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SO relógio de Deus tem

corda suficiente para marcar as horas até o último dia. Só vai parar quando já não houver separação entre a criação e o Criador

Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 3

O relógio não pára!

Abertura

Sempre foi assim. Existem o ontem, o hoje e o amanhã, e também o antes de ontem e o depois de amanhã. A caminhada do ontem mais distante até o amanhã mais distante é longa. No meio dos dois estava o hoje, que não está mais. O relógio não pára, não atrasa nem adianta. É inútil resmungar, achar bom ou ruim. É a ditadura do relógio, o domínio do tempo, a soberania da história.

O crente precisa aprender a olhar para o amanhã, para o depois de amanhã e para o derradeiro amanhã. Em outras palavras, precisa enxergar o futuro próximo, o futuro remoto e o fim da história. Essa visão linear, progressiva e ampla o livrará das miragens, da sensação de que perdeu o rumo, da confusão mental e da miopia escatológica.

Em última análise, o longo ministério do profeta Jeremias, na época de Zedequias, o último rei de Israel (598 a 587 a.C.) tinha o propósito de abrir os olhos do povo tanto para o amanhã como para o depois de amanhã. O amanhã seria tenebroso, mas o depois de amanhã seria radiante. Entre o amanhã e o depois de amanhã haveria um período de setenta anos. O povo precisaria ouvir ambas as predições saídas da boca do Senhor e acreditar nelas.

Amanhã, isto é, daqui a pouco, no ano 587 antes de Cristo, o rei Nabucodonosor, depois de cercar Jerusalém por um ano e meio, até acabar todo o pão e toda a resistência, derrubará os muros, ocupará a cidade, destruirá o palácio e “todos os edifícios importantes”, incendiará

e profanará o templo, matará muita gente, inclusive os filhos do rei, levará a elite para a Babilônia e vazará os olhos de Zedequias. O amanhã trará tudo isso sobre o povo, aquela tríade repetidamente anunciada por Jeremias: a espada, a fome e a peste (34.17; 38.2).

Todavia, o profeta não tinha só isso para dizer. Ele faz outras perdições, em tom totalmente diferente. Ele avança no tempo, atravessa o amanhã sombrio e chega ao radiante depois de amanhã. Jeremias usa a expressão

“estão chegando os dias” três vezes (31.6, 31, 38), quando coisas novas e surpreendentes vão acontecer:

“Eu construirei de novo a nação. Mais uma vez, vocês pegarão os seus tamborins e dançarão de alegria (...). Eu os trarei do Norte [da Babilônia] e os ajuntarei dos lugares mais distantes da terra. Com eles virão os cegos e os aleijados, as mulheres grávidas e as que estão para dar à luz. Eles vão voltar como uma grande nação. Quando eu os trouxer, eles virão chorando e orando. Eu os levarei para a beira de águas correntes, por uma estrada plana,

onde não tropeçarão (...). Então as moças, os moços e os velhos vão dançar e se alegrar. Eu os animarei e mudarei o seu choro em alegria e a sua tristeza em prazer...” (Jr 31.4, 8, 13, NTLH).

No amanhã (o futuro próximo), o Senhor vai “arrancar, derrubar, arruinar, destruir e arrasar” o povo de Israel por causa de todo pecado cometido. Mas no depois de amanhã (o futuro mais remoto), o mesmo Senhor vai “plantar e construir” (Jr 31.28). Nos dias anteriores, o Senhor os feriu gravemente com feridas incuráveis e não-cicatrizantes (30.12-15). Nos dias posteriores, o Senhor cicatrizará o seu ferimento e curará as suas feridas (30.17). O que ocorre entre um período de tempo e o outro, chama-se de “mudança de sorte”. As expressões “mudança de sorte” ou “restaurarei a sorte” aparecem várias vezes no livro de Jeremias (30.3, 18; 32.44; 33.7, 11, 26).

O relógio de Deus tem corda (ou energia) suficiente para marcar as horas até o último dia. Não parou antes de ontem, nem ontem, nem hoje e não vai parar amanhã nem depois de amanhã. Só vai parar quando “vier o que é perfeito” (1Co 13.10), na parúsia, no último derramar do cálice cheio da ira de Deus (o juízo final), quando o que é imperfeito desaparecer por completo e para todo o sempre, quando chegarem a nova ordem, a nova terra e os novos céus, quando não houver mais nenhuma separação entre a criação e o Criador, quando o ser humano se libertar da ditadura do tempo e entrar na eternidade!

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O Christus Victor e a transparência de

Patrícia Neme

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ATENDIMENTO AO LEITOR Telefones: (31) 3611-8500 Fax: (31) 3891-1557E-mail: [email protected] Postal 4336570-000 · Viçosa, MG

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Editora Ultimato

ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 4

Fundada em 1968

ISSN 14153-3165Revista Ultimato

Ano XLI · NÀ 314Setembro-Outubro 2008

Direção e redaçã[email protected]

Elben M. Lenz César (Jornalista responsável)MTb 13.162 MG

AdministraçãoKlênia Fassoni, Daniela Cabral, Ivny Monteiro e

Lenira Andrade

VendasLucia Viana, Lucinéa de Campos,

Romilda Oliveira, Tatiana Alves e Vanilda Costa

Editorial e ProduçãoMarcos Bontempo, Bernadete Ribeiro,

Djanira Momesso César, Fernanda Brandão Lobato e Roberta Dias

Finanças / CirculaçãoEmmanuel Bastos, Aline Melo, Aparecida Peixoto, Edson Ramos, Emílio Gonçalves, Luís Carlos Gonçalves, Rodrigo Duarte e

Solange dos Santos

EstagiáriosBruno Tardin, Daniel Figueiredo, Fabiano Ramos,

Luci Maria da Silva, Luiza Oliveira, Marcela Pimentel e Priscila Rodrigues

Arte - OliverartelucasImpressão - Plural

Tiragem - 40.000 exemplares

Łrgão de imprensa evangélico destinado à evangelização e edificação, sem cor

denominacional, Ultimato relaciona Escritura com Escritura e acontecimentos com Escritura. Pretende associar a teoria com a prática, a fé com as obras, a evangelização com a ação

social, a oração com a ação, a conversão com a santidade de vida, o suor de hoje com a glória por vir. Circula nos meses ímpares.

Publicado pela Editora Ultimato Ltda., membro da Associação de Editores Cristãos (AsEC)

Os artigos não assinados são de autoria da redação. Reprodução permitida. Obrigatório

mencionar a fonte.

Assinatura Individual - R$ 55,00Assinatura Coletiva - desconto de 50% sobreo preço da assinatura individual para cadaassinante (mínimo de 10)Assinatura Exterior - R$ 97,00Edições Anteriores - [email protected]úncios [email protected]

Carta ao leitor

Nesta edição Ultimato faz um apelo dramático: Por misericórdia, tirem o crucificado da cruz! O leitor verá que ele é justo e oportuno. Os cristãos têm mais intimidade com a morte de Jesus do que com a sua ressurreição. Porém, precisam caminhar do lugar da caveira para o jardim da casa de José de Arimatéia. Parece que o relógio de muitos de nós enguiçou e parou na hora nona da sexta-feira e não nos levou à hora primeira do domingo. Os artistas sacros pintam muito mais o Christus Mortuus do que o Christus Victor. Precisamos de ambos: do Cristo que desceu ao Hades e do Cristo que subiu ao céu; do Cristo crucificado, morto e sepultado, e do Cristo que ressurgiu dos mortos ao terceiro dia, subiu ao céu e está assentado à mão direita de Deus Pai. No que diz respeito a Jesus Cristo, vamos voltar ao equilíbrio do Credo dos Apóstolos, pois, como lembra John Stott, “a morte e a ressurreição de Cristo [são] verdades centrais, históricas, físicas, bíblicas e teológicas. Se esse fundamento for perdido, toda a superestrutura entrará em colapso” (A Bíblia Toda, O Ano Todo, p. 278).

A corajosa transparência de Patrícia Neme, 58 anos, mãe de três filhos, convertida ao evangelho em 2004,

além de ser um desabafo necessário, há de mexer com as estruturas médicas brasileiras (Eu tenho lepra!, p. 28). A cada ano, segundo o Ministério da Saúde, o Brasil tem 47 mil novos casos de hanseníase.

O Ultimato 40 anos — Encontro de Amigos, realizado entre os dias

31 de julho e 2 de agosto em Viçosa, para comemorar

o 40º aniversário da revista Ultimato, foi

surpreendente! Mais de

trezentos leitores de vários Estados

e todos os colunistas

(exceto Bráulia Ribeiro) estiveram

presentes e deram uma excelente contribuição. O evento foi tão proveitoso para a igreja brasileira, que vamos

compartilhar com todos os leitores o que ali foi

dito e conversado, com singeleza de coração, na próxima edição da revista.

Vale a pena encerrar esta carta com a advertência de Henri Nouwen: “A gratidão por todo o nosso passado apaga a amargura, o ressentimento, o remorso e a vingança, bem como todas as desconfianças e rivalidades” (Meditações com Henri J. M. Nouwen, nº 99).

E. César

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Pastorais

“Não faça uma coisa dessas”58.

ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 6

O ser humano está sujeito a receber e a recusar não só o bom, mas também o mau conselho

Mesmo que não seja levado a sério, o bom conselho não deve ser omitido, mas dado parcimoniosamente. Se for para tentar evitar a consumação de uma intenção pecaminosa, o alerta precisa ser dado com clareza e autoridade, mesmo que custe algum preço ao conselheiro.

Quando Joanã, o capitão dos judeus à época da tomada de Jerusalém pelo exército caldeu, ofereceu-se para matar Ismael em benefício da segurança de Gedalias, o governador disse-lhe de imediato: “Não faça uma coisa dessas” (Jr 40.16).

Quando o povo de Israel insistia em queimar incenso e prestar culto a outros deuses, por influência das nações vizinhas, os profetas, dia após dia, exortavam-no assim: “Não façam essa abominação detestável” (Jr 44.4).

Quando Amnon, o filho mais velho de Davi, fingiu estar doente para receber em seu apartamento a visita de Tamar, sua irmã por parte de pai, e fechou a porta para agarrá-la e deitar-se com ela, a moça gritou: “‘Não, meu

irmão! Não me faça essa violência. Não se faz uma coisa dessas em Israel! Não cometa essa loucura’. Mas Amnon não quis ouvi-la e, sendo mais forte que ela, violentou-a” (2Sm 13.12-14).

Quando o governador romano Pôncio Pilatos, sentado em tribunal entre a cruz e a caldeirinha, pressionado pelo povo — que, por sua vez, era pressionado pelos chefes dos sacerdotes — hesitou a respeito da sorte de Jesus, sua mulher lhe enviou esta mensagem: “Não se envolva com este inocente, porque hoje, em sonho, sofri muito por causa dele” (Mt 27.19). Mas, assim como Amnon, Pilatos não seguiu o conselho da esposa e agiu contra o seu próprio senso de justiça.

Quando os sobreviventes do cerco e da tomada de Jerusalém pelo rei Nabucodonosor intentaram fugir para o Egito, o profeta Jeremias declarou-lhes solenemente: “Não vão para o Egito” (Jr 42.19). Mas eles desobedeceram e foram buscar a proteção do Faraó, que não valeu de nada.

Curiosamente, o ser humano está sujeito a receber e a recusar não só o bom, mas também o mau conselho. De um lado, alguns sopram em seus ouvidos: “Não faça uma coisa dessas”, “Não cometa essa loucura” ou “Não se envolva com este inocente”. De outro lado, há sempre alguém dando a voz de comando contrário. O conselho de Deus era para que o homem não comesse o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, mas a serpente aconselhou a mulher a comer, e Eva, depois de comer, deu-o a seu marido (Gn 2.15-17; 3.1-4). Foi Jonadabe, amigo e primo de Amnon, quem o aconselhou a fingir-se de doente para satisfazer sua paixão sexual por Tamar (2Sm 13.3-5). Foi Jezabel quem aconselhou o marido, Acabe, a tomar criminosamente a vinha de Nabote, que ficava ao lado do palácio, o que provocou o severo juízo de Deus (1Rs 21.1-16).

Essa dupla opção é oposta entre si. Uma persegue a outra. Muitas vezes, a voz de uma e a voz da outra saem do mesmo lugar e têm a mesma energia. A força do Espírito segreda de um lado “Não faça” e a força da carne segreda do outro “Faça”. É uma verdadeira guerra civil, que durará por toda a vida terrena.

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Seções

Capa

Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 7

“Busquem o Senhor enquanto é possível achá-lo”IS 55.6

ABREVIAÇÕES:BH - Bíblia Hebraica; BJ - A Bíblia de Jerusalém; BV - A Bíblia Viva; CNBB - Tradução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; EP - Edição Pastoral; EPC - Edição Pastoral - Catequética; NTLH - Nova Tradução na Linguagem de Hoje; TEB - Tradução Ecumênica da Bíblia. As referências bíblicas não seguidas de indicação foram retiradas da Edição Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil, ou da Nova Versão Internacional, da Sociedade Bíblica Internacional.

Refl exãoRobinson CavalcantiPseudo-pentecostais: nem evangélicos, nem protestantes 36Ricardo GondimVerdade versus alucinação 38

Redescobrindo a Palavra de Deus“Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento”, Valdir Steuernagel 40

HistóriaEm defesa do cristianismo, Alderi Souza de Matos 42

EntrevistaErni Walter SeibertBest-sellers são substituídos e esquecidos, mas a Bíblia permanece sempre no topo 46

Da linha de frenteCuidado, indígenas na pista!, Bráulia Ribeiro 50

O caminho do coração“O pão nosso de cada dia...”, Ricardo Barbosa de Sousa 52

Arte e culturaBem e mal em Gotham City, Mark Carpenter 54

Ponto fi nalO livro da (minha) vida, Rubem Amorese 66

Tirem o Crucifi cado da cruz! 20A imperdoável omissão do padre José de Anchieta 22Nem tudo é sexta-feira 24A Reforma colou a exaltação do domingo com a humilhação da sexta-feira 26A implicância protestante contra a cruz 26E são ambos uma só “carne” 27

Abertura 3Carta ao leitor 4Pastorais 6Cartas 8Quadro de avisos 13Mais do que notícias 14Números 15Frases 19Novos acordes 53Deixem que elas mesmas falem 56Meio ambiente e fé cristã 57Prateleira 58Vamos ler! 59Ação mais que social 60Agenda 63

EspecialEu tenho lepra!, Patrícia Neme 28“O julgamento chegou ao Planalto” 30O verdadeiro amigo do Noivo faz propaganda do Noivo e não de si mesmo 32Se o professor pode, eu também posso!, Elben César 64

NA INTERNET• Buscando a vontade de Deus (seção “Altos papos”), por Jeverton Magrão Ledo

www.ultimato.com.br

Geor

ge

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ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 8

Cartas

O sucesso de Edir Macedo e a pergunta que fica no arJesus disse que “a vida de um homem não

consiste na quantidade dos seus bens”

(Lc 12.15). Quando entendi isso, parei de

correr atrás de prosperidade material e passei

a estabelecer propósitos de vida coerentes

com os valores eternos do reino de Deus.

MARCUS E. FINKAtibaia, SP

Li a matéria sobre o bispo Edir Macedo e fi quei

indignada com tamanha ignorância cristã. Quem vocês

pensam que são? Queridos, orem a Deus e peçam a ele

sabedoria para escrever. O que vocês sentem é inveja

do tamanho da obra que o Senhor Jesus faz através

da IURD. Saibam que nós queremos prosperidade,

sim, e não aceitamos doenças, não! Todos os grandes

homens da Bíblia eram prósperos e saudáveis. Quando

Jesus morreu na cruz, levou sobre si todas as nossas

dores e enfermidades. É por causa de pessoas como

vocês que existe tamanha miséria e dor no mundo.

MÁRCIA

Parabéns pela reportagem sobre o bispo Edir

Macedo e a Igreja Universal. Fazia tempo que

me questionava sobre eles e Ultimato respondeu

de forma sensata e bíblica a todos os meus

questionamentos e de muitos outros cristãos. A

revista se revelou como profeta alertando o povo

cristão do lobo trajado de cordeiro.

AMANDA ALVESVila Velha, ES

Sinceramente, acho enfadonhas algumas

reportagens como a sobre Edir Macedo e a IURD.

Não pertenço à Universal, mas reconheço o quanto

ela tem feito pelo evangelho. Ultimato poderia

deixar de lado os neopentecostais e os que

acreditam na teologia da prosperidade e usar seu

espaço na mídia para anunciar o evangelho.

ESDRAS MACHADO

Creio que o Senhor chamou a revista Ultimato para ser

mais que uma coletânea sobre teologia, fi losofi a e

missões. Deus tem desafi ado essa prestimosa revista

e ser uma voz profética no cenário nacional. Parabéns

pela ousadia da edição de julho/agosto, por denunciar

o engodo e a estratégia de Satanás em contaminar o

rebanho cristão, de forma sutil, com as deturpações

doutrinárias trazidas pela teologia da prosperidade,

principalmente por intermédio de muitos líderes

neopentecostais, entre eles o maior corruptor da sã

doutrina apostólica na atualidade, o senhor Edir Macedo.

MARCOS GARCIA SOARESPastor da Igreja Batista Getsêmani

Brasília, DF

Para que reino vocês trabalham? Deus lhes deu 40 anos

para estarem nessa visão míope? Não sou da IURD, não

consinto com alguns pontos doutrinários dela. Mas

Jesus me ensinou a não dividir o seu reino: a IURD não é

uma seita. Para Ultimato, parece que sim e muito mais.

Deus aviva seu povo e alguns evangélicos represados

lançam jugo do mal. Eu amo o pentecostalismo. Temos

equívocos, mas vocês reformados estão precisando de

uma nova Reforma. Passei pela Igreja Presbiteriana do

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Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 9

Brasil e vi como é um Vaticano evangélico. Deus fará pela

IURD o que vocês, o megaciólogo Paul Freston e cúmplices

nunca conseguirão.

APÓSTOLO ALEX CONSACASRecife, Pe

Estou escrevendo um livro de memórias e iria fazer

alguns comentários sobre os absurdos das idéias de Edir

Macedo no livro O Bispo. Entretanto, na edição de julho/

agosto de Ultimato, encontrei artigos se contrapondo

àqueles que eram os pontos mais chocantes colocados

por ele, de maneira muito mais consistente e elegante

do que eu faria.

OBADIAS DE DEUSSanto André, SP

Não gostei das inverdades sobre a Universal do Reino

de Deus publicadas por Ultimato. Fico revoltada

quando as pessoas usam inverdades para ganhar

dinheiro.

MÁRCIA PAES O. CORREIASão Paulo, SP

Parabenizo Ultimato pela matéria O sucesso de Edir Macedo e a pergunta que fi ca no ar. Finalmente uma

revista séria e de credibilidade se propõe a levantar

questões numa área em que muitos se omitem. A

característica de um líder é a sua capacidade e disposição

de fazer perguntas. Fazer perguntas abre-nos o caminho

para informações que podem mudar nossa vida, nossas

prioridades e nosso destino. Ultimamente eu tenho feito

muitas perguntas, em especial em relação à Igreja. Por

exemplo: o crescimento da igreja é um tema palpitante. É

bíblico, pertinente e atual. Devemos buscá-lo com todas

as forças da nossa alma, de todas as formas legítimas,

em todas as frentes, em todos os lugares, em todos os

tempos. Tenho participado de congressos e palestras

sobre crescimento de igreja e percebo que existem

inúmeras e diversifi cadas “receitas”, que em sua maioria

funcionam realmente — não para mim. Porque essas

pretensiosas “receitas” estão seriamente comprometidas

com a fi losofi a de mercado, com o culto antropocêntrico,

e não com a glória de Deus e a pureza do evangelho de

Jesus. E minha busca é em resposta a minha pergunta:

Como a Igreja pode crescer em número sem mercadejar

o evangelho de Jesus Cristo? (2Co 2.17). Confesso que

ainda não obtive resposta à minha pergunta. Tenho

constatado que as pessoas estão servindo a Deus pelo

que ele faz, e não pelo que ele é. Não estão à procura de

doutrina, mas de alívio e soluções imediatas para seus

problemas existenciais. Não buscam mandamentos, e

sim consolos. Não querem o perdão, mas explicação

para suas angústias e difi culdades. A Igreja tem sido

procurada como um grande mercado e Deus, como um

grande mercador. A igreja moderna está adaptada ao

usuário ou orientada para o consumidor. E aquelas que

estão atualizadas pela mídia televisiva “privatizam” a fé,

reduzida a um meio de consolo pessoal e identifi cação

do fi el com a sua igreja. “A indústria do consumo “adora”

Jesus, desde que fature bem.” Então, minha pergunta

continua sem resposta.

REV. MISAEL FERREIRA DE OLIVEIRAIgreja Presbiteriana do Brasil

Paracambi, RJ

Parabenizo Ultimato pela matéria O sucesso de Edir Macedo e a pergunta que fi ca no ar. Como cristão,

vejo tudo isso com muita preocupação e sofrimento.

O Corpo Místico de Cristo e o povo tão pobre e sofrido

não merecem tal deformação. Percebo com tristeza

que cresce ao nosso redor cada vez mais igrejas desse

tipo. Creio que se cumpre em nossos dias o que Jesus

falou: “Cuidado com os falsos profetas” (Mt 7.15). Os

textos da revista são bastante esclarecedores.

PE. VALDIRAM SANTOSSão Paulo, SP

Gostei da análise bíblica e serena como Ultimato

desenvolveu o artigo O sucesso de Edir Macedo e a pergunta que fi ca no ar. Parabéns! Interessei-me

também por outra reportagem sobre Edir Macedo (A igreja de Edir Macedo tornou-se um conglomerado que mescla religião, mídia, política e negócio, novembro/

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ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 10

dezembro de 2007) citada no artigo. Por favor, enviem-

me essa edição para que eu possa me aprofundar mais

no conhecimento da IURD e do seu fundador.

