1. O UNIVERSO NUMA CASCA DE NOZ STEPHEN HAWKING Ttulo original:
THE UNIVERSE IN A NUTSHELL A Bantam Book / November 2001 Copyright
2001 by Stephen Hawking FICHA TCNICA ISBN 8575810138 Livro em
portugus SINOPSE: Este livro apresenta, com uma linguagem
simplificada, os princpios que controlam o Universo. Hawking autor
do bestseller 'Uma breve histria do tempo' um dos mais influentes
pensadores de nosso tempo, escreve a respeito de sua busca para a
descoberta da Teoria de Tudo, faz uma viagem atravs do espao-tempo,
leva o leitor a descobrir segredos do Universo e revela uma de suas
mais emocionantes aventuras intelectuais enquanto procura 'combinar
a teoria da relatividade de Einstein e a idia das histrias mltiplas
de Feynman em uma teoria unificada completa que descrever tudo que
acontece no Universo'. PDF Creator - PDF4Free v2.0
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2. PREFCIO CAPTULO I: Breve histria da relatividade. Como
Einstein formulou as bases das teorias fundamentais do sculo XX: a
relatividade geral e a teoria quntica CAPTULO 2: A forma do tempo A
relatividade geral de Einstein da forma ao tempo. Como reconciliar
esta com a teoria quntica CAPTULO 3: O universo numa casca de noz O
universo tem mltiplas histrias, cada uma delas determinada por uma
diminuta noz CAPTULO 4: Predizendo o futuro Como a perda de
informaco nos buracos negros pode reduzir nossa capacidade de
predizer o futuro. CAPTULO 5: Protegendo o passado possvel viajar
no tempo? Poderia uma civilizao avanada retroceder no tempo e mudar
o passado? CAPTULO 6: Ser nosso futuro como Star Trek ou no? Como a
vida biolgica e eletrnica se seguir no desenrolar da complexidade
com um ritmo cada vez mais rpido CAPTULO 7: Os novos universos:
membrana Vivemos em uma membrana ou s somos hologramas? Glossrio
Sugestes de leituras adicionais Agradecimentos PDF Creator -
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3. PREFCIO No esperava que meu livro de divulgao, Histria do
tempo, tivesse tanto xito. Manteve-se durante quatro anos na lista
dos mais vendidos do London Sunday Times, um perodo mais longo que
qualquer outro livro, o qual resulta especialmente notvel para uma
obra cientfica que no era fcil. Desde ento, as pessoas estavam
perguntando quando escreveria uma continuaco. Resistia a isso
porque no queria escrever um Filho da histria do tempo, ou uma
Histria do tempo ampliada, e porque estava ocupado com a
investigao. Mas fui advertindo que ficava espao para um tipo
diferente de livro que poderia resultar mais facilmente
compreensvel. A Histria do tempo estava organizada de maneira
linear, de forma que a maioria dos captulos continuava e dependia
logicamente dos anteriores. Isto resultava atrativo para alguns
leitores, mas outros ficaram encalhados nos primeiros captulos e
nunca chegaram ao material posterior, muito mais excitante. Em
troca, o presente livro se parece com uma rvore: os captulos 1 e 2
formam um tronco central do qual se ramificam outros captulos. Os
ramos so bastante independentes entre si e podem ser abordados em
qualquer ordem depois de ter lido o tronco central. Correspondem as
reas em que trabalhei ou refleti da publicao da Histria do tempo.
Por isso, apresentam uma imagem de alguns dos campos mais ativos da
investigao atual. Tambm tentei evitar uma estrutura muito linear no
contedo de cada captulo. As ilustraes e os textos ao p delas
proporcionam uma rota alternativa ao texto, tal como na Histria do
tempo ilustrada, publicada em 1996, e os quadros margem
proporcionam a oportunidade de aprofundar em alguns temas com maior
detalhe de que teria sido possvel no texto principal. Em 1988,
quando foi publicada pela primeira vez a Histria do tempo, a Teoria
definitiva de Tudo parecia estar no horizonte. Como trocou a
situao? Achamo-nos mais perto de nosso objetivo? Como veremos neste
livro, avanamos muito depois, mas ainda fica muito caminho por
percorrer e ainda no podemos avistar seu fim. Segundo um velho
refro, melhor viajar com esperana que chegar. O af por descobrir
alimenta a criatividade em todos os campos, no s na cincia. Se
chegssemos meta, o esprito humano se murcharia e morreria. Mas, no
acredito que nunca cheguemos a deter: cresceremos em complexidade,
se no em profundidade, e sempre nos acharemos no centro de um
horizonte de possibilidades em expanso. Quero compartilhar minha
excitao pelos descobrimentos que se esto realizando e pela imagem
da realidade que vai emergindo deles. Concentrei-me em reas em que
eu mesmo trabalhei, para poder transmitir de imediato maior sensao.
Os detalhes do trabalho foram muito tcnicos, mas acredito que as
idias gerais podem ser comunicadas sem excessiva bagagem matemtica.
Espero hav-lo conseguido. Contei com muita ajuda ao escrever este
livro. Devo mencionar, em particular, ao Thomas Hertog e Neel
Shearer, por seu auxlio nas figuras, ps de figura e quadros, a Ann
Harris e Kitty Fergu so os que editaram o manuscrito (ou, com mais
preciso, os arquivos de ordenador, j que tudo o que escrevo
eletrnico), e ao Philip Dunn do Book Laboratory and Moon runner
Design, que elaborou as ilustraes. Mas, sobre tudo, quero
manifestar meu agradecimento a todos os que me tm feito possvel
levar uma vida bastante normal e realizar uma investigao cientfica.
Sem eles, este livro no teria podido ser escrito. Stephen Hawking
Cambridge, 2 de maio de 2001 PDF Creator - PDF4Free v2.0
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4. CAPTULO 1 BREVE HISTORIA DA RELATIVIDADE Como Einstein
formulou as bases das duas teorias fundamentais do sculo XX: a
relatividade geral e a teoria quntica. Albert ElNSTEIN, o
descobridor das teorias especial e geral da Relatividade, nasceu no
Ulm, Alemanha, em 1879, mas ao ano seguinte a famlia se deslocou a
Munique, onde seu pai, Hermann, e seu tio, Jakob, estabeleceram um
pequeno e no muito prspero negcio de eletricidade. Albert no foi um
menino prodgio, mas as afirmaes de que tirava muito ms notas
escolar parecem ser um exagero. Em 1894, o negcio paterno quebrou e
a famlia se transladou a Melam. Seus pais decidiram que deveria
ficar para terminar o curso escolar, mas Albert odiava o
autoritarismo de sua escola e, ao cabo de poucos meses, deixou-a
para reunir-se com sua famlia na Itlia. Posteriormente, completou
sua educao em Zurique, onde se graduou na prestigiosa Escola
Politcnica Federal, conhecida como ETH, em 1900. Seu aspecto
discutidor e sua averso autoridade no foi muito apreciado entre os
professores da ETH e nenhum deles lhe ofereceu um posto de
assistente, que era a rota normal para comear uma carreira
acadmica. Dois anos depois, conseguiu um posto de trabalho no
escritrio na Sua de patentes em Berna. Foi enquanto ocupava este
posto que, em 1905, escreveu trs artigos que lhe estabeleceram como
um dos principais cientistas do mundo e iniciou duas revolues
conceituadas revolues que trocaram nossa compreenso do tempo, do
espao, e da prpria realidade. No final do sculo XIX, os cientistas
acreditavam achar-se prximos a uma descrio completa da natureza.
Imaginavam que o espao estava cheio de um meio contnuo denominado o
ter. Os raios de luz e os sinais de raio eram ondas neste ter, tal
como o som consiste em ondas de presso no ar. Tudo o que faltava
para uma teoria completa eram medies cuidadosas das propriedades
elsticas do ter. De fato, avanando-se a tais medies, o laboratrio
Jefferson da Universidade do Harvard foi construdo sem nenhum prego
de ferro, para no interferir com as delicadas medies magnticas.
Entretanto, os desenhistas esqueceram que os tijolos avermelhados
com que esto construdos o laboratrio e a maioria dos edifcios de
Harvard contm grandes quantidades de ferro. O edifcio ainda
utilizado na atualidade, embora em Harvard no esto ainda muito
seguros de quanto peso pode sustentar o piso de uma biblioteca sem
pregos de ferro que o sustentam. No final do sculo, comearam a
aparecer discrepncias com a idia de um ter que o enchesse todo,
acreditava-se que a luz se propagaria pelo ter com uma velocidade
fixa, mas que se um observador viajava pelo ter na mesma direo que
a luz, a velocidade desta lhe pareceria menor, e se viajava em
direo oposta a da luz, sua velocidade lhe pareceria maior.
Entretanto, uma srie de experimentos no conseguiu confirmar esta
idia. Os experimentos mais cuidadosos e precisos foram os
realizados pelo Albert Michelson e Edward Morley na Case School of
Applied Science, em Cleveland, Ohio, em 1887, em que compararam a
velocidade da luz de dois raios mutuamente perpendiculares. Quando
a Terra gira sobre seu eixo e ao redor do Sol, o aparelho se
desloca pelo ter com rapidez e direo variveis. Mas Michelson e
Morley no observaram diferenas dirias nem anuais entre as
velocidades de ambos os raios de luz. Era como se esta viajasse
sempre PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
5. com a mesma velocidade com respeito ao observador, fosse
qual fosse a rapidez e a direo em que este se estivesse movendo.
Apoiando-se no experimento do Michelson-Morley, o fsico irlands
George Fitzgerald e o fsico holands Hendrik Lorentz sugeriram que
os corpos que se deslocam pelo ter se contrairiam e o ritmo de seus
relgios diminuiria. Esta contrao e esta diminuio do ritmo dos
relgios seria tal que todos os observadores mediriam a mesma
velocidade da luz, independentemente de seu movimento em relao ao
ter. (Fitzgerald e Lorentz ainda o consideravam como uma substncia
real). Entretanto, em um artigo publicado em junho de 1905,
Einstein sublinhou que se no podermos detectar se nos movemos ou no
no espao, a noo de um ter resulta redundante. Em seu lugar,
formulou o postulado de que as leis da cincia deveriam parecer as
mesmas a todos os observadores que se movessem livremente. Em
particular, todos deveriam medir a mesma velocidade da luz,
independentemente da velocidade com que se estivessem movendo. A
velocidade da luz independente do movimento do observador e tem o
mesmo valor em todas direes. Isto exigiu abandonar a idia de que h
uma magnitude universal, chamada tempo, que todos os relgios podem
medir. Em vez disso, cada observador teria seu prprio tempo
pessoal. Os tempos de duas pessoas coincidiriam se ambas estivessem
em repouso uma em relao outra, mas no se estivessem deslocando-se
uma em relao outra. Isto foi confirmado por numerosos experimentos,
num dos quais se fez voar ao redor da Terra e em sentidos opostos
dois relgios muito precisos que, ao retornar, indicaram tempos
ligeiramente diferentes. Isto poderia sugerir que se queramos viver
mais tempo, deveramos nos manter voando para o este, de maneira que
a velocidade do avio se somasse a da rotao terrestre. Mas, a
pequena frao de segundo que ganharamos assim, perderamos de sobras
por culpa da alimentao servida nos avies. O postulado de Einstein
de que as leis da natureza deveriam ter o mesmo aspecto para todos
os observadores que se movessem livremente constituiu a base da
teoria da relatividade, chamada assim porque supunha que s
importava o movimento relativo. Sua beleza e simplicidade cativaram
a muitos pensadores, mas tambm suscitaram muita oposio. Einstein
tinha destronado dois dos absolutos da cincia do sculo XIX: o
repouso absoluto, representado pelo ter, e o tempo absoluto ou
universal que todos os relgios deveriam medir. Para muita gente,
esta idia resultou inquietante; perguntava-se se implicava que tudo
era relativo, que no havia regras morais absolutas. Este desgosto
perdurou ao longo das dcadas de 1920 e 1930. Quando Einstein foi
galardoado com o prmio Nobel de Fsica em 1921, a citao se referiu a
trabalhos importantes, mas comparativamente menores (respeito a
outras de suas contribuies), tambm desenvolvidos em 1905. No se fez
meno alguma relatividade, que era considerada muito controvertida.
