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133 O trabalho do gerente executivo: uma visão geral e crítica Antonio Carlos Hilsdorf Cury Mestre em Engenharia de Produção - Universidade Federal de Santa Catarina Professor da Faculdade Politécnica de Jundiaí e-mail: [email protected] Suzana Frittelli Bruno Especialista em Administração de Recursos Humanos - Faculdade Campos Salles Professora da Faculdade Comunitária de Santa Bárbara e-mail: [email protected] Resumo Formação e treinamento de administradores é tema de fundamental importância. A criação de riquezas e o bem-estar das pessoas dependem de administradores capacitados, seja na empresa pública, na empresa privada ou em organizações/ associações sem fins lucrativos. Para preparar administradores capacitados é preciso fundamentar o ensino e o treinamento em estudos reveladores sobre suas atividades de trabalho. A literatura apresenta poucas obras teóricas e pesquisas empíricas sobre o assunto. Para Mintzberg “os estudos administrativos, tão devotados ao progresso e à mudança, têm por mais de meio século não considerado seriamente a questão básica: o que os administradores fazem?” A eficácia da formação e treinamento de administradores depende da adoção de uma boa descrição de seu trabalho. A revisão apresentada a seguir revela o predomínio de uma descrição surgida no início do século. Sua perseverança como descrição do trabalho do administrador seria devido a seus atributos explicativos superiores? Ou estamos acomodados ao examinar a questão? Palavras-chave: Gerente executivo; Treinamento; Mudanças. Abstract Formation and training of administrators are subject of basic importance. The creation of wealth and well-being of the people depend on enabled administrators, either in the public company, the private company or organizations/associations without lucrative ends. To prepare able administrators she is necessary to base education and the training on revealing studies on its activities of work. Literature presents few theoretical workmanships and empirical research on the subject. For Mintzberg “the administrative studies, so devoted to the progress and the change, have for more than half century not considered seriously the basic question: what the administrators make” The effectiveness of the formation and training of administrators depends on the adoption of a good description of its work. The presented revision to follow at the beginning discloses the predominance of a description appeared of the century. Its perseverance as description of the work of the administrator would have its superior clarifying attributes? Or we are accomodated when examining the question? Key-words: Executive manager; Training; Changes. Enfoques Tradicionais Desde 1911 quando Taylor escreveu sobre “aquela melhor maneira” e Fayol declarou que “capacidade gerencial pode e deve ser obtida da mesma maneira que a capacidade técnica na escola, mais tarde na oficina”, estamos em busca do Santo Graal da Administração como uma ciência e uma profissão como afirma Mintzberg. Com isso foram diversas tentativas (durante um século) para definir o papel do gerente executivo e definir a administração como uma profissão, semelhante Medicina, a Engenharia, etc. Finalmente devemos encarar a realidade, a Administração não pode ser encarada como uma ciência ou uma profissão, como afirma Mintzberg “ela permanece incrustada nas práticas da vida diária, devemos celebrar este fato e não deprecia-lo. E devemos desenvolver gerentes incrustados na vida de liderança, e não profissionais removidos dela.”. O primeiro estudioso a preocupar-se em definir o

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O trabalho do gerente executivo: umavisão geral e crítica

Antonio Carlos Hilsdorf CuryMestre em Engenharia de Produção - Universidade Federal de Santa CatarinaProfessor da Faculdade Politécnica de Jundiaíe-mail: [email protected]

Suzana Frittelli BrunoEspecialista em Administração de Recursos Humanos - Faculdade Campos SallesProfessora da Faculdade Comunitária de Santa Bárbarae-mail: [email protected]