A. M. DE SOUZARecife, PE

Embora muito bem apresentado, bem fundamentado

e biblicamente explicado, gostaria de mencionar algo

que penso ter passado despercebido na análise sobre o

sucesso de Edir Macedo. Achei que faltou a mais séria das

constatações que diferenciam o evangelho segundo Edir

Macedo do evangelho bíblico: o de Edir prepara o crente

para viver neste mundo — materialista e passageiro. Um

evangelho que leva ao egoísmo materialista: ter para ser

e não para abençoar outros. E o mais sério: suas atitudes

como líder são ambíguas. Edir “serve a Deus” na sua igreja

e ao diabo nas suas emissoras de TV e rádio, bem como nos

jornais que nada diferem do mundo. É preciso provar os

espíritos. Não considero a IURD como igreja evangélica. E a

Bíblia ordena que, se alguém pregar outro evangelho, que

seja anátema (Gl 1.8-9). Quanto a Edir Macedo, não tenho

“pergunta no ar”! Está óbvio.

IONE GUIMARÃESLavras, MG

Uma amiga está realizando pesquisas sobre a IURD em

Portugal, com vistas ao seu doutorado em ciências sociais.

Enviei-lhe a matéria de capa da edição de julho/agosto

e ela fi cou curiosa sobre a informação de que a IURD está

construindo uma grande catedral em Lisboa, fato que

ela desconhecia. Ela sabe de uma catedral no Porto. Se

possível, mandem para ela o endereço da catedral de

Lisboa.

SÉRGIO PRATES LIMARio de Janeiro, RJ

— A informação está no livro O Bispo: “Edir Macedo prevê

para breve a inauguração de uma superigreja em Lisboa,

para 3.500 pessoas. Também será uma catedral, já em

construção, a mil metros do rio Tejo” (p. 252).

Sobre dízimosParabéns por terem contrariado na edição anterior os

ensinos errôneos do “evangelho” da nova era, que prioriza

o reino da terra em detrimento do reino dos céus. Pego

carona com Valdeci Santos e vou mais longe do que ele

quando escreveu: “É verdade que o Novo Testamento não

apresenta diretrizes claras sobre a entrega de dízimos

pelos cristãos e esse fator é, no mínimo, surpreendente”.

É mesmo surpreendente que em todo o Novo Testamento

não é encontrado um só mandamento para ser dizimista, ou

mesmo um incentivo claro. As poucas citações estão num

contexto completamente judaizante. Com a extinção do

sacerdócio levítico, veio também a extinção da necessidade

de entregar o dízimo. Entendo que a prática soa como

voz destoante de legalismo, que não combina com a

espontaneidade que a graça propõe. Missões e serviço

social funcionam com oferta voluntária. Por que as demais

coisas não?

DAVI JOSÉ DE OLIVEIRAIpatinga, MG

No artigo O que Edir Macedo diz e o que a Bíblia diz sobre os dízimos e ofertas, poderia se dizer um pouco

mais. Segundo Paulo José F. de Oliveira, autor de

Desmistifi cando o Dízimo (ABU Editora), “a cobrança

do dízimo no cristianismo surgiu relativamente tarde,

por volta do século 6, assim mesmo não sendo aceita

igualmente por toda a igreja. Embora o Novo Testamento

reconheça que os que servem o altar têm direito a viver do

mesmo, a igreja primitiva não impôs de início o dízimo,

porque as ofertas voluntárias dos fi éis bastavam para as

necessidades do culto e do sustento do reduzido clero.

Assim, nos três primeiros séculos do cristianismo, não

houve pagamento de dízimos, e muitos dos pais, como

Irineu, por exemplo, condenavam o dízimo por considerá-

lo legalista e ritualista, em oposição à espontaneidade das

ofertas voluntárias. Todavia, o crescimento da hierarquia e

o aumento das despesas em decorrência da nova vinculação

da Igreja ao Estado trouxeram consigo a insufi ciência do

volume das ofertas voluntárias, o que levou a igreja a

exortar os fi éis a trazerem também os seus dízimos. Assim,

homens como São Jerônimo (na igreja latina) e São João

Crisóstomo (na igreja de fala grega), por volta do fi nal do

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Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 11

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século IV, antes mesmo da queda do Império do Ocidente,

iniciaram a corrente favorável à implementação do dízimo,

de acordo com as prescrições do Antigo Testamento.

Desse modo, a partir de então, o dízimo já era obrigatório

na esfera interna da igreja”. Se cada crente fi el tivesse

a consciência de abençoar fi nanceiramente os que lhes

ensinam os caminhos do Senhor, não precisaríamos fi car

ouvindo tantos discursos em defesa do dízimo. Espero

que um dia a igreja confi e mais na provisão de Deus, como

aconteceu com Elias. Não precisaremos fazer tantos apelos

fi nanceiros quando a igreja for tomada por um avivamento

do amor à obra do Senhor. Creio que Deus continuará a

levantar sempre homens e mulheres para sustentar a sua

obra, como aconteceu na época do rei Davi no que diz

respeito à construção do Templo (1Cr 29.1-9).

SÉRGIO MÜLLERPastor da Comunidade Cristã Siloé

Joinville, SC

Incapazes de usar a vara...O artigo Incapazes de usar a vara e incapazes de recolher a vara (setembro/outubro de 2004) é

maravilhoso! Realmente vivemos dias pavorosos

e sabemos que a tendência é piorar. Que Deus

tenha misericórdia de nós. São tantas catástrofes —

adolescentes que saem de casa para ir ao cinema, fi cam

sumidas uma semana e reaparecem no sul do país em

hotel; pai acusado de jogar fi lha do sexto andar... Que

aprendamos a usar a vara e a recolhê-la também.

ANDRÉIA ALMEIDA LIMA DE FREITASSão Paulo, SP

Companheira de ministérioUltimato é mais do que um periódico. É uma fonte segura

de conhecimento bíblico e teológico, um instrumento de

conscientização cristã e uma voz de evangelização. Conheci

a revista durante meus anos no Seminário Teológico em

Pindamonhangaba, SP. Formei-me e continuo tendo-a

como companheira de ministério.

JONATHAS DA SILVA DINIZItaperuna, RJ

Novos convertidosUltimato tem alergia a novos convertidos? Não posso

renovar minha assinatura se o editor da revista não começar

a falar sobre o valor que essas pessoas representam. Sou

ex-seminarista salesiano e mestre em antropologia física.

A revista deveria ter um espaço para novos convertidos e

batizados.

JOÃO RIBEIRO DAMASCENOJoão Pessoa, PB

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Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 13

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A loucura do quinto homem mais rico do mundo

ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 14

A notícia de que o quinto homem mais rico do mundo está

construindo a casa mais cara do mundo deve ser colocada lado a lado com o pronunciamento do deputado Ciro Gomes: “O que gera a violência é a justaposição da miséria com a opulência e a excitação da aspiração da felicidade referida ao consumo”. Segundo a Agência Ansa, o indiano Mukesh Ambani pretende inaugurar no centro de Mumbai seu novo lar, estimado em 2 bilhões de dólares, daqui a um ano. O prédio terá 27 andares e nove elevadores. A mulher de Ambani pretende decorar cada andar de modo diferente. Além de seis andares só de estacionamento, a supermansão terá uma grande sala para cerimônias, uma sala de espetáculos e um heliporto. Sobre ser a casa mais rica, será o mais alto edifício da Índia (72 metros mais baixo que o Morro da Urca, no Rio de Janeiro). O presidente da Reliance, sociedade

que atua em vários setores, em especial o de petróleo, e

a mulher dele deveriam ler aquela passagem bíblica que diz: “Ai de vocês que

adquirem casas e mais casas, propriedades e mais propriedades, até não haver mais lugar para ninguém e vocês se tornarem os senhores absolutos da terra!” (Is 5.8).

Houve um inglês de origem humilde que, em 1878,

declarou guerra contra duas poderosas frentes: a pressão da pobreza e o poder do pecado. Doze anos mais tarde, ele publicaria seu único livro: In Darkest England — and the Way Out (Na Inglaterra mais escura — e o caminho de saída). Trata-se de William Booth (1829-1912), o pastor metodista que fundou o Exército de Salvação. Quando alguém lhe perguntou quais seriam os maiores perigos doutrinários do século 20, ele respondeu de pronto: “Religião sem Espírito Santo, cristianismo sem Cristo, perdão sem arrependimento, salvação sem novo nascimento, política sem Deus e céu sem inferno”.

O que aconteceu no Japão no dia 7 de julho de 2008 faz lembrar

o que aconteceu em Jerusalém no dia 15 do Nisã (fins de abril e início de maio) do ano 30 depois de Cristo. Para festejar o Tanabate (“festival das estrelas”) deste ano, os japoneses decidiram desligar todas as luzes em cerca de 70 mil imóveis por todo o país, por duas horas (das 20 às 22 horas). No caso de Jerusalém, quem “desligou” a luz do sol foi o próprio Criador. Nos

três Evangelhos sinóticos lê-se que “houve trevas sobre toda a terra, do meio-dia às três horas da tarde” (Mt 27.45; Mc 15.33; Lc 23.44). A escuridão de duas horas no Japão foi algo natural e programado. A escuridão de três horas em Israel foi algo sobrenatural e surpreendente. Os japoneses queriam visualizar a beleza do firmamento e Deus queria mostrar o horror do inferno que subiu ao Calvário quando Jesus estava pregado na cruz.

Uma escuridão de três horas em Israel e outra de duas horas no Japão

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Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 15

númerosnúmeros

200novos detentos a mais do que os que saem entram a cada dia nas prisões brasileiras

111.000detentos brasileiros são jovens entre 18 e 24 anos, quase todos de sexo masculino (80%)

769soldados, o equivalente a quase um batalhão, foram dispensados do Exército britânico por uso de drogas

250toneladas de mais de 150 produtos de beleza da marca Kanechomn são produzidas por dia

850.000brasileiros são consumidores de cocaína, segundo relatório da ONU

8.700.000toneladas de e-lixo (lixo eletrônico) são produzidas na Europa todos os anos. Apenas um quarto, ou 2,1 milhões de toneladas, são devolvidas ou recicladas

A Bíblia diz uma coisa e os jornais, outra. Os profetas Miquéias e

Isaías, que viveram na mesma época (entre 750 e 680 antes de Cristo), garantem que “[numa época futura] haverá paz universal e todas as escolas militares e quartéis serão fechados” (Mq 4.3, BV). No entanto, os jornais, tendo como fonte o International Institute for Strategic Studies, informam que o número de pessoas nas forças armadas, bem como o de instrumentos de guerra, aumentam cada vez mais. Só em quatro países da Ásia Oriental (Paquistão, Índia, China e Japão) o número de soldados chega a quase 4,5 milhões. O poderio militar desses mesmos países conta com 36.646 peças de artilharia, 16.189 tanques, 5.044 aviões, 184 navios e 99 submarinos (dos quais quatro são nucleares). Na América, os Estados Unidos têm mais de 1,5 milhão de soldados, 6.520 peças de artilharias, 113 navios e 72 submarinos (todos nucleares).

Os dois profetas explicam que a paz universal será possível porque “todas as armas das nações serão transformadas em ferramentas úteis, pás, arados e enxadas”. Tamanha reviravolta acontecerá porque “naquela época, o mundo inteiro será dirigido pelas leis

de Deus” e “os grandes problemas internacionais serão resolvidos pelo Senhor” (Is 2.3-4, BV).

O texto de ambos os profetas encerram uma mensagem tão bonita e alvissareira que a promessa da transformação dos instrumentos de guerra em instrumentos de trabalho foi colocada na entrada do prédio das Nações Unidas, em Nova York, para expressar o anseio universal pela paz.

Essas promessas de paz devem ser consideradas. Elas estão em outro texto de Isaías: “Nesse dia tão lindo, não vai mais se ouvir exércitos marchando, os uniformes de batalha, manchados de sangue, serão todos queimados” (9.5, BV). O mesmo oráculo acha-se no livro dos Salmos: “[O Senhor] acaba com a guerra em todo o mundo, quebrando armas e queimando os carros de guerra” (Sl 46.9, BV).

Não há discordância entre a Bíblia e a mídia, pois esta se refere à situação atual e aquela, à situação futura. Embora estejamos dentro da era messiânica, que começou com o primeiro advento de Cristo, ainda não chegamos à sua plenitude, que ocorrerá no segundo advento do Senhor, em poder e muita glória. É só esperar para ver!

(Veja O relógio não pára!, p. 3)

Escolas e quartéis de guerra fechados para sempre

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ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 16

A morte é um caso sério. Mais para

os jovens do que para os idosos. Estes vão se acomodando lentamente com a idéia da morte, mais por fatalidade do que por renúncia da vida. Aqueles esperneiam o quanto podem e abrem a boca, na esperança de relaxar.

É o caso do sargento do exército americano Jeff Barillaro, de 31 anos, que serviu em Bagdá por 15 meses (de agosto de 2005 a novembro de 2006). Para suportar os reveses da guerra, nas horas de folga ele fazia música. Numa de suas canções, Barillaro escreveu: “Vou morrer, vou me ferir, essas coisas sempre vêm à mente| Ele vai morrer ou ela vai morrer| É apenas uma questão de tempo| Coloco meu uniforme, coloco meu capacete| Beijo as fotografias de minha família, mando um e-mail à minha garota, para que ela saiba que eu sinto sua falta”.

Do outro lado do mundo, em Nova York,

uma modelo de 20 anos chamada Ruslana Korshunova, escrevia poemas e os colocava em seu site de relacionamentos. Um deles diz: “A vida é curta. Quebre as regras. Perdoe

rápido. Beije lentamente. Ame de verdade. Ria descontroladamente. E nunca lamente nada que tenha feito você sorrir”.

Curioso é que o sargento americano que dizia: “Vou morrer” ainda não morreu, e a modelo nascida no Cazaquistão e que foi capa de revistas européias como Elle e Vogue morreu no dia 28 de junho, ao cair da janela de seu apartamento no nono andar de um prédio em Manhattan.

A morte não tem educação. Ela não bate à porta. Ela não pede licença para entrar, como se queixa o profeta Jeremias: “A morte subiu e penetrou pelas nossas janelas e invadiu as nossas fortalezas, eliminando das ruas as crianças e das praças os rapazes” (Jr 9.21).

Portanto, vamos nos perdoar rápido, vamos nos beijar lentamente, vamos amar de verdade, vamos rir descontroladamente, vamos valorizar tudo que há de bom e nos faz sorrir. E, mais do que tudo, vamos nos aproximar cada vez mais de Deus, com quem nos encontraremos face a face logo depois da morte!

O que não se pode medir e o que não se pode enxergarHá coisas tão grandes (o

macrocosmo) que não podem ser medidas. Há coisas tão pequenas (o microcosmo) que não podem nem sequer ser enxergadas. Nunca será possível descobrir o tamanho do universo. Nem com o auxílio da oração será possível também compreender quão extenso, quão largo, quão profundo e quão alto é o amor de Deus (Ef 3.18). Nunca será possível descobrir o número das estrelas do firmamento (Gn 15.5), dos grãos de areia que se acumulam nas praias do mar nem das partículas de pó que cobrem o solo. Nunca será possível ver o que é pequeno demais, como os átomos, cujos “diâmetros têm aproximadamente um décimo de bilionésimo de metro, muito além do poder do microscópio”, como explica o físico Marcelo Gleiser. O Criador do microcosmo atômico e do macrocosmo das galáxias seria também invisível, caso Jesus não fosse “a revelação visível do Deus invisível” (Cl 1.15, NTLH)!

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ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 17

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ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 18

“Não basta evitar o nome de sectário, é preciso também fugir do espírito sectário.” (S. E. McNair)

Embora nascido na Escócia, Richard Holden era de formação anglicana, e não

presbiteriana. Desviou-se do evangelho na juventude, mas a doença o trouxe de volta a Cristo aos 21 anos. Dois anos depois, Holden trabalhou por algum tempo como comerciante no Brasil, onde aprendeu o português. Mais tarde foi para os Estados Unidos e lá se formou em teologia. Voltou ao Brasil, desta vez como missionário. Chegou aqui em 1860, cinco anos depois de seu patrício Robert Reid Kalley, o pioneiro da igreja congregacional, e apenas um ano depois de Ashbel Green Simonton, o pioneiro da igreja presbiteriana.

A princípio, Holden dedicou-se à evangelização e à distribuição de Bíblias em Belém do Pará e em Salvador. Na ocasião, relacionou-se com políticos liberais e maçons, envolvendo-se, mesmo que indiretamente, com a famosa Questão Religiosa (problemas entre o clero e a maçonaria). Em 1865, Holden tornou-se pastor auxiliar da Igreja Evangélica Fluminense, no Rio de Janeiro. Com a ausência de Kalley por dois anos e meio, Holden veio a ser o pastor substituto. Embora fosse de fato um homem piedoso, bíblico, apologeta, cortês e falasse fluentemente o português, alguns se queixavam dos cultos e das orações longas que o pastor fazia. Além do mais, Holden estava cada vez mais influenciado pelo Movimento dos Irmãos, iniciado em 1825 em Dublin, na Irlanda, também

conhecido equivocadamente como Irmãos de Plymouth. No início de 1872, ele renunciou ao pastorado e voltou à Inglaterra.

Naturalmente por influência de Holden, cerca de doze pessoas desligaram-se da Igreja Evangélica Fluminense e formaram o primeiro núcleo dos Irmãos no Brasil, há 130 anos, no dia 7 de julho de 1878. Talvez esta tenha sido a primeira divisão na história do protestantismo brasileiro.

Sempre foi difícil referir-se com precisão a esse grupo de evangélicos, porque eles não gostam de etiquetas. O ideal dos Irmãos, desde o início, é reunir pecadores nascidos de novo com a maior singeleza possível, sem burocracia eclesiástica e sem espírito sectário. Eles têm a Bíblia como única regra de fé e prática, mas rejeitam qualquer outro regimento ou lista de normas quanto ao procedimento. Prezam muito a tolerância mútua, embora, como todos os demais grupos cristãos, nem sempre consigam na prática alcançar este alvo, nem mesmo em seus primeiros anos de história. Por não terem nome próprio, são chamados de Irmãos Unidos, Darbistas (por causa do inglês John Nelson Darby, nascido em 1800 e morto em 1882, o líder britânico mais influente do movimento), Irmãos de Plymouth e Casa de Oração (somente no Brasil).

Entre os mais notáveis servos de Deus ligados à história dos Irmãos no Brasil está o inglês Stuart Edmund McNair, que veio para cá em 1896, aos 29 anos. Nos lugares em que McNair morava, ele organizava escolas bíblicas para a instrução dos moços crentes visando ter obreiros melhor

preparados. Ele é autor da famosa A Bíblia Explicada, ainda publicada no país. As três primeiras edições foram lançadas pela Casa Editora Evangélica, fundada por ele em 1933 na cidade de Teresópolis, RJ. De 1985 para cá a Casa Publicadora das Assembléias de Deus (CPAD) já publicou 85.912 exemplares de A Bíblia Explicada, em dezenove edições consecutivas. Antes de morrer em 1959, aos 92 anos, McNair revelou a sua sabedoria ao escrever, entre outras coisas:

1) O método “cada crente, um obreiro” é a melhor maneira de espalhar o evangelho e promover a vida espiritual dos crentes;

2) O progresso e o aumento de um trabalho não precisam depender da ajuda financeira do exterior;

3) Não basta evitar o nome de sectário, é preciso também fugir do espírito sectário. Nosso amor fraternal deve abraçar todos os crentes;

4) Nossos irmãos que estão no denominacionalismo nos são tão necessários e podem ser tão queridos como qualquer outro.

Os Irmãos comemoram 130 anos no Brasil

S. E. McNair

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Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 19

Nunca se viu em toda a história da humanidade

um culto ao ego tão exacerbado como nos dias atuais.

Robert Swarav, psicólogo

O ser humano é controlado por uma

civilização e pelas leis. Ele não mata, não porque não tenha vontade, mas porque sabe que será castigado. Somos todos potencialmente assassinos.

Caterina Koltai, psicanalista e socióloga, professora na PUC–SP

A terra é finita, a água é finita, os recursos

marinhos também. O Brasil quer um lucro infinito a partir de recursos finitos.

Maria Sylvia Carvalho Franco,

professora de fi losofi a na USP e na UNICAMP

Em vez de viver na terra e com ela, nós vivemos

“da” terra.Carolyn Steel,

pesquisadora britânica

A ética do materialismo se infiltra na vida

das pessoas, de modo tal que rompe o tecido de valores da sociedade. O egoísmo do atual modelo social desintegra a família tradicional e os laços de amizade e amor que unem seus membros.

Ushitaro Kamia, advogado

Todo menino quer ser homem. Todo homem quer

ser rei. Todo rei quer ser Deus. Só Deus quis ser menino.

Leonardo Boff, teólogo

Vamos orar pela salvação das modelos e sua entrada

triunfal na New Jerusalem Fashion Eternal Week.

Georgiana Guinle, colunista do jornal Palavra

Deus ouve o nosso clamor, mas não é

um deus-supermercado, que tem uma mercadoria conforme o poder de barganha de cada freguês.Anelise Lengler Abentroth,

teóloga luterana

O verdadeiro perdedor é aquele que, na última

hora, vai ter a impressão de que desperdiçou a sua corrida. O que ele acumulou, tudo isso me parece bastante acessório. Para mim o perdedor é aquele que não conseguir viver sua vida com toda a intensidade que ela merece.

Contardo Calligaris, psicanalista

O maior problema ambiental do mundo é

o consumismo. O mercado ensina egoísmo e o indivíduo cada vez mais está centrado em si mesmo.

