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A TUTELA DAS LIBERDADES NAS RELAÇÕES DE TRABALHO: LIMITES E REPARAÇÃO DAS OFENSAS ÀS LIBERDADES DE CONSCIÊNCIA, CRENÇA, COMUNICAÇÃO, MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, EXPRESSÃO, LOCOMOÇÃO, CIRCULAÇÃO, INFORMAÇÃO, SINDICAL E SEXUAL DO TRABALHADOR

Tutela Das Liberdades Nas Relações De Trabalho, A

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A TuTelA dAs liberdAdes nAs relAções de TrAbAlho: limiTes e repArAção dAs ofensAs às liberdAdes de ConsCiênCiA, CrençA,

ComuniCAção, mAnifesTAção do pensAmenTo, expressão, loComoção, CirCulAção, informAção,

sindiCAl e sexuAl do TrAbAlhAdor

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AlexAndre AgrA belmonTe

A TuTelA dAs liberdAdes nAs relAções de TrAbAlho: limiTes e repArAção dAs ofensAs às liberdAdes de ConsCiênCiA, CrençA,

ComuniCAção, mAnifesTAção do pensAmenTo, expressão, loComoção, CirCulAção, informAção,

sindiCAl e sexuAl do TrAbAlhAdor

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Produção Gráfica e Editoração Eletrônica: Re P. TIEZZI X Projeto de Capa: RAUL CABRERA BRAVO Impressão: ORGRAFIC

Setembro, 2013

Belmonte, Alexandre Agra

A tutela das liberdades nas relações de trabalho : limites e reparação das ofensas às liberdades de consciência, crença, comunicação, manifestação do pensamento, expressão, locomoção, circulação, informação, sindical e sexual do trabalhador / Alexandre Agra Belmonte. — São Paulo : LTr, 2013.

Bibliografia

1. Ambiente de trabalho 2. Direitos fundamentais 3. Liberdade 4. Liberdade de expressão 5. Personalidade (Direito) 6. Relações de trabalho 7. Tutela jurisdicional I. Título.

13-07718 CDU-347.152:331

1. Exercício, limites e tutela das liberdades nas relações de trabalho : Direito do trabalho 347.152:331

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Versão impressa - LTr 4871.5 - ISBN 978-85-361-2671-5Versão digital - LTr 7676.8 - ISBN 978-85-361-2791-0

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Sumário

ApresentAção ........................................................................... 11

prefácio ................................................................................. 15

LiberdAde: noções preLiminAres

cApítuLo i — LiberdAde: conceito e principAis Questões ..................................... 21

cApítuLo ii — princípios fundAmentAdores do estAdo democrático de direito e os direitos fundAmentAis nAs reLAções de trAbALho ........................................... 25

cApítuLo iii — Livre-iniciAtivA e probLemAs decorrentes ................................... 31

3.1. EmprEsa E EmprEsário ................................................................................ 31

3.2. significado E EfEitos do concEito dE EmprEsa no dirEito do trabalho ..................... 32

3.3. livrE-iniciativa ....................................................................................... 34

3.3.1. outras EntidadEs E as libErdadEs fundamEntadoras .................................... 36

cApítuLo iv — poderes do empregAdor .......................................................... 37

4.1. noçõEs gErais ....................................................................................... 37

4.2. limitEs do podEr EmprEgatício .................................................................... 38

cApítuLo v — A LiberdAde nAs reLAções de trAbALho ......................................... 43

5.1. brEvE histórico ...................................................................................... 43

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5.2. concEito E naturEza jurídica ..................................................................... 44

5.3. classificação ........................................................................................ 46

5.4. os limitEs dE ExErcício das libErdadEs nas rElaçõEs dE trabalho ........................... 48

LiberdAde de pensAmento nAs reLAções de trAbALho

cApítuLo vi — LiberdAdes de consciênciA e crençA ........................................... 55

6.1. libErdadE dE consciência ......................................................................... 55

6.1.1. libErdadE dE consciência E objEção dE consciência nas rElaçõEs dE trabalho .... 56