Resumo

Formação e treinamento de administradores é tema defundamental importância. A criação de riquezas e o bem-estardas pessoas dependem de administradores capacitados, sejana empresa pública, na empresa privada ou em organizações/associações sem fins lucrativos. Para preparar administradorescapacitados é preciso fundamentar o ensino e o treinamentoem estudos reveladores sobre suas atividades de trabalho. Aliteratura apresenta poucas obras teóricas e pesquisas empíricassobre o assunto. Para Mintzberg “os estudos administrativos,tão devotados ao progresso e à mudança, têm por mais de meioséculo não considerado seriamente a questão básica: o que osadministradores fazem?” A eficácia da formação e treinamentode administradores depende da adoção de uma boa descriçãode seu trabalho. A revisão apresentada a seguir revela opredomínio de uma descrição surgida no início do século. Suaperseverança como descrição do trabalho do administrador seriadevido a seus atributos explicativos superiores? Ou estamosacomodados ao examinar a questão?

Palavras-chave: Gerente executivo; Treinamento;Mudanças.

Abstract

Formation and training of administrators are subject ofbasic importance. The creation of wealth and well-being of thepeople depend on enabled administrators, either in the publiccompany, the private company or organizations/associationswithout lucrative ends. To prepare able administrators she isnecessary to base education and the training on revealingstudies on its activities of work. Literature presents fewtheoretical workmanships and empirical research on the subject.For Mintzberg “the administrative studies, so devoted to theprogress and the change, have for more than half century notconsidered seriously the basic question: what the administratorsmake” The effectiveness of the formation and training ofadministrators depends on the adoption of a good descriptionof its work. The presented revision to follow at the beginningdiscloses the predominance of a description appeared of thecentury. Its perseverance as description of the work of theadministrator would have its superior clarifying attributes? Orwe are accomodated when examining the question?

Key-words: Executive manager; Training; Changes.

Enfoques Tradicionais

Desde 1911 quando Taylor escreveu sobre“aquela melhor maneira” e Fayol declarou que“capacidade gerencial pode e deve ser obtida da mesmamaneira que a capacidade técnica na escola, mais tardena oficina”, estamos em busca do Santo Graal daAdministração como uma ciência e uma profissão comoafirma Mintzberg. Com isso foram diversas tentativas(durante um século) para definir o papel do gerente

executivo e definir a administração como uma profissão,semelhante Medicina, a Engenharia, etc.

Finalmente devemos encarar a realidade, aAdministração não pode ser encarada como uma ciênciaou uma profissão, como afirma Mintzberg “elapermanece incrustada nas práticas da vida diária,devemos celebrar este fato e não deprecia-lo. E devemosdesenvolver gerentes incrustados na vida de liderança, enão profissionais removidos dela.”.

O primeiro estudioso a preocupar-se em definir o

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papel do gerente foi Chester Barnard uma raridade entreos estudiosos “gurus” da administração, pois era umexecutivo em tempo integral, foi um dos pioneiros a tratardos papéis do executivo nas organizações, osrelacionamentos entre organizações formais e informaisem seu livro de 1938 intitulado The Functions of theExecutive exerceu uma enorme influência em sua épocae ainda é atualmente depois de 70 anos atualíssimo,definindo o que chamamos hoje de “HomemOrganizacional”. Para Barnard o verdadeiro papel doexecutivo era gerir os valores da organização.

O trabalho de Barnard juntamente com o célebretrabalho de Elton Mayo contestaram veementemente otrabalho de Taylor e Fayol que achavam que administrarpoderia ser uma ciência exata capaz de ser aplicadaatravés de um conjunto de regras.

Em 1945 com a publicação do livroComportamento Administrativo de Herbert AlexanderSimon temos um aprofundamento no tema o Papel doExecutivo, com a publicação da “teoria decisória dagerência” este trabalho é reconhecido pelos estudiososda teoria administrativa como pertencente à abordagemcomportamental (ou behaviorista) da administração, queestuda as relações do indivíduo com a organização. Noentanto reflete uma forma modificada decomportamentalismo, pois procura demonstrar como asescolhas individuais na organização podem serinfluenciadas, pela determinação de algumas premissasdecisórias (critérios em que se baseiam as decisões).