Emílio Moran, antropólogo cubano

residente nos Estados Unidos

Só pode haver algo de errado em um mundo

em que tantos fogem para a esperança, mas encontram apenas o medo.

Clóvis Rossi, jornalista

Dar carinho a quem se ama é a mais inequívoca

demonstração de amor, tão importante que conta com um sistema de nervos específico para detectá-la.

Suzana Herculano-Houzel,

neurocientista

Dê à sua filha uma chance de casar com um rapaz

decente (e não estou falando dessas malditas classes sociais) em vez de casar com um pit bull de boate ou poodle de divã.

Fausto Wolf, colunista do Jornal do Brasil

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20 ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008

Tirem o Crucificado da cruz!

O cristão que não vê Cristo nem na cruz nem na tumba, mas consegue

vê-lo ressuscitado e assentado à direita de Deus, não se

perturba com os livros e revistas que enchem o

mercado livreiro e as bancas de jornais com bobagens

e blasfêmias contra o “Crucificado Ressuscitado”

do professor Battaglia

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Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 21

Enquanto o sol estava nascendo em Jerusalém na primeira Sexta-feira Santa da história, o mais destacado dos doze

apóstolos esvaziou-se de sua coragem e encheu-se de medo, o que o levou a negar por três vezes consecutivas o Senhor Jesus Cristo (Lc 22.54-62). Enquanto o sol estava se pondo naquele mesmo dia e lugar, um dos mais destacados dos 71 membros da Suprema Corte judaica (mais conhecida como Sinédrio) esvaziou-se de sua timidez e encheu-se de coragem, o que o levou a tirar o corpo morto de Jesus da cruz (Lc 23.50-53). Se ficasse lá, seria jogado numa vala qualquer e comido por cães e abutres como costumava acontecer.

O gesto de José de Arimatéia precisa ser repetido hoje. A cruz tem um valor imenso, mas vazia, sem o crucificado, pois o seu corpo já não está pregado nela nem deitado sobre a lápide fria do sepulcro novo do homem rico de Arimatéia.

O professor Vittorino Grossi, do Augustinianum, de Roma, lembra que “a figura humana do crucificado não se encontra a não ser na primeira metade do quinto século ”. A mais antiga até agora conhecida, a de Cristo nu na cruz, está no Museu Britânico, em Londres. Pouco mais de cem anos depois, espalhou-se no Oriente uma figura dramática da crucificação, mostrando o Senhor morto, desta vez vestido com o colobium (uma túnica sem mangas). Até então, as cruzes que enfeitavam os monumentos fúnebres eram cruzes sem o crucificado.

Vincenzo Battaglia, professor de teologia dogmática no Pontifício Ateneu Antonianum, em Roma, usa uma expressão muito feliz, que encoraja a retirada do crucificado da cruz. Ele chama Jesus de “Crucificado Ressuscitado”. Os dois fatos — a crucificação e a ressurreição — são inseparáveis, e um não é mais importante que o outro, nem pode ofuscar o outro.

A cruz tem um valor imenso, mas vazia, sem o crucificado, pois o seu corpo já não está pregado nela nem deitado sobre a lápide fria do sepulcro novo do homem rico de Arimatéia

Chama-se de crucifixo o objeto, esculpido ou modelado, que representa Cristo na cruz. Foi João VII, o 86º papa, entronizado em março de 705, o primeiro a consagrar o uso do crucifixo. A partir daí parece que houve uma ênfase artística cada vez maior no sofrimento de Jesus. No século 13, a coroa real foi substituída pela coroa de espinhos e a fronte de Cristo começou a se inclinar para a terra. Os crucifixos gregos do século 14 eram figuras grotescamente retorcidas e esguichando sangue. Um século antes da Reforma Protestante, os artistas já haviam substituído no imaginário e no espírito dos fiéis a idéia do triunfo de Jesus sobre a cruz pelo sentimento melancólico e vazio da compaixão. Passou-se a ter pena de Jesus, perdendo-se por completo a compreensão

real da cruz e desfocalizando por completo a ressurreição. Foi por essa razão que o jovem missionário inglês Henry Martin, depois de passear por Salvador, enquanto o navio que o levaria à Índia permanecia atracado ao porto, no remoto 1805, registrou em seu diário: “Há cruzes em abundância, mas quando será pregada a doutrina da cruz?”.1

Em 1570, durante o pontificado de Pio V, que revisou o Missal Romano, em decorrência do Concílio de Trento, encerrado sete anos antes, tornou-se obrigatória a colocação do crucifixo sobre ou acima do altar. Até então, só o cálice, a pátena (disco de ouro que cobre o cálice), o pão e o vinho eram colocados naquele lugar sagrado. A regra atual é colocar o crucifixo no centro do altar durante a celebração da missa.

O grande problema do crucifixo é que ele passou aos fiéis de tradição

católico-romana a idéia do Cristo morto, tremendamente arraigada na cultura popular, em especial nos países ibéricos e em toda a América Latina.

Enquanto não tirarmos o crucificado da cruz, não será fácil oferecer séria e bem-sucedida resistência à nova onda de violência midiática contra o Jesus das Escrituras, que, como lembra John Stott “não é homem disfarçado de Deus nem Deus disfarçado de homem, mas homem e Deus ao mesmo tempo”.2 O Jesus, que “é a imagem [visível] do Deus invisível” (Cl 1.15), passou pela cruz, mas não permaneceu na cruz. O cristão que não vê Cristo nem na cruz nem na tumba, mas consegue ver o Senhor ressuscitado e assentado à direita de Deus, não se perturba com os muitos livros e as muitas revistas que enchem

o mercado livreiro e as bancas de jornal com muitas bobagens e blasfêmias contra o “Crucificado Ressuscitado” do professor Battaglia. A Superinteressante de julho de 2008 (edição especial), por exemplo, traz outra vez à tona a passagem de um evangelho apócrifo (O Evangelho de Felipe, do segundo século), que diz que “o Senhor amava Maria [Madalena] mais do que a todos os discípulos e a beijava freqüentemente na boca”.3 E, para obrigar o leitor a acreditar nessa fantasia, a revista declara que a igreja manipulou os evangelhos, reconhecendo como canônicos apenas os livros que confirmavam a verdadeira tradição cristã.

Notas1. História Documental do Protestantismo no Brasil, p. 29.2. Cristianismo Básico, p. 27.3. Superinteressante, jul. 2008, edição 254-A, p. 37.

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Capa

ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 22

Embora não negassem em absoluto a natureza divina de Jesus, muitos místicos dos séculos

14, 15 e 16 davam mais ênfase à sua humanidade. E, quando o contemplavam como homem, o que mais despertava a atenção deles não eram as demonstrações de sua glória e poder, mas o seu sofrimento e morte. Juliana de Norwich, uma das grandes místicas da história, nascida na Inglaterra em 1343, em seu livro Dezesseis Revelações do Amor Divino, que só foi publicado em 1670, descreve, por exemplo, o Jesus que ela viu numa de suas visões:

“Vi seu rosto querido, seco, exangue e pálido com a morte. Foi ficando mais pálido e sem vida. Então, morto, tornou-se azulado, mudando aos poucos para um azul amarronzado, à medida que a carne

é exortado a imaginar-se implorando às autoridades para salvar a vida de Cristo, sentado ao lado dele na prisão e beijando seus pés e mãos acorrentados”.2 O livro dá pouca ênfase à ressurreição do Senhor, um dos grandes pilares do cristianismo. (Vale a pena lembrar Paulo: “Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé”.)

Foi nesse ambiente que nasceu e cresceu José de Anchieta, espanhol da Ilha de Tenerife que veio para o Brasil como missionário da recém-fundada Companhia de Jesus, aqui chegando em 13 de julho de 1553, aos 19 anos, antes mesmo de ser ordenado padre. Um dos mais notáveis empreendimentos de Anchieta foi a elaboração do primeiro catecismo cristão do Brasil, conhecido como Diálogo da Fé. Beatificado em 1991 pelo papa João Paulo II e chamado de

continuava a morrer (...) Era uma coisa triste vê-lo mudar enquanto morria pouco a pouco. Também as narinas murcharam e secaram diante de meus olhos, e seu corpo querido foi ficando negro e pardo ao secar na morte.”

1

Um dos livros de espiritualidade cristã mais traduzidos e lidos, tanto por católicos como por protestantes, é o clássico A Imitação de Cristo, de Tomás de Kempis, monge alemão nascido por volta de 1379. Só no século 16 foram feitas mais de duzentas edições. Embora seja comprovadamente um livro de grande valor, gerador da verdadeira espiritualidade, A Imitação de Cristo acompanha o espírito da época, de centralizar tudo mais no Jesus homem do que no Jesus Deus. Segundo a historiadora Karen Armstrong, ex-freira católica, no livro de Tomás de Kempis, “o leitor

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No catecismo de Anchieta nada há sobre o túmulo vazio, sobre o terror que tomou conta dos guardas romanos, sobre o abraço das mulheres aos pés de Jesus, sobre a entrada de Pedro e João no sepulcro agora desocupado nem sobre as diferentes aparições de Jesus

Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 23

Das 616 perguntas e respostas do Diálogo da Fé, 168 (mais de 25%) invocam os acontecimentos da Sexta-feira Santa, desde a saída de Jesus do Cenáculo até o seu sepultamento. Qualquer cristão reformado poderia pôr a sua assinatura embaixo dessas 168 respostas catequéticas, excetuando-se apenas aquela que diz que Maria teria coberto a nudez de Jesus com o seu véu, simplesmente porque esse detalhe não se acha em nenhum dos quatro Evangelhos.

O triste problema do primeiro catecismo cristão usado no Brasil é a imperdoável omissão da ressurreição de Jesus. Nada há sobre o túmulo vazio, sobre o terror que tomou conta dos guardas romanos, sobre a mensagem da ressurreição dada pelo anjo, sobre a surpresa das mulheres galiléias e dos apóstolos, sobre o abraço aos pés de Jesus e a adoração das mulheres, sobre a entrada de Pedro e João no sepulcro agora desocupado nem sobre as diferentes aparições de Jesus no espaço de quarenta dias, entre a ressurreição e a ascensão. No catecismo de Anchieta a história de Jesus termina no túmulo novo de José de Arimatéia, embora na última resposta se diga que “o Senhor se preparava para viver de novo”.

3 Naturalmente, os leitores

mais atenciosos perguntavam-se: “Ele só se preparou ou conseguiu de fato viver de novo?” Graças a essa desastrosa omissão, José de Anchieta não passou para os catecúmenos (o indígena que morava no Novo Mundo já há muito tempo, o colono europeu que chegou em 1500 e o escravo africano que atravessou o Atlântico a partir de 1539) o fato que dá sentido ao cristianismo e completa tudo o que aconteceu na Sexta-feira Santa.

Notas1. Uma História de Deus, p. 275.2. Idem, ibidem.3. Diálogo da Fé, p. 193.

“O apóstolo do Brasil”, “O Xavier da América” e “O dramaturgo do Novo Mundo”, Anchieta era meio parente de Inácio de Loyola e tinha 12 anos quando Martinho Lutero morreu. O catecismo de Anchieta é bilíngüe (tupi e português) e foi escrito provavelmente em 1560, trinta anos depois da Confissão de Augsburgo (luterana), dois anos antes do Catecismo de Heidelberg (reformado) e seis anos antes do Catecismo Romano (publicado pelo papa Pio V).

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Nem tudo é sexta-feira

No tumultuado século 16, a Igreja Católica fez muito mais pela evangelização dos povos do que a

nascente Igreja Protestante. Enquanto a Companhia de Jesus enviava levas de missionários para o Oriente e o Ocidente, os protestantes só começaram a se despertar mais amplamente para missões trezentos anos mais tarde, a partir do século 19, depois da publicação do livro de 87 páginas escrito em 1792 pelo inglês William Carey, com o título Investigação sobre a Obrigação dos Cristãos de Empregar Meios para a Conversão dos Pagãos.

Todavia a evangelização do Novo Mundo foi prejudicada por causa do misticismo europeu que enxergava mais a cruz ensangüentada do que o túmulo vazio, mais a coroa de espinhos do que a coroa real, mais a desfiguração de Jesus do que a sua transfiguração, mais a sexta-feira do que o domingo. Os jovens missionários que deixavam pai e mãe na Espanha e em Portugal e atravessavam corajosamente o Atlântico por amor a Jesus foram contaminados pela cultura da época e a transportaram para cá. A maioria dos cristãos da América Latina continua sofrendo as conseqüências de uma evangelização deficitária, como se pode ver nas palavras do padre José Francisco Schimitt, 65 anos, mestre em teologia e professor do Colégio Marista São Luiz, em Jaraguá do Sul, SC:

Para muitos católicos, no seu imaginário religioso, a celebração

mais importante da Semana Santa é a Procissão do Senhor Morto, na sexta-feira santa. Uma grande parte do nosso povo católico ainda não chegou à verdadeira compreensão de que o Tríduo Pascal da Paixão e da Ressurreição começa com a missa vespertina da Ceia do Senhor, possui o seu centro na Vigília Pascal e encerra-se com as vésperas do Domingo da Ressurreição.

1

Dois incidentes comprovam o que o professor marista afirma. Numa sexta-feira santa, o professor Jaime Maia dos Santos, ao atravessar a cidade de Ervália, encontrou duas faixas estendidas de um lado ao outro da rua. Na primeira estava escrito: “‘Silêncio’! Estamos de luto”. A segunda explicava: “Jesus morreu!” Noutra sexta-feira santa, quatro missionários americanos batistas estavam hospedados num hotel de uma cidade bem no interior de Portugal. De repente, um deles, Lois McKinney, hoje professora na Faculdade Batista de São Paulo, foi ao piano e começou tocar o conhecido hino Cristo já ressuscitou. Os outros três puseram-se a cantar. Então a recepcionista do hotel fez sinal de silêncio e pediu-lhes para não cantarem

A tarefa de enfatizar tanto a morte como a ressurreição de Jesus cabe a todos nós,

católicos e protestantes, sejamos históricos, carismáticos ou pentecostais

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naquele dia triste em que se recordava a morte de Jesus.

De todas as pessoas que têm chamado a atenção dos cristãos latino-americanos para essa miopia religiosa, a que mais se destaca é John A. Mackay, um escocês nascido em 1889 que conheceu profundamente a cultura ibero-americana, por ter vivido na Espanha (1915-1916), no Peru (1916-1925), no Uruguai (1926-1929) e no México (1930-1932).

No Peru, Mackay lecionou na Universidade Nacional de San Marcos, a mais antiga do hemisfério ocidental, e deu vida nova a uma pequena escola primária que veio a tornar-se o famoso Colégio Anglo-Peruano. Encerrado o seu trabalho missionário na América Latina, Mackay ocupou vários cargos de grande responsabilidade: foi presidente do Seminário Teológico Presbiteriano de Princeton, em Nova Jersey (1936-1959), do Conselho Missionário Mundial (1947-1957) e da Aliança Presbiteriana Mundial (1954-1959). Quando estava no México trabalhando com a Associação Cristã de Moços ele escreveu o livro The Other Spanish Christ (1932), traduzido para o espanhol apenas vinte anos mais tarde (El Otro Cristo Español).

Nessa obra clássica, recomendada pelo filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955), John Mackay mostra que o Cristo que o catolicismo espanhol introduziu no continente é uma figura trágica. O outro Cristo, o Cristo espanhol, “se apresenta diante de nós como uma vítima trágica, ferido, morto e manchado de sangue, ninado nos braços de uma formosa franciscana, morto para sempre”.

2

O misticismo europeu enxergava mais a cruz ensangüentada do que o túmulo vazio, mais a coroa de espinhos do que a coroa real, mais a desfiguração de Jesus do que a sua transfiguração, mais a sexta-feira do que o domingo

Cinqüenta anos depois da presença de John Mackay, missionário presbiteriano, no Peru, o sacerdote católico romano holandês Henri Nouwen fez uma visita ao mesmo país e anotou em seu diário:

Em lugar algum encontrei sinal de ressurreição, em lugar algum fui lembrado de que Cristo venceu o pecado e a morte, e ergueu-se vitorioso do túmulo. Tudo era sexta-feira da paixão. A páscoa estava ausente... A ênfase quase exclusiva no corpo torturado de Cristo me atinge como uma perversão das boas novas em uma história mórbida que intimida... as pessoas, mas não as liberta.3

Nouwen (1932-1996) é uma pessoa de peso: além de padre, psicólogo e escritor, ele foi professor das Universidades de Haward e Yale, nos Estados Unidos, e do Seminário Católico de Ontário, no Canadá.

Como se vê, a igreja brasileira precisa reparar da melhor maneira possível e com a maior urgência possível a herança deixada pelo catolicismo espanhol e português, ainda arraigada em muitos fiéis. Alguns olhos nunca estiveram fechados e outros já se abriram, mas ainda há muitos olhos para serem abertos. Essa tarefa cabe a todos nós, católicos e protestantes, sejamos históricos, carismáticos ou pentecostais. E tem que ser feita com humildade e muito amor.

Notas1. Ir ao Povo, março de 2005, p. 9.2. John A. Mackay, Um Escocês com Alma Latina, p. 83.3. A Bíblia Toda, O Ano Todo, p. 251.

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A Reforma colou a exaltação do Domingo com a humilhação da Sexta-feira

A morte e a ressurreição de Jesus estão lado a lado em praticamente todos os mais

notáveis credos, confissões de fé e catecismos das igrejas luteranas e calvinistas do século 16.

1. No Catecismo Menor do Doutor Martinho Lutero, de 1529, lê-se que “no terceiro dia Cristo saiu do sepulcro com o corpo transfigurado e glorioso e mostrou-se vivo aos seus discípulos”. Depois, “Cristo foi elevado às alturas segundo a sua natureza humana e entrou na glória de seu Pai a fim de nos preparar lugar”.

2. Na Confissão de Augsburgo (luterana), de 1530, o artigo 3 diz que “o mesmo Cristo que desceu ao inferno, no terceiro dia ressurgiu verdadeiramente dos mortos, subiu ao céu e está assentado à destra de Deus”.

3. Na Confissão Escocesa (reformada), de 1560, há três capítulos sobre os acontecimentos da Semana Santa, abordando a morte, a paixão e o sepultamento (capítulo 9), a ressurreição (capítulo 10) e a ascensão de Cristo (capítulo 11).

4. No Catecismo de Heidelberg (reformado), de 1563, a resposta dada à pergunta 45 (“Que importância tem para nós a ressurreição de Cristo?”), menciona três benefícios: “Primeiro, pela ressurreição, ele venceu a morte, para que nós pudéssemos participar da justiça que ele conquistou por sua morte. Segundo, nós também, por seu poder, somos ressuscitados para a nova vida. Terceiro, a ressurreição de Cristo é uma garantia de nossa ressurreição em glória”.

O símbolo do cristianismo, lembra John Stott, poderia ser a manjedoura (para

simbolizar a encarnação de Jesus), a carpintaria (para dignificar o trabalho manual de Jesus) ou a toalha (para lembrar o lava-pés de Jesus). Mas todos foram ignorados em favor da cruz, o que é totalmente extraordinário, porque, na cultura greco-romana vigente, a cruz era objeto de vergonha. Para Stott, “a cruz é um diamante multifacetado”.1 E para J. Julius Scott, professor de Bíblia e teologia no Wheaton College, nos Estados Unidos, a cruz “é a demonstração suprema do amor que Deus tem pelo homem pecador”.2

Apesar de tudo isso, algumas igrejas protestantes brasileiras evitam colocar a cruz na fachada e no interior de seus templos. Há

A implicância protestante

contra a cruzduas explicações históricas para esse estranho comportamento. A completa liberdade de culto só aconteceu com a Proclamação da

República, em 1889. Até então, os templos não católicos no Brasil, por força de lei, não podiam ostentar exteriormente símbolos cristãos, como cruz e sinos. Esses privilégios eram exclusivos da Igreja Católica dominante. No imaginário protestante, a cruz era coisa católica e não deveria ser usada por eles. A outra razão, o que agravou ainda

mais o problema, era a presença do Crucificado na cruz e a adoração de um Cristo morto.

Notas1. A Bíblia Toda, o Ano Todo, p. 263-264.2. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, v. 1. p. 391.

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Todas as vezes em que Jesus anunciava a sua morte, anunciava também a sua ressurreição: “Jesus

começou a explicar aos seus discípulos que era necessário que ele fosse para Jerusalém e sofresse muitas coisas nas mãos dos líderes religiosos, dos chefes dos sacerdotes e dos mestres da lei, e fosse morto e ressuscitasse no terceiro dia” (Mt 16.21).

Esse “casamento” da cruz ensangüentada com o sepulcro vazio tem sido confessado desde o terceiro século até hoje, todas as vezes que cristãos católicos, ortodoxos e protestantes, recitam juntos ou sozinhos o Credo dos Apóstolos: “Creio em Jesus Cristo, que padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu ao Hades; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao céu; está sentado à mão direita de Deus Pai Todo-Poderoso”.

Além de mencionar a ressurreição de Jesus como verdade culminante,

central, fundamental e essencial, a atual (1998) edição típica do Catecismo da Igreja Católica (preparado por ordem do papa João Paulo II, por uma comissão presidida pelo então cardeal Ratzinger, atual papa) ensina que ela deve ser pregada juntamente com a cruz.