6.1.2. aspEcto colEtivo da libErdadE dE consciência ......................................... 59

6.2. libErdadE dE crEnça ............................................................................... 60

6.2.1. a libErdadE dE crEnça nas rElaçõEs dE trabalho ...................................... 62

6.2.1.1. as EntidadEs idEológicas ou dE tEndência .................................... 66

6.2.1.2. o princípio da irrElEvância dos atos da vida privada do trabalhador para EfEitos laborais ............................................................. 73

6.2.1.3. outros casos dE rEpErcussão dos atos da vida privada no contrato ..... 74

cApítuLo vii — LiberdAdes poLíticA, fiLosóficA e ideoLógicA ................................ 77

7.1. libErdadEs política, filosófica E idEológica nas rElaçõEs dE trabalho .................... 78

7.1.1. dispEnsa por motivos políticos E anistia .................................................. 80

cApítuLo viii — A LiberdAde de expressão inteLectuAL LiteráriA, ArtísticA, científicA e de comunicAção ................................................................................... 83

8.1. a libErdadE dE ExprEssão intElEctual litErária, artística, ciEntífica E dE comunicação nas rElaçõEs dE trabalho ........................................................................... 84

8.2. dirEito ao sigilo E o uso do e-mail no trabalho ................................................ 89

8.3. QuEbra dE sigilo bancário ......................................................................... 92

8.4. a criação intElEctual litErária, artística E ciEntífica no dirEito do trabalho E a pro-priEdadE intElEctual ................................................................................. 93

cApítuLo ix — o direito à informAção e A LiberdAde de informAção ..................101

cApítuLo x — As cLáusuLAs restritivAs de direitos: A Questão dA disponibiLidAde de direitos fundAmentAis ........................................................................107

10.1. cláusula dE não concorrência ................................................................109

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10.2. dEmais cláusulas rEstritivas ....................................................................109

cApítuLo xi — critérios pArA o estAbeLecimento de Limites dA LiberdAde de pensA-mento e de seus componentes, em reLAção Ao trAbALhAdor (Arts. 5º, iv, vi, viii, ix, xiv e 220, cf) .................................................................................111

LiberdAde de trAbALho

cApítuLo xii — LiberdAde de trAbALho, ofício ou profissão ..............................119

12.1. libErdadE dE trabalho ...........................................................................119

12.2. libErdadE dE profissão ...........................................................................123

12.3. libErdadE dE trabalho E trabalho infantil ..................................................125

LiberdAde e iguALdAde

cApítuLo xiii — LiberdAde e iguALdAde ..........................................................129

13.1. classificação das discriminaçõEs ...............................................................141

LiberdAdes de Locomoção e circuLAção nAs reLAções de trAbALho

cApítuLo xiv — LiberdAdes de Locomoção e circuLAção ...................................153

14.1. libErdadEs dE locomoção E circulação nas rElaçõEs dE trabalho ......................154

14.1.1. rEgimEs dE sobrEaviso E prontidão E o uso dE pager, tElEfonE cElular E outros aparatos ElEtrônicos .....................................................................157

14.1.2. Habeas corpus ................................................................................160

14.1.3. a QuEstão na livrE circulação dE trabalhadorEs nas rElaçõEs intErnacionais .161

LiberdAde, intimidAde e vidA privAdA do trAbALhAdor. LiberdAde sexuAL

cApítuLo xv — LiberdAde e intimidAde do trAbALhAdor ....................................175

cApítuLo xvi — LiberdAde e vidA privAdA do trAbALhAdor .................................183

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cApítuLo xvii — LiberdAde sexuAL ...............................................................186

17.1. assédio sExual .....................................................................................191

LiberdAdes de expressão coLetivA: LiberdAde sindicAL e representAção de trAbALhAdores nAs empresAs. LiberdAde de

AssociAção e reuniões. direito de greve

cApítuLo xviii — LiberdAdes de expressão coLetivA .........................................209

18.1. libErdadE sindical ................................................................................209

18.2. dirigEntE sindical E libErdadE dE rEprEsEntação dos trabalhadorEs ....................212