(Ainda recebo duas ou trs cartas por semana me contando que
Einstein estava equivocado). No obstante, a teoria da relatividade
completamente aceita na atualidade pela comunidade cientfica, e
suas predies foram verificadas em incontveis aplicaes. Uma
conseqncia muito importante da relatividade a relao entre massa e
energia. O postulado de Einstein de que a velocidade da luz deve
ser a mesma para qualquer espectador implica que nada pode mover-se
com velocidade maior que ela. O que ocorre que se utilizarmos
energia para PDF Creator - PDF4Free v2.0
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6. acelerar algo, seja uma partcula ou uma espaonave, sua massa
aumenta, tornando-se mais difcil segui-la acelerando. Acelerar uma
partcula at a velocidade da luz seria impossvel, porque exigiria
uma quantidade infinita de energia. A massa e a energia so
equivalentes, tal como se resume na famosa equao de Einstein E=mc2.
, provavelmente, a nica equao da fsica reconhecida na rua. Entre
suas conseqncias houve o advertir que se um ncleo de urnio se
fisiona em dois ncleos com uma massa total ligeiramente menor,
liberar uma tremenda quantidade de energia. Em 1939, quando se
comeava a vislumbrar a perspectiva de outra guerra mundial, um
grupo de cientistas conscientes destas implicaes persuadiram
Einstein de que deixasse de lado seus escrpulos pacifistas e
apoiasse, com sua autoridade, uma carta ao presidente Roosevelt
urgindo aos Estados Unidos a empreender um programa de investigao
nuclear. Isto conduziu ao projeto Manhattan e, por ltimo, s bombas
que explodiram sobre Hiroshima e Nagasaki em 1945. Algumas pessoas
acusaram Einstein da bomba porque ele descobriu a relao entre massa
e energia,- mas isto seria como acusar Newton dos acidentes de
aviao porque descobriu a gravidade. O mesmo Einstein no participou
do projeto Manhattan e ficou horrorizado pelo lanamento da bomba.
Com seus artigos revolucionrios de 1905, a reputao cientfica de
Einstein ficou bem estabelecida, mas at 1909 no foi devotado um
posto na Universidade de Zurique, que lhe permitiu deixar o
escritrio na Sua de patentes. Dois anos depois, transportou-se para
universidade alem de Praga, mas retornou a Zurique em 1912, desta
vez a ETH. Apesar de que o anti-semitismo estava muito estendido em
grande parte da Europa, inclusive nas universidades, ele
converteu-se em uma figura acadmica muito apreciada. Chegaram-lhe
ofertas de Viena e de Utrecht, mas decidiu aceitar uma cargo de
investigador na Academia Prussiana de Cincias em Berlim, porque lhe
liberava das tarefas docentes. Deslocou-se a Berlim em abril de
1914 e pouco depois se reuniram com ele sua mulher e seus dois
filhos. Entretanto, o matrimnio no funcionava muito bem, e sua
famlia no demorou para retornar a Zurique. Embora visitando-os em
algumas ocasies, Einstein e sua mulher acabaram por divorciar-se.
Mais tarde, Einstein se casou com sua prima Elsa, que vivia em
Berlim. O fato de que passasse os anos de guerra como um solteiro,
sem obrigaes domsticas, poderia ser uma das razes pelas quais este
perodo lhe resultou to produtivo cientificamente. Embora a teoria
da relatividade encaixava muito bem com as leis que governam a
eletricidade e o magnetismo, no resultava compatvel com a teoria de
Newton da gravitao. Desta lei segue que modificando-se a distribuio
de matria em uma regio do espao, a mudana do campo gravitacional
deveria notar-se imediatamente em qualquer parte no universo. Isto
no s significaria a possibilidade de enviar sinais com velocidade
maior que a da luz (o qual est proibido pela relatividade), para
saber o que significa instantneo, tambm exigiria a existncia de um
tempo absoluto ou universal, que a relatividade tinha abolido em
favor de um tempo pessoal. Einstein j era consciente desta
dificuldade em 1907, quando ainda estava no escritrio de patentes
da Berna, mas at estar em Praga em 1911 no comeou a pensar
seriamente nela. Deu-se conta de que h uma relao profunda entre
acelerao e campo gravitacional. Algum que se achasse no interior de
uma caixa fechada, como por exemplo um elevador, no poderia dizer
se esta estava em PDF Creator - PDF4Free v2.0
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7. repouso no campo gravitacional terrestre ou se estava sendo
acelerada por um foguete no espao livre. (Naturalmente, isto se
passava antes da poca do Star Trek, pelo qual Einstein imaginou a
gente em elevadores e no em naves espaciais). Mas, no podemos
acelerar ou cair livremente muito tempo em um elevador sem que se
produza um desastre. Se a Terra fosse plana, tanto poderamos dizer
que a ma caiu sobre a cabea de Newton devido gravidade, ou devido a
Newton e a superfcie da Terra estarem acelerando para cima. No
obstante, esta equivalncia entre acelerao e gravidade no parecia
funcionar para uma Terra esfrica j que observadores que estivessem
nas antpodas deveriam estar acelerando-se em sentidos opostos, mas
permanecendo de uma vez mesma distncia entre si. Entretanto, com
sua volta a Zurique em 1912, Einstein teve a idia genial de que tal
equivalncia funcionaria se a geometria do espao-tempo fosse curva
em lugar de plana, como se tinha suposto at ento. Sua idia
consistiu em que a massa e a energia deformariam o espao-tempo de
uma maneira ainda por determinar. Os objetos como as mas ou os
planetas tentariam mover-se em linhas retas pelo espao-tempo, mas
suas trajetrias pareceriam curvadas por um campo gravitacional
porque o espao-tempo curvo. Com a ajuda de seu amigo Marcel
Grossman, Einstein estudou a teoria das superfcies e os espaos
curvados que tinha sido desenvolvida, anteriormente, por Georg
Friedrich Riemann como um trabalho de matemtica abstrata; a Riemann
nem lhe tinha ocorrido que pudesse resultar relevante no mundo
real. Em 1913, Einstein e Grossman escreveram um artigo conjunto em
que propuseram a idia de que o que consideramos foras
gravitacionais so s uma expresso do fato de que o espao-tempo est
curvo. Todavia, devido a um engano de Einstein (que era muito
humano e, portanto, falvel), no puderam achar as equaes que
relacionam a curvatura do espao-tempo com seu contedo de massa e
energia. Einstein seguiu trabalhando no problema em Berlim, sem
estorvos domsticos e quase sem ser afetado pela guerra, at que
finalmente deu com as equaes corretas em novembro de 1915. Tinha
falado de suas idias com o matemtico David Hilbert durante uma
visita Universidade da Gotinga no vero de 1915, e este achou,
independentemente, as mesmas equaes uns poucos dias antes que
Einstein. Porm, como mesmo Hilbert admitiu, o mrito da nova teoria
correspondia por completo ao Einstein, j que sua tinha sido a idia
de relacionar a gravidade com a deformao do espao-tempo. um tributo
ao estado civilizado da Alemanha daquele tempo que estas discusses
e intercmbios cientficos pudessem seguir-se realizando quase sem
estorvos incluso durante a guerra. um contraste muito grande com a
poca nazista de vinte anos mais tarde. A nova teoria do espao-tempo
curvado foi denominada relatividade geral, para distinguir a da
teoria original sem gravidade, que ficou conhecida depois como
relatividade espacial. Foi confirmada de maneira espetacular em
1919, quando uma expedio britnica frica ocidental observou, durante
um eclipse, uma ligeira curvatura da luz de uma estrela ao passar
perto do Sol. Isto constitua uma evidncia direta de que o espao e o
tempo so deformados, e provocou a maior mudana em nossa percepo do
universo desde que Euclides escreveu seus Elementos de Geometria
por volta de 300 A. C. Na teoria geral da relatividade de Einstein,
o espao e o tempo passaram a ser de um mero cenrio passivo em que
se produzem os acontecimentos participantes ativos na dinmica do
universo. Isto PDF Creator - PDF4Free v2.0
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8. conduziu a um grande problema que se manteve na fronteira da
fsica com o passar do sculo XX. O universo est cheio de matria, e
esta deforma o espao-tempo de tal sorte que os corpos se atraem.
Einstein achou que suas equaes no admitiam nenhuma soluo que
descrevesse um universo esttico, invarivel no tempo. Em vez de
abandonar este universo perdurvel, em que tanto ele como a maioria
da gente acreditavam, trocou suas equaes lhes acrescentando um
trmino denominado a constante cosmolgica, que curvava o espao-tempo
no sentido oposto, de maneira que os corpos se repeliam. O efeito
repulsivo da constante cosmolgica poderia cancelar o efeito
atrativo da matria, e permitir assim, uma soluo esttica para o
universo. Esta foi uma das grandes oportunidades perdidas da fsica
terica. Se Einstein se ativesse s suas equaes originais, poderia
haver predito que o universo deve estar expandindo ou contraindo.
Assim sendo, a possibilidade de um universo dependente do tempo no
foi tomada seriamente em considerao at as observaes dos anos 1920
no telescpio de 100 polegadas do Monte Wilson. Estas observaes
revelaram que quanto mais longe se acham as outras galxias, com
maior velocidade se separam de ns. O universo est expandindo-se, e
a distncia entre duas galxias quaisquer aumenta regularmente com o
tempo. Este descobrimento eliminou a necessidade de uma constante
cosmolgica que proporcionasse uma soluo esttica para o universo.