Em Lavras Novas, um pequeno povoado nas proximidades de Ouro Preto, MG, cujos habitantes são descendentes de escravos, há uma cruz na parte mais alta da rua central e outra na parte mais baixa. O padre Marcial Maçaneiro, 42 anos, doutor em teologia, assessor do setor ecumênico da CNBB e professor da Faculdade Dehoniana, em Taubaté, SP, esteve no povoado recentemente e observou que nenhuma das duas cruzes tem a imagem do crucificado, mesmo que a cruz de cima esteja coberta pelos instrumentos da paixão, como a coroa de espinhos, a lança, os açoites, o martelo e os cravos. Essa cruz (típica dos Açores e de outras regiões de Portugal), explica o padre, “simboliza a vitória de Jesus sobre a morte”.1

Todavia, talvez não haja outra pregação simultânea da morte e da ressurreição numa só figura tão singela e ao mesmo tempo tão enfática quanto a cruz vazada. Um

dos modelos dessa cruz estava fincada até bem pouco tempo no gramado da Universidade Gwynedd-Mercy, católica, nos arredores de Filadélfia, nos

Estados Unidos. O artista que

E são ambos uma só “carne”: a cruz ensangüentada e o sepulcro vazio!

Além de declarar a ressurreição como verdade culminante, central, fundamental e essencial, o recente Catecismo da Igreja Católica ensina

que ela deve ser pregada juntamente com a cruz

desenhou a cruz vazada chama-se Jay J. Dugan e devia ser um cristão muito piedoso. Para ele, nestes dois mil anos de cristianismo, a cruz tem revelado só o sofrimento e a morte de Jesus. Ela não tem simbolizado também a sua ressurreição, o que é uma lástima. Com essa preocupação, Jay Dugan projetou a cruz vazada: “Removi todo vestígio do seu sangue e agonia ao remover o seu débil corpo. A cruz é suficiente para retratar sua crucificação. No lugar do corpo de Jesus apliquei uma silhueta abstrata, uma declaração poderosa de que deixou a cruz e este mundo para preparar e aguardar o nosso reencontro com ele no céu”.

Pouco depois, em 1994, Ultimato conseguiu com a direção da universidade americana uma cópia do projeto da cruz vazada e autorização para construir uma cruz igual no gramado do Centro Evangélico de Missões, em Viçosa, MG, que foi inaugurada em 1996. Por anunciar o mais puro evangelho — a eficácia da morte vicária de Jesus, a ressurreição de Jesus, o sacerdócio de Jesus, a ressurreição dos mortos, os novos céus e a nova terra — Ultimato tem repassado graciosamente o projeto da cruz vazada a quem o solicita. Por esta razão, hoje há muitas cruzes vazadas pelo Brasil afora, junto a templos protestantes e católicos, em vias públicas e até em cemitérios.

Nota1. Ir ao Povo (março de 2006, p. 8).

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Patrícia Neme

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Eu tenho lepra!Eu tenho lepra!O médico abriu o envelope da

eletroneuromiografia e, num misto de alívio e preocupação, disse-me: “Hanseníase neural, em estágio avançadíssimo”. Ali findavam dois anos e meio de peregrinação a consultórios das mais variadas especialidades, sem que eu obtivesse qualquer resultado (e quantas vezes outros profissionais me encaminharam a psicólogos, psiquiatras. Só ele acreditava que havia algo mais sério). Tantos exames, tantas quedas súbitas, causando uma interminável quebradeira de ossos. Dali, fui ao dermatologista e, em seguida, ao posto de saúde, onde iniciei a poliquimioterapia.

Apesar de há muito tempo não receber uma visita pastoral, ou resposta aos meus e-mails e telefonemas, com o diagnóstico na mão, procurei o pastor da minha igreja, na pretensão de que ele entendesse a razão da minha rara freqüência aos cultos, pois mal conseguia andar; tinha dores intensas nas pernas e braços, além de muita dor de cabeça. Ele me perguntou: “O que você deseja que façamos por você?” “Quero sua unção e sua bênção, tudo o mais está resolvido”, respondi.

Recebi a unção e a bênção, e nunca mais tive notícias dele. Afinal, se a arca da aliança ficou três meses na casa de Obede-Edom e lhe resolveu a vida, eu passara quase três anos indo de mal a pior... E agora, uma lepra!

Aderi à igreja virtual e Silas Malafaia tornou-se meu pastor durante o meu caminhar pelo vale do sofrimento; e só Deus sabe o quanto ele me pastoreou. Deus o abençoe!

Lepra... Mudaram o nome para hanseníase — é mais chique. Mas é lepra, mesmo. Sempre me julguei muito culta e, na minha “elevada sabedoria”, essa doença pertencia ao Antigo Testamento. A transição daquela época a 2007 foi difícil, mas comecei a conhecer o mal silencioso que assola o país, responsável por 90% dos casos em todo o continente americano. O Brasil é o segundo país no mundo em número absoluto de portadores, só perdendo para a Índia, que tem uma população cinco vezes maior do que a nossa. O que será que realmente fizeram com a CPMF, se até a poliquimioterapia nos é doada por uma ONG holandesa?

Causada pelo bacilo mycobacterium leprae, a hanseníase compromete a pele e os nervos. A transmissão ocorre pelas vias respiratórias. Os sintomas são manchas ou lesões cutâneas esbranquiçadas ou avermelhadas, com sensação de queimação, ardência, coceira ou perda de sensibilidade; também são sintomas da doença o aparecimento de placas, caroços vermelhos dolorosos e inchaços no rosto, dor nas articulações, febre,

inchaço nas pernas, queda de pelos, além de dor no trajeto dos nervos que passam pelos cotovelos, punhos, atrás dos joelhos e tornozelos, causando a diminuição da força e dormência nas mãos e nos pés. Quanto mais cedo diagnosticada, maiores as chances de o paciente não ficar com seqüelas.

Porém, para o diagnóstico precoce e a cura, é necessária uma experiência que poucos dermatologistas adquirem, pois a parte cosmética de sua especialização lhes permite maiores lucros; também urgem algumas condutas de suma importância, ou jamais conseguiremos erradicar a hanseníase. Não podemos acreditar nas estatísticas, em razão do pouco conhecimento da maioria dos médicos, o que os leva a diagnósticos em direções outras, e do medo da discriminação, que impede muitos portadores de se apresentarem aos postos de saúde, onde as estatísticas são elaboradas.

Assim, é preciso: a) que o Ministério da Saúde faça campanhas elucidativas, para que o próprio paciente possa reconhecer os sintomas da doença e procurar um médico; b) que nossas igrejas realizem palestras sobre o tema; c) que as faculdades de medicina dediquem um espaço maior no currículo às doenças negligenciadas (hansen, malária, tuberculose etc.), com um ensino mais voltado à identificação dos

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Patrícia Neme é tradutora, intérprete e poetisa. É autora de Relicário (Ed. Corifeu).

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sintomas e não apenas ao tratamento da doença, principalmente porque a hanseníase pode ser confundida com várias outras enfermidades; d) que os Conselhos Regionais de Medicina promovam constantemente cursos sobre o tema, já que a situação no país é crítica e muitos médicos acreditam que a lepra está erradicada no Brasil; e) que se acabe com o infeliz slogan “Hanseníase tem cura”, que banaliza a doença, colocando-a quase no mesmo patamar de um resfriado. Porque muitos casos são diagnosticados tardiamente, há muita gente com seqüelas graves (o meu caso), num processo irreversível que desmorona a pessoa física e psicologicamente. Cura parcial não é cura. Ou quem insiste em tal slogan obtém algum benefício ao compactuar com o descaso do governo?

Outros dois aspectos não podem deixar de ser mencionados, dada a sua importância na vida dos pacientes. O primeiro refere-se ao descaso dos peritos do INSS, que desconsideram relatórios médicos dos profissionais que nos acompanham e alteram diagnósticos segundo sua inspiração momentânea (um perito “mudou” meu laudo para osteoartrose e outro, para depressão... No caso da lepra neural, a boa aparência do paciente é interpretada como saúde total, por desconhecerem que a clofazimina deixa a pessoa com ótima aparência, bronzeada).

O segundo aspecto refere-se à ignorância de muitas igrejas (principalmente evangélicas), que rejeitam tratamentos médicos porque “Jesus cura” e ousam afirmar que a lepra é um castigo de Deus a quem muito peca (ouvi isso de um pastor. De outro, ouvi que eu deveria parar com o tratamento, pois tomar a poliquimioterapia demonstrava a minha pouca fé). Oséias 4.6 alerta que padecemos por falta de conhecimento. Até quando seguiremos com essa insanidade?

Deus cura, é verdade. Mas no tempo dele e através de diferentes formas, por

exemplo usando a medicina. Ou não cura (alguém se lembra do apóstolo Paulo?), por motivos que ele conhece. E, se ele conhece, isto basta!

A lepra é um processo muito sofrido, que aumenta com o desconhecimento dos médicos sobre a doença, o que não lhes permite que nos orientem da melhor forma em relação às reações colaterais do tratamento (quase morri em função da dapsona, pois sou alérgica à sulfa). Ninguém explica ao paciente sobre a necessidade de acompanhamento por outros especialistas, pois a poliquimioterapia pode causar hepatite, anemia, catarata e problemas renais, um roteiro que percorri todo. E a dor agiganta-se, quando tememos a discriminação, o julgamento absurdo daqueles que deveriam nos acompanhar espiritualmente.

Pela misericórdia de Deus, e pela facilidade de acesso aos meios de informação, tive a felicidade de encontrar o Portal da Hanseníase (www.hanseniase.passosuemg.br), um trabalho abnegado e altamente profissional, voltado a ministrar cursos on-line a profissionais da área da saúde e a esclarecer dúvidas de portadores da doença. Mas e quem não dispõe desse recurso? E as pessoas mais simples, perdidas no labirinto da impaciência do sistema público de saúde? É por elas que estou aqui.

Quero convidar o leitor a que se informe sobre esse mal; que não nos olhe com reservas ou se assuste com nossas seqüelas físicas — pior seria se fossem morais. Que nos ajude a buscar informações e esteja ao nosso lado nessa luta por uma verdadeira cidadania.

Eu tenho lepra, você tem diabetes, há quem tenha câncer. Somos todos merecedores de respeito, tratamento digno e fraterno. Se assim for, só nos contagiaremos de amor. Daquele que eleva e constrói. E cura! Pensemos nisso, e que Deus nos abençoe.

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Esta informação está mesmo na Bíblia (Jr 48.21, BP, TEB, NTLH

e NVI). Outras versões usam as palavras “planície” ou “campina”. Aqui, de propósito, tomamos a liberdade de colocar a palavra Planalto com “P” maiúsculo para dar a entender que o texto pode se referir também ao governo brasileiro, em Brasília, a capital construída no Planalto Central por Juscelino Kubitschek e inaugurada em 1960. Assim como o julgamento de Deus chegou ao planalto onde ficava uma das nações mais antiga do mundo (Moabe), situada entre a metade sul do mar Morto e o deserto da Arábia, o julgamento dos altos céus pode chegar também ao nosso Planalto,

que abriga a sede do Executivo Federal, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, o Superior Tribunal de Justiça, o Supremo Tribunal Federal, os ministérios e as embaixadas de todas as nações. Quem responde oficialmente pelos acertos e pelos desacertos do país, diante do povo, de outras nações e de Deus, no caso do Brasil, é o Palácio do Planalto, em Brasília, onde o presidente da República despacha.

Pode ser que os historiadores não levem Deus a sério, esquecendo-se de que ele é o Senhor da história. Mas

eles não tratam de outra coisa senão contar a

história do apogeu e da queda dos muitos poderosos impérios do passado remoto (Império Assírio,

Império Medo-Persa, Império Babilônico, Império Romano, Império Mongol etc.) e do passado recente (Império Britânico, Império Soviético, Império Japonês, Alemanha Nazista etc.). Seria ridículo para os pesquisadores de história e para a sociedade atribuir tanto a ascensão como a queda dessas nações à soberania do Rei dos reis, “o Senhor de toda a terra” (Mq 4.13; Zc 4.14).

A passagem bíblica “o julgamento chegou ao planalto” diz respeito a Moabe. A nação começou com Moabe, filho de Ló, um dos sobreviventes da destruição de Sodoma e Gomorra, em uma relação incestuosa deste com sua filha mais velha (Gn 19.37). Ocupava um pequeno território (57 quilômetros de comprimento e 40 de largura), na vizinhança de duas das doze tribos de Israel (Rúben e Gade). A história do êxodo de Israel do Egito para Canaã registra o episódio em que mulheres moabitas seduziram os israelitas e os induziram a uma forma de idolatria que envolvia também relações sexuais (Nm 25.1-9). Todavia, há uma moabita que entrou para a história

como mulher especialmente virtuosa: chamava-

se Rute e seu nome está na genealogia de Jesus (Mt 1.5).

“O julgamento chegou ao Planalto”

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O juízo de Deus contra Moabe é dramaticamente descrito em Jeremias 48 e em Isaías 15 e 16. A derrota final aconteceu no ano 582 antes de Cristo, quando Nabucodonosor, rei da Babilônia, subjugou os moabitas.

Além da informação de que “o julgamento chegou ao planalto”, há outra advertência contra Moabe, muito mais rude, no mesmo capítulo 48 de Jeremias: “O destruidor [Nabucodonosor] virá contra todas as cidades, e nenhuma escapará. O vale se tornará ruínas, e o planalto será destruído, como o Senhor falou” (v. 8).

Na história do Antigo Testamento, os profetas advertiam em primeira instância Israel, mas não deixavam inocentes nem desprevenidas muitas outras nações contemporâneas e seus governantes, inclusive o poderoso Nabucodonosor, cujo nome aparece dezenas de vezes, principalmente em Jeremias e em Daniel. O dono da história dizia a respeito da Babilônia: “Você é o meu martelo, a minha arma de guerra. [...] Com você eu despedaço as nações, com você eu destruo reinos” (Jr 51.20). Mas esse terrível martelo também foi julgado

e condenado: “Quão quebrado e destroçado está o martelo de toda a terra! Quão arrasada está a Babilônia entre as nações!” (Jr 50.23).

Hoje em dia, essas duras e implacáveis advertências a qualquer nação e em qualquer tempo estão implícitas. Pode-se ler nas enciclopédias o relato da decadência de governos que oprimem seus próprios cidadãos e outras nações. Portanto, é oportuno lembrar que o julgamento pode chegar ao Planalto, à Casa Branca, ao Kremlin etc.

Pode ser que os historiadores não levem Deus a sério, esquecendo-se de que ele é o Senhor da história. Mas eles não tratam de outra coisa senão contar a história do

apogeu e da queda dos poderosos impérios de ontem e de hoje

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Não há como negar: é surpreendente a propaganda que hoje se faz

de algum pregador bem-sucedido. Como no caso do pastor americano Rick Warren, autor de Uma Igreja com Propósitos, que esteve em São Paulo no dia 21 de julho de 2008. O cartaz da promoção transcrevia uma série de superlativos a respeito de seu sucesso ministerial: pastor de “uma das maiores e mais conhecidas igrejas do mundo”, fundador de um ministério que “conta com mais de 400 mil pastores conectados em 163 países”, autor de um best-seller que alcançou o título de livro de não-ficção mais vendido no mundo por três anos consecutivos e que está na lista dos “100 livros cristãos que mais mudaram o século 20”, “uma das cem personalidades mais poderosas do mundo”, “um dos vinte e cinco melhores líderes da América”, “uma das quinze pessoas que fazem a América ser excelente”, “um dos dez pregadores

mais influentes dos últimos cinqüenta anos” etc.

A igreja brasileira, ainda não totalmente acostumada com esses exageros que ferem ou destroem a honra devida exclusivamente a Jesus Cristo, deveria rejeitar o estilo americano e exercer uma influência contrária. Embora fosse o precursor de Jesus e um pregador de multidões (Lc 3.7), e apesar do alto conceito que o Senhor fazia dele (Mt 11.11), João Batista tomava todo o cuidado para não empanar a glória daquele sobre quem pregava: “Eu sou amigo do Noivo, e estou cheio de alegria com o sucesso dele. Ele deve tornar-se cada vez maior e eu devo diminuir cada vez mais” (Jo 3.30, BV).

Em entrevista à revista católica Ir ao Povo, o conhecido padre e jornalista Augusto César Pereira, declarou: “É um perigo quando um padre se torna uma ‘estrela’, porque passa a formar o rebanho dele mesmo. Nós, os padres,

temos que formar o povo do Cristo Ressuscitado. Essa é que é a nossa missão” (junho de 2008, p. 27).

Timóteo Carriker, missiólogo americano radicado no Brasil, em seu livro Proclamando Boas-novas!, alerta para a tentação da construção de impérios denominacionais, que podem resultar da excessiva preocupação apenas com o crescimento numérico de igrejas, mais por força do proselitismo do que por força do evangelismo.

O ensino de Rick Warren tem o seu valor, mas ele e seus promotores deveriam tomar mais cuidado com esse tipo de propaganda, muito bem-sucedida na sociedade poderosa e consumista, mas imprópria na promoção do reino de Deus. Talvez ele próprio teria vergonha de tão inflacionada promoção pessoal. E, aqui no Brasil, precisamos acabar com a associação de uma denominação com o nome e a figura de seu fundador.

O verdadeiro amigo do Noivo faz propaganda do Noivo e não de si mesmo

A descendência de Adão encontra-se contaminada pela síndrome de altar.

(...) Somos uma raça que gosta de viver em destaque. (...) O ser humano comum sente anseio pela celebridade e não gosta da sombra do ostracismo. (...) O exibicionismo no palco é uma deformação que denota obesidade do ego, em conseqüência da teimosia dominante do pecado original. (...) O gênero adâmico é presunçoso ao extremo e não concorda com a fronteira da insignificância. (...) Ninguém gosta de viver à margem do êxito e das lentes de observação.

O velho homem, espécie gerada no útero da rebeldia no Éden, não aceita viver no deserto social ou afastado das luzes da ribalta. Ele pode até aturar essa condição por falta de escolha, mas não é de bom grado. A expectativa reservada no seu interior é sempre de uma visibilidade pública e de prestígio diante da coletividade. Muitos não querem perder a sua privacidade, mesmo assim, não gostam de viver na carceragem do anonimato.

O risco da elevação é você alcançar o alto da escala e então perceber que

ela se encontra apoiada numa parede errada. Ninguém que tenha comunhão com Cristo deveria aspirar ao pódio, uma vez que ele viveu aqui na terra almejando apenas glorificar ao Pai, sem qualquer glamour ou necessidade de consideração especial. A glória de Cristo na terra era viver para a glória do Pai.

(Frases retiradas do artigo Desapeando do pedestal, de Glênio Fonseca Paranaguá, pastor da Primeira Igreja Batista de Londrina, publicado na edição de abril de 2008 de Palavra da Cruz).

A obesidade do ego Glênio Fonseca Paranaguá

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Robinson Cavalcanti

Reflexão

ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 36

Pseudo-pentecostais: nem evangélicos, nem protestantes

Um grande equívoco cometido pelos sociólogos da religião é o de por sob a mesma rubrica de

pentecostalismo dois fenômenos distintos. De um lado, o pentecostalismo propriamente dito, tipificado, no Brasil, pelas Assembléias de Deus; e do outro, o impropriamente denominado neopentecostalismo, melhor tipificado pela Igreja Universal do Reino de Deus. Um estudioso propôs denominar essas últimas de pós-pentecostais: um fenômeno que se seguiu a outro, mas que com ele não se conecta, pois neo se refere a uma manifestação nova de algo já existente. Correntes de sociologia argentina já os denominaram de iso-pentecostalismo: algo que parece, mas não é. Lucidez e coragem teve Washington Franco, em sua dissertação de mestrado na Universidade Federal de Alagoas, quando classificou o fenômeno representando pela IURD de pseudo-pentecostalismo: algo que não é. Um estudo acurado dos tipos ideais, Assembléia de Deus e Igreja Universal do Reino de Deus, sob uma ótica sociológica, ou uma ótica teológica, nos levará à conclusão que se trata de duas manifestações religiosas diversas, que não podem — nem devem — ser colocadas sob uma mesma classificação.

Ao se somar, a partir do Censo Religioso, esses dois agrupamentos, tem-se um alto índice de pentecostais, constituídos, contudo, pelos que o são e pelos que não o são. Equiparar ambos os fenômenos não faz justiça à Igreja Universal e ofende a Assembléia de Deus.

Podemos afirmar, ainda, um segundo equívoco dos analistas: considerar a IURD e suas congêneres como evangélicas. Elas próprias, por muito tempo, relutaram em se ver como tal, pretendendo ser tidas como um fenômeno religioso distinto, e terminaram por aceitar a classificação evangélica por uma estratégia política de hegemonizar um segmento religioso mais amplo no cenário do Estado e da sociedade civil. O evangelicalismo é marcado pela credalidade histórica e pela ênfase doutrinária reformada na doutrina da expiação dos pecados na cruz e na necessidade de conversão, ou novo nascimento.

Se o pseudo-pentecostalismo não é pentecostalismo, nem, tampouco, evangelicalismo, também não é protestantismo. O discurso e a prática dessa expressão religiosa indicam a inexistência de vínculos ou pontos de contatos com a Reforma Protestante do Século 16: as Escrituras, Cristo, a

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Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política – teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo – desafi os a uma fé engajada. <www.dar.org.br>

Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 37

graça, a fé. Chamar o bispo Macedo de protestante é de fazer tremer o Muro da Reforma, em Genebra, e os ossos de Lutero e Calvino em seus túmulos. Muita gente tem incluído a IURD, e assemelhadas, como pentecostais, evangélicas ou protestantes, para inflar, de forma triunfalista, os números, ou por temor de retaliações legais, ou extralegais, vindas daquelas instituições. Se sociólogos têm denominado manifestações novas na cristandade, como as Testemunhas de Jeová, os Mórmons, ou a Ciência Cristã, como seitas para-cristãs, podemos denominar a Igreja Universal e congêneres de seitas para-protestantes.