18.3. rEprEsEntação dE trabalhadorEs nas EmprEsas ..............................................213

18.4. participação dos trabalhadorEs na gEstão EmprEsarial ...................................214

cApítuLo xix — LiberdAde e greve ...............................................................216

LiberdAde e Assédio morAL

cApítuLo xx — LiberdAde e Assédio morAL ....................................................223

dA tuteLA repArAtóriA dAs ofensAs às LiberdAdes no Ambiente de trAbALho

cApítuLo xxi — dA repArAção dAs ofensAs às LiberdAdes do trAbALhAdor ...........235

21.1. do prévio ExamE das rEstriçõEs às libErdadEs no ambiEntE dE trabalho .................235

21.2. da rEparação às rEstriçõEs das libErdadEs: noçõEs gErais .................................238

21.3. formas E métodos dE rEparação do dano moral ............................................241

21.4. critérios para a fixação do valor da indEnização do dano moral ......................243

21.5. fixação do valor da indEnização ..............................................................247

21.5.1.tipos dE ofEnsa .............................................................................247

21.5.2. princípios da ExtEnsão do dano (intEgralidadE da indEnização) E da pro- porcionalidadE (pondEração, nEcEssidadE E adEQuação) ...........................248

21.5.2.1. variávEis Em rElação ao podEr ofEnsivo .....................................248

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21.5.3. princípio da razoabilidadE ...............................................................248

21.5.4. casos práticos .............................................................................249

21.5.5. rEparação do dano moral colEtivo ....................................................251

concLusões ................................................................................................255

bibLiogrAfiA ..............................................................................................261

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ApreSentAção

Sempre me incomodou o fato de que o trabalhador, beneficiário dos direitos sociais inscritos na Constituição e ser integral como cidadão, tivesse plena liberdade para exercer os seus direitos políticos, mas que no ambiente de trabalho não pudesse minimamente exercer as liberdades de locomoção, consciência, crença, comunicação e expressão, esta nos planos individual e coletivo. Ou que, ao revés, admitido o seu exercício, pudesse exercê-los sem limitações.

Para se ter uma ideia dos conflitos relacionados ao exercício das liberdades que surgem no dia a dia das relações de trabalho, apresento as seguintes indagações:

Constatado o desaparecimento de certa mercadoria, pode o empregador impedir a saída dos trabalhadores e chamar a polícia ou fazer revista em armários, gavetas e automóveis funcionais?

Pode o empregado enviar a outros trabalhadores, durante o expediente e através do e-mail corporativo, correspondências e arquivos especificamente ligados à linha política de certo partido e até de fazer críticas ideológicas ou pregações religiosas no ambiente de trabalho?

Pode o empregador proibir o recebimento, pelos empregados, no ambiente de trabalho, de convocação para assembleia sindical?

O empregado tem o direito de folgar no dia da semana correspondente à sua crença religiosa ou em datas dela comemorativas?

Com base na liberdade de expressão, pode um professor de escola católica manifestar-se em sala de aula favoravelmente ao aborto e ao divórcio?

Pode uma empresa negar-se a contratar um trabalhador pelo só fato de usar barba como um dos mandamentos de sua religião, em vaga para trabalhar na cozinha de um restaurante, ou condicionar a admissão à retirada da barba?

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O empregador pode proibir o trabalhador de usar no ambiente de trabalho, quiçá em festejos de dias judaicos, turbante próprio de religião islâmica ou vestir-se de branco às sextas-feiras em razão de fé umbandista?

Pode uma fundação destinada a ajudar imigrantes despedir um empregado que, fora de suas atividades profissionais, preside um partido político francamente hostil à presença de imigrantes no país?

Pode o jornalista empregado recusar-se a fazer uma matéria que considera atentatória de suas convicções?

Pode o médico contratado por um hospital se recusar a praticar a interrupção voluntária da gravidez a pedido de mulher grávida, quando autorizada por lei, mas contrária à sua consciência?

Pode um comandante de aviação se recusar a realizar qualquer atividade laboral aos sábados, de acordo com a sua religião?