Anos depois, Einstein disse que a constante cosmolgica tinha sido o
maior engano de sua vida. Agora, parece que poderia no se tratar de
um engano, depois de tudo: observaes recentes, descritas no Captulo
3, sugerem que poderia haver, em efeito, uma pequena constante
cosmolgica. A relatividade geral trocou completamente a anlise
sobre a origem e o destino do universo. Um universo esttico poderia
existir sempre, ou ter sido criado h certo tempo em seu estado
presente. Mas, se as galxias esto separando-se, isto significa que
no passado deveriam ter estado mais juntas. Faz uns quinze mil e
milhes de anos, deveriam estar umas sobre as outras e a densidade
deveria ter sido muito elevada. Este estado foi denominado tomo
primitivo pelo sacerdote catlico Georges Lemaitre, que foi o
primeiro a investigar a origem do universo que atualmente
denominamos Big Bang ou grande exploso inicial. Parece que Einstein
nunca tomou a srio a grande exploso. Aparentemente, pensava que o
modelo singelo de um universo em expanso uniforme deixaria de ser
vlido se os movimentos das galxias retrocedessem, e que as pequenas
velocidades laterais destas teriam evitado chocarem-se umas com as
outras. Pensava que o universo deveria ter uma fase prvia de
contrao e que teria ricocheteado para a presente expanso ao chegar
a uma densidade relativamente moderada. Todavia, atualmente sabemos
para que as reaes nucleares no universo primitivo produzissem as
quantidades de elementos ligeiros que observamos a nosso redor, a
densidade seria ao menos de umas dez toneladas por centmetro cbico,
e que a temperatura deve ter alcanado os dez mil e milhes de graus.
Alm disso, observaes do fundo de microondas indicam que a densidade
chegou, provavelmente, a um trilho de trilhes de trilhes de trilhes
de trilhes de trilhes (1 seguido de 72 zeros) de toneladas por
centmetro cbico. Atualmente, tambm sabemos que a teoria geral da
relatividade de Einstein no permite que o universo rebote de uma
fase de contrao expanso atual. Como veremos no Captulo 2, Roger
Penrose e eu conseguimos demonstrar que a relatividade geral prediz
que o universo comeou com a PDF Creator - PDF4Free v2.0
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9. grande exploso, de maneira que a teoria de Einstein implica
que o tempo teve um comeo, embora nunca gostou desta idia. Einstein
foi ainda mais relutante em admitir que a relatividade geral
prediga que o tempo se acabar nas estrelas, muito pesadas quando
chegam ao fim de suas vidas e no produzam j suficiente calor para
rebater a fora de sua prpria gravidade, que tenta comprimi-las.
Einstein pensava que por sorte as estrelas alcanariam um estado
final, mas sabemos hoje que nenhuma configurao pode representar o
estado final das estrelas de massa superior a duas vezes a massa do
Sol. Tais estrelas continuaro encolhendo-se at converter-se em
buracos negros, regies do espao-tempo to deformadas que a luz no
pode escapar delas. Penrose e eu demonstramos que a relatividade
geral prediz que o tempo deixar de transcorrer no interior dos
buracos negros, tanto para a estrela como para o desafortunado
astronauta que caia em seu interior. Todavia, tanto o comeo como o
final do tempo seriam situaes em que as equaes da relatividade
geral no estariam definidas assim, a teoria no poderia predizer a
que conduziria a grande exploso. Alguns viram isto como uma indicao
da liberdade de Deus para comear o universo na forma que quisesse,
mas outros (includo eu) acreditam que o comeo do universo deveria
ser governado pelas mesmas leis que o regem nos outros instantes.
Fizemos alguns progressos para este objetivo, tal como veremos no
Captulo 3, mas, ainda no compreendemos por completo a origem do
universo. O motivo de que a relatividade geral deixe de ser vlida
na grande exploso inicial sua incompatibilidade com a teoria
quntica, a outra grande revoluo conceitual do comeo do sculo XX. O
primeiro passo para a teoria quntica se deu em 1900 quando Max
Planck, em Berlim, descobriu que a radiao de um corpo vermelho s
era explicvel se a luz pudesse ser emitida e absorvida em pacotes
discretos, chamados quanta. Num de seus revolucionrios artigos,
escrito em 1905 quando trabalhava no escritrio de patentes,
Einstein demonstrou que a hiptese quntica de Planck poderia
explicar o que se conhece como efeito foto eltrico, a maneira em
que alguns metais desprendem eltrons ao serem iluminados. Este
efeito constitui a base dos modernos detectores de luz e cmaras de
Televiso, e foi por este trabalho que Einstein recebeu o prmio
Nobel de fsica. Einstein seguiu trabalhando na idia quntica durante
o ano de 1920, mas ficou profundamente perturbado pelo trabalho de
Werner Heisenberg em Copenhagen, Paul Dirac em Cambridge e Erwin
Schrdinger em Zurique, que desenvolveram uma nova imagem da
realidade chamada mecnica quntica. As partculas pequenas j no
tinham uma posio e uma velocidade bem definidas, mas sim quanto
maior fosse a preciso com que se determinasse sua posio, menor
seria a preciso com que poderamos determinar sua velocidade, e
vice-versa. Einstein ficou escandalizado por este elemento aleatrio
e imprevisvel nas leis bsicas, e nunca chegou a aceitar por
completo a mecnica quntica. Seus sentimentos se resumem em sua
famosa frase: Deus no joga o jogo de dados. A maioria dos demais
cientistas, entretanto, aceitaram a validade das novas leis
qunticas porque explicavam um amplo domnio de fenmenos que no
ficavam descritos previamente, e por seu acordo excelente com as
observaes. Certas leis constituem a base dos modernos
desenvolvimentos em qumica, biologia molecular e eletrnica, e o
fundamento da tecnologia que transformou o mundo no ltimo meio
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10. Em dezembro de 1932, consciente de que Hitler e os nazistas
chegariam ao poder, Einstein abandonou a Alemanha e quatro meses
depois renunciou a sua cidadania, e passou os ltimos vinte anos de
sua vida no Instituto de Estudos Avanados de Princeton, em Nova
Pulver. Na Alemanha, os nazistas orquestraram uma campanha contra a
cincia judia e os muitos cientistas alemes de origem judia,- esta ,
em parte, a razo pela qual a Alemanha no conseguiu construir a
bomba atmica. Einstein e a relatividade foram os principais motivos
de tal campanha. Quando lhe informaram da publicao de um livro
titulado 100 autores contra Einstein, replicou: por que cem? Se
estivesse equivocado, bastaria um sozinho. Depois da segunda guerra
mundial, urgiu aos aliados a estabelecer um governo mundial que
controlasse a bomba atmica. Em 1948, foi oferecida a presidncia do
novo estado do Israel, mas declinou-a. Em certa ocasio disse: A
poltica para o momento, mas uma equao para a eternidade. As equaes
de Einstein da relatividade geral constituem sua melhor lembrana e
epitfio, e deveriam durar tanto como o universo. O mundo trocou
muito mais nos ltimos cem anos que em qualquer sculo precedente. A
razo disso no foram as novas doutrinas polticas ou econmicas, a no
ser os grandes desenvolvimentos auspiciados pelos progressos nas
cincias bsicas. Quem poderia simbolizar melhor que Einstein tais
progressos? PDF Creator - PDF4Free v2.0
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11. CAPTULO 2 A FORMA DO TEMPO A relatividade geral de Einstein
d forma ao tempo. Como reconciliar isto com a teoria quntica? O que
o tempo? uma corrente que flui sem parar e leva nossos sonhos, como
diz uma velha cano? Ou como uma via de ferrovia? Possivelmente
tenha anis e ramificaes, e possa seguir avanando e, ainda assim,
retornar a alguma estao anterior da linha. Um autor do sculo XIX,
Charles Lamb, escreveu: Nada me produz tanta perplexidade como o
tempo e o espao. E entretanto, nada me preocupa menos que o tempo e
o espao, j que nunca penso neles. A maioria de ns no se preocupa
com o tempo e o espao, seja o que seja,- mas todos nos perguntamos
em alguma ocasio o que o tempo, como comeou e aonde nos leva.
Qualquer teoria cientfica sria, sobre o tempo ou qualquer outro
conceito, deveria em minha opinio estar apoiada na forma mais
operativa de filosofia da cincia: a perspectiva positivista
proposta pelo Karl Popper e outros. Segundo esta forma de pensar,
uma teoria cientfica um modelo matemtico que descreve e codifica as
observaes que realizamos. Uma boa teoria descrever um amplo domnio
de fenmenos a partir de uns poucos postulados singelos, e efetuar
predies definidas que podero ser submetidas a prova. Se as predies
concordarem com as observaes, a teoria sobrevive prova, embora
nunca se possa demonstrar que seja correta. Contrariamente, se as
observaes diferirem das predies, devemos descartar ou modificar a
teoria. (No mnimo, isto o que se supe que ocorre. Na prtica, a
gente questiona freqentemente a preciso das observaes, a
confiabilidade e o aspecto moral dos que as realizaram). Se
adotarmos a perspectiva positivista, como eu fao, no podemos dizer
o que realmente o tempo. Tudo o que podemos fazer descrever o que
vimos que constitui um excelente modelo matemtico do tempo e dizer
a que predies conduz. Isaac Newton nos proporcionou o primeiro
modelo matemtico para o tempo e o espao em seus Principia
Mathematica, publicados em 1687. Newton ocupou a cadeira Louisiana
de Cambridge que eu ocupo na atualidade, embora naquela poca no
funcionava eletronicamente. No modelo de Newton, o tempo e o espao
constituam um fundo sobre o qual se produziam os sucessivos, mas
que no era afetado por eles. O tempo estava separado do espao e era
considerado como uma linha reta, ou uma via de trem, infinita em
ambas as direes. O prprio tempo era considerado eterno, no sentido
de que sempre tinha existido e seguiria existindo sempre. Muita
gente acreditava que o universo fsico tinha sido criado mais ou
menos no estado presente faz to somente uns poucos milhares de
anos. Isto desconcertava alguns filsofos, como o pensador alemo
Immanuel Kant. Se em efeito o universo tinha sido criado, por que
se esperou tanto at a criao? Por outro lado, se o universo tinha
existido sempre, por que j no ocorrera tudo o que tinha que
ocorrer, quer dizer, por que a histria no tinha terminado j? Em
particular, por que o universo no tinha alcanado o equilbrio
trmico, com todas suas partes mesma temperatura? Kant denominou
este problema antinomia da razo pura, porque parecia constituir uma
contradio lgica, no tinha soluo. Mas, resultava uma contradio s
dentro do contexto do modelo matemtico newtoniano, em que o tempo
era uma linha infinita, independente do que estivesse ocorrendo no
universo. Entretanto, como vimos no Captulo 1, em 1915 Einstein
props um modelo matemtico PDF Creator - PDF4Free v2.0
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12. completamente novo: a teoria geral da relatividade. Nos
anos transcorridos desde seu artigo, acrescentamos alguns
refinamentos ornamentais, porm nosso modelo de tempo e de espao
segue -se apoiado nas propostas de Einstein. Este captulo e os
seguintes descrevero como evoluram nossas idias do artigo
revolucionrio de Einstein. Trata-se da histria do xito do trabalho
de um grande nmero de pessoas, e me sinto orgulhoso de ter dado uma
pequena contribuio a ela. A relatividade geral combina a dimenso
temporria com as trs dimenses espaciais para formar o que se chama
espao-tempo. A teoria incorpora os efeitos da gravidade, afirmando
que a distribuio de matria e energia no universo deforma e distorce
o espao-tempo, de maneira que j no plano. Os objetos tentam
mover-se em trajetrias retilneas no espao-tempo, mas como este est
deformado, suas trajetrias parecem curvadas: movem-se como se
estivessem afetados por um campo gravitacional. Uma tosca analogia
da situao, que no devemos tomar muito ao p da letra, consiste em
imaginar uma lmina de borracha. Podemos depositar sobre ela uma
bola grande que represente o Sol. O peso da bola afundar
ligeiramente a lmina e far que esteja curvada nas proximidades do
Sol. Agora se rodamos pequenas bolinhas sobre a lmina, no a
percorrero em linha reta, mas sim giraro ao redor do objeto pesado,
como os planetas orbitam ao redor do Sol. A analogia incompleta
porque nela to somente est curvada uma seo dimensional do espao (a
superfcie da lmina de borracha), mas o tempo fica sem perturbar,
como na teoria newtoniana. Mas, na teoria da relatividade, que
concorda com um grande nmero de experimentos, o tempo e o espao
esto inextricveis entrelaados. No podemos curvar o espao sem
envolver deste modo o tempo, portanto, o tempo adquire uma forma.