Simon por essa razão não se enquadra nobehaviorismo clássico, pois ele quer entender ocomportamento da organização estudando a maneira emque as pessoas decidem e como a administração podeinfluenciar este processo de decisão.

Coube a Simon a ser o primeiro a caracterizar osprocessos administrativos como processos decisórios.

Simon vê o homem “como um ator econômicobombardeado por escolhas e decisões, mas possuindoum estoque limitado de informações e capacidade deprocessamento.” Aí está a grande diferenciação de Simondo behaviorismo tradicional, sua proposta não visasubstituir a economia pela psicologia como base parauma teoria organizacional, na sua visão” a organização éum sistema de decisão onde a pessoa participa de formaracional e consciente, escolhendo entre alternativas maisou menos racionais”.

Mas apesar de tudo Simon também acreditava nacondução racional e científica das organizações tal qualTaylor e Fayol, caracterizando uma continuidade dacorrente racionalista da administração, ainda tal comoBarnard Simon caracteriza a organização como um

sistema social cooperativo, onde as pessoas interagemde forma coordenada (pelos gerentes), na busca deobjetivos comuns sempre com ameaças externas, ondenão devem existir conflitos de natureza interna, tornando-se uma abordagem conservadora e antiquada, poisentende o desequilíbrio como um mal indesejado aosistema cooperativo, implicando que as diferenças deinteresses não são aceitáveis pela teoria do equilíbrio.

A crítica de Guerreiro Ramos ratifica que a teoriade Simon é neo-racionalista ao afirmar que “tudo mostraque Simon se desinteressa totalmente pela racionalidadesubstancial (valores individuais) incidindo ao temerárioprocedimento de submergi-la na racionalidade funcional(valores organizacionais)”.

Segundo Edmundo Escrivão Filho, Mintzberg é oúnico autor a desafiar a hegemonia de Fayol sobre a“Natureza do Trabalho Administrativo”; teve o méritode divulgar a crítica à Abordagem do Processo,chamando a atenção para seu formalismo e abstração.Em alternativa à contribuição de Fayol, propôs uma novaformulação através de descrição de papéis interpessoais,informacionais e decisionais.

Para Mintzberg o trabalho administrativo definidospelos clássicos são verdadeiros folclores, as quais nãocorrespondem à realidade dos fatos: 1) o executivo éum planejador reflexivo e sistemático; 2) o executivo eficaznão tem deveres regulares para executar; 3) o executivonecessita de informação agregada e a melhor ferramentaé um sistema formal de informação; 4) a administraçãoé, ou pelo menos está rapidamente tornando-se, umaciência e uma profissão;

Neste contexto, a imagem do executivo trancadopor horas em sua sala na realização de um planejamentoé pura ficção. Suas atividades são caracterizadas pelabrevidade, variedade e fragmentação em conseqüênciade ser um respondente, em tempo real, das pressões docargo. O planejamento é implícito, uma reprogramaçãode seu dia de trabalho ocorre freqüentemente. Avariedade de tarefas e a preferência pelo contato verbalintensificam as relações interpessoais.

Esses contatos são utilizados para a coleta etransmissão de informações. “Eles folheiam a maioria dosrelatórios em segundos, quase ritualisticamente”. O autorpergunta: como aguardar um relatório diante de umimportante fornecedor que rompeu contrato? Umencontro não programado de dois minutos de duraçãono cafezinho é melhor que centenas de páginas impressasno computador uma semana depois. A rede de contatosinterpessoais forma uma organização informal detransmissão de informações que alimenta a decisãoexecutiva.

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Desta descrição, bastante diversa do enfoqueclássico, o autor formula os papéis componentes docargo administrativo 1) PAPÉIS INTERPESSOAIS:representativo; líder; contato; 2) PAPÉISINFORMACIONAIS: monitor; disseminador; porta-voz; 3) PAPÉIS DECISIONAIS: empreendedor;solucionador de distúrbios; alocador de recursos;negociador.