Pode uma empresa procurar incentivar as vendas mediante brincadeiras coletivas como danças, uso de vestimentas e outros expedientes do gênero por parte do vendedor que não atinge a meta?

Pode um garçom judeu se recusar a atender uma mesa onde os componentes abertamente estão a defender o antissemitismo?

Todos os questionamentos apresentados decorrem de casos concretos e as soluções jurisprudenciais a respeito são díspares.

Ao contrário do Código do Trabalho português, a Consolidação das Leis do Trabalho é omissa em relação aos direitos da personalidade do trabalhador, o que obriga o intérprete a recorrer à aplicação direta ou conforme da Constituição e à aplicação subsidiária do Código Civil, legislação genérica que não abrange as especificidades da relação de trabalho.

O Código do Trabalho português regula os direitos da personalidade do trabalhador nos arts. 14 a 22, a igualdade e não discriminação (arts. 23 a 28 e 30 a 32), a proibição de assédio.

Entre os direitos da personalidade, assegura o direito à liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião do trabalhador, limitando-a ao normal funcionamento da empresa (art. 14), o direito ao respeito à integridade física e moral (art. 15), a reserva da intimidade da vida privada (art. 16) e regula, já no período pré-contratual, a proteção de dados pessoais e o direito à informação na relação de trabalho, estatuindo o que as partes devem necessariamente informar uma à outra e os aspectos que o empregado não está obrigado a informar (art. 17), os meios e limites da vigilância à distância (art. 20) e a confidencialidade de mensagens e de acesso à informação, sem prejuízo do poder de o empregador estabelecer regras de utilização dos meios de comunicação na empresa, nomeadamente do correio eletrônico (art. 22).

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Enfim, preocupada com a convivência no ambiente de trabalho e o ajuste entre os direitos fundamentais e o poder empregatício, a legislação portuguesa estabelece regras destinadas a dirimir os embates, que no direito brasileiro precisam ainda ser construídas para a aplicação às relações de trabalho.

Evidentemente, essa omissão propicia soluções antagônicas para uma mesma hipótese, quer no ambiente laboral, quer na jurisprudência. E esta obra busca exatamente, diante da diversidade de conflitos que podem surgir em relação ao exercício e limites das liberdades e do poder empregatício no ambiente de trabalho, buscar soluções de ajuste aplicáveis aos casos concretos, como contribuição para a resolução dos conflitos e edição de normas jurídicas e regulamentares que possam prevenir abusos.

Trata-se, enfim, de uma reflexão sobre o desenvolvimento das relações no ambiente de trabalho, identificação dos limites do poder empregatício e também dos direitos fundamentais do trabalhador, à luz do exercício das liberdades no ambiente de trabalho, de forma a propiciar a proposição de soluções de convivência que permitam, preservadas as características peculiares do contrato de trabalho, ponderar os interesses e harmonizá-los à luz dos princípios constitucionais e trabalhistas.

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prefácio

O livro cuja honra eu tenho agora de prefaciar, de autoria de meu colega e amigo Alexandre Agra Belmonte, diz muito mais do que o seu modesto título sugere. Afinal, o autor apresenta-nos, na verdade, um estudo sério e abrangente sobre a liberdade dos trabalhadores em face do poder diretivo do empregador, estimulando-nos a pensar e repensar sobre uma das questões mais delicadas e complexas do Direito do Trabalho na atualidade.

Poucos seriam tão autorizados a enfrentar tal desafio como Alexandre Agra Belmonte, que concilia, com maestria, toda a experiência prática da sólida carreira como magistrado, cujo ápice foi recentemente atingido com a sua nomeação para o cargo de Ministro do Tribunal Superior do Trabalho em 2012, com uma carreira igualmente brilhante no magistério. Por essa razão, o tema que dá identidade à presente obra é desenvolvido sob a perspectiva de um homem para o qual não existe teoria sem prática e vice-versa, premissa que, se já seria importante em qualquer ramo do conhecimento, é ainda mais fundamental quando se trata do direito, que não deixa de ser um saber que se estrutura por razões práticas e funcionais.

