Bento XVI: Verbum Domini

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Semana de Formao Bblica

13 a 18 de Fevereiro de 2011

Semana de Formao Bblica

A ignorncia das Escrituras ignorncia de Cristo

Bento XVI,Verbum Domini. Exortao Apostlica Ps-sinodal sobre a Palavra de Deus.Paulus Editora. Setembro 2010

Tudo deve servir a Palavra de Deus "...a realidade nasce da Palavra, como creatura Verbi, e tudo chamado a servir a Palavra. A criao lugar onde se desenvolve toda a histria do amor entre Deus e a sua criatura; por conseguinte, o movente de tudo a salvao do homem. Contemplando o universo na perspectiva da histria da salvao, somos levados a descobrir a posio nica e singular que ocupa o homem na criao: Deus criou o homem sua imagem, criou-o imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher (Gn 1, 27)".

Realismo da Palavra de Deus "Quem conhece a Palavra divina conhece plenamente tambm o signifi cado de cada criatura. De facto, se todas as coisas tm a sua subsistncia nAquele que existe antes de todas as coisas (Cl 1, 17), ento quem constri a prpria vida sobre a sua Palavra edifi ca de modo verdadeiramente slido e duradouro. A Palavra de Deus impele-nos a mudar o nosso conceito de realismo: realista quem reconhece o fundamento de tudo no Verbo de Deus".

Edificar sobre a Palavra de Deus"Mais cedo ou mais tarde, o ter, o prazer e o poder manifestam-se incapazes de realizar as aspiraes mais profundas do corao do homem. De facto, para edificar a prpria vida, ele tem necessidade de alicerces slidos, que permaneam mesmo quando falham as certezas humanas. Na realidade, j que para sempre, Senhor, como os cus, subsiste a vossa palavra e a fidelidade do Senhor atravessa as geraes (Sl 119, 89-90), quem constri sobre esta palavra, edifica a casa da prpria vida sobre a rocha (cf. Mt 7, 24). Que o nosso corao possa dizer a Deus cada dia: Sois o meu abrigo, o meu escudo, na vossa palavra pus a minha esperana (Sl 119, 114), e possamos agir cada dia confi ando no Senhor Jesus como So Pedro: Porque Tu o dizes, lanarei as redes (L c 5, 5)".

A Palavra de Deus tem Rosto:Jesus Cristo"O Senhor compendiou a sua Palavra, abreviou-a (Is 10, 23; Rm 9, 28). () O prprio Filho a Palavra, o Logos: a Palavra eterna fez-Se pequena; to pequena que cabe numa manjedoura. Fez-Se criana, para que a Palavra possa ser compreendida por ns. Desde ento a Palavra j no apenas audvel, no possui somente uma voz; agora a Palavra tem um rosto, que por isso mesmo podemos ver: Jesus de Nazar".

Silncio da Palavra na Cruz Por fim, a misso de Jesus cumpre-se no Mistrio Pascal: aqui vemo-nos colocados diante da Palavra da cruz (cf. 1 Cor 1, 18). O Verbo emudece, torna-se silncio de morte, porque Se disse at calar, nada retendo do que nos devia comunicar. Sugestivamente os Padres da Igreja, ao contemplarem este mistrio, colocam nos lbios da Me de Deus esta expresso: Est sem palavra a Palavra do Pai, que fez toda a criatura que fala; sem vida esto os olhos apagados dAquele a cuja palavra e aceno se move tudo o que tem vida. Aqui verdadeiramente comunica-se-noso amor maior, aquele que d a vida pelos prprios amigos (cf. Jo 15, 13).

Neste grande mistrio, Jesus manifesta-Se como a Palavra da Nova e Eterna Aliana: a liberdade de Deus e a liberdade do homem encontraram-se definitivamente na sua carne crucificada, num pacto indissolvel, vlido para sempre. O prprio Jesus, na ltima Ceia, ao instituir a Eucaristia falara de Nova e Eterna Aliana, estabelecida no seu sangue derramado (cf. Mt 26, 28; Mc 14, 24; L c 22, 20), mostrando-Se como o verdadeiro Cordeiro imolado, no qual se realiza a defi nitiva libertao da escravido.

No mistrio refulgente da ressurreio, este silncio da Palavra manifesta-se com o seu significado autntico e definitivo. Cristo, Palavra de Deus encarnada, crucificada e ressuscitada, Senhor de todas as coisas; o Vencedor, o Pantocrator, e assim todas as coisas ficam recapituladas nEle para sempre (cf. Ef 1, 10). Por isso, Cristo a luz do mundo (Jo 8, 12), aquela luz que resplandece nas trevas (Jo 1, 5) mas as trevas no a acolheram (cf. Jo 1, 5). Aqui se compreende plenamente o significado do Salmo 119 quando a designa farol para os meus passos, e luz para os meus caminhos (v. 105); esta luz decisiva na nossa estrada precisamente a Palavra que ressuscita.