Para o autor estes papéis em conjunto formam ocargo administrativo. No entanto, “dizer que os papéisformam um todo integrado não é dizer que todos osadministradores dão igual atenção a cada papel”. Porexemplo: o gerente de vendas pode dar maior atençãoaos papéis interpessoais, o gerente de pessoal aos papéisinformacionais e o gerente de produção aos papéisdecisionais. Mas, nos três casos, os papéis interpessoais,informacionais e decisionais permanecem inseparáveis epresentes em todo cargo administrativo.

Enfoques alternativos

John Kotter, professor da Harvard BusinessSchool, em suas pesquisas sobre o trabalho deexecutivos encontrou um padrão de comportamentobastante diverso daquele descrito pela “Abordagem doProcesso”, o que levou o autor a notar que os executivostêm que lidar com dois desafios do cargo:

a) A diversidade e volume de informaçõespotencialmente relevantes;

b) A dependência de um grande número depessoas.

Ao analisar a natureza do trabalho doadministrador (claramente trata-se de altos executivos)o autor construiu o modelo de desempenho no cargo apartir da agenda de trabalho e da rede de contatos. Aação do executivo visa três pontos:

a) Estabelecimento de uma agenda: é sua estratégiapessoal para alcançar as metas de seu trabalho,procurando mais agressivamente informações de outros;fazendo mais habilmente questões; estabelecendo commais êxito programas e projetos;

b) Construção de redes de contatos: essa rede derelacionamentos cooperativos abrangerá todos aquelesde quem o executivo sinta-se dependente para odesempenho eficaz do cargo, até mesmo fora daorganização;

c) Implementação das agendas: para isso seutilizam de recursos orçamentários, e da informação.

Como o autor enfatiza a mudança, ele faz umadiferenciação entre administração e liderança, pois no

processo de transformação a liderança seria maisnecessária. A administração seria formada pelasatividades de: planejamento e orçamento; organização erecrutamento de pessoal; e controle e solução deproblemas. A liderança é composta das ações de:estabelecimento da orientação: desenvolvimento de umavisão do futuro; alinhamento de pessoal; motivação einspiração.

Hampton lembra que há duas visões sobreliderança, uma que trata da “construção” da instituição eoutra da influência interpessoal; a primeira guarda relaçãocom os trabalhos dos autores institucionalistas naadministração, como Selznick, e descreve os grandeslíderes construtores de organizações poderosas; asegunda trata dos relacionamentos face-a-face, e lembraos estudos pioneiros de Likert e Bales, descrevendocomo um líder pode influenciar seus seguidores.

Deve-se registrar que a perspectiva de Kotter paraa liderança é a dos grandes “construtores” empresariaiscomo Konosuke Matsushita, portanto, a culturaorganizacional é o cimento que une, mantém e dá forçaa essas grandes construções. Existe a idéia de que culturaforte resulta em bom desempenho. A ênfase na mudançalevou Kotter a destacar a liderança em detrimento dasfunções administrativas, isto não significa que ele neguesua importância em outro momento da empresa.

Stewart é outra autora que critica a Abordagemdo Processo, pois esta “tende a ser muito formal eidealística”. Busca a natureza do cargo administrativo nainvestigação empírica, tendo realizado diversas pesquisascom quadro de referência de análise repousando sobredois pilares: o conceito de cargo e o conceito de agenda.

Para Stewart, o cargo é representado pelasdemandas, restrições e escolhas, onde:

• Demandas são as atividades que o ocupantetem de realizar por causa da descrição do cargo ouporque o chefe considera importante. Exemplo: cumprirum critério mínimo de desempenho;

• Restrições são os fatores que limitam o queseu ocupante pode fazer. Exemplo: limitações de recursosfinanceiros, restrições legais ou desaprovação sindical;

• Escolhas são as atividades que o ocupante podefazer, mas não tem de fazer. Exemplo: como o trabalhoé feito ou em tomar parte em alguma atividadeorganizacional.

