timento. O que realmente precisamos é da presença dele de corpo e alma, mais alma do que corpo. O absenteísmo psicológico generaliza- do pode ser sintoma de uma doença dege- nerativa da administração das empresas. É como um câncer silencioso que se propaga com rapidez pelo corpo, e se não for detectado a tempo pode ser fatal. Essa doença tem inúme- ras manifestações, tais como: navegar na internet para assuntos alheios ao trabalho; descaso com prazos e qualidade; longas conversas sobre assuntos estranhos aos interesses da empresa; leituras “privadas”; falta de colaboração em algo que o empregado poderia fazer, etc. Você, com certeza, seria capaz de enumerar dezenas de outros exemplos que tra- duzem essa alienação para com os interesses da empresa. Mas de quem é a culpa desse absenteísmo (aparen- temente invisível)? Do empregado ou do gestor? O absenteísmo psicológico só é invisível quando o próprio gestor está alienado dos movimentos de sua equi- pe, não interagindo o suficiente para perceber o que vai bem e o que não vai. Se o contato com o colaborador é formal e com baixa frequência – não tendo sequer clareza do que ele de fato está “fazendo” –, então fica difícil para o gestor ter a percepção do nível de absenteísmo psicoló- gico em sua equipe. O empregado que não tem desafios, não é chamado a participar de assuntos para os quais pode efetivamente contribuir, apenas recebe ordens e, pior, nem recebe orientação sobre o que e como fazer para cumpri-las, estará fortemente inclinado a adotar uma postura de alie- nação no ambiente de trabalho. O gestor que não lidera o seu grupo com efetividade é o responsável direto por esse problema. As causas do absenteísmo psicológico devem ser avaliadas pelo líder, juntamente com o superior e o RH, para que se possa agir a tempo e estancar o problema. Se o colaborador é aquele que “não quer nada com nada”, o gestor deve atuar diretamente, sendo assertivo numa conversa com ele e definindo claramente a mudan- ça esperada, no curtíssimo prazo, para que o alienado possa continuar fazendo parte do quadro da empresa. O que não pode é o gestor sempre atribuir as causas do absenteísmo psicológico apenas ao próprio funcioná- rio, ou a outros fatores alheios à sua gestão, sem inves- tigar as causas ou avaliar a produtividade do empregado dentro das metas a ele estabelecidas. O absenteísmo psicológico pode ser denotado quan- do há a presença física do colaborador no trabalho e, combinado com sua ausência psicológica, o beneficia com o gozo do seu salário, enquanto traz para o gestor, e em consequência para a empresa, o prejuízo do desper- dício de recursos. Cada gestor deve se fazer algumas indagações, como: • Ao final de cada dia, sei exatamente o que cada colaborador produziu de importante para a empresa? • Conheço o tempo e os recursos que as tarefas atribuídas a meus colaboradores deman- dam deles, para poder avaliá-los de forma preci- sa quanto ao cumprimento dessas obrigações? • Atribuo desafios aos colaboradores, de forma equilibrada, evitando excessos para alguns e o esvaziamento para outros? • Centralizo tantas tarefas comigo que não tenho tempo para prestar atenção na real situação dos colabo- radores quanto à produtividade, clima organizacional, riscos de perder profissio- nais, etc.? • Consigo liderar as pessoas de forma que as metas que atribuo a elas possam contribuir para o alcance dos objetivos da empresa? • Quando percebo que alguém está navegando na internet, ou de alguma forma utilizando seu tempo de trabalho em assuntos alheios ao interesse da empresa, finjo que não vi ou chamo o empregado e converso sobre sua atitude inconveniente? • Ao ter informação de que os colaboradores estão insatisfeitos com várias questões da empresa, e perceber que isso está afetando a produtividade, faço uma reunião com eles e tento entender melhor o que está acontecen- do, ou prefiro não me envolver, acreditando que alguém (por exemplo o RH) fará isso? • Atividades estranhas que, com alguma frequência, são percebidas por mim no ambiente de trabalho, apenas me incomodam ou me fazem tomar atitudes para reverter essa situação? • Nas reuniões, procuro manter o foco de todos nos assuntos que estiverem sendo tratados, usando estra- tégias que mantenham a participação e interesse dos participantes? O absenteísmo psicológico é mais sério e grave do que o absenteísmo físico, pois este, do ponto de vista formal, é de fácil controle mesmo quando (equivocada- mente) não se atua em suas causas. Apesar de provo- car muitas perdas em todos os sentidos – resultados, inovação, talentos, ética, clima organizacional, etc. – o absenteísmo psicológico costuma ser negligenciado. Sem dúvida, a maior causa do problema está no líder, pelo seu “absenteísmo” na gestão das pessoas/equipe, seja por falta de competência nessa área, ou porque não prioriza a questão em sua agenda. É uma doença que tem cura, mas dificilmente no curto prazo, exigindo ações rápidas antes que se torne crônica. ALFREDO BOTTONE é matemático e advogado, foi diretor de Administração e Recursos Humanos em grandes empresas, como CESP, Elektro, Light, Grupo Marfrig e CPFL Energia. Atualmente, faz doutorado na Universidade da Flórida e atua como consultor especializado em RH e Relações Trabalhistas. É autor do livro “Insights de um RH Estratégico”, Editora Schoba, 2012. POR ALFREDO BOTTONE PGA 2006 Absenteísmo psicológico DOM 103

Absenteísmo Psicológico - Revista Fundação Dom Cabral - Alfredo Bottone

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Absenteísmo Psicológico - Revista Fundação Dom Cabral - Alfredo Bottone

negóciosIl

ustr

ação

Ága

tha

Kre

tli

A presença física do empregado, isola-damente, não garante absolutamente nada em termos de produtividade e comprome-timento. O que realmente precisamos é da presença dele de corpo e alma, mais alma do que corpo.