Ao curvar o tempo e o espao, a relatividade geral os converte em
participantes dinmicos do que ocorre no universo, em lugar de
consider-los como um mero cenrio passivo em que ocorrem os
acontecimentos. Na teoria newtoniana, em que o tempo existia
independentemente de todo o resto, podia-se perguntar: que fazia
Deus antes de criar o universo? Como disse So Agustin, no deveramos
brincar com estas questes, como o homem que disse estava preparando
o inferno para que pusessem perguntas muito complicadas. uma
pergunta sria que a gente se exps ao longo de todas as pocas.
Segundo So Agustin, antes que Deus fizesse o cu e a Terra no fazia
nada absolutamente. De fato, esta viso resulta muito prxima s idias
atuais. Na relatividade geral, o tempo e o espao no existem
independentemente do universo ou separadamente um do outro. Esto
definidos por medidas efetuadas dentro do universo, como o nmero de
vibraes de um cristal de quartzo de um relgio ou a longitude de uma
cinta mtrica. facilmente concebvel que um tempo definido deste
modo, no interior do universo, deve ter tido um valor mnimo ou um
valor mximo em outras palavras, um comeo ou um final. No teria
sentido perguntar o que ocorreu antes do comeo ou depois do fim,
porque tais tempos no estariam definidos. Claramente, seria
importante decidir se o modelo matemtico da relatividade geral
predizia que o universo, e o prprio tempo, tivessem um comeo ou um
final. O prejuzo geral entre os fsicos tericos, incluindo o prprio
Einstein, era que o tempo deveria ser infinito em ambas as direes;
seno, seriam expostas questes embaraosas sobre a criao do universo,
que pareciam achar-se mais frente do domnio da cincia. Conheciam-se
solues das equaes de Einstein em que o tempo tinha um comeo ou um
final, todavia todas elas eram muito especiais, com um grau muito
elevado de simetria. Acreditava- PDF Creator - PDF4Free v2.0
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13. se que nos objetos reais que se paralisassem sob a ao de
sua prpria gravidade, a presso ou os efeitos das velocidades
laterais impediriam que toda a matria casse ao mesmo ponto e a
densidade se fizesse infinita. Analogamente, se a expanso do
universo retrocedesse, encontrar-se-ia que nem toda a matria do
universo emergiria de um ponto de densidade infinita. Tal ponto de
densidade infinita se denomina uma singularidade e constituiria um
comeo ou um final do tempo. Em 1963, dois cientistas russos,
Evgenii Lifshitz e Isaac Khalatnikov, afirmaram ter demonstrado que
todas as solues das equaes de Einstein, que possuem uma
singularidade, deveriam ter uma distribuio muito especial de matria
e de velocidade. A probabilidade de que a soluo que representa o
universo tivesse esta disposio especial era virtualmente nula.
Quase nenhuma das solues que poderiam representar o universo
possuiria uma singularidade com uma densidade infinita. Antes da
etapa de expanso do universo, haveria uma fase de contrao durante a
qual toda a matria foi se acumulando, mas, sem chegar a chocar
consigo mesma, separando-se de novo na fase atual de expanso. Se
este fosse o caso, o tempo seguiria para sempre, de um passado
infinito a um futuro infinito. Nem todos ficaram convencidos pelos
argumentos de Lifshitz e Khalatnikov. Roger Penrose e eu adotamos
uma perspectiva diferente, apoiada no no estudo de solues
detalhadas, porm, na estrutura global do espao-tempo. Na
relatividade geral, o espao-tempo curvado no s pelos objetos com
massa, mas tambm pelo contedo em energia. Esta sempre positiva,
pelo qual confere ao espao-tempo uma curvatura que desvia os raios
de luz uns para os outros. Consideremos agora o cone de luz
correspondente a nosso passado, quer dizer, as trajetrias, no
espao-tempo, dos raios de luz de galxias distantes que esto
chegando no presente. Em um diagrama no qual o tempo corresponda ao
eixo vertical e o espao aos eixos perpendiculares a este, tais
trajetrias acham-se no interior de um cone cujo vrtice, ou ponta,
acha-se em ns. medida que vamos para o passado, baixando do vrtice
do cone, vemos galxias de tempos cada vez mais anteriores. Como o
universo expandiu-se e tudo estava muito mais prximo entre si,
medida que olhamos um futuro mais distante contemplamos regies de
densidade de matria cada vez maior. Observamos um tnue fundo de
radiao de microondas que se propaga para ns pelo cone de luz do
passado e que procede de um tempo muito anterior, quando o universo
era muito mais denso e quente que na atualidade. Sintonizando
receptores s diferentes freqncias das microondas, podemos medir seu
espectro (a distribuio da potncia em funo da freqncia) desta
radiao. Achamos um espectro que caracterstico da radiao de um corpo
com uma temperatura de 2,7 graus sobre o zero absoluto. Esta radiao
de microondas no resulta muito adequada para descongelar uma pizza,
mas o fato de que seu espectro concorde to exatamente com o da
radiao de um corpo a 2,7 graus indica que a radiao deve proceder de
regies opacas s microondas. Assim, podemos concluir que o cone de
luz de nosso passado deve atravessar uma certa quantidade de matria
ao ir retrocedendo no tempo. Esta quantidade de matria suficiente
para curvar o espao-tempo de maneira que os raios de luz de tal
cone do passado estejam curvados uns para os outros. medida que
retrocedemos no tempo, as sees transversais do cone de luz de nosso
passado alcanam um tamanho mximo e comeam a diminuir de novo. Nosso
passado tem forma de pra. PDF Creator - PDF4Free v2.0
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14. Quando retrocedemos ainda mais para o passado, a densidade
de energia positiva da matria faz que os raios de luz se curvem uns
para os outros mais fortemente. A seo transversal do cone de luz se
reduzir ao tamanho zero em um tempo finito. Isso significa que toda
a matria do interior de nosso cone de luz do passado est apanhado
em uma regio cuja fronteira tende a zero, portanto, no resulta
muito surpreendente que Penrose e eu consegussemos demonstrar que
no modelo matemtico da relatividade geral, o tempo deve ter tido um
comeo que denominamos grande exploso inicial ou Big Bang).
Argumentos anlogos demonstram que o tempo teria um final, quando as
estrelas ou as galxias se paralisassem sob a ao de sua prpria
gravidade e formassem um buraco negro. Tnhamos esquivado a
antinomia da razo pura de Kant eliminando sua hiptese implcita de
que o tempo tinha sentido independentemente do universo. O artigo
em que demonstrvamos que o tempo teve um comeo ganhou o segundo
prmio de um concurso patrocinado pela Gravity Research Foundation
em 1968, e Roger e eu compartilhamos a principesca soma de 300
dlares. No acredito que os outros ensaios premiados aquele ano
tenham tido um interesse muito duradouro. Nosso trabalho suscitou
reaes diversas: incomodou muitos fsicos, mas entusiasmou aos
dirigentes religiosos que acreditavam em um ato de criao, para o
qual viam aqui uma demonstrao cientfica. Enquanto isso, Lifshitz e
Khalatnikov ficaram em uma posio bastante embaraosa. No achavam
argumentos contra os teoremas matemticos que tnhamos demonstrado,
porm, no sistema sovitico no podiam admitir que se equivocaram e
que a cincia ocidental tinha razo. Entretanto, salvaram a situao ao
achar uma famlia mais geral de solues com singularidade, que no
eram especiais no sentido em que o eram suas solues anteriores.
Isso lhes permitiu afirmar que as singularidades, e o comeo ou o
final do tempo, eram um descobrimento sovitico. Muitos fsicos
seguiam rechaando instintivamente a idia de que o tempo tivesse um
comeo ou um final. Por isso, sublinharam que no se podia esperar
que o modelo matemtico constitura uma boa descrio do espao-tempo
perto de uma singularidade. A razo que a relatividade geral, que
descreve a fora gravitacional, uma teoria clssica, como dissemos no
Captulo 1, a qual no incorpora a incerteza da teoria quntica que
rege todas as outras foras as quais conhecemos. Esta inconsistncia
no tem importncia na maior parte do universo nem durante a maior
parte do tempo, porque a escala correspondente curvatura do
espao-tempo muito grande e a escala em que os efeitos qunticos
comeam a resultar relevantes muito pequena. Mas, perto de uma
singularidade ambas as escalas seriam comparveis e os efeitos
gravitacionais qunticos seriam importantes. Por isso, o que os
teoremas de singularidade de Penrose e meu estabeleciam realmente
era que nossa regio clssica de espao-tempo est limitada no passado,
e provavelmente no futuro, por regies em que a gravidade quntica
relevante. Para compreender a origem e o destino do universo,
necessitamos uma teoria quntica da gravitao, que ser o tema da
maior parte deste livro. As teorias qunticas de sistemas como os
tomos, com um nmero finito de partculas, foram formuladas nos anos
1920 por Heisenberg, Schrdinger e Dirac. (Dirac foi outro de meus
antecessores na cadeira de Cambridge, quando ainda no estava
motorizada). Entretanto, deparavam-se com dificuldades quando
estendiam-se as idias qunticas aos campos de Maxwell, que descrevem
a eletricidade, o magnetismo e a luz. PDF Creator - PDF4Free v2.0
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15. Podemos imaginar os campos de Maxwell como constitudos por
ondas de diferentes longitudes (a distncia entre duas cristas
consecutivas da onda). Em uma onda, os campos oscilam de um valor a
outro como um pndulo. Segundo a teoria quntica, o estado
fundamental, ou estado de energia mais baixa de um pndulo no aquele
em que est em repouso abaixo. Este estado teria, simultaneamente,
uma posio e uma velocidade bem definidas, ambas de valor nulo. Isso
constituiria uma violao do princpio de incerteza, que proibe a
medio precisa simultnea da posio e da velocidade. A incerteza na
posio, multiplicada pela incerteza no mpeto (velocidade por massa)
deve ser maior que uma certa quantidade, conhecida como constante
de Planck um nmero cuja escritura resulta muito larga, pelo qual
utilizaremos para ele um smbolo th. Assim, o estado fundamental ou
estado de energia mais baixa de um pndulo no tem energia nula, como
esperava-se, mas sim, inclusive em seu estado fundamental, um
pndulo ou qualquer sistema oscilante deve ter uma certa quantidade
mnima do que se denomina flutuaes do ponto zero. Estas implicam que
o pndulo no apontar necessariamente para baixo, mas haver uma certa
probabilidade de ach-lo formando um pequeno ngulo com a vertical.