A agenda refere-se “ao processo pelo qual oexecutivo decide o que fazer”. Em outras palavras, sãoas estratégias pessoais para realizar as metas de seutrabalho.

Mintzberg demonstrou que o trabalho executivoé fragmentado e, em função disso, ele é um respondente

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em tempo real das pressões do cargo. Ou seja, o gerentetem uma agenda (estratégia pessoal) reativa. Stewartconfirma em parte: “a maioria dos executivos não temagendas explícitas” e “executivos com tal padrão detrabalho fragmentado provavelmente terão uma agendareativa”. No entanto, “isto não é verdade para todos oscargos”, mas apenas para aqueles com trabalhofragmentado conclui Stewart.

Os poucos executivos que possuem agendasexplícitas estão provavelmente em cargos nãofragmentados, isto sugere que “a natureza do cargo podefornecer um estímulo para estabelecer agendasexplícitas”. A autora tem uma hipótese pessoal, nãocomprovada empiricamente, que os executivos pró-ativos (aqueles que têm agenda explícita) parecem seros mais eficazes.

Portanto, o estudo empírico do comportamento éinsuficiente para explicar as funções administrativas senão forem levantadas às escolhas disponíveis ao ocupantedo cargo. Quando é medido o comportamento, aatividade de ronda pela fábrica é indiferente para oexecutivo que vai motivar seus funcionários ou aqueleque busca encontrar melhorias. Quando são examinadasas escolhas, as ações dos executivos são bem distintas.

A lição apreendida da exposição de Stewartrefere-se à impossibilidade de generalizar sobre otrabalho administrativo apenas pelo estudo docomportamento. Há de se entender, também, aflexibilidade do cargo através do estudo de suasdemandas, restrições e escolhas.

Para Nadler e Tushman, a ação administrativa éorientada pelo processo de resolução de problemas. Nãohaveria novidade alguma a apresentar se este processoreduzisse seu foco de análise à execução ou à decisão,como enfatizado, respectivamente, na Abordagem doProcesso e na Abordagem dos Papéis.

No entanto, o processo de resolução deproblemas é formado por um conjunto de passos queguia a análise do executivo de forma a concentrar suaatenção no funcionamento organizacional. Estarepresentação sistemática da dinâmica organizacional,os autores chamam de “Modelo de Congruência doComportamento Organizacional”.

Ao privilegiar o funcionamento organizacional, oModelo da Congruência adota como primeiro passo doprocesso a identificação do sistema e, em seguida, aespecificação das variáveis essenciais deste sistema.Execução e decisão são possíveis variáveis do sistema,no entanto, serão com toda certeza apenas elementosparciais do foco de análise.

Uma primeira perspectiva da idéia de fazer

diagnóstico pode ser delineada com base em sintomas.Neste caso, o executivo toma conhecimento de algumsintoma (greve, queda nas vendas, falta de matéria-prima) e age para corrigir esta “anormalidade”. A açãobaseia-se simplesmente nas conseqüências de umasituação já transformada sem sua efetiva participação.Apresenta a deficiência de limitar-se aos problemasdiretamente relacionados com os sintomas. Além disso,carrega uma visão reativa. São os sintomas que iniciamo processo de diagnóstico e mudança. O executivo épassivo, não se antecipa aos sintomas. A característicamais prejudicial desta perspectiva é seu enfoquelocalizado, parcial e simplista da esfera de açãoadministrativa. É comum encontrar entre os profissionaisde administração uma segunda perspectiva daAbordagem do Diagnóstico: com base na intuição. Nestecaso, o executivo tem um modelo próprio paracompreender sua esfera de atuação. O enfoquefundamenta-se na experiência pessoal e considera nãosistematicamente o conhecimento científico. Assim, “osenfoques intuitivos são freqüentemente ingênuos esimplistas” Neste caso, o papel administrativo oscila entrereativo e ativo, dependendo das características pessoaisdo profissional. A abrangência do modelo sobre o campode ação do administrador também é variável, mas quasesempre parcial.