O que se constata, cada vez mais, é que o fenômeno pseudo-pentecostal tem concorrido para uma maior aproximação entre os pentecostais (já tidos como históricos, por sua antigüidade e mobilidade social e cultural) e as igrejas históricas. De um lado, os pentecostais redescobrem o valor da história, de uma confessionalidade e de uma teologia sólida; do outro, os históricos vão flexibilizando (ou ampliando) a sua pneumatologia, reconhecendo a contemporaneidade dos dons do Espírito Santo. O fosso entre pentecostais e pseudo-pentecostais tende a aumentar, não só pela aproximação entre pentecostais e históricos, mas também pela crescente adesão dos pseudo-pentecostais a ensinos e práticas sincréticas, com o catolicismo romano popular e os

O fosso entre pentecostais e pseudo-pentecostais (Igreja Universal e congêneres) tende a aumentar,

não só pela aproximação entre pentecostais e históricos, mas também pela crescente adesão dos pseudo-pentecostais

a ensinos e práticas sincréticas

cultos afro-ameríndios. Quando estudantes de teologia assembleianos, batistas nacionais ou presbiterianos renovados aprendem com teólogos anglicanos (John Stott, J.I. Packer, Michael Greene, Alister McGrath, N.T. Wright), e anglicanos, luteranos ou presbiterianos usam de um louvor mais exuberante e oram por cura e libertação, na expressão de Gramsci, um novo bloco histórico vai se formando (retardado pelo extremo fracionamento entre ambos os segmentos), do qual, é claro, não faz parte o pseudo-pentecostalismo. Esse bloco histórico em formação, para se consolidar, não apenas deve se conhecer mais mutuamente, somando conceitos e subtraindo preconceitos, mas também responder aos desafios de um pluralismo que inclui a diversidade do catolicismo romano, o pseudo-pentecostalismo, o esoterismo, os sem-religião e um agressivo secularismo, emoldurado pelo relativismo pós-moderno. Isso passa, necessariamente, pelo aprender com a história da igreja — durante, depois e antes da Reforma — e pela superação de uma iconoclastia que, equivocadamente, equipara o artístico com o idolátrico.

Contamos com estadistas do reino de Deus, com humildade, visão e coragem para consolidar esse bloco?

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ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 38

Ricardo Gondim

Reflexão

O culto pegava fogo. O frenesi do povo crescia, estimulado por um pastor quase grisalho,

engravatado e bastante brilhantina nos cabelos. Mesmo acostumado a ambientes pentecostais, estranhei o exagero dos gestos e das palavras. Concentrei-me para entender o que o pastor dizia em meio a tantos gritos. Percebi que ele literalmente dava ordens a Deus. Exigia que honrasse a sua Palavra e que não deixasse “nenhuma pessoa ali sem a bênção”. Enquanto os decibéis subiam, estranhei o tamanho da sua arrogância. A ousadia do líder contagiou os participantes. Todos pareciam valentes, cheios de coragem. Assombrei-me quando ouvi uma ordem vinda do púlpito: “Chegou a hora de colocarmos Deus no canto da parede. Vamos receber o nosso milagre e exigir os nossos direitos”. Foi a gota d’água. Levantei-me e fui embora.

Os ambientes religiosos neopentecostais se tornaram alucinatórios porque geram fascínio por poder e pela capacidade de criar um mundo protegido e previsível. Por se sentirem onipotentes, buscam produzir uma realidade fictícia. Para terem esse mundo hipotético, os sujeitos religiosos chegam ao cúmulo de se acharem gabaritados para comandar Deus. É próprio da religião oferecer segurança, mas os neopentecostais querem produzir garantia existencial com avidez.

Em seus cultos, procuram eliminar as contingências, com a imprevisibilidade dos acidentes e os contratempos do mal. Acreditam-se capazes de domesticar a vida para acabar com a possibilidade de seus filhos adoecerem, de as empresas que dirigem falirem e de se safarem caso estejam em ônibus que despenca no barranco. Almejam uma religião preventiva, que se antecipa aos solavancos da vida. Imaginam-se aptos para transformar a aventura de viver

em mar de almirante ou em céu de brigadeiro.

Acontece que essa idéia de um mundo sem percalços não passa de alucinação. Por mais que se ore, por mais que se bata o pé dando ordens a Deus, o Eclesiastes adverte: “O que acontece com o homem bom, acontece com o pecador; o que acontece com quem faz juramentos acontece com quem teme fazê-lo” (9.2).

Mas a pergunta insiste: por que os cultos neopentecostais lotam auditórios e ganham força na mídia? Repito, pelo simples fato de prometerem aos fiéis o poder de controlar o amanhã, eliminar os infortúnios e canalizar as bênçãos de Deus para o presente. Quando oram, pretendem gerar ambientes pretensiosamente capazes de antever quaisquer problemas para convertê-los em fortuna e felicidade.

Esta premissa deve ser contestada. Pedir a Deus para nunca se contrariar, ou para ser poupado de acidentes,

Verdade versus

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Ricardo Gondim é pastor da Assembléia de Deus Betesda no Brasil e mora em São Paulo. É autor de, entre outros, Eu Creio, mas Tenho Dúvidas. <www.ricardogondim.com.br>

Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 39

significa exigir que ele coloque os seus filhos em uma bolha de aço. A vida é contingente. Tudo pode ocorrer de bom e de ruim. Uma existência sem imprevisibilidade seria maçante. O perigo da tempestade, a ameaça da doença, a iminência da morte fazem o dia-a-dia interessante.

A verdade não produz necessariamente felicidade. Verdade conduz à lucidez. O delírio, porém, tranqüiliza e gera um contentamento falso. Muitos recorrem à religião porque desejam fugir da verdade e se arrasam porque a paz que a alucinação produz não se sustenta diante dos fatos.

Cedo ou tarde, a tempestade chega, o “dia mau” se impõe e o arrazoamento do religioso cai por terra. Interessante observar que Jesus nunca fez promessas mirabolantes. Como não se alinhou aos processos alienantes da religião, ele não garantiu um mundo seguro para os seus seguidores. Pelo contrário, avisou que os enviaria como ovelhas para o meio dos lobos e advertiu que muitos seriam entregues à morte por seus familiares. Sem rodeio, afirmou: “No mundo vocês terão aflições”.

Quando o Espírito conduziu Jesus para o deserto, o Diabo lhe ofereceu uma vida segura, sem imprevistos. As três tentações foram ofertas de provisão, prevenção e poder, mas ele as rechaçou porque as considerou mentirosas. O mundo que o Diabo prometia não existe.

Porém as pessoas preferem acreditar em suas ilusões. Fugir da crueza

da vida é uma grande tentação. Em um primeiro momento, parece cômodo refugiar-se da realidade, negando-a. É bom acreditar que a riqueza, a saúde, a felicidade estão pertinho dos que souberem manipular Deus.

O mundo neopentecostal se desconectou da realidade. Seus seguidores vivem em negação. Não aceitam partilhar a sorte de todos os mortais.

Confundem esperança com deslumbre, virtude com onipotência mágica, culto com manipulação de forças esotéricas e espiritualidade com narcisismo religioso.

Os sociólogos têm razão: o crescimento numérico dos evangélicos não arrefecerá nos próximos anos. Entretanto, o problema é qualitativo. O rastro de feridos e decepcionados que embarcaram nessas promessas irreais já é maior do que se imagina.

A demanda por cuidado pastoral vai aumentar. Os egressos do “avivamento evangélico” baterão à porta dos pastores, perguntando: “Por que Deus não me ouviu?” ou “O que fiz de errado?”. Será preciso responder carinhosamente: “Não houve nada de errado com você. Deus não lhe tratou com indiferença. Você apenas alucinou sobre o mundo e misturou fé com fantasia”.

Soli Deo Gloria.

A verdade conduz à lucidez. O delírio

tranqüiliza e gera um contentamento

falso. Muitos recorrem à religião

porque desejam fugir da verdade e se arrasam porque a

paz que a alucinação produz não se

sustenta diante dos fatos

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Valdir Steuernagel

R edescobrindo a Palavra de Deus

“Sim, vamos começar a reconstrução. E se encheram de coragem.” (Ne 2.18)

Há certos assuntos do cotidiano que estão sempre presentes em nossas conversas: filhos,

saúde, comida, contas a pagar etc. E na caminhada de fé não é diferente. Há assuntos que sempre voltam à tona. Um deles, que tem sido discutido nesta coluna, é a nossa atuação como cidadãos. Devemos nos preocupar com as coisas terrenas ou só com as eternas? A vida pode ser “dividida” dessa maneira? Qual é, de fato, a nossa vocação?

Imagino que certos leitores, ao lerem esta série sobre os Objetivos do Milênio, fiquem se perguntando se Ultimato não estaria equivocada ao dar prioridade a estas coisas. Por que falar de fome, educação, mortalidade infantil, meio ambiente, se está em jogo o destino eterno das pessoas?

Na verdade, a eternidade não é algo desvinculado dos temas da vida, nem é uma mera questão de futuro. A eternidade passa a ser realidade a partir do momento em que o senhorio de Jesus Cristo e os sinais do reino de Deus se tornam presentes na nossa

vida pessoal e comunitária. Quando Jesus libertou o geraseno dos demônios que o atormentavam (Lc 8.26-39), ele não estava apenas devolvendo a um homem o seu futuro, mas também o seu presente. O gesto de Jesus não teve um caráter meramente pessoal, mas também comunitário. No momento em que este homem é liberto, seu presente se torna absolutamente diferente, e ele é devolvido à sociedade como uma pessoa transformada. Ele já não é um risco para a sociedade, mas passa a ser um agente de promoção de vida em seu meio. Jesus lhe diz: “Volte para casa e conte o quanto Deus lhe fez”.

Nos Evangelhos, a vivência integral de Jesus nos convida e desafia para a vivência inteira do evangelho, na qual fazer o paralítico andar é tão importante quanto que ele não peque mais (Jo 5.1-14). E assim deve acontecer com os seguidores de Jesus. Não somos chamados apenas a “povoar os céus”, como diz uma expressão antiga, mas também a construir uma cidadania que busque o estabelecimento de sociedades mais justas, mais amorosas e mais felizes.

É por isso que nos aliamos às Nações Unidas na declaração dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio e celebramos quando eles são alcançados. Quando uma mãe dá a luz um filho e ambos sobrevivem, Jesus se alegra. Quando as crianças conseguem ter acesso à escola e continuar estudando no decorrer dos seus anos de crescimento, Deus sorri. Quando as mulheres são melhor tratadas por seus maridos e a violência doméstica diminui, o Espírito Santo sopra com alegria. Quando uma pessoa angustiada é encontrada pelo evangelho da graça, os anjos festejam; e quando o anúncio do evangelho promove o arrependimento e o encontro de nova vida, a igreja dança ao ritmo da dança da própria Trindade. Deus se alegra em ver as pessoas inteiras e satisfeitas — seja hoje ou amanhã, mas de preferência hoje; seja como indivíduos ou como comunidade, mas quanto mais gente, melhor.

Um dos belos exemplos bíblicos em que vemos uma mudança fundamental de vida pessoal e coletiva tornar-se realidade está no livro de Neemias. Ali encontramos um homem que abraça o chamado para reconstruir os muros de

“Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento”

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Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 41

Valdir Steuernagel é pastor luterano e trabalha com a Visão Mundial Internacional e com o Centro de Pastoral e Missão, em Curitiba, PR. É autor de, entre outros, Para Falar das Flores... e Outras Crônicas.

uma cidade empobrecida e explorada. Um homem vocacionado para guiar o povo de Israel a uma profunda renovação da sua relação com Deus e assim estabelecer as bases para uma sociedade mais justa, mais humana e mais reverente ao próprio Deus. E tudo isso ele faz em conjunto com o povo, desafiando inimigos externos e com um compromisso de vida pessoal que modela integridade, entrega e resposta ao chamado de Deus.

Neemias viveu num tempo de muita dor, pobreza e exploração do seu próprio povo. Mesmo vivendo em situação muito privilegiada como copeiro do rei da Pérsia, não se esqueceu do seu próprio povo. Quando surgiu a oportunidade, procurou informar-se sobre ele e, ao deparar-se com a realidade, não ficou indiferente: “Quando ouvi essas coisas, sentei-me e chorei. Passei dias lamentando-me, jejuando e orando ao Deus dos céus” (Ne 1.4). Neemias ouviu a Deus e lhe obedeceu, na sua geração e no seu contexto.

A nossa geração de cristãos, no Brasil de hoje, é chamada a fazer o mesmo. Orar com fervor e se dispor a servir a Deus com inteireza e vigor. Engajar-se na sociedade, exercitando uma cidadania que honre o Senhor, que expresse uma igreja viva e atuante e busque a construção de uma sociedade onde as crianças já não precisem viver apenas poucos dias (cf. Is 65.20).

Quando, em 2015, as Nações Unidas procederem a uma avaliação dos objetivos que se pretendia alcançar até lá, os resultados certamente serão disformes. Enquanto alguns países terão alcançado estes objetivos com alguma folga, outros continuaram a mostrar índices que espelham muito sofrimento, dor e injustiça. Mas seria muito bom se nas Nações

Unidas se pudesse dizer também que significativos setores da Igreja, nestas últimas décadas, viveram uma cidadania que fez diferença na qualidade de vida das pessoas, especialmente dos mais pobres. E isso nós fazemos para glória de Deus.

Não somos chamados apenas a “povoar

os céus”, mas também a construir

uma cidadania que busque o

estabelecimento de sociedades mais justas,

mais amorosas e mais felizes

Objetivos do MilênioAcabar com a fome e a miséria

Educação básica e de qualidade

para todos

Igualdade entre sexos e

valorização da mulher

Reduzir a mortalidade infantil

Melhorar a saúde das gestantes

Combater a aids, a malária e

outras doenças

Qualidade de vida e respeito ao

meio ambiente

Todo mundo trabalhando pelo

desenvolvimento

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Alderi Souza de Matos

História

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Em defesa doNas últimas décadas,

tem se tornado comum no mundo ocidental “malhar” o cristianismo.

Intelectuais, acadêmicos, escritores e articulistas de renome costumam se referir à fé cristã de forma desairosa e depreciativa. Infelizmente, com freqüência muitos críticos estão dentro das fileiras do próprio cristianismo. É considerado politicamente incorreto falar mal de outras religiões, como o islamismo, o budismo e o hinduísmo, que estão muito em voga na Europa e nas Américas, mas não se vê nenhum problema em condenar o movimento cristão. Alguns pensadores ateus, autores de livros campeões de vendas, têm defendido explicitamente a extinção pura e simples do cristianismo. Segundo afirmam, seria desejável que todas as religiões deixassem de existir, mas na realidade eles têm em mente antes de tudo a fé cristã, a tradição religiosa predominante no Ocidente.

Além de preconceituosa, essa atitude é profundamente injusta do ponto de vista histórico. Os próprios cristãos reconhecem que sua trajetória ao longo dos séculos não está isenta de dolorosos problemas. As cruzadas, o anti-semitismo, a Inquisição, as guerras religiosas e a escravidão nas Américas são manchas tristes na experiência da igreja, falhas que os cristãos conscienciosos lamentam profundamente. É preciso lembrar esses fatos continuamente para que eles não voltem a se repetir. Todavia, as contribuições e os benefícios que o cristianismo legou ao mundo são muito mais marcantes e numerosos que os seus erros, como o estudo desapaixonado da história demonstra de maneira conclusiva. Alguns desses benefícios não foram generalizados nem contínuos, tendo ocorrido mais

em algumas épocas e lugares do que em outras.

A influência histórica

O cristianismo é a principal tradição cultural do mundo ocidental, o mais importante fator na formação histórica da Europa e das Américas. Assim sendo, a influência cristã permeia todos os aspectos da vida desses continentes e suas nações. Caso prevalecesse a tese dos autores que defendem a extinção do cristianismo, por uma questão de coerência vastas mudanças teriam de ser feitas na vida social desses povos.

Por exemplo, o calendário teria de ser trocado por outro — a semana de sete dias, os termos “sábado” e “domingo” (“dia do Senhor”) e a contagem dos anos (como 2008) não mais fariam sentido, porque todos têm origem cristã ou judaico-cristã. Algumas das celebrações e festividades mais apreciadas pelas pessoas (Natal, Páscoa, Dia de Ação de Graças) teriam de ser eliminadas. Milhões de pessoas teriam de mudar seus nomes de origem cristã, inclusive muitos ateus. O mesmo aconteceria com um imenso número de designações de cidades, logradouros

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cristianismo

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oe pontos geográficos. Os idiomas, a música, o folclore, as tradições e outros elementos seriam profundamente afetados.

Mas existem questões mais importantes. Olhando-se para a história antiga e recente, percebe-se o enorme impacto humanizador e civilizador do cristianismo. Desde o início da era cristã, houve uma grande preocupação com a dignidade da vida humana, que se traduziu no combate a práticas degradantes como o aborto, o infanticídio e as lutas de gladiadores. O cristianismo valorizou a criança, a mulher, o idoso, o casamento e a vida familiar. Embora no início os cristãos tenham mantido a escravidão que existia no Império Romano, a fé cristã

continha valores que levaram à gradual extinção desse mal. Tem sido imenso, ao longo do tempo, o esforço dos cristãos em socorrer os pobres, doentes e desamparados de toda espécie, através de um sem-número de iniciativas e instituições humanitárias. Até hoje, tanto em tribos indígenas e populações carentes como entre povos adiantados, a contribuição cristã nessas áreas se faz notar de modo saliente.

O legado cultural

Sem desprezar as magníficas contribuições das antigas civilizações grega e romana, foi principalmente o cristianismo que moldou a vida dos povos ocidentais como os conhecemos hoje, além de exercer grande influência

positiva na África e na Ásia. À medida que a fé cristã se expandia, ela elevou o padrão de vida dos povos que deram origem às nações européias. A contribuição cristã na área da educação tem sido das mais destacadas. Durante séculos, as únicas escolas que existiam estavam ligadas à igreja. Muitos povos, ao serem evangelizados, receberam simultaneamente a escrita e a alfabetização, como ocorreu entre os eslavos, na Europa oriental, e em muitas nações africanas. A Bíblia, traduzida para as línguas desses povos, se tornou importante nesse processo. As primeiras universidades (Paris, Bolonha, Oxford) e muitas outras surgidas mais tarde (Harvard, Yale, Princeton etc.) foram criadas por cristãos.

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ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 44

O cristianismo deu uma contribuição inigualável em outras áreas significativas, notadamente em séculos recentes. Alguns exemplos no âmbito político são o governo representativo, a separação dos poderes, a expansão da democracia e a ampliação dos direitos e liberdades civis. As convicções cristãs permitiram a ascensão econômica do homem comum, gerando prosperidade para famílias e povos. Outra área de atuação foi a ciência, não só pelo fato de que a maior parte dos cientistas ao longo da história têm sido cristãos, mas de que o cristianismo, com sua visão de um mundo ordenado e sujeito a leis fixas, porque criado por Deus, possibilitou o próprio surgimento da ciência. E que dizer das contribuições nos campos da literatura e da arte? Se não fosse o cristianismo, não teríamos obras como as Confissões, de Agostinho, a Divina Comédia, de

Dante, o Paraíso Perdido, de Milton, e tantas outras. Não contemplaríamos as magníficas catedrais góticas, a Capela Sistina, bem como as esculturas e pinturas de Michelangelo, Leonardo da Vinci, Rembrandt e outros mais. Não poderíamos ouvir “O Messias” de Haendel nem as inspiradoras composições de Johann Sebastian Bach.

Valores religiosos e éticos

Os legados mais valiosos do cristianismo ao mundo são a vida e os ensinos de seu fundador, registrados no Livro dos Livros. Jesus Cristo, o carpinteiro de Nazaré que os cristãos

consideram o próprio Filho de Deus encarnado, proferiu algumas das palavras mais belas, sublimes e cativantes que se conhecem na história humana. Ele falou das coisas transcendentes e eternas de modo simples e acessível a qualquer indivíduo. Os valores que ensinou, como o amor, a compaixão, o altruísmo, a integridade, a veracidade e a justiça, têm trazido benefícios incalculáveis ao mundo. Todavia, ele não se limitou às palavras e conceitos, mas exemplificou em suas ações as verdades que buscava transmitir. Por fim, deu sua vida na cruz para cumprir cabalmente a missão de que estava

Somente se os cristãos retornarem continuamente aos fundamentos de sua fé, eles poderão continuar a

proporcionar ao mundo e à sociedade os mesmos benefícios oferecidos por seus antecessores

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Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de A Caminhada Cristã na História e Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil.<[email protected]>

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incumbido. Desde então, seu ensino e exemplo têm inspirado e transformado milhões de pessoas em todos os recantos do mundo, além de ter induzido mudanças radicais nos mais diferentes aspectos da sociedade.

Sem Cristo e seu grandioso legado, o mundo certamente seria um lugar muito mais sombrio, triste e desesperançado. Essa é a tese de D. James Kennedy em seu livro E se Jesus não Tivesse Nascido? (Editora Vida, 2003). Não se pode negar que muitos não-cristãos têm dado contribuições relevantes à sociedade. Os cristãos não têm dificuldade com isso, porque entendem que Deus atua em toda a criação e que sua imagem, ainda que desfigurada, está presente em todos os seres humanos. Todavia, as alternativas de um mundo sem fé e sem cristianismo podem se tornar aterrorizantes. Basta lembrar que os homens mais cruéis, desumanos e

sanguinários do século 20 — indivíduos como Josef Stálin, Adolf Hitler, Mao Tsé Tung e Pol Pot — além de não serem cristãos, eram inimigos do cristianismo. Mesmo sem apelar para casos extremos como esses, está claro que o crescente secularismo que avassala o mundo, com sua relativização do significado e da importância da vida, representa uma grande ameaça para o futuro da humanidade.