Analogamente, inclusive no vazio ou estado de energia mais baixa,
as ondas dos campos do Maxwell no sero exatamente nulas, porm tero
um tamanho pequeno. Quanto maior for a freqncia (nmero de oscilaes
por minuto) do pndulo ou da onda, maior ser a energia de seu estado
fundamental. Clculos das flutuaes do estado fundamental dos campos
de Maxwell e dos eltrons demonstraram que a massa e a carga
aparentes do eltron seriam infinitas, contra o que indicam as
observaes. Entretanto, nos anos 1940, os fsicos Richard Feynman,
Julian Schwinger e Shin'ichiro Tomonaga desenvolveram um mtodo
consistente de eliminao ou subtrao destes infinitos para ficar s
com os valores finitos observados da massa e da carga. Ainda assim,
as flutuaes no estado fundamental seguiam causando pequenos efeitos
que podiam ser medidos e concordavam com as predies. Alguns
esquemas de subtraes parecidos conseguiam eliminar os infinitos no
caso dos campos de Yang-Mills, na teoria proposta por Chen Ning
Yang e Robert Mills. Tal teoria uma extenso da teoria de Maxwell
para descrever as interaes de outras duas foras chamadas fora
nuclear forte e nuclear fraca. Todavia, as flutuaes do estado
fundamental tm efeitos muito mais srios em uma teoria quntica da
gravidade. De novo, cada longitude de onda teria uma certa energia
no estado fundamental. Como no h limite inferior ao valor das
longitudes de onda dos campos de Maxwell, em qualquer regio do
espao-tempo haver um nmero infinito de longitudes de onda e a
energia do estado fundamental ser infinita. Posto que a densidade
de energia , tal como a matria, uma fonte de gravitao, esta
densidade infinita de energia implicaria que no universo h
suficiente atrao gravitacional para curvar o espao-tempo em um s
ponto, o que evidentemente no aconteceu. Poderamos esperar resolver
o problema desta contradio aparente entre a observao e a teoria
dizendo que as flutuaes do estado fundamental no tm efeitos
gravitacionais, mas isso no funciona. Podemos detectar a energia
das flutuaes do estado fundamental no efeito Cachemira. Se tivermos
um par de placas metlicas paralelas e muito prximas entre si, seu
efeito reduzir ligeiramente o nmero de longitudes de onda que cabem
entre as placas com respeito ao nmero de longitudes de onda no PDF
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16. exterior. Isso significa que a densidade de energia das
flutuaes do estado fundamental entre as placas, embora seguindo-se
infinita, inferior densidade de energia no exterior das mesmas, em
uma pequena quantidade. Esta diferena de densidade de energia d
lugar a uma fora atrativa entre as placas, que foi observada
experimentalmente. Como na relatividade geral as foras constituem
uma fonte de gravitao, tal como o a matria, seria inconsistente
ignorar os efeitos gravitacionais desta diferena de energia. Outra
possvel soluo do problema consistiria em supor que h uma constante
cosmolgica, como a introduzida por Einstein em seu intento de obter
um modelo esttico do universo. Se esta constante tivesse um valor
infinito negativo, poderia cancelar exatamente o valor infinito
positivo da energia do estado fundamental no espao livre, mas esta
constante cosmolgica parece muito ad hoc e teria que ser ajustada
com um grau extraordinrio de preciso. Felizmente, nos anos 1970
tirou o chapu um tipo totalmente novo de simetria que proporciona
um mecanismo fsico natural para cancelar quo infinitos surgem das
flutuaes do estado fundamental. A super simetria constitui uma
caracterstica dos modelos matemticos modernos, que pode ser
descrita de diferentes maneiras. Uma delas consiste em dizer que o
espao-tempo tem outras dimenses adicionais alm das que percebemos.
Chamam-se dimenses do Grassmann, porque so expressas em nmeros
chamados variveis de Grassmann em vez de nmeros ordinrios. Os
nmeros ordinrios comutam, quer dizer, tanto faz a ordem em que os
multipliquemos: 6 por 4 ou 4 por 6, mas as variveis do Grassmann
anti comutam: x por e o mesmo que -e pelo X. A super simetria foi
utilizada pela primeira vez para eliminar os infinitos dos campos
de matria e do Yang-Mills em um espao-tempo no qual tanto as
dimenses ordinrias como as de Grassmann eram planas, em vez de
curvadas. Mas, resultava natural estend-la a situaes em que ambos
os tipos de dimenses fossem curvadas. Isto conduziu a diversas
teorias denominadas super gravidade, com diferentes graus de super
simetria Uma conseqncia da super simetria que cada campo ou
partcula deveria ter um super scio com um SPIN superior ou inferior
em meio a seu prprio SPIN. As energias do estado fundamental dos
bosones (nome dado em homenagem a S.N.Bose e Einstein), campos cujo
SPIN um nmero inteiro (Ou, 1, 2, etc) so positivas. E, as energias
do estado fundamental dos fermiones (nome dado em homenagem a
Enrico Fermi e Dirac), campos cujo SPIN um nmero semi-inteiro (1/2,
3/2, etc), so negativas. Como nas teorias de super gravidade h o
mesmo nmero de bosones que de fermiones, os infinitos de ordem
superiores se cancelam. Restava a possibilidade de subsistirem sem
cancelarem-se alguns infinitos de ordens inferiores. Ningum teve a
pacincia necessria para calcular se estas teorias eram na verdade
completamente finitas. Brincava-se que um bom estudante demoraria
uns duzentos anos em comprov-las e, como poderamos estar seguros de
que no tinha cometido nenhum engano na segunda pgina dos clculos?
Mesmo assim, por volta de 1985 a maioria dos especialistas
acreditava que quase todas as teorias de super gravidade estariam
livres de infinitos. Ento, de repente, a moda mudou. A gente comeou
a dizer que no havia motivo para esperar que as teorias de super
gravidade no contivessem infinitos, significando resultados
fatalmente errneos teoricamente. Proclamou-se ento, que a nica
maneira de combinar a gravidade com a teoria quntica, era uma
teoria chamada teoria super simtrica de cordas. As cordas, como
homologa-se na vida PDF Creator - PDF4Free v2.0
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17. cotidiana, so objetos unidimensionais extensos: s tm
longitude. As cordas desta teoria movem-se no espao-tempo de fundo,
e suas vibraes so interpretadas como partculas. Se a cordas tiverem
dimenses de Grassmann e dimenses ordinrias, as vibraes
correspondero bosones e fermiones. Neste caso, as energias
positivas e negativas do estado fundamental cancelariam-se
mutuamente, de maneira que no haveria infinitos de nenhuma ordem.
Disse-se que as supercordas eram a Teoria de Tudo. Os futuros
historiadores da cincia acharo interessante explorar a mudana de
mar de opinio entre os fsicos tericos. Durante alguns anos, as
cordas reinaram sem rivais e a super gravidade foi menosprezada
como uma simples teoria aproximada, vlida to somente a baixas
energias. As qualidades de baixas energias eram consideradas
particularmente detestveis, embora neste contexto baixas energias
significavam que as partculas teriam energias de menos um milho de
trilhes das partculas em uma exploso do TNT. Se a super gravidade
era to somente uma aproximao de baixa energia, no pretenderia ser a
teoria fundamental do universo. Em seu lugar, supunha-se que a
teoria subjacente era uma das cinco possveis teorias de
supercordas. Mas qual destas cinco teorias descrevia nosso
universo? E, como formular a teoria de cordas alm da aproximao em
que estas so representadas como superfcies com uma dimenso espacial
e outra temporal, deslocando-se em um espao-tempo plano? No
curvariam, por sorte, cordas no espao-tempo de fundo? Nos anos
seguintes a 1985, cada vez mais evidenciou-se que a teoria de
cordas no era a descrio completa. Para comear, advertiu-se que as
cordas so to somente um membro de uma ampla classe de objetos que
podem estender-se em mais de uma dimenso. Paul Townsend, que, como
eu, membro do Departamento de Matemtica Aplicada e Fsica Terica de
Cambridge, e a quem devemos muitos dos trabalhos fundamentais sobre
estes objetos, deu-lhes o nome de p-branas. Uma p-brana tem
longitude em p dimenses, assim, uma p= 1 brana uma corda, uma p = 2
branas uma superfcie ou membrana, e assim sucessivamente. No h
motivo algum para favorecer o caso das cordas, com p = 1, sobre os
outros possveis valores de p, deveramos assim, adotar o princpio da
democracia das p-branas: todas as p-branas so iguais. Todas as
p-branas obter-se-iam como solues das equaes das teorias de super
gravidade em 10 ou 11 dimenses. Embora 10 ou 11 dimenses parecem
nada ter a ver com o espao-tempo de nossa experincia, a idia era
que as outras 6 ou 7 dimenses esto enroladas em um raio de
curvatura to pequeno que no as observamos, s somos conscientes das
quatro dimenses restantes, grandes e quase planas. Devo dizer que,
pessoalmente, resisti acreditar em dimenses adicionais. Todavia,
como sou um positivista, a pergunta existem realmente dimenses
adicionais? no tem nenhum significado para mim. Tudo o que podemos
perguntar se os modelos matemticos com dimenses adicionais
proporcionam uma boa descrio do universo. Ainda no contamos com
nenhuma observao que requeira dimenses adicionais para ser
explicada. Existe a possibilidade de que observemos no Grande
Colisor de Hadrons LHC (Large Hadron Collider), de Genebra.