Uma terceira perspectiva é o diagnóstico com baseem componentes organizacionais isolados; deixa de terum caráter fortuito para assumir um caráter sistemático.No entanto, mantém o enfoque parcial das perspectivasanteriores. É o caso da Abordagem do Processo aoenfatizar a execução do trabalho e da Abordagem dosPapéis ao enfatizar a tomada de decisão.

O quadro 1 adaptado por Edmundo EscrivãoFilho, como se segue explica este modelo da congruênciacom muita clareza.

Tendo em vista que a organização, campocaracterístico da ação administrativa, é uma realidadede alta complexidade, grande interdependência e rápidamudança, são os modelos anteriores deficientes emrepresentar a realidade. Para enfrentar tal situação existea perspectiva do diagnóstico organizacional, isto é,diagnóstico baseado na representação dos principaiscomponentes de uma organização.

A importância deste enfoque é ainda maior ao seconsiderar que “não há procedimentos de diagnósticoamplamente aceitos para avaliar as organizações... hámuitos procedimentos de diagnóstico para funçõesparciais. Cada especialista tem seu próprio remédio pararesolver ou melhorar os problemas que ele percebe.Freqüentemente esforços para resolver problemas em

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uma área criam novos problemas para a organizaçãocomo um todo ou para outras áreas”.

Segundo Nadler e Tushman, “a teoria do sistemaaberto é um arcabouço geral para conceptualizar ocomportamento organizacional”. Ao esboçar aorganização como um sistema aberto fica estabelecido

o seguinte: a organização é um todo; a organização é umconjunto de partes em constantes inter-relacionamentos;a organização é orientada para finalidades; a organizaçãoestá em interdependência com o ambiente.

É importante destacar que a teoria do sistemaaberto enfatiza o processo de transformação de recursos

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organizacionais em produtos organizacionais. Destaforma, o Modelo de Congruência do ComportamentoOrganizacional baseado no modelo sistêmico irá focalizaras partes componentes essenciais do funcionamento daorganização e suas inter-relações. Essa combinaçãoforma uma poderosa ferramenta executiva para“estruturar e lidar com a realidade complexa dasorganizações”.

Como orientação geral é utilizada a teoria dossistemas abertos. Como orientação específica adota-sea resolução de problemas. As interações sistêmicasguiarão os passos da resolução de problemas, quepodem ser entendidos como as próprias atividades do“Trabalho do Administrador” alicerçado em um Modelode Congruência do Comportamento Organizacional: 1 -Identificar o sistema; 2 - Determinar a natureza dasvariáveis essenciais; 3 - Diagnosticar o estado dasligações (entre variáveis) e os relacionamentos aosresultados organizacionais; 4 - Identificar os problemascríticos do sistema; 5 - Gerar soluções alternativas; 6 -Avaliar estratégias alternativas; 7 - Escolher estratégiaspara serem implementadas; 8 - Implementar estratégias;9 - Avaliar; reiniciar o passo 1.

Enfoques Contemporâneos

Em um contexto mais contemporâneo do que osprimeiros estudos sistêmicos de Nadler e Tushman paraas organizações, Peter Senge também utiliza o raciocíniosistêmico como uma disciplina integradora e central nacaracterização da administração e organização. Em umaperspectiva voltada para a aprendizagem, o autordescarta a organização como controladora e define ascinco disciplinas voltadas para o aprendizado: domíniopessoal, modelos mentais, objetivos comuns, aprendizadoem grupo e raciocínio sistêmico.