Desde o incio, os cristos tiveram conscincia de que, em Cristo, a Palavra de Deus est presente como Pessoa. A Palavra de Deus a luz verdadeira, de que o homem tem necessidade. Sim, na ressurreio, o Filho de Deus surgiu como Luz do mundo. Agora, vivendo com Ele e para Ele, podemos viver na luz.

Deus comunica-se hoje"A Igreja vive na certeza de que o seu Senhor, tendo falado outrora, no cessa de comunicar hoje a sua Palavra na Tradio viva da Igreja e na Sagrada Escritura. De facto, a Palavra de Deus d-se a ns na Sagrada Escritura, enquanto testemunho inspirado da revelao, que, juntamente com a Tradio viva da Igreja, constitui a regra suprema da f".

Deus tambm fala no silncio "Como mostra a cruz de Cristo, Deus fala tambm por meio do seu silncio. O silncio de Deus, a experincia da distncia do Omnipotente e Pai etapa decisiva no caminho terreno do Filho de Deus, Palavra encarnada. Suspenso no madeiro da cruz, o sofrimento que Lhe causou tal silncio f-Lo lamentar: Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste? (Mc 15, 34; Mt 27, 46). Avanando na obedincia at ao ltimo respiro, na obscuridade da morte, Jesus invocou o Pai. A Ele Se entregou no momento da passagem, atravs da morte, para a vida eterna: Pai, nas tuas mos, entrego o meu esprito (L c 23, 46).

Deus tambm fala no silncioEsta experincia de Jesus sintomtica da situao do homem que, depois de ter escutado e reconhecido a Palavra de Deus, deve confrontar-se tambm com o seu silncio. uma experincia vivida por muitos Santos e msticos, e que ainda hoje faz parte do caminho de muitos fi is. O silncio de Deus prolonga as suas palavras anteriores. Nestes momentos obscuros, Ele fala no mistrio do seu silncio. Portanto, na dinmica da revelao crist, o silncio aparece como uma expresso importante da Palavra de Deus.

O homem criado na palavra "...todo o homem aparece como o destinatrio da Palavra, interpelado e chamado a entrar, por uma resposta livre, em tal dilogo de amor. Assim Deus torna cada um de ns capaz de escutar e responder Palavra divina. O homem criado na Palavra e vive nela; e no se pode compreender a si mesmo, se no se abre a este dilogo. A Palavra de Deus revela a natureza filial e relacional da nossa vida. Por graa, somos verdadeiramente chamados a confi gurar-nos com Cristo, o Filho do Pai, e a ser transformados nEle.

A Palavra de Deus no se contrape ao homem "Neste dilogo com Deus, compreendemo-nos a ns mesmos e encontramos resposta paraas perguntas mais profundas que habitam no nosso corao. De facto, a Palavra de Deus no se contrape ao homem, nem mortifi ca os seus anseios verdadeiros; pelo contrrio, ilumina-os, purifi ca-os e realiza-os. Como importante, para o nosso tempo, descobrir que s Deus responde sede que est no corao de cada homem! Infelizmente na nossa poca, sobretudo no Ocidente, difundiu-se a ideia de que Deus alheio vida e aos problemas do homem; pior ainda, de que a sua presena pode at ser uma ameaa autonomia humana".

Maria e a docilidade a palavra "Desde a Anunciao ao Pentecostes, vemo-La como mulher totalmente disponvel vontade de Deus. a Imaculada Conceio, Aquela que cheia de graa de Deus (cf. L c 1, 28), incondicionalmente dcil Palavra divina (cf. L c 1, 38). A sua f obediente face iniciativa de Deus plasma cada instante da sua vida. Virgem escuta, vive em plena sintonia com a Palavra divina; conserva no seu corao os acontecimentos do seu Filho, compondo-os por assim dizer num nico mosaico (cf. L c 2, 19.51)".

Maria e a docilidade a palavra Ela a figura da Igreja escuta da Palavra de Deus que nela Se fez carne. Maria tambm smbolo da abertura a Deus e aos outros; escuta activa, que interioriza, assimila, na qual a Palavra se torna forma de vida.

Maria sente-se em casana Palavra de DeusO Magnificat um retrato, por assim dizer, da sua alma inteiramente tecido de fi os da Sagrada Escritura, com fios tirados da Palavra de Deus. Desta maneira se manifesta que Ela Se sente verdadeiramente em casa na Palavra de Deus, dela sai e a ela volta com naturalidade.