É com esse talento e riqueza de espírito, aos quais se adiciona o estilo conciso e fluido do seu texto, que o autor enfrenta as questões mais relevantes sobre as liberdades dos empregados, nas discussões mais importantes a respeito do Estado Democrático de Direito, tanto sob o aspecto dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, como também sob a ótica do empregador, a fim de mais bem entender as repercussões da Constituição de 1988 sobre as liberdades de iniciativa e sobre a conformação do poder diretivo.

Sob o prisma jurídico, ninguém descura que o valor fundante da Constituição da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana, cognominada por isso mesmo de Constituição-cidadã.

Já o Direito do Trabalho sempre foi visto como um ramo da ciência jurídica destinada à tutela do trabalhador em uma relação assimétrica pouco compreendida. Compreenderam que o Direito Civil vigente albergou as questões existenciais na sua

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essência, bem assim a necessidade da tutela legal nas relações de consumo, mas não compreenderam bem até hoje a tutela legal nas relações de trabalho.

Sob o manto da nova Constituição e do novo diploma Civil vigente, a distância entre o Direito Civil e o Direito do Trabalho diminuiu. De outro lado, o trabalhador está inserido no processo de produção dos bens de consumo e é agente nesta relação, mas é mais fluído falar-se na proteção do consumidor, sem prejuízo da sua importância, olvidando-se a proteção do trabalhador que empresta sua força de trabalho em prol do empreendedor e da produção de bens.

Assim, o contrato de trabalho, por sua especialidade, já que um dos seus sujeitos se confunde com o seu objeto — trabalhador e a força de trabalho a ele inerente pressupõe o reconhecimento da dignidade do trabalhador, enquanto cidadão, “sendo que a execução das obrigações que dele decorrem não pode traduzir-se num atentado à dignidade da pessoa do trabalhador”, nas palavras de Tereza Alexandra Coelho Moreira em Estudos de direito do trabalho, direitos da personalidade (Coimbra: Almedina, 2011). E prossegue a autora citada:

“a consagração destes direitos corresponde à superação de uma distinção entre um estatuto geral do cidadão e um estatuto do trabalhador que, por força do contrato de trabalho e da subordinação jurídica a ele inerente se encontraria, à partida, diminuído na sua liberdade e direitos.”

A este desafio — integrar o “estatuto do cidadão” no “estatuto do trabalhador” —, repito, se propõe o autor. Acostumado à doutrina civil, articula a imperiosa preservação dos direitos da personalidade no contrato de trabalho, tema hoje preponderante, revolucionário e fundamental nas controvérsias trabalhistas, seja na esfera doutrinária, quanto jurisprudencial.

Reitero meu desafio ao amigo Alexandre: a aventura está apenas começando! Exercício, limites e tutela das liberdades nas relações de trabalho é um desafio ao mesmo tempo extenuante e recompensador. Afinal, aí se tem o início da revolução da revolução do Direito do Trabalho, que não mais assume viés patrimonialista, mas persegue a proteção de direitos intrínsecos ao ser humano, no caso, do homem trabalhador.

Além da abordagem mais geral e principiológica, o autor traz também reflexões específicas sobre aquelas que seriam as principais liberdades do trabalhador, relacionando-as com as discussões mais atualizadas sobre os direitos de personalidade e ainda fazendo as devidas associações com as chamadas liberdades coletivas.

Toda a análise é feita com referências à jurisprudência.

Por fim, cumprindo a promessa traduzida no título da obra, Alexandre se dedica à tutela reparatória das ofensas às liberdades no ambiente de trabalho, explorando as principais questões jurídicas envolvidas, em um diálogo franco com os postulados mais atualizados da responsabilidade civil.

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Trata-se, portanto, de uma obra precursora no seu conjunto, desafiadora e provocante, a exigir a reflexão do estudioso do direito, com o intuito de incentivar novas incursões sobre o tema, núcleo fundamental das relações trabalhistas na atualidade.