Nas organizações de aprendizagem, os líderes ouadministradores desempenham novas funçõesanteriormente não definidas: Projetista; Guia;Professor. Senge observa que a realidade pode serpercebida em quatro níveis distintos: nível dos eventos,nível dos padrões de comportamento, nível das estruturase nível dos ideais. Os administradores tradicionaispercebem a realidade e atuam pelos primeiros dois níveis;os administradores das organizações de aprendizagemdevem estar atentos aos quatro níveis, mas principalmenteaos dois últimos, de visão holística da organização e detransmissão das razões da organização.

Examinando o desenvolvimento contemporâneodas explicações sobre o “Trabalho do Administrador”,além da contribuição de Senge para esse período, outro

autor de grande reconhecimento atual cuja contribuiçãonão poderia deixar de ser examinada é C. K. Prahalad.Esse autor emerge ao mundo acadêmico e empresarialao fazer forte crítica à visão de posicionamentoestratégico de Michael Porter. Sua crítica fundamenta-se sobre um novo entendimento da dinâmica competitivadas empresas que exigiria dos administradores umapostura ativa de desenharem a arena em que se dará acompetição.

A construção desse mercado futuro se dará pelopreparo das empresas em suas competências essenciais,conseqüentemente será exigida mudança no papel dogerenciamento tendo os gerentes que se concentrar emseis elementos críticos: uma pauta competitivacompartilhada; um conjunto claro de valores ecomportamentos; focalizar a influência sem o controleacionário; competir por talentos; velocidade de reaçãoda organização; alavancar recursos corporativos.

Dentro dessa visão, Prahalad define as atividadesdo administrador como: raciocínio sistêmico;competência intercultural; treinamento intensivo econtínuo; padrões pessoais de comportamento. Concluio autor que o gerente da Nova Era não será um meroexecutor, ele será também um pensador.

A contribuição instigante de Prahalad sobre o“Trabalho do Administrador” é oportuna para aatualidade da competição empresarial. No entanto,muitas vezes, nem mesmo grandes empresas têm apossibilidade de construir o futuro; menor chance quandopensadas as pequenas empresas; talvez, com exceçãodaquelas de alta tecnologia.

A própria história do Pensamento Administrativoé um relato das soluções gerenciais encontradas pelasmegaorganizações para problemas concretos por elasenfrentados. Tais soluções, consideradas boas soluções,tornaram-se capítulos da Teoria Administrativa.

A pequena empresa nunca mereceu atenção nestahistória, ou porque iria tornar-se uma grande, ou porqueiria desaparecer. Só recentemente, na década de 90,com as transformações políticas, econômicas e sociaisque levaram a reestruturação das grandes corporações,e conseqüentemente o corte de milhares de postos detrabalho, que as pequenas voltaram a merecer atenção.

Se não existe uma Teoria da Pequena Empresa, oque dizer da descrição do trabalho do administrador empequenas empresas? Se de um lado a teoria é escassa,de outro a realidade é bastante heterogênea para aquiloque se denomina pequena empresa.

Fillion estudou os sistemas (ou funções) gerenciaisempregados pelos proprietários de pequenos negócios.A questão central em sua pesquisa empírica em 116

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empresas é a seguinte: Quais sistemas de pensamentosos gerentes-proprietários de pequenos negócios usamcomo base para suas ações?

O autor registra que os elementos definidos porFayol (na verdade, uma forma abreviada) como POCC(Planejar, Organizar, Comandar e Controlar), aindaaparecem de várias formas em livros sobre gerenciamentode pequenos negócios. Continua argumentando queainda não foi desenvolvida nenhuma abordagemespecífica utilizando os modelos obtidos a partir deestudo empírico sobre o processo gerencial deproprietários de pequenos negócios.

A pesquisa realizada por Fillion mostra que, aocontrário do que dizem alguns autores, os métodosgerenciais desses gerentes-proprietários de pequenosnegócios não seguem a lógica formal do POCC de Fayol.

O autor classifica os gerentes-proprietários depequenos negócios em duas categorias: osempreendedores e os operadores. Para osempreendedores, o processo gerencial compreende 5fases: visualizar, criar, animar, monitorar e aprender. Paraos operadores, o processo gerencial envolve 6 fases:selecionar, desempenhar, atribuir, alocar, monitorar eajustar.