Entretanto, o que convenceu a muita gente, incluindo-me, de que
deveramos tomar seriamente os modelos com dimenses adicionais a
existncia de uma rede de relaes inesperadas, chamadas dualidades,
entre tais modelos. Estas PDF Creator - PDF4Free v2.0
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18. dualidades demonstram que todos os modelos so
essencialmente equivalentes, ou seja, seriam to somente aspectos
diferentes de uma mesma teoria subjacente que foi chamada teoria M.
No considerar esta rede de dualidades como um sinal de que estamos
em bom caminho seria como acreditar que Deus ps os fsseis nas
rochas para enganar Darwin sobre a evoluo da vida. Estas dualidades
demonstram que as cinco teorias de supercordas descrevem a mesma
fsica, e que tambm so fisicamente equivalentes super gravidade No
podemos dizer que as supercordas sejam mais fundamentais que a
super gravidade, ou vice-versa, mas sim que so expresses diferentes
da mesma teoria de fundo, cada uma das quais resulta til para
clculos em diferentes tipos de situaes. Como as teorias de cordas
no tm infinitos resultam adequadas para calcular o que ocorre
quando umas poucas partculas de altas energias colidem entre si e
se pulverizam. No entanto, no so muito teis para descreverem como a
energia de um grande nmero de partculas curva o universo ou forma
um estado ligado, como um buraco negro. Para estas situaes
necessria a super gravidade, que basicamente a teoria de Einstein
do espao-tempo curvado com alguns tipos adicionais de matria. Esta
a imagem que utilizarei principalmente no que segue. Para
descrevermos como a teoria quntica configura o tempo e o espao,
introduziremos a idia de um tempo imaginrio. Tempo imaginrio soa
fico cientfica, mas um conceito matematicamente bem definido: o
tempo expresso no que chamamos nmeros imaginrios. Podemos
considerar os nmeros reais, por exemplo, 1, 2, -3,5 e outros, como
a expresso de posies em uma reta que se estende da esquerda
direita: o zero no centro, os nmeros reais positivos direita e os
nmeros reais negativos esquerda. Os nmeros imaginrios podem
representar-se ento como se correspondessem s posies em uma linha
vertical: o zero seguiria estando no centro, os nmeros imaginrios
positivos estariam na parte superior e os imaginrios negativos na
inferior. Sendo assim, os nmeros imaginrios podem ser considerados
como um novo tipo de nmeros perpendiculares aos nmeros reais
ordinrios. Como uma suposio matemtica no necessita de uma realizao
fsica: no podemos ter um nmero imaginrio de laranjas, nenhum carto
de crdito com um saldo imaginrio. Suponhamos que os nmeros
imaginrios so somente um jogo matemtico que nada tem que ver com o
mundo real. Da perspectiva positivista, entretanto, no determinamos
o que real. Tudo o que podemos fazer achar que modelos matemticos
descrevem o universo em que vivemos. O resultado de um modelo
matemtico que intervenha num tempo imaginrio prediz no s efeitos
que j observamos, assim como outros efeitos que ainda no pudemos
observar, mas nos quais acreditamos por outros motivos, portanto, o
que real e o que imaginrio? A diferena est to somente em nossas
mentes? A teoria clssica (quer dizer, no quntica) da relatividade
geral de Einstein combinava o tempo real e as trs dimenses do espao
em um espao-tempo quadridimensional. Mas a direo do tempo real se
distinguia das trs direes espaciais,- a linha de universo ou
histria de um observador sempre transcorria em direo crescente do
tempo real (quer dizer, o tempo sempre transcorria do passado ao
futuro), porm podia aumentar ou diminuir em quaisquer das trs
direes espaciais. Em outras palavras, podia-se inverter a direo no
espao, mas no no tempo. PDF Creator - PDF4Free v2.0
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19. Assim sendo, como o tempo imaginrio perpendicular ao tempo
real, comporta-se como uma quarta dimenso espacial, portanto, pode
exibir um domnio de possibilidades muito mais rico que a via de
trem do tempo real ordinrio, que s pode ter um comeo, um fim, ou ir
em crculos. neste sentido imaginrio que o tempo tem uma forma. Para
contemplar algumas das possibilidades, consideremos um espao-tempo
com tempo imaginrio que tenha forma de esfera, como a superfcie da
Terra. Suponhamos que o tempo imaginrio corresponda aos graus de
latitude. Ento, a histria do universo em tempo imaginrio comearia
no plo Sul. No teria sentido perguntar: o que ocorreu antes do
comeo?. Tais tempos simplesmente no esto definidos, como no esto os
pontos mais ao sul do plo Sul. O plo Sul um ponto perfeitamente
regular da superfcie da Terra, e nele se cumprem as mesmas leis que
em todos outros pontos. Sugerindo que, no tempo imaginrio, o comeo
do tempo seria um ponto regular do espao-tempo sujeito s mesmas
leis do resto do universo. (A origem e a evoluo quntica do universo
sero descritas no captulo seguinte). Outro possvel comportamento
ilustra-se no caso que o tempo imaginrio corresponde aos graus de
longitude na Terra. Todos os meridianos (linhas da mesma longitude)
cortam-se nos plos Norte e Sul. Assim, neles o tempo se detm, no
sentido que um incremento do tempo imaginrio, ou dos graus de
longitude, deixa-nos no mesmo ponto. Semelhante maneira como o
tempo real detm-se no horizonte de um buraco negro. Demo-nos conta
de que esta deteno do tempo real e imaginrio (ou os dois se detm ou
nenhum deles o faz) significa que o espao-tempo tem uma
temperatura, tal como descobrimos nos buracos negros. Os buracos
negros no s tm uma temperatura, mas tambm se comportam como se
tivessem uma magnitude denominada entropia. A entropia uma medida
do nmero de estados internos (maneiras como poderamos configurar
seu interior) que o buraco negro possuiria sem parecer diferente a
um observador exterior, o qual s pode observar sua massa, rotao e
carga. A entropia do buraco negro vem de uma frmula muito singela
que descobri em 1974. igual rea do horizonte do buraco negro: h um
bit de informao sobre o estado interno do buraco negro por cada
unidade fundamental de rea de seu horizonte. Indicando que h uma
conexo profunda entre a gravidade quntica e a termodinmica, a
cincia do calor (que inclui o estudo da entropia). Sugerindo tambm,
que a gravidade quntica pode exibir a propriedade chamada
holografia. A informao sobre os estados qunticos em uma regio do
espao-tempo seria codificada de algum modo na fronteira de tal
regio, que tem duas dimenses menos. Algo parecido ocorre com os
hologramas, que contm uma imagem tridimensional em uma superfcie
bidimensional. Se a gravidade quntica incorporar o princpio
hologrfico, significa que podemos seguir a pista do que h dentro
dos buracos negros. Isto essencial para capacitar-nos predizer a
radiao que sai deles. Caso contrrio, no poderemos predizer o futuro
em to alto grau como acreditvamos. Trataremos esta questo no
Captulo 4. A holografia ser tratada de novo no Captulo 7. Parece
que viveramos em 3-branasuma superfcie quadridimensional (trs
dimenses espaciais mais uma temporal) que a fronteira de uma regio
de cinco dimenses, com as restantes dimenses enroladas em uma
escala menor. O estado do universo em tal membrana codificaria o
que est passando na regio de cinco dimenses. PDF Creator - PDF4Free
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20. CAPTULO 3 O UNIVERSO EM UMA CASCA DE NOZ O universo tem
mltiplas histrias, cada uma delas determinada por uma diminuta noz
Poderia estar encerrado em uma casca de noz e me sentir rei de um
espao infinito... Shakespeare, Hamlet, segundo ato, cena 2
Possivelmente Hamlet queria dizer que apesar da limitao fsica dos
humanos , nossas mentes podem explorar com audcia todo o universo e
chegar onde os protagonistas do Star Trek temeriam ir, se os
pesadelos nos permitirem isso. o universo realmente infinito, ou
apenas muito grande? E, perdurvel ou s ter uma vida muito extensa?
Como poderiam nossas mentes finitas compreender um universo
infinito? No presunoso questionarmos sequer este propsito?
Arriscamo-nos a sofrer o destino de Prometeu, que segundo a
mitologia clssica roubou o fogo de Zeus para que os humanos
utilizassem-no. Como castigo por esta temeridade foi encadeado a
uma rocha onde uma guia devorava-lhe o fgado? Apesar de todas estas
precaues, acredito que podemos e devemos tentar compreender o
universo. J temos feito notveis progressos na compreenso do cosmos,
particularmente nos ltimos poucos anos. Embora no tenhamos uma
imagem completa, talvez ela no estivesse longnqua. bvio que o espao
se prolonga indefinidamente, sendo confirmado por instrumentos
modernos, como o telescpio Hubble, permitindo-nos sondar as
profundidades do espao. Vemos milhares de milhes de galxias de
diversas formas e tamanhos. Cada galxia contm incontveis milhes de
estrelas, muitas das quais rodeadas por planetas. Vivemos em um
planeta que gira ao redor de uma estrela em um brao exterior da
galxia espiral da Via Lctea. O p dos braos espirais impede-nos de
ver o universo no plano da galxia, porm, em cada lado destes temos
faces cnicas de linhas com boa visibilidade mostrando-nos as posies
das galxias. Achamos que esto uniformemente distribudas no espao,
com algumas concentraes e vazios locais. A densidade de galxias
decresce distncias muito grandes, talvez em virtude de serem to
longnquas e tnues que no as observamos. Por isso, sabemos, o
universo se prolonga sem fim no espao. Embora o universo parea ter
o mesmo aspecto em qualquer parte, muda decididamente com o tempo.
Isto no foi advertido at os primeiros anos do sculo XX. At ento,
acreditava-se que o universo era essencialmente constante no tempo.
Poderia ter existido durante um tempo infinito, mas isto parecia
conduzir a concluses absurdas. Se as estrelas estivessem radiando
durante um tempo infinito, esquentariam todo o universo at sua
temperatura. Inclusive de noite, todo o universo seria to brilhante
como o Sol, porque cada linha de viso terminaria em uma estrela ou
em uma nuvem de p aquecida at a temperatura das estrelas. A
observao, to familiar, de que o cu noturno escuro, muito
importante. Implica que o universo no existiu sempre no estado que
o vemos hoje. Algo ocorreu, faz um tempo finito, que acendesse as
estrelas, significando que a luz das estrelas muito distantes ainda
no teve tempo de chegar. Isto explicaria porqu o cu no brilha a
noite em todas direes. Se as estrelas estivessem sempre a, por que
se acenderam de repente faz uns poucos milhares de milhes de anos?