Brasília, 25 de fevereiro de 2013

Luiz Philippe Vieira de Mello Filho Ministro do TST

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LiberdAde: noçõeS preLiminAreS

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Capítulo I

LiberdAde: conceito e principAiS QueStõeS

Liberdade é a faculdade ou o poder que tem uma pessoa de agir segundo sua própria determinação, ou seja, consiste nas prerrogativas de autodeterminação da locomoção, de feitura de escolhas e de expressão das opiniões, sentimentos e convicções.

O tema proposto diz respeito à investigação do exercício e limites das liberdades de consciência, crença, comunicação, manifestação do pensamento, expressão, locomoção, circulação, informação, sindical e sexual no ambiente de trabalho, frente ao poder diretivo do empregador. Isto porque o poder empregatício e o consequente estado de subordinação do empregado na prestação do trabalho podem ser apontados como fator de inibição do exercício amplo dessas liberdades. O problema é até que ponto pode ser fator limitador e a partir de que momento a limitação pode ser revelar abusiva.

No tocante à liberdade de pensamento, abrangente da formação da consciência e crença (caráter interno) e dos atos materiais de sua manifestação ou exteriorização (cultos e liturgias, reuniões de cunho político e sindical com as respectivas ideologias, opiniões e juízos de valor), como o empregador é detentor do poder diretivo e é no ambiente por ele organizado que o empregado executa o trabalho, indaga-se se “pode exercer os direitos fundamentais na relação de trabalho da mesma forma como os exerce em outros setores da vida social” e, se positiva a resposta, “até que ponto chegam as limitações” a esses direitos.

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Apresentando três hipóteses de tensão entre o poder diretivo e direitos fundamentais do trabalhador, Fábio Rodrigues Gomes

(1) procura demonstrar a

dimensão do problema.

Quanto à primeira, questiona se é ofensiva à liberdade ideológica do trabalhador a dispensa de um empregado de uma fundação destinada a ajudar imigrantes, que fora de suas atividades profissionais, preside um partido político francamente hostil à presença de imigrantes no país.(2)

Em relação à segunda, indaga se é atentatória da liberdade de expressão do trabalhador a dispensa de um professor de matemática em relação ao qual a diretoria de uma escola católica, na qual é docente, descobre que, conversando com os alunos no intervalo das aulas, externou sua opinião acerca do divórcio e do aborto, mostrando-se favorável a ambos.(3)

No concernente à terceira, pergunta se um trabalhador que usa barba com um dos mandamentos de sua religião e que tem a sua admissão em vaga para trabalhar na cozinha negada por ter se recusado a retirá-la (apesar de alertado para o fato de que assim exigiam as normas sanitárias e de higiene vigentes naquele estabelecimento), poderia alegar discriminação religiosa ou restrição indevida de sua liberdade de religião e postular indenização por danos morais”.(4)

A respeito, inúmeros outros questionamentos podem ser apresentados. Por exemplo, se tem o trabalhador direito de usar quipá em festejos de dias judaicos ou turbante próprio de religião islâmica no ambiente de trabalho e se tem o direito de faltar nos dias correspondentes aos feriados pertinentes à sua fé.

A problemática da liberdade de pensamento no ambiente de trabalho não se esgota, contudo, nas liberdades de consciência, crença e de manifestação do pensamento. Não raro, ouvem-se casos em que os trabalhadores são compelidos a votar no empresário candidato a político ou mesmo desestimulados a participar de chapas sindicais. São ofensas, respectivamente, à liberdade política e à liberdade sindical.

Não bastasse, são inúmeras as denúncias relacionadas à verificação de trabalho escravo ou forçado no setor rural, bem como de interferências ou restrições do empregador em relação às comunicações pessoais do trabalhador, no seu relacionamento com outras pessoas e entidades e no conteúdo do trabalho do jornalista profissional.

(1) GOMES, Fábio Rodrigues. A eficácia dos direitos fundamentais na relação de emprego: algumas propostas metodológicas para a incidência das normas constitucionais na esfera juslaboral. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, v. 71, n. 3, p. 47-77, set./dez. 2005.(2) Op. cit., p. 63.(3) Idem.(4) Idem.