Maria sente-se em casana Palavra de DeusFala e pensa com a Palavra de Deus; esta torna-se Palavra dEla, e a sua palavra nasce da Palavra de Deus. Alm disso, fica assim patente que os seus pensamentos esto em sintonia com os de Deus, que o dEla um querer juntamente com Deus. Vivendo intimamente permeada pela Palavra de Deus, Ela pde tornar-Se me da Palavra encarnada.

Maria sente-se em casana Palavra de Deus "...se h uma s Me de Cristo segundo a carne, segundo a f, porm, Cristo o fruto de todos. Portanto, o que aconteceu em Maria pode voltar a acontecer em cada um de ns diariamente na escuta da Palavra e na celebrao dos Sacramentos".

A ignorncia das Escrituras ignorncia de Cristo: A Bblia foi escrita pelo Povo de Deus e para o Povo de Deus, sob a inspirao do Esprito Santo. Somente com o ns, isto , nesta comunho com o Povo de Deus, podemos realmente entrar no ncleo da verdade que o prprio Deus nos quer dizer. Aquele grande estudioso, para quem a ignorncia das Escrituras ignorncia de Cristo, afirma que o carcter eclesial da interpretao bblica no uma exigncia imposta do exterior; o Livro precisamente a voz do Povo de Deus peregrino, e s na f deste Povo que estamos, por assim dizer, na tonalidade justa para compreender a Sagrada Escritura. Uma autntica interpretao da Bblia deve estar sempre em harmnica concordncia com a f da Igreja Catlica. Jernimo escrevia assim a um sacerdote: Permanece firmemente apegado doutrina tradicional que te foi ensinada, para que possas exortar segundo a s doutrina e rebater aqueles que a contradizem. So Gregrio Magno: As palavras divinas crescem juntamente com quem as l.

Cristo, Palavra de Deus, Igreja: A relao entre Cristo, Palavra do Pai, e a Igreja no pode ser compreendida em termos de um acontecimento simplesmente passado, mas trata-se de uma relao vital na qual cada fiel, pessoalmente, chamado a entrar. Realmente, falamo da Palavra de Deus que est hoje presente connosco: Eu estarei sempre convosco, at ao fim do mundo (Mt 28, 20). Como afirmou o Papa Joo Paulo II, a contemporaneidade de Cristo com o homem de cada poca realiza-se no seu corpo, que a Igreja.

A Igreja vive do Evangelho: A Igreja no vive de si mesma, mas do Evangelho; e do Evangelho tira, sem cessar, orientao para o seu caminho. Temos aqui uma advertncia que cada cristo deve acolher e aplicar a si mesmo: s quem se coloca primeiro escuta da Palavra que pode depois tornar-se seu anunciador.

A Palavra de Deus encarnoue sofreu connosco ...o Pai da vida o mdico por excelncia do homem e no cessa de inclinar-Se amorosamente sobre a humanidade que sofre. Contemplamos o apogeu da proximidade de Deus ao sofrimento do homem, no prprio Jesus que Palavra encarnada. Sofreu connosco, morreu. Com a sua paixo e morte, assumiu e transformou profundamente a nossa debilidade.

Diaconia da Caridade anncio da Palavra de Deus: A diaconia da caridade, que nunca deve faltar nas nossas Igrejas, tem de estar sempre ligada ao anncio da Palavra e celebrao dos santos mistrios. Ao mesmo tempo preciso reconhecer e valorizar o facto de que os prprios pobres so tambm agentes de evangelizao. Na Bblia, o verdadeiro pobre aquele que se confia totalmente a Deus e, no Evangelho, o prprio Jesus chama-os bem-aventurados, porque deles o reino dos cus (Mt 5, 3; cf. Lc 6, 20). O Senhor exalta a simplicidade de corao de quem reconhece em Deus a verdadeira riqueza, coloca nEle a sua esperana e no nos bens deste mundo.

Palavra de Deus e a cultura: Deus no Se revela ao homem abstractamente, mas assumindo linguagens, imagens e expresses ligadas s diversas culturas. Trata-se de uma relao fecunda, largamente testemunhada na histria da Igreja. Hoje tal relao entra tambm numa nova fase, devido propagao e enraizamento da evangelizao dentro das diversas culturas e nas mais recentes evolues da cultura ocidental. Isto implica, antes de mais nada, reconhecer a importncia da cultura como tal para a vida de cada homem. De facto, o fenmeno da cultura, nos seus mltiplos aspectos, apresenta-se como um dado constitutivo da experincia humana: O homem vive sempre segundo uma cultura que lhe prpria e por sua vez cria entre os homens um lao, que lhes prprio tambm, determinando o carcter inter-humano e social da existncia humana.

Bento XVI,Verbum Domini. Exortao Apostlica Ps-sinodal sobre a Palavra de Deus.Paulus Editora. Setembro 2010