ConclusãoDepois de afirmar todas essas realidades em defesa do cristianismo, destacando os elementos construtivos de sua herança milenar, é preciso acrescentar que os cristãos não têm motivos para se entregar ao ufanismo triunfalista. O cenário cristão contemporâneo tem dificuldades que deveriam produzir em seus fiéis um forte senso de humildade e contrição. As rivalidades, incoerências,

mediocridades, extremismos e outras distorções existentes em muitas igrejas e grupos cristãos são amiúde as causas da atitude beligerante mencionada no início deste artigo. Daí a necessidade de se fazer uma distinção entre as estruturas de poder, as instituições humanas, a religiosidade meramente nominal e cultural, e o cristianismo genuíno ensinado por Cristo e seus apóstolos, exemplificado pelos elementos positivos da trajetória cristã. Somente se os cristãos retornarem continuamente aos fundamentos de sua fé, eles poderão continuar a proporcionar ao mundo e à sociedade os mesmos benefícios oferecidos por seus antecessores.

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ENTREVISTA Erni Walter Seibert

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Best-sellers são substituídos e esquecidos, mas a Bíblia permanece sempre no topoEm 2007, foram distribuídas no Brasil mais de 5 milhões de Bíblias. O desafi o é fazer com que a Bíblia seja o livro mais lido, amado e seguido.

Poucos dias antes de completar 21 anos e menos de um mês antes

de se casar, o gaúcho Erni Walter Seibert graduou-se em teologia no Seminário Concórdia. Nascido de uma família luterana e batizado na infância, Erni Walter teve o raro privilégio de participar do chamado culto doméstico, quando toda a família se reúne para ler a Bíblia e orar. Mestre em teologia e doutor em ciência da religião, o atual Secretário de Comunicação e Ação Social da Sociedade Bíblica do Brasil já foi pastor de igrejas luteranas, professor de teologia, vice-presidente da Igreja Evangélica Luterana no Brasil e presidente da Associação de Editores

Cristãos (AsEC). Quando era seminarista em Porto Alegre, para sustentar

seus estudos, Erni Seibert, hoje com 56 anos e pai de quatro filhos, trabalhou como servente de pedreiro e jardineiro. Esta entrevista é feita a propósito do 60º aniversário da SBB.

Há mais de 180 anos, quando o Brasil tinha acabado de proclamar sua independência de Portugal, o secretário-geral da Sociedade Bíblica Americana dizia que “os povos que vivem na América do Sul estão preparados para receber não centenas ou milhares de Escrituras, mas milhões de exemplares”. Essa previsão se cumpriu?

Erni Seibert — Há 180 anos ninguém poderia imaginar que a produção de Bíblias alcançaria as cifras atuais. No mês de agosto, recebi a estatística oficial de distribuição de Bíblias no mundo das Sociedades Bíblicas Unidas, referente ao ano de 2007. A distribuição mundial subiu cerca de 5% em relação ao ano de 2006. Em 2007, as Sociedades Bíblicas Unidas distribuíram 26.996.323 exemplares de Bíblias completas. Deste total, 11.383.264 foram distribuídos na região das Américas. A Sociedade Bíblica do Brasil foi responsável por distribuir, no ano passado, 5.161.811 exemplares no Brasil. Se pensarmos na distribuição mundial de Bíblias e na distribuição da população mundial pelos continentes, muito ainda precisa ser feito. No Brasil, estamos vivendo o período de maior

distribuição de Bíblias de toda a sua história. O desafio constante é fazer com que essas Bíblias sejam lidas, estudadas e tenham o devido efeito na vida das pessoas.

Na história da Bíblia no Brasil houve acentuados recuos, tanto da parte de católicos como da parte de protestantes. Estes acusavam os católicos de publicarem Bíblias com notas culturais e teológicas e aqueles acusavam os protestantes de colocarem à venda Bíblias falsas, por não incluírem os livros apócrifos. O que o senhor diz?

Erni Seibert — A distribuição de Bíblias no Brasil teve capítulos difíceis, como também aconteceu em outras partes do mundo. A leitura da Bíblia não recebia, por parte da Igreja Católica, muito incentivo. A distribuição de Bíblias era pequena. Quando os evangélicos começaram a distribuir a Bíblia, houve vários incidentes. O problema não era a Bíblia propriamente dita, mas as acusações que se faziam mutuamente. A questão do cânone, por exemplo, elucida muito. Não são os livros apócrifos ou deuterocanônicos que estabelecem as diferenças entre católicos e evangélicos. A diferença está especialmente na interpretação de passagens dos livros presentes em ambas as versões do cânone bíblico. O desconhecimento do conteúdo desses livros não é muito diferente entre a maioria dos católicos e a maioria dos

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evangélicos. Por isso mesmo, as acusações recíprocas nem sempre têm fundamento. Em vez de acusações, o diálogo sério sobre o texto bíblico certamente pode ajudar muito, tanto evangélicos como católicos, no entendimento e na aproximação da Palavra de Deus.

A SBB inaugurou o barco Luz na Amazônia III em 1994, quase 140 anos depois da famosa viagem do barco Tabatinga, que levou o representante da Sociedade Bíblica Americana e um carregamento de 2.500 exemplares das Escrituras até Iquito, no Peru. Há alguma relação entre um evento e outro?

Erni Seibert — A região amazônica sempre mereceu atenção especial das Sociedades Bíblicas. Tanto a Sociedade Bíblica Americana como a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira desenvolveram programas de distribuição de Bíblias naquela região já no século 19. O programa Luz na Amazônia começou em 1962. Na época, o Rev. Luiz Antonio Giraldi fez uma visita à região e perguntou o que a Sociedade Bíblica do Brasil (organizada em 1948) poderia fazer para ajudar na distribuição de Bíblias. A resposta foi que na região amazônica era extremamente necessário um barco que levasse a Bíblia às populações ribeirinhas. Assim, foi comprado o primeiro barco. Hoje, o programa Luz na Amazônia, além de levar a Bíblia, desenvolve um importante trabalho social na região. As pessoas não apenas são assistidas com

a Palavra de Deus, mas vêem o amor de Deus em ação através dos projetos sociais ali desenvolvidos. Esta é uma região de nosso país que precisa receber ainda mais atenção no que diz respeito à distribuição da Palavra de Deus. As condições de distribuição são difíceis e caras e precisam do apoio de cristãos de outras partes.

Até 1990, havia mais evangélicos do que Bíblias no Brasil. De 2000 para cá há mais Bíblias do que evangélicos. Qual foi o fato novo que reverteu o quadro?

Erni Seibert — Estima-se que a distribuição total de Bíblias no Brasil (incluindo todas as editoras que publicam o texto sagrado) seja de aproximadamente 8 milhões de exemplares ao ano. Isso significa que a cada cinco anos é possível colocar uma Bíblia ao alcance de cada família. Este quadro de ampla distribuição da Bíblia começou a acontecer quando o custo das Bíblias diminuiu. Sem dúvida, a Gráfica da Bíblia, da Sociedade Bíblica do Brasil, influenciou diretamente essa questão. Com a existência dessa gráfica, Bíblias de boa qualidade gráfica e com preços acessíveis se tornaram comuns no Brasil. Mas esta é apenas uma explicação parcial do que ocorreu. Devemos lembrar também que, nesse período, muitas igrejas empreenderam enormes esforços evangelísticos, distribuindo Bíblias ao povo, levando a Palavra de Deus às pessoas, com o apoio dos meios de comunicação. A rica

distribuição da Palavra fez com que as igrejas crescessem. Mas a explicação não pára aí. Acima de tudo, a bênção de Deus se fez presente.

Com 60 anos de história, a SBB já publicou mais de 60 milhões de Bíblias completas, em português e em outros dezesseis idiomas. Há algum outro livro de tiragem igual ou maior?Erni Seibert — Não conheço outro livro que alcance os números da Bíblia. Mesmo os autores best-sellers não atingem cifras idênticas. E best-sellers não se mantêm nessa condição por muitos anos. São substituídos e, muitos deles, esquecidos. A Bíblia é um caso único na história do livro. Por vezes se fala que o mesmo papel exercido pela Bíblia no cristianismo é exercido por outros livros sagrados em outras religiões. Na verdade, não há outro livro que em outra religião desempenhe o mesmo papel que a Bíblia desempenha para a fé cristã. Ela é o texto básico da fé cristã e é um livro que nasceu para ser traduzido para todas as línguas existentes sobre a face da terra. A intenção manifesta de Deus, na própria Bíblia Sagrada, é que a sua Palavra alcance todas as línguas e nações. Isso explica, ao menos em parte, a razão pela qual a Bíblia é um livro tão difundido.

A SBB é mesmo o maior centro produtor de Bíblias do mundo?Erni Seibert — Sim. A Gráfica da Bíblia, da SBB, desde a sua inauguração em 1995, já produziu

O Brasil é o país do mundo onde hoje mais Bíblias são distribuídas. Com o Ano da Bíblia se pretende não apenas chamar a atenção da opinião

pública sobre o valor da Bíblia, mas também estimular a sua leitura

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Não há outro livro que em outra religião desempenhe o mesmo papel que a Bíblia desempenha para a fé cristã

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quase 70 milhões de exemplares de Bíblias completas, sem contar os Novos Testamentos produzidos no mesmo período. Não há outro lugar no mundo em que, em tão pouco tempo, tenham sido produzidas tantas Bíblias.

Por que 2008 está sendo chamado de “O Ano da Bíblia”?

Erni Seibert — Por vários motivos. Primeiro, faz 200 anos que foram preparados os primeiros Novos Testamentos em português para serem distribuídos em países lusófonos. Eles foram produzidos na Inglaterra, pela Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira. Em 1808, o rei de Portugal mudou-se com sua corte para o Brasil. Aqui

chegando, abriu os portos brasileiros às nações amigas de Portugal, o que motivou a produção desses Novos Testamentos em português. Outro motivo são os 60 anos de fundação da SBB. Em 10 de junho de 1948, representantes de igrejas cristãs, reunidos na Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro, decidiram pela criação da SBB. Além disso, é notório que o Brasil seja o país do mundo onde hoje mais Bíblias são distribuídas. Com o Ano da Bíblia se pretende não apenas chamar a atenção da opinião pública sobre o valor da Bíblia, mas também estimular a sua leitura.

Apenas as editoras evangélicas e católicas produzem Bíblias no

Brasil? Qual é a porcentagem de cada uma delas?

Erni Seibert — Os números de distribuição da Bíblia não são divulgados por todas as editoras. Por isso, organizações como a Associação de Editores Cristãos (AsEC) e a Câmara Brasileira do Livro (CBL) têm dificuldades para apurar números exatos. Estima-se que sejam distribuídos, por ano, cerca de 8 milhões de Bíblias no Brasil. A SBB tem a tradição de, a cada início de ano, publicar sua distribuição referente ao ano anterior (os números estão no site da organização: www.sbb.org.br). A grande maioria das Bíblias é publicada por editoras cristãs. Raramente editoras

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seculares publicam Bíblias. Não há dados oficiais sobre a quantidade de Bíblias publicadas por editoras católicas. Por isso é difícil falar de porcentagens.

O que aconteceu com a Tradução Brasileira da Bíblia, feita por brasileiros e para brasileiros, publicada pela primeira vez há 90 anos?

Erni Seibert — A Tradução Brasileira da Bíblia foi um trabalho muito importante, realizado no Brasil sob a coordenação da Sociedade Bíblica Americana e da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira. Ela foi publicada pela primeira vez em 1917. Nessa tradução trabalharam nomes como Rui Barbosa, José Veríssimo e Heráclito Graça. Uma das características dessa tradução foi seu rigor no método de tradução por equivalência verbal. Por isso, especialmente para aqueles que tinham estudado hebraico e grego,

ela era útil na hora do estudo. Houve, porém, um detalhe de tradução que fez com que ela não se tornasse tão popular nas igrejas. Os tradutores optaram por não traduzir os nomes dos personagens bíblicos. A tradução apenas transliterava, na medida do possível, esses nomes. Como os leitores das igrejas já estavam acostumados com nomes como Abraão, Isaque e Jacó, foi difícil para eles começar a ler Abraham, Isaac e Jacob. De todo modo, essa tradução é um testemunho do amor que os brasileiros sempre tiveram pela Bíblia.

A SBB tem algum departamento que incentiva não só a aquisição da Bíblia, mas também a sua leitura proveitosa?

Erni Seibert — Este é um esforço que todos os departamentos da SBB fazem. O estímulo à leitura se dá por meio da

produção de uma tradução bem feita, da diagramação adequada e da impressão com qualidade. Tudo isso visa facilitar a vida do leitor e estimulá-lo à leitura. A própria distribuição da Bíblia, facilitando o acesso do leitor a ela, estimula a leitura. A Secretaria de Comunicação e Ação Social da SBB coordena os esforços de divulgação da Bíblia e de estímulo à leitura por meio de ações que ela coordena. Exemplo disso são campanhas como a do Ano da Bíblia, a distribuição de Bíblias para pessoas com necessidades especiais, a distribuição em projetos sociais, a divulgação de planos de leitura da Bíblia, a distribuição de textos bíblicos por e-mail, entre outros esforços. A SBB também oferece um diploma de leitura bíblica a todos aqueles que informam que concluíram a leitura da Bíblia. O nosso intento é que a Bíblia seja não apenas o livro de maior distribuição, mas o livro mais lido, amado e seguido.

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Bráulia Ribeiro, missionária em Porto Velho, RO, é autora de Chamado Radical (Ed. Ultimato). <[email protected]>

Da linha de frente

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Bráulia Ribeiro

Tenho vivido um momento tão surreal, que às vezes me belisco para sentir se é verdade ou se é um sonho

absurdo. Em meus últimos artigos tenho mais filosofado teologias que escrito sobre o que se passa ao meu redor. Porém, esta (des)realidade que nos cerca tem de se tornar conhecida, pois não se refere apenas a mim ou à missão em que trabalho, mas a todos os brasileiros. Estamos todos sob o mesmo governo e, supostamente, sob o mesmo estado democrático e de direito.

A revista Carta Capital publicou, no final de julho, uma reportagem caluniosa em que acusa a JOCUM de vários crimes. A matéria é típica

de um momento em que a verdade é comprada e moldada para servir a interesses partidários e oligárquicos. Baseia-se, aparentemente, em um dossiê criado por um antropólogo da FUNAI, que se preocupa em elencar uma série de mentiras em formato pseudo-acadêmico. Ninguém investigou, perguntou, nem viu. Mas uma mentira repetida muitas vezes passa por verdade.

Estamos com nosso telefone grampeado, e-mails violados e a sensação de que a qualquer momento a Polícia Federal pode invadir nossa casa atrás de provas de uma possível conspiração contra o estado brasileiro.

Desde que tiramos dois bebês Suruwahá da área em 2005, para tratamento médico, nossa situação política se complicou muito. Ousamos desafiar o governo em cadeia nacional de televisão, lutar pela vida e não nos conformar com regras que mantêm os indígenas num cárcere paleolítico, impedidos de receber até o simples tratamento médico, direito de todos os brasileiros.

A questão indígena vai além das políticas periféricas e, principalmente,

desta guerra religiosa e ideológica que é usada contra as missões. Chegamos ao cerne quando debatemos quem é o índio. Ele é o “nobre selvagem” de Rousseau, o herói de Alencar? Um ser primitivo preso num lugar remoto do processo evolucionista? A nossa legislação presume a incapacidade do índio de tomar decisões ou entender a dinâmica da sociedade. A maioria das tribos brasileiras se encaixa na descrição

de semi-integrados e, de acordo com a Constituição, estão sob a tutela legal do governo. O Estatuto do Índio de 1988 prevê que para obter cidadania plena o indígena tem que pagar impostos e trabalhar em funções “normais” que sirvam à sociedade brasileira. Ou seja, índio só é gente, só é cidadão brasileiro pleno quando deixa de ser índio.

Como sociedade brasileira, escolhemos para os indígenas o caminho mais fácil para nós. Escolhemos fingir que não os vemos, falar deles no tempo passado, parte de uma história da qual nos arrependemos. Escolhemos delegar a um órgão governamental, ou a um grupo de missionários, o que deveria ser responsabilidade de todos nós.

Quando a igreja pensa o ser humano, ou pensa a sociedade alternativa com o sonho cristão, este sonho deve incluir todas as nações, todos os povos. Sem todos não somos completos. Sem todos os povos brasileiros o Brasil não é o Brasil. Que o impasse atual nos ajude, como igreja e missão, a construir um país melhor, onde os indígenas não sejam tratados apenas como animais na pista, mas como parte essencial de nossa identidade.

Nota* Placa numa rodovia do Paraná.

Precisamos construir um país melhor, onde os indígenas não sejam tratados apenas como animais na pista,

mas como parte essencial de nossa identidade

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Ricardo Barbosa de Sousa

52 ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008

“O pão nosso de cada dia…”

A oração “o pão nosso de cada dia” nos ensina a valorizar o essencial (oramos pelo

pão, não pelo caviar), e não as “necessidades” criadas pelo espírito consumista

Durante muito tempo achei esta súplica meio fora de lugar na oração do Senhor. Minha maior dificuldade

vinha de uma sensação hipócrita de saber que este pão encontra-se estocado na despensa de minha casa. Para as famílias que não sabem o que terão para o almoço, esta súplica parece fazer sentido, mas para mim e tantos outros que entram nos supermercados e

abastecem suas despensas para os próximos quinze ou trinta dias, não faz muito sentido pedir pelo “pão nosso de cada dia”. Sabemos que ele já está garantido na mesa hoje, amanhã ou na semana que vem. Por que então orar pelo “pão de cada dia”?

Eu poderia minimizar minha dificuldade dizendo que, mesmo este pão já garantido, é dádiva de Deus. Sei que é. O que não fazia sentido para mim era o porquê desta súplica (não a gratidão por tudo que Deus tem me dado). Pensemos, por um

instante, num paciente de classe média aguardando uma cirurgia num hospital. Provavelmente sua preocupação será mais com a competência da equipe médica, com os recursos tecnológicos disponíveis, e menos com a oração; a oração entra como um ator coadjuvante, caso alguma coisa saia do controle, mas não como a preocupação central. Somos tentados a crer que Deus está presente apenas nas sombras

de nossa consciência. Que

ele é capaz de atender às necessidades emocionais confusas, aos problemas para os quais a ciência não tem respostas, mas totalmente irrelevante para o “pão de cada dia”.

O Pai Nosso é nossa primeira escola de oração. Nesta súplica Jesus nos ensina que a oração não é uma ferramenta técnica, usada para excitar nossa curiosidade. Pelo contrário, ela nos envolve num exercício de fé e compreensão da realidade que está além da ciência. Ela não é um meio de manipular a criação, mas uma forma de compreender e penetrar na realidade dela.

Ao suplicar “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje” colocamos Deus no centro de nossas necessidades cotidianas. Se Deus é percebido apenas nas fronteiras de nossas vidas, nas grandes crises ou nos grandes eventos, esta súplica não tem significado algum. Mas, como Deus nos é revelado como nosso “Pai que está nos céus”, a súplica pelo “pão de cada dia” revela a presença de Deus no que há de mais simples e comum no nosso dia-a-dia.

O reino de Deus envolve a vida inteira. Nada é trivial diante de Deus. Nossas necessidades profissionais,

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Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana

do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos,

em Brasília. É autor de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração.

Por Carlinhos [email protected]

N o v o s a c o r d e s

Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 53

Som de passarim, Ivan MeloEsse primeiro trabalho do Ivan é aguardado há tempo. Sempre que nos encontrávamos, lá pelas bandas de Minas Gerais, ele me mostrava algumas de suas belas canções. Agora o sonho se materializou num trabalho bonito e de nuances bem brasileiras. A voz e as composições são agradáveis. O CD é diversifi cado e de bom gosto, apesar de ainda escorar nos recursos eletrônicos. Destaque para os sambas “Agora que encontrei” e “Será”, a belíssima bossa nova “Jesus é Rei” e o afoxé “Som de passarim”. João Alexandre faz uma participação especial interpretando e tocando piano na canção “Palavras”. Contatos pelo telefone 31 9926-1875 ou pelo e-mail [email protected].

Por enquanto, CrombieUma garotada que faz um som competente, bem brasileiro, contemporâneo e acústico. Esse é o Crombie. Segue na tendência do que alguns classifi cam de “moderna música brasileira”. As letras são poéticas e singelas, fugindo da mesmice evangélica. Paulo Nazareth, vocalista, violonista e autor da maioria das canções, é fi lho de peixe: Josué Rodrigues, deve se sentir orgulhoso. A cozinha está bem adornada com as percussas de Lucas e Leonardo e o baixo pulsante de Felipe Vellozo; as guitarras e os violões artisticamente

dosados de Filipe Costa e Gabriel completam a banda. A arte do CD é bastante simples. Talvez por isso o nome: Por enquanto. Mas não se deixe enganar. O conteúdo é primoroso. Para conhecer mais sobre eles, inclusive suas músicas, visite o site www.myspace.com/crombies.

Notas de passagemSom do Céu 2009 – No próximo ano o conhecido acampamento Som do Céu comemora seus 25 anos. Está preparando um verdadeiro banquete: cinco dias de shows, mesas-redondas, ofi cinas e bate-papos com pessoas que fazem a história musical no Brasil. Para saber mais sobre o evento e interagir com os produtores e artistas, visite www.somdoceu2009.blogspot.com.

Plataforma – No fi nal de setembro entra no ar o programa Plataforma, via internet. É um projeto audiovisual ousado, bem produzido e de qualidade. A cada semana será disponibilizado um novo programa com entrevista e a música de um artista cristão, mesclado com um texto literário (crônica ou poesia). O trailer e teasers do plataforma já podem ser vistos no site www.plataforma.art.br. A produção é da Luz Para o Caminho.

afetivas, físicas, emocionais, tudo importa a Deus. Ele é o Deus do cotidiano, das pequenas coisas, do pão sobre a mesa e do sol que se põe ao entardecer. Deus se interessa pelo fio de cabelo que cai e pela mão que o toca no meio de uma multidão. A oração do Pai Nosso nos torna conscientes de que a experiência da oração não envolve apenas as situações de emergência ou as ansiedades do futuro, mas é pão para hoje, para as necessidades e situações do presente. É uma oração que nos ensina a não nos preocupar com o dia de amanhã. A fé cristã, para muitos, se mostra mais relevante nas lembranças do passado ou nas preocupações com o futuro, mas não tem nenhuma relevância para o presente. É no “pão de cada dia” que a graça de Deus se mostra real. O maná do deserto servia somente para o presente, nunca para o futuro. A ansiedade do futuro apodrece a graça do presente.