Que relgio lhes disse para brilharem? Como dissemos, isto intrigou
a muitos PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
21. filsofos, como Immanuel Kant, que acreditava que o universo
sempre existiu. A maioria acreditava na idia de que o universo
tinha sido criado, mais ou menos em seu estado atual, faz to
somente uns poucos milhares de anos. Entretanto, as observaes de
Visto Slipher e Edwin Hubble na segunda dcada do sculo XX comearam
a desvelar discrepncias em relao a esta idia. Em 1923, Hubble
descobriu que muitas tnues manchas luminosas, chamadas nebulosas,
eram em realidade galxias, grandes conjuntos de estrelas como o
Sol, todavia a grande distncia de ns. Para que nos paream to
pequenas e dbeis, as distncias tinham que ser to grandes que a luz
procedente delas teria demorado milhes ou inclusive milhares de
milhes de anos para chegar at ns. Indicando que o comeo do universo
no foi produzido faz to somente uns poucos milhares de anos. A
segunda coisa que Hubble descobriu era ainda mais surpreendente. Os
astrnomos aprenderam que, mediante a anlise da luz das outras
galxias, averiguamos se elas aproximam-se ou afastam-se. Ficaram,
estupefatos, que quase todas as galxias esto afastando-se. Alm
disso, quanto mais longe esto, com maior velocidade parecem estar
afastando-se. Foi Hubble quem se deu conta das implicaes
espetaculares deste descobrimento: em grande escala, todas as
galxias esto afastando-se de todas as demais galxias. O universo
expande-se. O descobrimento da expanso do universo foi uma das
grandes revolues intelectuais do sculo XX. Constituiu uma surpresa
radical e modificou completamente as discusses sobre a origem do
universo. Se as galxias separam-se, estavam mais juntas no passado.
A partir da taxa atual de expanso, avaliamos que, efetivamente,
estiveram muito prximas umas das outras faz uns dez ou quinze mil e
milhes de anos. Como mencionado no captulo anterior, Roger Penrose
e eu demonstramos que a teoria geral da relatividade de Einstein
implica que o universo comeou em uma tremenda exploso. Aqui estava
a explicao de porqu o cu noturno escuro: nenhuma estrela poderia
brilhar mais de dez ou quinze mil e milhes de anos, o tempo
transcorrido da grande exploso. Acostumamo-nos idia de que os
acontecimentos so causados por acontecimentos anteriores, os quais,
por sua vez, so provocados por acontecimentos ainda mais
anteriores. Esta cadeia de casualidade estira-se at o passado
infinito. Mas, suponhamos que esta cadeia teve um comeo. Admitamos
que houve um primeiro acontecimento. Qual foi sua causa? No esta
uma pergunta que muitos cientistas queriam tratar, mas sim tentavam
evit-la, pretendendo, como os russos, que o universo no tivera
comeo, ou ainda, que a origem do universo no pertence ao domnio da
cincia, mas metafsica ou a religio. Em minha opinio, esta posio no
deveria ser adotada pelos verdadeiros cientistas. Se as leis da
cincia se suspendessem no comeo do universo, no falhariam tambm em
outras ocasies? Uma lei no uma lei se s se cumprir s vezes.
Deveramos compreender o comeo do universo a partir de bases
cientficas. Pode ser uma tarefa alm de nossas capacidades,
entretanto, ao menos deveramos tent-lo. Em que pese os teoremas que
Penrose e eu demonstramos, no qual o universo teria um comeo, no
davam muita informao sobre a natureza de tal incio. Indicavam que o
universo comeou em uma grande exploso, um ponto em que todo o
universo, e tudo o que contm, estava apertado em um s ponto de
densidade infinita. Em tal ponto, a teoria geral da relatividade de
Einstein deixaria de ser vlida, PDF Creator - PDF4Free v2.0
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22. pelo qual no pode ser utilizada para averiguar como comeou
o universo. Aparentemente, a origem do universo fica mais frente do
alcance da cincia. No esta uma concluso que deva alegrar aos
cientistas. Como indicam os Captulos 1 e 2, a razo pela qual a
relatividade geral perde a validade diante da grande exploso que no
incorpora o princpio de incerteza, o elemento aleatrio da teoria
quntica que Einstein rechaou da idia de que Deus no joga o jogo de
dados. Entretanto, todas as evidncias indicam que Deus um jogador
impenitente. Podemos considerar o universo como um grande cassino,
no qual os dados so lanados a cada instante e as roletas giram sem
cessar. Rejeitar um cassino um negcio muito arriscado, porque nos
expomos a perder dinheiro cada vez que se lanam os dados ou a
roleta gira. Em grande nmero de apostas, os lucros e as perdas do
em mdia um resultado previsvel, embora no sendo o resultado de cada
aposta particular. Os proprietrios dos cassinos asseguram-se que a
sorte medeie-se a favor deles. Por isso, so to ricos. A nica
possibilidade de ganhar apostar contra eles todo o dinheiro em uns
poucos lanamentos de dados ou voltas da roleta. O mesmo ocorre com
o universo. Quando este grande, como na atualidade, h um nmero
muito elevado de lanamentos de dados, e os resultados se medeiam a
algo previsvel Por isso as leis clssicas funcionam nos sistemas
grandes. Mas quando o universo muito pequeno, como o era nos tempos
prximos a grande exploso, s h um pequeno nmero de lanamentos de
dados e o princpio de incerteza resulta muito importante. Como o
universo vai lanando dados para ver o que seguir, no tem uma s
histria, como se poderia esperar, mas sim deve ter todas as
histrias possveis, cada uma delas com sua prpria probabilidade.
Deve haver uma histria do universo em que o Belize ganhasse todas
as medalhas de ouro nos Jogos Olmpicos, embora, possivelmente, a
probabilidade disso seja muito baixa. A idia de que o universo tem
mltiplas histrias pode soar fico cientfica, porm, atualmente,
aceita como um fato cientfico. Formulada por Richard Feynman, que
era um grande fsico e uma grande personalidade. Agora trabalhamos
para combinar a teoria geral da relatividade de Einstein e a idia
de Feynman das histrias mltiplas em uma teoria unificada que
descreva tudo o que ocorre no universo. Tal teoria nos permitir
calcular como se desenvolver o universo se conhecermos como
comearam as histrias. Todavia a teoria unificada no nos diz como
comeou o universo nem qual foi seu estado inicial. Para isso,
necessitamos o que se chama condies de contorno, regras que nos
dizem o que ocorre nas fronteiras do universo, nas bordas do espao
e o tempo. Se a fronteira do universo fora um simples ponto normal
do espao e o tempo, atravessa-la-amos e acharamos que o territrio
alm dele tambm forma parte do universo. Ao invs disto, se o
contorno do universo tivesse uma borda muito irregular, na qual
espao e tempo estivessem apertados e a densidade fosse infinita,
resultaria muito difcil definir condies de contorno razoveis.
Entretanto, um colega chamado Jim Hartle e eu nos demos conta de
que h uma terceira possibilidade. Possivelmente o universo no tenha
fronteiras no espao nem no tempo. A primeira vista, isto parece
entrar em flagrante contradio com os teoremas que Penrose e eu
tnhamos demonstrado, que indicavam que o universo teria um comeo,
quer dizer, uma fronteira no tempo. Porm, como expliquei no PDF
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23. Captulo 2, h outro tipo de tempo, chamado tempo imaginrio,
que ortogonal ao tempo real ordinrio que sentimos passar. A histria
do universo no tempo real determina sua histria no tempo imaginrio,
e vice-versa, mas os dois tipos de histrias podem ser muito
diferentes. Em particular, no tempo imaginrio no necessrio que o
universo tivesse um comeo. O tempo imaginrio comporta-se em outra
direo espacial. Assim, as histrias do universo no tempo imaginrio
podem ser representadas como superfcies curvadas, como, por
exemplo, uma bola, um plano ou uma cadeira balano, mas com quatro
dimenses em lugar de dois. Se as histrias do universo
prolongassem-se at o infinito, como uma cadeira de balano ou um
plano, exporiam-nos o problema de especificar quais so suas condies
de contorno no infinito. Evitamos ter que especificar uma condio de
contorno se as histrias do universo em tempo imaginrio fossem
superfcies fechadas, como a superfcie da Terra. A superfcie
terrestre no tem fronteiras nem borda. No h notcias confiveis de
pessoas que tenham cado da Terra. Se as histrias do Universo em
tempo imaginrio so efetivamente superfcies fechadas, tal como
Hartle e eu propusemos, isto poderia ter conseqncias fundamentais
para a filosofia e para nossa imagem de onde vamos. O universo
estaria completamente auto contido; no necessitaria nada fora de si
para lhe dar corda e pr em marcha seus mecanismos, mas sim, nele,
tudo estaria determinado pelas leis da cincia e por lanamentos de
dados dentro do universo. Pode parecer presunoso, mas o que eu e
muitos outros cientistas acreditam. Inclusive se a condio de
contorno do universo a ausncia de contornos, o universo no teria
uma s histria, mas, mltiplas, como o tinha sugerido Feynman. Em
tempo imaginrio, cada possvel superfcie fechada corresponderia uma
histria, e cada histria no tempo imaginrio determinaria uma histria
no tempo real. Haveria, pois, uma superabundncia de possibilidades
para o universo. O que seleciona, entre todos os universos
possveis, o universo particular em que vivemos? Constatamos que
muitas das possveis histrias do universo no passam pela seqncia de
formar galxias e estrelas, que resulta to essencial para nosso
desenvolvimento. Embora desenvolvessem seres inteligentes inclusive
em ausncia de galxias e estrelas, isto parece muito improvvel. Do
mesmo modo que existimos como seres capazes de perguntar-se por que
o universo como ? j constitui uma restrio sobre a histria em que
vivemos. Isto implica que nosso universo pertence minoria de
histrias que contm galxias e estrelas, o qual um exemplo do que se
conhece como princpio antrpico. Este princpio afirma que o universo
seria mais ou menos como o vemos, porque se fosse diferente, no
existiria ningum para observ-lo. muitos cientistas deslocam o
princpio antrpico, porque tem aspecto muito impreciso e parece
carecer de poder previsvel. Mas, possvel dar-lhe uma formulao
precisa, e resulta essencial na anlise da origem do universo. A
teoria M, descrita no Captulo 2, permite um nmero muito grande de
possveis histrias do universo. A maioria delas no resulta adequada
para o desenvolvimento de vida inteligente: ou correspondem
universos vazios, ou duram muito pouco tempo, ou esto muito
curvadas, ou resultam insatisfatrias em um sentido ou outro.
Segundo a idia de Richard Feynman de mltiplos histrias, estas
histrias desabitadas podem ter uma probabilidade grandemente
elevada. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
24. De fato, no nos importa realmente quantas histrias no
contenham seres inteligentes. S estamos interessados no subconjunto
de histrias em que se desenvolva vida inteligente. Esta no tem
porqu ser parecida com os humanos: pequenos extraterrestres verdes
serviriam igualmente. A espcie humana no brilha muito por sua
conduta inteligente. Como exemplo do poder do princpio antrpico,
consideremos o nmero de direes no espao. um fato de experincia
comum que vivemos em um espao tridimensional. Quer dizer, podemos
representar a posio de um ponto no espao mediante trs nmeros, por
exemplo, latitude, longitude e altura sobre o nvel do mar. Mas, por
que o espao tridimensional? Por que no tem duas dimenses, ou
quatro, ou qualquer outro nmero, tal como na fico cientfica? Na
teoria M, o espao tem nove ou dez dimenses, porm, acredita-se que
seis ou sete delas esto enroladas com raios de curvatura muito
pequenos, e s ficam trs dimenses grandes e relativamente planas.