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E que dizer da liberdade de locomoção e circulação em suas várias facetas? Constatado o desaparecimento de certa mercadoria, pode o empregador impedir a saída dos trabalhadores e chamar a polícia ou fazer revista em armários, gavetas, automóveis funcionais e pertences pessoais dos empregados?

Por seu turno, muitos empregados sentem-se no direito de enviar a outros trabalhadores, durante o expediente e através do e-mail corporativo, correspondências e arquivos especificamente ligados à linha política de certo partido e até de fazer críticas ideológicas ou pregações religiosas no ambiente de trabalho.

Os conflitos entre o poder diretivo e os direitos fundamentais dos trabalhadores podem surgir em três momentos distintos: na fase anterior à formação do contrato, por meio do processo de seleção, que pode conter indagações diretas ou apreensão sutil de informações atinentes a aspectos privados da vida e intimidade do trabalhador; na fase de celebração do contrato, por meio de cláusulas limitadoras da liberdade, a exemplo das que impõem o uso de uniforme, vedam determinado tipo de vestimenta ou impõem condição de vida que se identifique com a ideologia ou religião da entidade empregadora; e, durante a execução do contrato, a exemplo das câmeras de vigilância e outros meios de controle da liberdade na prestação do serviço.

Buscando, de antemão, contornar os inúmeros problemas relacionados ao espaço que as partes têm em relação a essas questões, algumas legislações, como a portuguesa, asseguram o direito à liberdade de pensamento do trabalhador, limitando-a ao normal funcionamento da empresa e regulam, já no período pré--contratual, o direito à informação na relação de trabalho, estatuindo o que as partes devem necessariamente informar uma à outra (arts. 106 e 107 do Código do Trabalho de Portugal), inclusive quanto à prestação de trabalho no exterior (art. 108) e os aspectos que o empregado não está obrigado a informar (art. 17).

Especificamente abordando o tema ora tratado, o art. 14 do CT português estabelece:

“É reconhecida, no âmbito da empresa, a liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião, com respeito dos direitos da personalidade do trabalhador e do empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e do normal funcionamento da empresa.”(5)

E arremata o art. 16, 2:

“O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionadas com a vida familiar, afetiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas.”(6)

(5) ASSIS, Rui. Legislação laboral. 1. ed. Coimbra: Coimbra, 2009. p. 22.(6) Ibidem, p. 23.

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Como a legislação brasileira é omissa em relação à matéria e os conflitos a ela relacionados se avolumam, verifica-se a atualidade e importância do tema proposto, qual seja, a investigação do espaço que tem o trabalhador para manifestar as suas convicções, até que ponto pode livremente transferi-las para o serviço executado, sem interferir no direito alheio e qual o limite das sondagens que o empregador pode fazer para a verificação do perfil do trabalhador e de sua adequação para o cargo que pretende preencher.

Note-se que se os direitos fundamentais visam proteger o homem em sua integralidade, abrangendo, assim, em sede de liberdade de pensamento, o respeito às suas convicções e crenças, pois nem todas as posturas e atividades adequadas à vida privada são condizentes com a vida pública, na qual está inserida a atividade profissional, ou se ajustam à boa-fé e lealdade contratuais.

A resposta à indagação feita requer, portanto, o exame preliminar do significado e aplicação tanto dos direitos fundamentais do trabalhador, como do poder diretivo do empregador em relação aos objetivos e circunstâncias do contrato de trabalho. Isto porque somente o estabelecimento dos limites ao exercício desse poder em relação à liberdade de pensamento, e vice-versa, é capaz de levar ao “justo equilíbrio entre a tutela da esfera jurídica do trabalhador e o princípio da liberdade de gestão empresarial”.(7)

Com efeito, não há democracia que possa ser exercida com dignidade e não há trabalho que possa ser desenvolvido de forma livre e produtiva, sem que haja, em suas várias facetas, liberdade no ambiente de trabalho. Mas, consideradas as necessidades próprias da livre-iniciativa na organização do trabalho, também não existe democracia que possa resistir a abusos no exercício dessa liberdade.

(7) MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do trabalho. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2005.

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