A contribuição do autor é de importância paraentender o gerenciamento na pequena empresa; centralizaa descrição da categoria empreendedor na visão, ousonhos realistas, com cuja realização estãocomprometidos estes gerentes-proprietários. Para osoperadores, o autor centraliza no desejo desses gerentes-proprietários em dar bom uso às suas habilidades deforma a ganhar a vida.

Embora a contribuição seja indiscutivelmenterelevante e o autor tenha negado a similaridade dasfunções dos proprietários de pequenos negócios com oPOCC de Fayol, não há como deixar de fazer umparalelo entre suas descrições de gerenciamento napequena empresa com o POCC do velho e bomensinamento de Fayol.

Conclusão

O propósito desse conjunto de textos sobre o“Trabalho do Administrador” é exatamente encerrar comuma leitura crítica sobre o tema. Guerreiro Ramos é umaboa indicação para introduzir a questão da tensãoexistente na ação do administrador: deve este enfatizar aação instrumental que privilegia a eficiência comosinônimo da ação calculista do melhor meio (recurso) aempregar em desprezo do questionamento dos finsvisados? Ou deve o administrador enfatizar a açãosubstantiva que privilegia a felicidade como sinônimo daação fundada no livre-arbítrio e na liberdade emdetrimento da preocupação com bom uso dos meios?

Para Guerreiro Ramos, baseado na obra de MaxWeber, esta tensão entre ação instrumental e açãosubstantiva caracteriza a ação administrativa. A açãoinstrumental é própria da organização enquanto a açãosubstantiva é própria do ser humano. O autor acreditaque ambas são conciliáveis, aceitando que sempre existiráuma combinação da ação instrumental e da açãosubstantiva nos agrupamentos sociais, tendoadministrador que lidar com essa tensão.

A “Teoria da Delimitação dos Sistemas Sociais”de Guerreiro Ramos, propõe uma separação, de umlado, dos sistemas claramente instrumentais, como omercado e suas supercorporações, e de outro, dossistemas alternativos a esta construção dominante, comoa sociedade organizada substantivamente, talvez aoexemplo das ONG.

A “delimitação dos sistemas sociais” foi, na décadade 80, uma crítica inspiradora ao modo de organizar na

sociedade capitalista. Hoje, porém, ahegemonia econômico-militar dos EstadosUnidos, sustentada pelas corporaçõesmultimilionárias, revela uma sociedade bastantediferente. O pressuposto da separação doenclave instrumental (mercado) do enclavesubstantivo (sociedade) é de difícil aceitação,pois há uma dependência dos enclaves, oumelhor, a subordinação e exploração de umpelo outro, revelada pela concentração de rendanas maiores empresas enquanto um terço da

população mundial é excluída do mercado de bens deprimeira necessidade. Isto nos obriga ir além à crítica da“delimitação dos sistemas”.

Como diz o Diretor-Geral do Grupo Amana-Key,consultoria empresarial, “chegamos à cúpula dasempresas e colocamos todo nosso talento e competênciapara fazer a empresa evoluir, ficar mais competitiva econseguir cada vez melhores resultados. E até fazê-la

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ser a melhor do setor e ser reconhecida publicamente.Mas quantas vezes - como líderes (administradores) -pensamos sobre o impacto do que fazemos para aconstrução de um Brasil melhor?”

Nesses tempos governados pelasmegaorganizações, talvez seja preciso redescobrir acrítica do Prof. Maurício Tragtenberg à “Teoria Geralda Administração” em seu papel de ideologia do trabalhodo administrador. Ainda é possível recordar sua voz nasaulas no início dos anos 80 sobre as “Novas TeoriasAdministrativas” emergentes a cada dia: “é uma grandeempulhação”.

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Recebido em 31 de maio de 2007 e aprovado em29 de junho de 2007.