Por que no vivemos numa histria em que oito das dimenses estejam
enroladas em raios pequenos, e haja to somente duas dimenses
observveis? A um animal bidimensional resultaria muito difcil a
digesto. Se o atravessasse um tubo digestivo, dividiria-o em duas e
a pobre criatura cairia em pedaos. portanto, duas dimenses planas
no bastam para algo to complexo como a vida inteligente. Por outro
lado, se houvesse quatro ou mais dimenso aproximadamente planas, a
fora gravitacional entre dois corpos cresceria mais rapidamente
quando se aproximassem entre si. Isto significaria que os planetas
no teriam rbitas estveis ao redor de seus sis: ou cairiam para o
sol, ou escapariam para escurido e frio exteriores. Analogamente,
tampouco seriam estveis as rbitas dos eltrons nos tomos, de maneira
que no existiria a matria tal como a conhecemos. Assim, embora a
idia de mltiplas histrias admite em princpio qualquer nmero de
dimenses relativamente planas, s as histrias com trs destas
dimenses podero conter seres inteligentes. S em tais histrias ser
formulada a pergunta de por que o espao tem trs dimenses?. A
histria mais singela do universo em tempo imaginrio uma esfera
lisa, como a superfcie da Terra, mas com duas dimenses a mais. Esta
determina no tempo real uma histria do universo, na qual este
homogneo e se expande com o tempo. Nestes aspectos, comporta-se
como o universo em que vivemos, mas sua taxa de expanso muito
rpida, e cada vez se acelera mais. A expanso acelerada denomina-se
inflao, porque se parece com o crescimento cada vez mais rpido dos
preos em algumas pocas. Geralmente, considera-se que a inflao dos
preos indesejvel, porm, no caso do universo a inflao resulta muito
benfica. A grande expanso suaviza as irregularidades que teria o
universo primitivo. medida que o universo se expande, empresta
energia do campo gravitacional para criar mais matria. A energia
positiva da matria cancelada exatamente pela energia negativa da
gravitao, de maneira que a energia total nula. Quando o tamanho do
universo se duplica, as energias da matria e da gravitao se
duplicam, mas dois por zero segue sendo zero. Oxal o mundo das
finanas resultasse to singelo!. Se a histria do universo em tempo
imaginrio fora uma esfera perfeitamente redonda, a histria
correspondente em tempo real seria um universo que seguiria
expandindo-se indefinidamente de maneira PDF Creator - PDF4Free
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25. inflacionria. Enquanto o universo se expande de forma
inflacionria, a matria no pode aglomerar-se para formar galxias e
estrelas, e portanto, no se desenvolveria vida, nem muito menos
vida inteligente tal como a conhecemos. Assim, embora no tempo
imaginrio as histrias do universo correspondentes a esferas
perfeitamente redondas so permitidas pela noo de mltiplas histrias,
no resultam excessivamente interessantes. Em troca, as histrias em
tempo imaginrio sendo como esferas ligeiramente aplainadas no plo
sul so muito mais relevantes. Neste caso, a histria correspondente
em tempo real se expandiria ao princpio de maneira acelerada,
inflacionria. Todavia, depois a expanso comearia a frear-se, e
formar-se-iam galxias. Para que se desenvolvesse vida inteligente,
o aplainamento no plo Sul deveria ser muito ligeiro. Isto
significaria que inicialmente o universo se expandiria muito. O
nvel recorde de inflao monetria teve lugar na Alemanha entre as
guerras mundiais, quando os preos subiram milhares de milhes de
vezes. Entretanto, a magnitude da inflao que ocorrida no universo
ao menos mil trilhes de trilhes de vezes esta quantidade. Devido ao
princpio de incerteza, no haveria s uma histria do universo que
contivera vida inteligente, mas sim tais histrias constituiriam, no
tempo imaginrio, uma famlia completa de esferas ligeiramente
deformadas, cada uma das quais corresponderia no tempo real a uma
histria em que o universo se expande de maneira inflacionria
durante um longo tempo, mas, no indefinidamente. Podemo-nos
perguntar quais destas histrias permitidas so as mais provveis.
Resulta que as mais provveis no so as histrias completamente lisas,
e sim as que tm ligeiras protuberncias e depresses. As rugas nas
histrias mais provveis so minsculas: correspondem a perturbaes de
aproximadamente uma parte em cem mil. Embora to pequenas,
conseguimos observ-las como pequenas variaes nas microondas
procedentes de diferentes direes do espao. O satlite COBE (Cosmic
Background Explorer), lanado em 1989, conseguiu cartografar o
contedo de microondas do firmamento. As diferentes cores indicam
diferentes temperaturas, mas o intervalo total do vermelho ao azul
corresponde to somente ao milsimo grau. Ainda assim, esta variao,
entre as diferentes regies do universo primitivo, suficiente para
que a atrao gravitacional adicional das regies mais densas detenha
sua expanso e faa-as paralisar de novo sob sua prpria gravidade
para formar galxias e estrelas. Sendo assim, em princpio, o mapa do
COBE como o plano de todas as estruturas do universo. Quais sero os
comportamentos futuros das histrias mais provveis do universo
compatveis com a apario de seres inteligentes? H vrias
possibilidades, segundo a quantidade de matria no universo. Se esta
superar um certo valor crtico, a atrao gravitacional entre as
galxias ir freando at det-las. Ento, comearo a cair de novo umas
para as outras e se chocaro com um grande rangido (big crunch) que
ser o fim da histria do universo em tempo real. Se a densidade do
universo for inferior ao valor crtico, a gravidade muito fraca para
deter a separao das galxias. Todas as estrelas consumir-se-o, e o
universo ser cada vez mais frio e vazio. E de novo, tudo chegar a
um final, mas de uma maneira menos espetacular. De qualquer modo, o
universo tem ainda uns quantos milhares de milhes de anos por
diante. PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com
26. Alm da matria, o universo contm o que se chama energia do
vazio, energia presente inclusive em um espao aparentemente vazio.
Segundo a famosa equao de Einstein, E = mc2, esta energia de vazio
tem massa. Significando que exerce um efeito gravitacional sobre a
expanso do universo. Mas, curiosamente, o efeito da energia do
vazio oposto ao da matria. Faz com que a expanso v freando, chega a
det-la e investi-la. J a energia do vazio faz que a expanso se
acelere, como ocorre na inflao. De fato, a energia do vazio atua
como a constante cosmolgica mencionada no Captulo 1, que Einstein
acrescentou s suas equaes originais em 1917, quando se deu conta
que no admitiam nenhuma soluo que representasse um universo
esttico. Depois do descobrimento de Hubble da expanso do universo,
esta motivao para acrescentar um trmino s equaes desapareceu, e
Einstein abjurou da constante cosmolgica como um grande engano.
Entretanto, poderia no se tratar de um engano. Como dissemos no
captulo 2, sabemos agora que a teoria quntica implica que o
espao-tempo est cheio de flutuaes qunticas. Em uma teoria super
simtrica, as energias infinitas positiva e negativa das flutuaes do
estado fundamental das partculas de SPINs diferentes se cancelam
mas, como o universo no se acha em um estado super simtrico, no
cabe esperar que por sorte energias se cancelem to exatamente que
no fique uma pequena quantidade, finita, de energia do vazio. O
surpreendente que a energia do vazio seja to prxima a zero, que no
a detectamos at poucos anos. Isto seria outro exemplo do princpio
antrpico: em uma histria com maior energia do vazio no se formariam
galxias, de maneira que no conteriam seres que pudessem formular a
pergunta: por que to baixa a energia do vazio?. Tentemos determinar
as quantidades de energia da matria e do vazio no universo a partir
de diversas observaes. Se representarmos os resultados em um
diagrama com a densidade da matria no eixo horizontal e a energia
do vazio no eixo vertical, a linha de pontos indica a fronteira da
regio onde desenvolver-se-ia vida inteligente. Observaes de
supernovas, amontoados, e o fundo de microondas eliminam regies
deste diagrama. Felizmente, estas trs regies tm uma intercesso
comum. Se a densidade de matria e a energia do vazio acham-se nela,
significa que a expanso do universo comeou a acelerar de novo,
depois de um longo perodo freada. Parece que a inflao poderia ser
uma lei da natureza. Neste captulo vimos como o comportamento da
imensido do universo seria compreendido a partir de sua histria no
tempo imaginrio, que uma esfera diminuta e ligeiramente aplainada
como a noz de Hamlet, mas esta noz codifica tudo o que ocorre no
tempo real. Sendo assim, Hamlet tinha razo: poderamos estar
encerrados numa casca de noz e, ainda assim, sentirmo-nos reis de
um espao infinito. PDF Creator - PDF4Free v2.0
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27. CAPTULO 4 PREDIZENDO O FUTURO Como a perda de informao nos
buracos negros pode reduzir nossa capacidade de predizer o futuro.
Os humanos sempre quiseram controlar o futuro, ou, ao menos,
predizer o que ocorrer. Por isso a astrologia to popular. Segundo
ela, o que passa na Terra est relacionado com os movimentos dos
planetas no firmamento. Isto uma hiptese que podemos submeter prova
cientificamente, caso os astrlogos se comprometessem e formulassem
predies definidas que se poderiam comprovar. Entretanto, com
considervel astcia, expressam sempre suas predies em trminos to
vagos que aplicam-se a algo que ocorra. Nunca se pode demonstrar
que predies como suas relaes pessoais intensificarem-se ou
apresentar-se- uma oportunidade financeiramente interessante sejam
errneas. Porm, o motivo real pelo qual a maioria dos cientistas no
acredita em astrologia no a presena ou a ausncia de evidncias
cientficas a respeito dela, mas resulta inconsistente com outras
teorias que foram comprovadas experimentalmente. Quando Coprnico e
Galileo descobriram que os planetas giram ao redor do Sol e no da
Terra, e Newton formulou as leis que regem seus movimentos, a
astrologia sucedeu extremamente impassvel. Por que deveriam as
posies dos planetas no firmamento vista da Terra, ter correlao
alguma com as macro molculas de um planeta menor que se
auto-denomina vida inteligente? isto que a astrologia quer que
acreditemos. Para algumas das teorias descritas neste livro no h
mais evidncia experimental que para a astrologia, mas acreditam
nelas porque so consistentes com teorias que superaram numerosas
provas experimentais. O xito das leis de Newton e de outras teorias
fsicas conduziu idia do determinismo cientfico, que foi expressa
pela prim