Outro aspecto desta súplica é que ela nos ensina a orar pelo “pão nosso”, não “meu”. É uma oração que precisa ser feita com os olhos bem abertos porque, ao fazê-la, nos tornamos mordomos responsáveis dos bens de Deus. Ela integra o básico, o “pão de cada dia”, em meio a tantas “necessidades” criadas pelo espírito consumista. Ela pede por justiça, que é fruto da conversão do “meu” para o “nosso”, e rompe com o egoísmo, nos transformando em seres solidários. Com ela aprendemos a valorizar o essencial (oramos pelo pão, não pelo caviar), porque a vida está na relação comunitária, na fidelidade e responsabilidade para com Deus, dono da prata e do ouro, da comida e da bebida, que nos confiou os seus bens para cuidar dos seus filhos. É a fé tomando forma nas situações mais reais da vida.

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Mark Carpenter

Mark Carpenter é diretor-presidente da Editora Mundo

Cristão e mestre em letras modernas pela USP.

Arte e cultura

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Estou sempre à procura de verdade e beleza. Normalmente sei onde

encontrá-las. Há casas dedicadas a abrigá-las. Há veículos de mídia que as transmitem. E há pessoas que as incorporam nas suas visagens e vidas. Mas ocasionalmente encontro verdades profundas e belezas deslumbrantes em lugares inesperados. Como, por exemplo, num filme de super-herói.

Perguntei a um dos meus filhos se ele já havia assistido Batman, o cavaleiro das trevas. “Brilhante, nada menos que Shakespeare para os nossos dias”, disse ele. De fato. Otelo em Gotham City, ou algo assim.

Nutro admiração por roteiristas e diretores que não conseguem apenas entreter seus públicos. Não sabem trabalhar sem lidar com os elementos existenciais e espirituais que envolvem seus personagens e tramas. Neste filme, a estrela é o roteiro. É sobre a coreografia literária dos irmãos Nolan que Heath Ledger dança e inventa um dos personagens mais assombrosos do cinema recente. Inspirados na obra original de Bob Kane, desta vez os roteiristas conseguem agarrar até os cinéfilos mais enfastiados para revelar o destino trágico do pós-modernismo levado às últimas conseqüências.

As faces do mal são mais multiformes e complexas que a face do bem. Tolstói começa Anna Karenina assim: “Todas as famílias felizes são

iguais, mas as famílias infelizes são infelizes cada uma ao seu modo”. Em Quincas Borba, Machado de Assis descobriu que “a moral é uma, os pecados são diferentes”. O diretor Christopher Nolan compreendeu tudo isto e preferiu apresentar a criatividade do mal — e suas sombrias motivações — sem nunca glamourizá-lo. A simplicidade do bem brilha claramente, mas quase sempre o caminho que leva a ele é rondado por ameaças e dilemas.

Todas as cenas contemplam o bem e o mal. Nolan volta sua atenção aos rostos dos personagens. Há rostos lindos desfigurados apenas pelas suas expressões, rostos transformados em semblantes transtornados como resultado da aplicação de maquiagem em leve demasia, rostos cobertos por máscaras de palhaço, rostos lambusados, rostos parcialmente

cobertos e um rosto dividido por uma linha vertical que parece literalmente dividir o mal do bem.

Este show reluzente e violento sobre moral e ética se dá num fastuoso ambiente visual. Em perfeita sintonia com o mais recente código de ética visual dos diretores “sérios” de Hollywood, Nolan lançou mão dos efeitos especiais CGI apenas quando necessários. No papel de Batman, Christian Bale insistiu em fazer quase todas as cenas pessoalmente, inclusive as mais perigosas. Até a famosa cena do solitário cavaleiro na beira do edifício mais alto da cidade foi fotografada com o próprio Bale em cima do Sears Tower de Chicago.

Várias semanas após assistir ao filme pela primeira vez, ainda não consigo me ver livre dele. Seu tratamento do mal me lembra o redemoinho de pecados do qual nenhum de nós consegue escapar sozinho. Sua representação do bem me relembra que esta, sim, é fácil de encontrar; nós é que fingimos não vê-la.

Não se surpreenda se a maior lição de moral do ano procede não de um guru de auto-ajuda, nem de uma vítima de câncer que escreve seu último livro, mas de um cara torturado que vive dentro de uma fantasia de morcego.

Não se surpreenda se a maior lição de moral

do ano procede não de um guru de auto-ajuda, mas de um cara torturado que vive dentro de uma fantasia

de morcego

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Silvana Pinheiro Taets

Silvana Pinheiro Taets é pedagoga e escritora de literatura

infanto-juvenil. Seu fi lho André, de 17 anos, morreu no

dia 19 de junho de 2008, vítima de câncer.

LIVRODeixem Que Elas Mesmas Falem, Ed. Ultimato

Deixem que elas mesmas falem

ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 56

Perdi um filho há pouco tempo. Melhor diria, o devolvi aos braços

do Pai. Ele entrou em descanso depois de uma luta corajosa contra o câncer, e a minha vida agora precisa se recompor.

Leio artigos e vejo filmes que falam do luto. Carrego comigo uma imensa necessidade de significar este tempo de perplexidade diante da morte e da vida que segue adiante.

Alguns artigos apontam fases para o enlutado. Confesso que tentei me enquadrar em algumas, mas não me vi em muitas delas. Outras vezes, me vi em tantas ao mesmo tempo, que isso não me ajudou. Corro o risco de tentar corresponder a um comportamento esperado de uma mãe que perde um filho querido. Não vale a pena somar este desgaste à dor que carrego.

Um médico amigo partilhou comigo algumas reflexões sobre perdas, que parecem me trazer alguma iluminação. Citando um pensador, de cujo nome não me lembro, disse que quando alguém querido morre, uma parte de nós é arrancada, sem se pedir licença. Então, o conjunto das relações que nos compõem fica mutilado, pois um objeto de nosso afeto, que antes era também sujeito de troca, passa a ser apenas receptor ausente da confusa mistura de nossos sentimentos, lembranças e desejos. Via de mão única.

A dor da perda se instaura aí, nesse vácuo relacional, e ela é um sinalizador de que um novo arranjo das relações ainda não se deu por completo. Enquanto há dor, a reorganização pessoal está em processo. A dor se despede aos poucos, quando outros esquemas pessoais e relacionais passam a conviver com uma doce lembrança, que é o espaço do outro ausente, dentro da nossa história, sem mais construir história conosco. O problema se dá quando a recomposição das relações incorpora a dor da perda por definitivo, quando ela continua historiando junto com a nossa vida e não conseguimos viver sem ela.

A Bíblia relata a história de Jacó, que optou por viver assim. Ele incorporou a dor pela perda de José ao seu script existencial, de tal forma que se recusou ser consolado: “Chorando descerei à sepultura para junto de meu filho” (Gn 37.35). O relato bíblico acrescenta: “E continuou a chorar por ele”.

A perda de alguém é crise que inaugura um caminho bifurcado de contradições. Ou decide-se viver sob o manto da morte do ser querido, ou assume-se a busca resoluta da reconstrução da vida. Mas o processo não é assim duplamente linear. Há atalhos ligando uma trilha à outra, traçando desvios entre elas, até alcançar uma nova síntese da trajetória, saudável ou não.

A vantagem de um relacionamento íntimo com Deus, por causa da vida e morte de Jesus, se coloca como um grande diferencial nesses momentos. A presença do Pai reveste o luto diariamente com o consolo que é inerente ao seu Espírito, o Consolador-mor, desde que não nos recusemos ser consolados. O apóstolo Paulo afirma: “Ficamos perplexos, mas não desesperados”. Como cristãos estamos tão sujeitos às intempéries desta vida como qualquer outra pessoa. Só temos um recurso poderoso a mais para passar por elas.

Eu não poderia cogitar a idéia de enlutar e lutar sem a presença santa e consoladora do Espírito de Deus em mim. Viver o luto é aprendizado necessário e permanente de escolha, quiçá pela vida. Isso é tanto mais possível quando nos deixamos conduzir pelo Espírito, única fonte de vida eterna, desfrutada aqui e após este curto tempo de existência terrena, quando poderemos também reencontrar nossos queridos.

Digo a mim mesma um ressonante e esperançoso amém, ainda em tempos de luto.

Perplexa, porém... Olga

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Júlio Reis

Júlio Reis é membro da Igreja Batista de Alcobaça, em Portugal. É casado, dois filhos, e gosta de observar aves e ler ficção científica.

Meio ambiente e fé cristã

Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 57

Jesus e oJesus e o

No capítulo 3 de Lucas, há algo impressionante para aqueles que esperam um

mundo melhor. Esse texto apresenta João Batista como o precursor de uma nova ordem mundial: o Reino de Deus. Uma profecia acerca dele, de sete séculos antes, dizia: “os caminhos tortuosos serão retificados... e toda carne verá a salvação de Deus” (v. 5-6). João era um profeta que falava a verdade de Deus e foi o último mártir do pré-cristianismo.

A prova de arrependimento é essencial na pregação de João. Assim como a cobra foge do perigo, mas não deixa de ser cobra, aquela “raça de víboras” queria escapar à ira de Deus sem uma mudança de coração (v. 7). O povo estava tão distante de Deus que nem mesmo sabia como demonstrar arrependimento (v. 10). Para uma sociedade cujo deus eram os bens materiais, João foi direto à raiz da idolatria e pronunciou a sentença: “Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo.” (Lc 3.11)

Alguma semelhança com a nossa sociedade atual?

Quem não se contenta com o status de “filho de Abraão” e deseja tornar-se um discípulo de João Batista (e por extensão, de Cristo) reconhece em Lucas 3 um fardo leve e um jugo suave.

Libertar-se da dependência dos bens materiais é uma necessidade para

pessoas de todas as classes sociais. Um aprendizado para toda a vida. É também uma fonte de grande alegria, à medida que vamos deixando aquele a quem chamamos Senhor dominar sobre nossas preocupações mais básicas. Jesus não deu estatísticas, mas talvez os “gentios” passassem 90% do tempo pensando em “necessidades básicas” (Mt 6.32). Se deixarmos Deusreinar sobre nossa “comida, bebida e roupa”, quanto tempo sobra para pensar no Reino!

Um exemplo contemporâneo de “repartir as duas túnicas” é a rede Freecycle. Esse movimento teve início nos Estados Unidos com um grupo de pessoas interessadas em doar bens dos quais não necessitam mais, ao invés de simplesmente descartá-los. Quem tem algo de que não precisa informa ao seu grupo local. Quem precisa de algo também informa. Tudo livremente: é proibido pedir ou oferecer dinheiro ou serviços. Assim, todos são encorajados a partilhar com outros uma parte do que têm e de que não necessitam. A longo prazo, isso tende a gerar uma sociedade de pessoas menos dependentes dos bens materiais.

Durante alguns meses fui membro do grupo Freecycle de Lisboa e pude constatar que realmente funciona. Minhas dúvidas foram esclarecidas na prática. Há pouco tempo iniciei um grupo na minha cidade (Alcobaça,

Portugal) e, com pouca publicidade, já somos 85 associados. Já foram oferecidas coisas como livros, CD’s, monitores de vídeo, peças de computador e carrinhos de bebê, além de muitas dicas para reciclar e poupar o ambiente e o bolso.

Encorajo o leitor a se juntar a um grupo Freecycle, ver como funciona e depois começar um em sua cidade! E vamos pensando. Certamente Lucas 3.11 não se esgota por aqui. (Como o processo de candidatura é em inglês, coloco-me à disposição para orientar qualquer pessoa que queira iniciar um grupo.)

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Marcos [email protected]

Prateleira

ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 58

Você precisa de quê?

NECESSIDADE RIMA com simplicidade, mas não é solução. Temos muitas necessidades e até Deus sabe disso (Mt 6.32). Não há exemplo melhor do que a novidadeira quermesse de bugigangas tecnológicas em que se transformou a mídia. Todos os dias somos apresentados a soluções novas para problemas que ainda não temos. E, claro, somos tomados pela sensação de inadequação ou pelo complexo de inferioridade, simplesmente porque ainda não enfrentamos aquela dificuldade que, “a partir de hoje”, estaria resolvida com a parafernália em oferta. É curioso que Paulo, próximo da morte, se preocupava com o futuro e, paradoxalmente, apontava a solução no “passado” como quem aponta uma novidade esquecida (“permaneça nas coisas que aprendeu”). Os apelos do apóstolo a Timóteo não são fáceis de engolir. Em especial, para quem tem um mundo inteiro a um toque das mãos e uma máquina que, ao contrário de Baal, fala e traduz a sua língua. “Permanecer” é verbo intransitivo, não adequado aos ansiosos.

Um caminho a seguir, penoso talvez, é a simplicidade. Olhar menos as vitrines e mais os campos, mirar-se menos nas celebridades e mais nas aves (Mt 6.25-

34). N. T. Wright, em Simplesmente Cristão (Editora Ultimato), dá um conselho: “Ser cristão no mundo de hoje é qualquer coisa, menos simples. Mas se há um tempo em que é necessário dizer, do modo mais simples possível, o que cada coisa significa, parece-me que é agora”. Viva a simplicidade.

Ultimato 40 anos — o Encontro que não terminou

“SURPREENDENTE” É A PALAVRA mais repetida pelos que participaram do Encontro de Amigos, realizado em Viçosa, MG, na primeira semana de agosto, quando celebramos 40 anos da revista Ultimato. Quero evitar adjetivos e tenho medo de holofotes. Mas parece impossível.

Talvez não tenha acontecido um encontro, mas muitos. Sabíamos, avisados pelo poeta, que “Minas são muitas”. Agora sabemos também que Ultimato não é um, Ultimato são muitos. Muitos e diferentes; tímidos e barulhentos; de longe e de perto; alguns ortodoxos, outros nem tanto; velhos e novos; homens e mulheres. Dos colunistas da revista, alguns com quatro, outros com dez e até 25 anos de colaboração ininterrupta, apenas um não esteve presente. Outras dezenas de colaboradores eventuais, autores

publicados pela Editora Ultimato, leitores e equipe da editora, éramos cerca de quatrocentos amigos de longa data e distância celebrando um cálice comum. De diferentes Estados, cidades e igrejas do país, partilhamos perguntas, dividimos experiências e conhecemos de perto aqueles de quem ouvimos falar e outros que não poderíamos imaginar.

Em bancos duros, sem ar-condicionado e com alguma poeira, começamos e terminamos nosso Encontro de Amigos encharcados pela graça e pela doce presença do Espírito Santo. Ao que parece, 1968 para a revista e Editora Ultimato também não terminou. Falamos da nossa herança, celebramos a centralidade de Jesus Cristo e contamos para os mais novos a velha história. Nas mesas-redondas procuramos entender os desafios do nosso tempo, quarenta anos depois do início de tudo, em uma sociedade cada vez mais descrente, pluralista, midiática e emocionalmente doente.

Quem sabe, é um novo começo, porque as misericórdias do Senhor não têm fim, renovam-se a cada manhã. Em novembro, na edição 315, Ultimato vai dividir com o leitor um pouco do que experimentamos. Para saber mais sobre o Encontro, acesse www.ultimato.com.br/blog.

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Vamos ler!

Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 59

Ricardo Quadros Gouvêa é ministro presbiteriano e professor de teologia e de fi losofi a.

Ricardo Quadros Gouvêa

Harmonia das Confissões ReformadasJoel Beeke & Sinclair Ferguson, org.Editora Cultura Cristã

Um retorno aos fundamentos A expressão norte-americana é back to basics, isto é,

retornar aos fundamentos. Esta é a sensação que proporciona essa excelente ferramenta de trabalho,

um estudo comparativo das principais confissões de fé e catecismos calvinistas. Recomendo o seu uso como referência, mas também sua leitura e seu emprego em cursos de teologia sistemática.

Para os que não se entendem como calvinistas, Harmonia das Confissões Reformadas é uma forma agradável de conhecer melhor a teologia calvinista em sua formulação mais difundida, a do período confessionalista da pós-reforma, ou neo-escolasticismo protestante, um período de conflitos políticos e culturais em que a definição e popularização da fé protestante eram questão de sobrevivência. As confissões de fé e os catecismos cumpriram esse papel, mesmo com uma simplificação e uma aproximação perigosa da subversão do caráter eminentemente literário e não-tractariano da Bíblia e de seu convite a uma transformação da vida e da sociedade humanas em vez de uma mera aceitação de noções teológicas.

Nada há de equivocado ou de inútil nesta ferramenta ou neste retorno aos fundamentos, ou no reconhecimento da existência dos fundamentos da teologia reformada. Toda crítica ou proposta de aperfeiçoamento deve partir de um conhecimento profundo dos fundamentos. O fundamentalismo estaria achar que esses documentos estão

acima de qualquer análise crítica, ou que não representem uma expressão de fé e de teologia condicionada pelos fatores históricos, sociopolíticos e culturais dos séculos 16 e 17.

Após uma concisa e bem escrita introdução, encontramos em colunas paralelas, os temas comuns de três confissões

de fé, Westminster (1647), Belga (1561) e 2ª Helvética (1566), e três catecismos, Heidelberg (1563), Breve (1647) e Maior (1648) de Westminster, e mais o controverso documento holandês do século 17 (produzido em resposta às teses defendidas por Jacó Armínio), os Cânones de Dordrecht (1619), de onde surgiram os chamados “cinco pontos” da soteriologia calvinista. Lamentamos que os autores não tenham incluído outras confissões: a Escocesa (1560), os artigos ingleses de 1563, a 1ª Helvética (1536) e mesmo o Catecismo de Calvino (1535). Os organizadores (ou os editores brasileiros) poderiam ter acrescentado referências aos textos de Calvino que tratam dos mesmos assuntos, notadamente nas diferentes versões das Institutas.

A principal contribuição da obra é paradoxalmente ressaltar a harmonia das confissões reformadas, e desfazer a noção enganosa de que a tradição calvinista é monolítica, ignorando sua diversidade histórico-cultural. Excelente contribuição para o estudo e a divulgação da teologia reformada no Brasil.

Diziam os sábios da Antigüidade que ninguém pode se dizer plenamente feliz antes de morrer, pois a felicidade de

alguém depende da completude de seus atos e de seu legado, isto é, a contribuição e a lembrança que deixa. Se isso é verdade, Deusdedit Ransan, morto no dia 15 de julho de 2008, foi um homem feliz, pois os que o conheceram testemunham que seu legado é rico, que a saudade que deixou é incontornável e que seu compromisso com o discipulado cristão foi exemplar. Presbítero da Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo, incansável divulgador da revista Ultimato, ele insistia na simplicidade do evangelho: é quando nós também nos tornamos simples que nos capacitamos para seguir a Cristo.

Deusdedit Ransan não era teólogo, mas suas devocionais, reunidas em Você é Feliz?, expressam a sua convicção de que a vida em Cristo traz felicidade para o ser humano aqui e agora, e não apenas na vida após a morte, pois a salvação em Cristo é também felicidade em Cristo. A obra, com sua realidade fundada na vivência, com suas imagens bucólicas e suas ilustrações entusiasmantes, espelha uma das características mais marcantes da personalidade de seu autor: a virtude bíblica da singeleza de coração. Não conheço um livro melhor para oferecer a alguém a quem queremos apresentar o evangelho sem complicações, em seu poder de trazer a qualquer um a paz, o amor e a felicidade.

O Evangelho é simples

Você é Feliz?Deusdedit RansanEditora Descoberta

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Participantes do 3º Encontro Nacional da RENAS

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Klênia Fassoni e Lissânder Dias

Cerca de 190 pessoas participaram do 3º Encontro Nacional da Rede

Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS), de 21 a 23 de agosto, em Curitiba, PR. O encontro reuniu pela terceira vez cristãos envolvidos com ação social em vários lugares do Brasil e celebrou os cinco anos de formalização da RENAS.

Com o tema “Ouvindo o Coração de Deus para com o Pobre”, o encontro considerou o legado de Jesus Cristo em seu relacionamento com os pobres e discutiu questões como pobreza, desenvolvimento comunitário, injustiça social e políticas públicas para a assistência social. Doze redes evangélicas e sessenta instituições sociais de onze estados brasileiros estiveram presentes.

Opção preferencial de Deus

As reflexões bíblicas sobre o tema do encontro foram feitas por Ariovaldo Ramos, Valdir Steuernagel e Marcos Monteiro.

Ariovaldo Ramos, pastor da Igreja Reformada de São Paulo, falou a partir do diálogo entre Jesus e o jovem rico, registrado em Marcos 10.17-25, destacando o lugar que Jesus deu ao pobre no reino de Deus: “Deus não trabalha para os pobres, nem por eles pobres, nem com eles. Deus é pobre”.

Valdir Steuernagel, pastor luterano, lembrou da importância de colocarmos nossos ouvidos em sintonia com o coração de Deus. “Deus tem coração ou tem só palavra? Deus é muito mais que conhecimento. Precisamos ouvir o

“DEUS É POBRE!”Evangélicos envolvidos em ação social discutem a opção de Deus pela pobreza

palpitar do coração de Deus. Este é o centro da fé: o Deus que procuro servir é o Deus que me alcançou, que veio, encarnou-se, tornou-se pobre, tornou-se fraco, morreu na cruz”.