O absenteísmo psicológico generaliza-do pode ser sintoma de uma doença dege-nerativa da administração das empresas. É como um câncer silencioso que se propaga com rapidez pelo corpo, e se não for detectado a tempo pode ser fatal.

Essa doença tem inúme-ras manifestações, tais como: navegar na internet para assuntos alheios ao trabalho; descaso com prazos e qualidade; longas conversas sobre assuntos estranhos aos interesses da empresa; leituras “privadas”; falta de colaboração em algo que o empregado poderia fazer, etc. Você, com certeza, seria capaz de enumerar dezenas de outros exemplos que tra-duzem essa alienação para com os interesses da empresa.

Mas de quem é a culpa desse absenteísmo (aparen-temente invisível)? Do empregado ou do gestor?

O absenteísmo psicológico só é invisível quando o próprio gestor está alienado dos movimentos de sua equi-pe, não interagindo o suficiente para perceber o que vai bem e o que não vai. Se o contato com o colaborador é formal e com baixa frequência – não tendo sequer clareza do que ele de fato está “fazendo” –, então fica difícil para o gestor ter a percepção do nível de absenteísmo psicoló-gico em sua equipe.

O empregado que não tem desafios, não é chamado a participar de assuntos para os quais pode efetivamente contribuir, apenas recebe ordens e, pior, nem recebe orientação sobre o que e como fazer para cumpri-las, estará fortemente inclinado a adotar uma postura de alie-nação no ambiente de trabalho.

O gestor que não lidera o seu grupo com efetividade é o responsável direto por esse problema. As causas do absenteísmo psicológico devem ser avaliadas pelo líder, juntamente com o superior e o RH, para que se possa agir a tempo e estancar o problema.

Se o colaborador é aquele que “não quer nada com nada”, o gestor deve atuar diretamente, sendo assertivo numa conversa com ele e definindo claramente a mudan-ça esperada, no curtíssimo prazo, para que o alienado possa continuar fazendo parte do quadro da empresa.

O que não pode é o gestor sempre atribuir as causas do absenteísmo psicológico apenas ao próprio funcioná-rio, ou a outros fatores alheios à sua gestão, sem inves-tigar as causas ou avaliar a produtividade do empregado dentro das metas a ele estabelecidas.

O absenteísmo psicológico pode ser denotado quan-do há a presença física do colaborador no trabalho e, combinado com sua ausência psicológica, o beneficia com o gozo do seu salário, enquanto traz para o gestor, e em consequência para a empresa, o prejuízo do desper-dício de recursos.

Cada gestor deve se fazer algumas indagações, como:

• Ao final de cada dia, sei exatamente o que cada colaborador produziu de importante para a empresa?

• Conheço o tempo e os recursos que as tarefas atribuídas a meus colaboradores deman-dam deles, para poder avaliá-los de forma preci-sa quanto ao cumprimento dessas obrigações?

• Atribuo desafios aos colaboradores, de forma equilibrada, evitando excessos para alguns e o esvaziamento para outros?

• Centralizo tantas tarefas comigo que não tenho tempo para prestar atenção na real situação dos colabo-

radores quanto à produtividade, clima organizacional, riscos de perder profissio-

nais, etc.?• Consigo liderar as pessoas de forma que as metas

que atribuo a elas possam contribuir para o alcance dos objetivos da empresa?

• Quando percebo que alguém está navegando na internet, ou de alguma forma utilizando seu tempo de trabalho em assuntos alheios ao interesse da empresa, finjo que não vi ou chamo o empregado e converso sobre sua atitude inconveniente?

• Ao ter informação de que os colaboradores estão insatisfeitos com várias questões da empresa, e perceber que isso está afetando a produtividade, faço uma reunião com eles e tento entender melhor o que está acontecen-do, ou prefiro não me envolver, acreditando que alguém (por exemplo o RH) fará isso?

• Atividades estranhas que, com alguma frequência, são percebidas por mim no ambiente de trabalho, apenas me incomodam ou me fazem tomar atitudes para reverter essa situação?

• Nas reuniões, procuro manter o foco de todos nos assuntos que estiverem sendo tratados, usando estra-tégias que mantenham a participação e interesse dos participantes?

O absenteísmo psicológico é mais sério e grave do que o absenteísmo físico, pois este, do ponto de vista formal, é de fácil controle mesmo quando (equivocada-mente) não se atua em suas causas. Apesar de provo-car muitas perdas em todos os sentidos – resultados, inovação, talentos, ética, clima organizacional, etc. – o absenteísmo psicológico costuma ser negligenciado. Sem dúvida, a maior causa do problema está no líder, pelo seu “absenteísmo” na gestão das pessoas/equipe, seja por falta de competência nessa área, ou porque não prioriza a questão em sua agenda. É uma doença que tem cura, mas dificilmente no curto prazo, exigindo ações rápidas antes que se torne crônica.

Alfredo Bottone é matemático e advogado, foi diretor de Administração e Recursos Humanos em grandes empresas, como CESP, Elektro, Light, Grupo Marfrig e CPFL Energia. Atualmente, faz doutorado na Universidade da Flórida e atua como consultor especializado em RH e Relações Trabalhistas. É autor do livro “Insights de um RH Estratégico”, Editora Schoba, 2012.

POR ALFREDO BOTTONE PGA 2006Absenteísmo psicológico

DOM 103