Valdir comentou também a chamada “opção preferencial de Deus pelos pobres”: “Quando ouvi isso pela primeira vez não concordei. Hoje, eu entendo que a natureza de Deus é acolher o que está perdido. O ouvido de Deus é como o ouvido da mãe que acolhe preferencialmente o filho mais necessitado”.

Marcos Monteiro, autor de Um Jumentinho na Avenida (Editora Ultimato), que recebeu o Prêmio Areté de Literatura 2008 (categoria “Evangelização”), falou sobre o que chamou de “a voz misteriosa e inusitada de Deus”. Assim como nos primeiros capítulos de Mateus, Deus fala por meio das mulheres (Maria e as outras três mulheres de vida “suspeita” citadas na genealogia de Jesus), dos estrangeiros (os magos), dos sonhos quando nossas instituições já não falam (sonho de José), dos profetas na contramão (João Batista) e da criação de Deus (estrela), Deus continua falando “fora dos canais oficiais, e pessoas inesperadas podem estar mais próximas da voz de Deus”.

Experiências na pobreza

Na plenária do último dia do encontro, foram apresentadas experiências de missão integral e desenvolvimento comunitário em contextos de pobreza. Essas experiências foram compartilhadas por Viv Grigg, diretor internacional da Urban Leadership, Mauricio Cunha, diretor do Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral (CADI) e Analzira Nascimento, da Igreja Batista de Água Branca, SP.

Viv apresentou uma proposta de curso de mestrado com base na sua experiência com os pobres. Segundo ele, “a tarefa dos seminários não deve ser apenas acadêmica, mas sim transmitir a sabedoria de Cristo. E ele ensinou no meio dos pobres, viveu entre eles e se tornou um deles”.

Analzira contou sua experiência como missionária e enfermeira durante a guerra em Angola: “Eu me tornei conhecida em Angola como a enfermeira que ficou. A ONU foi embora, e eu fiquei. A partir daí, ganhei o coração do povo de lá”. Mauricio Cunha trouxe uma reflexão sobre os conceitos bíblicos para a palavra compaixão: “Deus é o Deus da compaixão. Não tem como viver com esse Deus e não viver a compaixão.

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NA INTERNETwww.ultimato.com.br

RENAS publica o seu primeiro livroDurante o 3º Encontro Nacional da RENAS foi

lançado o livro Jardim da Cooperação; evangelho, redes sociais e economia solidária, com a

presença de sete dos 21 autores. O livro foi

publicado pela Editora Ultimato e RENAS, com o

apoio da Visão Mundial.

Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 61

Os cálices com vinho e o pão foram distribuídos por pessoas que ajudaram na organização do evento. Estes, por sua vez, foram servidos pelos pastores ministrantes. Divididos em duplas, todos oraram, comeram e beberam da Ceia do Senhor.

Além das atividades formais do programa, houve os “encontros no Encontro”, que foram momentos privilegiados para compartilhar experiências, encorajar e estabelecer

novos contatos. Com os corações compungidos e desafiados, os participantes deixaram o evento convictos de que são parte de uma grande rede que — inspirada em um Deus que fez aliança com o pobre — busca a justiça e crê que é possível lutar por um mundo melhor para os pobres.

NA INTERNETwww.renas.org.br

Quantos somos, onde estamos, o que fazemosAs iniciativas de intervenção social de evangélicos

representam hoje uma contribuição considerável

para a sociedade brasileira.

O Mapa de Ação Social Evangélica (MASE) é uma

iniciativa da RENAS e tem o objetivo de fazer um

levantamento de todas as ações realizadas por

evangélicos na área social. Visite o site

<www.renas.org.br> e inclua seu projeto ou

organização.

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Compaixão bíblica não é dó. Ela sempre vai levar a uma ação. Deus expressa entre os pobres quem ele é”.

Santa Ceia

O 3º Encontro Nacional da RENAS foi encerrado com a cerimônia da Santa Ceia, ministrada por cinco pastores convidados. A reflexão bíblica em torno da mesa com o pão e o vinho valorizou o sentido comunitário da cerimônia.

O pastor Werner Fuchs chamou a atenção para a importância da penitência e da oportunidade do perdão: “Às vezes, queremos achar várias soluções para nossas igrejas, mas está faltando a penitência. Temos de pedir perdão juntos por nossa igreja, pois fazemos parte dela”. Ele lembrou a reação do profeta Isaías quando Deus o chamou. “Ai de mim, porque sou homem pecador e membro de um povo pecador” (Is 6.5).

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ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 62

“A fé vem pelo ouvir, e ouvir a Palavra de Deus” (Rm 10.17)

A Reforma Protestante do século 16 foi um movimento sociopolítico que repre-sentou o rompimento com os poderes absolutos de Roma. Porém, mais que sociopolítico, foi um movimento de reno-vação espiritual, de retorno aos princípios ensinados por Jesus e seus apóstolos. Os clássicos sola (sola Scriptura, sola Gra-tia, sola Fide.) marcaram os pilares do movimento da Reforma. Dentre estes, destacarei um e a sua importância para o movimento missionário subseqüente, Sola Scriptura.

Traduzir a Bíblia de suas línguas ori-ginais para línguas vernáculas sempre foi uma prática do povo de Deus. Antes mesmo de o Novo Testamento ser escrito, o povo judeu já havia traduzido o Antigo Testamento para a língua grega. Esta tradução fi cou conhecida como Septua-ginta ou versão dos setenta. Nos primeiros séculos da igreja cristã a Bíblia inteira foi traduzida para línguas como siríaco, armênio, latim, copta, etíope, etc.

Com o fortalecimento da igreja no Ocidente e a adoção do latim como língua da igreja, o processo de tradução fi cou esquecido. Anglada, falando sobre o assunto diz: “A Igreja Católica havia se dado por satisfeita com a versão latina de Jerônimo e não estimulava sua tradução para outros idiomas, por considerar a Bíblia um livro obscuro e não apro-priado para ser lido por leigos”.1

Assim, a Igreja Cató-lica passou a usar quase que exclusivamente o latim. Como o povo comum não falava esta lín-gua nem a entendia, a compreensão do texto bíblico passava totalmente pelas mãos do clero. Os padres liam e interpretavam à sua maneira os

ensinos sagrados. Nesse período, o que a igreja dizia tinha peso igual ou maior ao que a Bíblia dizia.

Lutero, Calvino e outros defendiam as Escrituras Sagradas como única regra de fé e prática para todos os cristãos. Havia porém um problema. Como o povo po-deria ler e interpretar as Escrituras se elas estavam acessíveis quase que somente em latim ou em suas línguas originais? Foi então que um esforço enorme pela tradu-ção da Bíblia foi feito. Neste período inú-meras traduções surgiram. Lutero mesmo traduziu as Escrituras para o alemão. A sua tradução foi tão importante para o povo do seu país que estudiosos têm considerado Lutero como o pai da língua alemã. Um primo de Calvino traduziu a Bíblia para o francês. A famosa versão King James foi produzida na Inglaterra, o sínodo de Dort, na Holanda, promoveu a tradução para o holandês. Meio século mais tarde, mas ainda como fruto da Re-forma, João Ferreira de Almeida traduziu a Bíblia para a língua Portuguesa. Desde então, centenas de línguas têm recebido o texto sagrado.

Foi o acesso à Bíblia traduzida e sua comparação com os ensinos da igreja de Roma que provocaram as maiores perdas no rol de membros da Igreja Ofi cial. À medida que as pessoas des-

cobriam o verdadeiro ensino bíblico se rebelavam contra todo e qualquer ensino que o contradissesse. Não é à-toa que a igreja de Roma tenha

feito um esforço enorme para destruir cópias das Escrituras traduzidas. A tradução para línguas de povos considerados

não-cristãos, também provocou um grande avanço do evangelho em paí-ses como Índia, China, Coréia, etc.

Mais recentemente, as organi-zações Wycliffe para tradução da Bíblia (da qual a ALEM faz parte)

e as diversas Sociedades Bíblicas têm produzido traduções em muitas outras línguas do mundo. A Reforma mos-trou que não pode haver verdadeiro cristianismo sem acesso às Escrituras. Mostrou também que somente as Escri-turas devem ser a regra de fé e prática para o cristão.

Apesar de todo o esforço por parte dos reformadores, hoje, em pleno século 21, há ainda mais ou menos 2 mil línguas sem qualquer tradução das Escrituras, nem sequer João 3:16. Creio piamente que é tarefa da nossa igreja traduzir e pro-mover as Escrituras para essas línguas.

A ênfase que os reformadores deram ao uso das Escrituras nas línguas vernácu-las pode ser considerada como um dos maiores ganhos para a cristandade, tanto do ponto de vista educacional e cultural, como de uma perspectiva missionária. Quantos não aprenderam a ler porque queriam ler as Escrituras. Quantos não se tornaram crentes ao lerem alguma por-ção bíblica. Quantas não são as histórias de colportores no Brasil que ganharam centenas de pessoas para o Senhor sim-plesmente por venderem-lhes a Bíblia.

Finalmente, promover o acesso do povo à Bíblia em sua língua materna deve ser uma tarefa prioritária em nosso empreen-dimento missionário. Plantar uma igreja e não promover o acesso dessa igreja às Escrituras na língua materna do povo é correr o risco de ver essa igreja nunca amadurecer, ou ainda pior, enveredar por tradições e costumes que não só não estão contidos no texto bíblico, mas ainda o contradizem. Portanto, para cada pro-grama de plantação de igreja, deve haver um programa simultâneo de tradução das Escrituras.

Sola Scriptura!

Nota1. ANGLADA, Paulo. Sola Scriptura. São Paulo: Os Puritanos, 1998. p. 111.

A Reforma Protestante e a tradução da Bíblia Norval da Silva (Missão ALEM)

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Agenda site • intercâmbios •

aluguel de imóveis •

relacionamentos necessi-

dades e oferecimentos de

voluntários ou estagiários •

empregos • prestação de serviços • cursos

• eventos • missões livros, fi lmes, cd’s •

redes e ONG’s

Espaço deoportunidades

Setembro-Outubro, 2008 ULTIMATO 63

18 a 20 de setembroO Seminário Teológico Escola de Pastores promoverá seu 2º Congresso, com o tema “Teologia e Missão: A Missio Dei e o Serviço Cristão”, em Niterói, RJ.Telefone: 21 2722-7970Site: www.escoladepastores.org.brE-mail: [email protected]

22 a 24 de setembroAcontecerá o evento Lutando pela Igreja, com o tema “Porque Deus não tem um plano B”, em Morungaba, SP. Entre os preletores estão Ariovaldo Ramos e Ed René Kivitz.Site: www.lideranca.org/lutandopelaigreja/ E-mail: [email protected]

30 de setembro a 3 de outubroSerá realizado o 6º Congresso Brasileiro de Teologia Vida Nova, em Águas de Lindóia, SP. Entre os preletores estão: Russell Shedd, Israel Belo de Azevedo, Paul Freston, Robinson Cavalcanti, Atilano Muradas, Dionísio de Oliveira, Jonas Madureira, Jorge Pinheiro, Lourenço Stelio Rega e Karl Kepler.Telefone: 11 5666-1911Site: www.vidanova.com.br/congresso6

7 a 9 de novembroA Aliança Cristã Evangélica Educacional promoverá o 6º Congresso Nacional de Escola Dominical, em Belo Horizonte, MG..Telefone: 31 3455-1248Site: www.aliancaeducacional.org.brE-mail: [email protected]

13 a 15 de novembroA Primeira Igreja Batista em Bultrins realizará o 7º Fórum Popular de Refl exão Teológica, com o tema “Igreja, evangelho e cultura”, em Olinda, PE.Telefone: 81 3429-3990Site: www.bultrins.com.brE-mail: [email protected]

Precisa-seEspecialista em café (mestrado ou doutorado) para atuar no Vietnã em parceria com uma agência de missão. Enviar CV em inglês para <[email protected]>.

Agência Latino-Americana e Caribenha de ComunicaçãoA ALC oferece em seu site (www.alcnoticias.org) informação, opinião e documentação sobre a presença e a incidência das igrejas na América Latina, no Caribe e em outras regiões do mundo. Publica diariamente (exceto nos fi nais de semana) notícias, colunas e entrevistas, nos idiomas espanhol, português e inglês. A agência é mantida pelo Conselho Latino-Americano de Igrejas, pela Associação Mundial para a Comunicação Cristã, pelo Centro Regional Ecumênico de Assessoria e Serviços, entre outras organizações.

Rede CLAVES BrasilA Rede CLAVES Brasil realiza ofi cinas de capacitação da metodologia CLAVES, que ajuda crianças na prevenção contra maus-tratos. Para solicitar que as ofi cinas aconteçam em sua organização, igreja ou conselho tutelar, entre em contato com a revista Mãos Dadas pelo e-mail <[email protected] <mailto:[email protected]>>. A Rede CLAVES Brasil é formada por oito organizações cristãs com forte compromisso em favor da dignidade da criança e do adolescente.

25 anos de missõesO Centro Evangélico de Missões (CEM) foi fundado em outubro de 1983 com o objetivo primordial de preparar jovens estudantes e profi ssionais para a missão integral. Nos últimos cinco anos, além da Escola de Missões, passou também a enviar missionários por meio da Interserve Brasil. A propósito de seu aniversário de 25 anos, o CEM realizará dois eventos seguidos: o II Encontro de Ex-alunos, de 18 a 19 de outubro, e a Semana Missiológica, de 21 a 23 de outubro, com a presença de Timóteo Carriker, que foi o primeiro diretor do CEM, Tonica van der Meer, atual diretora, e Elben César, um dos fundadores, além de representantes da Interserve Internacional. Para mais informações e inscrições, acesse <www.cem.org.br/cursos_exten/encontro_ex_alunos.asp>

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EspecialEspecial

ULTIMATO Setembro-Outubro, 2008 64

Se professores do COLUNI — Colégio de Aplicação, da

Universidade Federal de Viçosa — podem fazer propaganda do homossexualismo em aula para alunos de 15 a 17 anos, por que eu, pastor evangélico, leitor assíduo da Bíblia e cristão convicto, não posso fazer propaganda do heterossexualismo?

Se a colunista social Heloisa Tolipan pode publicar em sua coluna no Jornal do Brasil três fotos de afagos sucessivos entre Daniela Mercury e Alinne Rosa, vocalista da banda Cheiro de Amor, por que eu não posso fazer propaganda do heterossexualismo?

Se as novelas da Globo podem mostrar “casais” de homem com homem e de mulher com mulher se acariciando, por que eu não posso fazer propaganda do heterossexualismo?

Se mulheres e homens homossexuais podem fazer um barulho enorme em favor da prática homossexual, do casamento gay e da adoção de

filhos por casais gays, por que eu não posso fazer propaganda do heterossexualismo?

Não se faz propaganda nem do homo nem do hetero de boca fechada. Desde que saíram definitivamente do armário, os gays abrem a boca para justificar a opção e a prática homossexual. Os pregadores da opção e da prática heterossexual estão sendo empurrados para dentro do armário agora vazio e desocupado, por pressão da mídia, da sociedade permissiva e do movimento gay. O Projeto de Lei 122/06 favorece a propaganda da homossexualidade e desfavorece a propaganda da heterossexualidade.

Como posso fazer a propaganda da heterossexualidade? Voltando ao princípio de tudo, ao princípio do tempo, ao princípio da história, quando Deus criou o homem e a mulher (Gn 1.27) e apresentou um único modelo de relação sexual: “O homem deixará pai e mãe e se unirá à

Se o professor pode,

sua mulher, e eles se tornarão uma só carne [ou uma só pessoa]” (Gn 2.24). A relação homossexual sempre aconteceu, mas nunca foi considerada normal. Até bem pouco tempo atrás, em qualquer dicionário ou enciclopédia, casamento era “o relacionamento que une um homem e uma mulher” (Enciclopédia Delta Universal), ou “a união legítima de um homem e uma mulher com o objetivo de fundar um lar” (Grande Enciclopédia Delta Larousse), ou “ato solene de união entre duas pessoas de sexos diferentes” (Novo Dicionário Aurélio). Para atender ao clamor gay, os dicionários estão acrescentando ou revendo alguma coisa. Por exemplo, o Dicionário Enciclopédico Ilustrado Veja Larousse, publicado em 2006, diz que casamento é a “união legal entre um homem e uma mulher”, mas, por extensão, pode ser também “qualquer relação conjugal entre duas pessoas”. O Dicionário de Psicologia Dorsch (2001) define a formação de casal como a “reunião de parceiros sexuais”.

eu tambem posso!

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Ainda como propaganda da heterossexualidade, posso tornar conhecidos os textos das Sagradas Escrituras que tratam do assunto, todos de fácil compreensão, sem, contudo, centralizar essa questão, deixando de lado outras (apropriação indébita, corrupção, egocentrismo, injustiça social, intriga etc.). Também não devo me deixar possuir pelo sentimento de arrogância ou de homofobia.

O mais explícito, mais contundente e mais veemente texto contra a prática da homossexualidade está na Epístola aos Romanos, a maior e mais teológica das treze cartas escritas por Paulo. É uma passagem dura, mas que não pode ser olvidada nem retocada. O apóstolo ensina que as práticas homossexuais não são primeiramente a causa, mas o resultado da depravação histórica e globalizada do ser humano. Por causa desse problema básico, Deus soltou as

rédeas e está deixando a humanidade livre, não só para trocar “suas relações sexuais naturais por outras, contrárias à natureza” (Rm 1.26), mas também para matar, roubar, fazer uma guerra atrás da outra, esgotar e destruir o meio ambiente, e assim por diante. É sob esta ótica que ele fala abertamente sobre o homossexualismo feminino e

Os pregadores da opção e da prática

heterossexual estão sendo empurrados para

dentro do armário agora vazio e desocupado,

por pressão da mídia, da sociedade permissiva e do

movimento gay

masculino. Assim como as mulheres, “os homens também abandonaram as relações naturais com as mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros [e] começaram a cometer atos indecentes, homens com homens, e receberam em si mesmos o castigo merecido pela sua perversão” (Rm 1.27).

A exemplo de Jesus Cristo, eu não posso apontar o pecado sem apontar a salvação, não posso apontar a culpa sem apontar o perdão, não posso apontar o dedo em riste para o meu pecado e o pecado alheio sem apontar o dedo para Jesus Cristo, para repetir o mais substancioso pronunciamento de João Batista: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29).

Se os professores podem fazer propaganda do homo, sinto-me em plena liberdade para fazer a propaganda do hetero!

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Ponto final

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Rubem Amorese

Rubem Amorese é consultor legislativo no Senado Federal e presbítero na Igreja

Presbiteriana do Planalto, em Brasília. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e Liturgia e Icabode — da mente de Cristo à consciência moderna.

<[email protected]>

Você já se perguntou, ao ler Apocalipse 5, por que João chora tanto? Minha opinião é que ele percebeu que, se o livro não fosse aberto, a história não teria sentido nem seria possível sua condução.

Ele vê um livro que contém a história. E abrir seus selos significa fazer-se senhor de seu conteúdo: tanto dos seus fatos e eventos quanto dos propósitos destes. Como o maestro que conduz uma sinfonia.

Sem Cristo e sua obra de redenção, a história é um enigma, destituída de sentido. Agoniada sucessão de dias.

Quero pensar, analogamente, sobre outro livro (20.12), diante do qual todos já choramos de desespero um dia: o livro da (nossa) vida. Chorávamos porque não imaginávamos que alguém pudesse lhe desatar os selos. Ela era vazia, sem propósito, à deriva, caótica.

De fato, fechado o meu livro, não posso ver a presença de Deus no meu passado; não vejo propósito em minha história, que, por isso mesmo, pode ser resumida em uma palavra: mentira. Ela permanece um conjunto de enganos, inconsciências e pecados. Se o livro da minha vida não for aberto e conduzido, estou perdido na escuridão de noites e dias baldios.

Mas a boa notícia é que há um ancião a dizer: “Não chores; eis que o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos” (v. 5). Então, quando o Cordeiro toma o meu minúsculo livro da mão direita daquele que está sentado no trono, eu me prostro diante dele e lhe apresento a minha taça cheia de incenso, que são as orações gravadas nas páginas da minha vida (v. 7).

A partir de então, cada selo de minha vida é visitado, restauradoramente, por aquele que foi morto e que, por seu sangue, comprou cada um dos meus dias para Deus.

Os meus mistérios me são revelados; os segredos do meu coração vão sendo visitados. Da minha parte, cada dia é oferecido àquele que tem o livro nas mãos. Assim, as trevas são iluminadas e o caos das minhas dores é reordenado.

Ao retirar o primeiro selo, vejo um cavalo branco e seu cavaleiro real, que sai vencendo e para vencer (6.1-2), e eu lhe digo em prece: “Vem”; o segundo selo revelará o cavalo vermelho: a falta de paz, os conflitos e flagelos de minha vida (6.3-4); o terceiro selo, com seu cavalo preto, visitará a fome e as estiagens de minha vida; necessidades, carências, solidões e abandonos (6.5-6); o quarto selo, com seu

cavalo amarelo, revelará a morte e o inferno ceifando em minha vida pela espada, por fome, por mortandade e por meio das feras que encontrei em minhas páginas e nas quais eventualmente me tornei (6.7-8); o quinto selo revelará os clamores e os sofrimentos relacionados ao testemunho do evangelho, e a espera pela justiça de Deus (6.9-11); e o sexto selo, enfim, desencadeará grandes

transformações em minha história, até seu desenlace final.Quando, finalmente, abriu-se o sétimo selo de nossos

livros, ouvimos: “Eis que faço novas todas as coisas...” (21.5). E tudo era muito bom, pois nossas vidas haviam-se enchido do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar, e havíamos passado a conhecer como hoje somos conhecidos. E já não havia lágrimas em nossos olhos.

Sem Cristo e sua obra de redenção, a história é

um enigma, é destituída de sentido. Agoniada

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